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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL E DA CÂMARA CORPORATIVA
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 61
ANO DE 1971 7 DE JANEIRO
ASSEMBLEIA NACIONAL
X LEGISLATURA
SESSÃO N.º 61, EM 6 DE JANEIRO
Presidente: Ex.mo Sr. Carlos Monteiro do Amaral Netto
Secretários: Ex.mos Srs.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira
João Bosco Soares Mota Amaral
Nota - Foi publicado um suplemento ao n.º 58 do Diário das Sessões, que insere o texto aprovado pela Comissão de Legislação e Redacção referente ao decreto da Assembleia Nacional sobre a, automação das receitas e despesas para 1971.
SUMARIO: - O Sr. Presidenta declarou aberta a sessão às 16 horas e 65 minutos.
Antes da ontem do dia. - Foi aprovado o n.º 69 do Diário das Sessões, com uma rectificação apresentada pelo Sr. Deputado Castro Salazar.
Foi mandado exarar no Diário das Sessões um voto de pesar pela morte do pai do Sr. Deputado Gonçalves de Proença, o qual manifestou a Câmara o seu agradecimento.
O Sr. Presidente informou estarem na Mesa dois ofícios da Presidência do Conselho, relativos aos requerimentos apresentados pelos Srs. Deputados David Laima e Alberto de Alarcão na sessão de 17 de Janeiro do ano passado, dos quais iam ser--lhes entregues fotocópias.
O Sr. Deputado Alberto de Alarcão referiu-se a homenagem prestada ao Prof. António de Sousa da Câmara.
O Sr. Deputado Oliveira Pimentel tratou do problema da energia eléctrica em Trás-os-Montes.
O Sr. Deputado Trigo Pereira congratulou-se com as facilidades concedidas aos criadores de gado para aquisição de rações compostas.
Ordem do dia - Iniciou-se a discussão, na generalidade, das propostas de lei sobre a protecção ao cinema nacional e d actividade teatral, tendo usado da palavra o Sr. Deputado Veiga de Macedo.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 17 horas e 5 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada. Eram 15 horta e 45 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Alberto Eduardo Nogueira Lobo de Alarcão e Silva.
Alberto Maria Ribeiro de Meireles.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre José Linhares Furtado.
Álvaro Filipe Barreto de Lara.
Amílcar Pereira de Magalhães.
António Fausto Moura Guedes Correia Magalhães Montenegro.
António da Fonseca Leal de Oliveira.
António Júlio dos Santos Almeida.
António Lopes Quadrado.
António de Sousa Vadre Castelino e Alvim.
Armando Júlio de Boborado e Silva.
Artur Augusto de Oliveira Pimentel.
Augusto Salazar Leite.
Bento Benoliel Levy.
Carlos Eugênio Magro Ivo.
Carlos Monteiro do Amaral Netto.
D. Custódia Lopes.
Delfim Linhares de Andrade.
Delfino José Rodrigues Ribeiro.
Eleutério Gomes de Aguiar.
Fernando Augusto Santos e Castro.
Fernando David Laima.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Filipe José Freire Themudo Barata.
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Francisco António da Silva.
Francisco Correia das Neves.
Francisco Esteves Gaspar de Carvalho.
Francisco Manuel de Meneses Falcão.
Francisco de Moncada do Casal-Bibeiro de Carvalho.
Gabriel da Costa Gonçalves.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Henrique Veiga de Macedo.
Humberto Cardoso de Carvalho.
João Bosco Soares Mota Amaral.
João Duarte Liebenneister Mendes de Vasconcelos Guimarães.
João José Ferreira Forte.
João Lopes da Cruz.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
Joaquim Germano Pinto Machado Correia da Silva.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Joaquim de Pinho Brandão.
José Coelho de Almeida Cotta.
José Coelho Jordão.
José Gabriel Mendonça Correia da Cunha.
José João Gonçalves de Proença.
José Maria de Castro Salazar.
José de Mira Nunes Mexia.
José Vicente Cordeiro Malato Beliz.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Júlio Dias das Neves.
Lobo de Carvalho Cancella de Abreu.
Luís António de Oliveira fiamos.
D. Luzia Neves Perimo Pereira Beija.
Manuel Elias Trigo Pereira.
Manuel de Jesus Silva Mendes.
D. Maria Raquel Ribeiro.
Olímpio da Conceição Pereira.
Prabacor Baú.
Rafael Ávila de Azevedo.
Ramiro Ferreira Marques de Queirós.
Raul da Silva e Cunha Araújo.
Ricardo Horta Júnior.
Bui de Moura Ramos.
Teófilo Lopes Frazão.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortas.
Vasco Maria de Pereira Pinto Costa fiamos.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 67 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 15 horas o 55 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Está em reclamação o n.º 59 do Diário das Sessões.
O Sr. Castro Salazar: - Sr. Presidente: Peço para que no n.º 59 do Diário das Sessões seja rectificado o seguinte: na p. 1226, col. 2.a, 1. 48, onde se lê: «conveniência», deve ler-se: «convivência».
O Sr. Presidente: - Se mais nenhum de VV. Ex.ªs tem qualquer reclamação a apresentar acerca do n.º 59 do Diário das Sessões, considerá-lo-ei aprovado com a rectificação já feita.
Informo a Assembleia de que durante o interregno parlamentar faleceu o pai do Sr. Deputado Gonçalves de Proença. Proponho a VV. Ex.ªs que consignemos um voto de condolências pela perda que sofreu o nosso ilustre colega.
Estão na Mesa dois ofícios da Presidência do Conselho relativos a satisfação das publicações requeridas pelos Srs. Deputados David Laima e Alberto de Alarcão na sessão de 27 de Janeiro do ano passado, das quais vão ser entregues reproduções fotocopiadas àqueles Srs. Deputados.
Tem a palavra o Sr. Deputado Gonçalves de Proença.
O Sr. Gonçalves de Proença: - Sr. Presidente: Pedi a palavra para agradecer a V. Ex.ª a amabilidade que quis ter mandando exarar no Diário das Sessões um voto de pesar pelo falecimento de meu pai e também para testemunhar o meu reconhecimento pela prova de solidariedade da Assembleia, evocando com sentido pesar a memória de quem em vida foi um exemplo de cidadão português e de chefe de família.
Muito obrigado, Sr. Presidente.
O Sr. Alberto de Alarcão: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: Foi prestada esta manhã pública homenagem ao Prof. António de Sousa da Câmara.
Engenheiro agrónomo e engenheiro silvicultor, chefe do Gabinete do Ministro da Agricultura entre 1929 e 1931, vice-presidente da Junta de Fomento Rural em 1932, colaborador notável das Campanhas do Trigo e da Produção Agrícola, organizador e primeiro director da Estação de Cultura Mecânica, organizador do I Congresso Nacional de Ciências Agrárias, antigo director da Sociedade de Ciências Agronómicas de Portugal e presidente da Sociedade Portuguesa de Ciências Naturais, fundador da revista Agronomia Lusitana e director da Revista Agronómica, professor catedrático da Universidade Técnica de Lisboa, antigo director da Estação Agronómica Nacional, ex-presidente da Comissão Nacional da F. A. O., actual presidente da Junta de Investigações Agronómicos, membro da numerosas sociedades científicas nacionais e estrangeiras, Deputado, que foi, pelo círculo de Évora na legislatura de 1949, bem merece que nesta Casa seja recordada a sua pessoa e rememorada a sua obra.
O Sr. Santos e Castro: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Com todo o gosto.
O Sr. Santos e Castro: - Pedi autorização a V. Ex.ª para o interromper, a fim de juntar às palavras de V. Ex.ª o meu testemunho pessoal e a minha admiração, no sentido de apoiar as considerações que V. Ex.ª teve a amabilidade de trazer a esta Câmara.
Efectivamente, a figura do Prof. António de Sousa da Câmara é uma das grandes figuras da vida portuguesa dos últimos anos. Homem de ciência de raro quilate, prestigiou o País fora das suas fronteiras e deu larga colaboração a inúmeros empreendimentos nacionais em favor da agricultura portuguesa.
Comungo com V. Ex.ª na homenagem que lhe presta e comungo, sobretudo, na homenagem verdadeiramente nacional que hoje lhe foi prestada na Estação Agronómica, de que foi o fundador e o verdadeiro criador.
Muito obrigado.
O Orador: - Agradeço as palavras de V. Ex.ª, por terem vindo enriquecer, exactamente, esta minha descolorida intervenção.
Como consta de louvor público exarado em recente portaria do Secretário de Estado da Agricultura, «o Prof. Sousa da Câmara demonstrou, ao longo da sua brilhante carreira profissional, permanente sentido inova-
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dor e viva inteligência, invulgar espírito científico e grande competência técnica, elevada capacidade de organização e de direcção e a mais extraordinária dedicação aã suas funções. Às suas qualidades de eleição manifestaram-se muito para além das inúmeras e importantes missões que lhe foram confiadas, algumas das quais no estrangeiro, onde granjeou justo renome internacional, resultando da sua intensa e exemplar actuação grande prestígio para as ciências agrárias portuguesas e para o próprio País».
Ao atingir o limite de idade foi assim bem justa a homenagem prestada, na Estação Agronómica Nacional, a quem muito se notabilizou no ensino, na investigação e na cultura.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi cumprimentado.
O Sr. Oliveira Pimentel: - Sr. Presidente: Afastada da zona litoral e dispondo de baixa densidade populacional, factores estes conjugados com outros de igual modo adversos, as províncias de Trás-os-Montes e Alto Douro constituíram até há poucos anos uma mancha escura no conjunto do País, pois em tantas outras regiões a distribuição de energia eléctrica encontrou condições favoráveis à sua penetração e difusão, enquanto nos distritos de Vila Real e Bragança, sobretudo na área destes distritos, o fornecimento existente tinha como origem pequenas centrais térmicas, que, em regra, se circunscreviam às sedes de concelho e cuja produção se destinava quase exclusivamente a fins de iluminação, uma vez que os períodos de funcionamento eram limitados a curtos espaços de tempo e somente durante a noite. Como não podia deixar de acontecer, a energia eléctrica proveniente de tais fontes produtoras era deficiente, restrita e cara.
Assim se viveu ali durante largos anos - às escuras, olhando para outras zonas suas vizinhas onde o surto da electrificação marcou a sua presença benéfica muitos anos antes ou contemplando para além da linha de fronteira a iluminação dói povoados de Espanha, cujo proveito as respectivas populações usufruíam já desde longa data. Por isso, foi com justificado alvoroço que no ano de 1955 Trás-os-Montes recebeu a notícia de que o Governo tomara a decisão de promover a sua electrificação, pondo-se assim termo a uma situação de atraso e de desfavor a que essa província também neste aspecto se achava votada, mediante a autorização concedida a uma empresa hidroeléctrica de estabelecer nos distrito de Vila Real e Bragança, bem como em três concelhos do distrito de Braga e em quatro concelhos de Viseu, as linhas de alta tensão, subestações e postos de transformação necessários para fornecimento de energia eléctrica aos concelhos abrangidos por essa extensa área. Era então Ministro da Economia -por cuja pasta foi estudado o problema e publicado o respectivo diploma legal- o Sr. Dr. Ulisses Cortês, nosso distinto colega nesta Assembleia, a quem desejo deixar aqui registada uma palavra de louvor e de reconhecimento pela promissora decisão tomada no sentido de ser levada a efeito a electrificação dessa província.
Ao abrigo dessa concessão, os diversos municípios abrangidos pela área desta estabeleceram contratos com a respectiva empresa -contratos esses com a duração de dez anos, em regra-, foram construídos cerca de 1800 km de linhas de alta tensão, ergueram-se postos de transformação e estabeleceram-se redes de distribuição de energia eléctrica em baixa tensão - e a energia, que a princípio constituiu privilégio das sedes de concelho, passou a difundir-se pelas sedes da freguesia e por outros aglomerados populacionais de menor importância. Constituindo uma novidade, pelo menos do ponto de vista prático, e oferecendo confiança ao seu fornecimento - estabelecida comparação com as pequenas centrais térmicas existentes nas sedes de concelho de funcionamento deficiente, limitado e intermitente -, o benefício que então chegava e ia sendo colocado ao alcance das populações fora aceite sem se olhar a preço, e, assim, os municípios firmaram os seus contratos de fornecimento na base de $75 cada kilowatt, em regra, valor este que, acrescido das perdas em alta tensão, atinge 980 cada kilowatt, ou ainda preços ligeiramente superiores. Tais contratos, firmados entre 1956 e 1980, uma vez que a sua duração era de dez anos, caducaram já todos eles, pois a concessionária teve o cuidado de os denunciar atempadamente para evitar a sua renovação tácita. E a mesma concessionária propôs aos municípios interessados a assinatura de novos contratos, em que além do mais, se procura elevar o custo da energia eléctrica em alta tensão, o que, como é natural, irá agravar o preço por que é fornecida aos consumidores em baixa- tensão - preço este já .por si elevado e que mesmo assim não cobre as despesos feitos e a fazer pelos municípios com a amortização do capital investido mas instalações, suo manutenção e conservação e com o fornecimento de iluminação pública, esta bastante limitada, para não agravar a situação financeira dos explorações.
Assim, tendo caducado a generalidade dos contratos outorgados entre os diversos municípios abrangidos pela área da concessão e a respectiva empresa, tendo esta submetidos à apreciação dos mesmos minutas de novos contratos que não foram aceites em face dos termos onerosos em que seriam concebidos, passando a empresa, sem qualquer contrato escrito ou verbal, a facturar a energia consumida por preço superior aquele, que vinha sendo praticado e, por sua vez, continuando os municípios a liquidar a energia ao preço anteriormente estabelecido - municípios e empresa concessionária assumiram posições antagónicas que dia a dia se vão agravando e a que urge pôr-se termo.
Conforme ficou referido, a província de Trás-os-Montes aceitou a decisão do Governo de promover a sua electrificação como uma medida do maior alcance, a qual, todavia, só poderá conduzir a resultados apreciáveis se permitir extensa e profunda difusão orientada pelas várias aplicações que a utilização da electricidade comporta. De limitado interesse se reveste ter-se ao nosso alcance um bem de consumo, como é a energia eléctrica, se o preço da sua utilização deixar de ser acessível para se tornar proibitivo - como acontece em Trás-os-Montes, cuja população, que também é portuguesa, paga a energia eléctrica pelo preço mais elevado do País!
O fornecimento de energia eléctrica assume aspectos económicos, sociais e políticos que têm de ser ponderados nas suas várias implicações, de molde a conduzirem a uma solução de equilíbrio, e embora se possa dizer - e já se tenha afirmado- que os problemas da produção e da distribuição, por razões de ordem técnica e económica, sejam diversos e independentes, mal se compreende que, encontrando-se localizados nessa província, por merco da Natureza, os mais poderosos recursos energéticos, já em grande parte aproveitados e em franca exploração, seja precisamente aí que a energia eléctrica atinja preço mais elevado para o consumidor. Com energia paga com base em tarifas altas, não é possível atingir-se apreciável utilização nas múltiplas aplicações que ela permite, não pode contribuir para o desenvolvimento de uma zona do País que continua em nítido atraso e em que se torna indispen
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sável promover o aproveitamento da sua riqueza agrícola e mineira ou a instalação de adequadas unidades industriais que lhe possam insuflar vitalidade.
Para efeito de abastecimento de energia eléctrica, a província de Trás-os-Montes foi integrada na área de uma concessão estabelecida por decisão governamental e mediante o acordo da empresa concessionária, sem que as respectivas populações, representadas pelos seus municípios, tivessem sido ouvidas acerca dos termos que haviam de regular essa concessão. E uma vez que, no que diz respeito e estruturação da concessão, tudo se passa entre Estado e concessionária, não dispondo os municípios de legitimidade nem de meios apropriados e eficientes para interferir e atacar de frente o problema, parece competir ao primeiro chamar este a si e com audiência da concessionária pôr termo ao diferendo surgido há cerca de dois anos a esta parte e que dia a dia se vai avolumando sem se encontrar solução para o mesmo. A medida que têm caducado os contratos a concessionária tem passado a debitar a energia eléctrica consumida por preço mais elevado; as câmaras municipais reagem continuando a pagá-la na base anteriormente estabelecida, enquanto a Secretaria de Estado da Indústria se não pronuncie sobre a matéria, pelo que, e consequentemente, não foi feito o correspondente ajustamento das tarifas de venda de energia ao público. Deste modo, a diferença entre o preço da energia fornecida em alta tensão facturada pela concessionária e daquela que tem sido paga ao preço anterior atinge já para muitas câmaras municipais quantias elevadas e que irão aumentando todos os meses enquanto o problema não lograr obter solução.
Sendo certo que os autarquias interessadas se têm dirigido aos serviços competentes no sentido de o assunto ser resolvido com brevidade -brevidade esta que já se vai dilatando por dois anos! -, tais serviços, ou, mais concretamente, a Direcção-Geral dos Serviços Eléctricos, limitam-se a responder que o problema em questão implica com outro de amplitude regional -desconhecemos qual seja- que ainda continua por resolver, acrescentando que o problema da «economia», quer da grande, quer da pequena distribuição de energia eléctrica em Trás-os-Montes, é, presentemente, dos mais importantes do País em matéria de electricidade, mas também é dos mais difíceis de resolver.
Aceita-se que a solução do assunto se revista de aspectos delicados, dadas as implicações que nele interferem; mas se a curto prazo não for possível chegar-se e, resultados definitivos, ao menos procure encontrar-se uma solução provisória, baseada em compromisso formal, com vista a pôr-se termo a uma situação que se vem arrastando desde há bastante- tempo, sem necessidade, sem honra e com menos proveito. Confiado em que se ponha termo a esta situação anacrónica, desejaria dirigir daqui um apelo ao Sr. Secretario de Estado da Indústria no sentido de intervir e indicar uma solução - uma solução defeituosa tem inconvenientes, mas a falta de solução, por via da regra, conduz a piores resultados.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Trigo Pereira: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: De louvar é, sem dúvida, o Ministério da Economia, e muito especialmente a Secretaria de Estado da Agricultura e a do Comércio, pelas facilidades concedidas aos criadores de gado para aquisição de rações compostas.
Esta iniciativa, que tornou ainda mais estreitos os contactos entre as duas Secretarias de Estado, muito pode contribuir para a manutenção dos efectivos bovino e ovino, acção que é essencial à economia do País.
O Sr. Ferreira Forte: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Faça favor.
O Sr. Ferreira Forte: - Interrompi V. Ex.ª para fazer uma pergunta. Esta medida que agora veio dar um certo benefício aos nossos criadores de gados, quanto a mim, nulo tem as bases necessárias. Quererá V. Ex.ª informar-me para quando o arrolamento geral de gados, para que estas e outras medidas possam ter base seguras? E, além disso, poderemos fornecer em breve tempo aos nossos criadores de gados os circuitos da venda dos seus animais com clareza, com simplicidade, para eles poderem planear as suas empresas sem estar à mercê da sorte?
O Orador: - Muito obrigado pela intervenção de V. Ex.ª, Sr. Deputado, à qual posso responder de duas formas.
As bases que determinaram a atribuição destas facilidades, digamos, de crédito à lavoura foram determinadas, teoricamente, a partir de um pressuposto da existência de um efectivo ovino e de um efectivo bovino.
No País só há um arrolamento certo, rigoroso e perfeito, que é o que se refere a existência de gado bovino leiteiro, mercê, não de um aspecto estatístico propriamente dito, mas por se ter submetido a uma campanha de saneamento, através da qual os serviços e o País podem usufruir de dois ou três dados fundamentais: número de animais, número de animais por idades e número de animais por possuidores. Isto permite não só aquilatar da capacidade de produção do efectivo, como da sua distribuição em relação as zonas do País, como ainda das estruturas e das modificações inerentes, se lhe quisermos dar outras potencialidades, quer genéticas, quer de produção, quer de maneio.
Quanto ao aspecto dos circuitos comerciais, pois ainda ontem foi referido nesta Casa, eles transcendem, de certo modo, a actividade directa e específica da Secretaria de Estado da Agricultura por uma razão simples: quem tem dinheiro é quem manda, e, segundo é do conhecimento geral, o dinheiro está de um lado e a estrutura e orientação agrícola estarão de outro. Daí a necessidade imperiosa de haver um contacto rigoroso, directo e perfeito entre os dois sectores que comandam e determinam a agricultura no País.
Penso que, desta forma, teria dado resposta às perguntas de V. Ex.ª
O Sr. Ferreira Forte: - Muito obrigado, Sr. Deputado, e estou perfeitamente esclarecido.
O Orador: - Agradecido fico eu.
As dificuldades sentidas por todos os criadores na alimentação dos seus efectivos têm evidentemente uma causa próxima, e que é a seca, mas também se pode filiar noutra, não menos verdadeira e não menos premente, e que resultou da intensificação da exploração pecuária, sem em contrapartida se ter conseguido um armazenamento paralelo e proporcional de alimentos.
Defeito de estruturas, por certo, mas não só das fundiárias, não só de nível empresarial, mas, sobretudo, de disponibilidades financeiras.
Todos nós esperamos o ovo com que havemos de comprar a ração para a galinha.
Toda a produção animal tem forçosamente de assentar nas instalações, na alimentação, no maneio, no cré-
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dito e na técnica que tais sistemas envolvem, mas bem forçosamente e sempre de ter presente o valor dos produtos d u sua actividade, bem como a facilidade da sua colocação no mercado em tempo, e no período que possibilite o maior benefício, que neste caso seria proporcional ao produtor e ao consumidor, e que, regra geral, se não verifica, nem para um nem para outro.
A iniciativa agora tomada é daquelas que bem podemos dizer tende a satisfazer estos premissas e mais, chega sem esforço e sem discriminações a todos os níveis de produtores, pois pode igualmente ser benéfica para quem tenha um só animal, como para quem possua milhares. E, por assim ser, é de toda a justiça que a tomemos como uma verdadeira medida de fomento pecuário.
E digo verdadeira medida d« fomento, porque, por si só, pode de certo modo sustar a diminuição das qualidades de carne e de leite a produzir, como pode também, aliás como se espera, e o que não é menos importante, contrariar uma oferta maciça para abate do efectivo adulto e mormente das fêmeas em reprodução.
Este o problema-base da pecuária nacional, considerada como fonte de abastecimento do País em produtos de alta qualidade, cuja falta anualmente ocasiona a sangria de avultado volume de divisas, sangria que todos nós temos o dever e a obrigação de tentar estancar.
Não se pode negar, em tal matéria, a existência de uma política, mas, com sinceridade, também não podemos deixar de anotar que nem sempre dela tenhamos cuidado com o esmero e com o interesse que o volume do produto em causa impõe.
Durante o último ano do Plano Intercalar e nos primeiro» três da vigência do actual III Plano de Fomento ninguém pode negar ou subestimar o esforço da lavoura nacional, que respondeu, por forma espectacular, aos estímulos programados adentro da política seguida.
Aumentou-se a produção de carne em cerca de 28 por cento. A do leite de vaca em cerca de 16 por cento.
Cresceu o efectivo de bovinos leiteiros e mormente à custa de fêmeas jovens, garantia, portanto, do aumento do número de vitelas destinadas à recria e engorda. Aumentou-se o número de viteleiros, que no um do ano de 1970 se cifrava já em 172, onde se recriaram cerca de 6440 vitelas, com uma mortalidade de 8 por cento, o que é francamente bom, mesmo a nível europeu.
É evidente que para tal esforço ter resultado se tornou necessária a existência de uma política de subsídios directos e indirectos e o esforço e compreensão dos técnicos dos serviços, que estão na base da aceitação, da interpretação, do apoio e da sua difusão entre os próprios criadores.
Neste limiar do ano de 1971 estamos, quanto a nós, num momento crítico, quer em relação aos bovinos, quer aos ovinos, uma vez que, à pressão económica e desalento da produção, face aos problemas ocasionados pelas desfavoráveis condições climatéricas, se junta o desconhecimento das bases da política de subsídios de conservação, recria e fomento da produção leiteira a seguir neste e nos próximos dois anos.
Urge, por isso, que, utilizando-se os critérios de trabalhos agora seguidos e a colaboração sempre possível entre os sectores em causa, se defina quanto antes o caminho ou caminhos a seguir.
Se tal demorar, arriscamo-nos todos a que o esforço até agora feito se perca, por abate das fêmeas adultas, o que já de si é grave, mas também por descrenças da produção nas intenções do Governo, o que tenho por catastrófico.
Haverá que reforçar, por todo os meios ao nosso dispor, a confiança do criador mas rectas intenções do Governo, e se assim for, pois havemos de ser, cada vez menos, um país de importadores -importadores de carne, de lacticínios, de lã, de couros, etc.-, e não queiramos agora passar a ser também importadores de carne de ovinos.
Bem sabemos todos que é mais fácil e rendoso negociar do que suportar as contingências da produção nacional, mas estou certo de que interpreto nesta Casa o sentir dos criadores, se disser que acima de tudo eles desejam continuar a ser cada vez mais criadores evoluídos e conscientes dos deveres e dos direitos inerentes à sua profissão.
Por outro lado, sabemos bem que aspectos há que têm de ser revistos à luz das realidades actuais, como sejam os da transformação e comercialização de produtos de origem animal, os da produção de rações, o comércio das matérias-primas, quer sejam bagaços de oleaginosas, quer de cereais secundários, quer dos aditivos, quer das farinhas de peixe, quer ainda nos da sua tipificação, factos que não invalidam, mas antes, pelo contrario, justificam as referências acerca de tais assuntos feitas já no relatório da Lei de Meios paca 1971.
A necessidade e premência de os pormos em marcha obrigou-me a referi-la neste momento.
Srs. Deputados: Termino, dando o meu aplauso à iniciativa a que me refiro,, que, vinda a público nos primeiros dias do ano de 1971, poderá, e assim o esperamos, ser tomada como prenúncio de desejo de actuação rápida e eficiente das Secretarias de Estado da Agricultura e do Comércio, na salvaguarda do património e da riqueza que a pecuária nacional representa.
Vozes: -Muito bem, muito bem !
O orador foi cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente:-Discussão na generalidade, em conjunto, das propostas de lei sobre a protecção ao cinema nacional e a actividade teatral.
Talvez seja conveniente esclarecer que o conceito de discussão em conjunto das propostas de lei permite aos intervenientes neste debate na generalidade ocuparem-se ou de uma ou de outra, ou de ambas, conforme as intenções que tenham, quanto à sua própria opinião e quanto à sua apreciação das matérias.
Tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Macedo.
O Sr. Veiga de Macedo: - Sr. Presidente: As propostos de lei sobre teatro e cinema, integradas no movimento renovador da vida portuguesa, tornado possível ao longo dos anos pela validade e eficácia dos princípios consagrados nas leis fundamentais e pelo espírito esclarecido das altas chefias, visam objectivos de alcance cultural e económico, que importa salientar com o louvor que bem merecem.
A minha primeira palavra, há-de ser, por isso, de aplauso para o Governo e, em particular, para o ilustre Secretário de Estado da Informação e Turismo, que, em renovada demonstração da sua inteligência realizadora, ligou o seu nome a mais estas duas importantes iniciativas.
O teatro e o cinema são factores de cultura, manifestações de arte, meios de propagação de ideias e de estados de alma, processos de revelação de acontecimentos. E são também poderosos elementos de difusão da literatura e da ciência e de acção pedagógica e formação
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moral, os quais, quando bem aproveitados, permitem aos homens ilustrar e recrear o espirito, dilatar os horizontes da sua vida e aproximarem-se mais uns dos outros em mútua compreensão e solidariedade.
Já se disse do teatro que era «índice do grau de civilização de um povo» e se falou do cinema como «janela aberta sobre o Mundo, pela qual a humanidade respira».
Mas o teatro e o cinema podem ser -e têm-no sido muitas vezes- fonte de degradação, subversão e anarquia, apelo aos mais baixos instintos e incentivo ao ódio e à guerra.
Dai a sua glória, quando servem o bem e a beleza, a verdade e a justiça. Daí a sua miséria ou baixeza, quando fomentam ou exaltam o crime, se identificam com a imoralidade e envenenam a inteligência e a sensibilidade, quando corrompem a alma dos povos e atentam contra os valores do espírito.
Estas palavras prévias aqui as deixo como voto de que as providências legislativas a tomar agora obtenham sempre aplicação perfeitamente consentânea com o alto pensamento que os inspira e legitima.
É um voto necessário e oportuno, pois, desgraçadamente - quem o poderá negar? -, nem sempre o teatro, e raras vozes o cinema, a avaliar por numerosas películas exibidas entre nós nos últimos tempos, são instrumentos de verdadeira irradiação cultural, de elevação moral e de diversão sadia.
For isso, com toda a veemência apelo para as autoridades competentes no sentido de se obstar, por forma eficaz, à realização de espectáculos que constituem afronta à moral pública e atentado a princípios e a interesses inalienáveis do nosso património cultural e nacional.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Protejam-se o teatro e o cinema, mas exija-se deles que não esqueçam ou atraiçoem os valores mais puros da vida humana, não pervertam a juventude, não desorientem ou escandalizem o povo, não minem o princípio da autoridade, não abalem as forças espirituais e históricas da resistência da Nação, nem a profunda certeza da razão de ser da sua integridade e do seu destino.
Pela minha parte, é neste espírito que, disposto a votar, na generalidade, as propostas de lei agora em apreciação na Assembleia Nacional, me deterei em alguns aspectos que esses documentos me sugerem.
Começarei por chamar a atenção para uma questão de interesse e que, aliás, não é senão resultado dos naturais e visíveis dificuldades que se depararam aos autores de propostas de leis que interferem, como as presentemente em debate, com zonas fronteiriças das competências de dois ou mais sectores ministeriais.
As actividades do teatro e do cinema situam-se, na verdade, no plano da educação e da cultura e no dos interesses económicos e profissionais.
No tocante aos aspectos sociais da defesa e regulamentação do trabalho e do seguro obrigatório, o Decreto--Lei n.º 43 181, de 23 de Setembro de 1960, cuja publicação me honro de ter promovido na minha passagem pelo Governo, transferiu para o Ministério das Corporações toda a competência nessa matéria, para o que se criou, no âmbito da Direcção-Geral do Trabalho, uma secção especial, com acção já (relevante, desenvolvida ao longo destes anos, mau grado sérias contrariedades e incompreensões.
No preâmbulo daquele diploma escreveu-se:
Espera-se que este serviço possa desempenhar com eficiência a missão que lhe cabe no estudo e defesa dos artistas e dos outros trabalhadores dos espectáculos públicos.
Hoje, pode dizer-se que a esperança, se não teve a plena efectivação por todos desejada, está longe de poder considerar-se de todo iludida.
Aliás, a criação da Corporação dos Espectáculos, pelo Decreto n.º 42 524, de 23 de Setembro de 1959, que também me foi dado subscrever em seguimento da Lei n.º 2086, ou seja, do Estatuto Jurídico das Corporações, merece não ser esquecida quando se fala em avanços realizados neste campo da institucionalização corporativa, o mesmo é dizer da definição e distribuição de funções e da promoção social.
Mas, quanto aos aspectos mais especificadamente culturais e educativos, há ainda imprecisões ou hesitações próprias dos períodos de transição ou de evolução que é mister não deixar na penumbra. Merece, por isso, louvor a Câmara Corporativa por, nos seus doutos e exaustivos pareceres, não esquecer o assunto, ao emitir, por exemplo, ao voto de que oportunamente se estude se o teatro, enquanto elemento de cultura e expressão artística, não deverá caber, não no domínio das atribuições do Secretariado de Estado da Informação e Turismo, mas na competência do Ministério da Educação Nacional, que, por natureza, deverá superintender já nas escolas de arte de representar que existam ou venham a existir entre nós».
Logo nas primeiras linhas do parecer sobre a proposta de lei relativa ao teatro, a Câmara Corporativa afirma que nas dificuldades enfrentadas pelo meio teatral resultam, em grande parte, da carência de infra-estruturas e de ambientação cultural, numa perspectiva que, desta forma, transcende o âmbito do presente diploma». E acrescenta:
Por outro lado, e em íntima conexão com o que acaba de expor-se, deve aludir-se à imprecisão orgânica do aparelho cultural do Estado.
Já a mesma Câmara, no parecer de 1950 sobre a proposta de lei acerca da criação do Fundo de Teatro, se pronunciava no mesmo sentido, uma vez que ao problema teatral está intimamente ligado aos destinos da arte e da literatura nacional, não havendo qualquer vantagem em que fique de um lado o espectáculo público e do outro o Conservatório, escola de formação de artistas teatrais».
De certo modo, este problema está relacionado com outro, embora circunscrito à estrutura interna de um único Ministério, ou seja, o da Educação. Refiro-me à concentração, numa única direcção-geral, dos assuntos respeitantes ao ensino superior e às belas-artes. Parece ser altura de proceder ao necessário desdobramento. Reclamam-no a especialização das funções e a sobrecarga de serviços que, cada vez mais, recaem sobre a Direcção-Geral do Ensino Superior e dos Belas-Artes, onde a alta envergadura intelectual e moral e o profundo conhecimento dos problemas de quem, há tantos anos, a vem chefiando, com zelo inexcedível e rara lucidez de espírito, têm obstado a graves perturbações e desvios, mas a preço de enorme sacrifício, inexigível a um homem só.
O Dr. Júlio Dantas, no citado parecer da Câmara Corporativa, de que, em 1950, foi qualificadíssimo relator, ao recordar a supressão, anos antes, da Direcção-Geral das Belas-Artes, escreveu estas expressivas palavras:
Os serviços da educação artística, teatral, conservatórios, museus, escolas de belas-artes, ficaram a
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cargo da Direcção-Geral do Ensino Superior, que não podia consagrar-lhes, como é natural, senão uma parte, sem dúvida a menor, da sua zelosa actividade. Não se sabe bem porquê, ao passo que os teatros do Estado e os conservatórios permaneciam nos quadros do Ministério da Educação Nacional, os restantes teatros passavam para o Secretariado da Informação, entidade oficial múltipla e polivalente já incomparavelmente sobrecarregada com a imprensa, a rádio, o cinema, a propaganda, o turismo, a etnografia, o mecenato literário, a arte popular, o protocolo de recepção de estrangeiros ilustres.
No campo cinematográfico há aspectos que também interessam fundamentalmente à política da educação e à do ensino.
A partir da execução do Plano de Educação Popular, em que e 'integrou a Campanha, Nacional de Educação de Adultos, o Ministério da Educação começou a- utilizar, em escala crescente, o cinema, quer como instrumento didáctico, quer como elemento de acção formativa e divulgadora. A experiência então ensaiada, tem sido apontada entre nós e até em organismos internacionais - a UNESCO, par exemplo- como primeiro e forte impulso à utilização dos meios audiovisuais na acção educativo, e difusora, a que emprestaram o concurso da sua vocação privilegiada artistas como Vasco Santana, para não citar outros ainda felizmente vivos.
Mais tarde, o Ministro Galvão Teles haveria de criar o Instituto de Meios Audiovisuais de Ensino, hoje o Instituto de Meios Audiovisuais de Educação. A este organismo cabe a atribuição específica de «promover a aquisição, produção, troca e distribuição de material de cinema, fotografia, projecção fixa e gravação sonora para fins didácticos e culturais» [alínea c) do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 48962, de 14 de Abril de 1969].
Pois, também a leitura da proposta de lei sobre cinema inculca a ideia de que, na sua elaboração, não terão sido ouvidos os sectores especializados da educação nacional, cuja posição no contexto do documento não vem convenientemente definida e muito menos valorizada.
Não quero extrair destas considerações quaisquer conclusões definitivas, pois a questão de fundo enunciada não está agora pendente de decisão da Assembleia.
Limitar-me-ei, por isso, e sem preocupação de as ligar muito entre si, a emitir algumas opiniões ou formular algumas hipóteses sobre a matéria.
Direi, antes de mais, que nunca fui defensor da concentração na Presidência do Conselho de serviços susceptíveis, por natureza, de serem autonomizados ou integrados noutros sectores públicos.
Tenho razões, que julgo de peso e confirmadas pela experiência, a reforçarem este meu parecer. Ë com base nelas que me inclino para a existência de um Ministério a que sejam confiadas a totalidade ou parte das funções, hoje inseridas no elenco de atribuições da Secretaria de Estado da Informação e Turismo, criado para suceder, e bem, com maior projecção e autonomia, ao Secretariado Nacional da Informação, de há muito ultrapassado na sua estrutura e nos seus meios de acção.
Por outro lado, urge estabelecer uma eficiente coordenação entre os sectores com competência em matéria de educação e de cultura popular, sendo certo que as dispersões existentes por falta de um estudo profundo do problema estão a constituir sério entrave à expansão da proclamada política do espírito.
É preciso ter presente que a escola, a todos os níveis, e a começar pela do ensino primário e pela da educação de adultos, não pode ser dispensada de cooperar, como elemento essencial, na expansão da cultura, mesmo no domínio das actividades teatrais e cinematográficas.
É certo que o Ministério da Educação Nacional tem, de momento, e há-de ter cada vez mais, missões gigantescas a cumprir, mas também é certo que se impõe não ligar à tarefa informativa tão importante, absorvente e específica num Estado moderno, funções de índole diferente, até porque, de contrario, o sector pode sentir-se inclinado -é da natureza das coisas- a dedicar--se mais à difusão das suas actividades próprias do que às dos restantes departamentos ministeriais, dando azo ou fornecendo pretexto para estes últimos criarem serviços mais ou menos desenvolvidos de propaganda nem sempre orientados -a experiência o atesta de modo inequívoco- no sentido do interesse geral para se situarem, de preferência, por vezes, e através de processos conhecidos, em planos bem mais limitados e bem menos convenientes.
O que, acima de tudo, pretendo com estas considerações, e independentemente de se verificarem ou não os modificações orgânicas a que alude a Câmara Corporativa, é chamar a atenção para a necessidade de no mundo do teatro e do cinema os dois departamentos mais interessados estabelecerem entre si um plano concertado de acção. Neste aspecto, muito se teria lucrado se, mesmo no actual e imperfeito condicionalismo das estruturas e da sede de atribuições, as propostas de lei agora em apreciação tivessem sido elaboradas por aqueles dois sectores ministeriais e com o concurso do próprio Ministério do Ultramar, para, desse modo, se abrangerem, em globo e coordenadamente, todos os problemas pendentes.
Aludirei agora a outro ponto. A apresentação simultânea de duas propostas de lei sobre teatro e sobre cinema e a sua discussão na generalidade, também simultânea nesta Câmara, podem, no pendor de velhas tendências, levar a ideia de que as soluções para aquelas duas actividades devem sempre ser idênticas.
Ora, não podemos esquecer, mormente nesta época de planificações rígidas e de visões geométricas dos problemas, a que os técnicos, na frieza dos seus esquemas, tantas vezes utópicos, e os socialistas, na linha da sua ideologia totalitária, são por de mais atreitos, não podemos esquecer, dizia, que as questões do teatro e do cinema, com terem causas e implicações comuns, oferecem também aspectos de fundo e de forma completamente diferenciados, insusceptíveis, por isso, de tratamento jurídico e administrativo uniforme ou standardizado.
Embora as não perfilhe em toda a amplitude, não deixam de me parecer dignas de meditação estas afirmações de Júlio Dantas:
Enquanto o cinema é uma gigantesca indústria, uma prodigiosa técnica, mundo de imagens caminhando no tempo e no espaço .... o teatro, pelo contrário, é substancialmente ... uma literatura, uma língua, uma alma.
Além disso, os condições técnicas e as relacionadas com a própria exploração económica e, especialmente neste campo, as mentalidades dos que se dedicam a uma e outra das actividades aconselham prudência, pois seria desastroso que, na formulação dos preceitos legais e regulamentares, e nos próprios métodos de acção, se «vestisse com o mesmo figurino o teatro e o cinema». Esta diferenciação de origem, de fundo e de forma e de interesses económicos, entre as duas actividades, está bem patente nas reacções dissemelhantes ou contraditórias
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que os sectores profissionais de uma e outra acusaram, na apreciação pública dos problemas em causa, a ponto de muitas opiniões se mostrarem irredutíveis.
Continuando a confinar-me à análise sucinta de aspectos genéricos que as duas propostas de lei me suscitam, aludirei ainda ao que penso ser o erro de quantos julgam a expansão do teatro e do cinema fundamentalmente condicionada pela melhoria do teor de vida das populações. Esta convicção anda, em grande parte, longe da realidade, sabido que a elevação dos recursos materiais abre aos que dela beneficiam novas e crescentes modalidades de emprego dos tempos livres e tende a dispersá-los precisamente em prejuízo do interesse pelo teatro e pelo cinema...
Quero com isto significar que ca penetração do teatro e do cinema no público ou, melhor, «a penetração do público no teatro e no cinema» depende, em muito, da existência nas comunidades, nas famílias, nas pessoas, de um gosto esclarecido e forte pela arte e pela diversão sadia, o qual só pode radicar-se e desenvolver-se se se levar por diante, e em ritmo vivo, uma política de educação, a todos os níveis, das populações e em todos os parâmetros da cultura. O Plano de Educação Popular, de 1952, ficou, e foi pena, na primeira fase, pois A sua letra e o seu espírito apontavam claramente para lotos e ambiciosos objectivos, sendo certo ainda que não se aproveitaram, em toda a extensão, as virtualidades por ele abertas, nem as forças renovadoras e recuperadoras que despertou na consciência pública.
Precisarei melhor o meu pensamento, se disser que, numa altura em que muitos se debruçam, açodados e inquietos, sobre o problema da Universidade, é de recear que outros problemas igualmente importantes ou essenciais sejam relegados para o segundo plano das preocupações. Foi, infelizmente, o que aconteceu Até há cão muitos anos neste país, em que um escol intelectual reduzido, e parece que apostado em isolar-se e em impedir o alargamento da base do seu próprio recrutamento, se interessava quase tão somente pela chamada alta cultura, desdenhando ou esquecendo os questões essenciais do ensino das primeiras letras, da educação fundamental, da iniciação profissional e da formação artística de extensas camadas populacionais mergulhadas no analfabetismo durante gerações e gerações.
Importa não reincidir no erro e, por isso, não deve fiar-se a resolução dos problemas do teatro e do cinema apenas da revisão e actualização dos leis e dos regulamentos.
E não será ocioso acrescentar que o Estado não pode nem deve fazer tudo. Incumbe-lhe fomentar, proteger, coordenar, mas não lhe pertence - é-lhe mesmo vedado pela doutrina que, entre nós, o informa - substituir-se à iniciativa privada. Compete-lhe, sim, assegurar a harmonia dos interesses e estar atento à evolução das técnicas e prevenir ou evitar os desequilíbrios que ela possa provocar. Repare-se em como os elementos ligados ao cinema se queixaram da televisão, chegando alguns a pretender que fossem impostos sérios limites a sua expansão, como processo de atenuar a crise da arte e da indústria cinematográficas.
Há anos, porém, a vítima foi o teatro, perante o aparecimento e a difusão do cinema. Então a Câmara Corporativa referiu-se a questão em termos caracterizados por esta visão esquemática:
O cinema [dizia a Câmara Corporativa no seu parecer transcrito no Diário das Sessões, de 2 de Março de 1950] não roubou apenas o espaço vital necessário ao teatro: desviou dele a corrente do público, criando um espectáculo a baixo preço - «o teatro exportado em latas», na expressão de Bobert Florey-, com o qual o verdadeira teatro, cada vez mais caro, não podia competir.
Penso ser altura de se ultrapassar este coro desencontrado de lamentações ou acusações para se enfrentarem a sério os problemas que, desafiando a capacidade de decisão dos responsáveis e dos interessados, exigem, antes de mãos, uma serena, e objectiva análise das suas causas e repercussões e, de seguida, a formulação das soluções adequadas, através da norma jurídica, da estruturação ou reestruturação das instituições e serviços e da criação de uma consciência mais esclarecida e generalizada sobre o valor do teatro e do teatro como expressão de arte e instrumento de progresso cultural e social.
Assim sendo, há que aplaudir tudo o que se faça para colocar o "teatro e o cinema DD lugar cimeiro a que têm jus, assegurando-lhes condições de vida e gradual expansão.
Nesta linha de rumo, haverá que preparar os curtistes e os técnicos indispensáveis. Para tanto, deve começar-se pela remodelação dos estados do Conservatório Nacional e por um conjunto de providências, visando todos este aspecto nuclear ligado a formação de quantos, no âmbito profissional ou no domínio das meritórias e imprescindíveis actividades desinteressados dos amadores, hão-de estar, por natureza, na base da floração das nobres artes do palco e da tela.
Esto primeiro apontamento sobre aspectos mais concretos das propostos de lei oferece-me o grato ensejo de esclarecer que já o Ministro Galvão Teles, por proposta do director-geral do Ensino Superior e dos Belas-Artes, ordenou se procedesse aos estudos indispensáveis a reestruturação do Conservatório Nacional. Julgo saber que esses estudos atingiram fase adiantada na secção respectiva da Junta Nacional da Educação, sendo de esperar que em breve o Governo possa reformar, em profundidade, a escola que, desde 1836, funciona no antigo Convento dos Caetanos.
Será altura, na verdade, de promover, como se impõe, o desdobramento do Conservatório em dois estabelecimentos diferenciados e autónomos - um para a música e ópera e outro para o teatro -, sem se esquecer a indispensável criação de uma escola de bailado capaz de radicar e impulsionar as artes coreográficas em toda a gama das suas manifestações clássicas, modernos e populares.
Recorde-se que, já em 1885, foi criado por Almeida Garrett o Conservatório de Música, estabelecimento que, logo no ano seguinte, passando a designar-se «Conservatório Real de Lisboa», ficou constituído por três escolas diferentes: a de música, a dramática ou de declamação e a de dança e mímica. Esta orgânica polivalente foi por de mais unificada pela reforma de 1930, sem que daí resultasse qualquer beneficio pedagógico ou cultural.
Escusado será acentuar que escolas desse tipo não deveriam, nem deverão, porém, ter aquele cunho clássico exclusivo que tanto limita e anquilosa os estabelecimentos de ensino artístico que só se voltam para o estilo ou para as obras do passado, por mais expressivas e geniais que se apresentem. E isto é igualmente válido quer para o teatro, quer para a música, quer para o bailado.
Se assim se fizer, a afluência de alunos será bem mais expressiva, e a influência dessas escolas na expansão das actividades dramáticas, musicais e coreográficas há-de ser significativamente benéfica, como acontece nos países onde essa orientação tem vingado. Às inovações, as aberturas, as «liberalizações» desta natureza, nunca fizeram
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mal a ninguém, e até do ponto de vista político se revestem de reais vantagens, como a experiência sempre evidenciou.
As mentalidades que se comprazem com os narizes de cera, com os postiços e com os ambientes fechados não aceitarão, por certo com medo das correntes de ar fresco e renovador, estas maneiras de ver, que são as únicas capazes de abrir mais dilatadas e promissoras clareiras à arte, à cultura, à vida.
E será de criar também uma escola de formação de cineastas e técnicos de cinema? Já me inclinei abertamente para uma solução neste sentido, mas hoje não quero pronunciar-me em definitivo sobre matéria tão delicada. E que as escolas de teatro, a exemplo do que se verifica noutros países, podem e devem ensinar também as técnicas da arte de representar mais adaptáveis ao cinema. Aliás, e como se propõe fazer o Governo, bem poderão, até a título de ensaio, organizar-se cursos, estágios, centros experimentais de cinematografia, sem pôr de parte a atribuição de bolsas de estudo destinadas à preparação de técnicos e de artistas de cinema. E estes últimos, não se esqueça, hão-de, em regra, provir do próprio teatro, como tem acontecido quase por toda a parte.
Sei que, por exemplo, na Jugoslávia funciona uma escola que se dedica de modo particular à curta metragem, mas não sei se se trata de um estabelecimento de ensino de tudo o que diz respeito à arte de representar e às diversas técnicas do cinema, ou só a estas. De qualquer modo, o Instituto Português de Cinema fica com poderes e meios para fazer as experiências que entender neste campo, o que trará reais vantagens se houver o cuidado de acertar agulhas com os estabelecimentos de ensino artístico e se não se caminhar, às cegas, na preparação de elementos insusceptíveis de absorção pelas actividades cinematográficas portuguesas.
Esta matéria é melindrosa e controversa, aliás, como quase todas as ligadas ao teatro e ao cinema. Consagrai longos dias à leitura ou estado de muito do que se tom escrito sobre estes problemas e fiquei impressionado com as divergências de opinião resultantes não só da sua complexidade e amplitude, mós também do antagonismo de interesses que, neste terreno, se chocam e digladiam com reflexo nítido em pareceres, estudos, relatórios e exposições, em entrevistas, mesas-redondas e artigos da imprensa, e no jogo, nem sempre isento, das influências pessoais ou sectoriais ou mesmo das posições ou paixões políticas.
Esta irredutibilidade de pontos de visto surge logo que se pretende encantoar soluções poma o fomento e defesa do cinema nacional. Tem-se verificado que diversas providências visando esse inafastável objectivo são apodadas de lesivas de interesses legítimos e consideradas, por vezes, contraprocedentes e perniciosas.
A leitura dos pareceres da Câmara Corporativa evidencia bem as discrepâncias de atitudes dos diversos sectores em presença. Não vou debruçar-me sobre aspectos mais próprios da apreciação na especialidade, mas, de passagem, não me furtarei a aludir à necessidade de tudo se fazer para aproveitar o poderosíssimo instrumento cultural e psicológico do cinema -e também do teatro- na defesa dos nossos valores materiais, jurídicos e morais, sob pena de os vermos, pouco a pouco, de modo directo ou indirecto, comprometidos, abastardados ou substituídos por outros de sinal contrário, não só aos mais profundos interesses nacionais, como à política do espírito.
Esta orientação não pode deixar de prevalecer, de harmonia, aliás, com a linha de pensamento das próprias propostas de lei, embora tenha de se reconhecer não ser fácil encontrar soluções normativas e metodológicas para KC atingir este importante objectivo, sobretudo no concernente ao cinema.
Todos os países cuidam dos seus interesses, de modo particular neste domínio.
Assim, o lei brasileira (artigo 19 da Lei n.º 48, de 18 de Novembro de 1966) prescreve que «todos os cinemas existentes em território nacional ficam obrigados a exibir filmes nacionais de longa metragem, durante determinado número de dias por ano, a ser fixado pelo Conselho Directivo do Instituto Nacional do Cinema». E o artigo 22 da mesma lei consagra doutrina idêntica para filmes nacionais de curta metragem de «classificação especial».
A lei do país vizinho prevê que a quota de écran a que deverá ajustar-se a exibição obrigatória de películas espanholas de longa metragem é estabelecida na proporção de um dia de película nacional por quatro películas estrangeiras dobradas em castelhano.
Por seu turno, e para não folar na França, na Inglaterra e noutros países, a Lei Italiana n.º 1218, de 4 de Novembro de 1985, estabelecia que «os filmes nacionais de longa metragem são admitidos à programação obrigatória (vinte e cinco dias em cada trimestre) nas salas de cinema que apresentem, além de adequados requisitos de idoneidade técnica, também suficientes qualidades artísticas, ou culturais, ou espectaculares, não podendo, todavia, ser admitidos a essa programação obrigatória os filmes que tratem vulgarmente de temas sexuais para especulação comercial».
E evidente que o fomento do cinema português não depende apenas de providências desta natureza, mas tem sido neste aspecto que se vem travando mais acesa discussão. E se é certo não se compreender a protecção a filmes sem nível artístico ou cultural, também não pode duvidar-se da legitimidade e da necessidade de se adoptar aquele método na protecção do cinema português. Tudo está em que se encontrem as formas práticas mais apropriados e que os diferentes interesses em causa se disponham a uma cooperação leal e construtiva. A produção, a distribuição e a exibição são três fases de um todo que não podem, sob pena de se lesarem mutuamente, deixar de se entender, cabendo ao Estado impor, de modo supletivo, a coordenação e a disciplina indispensáveis.
Reconheça-se que, neste campo, as propostas de lei em apreço, sem embargo de constituírem um avanço notável na adopção dos meios e mecanismos mais apropriados a protecção do teatro e do cinema, oferecem, entre outros, o mérito de não fazer tábua rasa do que de bom e aproveitável se encontra já em vigor.
Além desta vantagem, assinalada pela Câmara Corporativa, há que referir, por ura lado, o alargamento dos esquemas de protecção financeira, que passam a abranger não só a modalidade dos subsídios, mas ainda a concessão de empréstimos e de garantias de crédito, e, por outro, o estabelecimento de um novo regime fiscal mais conforme com as normas gerais da tributação e com os princípios da justiça.
No respeitante ao primeiro aspecto, há, porém, que formular o voto de que, tonto quanto possível, o função do crédito caiba aos organismos especializados do banca oficial ou privada, embora em perfeito entendimento com os serviços do Estado de protecção ao teatro e ao cinema, serviços que devem ser libertados de tudo o que não é específico da sua missão.
Torna-se mister, além disso, que o Instituto do Cinema e o Fundo do Teatro não se transformem em instrumentos
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de acção assistencial ao mau cinema ou ao mau teatro, ou de simples protecção pessoal ao sabor de influências ou subjectivismos menos desejáveis.
Fomentar um teatro e um cinema sem nível artístico ou cultural ou técnico seria um erro clamoroso. Daí que a política de protecção a essas importantes actividades deva ser informada, como preconiza, e bem, a Câmara Corporativa, por um critério de nítida opção de qualidade, critério que tem de ser prudentemente definido para não se cair em exageros que poderiam comprometer o arranque ou o novo arranque que se impõe para se instaurar ou aperfeiçoar o nosso cinema.
No que toca ao regime fiscal, há da parte da Câmara Corporativa, apesar dos aperfeiçoamentos consagrados nas propostas de lei, o receio de que as actividades teatrais, e, em especial, as cinematográficas, nada beneficiem com o novo sistema tributário. Aquela Câmara chega a concluir que, se interpretou bem a proposta de lei «não há efectivamente qualquer melhoria de situação para os espectáculos cinematográficos», pelo que o mínimo que se poderá pretender é que o cinema não sofra tratamento mais desfavorável que o de qualquer actividade de interesse exclusivamente económico, com a sua sujeição a outros encargos.
Eis um ponto que tem de merecer estudo atento do Governo, uma Vez que a Assembleia Nacional nesta matéria de receitas e despesas públicas pouco poderá fazer em face dos preceitos constitucionais. Seria doloroso que, por deficiências desta ordem, se frustrassem, logo de início, os altos objectivos enunciados pelas propostas de lei, alguns dos quais se revestem de particular significado, como os que deverão materializar-se no aumento de receitas do cinema e do teatro.
Esta última finalidade está também ligada ao propósito de atenuar a excessiva centralização do cinema e do teatro, nomeadamente em Lisboa, mas importa reconhecer que os diplomas em debate não inserem normas susceptíveis de modificar, com a necessária amplitude, a situação presente.
O Governo encarou, por certo, o problema, mas deve ter querido evitar compromissos concretos de difícil satisfação imediata. No entanto, muito poderá fazer-se, se as estruturas e os meios ora previstos forem aproveitados racionalmente e no sentido da regionalização possível do cinema e do teatro.
É de salientar ainda que a protecção às actividades não lucrativas de cinema e de teatro, prevista nas propostas de lei, poderá contribuir, em larga medida, para tão desejada descentralização. Os clubes de teatro e os grupos dramáticos de amadores podem e devem ser, como salienta n Câmara Corporativa no seu parecer sobre n proposta de lei do teatro, ao ponto de partida para uma difusão e aculturação generalizada».
Pena é que a mesma Câmara, no outro parecer, assuma posição diferente, ao minimizar o cinema de amadores, afirmando que ele, «embora possa dar azo - e já tem dado - a valiosas revelações, se circunscreve a um âmbito restrito, sem penetração no público, quando muito equivalente, sob o prisma teatral, a saraus privados e apenas decorrentes entre familiares, amigos e conhecidos».
Em consequência deste ponto de vista, a Câmara substitui ou elimina os preceitos da proposta de lei em que se prevê o apoio ao cinema de amadores.
Pela minha parte, não concordo com semelhante ponto de vista, uma vez que o cinema de amadores, como actividade cultural que é, não pode ser tratado discriminatoriamente e com desfavor. Seria chocante e grave injustiça fazê-lo. Pelo contrário, e dada a sua feição desinteressada, merece carinho e estímulo muito especiais, mormente numa época em que ao desenfreamento crescente das lutas económicas e, tantas vezes, dos excessos materialistas, há que opor, na pureza da sua essência e das suas formas, a força da cultura, entendida esta como expressão de arte, de comunicação e valorização humanas e de aperfeiçoamento moral.
O Sr. Peres Claro: -Muito bem!
O Orador: - Acresce que o cinema de amadores pode e deve ser um dos fulcros da expansão da nobre arte da imagem em movimento e, portanto, factor de desenvolvimento não apenas cultural, mas também económico, com repercussão directa favorável para a consolidação e florescimento das actividades industriais e comerciais a ela ligadas.
E poderíamos nós, mormente neste período difícil que atravessamos e em que lutamos em várias frentes pela manutenção da integridade territorial e moral da Pátria, desinteressar-nos dos contactos internacionais que o cinema de amadores, e não apenas o de arte e ensaio, já assegurou e pode assegurar ainda mais amplamente no futuro?
Nem se esqueça que o cinema português de amadores e, ainda, o próprio cinema publicitário gozam de merecido prestígio internacional, a ponto de já terem alcançado altos prémios e referências honrosas em diversos países.
No mesmo pendor de espírito, creio que esta preocupação deve reflectir-se, seja na fixação dos critérios dos auxílios estatais e na escolha dos seus beneficiários, seja no incentivar do gosto pelo cinema e pelo teatro, seja na constituição dos órgãos directivos e consultivos previstos nas propostas de lei.
Sobre este último aspecto penso que, a exemplo do que se faz em Itália, deveria haver uma comissão ou conselho Interministerial que assegurasse a difícil coordenação das actividades teatrais e cinematográficas e que, pelo menos, conviria proporcionar ao sector directamente responsável pelo ensino e pela educação mais lata e efectiva representação, como atrás já ficou bem. evidenciado. Choca, por exemplo, que a Junta Nacional da Educação, nas propostas de lei em apreço, eó tenha representação no Conselho de Cinema e que neste não se preveja assento para um representante do Instituto de Meios Audio-Visuais de Educação.
Ora, há problemas a tratar neste Conselho, com incidência sobre os da formação da juventude e os da educação em geral. Os conselhos previstos nas propostas de lei não devem ser simples órgãos de feição económica e, por isso, não se vê como neles não haja quem, pela origem e natureza do seu mandato, possa impedir que a sua acção se circunscreva apenas aos aspectos estritamente materiais.
O Sr. Peres Claro: -Muito bem!
O Orador: - Esta ordem de considerações leva-me, naturalmente, a não compreender a sugestão da Câmara Corporativa para o Conselho de Teatro ser encabeçado pelo presidente da Corporação dos Espectáculos. Apoiando-se na base IV da Lei n.º 2066, de 22 de Agosto de 1956, a Câmara «entende que o núcleo central do Conselho de Teatro deve ser constituído por representantes da Corporação dos Espectáculos e pelas outras pessoas consideradas especializadas nos sectores das actividades teatrais ou com responsabilidades neles». Em sentido
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idêntico se pronuncia a Câmara no tocante à formação do Conselho de Cinema.
E preciso não esquecer que, neste domínio, há aspectos a considerar de ordem cultural e moral que transcendem os de índole económica ou profissional. Por outro lado, a Câmara não faz uma proposta que esteja de acordo com o preceito legal invocado, pois, a ser assim, teria de sugerir que a Corporação dos Espectáculos passasse a ser o próprio Conselho de Teatro e o próprio Conselho de Cinema, com a agregação de representantes de serviços públicos e entidades especializadas.
Se o fizesse, estaria então a tentar dar cumprimento a esse principio que a lei, todavia, considera de aplicar «sempre que possível». Mas a Câmara não fez tal alvitre, porque se lhe devem ter deparado reais dificuldades para encontrar uma forma prática de dar execução à regra definida, em princípio, na mencionada Lei n.º 2086. E não é de estranhar que assim tenha acontecido, considerando, por um lado, a orgânica interna da Corporação e, por outro, não só a diversificação e pormenorização das funções dos Conselhos de Cinema e de Teatro, muitas das quais não revestem carácter geral, mas ainda a inserção destes em estruturas departamentais de que fazem parte integrante. É curioso que os Sindicatos Nacionais dos Artistas Teatrais e dos Profissionais de Cinema entendem que os Conselhos de Teatro e de Cinema não devem ser presididos pelo presidente da Corporação dos Espectáculos, se bem que aleguem, como fundamento da sua opinião, razões de actual interesse pratico, mas discutíveis no plano da legitimidade das atribuições do mais alto dirigente daquele organismo corporativo de grau superior.
Escusado será dizer que aqueles Conselhos não podem deixar de ter adequada representação corporativa, a designar pela Corporação dos Espectáculos. Mas nessa indicação deve respeitar-se rigorosamente o princípio da paridade, de modo que os representantes das entidades patronais sejam em número igual aos representantes do trabalho profissional.
O Sr. Peres Claro: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: Durante muitos anos pude trabalhar em sectores que me deram uma visão dos problemas sociais dos artistas e dos técnicos de teatro e de cinema. Foi-me dado também tomar contacto com diversas entidades patronais, cujas dificuldades, por vezes, me impressionaram vivamente.
Agora, ao procurar actualizar-me sobre estas questões, voltei a sentir-me dominado por uma ternura especialíssima, que envolve todos os que se consagram a um trabalho do mais significativo alcance social e cultural.
Penso, de modo particular, naqueles que enfrentaram ou enfrentam situações difíceis, quando .não angustiosas, e que, apesar do tudo, persistem agarrados à nobre arte de representar ou de transmitir emoções, sentimentos, ideias.
Artistas? Sem dúvida, na verdadeira acepção da palavra. Mas beneméritos também, porque distraem, ensinam, educam, tantas vezes numa dádiva total de si próprios, que o público apressado e desatento nem sempre avalia na justa medida do seu sacrifício ou da sua grandeza.
Temos de fomentar a expansão e n prosperidade económica dos actividades ligadas ao cinema e ao teatro?
Temos de criar nas populações uma consciência mais esclarecida e um gosto mais apurado pelas manifestações da vida cultural, como aquelas que se exprimem pela arte cénica e pela da imagem em movimento?.
Temos de proteger o teatro e o cinema, mormente como expressão nacional, e olhar de frente para os múltiplos problemas de ordem financeira, técnica e artística que suscitam?
Nem vale a pena formular resposta a estas interrogações, tilo claro é o sentido imperativo da solução ou das soluções que apontam.
Mas temos ainda de estimular em todos os níveis da vida portuguesa o florescimento dos sentimentos de respeito, compreensão e carinho devidos ao nosso escol de artistas do palco ou da tela -e existe um escol, embora nem sempre convenientemente aproveitado - que se espera venha a beneficiar, de modo directo e positivo, das reformas que o Governo em boa hora submeteu à apreciação da Assembleia e que ela vai, sem dúvida, aprovar, movida também por uma preocupação de justiça e de hierarquia de valores verdadeiramente irrecusável.
Vozes: -Muito bem, muito bem!
O orador foi cumprimentado.
O Sr. Presidente: -Vou encerrar a sessão.
Amanhã haverá sessão, a hora regimental, tendo como ordem do dia a continuação da discussão na generalidade das propostas de lei sobre a protecção ao cinema nacional e sobre a actividade teatral.
Está encerrada a sessão.
Eram 17 horas e 5 minutos.
Sr. Deputados que entraram durante a sessão:
Albano Voz Pinto Alves.
Amílcar da Costa Pereira Mesquita.
Camilo António de Almeida Gama Lemos de Mendonça.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Fernando do Nascimento de Malafaia Novais.
João António Teixeira Canedo.
Joaquim Carvalho Macedo Correia.
Joaquim Jorge Magalhães Saraiva da Mota.
José Dias de Araújo Correia.
José Vicente Pizarro Xavier Montalvão Machado.
Luís Maria Teixeira Pinto.
Manuel Artur Cotta Agostinho Dias.
Manuel Joaquim Montanha Pinto.
Manuel José Archer Homem de Mello
Manuel Martins da Cruz.
Miguel Pádua Rodrigues Bastos.
Pedro Bessa.
Rogério Noel Pares Claro.
D. Sinclética Soares dos Santos Torres.
Tomás Duarte da Câmara Oliveira Dias.
Sr. Deputados que faltaram à sessão:
Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Alberto Marciano Gorjão Franco Nogueira.
Antão Santos da Cunha.
António Bebiano Correia Henriques Carreira.
António Pereira de Meireles da Rocha Lacerda.
Armando Valfredo Pires.
Augusto Domingues Correia.
Deodato Chaves de Magalhães Sousa.
Fernando Artur de Oliveira Baptista da Silva.
Fernando de Sá Viana Rebelo.
Francisco João Caetano de Sousa Brás Gomes.
Francisco José Pereira Pinto Balsemão.
Francisco Manuel Lumbrales de Sá Carneiro.
Página 1268
DIÁRIO DAS SESSÕES Nº 61 1268
Francisco de Nápoles Ferraz de Almeida e Sousa
Gustavo Neto Miranda.
Henrique José Nogueira Rodrigues.
João Duarte de Oliveira.
João Manuel Alves.
João Paulo Dupuich Pinto Castelo Branco.
João Pedro Miller Finto de Lemos Guerra.
João Ruiz de Almeida Garrett.
Jorge Augusto Correia.
José da Costa Oliveira.
José Guilherme de Melo e Castro.
José dos Santos Bessa.
José da Silva.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel Marques da Silva Soares.
Manuel Monteiro Ribeiro Veloso.
Manuel Valente Sanches.
Maximiliano Isidoro Pio Fernandes.
Rafael Valadão dos Santos.
Rui Pontífice Sousa.
Teodoro de Sousa Pedro.
Victor Manuel Pires de Aguiar e Silva.
O REDACTOR - José Pinto.
Requerimentos enviados para a Mesa durante a sessão:
Nos termos regimentais, requeiro que me seja enviada a seguinte publicação do Instituto Nacional de Estatística:
Estatísticas de Saúde (1969).
Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 6 de Janeiro de 1971. - O Deputado, Joaquim Germano Pinto Machado Correia da Silva.
Nos termos regimentais, requeiro que me sejam fornecidos os elementos solicitados na segunda parte do meu requerimento apresentado na sessão de 5 de Fevereiro de 1970, bem como me seja enviada a publicação do Instituto de Alta Cultura Projecto Regional do Mediterrâneo. Evolução da Estrutura Escolar Portuguesa (Metrópole). Previsão para 1975, que solicitei em requerimento enviado para a Mesa na sessão acima referida.
Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 6 de Janeiro de 1971. - O Deputado, Joaquim Germano Pinto Machado Correia da Silva.
PREÇO DESTE NÚMERO 4$80