Página 101
REPÚBLICA PORTUGUESA
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 8
ANO DE 1969 13 DE DEZEMBRO
ASSEMBLEIA NACIONAL
X LEGISLATURA
SESSÃO N.º 8 EM 12 DE DEZEMBRO
Presidente: Exmo. Sr. Carlos Monteiro do Amaral Netto
Secretários: Exmos. Srs.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira
João Bosco Soares Mota Amaral
Nota. - Foi publicado o 2.º suplemento ao Diário das Sessões, n.º 2, que insere a proposta de lei n.º 2/X (adopção de medidas tendentes ao desenvolvimento da região de turismo da serra da Estrela).
SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 45 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o Diário das Sessões, n.º 4, com uma reclamação apresentada pelo Sr. Deputado Humberto de Carvalho.
Deu-se conta do expediente.
Usou da palavra o Sr. Deputado Correia da Cunha, que apelou para uma mobilização geral dos nossos recursos, designadamente os humanos.
Ordem do dia. - Prosseguiu a discussão na generalidade da proposta de autorização das receitas e despesas para 1970.
Usaram da palavra os Srs. Deputados D. Raquel Ribeiro, Vaz Pinto Alves, Amílcar Mesquita, Pinto Leite, Pinto Balsemão, Camilo de Mendonça e Teixeira Pinto.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 30 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada. Eram 15 horas e 40 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Albano Vaz Pinto Alves.
Alberto Marciano Gorjão Franco Nogueira.
Álvaro Filipe Barreto Lara.
Amílcar da Cesta Pereira Mesquita.
Amílcar Pereira de Magalhães.
Antão Santos da Cunha.
António Bebiano Correia Henriques Carreira.
António Fausto Moura Guedes Correia Magalhães Montenegro.
António Fernando Covas Lima.
António da Fonseca Leal de Oliveira.
António Júlio dos Santos Almeida.
António Lopes Quadrado.
António de Sousa Vadré Castelino e Alvim.
Armando Júlio de Roboredo e Silva.
Armando Valfredo Pires.
Artur Augusto de Oliveira Pimentel.
Artur Manuel Giesteira de Almeida.
Augusto Salazar Leite.
Bento Benoliel Levy.
Camilo António de Almeida Gama Lemos de Mendonça.
Caídos Eugênio Magro Ivo.
Carlos Monteiro do Amaral Netto.
Delfim Linhares de Andrade.
Delfino José Rodrigues Ribeiro.
Deodato Chaves de Magalhães Sousa.
Eleutério Gemes de Aguiar.
Fernando Artur de Oliveira Baptista da Silva.
Fernando Augusto de Santos e Castro.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Fernando do Nascimento de Malafaia Novais.
Página 102
102 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 8
Fernando de Sá Viana Rebelo.
Filipe José Freire Themudo Barata.
Francisco António da Silva.
Francisco Correia das Neves.
Francisco Esteves Gaspar de Carvalho.
Francisco João Caetano de Sousa Brás Gomes.
Francisco Jcsé Pereira Pinto Balsemão.
Francisco Manuel Lumbrales de Sá Carneiro.
Francisco de Moncada do Casal Ribeiro de Carvalho.
Francisco de Nápoles Ferraz de Almeida e Sousa.
Gabriel da Costa Gonçalves.
Henrique José Nogueira Eodrigues.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Humberto Cardoso de Carvalho.
João António Teixeira Canedo.
João Bosco Soares Mota Amaral.
João Duarte Liebermeister Mendes Vasconcelos Guimarães.
João Duarte de Oliveira.
João José Ferreira Forte.
João Lopes da Cruz.
João Manuel Alves.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
João Paulo Dupuich Pinto Castelo Branco.
João Ruiz de Almeida Garrett.
Joaquim Germano Pinto Machado Correia da Silva.
Joaquim Jorge Magalhães Saraiva da Mota.
Joaquim de Pinho Brandão.
Jorge Augusto Correia.
José Adolfo Pinto Eliseu.
José Dias de Araújo Correia.
José Gabriel Mendonça Correia da Cunha.
José (Maria de Castro Salazar.
José Vicente Abreu.
José Vicente Cordeiro Malato Beliz.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Luís António de Oliveira Eamos.
Luís Maria Teixeira Pinto.
Luzia Neves Pernão Pereira Beija.
Manuel Artur Cotia Agostinho Dias.
Manuel Elias Trigo Pereira.
Manuel de Jesus Silva Mendes.
Manuel Joaquim Montanha Pinto.
Manuel José Archer Homem de Mello.
Manuel Marques da Silva Soares.
Manuel Martins da Cruz.
Manuel Monteiro Ribeiro Veloso.
Manuel Valente Sanches.
Maria Raquel Ribeiro.
Maximiliano Isidoro Pio Fernandes.
Miguel Pádua Rodrigues Bastos.
Olímpio da Conceição Pereira.
Pedro Baessai.
Prabacor Raul.
Rafael Ávila de Azevedo.
Rafael Valadão dos Santos.
Ricardo Horta Júnior.
Rui de Moura Ramos.
Teodoro de Sousa Pedro.
Teófilo Lopes Frazão.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Vasco Maria de Pereira Pinto Costa Ramos.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 92 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 15 horas e 45 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Está em reclamação o Diário das Sessões, n.º 4, que já foi distribuído na sala.
O Sr. Humberto de Carvalho: - Sr. Presidente: Desejo reclamar contra a falta que me foi marcada nessa sessão, quando a verdade é que estive presente desde início.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Como não há mais qualquer outra reclamação, considero aprovado o Diário das Sessões, n.º 4, com a reclamação apresentada pelo Sr. Deputado Humberto de Carvalho.
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Telegramas a solicitar a revisão dos vencimentos dos professores do ciclo preparatório.
Cartas a referir mágoa por a recente reforma dos vencimentos não abranger os reformados.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Correia da Cunha.
O Sr. Correia da Cunha: - Sr. Presidente: Em tempo de guerra como o que vivemos impõe-se uma mobilização geral, mobilização que envolva todos os recursos, materiais e humanos.
Os primeiros, mais facilmente quantificáveis e redutíveis a um orçamento, têm o condão de quase monopolizar a atenção dos responsáveis. Mas com frequência me interrogo sobre o que se passa em relação aos recursos humanos. E são múltiplas as vias que me forçam a essa reflexão. Vejamos:
Há poucos dias soube que havia neste país cerca de 20 000 cegos susceptíveis de serem recuperados para uma vida útil; e muitos outros, estropiados pela guerra, aguardando também a possibilidade de reintegração numa sociedade que os cedera sãos.
Primeira questão a pôr: em que medida esses diminuídos físicos devem alimentar esperanças quando, na realidade, nos damos ao luxo de expulsar centenas de milhares de homens válidos?
Meus senhores, a grandeza das nações não se mede em quilómetros quadrados; avalia-se pela qualidade e quantidade dos seus filhos.
Enquanto não encontrarmos para os nossos homens, nos vastos territórios que possuímos, ocupações que não dependam de um clima de guerra e sejam antes verdadeiramente propulsoras de paz e de progresso; enquanto não considerarmos aquela como uma maldição que nos caiu em casa, em vez de uma benesse que nos leva soldados até onde não deixámos chegar colonos; enquanto supusermos, cheios de optimismo, que é de armas na mão que conseguimos formar os quadros indispensáveis ao arranque para o desenvolvimento económico e social por que todos aspiramos; enquanto tal acontecer, meus senhores, não passaremos de um pequeno país, por muito que nos custe, de um pobre país.
E, porque assim é, eu penso que compete a todos nós, responsáveis, contribuir para uma mobilização geral dos recursos existentes. Somos cada vez menos e as tarefas mais árduas. Temos de chamar a colaborar todos os que, sendo válidos e tão patriotas como nós, professam ideias
Página 103
13 DE DEZEMBRO DE 1969 103
políticas diferentes das nossas; temos de levar a sociedade a admitir novamente no seu seio aqueles que, por esse motivo, expiaram na cadeia as suas penas e não podem, nem devem, ser condenados até ao fim da vida ao labéu de presidiários ...
O Sr. Cazal Ribeiro: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Faça favor.
O Sr. Cazal Ribeiro: - E os desertores também?
O Orador: - Não. Evidentemente que não.
... mas, acima de tudo, Srs. Deputados, temos o dever sagrado de aceitar tal como nos surgem os que nenhuma culpa tiveram da situação em que se encontram.
Eu explico, recorrendo a parte de uma carta que recebi ontem:
... estou matriculado no 1.º ano de Medicina Veterinária, estou desempregado, .não ganho um tostão, meu pai é segundo-cabo da Guarda Nacional Republicana, cujo ordenado é 1700$; ora, tendo mais um irmão a estudar e a casa de família, veja o Sr. Engenheiro a quantia que ele me poderá .enviar e sabendo as despesas que eu tenho.
Eu posso trabalhar todos os dias a partir das 13 horas, pois tenho as manhãs completamente ocupadas e as tardes completamente livres. Tenho imensa vontade de tirar este curso superior para vir a ser mais alguém na sociedade; penso que este desejo é legítimo.
Todos os dias me chegam cartas como esta, em significativa amostra do que se passa com centenas dos nossos universitários, o mesmo é dizer com grande parte da geração que nos há-de governar amanhã.
Peco-vos desculpa de ter trazido aqui o assunto, mas há vinte e cinco anos eu estava em situação idêntica, e não o posso esquecer.
Estes jovens, condenados de nascença, merecem que o apelo que ressoou nesta sala para uma ampla amnistia também os contemple. Mas neste caso não compete apenas ao Governo, mas a toda a sociedade portuguesa, outorgá-la. E nós somos aqui os seus legítimos representantes.
O País precisa desesperadamente de braços e de cérebros. Não será uma esmola permitir que, por qualquer forma e por qualquer preço, uns e outros se sintam honrados em sua casa.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continua em discussão na generalidade a proposta de lei de autorização de receitas e despesas para 1970.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada D. Raquel Ribeiro.
A Sr.ª D. Raquel Ribeiro: - Sr. Presidente: Recordo-me de ter lido num periódico do passado dia 26 de Novembro, no augúrio de que V. Ex.ª viria a assumir a presidência desta Câmara, a apresentação do «homem do Ribatejo, de largos horizontes», a que se habituara pela visão da lezíria ... Ao cumprimentá-lo, Sr. Presidente, na missão que agora tem na condução desta Assembleia «renovada», como, aliás, o fez ao longo de vinte anos enquanto simples Deputado, sei que irá testemunhar essa visão ampla de abertura de espírito e de independência.
Pode V. Ex.ª contar com o meu propósito de presença activa e de leal e sincera colaboração resultantes do compromisso que assumi perante aqueles que me elegeram.
Srs. Deputados: Os que em nós votaram esperam da seriedade e do dinamismo desta Assembleia a resposta para muitos dos seus anseios e problemas. Ela será o que cada um de nós quiser que seja - «renovada», de hábitos novos, democráticos, por que não dizê-lo? E se com especial agrado pudemos ontem responder à consulta de descrição para as restantes comissões - creio que já fruto de uma «inovação» -, ouso perguntar se algo de novo não se deveria trazer ao ambiente desta sala.
Não esqueço a «imagem» que me ficou quando daquelas galerias, em anos atrás, assisti a algumas das sessões como visitante. Hoje mais responsabilidades sinto perante aqueles que poderão colher as mesmas impressões ..., por isso perdoem este desabafo.
Ao intervir no debate na generalidade sobre a Lei de Meios para 1970 desejo, em primeiro lugar, felicitar o Governo pelo carácter programático que lhe imprimiu no domínio da política económica e financeira, cujos objectivos fundamentais vêm claramente enunciados no artigo 8.º, de harmonia com as orientações fixadas no III Plano de Fomento. Revela-se a intenção de que o programa das receitas e despesas públicas se integre no quadro da política global, visando especialmente a aceleração do investimento privado e a adequada estabilidade dos preços.
Se os critérios de prioridade das despesas estão ajustados às exigências legais e aos imperativos de defesa militar e de desenvolvimento harmonioso da economia nacional, a política de investimento enquadra-se fundamentalmente no programa anual de execução do III Plano de Fomento.
Parece, pois, que estas coordenadas essenciais da vida nacional deveriam ser amplamente apreciadas pela Assembleia Nacional. De louvar que a presente proposta de lei tenha incluído largo contexto de orientações políticas económioo-financeiras, com suficiente enumeração no relatório que a acompanha.
Apraz-me salientar algumas das medidas apontadas no campo da política económica sectorial, designadamente no que se refere à política industrial e comercial e à revisão dos circuitos de distribuição de frutas e carnes, com proposta de eliminação de intermediários sem função útil ou sem dimensão económica. Isto, pela urgência que sentimos em proteger o produtor e defender o consumidor, bem como na consequente necessidade das medidas de política agrícola que à problemática grave deste sector tão largamente se apresentam.
Pela aprovação desta lei, fica assim o Governo comprometido às consequentes decisões aqui implícitas, para que estas medidas sejam efectivamente executadas no decurso do ano de 1970.
Todavia, definindo o III Plano de Fomento como sectores prioritários de actuação a agricultura, a educação e investigação e a saúde, pergunto, porque não foram tratados estes dois últimos, limitando-se a lei, nos artigos 18.º e 19.º, a propósito dos investimentos públicos, a remeter para o programa de execução do III Plano de Fomento? E porque não considerar neste âmbito até os investimentos privados? Por exemplo, em relação à educação, os estabelecimentos particulares?
Página 104
104 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 8
Quando no relatório se considera que a educação e investigação e a saúde são «o alicerce por excelência do próprio processo de desenvolvimento económico, pois o homem está no princípio e no fim de todo este processo», creio que não nos contentaremos apenas em apontar os aspectos filosóficos ou. cristãos, mas que, no concreto, temos de encarar o factor humano como o principal agente do desenvolvimento, e por isso este tem de ser tomado numa visão global económico-social.
São estes dois sectores bem importantes na vida política de um país. E quais são as medidas de política que orientarão os programas de execução para 1970?
No artigo 19.º vêm estabelecidas, genericamente, as prioridades:
a) Saúde pública;
b) Educação de base, formação profissional e investigação;
c) Infra-estruturas económico-sociais de actividades agro-pecuárias;
d) Bem-estar das populações rurais;
e) Habitação social.
E no âmbito da mão-de-obra e das medidas da política social para os trabalhadores?
Aqui fica o voto de que o Governo amplie em anos futuros o carácter programático da proposta de lei de autorização desde os aspectos económico-financeiros e de política social aos de todo o território nacional. Aliás, já se acentua no relatório, a p. 75:
A solução lógica e desejável seria a de que as leis de meios e as directivas para elaboração dos programas de execução do Plano de Fomento se combinassem num documento único, em que se sistematizassem todas as grandes linhas da política económica nacional.
Não haveria melhor aproveitamento dos investimentos nos programas de execução dos planos de fomento se existisse maior e mais oportuna informação e participação das populações interessadas?
Estamos efectivamente a construir o futuro, pela promoção humana, sanitária e social do nosso povo, ou a remediar situações de emergência do presente? Queremos mesmo construir uma «sociedade nova»?
Obedecerão as medidas de política social para 1970, no domínio da saúde, da educação, da formação profissional e da habitação, a critérios de aceleração que nos façam superar o atraso de dezenas de anos em que ainda nos colocamos em relação à Europa? O conhecimento coordenado da real problemática destes sectores, a investigação no domínio sócio-cultural e a sua conjugação com os restantes não colocariam o Governo e a Nação perante razões imperativas de justiça social que implicariam uma melhor redistribuição de rendimentos ou outras medidas?
Não terá a Assembleia Nacional de contribuir para uma visão globalista da administração pública e para a definição de orientações políticas e estabelecimento de prioridades a breve e a longo prazo?
Porque, como assistente social, conheço e sinto as muitas necessidades do nosso bom povo, não posso deixar de me inquietar pelo modo como lhe é garantido o direito à saúde, u educação, à habitação, ao trabalho, à segurança social. Quais as oportunidades que lhe são oferecidas? Qual o grau de progresso social em que temos todos de empenharmo-nos?
Para não me alongar mais nestes considerandos, permitam que introduza aqui um apontamento sobre um dos sectores que melhor conheço, por tanto se fazer sentir nas suas carências, na região de Lisboa - o da habitação.
Em boa hora, o Governo, pelo Ministério das Obras Públicas, levou a cabo, em Julho do corrente ano, o Colóquio sobre Política da Habitação. Os temas debatidos, os dados da realidade que foram conhecidos, as coordenadas estabelecidas e as conclusões que se atingiram são metas para uma verdadeira política da habitação, diríamos, muito além do enunciado no III Plano de Fomento. Estamos certos de que os Srs. Ministro e Subsecretário de Estado das Obras Públicas possuem neste momento, suficientemente elaborados, os princípios orientadores da política de habitação e de urbanização que irão nortear o programa de execução para 1970.
E não lhes faltará, decerto, a faculdade de decisão para que medidas executórias entrem em acção em favor da habitação social, de modo que parte substancial do investimento do sector possa ser orientado para este fim.
Não podemos continuar a assistir a que apenas cerca de 10 por cento das famílias possam suportar, sem dificuldades económicas sensíveis, o custo actual da habitação. Na face actual de carências, o Estado tem de assumir o papel de coordenador e orientador geral de todas as actividades no sector da habitação, promovendo as medidas legislativas necessárias que condicionam este direito, como as de ordenamento do território, política de solos e outras.
Considera-se, portanto, que ao Estado não caberá, essencialmente, a função promotora, mas a coordenadora, de toda a actividade do sector. Previu o III Plano de Fomento a criação de um órgão que assegurasse essa coordenação.
Será o Fundo de Fomento da Habitação, recentemente criado, suficiente para planear, incentivar e coordenar toda a actividade das várias entidades promotoras, oficiais, particulares, autarquias locais? Será suficiente para evitar a dispersão de esforços e de bens? Num conceito de administração nova, não será necessária a criação de um órgão governativo para definir, executar e coordenar uma verdadeira política social da habitação?
Dir-se-á que entrei em considerações à margem do debate da Lei de Meios ..., mas todas estas inquietações me ocorrem pelo facto de que numa situação de crise, em que mais de 40 por cento dos encargos são comprometidos com a defesa militar e em que se pretende acelerar o desenvolvimento económico-social do País, só uma administração moderna poderá ser o instrumento de uma promoção económica e social, uma condição essencial para o desenvolvimento.
Consideramos isto tanto mais urgente quanto, de acordo com os objectivos do III Plano de Fomento, no respeitante à Reforma Administrativa, estão a ser executadas e em curso algumas medidas.
Assim constitui, como se verifica, pesado encargo para o Tesouro o aumento anual de cerca de 1 milhão e meio de contos com as recentes providências tomadas a favor do funcionalismo. São de louvar as medidas de justiça agora lançadas em relação ao sector público, esperando ainda que possa vir a corrigir-se, em tempo possível, o desnível de remunerações e evitar-se o perigo da subida de preços e da concorrência excessiva do sector privado.
Também, como se refere a p. 76 do relatório, desejamos que a este encargo correspondam medidas mais amplas de reestruturação de quadros, de formação de pessoal, de aperfeiçoamento dos quadros dirigentes, para que os serviços possam entrar numa fase prospectiva e os funcionários sejam motivados a novos processos de administração, a uma nova atitude psicológica, para que se
Página 105
13 DE DEZEMBRO DE 1969 105
verifique o «desejável aumento de produtividade dos serviços públicos».
Desejamos, pois, que o Governo encare a necessidade urgente da passagem de uma administração tradicional, quase exclusivamente preocupada com condicionamentos jurídicos, a uma administração para o desenvolvimento que possa assegurar os programas de execução do Plano de Fomento com maior eficiência e melhoria das relações humanas e das condições de trabalho. Isto supõe reforma de estruturas e de mentalidades, que vai desde a macro organização à actualização permanente do pessoal.
Vozes: - Muito bem!
A Oradora: - Fica aqui o meu voto de que seja também o Secretariado da Reforma Administrativa o impulsionador destas acções em breve tempo, a favor de uma verdadeira economia nacional.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
A oradora foi muito cumprimentada.
O Sr. Vaz Pinto Alves: - Sr. Presidente da Assembleia Nacional: É-me muito grato saudar pela primeira vez V. Ex.ª e prestar homenagem às extraordinárias qualidades de parlamentar que se consubstanciam na pessoa de V. Ex.ª
Da minha modesta actuação podem VV. Ex.ªs, Sr. Presidente e Srs. Deputados, contar com uma leal colaboração e isenção, que outra coisa pois, se não pode esperar de quem, por mandato da Nação, ocupa posições de especial responsabilidade na vida pública nacional.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Por bem avisada se houve a decisão de incluir na presente proposta de lei de autorização das receitas e despesas para 1970 a inclusão de um conjunto de medidas de desenvolvimento económico, integrando uma política administrativa e financeira nas finalidades e objectivos de uma política económica a curto prazo e tendo em vista a construção de estruturas que possibilitem um desenvolvimento mais acelerado da economia nacional, condicionado, é certo, às possibilidades financeiras, às prioridades estabelecidas e aos objectivos do III Plano de Fomento nas suas fases de execução.
Estamos, na verdade, na era dos planeamentos e para a qual se exigirá também arte de planificar; e na da economia dos espaços globais, que envolvem uma visão de conjunto dos problemas nos seus vários aspectos e incidências. Só assim, nos nossos tempos, se me afigura percorrerem-se caminhos seguros, aproveitando estímulos, corrigindo deficiências, promovendo, em suma, um adequado e eficaz crescimento e progresso económico-social do País. Em boa verdade, se em condicionalismos normais da vida da sociedade portuguesas se se imporia uma planificação e aproveitamento de todos os recursos do Pais, particularmente cuidados em ordem à melhoria de nível de vida, de progresso moral e material da Nação, de revitalização das estruturas, creio estar fora de dúvidas, por maior força de razões, que o actual momento por que passamos nos deverá trazer obrigações especiais e nos imporá uma coordenação de políticas numa óptica global em todo um processo de apreciação e hierarquização das necessidades e carências nacionais.
A guerra que nos foi traiçoeiramente imposta e a que fazemos frente unicamente para defesa das fronteiras da Pátria; das populações das várias etnias; portugueses que labutam e querem viver em paz no seio da comunidade lusíada; essa guerra alimentada de fora veio exigir um grande esforço, sacrifícios de homens e bens, prioridade de despesas - que ninguém contestará - e, por isso mesmo, nos será pedido um redobrar de acções e dinamismos na aceleração de investimentos, criando novas fontes de energia, promovendo o bem-estar e as transformações precisas, de modo que resulte mais justiça social, melhor repartição do rendimento nacional, mais riqueza, fazendo participar todos na obra comum. Umas finanças sãs, uma moeda robusta, não podem deixar de ser os firmes suportes dos escopos que foram enunciados: a defesa do território e a programação de uma política económico-financeira verdadeiramente renovadora e de amplitude nacional, em que se procura corrigir desequilíbrios que são fonte geradora de males e obstáculos a um harmónico processo de crescimento e promoção social. Eis, Srs. Deputados, por que vimos com agrado que entre os objectivos da presente proposta de lei se insere um capítulo em que se salienta o desenvolvimento regional e se procura dar algum remédio - e expressamos votos para que o possa ser no mais breve prazo possível - a situações de absoluta carência que se vão arrastando em muitas regiões do País, envolvendo vastas zonas e abrangendo populações com padrões de vida ultrapassados e impróprios da civilização actual, procurando numa economia de subsistência - os que ainda lá permanecem - viver o dia-a-dia da sua vida [...] na esperança de melhores dias. E todo um capital humano que se escoa das nossas províncias num processo de êxodo que se nos não afigura o mais apropriado, nem pela forma, nem pelo seu destino, havendo, naturalmente, é que fixar populações excedentárias dos diversos sectores nos locais, regiões e actividades onde são necessárias, e sobremaneira orientada para o nosso ultramar. E falta de uma rede urbana, de infra-estruturas, de assistência médica e técnica eficientes, de poder aquisitivo, de preparação escolar e pós-escolar, ao fim e ao cabo tantas e graves deficiências que entravam e estrangulam os alicerces do desenvolvimento destas áreas. É mister que se passem a corrigir estes desequilíbrios, para evitar hipertrofias de outras regiões. O III Plano de Fomento procura vir de encontro a estas situações, deslocando de certas zonas preferenciais as tentações de fixação de novos investimentos industriais e levá-los a outros pólos de desenvolvimento, de modo que se equilibre e se projecte uma melhor distribuição de unidades industriais pelo aproveitamento dos recursos naturais das respectivas regiões. Esperemos e confiemos na sua sistemática execução.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Não se levará à conta de inapropriada alusão, e talvez me seja lícito este parêntesis, dada a estrutura desta actual Lei de Meios, dizer que em relação ao distrito que aqui represento, uma enorme região de vinte e quatro concelhos, desde as terras durienses, passando pelos contrafortes da Estrela e do Caramulo até à serra do Buçaco, tem carências e necessidades de vários tipos, que sumariamente já referi, e bem precisa da especial atenção por parte dos órgãos centrais para que se programe todo um conjunto de providências consignadas nesta proposta de lei à política regional, designadamente:
a) Vias de comunicação;
b) Electrificação, abastecimento de água e saneamento;
c) Política de bem-estar rural;
d) Fixação de indústrias apropriadas às necessidades e aos recursos da região.
Vozes: - Muito bem!
Página 106
106 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 8
O Orador: - Sabemos que é um programa vasto e que exige uma coordenação a nível de Governo, serviços regionais, empresas privadas ou públicas, autarquias locais e, bem assim, a participação das respectivas populações num esforço de superação de insuficiências de equipamentos económicos e sociais, que venham abrir novas possibilidades, novos horizontes, nova vida. Temos de avançar e com coragem em denodadas acções e sem tibiezas. O desenvolvimento, como fenómeno global, não pode ficar circunscrito aos limites da economia e finanças, tem de inserir-se num quadro económico-social e até psicológico e político. O homem é a base do processo de desenvolvimento e o destinatário dos seus frutos. Por isso não se pode entender o económico separado do social. São pertenças do passado os conceitos individualistas de crescimento e desenvolvimento, e hoje em dia não se justifica uma política financeira e orçamental em compartimentos estanques, desligada da política económica e, por via desta e daquelas, da própria política social. Eis por que aqui deixamos este depoimento para que se caminhe nessa apreciação global e que a importância de um documento desta natureza possa vir a assumir foros de proposta governamental. Só assim, julgo, se poderá ter uma visão plena e realista da função conjuntural de uma actual lei de meios, a que deve acrescer ainda a sua articulação com a execução anual dos respectivos planos de fomento.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Tenho vindo a referir-me a uma política de desenvolvimento regional e alinhavei umas considerações de índole social com a finalidade de reforçar este importantíssimo aspecto que não integrou suficiente explanação nesta Lei de Meios, já que a política económica e a política social se acham indissoluvelmente ligadas. Deu-se, contudo, um grande salto, que mereceu se tivesse feito referência especial. Acrescentarei ainda que um processo de desenvolvimento regional não achará completa realização e concretização sem uma complementar cobertura através da Previdência. Ultimamente, acertada medida de política social foi tomada, com a extensão do abono de família aos rurais. Há, todavia, que o alargar, sem grandes delongas, a zonas ainda não abrangidas pelos organismos primários, pois representa uma discriminação injusta a existência de rurais, por vezes até vizinhos, a uns sendo dado este elementar direito e a outros não.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Parece que as condições reais e objectivos desta Lei de Meios, em brevíssimo resumo e sob certo ângulo, são:
1.º Promover e estimular a aceleração do investimento;
2.º Contrariar as tendências para o agravamento dos preços.
Da primeira já alguma coisa foi dito. A este segundo objectivo queremos dar a nossa inteira adesão, pois é de cabal importância e de certo modo condicionante do primeiro. Neste aspecto há que, energicamente, pôr cobro às tentações de aumento do custo de vida e que o reajustamento dos vencimentos do funcionalismo não venha a ser o processo de com isso se especular com uma subida de custos, pois sobremodo algumas camadas de menores rendimentos não suportariam um agravamento de custo de vida em função dos aumentos havidos. Por outro lado, a situação do funcionalismo não se esgota só neste aspecto. Outros há que ter em consideração e, gradualmente, por certo, ir ao encontro de soluções que atinjam o agregado familiar em benefícios de natureza pecuniária, habitacional, educacional, em suma, medidas que valorizem a dignidade do servidor, da função, e beneficiem a própria sociedade. Besta-me, Sr. Presidente e Srs. Deputados, dar o meu aplauso, nas suas linhas gerais, à Lei de Meios, notável documento, rico de considerações, na fundada esperança de que venha a ser um valioso instrumento no percurso de decididos caminhos que temos de trilhar e na senda da produção económica e social do País, na formulação, enfim, do estado social em que se encontra empenhado o Sr. Presidente do Conselho.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem!
O orador foi cumprimentado.
O Sr. Amílcar Mesquita: - Sr. Presidente: Ao erguer pela vez primeira a voz nesta Câmara, as primeiras palavras serão, justamente, para V. Ex.ª em forma de cumprimento respeitoso e de afirmação pelo alto valor de V. Ex.ª como tribuno e homem público, que sempre cultivou a independência e a subordinação ao interesse nacional.
Rendo, por isso, as minhas homenagens e prometo a mais leal colaboração, norteado sempre pelo mesmo ideal que norteou V. Ex.ª nesta Casa: o bem comum.
Srs. Deputados: Em vós saúdo e revejo o nobre povo português, repositório sagrado dos valores mais nobres de uma Nação independente, una e indivisível, que prossegue, com o entusiasmo de Quinhentos, o destino histórico e imorredouro da sua vocação universal de evangelização e promoção de populações, numa aglutinação de raças, credos e religiões, para a criação de uma sociedade mais humana, porque multirracial.
A VV. Ex.ªs afirmo a minha lealdade e maior camaradagem, com o respeito das posições que não se oponham ao bem comum, ao qual se adequa o interesse da colectividade nacional.
Propondo-me falar na ordem do dia sobre a proposta de lei em discussão, lamenta-se que esta Assembleia tenha disposto e disponha de tão curto espaço de tempo para estudo, apreciação, discussão e aprovação de uma proposta de fundamental transcendência para a governação do País no ano de 1970.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A proposta de lei que está em discussão não se limita, nos estritos termos constitucionais, a obter para o Governo a autorização de cobrar as receitas do Estado e pagar as despesas públicas na gerência do próximo ano e a buscar as definições dos princípios a que deve ser subordinado o orçamento para 1970, na parte das despesas cujo quantitativo não é determinado em harmonia com as leis preexistentes.
Nesta matéria da competência da Assembleia Nacional tanto bastaria a autorização política e a definição dos princípios do acto de previsão.
Mais do que isso, a proposta de lei de autorização de receitas e despesas para 1970 ultrapassa o campo da política orçamental ou fiscal, para conter princípios de política económica, conforme se depreende da amplitude dos objectivos definidos no artigo 3.º dos capítulos VII e VIII, inovações em relação às leis de meios dos anos anteriores.
No entanto, a orientação não é inteiramente nova, pois leis anteriores desta natureza incluíram certos aspectos da política económica, como é o caso da Lei de Meios para 1969.
A proposta ora em debate apresenta um alargamento de âmbito mais lato, através de outra estrutura.
A orientação é, quanto a nós, boa e marca uma evolução (de aplaudir) na continuidade.
Em plena execução do III Plano de Fomento, em que vão decorridos quase dois anos do sexénio, para o cres-
Página 107
13 DE DEZEMBRO DE 1969 107
cimento da economia nacional, necessàriamente rápido, é essencial esta concepção e integração global de políticas.
Esperamos que os princípios consagrados no capítulo «Política regional» da proposta promovam, com urgência, a realização do planeamento regional. Assente as orientações deste na Lei n.º 2133, de 20 de Dezembro de 1967, que promulga a organização e execução do III Plano de Fomento, apenas em 11 de Março deste ano, pelo Decreto-Lei n.º 48905, se define a orgânica administrativa adequada ao início da sua realização e em 8 de Novembro findo, pelo Decreto n.º 49 364, se regula a constituição e funcionamento das comissões de planeamento.
Cremos, todavia, que em Janeiro do próximo ano, estarão efectivamente constituídas e em pleno funcionamento as comissões consultivas regionais.
Assim o exige o crescimento de uma economia que, todavia, não tem crescido ao ritmo desejado e necessário, pois os desequilíbrios regionais Subsistem no processo de desenvolvimento da economia nacional.
Ao lado dos pólos naturais de desenvolvimento, é preciso criar, bem depressa, outros pólos que atenuem aqueles desequilíbrios e, progressivamente, fomentem um melhor equilíbrio regional, antes que se acentuem as distâncias, pela espontânea atracção que os primeiros exercem.
A região-plano sul e a sub-região do Alentejo, com Évora à cabeça, espera ansiosa o cumprimento do que já excede em oportunidade, pois confia que do Governo merecerá a concessão dos incentivos necessários à implantação de actividades produtivas, pois dispõe de suficientes potencialidades.
Pretende-se, assim, criar condições convenientes e estímulo à iniciativa privada como instrumento fecundo do progresso e da economia nacional, mas não se pode dispensar, por tantas vezes absolutamente necessária, a intervenção do Estado, como convém a uma economia mista, e, ainda por cima, a desenvolver em zonas ou regiões de infra-estruturas pobres ou deficitárias.
A propósito, lembra-se, a título de exemplo, o caso de terrenos necessários à implantação das unidades industriais, cujos preços de venda especulativos dificultam ou afastam projectos de execução empresarial, situação possível à falta de planos ou disponibilidades financeiras dos municípios.
Neste capítulo, rendo homenagem à Câmara Municipal de Évora, que se tem preocupado com um plano dessa ordem, e cuja dimensão não é a desejável por falta de maiores meios financeiros.
Foi uma política neste sentido do então presidente da Câmara de Colónia, Adenauer - que bastantes anos mais tarde havia de ser o grande chanceler da Alemanha Federal -, que abriu o caminho a uma pequena cidade para a grande urbe dos nossos dias, com mais de 100 000 habitantes.
Voltemos, porém, ao objecto central da nossa intervenção no debate na generalidade da proposta de lei de meios para 1970.
Estamos, por isso, na linha do nosso pensamento, inteiramente de acordo com a orientação preconizada na proposta no sentido de uma integração global de políticas.
E se esta razão não fosse suficiente nada impediria, parece-nos, a um órgão de soberania cuja competência, por excelência, é o exercício da função legislativa, o debate e aprovação de proposta, para a qual não está estabelecido objecto como único conteúdo, mas como necessário.
Desejamos de seguida e de maneira sumária, apreciar os objectivos e princípios de cada política.
Na linha de continuidade marcada há vários anos, a proposta, estabelece o objectivo fundamental de manter a estabilidade financeira e o equilíbrio das contas públicas, de modo a garantir ao Governo, prioritariamente, os encargos com a defesa nacional para a salvaguarda da integridade territorial da Nação. Orientação política e critério de prioridade indiscutíveis, em face de uma guerra injustamente imposta, que terá de ser, incondicionalmente, mantida por imperativo nacional, há muito e há bem pouco, de novo, manifestado de modo insofismável, pois não pode haver dúvidas, nem tibiezas, quando estão em jogo elevados valores e superiores interesses de um povo cujo destino se tem consubstanciado, ao longo da História, por um humanismo transcendental.
É de aplaudir o âmbito da disposição do artigo 3.º da proposta de diploma legal, se considerarmos que a formação bruta de capital fixo evidencia a partir de 1967 uma redução na taxa de crescimento, que se teria acentuado em 1968 e elementos indiciários relativos a 1969 não são mais optimistas.
Com estas perspectivas, num panorama cada vez mais próximo e real da criação de grandes espaços económicos, em que se verão abater as barreiras alfandegárias e teremos, então, de competir com economias já hoje muito mais desenvolvidas, o esforço de crescimento terá de ser muito grande e o papel do Governo muito mais activo e realista.
Se considerarmos, ainda, que para esta situação contribuiu a falta de iniciativa do sector privado, agravada pela contracção dos investimentos públicos, impõe-se a aceleração do investimento através de medidas e processos eficazes que possam, na realidade, estimular a iniciativa privada e que esta possa ser substituída, a tempo e horas, pelo sector público quando aquela falta.
Além dos incentivos fiscais, das comparticipações do Estado ou de empresas públicas que dão confiança ao sector privado e da criação urgente ou melhoramento das convenientes infra-estruturas pelos investimentos públicos, confiamos - no que é inovação - na eficácia a esperar da informação e apoio aos investidores potenciais, através dos meios preconizados na alínea c) do artigo 20.º da proposta. Dado o poder dos modernos meios de comunicação social, consideramos a medida das mais importantes e aquela que vem ao encontro da afirmação, no campo dos empreendimentos económicos, do princípio da igualdade de oportunidades.
A este propósito, sugere-se a utilização dos meios de comunicação regionais, ao menos sempre que a concretização de determinados projectos seja aí mais viável ou de aconselhar.
Pensamos que útil papel neste capítulo poderão desempenhar as comissões consultivas regionais constituídas no âmbito do Plano de Fomento.
Fazemos votos, todavia, para que a informação e apoio referidos se canalizem em todos os sentidos e se faça de forma aberta, para efectivamente representar oportunidade para todos.
Os investimentos públicos, na linha de que as despesas públicas são um investimento financeiro de política económica, têm uma ordem de prioridades a respeitar, até porque lhes cabe a tarefa por excelência nos domínios da saúde, educação, formação profissional, investigação, infra-estruturas agrárias, bem-estar das populações e habitação social.
Embora pense, oportunamente, tratar nesta Câmara de alguma destas questões, é imperativo, nesta hora, chamar a atenção para os problemas da educação nacional, devendo caminhar-se para o fácil acesso aos diversos graus de ensino de acordo com as qualidades de trabalho e aptidões intelectuais de cada um, ainda dentro da concretização do mesmo princípio afirmado da igualdade de oportu-
Página 108
108 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 8
nidades, e para o direito das populações rurais aos mais elementares benefícios da civilização.
Por isso, aplaudimos a política regional prevista na proposta para 1970.
Ao contrário do que sucedeu para 1969, a presente proposta não contém quaisquer providências quanto ao funcionalismo público.
Justifica o autor no preâmbulo da mesma essa lacuna.
Porém, não deve esquecer-se que em política social não há metas últimas, e nesse domínio devem enquadrar-se os servidores do Estado, de forma que venham a encontrar-se num esquema de benefícios ao nível dos quadros ou escalões dos sectores de actividade privada mais favorecidos. Por isso, os estudos devem prosseguir nesse sentido, começando até por corrigir ou ajustar possíveis desajustamentos na última actualização de vencimentos, de que algumas categorias se fazem já eco.
Uma palavra mais apenas sobre a política fiscal com que o autor da proposta de lei pretende visar um duplo objectivo: favorecer o investimento e iniciativa privados no campo da economia nacional e prosseguir a justiça social que contribua, indirectamente, para a melhor redistribuição da riqueza.
Por fim; resta afirmar que damos a nossa aprovação na generalidade à proposta de lei de autorização de receitas e despesas para 1970.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi cumprimentado.
O Sr. Pinto Leite: - Sr. Presidente: Saúdo respeitosamente V. Ex.ª, congratulando-me, como a restante Assembleia, pela eleição tão acertada a que a mesma procedeu.
Srs. Deputados: Irmãos meus, na luta que solidários vamos travar pelai defesa dos interesses nacionais em nome do povo que representamos.
Peço a vossa benevolência e a vossa compreensão para as palavras que vou proferir.
Subo a esta tribuna consciente das responsabilidades em que fui investido por aquela parte da Nação, que foi chamada a pronunciar-se sobre a escolha dos seus representantes nesta Assembleia.
Não me trazem aqui intenções, como claramente o disse durante o período de esclarecimento eleitoral que decorreu em Outubro, de celebrar o passado recente, ao qual em muitos pontos não adiro, mas sim de, com a colaboração de todos vós, mas de todos sem excepção, ajudar a construir o futuro desta nossa Mãe-Pátria, que para muitos, infelizmente, continua ainda a ser madrasta.
Venho a esta Casa sem preconceitos de qualquer espécie, sem ligação comprometedora com qualquer ideologia abstracta, aberto a todos os diálogos, preparado, tanto para o trabalho de conjunto como para o combate leal, dentro de um espírito de inteira liberdade e independência.
Embora o tempo que constitucionalmente é concedido à Câmara Corporativa e a esta Assembleia se j ai manifestamente insuficiente para que nos possamos debruçar seriamente sobre a proposta de lei de autorização das receitas e despesas para 1970, não posso, pela importância que o documento reveste para toda a vida nacional, eximir-me a participar na sua discussão na generalidade, tecendo as considerações que ao meu espírito se apresentam como pertinentes.
Na esteira das opiniões expressas nas Comissões Parlamentares de Economia e Finanças, congratulo-me com o facto de o Governo ter alargado o carácter programático da proposta em discussão e faço votos sinceros para que a mesma, já no próximo ano, possa vir acompanhada do programa de execução do Plano de Fomento para 1971 e inclua as receitas e despesas de todo ò sector público, nomeadamente as das províncias ultramarinas e as da Previdência.
Dou o meu acordo à proposta na generalidade e, louvando as intenções com que o Sr. Ministro das Finanças procedeu à sua elaboração e apresentação, não quero deixar de tecer algumas considerações sobre os seguintes problemas nela focados ou esquecidos:
I. Prioridade das despesas respeitantes à defesa do território nacional;
II. Política fiscal;
III. Política de investimento, monetária e financeira;
IV. Funcionalismo público.
I. Despesas com a defesa nacional:
Não é o gosto do domínio que nos mantém nas províncias do ultramar, pois que, cada vez mais, desejamos que os naturais participem das responsabilidades do Governo e da administração local e nacional, e só o interesse das populações nos guia ao promover o progresso delas.
Tão-pouco se pode dizer que tiremos lucros económicos da nossa presença, que a defesa torna onerosa e que se traduz em largas contribuições da metrópole para o fomento das riquezas territoriais.
Devo confessar que ao assumir a chefia do Governo procedi friamente ao exame do problema ultramarino, de princípio ao fim, para ver se haveria outras soluções a ensaiar, diferentes daquela que estava a ser seguida, e melhores do que ela.
Fi-lo porque um governante tem o dever de não se esquivar à consideração de todas as hipóteses antes de optar por aquela que considere preferível.
E quando no discurso de 27 de Novembro de 1968 afirmei que a posição de Portugal não podia ser outra, anunciava a conclusão de uma séria, reflectida e imparcial revisão crítica da política ultramarina portuguesa. Política que a Nação exige. Política que o povo compreende e aprova, como o demonstrou nas manifestações dispensadas na metrópole ao chefe do Governo, depois do seu regresso do ultramar.
Situado o problema desta forma, com as citações que acabo de fazer, do Sr. Presidente da República e do Sr. Presidente do Conselho, nada mais preciso de acrescentar para esclarecer que não discuto a prioridade das despesas feitas com as operações militares, que asseguram no ultramar a presença portuguesa e a prossecução de uma política de promoção económica e social de todas as suas populações, num espírito de não discriminação racial. Dado, porém, que essas despesas representam uma percentagem muito avultada nos recursos financeiros do Estado e um pesado encargo para o povo português, relativamente ao seu estado actual de desenvolvimento económico, cumpre-me chamar a atenção do Governo e das forças armadas para dois pontos que considero de capital importância:
1.º De que, como muito bem afirmou o Sr. General Kaulza de Arriaga, «se trata de uma guerra prolongada, o que impõe grande economia na sua condução e execução», com especial relevância no que diz respeito ao emprego das dota-
Página 109
13 DE DEZEMBRO DE 1969 109
ções financeiras e ao aproveitamento do elemento humano válido.
Esta necessidade de uma guerra eminentemente económica projecta-se na finalidade da acção das instituições e meios de defesa e na sua natureza. Naquela finalidade, importa o afastamento drástico do que não interesse à missão estratégica e à convergência, com exclusivismo de todos os esforços no cumprimento de tal missão. Importa ser-se objectivo. No que respeita à natureza das instituições e meios de defesa, economia não implica, como alguns possam supor, o seu reduzido custo, mas sim a necessidade de baratos ou caros corresponderem a uma relação custo eficácia mínima, isto é, a um rendimento máximo. Neste aspecto, a solução não pode estar, pois, na subdotação financeira dos sistemas existentes, que conduz à sua inoperância, à degradação profissional dos homens e à ruína prematura dos equipamentos; nem pode estar, numa utilização dos mesmos homens, baseada em regras cómodas e uniformes, mas pouco harmónicas com as suas características e a natureza e grau da sua preparação. Aqui, a autêntica economia encontra-se na adopção de sistemas novos, progressivos, verdadeiramente rendosos, bem dotados financeiramente, e também no aproveitamento máximo, embora por vezes menos equitativo, da qualificação de cada um. Aqui, rendimento é palavra de ordem. Objectividade e rendimento são os princípios que, sem desvios, devem observar-se na acção estratégica portuguesa relativa à África.
Foram ainda palavras do Sr. General Kaulza de Arriaga, às quais me limito a acrescentar que, com a introdução de algumas técnicas de gestão moderna, talvez possam libertar verbas avultadas que sirvam para aumentar a eficácia do nosso esforço de defesa ou que sejam desviadas para o fomento da economia nacional.
O Sr. Giesteira de Almeida: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Faça obséquio.
O Sr. Giesteira de Almeida: - Tem ainda outra acção importante, que permite que as pessoas vivam e não sejam assassinadas em todos os cantos e esquinas, como acontecia em Angola quando ainda não havia defesa militar.
O Orador:
2.º Dado que uma grande parte dos gastos com a defesa se destina à compra de equipamentos de todos os géneros, importa que se faça um esforço sério para que estas despesas sejam inseridas no circuito económico português, sugerindo-se para tal uma intensa colaboração de esforços entro os Ministérios da Defesa e da Economia e a indústria metalo-mecânica portuguesa.
O Sr. Roboredo e Silva: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Faça obséquio.
O Sr. Roboredo e Silva: - Apenas para informar que das muitas dezenas de lanchas de todos os tipos que a Marinha possui ou estão em construção, sòmente a primeira dúzia ou pouco mais foi adquirida no estrangeiro e todas as outras construídas no País.
O Orador: - V. Ex.ª refere-se às lanchas, mas tenho conhecimento de alguns barcos de guerra e submarinos que nos últimos tempos têm sido construídos lá fora.
O Sr. Roboredo e Silva: - Os submarinos não podiam ser construídos em Portugal por falta de técnica e equipamento dos nossos estaleiros para fazer navios tão especializados e delicados. Quanto aos outros navios, os preços nacionais eram na altura muito superiores aos estrangeiros, quase da ordem dos 50 por cento, e nem os créditos concedidos permitiam tal aumento, nem o erário estava em condições de suportar mais esse encargo financeiro.
O Orador: - V. Ex.ª refere-se apenas a armamento e munições, mas há grande parte de material, que suponho de guerra, mas que não é propriamente armamento.
O Sr. Ricardo Horta - Por exemplo?
O Orador: - Motorizados, embarcações e outro material.
O Sr. Ricardo Horta: - A única coisa que me lembro de procedência estrangeira são realmente os transportes aéreos. Mas armamento não. A maior parte dos automóveis empregues no nosso país são importados.
O Orador: - Não conheço propriamente a indústria militar, mas apenas a indústria metalo-mecânica, que se queixa de não haver coordenação e planificação. Há embarcações que não são feitas no nosso país, mas há coisas que talvez pudessem ser planificadas e feitas no nosso país.
O Sr. Roboredo e Silva: - Julgo que o Sr. Deputado se estará referindo à minha apreciação sobre a Lei de Meios. Se assim é, eu recordo que disse que a luta pela defesa das populações e integridade do território nacional nos custava muitos sacrifícios e pesados encargos, mas que felizmente nem tudo era em pura parda; muito se recuperava em bens materiais e valores humanos, e não hesito em o reafirmar.
O Sr. Vasconcelos Guimarães: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Faça favor.
O Sr. Vasconcelos Guimarães: - Permito-me lembrar a V. Ex.ª que no domínio da contribuição para a economia nacional se não pode nem deve esquecer o trabalho que há largos anos se efectua- nas Oficinas Gerais de Material Aeronáutico, onde é revisto e reparado todo o material de voo da Força Aérea. O nível técnico atingido, que só é de louvar, é tal que permitiu àquelas Oficinas obter contratos vantajosos para manutenção e reparação de aviões de outras forças aéreas, nomeadamente da dos Estados Unidos da América.
É, sem dúvida, um contributo apreciável, quer no aspecto económico-financeiro, quer no aspecto técnico.
O Orador: - Quero esclarecer os Srs. Deputados que não ponho em dúvida que já há bastantes coisas feitas em
Página 110
110 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 8
Portugal, e que uma parte dos gastos com a defesa nacional, para além dos gastos com o pessoal, são recuperáveis.
O Sr. Vasconcelos Guimarães: - Deduzo agora da sua palavra, que V. Ex.ª pretende manifestar uma esperança de melhoria. De acordo. Para isso todos aqui estamos, para trabalhar e dar corpo à esperança de um Portugal maior.
O Orador: - Srs. Deputados: A Guerra, qualquer guerra é um mal. Pode ser um mal necessário, mas sempre um mal. Um mal que para mim só tem justificação para evitar um mal maior. Mal necessário que poderá ter justificações políticas ou morais. Poderá ser, e muitas vezes, infelizmente, tem-no sido, desencadeada com intuito de conquistar posições de predomínio económico. Mas a guerra .em si mesma, qualquer guerra, a guerra em que Portugal está envolvido, não pode ser justificada, não carece de ser desculpada com argumentas de carácter económico.
Contesto a defesa económica da guerra. Contesto as vantagens que ela nos possa trazer ou tenha trazido ao desenvolvimento verdadeiro e global da economia portuguesa.. Certamente que os soldos dos militares são postos a circular, que se criam novos empregos pela necessidade de novas construções militares, que se desenvolvem indústrias destinadas a abastecer com produtos alimentares, vestuário, munições etc., as forças militares. Mas onde está o. carácter reprodutivo de uma grande parte das despesas militares? Qual a riqueza que cria a granada que explode, a bala que mata, o material que se deteriora em campanha, c avião que se estatela no solo? Quanto vale. a vida de um homem? Quem se atreve a contabilizai-as vidas dos nossos irmãos que caem em combate, a falta que faz aos filhos, à mulher ou aos pais o pai, o marido ou o filho que rega com o seu sangue o libere solo africano? Quanto valem as lágrimas dos que ficam? Os estudos interrompidos, as mutilações físicas, psicológicas e morais?
O Sr. Roboredo e Silva: - Custa-me muito ouvir falar nesse tom de tragédia dos nossos militares mortos no ultramar, porque o seu número, em cerca de nove anos de luta em defesa das populações e em combate nas três províncias de África, não deve exceder o de mortos por acidentes rodoviários ocorridos em 1969 nas estradas do continente.
De resto, das grandes guerras a que V. Ex.ª se referiu, dessas terríveis calamidades que, felizmente para nós, foram muito diferentes da nossa luta antiterrorismo, muito beneficiou a humanidade nos campos da investigação científica, novos inventos e novos equipamentos, que trouxeram, na paz, melhorias de todos os matizes e progresso indiscutível para todos nós.
O Sr. Veiga de Macedo: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Faça obséquio.
O Sr. Veiga de Macedo: - Permita-me V. Ex.ª que faça uma pergunta que reputo indispensável nesta matéria tão delicada quão essencial. Creia que, ao formulá-la, nu? move apenas a intenção de permitir a V. Ex.ª esclarecer, melhor ainda se possível, uma questão sobre a qual não pode ficar em suspenso a menor dúvida.
V. Ex.ª entende, ou não, que é lícita e deve prosseguir a luta de defesa em que estamos empenhados nas frentes de batalha da Guiné, de Angola e de Moçambique?
Só pretendo que diga sim ou não, pois, por muitas e fundas razões, e até pelo facto de ter tido e ter filhos a combater em Angola, não posso deixar de fazer tudo para ver marcada, uma vez mais, uma posição inequivocamente clara neste ponto fulcral ... sagrado ... da nossa vida colectiva.
Por isso, peco-lhe apenas que me diga, e à Assembleia, se é pela continuidade da luta que de fora nos movem irredutíveis inimigos da Pátria ou se julga que devemos ou podemos enveredar pelos caminhos inqualificáveis da renúncia e do abandono.
Isto é o que interessa. O resto é puramente secundário.
O Sr. Sá Carneiro: - Isso não foi posto em causa pelo orador. Não é nada disso que está em causa.
O Orador: - Sem dúvida que uma parte razoável do que se gasta na guerra permanece no circuito económico português e cria, portanto, riqueza. Essa criação de riqueza poderia, no entanto, ser muito maior se grande parte das despesas de guerra pudessem ser desviadas para os empreendimentos reprodutivos de que o desenvolvimento económico português tanto carece. Aliás, tal facto tem sido reconhecido, quer pelo Sr. Presidente do Conselho, quando afirmou que «as despesas que fazemos em África dificultam, como é natural, iniciativas e decisões que desejaríamos tomar noutros sectores da vida nacional», quer ainda pelo Sr. Presidente da República, que na sessão inaugural desta legislatura pronunciou as seguintes palavras:
O Governo está empenhado em prosseguir com redobrado vigor a política de desenvolvimento económico e de promoção social traçada nos planos de fomento, sem afrouxar a defesa do ultramar português. Só uma severa, e hábil administração poderá levar por diante os programas de democratização do ensino, do aperfeiçoamento da previdência social, da protecção da saúde pública, da reconversão, da agricultura, do fomento, da indústria e da liberalização do comércio, com os recursos minguados pelas despesas a que nos força a subversão provocada nalgumas províncias ultramarinas. Com o espanto do mundo, temos conciliado até aqui os imperativos da defesa e as necessidades do desenvolvimento.
A minha homenagem e o meu respeito aos que se batem. O meu desacordo àqueles que fazem a defesa económica da guerra.
II. Política fiscal. - No que respeita às medidas de política fiscal previstas na proposta de lei, considero oportuno fazer também algumas considerações e expressar alguns votos.
Se é certo que, elevando no imposto profissional, até 30 contos, o limite de isenção dos rendimentos do trabalho, e progressivamente as taxas aplicáveis aos escalões de matéria colectável superior a 400 contos, e alterando no imposto complementar a progressividade das taxas da secção A, para o escalão de rendimento colectável superior a 1500 contos, se dá um passo em frente no sentido da instauração em Portugal de um estado social, já me parece mais duvidoso que esse objectivo seja atingido quando se suprime a tributação adicional sobre os rendimentos do trabalho provenientes da acumulação de actividades profissionais, ou quando se limitam as taxas máximas do imposto profissional e do imposto complementar em 15 por cento e 55 por cento, respectivamente.
É certo que o problema é melindroso e complicado e que só pode ser resolvido com justiça e eficácia no
Página 111
13 DE DEZEMBRO DE 1969 111
âmbito de uma reforma fiscal que se solicita, em que seja revista a situação do industrial português, o qual, correndo riscos, que podem ser grandes, e contribuindo decisivamente para o desenvolvimento económico do País, está sujeito a uma contribuição sensìvelmente mais pesada do que a contribuição predial ou a contribuição sobre a aplicação de capitais.
Se é certo que a lei deve ter em conta os que vivem exclusivamente do seu trabalho, não me parece, no entanto, nem justo, nem normal, num país onde o desnível entre os rendimentos das diferentes classes sociais é ainda tão vincadamente desproporcionado, assegurando a muitos apenas o essencial à sua subsistência, que o supérfluo e o luxo sejam tratados com uma tolerância que se desconhece em todos os países civilizados, onde esse desnível já foi há muito, ou há pouco tempo, ultrapassado.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Se é certo também que o sistema da tributação adicional das acumulações tem dado lugar a algumas injustiças, não é menos certo que, como muito bem refere na sua declaração de voto constante do parecer da Câmara Corporativa o procurador Sr. Dr. Adérito Sedas Nunes, «a prática das acumulações deve ser desencorajada nos termos do próprio artigo 40.º da Constituição».
Estou perfeitamente de acordo com a opinião do Sr. Procurador Sedas Nunes de que a «supressão pura e simples da tributação adicional sobre os rendimentos do trabalho provenientes de acumulação de actividades profissionais» é inaceitável.
Acompanho-o ainda ao julgar que essa tributação deve ser mantida, fixando-se, contudo, em quantia mais elevada o rendimento base, a partir do qual ela tenha aplicação, e procedendo-se a uma revisão equitativa das respectivas taxas.
E ao argumento invocado de que «se torna desaconselhável dificultar por forma indiscriminada o aproveitamento de capacidades ou valores que não são excessivos no País, e cuja utilização pode frequentemente revelar-se proveitosa ao interesse colectivo», responderei, com ingenuidade, que «pague o sector público e o sector privado convenientemente, àqueles que o servem, de forma que eles possam dedicar-se inteiramente e em full-time a missão que desempenham, que, além de se dar oportunidade a surgirem novos valores, cessará a emigração de muitos deles para os grandes grupos estrangeiros, e o interesse colectivo só terá a ganhar com o aumento inevitável da produtividade dos seus serviços».
Isto, em relação aos que acumulam lugares trabalhando. Porque muitos outros há que os acumulam apenas para exercerem tráfico de influências, e essas, evidentemente, têm sempre possibilidade de fugir às taxas. Quanto a estes, terá o Governo de avançar outros caminhos, começando talvez por escolher com apertado e cauteloso critério os administradores por parte do Estado e os delegados do Governo junto das empresas onde eles devam existir.
Dois pontos gostaria de referir ainda dentro desta matéria. O daqueles que, detendo o controle de sociedades ditas anónimas, se atribuem a si próprios na administração das mesmas vencimentos avultadíssimos, evitando a distribuição de lucros e aproveitando-se da benévola taxa com que são tributados os elevados rendimentos no âmbito do imposto profissional.
Finalmente, o da manifesta injustiça com que são tributadas as famílias que têm a seu cargo o sustento e a educação de uma prole mais ou menos numerosa. Para eles nenhuma dedução está prevista no imposto profissional. Ridícula e irrelevante a dedução que lhes é atribuída nos termos do imposto complementar. Com efeito, para um rendimento anual da ordem dos 100 contos, tanto é isento de imposto complementar um casal sem filhos como um casal com dez filhos. E para um rendimento anual da ordem dos 240 contos a diferença de imposto a pagar por dois casais nas condições acima citadas será no máximo da ordem dos 3800$.
Sabendo-se o que custa actualmente sustentar e educar um filho; sabendo-se até que grau o ensino oficial é gratuito; sabendo-se qual a protecção real que a Previdência assegura em caso de doença dos membros do agregado familiar, ou de morte do seu chefe; conhecendo-se os montantes desactualizados do abono de família, pergunto se tudo isto cabe dentro da noção de estado social e se, o que é mais grave, se tem cumprido o artigo 14.º, n.º 3, da Constituição, que claramente estipula:
Em ordem à defesa da família pertence ao Estado e autarquias locais:
3.º Regular os impostos de harmonia com os encargos legítimos da família e promover a adopção do salário familiar.
III. Política de investimento, monetária e financeira. - Em matéria de investimento, diz a proposta que «o Governo, sempre que reconheça interesse para o progresso da economia nacional, concederá adequados incentivos a empreendimentos privados, promoverá a participação do Estado ou de empresas públicas na criação de novas unidades produtivas ou, ainda, tomará a iniciativa da realização directa pelo sector público de outros empreendimentos».
Se é de louvar a disposição do Estado de intervir directamente em sectores da economia, de interesse nacional, em relação aos quais a iniciativa privada manifesta desinteresse ou incapacidade, julgo que deverá haver o cuidado de, com a antecedência necessária, claramente definir quais os sectores em que o Estado considera necessária uma eventual intervenção.
Com efeito, a falta de uma definição clara da política a seguir poderá provocar uma retracção dos investidores que, em última análise, se pretendem captar.
Por outro lado, parece também aconselhável que, uma vez lançados esses empreendimentos, o Estado devolva à poupança privada o capital investido, libertando assim verbas que poderão ser aplicadas no lançamento de outros investimentos prioritários.
Sabendo-se as dificuldades de toda a espécie com que esbarra normalmente o investidor potencial, quer nacional, quer estrangeiro, regista-se com enorme satisfação a intenção do Governo de «os informar e apoiar através quer da divulgação das oportunidades existentes e dos incentivos que se oferecem a novos empreendimentos industriais, quer da realização de estudos de viabilidade de projectos susceptíveis de dar contribuição útil para a instalação de novas indústrias ou para desenvolvimento ou reorganização de indústrias já instaladas».
Espera-se que possa ser criado um serviço especial para o efeito que, para além dos informes necessários, venha a coordenar as competências de, por vezes, cinco e mais serviços de diferentes Ministérios, chamados a pronunciarem-se sobre os diversos aspectos respeitantes à execução de um novo empreendimento.
De esperar, também, que muito brevemente se defina com precisão uma política em relação aos investimentos estrangeiros no nosso país, dificultando ou impedindo os que não interessem à nossa economia e tentando captar por meio de incentivos apropriados aqueles que sejam considerados vantajosos para o progresso da Nação.
Página 112
112 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 8
Vantajosa será ainda a política prevista de incentivar o agrupamento e a fusão de empresas de determinados sectores, desde o momento que essa política seja acompanhada de uma lei anti-trust e, sobretudo, que se tomem medidas eficazes no sentido de levar as sociedades anónimas portuguesas a deixarem de ser sociedades familiares ou pertencentes a pequenos grupos fechados, para passarem a ser verdadeiras sociedades de capitais, francamente abertas e atractivas para a pequena e média poupança.
De resultados seguros para a reactivação do investimento industrial deverá ser também a modificação do regime de condicionamento industrial, reduzindo-o apenas a determinados sectores importantes, bem como a aplicação prática dos princípios já há muito estatuídos sobre o crédito a médio prazo com regime especial, a qual espero bem seja uma realidade dentro das próximas semanas.
Finalmente; cabe uma palavra sobre uma actividade fundamental para o nosso desenvolvimento económico: a exportação.
Conhecidas como são as limitações do mercado interno português, quer no que respeita ao numero de habitantes, quer, sobretudo, no que se refere ao baixo poder de compra da maioria, dos seus habitantes, a produção industrial portuguesa encontra dificuldades em se fixar em níveis que têm de ser cada vez mais elevados paru se considerarem concorrenciais, ou sequer rentáveis.
Os grandes complexos industriais modernos, o nós temos cada vez mais que os criar, necessitam de vastos mercados que o espaço económico português ainda não oferece para um grande número de produtos industriais.
Por outro lado, torna-se necessário aproveitar transformar em riqueza real algumas das potencialidades económicas com que fomos bafejados pela natureza, e excedem também as necessidades actuais do País.
É preciso partir. Conquistar à custa de inteligência e de esforço continuado novos caminhos, novas dimensões para a expansão da nossa economia, quer dizer, do nosso bem-estar.
Registo com agrado as intenções expressas pelo Governo na proposta no sentido de apoiar por diversas formas a actividade exportadora dos nossos industriais e comerciantes, mas renovo o apelo feito há pouco tempo noutro lugar, de que se abandone definitivamente o dinamismo do papel e se dê, sem mais demora, execução, por exemplo, «aos princípios estatuídos sobre o crédito e o seguro de crédito à exportação», sem o que a maior parte do esforço na conquista de novos mercados se tornará ineficaz e inoperante.
Repito também os apelos já feitos no sentido de que se proceda urgentemente à reconversão do padrão da oferta portuguesa precedida de cuidadosos estudos de mercado:
De que se reestruture o fomento da exportação, promovendo-se, entre outras coisas, a constituição de duas organizações separadas, para o fomento dos produtos agrários e dos produtos industriais, tal como os Franceses e os Alemães já o fizeram, com notáveis resultados, com a Sopexa - Société pour l'Expansion des Produits Agricoles e a Arbeitsgemeinschaft Agrar-Export;
De que se acabe de vez com a multiplicidade de marcas sem significado comercial;
De que, como agora a proposta prevê, se associem e coordenem os esforços dos industriais e exportadores portugueses;
De que, sobretudo o sector privado e o sector público, se mentalizem definitivamente de que para exportar é preciso, sobretudo, aparecer, lutar, informar-se, manter-se sempre presente. De que é preciso vender e não deixar comprar os nossos produtos, que, por melhores que sejam, poderão sempre ser também substituídos por outros de qualquer país concorrente.
IV. Funcionalismo público. - A proposta de lei que estamos apreciando, além de ser omissa quanto aos problemas da redistribuição dos rendimentos, não se refere à Reforma Administrativa. O mesmo acontece em relação a disposições relativas RO funcionalismo, o que se justifica no relatório que a antecede, pelo facto de muito recentemente terem sido alteradas as condições relativas às remunerações.
Se bem que o Governo tenha feito um notável esforço, ao qual vai afectar 1 600 OCO contos do Orçamento Geral do Estado, e embora se tenha possivelmente de aceitar que de momento, dadas as limitações de vária ordem, não se poderá ir mais longe, o facto é que, além de outros, fica ainda em aberto o problema da insuficiência dos vencimentos, sobretudo dos das categorias mais baixas.
Insistindo nas limitações de vária ordem, que sei existirem, não posso também deixar de lamentar que não tenha sido possível aumentar as categorias mais baixas em percentagens progressivamente mais elevadas em relação às categorias superiores do quadro, contribuindo assim para uma diminuição do desnível entro os vencimentos, que, pelo contrário, passou a ser maior, havendo casos em que o aumento de uns foi bastante superior ao vencimento actualizado de outros.
Não deve esta Assembleia escandalizar-se, nem o Governo levar a mal, que aqui se faça eco do descontentamento das classes mais humildes dos servidores do Estado, que, entre outras formas, se exprimiu pela frase: «Dá-me o teu aumento, dou-te o meu vencimento.»
Parece-me ainda oportuno chamar a atenção desta Assembleia e do Governo para dois casos de injustiça manifesta de que são vítimas dedicados servidores do bem comum.
Refiro-me, em primeiro lugar, ao facto de recentemente os professores do ciclo preparatório terem baixado de letra. Eis os factos:
O ciclo preparatório do ensino secundário foi criado pelo Decreto n.º 48 752, publicado no Diário do Governo, de 9 de Setembro de 1968, e os vencimentos do respectivo pessoal docente foram estabelecidos em igualdade de circunstâncias com os do ensino técnico e do ensino liceal.
O Decreto n.º 49410, de 24 de Novembro de 1969, mantém a letra respeitante aos vencimentos do ensino liceal e do ensino técnico, mas, quanto ao ensino do ciclo preparatório, baixa a letra e, portanto, a categoria.
Lapso ou medida intencional?
É certo que houve um ligeiro aumento, que nem resolve os problemas financeiros dos seus beneficiários nem paga a manifesta injustiça de que foram vítimas.
Além disso, os estagiários do ensino liceal, técnico e preparatório estavam sujeitos às mesmas condições de acesso ao estágio para professores efectivos e, como as normas eram iguais, muitos optaram pelo ciclo preparatório e desistiram, portanto, do estágio do liceu e do ensino técnico. O mesmo sucedeu com os professores que, tendo certo número de anos de serviço, requereram Exame de Estado. A nova regulamentação sobre vencimentos altera essas condições, deixando os estagiários em inesperada e injusta situação de desigualdade.
Página 113
13 DE DEZEMBRO DE 1969 113
Os professores com Exame de Estado do ensino técnico ou do ensino liceal que optaram pelo ciclo preparatório, dado que as condições eram idênticas, sentem-se agora, logrados pelas desigualdades criadas.
Lapso ou medida intencional?
Pouco importa. O que importa é que urgentemente, antes do início do novo ano, a situação seja revista e justiça seja feita a quem a merece.
Não posso também deixar ainda de referir aqui a singular situação em que .se encontram os professores do Conservatório Nacional, a qual depende, como se sabe, da Direcção-Geral do Ensino Superior e das Belas Artes. Normal seria, portanto, que os vencimentos dos professores do Conservatório estivessem equiparados aos dos seus colegas das escolas de belas-artes.
Tal não acontece, porém, e assim os professores do Conservatório têm vencimentos inferiores (em certos casos, metade) aos dos auferidos pelos professores de Canto Coral dos liceus, os quais, quando pertencentes à classe dos contratados, são agora obrigados à prestação de provas no final de cada ano lectivo, provas essas a que presidem professores do Conservatório Nacional.
Dos 40 professores do Conservatório apenas 6 são efectivos e têm, portanto, direito às diuturnidades.
Os restantes, Srs. Deputados, isto é incrível, mas verdadeiro, são interinos, alguns deles, há vinte e nove anos.
Há trinta anos que aguardam a reforma, sempre prometida, do Conservatório e a revisão dos seus desactualizados vencimentos, cuja base corresponde à que foi fixada pela reforma do Conservatório de 1919.
Srs. Deputados: A maioria dos professores do Conservatório pertence à letra P, que engloba também as professoras de Lavores Femininos sem curso, e ganha agora 3500$ por mês, enquanto um professor de Canto Coral dos liceus, letras I e H, recebe 6500$ ou 7800$.
Os interessados têm percorrido todas as instâncias oficiais competentes desde há alguns anos a esta parte e sempre lhes tem sido assegurado que o assunto será resolvido ràpidamente.
Pobre Conservatório. Grande Conservatório, que tens sido servido per gente tão dedicada.
Até quando, chega Administração, explorarás estes teus servidores?
Será a situação do erário público tão difícil que impeça que antes do fim do ano se faça justiça a quarenta professores?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Acabo como comecei, pedindo benevolência e compreensão para as palavras que pronunciei.
Esta é a minha forma de colaborar com o Governo e de interpretar a defesa dos interesses dos eleitores que represento.
Se não gostarem, que me mandem embora. Mas durante quatro anos terão de me aturar.
O Sr. Roboredo e Silva: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Sr. Presidente: - Se V. Ex.ª deseja pedir explicações ao Sr. Deputado que acaba de usar da palavra, só ele lhas poderá dar ou não. Mas V. Ex.ª pode ainda querer interrogar a Mesa, o que lhe é permitido pelo Regimento, ou, porventura, intervir mesmo no debate, proferindo considerações «obre qualquer matéria relativa à generalidade da proposta de lei em discussão. Neste último caso, terei muito gosto em inscrever V. Ex.ª como orador nesta sessão. V. Ex.ª é que decidirá.
O Sr. Roboredo e Silva: - Eu apenas queria pedir um esclarecimento sobre a intervenção do Sr. Deputado Pinto Leite. Mas, como S. Ex.ª não autorizou que eu voltasse a interrompê-lo, aguardei que acabasse as suas considerações, na convicção de que nessa altura seria possível obter o esclarecimento que pretendo. Mas se V. Ex.ª entende que a minha pretensão está fora do Regimento, só tenho de conformar-me.
Afigura-se-me, todavia, que, uma vez que o Sr. Deputado Pinto Leite não permitiu mais interrupções até ao fim do seu discurso, parecia lógico pensar que, finda a sua exposição, eu pudesse ser esclarecido.
O Sr. Presidente: - Tenho muita pena, mas não consegui ouvir completam ente V. Ex.ª, até porque V. Ex.ª não quis dar-se ao incómodo de se deslocar até junto de um dos microfones fixos da sala, pois, devido a certos condicionalismos técnicos que ainda não foi possível remediar, outros não há por enquanto. Portanto, se se trata de um aparte ao orador, embora ele já tenha acabado, só ele pede consentir que V. Ex.ª o faça.
Mas já agora pediria a V. Ex.ª e à Assembleia o favor de repararem que a defesa das nossas próprias opiniões não pode impedir a manifestação da opinião dos outros, se nos queremos respeitar a nós próprios e ao Regimento. Todos compreenderão que qualquer atitude limitativa, por parte da Presidência, não tem outro sentido senão, no quadro do mais profundo respeito pessoal do Presidente por cada um de VV. Ex.ªs, o de fazer respeitar o Regimento, que é a regra a que devemos obediência.
V. Ex.ª pediu a palavra. Tenho pena de dizer que, por deficiência física minha e técnica da sala, sem o desejar, não consegui ouvir V. Ex.ª
Seguramente, teria seguido com mais proveito as palavras de V. Ex.ª se se tivesse dado ao incómodo de se deslocar até junto de um dos microfones existentes na sala.
No decorrer da intervenção do Sr. Deputado Pinto Leite houve mais alguns apartes que a taquigrafia não conseguiu registar.
O Sr. Pinto Balsemão: - Sr. Presidente: Os meus respeitosos cumprimentos. Perdoar-me-á V. Ex.ª que não me detenha longamente- nas: palavras de elogiosa saudação que a praxe parlamentar recomenda. Embora respeite profundamente as tradições, entendo que elas só são de seguir quando representem uma contribuição válida do passado para a solução útil dos problemas do futuro. Como, no caso presente, a personalidade de V. Ex.ª é por de mais conhecida e admirada, não serviriam as minhas modestas palavras para a enaltecer e, menos ainda, para a lisonjear.
Permito-me, por isso, entrar directamente no assunto, cometendo voluntária omissão que, estou certo, V. Ex.ª compreenderá, aceitará e saberá interpretar na sua única intenção: apoio ao ambiente de trabalho de que o espírito prático e a esclarecida experiência de V. Ex.ª têm querido impregnar, embora, infelizmente, sem sempre o conseguir, as actividades desta legislatura.
Sr. Presidente: Tem sido largamente referida e louvada nesta Câmara a preocupação do Governo de, na proposta de lei de meios, reforçar a «integração nas directivas da política económica global dos planos da actividade financeira do Estado». Essa inserção é, aliás, complementada pelo reconhecimento da necessidade de ajustamento
Página 114
114 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 8
«aos condicionalismos das situações conjunturais e às exigências do desenvolvimento da economia portuguesa».
Diversos Deputados têm também devidamente assinalado as duas principais novidades da proposta de lei de autorização de receitas e despesas para 1970: «o enunciado dos grandes princípios: que no próximo ano presidirão à definição e aplicação da política económica, financeira e orçamental do Governo» e, «de acordo com o mesmo critério», a inclusão de «capítulos, que nunca haviam aparecido nas leis de meios anteriores, com disposições sobre a política económica sectorial e a política regional».
Por outro lado, têm merecido palavras de registo e de apreço o propósito de partir dos «objectivos e condicionalismos de base fixados no III Plano de Fomento» para o estabelecimento do enunciado das grandes orientações financeiras e económicas a seguir em 1970 e, consequentemente, a intenção de «evitar duplicações e sobreposições inúteis em relação aos programas anuais de execução do III Plano de Fomento».
As palavras de aplauso que aqui têm sido proferidas revelam, a meu ver, agrado pela forma mais lógica e actualizada como o Governo pretende gerir o que cobra e o que gasta, e reconhecimento pela mais ampla informação que presta à Assembleia Nacional e ao País quanto aos objectivos a atingir e aos meios a utilizar.
Penso, porém, que, para além do que discutir e votar na especialidade, deve esta Câmara, no decorrer da apreciação na generalidade da proposta de lei, meditar sobre alguns aspectos gerais relacionados com a estrutura e finalidades da Lei de Meios. O problema prévio que se põe é, com efeito, o da adaptabilidade aos tempos modernos do esquema previsto para a Lei de Meios, suas apresentação, apreciação, discussão e votação. Será a Lei de Meãos clássica - e a mecânica estabelecida para a sua aprovação - o instrumento não apenas jurídico, mas também político e económicamente funcional, adequado para a atrás referida integração do programa das receitas e despesas públicas na política económica global?
Entre as questões de base levantadas: a este propósito no douto parecer da Câmara Corporativa há três que me parecem especialmente relevantes:
A inclusão, na proposta de lei de meios, de medidas de carácter permanente, quando o próprio relatório governamental «reafirma que a definição de uma política de curto prazo é o objectivo da lei de autorização de receitas e despesas».
A inclusão, na proposta de lei de meios, de disposições cuja utilidade, «pela falta de imperatividade que as caracteriza, é discutível».
As limitações que advêm para o trabalho da Câmara Corporativa e da Assembleia Nacional «em resultado da estreiteza do prazo fixado» para o estudo e para a discussão e votação da Lei de Meios.
Não será necessário explicitar ou desenvolver estes três aspectos, não só porque estou certo de que todos VV. Ex.ªs leram atentamente o parecer da Câmara Corporativa, mas também porque as conclusões a), c) e d) e b) do parecer da Comissão de Finanças a eles se referem mais ou menos directamente.
O dilema que surge é, portanto, o seguinte: ou a Lei de Meios se circunscreve a autorização de receitas e despesas públicas; ou a Lei de Meios pretende ser «um programa completo com todas as grandes directivas da política económica para cada ano». Pelo que afirma no n.º 48 do relatório da proposta de lei de meios, o Governo inclina-se para a segunda solução, embora reconhecendo que há ainda um longo caminho a percorrer e que «as dificuldades de ordem prática a vencer são muito consideráveis» - dificuldades que, por exemplo, devem estar na origem do não enquadramento da problemática ultramarina no esquema da proposta de lei de meios.
A tese governamental afigura-se, na verdade, a mais adequada, pois é impossível definir orientações, separando o programa das receitas e despesas públicas da política económica global. Para que essa tese atinja os seus objectivos, será, no entanto, necessário que a proposta de lei de meios se revista de características diferentes.
Em primeiro lugar, deverão ser excluídas todas as medidas previstas de carácter não exclusivamente conjuntural. As disposições sugeridas em matéria fiscal, por exemplo, venham ou não a ser aprovadas na forma proposta, têm nítida intenção de permanência.
Em segundo lugar, será conveniente que, para a definição de uma política conjuntural geral, o Governo disponha de instrumentos de trabalho actualizados e completos. Ora o próprio relatório governamental reconhece as terríveis deficiências que se verificam no capítulo da estatística. Como pode, honestamente, a Assembleia Nacional aprovar uma proposta de lei que contém as grandes orientações económicas e financeiras para 1970, sabendo que, honestamente, o Governo se confessa deficientemente informado para a sua elaboração? Não pode o Governo, de cujos bons propósitos não se duvida, ter errado, precisamente porque lhe faltam os elementos de base?
Em terceiro lugar, afigura-se vantajoso que a Lei de Meios passe a constituir um guia anual para a vida económica nacional. A reduzida divulgação do documento e os termos técnicos em que relatório e texto aparecem redigidos dificultam o seu conhecimento. A iniciativa privada, sobretudo o pequeno empresário e o empresário médio, vive divorciada da Lei de Meios, não sabe muitas vezes que ela existe ou para que serve, e isso equivale a dizer que não se lhe pode pedir uma colaboração activa no desenvolvimento, por ignorar os seus objectivos.
Em quarto lugar, será útil a criação de um critério lógico que elimine da proposta preceitos sem carácter imperativo, que, como acentua o douto parecer da Câmara Corporativa, são simples «enunciados de estudos ou programas de trabalho que o Governo pretende levar a cabo».
Em quinto lugar, à adopção de um tom programático na proposta de lei de meios deverá corresponder uma maior concretização das providências apontadas. A Câmara Corporativa refere-se algumas vezes a estes aspectos - por exemplo, a propósito da expressão «reforçar rendimentos» do n.º 1 do artigo 4.º: «Quanto aos rendimentos a reforçar ou a criar, nada se encontra que, explícita ou implicitamente, venha denunciar quais os julgados mais convenientes.» A Comissão de Finanças evidencia preocupações semelhantes, ao reivindicar para apreciação da Assembleia Nacional as prometidas modificações do regime do condicionamento industrial e da legislação sobre preços e margem de lucros. Neste aspecto, apoio inteiramente as palavras do Deputado Correia da, Cunha, pois, como ele, penso que «não devemos alienar o direito de nos virmos a pronunciar, no âmbito da Assembleia, a na altura própria, sobre algumas das medidas preconizadas».
Em sexto lugar, será conveniente que a concretização de objectivos não se limite, como em alguns casos tem sucedido, à publicação de decretos-leis. O exemplo do crédito a médio prazo é sintomático: existe a legislação mencionada no relatório governamental, mas continua-se a desconhecer a forma e as condições em que tais operações se poderão realizar, nomeadamente quanto a taxas e quanto a refinanciamento junto do banco central. Sempre que as providências não passam do Diário do Governo, aumenta a margem de descrença dos empresários e di-
Página 115
13 DE DEZEMBRO DE 1969 115
minui, consequentemente, a sua capacidade de colaboração.
Em sétimo lugar, é indispensável que às duas Câmaras seja concedido mais tempo para o estudo, discussão e votação da proposta de lei de meios. O parecer da Câmara Corporativa aborda mais de uma vez o assunto e, na Assembleia Nacional, creio haver unanimidade, neste aspecto, pelo menos no que respeita ao inevitável atraso com que nos chegou o parecer da Comissão de Finanças e com que não nos chegou o da Comissão de Economia e às curtas horas reservadas para a discussão na especialidade.
Sr. Presidente: Penso que ficou suficientemente esclarecida a minha posição quanto à proposta de lei de autorização de receitas e despesas para 1970. Aprovo-a na generalidade, sobretudo pelas intenções de esclarecimento, de integração económica e financeira e de evitar duplicações ou oposições de objectivos que revela. Entendo, todavia, que, dentro do caminho escolhido, ela não constitui ainda o programa de acção coerente a que é legítimo aspirar. Considero, por isso, que se impõem as revisões de sistematização, de forma, de conteúdo e de prazos de apreciação que preconizei e que julgo ter justificado.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi cumprimentado.
O Sr. Camilo de Mendonça: - Sr. Presidente: Começarei por saudar vivamente V. Ex.ª, por lhe manifestar o preito da minha velha admiração e muita estima.
Recordo o parlamentar brilhante, independente e austero, certeiro na crítica, cioso das prerrogativas parlamentares, paladino das grandes aspirações da lavoura portuguesa, intérprete seguro dos direitos do homem quando burocracias ou geometrismos técnicos o procuravam esmagar ou simplesmente esqueciam ...
Recordo o seu passado de parlamentar, que conquistou justamente o reconhecimento dos seus pares de sucessivas legislaturas, mas aponto também o seu exemplo de inteireza de carácter, de firmeza de ânimo, de firme serenidade e completa isenção que o tornaram credor do respeito de todos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - É com viva satisfação e uma pontinha de orgulho que o vejo presidir à nossa Assembleia política e é nessa qualidade que lhe auguro novos êxitos a confirmar quanto de V. Ex.ª, reflectida a confiadamente, espero.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: A minha intervenção será modesta, não passará de meia dúzia de apontamentos sobre aspectos gerais uns, particulares outros. E que retornado, qual emigrante, embora mais propriamente se trate de exílio voluntário, não me será fácil acostumar-me ao jogo da política de que, como prática, cada vez me sinto mais afastado, carregado de força repulsiva.
Seja como for, é meu dever como Deputado defender os meus pontos de vista em prol de quanto julgo ser o superior interesse do País e especialmente das gentes das minhas segregadas terras ...
E posto este breve, mas esclarecedor, intróito a definir a posição de um Deputado sem veleidades nem grandes ilusões, entrarei directamente no tema em debate - a Lei de Meios para 1970.
A leitura do parecer da Câmara Corporativa, não obstante a categoria das personalidades que o subscrevem como de quem o relata, desiludiu-me e entristeceu-me.
Se é felizmente menos longo que em outras oportunidades, talvez até pela escassez do tempo para o relatar, parece fechar-se em formalismo injustificado em face das concepções presentes e manifestas exigências da moderna actuação governativa.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Os preceitos da Constituição de 1933 sobreviveram, neste como em outros casos, inalterados enquanto novos conceitos, novas exigências e novas técnicas de actuação foram passando à ordem do dia quase sem discrepância no mundo dos nossos dias.
Restringir a apreciação parlamentar às receitas e despesas insertas no Orçamento Geral do Estado, quando bem se sabe representar este cada vez mais uma fracção dos meios do Estado, quando, desde há anos, insistentemente se reclama a integração no mesmo das mil e uma formas por que se desmultiplica a acção do Estado, quando não podem ignorar-se a importância crescente de institutos, organismos e fundos paraestatais, nem da previdência social, das autarquias locais e dos governos ultramarinos, apenas se pode entender em obediência a fórmulas jurídicas clássicas e estritamente interpretadas, qual farisaica atitude.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O que está em causa é poder ser apreciado o comportamento do Estado em termos de economia global abarcando o conjunto do território nacional. O que está em causa é a necessidade de vir a ajustar, na primeira oportunidade, às realidades e exigências actuais o preceito constitucional, passando a exigir talvez uma proposta do Governo em vez da clássica proposta do Ministro das Finanças.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Não é outro, de resto, o processo sucessivamente trilhado pelos Ministros das Finanças, que, ano a ano, vêm acrescentando novos elementos e diferentes questões programáticas, agora ampliadas até por mercê da possibilidade de o Ministro das Finanças incluir, directamente por si, também aspectos paralelos, complementares ou integrantes da actuação do Ministério da Economia.
Neste sentido só temos de nos regozijar com o procedimento do Ministro das Finanças e da Economia na esteira de um novo processo, na correspondência às exigências de hoje, na compreensão das necessidades desta Câmara para bem se desempenhar da delicada missão, só havendo a pedir que o caminho se continue a ampliar independentemente da eventual revisão do preceito constitucional e nesse entretempo, conforme o voto da nossa Comissão de Economia.
E, posto isto, terei de acentuar que a conjuntura política do País se, por um lado, exige vultosas despesas militares, que me atrevo a considerar tenderem estabilizar-se com o atingir dos limites da capacidade de mobilização normal por outro, impõe crescentes e maciços investimentos no desenvolvimento económico e social, no combate frontal às assimetrias de desenvolvimento regional, na satisfação de prementes necessidades das populações, no refazer de múltiplas infra-estruturas na consideração de imperiosas exigências do ensino, da saúde, da habitação, etc.
Não poderá deixar de se referir que, se estas necessidades económicas, sociais e educativas estiveram contidas e silenciadas durante os últimos anos, apesar de vivamente sentidas, deixaram já de o estar, constituindo, sem dúvida
Página 116
116 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 8
nem possibilidade de controvérsia, ansiedades desesperadamente sentidas, insatisfações que exigem solução pronta, rápida e efectiva.
As justificações desta profunda mudança nos espíritos e atitudes são diversas, as motivações são múltiplas e nem poderá deixar de ser dito que o próprio Governo, sem excluir o Presidente do Conselho, facilitaram a expressão dessas ansiedades e, por vezes, as estimularam até, constituindo-as assim num motivo de esperança.
É neste quadro que temos de raciocionar, é com este panorama que temos de contar, é dentro deste condicionalismo, aliás irreversível, que temos de actuar.
O desespero da frustração constitui, social e politicamente, sempre o pior dos reversos de um clima de esperança generalizada e de expectativa confiante.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Ora conhecidos, por um lado, o nível atingido já pelas despesas militares e, por outro, o montante das necessidades primárias a satisfazer para garantir a toda a população o mínimo de condições de vida, facilmente se conclui não se poder, dentro do quadro tradicional de acção doméstica, assegurar, simultânea e efectivamente, a execução tempestiva destes dois desideratos e, por sobre eles, forçar a expansão da economia em termos de nos situarmos ao nível europeu, como é mister.
Não poderá continuar a seguir-se um critério doméstico de arrumação, tirando daqui para pôr acolá, mas corajosa e ousadamente fazer apelo a todos os recursos, a todos os meios, a todas as possibilidades viabilizadas pela situação financeira de que desfrutamos.
As palavras, a uma vez, corajosas e honradas do Sr. Ministro das Finanças, prevenindo e esclarecendo que será necessário recorrer mais amplamente a empréstimos para poder assegurar a realização do programa anunciado, traduzem uma mudança indispensável relativamente a técnicas e critérios anteriores que me deixam antever que se está no caminho exigido pelo condicionalismo político e imposto pelas circunstâncias.
Creio que será indispensável trilhá-lo sem detenças, com decisão e com coragem, sob pena de poder fracassar-se num e noutro dos objectivos, embora por motivos diferentes, o que seria a catástrofe.
E nem se diga ou pense que as despesas militares constituem um peso insuportável para a economia nacional, pois a sua representação em termos percentuais no Orçamento Geral do Estado não lhe confere idêntico significado quando transpostas para o domínio da economia nacional.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - É sabido terem as guerras servido, frequentemente, processos de desenvolvimento económico, particularmente quando a generalidade das despesas ou consumos exigidos pela guerra podem processar-se e efectivar-se apenas dentro do espaço económico nacional.
Talvez não possa dizer-se que, no nosso caso e nos últimos anos, se tenha feito nesse sentido não só o esforço máximo como sequer aquele ao nosso mediato alcance, desde os equipamentos e munições até, mais prosaicamente, às subsistências ... até porque manifestamente nunca poderia ter-se admitido uma guerra curta ...
Mas é possível fazê-lo, mas tem de ser feito esse esforço, como o exige o interesse nacional, e valerá a pena que em oportunidade apropriada desse problema nos ocupemos mais concreta e directamente dentro do melhor espírito de cooperação, servindo o evidente interesse nacional.
É certo que no nosso condicionalismo, processando-se as operações militares em territórios distantes do espaço metropolitano, não poderá deixar de atender-se a que os estímulos das despesas militares se dividirão desigualmente entre os diferentes territórios e a que os reflexos duradouros podem ser diferentes dos efeitos e impactes.
São problemas cujo conhecimento e análise aprofundados se impõem, até para definir o melhor modo de evitar a esterilização ou a desnaturação dos estímulos, mas que em qualquer caso não destroem a tese quando considerado em globo todo o território nacional, nem a necessidade de desenvolvimento de todas as suas parcelas.
Façamos, pois, verdadeira e deliberadamente da guerra que temos de suportar também, e na medida do possível, um elemento do nosso desenvolvimento em todos os aspectos e domínios. E tempo de o fazer, tanto pelo que respeita às produções exigidas pela guerra como pelo conjunto de medidas a adoptar para tirar pleno e útil partido dos estímulos económico-sociais provocados quer pelas operações militares, quer pelas despesas ou consumos a que obrigam, e não esquecemos que essas medidas não podem limitar-se ao continente ou às províncias ultramarinas, têm de reportar-se a todo o conjunto nacional, que constitui um todo homogéneo e harmónico.
Se formos capazes - e porque não havemos de ser? - de, sem prejuízo das exigências militares, e também por força delas, satisfazer o conjunto das necessidades de desenvolvimento económico-social do País, poderei acrescentar que o investimento na defesa do ultramar será, para lá dos seus imperativos políticos, em termos puramente económicos, um investimento rentável, até a médio prazo.
Se para disciplinar e melhor coordenar as despesas militares, com a compreensão de todos, sem sacrifício de nenhuma das exigências das operações e até com benefício da sua eficiência, é óbvio ter sido feito, no último ano, um esforço ingente de efeitos já evidentes, como poderei duvidar de que nos outros aspectos se não seja capaz de encontrar rapidamente soluções para a sua grande maioria?
Pelo que concerne à política económica e financeira, também não me assaltam grandes dúvidas quando assisto ao dobrar de um caminho, ao rever de um critério doméstico ...
Fora disto subsiste, porém, um grande, um imenso problema: é que a mudança que se impõe, de que o País desespera, é mais vasta e profunda, tem de alargar-se a todos os campos e domínios, de atingir a estrutura da Administração e dos serviços, implica uma mudança de filosofia de acção, supõe uma nova forma vital de actuação.
A recente revisão dos vencimentos do funcionalismo pode bem documentar a mudança que se impõe, e a acção dos serviços ilustra a necessidade das reformas de métodos, processos e, principalmente, de espírito que se exige.
É bem conhecido, volvidos trinta e tantos anos, ser a situação do funcionalismo radicalmente diferente daquela que se estruturou em 1936; diferente quanto a níveis de remuneração em si mesmos e relativamente aos padrões do País numa e noutra época; diferente quanto aos meios humanos e materiais de que dispõem os serviços públicos; diferente quanto à eficiência da Administração; diferente, enfim, quanto à correspondência entre o estado do País e a missão dos serviços...
Pois bem, é neste quadro, em que tem vindo a ser, depois da última grande guerra mundial, sucessivamente remendado, mas sempre em atraso e em crescente defeito, o problema das remunerações do funcionalismo público, que se enxertou a última revisão dos vencimentos
Página 117
13 DE DEZEMBRO DE 1969 117
dos servidores do Estado e dos seus órgãos descentralizados.
É inegável que o dispêndio anual de mais milhão e meio de contos significa uma abertura de espírito, incrível tempos antes pelo volume do encargo, tanto em si mesmo como relativamente ao nível das receitas ordinárias do Estado.
O aumento concedido traduz, assim, um acto de coragem do Governo, a raiar pelos limites da imprudência, relativamente às possibilidades do Tesouro Público, como a atestar, por um lado, o conhecimento do estado de deterioração a que chegou o funcionalismo e da necessidade de o reequiparar às demais actividades e profissões e, por outro, a consciência das expectativas criadas e das ansiedades despertadas.
Pois bem, não obstante a corajosa e louvável decisão de despender mais milhão e meio de contos por ano com remunerações aos servidores do Estado, as providências adoptadas representaram-se, na generalidade, por uma verdadeira frustação.
E nem se diga que a distribuição por categorias dos aumentos concedidos possa justificar semelhante resultado, pois é sabido que o peso das remunerações dos funcionários mais modestos é de tal forma elevado no conjunto da despesa com o funcionalismo. (70 a 87 por cento, conforme se excluam ou incluam as chamadas categorias intermédias) que a demagógica e radical eliminação de quaisquer melhorias às categorias superiores não consentiria nenhuma elevação significativa (3 a 8 por cento, consoante se excluam ou incluam nas categorias superiores as classes intermédias ...) para as camadas mais modestas.
Quer dizer, o sacrifício de alguns não traria proveito a ninguém! Não se pode deixar, portanto, de louvar os propósitos do Governo e até de concordar de uma forma geral - há excepções, como há lapsos manifestos que certamente serão corrigidos - com o critério de distribuição dos aumentos, tendo especialmente em conta a grave falta de técnicos com que se debate a Administração, mas não poderá igualmente, e também, deixar de reconhecer-se que o sacrifício do Tesouro Público de facto muito pouco resolveu e politicamente não satisfez ninguém.
Terá de ser por outros caminhos e com diferente filosofia vital que o problema deve ser encarado. Terá de ser pela drástica redução dos quadros, ainda que em diversos sectores tenha de acontecer o contrário, que o problema pode, deve e tem de ser resolvido.
Caricaturalmente poderá dizer-se que é necessário reduzir o funcionalismo a 1/3, para as tarefas actuais, e pagar-lhe o dobro, para que novo equilíbrio possa ser encontrado.
Mas isto implica e supõe uma mudança da actuação do Estado, uma diferente filosofia de Governo e de administração, um comportamento diverso da própria Nação.
Implica e supõe que de um estado providência, interferindo em regra nos pormenores sem significado para olvidar as grandes questões que a todos afectam, se passe a uma administração válida que se limite a coordenar, orientar e fiscalizar as actividades do País, devolvendo, até onde for possível, à Nação e seus órgãos intermédios as responsabilidades de actuação.
É que a actual administração pública constitui a mais completa desnaturação daquela que se instituíra - e bem - em 1936 e parece contemplar situações conjunturais nos domínios económico, social e psicológico radicalmente diferentes. A actual Administração, salvo honrosas excepções, conserva daquela: o espírito de pretender suprir a ausência de iniciativa, de capacidade de acção do comum dos Portugueses, como se hoje escasseassem, iniciativas ou falta de capacidade de acção; o formalismo burocrático agravado até ao paroxismo pelos condicionamentos de guerra e sucessiva complexidade de vida, como se aquela não tivesse passado já há um quarto de século e a complexidade dos problemas hodiernos não implicasse uma radical mudança de planos de actuação para não esmagar o próprio homem; as estruturas que, se então eram conformes com a natureza e dimensão dos problemas e situações, hoje mais não podem significar do que esqueletos mumificados, irreconhecíveis pelos contemporâneos; a densidade de papéis e quadros subalternos exigidos então pelos métodos e técnicas da época, mas incompreensíveis no mundo dos computadores; a importância arrogante justificada por integrarem então os melhores técnicos e os mais dedicados servidores em exclusivo do interesse geral, mas balofa e impertinente no momento em que os melhores técnicos se encontram na vida privada, os estaduais se subalternizaram sucessivamente e a dedicação passou, como regra, a ser atributo dos servidores de interesses privados, etc.
A estrutura dos serviços públicos, a ineficiência crescente e avassaladora de administração estadual, a doença da burocracite endémica que estes instalaram e o espírito de senhores e donos de que geralmente se acham possuídos, qual orgulho de velha aristocracia arruinada, constituem os maiores obstáculos ao progresso do País e ao desenvolvimento de um efectivo espírito de empresa em Portugal.
A expressão destes vícios, como reflexo da importância, influência e extensão do Estado, ao conjunto da vida nacional modelaram um outro grave defeito da nossa vida: o predomínio de situações de privilégio e preponderância económica - no que as confusões entre o político e o económico tiveram relevante papel -, eliminando praticamente a concorrência dos sectores decisivos da nossa actividade industrial e comercial.
Contràriamente, apenas os domínios artesanais e agrícolas continuaram a manifestar defeitos de uma oferta atomizada perante a concentração, mais ou menos evidente, mas sempre efectiva, da procura.
Devolver à Nação a responsabilidade pela acção, o direito à iniciativa, a responsabilidade pela execução parece dever constituir objectivo imediato e profundo das reformas que se exigem, sem prejuízo da obrigação de coordenar, orientar e fiscalizar que deverá caber a uma administração nova, moderna e eficiente e ainda de ao Estado ser legítimo recorrer a empresas públicas em todos os sectores em que a racionalização e dimensão conduzam ao monopólio ou em que os reflexos da actuação atinjam ou perturbem a expansão de outras actividades, dificultem ou obstem ao prosseguimento de uma política económica nacional.
Devolver à Nação as responsabilidades que lhe devem caber e restabelecer, real e efectivamente, a concorrência salutar creio deverem constituir tarefas primárias da revisão que se impõe e todos esperam.
De outra forma, continuamos a arremedar o sistema russo, em que uma poderosa e inepta burocracia entreposta entre o Governo e o povo demora, quando não obsta, a que possam ser tempestivamente satisfeitas as aspirações e ansiedades da grei, que os dirigentes políticos, atentos, desejam vivamente ver realizadas, e uma completa falta de concorrência conduz à concentração e à ineficiência económica, pesados fardos que a economia soviética tem de suportar.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Mesmo correndo o risco de me alargar para além de quanto desejava, não posso prescindir de deixar ainda mais um breve aponta-
Página 118
118 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 8
mento sobre a necessidade de iniciar decisivamente uma política de correcção à progressivamente mais injusta distribuição de rendimentos, bem revelada por múltiplos indicadores exteriores e outro sobre a política económica pela primeira vez incluída na Lei de Meios.
Pelo que se refere à concentração de rendimentos, limitar-me-ei a anotar que, tendo-se generalizado a aquisição de antiguidades no estrangeiro para revenda em Portugal, claramente fica demonstrado o súbito e extenso aparecimento de um estranho e requintado gosto artístico, demonstrativo de um avassalador progresso cultural e artístico, que nos deve encher de orgulho ou, na alternativa, uma grande concentração de riqueza que nos envergonha.
Vergonha ou orgulho no comércio de antiguidades como na qualidade, valor e número de automóveis de luxo, a contrastar violentamente com os sacrifícios dos que lutam e as dificuldades de grandes camadas da população, o problema existe e exige actuação funda, correcção apropriada.
Uma política ordenada, inteligente e firme de reequilíbrio de rendimentos, pondo em movimento leis fiscais, medidas de defesa de concorrência, participação nos benefícios criados, intervenções saneadoras, constitui exigência imperiosa da hora que vivemos, já que uma situação destas ofende e escandaliza, perturba e revolta.
E essa actuação não poderá olvidar, até também por imperativos constitucionais, o combate efectivo à praga das acumulações de postos rendosos e de domínio na nossa vida económica que ofendem quantos esforçadamente mourejam em Portugal ou, à míngua de possibilidades ..., no estrangeiro em busca de condições dignas de vida.
A proposta de lei de meios, isentando de taxa de acumulação e imposto profissional quando os rendimentos de trabalho resultam do exercício simultâneo de uma ou mais actividades profissionais, não vai contra aqueles princípios e exigências na medida em que, deixando de penalizar rendimentos mais modestos, agrava as taxas do imposto profissional e complementar para rendimentos mais elevados.
Embora essas taxas, especialmente as relativas ao imposto complementar, devam vir a carecer de ver reforçada a sua progressividade para além de determinados escalões, tanto pelas grandes possibilidades existentes de fuga ao imposto, que a recente lei de fiscalização das sociedades anónimas não combate suficiente e eficazmente, a conveniência de não passar rapidamente e de uma só vez do oito para o oitenta, parecem aconselhar a prudência de medidas propostas. Por outro lado, não poderei deixar de olvidar que, se todos os meios devem ser usados no sentido de proceder a uma justa distribuição dos rendimentos e de combate à praga das acumulações de altos postos, a verdade é que o imposto não constitui o único meio nem sequer o mais importante no que respeita à acumulação de cargos como há quase uma década directamente visei - não sei se com utilidade ...
Uma política de reequilíbrio e morigeração dos poderes económicos como da riqueza impõe-se, urge e não pode dispensar-se.
Exige-a a moral, reclama-a a consciência do País, impõe-na a luta que travamos.
E para finalizar, algumas reflexões sobre as orientações e propósitos governativos em matéria de política económica e regional, que porventura deveriam constituir o fulcro das minhas considerações, mas que reservarei para melhor oportunidade.
É-nos anunciado o propósito reformista simultaneamente nos domínios industriais e comerciais e de actuação mais decidida no campo agrícola. E não é já sem tempo, pois nos últimos anos constantemente me tem assaltado ao espírito a necessidade de dizer claramente ao Governo que o rei vai nu ou de outro modo: res non verba.
Seja de bom presságio a inclusão, na parte programática da Lei de Meios, de uma série de acções no domínio económico. São os meus votos e também as minhas esperanças.
A tarefa reformadora terá de partir, porém, de um princípio e de uma filosofia prévios, que julgo não poderem ser outros do que a devolução à Nação das responsabilidades da acção e especialmente da execução das tarefas impostas pelo condicionalismo do tempo e exigidas pela necessidade de rápido desenvolvimento económico e social.
E a aplicação desse princípio implica a profunda reestruturação dos serviços, o abandono de critérios de orientação consumidos em pormenores e esquecidos dos verdadeiros problemas, do cerne das questões, a mudança da mentalidade que tudo esgota na publicação de um diploma como se este pudesse ser mais do que o lineamento da acção ..., a alteração de métodos e processos de actuação, tornando-os compatíveis entre si, coerentes no tempo, pelas orientações no tempo, coordenados no espaço, e o respeito pelas orientações fixadas, não negando ou contrariando, a cada hora e na prática de todos os dias, quanto se definiu como rumo e caminho ...
Longo caminho a percorrer, profunda mudança a operar, que, se exigem decisão corajosa e audaz, supõem visão e critério esclarecidos.
No que se refere ao domínio industrial não avançarei, por agora, mais do que deixar cair uma reserva sobre afirmações responsáveis, nomeadamente no que respeita a fusões, concentrações e recurso espectacular a sociedades mistas que até podem servir de pára-choques ao abaixamento de preços em sectores fundamentais ...
Não basta que a crítica da situação esteja certa e a análise ajustada às realidades evidentes para que todos os caminhos sejam válidos, quaisquer rumos que sejam apropriados, ainda que todos os caminhos vão dar a Roma, porquanto nem todas as rotas conduzem a porto de salvação ...
E a recente e majestosa fusão, aliás maciça, de empresas hidroeléctricas talvez possa constituir motivo de meditação sobre a unidade do caminho, a eficiência da solução, o fundamento do critério, coisas que o futuro não deixará de evidenciar sem remédio ...
Pelo que respeita ao sector comercial, ainda mais envelhecido e arcaico do que os da agricultura e da indústria, pouco deverei acrescentar para lá da esperança de que a revisão de circuitos passe finalmente das palavras aos actos, a reestruturação comercial efectivamente se processe, o aparelho de distribuição se modernize e deixe de constituir, para os preços dos factores, tão pesado ónus para a economia nacional, mas também deverei acentuar que a estabilidade de preços não pode deixar de constituir objectivo fundamental e preocupação primeira, já que dela depende o equilíbrio social, o progresso económico e a sanidade financeira, objectivo e preocupação que supõem acções oportunas, medidas de combate à rigidez das estruturas, equilíbrio dinâmico, em que as fiscalizações pouco mais podem ser do que instrumentos correctores, meio de informação, mas também de repressão de desvios ou abusos, o que significa forma de combate a excepções, e nunca processo de obstar à verificação da regra ...
As condições de concorrência não podem ser substituídas por regulamentos, as motivações da acção humana, por preceitos angelicais ...
Página 119
13 DE DEZEMBRO DE 1969 119
Em quanto se refere à agricultura, não devo deixar de me referir - e apenas como uma referência - à omissão do programa de rega dos objectivos prioritários, pois, atendendo às características climáticas e orográficas do País, ponderada a forma de promover as reconversões indispensáveis e as reestruturações necessárias, tendo presente o incrivelmente baixo ritmo de instalação de novos regadios, não poderá deixar de ser dito que o regadio deve constituir a primeira preocupação no domínio agrário. Erros cometidos, aliás sucessivamente, critérios indefensáveis, continuamente praticados, orientações seguidas que pouco ou nenhuma defesa têm não podem justificar o abandono da política do regadio, pois apenas exigem uma revisão da mesma, desde as suas origens, desde os centros onde se ordena, desde as finalidades com que se prossegue. É essa revisão que tem de ser feita, imediata e profundamente, devolvendo ao sector ou departamento agrícola, a exemplo da generalidade dos países, a tarefa, já que se não trata, senão acessória e incidentalmente, de obras de engenharia, já que o ordenamento sistemático deve substituir ao critério de grandes obras caras, demoradas e de difícil correspondência agrícola. É preciso vencer meio século de atraso, fazer intervir a regra da economia e partir do princípio de que a rega é o fim, e não o meio, de fazer barragens ... ainda quando requintadamente perfeitas como obras de engenharia civil.
Depois anotarei que não partilho da virtude mirífica das sociedades mistas para desenvolver a agricultura, tanto porque a indústria alimentar começa no próprio campo como porque não deixariam jamais de constituir sociedades em comandita ..., como, enfim, porque o agricultor não pode prescindir para sobreviver do suplemento de rédito que pode provir ,da industrialização dos seus produtos. Exemplos nacionais e estrangeiros documentam-no a atestar haver um único caminho. Na Dinamarca como na Espanha, na França como na Itália, a solução cooperativa, como aliás a situação ou o desaparecimento de poderosas empresas, como Lanzebourg ou Libys, podem exemplificar na zona do Languedoc, impõe-se sem discussão nem geralmente alternativa.
Basta que o Governo e a Administração passem da proclamação palavrosa e insincera de ajuda às associações agrícolas, quando na prática de todos os dias agem deliberada e conscientemente de forma oposta a uma política clara, firme, objectiva de apoio efectivo, para que ocorra entre nós quanto se passa em todas as outras agriculturas e deixem de ser feitos reparos ao espírito e comportamento dos agricultores portugueses, reparos que apenas são justos, válidos e oportunos quando dirigidos à administração pública.
Para concluir devo reafirmar a necessidade de uma clara lei de orientação agrária que nos liberte da constante incerteza, da versatilidade das políticas, da incongruência das soluções, da desarmonia dos objectivos, do pessoalismo das orientações, do caseirismo das decisões ...
É tempo de que essa lei venha a esta Assembleia, é tempo de ser definida uma política agrícola ...
Depois apenas haverá que pedir actos em vez de palavras, actuações em vez de legislação, coerência em vez de promessas ...
Falta-me uma referência à política de desenvolvimento regional na proposta de lei quase resumida ao domínio dos chamados melhoramentos rurais, mas que comporta amplos planos de actuação e supõe a imobilização de meios poderosos e convergentes.
Após vinte anos de palavras, esperanças e promessas, de adiamentos e hesitações sem par, hoje apenas direi a este respeito: confiemos em que o Menino Jesus nos traga, qual presente de Natal, as primeiras realizações a bem da paz social e da sobrevivência deste País.
Pela quadra do ano, pelo clima de esperanças, pela agudeza dos problemas, eu confio em que finalmente uma acção regional válida, efectiva e maciça feche tão longo e triste ciclo de abandono e de desprezo e, com esta confiança, dou o meu voto na generalidade à proposta de lei de meios para 1970.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Teixeira Pinto.
O Sr. Deputado Teixeira Pinto apresentou o parecer da Comissão de Economia, a que preside, produzindo considerações que serão publicadas logo que entregue as notas do seu discurso.
O referido parecer é o seguinte:
1. Consciente da importância assumida pela presença do Estado no complexo da vida social e da consequente responsabilidade em que, perante a Nação, o Governo incorre pelo seu comportamento económico-financeiro, a Comissão de Economia acolhe com agrado as intenções reveladas na proposta da lei de autorização das receitas e despesas para 1970.
Na verdade, nela se manifesta a vontade de, na esteira de uma tendência que já vem constituindo tradição, não desligar do conjunto das providências requeridas pela prossecução das políticas económicas as autorizações orçamentais que ao Governo cumpre pedir, nos termos do artigo 91.º, n.º 4.º, da Constituição; por outro lado, pensa-se ver na proposta o propósito de não estabelecer os quadros essenciais daquelas políticas sem prévia homologação da Assembleia.
Estes factos levam a Comissão a dar o seu acordo ao carácter programático da proposta de lei, apesar das dificuldades eventualmente oponíveis à sua latitude, em face do disposto no citado preceito constitucional. Pensa a Comissão de Economia que o referido preceito impõe ao Governo a obrigação de pedir uma autorização orçamental; mas não o proíbe de a esse pedido juntar outros, relativos a matérias funcionalmente ligadas à economia e execução do orçamento, embora o Governo pudesse constitucionalmente dispensar-se de os formular. O seu enunciado expresso - revelando a intenção de caminhar para a inserção progressiva da gestão a curto prazo nas grandes linhas da política - enriquece o alcance das autorizações orçamentais e aponta no sentido de uma orientação que se julga correcta.
2. A proposta situa-se, assim, no plano da adequação do programa de gestão económico-financeira para 1970 às exigências de defesa e do processo do desenvolvimento, no quadro conjuntural previsível para o próximo exercício financeiro. E diz-nos que aquela gestão se guiará pelas finalidades do desenvolvimento, executando o III Plano, procurando atalhar dificuldades conjunturais frenadoras da sua execução normal e removendo obstáculos estruturais ao processamento de políticas comuns ou afins. Para tal, o Governo pensa utilizar os instrumentos específicos da política fiscal, por via da percepção dos impostos
Página 120
120 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 8
e outros recursos e através da realização de despesas dirigidas fundamentalmente ao investimento, norteadas pela finalidade essencial de potenciar a formação do capital fixo. A par disso, enunciam-se alguns instrumentos gerais de política económica, cuja utilização se põe ao serviço dos objectivos orientadores da proposta: reformas estruturais (dos mercados monetário e financeiro, da actividade das indústrias de base, dos circuitos de distribuição, das explorações fundiárias, das empresas e sectores de actividade, das condições de entrada no mercado), criação de infra-estruturas, incentivos e actuações supletivas da iniciativa privada (por participação ou mesmo criação directa de unidades económicas).
3. Entende a Comissão de Economia que uma proposta de tal latitude e natureza suscita algumas dificuldades:
a) A primeira diz respeito à sua articulação com o III Plano de Fomento. Pois, a não dever entender-se o expresso enunciado de alguns dos seus pontos como simples duplicação do conteúdo de outros incluídos no Plano, a conveniência em os enunciar na proposta decorre certamente da necessidade de contemplar fenómenos e condições conjunturais frenadoras da execução do Plano; ou, até, fenómenos e condições estruturais nele não considerados convenientemente.
Por tudo isso, muito se ganharia se, com a proposta, fosse enviado & Assembleia o programa de execução anual do Plano, e naquela se definisse sempre, com clareza e precisão possíveis, a1 articulação das políticas de gestão económico-financeira com as grandes linhas por que o Plano se orienta;
b) Por outro lado, considerado o condicionalismo era que se insere a economia metropolitana e os superiores objectivos da unidade nacional, parece que deveria prestar-se maior atenção à articulação das economias das várias parcelas do mundo português; nomeadamente considerando a evolução das economias das províncias ultramarinas no relatório da proposta e traduzindo no articulado, de modo mais explícito do que o prescrito no artigo 16.º, alínea c), os reflexos daquela consideração;
c) A conveniente inserção conjuntural da gestão económico-financeira no quadro da política traçada no III Plano de Fomento levanta ainda a dúvida se não deveria dar-se maior relevo, ou relevo mais explícito, aos aspectos sociais da actuação governativa, bem como à consideração, que se crê fundamental, do problema dos preços;
d) Procurando enfrentar conjuntura desfavorável na formação do capital fixo, a política de investimentos expressa na proposta enuncia uma gama larga de possibilidades de actuação do Governo; a efectivação dessas possibilidades, pela escolha oportuna dos instrumentos tidos como mais adequados, não pode esquecer a distância que separa a utilização de meios conjunturais do emprego de instrumentos modeladores da própria estrutura, para que o efeito final se aproxime convenientemente do desejado pelos formuladores da política. A observação cobre um largo campo dos instrumentos apontados, nomeadamente os incentivos; mas também acolhe no seu âmbito as possíveis interrogações sobre a indispensabilidade de se ensaiar a utilização de novos instrumentos de política económica sem previamente se haver concluído pelo esgotamento de todas as possibilidades de actuação através dos meios já ao alcance da intervenção pública. Este comentário não pretende invalidar o interesse da possível utilização de novos instrumentos de política económica, desde que se vitalizem todos os outros meios já ao alcance do Governo.
4. Todos estes exemplos de dificuldades, se, por um lado, nos ajudam a avaliar o significado e mérito da proposta, por outro, giam-nos para a situação de. colaboração consciente que o País reclama de todos os seus órgãos.
Querendo situar-se conjunturalmente no plano delicado da formulação efectiva de uma política económica, a proposta não pode ser desligada daquele plano e da consideração de que toda a política, para ser coerente e funcionalmente válida, tem de aspirar a revestir carácter global.
Daqui parecer desejável que se resista à tentação de aferir desde já pelos critérios da comissão este e aquele preceito da proposta, correndo o risco de lhe reduzir, por essa via, a validade conjuntural pretendida. Em vez disso, caracterizando-a e enquadrando-a nos termos gerais da política económica e financeira em prossecução, a concessão das autorizações pedidas revestiria o alcance de um acordo aos princípios orientadores da política, sem renúncia da Assembleia a cumprir os seus deveres de representação nacional, chamando a si oportunamente a análise dos grandes problemas que suscitam vários dos capítulos de actuação político-económica ora enunciados. A redacção do articulado deveria, assim, ser revista, para a expressão inequívoca desta posição da Assembleia.
5. Dando o seu acordo, nestes termos, à proposta de lei de autorização das receitas e despesas para 1970 no seu conjunto, a Comissão de Economia propõe que se emitam os seguintes votos:
a) Que se articule a gestão económica e financeira com a formulação e programação da política económica global, à escala nacional;
b) Que, em obediência ao espírito que preside à extensão do âmbito da proposta de autorização apresentada, se alargue o estudo s avaliação das receitas e despesas do sector público, de modo a incluir, para além das do Orçamento Geral do Estado, as dos fundos e serviços autónomos, das autarquias locais e da Previdência, em todas as parcelas do território nacional;
c) Que, em obediência aos superiores imperativos da unidade nacional, se dê prioridade à articulação das economias das várias parcelas do mundo português;
d) Que, para se possibilitar a sua conveniente apreciação pela Assembleia Nacional, os programas de execução anual de plano de fomento acompanhem as propostas de au-
Página 121
13 DE DEZEMBRO DE 1969 121
torização das receitas e despesas para o ano respectivo; com as contas públicas devem ser apresentados os relatórios de execução daqueles programas;
e) Que se tomem as medidas requeridas para que o instrumental estatístico seja o necessário (c) indispensável à formulação e execução das políticas de fomento;
f) Que se dê maior relevo à intervenção dos objectivos sociais que orientam a política definida no III Plano, nomeadamente os relativos ao problema da distribuição dos rendimentos e da riqueza;
g) Que se definam, de modo adequado à conveniente formulação global, os critérios orientadores da actuação governativa quanto a alguns dos pontos enunciados na proposta, nomeadamente o fomento e reorganização da indústria, o planeamento regional, os incentivos económicos e fiscais, a melhoria das condições da actividade agrícola e dos circuitos da distribuição comercial;
h) Que a concretização, quer das políticas atrás referidas, quer d(c) outras políticas implícitas na proposta, seja antecedida de uma conveniente apreciação das suas linhas gerais pela Assembleia Nacional.
Sala das Sessões, 12 de Dezembro de 1969. - Luís Maria Teixeira Pinto - José Gabriel Mendonça Carreia da Cunha - João Roiz de Almeida Garrett - Francisco de Nápoles Ferraz de Almeida c Sousa - Gabriel da Costa Gonçalves - Carlos Eugênio Magro Ivo - Fernando do Nascimento de Malafaia Novais - Joaquim Carvalho Macedo Correia - João José Ferreira Forte - José de Mira Nunes Mexia - Fernando Augusto de Santos e Castro - Francisco António da Silva - António da Fonseca Leal de Oliveira - Camila Lemos de Mendonça - José Pedro Maria Anjos Pinto Leite.
O Sr. Presidente: - Não há mais nenhum orador inscrito para a discussão na generalidade da proposta de lei de autorização das receitas e despesas para 1970. Estão, contudo, na Mesa os pareceres das Comissões de Finanças (c) de Economia, que concluem por votos, (c) os da Comissão de Economia, expressamente propostos à apreciação da Assembleia, e constituem matéria de generalidade.
Nestes termos, marco a próxima sessão para o dia 15, segunda-feira, à hora regimental, para conclusão do debate na generalidade, limitado à apreciação das referidas propostas, e para seguimento imediato do debate na especialidade sobre a mesma proposta de lei.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 30 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Henrique Veiga de Macedo.
James Pinto Bull.
Joaquim Carvalho Macedo Correia.
José da Costa Oliveira.
José Guilherme de Melo e Castro.
José de Mira Nunes Mexia.
José Pedro Maria Anjos Pinto Leite.
José Vicente Pizarro Xavier Montalvão Machado.
Júlio Dias das Neves.
Ramiro Ferreira Marques de Queirós.
Raul da Silva e Cunha Araújo.
Rogério Noel Peres Claro.
Rui Pontífice Sousa.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Alberto Eduardo Nogueira Lobo de Alarcão e Silva.
Alberto Maria Ribeiro de Meireles.
Alexandre José Linhares Furtado.
António Pereira de Meireles da Rocha Lacerda.
Augusto Domingues Correia.
Custódia Lopes.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Fernando David Laima.
Francisco Manuel de Meneses Falcão.
Gustavo Neto Miranda.
João Pedro Miller Pinto Lemos Guerra.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
José Coelho Jordão.
José dos Santos Bessa.
José da Silva.
Leonardo Augusto Coimbra.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Sinclética Soares dos Santos Torres.
Tomás Duarte da Câmara Oliveira Dias.
Victor Manuel Pires de Aguiar e Silva.
O REDACTOR - Luiz de Avillez.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA