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REPUBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL E DA CÂMARA CORPORATIVA
DIÁRIO DAS SESSÕES N.° 55
ANO DE 1970 12 DE DEZEMBRO
ASSEMBLEIA NACIONAL
X LEGISLATURA
SESSÃO N.º 55, EM 11 DE DEZEMBRO
Presidente: Ex.mo Sr. Carlos Monteiro do Amaral Netto
Secretários: Ex.mos Srs.
João Bosco Soares Mota Amaral
Luiz António de Oliveira Ramos
Nota. - foi publicado um suplemento ao Diário das Sessões, n.º 50, que insere a proposta de lei n.º 13/X (lei de imprensa).
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberto a sessão às 15 horas e 45 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o n.º 53 do Diário das Sessões, com rectificações propostas pelos Srs. Deputados Casal-Ribeiro e Delfino Ribeiro.
Deu-se conta do expediente.
O Sr. Presidente informou estarem na Mesa os elementos fornecidos pelo Ministério da Saúde e Assistência, na parte que lhe respeita, em resposta ao requerimento do Sr. Deputado Leal de Oliveira na sessão de 30 de Janeiro do corrente ano. Esses elementos foram entregues ao referido Sr. Deputado.
Para cumprimento do disposto no § 3.º do artigo 100.° da Constituição, foi recebido na Mesa, enviado pela Presidência do Conselho, o n.º 880, 1.ª série, do Diário do Governo, inserindo o Decreto-Lei n.º 614/70.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Leal de Oliveira, para chamar a atenção do Governo para os recentes acidentes ferroviários, especialmente o do dia 10 do corrente, tragicamente assinalado por numerosas mortes, e Pio Fernandes, sobre problemas da pecuária de Moçambique.
Ordem do dia. - Em primeira parte iniciou-se a discussão na generalidade do projecto de lei sobre a designação, pelas respectivas corporações, dos vogais que faiem parte dos organismos de coordenação económica em representação das actividades por eles coordenadas.
Usou da palavra o Sr. Deputado Camilo de Mendonça.
Em segunda parte prosseguiu o debate na generalidade da proposta de lei de autorização das receitas e despesas para 1971.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Moura Ramos, Agostinho Cardoso, Cunha Araújo, Sousa Pedro, Themudo Barata e Pontífice de Sousa.
O Sr. Presidente declarou encerrada a sessão às 18 horas e 30 minutos.
O Sr. Presidente: - Encontrando-se incomodado de saúde o Sr. 1.° Secretário, assuas funções vão ser exercidas pelo Sr. 2.° Secretário, e solicito do Sr. Deputado Oliveira Ramos o obséquio de, nos termos do § 3.° do artigo 5.º do nosso Regimento, ocupar, por hoje, o lugar de 2.° Secretário.
Vai proceder-se à chamada.
Eram 15 horas e 30 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Albano Vaz Pinto Alves.
Alberto Marciano Gorjão Franco Nogueira.
Albino Soares Finto dos Reis Júnior.
Amílcar Pereira de Magalhães.
António Bebiano Correia Henriques Carreira.
António Fausto Moura Quedes Correia Magalhães Montenegro.
António da Fonseca Leal de Oliveira.
António Júlio dos Santos Almeida.
António Lopes Quadrado.
António de Sousa Vadre Castelino e Alvim.
Armando Júlio de Roboredo e Silva.
Armando Valfredo Pires.
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Artur Augusto de Oliveira Pimentel.
Bento Benoliel Levy.
Carlos Eugênio Magro Ivo.
Carlos Monteiro do Amaral Netto.
Delfim Linhares de Andrade.
Delfino José Rodrigues Ribeiro.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Eleutério Gomes de Aguiar.
Fernando Artur de Oliveira Baptista da Silva.
Fernando David Laima.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Fernando do Nascimento de Malafaia Novais.
Fernando de Sá Viana Rebelo.
Filipe José Freire Themudo Barata.
Francisco António da Silva.
Francisco Correia das Neves.
Francisco Esteves Gaspar de Carvalho.
Francisco João Caetano de Sousa Brás Gomes.
Francisco Manuel Lumbrales de Sá Carneiro.
Francisco Manuel de Meneses Falcão.
Francisco de Moncada do Casal-Ribeiro de Carvalho.
Gabriel da Costa Gonçalves.
Gustavo Neto Miranda.
Henrique José Nogueira Rodrigues.
Humberto Cardoso de Carvalho.
João Bosco Soares Mota Amaral.
João Duarte de Oliveira.
João José Ferreira Forte.
João Lopes da Cruz.
João Ruiz de Almeida Garrett.
Joaquim Germano Pinto Machado Correia da Silva.
Joaquim de Pinho Brandão.
José Coelho de Almeida Cotta.
José da Costa Oliveira.
José Gabriel Mendonça Correia da Cunha.
José João Gonçalves de Proença.
José Maria de Castro Salazar.
José de Mira Nunes Mexia.
José Vicente Cordeiro Malato Beliz.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Júlio Dias das Neves.
Lopo de Carvalho Cancella de Abreu.
Luís António de Oliveira Ramos.
Luís Maria Teixeira Pinto.
Manuel Elias Trigo Pereira.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel de Jesus Silva Mendes.
Manuel Joaquim Montanha Pinto.
Manuel Martins da Cruz.
Manuel Monteiro Ribeiro Veloso.
Maximiliano Isidoro Pio Fernandes.
Olímpio da Conceição Pereira.
Pedro Baessa.
Prabacor Rau.
Rafael Ávila de Azevedo.
Rafael Valadão dos Santos.
Raul da Silva e Cunha Araújo.
Ricardo Horba Júnior.
Rogério Noel Peres Claro.
Rui de Moura Ramos.
Rui Pontífice Sousa.
D. Sinclética Soares dos Santos Torres.
Teodoro de Sousa Pedro.
Vasco Maria de Pereira Pinto Costa Ramos.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 76 Srs. Deputados. Está aberta a sessão.
Eram 15 horas e 45 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Está em reclamação o n.° 58 do Diário das Sessões.
O Sr. Casal-Ribeiro: - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente - Tem V. Ex.ª a palavra.
O Sr. Casal-Ribeiro: - Era para uma pequena rectificação, Sr. Presidente. Na última linha da p. 1094, onde se lê: "a que não estava mesmo habilitado!", deve anteceder uma vírgula e ler-se: "é que não estava mesmo habilitado!".
O Sr. Delfino Ribeiro: - Solicito a V. Ex.ª, Sr. Presidente, as seguintes rectificações: na p. 1095, col. 2.ª, 1. 2, onde se lê: "of Trafication", deve ler-se: "Drug Addiction"; na p. 1095, col. 2.ª, 1. 5, onde se lê: "46861", deve ler-se: "46 371"; na mesma página, col. 2.ª, 1. 8, onde se lê: "primeira edição", deve ler-se: "prevenção", e onde se lê: "tráfego", deve ler-se: "tráfico"; na mesma página, col. 2.ª, 1. -10, onde se lê: "visto", deve ler-se: "em"; na p. 1095, col. 2.ª, 1. 18, onde se lê: "inferem", deve ler-se: "inserem", e onde se lê: "trafego", deve ler-se: "tráfico"; na mesma página, col. 2.ª, 1. 26, onde se lê: "de vida", deve ler-se: "vivida"; na mesma página, col. 2.ª, 1. 81, onde se lê: "tráfego", deve ler-se: "tráfico", na 1. 32 da mesma página e coluna, onde se lê: "nome", deve ler-se: "fenómeno"; ainda na mesma página e coluna, 1. 41, onde se lê: "toxicomanístico", deve ler-se: "toximanígeno"; e por ultimo, na mesma página e coluna, 1. 47, onde se lê: "contexto", deve ler-se: "que contém".
Muito agradecido a V. Ex.ª
O Sr. Presidente: - Continua em reclamação o n.° 53 do Diário das Sessões.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Como não há mais nenhuma reclamação a apresentar, considero aquele número do Diário das Sessões aprovado com as rectificações apresentadas.
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Enviado pela Nunciatura Apostólica um exemplar da tradução portuguesa da mensagem que Sua Santidade o Papa Paulo VI dirigirá a todos os homens de boa vontade em l de Janeiro de 1971, o qual será enviado à biblioteca.
O Sr. Presidente: - Estão na Mesa os elementos fornecidos pelo Ministério da Saúde e Assistência, na parte que lhe respeita, em resposta ao requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Leal de Oliveira na sessão de 30 de Janeiro do corrente ano.
Vão ser entregues aquele Sr. Deputado.
Está também na Mesa, enviado pela Presidência do Conselho, para cumprimento do disposto no § 3.° do artigo 109.° da Constituição, o Diário do Governo, 1.ª série, n.° 286, de hoje, que insere o Decreto-Lei n.º 614/70, o qual adita um número ao artigo 4.° e dá nova redacção aos n.º 1.° do artigo 9.° e 2.° do artigo 10.° do Decreto-Lei n.° 49 324, que cria o quadro especial de oficiais (Q. E. O.), destinado a instrução e enquadramento de unidades do Exército na metrópole e no ultramar.
Tem a palavra o Sr. Deputado Leal de Oliveira.
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O Sr. Leal de Oliveira: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Isto não pode continuar assim!
Os desastres ferroviários sucedem-se, as mortes avolumam-se e a desgraça enegrece maior número de famílias.
Há poucos meses a Providência. Divina não permitiu, perto de Sabóia, a ocorrência de desastres mortais, mas ontem, meus senhores, aqui perto de Lisboa, a hecatombe deu-se.
A morte ceifou para cima de duas dezenas de vidas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os mortos que tombaram impuseram-me estas palavras e que exigisse à C. P. e ao próprio Governo uma actuação pronta e enérgica que evite a repetição de tragédias semelhantes.
Isto não pode continuar assim!
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Pio Fernandes: - Sr. Presidente: Dentro e fora fronteiras é conhecida a vocação dual de Moçambique para a agricultura e a pecuária, com os seus grandes espaços, a sua ecologia favorável, a diversidade de condições geoclimáticas e outros factores que tornam aquela província propícia a uma variedade de culturas e à criação animal em grande escala.
Embora alguma coisa se venha fazendo no sentido de se aproveitar esse potencial, não exageramos quando afirmamos que, perante as enormes perspectivas que a província oferece para o abastecimento interno e do mercado nacional e até para exportação, ainda nos encontramos no primórdio do seu aproveitamento e, consequentemente, continuamos crònicamente a importar centenas de milhares de contos de produtos para consumo, desperdiçando no estrangeiro valores que de outra forma poderiam estar enraizados na terra, envigorando e enriquecendo a nossa própria economia.
Ao contrário do que vem acontecendo, cremos que num escalão de prioridades do complexo económico e social de Moçambique a agricultura e a pecuária - como fontes produtoras de riqueza do solo e reveladoras de energias das gentes, e ainda como actividades de fixação à terra por excelência - deveriam ocupar o lugar cimeiro, e nelas se deveria concentrar a maior soma de atenções e de esforços de todos, pois constituem o cerne da sua economia e oferecem os melhores meios de elevação das grandes massas, com vista à diminuição do fosso entre a riqueza de poucos e a pobreza de muitos.
A não ser que os milhões que constituem as populações rurais sejam interessados e cooperem a fundo na construção de um futuro comum, beneficiando em maior escala dos progressos da civilização, mesmo com uma indústria e um comércio florescentes difícil e será atingirmos a verdadeira meta do desenvolvimento nacional, que implica a difusão de um nível de vida digno para todos os cidadãos.
É dentro destas premissas que falamos hoje sobre perspectivas e problemas da pecuária de Moçambique, uma actividade que, a sair da sua letargia e a ser dinamizada com condições de rentabilidade, com uma medida de indispensável apoio e com o influxo de capitais nacionais e estrangeiros, poderá vir a desempenhar um papel relevante na vida da província e no panorama económico do todo português.
A falta de carne é hoje um problema que assume proporções de tal gigantismo que os meios científicos internacionais já andam preocupados e atarefados na procura de fontes alternativas para as proteínas animais sob a forma de produtos sintéticos, de origem marítima, etc.
Países como a Argentina e o Uruguai, tradicionalmente exportadores de carne, encontram-se de tal forma assoberbados com as suas próprias necessidades internas e com a demanda exterior que não mais podem ser contados como aptos a satisfazer os grandes mercados mundiais, cujo déficit anual ultrapassa um milhão de toneladas.
O mercado metropolitano também de há muito que vem sofrendo dessa falta, e ainda no corrente ano o ilustre Deputado Dr. Lopes Frazão focou nesta Assembleia o perigo do desfalecimento da agricultura, pondo em evidencia a nossa fraca capitação e a grande carência que, em escassos dois anos, obrigou ao dispêndio de anais de 800 000 contos em importações.
Se considerarmos que esta astronómica quantia não serviu senão para saciar passageiramente as necessidades alimentares da população da metrópole e se «tivermos em mente as potencialidades do ultramar, teremos de concluir que este gasto fugaz não foi dos mais prudentes, por ter ido beneficiar pecuárias estrangeiras, quando, se encaminhadas para o fomento pecuário das mossas parcelas, semelhantes verbas não só concorreriam para que tão elevados valores não fossem sistemàticamente subtraídos ao tesouro nacional, como promoveriam a verdadeira solução do problema da carne no nosso espaço, contribuindo ainda para atenuar o angustioso desequilíbrio da balança de pagamentos interterritoriais.
Encontrando-nos, portanto, face a uma situação francamente má e que ameaça deteriorar-se com o alteamento dos preços da carne no exterior, com a subida em espiral do custo de vida e com a progressão demográfica que se regista não só no nosso território, como no Mundo inteiro, será para nós uma triste prova de incapacidade se não conseguirmos arrancar a produção pecuária ultramarina da sua insuficiência e da sua rotina, dando-lhe as dimensões e a grandeza que a sua vocação agrícola permite e quê os problemas económicos e sociais da própria Nação aconselham e exigem.
Sabemos que nesse sentido se finalizaram recentemente importantes trabalhos no âmbito do III Plano de Fomento, e fazemos votos para que as recomendações dali resultantes sejam, com brevidade, transformadas em medidas efectivas; mas há que chamar a atenção para a sua magnitude e para os seus objectivos finais, que pressupõem verbas avultadíssimas e necessàriamente levarão largo tempo a produzir fruto.
No entanto, há problemas que podem e devem ser desde já encarados, não apenas no aspecto provincial, mas considerando a pecuária de Moçambique como parcela constituinte do produto e do mercado nacional, pois a sua solução não só se impõe como inadiável por mérito próprio, como ainda vai ao encontro das conclusões dos referidos trabalhos.
Começaremos por afirmar que, ao nível da iniciativa privada - que afinal é a principal responsável pelo que de positivo existe no campo da criação de gado e constitui a chave de todo o seu desenvolvimento futuro -, a pecuária de Moçambique não vive em clima favorável, antes enfrenta dificuldades que são de molde a desanimar os mais resolutos.
O próprio dimensionamento dos serviços de veterinária encontra-se de há muito ultrapassado pela grandeza da obra de saneamento e de fomento à sua frente, faltando-lhes recursos para poderem realizar até uma fracção daquilo que decerto sentem ser indispensável.
Para se fazer uma ideia desta insuficiência, basta mencionar-se que, numa área de 780 000 km2 e para um armentio bovino de 1 300 000 cabeças, sem contar com outras atribuições relativas à indústria animal, à caca, etc., o quadro dispõe de apenas duas dezenas de médicos veterinários, incluindo os que desempenham fun-
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ções administrativas, encontrando-se ainda os serviços tolhidas por deficientíssimas instalações, por falte de pessoal e de apetrechamento e por exiguidade ou inexistência de verbais com que cumprir a sua missão.
De salientar também que, equacionada com a grande importância do seu mister na vida ultramarina, a classe veterinária é uma que ali definitivamente carece de valorização, devendo ser-lhe dada maior projecção, pois quanto mais elevado o seu nível, melhor contributo poderá proporcionar ao avanço pecuário daqueles territórios.
O aumento rotineiro de entre 2 e 3 por cento que vem caracterizando o efectivo de bovinos da província não é sequer suficiente para cobrir o acréscimo de uma consumo interno que evolui mais ràpidamente que a produção, podendo considerar-se o seu armentio como em franco retrocesso pedante as exigências crescentes daquele mercado.
A adicionar a uma já deprimem-te situação, a África austral foi este ano atingida por uma calamitosa estiagem que dizimou dezenas de milhares de cabeças de gado, deixando a pecuária moçambicana em crise, ou mesmo prostrada em algumas regiões.
Não com a mínima intenção de confronto, mas apenas para se poder avaliar da extensão desse desastre, mencionamos que na vizinha República da África do Sul, onde o criador de gado usufrui de uma sólida infra-estrutura económica e de um vasto programa assistência do Estado, chegaram a ser mobilizados transportes terrestres e aéreos para deslocações maciças de forragens e gado, com visita ao salvamento deste. Os agricultores, cujas dividas ultrapassam 52 milhões de cantos, até para compra de alimentos para sustento próprio recusaram novos empréstimos oferecidos pelo Governo, dada a sua impossibilidade de arearem com mais encargos.
Em Moçambique, os criadores tiveram de depender dos seus já debilitados recursos e muitos houve que durante meses a ao se viram obrigados a despender mais do que que possuíam em deslocações de gado para as margens de rios ou lagoas, na compra e transporte de alimentação e até de palha, na abertura de poços, etc., numa desesperada e muitas vezes vã tentativa para manter vivos os seus animais.
As populações locais sofreram as piores agruras e, além da mortandade de gado, que representa um cruel golpe para a sua frágil economia, ou de se terem visto na contingência de venderem animais a pataco de preferência a deixá-los morrer por falta de pastos ou de água, chegaram ao ponto de terem de consumir, para se manterem vivos, as pequenas quantidades de milho, que, como é sua tradição, de um ano para outro guardavam da sua safra como reserva para semente.
Mas as dificuldades da pecuária não se limitam a estas, de natureza transitória, a que as secas deram maior acuidade.
Elas são crónicas e bem mais profundas.
É o desinteresse geral pelo sector pecuário; é a descapitalização desta actividade em direcção a outras de maior reprodutividade; é a falta de preços compensadores; é o alheamento total da juventude pela criação de gado; é o agravamento sucessivo do preço de tudo quanto interessa às explorações; são dispositivos anacrónicos da lei, que apenas permitem o regime de arrendamento de terrenos para uns pecuários ou que obstam à inclusão nas concessões de lagoas ou pequenos cursos de água, deixando evaporar este precioso líquido, em vez de facilitar a sua utilização, para tornar produtivas grandes extensões de terra; é a falta de acessibilidade ao crédito, uma vez que as concessões provisórias não são susceptíveis de hipoteca e ainda porque as principais entidades prestamistas, sendo polivalentes, lògicamente não arriscam os seus dinheiros em incógnitas, optando por sectores que se lhes afiguram como seguros e rentáveis, como sejam o comércio, a indústria e a construção.
Enfim, tudo parece concorrer para dar ao investimento pecuário o carácter de uma aleatória aventura, que explica a total ausência nesta actividade de capitais metropolitanos e estrangeiros, apesar do óptimo mercado que o exterior oferece para a carne.
Note-se que, neste sector em especial, defendemos a livre entrada de empreendimentos estrangeiros, que, com o seu capital, com a sua experiência e com as suas avançadas técnicas, podem actuar como elemento catalisador de um maior e mais rápido desenvolvimento da criação animal na província.
Estas poucas contas de um rosário de dificuldades explicam o motivo por que, de 1967 a 1969, apenas houve um aumento de três criadores registados por ano e por que, no mesmo período, o número de produtores de leite baixou de 79 para 74.
Este estado de coisas está na base do nefasto despovoamento que vem debilitando vastas áreas do interior, provocando o imobilismo dos seus centros populacionais e acarretando os graves perigos de um vácuo rural a favor de uma desmedida concentração de gentes e de investimentos nas urbes, em ocupações o iniciativas de menores riscos e maiores ganâncias.
Ninguém pode duvidar de que, por mais esforços que se façam e por mais acertados os estudos e os projectos que se elaborem, nada poderá criar interesse ou injectar novos investimentos na criação de gado enquanto esta não for - como definitivamente não é hoje - uma actividade rentável.
E é uma verdade chã que não pode haver pecuária - e muito menos uma pecuária progressiva - sem rentabilidade, e que não pode haver rentabilidade sem preços compensadores.
Neste aspecto, todo o problema da pecuária de Moçambique depende, antes de mais, do preço por que a carne de bovino é paga ao criador, preço esse que ali tem a distinção, por vezes cómoda, mas pouco invejável e muito imprudente, de ser considerado o mais baixo do mundo.
Actualmente, naquela província come-se carne barata, mas à custa do risco, cada vez mais pronunciado, de não termos amanhã carne suficiente para o consumo, por não haver quem esteja na disposição de a produzir em condições antieconómicas e tão desfavoráveis.
Basta estabelecermos um confronto sumário com os preços em vigor noutros nossos territórios para verificarmos o quanto é insuficiente o seu nível em Moçambique - circunstância esta que nos anos mais próximos bem poderá conduzir à vergonha de a província ter de importar carne para as suas necessidades, em vez de se alçar à exportação.
Na metrópole é garantido ao criador um preço médio de 30$ o quilo, sendo de 38$ para a novilhada. Em Luanda o preço mínimo é de 16$ 10 o quilo, acrescido de $10 ou $20 para as melhores carcaças e, ainda, de 2$ ou 4$ para a carne classificada, sendo o nível de vida ali idêntico ao de Moçambique.
Em Lourenço Marques o criador recebe por uma tabela que remete 80 por cento do gado para um escalão de «comum», pago de 8$ a 11$50 o quilo - preços manifestamente inadequados até mesmo para as mais fracas graduações de carne.
Um ponto a que atribuímos capital importância é que os baixos preços praticados para essas categorias, não
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compensando sequer o valor intrínseco da carne, independentemente da sua qualidade ou da natureza rústica ou racional das explorações donde é originária, tornam mais pobres os detentores da maior parte dessa classe de animais, ou sejam, as numerosas populações envolvidas na sua criação, afectando adversamente o seu nível de vida e o seu poder de compra, pois para quase todas elas o gado que possuem constitui o seu único mealheiro.
A urgentíssima valorização do gado bovino em Moçambique - não sob forma de um paleativo, imas sim representando uma actualização realística que coloque o seu preço justo acima de qualquer outra argumentação - é uma medida, indispensável à rentabilidade, ao progresso e ao próprio futuro da sua pecuária.
Sendo também condição essencial à existência de interesse, à atracção de capitais para aquele sector e à consecução de um nível de qualidade e quantidade que possa vir a permitir a exportação, essa valorização deve ser promovida resolutamente, com visão e sem delongas.
Estamos convencidos de que, para a restauração do equilíbrio da sua balança económica, muito particularmente no que diz respeito a bens de consumo, cuja produção local é viável, a província de Moçambique deve nortear-se pelo lema de «produzir, não importar».
Neste quadrante avulta o caso dos lacticínios, que pode e tem de ser encarado com energia e quanto antes, pois em cerca de cinco anos despendemos escusadamente em importações do estrangeiro perto de meio milhão de contos de produtos que nós mesmos poderíamos produzir.
Na realidade, se temos condições para nos encaminharemos para auto-suficiência, só por incapacidade nossa ou por falta de uma política positiva e dinamizante em todos os aspectos é que continuaremos a adquirir lacticínios lá fora em tão grande escala, pois a nossa produção própria, estrangulada pelos aumentos sucessivos nos preços de tudo quanto lhe é necessário, pela concorrência desregrada de produtos importados e por outros empecilhos, regista uma evolução insignificante.
Estão lançados os princípios de uma produção e de uma meritória industrialização própria, que muito bem podem atingir essa finalidade desde que sejam rodeadas de condições que permitam e animem a sua mais rápida evolução.
Ajudando a construir sobre fundações já lançadas, o Estado é chamado não a intervir, mas, sim, a apoiar esse esforço local verídico com directrizes gerais que defendam a sua expansão.
Julgamos que se comete um erro de raiz ao permitir-se que a província constitua um desprecavido descarregadouro para lacticínios que ali são colocados em regime de dumping por países estrangeiros que os exportam a uma fracção do seu custo, graças a consideráveis subsídios ou outros apoios concedidos pelos respectivos governos, ansiosos por se verem livres dos seus montanhosos excedentes.
Para ilustrar a situação, citaremos que 1 kg de leite em pó importado custa, posto em Lourenço Marques, a bagatela de 6$20 e que o preço da manteiga orça por 13$ o quilograma.
Como não vigora ali qualquer regime anti-dumping nem outro dispositivo visando proteger a indústria local, surgiram «indústrias» que, aproveitando o considerável diferencial de preço entre o adquirido ao desbarato e o produzido na província e beneficiando ainda de isenção ou redução de direitos aduaneiros pelo facto incrível de se importarem esses lacticínios acabados como matéria-prima, os têm lançado no mercado em condições fáceis de se imaginar.
Assim, vêm sendo comercializados como produtos de «indústria moçambicana» - por vezes até a preços inferiores aos praticados ao público nos próprios países de origem - diversos lacticínios, tais como leite em pó, que não é mais do que o leite em pó importado e enlatado depois de se lhe ter juntado algum aditivo, queijo fundido, fabricado a partir do derretimento de queijo importado, manteiga importada em blocos e simplesmente misturada ou empacotada, e até leite condensado, que não pode obedecer às normas portuguesas e internacionais que definem este produto (uma vez que o processamento industrial do dei-te é tão irreversível como do chouriço fazer o porco) e que não passa, de leite em
pó importado, doseado com água e açúcar, acrescido de gorduras ou vitaminas importadas e embalado em latas de chapa importada ...
Moçambique goza, neste capítulo, da triste reputação de ser o único território no Mundo com potencial para produzir os seus próprios lacticínios, a permitir indústrias deste soez, sendo Significativo o facto de, numa delas, estarem envolvidos capitais do próprio país interessado na colocação de excedentes.
Que aconteceria à vinicultura na metrópole se alguém se lembrasse de aqui montar uma «indústria» que importasse um concentrado de uva congeminado pela técnica moderna e, depois de lhe ter adicionado água, o lançasse no mercado com o rótulo de vinho e em livre concorrência com o produto local?
São óbvias, pois, as razões por que a produção de lacticínios de Moçambique atravessa, grandes dificuldades e não pode enfrentar a desnudada concorrência do estrangeiro, e são claros os motivos por que tais «indústrias» não podem estar interessadas na utilização do leite local quando a matéria importada lhes sai a uma fracção do custo deste.
Não foi possível obtermos elementos concretos sobre os montantes que o proteccionismo dado àquele género de indústrias representa, mas calcula-se que nos últimos cinco anos tenha custado ao Estado muito acima de 30 milhões de escudos, sob a forma de regalias pautais concedidas na importação de lacticínios, chaparia para embalagens, etc.
A conjuntura que a Nação atravessa e a necessidade absoluta de se perfilharem soluções que, em vez de favorecer uns poucos, contribuam para o maior bem-
estar de todos exigem a apresentação clara dos factos, para que a Assembleia possa julgar com conhecimento e imparcialidade e para que se possam promover- medidas atinentes à defesa do interesse geral.
Dizemos mesmo que uma maior vitalidade económica e a possibilidade de se manterem de pé com os seus próprios pés são essencialidades para a anunciada autonomia das parcelas do ultramar.
Forçoso é, portanto, trilhar o caminho da sua auto-suficiência básica, a partir dos bens alimentares, dando à produção destes a prioridade e o estímulo que merecem, mas que no passado lhe têm faltado.
No tocante a leite e lacticínios, esse caminho não poderá ser percorrido sem que primeiramente se assegurem melhores condições a todo o ciclo da sua produção, do seu transporte, da sua industrialização e comercialização, objectivo que, além de medidas disciplinadoras, implica a existência de amplos recursos materiais.
As bases que já existem são prometedoras, e felizmente que o Estado, no exercício de uma superior função, tem onde ir buscar receitas para esse fim, pois poderá fazê-lo com lógica através da constituição de um fundo de fomento de leite e lacticínios, para onde faria convergir o
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produto da adopção de medidas anti-dumping, bem como de uma taxa a lançar sobre todos os lacticínios importados, adentro do princípio de gradual paridade com o custo que os mesmos teriam se fossem fabricados em termos económicos, mas a partir do leite produzido na província. Este fundo, a ser gerido pelos Serviços de Veterinária, adentro de objectivos e prioridades que forem oportunamente programados, teria o duplo condão de proteger o esforço local de produção da desmedida concorrência do estrangeiro, ao mesmo tempo que asseguraria uma receita suficiente para, em relativamente curto tempo, se promover a emancipação da verdadeira indústria de leite e lacticínios de Moçambique.
Pelo novo regime de tributação directa sobre os rendimentos e adentro dos «imperativos de integração económica do espaço português e de uma harmonização fiscal à escala nacional», foi criado em Moçambique o imposto sobre as explorações, de estrutura inspirada na do imposto sobre a industrialização agrícola da metrópole.
Ora, se no continente e ilhas, onde a ocupação da terra se pode considerar como integral e onde existe uma agricultura consolidada em alguns sectores, um imposto homólogo se mostrou de tal forma inexequível que foi suspenso à nascença, ressalta logo como inoportuna a aplicação de idêntico mecanismo tributário em Moçambique, onde a agricultura mal teve o seu início e onde a ocupação da terra c uma preocupação dominante da Administração.
O Código, neste capítulo, encerra dispositivos de tal forma incongruentes com o condicionalismo local que de forma alguma pode conduzir à desejada harmonização fiscal, antes gera situações injustas a que urge pôr termo.
É preciso ter presente que u classe agrícola não pretende eximir-se de contribuir para o erário público na hipótese de resultados positivos das suas explorações, mas o instrumento fiscal é que tem de ser adequado e preciso, de forma a permitir ao contribuinte o cumprimento acessível das suas obrigações e consentir à Fazenda à responsabilidade de uma determinação harmoniosa e equitativa das colectas.
O imposto sobre as explorações, não obedecendo a estes requisitos, corresponde ao transplante de uma orgânica já defunta, de antemão condenado a fracasso, por encerrar tantos elementos de rejeição por parte do corpo agrícola, como por parte de um fisco técnica e psicològicamente impreparado para a sua execução.
Tudo nos convence ainda que em Moçambique o Estado terá incomensuràvelmente mais a ganhar com o aumento da produtividade agro-pecuária do que com o que pode resultar de uma colecta visando o mero acréscimo das suas receitas ordinárias.
Outro aspecto a considerar é que o próprio preâmbulo do Código explica que se fixou uma taxa deste imposto (10 por cento) mais baixa do que a da contribuição industrial, «por se considerar conveniente para as empresas agrícolas um tratamento fiscal mais favorável, em atenção à dependência em que se encontram os seus rendimentos das contingências da produção e das oscilações das cotações».
Mau grado essa acertada e judiciosa garantia, surgiu, um escasso ano depois, um diploma legislativo que veio contradizer em absoluto esse são princípio de incidência tributária, pois, remetendo as pessoas colectivas à contribuição industrial, passou a impor-lhes taxas de 12 e 18 por cento.
Isto é: se uma exploração agrícola ou pecuária é exercida por pessoa singular, ela está sujeita aos 10 por cento, mas se a mesma exploração for pertença de uma sociedade, esta pagará uma taxa bem maior, não obstante o Código declaradamente visar o rendimento, e nunca o sujeito.
Esta anomalia é contraproducente, pois vem desencorajar aquilo precisamente que é necessário promover, ou seja a associação de esforços para com mais eficácia se exercer o aproveitamento fundiário, que, naquela parte do território nacional, não se pode fazer em mini-explorações, mas sim através de investimentos substanciais e a longo prazo, quê são os únicos capazes de arrostar com as inúmeras dificuldades que ali atrofiam a actividade agrícola.
Compare-se este exemplo do tratamento dado à agricultura e à pecuária e a sua sujeição ao imposto a partir do ano em que se começa a cavar a terra com as isenções concedidas a indústria ou com os dez anos de isenção de que beneficiam os prédios novos, sejam estes de posse individual ou colectiva, sejam destinados a moradia própria ou a rendimento, e encontraremos uma das razões por que em Moçambique a indústria se expande a olhos vistos e por que só na cidade de Lourenço Marques, num ano, se investiram na construção urbana cerca de 1 milhão de contos e os prédios surgem como cogumelos, enquanto o capital foge da iniciativa agrícola como o Diabo da cruz.
Se considerarmos a exígua verba prevista no orçamento da província para este imposto - apenas 7000 contos em 1960, diminuindo para 6500 em 1970 -, somos forcados a concluir que os números e a sua tendência traduzem as enormes e crescentes dificuldades da agricultura e da pecuária em Moçambique e que aquele imposto nem paga os trabalhos e as despesas ocasionadas pelo seu lançamento e cobrança, nem compensa a perda de tempo e tanta amargura que ocasiona nos contribuintes.
Crendo, convictamente, que ali existe um muito maior somatório de razões do que o que levou à suspensão do idêntico imposto na metrópole, com plena consciência de quem advoga uma decisão de absoluta justiça e oportunidade, pedimos ao Governo a imediata abolição, naquela província, do imposto sobre as explorações. Resumindo:
Para que a pecuária de Moçambique possa adquirir novo ímpeto e possa ser encaminhada com maior celeridade para um nível de maior relevância na nossa economia, independentemente de outras decisões que forem achadas oportunas à sua protecção e ao seu fomento, preconizamos:
1.º Que o preço do gado bovino seja justa e urgentemente actualizado;
2.º Que, na importação de leite e lacticínios do estrangeiro, sejam adoptados dispositivos para assegurar a defesa da produção da província;
3.º Que, com as receitas provenientes da aplicação desses dispositivos, seja criado um fundo de fomento de leite e lacticínios, exclusivamente destinado a apoiar a produção e a industrialização locais;
4.º Que não sejam diferenciadas as pessoas singulares ou colectivas para efeitos de tributação sobre a actividade agrícola ou pecuária;
5.º Que seja abolido o imposto sobre as explorações;
6.º Que os serviços de veterinária sejam ampliados e providos dos meios necessários, valorizando-se simultâneamente a classe médica veterinária.
Não duvidamos de que, a serem perfilhadas, estas medidas, viáveis e justas, em pouco tempo produzirão grandes efeitos e servirão de alavanca para colocar a criação de gado daquela província no plano a que pode ascender, formando-se um clima de trabalho, de confiança e de
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ânimo que beneficiará todos quantos andam ligados à actividade pecuária e o próprio Estado.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: Em virtude de estarem inscritos sete oradores para as matérias da ordem do dia, considero conveniente entrar imediatamente nesta parte da sessão.
Os Srs. Deputados que estavam inscritos para usar da palavra antes da ordem do dia continuarão com as suas inscrições reservadas para as sessões de terça-feira próxima.
Vamos passar à primeira parte da
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Início da discussão na generalidade do projecto de lei sobre a designação, pelas respectivas corporações, dos vogais que fazem parte dos organismos de coordenação económica em representação das actividades por eles coordenadas.
Tem a palavra o Sr. Deputado Camilo de Mendonça.
O Sr. Camilo de Mendonça: - Sr. Presidente: Bem avisado andei quando, em 21 de Janeiro último, ao apresentar o meu projecto de lei sobre a representação das actividades nos diversos e múltiplos órgãos consultivos dos Ministérios, acentuei que o Estado português é dito corporativo e, às vezes, até parece ser verdade ...
Acrescentarei que não excluo dessa apreciação a pròpriamente dita Câmara Corporativa, como bem se documenta no seu parecer n.º 7/x, de 3 de Março deste ano, especialmente quando se confrontam as declarações de voto com o texto votado e se atenta na posição assumida pelos presidentes das Corporações da Lavoura, do Comércio e da Indústria.
Até parece que a base IV da Lei n.º 2086 não tem sentido ou justificação, mais se aconselhando modificá-la do que promover à sua regulamentação ...
Mas não vale a pena perder tempo, que a vida tem as suas exigências, as instituições as suas regras e as realidades as suas imposições ...
O objectivo do meu projecto de lei é, de resto, comezinho, limitado e muito concreto, pois visa apenas assegurar plena representatividade, periódica renovação e verdadeira participação à representação das actividades. E não vou referir sequer por exemplificação os casos mais ou menos conhecidos, mais ou menos anedóticos do que se tem chamado representação das actividades, até porque espero em breve todos pertençam à história, que mestra, embora, da vida, não é a vida no seu fluir constante e criação permanente.
Vamos a coisas sérias e construtivas, porque ajustadas às realidades e conformadas pelas exigências das instituições.
O problema, visado podia restringir-se ao da duração do mandato dos representantes das corporações nos órgãos consultivos dos Ministérios, enquanto se não puder chegar à situação prevista no n.º 1 da base VI da Lei n.º 2086, dentro do que se dispõe no n.º 2 da mesma base.
Podia. Podia, se os quase três lustros decorridos, desde a promulgação da Lei n.º 2086, tivessem bastado para promover a indiscutida necessidade de reformar de fundo a vegetante estrutura da coordenação económica, que, traduzida em organismos chamados de coordenação económica, não serve de há muito a finalidade que se propõe, nem se adapta às exigências da época e da orgânica institucional.
Mas a situação é outra, é infelizmente distinta, talvez porque a imaginação tenha faltado aos responsáveis, seja mais cómodo e simples agir sobre pormenores e particularidades do que enfrentar directamente as grandes questões.
Os chamados organismos de coordenação económica subsistem como sobrevivência de uma fase dita pré-corporativa e mais rigorosamente de uma economia de guerra. E subsistem em tais condições que chega a meter pena observá-los, assistir à sua actuação ou arremedo dela, mais parecendo que só por maldade se mantêm, desacreditados, ora por inoperância, ora pela contradança de dirigentes, ora por longa e inexplicável crise de dirigência.
Não tenho hoje dúvida alguma sobre a necessidade de extinguir este tipo de organismos, e cuido que muito pouca gente a terá. Tal extinção deve corresponder a um confesso público e político, mas também a uma exigência da própria coordenação, de que esses organismos não constituem já um meio idóneo, mas antes são um estorvo pesado e irreparável.
Nestas condições, já que política e econòmicamente a sentença condenatória transitou em julgado, melhor teria sido esquecer a situação da representação das actividades naqueles organismos e aguardar a sua extinção.
Assim seria se tivéssemos garantia, volvidos quinze anos sem ter assistido à aplicação da base IV da referida Lei n.º 2086, de que não teríamos ainda de aguardar por tempo igual a sua agonia deprimente e falha de caridade ....
De resto, o que está em causa não é a coordenação económica, que não pode dispensar-se, nem substituir se geralmente pela tutela das corporações, pois apenas ao Estado deve incumbir, mas a forma, a orgânica e o processo como deva exercer-se e articular-se com as instituições corporativas existentes.
Quando intervim na discussão da proposta de lei que veio dar lugar à Lei n.º 2086, no longínquo mês de Julho de 1956, tive ocasião de acentuar que a posição da proposta governativa era prudente e maleável quando não implicava a imediata extinção da estrutura de coordenação económica então - então e hoje como então! - vigente, nem desonerava a Administração desse papel, sem prejuízo das atribuições que a experiência provasse poderem ser cometidas às corporações a instituir.
Mais de três anos passados vim a intervir num aviso prévio da iniciativa do então Deputado, e mais tarde presidente da Corporação das Pescas e Conservas, José António Ferreira Barbosa, sobre os organismos de coordenação económica, para acentuar, uma vez mais, não poder a coordenação económica dispensar-se nem deixar de caber ao Estado.
O exercício desta exigirá, sem dúvida, uma orgânica estadual apropriada, que respeitando, utilizando e completando as tarefas que devam caber às instituições corporativas, assegure a plena efectivação dos seus desiratos, a oportuna e simples concretização dos seus superiores objectivos.
Tive então, de resto, ocasião de acentuar os riscos e consequências de funções desse tipo haverem sido cometidas a organismos corporativos, em regra de constituição obrigatória, para afirmar a seguir:
Quando defendo a existência de organismos do tipo dos chamados de coordenação económica estou a defender o género e não a espécie, estou a preconizar um género sem perfilhar as deformações a que os exemplares concretos têm vindo a ser sujeitos, parti
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cularmente no que respeita à sua burocratização, iniciada há precisamente dez anos e persistentemente continuada para mal de todos e glória de alguns burocratas estereotipados.
E o que não teria de acrescentar com o decorrer de mais uma década sem que a corrida para o abismo fosse travada, a desadaptação se tivesse tentado remediar enquanto tanta coisa mudava, novas instituições surgiam e diferentes experiências se firmavam?
Que teria de acrescentar hoje? Que teria de acrescentar por minha parte e, porventura, quanto por parte dos poucos que então os não condenavam de forma nítida e radical? Haveria de rever?
Longo caminho andado desde então!
Hoje quase todos estaremos de acordo, com excepção de quantos, como dirigentes ou governantes, tenham o estatismo burocrático - espécie mais corrosiva do que o socialismo de igual natureza - como objectivo e meio de uma política, a sua política. As excepções Confirmam a regra ...
Os actuais organismos de Coordenação económica constituem espécie a extinguir por necessidade da vida e talvez até por respeito pelos serviços prestados, a extinguir mas a substituir por formas mais actuais, ajustadas às necessidades e conformes com as realidades institucionais. Então no sector agrícola é clamoroso!
Aí creio que um organismo do género do Forma, francês, que noa vários países do Mercado Comum e seus associados, denominado de forma geralmente idêntica, não deixa de fazer parte do instrumental de aplicação das normas decorrentes da execução dos princípios do Tratado de Roma, bem pode constituir um meio idóneo, eficaz e compatível com a nossa estrutura institucional.
É que coordenação económica é uma coisa e a intervenção que supõe ou a que obriga outra diferente, em que pode ter papel relevante a organização corporativa como forma mais barata, efectiva e harmónica de atingir os objectivos económicos definidos pelo Estado com a participação das actividades.
Ora, para tanto, como disse, ninguém saberá exactamente por quanto tempo a teimosia e a força da inércia vão permitir que durem os organismos de coordenação económica como porque em sua substituição outra orgânica deverá ser criada, exigindo igualmente a representação, afigura-se-me que não deveria dispensar-se a regulamentação de uma representação valida enquanto aqueles organismos perdurassem e que se continuar na orgânica que vier a substituí-los.
Todavia, deste espírito e visão decorre naturalmente que, em vez de procurar remodelar os órgãos dos organismos de coordenação económica, mais se justificasse conformar a representação à satisfação dos requisitos de cada um dos estatutos orgânicos dos mesmos, sem prejuízo do pleno respeito pela validade da representação. Não deixa de se normalizar e tornar autêntica a representação com efeitos imediatos sem mais remendos em fato que rebenta por todas as costuras.
Não é outro o sentido da declaração de voto do Digno Procurador Martins de Carvalho, para que devo chamar a atenção pelo que significa de lucidez e realismo, que tão vivamente contrasto como o sindicalismo irrealista e formal, aspirando a corporativismo, do parecer.
Chegado aqui, não poderei deixar de anotar ser chocante, tão chocante como desfasado no tempo e das práticas dos nossos dias, pretender restringir a representação nos organismos de coordenação às entidades patronais como daltonismo oposto de indiciar empurrá-la para os sindicatos ...
E neste mesmo comprimento de onda referirei a bizantina ideia de confiar a indicação às corporações, quando as actividades não estão organizadas corporativamente, quando se lhes nega a mesma faculdade relativamente às actividades que integra. Estranha lógica!
Ou acontecerá que as corporações constituem vazadouros de quanto não foi ordenado, nem tem cabimento institucional?
Não sei se era algumas corporações se estará processando um fenómeno de asfixia dos organismos intermediários, como se não estará a assistir-se, por vezes, à minimização dos primários. Se tal acontecer, não restará outro caminho do que corrigir vícios ou desmandos, que não são, aliás, inerentes ao sistema, pois não seria legítimo, nem correcto, desrespeitar direitos ou suprimir prorrogativas, só porque se não cumprem as regras de fogo.
Vai sendo tempo de prestigiar e respeitar instituições, em vez de satisfazer desejos de pessoas respeitáveis, vai sendo tempo de devolver às instituições quanto lhes deva caber, desonerando a Administração, fazendo funcionar os canais institucionais como forma e meio de defesa das liberdades colectivas, de correição das tendências estatistas, de participação nas tarefas exigidas pelo governo dos povos.
Há, aliás, muitas anomalias a remediar, diversos organismos aberrantes a reestruturar, algumas excrescências a eliminar, que não poderão deixar de ser consideradas frontalmente e com brevidade. No que interessa à lavoura apontarei, resumidamente, os casos das chamadas Federações Nacionais dos Produtores - dos produtores? - de Trigo, dos Vinicultores do Douro e dos Vinicultores do Dão, a Comissão de Viticultura da Região dos Vinhos Verdes e Grémio dos Exportadores de Fruta de Vila Franca de Xira ... e referirei as múltiplas associações que vão desde os regantes aos proprietários, das cooperativas especializadas aos grémios dos vinicultores.
No campo do comércio e da indústria apontarei os grémios obrigatórios, já que a proposta de lei sobre a defesa da concorrência não pode deixar de os pôr em causa, como se as realidades os não tivessem de há muito posto ...
Mas não me alongarei mais por este caminho, tão elucidativo como merecedor de meditação.
Sr. Presidente: A representação das actividades nos órgãos consultivos dos Ministérios não oferece duvidas a ninguém de que deverá ser designada pelas corporações. Que essa representação deva ter um mandato correspondente ao do órgão da corporação que a designar, parece pacífico.
Uma parte dos objectivos do projecto de lei não oferece, assim, contestação.
Apenas a forma de designação dos representantes das actividades nos chamados organismos de coordenação económica suscita uma dupla controvérsia. Controvérsia a quem compete a designação e quanto à persistência dos organismos tolerados desde a instituição dos comparações.
Relativamente ao primeiro ponto, creio poder sustentar que não entendo por que se haveria de seguir critério diferente quando se aja em nome dos mesmos princípios, se visem finalidades idênticas e a lei é igualmente clara a este respeito.
A base IV da Lei n.º 2086 estabelece, com efeito, que os órgãos representativos dos organismos de coordenação económica serão constituídos, sempre que possível, pelas secções dais corporações.
O § único do antigo 7.º do regimento das diferentes corporações prevê a execução daquele princípio.
Por que motivo haveria então de retirar-se às corporações o direito de designar os representantes das activi-
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dades quando a lei pretende levar a representação às últimas consequências?
Apenas podem aparecer como aberrantes argumentação, quer a circunstância de se pretender restringi-la ao sector patronal, quer a transigência com a existência de anómalos organismos ditos de coordenação económica.
Ora, em tais condições, seria tão errada a primeira como absurda a segunda.
Sobre o erro da primeira, quando o corporativismo é uma doutrina social, nem vale a pena falar, .constitui enfermidade que passa com o tempo e sem deixar rasto ...
Acerca do absurdo do segundo, caberia apenas lembrar que esses organismos subsistirão enquanto necessários, são transitórios por essência e ... já transitaram ...
Se alguma coisa houver que sacrificar, não serão os princípios, mas as estruturas que os contrariam, as orgânicas que se lhe opõem. A alternativa de reformar estes organismos poderia constituir a única preposição inteligente por parte de quem sus pretendesse salvar por defesa de uma época em que chegaram a funcionar como para corporações verticais ...
Não partilho desse ponto de vista, nem me disponho a trilhar esse atalho.
Sustento que a coordenação económica só pode e deve caber ao Estado. A autodirecção da economia constitui uma ideia muito sedutora há quase meio século, mas não mais é lícito tê-la como viável ou desejável à luz dos conceitos económicos, sociais e políticos do pós-guerra.
Mas se sustento que a coordenação económica deve pertencer ao Estado, não posso esquecer quanto em matéria de execução das regras e propósitos da mesma pode caber com indiscutida utilidade, pode e deve caber às corporações em geral e aos organismos corporativos em particular.
Bastaria comparar os métodos de actuação de uma Federação Nacional dos Produtores de Trigo, que quase só intervém por intermédio dos organismos primários da lavoura, com os de uma qualquer junta nacional, tão superior e capacitada para não poder ter dúvidas em custo, eficiência e oportunidade sobre qual dos sistemas convém e melhor serve os interesses da economia nacional e das actividades em particular. De resto, tanto a defesa da agricultura como a da indústria não podem ser feitas na Secretaria do Comércio, nem a antiquada preocupação do equilíbrio e sustentação de todos os sectores pode ter-se como admissível ou satisfatória a uma política de expansão.
Novos métodos, novas orgânicas, têm de ser ensaiados por exigências de compatibilidade, mas também de actualidade.
Se algo, está mal, criadas as corporações, são os instrumentos anteriores à sua instituição, que subsistem como se nada de novo se tivesse passado, e não estas, que têm de ser sacrificadas.
Aqui, como por toda a parte, as soluções são hoje diferentes. A homogeneidade de fins, a compatibilidade de meios, a unidade de actuação, exigem soluções estaduais coerentes e válidas, mas também corpos intermédios e instituições intercorporativas que, funcionando nos dois sentidos, constituam pontos de intercepção das exigências do Estado com as da Nação.
Por minha parte transijo apenas em adaptar as representações das actividades às imposições estatutárias dos organismos em que devem participar, e faço-o na medida em que estou convicto de que estes não podem perdurar, por motivos económicos, mas também por motivos políticos.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vamos passar à segunda parte da ordem do dia.
Continua o debate na generalidade da proposta de lei de autorização das receitas e despesas para 1971.
O Sr. Presidente da Comissão de Finanças entregou na Mesa o parecer da sua. Comissão, acerca da proposta de lei em exame, pedindo para ser recebido por escrito. O mesmo parecer vai ser publicado no Diário das Sessões.
Tem a palavra o Sr. Deputado Moura Ramos.
O Sr. Moura Ramos: - Sr. Presidente: A Lei de Meios para 1971, cuja proposta o Governo enviou para apreciação a esta Assembleia, acompanhada do parecer da Câmara Corporativa, não se nos apresenta como um detalhado programa de acção, mas antes como a disposição do conjunto de meios sobro o qual se estabelece o plano de acção administrativa que é o Orçamento Gerai do Estado.
A Lei de Meios é, pois, por assim dizer, o plano da vida e da administração do País para o ano que se avizinha, da qual é inseparável o relatório que a precede para seu melhor entendimento, constituindo ambas as peças um documento de alto valor e sentido realista, em ordem a promover o mais rápido e profundo processar do desenvolvimento nacional.
Mantendo as grandes directrizes há mais de quarenta anos afirmadas pelo génio do estadista que foi Salazar, a proposta em discussão progride na adaptação a novos ritmos da vida nacional, continuando, no entanto, a sustentar-se a necessidade do equilíbrio orçamental e das contas públicas, tal como do regular provimento da tesouraria.
Não só a sustentação das despesas de soberania, como também o aumento dos níveis de vida e a possibilitarão de concorrência nos mercados internacionais dos nossos produtos levam a considerar o desenvolvimento económico como uma premente necessidade.
Mas ao mesmo tempo que se mantém uma conjuntura de equilíbrio, não é possível realizar aqueles três objectivos sem se criar riqueza.
Para além dos sacrifícios em vidas, feitos por uma guerra ateada e sustentada do exterior e que nos obriga a despender largas somas em dinheiro, continua a consagrar-se o princípio do crescimento dos investimentos, em ordem ao desenvolvimento económico da Nação.
Da gerência dos dinheiros do País deve ressaltar a continuação de um regime de poupança, de austeridade que se impõe como absolutamente necessário à manutenção do equilíbrio financeiro e do valor da moeda.
Ora, uma vez que a nossa economia é uma economia de desenvolvimento, há a necessidade de, paralelamente, se reduzirem os gastos supérfluos e de procurar investir de modo consciente, de maneira a não desperdiçar dinheiro em empresas aventurosas que não tenham viabilidade económica.
E daí que se estabeleça uma escala de prioridades quanto aos investimentos.
A despeito de vários e insistentes reparos à actuação de servidores e organismos que se comprazem em gastos desmedidos no supérfluo, esquecendo que lhes escasseia depois para o essencial, tudo se vai ou continua infelizmente a processar como se vivêssemos em maré de rosas.
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Quando, por estarmos em guerra, um mínimo de clima próprio deveria ser convictamente vivido pela Nação sem que fosse afectado o seu progresso económico, realizam-se despesas não essenciais e até supérfluas, postergando para plano secundário o princípio que manda observar a maior austeridade possível nos gastos. É que, não se podendo deixar de acentuar a moderação dos sacrifícios pedidos, incidindo na generalidade sobre matéria sumptuária, e indo, portanto, afectar as bolsas mais providas e os gastos não indispensáveis, não podemos deixar de sentir certa apreensão e inquietação, por efeitos de pressões de natureza especulativa, com o jogo complexo dos salários e dos preços, sem que haja travão capaz de travar o movimento quando o mecanismo se põe a funcionar, ou, mais concretamente, não permitir que toda a melhoria de vencimentos seja imediatamente absorvida pela alta dos preços.
Não nos temos cansado de nesta tribuna erguer a voz para clamar por maior austeridade nos serviços públicos como satisfação moral e mesmo reparação material a tantos sacrifícios impostos aos contribuintes. Admitimos perfeitamente que nalguns sectores se esteja a proceder correctamente com eficiência, mas que se passa com numerosas e bem compostas representações oficiais para estarmos presentes em todos os congressos e demais reuniões que no estrangeiro sé realizam; com a concessão de subsídios avultados para viagens de grupos ao estrangeiro sem imediata necessidade e que por lá se entretém as mais das vezes a desperdiçar divisas que melhor destino podiam levar, melhor aproveitamento de unidades de trabalho e muitos outros pormenores, que, somados, podem constituir influências relevantes na vida orçamental, constitui a prova de que bem necessária se tornava uma chamada â atenção por parte de quem tenha autoridade para o fazer (nunca esquecendo que é a autoridade moral do poder dos que mandam que faz fortificar em nós a vontade de obedecer) e tendente a refrear os abusos em que, por vezes, se cai quando se utilizam dinheiros do Estado.
Em apoio e seguimento destas considerações, passarei a indicar alguns casos que mais chocam a opinião pública. Assim:
a) As visitas oficiais devem revestir-se da possível economia de gastos, sem perda, obviamente, da indispensável dignidade;
b) Por outro lado, as inaugurações de liceus ou escóis s técnicas, de pousadas, ou mesmo de bairros económicos, etc., são hoje, felizmente, repito, felizmente, actos correntes da Administração, são actos normais na vida de qualquer país em desenvolvimento, pelo que é preciso não exagerar na sua inauguração oficial, com, por vezes, demasiadas entidades a deslocar-se, com evidentes pendas de tempo e de gastos. Não nos esqueçamos de que, nos tempos que correm, ao público interessa bem mais que se ocupe o tempo no que há para fazer do que a festejar o que já está feito.
O Sr. Themudo Barata: - Muito bem!
O Orador:
Felizmente que se nota hoje menor concentração, no aeroporto, de entidades oficiais às simples e frequentes partidas e chegadas;
c) Os banquetes e copos-d'água, que tanto se prodigalizam por esse País fora e sobretudo em Lisboa, elevem circunscrever-se ao número de pessoas e mormente aos gastos indispensáveis, para que os estrangeiros que neles tomam parte não fiquem na alternativa de nos julgarem um país ou demasiado rico ou desgovernado. Sendo Portugal o país mais rico do Mundo em variedade de vinhos, estranho é que nas recepções e copos-d'água oficiais, por um lado, se sirva whisky e, por outro, falte em absoluto um plano selectivo de apresentação dos nossos vinhos, perdendo-se uma oportunidade para a sua propaganda;
Vozes: - Muito bem!
O Orador:
d) A preocupação, por porte dos organismos, de gastar verbas, mesmo que dispensáveis, só porque estão inscritas no orçamento e, portanto, possíveis de esbanjar;
e) A utilização, sem parcimónia nem decência, por abusiva, dos automóveis do Estado e dos organismos, já tantas vezes posta em evidência nesta Assembleia e sem que seja convenientemente reprimida, etc.
A Sr.ª Raquel Ribeiro: - Muito bem!
O Orador: - Afirmou ainda não há muito tempo o Sr. Presidente do Conselho que «o Governo está constantemente a ser obrigado a difíceis opções. Não quer deixar de atender à educação, ao fomento, à saúde [...], aqui e no ultramar, mas toda a gente compreende que o dinheiro não é elástico. E que só com prodígios de administração se pode combater nas duas frentes: a frente da guerra contra o terrorismo e a frente da luta em prol do desenvolvimento económico e social do País».
Tem-se procurado estimular, por tudo isto, a formação de poupanças e outros fundos capitalizáveis e fomentar a sua mobilização no financiamento de investimentos reprodutivos e movimentar as disponibilidades do Tesouro.
Nas palavras que nesta Casa proferimos na sessão de 12 de Dezembro de 1963, e que, atenta a sua flagrante actualidade, pedimos vénia para recordar, dissemos que, para levar por diante este plano da vida e da administração do País, sem que a carga fiscal tenha incidência apreciável no desenvolvimento económico, se tornava necessário e imperioso deixarmo-nos de gastos indiscriminados, de obras sumptuárias ou, sequer, de utilidade duvidosa, e termos sempre bem presentes as palavras de Salazar: «... Todos devem convencer-se de que somos bastante pobres para poder gastar mal o que temos.» De lamentar é, porém, a pouca audiência que têm tido as recomendações de rigorosa economia na utilização de verbas a que são obrigados os serviços públicos nesta hora particularmente grave para a vida da Nação.
De alguns sectores parece não se ter ainda apoderado o sentido de responsabilidade na direcção da coisa pública, enquanto por outros parece já ter sido abandonado. Ora, o Estado Novo começou por se impor à Nação pela «simplicidade, economia de gastos e dinamismo da função dos dirigentes», pelo que são devemos nem podemos consentir que alguns salpiquem o Poder com a lama de desmandos praticados por aqueles que devem ser paradigmas de virtudes públicas, que prestigiem simultâneamente o Governo e os homens que o compõem.
Há que impedir que os serviços públicos se desviem da finalidade para que foram criados - servir a população -, obstando a que os funcionários que se sirvam deles
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a seu bel-prazer, pois só assim é que o sacrifício de uns tantos será mais bem aceite. E num regime èticamente válido, de nada valeria a pregação destas doutrinas, a doutrinação das inteligências, se deixássemos a concretização dos princípios à mercê do livre arbítrio de cada um, sem uma orientação capaz ide aglutinar os pensamentos e as vontades.
Ora essa orientação, sob o signo da verdade, da seriedade e dia austeridade na Administração, foi-nos proporcionada pelo movimento de 28 de Maio, e ninguém de boa fé poderá afirmar com verdade que o Estado Novo de Salazar, saído daquele movimento, haja sido infiel a esse princípio. Mas sabe-se, e foi ainda Salazar quem no-lo disse, que a desordem e a imoralidade políticas têm um efeito corrosivo na alma das nações, e Moniz Barreto chegou mesmo a referir-se a um «círculo vicioso que toma a corrupção uma necessidade de governo e o governo uma obra de corrupção, o que leva a um abastardamento do carácter nacional que não pode deixar de influir nefastamente no desenvolvimento e progresso dos povos». E nunca outra passagem da referida intervenção afirmámos:
Quando, a 28 de Abril de 1934, visitou oficialmente a cidade do Porto, Salazar disse que «a Revolução não teria explicação nem defesa se não fosse profunda nos seus objectivos, séria nos seus processos, visceralmente popular». E num outro passo do mesmo notável . discurso afirmou: «[...] Se somos contra os abusos, as injustiças, as irregularidades da Administração, o favoritismo, a desordem e imoralidade, isto corresponde a um sério pensamento de governo e não a uma atitude política, à sombra da qual cometamos os mesmos abusos e as mesmas injustiças. Ai dos que fingem abraçar estes princípios de salvação nacional e dizem acompanhar-nos na obra revolucionária, e sabem que queremos ir ousadamente pelas reformas sociais, elevando o nível económico e moral do povo, e no fundo pretendem apenas adormecer na esperança de reivindicações mais vivas e aproveitar a paz que lhes conquistámos para esquecer as exigências da justiça». E Salazar concluía, e bem: «Esses não são nossos, nem estão connosco.»
Ora, era este espírito que deveria continuar nas almas, para que nelas se gerasse uma mentalidade confiante nos altos destinos da Nação, impedindo-se a todo o transe que os objectivos e os processos da Administração e do Governo sejam subvertidos pela influência de elementos cuja actividade e atitudes só acarretam o desprestígio dessa mesma Administração e Governo.
Perdido o sentido da poupança em todo o mundo, houve já necessidade de lhe consagrar um dia - o Dia Mundial da Poupança -, que também entre nós se celebrou a 28 de Outubro, visando sobretudo desenvolver entre os particulares o espírito de economia, o hábito de poupar, hoje em dia tão enfraquecido.
Poupar, segundo o léxico, significa renunciar, embora com algum sacrifício, a deixar de fazer gastos não prementes ou até supérfluos, para, poder ocorrer a, necessidades imprevistas, porventura imperiosas.
Por outro lado, e como bem acentuou o Doutor Mota Veiga no citado dia, deve fomentar-se o espírito de aforro, porque «um país só pode desenvolver-se; económica e socialmente, se for capaz de formar, todos os anos, um volume de capitais suficiente para investir em empreendimentos já existentes e em novas iniciativas, quer por parte das empresas, quer por parte do Estado e dos organismos públicos», capital esse que é constituído pela soma de todas as poupanças.
Ora isto, que é verdadeiro para a economia dos particulares, é-o igualmente para a do Estado. Tanto assim é que, em leis de meios anteriores, o Ministro das Finanças aconselhava que se acelerasse de maneira rápida, e sem adiamentos o inoremento do produto nacional e se adoptasse um apertado regime de poupança dos dinheiros públicos para poderem cobrir-se os elevados encargos com a defesa dos territórios ultramarinos sem prejudicar o aumento do nível de vida das nossas populações.
Resumindo e concluindo: o Governo e os organismos oficiais devem dar aos particulares o exemplo da boa administração, evitando todo o desperdício, quer de tempo, quer de dinheiro.
Há que reabilitar a virtude da poupança e da simplicidade, sobretudo no momento actual em que o País continua a fazer um esforço enorme no sentido de assegurar a integridade territorial da Nação e a intensificar o desenvolvimento económico e social de todas as suas parcelas que, para ser eficaz, terá de ser acompanhado de um sentir colectivo que ponha acima de tudo o bem nacional. Este desiderato implica uma dupla acção: por um lado, uma redução de despesas e, por outro, uma selecção das mesmas, tudo em proveito das que se mostrem ser altamente reprodutivas, travando e taxando de maneira impiedosa as que tiverem carácter sumptuário.
Não falta o rumo nesta Lei de Meios para 1971. Com efeito, prescreve-se no n.º 2 do artigo 4.º da proposta de lei que se poderá providenciar no «sentido de reduzir, suspender ou condicionar as despesas do Estado e de entidades ou organismos por ele subsidiados ou comparticipados», devendo ser observadas «na administração das suas verbas as normas de rigorosa economia [...]», conforme preceitua o artigo 5.º da mesma proposta de lei.
E, sendo extraordinárias as exigências, praza a Deus que não falte o poder de iniciativa bastante, bem- como a competência e firmeza dos governantes e a boa compreensão e sentido do bem nacional por parte dos governados, para se poderem estabelecer e executar planos úteis em obediência ao espírito que informa e ilumina a Lei de Meios para 1971, à qual dou o meu voto na generalidade.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Agostinho Cardoso: - Sr. Presidente: Tem-se falado muito nas inovações da proposta de lei em debate e na maior amplitude com que, em relação às anteriores, ela vem analisar a conjuntura nacional e perspectivar o ano que vai seguir-se.
Parece-me que nestas características ela é um teste de «renovação na continuidade» - os dois substantivos que englobam um único monómio político -, como há dias por outras palavras acentuou o Sr. Presidente do Conselho.
Saliente-se para já na proposta de lei o significado político da unificação no mesmo artigo dos dois objectivos essenciais do esforço financeiro a realizar em idêntica prioridade - até porque o segundo está tio serviço do primeiro: a defesa da integridade territorial e o desenvolvimento de todas as parcelas do território nacional.
E observe-se que, apesar do aumento das exportações, em 1969 como em 1970, a subida em ritmo mais alto das importações de maquinaria e de outros bens necessários ao nosso processo de desenvolvimento fez agravar o déficit da balança comercial, mas, como nos anos anteriores, a cobertura continuou a efectivar-se corri positivi-
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dade na balança de pagamentos, graças aos mesmos factores: as receitas do turismo e as «transferências privadas», onde se supõe predominar as remessas dos emigrantes.
O esforço por atingir-se o máximo possível nos investimentos públicos e por estimular-se os privados, selectivando os mais reprodutivos, a criação em maior ritmo de capital fixo, a protecção da indústria numa tendência fiscal para abrandamento de impostos neste sector - são aspectos salientes de uma política de desenvolvimento bem sintetizada no artigo 3.º da proposta de lei.
Anote-se, na procura de um melhor equilíbrio da carga fiscal, o estudo anunciado no sentido de incorporar certos adicionais a contribuições do Estado no próprio imposto sobre que incidem, em ordem a uma distribuição mais vultosa e mais equitativa para cada região. Aspecto este que poderá, no futuro, ter repercussão favorável nos distritos autónomos adjacentes e na selectividade para que a sua autonomia provavelmente evolucionará.
E, finalmente, nas ligeiras e discretas referências que desejei fazer à Lei de Meios para 1971, mencione-se a iniciativa do Governo em quebrar o tabu dos serviços só poderem despender 90 por cento das dotações anuais, autorizando-os a utilizar toda A receita atribuída, pois é no Orçamento Geral do Estado que devem situar-se os mecanismos de segurança e de adaptação, em ordem a afastar o perigo dos deficits e dos grandes saldos não utilizados. Estes, alguns aspectos que me levam a dar o meu apoio à notável proposta de lei em debate.
Mas, Sr. Presidente, a lei de meios é de certo modo o dispositivo teórico que vai informar a organização do Orçamento Geral do Estado e a actuação do Governo e da Administração através dele. Por isso, permito-me insistir, nesta oportunidade, em alguns problemas sem dúvida sectoriais, mas que têm constituído alguns dos motivos mais vividos da minha actuação parlamentar.
E faço-o, na esperança de poderem ser considerados pelo Governo em relação a 1971.
Cada vez estou mais seguro de que o Sr. Presidente do Conselho e o Governo acompanham o que se diz nesta Assembleia. Sem essa fé não estaria aqui nesta tribuna.
No artigo 18.º da proposta de lei, que estabelece a prioridade a dar aos investimentos, em conformidade com a execução do III Plano de Fomento, verifica-se que a saúde vem em alínea a). E VI também o Sr. Deputado Miller Guerra trazer para aqui o problema de uma nova Faculdade de Medicina em Lisboa. Por outro lado, parece-me saber que o Ministério da Educação Nacional estuda neste momento a reforma das Faculdades de Medicina existentes.
Ora, um dos problemas de saúde que levantei pela primeira vez nesta Assembleia, o qual tem sido minimizado e de que se não ainda ganhou suficiente consciência no nosso país, é a situação da assistência e da higiene dentárias na população portuguesa.
Já por várias vezes aqui disse que representamos, porventura, o último país da Europa em subdesenvolvimento neste sector, que somos um país de desdentados, em que todos os problemas estomatológicos se resolvem com o «tira-dentes», o único, talvez, onde se precisa de nove anos universitários para ser-se profissional médico de odontologia, o único onde não há uma escola médica de odontologia e a especialização se faz em consultas externas, mal apetrechadas, de alguns hospitais civis. Um país em que haveria um profissional de odontologia para vinte mil habitantes, se cerca de metade não estivessem concentrados nas três cidades privilegiadas do continente. Um país onde nada há quanto a higiene dentária nas escolas, nem de prótese para os débeis sociais.
Um país onde, bisantinamente, se discute o nível que é de dar aos profissionais do futuro e às estruturas do ensino odontológico, mas onde ainda se não deu um passo na solução directa do problema.
Mais uma vez chamo a atenção do Governo para este sector da saúde, que pode ser planeado e posto em execução antes da reforma das Faculdades de Medicina e nela considerado e integrado no momento próprio.
Sr. Presidente: Vai para três anos, realizei nesta Assembleia um aviso prévio acerca dos problemas da velhice e da necessidade de uma política para a velhice, no qual colaborou uma plêiade notável de Deputados, a que a imprensa do País deu relevo e de que posso, sem exagero, dizer, ter interessado a consciência nacional.
O Sr. Presidente do Conselho prontamente aceitou a moção aprovada pela Assembleia Nacional, nomeando uma comissão de alto nível para equacionar em moldes práticos as diversas incidências do problema. Desde então verificaram-se alguns colóquios, conferências e até uma intervenção nesta Assembleia por uma ilustre Deputada que terá em breve responsabilidades no sector assistencial.
Também no plano dos factos, parece-me só poder focalizar desde então algumas disposições no Instituto de Obras Sociais da Previdência, alguns benefícios concedidos pela C. P. nos transportes ferroviários a pessoas idosas e o aperfeiçoamento de algumas instituições válidas e basilares da Direcção-Geral da Assistência, que muito se interessou por este assunto. E, sobretudo, o alargamento aos aposentados dos benefícios da A. D. S. E. e o aumento das suas pensões, bem como o aparecimento dos esquemas de invalidez na recente previdência rural.
A Comissão, após as primeiras e interessadas reuniões, em que se criou grupos de trabalho e em que se esquiçou planos de acção, verificou a insuficiência dos seus meios. Parece-nos que é ao Governo que compete, nas presentes circunstâncias, actuar através de um esforço coordenador e dinamizador dos sectores estatais por onde tais problemas habitualmente se processam, extinguindo a Comissão, para que dela não continuemos à espera, o País e os serviços, quando nada pode fazer.
Não posso aceitar que este problema deixe de situar-se no primeiro plano das prioridades nacionais, e até de certo modo o vejo incluído nas que vêm mencionadas no artigo 18.º Não se pedem grandes verbas, mas a coordenação e aperfeiçoamento do que existe e a prospecção, planificação e dimensionamento quanto ao futuro de um sector, que abrangerá todos os portugueses que não morrerem jovens. E pena foi que no estudo a fazer não se chegasse a tempo de investigar no recenseamento populacional que vai começar algumas dimensões específicas que podem escapar num estudo genérico, embora bem estruturado como é este promovido pelo Instituto Nacional de Estatística, cujos serviços ao País são cada vez mais preciosos.
Dois aspectos apresentei no meu aviso prévio como experiências portuguesas a esboçar adentro da linha doutrinal da inserção da pessoa idosa na família, pelo menos, enquanto isto for possível.
A primeira, era a criação de tipos arquitectónicos e de experiências-piloto na construção de habitações, contendo no seu interior um apartamento para pessoa ou casal idoso. Apontei isso à Previdência, e vejo na alínea d) das prioridades mencionadas no artigo 18.º a habitação social.
A segunda, era o esboço de uma assistência domiciliária, sanitário-doméstico-social, especializada na gente da terceira idade, a ensaiar em Lisboa e noutras cidades, tendo cada unidade como sede e centro de actuação os
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recolhimentos e outros estabelecimentos assistenciais. Iniciativas que necessitam menos de verbas do que de consciencialização por parte de alguns departamentos estatais.
Sr. Presidente: Em 23 de Abril próximo passado enviei uma nota de perguntas ao Governo, pedindo informações acerca da regulamentação da Lei n.º 2127, que trazia benefícios importantes aos sinistrados do trabalho e que aguardava essa regulamentação. Em resposta, recebeu há dias a Assembleia Nacional a informação do Governo de que o anteprojecto da referida regulamentação foi já ultimado e que, acerca do mesmo, foi pedido parecer às corporações.
Quero congratular-me pela próxima entrada em vigor da referida lei.
No pólo oposto se situa o caso da lei de livre circulação entre o continente e as ilhas adjacentes. O projecto, minuciosamente regulamentado, proposto pelo grupo de trabalho que fez um estudo minucioso do problema, não foi utilizado, mas substituído por um projecto de lei, de bases excessivamente genéricas, presente à Assembleia Nacional.
Pelo douto parecer da Câmara Corporativa, como por vários Deputados, entre os quais me conto, foi o Governo alertado durante o debate nesta Assembleia acerca da necessidade de uma regulamentação minuciosa antes da entrada em vigor da referida lei, que nada se perdia em aguardar alguns meses ou mesmo um ano por esta regulamentação. Receava-se, por um lado, que a redução de taxas alfandegárias - se não fosse estabelecido um controle dos lucros de importação - viesse só beneficiar os intermediários e os fornecedores externos do mercado das ilhas, sem se reflectir sobre o público. Temia-se também que a quebra de receitas volumosas, de que dependiam importantes instituições assistenciais na Madeira, não pudesse ser automàticamente compensada até à arrecadação suficiente do imposto de consumo do tabaco. Embora atribuída há poucos dias pelos Ministérios das Finanças e da Economia uma verba de 10 400 contos aos dois arquipélagos adjacentes para este fim, a intempestiva entrada em vigor desta lei confirmou os receios manifestados e trouxe algumas perturbações na adaptação alfandegária, determinando a transferência de parte do pessoal que servia nas ilhas para outras alfândegas do País.
Há assim um desajustamento na eficácia dos resultados de uma lei que levou o Governo a sacrifícios financeiros que se reconhece, sem que à população chegassem, por ora, benefícios dos 25 000 contos em que se estima a contracção das taxas alfandegárias na Madeira, os quais ficarão em grande parte na mão dos intermediários e dos fornecedores externos dos produtos importados. Impõe-se um reajustamento de ordem regulamentar a uma lei de perspectivas tão prometedoras.
Sr. Presidente: O capítulo viu da proposta de lei de meios «Política regional» dá larga margem da actuação ao Governo para contemplar a especificidade e procurar corrigir as desigualdades de desenvolvimento.
Deputado da Nação, tenho também nesta Câmara uma expressão regional. Por isso, não se estranhe que no final da minha intervenção e no âmbito da discussão da Lei de Meios eu apele para as decisões necessárias do Governo em relação a alguns problemas cruciais do arquipélago que me elegeu.
É por demais conhecida a especificidade das características sócio-económicas do arquipélago da Madeira: pletora populacional em reduzida superfície, situação insular e geográfica não permitindo volumosa industrialização competitiva, forte emigração e forte natalidade, orografia acidentada, condições paisagísticas e climáticas sugestivas de um desenvolvimento da indústria do turismo, em que desde há, um século foi a Madeira precursora no nosso país. Tudo isto constitui razões para que o arquipélago haja sido considerado, apesar das suas pequenas dimensões, como uma região autónoma para efeito de desenvolvimento regional. Com efeito, no III Plano de Fomento acentua-se «que a Madeira, como os Açores, não atinge a dimensão demográfica mínima usualmente aceite como padrão, mas o seu isolamento e a pecularidade dos seus caracteres humanos e estrutura económica impõem a sua definição como região-plano autónoma».
No binómio industrialização + promoção da agricultura - esquema de desenvolvimento das regiões atrasadas - tem de se dizer, em relação à Madeira: promoção das infra-estruturas globais e em especial da agricultura + turismo, a única indústria de volume internacional possível de ali desenvolver. O turismo surge na Madeira - sublinhe-se bem - não como um processo de desenvolvimento apenas, a exemplo do Algarve, mas como único motor possível de um processo de desenvolvimento vital, para que a população actual possa caber e viver na ilha em termos de suficiente e digno nível sócio-económico e cultural.
Tudo isto é conhecido e sabido. Repete-se, para denunciar uma grave encruzilhada conjuntural em que se encontra o arquipélago neste momento crucial da sua vida colectiva:
Um surto de investimentos nacionais e estrangeiros ainda insuficientes, mas de que resultará 20 mil camas em estabelecimentos hoteleiros dentro de alguns anos, determina urgência no planeamento concreto, para execução logo imediata, do conjunto das suas infra-estruturas.
Sem isto, corre-se evidentemente o grave risco de se criar em volta da pequena área turística, que englobaria as hotéis, não o desenvolvimento, mas uma situação inflacionária, enquanto à periferia a maior parte da população continuaria em precária situação económica e sobre ela ainda por cima se reflectiria a subida provável de preços, dado o desequilíbrio entre a pequena oferta e uma grande procura. E as divisas a entrar logo se consumiriam nas importações para o abastecimento. Há já hoje hotéis que têm de importar 60 a 70 por cento dos abastecimentos alimentares.
Não ignoro que o Governo segue com atenção a conjuntura, que promoveu estudos já em curso, e que alguns de grande importância estão concluídos. Mas impõe-se não ser ultrapassado pelo tempo, planificando para em tempo executar, por forma a obter-se o desenvolvimento harmonioso da produção, do turismo e das indústrias (transformadoras, de consumo e de exportação), que a médio nível podem na Madeira prosperar, ao serviço de uma população cujo nível sócio-económico suba harmoniosamente também.
Há de resto estrangulamentos a desbridar e insuficiências de fundo a encarar definitivamente. Citemos alguns dos estrangulamentos:
1) As dificuldades postas pelo Banco de Portugal na autorização de entradas de divisas para custeio de empreendimentos, iniciativas em curso e estabelecimentos em construção já com a utilidade turística oficialmente reconhecida;
2) As possibilidades de o Aeroporto da Madeira, sob o ponto de vista técnico e comercial, em vir ou não a ser ponto de partida de carreiras aéreas regulares internacionais e directas. Considera-se impossível o desenvolvimento turístico da Madeira através de charters - elemento sempre
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precário - e de uma única carreira Lisboa-Funchal, com extensão aos Açores, Porto Santo e Canárias.
Numa reunião de imprensa promovida pela TAP, respondendo aos jornalistas madeirenses, o presidente do conselho de administração da transportadora nacional informou que uma carreira directa Londres-Funchal - que se pretendia fosse o primeiro passo para os voos internacionais - era comercialmente pouco praticável de momento, pela penalização que comportava em passageiros na viagem do Funchal para Londres, dado o comprimento (1600 m) da pista de Santa Catarina, no Funchal.
E deve ter razão. Tudo está em que a tempo se defina, se a antiga tese oficial de que o conjunto do Aeroporto da Madeira, constituído pelas pistas do Porto Santo e do Funchal, é comerciável e praticável para voos internacionais directos, ou se tem de estudar-se a ampliação, embora dispendiosa, do actual Aeroporto do Funchal. Isto para que não surjam estrangulamentos nos transportes aéreos em futuro turístico próximo. Não tenho dúvidas de que os Ministérios das Obras Públicas e das Comunicações providenciarão a este respeito, mas devo declarar que há acerca disto grande inquietação na Madeira.
3) Outro estrangulamento é o caso recente da crise na exportação da banana da Madeira, uma das suas culturas mais importantes e onde a acumulação de erros vindos de longa data e que continuam ainda pode comprometer sèriamente o futuro. Problema que só por si ocuparia uma intervenção parlamentar e que nem esboçarei hoje.
Sr. Presidente: Incidindo sobre uma região de pequenas dimensões com mão-de-obra abundante, o plano regional de desenvolvimento da Madeira é inquadrável e solucionável pelo Estado na esfera do Plano de Fomento, coordenando, comandando e completando os elementos locais. E desenrolando-o, ao longo da prospecção das potencialidades do distrito, da programação, financiamento e crédito onde não se esqueça a melhor captação e fixação dos capitais dos emigrantes e do dimensionamento e delineamento da actuação sectorial, com prioridade na agricultura, a mola real do abastecimento.
E aí, na agricultura, atente-se no circuito da produção e comercialização, nos créditos para modernizá-la e mecanizá-la em parte; para selectivar produções e áreas de cultura, e os locais onde ela deve ceder lugar à pecuária, e isto em face de uma propriedade rural pulverizada em pequenas unidades ou tomada imperfeita pela colónia. A agricultura, madeirense, que tem na viticultura problemas importantes, entre os quais o regresso às castas nobres, com a defesa da qualidade e dos mercados; na cana-sacarina, um dilema complexo e uma difícil opção ao ajuizar-se a sua vantagem económica e o seu interesse como cultura e forragem, em face do açúcar produzido e daquele que é importado; perspectivais interessantes na floricultura, que pode desenvolver-se, mas que precisa, para se estruturar, de um maior apoio do Estado em crédito, fornecimento de sementes e plantas de qualidade, e em estudos de prospecção minuciosa quanto a mercadas, aspecto em que podia prestar grandes serviços o Fundo de Fomento de Exportação.
E cite-se o interesse crescente das culturas forçadas sob a protecção de plástico de «primores», como de todos os produtos hortícolas, que tanto podem vir a pesar no abastecimento hoteleiro e que tanto necessitam de amparo em credito, assistência e comercialização.
Mas não se esqueça, Sr. Presidente, que do arquipélago da Madeira faz parte a ilha do Porto Santo, onde já muito se fez, mas que aguarda o seu pequeno plano de desenvolvimento. E impõe-se, para já, a construção do porto de abrigo, infra-estrutura indispensável, que nada teve que ver com o estudo realizado nos portos do arquipélago, como não tem de ser relacionado com qualquer planificação futura do seu turismo. Quando se pensa que no período de Inverno Porto Santo fica durante semanas isolado do mundo e à mercê de uma ponte aérea bissemanal, única ligação com a Madeira, pode avaliar-se a urgência deste empreendimento, que já esteve incluído num plano de fomento e dele foi retirado.
Ao lado dos problemas económicos da Madeira aparece a educação, nas suas múltiplas incidências, como assunto urgente a ser estudado no seu conjunto local pelo Ministério da Educação, como factor prioritário do desenvolvimento, programando o que a prazo deve completar o muito que já existe.
Não vou, Sr. Presidente, continuar a enumerar retalhos da problemática da Madeira. É vasta, o Governo possui elementos valiosos acerca dela, está a completar estudos, a delinear e promover soluções. Nesta intervenção pretendo apenas pedir o aceleramento dos trabalhos em curso, o alargamento do seu âmbito, se necessário, para que o mesmo Governo possa estar habilitado às opções corajosas e ponderadas e às decisões de conjunto que comandem o período de execução de um plano concreto de desenvolvimento da região da Madeira como o exige a encruzilhada cheia de perigos e de esperanças em que ela se situa neste momento.
E termino repetindo: a Lei de Meios determinará a orientação do Orçamento Geral do Estado, informado este, por sua vez, pelo Plano de Fomento Nacional. É assim pertinente que eu peça neste momento ao Governo que contemple no próximo ano a solução dos problemas que enunciei, sobretudo no que se refere ao plano de desenvolvimento da Madeira, o qual me parece merecer prioridade, como procurarei sinceramente demonstrar.
Vozes: - Muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Cunha Araújo: - Sr. Presidente: Ao tratar-se anualmente nesta Assembleia e nesta época da proposta de lei que há-de autorizar o Governo a assegurar a administração financeira do Estado, cada Deputado, na impossibilidade de se debruçar sobre o conjunto do seu vasto conteúdo acentuadamente técnico, sente-se naturalmente tentado a salientar um ou outro dos aspectos por que se definirá a sua política económica e financeira que o Orçamento Geral terá de reflectir por via da autorização que constitucionalmente nos cumpre dar.
Ora, sendo evidente que o Deputado, isoladamente considerado, de uma maneira geral não se encontra preparado para intervir aprofundadamente, mediante uma válida análise crítica, na discussão de um tão importante instrumento ordenador da vida financeira do Estado, resulta forçoso que a sua reflexão se detenha e as suas predilecções se manifestem no trato do que lhe é mais acessível e se lhe afigure pertinente e oportuno referir adentro da matéria em discussão.
Para tanto - sem esquecer nunca que o Deputado é um homem da rua - deverá este servir-se de toda a espécie de conhecimento que lhe chegue, quer através de uma possível experiência pessoalmente vivida, quer através do que ouve e lhe parece ser justo e digno de ser ponderado pela Administração, que, no fundo, tam-
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bem serve e com quem lhe cumpre colaborar. Isto dentro do entendimento de que, seja na discussão da Lei de Meios, seja em intervenções adrede feitas no período de antes da ordem do dia, estamos aqui para ser ouvidos pelo Poder e, quando não atendidos, com o indiscutível direito de sermos elucidados quanto às razões impeditivas da improcedência dos reparos feitos.
De outro modo. resultará improfícuo qualquer esforço de informação ou mesmo discussão em que nos empenhemos e carecerá de mérito o voto recolhido, cada um de nós indiferente depois de procurar, sem êxito, na complexidade das propostas de lei como a que ora se nos apresenta, apontar caminhos ou sugerir soluções que satisfaçam os diferentes sectores que mais de perto conheçamos e de que somos obrigados mandatários, desde que o interesse defendido se identifique com o mais alto interesse nacional que sobre os demais nos deve orientar.
Feitas estas considerações predominares, em que, variando na forma, me apraz reincidir, entrarei já, com braveza, ma matéria que a leitura da proposta de lei em discussão me sugeriu ser oportuno referir, abandonando embora outros caminhos, por onde mais me apetecia andar, de preferência os, percorridos ou a percorrer dentro da politica económica sectorial, por exemplo, a chamada política (?) agrícola que já nem sei se valha a pena tratar, quando responsáveis pelo sector pùblicamente nos desclassificaram, como país agrícola a curto prazo de o sermos «essencialmente agrícola.!» ... Mas não falemos disto ...
Sr. Presidente: É de problema que se prende com o artigo 13.º da proposta de lei em discussão que vou ocupar-me; e a correr para não suscitar a impaciência da Câmara e porque de pouco tempo precisarei para salientar o essencial que interessa referir no aproveitamento da oportunidade de se encontrarem «por concluir no presente ano os trabalhos de regulamentação relativos aos benefícios fiscais» nele mencionados e cuja utilização importa tomar mais eficaz como modo de melhor servir os objectivos definidos, tal como se quer e se evidenciou a propósito. Quer dizer, com o fim de promovei- e apoiar a realização efectiva daqueles objectivos, precisa o Governo de ser autorizado a conceder incentivos fiscais que revestem determinados tipos taxativamente expressos nas diferentes alíneas do artigo 13.º, o primeiro referente a reduções ou isenções de direitos aduaneiros sobre a importação de determinadas matérias-primas e bens de equipamento, tudo com vista a proteger e incentivar o desenvolvimento económico nacional, em que o Estado, por tal modo, se mostra disposto a participar.
Quanto à concessão de tais incentivos, louváveis e aconselháveis como contributo do Estado para um mais rápido aceleramento do nosso desenvolvimento económico, evidentemente que nenhuns reparos se justificariam por parte desta Assembleia, que não poderá deixar de achar dignas de aplauso todas as medidas tendentes à prossecução de tão relevante fim. Outro tanto, porém, não se dirá do modo como, na sua aplicação prática, funciona o sistema, isto é, se as concessões de isenção requeridas pelas diferentes entidades importadoras ao pretenderem a desalfandegação de determinadas mercadorias, são aproveitáveis, por inteiro, no benefício que representam e na intenção que as determinou.
De facto. A Reforma Aduaneira em vigor faz parte integrante do Decreto n.º 46 311, de 27 de Abril de 1965, que já sofreu alterações - aliás previstas no seu artigo 3.º - constantes do recente Decreto n.º 464/70, do dia 9 do passado mês de Outubro. Assim, aio regime vigente, no que se refere ao despacho de mercadorias, a sua desalfandegação só poderá permitir-se, antes do pagamento dos direitos devidos, mediante a prestação de uma garantia que só poderá ser por meio de termo de fiança e por intermédio de bancos e de casas bancárias (§ 2.º do artigo 95.º do citado Decreto n.º 464/70), de que se excluíram «os particulares idóneos», abrangidos aio domínio do Decreto n.º 46 311.
Não previu o legislador deste Decreto n.º 464/70, embora muito recentemente publicado e já num momento em que o recurso ao crédito se tornava mais difícil e mostrava particularmente oneroso, a possibilidade de serem garantidas os direitos devidos ao Estado por outro modo igualmente salvaguardante daqueles, aliás adoptado em outros países, nomeadamente a França, cujo direito alfandegário tem sido fonte do nosso, este consistente na possibilidade de as companhias seguradoras assumirem, a responsabilidade exigida através de um seguro «de contingência» que perfeitamente cabe na sua actividade e melhor serviria os múltiplos interesses em jogo.
Daí as entidades requerentes da isenção, no recurso obrigado a que estão sujeitas, aos bancos e casas bancárias, sofrerem prejuízos de forte incidência na própria economia nacional, prejuízos escusados em consequência da simultânea subordinação da sua capacidade de crédito a determinados limites em que demasiadamente pesam as exigidas garantias, naturalmente impeditivas de rápidos arranques para outros investimentos úteis.
Por que não, pois, as companhias seguradoras a tomarem sobre si a responsabilidade de uma garantia que, como se disse, perfeitamente cabe na sua actividade, bem serve os interesses do Estado, mais convém aos que têm de a prestar e até aos próprios bancos, e casas bancárias, na medida em que se libertam das obrigações de reservas atinentes ao fim?
Pois, sabido que não é rápido o despacho dos processos instaurados para efeitos das requeridas isenções - chega a demorar anos o seu julgamento! -, não vemos como se poderá justificar que, em consequência, sejam os requerentes, a quem não cumprem responsabilidades pelos atrasos, obrigados às que se traduzem dos pesados encargos derivados dos juros pagos às entidades fiadoras. Como frisado ficou, tudo agravado pela decorrente situação limitativa do recurso ao crédito, às vezes em muito larga medida preenchido pelo montante das fianças garantidoras dos direitos devidos ao Estado sobre mercadorias que daqueles se encontram isentas, como fàcilmente era possível averiguar. Até porque, pára cada caso, logo no requerimento dirigido ao Sr. Ministro das Finanças, a quem cumpre o julgamento final - como se lhe sobrasse tempo para o perder em decisões tão simples -, se invoca o número do alvará que permite a formulação do pedido de isenção, quanto basta, afinal, para que desde logo seja desalfandegada a respectiva mercadoria, já consumida ou deteriorada quando se decide no termo de um vagaroso processamento. E, se assim é, por que há-de o Estado, garantido pela fiança, salvaguardado, portanto, o seu interesse, desprezar o interesse do importador, escusada, e longamente amarrado a uma obrigação que, sem qualquer utilidade, duplamente o prejudica?
Favorecer-se-ão, por tal modo, os objectivos do Governo quanto à concessão de incentivos fiscais com vista a uma mais rápida realização dos objectivos do III Plano de Fomento? - Pensamos que não.
Não resultará evidente, face ao exposto, a necessidade de providenciar-se no sentido de se modificar o statu que vigente em tão larga medida prejudicial aos interesses em jogo? - Pensamos que sim.
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O Sr. Ministro das Finanças decerto o estudará, ouvida a Direcção-Geral das Alfândegas, que, disso estou convencido, não hesitará em apoiar o que se sugere, já que, sem os morosos trabalhos de organização e despacho de centenas de processos, ficam acautelados os direitos da Fazenda e prestigiado o respectivo funcionalismo, sobre quem, ao fim e ao cabo, sempre se reflecte a antipatia derivada de um sistema anacrónico, facilmente remediável nos seus perniciosos efeitos.
E concluo, Sr. Presidente, dando o meu voto na generalidade à proposta de lei em discussão.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Sousa Pedro: - Sr. Presidente: A discussão da proposta de lei de autorização de receitas e despesas para 1971, que na generalidade me parece lùcidamente elaborada, dá-me ensejo, que em consciência não posso enjeitar, de a seu respeito tecer algumas breves considerações sobre dois ou três temas com implicações mais directas na problemática do distrito de Ponta Delgada, que aqui represento.
Na presente proposta de lei mantém o Governo o propósito declarado de «ter em atenção um melhor equilíbrio regional no desenvolvimento da economia nacional».
No ano corrente, a Lei n.º 5/70, que liberalizou a circulação de pessoas e mercadorias entre o continente e as ilhas adjacentes, foi, certamente, um passo agigantado dado nessa direcção, derrubando fronteiras fictícias de um espaço económico que é ou deve ser único. Mas isso foi só o primeiro passo de um longo caminho que falta percorrer. Há todo um trabalho de promoção a fazer para vitalizar uma economia regional mal estruturada e indecisa, sem infra-estruturas, sobretudo sem transporteis capazes e económicos, com fracos apoios oficiais, e, talvez por tudo isso, falha de iniciativa privada.
Por todas essas razões, é com particular entusiasmo e esperança que acolho as directrizes da política governamental do investimento, segundo as quais «competirá fundamentalmente ao Estado a criação das condições necessárias para que aquela iniciativa responda de forma adequada às exigências do processo de desenvolvimento», admitindo mesmo a intervenção supletiva do Estado, sob fórmulas adequadas, «quando o sector privado não se mostre atraído para a promoção de actividades produtivas consideradas relevantes para o progresso do País».
Muito embora a política do investimento assim delineada vise directamente as grandes actividades do interesse nacional, parece-me perfeitamente correcto nela inserir e fundamentar toda a política regional em matéria de investimento.
Ora, não devo andar muito longe da verdade se disser que em Ponta Delgada - terra de largas tradições em matéria de iniciativa e investimentos privados- se os particulares têm esmorecido ùltimamente no investimento local isso é devido em boa parte à falta das tais condições básicas que compete ao Estado criar e, o que às vezes é pior, às repetidas promessas e sucessivos adiamentos quanto à criação dessas ditas condições capazes de atrair a iniciativa privada.
De facto, que incentivos podem ter, que esperanças podem alimentar os actuais ou potenciais produtores de um distrito insular, como o meu, sem transportes marítimos eficientes e económicos - já aqui disse que os fretes marítimos para Ponta Delgada são dos mais caros do Mundo e até mesmo são mais caros que outros que se praticam entre parcelas diferentes do País; sem transportes aéreos adequados às suas potencialidades de exportação; com más estradas; sem caminhos de penetração suficientes, e com os poucos que existem em grande parte intransitáveis, abandonados, por impotência congénita dos orçamentos camarários; sem abastecimento de água capaz; e só agora a dar os primeiros passos no caminho de uma electrificação generalizada e suficiente?
A população do meu distrito, os seus actuais e possíveis investidores em actividades produtivas esperam do Estado, com fundamento nas próprias directrizes da anunciada política de investimento do Governo, a criação urgente das necessárias condições infra-estruturais do desenvolvimento económico e social das ilhas de S. Miguel e Santa Maria. Mas desde já se deseja deixar bem vincada a certeza de que não é com os recursos técnicos e financeiros de cada uma das câmaras municipais de per si, isoladamente, que se resolverá seja o que for em termos de eficiência, nomeadamente aquilo que por força da lei tem estado até aqui a seu cargo: caminhos e abastecimento de água.
Permito-me pedir ao Governo uma intervenção directa, eficaz, decisiva, na resolução destes dois problemas da maior relevância nos planos social, económico e político das populações rurais do meu distrito, conforme bem no atestaram através das petições que então formularam, quer aos candidatos a Deputados nas eleições de Outubro de 1969, quer ao Sr. Presidente do Conselho aquando da sua memorável viagem aos Açores.
Sobre alguns destes aspectos das infra-estruturas económicas do meu distrito e do arquipélago reservarei uma ou outra intervenção mais pormenorizada a fazer nesta Assembleia quando for miais oportuno. Por agora, queria simplesmente congratular-me com a insistência e novo realce dado pela presente proposta de lei à intervenção directa do Estado na criação idas condições necessárias ao investimento privado.
Um outro aspecto que a Lei de Meios contempla com uma clareza meridiana é aquele que se refere à política económica sectorial, definindo medidas que saio directrizes para estímulo e modernização do sector agrícola, de renovação do sector industrial, de maior eficiência do sector comercial.
Também nesta perspectiva e no plano das ilhas adjacentes muito havia a dizer em abono das medidas postas pelo Governo à consideração da Assembleia. Limitar-me-ei, porém, a focar um ou dois aspectos que mais particularmente se ligam com problemas com que actualmente se debate o meu distrito.
A intenção do Governo de «incentivar e apoiar as transformações estruturais dos sectores produtivos necessários ao melhor aproveitamento dos recursos» e simultâneamente «promover e estimular a aceleração do investimento em empreendimentos produtivos [...] tendo em especial atenção um melhor equilíbrio regional no desenvolvimento da economia nacional» - essa intenção, repito, vem plenamente ao encontro de uma das mãos debatidas e defensáveis aspirações da economia açoriana, pelo menos do distrito que represento, qual é a, de se promover intensivamente o fomento da produção pecuária, reestruturando a sua exploração de modo a tirar dela todo o rendimento possível em proveito da população produtora.
No relatório recente de uma missão de assistência técnica da O. C. D. E., que visitou os Açores por iniciativa do Instituto Nacional de Investigação Industrial - relatório que não pode deixar de merecer a melhor atenção do Governo pela profundidade dos estudos, pela clareza das recomendações e até pela insuspeita personalidade,
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acima de todos os bairrismos, dos técnicos que o redigiram -, nesse relatório, dizia, afirma-se bem claramente que «o desenvolvimento económico acelerado dos Açores, durante, pelo menos, os próximos cinco a dez anos, deverá ser conseguido, de preferência, através do incremento e expansão dos recursos naturais primários [...] e através das indústrias de produtos alimentares e do artesanato, complementarmente associados».
Pois, o gado para produção de leite ou de carne é, sem dúvida, a matéria-prima mais rica de quantas existem em tenras açorianas, e sê-lo-á ainda por muitos anos. Mas, infelizmente, continua a ser ainda em grande parte desperdiçada no plano regional, porque, contra todos os princípios de uma sal e possível economia, essa riquíssima matéria-prima é enviada em bruto, e ainda por cima em condições precaríssimas, para os mercados de consumo, perdendo a população produtora todas as vantagens inerentes à industrialização dos subprodutos.
Nesta altura estão programados matadouros industriais para várias localidades do continente. Mas Ponta Delgada, que inclusivamente possui já uma excelente unidade, mantida pela Câmara em condições deficitárias, continua a enviar o gado vivo para o continente, no prosseguimento de uma rotina nìtidamente desfavorável à economia do distrito. Até quando se manterá essa situação?
Referindo-se a Lei de Meios à necessidade de promover transformações estruturais dos sectores produtivos, creio ser difícil, no plano regional, trazer a esta Assembleia melhor e mais concreta achega para justificar e apoiar a intenção do Governo.
Mais uma vez se chama a atenção para as recomendações formulados no insuspeito relatório a que já me referi, elaborado pelos técnicos da O. C. D. E. que recentemente visitaram os Açores em missão de estudo.
Um outro objectivo definido pelo Governo, ao traçar as grandes linhas de orientação geral da política económica e financeira, é o de «manter todas as facilidades as importações essenciais ao abastecimento público e à laboração e equipamento da indústria, limitando, quanto possível, os de bens supérfluos».
Nada mais acertado. Simplesmente, permito-me lembrar que as ilhas adjacentes também fazem parte da metrópole; mas, lá, os adubos e o cimento, por exemplo, que são elementos básicos do desenvolvimento agro-pecuário e industrial, vendem-se por preços muito mais altos dos que se praticam no continente. Com referência à última campanha, o agricultor açoriano pagou, por cada quilograma de adubo, cerca de $40 a mais do preço por que o comprou o seu irmão pátrio continental.
Será impertinência nossa, minha e da população que represento, sugerir que a política de redução de preços das matérias básicas da produção agro-pecuária e industrial, nomeadamente adubos, cimentos, ferro para a construção civil e combustíveis - será impertinência sugerir, dizia eu, que essa política seja completada pelo estabelecimento de um sistema de preço único, vigente em toda a metrópole, incluindo as ilhas adjacentes, portanto?
Se não houver a coragem ou a generosidade, se é que estas palavras têm aqui algum cabimento, de encarar de frente este problema, aliás já resolvido por outros países pela forma que atrás se aponta, o propósito do Governo de corrigir desequilíbrios regionais hão irá além de uma bonita intenção.
Finalmente, no âmbito das directrizes formuladas ou a definir no futuro quanto à revisão da política fiscal, deseja a população do meu distrito que seja seriamente ponderada a hipótese da criação, nos Açores, de uma «zona franca», na modalidade que melhor se adaptar ao condicionalismo regional - talvez de caracter predominantemente financeiro, à semelhança das que existem nas Bermudas e em Curaçau. É assunto que exige estudo detalhado, mas não posso deixar de referir aqui o interesse e a atenção que lhe dedica uma boa parte dos sectores mais idóneos da população de que sou mandatário.
Vozes: - Muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Themudo Barata: - Sr. Presidente:
1. Será breve a minha intervenção.
A proposta de lei de meios vem revestindo cada vez mais o carácter de um documento que busca condensar um plano global de acção do Governo, plano que irá naturalmente traduzir-se no orçamento do novo ano.
Todos os louvores são, portanto, devidos ao Sr. Ministro das Finanças pela preocupação de continuar alargando o âmbito desta proposta e pelo valiosíssimo relatório que a antecede.
Porém, na lógica sequência deste rumo, parece legítimo ambicionar que se vá mais longe, procurando que nesta Lei se venham a incluir também as orientações gerais respeitantes a matérias que, embora no Governo estejam fora da alçada normal das pastas das Finanças ou da Economia, têm seguramente reflexos da maior importância na elaboração e na execução do orçamento.
De facto, se na gestão de qualquer empresa um orçamento deverá ser, acima de tudo, um documento que reflete um plano sistemático e unificado de actuação em todos os sectores, mais necessário e mais importante isso se tornará ainda na ampla e complexa empresa que é o Estado.
Porque assim penso, para exemplificar o meu pensamento referirei dois assuntos, cujos princípios orientadores, creio, mereceriam figurar num documento desta natureza:
Ligação entre o que respeita à defesa e ao fomento;
Reforma administrativa.
2. Quanto ao primeiro ponto, recordando os elevados montantes em jogo (mais de uma dezena de milhões de contos), parece manifesto que não será indiferente para a política económico-financeira a escolha dos critérios com que possa ser orientada a administração de tais verbas.
Quantas centenas de milhares de contos se não poderiam, por exemplo, fazer reverter em cada ano para o circuito interno do País, evitando dispêndios no estrangeiro e estimulando a nossa indústria, se se conseguisse uma ligação mais estreita entre estas despesas militares e a economia nacional, através de um planeamento adequado e da reestruturação de alguns sectores industriais perfeitamente ao nosso alcance?
Sobre este aspecto concreto tive a honra de apresentar à Assembleia propostas de alteração na especialidade. Por isso, em obediência ao Regimento, não me deterei agora a justificá-las.
Para além, todavia, destes aspectos, não serão com certeza também de somenos importância, quer para a vida económico-financeira, quer para a prossecução e para a eficiência da defesa, a política adoptada quanto à estrutura e consequente armamento e equipamento das tropas, posto que a melhoria de meios materiais poderá acarretar substancial economia de meios humanos, como a sua carência poderá ocasionar apreciáveis desperdícios.
Este problema apresenta-se, assim, do maior interesse para um planeamento em qualquer destes sectores, mesmo que não haja ã ambição de planear a largo prazo.
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Toca-se aqui, na realidade, um ponto capital para a economia e para a defesa ao pôr o problema do melhor rendimento que se poderá e deverá obter do potencial humano empenhado no esforço militar, posto que o homem é a maior riqueza de uma Nação, não apenas no plano espiritual, mas também no plano económico.
Este problema requererá, sem dúvida, estudos profundos e pormenorizados, que estão, aliás, na ordem do dia e são correntes nesta época, dominada pelo computador e pela investigação operacional.
Não é este, evidentemente, o lugar próprio paira as encetar, nem, esta, por consequência, a ocasião de definir precipitadamente as respectivas conclusões.
Mas não será, com certeza, «descabido manifestou: estas preocupações e lembrar passos que restarão seguramente no bom caminho, como sejam as alterações sugeridas e, em gerai, tudo aquilo que vise estreitar a coordenação entoe os sectores civil e militar e, muito particularmente, destes entre si, com visita a economizar meios e a extrair melhor rendimento daqueles que existem.
Parece assim evidente, por exemplo, a vantagem que haveria de dar ao Ministério da Defesa Nacional a estrutura e as funções apropriadas, para que pudesse ser o elemento centralizador e coordenador da acção dos três ramos das forças armadas, que as circunstâncias impõem, nomeadamente neste campo da logística.
Os benefícios desta simples medida reflectir-se-iam muito para além dos órgãos centrais, pois multiplicar-se-iam através d(c) numerosos outros, sobretudo das províncias.
Não desejo, porém, alongar-me e entro assim já no segundo dos assuntos que referi.
3. Quanto à Reforma Administrativa, principiarei por dizer que sei que o problema não é fácil, o que não quer dizer, é claro, que não seja urgente.
Todos reconhecemos sem dificuldade quanto a eficiência da máquina do Estado se distancia da das actividades privadas, que progridem e prosperam, e todos verificamos também como as crescentes responsabilidades da vida moderna fazem crescer o volume da burocracia, sem que, entretanto, se consiga meio de apurar a sua qualidade.
Por outro lado, a experiência das últimas décadas ensina que os melhores propósitos de reforma se têm desvanecido - e com grave prejuízo - perante a premência dos problemas do dia a dia.
Com efeito, já na reforma de 1935 o legislador reconhecia ser grave para a Nação que o Estado, não sabendo distinguir executores de dirigentes, não conseguisse as condições indispensáveis de concorrência com às actividades privadas na preparação e recrutamento dos responsáveis pelos serviços.
Apesar disso, nas actualizações de vencimentos que entretanto foram tendo lugar houve que fazer prevalecer humanas e compreensíveis preocupações político-sociais sobre aquelas preocupações de eficiência.
Daí que se chegasse à situação actual.
No III Plano de Fomento considerou-se a gradual execução da Reforma Administrativa como o primeiro dos meios de assegurar a realização dos objectivos nele previstos.
Sei que poderá objectar-se que se fala aqui em «execução gradual» - o que, portanto, bastará que algo se ande neste domínio para que se esteja já progredindo na almejada reforma. A objecção esclarecer-se-á, todavia, lembrando que as responsabilidades burocráticas do Estado crescem também diàriamente, em quantidade e qualidade, e que, por conseguinte, se se andar apenas tímida e lentamente, há risco quase certo de aumentar o desajustamento em relação às actividades privadas e de ver acrescidos os problemas e as dificuldades.
Uma reforma administrativa não é, evidentemente, uma mera reforma de vencimentos ou de quadros, como por vezes simplistamente se imagina, nem será com certeza viável realizá-la de um só golpe
Isto não impede, contudo, que se considere urgente, por Constituir uma das condições prioritárias para que possa dinamizar-se toda a vida do País, acelerar a realização de uma profunda, ainda que progressiva reforma, que abranja as estruturas dos serviços públicos, os métodos, os hábitos e os processos de trabalho, que assegure a conveniente preparação e recrutamento do pessoal, em particular do profissionalmente mais qualificado, para que se lhe possa, assim, vir a assegurar também a adequada remuneração.
Por todos os lados se ouvem queixas de que faltam técnicos nos quadros do Estado, de que é difícil recrutar dirigentes, de que os serviços públicos funcionam com inúmeras dificuldades e deficiências.
Este problema, como qualquer outro, não se resolverá sem ter bem presentes as frias realidades.
Enquanto o funcionalismo público não puder votar-se a servir exclusivamente a sua função e não puder viver também exclusivamente dela, ou, o que é o mesmo, enquanto o Estado houver de resignar-se a que grande parte dos seus servidores, mesmo os de mais elevada qualificação profissional, o sirvam num regime que é pràticamente o que as empresas classificam de part-time, não creio que possa pensar-se em solucionar o problema da eficiência dos serviços públicos.
Nuns casos, serão mais ou menos fortemente reduzidas as horas de presença física nos serviços, noutros, será outra ocupação que reduz, mais gravemente talvez, a presença intelectual do funcionário. Em qualquer dos casos, o Estado dispõe apenas de uma reduzida percentagem da capacidade dos seus servidores e estes, a quem esta dispersão faz dissipar baldadamente energias, argumentarão que tudo assim se passa porque do Estado conseguem também apenas uma parte do que carecem para a sua vida.
Ao afirmar isto não pretendo criticar ninguém: pergunto sòmente qual a empresa privada que admitiria funcionar em semelhantes condições.
Ao ler os relatórios de gerência dos últimos anos de uma das maiores firmas europeias, tive ocasião de verificar que a sua administração, a partir de 1968, decidiu publicar, com referência dos principais nomes e respectivos números, o montante global das remunerações atribuídos aos seus administradores, as acções da companhia em seu nome ou em nome de seus familiares - prática que talvez merecesse ser copiada entre nós - e os vencimentos das principais categorias do pessoal superior.
A publicação dessas tão tentadoras remunerações (de centenas ã milhares de contos anuais, embora diminuídas substancialmente pelos duríssimas impostos) era - explicava corajosamente o relatório - uma ocasião apropriada de chamar a atenção para a medida em que a companhia dependia do saber e da iniciativa do seu pessoal superior e das grandes responsabilidades que sobre eles recaíam. Era também um salutar desafio para os servidores da empresa que tivessem méritos para alcançar tais posições e se dispusessem a servi-la, aceitando tão pesadas responsabilidades, e mostrava igualmente o elevado grau de entrega ao serviço dia empresa que era requerido do seu pessoal superior.
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Evidenciava, em resumo - acrescentarei eu -, quanto pode valer, efectivamente, um homem competente inteiramente votado a uma tarefa.
Sei que o Estado não pode copiar integralmente nem o modo de trabalhar nem as remunerações das empresas privadas, mas penso que não deverá deixar de ponderar nos ensinamentos basilares que nelas pode colher nestas matérias, posto que será a forma de não se deixar afastar do caminho das realidades.
Estou certo de que o Governo não descura este importante problema, mas creio que ele mereceria figurar expressamente em futuras propostas de lei desta natureza.
Vozes: - Muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Pontífice de Sousa: - Sr. Presidente: Trago ao debate na generalidade da proposta de lei de autorização de receitais e despesas para 1971 breves apontamentos, inspirados pela leitura atenta do seu articulado e do notável relatório que o precede, elaborados pelo ilustre Ministro das Finanças.
Já não vivemos numa época em que se possa ficar indiferente a documentos desta natureza, que estabelecem bases de política económica e financeira do Governo, que poderão projectar-se mesmo para além do período de um ano a que respeitam.
Nem poderemos circunscrever a apreciação na generalidade a louvores aos critérios que presidiram à sua elaboração e aos objectivos que se pretendem atingir, mesmo que, como no caso presente, sejam inteiramente merecidos.
Considero mais útil e importante dizer o pouco que sei do que se passa em alguns sectores, com os quais tenho estabelecido contactos - por imperativos da minha vida pública e privada -, e apontar deficiências que conheço e poderão ser remediadas com medidas legislativas e administrativas de maior ou menor amplitude.
E fá-lo-ei hoje, como sempre, falando verdade, ou melhor, falando a verdade que conheço e sinto.
Sr. Presidente: No relatório que precede a proposta de lei em debate, a análise das tendências gerais da economia nacional é iniciada por uma referência à dificuldade de se traçar um quadro rigoroso da evolução da conjuntura económica metropolitana, por insuficiência de elementos estatísticos.
Este assunto foi já tratado este ano por ilustres oradores que me antecederam e já noutra altura tive também ensejo de referir que muitos países obtêm dados estatísticos com o desfasamento de apenas algumas semanas, ou mesmo dias, enquanto nós só os conseguimos a largos meses de distância e com grande margem de insegurança.
Este facto impossibilita uma acção do Governo pronta e eficaz, relativamente a qualquer desvio que se verifique na evolução mais desejável para a economia e, ainda, uma previsão sobre a evolução futura desta, com base em dados recentes, que seria muito conveniente poder consultar quando se elaboram as leis de meios, que contêm orientações e dispositivos legais com vigência por períodos de tempo não inferiores a um ano.
Mas, a necessidade dê dispor de boas estatísticas toma ainda maior relevo quando se planifica a médio e longo prazos.
Nas diversas fases preparatórias dos planos de fomento já elaborados se tem referido claramente a insuficiência dos dados disponíveis e concluído pela indispensabilidade de uma reforma do sistema estatístico nacional.
Já foram publicados no Diário do Governo alguns diplomas tendo em vista essa reforma, mas o certo é que as medidas promulgadas se têm revelado insuficientes para os fins em vista.
O Estado poderá dispor de meios financeiros, técnicos e legais necessários à criação de um aparelho estatístico capaz de fornecer os elementos de que a Nação carece, para mais seguramente se orientar sobre a evolução do seu comportamento económico, financeiro e social.
Aqui está mais uma tarefa urgente que o Governo certamente procurará encarar de frente e solucionar no menor espaço de tempo possível, dando assim exemplo e incentivo ao sector privado, para também introduzir nos seus métodos de administração as reformas que há muito vem preconizando.
Contudo, apesar da falta de elementos estatísticos actualizados e rigorosos, conseguiu o Ministério das Finanças recolher algumas informações que permitiram detectar factores positivos e negativos que estão a influenciar a economia metropolitana e, com base nesse conhecimento, propor medidas de política que criem, ou mantenham, determinadas condições, visando atingir, durante o próximo ano, alguns objectivos fundamentais.
O primeiro desses objectivos vem indicado na alínea a) do artigo 3.º da proposta de lei e consiste em «promover e estimular a aceleração do investimento em empreendimentos produtivos e infra-estruturas económicas e sociais, tendo em especial atenção um melhor equilíbrio regional no desenvolvimento da economia nacional».
Considerou-se assim, e bem, a extrema importância da elevação da taxa de investimento, variável estratégica fundamental do nosso desenvolvimento económico.
Convirá aqui referir que muitos empresários apresentam frequentemente queixas com que justificam os receios que sentem em investir directamente em novas unidades produtivas, ou na ampliação ou modernização das existentes.
Essas queixas referem-se, frequentemente, às disponibilidades de crédito existentes no mercado, que não têm assegurado estabilidade aos investimentos, em virtude de ser pràticamente inexistente, para a maioria das empresas, a oferta de crédito a longo ou médio prazos e muito variável, conforme a evolução do condicionalismo legal ou administrativo, a oferta a curto prazo.
Há exemplos sem conta de empresários que retardam iniciativas de investimentos por não disporem de recursos monetários próprios e suficientes - o que é natural, sobretudo quando se trata de verdadeiros empresários - e,- também, por não encontrarem quem lhes facilite financiamentos amortizáveis em prazos adequados.
E há também exemplos de empresas com reconhecida viabilidade económica, onde se fizeram investimentos avultados, cujas contingências de utilização de crédito, por virtude da política financeira conjuntural, têm posto em sério risco a sua sobrevivência ou têm mesmo ocasionado a sua ruína.
E quantas vezes essas empresas agiram seguindo a orientação preconizada pelo Governo.
Numa política que propõe como objectivo fundamental acelerar o investimento, torna-se necessário assegurar uma forma adequada de financiamento aos empresários que dele carecem e que o mereçam: ou se assegura o crédito a longo ou médio prazo ou, ao menos, o crédito a curto prazo renovável.
A proposta de lei estabelece na alínea a) do artigo 25.º um preceito tendo em vista satisfazer esta finalidade. Mas o que se pretende não é apenas que a lei consigne este dispositivo legal; pretende-se, sim, que esta política seja realmente efectivada e não aconteça, como tantas vezes, que as boas intenções fiquem apenas regis-
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tadas no Diário do Governo, sem concretização adequada na vida nacional.
É evidente que o interesse colectivo exige uma orientação permanente do crédito bancário, prevista, aliás, na alínea c) do artigo 25.º da proposta de lei. Mas também é evidente que esse mesmo interesse colectivo exige que não sejam prejudicados investimentos econòmicamente válidos e defensáveis, quer os já existentes, quer os que surjam de novas iniciativas.
Poderá considerar-se que alguns sectores, ou subsectores, ou mesmo algumas modalidades empresariais, não terão interesse futuro para o País, o que necessitará de uma prévia demonstração. Quando isso acontecer, o País tem o direito de saber quais são os sectores, os subsectores ou as modalidades empresariais que venham a ficar nessa situação e deverá auxiliar-se reconversão das empresas atingidas, deforma que não se verifique delapidação dos capitais, que o País tanto necessita para o seu desenvolvimento.
Ainda na mesma alínea a) do artigo 3.º inscreveu o Governo um objectivo de equilíbrio regional no desenvolvimento da economia nacional, objectivo este inscrito no III Plano de Fomento e que corresponde a um sentimento de generalidade dos Portugueses.
Reserva-se na proposta de lei o capítulo VIII, com três artigos, inteiramente dedicados aos fins e aos meios que se pensa utilizar em 1971, relativamente a este importante assunto.
Estes três artigos são, na sua maior paute, reprodução da proposta de lei apresentada no ano passado, contendo, porém, duas importantes alterações, visando a primeira desenvolver a formação de redes integradas de apoio rural e a segunda um maior apoio as autarquias locais, estendendo os auxílios financeiros do Governo à aquisição de terrenos e respectiva urbanização para os diversos fins saciais e, ainda, eus despesas com construções para fins educacionais, política esta inteiramente de louvar.
Confio que o Governo possa efectivar, durante o próximo ano, a definição dos novos pólos de desenvolvimento, o que cada dia se torna mais urgente, por se acentuarem as disparidades regionais no desenvolvimento.
Sei perfeitamente que vão surgir muitos problemas quando forem definidos esses novos pólos, por não poderem, naturalmente, ser contempladas todas as populações que aspiram a que os aglomerados urbanos em que vivem sejam os eleitos.
Mas deve procurar-se obviar, quanto antes, ao facto de existirem, actualmente, apenas três ou quatro centros, cuja tendência para o crescimento parece irreversível. Com excepção da cidade de Lisboa e da respectiva cintura, admito que todos os restantes centros careçam ainda de maior dimensão e desenvolvimento.
Por estas razões, defendo uma ligeira modificação da orientação que vem sendo preconizada pelo Governo neste domínio, por me parecer que resultaria mais aperfeiçoada se nela se introduzisse a adopção de duas classes de incentivos.
A primeira destinar-se-ia a encaminhar as actividades económicas para todo o território metropolitano, excluindo a zona de Lisboa, que já atraiu de todo o País avultados capitais, muitos técnicos e grande volume de mão-de-obra.
Não considero necessário, nem talvez conveniente, que esta classe de incentivos se caracterize por vantagens muito significativas, pois apenas teria em vista atrair a atenção dos empresários para regiões que não favoreçam o crescimento excessivo da capitel.
A segunda classe de incentivos, caracterizada por um conjunto de benefícios de real poder de atracção, destinar-se-ia a procurar estruturar os pólos de desenvolvimento que viessem a ser definidos, podendo a natureza dos benefícios variar, de caso para caso, consoante os objectivos visados, no quadro de uma política de ordenamento do território e de maximização de utilidade social.
A crítica que admito possa ser apresentada, relativamente à tese que defendo, é que poderia aquela primeira classe de incentivos ocasionar uma dispersão ineficaz de recursos por todo o território nacional. Mas contraponho, desde já, dois argumentos:
O primeiro é o facto de considerar fundamental para o futuro do País contrariar a tendência para a macrocefalia de Lisboa, em prejuízo de todo o ulterior do País.
O segundo é o conhecimento que tenho sobre as motivações dos empresários, na selecção dos locais onde implantam os seus investimentos, que nunca originará essa dispersão, como, atuas, tem acontecido com a iniciativa privada.
O que considero ainda fundamental é que os incentivos - quer se destinem a desenvolvimento regional, quer a acelerar o investimento, quer a incentivar modificações estruturais dos sectores produtivos ou das explorações fundiárias, quer, ainda, a aumentar a produção e a reforçar a capacidade competitiva das empresas - sejam claramente definidos ira lei e de Concessão automática quando se verifiquem as condições previstas.
Tenho a mais forte convicção de que a maioria dos empresários ainda desconhece os incentivos que a lei hoje lhes faculta, em virtude de estes se encontrarem dispersos por numerosos diplomas e não estarem ainda sistematizados num estatuto que, relativamente a matéria fiscal, se prevê seja publicado em breve, de acordo com o que vem sendo referido nos relatórios que têm acompanhado as propostas de lei de meios.
Mas só a concessão automática de incentivos permitirá atingir, com plenitude, os fins que determinaram a sua criação, em virtude de os empresários, quando estudam investimentos que projectam, carecerem de todos os dados para elaborar o respectivo estudo económico.
Deixar a concessão dos incentivos ao arbítrio da Administração envolve sempre demoras, resultando daí que, frequentemente, a isenção ou a redução é concedida após a conclusão do investimento, não desempenhando, assim, a verdadeira função de incentivar, para se transformar apenas na obtenção de um lucro eventual.
Procurando agora fazer um breve comentário à alínea b) do artigo 3.º, desejo referir que também muitos empresários não compreendem que, sendo frequentemente solicitados, pelas declarações dos governantes, para reforçarem a sua capacidade concorrencial no mercado externo - objectivo referido nesta alínea -, o Governo não tenha ainda facultado às empresas nacionais as mesmas facilidades de que dispõem as empresas estrangeiras nos respectivos países.
E esses empresários reclamam a faculdade de importar, com isenção de quaisquer direitos, os bens de equipamento de que necessitam e não podem obter no mercado nacional nas mesmas condições de qualidade, ou de preço, ou de prazo de entrega.
E dizem ainda que, além dos bens de equipamento, se lhes torna indispensável adquirir no mercado internacional - e importar sem sujeição a direitos- as matérias-primas adequadas para que as suas fábricas possam laborar em condições de competitividade, quer no mercado nacional, quer no externo.
Realmente, sendo os direitos de importação um factor que onera o custo de produção, é inteiramente proce-
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dente esta reclamação dos empresários portugueses, que o Governo tem de considerar com a urgência que o caso requer.
Quantas vezes acontece aos empresários portugueses que os seus custos de produção sejam onerados com preços mais elevados do que os praticados nó estrangeiro, como é o caso da energia eléctrica em alguns concelhos.
Quantas vezes sucede terem de lutar com uma anacrónica e incompreensível burocracia de que não existe paralelo em mais nenhum país europeu, ao que me informam, como é o caso da importação de etiquetas fornecidas pelos seus clientes do estrangeiro e que se destinam exclusivamente a ser colocadas nos artigos confeccionados que vão ser exportados!
Estes aspectos são todos importantes quando se pretende que a indústria portuguesa se vire decididamente para o mercado externo. Mas problemas como os da importação de bens de equipamento e de matérias-primas são realmente fundamentais.
Foram, estou convencido que a maioria dos problemas actualmente existentes, quer do lado dos empresários, quer do lado do Governo, poderiam ser resolvidos, satisfatòriamente e em curto prazo, se existisse uma estreita cooperação entre governantes e governados; ou entre Governo e corporações.
Lembro-me de referir, a propósito, que, para execução do plano nacional britânico, publicado no Outono de 1965, o Governo daquele país procurou utilizar diversos instrumentos e, entre eles, uma activa e organizada colaboração com a indústria, através de conselhos de desenvolvimento económico, cuja acção tainha por fim manter estreito contacto com a grande maioria dos industriais, para a resolução de diversos problemas e, entre eles, o estudo da possibilidade de substituição de importações por artigos produzidos internamente.
O ilustre Secretário de Estado da Indústria disse, no passado dia 16 de Fevereiro, na abertura do colóquio sobre política industrial, que «não podíamos continuar a ser eternos importadores de tudo o que necessitamos».
Não tenho dúvida em afirmar que os empresários portugueses estão dispostos a investir nos sectores que o Governo considere mais convenientes. O que duvido é que os empresados saibam quais são esses sectores.
Na alínea c) do artigo 3.º da proposta de lei inscreveu-se anais um grande objectivo, que consiste na promoção de um melhor ajustamento da oferta à procura e de orientação quanto à evolução dos factores que influenciam esta.
Procurou-se, assim, dar este ano maior ênfase à acção necessária para corrigir os factores que explicam a subida dos níveis de preços.
Sobre este assunto apenas pretendo referir que, sendo gradual, mas contínua, a tendência para a subida de salários, a subida de preços não poderá ser evitada se não se verificar também um aumento progressivo na produtividade e que algumas empresas do sector secundário têm encontrado obstáculos intransponíveis ao pretenderem implantar sistemas de racionalização de trabalho que permita melhorar a sua produtividade.
No capítulo IV da proposta de lei em discussão o Sr. Ministro dás Finanças apresenta um conjunto de medidas que irão provocar, uma vez mais, alterações sensíveis na legislação tributária, a acrescer às que foram introduzidas, após a conclusão da reforma e às novas interpretações que são dadas, frequentemente, sobre a legislação em vigor.
Tudo o que se refere reflecte, inequìvocamente, a grande operosidade do Ministério das Finanças, só de louvar, mais aconselha a que se efectue uma extensa revisão dos códigos tributários, tendente a clarificar o seu articulado e a actualizar alguns textos que, pelas alterações introduzidas, se encontram agora incorrectamente redigidos.
Tenho, porém, esperança que a anunciada publicação do Código de Impostos sobre o Rendimento venha pôr termo a esta situação.
Entre as medidas propostas salientam-se a redução da taxa da contribuição industrial e a elevação das taxas da «contribuição predial urbana e imposto de capitais, procurando-se, com estas alterações, estabelecer um maior equilíbrio na tributação dos rendimentos, de acordo com os objectivos fundamentais da proposta de lei.
A redução da taxa da contribuição industrial tem certamente o apoio generalizado das actividades económicas, que a vinham considerando muito elevada, tendo acabado por se reconhecer que a carga tributária, que tem incidido ùltimamente sobre os lucros das sociedades, poderia estar a reflectir-se de forma perniciosa nas decisões de investimento dos empresários.
Já em Dezembro de 1966 manifestei nesta Assembleia o meu receio de que o peso da carga tributária que incidia sobre as actividades produtivas estivesse a onerar excessivamente os respectivos custos e a comprometer o desenvolvimento nacional. Posteriormente, porém, ainda aumentou, situando-se em 1970 em cerca de 40 por cento o conjunto de contribuições, impostos, taxas e adicionais que incidiam sobre a matéria colectável em contribuição industrial.
No ano passado, quando se discutia na especialidade a proposta de lei de meios para o corrente ano, voltei a manifestar a minha preocupação pela evolução insatisfatória que já então se verificava no investimento privado, tendo recomendado a conveniência de se incluírem nos incentivos fiscais deduções ao rendimento colectável em imposto complementar, secção B.
Esta secção B do Código do Imposto Complementar não tem características específicas deste tipo de imposto e, além de desincentivar o investimento - por tributar lucros, não atribuídos aos sócios e que, por consequência, ficam em «reservas» para autofinanciamento -, ainda tem o grave inconveniente de fomentar a divisão das empresas, em virtude da característica de progressividade da taxa.
Deste condicionalismo resulta uma penalização fiscal para as empresas que pretendem aumentar a sua dimensão ou fundir-se com outras e a lei não permite que se proceda ao inverso, por não se estabelecer como incentivo fiscal a isenção ou redução deste imposto.
Recuso-me, assim, a uma atitude de passividade perante a existência de uma situação que considero prejudicial do interesse nacional, por contrariar o investimento e o aumento de dimensão das empresas nacionais, numa conjuntura económica altamente carecida de investimentos e de empresas de maior dimensão.
Resta-me, por fim, quanto a este capítulo, referir uma maior extensão que se propõe para 1971, no artigo 12.º, na cobrança do «imposto extraordinário para a defesa e valorização do ultramar», em virtude de na proposta de lei em discussão se ter acrescentado ao texto equivalente da proposta de lei para o corrente ano a frase «ainda que resultante de condicionamento».
A comissão de finanças examinou atentamente todo o articulado da proposta de lei e, particularmente, este artigo 12.º, tendo concluído que ele não tem em vista tributar indiscriminadamente as actividades sujeitas a condicionamento, pois apenas explicita a possibilidade da sua imposição fiscal quando, do regime de condicionamento, possa resultar qualquer privilégio ou situação excepcional de mercado.
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O aditamento introduzido na proposta de lei em discussão ao texto correspondente da proposta de lei anterior tema, pois, este sentido restrito, e como tal deverá ser interpretado pelo Governo.
Á proposta de lei prevê ainda, no artigo 10.º, alíneas d) e f), a revisão do regime tributário das mais-valias, com um alargamento da sua actual incidência e a reforma dos regimes tributários especiais e da tributação indirecta, não se admitindo, em qualquer dos casos, que possa vir a ser infringido o princípio da não retroactividade da lei- fiscal.
Sr. Presidente: Ainda hoje terei a honra de apresentar na Mesa uma proposta de emenda ao n.º 1 do artigo 20.º da proposta de lei em apreciação. Forem, como o § 2.º do artigo 37.º do nosso Regimento estabelece que as propostas de alteração, se justifiquem apenas durante o debate na especialidade, reservarei para essa oportunidade algumas considerações referentes à minha proposta.
Vou concluir.
O País tem graves problemas de estrutura e conjuntura a enfrentar imediatamente e opções importantíssimas a tomar em futuro próximo - mas também possui virtualidades espirituais e potencialidades materiais que lhe permitirão vencer mais esta encruzilhada da História ultrapassar os horizontes algo nebulosos que se apresentam neste preciso momento.
Sabemos perfeitamente as vicissitudes por que passou esta marvilhosa nação a que pertencemos.
Necessitamos encontrar o rumo certo para a transmitir aos vindouros, ainda mais grandiosa e promissora.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, convindo começar à preparar a apreciação da proposta de lei sobre a actividade de seguros e resseguros, que deve seguir-se à da proposta de lei sobre a actividade teatral e sobre o cinema e já em estudo pela comissão competente, convoco para segunda-feira, dia 14, às 16.30 horas, as Comissões de Finanças, de Economia e do Ultramar, a fim de iniciarem a apreciação da proposta de lei sobre a actividade de seguros e resseguros. Essas Comissões ordenarão os seus trabalhos ao melhor critério dos seus presidentes, que decidirão quando e quais devam reunir conjuntamente e continuarão convocadas até final da sua apreciação, reunindo em seguida, do mesmo modo, segundo o melhor critério dos seus presidentes.
Na terça-feira haverá duas sessões, tendo como ordem do dia a apreciação da proposta de lei sobre a autorização das receitas e despesas para 1971.
A sessão da manhã será às 10.30 horas. Na ordem do dia concluir-se-á o debate na generalidade sobre esta proposta de lei que acabo de designar e, se for possível, iniciar-se-á o debate na especialidade.
Na sessão da tarde, à hora regimental, efectuar-se-á e concluir-se-á o debate ma especialidade da proposta de lei.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 30 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Alberto Eduardo Nogueira Lobo de Alarcão e Silva.
Alexandre José Linhares Furtado.
Amílcar da Costa Pereira Mesquita.
Augusto Domingues Correia.
Augusto Salazar Leite.
Camilo António de Almeida Gama Lemos de Mendonça.
Henrique Veiga de Macedo.
João Paulo Dupuich Pinto Castelo Branco.
José Dias de Araújo Correia.
José Vicente Pizarro Xavier Montalvão Machado.
Manuel Artur Cotta Agostinho Dias.
Manuel José Archer Homem de Mello.
Manuel Valente Sanches.
D. Maria Raquel Ribeiro.
Miguel Pádua Rodrigues Bastos.
Teófilo Lopes Frazão.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortas.
Victor Manuel Pires de Aguiar e Silva.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Alberto Maria Ribeiro de Meireles.
Álvaro Filipe Barreto Lara.
Antão Santos da Cunha.
António Pereira de Meireles da Rocha Lacerda.
D. Custódia Lopes.
Deodato Chaves de Magalhães Sousa.
Fernando Augusto Santos e Castro.
Francisco José Pereira Pinto Balsemão.
Francisco de Nápoles Ferraz de Almeida e Sousa.
Henrique dos Santos Tenreiro.
João António Teixeira Canedo.
João Duarte Liebermeister Mendes de Vasconcelos Guimarães.
João Manuel Alves.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
João Pedro Miller Pinto de Lemos Guerra.
Joaquim Carvalho Macedo Correia.
Joaquim Jorge Magalhães Saraiva da Mota.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Jorge Augusto Correia.
José Coelho Jordão.
José Guilherme de Melo e Castro.
José dos Santos Bessa.
José da Silva.
D. Luzia Neves Pernão Pereira Beija.
Manuel Marques da Silva Soares.
Ramiro Ferreira Marques de Queirós.
Tomás Duarte da Câmara Oliveira Dias.
O REDACTOR - Luta de Avillez
Requerimento
Nos termos da alínea d) do artigo 11.º do Regimento da Assembleia Nacional, venho solicitar a V. Ex.ª que, por intermédio da Junta Nacional da Marinha Mercante, me sejam prestadas as seguintes informações:
1.ª Se, pelas empresas concessionárias das carreiras marítimas do arquipélago dos Açores, está assegurado o transporte de gado entre as ilhas e o continente, de forma a evitar as longas demoras que, muitas vezes, se verificam nos embarques, com graves prejuízos para os criadores e para a economia nacional;
2.ª Se os navios da antiga empresa dos Carregadores Açorianos deixaram de escalar definitivamente os portos da ilha Terceira, nomeadamente o da
Praia da Vitória, tendo em atenção os conside-
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ráveis prejuízos no manuseamento das cargas e demoras na entrega com as operações de baldeação que se estão realizando em outros portos.
O Deputado, Rafael Ávila de Azevedo.
Proposta de emenda
De harmonia com o que preceitua o artigo 37.º do Regimento da Assembleia Nacional, proponho a seguinte emenda ao artigo 20.º da proposta de lei de autorização das receitas e despesas para 1971:
Que no texto do n.º 1 do referido artigo 20.º a expressão «o Governo estabelecerá» seja substituída por «serão estabelecidas».
Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 11 de Dezembro de 1970. - O Deputado, Rui Pontífice Sousa.
Parecer da Comissão de Finanças
A Comissão de Finanças examinou detidamente a proposta de lei de meios para o exercício de 1971 e os preceitos nela contidos para realização da política geral do Governo e concretização das suas opções fundamentais.
Ponderou também com a devida atenção o parecer emitido pela, Câmara Corporativa e os valiosos subsídios que proporciona ao esclarecimento da matéria em debate.
Analisando a situação económica, internacional, verificou que ela parece caracterizar-se pelo acréscimo em valor do comércio mundial, por perspectivas de expansão da actividade económica, embora a ritmo mais moderado e em clima perturbado por tensões inflacionistas, desequilíbrios persistentes das finanças exteriores, sobretudo em países de economia dominante, níveis excessivos das taxas de juro e instabilidade do sistema, monetário internacional, ainda não inteiramente corrigida, apesar do reforço da liquidez global resultante dia instituição dos direitos especiais de saque.
No respeitante à evolução interna, tem prosseguido o movimento de desenvolvimento económico, a taxas que excedem a dos países progressivos, mas carece de ser intensificado para realização dais finalidades orientadoras do esforço de fomento, fixadas no plano de desenvolvimento económico e social em curso de execução e elaboração para o sexénio que finda em 1973.
As providências encaradas pelo Governo para esse efeito suscitam a adesão dia Comissão e parecem adequadas aos objectivos a atingir.
Traduzem-se elas na intensificação da formação do capital fixo - fim capital a alcançar - ma dinamização de sectores estagnados ou deprimidos, na reestruturação das explorações fundiárias, no fomento e reorganização das indústrias, com vista à maior eficiência da actividade secundária e às suas desejáveis transformações estruturais; e ainda à activação da política monetária e financeira, em ordem à selectividade do crédito e à sua orientação para as aplicações de maior reprodutividade. Neste quadro ocupam lugar de relevo as medidas de incitação fiscal ao sector privado, o reforço da participação do Estado no capital dais empresas e a realização directa, pelo sector público, de empreendimentos de interesse relevante para a economia nacional.
O acréscimo de investimentos do Estado para execução do Plano de Fomento constitui igualmente elemento fundamental desta política.
Os critérios de prioridade das despesas públicas revelam inovações que se ajustam aos fins dominantes da proposta, especialmente na parte que estabelece a precedência do esforço de desenvolvimento económico, em paralelo com a defesa da integridade territorial da Nação - objectivo primário que se reafirma, com o aplauso da Comissão.
Relativamente à política tributária, tendem, os preceitos que a integram, mão só a garantir ao Tesouro os meios necessários à manutenção do equilíbrio financeiro e à realização dos objectivos formulados na proposta, mais ainda a reduzir tributações, com vista a incentivar o investimento e a capacidade competitiva das actividades ido sector secundário, compensando parcialmente essas reduções com o agravamento de outras modalidades fiscais, tendo em conta a natureza dos rendimentos e o melhor equilíbrio do sistema.
A regulamentação e sistematização idas benefícios e estimulas fiscais representa, de igual modo, orientação aconselhável, sendo de desejar a pronta conclusão dos estudos anunciados, já em adiantada fase de elaboração.
O domínio das pressões inflacionistas com o fim de assegurar a estabilidade financeira interna representa também objectivo a que não pode deixar de testemunhar-se apoio. Idêntica, atitude suscita o propósito de robustecer a solvabilidade externa da moeda - pensamento inalterável do Governo e condição indispensável da acção de fomento económico.
O equilíbrio intersectorial e a política regional definidas na proposta revelam, de modo expressivo, a preocupação de assegurar as condições de um desenvolvimento, globalmente rápido e sectorialmente harmonioso.
Também a ordem de urgências estabelecida para os melhoramentos rurais, tendentes à valorização local e à elevação do nível de vida das populações, tem em conta as necessidades mais prementes das zonas atrasadas do País, cujo progresso ordenado depende igualmente da elaboração de programas, devidamente coordenados e de âmbito mais vasto, previstos no Plano de Fomento e no artigo 22.º da proposta.
Em aspecto mais geral, notar-se-á a hierarquização dos investimentos a considerar na elaboração e execução do orçamento para a próxima gerência nos domínios da saúde pública, da educação e investigação, da formação profissional, das infra-estruturas económicas e da habitação social.
A política monetária e financeira, delineada no texto governamental, propõe-se garantir os meios necessários à promoção de um esforço acrescido de desenvolvimento e em especial a apoiar para esse fim as instituições de crédito, promovendo a mais útil aplicação dos seus recursos e o enquadramento da sua acção nas exigências de uma política selectiva, definida em função dos imperativos da expansão económica.
Merece também referência a maior movimentação dos meios monetários e financeiros, através dos organismos de crédito e das instituições auxiliares e parabancárias, sem excluir outros circuitos e a própria utilização com fins produtivos dos recursos da tesouraria, não mobilizáveis a curto prazo.
A conjugação da política conjuntural com as medidas de carácter estrutural, em perspectiva de mais longo período, constitui orientação já adoptada nas propostas anteriores e que faculta a visão da acção do Governo em plano que transcende a simples consideração das normas de validade anual.
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Foram também ponderadas as inovações introduzidas na formulação da proposta e reconhecidos o seu aperfeiçoamento e mais conveniente articulação.
Analisado, assim, o texto governamental, nos seus aspectos substanciais e nas suas diversas disposições, entendeu-se que ele constitui um conjunto unitário e coerente, visando a salvaguardar princípios fundamentais da gestão financeira, a prover as exigências da Administração e, em particular, a acelerar, em termos de equilíbrio, o processo de desenvolvimento económico e social, com vista ao progresso das actividades produtivas e à sua crescente integração em mais extensos espaços económicos.
Desta forma, a Comissão de Finanças, sem prejuízo dos votos formulados no último ano, e neste debate reafirmados pela Comissão de Economia, emite parecer favorável à aprovação da proposta, na generalidade e na especialidade, nada opondo, todavia, às alterações sugeridas pela Câmara Corporativa nas alíneas 7, 9, 10 e 18 do seu parecer.
Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 10 de Dezembro de 1970. - O Presidente, Ulisses Cortês.
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