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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL E DA CÂMARA CORPORATIVA

DIÁRIO DAS SESSÕES

N.° 37 ANO DE 1970 18 DE ABRIL

ASSEMBLEIA NACIONAL

X LEGISLATURA

SESSÃO N.º 37, EM 17 DE ABRIL

Presidente: Ex.mo Sr. Carlos Monteiro do Amaral Netto

Secretários: Ex.mos Srs.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira
João Bosco Soares Mota Amaral

Nota. - Foi publicado o 4.° suplemento ao n.º 29 do Diário das Sessões, inserindo o parecer n.º 9/X da Câmara Corporativa (proposta de lei n.º 7/X) relativo à protecção da Natureza e dos seus recursos.

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 11 horas e 15 minutos.

Antes da ordem do dia. - O Sr. Deputado Carlos Ivo fez um comentário sobre o Gabinete do Plano de Desenvolvimento da Região do Zambeze.

O Sr. Deputado Almeida e Sonsa tratou do problema da escassez e falta de internacionalização dos transportes aéreos que servem o Norte do País.

Ordem do dia. - Continuou o delate do aviso prévio sobre as Universidades tradicionais e a sociedade moderna, tendo usado da palavra os Srs. Deputados Veiga de Macedo, Eleutério de Aguiar e Joaquim Macedo.

O Sr. Presidente encerrou a sessão às 12 horas e 50 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Eram 11 horas e 5 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Alberto Maria Ribeiro de Meireles.
Álvaro Filipe Barreto Lara.
Amílcar da Gesta Pereira Mesquita.
António Fausto Moura Guedes Correia Magalhães Montenegro.
António Júlio dos Santos Almeida.
António Lopes Quadrado.
António de Sousa Vadre Castelino e Alvim.
Artur Manuel Giesteira de Almeida.
Cartas Eugênio Magro Ivo.
Carlos Monteiro do Amaral Netto.
D. Custódia Lopes.
Delfino José Rodrigues Ribeiro.
Eleutério Gomes de Aguiar.
Fernando David Laima.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Fernando do Nascimento de Malafaia Novais.
Filipe José Freire Themudo Barata.
Francisco Esteves Gaspar de Carvalho.
Francisco João Caetano de Sousa Brás Gomes.
Francisco Manuel Lumbrales de Sá Carneiro.
Francisco de Nápoles Ferraz dê Almeida e Sousa.
Gabriel da Costa Gonçalves.
Gustavo Neto Miranda.
Henrique José Nogueira Rodrigues.
Henrique Veiga de Macedo.
Humberto Cardoso de Carvalho.
James Pinto Buli.
João Bosco Soares Mota Amaral.
João Duarte Liebermeister Mendes de Vasconcelos Guimarães.
João Duarte de Oliveira.
João José Ferreira Forte.
João Manuel Alves.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.

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João Ruiz de Almeida Garrett.
Joaquim Germano Finto Machado Correia da Silva.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Joaquim de Pinho Brandão.
José Coelho de Almeida Cotta.
José Maria de Castro Salazar.
José Vicente Cordeiro Malato Beliz.
Luís António de Oliveira Ramos.
Manuel Artur Cotta Agostinho Dias.
Manuel Elias Trigo Pereira.
Manuel de Jesus Silva Mendes.
Manuel Joaquim Montanha Pinto.
Manuel Martins da Cruz.
D. Maria Raquel Ribeiro.
Olímpio da Conceição Pereira.
Pedro Baessa.
Rafael Ávila de Azevedo.
Rogério Noel Teres Claro.
Teodoro de Sousa Pedro.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 52 Srs. Deputados. Podemos, portanto, iniciar o período de antes da ardem do dia.
Está aberta a sessão.

Eram 11 horas e 15 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Ivo.

O Sr. Carlos Ivo: - Sr. Presidente: Há já alguns anos, quando o Sr. Engenheiro Manzanares Abecassis visitou Moçambique e divulgou o que seria, nas suas linhas gerais, o plano de aproveitamento do Vale do Zambeze, tive ocasião de lhe. perguntar, durante a palestra que ele realizou na Associação Comercial da Beira, se, para a zona estudada, havia a intenção de criar uma autoridade coordenadora das actividades que ali viessem a instalar, à semelhança da Tennessee Valley Authority, que ainda hoje superintende no complexo industrial e agrícola do vale do rio Tentessi, nos Estados Unidos da América.

A resposta foi pronta e afirmativa.

Quando o Sr. Ministro do Ultramar, mais precisamente em 3 de Maio de 1967, empossou o Sr. Engenheiro Arautos e Oliveira, actual governador-geral de Moçambique, no cargo de inspector superior de fomento ultramarino, referiu-se a criação de um novo organismo que à data, disse, já se encontrava em estudo.

No dia seguinte fiz alusão a estes factos numa intervenção durante uma reunião do Conselho Legislativo de Moçambique.

Acompanho, pois, há já alguns anos, os leves indícios tornados públicos acerca da evolução do organismo agora criado pelo Decreto-Lei n.° 69/70 e que se denomina "Gabinete do Plano de Desenvolvimento da Região do Zambeze".

Se com tanto, atenção e esperança me dediquei a este assunto, não o fiz por simples interesse académico, mas sim por ter sempre presente a preocupação de que o máximo rendimento da obra do Cabora Bossa, em todas as suas implicações, nunca poderia ser obtido sem. uma administração pública eficiente, pratica e vigorosa - mais concretamente, uma administração diferente da actual, que está ultrapassada sob vários aspectos.

Não percamos de vista o que está em jogo na presente conjuntura; não se trata apenas de uma realização técnica que nos trará prestígio e que chamará sobre nós a atenção do Mundo; não será só uma das maiores barragens do Mundo que data em vias de ser erguida; não é só o aproveitamento de um dos maiores caudais de energia do Mundo. E, antes, meus senhores, a araria mais poderosa de que dispomos para vencer a guerra que enfrento-mos em África e dessa arma temos de tirar o maior partido. Não é uma novidade esta afirmação o nosso inimigo já se apercebeu dela, razão por que neste momento concentra a fúria ardilosa dos seus ataques na regido de Tete, com o intuito de perturbar o mais possível a execução dos trabalhos. Ele avalia bem o significado da barragem de Cabora Bassa e já é tempo de, pelo nosso lado, tomai-mos consciência do problema que nos enfrenta £ das soluções que temos de adoptar para alcançar aquela estabilidade, ingrediente indispensável da paz, que só a prosperidade económica pode proporcionar, desde que seja temperada e condicionada por uma política social esclarecida e bem dirigida.

Há que criar as condições necessárias à ocupação económica de Moçambique, pois está mais que provado que a vitória contra o terrorismo nunca poderá ser ganha só militarmente; a ocupação económica é indispensável e, o que é miais, urgentíssima e inadiável.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Abro aqui um parêntesis para me referir ai uma intervenção do Sr. Deputado Pinto Leite, que teve lugar no passado dia 25 de Fevereiro. Entre as considerações que fez encontra-se esta, cujo verdadeiro significado nos foi explicado no passado dia 14:

Quanto ao problema do desenvolvimento das restantes parcelas do espaço nacional, a minha opinião, já várias vezes expressa nesta Casa, é que o mesmo não é viável sem se fazer primeiro o desenvolvimento da metrópole, pois é com base nele que se deve partir para o desenvolvimento do restante território nacional.

Perante uma redacção tão clara, foi realmente pena que circunstâncias valias tivessem obrigado a uma demora de mais de mês e meio a vinda a público desse esclarecimento.

É que, com afirmações destas, proferidas nesta Assembleia, oxalá não se enraíze na metrópole, por ignorância do que realmente se passa, a ideia de que o desenvolvimento do ultramar pode esperar.

Não, meus senhores, não pode esperar por nada, já não há tempo para isso, e muito menos poderá esperar pelo desenvolvimento da economia metropolitana, pois esta, como a cada passo nos é dado ouvir nesta Câmara, está numa situação que é longe de ser brilhante; e confesso que não vejo grande possibilidade de ela se recompor num curto espaço de tempo sem o advento de um novo elemento que subsidie à riqueza tradicionalmente fraca e mal distribuída do solo metropolitano e transforme a atitude de comodismo que caracteriza a nossa indústria, com efeitos que pessoas esclarecidas como o Sr. Secretário de Estado da Indústria não se cansam de nos apontar, e com as consequências de que nos advertiu o Sr. Deputado Dr. Franco Nogueira.

A indústria metropolitana só poderá, como parece ser lógico, recompor-se com a facilidade e rapidez necessários se for auxiliada pelos frutos do desenvolvimento ultramarino; este nunca pode constituir motivo de atraso, e muito menos ser um fardo para o desenvolvimento metropolitano, desde que lhe sejam facultadas as condições e facilidades indispensáveis ao seu desabrochar.

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É mais difícil endireitar uma coisa que está torta do que fazer bem uma coisa nova.

Quer-me parecer, pois, que a articulação das duas economias - a metropolitana e a ultramarina - e o seu desenvolvimento em paralelo, não primeiro um e depois o outro, é objectivo que não devemos perder de vista. Não tenhamos ilusões, Srs. Deputados, uma não pode subsistir sem a outra, e, se o afirmo, não é só por razões sentimentais - além do substrato nacional, há o substrato económico, cada vez intua importante, mas, segundo parece, por vezes cada vez mais esquecido por certos sectores da nossa opinião pública, onde parece imperar a inconsciência e a falta de conhecimento das realidades ultramarinas.

O Sr. Barreto de Lara: - Muito bem!

O Orador: - Friso mais uma vez que as economias metropolitana e ultramarina, exactamente pela diversidade dos seus recursos e das suas características, devem e têm da se completar uma à outra, não se sobrepondo nem competindo entre si. Assim chegaremos, sem dúvida, à conclusão de que o potencial do todo é muito superior à soma dos valores individuais das vários parcelas que constituem a economia do espaço português.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Mas, como ia dizendo, as nossas forcas armados cumprem briosamente a tarefa que humanamente lhes é possível levar a bom termo: a estabilização da situação que nos dá o espaço e o tempo necessários a ocupação económica. À nós, civis, compete agora consolidar os benefícios dos ganhos militares que dia a dia vão somando para a vitória final.

Li, algures, que os guerras subversivas ganham-se na frente da batalha e pendem-se na retaguarda; que a história nunca possa registar esse facto, no caso da luta em que o povo português está empenhado.

Eu sei que tudo isto está na mente do Governo e só será rebatido por certos inconscientes, por não conhecerem o problema. Mas estaremos nós a tentar resolver a situação com o expediente e o vigor que ela requer?

Aqui me permito Apresentar os minhas dúvidas, desta vez suscitadas pelos termos em que foi criado o Gabinete do Plano do Zambeze, que, embora constituindo um passo em frente, é, na verdade, um passo muito pequeno, dado a medo e colhido pela mentalidade que receia, se é que não admite mesmo, a indispensável mudança profunda de atitudes e de sistemas.

Temos no projecto de Cabora Bossa o mais importante elemento de desenvolvimento jamais lançado em território nacional. A energia não produzida vai servir uma grande parte de Moçambique e vai atravessar as fronteiras dos países vizinhos. O vale do Zambeze tem um potencial tremendo no campo, mineiro, agrícola e agrícola e pecuário. A oportunidade é única mas tem de ser aproveitada já, pois o ritmo da vida moderna não consente hesitações e muito menos demoras nascidas de estreiteza de vistas e de tibieza na procura de soluções.

Temos em Moçambique, para não dizer em todo o território nacional, uma administração pública que está desactualizada e que se encontra ultrapassada pela urgência dos problemas que se lhe deparam. A máquina burocrática é soberana e tudo tolhe, permitindo prepotências inconcebíveis que só causam prejuízos e, o que é muito pior, esgotam a paciência e sufocam boas vontades, por mais firmes que sejam.

Para fazer alusão apenas a dois casos de que tenho experiência pessoal, lembro-me de um pedido de alvará que subscrevi para a montagem de uma fabrica de tintas e que levou miais de cinco anos a conceder!

Há poucos meses foi-me necessário requerer autorizarão para o pessoal da minha empresa trabalhar por turnos num trabalho que não admitia interrupções e que se prolongava por cerca de três meses, pois o pedido, cujo deferimento levou mais de quinze duas, teve de ser feito, mediante elevado número de folhas de papel selado, a S. Ex.ª o Governador-Geral de Moçambique (notem VV. Ex.ªs, ao mais alto magistrado da provincial), porque o governador do distrato só tinha competência para autorizar esse regime especial de trabalho por um período não superior a dois meses!

Não haverá consciência dos prejuízos e dos desânimos que estas coisas causam?

No vale do Zambeze podemos talvez dizer que as grandes concessões para pesquisar e explorar minérios estão já dadas a poderosos grupos financeiros, nacionais e estrangeiros. Esses Viveram os recursos necessários para poderem esperar; é do meu conhecimento que pelo menos um destas entidades levou dois anos e meio até assinar o contrato de concessão!

Há que chamar e atrair o grande capital, quer nacional, quer estrangeiro, mediante uma informação séria, objectiva e esclarecida sobre o ultramar, necessidade premente a que já aludiu nesta Assembleia a Deputada Dr.ª Custódia Lopes. Porém, não basta apenas o atractivo, é preciso haver o meio ambiente propício à instalação de novas actividades, conforme disse um conhecido industrial metropolitano numa entrevista publicada em Lourenço Marques no jornal Tribuna, em 5 de Fevereiro de 1965, e da qual cito esta passagem:

Resumindo numa só frase - acentuou o industrial visitante -, todos os territórios que se querem desenvolver têm de criar um condicionalismo atraente. No Mundo há capital; no Mundo há técnica; e tanto quanto os nossos contactos pessoais o permitem afirmar - prosseguiu -, esse capitel e essa técnica estuo absolutamente dispostos a instalarem-se no ultramar português. Só que o não farão, naturalmente, enquanto, como agora, desconhecerem toda a estrutura legal que lhes permita uma implantação segura.

Mas o desenvolvimento do vale do Zambeze, embora não possa de forma alguma dispensar o grande grupo, também não pode dispensar a presença da pequena empresa e até do empresário individual, tonto mais que é nestes sectores que a ocupação ao nível humano será mais significativa.

Serão estes médios e pequenos empreendimentos que acabarão por encher os vazios da nossa frente de ocupação económica, tornando-o estanque a influências menos desejáveis e até subversivas. Trata-se, portanto, de um aspecto que convém não deixar de acarinhar, auxiliar e fomentar por todos os meios.

Como primeiro passo para a coordenação dos esforços, quer no sector público, quer no particular, que vão ser despertados e activados pelo projecto de Cabora Bossa, surge-nos a criação do Gabinete do Plano do Zambeze, que, infelizmente, fica muito aquém do que seria de desejar como órgão orientador e incentivador dos fins em vista.

Desejo, neste momento, afirmar muito claramente que a crítica que vou fazer não é de modo algum destrutiva; admiro o trabalho e o estudo que entraram na elaboração do Decreto-Lei n.° 69/70, mas, na minha opinião,

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o seu alcance é Insuficiente, atrofiado pelo receio da inovação que é fruto da mentalidade anacrónica que presentemente atinge tantas facetas da nossa vida nacional. O Gabinete do Plano do Zambeze, a começar pelo nome, parece que vai ser uma nova "repartição", quando devia ser apelidado e considerado como uma verdadeira autoridade regional do vale do Zambeze, com a competência a autonomia que o problema solicita e impõe.

O Gabinete compreende:

O conselho directivo;

O conselho técnico:

A comissão administrativa;

As comissões coordenadoras (uma em Lisboa, uma em Lourenço Marques e três distritais);

Os serviços centrais;

Os serviços regionais.

Estamos, meus senhores, perante um organismo que, para começar, tem dois conselhos, seis comissões de vários calibres e dois sectores principais de serviços, tudo num total de dez cabeças, ou sejam, mais do que tinha a fabulosa Hidra da mitologia! Um verdadeiro monstro, mas burocrático!

Como, segundo a alínea f) do artigo 3.º do decreto-lei, o Gabinete deve:

Pronunciar-se, precedendo a decisão da autoridade competente, sobre os pedidos de concessões por qualquer forma relacionados com a missão do Gabinete...

vamos ter, segundo está escrito, nova camada de burocracia em cima da que já existe e que já acusei de notoriamente atrasar e sufocar as melhores boas vontades e iniciativas mais decididas.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Às andanças de um processo para receber as várias informações e pareceres de que, pêlos vistos, vai carecer paira que sobre ele recaia um despacho, devem ser qualquer coisa de fantástico!

Não pretendo, com esta critica, menosprezar o cuidado com que o decreto-lei foi elaborado, e muito menos acusar os seus autores de incompetência. O que pretendo criticar são as limitações a que os autores de um instrumento destes estuo sujeitos, e que são impostas pelo receio incompreensível da inovação e pela mentalidade de sujeição, quase de fatalismo, perante uma pretensa imutabilidade das nossas leis de fundo, mesmo que elas se tenham provado ultrapassados e inoperantes.

Infelizmente, a expressão da administração pública não emana só da letra da lei -esta poda, com facilidade, ser alterada-, mas também emana da atitude e da mentalidade dos homens que a criam e que a põem em execução; estes elementos silo difíceis de alterar e por vezes se tomará necessário afastar dos quadros da autoridade regional do vale do Zambeze os próprios indivíduos que teimarem em não aceitar a "nova adam" nos sistemas de trabalho.

Só assim os técnicos poderão obter os resultados que os seus esforços merecem e a satisfação das realizações integralmente levadas a bom termo.

Pena foi, na verdade, Srs. Deputados, que a criação do Gabinete do Plano do Zambeze tenha eido anterior as palavras do Sr. Presidente do Conselho, Prof. Marcelo Caetano, proferidas durante o discurso que recentemente dirigiu aos congressistas da Acção Nacional Popular:

Não tenhamos receio do movimento! Não nos intimidemos com as perspectivas das reformas!

Num ambiente vazio destes novos conceitos de esperança e de vigor, nasceu o Gabinete. Oxalá a sua estrutura ainda possa ser alterada de forma a poder fazer frente a uma situação que não tolera demoras.

Seria descabido tentar apresentar aqui, em pormenor, o projecto de uma autoridade regional para o vale do Zambeze; a sua elaboração, embora a não considere tecnicamente difícil, terá de ser Saiba par um grupo de trabalho constituído por elementos especializados. Mas considero pertinente afirmar que certas qualidades lhes são absolutamente indispensáveis para permitirem:

A maior simplicidade de acção;
A maior celeridade nos suas decisões;
A maior autoridade e autonomia executiva, e não somente consultiva.

Salvaguardada a decisão política sobre qualquer assunto, decisão prévia que seria da competência exclusiva do Ministro do Ultramar, mediante recomendação do Governo-Geral de Moçambique, a autoridade regional podia então ter em funcionamento, de preferência no distrito de Tete, um conselho de administração composto por vogais que assegurassem uma larga representação das competências e interesses em causa, incluindo a administração pública.

A sua característica essencial seria a das decisões tomados "a mesa-redonda" de forma a evitar o velho sistema das informações sucessivas que tanta prosa produzem até o processo estar pronto a ser despachado pela entidade máxima.

Os representantes das várias direcções técnicas e administrativas só tomariam assento nas reuniões do conselho de administração quando para isso fossem convocados para se pronunciarem sobre assuntos da sua especialidade.

Como salvaguarda adicional, o presidente desse conselho de administração podia ter o direito de suspender as deliberações do conselho até decisão definitiva do Ministro do Ultramar, condição já prevista no n.° 2 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.° 69/70.

A delegação da autoridade regional do vale do Zambeze junto do Ministério do Ultramar, em Lisboa, teria apenas a dimensão estritamente necessária para manter o Ministro ao corrente do que se está a passar em Moçambique. Isto é, tudo o que for possível e aconselhável pela prática deve funcionar em Moçambique, e não em Lisboa.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Trata-se, de facto, de descentralizar o sistema, dando uma maior autonomia ao Governo-Geral de Moçambique e a autoridade regional que, em primeira instância, dele ficaria dependente.

Mas será possível chegar-se rapidamente à realização deste anseio? Oxalá que sim, a despeito de, pelo menos há dezasseis anos, o problema andar a ser "martelado" com resultados quase nulos. Recordo neste momento as palavras que em 1954 e em 1955 foram proferidas nesta Assembleia pelo ilustre Deputado Jorge Jardim:

A justa medida estará- em concentrar nos mãos capazes do Governo nacional tudo o que importe ao conjunto e à unidade da Nação Portuguesa e descentralizar, corajosa e inteligentemente, aquilo que pertença ao âmbito administrativo de cada uma das províncias ultramarinas.

E quanto mais depressa nos convencermos de que esta é a única solução, melhor será!

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Enunciados estes princípios gerais, vamos admitir que se- chegou ia uma estrutura da autoridade regional do vale do Zambeze teoricamente eficiente, prática e funcional.

Mesmo assim, eu duvido ainda que ela possa funcionar como deve ser sob a actual administração pública no estado em que se encontra.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - É um exemplo concreto do receio que eu e os meus colegas de Moçambique formulámos no nosso manifesto ao eleitorado, quando dissemos:

De nada valerá um plano remoçado executado por uma administração caduca. É tarefa instante a da Reforma Administrativa, no aspecto de substituição dos serviços envelhecidos pela rotina e pela burocracia, por serviços actualizados e operantes, no da descentralização e desconcentrarão administrativa, no da revisão do estatuto dos funcionários e outros agentes administrativos, tendo em particular atenção a actualização das remunerações.

Está em estudo essa Reforma Administrativa, tarefa gigantesca, de uma responsabilidade imensa quando considerada à dimensão nacional; não admira, pois, que o seu estudo seja moroso e que grande seja a hesitação e até a relutância em a pôr em vigor de um momento para o outro em todo o território nacional. É certo, também que, à escola nacional, não são admissíveis experiências que possam criar situações irreversíveis resultantes de consequências que, mercê da complexidade do processo administrativo nos tempos modernos, só venham a verificar-se a longo prazo.

Mas não seria possível fazer essa experiência num âmbito mais reduzido? Permito-me sugerir que a região do vale do Zambeze se presta eminentemente a uma experiência dessa natureza, pois, embora todos os problemas que surgem em cada um dos sectores da vida nacional ali estejam presentes, a dimensão do conjunto é manejável, facilmente controlável e ajustável.

O vale do Zambeze seria, pois, o "tubo de ensaio" da grande experiência que é preciso levar a efeito. Ali seriam montados, pelo menos, alguns serviços em moldes novos, simplificados e desempoeirados; reduzido ao mínimo o processo burocrático; reduzido ao mínimo o número de funcionários, com melhoria dos seus vencimentos, mas, em contrapartida, com. a obrigação de uma prestação de serviço comparável à que lhes seria exigida numa empresa particular e compatível com a remuneração que lhes fosse atribuída.

E, a par de tudo isto, leis novos, aliás indispensáveis a uma modernização de serviços e de sistemas; mas, Srs. Deputados, não leis que pressuponham que o cidadão é desonesto, mas, sim, leis para cidadãos honestos e responsáveis.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Os que prevaricarem, que sofram as consequências, mas que não sofra o justo pelo pecador, só por comodidade na aplicação da lei e das suas sanções.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E assim, estou certo, a partir deste estatuto especial se criaria em todo o vale do Zambeze e, progressivamente, em toda a província de Moçambique um espírito de equipa a que um substrato de fé nas nossas capacidades de realização, de entusiasmo pela tarefa a cumprir e de brio por bem a executar emprestará ao empreendimento aquela força indefinível perante a qual não há obstáculos que se não vençam. A nossa crise não é política, mas, sim, uma grave crise de sistemas, de execução e de competências.

Se quisermos realmente vencer temos de continuar nas nossos melhores tradições, mas renovando sempre sem temor e sem tibieza. Só assim seremos dignos dos que se batem pela Pátria ao longo de longínquas e extensas fronteiras, onde muitos derramaram o seu sangue, quando não deram a própria vida.

Poro essa gente nova, que são os nossos filhos, também temos um dever sagrado a cumprir - é a criação de condições nas suas terras, que eles tão denodadamente defenderam, paru que, uma vez cumprida a sua tarefa e arrumadas as armas da guerra, esses braços jovens e vigorosos possam empunhar as ferramentas da paz, não para irem enriquecer terras estrangeiras, mas para maior engrandecimento do Portugal que é de todos nós.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Almeida e Sousa: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O assunto que hoje trago à consideração deste Assembleia e, através dela, a do Governo e do País não é, pelo menos na sua parte, inédito nesta Sala, mas, por razões que desconhecemos, nunca mereceu da parte de quem quer que fosse suficiente atenção ou suficiente resposta. Infelizmente.

Refiro-me à forma como está sendo servido de transportes aéreos o Norte de Portugal.

Lembro-me, por exemplo, de algumas intervenções aqui feitas pelo ilustre Deputado Dr. Elísio Pimenta, a quem ignoro se foi dado qualquer esclarecimento. Ao País, que o saiba, não foi.

No entanto, meus senhores, penso que este é um dos problemas basilares do desenvolvimento de uma região onde vivem metade dos .portugueses que vivem na Europa, um em cada dois, problema cuja solução se não pode .protelar, se não eterno pelo menos indefinidamente, enredado em razões que poderão ser muito válidas, mas que nos não são dadas a conhecer. Para ser sincero, e quero-o, devo dizer que, por muito válidas que essas razões possam ser, nunca poderei admitir que justifiquem os prejuízos que vêm causando.

Nos tempos em que vivemos, quando a Europa, apesar de todos os sobressaltos, quer ser uma - Roma e Pavia não fizeram num dia-, o quando, se quisermos melhorar economicamente, teremos de viver mais do Europa, para a Europa e com a Europa, não posso compreender que haja uma razão, seja ela qual for e seja de que natureza for, que obrigue 4 milhões e meio de portugueses que vivem a 1200 km de Paris (a que me quero referir aqui como ponta da Europa) a viverem a 1800 km. 1800 km em distância, e em dólares, o que já é muito importante, mas em tempo, muitíssimo mais. E hoje é o tempo que manda.

É a única coisa que Deus nos condiciona. Perdê-lo é pecado!

E 1800 km sujeitos ainda aos azares de uma linha aérea sempre cheia e tantos vezes irregular, onde, porá se ter uma certeza, se tem de marcar bilhete com uma semana de antecedência, com o agravo ainda frequentemente da dificuldade, nem sempre superável, de hotel numa cidade

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que, por ter muitos e boné, nem por isso resolve sempre a ocasião.

Meus senhores, no mundo em que vivemos os opções têm de ser claras e não admitem tergiversações. Ou se aceitam ou se não Aceitam as imposições a que nos obriga o nosso desenvolvimento. Meias soluções nunca serviram, muito menos servem hoje. Se somos obrigados a ser da Europa, temos de ter o que os outros europeus têm. Senão - desculpem-me a palavra dura - há injustiça. E não me parece que haja justiça na forma como são servidos de transportes aéreos os 4 milhões e meio de portugueses que vivem ao norte do Mondego.

Penso que, hoje uma terra onde não chega um camião, não vale nada: Não justifica qualquer investimento. A era do carro de bois passou, irremediável e irreversivelmente. E seremos pobres enquanto pensarmos carro de bois. Suponho que é a nossa maior pobreza, a nossa verdadeira pobreza.

Pois, meus senhores, país onde não chegue o avião, o avião franco e livre, sem andar de trás pana a frente, sujeito ao há ou não há avião ou lugar, com aeródromos embrionários ou insuficientes, um país assim está, em quanto se refere a transportes aéreos, e em minha opinião, em estado de franca injustiça. O Norte de Portugal está-o. E os resultados vêem-se.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Não será a razão única, nem certamente a principal, do fosso que todos os dias móis se cava entre o Porto e Lisboa, fosso que tanto a todos nos empobrece, mas é, vê-se sem dificuldade, razão de muito peso.

Comentaremos aqui apenas duas das suas consequências:

Perante os números e a sua evolução, haverá alguém que possa negar que o turismo é, no ano da graça em que vivemos, a nossa primeira indústria?

E haverá alguém que entenda que uma situação assim torna possível igual turismo nos dois fulcros do País?

Se houver, não será muito difícil a lição. Os números verdadeiros tem-nos com certeza a Secretaria de Estado da Informação e Turismo, mas basta sair para a rua para ver o suficiente. Ou contar o número dos hotéis, ou verificar a sua qualidade, ou ouvir falar nas ruas ou, o que diz muito, entrar numa loja ... Em Lisboa, no Estoril ou no Algarve ...

Porque Deus não deu ao Norte atractivos? Que o afirme quem o ousa. Ou porque em 1970, sem aviões, não pode haver turismo?

E comércio internacional? Poderá fazer-se hoje sempre com uma semana de antecedência? Se quantas vezes se perde um negócio por uma hora, quantos se não perderão pêlos dois ou três dias que as vezes, na sua irregularidade, os transportes aéreos nos exigem?

Poderemos nós, no Norte, marcar um encontro internacional urgente com a certeza de o cumprir?

Não querendo levar hoje mais longe a minha queixa, quero mais uma vez reafirmar que há muito de humano nas razões que nos dividem e nos empobrecem. E voltar-me-ei apenas para o que vim dizer.

Por que é que se há-de encher ainda mais uma carreira aérea, já superlotada, trazendo do Porto para Lisboa e de Lisboa para o Porto todos os passageiros que, do Norte, se destinam ou vêm da Europa?

Por que é que esses forcados passageiros hão-de ser peso inútil nos nossos aviões e nas nossas infra-estruturas, exigindo, nuns é noutras, mais investimentos, quando dizemos que estes já são superiores às nossas posses?

Por que se não aproveitam os lugares que deixariam vagos estes desnecessários passageiros para os oferecer, sem aumento de investimento, portanto, a tantos que tantas vezes ficam em terra ou se negam no aleatório de uma lista de espera que não sabem quem, nem que razões comandam?

Por que é que o Aeroporto do Porto não há-de ser o aeroporto plenamente internacional de que metade dos portugueses necessita, fornecendo mirada par cima alternância racional e económica ao de Lisboa, tantas vezes necessitado dela, pelo menos para os aviões vindos da Europa ou da América?

Faro serviria as carreiras de África, e Portugal cumpriria assim a sua obrigação para com os que nos visitam e evitaria as justíssimas críticas que tantas vezes temos ouvido.

Se metade dos portugueses que vão e vêm da Europa e metade dos estrangeiros que vêm a Portugal utilizassem o Aeroporto do Porto, apesar de toda a explosão do transporte aéreo a que vimos assistindo, com certeza que não seriam tão prementes as obras infindáveis e caras e os planos grandiosos do acesso aéreo a Lisboa.

E se planos sempre se justificam, e o pecado é não os fazer a tempo, por que se não pensa já, e a sério, no serviço do Norte, onde, continuo a repetir, vivem em franca injustiça, em quanto a transportes aéreos se refere, metade dos portugueses que vivem na Europa?

Já aqui o disse, e repito, se a renda média par capita em todo o País fosse a que é no distrito de Lisboa, outros seriam os nossos índices e outro seria o mercado interno que nos dizem faltar.

Reservarei as minhas razões em assunto que tanto sinto, vivo e me apaixona, para a discussão do aviso prévio que aqui anunciou o nosso colega Correia da Cunha ou mesmo para uma eventual generalização do que quis fazer o Sr. Prof. Nunes de Oliveira. Hoje, e porque a lição do passado me aconselha a não perder tempo, apenas quero, sem deixar de registar com satisfação os três voos de fim de semana e de fim de tarde (ou início de noite) que os novos horários de Verão nos consentem para Londres, pedir, mas pedir com o sentimento de que só peço justiça e justiça tardia:

1.° Que o Aeroporto do Porto seja considerado, no mais curto espaço de tempo, aeroporto internacional de 1.ª classe, em toda a extensão e com todas as implicações que isso possa trazer.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - 2.° Que seja dotado com a aparelhagem de segurança e aterragem sem visibilidade que hoje equipa os outros aeroportos internacionais.

3.º Que as suas pistas, se de tal carecerem, sejam modificadas de acordo com a sua nova utilização.

Não falo, propositadamente, nas instalações, de temi, porque penso, desculpem-me, que isso é o menos. Tenho visto por esse inundo além aeroportos que não deixam de ser eficientes, porque recebem os seus passageiros em quase barracões. Aqui só peço eficiência e serviço, De luxo, não precisa o Norte, como, certamente, não precisa Portugal.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - 4.° Que das múltiplas carreiras Lisboa-Madrid, Lisboa-Paris, Lisboa-Londres ou Lisboa-Genebra, algumas sejam desviadas para ou pelo Porto. Por exemplo, e como exemplo, alguns voos que se duplicam com

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poucos minutos de intervalo. Quase vazios, muitas vezes ...

5.° e último. Que seja revisto urgentemente, no sentido da utilidade dos passageiros do Norte, um horário agora em vigor, e francamente injusto também ele, que nos dá, do Ponto para Lisboa, apenas um avião de manhã, avião em que, obviamente, é miraculoso obter um lugar, e três aviões à tarde, que se multiplicam e já nada permitem vir fazer a Lisboa.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E nada mais direi senão que aqui deixo estas ideias na esperança de que alguma coisa, que é justiça, seja feita, e na certeza de que, se continuarmos a pensar carro de bois, aceitando mesquinhas ou ultrapassadas razões, talvez nos iludamos a nós próprios, mus não seremos dignos nem da horta que passa, nem da confiança que, para o seu progresso, o País deposita em nós - 4 milhões de habitantes são mais do que a população da Noruega e quase tanto como a da Dinamarca ou a da Finlândia. Acaso aceitaria algum destes países, fosse por que pretexto fosse fosse, não Sei- directamente servido por carreiras aéreas? Porque o hão-de aceitar então 4 milhões de portugueses?

4 milhões de habitantes têm, no mundo de hoje, outros direitos que não sejam o de ver passar, por cima ou ao lado, aviões que os ignoram!

Que, quem o negar, assuma a plena responsabilidade da sua quota-parte na situação de desequilíbrio que mais e mais se está criando!

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continua o debate do aviso prévio do Sr. Deputado Miller Guerra sobre as Universidades tradicionais e a sociedade moderna.

Tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Macedo.

O Sr. Veiga de Macedo: - Sr. Presidente: Poderá dizer-se que no problema universitário se concentram todas as questões acerca da posição e da organização do Estado e das estruturas sociais.

Da Universidade medieval, corporativa, religiosa e autónoma à Universidade napoleónica, burocrática, laica e integrada no Estado como mero serviço público e as Universidades dos nossos dias, em busca de estruturas e métodos adaptados as exigências da vida moderna, decorreram séculos de fundas transformações sociais.

A história da Universidade reflecte, naturalmente e em larga medida, a evolução do pensamento filosófico e das formas políticas através dos tempos. Há, contudo, aspectos da vida universitária medieval que resistiram a essas mutações. Por outro lado, algumas das reformas que tiveram por objecto a Universidade, como a de 1806, devida a Napoleão, deixaram vincadas marcas que perduram e perdurarão.

Se as modificações operadas através da história são enormes, certo é que o homem continua a ser o centro da vida, na linha da ordem divina. E o homem não se modifica tanto como a primeira vista pode parecer. As próprias estruturas da sociedade, por mais que evoluam, tendem, passadas as horas das mudanças revolucionárias, a adaptar-se à natureza humana no que ela tem de mais profundo e característico.

Por isso, os extremismos políticos ou as transformações bruscas e radicais, embora bem intencionadas, raro logram servir a causa do homem. À paixão dos prosélitos e aos exageros revisionistas devem os responsáveis opor a reflexão serena dos problemas e o poder construtivo dos reformadores esclarecidos.

Seria utópico tentar fazer ressurgir, na pureza das suas linhas mestras, a Universitas ou a Communio medieva, a cuja função pedagógica a traça corporativa da sociedade da época conferiu a forma de uma corporação hierarquizada ao serviço do conhecimento e ciosa da sua autonomia e independência. Mas serra também incompreensível se se procurasse instaurar uma Universidade sem espírito comunitário, despojada de todas as prerrogativas e manietada pelo Poder Público, como a que, na concepção da reforma napoleónica, não passava de instrumento passivo do Estado.

Quanto mais reflicto no problema, mais me convenço de que a Universidade há-de constituir uma verdadeira comunidade.

Se a própria palavra "Universidade" significa "conjunto" ou "corpo unitário de elementos distintos", só haverá Universidade, como ensina um grande mestre, se houver ligação estreita, quer entre as pessoas que a integram (universitas magistrorum, universitas scholarium, universitas acientiarium), quer nos institutos parcelares que a compõem (universitas facultatum) e, portanto, também nos fins que se propõe.

Não se pense, todavia, que a Universidade pode viver a margem do Estado ou contra o Estado. Se a este cabe a missão de salvaguardar o bem comum, como poderia ele alhear-se do problema de interesse geral, que é o do ensino e o da formação do escol?

A Universidade pode e deve ser instituição, mas o Estado terá de intervir, na justa medida das conveniências colectivas e da posição hierárquica superior que ocupa na vida nacional. Instituição, porque dotada de personalidade c de atribuições específicas para o estudo e resolução de importantes problemas próprios, para o estabelecimento de normas e estilos de vida interna visando a discussão em comum de assuntos do seu foro do competência e a aproximação e o convívio dos seus elementos, e até para a sua representação em órgãos do Estado em que a sua voz deva ouvir-se. Mas ligada ao Estado, porque criada pelo Estado pura servir altas finalidades de interesse nacional e humano, não pode este desligar-se dela, deixando de a acompanhar, coordenar e fiscalizar e de a prover com os meios indispensáveis ao cumprimento da sua missão.

Esta natureza mista da Universidade decorre de razões doutrinais e de circunstâncias de facto iniludíveis e enquadra-se na própria concepção do Estado Português, que proclama a autolimitação do seu poder como consequência lógica da ética era que repousa toda a nossa estrutura política e social.

A Constituição consagra o sistema institucional como processo de organização e de representação das actividades. Esse sistema assenta, assim, no princípio corporativo, ou seja, o da unidade moral e cultural, política e económica da Nação. E o princípio corporativo não é, pois, e apenas, o princípio da organização e personificação das categorias económicas, a fim de que participem na vida da comunidade política. Pelo contrário, a ideia vivificadora do regime corporativo estende-se também ao domínio das actividades desinteressadas, visto que postula a existência de instituições culturais e morais com

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objectivos científicos, literários, artísticos, de educação física e de assistência, beneficência e caridade.

As Universidades mio podem, de acordo com estas premissas constitucionais, deixar de revestir, embora parcialmente, essa índole institucional. E só parcialmente, porque não se está perante entidades que visem de modo directo fins particulares de ordem sectorial, empresarial ou pessoal e sustentadas pela iniciativa privada.

Mesmo em relação às organizações meramente económicas e profissionais, o Estado não lhes concede, nem o poderia fazer, autonomia total ou ilimitada. São bem claros, a este respeito, os textos legais e doutrinais de maior relevância da nossa vida corporativa. Atente-se, por exemplo, no preâmbulo da proposta de lei de que resultou o Estatuto Jurídico das Corporações (Lei n.° 2086, de 22 de Agosto de 1956), e no qual o próprio Governo adverte que, "para fugir ao totalitarismo do Estado, não pode cair-se no estatismo da corporação".

Por maioria de razão, poderá dizer-se que, para fugir no mesmo totalitarismo, não pode cair-se no estatismo da Universidade.

Já em 1940, o Doutor António de Almeida Garrett, essa admirável figura de homem e de mestre, perante cuja memória me curvo com viva saudade e respeito, dizia que foi da intervenção directa do Estado, através de medidas autoritárias, como as das reformas joanina, pombalina e a de 1911, que advieram os mais notáveis benefícios ao alto ensino. E acrescentava que, em matéria de actividade escolar, a história da Universidade de Coimbra mostrava que aã fases de mais esplendor foram aquelas em que enérgicos c sábios reitores, com toda a autoridade de delegados do poder real, governaram a instituição, e que, quando o governo desta foi entregue a fracas mãos. campearam as discórdias entre os professores, ateou-se a indisciplina nos escolares e veio a decadência geral.

Decorridos trinta anos sobre estas impressivas palavras, assiste-se a uma ofensiva destinada, ao que se diz, a assegurar autonomia à Universidade e nela tomam parte, com especial vigor, aqueles que servem ideologias totalitárias.

Quem se der ao cuidado de ler a abundante literatura era que o tema é versado logo se certificará do facto, que não deve causar estranheza a ninguém, sabendo-se que, por toda a parte, as forças comunistas ou anarquistas não hesitam nunca na adopção, sem quaisquer preocupações de legitimidade ou legalidade, de tácticas e métodos que mais facilmente assegurem a instauração, a curto ou longo prazo, da sua "ordem" ou da sua "desordem".

O ilustre Deputado avisante, no seu denso trabalho Tradição e Modernidade nas Faculdades de Medicina, qualifica, judiciosamente, a autonomia de conceito sedutor, mas confuso, e adverte que, talvez pela imprecisão de que sofre, ela constitui uma reivindicação pertinaz, mas difícil de satisfazer. Salienta ainda que a autonomia completa, a ser possível, tem o risco de encerrar as Faculdades em particularismos, afastando-as dos interesses gerais da Nação, pelo que é preciso encontrar uma solução intermédia que acabe com o estado presente, sem cair no oposto.

Aliás, os males que assolam a Universidade derivarão de excessivas intervenções estatais ou serão consequência do abandono- a que terá sido votada? Terá o Estado abusado dos seus poderes ou, pelo contrário, terá pecado por omissão, incúria ou falta de um pensamento orientador e de uma vontade firme paira o realizar?

Acaso têm sido compelidos os professores menos escrupulosos a dedicarem-se, a sério, à sua missão, a prepararem e actualizarem as lições e a acompanharem os alunos na sua vida escolar? E os mestres que cumprem e ensinam, devotadamente, terão asseguradas as condições indispensáveis ao exercício do seu labor, a começar pela instauração de um clima de ordem e respeito? Os alunos que desejam, na realidade, estudar a cooperar com espírito ordeiro na melhoria da Universidade, e são, felizmente, o, grande maioria, têm sido acautelados da agitação que se instalou em diversos estabelecimentos de ensino?

E os pais e encarregados de educação, muitíssimos deles suportando encargos pesados e lutando com dificuldades de toda a ordem para assegurarem o futuro dos filhos, têm sido ouvidos num. processo em que, coimo partes legítimas e altamente interessadas, também devem participar?

Há poucos dias, o presidente Pompidou, que à eminente posição política junte o prestígio da inteligência e do título de "normalien", depois de aludir às enormes despesas com os Universidades, afirmava que ele e os ministros tinham de prestar contos à nação do sacrifício que to esta custam os seus estudantes, considerando intoleráveis as perturbações que impedem de trabalhar quem não deseja outra coisa, as injúrias a professores e autoridades e, os estragos nos edifícios e material escolar.

Apetece perguntar onde está-a Universidade autónoma ou o Estado intervencionista (quando a ordem pública é Afectada, o termo do dilema pouco importa) que ponha cobro a uma situação alarmante para o País e afrontosa para a juventude que se bate nas frentes africanas. Não se diga que exagero, pois continua por aí às escâncaras, através de livras, folhetos e cartazes, de canções ou baladas, e até de colóquios conífera, a nossa luta no ultramar, realizados em estabelecimentos universitários, a propaganda que defende a ideia dia se pôr termo, pelo abandono ou pela entrega, à guerra travada pela Nação em obediência a irrefragáveis imperativos de honra e de sobrevivência, e movida, pelos vistos, não apenas de fora, pelos verdadeiros colonialistas, mas também de dentro, pelos seus servidores.

O Sr. Alberto de Meireles: - Muito bem!

O Orador: - O sangue dos mortos na Guiné, em Angola e em Moçambique há-de clamar, sempre menos contra, as balas que os prostaram do que contra as campanhas e os conluios inqualificáveis que na retaguarda visam tornar inútil o sacrifício.

A confrontação das ideias, o dialogo vivo em que os estudantes sejam interlocutores válidos, as críticas construtivas, a participação de professores e alunos nas actividades universitárias - tudo isto deve fazer-se, mas num clima de compreensão mútua e de respeito pêlos valores e interesses essenciais da comunidade portuguesa.

Reivindica-se muito a participação dos estudantes na vida da Universidade? Pois a participação cabe perfeitamente nu perspectiva de uma remodelação de raiz e de escopo corporativos. Se foi possível afastar ou atenuar grandemente os choques sociais no mundo do trabalho, por que não aplicar os mesmos princípios na resolução das questões universitárias? Desta forma, afastar-se-á, com naturalidade e vantagem, a tese sindicalista, inspirada na luta de classes, que deve pôr-se de parte como se fez nos sectores económicos e sociais.

Haverá, porventura, nos regimes comunistas qualquer espécie de participação dos estudantes no funcionamento das escolas superiores ou ser-lhes-á, ao menos, consentido escolher livremente o curso ou a actividade profissional? Não se sabe que, aí, o Estado é o dominador absoluto e implacável, tanto no domínio da economia como no do ensino e da educação?

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Não aludiria a estes aspectos se a isso não me obrigasse o facto de, em diverso" processos da agitação, terem tido uma acção preponderante elementos mentalizados por ideias confessadamente antinacionais.

Se preconizo a maior tolerância e simpatia para com a juventude que sem perder o aprumo e a noção das responsabilidades, defende com firmeza os seus direitos e aponta deficiências do ensino - seja-me lícito recordar o louvável exemplo dos milhares de bolseiros da Previdência, sempre presentes no meu espírito -, não poderia, por outro lado, deixar de verberar a actuação daquelas minorias que têm suscitado ou agravado o desassossego em vários meios académicos.

É a pensar nelas que reproduzo estas palavras impressionantes:

Uma tolerância inoportuna, ou uma vergonhosa tibieza, ou uma espantosa leviandade, ou uma perplexidade inexplicável em vários casos, ou preconceitos bem mal experimentados sobre educação moderna - são posições pelas quais não só se colocam mal eles mesmos, adultos, à mercê de diversos perigos, como também recusam a uma juventude desorientada a educação a que tem direito. Que se esquive ou negue essa mesma juventude a recolher a tal educação - não justifica a desistência dos que deveram propor-se dar-lha [...].

Há, actualmente, no Mundo legiões de jovens que parecem divertir-se atacando, destruindo, negando a torto e a direito, rebelando-se nem sabem conta-a quem ou quê?! Esses jovens são ou podem ser os nossos filhos, os nossos netos, os nossos alunos ou educandos, os nossos irmãos e companheiros de menos idade [...].

Aos interesseiros e interessados aduladores dos jovens, que os próprios jovens mais inteligentes deveriam repelir, cabe, sim, grande porte da responsabilidade na desorientação de certa juventude actual. Se os mais novos precisam de ser compreendidos [...] não significa isso que devam os adultos adulá-los no intuito de conquistarem a seu favor [...] ou devam desistir do poder que ainda têm nas mãos [...].

Por isso mesmo compete aos mais velhos a dignidade, a inteligência e a caridade de a não lisonjearem, como se ela valesse por si e independentemente das maneiras como se afirma.

Estas palavras não são minhas. É seu autor José Eugénio, esse insuspeitíssimo espirito de eleição, cujo depoimento aqui deixo registado, porque tem a força e a ressonância das melhores mensagens.

Sr. Presidente: Depois de na minha intervenção anterior ter aludido aos fins da Universidade, aflorei hoje o tema da autonomia e o da participação.

Desejaria ainda deter-me sobre mais alguns problemas. Não me sendo possível fazê-lo, limitar-me-ei a sumariar os que mais facilmente consentem este esforço de síntese.

1.º Começarei por salientar a necessidade do não se perder a visão de conjunto das questões referentes aos vários ramos e graus do ensino, conhecida, como é, a tendência, entoe nos verificada, por parte do escol intelectual, para se olhar apenas ou predominantemente à Universidade.

Para obviar, na medida do possível, a este inconveniente, se lutou, através do Plano de Educação Popular de 1952, contra inveterada deformações de espírito, que não se mostram ainda completamente corrigidas ou eliminadas.

Os problemas do ensino são de tal maneira interdependentes que não é possível resolvê-los se os encararmos em separado e fora de um plano global, em que as suas relações íntimas sejam tomadas em conta.

A este propósito, é de perguntar, por exemplo, se o liceu, tal como está a funcionar, entrega à Universidade alunos preparados para se integrarem nela e a ajudarem a cumprir a sua missão, ou se, na instrução primária, todos os crianças em idade escolar recebem normalmente o ensino, pois julgo que. neste domínio, está a perder-se terreno que tanto custou a desbravar.

2.° Facilitar o acesso à instrução foi sempre para mim problema verdadeiramente apaixonante. Do propósito de ir no seu encontro nasceram, quer a campanha contra o analfabetismo, quer a instauração nas obras sociais da Previdência de um regime de bolsas de estudo no alcance dos trabalhadores, e seus filhos, merecedores desse auxílio, quer a política de promoção social em que também me foi dado cooperar ao longo de muitos anos.

Pode mesmo dizer-se que ti política de expansão do ensino primário visou tombem o importantíssimo objectivo de alargar a base de recrutamento do escol dirigente português. E não será ousado dizer que desse movimento emerge, em grande parte, o crescente interesse das populações pela instrução, embora deva lamentar-se que, a tempo, não hajam sido tomadas providências requeridas pelo previsível acréscimo de alunos nos diferentes ramos de ensino.

Sem dúvida, deve continuar a combater-se qualquer forma de privilégio e a advogar-se uma política de verdadeira democratização cultural, visando o aproveitamento dos melhores. Alas, ao mesmo tempo, têm de evitar-se desperdícios de dinheiro e energias com aqueles que, falhos de inteligência e de vontade, não estão em condições de frequentar cursos superiores altamente especializados. Por outras palavras: a Universidade deve estar aberta a todos os que o mereçam e por isso, uma política de educação esclarecida, se tem de procurar a selecção gradual e criteriosa dos melhores, há-de ser acompanhada por urna política económica e social que propicie o acesso à cultura de todos quantos, independentemente da sua posição saciai ou material, se mostrem capazes de seguir, com êxito, as carreiras universitárias.

O Sr. Alberto de Meireles: - Muito bem!

O Orador: - Neste domínio é ainda longo o caminho a percorrer, mas seria injusto negar o muito que já se fez.

E importa evitar que, neste assunto, à ideia generosa de uma promoção social e cultural de base democrática e de sentido hierárquico (idênticas possibilidades a todos e diferenciação de posições de acordo com os méritos de cada um), se substituam preconceitos de baixa política e intenções de pura demagogia, ou até leviandade e impreparação na análise estatística dos resultados obtidos.

3.º Esta preocupação do aproveitamento dos melhores há-de incidir na própria constituição do corpo docente das escolas superiores. Quando chegará o momento de, nesta tarefa selectiva, se atender não apenas às elevadas qualificações escolares; mas as vocações e aos atributos pedagógicos dos candidatos? Acaso testas qualidades primordiais serão apenas de exigir aos professores dos outros graus de ensino?

O saber é necessário, mas, no plano específico da transmissão dos conhecimentos, tem de ser servido por vocação marcada e por sólida preparação pedagógica.

Ora, o que neste campo sé tem passado e passa não abona a política de recrutamento do nosso professorado universitário.

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É preciso remunerá-lo com justiça, alargar-lhe os quadros, levá-lo a devotar-se em profundidade ao magistério e a participar na vida da comunidade universitária, estimulá-lo com meios de acção e prestigiá-lo socialmente? Ninguém o contestará, desde que em compensação, se lhe exija competência e zelo, assiduidade, fecundidade no trabalho, faculdades de adaptação e aquela propensão de espírito para comunicar e transmitir própria dos verdadeiros mestres.

Eis uma questão que continua a espera de quem sai Lm e queira enfrentá-la com decisão e largueza de vistas.

4.° Este e outros objectivos não os alcançará, por si ou só por si, a Universidade. Também sou dos que pensam que esta não se auto-reformará: é da história e da natureza das coisas. Mas, se estimulada pela Nação e pelas instâncias oficiais, a sua cooperação, aliás imprescindível, poderá assumir o maior interesse.

Todavia, só o Estado será capaz -nem outro é o seu dever - de lançar os caboucos e levar a termo uma política universitária renovadora. Tudo está em que, animado de um pensamento e de uma vontade, conquiste a adesão dos espíritos e vença as resistências da rotina, a menor das quais não será, por certo, a da própria cátedra quando convertida em mero e inamovível privilégio pessoal.

Direi mesmo que quanto maior for a autonomia da Universidade, mais forte toem de ser o poder público para impedir que as prerrogativas outorgadas se convertam em
abusos e os interesses pessoais ou dos grupos prevaleçam sobre os do País e para defender a instituição dos perigos do imobilismo e da ancilose.

5.º A par das remodelações que importa levar a cabo, penso ser altura de se pensar na criação de mãos algumas Universidades, de ânodo A descongestionar as existentes, a favorecer uma legítima emulação entre os diferentes estabelecimentos de ensino e a criar, sempre que possível, através delas, pólos de desenvolvimento económico e social em regiões carecidas de estímulos especiais, para se não agravar o desnível em que se encontram em relação a outras mais progressivas. E tudo aconselha a que essas Universidades se estruturem em novos moldes, de maneira a poderem adaptar-se com facilidade às exigências crescentes e versáteis da vida moderna e a constituírem instrumentos vivos da renovação geral que se impõe e paradigmas perfeitos para os diferentes estabelecimentos de ensino superior.

6.º Assinale-se ainda a clamorosa necessidade de dotar o Ministério da Educação Nacional com uma nova orgânica e os meios indispensáveis ao cabal desempenho da sua missão.

A Direcção-Geral do Ensino Superior e das Belas-Artes quase se reduz ao director-geral, sobre cujos ombros de funcionário profientíssimo, devotadíssimo e esclarecido têm recaído os mais pesados encargos. Mas esse homem extraordinário, quase só, porque coadjuvado por um quadro reduzidíssimo de pessoal, não pode, por maior que seja o seu empenho, fazer tudo o que, dia a dia, passa, em avalancha, pelo importante serviço público confiado à sua directa responsabilidade.

O Governo, que tem sido mios-largas para cora serviços novos criados em diferentes sectores, alguns dos quais dispensáveis e outros a actuarem de modo desordenado, quando não contra os fins superiores do Estado, tem-se mostrado avaro por de mais quando se trata de remodelar ou apetrechar os órgãos clássicos dos Ministérios.

Já aqui chamei a atenção para o assunto em termos incisivos, e por isso dispenso-me de reproduzir essas considerações, que, no entanto, mantém plena actualidade.

7.º Por último, seja-me permitido realçar que não basta comprometer na política de educação verbas vultosas. Nós estamos, felizmente, a atingir índices de gastos neste domínio muito expressivos.

Segundo as previsões do Orçamento Geral do Estado paru o ano em curso, as despesas cora os serviços culturais da administração civil e com os investimentos da fins culturais deverão ser superiores a 15 por cento do total das despesas públicas, o que, mesmo em confronto com os gastos, no capítulo das actividades educativas, registados noutros países, é já muito significativo.

No entanto, isso não chega, pois é mister extrair desse enorme esforço financeiro todo o possível rendimento, através de uma distribuição criteriosa, atenta as deficiências mais gritantes, como os que se registam nas bibliotecas. O que importa não é gastar muito, mas resolver os problemas com os menores dispêndios possíveis.

O apontamento aqui fica, pois começa a forma-se uma mentalidade quantitativista que parece considerar a escola como simples máquina para a produção de mão-de-obra ao serviço da industrialização do País. Mas ela há-de ser, sobretudo, meio para dar corpo e vida, dentro de uma efectiva política cultural, à valorização do homem e, como tal e especificadamente, do homem português.

Sr. Presidente: Procurei ser objectivo nas minhas considerações destinadas a evidenciar que não é com as palavras foceis e sonoros dos slogans, nem com programas ambiciosos desligados das realidades, atem tão-pouco com o estudo causuístico das questões ao sabor das preferências pessoais ou sob a pressão de exigências emocionais, alheias à essência do debate ou do interesse nacional, que os problemas pendentes encontrarão a solução apropriada.

Quero dizer: é preciso definir um pensamento. Mas uma vez definido, após audiência das instituições interessadas, tem de intervir uma vontade que o realize. Essa vontade há-de ser a do Governo, na fidelidade às aspirações e ao querer da Nação.

Pela minha parte, no debate em curso, só me cabia formular alvitres. Foi o que fiz, embora correndo o risco de haver ocupado por de mais o tempo da Assembleia.

É possível. Mas como me justificaria perante mim próprio se me esquivasse a dizer o que penso num assunto tão importante e oportuno como este?

Mais: como me absolveria se, nesta Câmara essencialmente política, não pusesse o acento tónico nos aspectos que, nesta época singular da vida colectiva, conferem aos problemas universitários, tal como se apresentam, o maior significado político e o mais largo alcance nacional?

Vozes: - Muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Eleutério de Aguiar: - Sr. Presidente: Disse o Sr. Deputado Miller Guerra, ao efectivar o seu aviso prévio sobre "As Universidades tradicionais e a sociedade moderna", que "é preciso abrir uma discussão larga, livre e prolongada sobre a questão do ensino superior, a qual não pode confinar-se no interior dos claustros universitários". E acrescentou, certamente com o propósito de melhor esclarecer o seu pensamento, que "a reforma deve ser participada por todas as camadas interessadas na cultura e no progresso ilustrado do País e não se limitar ao reduzido número de professores e de burocracias ministeriais".

Recordo estas passagens das considerações com que o Sr. Deputado Miller Guerra antecedeu a matéria própria-

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mente dita do seu aviso prévio, não só porque comungo inteiramente da sua opinião, mas também porque nelas encontrei uma espécie de porta aberta com vista & minha participação no debate que se generalizou, subindo a esta tribuna com dois únicos objectivos, o primeiro dos quais é o de saudar o autor de tão oportuna iniciativa parlamentar, que de inúmeras formas testemunhei ser ansiosamente aguardada em todo o País, hoje, mais do que nunca, consciencializado de que o ensino é a exigência primeira, em ordem a promover-se o nível sócio-económico de todos os Portugueses.

E a altura de expressamente cumprimentar V. Ex.ª, Sr. Deputado, reiterando-lhe a minha sincera admiração, fortemente cimentada quando, em Janeiro de 1968, na cidade do Funchal, participou, de forma superior, nas jornadas sobre temos de desenvolvimento regional, então promovidas pela Junta Geral do Distrito, perante vasto e atento auditório, que ainda hoje cita o Sr. Prof. Miller Guerra com apreço e respeitosa consideração.

Militante do ensino de base, pequeno teria de ser o meu contributo ao debato, pelo menos relativamente à suai finalidade imediata, ou seja a reforma da Universidade, tanto mais que das suas estruturas apenas possuo uma fugaz experiência directa, adquirida na frequência de três cadeiras integradas no programa do curso com que me habilitei para o magistério especializado. Estávamos no limiar da década de 60, e talvez porque surgiam os primeiros dos acontecimentos que vieram a ter a Universidade por palco, jamais deixei de estar atento, tanto quanto foi possível, à sucessão dos factos que já ninguém ignora, de tal forma eles se têm reflectido no exterior, quer ovos paginas mesmo

Não entrarei na análise do problema universitário, porque não está no âmbito dia minha actividade profissional, e ainda porque o têm feito, com conhecimento de causa e independente espírito crítico, quantos me antecederam no uso da palavra. Direi apenas, como homem comum, que tem os olhos postos na Universidade do seu País, esperando e julgando-se no direito de lhe exigir a luz que livremente ilumine a consciência e os caminhos do progresso nacional, e como Deputada, que se sente responsabilizado perante o povo que o elegeu, direi apenas, repito, que também me encontro preocupado com o estado activar do nosso ensino superior e, por isso, compartilho dos anseios aqui expressos pelo Sr. Deputado Miller Guerra, e desde já me associo incondicionalmente ao voto de que o Governo os venha a ter na devida conta, pelo alcance do Objectivo que os informa e por consideração à própria Assembleia.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E estou certo de que assim acontecerá. Ninguém de boa fé pode negar que o ambiente que hoje se respira no nosso país é mais propício ao diálogo construtivo, como este que a Câmara vem estabelecendo com o Governo. A começar pelo Sr. Presidente do Conselho, que não tem deixado de exteriorizar quanto preza a nossa colaboração, e sem esquecermos o Sr. Ministro de Educação Nacional, ele também jovem professor universitário e, por sinal, experimentado reformista na instituição que dirigiu na longínqua mas tão próxima cidade de Lourenço Marques, as entidades mais responsáveis parecem atentas e de espírito aberto e receptivo à critica pertinente, como a que vem provocando o aviso prévio em debate.

E, para melhor fundamentar a minha esperança na acção do Sr. Prol. Veiga Simão, seja-me permitido recordar o conjunto de medidas já adoptados, em tão curto período de governo, umas certamente mais profundas do que outras, mas todas insofismavelmente com o propósito de preparar e favorecer a reforma universitária, como já aqui foi evidenciado:

Aumento de vencimentos para o pessoal docente universitário, com especial incidência nos assistentes; atribuição de importância fundamental ao doutoramento na carreira universitária, em consequência do que os assistentes passam à categoria de professores auxiliares; maior latitude de recrutamento de professores auxiliares, leitores, assistentes e monitores; possibilidade de a Universidade contratar para o ensino ou investigação individualidades de reconhecido mérito; propósito anunciado no sentido da adopção 3o regime de tempo integral dos professores universitários; instituição da carreira de investigador e dê um sistema de atribuição generalizada de bolsas, fluem de outras medidas que vozes mais autorizadas do que a minha tom considerado altamente benéficas.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Não desejando prolongar demasiado e até desnecessariamente esta minha intervenção, passarei de seguida ao outro aspecto que particularmente me fez participar neste debate.- Afirmei, logo de entrada que trazia a palavra de um homem comum e de um Deputado que tem procurado interessar-se de modo especial pela generalização do ensino de base e da educação permanente.

Por fidelidade a essa missão que me propus incentivar, e não esquecendo o apoio que generosamente me tem sido concedido dentro e fora desta Assembleia, antes o aceitando como estímulo precioso, quero repetir que não acredito em que uma reforma do ensino superior possa resultar na sua plenitude se não for acompanhada por um conjunto de reformas em todos os sectores do ensino, como partes integrantes do mesmo edifício educativo. Considero, pois, fundamental e urgente, a fim de se garantir o máximo rendimento da própria reforma universitária, que se comece quanto antes, e também muito a sério, a pensar na educação de base e na educação permanente, por razões sobejamente conhecidas e que tenho sintetizadas, em anteriores intervenções.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Reafirmarei, no propósito de situar o meu pensamento fulcral no presente debate, que a educação é um todo que não pode ser compartimentado, desde que se pretenda evitar o erro gravíssimo dos desfasamentos entre os vários graus de ensino. E faço-o na convicção de que, para uma Universidade nova, do tipo que preconiza o Sr. Deputado Miller Guerra, tem de haver um liceu novo, uma escola técnica nova, um ensino primário novo, um ensino infantil oficializado e um ensino médio reorganizado, como, aliás, o Governo se propõe fazer.

Como acentuou o Sr. Prof. Miller Guerra, o corpo discente é parte fundamental da Universidade. Exactamente por esse motivo, é desde cedo que para ele temos de olhar, evitando desvios perniciosos, podendo mesmo afirmar-se, sem receio de cairmos em erro grosseiro, que dificilmente

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poderá haver uma Universidade autenticamente nova no seio cie uma sociedade em que é tão profundo o desequilíbrio económico, que não assenta, na generalidade, em estruturas familiares, onde pais e filhos sejam beneficiados com medidas eficazes, no que respeita à garantia de condições de vida susceptíveis de vencerem as barreiras actualmente existentes em matéria de alimentação, habitação e cultura, para só falar no que se reputa basilar numa vivência ao nível desta época de extraordinário progresso técnico, na qual ainda estamos longe de participar, a não ser que nos contentemos com o ingrato papel de passivos espectadores.

Preocupado com a efectiva promoção sócio-económica de todo o povo português, de cujas insuficiências a actual Universidade é reflexo fiel, estou certo de que o Sr. Deputado Miller Guerra, aceitando a minha renovada homenagem pelo seu aviso prévio, compartilhará igualmente do meu apelo no Governo, no sentido de que, além de prestar a devida atenção às conclusões deste debate, em matéria de reforma universitária, não deixe de fazer incidir, paralelamente, tão auspiciosos propósitos de renovação em todas as restantes estruturas do nosso edifício educativo, que vai desde o ensino pré-primário ao pós-graduado.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Entretanto, e para melhor se surpreender o tipo da pirâmide que corresponde ao nosso ensino, em relação aos discentes, recordarei que, no presente ano lectivo, estão matriculados nos escolas oficiais e particulares l 474 700 alunos (l 251 300 no ensino oficial e 223400 no particular), assim discriminados: 18 000 no ensino infantil (todo particular), 950 000 no ensino primário (55 000 no particular), 165 000 no ciclo preparatório do ensino secundário (20 000 no ciclo TV, todo particular e 36 000 no particular), 127 000 no ensino liceal, 141 100 no ensino técnico profissional, 12 000 noutros ramos do ensino secundário (eclesiástico, artístico, auxiliares sociais e enfermagem), 8900 no ensino médio, 5000 no ensino normal e, finalmente, 47 100 no ensino superior, dos quais 39 000 são universitários.

Não obstante o considerável aumento do numero de alunos, que no ano lectivo de 1960-1961 fora de 1 147 100 e de l 283 900 em 1966-1967, verifica-se que a referida pirâmide continua a ser pouco representativa dos reais potencialidades da nossa camada mais jovem. E, do conjunto de reformas que se consideram fundamentais, para se alterar como se impõe a sua fisionomia desequilibrada, envolvendo os actuais ensinos primário, secundário e médio, sem esquecer das escolas do magistério primário, tão carecidas de espírito novo, e a necessidade imperiosa de se olhar pela educação no meio rural e de se subsidiar o ensino particular, desejo salientar a importância de um planeamento do ensino pré-primário, inadiável exigência de uma sociedade que vem adoptando, de forma irreversível, um sistema de vida coda vez mais afastado do tradicional, deixando-se a criança a mercê de perigosas intempéries na triste escola da rua, criança essa que - convém não o esquecer - só muito acidentalmente será o universitário do futuro, mas que deixa já antever o protótipo do português de amanhã!

Associo, assim, a cúpula do ensino à sua base, no desejo de vê-las integradas no mesmo princípio reformista, tão oportuna e preclaramente aqui evidenciado pelo Sr. Deputado Miller Guerra.

Vozes: - Muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Joaquim Macedo: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Atentos a todos os problemas portugueses, por dever indeclinável do corgo, devem-nos, sobretudo, preocupar os que mais profundamente influenciam e comprometem o futuro da saciedade portuguesa. A Universidade, depositária e construtora da ciência e da cultura, sempre foi importante motor do progresso, mesmo quando isolada no meio social e limitada ao domínio do saber especulativo e desinteressado. Hoje, porém, que a inteligência domina a força bruta; que as descobertas da ciência, mesmo quando ciência de base, têm rápida, transcrição na técnica; que se procura dar um tratamento científico a todos os sectores da actividade do homem, mesmo daqueles em que a intuição parecia reinar sem consciência e para sempre, a Universidade é o fulcro insubstituível do progresso total. De tal modo que podemos, ressalvadas, evidentemente, situações extremas de dimensão, estabelecer uma equivalência rigorosa entre a cultura de um povo e o seu nível económico e a sua importância política. À Universidade portuguesa está em crise. Defeitos antigos avolumaram-se pela sua falta de evolução num meio social que tão rapidamente avança. E então vemos o facto paradoxal de a Universidade ser, já para muitos, elemento e remador, e não motor de progresso.

Esta Câmara não podia, pois, deixar de se debruçar sobre este vital problema, pelas suas profundas implicações sobre o Portugal de amanhã, e quero aqui endereçar ao nosso colega Miller Guerra os meus cumprimentos pela oportunidade, da sua iniciativa.

À profunda reforma universitária que "e impõe apresenta agora condições de viabilidade que nunca até agora pôde reunir: existe, por um lado, uma consciência cada vez mais generalizada da necessidade de reforma, e temos presentemente como responsável do Ministério da Educação Nacional, primeiro motor da mudança, uma ilustre personalidade, o Sr. Prof. Veiga Simão, que tanto se tem notabilizado pela inteligência e dinamismo da sua acção, e, sobretudo, pelo seu amor e total dedicação à Universidade. Aqui lhe exprimo publicamente a minha homenagem pelas perspectivas novas que já abriu e a minha confiança pelo muito que fará em favor da Universidade portuguesa.

Sr. Presidente e Srs. Deputados: Permitam-me VV. Ex.ª algumas reflexões sobre o ensino da Engenharia em Portugal. Não tendo aqui cabimento a discussão de propostas completas de reforma, limito-me a abordar alguns pontos que, por reflexão pessoal ou por contactos, tenho para mim importantes em qualquer estudo a empreender.

Parece-me já não ser controversa a opinião de que um curso universitário deve ser mais formativo que informativo. E se algumas dúvidas ainda pudessem existir, no campo da engenharia, n este respeito, a massa cada vez maior de conhecimentos, dentro de cada sector, por mais especializado, e a sua constante e rapidíssima evolução, sobretudo no domínio das técnicas, torna impossível absorver todos os conhecimentos adquiridos e desactualiza depressa os que se adquirem. O que verdadeiramente importa é modelar adequadamente o espírito do futuro engenheiro, desenvolvendo nele o gosto de inovação e o sentido crítico, o dinamismo da aceno, o apetite, sempre insatisfeito, de saber e a curiosidade perante o Mundo e os seus fenómenos. For isso, é fundamental que a Universidade dê uma sólida preparação nas ciências de base e nas ciências aplicadas, que permita compreender as tecnologias e acompanhar a sua evolução. O ensino das aplicações, normalmente aguardado com contida impaciência pelo aluno de Engenharia, por vocação voltado muito

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para o concreto, deve sobretudo contribuir para a formação da mentalidade própria do engenheiro, que lhe permitirá atacar, segundo ângulo especial, os problemas que a actividade profissional lhe fará surgir.
Todo o ensino deverá ser repensado em termos da formação específica essencial do técnico e procurando nomeadamente desenvolver nele uma atitude activa e um sentido crítico, recorrendo a métodos pedagógicos adequados. O aluno não poderá ser mais apenas o engorgitador passivo de doses macissas da ciência, debitadas em solenes aulas magistrais; é necessário criar-lhe o hábito de reflexão e de elaboração, a partir dos conhecimentos de base adquiridos, fazendo-o executar trabalhos e projectos, isoladamente ou em grupo, sob a orientação dos professores. Aliás, esses trabalhos devem constituir factor de avaliação muito importante, tirando-se assim peso à influência do exame final, para o efeito. Assim se forjará o espírito inovador e dinâmico que deve caracterizar o engenheiro e o prepara para enfrentar inúmeras situações a que não poderá fazer face recorrendo a experiência anterior.
Toda esta formação deve evitar feição especulativa: ao contrário do cientista, a actividade do técnico é fundamentalmente marcada pedia prossecução de objectivos materiais e permanentemente avaliada em termos de custos e de resultados. Neste ponto, tem particular relevância o ensino das aplicações e também os estágios e as frequentes visitas de estudo.
Nalguns países apenas se ensinam nas Universidades ciências básicas e aplicadas, relegando as aplicações para estágio já aia indústria ou em organismos de investigação. Temos de atender aqui às conduções especificais portuguesas - muitas vezes o novo engenheiro vai trabalhar em empresa em que é o único técnico do seu grau e onde vai ocupar imediatamente funções de chefia; a sua formação deve permitir-lhe torna-se o mais possível operacional logo à saída da escola.
Por isso, no estudo da nova estrutura do curso de Engenharia deve ter-se muito em consideração esta realidade - e aqui topámos desde logo com o problema da duração dos cursos, não se podendo deixar de dar uma sólida formação nas ciências de base e aplicadas -, pois as primeiras criam hábitos de pensamento científicos e dão o conhecimento dos fenómenos com que lida o engenheiro, e as segundas, versam as matérias necessárias à resolução dos problemas que lhe surgirão; e não se podendo, por outro lado, dispensar o ensino das aplicações nas nossas Faculdades dei Engenharia, o encurtamento do curso de nível universitário .só poderia ser conseguido à custa de um melhor aproveitamento e ampliação do ano escolar. Aliada no capítulo dia preparação necessária ao engenheiro e - e aqui no campo da informação -, um aspecto importante é o ensino dais ciências sociais, pois o técnico, elemento de relevo na sociedade em que se integra, não pode deixar de conhecer os problemas dessa mesma sociedade. Deverão ter particular relevância a sociologia, a economia e a gestão de empresais, matérias cujo ensino é necessário ver desenvolvido nos novos programas. Mas, além desta preparação geral, seria ainda conveniente fazer-se o aprofundamento dessas disciplinas em curso pós-graduado de especialização.
Aliás, na reforma de engenharia, cursos de pós-graduação bem adaptados à nossa realidade industrial não podem deixar de ser considerados com toda a urgência. Lembro, por exemplo, os sectores têxtil e de fundição, de tanta importância no nosso país e para os quais, incompreensivelmente, ainda não existe formação a nível superior.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Também na preparação do engenheiro não deve ser esquecida a cultura humanística. Não podemos perder de vista que, qualquer que tenha sido a sua iniciação, o engenheiro acaba geralmente por assumir funções em que o aspecto chefia sobreleva muito a função técnica. Permitam-me aqui citar uma significativa afirmação de um director da bem conhecida e progressiva companhia americana I. B. M.: «Os meus quadros são muito bons técnicos, mas à medida que sobem na hierarquia, têm necessidade, além da técnica, de outra coisa que lhes falta e que é esse não sei quê que se chama, cultura.»
Não se trata de adquirir uma erudição livresca e fragmentada, mas de conhecimentos variados e harmónicos, que permitam as grandes sínteses. E este tipo de formação que permitirá ao chefe fazer face às novas situações que se sucedem, cada vez mais velozmente. Só uma cultura geral o armará daquela filosofia construtiva, que, tomando distância relativamente aos acontecimentos, permitirá definir-lhes melhor os contornos e enquadrá-los em contextos mais gerais.
Esta formação geral deve resultar não de programas obrigatórios, mas de acções livres, que resultem de um ambiente cultural intenso que deve impregnar toda a Universidade. Esta deve constituir, relativamente ao meio social que a cerca,, um verdadeiro e irradiante foco de cultura, materializada em cursos livres, conferências, exposições e outras manifestações afins. Sob influência desse ambiente, o estudante sente-se atraído naturalmente a cultivar interesses que caem para além do curso que frequenta.
E, para terminar, um ponto que por ser o último não é o menos importante a investigação. Considera-se como um dos factores mais decisivos do extraordinário progresso americano a enorme importância dada nesse país à investigação. Em recente e muito conhecida publicação anota-se que a América gasta S por cento do seu produto bruto nessa actividade, o que representa mais do dobro, em termos percentuais, da despesa equivalente do país europeu mais adiantado na matéria. O progresso não é mais obra do acaso, é fruto de um extraordinário volume de esforços dirigidos e intencionais, muitos dos quais não chegam, evidentemente, a resultados de .interesse. Não podemos agora aguardar que caiam maçãs, para nisso inspirar descobertas científicas.
Este tema, pela sua importância, bem merece ser debatido nesta Câmara, mas não é agora ocasião para isso. Apenas queria dizer que não faz sentido Universidade sem investigação. Neste capítulo há que esclarecer dúvidas que tenderiam a fazer restringir esta actividade a domínios de alta tecnicidade e a sectores científicos de ponta, o que nos colocaria, em Portugal, praticamente na impossibilidade de a exercer. Resolver problemas sem usar soluções decalcadas sobre a experiência e, portanto, recorrendo a elaborações mentais próprias, em espírito criador e com juízo crítico das soluções, é inovar, e isso deve constituir actividade normal na vida profissional do engenheiro. É, aliás, nesta capacidade de ir além de uma mera aplicação de receitas que deve residir a diferença entre o técnico universitário e os de outros graus.
A investigação deve fazer-se, pelo menos em parte, na Universidade, antes de mais, por constituir indispensável instrumento de formação da mentalidade criadora que deve ser própria do engenheiro.
Neste capítulo, e na parte que se refere a investigação aplicada, impõe-se fomentar uma íntima colaboração entre a Universidade e a indústria, tão divorciadas actualmente, e muito se poderá esperar do esforço criador da primeira no nosso sector industrial, bem dependente do

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estrangeiro, mesmo muitas vezes em domínios de técnica pouco mais que rudimentar.

Mas não apenas na actividade de pesquisa e inovação, mas também para discussão de programas de formação, deve estabelecer a Universidade contactos com o meio em qua se integra; ela é um foco de cultura e de saber e prepara, quem a ela se acolhe, para desempenhar funções, não numa sociedade em abstracto, mas num meio bem específico nos suas características sociais, económicos e políticas.

Reforme-se, pois, a Universidade e com urgência, não com pretensões de fazer obra acabada e definitiva, mas com intenção bem firme de criar novas estruturas, maleáveis e abertas, que permitam a existência de um espírito de reforma permanente; liberte-se, como bem disse o Sr. Ministro da Educação Nacional, a Universidade dos seus elementos indesejáveis, que são os professores que não ensinam e os estudantes que não estudam; dê-se-lhe com largueza os meios materiais que necessita para realizar a sua função, e depois peçamos contas a Universidade e exijamos-lhe todo o importante serviço que pode e deve prestar em favor do progresso da sociedade portuguesa.

VOZES: - Muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: Não vejo na Sala alguns Srs. Deputados que se haviam inscrito para este debate e a quem contava dar a palavra ainda nesta sessão da manhã. Em consequência, ficarão com a palavra reservada para a sessão da tarde, a qual resultara, portanto, um pouco mais longa.

Vou encerrar a sessão.

Esta tarde haverá sessão, à hora regimental, tendo como ordem do dia, na primeira parte, a continuação da discussão das contos gerais do Estado e das contas da Junta do Crédito Público relativas ao ano de 1968, e, na segunda parte, a continuação do debate do aviso prévio do Sr. Deputado Miller Guerra sobre as Universidades tradicionais e a sociedade moderna.

Está encerrada a sessão.

Eram 12 horas e 50 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Augusto Domingues Correia.
Camilo António de Almeida Gama Lemos de Mendonça.
Fernando de Sá Viana Rebelo.
João António Teixeira Canedo.
João Lopes da Cruz.
Joaquim Carvalho Macedo Correia.
José Gabriel Mendonça Correia da Cunha.
José Guilherme de Melo e Castro.
José de Mira Nunes Mexia.
José Vicente Abreu.
D. Luzia Neves Fernão Pereira Beija.
Manuel José Archer Homem de Mello.
Manuel Monteiro Ribeiro Veloso.
D. Sinclética Soares dos Santos Torres.
Tomás Duarte da Câmara Oliveira Dias.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Victor Manuel Pires de Aguiar e Silva.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Albano Vaz Pinto Alves.
Alberto Eduardo Nogueira Lobo de Alarcão e Silva.
Alberto Marciano Gorjão Franco Nogueira.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre José Linhares Furtado.
Amílcar Pereira de Magalhães.
Antão Santos da Cunha.
António Bebiano Correia Henriques Carreira.
António Fernando Covas Lima.
António da Fonseca Leal de Oliveira.
António Pereira de Meireles da Rocha Lacerda.
Armando Júlio de Roboredo e Silva.
Armando Valfredo Pires.
Artur Augusto de Oliveira Pimentel.
Augusto Salazar Leite.
Bento Benoliel Levy.
Delfim Linhares de Andrade.
Deodato Chaves de Magalhães Sousa.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Fernando Artur de Oliveira Baptista da Silva.
Fernando Augusto de Santos e Castro.
Francisco António da Silva.
Francisco Correia das Neves.
Francisco José Pereira Pinto Balsemão.
Francisco Manuel de Meneses Falcão.
Francisco de Moncada do Casal-Ribeiro de Carvalho.
Henrique dos Santos Tenreiro.
João Paulo Dupuich Pinto Castelo Branco.
João Pedro Miller Pinto Lemos Guerra.
Joaquim Jorge Magalhães Saraiva da Mota.
Jorge Augusto Correia.
José Coelho Jordão.
José da Costa Oliveira.
José Dias de Araújo Correia.
José João Gonçalves de Proença.
José Pedro Maria Anjos Pinto Leite.
José dos Santos Bessa.
José da Silva.
José Vicente Pizarro Xavier Montalvão Machado.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Júlio Dias das Neves.
Leonardo Augusto Coimbra.
Lopo de Carvalho Cancella de Abreu.
Luís Maria Teixeira Pinto.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel Marques da Silva Soares.
Manuel Valente Sanches.
Maximiliano Isidoro Pio Fernandes.
Miguel Pádua Rodrigues Bastos.
Prabacor Rau.
Rafael Valadão dos Santos.
Remiro Ferreira Marques de Queirós.
Raul da Silva e Cunha Araújo.
Ricardo Horta Júnior.
Rui de Moura Ramos.
Rui Pontífice Sousa.
Teófilo Lopes Frazão.
Vasco Maria de Pereira Pinto Costa Ramos.

O REDACTOR - José Pinto.

IMPRENSA NACIONAL

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