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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL E DA CÂMARA CORPORATIVA
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 82
ANO DE 1971 13 DE FEVEREIRO
ASSEMBLEIA NACIONAL
X LEGISLATURA
SESSÃO N.º 82, EM 12 DE FEVEREIRO
Presidente: Ex.mo Sr. Carlos Monteiro do Amaral Netto
Secretários: Ex.mos
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
João Bosco Soares Mota Amaral.
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 5 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o n.º 80 do Diário das Sessões, com algumas rectificações.
Deu-se conta do expediente.
O Sr. Deputado Leal de Oliveira apresentou dois requerimentos: um acerco da situação das famílias desalojadas das suas habitações pelo regolfo ao barragem do Roxo, na povoação doe Minas de Juliano; outro sobre a produção de trigo para temente e para multiplicação.
O Sr. Deputado Martins da Cruz fez um aditamento ao seu requerimento de 5 do corrente, pedindo elementos relativos aos concelhos de Penola e Condoixa-a-Nova, com vista à restauração das respectivas comarcas.
O Sr. Deputado Henrique Tenreiro referiu-se a homenagem recentemente prestada, ao jornalista Pedro Correia Marques.
O Sr. Deputado Pinho Brandão falou sobre problemas de produção e exportação de madeira de eucalipto para o fabrico de celulose e sobre o prego do milho.
O Sr. Deputado Miller Quem fez considerações sobre a reforma do ensino.
O 8r. Deputado Jorge Correia evocou duas grandes figuras algarvias do passado: D. Marcelino António liaria Franco, bispo de Faro, e Manuel Teixeira Gomes, Presidente da República.
O Sr. Deputado Themudo Barata chamou a atenção para alguns problemas da província de Timor.
O Sr. Deputado Brás Gomes ocupou-se da situação dos médicos formados pela Escola Médico-Cirúrgica de Goa.
A Sr. Deputada D. Maria Raquel Ribeiro prestou homenagem ao Prof. Edmundo Lima Basto, inesperadamente falecido na véspera.
O Sr. Deputado Sá Carneiro voltou a fazer considerações acerca da revisão da Concordada com a Sanfa Si.
O Sr. Deputado Peres Claro agradeceu ao Sr. Ministro das Obras Públicas os despachos que permitiram a solução de alguns problemas de comunicações no distrito de Setúbal.
O Sr. Deputado Barreto de Lara expôs os princípios que norteiam a sua actuação parlamentar e preconizou a elaboração de um estatuto para os invalidos de guerra.
Ordem do dia. - Iniciou-se a discussão a generalidade da proposta de lei sobre a actividade de seguros e resseguros.
usaram da palavra os Srs. Deputados Coita Dias e Neto Miranda.
O Sr. Presidenta encerrou a sessão às 18 horas e 30 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 16 Horas.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Albano Vaz Pinto Alves.
Alberto Eduardo Nogueira Lobo de Alarcão e Silva.
Alberto Maria Ribeiro de Meireles.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Álvaro Filipe Barreto de Lara.
Amílcar da Costa Pereira Mesquita.
António Bebiano Correia Henriques Carreira.
António da Fonseca Leal de Oliveira.
António Júlio dos Santos Almeida.
António Lopes Quadrado.
Armando Júlio de Roboredo e Silva.
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Armando Valfredo Pires.
Artur Augusto de Oliveira Pimentel.
Augusto Domingues Correia.
Augusto Salazar Leite.
Bento Benoliel Levy.
Carlos Eugênio Magro Ivo.
Carlos Monteiro do Amaral Netto.
D. Custódia Lopes.
Delfim Linhares de Andrade.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Eleutério Gomes de Aguiar.
Fernando Augusto Santos e Castro.
Fernando David Laima.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Fernando do Nascimento de Malafaia Novais.
Filipe José Freire Themudo Barata
Francisco António da Silva.
Francisco Correia das Neves.
Francisco Esteves Gaspar de Carvalho.
Francisco João Caetano de Sousa Brás Gomes.
Francisco Manuel Lumbrales de Sá Carneiro.
Francisco de Moncada do Casal-Ribeiro de Carvalho.
Francisco de Nápoles Ferraz de Almeida e Sousa.
Gabriel da Costa Gonçalves.
Gustavo Neto Miranda.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Humberto Cardoso de Carvalho.
João Bosco Soares Mota Amaral.
João Duarte Liebermeister Mendes de Vasconcelos Guimarães.
João Duarte de Oliveira.
João José Ferreira Forte.
João Lopes da Cruz.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
João Pedro Miller Pinto Lemos Guerra.
João Ruiz de Almeida Garrett.
Joaquim Germano Pinto Machado Correia da Silva.
Joaquim de Pinho Brandão.
Jorge Augusto Correia.
José Coelho de Almeida Cotta.
José Coelho Jordão.
José João Gonçalves de Proença.
José Maria de Castro Salazar.
José de Mira Nunes Mexia.
José dos Santos Bessa.
José Vicente Cordeiro Malato Beliz.
Lopo de Carvalho Cancella de Abreu.
Luís António de Oliveira Ramos.
D. Luzia Neves Pernão Pereira Beija.
Manuel Artur Cotta Agostinho Dias.
Manuel Elias Trigo Pereira.
Manuel de Jesus Silva Mendes.
Manuel Joaquim Montanha Pinto.
Manuel Marques da Silva Soares.
Manuel Martins da Cruz.
Manuel Monteiro Ribeiro Veloso.
Manuel Valente Sanches.
D. Maria Raquel Ribeiro.
Maximiliano Isidoro Pio Fernandes.
Olímpio da Conceição Pereira.
Pedro Baessa.
Prabacor Rau.
Rafael Ávila de Azevedo.
Rafael Valadão dos Santos.
Ramiro Ferreira Marques de Queirós.
Raul da Silva e Cunha Araújo.
Ricardo Horta Júnior.
Rogério Noel Feres Claro.
Rui de Moura Ramos.
D. Sinclética Soares dos Santos Torres.
Teodoro de Sousa Pedro.
Teófilo Lopes Frazão.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortas.
Vasco Marta de Pereira Pinto Costa Ramos.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 84 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 5 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Está em reclamação o n.º 80 do Diário das Sessões, em relação ao qual o Sr. Deputado Agostinho Cardoso, não podendo hoje estar presente na sala, deixou uma nota de rectificações, que serão tomadas em consideração.
Os Srs. Deputados que desejarem apresentar qualquer reclamação sobre o n.º 80 do Diário das Sessões, tenham a bondade de o fazer.
O Sr. Ribeiro Veloso: - Sr. Presidente: Havia umas ligeiros correcções a fazer: na p. 1630, col. 1.ª, 1. 63, onde está: "ou", deve ler-se: "e"; na p. 1631, col. 1.ª, 1. 20, onde está: "tolo", deve ler-se: "todo", na mesma página e coluna, 1. 52, onde está: "irão", deve ler-se: "iriam"; e na mesma página, col. 2.ª, 1. 44, onde está: "pesentemente", deve ler-se: "presentemente".
O Sr. Leal de Oliveira: - Sr. Presidente: Na p. 1619, col. 1ª, 1. 56, onde se lê: "Solicito", deve ler-se: "solicito".
O Sr. Presidente: - Se mais nenhum de VV. Ex.ªs tem qualquer reclamação a fazer ao n.º 80 do Diário das Sessões, considerar-se-á aprovado, com as rectificações apresentadas.
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Exposição
De cidadãos de Viana do Castelo sobre os chamados presos políticos.
Cartas
Do Sindicato Nacional dos Empregados Bancários do Distrito de Lisboa, enviando fotocópia de uma exposição dirigida ao Sr. Presidente do Conselho sobre o problema da censura.
Apoiando a intervenção do Sr. Deputado Silva Mendes acerca da desigualdade de tratamento entre funcionários públicos e subscritores das caixas de previdência.
Telegramas
Vários apoiando a intervenção do Sr. Deputado Leal de Oliveira sobre a industrialização da zona sul do continente.
Sobre problemas de instalação de edifícios escolares em Vizela.
Vários acerca da intervenção do Sr. Deputado Duarte do Amaral no debate do aviso prévio sobre o desenvolvimento do distrito de Braga.
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Da Câmara Municipal de Fonte da Barca apoiando H intervenção do Sr. Deputado António Lacerda no mesmo debate.
Apoiando a intervenção do Sr. Deputado Alberto de Alarcão sobre as auxiliares de limpeza das escolas primárias.
Apoiando a intervenção do mesmo Sr. Deputado sobre os cantoneiros.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para dois requerimentos, o Sr. Deputado Leal de Oliveira.
O Sr. Leal de Oliveira: - Sr. Presidente: Pedi a palavra para apresentar os seguintes
Requerimentos
Requeira, ao abrigo do Regimento da Assembleia Nacional, por intermédio do Instituto de Assistência à Família, relato circunstanciado da evolução familiar das famílias abaixo indicadas, desalojadas das suas habitações pelo regolfo da barragem do Roxo, na povoação das Minas de Juliano, freguesia de Santa Vitória, concelho de Beja, com indicação das suas actuais condições de alojamento e respectiva localização:
João Manuel Gato.
Custódio Augusto Balbino.
Mariana Fernandes.
António José Guerreiro.
Manuel Joaquim.
Francisco Manuel.
José Prudêncio.
João Maximiano Chaiça.
Ivo Damas Espadilha.
Mariana Rosa Cercas.
José Catarino.
Manuel António Espadilha.
Serafim das Neves.
José Cândido Carrasco.
Herdeiros de João Jerónimo:
Elisa das Dores (filha).
Francisco Manuel Lança.
Manuel Augusto Silvestre.
José Guerreiro.
Fernando Manuel Guerreiro.
Adelina Jerónimo.
Herdeiros de João Jerónimo:
Francisco João (filho).
Mariana Rosa Jerónimo (filha).
José Diogo Cristina (neto).
Herdeiros de António Jacinto Fernandes:
Fernanda Palmira Fernandes (filha).
Almerinda Assunção Fernandes (filha).
Constância Maria.
Requeiro, ao abrigo do Regimento da Assembleia Nacional, que me sejam facultados, por intermédio da Secretaria de Estado da Agricultura, todos os diplomas que condicionam a produção de trigo para semente e para multiplicação.
O Sr. Martins da Cruz: - Sr. Presidente: Pedi a palavra para apresentar o seguinte
Requerimento
De harmonia com as disposições constitucionais e regimentais, e em aditamento ao meu requerimento de 5 deste más, regueiro que, igualmente com urgência, me sejam fornecidos, pelo Ministério da Justiça, idênticos elementos aos solicitados nesse requerimento, com respeito aos concelhos de Penela e Condeixa-a-Nova, também com vista a solicitar n restauração das respectivas comarcas, extintas em 1927.
O Sr. Henrique Tenreiro: - Sr. Presidente: Penso que os serviços prestados pelas técnicas de informação às noções não podem definir-se exactamente no seu real valor quando são orientadas no sentido ideológico da defesa dos seus superiores interesses. O mesmo pode dizer-se dos homens que desta forma as servem.
O País assim o compreendeu também quando há pouco prestou ao jornalista Pedro Correia Marques impressionante manifestação de reconhecimento, em que tomaram (paute individualidades de todos os matizes políticos e a que se dignaram associar-se SS. Ex.ªs os Presidentes da República e do Conselho, bem como o Secretario de Estado de Informação e Turismo.
Como português e como Deputado da Nação entendo ser meu dever referir o facto nesta Assembleia, a fim de que o seu registo possa atestar o nosso reconhecimento do mérito de contemporâneos ilustres devotados à causa da Pátria.
Na realidade, Pedro Correia Marques, lutando durante mais de meio século, convictamente, por um ideal simbolizado por Deus e pela Pátria, numa coerência intrínseca de sentimentos e de actos, atesta a grandeza moral da nossa Raça, Constituindo, portanto, um digno (exemplo para nós e para os nossos filhos.
O património cultural com que já enriqueceu a Nação e a coragem moral que sempre nos mostrou são de todos nós já bem conhecidos. Mas esta Câmara, por ser uma (assembleia política, tem o dever de considerar que Pedro Correia Marques, sendo um jornalista doutrinário de princípios que nos são caros, contribuiu de forma excepcional para que a imprensa, essa força incomensurável, que pode fazer pender para o bem ou para o mal um Estado ou uma causa apoiasse a acção política que todos nós, Portugueses, aqui representamos, permitindo se mantenha a vocação histórica de Portugal, que amanhã contamos transmitir intacto aos vindouros.
Tenho dito.
Vozes: -Muito bem!
O Sr. Casal-Ribeiro: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Faça favor.
O Sr. Casal-Ribeiro: - Eu queria corroborar inteiramente as palavras de V. Ex.ª e deixar aqui expresso o meu lamento por e. esse grande jornalista e grande português iteram contado ... a voz (Risos).
O orador foi cumprimentado.
O Sr. Pinho Brandão: - Sr. Presidente: Na sessão desta Assembleia, de 15 de Abril de 1970, enviei para e, Mesa um requerimento em que, além do mais, solicitava do Ministério da Economia que fosse informado sobre a
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liberalização da exportação ida madeira de eucalipto própria para o fabrico de celulose e, no caso negativo, quais as condições exigidas para que essa exportação se pudesse efectuar; e ainda do teor do despacho proferido pelo Sr. Secretário de Estado do Comércio em 17 de Março de 1970, a fixar em 252$50 o preço de cada estere de madeira de eucalipto, posta nas fábricas de celulose sobre camião, e das determinantes, internais e internacionais, que conduziram àquele preço.
Somente no início da actual sessão legislativa me foram prestadas estas informações, pelo que se presume que o Ministério da Economia está convencido de que apenas lhe cumpre fornecer informações aos Deputadas durante o funcionamento efectivo da Assembleia Nacional, o que não é legalmente exacto.
A Secretaria de Estado do Comércio informou que a Direcção-Geral do Comércio, em conformidade com o despacho do Sr. Ministro da Economia de 15 de Fevereiro de 1968, concede à indústria nacional, antes de autorizar as exportações de madeira de eucalipto, a possibilidade de optar, na compra dessa madeira, pelos preços oferecidos pelos importadores estrangeiros.
E a mesma Secretaria de Estado juntou às informações solicitadas um mapa donde consta a evolução das exportações da madeira de eucalipto e de pinho, desde 1967.
Por este mapa ficamos a saber que no 1.º semestre do ano de 1970 se exportaram para a Itália 73 370 esteres de madeira de eucalipto por 32 039 contos, o que dá o preço de cerca de 436$ por cada estere.
Supõe-se que o preço de 436$ por estere foi aquele que as firmas compradoras estrangeiros pagaram pela madeira de eucalipto posta nas respectivas fábricas e que, por isso, ficaram a cargo do exportador as despesas com o transporte da madeira até aí.
Mas não há dúvida, Sr. Presidente, de que as firmas compradoras, certamente com estabelecimentos industriais de celulose em que utilizaram a referida madeira de eucalipto daqui exportada, puderam economicamente laborar com essa madeira ao preço de 486$ por cada estere.
Sabemos ainda que a Corporação da Lavoura, entidade que promoveu a exportação da referida madeira para a Itália, pôde pagar, e pagou, ao produtor ou fornecedor dessa madeira o preço de 260$ por cada estere, posta no cais de embarque, e que a diferença entre este preço e o referido de 486$ se destinou às despesas de exportação.
Vemos, pois, que o Sr. Secretário de Estado do Comércio, ao fixar, no seu despacho de 17 de Março de 1970, o preço de 252$50 por cada estere de madeira de eucalipto posta nas fábricas portuguesas de celulose, fixou um preço baixo, com grave prejuízo para os respectivos produtores, se tivermos em atenção os preços por que é adquirida a mesma madeira nas fábricas de celulose nos países estrangeiros.
Acontece ainda que o referido preço de 252$50, por força do despacho ministerial de 17 de Março de 1970, teve a duração de cento e oitenta dias, a contar da data desse despacho, e aí o Sr. Secretário de Estado do Comércio prometeu que, findo aquele prazo (o que se verificou em 16 de Setembro de 1970), seria revisto o dito preço.
Não consta, Sr. Presidente, que esta revisão se tenha feito até hoje, e por isso renascem os perigos para a lavoura referidos na minha intervenção de 20 de Janeiro do ano findo, pois a sociedade Madeiper, constituída pelas empresas de celulose (Caima, Figueira e Cacia), passará a comprar sozinha, em monopólio, no Norte do País, as madeiras de rolaria de eucalipto próprias para o fabrico de celulose, ao respectivo produtor, pelos preços que entenda fazer, livre de toda e qualquer concorrência.
Faço, pois, daqui, um apelo ao Governo para que sejam fixados o mais brevemente possível, para a campanha do corrente ano, os preços da madeira de eucalipto e de pinho próprias para o fabrico de celulose, e que esses preços sejam harmónicos com os que se praticam nos mercados internacionais, que nessa fixação se atenda ainda à circunstância do elevado custo da mão-de-obra necessária, desde o abate e preparação dessa madeira até ao seu carregamento para o transporte, a ainda, Sr. Presidente, que seja imediatamente revogado o despacho do Sr. Ministro da Economia de 15 de Fevereiro de 1968, que concede à indústria nacional a possibilidade de optar, nas compras das madeiras de eucalipto, pelos preços oferecidos e ajustados com os importadores estrangeiros.
Na verdade, Sr. Presidente, esta opção concedida à indústria nacional conduz à impossibilidade dos exportadores portugueses em firmar no estrangeiro quaisquer contratos de fornecimento de madeiras de eucalipto, pela contingência em que ficam esses exportadores de não lhes ser possível efectuar o pontual cumprimento dos contratos, em razão, por parte da indústria nacional, do possível exercício da referida opção.
Ou será, Sr. Presidente, que esta desgraçada lavoura portuguesa há-de continuar a ser sacrificada à cupidez de exagerados, desmedidos e mais que injustos lucros das grandes empresas industriais, tão grandes e tão fortes que nem se sabe até que ponto paralisam ou atrofiam a própria acção do Estado?!
Ou será, Sr. Presidente, que a lavoura portuguesa, já saturada de ler e ouvir propósitos de protecção e amparo sem efectivação dos mesmos, a braços com a maior crise de que há memória, tenha de descrer da acção do Estado a este respeito, e que os agricultores, desiludidos da eficácia dos Governos no sector agrário, se convençam de que as apregoadas medidas de protecção à lavoura não passam afinal de mero dinamismo de ... papelada?!
É que, Sr. Presidente, se fixarmos a nossa atenção sobre os preços que se processam no comércio em geral, vemos que, enquanto os preços dos produtos industriais estão geralmente sempre a subir, os preços dos produtos da lavoura mantêm-se, de uma maneira geral, ao longo de dezenas de anos.
É ver, Sr. Presidente, o que se passa com o milho, cujo preço de 2$50 por quilo, ainda sujeito a descontos de transporte, se mantém há dezenas de anos e não chega sequer para cobrir o custo da sua produção!
Fala-se para aí em reconversão agrária, em agricultura de grupo, em emparcelamentos e parcelamentos, mas, no fim e ao cabo, pouco ou nada se tem caminhado neste sentido até agora, e é convicção minha de que nada se avança neste caminho enquanto, por parte do Estado, se não faça, junto dos agricultores, uma campanha de esclarecimento e de dinamização; e até agora essa campanha não se tem feito.
Pois, Sr. Presidente, se não acodem imediatamente, com medidas de emergência, à lavoura do Norte do País, esta acaba por ser inteiramente abandonada, ficando dela apenas a florestarão dos respectivos terrenos, com grave prejuízo para o País, que fica privado da maior parte das fontes internas do seu abastecimento alimentar.
E para já impõe-se que seja elevado o preço do milho, passando de 2$50 para 8$50, obrigando-se a Federação Nacional dos Produtores de Trigo a receber o milho a este último preço.
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É que a lavoura do Norte do País tem por base, na sua maior parte, além do vinho, a cultura do milho, e estas culturas continuarão a ser ainda por muitos anos objecto da referida lavoura.
Então, não se vê que salários dos trabalhadores rurais subiram assustadoramente, não se encontrando um trabalhador capaz a menos de 80$ diários?
Então, não se vá que o abono de família aos rurais, vindo tarde, como veio, e mitigado, não trava já a forte corrente emigratória, donde resulta redução substancial da população activa do Pais, com a consequente escassez da mão-de-obra na agricultura?
Então, não se vê que a redução da exportação dos nossos vinhos para as províncias ultramarinas conduziu necessariamente à baixa dos respectivos preços nos produtores, acentuando ainda mais a gravíssima crise agrícola?
E nem se diga que o milho importado do estrangeiro fica no Paia a um preço inferior a 2$50 cada quilograma, porque também o ferro importado do estrangeiro fica aqui a um preço muito inferior àquele por que a indústria nacional o coloca no mercado interno, e nem por isso o Governo consente na livre importação do ferro e obriga os Portugueses a adquiri-lo pelos preços praticados pela indústria nacional.
Todos sabem que no Norte do País se encontram já abandonados numerosos campos e até grandes quintas, porque os custos de produção não são cobertos pelos preços por que silo vendidos os respectivos géneros agrícolas; e este abandono aumentará cada vez mais se o Governo não passar rapidamente do dinamismo de papelada para a acção persistente e eficaz no campo da agricultura.
Para já, foço daqui, em nome da lavoura nortenha, veemente apelo ao Governo no sentido de permitir-se a livre circulação dos nossos vinhos para as províncias ultramarinos, revogando-se o despacho que reduziu a sua exportação para essas províncias, e de elevar-se o preço do milho, como se preconiza nesta intervenção.
Tenho dito.
O Sr. Trigo Peralta: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Faça favor.
O Sr. Trigo Pereira: - Realmente V. Ex.ª acaba de pôr um problema grave, que é o do preço do milho, em termos de produção agrícola. Bestaria saber se realmente para o País o problema se circunscreve rigorosamente a um preço de produção do milho para a alimentação humana, ou se nós temos de entrar em termos de produção competitivos com o mercado externo. Actualmente no País estamos em presença de uma pecuária em evolução rápida. Uma resposta da lavoura às necessidades imperiosas que o País tem em abastecimento de carnes tem de assentar forçosamente numa alimentação mais racional do efectivo, a qual é responsável em cerca de 80 por cento deste esforço. Esta alimentação tem de assentar em cereais secundários. E dessa maneira nós, por um acerto em termos de preço de milho em zonas que quiçá não são as mais próprias para produzir o cereal, podemos, em contrapartida, entrar num sistema de preços que venha a impedir tal resposta. O problema, embora seja de preços, é, também, de níveis de produção. Não podemos pensar, rigorosamente, num sector da produção somente a nível do Minho, como V. Ex.ª falou, porque as repercussões gerais poderão, ser extraordinariamente graves.
O Orador: - Eu queria responder a V. Ex.ª desta forma: estou informado de que o Governo tem feito maciças importações de milho do estrangeiro. E claro que esse milho que se importa faz com que o nosso seja aviltado nos seus preços. Parece-me que o Governo procederia muito melhor, em vez de gastar cambiais com a importação de milho, fazer com que essas cambiais viessem em protecção da lavoura que se dedica à produção do milho.
Certamente que V. Ex.ª conhece como se processa a agricultura do Norte do País, sobretudo no que respeita a milho. Eu quero dizer a V. Ex.ª que também sou lavrador e cheguei a esta conclusão: é que a produção de milho é aquela cultura que melhor se harmoniza com a criação de gado. No Norte do País, de uma maneira geral, a terra está em pousio desde que se colhe o milho até que se lavra
Está em pousio, mas está a produzir pastagens para o gado. Semeia-se o milho e continua a terra a dar pastagens para o gado, porque há o milho de monda, há o pendão, o folhelho que serve para a alimentação do godo. Eu quero dizer a V. Ex.ª que é esta lavoura do Norte que serve o País, alimentando-o.
V. Ex.ª tem conhecimento certamente de que, por exemplo, o abastecimento do leite desta cidade de Lisboa é sobretudo feito pelo Norte do País. E não pensem que o Norte do País só o abastece no que respeita à alimentação por via do leite; é também por via do godo, de uma maneira espantoso, gado que é absolutamente necessário à alimentação deste país e que pode, pelo menos, reduzir a importação que se faz do gado para a alimentação.
Era isto que eu queria dizer a V. Ex.ª, porque entendo que é necessário olhar para o Norte do País e não só para o Sul, já que a lavoura nortenha tem não só um interesse nacional, mas também um interesse social.
O Sr. Trigo Pereira: - Se V. Ex.ª me desse licença ... O Orador: - Mas nós não podemos estar aqui...
O Sr. Trigo Pereira: - Aceito perfeitamente as explicações de V. Ex.ª. Agora como técnico é que não posso admitir que nós possamos fazer carne ou leite com o milho a 3950.
O Orador: - Mas o milho não é só para isso. O milho serve para a alimentação humana tem hoje outros aplicações. V. Ex.ª sabe que do milho se tira o milho óleo e até já aproveitam a farinha de milho para o fabrico de bolacha, depois de tirado o ilo. Portanto, o milho tem muitas aplicações. O que eu digo e quero frisar a V. Ex.ª é isto: é que o milho é, para o Norte do País, a cultura que mais se harmoniza com a lavoura, com a criação e alimentação do gado. Isso é que a minha experiência me leva a dizer.
Q orador foi cumprimentado.
O Sr. Miller Guerra: - Sr. Presidente: a reforma do ensino continua a atrair as atenções, tornando-se, sob alguns aspectos, o ponto crucial da vida sócio-política no momento que atravessamos. Não admira que assim seja, porque ela corporiza um conjunto de aspirações, necessidades ha longo tempo sentidas pelo povo português e pelas instituições de ensino, mas cuja satisfação tem sido constantemente adiada.
Estava, pois, o terreno preparado para receber uma reforma que o fosse a valer, atirando para as brumas do
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passado a recordação de outras reformas pequenos, insignificantes ou nulas.
Não é o ensejo nem o lugar de prosseguir nesta tema, mas não deixo de tocar em dois ou trás pontos que explicam em parte o inacostumado Interesse provocado pelas providências tomadas pelo Ministro da Educação.
E claro que, quando falo de interesse, refiro-me às concordâncias, as objecções e as críticas, mesmo às críticas demolidoras, se as há, pois, desde que a apreciação é livre, tonto direito tem de falaz o que aprova tudo como o que tudo rejeita. Assim é que entendo a liberdade de opinião, que de forma alguma é a simples faculdade de aprovar ou discordar sob condições. À uniformidade de opinião prejudica a cultura dá inteligência e de saber, sobretudo quando resulta de um controle previamente estabelecido. No domínio do pensamento os monopólios asfixiam a capacidade criadora.
No discurso proferido há dias pelo Ministro da Educação Nacional permito-me assinalar a passagem respeitante à Urgência que o Prof. Veiga Simão tenciona imprimir à execução da reforma.
Com plena consciência da aceleração dos factos e das ideias, própria dos nossos dias, sente o tempo fugir-lhe perante o magno empreendimento a que se lançou. "Temos de caminhar com segurança", diz o ilustrado Ministro, emas acompanhando a velocidade das transformações que se operam por esse mundo fora em todos os sectores da vida dos povos. A unidade de tempo para situar as coisas "reduziu-se de tal modo, os atrasos que importa recuperar multiplicam-se sempre em progressões de tal razão, que todos os momentos contam."
Eis uma linguagem que gostávamos de ouvir repetida noutros domínios da actividade nacional, a ver se nos acabam de pregar que a velocidade do progresso é a nossa perdição.
No mesmo dia, no discurso que pronunciou ao tomar posse do cargo de director da Faculdade de Medicina, disse o Prof. Cândido de Oliveira:
A Faculdade de Medicina de Lisboa já há muito não comporta o número de alunos que a frequenta. É preciso que urgentemente se faça outra ou mesmo outras, a exemplo do procedimento das metrópoles civilizadas por essa Europa fora.
Aqui está apontada, por quem possui qualidade para isso, a situação de angústia que se experimenta na Faculdade de Medicina de Lisboa: excesso de alunos relativamente aos meios pedagógicos sem falar de outras causas e deficiências bem conhecidas.
Há semanas defendemos aqui a fundação de uma nova Faculdade de Medicina, aproveitando, para o efeito, o hospital que se projecta edificar no Restelo. À nossa apagada voz junta-se agora a palavra autorizada do novo director, que não descortina outra solução paro o congestionamento da Faculdade, a não ser uma ou mais Faculdades novas.
Entretanto, enquanto se aguardam as decisões das instâncias supremas, o ensino degrada-se. As matrículas na cadeira de Anatomia, em Lisboa, avizinham-se dos dois milhares, Para esta imensidade dá estudantes existe um único professor catedrático. Será preciso fazer comentários?
Em confronto com a "velocidade das transformações que se operam por esse mundo", como se tornam visíveis os atrasos acumulados!
Para resolver esta contradição faz falta um ideário que interprete as realidades nacionais h luz do presente, e não do passado, projectando no futuro a imagem da nova sociedade que esperamos.
Vozes: - Muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Jorge Correia: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quem pela primeira vez visite esta faixa do País para aquém de cordilheira constituída - pelo Caldeirão e Mon-chique, certamente se impressionará de encontrar um território pequeno que sob o nome de Algarve contém uma diversidade imensa de paisagens, climas, gentes e falas!
A própria corografia o subdivide em Barlavento e Sotavento, com as suas características climáticas e ecológicas bem diferenciadas: a atlântica e a mediterrânica.
Esta província., célebre hoje em todo o Mundo como das mais apetecíveis estâncias de férias, pela garridice e policromia das suas paisagens, pela lhaneza do seu povo, pela suavidade dos seus (poentes, peia doçura do seu clima, pela maciez das suas incomparáveis praias e ainda pela inebriante inspiração dos seus capitosos vinhos, tem, para além. de tudo isto, uma vida espiritual intensa e muito própria.
Pululam os contemplativos, os poetas, os bailadores, os músicos e os trovadores jocosos dos seus inconfundíveis bailes mandados!
Ë neste ambiente paradoxal, de longes luminosos e meditação, ide cor e agitação fremente da Natureza, e, por isto mesmo, tão propício a todas as manifestações estéticas e espirituais, que têm desabrochado no alfobre algarvio os valores mais díspares, desde os santos, mártires, heróis, autistas, sábios, estadistas, aos poetas e prosadores dos maiores - da língua portuguesa!
Hoje, Sr. Presidente e Srs. Deputados, ergo a minha voz modesta e despretensiosa, mas que eu quisera ilustre apenas para estar à altura da evocação das duas figuras que pretendo salientar e homenagear nesta Casa, onde, a par da viva agitação dos problemas que nos preocupam dia a dia, não fica mal a serena contemplação daqueles que, libertos já da ganga que os materializou, de alguma maneira nos deram o exemplo da sua vida ou a lição dos seus testemunhos e de uma maneira ou de outra forma iluminaram a sua época com o esplendor da centelha com que Deus o distinguiu!
Duas personagens notáveis, a quem não foram prestados ainda as honras devidas e o preito da nossa profunda admiração e respeito. Duas figuras singulares, que por caminhos inteiramente diferentes atingiram o zénite da sociedade portuguesa.
Uma consumiu-se numa existência de asceta, alcandorando-se pela renúncia e humildade cristã aos paramos da santidade!
A outra, numa ânsia de conhecimento e embriaguez estética, levou uma vida de nómada e epicurista, erguendo-se ao sorne da fama pelos primores de uma cultura humanística pujante e requintes de uma sensibilidade de artista!
Uma e outra são dignas que nós, simples mortais, que nada possuímos que nos liberte dessa condição, assinalemos a sua passagem luminosa pela Terra, que aqueceram com o brilho dos seus invulgares merecimentos!
A primeira dessas figuras a que venho a referir-me vai o Algarve inteiro prestar condigna consagração no dia 17 de Abril próximo, data em que faz um século que nasceu em Tavira D. Marcelino António Maria Franco, que viria a ser sagrado bispo da sua própria diocese.
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Fez os seus estudos no Seminário Diocesano de S. José, em Faro, sempre com distinção, quer nos preparatórios, quer mo curso (teológico, que concluiu em 1891).
Pelo seu fino trato, simplicidade natural, porte exemplar, amor ao estudo, à disciplina e à oração, conquistou a estima, a consideração e o respeito dos colegas e superiores.
Em 1898 foi ordenado sacerdote por D. António Mendes Belo e a 26 de Novembro do mesmo ano celebrou a sua primeira missa ma artístico. Capela de Nossa Senhora do Carmo, da sua cidade matal!
Em 1908 era nomeado cónego honorário, passando a capitular em 18 de Agosto de 1915, e por motivo da transferência do Sr. D. António Barbosa Leão paro o Porto é escolhido para vigário capitular, até à sua nomeação para a Diocese do Faro, em 15 de Maio de 1920, por decreto do Papa Bento XV, vindo a sagrar-se bispo em 18 de Julho do mesmo ano.
Foi íntimo e devotado colaborador de dois prelados seus antecessores, D. António Mendes Belo e D. António Barbosa Leão, o primeiro elevado à dignidade de Patriarca e Cardeal de Lisboa e o segundo transferido para a Diocese do Porto.
Durante o cativeiro deste último, após o advento dia República, foi ele quem manteve viva a chama da fé no Algarve, amparando os poucos alunos que ficaram e recrutando outras, aos quais, com, a ajuda de alguns sacerdotes, ministrou o ensino em casas particulares, até que, regressado o prelado do exílio, o Seminário se instalou no edifício próprio, que fora ocupado pelo Regimento n.º 88, de Faro.
De suas próprias mãos lhe arrebataram as chaves do Seminário e do paço episcopal, não as entregando voluntariamente para significar que estes edifícios eram propriedade da Igreja, e não do Estado.
Criador e impulsionador de inúmeras obras religiosas, foi defensor acérrimo dos direitos da Igreja, pelo prestígio da qual lutou uma vida inteira como gigante, pelo exemplo imaculado de amor ao próximo e de uma vida profundamente devotada a Cristo
Faleceu em 8 de Dezembro de 1055 e foi inumado na cripta da Sá de Faro.
De compleição franzina e ar de místico, mais parecia um coruchéu gótico a evomar-se para os céus em permanente prece, numa espiritualização da própria matéria, inspirando a todos sentimentos piedosos dimanados da sua santidade.
E hoje, poucos anos depois da sua morte, a sua efígie anda já pelos oratórios e pelos sacrários mais humildes dos lares algarvios, iluminada pelo bruxulear das chamas votivas daqueles que se sentem confortados com as suas graças de taumaturgo.
Se de entre as suas virtudes tivéssemos de salientar alguma, eu diria que a humildade foi aquela que com naturalidade e sem o mais insignificante esforço se sublimou naquele homem, cuja parcela material era ínfimo suporte de uma grandeza de alma e de uma fé inexcedíveis!
Justo é que os Algarvios, e, de entre estes, com particular razão, os tavirenses, quisessem perpetuar no bronze e para todo o sempre o pastor que em vida lhes deu o maior e mais dignificante exemplo de amor e humildade.
A segunda personagem que aqui recordo, se não exala o perfume da santidade que sublima, glorifica-a a auréola de mártir imolado em holocausto à República que tanto amou e (serviu com intransigente aprumo e fidelidade.
Refiro-me a Manuel Teixeira) Gomes, essa figura varonil de porte distinto e maneiras requintadas, servida por uma das mais curiosas e sensíveis celebrações do nosso tempo!
Homem de (cultura invulgar, conhecia-a pelo estudo e pelo contacto directo com os centros donde irradiaram as diferentes civilizações 6 aqueles que de qualquer maneira guardam ciosamente as relíquias e vestígios desses tempos.
Visitou-os infatigavelmente durante muitos anos, bebendo e assimilando em haustos profundos de contemplação e meditação numa imoderada ânsia de saber e irrefreável sede inata de emoção!
Foi ao mesmo tempo um diletante e um homem de negócios que deste amalgamo soube tirar a lição de equilíbrio - que a si próprio impôs mesmo nos mais graves momentos da sua vida.
Primeiro embaixador em Londres da incipiente República durante treze anos, num dos períodos mais conturbados da Europa prestes a entrar em guerra, deve os seus indeléveis êxitos diplomáticos e, consequentemente, os mais relevantes e patrióticos serviços ao País, a sua vincada personalidade, à irradiante simpatia do seu fino trato, a sua superior inteligência e à experiência vivida em contactos com os mais variados povos.
De Londres, e verdadeiramente instado pelo Partido Democrático, volta a Portugal, num cruzador que n cortesia britânica, numa demonstração do mais - alto apreço pelo ex-ministro, pôs à sua disposição para o regresso, a fim de ocupar a mais alta magistratura da Nação, lugar que exerceu com inexcedível nobreza de sentimentos e verdadeiro sentido das responsabilidade que impendem sobre um Chefe de Estado!
Tentou mais de uma vez congraçar os políticos desavindos por ódios, dissídios e paixões, que se mostraram insanáveis, apesar dos seus hercúleos esforços de conciliação.
Baldadas tantas instâncias, preferiu renunciar a amoldar-se a exigências partidárias, ou trilhar caminhos ínvios que brigassem com a Constituição, que jurara solenemente defender.
Passados vinte e seis meses, quero crer, não por falta de firmeza ou quebra de fé nos destinos da Pátria, mas pela repulsa incoercível que os interesses inconfessáveis dos políticos de então lhe causavam, e que deterioravam inexoravelmente o País, exilou-se voluntariamente para, no remanso e total afastamento da intoxicada atmosfera de Lisboa, poder dedicar-se aos seus escritos e a meditação da sua romanesca existência, tão fértil de episódios saborosos de flagrante oportunidade.
Mas Teixeira Gomes não foi apenas o político, o Presidente da República, facto que só por si lhe outorgaria foros de imortalidade, foi, para além disso, o artista que tão bem nos soube transmitir, numa linguagem plena de expressão, os reflexos da sua delicada sensibilidade, o romancista de inconfundível talento, e o mais impressionista de quantos pintaram na literatura portuguesa!
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sem de qualquer forma me vestir com a presunção de ter traçado os perfis destas duas relevantes figuras da vida portuguesa, pois para tanto não só me faltaria o engenho como o conhecimento de tantos sucessos e pormenores das suas vidas, sem os quais toda a apreciação seria imperfeita, quis apenas, com largas e descoloridas pinceladas, aproveitar o ensejo de os lembrar neste selecto areópago e prevalecer-me desta oportunidade para agradecer na pessoa do presidente da Câmara de Tavira, que ainda sou, embora por poucos dias, ao Governo a sua magnânima ajuda que vai tornar possível A consagração a D. Marcelino Franco. Desta mesma tribuna quero ainda cumprimentar e felicitai- as louváveis iniciativas particulares pró-monu-
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mento a Teixeira Gomes e fazer veemente apelo à Câmara de Portimão que tome nos suas mãos o facho de vima inquietação que anda na boca e no coração de todos os algarvios e certamente tem o aplauso de todo o País e até do próprio Governo.
Manuel Teixeira Gomes bem merece que a posteridade o faca erguei- no bronze à altura da sua opulenta personalidade.
Tenho dito.
O orador foi cumprimentado.
O Sr. Themudo Barata: -Nos últimos meses do ano que findou tive ocasião de visitar Timor, por amável deferência do Sr. Ministro do Ultramar, em seguimento de um insistente e igualmente nmável convite do Sr. Governador da província.
Creio, assim, dever relatar brevemente nesta Assembleia os impressões colhidas, lamentando embora dever principiar por um reparo, que se não dirige ao Governo - alvo habitual das críticas, dos pedidos ou dos apelos daqui lançados -, mas, sim, ao nosso Regimento. Não parece, na verdade, muito feliz a doutrina estabelecida no artigo 12.º no que toca a deslocações dos Deputados que não residam no próprio círculo eleitoral. Ora, entraram para esta Câmara (de acordo com os dados da respectiva lista de moradas) mais de duas dezenas de Deputados que não têm residência nos respectivos círculos. Assim, no sistema actual, se os contactos entre o Deputado e os problemas e as gentes da região que aqui representa se não revestirão, em regra, de dificuldades de maior, no caso dos círculos metropolitanos, já se tornar um por certo mais difíceis no caso das ilhas adjacentes; mais ainda o serão no caso de Cabo Verde e tornar-se-ão praticamente proibitivos no caso de Timor, sem recorrer a intervenção e aos bons ofícios do Governo.
Parece, portanto, que em futura revisão do Regimento esta situação deveria modificar-se, a bem da eficiência - e também do prestígio, da função que nos cumpre exercer.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Por mim - devo repetir e acentuar - só tenho de manifestar-me grato aos requintes da fidalga e amiga hospitalidade ide que fui rodeado, mas trata-se, essencialmente, de uma posição de principio.
Sr. Presidente: Trouxe de Timor as melhores impressões acerca do ritmo a que se tem caminhado em sectores fundamentais como é o caso da educaçilo e da saúde.
À promoção social das populações continua a merecer todas as abençoes do Governo da província.
A paz e a tranquilidade continuam a reinar naquela terra de tão boa gente.
Há nítido desejo de progredir e de realizar, mas a economia não tem acompanhado estes anseios e vai marchando a um ritmo desesperadamente lento.
Não é ocasião para abordar com maior amplitude os problemas do desenvolvimento de uma terra como aquela, no qual os aspectos- comuns às regiões subdesenvolvidas estuo agravados pela situação insular do território, pelo grande afastamento dos mercados e pela enorme distância à metrópole, donde v3o - e terão de continuar a ir por bastante tempo ainda - os planos para o seu desenvolvimento, os técnicos para os pôr em marcha e a maior parte do dinheiro para os executar.
Chamarei somente a atenção para alguns pontos que são bem um índice das dificuldades a vencer.
Em Timor, como, aliás, na generalidade das províncias de governo simples, apenas existe um banco: o Banco Nacional Ultramarino, que é o banco emissor.
Tem havido diligências com vista à instalação de bancos comerciais em outras províncias, além, claro está, de Angola e Moçambique, onde se multiplicaram já vertiginosamente.
Ora, na minha visita verifiquei ser esta uma necessidade julgada em Timor da maior utilidade e da maior urgência, opinião que foi unanimemente confirmada em todas as reuniões em que o assunto foi abordado com as autoridades mais qualificadas, quer oficiais, quer privadas.
Não se trata - é evidente - de esquecer a função que cabe ao Banco Nacional Ultramarino, mas, muito simplesmente, de pretender completá-la.
Quem consiga naquela - terra algumas economias não tem onde AS colocar por forma a receber um juro adequado.
Ainda que a população possua, no geral, fracos recursos, há criadores de gado ou plantadores autóctones que conseguem amealhar centenas de contos e se vêem forçados a guardá-los num canto das suas casas, por não terem melhor destino a dar-lhes.
O Sr. Castro Salazar: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Faça favor.
O Sr. Castro Salazar: - Estou a ouvir com muita atenção a intervenção de V. Ex.ª, no que diz respeito à existência na província de Timor de um só banco. O problema põe-se com a mesma premência em S. Tomé e suponho que em todas as províncias de governo simples. E, de facto, necessário promover a criação de novos bancos ou agências de bancos nessas províncias. Realmente, a pequena poupança depositada no banco emissor não dá qualquer lucro, porque os bancos emissores não pagam juros. Portanto, é absolutamente necessário e urgente que se resolva esse problema, que, aliás, é unia necessidade que todas as populações, tanto de S. Tomé como das outras províncias de governo simples, anseiam ver satisfeita.
O Orador: - Muito obrigado, Sr. Deputado.
Eu não pretendo ser procurador de ninguém, mas principiei por dizer que esse facto se passava em todas os províncias de governo simples, embora só me sentisse autorizado a falar naquela que aqui tenho a honra de representar.
A terra não é próspera, é verdade, para entusiasmar banqueiros que pretendam obter desde logo lucros fabulosos, mas também é verdade que, sem estimular a vida económica, ela se não desenvolverá.
Para isso, para dar à poupança um incentivo e uma finalidade, é que existem os bancos, cabendo-lhes, portanto, a missão de IX buscar o capital onde ele sobre para o distribuir onde ele falte.
Os bancos não existem apenas para ganhar dinheiro: existem para desempenhar uma função económica e social. Portanto, só o ganharão legitimamente se souberem desempenhar capazmente essa missão, se souberem estar a altura da confiança que a sociedade neles deposita, como detentores que são de avultados capitais, que representam o produto de um trabalho passado tantas vezes somatório de esforços e sacrifícios de tantos, e que terão de tornar-se assim instrumento de trabalho futuro em proveito de toda a Nação, e não apenas em caprichoso benefício de alguns.
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Estou certo que o Governo dará todo o apoio para a concretização deste objectivo e confio que em breve a banca comercial portuguesa, se disponha a contribuir com a sua presença para dinamizar o desenvolvimento de Timor, pois creio que haverá homens de negócios que saberão clarividentemente fazer contas com mais largas perspectivas, pensando que o interesse dos investimentos não pode aferir-se apenas pela margem imediata de lucro, pás que o lucro mais seguro e mais reprodutivo será x que for obtido nas operações que melhor sirvam o País.
Outro problema que já por mais de uma vez referi, pelo qual já insistia também há uma dezena de anos como governador da província, é a carência aflitiva de pessoal técnico qualificado.
Num território como aquele têm de ser os técnicos do Estado a dar o impulso a todas es actividades, mas a dá-lo com a necessária solidez a continuidade.
Como poderá, de outro modo, esperar-se que progrida rapidamente uma região ainda economicamente atrasada, em que a natureza, que tão pródiga foi na majestosa imponência de montes e vales, se apresenta tão áspera, dificultando tantas obras e tantos planos, e tão avara se torna até na própria terra para agricultar?
A situação geográfica de Timor, os seus muitos problemas e dificuldades justificam inteiramente a adopção de medidos especiais quanto ao recrutamento de pessoal para os seus quadros.
Como desta Assembleia não poderá partir n iniciativa de legislar sobre a mataria, limitar-me-ei a solicitar daqui ao Governo, nomeadamente ao Sr. Ministro do Ultramar que com tilo particular carinho vem, aliás, acompanhando todos os problemas que respeitam à província, que ouse encarar este assunto com a urgência e a amplitude que ele carece.
Penso que poderão encarar-se duas ordens de soluções, para além doa meãos de que actualmente dispõe o Ministério do Ultramar.
A primeira e, para mim, creio-a a mais aconselhável do ponto de vista da eficiência técnica- seria dar o carácter de serviços nacionais aos serviços técnicos metropolitanos, numa 1.ª fase no referente as províncias do governo simples, prevendo-se um regime flexível, que se iria estendendo à medida dos possibilidades.
Parece que o exemplo do Serviço Meteorológico Nacional é bem concludente, pois, sendo um serviço com marcadas responsabilidades de natureza técnica e até científica, só a sua estrutura de serviço nacional permite que mesmo nos pequenas províncias nunca faltem técnicos qualificados para os seus quadros, mesmo os de preparação universitária.
E certo que não seria fácil adoptar desde já solução similiar para todos os serviços técnicos, mas nunca compreendi a razão de se não haverem dado já outros passos, embora prudentes, mas rápidos e decididos, neste caminho.
Outro tipo de solução, que poderia considerar-se como preparativo ou ensaio da anterior, seria promulgar medidos legais que facultassem que técnicos dos serviços metropolitanos, mantendo os seus lugares nos quadros de origem e os seus vencimentos, pudessem ir desempenhar, por exemplo, comissões de serviço a Timor, recebendo ali uma remuneração adicional.
No fundo, seria tornar extensivo às relações entre a metrópole e o ultramar um regime que já vigora entre as províncias.
Esta ajuda em pessoal prestada pela metrópole, sobretudo para as pequenas provinciais, poderia ser tonto ou mais valiosa do que os generosos apoios financeiros que lhe vem concedendo.
Finalmente, poro traduzir bem o afastamento de Timor e as suas dificuldades, falarei das ligações aéreas.
Pode-se ir, é facto, de Lisboa o Dali também de barco, em carreiras nacionais. A duração da viagem é da ordem de um mês e os intervalos entre as carreiras chegam a ser de meio ano, unidades de tempo estas seguramente longas de mais para se ajustarem ao pulsar da vida numa época como a nossa, em que o homem vai e vem da Lua em poucos dias.
Apesar de construído já há uma dezena de anos o seu aeroporto internacional da Baucau, Timor mantém ainda apenas carreiras externas (regulares com a Austrália, por intermédio de uma companhia australiana, e eventuais ligações com a Indonésia.
No aeroporto falta ainda resolver o problema do conveniente abastecimento de combustível.
Por outro lado, os rotos internacionais dos aviões portugueses ficam ainda muito longe daquelas paragens e quem, de Lisboa, para lá tiver de dirigir-se por via aérea sentirá a tristeza de verificar que o caminho normal paro Timor, a rota que serve a maioria dos passageiros, e do correio, possa pela União Indiana, e outro, de alternativa mais comum, passa pela União Soviética.
Podem, é verdade, escolher-se rotas que contornem a Terra pelo Pólo Norte ou pelo Ocidente, mós parece que não será pedir demasiado pretender que se estude activamente e se encare em breve a extensão até Timor (ou, pelo menos, até às suas vizinhanças) das Unhas internacionais portuguesas.
Será difícil ligar Timor o Moçambique, prolongando até lá, ou pelo menos até Darwin, no Norte da Austrália, a acção dos T. A. P., por si só ou mediante arranjos a realizar com as linhas aéreas australianas ou da África do Sul que operem pelo Indico?
Admito que haja dificuldades várias a vencer, mas creio que haveria também grandes e compensadoras vantagens.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Poderia permitir aligeirar os encargos com os transportes marítimos, impediria enormes perdas de tempo com todos os funcionários que se deslocam de licença e, sobretudo, seria um elo a unir de um extremo ao outro esto Nação pelo Mundo repartida, o que fundo calaria no coração dos Timorenses.
Disse.
Vocês:- Muito bem!
O orador foi cumprimentado.
O Sr. Brás Gomes: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: No âmbito das obrigações decorrentes do mandato indeclinável dos meus conterrâneos paro representar nesta Assembleia o Estado da índia, cumpre-me expor à alta consideração do Governo uma questão do maior importância social e política, em que estão em jogo os legítimos interesses e aspirações dos naturais daquela sacrificada província de além-mar.
Trota-se do coso dos médicos formados pelo Escola Médico-Cirurgião de Goa que deixaram aquela província antes da ocupação daquele sagrado solo de Portugal por forças militares da União Indiana.
Goa, á cidade dourada, foi o centro donde irradiou para terras do Oriente a luz da cultura e da civilização ocidentais. Foi no Hospital Real de Goa - o maior hos
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pital do mundo, na opinião de viajantes europeus que se instituíram, por Carta Real de 23 de Março de 1691, as primeiras aulas de Medicina e Cirurgia, seguindo-se, em 5 de Novembro de 1842, a criação da Escola Médica de Goa, a qual veio a ser finalmente reorganizada em 1945 pelo então Ministro das Colónias, Sr. Prof. Marcelo Caetano, sendo governador-geral o saudoso Dr. Ferreira Bessa. E tal reorganização mereceu por parte do ilustre director, Doutor Germano Correia, figura de relevo na medicina portuguesa, as palavras de congratulação que adiante se recordam e que foram pronunciadas na sessão solene de abertura Todas aulas no ano de 1948:
Neste momento histórico, outras e bem cabidas palavras de agradecimento se tornam imperiosas, para que a sombra da ingratidão não envolva nas dobras do olvido dois nomes que merecem sor lembrados e honrados, enfileirando-se ao lado dos do antigo Ministro do Ultramar, D. Manuel de Portugal e Castro, e dos antigos governador-geral e fisico-mor deste Estado, o conde das Antas e o Dr. Mateus Moacho, respectivamente.
Os nomes a que me referi, e que se impõem ao nosso reconhecimento, são os do ex-ministro das Colónias, Prof. Doutor Marcelo Caetano e do ex-governador-geral e actual Secretário-Geral do Ministério das Colónias, Dr. Ferreira Bossa. Esta Escola nunca deverá esquecer-se deles, pois bem merecem que os seus nomes se perpetuem no bronze da história, para a edificação das gerações vindouras.
E mais adiante acentuava:
Falar do Prof. Marcelo Caetano, como Ministro das Colónias, e do Dr. José Bossa, como governador-geral deste Estado, importa referirmo-nos, com acatamento e reconhecimento, a dois homens superiores, que, mercê das suas altos qualidades intelectuais, dos seus sólidos predicados morais e das suas invulgares faculdades de trabalho, marcaram, na galeria dos filhos eminentes de Portugal, dois lugares sobremaneira relevantes e de grande envergadura político-social
Foi nesta Escola Médico-Cirúrgica de Goa que se formaram para a actividade profissional, em mais de um século, milhares de médicos, que na África Portuguesa, nos domínios britânicos e na própria índia, levaram B bom termo as mais duras campanhas sanitárias, numa época em que a África não despertava a cobiça de ninguém e, no consenso de estrangeiros, era qualificada como "cemitério dos Broncos".
Os médicos goeses que demandavam aquelas paragens nunca hesitaram em realizar todos os sacrifícios impostos pelo bom êxito da sua nobilíssima missão, numa dadiva total de verdadeiro sacerdócio.
0 Prof. Fonseca Torne a eles se referia, em, 1881, nos seguintes termos:
Os facultativos da Escola de Goa são inteligentes, bons clínicos, conhecedores das doenças tropicais.
E o contributo destes médicos alcançara tais proporções que já por um decreto de 1668 se garantia aos diplomados pela Escola de Goa a percentagem de dois terços de lugares de facultativos de 3.º classe no ultramar.
Em 1681 havia 67 médicos em serviço no ultramar, dos quais 43 eram diplomados pela Escola Médica de Goa, e, a propósito, o Prof. Fonseca Torne salientava:
Sem a Escola de Goa, nunca nas possessões portuguesas haverá a necessária assistência médica.
Mais recentemente, em 1053, na Sala dos Capelos da Universidade de Coimbra, o Prof. Vaz Serra, mestre de Patologia Médica, emitia sobre os médicos de Goa esta lisonjeira opinião:
Eles são bons clínicos, experimentados, inteligentes e sabedores, possuindo educação, delicadeza, simplicidade e modéstia, quantas vezes informação completa, bom juízo, conhecimentos e até cultura e ilustração.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A estes médicos que pelo exercício da sua actividade têm prestigiado a Escola que os formou e a classe a que pertencem e que ocupam no ultramar os cargos mais diversos da maior responsabilidade, como delegados de saúde, chefes de sectores médicos e de brigadas sanitárias, médicos militares, médicos escolares, a par da clínica livre, a estes médicos dizia é- lhes exigido, para efeito de ingresso no quadro de saúde do ultramar, a equiparação das suas habilitações ao curso médico-cirúrgico, mediante exame a prestar numa das Faculdades de Medicina das Universidades de Coimbra, Lisboa ou Porto, conforme preceitua o disposto no Decreto-lei n.º 88 843, de 30 de Julho de 1053, e nos termos do Decreto regulamentar n.º 38 844, da mesma data. Sucede, porém, que, para obviar aos inconvenientes resultantes da ocupação do Estado da índia e dos incidentes que a precederam, foi promulgado o Decreto-lei n.º 45 042, de 23 de Maio de 1963, que, no seu artigo único, dispõe:
É autorizado o Ministro da Educação Nacional a tomar, ouvido o Conselho Permanente da Acção Educativa, as disposições que, em cada caso, se mostrarem necessárias ou convenientes para que os naturais do Estado da índia possam obter a equiparação dos seus estudos, realizados anteriormente à ocupação do mesmo Estado, a habilitações ministradas em quaisquer escolas oficiais portuguesas.
O citado preceito legal, reconhecendo as dificuldades, atrasos e prejuízos que adviriam para os interessados da aplicabilidade da legislação em vigor sobre a equiparação de habilitações, entendeu de justiça libertá-los das obrigações decorrentes daquela legislação, autorizando a equiparação entre os estudos realizados nas escolas de Goa e os ministrados em quaisquer escolas oficiais portuguesas.
Quer isto dizer que, não obstante o alto significado político e a justiça de tais providências, tomadas em circunstâncias de tão grave emergência, o mesmo facto cassou a ser regulado por preceitos diferentes, dando origem a situações de flagrante injustiça: os médicos com o curso da Escola Médico-Cirúrgica de Goa e que saíram daquele Estado depois da ocupação beneficiam automaticamente da equiparação com o das Universidades da metrópole (Decreto-lei n.º 45 042, de 23 de Maio de 1968); aos médicos habilitados com o mesmo curso e que saíram daquele Estado antes da ocupação continua a ser-lhes exigida a prestação de provas para efeitos de equiparação (Decreto-lei n.º 88 843 e Decreto n.º 88 844, ide 80 de Julho de 1952).
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Acresce que tais exigências recaem precisamente sobre aqueles médicos da mais longa experiência, habilitados ainda, na sua maior parte, com os cursos de Medicina Tropical e de Saúde Pública, mas cuja idade entre os 40 e os 60 anos- não favorece, na maioria dos casos, o vigor das faculdades da memória requerido na prestação de provas de exame.
A desigualdade de tratamento destes médicos perante a lei causa ainda maior estranheza pelo facto de lhes ser permitido o livre exercício da sua profissão nos países da Comunidade Britânica em condições de igualdade com os médicos ingleses.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: S. Ex.ª o Presidente do Conselho de Ministros, Prof. Marcelo Caetano, jurista insigne, que deu já, quando Ministro das Colónias, o seu inestimável contributo à Escola Médica de Goa, não deixará -estou certo de determinar o estudo da situação destas médicos, para que se faça completo justiça.
Igualmente reiteramos a nossa confiança em S. Ex.ª o Ministro da Educação Nacional, Prof. Veiga Simão, que mós prometeu mandar submetei- o caso à consideração ido Conselho Permanente da Acção Educativa.
O orador foi cumprimentado.
A Sra. D. Maria Raquel Ribeiro: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ocorreu esta manhã o funeral do Prof. Edmundo Lima Basto, que, inesperadamente, falecera na madrugada de ontem.
Sinto o dever de evocar nesta Câmara a sua memória, como homenagem no professor ilustre, homem todo devotado à ciência, e ainda, principalmente, à sua dedicação e assistência aos doentes oncológicos.
Director clínico do Instituto Português de Oncologia desde 1962, o Prof. Lima Basto, colaborador e continuador da obra do Prof. Francisco Gentil, viveu intensamente a situação dos seus doentes. A sua solicitude e interesse pelos problemas da assistência aos doentes levaram-no a uma presença infatigável naquele Instituto de Oncologia.
Soube arrancar a tempo da ameaça do canoro muitos e muitos milhares de doentes que, por esse Paia, hoje choram, certamente, na dor de verem partir aquele que toda a sua vida dedicara ao exercício da medicina, e na gratidão de quanto dele puderam receber.
Que a sua memória perdure, não só entre os seus familiares e amigos, mas em toda a Nação.
A oradora foi cumprimentada.
O Sr. Sá Carneiro:- Sr. Presidente: A repercussão que teve, dentro e fora desta Casa, a minha intervenção acerca da revisão da Concordata, levou-me a pedir hoje a palavra para umas breves considerações sobre o tema, a fim de assumir responsabilidades que jamais saberia enjeitar e de fazer um pouco o ponto da situação, dando desde já a conhecer o rumo que penao dar so assunto.
Os Srs. Deputados Mota Amaral, Agostinho Cardoso e Themudo Barata tiveram a amável hombridade de me avisar de que iam retomar o tema por mim abordado, quer sustentando posições diferentes ou antagónicas, quer tratando de aspectos que eu não havia abordado, sempre com seriedade e elevação.
Para além disso, o debate extra-parlamentar tem revestido aspectos desiguais nas suas diferentes posições, diversidade salutar, expressa por vezes com menos felicidade e correcção.
Mas o que lá fora se passa ai deve ficar. Entendo que o Deputado que aqui aborda um tema não tem que enveredar pela polémica jornalística, por muito que para ela seja solicitado, pois os debates aqui iniciados nesta Casa devem, se necessário, prosseguir e encerrar-se, sem prejuízo do dever que cada um tem de informar e do direito de expressar as suas opiniões.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O assunto a que me refiro não está esgotado; longe disso.
Terminei a minha intervenção sobre a revisão da Concordata com o apelo à Santa Sé e ao Governo Português para que iniciassem sem demora negociações no sentido da alteração do tratado vigente.
É natural que nem o Episcopado português nem o nosso Governo façam espontaneamente conhecer as suas posições; o primeiro, porque, interessando embora o assunto à igreja de Portugal, as negociações se hão-de estabelecer com a diplomacia vaticana; o Governo, pelo natural melindro diplomático da matéria.
Dizia que uma das razões destas minhas palavras era a de dar a conhecer como pensava prosseguir eventualmente o debate.
Se a situação se mantiver inalterada, é natural que uma próxima sessão aproveite a sugestão do Sr. Deputado Valodão dos Santos, pois, além de possibilitar a generalização do debate, ela terá ainda a vantagem de permitir a este órgão ida soberana pronunciar-se sobre a revisão da Concordata, ultrapassando assim a mera expressão de opiniões, as quais, porque individuais, valem apenas pelas razões em que se apoiem.
Até lá resta aguardar com a serenidade decorrente da consciência de ter cumprido um dever ao abordar um assunto incómodo, mas que reputo importante e oportuníssimo em todos os seus aspectos, certo de que, muito mais do que as opiniões de outrem a nosso respeito, importa o valor e o bom fundamento das nossas próprias opiniões.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem!
O orador foi cumprimentado.
O Sr. Peies Claro: - Sr. Presidente: Foi já assinado o contralto com o empreiteiro que há-de construir o troço da estrada que, pela beira-mar, ligará a praia de Galapos à praia do Portinho da, Arrábida, por custo superior a 11000 contos. Acaba também de ser adjudicada, pós 16 400 contos, a construção dos 27 km necessários para se fazer a ligação enfare Alcácer do Sul e a Comporta, assim como foi já a concurso a construção do pontão que, na Comporta, permito ligar Grândola à península de Tróia, que lhe pertence.
Em nome do distrito de Setúbal, por cujo círculo fui eleito Deputado, quero agradecer ao Sr. Engenheiro Rui Sanches, ilustre Ministro das Obras Públicas, os despachos que tomaram impossível a concretização de três antigos e legítimos anseios das populações. Sinto-me particularmente feliz ao fazê-lo, porque nesta Camará fui arauto desses anseios.
Em 16 de Janeiro de 1969, trouxe aqui o argumentação que recomendava a construção da estrada Alcácer-Com-porta. Apontei a sua necessidade para apoio e desenvolvimento de um vasto interland rico de promessas de rentável exploração agrícola e para suporto turístico, pondo mais próximo da gente do interior o areal dourado da extensa1 península de Tróia. Igualmente apontei a necessidade do pontão para se completar uma rede rodoviária do maior interesse turístico e económico.
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Em 10 de Março de 1967, ao (referir-me aqui ao color de belas praias e outras belezas paisagísticas que ornam todo o distrito de Setúbal, disse das carências fundamentais dos do Portinho da Arrábida, entro os quais os acessos, a dificultarem tudo o mais, e aludi, o que também fiz na minha intervenção de 29 de Abril de 1970, ao projecto da criação de um grande parque nacional, a aproveitar os maciços florestais do conjunto Almada-Arrábida-Setúbal, e que punha miai conda das praias arrabidinas núcleos turísticos enquadrados ma paisagem e servidos pela esteada marginai do Outão ao Portinho da Arrábida, em que se encanta o troço de Galapos agora autorizado, tal como o projecto turístico, tontos amos adormecido.
Congratulo-me, repito, com aã citadas decisões governamentais, confirmação da atenção que o Sr. Engenheiro Rui Sanches dedica aos problemas que lhe são postos e da forma década como lhes dá sedução. Coerente, todavia, com ás palavras que aqui disse em 29 de Abril de 1970 em defesa da riqueza natural da região de Setúbal e foram grito de alarme, felizmente ouvido coerente, ainda, com o aplauso que dei ao plano urbanístico da Arrábida, pelos cuidados nela postos para salvaguarda da beleza natural, faço apelo a todos quantos são (responsáveis para que a abertura da estrada Galapos-Portinho da Arrábida não seja ofensa irreparável para a serra mãe de poetas e geólogos, hoje considerada uma preciosidade geobotânica impar no mundo mediterrânico. O progresso é verdade não pode ser trovado, mas pode ser dirigido. Impõe-se que o da serra da Arrábida seja acompanhado com a mais estreita vigilância e o maior respeito por aquilo que na semra há de raridade a conservar.
Vozes: - Muito bem!
O orador foi cumprimentado.
O Sr. Barreto de Lara: - Sr. Presidente: Porque entrei tarde ontem na sessão, do que pedi oportunamente desculpa à V. Ex.ª, não tive oportunidade de ler um ofício, emanado da Presidência do Conselho, transcrevendo um telegrama da Liga Nacional Africana a propósito do meu protesto da manutenção de uma comissão administrativa, naquela Liga, há seis anos. Vá-se lá ser prior de uma freguesia destas!
Eu que, com a minha formação democrática, entendia que uma comissão administrativa seria sempre motivo de profunda preocupação, fosse de quem fosse, afinal chego à conclusão de que estes senhores gostam de comissões administrativas e que toda a luta que nós travamos aqui pela abertura e liberalização da vida política deste País afinal é uma luta inglória.
Não tive tempo de protestar na altura, nem de fazer esta manifestação, mas repito: vá-se lá ser prior de uma freguesia destas!
Sr. Presidente e Srs. Deputados: O prelúdio às considerações que vou fazer de há muito se me impunha. Simplesmente, ora porque um espírito aberto ao diálogo parecia dominar a Assembleia, e era evidente a inoportunidade, ora porque de repente se acendiam as fogueiras, e seria mais uma acha impolítica, até pelo equilíbrio que venho procurando manter, não desejei contribuir para um acirramento indesejável. Embora obviamente me situe num reduto - o dos que aqui me trouxeram - e não me feche ao diálogo construtivo do Portugal de hoje e do Portugal de amanhã.
Quando fui solicitado a anuir à candidatura a Deputado da Nação, tive o cuidado de vincar bem que acederia, sim, mas que intransigentemente me consideraria sempre, e só, titular de mandato outorgado pela Nação e como tal advogado do povo, e não de qualquer grupo ou partido, cujos interesses me determinassem a uma linha de rumo e a uma ordem de conduta que, à luz geométrica da minha consciência, fosse a de melhor tutela dos superiores interesses do País.
Declarei-me, todavia, de formação católica, democrata e republicano, ajuntando logo, porém, que isso não constituiria reduto inexpugnável, pois à formação ou ideologia pessoal sobrepunha o interesse da Nação e o dever de servi-la.
Acentuei vincadamente que todos os assuntos nacionais o meu interesse, recusando considerar-me um Deputado regional, posição mais cómoda mas inadequada, e antes Deputado da Noção.
Muito embora, e isso é evidente, a dorida e martirizada Angola, a Angola Portugal, estivesse na primeira linha do meu pensamento, não já e só pela ciência que mais tinha dos seus problemas, mós ainda e em principal porque a flagelação que ia causticava demandava uma exaustiva luta tenaz para trazer a lume as suas endemias.
E sem intuitos sensacionalistas, entes no são propósito de um trabalho construtivo, na colaboração fosse com quem fosse, desde que a palavra de ordem fosse a procura de remédios para curar doenças, e na busca de soluções que pudessem ao menos atenuar a encolhida posição de Angola, na enorme dimensão das suas potencialidades, no conjunto nacional, mas sempre com o assento tónico posto em que a primazia desses interesses seria a primazia da própria problemática nacional.
Pois Angola, na extensa dimensão das suas riquezas e no potencial económico e humano que representa, tem e terá de vir a ser, ao nível do País, célula base à volta da qual gravitarão num futuro mais ou menos próximo, queira-se ou não se queira, todos os interesses da grande Nação Portuguesa, que pode vir a ser uma grande potência e conquistar o direito a palavras de chave entre as grandes nações do Mundo.
Permita-se-me um parêntesis ao curso destas ideias e em seu reforço, uma pequena reprodução do que o Ministro e Secretário de Estado dos Negócios da Marinha e Ultramar, Luís Augusto Rebelo da Silva, dissera no relatório do célebre Decreto de l de Dezembro de 1869. Há mais de cem anos, portanto:
A província de Angola, pelos seus progressos e pelas suas fontes de riqueza, que leis benéficas e uma bem regida actividade tornarão copiosas com estimulo da agricultura e do comércio, promete engrandecer-se em um futuro próximo. Cumpre agora que a mão da metrópole, sem deixar de a guiar, lhe deixe correr desassombradas as boas aspirações.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Pois, e retomando o curso das minhas afirmações, repetirei que foi assim que me defini a quem me solicitara a anuência à candidatura.
Assim fui aceite e sem qualquer reserva, e aqui estou, pois, habilitado pelo mandato da Nação, e não de qualquer grupo, mais ou menos influente, mais ou menos numeroso.
Não vi então, nem vejo hoje ainda, razão válida para me afastar do rumo anunciado.
A Pátria, disse-o em todas as ocasiões, ratifiquei-o com ênfase nos diálogos que persisti em manter com o meu eleitorado e repito-o hoje, é e será sempre o ponto de
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partida e chegada de toda a minha actuação política. Só a ela sirvo e servirei, entregando-lhe o limite máximo das minhas parcas potencialidades. Doesse a quem doesse. Ferisse quem ferisse. Sem tibiezas nem hesitações. Quem queira servir a Nação com toda a sua alma só encontra limite no próprio limite da felicidade do povo que a forma.
E é assim que aqui estou, insubordinado, rebelde e irreverente quanto convenha aos interesses que defendo, contra tudo e contra todos os que consciente ou inconscientemente estorvem o progresso político, social e económico da Nação e a afastem dos parâmetros do Mundo de hoje.
Vozes:- Muito bem!
O Orador: - Com o coração no passado sim, mas com a cabeça bem ao alto e a espinha bem vertical a perscrutar o futuro.
Eu sei o risco que comporta a dedicação exclusiva ao bem supremo da Nação.
Contra esses, logo se desencadeia a intempérie desordenada (e às vezes abe bem ordenada) dos que a tudo sobrepõem o seu bem pessoal em inconfessados interesses, sob o apanágio de convicções isoladas e monologastes do exclusivo da verdade e do patriotismo.
Mas a Pátria Portuguesa não foi o fruto de ajustes políticos, criação artificial mantida no tempo pela acção ide interesses rivais. Foi feita na dureza das batalhas, na febre esgotante das descobertas e conquistas com a força do génio. Com o trabalho intenso e ingrato, esforço sobre-humano na terra e no mar, ausências dilatadas, a dor e o luto, a miséria e a fome. Almas de heróis a amalgamaram, fizeram e refizeram a História de Portugal. Não puderam erguê-la com egoísmo, com comodidades, com medo da morte e da vida, mas lutando, rezando e sofrendo. Cada um deu, na modéstia ou grandeza dos seus prestámos, tudo quanto pôde e por esse tudo lhes estamos gratos. Foi assim que a definiu, em 1040, o Doutor Oliveira Salazar. Pois é por essa Pátria que eu me bato, pois é essa também a minha verdadeira, noção de Pátria!
Ataques anate ou menos violentos, ameaças, cartas, ameaças ou fechadas, insulte, e alguns partindo até de quem mas teria obrigação de os evitar, deixam-me indiferente.
Com um leve piparote, afasto o salpico e sigo em frente.
Ao ultrapassar a adolescência, o meu saudoso e honrado pai apenas me disse: "Sê homem".
A sua frase austera, embora comovida, nunca deixou de ser o meu rumo.
Não me eximirei assim a denunciar a traição, esteja onde estiver, oculte-se onde se ocultar, ainda até que se acoberte em disfarces de pureza. Ponto é que a conheça!
E quanto a isto, por aqui me quedo!
Ir mais além, e quanto mais além poderia ir, nem é neste momento aconselhável nem oportuno, exactamente à luz que sempre me dominai, repito, do superior interesse nacional, que se sobrepõe, vincadamente pai" mim, que a sirvo sem outra mira de Urano que não seja a da sua felicidade, ao esforço ou à retaliação de natureza meramente pessoal.
Mas que fique aqui bem claro e bem vincado: Nunca denunciarei levianamente ou por mera suspeito. Quando o fizer, por trás de mim estará sempre uma bateria de copiosos argumentos, apojados em factos conscientes e concretos.
Um outro ponto me merece tombem um, aparte rápido e especial:
Vem-se falando com demasiada1 frequência da existência de uma ala mesta Assembleia, a que uns generosamente vão chamando de liberal, outros, depreciativamente, progressista, e outros até com subtil ironia a sala dos Namorados".
Não deixa de ser curioso acentuar que à força de se quererem ver elas e pluralismos se incentiva, afinal, o acantonamento dos que encontraram na validade do diálogo construtivo a melhor forma. de esclarecimento para a construção do futuro.
Assim se é empurrado ao denominador comum que poderá levar à existência de uma verdadeira ala, responsabilizada então e amarrada então a um programa exaustivo, com ponto de partida no passado, sem o amesquinhar, e papel de relevo na construção do futuro, sem o subverter. E que o aceitara corajosamente!
Denunciar erros, exautorar incapacidades, mostrar desmandos; combater a inércia, o desinteresse e o comodismo; não esconder, nem camuflar, só porque é necessário prestigiar a autoridade porque é autoridade; pretender a participação de todos na vida pública e desejar a consciencialização do grande povo, pela necessidade de um diálogo vivo e permanente entre governantes e governados, ultrapassando, sem modernismo exagerado, a ideia do Estado Providencia; reconhecer anquilosamentos e desejar e colaborar na sua reforma; ambicionar e combater para que haja menos fome e que não se morra de frio; procurar uma eficiente assistência médica e medicamentosa; querer uma melhor redistribuição dia riqueza nacional; desejar o acesso de todos aos benefícios da civilização; estimular e procurar exaustivamente tirar o maior proveito das potencialidades morais e materiais do País; não regatear o elogio franco e oportuno, nem a crítica construtiva e eficaz; lutar pela promoção dos direitos cívicos, é todo um vasto programa de trabalho que se configura e desenha. Mas então, se há esse programa e se há ala que por ele se proponha, nesse regimento alinho eu. Porque só neste trilho se pode chegar à desejada justiça social e À construção de um verdadeiro Estado social.
O Sr. Cunha Araújo: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Se V. Ex.ª promete ser breve ... e que eu prometi ao Sr. Presidente ser breve também.
O Sr. Cunha Araújo: - E só para dizer que me estou a congratular, porque também pertenço a essa ala. Com as reivindicações que acaba de. apontar, estou inteiramente de acordo com V. Ex.ª
O Orador: - Tenho muito prazer em ouvir isso exactamente da boca de V. Ex.ª.
Sr. Presidente, Saca. Deputados: Em .três frentes, Guiné, Angola e Moçambique, batem-se pela paz, honrada e briosamente, soldados de Portugal. São os mesmos homens, os mesmos ousados, os meamos atrevidos guerreiros que acompanharam Afonso Henriques e o Mestre de Ávis, que, em intermináveis viagens, descobriram novos mundos, que venceram, com inexcedível audácia, as campanhas da independência, que repeliram as invasões, que reafirmaram, através dos séculos, à custa de sangue e de glória, a perenidade da Falaria.
Esses homens empenham-se em conservar em valores e em virtudes o que herdaram do passado, transmitindo-o ao futuro, permanecendo alerta, repelindo ataques, defendendo lares, protegendo vidas e haveres, impedindo a violação das sagradas sepulturas de antepassados, olhos
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postos, orgulhosa, altiva e sobranceiramente, na bandeira das quinas, a tremular nos mastros onde há séculos se mantêm.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Escrevem-se em África, todos os dias, pagines de glória, com sangue e derramar de lagrimais. Despertou-se de uma modorra que o generoso e transigente espírito de complacência dos Portugueses propícia e minimizou-se a gloriosa arrancada de 1961. Bem hajam soldados de Portugal l
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Mas esses homens não estão ali numa missão guerreira. À sua missão é missão de paz, representando a soberania da Nação na defesa da vida e dos haveres de irmãos do mesmo sangue, com identidade de passado e objectivo histórico comum.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - For vezes, passando fome, sede, saudade das suas famílias, nostalgia dos seus campos, esgotando-se em largas caminhadas na floresta traiçoeira, em voos arriscados ou em inacabáveis vigílias de rios e mares; mas esquecem-no, pondo todo o esforço ao serviço da sua missão, com denodo e com altiva coragem, fazendo corar de vergonha, se a tivessem, aqueles que nunca se honraram de envergar a farda das gloriosas forças armadas de Portugal ou dela se despojaram, justificando a sua cobardia no refúgio de bizarros ideais políticos, ou de incatalogadaa doenças!
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Pois daqui, desta bancada, onde tantas vezes a minha voz se ergueu e há-de erguer, e tantas vezes cáustica e agressiva, vai, hoje, para os soldados de Portugal o meu sentido preito de homenagem, numa curvatura de respeito a que não faltam assomos de orgulho. E quanto gostaria de poder fazê-lo a um por um!
Nas pessoas dos seus comandantes-chefes, António Spinola, Costa Gomes e Kaulza de Arriaga, à luz do mandato que possuo e por mim próprio, vai pois o profundo reconhecimento à denodada obra pela conquista da paz, o que, pela soma de sucessivas vitórias, as forças sob o seu comando vão desencadeando no Portugal africano, a possibilitar. a intensificação do povoamento pacífico, da promoção das gentes que ali vivem e do seu progresso económico e social.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Mas nem tudo são rosas l e nem tudo são glórias! Pois, infelizmente, há a lamentar o esquecimento a que se têm votado os inválidos, que, no ultramar, entregaram à Pátria a sua saúde física e, muitas vezes, a sua saúde moral.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Na verdade, desde 81 de Dezembro de 1987 que não existe um Código de Inválidos.
Surpreendente, mas é assim mesmo!
Quero salientar, antes de prosseguir nas minhas considerações, que não venho em nome dessas rapazes estender a mão à caridade, mendigando esmolas e favores.
Nem eles a aceitariam. São orgulhosos soldados de Portugal l Venho, sim, invocar direitos e exigir intransigentemente o cumprimento das obrigações que, para com eles, a Nação contraiu.
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Vasconcelos Guimarães: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Faz favor.
O Sr. Vasconcelos Guimarães: - Eu já sabia de antemão que V. Ex.ª ia levantar um certo número de problemas que me despertam o maior interesse e o mais amplo entusiasmo.
Fazia intenção de cumprimentar V. Ex.ª pelo problema que ia levantar, mas antes de o fazer quero primeiro cumprimentá-lo pela verticalidade patriótica da sua confissão política.
Posto isto, e uma vez que começou a falar daqueles soldados que, ao baterem-se em nome do País, têm sofrido na sua carne estigmas muitas vezes irreparáveis, eu não posso deixar de o cumprimentar por essa iniciativa, dar-lhe todo o meu aplauso e acompanhá-lo em todo e qualquer pedido que faça ao Governo para que esse problema seja encarado pom a seriedade que merece.
O Orador: - Muito obrigado a V. Ex.ª Essa verticalidade que eu demonstro e que evidencio hoje é exactamente aquela que me trouxe a esta Assembleia Nacional, tendo militado tantos anos na oposição ao Governo, mas não hesitando em aderir a uma Assembleia Nacional que se mostrava aberta ao diálogo, em direcção ao Portugal do futuro.
Com o Decreto n.º 16 433, de 2 de Fevereiro de 1929, foi posto em vigor um Código de Inválidos.
Há que tecer o maiores louvores a esta lei que constituía, para a época, uma medida legislativa arrojada e de largo alcance político e social, .tutelando, conforme ao direito e à moral, a situação dos inválidos de guerra e, outros, os militares incapacitados na manutenção de andem pública ou voando em serviço.
Não tive, nem isso me interessará de maior, ia possibilidade de perscrutar a vera razão desta lei. Mas, não andarei longe da verdade se afirmar que ela tivera como principal objectivo, contemplar, ainda, os heróicos soldados que, em defesa da integridade da Nação e da paz mundial, se incapacitaram na guerra de 1914-1918.
O Sr. Roboredo e Silva: - E isso mesmo.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Mas, correram os anos, alteraram-se as mentalidades, e pensando-se que às forças armadas competiria mais a pereveração da ordem interna do que a defesa da integridade da Noção, e numa vesga e defeituosa perspectiva do desenrolar da política internacional, veio esse decreto a ser revogado, em 1937, pelo Decreto n.º 28404, publicado mo Diário do Governo,1ª serie, n.º 804, cerceando-se, além das outras regalias, e com gritante injustiça, a possibilidade de promoção e da manutenção dos vencimentos actualizados correspondência aios vencimentos correspondentes aos postos no activo, bem como as inerentes regalias.
Na base desta lei, espírito mercantilista subvertia, aos interesses do fisco, os valores humanos l
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E, lamentavelmente até, ignoraram-se os inválidos da Grande Guerra, que viram, assim, paga a sua heróica gosta com tamanha ingratidão da Pátria!
E, por certo, nem sequer se admitia a existência, no futuro, de problema de inválidos dimensão que justificasse a manutenção da vigência do mencionando Código de inválidos.
Porém, e infelizmente, a expectativa dos que assam pensavam, es campainhas no ultramar vieram apanhar o Paia em situação de inadequada legislação, que contemplasse, com, verdadeira, justiça, a situação dos militares que se incapacitavam cumprindo os seus deveres patrióticos.
E ao invés de logo se atalhar se óbices ao inconveniente, e em lugar ide se promover imediatamente uma reforma de maior latitude e profundidade, foram-se tomando varias providenciazinhas que, naturalmente, não tutelam devidamente a situação dos inválidos de guerra. Reforminhas onde houve o esquecimento, a todos os títulos lamentável, de promoções e actualização de vencimentos, como já se fizera e consubstanciara no Código de Inválidos de 1929.
Andara-se panai trás!
Estando-se, pois, desde 1987, e há nada menos do que trinta e quatro longos amos, a espera de um movo Código de Invadidos, revela-se, assim, ida mais urgente conveniência, acabar de vez com tais Reforminhas, caminhando-se frontalmente, para uma verdadeira reforma que confira aos inválidos apenas e 60, e pouco mais se deseja, as regalias que já se lhes conferiam em 1929.
Marcelo Caetano, quando chamou todos à colaboração na obra que se propôs realizar neste País, significou, bem claramente, que colaborar consiste em apontar males, sim, mas também em sugerir remédios e pôr em prática as soluções viáveis para os problemas existentes.
E, reforçando a sua ideia, acrescentou: "porque, não me canso de dizer, andaríamos muito mais depressa se houvesse neste País menos críticos e maior número de homens cie iniciativa".
Pois, na linha de rumo da sua sábia palavra, aqui estou a criticar, mas logo a preconizar solução.
E o que se pretende para os inválidos? Pois, "pena" e singelamente isto: que se reponha em vigor o Decreto n.º 16 448, de 2 de Fevereiro de 1929.
Ou, se se tiver rebuço em dar acolhimento, em 1971, a um decreto que é de 1929, então que se elabore nove estatuto em que se tenham em consideração, principalmente, os seguintes pontos:
a) Promoções nos moldes previstos pela legislação de 1929;
b) Vencimentos com actualização automática e sucessiva com os correspondentes aos postos no activo;
c) Autorização para acumulação dos pensões com os vencimentos nos organismos do Estado ou deles dependentes, aliás dentro da doutrina já estabelecida em douto assento do Supremo Tribunal de Justiça publicado no Diário do Governo, 1.º série, de 8 de Fevereiro de 1969;
d) Preferência em empregos do Estado ou em organismos dele dependentes, ou em empresas onde tenha posição accionista majoritária ou n que preste aval ou apoio financeiro ou conceda privilégio ou regalia especial, e estabelecimento até de uma percentagem nos provimentos dos respectivos cargos. Como se pratica, aliás, por exemplo, em Franca, onde se obrigam os empresas de economia mista a preencherem determinada percentagem dos seus quadros com beneficiários de invalidez ou reforma.
Diga-se que esta seria, até, uma das maneiras mais adequadas à readaptação social, cuja urgência e realização nunca é demais encarecer e na qual o Estado tem de assumir papel de relevo. Com efeito, a readaptação social de homens com vários meses ou anos de internamento hospitalar, estigmatizados por traumatismos físicos e psicológicos, não constitui tarefa fácil, e da qual, repito, não pode o Estado demitir-se. E, ao contrario, tem a obrigação de se lhe devotar.
a) Concessão das mesmas regalias que aos militares do activo, incluindo, portanto, entre outras, a possibilidade de concorrerem a casas de renda económica através dos Serviços Sociais das Forcas Armadas e desconto de 75 por cento nos transportes por via férrea;
b) Possibilidade de os beneficiários das pensões de invalidez e de reforma usufruírem, até final dos seus cursos, das mesmos regalias concedidas, actualmente, aos alunos desmobilizados;
c) Pensões de sangue, por morte do reformado, em benefício da viúva ou filhos. Este assunto, aliás, já foi tratado, nesta Casa, pela malograda e saudosa figura de grande e inesquecível parlamentar e meu muito querido e chorado amigo que foi José Pedro Pinto Leite, na sessão de 18 de Dezembro de 1969. O mesmo Pinto Leite que viria mais tarde, por inexplicável capricho do destino, a derramar o seu generoso sangue trabalhando ao serviço da Nação e cuja carência da sua válida achega ao realismo e à justiça da luta que foi presenciar empobreceu os anais desta Assembleia;
d) Abono de família para os assim reformados, quando se encontrem nas condições requeridas.
Abro aqui um parêntesis para significar que me foi transmitido, por via oficial, que já está elaborado ou em projecto de elaboração um código que contempla os direitos dos inválidos. Como esse decreto não está pronto, como essa lei ainda não saiu, e dentro da Unha de rumo preconizada pelo nosso Presidente do Conselho, de colaboração válida e eficaz, eu espero que nesse código se contemplem aqueles direitos que eu aqui enunciei e que não me parecem demasiados para quem deu parte do seu corpo em defesa da integridade da Nação Portuguesa.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Aqui estou, pois, Srs. Deputados, a luz da palavra de ordem do Chefe do Governo, a criticar, com independência e altivez, mas logo a preconizar soluções, na legítima tutela dos interesses dos que dessa tutela carecem.
E vou terminar, Sr. Presidente, vou terminar reproduzindo, em poucas palavras, a lição de (Marcelo Caetano no seu discurso pronunciado em 14 de Março de 104-2, bem apropositada ao momento que vive a Nação, lição da qual espero se tire proveito:
Grandes governadores saíram da plêiade dos soldados da ocupação l
A escola dos combates, o duro contacto com a terra e a gente, obtido nas longas etapas e nos biva-ques, criaram nos militares um amor novo por essas regiões feracíssimas, tão cheias de encanto, tão prometedoras de frutos, tão repassadas de recordações lusíadas. Um sentido novo de império nasceu dentro deles. Compreenderam que Portugal não poderia continuar a ser o que então era: duas confrarias da
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regeneradores e progressistas, a passear os seus ídolos e as suas intrigas de campanário, entre o Terreiro do Paço e 8. Bento: Não. Portugal é outra coisa.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pede-se muito para aqueles que se mutilaram, ao serviço da Pátria ou pede-se pouco?
Decerto e de seguro não pedi nem peco para eles esmola. Peço justiça, peço reconhecimento, peço a gratidão da Pátria. As condecorações não chegam quando as almas sofrem e as regalias tolhem o razoável bem- estar social a que item jus os que honradamente, vestindo a farda, briosa das forças armadas portuguesas, sulcaram a terra com o seu sangue na teimosia teimosa de continuar a Pátria.
E uma observação final, que é uma chamada de ordem.
Certas empresas privadas usam todos os alibis e ardis para recusarem empregos a esses homens. E quando se candidatam é fatal sempre a pergunta se fizeram serviço militar e se foram feridos em combate.
Dias depois, lá vem a aorta a dizer que, infelizmente, não lhe (podem dar o lugar, porque, entretanto, outros candidatos ofereciam melhores condições. E, se calhar, as melhores condições são as de ter escapado, por porta invisível, ao serviço militar. (Risos.)
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Um caso concreto: Certa empresa de Lisboa não admirou nos seus quadros um mutilado, que tinha uma perna, artificial, para serviço, único e exclusivamente, do escritório, exactamente por essa razão. E uma grande empresa, e estou, até para mira, que justa foi a recusa, .pois lá, de certo, se escreverá com os pés. (Risos.)
Felizmente são só certas empresas.
Não, meus senhores, Portugal não é essa gente, Portugal não é isso. E outra cousa.
Repito e finalizo: Não venho estender a mão à caridade para esses rapazes. Venho exigir, em item enérgico e veemente e fonte, ao Portugal que é verdadeiro, apenas e só justiça.
Venho pedir a Pátria-Mae que olhe com carinho os filhos que por ala derramaram o seu sangue!
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: Vamos passar à
Ordem do dia.
Início da discussão na generalidade da proposta de lei sobre o actividade de seguros e resseguros. Tem a palavra o Sr. Deputado Cotta Dias.
O Sr. Cotta Dias: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A partir de avultada legislação extravagante e com o objectivo expresso de reestruturar e coordenar o mercado de seguros e resseguros", nas diversas parcelas do território português, é submetida à Assembleia Nacional uma proposta de lei, cuja apreciação na generalidade agora se inicia.
Torna-se em primeiro lugar evidente, em matéria com a relevância económica e social da que está em causa, a conveniência, e não apenas do ponto de vista da técnica jurídica, que resultará de se ultrapassar uma fase de legislação dispersa, reunindo e sistematizando todas as disposições em vigor.
Bem se compreende esse esforço por parte do legislador, abrindo caminho a uma codificação que, a conseguir-se simples, completa e clara á sempre factor importante na disciplina de qualquer actividade.
Não deve, porém, limitar-se a esse importante aspecto de ordem puramente formal a apreciação do mérito da proposta em causa. Com efeito, este dependerá essencialmente da medida em que a proposta se mostre adequada aos objectivos de fundo em vista e isso é, precisamente, o que mais nos cumpre analisar. Para tanto, ainda que a traços breves e com as limitações regimentais, indispensável se tornará partir de uma breve caracterização do sector dos seguros e resseguros no nosso pais.
Com a complexidade da vida económica aumenta a margem de risco para todas as actividades em que ela se desenvolve, e a insegurança para os agentes dessas actividades. E as actividades produtoras, os negócios de uma fornia geral, técnica e financeiramente programados até ao pormenor quase infinitesimal, têm necessidade tal como os homens - de ser subtraídos aos golpes do azar ou do caso fortuito.
O seguro responde, assim, a uma necessidade económica e a uma necessidade psicológica.
Estabelece-se uma relação directo entre a progressiva complexidade da trama económica e social e o crescente adensamento do aparelho segurador, que, desta forma, a partir de estruturas rudimentares no passado, como se refere no parecer da Câmara Corporativa, chega às grandes organizações que hoje ocupam lugar de relevo em todas as sociedades organizadas.
Processando-se entoe nós igual evolução, até que ponto a indústria portuguesa de seguros e resseguros estará apta ao desempenho da importante função social e económica que lhe incumbe?
Limitando-nos, por agora, ao campo da actividade seguradora, seria injusto desconhecer o esforço de adaptação e modernização da indústria em geral, assim como os resultados visíveis desse esforço resultantes, sem com isto se querer dizer que ela inteiramente satisfaça as necessidades da matéria seguravel ou que corresponde, de qualquer forma, à ideia de indústria perfeita, susceptível de oferecer à economia portuguesa, nas condições desejáveis, o apoio integral que se necessitaria.
índice manifesto de limitações da- cobertura seguradora no nosso pais é o de o montante ilíquido total dos prémios e seus a adicionais de seguros directos haverem representado, em 1966 e 1967, apenas, respectivamente, 2,14 e 2,16 por cento ido produto nacional bruto a preços de mercado, listo é, cerca de metade do valor obtido paira o conjunto da Europa.
E isto apesar de ao longo do decénio de 1958-1968 o aumento de valor dos prémios havei1 sido anualmente da ordem de 7 por cento desde 1059 a 1964 e de quase o dobro a partir de então, apresentando-se, em 1966 e 1967, como mais do que proporcional ao do produto nacional bruto, com tendência, portanto, para melhoria.
Indicador igualmente significativo da participação do seguro na economia é o volume de prémios de seguro directo por habitante.
Num trabalho em que se procedeu, em 1966, ao estudo do mercado segurador nos vinibe e nove países considerados
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de relevo para esta actividade, Portugal figura em 24.º lugar, com um volume de prémios per capita de 9,3 dólares, enquanto a media para a Europa ascendia a 51 dólares.
Não foi, no entanto, Bem fazer face a delicados problemas de crescimento que a indústria seguradora portuguesa passou, no seu conjunto, de l 209 000 contos de prémios e adicionais de seguros directos emitidos em 1958 para os 8 246 000 contos que emitiu em 1968 e que, logo em 1969, atingiu cerca de 3 545 000 contos, acusando a notável taxa de crescimento de cerca de 9,2 por cento num único ano.
Impõe-se-nos, por outro lado, afio minimizar a realidade já bem significativa de uma indústria que, excluídas reservas técnicas e fundos de flutuação de valores, já reúne capitais próprios da ordem de l 250 000 contos em 1069, só no respeitante as empresas com sede na metrópole. E no conjunto de unidades representativas desse valor algumas se contam que, a escala europeia, responderiam às exigências de capacidade e de técnica e muitas se apresentam como seguramente competitivas, aptas a manter desafios de concorrência, mesmo no plano internacional.
Entre diversos aspectos de interesse que a imprensa tem trazido a público, nos últimos dias, em relação a Indústria de seguros, um se afigura digno de maior realce, no que respeita à capacidade competitiva da indústria nacional.
Refiro-me à forma como o mercado segurador português tem sido disputado pelas empresas nacionais, que lograram diminuir a superfície nele ocupada pela exploração estrangeira, fazendo-a passar de quase 82 por cento para 18 por cento.
Congratulando-nos com tal estado de coisas, diremos que ele mais justifica e impõe um esforço legislativo sério. Quanto mais progressivas e ricas em potencialidades, mais necessitam as actividades de ver eliminados factores de estagnação e de desequilíbrio e, por isso mesmo, melhor recebem e mais fazem render os elementos de disciplina séria e de regulamentação clava que lhe sejam endereçadas.
Se, porém, a proposta se recomenda pelos aspectos, digamos, positivos que ficam apontados, exigem-na também alguns aspectos negativos da indústria em causa, já que, infelizmente, nem tudo é luminoso no quadro das actividades seguradoras nacionais.
Pode verificar-se que das 85 empresas com sede metropolitana, pelas quais se distribuem os capitais próprios atrás referidos, 7 de entre elas, isto é, 7 em 85 detêm cerca de 60 por cento do total desse capital.
E se considerarmos que, para além dessas sete, com capitais próprios inferiores a 50 000 contos mas superiores a 20 000 contos, portanto com dimensão média no panorama português, se situam apenas 9 empresas, logo se evidencia o quanto traduz uma inconveniente pulverização do dimensionamento da maior parte doe empresas seguradoras portuguesas.
O preço da inconveniente dimensão reflecte-se, em primeiro lugar, na rentabilidade das próprias empresas que não é, para mal delas e da estabilidade do ramo, tão elevada como noutros países. O somatório anual dos lucros das sociedades de seguros nacionais, considerado o valor agregado dos seus capitais próprios, apresenta-se moderado e inferior às taxas consideradas desejáveis em actividades industriais como significativas de não deficiente rentabilidade. De facto, no decénio de 1958-1968 a taxa aludida rondou, no melhor ano, os 10 por cento e nos anos de 1964, 1965 e 1966 situou-se na ordem dos 4 por cento, o que não pode deixar de considerar-se insuficiente.
Também o inadequado dimensionamento da grande mancha das empresas seguradoras portuguesas não terá sido estranho à necessidade de defender o mercado, determinando a política de forte condicionamento de novas autorizações. A evolução posterior mostra, no entanto, que tal política, sobretudo no seu aspecto prático e directo de limitar mesmo a exploração de novos ramos a empresas já estabelecidas no mercado, pode ter sido um travão ao crescimento dessas empresas e, portanto, à eventual superação dos apontados problemas de dimensão.
Não é assim difícil concluir pela necessidade de uma regulamentação apertada, que traduza verdadeiro condicionamento técnico, única forma de evitar instrumentos de política mais delicada e perigosa como o condicionamento discricionário que, se tem muito de artificial, se tornaria, no entanto, indispensável na ausência daquela regulamentação.
A experiência portuguesa e o recurso à discricionalidade das autorizações em defesa do mercado vêm, aliás, ao encontro de prática quase geral, só excepcionalmente se contendo em legislações estrangeiras o princípio das autorizações automáticas, cumpridas que sejam as formalidades legais.
Com a mesma situação de facto, apontada quanto à dimensão das empresas, pode ainda relacionar-se outra das características da actividade seguradora entre nós, que vem a ser a de uma desregradíssima concorrência.
Não há que insistir neste ponto, pois só quem nunca segurou coisa nenhuma deixa de se dar conta da guerra das comissões e dos angariadores e agentes de seguros pintados, a denunciar uma situação inconveniente em que a luta cega pela obtenção, de um e outro lado das melhores condições possíveis se sobrepõe nos espíritos, até mesmo à efectividade da garantia obtida, e em que, segurados e seguradores, peidam posição para exigirem depois o escrupuloso cumprimento do que nus apólices se contém.
Tão evidente como este clima de desenfreada concorrência é a utopia de o superar por arranjos entoe, os interessados, arranjos em que os próprios mito acreditam e que de modo algum substituem es acções sobre os estruturas, único trapo de providência, susceptível de conduzir à solução do problema.
Com efeito, o racional dimensionamento das unidades industriais se não resolve todos os males de um momento ao outro, tornará seguramente menos vulneráveis a multou dos fautores que têm contribuído pairei o ditaria de crise que, nos aspectos que vínhamos tratando, tem afectado a indústria de seguros e, acima de tudo, assegurando o equilíbrio da exploração, fará com que se normalize a concorrência, que deixa de constituir, como sucede entre unidades mal estruturadas, uma luta sem quartel pela conquista- de mercados mais amplos, condução essencial de sobrevivência.
Tomando os indicadores apontados, teremos que a actividade seguradora nacional:
a) Trabalha com taxas de rentabilidade excessivamente baixas;
b) Desenvolve-se à margem de um condicionamento técnico suficiente, o que pode ter contribuição para a institucionalização do condicionamento praticado pela administração;
c) Desenvolve-se em clima de desregrada concorrência.
Remontando as causas a partir dos efeitos, seriamos levados, senão a atribuir, pelo menos a relacionar estes
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aspectos negativos, além de vários outros que se omitem por menos generalizados, a um inconveniente e pouco racional dimensionamento da generalidade das empresas seguradoras portuguesas.
E quanto ao resseguro?
À verificação de que, contrariamente ao que se passa com a actividade seguradora, apresenta a seguradora uma faceta nitidamente internacional, não podendo dispensar-se o recurso ao mercado estrangeiro, sem o qual determinadas responsabilidades de maior monta não poderiam ser assumidas, sobrepõe-se o objectivo incontroverso de, apesar disso, evitar ao máximo a sangria de divisas que a colocação internacional dos resseguros acarreta.
Em correspondência com esta situação de facto, assume o problema dos resseguros relevo limitado na economia geral da proposta. E, no que a volta dela se tem dito e escrito, expressões como a da insipiência das sociedades de resseguros portuguesas e referências feitas ao seu pequeno número o movimento são outras tantas formas de eufemísticamente exprimir a quase nula expressão económica da sua actividade. O próprio montante de prémios emitidos em 1969 (82 325 contos), quando comparado com o montante de prémios que exprimem a actividade das seguradoras nacionais (3 600 000 contos, aproximadamente), evidencia claramente a importância relativa de umas s de outras.
E um facto que as operações de resseguro se têm saldado com efeitos negativos sobre a nossa balança de pagamentos, apresentando no decénio de 1958-1968 uma valor negativo acumulado de cerca de 400 000 contos. Se dos reportarmos aos últimos anos, verifica-se que apenas revertem para as sociedades nacionais 65 por cento dos prémios dos seguros directos recolhidos mo País; 35 por canto representam o valor de resseguros cedidos para o estrangeiro.
Assume, neste enquadramento, todo o seu significado o Objectivo confesso da proposta de traduzir a sangria de divisas através da limitação do resseguro no estrangeiro.
Não parece, contudo, que as medidas nela previstas garantam, em termos relevantes e com a urgência desejada, a consecução desse desiderato. Com efeito, a contracção do resseguro no exterior só poderá atingir-se pelo reforço e dinamização do aparelho ressegurador nacional. Ora a proposta, atendendo à fragilidade constitucional dos empresas de que, nesse âmbito, dispomos e reconhecendo a impossibilidade em que, consequentemente, se encontrariam de satisfazer os requisitos mínimos de dimensão que porventura e estabelecessem, absteve-se de os fixar, renunciando, do mesmo passo, a á intervenção correctiva da estrutura do sector. Deste modo, a situação actual tenderá a manter-se, experimentando apenas a lenta e aleatória evolução que a conjuntura lhe for imprimindo, sem resultados práticos sensíveis pelo que toca a dependência do exterior.
Daí que, com o pensamento posto em futuras regulamentações da lei agora em discussão, julguemos que se deveria nela abrir caminho para, através da ligação entre as actuais actividades seguradora e resseguradora, com esse objectivo específico, ou por recurso as infindáveis possibilidades das sociedades de economia mista, se chegasse à constituição de uma resseguradora nacional com base financeira e técnica capaz de eficientemente alterar o estado de coisas cujos inconvenientes ficam apontados.
Como alternativas eventualmente praticáveis, apenas entrevamos a menos conveniente, de vir a ser estipulada determinada obrigatoriedade de resseguro entre sociedades nacionais, e o do desenvolvimento da pratica do conseguira, que o projecto de criação de bolsas de seguros muito pode impulsionar.
À caracterização que, a traços muito gerais, deixamos referida permite uma primeira apreciação da proposta de lei na sua generalidade, paro além do simples aspecto técnico-jurídico, a todos os títulos louvável, de coordenar e sistematizar legislação extravagante em matéria de seguros.
Tendendo à reestruturação do sector dos seguros, a salutar ideia-força dominantemente anima a proposta é a de para tanto contribuir através de um dimensionamento adequado das empresas seguradoras. Quem diz seguro, pensa confiança, confiança, pressupõe rentabilidade e ordem na exploração, e tal é o que se pretende retirar, do conjunto das disposições propostas.
A dimensão hão-de acrescer, é certo, critérios modernos de gestão e, por via dela, resultados acrescentados e uma competitividade indispensável à sobrevivência nos grandes espaços económicos. Mas a dimensão é, sem sombra de dúvida, o requisito de base sem o qual nada de verdadeiramente útil e eficaz se torna possível construir.
Por outro lado, o racional dimensionamento das empresas seguradoras e o consequente fortalecimento do sector que o conjunto das empresas seguradoras integra hão-de reflectir-se, de modo extremamente importante, no próprio mercado financeiro.
É bem conhecido o papel decisivo que desempenham nos mercados esternos de capitais as empresas do ramo de seguros. E para que, no nosso país, as instituições seguradoras possam exercer, em termos muito mais amplos do que já hoje sucede, papel semelhante, indispensável será que, consolidando-se estruturalmente e modernizando a sua gestão, adquiram vitalidade e projecção de que muitas delas não dispõem.
Como naturalmente discorre dois considerações feitas, não se compreenderia que lei nova não acolhesse o principio da dimensão mínima que já inspirava a lei antiga e que é actuante em todas as legislações modernas, como refere o parecer &a Câmara Corporativa.
Não se compreenderia igualmente que, acolhendo-o, não procurasse dar-lhe a expressão numérica ajustada às realidades do presente, bem distintas das que determinaram a lei em vigor a estabelecer o capital mínimo de 2500 contos para os empresas metropolitanos e de 1500 para as empresas ultramarinas.
Recolhido o princípio com os fundamentos válidos do fortalecimento da indústria, da garantia e da confiança do público e do papel a desempenhar pela indústria seguradora no âmbito do mercado financeiro, o desenvolvimento dele deve pautar-se pelas estritas exigências de ordem prática que determinaram a sua aceitação.
Não cabe aqui, em que de generalidade se trata, analisar a disposição concreta em que foi vazada a exigência do capital mínimo para as empresas seguradoras.
Só o momento do exame na especialidade será oportuno para a apreciação do cabimento da solução adoptada ou da necessidade da sua adaptação a números mais moderados, adaptação de cuja conveniência estou pessoalmente convencido, desde que continue a situar-se em limite significativo, que não ponha em causa a intenção da proposta, nem a sua economia geral.
O que, ainda em apreciação de generalidade, tem cabimento é notar que a proposta, em coerência com as ideias mestras que a enfocam e com os requisitos estabelecidos de capital mínimo para lhes fazer face, aponte a transformação e fusão de sociedades, que deliberadamente se incentivam através da concessão de facilidades fiscais e da simplificação das formalidades jurídicas a cumprir.
Isto o que parece importante, bem mais do que apurar se a fusão ou concentração foram, em si mesmas, transformadas em fim essencial da proposta, como tanto tem
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sido discutido. Parece fora de questão que aqueles processos, e não só eles, serão instrumentais relativamente a um dos objectivos expressos na proposta, que é o de lograr dimensão adequada para as empresas exploradoras de tão importante ramo de actividade.
Considera-se parte importante da proposta, subsidiária dos princípios até agora referidos e como eles merecendo inteira aprovação, tudo quanto nela se inclui no intuito de incentivar as reorganizações empresariais. Vantajoso seria mesmo que alguns aspectos, como o dos aumentos de capital por integração de reservas, fossem ainda simplificados ata onde alterações na especialidade das disposições propostas o permitissem.
Escusado será referir que no processamento das fusões, concentrações e, de uma forma geral, de todas as reorganizações de empresa que na proposta se consideram cumprirá acautelar cuidadosamente os legítimos interesses dos profissionais de seguros.
Tais interesses estarão, todavia, em todos os casos, a coberto da previsão geral contida nas leis do trabalho e, mais importante ainda, a consciência social das empresas seguradoras é garantia bastante de que nunca as reorganizações a fazer os ignorarão.
Abertos pelos princípios informadores da proposta os caminhos da disciplina e da reestruturação do mercado e do sector dos seguros, projecta-se no futuro, com nítida evidência, necessidade de que tal disciplina e reestruturação sejam de perto orientadas. Só o benefício de regulamentação adequada e de uma constante sensibilização a marcha conjuntural dos mercados e dos problemas assegurará o desenvolvimento e aplicação correcta de legislação em que a proposta se transforme. Já se deixa ver a grande importância que, deste modo, se atribui à criação do conselho nacional de seguros. A existência de um órgão tutelar da reestruturação pretendida é razão importante do mais aberto apoio concedido ao conjunto da proposta.
Todas os considerações feitas nos encaminham para a conclusão de que a proposta, assente em princípios sãos, se desenvolve num conjunto de disposições coerentes com os fins de um interesse nacional a que visa.
Assim, e sem prejuízo das modificações de aperfeiçoamento que, na inteira adesão a tais princípios, possam na apreciação da especialidade vir a introduzir-se-lhe, merece ela na sua generalidade inteiro apoio e aprovação.
Vozes: - Muito bem!
O orador foi cumprimentado.
O Sr. Neto Miranda:- Sr. Presidente: O motivo que hoje me traz a esta tribuna visa essencialmente definir um pensamento que vem preocupando as empresas seguradoras que em Angola exercem a sua actividade. Igual receio creio se passará em relação a outros territórios.
Quis o Governo, através do Sr. Ministro das Finanças, estruturar, em moldes mais salientes, o ramo seguro e seguir uma política de concentração de seguros por forma a dimensionar a actividade com maior autoridade empresarial.
Visa-se, pois, como se refere no preâmbulo da proposta de lei, ampliar a reestruturação e a coordenação do mercado dos seguros e resseguros mós diversos territórios nacionais" e "simultaneamente aproveita-se a oportunidade para reunir e actualizar nesta diploma, a disciplina da sociedade de seguros e resseguros e as actividades respectivas, que presentemente são objecto de legislação dispersa".
Há, assim, que analisar, antes de mais, estes dois aspectos fundamentais em que assenta a proposta de lei e as incidências que este tem, tal qual, sobre as sociedades cuja sede ou agência seja nos territórios ultramarinos.
Outra questão, porém, que se põe será a. de determinar se mesto dei se deve conter toda uma economia seguradora e essencial e também a sua disciplina, ou se mais aconselhável seria que a lei contivesse apenas bases fundamentais, e que a sua disciplina fosse regulamentado, em diplomas do Governo Central, o que, fora de dúvida, permitiria maior flexibilidade à aplicação sempre actual dos princípios contidos nas bases.
Não tenho dúvida em opinar que esta deveria ser a preocupação do Governo, por corresponder a uma posição jurídica eminentemente executiva. Par outro lado, assim também se reconhecia que a Assembleia Nacional, ao fazer leis, estabeleceria apenas as linhas jurídicas fundamentais de orientação política que visa o interesse nacional e mão desceria o aspectos técnicos, sempre forte de discussão, entendimentos específicos, confusão geral. Acrescia, ainda, que uma proposta de lei reduzida a sua essência de orientação reconduziria esta Assembleia ao lugar que julgo lhe cabe e não perder-se em apreciação de bases regulamentares, como sucedeu ma anterior legislatura com a Lei da Caça (com 68 bases) e mais recentemente com a Lei do Cinema (54 bases), com matéria na sua maioria nitidamente regulamentar.
A Assembleia Nacional deve apenas fazer leis, pois que regulamentá-las cabe ao Governo (artigos 91.º, n.º l., e 109.º, n.º 8.º, da Constituição).
Creio, Sr. Presidente, que esta posição deve ser aquela que melhor harmoniza as competências dos órgãos de soberania e os coloca - na sua verdadeira expressão, para que mão haja intromissão de um no outro e a consequente perda de poder de fiscalização que sabe à Assembleia e de superintendência que cabe ao Governo.
Na proposta de lei que está sendo discutida, contém-se matéria puramente regulamentar e o próprio preâmbulo a significa quando afirma que, por esta lei, se aproveita o ensejo para actualizar a disciplina Aos sociedades de seguros, que presentemente é objecto de legislação dispersa.
Este apontamento que eu entendo dever fazer para que na interdependência do executivo, entre si, se não criem e não nos criem embaraços, tanto mais que o artigo 92.º da Constituição é muito expressivo quando diz:
As leis votadas pela Assembleia Nacional devem restringir-se à aprovação das bases gerais dos regimes jurídicos ...
Passemos agora a analisar a proposta em discussão.
Como ponto de partida para as considerações que farei, tenho de me situar numa outra dimensão geográfica e económica, e ver se as bases em apreciação permitem uma incidência directa ou adequada às actividades seguradoras que se processam no ultramar.
Em qualquer dos casos, haverá que estabelecer normas que permitam reforçar, num plano mais directo ou mesmo ampliativo, respeitando princípios gerais, o poder da extensibilidade da lei aos territórios ultramarinos, para o que, neste caso, haverá que acrescer ao projecto uma nova base.
Algumas bases da proposta de lei não nos oferecem qualquer apreciação de conteúdo, mas, como já referi, de desarmonia entre o fundamental e o regulamentar.
Relativamente ao ultramar, as bases sobre as quais se oferecem reparos são essencialmente as III, XII, XV e XVII.
Na base III cria-se o conselho nacional de seguros, dele fazendo parte, entre outros, um representante do ultramar das sociedades de seguros nacionais.
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Desde que o presidente do Grémio, membro do conselho, também representa as sociedades com sede nas ilhas adjacentes, seria mais harmónico com realidade que estas não tivessem ali a sua própria representação e que a representação do ultramar, em vez de ser unitária, correspondesse a mais que um representante pelas províncias. Acresce que, estando previsto pela Lei n.º 2071 criarem-se grémios nas províncias de Angola e Moçambique, a representação através dele seria a indicada e, quanto a nós, às inspecções de crédito e seguros das províncias caberia a indicação do representante.
Mas o problema mais agudo, aquele que mais tem preocupado a actividade seguradora, quer na metrópole, segundo creio, quer no ultramar, é a exigência proposta, de um capital mínimo de 50 000 contos, previsto no n.º l da base XII, para a constituição das sociedades de seguros.
Evidentemente que o número proposto teria sido encontrado por estudos feitos, mas sobre os quais nada se diz no preambulo da proposta. Encontrou-se o número que impõe uma disciplina, que pode muito bem suceder venha a verificar-se mais tarde, e, consoante a evolução do mercado de seguros, deva ser alterada. Dai eu entender que o montante fixado seria mais curial depender da regulamentação do Governo do que coustar da lei. Nesta apenas se diria que o seu montante seria fixado em decreto.
Será que o montante de 50 000 contos alcança o fim da concentração de seguros? Não haverá outros meios de alcançar a concentração? Não será a expressão financeira obtida também, e não só pela constituição de reservas? Não são estos que mais garantem a solvência e são garantia para os segurados? Não seria preferível que se estabelecesse o princípio de que o valor do capital e o dos reservas deverão ser adequados aos riscos, e deixar para regulamentação esta matéria e sob os auspícios do próprio conselho nacional de seguros?
Quais os reflexos de ordem política que podem resultar da exigência contida na base XII?
Tudo isto deve ser ponderado por esta Câmara e penso que, como definição do princípio político que lhe cabe, seria de alterar a base considerando a constituição do capital como dependente de regulamentação, ou então que se fixasse um capital inferior, nele comparticipando as reservas livres.
Relativamente ao ultramar, também os mesmos princípios se aplicam. Mas há mais a dizer.
As reservas técnicas, as margens de solvência, uma adequada técnica de resseguro e uma gestão eficiente e capaz é que oferecem as necessárias e suficientes garantias aos segurados.
Em Angola existem sete companhias de seguros, com a sua sede social ali instalada. O seu capital social, em conjunto, é, actualmente, de 93 600 contos. Ora, a exigência de um capital, para coda uma, de 60 000 contos acarretaria a necessidade de mobilização, no mercado financeiro, de 256 400 contos. Ainda que as reservas livres e de reavaliação contribuíssem para o seu capital, mesmo assim haveria que imobilizar 200000 contos, que tanto são precisos noutros ramos de actividades.
Por outro lado, segundo dados que possuo, a facturação de prémios de seguros directos nas sete companhias atingiu, em Dezembro de 1069, 168 000 contos, para os possíveis 860000 contos de capital.
A concentração por fusão também não serve as companhias do ultramar; as suas estruturas são tão diversas que ela é impossível, como creio o mesmo sucederá na metrópole.
 sua manutenção com um capital a fixar pelo Ministro do Ultramar será o sistema mais adequado as realidades políticas e económicas do meio, e não deve esquecer-se que na década de 1950 foi o próprio Governo quem incentivou a criação de companhias de seguros com sede no ultramar.
Ainda dentro de alguns reparos que nos merece a proposta de lei, o n.º 8 da base XV contém um princípio que esquece haver sociedades de seguros que no ultramar são agências de sociedades da metrópole, ou que há sociedades que ali têm a sua sede, pelo que os caucionamentos das reservas técnicas devem ser feitos por essas sociedades não só no território da sede mas também no da agência.
São bens que não devem ser transferidos, evitando-se, pois, o agravamento extraordinário da balança de pagamentos.
Finalmente, e considerando além do exposto que h& que respeitar as condições particulares das províncias e que ao Ministro do Ultramar compete regulamentar as leis da Assembleia Nacional, deverá ser submetida a aprovação uma nova base que expressamente signifique que as disposições desta lei referidas ao ultramar ou províncias ultramarinas poderão sofrer as adaptações que o Governo julgar aconselháveis, aliás prática corrente na Administração. Ainda recentemente o mesmo princípio foi aceite por esta Assembleia ao aprovar a base vi da Lei do Cinema, em sessão de 26 de Janeiro último.
Dado o exposto, dou o meu voto de aprovação na generalidade à proposta de lei, com as reservas da especialidade em que também me detive.
O orador foi cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.
Haverá sessão na próxima terça-feira à hora regimental, tendo conto ordem do dia a continuação do debate na generalidade da proposta de lei sobre a actividade de seguros e resseguros.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 30 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Henrique Veiga de Macedo.
João António Teixeira Canedo.
João Paulo Dupuich Pinto Castelo Branco.
José Dias de Araújo Correia.
José Gabriel Mendonça Correia da Cunha.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Srs. Deputados que faltaram a sessão:
Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Alberto Marciano Gorjão Franco Nogueira.
Alexandre José Linhares Furtado.
Amílcar Pereira de Magalhães.
Antão Santos da Cunha.
António Fausto Moura Guedes Correia Magalhães Montenegro.
António Pereira de Meireles da Bocha Lacerda.
António de Sousa Vadre Castelino e Alvim.
Camilo António de Almeida Goma Lemos de Mendonça.
Delfino José Rodrigues Ribeiro.
Deodato Chaves de Magalhães Sousa.
Fernando Artur de Oliveira Baptista da Silva.
Fernando de Sá Viana Rebelo.
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Francisco José Pereira Pinto Balsemão.
Francisco Manuel de Meneses Falcão.
Henrique José Nogueira Rodrigues.
João Manuel Alves.
Joaquim Carvalho Macedo Correia.
Joaquim Jorge Magalhães Saraiva da Mota.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
José da Costa Oliveira.
José Guilherme de Melo e Castro.
José da Silva.
José Vicente Pizarro Xavier Montalvão Machado.
Júlio Dias das Neves.
Luís - Maria Teixeira Pinto.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel José Archer Homem de Mello.
Miguel Pádua Rodrigues Bastos.
Bui Pontífice Sousa.
Tomás Duarte da Câmara Oliveira Dias.
Victor Manuel Pires de Aguiar e Silva.
O REDAOTOR - Januário Pinto.
Rectificações apresentadas pelo Dr. Deputado Agostinho Cardoso ao n.º 80 do Diário das Sessões:
Na p. 1615, 1. 57, substituir a palavra "cambra" pela palavra "com"; na p. 1616, L 15, substituir a palavra "exportadas" por "espontáveis".
Requerimento enviado para a Mesa, no decorrer da sessão, pelo Sr. Deputado Carvalho Conceição:
De acordo com o disposto no Regimento dai Assembleia Nacional, estatística que me sejam enviadas as seguintes publicações:
O Povoamento da Metrópole Observado através dos Censos, pelo Dr. F. Marques da Silva, edição do Instituto Nacional de Estatística.
História da Cartografia Portuguesa, pelo Prof. Aramando Cortesão, edição da Junto de Investigações do Ultramar.
IMPRENSA NACIONAL
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PREÇO DESTE NÚMERO 8$80