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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL E DA CÂMARA CORPORATIVA
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 32
ANO DE 1970 10 DE ABRIL
ASSEMBLEIA NACIONAL
X LEGISLATURA
SÃO N.º 32, EM 9 DE ABRIL
Presidente: Exmo. Sr. Carlos Monteiro do Amaral Netto
Secretários: Ex.mos Srs.:
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira
João Bosco Soares Mota Amaral
SUMÁRIO
Nota. - Foi publicado o suplemento ao n.º 23 ao Diário das Sessões, inserindo as proposta- de lei n.º 10/X sobre a actividade de seguros e resseguros.
SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 55 minutos.
Antes da ordem do dia. - Deu-se conta do expediente.
O Sr. Presidente anunciou que, para cumprimento do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, foram recebidos pela Presidência do Conselho os n.º 81 e 82 do Diário do Governo inscrindo diversos decretos-leis.
O Sr. Presidente deu igualmente conhecimento à Câmara de que, remetidos pela Presidência do Conselho, foram recebidos na Mesa os elementos requeridos ao Ministério da Economia petos Srs. Deputados Teixeira Canedo e Camilo de Mendonça nas sessões de 10 de Dezembro e 23 do Janeiro, respectivamente.
Foram entregues àqueles Srs. Deputados.
O Sr. Presidente comunicou à Assembleia que havia sido procurado pelo Dr. Francisco do Vale Guimarães, que lhe agradeceu o voto de pesar aprovado pela Câmara por morte de seu pai, o antigo Deputado Querubim Guimarães.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Moura Ramos, sobre comércio de madeiras; Humberto tio Carvalho, abarca da situação das escolas do magistério primário; Lopes Frasão, que se referiu ao ensino veterinário e à Universidade; João Duarte de Oliveira, sobre problemas do ensino particular; Silva Mondes, que chamou a atenção para a situação financeira dos municípios, e Linhares Furtado, acerca do ensino universitário.
Ordem do dia. - Em primeira parte da ordem do dia, constituída pela discussão na generalidade da proposta de lei de assistência judiciária, usou da palavra o Sr. Deputado João Manuel Alves, que leu o parecer da Comissão de Política e Administração Geral e Local, com que se encerrou a discussão na generalidade. Passou-se seguidamente à segunda parte da ordem do dia, constituída pelo inicio da discussão das contas públicas do ano de 1968.
Usou da palavra o Sr. Deputado Roboredo e Silva.
O Sr. Presidente encerrou a mesmo às 18 horas e 30 minutos.
O Sr. Presidente: -Vai proceder-se à chamada.
Eram 15 horas e 45 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Alberto Eduardo Nogueira Lobo de Alarcão e Silva.
Alberto Marciano Gorjão Franco Nogueira.
Alberto Maria Ribeiro de Meireles.
Alexandre José Linhares Furtado.
Álvaro Filipe Barreto Lara.
Amílcar da Costa Pereira Mesquita.
Amílcar Pereira de Magalhães.
Antão Santos da Cunha.
António Bebiano Correia Henriques Carreira.
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António Fausto Moura Guedes Correia Magalhães Montenegro.
António Fernando Covas Lima.
António da Fonseca Leal de Oliveira.
António Júlio dos Santos Almeida.
António Lopes Quadrado.
António Pereira de Meireles da Rocha Lacerda.
António de Sousa Vadre Castelino e Al vim.
Armando Júlio de Roboredo e Silva.
Artur Augusto de Oliveira Pimentel.
Artur Manuel Giesteira de Almeida.
Camilo António de Almeida Gama Lemos de Mendonça.
Carlos Eugênio Magro Ivo.
Carlos Monteiro do Amaral Netto.
D. Custódia Lopes.
Delfim Linhares de Andrade.
Eleutério Gemes de Aguiar.
Fernando Artur de Oliveira Baptista da Silva.
Fernando David Laima.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Fernando do Nascimento de Malafaia Novais.
Filipe José Freire Themudo Barata.
Francisco António da Silva.
Francisco Correia das Neves.
Francisco Esteves Gaspar de Carvalho.
Francisco João Caetano de Sousa Brás Gomes.
Francisco Manuel de Meneses Falcão.
Francisco de Moncada do Casal-Ribeiro de Carvalho.
Gabriel da Costa Gonçalves.
Henrique José Nogueira Rodrigues.
Henrique Veiga de Macedo.
Humberto Cardoso de Carvalho.
James Pinto Bull.
João António Teixeira Canedo.
João Bosco Soares Mota Amaral.
João Duarte Liebermeister Mendes Vasconcelos Guimarães.
João Duarte de Oliveira.
João José Ferreira Forte.
João Manuel Alves.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
Joaquim Germano Pinto Machado Correia da Silva.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Joaquim de Pinho Brandão.
José Coelho de Almeida Cotta.
José Coelho Jordão.
José Maria de Castro Salazar.
José de Mira.
Nunes Mexia.
José da Silva.
José Vicente Abreu.
José Vicente Cordeiro Malato Beliz.
Leonardo Augusto Coimbra.
Lopo de Carvalho Cancella de Abreu.
Luís António de Oliveira Ramos.
Manuel Elias Trigo Pereira.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel de Jesus Silva Mendes.
Manuel Marques da Silva Soares.
Manuel Martins da Cruz.
Manuel Monteiro Ribeiro Veloso.
Manuel Valente Sanches.
D. Maria Raquel Ribeiro.
Miguel Pádua Rodrigues Bastos.
Pedro Baessa.
Rafael Ávila de Azevedo.
Rafael Valadão dos Santos.
Ramiro Ferreira Marques de Queirós
Raul da Silva e Cunha Araújo.
Ricardo Horta Júnior.
Rui de Moura Ramos.
Teófilo Lopes Frazão.
Tomás Duarte da Câmara Oliveira Dias
Victor Manuel Pires de Aguiar e Silva.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 80 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 15 livras e 55 minutos
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Não ponho ainda agora em reclamação o n.º 30 do Diário das Sessões, em virtude de ter ido distribuído na Assembleia ontem a hora já adiantada da sessão. Ficará para amanhã.
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Telegrama de aplauso à intervenção do Sr. Deputado António de Lacerda.
Telegramas de apoio às considerações do Sr. Deputado Ribeiro de Meireles.
O Sr. Presidente: - Para cumprimento do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, estão na Mesa, enviados pela Presidência do Conselho, os n.º 81 e 82 do Diário do Governo, de 7 e 8 do corrente mês, que inserem os seguintes Decretos-Leis:
N.º 139/70, que uniformiza a duração e a contagem do período de mandato dos administradores nomeados pelo Governo para as sociedades a que se refere o artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 40833;
N.º 140/70, que cria dois lugares de inspector técnico de 1.a classe e dois de 2.a classe no quadro da Inspecção-Geral de Crédito e Seguros - Dá nova redacção ao artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 46 493, que .promulga o reajustamento da orgânica dos serviços da referida Inspecção-Geral;
N.º 141/70, que fixa em $16 o quantitativo global dos encargos a satisfazer pelas matérias, em conformidade com o artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 47 745, sobre cada quilograma de cevada dística que adquiram - Revoga o artigo 11.º cio Decreto-Lei n.º 47 745;
N.º 142/70, que reduz para 7,2 por cento ad valorem os direitos devidos pela importação de 600 t de fécula de batata a realizar pela firma Copam - Companhia Portuguesa de Amidos, S. A. R. L., e destinadas HO abastecimento da sua indústria amideira.
O Sr. Presidente: - Enviados pela Presidência do Conselho, estão ma Mesa os elementos fornecidos pela Secretaria de Estado cia Agricultura, através do Gabinete de S. Ex.ª o Ministro da Economia, em satisfação do requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Teixeira Canedo na sessão de 10 de Dezembro, e os elementos, igualmente fornecidos pela mesma Secretaria de Estado, em satisfação do requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Camilo de Mendonça na sessão de 23 de Janeiro. Vão ser entregues àqueles Srs. Deputados.
Informo a Assembleia de que o Sr. Dr. Francisco do Vale Guimarães me procurou ontem para exprimir agradecimentos à Assembleia pelo voto de pesar exarado na
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acta por motivo da morte de seu pai, o antigo Deputado Querubim do Vale Guimarães.
Tem a palavra o Sr. Deputado Moura E amos.
O Sr. Moura Ramos:-Sr.- Presidente: O problema das madeiras mereceu já na presente sessão legislativa a atenção de dois ilustres Deputados; um, o Deputado Pinho Brandão, que se referiu à constituição de uma sociedade -a Madeiper-, formada por várias empresas de celulose, para aquisição de madeiras de pinho e eucalipto destinadas às firmas associadas; e outro, o Deputado Camilo de Mendonça, para se congratular pela forma como o Governo havia enfrentado o problema suscitado por aquela empresa monopolizadora.
Em qualquer das intervenções parlamentares foi posta em relevo a necessidade de o Governo intervir, de modo a organizar-se em termos de eficiência a comercialização dos produtos florestais, saneando e acabando com a intervenção inadequada, para não dizer parasitar rã, de intermediários, que tem sido lesiva da economia e do interesse de muitos milhares de produtores.
Sabe-se que são variados os males que atormentam a agricultura portuguesa, provocando a situação de verdadeira crise em que se encontra, diferindo, no entanto, as opiniões na atribuição da maior ou menor importância às determinantes dessa crise e que poderemos sintetizar assim: enquanto uns atribuem todos os males à nossa defeituosa estrutura agrária, outros há que põem a tónica dessa crise na falta de paridade entre os preços dos produtos agrícolas e produtos industriais, na escassez de verdadeiros empresários agrícolas provocada por carência da dimensão indispensável a uma, gestão económica consciencializada, evoluída e actuante, na existência de vícios dos circuitos de comercialização, etc.
Porque todos tenham sua quota de razão, do que parece não haver dúvidas é que a comercialização dos produtos dos nossos campos constitui um dos factores principais que vem ocasionando a actual crise.
Uma oferta concentrada de preços por parte dos sectores industriais aos produtos agrícolas destinados à industrialização constitui regra.
Mas a lavoura não se tem insurgido, nem se insurgiu, aquando do aparecimento da Madeiper, contra o facto de se haver constituído uma única empresa compradora de madeiras de pinho e eucalipto, imas, sim, por estia fixar unilateralmente os preços das matérias-primas destinadas à indústria, o que representa um autêntico monopólio de compra, ficando, por conseguinte, a lavoura na dependência do arbítrio do sector industrial, sem base alguma para o funcionamento de um mercado concorrencial.
O Sr. Pinho Brandão: -Muito bem!
O Orador: - Sabe-se quanto a floresta, pela valorização tecnológica dos seus produtos (madeiras, resinas, cortiças, etc.) e ainda (pelo extraordinário valor paisagístico, constitui uma das maiores fontes de riqueza da terra, estando a ganhar cada vez mais vulto no conjunto da economia - nacional.
Não só as vás-tas áreas florestais, mas também os pequenos núcleos vão assumindo cada vez maior interesse ma defesa das condições de vida do homem, pela higienização do ar e defesa contra os ruídos, sobretudo nos meios urbanos e nos grandes centros industriais.
Indicam os técnicos - e sente-o â lavoura que a área continental florestal- deve atingir, tão rapidamente quanto possível, cerca de a 2/3 do território.
Ora, constituindo a florestação contributo importante para o crescimento económico do País, para o equilíbrio da nossa balança comercial, além de ser uma das mais relevantes e económicas obras de fomento que no plano nacional se podem conceber e factor valioso na melhoria das condições climáticas e da fixação dos solos, é evidente que um bem organizado e estruturado plano de fomento florestal impõe., necessariamente, a defesa de um preço justo através do saneamento dos circuitos-económicos. Isto até porque a lavoura continental tem na sua floresta-a única reserva segura contra os frequentes- prejuízos de exploração da parte agrícola.
O Sr. Pinho Brandão:- Muito bem!
O Orador: - Mas para que se possa auferir das matas a renda compensadora que elas podem proporcionar, torna-se indispensável que o empresário florestal exerça plenamente a sua actividade sem que delegue em terceiros o encargo e o lucro da respectiva exploração. Na verdade, colocando-se entre produtor florestal e industrial uma série de intermediários cuja presença actua no circuito económico como factor especulativo, ficando nas mãos desses, intermediários especuladores uma boa parte da riqueza criada pelo produtor, impõe-se, por isso mesmo, fazer o saneamento desse circuito e fixar ao produtor de macieiras o justo preço.
A não ser assim, o dinamismo dá florestação continuará a ficar aquém das metas previstas e preconizadas no TIL Plano de Fomento, pois é por de mais sabido que sómente através do preço justo pago ao produtor de madeiras é que se encontrará o estímulo necessário para florestar.
Vozes:-Muito bem !
O Orador: - Importa, por conseguinte, compensar todos quantos à florestação se dediquem, e, essa compensação só poderá obter-se mediante a fixação dó justo preço, para os produtos florestais, isto é, o preço baseado num compromisso justo entre o que a indústria pode pagar é àquilo que a lavoura deve receber.
A medida do justa preço não pode ser vista unicamente pela óptica dei um mero custo contabilístico, pois sábado é que, no conjunto da deficitária exploração agrícola o preço das madeiras tem de continuar a ser factor de equilíbrio desses prejuízos.
E mesmo esse custo, para ser exacto, terá de ser apurado em função das explorações, florestais da lavoura, totalmente diferente das plantações especiais de tipo industrial.
Desde 1950 que muito pouco tem subido o preço das madeiras para celulose; e quando, em 1969, a elevada subida do preço da venda da pasta justificaria um razoável aumento da matéria-prima, verificou-se precisamente o contrário.
Por isso, no preço justo tem de considerar-se também a cotação internacional da madeira é a recente subida de preço da pasta de papel.
Actualmente, as duas espécies florestais de maior interesse para a lavoura continente são o eucalipto é o pinheiro.
Infelizmente, de há vinte e cinco anos para cá, os preços pagos à lavoura de nenhuma forma têm acompanhado, a natural subida de todas as demais matérias-primas, é nem, de forma alguma, a que rio estrangeiro se tem verificado no mesmo sector. E isto apesar de a pasta de papel (principal consumidor do eucalipto e do pinheiro) ter vindo a beneficiar de sucessivos aumentos- de preço, como ainda recentemente sei verificou. A contribuir para um baixo preço das madeiras surgiu em 1968 a exportação
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com certos condicionamentos, que, na prática, equivaliam à proibição de exportação.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Ora, conhecendo-se a perspectiva favorável do consumo cada vez maior idos produtos florestais e a escassez de madeiras de pinho e eucalipto destinadas a pasta de celulose de que a indústria nacional vende a quase totalidade da sua produção para os mercados externos, obtendo, assim, preços de nível internacional, foi com justificada apreensão que a lavoura tomou conhecimento da constituição da Madeiper sociedade que visava o abastecimento, em exclusivo, da indústria de celulose de pinho e eucalipto - e Ida fixação dos preços das referidas madeiras, reduzindo-os substancialmente em relação aos que vinham sendo ultimamente praticados e numa altura em que subia a cotação internacional da pasta de papel.
Alertado o Governo dos malefícios que pana a lavoura podiam resultar, foi sugerido que a Corporação da Lavoura negociasse com os representantes da indústria de celulose a revisão da situação que havia sido criada, sendo bem escassos e insuficientes os resultados alcançados nessas negociações, conforme nos esclarece o comunicado que o presidente da Corporação fez publicar nos jornais do dia 22 de Março passado.
Feito o apelo para a arbitragem de S. Ex.ª o Secretário de Estado ido Comércio, a fim de anular a imoral tendência baixista que o monopólio de compra Madeiper - pretendia conseguir, foi fixado, por despacho de 17 de Março, e pelo prazo de cento e oitenta dias, um preço de 252$í)50 /st para o eucalipto, não sendo. arbitrado preço para o punho, por se, entender não existir o mesmo grau de premência.
Porém, tal solução a lavoura, que, por isso, continua esperançada em que venha a ser-lhe mantida a possibilidade de exportar, eliminando os condicionamentos untes existentes, que davam o direito de opção de compra aos industriais portugueses. Efectivamente, a exportação agora liberalizada e que importa incrementar constitui, no momento presente, ia melhor fórmula de pôr a lavoura em situação de discutir, a nível das corporações interessadas, as condições de comercialização dos seus produtos. Só deste modo se criarão realidades bem diferentes das actuais, em solidariedade e em justiça, isto é, se criarão realidades orientadas no sentido do bem comum, em vez de o serem para o bem só de alguns.
Mas a lavoura terá de continuar a vier numa situação de subalternidade em relação à indústria e a ser presa fácil desta enquanto não der um passo decisivo para se agrupar convenientemente, unindo-se os agricultores em solidariedade e colaboração para defesa dos seus interesse e contribuição ao bem comum. De contrário, nenhuma garantia há de respeito pelo preço oficialmente fixado.
Sem dúvida que o cooperativismo florestal poderá ser uma válida solução para vários problemas, como o da distribuição e comercialização dos produtos e o da industrialização. Com uma agricultura constituída em classe unida e bem articulada não assistiríamos nós à fixação unilateral e abusiva dos preços dos seus produtos, nem à proliferação de sanguessugas de intermediários e armazenistas, que ditam, a bel-prazer, os preços dos produtos de que só o agricultor sabe o verdadeiro custo de produção.
Já o Papa João XXIII, na encíclica Mater et Magistra, escreveu:
A associação é hoje uma exigência vital [...] Os trabalhadores da terra devem sentir-se solidários uns com os outros e colaborar para dar vida a iniciativas cooperativistas e a associações profissionais ou sindicais, necessárias umas e outras para beneficiar dos progressos científicos e técnicos na produção, para contribuir eficazmente para a defesa dos preços dos produtos, para se colocar num plano de igualdade, frente às categorias económico-profissionais dos outros sectores produtivos, para fazer ouvir a sua voz no campo político e nos órgãos da administração pública [...] Uma ambiciosa meta que exige uma conveniente formação cooperativista do povo e a existência de bons dirigentes.
Na citação que ora fizemos- ficaram
enumeradas as vantagens do cooperativismo ou associativismo agrícola. Mas pana o seu funcionamento necessitam-se de cooperativistas. Não funcionará satisfatoriamente uma cooperativa enquanto os proprietários não possuam um autêntico espírito de cooperação, de entre ajuda, enquanto não existirem dirigentes capazes e competentes. Em toda a reforma que se pretenda levar a efeito no sector agrícola deve contar-se sempre com a união e a solidariedade, com a sabedoria e a audácia dos próprios interessados.
E que a união dos produtores constituiu uma fórmula eficiente na luta travada contra o poder económico concentrado no sector que domina o negócio do fornecimento de madeiras às indústrias de celulose transparece claramente das afirmações que o Prof. Américo Urbano, denodado defensor da lavoura, fez no passado dia 30 de Março ao Diário da Manhã, a propósito da Cooperativa Florestal das Beiras, criada para defender e acautelar os interesses de centenas de proprietários florestais, número que aumentará logo que a sua acção se estenda, como convém, a toda a área das Beiras. Para tanto, urge que a Cooperativa veja homologados, com a maior brevidade possível, os seus estatutos e que obtenha das entidades oficiais e dos associados todo o apoio que merece para a consecução dos meritórios objectivos que se propôs alcançar. Mais urge que se estimule a criação de muitas outras, fornecendo-lhes estatutos-tipo, como se tem feito para as do vinho.
E já agora permitia-me dizer miais o seguinte: a retumbância do recente Colóquio sabre Política Industrial fez-me lembrar o Congresso da Lavoura, há anos prometido após o êxito das Jornadas Cerealíferas e Leiteiras, tendo na cerimónia inaugural, a 12 de Junho de 1963, o então Secretário de Estado da Agricultura afirmado:
As Jornadas Cerealíferas e Leiteiras que acabamos de inaugurar são, digamos, a 1.a fase efectiva dessa audiência que está em curso e abrange os vários sectores da agricultura e que antecede o Congresso Nacional da Lavoura que, por exigência do tempo para se organizar e reunir comunicações não era de molde a ajustar-se à urgência em. considerar estes problemas mais prementes dos agricultores ...
Nas referidas Jornadas foi dada oportunidade aos agricultores de apresentarem ao Governo e ao País a verdadeira faceta de alguns problemas agrários nacionais da maior actualidade e importância.
Ora, uma vez que no panorama da vida agrícola nacional os produtos florestais representam papel dominante na maior parte das explorações do Sul, Centro e Norte do País; considerando, que o ano de 1970 foi consagrado como Ano Europeu da Protecção da Natureza e, que cabe inteiramente neste o Ano, Europeu da Floresta; considerando que os aspectos do sector da produção florestal são inteiramente distintos dos da produção agrícola, por que não aproveitar este ensejo para um aberto colóquio florestal,
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à semelhança do que se fez para a indústria, e que, além do mais, leve ao público a consciência do que a floresta representa na vida do homem e, das regiões, nos seus múltiplos aspectos económico e paisagístico e de combate à poluição do ar e aos ruídos que cada vez mais atormentam o homem?
A agricultura carece de indicações e rumos concretos, claros e praticáveis, dentro do condicionalismo existente: bem pior do que estar e continuar mal, é não saber por que caminhos há-de seguir; não é lícito comunicar utopias nem vale a pena indicar caminhos que a lavoura não possa: ou não deva percorrer.
Aproveite-se, pois, este ano de 1970 para indicar à lavoura o seu rumo florestal e para lhe assegurar, desde já, condições de exportação e de venda, a preço justo, dos seus produtos.
E termino as minhas considerações com um apelo à Corporação da Lavoura, para que no, aliás, cumprimento do seu indeclinável dever se mantenha activa e pronta na defesa de resultados úteis, «pois só assim se legitimará perante os lavradores.
Vozes: - Muito bem, muito bem !
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Humberto de Carvalho: - Sr. Presidente: Pelo Decreto-Lei n.º 32 243, de 5 de Setembro de 1942 - há perto de trinta anos, portanto -, foram criadas as escolas do magistério primário, com a importante missão de preparar os agentes do ensino base de que o País necessita. E é notável o que essas escolas fizeram, no condicionalismo em que sempre houveram de actuar, por vezes com centenas de alunos fora por não terem lugar, e por vezes, também, com muitos outros para além do que era exigível ao corpo docente e às próprias instalações.
Delas têm saído, pois, esses valiosos obreiros da Nação - os professores primários -, que, desde o Minho a Timor, mourejam na fecunda seara da cultura, conquistando o direito ao respeito e à gratidão de todos os Portugueses.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - É, aliás, o teor não só das civilizações tradicionais, mas até das mais avançadas na pesquisa técnica dos bens e dos valores que enriquecem e dignificam o homem.
Consequentemente, merecem aquelas escolas tratamento compatível com a importância de que se revestem na vida nacional; e não o esquecimento ia que vêm sendo votadas.
O Sr. Pinho Brandão: -Muito bem!
O Orador: - Importa dinamizar, actualizar a preparação do homem português para a progressiva participação na vida integral do País, o que não será possível sem melhoria no horto essencial dos nossos educadores.
Esta minha intervenção - que procurarei seja breve mas expressiva na sua simplicidade - destina-se, convictamente, a chamar a atenção do Governo para a situação em que se encontram aqueles estabelecimentos de ensino, e os homens que ali dão o melhor do seu esforço e do seu saber, na nobre tarefa que lhes pertence levar a cabo. Trata-se, na verdade, de uma situação a exigir medidas imediatas, que, em nome dos interessados, da Nação afinal, daqui solicito ao Governo, particularmente ao Sr. Ministro da Educação Nacional, na esperança de que elas sejam incluídas na «batalha do ensino» em que S. Ex.ª, nobremente, galhardamente, está empenhado.
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - No projecta da proposta de Lei sobre a criação do Instituto Nacional de Pedagogia e na revisão, ali anunciada, da organização das escolas do magistério primário se fundamentam, com legitimidade, as minhas esperanças.
Há que construir edifícios condignos para aquelas escolas, apetrechando-as com adequado material pedagógico e escolar; há que dotá-las com um corpo docente devidamente seleccionado e justamente remunerado; há que reformá-las e actualiza-las; há, em suma, que dignificar esse sector do ensino, nesta hora d(c) renovação e revitalização que estamos vivendo.
Prolongaram-se de mais, com medrosas inovações e regulamentação ad hoc, ais normas legais que o então Ministro da Educação, Prof. Doutor Mário de Figueiredo, fez publicar há quase trinta. Ora, é hoje muito mais brusca e ampla- e exigente a mutação sócio-pedagógica em todo o Mundo e talvez em especial mo mundo português, ante a qual não se concebe já uma restrita visão metropolitana de educação nacional. Importa sermos contemporâneos de nós próprios em cada novo momento do Mundo, e sempre :as escolas hão-de- ser factor decisivo de actualização pessoal e comum.
Sr. Presidente: Há escolas do magistério; primário a funcionarem em edifícios absolutamente impróprios. A de Vila Real, por exemplo, está instalada num velho, casarão, acanhado e sem qualquer dependência ou logradouro paira recreio, e que constitui «uma das manchais mais conspícuas no belo panorama da cidade», como, um dia, o classificou um ilustre membro do Governo, numa visita que efectuou ao distrito.
E, desde esse dia - em que se procedia ao estudo de localização Ida nova escola - até hoje, já lá vai mais de uma dezena de anos sem que ,a construção fosse iniciada.
Ora, também nisto, parar se afigura equivalente a retroceder, o que, nos domínios culturais, é hoje mancha ignominiosa dos povos.
Oxalá, pois, que não decorra outro tanto tempo até à conclusão dessa obra, que julgamos prestes a iniciar-se e que se reveste de extraordinária importância para Vila Real e seu distrito, onde é considerável a população escolar.
O Sr. Camilo de Mendonça: -Muito bem!
O Orador: - Esta, em grande percentagem económicamente débil, encontra na escola (do magistério primário a solução para o seu futuro.
Esperemos que não se lhe negue isso por muito mais tempo.
Só em edifício construído propositadamente para o efeito e convenientemente apetrechado, nomeadamente com uma biblioteca que possibilite a permanente actualização dos que ali trabalham, se poderá, em Vila Real, resolver capazmente o problema da instalação daquele estabelecimento de ensino.
O caso não é único e reclama generosas atenções imediatas.
No que se refere ao corpo docente das escolas do magistério primário, ele é, presentemente, diminuto, instável e heterogéneo, decerto porque aufere remunerações inferiores relativamente ao que sucede com os outros ramos do ensino: um professor de Higiene Escolar, que tem de ser médico,, percebe 22$50 por aula, tal como sucede com
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os professores de Educação Moral, Canto Coral e Educação Física; os que ministram Desenho e Trabalhos Manuais e Didáctica Especial recebem o vencimento de 3800$; os professores de Psicologia (licenciados) auferem, mensalmente, 5800$, e a gratificação atribuída aos directores das escolas é apenas de 800$.
Na sessão de 27 de Fevereiro último, o ilustre Deputado Alarcão e Silva, ao usar da palavra antes da ordem do dia, expôs, nesta Câmara, de forma superior e convincente, a situação de injustiça em que, no tocante a remunerações; se encontram alguns daqueles serventuários - os professores de Didáctica - comparativamente, com o que se passa com os demais servidores do .Estado no campo da instrução pública.
Mas as delicadas funções que de todos se exigem ensinar a ensinar, educar educadores - merecem condigna, se hão estimulante, remuneração.
Dependendo as referidas escolas da Direcção-Geral do Ensino Primário, afigura-se-nos que os seus professores deviam ter sido abrangidos pelo Decreto-Lei n.º 48797, de 26 de Dezembro de 1968, que concedeu aos professores primários a ascensão de dois graus nas categorias estabelecidas pelo Decreto-Lei n.º 42 046, de 28 de Dezembro de -1958: Haveria lógica e injustiça relativa em tal decisão. Tal porém, não sucedeu, e nem tão-pouco aqueles serventuários foram abrangidos pelas disposições do Decreto-Lei n.º 49 410 de 24 de Novembro do ano findo, quê reclassificou algumas categorias de funcionários públicos. E não se entende bem porquê. Os professores da escola do magistério primário continuam, pois, esquecidos e a aguardar a sua hora, que chegará, estou certo, com a brevidade que as circunstâncias exigem.
O Sr. Pinho Brandão: - Muito bem!
O Orador:-E não poderão ignorar-se nessa altura: as gratificações dos júris de exames de admissão e de Estado, que são inferiores às dos outros sectores, incluindo mesmo as dos antigos exames de admissão aos liceus e escolas técnicas; os professores de Desenho e Trabalhos Manuais, que são os secretários tesoureiros das suas escolas, sem qualquer remuneração por esse serviço, a despeito do prejuízo das suas férias, reduzidas a trinta dias por ano os professores que ministram as cadeiras nucleares, e que percebem vencimentos diferentes, embora aquelas cadeiras tenham todas o mesmo valor escolar, etc.
Ao Ministério da Educação Nacional não faltam elementos pormenorizados sobre esses diversos aspectos, pois todos devem ter sido tomados em conta nos vários projectos se reforma que há mais de vinte anos lhe têm sido presentes.
Sr. Presidente: Paralelamente com a construção de edifícios pana, a sua instalação e com a «revisão das remunerações do seu pessoal docente, torna-se indispensável uma reforma das escolas do magistério primário, visando, designadamente, os seguintes pontos:
1) Os estágios, que agora chegam a ser de dois meses e meio, decorrendo simultaneamente comas aulas teóricas e práticas.
2)O fecho das aulas, que se verifica em 31 de Julho, embora o 1 .º ano fique sem as aulas essenciais desde Maio a tantos daquele mês, pelo facto de os professores das cadeiras nucleares fazerem parte dos júris dos Exames de Estado dós alunos finalistas.
3)As férias grandes, que para alguns professores começam actualmente em 1 de Agosto, para terminarem logo em 10 de Setembro, data do início dos exames de admissão, os quais, feitos por vezes com demasiada pressa, se prolongam até à véspera da abertura das aulas, em Outubro.
4) O sistema das provas de admissão, hoje apressado e que. já chegou a exigir que as arais fossem feitas em cinco dias apenas, com interrogatórios de três professores, por vezes, a cento e cinquenta alunos e mais.
5) Os Exames de Estado, que culminam com classificações dadas por um numeroso júri único, em Lisboa o que não sucede com nenhum outro rama de ensino, sistema donde podem resultar injustiças- como a que, a título de exemplo, passo a expor:
Numa determinada escola houve oitenta candidatos ao exame de admissão, enquanto noutra, apareceram duzentos. Aqui eliminaram-se cento e vinte, e além nenhum. Pois, no fim do curso - Exames de Estado com classificações pelo júri único de Lisboa- houve, dois anos depois, quase tantas notas de Bom e Muito bom para um lado como para o outro!
6) Os quadros do corpo docente, que deviam ser privativos e onde, prioritariamente se não exclusivamente, seriam recrutados os directores das escolas e os inspectores-orientadores.
O que se passa não é decoroso, pedagogicamente. Chega-se a Janeiro e a Fevereiro, mesmo, com escolas sem alguns professores. Estes são, às vezes, obrigatoriamente os do liceu local, mas falta um despacho se, não- entram em exercício ... e em Março começam já os estágios, interrompidos ou não pelas férias da Páscoa, e alguns terminados logo que, até em princípios de Maio, começam os Exames de Estado.
Uma lastimosa anomalia, por não haver quadros privativos, os quais constituiriam promocionário estímulo para os professores do ensino elementar, pois estes, licenciados, deviam ter preferência (que não têm) nos lugares para que se exige licenciatura, e, sem curso superior, deviam seleccionar-se, por sério concurso, para as escolas anexas, e destas para a Didáctica Especial, para a Educação Física,- para os lavores, etc., das escolas do magistério primário.
E àqueles professores, seleccionados assim por mérito próprio para as escolas de aplicação anexas, há que atribuir remuneração compatível com a dupla missão que lhes incumbe: ensinar alunos do ensino primário elementar e orientar, na parte prática, os alunos-mestres, futuros professores.
7) As diuturnidades dos professores idas escolas do magistério primário, que devem passar a ser-lhes concedidas, contando-se, para o efeito, todo o tempo de serviço que prestaram nos quadros docentes do Ministério da Educação Nacional.
Com habilitações e deveres parecidos, nem todos se encontram na mesma base legal.
Presentemente, muitos daqueles professores vêem perdidos, paira a concessão de diuturnidades, vários amos de funções docentes desempenhadas noutro ramo de ensino.
Ora isto não anima dedicações, e, sem estas, nunca haverá autênticas actividades educativas, o que é especialmente grave entre mentores de pessoas destinadas à condução humana.
8) O quadro do pessoal das secretarias, finalmente, que parece carecer de ser alargado com mais algumas unidades, pois o pessoal hoje ali existente vive assoberbado com trabalho e alguns quase na impossibilidade de gozarem as férias a que, anualmente, têm direito.
A maioria, se não a totalidade, destes aspectos conviria ser pensada e resolvida a nível nacional, quer dizer, não apenas em âmbito metropolitano.
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33 que, embora sem uniformidade, tem de manter-se a unidade cultural em todo o espaço português. Muitos professores diplomados aqui trabalham em escolas das ilhas e do ultramar e vice-versa. Com e sem preparação psico-didáctica e psico--social pana tarefas de melindrosos condicionalismos geodemográficos, mormente nos territórios em que é mais urgente uma rápida aculturação genérica.
Quanto se faça pelo aperfeiçoamento profissional e pela valorização social do professor primário -o único por enquanto possível à grande maioria das nossas gentes em todas as províncias- tem de considerar-se meritório investimento na premente empresa do melhor porvir.
As escolas do magistério primário consideram-se parapeito de vanguarda na incruenta luta de todos pelo bem comum.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: Eis, tão sucintamente quanto mo permitiu o meu poder de síntese, a intervenção que julguei oportuno fazer em favor das escolas do magistério primário e dos seus serventuários, intervenção que termino afirmando a certeza que me fica de que o Governo fará, com a brevidade possível, a justiça que daqui se lhe reclama.
Vozes: -Muito bem!
O orador foi cumprimentado.
O Sr. Lopes Frazão: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: A Universidade está hoje na berra, e com bem fundada razão. Ou não seja ela a têmpera do homem, pólo fundamental da vida, moldando-o para a sua acção criadora, a máxima de todas quantas Deus lhe deu a cumpria.
Agora, por toda a parte e sempre que de Universidade se fala - tem-se falado muito, e muito mais há que dizer dela, pana sua plena capacidade - é proclamado o seu desaperto com as nossas reais necessidades, a sua infecúndia, a sua total obsolência.
E o pior é que tudo isto é Uma verdade, uma grande verdade, absolutamente incontroversa.
Todos nós, os que pelas últimas! quatro décadas estampámos as calças pelos bancos universitários, sabemos bem quanto de mal enferma a mossa Universidade, sem que até ao momento alguém lhe tenha dado remédio eficaz que a ourasse de vez. As terapias instituídas ao longo dos anos nunca passaram de meros paliativos, totalmente anódinos na sua acção.
Mais seria fácil - então falhos de tudo e numa debilidade financeira, a rasar o caos, como aquela em que, infelizmente a subversão em que o País viveu tantos anos a fio nos lançou, obrigando-nos a um passadio de extrema pobreza, que a minha geração mão esquece facilmente - dispor-se dos fundos vultosíssimos necessários a uma Universidade perfeita?
A nós nos quer parecer que não!
Precisamente quando já tínhamos o erário de certo modo fortalecido e capacitado a cometimentos maiores e mais reprodutivos e a Universidade estava, sem dúvida, na primeira linha das realizações, eis que estranhas forças demoníacas nos estorvam esses bons propósitos, havendo, portanto, desgostosamente, que moderar a marcha, que se queria e precisava célere, dos nossos melhores intentos.
E é que com pouco dinheiro não se pode pensar em Universidade plenamente realizada!
Os males de que ela se queixa são muitos, e porque vêm muito de trás, e sempre em exacerbação, tornaram-se extremamente graves,- pôr conseguinte de caro remedeio.
De tão longe vêm esses males, que eu pergunto se em algum tempo tivemos uma Universidade em perfeito ajustamento ao exigências autênticas do- País?
Também estamos em crer que não!
Há quarenta e cinco anos o Prof. Doutor José Sobral Cid, mestre distinto de psiquiatria, na sua tão douta e esclarecida oração de sapiência, pronunciada, comemorando o 1.º centenário da fundação, da Régia Escola de Cirurgia de Lisboa, afirmava, no perfeito consenso da problemática universitária:
Criemos um espírito novo: a fé na ciência e no mágio poder da sua fecunda aliança com o trabalho da oficina e dos campos. Façamos em Portugal, rasgadamente, a Universidade moderna, para a colocar ao serviço da Nação.
Como se vê, o mal nem sequer é de ontem,, é mesmo muito velho, talvez de sempre, e de remédio difícil, caídos, como estamos, no círculo vicioso da incultura, que não avoluma a renda, e da magreza da renda, que não gera cultura. E os homens incultos são impermeáveis à técnica, e, por sua vez, a técnica que temos, por mal apreendida e eivada de defeitos, é extraordinariamente avessa à cultura. Deste impasse, temos de nos libertar, e quanto antes, se quisermos, e temos de querer para vencer, integrarmo-nos no mundo dos nossos dias, e mais ainda naquele que se futura, de tecnicismo, cada vez mais intenso e evoluído.
A viciação apontada não consentiu aquela «fecunda aliança da ciência com o trabalho da oficina, e muito menos ainda com o dos campos», como o entendia e tão bem, o Prof. Sobral Cid.
Ora o que este mestre insigne pretendia há quarenta o cinco anos era nem mais nem menos, que o chamado «complexo integrado», relativamente recente «um todo de vendedores e intelectuais», antes divorciados, a que Galbraith apelidou de «tecnostrutura», e que afinal, foi a grande revolução levada à economia americana, que lhe possibilitou a enormidade da sua grandeza actua.
A cross fertilization dia América de hoje, isto é a utilização de técnicas racionais para a renovação permanente na criação industrial, seja ela procurada na oficina ou nos campos, e que lhe deu nesta dezena Ide anos poder extremado, tem na Universidade o seu esteio mais forte.
Servan-Schreiber diz que «o avanço tecnológico dos Estados Unidos é a consequência do virtuosismo na gestão, e isto deve-se, por sua vez, ao espantoso impulso, da educação». «Não se trata de um milagre - diz ainda-, mas, sim, dos lucros maciços que hoje recebem do mais rentável dos investimentos: a formação dos homens.»
No seu celebrado relatório de 1964, Denison afirma que «o ensino é o mais importante factor económico de expansão», vindo logo a seguir o que ele chama o «progresso idos conhecimentos», ou seja o «enriquecimento da própria educação e a sua generalização aos adultos, com os novos dados dia tecnologia». Pela franca debilidade do ensino em alguns países europeus, nomeadamente na Grã-Bretanha, Denison explica actual, estagnação do desenvolvimento.
Schreiber acentua que «o famoso tecnological gap, vai aumentando entre a Europa te a América, se deve sobretudo, à pobreza ida formação superior e à relativa
fraqueza da investigação e da ciência».
Macnamara concorda com o ponto de vista, que hoje é de muitos, que «a Europa é fraca no plano da educação e é esta fraqueza, que está a amputar seu desenvolvimento.»
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É, pois, unânime a opinião de que a educação extensa e promovida está na base do avanço tecnológico, mola real do viver de hoje, e para isso há que ter uma. Universidade integralmente perfeita em constante evolução.
O nosso ilustre par nesta Casa, o Sr. Engenheiro Araújo Correia, no parecer das Contais Gerais do Estado de 1968, que é Diais outro testemunho da extraordinária lucidez do seu pensamento e clara visão das coisas públicas, insiste pelo reforço das verbas do Ministério da Educação, pois também entende que «só a cultura permite ascensão harmónica e equilibrada da produtividade física e mental do ser humano».
O Sr. Ministro das Finanças, e na melhor compreensão do interesse público, já amplamente evidenciada, concedeu para este ano de 1970, prioridade de saliência ao investimento no ensino e investigação, bem merecendo, por teso, o nosso encómio mais acalorado.
Sem evidentemente deixarmos de. considerar culposos alguns mestres no avolumamento das deficiências do ensino,, do que não há dúvida é que a Universidade dei hoje conta na sua falência com os mesmos factores impeditivos denunciados pelo Prof. Sobral Cid há quase meio século: «penúria de meios e instrumentos de trabalho; miséria das dotações; mesquinha remuneração dos professores e assistentes e, finalmente, a pletórica acumulação de cadeiras no curto espaço do ano lectivo». E ajunta, mais a necessidade premente das novas instalações e ampliação dias existentes e alinda o equipamento devido de bibliotecas, laboratórios e oficinas de trabalho, o que tudo é preciso, no seu dizer, «para elevai- o ensino universitário à altura de desempenhar integralmente a função, social e civilizadora que lhe cabe nas sociedades modernas».
Mas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o pior é que para além de toda esta insuficiência referenciada a nossa Universidade vive com estruturas, pela sua quase totalidade:, absolutamente anacrónicas - currículos desactualizados, quadros docentes diminuídos e francamente desajustados, pedagogia defeituosa, complicado e, incongruente sistema de doutoramentos, falha completa nos cursos técnicos de possibilitação de aperfeiçoamento e, treino;, inexistência ou extrema precariedade de centros de investigação e de preparação tecnológica,, etc.
Assim, com um ensino francamente, deficiente, uma investigação inexistente, ou quase, uma pós-graduação e aperfeiçoamento que pelo geral se não fazem, uma cultura, que pouco ou nada se transmite, boa razão tem o Sr. Ministro da Educação em «reconhecer que a Universidade não está habilitada a corresponder às necessidades do nosso tempo».
Também sentimos, quando por lá andámos, a verdade da afirmação, ora feita por alguns, de que a nossa Universidade pouco mais tem sido que uma «fábrica de exames», nem sempre, acrescentamos nós, realizados por perfectismo requerido.
Deixou-nos, portanto, sumamente agradados a palavra do Sr. Ministro da Educação Nacional «de não estar decidido a perder tempo em pôr em execução urgentíssima a reforma universitária, para que seja evitada a sua total desagregação, y, que não quer assistir».
Que a sua tão animosa vontade, bem mostrada nas suas falas confiadas e tão gratamente acolhidas, não se quebrante, para que tenhamos uma Universidade, de Universidade de que o País precisa e por que todos ansiamos. E é que precisamos e havemos de a ter, na firme a da asseveração, tão responsável, de que o Governo há-de realizar com tenacidade, «guiado pela recta- intenção de bem servir».
Mas para bem servir há que bem fazer, e o Sr. Ministro da Educação Nacional acaba do nos dar a prova certa de que quer mesmo fazer bem, promulgando uma orientação nova para a carreira docente universitária, o primeiro passo, o muito grande, de uma obra que já não pára, estamos certos disso, e que há-de levar até ao fim, tentando as metas verdadeiras para a Universidade melhor.
Por essa sua primeira promulgação, de grande vulto, e ainda pulo prometimento feito do mais medidas tendentes à reforma que se impõe, eu lanço daqui ao Sr. Ministro o meu preito mais caloroso e sentido.
Como S. Ex.ª, também estamos em crer na validade de um diálogo entre mestres e alunos, os de hoje e os de ontem, para a renovação, que se exige continuada.
Consideramos a «contestação» da massa estudantil como remédio muito salutar, se administrado em dose terapêutica e de formulação isenta de drogas fortemente tóxicas, como aquelas que, por vezes têm envenenado o nosso viver, que não pode de forma alguma suportar perigosas ofensões.
Ouçamos a juventude, sim mas peçamos-lhe que dialogue em franca serenidade de espírito, e não no seu incendiamento, que seja compreensiva e tolerante, que tente construir, e não destruir, enfim, que tenha o interesse do País por seu verdadeiro e único fanal.
Só assim, na conjugação plena do entendimento, todos rumando de mãos dadas, e percorrendo os trilhos da mais certa e interessada exercitação, conseguiremos, por uma Universidade bem moldada, uma economia fortalecida.
O insigne Prof. Metcalfe, da Universidade do Arizona, disse, numa conferência recente da O. C. D. E., que «as instituições de ensino universitário gozam um papel capital na economia, por ser delas que depende toda a estrutura, da investigação», e proclama «a necessidade de que o pessoal seja formado como nunca o foi antes para poder contribuir a resolver os problemas complexos da agricultura».
Sr. Presidente, e Srs. Deputados: O ensino veterinário, muito naturalmente, não podia estar à margem de todo o defeituosismo de que sofre a nossa Universidade, na qual está inserido, e muito bem, desde Junho de 1931, data em que a Escola Superior de Medicina Veterinária foi integrada na Universidade Técnica.
A necessidade da sua total renovação igualmente se impõe, para que tenhamos mais e melhores técnicos - e não só licenciados, e em número diminuído- à altura do momento em que estamos, e mais ainda dos dias que hão-de vir, de técnica extraordinariamente desenvolvida e a dominar todo o passo do viver humano.
A produtividade crescida em toda a sectoriação económica é condição imperante da expansão que se deseja imprescindível a uma economia acrescentada, aquela por que todos os povos clamam, para seu maior desafogo de vida.
Mas para que haja crescimento económico rápido, preciso é um acrescentamento forte da produção agrícola, e nesta a pecuária tem lugar cimeiro, podendo dizer-se que é o seu nervo motor - escusado é pausar em agricultura expandiria sem pecuária dimensionada.
Quando da criação da O. N.º U., em .1948, uma das primeiras obrigações considerados foi a de «libertar os povos da necessidade», para isso havendo que elevar os níveis de nutrição. Este um papel primordial que compete à veterinário no Mundo.
Por assim ser, o Dr. Kesteven, um dos maiores obreiros de economia da F. A. O., ditou que «na companha contra a fome que esse organismo promoveu em 3963 os veterinários desempenharam um papel de importância vital, contribuindo para aumentar os recursos mundiais em pró-
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teínas de origem, animal, o que justifica não apenas uma medida a curto prazo,, mas uma contribuição fundamental para o bem-estar futuro de toda a humanidade».
A Veterinária começou os seus- «primeiros passos - já com algum sabor científico -, e por largo tempo continuados, no domínio exclusivo do foro médico, que os primitivos tampos da hipiatria, assente nos princípios hipocráticos, assim impuseram e a exaltação pasteuriana mais radicou - foram, sobretudo, os veterinários da estatuíra de um Bouley, de um Tousssaint, de um Leclainche, e de tantos mais, que abraçaram logo, e pelos tempos fora, a revolucionária e tão prestante doutrinação de Pasteur, a ponto tal que este afirmou um dia que na Medicina só poderá falar com respeito e reconhecimento da Veterinária». E mais ainda, disse este luminar da ciência que, «se devasse recomeçar os seus estudos, seria nos bancos da Escola de Medicina Veterinária de Alfort que iria sentar-- se», em tal conta ele tinha a valia da profissão que o apoiou sem reservas.
A seguir, «dois nomes veterinários vão constituir glória da ciência universal: Guérin, criador, com Calmette, do B. C. G., e Ramon».
Mas o Mundo exige alimentos, e cada vez em mais quantidade, sobretudo os chamados «nobres», que são os provindos das espécies pecuárias. Então a técnica veterinária entrega-se abertamente à produção animal, e tanto e tão bem se houve que o grande Sanson atribui aos veterinários o título de «Missionários do Progresso Agrícola».
O Sr. Trigo Pereira: - Muito bem!
O Orador: - Antes, já o grande zootecnista francês, o Prof. Crocnier, por 1795, entendia que há-de «ser muito mais nas suas relações com a economia rural que nas suas relações com a medicina que será dado à arte veterinária de bem merecer da humanidade».
Entre nós o progresso da produção animal conta com as presenças enormes de um Bernardo Lima, de um Fernando Lapa, de um Paula Nogueira e, mais recentemente, de um Miranda do Vale!
Os veterinários portugueses, de que somos parte modesta, têm produzido obra de grande vulto a favor da nossa economia, e só não mais progredida pelas falhas de infra-estruturas, até agora verificadas, que não podemos superar.
Que assim é provam-no as palavras recentes, para nós tão agradadas, e que tanto nos sensibilizaram, escritas em «Nota do Dia» do Diário de Lisboa, órgão consciente da nossa imprensa, ao qual ficámos profundamente reconhecidos - «merece uma palavra de louvor o esforço que está a ser empreendido pelos veterinários no sentido da sua própria valorização e da profissão que exercem».
Também o enviado especial do Diário de Noticias a Moçambique, o distinto jornalista Pinto Coelho, em notícia de 25 do mês passado, dá conta do «esforço gigantesco (é mesmo) que a equipa honesta dos veterinários da província está nela a desenvolver».
Já em 1930, o então Ministro do Ultramar, Dr. Armindo Monteiro, fez a declaração publicados órgãos da informação Ide que «os serviços em Angola, eivados de burocracia, deviam passar a seguir o exemplo admirável dos veterinários, que, desajudados de tudo, vão criando no Sul uma grande riqueza pecuária».
Mas para que os veterinários possam continuar: a ser assim, e melhores ainda, preciso é que tenham a escola - ou antes a Faculdade, designação que se julga oportuna e conveniente - que merecem e o País necessita.
É bem significativo, e em vincado ajustamento, o juízo que sobre o ensino
veterinário expressou o distinguido Prof. Lloyd Jones, da Universidade de Toronto: «A contribuição da profissão veterinária para o bem-estar da humanidade é importante; ela deve estar perfeitamente adaptada às exigências mundiais de técnicos veterinários em número suficiente e possuindo elevado nível de competência profissional; esta é a razão pela qual o ensino veterinário representa um problema de importância internacional.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Já aqui nesta sessão legislativa, e não há muito tempo, o nosso digno par, engenheiro agrónomo Alarcão e Silva, tratou do ensino veterinário, mostrando ia necessidade urgente da sua reforma e perfeição.
Pelo interesse evidenciado por esse ensino, bem merecedor dele, como deixámos explícito, consignamos ao Sr. Deputado o nosso melhor agradecimento.
Somente não podemos concordar com a forma como foram considerados os defeitos da escola, pelo seu marcado desajustamento, e sobretudo desagradou-nos, e muito, o remetimento da culpa inteira ao conselho escolar, absolutamente alheio a ela, na imperfeição que na verdade há.
Enunciou o Sr. Deputado o «colapso de professores», com 20 lugares de quadro e «apenas 11,5 preenchidos» ou, o que é o mesmo, «a gravidade de 8,5 vagas». Destes números decimais, na impossibilidade da divisão dia unidade humana, compreende-se que isso tenha dado azo a alguma especulação.
Ora, o factor de haver um professor da Escola- de Lisboa em comissão na Universidade de Lourenço Marques, que afinal não é só um, mas, sim, dois, porque há outro na Universidade de Angola - logo, com mais propriedade, haveria que anotar onze preenchimentos e nove vagas, consideradas as duas metades , isso, contrariamente à opinião do Sr. Deputado, «vê-se bem como», pois essas comissões de serviço por tempo indeterminado estão ao abrigo, legal do Decreto-Lei n.º 47 253, de 10 de Outubro de 1966. Pode-se, isso sim, não concordar com a delonga dessas comissões, e nós entendemos que de princípio assim houvesse de ser, mas! agora haverá que rever semelhante disposição da lei, pois dais ou três anos parece no tempo suficiente para uma tornada de posição definitiva.
ludiu ainda o Sr. Deputado à dificuldade; de ingresso no quadro de professores. Essa dificuldade é absolutamente natural quando esse ingresso, como é o caso, tem lugar por grupos de três e quatro disciplinas; se elas têm catedráticos novos nas suas regências, tempo demora realmente a atingir-se a cátedra. E não é fácil, como supõe o Sr. Deputado Alarcão e Silva, a mudança de um assistente de um grupa onde não há vaga para outro) que a tem em aberto, atenta a «muito acentuada especialização» das matérias. No caso concreto apontado do assistente com dezoito anos dei exercício, aliás já hoje professor agregado, 5 muito distinto, com a regência da cadeira de Anatomia há quase seis anos - exactamente por uma das ditas comissões no ultramar , e antes sempre conduzido por essa especialização, como se compreenderia, mesmo que a lei o consentisse se não por concurso, que nunca tentou fazer, e muito bem, que a trocasse pela carneira zootécnica ou tecnológica, de cátedras vagas? Isso não podia, nem devia ser! Nem sequer alguém com profunda especialização numa matéria se sujeitaria a um concurso noutra totalmente diferenciada), como, aliás, o são todas as do currículo do curso.
A afirmação de que «na última vintena de anos só houve quatro ingressos no quadro de professores: sendo três oriundos de serviços oficiais, tendo na Escola, por conseguinte, só preparador um único professor, não parecendo constituir assim verdadeira escola», também mão se ajusta à verdade dos factos.
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O caso verdadeiro é que na última vintena de anos houve três nomeações de catedráticos, digamos, mesmo, quatro -uma é de 1949-, todos eles feitos pela Escola, e só na Escola, e duas de professores extraordinários, um deles apenas provindo dos serviços, mas com larga carreira docente na Escola. Portanto, tudo se passa ao invés, do afirmado, ou seja o total de cinco professores inteiramente habilitados pela Escola, e sómente um vindo de fora dela. Para além disso, há dois primeiros assistentes, que não tardarão, agora, e só agora, com a reestruturação da docência universitária, a ocuparem cátedra, e mais ainda dezasseis segundos-assistentes.
Mas as deficiências são muitas!
O conselho escolar, perfeitamente consciente da grande mácula por elas exercida na eficiência do ensino, por todos os meios, e constantemente, tem promovido diligências para o seu arredamento.
Assim é que na última vintena de anos, período notado, abriu oito concursos para professores catedráticos e nove para extraordinários. Expôs, relatou e pediu; pediu, por exemplo, o desdobramento de grupos, isto por cinco vezes; pediu autorização, que lhe foi negada, para convidar elementos destacados da classe para as vacaturas existentes ao nível de regência; pediu a igualação do número de professores extraordinários ao de catedráticos; pediu novas instalações e a utilização de outras pertencentes a vários departamentos do Estado; pediu atribuição de subsídios para investigação, cursos pós-escolares, estágios, etc.; enfim, pediu muito, e pediu, muitas vezes, quase sempre em vão.
De tudo se infere que o conselho escolar, e esta é a verdade segura, fez tudo quanto lhe foi possível para promover o ensino, e até, diga-se por justiça, ainda é uma das instituições de ensino superior que ensina mesmo.
É justo, portanto, que seja retirada a mancha da culpa que lhe foi atribuída e remetida à orgânica ancilosada e obsoleta da nossa Universidade.
Que mais provas queremos de que assim é, do que as afirmações feitas de há dias:
Pelo nosso Ministro da Educação, de que «o sistema vigente na Universidade atingiu o ponto de rotura»;
Pelo reitor da Universidade Clássica, «considerando grave o problema da Universidade portuguesa actual, cifrado na falta de professores»;
Pelo vice-reitor da Universidade Clássica, «reconhecendo que uma estrutura paralisante e pouco maleável, Associada à escassez de meios, à falta de instalações, à exiguidade dos corpos docentes e ao conservantismo de ambiente, conduziu à quase estagnação académica e científica das nossas Universidades»;
Pelo reitor da Universidade. Técnica, «apontando as dificuldades, pela exiguidade do corpo docente e pela insuficiência das instalações».
O então reitor dos Estudos Gerais Universitários de Moçambique, Prof. Doutor Veiga Simão, quis e pediu, em 1963, com o seu bom critério de construir melhor, a criação de um curso de economia. A grande barreira que se levantou ia satisfação dessa instância assim está escrito- foi ,a falta de pessoal docente. Nessa altura, o quadro de vinte é quatro professores do Instituto Superior dê. Ciências Económicas e Financeiras tinha doze vagas e cinco professores- fora do quadro docente, enquanto na Faculdade de Economia do Porto existiam dezasseis vagas, num quadro de dezassete professores. A situação não se alterou sensivelmente.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Um senhor Ministro da Educação Nacional e um digno reitor da Universidade Técnica entenderam que eram de considerar prioritariamente as precaríssimas instalações da Escola Superior de Medicina Veterinária, havendo que as erguer de novo e em local mais próprio. Mas tudo ficou em palavras e boas intenções, o que já é de agradecer, pois sempre alguma coisa fica para a mobilização futura.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: A Escola Superior de Medicina Veterinária pretende-a sua reforma nas bases apresentadas pelo seu conselho escolar em data recente, para que possa ensinar e investigar e pós-graduar e, assim, contribuir para a economia alevantada que se precisa para o Portugal de hoje, e mais promovida ainda, por que se anseia, para o Portugal de amanhã.
Vozes: - Muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Duarte de Oliveira: - Sr. Presidente: A minha última intervenção nesta Casa foi sobre ensino.
As palavras do Sr. Subsecretário Ide Estado ida Administração Escolar, proferidas na sua recente visita ao distrito de Braga, levaram-me a voltar hoje ao assunto.
Aliás, é um tema muito da minha predilecção e, quanto a mim, é mesmo o problema mais premente da vida portuguesa.
É lugar-comum dizer-se que o capital mais produtivo de um país é o que se investe na inteligência dos cidadãos.
É já ocioso referir que só com o ensino se conquistará o progresso económico; que sem instrução não pode haver autêntica dignificação do homem.
Vem-se a falar, há bastante tempo, no nosso país, em ensino-investimento, mas a actuar como se ele fora um consumo.
E isso deu como resultado a manutenção ide estruturas totalmente ultrapassadas e uma insuficiência de meios humanos que levaram o, sistema educativo ao «ponto de rotura», no certo dizer governamental.
Somos, na Europa, o país de menor taxa de escolarização global, desde o ensino infantil ao superior, passando pelo primário, secundário e médio.
E assim se compreende que não tivéssemos feito o desenvolvimento.
À parte outras incidências, que todos conhecemos, a falta de uma política de educação está na base do nosso atraso.
Hoje toda a gente sabe que há uma íntima relação entre nível de riqueza nacional e a importância do ensino.
A política de desenvolvimento geral do País tem de ser desdobrada em políticas parciais bem definidas que, conjugadas, produzam maior bem-estar para todas as populações.
E não tenhamos escrúpulos de misturar economia com ensino.
O que importa é não desumanizar este. Os fins pragmáticos e utilitários têm tido sempre o seu lugar no ensino. As pessoas têm de ganhar a vida e, consequentemente é necessário ensinar-lhes os meios de o conseguirem.
Não será por pensarmos nos resultados úteis do ensino que este perde a sua riqueza moral. Não será por considerarmos os homens também animais económicos quê eles perdem as suas raízes humanas.
Pois a política da educação, a todos os níveis, deve ser definida sem demora. O mundo caminha hoje muito depressa. Um minuto, de atraso são anos de perda. Uma paragem é um retrocesso.
Sr. Presidente; Mais uma vez o ensino em Portugal me obriga a levantara voz.
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Não para me referir às suas deficiências qualitativas e quantitativas.
Mas para dizer a situação de desfavor, de injustiça, verificada nos meios rurais, neste sector vital da Nação, que põe em desespero os pais, os encarregados de educação e os próprios alunos.
Além de outros de vária ordem, há pressupostos doutrinários que obrigam qualquer país a envolver em ambiente nacional todas as coisas e valores que constituem a educação; que deveriam levar qualquer governo a considerar a escola, quer particular, quer pública, como a escola da Nação. Com efeito:
Por natureza, todo o ser humano tem direito à educação.
O direito e o dever de educar fazem parte integrante da paternidade.
O Estado deve promover a realização do homem integral.
Esta é doutrina pré e pós-conciliar da Igreja, bem expressa na encíclica Divini Illius Magistri, de Pio XI, e em documento conciliar do Concílio Vaticano II.
A Declaração Universal dos Direitos do Homem adoptou-a e o Protocolo Adicional à Convenção dos Direitos do Homem afirma que «a ninguém pode ser recusado o direito à instrução. O Estado, no exercício das funções que assumirá no campo da educação e do ensino, respeitará o direito dos pais a assegurar esta educação e este ensino ...».
Pois entre nós há imensos jovens a quem é recusado o direito inalienável à instrução e muitos pais a quem é negado o direito de escolher o tipo de educação para os filhos.
Nos meios rurais, onde só há ensino secundário particular, vemos a grande maioria das crianças, vivendo paredes meias com os estabelecimentos de ensino, ficar-se pela instrução primária,, porque os pais não têm possibilidades materiais de pagar os estudos secundários.
Onde há os dois ensinos, particular e público, muitos pais, que prefeririam aquele para os filhos, não podem escolher, por ser mais caro.
Conhecemos muitas aldeias no nosso distrito cujas escolas primárias são frequentadas por dezenas de alunos, não havendo um único de entre eles que prossiga os estudos para além da instrução primária. E sempre por carências económicas dos pais.
Não podem ir para a cidade, onde há ensino público, por falta de meios para pagar alojamento e alimentação; não vão ao externato particular, que está próximo, pela mesma falta para pagar os estudos.
Sr. Presidente: A criança, quando nasce, traz consigo o seu destino de homem. Uma criança não educada é sempre uma obra incompleta, imperfeita, inacabada.
Pois é obrigação estrita do Estado, que lhe advém do seu próprio fim que é promover o bem comum, educar os cidadãos.
O ensino particular é o único que está em todo o País. E chegou às diversas regiões, não por espírito comercial, mas quase sempre por idealismo e abnegação, por espírito bairrista, por amor à juventude e ao progresso dessas regiões.
Vozes: - Muito bem !
O Orador: - Se não fora ele, muito maior seria o número de portugueses que apenas saberiam ler, escrever e contar, muito maior seria o número dos alfabetos estatísticos.
Em inquérito feito em determinada região do País apurou-se que 70 por cento dos alunos que frequentam o ensino particular não teriam acesso ao ensino secundário, por falta de poder económico dos pais, se não existisse lá esse ensino.
E todos nós já ouvimos dizer ou lemos algures que o nosso povo é egoísta, individualista, avesso a cooperativismos e a associativismos. É que as relações de vizinhança e de convívio exigem instrução e educação. As leis pressupõem um povo educado.
Portugal, como todos os países da Europa não comunista, tem ensino público e particular. Lá fora, este ensino é largamente subsidiado, como, aliás, impõe a mais elementar justiça. Na verdade, o Estado reconhece, até na Constituição Política, aos cidadãos a liberdade de ensino e a escolha da escola.
Sendo assim, não pode reservar a totalidade dos dinheiros públicos para as suas escolas, se elas não convêm a uma grande parte da população. Esses dinheiros são de todos e, por isso, o Estado deve consagrar parte dele para ajudar as escolas particulares, na proporção dos serviços que elas prestam. Se não for assim, os pais que trazem os filhos no ensino particular pagam duas vezes: a primeira é para sustentar as escolas dos outros (as públicas) e a segunda para manter as suas (as particulares), que sito as únicas que convêm aos seus filhos.
Apetece-me perguntar qual a razão por que o Governo não tem sido receptivo às intervenções sobre o ensino particular.
Pio XII dizia:
Pode afirmar-se sem rodeios que o estatuto que um país reserve à escola particular reflecte com grande exactidão o nível de vida espiritual e cultural desse país.
Pois é bem tempo de se fazer um inquérito aos estabelecimentos de ensino particular e de ajudar, com prioridade, os dos meios rurais, que ofereçam garantias de um trabalho honesto e desinteressado.
Vozes: -Muito bem !
O Orador: - Chegou a hora de o Governo libertar um sem-número de famílias das tremendas dificuldades que têm de suportar para garantir um mínimo de educação a seus filhos; de o Governo reconhecer que está a exigir esse sacrifício, precisamente e em maior grau, às famílias dos meios rurais. Quantas crianças não dão o rendimento escolar devido por subalimentação a que são forçadas! Pois, como poderiam pais de família com ordenados baixos comprar carne e peixe para alimentação dos filhos, quando têm de suportar mensalidades da ordem dos 600$ ?
E qual o motivo por que as isenções de propinas e as bolsas de estudo estão reservadas apenas para os alunos da escola pública?
Por que razão o Governo não conta como tempo de serviço o trabalho prestado pelos professores diplomados ao serviço do ensino particular?
Não aceito esta discriminação entre ensinos, que ambos são nacionais, estas situações de desfavor, quando a história nos diz que o ensino começou por ser particular: a educação nacional foi obra da Igreja e da Família. Quando a realidade nos ensina que a maior parte dos pais, em igualdade de circunstâncias, prefere o ensino particular ao ensino público.
Quando as contas nos revelam que a fundação e manutenção da escola particular custam menos que as da escola pública.
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Quando está provado que o rendimento escolar da ensino particular é superior ao do ensino oficial.
Quando a pedagogia nos revela que é mais fácil ensaiar novas métodos d(c) ensino na «escola particular do que na pública.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Quando a experiência nos diz da maior possibilidade de melhor e mais completo desenvolvimento do educando ma escola particular.
Quando, por sua sabida maior maleabilidade, se sente ser mais natural a relação escola-família no ensino particular.
Quando a sociedade exige para o seu progresso, equilíbrio e boa ordenarão o pluralismo escolar, requerendo, pois, uma escola uma e diversificada como a Nação em que se enquadra.
Sr. Presidente: Também eu, agora, mas só agora, estou convencido, como; o Sr. Subsecretário de Estado, de que o ensino particular ocupará dentro em breve, o lugar a que tem direito.
O Estado Social de Marcelo Caetano exige-o.
Vozes: -Muito bem, muito bem !
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Silva Mendes: - Sr. Presidente: Quem esteve atento ao desenrolar da última campanha eleitoral, para além dos ideais em discussão, certamente se apercebeu das solicitações que ao Governo foram feitas pelas populações que vivem em pequenos, e às vezes até em grandes centros populacionais, para que seja posto termo ao actual estado de atraso em que muitos se encontram.
Que os seus anseios foram bem compreendidos pelos Deputados prova-o o número de intervenções feitas já no período de funcionamento da Assembleia, intervenções caracterizadas sempre pela preocupação dominante de encarar os problemas, de modo a contribuir para ajudar a sua resolução, pois esses problemas estão na base de um mal estar geral e dizem respeito á educação, economia e à saúde e assistência.
Em clima de sinceridade (o que não significa isento de opiniões (diferentes e às vezes até opostas), a emigração, quer se processe para países estrangeiros, quer para os grandes centros populacionais do País, tema sido apreciada em várias comunicações, o que prova à evidência quanto esse momentoso problema está gravado nas nossas consciências.
E embora os pontos de vista tenham sido diversos, como é natural, num ponto, decerto, todos nos encontraremos - o actual estado de atraso de muitas idas nossas freguesias rurais e até sedes ide concelho é factor decisivo no abandono de algumas das nossas regiões, principalmente das mais pobres.
Quem as conhece sabe bem, às vezes por amarga experiência da sua vida profissional, como se encontram, sem um mínimo de estruturas núcleos de centenas e centenas de habitantes.
Não ganhamos nada em esconder que no ano em que o homem chegou à Lua, nesse mesmo ano, muitos médicos não puderam chegar à cabeceira de um doente por este ter a desdita de viver, conjuntamente com muitas outras famílias, em lugares onde não chega a estrada.
E isto não é um caso, são, infelizmente, muitos; cerca de 2500 povoações com mais de 100 habitantes não usufruem desse benefício!
Penso que, sem ofuscarmos o que se realizou no passado, poderemos analisar conscientemente o que teremos de fazer no futuro, para que, dentro das nossas possibilidades financeiras, possamos traçar e cumprir um plano tendente a diminuir o mais rapidamente possível os atrasos verificados.
Mais nos vale conjugar esforços para os resolver, abrindo novos caminhos em novos horizontes, do que dividirmo-nos em apreciações, nem sempre isentas de parcialismo, sobre esse mesmo passado.
O País precisa de gente que trabalhe, que corresponda aos apelos constantes do Sr. Presidente do Conselho, e a tarefa é de tal modo urgente que não há lugar para os indecisos, nem paira os profetas que nada realizam e em sistemática negativa se mantêm quando solicitados a uma colaboração.
Cada um de nós, no lugar que ocupa, terá de desdobrar-se em esforços pana tapai- brechas, e o desejo de elevar o nível económico da Nação e a sua integridade territorial terá dei ser o toque que manda marchar unidos pela continuidade de Portugal.
Sr. Presidente: A razão da manha intervenção é a de trazer a esta, Câmara, e por «eu intermédio ao Governo, os anseios de muitos que, conscientes deste estado de coisas e desejosos de bem servir a grei, mais não fazem porque lhes são negados os meios materiais que lhes permitiriam um trabalho eficiente e sério.
Refiro-me aos homens que no meu círculo orientam os municípios e as juntas de freguesia.
Desejo apenas, numa palavra, juntar o meu testemunho àquele que de forma admiravelmente clara foi expresso na última reunião dos presidentes das câmaras com. o Sr. Ministro das Finanças, realizada na Figueira da Foz.
Dizer que os municípios vivem em situação crítica, que não podem fazer face às mais prementes necessidades das populações que por lei lhes compete administrar e fazer progredir, é hoje lugar-comum e por isso mele me não detenho; apenas quero traçar, em rápidas pinceladas, o quadro real da sua vida no tocante à minha região.
É claro que não vou apontar excepções, ou sejam aqueles cujos rendimentos são mais ou menos suficientes para fazer face aos encargos mínimos a que por lei são obrigados, mas sim à regra geral, àqueles em que os homens se gastam sem proveito, se queimam sem utilidade e vêem com mágoa que os seus concelhos cada vez se distanciam mais em progresso de muitos outros, que bem poderemos considerar privilegiados, ou pela sua situação geográfica, ou porque a sorte os bafejou ao serem transformados em centros industriais.
O Governo, e muito bem, pois de outra forma não se pode administrar sem graves perigos, tem procurado encontrar o justo equilíbrio receita-despesa, e sempre que forçadamente tem de aumentar esta procura igualmente elevar aquela.
Não somos nós que o censuramos por tal!
Uma das funções do sistema tributário é mesmo o de executar uma melhor distribuição da riqueza nacional.
Assim, e para esse efeito, além das actualizações das taxas em vigor, foi criando outras, de modo a poder atingir o equilíbrio necessário à estabilidade financeira do País.
Mas, ao longo dos últimos anos, igual necessidade foram tendo os municípios, e nos novos impostos criados - profissional, complementar e de transacções- foi olvidado por completo que as câmaras municipais neles tinham direito moral a uma comparticipação.
O Sr. João Manuel Alves: -Muito bem!
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O Orador: - Que a situação dos municípios não estava a ser considerada prova-o facto de ao que nos consta j não ter feito parte da comissão da última reforma tributária um delegado permanente do Ministério do Interior que acautelasse e defendesse os justos interesses das câmaras municipais.
Em contrapartida, o Estado continua a não atender as solicitações dois municípios tendentes- a que sejam libertados das despesas; com a construção de escolas, com a assistência e internamento de doentes em hospitais, com a instalação das repartições de finanças, dos tribunais, das casas dos magistrados, das cadeias comarcas, dos quartéis da Guarda Nacional Republicana, ate.
O Sr. João Manuel Alves: - Muito bem!
O Orador: - Para além disto, cobra ainda uma percentagem nos adicionais as contribuições- directas do Estado, na parte da receita pertencente às câmaras, mas não permite que estas adoptem igual critério quando conjuntamente com os seus impostos cobram percentagens para o Estado.
Não sabemos a razão do critério desta decisão.
Assim, e para melhor exemplificarmos a situação, diremos que um dos concelhos do distrito de Portalegre, o de Arronches, teve em 1969 uma receita ordinária da 1 1149 000$ e uma- despesa obrigatória de 1 156 000$, isto é, uma despesa superior à receita.
Que obras de fomento poderá fazer este Município e que panorama lhe reserva o futuro?
Poderemos ainda, e sempre a título de exemplo somente, referir que a Câmara de Nisa, um dos maiores concelhos, em. área, do distrito, pagas que foram as despesas obrigatórias, ficou, em J969, com uma verba de 248 000$ para obras dei fomento, mas que esta mesma Câmara tem uma dívida a longo prazo de 7 250 000$ 1
E o rol destas situações é quase igual ao número dos concelhos do distrito.
Anote-se ainda que, se era aflitiva a posição financeira dos municípios em 1969, será desastrosa em 1970, porque as despesas com o pessoal aumentaram extraordinariamente com a publicação do Decreto-Lei n.º 30/70 e porque os encargos resultantes da assistência médica e medicamentosa referente aos funcionários seus dependentes e que por lei lhes cabe agora suportar serão vultosos.
Registe-se, com agrado, que se algo se tem feito em alguns concelhos é porque os municípios encontram no Ministério das Obras Públicas o maior carinho, protecção e compreensão para a sua triste sorte, e à Direcção-Geral dos Serviços de Urbanização e à Comissão Coordenadora das Obras Públicas no Alentejo devem quase tudo o que neles tem sido realizado em obras de fomento.
Desta tribuna, e em nome de todos os concelhos do meu círculo, dirijo ao Sr. Ministro das Obras Públicas e aos funcionários seus dependentes o meu tão sincero como profundo agradecimento pela obra levada a cabo e pela prontidão com que atendem as nossas súplicas e dão solução aos nossos problemas.
Este Ministério é para as câmaras a réstea de Sol anunciadora de melhoria de tempo!
A situação da quase totalidade dos municípios, sob pena de se acabar com a tradição municipalista do País, exige que sejam, tomadas medidas urgentes, o que me leva a terminar a minha intervenção solicitando ao Governo:
1.º Que às câmaras municipais seja reconhecido o direito a uma comparticipação, nas receitas arrecadadas pelo Estado e referentes à cobrança dos impostos complementar e profissional;
2.º Que seja entregue ao Ministério do Interior comparticipação na receita cobrada pelo imposto de transacções, o qual seria distribuído pelos municípios na razão inversa das suas receitas, a exemplo do que se faz já em muitos outros países;
3.º Que seja revista a forma como actualmente é cobrado e arrecadado pelas câmaras o imposto de comércio e indústria referente às empresas de construção, qualquer que seja o seu ramo e que têm a sua sede em concelhos diferentes daqueles onde executam obras, pois a última reforma prejudicou gravemente as câmaras de menores recursos;
4.º Que seja anulado o desconto sofrido pelas câmaras na cobrança dos adicionais às contribuições directas do Estado;
5.º Que sejam libertadas as câmaras municipais, dos encargos referentes a serviços dependentes de outros Ministérios;
6.º Que não se proceda a nova reforma tributária sem ter em consideração os justos interesses e direitos dos municípios e que os mesmos estejam representados nas comissões que para tal vierem a ser nomeadas;
7.º Que sejam atribuídas ao Ministério das Obras Públicas verbas que lhe possibilitem conceder aos municípios comparticipações mais elevadas que as concedidas actualmente, no referente á obras de urbanização, permitindo a estes ceder terrenos urbanizados em condições e a preços acessíveis a toldas as classes que desejem construir a sua própria habitação, única forma válida de pôr termo à especulação feita na venda de terrenos urbanizados e às construções clandestinas;
8.º Que as despesas resultantes com a assistência médica e medicamentosa dos funcionários municipais possa ser suportada pela verba cobrada pelos municípios, ao abrigo dos Decretos-Leis n.ºs 36448 se 46301.
Creia, Sr. Presidente, que, se estas medidas não forem urgentemente consideradas, a «ordem dos mendicantes», a que pertencem quase todos os presidentes, das câmaras do País, terá de ser, extinta por falta de recursos, que permitam manter em actividade a comunidade, e cada vez será maior o atraso das regiões já hoje menos favorecidas.
Vozes: - Muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Linhares Furtado: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: As palavras simples e breves que- pretendo proferir hoje são de justo louvor pela acção desenvolvida no curto período em que o Sr. Ministro da Educação- Nacional, Prof. Doutor Veiga Simão, tem dirigido este difícil e importantíssimo sector da vida nacional, louvor que em consciência não poderia calar.
No recente discurso que o Sr. Ministro proferiu perante ais cântaras da televisão portuguesa e através do qual deu conta à Nação da sua actividade, dos- seus projectos e anseios, dedicou S. Ex.ª uma parte apreciável das soías considerações à Universidade. Fê-lo com magistral clareza e equilíbrio e, deu a conhecer ao País, em geral, alguns dos males que afectam a vida universitária portuguesa, ao mesmo tempo que anunciou a preparação de uma profunda, reforma que recolherá o contributo de todos os sectores das nossas Universidades.
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A carreira docente universitária viu agora amplamente melhoradas as suas remunerações e as camadas mais jovens podem, com menores preocupações, dedicar ao ensino, à investigação e à reorganização indispensável das estruturas uma parte mais importante do seu tempo. Por outro lado, esta medida contribuirá poderosamente para facilitar o recrutamento, hoje difícil, de pessoal docente.
Vem a propósito realçar a opinião pessoal, formada com mágoa por imposição das realidades universitárias actuais, de que qualquer reforma, por melhor concebida e estruturada que seja, corre o risco de ser desvirtuada na sua concretização, se aos que ensinam não forem abertas oportunidades condignas de se dedicarem inteiramente à sua missão específica.
Sendo a Universidade o fulcro das atenções do Ministério da Educação Nacional no actual momento, como é lógico e imperioso, aqui fica expresso o voto de que a reforma nasça com indispensável rapidez, mas que no afã se não esqueçam as condições materiais básicas para que o rendimento do pessoal docente, técnico ou outro atinja o nível que é possível alcançar, mas de que ainda estamos longe.
Farei, finalmente, uma breve referência ao problema do recrutamento do pessoal docente no que diz respeito à equiparação de doutoramentos por Universidades estrangeiras, medida avisada que poderá permitir o aproveitamento de um número restrito, mas válido, de elementos universitários. Todavia, permito-me chamar a atenção para o facto de que os estágios no estrangeiro deveriam obrigar a uma fiscalização ou orientação mais apertada por parte das instituições portuguesas, nomeadamente as Universidades, que os patrocinam. No que se refere à elaboração de trabalhos científicos, quase sempre de longa duração e com o objectivo de constituírem dissertações de doutoramento, é necessário que se procurem temas com maior interesse e mais fácil aplicação aos ramos de conhecimento em causa no nosso país.
Vozes: - Muito bem !
O Orador: - O labor desses licenciados enquanto estagiam no estrangeiro é muitas vezes desviado para o estudo de problemas de maior interesse para o país que os acolhe. Convém frisar que então se passam anos, que são frequentemente os mais frutuosos da actividade científica desses universitários, e que, a par desta, outras se poderiam desenvolver simultaneamente, com grande vantagem para as nossas Universidades e para a nossa sociedade. Creio de particular importância que se estimule a preparação de doutoramentos e trabalhos de investigação na nossa própria casa, por razões que parecem óbvias, mas de que não deixo de salientar ser essa a via mais lógica de dirigirmos cientificamente a atenção para os nossos próprios problemas e de reunir e desenvolver concomitantemente os meios e as qualificações necessárias ao seu estudo continuado.
Vozes: - Muito bem, muito bem !
O orador foi cumprimentado.
O Sr. Presidente: -Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente:- A primeira parte da ordem é constituída pela continuação dia discussão na generalidade da proposta de lei sobre á assistência judiciaria.
Tem a palavra, para ler o parecer da Comissão de Política e Administração Geral e Local, o Sr. Deputado João Manuel Alves.
O Sr. João Manuel Alves:-Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Comissão de Política e Administração Geral e Local, tendo examinado e estudado a proposta de lei sobre assistência judiciária, é do seguinte parecer:
1) Concorda com a intenção do Governo, expressa na proposta, de alargamento da concessão da assistência judiciária a todas as entidades que gozem de personalidade judiciária e de simplificação do respectivo processo;
2) Considera, por isso, ser oportuna e conveniente a nova regulamentação do instituto;
3) Afigura-se-lhe, todavia, que algumas das soluções propugnadas, com mais saliência, de resto, no relatório do que propriamente no articulado, podem ser completadas. Assim:
a) Entende-se manter, por mais aconselhável, a possibilidade de concessão de um só dos dois benefícios - isenção de custas prévias e patrocínio gratuito. Deste modo se salvaguardará melhor a livre escolha dos interessados e o princípio da igualdade das partes do processo;
b) Para as causas cíveis, pelo menos, parece mais conveniente evitar a intervenção de dois advogados e sendo preferível a solução de ao mesmo ser cometida quer a fase preliminar de obtenção da assistência, quer o seguimento da causa. Na verdade, sustentando-se a vantagem de o pedido de assistência ser simultâneo com a propositura ou contestação da acção, dar-se-ia o principal e mais delicado trabalho ao advogado nomeado provisoriamente e uma actividade, a maior parte das vezes secundária, ao que fosse nomeado definitivamente;
c) Entende a Comissão, como preferível, que as indicação de advogados seja tanto quanto possível entregue à respectiva Ordem.
Por isso, o Governo, na regulamentação da base VI, procurará certamente encontrar uma fórmula que, atendendo à urgência das soluções, à complexidade das causas, ao poder disciplinar daquele organismo e à independência do juiz, possa atender àquele princípio;
4) Sugere-se, por isso, que na especialidade sejam alteradas as bases I e VI, por forma a dar satisfação às considerações anteriores, e a consequente adaptação da base IX.
Tenho dito.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: Não está mais nenhum Sr. Deputado, inscrito para a apreciação na generalidade da proposta de lei em discussão. Não foi apresentada qualquer questão prévia tendente a retirar a mesma proposta de lei da discussão ou a rejeitá-la na generalidade; considero-a, portanto, aprovada na generalidade.
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estas propostas de emenda. Em consequência, e embora tivesse anunciado para hoje, a entrada, na discussão na especialidade desta proposta de lei, parece-me a todos os títulos conveniente adiar para amanhã a discussão na especialidade. Vamos, portanto, passar à segunda porte da ordem do dia: discussão das contas públicas do ano de 1968.
Tem a palavra o Sr. Deputado Roboredo e Silva.
O Sr. Roboredo e Silva: - Sr. Presidente: Começo por prestai- sincera homenagem «o eminente presidente e relator da Comissão de Contas. Na verdade, julgo que elevemos todos considerar os notabilíssimos trabalhos há tantos anos produzidos pelo Sr. Engenheiro. Araújo Correia, nosso distinto par, como deus mais esclarecidos que se elaboram neste País, só sendo de lamentar que a maioria dos seus abalizados conselhos, as suas previsões de arguto economista e homem de Estado e as seus objectivos e patrióticos comentários, não tenham tido o seguimento que a todos os títulos mereciam. Chega a ser inacreditável, a persistência sem desânimos e a compreensão do Sr. Deputado Araújo Correia para as fraquezas humanas que infelizmente, neste casa, se têm reflectido fortemente, para não dizer terrivelmente, na estagnação económica desta Nação, que teve gloriosos períodos de evolução científica e técnica e de dinamismo, que assombraram- o- mundo, e que acabou por cair no imobilismo de que estamos a sofrer as consequências. Se nos lembrarmos que o nosso orçamento metropolitano não chegou aos- 26 milhões de contos de receitas cobradas em 1968 e que no ano corrente as previsões são de menos de 29 milhões e compararmos a nossa extensão geográfica e população com outros países, por exemplo o Estado de Israel, que tem apenas uns escassos vinte e dois anos de existência, cerca de 2 800 000 habitantes e que se estabeleceu numa área na saia maioria desértica, verificamos que o seu orçamento é da ordem dos 60 milhões de contos e que só com a defesa- andou por 25 milhões de contos a sua despesa em 1969!
Espantosa demonstração do que significa a massa cinzenta dos seus dirigentes, a técnica, a vontade inquebrantável de triunfar, sejam ainda ciclópicos os trabalhos a enfrentar, como na realidade foram e estão sendo, não obstante os vultosos apoios financeiros e outros das ricas comunidades israelitas no Mundo. Se ainda há milagres na Terra, afiguro-se-me que este de Israel não é dos? menores, e, sejam quais forem as antipatias ou reacções que nos mereça este povo, peia sua condenável atitude em relação aos nossos problemas nacionais, não deveríamos deixar de meditar profundamente neste caso à parte que é o dei Israel e de não menor importância o espírito de clã e de entreajuda das comunidades judaicas no seu apoio à terra da promissão ... Se o exemplo frutificasse noutras bandas ...
Desde logo, na referência sus receitas de 1968 não mencionei os orçamentos dos serviços autónomos nem os das províncias de além-mar, mas se incluísse estes últimos, dada a extensão territorial, a população e as riquezas por explorar, ainda a comparação seria mais desfavorável!
A minha intervenção vai incidir principalmente sobre dois pontos:
a) Despesas militares, consequentes da subversão que grassa em três províncias de África:
b) Os transportes marítimos, na economia da Nação oceânica que somos e o que o mar para ela significa.
Quanto ao primeiro ponto, não pode oferecer dúvidas a ninguém que as despesas militares, em face da grave situação que nos criaram em África e dos apoios cada vez mais fortes que os movimentos terroristas recebem, terão necessariamente de crescer. Já hoje as armas de que estes dispõem não só diferenciam desfavoravelmente daquelas com que os nossos homens defendem as populações e a terra portuguesa. Vale-nos a certeza da nossa verdade, uma mais esclarecida inteligência- e uma disciplina voluntariamente consentida e não imposta pelo terror, como sucede adentro dos chamados «movimentos de libertação», com as suas purgas à moda comunista e os conflitos entre uns e outros de que esses movimentos têm sido frequente exemplo. E, acima de tudo, a chama- patriótica que graças a Deus, nos anima, em que não contam necessariamente uns quantos transviados ...
É pois, minha convicção, apesar de serem cada vez mais numerosas as unidades constituídas por autóctones voluntários, o que destrói totalmente o estafado slogan da propaganda comunista- de que combatemos uma «guerra de brancos contra pretos», que as despesas militares terão tendência para aumentar, modesta, mas persistentemente. Por isso nunca será de mais, repetir o que tive oportunidade de aqui proclamar, aquando da apreciação da Lei de Meios para 1970, de que é imperioso que neste País todos se compenetrem, governantes e governados, de que se impõe uma vida de austeridade digna, sem misérias, desde logo, mas sem ostentações, evitando despesas não indispensáveis para que o desenvolvimento económico da Nação, que é sem dúvida constante básica da nossa vitória, e os meios essenciais não faltem aos homens que, no conflito subversivo a que temos de fazer face, sacrificam tudo inclusive a própria vida, para-se voltar àquela paz lusitana que nos permitirá alcançar o nível de bem-estar e de promoção social que as populações portuguesas merecem e a que têem pleno direito.
Também não vou repetir o que então disse sobre o que se recupera «lê tão vultosos gastos em favor de um melhor nível de vida para a população metropolitana e para o progresso do ultramar, mas mão resisto a transcrever do parecer em análise, por vir dar força ao conjunto das minhas afirmações de então, o passo seguinte:
Todo o esforço no sentido ide fazer economias nos gastos militares será benvindo. O problema não se põe neste momento no aspecto de- carácter reprodutivo de algumas delas. Põe-se em termos de carga tributária e ide necessidades de fomento económico, em termos que assegurem a mais alta reprodutividade possível.
Nestas palavras resume-se- o que eu também declarava, que, tem síntese, igualmente se pode dizer: fazer uma guerra o menos cara possível, sem deixar Ide contemplar as forçais armadas com os meios necessários para restaurar a paz, não despender no que não for essencial ao desenvolvimento económico do País; sei, portanto, mais que parcimonioso em gastos tão reprodutivos, sem deixar de reconhecer que os volumosíssimos encargos resultantes da luta que temos de combater não são em pura perda material, uma vez que no aspecto moral não podem ser discutidos.
Em 1967 despenderam se com ia defesa nacional 9 920 000 contos, dos quais cerca de 5 750 000 contas foram gastos com ias forças militares extraordinárias no ultramar.
Em 1968 os números foram, respectivamente, 10722000 contos e 6197360 contos. Neste mesmo ano dos 7490000 contos de excesso das receitas ordinárias, 96 por cento destinaram-se a encargos com a defesa nacional. Em 1970 até porque se fez um ajustamento de vulto nos vencimentos ido funcionalismo, se bem que como é notório, não tivesse agradado à maioria, e porque aumentam os pré-
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ços de tudo quanto se compra, essas somas subirão consideravelmente. Mas também a .estimativa cresceu, no conjunto das receitas ordinárias e (extraordinárias, para 28 798 784 contos.
Só as receitas ordinárias previstas para 1969 e as do ano corrente apresentam diferença para mais, em 1970, de 3 530 000 contos, números redondos.
Afigura-se-me, contudo, que será pouco provável, para não dizer impossível, cobrir a elevada percentagem de encargos extraordinários com a defesa nacional, através do excesso de receitas ordinárias, no ano que decorre.
Assim, se o produto nacional não crescer acentuadamente, como se vem preconizando nos pareceres desta Câmara e é mais que intuitivo, caminhamos paira uma situação bem difícil, pois o problema de defesa está solidariamente ligado ao económico e ao financeiro.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Parece-me que mesmo dentro das forças armadas, cuja eficiência operacional tem de constituir nossa permanente preocupação, algo se pode melhorar no sentido de não aumentar demasiadamente as despesas militares, através de uma administração que resolva problemas logísticos em globo em todos os materiais e equipamentos comuns desenvolvimento ou criação de industrias essenciais para o tipo de conflito que enfrentamos, cuja duração seira, infelizmente, longa, assegurando, portanto, compensação aos investimentos efectivados, revisão de estruturas e organizações militares, no sentido de as simplificar, evitando duplicações e emulações que não tendo jamais aceitação, são mais que condenáveis nestes tempos de guerra, que é no fim de contas a verdadeira palavra a empregar; para que andar com subterfúgios?
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E agora surge novo, e mais uma vez me atrevo a repeti-la, a minha- incompreensão por não se actuar vigorosamente no sentido de incutir no espírito da gente portuguesa das rectaguardas um mínimo de clima de guerra que as convença de que os sacrifícios não podem ser impostos apenas a umas centenas de milhares, e que, se a pátria está em causa, como não se discute, todos têm de dar na sua esfera de acção, contributo para que uma normalização de vida volte à terra portuguesa o mais rapidamente possível.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Se redobrarmos o nosso trabalho, sem exigências de compensações materiais descomedidas, todos, desde os intelectuais e técnicos aos operários de todos os níveis, contribuiremos eficazmente para a resolução dos problemas que nos atormentam.
Se houvesse entendimento generalizado desta realidade, e a juventude tem aqui papel de primazia pela sua grande capacidade de actuar e convencer, e refiro-me agora especialmente aos universitários, em quem continuo a acreditar, creio que muitas grandes dificuldades seriam apenas dificuldades - estas existem em todos os países, por mais poderosos que sejam - e seriam superadas, com sacrifício, desde logo mas com maior presteza e espírito de solidariedade. Não me consta que em qualquer ponto da Terra se encontre o paraíso!
Vivemos uma época difícil, não sómente pelas convulsões sociais que atormentam o Mundo, mas ainda pelas guerras, subversões, fomes e misérias que o afligem. A grande calamidade é, contudo, a perda de valores humanos naturais e sobrenaturais.
Paulo VI, que tão frequentemente nos fala das suas angústias e sofrimentos, a propósito do mau caminho que seguimos, disse há pouco que os cristãos estão perdendo a fé e o sentido do sagrado.
Ora perder a fé constitui, a meu ver a verdadeira tragédia, talvez pior que as guerras e as misérias humanas, pois essa perda de fé afigura-se-me a causa principal de tantas calamidades que esmagam o Mundo.
Esperamos que neste país, de raízes cristãs tão arreigadas, se não perca a fé, porque as tremendas dificuldades que defrontamos, só poderão ser dominadas se todos tivermos presente, em cada momento, que foi com a fé inquebrantável dos Portugueses que a Nação foi o que é presentemente e será com a mesma fé que dela faremos o que desejamos que venha a ser.
Como militar e como português, mão desejaria perder esta oportunidade para aqui prestar homenagem aos que crêem firmemente no futuro da Pátria una e vêm investindo, confiam te e sucessivamente, os seus capitais, ajudando a evolução social das suas populações no desenvolvimento económico das províncias africanas, dando-se assim inteiramente a uma tarefa que, se tem em mira justos lucros, não deixa de representar maiores riscos do que entesourar capitais a juros convidativos sem sobressaltos.
Tenho a impressão de que não se tem concedido a esses bons portugueses, e graças a Deus são bastantes, a consideração que merecem.
Completarei este primeiro ponto com algumas referências às contas do ultramar para fixar que as suas receitas e despesas totais foram, respectivamente, de 16 807 353 e 15 073 820 contos, com o saldo de 833 532 contos. Pretendo ainda assinalar ,que a sua contribuição para despesas com as forcas armadas foi de 1 889163 contos, mais cerca de 190 500 contos, do que em 1967, o que esse encargo correspondeu a aproximadamente 14,5 por cento da despesa total. Ninguém de boa fé poderá alegar que tal contribuição é pesada e não é justa. É mesmo de esperar que o seu montante aumente à medida que se processa o seu notável desenvolvimento económico e crescem as receitas públicas. Só assim se manifesta claramente a solidariedade, inquebrantável do todo nacional.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Desejo fazer um pequeno reparo, que é o de no parecer se incluírem na província de Moçambique os encargos com os Serviços de Marinha nos das forças armadas. Ora todos sabemos que os Serviços de Marinha constituem a Direcção Provincial do Fomento Marítimo que se ocupa de capitanias, dragagens, balizagem, farolagem, pescas, etc., e que nada tem com as forças armadas. E a verba naquela província, como é natural, dado o número elevado dos portos, características das barras e longa costa marítima, é relevante: 115948 contos. As mesmas despesas em relação a Angola foram correctamente consideradas.
Desejo ainda fazer alguns comentários sobre esta parte das contas de 1968. Os números apresentados relativos a receitas e despesas das províncias de além-mar são dignos de atenção, por nos darem ideia do desenvolvimento económico que nelas se verifica, particularmente se as compararmos com as do início da fatídica década de 60 que nos trouxe o terrorismo.
Também julgo oportuno salientar quanto o nosso ultramar, e agora refiro-me especificamente a Angola e Moçambique, contribui para o desenvolvimento dos países vizinhos através dos seus caminhos de ferro e portos do mar de que são testa. O caso de Moçambique então é
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clamoroso, com as suas três linhas férreas de penetração, através das quais se transporta importante tráfego de e para a República da África do Sul. Suazilândia, Rodésia, Zâmbia e Malawi.
Os nossos portos africanos são dos melhores do continente, merecendo especial relevo o de Nacala. cujas condições hidrográficas e naturais lhe permitem ser um dos poucos portos comerciais do Mundo aptos a receber os grandes navios de arqueação acima das 100 000 t. Estes portos e caminhos de ferro, constituindo instrumentos de trabalho e crescimento económico para as nossas duas grandes províncias, não o são menos, antes pelo contrário, para os países do hinterland, e são, por outra banda, pedras essenciais da nossa política de boa vizinhança e da nossa estratégia político-económica, realidade que devemos ler sempre bem presente ...
Ainda dois apontamentos ligados a portos. Continua em Angola por abrir, dragando, um canal de acesso a Santo António do Zaire, o que obriga a pequena navegação que o frequenta a fundear e fazer as suas operações de carga e descarga ao largo do rio, com todos os inconvenientes e encargos resultantes. Do ponto de vista militar naval esta deficiência é notória e não se compreende como ainda não foi eliminada, até porque não é vultoso o seu encargo. Vêm de longe as diligências para se efectivar tão modesto melhoramento.
Outro caso palpitante respeita ao porto de S. Vicente de Cabo Verde. Existem hoje ali umas oficinas navais que resultaram do aproveitamento de um pseudo- estaleiro. que de estaleiro só tinha o nome, e bem impropriamente. Essas oficinas navais estão agora entregues à Armada e creio que é já patente a benéfica evolução que sofreram. Urge, contudo, dotar as oficinas navais com um sistema de carenagem para navios médios da ordem das 3000 t a 4000 t, que actuam em quantidade naquela área e anseiam por ali poder usufruir de tal apoio, de que colheremos, aliás, bom rendimento. Por outro lado, esses meios de carenagem terão igualmente grande interesse para a marinha de guerra. Apesar de não ser brilhante a situação económica da província, não hesito em considerar esta obra prioritária e suportável o empréstimo que envolva, até porque o rendimento reverterá totalmente para a administração provincial.
Por mim penso que, apesar dos grandes jazigos de pozolanas, pescas, produções vegetais e turismo -como estação climática, particularmente de Inverno, é de excepção -, o futuro do arquipélago está no desenvolvimento que se der ao porto da S. Vicente. Muito me esforcei por isso enquanto servi a Armada, pedindo insistentemente, através de diligências pessoais, que ali se instalasse uma refinaria, pois, dada. ia localização excepcional de S. Vicente em relação a certas linhas de navegação, nomeadamente as da América do Sul, S. Vicente seria o porto a que naturalmente a correria a, navegação para se reabastecer de combustível. Seria o porto petroleiro por excelência da área. Outros se aproveitaram do nosso desinteresse, mas mesmo agora ainda seria tempo. Aqui ficam, estes apontamentos, para os quais peço especialmente a, atenção do Sr. Ministro do Ultramar.
Termino este primeiro ponto das minhas observações confiante no futuro e convicto de que mercê do esforço colectivo do povo português, à luz de novas concepções económicas, reorganização do ensino - nomeadamente o universitário investigação científica acelerada,- desenvolvimento industria], coordenarão das actividades globais da Nação, real travagem de despesas sumptuárias e rigorosas medidas contra o aumento do custo de vida e a especulação em geral, ultrapassaremos a crise, amais grave crise, desde a perda da independência no século XVI, que a Pátria tem atravessado.
Vou agora referir-me ao 2.º ponto.
Suponho que não vou fazer afirmações que não estejam no espírito de todos os ilustres membros desta Câmara, e dos portugueses que pensam um pouco nas realidades- desta pátria, que é muito mais atlântica que europeia, diria mesmo e mais precisamente uma nação oceânica. Os nossos interesses são universalistas.
Em várias ocasiões tenho dito publicamente que Portugal na sua constituição físico-geográfica, corresponde a um colossal arquipélago, com as suas costas marítimas de mais de 4500 milhas, sem falar na extensão dos rios navegáveis. A verdadeira ligação entre as parcelas que o constituem é o mar e complementarmente o ar que o cobre.
Desta forma, se não pudesse usar livremente as comunicações marítimas não exageraríamos dizendo que não sobreviveria. Teremos todos dado conta do valor inestimável de as bastes, portos e aeroportos de que dispomos nos permitirem ligações marítimas e aéreas entra a metrópole e as províncias- de África, sem necessidade de escala em países estrangeiros? E se um tal factor é sempre importante, na fase que viemos é de capital relevância, diria condição sine qua non para sobreviver.
Seria descabido referir-me aqui ao valor imenso, em certas áreas insubstituível, das posições estratégicas portuguesas para a defesa do mundo ocidental em caso de conflagração geral.
Recordarei apenas, sobre o mar, que não sei como será possível compreender a história económica, militar ou política do Mundo sem ter entendido o mar e o significado do seu domínio pelo homem e pelas suas organizações políticas, técnicas, económicas e castrenses.
O homem é um ser essencialmente terrestre: a terra é o seu meio ambiente. Por isso mesmo os indivíduos mais cultos, até os intelectuais, raras vezes se debruçam sobre a relevância dessa imensidade líquida que ocupa 71 por cento da superfície do nosso planeta.
Além de ser uma fonte inesgotável de riqueza, a sua importância fundamental é como via de comunicação. Porque o mar é um caminho que liga, e não um obstáculo que separa. E como caminho tem a extraordinária vantagem de não precisar de obras - nem pontes, nem túneis nem pavimentos; é uma imensa estrada sempre pronta, por onde circulam os meios mais económicos e de maior rendimento que se- conhecem. Refiro-me, nomeadamente, ao transporte de mercadorias e matérias-primas de todas as espécies, uma vez que a aviação assume aspectos cada vez mais importantes no tráfego de passageiros, mas que para o caso não influi no raciocínio expendido.
Em resumo, para as nações cuja vida económica depende do mar. a sua exploração adequada em tempo de paz e a sua defesa em tempo de- guerra, que assegura a sua utilização, são questões indiscutivelmente fundamentais.
Lembramos que, mais de 96 por cento das exportações e importações do mundo português são feitas, através do mar.
Este intróito serviu pana focar o problema da marinha mercante nacional, que reputo muito sério e necessitando de ser considerado com visitas rasgadas e à luz não só do que acabo de expor, como de outros factores ultimamente focados quanto à evolução dos conceitos industriais e sua liberalização.
Sabe-se que um país marítimo de modestas ambições necessita, para estar a coberto de surpresas muito desagradáveis, de dispor de uma marinha de comércio capaz
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de satisfazer pelo menos 60 por cento, das suas importações e exportações. Recordo que em teoria, era esse o alvo do nunca de mais enaltecido despacho n.º 100.
Suponho que a tonelagem de que dispúnhamos em fins de 1969 pouco ultrapassava os 30 por cento! Daqui pode avaliar-se o que se consome em divisas com afretamento de navios estrangeiros e, por vezes, quando há urgência, em que condições desfavoráveis esse afretamento terá de ser feito.
O tráfego marítimo entre portos portugueses está reservado à bandeira nacional e desde logo bem, mas se os armadores não dispõem de navio** para satisfazer as exigências desse tráfego, haverá coerência nesta reserva?
Em 1969, par exemplo, houve que afretar navios estrangeiros para, transportar 340 000 t sobretudo minérios, carvão e madeira!
Não preciso de acentuar que outros países marítimos se apoiam nas suas frotas de comércio como elemento de grande riqueza nacional, fonte poderosa, do divisas, constituindo essas frotas as suas mais eficientes indústrias. São tantos casos que não merece a pena aflorá-los. Mas o problema do aumento substancial e modernização da nossa marinha marcante não é simples, não só pela diversificação de tipos de navios em face das novas técnicas de cargas e embalagens como de adaptação das infra-estruturas portuárias.
Aqui, com em tantas outras actividades nacionais, há um trabalho exaustivo de estudo, investigação e coordenação e executar, que nem pode ser esquecido nem menosprezado, nem pode ser atributo de um só departamento.
O mundo de hoje é cada vez mais interdependente, é facto, mas essa interdependência não uniformiza nem dirige a maneira de viver e agir, nem condiciona os hábitos. O nosso pequeno mundo do nação plurirracial dispersa por continentes, que as rotas do mar aproximam e cimentam, é um versa lista, repito, de interesses primordialmente oceânicos e a nossa vocação e futuro, como o passado e o presente, estão no mar, nesse mar imenso, misterioso. que nos traz sempre novos aspectos e novas surpresas e que são, insisto, ainda a base da nossa existência.
Diria, como alguém há pouco referiu, que, «no mar estamos em nossa casa e na Europa em casa dos outros», ainda que algumas de bons vizinhos.
Mas toda esta divagação resultou de sentir, como velho marinheiro, que não podemos perder, e agora mais do que nunca, o sentido do mar. E afinal tecer algumas considerações acerca da situação de mediocridade da nossa marinha mercante, com as suas 700 000 t de arqueação bruta, que lhe dá o 28.º lugar entre os países marítimos!
O Sr. Cunha Araújo: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Faça favor.
O Sr. Cunha Araújo: - V. Ex.ª poderia esclarecer-me no seguimento das pertinentes considerações, que está a fazer, se acha razoável que a, reserva do tráfego marítimo à bandeira nacional entre, portos portugueses se mantenha com legitimidade quando a nossa marinha mercante se não encontra suficientemente apetrechada para corresponder às necessidades desse tráfego e consequentemente, ao maior desenvolvimento económico metropolitano e ultramarino?
O Orador: - Mas foi justamente isso o que acabei de dizer. É, correcto que esteja reservado o tráfego à bandeira nacional, mas o que me repugna aceitar é que os armadores ou as empresas a quem está reservado o uso exclusivo desse tráfego não estejam habilitados com os meios, em navios, necessários pana o satisfazer.
O Sr. Cunha Araújo: -Muito bem! E quando se tem de recorrer ao afretamento dei barcos estrangeiros, a quem deve caber esse afretamento?
O Orador: - Ate certo ponto esse problema é um pouco complexo, ou melhor, com que não estou familiarizado, mas, como V. Ex.ª sabe existe a Junta Nacional da Marinha Mercante. Mas a Junta é sómente o organismo de coordenação económica que deverá distribuir, equitativamente, entre as companhias a que está reservado esse tráfego, o direito de a fretar navios.
O Sr. Cunha Araújo: - Mas V. Ex.ª não acha que isso é consentir numa actividade agenciadora que só servirá para encarecer os transportes requisitados?
O Orador: -Eu disse realmente que os afretamentos, principalmente em situações de urgência, sairão mais caros, o que redundaria em encargos maiores. Todavia, na continuação das minhas considerações, talvez tenha mais alguma, informação a prestar.
O Sr. Cunha Araújo: - Parece que seria mais razoável que, quando houvesse necessidade de recorrer à tonelagem estrangeira, fosse realmente a Junta Nacional da Marinha Mercante quem fretasse os navios para os indivíduos que necessitassem desses transportes, e não as empresas, como intermediárias, a exercerem uma função agenciadora.
O Orador: - Nessa altura estávamos a dar talvez à Junta Nacional da Marinha Mercante uma função que não é a sua, porque a Junta não pode ter funções comerciais, visto serem as suas atribuições de coordenação e de disciplina de tráfegos entre os diferentes armadores, de acordo com a reserva de que usufruem.
De maneira que tal hipótese afigura-se-me, repito, fora das atribuições da Junta Nacional da Marinha Mercante. Todavia, eu não estou perfeitamente dentro dos assuntos da Junta, visto que a minha vida se passou na marinha de guerra. Mas o que se afigura é que a Junta da Marinha Mercante, como faz a distribuição dos navios das companhias pelas carreiras regulares e outras, fixando horários, etc.. para servir os territórios ultramarinos, poderia também distribuir pelas companhias determinadas quotas no afretamento de navios estrangeiros; mas eu faço a seguir mais algumas considerações, que naturalmente irão ao encontro do que V. Ex.ª pretende.
O Sr. Cunha Araújo: - Eu quero acrescentar mais uma observação.
O Sr. Roboredo e Silva: - Faz favor de dizer, eu estou pronto a responder.
O Sr. Cunha Araújo: - Parece-me que, justamente, a reserva do tráfego à bandeira nacional teve o sentido de incentivar, junto da nossa marinha mercante, a aquisição de barcos para os transportes nacionais. E isso não se tem passado, o que é lamentável. E eu tenho ouvido queixas nesse sentido, e é por isso mesmo que fiz esta observação. Eis o que importa acentuar, a fim de que se salvaguardo o melhor modo de servir a economia metropolitana e ultramarina.
O Orador: - É isso mesmo que eu vou dizer a seguir. De resto, a minha posição é talvez um tanto fora da rotina, passe o termo.
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O Sr. Cunha Araújo: - Eu aprecio muito essas posições.
Não posso nem devo esquecer que, apesar da sua excessiva modéstia, se não fosse a previsão de quem em boa hora atacou o problema, como poderíamos ter feito uma média de trinta viagens nos últimos anos, unicamente no transporte de tropas para e do ultramar, transporte que em 1969 atingiu cerca de oitenta mil homens nos dois sentidos?
Todavia, dada a tendência dos armadores para abandonar os navios de passageiros, por antieconómicos, julgo que poderá, em futuro não afastado, ser-se obrigado a passar o testemunho à marinha de guerra, integrando noa seus efectivos alguns navios auxiliares para transporte de tropas.
Vozes: - Muito bem !
O Orador: -Temos de estar preparados para enfrentar uma evolução que se processa nos transportes, em geral, e acompanhar com medidas adequadas e, porventura, alguns encargos as melhores soluções.
Neste caso particular dos navios de passageiros, temos de ponderar que haverá sempre necessidade de alguns, ainda que seja imparável o domínio esmagador do avião neste género de transporte.
È uma das incógnitas da complexa equação que haverá a resolver. Tonelagem satisfatória e diversificada em curto prazo, fretes favoráveis (a Junta Nacional da Marinha Mercante, aliás, assim considera os que tem em vigor) e abertura a novas iniciativas sérias, eis alguns dos aspectos a considerar in continenti.
O problema é vasto, mas precisa de ser atacado de frente e a fundo, pondo de lado velhos sistemas que, a meu ver, estão ultrapassados e não defendem verdadeiramente já hoje os autênticos interesses nacionais.
Vozes: - Muito bem !
O Orador: - Fizeram a sua época, é honesto fazer-lhes justiça. É preciso, é forçoso, elevar rapidamente a tonelagem mercante nacional para número da ordem do milhão e meio de toneladas, meta que se me afigura bem possível em menos de meia dúzia de anos, e que no fim da década de 70 ultrapassemos os 2 milhões.
O Sr. Neto de Miranda: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Faça favor.
O Sr. Neto de Miranda: - Eu podia acrescentar mais alguma coisa às considerações que V. Ex.ª faz. É que em Angola pretendeu-se, já há alguns quatro ou cinco anos. constituir uma sociedade para a construção de um navio que servisse de transporte de frutos de Angola para a metrópole, aproveitando o retorno para transporte de produtos a granel, como, por exemplo, produtos vinícolas. Este pedido foi feito ao Ministério do Ultramar, mas tenho a impressão que foi indeferido. O que é certo é que não foi autorizada a constituição da sociedade nem a construção do navio.
O Orador: - Muito obrigado pela informação.
O Sr. Cunha Araújo:-Eu também tenho conhecimento de que há mais pedidos pendentes nesse sentido.
Transcrevo do parecer, quando desenvolve as despesas do Ministério da Marinha, sobre a maninha mercante, a passagem seguinte:
Há um outro aspecto que conviria não esquecer: o êxito das operações em África deve-se também à existência de navios mercantes construídos ao abrigo do despacho n.º 100;
Mas os navios têm vida limitada. Se o País progredir no sen/tido de aumentar o comércio externo e de melhorar as comunicações marítimas com África será necessário desenvolver a marinha mercante. Não há razões válidas que se oponham à existência de uma frota eficiente para transportar maior parcela de mercadorias na importação e na exportação e em condições de resolver problemas semelhantes aos que» nasceram dos acontecimentos de África.
Eu diria, como já expôs anteriormente, que só pode haver razões não válidas para que este país, marítimo por excelência, não possua uma marinha mercante que ocupe lugar inadequado estas as nações marítimas, e que só o atraso industrial e a falta de iniciativa e de visão de antigos e de novos empresários, talvez pouco estimulados pela Administração, nos coloca na incrível situação em que nos encontramos neste particular.
Vozes: - Muito bem !
O Orador: -E, assim, a passagem do parecer que transcrevi vem reforçar substancialmente as minhas considerações sobre a necessidade de incentivar e acarinhar quaisquer iniciativas para organizar empresas de navegação que nos dêem garantias e que apresentem programas de construção ou de aquisição de navios de tonelagem significativa e em prazos curtos.
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - E convém não perder de vista que a marinha mercante não tem apenas como finalidade satisfazer as exigências do tráfego nacional, pois é elemento valiosíssimo de angariação de reeleitas e de divisas concorrendo ao tráfego internacional, o chamado trumping, onde tantas nações vão encontrar fonte copiosa de ingressos e tantos armadores enriquecem. E onde já fizemos presença!
A evolução económico-industrial que felizmente se processa, as vultosas importações e exportações de matérias-primas e produtos acabados e semiacabados, cargas a granel sólidas e líquidas, impõem que se não perca esta oportunidade para desenvolver a marinha mercante nacional. O surto de progresso que advirá para Moçambique com a imponente Cabora Bassa, as perspectivas fagueiras de exploração de jazigos mineiros de grande riqueza no ultramar e as novas dimensões da Siderurgia Nacional asseguram tráfegos crescentes, para atender aos quais há que estar preparado. Nesta altura, tendo em conta o que expus, surge-me a dúvida, séria dúvida, confesso, se bastará dar às empresas existentes, através da fusão em estudo, maiores dimensões em tonelagem ou se não será de alargar a novos armadores nacionais idóneos o actual exclusivo há tantos anos concedido às empresas que vêm explorando as linhas de África.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Nesta última hipótese, a reconhecer-se válida, parecia-me razoável e justo que as escalas em certos portos e até viagens redondas que têm declarado interesse político, diria nacional, capazes de acarretar prejuízo para os armadores, sejam subsidiadas, cobrindo esse encargo através de um fundo de compensação suportado por pequenas taxas sobre cargas transportadas entre portos nacionais.
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Esta seria uma fórmula a estudar, mas outras haverá, certamente, que possibilitem o objectivo a alcançar, e o Governo, e particularmente o Sr. Ministro da Marinha, a quem presto a minha homenagem como governante esclarecido, aberto a todas as iniciativas em que o interesse nacional esteja em causa, bem poderão debruçar-se sobre tão magno problema. O que importa é que iniciativas sérias para dimensionar apropriadamente as empresas existentes ou mesmo estabelecer novas empresas de navegação de longo curso, pelo volume da tonelagem que se comprometam a adquirir em prazos curtos, permitam que se caminhe rapidamente para uma tonelagem mercante que nos afaste daquele lugar quase humilhante que ocupamos entre as marinhas mercantes mundiais.
Vozes: -Muito bem!
O Orador: -Estamos positivamente numa fase de viragem, e ou nos situamos nas realidades actuais, ou muito, teremos de nos penitenciar. Ocorre-me lembrar que há. países onde as dimensões mínimas para as empresas a e navegação são da ordem do milhão de toneladas.
O Sr. Araújo Correia: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Faça favor.
O Sr. Araújo Correia: - Como complemento das considerações de V. Ex.ª sobre a marinha mercante, tenho aqui as cifras do déficit da balança de pagamentos da metrópole com o estrangeiro em 1969, matéria de transportes, em sua grande parte marítimos. É de 1 226 000 contos. Esta informação creio que reforça as considerações de V. Ex.ª
O Orador: - Agradeço muito a informação de V. Ex.ª Lembro, porém, que eu só me ocupei do tráfego entre portos nacionais.
Terminarei as minhas já longas considerações com uma palavra sobre a marinha de guerra, que, por ser tão tardia - the last but not the least -, não deixa de muito significar para a Nação no presente e ainda mais no futuro.
Sei que teremos até 1973, inclusive, encargos a liquidar resultantes da construção de navios em três países amigos e aliados da Europa. Mas como não se preparam ou actualizam projectos de construção de navios de um dia para o outro e leva tempo elaborar planos e cadernos de encargos, afigura-se-me, ou melhor, afirmo, como ex-chefe militar da Armada que fui até há poucos meses, que uma nova tranche de navios de superfície, e refiro-me agora propriamente a corvetas - navio económico e não demasiadamente dispendioso-, precisa de ser contemplada desde já. A Armada dispõe de um plano naval completo e sempre actualizado. Eu sei que as condições actuais do Tesouro, consequentes dos enormes gastos militares resultantes da subversão que temos de combater e anular em África, não permitem atacar o plano no seu conjunto, mesmo que fosse por fases, como, aliás, foi previsto. Mas se queremos manter-nos além-mar e guardar alguns trunfos para usar se o bom senso não imperar entre os responsáveis pela condução da política mundial - o bom senso parece cada vez mais arredado da mente dos homens -. temos de assegurar o controlo do mar que banha os nossos litorais e o acesso aos seus portos mais importantes, além de estar preparados para proteger as linhas marítimas que nos são vitais.
Para isso importa, quanto antes, construir navios de superfície. Considero o estudo ida construção de mais sei? corvetas urgente e ido mais alto interesse nacional, até ainda porque, há províncias, cuja posição estratégica, é fundamental para nós se de alta valorização para a nossa política perante os nossos aliados, que não dispõem do mínimo de força naval que seria aconselhável, pondo tal fraqueza em causa a sua própria segurança.
Repito: ou nos convencemos de que o mar nos é essencial,, e parca o usar teremos- de .fazer grandes sacrifícios, ou soçobraremos.
Compreendo perfeitamente, compreendemos todos, que não há tempo para dilações; que temos um longo caminho, com muitos escolhos, a percorrer; que temos muitas tarefas a executar e muitos reptos a vencer. Também sabemos que somos um país ide grande área e de população reduzida para a sua extensão, economicamente não desenvolvido, mas prenhe de riquezas por explorar, e que teremos de (acreditar que a grandeza das nações não reside apenas no numero dos seus habitantes, mas, essencialmente, no carácter forte, no espírito de iniciativa, nas qualidades de trabalho, na honestidade e na fé, que tem de ser inabalável, que eles possuem.
Napoleão dizia:
A alta política não é mais que o bom senso aplicado ás grandes coisas.
Platão escreveu:
É a palavra, e não a acção, que governa o Mundo.
A propaganda dissolvente que nos esmaga, através da palavra radiodifundida, televisionada ou escrita, não dará razão à afirmação de Platão?
Todavia, Shelley dizia: «a alegria da alma reside na acção». Eu creio, sinceramente, que hoje, para os homens de boa vontade e para as mações conscientes, é a afirmação de Shelley que realmente conta.
Dando a minha aprovação as contas, aqui fica o apelo do velho marinheiro que, sem jamais deixar de o ser pela alma e coração, é acima de tudo português, mas, pelo raciocínio, talvez mais português de África do que metropolitano, apesar de ter sido eleito Deputado pelo círculo da Guarda, onde nasceu, que, com essa eleição, o quis honrar e se esforçará por não desmerecer.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.
Amanhã haverá sessão à hora regimental, tendo como ordem do dia, em primeiro lugar, a apresentação de eventuais reclamações sobre a última redacção da proposta de lei sobre medidas tendentes ao desenvolvimento da região de Turismo da Serra da Estrela e da proposta de lei para a criação de tribunais de família; na segunda parte da ordem, do dia efectuaremos a discussão e votação na especialidade da proposta de lei sobre a assistência judiciária. Se ais circunstâncias o permitirem, haverá ainda uma terceira parte da ordem do dia, dedicada à continuação do debate sobre as contas públicas de 1968. Também informo VV. Ex.ªs de que amanhã serão postos à reclamação os n.ºs 30 e 31 do Diário das Sessões.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 30 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Augusto Domingues Correia.
Augusto Salazar Leite.
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Bento Benoliel Levy.
Deodato Chaves de Magalhães Sousa.
Duarte Finto de Carvalho Freitas do Amaral.
Fernando de Sá Viana Rebelo.
Francisco de Nápoles Ferraz de Almeida e Sousa.
Gustavo Neto Miranda.
Henrique dos Santos Tenreiro.
João Lopes da Cruz.
João Paulo Dupuich Pinto Castelo Branco.
João Pedro Miller Pinto Lemos Guerra.
João Ruiz de Almeida Garrett.
Joaquim Carvalho Macedo Correia.
José Dias de Araújo Correia.
José Gabriel Mendonça Correia da Cunha.
José João Gonçalves de Proença.
José Pedro Maria Anjos Pinto Leite
José Vicente Pizarro Xavier Montai vão Machado
Júlio Dias das Neves.
Luís Maria Teixeira Pinto.
D. Luzia Neves Pernão Pereira Beija.
Manuel Artur Cotta Agostinho Dias.
Manuel Joaquim Montanha Pinto.
Manuel José Archer Homem de Mello.
Prabacor Rau.
Rogério Noel Peres Claro.
Rui Pontífice Sousa.
D. Sinclética Soares dos Santos Torres.
Teodoro de Sousa Pedro.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Vasco Maria de Pereira Pinto Costa Ramos.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Albano Vaz Pinto Alves.
Armando Valfredo Pires.
Delfino José Rodrigues Ribeiro.
Fernando Augusto de Santos e Castro.
Francisco José Pereira Pinto Balsemão.
Francisco Manuel Lumbrales de Sá Carneiro.
Joaquim Jorge Magalhães Saraiva da Mota.
Jorge Augusto Correia.
José da Costa Oliveira.
José Guilherme de Melo e Castro.
José dos Santos Bessa.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Maximiliano Isidoro Pio Fernandes.
Olímpio da Conceição Pereira.
O REDACTOR - Luiz de Avillez
IMPRENSA NACIONAL
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