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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL E DA CÂMARA CORPORATIVA

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 79

ANO DE 1971 6 DE FEVEREIRO

ASSEMBLEIA NACIONAL

X LEGISLATURA

SESSÃO N.º 79, EM 5 DE FEVEREIRO

Presidente: Ex.mo. Sr. Carlos Monteiro do Amaral Netto

Secretários: Ex.mos Srs.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira
João Bosco Soares Mota Amaral

SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 45 minutos.

Antas da ordem do dia. - Foi aprovado com algumas rectificações o n.º 77 do Diário das Sessões.

Deu-se conta do expediente.

Foram presentes á Assembleia, para efeitos do disposto no $ 3.º do artigo 109.º da Constituição, os Decretos-Leis n.ºs 26/71 e 27/71

O Sr. Deputado Barreto de Lara requereu cópia do despacho conjunto dos Srs. Ministros da Economia e do Ultramar que estabelece a necessidade de restrições Quantitativas a importação pelas províncias ultramarinas de certas mercadorias de origem nacional na metrópole e dela directa ou indirectamente provenientes, e bem assim, de todos os despachos normativos ao assunto respeitantes.

O Sr. Deputado Martins da Cruz requereu, relativamente aos anos de 1966 a 1970, vários elementos sobre processos entrados nos Julgados Municipais de Tábua e Penacova.

O Sr. Deputado Cunha Araújo pronunciou-se sobre o problema da possível revisão da Concordata com a Santa Sé.

A Sr.ª Deputada D. Lusia Beija, a propósito do programa de reforma do sistema estrutural do ensino, referiu-se à necessidade de adopção de medidas que assegurem a educação básica a todos os portugueses, mesmo aos que necessitam de ensino especial.

O Sr. Deputado Nunes Mexia aprofundou vários aspectos da crise da agricultura no momento actual.

O Sr. Deputado Pinto Castelo Branco abordou a questão da idade da reforma dos mineiros, face ao problema da maior severidade do regime de trabalho a gue estão sujeitos.

Ordem do dia. - Continuou o debate do aviso prévio do Sr. Deputado Nunes de Oliveira sobre os aspectos culturais, económicas o sociais do distrito de Braga, tendo usado da palavra o Sr. Deputados Amílcar Mesquita o D. Maria Raquel Ribeiro.

O Sr. Presidente encenou a sessão as 17 horas e 45 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Eram 15 horas e 35 minutos.

Fez-se a chamada, a qual responderam os Srs. Deputados:

Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Albano Vaz Finto Alves.
Alberto Eduardo Nogueira Lobo de Alarcão e Silva.
Alberto Marciano Gorjão Franco Nogueira.
Alberto Maria Ribeiro de Meireles.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Álvaro Filipe Barreto de Lara.
Amílcar da Costa Pereira Mesquita.
António Fausto Moura Guedes Correia Magalhães Montenegro.
António da Fonseca Leal de Oliveira.
António Júlio dos Santos Almeida.
António Lopes Quadrado.
Armando Júlio de Roboredo e Silva.
Armando Valfredo Pires.
Artur Augusto de Oliveira Pimentel.
Augusto Salazar Leite.
Carlos Monteiro do Amaral Netto.
Delfim Linhares de Andrade.
Delfino José Rodrigues Ribeiro.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Eleutério Gomes de Aguiar.
Fernando Artur de Oliveira Baptista da Silva.
Fernando David Laima.

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Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Fernando do Nascimento de Malafaia Novais.
Filipe José Freire Themudo Barata.
Francisco António da Silva.
Francisco Correia das Neves.
Francisco Esteves Gaspar de Carvalho.
Francisco João Caetano de Sousa Brás Gomes.
Francisco Manuel de Meneses Falcão.
Francisco de Moncada do Casal-Ribeiro de Carvalho.
Gabriel da Costa Gonçalves.
Henrique José Nogueira Rodrigues.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Henrique Veiga de Macedo.
Humberto Cardoso de Carvalho.
João Bosco Soares Mota Amaral.
João Duarte Liebermeister Mendes de Vasconcelos Guimarães.
João Duarte de Oliveira.
João José Ferreira Forte.
João Lopes da Cruz.
João Manuel Alves.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
João Ruiz de Almeida Garrett.
Joaquim Germano Pinto Machado Correia da Silva.
Joaquim Jorge Magalhães Saraiva da Mota.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Joaquim de Pinho Brandão.
José Coelho de Almeida Cotta.
José Gabriel Mendonça Correia da Cunha.
José João Gonçalves de Proença.
José Maria de Castro Salazar.
José de Mira Nunes Mexia.
José Vicente Cordeiro Malato Beliz.
Lopo de Carvalho Cancella de Abreu.
Luís António de Oliveira Ramos.
D. Luzia Neves Pernão Pereira Beija.
Manuel Elias Trigo Pereira.
Manuel de Jesus Silva Mendes.
Manuel Joaquim Montanha Pinto.
Manuel Martins da Cruz.
Manuel Monteiro Ribeiro Veloso.
Manuel Valente Sanches.
Maximiliano Isidoro Pio Fernandes.
Prabacor Rau.
Rafael Ávila de Azevedo.
Rafael Valadão dos Santos.
Ramiro Ferreira Marques de Queirós.
Raul da Silva e Cunha Araújo.
Ricardo Horta Júnior.
Rogério Noel Feres Claro.
Rui de Moura Ramos.
Rui Pontífice Sousa.
D. Sinclética Soares dos Santos Torres.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 75 Srs. Deputados.

Está aberta a sessão.

Eram 15 horas e 45 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Está em reclamação o n.º 77 do Diário das Sessões.

O Sr. Oliveira Ramos: - Sr. Presidente: Peço que mo n.º 77 do Diário das Sessões sejam feitas as seguintes rectificações na minha intervenção: na p. 1563, col. 2.ª, 1.2, onde se lê: "impacte", deve ler-se: "impacto"; e na 1. 5, onde se lê: "atomias", deve ler-se: "atonias"; na p. 1565, nota l, onde se lê: "vol. 89", deve ler-se: "vol. 88".

O Sr. Silva Mendes: - Sr. Presidente: Rogo a V. Ex.ª se digne mandar proceder às seguintes rectificações na minha intervenção: na p. 1561, col. 2.ª, 1. 6, onde se lê: "limitam-se", deve ler-se: "limitam-na"; na mesma página e coluna, 1. 29, em vez de: "ancilosada", deve ler-se: "anquilosada".

O Sr. Mota Amaral: - Sr. Presidente: Peço a V. Ex.ª que na minha intervenção, na p. 1563, sejam feitas as seguintes rectificações: na col. l.ª, 1. 55, onde se lê: "para além de um", deve ler-se: "para além de originar um"; na col. 2.ª, da mesma página, 1. 2 e 3, deve suprimir-se a expressão que se encontra entre parêntesis.

O Sr. Presidente: - Se mais nenhum de VV. Ex.ªs deseja usar da palavra para rectificações ao n.º 77 do Diário das Sessões, considerá-lo-ei aprovado com as rectificações já apresentadas.

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Telegramas

Lamentando o silêncio da Assembleia sobre o pedido de restauração do concelho de Vizela.

Vários apoiando o aviso prévio em debate.

Vários apoiando a intervenção do Sr. Deputado Linhares Furtado acerca da promoção social dos profissionais de enfermagem.

O Sr. Presidente: - Para cumprimento do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, está na Mesa, enviado pela Presidência do Conselho, o n.º 30 do Diário do Governo de hoje, que insere os seguintes decretos-leis.

N.º 26/71, que determina que todos os obras dos edifícios da empresa pública Correios e Telecomunicações de Portugal passem, a partir de l de Abril de 1971, a ser administradas e fiscalizadas directamente pela mesma empresa, ficando extinta, nessa data, a Delegação dos Edifícios para os Serviços dos Correios, Telégrafos e Telefones, da Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, criada pelo Decreto-Lei n.º 40 747, e revoga o artigo 55.º do Estatuto dos Correios e Telecomunicações de Portugal, constante do anexo I do Decreto-Lei n.º 49 368;

N.º 27/71, que esclarece dúvidas acerca das condições em que pode verificar-se a suspensão preventiva, por motivos disciplinares, dos alunos dos escolas dependentes do Ministério da Educação Nacional.

Tem a palavra para um requerimento o Sr. Deputado Barreto de Lara.

O Sr. Barreto de Lara: - Sr. Presidente: Pedi a palavra para enviar para a Mesa o seguinte

Requerimento

Ao abrigo da faculdade que se me concede no Regimento da Assembleia Nacional, com referência ao aviso publicado no Boletim Oficial de Angola,

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1.ª série, n.º 265, de 18 de Novembro de 1970, emanado à luz do despacho conjunto dos Srs. Ministros da Economia e do Ultramar, que estabelece a necessidade de restrições quantitativas quanto à importação pelas províncias ultramarinas de certas mercadorias que adquiriram a origem nacional na metrópole e dela são directa e indirectamente provenientes", venho requerer que, pelos respectivos Ministérios e com a maior urgência, me seja enviada cópia integral do aludido despacho, bem como de todos os despachos normativos que se relacionem com o assunto e designadamente aquele ou aqueles em que se fixam aã respectivas quotas ou limitações.

O Sr. Martins da Cruz: - Sr. Presidente: Fedi a palavra para enviar para a Mesa o seguinte

Requerimento

De harmonia com as disposições constitucionais e regimentais, requeira que, tão breve quanto possível, me sejam fornecidos pelo Ministério da Justiça os seguintes elementos relativos aos anos de 1065 a 1070, e discriminadamente em relação a cada ano, a fim de me habilitarem a solicitar a restauração das comarcas de Tábua e Penacova, extintas em 1927:

1) Número de processo crimes, incluindo os de transgressão, que deram entrada nos Julgados Municipais daqueles dois concelhos;

2) Numero de processo crimes remetidos por aqueles Julgados para a sede das respectivas comarcas ou instaurados nestas por factos ocorridos nas áreas dos ditos Julgados e suas formas processuais;

3) Número de processos cíveis entrados nos mesmos Julgados e suas formas processuais;

4) Número de processos cíveis instaurados na sede das respectivas comarcas e que seriam directamente instaurados nos Julgados se estes fossem sede de comarca, indicando as formas de processo;

5) Número de cartas precatórias, ofícios precatórios, mandados e ofícios expedidos e recebidos pelos Julgados;

6) Qual a receita arrecadada, em função dos Julgados, para o Estado, para os diversos cofres e para instituições de previdência, discriminadamente no crime e no cível.

O Sr. Ganha Araújo: - Sr. Presidente: um "Comentário" inserto em O Século, de hoje, obriga-me, antes de abordar as considerações que me proponho fazer, a um breve apontamento sobre aquele, a fim de rectificar o que nele me não parece resultar claro quando se escreve:

No entanto, a maioria dos parlamentares entende que as suas orações justificam a mais ampla divulgação, não se importando de correr riscos, como o que sucedeu ontem.

Ora, pelo que me diz respeito, devo esclarecer - porque a mim me visava o "Comentário" - que não corri "risco" algum ao descurar, "não ao promover", que a minha anunciada intervenção fosse antecipadamente "divulgada" pelos vespertinos, a quem, suma atitude de simpatia pela imprensa, se fora eu a fornecer-lhes o texto, o que não sucedeu, dificilmente o recusaria, dado que me seria impossível prever que sem considerar disputas do "caixa jornalística", inscrito "antecipadamente em terceiro lugar, a Ex.ª" Mesa, à margem do Regimento, se decidiria no sentido afirmado de adiar para hoje o uso da palavra com que legitimamente contava.

Digo "à margem do Regimento", porque entendo, face àquele, que o dispositivo do § 2.º do artigo 22.º, referente apenas ao uso da palavra para os fins da alínea e), não confere à Mesa a possibilidade de, contrariando o que se prescreve no artigo 32.º, alterar por modo tão inesperado uma ordem de inscrição antecipadamente garantida - o terceiro entre dez inscritos.

Demais, tendo concluído a minha intervenção às 10 horas da manha de ontem, e entregado o seu texto às 10 horas e 30 minutos nos serviços de imprensa desta Assembleia, que, muito naturalmente, o distribuiu pela imprensa interessada, resulta evidente, tal como com outros Srs. Deputados tem sucedido, que nenhuma responsabilidade me cabe por ir agora "ler o escrito que já foi lido por muita gente", embora não integralmente, como se verificará.

Isto dito, sem quebra pelo meu muito respeito pela opinião do nosso presidente, volver-me-ei ao texto da minha intervenção.

Sr. Presidente: O problema dá revisão da Concordata com a Santo Sé, aqui levantado pelo Sr. Deputado Sá Carneiro, aliás no exercício de um direito que não podia ser contestado, tem suscitado certa inquietação nos meios católicos tradicionais e interessada controvérsia. Pelo que tenho apreciado, muitíssimos, na convicção de que ao diletantismo do nosso ilustre colega há-de forçosamente corresponder - magister dixit - uma rápida mudança no statu quo vigente, especialmente no que respeita à indissolubilidade do casamento canónico, que alguns, indesculpavelmente, olham, apenas, como contrato renunciável pelo arbítrio das partes, e não como sacramento de instituição divina voluntariamente aceite por aquelas com todas as suas consequências na ordem civil.

Pois é evidente que, mau grado os sobressaltos que certas atitudes podem ocasionar no espírito da opinião pública, o Sr. Deputado Sá Carneiro goza do direito, como outro qualquer, mais ou menos liberal, mais ou menos progressista, de ter as opiniões que muito bem entender; de opô-las mesmo às ideias sem considerar no quanto o facto pode revestir melindre ou, como é o caso, perturbar a consciência de uma Nação em cuja história "jamais houve apostasia colectiva nem conflitos religiosos, que dividissem espiritualmente os Portugueses". Além do mais, constitucionalmente inviolável pelas opiniões emitidas, pode o nosso ilustre par, na qualidade que reveste, como juristas e, até, segundo aqui ouvi, como teólogo, dar largas às suas predilecções sensacionalistas quando põe a sua inteligência ao serviço das suas concepções pessoais.

Não temos nada com isso.

Mas já teremos - muito embora a minha adesão inicial à corrente dos que entendiam não devermos "mexer" mais "nisto da Concordata" - quando a controvérsia se mostra indiscriminadamente generalizada através de artigos nos jornais e entrevistas a que é dada larga publicidade, face à problemática que encerra e ao aliciante do seu delicado conteúdo.

E teremos, porque aqui se nos impõe a obrigação de aceitarmos um repto, procurando esclarecer o que se apresenta confuso e é susceptível de perturbar os espíritos menos preparados; até para dar uma satisfação aos muitos que acusam 'esta Assembleia de uma certa atrofia, direi mesmo de uma falta de sensibilidade e incompreensível retraimento ante as investidas de um "sector" (?) a que

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já ouvi chamar a sua ala liberal - segundo li, com leader escolhido para se opor não sei a quem dentro de um órgão da soberania em que a iodos é lícito ter o seu modo de ver e de pensar.

Trata-se, assim, de uma atitude política que é dever numa nação com uma esmagadora maioria, de obediência católica.

Eu sei que para aqueles que defendem a posição de não devermos "mexe" mais "nisto da Concordata", a questão se põe em termos de não dever ser reconhecida importância nem dada demasiada divulgação ao que não passa de uma mera opinião, dentro de uma justificada submissão ao princípio certo, de que não devemos favorecer desígnios pessoais ou de grupos de pressão presumivelmente interessados, segundo alguns, em abrir brechas no essencial, e que, no que concerne, representa "toda a essência da nossa tradição espiritual" bem necessária, como força, a uma normal "evolução" na continuidade de que resultará o tão falado Estado Social que queremos, mas de forte inspiração cristã.

Mas isto, quanto a mim, melhor ponderado, seria fugir às responsabilidades, quer como Deputado, quer como católico, em qualquer dos casos obrigado a aceitar a lide nos termos propostos e com todas as suas consequências ... Exigem-no, pois, o político, o Deputado, o católico e o jurista.

Sr. Presidente: Numa nação como a nossa, marcada por uma indiscutível catolicidade, a Concordata de 1940 - a honrar oito séculos de fidelidade à Igreja -, para além de ser o corolário lógico de uma política dominada pelo primado do espírito, veio dar satisfação ao que era legítimo anseio da grei lusitana, jamais propensa, através da nossa longa história, a viver de costas voltadas para a Igreja instituição, cuja personalidade jurídica, ex vi de um consenso geral, havia já sido consagrada sete anos antes da nossa lei fundamental aprovada em plebiscito nacional.

Não nasceu por acaso, pois, a Concordata. Como já não havia nascido por acaso a Constituição vigente que a havia de tornar possível e cujas bases já anteriormente - em 1930 - o Prof. Oliveira Salazar definira diante dos representantes de todos os concelhos e distritos do País; lapidarmente definira com vista ao futuro e bem significativamente ao afirmar então, entro outros parâmetros enunciados:

Pretende-se construir o Estado Social e Corporativo em estreita correspondência com as realidades sociais: a família, as freguesias, os municípios e as corporações, organismos constitutivos da Nação que, como tais, devem ter intervenção directa na formação do Poder Público.

Por tal modo haviam de começar os grupos sociais a imporem-se ao indivíduo-cidadão da Constituição de 1911, e eis aqui por que uma preocupação social de relevante sentido corporativista, postergando o indivíduo para preferentemente garantir os grupos em que se integra, pôde gerar o clima propício ao estabelecimento da Concordata como modo de satisfazer a realidade social da catolicidade portuguesa.

Aliás, seria erradamente concebida uma Constituição que não atendesse aos interesses das maiorias. E a nossa teve-os na devida conta.

Não resultou, assim, a Concordata de 1940, como foi insinuado, de um "contexto político especial", de carácter anticomunista, antidemocrata e antiliberal, mas, sim, da necessidade de se dar satisfação a uma aspiração social, de se não reincidir em erros já cometidos de que derivassem equívocos ou disputas que comprometessem as relações Estado-Igreja, como se verificara em anos progressos; mas, sim, e também, para que Portugal pudesse "reatar o perdido fio das suas mais belas tradições de nação fidelíssima", como o haveria de declarar o Santo Padre Pio XII.

E resultou ainda, para além do insinuado e diferentemente de alguns acordos e concordatas estabelecidos num passado distante que nos obrigava, e de um mais perfeito sentido das responsabilidades derivadas de uma maior precisão de um direito capaz de definir e convenientemente regulamentar e proteger as esferas dos diferentes interesses em jogo; sem receio de estabelecer em termos legais e claros o dever de ser reconhecido o que é de Deus ao lado do que a César pertencia. Tudo quanto dava uma vasta matéria para ser ensinada em cursos de formação cristã ...

O Sr. Valadão dos Santos: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Faça favor.

O Sr. Valadão dos Santos: - Já que V. Ex.ª voltou a fazer alusão ao Sr. Deputado Sá Carneiro, e sem ter qualquer procuração da sua parte e muito menos por me filiar em qualquer espécie de ala, seja liberal, direita, esquerda ou centro - a minha independência prezo-a e sempre a prezei acima de tudo -, eu gostaria de saber se V. Ex.ª, por uma questão de lealdade, teria participado ao Sr. Deputado Sá Carneiro que ia fazer este discurso aqui nesta Câmara, para ele de viva voz lhe poder responder directamente.

O Orador: - Perdão, perdão ...

O Sr. Valadão dos Santos: - Já sei que V. Ex.ª vai dizer que o discurso veio na imprensa antecipadamente. Mas ele, como eu, pode ter-se dado o caso de ter saído ontem mais cedo da Sala e julgar que a fala de V. Ex.ª tivesse sido feita ontem e assim já não poderia responder ...

O Orador: - Ninguém ficou mais desgostoso do que eu com a ausência do nosso ilustre colega o Dr. Sá Carneiro. Portanto, está respondido, implicitamente, à pergunta que V. Ex.ª acaba de fazer. Aliás, também devo acrescentar, justamente no prosseguimento do seu raciocínio, que eu não o considerava dependente de coisa nenhuma se V. Ex.ª pertencesse a qualquer ala. Por amor de Deus! Eu pertenço a uma ala, V. Ex.ª pertence a outra, somos todos independentes, dentro daquela afirmação de vontade que nos faz colocar na ala que mais nos apetecer.

O Sr. Albino dos Reis: - Mas qual é a ala?

O Sr. Duarte do Amaral: - Se calhar, a "Ala dos Namorados" ...

O Sr. Valadão dos Santos: - Eu só gostaria de saber se o Dr. Sá Carneiro teria sido avisado, para poder estar aqui ...

O Orador: - Ho! meu querido amigo ... Eu não me ...

O Sr. Valadão dos Santos: - ... e poder responder directamente

O Orador: - Perdão ... Não insista nisso ...

O Sr. Valadão dos Santos: - ... às considerações que V. Ex.ª acaba de fazer.

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O Orador: - Mas V. Ex.ª não insista nisso porque a sua pergunta não tem cabimento s o Sr. Deputado Sá Carneiro tem, tal como eu, o direito de me responder aqui, no plenário, tal como eu fiz e depois de eu o fazer ... Por amor de Deus, não insista.

O Sr. Valadão dos Santos: - Eu tenho a certeza que ele teria muito gosto de lhe responder directamente, sem ser ...

O Orador: - Mas que culpa tenho eu de o Sr. Dr. Sá Carneiro não estar cá e de o Sr. Presidente me ter adiado para hoje a minha intervenção? Não tenho culpa nenhuma disso, por amor de Deus.

O Sr. Barreto de Lara: - V. Ex.ª dá-me licença, para uma intervenção?

O Orador: - Eu dou.

O Sr. Barreto de Lara: - Eu sou testemunha de uma conversa nesta Sala com o Sr. Dr. Sá Carneiro em que V. Ex.ª lhe referiu à intervenção que ia fazer. E, inclusivamente, o Sr. Dr. Sá Carneiro até de certo modo me outorgou o mandato para o representar. Nesta conformidade, respondendo ao Sr. Dr. Valadão dos Santos, eu confirmo essa conversa. E já agora, num aparte, muito gostaria que V. Ex.ª me dissesse quem é o leader da ala liberal para eu poder contactar com ele.

O Orador: - Ah! V. Ex.ª agora vai perguntar isso a O Século.

O Sr. Barreto de Lara: - Mas, foi V. Ex.ª que .. .

O Orador: - Foi lá que eu o li.

O Sr. Barreto de Lara: - Não, perdão... V. Ex.ª é que o afirmou.

O Orador: - Perdão, perdão, eu não insinuei ...

O Sr. Barreto de Lara: - V. Ex.ª foge para a imprensa quando V. Ex.ª é que o afirmou.

O Orador: - Não, não, não ... Eu vou voltar a ler o que escrevi.

O Sr. Valadão dos Santos: - Ninguém é responsável por aquilo que os jornais dizem ou por aquilo que os jornalistas ...

O Sr. Barreto de Lara: - Se V. Ex.ª voltasse a ler ... Talvez a deficiência de intelecto seja minha e eu não tenha percebido muito bem.

O Orador: - Não é de intelecto, é de ouvido. V. Ex.ª não tem deficiência de intelecto, tem intelecto bastante. A insuficiência pode ser de ouvido.

O Sr. Barreto de Lara: - Muito obrigado pelo elogio, mas vamos lá a ver.

O Orador: - Dá-me licença, Sr. Presidente, que eu atenda aqui esta solicitação do nosso ilustre colega?

O Sr. Presidente: - Tenha a bondade. Parece que hoje o dia é de livres interpretações do Regimento. De maneira que podemos continuar nesse pendor ...

O Orador: -... "a que já ouvi chamar a sua ala liberal".

O Sr. Barreto de Lara: - Não é aí. É quando fala em leader.

O Orador: - Mas agora acrescento que foi n'O Século que eu li.

O Sr. Barreto de Lara: - Mas logo a seguir fala em leader. Desculpe V. Ex.ª ...

O Orador: - "O leader escolhido", segundo ouvi ...

O Sr. Barreto de Lara: - Mas como é que V. Ex.ª leu n'O Século, se a intervenção de V. Ex.ª foi ontem e o comentário de O Século seria de hoje?

O Orador: - Não, há quinze dias, logo ao outro dia da intervenção do Sr. Deputado Sá Carneiro. Está esclarecido?

O Sr. Barreto de Lara: - Estou esclarecido.

O Orador: - Muito obrigado.

Mas ..., Sr. Presidente: Tal como aconteceu com a meu ilustre par, o que dito fica - calamo currente - não passa de mero e despretencioso intróito para chegar ao ponto nevrálgico, objectivo primeiro da sua intervenção e razão motivadora da minha tomada de posição, que, desde já o reconheço, não corresponderá de modo algum à importância do problema, demasiado complexo para ser tratado dentro do limite do tempo de que dispomos nestas intervenções "antes da ordem do dia".

Assim, enfrentando a problemática controvertida, surge como primeira interrogação a questão de saber até que ponto o dramatismo de certas situações irregulares dos que livremente se consorciaram sob o domínio da Lei de Deus pode, através desta Assembleia política, encontrar solução à margem da Igreja, já que nenhum princípio de direito autoriza o Estado a sobrepor-se à vontade das partes que, por razões indiscutíveis de consciência, para além dos efeitos jurídicos de natureza civil, quiseram espiritualizar a sua união conjugal por meio de um acto religioso que lhe confere um atributo sui generis, de sacramento ad perpetuum incompatível com a sua dissolubilidade arbitrária.

Depois ... como segunda interrogação, a questão de saber até que ponto seria legítimo, em nome da liberdade de alguns - admito que seja um ou dois milhares -, desprezar os sentimentos de uma esmagadora maioria, que o Estado, sem deixar de considerar a liberdade de todos, prezou na justa medida ao reconhecer a indissolubilidade dos casamentos católicos, aliás no entendimento certo de que não pode ser convenientemente salvaguardada a unidade nacional sem se preservar a unidade da família, objecto das suas primeiras preocupações e natural impedimento para se obter dele o que não pode conceder.

Dentro deste contexto, em que se situa o verdadeiro cerne da questão, poderá também perguntar-se se um Estado, cuja lei fundamental assegura a constituição e defesa da família como fonte de conservação e desenvolvimento do povo português, poderá ser acusado de coarctar o exercício das liberdades individuais, quando, muito coerentemente, deixa ao arbítrio dos interessados a faculdade de optarem pela dissolubilidade ou pela indissolubilidade do casamento que pretendem contrair - as quais

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coarctaria, sim, se sobrepusesse a sua vontade à daqueles que, ca hipótese de impor a dissolubilidade, sendo á maioria, querem que o seu casamento se realize de acordo com a fé que professam; seja indissolúvel e revestido da natureza de sacramento que a sua religião lhe confere.

Numa Nação onde é livre o culto público ou particular da religião católica, como religião da Nação Portuguesa (artigo 45.º da Constituição Política), que igualmente o assegura às demais confissões religiosas, cujos cultos sejam praticados dentro do território português, e que, quando constituídas em associação, podem beneficiar de um reconhecimento de personalidade jurídica, a dualidade de casamentos existente é, muito ao contrário do que se afirma em certos sectores, uma pujante afirmação de liberdade, embora em alguns casos, infelizmente, se tenha contraditoriamente volvido em pesada grilheta.

Ou não será verdade que se o Estado impusesse uma modalidade única de casamento, ofenderia, no nosso caso, a consciência dos que são em maior número?

Não há, assim, que lamentar os Portugueses, que, como se afirmou, não estão sujeitos a uma dualidade de estatutos, pois o estão, em cada caso, apenas sujeitos a um, justamente àquele que escolheram e a que voluntariamente se submeteram. Por isso é que a lei civil não podia deixar de consagrar, respeitando a atendível vontade das partes, o princípio da indissolubilidade desejado pela referida maioria nacional. Aliás, já o Código Civil de 1667 dizia que o casamento "se presumia perpétuo", em consequência do comando dos mesmos sentimentos religiosos que desde sempre dominaram a Nação fidelíssima, inspiraram a Concordata e o recente Código Civil, aparecido como necessidade de compilação de numerosa legislação dispersa que nele se devia conter, inclusive esse principio concordatório, dado o reconhecimento de efeitos civis atribuído ao casamento religioso, vítima dos ominosos tempos, sob cujo impulso soçobraria se não fora o movimento redentor de 28 de Maio.

Nem há, também, que falar de privação de um direito quanto àqueles que não podem recorrer ao divórcio, pois o que verdadeiramente há, no momento da opção, é uma renúncia tácita ao exercício de um direito que a lei civil reconhece como forma de dissolução dos casamentos civis e apenas quanto a estes e em relação àqueles que os contraem à margem de uma disciplina reguladora que não aceitam sorno corolário de uma atitude de fé que não tem ou desprezam com todas as consequências das preocupações de consciência, que do facto derivam - embora muitos, dizendo-se católicos! ... (?).

E aqui se põe o problema do casamento-contrato, de natureza civil, e do casamento-sacramento, de obediência religiosa, que o Estado Português reconheceu numa dualidade de indiscutível respeito pela vontade dos contraentes, já que a instituição do divórcio como meio de dissolução do vínculo matrimonial, generolizadamente estabelecida, desencadearia, mais do que um problema religioso, um problema social. Por isso será que não se pode ver o casamento religioso à luz da lei reguladora dos simples contratos, dado que aquele é muito mais do que isso, desde sempre "presumido perpétuo", como base da família, de cuja unidade depende a unidade social que nela fundamentalmente assenta.

Não. Um católico, mesmo que jurista, não pode pôr a questão em termos diferentes, sejam quais forem as suas predilecções pelos ventus popularis ...

Sr. Presidente: Eu creio ter resultado .implícito das considerações feitas, ao arrepio dos correntes de que não quero ganhar o favor, que, sem o risco de cair na inconstitucionalidade, não pode o Estado tomar qualquer iniciativa em matéria de tamanho melindre, cujo estudo deve pertencer a Igreja, que decerto o não descurará, atentas as graves repercussões morais de certas situações, sobre o erotismo de certos cônjuges desavindos, a reclamá-lo a triste situação de muitos filhos ilegítimos, vítimas inocentes dos dramas humanos para que não contribuíram. A Igreja que é mestra e mãe, e não ao Estado, através desta Assembleia, é que os católicos autênticos, sem objectivos políticos, devem propor o problema.

Em que termos?

Pois do único modo que se me afigura certo, no sentido da possibilidade de um recurso ao Tribunal da Bota, através do tribunal eclesiástico diocesano para apreciação de certos casos, apenas certos casos que exigem uma ponderação e julgamento especiais; já que não duvido de que um rigor indiscriminado pode afectar a desejada obediência à disciplina religiosa.

Embora de instituição divina, a indissolubilidade do casamento católico poderá ser revista, e talvez deva sê-lo, à luz das exigências de um condicionalismo social que não pode deixar de ser considerado emanado da mesma fonte.

Contra o divórcio generalizado nos termos amplos em que é pedido tenho, contudo, fé na suprema sabedoria da Igreja para encontrar a solução. conveniente.

O Sr. Barreto de Lara: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Faça favor.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Cunha Araújo, V. Ex.ª está mesmo no limite do tempo regimental.

O Sr.. Barreto de Lara: - Eu prometo ser incisivo e breve. Esqueci-me de agradecer há pouco a V. Ex.ª, Sr. Deputado Cunha Araújo, a bondade de permitir a interrupção que fiz, e penitencio-me até porque foi intempestiva. Mas agradeço-lhe agora.

Tenho acompanhado as considerações de V. Ex.ª com toda a atenção, não já e só como Deputado, mas como - jurista. E com o mais vivo interesse.

Mas quero significar que afinal V. Ex.ª circunscreve as suas observações apenas a um matiz dos que o Sr. Deputado Sá Carneiro abordou.

O Sr. Deputado Sá Carneiro não propugnou apenas a necessidade de uma revisão por forma a permitir o divórcio, mas, sim, o da revisão da Concordata em si mesma, chegando a perguntar se neste país católico seria mesmo necessária uma concordata.

Ora, filiando-me na mesma fonte de informação onde V. Ex.ª foi beber a origem da existência de um leader dos liberais da Assembleia, a imprensa ...

O Orador: - Eu sou um leader reaccionário, se calhar! ...

O Sr. Barreto de Lara: - V. Ex.ª é que se nomeia, se quiser. Deixo isso ao seu cuidado e critério.

O Orador: - Nomeio, não. Eu disse "se calhar".

O Sr. Barreto de Lara: - Mas dizia que li na imprensa, num escrito do P.º Dinis da Luz, o seguinte:

O Concílio traçou directrizes quanto à eleição dos bispos:

Decreto sobre d múnus pastoral dos bispos, n.º 20: "... Este sagrado Concílio ecuménico declara que o direito de nomear e criar os bispos é próprio, peculiar e, por sua natureza, exclusivo da competente autoridade eclesiástica. Por isso, para defender devidamente a liberdade da Igreja e promover mais eficaz

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e prontamente o bem dos fieis, este sagrado Concílio deseja que de futuro não se concedam as autoridades civis quaisquer direitos ou privilégios de eleição, nomeação, apresentação ou designação para o episcopado. As autoridades civis, porém, cujas atenções para com a Igreja este sagrado Concílio reconhece e aprecia com gratidão, pede-se com todo o respeito que, efectuados os devidos tratados com a Santa Sé, se dignem renunciar espontaneamente aos referidos direitos ou privilégios de que gozam actualmente por convenção ou costume."

Portanto, se a Santa Sé, ela própria, reconhece a existência de circunstâncias que a levam a pedir uma renúncia a uma das cláusulas do Tratado, também nós, dentro do legítimo equilíbrio entre contraentes, podemos pedir renúncias a cláusulas contratuais, sem ofensa de quem quer que seja e muito menos da Constituição.

O Sr. Duarte do Amaral: - Chamo a atenção de V. Ex.ª para o facto de que o Sr. Padre Dinis da Luz não é a Santa Sé. V. Ex.ª está a incorrer num erro gravíssimo. O Sr. Padre Dinis da Luz é apenas um distinto sacerdote e jornalista.

O Sr. Barreto de Lara: - Eu é que não sou padre com certeza! (Risos.)

Limitei-me a ler o decreto conciliar n.º 20 sobre o múnus pastoral dos bispos. Não são conclusões minhas!

O Orador: - V. Ex.ª dá-me licença?

Eu tenho de acabar, porque senão o Sr. Presidente toca a campainha.

E contra o divórcio "assim querido", sem me importunar com os epítetos de reaccionário e quejandos com que me vão mimosear, na cola da Rádio Argel, os seus agentes dentro das nossas fronteiras; ou de conservantista, que "certos liberais" vão responsabilizando por tudo que não corre à medida dos seus desejos ou contra estes ...

De qualquer modo, vir ao encontro deste problema também foi para mim um caso de consciência.

Deo juvante.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: Aproveito este breve intervalo para fixar um ponto que espero não levante divergências: uma intervenção parlamentar só o é depois de pronunciada na Assembleia Nacional.

A Sr.ª D. Luzia Beija: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Está, neste momento, posto à consideração do País o notável programa da reforma do nosso sistema educativo, que estrutura todo o ensino, desde o infantil à pós-licenciatura, desde a base da escolaridade obrigatória até ao limite da capacidade intelectual de cada um.

Num segundo texto apresentado ao País, dá o Ministro da Educação Nacional prioridade ao ensino superior, cúpula de todo o sistema e viveiro dos profissionais que irão incrementar o desenvolvimento do País em todos os sectores.

Mas, se em qualquer construção, com preocupação constante em ordem ao seu volume, é necessário cuidar dos alicerces antes de desenvolver as estruturas superiores, também na pirâmide do ensino é preciso cuidar bem da base, assegurando a todos a viabilidade da escolaridade obrigatória, que, em muitos casos, não se verifica.

Mantém-se assim, apesar da preocupação do Governo e da prioridade dada à educação, uma certa margem de analfabetismo que não desaparecerá enquanto não forem tomadas medidas especiais que assegurem, com eficácia, a educação básica de todos os portugueses - pois que, se a educação é um direito hoje formalmente reconhecido, em contrapartida é também um dever social, cujo cumprimento o Estado deve exigir de coda cidadão, com o mesmo rigor e a mesma persistência com que exige o serviço militar.

Entre os causas do não cumprimento desta obrigatoriedade, figuram os diminuições mentais e físicas que, segundo s publicação da U. N. E. S. C. O. Education et Santa Mental, afectam 20 a 25 por cento das crianças de todo o Mundo, que, por isso, necessitam de ensino especial.

Na falta de estatísticas nacionais e reportando-nos a estes inúmeros, teremos de considerar este assunto como uma emergência, mobilizando todos os recursos possíveis em ordem a sua solução.

Contudo, as estatísticas vindas de alguns países da Europa mais próximos dos nossos condicionalismos colocam-nos perante perspectivas menos sombrias que acusam apenas 8 a 10 por cento de crianças necessitadas de ensino especial, o que, para o nosso país, daria, numa estimativa grosseira, aproximadamente 100 000 crianças. 100 000 crianças que, pela Declaração Internacional dos Direitos da Criança Diminuída Mental, proclamada em 1968, têm direito, além dos cuidados médicos e tratamentos físicos apropriados, a educação, instrução, formação e integração na sociedade a que pertencem.

Pois, Sr. Presidente, existem neste momento em Portugal, distribuídas por 96 classes, apenas 1430 crianças a beneficiar deste ensino, apenas 1,4 por cento das necessidades previstas, número irrisório e meramente simbólico em relação ao que se impõe.

Acresce ainda que estas escolas se concentram praticamente só em Lisboa e Porto, estando o resto do País absolutamente desprovido delas.

O distrito de Setúbal, com uma frequência escolar de mais de 60 000 crianças, não conta com uma única, apesar das várias tentativas feitas neste sentido.

O que acontece então a esta provável centena de milhar de crianças, em grande parte recuperáveis e com vastas potencialidades a desenvolver?

A uma parte delas, com deficiências mais acentuadas e visíveis, é totalmente negada qualquer possibilidade, pois, nos termos do Decreto-Lei n.º 38 969, estas crianças estilo dispensadas do ensino regular.

Nos casos menos notórios, mas com fraco quociente intelectual, faz-se a matrícula normal, e então o que acontece? Ou abandonam pouco depois a escola, frustradas e sem qualquer preparação, ou persistem, prejudicando o rendimento da classe que frequentam, onde constituem um verdadeiro peso morto.

Nos melhores casos, as levemente diminuídas conseguem avançar penosamente, e é assim que os nossas estatísticas escolares revelam um aumento progressivo na percentagem de alunos atrasados em relação à sua idade cronológica.

A do ano de 1967 regista, na 1.º classe, um atraso de 26 por cento; na 2.ª, 38 por cento; na 3.ª, 41 por cento, e na 4.ª, 53 por cento, acrescendo ainda que havia na 1.ª classe mais de 1000 alunos com 12 anos e mais de 100, na 1.ª classe, com 13 anos.

Quanto teria custado ao Estado, em pura perda, a frequência escolar destas crianças? E como conciliar estes números com os escalões de ensino rio novo sistema educativo português?

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Repetimos: se não cuidarmos dos alicerces, que possibilidades há de construirmos um edifício com garantias de solidez?

Ë necessário cuidar, quanto antes, do desenvolvimento do ensino especial, fazer o rastreio médico-pedagógico, pelo menos das crianças de mais fraco rendimento, abrir escolas em número suficiente para educarem e integrarem estas crianças na sociedade, fazendo delas elementos úteis.

Urge, antes ainda, cuidar da formação dos professores necessários, que, entre nós, se preparam apenas no Instituto de Aurélio da Costa Ferreira, organismo bem orientado mas sem meios que lhe permitam alargar a sua acção, tendo especializado nos últimos anos apenas uma média de 12 professores por ano.

Impõe-se aumentar a eficácia desta instituição, abrir outras simulares, introduzir noções deste ensino nas escolas do magistério primário e nas de educadoras da infância e dar maior estímulo a quem se quiser especializar na solução de tão magno e doloroso problema.

Com efeito, os professores actuais, com um ano de especialização e um trabalho ingrato a desempenhar, auferem apenas gratificações que vão de 300$ a 600$ mensais, conforme as diuturnidades, sem que os mesmos, estabelecidas desde 1958, tenham acompanhado os melhorias de vencimentos decretadas.

Mas não são apenas os diminuídos mentais que constituem os marginais da educação. Em igualdade de circunstâncias situam-se os diminuídos sensoriais, com deficiências auditivas e visuais, também necessitados de ensino especializado, que, da mesma maneira, entre nós é apenas simbólico.

Há ainda a criança de saúde precária e mal vigiada. Há aquela cujo trabalho já conta para a família ou cuida dos irmãos enquanto a mãe trabalha. Há a que, vivendo num meio rural, desanima perante o fatigante percurso diário para a escola. Há a que pertence a uma família para quem a educação nada representa de imediato ao lado dos tostões que a mendicidade pode render. Há a que provém de famílias migrantes e cujos pais não tem o interesse necessário para proceder à transferência. Há o mau ambiente familiar, o desleixo, a miséria, a vadiagem, e todo um complexo de causas sócio-económicas que, num interessante trabalho há tempo realizado na Escola de Ferreira Borges, se revelou estarem na base do precário rendimento dos alunos de mais baixo e negativo aproveitamento.

E é assim que, anualmente, aumentando as fileiras do analfabetismo, milhares de crianças se escapam pelas malhos da nossa frouxa teia da escolaridade obrigatória - sem um serviço social de apoio que, estabelecendo a ligação entre a escola e a família, caso por caso, garanta na verdade a efectividade do ensino.

Espero que, no projectado alargamento da acção social escolar, caibam as medidas que concretizem o principio, tão justamente enunciado, de que a "educação do indivíduo é a finalidade primeira do sistema educacional e de que todos, em igualdade de oportunidades, devem encontrar neste sistema as vias que garantam o seu inalienável direito à educação".

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

A oradora foi cumprimentada.

O Sr. Nunes Mexia: - Sr. Presidente: Ao intervir em 1964 no aviso prévio sobre a crise da agricultura, de que V. Ex.ª foi, em boa hora, o autor, começava assim a minha intervenção:

A crise agrícola é uma realidade já conhecida, sobre que muito se tem falado, mas as soluções adoptadas para a resolver não tem dado resultados positivos,

A situação é hoje pior do que há um ano, e cada dia que passa torna mais difícil a solução de um problema que, em verdade, podámos dizer, afecta todo o País.

Dos aspectos económico, financeiro e de confiança de que se reveste a crise no momento actual há que esperar agravamento dos reflexos políticos próprios, caso não se actue prontamente.

E continuava:

Já há uni ano - Março de 1963 - chamei nesta Câmara a atenção do Governo para o problema agrícola e, infelizmente, tudo quanto foi dito tem hoje mais actualidade do que então.

Infelizmente - Sr. Presidente - poderia repetir esta citação no momento presente, simplesmente mudando as datas, e novamente afirmar que: dos aspectos económico, financeiro e de confiança de que se reveste a crise no momento actual há que esperar agravamento dos reflexos políticos próprios, caso não se actue prontamente.

De facto, depois de um período em que se deram passos, francamente positivos, no restabelecimento da confiança da nossa agricultura nos seus destinos, em que foram atendidas muitas das justas razões apresentadas, em reunião magna da lavoura nacional, como indispensáveis para a sua sobrevivência e necessárias para que se pudessem criar as possibilidades e meios de acção que permitiriam preparar o caminho para o futuro, volta a situar-se o problema agrícola à luz de conceitos de 1963, alheios as realidades que, aliás, se reconhecem, pois se afirma que é precária a situação de grande número das explorações agrícolas - acrescentarei que são raras as que fogem à regra -, e esquecendo-se tudo quanto se passou, repetem-se situações e actuações que só contribuem para tornar o panorama sombrio e desencorajador para os que teimam em continuar, gerando-se uma incompreensão e incerteza quanto no futuro, que, para além de fomentar um desânimo que quebra qualquer estímulo, cria um clima de desconfiança.

Não poderia ser outro o reflexo da apreciação dos esforços feitos por uma classe, que, consciente das responsabilidades que lhe competem neste momento difícil da vida nacional, tudo fez e se empenhou para dar resposta a política definida em 1965, para agora se ver apresentada ao País como uma classe de rotineiros, se não mesmo parasitas - como concluíram certos editorialistas, em face das afirmações dos responsáveis -, quando são bem evidentes, para quem não se nego- a ver ..., o muito que se avançou, que se modificou, se reconverteu, uma vez criadas as condições mínimas exigidas.

Se já hoje se verifica uma paragem no caminho que se vinha trilhando, o facto deve-se à falta de manutenção dessas condições mínimas, à falta de coerência na manutenção de uma política que vinha sendo seguida e à falta de resolução de determinadas premissas do problema, que fazem com que grandes regiões não tenham podido dar resposta satisfatória às medidas tomadas.

No fundo, mais uma vez se omitem as verdadeiras causas da crise e se induz, pelo menos o público menos conhecedor do problema, em erros de interpretação que não podem deixar de conduzir a injustiças ma apreciarão de

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esforços feitos que ferem os que tanto se tem sacrificado e em nada contribuem para se sair da situação criada, antes a agravam.

E é daquelas fontes douda seria de esperar compreensão e realidades que vem a confusão e recriminações, talvez com o fim único de passar as culpas a quem não os tem.

Sr. Presidente: Não quis fazer esta intervenção seio ter certezas, nem auscultou o que se passava e sentia para além daquela região que mais directamente aqui represento, sem saber como se pronunciavam os outros meios interessados. Depois de ouvir o que se disse no último conselho geral da Corporação du Lavoura, não me ficaram dúvidas sobre a razão de ser do que atrás afirmei e da necessidade de aproveitar esta tribuna para esclarecer pontos que encontravam os maiores obstáculos aã sua divulgação.

Foi apresentado ao País um decreto-lei - o regime cerealífero- que vem lançar as bases, segundo afirma, de uma nova política Agrícola. Deixando por agora de lado o que de orientação esse decreto-lei traduz, analisemos o que se diz no seu preambulo, e que deu azo ao descontentamento profundo de toda uma classe.

Depois de reconhecer a persistência de uma crise agrícola, agravada por um súbito e maciço êxodo da população rural, e a difícil situação em que se encontram a maioria dos agricultores, não obstante os actualizações de preços feitas nos últimos anos e a acrescente participação dos fundou públicos nos créditos agrícolas, refere que o montante dos subsídios excede já 7 por cento da receita bruta agrícola, rondando o milhão e meio de contos por orno, despendidos com a sustentação de preços, e esclarece que não tem deixado de se agravar a situação do sector agrícola, geralmente descapitalizado e endividado.

Chama depois a abençoo pura os problemas da inserção da nossa economia na Europa e rejere que a política agrícola tem de sei global e ter presente a necessidade de satisfazer as exigências alimentares do País, sem esquecer a necessidade de ser uma agricultura competitiva. São feitas ainda várias considerações sobre a relatividade dos preços do nosso trigo, em face do que se passa no Mercado Comum, e, por último, conclui-se que os subsídios da reconversão, pagos com o preço do trigo, não resultaram em reconversão efectiva, que os nossas baixas produções unitárias sã devem mais ao uso de práticas culturais de todo divorciadas dos processos dos técnicas modernas do que à irregularidade climática. Estes são, em resumo, os factos mais salientes que se referem no preâmbulo do decreto citado, e não nos podemos admitir que muitos, interpretando o sentido do que se diz e desconhecendo a realidade, sejam levados a pensar que todo o mal vem da incompetência de uma classe que só existe por ser subsidiada e que, como é apresentada, parece negar-se a compreender a evolução que a torne capaz de resolver os seus próprios problemas.

Seria demasiado simples se fosse este o problema, se fossem esses os verdadeiros pontos determinantes da persistência de uma anise que, como é evidente, são os lavradores os mais directos interessados em resolver, porque então poderíamos estar certos de que ela nem teria chegado o existir. Esquece-se muito rapidamente o que é dito nesta Cornava, o que se traduz nos pareceres da Câmara. Corporativa e até o que tantos vezes foi afirmado por membros do Governo, pois a não ser assim nunca se poderiam tirar as conclusões de interpretação que vimos reproduzidas.

Se recordarmos o relatório do III Plano de Fomento e os pareceres da Câmara Corporativa, em que expressamente se afirmava que o problema agrícola, é complexo e que só por uma acção governamental de conjunto se poderia conduzir o sector ao nível que se impõe, já começamos a ter uma ideia das complicações que o problema envolve.

Se recordássemos o que então foi dito, ficaríamos com uma ideia mais vasta dos assuntos que se prendem com a solução agrícola e que transcendem em muito o próprio sector, mus é evidente que tal não é possível no âmbito de uma simples intervenção.

Contudo, há verdades que certamente todos nós temos presentes, tais como a crise que tem afectado todas as agriculturas europeias depois da guerra e dos inúmeros problemas que na hora actual persistem mesmo adentro do tão falado Mercado Comum Europeu.

A título de confirmação do que ficou dito, cito o início de um artigo do jornal alemão Dic Welt, de 16 de Outubro de 1969, em que se diz:

Os agricultores estão aborrecidos, estão cansados de serem apontados na Europa como o bode expiatório . .

E mais à frente:

Não estão dispostos a pagar a conta pelas modificações das paridades monetárias, só pelo facto de a política económica e a política monetária continuarem sendo manejadas da parte dos seis países do M. C. E. em regime nacional.

Para confirmar que há problemas agrícolas no M. C. E. refiro ainda o que Adrien Zeller nos diz logo na introdução do seu livro L'Imhroglio agricole da Marche comum.

Mesmo se ele permitiu os mais belos sucessos europeus, o dossier agrícola do M. C. E. é inquietante. A conferência cimeira da Haia e a adopção pelos Seis do regulamento financeiro europeu, em fins de 1963, não desanuviaram, o fundo do problema económico e social que põe dez milhões de agricultores europeus ansiosos pelo seu futuro.

E, se tivermos dúvidas quanto à complexidade do problema agrícola, bastará referir a afirmação que Pisani faz no prefacio do mesmo livro:

De todos os problemas modernos, a agricultura é um dos mais difíceis.

Como se depreende de tudo isto, o problema agrícola não é só nosso, nem tão simples que permita filiá-lo onde parece querer-se.

Mas Sr. Presidente: Para que seja possível esclarecer alguns daqueles pontos que atras referi, e aceitando o termo de comparação proposto - o Mercado Comum -, vejamos alguns casos referidos.

Consideremos um dos pontos apresentados, o dos subsídios, a que com grande alarde se alude como sendo da ordem de um milhão e meio de contos e atingindo já 7 por cento do produto bruto agrícola e, mesmo pondo de lado por agora, se a sua índole é paralela ao que se pratica no M. E. C., vejamos o que por lá se possa neste campo dos subsídios e sustentação de preços para podermos comparar as situações.

Para o ano de 1969-1970, depois de se informar que os principais responsáveis pelos gastos são os produtos lácteos, o açúcar, as oleaginosas e os cereais, esclarece-se que o montante das despesas do fundo de sustentação atingem valores da ordem dos 75 milhões de contos, o que representa O por cento do produto bruto agrícola do M. E. C. e equivale a 15 por cento dos rendimentos dos seus agricultores.

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Como se depreende da analise dos valores comparáveis, as percentagens sobre o produto bruto, que são, respectivamente, 7 por cento no nosso caso e 9 por cento no caso do M. E. C., não nos ficam dúvidas de que estamos, mesmo neste campo dos subsídios, em atraso sobre a Europa, pois para que as percentagens fossem iguais teria a lavoura nacional de ter recebido subsídios que rondariam os 2 milhões de contos.

Se, porém, nos debruçarmos um pouco mais em profundidade sobre os termos de comparação que nos foram apresentados e entrarmos no campo dos preços percebidos pelas duas agriculturas, observamos que para a generalidade dos produtos agrícolas os preços são mais elevados no M. E. C. Tomando como referência os preços recebidos pelos agricultores do M. E. C em 1969, que tirámos das revistas da especialidade Monde Agrícola, n.º 441/442, e Marche Agricole, e aplicando-os às nossas produções só de cereais, azeite e corne de bovinos, verificamos que a lavoura nacional teria recebido, só nestes produtos e nesse ano, mais de 2 milhões de contos do que de facto recebeu depois de incluídos os subsídios, pois nos' cálculos os preços nacionais adoptados já incluem o tal milhão e meio de contos referidos. Propositadamente não incluímos outros produtos em que as diferenças contra nós são ainda mais favoráveis, tais como as outras carnes, as madeiras, porque já é suficientemente elucidativo o exemplo para mostrar quanto ganharíamos em ter um tratamento igual. Quanto teríamos recebido a mais, se se tivesse dado a conjugação dos dois factores apresentados, subsídios e preços, nos últimos anos?

Como se torna evidente, se estes factos tivessem sido. apresentados ao público, estamos certos de que a interpretação teria sido outra, pois que afinal até encontramos nestes dois pontos referidos uma das razões que fazem com que a nossa crise agrícola se mantenha e até se agrave. Com condições edafo-climáticas piores, preços de produtos mais baixos e custos de factores de produção - maquinaria, adubos, transportes, pesticidas, ferro, cimento, etc. - dos mais altos da Europa, havendo uma única excepção na mão-de-obra, se for tomada no seu valor nominal, mas não se formos para a relação custo produtividade, porque então já deixará de constituir excepção, não será para estranhar a situação em que se encontra a lavoura, pois milagres ninguém os faz.

Quanto ao que se afirma relativamente a não ter havido reconversão efectiva, a nossa admiração não pode deixar de ser grande. Os factos são tão evidentes que julgávamos não ser necessário referi-los, quanto mais repeti-los.

Ainda há um ano, nesta Câmara, dizia que, por virtude das técnicas de produção que a lavoura tem posto em execução, se permitiu aumentar a produção do trigo à tendência de 27 000 t anuais, embora reduzindo a área de cultura à taxa de 39 500 ha desde 1963. Como vemos, o avanço e aproveitamento de técnicas modernas permitiram elevai- produções por hectare, e se mais não se tem conseguido, isso se deve à pobreza dos solos de que dispomos e à incerteza do clima.

Praticamente hoje, pelo menos na região, responsável por 60 por cento da produção de trigo nacional, toda a cultura está praticamente mecanizada, não constituindo já motivo de admiração ver-se até o avião ou o helicóptero em trabalhos de adubação ou de mondas químicas, tão correntes são já essas práticas.

Mas os números falam por si, e recorrendo à estatística agrícola verificamos que de 1965 a 1969 - não nos foi possível obter dados oficiais de 1970 - foram adquiridas pela lavoura 1657 ceifeiras-debulhadoras, o que representa um investimento superior a 450 000 contos. De tractores agrícolas, as aquisições no mesmo período ultrapassaram as 11 900 unidades, o que mesmo considerando valores baixos, se pensarmos no custo das alfaias que necessariamente tiveram de ser adquiridas para os tornar operacionais, tais como charruas, grades, escarificadores, espalhadores de adubo e estrume, reboques, enroladores de feno, gadanheiras, enfardadeiras, etc., com certeza que, ponderando os valores médios dos custos e das cargas necessárias por maquina, temos um investimento que ultrapassa de longe o milhão e oitocentos mil contos.

Teremos, pois, de, mesmo sem considerar os outros investimentos em florestação, arranjo de terras, construção de instalações, etc., e toda a gama de investimentos nos gados, de muito foi ultrapassado o valor correspondente à verba de $30 por quilograma de trigo concedida para reconversão, e temos mais, pois estes investimentos são em si mesmo uma prova da reconversão de técnicas e métodos de cultura que, conjugados como o que ficou dito quanto a taxas de redução dos áreas cultivadas e ao aumento de produção de carne e leite de todos conhecido, prova que houve reconversão autêntica e no sentido preconizado; pois tudo isto não se consegue sem a reestruturação interna das empresas e das explorações, sem modificar rotações e métodos de trabalho. Mas também encontramos aqui nestes investimentos cujos valores se indicam, e nos que se referiram sem cálculos, outra das razões de ser de o sector agrícola éster descapitalizado e endividado, pois fez investimento a que não foram mantidas os rentabilidades previstas, porque se seguiu uma política estática de contenção de preços no produtor, com base nos valores de 1965, perante uma subida de todos os factores de produção, simultaneamente com o lançamento de novos encargos.

Como para fazer os investimentos a lavoura teve de recorrer ao crédito e não conseguiu o aumento de receitas proporcional aos gastos, ficou ainda pior do que esteva, como é evidente.

Outro ponto que agora vimos renascer é a ideia de uma agricultura competitiva, de que, alias, as comparações que se fazem no preâmbulo são um reflexo.

Já em 1964, referi aqui que os preços dos produtos agrícolas internos são diferentes de país para país e não coincidem com os do mercado mundial, sendo em regra muito superiores a estes. A propósito referi até o que numa reunião da C. E. A. tinha ouvido ao então Ministro da Agricultora francesa Mr. Pisani - que fez a afirmação de que não havia competição entre agricultores dos diferentes países, mas sim entre os seus Ministros das Finanças, e ouvi-lhe também dizer que a melhor maneira de manter um país subdesenvolvido era fornecer-lhe produtos agrícolas a preços baixos, pois assim se evita o desenvolvimento da sua agricultura, se não for mesmo caso de provocar a sua ruína.

Se recordarmos a citação que atrás fiz quanto a uma publicação na imprensa alemã em 1969, só teremos a confirmação de uma verdade já anunciada há anos por Pisani e que se mantém talvez ainda mais viva que então.

Raríssimos serão os produtos alimentares básicos que hoje são exportados por qualquer país ou grupo de países que não beneficie de fortes dumpings. Mesmo dentro dos grupos associados, tais como o M. E. C., os preços são diferentes de pois para pais, havendo fundos de compensação que trabalham automaticamente, não só para manter viáveis agriculturas de cada país, mas também para assegurarem os rendimentos dos explorações. Grande parte dos 75 milhões de contos referidos são gastos nestes equilíbrios e outra paute substancial nas ajudas à exportação de excedentes.

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Gomo exemplo, cito o caso da manteiga, em que qualquer produtor do M. E. C. que exporte para fora, da comunidade recebe uma subvenção automaticamente igual a diferença entoe o preço interno do seu país e o preço mundial, qualquer que este seja, mesmo que chegue ao ponto de só ter valor simbólico. No momento presente, pana a manteiga, relativamente à França e ao preço mundial, há uma diferença de 7 para l, o que equivale a dizer que o produto recebe uma subvenção de exportação de seis vezes o valor desta. Como, embora com valores diferentes, o que se passa para com outros produtos tem mecanismos paralelos, toma-se evidente que a competição - a colocação de produtos noutros mercados - resulta, no fundo, de uma maior ou menor capacidade financeira do pais exportador. Tanto mais quanto é certo que, por outro lado, existem leis proteccionistas que não permitem a livre entrada de produtos agrícolas aios meneados de cada pois. Por exemplo, em França., o artigo 30 da Lei de Orientação Agrícola estabelece que não pode haver importação de produtos agrícolas ou alimentaras senão depois do acordo do Ministro da Agricultara e após consulte de comité de gestão dos fundos de regularização de mercados.

Expressamente, para os produtos agrícolas que estão abrangidos pela organização de mercados, estabelece que não podem ser comercializados os produtos importados a uma cotação inferior à do preço base de garantia, enquanto a cotação dos produtos franceses correspondentes não atinja os preços máximos de intervenção.

Paira o caso dos borregos, que conheço bem, só é permitida a importação quando em duas semanas consecutivas á ultrapassado o preço máximo de intervenção no meneado de La Villete e cessa a hipótese de comercialização logo que nesse mercado a cotação dos borregos franceses está abaixo do preço máximo.

O Sr. Trigo Pereira: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Faz favor.

O Sr. Trigo Pereira: - A informação dada em relação a possibilidade de exportação de borregos para o mercado francês posta tal qual V. Ex.ª acabou de referir coloco-nos a nós, possíveis exportadores, numa situação dupla: uma, manutenção de preços internos, portanto manter o preço do borrego em preços competitivos de exportação; outra, impossibilidade de exportação em épocas que, digamos, mercê das condições climatéricas, vão-se sobrepor às condições de produção do mercado português.

Estará certo?

O Orador: - Agradeço a intervenção de V. Ex.ª Está absolutamente certo e á evidente que resulta, para que seja impossível essa exportação, uma manutenção de absorção no mercado interno, porque esto questão para a França aparece, por exemplo, posta numa semana e nos nunca sabemos qual ó que ela vai ser. Portanto, temos de estar preparados. Para isso é preciso uma garantia interna alto, porque senão ó impossível exportarmos para Franca.

Como se depreende da conjugação das duas políticas - a de exportação e importação -, resulta que é impossível uma concorrência entre agricultores de poises diferentes.

Para mais, nós, os Portugueses, temos obrigação de compreender facilmente a verdade que se contém na afirmação feita, não só porque conhecemos o que se passa no espaço português como até porque sabemos o que traduz o verificar-se dentro da própria metrópole o estabelecerem-se preços diferentes paro um mesmo produto tabelado, conforme os regiões - caso do arroz - e a manutenção de proibição de certas produções para determinadas áreas - caso da vinha.

Só existe concorrência na oferta a plano internacional, e aí já vimos que os preços são de dumpings, tudo se traduzindo, pois, numa concorrência de capacidades financeiras e de influências políticas.

Hoje é cada vez mais difícil e mais dispendioso colocar produtos agrícolas no mercado externo, pois, como resultado da política generalizada de incremento da produção feita no pós-guerra, raros serão os produtos que não encontram a concorrência de excedentes que há que colocar a qualquer preço.

Certamente por isso se verifica uma mudança das políticas agrícolas, como informa a F. A. O., e nos encontramos hoje perante políticos diferentes, conforme se trate de países importadores ou exportadores, mas no fundo todas obedecem às realidades que ficaram ditas e tem presente a necessidade de ajustar a produção ao consumo.

Por outras palavras, procuram como caminho mais fácil e barato untes levar as suas agriculturas a colmatar os deficiências das carências internas do que lançá-los na produção de produtos de exportação.

Para confirmar o que fica dito, basta ver através de uma breve análise o que se passa no campo das políticas cerealíferas mundiais - publicação da F. A. O de 1969 -, onde verificamos que os principais objectivos das políticas nacionais se agrupam em três categorias:

1.º Sustentação de rendimentos agrícolas;

2.º Encorajamento à produção, diverso conforme os casos;

3.º Protecção do consumidor.

Tendo em vista o primeiro objectivo, verifica-se uma crescente utilização da diferenciação de preços entre o mercado interno e os mercados estrangeiros e que os preços de garantia internos de todos os cereais foram, de uma maneira geral, e salvo raras excepções, aumentados. Estes aumentos explicam-se muitas vezes pela subida geral dos preços internos de factores de produção e dos serviços.

Na maior porte dos países desenvolvidos a sustentação dos rendimentos agrícolas ocupa o primeiro lugar dos diversos objectivos políticos.

Quanto ao segundo objectivo - encorajamento da produção -, verificam-se, como é natural, duas posições diferentes.

Os países exportadores - embora continue prática corrente o auxílio à exportação - procuram em certa medida desencorajá-la, deixando de lhe dar as mesmas garantias, e tentem conduzir os suas agriculturas à redução das áreas cultivadas.

Os países importadores visam, através de medidas de protecção em favor da produção, o aumento do seu auto-aprovisionamento de cereais, e isso tanto os países desenvolvidos como o maior porte dos poises em vias de desenvolvimento.

De entre 09 primeiros assim se manifestaram a Áustria, a Finlândia, a Irlanda, o Reino Unido e a Jugoslávia. Nos do segundo grupo até a Índia fez a afirmação de que, a partir de 1970-1971, não procurará mais a compro de trigo em condições de favor, pelo que já tomou medidas de fomento que a levem ao seu auto-aprovisionamento.

Quanto ao terceiro ponto, defesa do consumidor, diz-se:

A estabilização dos preços de consumo a níveis compatíveis é o terceiro objectivo das políticas nacio-

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naia de cerealicultura da maior parte dos países. Todavia, os países em .vias de desenvolvimento reconhecem, cada vez mais, que o melhor meio de atingir este objectivo é o de acelerar o aumento da produção. A alta dos preços de garantia à produção, que teve lugar ultimamente nalguns destes países, não deve levar a pensar que o Governo se preocupa menos com os interesses dos consumidores, mas antes que se modificaram os métodos utilizados para servir os interesses destes.

Nas modificações das políticas seguidas verifica-se que se começou a fazer dos preços um dos principais elementos do fomento da produção, e que, dentro do ajustamento da produção às necessidades actuais, se deu uma modificação geral na relação de preços relativos do trigo e dos cereais secundários.

Sr. Presidente: Como compreender, à luz de tudo quanto ficou dito, o encaminhar que se pretende dar à mossa agricultura e as recriminações que advém por a lavoura não poder resolver problemas que a transcendem? Por um lado, deixam-se subir os custos dos factores de produção e lançam-se novos encargos, sem permitir, em contrapartida, o aumento dos preços dos produtos.

Só como exemplo podemos esclarecer que de 1965 para cá o aumento anedio da maquinaria é da ordem dos 30 por cento e que a mão-de-obra passou de um valor médio ponderado de salário/homem de 35$80 em 1965 para 64$23 em 1969, mas, já em relação a 1970, se considerarmos o Índice 100 para 1965, vamos encontrar o Índice 217,2 para o caso de assalariados eventuais e o Índice ponderado de 234,3 para o caso de empregados permanentes. Estas diferenças resultam da conjugação da subida salarial com os novos encargos com a previdência. Os aumentos de custo dos transportes situam-se entre os 30 e os 50 por cento, mas não vale a pena continuar, pois todos VV. Ex.ª conhecem o que se passa nestes campos.

Por outro lado, embora se reconheça publicamente a não rentabilidade da maioria das empresas e a quebra total de rendimentos de algumas explorações, continuam a manter-se tributações e até mesmo a aumenta-tos em alguns casos - revisões cadastrais.

O caso gritante do que se passa com o azinho continua por rever. Impassivelmente, continuam-se a tributar rendimentos às lenhas, à bolota e à cultura sob coberto, sabendo-se que o primeiro constitui um encargo, o segundo é praticamente inexistente e o terceiro é impraticável por não ser possível hoje manter culturas sem ser à base da máquina. E, para além disto, com isto mantém-se a obrigatoriedade do pagamento de tratamentos do azinhal, quando simultaneamente se dão subsídios para o seu arranque.

Contudo, a área de azinhal anda por uns 600 000 ha, não sendo, pois, para desprezar o efeito, até político, que estas medidas representam e em quanto contrariam o atingir-se aquela capacidade financeira mínima, indispensável para se poder progredir.

A pouca importância, que se dá entre nós ao primeiro dos objectivos que vimos definido para o comum das agriculturas mundiais torna-se bem patente no que ficou dito.

E quanto ao segundo objectivo e às orientações de política agrícola que ele encerra, a realidade dos factos situa-nos no grupo dos países importadores, enquanto a análise do caminho que se aponta nos faz pensar que se toma o dos países exportadores.

Perante uma carência crónica de cereais, traduzida numa importação que chega a atingir verbas que ultrapassam l milhão de contos anualmente e em que só o valor quanto ao trigo, no espaço dos últimos cinco anos, ultrapassa os 3 milhões de contos, que se propõe?

Propõe-se uma reconversão de culturas e uma intensificação para compensar a produção das terras que há que abandonar.

Já em 1963, aquando das jornadas cerealíferas e leiteiras, a lavoura dizia:

Não existo de momento qualquer cultura capaz de substituir os cereais em boas condições de rendimento. Restar-nos-ia como única alternativa - se não a charneca com manadas de vacas, cabradas e cortiços de abelhas do tempo dos nossos avós, pelo menos rotações de seis a sete anos com largos pousios aproveitados com pastagens naturais, alternativa tão pouco brilhante e tão pouco rendosa para nós e para o País que a maioria dos lavradores não a encara a sério e procurará resistir-lhe até ao último extremo, embora possivelmente tenha de se lhe submeter, se não forem reconhecidas melhores condições à cultura de cereais ou criadas alternativas válidas para ela.

Como podemos concluir, de há muito que a lavoura está interessada em reconversão, simplesmente não se têm mostrado economicamente válidas as hipóteses que se apresentam como possíveis, e assim já hoje nos encontramos perante aquilo que temíamos em 1963: abandono de culturas, sem se criar nada em contrapartida.

A florestarão não tem progredido ao ritmo desejado, porque A Lei n.º 2069, publicada em 1954, nunca foi regulamentada nem dotada, o que toma impossível a uma agricultura descapitalizada recorrer a esta solução, e ainda não são suficientes as medidas agora anunciadas para resolver o problema neste campo, pois são restritas a um certo número de casos e escassas.

As pastagens semeadas, até consideradas na Lei de Meios, já ensaiadas pela lavoura, não se apresentam com resultados aliciantes, como, aliás, também se pode concluir do relatório do grupo de estudos de Assumas sobre pastagens, após sete anos de estudos.

A tudo a lavoura tem lançado mão para se livrar de uma cultura que se teima em manter deficitária com o argumento de que fica cara em relação ao que se consegue noutros países com melhores condições edafo-climáticas, como se fosse possível esperar-se custos iguais perante condições diferentes, embora com técnicas semelhantes.

Como se depreende do que ficou dito, mais parece querer-se contrariar a política geral que vimos definida no segundo objectivo das agriculturas mundiais do que adoptá-lo.

Na afirmação de princípios contida no que se disse quanto ao terceiro objectivo, vimos confirmado aquilo que há tanto tempo anunciámos - de que o preço é um dos principais factores determinantes de fomento e que, por vezes, reside nele s melhor defesa dos interesses do consumidor. Implicitamente está contido nesta afirmação o que também tantas vezes temos dito quanto aos subsídios serem mais um auxílio aos consumidores para alívio das carestias inevitáveis de produção do que um apoio directo a esta.

Através das considerações que venho expondo, tenho procurado chamar a atenção para alguns dos pontos que em si mesmo contribuem para a manutenção e agravamento dá crise e que, em muitos casos, são repetições de erros de actuações passadas, cujos resultados conhecemos.

Pretenderem-se manter produções abaixo de preços rentáveis, querer levar a novos investimentos através de subsídios a quem não tem assegurada a capacidade financeira mínima e não encontra nas soluções propostas a

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rentabilidade que lha garantia o pagamento que sempre exige o recurso ao crédito, não conduz a nada senão a uma paragem e abandono.

Sr. Presidente: O evolução demonstrada no caso do trigo, da carne e em muitos outros sectores que poderia apontar leva a afirmar que querer-se filiar na ausência de técnica a situação presente é erro de apreciação grave.

Se é certo que nas muitas e vastas zonas de pequena propriedade há muito maior dificuldade em avançar tecnicamente - e isto constitui o quebra-cabeças de todas as agriculturas europeias (lembremos a Plano Mansholt) -, há que ser realista e reconhecer que não estamos atrasados em todos os locais onde a estrutura fundiária não se opõe ao avanço. E sirvo-me do testemunho de um colega agricultor britânico, dos que agora pretendem apresentar-nos como os salvadores da nossa lavoura, e que disse ao Diário do Alentejo:

Tudo nos parece igual nas sementeiras, nas mondas, nas colheitas ...

Mas não há técnicas, por mais avançadas, que vençam o desequilíbrio entre preços de custo e de venda, permitam suportar novos encargos perante quebra de receitas importantes e ainda conduzam a melhores situações financeiras. O agravamento súbito do êxodo rural, que até aqui era o reflexo da introdução de técnicas mais modernas, é a resposta à insegurança e a incerteza de se poder continuar.

Apesar de tudo, termino estas considerações com uma palavra de esperança - acredito em que, rapidamente, como se impõe, seja possível retomar aquele caminho de recuperação em que já nos encontrávamos lançados - vendo restabelecidas, pelo menos, as condições mínimas que permitam prosseguir -, pois tenho presentes, para além da certeza das boas intenções do Governo, as potencialidades de resposta que a nossa agricultura sempre tem demonstrado quando se apresentam soluções viáveis, lenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Pinto Castelo Branco: - Sr. Presidente, meus Senhores: E facto de observação corrente a existência de actividades profissionais implicando um desgaste, digamos assim, prematuro nos trabalhadores que nelas se ocupam.

Refiro-me, nomeadamente, ao que acontece com os mineiros, a quem a sílicose (apesar das medidas de protecção mais eficientes que o progresso tecnológico e a preocupação das empresas e responsáveis do trabalho bem vindo a desenvolver}, a quem, dizia, a sílicose, não obstante tais medidas, continua, apesar de tudo, a desgastar mais rapidamente do que em profissões sujeitas a condições menos agressivas.

E talvez que o aspecto mais negativo de tal situação não seja tanto o da inutilização prematura das pessoas, pois, processadas a tempo e horas como o estão a ser as reformas antecipadas, os interessados conseguem até, na maioria dos casos, reencontrar fora da mina, em tarefas mais leves, trabalho que, juntamente com a pensão de reforma, lhes permite continuar a viver uma vida normal - produzindo trabalho útil e mantendo uma actividade regular -, o que também é muito importante para os próprios no plano do equilíbrio psíquico e, até, psicossomático. Paradoxalmente, eu diria que hoje quem se encontra em pior circunstância são os mineiros que têm mais, saúde ou são mais cuidadosos e atingem a trabalhar os 65 anos da idade legal de reforma.

Este caso, e a ele me encontro particularmente sensibilizado pelo facto de ser Deputado por um círculo onde existe a maior mina de volfrâmio do País (refiro-me à Panasqueira), leva-me a chamar a atenção do Governo e muito especialmente do Ministro das Corporações e Previdência Social, dirigindo um apelo no sentido de, para o caso concreto dos mineiros sujeitos especificamente aos perigos da sílicose, ser estudado o abaixamento da respectiva idade mínima de reforma, por exemplo, para 60 anos, ou mesmo menos, de modo que não continue a suceder, como já referi, que n reforma venha, se não ma maioria, pelo menos em muitos casos, anteceder de perto a morte, privando quem levou uma vida inteira de duro, útil e arriscado trabalho de gozar o merecido direito a alguns anos de velhice sossegada e ainda com saúde.

Sei que este ponto constitui aspiração antiga dos mineiros da Panasqueira, e tão evidentemente justa que nem sequer merece a pena insistir.

Estou, aliás, convencido de que de todos quantos trabalham em minas noutros pontos do País, e também os trabalhadores de obras públicas envolvidos na construção de túneis ou outros trabalhos sujeitos a condições semelhantes, decerto estarão interessados numa medida deste tipo.

Não tenho a pretensão de apresentar aqui um esquema de solução - e por isso as idades que indico são meramente ilustrativas. Sei que o problema é melindroso, por um lado, por vir criar um agravamento de encargos para a previdência, a suportar, portanto, por aqueles que não estejam sujeitos a condições de trabalho tão ásperas (o que, aliás, representa mera justiça distributiva), mas, ainda, para não cair em situações falsas ou originar abusos, porque será naturalmente (necessário que a reforma, em tais casos, seja função do tempo efectivamente passado no fundo da mina em condições reais de maior desgaste, e não apenas em empresas mineiras em tarefas normais.

Sr. Presidente: Passando de um problema que, embora já de âmbito nacional, pois que existem minas de norte a sul do Pais, me foi de facto posto pelos meus eleitores das mimas da Panasqueira, aproveitarei agora para me ocupar de outro que é paralelo deste, mas apresento provavelmente âmbito ainda mais vasto.

E ao fazê-lo irei procurar libertar-me, em parte pelo menos, do peso de um problema que de há muito constitui preocupação minha, preocupação originada e vivida na minha vida de trabalhador industrial, que ainda hoje - e com profunda satisfação o digo - me considero ser, problema com o qual, aliás, todos nós contactamos diariamente - as mais das vezes sem dar por ele - e para cuja atenuação posso dizer com verdade que tenho procurado contribuir de há duos dezenas de anos a esta parte.

Vem isto a propósito do trabalho em turnos, trabalho cujas condições também me parecem recomendar um abaixamento da idade da reforma, embora já não por razões de desgaste físico mais rápido, mas principalmente por motivo do desgaste psíquico consequente da variabilidade e da antinaturalidade do horário de trabalho: estou a folar do pessoal dos vários tipos de indústria (e também do sector terciário) que trabalha em turnos, nomeadamente nas indústrias químicas de base, extractivas ou de transportes, em que a própria natureza da actividade obriga a assegurar uma continuidade de serviço de vinte e quatro horas por dia.

Aqui também julgo que será socialmente justo que se reveja com a rapidez possível a solução do limite de idade legal da reforma, e estou certo de que ninguém

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de boa fé irá pôr em dúvida a fadiga psíquica e ata física a que se encontram sujeitos quantos de oito em oito dias, de seis em seis ou três em três dias, por exemplo, são obrigados a trocar as suas horas de trabalho, -repouso, refeição, além dos problemas que, no plano familiar, acometa muitas vezes tal instabilidade.

£ certo que neste domínio e automação tem -vindo a reduzir os efectivos em trabalho contínuo, no entanto continuam e continuarão a ser necessários homens de turno, e por isso aqui fica também esta nota, e esbe apelo, para os Srs. Ministro das Corporações e Previdência Social e Secretario e Subsecretário de Estado do Trabalho e Previdência.

Não tenho dúvida quanto às numerosas dificuldades de ordem prática que envolve este problema, desde que se queira ser justo e encontrar soluções praticamente realizáveis, mas não tenho, porém, dúvida de que este anseio, que sei ser o da grande maioria daqueles que trabalham nas condições a que acabo de me referir, é susceptível, não de solução perfeita, pois que a perfeição não é deste mundo (ao contrário do que muitos hoje dizem e fingem crer), mas de efectiva melhoria em relação à situação actual.

Simultaneamente, não devo nem quero deixar de afirmar aqui a minha confiança de que este apelo será ouvido e o anseio satisfeito.

Tenho dito.

Vozes: —Muito bem, muito bem I O orador foi cumprimentaria.

O Sr. Presidente: — Vamos passar à

Ordem do dia

Continuação do debate do aviso iprévio sobre os aspectos culturais, económicos e sociais do distrito de Braga. Tem a palavra o Sr. Deputado Amílcar Mesquita.

O 'Sr. Amíloar Mesquita: — Sr. Presidente: Ao intervir no debate do aviso prévio sobre aspectos culturais, económicos e sociais do distrito de Braga, sendo Deputado pelo círculo de Évora, pretendo, com a maior satisfação, prestar modesto contributo para a valorização das terras da velha urbe do Minho, entre as quais se conta aquela que me viu nascer, dar os primeiros passos e balbuciar as primeiras palavras da encantadora língua que heróis e santos deste sjardim à beira-mar plantado» *— o Minho é um dos seus mais belos canteiros — levaram a todas as partes do Mundo, na dilatação da fé e engrandecimento das gentes. Cidade que me acolheu nos verdes anos da adolescência, para receber a primeira luz da ciência e da cultura, ao calor da qual se foi moldando a alma e iluminando o espírito; onde aprendi a amar os homens sob os imperativos da moral cristã, da justiça e da lei; onde aprendi a respeitar e a aceitar a autoridade e a ordem social; onde, em suma, aprendi, com profundo respeito e plena adesão, -a conhecer — para melhor nniar — Deus, Pátria e Família.

Valores morais que tenho conservado — e perfeitamente hierarquizados — ao longo da minha existência para os pôr ao serviço do bem comum. Herança moral que pus, apaixonadamente, ao serviço do bom povo de outra velha e nobre cidade, que um dia me abraçou, porque lhe entreguei o meu coração e aí nasceram os meus filhos? Évora ratificará este gesto de gratidão, que pequeno tributo representa da parte de quem, humanamente, tanto reoebeu.

Ocupar-me-ei, assim, no presente debate, de algumas questões dos asperitos sociais anunciados no aviso prévio, como problemas de trabalho, emprego, emigração, fomento da habitação ...

O tratamento destes problemas fugirá, muitas vezes, da óptica regional, porque a incidência dos mesmos, não conseguindo circunscrever-se a essa perspectiva, fatalmente, é nacional.

Um dos factores da produção, s tido por certas correntes da moderna economia principal factor, é o trabalho que, na sociedade industrial, se individualiza.

Entre as zonas do País atingidas pela industrialização está o distrito de Braga, a que não ó alheio o elemento demográfico da região, de tal modo asfixiante, 'em relação ao seu desenvolvimento, que não resiste ao fluxo migratório.

O surto industrial de algumas actividades económicas chega a raiar as vias do desenvolvimento, graças à iniciativa privada — principal motor da nossa economia — do homem da região

Surge, neste fluir, e empresa, que de familiar vai evoluindo para a empresa:benefício ou empresa-coisa. .

Aí, o trabalhador é mais visto como sujeito da prestação laborai do que na sua natureza humana.

Por isso se preocupa o empresário, principalmente, pelo rendimento do trabalho produtivo.

A pretexto de considerar a qualidade de homem que está na base do trabalho, quando, efectivamente, era a obtenção do maior lucro que motivava as medidas, foram 'estudadas as condições da prestação da actividade produtiva, como o modo e duração da sua prestação e o seu ,preço.

Inicia-se a organização científica do trabalho, de que o stailorismo» é a primeira fase.

O espírito paternalista, que resulta, da empresa conservadora do carácter familiar, embora dissociados já os factores de produção — capital e trabalho —, informa o empresário de formação cristã, como sucede no Norte do País.

Não se assiste, por isso, em Portugal, no liminr deste século, como acontecera nos países onde irrompera a revolução industrial, a movimentos concertados e maciços do proletariado, graças não só ao anunciado espírito que informava o empresário, como ainda ao restabelecimento, em 1983, do regime corporativo.

Por força do mesmo, empreende o Governo uma acção que visa proteger, sob forma legal, o trabalhador e a sua família.

Assim, promulga e actualiza, progressivamente, legislação do trabalho, ratifica convenções adoptadas pela Organização Internacional do Trabalho (O. I. T.), de que Portugal é membro, e cria sistema de seguro social obrigatório. Toda esta legislação social mereceu nos últimos anos, e continua a merecer, revisão no sentido da sua melhor adaptação às exigências actuais e da actualização do sistema legislativo.

Desta tarefa se tem ocupado e vem ocupando, com elevado sentido social e de forma premente, o Ministério das Corporações e Previdência Social, através da Secretaria de Estado do Trabalho e Previdência, cujo titular tem sido incansável no seu peregrinar pelo País, para auscultar directamente dos interessados ou legítimos representantes os seus anseios, preocupações e justas reivindicações do mundo do trabalho e ouvir os seus colaboradores dos serviços sregionais daquele departamento do Governo.

A acção desenvolvida neste campo nssenta na consideração do trabalhador como homem.

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Mas esta consideração tem de evoluir na concepção do empresário português, ultrapassando a fase do paternalismo.

O trabalho, antes de factor de produção, ó actividade humana e livre a, nessa medida, terá a empresa de evoluir de mera unidade económica para autêntica comunidade de trabalho.

Nesta comunidade não podemos esquecê-lo - associam-se homens que aí passam um terço da sua vida na tenra, em cujo lugar e tempo nascem interacções de ordem humana e social.

Também esta realidade, e não apenas a económica, reclama a reforma da empresa portuguesa.

E se enquanto a segunda é indispensável o intervencionismo do Estado para dirigir e incentivar a iniciativa privada nos grandes Unhas do planeamento económico, no que concerne à primeira de pouco valerá uma legislação social perfeita, se faltar na empresa exacto sentido de reforma.

Por toda a parte se fala e se vão aceitando as novas técnicas e processos de gestão, o reapetrechamento e dimensionamento da nova empresa, enquanto vai passando em claro e é tido de somenos importância - criando-se séria lacuna e graves dificuldades na gestão da empresa - o aspecto humano do trabalho.

Havendo de contar, como factor positivo, com a decidida e válida iniciativa do empresário do Norte, espera-se que na linha da reforma da empresa equacione a condição de homem que é o trabalhador, pondo em prática o seu espírito cristão e conceituando a empresa no exacto sentido de comunidade de homens.

Aqui está também, na situação desenhada, o segredo da produtividade do trabalho.

Esta depende não apenas da formação e qualidade profissional do trabalhador, mas também da organização global da empresa. Quantas vezes o trabalhador ignora para que trabalha e como trabalhar ...

O Governo de Marcello Caetano, consciente da enorme importância do problema, anunciou já, pela voz do Sr. Secretário de Estado do Trabalho e Previdência, a realização, a nível nacional, das jornadas de produtividade do trabalho.

A actividade económica ainda hoje dominante no Minho, e, por consequência, no distrito de Braga, é a agricultura.

Em 1960 nela se ocupavam 48 por cento da população activa da província.

Factores económicos e sociológicos do sector primário determinam fenómenos como os êxodos agrícola e rural, o urbanismo e a emigração.

Se o êxodo agrícola pode resultar ou da crise da actividade ou da sua evolução, a mão-de-obra repelida será atraída pelo urbanismo ou pela emigração.

A região será, assim, depauperada do elemento mais valioso, a maioria das vezes irrecuperável, o que, efectivamente, vem acontecendo há várias décadas.

Sendo fatal o êxodo agrícola, que o fluxo da mão-de-obra não chegue a transformar-se em êxodo rural ou não passe do urbanismo da província minhota.

Há, por isso, que procurar o desenvolvimento das regiões rurais e a melhoria da situação das suas populações; há que criar novos postos de trabalho, mediante o incremento da industrialização, a fim de absorverem a mão-de-obra dispensada; há que favorecer o crescimento dos pólos de atracção das populações, para estancar os movimentos migratórios, desencadeados por falta de empregos ou pela existência de situações de subemprego na região.

O Governo já deu resposta a estas preocupações ao submeter à aprovação desta Câmara a Lei de Meios para 1971, ao criar as comissões regionais de planeamento económico, ao instituir o Secretariado Nacional de Emigração, ao incrementar a acção do Serviço Nacional de Emprego e ao tomar outras medidas que seria fastidioso enumerar aqui.

Apela-se, por isso, para a firme boa vontade e sinceridade de propósitos das autoridades e responsáveis da região, no sentido de acompanharem o andamento da máquina governamental e administrativa, de ajudarem o seu funcionamento, de cooperarem no seu aperfeiçoamento, de recorrerem às estruturas montadas e aproveitarem os resultados que, assim, deverão frutificar, para benefício das populações, especialmente as mais desprotegidas do campo e da cidade, para grandeza do distrito e para maior beleza da província, porque o seu povo, com mais riqueza, com mais cultura e bem-estar social, será mais alegre ainda e mais feliz.

Um dos fundamentos que o Regimento prevê para o Deputado pedir a palavra mediante aviso prévio consiste na pretensão de sugerir ao Governo a conveniência de legislar sobre determinadas aspirações ou necessidades.

A razão dessa conveniência, com respeito a muitos aspectos, deixou de existir, pois no período decorrido entre o anúncio e a efectivação e debate do aviso prévio diversas e variadas medidas legislativas foram tomadas pelo Governo.

Não perdeu, todavia, a oportunidade em relação a outros aspectos, designadamente da agricultura e da habitação.

Não escapa à situação geral de crise a agricultura do Minho, que entronca também no problema da sua estrutura.

Parece não estar a favorecer, com a urgência desejável, o reforma estruturai da exploração agrícola da região a lei do parcelamento e emparcelamento, cuja execução esbarra com os sentimentos ancestrais, sempre difíceis de vencer, daquelas gentes e com a morosidade e carestia do processo.

Sente-se mais viável e operante a prática da agricultura de grupo e o fomento de cooperativas.

Este caminho reclama que seja acompanhado do estudo da carta de solos e do ordenamento do território, para sabei-mos o que cultivar e onde cultivar, o que reconverter e o que destinar a outras actividades económicas.

As explosões demográficas de alguns centros populacionais, aumentando a medida que cresce o urbanismo e entre em racional definição o ordenamento de território, agravarão, progressivamente, o problema habitacional, especialmente das populações escoadas e de mais modestos recursos.

Um dos factores que mais contribuem para a alta de custos da construção está nos terrenos. Outros contribuem, é claro, mas cuja curva de crescimento é mais difícil, se não impossível ou socialmente inconveniente, de travar.

Estes dois aspectos, sumariamente focados, sugerem-me que para o Governo apele no sentido da revisão daquela lei e do estudo de processos mais exequíveis de desenvolvimento agrário para a região minhota e da definição de uma política de solos.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi cumprimentado.

A Sr.ª D. Maria Raquel Ribeiro: - Sr. Presidente: A efectivação do aviso prévio sobre os aspectos culturais, económicos e sociais do distrito de Braga, da iniciativa do Sr. Deputado Nunes de Oliveira, congrega, de modo particular, a participação de todos os Deputados

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pelo círculo, dada a responsabilidade assumida perante os seus eleitores, como aqui já foi referido.

Todavia, pareceu-me que teria cabimento a achega que V. Ex.ª me permite que venha trazer aqui, como possibilidade de reflexão para uma situação que, se é grave no distrito de Braga, é também notória ao nível do contexto geral do País.

O distrito de Braga situa-se, com o de Viana do Castelo e o do Porto, na sub-região do litoral da região do Norte, enquanto os distritos de Bragança e Vila Real constituem a sub-região do interior. E, precisamente, esta região do Norte aquela que apresenta as posições extremas, tanto no que respeita a indicadores sanitários como a nível de vida.

Assim,- quanto ao indicador taxa da mortalidade infantil, as quatro piores posições do continente encontram-se precisamente nos distritos de Braga, Porto, Bragança e Vila Real. Quanto ao indicador percentagem de partos sem assistência, os dois distritos da sub-região do interior são os que se encontram em pior situação.

Com efeito, o distrito de Braga tinha como indicador sanitário na taxa da mortalidade infantil, e no período de 1963-1966, um valor médio de 84,9 por cento, que, embora em diminuição, ainda atinge, em 1968, 78,41 por cento. Isto é, ocupa a última posição dos distritos do continente. Nos indicadores económicos ocupa o 6.º e o 10.º lugares e a 9.ª posição quanto ao nível de vida. Os distritos de Braga e Porto indicam uma certa industrialização, com a existência, todavia, de um grande desequilíbrio entre o desenvolvimento económico e o social.

Conclui-se, portanto, que a região do Noite é a mais extrema do continente, quer considerando o baixo nível sócio-económico, quer o desequilíbrio verificado entoe o desenvolvimento económico e o progresso sócio-cultural nalguns dos seus distritos.

Vários concelhos dos distritos de Viana do Castelo e de Braga apresentam as situações mais criticas dentro dos indicadores atrás referidos, que deveriam conduzir à programação urgente de medidas de desenvolvimento sócio-económico, acompanhadas da necessária motivação das populações, para uma participação activa no campo da promoção social. No conjunto destes dois distritos apenas sete concelhos possuem uma posição normal em relação aos restantes do País.

Acresce que no distrito de Braga, possuindo a taxa de natalidade mais elevada e um índice de emigração também dos mais acentuados, caracteriza-se a sua população entre os dois grupos etários mais vulneráveis - as crianças e os idosos.

Do ponto de vista assistência!, os problemas de doença, invalidez e velhice são os que, pelas disfunções que acarretam, mais têm pesado sobre os serviços do Instituto de Assistência à Família tanto neste distrito, como no de Viana do Castelo.

Poderá, pois, concluir-se, para não me alongar mais, que a caracterização do distrito de Braga nos revela: baixo índice de desenvolvimento económico, crítica situação sanitária e assistencial, insuficiente, e desequilibrado desenvolvimento social.

A par disto, poderei afirmar que será o distrito onde maior número de entidades oficiais instalaram os seus serviços e muitas iniciativas particulares criaram instituições e actividades sociais.

Assim, está coberto por Casas do Povo - existem ali 96; tem uma rede extensa de postos médicos da Federação dos Caixas de Previdência; Serviços de Acção Social, Serviço Nacional de Emprego e outros do Ministério dos Corporações ali exercem amplamente a sua actividade.

No sector da assistência, para além dos Misericórdias e das muitas dezenas de instituições particulares (existem 83 neste distrito e 43 no de Viana do Castelo), o Instituto de Assistência à Família, através da sua delegação distrital, tem prestado ajuda económica a 25 675 famílias, despendendo no passado ano de 1970 a quantia de l 640 000$, especialmente em situações de carência económica motivada por doença e velhice. Tem ainda cerca de 600 casos pendentes, que elevariam o custo da assistência para mais l 000 000$.

No campo das actividades dirigidas mais particularmente à promoção social das populações e à educação sanitária actuam no distrito: a Junta Central das Casas do Povo; as missões de Acção Social; o Instituto Maternal; á Junta de Colonização Interna; os Serviços de Extensão Agrícola Familiar; a Obra das Mães pela Educação Nacional - esta com os seus 14 centros rurais de formação familiar; o Serviço de Cooperação Familiar do Instituto de Assistência à Família - que ali instalou uma equipa, em 1968, com o dispêndio de cerca de mil contos até Dezembro de 1970, mais orientado para o apoio técnico às instituições locais, e o Serviço de Promoção Social Comunitária, com o projecto da região do Minho, iniciado em 1968 ao abrigo do III Plano de Fomento - compreendendo projectos locais em curso em cinco concelhos dos distritos de Braga e Viana do Castelo, ocupando vinte e quatro técnicos e tendo investido cerca de 2000 contos com a actividade realizada, dirigida a dois objectivos essenciais: fomento da educação sanitária das populações e animação das comunidades em ordem à participação no processo geral do desenvolvimento. A acrescentar, com particular relevo e mima tentativa de coordenação e de maior incremento às formas de participação da população e entidades locais, a equipa de estudo e promoção de desenvolvimento comunitário do distrito de Braga, criada em 1968 conforme citação feita, nessa data e nesta Assembleia, pelo actual. Sr. Deputado avisante.

Sr. Presidente: Se me detive na enumeração destes elementos, é porque creio que eles são porta aberta para algumas considerações não só de natureza técnica como, essencialmente, política.

O distrito de Braga é uni exemplo a tirar, de entre outros, em coma, para a resolução de problemas sociais, de carácter sanitário, assistencial ou sócio-económicos, se recorre à solução improvisada, mais ou menos paternalista ou proteccionista, que cria, por um lado, situações de passividade, paleativas, e que não conduzem a uma autopromoção individual ou da comunidade.

Não podem as respostas às necessidades continuarem a ser dadas à maneira de bombeiro que vai apagar o fogo.

Não podem os serviços oficiais desencadear a sua acção local sem prévio enquadramento nos planos gerais, a elaborar a nível central, de forma sistematizada e priorizada, segundo as necessidades e a disponibilidade dos recursos.

Não podem as iniciativas locais e a generosidade particular caminhar desarticuladamente, fechando-se nas suas capelinhas, ignorando-se ou justapondo-se instituições e actividades.

De tudo isto resultam, como aqui muito bem disse o Sr. Deputado Nunes de Oliveira e outros Srs. Deputados, descoordenação e duplicações.

Há duplicações nuns sectores e carências totais noutros. Não somos ricos de bens nem de técnicos ou especialistas para desperdiçar uns ou outros.

Outro considerando será que cada vez mais a problemática humana e social se situa à escala regional, e não às estruturas administrativos dos concelhos ou distritos. Por isso, a prospecção das necessidades tal como a pro-

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8 DE FEVEREIRO DE 1971 1611

gramação dos investimentos tem de ser encaradas a nível regional.

Sociedade em mudança, ritmo natural das populações que, pelas condições de vida moderna conduz a uma maior mobilidade, obrigam a que se olhe o planeamento regional como único meio de pôr cobro às acentuadas assimetrias que o desenvolvimento económico tem provocado no País neste último decénio.

Esta é, alias, a política incentivada pelo Sr. Presidente do Conselho e pelo seu Governo, criando os dispositivos necessários para assegurar a coordenação das políticas sectoriais, assim como a articulação e a complementaridade das acções que permitam o desenvolvimento integrado e harmónico.

Tem de se caminhas: para o bem-estar do povo português, que evite a saída massiva da população activa, pelo progresso económico, cultural e social, originado numa política de reformas, e não na passividade ou na subversão.

A esta política se está a obedecer já em vários sectores, designadamente no que respeita a uma política unitária da saúde e do seguro social, obedecendo no planeamento e à integração de actividades sanitárias e assistenciais. Com efeito, a criação e o funcionamento de centros de saúde, a instalar ainda no corrente ano, prioritariamente, nos distritos de Braga e Viana do Castelo, seguem já este critério. A implantação de creches e jardins de infância virá cobrir uma grave carência.

A articulação dos programas que visem a promoção social das populações e o desenvolvimento e organização das comunidades, por meio de estruturas adequadas a criar, serão outros meios de assegurar harmonicamente a cobertura social do País.

Anunciou o Governo, pelo departamento respectivo, que "foi a partir do quadro existente, que se sabe disperso, de carácter individualista, sectorial ou local... - que se entrou no trabalho de reorganizar os serviços de saúde e assistência, com fundamento numa política unitária, em que coordenação ou integração progressivamente se acentuem para a edificação de um sistema orgânico, maleável, mas eficiente". É o caminho.

Mas também esta política de reformas tom de levar à criação das estruturas administrativas adequadas para a formulação e execução de uma política coerente de desenvolvimento social, que deverá reunir os recursos até agora dispersos e estimular a organização das comunidades locais, criando canais e estruturas válidas de participação consciente e organizada no próprio processo de desenvolvimento participação de indivíduos e, especialmente, de grupos e instituições.

Como foi focado há poucos dias pelo Sr. Subsecretário de Estado do Planeamento, "o desenvolvimento regional requer a actuação das instituições, das atitudes e dos métodos de gestão, tanto do sector público como do privado".

Impõe-se, para isso, que uma autêntica reforma administrativa se acelere a nível dos serviços públicos, por forma a que se deixe de vez uma administração estática e burocrática e se passe a uma administração nova e humanizada.

E, bem assim, à transformação de mentalidades e comportamentos e de estrangulamentos em estruturas administrativas, que hoje já não se coadunam com a dinâmica social desta década. Isto até se não quisermos perder os valores humanos de que ainda somos possuidores. A coordenação só é possível quando cada um sabe o que tem e o que quer articular, não por mero interesse pessoal, mas porque põe ao lado da sua capacidade de iniciativa privada a responsabilidade pelo interesse colectivo.

Ao terminar este meu pequeno contributo no presente aviso prévio ocorre-me, a propósito da problemática sócio-económica do distrito de Braga, uma frase recente do cardeal Maurice Roy, presidente da Comissão Justiça e Paz:

Se a década de 1970 não conseguir mudar totalmente o desnível que existe entre os ricos e os pobres, quer a nível nacional, quer a nível mundial, é difícil acreditar que a humanidade possa chegar em paz ao Am deste século.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

A oradora foi cumprimentada.

O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.

Haverá sessão na terça-feira próxima, à hora regimental, tendo como ordem do dia a continuação do debate do aviso prévio sobre os aspectos culturais, sociais e económicos do distrito de Braga.

Está encerrada a sessão.

Eram 17 horas o 45 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

António de Sousa Vadre Castelino e Alvim.
Bento Benoliel Levy.
D. Custódia Lopes.
Francisco de Nápoles Ferraz de Almeida e Sousa.
Gustavo Neto Miranda.
João António Teixeira Canedo.
João Paulo Dupuich Pinto Castelo Branco.
Joaquim Carvalho Macedo Correia.
José Dias de Araújo Correia.
José Vicente Pizarro Xavier Montalvão Machado.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Júlio Dias das Neves.
D. Maria Raquel Ribeiro.
Olímpio da Conceição Pereira.
Pedro Baessa.
Teodoro de Sousa Pedro.
Teófilo Lopes Frazão.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortes.
Vasco Maria de Pereira Pinto Costa Ramos.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Alexandre José Linhares Furtado.
Amílcar Pereira de Magalhães.
Antão Santos da Cunha.
António Bebiano Correia Henriques Carreira.
António Pereira de Meireles da Rocha Lacerda.
Augusto Domingues Correia.
Camilo António de Almeida Gama Lemos de Mendonça.
Carlos Eugênio Magro Ivo.
Deodato Chaves de Magalhães Sousa.
Fernando Augusto Santos e Castro.
Fernando de Sá Viana Rebelo.
Francisco José Pereira Pinto Balsemão.
Francisco Manuel Lumbrales de Sá Carneiro.
João Pedro Miller Pinto de Lemos Guerra.
Jorge Augusto Correia.
José Coelho Jordão.
José da Costa Oliveira.
José Guilherme de Melo e Castro.

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1612 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 79

José dos Santos Bessa.
José da Silva.
Luís Maria Teixeira Pinto.
Manuel Artur Cotta Agostinho Dias.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel José Archer Homem de Mello.
Manuel Marques da Silva Soares.
Miguel Pádua Rodrigues Bastos.
Tomás Duarte da Câmara Oliveira Dias.
Victor Manuel Pires de Aguiar e Silva.

O REDACTOR - José Pinto.

Requerimentos enviados para a Mesa durante a sessão:

Ao abrigo das disposições regimentais, requeiro que me sejam fornecidos os seguintes elementos:

Há no ensino técnico ou secundário mestras eventuais dos cursos de formação feminina que possuam somente a 4.ª classe e estejam a exercer o magistério em 1970-1971?

Há mestras eventuais no ensino técnico ou secundário dos cursos de especialização de modistas de vestidos que possuam como habilitação a 4.ª classe de instrução primária e estejam, a exercer o magistério em 1970-1971?

Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 5 de Fevereiro de 1971. - O Deputado, Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.

Nos termos regimentais, requeiro que me seja enviada a seguinte publicação do Instituto Nacional de Estatística:

Algumas Considerações sobre a Mortalidade Portuguesa.

Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 5 de Fevereiro de 1971. - O Deputado, Joaquim Germano Pinto Machado Correia da Silva.

IMPRENSA NACIONAL

PREÇO DESTE NÚMERO 7$20

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