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REPÚBLICA PORTUGUÊSA
5085 SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL E DA CÂMARA CORPORATIVA
DIÁRIO DAS SESSÕES
N.º 53
ANO DE 1970
10 DE DEZEMBRO
ASSEMBLEIA NACIONAL
X LEGISLATURA
SESSÃO N.º 53, EM 9 DE DEZEMBRO
Presidente: Ex.mo Sr. Carlos Monteiro do Amaral Netto
Secretários: Ex.mos Srs. João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira
João Bosco Soares Mota Amaral
Nota. - Foi publicado uni suplemento ao Diário das Sessões, n.º 48, que insere a proposta de lei n.º 12/X (autorização daí receitas e despesas para 1971).
SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 60 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o n.º 51 do Diário das Sessões, com uma rectificação apresentado, pelo St. Deputado Roboredo e Silva.
Deu-se conta do expediente.
Foi lido um oficio de S. Ex.ª o Presidente do Conselho acusando a recepção do ofício em que o Sr. Presidente comunicou a aprovação pela Assembleia de uma moção em que esta te solidariza com as medidas tomadas pelo Governo para melhoria das nossas relações internacionais.
O Sr. Presidente informou que estava na Mesa, para cumprimento do disposto no $ 3.º do artigo 109.º da Constituição, o n.º 282, 1.ª série, do Diário do Governo, que insere o Decreto-Lei n.º 601/70.
Informou ainda estarem na Mesa, para serem entregues ao Sr. Deputado Aguiar e Silva, elementos fornecidos pela Secretaria de Estado da Informação e Turismo, destinados a satisfazer o requerimento apresentado em 29 de Outubro último.
O Sr. Deputado Almeida Coita tratou de problemas políticos gerais.
O Sr. Deputado Casal-Ribeiro justificou o seu voto acerca de uma proposta do Sr. Deputado Oliveira Dias votada dias antes pela, Assembleia.
O Sr. Deputado Roboredo e Silva esclareceu o sentido de um aparte feito dias antes ao discurso do Sr. Deputado Cancella do Abrcii sobre problemas da província de Cabo Verde.
O Sr. Deputado Leal de Oliveira, tratou do problema do tráfico de estupefacientes.
O Sr. Deputado Delfino Ribeiro referiu-se à visita a Macau do Sr. Subsecretário do listado da Administração Ultramarina e à renovação do mandato do governador daquela província.
O Sr. Deputado Eloutério do Aguiar falou sobre diversos problemas da Madeira.
O Sr. Deputado Moura Ramos abordou diversos assuntos relativos às indústrias da panificação, designadamente o da Qualidade do pão e da moagem.
O Sr. Deputado Augusto Correia falou sobre o problema rodoviário no distrito de Coimbra.
Ordem do dia. - Continuou em discussão na generalidade a proposta de lei do autorização das receitas e despesas para 1971, tendo usado da palavra os Srs. Deputados Teixeira Pinto, Joaquim Macedo e Leal de Oliveira.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 19 horas e 5 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 15 horas e 35 minutos.
Fez-se o, chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Albano Vaz Finto Alves.
Alberto Eduardo Nogueira Lobo de Alarcão e Silva.
Alberto Marciano Gorjão Franco Nogueira.
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Albino Soares Finto dos Reis Júnior.
Alexandre José Linhares Furtado.
Amílcar da Gosta Pereira Mesquita.
Amílcar Pereira de Magalhães.
António Bebiano Correia Henriques Carreira.
António Fausto Moura Guedes Correia Magalhães Montenegro.
António da Fonseca Leal de Oliveira.
António Lopes Quadrado.
António de Sousa Vadre Castelino e Alvim.
Armando Júlio de Roboredo e Silva.
Armando Valfredo Pires.
Artur Augusto de Oliveira Pimentel.
Augusto Domingues Correia.
Augusto Salazar Leite.
Bento Benoliel Levy.
Camilo António de Almeida Gama Lemos de Mendonça.
Carlos Eugênio Magro Ivo.
Carlos Monteiro do Amaral Netto.
Delfim Linhares de Andrade.
Delfino José Rodrigues Ribeiro.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Eleutério Gomes de Aguiar.
Fernando Artur de Oliveira Baptista da Silva.
Fernando Augusto Santos e Castro.
Fernando David Laima.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Fernando do Nascimento de Malafaia Novais.
Fernando de Sá Viana Rebelo.
Filipe José Freire Themudo Barata.
Francisco António da Silva.
Francisco Esteves Gaspar de Carvalho.
Francisco João Caetano de Sousa Brás Gomes.
Francisco Manuel de Meneses Falcão.
Francisco de Moncada do Casal-Ribeiro de Carvalho.
Gabriel da Costa Gonçalves.
Gustavo Neto Miranda.
Henrique José Nogueira Rodrigues.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Henrique Veiga de Macedo.
João Bosco Soares Mota Amaral.
João Duarte de Oliveira.
João José Ferreira Forte.
João Lopes da Cruz.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
João Pedro Miller Pinto de Lemos Guerra.
João Rúiz de Almeida Garrett.
Joaquim Carvalho Macedo Correia.
Joaquim Germano Pinto Machado Correia da Silva.
Joaquim Jorge Magalhães Saraiva da Mota.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Joaquim de Pinho Brandão.
José Coelho de Almeida Cotta.
José Coelho Jordão.
José da Costa Oliveira.
José Gabriel Mendonça Correia da Cunha.
José João Gonçalves de Proença.
José Maria de Castro Salazar.
José dos Santos Bessa.
José da Silva.
José Vicente Cordeiro Malato Beliz.
Júlio Dias das Neves.
Lopo de Carvalho Cancella de Abreu.
Luís António de Oliveira Ramos.
Luís Maria Teixeira Pinto.
Manuel Artur Cotta Agostinho Dias.
Manuel Elias Trigo Pereira.
Manuel de Jesus Silva Mendes.
Manuel Joaquim Montanha Pinto.
Manuel Marques da Silva Soares.
Manuel Monteiro Ribeiro Veloso.
Manuel Valente Sanches.
Maximiliano Isidoro Pio Fernandes.
Miguel Pádua Rodrigues Bastos.
Olímpio da Conceição Pereira.
Pedro Baessa.
Prabacor Rau.
Rafael Ávila de Azevedo.
Rafael Valadão dos Santos.
Ramiro Ferreira Marques de Queirós.
Rogério Noel Feres Claro.
Rui de Moura Ramos.
D. Sinclética Soares dos Santos Torres.
Teófilo Lopes Frazão.
Tomás Duarte da Câmara Oliveira Dias.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Victor Manuel Pires de Aguiar e Silva.
O Sr. Presidente:-Estão presentes 90 Sr. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 15 horas e 50 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Está em reclamação o n.º 51 do Diário das Sessões
O Sr. Roboredo e Silva: - Sr. Presidente: Solicito que sejam feitas no n.º 51 do Diário das Sessões as seguintes rectificações: na minha intervenção na ordem do dia, p.1075, col. 1.ª, 3.º período, 1. 8, após o n.º 2003, incluir a palavra «mortos»: na mesma pagina, col. 2.º, última linha, suprimir a palavra «onde», que é a última da coluna.
O Sr. Presidente: - Como mais nenhum de VV. Ex.ªs deseja fazer qualquer reclamação, considero aquele número do Diário das Sessões aprovado, com as rectificações apresentadas.
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Telegramas
Da Câmara Municipal de Ilhavo, apoiando a proposta de lei sobre alterações a introduzir na Constituição;
Da Direcção do Grémio de Vinicultores de Lamego, de apoio à intervenção do Sr. Deputado Fausto Montenegro acerca do problema rodoviário da região do Douro.
Carta
Do Centro de Informação e Turismo de Angola, felicitando a Assembleia pelo teor das palavras nela proferidas pelo Sr. Presidente do Conselho.
Oficio
Do Ministério dos Negócios Estrangeiros, enviando cópia do texto das resoluções adoptadas pela 58.ª Conferência Interparlamentar realizada na Haia de 1 a 9 de Outubro último e promovida pela União Interparlamentar, com sede em Genebra.
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O Sr. Presidente: - Está na Mesa um oficio de S. Ex.ª o Presidente do Conselho, ser vai ser lido.
Foi lido. E o seguinte:
Sr. Presidente da Assembleia Nacional. -Excelência. - Acuso a recepção do ofício n.º 441/X, de 4 do corrente mês, era que V. Ex.ª me comunica a aprova-lo da moção apresentada na sessão do dia anterior, no sentido de a Assembleia Nacional se solidarizar com o Governo no esforço desenvolvido para incentivar a melhoria das nossas relações internacionais, e expressando um voto de frutuosos resultados para as negociações de Bruxelas com vista a aceleração do nosso processo de desenvolvimento.
Da moção darei conhecimento em reunião de Conselho de Ministros.
A bem da Nação.
Presidência do Conselho, 7 de Dezembro de 1970. - O Presidente do Conselho, Marcello Caetano.
O Sr. Presidente: - Está na Mesa, enviado pela Presidência do Conselho, para cumprimento do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, o Diário do Governo, 1.º série, n.º 282, de 5 de Dezembro, que insere o Decreto-Lei n.º 601/70, que introduz alterações estruturais na lei orgânica da Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica e revoga e dá nova redacção a várias disposições do Decreto-Lei n.º 47 791.
Estão também na Mesa mais alguns elementos, recebidos da Secretaria de Estado da Informação e Turismo, destinados a satisfazer o requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Aguiar e Silva em 29 de Outubro de 1970. Vão ser entregues àquele Sr. Deputado.
Tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Cotta.
O Sr. Almeida Cotta: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Há quem entenda que as funções naturalmente mais adequadas a uma assembleia deste género pertencem predominantemente ao domínio da política, já que as de natureza legislativa, outrora constituindo as mais salientes, tendem n deslocar-se para os órgãos onde reside a decisão, em virtude da regularidade e celeridade exigidas pelo exercício das atribuições cada vez mais amplas do Executivo nos estados modernos, preço da sua intervenção também cada vez mais extensa nas actividades públicas e privadas.
Por outro lado o crescente tecnicismo das normas legais exigirá, na opinião, por exemplo, de um antigo e eminente membro da Câmara Corporativa, já falecido, um sistema que atribua essencialmente ao Governo as funções legislativas. Este modo de ver revelaria, aliás, uma tendência universal.
Para estas assembleias reservar-se-iam, em todo o caso, a definição das grandes orientações, os assuntos ou matérias adstritos aos altos interesses nacionais e as bases gerais dos regimes jurídicos.
De qualquer sorte, o que convém salientar é o princípio, que se nos afigura certo e aplicável a uma qualquer organização pública ou privada, de dotar os seus órgãos com atribuições que lhes confiram participação activa e efectiva nas tarefas comuns. O difícil deste complexo problema é encontrar a fórmula correcta e expedita de estabelecer o equilíbrio e a harmonia no exercício das respectivas competências, evitando-se conflitos, atritos, compartimentações estanques ou o isolamento, e bem assim o gigantismo de alguns á custa da atrofia de outros.
Suja qual for, porém, o âmbito das suas actividades, estas assembleias forçosamente desempenharão funções do mais alto relevo em certos sectores da esfera legislativa e ocupam posição proeminente no campo da política e da administração. Julgo poder afirmar-se que a nossa Constituição adoptou já uma orientação deste tipo, que se mantém com realce no projecto apresentado á Câmara pelo Governo.
Mas a função política é susceptível de ter, e bem, entendimentos diversos.
Em que sentido convém desenvolver essa acção para que dela se possam esperar resultados eficazes quanto ao funcionamento das instituições, para que dela se obtenha o melhor rendimento, para que, na imagem feliz, do Primeiro-Ministro britânico, haja menos Governo e melhor Governo, ou seja mais iniciativa privada e menos necessidade de intervenção estadual?
Estas assembleias ocupar-se-iam sobretudo da política directamente dirigida à boa administração, isto é, acompanhariam a actividade dos outros órgãos do Estado, fiscalizariam a sua gestão e promoveriam o necessário para se administrar com zelo, probidade e escrúpulo, procurando se melhorem incessantemente os métodos e os processos atinentes à realização do bem comum, fundamento indiscutível do poder político.
Seriam também, por assim, dizer, as guardiãs dos conceitos doutrinários e ideológicos, da filosofia política, preservando-a das heresias e dos desvios, mantendo, no entanto, um proselitismo capaz de preencher cabalmente as aspirações colectivas, de mover os agnósticos e os cépticos, os indiferentes e os apáticos, capaz de entusiasmar a juventude e de conquistar para a Nação quem a queira servir. Seriam ainda a forja onde as ideias se debatam e os métodos de administração se observem e acompanhem na sua execução corrente, de maneira a imprimir a vida da Nação o ritmo seguro que mais convenha às necessidades do progresso. E todas estas actividades, para não se quedarem no platonismo das atitudes, terão de invadir os graus cimeiros da esfera legislativa, ou seja, como atrás se disse, os assuntos e matérias adstritos aos altos interesses nacionais.
Na ordem externa, pugnariam pelo restabelecimento de uma convivência pacífica, de um espírito de compreensão entre os povos que permita viver e deixar viver cada qual, não se pedindo mais do que aquilo que se esteja disposto a dar de boa vontade e regulando os eventuais conflitos pelas regras do direito das gentes, sem o que não será fácil pôr fim ao reinado da força e do medo.
Esta tarefa é entre nós bastante facilitada pela índole natural do povo português, desejoso de viver na ordem e na paz, respeitador dos outros povos e com, eles pretendendo manter as melhores relações.
E certo que, apesar destas congénitas inclinações, nos vemos, infelizmente arrastados para uma situação bem diferente: em vez da paz, movem-nos a guerra dentro das nossas próprias fronteiras; em vez da compreensão, a incompreensão gerada por interesses inconfessáveis e contraditórios.
Mas, quando a razão falta, as ambições cansam-se, a vontade vacila e a consciência universal acaba algum dia por reagir.
E o que parece começar a notar-se neste mundo conturbado e agitado por vagas sucessivas da apetites, por movimentos clandestinos proliferando em todos os climas onde se deixe implantar a desordem organizada, corroendo, primeiro, a moral, cerne da vida individual e colectiva, para depois se cair no completo desmoronamento das estruturas sociais, no assalto aos princípios e as pessoas, e ao saque ao património público e privado,
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na, completa insegurança no ar, no mar e na terra. Temos á vista a degradação a que se pode chegar e a impotência das organizações internacionais para impedir essa inacreditável pirataria moderna, essa subversão permanente, prelúdio de outras o coda vez mais graves depredações morais e materiais.
Ora esta Câmara, pelas suas naturais responsabilidades, encontra-se na primeira linha, destas preocupações, parecendo-me oportuno, por isso, e no cumprimento dos seus direitos e deveres constitucionais, traçar algumas notas sobre a política interna e externa praticando no intervalo das duas sessões, deixando os aspectos demasiado técnicos para os tecnocratas, até para que se não confundam os meios com os fins.
Se quisermos esboçar uma síntese daquilo que mais tom impressionado a opinião pública acerca da actividade exercida pela Administração neste espaço de tempo, julgo poder afirmar que se tem mostrado sensível à destreza com que actuou na execução das suas atribuições normais, ás tentativas de aperfeiçoamento das estruturas orgânicas e ao aproveitamento integral dos competentes organismos consultivos e técnicos.
Reconhece, por outro lado, o esforço desenvolvido na procura dia novas soluções para resolver problemas particularmente difíceis, tanto no domínio económico como ao social e administrativo.
Uma política em acção ou a vitalidade de uma política afere-se pela iniciativa dos diversos departamentos do Estado, secundário directamente os sectores que participam na criação da riqueza, da cultura e do bem-estar geral, ou através do impulso dado a esses mesmos sectores pelo clima de confiança, de estabilidade e de fé que conseguirem criar.
Verdadeiramente, o progresso resulta da conjugação de vários factores, mas na sua base encontraremos sempre o homem, com as suas virtudes e os seus defeitos. Se aquelas superam estes, teremos o condicionalismo favorável á realização de um progresso estável, traduzido em reais benefícios para todos. Tratar-se-á, em última análise, de um problema de educação.
Há motivos para considerar que a administração pública portuguesa, se não estará na vanguarda do progresso tecnológico, esforça-se com êxito por imprimir um ritmo adequado e sério ao desenvolvimento educacional, económico e social do País.
A aceleração desse ritmo é sempre penosa e é sempre julgada lenta, porquanto exige de toda a comunidade um movimento diferente daquele de que se parte, quer em trabalho, quer na aplicação de todas os suas capacidades. Até nos habituarmos á nova cadência haverá necessariamente um constrangimento incómodo, um desajustamento nos hábitos adquiridos, e a tentação de lhe pôr termo pode surgir.
por outro lado, o avanço desequilibrado das forças do progresso é motivo de algumas apreensões, porque se não se consegue um desenvolvimento harmonioso de todos os seus elementos, materiais e espirituais, o reajustamento inevitável virá a processar-se com ruínas e frustrações de toda a espécie, abrindo brechas profundas entre as várias camadas da sociedade.
Convém, certamente, andar depressa, mas não menos com segurança, para que o ganho de hoje se não transforme, amanhã, em perda irreparável.
Podemos verificar facilmente a febril actividade dos departamentos mais ligados aos sectores económicos e do trabalho, aqui ou ali traduzindo certo deslumbramento por determinadas correntes ou soluções tecnicistas, aqui ou ali tacteando caminhos ou correndo por eles ousadamente, aqui ou ali distanciando-se de outros de que poderá depender o tão necessário equilíbrio na evolução integral e harmónica do homem, da colectividade e do meio.
Sem esforço se compreende que a riqueza individual continua a ser pobreza, mantendo-se na penumbra a inteligência e na miséria o ambiento onde se vive. Que valerá, com efeito, a fortuna de um Cresus, condenado a viver num deserto ou num ghetto?! Mas também não podemos estancar o desenvolvimento da iniciativa privada para o nivelar com a miséria ou com a mediocridade, em obediência a quiméricos e quiçá demagógicos igualitarismos, conceito de resto inconciliável em muitos aspectos com o da liberdade individual. Seria absurdo. O que se impõe e o que se pretenderá, aliás, ao abrigo de princípios consagrados até na nossa velha e nova legislação civil, é carrilar a riqueza no sentido de a tornar socialmente útil, de a erigir em fonte perene de bem-estar geral, de permitir que, dentro do normal funcionamento das instituições e do respeito pelos interesses em causa, nela participem equitativamente todas as forças da produção, a cujo trabalho conjugado se deve em qualquer caso o progresso económico e social. E isto, tanto como ao próprio Estado, importará à colectividade como factor decisivo de estabilidade, de harmonia, de real e efectiva valorização do homem e do ambiente em que temos de viver.
O certo é que a Administração não está menos interessada nos problemas ligados à cultura, à saúde, á higiene, á educação, ao próprio exame e vigência dos princípios inerentes a orgânica e funcionamento dos órgãos superiores do Estado, a culminar na próxima revisão da lei constitucional. Simplesmente, aqui o progresso não depende tanto das máquinas como de nós próprios, nem facilmente se mede a curto prazo. Aqui constrói-se com a alma e sobre a alma, matéria delicada e insusceptível de se fazer e refazer como as coisas.
Pois é evidente que a nossa avidez de progresso, salutar enquanto não nos faça perder a noção da medida, pode sentir-se insatisfeita quando desejaria ver rapidamente solucionados os problemas do ensino, particularmente no grau universitário, que tanta perturbação têm causado entre nós como no mundo inteiro; pode sentir-se preocupada com os questões relativas à inflação, que o Chefe do Governo já anunciou ao País constituir batalha que teremos de vencer sem detença e de que já se notam os efeitos; pode sentir-se apreensiva com a debilidade dos investimentos, tão necessários à marcha do desenvolvimento económico e social; pode sentir-se insegura quanto á evolução dos caminhos a seguir para a conquista de mais largos mercados; pode sentir-se inquieta com o aumento do custo de vida e com a hemorragia da emigração; pode sentir-se ansiosa com a crise geral de autoridade no seio da Família, do Estado e da própria Igreja.
Não há razões para que a essas ansiedades, apreensões ou dúvidas não oponhamos as certezas do nosso credo e da nossa capacidade de acção.
Somos, na verdade, um povo que acredita no seu destino histórico, nos ideais e nos princípios em que nos formamos, e também acreditamos nas potencialidades da Pátria, tal como a recebemos, tal como a desejamos legar aos vindouros, plurirracial e pluricontinental, mas uma e indivisível.
E acreditamos ainda nas qualidades de trabalho, de vontade e de inteligência da comunidade portuguesa, no seu excepcional pendor para o convívio com todos os povos e raças.
Conhecemos as nossas fraquezas e defeitos, mas também sabemos que, apesar deles, temos realizado uma
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gesta, notável no decurso da nossa já velha história, mercê de uma aptidão política que tem conseguido durante séculos estabelecer um justo equilíbrio entre o sonho e a realidade, entre as necessidades da Grei e as faculdades do Poder, entre o que é devido às pessoas e o que se deve à comunidade, entre as exigências da segurança individual e as da segurança colectiva.
A ruptura desse equilíbrio tem provocado de quando em quando períodos calamitosos, às vezes com algumas perdas, outras com alguns sucessos, mas sempre acabamos por encontrar maneira de vencer as dificuldades.
O segredo do êxito na condução da coisa pública reside essencialmente na capacidade de o Estado harmonizar os interesses espirituais e materiais que constituem toda a vida de uma sociedade e na forma como preside às suas potencialidades de crescimento.
Numa comunidade disposta ou inclinada a recorrer à subversão para resolver os conflitos de interesses ou de ideias -abismos criando abismos- nada é estável, nada é certo, nada é seguro. Na base do progresso real e efectivo, dependente necessariamente de segurança e de estabilidade, temos, portanto, de colocar a ordem, imprescindível também, pelas mesmas razões, ao bem-estar individual e geral.
Mas a ordem é, fundamentalmente, um estado natural, e não uma lagoa de água estagnada; estado natural do ser e da Natureza na mobilidade permanente da sua evolução, constantemente perturbada pelas forças da desagregação e da desordem.
Assim, um clima humano, ordeiro e pacífico só se mantém á custa de constante e laborioso trabalho dos Governos, não apenas exercido no sentido policial - indispensável, sem dúvida-, mas sobretudo naquele que efectivamente pode dar-lhe o carácter de espontaneidade, de hábito, de desejo de viver em paz consigo e com o próximo, produto, enfim, da acção global do Estado na tentativa de estabelecer condições de coexistência aceitável entre a massa infinita dos interesses públicos e privados, por meio de adequados meios de expansão e justa distribuição da sua utilidade social, reforçando, a par e passo, a vitalidade económica e cultural para que se consiga sempre mais e melhor.
No curto período de tempo que vai do encerramento da primeira sessão desta legislatura à abertura da segunda, o Governo chefiado por Marcelo Caetano, como já o havia feito anteriormente, desenvolveu um esforço notável. No âmbito da administração interna, ordeiramente imprimiu sensível celeridade às diligências, consultas e trâmites da vida administrativa.
A pesada máquina do Estado moveu-se mais agilmente e continuam em preparação, através da Reforma Administrativa, providências destinadas a melhorar sucessivamente a qualidade e o ritmo de trabalho dos seus vários departamentos, no empenho permanente e constante de adaptação às circunstâncias e às novas técnicas e métodos que vão surgindo.
E se tomou algumas medidas para as quais, dada a justiça dos interesses em causa, só era necessário arranjar disponibilidades, pois houve que os conseguir e, isso, todos estarão de acordo, não é fácil quando os recursos são parcos para pagar as despesas correntes e simultaneamente enfrentar as realizações que teremos de levar a efeito, se quisermos progredir rapidamente.
A par dessas, porém, outras tomou em variadíssimos sectores da Administração, de enorme alcance, corajosamente, espírito aberto ás oportunidades e às conveniências, mas também sempre atento nos imperativos decorrentes da solidariedade económica do espaço nacional, aos indissolúveis vínculos que ligam a comunidade portuguesa, à independência das decisões, sejam quais forem os problemas de ordem interna ou externa a considerar.
Para documentar a vasta acção desenvolvida bastar reparar nos comunicados aos órgãos de informação sobre as reuniões do Conselho de Ministros e nos comunicações do Presidente do Conselho ao País para o esclarecer acerca das tarefas do Governo, das quais desejaria citar as relativas nos projectos da revisão constitucional, da lei de imprensa e da liberdade religiosa, para se avaliar da enorme importância de que se revestem alguns deles.
Igualmente me parece oportuno um apontamento rápido sobre o significado da política económica dirigida aos grandes espaços, já suficientemente definida e esclarecida. Perante os condicionalismos da nossa situação geográfica, com territórios em diferentes estádios de evolução, espalhados por todos os continentes, afiguro-se-nos que essa política careceria de se determinar, como aconteceu, por certos denominadores comuns que nos consintam articular os interesses nacionais por forma a promover o desenvolvimento do Pais e, portanto, de cada uma dos suas parcelas, completando-se e apoiando-se umas às outras como um bloco, independentemente dos arranjos sectoriais impostos pela natureza das coisas e pelas necessidades do espaço nacional ou pelas contingências da estratégia a seguir, na certeza de que só assim conquistaremos no Mundo um lugar ao sol que não estaria ao alcance de qualquer delas separadamente.
Precisamos, para tanto, de conseguir, fora e dentro do País, mais largos mercados, sem hipotecas políticas ou dependências ideológicas, olhos postos apenas na defesa dos nossos interesses globais, pois a actividade comercial não é profissão de fé.
Mas isto significa também que o nosso progresso, seja qual for o quadro que se configure, seja qual for a linha externa visada, assenta essencialmente no esforço que formos capazes de desenvolver.
Ninguém espere progredir à custa da ajuda permanente de outrem ou de eternos tratamentos de favor, embora sejam preciosos e, em certas circunstâncias, justos os auxílios que se obtenham ou as posições que se consigam.
Efectivamente, não se poderia considerar tratamento equitativo, e por isso mesmo justo, aquele que ignorasse as substanciais diferenças de desenvolvimento económico e tecnológico entre os vários membros da comunidade europeia, aquele que estabelecesse o mesmo percurso a percorrer no mesmo tempo tanto para quem corre velozmente como para quem tenta os primeiros passos.
No fundo, porém, as muletas não substituem as penas. E preciso ser um parceiro válido.
Daí, como um todo homogéneo e solidário, ter o País de se preparar para acompanhar os movimentos da Cultura e da Técnica, da Economia e da Ciência, sem perda da personalidade, sem abdicar da sua fisionomia própria e do património adquirido à sombra de uma civilização que continua na vanguarda dos grandes ideais e dos grandes princípios por que sempre nos temos batido.
Nesta espécie de aggiornamento se estudam e procuram soluções de viabilidade normal entre a tradição e a evolução, a autoridade e a liberdade, o trabalho e o capital.
De resto, a conveniente linha de rumo, sumamente atenta à conjuntura actuou e às perspectivas do futuro, já foi lucidamente traçada pelo Presidente do Conselho em várias comunicações ao País, clarificando problemas que aqui ou ali teriam sido objecto de dúvidas ou aproveitados para as suscitar, linha de rumo amplamente focada, no domínio económico e financeiro, pelo Ministro Dias Rosas em recente conferência de imprensa e pelo
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Ministro do Ultramar na sua também recente visita a Moçambique.
Aqui mesmo, na tribuno desta Casa, ainda há pouco, o Presidente do Conselho quis dar-nos, com a sua habitual elevação, concisão e precisão, uma ideia clara de algumas das questões que teremos de encarar e solucionar, sem dúvida da mais alta importância, sem dúvida da maior projecção na vida nacional, numa evidente demonstração do espírito em que devem trabalhar e actuar os órgãos superiores do Estado, em que todos devemos trabalhar e actuar: colaboração, colaboração e sempre colaboração, deixando paro as alfurjas dos bastidores o execrável recurso às violências e as intrigas que tudo podem comprometer e nada resolvem.
Os ecos dessa memorável exposição com acento tónico no projecto de revisão da lei constitucional repercutiram-se por esse Mundo fora, tendo ficado perfeitamente esclarecido, interna e externamente, que as linhas mestras do edifício institucional português se mantêm praticamente inalteráveis.
Quanto ao mais, desenvolveu-se toda uma teoria de normas tendentes a aperfeiçoar o nosso sistema constitucional por forma a ajustá-lo às exigências de uma gerência governativa cada vez mais complexa e a permitir acompanhar os anseios da comunidade nacional e as suas aspirações de progresso e de paz cívica.
A autonomia das províncias ultramarinas, já consagrada na Constituição vigente e que de alguma maneira mergulha as suas raízes em passado distante, destina-se a assegurar-lhes a marcha corrente da administração publica em crescente e explosivo desenvolvimento, impondo por isso mesmo soluções apropriadas, sem que de nenhum modo tivesse ficado afectada a unidade da Nação e a plena soberania do Estado, conforme expressamente se estabeleceu.
Como outras pessoas colectivas de direito publico, as províncias ultramarinas carecem, de possuir um aparelho político, administrativo e financeiro capaz de responder às tarefas que têm de desempenhar no concerto do Estado unitário em que se integram, Estado unitário dividido, no nosso caso, em províncias, que, pela sua situação geográfica e meio social (expressões da actual Constituição), são dotadas de organização político-administrativa adequada a essas circunstâncias, como acontece também, por exemplo, na União Sul-Africana, na Itália, na Espanha e noutros Estados.
Os poderes políticos exercidos por essas regiões autónomas são delegados ou atribuídos pela Constituição do Estado de que façam parte ou até, nos termos por esta permitidos, pelos órgãos da soberania. Não possuem, portanto, poder político próprio, característica dominante dos Estados federais, que elaboram as suas próprias constituições.
Estamos assim, segundo o definem os tratadistas, como já estávamos, perante um Estado unitário descentralizado, cobertos pela mesma bandeira, pelos mesmos órgãos da soberania e intransigentemente dispostos, como foi dito pelo Presidente do Conselho, a não desistir da nossa política de fraternidade racial, a não renunciar ao intento de prosseguir na formação de sociedades multirraciais a manter um estatuto único para os portugueses de qualquer raça ou credo, princípios que traduzem a nossa maneira de estar no Mundo e moldam as nossas instituições político-administrativas.
Eis um aspecto concreto que ajudará também a dar entendimento correcto á «renovação na continuidade»: renova-se o que não resiste à inelutável erosão do tempo, o que não corresponda às prementes necessidades da evolução económica e social, e continuam-se os rumos do passado, próximo ou longínquo, chegados até nós e dirigidos ao futuro, naquelas zonas de pensamento e da acção marcadas pelos traços mais profundos da história portuguesa.
Ora, dentro destes propósitos, poderemos encarar confiadamente o porvir.
Pena é que, para além das tarefas de fundo em que o Governo está empenhado, em que o País está empenhado, haja ainda de se perder precioso tempo na luta contra a mentira e contra o boato, contra a subversão e a desordem, contra as meias verdades e as sugestões mais ou menos tendenciosas, provocadas pelo afã de deteriorar as energias de um povo que afinal luta no campo das ideias, como no campo de batalha, pelos valores mais caros à Humanidade.
E triste, mas é um facto.
Estou a lembrar-me da recente boataria sobre a desvalorização do escudo, da tendenciosa e malévola campanha levantada acerca da grande obra de Cabora Bassa, do que há pouco se passou na XXV Assembleia Geral das Nações Unidas, que um grande diário da República Federal da Alemanha comentou em termos alarmantes para a paz ao considerar a O. N. U. parcial e transformada pela sua numerosa maioria de Estados afro-asiáticos e comunistas num instrumento da 3.ª Guerra Mundial. E quanto às decisões tomadas sobre o «colonialismo», o mesmo diário chega à conclusão a que nós já chegáramos há muito e para a qual vínhamos reclamando as atenções gerais: o direito de os movimentos de libertação se servirem de todos os meios para o combater, clara e abertamente violador da letra e do espírito da Carta daquela Organização, só funciona contra o branco e ocidental, numa evidente e manifesta nova modalidade de discriminação racial.
Estou a lembrar-me das injustas, absurdas e criminosas atoardas sobre as intenções da nossa permanência em África, a despeito de também recentemente um antigo ministro britânico ter declarado que nenhum país conseguirá efectuar ali obra unais profícua do que Portugal e de um considerado órgão da imprensa diária italiana ter igualmente exaltado as nossas realizações africanas.
Estou a lembrar-me de tudo quanto seria bom esquecer, se não fora a premente e imperiosa necessidade de lutar contra todas as odiosas formas de ataque às instituições e às pessoas, para que não deixemos, como dizia a nota oficiosa publicada pela Presidência do Conselho a respeito da desvalorização do escudo, «que a boa fé de uns se iluda nem que a traição de outros tripudie».
Sr. Presidente: Pelo que respeita à política, externa, desejaria antes de mais sublinhar que os seus objectivos não se limitarão apenas á tomada de posição quando estejam em jogo interesses, refugiando-se em «piláticas» atitudes sempre que surgem problemas onde pareçam não estar envolvidos, ainda que relevantes pairai o bom entendimento entre os povos.
Ficou célebre o conceito expresso por um estadista europeu, ao afirmar que a sua pátria não tinha amigos nem inimigos, mas interesses a defender.
Ora, mesmo em sentido puramente realista, um sistema de relações, na ordem individual ou colectiva, interna ou externa, não visará somente interesses materiais, mas também a persecução de finalidades que tornem a convivência humana desejável, agradável e útil, baseada na equidade, na confiança e na amizade, até porque, em última análise, os interesses stricio scnsu, são apenas meios, entre outros, de Realizar os fins do homem.
Um qualquer sistema de convivência pacifica e colaborante terá de assentar necessariamente, em negras jurídicas ao abrigo das quais se sinta a confiança no direito mais do que na força. Todos os Estados serão tributários
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dessas regias e todos lhes deverão obediência, condições sine qua non para o estabelecimento ide unia paz duradoura. Na esfera dos princípios será assim, mas, na prática, a vida de relação sobre os povos decorre, infelizmente, como já acentuei, em termos bem diversos.
Os conflitos ou são resolvidos pelo poderio dos mais fortes ou pela lei do número e, num caso ou noutro, só por mera coincidência se observam as normas justas que lhes deveriam ser aplicadas e, quando o são, não se acatam. Temos disso dolorosa experiência.
Povo amante da paz, Portugal tem, evidentemente, o maior respeito pela Organização encarregada de velar pela solução pacífica dos conflitos internacionais.
Mas é em absoluto inaceitável que, contra a letra e espírito da Carta que a instituiu, funcione como partido político, dispondo de uma maioria, a que já não é estranha a cor da pele, sempre pronta a usar os postos que ocupa como tribuna de propaganda ideológica e, quantas vezes, de agitação social.
Ora, nós reagiremos energicamente contra a tentação de nos pretenderem utilizar como bode expiatório ou moeda de troca para saldar dívidas que não contraímos. E também nos desagrada e ofende servir de pretexto para se desviarem as atenções de problemas susceptíveis efectivamente de conduzir à guerra, ou tendentes a resolver dificuldades internas em países, alguns dos quais são santuários do terrorismo que assola os vizinhos com a sua ajuda.
Estou a recordar os acontecimentos ultimamente ocorridos na República da Guiné, de que se pretendeu imputar-nos a responsabilidade e que, provavelmente, como na fábula do cordeiro e do lobo, nos hão-de ainda atribuir, de qualquer maneira, imaginárias culpas.
Estranhos critérios estes que zelam e defendem com grande fervor a disciplina social e o modo de ser e de viver em certas latitudes e provocam abertamente a indisciplina e a revolta noutras, sem curar de saber onde está a razão e muito menos o que pensam a tal respeito as populações interessadas.
Nações poderosas ou grupos de nações pretendem impor, com efeito, os seus conceitos doutrinários, levando no lastro zonas de influência económica e política.
Viver segundo as crenças, os sentimentos, as concepções que informam a civilização, ou, se quiserem, certo tipo de civilização, todavia, a mais universal, está-se tornando contingente e difícil perante os padrões de vida que essas potências se julgam predestinadas a exportar «paternalmente» para todo o mundo na bagagem de um imperialismo ideológico intimamente ligado aos seus interesses de expansão noutros domínios.
E tudo isto se defende e se pratica em nome da paz e da felicidade dos povos. E, uma vez conseguidos os fins, o paternalismo sai pela janela e entram pela porta os pesados encargos materiais, morais e espirituais de tão estranhas e extravagantes intervenções. E então há que pagar e voltar a refazer uma pátria, quantas vezes feita em frangalhos, se para tanto restar ainda alguma coragem.
Pois bem, num mundo assim são difíceis e instáveis as relações entre os povos, pois que a própria noção e a natureza do interesse são também instáveis e variáveis como o vento.
Mais difíceis ainda para aqueles que não tendo poderio militar pouco contam na balança que não oscila ao peso de outros valores. Mas ainda mais difíceis para os que durante a sua existência lutaram desesperadamente por outros estilos de vida.
Não raro estes povos parecem ficar isolados no meio da avalancha de um feroz e desumano utilitarismo, de
doentias liberdades de erotismo alucinantes, de novidades pseudo-inteflectuais, incapazes de pactuar com o que é novo, só porque é novo, de vestir farpelas de cordeiro para esconder a pele do lobo, de despir, hábitos de moderação e de temperança, só porque não estão na moda.
Crises agudas daquilo que, esperemos em Deus, sejam passageiras metamorfoses.
Temos, entretanto, atravessado uma época tormentosa, porque nos recusamos a mudar de figurino quando não represente mais do que o deletério manto com que se esconde a realidade do corpo social da Nação, sofrendo, por isso, estòicamente as violentas contestações que desabam sobre os princípios que defendemos e cuja perenidade não discutimos.
Pareceria que nos encontrávamos isolados do exterior, não por culpa nossa, mas por circunstâncias bem alheias à nossa vontade.
Mas as aparências passam e as realidades acabam por se impor. E foi assim que Marcelo Caetano abriu de par em par as portas da velha casa lusitana à alta hierarquia da diplomacia mundial.
Abriu-lhes as portas, porque abertos estavam já os corações desde os alvores da nacionalidade para o trato amistoso com povos e nações de toda a Terra. Por Lisboa passaram chefes de governo, ministros de algumas e poderosas nações, uma vizinhas, outras irmãs pelo sangue e pela cultura, longínquas outras, mas próximas de nós pela compreensão dos problemas mundiais e daqueles que mais de perto nos tocam. E só não nos quererá visitar quem nega aos outros o que exige para si: a integridade territorial da nação e a plena independência do Estado, limitada embora pelo direito e pela moral.
Por seu lado, o Presidente do Conselho tinha-se deslocado já à América do Norte, ao Brasil e à Espanha, traduzindo ali brilhantemente as esperanças de todos os portugueses para que sejam cada vez mais profícuas as relações de amizade que nos animam.
E o Ministro dos Negócios Estrangeiros, Dr. Rui Patrício, voou até à América, ao Luxemburgo, Japão e Tailândia, reavivando convívios que nestas remotas paragens iniciámos em meados do século XVI. E outros membros do Governo têm ido a vários países com a mesma mensagem de paz e amizade, mas também procurando imprimir uma orientação prática às relações bilaterais sem nunca esquecer os conceitos superiores que presidem ou devem presidir à convivência entre os Estados, pessoas e bens.
Entretanto, o Sr. Presidente da República oferecia mais uma vez, urbi et orbi, o exemplo flagrante da nossa indestrutível unidade política, passeando por entre as populações de S. Tomé e Príncipe com a mesma segurança e recebendo as mesmas manifestações de carinho e entusiasmo com que é recebido em qualquer outra província do continente ou do ultramar.
Não fora a profunda mágoa que nos deixou a atitude do Vaticano a propósito da audiência concedida aos fautores das guerrilhas da Guiné, Angola e Moçambique, poderíamos marcar só com pedras brancas este período da nossa actividade diplomática. E se é certo que nenhuma incompreensão chegou a existir entre a igreja católica e Portugal, se nos sensibilizaram as palavras do Santo Padre quando em Agosto findo recebeu a Tuna Académica da Universidade de Coimbra, invocando nessa altura «o sempre querido Portugal, de nobre tradição cristã e de fidelidade à Sé Apostólica», por mais que exijamos da nossa credibilidade de nação fidelíssima, é-nos difícil deixar de sentir grande desgosto perante o estranho e inaudito facto de no Vaticano terem sido acolhidos autores de crimes comuns, traidores de lesa-
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pátria, comunistas confessos e, como tais, inimigos irredutíveis da igreja católica.
E estes sentimentos de mágoa e desgosto mais se afirmam e avolumam AO considerar que n maior perturbação recaiu sobre a própria Igreja, ameaçada já por tantas heresias; sobre a Igreja que assistiu no nosso nascimento, que dilatamos por toda a Terra e que sempre fidelíssimamente temos seguido.
Parece que, nas andanças deste Mundo, a fidelidade, a amizade, a identidade de cultura e de interesses, os próprias relações de vizinhança, com todas as suas implicações políticas e económicas, nem sempre serão compreendidas em termos de nos dispensar de pautar o nosso procedimento pelos prudentes e avisados cânones que melhor nos defendem, sempre dispostos a seguir lealmente os rumos acordados e reciprocamente aceites, mas também sempre prontos a responder taco a taco aos desvios inocentes ou maliciosos que surjam, alguns possivelmente sem intenções reservadas, outros verdadeiramente imprevisíveis, surpreendentes e inexplicáveis.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: - Apenas mais algumas palavras para exprimir um sentimento que julgo generalizado nesta Câmara.
O Governo de Marcelo Caetano tem em mãos ciclópicos trabalhos. Todos os governos porventura os terão, pois governar é fardo cada vez mais pesado.
Julgo, porém, que enquanto nos mantivermos unidos à volta da mesma lareira, trabalhando e colaborando, discutindo, embora, mas disciplinadamente agindo na nossa vida pública e privada; enquanto aquém e além-mar continuarmos a dar provas da nossa indestrutível coesão, da nossa vitalidade, perseverança e pujança de ideial cristão, Marcelo Caetano, estadista eminente e probo, formado no culto, intensamente entendido e vivido, da trilogia sagrada Deus, Pátria e Família -, sentirá mais leve o peso dos ciclópicos trabalhos que caíram sobre os seus ombros, e Portugal oferecerá aos seus filhos novos caminhos de maior prosperidade, e aos outros povos, a certeza de uma convivência ditada pela boa fé, pela fidelidade à palavra dada e pela intenção de criar condições sempre mais favoráveis ao desenvolvimento e à permuta dos valores da cultura e da riqueza.
Vozes: - Muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Casal Ribeiro: - Quando na, sessão do passado dia 3 V. Ex.ª pôs a votação a proposta do Sr. Deputado Oliveira Dias, eu fui singularizado como único discordante da moção aprovada.
Para que n minha atitude, livre como todas as que se tomam nesta Assembleia, se não atribua significado que não teve, desejo dizer o seguinte:
V. Ex.ª, Sr. Presidente, formulou várias considerações sobre a proposta e acabou por dizer que «os Deputados que se encontravam de acordo com a moção se deixassem estar sentados e os que não estavam ou não se consideravam esclarecidos se levantassem». Levantou-se o Sr. Deputado Alberto de Meireles, segundo creio não por estar em desacordo ou não estar habilitado, mas apenas desejar uns minutos «para todos reflectirem no assunto».
E levantei-me eu, confesso humildemente, por não estar, de facto, habilitado a pronunciar-me, conforme, aliás, julguei V. Ex.ª sugerir.
Não quero de forma alguma afirmar com esta explicação que, se estivesse realmente habilitado, votasse a moção do Sr. Deputado Oliveira Dias, mus, emboora o lamente, por ter sido o único a que não estava mesmo habilitado!
Portanto, o Deputado Casal-Bibeiro, que apenas tem a virtude de ser coerente consigo mesmo e verdadeiro em todos os actos da sua vida, não votou contra a moção; nem contra o seu significado; nem contra o estreitamento das relações internacionais; nem contra o Mercado Comum; nem contra a Europa!
Levantei-me, Sr. Presidente, repito, porque entendi que num assunto daquela transcendência não se deveria votar realmente sem se estar habilitado para tanto; e eu não estava.
Sempre assumi inteira responsabilidade do que faço e do que digo, mas apenas disso. Essa linha de rumo desejo continuar a seguir, e, daí, esta declaração.
O orador foi cumprimentado.
O Sr. Roboredo e Silva: - Sr. Presidente: Pedi a palavra apenas para não ser injusto e para, possivelmente, esclarecer melhor a Câmara á respeito de uma interrupção que na última sessão de sexta-feira da semana passada o Sr. Deputado Cancella de Abreu me permitiu que lhe fizesse durante o seu discurso sobre problemas da província de Cabo Verde, que recentemente tinha visitado.
E que no meu aparte, que tinha de ser rápido - que devia ter eido rápido e até com a preocupação de não ser extenso, conforme a doutrina expendida por V. Ex.ª, e mesmo nesse dia assim o indicou - , eu omiti que u marinha tinha tomado posse de uma instalação de reparações de embarcações que era particular e cuja concessão tinha terminado, instalações extraordinariamente rudimentares e obsoletas, para as transformar numas oficinas navais modernas e eficientes e que pôde fazê-lo - e isto é que é importante - graças as facilidades e ao apoio financeiro que lhe foram concedidos pelo Ministério do Ultramar, pelo Departamento de Defesa Nacional e pelo Governo da província da Cabo Verde então distintamente exercido pelo comandante Sacramento Monteiro, que deu todo o seu entusiasmo e espírito de decisão a solução que foi encontrada.
Finalizaria ainda dizendo que o decreto-lei que criou os oficinas navais de Cabo Verde prevê que. terminado o equipamento dos oficinas e restituídas as verbas de financiamento que lhe foram concedidas, os lucros líquidos, apurados anualmente pelas oficinas navais, pertencerão em partes iguais à província de Cabo Verde e ao desenvolvimento assistencial e social dos operários que trabalham no estaleiro.
Muito obrigado, Sr. Presidente. O orador foi cumprimentado.
O Sr. Leal de Oliveira: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Das atribuições que competem à Assembleia Nacional por força de Constituição Política da República ressalta, pelo importância que apresento, o n.º 2.º do artigo 91.º, ou seja a obrigação de:
Vigiar o cumprimento da Constituição e das leis e apreciar as actos do Governo ou da Administração.
Obriguei-me, consequentemente, junto do eleitorado algarvio, e fazê-lo na forma de crítica construtiva ou de aplauso estimulante.
Tenho a consciência de ter cumprido na primeira, sessão legislativa o que prometi.
Com efeito, critiquei e elogiei o Governo e a Administração sempre que considerei oportuno.
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Irei manter nesta sessão legislativa a mesma conduta, mas será óbvio afirmar a VV. Ex.ªs que calarão profundamente no meu coração os intervenções laudatórias.
Não deixarei, no entanto, de continuar a criticar, sem espírito contestativo, os Poderes Públicos, sempre que necessário, mas debaixo da firme convicção de que as faltas e insuficiências apontadas são, essencialmente, devidas ao intenso trabalho que o Governo está empenhado para a prossecução de um Estado Social bem alicerçado, que permita a todos os portugueses a sua realização como homens.
É, portanto, com prazer que hoje afirmo a VV. Ex.ª o meu agrado pela recente promulgação do Decreto-Lei n.º 420/70, que condiciona a produção, o tráfico e o uso de estupefacientes.
com prazer que louvo o Governo da Nação, na pessoa de S. Ex.ª o Sr. Ministro da Justiça, pela promulgação de medidas tão oportunas e necessárias.
Grassa por todo o Mundo, mas com larga incidência nos países ocidentais, e, nestes, entre os mais evoluídos tecnològicamente, a degradação moral e física originada pela droga na juventude que, estupefacta pelo panorama que a cerca, herdado de gerações antecessoras, e sem forças morais suficientes que lhe permitam luta viril e saneadora da realidade que não compreende, procura na evasão, no sonho, na morte psíquica, um caminho efèmeramente mais fácil e sedutor.
Não valerá a pena apontar a VV. Ex.ªs as causas provocadoras do actual estado de coisas. Fácil é encontrar na literatura especializada dos foros psiquiátrico e sociológico teorias explicativas do fenómeno.
Mas julgo conveniente realçar a VV. Ex.ªs alguns factos e afirmações que só por si mostram a acuidade do problema e, portanto, o interesse do diploma citado.
Segundo o Presidente Nixon, em 1969 «mais de 8 milhões de americanos consumiam a marijuana e 180 000 deram-se n heroina. A terça parte dos estudantes fuma o haxixe e 16 por cento dos universitários encontram-se viciados pela droga.»
Em França o problema começa também a ter forte acuidade, pois só em Paris, afirma-se, existem. «50 000 toxicómanos, principalmente entre a juventude».
Sua Santidade Paulo VI, atento aos fenómenos mundiais que afectam a humanidade, lançou recentemente um apelo público para que seja intensificada a luta contra as drogas, que considera como «um dos maiores flagelos do nosso tempo».
Finalmente, em Portugal é o próprio Presidente da República, o mais alto magistrado da Nação, a quem apresento as minhas sinceras homenagens, que levanta a sua voz, altamente qualificada e venerada, chamando a atenção de toda a Nação, de todo o Ocidente, pana a insidiosa doença dos sociedades modernas - as toxicomanias.
Na sua mensagem do Natal de 1969, Sua, Excelência considera as drogas com que a humanidade está sendo fortemente envenenada como um excelente veículo de corrupção dos costumes e da integridade física.
O Sr. Delfino Ribeiro: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Com certeza.
O Sr. Delfino Ribeiro: - Eu venho acompanhando com a máxima atenção a oportuna exposição de V. Ex.ª, não só pelo elevado interesse do assunto, como também poise tratar de matéria de quê, por dever profissional ou de ofício e também por devoção, me procurei inteirar.
Sou consultor, e creio que o único consultor português, do Instituto for the Study of Traffication, organismo internacional, com sede em Nova Iorque, que se dedica ao estudo da toxicomania, e ainda co-autor do projecto do Decreto n.º 46 361, de 8 de Junho de 1965, regulador em Macau do comércio, uso e detenção de estupefacientes, tendo participado em duas reuniões internacionais sobre n primeira edição dos crimes resultantes do tráfego e com ele conexos. Durante nove anos e meio, ou mais precisamente até anteontem, visto que tomei posse do lugar de notário da comarca de Macau, estive na referida província à testa da Polícia Judiciária, em cuja competência exclusiva se inferem os crimes respeitantes ao tráfego de estupefacientes. E, por inerência de funções, exerci o cargo de juiz do Tribunal de Polícia, a quem compete julgar os casos de flagrante delito concernentes ao consumo, e de vogal nato do Centro de Combate à Toxicomania, organismo que, reunindo e coordenando os esforços dos departamentos públicos provinciais na luta contra a toxicomania, dirigi durante uns anos, período em que se criou na ilha de Coloane um aldeamento de reabilitação para toxicómanos, o primeiro no género em todo o Mundo.
A despeito de apenas haver tomado contacto com a panorâmica metropolitana através da leitura do intróito do Decreto-Lei n.º 420/70, julgo que toda esta experiência de vida me habilita, de certo modo. a fazer coro com V. Ex.ª, registando com prazer a entrada em vigor da medida legislativa ora em foco.
Conhecedor das misérias humanas e das múltiplas, profundas e complexas implicações de ordem social e moral inerentes ao consumo e ao tráfego de narcóticos, nome que felizmente em Macau deixou de assumir foros de gravidade, faço votos ardentes que esse tão grande mal, que parece querer alastrar por todo o Mundo, nunca chegue a bater aqui às portas, ou, pelo menos, com a intensidade e a incidência de que é capaz. Com efeito, raros são os casos em que. uma vez adquirido o vicio, se consegue uma cura completa, registando as estatísticas que a recaída entre os toxicómanos roça pela casa dos 98 por cento, nomeadamente quanto ao consumo de ópio e seus derivados - morfina e heroína -, cujo poder toxicomanístico chega a ser, salvo erro, 60 a 100 vezes superior ao ópio.
Deus livre, portanto, o nosso país desse flagelo. O Decreto-Lei n.º 420/70 é assim de louvar, pela consciência que demonstra possuir da gravidade do problema e pelo alcance preventivo e também repressivo do contexto.
Muito agradecido a V. Ex.ª
O Orador: - Sr. Deputado, prezado colega, agradeço imenso as suas palavras, porque V. Ex.ª elevou ou permitiu-se elevar e dignificar uma intervenção que era modesta, porque estava sendo feita por mim.
Muito obrigado.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Graças a Deus, em Portugal não houve aumento considerável dos grandes toxicomanias, segundo afirmou, em recente congresso realizado em Turim, o presidente da Liga de Higiene Mental, ilustre médico psiquiátrico, Dr. Fragoso Mendes.
Por tal razão, creio que a aplicação das recentes disposições governamentais - Decreto-Lei n.º 420/70 - deverá evitar que os focos existentes não progridam e não se transformem em perigosos e irreversíveis surtos epidémicos.
Besta-me, para finalizar e verdadeiramente convicto do interesse das medidas promulgadas, chamar a atenção do Governo, a quem mais uma vez agradeço a publicação do Decreto-Lei n.º 420/70, para a necessidade da adaptação dos serviços existentes ou da criação de novos deporta-
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mentos que possibilitem uma aplicação prática e eficiente do referido decreto-lei.
Só assim os desejos do Governo, expressos no diploma 420/70 e que representam uma necessidade vital da Nação, serão uma realidade positiva e não, pelo contrário, como infelizmente, por vezes, acontece, venham a dormir, por falta de organização ou de meios, o sono da impotência.
Tenho dito.
O orador foi cumprimentado.
O Sr. Delfino Ribeiro: - Sr. Presidente: Vão para V. Ex.ª os meus cumprimentos de admiração e respeito pela elevação com que tem dirigido esta Assembleia. Mais aproveito a oportunidade paru saudar todos os Srs. Deputados, de quem venho recebendo simpatia e compreensão.
Move-me hoje o propósito de realçai- alguns acontecimentos recentemente ocorridos que, por merecerem registo nos unais da já longa existência de Macau, devo trazer ao conhecimento desta Casa.
Após u mu estada de trabalho em Timor, passou pela cidade do Santo Nome de Deus S. Ex.ª o Subsecretário de Estado da Administração Ultramarina, comandante Ledo Rosado do Sacramento Monteiro.
A despeito de parcas horas, a ilustre presença deste membro do Governo não só representou uma romagem de saudade pelos laços de afeição e matrimónio que o ligam aquela terra, como também constituiu motivo de satisfação para os que conviveram e criaram relações de amizade com o então jovem oficial da Armada.
Mas o que importa frisar é o interesse que sempre desperta e o largo alcance de que se reveste a ida ao ultramar de governantes directamente responsáveis pelos seus destinos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Por isso mesmo, Macau acolheu, gruta e desvanecida, o comandante Sacramento Monteiro, na fundada esperança de que outras visitas se seguirão com periodicidade e maior permanência, convencida como está de que, deste modo, mediante vivência pessoal dos condicional vimos ambientais, mais facilmente se encaram problemas e se atingem soluções definitivas com a celeridade que os tempos actuais reclamam.
Outro facto a assimilar é o decreto eme renova o mandato de S. Ex.ª o General José Manual de Sousa e Faro Nobre de Carvalho no cargo de governador.
Embora aguardada, trouxe tal notícia regozijo a toda a população, chinesa e portuguesa.
E justificadamente, porque, num dos períodos mais conturbados da sua história, encontrou a província um diplomata, mato que, aliando o sentido prático, larga visão e autodomínio a competência, no espírito de sacrifício e ao desejo de bem servir, logrou superior crise, traçado e executando os planos que conduziram à sua recuperação
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Não cabe nos limites desta intervenção, que pretende ser breve, uma súmula da obra produzida.
Macau, que muitos viam à porta de uma depressão irreparável, novamente respira vitalidade e fé no seu crescente progresso espiritual, social e material.
A recondução de S. Ex.ª general Nobre de Carvalho significa pois o reconhecimento e apreço do Governo Central pede sua comprovada capacidade administrativa e, acima disso, que Macau continuará a ser dirigida, como deseja, por quem soube ganhar a sua confiança e impor-se ao seu respeito e consideração.
E também garante aos desprotegidos da sorte o desvelo e constante amparo da Exmo. Sr.ª D. Julieta Nobre de Carvalho, que, fiel às tradicionais virtudes da mulher portuguesa, devotadamente se dedica na esfera de acção da Obra das Mães, H que preside, e ainda fora tabela a minorar os males do infortúnio alheio, desta forma completando a árdua tarefa do primeiro magistrado da província.
Finalmente, uma palavra a propósito da Exposição Mundial de Ósaca. Num acontecimento de repercussão internacional, tendo como tema «Progresso e harmonia ao serviço da Humanidade», não poderia estar ausente o País, que, na vanguarda do estabelecimento e estreitamento das relações entre a Europa e a Ásia, moldou durante mais de um século a vida japonesa, enriquecendo-a no domínio das ciências, artes e letras. Em Rua representação havia também que recordar o velho centro dos mares da China, que, a missionar u a mercadejar, tanto concorreu pura assegurar e impulsionar aquela corrente civilizadora de humanitarismo e cultura. Macau orgulhou-se com u inclusão do seu governador na embaixada portuguesa àquela metrópole industrial nipónica, porque, embora os tempos sejam hoje outros, permanece, como outrora, um dos fachos espirituais do Ocidente luzindo no Oriente.
Tenho dito.
O orador cumprimentado.
O Sr. Eleutério de Aguiar: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao retomar a palavra nesta Câmara, seja-me permitido endereçar a V. Ex.ª, Sr. Presidente, palavras de muita estima e elevada consideração pela forma superior como vem dirigindo os nossos trabalhos. Se é insofismável que ao País se apresentou nesta legislatura uma Assembleia nova, entendo que V. Ex.ª é um dos grandes responsáveis por tão consoladora realidade, que é sobretudo motivo de fundamentada esperança no efectivo desempenho do mandato que pelo povo nos foi outorgado.
Para que o País mais facilmente se pudesse aperceber desse facto muito contribuiu a acção da imprensa, que desde a primeira hora nos tem acompanhado. Faço esta simples referência, por ser grata ao meu espírito e também, porque estamos em vésperas de legislar sobre a sua actividade, que só poderá ser absolutamente responsável, se o quando verdadeiramente livre.
Desejo, ainda, solidarizar-me com os sentimentos aqui expressos pelos infaustos sucessos que enlutaram o País durante o interregno parlamentar, desde a morte trágica dos nossos colegas em terras da Guiné ao passamento desse português de lei que foi o Deputado António Covas Lima, e recordando, também de forma especial, a figura do Prof. António de Oliveira Salazar, cuja personalidade singular continua, como temos visto, a influenciar o rumo do nosso futuro histórico.
Sr. Presidente: No estilo de governo do Prof. Marcelo Caetano não constitui acontecimento especial a presença de ministros em quaisquer pontos do País, desde as cidades e regiões mais desenvolvidas às pobres aldeias tão carecidas de estruturas que favoreçam a conquista do bem-estar das respectivas populações. Porque se tornaram prática comum, deixaram essas visitas de causar impacte sobre os povos, mas nem por isso perderam em significado e interesse, na medida em que, sem as pompas tradicionais, os necessidades ressaltam a vista e ganha-se tempo precioso para o estudo dos problemas e a busca atenta das soluções que os mesmos exigem.
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O contacto directo com as terras e as gentes, em boa hora iniciado pelo próprio Chefe do Governo, e prosseguido sem desfalecimentos por ele e pelos seus mais directos colaboradores, tem trazido ao País reais benefícios e já ninguém admite que possa deixar de ser uma constante da vida nacional.
No encerramento da Assembleia, foi a Madeira visitada por vários membros do Governo e até o venerando Chefe do Estado nos honrou com a sua presença, quando da viagem a S. Tomé e Príncipe. Sem desmerecer das demais, temo a liberdade de salientar a visita conjunta dos titulares das pastas da Defesa Nacional e das Obras Públicas, realizada em fins de Outubro ao fim de presidirem à inauguração do quartel do Batalhão Independente de Infantaria n.º 19, obra da maior importância, se entendermos às exigências da presente conjunta, no que respeita à preparação dos nossos soldados.
Na cerimónia então realizadas, fizeram-se afirmações que transcenderam a circunstância, no âmbito de mais estreita colaboração entre os ministérios militares e o das Obras Públicas. Evidenciou-se a de que «a engenharia militar poderá auxiliar nos trabalhos de estradas que se efectuarem em vários concelhos, contribuindo com trabalho do seu pessoal e até de algumas máquinas, em regime a combinar. Transformar-se-á, assim, em maior utilidade, o trabalho de instrução dos nossos soldados e graduados, o trabalho de instrução dos nossos soldados e graduados, que passarão a abrir estradas novas e treinar-se para a sua abertura no ultramar». Estas palavras do Ministro, general Sá Viana Rebelo, revestem-se de inegável oportunidade, até porque cada vez são mais funestas as consequências da falta de mão-de-obra.
Por outro lado, atendendo-se à dificuldade de instalações com que se debatem vários serviços públicos do distrito, de forma endémica relativamente a estabelecimentos de educação, propõe-se à consideração superior o estudo da viabilidade da utilização dos edifícios militares, à medida da sua transferência para novas construções.
Na mesma ocasião, o Ministro Rui Sanches afirmou, nomeadamente, que «é preciso imprimir um ritmo cada vez mais intenso às nossas realizações e à execução das nossas obras. Esta época não se compadece com imobilismos de qualquer espécie, com ronceirice na execução das tarefas que se dirigem ao bem comum [...] Quer no plano das grandes infra-estruturas, sejam portuárias, sejam rodoviárias ou aeronáuticas, quer no plano dos melhoramentos locais, no plano dos empreendimentos turísticos ou na exploração das suas riquezas naturais, os meus votos são os de que tudo se processe no ritmo desejado - depressa e bem! - e nisso pode a Madeira contar com o Ministério das Obras Públicas».
Pois achei que devia repetir essas palavras de ordem nesta Câmara, porquanto vêm de encontro aos anseios das populações do distrito e ganham particular ressonância, na justa medida em que dependem precisamente dos Ministérios dos Obras Públicas e das Comunicações alguns dos mais instantes problemas que afectam o desenvolvimento do arquipélago e que já se arrastam há largos anos: os portos da Madeira e do Porto Santo, o hospital regional, o aeroporto, a rede rodoviária, a urbanização, com uma política habitacional cada vez mais urgente, o abastecimento de água potável, a construção de edifícios escolares, etc., exigem, efectivamente, soluções rápidas e boas, de acordo com o ritmo da época que vivemos o as exigências dos tempos mais próximos futuros.
Amplamente deficitários nos aspectos enunciados, os Madeirenses contam com os Ministérios das Obras Publicou e das Comunicações e confiam nas palavras do seu
titular, sem esquecerem a feliz circunstância, já aqui acentuada, de numa Secretaria de Estado estar o engenheiro Pinto Eliseu, homem de acção e conhecedor profundo de todas as nossas lacunas.
No que respeita ao aeroporto, abundam as opiniões divergentes, e o mínimo que se pode exigir é um esclarecimento formal da entidade mais competente acerca da possibilidade ou incapacidade da actual pista de Santa Catarina para receber o tráfego previsto nas estimativas, que anunciam 400 000 turistas para 1975. O actual Hospital dos Marmeleiros carece de melhoramentos para poder funcionar paralelamente com o regional, pois a capacidade deste não bastará às necessidades. E quando se tem presente o déficit de camas existente, com n média diária de. doentes internados, que é de 517, a ultrapassar largamente a sua capacidade, que é de 400, conforme se lê no ultimo relatório da instituição, e o naturalmente reduzido número de dias de hospitalização, fica-se necessàriamente alarmado perante demoras na conclusão do novo hospital, demoras essas nem sempre justificáveis, a não ser com a tal ronceirice a que aludiu o próprio Ministro.
Sr. Presidente: Ainda no interregno parlamentar realizaram-se no Funchal e em Ponta Delgada reuniões para estudo da revisão do Estatuto dos Distritos Autónomos, tis quais tiveram a presença dos respectivos governadores e Deputados, além de outras entidades responsáveis, e que foram largamente participadas, em especial na fase final dos trabalhos. Pelo alto interesse que o assunto reveste para a vida das populações insulares, desta tribuna se apela para o Governo, a fim de que, com a oportunidade julgada mais conveniente, sejam introduzidas no Estatuto as necessárias alterações.
Seja-me permitido salientar um dos aspectos focados nas conclusões que oportunamente foram apresentadas ao Governo, qual é o de se concederem melhorias nos vencimentos e situações de todos os que trabalham nas ilhas adjacentes, sem quaisquer discriminações, para se compensar a alta do custo de vida. Trata-se, aliás, de generalizar um principio adoptado por vários serviços oficiais, como aqui já referi, acabando-se com a série de disposições discriminatórias e legislando-se de uma só vez, por forma a beneficiar todos, como deve ser apanágio de um Estado que se pretende social.
Tais disposições, a que vulgarmente se chama legislação especial sobre subsídios de residência, dizem respeito a servidores de vários Ministérios, e entre elas contam-se as seguintes:
Ministério do Interior - Decreto-Lei n.º 36 454, de 4 de Agosto de 1947 (25 e 20 por cento do vencimento, aplicável aos funcionários do quadro geral administrativo da Direcção-geral de Administração Política e Civil destacados as ilhas) e Decreto-Lei n.º 46 798, de 80 de Dezembro de 1965 (30 por cento do vencimento, aplicável aos funcionários da Câmara Municipal de Vila do Porto e Junta Geral de Ponta Delgada e serviços do Estado colocados na ilha de Santa Maria):
Ministério das Finanças - Decreto-Lei n.º 38 477, de 29 de Outubro de 1951 (em terço do vencimento, aplicável aos funcionários colocados na ilha de Santa Maria). Decreto-Lei n.º 47 939, de 15 de Setembro de 1967 (um terço do vencimento, aplicável ao pessoal colocado em Porto Santo), Decreto-lei n.º 48 405, de 29 de Maio de 1968, e despacho da Direcção-geral das Contribuições e Impostos, de 6 de Junho de 1968 (20 por cento para o concelho do Funchal e 15 por cento para os res-
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tantes concelhos da ilha da Madeira e das ilhas dos Açores, mantendo-se o que já estava legislado para Santa Maria e Porto Santo):
Ministério das Obras Públicas - Decreto-Lei n.º 44 109, de 21 de Dezembro de 1961 (30 por cento e 15 por cento do vencimento, aplicável aos funcionários do Ministério destacados nos arquipélagos da Madeira e dos Açores);
Ministério das Comunicações - Decreto-Lei n.º 38 921, de 19 de Setembro de 1952 (15 por cento, um terço e metade do vencimento, aplicável ao pessoal da Direcção-Geral da Aeronáutica Civil em serviço nos Aeroportos de Santana, Santa Maria e Sal, respectivamente), Decreto-Lei n.º 43 485, de 25 de Janeiro de 1961 (um terço e 15 por cento do vencimento, aplicável ao pessoal da Direcção-Geral da Aeronáutica Civil e Serviço Meteorológico Nacional em serviço nos [Aeroportos de Porto Santo e do Funchal) e Decreto-Lei n.º 46897, de 10 de Março de 1966 (um terço do vencimento, aplicável ao pessoal da Junta Autónoma dos Portos, recrutado no continente e colocado em Porto Santo, Santa Maria e Vila da Praia da Vitória, e 15 por cento nas restantes).
Sabemos que outros serviços concedem regalias aos seus funcionários, mas não conseguimos apurar a respectiva legislação, talvez porque ciosamente guardada. Infelizmente, há quem não compreenda o objectivo que nos move. Pretende-se unicamente a generalização, e não o corte dos subsídios já concedidos, pois são difíceis para todos as condições de vida nos distritos insulares.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vou seguidamente referir-me ao último ponto do meu trabalho, o qual diz respeito à lei da livre circulação de mercadorias nacionais nu nacionalizadas entre o continente e as ilhas adjacentes, sob os melhores auspícios debatida e aprovada nesta Câmara e que veio a ser publicada, sob o n.º 5/70, em 6 de Junho último. Porque ainda está bem presente no espírito de todos, abstenho-me de entrar em longa pormenorização e passarei directamente ao assunto que me interessa focar.
Quer na proposta governamental, quer nos pareceres da Câmara Corporativa e da nossa Comissão de Economia, quer no debate que aqui se produziu, ficou claramente expresso o propósito de se promover o desenvolvimento sócio-económico das populações insulares, pelo estabelecimento de medidas tendentes a unidade económica do espaço metropolitano do território nacional, na convicção de que regimes tributários especiais não devem ocasionar condições discriminatórias, só se aceitando a liberalização nos dois sentidos, isto é, tanto em relação aos produtos originários do continente, como aos das ilhas.
Aconteceu, porém, que, por falta dos «esforços convergentes» então largamente enunciados, não se criaram essas condições. Tendo ficado estabelecido na própria lei que o Ministério das Finanças tomaria as providências administrativas e financeiras indispensáveis a sua perfeita execução, as autarquias insulares e os organismos de saúde e assistência vêem-se ainda privados das verbas que provinham das taxas cobradas nas alfândegas. A título exemplificativo, citarei que a Comissão Distrital de Assistência do Funchal, por não ter sido regulamentada a distribuição da receita proveniente do imposto de consumo sobre tabacos, deliberou, como medida de emergência, pagar apenas 50 por cento dos subsídios de cooperação que vinha concedendo a diversas instituições a partir do mês de Junho a fácil calcular as consequências de tilo drástica medida na acção desenvolvida pelas instituições afectadas, que dia a dia vêem aumentar os seus encargos. Uma delas conhecemos nós - o Abrigo Infantil de Nossa Senhora da Conceição -, por sinal a única que no distrito admite menores de ambos os sexos e que por dificuldades financeiras diminuíra já para 75 o número de crianças internadas, que havia sido de 106 no ano lectivo transacto, e à qual a redução do subsídio, se não for encontrada urgentemente outra solução, obrigará a sacrificar mais 30 menores, que, pela primeira vez na vida, nesse internato conheceram o conforto e o ambiente moral propícios à sua integral formação.
Uma das grandes esperanças das populações insulares era o impacte favorável sobre o custo de vida, pois a nova lei teria naturalmente de ocasionar uma baixa geral de preços nos mercados locais. Nova frustração. A vários meses da sua entrada em vigor, a lei da livre circulação também não surtiu efeitos nesse campo. O povo interroga-se, perplexo, e com razão, pois se não usufrui do facto de ter-se deixado de cobrar cerca de 50 000 contos anuais de taxas, a quem vai beneficiar a desalfandegação?
Entretanto, ao abrigo do n.º 2- da base no merendo insular foi inundado de vinhos e derivados, aguardentes e licores, ao passo que a indústria madeirense congénere continua manietada, em virtude de subsistir o obsoleto regime sacarino, mantido com carácter transitório. Por tal motivo, espera-se que o novo diploma seja publicado quanto antes, o mais tardar até Janeiro, a fim de que possa surtir efeitos já na próxima campanha, abe porque a lavoura regional, a debater-se com a mais grave crise dias últimas décadas, não pode estar por mate tempo sujeita a um regime que, só no desaproveitamento de borras, bagaços e vinhos de inferior qualidade, com vista ao fabrico do aguardentes, vem sofrendo prejuízos anuais superiores a 5000 contos.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Todos estes aspectos estão já de tal forma estudados e descritos a saciedade, que não se justificam mais considerandos. Vou, por isso, concluir esta intervenção solicitando imediatas providências do Governo. As providências oportunamente pedidas e que, manda a verdade dizer-se, já há muito deveriam ter sido tomadas!
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem!
O orador foi cumprimentado.
O Sr. Moura Ramos: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Na sessão de 25 de Março de 1965 proferi nesta Assembleia algumas palavras sobre o então - e hoje ainda mais - momentoso e magno problema do pão, de cuja importância na vida humana lembrei a lapidar síntese do Padre António Vieira, que reza assim:
Lançai os olhos por todo o mundo e vereis que todo ele se vem a resolver em buscar o pão para a boca. Os pobres dão pelo pão o trabalho, os ricos dão pelo pão a fazenda, os de espíritos baixos dão pelo pão a honra, os de nenhum espírito dão pelo pão e ao pão o seu cuidado.
E fazendo algumas considerações sobre o ciclo trigo-mougem-padaria-pão, foquei, de modo particular, as reclamações do público consumidor sobre a má qualidade do pão de farinhas espoadas de trigo e da falta do peso estabelecido oficialmente para o seu fabrico e venda.
Disse então, e em resumo, o seguinte:
a) Que enquanto o público consumidor lançava sobre o industrial de padaria a responsabilidade pela
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má qualidade do pão, outros faziam incidir também as culpas sobre os industriais de moagem de espoadas de trigo, uma vez que os industriais de panificação não podiam escolher a moagem fornecedora da farinha;
b) Que o descontentamento que havia quanto ao pão resultava do condicionalismo do sector e dos artificialismos existentes;
c) Que o sistema que presidia ao circuito trigo-moagem-padaria-pão se mostrava carecido de uma profunda revisão, com vista à defesa dos produtos e do publico consumidor, porquanto o pão era e & um elemento fundamental da nossa dieta alimentar, fonte de energia, como alimento que entra em todos os lares;
d) Que do estabelecimento das concentrações de padarias que o legislador de 1959 preconizara com tão bons propósitos haviam resultado ou, pelo menos, assinalavam-se malefícios para o consumidor, porque, deixando de existir concorrência, o público não podia escolher a padaria fornecedora;
e) Que não estava certa a especial protecção de que gozavam as farinhas espoadas de trigo, com o condicionalismo da moenda - quotas de rateio, que suo n medida da laboração das fábricas-, e o condicionalismo existente no comércio das farinhas, que garantia a venda total da quota de moenda de toda e qualquer fábrica de moagem de trigo espoada, mesmo que produzisse farinhas que aos panificadores não interessassem,- nem desejassem. Daí que se tivesse sugerido a abolição das quotas fixas e se adoptasse o sistema de quotas móveis, não somente para satisfazer os panificadores, facultando-lhes a escolha do fornecedor de farinha espoada de trigo, mas também para prestigiar a indústria moageira perante o público consumidor e perante a Nação.
E concluíamos então as nossas considerações afirmando que se impunha, «como salutar e benéfico para a economia nacional, um estudo cuidadoso, ponderado e urgente do regime cerealífero em vigor, com vista á sua modificação e à sua actualização de acordo com as realidades e as necessidades que interessassem & Nação>, no mesmo tempo que salientávamos u conveniência de acarinhar e preservar determinados tipos de pães regionais. Assim se reclamava, dissemos, para que não pudéssemos ser acusados de utilizarmos a escala nacional um processo de crescimento económico baseado num ideal e numa técnica de enriquecimento que favorece apenas minorias opulentas, quando todo o progresso material buscado com a renovação industrial no sector do pão e f noutros conviria que fosse um progresso de sentido cristão que criasse realidades bem diferentes em solidariedade e em justiça, isto é, que criasse realidades orientadas no sentido do bem comum, em vez de o serem para o bem só de alguns.
Em 15 de Outubro de 1965 é publicado o Decreto-Lei n.º 46 595, que instituiu o regime cerealífero para o período de 1966-1970 e que veio ainda agravar o sistema de artificialismos. No n.º 88.º do preâmbulo do citado decreto-lei lia-se o seguinte:
No que toca às características da farinha, é feita a sua revisão no sentido da melhoria da qualidade e, consequentemente, da melhoria do pão. Na sequência
desta orientação, o presente diploma reduz os limites máximos da percentagem de cinzas nas farinhas de 1.º e 2.º qualidade para panificação, como na de qualidade superior, destituída no fabrico de bolachas.
Porém, depois, no artigo 16.º do mesmo diploma, vieram 11 ser mantidos, precisamente, os mesmos limites máximos (0,55 para a de 1.ª qualidade e 0,75 para a de 2.º qualidade), que constavam do artigo 10.ª do Decreto-Lei n. º 45 223, de 2 de Setembro de 1963.
Daí que, durante largo tempo, a imprensa diária e regional se fizesse eco da necessidade de ser revisto o circuito trigo-moagem-pndaria-pão, com vista a uma melhoria da qualidade do pilo fabricado no nosso país, e que em apontado como dos piores da Europa.
Por tudo quanto deixámos dito, bem justificável era a ansiedade e a expectativa curiosa e preocupante com que se aguardava a publicação do novo regime cerealífero, o que veio a sei- feito em 22 de Outubro passado com o Decreto-Lei n.º 491/70, em cujo preâmbulo se pode ler, em confirmação do que dissemos, o seguinte:
O actual regime de farinhas convertera-se, porém, num aglomerado de disposições aditadas sucessivamente no longo de duas décadas, consagrando um tão grande número de artificialismos que, por via deles, era praticamente impossível combater as fraudes, corrigir os vícios, defender a qualidade do pão [...]
Corrigir esses artificialismos, reduzindo as possibilidades de fraude, usando regimes naturais que permitam uma concorrência salutar, procurando a defesa da qualidade, não pode assim deixar de constituir objectivo essencial que deve ser procurado intransigentemente [...]
Deixa-se aos (Secretários de Estado do Comércio e da Indústria a faculdade de regular o sistema, de comercialização das farinhas, de modo a estimular a qualidade dos produtos fabricados e um mais conveniente aproveitamento do equipamento das farinhas.
Em face do que fica transcrito, parece poder deduzir-se que o novo regime cerealífero dói elaborado com vista a uma melhoria da qualidade do pão de trigo espoado, estabelecendo uma concorrência no próprio sector da indústria de moagem de espoados de trigo, reduzindo as fraudes e estabelecendo em paute preços matutais, criando uma farinha de «umas subsidiada paira auxílio a indústria de moagem de ramas, com benefício para as populações rurais e estabelecendo a liberdade de fabricos de piles de ramos e regionais, etc.
Reduzindo a tolerância, no peso do pão, estabeleceu-se a verificação da qualidade deste pelo recurso a apreciação da matéria seca, como forma eficaz de vigiar o teor de humildade e o peso nominal.
Quanto ao teor de cinzas da farinha espoada de trigo de 1.ª qualidade, mantiveram-se os características estabelecidas naquele mencionado artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 45 223, de 2 de Setembro de 1963, ou seja o limite máximo de 0,55.
Foram mantidos os preços do pão de 1.ª qualidade dos formatos de 60 g, 240 g, 500 g e l kg e autorizada a venda, a preços livres, das unidades de 30 g do pilo de 1.º qualidade e do pão «forma» e «cacete».
O pão de 2.ª qualidade passou a ser fabricado com farinha lotada, com 65 por cento de farinha espoada de trigo de 1.º qualidade, 15 por cento de farinha espoada de centeio e 20 por cento de farinha espoada de milho, podendo considerar-se um pão de mistura subsidiado.
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Não obstante os bons objectivos do Governo ao informar, através da comunicação de 16 de Novembro passado do Sr. Presidente do Conselho, que «... O regime cerealífero teve de tornar em conta numerosos interesses sem querer causar a ninguém prejuízos injustos e desnecessários, mas olhando fundamentalmente ao interesse do povo, a quem tem de ser dado pão bom e barato», a verdade manda dizer que, a avaliar pela onda de desagrado de que a imprensa diária e regionalista se tem feito eco, não foi ainda alcançado tal objectivo. Assim: o consumidor queixa-se de que o pilo mio só não melhorou de qualidade como encareceu.
A indústria de panificação sente-se lesada nos seus interesses e «vítima de uma injustiça flagrante, contrária a toda a doutrina social do Estado Português», conforme foi dito numa reunião do Grémio dos Industriais de Panificação de Lisboa, afirmando-se aí também que «o novo regime, conforme foi apresentado, levará irremediávelmente a indústria de panificação à falência». E até os industriais de moagem de ramas, a quem o novo regime cerealífero reconheceu direitos que lhes foram sempre negados, se queixam de que, na prática, as coisas passam-se de modo diferente daqueles bons propósitos que o diploma legal deixa transparecer.
A indústria de panificação que fabrica o pão de 1.ª qualidade em larga escala não teve qualquer aumento da taxa de panificação do pão de 1.ª qualidade, no formato de 60 g (vulgar «papo-seco», como, desde há tempos, vinha solicitando às entidades superiores, para a compensar do aumento de encargos com o sem fabrico, aumento de salários, amortização dos investimentos feitos com a modernização das instalações, etc.
Certamente por este facto, a referida unidade de 60 g começou a ser fabricado, a partir de 21 de Novembro passado, na forma de uma autêntica «bola», apresentando mau aspecto, deixando de se lhe aplicar no fabrico melhoramentos, malte margarina e, nalguns casos farinha de glúten.
Pela má qualidade deste tipo de pão, começou, a Ter maior venda o de «cacete» de 60 g, ao preço de $50 (preço livre).
Mas ao público consumidor, acostumado ao formato do vulgar «papo-seco», desagrada esta mudança, afirmando que seria preferível aumentar o seu preço para $50, mas que fosse fabricado com melhor aspecto e qualidade. Poder-se-ia até libertar o seu preço, mantendo o preço actual do pão de 1.ª qualidade apenas nos formatos de 240 g, 500 g e l kg.
Para além de uma demasiada pulverização de qualidades, de formatos e de preços, com evidentes perturbações no fabrico e até na venda assinala-se ainda, quanto ao pão de 1.ª tabelado, a falta, de correspondência dos custos. Isto é: partindo de 1 kg de pão a 6$20, aã fracções de 500 g e 60 g deviam ir aumentando na proporção exacta da maior mão-de-obra e de quebra de peso e, assim, o formato da 500 g devia ser vendido a 8$20 e o de 60 g a $50.
Mas como só de bons trigos se podem obter boas farinhas, há que prosseguir na maior expansão das melhores qualidades de cereal, importando também evitar que as indústrias de moagem de espoadas excedam demasiado o limite de extracção que foi oficialmente tomado para base das margens de lucro fixadas, pois que, na medida de tal excesso, na busca de um maior lucro, resulta uma correspondente baixa de qualidade da, farinha. E, dada a preocupação manifestada pelo legislador em evitar as fraudes, importa ainda fiscalizar devidamente a circulação dos vários tipos de farinha, de forma a não serem feitos indevidos recebimentos do subsidio do Fundo de Abastecimento.
Quanto à indústria de moagem de ramas, é o primeiro regime cerealífero em que se estabelecem tantas disposições legais sobre ela, porquanto, até agora, os regimes cerealíferos tratavam, quase exclusivamente, da indústria de moagem espoada de trigo e respectivas farinhas. É neste aspecto não há dúvida de que se deu um grande passo em frente, à medida em que às ramas foi, por assim dizer, concedida «carta de alforria» ...
E parece que muito justamente, porquanto, sendo estimado em 112 kg o consumo anual per capita de farinhas de trigo, milho e centeio no nosso país, apenas 45 kg são produzidos pelas fábricas agremiadas na Federação Nacional dos industriais de Moagem (F. N. I. M.), enquanto os restantes 67 kg de farinhas de trigo, milho e centeio são produzidos pelas moagens de ramas de cereais e espoadas de milho e centeio coordenadas pela Comissão Reguladora das Moagens de Ramas.
Mas foi efectivamente favorável à indústria de moagem de ramas o novo regime cerealífero? Pareci» que sim, à face do que lhe foi outorgado no diploma legal.
Assim:
a) Passou a ser livre o preço das farinhas em rama de trigo;
b) Pela primeira vez passaram as moagens de farinhas em ramas a beneficiar de um subsídio de l$2584 por quilograma de farinha em rama de trigo com incorporação entregue h indústria de panificação;
c) Foi concedida maior liberdade de venda do pão de ramas e alvo regional;
d) É dada autorização para fabrico, em todo o País, do pão alvo regional com. farinha em rama de trigo sem incorporação.
Estes os benefícios que, em teoria, ressaltam para n indústria de moagem de ramas com a publicação do novo regime. Na prática, porém, as coisas apresentam-se de modo bastante diferente. É que acontece o seguinte: a quase totalidade das padarias existentes no País é de farinhas espoadas de trigo e, à face do artigo 76.º do Regulamento do Exercício da Indústria de Panificação em vigor, não podem estas fabricar também o pão de farinha em rama. Assim, sendo, como é, muito reduzido o número de padarias de rumas, virá necessariamente a resultar uma muito limitada atribuição do subsídio estabelecido no artigo 17.º deste diploma do regime cerealífero.
E acontece mais o seguinte: até à publicação daquele Decreto-Lei n.º 46 595, de 15 de Outubro de 1965, que instituiu o regime cerealífero para 1966-1970, a laboração principal das moagens de ramas em trigo era a maquia, isto é, por troca do trigo que os produtores semeavam para seu consumo. Com a publicação deste referido diploma, os produtores começaram a entregar nos celeiros da Federação Nacional dos Produtores de Trigo (F. N. P. T.) a maior parte dos trigos produzidos, ao preço médio de 3$90 por quilograma nos anos em que eram concedidos os subsídios de reconversão e correcção, e adquiriam farinha em rama de trigo ao preço de 8$40 por quilograma. E tanto assim é que pelos números extraídos dos relatórios da F. N. P. T. verifica-se que a média anual dos trigos semeados para consumo das casas agrícolas, que era da ordem das 100 000 t anualmente, baixou para cerca de 50 000 t. Deste facto resultou uma maior distribuição de trigos dos celeiros da F. N. P. T. às moagens de ramas, como se verifica pelos relatórios desta entidade.
Mas agora, em face da publicação do movo regime cerealífero, a farinha em rama de brigo com incorporação
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passa a ser vendida, a retalho ao preço de 4$10-4$20 por quilograma, porquanto a mesma não é subsidiada.
Parece, pois, justo que seria também de subsidiar a farinha em rama de trigo com incorporação, vendida a retalho, pelo menos até à colheita de 1971, uma vez que os produtores entregaram a maior parte dos trigos da colheita de 1070, nos celeiros da Federação Nacional dos Produtores de Trigo, ao preço de cerca de 8$00 por quilograma, convencidos de que continuariam a adquirir farinha em rama de trigo ao preço de 8$40, e agora têm de a adquirir ao preço de 4$10-4$20 por quilograma.
Seria também de rever com urgência o Regulamento do Exercício da Indústria de Panificação revisão a que se alude no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 893/70, de 19 da Agosto do corrente ano -, de forma a não se dificultar a instalação de indústrias que estão isentas do condicionamento industrial. E é que somente de tal revisão padeira resultar a livre instalação das padarias de ramas, para uma maior facilidade no abastecimento de pão de ramas às populações rurais, que têm como base da sua alimentação.
Também se afigurava como razoável e justo que fosse concedido um prazo que poderia ser de uns seis meses, pelo menos, a fim de que as moagens de ramos se apetrechassem com a necessária aparelhagem de limpeza, para receberem o subsídio na farinha em rama de trigo sem incorporação vendida não só à panificação, mas também a retalho.
Se assim não vier a acontecer, isto é, se não forem tomadas as medidas que, sucintamente, deixamos referidas, não resultarão do novo regime cerealífero os benefícios que dele pareciam resultar para a indústria de moagem de ramas e para ns populações rurais e contraria-se o propósito de, com ele, não querei- aunar u ninguém (prejuízos injustos e desnecessários), conforme afirmou o Sr. Presidente do Conselho na comunicação que fez ao País em 16 de Novembro passado.
Pelo contrário: agravar-se-á, antes, a situação do indústria de moagens, de ramas de trigo e os produtores e trabalhadores rurais terão de adquirir a farinha em rama de trigo a um preço mais elevado (4$10-4$20 por quilograma), ficando-lhes desta forma o pão fabricado em casa a cerca de 4$80 por quilograma.
Mas poderão adquirir pão de trigo de 2.ª qualidade, dir-se-á. Efectivamente, assim poderá vir a acontecer. Mas, deste modo para além de resultar alteração nos hábitos alimentares da nossa população rural, que sempre consumiu pão de ramas, isso implicará um aumento de prejuízo para o Fundo de Abastecimento, visto que a farinha lotada é subsidiada em 1$82 o quilograma.
Mas o pão regional não interessa apenas às populações rurais, pois nas cidades, e mesmo aqui em Lisboa, já é grande o seu consumo. E pena é que o pão de milho, tão divulgado no Norte e Centro do País, de um modo geral se mantenha a muito baixo nível de qualidade, como é sabido.
Curioso é notar que há hoje por toda a parte, e no nosso país também, um movimento chamado dos «Amigos das Azenhas e dos Moinhos» (de vento ou de água), e que vão ao ponto de afirmar que a farinha em rama obtida pelo processo tradicional das mós, e por aquecer menos do que a moída em cilindros e espoada, é mais saborosa e mais saudável.
Sr. Presidente: estas as considerações que entendi por bem fazer presente, tanta acuidade reveste.
Para elas me permito chamar a atenção do Governo para que se providencie no sentido de ser prosseguido o objectivo primacial que se propôs - dar pão bom e barato ao povo -, o que a aquilatar pelas queixas clamorosas feitas, não foi ainda alcançado, não obstante os evidentes bons propósitos.
Mas, tal como disse o Sr. Presidente do Conselho, «quando a lei vem a lume, mesmo assim é frequente encontrarem-se nela imperfeições [...]. Imperfeições que todos deveremos estar interessados em corrigir, não para fazer valer caprichosamente uma vontade ou preservar alguma conveniência pessoal ou de grupo, mas com o intuito desinteressado de contribuir para que caminhemos para uma sociedade mais justa em que todos tenham o lugar que lhes deve caber, sem com isso se prejudicar o legítimo respeito e prevalecimento do interesse geral».
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem!
O orador foi cumprimentado.
O Sr. Augusto Correia: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nos assuntos que me proponho tratar na presente sessão legislativa, sob o título «Problemas do Distrito de Coimbra», incluí as estradas nacionais, que no momento presente, em que tanto se fala e se escreve de auto-estradas e vias rodoviárias de acesso à fronteira de Vilar Formoso, são motivo de preocupação para o meu distrito, que as entidades e os órgãos de informação bem sentem e a que procuram dar a melhor atenção.
Compreende-se, assim, que comece pelas estradas nacionais, descrevendo o estado actual da sua rede, analisando o programa de trabalhos da Junta Autónoma de Estradas para o próximo ano e pedindo àquele prestigioso serviço e ao Governo a melhor atenção para alguns aspectos do problema.
A rede de estradas do distrito, classificadas como nacionais, totaliza 1167 km, a que corresponde, relativamente à sua área, o índice 295m/km2 e de que se encontram construídos 1035 km.
Concluiu-se há dias a betuminização da estrada Espinhel-Relvas, no concelho de Penelas, trabalho que permite afirmar que as estradas nacionais do distrito se encontram betuminadas e, por tal, prestar, gostosamente, a melhor homenagem à Junta Autónoma de Estradas.
Os 182 km de estradas classificadas que se encontram por construir têm o maior interesse para o desenvolvimento económico-social do distrito e da sua região e muitos deles serão alavancas indispensáveis do progresso, que se impõe, de alguns concelhos. Nesse número, além do mais, contam-se 88 km a construir no concelho de Pampilhosa da Serra; 9 km da estrada Espinhel-Castanheira de Pêra, no concelho de Penela, que há muitas dezenas de anos se encontra interrompida entre Relvas e Pé de Janeiro; 5 km da estrada nacional n.º 17-1, no concelho de Miranda do Corvo, que a ligará à estrada da Beira, de que se encontra injustificadamente separada; 7,5 km da estrada nacional n.º 2, no concelho de Góis.
Direi ainda que dessas estradas hão-de partir estradas e caminhos municipais para muitas povoações ainda isoladas, entre as quais se contam vinte e oito do concelho de Pampilhosa da Serra.
No plano de obras movas da Junta Autónoma de Estradas do próximo ano prevê-se um investimento de 40 000 contos, aproximadamente, que se distribuirá pelo estrada nacional n.º 344, no concelho de Pampilhosa da Serra, e estrada nacional n.º 110-2, entre Santa Clara (Coimbra) e Bencanta e variante de Arganil.
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Assim se dará 1971 um valioso impulso à construção de indispensáveis estradas do distrito de Coimbra, que ele sempre agradecerá ao ilustre Ministro das Obras Públicas, engenheiro Rui Sanches, que em muitos aspectos o inclui no vasto e eficiente programa do seu governo.
Para os muitos quilómetros que o Plano de 1971 não considerou pede-se a atenção que o isolamento de muitas povoações e a descontinuidade da rede nacional justificam.
A rede do estradas nacionais carece, no entanto, de ser ampliada, integrando nela, com a maior urgência, estradas e caminhos municipais, que, pelas funções desempenhadas, a ela devam indiscutivelmente pertencer. A revisão da actual classificação exigirá estudos demorados e especializados, cuja conclusão se não deverá aguardar para tratar casos que há muito exigem solução conveniente.
Integrando algumas estradas e caminhos municipais na rede de estradas nacionais aliviam-se de pesados encargos as finanças das câmaras municipais, entre ns quais se contam algumas de receitas ordinárias anuais inferiores a 1500 contos, e melhora-se, ainda, a rede geral, pois bem se compreenderá que a assistência que a Junta Autónoma de Estradas dispensará às estradas que lhe forem entregues será mais eficiente que a proporcionada actualmente pelas câmaras municipais, as quais, por vezes sem dinheiro e sem técnica, têm a seu cargo 900 km de estradas.
Pensando ainda na extensão dos caminhos municipais e nas estradas por construir, que se aproxima dos 180 km, teremos de afirmar que as câmaras terão difícil missão a cumprir nos próximos anos, que bem justifica uma ajuda do Governo que compreenda, além da revisão do actual regime de comparticipações, a transferência para a Junta Autónoma de Estradas de muitas estradas e caminhos municipais.
Resta-me, nesta resumida apresentação do problema das estradas nacionais do distrito de Coimbra, o pedido de atenção para a estrada Coimbra-Figueira da Foz (estrada nacional n.º 111), Coimbra-Vilar Formoso (estrada da Beira) e auto-estrada Lisboa-Porto.
Na primeira têm-se realizado desde há anos trabalhos de rectificação e pavimentação, que já hoje proporcionam boas condições de utilização de um lanço de apreciável extensão (Geria-Montemor-o-Velho). Os trabalhos têm sido, no entanto, demorados, para o que tem contribuído certamente o estudo da localização da nova ponte sobre o Mondego, na Figueira da Foz, que condiciona o projecto de rectificação do lanço Maiorca-Figueira da Foz, e ainda o estudo da regularização do rio Mondego, a ter em conta no projecto do lanço Geria-Coimbra.
A ligação por estrada entre Coimbra e Figueira da Foz, ao lado do Mondego, que é eixo natural de uma zona fundamental do processo de desenvolvimento económico-social do distrito, tem uma importância para aquelas cidades e para a região que impõe a conclusão urgente das obras.
Espera-se que a definição da localização da ponte e do esquema de regularização do rio Mondego permita o lançamento em ritmo aceitável dessa obra. E para ela que se agradece a melhor atenção.
A estrada da Beira, que, ligando Coimbra à fronteira de Vilar Formoso, é via imprescindível das comunicações do distrito, pois é utilizada ao longo dos seus 82 km por oito das seus concelhos, nos itinerários de. acesso à sua capital apresenta características que impõem a realização urgente de trabalhos e o estudo de obras de maior vulto que correspondam a classificação que tem.
O pavimento já foi melhorado com argamassa betuminosa em 20 km, junto a Coimbra. Haverá agora que prosseguir com a beneficiação até ao limite do distrito, investindo cerca de 80 000 contos na- melhoria de algumas curvas, reforço do pavimento e revestimento deste com argamassa betuminosa.
É um trabalho que deverá ser incluído em plano de realização imediata.
Mas a importância da estrada, que apresenta um tráfego médio diário de 5000 veículos à entrada de Coimbra, exige um estudo da obra a executar em futuro próximo, que, além de profunda rectificação de traçado, compreenda, uma variante na cidade de Coimbra, possivelmente por uma nova ponte sobre o Mondego, e a ligação à futura auto-estrada.
O distrito de Coimbra deposita as suas melhores esperanças na auto-estrada Lisboa-Porto e na estrada da Beira, que certamente darão, em futuro próximo, um impulso decisivo ao seu lento desenvolvimento económico.
A cidade de Coimbra e o seu concelho, que esperam ver a auto-estrada Lisboa-Porto atravessar o Mondego a curta distância do seu Choupal e da sua Universidade, acompanham o distrito nas suas esperanças e pressentem os indesejáveis obstáculos que ao seu progresso seriam impostos por uma estrada da Beira que se conservasse com as características actuais e pela construção de uma auto-estrada Lisboa-Porto que, no atravessamento do Mondego, dela se afastasse.
Uma estrada da Beira com traçado e pavimento concordantes com a sua importância, a passar em Coimbra, na margem esquerda do rio Mondego, e a ligar à auto-estrada a poucos quilómetros do centro da cidade, são aspirações de Coimbra, bem interpretadas pelas suas entidades e pelos órgãos de informação, que se batem pela sua satisfação.
É por uma estrada da Beira de categoria internacional e por uma auto-estrada Lisboa-Porto que atravesse o Mondego nas proximidades de Coimbra que peço a atenção do Governo, interpretando assim, anseios daquela cidade, e plenamente convencido de que a satisfação dos mesmos não contrariará os interesses nacionais.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem!
O orador foi cumprimentado.
O Sr. Presidente: -Vai passar-se à
rdem do dia
O Sr. Presidente: - Continua em discussão, na generalidade, a proposta de lei de autorização das receitas e das despesas para 1971.
Tem a palavra o Sr. Deputado Teixeira Pinto.
O Sr. Teixeira Pinto: - Sr. Presidente: Ao intervir no debate sobre a Lei de Meios gostaria, em primeiro lugar, de lembrar alguns pontos que no ano anterior, e por esta época, tive ocasião de referir sobra a situação económica e financeira. De facto, apontei então que se me afigurava estarem reunidas condições para que em Portugal se pudesse continuar em ritmo mais elevado o desenvolvimento económico e social, condições que diziam respeito à situação interna do País, condições que diziam também respeito ao enquadramento no mundo de então.
Passado um ano, tenho de lamentar de não poder ser inteiramente optimista quanto a possibilidade de aprovei-
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tamento dessas mesmas condições; mas, ao referir e sublinhar o meu pouco optimismo quanto ao aproveitamento dessas circunstâncias e o modo como se progrediu, mão queria deixar de elogiar - e a palavra é o termo que gostaria de empregar - a acção do Sr. Ministro das Finanças e da Economia com as dificuldades que tem num cargo de acumulação de pastas sem que possa ter os meios de coordenação necessários ao desenvolvimento económico e social.
Falar sobre a Lei de Meios, no quadro actual, é, especialmente, falar sobre o contexto em que esta Lei de Meios se vai inserir, contexto esse que, por um lado, é de continuidade em relação ao passado; muitos dos aspectos da Lei de Meios referem, digamos, repetem, elementos de leia de meios anteriores, outros aspectos da Lei de Meios constituem inovação de salientar, inovação que se iniciou no ano passado e a que este ano se deu maior continuidade.
Se possível, e indo ao encontro dos desejos então expressos pela Comissão de Economia, seria útil, seria necessário, que, no futuro, a Lei de Meios fosse, na verdade, um programa de acção para o ano subsequente ou para anos subsequentes, conjugando-a, quanto possível, com o Plano de Fomento. Do mesmo modo foi sugerido aqui, e embora exceda um pouco o tema que nos ocupa agora, que a realização, a execução do Plano de Fomento possa ser discutida com a Conta Pública.
Só assim a Lei de Meios toma todo o seu sentido de programa económico. Só assim a Lei de Meios toma todo o seu sentido de programa global de governo para o ano seguinte.
Mas, ao falar do quadro, teria de falar, necessariamente, do quadro português, isto é, de quais são os problemas da sua economia e finanças e como é que esses problemas se encontram equacionados, quais suo as dificuldades que neste momento defrontamos.
É evidente, em primeiro lugar, que não se pode cindir o problema económico do problema financeiro, e o reconhecimento foi bem evidente ao fazermos coincidir numa mesma pessoa as duas pastas. Mas do mesmo modo é também difícil que nessa mesma conjugação não se possam incluir aspectos, temas, problemas, que são, sem dúvida, de natureza económica e que, porventura, o Governo não pôde trazer, ainda, à Lei de Meios.
Refiro-me a aspectos de actividade económica que dizem respeito aos transportes e comunicações, que dizem respeito à marinha mercante e à pesca, que dizem respeito às obras públicas. E neste aspecto algo é sobremaneira importante para nós e que já o ano passado mereceu a atenção da Comissão de Economia e a minha própria atenção: no contexto económico e financeiro português é difícil cindir, é difícil separar, dadas as suas inter-relações, a economia metropolitana e a economia ultramarina.
Mas, como dizia, ao referir-me ao quadro, eu gostaria de sublinhar que os aspectos económicos e financeiros são aspectos, porventura, muito importantes, mas são somente uma faceta de um quadro mais amplo que é o da vida geral do País. E por isso não se podem cindir estes aspectos económicos e financeiros, nem se pode encontrar solução sem se encontrar a orientação política, digamos, a orientação que permita o enquadramento desses problemas. E não nos iludamos, porque, ao julgarmos resolver os problemas exclusivamente ou no plano económico ou no plano financeiro, correremos o grave risco de não resolver problema nenhum e até, eventualmente, de agravarmos esses mesmos problemas.
E quais são os problemas da economia portuguesa este momento?
Para alem do problema político, a que não haverá que fazer referência neste momento, pois constitui o pano de fundo da nossa actividade, há aspectos que são importantes. O primeiro é o de saber qual a orientação geral que se pretende dar à vida económica e financeira do País.
Fala-se de que essa orientação se insere ma noção de Estado Social. Não está ainda inteiramente definido, concretizado, doutrinado - talvez por ser ainda cedo - o que é que se pretende com o Estado Social, quais soo os seus objectivos, quais suo os meios que o Governo tem à sua disposição para concretizar, prosseguir, esses mesmos objectivos.
Pois, sem dúvida, no plano económico e financeiro o que tem vigorado é que o nosso desenvolvimento económico social se fará à luz de um planeamento, à luz de uma organização corporativa e através da empresa privada como centro de desenvolvimento e de intervenção do Estado, como elemento árbitro e de motor na falta da iniciativa privada para promover esse mesmo desenvolvimento.
Apesar de tudo, a realidade actual, tal como a vejo, não é, de maneira nenhuma, suficiente para nos esclarecer quanto a alguns aspectos.
A ideia de planeamento, embora muito apregoada, não está inserida na vida concreta da economia. Não sei se bem ou mal, mas a verdade é que o planeamento continua a ser, e por agora, um exercício desligado das realidades portuguesas. Acontece que não há, e nós próprios o estamos a apreciar na Lei de Meios, uma ligação perfeita, uma concatenação, tanto quanto possível harmónica, entre os objectivos da Lei de Meios e os do Plano, ou programa de maneira tal que nós os possamos avaliar no seu conjunto e num dado momento.
Por outro lado, a organização da economia no plano corporativo vem de longe e teremos ainda de nos interrogar e de saber se essa organização e o modo como foi concebida se adapta, ou não, ao desenvolvimento económico acelerado que pretendemos ou se reminiscências do passado, resíduos, não fazem da organização corporativa, por vezes, um travão ao próprio desenvolvimento.
Pensa-se somente que teremos, portanto, de repensar e de rever o problema da organização corporativa em função desse mesmo desenvolvimento.
Quanto à empresa privada, tem-lhe sido sempre atribuído um papel importante no desenvolvimento, mas por mais de uma vez a tenho visto acusada de insuficiente iniciativa e, portanto, de o Estado não poder assentar exclusivamente sobre ela o seu esforço de desenvolvimento.
Daqui podemos tirar imediatamente a ilação de que a intervenção do Estado é indispensável na situação presente do nosso desenvolvimento, e até, porventura, mais indispensável ainda, se se verificar de facto a retracção e a insuficiência da iniciativa privada nesse aspecto.
Portanto, os quadros do Estado terão de estar preparados para intervir na actividade económica como elemento dinamizador, como elemento motor dessa mesma actividade, e não como elemento paralisador, ou como elemento burocrático.
Já tive ocasião de referir, em artigo publicado há mais de um ano, que, se realmente a burocracia fosse significado de socialismo, nós éramos, sem dúvida, um país bastante socialista.
Mas, de facto, o que eu vejo coexistir no plano do desenvolvimento e no plano doutrinário são três tipos de . pensamento, três tipos que, por vezes, não conseguem convergir, e pena é: um tipo de desenvolvimento liberal,
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um tipo de desenvolvimento corporativo ou em nome do bem comum e um tipo até de desenvolvimento socialista.
Pois, não sei qual é aquele que virá a predominar neste pais, nem aquele que será mais adequado os nossos necessidades.
Sem dúvida, aqui o problema básico é um problema político, é o problema de conseguir conciliar a autoridade com a liberdade, de conciliai- a ordem com a justiça social. E a rainha dificuldade, por vezes, é saber onda é que começa a posição doutrinária ou onde se inicia a posição demagógica. E por isso, numa solução ou noutra, qualquer que ela seja, é necessário que encontremos um rumo que concilie ou faça convergir, possivelmente, os três tipos de solução.
Para mim, os problemas fundamentais que defrontamos neste momento são, e sem qualquer ordem de precedência, os seguintes: o problema do espaço económico português ë do seu desenvolvimento. De facto, ele condiciona tudo o que nós podemos entrever como desenvolvimento do País, e não tenho que me pronunciar neste momento num ou noutro sentido, pois tive ocasião de anunciar um aviso prévio sobre potencialidades e recursos do espaço económico português; espero que oportunamente ainda tenha ocasião de o efectivar.
No entanto, esta concepção prévia é condicionante, porque, conforme tomemos em consideração o espaço económico nacional, com diferentes inter-relações, ou simplesmente o espaço metropolitano, assim os tipos de solução ano diferentes, assim os problemas de subdesenvolvimento serão também diferentes. E aqui encontramos todos os problemas dos necessidades de desconcentrar, de descentralizar (dizem alguns, confundindo uma solução com a outra) o desenvolvimento económico; este tema põe-se mesmo ao nível da metrópole, e independentemente das províncias ultramarinas, quando se atribui tanta importância ao desenvolvimento regional e quando se dá igualmente relevo aos órgãos necessários a promover efectivamente esse desenvolvimento, de acordo e com o concerto, com a participação das populações locais.
Mas se esta noção, que é essencial para mira, condiciona a noção de desenvolvimento, em qualquer caso não se duvida de que o nosso país necessita de um desenvolvimento acelerado e que esse desenvolvimento tem de ser feito com intervenção do Estado e que ele exige uma coordenação das intervenções, dado que não somos tão ricos, exactamente porque não somos ainda tão desenvolvidos, que nos possamos dispersar em intervenções contraditórios.
O problema que se põe, pura além da Intervenção do Estado, é, assim, o da sua coordenação. Coordenação de quê? O Ministério doe Finanças e da Economia faz um grande esforço, e de novo deixo aqui um louvor, para comandar uma parte da nossa economia, porte pequena, sem dúvida, em relação aos problemas que pus inicialmente.
A intervenção que se verifica é também, por um lado, demasiado, porque a intervenção frequentemente em Portugal toma a formando intervenção nos pormenores e deixa de lado os aspectos fundamentais das problemas económicos e financeiros; felizmente o Governo apresentou à Assembleia uma lei de defesa da concorrência, que pode em alguns casos vir a facilitar o funcionamento da própria iniciativa privada, mas o meu receio nas intervenções do Estado é que elas se dirijam aos pormenores e deixem de lado os aspectos essenciais. Por isso é sempre fácil a queixa da burocracia, mas no entanto, por vezes a própria iniciativa privada, que se sente tolhida pelas pequenas intervenções, fica muito contente por os problemas essenciais não serem tocados nessa mesma intervenção.
Daqui resulta também que o facto de não haver um quadro geral de intervenção leva a que, por pequena intervenção, se faça uma coisa que é condenação da própria intervenção, que é assustar o empresário privado. O empresário privado, perante a dificuldade de saber o regime em que se move, perante a dificuldade de saber se amanhã prossegue a política, se amanhã u protecção existe ou não existe, se é a mesma ou diferente, se o incentivo é o mesmo, se a penalização, inclusive, é igual, o empresário, dizia, assusta-se e, portanto, retrai-se e segue o velho ditado: «Deixa estar como está para ver como fica.»
Ora, igual atitude toma também o sector público, porque olha o empresário privado como entidade que, embora seja a base constitucional do desenvolvimento económico, é sempre aquela entidade que não está ao serviço do bem comum. E por isso a Administração olha sempre com desconfiança, e frequentemente com pequenas intervenções, para saber como é. embora por vezes fique sem saber como é, porque, dizia, a Administração fica a saber os pormenores e os processos, mas não sabe de facto como é que se faz. Daí resulta que existe um paralelismo e uma mútua desconfiança, sem que haja convergência, exactamente porque não há um quadro dos regras de jogo. Aparecem assim vários jogadores em campo - desculpem o paralelo - e não jogam jogo algum, porque não sabem o que estão a jogar.
Ora, este é um ponto que é muito importante e que diz respeito a dois aspectos que a própria Lei de Meios levanta e que eu não aprofundarei: um diz respeito ao desenvolvimento industrial, outro diz respeito ao desenvolvimento agrícola. Pena é que, quanto ao desenvolvimento agrícola, não se possa lançar alguma lei de desenvolvimento agrícola, na mesma medida em que pensamos lançar uma lei de desenvolvimento industrial.
Outros aspectos que poderia ainda focar dizem respeito a temas que são da maior importância para o futuro da vida económica e financeira portuguesa. Deveria referir-me ao quadro europeu. Sobre ele nada direi. Neste momento as negociações estão iniciadas. A nossa atitude está claramente definida pelo Governo. Esperemos aquilo que possamos colher sem comprometer os nossos interesses.
Outro aspecto que tem a maior importância é o das despesas militares. Sobre ele também não me deterei. Sempre foi dito, ide há uns anos para cá, que há necessidade de integrar no circuito económico e de racionalizar as despesas militares. Não creio que se possa avançar muito mais. Sabemos o que queremos: temos de encontrar modos de o executar.
Falarei, por isso, sobre temas que estão ligados à Lei de Meios e que, para nós, têm alguma importância. Refiro-me, fundamentalmente ao problema da pressão inflacionista, ao problema dos pagamentos interterritoriais e algumas facetas da política financeira.
Não vale a pena discutir a inflação. Ela é um facto. Ela vive connosco todos os dias e não precisamos dos índices de preço, e não precisamos de saber que os índices estão desactualizados, porque nós vemos todos os dias algum progresso inflacionista: pequeno, sub-reptício, mas progresso. E não julguemos que é uma situação tipicamente portuguesa; é uma situação que hoje aflige toda a Europa e os próprios Estados Unidos.
Portanto, o nosso problema não é tão-somente evitar a inflação, parar o dinamismo dos preços, mas evitar que esse dinamismo seja desacompanhado de um dinamismo da própria economia. Por um lado evitar que seja muito
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superior ao dinamismo dos preços dos outros países, isto é, trata-se de inflações comparadas; por outro, trata-se ide sabei- se o nosso crescimento acompanha ou não o nosso ritmo inflacionista.
Não vale a pena demorar a nossa atenção. As causas estão indicadas, repisadas. Desde as remessas do emigrante às despesas militares, ao turismo, às inflações importadas, todos nós sabemos que há razões para haver inflação e quase concluímos que a inflação é um problema com que temos de viver.
Mas no nosso caso, como é que o problema se põe?
A verdade é que a economia teve um crescimento, relativamente lento no período de 1966 a 1969, segundo se diz. Não sei se essa lentidão de crescimento se prolonga ou não - não é isso que está em causa. Mas a verdade é que o Governo tentou, e bem no meu entender, fazer a recuperação da economia através de uma política de consumo, entende-se aqui uma política de consumo como uma política que põe na procura o elemento fundamental para activar a própria oferta.
Não poderia deixar de ser assim: a experiência tinha de ser feita, embora soubéssemos de antemão que era insuficiente. E não poderia deixar de ser assim, não por motivos económicos, mas por motivos sociais e até políticos. A necessidade de redistribuição, a necessidade de uma política dinâmica de salários, a necessidade de estimular os consumos deste Pais era mais do que evidente e não se poderia pensar demais, mas tinha de se pensar, sim, em saber se era suficiente essa política para prosseguir a recuperação da economia. Isto é, em termos muito simples, se a produção correspondia a esse estímulo.
Ora, também o Governo diz, e mais de uma vez o afirmou, que os circuitos de distribuição são maus, que os circuitos de distribuição são insuficientes; mas, se é assim, automaticamente sabíamos que a ligação entre o consumo e a produção era má e portanto, não poderíamos pensar que através de um simples estímulo do consumo conseguiríamos estimular a própria produção.
Por outro lado -e sem querer entrar no calão económico, que toda a gente fala, das estruturas da nossa economia , as estruturas da industria, as estruturas agrícolas eram estruturas relativamente paralisantes e, portanto, não poderíamos pensar, pelo simples estímulo ao consumo, que pudéssemos chegar a alguma conclusão do ponto de vista da produção.
E por isso, naturalmente, juntou-se aqui outro factor: a política de consumos era também, e ainda é, uma política relativamente inflacionista.
E agora o problema põe-se: na medida em que' a política de redistribuição pode e deve ser feita, temos de pensar se acaso a própria empresa privada pode suportar, â como, os encargos dessa mesma redistribuição. Caso contrário, teremos de ver se, na verdade, a partir de certo ponto, não teremos influências nos preços através dos aumentos de salários.
Portanto, posições que têm sido exprimidas por mais de lima vez, de que os aumentos dos salários influem automaticamente nos preços, são posições verdadeiras a partir de certo ponto. Posições que eu também tenho ouvido, fie que os salários não têm nada a ver com os preços, também são verdade até certo ponto. A partir de certo ponto, ou há- a inflação ou põe-se em causa o próprio sistema, porque para conservar os preços não há maneira de não diminuir a margem de lucro; ao diminuir a margem de lucros, diminui-se o incentivo à iniciativa privada e, como tal, põe-se em causa o próprio sistema.
Por isso, o problema, que não é somente um problema de consumo, é, neste momento, para, o País um problema de política da produção.
Como é que se vão relançar, e ajudar a relançar, as produções, quer industrial, quer agrícola, a responder às procuras que se verificam no País e até eventualmente, nos mercados exteriores?
Ora o Estado prevê - e a própria Lei de Meios por mais de uma vez o afirma - que, para além da iniciativa privada, que precisa de ser estimulada, a intervenção do Estado tem de fazer-se.
Não há dúvida, quanto a este ponto. Mas, em primeiro lugar, chamo só a atenção para este tema: ao lermos a proposta de lei à nossa disposição, encontramos um conjunto de instrumentos de intervenção, e, entre eles, o das suas participações nas empresas. Ora, esta participação do Estado nas empresas ultrapassa de longe tudo o que nós a priori podemos pensar. E o meu problema tem sido sempre o de saber se realmente vale a pena ampliar extraordinariamente o grau de intervenção do Governo sem termos utilizado completamente, ou tão completamente quanto possível, os instrumentos actuais de intervenção.
Não preciso de lhes fazer uma relação das empresas grandes onde o Estado tem intervenção ou tem uma palavra a dizer. Mais. Eu próprio e nós todos temos lido opiniões, discursos de membros do Governo que, ao criticarem a iniciativa privada, dizem que ela assenta demasiado na protecção do sector público, assenta demasiado na palavra de ordem do sector público.
Ora, se é assim, para além das participações, o Estado tem um elemento fundamental, que é o da persuasão, isto é, o da orientação mesmo sem participação. E é isso o que eu, simplesmente, sublinho ao Governo, se possível para que aproveite estas suas formas de intervenção. E não quereria dizer mais sobre isto, porque é um problema extremamente delicado.
De facto, penso que as intervenções e participações do Estado suo hoje tão grandes e tão importantes na vida económica portuguesa que a sua activação e coordenação é elemento indispensável para se andor para a frente. Por outro lado, deixo uma interrogação. Se realmente nós não temos empresários, como só diz, se os nossos empresários Hão não só escassos, mas com insuficiente iniciativa, pergunto: No sector público existe essa iniciativa?
Por que milagre é que no sector público havíamos de encontrar melhores empresários do que no sector privado, e vice-versa?
Faço esta pergunta porque também não acredito que o sector privado seja sempre melhor que o sector público.
A única coisa que chamo também a atenção é de que os atitudes, as iniciativas, quando suo do sector privado, são por vezes elogiadas. Quando vêm do sector público, são criticadas.
De um lado é a iniciativa, a inteligência, o dinamismo do empresário privado; no outro é o socialismo do servidor do Estado.
Passo agora a outro ponto, que é q dos pagamentos interterritoriais e o da liquidez do sistema.
Têm sido muito falados os problema dos pagamentos interterritoriais. A minha opinião é simples: sempre tive dificuldade em compreender o sistema de pagamentos interterritoriais. E devo dizer que até agora, e em Portugal, encontrei, talvez, uma pessoa ou duas que compreendiam como é que o sistema funcionava. Os regulamentos, os despachos, os diplomas são tantos, tão extensos, tão variados e têm-se acumulado no tempo, que, hoje, devo-lhes dizer que é necessário uma grande profundidade e um aturado estudo para se compreender como é que o sistema funciona.
De um modo geral, na prática, tive sempre a opinião, e não é de agora, de que o sistema, tal como estava conce-
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biclo, não podia funcionar. A que me respondem os tais técnicos que «lê funciona se ns condições do seu funcionamento se verificarem.
Eu digo: pois é verdade, e qualquer outro sistema funciona se ns condições se verificam. Simplesmente a realidade não é aquela, e, portanto, ou nós trucidamos a realidade e n metemos no moinho do sistema, o que é difícil, tem-se provado que é difícil, ou entoo o sistema não funciona. Isto é, a transposição para o sistema inter territorial português de sistemas de pagamentos que funcionaram noutros países com graus de desenvolvimento muito diferentes dos nossos - possivelmente muito mais próximos uns dos outros do que nós em relação ao ultramar- levava, fatalmente, a que este sistema só podia funcionar de uma única maneira: os desequilíbrios estruturais - desculpem-me o palavrão - das províncias ultramarinas tinham de ser sempre compensados por um afluxo de capitais no sentido metrópole-ultramar. E, como os desequilíbrios estruturais do ultramar são maiores, porque o estado de desenvolvimento é menor do que o da metrópole, necessariamente esse fluxo, ou se verifica, ou encontramo-nos naquilo que nós designamos, eufemisticamente, por atrasos de pagamentos.
Portanto, só vejo duas soluções. Ou estes desequilíbrios desaparecem, o que significa, em termos concretos, que o desenvolvimento do ultramar se faz em ritmo muito mais acelerado que o da metrópole, e, portanto, a aproximação de níveis se faz, e como tal o fluxo de capitais terá de ser menor para cobrir o déficit, ou então temos de nos habituar a viver com o déficit se quisermos manter o sistema.
Novo problema surge: então que razões levam a metrópole a cobrir todos os anos os deficits do ultramar? Pois há muitas razões. Mas simplesmente essas razões estilo ligadas ao primeiro problema que pus: o que é o espaço económico nacional? Enquanto eu não souber o que é o espaço económico nacional, não consigo encontrar uma solução, porque toda a solução que se consiga encontrar é uma que pressupõe como é que ns diferentes parcelas se integram e se coordenam.
Há uma coisa que posso por mim, como opinião pessoal, dizer: é possível que o desenvolvimento do ultramar seja muito mais rápido do que o da metrópole. E possível. Os recursos estão lá, as potencialidades estão lá, e devo dizer mesmo mais que o horizonte ultramarino é mais vasto que o horizonte metropolitano.
Ao falar com homens de Angola ou de Moçambique, encontrei sempre um espírito mais aberto no plano do desenvolvimento económico do que na metrópole. Na metrópole vivemos muito protegidos, no tal rectângulo de que já falei. Vivemos um pouco desligados da Europa, com horizontes, digamos, que por vezes não permitem as pessoas verem além da ponte de Sagres ou além dos Pirenéus. Mas, no entanto, em qualquer caso, o horizonte ultramarino, em particular de Angola e Moçambique, é mais largo.
E no plano de desenvolvimento económico isto tem uma importância muito grande. E, por isso, ou realmente se acredita, e eu acredito, que o ultramar se possa desenvolver a um ritmo tal que possa diminuir a diferença em relação à metrópole, e eu penso que possa ser assim, em particular se a metrópole continua com ritmos reduzidos de desenvolvimento, mas, para isso, temos de fazer uma opção decidida e dizer que vamos investir onde a rentabilidade for maior, o que é também uma opção dolorosa. Por isso, queria só afirmar que acredito que possa ser assim. Se assim não for, nós podemos iludir a realidade, um ano, dois anos, quantas vezes não ouvimos já, inclusive a membros do Governo, afirmar que o problema dos pagamentos estava resolvido. Pois estava, naquele momento; mas a estrutura, a máquina implacável, funcionava sempre, num dado sentido, porque não podia deixar de ser assim. É natural até que agora também se nos diga que o problema está resolvido. Se conseguissem reunir alguns milhões de contos (não importa aqui o número), o problema estava resolvido.
Mas a mecânica interna de desenvolvimento será sempre no sentido desse desequilíbrio.
Além disso, algumas consequências surgem no plano da metrópole; provoca aquilo que eu já disse eufemisticamente, os atrasos dos pagamentos do ultramar, e esses significam imobilizações mais longas do que seria previsto pelos exportadores metropolitanos.
Isto significa, portanto, uma imobilização mais longa na liquidez das empresas em relação às suas vendas no ultramar. O que significa, consequentemente, uma imobilização mais da liquidez do próprio sistema bancário. E então o problema põe-se: a liquidez do sistema bancário pode ser afectada (não digo que o esteja completamente. Está em parte). E não só por esse motivo, mas também pela saída de divisas resultante de importações vultosas que se verificaram, assim como por algumas coisas que eufemisticamente também já se chamou de atrasos dos pagamentos militares. E não só por isso. Neste momento, a própria conta corrente do Tesouro fez uma recolha muito grande, visto que as receitas ultrapassaram, felizmente, aquilo que se esperava e, portanto, houve uma redução da liquidez do seu sistema, que é também afectada, na medida em que se desvia a liquidez do sistema monetário para o sistema financeiro.
E um problema que existe em. muitos países e que em Portugal tem a sua maior importância, em face de uma crítica que frequentemente se faz à empresa em Portugal e que já teve eco, digamos, nas próprias afirmações governamentais. Isto é: a estrutura das empresas portuguesas é deficiente no plano financeiro, o que significa que as empresas vivem, muitas vezes, vá lá, em linguagem popular, «presas por arames», porque estão a trabalhar com capital circulante como capital permanente e na medida em que, sendo circulante, juridicamente e legalmente, é economicamente permanente, qualquer liquidez mais apertada do sistema bancário faz tremer, não o funcionamento normal das empresas, mas sim a sua própria fundação e a sua própria essência, visto que elas se baseiam (mal, sem dúvida, mas esta é uma realidade) num capital circulante que é permanente no plano económico.
E por isso deixarei aqui uma palavra somente para ' sublinhar algo que o Governo conhece e que é o problema da liquidez do nosso sistema monetário.
Finalmente, outro aspecto relativo à política financeira.
Parece que estamos todos de acordo em que, em qualquer país e em qualquer tipo de desenvolvimento, o imposto é um mal inevitável, e que se paga cada vez mais imposto e das mais variadas formas. Nós ainda somos considerados como tendo uma carga tributária relativamente baixa. Mas parece também haver acordo generalizado em que essa carga tributária está mal repartida, não digo entre ricos e pobres, porque não é disso que agora me ocupo, mas está mal repartida entre diferentes actividades, e o próprio Governo - e mais uma vez o meu louvor ao Sr. Ministro das Finanças - o reconheceu ao afirmar que a contribuição industrial diminuiu porque havia um desequilíbrio, digamos, entre a imposição contributiva da actividade industrial e a de outros tipos de contribuição, fundamentalmente a predial urbana, que era relativamente reduzida.
Sabemos também que, na medida em que o imposto se torna mais pesado, a fiscalização se torna mais difícil.
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É difícil a fiscalização, mas de novo tenho aqui uma palavra a dizer para o Governo: que convirá intensificar, quanto possível, a fiscalização do imposto, em particular um plano empresarial.
Mais. Em muitos países essa intensificação no plano empresarial é insuficiente, e frequentemente se recorre aquilo a que se chama «indicies exteriores da riqueza».
É uma contribuição indirecta, é uma tributação indirecta, que vai, não ás pessoas, mas à orientação das suas riquezas.
Não creio que, no caso, possamos também evitar isso, e, como o Sr. Ministro das Finanças teve de solicitar à Câmara a possibilidade de ajustar os impostos indirectos, não creio que tenha outra alternativa, mesmo no plano da justiça distributiva, do que tributar estes índices externos da riqueza, e não sei quais são, porque os não tenho.
Muito mais haveria a dizer! E muitas coisas com louvor para o Governo, pelas iniciativas que tem tomado. Mas queria, não terminar, expor alguma coisa quanto a um aspecto que julgo importante.
A pequena poupança em Portugal ainda não tem possibilidades de aplicação e na verdade se houve uma política de consumo, se houve uma política de rendimentos; incentivou-me essa pequena poupança - a não ser como depósito. Talvez surjam agora outras formas, mas em muitas partes do mundo vemos nascer múltiplas formas de canalização da poupança. O Governo teve sempre isso em vista; só espero que consiga rapidamente levar a cabo este objectivo.
E por outro , no próprio plano da iniciativa, não quero demorar a Assembleia com coisas de pequena importância. Mas as intervenções de Governo e do Ministério das Finanças que parecem desnecessárias.
O Governo deseja o dinamismo das empresas e, no entanto requer autorização prévia para a reconstituição de uma empresa com um capital superior a 10 000 contos, e que possivelmente já está determinado. É uma exigência que vem de há muitos anos atrás e , consequentemente, desactualizada no valor. São pequenas coisas. Mas, se o Governo sem elementos de intervenção, deve antes incentivar a distribuição do capital e, por isso, deve incentivar, quanto possível que os capitais, sob a forma de acções, vão à Bolsa: deve estimular quanto possível, a fiscalização da sociedade anónima; deve mesmo, se possível penalizar aquelas empresas que não se encontram contadas na Bolsa e há muitos métodos; quer de incentivar, quer de fiscalizar essas actividades.
E termino como comecei com um louvor ao Sr. Ministro das Finanças e da Economia por aquilo que têm conseguido e aceitar que ninguém, certamente lhe inveja todos os problemas que resultam da acumulação sem Ter possibilidade de coordenação.
Muito obrigado.
Vozes: - Muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Joaquim Macedo: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao iniciar algumas considerações sobre a proposta de lei de autorização das receitas e despesas para 1971, quero cumprimentar o Sr. Ministro das Finanças e Economia pelo notável trabalho que, mais uma vez, é apresentado à aprovação desta Câmara, nos termos constitucionais.
Além da vastidão das informações e da profundidade de análise dos problemas, desejo salientar e louvar a intenção, já anunciada na Lei de Meios do ano passado, de se procurar desenvolver a articulação dos programas económicos e financeiros contidos neste documento com o Plano de Fomento em vigor, na parte respeitante ao período considerado. De facto, dado o carácter conjuntural da Lei de Meios, parece efectivamente de toda a conveniência que nele se computem medidas de correcção de desvios que se verifiquem na realização anual do Plano de Fomento, além da enunciação dos meios necessários à execução normal do Plano.
Queria também, em reforço de posições já assumidas por outros Srs. Deputados em intervenções anteriores, apoiar o propósito do Sr. Ministro das Finanças e Economia, com o que aliás, está em consonância o parecer da Câmara Corporativa, de procurar dar uma visão global de administração financeira do Estado, pela obrigatoriedade de envio ao Ministério das Finanças dos orçamentos dos serviços, com ou sem autonomia administrativa, que actualmente ainda não fazem parte do Orçamento Geral.
Dentro da política prioritária do desenvolvimento económico em que o governo está empenhado, e dada a escassez de meios, não pode realmente compreender-se que não sejam mobilizados e coordenados todos os recursos de que o Estado dispõe, em ordem a uma aplicação coerente e eficaz.
Ainda outro comentário de fundo entendo dever formular: pede o Governo à Assembleia a aprovação para arrecadar receitas e realizar despesas para uma nova gerência e acompanha esse pedido, como É razoável e conveniente, de uma enunciação programática de realizações que cabem dentro da política económica e financeira.
Este processo pressupõe a conveniência de verificação pela Assembleia e, dentro da representatividade que a esta cabe, pelo País do grau do cumprimento do programa que o Governo todos os anos anuncia. E este contrólo deve ser simples, claro e acessível a todos, e não só a especialistas e mediante trabalho de análise cuidadoso e exaustivo.
Peço ao Sr. Ministro das Finanças e da Economia, que tanto esforço tem desenvolvido no sentido de informar o País da situação económica e financeira e dos projectos do Governo nesse domínio, que continue nesse seu empenho de divulgação e esclarecimento, que permitirá que os portugueses, vivam como sua a crise pública e se sintam mobilizados para a grande cruzada do progresso da Nação.
Feitas estas considerações de princípio, passo a analisar alguns aspectos que mais chamaram a atenção.
Verifica-se, da leitura da Lei de Meios, que um dos objectivos dominantes do Governo para o próximo ano, e na linha de proposta já do ano passado, é o da aceleração do investimento como via indispensável do incremento da actividade produtiva e, indirectamente, da contenção da subida de preços. E dentro desta preocupação cabe prioritariamente o atentar-se na situação das indústrias transformadoras, nas quais o investimento teve, no período de 1966-1968, uma evolução alarmante. Supõe o Governo, por alguns índices indirectos e sondagens efectuadas, que a situação se terá começado a inverter nos fins do ano passado, em resultado de medidas tomadas de expansão do investimento público e da criação de condições favoráveis à recuperação de formação de capital por parte do sector privado. É motivo de júbilo esta informação e só lamento, apoiando reparos já aqui feitos, que não se disponha de estatísticas prontas que permitam uma acção correctora rápida do Governo antes que a evolução de rumo inconveniente leve a economia nacional a situações delicadas.
E aqui, no capítulo do investimento industrial, permita-se-me que me afaste um pouco da análise de números globais e atente mais na consideração de casos de com-
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portamento e intenções de industriais, cujo contacto em minha actividade profissional me proporciona. Parece-me de interesse este método, na medida em que nos projectamos no futuro e antecipamos situações prováveis que poderemos corrigir, se inconvenientes, por inflexão das tendências dominantes. E se dessa análise casuística inferir, por via indutiva, conclusões amplas, por essas situações me parecerem representativas do nosso condicionalismo actual, que me corrijam se, ao contrário, generalizei indevidamente casos excepcionais.
Refere a proposta, no seu preâmbulo, que, no capitulo do investimento, o comportamento das pequenas empresas - e estas constituem parte muito importante do nosso parque industrial - não tem revelado recuperação sensível da situação grave que se atingiu. E esta conclusão está em concordância com a evolução dos pedidos de instalação de novas unidades industriais e ampliação das existentes.
Tenho para mim que na base desta falta de iniciativa dos industriais pequenos, e até médios, estão motivações psicológicas profundas que condicionam a sua atitude. O modelo que serviu de base ao nosso desenvolvimento industrial do pós-guerra foi o do lançamento das infra-estruturas de produção e transporte de energia, a criação de grandes indústrias de base e, ainda, no domínio das indústrias ligeiras, realizações que visavam sobretudo n substituição de importações e se voltavam, por esse motivo, quase exclusivamente para o nosso pequeno mercado interno.
E, dentro do espírito muito corrente na época, deu-se a essas iniciativas industriais as protecções que se estimavam indispensáveis para as incentivar altas barreiras alfandegárias contra n concorrência estrangeira e condicionamento industrial a impedir forte competição interior. A isto podemos ainda acrescentar a existência do baixo uivei de salários, mantido por lima reserva de mão-de-obra agrícola, em grande parte em regime de subemprego.
Os nossos empresários viveram, pois, por razões de condicionalismo interno e externo, largo período em universo de cerrado proteccionismo, que novos tempos e novas condições fazem enfarar em rápida desagregação. Às barreiras alfandegárias esbatem-se e amplos mercados são abertos, por força de acordos de integração económica irreversíveis, o condicionamento industrial perde força, o custo da mão-de-obra, rarefeita pela emigração, sobe rapidamente.
Com isto apenas pretendo descrever factos, sem intenção de emitir juízo desaprobatório da nova política industriai que se desenha. Entendo, ao contrário, que o regime da economia, capitalista em que vivemos se legitima e justifica peia existência dinamizadora de uma livre concorrência. Não quero também deixar aparente apenas um quadro negativo e pessimista; no novo condicionalismo surgem muitas potencialidades que importa aproveitar. Convenhamos, porém, em que tão ampla e rápida mudança, mão podia, deixar de fazer profunda marca na atitude dos nossos empresários.
A indústria portuguesa, em face das novas perspectivas, tem de abandonar os muros de protecção e preparar-se para se bater em campo aberto com concorrentes de grande dimensão, usando técnicas de gestão modernas e eficientes, com produções de bom nível de qualidade, e não só concorrer no mercado interno, mas projectar-se na exportação com dinamismo e agressividade. Esta tarefa enorme de reconversão necessita do apoio do Estado, não só sob a forma dê uma definição da política industrial que aponte rumos prioritários, sobre os quais se façam incidir esforços financeiros, técnicos, de organização e de inovação tecnológica; mas também de acções concretas de ajuda a unidades ou a sectores industriais.
Não constituindo aliás qualquer novidade. Países muito mais desenvolvidos industrialmente do que o nosso, como a Inglaterra e a França, possuem instituições criadas pelo Estado, mas gerindo-se segundo regras do sector privado, o que lhes permite maior maleabilidade e dinamismo criados para servirem de elemento motor para o desenvolvimento industrial. E o apoio pedido a estas instituições pelas empresas não é apenas financeiro, como poderia supor, mas sobretudo de conselho no domínio de métodos de gestão de políticas de marketing de reformas de estrutura e também em ordem à realização de concentrações de empresas.
Aponto como exemplo o Instituto de Desenvolvimento Industrial Francês, oficialmente constituído em 1 de Julho deste ano, que tinha recebido até fins de Setembro cerca de cento e setenta pedidos de intervenção, dos quais, menos de um quarto continham pedidos de financiamento.
Mas não bastará, em minha opinião, para dinamizar e dar mais afoite à iniciativa privada, acções de financiamento e de conselho é necessário, o exemplo. A existência de empresas que dentro dos novos condicionalismos de concorrência e do mercado, demonstrem poder viver e progredir, seria o melhor catalisador de um novo impulso da actividade industrial. Queria aqui referir a criação de empresas de economia mista.
A intenção do Governo de criar sociedade deste tipo, aparece já consignada neste 111 Plano de Fomento nos seguintes termos:
Com o objectivo de acelerar o desenvolvimento industrial, em apoio da iniciativa privada e em estreita colaboração com ela poderá, o Estado promover empreendimentos de reconhecido interesse, cujo lançamento depende da sua intervenção directa. Uma sã colaboração entre o sector publico e o privado, baseia-se, antes de mais na existência de uma economia dinâmica, podendo as empresas publicas ou de economia mista constituir meio particularmente, eficaz de aceleração do crescimento económico como aliás já se tem verificado em Portugal por exemplo no domínio da energia.
No artigo 17º da lei de autorização das receitas e despesas de 1970 e no artigo 16º da proposta agora em discussão, refere-se novamente à criação de empresas de economia mista, como medida a tomar pelo Governo para activar a formação de capital fixo.
Há , pois, que transformar intenções e projectos em realidades actuantes e podemos ver em exemplos de economias altamente progressivas, como a italiana e espanhola, com importante sector de sociedades mistas, forte motivo de confiança na solução.
Em Espanha, por exemplo, o Instituto Nacional de Indústria, entidade de direito público que concentra as acções directas do Estado Espanhol na indústria, detinha, em 1965, 8,2 por cento do produto gasto nacional e: absorvia no conjunto das suas actividades industriais e de serviços 1,3 por cento do pessoal total e 2 por cento do pessoal total e 2 por cento do efectivo operário.
E passo a outro ponto contemplado na proposta de lei: a redução da contribuição industrial de 18 por cento.
Apoio com entusiasmo esta medida do Governo em vista a dar um tratamento fiscal menos desfavorável dos rendimentos de actividade comercial e industrial, relativamente nos outros tipos de rendimento.
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E neste caminho é necessário avançar-se muito para transformar a actuai situação de desencorajamento ao investimento na indústria, em incentivos operantes de aplicação de capitais neste sector, conforme, aliás, através da leitura da proposta, se vê ser intenção do Governo.
Mas não basta para se investir na indústria que o tratamento fiscal seja favorável; a 'condição necessária é existir onde investir. Não me refiro, evidentemente, aos que estão ligados ti actividade industrial ou comerciai, mas à grande massa dos que trabalham por conte, de outrem e às profissões liberais. Se dispuserem de aforro, e muitas vezes, sobretudo nalgumas profissões liberais, as economias são avultadas, que destino dar-lhes? A indústria? Mas, se não têm nem tempo nem vocação para empresários, como é normal, só poderiam ter na indústria uma participação capitalista.
Ora as nossas sociedades anónimas, de uma maneira gentil, apenas o são formalmente, pois as famílias ou os grupos que as dominam, não querendo pôr em arisco o seu controle, fazem-nas viver fechadas sobre si próprias, rendo, para o seu desenvolvimento, ou a emissões de capital com privilégio para os accionistas, ou então a créditos bancários. Que resta, pois, aos detentores de aforro que queiram aplicar capitais na indústria? Recorrer à Bolsa? Mas, se os valores mobiliários disponíveis estão cotados desmesuradamente em relação aos rendimentos que proporcionam, só interessando para manobras de especulação bolsista, então não podemos senão chegar à desoladora conclusão de que as únicas vias de replicação de capitais que lhes estão abertas são os imobiliários e os depósitos em institutos de crédito.
É urgente, pois, democratizar profundamente a nossa sociedade económica, criando condições que permitam alargar muito as possibilidades de participação no capital das empresas. E aqui volto a apontar a solução das sociedades de economia mista como um passo decisivo nesse domínio. Como exemplo, refiro o caso italiano, citando que no grupo IRI, de economia mista, os capitais privados são doze vezes superiores aos do Estado, estando divididos por pequenas participações, de modo que as empresas do grupo têm cerca de 450 000 accionistas.
E neste capítulo dos capitais para a indústria outro problema entendo importante levantar: as transferências dos nossos emigrantes. No relatório que acompanha o projecto de lei de autorização das receitas e despesas lê-se que o saldo de invisíveis no ano passado atingiu o elevado valor de 12 milhões de contos, ocupando, como é sabido, as transferências dos emigrantes o maior quinhão. E qual o destino dessas economias amealhadas à custa de trabalho esforçado e, muitas vezes, de grandes privações? Não disponho de informações quantitativas directas que permitam afirmações categóricas, mas a observação de casos e uma análise das motivações parecem-me poder levar a conclusões de suficiente generalidade.
Os nossos emigrantes são, em grande parte, oriundos de zonas rurais, e isso leva-os, num conhecido efeito de demonstração de êxito e também numa preocupação de segurança, a investir as suas economias em sector que conhecem: o agrário. Desse acréscimo de transacções resultou um nítido aumento de preço da pequena propriedade rural.
Ainda que não tenha podido' obter informação quantitativa directa desta sobrevalorização, a análise das estatísticas agrícolas e alimentares parece-me poder concluir uma confirmação evidente deste facto. Assim, considerando as vendas totais dos prédios rústicos no continente, encontramos as taxas de crescimento de 2,5 por cento e 16,6 por cento, respectivamente, para o período de 1960-1968 e 1963-1968, o que mostra bem o aumento nítido das transacções nos últimos anos. E se dividirmos as vendas nos escalões até 100 contos, entre 100 e 500 contos e acima de 500 contos, verificamos que no período de 1960-1968 as taxas de evolução foram positivas de 8,6 por cento no primeiro escalão e de 6,6 por cento no segundo e negativas de 0,7 por cento no terceiro. Como se vê, as transacções têm-se sobretudo concentrado nas propriedades de valor acessível as pequenas e médias poupanças.
Ora, é do conhecimento geral que um dos principais problemas da nossa agricultura é de ordem estrutural e está ligado à exígua dimensão da propriedade, na zona monte do Pais. O emparcelamento é, pois, uma necessidade imperiosa, em vista, de se poderem constituir explorações agrícolas suficientemente dimensionadas para permitir obtenção de custos de produção susceptíveis de transformarem economias de subsistência em economias de mercado. Não se poderá operar esse emparcelamento sem que o preço das propriedades agrícolas se aproxime do valor de capitalização do seu rendimento real a juro não muito distante do normal no mercado. A sobrevalorização da terra, resultante das compras dos emigrantes, vem ainda complicar uma situação já anteriormente difícil.
Não podem, pois, ver-se sem grande inquietação essas aquisições de minifúndios, normalmente acompanhadas de construção de casas rurais, que porventura em muitos casos nunca serão habitadas, condenadas a uma inevitável e rápida desvalorização.
Parece-me dever-se muito legitimamente perguntar se a Administração, guardiã do bem colectivo, não tem obrigação de orientar e de criar condições que façam inflectir esta tendência em investimentos ruinosos, produto de tanto esforço e de tanto sacrifício.
Haveria toda a vantagem para os próprios e para o País de chamar esses vultosos capitais para aplicações ligadas ao desenvolvimento económico.
E perdoe-se-me a insistência, que não resulta senão da convicção profunda, de voltar à solução das sociedades de economia mista, mas que, dinâmicas e bem geridas, possam assegurar remuneração razoável ao capital, como instrumento particularmente indicado para captar essas poupanças. O nosso emigrante, naturalmente afastado do mundo dos negócios, que vá com desconfiança, sente na presença do Estado nas empresas um factor de segurança e de justiça de tratamento.
O interesse e a afluência das pequenas economias às emissões das nossas sociedades hidroeléctricas parecem-me constituir exemplo demonstrativo desta afirmação.
E termino dando o meu voto de aprovação na generalidade à proposta e pedindo a atenção do Governo para os pontos que aqui levantei, convicto da sua importância no progresso da sociedade portuguesa.
Vozes:-Muito bem I
O orador foi cumprimentado.
O Sr. Leal de Oliveira: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Na minha primeira intervenção na ordem do dia deste período legislativo, permito-me, nesta mais alta Assembleia do País, afirmar ao eleitorado algarvio, àqueles que em mim depositaram um pesado fardo repleto de reivindicações e anseios, que continuo atento às obrigações que contraí e que farei o possível, adentro das conjunturas, de não desmerecer a confiança e a amizade que então me ofertaram.
A V. Ex.a, Sr. Presidente, passado que foi, nesta casa, um período de intenso trabalho sob a sábia, ponderada e muito atenta direcção de V. Ex.ª, é-me grato dirigir
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ao Presidente da Assembleia Nacional as minhas respeitosas homenagens.
Srs. Deputados: Para VV. Ex.as muito amigas saudações.
Para a imprensa, que tão eficientemente colaborou no último período legislativo, apresento os meus cumprimentos amigos, certo de que continuará a cumprir a transcendente missão de bem informar a Nação Portuguesa e o Mundo em geral.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: As intervenções parlamentares sobro a proposta de lei. de autorização das receitas ..e despesas são da mais alta relevância para n vida nacional.
Com efeito, não pode deixar de assumir elevada importância a análise de um documento que vai condicionar n vida económico-financeira do País no ano que se aproxima.
Srs. Deputados: A Lei de Meios deixou, e muito bem, de ser uma simples «autorização que o Governo solicita a Assembleia pára a cobrança das receitas do Estado e para o pagamento das despesas publicas e definição dos princípios a observar na elaboração do Orçamento».
Vai mais além do que lhe é imposto constitucionalmente, pois apresenta «um quadro tão completo e coerente quanto possível sobre as grandes linhas de orientação a que deve subordinar-se a actividade financeira do Estado».
Mais uma vez, me é assim agradável verificar o interesse que ó Governo manifesta em tornar publicas as bases que o nortearam na elaboração da proposta de lei em estudo, permitindo a Nação, não só o seu conhecimento, como também melhor percepção das análises aqui efectuadas.
Não irei expor a VV. Ex.as um estudo aprofundado e completo da proposta de lei em discussão. Falta-me tempo e valimento, e estou certo de que a integração das intervenções apresentadas ou a apresentar a esta Câmara permitirão ao Governo uma interpretação fiel do pensamento que a Nação possui sobre a proposta de lei de autorização das receitas e despesos para 1971.
No entanto, não me posso dispensar de aqui enumerar alguns aspectos que considero de interesse para o Algarve e para a conveniente prossecução da política económico-financeira agora apresentada pelo Governo.
Procurarei, Srs. Deputados, ser rápido e sintético na sua exposição.
Chamo a atenção de VV. Ex.as, em primeiro lugar, para as implicações negativas ao investimento imobiliário que acarretará o aumento previsto da contribuição predial urbana, se não houver uma criteriosa aplicação da referida medida.
Na verdade, se o Governo não executar o que admite-gostaríamos mais que afirmasse - na referida proposta, que «o agravamento não será indiscriminado e terá em conta o valor matricial dos prédios quando destinados a habitação própria e o montante e antiguidade relativa das rendas efectivamente, auferidas», a situação dos inquilinos continuará angustiosa nos grandes centros, por, certamente, surgir maior dificuldade na obtenção de casas, mesmo de renda média.
Torna-se, com efeito, necessário que o aumento anunciado tenha uma função selectiva ao investimento imobiliário; desviando os capitais para a construção de casas de rendas mais acessíveis ou. para'«outras aplicações porventura bem mais significativas sob o ponto de vista do interesse nacional», por oneramento dá contribuição daquelas vulgarmente consideradas de luxo e que têm permitido rendimentos mais vultosos.
Na proposta de lei de meios afirma-se que os rendimentos obtidos dos capitais aplicados na construção civil têm provocado o aumento do preço dos terrenos.
É uma realidade.
Mas real é também que o aumento do preço dos terrenos para construção e os alteamentos sucessivos dos preços das rendas das casas se filia, outros sim, no facto de que o ritmo da construção de habitações nas principais cidades, e até nalgumas vilas, não ter acompanhado a procura sempre crescente, por paralela ao empolamento demográfico da população portuguesa e u tendência do pós-guerra do êxodo rural para determinados pólos de atracção urbanos ou industriais.
Torna-se necessário, consequentemente, que a política selectiva fiscal que o Governo vai certamente empreender seja acompanhada por uma política urbanística pronta às solicitações dos que de casas precisam ou que pretendam investir no sector.
Ao referir-me à contribuição predial urbana, não poderia deixar de analisar casos particulares da tributação predial rústica, que tem sofrido aumentos significativos.
Aproveito para afirmar que não discordo do aumento de impostos necessários ao viver da Nação desde que equitativos e justos.
A administração pública, como é óbvio, só poderá fazer face às despesas sempre crescentes de uma nação em guerra armada contra bandoleiros industriados em países estrangeiros e em guerra contra o baixo nível de vida e deficiências nas estruturas sociais se tiver em contrapartida ajustamentos de receitas.
Todavia, algumas tributações recentemente alteadas no néctar agrário me parecem injustas, por se apresentarem completamente fora da realidade.
Quero-me referir ao imposto que incida sobre montados de azinho, aproveitamento florestal muito frequente em todo o Alentejo e Algarve.
Certamente é do conhecimento geral a grave endemia que grassa na espécie suína.
É do conhecimento geral o desaparecimento quase total tio chamado «porco de montanheira».
É ainda do conhecimento geral o fracasso da apanha, farinação e extracção de óleo dia bolota.
Pergunto: como é possível que o rendimento cadastral dos montados de azinho tenha sofrido aumentos substanciais! quando estamos certos de que os rendimentos reais baixaram a raiveis da negatividade?
A título de exemplo, informo VV Ex.as que no concelho de Barrancos, um dos mais pobres do Baixo Alentejo, houve aumentos de contribuição predial rústica referente a montados de azinho da ordem dos 65 por cento, e no concelho de Ourique os aumentos em relação ao mesmo aproveitamento atingiram 57 por cento.
Mais informo VV Ex.as que os aumentos atrás indicados ocorreram paralelamente ou após o surto da peste suína africana.
Daqui solicito ao Governo adequado estudo do problema, que tem vindo a afectar dolorosamente regiões em progressiva crise económica.
Srs. Deputados: O artigo 21.º, bem especificado nos bases 112 a 116 que apresenta a política do Governo referente ao sector comercial, vem ao encontro de duas necessidades muito prementes a economia algarvia.
São elas:
A instalação de um mercado abastecedor e exportador de produtos agrícolas;
A demarcação da região vitícola algarvia e posterior liberalização do plantio da vinha, medida já por mim solicitada ao Governo nesta Assembleia.
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Bem haja o Governo da Nação por tal política, e faço votos parti que as iniciativas atros apontadas sejam uma realidade em 1971.
Mais um ponto da bem elaborada proposta de Lei de Meios me chamou a atenção.
Trata-se da eleição de novos pólos de desenvolvimento que o Governo se propõe estudar, apoiado nas comissões regionais de planeamento.
O tema é delicado e não tenho possibilidade de o tratar senão superficialmente, mas abusando da paciência de VV Ex.as permito-me fazer algumas considerações sobre a possível localização de um complexo industrial a instalar no Sul do País.
Srs. Deputados: Se tivermos presente:
A macrocefalia da região de Lisboa e a poluição crescem-te da atmosfera envolvente e das águas;
A intensa, emigração da população das regiões diminuídas do Baixo Alentejo e Algarve, que convém contramiar;
A crescente fixação de estrangeiros no Algarve, verdadeira colonização que urge equilibrar pela retenção da população autóctone que foge em maciço êxodo rural;
A existência de condições muito razoáveis paira a consumição de pontos marítimos em Bines, Lagos, Portimão, Favo e Vila Real de Santo António;
A existência de matérias-primas de interesse industrial, nomeadamente: pirite, manganês, mármores, granitos e sienitos, sal-gema, madeiras, etc., e, possivelmente, de petróleo, este na orla marítima algarvia;
A ocorrência de grandes potencialidades hidroeléctricas, ainda não aproveitadas, no rio Guadiana;
A provável instalação de uma central nuclear para a produção de energia eléctrica na região de Alcoutim-Mértola; e
A existência de vastas zonas de nula aptidão florestal, semidesérticas sob o ponto de vista humano, onde a poluição atmosférica não tem a acuidade que apresenta na região de Lisboa;
é fácil pressupor-se que o estudo sério da localização de complexos industriais, pólos de desenvolvimento regional de primordial importância e eficiência, não deverá deixar de apontar a viabilidade e pertinência da eleição de um local no, vasta região do Sul do País, concretamente no Baixo Alentejo e Algarve.
Finalmente, ainda ouso prender a abenção de VV. Ex.as por mais uns escassos minutos, para focar um tema que julgo de muito interesse.
Srs. Deputados: Tenho vindo n observar com a máxima atenção e júbilo a política, altamente positiva e muito necessária para a melhoria do bem-estar da Nação Portuguesa, que o Governo bem vindo, com a maior persistência, a 'lavor a efeito arastes escassos dois anos de intenso labor. Mas, meus Senhores, torna-se necessária, é mesmo fundamental, a adaptação mais rápida da máquina administrativa e dos serviços estatais- às solicitações a que estilo e virão a estar sujeitos.
A melhoria das condições económico-sociais do funcionalismo público continua a constituir condição também imprescindível para a prossecução da obra a realizar.
Sem a intensificação de tais medidas, vejo seriamente comprometida a realização dos desejos do Governo, espelho dos necessidades e anseios da Nação.
Ao terminar os ligeiríssimas considerações que explanei a VV. Ex.as a Lei de Meios para 1971, quero afirmar mais uma vez a minha plena confiança no homem que dirige o Governo e a certeza de que venceremos as batalhas que se avizinham. Tenho dito.
Vozes: - Muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.
Permito-me recomendar aos Srs. Deputados que desejem intervir no presente debate a conveniência de se inscreverem, para melhor orientação da Mesa quanto a condução dos trabalhos.
Convoco para Segunda-feira, os 14 horas e 80 minutos, as Comissões de Defesa Nacional e de Economia, a fim de se reunirem, conjuntamente, para a apreciação da proposta da Lei de Meios.
Amanhã haverá sessão, à hora regimental, tendo como ordem do dia a continuação da discussão na generalidade da proposta da Lei de Meios para 1971.
Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas e 5 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Álvaro Filipe Barreto de Lara.
António Júlio dos Santos Almeida.
João Manuel Alves.
João Paulo Dupúich Finto Castelo Branco.
José Dias de Araújo Correia.
José Guilherme de Melo e Castro.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Manuel José Archer Homem de Mello
Manuel Martins da Cruz.
D. Maria Raquel Ribeiro.
Raul da Silva e Cunha Araújo.
Ricardo Horta Júnior.
Rui Pontífice Sousa.
Teodoro de Sousa Pedro.
Sr s. Deputados que faltaram à sessão:
Alberto Maria Ribeiro de Meireles.
Antão Santos da Cunha.
António Pereira de Meireles da Bocha Lacerda.
D. Custódia Lopes.
Deodato Chaves de Magalhães Sousa.
Francisco Correia das Neves.
Francisco José Pereira Pinto Balsemão.
Francisco Manuel Lumbrales de Sá Carneiro.
Francisco de Nápoles Ferraz de Almeida e Sousa.
Humberto Cardoso de Carvalho.
João António Teixeira Canedo.
João Duarte Liebenneister Mendes de Vasconcelos Guimarães.
Jorge Augusto Correia.
José de Mira Nunes Mexia.
José Vicente Pizarro Xavier Montalvão Machado.
D. Luzia Neves Pernão Pereira Beija.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Vasco Maria de Pereira Pinto Costa Ramos.
Eram 17 horas e 45 minutos.
O REDACTOR - José Pinto.
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Documentos enviados para a Mesa durante a sessão:
Requerimentos
Tendo sido largamente debatida na ulterior sessão legislativa a Lei n.º 4/70, de 29 de Abril próximo passado, apresentada a esta Câmara com o pedido de urgência, venho requerer, nos termos da alínea d) do artigo 11.º do Regimento, que me sejam fornecidos, pelo Ministério da Justiça, os seguintes esclarecimentos:
1) Quando e onde se projecta instituir os tribunais de família?
2) Em que fase se encontra
3) Está prevista a formação especializada de acessores, nos termos do n.º 2 da base 111?
4) Consequentemente, está em curso a reforma dos tribunais de menores?
Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 9 de Dezembro de 1970. - A Deputada, Maria Raquel Ribeiro.
Nos termos regimentais e constitucionais, requeiro, pelo Ministério competente, me sejam fornecidas as seguintes publicações:
Os quatro volumes sobre 80 Anos de Defesa do Estado da índia e os seis volumes de 10 Anos de Política Externa.
Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 9 de Dezembro de 1970. - O Deputado, João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
Propostas de aditamento
Nos termos do § 2.º do artigo 37.º do Regimento, proponho que ao artigo 3.º da proposta de lei de autorização das receitas e despesas para 1971, apresentada pelo Governo, seja feito o seguinte aditamento:
Art. 3.º................................................................. .........................................................................
d) Intensificar a ligação entre o que respeita à defesa e ao fomento, procurando nomeadamente que revertam para o circuito interno do Pais despesas militares ainda realizadas no exterior.
Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 9 de Dezembro de 1970. - O Deputado, Filipe Themudo Barata.
Nos termos dó § 2.º do artigo 37.º do Regimento, proponho que ao artigo 30.º da proposta de lei de autorização das receitas e despesas para 1971, apresentada pelo Governo, seja feito o seguinte aditamento:
Art. 20.º-A - Fará dar realização ao objectivo previsto na alínea d) do artigo 3.º fica o Governo autorizado a alterar o regime estabelecido pela Lei n.º 2020, de IS de Marco de 1947, para os estabelecimentos fabris do (Ministério do Exército, com o fim de permitir que sejam reestruturados por forma que constituam factor de coordenação e desenvolvimento do respectivo sector industrial do País.
Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 9 de Dezembro de 1970. - O Deputado, Filipe Themudo Barata