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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL E DA CÂMARA CORPORATIVA

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 65

ANO DE 1971 14 DE JANEIRO

ASSEMBLEIA NACIONAL

X LEGISLATURA

SESSÃO N.º 65, EM 13 DE JANEIRO

Presidente: Exmo. Sr. Carlos Monteiro do Amaral Netto

Secretários: Exmos. Srs.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira
João Bosco Soares Mota Amaral

SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberto a sessão às 15 horas e 12 minutos.

Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o n.º 63 do Diário das Sessões, com rectificações propostas pelos Srs. Deputados Roboredo e Silva e Alberto de Alaroão.
Deu-se conta do expediente.
Foi lida a resposta à nota de perguntas formulada pelo Sr. Deputado Pinto Machado, já inserta no n.º 60 do Diário das Sessões.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Salazar Leite, que abordou problemas de poluição; Sousa Pedro, sobre política aérea dos Açores; Oliveira Dias, acerca da Federação dos Municípios de Leiria; Humberto Carvalho, para se referir ao recente colóquio realizado em Vila Real; Henriques Carreira, sobre ou visitas do Ministro das Obras Públicas a Leiria; Agostinho Cardoso, acerca da mensagem do Chefe do Estado e do discurso do Ministro da Educação Nacional; Barreto de Lara, que apoiou as considerações tecidas pelo Sr. Deputado Roboredo e Silva em anterior sessão.

Ordem do dia. - Discussão, na generalidade, das propostas de lei sobre a protecção ao cinema nacional e acerca da actividade teatral.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Pinto Machado e Magalhães Mota.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 10 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada. Eram 15 horas e 40 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Albano Vaz Finto Alves.
Alberto Eduardo Nogueira Lobo de Alarcão e Silva.
Alberto Marciano Gorjão Franco Nogueira.
Alberto Maria Ribeiro de Meireles.
Álvaro Filipe Barreto de Lara.
Amílcar da Costa Pereira Mesquita.
Amílcar Pereira de Magalhães.
António Bebiano Correia Henriques Carreira.
António Fausto Moura Guedes Correia Magalhães Montenegro.
António da Fonseca Leal de Oliveira.
António Lopes Quadrado.
António Pereira de Meireles da Rocha Lacerda.
Armando Júlio de Roboredo e Silva.
Armando Valfredo Pires.
Artur Augusto de Oliveira Pimentel.
Augusto Salazar Leite.
Bento Benoliel Levy.
Camilo António de Almeida Gama Lemos de Mendonça.
Carlos Eugênio Magro Ivo.
Carlos Monteiro do Amaral Netto.
D. Custódia Lopes.
Delfim Linhares de Andrade.
Delfino José Rodrigues Ribeiro.
Eleutério Gomes de Aguiar.
Fernando Artur de Oliveira Baptista da Silva.
Fernando Augusto Santos e Castro.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Filipe José Freire Themudo Barata.
Francisco António da Silva.
Francisco Correia das Neves.
Francisco Esteves Gaspar de Carvalho.
Francisco Manuel Lumbrales de Sá Carneiro.
Francisco Manuel de Meneses Falcão.

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Francisco de Moncada do Casal-Ribeiro de Carvalho.
Gabriel da Costa Gonçalves.
Henrique Veiga de Macedo.
Humberto Cardoso de Carvalho.
João António Teixeira Canedo.
João Bosco Soares Mota Amaral.
João Duarte de Oliveira.
João José Ferreira Forte.
João Lopes da Cruz.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
João Ruiz de Almeida Garrett.
Joaquim Jorge Magalhães Saraiva da Mota.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Joaquim de Pinho Brandão.
José Coelho de Almeida Cotta.
José Coelho Jordão.
José da Costa Oliveira.
José João Gonçalves de Proença.
José Maria de Castro Salazar.
José dos Santos Bessa.
José da Silva.
José Vicente Cordeiro Malato Beliz.
Júlio Dias das Neves.
Lopo de Carvalho Cancella de Abreu.
Luís António de Oliveira Ramos.
Luís Maria Teixeira Pinto.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel de Jesus Silva Mendes.
Manuel Marques da Silva Soares.
Manuel Martins da Cruz.
Manuel Valente Sanches.
Maximiliano Isidoro Pio Fernandes.
Prabacor Rau.
Rafael Ávila de Azevedo.
Ramiro Ferreira Marques de Queirós.
Raul da Silva e Cunha Araújo.
Ricardo Horta Júnior.
Rui de Moura Ramos.
D. Sinclética Soares dos Santos Torres.
Teodoro de Sousa Pedro.
Tomás Duarte da Câmara Oliveira Dias.
Vasco Maria de Pereira Pinto Costa Ramos.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 75 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.

Eram 15 horas e 50 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Está em reclamação o n.º 63 do Diário das Sessões.

O Sr. Roboredo e Silva: - Sr. Presidente: Na p. 1289, col. 1.ª, 1. 47, onde se lê: «cortar as réniges», deve ler-se: «cortar as rémiges».

O Sr. Alberto de Alaroão: - Sr. Presidente: Solicito que sejam feitas as seguintes rectificações: na p. 1289, col. 2.ª, 1. 23, a ser antecedida de «Sr. Presidente:»; na mesma página e coluna, 1. 49, onde se lê: «serra de Leo-mil;», deve ler-se: «serra de Leomil,»; na p. 1290, col. 1.ª, 1. 29, onde se lê: «Encosta da Queimada», deve ler-se: «a Encosta da Queimada».

O Sr. Presidente: - Como mais nenhuma reclamação foi apresentada, considero o Diário das Sessões, n.º 63, aprovado com as rectificações solicitadas.

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Telegrama de aplauso à intervenção do Sr. Deputado Fausto Montenegro;
Telegrama de apoio as palavras do Sr. Deputado António Lacerda;
Telegramas congratulando-se com o discurso do Sr. Deputado Leal de Oliveira;
Telegrama sobre a crise dos cinemas na cidade de Bragança;
Carta dirigida ao Presidente da Assembleia Nacional pela Empresa Apoio Cine de Trofa, a propósito da proposta de lei de protecção ao cinema nacional;
Exposição da Junta de Freguesia de S. Tomé de Couvelas sobre a reposição de um caminho;
Requerimento, com numerosas assinaturas, pedindo a apreciação, pela Assembleia Nacional, da inconstitucionalidade material do artigo XXIV da Concordata com a Santa Sé, impeditiva do divórcio;
Outro requerimento aditando documentos ao anterior.

O Sr. Presidente: - Está na Mesa e vai ser lida a resposta à nota de perguntas formulada pelo Sr. Deputado Pinto Machado, já publicada no Diário das Sessões, n.º 60.

Foi lida. É a seguinte:

Não foi tomada pelo Governo qualquer medida que impeça a emigração dos filhos dos emigrantes com base na obrigatoriedade de conclusão da escolaridade obrigatória, pois, tão-sòmente, o artigo 89.º do Decreto-Lei n.º 38 969, de 27 de Outubro de 1952, faz depender a autorização de emigração, a indivíduos com mais de 14 e menos de 35 anos de idade, da habilitação da 3.ª classe primária.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Salazar Leite.

O Sr. Salazar Leite: -Sr. Presidente, Srs. Deputados: Hesitei, não quando pensei referir-me a este problema, mas sim de o fazer nesta oportunidade, quando se trabalha no sentido desejado e quando um jornal diário se faz eco de uma preocupação geral; resolvi, no entanto, fazê-lo porque me pareceu lógico que desta Assembleia saísse a necessária palavra de encorajamento, a noção de que se aguarda com interesse os rápidos progressos que se impõem na luta contra a poluição. Creio esse estímulo necessário e prova-o exuberantemente a voz de um dirigente de uma grande nação que levou a um recrudescimento, através do Mundo, do interesse pelo estudo de um dos mais graves problemas que afligem a Humanidade.
O ritmo da respiração de um indivíduo normal, adulto, implica a necessidade de inspirar cerca de 25 000 vezes nas 24 horas, provocando a entrada na sua economia de 15 kg a 18 kg de ar durante esse período. Se compararmos este número com as necessidades diárias de alimentos sólidos de pouco mais de 1 kg e de 2 kg de água, poderemos avaliar da importância que o ar desempenha no mecanismo da vida; se também nos lembrarmos que se pode viver algumas semanas sem comer, e alguns dias sem beber, mas somente escassos minutos sem respirar; se recordarmos que o ar é, em absoluto, necessário à nossa vida de relação no que respeita à manutenção dos sentidos da visão, olfacto e audição, reforça-se a ideia da primordial importância desse elemento.

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Mas, em contrapartida, o ar pode ser, e geralmente á, o veículo de uma série de elementos nocivos, com ou sem vida, de uma série de substâncias prejudiciais, e mantém as condições que permitem que os nossos sentidos sejam afectados, transmitindo-nos, por exemplo, ruídos e outras sensações que tendem a ultrapassar os limites da nossa capacidade de recepção.
Por estas rápidas considerações se verifica o papel de importância que o ar desempenha na manutenção daquilo que no nosso habitat depende da Natureza e como se impõe o procurarmos que ele nos seja oferecido nas melhores condições possíveis, não poluído.
Empreguei a palavra que hoje representa uma das maiores preocupações dos que se sentem responsáveis, conscientes da necessidade de atacar rapidamente o problema; se o não fizermos, ele tenderá a agravar-se, não só pelo aumento constante do nível da poluição, mas também pela acção convergente do acréscimo populacional.
No que disse, marquei bem o desejo de nesta ocasião só me referir à poluição da atmosfera e no seu vasto âmbito somente ao problema em relação com a saúde do homem.
Deixando de parte a citação de muitas fontes de poluição, de entre as quais refiro, de passagem, a poluição pelo consumo de tabaco, esquecendo a referência a muitos poluentes de importância evidente, vou referir-me, porque mais frequentemente citados e porque talvez mais perigosos, oa que advém directamente do surto industrial e outro com esse surto relacionado, o do aumento crescente dos veículos a motor.
O problema em relação com o desenvolvimento industrial teve no passado uma enorme importância, visto que, por desconhecimento ou minimização do perigo, não se procuraram imediatamente soluções para evitar que cada estabelecimento industrial viesse a constituir fonte de poluição atmosférica; está na base de todos os episódios verificados em escala comunitária e tão frequentemente citados, dependendo quase sempre de períodos de condições meteorológicas excepcionais que multiplicavam os efeitos de uma poluição constante e não controlada. Estão neste caso os desastres do vale do Meuse, na Bélgica, em 1980, de Donora, nos Estados Unidos da América, em 1948, de Poza Rica, no México, em 1950, de Londres, em 1958, de Nova Iorque, em 1958, e outro, de muito interesse, que se propagou, como uma vaga, da costa este dos Estados Unidos da América na direcção oeste, até ao Japão e atravessando a Europa, enfare 27 de Novembro e 10 de Dezembro de 1962, provocando à sua passagem um aumento apreciável do número de mortos; de todos, parece ser o responsável o surto industrial e em todos parece ter sido o bióxido de enxofre o agente poluidor. Já nos episódios que de tempos a tempos têm afectado Los Angeles parecem ter sido os poluidores responsáveis os produtos libertados dos motores de explosão.
Estes episódios são episódios agudos, que demonstram a existência de um perigo potencial, grave, mas que, em meu entender, embora o demonstrem, de maneira concludente e trágica, não assumem a mesma importância do que a poluição crónica - permitam a expressão - que cresce assustadoramente em quase todo o Mundo. Face a este problema, como em muitos outros aspectos da vida, o homem só toma consciência da sua gravidade quando directamente afectado, procurando, então, corrigir, em vez de prevenir; é verdade que só de há pouco se conhecem métodos de correcção, mas a gravidade do problema conhece-se de há muito e, pelo menos, seria lógico o procurar as localizações óptimas para as fontes de poluição, que são as instalações fabris, aquelas que causassem um mínimo de prejuízo às populações urbanas, já tão causticadas por outros tipos de poluição. Se me for possível e permitido, voltarei a este problema da localização, ao abordar, num futuro próximo, um problema referente a Cabo Verde - o da instalação, em S. Vicente, de uma unidade de refinacão.
Hoje já mão se opõem com tanta acuidade os problemas de poluição atmosférica às razões de ordem económica, sendo possível afirmar que, para cada caso, há uma solução que se aproxima, ou chega mesmo a atingir o ideal, o da não poluição do ar perante a laboração industrial. Ocorre citar um exemplo frisante de um dos mais recentes empreendimentos levados a efeito, no Norte de Portugal metropolitano, na nova refinaria de Matosinhos, em que o problema foi estudado e resolvido tão completamente quanto o permitem os conhecimentos actuais; embora ainda não a conheça em pormenor, julgo que a solução, direi antes soluções adoptadas, foram dispendiosas, mas nunca um capital foi tão bem aplicado se pensarmos quão elevado deve ser o multiplicador a usar para avaliação dos benefícios traduzidos em saúde do indivíduo, na manutenção de instalações próprias e alheias, em resumo, na manutenção do ambiente próprio de uma comunidade, na sua não poluição.
Ao referir-me aos episódios agudos verificados em Los Angeles, disse que, muito possivelmente, o seu aparecimento demonstra o enorme factor de poluição que constituem os veículos a motor; a esse factor me vou referir tão rapidamente quanto possível, uma vez que ele constitui nos nossos principais núcleos urbanos a causa principal da poluição atmosférica. Os episódios verificados em Los Angeles devem-se, em parte, às condições geográficas da zona em que se verificam; essa zona é constituída por uma estreita planície que borda o Pacífico e que se eleva lenta e progressivamente para o interior até uma altitude de 600 m, antes de atingir as montanhas que a limitam a leste, formando como que uma bolsa natural em que a brisa marítima se desloca muito lentamente. Não se verificando um mancado arrefecimento das camadas mais elevadas da atmosfera, não se formam as correntes ascendentes quentes que tenderiam a levar para es camadas superiores os elementos poluentes, mantendo-se praticamente estáveis nas baixas camadas e originando o que, por corrupção, se designa por smog que, se em Londres tem justa aplicação, não a tem em Los Angeles, onde se verifica a existência de smoke, mas onde, habitualmente, não se forma o fog. É este smog que acarreta sempre perturbações do aparelho respiratório, por vezes graves, e da visão, escurece o ambiente e prejudica fortemente a vegetação. Constitui a prova evidente de uma poluição crónica, que é, em grande parte, dependente do crescente aumento do número de veículos a motor; os exames feitos parecem demonstrar que são os produtos dependentes da combustão da gasolina que estão em causa, sobretudo os óxidos de azoto e hidrocarbonetos, produtos que só por si provocam a inquietação das mucosas a que nos referimos, mas que em face das reacções químicas que se dão na atmosfera levam a uma formação exagerada de ozono, cuja acção irritante é bem conhecida e estudada. De entre os restantes restantes em causa, a dois me quero referir especialmente: ao monóxido de carbono e às partículas sólidas como o carbono e os sais de chumbo. O monóxido de carbono, a cujas propriedades não cabe aqui ferir, é um tóxico insidioso que demonstra, pela hemoglobina uma afiai-

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dade duzentas vezes superior a do oxigénio; a sua presença no atmosfera constitui um risco constante e geral, embora haja certos grupos sociais que podem ser mais afectados, como os trabalhadores em garagens, os polícias de transito e, perdoem-me muitos dos meus colegas, o enorme grupo dos (fumadores, se é que se podem considerar como um grupo social... Os fumadores podem chegar a ter um teor de carboxi-hemoglobina superior a 10 por cento, valor este que seguramente é mais elevado quando expostos a uma atmosfera carregada de monóxido de carbono; para se avaliar o risco que tal representa, basta referir que há muitas pessoas que ficam afectadas nas suas reacções psicomotoras perante um teor de carboxi-hemoglobina de 5 por cento, teor este que se atinge por uma exposição a uma atmosfera de ar poluído com 30 p. p. m. durante quatro a seis horas, concentração esta muitas vezes ultrapassada, sobretudo nas chamadas horas de ponta, em algumas zonas urbanas onde pode atingir valores superiores a 50 p. p. m.
Na última reunião da Assembleia Parlamentar da N. A. I. O., no Comité Científico e Técnico, votou-se, por minha sugestão, uma moção, pedindo aos Estados Membros para estudarem a possibilidade da não adição de sais de chumbo às gasolinas; fi-lo, em consciência, sabendo perfeitamente que existem dificuldades de ordem técnica, mas conhecedor, também, do prejuízo para a saúde que advém da inalação de partículas de sais de chumbo expelidas pelos escapes dos veículos a motor. Contra esta noção argumentam os defensores do processo, seguramente mais económico, da adição de sais de chumbo à gasolina, para aumentar o seu poder em octanas, que:

As partículas sólidas emitidas após a combustão da gasolina com chumbo são mais densas e tendem a cair mais rapidamente, não se mantendo muito tempo ao nível de inalação; nas gasolinas sem chumbo, ns partículas emitidas são mais leves, mantêm-se em suspensão, diminuindo a visibilidade e agravando os riscos da poluição.
Pode-se calcular em 0,12 mg a 0,35 mg por dia o chumbo que é fornecido ao organismo através dos alimentos, ao passo que o chumbo inalado num ambiente poluído não ultrapassa 0,1 mg por dia.

Esquecem-se, no entanto, que se do chumbo ingerido com os alimentos só 5 a 10 por cento é absorvido, daquele que é inalado é absorvida uma percentagem de 30 a 50 por cento. É evidente que todos estão de acordo que o ideal seria o de não juntar chumbo à gasolina, mas é também verdade que se tal não se fizesse, para se conseguir carburante de idêntico poder octânico, os gastos seriam muito mais elevados, não só porque a sua produção seria mais dispendiosa, como também porque o volume produzido seria menor. É mais um exemplo de uma razão de ordem económica opondo-se ao combate, que pareceria simples, de uma das mais graves causas de poluição, se nos lembrarmos da acção do chumbo sobre a síntese das profirinas para a formação da hemoglobina. Mesmo com os aditivos mais modernos, e julgo não errar citando como um dos mais empregados o DMA 115 (Du Pont Multifunctional Additive), que parece ser capaz de reduzir a emissão de partículas, mesmo assim o risco persiste; para o evitar totalmente ou para tentar reduzi-lo a níveis não prejudiciais compete aos que estudam estes problemas o pronunciarem-se sobre o sentido em que devem ser conduzidos os esforços, aguardando que um motor não poluente - possivelmente o eléctrico ou o atómico - passe a ser utilizado.

O Sr. Cancella de Abreu: - V. Exa. dá-me licença?

O Orador: - Faz favor.

O Sr. Cancella de Abreu: - Tenho ouvido com o maior interesse a intervenção de V. Exa. sobre este problema grave que é hoje o da poluição atmosférica. E ao ouvi-lo, como ouvi na sessão de ontem o nosso colega Correia da Cunha, recordo que este problema da poluição tem, hoje em dia, um interesse fundamental.
Num interessante livro sobre poluição que Taylor publicou, ele começa as suas considerações sobre um exemplo que V. Exa., como distinto homem de laboratório e analista, muitas vezes terá verificado. Se num tubo de ensaio, com todos os elementos necessários para a alimentação das bactérias, com o necessário oxigénio, ao fazermos a sementeira, nós verificamos que essas bactérias crescem e pululam de uma maneira extraordinária. No entanto, se deixarmos continuar essa população das bactérias, esse crescimento, nós verificamos a breve prazo que elas deixam de se multiplicar e que morrem. E morrem porquê? Morrem pelos seus próprios dejectos. Ora, este exemplo dado pelo laboratório pode bem aplicar-se, hoje em dia, ao que se passa com a humanidade.
Nós estamos tendo um crescimento da humanidade que muitos dizem assustador, e se não tomamos o cuidado necessário para nos defendermos dos dejectos, esses dejectos que fazem a poluição do ar, dos rios e dos mares, a humanidade amanhã e num prazo que pode não levar muito longe poderá encontrar-se na mesma posição das bactérias. Quer dizer, a poluição do mar, do ar e dos rios pode vir a ser uma causa de morte da humanidade. Portanto, todos estes problemas da poluição têm o maior interesse e eu queria felicitar V. Exa. pela intervenção que está fazendo.

O Orador: - Muito obrigado, Sr. Deputado Cancella de Abreu, é evidente que acaba de fazer referência a um facto que me tinha esquecido, posso dizer assim, de referir, que é o facto de acção convergente de dois factores perante os quais nós neste Mundo nos encontramos. Por um lodo, os surtos industriais e, por outro lado, o crescimento da população. É, como quem diz, uma acção convergente que tende a agravar todos os nossos problemas.
Muito obrigado, Sr. Deputado Cancella de Abreu.
Até que tal se consiga, há que seguir um dos dois seguintes caminhos: o empregar gasolina mais pura ou desenvolver um sistema que evite a emissão de gases ou partículas pelos escapes; é neste último sentido que se orientam os esforços e algo de positivo foi já feito, pois parece possível comercializar o protótipo ensaiado por uma das firmas que mais se dedicam a estes estudos.
O Presidente Nixon, ao assinar no passado ano o National Air Quality Standards Act, estabeleceu o ano de 1976 como ano limite para a produção de um carro que obedeça a estas condições.

O Sr. Santos Bessa: - V. Exa. dá-me licença?

O Orador: - Com todo o gosto.

O Sr. Santos Bessa: - Sr. Presidente: Tenho estado a seguir com o maior interesse este problema da poluição atmosférica, tão brilhantemente exposto nesta preciosa lição do Sr. Prof. Augusto Salazar Leite. Mas lamento profundamente que ele se tenha limitado à atmosfera e não tenha considerado os outros elementos da biosfera, dos quais nós dependemos e cuja poluição é naturalmente tanto ou mais importante do que a poluição da

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própria atmosfera, visto que são agressões directas a maioria da população aquelas que resultem da poluição que todos os dias estamos a fazer a coberto das nossas disposições legais contra a saúde da população. A isso me referirei numa das próximas sessões.

O Orador: - Sr. Deputado: Agradeço muito a sua intervenção e eu regozijo-me de não me ter referido a tal ponto, pois que teremos oportunidade de o ouvir muito mais bem tratado pelo Sr. Deputado Santos Bessa.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Foi minha intenção o apresentar cruamente o problema, para que os esforços já feitos no sentido desejado não porem, antes se intensifiquem, sempre orientados para o alvo que, estamos certos, os dirigentes pretendem que se atinja; reconhece--se que algo foi já realizado, mas torna-se necessário acelerar o ritmo dos trabalhos e realizações, acompanhando esse esforço com legislação apropriada, que permita lutar contra tudo que tenda a adulterar um dos principais, se não o principal, elementos de que necessitamos para a vida: uma atmosfera pura, e não uma via de condução de elementos nocivos.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi cumprimentado.

O Sr. Sousa Pedra: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em fina do ano transacto, à beira do Natal, por despacho assinado pelo Sr. Ministro das Comunicações, decidiu o Governo prendar os populações açorianas com a definição oficial das grandes directrizes da política das comunicações aéreas do arquipélago.
E, se não fosse a circunstância de logo de início ter surgido uma dúvida importante quanto à realização muito próxima de uma das medidas previstas na decisão do Ministro, a qual já me vou referir, poderia acrescentar que com o Natal de 1970 tinha-se finalmente chegado, nos Açores, a um estádio de paz e tranquilidade relativamente s uma das questões mais inquietantes e discutidos da problemática açoriana dos últimos anos.
Certo, porém, de que as dúvidas serão resolvidas com pleno respeito pela orientação do Governo, que é, em primeiro lugar, a de servir bem as populações interessadas, pedi a V. Ex.ª, Sr. Presidente, a palavra neste dia para, em nome do distrito de Ponta Delgada, que aqui represento, dirigir ao Sr. Ministro das Comunicações uma palavra de louvor e de reconhecimento pelo esclarecido e esperançoso diploma definidor da política dos transportes aéreos da região - o despacho de 11 de Dezembro de 1970.
A população do meu distrito está sinceramente grata ao Ministro Rui Sanches e ao Governo pela definição da importante doutrina que o despacho contempla; mas, ao mesmo tempo, exprime os melhores votos pelo cumprimento integral das decisões tomadas. Espera que nenhuma modificação seja sugerida ou aprovada desde que resulte em prejuízo dos seus mais legítimos e defensáveis interesses.
Pode parecer, à primeira vista, estranho o cuidado, o ênfase, que ponho na expressão do voto que acabo de formular. Mas tem a sua explicação.
Já depois de conhecido e divulgado o despacho de 11 de Dezembro último, surgiu, preocupante, a dúvida sobre qual dos voos faria escola no Aeroporto das Lajes, de entre aqueles que a TAP tem programados para os Estados Unidos da América e paro o Canadá.
Embora o Grupo de Trabalho para o Estudo da Política Aérea dos Açores, criado pela Portaria n.º 28680, de 28 de Setembro de 1968, emanada pelos Ministérios do Interior e das Comunicações, fosse completamente explícito nas conclusões a que chegou acerca desta matéria, não prevendo em nenhum caso que os voos para o Canadá viessem a escalar o Aeroporto dos Lajes, e apesar de o despacho do Ministro Rui Sanches aprovar o esquema da rede aérea proposto no relatório daquele Grupo de Trabalho, o verdade é que a duvida surgiu, com base em notícias contraditórias da imprensa, do telégrafo e da rádio, confirmada por gente responsável, lançando, assim, em angustiante expectativa toda a população do meu distrito e os mais directos responsáveis pelo seu governo e pela sua representação nesta Assembleia.
E não se pode ter por exagerado essa inquietação se atendermos à clara e fria linguagem dos números que traduzem o volume global da emigração açoriana para o Canadá e a percentagem atribuída ao distrito de Ponta Delgada na totalização desses valores.
Se nos reportarmos aos últimos cinco anos, de 1965 a 1969, em que existem já publicados elementos concretos acerca dessa emigração, os números apurados são os seguintes:
Emigração açoriana para o Canadá
[ver tabela na figura]

O Sr. Valadão dos Santos: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Sim senhor.

O Sr. Valadão dos Santos: - Estou o ouvi-lo com muito interesse sobre um asunto que diz respeito aos Açores e, por consequência, aos três distritos que o compõem.
Ao problema do emigração e aos números que V. Ex.ª está a citar há, todavia, a acrescentar o seguinte:
É que os Consulados, tanto do Canadá como dos Estados Unidos do América, estão em Ponta Delgada. Os emigrantes dos distritos de Angra do Heroísmo e da Horta, quando lá vão, seguem muitas vezes directamente de Ponta Delgada para Santa Maria, e, por isso mesmo, estes números estão muito falseados, porque não correspondem absolutamente à verdade.
Gostaria de saber quais os números, de facto, que são os oriundos do distrito de Ponta Delgada e os oriundos dos distritos de Angra do Heroísmo e da Horta.
Assim, não me satisfazem os números que V. Ex.ª acaba de dizer.
Quanto ao voo programado pelo despacho de S. Ex.ª o Ministro dos Obras Públicas, e sobre o qual a seu tempo eu também farei referência e congratular-me-ei com ele, pois que teve grande reflexo nas populações de todas as ilhas dos Açores, não as diz, de facto, se será pelos Lajes, se será por Santa Maria, nem estamos interessados que seja o voo que segue para o Canadá ou o que segue para os Estados Unidos da América.
O que nos interessa, sobretudo, é termos, como passaremos o ter, uma carreira intercontinental, para principiar, passando por esse grande aeroporto que é o dos Lages.
Muito obrigado.

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O Orador: - Agradeço a intervenção do Sr. Deputado Valadão dos Santos, e, uma vez que pede um esclarecimento, eu estou em condições de dar esse esclarecimento.
Os números que apontei referem-se à origem dos emigrantes, ao distrito da naturalidade, segundo os dados fornecidos pelo Instituto Nacional de Estatística.
Estas altas percentagens referem-se ao distrito da residência dos emigrantes.

O Sr. Valadão dos Santos: - Naturalidade é uma coisa, residência á outra...

O Orador: - Referem-se estes números aos distritos onde os habitantes residem.
No conjunto dos cinco anos referidos, emigraram para o Canadá 19 216 açorianos, a, destes, 15 513, ou seja, 80 por cento do total, foram do distrito de Ponta Delgada.
Não foi, portanto, de ânimo leve, nem por bairrismo apaixonado, que os componentes do Grupo de Trabalho nomeado para o Estudo da Política Aérea dos Açores, de que, alias, fizeram parte todos os presidentes das juntas gerais do arquipélago, deixaram bem vincada, no esquema de rede aérea que propuseram à consideração superior, a ideia de que a escala a fazer no Aeroporto das Lajes seria a de um dos voos para os Estados Unidos da América, e nunca a dos voos para Montreal. E foi certamente por ter em justa consideração as razões em que o Grupo de Trabalho fundamentou as suas propostas que o actual Ministro das Comunicações despachou, aprovando, o esquema proposto à sua apreciação.
Por que malas-artes surgiu, então, a dúvida espectacular?
Não importa aqui a resposta.
O que me importa, isso sim, é chamar a atenção do Governo para o facto e exprimir ao Sr. Ministro das Comunicações todo o empenho e interesse da população que represento, no cumprimento integral da doutrina definida em seu sábio despacho de 11 de Dezembro findo.
Não terminarei esta minha referência ao citado despacho sem uma palavra de muito apreço pela segunda das duas recomendações nele formuladas, segundo a qual «a Direcção-Geral da Aeronáutica Civil deverá promover oportunamente o estudo da viabilidade técnica s económica, a longo prazo, de uma remodelação da infra-estrutura aeronáutica dos Açores, com base num aeroporto central que sirva de placa giratória das ligações interinsulares com as ligações com o exterior, tanto de médio como de longo curso».
Sem ânsias, sem pressas - oportunamente, como se diz -, desejamos que esse estudo seja feito; por técnicos e economistas competentes; em ambiente de estudo e trabalho desafecto, descontaminado de influências pseudo-políticas e de interesse particularistas. Com ele, nestas condições, tudo e todos teremos a lucrar: a região e o País.
A este simples mas substancial voto se limita tudo o que o meu distrito tem a dizer quanto à matéria desta recomendação de tão largas perspectivas futuras.

r. Presidente: Tendo-me V. Ex.ª concedido a palavra para falar neste dia sobre assunto de tamanha transcendência para o meu distrito, como é este da política das comunicações aéreas, sinto que não cumpriria integralmente as obrigações decorrentes da função que nesta Casa desempenho se não aproveitasse esta oportunidade para me referir, se bem que brevemente, a um ou dois problemas das infra-estruturas actuais do transporte aéreo nas ilhas de S. Miguel e de Santa Maria.
Em primeiro lugar, uma nota sobre o Aeroporto de Ponta Delgada. O aeroporto actual, que veio substituir as antigas pistas relvadas de Santana, foi inaugurado em Agosto de 1969 pelo Chefe do Estado. E já nessa altura se anunciava que as ligações aéreas directas entre Lisboa e Ponta Delgada, a fazer pelos aviões de médio curso da TAP, teriam início em Abril de 1971, o que, aliás, estava previsto no relatório de 25 de Janeiro de 1969 do Grupo de Trabalho nomeado para o Estudo da Política Aérea dos Açores. Neste relatório, no n.o 62-A, referente ao esquema de rede aérea aprovado pelo recente despacho ministerial, está claramente expresso «como objectivo a atingir, tão rapidamente quanto possível e no caso de vir a verificar-se não serem as características do Aeroporto de Ponta Delgada impeditivas da operação: dois voos semanais, em ambos os sentidos, entre Lisboa e S. Miguel, sem escala no Funchal».
Que as condições do aeroporto não são impeditivas da operação, ficou desde logo demonstrado, quando, no dia da própria inauguração, um dos jactos de médio curso dos Transportes Aéreos Portugueses poisou na sua pista, levando a bordo o Chefe do Estado, sua comitiva e convidados.
E desde aí, por diversas vezes, outros aviões do mesmo porte lá têm operado.
Simplesmente, para efeitos de uma exploração comercial regular com aviões desse tipo, já há dois anos se dizia que era preciso «dotar o aeroporto com as instalações terminais e os meios de telecomunicações, ajudas-rádio e apetrechamento geral» tidos como indispensáveis.
Para não ser impertinente, repisando observações e comentários frequentemente publicados na imprensa regional desejo somente, lembrar que o mês de Abril de 1971 está à porta; e que a população do meu distrito espera, para essa data, o cumprimento da promessa que, em ambiente de grande cerimonial, lhe foi, então feita. Finalmente, uma observação relativa às instalações do Aeroporto de Santa Maria e à forma pouco elegante como ainda hoje se processa o controle estatístico dos passageiros que aí se destinam ou de lá partem.
Sendo, como é, um aeroporto civil, internacional, de excepcionais possibilidades, com condições operacionais e serviços técnicos que são motivo de admiração de quantas tripulações nacionais e estrangeiras o demandam, este aeroporto serve mal os passageiros que o utilizam, por deficiência grave das instalações e infra-estruturas de apoio.
Em períodos de muito movimento, que não são raros, é uma decepção, e é até pouco dignificante para o brio nacional, assistir-se ao que lá se passa: pela exiguidade do espaço; no transbordo complicado e cansativo; pela carência dos serviços civis de apoio. E, se por acaso suceda, como ás vezes acontece, que um avião não possa partir no próprio dia em que chega, a carência atinge o auge, porque, não havendo um mínimo razoável de instalações hoteleiras, os passageiros têm de passar a noite, (Deus sabe onde e como): em camas disponíveis do hospital da vila, noutras improvisadas no posto clínico do aeroporto, em pensões de classe que se adivinha, etc.
Por isso, em nome dos muitos milhares de passageiros que, na roda do ano, utilizam o aeroporto, e até para salvaguarda do prestígio nacional, daqui insistentemente apelo para o Governo pedindo para o problema que deixo apontado a solução rápida e condigna que ambas as razões exigem.
Disse, atrás, que era «pouco elegante» o processo que ainda hoje é utilizado para controlar, estatisticamente, o movimento de passageiros do aeroporto. Ainda no avião, uma hospedeira, aliás sempre simpática, distribui a cada passageiro um pequeno impresso que, depois de preen-

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chido, é entregue, pelo próprio, a um funcionário da Direcção-Geral de Segurança, postado à entrada do aeroporto.
Ora, o Instituto Nacional de Estatística também colhe números do outro tipo de passageiros, por exemplo, os que se servem do comboio ou dos transportes colectivos rodoviários. Porém, ao que consta, não há agentes da D. G. S. à entrada ou saída das estações de Santa Apolónia ou de S. Bento, para só citar estas, com a incumbência de receber impressos semelhantes. A estatística utiliza, com certeza, outros vias para colher esses elementos.
Para os aviões intercontinentais que escalam aeroportos estrangeiros ainda admito que aquele processo seja o mais viável. Mas para os aviões das carreiras domésticas que só tocam solo nacional aquele modus faciendi estatístico, em que teimosamente se insiste, apesar das frequentes censuras de que tem sido alvo, até mesmo nesta Casa, deve ser decididamente abandonado, de uma vez para sempre, porque sujeita os cidadãos de uma mesma pátria a um tratamento discriminatório e a uma aparente fiscalização policial que não dignifica quem a faz nem agrada a quem a ela se sujeita.

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Oliveira Dias: - Sr. Presidente: Pelo Decreto-Lei n.º 630/70, de 22 de Dezembro último, foi criada a Federação de Municípios do Distrito de Leiria, que abrange, por agora, os concelhos de Leiria, Alcobaça, Figueiró dos Vinhos e Nazaré e a freguesia de Mira de Aire, do concelho de Porto de Mós, com o objectivo da exploração da pequena distribuição de energia eléctrica. Na Federação deverão vir a integrar-se, sucessivamente, outras concelhos - como permite o mesmo diploma legal -, ainda que fazendo parte de distritos diferentes.
O Governo deu, assim, forma à pretensão das câmaras interessadas e, por tal motivo, é devida uma palavra de congratulação, que traduz a esperança das populações abrangidas no trabalho da nova Federação. Esperança que se funda, também, mo dinamismo dos responsáveis que vê à frente do emprendimento.
Os problemas da pequena, distribuição da energia eléctrica foram já, por diversas vezes, abordados nesta Câmara, o que bem revela a insatisfação com que o País encara, por um lado, as carências de distribuição que ainda se verificam, e, por outro, o nível elevado das tarifas - quer para fins domésticos, quer para fins industriais -, a sua diversidade e, até, a sua instabilidade.
Quanto ao primeiro aspecto, tem-se considerado oficialmente que ultrapassa 7,5 milhões o número de habitantes servidos no final de 1968, quando, segundo elementos de que disponho, esse número deve ser reduzido a cerca de 6,6 milhões, se se considerarem apenas os que vivem em localidades onde existem redes públicas de distribuição de energia.
Segundo as Estatísticas das Instalações Eléctricas em Portugal para o ano de 1968, existiam, ainda,, na metrópole, 3689 localidades com mais de 100 habitantes que não dispunham de rede eléctrica. Ora, a verba que o Governo tem concedido para comparticipações destinadas ao alargamento da rede eléctrica do País ronda os 60 mil contos anuais, o que é manifestamente insuficiente.
Muitos concelhos vêem-se obrigados a contentar-se com a realização de uma ou duas obras, anualmente, e, alguns, nenhuma.
Com este ritmo nem no ano 2000 teremos o País electrificado.
Quanto ao preço da energia, é naturalmente anseio de todos que possa baixar - ou pelo menos que não suba -, tornando-se acessíveis maiores consumos a cada vez mais vastas camadas populacionais. Poderia perguntar-se, por exemplo, quantas famílias portuguesas estão presentemente em condições de suportar nos seus orçamentos a despesa de um aquecimento eléctrico razoável para suas casas.
Outro aspecto - tantas vezes falado - é o da grande diversidade de tarifas, que urge uniformizar na pequena e grande distribuição. Como objectivo a curto prazo, apontaria o da uniformização de taxas dentro de cada concessão de grande distribuição, começando pelas que praticam tarifas mais elevadas e que deveriam baixar.
No que se refere ao preço da energia para fins industriais, a situação é também preocupante, se considerarmos que os altos preços praticados - com tendência constante de aumento - constituem obstáculo ao desenvolvimento industrial que todos desejamos. A instabilidade de tarifas - que também referi - é particularmente prejudicial quando se tem em vista o estudo de novos investimentos.
Parece poder concluir-se que neste sector da electricidade, como noutros de tão patente interesse público, se torna imperioso reforçar a acção disciplinadora do Estado em favor do consumidor, e daí a expectativa criada em redor da nova Federação, que se espera possa conseguir nas áreas abrangidas a aceleração do esforço de electrificação e, simultaneamente, a estabilização das tarifas a par da melhoria dos serviços, fruto natural da sua maior dimensão.
Aqui tocamos um ponto que se afigura do maior interesse e deve ser integrado no grande objectivo da concentração de empresas que se deseja.
A Lei n.o 2002, de 26 de Dezembro de 1944, atribuiu às federações de municípios e aos municípios não federados, por si ou seus concessionários, a pequena distribuição de energia eléctrica. Volvidos vinte e quatro anos - ou seja no final de 1968, conforme os dados de que disponho -, a pequena distribuição tinha proliferado em 275 pequenos distribuidores, sendo 105 - o que corresponde a 38 por cento - empresas privadas (10 das quais se dedicam também à grande distribuição, enquanto 75 restringem a sua actividade à pequena distribuição, havendo ainda a contar mais 19 cooperativas e l Casa do Povo); os restantes 170 pequenos distribuidores - ou sejam 62 por cento - são organismos municipais (152 câmaras, 2 federações - apenas 2, agora 3, e não mais, ao longo de todos estes anos, por culpa de quem? -, 14 juntas de freguesia e 2 juntas de turismo).
Creio que o esforço de concentração no sector se impõe, sem necessidade de mais comentários.
A análise dos referidos elementos estatísticos conduz-nos ainda à observação de que dos habitantes servidos em 1968 - 6 619 629-, 55 por cento, ou sejam 3 684 035, se situavam nas redes municipais, onde, igualmente, se localizavam 53 por cento das povoações com mais de 100 habitantes que não dispunham de rede eléctrica. Por outro lado, do total de l 654 301 consumidores existentes no País em 31 de Dezembro de 1968, 58 por cento estavam ligados às redes municipais e consumiam 57 por cento da energia em baixa tensão. Finalmente, considerando os anos de 1961 a 1968, a média de crescimento do número de consumidores ligados às redes municipais atingiu 8,38 por cento, enquanto no País foi de 7,6 por cento; mas, pelo contrário, o crescimento do volume de energia vendida pelas câmaras ficou apenas em 2,6 por cento, enquanto no País era de 10,6 por cento.

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Estes e outros números traduzem o que já sabemos do dia a dia - maior penetração das redes municipais, investindo em zonas menos rentáveis, normalmente meios rurais, a cargo das câmaras, em contraste com as empresas privadas. Para estas, «a carne», para aquelas, «os ossos» ...
Termino, esclarecendo que não deve tirar-se das minhas palavras a conclusão de que julgo apenas aconselhável a via da federação dos municípios para a concentração e disciplina do sector da pequena distribuição. Julgo válida, à luz das experiências havidas - particularmente, tanto quanto sei, no que se refere a Évora -, a via da concentração municipalista, o que não exclui outras soluções, designadamente a criação de sociedades de economia mista. Cada caso deve ter a solução própria que as circunstâncias aconselharem.
Creio que a tentativa recente da criação de um grupo de trabalho para o estudo da pequena distribuição, constituído por despacho do Sr. Secretário de Estado da Indústria e englobando representantes do sector público e do sector privado, poderá produzir excelentes resultados.
Eu diria que todos as soluções são boas, desde que atinjam o objectivo que o País deseja: energia eléctrica barata para todos os portugueses.
Nestes sentimentos, termino, desejando à nova federação os maiores êxitos em prol do bem comum.

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Humberto Carvalho: - Sr. Presidente: Realizou-se, de 5 a 9 do mês findo, o 1.º Colóquio para o Desenvolvimento do Distrito de Vila Real.
Ao referir-me aqui ao facto, é de justiça que, em nome dos meus representados nesta Assembleia, eu comece por expressar aos Srs. Ministro do Interior, Secretários de Estado da Agricultura e do Comércio e Subsecretário de Estado do Planeamento Económico os agradecimentos que muito justamente lhes são devidos pela honra da sua presença entre nós, naqueles dias, pelo reconfortante estímulo que nos levaram e pela esperança de um melhor porvir que lá nos deixaram.
Esse acontecimento, que conquistou sem dúvida lugar de relevo na história daquele distrito transmontano - onde nada do género se realizava desde a data longínqua de 1924, a perder-se já na memória dos homens e na teia dos tempos -, esse acontecimento, dizia eu, foi da iniciativa do actual governador civil, engenheiro Tomás do Espírito Santo, que em boa hora entendeu levá-lo a cabo, sob o signo da nova trilogia «Unidade, Participação, Desenvolvimento», essa síntese maravilhosa da palavra de ordem que recebeu no seu acto de posse e com que pacificamente vem agitando o distrito, no sentido da saudável «renovação» em que todos estamos identicamente empenhados.
Uma palavra de felicitação é, pois, devida àquele magistrado administrativo.
Para a comissão, sobre quem recaiu a pesada tarefa da organização do Colóquio, bem como para todos quantos com as suas comunicações e intervenções contribuíram tão decisivamente para o êxito indiscutível em que ele se transformou, para todos vão igualmente as nossas felicitações.
À imprensa, à rádio e à televisão o nosso reconhecimento, também, pela preciosa colaboração dispensada. A presença de numeroso público, registada em todas as sessões levadas a efeito em Vila Real, Chaves e Régua, constitui a melhor garantia da autenticidade destas minhas palavras, proferidas como mandatário dos povos de Vila Real.
Sr. Presidente: De 5 a 9 de Dezembro, portanto, nessa magnífica jornada de estudo sério, em diálogo aberto e construtivo, os problemas mais candentes do distrito, desde o turismo aos transportes, à agricultura, ao comércio, a indústria, etc., foram tratados profundamente, com a sua autoridade, pelos membros do Governo presentes, com a sua competência, por técnicos qualificados dos mais diversos serviços da administração pública, com a sua experiência, pelos homens dos mais variados sectores e condições, que na região desenvolvem a sua actividade, por todos, em suma, com o mesmo entusiasmo, com igual calor, olhos unanimemente postos no desenvolvimento daquela parcela do território nacional e na promoção das suas gentes.
Foram cinco dias de trabalho ingente, duro por vezes, mas indiscutivelmente fecundo, com dezenas de comunicações e centenas de intervenções, num autêntico desafio ao futuro, primeiro passo para a arrancada definitiva que se impõe, rumo ao progresso desse distrito, que, a despeito das reais potencialidades existentes, constitui, com o seu vizinho de Bragança, a sub-região plano mais pobre de Portugal metropolitano.
E, ao terminar essa longa caminhada, a comissão para o efeito designada, de que fizemos parte, elaborou as seguintes conclusões finais:
Feita a análise dos trabalhos apresentados e, bem assim, das intervenções registadas, parece-nos de concluir:
1. Que, confirmando a doutrina emitida mo III Plano de Fomento, o distrito de Vila Real é dos menos desenvolvidos do País;
2. Que existem no distrito efectivas potencialidades susceptíveis de permitirem a aceleração do desenvolvimento regional nos seus múltiplos aspectos;
3. Que as actuais estruturas dos serviços são insuficientes para, com a urgência que se impõe, se conseguir atenuar, ou mesmo pôr termo, ao desequilíbrio que se verifica no distrito, relativamente ao nível médio de Portugal europeu;
4. Que se toma, por isso, instantemente necessária uma reestruturação, convinha até que se estabelecessem serviços coordenadores de âmbito regional, primeiro passo para a descentralização administrativa;
5. Que, instituídos esses serviços e considerando tudo quanto foi presente ao Colóquio, se conceda prioridade a este distrito, que viria a ser a primeira zona-piloto para a dinamização do desenvolvimento regional; e
6. Que se escolha uma comissão permanente encarregada de dar realização às conclusões do Colóquio.
Sr. Presidente: Dessa síntese ressalta claramente que o Colóquio continua, como o afirmou o Sr. Ministro do Interior nas palavras que proferiu ao encerrá-lo.
E, efectivamente, ele continua em Vila Real, onde há dias se constituiu a comissão permanente sugerida no n.º 6 das conclusões e se designaram grupos de trabalho específico, que se irão ocupar agora da análise das comunicações apresentadas e das intervenções feitas, em busca da concretização de soluções válidas, que, sucessivamente, se irá tentando.
Mas torna-se absolutamente indispensável que o Colóquio continue também aqui no Tenreiro do Paço, já

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que os caminhos do futuro para a minha região, que agora só traçaram, terão de ser construídos, sem dúvida, através do esforço colectivo idas populações interessadas, das autarquias locais e do Estado também.
Desta tribuna eu chamo por isso a atenção do Governo para as conclusões do I Colóquio para o Desenvolvimento do Distrito de Vila Real, solicitando-lhe o apoio decisivo que lhe compete dar nas soluções que lhe incumbem.
E faço-o com a consoladora certeza de que o meu pedido encontrará a audiência que, de justiça, lhe pertence.
Resta-me, pois, aguardar confiante, e comigo aqueles que aqui represento.

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Henriques Carreira: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como Deputado eleito pelo distrito de Leiria, é-me particularmente grato sublinhar e agradecer a visita que recentemente o Sr. Ministro das Obras Públicas e Comunicações fez a alguns concelhos daquele distrito.
Saindo da visão, quantas vezes deformada, que dão as informações indirectas, procurando conhecer in loco os problemas na sua efectiva realidade, de modo a poder enquadrá-los na política geral da Nação, sem esquecer o que há de particular e sui generis numa regido, num distrito, num concelho ou até numa simples freguesia, o Sr. Engenheiro Rui Sanches vem prestando um alto serviço ao País.
No caso presente, a visita de S. Ex.ª aos concelhos de Pombal, Ansião, Alvaiázere, Figueiró dos Vinhos, Castanheira de Pêra e Nazaré foi, na verdade, uma afirmação dessa política governativa que quer dinamizar pela presença e pelo contacto pessoal as iniciativas, que pretende ajudar efectivamente os municípios, células fundamentais de toda a vida da Nação, a resolver os seus problemas e adaptá-los ao ritmo de desenvolvimento e que todos os portugueses aspiram e de que o Chefe do Governo, o Prof. Marcelo Caetano, é a bandeira da esperança e a certeza da vitória.
Da maior importância são, de resto, para a economia da Nação, os problemas do meu progressivo distrito, que se estende desde a orla do mar até aos contrafortes da serra da Lousã, onde labuta tanta gente, nas artes, na agricultura e na indústria, também com os olhos postos nos interesses superiores da Pátria. Ajudar e resolver esses problemas, dar uma palavra de apoio às iniciativas dos homens bons dessas terras, como o fez o Sr. Ministro das Obras Públicas e Comunicações, é um acontecimento, pois, que julgo não dever deixar de pôr em relevo neste hemiciclo.
S. Ex.ª sabe bem, aliás, que a batalha do ultramar - de que havemos de sair triunfantes - precisa ter a cobertura moral e económica da Casa-Mãe, que é o Portugal da Europa; como sabe, o distrito de Leiria, pelo seu nacionalismo e pelo papel que desempenha na economia portuguesa, é um valor que importa proteger e defender.
Está nisto o alto interesse do País e o Sr. Ministro tem-no bem presente no espírito e na acção. Há-de, pois, continuar a ajudar a resolver as dificuldades da nossa região.
Por isso, saudando-o e congratulando-me do coração com a referida visita, lhe quero dizer um muito obrigado e exprimir-lhe a fé no apoio que no cumprimento da sua promessa irá certamente dar ao meu distrito.

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Agostinho Cardoso: - Sr. Presidente: Constitui esta intervenção uma breve nota de referência a aspectos que não são os mais importantes, mas que me interessa vincar, de dois documentos vindos a lume já no corrente ano.
Saliento, em primeiro lugar, a mensagem de Ano Novo do Chefe do Estado.
Pelo seu significado e pela sua origem, não carece essa mensagem de qualquer elogio. O País ouviu-a com aplauso e respeito na sua pertinência, no seu alto nível, na justeza e na justiça das afirmações feitas e nos assuntos versados. A um aspecto delas pretendo dar hoje caloroso apoio: à crítica, feita à actuação da O. N. U. em relação a Portugal e ao abastardamento das intenções que estiveram na origem deste organismo.
E acrescento que criticar as Nações Unidas por esse abastardamento, pela traição dos suas finalidades expressas na Carta, pelo fracasso cada vez maior da sua missão, pela parcialidade em relação a alguns países como o nosso, é elementar direito de qualquer português.
No amargor e dignidade das palavras do Chefe do Estado a tal respeito, repassava o desgosto de que a O. N. U. haja enveredado por caminhos que não favorecem a paz, nem a fomentam.
O desprestígio deste organismo internacional, de tão onerosa manutenção, cria receios de que ele venha a naufragar um dia na impotência, que se acentua pouco a pouco, em realizar os objectivos para que foi criado. Tal receio quanto ao futuro das Nações Unidas, que aqui deixo expressa, é acrescido em mim num sentimento de pesar, por elas não haverem constituído - como se sonham - o lugar de encontro de povos fortes e fracos, onde se respeitasse para cada um os direitos de soberania e o seu modo de estar ao Mundo, independentemente do continente a que se pertença, da cor da pele dos cidadãos, da força das armas, do dinheiro ou do potencial económico que se possua.
Se, quando esteve nas Nações Unidas, Paulo VI as saudou como caminho de esperança e de paz, no espírito de que elas devem revestir e no significado doutrinário que lhes é de atribuir, não será menos cristão lamentar es seus erros e os desvios dos princípios e intenções que a geraram.
O segundo documento a que me reporto é a notável comunicação ao País do Ministro da Educação Nacional, já aqui celebrada e comentada como bem o merece. Refiro-me agora apenas a um aspecto que pretendo apoiar insistentemente: a necessidade de a todo o custo acabar-se com a subversão na Universidade portuguesa. Ao longo dos longos meses de agitação universitária foram, pelo Ministro da Educação, autoridades diversas e muita gente em Portugal, reconhecidos os inconvenientes e o desajustamento de uma orgânica universitária por de mais ultrapassada e debatida, para que eu volte a descrevê-la. E perante a enorme parcela de idealismo, de recta intenção, de aspirações justas, de razões sérias e até de ressentimentos compreensíveis, cimentando a contestação estudantil, esqueceu-se de bom grado ou apagou-se generosamente o que houve nela de violento ou de injusto, sob o alto exemplo do Chefe do Estado, na audiência à gente da Universidade de Coimbra.
Por isso, hoje, depois das declarações sucessivamente feitas pelo Ministro da Educação Nacional, depois da programação e da reforma agora anunciadas, as quais vinculam fortemente o Governo, depois de o País ver ampliado o orçamento do Ministério da Educação Nacional para quase 5 milhões de contos, cerca de 14 por cento do total das receitas do Estado - em face deste cami-

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nho, que tão firme e luminosamente se desenha, não há lugar para manifestações subversivas na Universidade.
O aparecimento dos núcleos de contestação agressiva que no começo do ano lectivo tentaram perturbar aulas, atingir a liberdade e os legítimos direitos dos estudantes que querem trabalhar em paz, agravar professores e causar estragos materiais, pequenos ou grandes, que a comunidade tem de pagar, não deixa dúvidas acerca da sua origem e dos seus objectivos.

ão estou a defender a ideia de que se estrangule de ora avante as reivindicações universitárias só porque se programaram reformas. E ainda menos que, enquanto se discute o futuro, se deixe de exigir urgência naquilo que é inadiável e premente, como a regularidade e eficácia das lições magistrais ou do ensino prático com assistência suficiente a cada estudante ou ainda que se não reveja a utilidade prática dos programas e se não imponha a, modificação dos exames finais no que eles possam ter de lotaria ou de sorte na apreciação do trabalho anual.
Mas como por outras palavras nos tem dito o Ministro da Educação Nacional, a Universidade tem de ser um local de trabalho honesto para todos, trabalho a intensificar, de que resulte a formação de bons profissionais. E é de causar sérias apreensões que haja Faculdades, como a de Letras ou o Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras, onde não começaram ainda neste ano lectivo a ser professadas disciplinas importantes ou porque não haja segurança para o prestígio dos professores que vão dar aulas ou porque alguns tenham desistido das suas funções. E pergunta-se como será de efectuar nestas condições o exame final dessas cadeiras ou em que situação profissional ficariam os que concluíssem o curso sem elas.
Há dias, numa brilhante reportagem de O Século, perguntava o jornalista a um universitário de Coimbra quais as suas reivindicações quanto ao ensino. E a resposta da «contestação pela contestação» não se fez esperar:
O Ministro da Educação Nacional é um demagogo, que só promove reformas que servem as estruturas sócio-económicas vigentes. Sem a destruição dessas estruturas não há reformas possíveis.
É esta a posição de anarquismo anticonstitucional, felizmente cada vez mais rara, que não é possível dar-se, de futuro, direito de cidade, quando se manifeste por actos subversivos. Tem razão o Ministro da Defesa Nacional e do Exército, responsável pelas forças armadas, nas palavras pronunciadas mas últimos dias do ano que findou:
A subversão - diz o Ministro - procura atingir as forças armadas através das fontes de recrutamento dos quadros, que são os estabelecimentos de ensino. Ora, em vários destes estabelecimentos não se consegue ensinar capazmente. São hoje verdadeiros centros de subversão e, mais ainda, centros escolhidos por determinados indivíduos para proclamar ideias contrárias à defesa do nosso ultramar e à disciplina, e coesão dais forças armados. O trabalho de preparação dos cidadãos e da sua educação para as grandes tarefas de Pátria, que é de todos, não nos compete só a nós fazê-lo. Mas somos talvez mais sensíveis que outros sectores do País aos perigos que ameaçam a Nação aos seus próprios alicerces. E um desses perigos é a contaminação da juventude por ideias subversivas, por sentimentos antipatrióticos, pela corrupção dos costumes e pelo imoralidade degradante. Entre os efeitos imediatos desta derrocada figuraria a deterioração dos próprios quadros dos forças armadas, onde os milicianos até agora tão bem têm provado o seu valor na defesa do País contra o inimigo comum da ordem e da soberania.
Há, com efeito, que distinguir - e é tempo de fazê-lo - a pressão legitimamente exercida, para que se efectuem reformas necessárias, ou para opor-se a situações indubitàvelmente injustas, da subversão que nelas se enxerte com fins anticonstitucionais, no plano político e moral.
Evoluir na continuidade é, aqui, ainda, a posição a tomar. E, neste caso, o passado só está passado quando já não constitua o raiz sólida, embora pouco visível, que sustente o tronco exuberante, com suas folhas e frutos, da árvore do presente crescendo para o futuro.
O Ministro da Educação vai pôr ao País a livre discussão das suas reformas e programas: tem direito a crédito na confiança e no tempo.
Tem-se falado muito em democratização do ensino. A palavra já ganhou tom oficioso, depois de conquistar a unanimidade própria das coisas assentes e definitivas. Designa ela, afinal, a generalização, a popularização do ensino, a sua igual acessibilidade a todos os portugueses e a tendência para tudo isto. Correndo o risco de me considerarem antidemocrata - que o não sou -, devo dizer que sempre achei impróprio este termo. Quando se fala de generalização, de alargamento de electricidade, da água potável, da rede de esgotos, do telefone, a maior número de aldeias, de habitações e de pessoas em Portugal, nunca se falou de democratização da electricidade ou da água potável. E em relação a fomento mais directamente intelectual, direi que nunca se falou da democratização da TV ou da rádio, ao pretender-se a sua generalização, tanto quanto possível, a todos os portugueses.
Seja como for, a chamada democratização do ensino obriga a pensar-se também nas desigualdades de situação entre a juventude das grandes cidades do continente e a das aldeias ou vilas distantes, sobretudo a das ilhas dos arquipélagos metropolitanos dos Açores e da Madeira.
Tornar acessível a esta última o ensino universitário não será, pois, e apenas, possuir instalações, mestres, orgânica, estruturas administrativas e dinheiro para a Universidade nova. A acessibilidade tem de ser possibilitada urgentemente a esta juventude portuguesa que vive para lá do mar, a uma ou duas horas de avião de Lisboa. Possibilidade aos que tenham méritos paralelos aqueles que vivem no continente. Um curso profissional de nível universitário custa, para quem viva nas ilhas, muito dinheiro, e apenas uma escassa minoria pode tentar obtê-lo. A protecção aos estudantes universitários ilhéus, em lares que a eles se destinem, em viagens de férias pagas, em redução de propinas ou na efectivação de uma política de criar-se núcleos universitários satélites a periferia das Universidades, constitui também um problema de democratização do ensino em que pouco se fala, mas que esperamos esteja no primeiro plano das preocupações do Ministro. Para ele peço a sua atenção e a sua ajuda.
E com esta nota regionalista encerro esta intervenção.

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Barreto de Lara: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: As recentes intervenções dos ilustres Pares desta Câmara - Srs. Deputados Pinto Machado e Miller Guerra, após a apresentação pública, feita pelo Sr. Ministro da Educação Nacional, de um ousado e atrevido plano de remodelação total do ensino e do facto, bem notável, da sua

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entrega à consciência e discussão da Nação, no avizinhar da nova Lei de Imprensa, e Sr. Deputado Roboredo e Silva, louvando as providências legislativas tomados pelo Sr. Ministro da Justiça, que são uma afirmação sólida de intransigente vigilância à salvaguarda das estruturas financeiras do País e que se teria motivado por uma muito falada transacção, que, a consumar-se, se revestia de aspectos escandalosos, mereceram desde logo o meu firme e veemente apoio. Que procurei, aliás, manifestar de imediato, com a maior exuberância.
Simplesmente, tantos foram os aplausos e apoiados que não houve possibilidade de menções especiais no Diário das Sessões.
E ficou o meu aplauso, como o de tantos outros Srs. Deputados, consignado no respectivo Diário, inexpressivamente, por «Vozes!».
Saliento já que a referência não envolve crítica, pois outra coisa, pela multiplicidade dos apoios, não era até materialmente viável.
Mas exactamente e porque assim, a transcendência e importância dos problemas focados impõem-me em consciência uma tomada de posição na linha de fogo e não quero, por isso, deixar passar o momento sem juntar a minha voz à daqueles ilustres Deputados, dando inteiro apoio e calorosa adesão a todas as suas afirmações - sem a menor reserva ou excepção - expressando-lhes daqui todo o meu apreço. Certo que logo poderia ter intervindo, seguro como estou também de que o espírito jovem e aberto daqueles ilustres Deputados mo permitiria.
Simplesmente, entendi que uma intervenção minha seria descolorir o brilho de tão doutas considerações.
Por isso me reservei para outro momento, na convicção de que, modesta ou não, humilde ou não, a verdade é que nenhuma opinião hoje é indiferente sobretudo quando se dispõe de mandato representativo outorgado pelo povo.
Por isso, daqui, afirmo àqueles ilustres Deputados a minha inabalável adesão, de par e posso que lhes rendo as homenagens que, manda o justiça, se lhes prestem, tanto mais quanto é certa e digna não só o proficiência mas ainda a motivação doa suas judiciosas considerações.
O País tem de estar alerta contra tudo quanto procure roer-lhe os alicerces e minar a sua retaguarda, numa comunhão de alma e coração na luta que é de todos nós e numa solidarização com os que, nas varias frentes, honrosa, galharda e diariamente jogam a sua vido e fazenda em defesa da integridade da Pátria.
Acaba de demonstrar o Governo da Nação que está atento às realidades e a expectativa do Pais não é iludida quando observa a oportunidade e a coragem com que o Governo, a que preside a figura ímpar do grande patriota que á Marcello Caetano, intervém firmemente na guarda e defesa do património que a todos nós pertence.
Todo virado ao futuro, vivendo intensamente a sua Pátria na multiplicidade esgotante dos seus problemas, sentindo a necessidade urgente de conservar renovando, como recomenta a prudência, Marcello Caetano e o seu Governo cada dia que passa mais se afirmam à altura do momento e das circunstâncias, numa autêntica personificação dos destinos da Nação.
Não podem, pois, regatear-se-lhes elogios, varonilmente e sem subserviência louvaminheira, como bem significou o Sr. Deputado Pinto Machado. Como não podem nem devem deixar de se lhes fazer críticas quando as circunstâncias o imponham. Porque criticar com boa fé é afinal ajudar o construir. Pois bom será que todos os patriotas deste país o reconheçam e saiam de vez do silêncio comodista que se iguala a indiferença e que aqueles que aos interesses pessoais sobrepõem o interesse público e que desejam ver a Nação na senda do progresso e na luta contra o imobilismo se manifestem clara e frontalmente. Na primeira linha também.
Impõe-se-me aqui uma observação, que faço à luz exactamente do mandato que a portuguesíssima província de Angola me outorgou: «o dever de manifestar a preocupação das suas gentes», a consumar-se a tal transacção bancária de que tanto se falou, sólida como é a posição que o banco transaccionado detém num dos principais bancos daquela parcela da Noção e a perturbação que isso podia acarretar à economia local. É que tenho em mente uma famigerada e muito falada aquisição do que se diz ser uma siderurgia, que também se diz funcionar em Angola, cujo negocio principal era mais vender declarações do que ferro, bem como a insistente e clarividente compra de importantes órgãos de informação.
E como o sujeito da oração, segundo se diz também, é sempre o mesmo, daí o motivo da inquietação.
Ao terminar esta breve intervenção, daqui quero apelar ao Governo pela urgente necessidade de se reverem os Códigos Penal e do Processo Penal. E que nessa revisão se tenha em conta que, se há de cuidar-se de melhor acautelar a defesa dos direitos dos arguidos, outros sim a inevitavelmente se há-de cuidar também dos seus deveres e obrigações, a fim de que se tenha ao menos e quanto possível evitar que arguidos contra quem estejam passados mandatos de captura respondam à revelia...

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - ... beneficiando de momento e, pior do que isso, se aproveitem no futuro dessa situação, assistindo tranquilos ao seu julgamento em luxuosos restaurantes e mais até em países com quem se mantêm, plenos de vigência, tratados de extradição. Enquanto outros, menos avisados ou menos favorecidos, aguardam es decisões finais, vendo arrastar-se penosamente as sessões, atrás dos grades de uma prisão, e o País ficará muito reconhecido.

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar à
Ordem do dia
Continuação da discussão na generalidade das propostas de lei sobre a protecção ao cinema nacional e sobre o actividade teatral.
Tem o palavra o Sr. Deputado Pinto Machado.

O Sr. Pinto Machado: - Sr. Presidente: 1. Muitas e fortes razões congeminou o meu entendimento para me dispensar de intervir na discussão das propostas de lei sobre a actividade teatral e a protecção do cinema nacional. Acabou, porém, por se me impor o dever de subir a esta tribuna.
Ao longo de semanas, estudei cuidadosamente os textos, participei activamente na quase totalidade das dezoito reuniões que a Comissão de Educação Nacional, Cultura Popular e Interesses Espirituais e Morais dedicou à sua apreciação - e gostosamente presto homenagem ao trabalho zeloso, inteligente e dinamizador do seu presidente, Deputado Veiga de Macedo -, meditei seriamente nos pareceres da Câmara Corporativa e dos organismos empresariais, sindicais e de amadores interessados e nas análises críticas que a imprensa promoveu ou de que deu notícia e reflecti atentamente nas opiniões que me foram comunicadas por profissionais do cinema. Foi precisa-

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mente a consideração responsável desta ampla base de informação que me impôs o dever de apresentar o meu julgamento de Deputado.
2. Estou convicto de que estas propostas de lei são demasiado frágeis e por de mais vulneráveis a interpretações subjectivas, para poderem constituir os enérgicos, precisos e adequados instrumentos de uma política que efectivamente vença a crise grave que mina a actividade teatral e a crise gravíssima que nega direito de cidade, à cinematografia profissional portuguesa. À minha convicção - e bem satisfeito ficaria se laborasse em erro! - fundamenta-se com solidez no facto de as propostas de lei:
a) Não proporcionarem os meios indispensáveis a verdadeiro fomento do teatro e do cinema nacional;
b) Não definirem elementos que garantam que certas medidas indicadas serão realmente eficazes;
c) Não permitirem deduzir, nem dos preâmbulos nem da extensa e desordenada seriação de objectivos, quais as directrizes cardinais que vão orientar a aplicação destas leis.
Seria incorrecção grave - metodológica, política e ética - não justificar estas teses. Tal não é, porém, necessário, pois os pareceres da Câmara Corporativa, as lúcidas intervenções de Deputados membros da Comissão de Educação Nacional e o enérgico depoimento do Deputado Pinto Balsemão apontaram e valorizaram as sérias carências de que enfermam os textos em discussão. Não vou, pois, cair em repetições que fatigam e impacientam o auditório e consomem tempo que nos faz falta. Contudo, creio útil sumariar as críticas mais decisivas que foram apresentadas:
1.º Atribuição exclusiva à Secretaria de Estado da Informação e Turismo da elaboração e aplicação das leis de fomento do teatro e do cinema nacionais, de que decorre:
a) A dúvida de que, assoberbada com os complexos e crescentemente importantes problemas dos sectores de que toma o nome, esta Secretaria de Estado - por inexcedível que seja ou fosse a dedicação, inteligência e saber dos seus quadros - não possa realizar cabalmente a alta tarefa cultural que se propõe;
b) O receio de que os critérios usados na apreciação de pedidos de apoio e no lançamento de iniciativas nem sempre sejam os mais convenientes do ponto de vista da cultura, dado que é naquele departamento do Estado que funciona o aparelho que controla os meios de comunicação social;
c) A fragilidade de uma política sectorial que, tendo a funda justificação e recebendo sólido apoio é consistência da elaboração e realização de um planeamento global de promoção de cultura, é pensada e executada sem a intervenção hierárquica do Ministério responsável por tal planeamento e pelas instituições - oficiais e privadas, existentes e a criar - com a função pedagógica, de introduzir o teatro e o cinema no processo educativo genérico e profissional.
2.º Preponderância exuberante de altos funcionários daquela Secretaria de Estado no Fundo e no Conselho de Teatro e no Instituto Português de Cinema, com risco de ancilose destes órgãos pela burocracia ou sua sufocação pelo dirigismo.
3.º Mais que provável carência de recursos financeiros para estabelecer todos os inúmeros instrumentos propostos em ordem ao desenvolvimento do teatro e do cinema nacional, tanto mais que se pretende apoiar também a ópera, a opereta, o bailado e os espectáculos de marionetas e de fantoches (a Câmara Corporativa acrescenta ainda o circo).
4.º Contradição entre o propósito de estimular a procura do teatro e do cinema nacional pelo público - inclusivamente através da moderação dos preços dos bilhetes - e a intenção de arrecadar receitas para o Fundo de Teatro e Instituto Português de Cinema à custa de um adicional a onerar esses preços, parte do qual será desviado para outros cofres, entre os quais o Tesouro.
5.º Imposição de o Instituto Português de Cinema, através das suas disponibilidades, suportar os encargos de pessoal e administração, o que deveria caber ao Orçamento Geral do Estado.
6.º Ausência de formulação de uma clara ordenação de prioridades, pois é impensável que desde o início vão ser plenamente exercidas as vinte competências atribuídas ao Fundo de Teatro e as quinze consignadas ao Instituto Português de Cinema. Essa hierarquização, se houvesse sido estabelecida, permitiria à Assembleia Nacional perceber qual é, afinal, a política de fomento do teatro e do cinema nacional que a Secretaria de Estado da Informação e Turismo pretende realizar.
7.º Não consideração de garantias eficazes de Previdência e de direito do trabalho dos actores dramáticos, o que, afastando muitos valores do ingresso na profissão, constitui forte obstáculo a que se corrija a monstruosa distorção de, em todo o País, apenas Lisboa usufruir com regularidade de espectáculos teatrais.
8. As insuficiências citadas são de tal modo impeditivas de que os instrumentos legislativos que o Governo submete à nossa apreciação realizem no campo do teatro e da cinematografia a obra de promoção da cultura de que o País tanto carece, que se me impôs com vigor a conveniência de apresentar à Câmara a questão prévia da rejeição da proposta de lei ou, ao menos, de lhes negar a minha aprovação. Após séria reflexão, decidi não tomar qualquer destas atitudes - no que, em pura lógica, reconheço inconsequência -, por atribuir valor importante ao pragmatismo sensato de atender aos inegáveis aspectos positivos que contêm e que são susceptíveis de reanimar um tanto actividades que estão seriamente enfermas. Desses aspectos positivos saliento os seguintes:
a) Alargamento dos esquemas de apoio financeiro, que passam a incluir, além de subsídios, as modalidades de empréstimos e garantias de crédito;
b) Assistência financeira e de outros tipos às iniciativas e realizações de amadores;
c) Intenção de fomentar a criação de escolas de arte de representar e de salas de teatro experimental;

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d) Instituição de bolsas de estudo para a formação de realizadores e técnicos de cinema;
e) Reconhecimento doa filmes de formato reduzido;
f) Defesa dos interesses dos profissionais portuguesas nas co-produções, e co-participações;
g) Garantia de condições de exibição do cinema nacional;
h) Abolição dos condicionamentos à criação de novas salas de cinema;
i) Novo regime fiscal mais conforme às normas da justiça.
Destas realidades positivas e de outras que devem ser introduzidas na discussão na especialidade é legítimo esperar benefícios interessantes e experiência útil, em ordem a que mais tarde o teatro e o cinema nacional possam ser encarados a fundo na plena consideração do seu alto valor como expressão e instrumento de cultura e de relações autênticamente humanas. Esta esperança recebeu sólido fortalecimento das explicações que o Secretário de Estado da Informação e Turismo teve a gentileza de apresentar esta manha à Comissão de Educação Nacional, Cultura Popular e Interesses Espirituais e Morais. O valor desses esclarecimentos e a atenção que mereceram a S. Ex.ª os reparos formulados são mais uma prova concludente do interesse altíssimo do contacto de governantes e Deputados na busca do melhor bem nacional.
4. Declarando a minha reservada aprovação na generalidade das propostos de lei em discussão e na expectativa de que no debate na especialidade a Câmara introduza algumas dos convenientes alterações, termino a minha intervenção formulando os seguintes votos:
a) Que seja pensada uma política de autêntica promoção cultural do povo português - de que a reforma do ensino há dias anunciada constitui a infra-estrutura -, política em que ao teatro e ao cinema cabe desempenhar papel próprio e insubstituível;
b) Que a responsabilidade por essa política caiba, dominantemente, a um departamento específico do Estado;
c) Que, entretanto, se estabeleça a mais íntima colaboração entre o Ministério da Educação Nacional e a Secretaria de Estado da Informação e Turismo no que respeita a actividades culturais;
d) Que seja desdobrada a Direcção-Geral do Ensino Superior e das Belas-Artes;
e) Que a informação fique a cargo de um departamento do Estado sem outras atribuições;
f) Que no fomento do teatro e do cinema nacional o Estado actue como catalisador da eclosão dos potenciais de criação, e nunca com burocracia, que paralisa, ou dirigismo, que abafa;
g) Que sejam decididamente estimulados os diversos tipos de actividades de amadores no domínio do teatro e do cinema, como instrumentos indispensáveis de educação e de descoberta de novos valores;
h) Que se promulgue uma legislação que com justiça regule as condições de trabalho dos profissionais e lhes garanta um previdência legítima;
i) Que o teatro e o cinema sejam introduzidos nos diversos graus de ensino;
j) Que seja urgentemente actualizado o ensino oficial da arte dramática;
l) Que o teatro oficial desempenhe integralmente as funções que o justificam;
m) Que a aplicação das leis atenda, com prioridade, a formação dos homens que fazem o teatro e o cinema, à educação teatral e cinematográfica do público - designadamente das crianças e da juventude - e à realização de teatro e de cinema profundamente inseridos na realidade portuguesa, pois será pela sua autenticidade nacional que se poderão impor ao respeito de todas as noções, (tudo o que é autenticamente humano é universal);
n) Que, simultaneamente com o teatro e cinema espectáculo, se fomente o teatro e cinema debate;
o) Que se promovam festivais de teatro e cinema, não com o estímulo antipedagógico do prémio e o carácter inquinador da competição, mas como oportunidade de encontro de dramaturgos, artistas, técnicos, cineastas, críticos e público, tendo como substância a análise dialogante dos obras exibidas, em ordem à crescente qualificação do teatro e do cinema, à promoção da cultura e à aprendizagem vivêncial de verdadeiras relações humanas;
p) Que os homens que irão dispor dos textos que a Assembleia Nacional vai aprovar os utilizem no sentido do melhor serviço do País.
Tenho dito.

O orador foi cumprimentado.

Q Sr. Magalhães Mota: - Sr. Presidente:
I - É a primeira vez que subo a esta tribuna. Manda a tradição que comece por o saudar.
Saberá V. Ex.ª como o faço, não por simples cumprimento ou obediência à regra protocolar, mas com a profunda estima e admiração que o contacto breve, mas intenso, de uma campanha eleitoral pôde cimentar.
Permita-me ainda que das muitas qualidades de V. Ex.ª, das qualidades de carácter, de inteligência e de coração, que por mérito próprio o consagraram como o primeiro de nós todos, eu saúde e louve uma só: a inteira e autêntica verticalidade e independência de que V. Ex.ª deu e dá testemunho.
E deixe-me ainda, Sr. Presidente, que eu, que fui o mais novo dos seus companheiros de lista, lhe digo, aqui e agora, como sentimos perante esta Assembleia e o nosso distrito a responsabilidade de sermos dignos de si.
II - 1. Os órgãos de informação têm-se feito eco do relativo desinteresse que as propostas de lei do cinema e do teatro têm encontrado nesta Câmara. Efectivamente, o número de presenças, e, em especial, o número de Deputados que se conservam presentes e interessados na discussão, não será avultado.
Creio que importante será acentuar que esse desinteresse é apenas e só aparente.
Julgo que, para além de outras possíveis explicações à atitude assumida pela Câmara não serão alheias algumas deficiências fulcrais das propostas em discussão.
Efectivamente, a conformidade da proposta com o estatuído no artigo 92.º da Constituição parece muito discutível e o facto de largamente se ter ultrapassado o campo das «bases gerais dos regimes jurídicos» para ter descido à regulamentação, e em pormenor, terão suscitado menor interesse por parte de uma câmara política sem instrumentos próprios para controlar a «bondade» das soluções miùdamente especializadas que se lhe propõem e interrogando-se sobre os «porquês» de outros aspectos terem escapado a tais minúcias.

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Desinteresse apenas aparente, repito.
É que a Assembleia Nacional não está, nem poderá estar, desinteressada dos problemas do cinema e do teatro, mas, pelo contrário, interessada e a vários títulos.
2. Na verdade, os problemas que dominam a nossa atenção vão evoluindo e, geralmente, de acordo com as próprias alterações da vida económica e social.
Bastará, numa rápida panorâmica, atentar um pouco na série de lições, livros, artigos, referências que lhe são feitas para verificar como o papel dos meios de comunicação social na sociedade moderna é para muita gente um problema de interesse, para alguns outros uma fonte de preocupações.
Isso mesmo terá reflectido, apesar de tudo, o debate que até este momento se processou.
3. Muitos sentem uma preocupação, angustiante e angustiada, perante a ubiquidade e o possível poder das mass media.
Creio que a essência do seu raciocínio é o reconhecimento, mais ou menos intuído, do que o instrumental que os meios de comunicação social contêm é poderoso, que poderá ser utilizado para o bem, e para o mal e, finalmente, que na ausência de controles «adequados» a última hipótese é a mais provável.
Curiosamente, há um «calcanhar de Aquiles» em todas as fortalezas de resistência.
No fundo, no fundo, joga-se à defesa por temor mais ou menos reverencial do adversário.
E o mesmo provincialismo intelectual que pensa resolver todos os problemas gritando «ó da guarda!» que tem medo de tudo quanto lhe parece máquina, técnico ... ou tecnocrata. É a atitude, estranhamente infantil, de quem, sentindo os valores a que se agarra tènuamente mantidos e as posições sociais inseguras, pretende impedir que os perigos e as tentações dele se aproximem, porque se se aproximarem cairá.
4. Uma outra fonte de preocupações, talvez mais realista, é a das formas de controle social, nomeadamente de poderosos grupos de interesse e de pressão, através dos meios de comunicação social.
Todos sabemos e vamos tomando consciência de como para controlar opiniões e crenças se usam cada vez menos meios directos de coacção e cada vez mais meios de persuasão em massa.
Até que ponto a imprensa, a rádio, a televisão e o cinema nos colocam perante uma autêntica insatisfação que é fonte de progresso e de desenvolvimento ou tomam sobre si a tarefa de conformar o comum das gentes com o status quo social e económico?
Eis outra preocupação, esta, sim, com dimensão autêntica aqui e agora.
Se for possível, e julgado conveniente e útil, por exemplo, reduzir o período consagrado a antes da ordem do dia, com o benefício do rigor de maior síntese nas intervenções que o constituem, talvez ainda tenhamos oportunidade e tempo para, efectivando o aviso prévio que anunciámos, retomar a questão.
5. Outros se preocupam com os efeitos, supostos ou reais, dos mass media sobre a cultura popular e o gosto estético do público, que eles fariam cada vez mais decair.
Para esses o meio de difusão mais antigo era necessariamente mais nobre. São incapazes de descobrir a linguagem própria de cada meio de comunicação e continuam a pensar a televisão como um cinema em écran pequenino, o cinema como teatro gravado em celulóide, «importado em latas», como dizia Robert Florey, o teatro como romance lido alto por várias pessoas ...
6. O rápido enunciado destes pontos servirá tão-sòmente para abrir caminho, ainda que sumariamente fundamentado, a uma afirmação, aliás aqui já várias vezes formulada.
A proposta de lei sobre o cinema como a sobre o teatro apenas encara uma pequena parcela dos problemas postos e, talvez por isso mesmo, o debate tem decorrido com algum pessimismo, até quanto à possibilidade de resolver essa parcela.
O simples facto de se ter decidido encarar os problemas, os muitos aspectos positivos que as propostas nos apresentam, por si só nos parecem justificar algum optimismo e um mais franco aplauso.
Além do mais, mão é só quanto ao cinema, nem quanto ao teatro, que não basta legislar.
III - 7. Como se afirmou na Constituição Pastoral:
A Igreja no Mundo actual. É próprio da pessoa humana necessitar da cultura, isto é, de desenvolver os bens e valores da natureza, para chegar a uma autêntica e plena realização(1).
O homem do nosso tempo é, efectivamente, o protagonista, o autor e o promotor da cultura, e toda a cultura autêntica tem como fim o próprio homem, ou, se quisermos, a construção de um humanismo pleno em que o homem desenvolva a sua liberdade e responsabilidade perante si mesmo, os outros e a História(2).
Nas próprias palavras conciliares: «cresce cada vez mais o número de homens e mulheres, de qualquer grupo ou nação, que têm consciência de serem os artífices e autores da cultura da própria comunidade. Aumenta também cada dia mais no Mundo inteiro o sentido da autonomia e responsabilidade, o qual é da máxima importância para a maturidade espiritual e moral do género humano. O que aparece ainda mais claramente, se tivermos diante dos olhos a unificação do Mundo e o encargo que nos incumbe de construirmos, na verdade e na justiça, um mundo melhor(3).
Um dos deveres sociais do nosso tempo é, assim, o de «libertar muitos homens da miséria, da ignorância», trabalhando energicamente «para que se reconheça e actue em toda a parte [...] o direito de todos à cultura»(4).
8. E, pois, num contexto em que o Estado não pode deixar de assumir os seus deveres perante formas culturais que já não são nem adornos, nem excessos, nem luxos, que estas propostas de lei nos são presentes.
Infelizmente, por estranhas, ou pelo menos complexas, razões, o cinema não tem sido considerado como autêntico fenómeno cultural. A Universidade ignora-o sobranceiramente - mas essa e outras «ignorâncias oficiais» da nossa Universidade já não espantam - e o mesmo vão fazendo zonas mais ou menos representativas da cultura. O cinema é ainda, entre nós, a forma de o «intelectual» cansado se entreter no sábado a noite.
Talvez seja por causa da origem popular do cinema ...
Certo é que existe uma cultura cinematográfica, e o cinema deu-nos já um conjunto espantoso de obras de arte e uma contribuição à procura da verdade e da beleza que emocionou milhões de homens com uma eficácia e uma extensão maiores que qualquer outra arte.
Creio não ser impunemente que, por exemplo, é possível invocar entre os «realizadores» portugueses Afonso

1 Constituição Pastoral Gaudium et Spes, n.o 53.
2 O comentário é, salvo erro e quase textualmente, o de Ruiz-Gimenez.
3 Constituição Pastoral Gaudium es Spes, n.º 55.
4 Vaticano II, Gaudium et Spes, n.º 60.

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Lopes Vieira e Ferreira de Castro, se fala do estilo «cinematográfico» de um Hemingway, que a solidão de um velho nos nossos dias e no nosso mundo ganhou presença e força com «Humberto D», que é possível dizer, como Thévenot(5) que, «se um novo dilúvio devesse destruir todas as criações da civilização moderna, bastaria ao novo Noé embarcar 20 ou 30 filmes para permitir à Humanidade futura reconstituir a fisionomia do nosso Mundo», ou, como Henri Agel, que «o cinema triunfa do efeito do habito que nos impede de ver bem as coisas à força de as olharmos todos os dias. O écran, por meios acessíveis a todos, traz-nos a boa nova de uma criação a redescobrir sem cessar, a reassumir, da algum modo, com toda a nossa força e nosso amor»(6).
9. Parece que seria erro grave querer, nos nossos dias, continuar a pensar em tempos de humanismo clássico.
A Humanidade está a caminho de uma civilização planetária, [...] para onde é levada por duas forças, uma das quais é o progresso constante da tecnologia e a outra uma aspiração moral não menos irresistível: a necessidade de o homem aceder à Humanidade(7).
Aí entronca o que já se chamou «o humanismo cinematográfico».
10. Destas premissas resulta para mim extremamente claro não ser na Secretaria de Estado da Informação e Turismo o assento próprio para a intervenção e a planificação ao nível público da cultura e dos suas formas.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Enquanto não criamos o Ministério da Cultura, é ao Ministério da Educação Nacional - ainda que empenhado numa reforma do ensino que é, sem dúvida, e desde Pombal, das reformas mais importantes da história da cultura portuguesa, mas, até por isso mesmo, necessariamente renovado nos seus quadros e métodos- que tais atribuições terão de ser conferidas.

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - É perfeitamente legítimo - e justíssimo - que assim seja. Inclusivamente, e bom será relembrá-lo, porque ao Ministério da Educação Nacional se deve já a mais importante contribuição para o integrar do cinema num processo de desenvolvimento.
Poderia inclusivamente começar por referir-se o Decreto n.º 20 859, de 4 de Fevereiro de 1982, da responsabilidade do então Ministro da Instrução Pública, Prof. Dr. Gustavo Cordeiro Ramos. Aí se traçam as normas gerais para a introdução do cinema no nosso ensino, começando-se por nomear uma Comissão do Cinema Educativo.
Essa Comissão, com poderes para propor a execução de filmes, indicar os seus autores e resolver o número de películas a fornecer, oferece um primeiro exemplo a meditar na atribulada história do cinema português, pois conclui não dever usar dos seus poderes, nem fazer favores, com prejuízo da cultura nacional e dos fundos do Estado.
No seu relatório se escreveu que «num País como o nosso, de indústria cinematográfica incipiente, deverá receber-se com desconfiança qualquer proposta aparentemente muito vantajosa» e «na produção de películas educativas, só oferece condições de êxito a colaboração de profissionais daquela indústria com cientistas e professores que conheçam bem as possibilidades artísticas e técnicas do cinema».
Para além disto, há todavia a introdução real do cinema nos vários sectores do ensino português, iniciada em 1953 com a Campanha Nacional de Educação de Adultos.
11. Aqueles de nós que mais dentro estamos dos problemas do cinema terão notado que o Sr. Deputado Veiga de Macedo não deixou de referir-se à experiência efectuada no âmbito do Plano de Educação Popular.
Creio que me perdoará que diga que o fez com demasiada pressa.
Que diga ainda que o que a época não foi totalmente compreendido, merece ao menos, aqui e agora, ser justamente apreciado.
E que, para referir o que foi o cinema da Campanha, eu me sirva de uma citação, datada de há apenas dois anos após o começo da sua actividade:
Mais de cento e cinquenta mil pessoas puderam, desta forma, recrear-se, educar-se ou compenetrar-se do alto significado da Campanha [...]. Como na produção ou aquisição (de filmes) houve o maior cuidado, pode dizer-se que os programas de cinema já realizados se adoptam bem ao padrão, cultural das pessoas a que se destinam e que a sua qualidade técnica, não só não nos envergonha, como deve ter excedido, em regra, o nível do que até ao presente se tem feito no mundo da cinematografia nacional. E com satisfação que se revela terem sido algumas fitas da Campanha, juntamente com uma italiana, as únicas escolhidas para a cinemateca da U. N. E. S. C. O., no decurso do Congresso Internacional, realizado em Novembro de 1953, em Hamburgo, sobre o cinema, a rádio e a televisão na educação popular.
A satisfação que o Dr. Veiga de Macedo, então Subsecretário de Estado da Educação Nacional e responsável pela Campanha, naturalmente sentia ao fazer a comunicação que citei, tem, agora que a problemática do cinema volta a pôr-se, razões para permanecer.
Creio bem que me será perdoado o parêntese, homenagem devida por quantos esperam que o cinema tenha o seu lugar pleno nas tarefas urgentes de promoção cultural do País.
12. Ainda que por razões diametralmente opostas às referidas no parecer da Câmara Corporativa - e não posso calar como me parece chocante uma tendência que se vai manifestando aqui e além e que parece pretender sobrepor interesses de grupo aos interesses nacionais -, não me parece correcto o sistema de «contingentes» delineado na proposta.
Porque o problema transcende o âmbito da simples discussão na generalidade, a ele me referirei, ainda que em largos traços.
Será talvez esta a oportunidade de reparar uma injustiça, naturalmente involuntária, do parecer da Câmara Corporativa.
Ao discutir-se a proposta de lei de protecção do cinema nacional, não parece justo, efectivamente, citar apenas entre os pioneiros da indústria cinematográfica dos anos 20 a portuense Invicta Filme, cuja actividade é aliás apreciada em termos de rigor, que parecem, esquecer que em seis anos de actividade realizou dezoito filmes e entre eles Os Fidalgos da Casa Mourisca e Amor de Perdição, de valor excepcional para a época.

5 Cinéma d'exploration, cinéma au long cours, p. 17.
6 le cinéma a-t-il une âne, p.6.
7 René Maheu, La Civilisation de l'universe, p. 80.

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Julgo que teria também valido a pena, até para sobre ele reflectir, apontar o caso da Lusitânia, surgida, salvo erro, no final do Verão de 1918, e, portanto, escassos meses depois da Invicta.
É que a Lusitânia - que teve por director artístico quem viria depois a ser o notável investigador de arte Luís Reis Santos, que chamou como técnicos de décor dois outros jovens (Cotinelli Telmo e Stuart Carvalhais) e lançou Leitão de Barros - preocupou-se essencialmente com a estrutura económica do cinema em Portugal.
O seu recém-formado director-geral - o Dr. Celestino Soares - cedo se preocupou com a falta de dimensão que teria uma produtora de filmes a trabalhar exclusivamente para o mercado interno. Seguindo o modelo norte-americano, pensa que seria necessário englobar, com a produção, a distribuição e a exibição.
O seu plano era adquirir, ou associar por contrato, um crescente circuito de cinemas em todo o País e, simultaneamente, fazer contratos de representação das grandes produtoras europeias e americanas, cujos filmes distribuiria, juntamente com os da sua própria produção. Assim tinha a certeza de assegurar a colocação dos seus filmes, poder discutir preços de importação e assegurar até um justo equilíbrio de trocas no mercado fílmico.
Creio que vale a pena reflectir no pensamento tão sumariamente esboçado.
E valerá tanto mais a pena quando é certo que em 1970 se verifica em Portugal que as distribuidoras praticamente concentram nas suas mãos ou controlam, inclusivamente impondo-lhe já os tais contingentes, o conjunto dos exibidores.
Mas, por sua vez, unia boa parte das distribuidoras são firmas integradas no âmbito de uma casa-mãe, que é uma grande produtora europeia ou norte-americana.
Quer dizer que, vivendo em espaço fechado, como agentes exclusivamente de importação, e meras exportadoras dos lucros da actividade, estas firmas de nenhum modo poderão estar interessadas em fazer o jogo da expansão económica nacional, ou o do cinema português, ou sequer o do cinema entendido como factor cultural e não como simples mercadoria.
A hostilidade que durante os anos 50 foi a norma prática de actuação de uma Metro ou de uma Fox em relação ao movimento cineclubista não teve outra origem.
Mas, nestas coisas, somos magnânimos. O apoio estadual verificou-se sempre em relação ao cinema comercial, nunca ao cultoral. O movimento cineclubista foi alvo de todas as suspeições e, naturalmente, abafado. Às firmas... pelo menos, tinham representação ao nível corporativo ... E, se por esta via, alguma co-produção conseguimos, os exemplos são raros e de modo a deixarem dúvidas em relação ao parceiro que mais vantagens colheu.
Quero dizer que o único pensamento que o pequeníssimo mercado cinematográfico que somos despertou no mundo industrial do cinema foi o de nele instalar uma série de firmas, que permitem a cobertura do mercado no âmbito de uma rede de pontos de apoio.
É neste condicionalismo que me parece o sistema de «contingente» sempre de rejeitar. Bem preferível me parece estabelecer-se, em relação ao binómio produção estrangeira - distribuição, normas especiais que obriguem a reinvestir ou, ao menos, incentivem o investimento de parte dos lucros na actividade cinematográfica portuguesa.
Voltarei ao assunto quando da discussão na especialidade.
13. Uma terceira nota aqui quereria deixar ficar sobre o papel da crítica especializada e isenta.
A sua importância, no contexto português em que a cultura cinematográfica é ainda quase inexistente, será essencial.
Apesar de um movimento importante e recente, que se traduziu na modificação das colunas da crítica dos vespertinos, ainda valerá a pena que uma lei de cinema não deixe de distinguir entre a crítica, que, discutível como toda a opinião, por ela assuma inteira responsabilidade, e a publicidade mais ou menos encapotada.
14. Em relação ao cinema de amadores parece firmar-se a posição da Assembleia, contrariando a «discriminação» sugerida pela Câmara Corporativa. Também me parece tal correcção indispensável.
15. Ainda, o cineclubista que durante muitos anos fui e algumas responsabilidades no movimento que teve, não pode senão apoiar aquilo que sobre os cineclubes aqui já foi dito.
É incompreensível a omissão e grave seria a responsabilidade cultural desta Assembleia se a subscrevesse.
O cineclubismo foi, até hoje, a única tentativa global e séria, em Portugal, tendente a defender e a propagar o valor social e cultural do cinema.
16. Uma outra nota ligeiro, que não posso nem devo calar, é a que diz respeito à Cinemateca Nacional.
A escassez de verbas, mas o entusiasmo do Dr. Félix Ribeiro, permitem-lhe ser hoje, e somente, uma boa biblioteca.
Pouco usada e pouco conhecida.
Mas é preciso à cultura portuguesa que a Cinemateca, dita nacional, e, portanto, cuja acção tem de regularmente se sentir em todo o País, exista e funcione como filmoteca viva e actuante.
Medidas idênticas às que foram utilizadas em numerosos países (cito, de cor, a França, a Itália, a Suécia e até a própria Espanha), sem que nenhum direito fosse lesado, terão de impedir a destruição sistemática dos filmes, pelo fogo ou à machadada, depois da exibição comercial.
A cinemateca tem de possuir o direito de quebrar este acordo inconcebível entre produtores e distribuidores que entre nós vigora.
17. Ainda, e a propósito, não quero deixar de anotar como parece necessário que a intervenção estadual venha efectivamente a verificar-se no que toca às infra-estruturas cinematográficas (salas e equipamento), a formação de técnicos (escolas) e o apoio ao cinema educativo.
18. Creio que o problema da dobragem não está também suficientemente equacionado no âmbito da proposta.
Parece-me que, neste momento da cultura portuguesa, permiti-la será medida útil. Haverá é que estabelecer limites sérios para não permitir nem o negócio fácil dos aventureiros nem o desrespeito pelas obras de arte.
Como, já há algum tempo, escreveu um jornalista presente nesta sala(8).
Somos pela protecção dos filmes originais, como todos os amigos do cinema. Mas se o povo pode lucrar algo com a projecção de alguns deles - que só entenderá na língua portuguesa, caso dos analfabetos -, somos pela edição, para esse povo, de uma cópia dobrada. A cultura do povo não deve ser pretexto para ofender a Arte, assim como o respeito pela Arte não deve ir ao ponto de prejudicar a cultura do povo.

8 Manuel de Azevedo, in «À margem do cinema nacional».

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14 DE JANEIRO DE 1971 1333

19. É tempo de te terminar.

Não quereria faze-lo sem abordar também o aspecto, aqui várias vezes trazido & solução, doa problemas morais que levanta o espectáculo cinematográfico.

Quero afirmar que o experiência de outros países, e até alguma experiência em Portugal, me levam à rejeitar quaisquer pseudo-soluções mo género dos "códigos de produção" ou das "ligas de decência".

Pelo contrário, procurando pessoas que tenham, para adem dos outros requisitos, cultura, cinematográfica -porquanto, sem isso, molda feito-, aceito o princípio da classificação de filmes por idades.

Haverá, e como disse, que rever os critérios, os limites de idade e qualificação das pessoas que classificam.

Quanto à censura, julgo necessário começar imediatamente a substituí-la por uma ampla educação cinematográfica.

Como escreve, no seu livro Cinema, Fé e Moral, René Ludmen:

Os deãos do cinema diminuem à medida que o espectador está consciente deles e pode "afrontar" uma película: a nocividade é proporcional à passividade. Por outro lado, os elementos positivos de uma película têm mais probabilidades de serem descobertos e assimilados quando o espectador tem tendência paro os procurar.

Sr. Presidente: Ser-me-á naturalmente perdoado que quase só episodicamente me tenha referido ao teatro.

Quereria terminar, dando a minha aprovação na generalidade a ambas as propostas e lembrando, ainda sobre o cinema, o pensamento de um sociólogo contemporâneo da craveira de Edgar Morin 9:

É certo que, desde que surgiu à superfície da Terra, sempre o homem alienou as suas imagens, fixando-se em osso, em marfim ou na parede dos cavernas. E certo que o cinema pertence & mesma família dos desenhos rupestres dos Eyzies, de Altamira e Lascaux, das representações sagradas e profanas, dos mitos, das lendas e da literatura ...

Nunca, porém, a tal ponto incarnados no próprio mundo, nunca tal ponto a contas com a realidade natural.

[...]. Pela primeira vez, enfim, por intermédio da máquina e a sua semelhança, se projectaram e objectivaram os nossos sonhos.

Fabricados industrialmente, suo colectivamente partilhados.

Retomam contacto com a nossa vida desperta, a fim de modelá-la, de nos ensinarem a viver ou a não viver. Ou os reassumíamos, socializados e úteis, ou eles se perdem no nosso Intimo e nós nos perdemos neles.

[...]. Há que tentar interrogá-los - isto é, reintegrar o imaginário na realidade do homem.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: Vou encerrar a sessão.

Amanha haverá sessão a hora regimental. A primeira parte da ordem do dia será preenchida pela apreciação e apresentação de reclamações sobre a última redacção do texto aprovado pela Comissão de Legislação e Redacção para o decreto da Assembleia Nacional sobre a designação pelas respectivas corporações dos vogais que fazem porte dos organismos de coordenação económica, em representação das actividades por eles coordenadas. Este texto encontra-se no Diário das Sessões, n.º 64, hoje distribuído.

A segunda parte da ordem do dia será dedicada à continuação da discussão na generalidade das propostas de lei sobre a actividade teatral e sobre a protecção ao cinema nacional.

Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 10 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Albino Soares Pinto dos Beis Júnior.
António Júlio dos Santos Almeida.
António de Sousa Vadre Castelino e Alvim.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Fernando David Laima.
Francisco Joio Caetano de Sousa Brás Gomes.
Francisco José Pereira Pinto Balsemão.
Gustavo Neto Miranda.
Henrique dos Santos Tenreiro.
João Duarte Liebermeister Mendes de Vasconcelos Guimarães.
João Manuel Alves.
João Paulo Dupuich Pinto Castelo Branco.
João Pedro Miller Pinto de Lemos Guerra.
Joaquim Germano Pinto Machado Correia da Silva.
José Dias de Araújo Correia.
José Gabriel Mendonça Correia da Cunha.
José de Mira Nunes Mexia.
José Vicente Fizarro Xavier Montalvão Machado.
D. Luzia Neves Pernão Pereira Beija.
Manuel Artur Cotta Agostinho Dias.
Manuel Elias Trigo Pereira.
Manuel Joaquim Montanha Pinto.
Manuel José Archer Homem de Mello.
D. Maria Raquel Ribeiro.
Miguel Pádua Rodrigues Bastos.
Olímpio da Conceição Pereira.
Rafael Valadão dos Santos.
Rogério Noel Peres Claro.
Teófilo Lopes Frazão.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.

Srs. Deputados que faltaram á sessão:

Alexandre José Linhares Furtado.
Antão Santos da Cunha.
Augusto Domingues Correia.
Deodato Chaves de Magalhães Sousa.
Fernando do Nascimento de Malafaia Novais.
Fernando de Sá Viana Rebelo.
Francisco de Nápoles Ferraz de Almeida e Sousa
Henrique José Nogueira Rodrigues.
Joaquim Carvalho Macedo Comia.
Jorge Augusto Correia.
José Guilherme de Melo e Castro.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Manuel Monteiro Ribeiro Veloso.
Pedro Baessa.
Rui Pontífice Sousa.
Victor Manuel Pires de Aguiar e Silva.

O Redactor - Luís de Avlleez.

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