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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL E DA CÂMARA CORPORATIVA

DIÁRIO DAS SESSÕES

N.º 66 ANO DE 1971 15 DE JANEIRO

ASSEMBLEIA NACIONAL

X LEGISLATURA

SESSÃO N.º 66, EM 14 DE JANEIRO

Presidente: Ex.mo. Sr. Carlos Monteiro do Amaral Netto

Secretários: Ex.mo. João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira
João Bosco Soares Mota Amaral

SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 60 minutos.

Antes da ordem do dia. - foi aprovado o n.º 64 do Diário das Sessões, com algumas rectificações.

Deu-se conta do expediente.

Foram pretextei á Assembleia vário" decretos-leis, para efeito do disposto no § 3.º do artigo 109º da Constituição.

Receberam-se na, Mota, e foram entregue" aos Sr í. Deputados requerentes, alguns elementos por eles pedidos em sessões anteriores.

Por escrutínio secreto, a Assembleia, decidiu não suspender o Sr. Deputado Pinho Brandão para efeito de prosseguir um processo de policia, correccional contra, ele instaurado na comarca de Arouca.
O Sr. Deputado Moura Ramos requereu vários elementos sobre inquéritos efectuados acerca da alguns incidentes perturbadores da vida escolar.

O Sr. Deputado Vaz Pinto Alvos ocupou-se do problema, dos acidentas de trabalho e de alguns aspectos relativos ao regime do seu seguro.

A Sr.ª Deputada D. Maria Raquel Ribeiro falou sobre o preço dos medicamentos e a assistência medicamentosa.

O Sr. Deputado Camilo de Mendonça analisou o problema da produção de vinho na região duriense.

O Sr. Deputado Sá Carneiro preconizou a revisão da Concordata entre Portugal e a Santa Sé.

Ordem do dia. - Na primeira parte, foi aprovado o texto estabelecido pela Comissão de Legislação e Redacção para o decreto da Assembleia Nacional sobre a designação pelas respectivas corporações dos vogais gue fanem parte dos organismos de coordenação económica em representação das actividades por eles coordenadas.

Vá segunda parte, prosseguiu a discussão na generalidade das propostas de lei sobre a protecção ao cinema nacional e a actividade teatral, usando da palavra o Sr. Deputado Serras Pereira.

O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 85 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada. Eram IS horas e 40 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.

Albano Vaz Finto Alves.

Alberto Eduardo Nogueira Lobo de Alarcão e Silva.

Alberto Marciano Gorjão Franco Nogueira

Alberto Maria Ribeiro de Meireles.

Albino Soares Pinto dos Beis Júnior.

Álvaro Filipe Barreto de Lara.

Amílcar da Costa Pereira Mesquita.

António Fausto Moura Guedes Correia Magalhães Montenegro.

António da Fonseca Leal de Oliveira.

António Júlio dos Santos Almeida.

António Lopes Quadrado.

António Pereira de Meireles da Bocha Lacerda.

Armando Júlio de Boboredo e Silva.

Armando Valfredo Pires.

Artur Augusto de Oliveira Pimentel.

Augusto Domingues Correia.

Augusto Salazar Leite.

Bento Benoliel Levy.

Carlos Eugênio Magro Ivo.

Carlos Monteiro do Amaral Netto.

Delfim Linhares de Andrade.

Delfino José Rodrigues Ribeiro.

Fernando David Laima.

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Fernando Dias de Carvalho Conceição.

Fernando do Nascimento de Malafaia Novais.

Filipe José Freire Themudo Barata.

Francisco António da Silva.

Francisco Correia das Neves.

Francisco Esteves Gaspar de Carvalho.

Francisco João Caetano de Sousa Brás Gomes.

Francisco Manuel Lumbrales de Sá Carneiro.

Gabriel da Costa Gonçalves.

Gustavo Neto Miranda.

Humberto Cardoso de Carvalho.

João Bosco Soares Mota Amaral.

João Duarte de Oliveira.

João José Ferreira Forte.

João Lopes da Cruz.

João Manuel Alves.

João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.

Joaquim Germano Pinto Machado Correia da Silva.

Joaquim José Nunes de Oliveira.

Joaquim de Pinho Brandão.

Jorge Augusto Correia.

José Coelho de Almeida Cotta.

José Gabriel Mendonça Correia da Cunha.

José João Gonçalves de Proença.

José de Mira Nunes Mexia.

José dos Santos Bessa.

José Vicente Cordeiro Malato Beliz.

Lobo de Carvalho Cancella de Abreu.

Luís António de Oliveira Ramos.

Manuel Elias Trigo Pereira.

Manuel Homem Albuquerque Ferreira.

Manuel de Jesus Silva Mendes.

Manuel Joaquim Montanha Pinto.

Manuel Martins da Cruz.

Manuel Valente Sanches.

D. Maria Raquel Ribeiro.

Olímpio da Conceição Pereira.

Prabacor Raú.

Rafael Ávila de Azevedo.

Ramiro Ferreira Marques de Queirós Raul da Silva e Cunha Araújo.

Ricardo Horta Júnior.

Rui de Moura Ramos.

D. Sinclética Soares dos Santos Torres.

Teodoro de Sousa Pedro.

Teófilo Lopes Frazão.

Tomás Duarte da Câmara Oliveira Dias.

O Sr. Presidente: - Estilo presentes 71 Srs. Deputados.

Está aberta a sessão.

Eram 15 horas e SÓ minutos.

Antes da ordem dó dia

O Sr. Presidente: -Está em reclamação o n.º 64 do Diário das Sessões.

O Sr. David Laima: - Sr. Presidente: Porque me não foi possível corrigir o texto antes do seu envio para o Diário das Sessões, muito agradecido ficarei a V. Ex.ª pelo favor de mandar eliminar da minha intervenção, considerando como não ditas, as 1. 5, 6 e 7 da col. 2 º p. 1810.

Também agradecia o favor de no segundo parágrafo ser intercalada a palavra "comerciais" entre "relações" e "metrópole".

E, por fim, na p. 1811, col. 1.º, oitavo parágrafo, si palavra "delícias" deverá ser corrigida para "delírio".

O Sr. Augusto Correia: - Sr. Presidente: Solicito que seja feita a seguinte rectificação no Diário das Sessões em reclamação: na p. 1308, texto da minha intervenção, onde se lê: "1960", deverá ler-se: "1970".

O Sr. Presidente: - Como mais nenhum Sr. Deputado deseja usar da palavra para apresentar alguma reclamação sobre o n.º 64 do Diário das Sessões, considero-o aprovado com as rectificações apresentadas.

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Cartas

Da Assembleia do Atlântico Norte remetendo o texto das recomendações, resoluções e directrizes adoptados na sua 16.º sessão anual.

Apoiando o condicionamento preconizado pelo Sr. Deputado Leal de Oliveira à base xxn da proposta de lei de protecção ao cinema nacional.

Exposição

De ura. grupo de trabalhadores eventuais do porto de Lisboa acerai das suas condições de trabalho e de previdência.

Telegramas

De um grupo de realizadores e técnicos de cinema sobre a proposta de lei em discussão.

Apoiando a intervenção do Sr. Deputado Aguiar e Silva acerca do problema da localização de um hotel em Coimbra.

Apoiando uma intervenção do Sr. Deputado Fausto Monteai egro.

O Sr. Presidente: - Enviados pela Presidência do Conselho, estão nu Mesa, para cumprimento do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, o 1-º e 2.º suplementos ao Diário do Governo, 1.º série, n.º 301, de 81 de Dezembro último, que inserem os seguintes decretos-leis:

N.º 680/70, que determina que sejam mantidas à Junta Autónoma de Estradas, até à publicação do novo plano geral de obras da rede de estradas nacionais, dotações anuais de valor igual às que lhe foram atribuídas nos termos da base I da Lei n.º 2068;

N.º 681/70, que isenta de direitos e da taxa para a Comissão Regulodora dos Produtos Químicos e Farmacêuticos o cloro líquido importado, pelas fábricas da pasta de papel, no período compreendido entre l de Setembro de 1970 e 81 de Dezembro de 1971;

N.º 685/70, que determina que a partir da entrada em vigor, na província de Timor, do imposto complementar fique extinto, na mesma província, o imposto de defesa criado pelo artigo 21.º do Decreto n.º 30 117;

N.º 689/70, que determina que sejam aplicadas às Universidades de Luanda e de Lourenço Marques, com as alterações constantes do presente diploma, cus disposições do Decreto-Lei n.º 132/70, com as modificações introduzidas pelo Decreto-Lei N.º 637/70 (ensino superior);

N.º 690/70, que toma aplicável as disposições do Decreto-Lei n.º 885/70 nos subsídios vitalícios pagos

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pela Administração-Geral do Porto de Lisboa s pala Administração dos Portos do Douro e Leixões, ao abrigo do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 42 880 e, ainda, respectivamente, nos termos do artigo 115.º do Decreto-Lei n.º 86 976 e do antigo 83.º do Decreto-Lei n.º 96 977;

N.º 691/70, que autorizo a Administração das Portos do Douto e Leixões a contrair um empréstimo, mediante contrato com a Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência, para execução do programa de obras e instalações integrado no III Plano de Fomento;

N.º 692/70, que actualiza o funcionamento dos serviços da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa e insere disposições legislativas respeitantes a pessoal com vista à uniformização de categorias e vencimentos e à sua integração nos novos quadros, qualquer que tenha sido o regime de admissão;

N.º 693/70, que insere disposições relativas ao regime jurídico da Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência e revoga determinadas disposições legislativas.

Para o mesmo efeito, encontram-se na Mesa os n.ºs 4, 5 e 8 do Diário do Governo, 1.ª série, respectivamente de 6, 7 e 11 do corrente, que inserem os seguintes decretos-leis:

N.º 1/71, que estabelece normas sobre os contratos de venda de lotes de acções, por negociação particular, ou outros contratos que operem transferencia de propriedade ou atribuição do direito de voto a pessoa diferente do proprietário, nas sociedades anónimas cujo capital tenha sido total ou parcialmente constituído mediante subscrição pública ou seja igual ou superior a 100 000 000$;

N.º 8/71, que fixa os quadros e remunerações do pessoal de cada uma das Universidades de Luanda e de Lourenço Marques;

N.º 5/71, que fixa as categorias e os ordenados do pessoal do serviço social dos organismos oficiais do Ministério da Saúde e Assistência dotados de autonomia administrativa.

Estão também na Mesa, enviados pela Presidência do Conselho, os elementos, fornecidos pelo Ministério da Economia, destinados e satisfazer um requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Costa Ramos na sessão de 15 de Dezembro de 1969; a cópia do ofício n.º 26, processo 1.17, de 6 do corrente, do Gabinete de S. Ex.º o Ministro das Comunicações, pelo qual são prestados os elementos requeridos pelo Sr. Deputado Peres Claro na sessão de 18 de Dezembro findo; e as publicações requeridas em 15 do mesmo mês pelos Srs, Deputados Serras Pereira e Moura Ramos. Todos estes elementos vão ser entregues aos Srs. Deputados requerentes.

Está ainda na Mesa um ofício do juiz de direito da comarca de Arouca, que vai ser lido.

Foi lido. É o seguinte:

Para os efeitos do disposto no artigo 89.º, alínea d), da Constituição Política da República Portuguesa, junto tenho a honra de remeter a V. Ex.ª, cópia de acusação, proferida nos autos crimes de polícia correccional, que o Ministério Público nesta comarca mova contra Joaquim de Pinho Brandão, casado, conservador do registo civil e Deputado da Nação, residente na Praça da República, 65, Porto.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: Como ouviram, trata-se de pedir a Assembleia decisão sobre se o Sr. Deputado Pinho Brandão deve ou não ser suspenso, nos termos da alínea d) do artigo 89.º da Constituição, para que siga o processo de polícia correccional contra ele instaurado por motivo de um acidente de viação.

Do processo que acompanhou o ofício acabado de ler consta que o Sr. Deputado Pinho Brandão é arguido de danos involuntários, aos quais foi atribuído apenas um valor de 400$ (risos), em relação a uma viatura automóvel do Estado.

De qualquer modo, a justiça exerce-se tanto nas grandes como nas pequenas causas e as disposições legais têm de ser observadas por nós nas mesmas circunstâncias.

Em consequência, se a Assembleia decidir que o Sr. Deputado Pinho Brandão deve ser suspenso, para efeitos de seguimento do processo, ele terá de se sujeitar à suspensão e o processo correra imediatamente. Se a .Assembleia decidir que o Sr. Deputado Pinho Brandão não deve ser suspenso, o processo terá de aguardar que cesse o funcionamento efectivo da Assembleia, para continuar os seus termos.

Segundo o Regimento, uma decisão destas tom de ser tomada/por escrutínio secreto e, na continuação de práticas que já vem de algum tempo, parece-me mais adequado que esse escrutínio secreto se faça por meio de listas.

Vão, portanto, ser distribuídas a VV. Ex.ª, listas de papel, cada uma das quais terá apenas escrita a palavra «sim» ou «não».

Será feita a chamada, nos tomos habituais, e, se a Assembleia decidir «sim», o Sr. Deputado Pinho Brandão será suspenso porá efeitos de continuação imediata do processo. Se a Assembleia decidir «não», o Sr. Deputado Pinho Brandão mão será suspenso e o seu processo só poderá continuar A comer quando a Assembleia interromper efectivamente os seus trabalhos.

Interrompo a sessão por alguns momentos, para efeitos e distribuição das listas a VV. Ex.ªs.

Eram 16 horas.

O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão.

Eram 16 horas e 10 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada, paru efeitos de votação no sentido de decidir se a Assembleia deseja, ou não, que seja suspenso o Sr. Deputado Pinho Brandão, para efeitos do prosseguimento imediato do processo correccional que está movido contra ele.

Vai proceder-se à chamada.

Fez-se a chamada.

O Sr. Presidente: - Peco aos Srs. Deputados Alberto Alarcão e Oliveira Pimentel o obséquio de servirem de escrutinadores.

Procedeu-se ao escrutínio.

O Sr. Presidente: - Peço a atenção da Câmara.

Entraram na uma 86 listes, das quais se apurou serem 85 negativas e l afirmativa. Em consequência, o Sr. Deputado Pinho Brandão não será suspenso, uma vez que se verifica ser negativa a decisão da Assembleia n este respeito.

Aproveito para agradecer aos Srs. Deputados Alberto Alarcão e Oliveira Pimentel o trabalho de escrutinadores que se prestaram a desempenhar.

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Tem a palavra, para ura requerimento, o Sr. Deputado Moura Ramos.

O Sr. Moura Ramos: - Sr. Presidente: Pedi a palavra para apresentar o seguinte

Requerimento

Com o fim ide me esclarecer e documentar, para uma eventual intervenção sobre o movimento de agitação estudantil que tem vindo a processar-se entre nós e em que andam paixões políticas das mais mal intencionadas ao serviço de manobras comandadas à distância, mas habilmente, pelas centrais da subversão internacional (como, aliás, vem acontecendo noutros países), roqueiro, nos termos regimentais, que pelo competente departamento ministerial me sejam prestadas as informações seguintes:

a) Estado actual do processo de inquérito relativo aos graves incidentes verificados na noite de 9 para 10 de Maio do ano passado, em Coimbra, inquérito esse feito a solicitação expressa do Sr. Heitor da Universidade e ordenado por despacho de 12 de Maio de 1970, de S. Ex.ª, o Ministro da Educação Nacional;

b) No coso de o processo já estar concluído, qual o despacho que sobre ele recaiu e cópia das conclusões do inquiridor sobre que assentou.

Mais regueiro informação sobre se foi ordenado algum inquérito aos graves desacatos e distúrbios perturbadores dá vida escolar verificados em Dezembro findo na Cidade Universitária de Lisboa e apontados na última nota da Reitoria da Universidade publicada nos jornais.

Em coso afirmativo, qual o resultado a que se chegou, bem como qual o despacho que sobre o processo recaiu.

O Sr. Vaz Pinto Alves: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: Todo o homem tem no trabalho um dever indeclinável a que não pode eximir-se. É pelo trabalho que ele se dignifica, se criam valores humanos, sociais e espirituais, e é nele que se alicerça o desenvolvimento da pessoa, da família e da sociedade.

Daí o direito que lhe assiste de se ver protegido na salvaguarda da sua potencialidade renovadora num mundo onde o trabalho é essencialmente criador, mas onde igualmente se envolve em riscos d» desagregação, gera e suscita o sofrimento, a inadaptação e a morte. Ora, é hoje conquista assente que o trabalho deve ser protegido e defendido dos riscos inerentes ao seu exercício, revestindo-se do mais alto interesse económico e social os questões relacionadas com os riscos profissionais.

Mas, se a reparação em si não é passível de controvérsias, já o mesmo não se poderá dizer quanto à forma da sua execução e A quem deverá competir, por transferência da entidade patronal, a reparação global dos donos provenientes do exercício da actividade profissional.

Refiro-me, como facilmente se poderá aperceber destas palavras à guisa de intróito, ao problema candente do seguro contra os acidentes fie trabalho e doenças profissionais.

E porque o assunto o reputo do maior interesse e actualidade, quer no plano dos princípios, quer' no plano da prática corrente, dele irei ocupar-me nesta intervenção, detendo-me particularmente sobre os acidentes de trabalho e examinando alguns aspectos relativos ao regime do seu seguro.

Para tanto terei de começar por uma muito breve resenha histórica deste tipo de seguro, correndo o risco até de num ou noutro ponto reafirmar posições já expendidas noutras legislaturas nesta Câmara a propósito do debate da reforma da Providência e do regime dos acidentes e das doenças profissionais.

Sabe-se que já nos fins do século XIX, princípios deste, se multiplicaram os legislações destinadas a garantir os salariados contra os riscos da sinistrai idade laborai.

Com efeito, o avanço da técnica e a mecanização que operaram a progressiva industrialização da sociedade criaram condições propícias à ocorrência de acidentes de trabalho entre os classes operárias. Assim, as formas tradicionais de auxílio aos trabalhadores face a estes riscos tornaram-se insuficientes e começou-se a pensar na necessidade de encarar um meio mais eficaz na protecção e reparação do acidente. Entre nós, desde cedo - remontam a 1863- foram adoptadas medidas de protecção em que se consagrava, até à promulgação da Lei n.º 83, de Junho de 1913, o princípio da responsabilidade das entidades patronais pelos acidentes de trabalho, pelo que só haveria lugar u reparação se o acidente fosse devido a culpa ou negligência da entidade empregadora, cabendo o ónus da prova ao trabalhador.

Tal protecção era manifestamente insuficiente, o que levou, nos países de legislação social mais progressiva, a definição da responsabilidade contratual, pela qual as entidades patronais eram, por força do respectivo contrato de trabalho, responsáveis, em princípio, pelos acidentes ocorridos durante a vigência do contrato, desonerando-se o trabalhador, por via desta prática, da prova da culpa correspondente.

Inverteu-se, deste modo, o ónus da prova, mas continuavam sem protecção os acidentes devidos a caso fortuito, a força maior ou até à imprevidência dos próprios sinistrados. Também a teoria da responsabilização contratual não logrou impor-se à doutrina e jurisprudência de diversos países, dada a insatisfação que se reconhecia a qualquer construção baseada no conceito clássico de culpa.

Daqui se partiu para a responsabilização objectiva a que deu lugar a teoria do risco profissional inerente ao exercício de toda a actividade profissional, recaindo, assim, sobre as entidades patronais que dessa actividade, fonte de riscos, auferiam riscos a obrigação de reparar os danos correspondentes.

Em Portugal, tal orientação veio a ser consagrada pele Lei n.º 83, de 1913. Foi esta lei o primeiro diploma a estabelecer o verdadeiro regime jurídico de reparação dos acidentes de trabalho: Responsabilidade das entidades patronais e a possibilidade da sua transferência para instituições de seguro privado. Tinha-se dado, efectivamente, um passo decisivo mesta importante matéria, estabelecendo-se um amplo regime de protecção ao sinistrado, a quem só em caso de dolo era recusado o direito à reparação.

Mais tarde, o Decreto n.º 5637, da Mato de 1919, alargou o âmbito da aplicação do legislação sobre acidentes a toda a actividade profissional e estabeleceu o seguro obrigatório com o criação de mútuas distritais. Simplesmente, estas medidas, ousadas para a época, não tiveram efectividade prática, pois não se tinha ponderado na possibilidade de as pôr em execução, por falta, de estruturas políticas, económicas a financeiras estáveis, e o que se antevia de brilhante conquista social não passou de mana aspiração e afirmação legislativa. Não chegou pois, o seguro mútuo a ser organizado.

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A Lei n.º 1942, de 1936, ateado-se a razões de oxidem económica e social, introduziu limitações não só mo âmbito de responsabilidade como mo campo da obrigatoriedade do seguro e substituiu o PISOO profissional pelo risco económico ou do autoridade, consignando o princípio da responsabilidade patronal e, bem assim, o da transferência desta para o seguro privado ou mercantil.

Entretanto, a evolução operada na universalidade das legislações foi no sentido da integração do risco dos acidentes de trabalho nos seguros sociais obrigatórios, por obediência a princípios e razões de utilidade prática.

No continente europeu, a maioria dos países segue, quanto à cobertura dos riscos profissionais, o regime dos seguros sociais, consagrando as suas legislações o principio da responsabilidade colectiva das entidades patronais no quadro de um sistema de seguro social.

E, nomeadamente, o caso da Espanha, da França, da Itália, da República Federal, da Holanda, do Luxemburgo, da Suíça e da Suécia. Acentue-se mesmo que em certos países, como por exemplo a República Federal da Alemanha e a Suécia, a protecção destes riscos é operada paralelamente ao seguro doença.

Todavia, em 1962, e a fim de acudir as gravíssimas situações emergentes das doenças profissionais, designadamente a silicose, e por virtude de as seguradoras passarem a não incluir nas cláusulas do seguro aquele risco, foi criada a Caixa Nacional de Seguros de Doenças Profissionais, através do Decreto-Lei n.º 44 807, o qual, por dificuldades imprevistas, não pôde ser publicado em 28 de Setembro do ano anterior.

Com a criação desta Caixa, o sistema português da reparação dos riscos profissionais passava a poder caracterizar-se de sistema misto, na medida em que a cobertura dos riscos inerentes a responsabilidade pelos acidentes de trabalho continuava a ser feita através do seguro comercial, ao passo que a do risco resultante da responsabilidade pelas doenças profissionais se integrava no esquema dos seguros sociais.

Deu-se um avanço numa perspectiva de segurança social e dentro dos princípios corporativos: cobertura do risco por um organismo autónomo, sem fins lucrativos, e representação das entidades patronais e dos trabalhadores na gestão do seguro.

Depois, a Lei n.º 2127, de Agosto de 1966, ao fixar as novas bases do regime jurídico dos acidentes de trabalho, não alterou substancialmente o sistema da garantia em vigor nem acompanhou as tendências das legislações de outros países no sentido da integração dos riscos profissionais no quadro do seguro social.

E se é corto que o novo regime representa um passo em frente, relativamente à Lei n.º 1942, não só a respectiva forma de garantia não evoluiu, como, também, por ausência de decreto regulamentar, não estão em aplicação muitas das disposições aprovadas.

Além dos seus aspectos reparacionistas, na Lei n.º 2127 ganham também relevo os princípios fundamentais em matéria de prevenção do trabalho e de recuperação profissional, além de outras inovações, que são até reveladoras de algumas preocupações próximas dos conceitos que orientam o sistema dos seguros sociais obrigatórios.

Contudo, teremos de sublinhar que a nova lei não aproveitou algumas dos características dominantes nesta matéria, e se levarmos em conta que, mesmo dentro dos limites da sua economia, a lei não foi ainda posta em execução, parece não ser de excluir que o problema possa vir a ser repensado à luz de outros critérios, que o lapso de um lustro poderá justificar sejam diferentes dos então adoptados, e se aproveite até a oportunidade para acertar o passo com as modernas tendências deste ramo do seguro.

Na verdade, caberá perguntar BB as razões sociais e humanas dos acidentes, ou princípios de ordem doutrinária e até conveniências de ordem pragmática, não fundamentam o enquadramento dos riscos profissionais na Previdência e aconselham, inequivocamente, esta solução como a mais conforme às finalidades que se pretendem atingir. Se o seguro de acidente de trabalho é obrigatório, parece que não deverá ser efectivado pelas empresas mercantis, na medida em que essa obrigatoriedade não poderá justificar qualquer fim lucrativo, mas, sim, exclusivamente, uma medida de caracter social na defesa dos trabalhadores contra os riscos do trabalho.

É esta, de resto, a orientação traçada pela Conferência Internacional do Trabalho, em Filadélfia, na década de 40, e também a doutrina do notável parecer do ano já longínquo de 1944 sobre o Estatuto da Assistência Social, do qual foi relator o Prof. Marcelo Caetano, que, com a sua reconhecida autoridade de jurista, de político e doutrinador de rara envergadura, afirmava:

A Previdência é a fórmula de justiça que«trabalha reclama». O desemprego, a invalidez, a velhice, a doença, os acidentes de trabalho, a falta do chefe de família, são riscos que devem estar a coberto pela previdência social.

E não se diga que este risco escapa ao âmbito de seguro social, dada a responsabilidade civil a cargo do empresário. Há aqui uma confusão, pois o problema que se põe é o de saber se na regra da responsabilidade objectiva do empresário pelos riscos profissionais é de conservar como fundamento da protecção do trabalhador contra tais eventualidades, ou, se, dada a natureza inquestionavelmente social daqueles riscos, a sua cobertura deve passar a fazer-se em regime de seguro social obrigatório». Deste modo se expressou a Câmara Corporativa no seu parecer sobre a reforma da previdência social, ao encaminhar para a solução da segurança social na cobertura, dos eventualidades infortunísticas. Mas o problema não tem só aspectos reparacionistas.

O estudo das circunstâncias em que se produzem os acidentes assume papel fundamental e está na base da prevenção. O seguro actua onde a prevenção falhou.

Por isso, no quadro de uma progressiva política social a prevenção prima sobre a reparação. Ora, não nos parece haver uma solução adequada fora das instituições com finalidades desinteressadas. O peso com que em dor, luto e dinheiro os acidentes oneram o trabalho nacional, com reflexos dos mais importantes na actividade económica da Nação, que suporta elevados custos, faz-nos meditar seriamente sobre a necessidade de intensificar a prevenção médica e técnica, chamando a participar mais directamente as entidades patronais; estabelecendo, nas contribuições a cobrar, reduções ou suplementos em proporção com os riscos e as medidas adoptadas na execução das regras de segurança; organizando estatísticas e registos dos acidentes; promovendo a coordenação de todos os organismos interessados nos problemas da prevenção; inspeccionando, através dos serviços médicos, as deficiências físicas e somáticas dos trabalhadores; em suma, toda uma actividade que, muito embora não deixe de interessar às seguradoras, só poderá ganhar ampla projecção no seio do sector público.

Disse há pouco que a nova lei dos acidentes continha, para além de outras inovações, princípios de recuperação profissional dos sinistrados no trabalho. As medidas de

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reabilitarão tendem a reintegrar a vítima, em seguida à sua cura ou consolidação da lesão, num posto da vida activa, e se não for possível voltar à sua anterior profissão, deverá ser-lhe facultada uma readaptação profissional. Ora, a recuperação profissional não é uma actividade económica rentável, e, nos termos da Lei n.º 2127, as entidades patronais só se limitarão & responsabilidade pelas acções de reabilitação funcional.

A reabilitação profissional, cuja função é inserir os diminuídos físicos nos quadros sociais e económicos da colectividade, é a resposta actual a um dos problemas de grande acuidade que o progresso da técnica põe às gerações do nosso tempo e À capacidade de resposta dos homens. Ao diminuído físico devem ser reconhecidos direitos, que vão desde a reabilitação, orientação profissional, formação, até ao direito ao trabalho. Deixar o invalido entregue à reforma como única compensação pela falta da remuneração auferida pelo trabalho, não é cristão e é filosofia sem horizontes.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Converter os diminuídos físicos em elementos activos, segundo o princípio de que «o diminuído físico não é necessariamente um incapacitado profissional», é assunto sobre o qual não podem subsistir quaisquer dúvidas, para bem de si mesmos, da família e da colectividade, para além de constituir um dever social e um valor económico de alcance não despiciendo.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - As acções de reabilitação profissional são onerosas e exigem a montagem de vasto e complexo dispositivo de estruturas, serviços, que só no domínio do sector público poderão ganhar significado e decisiva amplitude.

O Sr. Ricardo Horta: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Faz favor.

O Sr. Ricardo Horta: - E com muito interesse que eu estou a ouvir a exposição de V. Ex.ª, e a vê-lo entrar num sector de transcendente importância nacional, já não digo de transcendente importância técnica.

Quando V. Ex.ª, fala em reabilitação, pensa com certeza na parte terminal do tratamento, naquelas sequelas que nós chamamos, em clínica, a parte final de um tratamento básico da lesão inicial. Eu penso que a reabilitação deve ser iniciada no momento em que se instalou a lesão. É a técnica perfeita do tratamento dessa lesão que há-de dar as dimensões do grau de desvalorização, ainda que a reabilitação venha depois recuperar aquilo que se pode fisiològicamente recuperar: muscular, articular, neurológico, etc. Todavia, a lesão básica tem de ter uma atenção extraordinária. E para que essa lesão básica tenha atenção, é preciso nível técnico, é preciso que o teca iço assista, tenha conhecimentos perfeitos da lesão e do seu tratamento. De outra forma, são os reabilitadores que vêm realmente preparar-lhe a vida futura. Mas para isso é preciso nível técnico, são precisas instalações, são precisos equipamentos, é precisa a oportunidade da intervenção.

O Sr. Santos Bessa: - V. Ex.ª, o que queria, com isso, era perguntar se as actuais companhias de seguro têm ou não as instalações básicas indispensáveis?

O Sr. Cancella de Abreu: - Algumas.

O Orador: - Muito obrigado, Srs. Deputados, pela vossa achega ao problema, mas creio que ele é efectivamente assim.

Já na Lei n.º 2115 se incluem do conteúdo das prestações em espécie de seguro da invalidez os serviços de reabilitação (profissional. O caminho apontado era efectivamente o dai previdência social, por fundamento de solidariedade e por adequada natureza aos fins do sistema de protecção social, que a recuperação pressupõe, na, medida em que procura superar os danos, e não indemnizá-los.

É, pois, uni dever das instituições de segurança social assumir a responsabilidade de medidas de readaptação, quer pelos seus próprios meios, quer por acordos com organismos públicos ou primados, seja qual for ti origem e natureza - profissional ou não da incapacidade ou lesão.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E dentro deste espírito cabe assinalar o significado do acordo assinado entre a Misericórdia de Lisboa e o Fundo de Desenvolvimento da Mão-de-Obra, respeitante à elaboração entre os dois centros de reabilitação, como sã infere das oportunas declarações proferidas pelo Sr. Secretário de Estado do Trabalho e da Providência em cerimónia hoje de manhã realizada em Alcoitão, e que vem abrir amplas possibilidades às acções conjugadas de reabilitação profissional e de avaliação das aptidões dos deficientes.

Seja-lhe lícito ainda, pela sua importância, referir o acordo que irá ser assinado no dia 16, como disse o Sr. Secretário de Estado, celebrado entre a Federação das Caixas de Previdência e Abono de Família e a Direcção-Geral dos Hospitais, e que se destino, conforme palavras daquele membro do Governo, se regular os termos em que devem ser prestados serviços de assistência hospitalar aos beneficiários da Providência e, bem assim, as condições em que os postos clínicos destas instituições podem cooperar e articular-se com os estabelecimentos e instituições hospitalares».

Sr. Presidente: Se a política social, por um lado, obedece a princípios informadores, tem, por outro, determinados condicionantes de ordem pragmática que não podem ser esquecidos, mormente se se traduzem em benefícios legítimos para as classes trabalhadoras.

Entendamo-nos: o seguro de acidentes não carece de justificações económicas e no campo das realidades práticas está contra-indicada a assunção, por sociedades mercantis, da responsabilidade da cobertura destes riscos.

Pelo contrário, tudo aconselha, desde os cuidados na doença, actualização e melhoria da pensão de invalidez ou de sobrevivência, à própria harmonização de esquemas entre a invalidez e a incapacidade permanente, a doença e a incapacidade temporária, até aos direitos reconhecidos aos familiares, a cobertura dos riscos profissionais pelo seguro social.

Creio não ser difícil compreender que se tornaria mais fácil harmonizar os dois tipos de seguros desde que passasse a haver unidade de gestão.

A presente situação deu lugar a um certo ancilosamento de um seguro pelo outro, não permitindo, assim, um crescimento coordenado entre o seguro doença e o seguro de acidente.

Efectivamente, na doença comum o beneficiário recebe 60 por cento do salário médio e na incapacidade tempo-

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rária por acidente é-lhe pago 66 por cento sobre o salário, se ela for absoluta, e 66 por cento sobre a redução sofrida no salário, se ela for parcial.
Na invalidez a pensão é calculada na base de um salário médio, adicional e melhoria, e na incapacidade permanente absoluta o cálculo á feito sobre 66 por cento do salário.
Mas acrescento um breve esclarecimento: E que os conceitos de salários para a Previdência e para o seguro de acidentes são diferentes. Neste existem limites que afectam substancialmente as indemnizações a conceder ao sinistrado ou aos familiares, naquela as prestações são calculadas na base de remunerações declaradas nas respectivas folhas de férias, sem reduções a partir de determinados quantitativos salariais.
Por outro lado, como o seguro social não tem a preocupação de lucro, será legítimo concluir-se que os encargos dos dadores de trabalho com os acidentes seriam reduzidos.
Tudo isto leva-nos até a meditar sobre se não teremos de rever posições e conceitos nesta matéria por naturais exigências de justiça social e de protecção ao trabalhador.
A distinção entre riscos profissionais e riscos não profissionais numa política social avançada tende a desaparecer, não interessando apurar qual a causa da incapacidade, se profissional ou não. Estamos, assim, perante um regime único de segurança contara a incapacidade de trabalho.
Este regime coordenado daria lugar a prestações uniformes a favor dos trabalhadores incapazes de trabalhar por motivos de saúde, qualquer que fosse a causa da incapacidade, e não mais necessário seria determinar por via judicial, quantas vezes demorada, o que constitui um acidente de trabalho, libertando os tribunais de algumas dificuldades e embaraços.
Prestando a minha homenagem aos tribunais do trabalho, e, naturalmente, ao Supremo Tribunal Administrativo pelo mérito e esforço na elaboração da corrente jurisprudencial, não foi esta, todavia, pacífica e deu azo a interpretações, não poucas vezes, entre si, contraditórias.
AS discussões, os recursos interpostos, os adiamentos são situações que se não comprazem com a imediata reparação que é devida, ao sinistrado. O acidente como facto humano e como risco que o trabalho pressupõe parece não aceitar pleito ou discussão. É uma situação objectiva a que se tem de atender para atenuar, reparar, repor ou reclassificar profissionalmente aquele que, infelizmente, foi vítima de uma incapacidade no ganho do seu sustento e da família e evitar os prejuízos que representa para a colectividade.
Depois, certas particularidades da doença comum com alguns aspectos relacionados com os acidentes ou circunstâncias deles emergentes levam, por vezes, as instituições de previdência a suportarem encargos que lhes não pertencem, o que parece abonar que a separação dos acidentes seja atribuída às instituições por que for efectivada a respectiva cobertura quanto à previdência, em particular quanto à modalidade de doença. E este o princípio que a Lei n.º 2127 admite para o seguro de acidentes dos trabalhadores rumais, e não se julga justificável que se não estenda tal medida aos trabalhadores dos demais sectores para se evitar uma certa anti-selecção de riscos e se conseguir a necessária margem para uma económica compensação financeira do seguro.
À existência de um serviço médico comum à doença e ao acidente; o aproveitamento dos organismos periféricos, tais como Casas do Povo, postos clínicos e, numa perspectiva mais ampla de coordenação, as Misericórdias e os estabelecimentos dependentes da saúde e assistência, alguns deles disseminados pela província, e que passariam, deste modo, a funcionar como centros de tratamento e de primeiros socorros; a apreciação das possibilidades e das medidas de readaptação; os acordos hospitalares - creio serem factores de inegável benefício para o trabalhador, que se veria acompanhado, amparado e protegido por um serviço que já é seu conhecido e que lhe possibilitaria, por vezes, a sua readaptação, sem necessidade de sair do meio ambiente.
Anotaremos ainda que, nos termos da base V da Lei n.º 2115, as caixas poderão incluir objectivos de protecção nos doenças profissionais. Fala-se em doenças profissionais, mas o sentido e a evolução apontam para a integração de outros riscos, como corolário de uma política social que não faça distinção enfare riscos profissionais e não profissionais, ou pelo menos implique coordenação do sistema de prestações.
Foi, aliás, nesta linha que o Decreto-Lei n.º 46 266 remeteu para as instituições de previdência o encargo da concessão do abono de família durante o impedimento do sinistrado para o trabalho; a prestação do regime geral da protecção na doença aos beneficiários vítimas de acidentes de trabalho, quando o presumível responsável se recusa a aceitar a responsabilidade proveniente desse risco; a equiparação dos sinistrados, desde que reconhecidos como inválidos e com o período de garantia da pensão de invalidez, aos pensionistas de invalidez para efeitos da concessão da assistência médica, medicamentos, abono de família, subsídios complementares, de nascimento, aleitação e funeral.
Estas medidas que reputamos afirmação de um direito natural de quem se viu, mercê do seu trabalho profissional, fustigado na sua carne e diminuído ou impedido do ganho do dia a dia, foram ditadas por exigências de justiça e indeclinável mandato da política social.
Ora, se estão a cargo da Previdência prestações que a oneram sem qualquer contrapartida de receitas, parece que a razão e a coerência mandam que se afecte a uma só entidade todas as prestações que o risco social comporta.
Um outro ponto de capital importância é a actualização monetária da pensão.
O ajustamento das pensões ao acréscimo do custo de vida constitui princípio que informa a nossa legislação social.
O seguro de acidentes a cargo das sociedades seguradoras não pode conter cláusula análoga àquela. Os compromissos assumidos pelas companhias de seguros são expressos em unidades monetárias, enquanto a economia das caixas de providência se afere por um salário, quer se trate de contribuições patronais, de pensões de invalidez, velhice ou sobrevivência ou de subsídios de doença ou morte.
Daí que, com o decorrer do tempo, as pensões por acidente de trabalho cheguem a perder a sua capacidade reparadora.
Conhecem-se vários casos de pensões de viuvez resultantes de ocidentes mortais, que são imagem cruciante de miséria e infelicidade. E se juntarmos a este panorama o de tantos e tantos mutilados, tantos e tantas viúvas diminuídas pela idade, uns e outras incapazes de auferirem por seus meios o necessário a uma vida decente, teremos de convir que tal situação não é abonatória nem desejável para um sistema segurador.
Compreendemos que as companhias de seguros façam as suas contas e não tenham objectivos filantrópicos. Fazemos até justiça se dissermos que prestaram serviços à colectividade dignos de registo, numa altura em que o nosso sistema de previdência social não estaria apto a arcar com tais responsabilidades. Poderíamos pensar no

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nível então geralmente mais elevado das prestações atribuídas pela lei aos sinistrados, relativamente aos demais beneficiários do seguro, hoje, de resto, esbatidas essas diferenças pelo progressivo aumento dos benefícios sociais a favor das classes trabalhadoras.
Acrescentaremos, ainda, que despenderam, somas consideráveis na montagem de serviços e estruturas para assim melhor poderem responder aos cuidados médicos e tratamentos que os sinistrados, por vezes, exigiam, e que é mister seja tomado em consideração.

O Sr. Cancella de Abreu: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Faz favor.

O Sr. Cancella de Abreu: - Tem, realmente, um certo número de companhias despendido verbas avultadas para a recuperação dos seus sinistrados. Mas, pergunto: quanto é que elas investiram na prevenção desses possíveis acidentes?

O Orador: - Tem V. Ex.ª toda a razão. Embora a prevenção seja um ponto que interessa às companhias seguradoras, não está, como atrás já disse, enquadrada num tipo de actividade privada.
Reconhecemos que tiveram, neste capítulo, a sua época o desempenharam papel que não poderia cabalmente ter sido efectuado por outras entidades, em face da nossa estrutura político-social.
Mas a vida é actualização, é resposta concreta às novas necessidades que se vão criando e às realidades que se vão impondo. Caminhamos para as metas da segurança social, e dificilmente se poderá justificar que os riscos profissionais estejam fora do âmbito das instituições do seguro social.
Também não se deixa de referir que a Previdência funciona na base de salários, logo as prestações seriam calculadas em função daqueles, sem sujeição a limites desactualizados (máximo de 65$ por dia). É certo que não é característica do seguro o limite. Todavia, criou-se uma situação que nos parece de difícil resolução, a menos que fosse totalmente revisto o problema dos prémios.
Insiste-se que os plafonds da Previdência e das seguradoras são diferentes quanto à medida do salário base para liquidação das respectivas prestações. Enquanto no regime geral a incidência das contribuições e a consequente atribuição de benefícios se afere até ao montante de 10 000$ mensais, no seguro de acidentes o valor das indemnizações é calculado com base em remunerações que não ultrapassem 100$ diários, com redução a metade na parte que exceder 30$.
E se no campo do seguro interno passarmos às repercussões decorrentes das convenções sobre segurança social, celebradas entre Portugal e vários países, sobretudo da Europa, e que inserem os riscos profissionais no seguro social, também a vantagem da integração do risco de incidente de trabalho no esquema geral da Previdência se faz suster, na medida em que se poderá estabelecer uma melhor coordenação e harmonização das disposições relativas àquele risco, visando facilitar a aplicação equitativa das legislações sociais no interesse dos emigrantes portugueses e assegurar-lhes uma continuidade satisfatória na protecção que lhes é devida. Protecção que está na linha traçada pelos responsáveis, e que ainda há poucos dias, por forma inequívoca e clara, foi marcada pelo Sr. Ministro das Corporações na posse do Secretário Nacional da Emigração.

Sr. Presidente: «A política social alimenta-se da sua própria insatisfação» Satisfeita uma necessidade, logo surge outra, a que é mister dar solução. Muito se , andou, e o esforço que se desenvolveu para na ordem e na paz social obter resultados sólidos e positivos é digno de registo. Largo caminho se percorreu até aqui, caminhos que de antemão se sabia não serem livres de escolhos, mas que têm sido percorridos numa linha de orientação definida, que nos últimos três lustros se têm traduzido em realizações práticas que é de justiça assinalar e lembrar os nomes de dois nossos ilustres colegas nesta Câmara, os Deputados Veiga de Macedo e Gonçalves de Proença.
E os rumos continuaram a ser trilhados, aproveitando os ensinamentos da experiência, e no último ano, sob o signo da coordenação, sentiu-se a aceleração na construção do edifício da segurança social, melhorando aqui, rectificando acolá, reformando onde houver que reformar, seguindo em frente e com decididas acções, e na linha do pensamento de Marcelo Caetano, que, com o seu altíssimo magistério moral e político, nos vem apontando as sendas do progresso, da paz e do desenvolvimento.
A execução da ideia do Chefe do Governo coube ao Ministro Bebelo de Sousa e aos seus colaboradores, os Srs. Secretários e Subsecretários de Estado, que por forma superior a têm vindo a impulsionar através de um labor profícuo, acção dinamizadora e em que se imprimiu sentido aos objectivos da coordenação, que os limites de um ano balizam em estudos, estruturação de serviços, constituição de comissões inter-ministeriais, medidas que, no conjunto, têm como preocupação a eficácia e evitar precipitações e que são certamente seguro penhor de que aos assuntos sociais será dada a resposta adequada aos superiores interesses em causa.
Sr. Presidente e Srs. Reputados: É tempo de dar por findas estas minhas considerações: a justiça, os interesses gerais, os princípios informadores da nossa política social, em suma, todo um conjunto de circunstâncias que atrás deixei descritas, parecem determinar que a problemática dos acidentes de trabalho seja revista à luz dos critérios que estão na base do seguro social. Se em 1965, ao discutir-se a Lei n.º 2127, se tivessem seguido as orientações dominantes nesta campo dos riscos profissionais, ou seja a integração na Previdência, ter-se-iam evitado certas dificuldades surgidas (posteriormente, e que a cobertura pela actividade privada naturalmente envolva.
A Previdência executou, e ampliou até, a reforma de 1962, em 1963 e 1964 está em execução a lei da previdência rural; pode-se dizer que tem vindo a demonstrar a sua capacidade e aptidão em tomar as responsabilidades que lhe são inerentes.
O caminho é o que conduz à previdência social, na cobertura dos riscos profissionais.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem !

O orador foi muito cumprimentado.

A Sr.ª D. Maria Raquel Ribeiro: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: No passado dia 18 de Dezembro trouxe à consideração desta Câmara o problema do preço dos medicamentos e da assistência medicamentosa, pedindo ao Governo que viesse a encontrar solução dentro das medidas em curso para uma política unitária de saúde.
O levantar desta questão repercutiu-se largamente na opinião pública e deu ensejo a um comunicado do Grémio Nacional dos Industriais de Especialidades Farmacêuticas, distribuído há poucos dias à imprensa, com o fim, segundo

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dizia, de «esclarecer as interrogações que ficaram a pairar no espírito do público», a partir das palavras que então proferi.
Apresentando o assunto nesta Câmara, creio dever ser aqui o local onde eu própria procurarei também esclarecer o público acerca do que possa ter ficado em dúvida quanto às afirmações que fiz ou as questões levantadas. E ainda porque me parece que os esclarecimentos apresentados pelo Grémio podem «induzir em erro o público», embora, como prova real, este saiba n que preço compra efectivamente os remédios!
Não é meu jeito entrar em controvérsias, e longe de mim o desejo de ir nesse caminho.
Todavia, antes de aceitar o mandato dos eleitores que aqui me trouxeram, afirmai que defenderia e desejaria ser porta-voz das necessidades reais da população, particularmente no domínio do social. Esforçar-me-ia pela reforma das medidas de política de saúde e de assistência, procurando que se garantisse a satisfação dos direitos fundamentais e sociais, lutando para que as populações mais carenciadas pudessem usufruir dos bens da civilização e do desenvolvimento económico-social.
Por isso, entendo que ao falar-se de reorganização dos serviços de saúde terá de ter-se em conta o sector dos medicamentos.
Não sou especialista em matéria farmacêutica, mas desejaria ver assegurada a assistência medicamentosa, como condição para a saúde pública, tendo em conta o nível de vida das populações.

Vozes: - Muito bem!

A Oradora: - Queremos, pois, apontar que a indústria farmacêutica não poderá, a bem da saúde pública, continuar com ns margens de lucro que têm obtido e que terá de ser revista a sua organização, encarando-a na totalidade do problema e dos circuitos - laboratório, armazenista, farmácia e doente.
Isto não quer dizer que não se deva impedir o desaparecimento da indústria farmacêutica nacional. Precisamente, há que protegê-la e assegurar-lhe os meios indispensáveis no campo da investigação, por meio de uma sã concorrência, evitando-se que, dentro em pouco, a indústria seja toda estrangeira.
Quanto ao problema concreto de o preço dos medicamentos ser mais elevado em Portugal do que noutros países da Europa, devo esclarecer que a minha observação se referia especialmente a produtos importados ou de laboratórios estrangeiros instalados em Portugal.
Senão vejamos, a título de exemplo, o que se passa com algumas especialidades compradas recentemente em países vizinhos. Talvez estejam mais conformes com a realidade do que as médias que poderiam vir a obter-se de entre preços do vários produtos.

Em Espanha......................................Em Portugal

Ceregumil - frasco - 81,50 pesetas (13$28) .................................... 88$00
Fluidin - frasco - 71,50 pesetas (30$) ...................................... 89$00
Redoxon - 20 comprimidos - 87,80 pesetas (14$) ...................................... 81$50
(...) - frasco - 45,80 pesetas (19$) ...................................... 87$00
Sinalaroptico - frasco - 75 pesetas (81$50) .................................... 42$50
Tcdral - 24 comprimidos - 35,20 pesetas (14$80) .................................... 57$00

Em França Em Portugal
Folamine (Sandoz) - 50 drageias - 3,70 francos franceses (19$60) ... 42$50
Madríbon (Roche) - 20 comprimidos-7,85 francos franceses (89$50) 10 comprimidos - 83$50

Todavia, para que não se diga que são preços obtidos por algum «secretário de Ministro» ou «secretária», junto em anexo, pedindo que constem do Diário das Sessão, para não estar com a longa leitura de números, vários mapas que obtive de fonte oficial.

Vozes: -Muito bem !

A Oradora: -Para além desta observação, que qualquer consumidor pode experimentar, deter-nos-emos na apreciação a alguns pontos extraídos de relatórios existentes na Comissão Reguladora dos Produtos Químicos e Farmacêuticos que nos foram facultados pela Secretaria de Estado do Comércio.
Os elementos que passo a referir dizem respeito a relatórios do exercício de algumas sociedades anónimas, visto que relativamente às sociedades por quotas não há publicação obrigatória de relatório.
1. Da leitura desses documentos podemos tirar algumas considerações quanto aos lucros líquidos do exercício dos últimos anos.
Assim, em 1969, o menor lucro liquido verificado foi de cerca de 5000 contos e o maior de 17 000 contos.
Em cinco dessas sociedades anónimas o conjunto de lucros em 1969 soma 52 000 contos.
De 1964 a 1969, o aumento anual de lucro foi sendo gradual, verificando-se de 1968 para 1969 um aumento que vai do mínimo de 20 por cento ao máximo de 100 por cento.
Ora, considerando a afirmação feita pelo Grémio Nacional dos Industriais de Especialidades Farmacêuticas, de que «o nível de preços de 1950 é sensivelmente o mesmo de 1970», e porque a margem de lucro liquido dos laboratórios tem aumentado progressivamente, poderá perguntar-se se a razão deste aumento estará apenas na maior quantidade de produção e consumo. Então, será porque há mais doenças ou porque se recorre mais aos remédios em substituição dos alimentos? Nestes, sim, não há dúvida de que os preços estão mais elevados.
2. Outro dado obtido, quer em elementos oficiais, quer, alias, em várias cartas recebidas de farmacêuticos e proprietários de farmácia: o preço de muitas das matérias-primas importadas tem vindo a diminuir de ano para ano. A título de exemplo, podemos citar:

Índices de preços de antibióticos:

1964 -100;
1965 -101,5;
1966 - 98,8;
1967 - 87,2;
1968 - 77,9;
1969 - 80.

Índices de preços de sulfamidas:

1964 - 100;
1965 - 99,5;
1966 - 91,3;
1967 - 90,5;
1968 - 77,2;
1969 - 88,1.

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Índices de preços de hormonas:

1964 - 100;
1965 - 102,5;
1966 - 92,9;
1967 - 97,2;
1968 - 88,9;
1969 - 88,8.

Índice de preços de vitaminas:

1964 - 100;
1965 - 90,2;
1966 - 88,4;
1967 - 82,3;
1968 - 69,2;
1969 - 58,4.

Subiram, todavia, algumas matérias-primas, tais como sais de bismuto, piramido, cloretos de mercúrio e outros, importados de Inglaterra, Japão ou de outros países.
3. Poderia alongar-me mais nestes considerandos sobre o estudo das variáveis do preço oficial dos medicamentos de produção nacional e importados, quer no que respeita ao sistema das revisões gerais que implicam reduções e aumentos de preços, quer na evolução dos preços de medicamentos importados. A referir apenas os que vieram da República Federal da Alemanha, que ocupa o 2.º lugar entre os que fornecem medicamentos a Portugal sofreram um aumento de 4 a 25 por cento.
Parece que deviam ser incentivados essas revisões, indo mesmo para supressão de certas fórmulas que já não têm venda apreciável.
Gostaria ainda de comentar algo sobre a constituição do preço de venda ao público dos medicamentos importados, que se forma em Portugal: a partir do preço de venda ao grossista do pais de origem, adicionado de 3 por cento para ocorrer n maiores encargos com a impressão em língua portuguesa de rótulos e literatura (custo base), acrescem outras verbas que totalizam um aumento de encargos que vai, para os países da E. F. T. A., até 98,6 por cento, e os de outras origens, até 133,4 por cento.
Verifica-se serem os direitos aduaneiros e a margem do importador - totalizando 58,3 por cento, no caso dos países não membros da E. F. T. A. - a causa dos preços mais elevados que, em regra, se praticam no País, relativamente aos preços de venda ao publico nos países de origem.
Anomalia parece existir também, ao contrário do que se verifica na generalidade dos países e até em Portugal, em relação a outras mercadorias, que sejam os direitos aduaneiros a incidir sobre os preços de venda ao público.
Aguarda-se que o Ministério das Finanças reveja esta matéria, a fim de não estar a contribuir tão consideràvelmente para a inflação dos preços de origem.
É tempo de findar a minha intervenção, sem o que poderíamos passar a ter de recorrer imediatamente ao uso da aspirina!
Se voltei a usar da palavra sobre este tema, como já o referi, á porque entendo que, apesar das medidas que o Governo tem cautelosamente tomado, a fim de evitar a subida desregrada do preço dos medicamentos, algo há ainda o fazer nesta matéria, não só pela relevância que assume na defesa da saúde pública, como também por constituir um dos mais importantes ramos da indústria química nacional.
Nós tivemos, esta manha, o gosto de ouvir o Sr. Secretário de Estado do Trabalho anunciar que, a partir de l de Fevereiro, passariam a ser nivelados os benefícios concedidos aos beneficiários directos e aos seus familiares. Quer dizer: para todos há apenas o encargo de 25 por cento.
Ora isto vai aumentar extraordinariamente o encargo da Previdência, calculado, segundo me disseram, em cerca de 50 000 contos, a juntar às muitas centenas de milhares que a Previdência já tem neste momento.
Parece-me que é a altura muito oportuna de se rever este problema, encarando, talvez, a possibilidade de algumas verbas ficarem disponíveis para outros riscos que se têm de melhorar na linha da política social que se vem seguindo.
Para além das medidas de política que têm sido tomadas na determinação de preço das especialidades farmacêuticas, sabemos que S. Ex.ª o Secretário de Estado do Comércio, na preocupação de rever o sistema aplicado, em ordem a um esquema mais equitativo e apurado para a fórmula do cálculo dos preços de venda ao público, determinou, em Junho de 1970, a constituição de um grupo de trabalho que tem em mãos o estudo e a revisão do sistema, devendo ser-lhe dado conhecimento dos resultados até 31 de Maio do corrente ano. Aguarda-se portanto, que uma nova estrutura para a formação dos preços possa vir a ser estabelecida em 1971.
Creio estar esclarecido o assunto e ter até abusado da atenção de VV. Ex.ªs
Fica-nos a certeza de que a Administração saberá actuar oportunamente, procurando responder uma vez mais às necessidades de implantar no País mais justiça social.

Vozes: -Muito bem, muito bem!
A oradora foi muito cumprimentada.

O Sr. Camilo de Mendonça: -Sr. Presidente: Estará certamente a Câmara à espera que aborde, sem rodeios, o problema tarifário de Trás-os-Montes, candente desde há anos, escaldante depois do cândido despacho do Sr. Secretário de Estado da Indústria comunicado a esta Assembleia em 12 do corrente, mas já publicado na imprensa da véspera.
Era esse o meu propósito. Todavia, no próximo domingo vão reunir-se as «cortes gerais» da região para apreciar as consequências de too insólita como inesperada medida e definir os caminhos a seguir para a impugnar perante a consciência do País e as responsabilidades do Governo.
Entendi, por isso, dever reservar para depois as minhas amargas considerações, como verdadeira expressão de uma grave preocupação e de uma viva indignação regionais. Não se perderá em oportunidade e ganhar-se-á em expressão.
Entretanto, ocupar-me-ei hoje de outro agudo problema transmontano, com vénia dos ilustres colegas ligados mais directamente a problemática duriense.
Antes seja-me permitida uma palavra de tranquilidade sobre as perspectivas do mercado dos vinhos, paralisado ou em franca queda de preços, em consequência, em paute, de previsíveis condicionolismos de produção, que quase foi dupla dos vinhos verdes e no Dão relativamente à do ano findo, e no conjunto a superou em quase um terço, em parte como reflexo das restrições quantitativas para o ultramar, como já aqui foi largamente debatido.
Ora, enquanto dois verdadeiros exportadores continuam a aumentar a sua exportação, excedendo já os 500 000 contos em vinhos engarrafados, e um atingiu já os 25 milhões de garrafas, a única coisa que poderá desejar-se é que outros tantos, com igual tenacidade, estorço e capacidade,

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venham a incrementar ainda mais esta corrente exportadora no interesse da vinicultura e do País, pois não existirão então problemas de vinhos.
No quadro actual, caracterizando uma produção que ainda não chegou a atingir a média, quando não existem stocks, não parece que se ofereçam quaisquer dificuldades em manter o mercado animado, em assegurar a prático de preços equilibrados e em garantir a tranquilidade aos produtores. Bastará que a intervenção da taxa paga pela produção seja garantida pelo Governo: a intervenção permanente da Junta Nacional do Vinho.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E não tenho dúvida alguma de que o erro, com rotura unilateral de um contrato expresso entre a lavoura e o Governo, deixando a Junta de estar compradora na campanha finda e nesta até ao presente, no que a representação da lavoura não estará também isenta de culpas, não possa ser rápida e decisivamente remediado, anunciando-se, como espero, uma imediata intervenção por compra de vinhos.
Na firmeza, conhecimento do problema e senso das realidades do Sr. Ministro das Finanças e da Economia fio a certeza de que não se hesitará em actuar com prontidão e oportunidade. Creio que podemos ficar todos tranquilos, como aliás é bem necessário.
E posto isto volto ao tema do meu dizer - o Douro, a situação da produção duriense.
Afigura-se-me existir a tendência para continuar a analisar o problema duriense como uma questão comercial, que aliás continua estruturada em moldes que já não pertencem ao nosso tempo.
Governantes, técnicos, dirigentes, comerciantes e muitos agricultores dão-me constantemente a ideia de que á o problema da comercialização que os perturba, animando discussões, enchendo relatórios, ocupando tempo e feitio ...
Sem negar que também haja um problema comercial ou de comercialização do vinho do Porto e considerar até que é indispensável que a produção organizada entre activa e decididamente no fabrico e, quiçá, na comercialização do vinho do Porto, estou seguro tanto de que esses problemas não oferecem hoje grandes dificuldades, se efectivamente se quiserem enfrentar com espírito novo e técnicas modernas, como, especialmente, de que a grande questão dos nossos dias é, para o Douro, um problema de produção, de possibilidade de continuar a produzir.
E que, no condicionalismo actual de produção, o Douro não poderá subsistir por muitos anos. A escassez de mão-de-obra e os níveis para que tendem os solários, consequência directa da rarefacção do factor trabalho, impedem que os lavradores possam continuar a produzir. Na última década os salários elevaram-se quase duas vezes e meia, enquanto os preços máximos fixados para os mostos não chegaram a ter um aumento de 80 por cento e os preços obtidos na exportação de pouco mais de 20 por cento subiram.
Esta síntese é suficientemente expressiva e vai continuar a agravar-se, pelo que não poderão alimentar-se ilusões. Nos condições actuais a produção duriense encaminha-se para a progressiva inviabilidade económica.

O Sr. Cunha Anojo: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Com todo o prazer.

O Sr. Ganha Araújo: - Queira desculpar-me a interrupção, mas parece-me que mal parecia que, sendo eu um homem do Douro, que representa justamente nesta Assembleia o círculo em que se integra a sua região vitivinícola, não trouxesse uma palavra de aplauso às considerações que V. Ex.ª está proferindo acerca de um problema da minha região. De aplauso e também de congratulação, por verificar que, não sendo V. Ex.ª do Douro ...

O Orador: - Mas sou.

O Sr. Cunha Araújo:- Ah é? Queira desculpar. (Risos). Julgava que V. Ex.ª não tinha raízes no Douro.

O Orador: - Nasci no Douro.

O Sr. Cunha Araújo: - Ah, nasceu no Douro! É lá proprietário também?

O Orador: - Também sou lá proprietário. (Risos).

O Sr. Cunha Araújo: - Também é lá proprietário! Mas de qualquer modo não o conhecia nessa qualidade, porque a actividade de V. Ex.ª se dispersa em tal medida ... Mas o que me interessava focar aqui, sobretudo, é que V. Ex.ª costuma justamente dedicar a sua actividade aos problemas que lhe merecem respeito, que têm interesse nacional, e, portanto, daí a minha congratulação. Até porque o interesse de V. Ex.ª e o interesse nacional que está reconhecendo à questão me trazem a mim a grata convicção de que afinal o vinho é, contrariamente àquilo que foi dito recentemente aqui nesta Assembleia, um produto de primeira necessidade. Aqui e no ultramar, pois o vinho é pião que sustenta os homens que ali se batem pela sobrevivência da nossa pátria.

O Orador: - Muito obrigado a V. Ex.ª Efectivamente, eu não sou conhecido como homem do Douro, porque há outros problemas que maior projecção têm na região em que vivo, e não é dar mais características sob o ponto de vista duriense, que me têm levado constantemente a ocupar-me deles, quando para mais os durienses têm estado mais bem entregues.

O Sr. Cunha Araújo: - Fico muito contente, pois V. Ex.ª, afinal, sempre é meu companheiro de desgraça! (Risos).

O Orador: - E não terá o problema solução?
Teremos de ver o Douro majestoso abandonado, sem que possa vir a constituir motivo de enlevo para o turismo que sulque o rio com a retardada navegabilidade?
Teremos de renunciar a um produto que lendàriarnente anda ligado ao nome de Portugal, à região que o produz e à cidade que floresceu e leva como nome?
Seria inglório para o martírio e esperança de gerações, seria grave para a economia de uma região, seria renúncia para os técnicos e dirigentes de uma geração.
Seria admissível ver os socalcos durienses transformados em novos mortórios, agora não pela acção da filoxera, mas pela inacção do homem?
Seria concebível admitir a tese de que a solução do Douro está em cimentar os socalcos, como expressão de incapacidade?
Seria compreensível que tivesse de pensar-se em termos florestais ou de plantas exóticas para aproveitar uma potencialidade que apenas a vinha imortaliza?

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O Sr. Cunha Araújo: - V. Ex.ª dá-me licença? O Orador: - Faça favor.

O Sr. Cunha Araújo: -V. Ex.ª é, portanto, contra a preconizada reconversão da região do Douro?

O Orador: - Eu entendo, como vou dizer, que a vinha é perfeitamente viável no Douro, cultivada noutros termos.

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - Não creio que, se quisermos, o Governo, técnicos e agricultores quiserem, o problema não encontre solução válida, tempestiva e económica.
A solução não aparecerá como maná nem decorre da contemplação nostálgica do passado de glórias e tragédias, mas de uma acção inteligente, sistemática e firma, alicerçada nas conquistas da técnica, na diligência e compreensão dos interessados e na clara decisão do Governo.
Então, as dificuldades serão vencidas, já que nem por serem muitas tornam o problema mais difícil, quando é unívoco e bem delimitado.
A reconversão do Douro em termos de mecanização da exploração não comporta grandes dificuldades técnicas nem obriga a investimentos incomportáveis - é inteiramente viável para os actuais conhecimentos e experiências técnicas. Sabe-se como deve proceder-se e quanto custa.
A reconversão de l ha de vinhedo, em termos de mecanização, custará entre 25 e 30 contos, o que para uma integral reconstituição da Área actual significaria um investimento de cerca de 700 000 contos, ou em programa decenal, que dificilmente poderia executar-se, de 70000 contos por ano.
Compare-se com o encargo das intervenções da Junta Nacional do Vinho, que, depois de cinco anos de más produções e bons preços de vinho, ainda ronda o milhão de contos, e com o custo, só da l.ª fase, do Palácio da Justiça de Lisboa e ver-se-á claramente não constituir o investimento necessário obstáculo invencível ou dificuldade insuperável.
Eu sei que há outros e mais problemas ... A actual dispersão da produção, pois 75 por cento de produtores não dispõem de mais de l ha de vinha e 90 por cento não cultivam mais de 2 há!
A falta de caminhos, de acessos e de estradas aptos à circulação de veículos constitui outro factor de estrangulamento e problema psicologicamente de difícil solução.

O Sr. Cunha Araújo: -V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Faça favor.

O Sr. Cunha Araújo: - V. Ex.ª sabe que o número de lavradores com 1 ha é exactamente de 19 000. Isso é que é o mais aflitivo.

O Orador: - Pois há, como disse, 75 por cento com menos de l ha, 90 por cento com menos da 2 ha.
Mas, para os conceitos actuais e modos de actuar na agricultura europeia nem um nem outro constituem obstáculos sérios se houver uma legislação apropriada, uma política clara, definida, e uma actuação firme e compreensiva.
Aumentar-se-iam os investimentos a efectuar, que passariam a rondar o milhão de contos, o que nem em programação decenal obrigaria a investir 100 000 por ano. Mas continuamos ainda dentro dos limites do possível em termos financeiros e económicos.
E depois a reconstituição, em termos de plena viabilidade económica para o futuro, não terá maior valor e utilidade económica e social?
Mas perguntar-se-á como poderia efectuar-se esta transformação, em que termos poderia a lavoura suportá-la e de que modo poderia o Governo ajudá-la?
Sem entrar em particularizações impróprias desta intervenção e desta Câmara, adiantarei que o prejuízo suportado com as intervenções rio mercado de vinhos custou, em media, no último decénio, l $50 por litro de vinho.
Pois bem, bastaria atribuir, como subsídio de reconversão, uma subvenção de 3500$ por hectare de vinha arrancada e plantada de novo, segundo as modernas exigências técnicas (mecanização, porta-enxertos, castas, etc.), durante o período em que não houvesse produção, para que o lavrador pudesse, sem sacrifício nem hesitação, proceder à reconversão e esperar as novas produções. O Governo não despendia nem mais um centavo do que actualmente, porquanto o arranque substituía, na exacta medida, a queima ou qualquer dos outros processos de escoar excedentes ...

O Sr. Cunha Araújo: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Faça favor.

O Sr. Cunha Araújo: - V. Ex.ª desculpe, mas podia explicar-me, do ponto de vista de lavrador, como era possível operar-se a reconversão nos termos que V. Ex.ª Preconiza?

O Orador: - É simples. Bastaria que o Governo, em vez de despender avultadas verbas queimando vinho, substituísse o prejuízo com a queima do vinho por um subsídio equivalente durante o período em que não houvesse produção. O Governo não despenderia mais um tostão e o agricultor receberia cerca de 3500$ por hectare e ano.

O Sr. Cunha Araújo: - E isso acabava com a queima dos vinhos no futuro?

O Orador: - Perdão, não me preocupa se acabava ou não. Aquela vinha que se arrancasse dispensava a queima do vinho correspondente e, portanto, o Governo não despenderia mais um tostão.
Ficaria apenas de pé a questão de saber se a nova exploração é rentável perante o investimento exigido e ainda como fazer financeiramente face ao mesmo.
Se aditarmos as contas que simplesmente cada um pode fazer, comparando os custos de estabelecimento actuais ou mesmo os de há um lustro com os indicados, os benefícios resultantes de uma drástica economia de exploração, de um aumento unitário de produção e de um afinamento da qualidade, creio não ser necessário continuar ... Há (coisas evidentes ...
Fica ainda o problema do volume do investimento, questão que se afigura mais fácil do que qualquer outra.
Não julgo que fosse difícil obter um financiamento do Banco Mundial para levar a efeito esta tarefa de salvar o Douro, solução que nem sequer tem o inconveniente de vir a exigir mais tarde um sacrifício considerável em volume de divisas já que o vinho do Porto é um produto de exportação, e noutras condições encaminhar-se-á para a extinção ... Mas até internamente era possível resolver o problema, embora talvez com sacrifício de outros investimentos mais dificilmente realizáveis por esta via.

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Estarão VV. Ex.ªs um pouco admirados com a simplicidade com que enfrento um grave problema e lhe aponto soluções, mas os grandes problemas sempre tiveram soluções simples e por essa via foram resolvidos! Deixemos os velhos do Restelo entretidos no seu fraseado, porque tímidos nunca foram os Portugueses, e dos fracos não reza a história.
Exige-se organização, vontade, fé e, também, espírito de missão, mas isso está simplesmente ao nosso alcance.

O Sr. Almeida Cotta: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Faça favor.

O Sr. Almeida Cotta: - Poderia elucidar-me sobre os problemas difíceis que foram resolvidos com simplicidade? Gostava de saber quais foram, porque estou aqui a ver todos os dias suscitarem-se, e não vejo ninguém apontar um que tivesse sido satisfatoriamente solucionado. Isso teria o maior interesse para intentarmos as soluções por meios eficazes e rápidos.

O Orador: - Eu suponho, Sr. Deputado, que a resposta à questão de V. Ex.ª se dá de duas maneiras.
O facto de V. Ex.ª ver apontar todos os dias problemas de gravidade é porque a comportam, na medida em que não foram enfrentados oportunamente com simplicidade e realismo. Esta, a primeira questão.
Segunda questão: consta-me que problemas complexos não são, porventura, os mais agudos, porque até as pessoas se esquecem deles, pois é mais cómodo. Consta-me que uma guerra é um problema complexo e tem de ser sempre simples ri visito de um chefe de estado-maior. Quando o não for, mio é chefe de estado-maior ...

O Sr. Almeida Cotta: - Queria agradecer o esclarecimento que deu, embora não me elucidasse completamente; mas agradeço, de qualquer forma, a boa vontade que V. Ex.ª manifestou.

O Sr. Cunha Araújo: - Eu creio, se V. Ex.ª me dá licença, que justamente o problema mais grave do Douro reside no esquecimento a que está votado pela Administração.

O Orador: - Quantos anos vou ver passar a discutir o problema, quantos sofrimentos pela inacção não testemunharei, quantas críticas não ouvirei?
Não importa, embora me penalize. À pedra foi lançada ao charco e as ondas jamais pararão ...
Seja esse o mérito destas palavras de grito, de apelo, de prevenção, mas também apontando caminhos, rumos e soluções.
Sr. Presidente: Já me alonguei mais do que desejava. O problema apaixona, e custa vê-lo deteriorar com tantos sofrimentos e vítimas desnecessários. Esse sentimento me absolverá.
Antes de concluir não devo deixar de fazer um apelo ao Sr. Ministro das Obras Públicas, para que se não continue a retardar a construção das barragens do Douro, de que depende a navegabilidade, particularmente a pequena obra de Crestuma, nem se dispense de a levar até terras de Espanha, dotando a do Pocinho de eclusa e criando um porto internacional que sirva com vantagem a Castela e com benefício o Norte do País.
Outro ao Sr. Ministro das Finanças e da Economia, para que a Casa do Douro seja reestruturada de acordo com o espírito com que foi criada e ou princípios institucionais que nos regem, tornando-a verdadeiramente numa Federação da Lavoura do Douro, confiada à direcção dos agricultores e, sem prejuízo das suas funções em matéria de vinhos, apta a enfrentar todos os problemas da agricultura duriense.

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - E concluo com a esperança de que o majestoso e lendário Douro possa continuar a sua senda de produzir um vinho ímpar, levando o nome de Portugal a toda a parte e proporcionando riqueza, bem-estar e tranquilidade a uma população sacrificada e sofredora, que tem conhecido opulência e miséria, sem desanimar e nunca pensar em desistir.
O Governo deve-lhe uma acção efectiva, válida e pronta. Deve-lha, e o Douro espera-a.
Tenho dito.

Vozes: -Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Sá Carneiro: - Sr. Presidente: As notas de perguntas que a Constituição e o Regimento prevêem para esclarecimento da opinião pública elucidam necessariamente o Deputado perguntante.
A invocação do segredo de Estado, a falta de resposta do Governo ou o tom em que a mesma é dada são, por vexes, tão significativos como o seu próprio conteúdo.
Vem isto a propósito da revisão da Concordata.
Pelas implicações diplomáticas que o tema envolve, entendi dever preceder a exposição do assunto de uma pergunta ao Governo, apresentada na passada sessão legislativa.
A resposta veio rápida, concreta, serena: não estão em curso negociações para a revisão da Concordata e o Governo ainda não tomou qualquer resolução sobre o assunto.
Parece, portanto, não haver melindre diplomático ou grave inconveniente político em abordar o tema.
Será necessária, útil e oportuna a revisão da Concordata?
Ao apresentar aqui a Concordata em 25 de Maio de 1940, o Presidente do Conselho afirmou expressamente o carácter anticomunista, antidemocrata e antiliberal, autoritário e intervencionista, do Regime.
E efectivamente em contextos políticos desses, ou nos opostos, que surgem as concordatas globais.
Os acordos com a Santa Sé tanto podem respeitar à solução de um diferendo limitado ou à resolução de um ponto concreto, como à regulamentação do conjunto de relações entre a Igreja e o Estado.
Foram do primeiro tipo a quase totalidade das numerosas concordatas estabelecidas ao longo da nossa história.
E da segunda espécie a Concordata vigente, como o são as estabelecidas com os Estados em que, por razões de direita ou de esquerda, não se encontra assegurado o exercício efectivo das liberdades fundamentais. Nesses casos as concordatas visam a dar em maior ou menor grau à Igreja aquilo que é negado à generalidade dos cidadãos e das instituições.
A existência de acordos com a Santa Sé não deriva, portanto, do carácter tradicionalmente católico da Noção; pode, pelo contrário, emergir de conflitos a solucionar e até de uma certa hostilidade em relação à Igreja; ou da inexistência de reais liberdades fundamentais.
Em França, como em muitos outros países de população predominantemente católica, a Igreja vive saudável e pujantemente sem concordata enquanto acordos desse tipo existem em países comunistas.

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No nosso caso, o acordo estabelecido em 1940 visou regulamentação geral dos relações entre a Igreja e o Estado se o saneamento de uma série de pendências anteriores, cuja solução havia sido antes tentada sem resultado; mas teve também como fim colocar a Igreja em posição excepcional pelo que se refere ao exercício de algumas liberdades.
Como se sabe, no mesmo dia em quê a Constituição de 1933 iniciou a sua vigência, surgem os decretos do Governo, ainda hoje em vigor, relativos à supressão de liberdade de expressão de pensamento pela imprensa e ao condicionamento estrito do direito de reunião, completados depois por toda uma legislação fortemente restritiva, e frequentemente impeditiva, do exercício das liberdades enunciadas no artigo 8.º, § 2º, da mesma Constituição.
Se toda esta legislação referente aos direitos de expressão de pensamento, de ensino, de reunião e de associação fosse estritamente aplicada à Igreja e ao culto católico, desapareceria para os católicos a liberdade religiosa, que não tem existido para os fiéis de outras confissões, pois esta liberdade implica a garantia de efectivo exercício daqueles direitos, como se assinala no preâmbulo do projecto de proposta recentemente apresentado pelo Governo.
Dentro de certos limites embora, mediante as disposições da Concordata, a igreja católica assegurou-se do exercício dos direitos de expressão, de ensino, de reunião e de associação, em termos que não eram, como ainda não são, facultados à generalidade dos cidadãos nem às demais confissões, relativamente aos quais ela se encontra, portanto, numa situação privilegiada.
Se o exercício desses direitos era, e é, indispensável para uma eficaz liberdade religiosa, há outros privilégios que a Concordata consagra que eram, e são, desnecessários e até prejudiciais, e que atestam uma certa oficialização contrária ao princípio da separação que a Constituição consagra.
Assim, os eclesiásticos no exercício do seu ministério são equiparados às autoridades públicas quanto à protecção dispensada pelo Estado, e encontram-se isentos de serviço militar activo, visto que o prestam sob a forma de assistência religiosa às forças armadas.
O uso abusivo do hábito religioso ou eclesiástico é punível como se o fosse de uniforme próprio de emprego público.
Os capelães- militares, que têm jurisdição paroquial sobre as suas tropas, são considerados oficiais graduados.
O ensino da religião e moral católicas é obrigatório nus escolas oficiais. Estas algumas das regalias concordatárias.
Em contrapartida a Santa Sé, antes de nomear um bispo residencial ou coadjutor com direito de sucessão, tem de ouvir o Governo a fim de saber se ele tem objecções de carácter político geral quanto à pessoa indicada.
Os privilégios entrelaçam-se, pois, como é habitual, com subordinações; e aparecem também como contrapartida de concessões.
A Igreja abdicou das suas reivindicações quanto aos bens de que havia sido privada que estivessem aplicados a serviços públicos ou classificados como monumentos nacionais ou como imóveis de interesse público.
Mas foram-lhe atribuídas umas certas isenções fiscais.
Referiu o Doutor Marcello Caetano, em 27 de Julho do ano passado, que «Salazar deu à Igreja em Portugal possibilidades perspectivas que a Concordata com a Santa Sé veio consolidar segundo ás concepções dessa época».
Creio bem que essas não são as concepções de hoje: nem para a Igreja, nem para o Estado.
Passaram-se mais de trinta anos, durante os quais teve lugar o Concílio. A doutrina que explicitou não é nova na sua substância: não podia sê-lo, porque a revelação encerrou-se com a morte do último dos apóstolos.
Ê-o, sim, na sua formulação, na actualidade da aplicação das verdades da fé às realidades do mundo de hoje. É-o ainda na vivacidade e na actualidade do tom adoptado, na amplidão das perspectivas que abriu.
A Igreja procurou renovar-se e purificar-se: libertar-se da carapaça do juridismo, abandonar privilégios temporais, recusar servir-se dos meios próprios do poder civil para utilizar os meios e os caminhos próprios do Evangelho.
Reivindica, sim, a sua liberdade «como principio fundamental das suas relações com os poderes públicos e toda a ordem civil», como sociedade que é formada por homens que têm o direito de viver na sociedade civil segundo os princípios da fé cristã.
Ainda de acordo com um dos documentos conciliares, «ela não coloca a sua esperança nos privilégios que lhe oferece a autoridade civil; mais ainda, ela renunciará ao exercício de alguns direitos legitimamente adquiridos quando verifique que o seu uso põe em causa já sinceridade do seu testemunho ou que novas condições de vida exigem outras disposições».
A esta luz não podem deixar de considerar-se obsoletas muitas das disposições concordatárias.
E assim o parece também entender o Governo, especialmente ante as propostas de lei de revisão da Constituição e da referente à liberdade religiosa, esta ainda em projecto.

O Sr. Ganha Araújo: - V. Ex.ª dá-me licença, só para fazer uma pergunta?

O Orador: - Com certeza.

O Sr. Cunha Araújo: - V. Ex.ª está a proceder à justificação da apresentação de algum projecto-lei?

O Orador: - Não.

O Sr. Cunha Araújo: - Era só isso.

O Orador: - Creio que não há dúvida ...

O Sr. Cunha Araújo: - Não. Tenho estado a seguir as considerações que V. Ex.ª vem produzindo e tem-me parecido que está a trazer para aqui toda a matéria das relações de convívio entre a Igreja e o Estado; não é?

O Orador: - Bom, se isso representa o elogio do que estou a ler, agradeço muito a V. Ex.ª

O Sr. Cunha Araújo: - V. Ex.ª é um estudioso do Direito, é um advogado, e a mim não me surpreende nada que se encontre tão bem apetrechado.

O Orador: - Muito obrigado!

Já no notável parecer da Câmara Corporativa emitido sobre a proposta de lei de revisão da Constituição de 1951 e relatado pelo Prof. Marcello Caetano se adoptava, quanto à liberdade religiosa, uma posição muito mais aberta do que aquela que veio a ser aqui perfilhada, chamando-se a atenção, infelizmente em vão, para o risco de a existência de uma religião da Nação vir a ser. a porta aberta para o regresso a uma religião oficial, com os seus inconvenientes práticos.

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«O mundo voltará a ser cristão quando a Igreja deixar de ser uma força para ser uma luz», segundo a frase de um político católico francês que nesse parecer se transcrevia.
E necessário rever a Concordata.
Mas será necessária uma concordata?
O exercício efectivo dos direitos fundamentais em mataria religiosa, sem os quais não há liberdade de culto, tende hoje a ser reconhecido aos membros de todos os credos, enquanto o não são, e oxalá isso não tarde, a todos os cidadãos e em todos os campos.
Então, e nesse aspecto, será desnecessária a concordata; é certo que há outras matérias a considerar.
O casamento católico, cuja disciplina ocupava grande parte da Concordata, está hoje regulamentado no Código Civil.
E para este passou, com formulação diferente, uma das mais contestadas disposições concordatárias: a referente a proibição de divórcio para os católicos. É este um ponto essencial a considerar na revisão.
Para a Igreja, o casamento, qualquer casamento, é indissolúvel por divórcio; tanto o casamento sacramento, que é o contraído validamente entre baptizados como o simplesmente legítimo, contraído entre não baptizados.

Por isso se opõe a Igreja ao divórcio, a todo o divórcio, sejam ou não os cônjuges casados catolicamente, coerentemente com a doutrina de indissolubilidade de todos os casamentos: Se o divórcio não dissolve o casamento, a nova união que ele possibilita é, para a Igreja, adultério.
Diversamente, o Estado Português desde há sessenta anos que admite o divórcio como meio de dissolução de casamento; e por isso considera jurídica e socialmente legítimo o novo casamento subsequente ao divórcio.
A norma do artigo XXIV da Concordata veio procurar conciliar os duas disposições antagónicas.
Nem a Igreja nem o Estado abdicaram das suas posições; mas foram imputar aos cônjuges uma renúncia presumida para os impedir de se divorciarem.
Essa renúncia presumida de um direito que era, ao tempo, irrenunciável, é mais do que contestável; mas fui aceite como um expediente prático que permitia atingir o resultado visado torneando os inconvenientes políticos resultantes de uma controvérsia sobre o divórcio, que o Governo não estava disposto a abolir.
O Código Civil de 1966 abandonou essa ficção, estabelecendo sem rodeios a proibição: «Não podem dissolver-se por divórcio os casamentos católicos celebrados desde 1 de Agosto de 1940, nem tão-pouco os casamentos civis quando, a partir desta data, tenha sido celebrado o casamento católico entre os mesmos cônjuges.» (Artigo 1790.º)
Em matéria de dissolução de casamento, os Portugueses então portanto sujeitos a uma dualidade de estatutos: há divórcio para uns, mas não o há para outros.
Dualidade que tem como fundamento a fé que explicitaram ao adoptar a forma canónica para o seu casamento.
Podem abandonar essa fé, converter-se a outra religião, tomar-se ateus. Mas ficarão sempre vinculados a essa opção, ficarão sempre privados de um direito que é reconhecido aos demais.
Para a Igreja, com ou sem proibição civil do divórcio, o casamento é necessariamente indissolúvel.
Por isso aquela proibição não tem outro alcance que não seja o de impor por lei aos católicos a obrigação moral de não contraírem nova união conjugal enquanto a primeira não estiver dissolvida por morte de um dos cônjuges.
Ora, os católicos têm a obrigação moral de perfilharem na sua vida a unidade e a indissolubilidade que têm como essenciais no casamento.
Mas nem ao Estado nem a Igreja é lícito impor-lhes pela lei civil o cumprimento desse dever de consciência, através da privação de um direito que a legislação reconhece aos demais cidadãos.
É situação contrária à igualdade perante a lei que a nossa Constituição consagra e também à liberdade religiosa que ela proclama, explicitando designadamente que ninguém pode ser privado de um direito por causa da sua crença religiosa.
E a própria Igreja ensina que «a autoridade civil deve tomar providências para que a igualdade jurídica dos cidadãos, a qual também pertence ao bem comum da sociedade, nunca seja lesada, clara ou veladamente, por motivos religiosos, nem entre eles se faça qualquer discriminação».
O Estado Português admite o divórcio; logo, deve reconhecer o respectivo direito a todos os portugueses, independentemente da fé que professem.
A Igreja condena o divórcio; por isso deve, no plano da moral e da fé, procurar afastar dele todos os homens.

Mais do que impor uma disciplina exterior, mais do que manter aparências, quase sempre farisaicos, a Igreja procura hoje fomentar a fé esclarecida e actuante em todos os domínios, designadamente no conjugal e no familiar.
Errada na sua própria concepção, a norma concordatária, hoje ultrapassada pelo Código Civil, tem-se revelado de resto ineficaz.
Não é por se não podarem divorciar que os casais se mantêm unidos ao longo da vida e dos adversidades.
Nem deixam de separar-se e de contrair novas uniões por se lhes vedar o divórcio, como se torna cada vez mais evidente com. o aumento do número de pessoas nessa situação.
Ao que a solução actual conduz é a ter como ilegal a situação destes últimos casais e a haver como ilegítimos os seus filhos, enquanto aqueles que casaram civilmente e depois se divorciaram vêem a sua situação familiar perfeitamente legalizada do ponto de vista civil.

O Sr. Camilo de Mendonça: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Faz favor.

O Sr. Camilo de Mendonça: - Creio que V. Ex.ª considerou que a Igreja deveria, por um lodo, pela fé criada e pelos sentimentos de respeito pela mesma fé, obviar ao perigo do divórcio e abster-se, consequentemente, de propugnar que a lei civil fosse conforme a esse sentimento religioso.
Sendo assim, ficou-me a dúvida de saber porque é que surgiu o problema em Itália, quando o Governo concedeu, em certos casos, o divórcio, já que a Igreja protestou largamente contra isso.
Sinceramente, ficou-me esta dúvida, porque não entendo que a posição da Igreja não seja querer continuar a propugnar que a lei civil seja conforme com esse sentimento e essa fé, quando na Itália se suscita um problema a propósito da permissão do divórcio.
Será assim?

O Orador: - Se bem entendo, o problema que V. Ex.ª levanta é ...

O Sr. Camilo de Medonça: -É que não me pareceu perfeitamente líquido como possa ser outra a posição da Igreja ...

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O Orador:-Compreende-se: no problema da Itália pode até a Igreja estar a proceder não totalmente de acordo ...

O Sr. Camilo de Mendonça: - Não falava pròpriamente na Igreja italiana, falava na Igreja universal.

O Orador: -V. Ex.ª refere-se concretamente ao Papa, não?
Se é isso, evidentemente que não me compete a mim julgar da atitude do Papa, mas apenas explicitar aquilo que julgo ser a atitude da Igreja, segundo os documentos conciliares que citei.
Demais, o problema, em Itália, parece-me ser o da existência, também, de uma norma concordatária que não foi revista nem denunciada.

O Sr. Camilo de Mendonça: - Sabemos que, quer o Papa, quer os bispos italianos, empenharam-se, por todos os modos, junto da Assembleia italiana dos deputados católicos ou soi-disant católicos, no sentido até de conseguirem que o problema fosse plebiscitado, para evitar que o voto de permissão do divórcio fosse consumado no Parlamento.

O Orador: - Compreendo até que a Igreja, ou melhor, os católicos enquanto tais, porque os católicos são livres, inclusivamente na sua acção política, procurem obviar a que o divórcio seja consagrado na legislação civil. Simplesmente, o que se passa na Itália é o que se passa na quase generalidade dos países, visto que eu creio que a República Dominicana tem uma Concordata semelhante à nossa. Nos países que não admitem o divórcio, ele não é admitido para ninguém. E parece-me que o sentido da luta da Igreja é precisamente esse: que não seja consagrado, na lei civil, um instituto que ela reputa nocivo. Certo. Simplesmente, no nosso caso não: no nosso caso o Estado reconhece como bem adquirido o divórcio e, portanto, ou o reconhece a todos ou não o reconhece a ninguém.
Que se ponha o problema do divórcio, eu compreendo perfeitamente. Que se discuta, que se abra uma controvérsia sobre se se deve manter ou não, inteiramente certo. Agora o que já não compreendo, nem do ponto de vista do Estado, nem do ponto de vista da Igreja, é a actual situação em que há uma desigualdade entre portugueses, fundamentada no seu credo religioso.

O Sr. Camilo de Mendonça: - Parece-me que, por uma questão de coerência, se as pessoas têm uma fé, não têm de lastimar-se, mas sobretudo que a Igreja não pode senão propugnar que se mantenha a actual situação relativamente ao casamento católico e procurar obter o mesmo para o divórcio consentido pela lei civil.

O Sr. Almeida Cotta: -A Igreja, parece-me a mim, não admite o divórcio. Mas o Estado, e o Estado Português particularmente, porque tem diversas profissões religiosas, admite o divórcio.
Para os católicos não há constrangimento algum, porque o católico também não admite ele próprio o divórcio. O casamento não é um contrato como qualquer outro, mas sim um sacramento.

O Sr. Valadão dos Santos: - Deixar de ser católico?

O Sr. Almeida Cotta: - Se deixar de ser católico, pois ainda assim fica na situação de poder recorrer a dissolução do matrimónio pelas vias canónicas.

Ora, um problema que V. Ex.ª Sr. Deputado Sá Carneiro aqui abordou, e que é o da existência ou não da Concordata (parece-me que o abordou, para depois se desviar para um problema de ordem civil), é que me parece bastante importante. E desejaria apenas fazer uma consideração a este respeito, que é a seguinte: a Concordata é um acordo, como V. Ex.ª sabe, e, talvez, para se raciocinar sobre um acordo, não seja indiferente ouvir as portes interessadas. Não é apenas o Estado, mas é também a igreja católica.
V. Ex.ª pôs dois pontos. Em primeiro lugar, a questão de os católicos não terem de se queixar, porque aceitam a indissolubilidade do casamento.
Por outro lado, também não é indiferente saber-se o que pensará a tal respeito a consciência religiosa do País, porque podemos estar a fazer considerações que não correspondam em nada ao pensamento da sua maioria esmagadora.
Esta matéria é muitíssimo delicada, Y. Ex.ª sabe-o muito bem, porque, além de jurista eminente, parece ser também um grande teólogo, riqueza de que o Porto cê pode justamente ufanar (risos).

O Orador: - Muito obrigado pelas suas palavras amáveis.
Todos temos de ser grandes teólogos, se somos católicos e queremos ter uma fé adulta. Parece-me evidente que não podemos ficar ao nível do catecismo da primeira comunhão.
Eu já tinha dito atrás ... Possivelmente não fui claro, e daí a observação de V. Ex.ª E que, realmente, eles têm a obrigação moral de perfilhar na sua vida a indissolubilidade, mas ninguém, nem o Igreja, nem o Estado, podem impor aos católicos que não pequem.
Ora, qual é o sentido da proibição concordatária? Não é obstar à dissolução do casamento, porque ele, para a Igreja, ó sempre indissolúvel. E note V. Ex.ª que nos países que não têm nos seus institutos civis a separação, os católicos, - para resolverem uma situação dramática familiar, podem recorrer ao divórcio sem ficarem privados da Igreja, com uma única forma que têm, civil, de legalizarem uma separação. O que a Igreja condena, em termos de falto grave, que afasta de comunidade eclesial, é o segundo casamento, porque esse não atenta também contas a indissolubilidade, atenta, sim, contra a unidade, porque constitui adultério com escândalo.
Portanto, qual é o sentido da norma concordatária?

O Sr. Almeida Cotta: - Desculpe V. Ex.ª, mas eu não o acompanho nesse raciocínio.

O Orador: - Acredito que sim, mas eu só precisava que V. Ex.ª me desse licença de terminar.

O Sr. Almeida Cotta: - O sacramento do matrimónio é, por sua natureza, indissolúvel.

O Sr. Albino dos Reis:-Indissolúvel é o contrato.

O Sr. Almeida Cotta: -Vem dar no mesmo. Quer dizer, não se pode ...

O Sr. Albino dos Reis: -E necessário não confundir o sacramento, que é de ordem religiosa, de ordem espiritual, com um contrato que é puramente civil.

O Sr. Almeida Cotta: - Pois bem. O contrato puramente civil é ou pode ser transitório e o sacramento é eterno.

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O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Sá Carneiro: Peço a V. Ex.ª o favor de ser menos liberal na concessão do direito a interrupções. E peço aos Srs. Deputados que se item interessado pelas palavras ide V. Ex.ª que considerem que o Sr. Deputado no uso da palavra, sobretudo no período de antes da ordem do dia, está expondo a sua opinião pessoal sobre assuntos de interesse geral.
Não há necessidade, nem á, talvez, curial, que se estabeleça debate a que um ou mais outros Srs. Deputados procurem trazer simultaneamente as suas opiniões sobre a questão levantada.
É compreensível a interrupção para esclarecer, para fixar uma posição pessoal. Mas permito-me sugerir à consideração dos ilustres membros desta Cosa que não é talvez a forma mais curial procurar chegar a conclusão pelo sistema das interrupções ao orador, no período de antes da ordem do dia.

O Sr. Albino dos Reis: - Muito bem!

O Orador: -Custa-me sempre ser menos liberal e, sobretudo, aqui nesta Casa, portanto com os meus colegas. Mas compreendo perfeitamente s aceito totalmente as observações de V. Ex.ª, Sr. Presidente, e vou procurar terminar rapidamente.
O problema que RB punha era o de o sentido da norma concordatária visar apenas colocar os católicos numa situação de impossibilidade de não pecarem, cometendo adultério. No fundo é isso, porque para a Igreja todo o casamento, e não apenas o católico, é indissolúvel.
Quando o Sr. Dr. Almeida Cotta põe o problema de consultar a consciência católica da Nação, eu não estou aqui a rever a Concordata e a decretar a sua revisão, de maneira que não tenho nada que auscultar a consciência católica da Nação.
Tenho apenas que auscultar a minha própria consciência, que me impõe que levante aqui um problema, que considero essencial e grave e é imprescindível resolver. E resolver como?
Na conclusão eu diria como, e é muito simples.

O Sr. Valadão dos Santos: -V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Faça favor.

O Sr. Valadão dos Santos: - Pois já que V. Ex.ª propõe isso, parece-me que não há nenhum lugar melhor do que este para nós discutirmos esse grande problema, que diz respeito a tantos milhares de portugueses que vivem numa situação dramática. E eu até sugeria no Sr. Deputado Sá Carneiro que, pela sua formação jurídica e moral, seria a pessoa, mais do que nenhum de nós, indicada para isso, que preparasse um aviso prévio sobre um assunto tão transcendente para a Nação.

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - Agradeço as palavras amáveis de V. Ex.ª Quanto ao aviso prévio, eu estou perfeitamente disposto a encará-lo, mas ouso esperar que não seja necessário, precisamente porque termino apelando para o Governo e para a Igreja para que encetem negociações para a revisão da Concordata e, encetadas elas, talvez não fosse necessário.

O Sr. Valadão dos Santos: - Acho que é necessário o aviso prévio.

O Orador: - Agora tentaria concluir.

O Sr. Almeida Cotta: - Mas então V. Ex.ª não advoga a extinção da Concordata.

O Orador: - Se V. Ex.ª me deixar terminar, vai já ver como é que eu concluo e o que é que eu advogo, embora ponha realmente em causa, na interrogativa, a necessidade de uma concordata global.
A desigualdade estabelecida pela actual solução, que traduz imposição civil em matéria religiosa e ingerência da Igreja em matéria civil, conduz assim a desigualdades chocantes na vida corrente, em que casais e filhos na mesma situação de facto são havidos perante a lei como legítimos uns e ilegítimos outros.
Por todas estas razões, rapidamente esboçadas, creio que se impõe à revisão da Concordata, iniciativa que pertence ao Governo ou à Igreja. Por isso aqui só cabe a exposição dos problemas e o apelo às partes interessadas para que os solucionem sem demora, pondo termo a mal entendidos, ambiguidades e situações injustas geradas por um acordo desactualizado, que me parece não corresponder às actuais concepções das altos partes contratantes, sendo, portanto, nocivo para todos.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: Vamos passar à

Ordem do dia

A primeira parte da ordem do dia, conforme foi anunciado, tem por objecto a apresentação de reclamações sobre o texto apresentado, em última redacção, para o decreto da Assembleia Nacional sobre a designação pelas respectivas corporações dos vogais que fazem parte dos organismos de coordenação económica em representação das actividades por eles coordenadas.
Está, portanto, em reclamação este texto, que se encontra publicado no n.º 64 do Diário das Sessões, ontem distribuído.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Como nenhum Sr. Deputado tem qualquer reclamação a apresentar sobre esta redacção, considero definitivamente aprovado o texto estabelecido para o referido decreto da Assembleia.
Vamos passar à segunda parte da ordem do dia: continuação da discussão, na generalidade, das propostas de lei sobre a actividade teatral e a protecção ao cinema nacional.
Tem a palavra o Sr. Deputado Serras Pereira.

O Sr. Berras Pereira: - Sr. Presidente: No esforço do desenvolvimento em que todos estamos empenhados há que procurar linhas de orientação e de actuação política que melhor contribuam para o progresso colectivo, sem perder de vista, com a aplicação de algumas delas, as nossas características de povo criador, por excelência, de uma civilização universal em que o homem actua de acordo com princípios por sua natureza eternos, de respeito e aceitação de culturas diversas e modo de viver diferentes, sem se diluir no seio de grandes espaços, mas marcando vincadamente a sua maneira de ser, o seu modo de estar.
Construindo a história, vivendo a história, temos sabido resistir, para lá do que é humanamente razoável, às

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investidas dos que, vestindo as mais belas roupagens da fantasia e da moda, têm procurado despersonalizar e descaracterizar a Nação. Por isso continuamos convencidos de que é necessário, tanto como praticar acções dirigidas ao progresso económico e utilizando, aqui, sim, técnicas ou processos da moda, reformular toda uma doutrinação que vindo ao encontro das aspirações do homem actual respeite e acate a força da tradição, no que encerra de constante e permanente, para continuarmos como povo verdadeiramente livre.
E dentro deste contexto, quanto a nós, que deverá ser encarada a nova lei do cinema, como processo de criação individualizadora de um povo traduzindo graus de cultura, concepções do mundo e da vida. Meio privilegiado de comunicação, de manifestação artística, de empenho político, força destruidora da consciência moral ou processo ímpar de exaltação da dignidade humana, fonte de rendimento da maior relevância e indústria, que tem absorvido elevados coeficientes de investimento, é desse meio de comunicação, é do cinema, como indústria e como arte, que, iremos falar.
Mas falar entre nós de cinema é trazer à superfície um mundo de frustrações, de desenganos, de tentativas falhadas, sem deixar de reconhecer o muito de válido, o esforço de bastantes, o trabalho de alguns que penosamente vão suportando dificuldades quase insuperáveis. E, no entanto, por feliz e oportuna iniciativa do Governo, está em apreciação uma nova lei de cinema que pretende ser fomentadora e orientadora de actividade tão digna como relevante.
Palavras de louvor são justamente aplicáveis ao Dr. Moreira Baptista, ilustre Secretario de Estado da Informação e Turismo, que, dirigindo um dos sectores governamentais de maior sensibilidade política e cultural, remeteu a esta Câmara uma bem elaborada proposta de lei com a finalidade de obter os meios imprescindíveis para que o cinema possa enveredar por caminho novo para lá da crise, que, sendo mundial, se traduz no aparecimento da televisão, na mobilidade das populações, na multiplicidade das diversões, em que os progressos técnicos nem de perto atingiram ainda o aproveitamento pleno da utilização e, entre nós, a modestíssima dimensão do nosso mercado.
Sr. Presidente: Como se diz na proposta do Governo, incumbe à Secretaria de Estado da Informação e Turismo, pela Direcção-Geral dos Espectáculos, orientar, estimular e coordenar a actividade cinematográfica nacional. Para dar cumprimento àquelas finalidades é criado na Secretaria de Estado o instituto Português de Cinema, com autonomia administrativa e financeira, e que terá como órgãos a comissão administrativa e o Conselho de Cinema.
Não nos parece de aceitar a solução apontada pela Câmara Corporativa, que preconiza que o Instituto esteja mais subordinado ao sector privado do que à Administração, atribuindo à Corporação dos Espectáculos a orientação do Conselho de Cinema. Em boa doutrina, é ao Governo que compete orientar, estimular e coordenar as actividades relacionadas com o teatro, com o cinema e com os espectáculos, por se tratar de sectores com extensas e profundos implicações culturais, políticas e morais.
Entende ainda a, Câmara Cooporativa que o director-geral da Cultura Popular e Espectáculos não deve presidir ao Instituto, nem fazer ponte do Conselho de Cinema, já que esta presidência «além de se não coadunar com a personalidade e autonomia que pretende dar-se ao Instituto [...] terá o manifesto inconveniente de não permitir o exercício de funções em indispensável regime de tempo pleno». Se assim fosse, a função do director-geral da Cultura Popular e Espectáculos ficaria, quanto ao cinema, esvaziada de conteúdo; quer dizer, o director-geral da Cultura Popular a Espectáculos é colocado à margem do Instituto e do Conselho, o que é um oontra-senso.
O receio manifestado pelo parecer não é de considerar, atendendo a que o Instituto tem autonomia «administrativa e financeira» e que o Conselho de Cinema desempenha uma importante posição na actividade do Instituto, e nado indica que o director do Instituto seja um funcionário da Secretaria de Estado.
Deve ser, pois, por intermédio do direotor-geral que se estabelece a ligação imprescindível com o Governo, e, como se prevê na proposta, a nomeação de um director do Instituto como dirigente executivo do organismo assegura o regime de ocupação de tempo pleno. Não se exclua do que ficou dito que a organização corporativa não deva ter uma mais elevada participação na constituição do Conselho de Cinema, o que se considera francamente desejável.
Analisando este primeiro aspecto básico da nova lei, julgamos conveniente uma apreciação, naturalmente sumária, do que deverá, ser a indústria fílmica. Felizmente que a proposta em apreciação procura uma revisão e estruturação dos diversos elementos da economia cinematográfica.
Tomando em linha de conta as atribuições do Instituto e a competência que lhe cabe pelo exercício dessas atribuições, verifica-se que o Instituto pretende, para além das acções de fomento, disciplina, representação, promoção de acordos internacionais e apoio ao desenvolvimento do cinema de amadores, acudir nos aspectos financeiros, definir regras, estabelecer prémios e, num sentido amplo, estimular a cultura cinematográfica.
No tocante ao Conselho de Cinema, órgão da maior projecção, incumbe pronunciar-se sobre todas os questões que interessem o cinema português.
Traduz-se a acção fomentadora do Instituto em assegurar o normal funcionamento dos estúdios e laboratórios, mas para atingir tal desiderato torna-se necessária a existência de produtores idóneos, que deverão demonstrar capacidade financeira para a feitura de filmes, com inscrição no respectivo Grémio, depois da demonstração de garantias suficientes ao exercício da sua actividade.
Julgamos que não pode ser produtor quem quer, mas só aqueles que demonstrarem reunir idoneidade financeira, quer sejam pessoas singulares ou colectivas. Sem embargo de as receitas do novo Instituto se dirigirem para a produção de filmes, em regime de livre iniciativa, não deverão de modo algum ser aplicadas na concessão de empréstimos a produtores carecidos de capacidade empresarial. Como se torna também necessário que os filmes classificados de nacionais sejam executados integralmente nos estabelecimentos técnicos portugueses.
Por outro lado, não nos parece correcta a posição assumida pela Câmara Corporativa ao equiparar, para efeitos de assistência financeira, as co-produções com as co-participações pelo singelo motivo que poderá acontecer que a utilização dos fundos do Instituto Português de Cinema venham a ser aplicados sem benefício para qualquer dos sectores da indústria nacional, o que prejudica o espírito e o sentido da proposta.
Igualmente é de rejeitar a sugestão da Câmara Corporativa na classificação de longas, médias e curtas metragens, por não ser viável comercialmente a exploração de filmes de média metragem, como é do conhecimento universal.

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No que diz respeito a assistência financeira, há a salientar o propósito contido no desejo do Governo em financiar filmes de qualidade, desde que se dê satisfação às exigências de idoneidade empresarial e financeira e a garantia de utlização dos estabelecimentos técnicos nacionais, à obrigatoriedade de a língua usada na versão original ser portuguesa, à maioria do pessoal técnico e artístico, bem como as salas de sonorização e laboratórios utilizados e locais de filmagem serem nacionais. Estabelece ainda a proposta os requisitos mínimos da participação do capital português nas co-produções, as formas de empréstimo, subsídio e garantias de crédito. Neste capítulo são dignas da melhor atenção as alterações sugeridas pelo ilustre relator do parecer da Câmara Corporativa.
Ainda como providências que procuram defender a industria nacional existente, engloba muito judiciosamente a proposta um capítulo sobre estudos, laboratórios e salas de sonorização que estabelece as normas a que deverão obedecer a instalação daqueles estabelecimentos técnicos, a possibilidade de concessão de empréstimos pelo Instituto, a fixação dos limites máximos das tabelas de preços a praticar por aqueles estabelecimentos, quando a sua utilização for obrigatória.
Permite também a dobragem em língua portuguesa de filmes estrangeiros e obriga a legenda em português de filmes estrangeiros que não sejam dobrados. Os documentários e filmes de actualidades só poderão ser exibidos desde que sejam comentados em língua portuguesa. Embora nesta matéria as alterações de redacção de algumas bases incluídas no parecer sejam dignas de aprovação, merecem, contudo, dois pequenos reparos, pois trata-se aqui de competência na especialidade.
O primeiro diz respeito à objecção da Câmara Corporativa de que a não exibição de documentários dobrados em português se deve à carência dos estabelecimentos técnicos nacionais, o que não é exacto, porque o que realmente acontece é que as empresas distribuidoras não estão dispostas a suportar o custo industrial da dobragem. Situa-se o segundo na observação formulada pela mesma Câmara da impossibilidade de tiragem de cópias de filmes estrangeiros a exibir, quando o que normalmente se passa é o envio de laboratório a laboratório, entre países de mercados semelhantes, dos internegativos necessários.
Deverá, quanto a nós, por conseguinte, ser respeitado o espírito e a intenção da proposta, fixando-se em uma unidade o limite a partir do qual é obrigatória a tiragem da cópia de filmes estrangeiros, co-produções e co-participações para exibição em território nacional.
Sr. Presidente: Pode dizer-se que o cinema é uma arte com infra-estrutura industrial. E, assim, o desenvolvimento da produção nacional de filmes, com acento tónico na qualidade, como parece ser intenção e desejo do Governo, não poderá processar-se de outra forma que não seja apoiado numa existência de estúdios e laboratórios devidamente apetrechados.
Todavia, a criação destes órgãos sectoriais exige o investimento de dezenas de milhares de contos, que, até hoje, para o caso das unidades existentes, sabemos não terem tido o adequado rendimento.
E não é possível, evidentemente, que o País continue a exigir o sacrifício destes industriais que, mo decorrer dos anos, em circunstâncias difíceis, conseguiram justificar as condições de sobrevivência ao, embora pobre, cinema português.
Parece-nos, assim, ser de elementar justiça que, na proposta de lei que o Governo, em boa hora, resolveu decretar, se estabeleçam possibilidades mínimas de defesa ao capital português investido messes estabelecimentos de forma a permitir-lhes prosseguir na sua actividade de apoio à produção nacional.
O que fundamentalmente importa é que se mantenha o espírito daquele diploma legal, embora, naturalmente, com as alterações do parecer que se mostrarem adequadas. Não interessa, pois, apreciar o problema do cinema português mediante, apenas, 09 interesses particulares em jogo, mas, antes, entendê-lo como uma tarefa comum em que todos os diferentes sectores da actividade terão a lucrar com a existência de uma indústria vertebrada e rendível.
Reveste-se da maior relevância a fixação pelo Instituto do contingente de filmes nacionais ou equiparados que serão estabelecidos anualmente, de acordo com o numero de filmes concluídos.
Com efeito, sem a garantia de distribuição da produção nacional não se podem assegurar os fundamentos da política do Governo quanto ao futuro de um novo cinema nacional. No entanto, parece ser de adoptar que os preços de aluguer dos filmes sejam livremente fixados entre os interessados.
Não se pode esquecer ou ignorar que os sectores de distribuição, da exibição e da produção, para uma eficiente arrancada do cinema nacional, deverão solidarizar-se, em vista à utilização dos laboratórios e estúdios, a fixação de contigentes de longa e curta-metragem, à contratação dos preços e à tiragem de cópias. O esforço ultimamente despendido pelos estabelecimentos técnicos na aquisição do mais moderno equipamento tem sido notável, e esse esforço merece ser devidamente compreendido e defendido.
O propósito do Governo em auxiliar, por intermédio do Instituto, a instalação e a remodelação de recintos em localidades onde não existam ou estejam, encerrados, desde que as circunstancias o justifiquem, numa acção de promoção, que há muito deveria ter sido iniciada, merece justo relevo. As modalidades de auxílio, quer respeitem a projectos, tipo de construção de recintos, incluindo o caderno de encargos, quer a assistência técnica, quer ainda a financeira, são meios francamente favoráveis à obra de fomento da produção nacional de filmes.
Propõe o Governo uma nova fórmula de tribulação fiscal, que representa uma considerável melhoria para as empresas exibidoras e que se torna muito mais simples de praticar, e que se espera venha a atingir significativo montante, que permita simultaneamente o fomento da produção fílmica e a construção de novas salas de espectáculos, com o consequente alargamento do mercado.
As providências que se encontram na proposta governamental quanto a protecção do cinema de amadores tem o nosso acordo. Na realidade, esta modalidade cultural, pelo que encerra de espontaneidade, de espirito criador, de escola de formação, é digna de ser protegida.
E do conhecimento público o alto prestígio internacional alcançado pelo nosso cinema amador e os inúmeros e altos prémios conquistados, e o seu carácter desinteressado e formativo merece compreensão e estímulo. Além destes aspectos, há a salientar que este actividade tem servido de verdadeira escola de profissionais e, à falta de um instituto dos profissionais e técnicos de cinema, embora os resultados da aplicação da nova lei possam fazer surgir a necessidade da sua criação, não se encontra outro meio que permita a aprendizagem, o treino, o gosto, a revelação, de verdadeiros realizadores e técnicos. Bom seria que se criassem entre nós cursos de cinema, dirigidos por nacionais ou por estrangeiros de reconhecida capacidade

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e competência, para facultarem os conhecimentos indispensáveis aos diversos ramos da actividade cinematográfica.
Sr. Presidente: Apreciados de uma forma breve alguns aspectos que nos parecem mais relevantes do projecto de lei e do parecer da Câmara Corporativa, não queremos deixar de referir a corajosa atitude do Governo em, numa época de crise geral da indústria do cinema ou por isso mesmo, procurar lançar os fundamentos que permitam o ressurgir da actividade daquilo a que se poderá chamar «o novo cinema português».
Importa, contudo, que todos se compenetrem das realidades em que se movimentam - da pequena dimensão do mercado interno, da ausência quase total de infra-estruturas, da débil capacidade financeira face às grandes co-produções -, de forma que possamos criar uma actividade que, embora reduzida, assente em bases sólidas e realistas. E, assim, complexa e grave a opção que se tome, convindo que, frente às dificuldades do momento, os empresários não orientem a sua capacidade de realização, como muitas vezes acontece, na edificação de grandes estúdios ou na aquisição de dispendiosos maquinismos.
Estamos convictos de que uma das razões do fracasso da indústria em Portugal foi antes de tudo um problema de deficiente programação, o que determinou um coeficiente de investimento exagerado em relação às possibilidades financeiras das empresas.
Esgotado o capital, o recurso ao crédito torna-se inevitável, com o agravamento dos respectivos juros. Como, em contrapartida, a rendibilidade do investimento só em pequena escala (e nem sempre ...) e a longo prazo se verifica, fácil é encontrar a razão das dificuldades e crises de sobrevivência que assoberbam, de uma maneira geral, as entidades ligadas ao cinema.
A agravar os condicionalismos existentes que marcam um sentido regressivo na indústria de cinema, acresce ainda o aparecimento recente das cinc-cassettes e video-cassettes, cuja industrialização se prevê seja um facto a curto prazo.
Queremos crer, contudo, que, a despeito das limitações impostas por um mercado reduzido, o País tem em si próprio potencialidades bastantes para justificar o interesse económico e cultural de uma indústria de cinema. Basta, para tonto, que, correspondendo à boa intenção do Governo, os homens procurem agir com bom senso e justo sentido das realidades.
Tenho dito.

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: vou encerrar, a sessão.
Amanhã haverá sessão à hora regimental, tendo como ordem do dia a continuação do debate na generalidade sobre as propostas de lei relativas à actividade teatral e à protecção ao cinema nacional.
Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 25 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
António de Sousa Vadre Castelino e Alvim.
Camilo António de Almeida Gama Lemos de Mendonça.
D. Custódia Lopes.
Eleutério Gomes de Aguiar.
Francisco José Pereira Pinto Balsemão.
Francisco de Meneada do Casal-Ribeiro de Carvalho.
Henrique Veiga de Macedo.
João António Teixeira Canedo.
João Duarte Liebermeister Mendes Vasconcelos Guimarães.
João Pedro Miller Pinto Lemos Guerra.
Joaquim Jorge Magalhães Saraiva da Mota.
José Coelho Jordão. José da Costa Oliveira. José Dias de Araújo Correia. José Maria de Castro Salazar.
José Vicente Pizarro Xavier Montalvão Machado.
Júlio Dias das Neves.
Luis Maria Teixeira Pinto.
Manuel José Archer Homem de Mello.
Maximiliano Isidoro Pio Fernandes.
Miguel Pádua Rodrigues Bastos. Rafael Valadão dos Santos.
Rogério Noel Peres Claro.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Vasco Maria de Pereira Pinto Costa Ramos.

Srs.. Deputados que faltaram à sessão:

Alexandre José Linhares Furtado.
Amílcar Pereira de Magalhães.
Antão Santos da Cunha.
António Bebiano Correia Henriques Carreira.
Deodato Chaves de Magalhães Sousa.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Fernando Artur de Oliveira Baptista da Silva.
Fernando Augusto Santos e Castro.
Fernando de Sá Viana Rebelo.
Francisco Manuel de Meneses Falcão.
Francisco de Nápoles Ferraz de Almeida e Sousa.
Henrique José Nogueira Rodrigues.
Henrique dos Santos Tenreiro.
João Paulo Dupuich Pinto Castelo Branco.
João Ruiz de Almeida Garrett.
Joaquim Carvalho Macedo Correia.
José Guilherme de Melo e Castro.
José da Silva.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
D. Luzia Neves Pernão Pereira Beija.
Manuel Artur Cotta Agostinho Dias.
Manuel Marques da Silva Soares.
Manuel Monteiro Ribeiro Veloso.
Pedro Baessa.
Rui Pontífice Sousa.
Victor Manuel Pires de Aguiar e Silva.

O REDACTOR - Januário Pinto.

Requerimentos enviados para a Mesa durante a sessão:

Requeiro, nos termos regimentais, a seguinte publicação:

Vasco da Gama e Suas Viagens e Descobrimentos (editada pela Câmara Municipal de Lisboa).

Sala das Sessões, 14 de Janeiro de 1971. - O Deputado, .Inflo Nuno Pimento Serras e Silva Pereira.

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Requeiro, nos termos regimentais, as seguintes publicações:
Todos os volumes publicados, a partir do vol. III, exclusive, da obra Dez Anos de Política Externa; Vasco da Gama e Suas Viagens e Descobrimentos (editada pela Câmara Municipal de Lisboa).

Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 14 de Janeiro de 1971. - O Deputado, Manuel Homem Albuquerque Ferreira.

Anexo à intervenção da Sr.ª Deputada D. Maria Raquel Ribeiro:

Algum medicamentos fabricados em Portugal e em Espanha
[Ver Tabela na Imagem]
Alguns medicamentos produzidos em Portugal, Espanha e Itália pela mesma empresa
[Ver Tabela na Imagem]

IMPRENSA NACIONAL

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PREÇO DESTE NÚMERO 8$80

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