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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL E DA CÂMARA CORPORATIVA

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 108

ANO DE 1971 24 DE JUNHO

X LEGISLATURA

(SESSÃO EXTRAORDINÁRIA)

SESSÃO N.º 108 DA ASSEMBLEIA NACIONAL

EM 23 DE JUNHO

Presidente: Exmo. Sr. Carlos Monteiro Amaral Netto

Secretários: Exmos. Srs.João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira
Amílcar da Costa Pereira Mesquita

SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 55 minutos.

Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o n.º 104 do Diário das Sessões, com rectificações propostas pelos Sr s. Deputados Ribeiro Veloso, Alberto Alarcão e Correia das Neves.
Deu-se conta do expediente.

Ordem do dia. - Continuou a discussão na generalidade da proposta e dos projectos de lei de alteração à Constituição Política.
Usaram da palavra os Sr s. Deputados Gonçalves de Proença, Casal-Ribeiro, José da Silva, Santos Almeida e Sá Carneiro.
O Sr. Presidente declarou encerrada a sessão às 18 horas e 45 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Eram 15 horas e 45 minutos.

Procedeu-se à chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Albano Vaz Pinto Alves.
Alberto Eduardo Nogueira Lobo de Alarcão e Silva.
Alberto Maria Ribeiro de Meireles.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Álvaro Filipe Barreto de Lara.
Amílcar da Costa Pereira Mesquita.
Amílcar Pereira de Magalhães.
António Fausto Moura Guedes Correia Magalhães Montenegro.
António da Fonseca Leal de Oliveira.
António Lopes Quadrado.
António Pereira de Meireles da Rocha Lacerda.
António de Sousa Vadre Castelino e Al vim.
Armando Júlio de Roboredo e Silva.
Armando Valfredo Pires.
Artur Augusto de Oliveira Pimentel.
Augusto Domingues Correia.
Augusto Salazar Leite.
Bento Benoliel Levy.
Camilo António de Almeida Gama Lemos de Mendonça.
Carlos Eugénio Magro Ivo.
Carlos Monteiro do Amaral Netto.
D. Custódia Lopes.
Delfim Linhares de Andrade.
Delfino José Rodrigues Ribeiro.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Eleutério Gomes de Aguiar.
Fernando Artur de Oliveira Baptista da Silva.
Fernando Augusto Santos e Castro.
Fernando David Laima.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Fernando de Sá Viana Rebelo.
Filipe José Freire Themudo Barata.
Francisco António da Silva.
Francisco Correia das Neves.
Francisco Esteves Gaspar de Carvalho.
Francisco João Caetano de Sousa Brás Gomes.
Francisco José Pereira Pinto Balsemão.
Francisco Manuel Lumbrales de Sá Carneiro.
Francisco Manuel de Meneses Falcão.
Francisco de Mancada do Casal-Ribeiro de Carvalho.

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Gabriel da Gosta Gonçalves.
Gustavo Neto Miranda.
Henrique José Nogueira Rodrigues.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Humberto Cardoso de Carvalho.
João António Teixeira Canedo.
João Bosco Soares Mota Amaral.
João Duarte Liebermeister Mendes de Vasconcelos Guimarães.
João Duarte de Oliveira.
João José Ferreira Forte.
João Lopes da Cruz.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
João Paulo Dupuich Pinto Castelo Branco.
Joaquim Carvalho Macedo Correia.
Joaquim Germano Pinto Machado Correia da Silva.
Joaquim Jorge Magalhães Saraiva da Mota.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Joaquim de Pinho Brandão.
José Coelho de Almeida Cotta.
José Coelho Jordão.
José Gabriel Mendonça Correia da Cunha.
José João Gonçalves de Proença.
José de Mira Nunes Mexia.
José da Silva.
José Vicente Cordeiro Malato Beliz.
Júlio Dias das Neves.
Lopo de Carvalho Cancella de Abreu.
Luís António de Oliveira Ramos.
D. Luzia Neves Pernão Pereira Beija.
Manuel Artur Cotta Agostinho Dias.
Manuel Elias Trigo Pereira.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel de Jesus Silva Mendes.
Manuel Joaquim Montanha Pinto.
Manuel Marques da Silva Soares.
Manuel Martins da Cruz.
Manuel Monteiro Ribeiro Veloso.
Manuel Valente Sanches.
Maximiliano Isidoro Pio Fernandes.
Olímpio da Conceição Pereira.
Pedro Baessa.
Prabacor Rau.
Rafael Ávila de Azevedo.
Rafael Valadão dos Santos.
Raul da Silva e Cunha Araújo.
Ricardo Horta Júnior.
Rogério Noel Peres Claro.
Rui de Moura Ramos.
Rui Pontífice Sousa.
Teodoro de Scusa Pedro.
Tomás Duarte da Câmara Oliveira Dias.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Vasco Maria de Pereira Pinto Costa Ramos.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 94 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.

Eram 15 horas e 55 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Está em reclamação o n.º 104 do Diário das Sessões.

O Sr. Ribeiro Veloso: - Sr. Presidente: Não é propriamente uma reclamação que eu desejaria fazer, mas, se V. Ex.ª me permite, talvez uma sugestão.
Na 2.ª página do n.º 104 do Diário das Sessões, o sector de telegramas diz «vários de comissões concelhias da Acção Nacional Popular». Ora, vários podem ser dois: é o plural. Eu permito-me sugerir a V. Ex.ª, pois talvez houvesse nisso conveniência, visto que é através do Diário das Sessões que se sabe mais concretamente e correctamente o que se passa dentro desta Assembleia, que talvez houvesse vantagem em que, no Diário das Sessões, ficassem expressas as localidades donde estes telegramas são expedidos, porque, assim, todos quantos não estiveram nesta Assembleia ou nesta sessão poderiam saber exactamente donde vieram esses telegramas.
Era apenas isto, Sr. Presidente.

O Sr. Alberto de Alarcão: - Sr. Presidente: Relativamente ao n.º 104 do Diário das Sessões, em reclamação, para além de algumas palavras próprias impressas intercaladas em trechos alheios como dos autores citados, mas que facilmente poderão ser rectificados confrontando as passagens transcritas, e para além das citações não impressas como tal, haverá que sobremodo rectificar a troca dos parágrafos iniciados por «O mundo ...» e por «Aliás, a última ...» da p. 2108, col. 1.ª

O Sr. Correia das Neves: - Sr. Presidente: Peço a V. Ex.ª o obséquio de mandar inserir as seguintes rectificações À minha intervenção constante do n.º 104 do Diário das Sessões: na p. 2032, col. 2.ª, 1. 54, onde se lê: «arribas», deve ler-se: «no alto»; na página seguinte, col. 1.ª, l. 60, onde se lê: «solucionado», deve ler-se: «solucionado ou compensado».

O Sr. Presidente: - Continua em reclamação o n.º 104 do Diário das Sessões.
Em resposta ao reparo formulado pelo Sr. Deputado Ribeiro Veloso eu desejaria esclarecer o Sr. Deputado e toda a Assembleia de que várias vezes tenho solicitado aos serviços do Diário que nas notas do expediente se identifiquem, quanto possível, as pessoas que se dirigem à Assembleia, no uso do direito reconhecido no n.º 18 do artigo 8.º da Constituição, por que é a primeira forma, e muitas vezes a única, pela qual a Assembleia Nacional, de modo prático, pode acusar a recepção das reclamações, dos aplausos, das queixas e das petições que lhe são endereçadas, no uso do direito constitucional. No entanto, creio que, por simplificação, por vezes os serviços do Diário não as especificam. Vou dar instruções, satisfazendo a reclamação do Sr. Deputado Ribeiro Veloso, para que, concretamente, em relação aos telegramas das comissões concelhias da Acção Nacional Popular de Moçambique apoiando a proposta de lei da revisão constitucional, a que se refere o n.º 104 do Diário das Sessões, sejam identificadas as entidades expedidoras. E vou continuar a recomendar aos serviços do Diário que, de um modo geral e sempre, procurem identificar no máximo, consoante sejam identificados aqui na Mesa, os expedidores de documentos enviados à Mesa da Assembleia Nacional.
Se mais nenhum de VV. Ex.ªs deseja usar da palavra para reclamações ao n.º 104 do Diário das Sessões, considerá-lo-ei aprovado.
Está aprovado.

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Telegrama da Câmara Municipal do Libolo apoiando a intervenção dos Deputados ultramarinos acerca da revisão constitucional;

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Telegrama da delegação da Acção Nacional Popular de Lioma no mesmo sentido;
Telegrama da comissão municipal de Morrumbene no mesmo sentido;
Telegrama da junta local do Luabo ainda no mesmo sentido;
Telegrama da Junta Municipal de Conda também no mesmo sentido;
Telegrama da Câmara Municipal do Buzi de apoio às palavras do Sr. Deputado Ribeiro Veloso;
Telegrama da Câmara Municipal de Vila Gouveia no mesmo sentido;
Telegrama dos nacionalistas de Govuro no mesmo sentido;
Telegrama do Município de Morromeu ainda no mesmo sentido;
Telegrama da Acção Nacional Popular de Panada no mesmo sentido;
Telegrama da Comissão de Muçulmanos de Homoíne ainda no mesmo sentido;
Telegrama, da Acção Nacional Popular de Homoíne também no mesmo sentido;
Telegrama da Acção Nacional Popular do Bié apoiando o discurso do Sr. Deputado Neto de Miranda;
Telegramas da Associação dos Colonos de Angola, da Acção Nacional Popular do Andulo e de comerciantes, industriais e agricultores do Andulo no mesmo sentido.

O Sr. Presidente: - Não Lá nenhum Sr. Deputado inscrito para usar da palavra no período de antes da ordem, do dia, peio que passaremos imediatamente à

Ordem do dia

Continuação da discussão na generalidade da proposta e dos projectos de lei de alterações à Constituição Política.
Tem a palavra o Sr. Deputado Gonçalves de Proença.

O Sr. Gonçalves de Proença: - Há dias, ao ter a honra de subir a esta tribuna, fiz o mais difícil, hoje farei o mais fácil.
Tratava-se então de exprimir em parecer único o pensamento de toda uma comissão, com os paralelismos, contrastes e divergências [próprias de cada um dos seus membros. A unanimidade com que o parecer foi aceite, parece abonar a sua objectividade. E tanto me basta.
Mas essa objectividade teve um preço, bem expresso na conclusão segunda do referido parecer: Todas as conclusões da comissão foram obtidas por unanimidade ou voto maioritário dos membros presentes às sessões, não envolvendo vinculação por parte dos Deputados vencidos na votação, razão pela qual não houve lugar a quaisquer declarações de voto. Estas foram transferidas para. o plenário.
Falei em dificuldade que não afasta a satisfação e a honra com que recebi e me procurei desempenhar da incumbência de expor aqui o somatório do pensamento de todos sem individualizar o pensamento de nenhum.
Hoje é mais fácil, pois trata-se apenas de traduzir o meu próprio pensamento a sombra da condução segunda acima referida.
Antes, porém, duas palavras mais sobre a comissão e seu parecer.
Uma, para me associar às justas referências que aqui foram feitas ao labor desenvolvido, identificando-as no seu ilustre presidente, conselheiro Albino dos Heis. Trabalhou-se muito e trabalhou-se bem, pese embora à maior ou menor aceitação das conclusões alcançadas.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Homenagem que envolve de modo particular, e com aprazimento o faço, os subscritores dos projectos de revisão constitucional pela forma correcta e cordial com sempre intervieram nos debates, mesmo quando as suas opiniões não lograram vencimento.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A segunda palavra digo-a para agradecer as amáveis referências com que alguns dos Srs. Deputados aludiram ao meu trabalho, tanto mais de surpreender quanto é certo que a todos obriguei a um esforço de audiência profundamente desumano, no tempo e no espaço. Do facto me penitencio, mas a verdade é que a duração dos debates e a sua complexidade não me deram tempo para ser mais curto nem mais ligeiro.
Não vou pròpriamente fazer uma declaração de voto, mas apenas trazer para aqui um depoimento pessoal que, na sinceridade com que o faço, é tão objectivo como o foram as conclusões da comissão.
Na economia da revisão constitucional em causa, quatro são os aspectos que de moldo especial se salientam, imprimindo ao labor constituinte significado e relevo expressivos. São eles: os direitos, liberdades e garantias individuais; a isopolitia luso-brasileira; o processo de eleição do Chefe do Estado, e o estatuto político-jurídico das nossas províncias ultramarinas.
Sobre cada um deles me deterei um pouco, na ânsia de conclusões que fundamentem o voto a dar na generalidade e na especialidade do debate.
Por ultrapassado tenho o problema da oportunidade da revisão constitucional e seus textos, claramente proclamada pelo artigo 176.º da Constituição que sobre nós fez recair toda a responsabilidade de Assembleia constituinte, onde chega o eco daquela luminosa afirmação de Salazar, recordada pela Câmara Corporativa e transcrita no parecer da comissão eventual: «No decurso deste período - dizia Salazar - (dos últimos quase quarenta anos), têm as instituições sofrido já alterações e aperfeiçoamentos vários. Não há nada de imutável, e por isso é natural que continuem a ser melhoradas consoante as necessidades que forem surgindo (...) emendas que devem ser introduzidas pelo povo português na serenidade do seu julgamento e consoante as suas próprias exigências.»
Posto o que, falemos então dos direitos, liberdades e garantias individuais.
Uma vez mais começaremos por recordar o pensamento também já expresso no parecer da comissão eventual, segundo o qual sempre a nossa Constituição entendeu que tais direitos, liberdades e garantias devem ser tão amplos quanto o permitirem o interesse social e o bem comum, pois nunca o nosso diploma fundamental foi transpersonalista no sentido de «fazer da pessoa humana um simples elo ou engrenagem de um ente transindividual em que ela se apagasse e dissolvesse, com itobal disponibilidade ao serviço da Nação, do Estado, de um partido ou de qualquer outra realidade totalizante e integradora».
E em conformidade com este pensamento, a nossa Constituição apresenta no seu artigo 3.º uma enumeração de direitos, liberdades e garantias individuais, assegurados

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constitucionalmente aos cidadãos portugueses, que pode incluir-se entre as mais amplas dos diplomas fundamentais de outros países..
Onde está, portanto, a dúvida e a necessidade invocada de revisão?
Não certamente na amplitude dessa enumeração, com a qual, em princípio, todos estão de acordo.
Não contraria essa unanimidade, segundo areio, a sugestão apresentada por um dos projectos de revisão, de alargamento do referido elenco, incluindo nele, ex novo, o direito à livre deslocação no território nacional e à emigração e o direito à «informação livre e verídica».
Com efeito, parece ser claro, e esse foi também o entendimento da comissão, que tais direitos se encontram já consagrados na Constituição.
O primeiro (direito à livre deslocação no território nacional) está ínsito na afirmação genérica da liberdade individual, que só tem por limites aqueles que resultem da .própria Constituição. O segundo (o direito à emigração) cabe nas repetidas afirmações dessa mesma liberdade individual, com claro afloramento, quanto à emigração, no artigo 31.º, n.º 5, onde se diz que ao Governo compete «proteger os emigrantes e disciplinar a emigração». Mas se assim é, pode perguntar-se, porque não se faz a afirmação expressa desse direito. Em primeiro lugar, ela está feita, na disposição acima transcrita, e, «m segundo lugar, uma coisa é o reconhecimento de um direito e sua disciplina, outra o seu aliciamento ou provocação indisciplinada.
A Constituição aceita e consagra o seu uso legítimo, mas talvez já a Nação ponha algumas reservas ao seu aliciamento ou abuso indisciplinado, quando por esse facto os próprios interesses da Nação sejam postos em causa, designadamente a necessária participação de todos na defesa da sua integridade.
Finalmente, quanto «ao direito à informação livre e verídica», ele resulta também com clareza do texto actual à Constituição, na medida em que assegurando este «a liberdade de expressão do pensamento sob qualquer forma», está a consagrar a via mais directa de chegar à informação livre e verídica.
Para usar termos técnicos - talvez mais do agrado dos proponentes da inovação -, na medida em que a Constituição assegura a liberdade de expressão do pensamento do «emissor» da informação, garantida fica a liberdade do «receptor» dessa informação, que assim poderá recolhê-la onde ela se apresentar mais livre e verídica de acordo com a vontade do mesmo «emissor».
A não ser que, por «direito à informação livre e verídica» se pretenda conceder uma faculdade que dê ao seu agente o poder de exigir de outrem, mesmo contra o seu «direito de livre expressão do pensamento», as informações que se pretendam, quer se trate de ente público ou ente privado ... mas isso, talvez seja ir longe de mais. De resto, também essa liberdade de ir beber à fonte :i informação livre e verídica está assegurada na Constituição, no artigo 22.º, onde expressamente se diz que «a opinião pública é elemento fundamental da política e administração do País, incumbindo ao Estado defendê-la de todos os factores que a desorientem contra a verdade, a justiça, a boa administração e o bem comum».
Afirmação confirmada e reforçada pelo reconhecimento à «imprensa», sem dúvida ainda hoje um dos veículos fundamentais da informação, de uma «função de carácter público», dignidade que passará a ser conhecida também, aprovado que seja o parecer da comissão eventual, à rádio e à televisão, cuja importância crescente entre os meios de informação social é hoje indiscutível
Ora, sendo assim, e supondo completo o elenco constitucional dos direitos, liberdade e garantias individuais, onde residirá a dúvida que ponha em transe de revisão tal matéria?
Por confissão expressa e clara dos revisionistas, todos o sabemos: o que se pretende atingir não é a enumeração constitucional dos direitos, mas sim a forma como se encontra regulamentado o seu exercício.
O que implica a necessidade de um esclarecimento: uma coisa é a afirmação de um direito, outra o seu exercício.
Não basta que a Constituição diga que eu tenho o direito ao trabalho, por exemplo; é indispensável que se complete essa afirmação, estabelecendo como é que eu posso exercer esse direito, em relação a quem é que eu o posso exercer, quais as garantias jurisdicionais que o protegem, quais os benefícios que me confere (retribuição, descansos, protecção social, etc.).
E o que se diz do direito ao trabalho pode dizer-se mutatia mutandis de qualquer outro direito.
Conclusão: não basta afirmar o direito, é necessário regulá-lo.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Simplesmente, a regulamentação de um direito é ou pode ser, em geral, matéria muito complexa e até mutável, consoante a evolução do condicionalismo económico-político em que se insere.
Retomemos o caso do direito ao trabalho. O conteúdo deste direito na sua expressão prática, a que verdadeiramente interessa aos cidadãos, tem sido objecto de regulamentação cada vez mais aperfeiçoada em textos que sucessivamente vêm sendo publicados. Ninguém pode, por exemplo, comparar a regulamentação do direito ao trabalho entre nós, após a publicação do Decreto-Lei n.º 47 032, de 27 de Maio de 1966, onde se estabelece em novos moldes o regime jurídico do contrato individual de trabalho, ninguém pode comparar esse regime com a regulamentação dispersa e difusa que anteriormente regia a matéria.
E chegamos assim a um impasse:
Não é suficiente, em geral, que a Constituição consagre pura e simplesmente um direito; não é possível também consagrar logo na Constituição, pela rigidez da revisão constitucional, a regulamentação dos direitos nela expressos, dada a natural e conveniente mutabilidade dessa regulamentação.
Como proceder então?
Parece que pela única forma possível: a afirmação do direito é matéria constitucional, a sua regulamentação deve ser matéria da legislação ordinária, para a qual aquela remete.
Nada tem por isso de estranho que isso mesmo se diga na Constituição.
Daí, por exemplo, a fórmula do n.º 1.º-A do artigo 8.º:

Constïtuem direitos, liberdades e garantias individuais dos cidadãos portugueses:

O direito ao trabalho nos termos que a lei prescrever.

É claro que tal .afirmação é mais necessária nuns casos do que noutros, sempre que a enunciação do direito, em si mesmo, não tenha conteúdo prático, nem necessite de regulamentação.
Embora com alguma dúvida conceituai aceita-se, com efeito, que nalguns casos essa remissão não seja indis-

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pensável, ou por evidente, ou pelo significado puramente genérico e doutrinário do seu conteúdo, como por exemplo «o direito à vida e integridade pessoal» e o «direito ao bom nome e reputação». Estes mesmos, todavia, também carecidos, no rigor dos princípios, de regulamentação quanto às garantias jurisdicionais de exercício e protecção, que igualmente terá lugar na lei ordinária.
Poderá ainda dizer-se que a Constituição, nalguns casos, além de remeter pura e simplesmente para a lei ordinária, deverá estabelecer certos limites a essa lei, sempre que a natureza e configuração dos direitos porventura o imponha.
É exacto, e assim sucede efectivamente na Constituição Portuguesa, pois há certos direitos que são nitidamente o complemento de outros ou limites fundamentais impostos à sua regulamentação. Seja o caso dos direitos enumerados nos n.ºs 8.º, 9.º, 10.º, 11.º e 12.º do artigo 8.º - Não ser privado da liberdade pessoal, nem preso sem culpa formada; não ser sentenciado criminalmente senão em virtude de lei anterior que declare puníveis o acto ou omissão, etc. -, que são claramente complementares, além do mais, dos direitos enumerados nos n.ºs 1.º 2.º e 4.º - O direito à vida e integridade pessoal; o direito ao bom nome e reputação; a liberdade de expressão de pensamento, etc.
O mesmo sucede com as limitações impostas também à (regulamentação dos direitos, liberdades e garantias nos §§ 2.º, 3.º e 4.º do artigo 8.º - garantias contra o exercício da liberdade de expressão de pensamento; contra a prisão sem culpa formada; ou o abuso do poder através da providência do habeas corpus.
Poder-se-ia ir mais longe nestes limites constitucionais à regulamentação da lei ordinária?
É possível, mas é duvidoso. Até porque a concepção desses limites varia consoante o condicionalismo eoonó-mico-político e não conviria a ninguém uma demasiada rigidez na sua enumeração, como sucede a tudo quanto fica no texto constitucional.
De resto, toda esta dúvida quanto à liberdade de movimentos da lei ordinária, na regulamentação dos direitos, liberdades e garantias individuais, envolve uma suspeição para os órgãos legislativos, o principal dos quais é, entre nós, a Assembleia Nacional..
Dir-se-ia que quando é constituinte, a Assembleia é idónea para estabelecer aqueles limites; mas quando não é constituinte, já é suspeita nessa intervenção pela via da lei ordinária. Recuso-me a aceitar essa lógica.
E não se diga que, além da Assembleia, também o Governo tem funções legislativas, já que, por um lado, isso seria transferir a suspeição para esse órgão (considerando-o menos idóneo na regulamentação dos direitos individuais) e por outro confessar a impotência da Assembleia que detém não só o poder ide não ratificar como de revogar os diplomas do executivo, afirmando-se a fragilidade de tal poder, sempre que estivesse em causa a regulamentação governamental.
Quase se é levado a pensar que a Assembleia pretende num desesperado acto de coragem estabelecer, agora que é constituinte, limites que depois, como legisladora ordinária, não tem coragem para o fazer.
Continuo a não desejar acompanhar na sua lógica este raciocínio.
E assim termino: Nada há em princípio a opor à enumeração dos (direitos, liberdades e garantias que figuram na Constituição, até porque, como se diz no § 1.º do artigo 8.º «a especificação destes direitos, liberdades e garantias não exclui quaisquer outros constantes da Constituição (v. g. o direito à emigração) ou das leis»; alguns destes direitos, liberdades e garantias têm de ser regulamentados, sob pena de ineficácia ou inexistência; essa regulamentação, em termos gerais, deve ser confiada à lei ordinária.
Se a regulamentação, tal como se encontra estabelecida na lei ordinária, não é a mais conveniente, está nas nossas mãos, como sempre ficará para futuro, o seu ajustamento. Se o não fizermos, só de nós próprios nos poderemos queixar. A Constituição não tem culpa.
O segundo ponto que hoje desejava abordar refere-se à isopolitia luso-brasileira..
E também aqui começarei por recordar palavras já transcritas no parecer da comissão eventual: constitui a equiparação do estatuto dos brasileiros ao dos cidadãos portugueses, aspiração antiga, para a qual foram já dados alguns passos inteiramente conformes com o espírito constitucional e as exigências da «Constituição efectiva» sempre favorável à comunidade luso-brasileira. De ponderar, outrossim, a reciprocidade que idêntica atitude tomada pelo Brasil nos impõe.
Ao contrário do que sucede com a questão anterior, não há a este respeito quaisquer divergências entre as iniciativas revisionistas ida Constituição. Todos estão de acordo com a proposta governamental que alguns desejariam fosse ainda um pouco mais longe, aproveitando o clima de aproximação existente nas relações luso-brasileiras.
E como poderia ser de outro modo se esse clima corresponde a uma realidade histórica e a uma vivência sociológica tão profundas que nunca se deixaram vencer mesmo quando, por eiró ou maldade dos homens, a aparência política parecia configurar imagem diferente.
Até porque, para além da dualidade dos Estados, o Brasil e Portugal nunca deixaram de constituir uma comunidade que na identidade da língua, das religiões e das raças tem muito de nacional e de unitário.
Festejemos, pois, essa comunidade e demos-lhe o assento constitucional que merece à semelhança dos nossos irmãos da outra banda do Atlântico, cidadãos como nós da grande comunidade luso-brasileira.
Pelo sangue, pelo interesse e pelo espírito me orgulho dessa cidadania, que só não é dupla cidadania porque será uma só de um lado e Ide outro do grande mar.
O terceiro aspecto a encarar, nesta análise da problemática revisionista da Constituição, relaciona-se com o processo de designação do Chefe do Estado.

O Sr. Cunha Araújo: - Muito bem!

O Orador: - Quisera eu que a discussão se mantivesse sempre na lógica e na serenidade das premissas.
Pela minha parte vou tentá-lo.
E as premissas, em meu entender, são estas: Não está em causa a legitimidade conceituai e teórica dos dois sistemas de designação do Chefe do Estado postos em confronto: a eleição por sufrágio orgânico e a eleição por sufrágio directo dos cidadãos.
Ambos os sistemas têm consagração em mais do que um diploma fundamental (o que prova a sua aceitação doutrinária) e ambos (tiveram consagração nos nossos textos constitucionais, inclusive na actual Constituição (o que igualmente abona a sua validade).
O que se discute, portanto, não é saber se um é mais válido do que o outro, no plano puro da teoria e da doutrina.

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O que está em causa, é saber qual dos dois sistemas Be ajusta mais completamente às estruturas constitucionais vigentes.
Posta assim a questão, e não vejo que o possa ser de outro modo, a análise que se impõe fazer é da própria estrutura constitucional, para daí arrancar para o sistema de eleição ido Chefe do Estado mais consentâneo com essa estrutura.
Em princípio - pelo nosso diploma fundamental - o Chefe do Estado deve ser eleito pela Nação, importando por isso saber quem é que constitui a Nação, para lhe confiar o encango dessa eleição.
Ora, segundo a actual Constituição, em termos mais acentuados pela proposta governamental (sem oposição dos projectos), a Nação Portuguesa tem como elementos estruturais os cidadãos, as famílias, as autarquias locais e os organismos corporativos (artigo 5.º e seu § B.9).
E a mesma Constituição, acrescenta que o Estado Português é uma República corporativa baseada... na interferência de todos os elementos estruturais da Nação, na vida administrativa e na feitura das leis (ou, para usar a terminologia da proposta governamental «baseada na participação idos elementos estruturais da Nação na política e na administração geral e local»).
Sendo assim, se o Chefe do Estado deve ser eleito pela Nação e se esta é constituída pelos cidadãos, pelas famílias, pelas autarquias locais e pêlos organismos corporativos, não vejo que outro sistema mais coerente se apresente do que aquele que assegure a todos esses elementos estruturais da Nação interferência na eleição do Chefe do Estado.
E como?
Poderia eventualmente pensar-se num sistema em que os cidadãos interviessem pelo método do sufrágio directo, e os demais elementos peia via do sufrágio orgânico.
Mas esse sistema é inviável, ou muito complexo e nunca experimentado, já que a eleição, em princípio, deverá ser uma só e simultânea.
Pelo que parece não existir outra possibilidade, a querer-se dar guarida a todos os elementos estruturais da Nação, senão reuni-los num único colégio eleitoral.
Com o que, volta a perguntar-se, como?
Pois muito simplesmente: não podendo esse colégio abranger ao mesmo tempo toda a Nação, ao menos que esta, pelos seus elementos de base, designe os representantes a esse colégio, conferindo-lhes para tanto poderes de representação adequada.
E assim surge, naturalmente, o colégio eleitoral proposto pela Constituição: Os cidadãos estão nele representados pelos Deputados que elegeram em sufrágio directo e a quem conferiram, nessa eleição, poderes especiais para designar o Chefe do Estado; os demais elementos estruturais da Nação têm representação no colégio eleitoral através dos Procuradores à Câmara Corporativa (que representam organicamente todos os organismos corporativos), bem como .através dos representantes municipais de cada distrito ou de cada província ultramarina não dividida em distritos (que nele representam as famílias e as autarquias locais, aquelas pela participação que têm na designação destas).
Pode haver quem não concorde com a estrutura constitucional que proclama o Estado Português como uma República corporativa, mas enquanto essa estrutura se mantiver não se vê que outro processo de participação de todos os elementos estruturais da Nação na eleição do Chefe do Estado, seja mais lógico e coerente.

O Sr. Cunha Araújo: - Muito bem!

O Orador: - E a verdade é que, embora atacado na doutrina por alguns, a preocupação revisionista não foi capaz de pôr em causa o sistema corporativo, logo tem de lhe aceitar as suas consequências lógicas.

O Sr. Pinto Machado: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Faça favor.

O Sr. Pinto Machado: - Não sei se será oportuno neste momento, mas penso que sim.

O Orador: - É sempre oportuno ser interrompido por V. Ex.ª

O Sr. Pinto Machado: - Sr. Deputado: Não vou agora, porque não é altura, rebater a argumentação de V. Ex.ª, mas era apenas para chamar a atenção para o seguinte: penso que ainda não estão em vigor as alterações propostas pelo Governo à Constituição. Ainda vão ser votadas.
Ora, o que diz o artigo 8.º da constituição é que constituem a Nação Portuguesa, julgo que é assim que diz, toldos os cidadãos portugueses residentes dentro ou fora do seu território.
E, no artigo 5.º, refere que o Estado Português é uma República unitária e corporativa, baseada na igualdade dos cidadãos perante a lei, no livre acesso de todas as classes aos bens da civilização de todos os cidadãos e na interferência de todos os elementos estruturais da Nação na vida administrativa e na feitura das leis.
E, nos títulos III, IV e V, aponta como elementos estruturais da Nação: a família, os organismos corporativos e as autarquias locais. Isto é, na Constituição vigente os cidadãos não são elementos estruturais da Nação, mas a substância da Nação..

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Pinto Machado: - De resto é curioso que, na penúltima edição do Manual de Ciência Política e Direito Constitucional, do Sr. Prof. Marcelo Caetano, quando se fala nos elementos estruturais da Nação são apontados, precisamente, estes três.
Devo dizer a V. Ex.ª, isso depois guardarei para o (desenvolver na discussão ca especialidade, que não aceito - é um ponto de vista pessoal, discutível, evidentemente - que os cidadãos sejam considerados elementos estruturais da Nação. Eles são a Nação. São eles que se organizam, depois, em determinados corpos sociais, personalizados, que devem, de acordo com a sua competência, participar na vida social.
Muito obrigado.

O Sr. Magalhães Mota: - Muito bem!

O Orador: - Muito obrigado, Sr. Deputado Pinto Machado. Devo dizer a V. Ex.ª que respeito a sua intervenção como opinião puramente pessoal. Além disso devo dizer ainda a V. Ex.ª que uma parte da resposta à intervenção que acaba de fazer, será dada a seguir no texto que passarei a ler.
Por outro lado, devo dizer a V. Ex.ª que também não percebi bem a distinção que V. Ex.ª faz entre os cidadãos, como elementos estruturais da Nação, e os demais elementos. O artigo 8.º diz que a Nação é constituída pelos cidadãos; depois, os diferentes títulos, que V. Ex.ª enumerou, indicam também como elementos estruturais da Nação, além dos cidadãos, as .famílias, as autarquias locais e os organismos corporativos.

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V. Ex.ª disse mesmo, por que citou de memória, que os títulos da Constituição são exactamente esses: dos cidadãos, das famílias, das autarquias locais e dos organismos corporativos. E exactamente a enumeração que a Constituição faz, por via enunciativa, dos elementos integrantes da própria Nação.
Se assim é, devo dizer-lhe que me escapa, em certa medida, por que razão à face do texto constitucional vigente V. Ex.ª dá dignidade de elementos estruturais da Nação às famílias, às autarquias locais e aos organismos corporativos e neles não inclui os cidadãos, que são tratados na Constituição em pé de igualdade exactamente com a mesma formulação constitucional.
Além disso, há aí, se V. Ex.ª mo permite, uma pequenina divergência doutrinária: é que a doutrina corporativa, a verdadeira doutrina corporativa, considera os cidadãos como elementos estruturais da Nação. Mas isso é um lapso de doutrina que efectivamente pode aceitar-se ou não da parte de quem o defende. Muito obrigado.
A Constituição volta a não ter culpa. Mas dir-se-á: Também até 1959 houve regime corporativo e o sistema de eleição do Chefe do Estado foi o do sufrágio directo.
Pois foi; mas, por um lado, a verdade é que só a partir de 1956, com a criação das corporações, a Câmara Corporativa se pôde estruturar em termos de efectivamente representar a Nação orgânica, e, por outro lado, o facto de ter existido outro sistema não creio que afecte a maior conformação do actual com a estrutura constitucional vigente.
E só isso é que neste momento pretendo afirmar. Pode ainda dizer-se, e foi-o já, que o colégio eleitoral, tal como está definido no artigo 72.º da Constituição, não representa efectivamente toda a Nação, orgânica e inorgânica..
Mas isso já não atinge a validade do sistema, é questão adjectiva que vai para além da discussão e tem remédio fácil: melhore-se a estrutura desse colégio eleitoral, parecendo que, quem deveria propor essa melhoria, são aqueles que a põem em causa.
É este o momento oportuno para o fazerem, já que este é o momento de revisão da Constituição.
Se o não fazem, aceitando, por outro lado, a estrutura corporativa da Nação, que não puseram em causa no plano revisional, também não têm razão para se queixar. A culpa torna a não ser da Constituição. E postas estas questões essenciais, que creio incontroversas, vejamos algumas questões acidentais que também a propósito do mesmo problema têm sido levantadas.
Há quem diga que tanto na eleição inorgânica (no sufrágio directo dos cidadãos eleitores) como na eleição orgânica (eleição por intermédio dos representantes dos órgãos) é sempre o cidadão que vota, pelo que melhor seria confiar-lhe a ele, em exclusivo, essa votação.
Dito por outra maneira, diz-se que, aparecendo individualmente ou integrado em grupos ide que faz parte, os indivíduos são sempre os mesmos e portanto a Nação é apenas constituída por cidadãos.
Para clarificar ideias, vou usar uma imagem tomista:
Tomemos um monte de pedras poetas ao acaso; nessas circunstâncias a realidade será sempne e apenas um monte de pedras em que os elementos individuais serão cada uma dessas pedras.
Admitamos, porém, que com essas pedras construímos edifícios que no seu conjunto formam uma cidade.
Então a realidade agora será outra: uma cidade, formada por edifícios e estes por pedras. Quer a cidade, quer os edifícios, terão realidade própria, tal como as pedras que os constituem. Não diremos mais que estamos perante um monte de pedras, mas sim perante uma cidade que tem edifícios, os quais são formados por pedras. Não há um monte de pedras: há uma cidade.

O Sr. Magalhães Mota: - Eu tenho estado a ouvir com o maior interesse e com o maior prazer a exposição que V. Ex.ª está fazendo a esta Câmara e agora impressionou-me particularmente a imagem tomista que quis invocar, porque me pareceu que, na sequência lógica desta imagem ...

O Orador: - Eu vou fazer a sequência lógica, mas V. Ex.ª fará a sua.

O Sr. Magalhães Mota: - Então talvez eu me esteja a adiantar, mas pareceu-me que as pedras, segundo a imagem tomista, tinham pendido a sua razão de ser. E já não havia as pedras, havia só o edifício.

O Orador: - Os edifícios sem pedras, desmoronam.

O Sr. Magalhães Mota: - Mas a realidade tinha passado a ser outra.
Pareceu-me que essa seria a tal concepção transpersonalista, que nem V. Ex.ª nem eu aceitamos.

O Orador: - Para que, o edifício exista é necessário que as pedras que o suportam sejam suficientemente f optes. Logo, não se despersonalizam.

O Sr. Magalhães Mota: - Julgo que, em todo o caso, V. Ex.ª estava a invocar que a realidade «era o edifício, a realidade era o monte. Talvez as pedras lhe estivessem na origem, talvez as pedras fossem importantes, mas a realidade era, de facto, o edifício e o monte.

O Orador: - As pedras mantiveram a sua importância na realidade subsequente.

O Sr. Magalhães Mota: - Não me parece que essa imagem seja perfeitamente adequada para justificar uma concepção que, como V. Ex.ª disse, não é transpersonalista. Aí, o que efectivamente me parecia era que os pedras tinham perdido a sua dignidade. E eu não aceito ...

O Orador: - Eu também não.

O Sr. Magalhães Mota: - Então não me parece que a imagem seja a mais perfeita.

O Orador: - Peço desculpa a V. Ex.ª, mas continuo a dizer o seguinte: as pedras não perderam a sua individualidade, porque são indispensáveis à construção dos edifícios. Os edifícios é que ganharam realidade, assentes nas pedras. E a cidade ganhou existência pelo conjunto dos edifícios que a formam. Todos esses elementos mantêm a sua importância no conjunto e são indispensáveis à realidade orgânica, global, que se apresenta depois como finalidade absoluta.

O Sr. Magalhães Mota: - Mas V. Ex.ª considera, nesse caso, que a realidade se centra sobre as pedras ou sobre os edifícios?

O Orador: - Eu disse que se centrava sobre todos eles. As pedras são necessárias aos edifícios, os edifícios à cidade e a cidade aos homens.

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O Sr. Magalhães Mota: - E V. Ex.ª acha que as pedras, integradas no edifício, ainda continuam a valer por si, isoladamente, com toda a dignidade?

O Orador: - Valem com dignidade maior ainda, porque, além do valor individual que têm, colaboraram na construção do edifício.

O Sr. Magalhães Mota: - Eu julgo, Sr. Professor, que nessa altura, o único valor que estava em causa era o do edifício, com as pedras, a areia, a argamassa, tudo quanto se lhe meteu e até a cor que se lhe emprestou.

O Orador: - Mas certamente. É fundamental que a cor seja clara e visível.
(RISOS.)

O Sr. Casal-Ribeiro: - Muito bem!

O Orador: - Transposta a imagem, para o plano sociológico da contextura nacional, é o que se passa na Nação: na sua base estão os indivíduos (como as pedras na cidade), que, sem penderem a sua individualidade, se associam entre si (como as pedras nos edifícios) e formam corpos sociais, comunidade nacional.
E não se diga também que o processo orgânico de eleição do Chefe do Estado peca pelo facto de, em cada acto eleitoral, os representantes dos indivíduos (os Deputados) e os representantes dos organismos (os Procuradores à Câmara e os representantes municipais) não consultarem os seus representados antes de consumar o seu voto.
Este argumento esbarra com uma consideração elementar: no momento em que são eleitos ou designados os membros do colégio eleitoral, não ignoram aqueles que os elegem ou designam que por esse facto lhes conferem poderes para os representar na eleição do Chefe do Estado. Por isso, quando muito, maior terá de ser então o seu cuidado na escolha feita.
E mão se diga ainda que tão grande pode>r não cabe num auto genérico de eleição para Deputados ou (representantes dos corpos sociais.
Pois não é verdade que poder muito maior ainda nos foi conferido, a nós, membros da actual Assembleia, para alterar a própria Constituição, substituindo eventualmente o sistema de eleição do Chefe do Estado?
Detentores de tal poder, como pôr em causa a legitimidade da nossa participação no colégio eleitoral? Quem pode o mais, pode o menos. E o mesmo se diga dos restantes elementos.
E não avançarei mais, voltando a repetir a premissa inicial: se a eleição do Chefe do Estado compete à Nação, «se esta é formada, corporativamente, pelos indivíduos, pelas famílias, pelas autarquias locais e pelos organismos corporativos, a todos estes deve ser dada participação nessa eleição. E não se conhece outro sistema que melhor responda a essa exigência do que a todos reunir num colégio eleitoral através dos respectivos representantes com poderes para tanto.
Esta é a conclusão lógica do sistema, o que não quer dizer que, se o sistema fosse outro, a conclusão lógica não pudesse ser outra também, apontando a um sistema de sufrágio directo ou até de sucessão hereditária.
E por aqui me fico.
O último dos temas que me propus abordar relaciona-se com a revisão do regime jurídico das províncias ultramarinas.
De novo me socorro, para ponto de (partida das considerações que se seguem, do texto do parecer da comissão eventual, que ao assunto se refere em dois momentos.
Primeiro, ao encarar o problema na generalidade, momento em que aceita «não haver na Constituição nada que se oponha a essa revisão, desde que conforme com os princípios fundamentais da Nação Portuguesa». E, num segundo instante, ao apreciar na especialidade as propostas de revisão apresentadas ao título VII, onde expressamente se diz que, no entender da Comissão, tais propostas «visam reforçar a unidade nacional, sem prejuízo da descentralização imposta pelo especial condicionalismo de alguns dos territórios portugueses».
E este também, em tão importante questão, o meu ponto de partida, que o é, igualmente, ponto de chegada. Melhor, o ponto onde nos situamos.
Todas as alterações propostas à Constituição em relação ao estatuto das províncias ultramarinas as tomamos como desejo manifesto de reforçar a unidade nacional, mesmo aquelas que visam a uma maior descentralização administrativa (que temos por útil e conveniente para aquela unidade).
Por isso, aderimos sem reservas a algumas das alterações propostas e a alguns aperfeiçoamentos que nelas foram introduzidos pela comissão eventual, designadamente a substituição da fórmula «organização política e administrativa» por «organização político-administrativa», para qualificar a autonomia conferida às províncias, como, outrossim, aceitamos, por necessário, o § único atribuído ao artigo 133.º, prevendo a «possibilidade, quando conveniente, de serem criados serviços públicos nacionais integrados na organização de todo o território português», bem como aplaudimos o novo § 5.º acrescentado ao artigo 136.º, segundo o qual «é indeclinável dever do governador, em cada uma das províncias ultramarinas, sustentar os direitos de soberania da Nação e promover o bem da província em harmonia com os princípios consignados na Constituição e nas leis». Por último, não deixei, ainda, de compreender e partilhar as preocupações daqueles que defenderam a manutenção no texto constitucional de preceitos correspondentes aos actuais artigos 134.º e 135.º, embora visse tal preocupação atenuada pela introdução dos referidos § único do artigo 133.º e § 5.º do artigo 136.º
Ora, sendo este o ponto de partida, com sinceridade tenho de reconhecer que algumas preocupações me ficam ainda, não tanto quanto à, proposta de revisão constitucional em si, cujas intenções e propósitos me parecem claros, mas apenas quanto às interpretações exteriores e ilações de que as mesmas eventualmente são susceptíveis. Sou efectivamente dos que entendem que as palavras item forca própria e natural aptidão para encarnar.

O Sr. Casal-Ribeiro: - Muito bem!

O Orador: - Daí as precauções que entendo deverem ser tomadas, não considerando despiciendos todos os esclarecimentos e garantias que a tal respeito possam ser dados. E algumas palavras usadas na revisão constitucional merecem esses esclarecimentos. Questão que melhor se apreciará na especialidade.
Ninguém mais do que o Governo está em condições de o trazer, pela insistência e autenticidade com que tem afirmado e assegurado a necessidade de defesa da integridade nacional.

Vozes: - Muito bem!

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O Orador: - Sou hoje, pelas actividades privadas que desenvolvo, um pouco ultramarino e, por isso, compreendo perfeitamente a ânsia de uma maior descentralização administrativa desejada pelas províncias e imposta pelas necessidades do seu progresso e desenvolvimento, mas conheço também a fidelidade à Mãe-Pátria e o carinho com que para ela olham, certos como estão de que só na unidade nacional será possível manter a sua estrutura, o seu progresso unitário e o seu porvir pacífico. Angola e Moçambique, como também as demais províncias, só o serão como unidades enquanto forem parte integrante da Nação Portuguesa. Todos o sabem e melhor do que ninguém os que lá vivem.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sendo este o meu ponto de partida, à sua luz quero apreciar a revisão constitucional que votarei em plena conformidade Com exigências de tais propósitos.
Guardei para o fim um problema que, não envolvendo propriamente uma alteração à Constituição, não pode, pela sua importância e dignidade, ser silenciado. Refiro-me à sugestão do projecto n.º 7/X para incluir no texto constitucional vigente uma invocação do nome de Deus.
Com todo o respeito que me merecem os propósitos de tal iniciativa e a homenageou devida aos promotores, não posso deixar de reconhecer, com toda a sinceridade, que o problema, tal como foi posto, me impressiona, não porque não deseje que na Constituição seja invocado o nome do Criador de todas as coisas, mas porque não desejaria que tal invocação possa ser motivo ide debate, discussão ou divisão.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Daí também o melindre e ponderação com que a comissão eventual abordou o assunto e cautela cotai que para ele procurou uma solução que a todos pudesse unir no mesmo acto de respeito e culto devidos ao Ser Supremo.
Supõe-se que a solução encontrada pode, com dignidade, satisfazer, convolando o preâmbulo sugerido pelo projecto n.º 7/X na fórmula proposta pela comissão para o artigo 45.º, a única disposição em que o Estado assume posição perante o direito à liberdade de culto conferido aos cidadãos pelo artigo 8.º, n.º 3.º, posição que certamente adopta na plena consciência das suas responsabilidades perante Deus e os homens, como expressamente se afirma na referida fórmula.
Tanto mais, como também se diz no parecer, que essa fórmula não envolve rejeição do texto proposto pelo projecto n.º 7/X, mas conversão do seu conteúdo num preceito que se supõe adequado pela sua finalidade e localização, assim como pelo carácter inconfessional do Estado. O que não quer dizer que não possa aceitar formulo, de intenção idêntica, embora de conteúdo e expressão eventualmente adequados.
Nesse estado de espírito, e só nesse, dei a minha adesão à conclusão da comissão, e nada me desagradaria mais, à minha consciência de católico e homem responsável, do que ver discutido e debatido, em contraste- de opiniões, o nome de Deus, que a todos deve unir e proteger na Sua imensa glória.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E invocando precisamente o nome de Deus, cheguei ao fim, tirando como ilação lógica de tudo quanto atras fica o desejo veemente de que, na generalidade e na especialidade, a revisão constitucional contribua para a maior felicidade dos portugueses e o maior progresso e unidade da Nação. Esse será o meu voto.

Vozes: - Muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Casal-Ribeiro: - Sr. Presidente: É grande a responsabilidade e ingrato usar da palavra logo após a oração de um Sr. Deputado ilustre e por isso muito cumprimentado. A desatenção é então maior do que o costume, mas o destino assim o quis. Há que enfrentá-lo com filosofia.
Sr. Presidente: Para além das razões ocasionais que ma inibiram de coligir mais cedo os elementos indispensáveis paira esta intervenção, foi intencionalmente que solicitei, embora com carácter de excepção, para ser dos últimos Deputados a usar da palavra neste importantíssimo debate que se está travando sobre a proposta governamental de revisão dai Constituição, bem como dos projectos de lei n.ºs 6/X e 7/X, da autoria de alguns ilustres Srs. Deputados. Do facto peço a V. Ex.ª as minhas desculpas, dada a circunstância de para todos ter apelado no sentido de efectuaram as suas intervenções, uma vez aberto o debate, com a maior brevidade possível.
Hesitei ainda em usar da palavra, tão transcendente é a matéria em discussão e tão limitada é a minha preparação piara sobre ela poder dar achega válida ou tão construtiva como seria meu desejo.

Os Srs. Barreto de Lara e Pontífice Sousa: - Não apoiado!

O Orador: - Entendi, porém, que não devia deixar de me pronunciar, pois não me parece ser o silêncio a (melhor forma de definir posições no momento tão especial que o País atravessa.
Animado, para mais, por V. Ex.ª, Sr. Presidente, que um dia, nesta Assembleia, disse a um Sr. Deputado que pretendia reforçar a opinião que defendia com o argumento de que era formado em Direito, de que nenhum grau reconhecia mesta Casa para além daquele que fora outorgado aos Deputados pela Nação, elegendo-os, decidi também erguer a minha» voz para expressar o meu ponto de vista sobre os importantes diplomas em debate. Pretendi, contudo e previamente, elucidar-me; elucidar-me o melhor possível, quer procurando compreender as razões de certas alterações à Constituição vigente, quer tentando aperceber-me da oportunidade de as ver agora sugeridas, quer, ainda, dos (motivos de certas expressões novas introduzidas pelo Governo na sua proposta ou pelos Srs. Deputados, (autores dos projectos já referidos.
Esperei ainda, sinceramente o digo, 1103 (discursos de diversos matizes pronunciados desde o início do debate, um esclarecimento que melhor me permitisse aprofundar a matéria em causa, que, repito, pela sua transcendência, tem merecido à Câmara particular atenção. Realmente, só assim ela poderá pronunciar-se em plena consciência, como é seu dever e, aliás, seu hábito; mesmo em anteriores legislaturas, hoje tão criticadas por alguns dos novos parlamentares.
Ouvi, portanto, com a maior compenetração e li, por várias vezes, ai exaustiva exposição do ilustre Deputado Gonçalves d(c) Proença sobre o parecer da comissão eventual, de que foi ilustre relator na matéria em debate; já que não me foi dada a honra de a ela pertencer, julguei

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necessário, e até indispensável, proceder ao estudo desse importante, documento, que, não reflectindo - segundo foi dito - uma unanimidade desejável na especialidade, merecera, como também foi posteriormente referido, a aprovação do Governo.
Li ainda, atentamente, os discursos aqui proferidos e aos quais, repito, já prestara particular atenção.
Verifica-se que de todas ias revisões efectuadas à Constituição de 1933 esta é aquela que atinge maior vulto; a que procura introduzir no texto-base maior número de inovações, algumas das quais de grande importância: direitos, liberdade e garantias individuais, estatutos dos cidadãos brasileiros em Portugal; competência reservada da Assembleia Nacional (fiscalização da Constituição, aquisição e penda da nacionalidade portuguesa, definição das penas e «medidas de segurança, expropriação por utilidade pública, regime geral das províncias ultramarinas, etc.); composição e funcionamento da Assembleia Nacional; regime jurídico das províncias ultramarinas; relações do Estado com as confissões religiosas, designadamente a igreja católica, etc.
Estive, insisto, sempre atento aos debates na esperança de ver esclarecidas algumas dúvidas que naturalmente pairavam no meu espírito, sobretudo sobre determinado aspecto da proposta apresentada pelo Governo e que, quanto a mim, ultrapassa em importância todos os outros, pois da sua adopção dependerá, segundo a minha modestíssima opinião, toda uma problemática que pode interferir directa ou indirectamente com a integridade da Nação; refiro-me, é evidente, àquilo que ao ultramar diz respeito.
De forma alguma são de minimizar os outros pontos equacionados, pois alguns há de especialíssimo interesse político, económico, social e espiritual; mas desuses apenas referirei dois.
Dada a vastidão da matéria e á especialização que a sua discussão merece, quando construtiva, outros Srs. Deputados, mais bem preparados, o estão fazendo com a costumada elevação, profundos conhecimentos, imparcialidade e brilho, consoante as suas tendências e os seus credos políticos; mas sempre, disso estou certo, com o objectivo de servir a Pátria e honrar o seu mandato de acordo com a sua própria consciência.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Não quero, porém, deixar de me congratular com a materialização de uma série de medidas indispensáveis à criação, de facto, de uma verdadeira comunidade com o país irmão, irmão muito querido, que é o Brasil.
Unidos pelo mesmo idioma - como há dias salientava o Sr. Presidente do Conselho -, estes 115 milhões de almas que formam os dois países constituirão um todo que, irmanado na mesma fé, na mesma cultura, e ligado por laços indissolúveis e sinceros, de carácter intelectual, económico e social, representará um baluarte inexpugnável na defesa da civilização que levámos para terras de Santa Cruz, hoje transformadas nesse grande, imenso e portentoso Brasil.
Também não posso passar em branco na afirmação do júbilo que me causa a ideia, que creio bem será desta vez aprovada, de ver incluído na Constituição o nome de Deus, tradução do sentimento de todos nós, que, conscientes do momento que o País atravessa, lhe devemos implorar que nos inspire e nos proteja, já que da expansão da Sua doutrina fomos pioneiros por esse mundo além e ainda hoje por ela combatemos na África portuguesa.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E é justamente sobre África, ou melhor, sobre o nosso ultramar - tema a que, repito, dou inteira prioridade -, que desejo pronunciar-me mais pormenorizadamente, embora lamente, mais do que nunca e do que ninguém, que a minha achega não possa ser mais válida, já que mais isenta e independente não o poderia ser em nenhuma circunstância.
Ouvi atentamente, sobre a matéria, muitos e ilustres Deputados. Já lera e relera a proposta do Governo, o extenso parecer da Câmara Corporativa e, igualmente, o exaustivo trabalho da comissão eventual da Assembleia Nacional para a revisão da Constituição. Fora disso, já há longos meses que procuro esclarecer-me, informar-me e tirar dúvidas, tentanto acompanhar linhas de pensamento, ouvindo pessoas de reconhecida experiência, opiniões desapaixonadas e independentes; em suma: elucidar-me no sentido de ser inteiramente justo na apreciação de novas expressões que pretendem incluir-se agora na Constituição que actualmente rege a Nação Portuguesa.
Embora disciplinado, fui, sou e serei sempre inteiramente livre de quaisquer compromissos políticos, não me deixando portanto acorrentar às ideias de ninguém. Elemento activo da União Nacional, simples e recente filiado na Acção Nacional Popular, legionário da primeira hora, defensor intransigente, desde muito jovem, do regime nascido da gloriosa Revolução Nacional de 28 de Maio, admirador desinteressado desse grande português e genial político que foi o Doutor Oliveira Salazar, aceitando sem reservas e apoiando quase sempre o seu ilustre sucessor na chefia do Governo Português, Doutor Marcelo Caetano, nunca perdi nem a objectividade da linha política que tracei, nem a independência na sua concretização. Daí a minha desaprovação à existência de partidos.
Quer na política, quer na minha vida privada ou profissional, nunca hesitei em tomar atitudes que coerentemente correspondessem ao meai pensamento. Por outras palavras: nunca me furtei a ter opiniões próprias <_ organizações='organizações' que='que' de='de' terra='terra' hesitei='hesitei' aos='aos' entendi='entendi' objectivamente='objectivamente' necessário.='necessário.' sirvo='sirvo' onde='onde' das='das' sempre='sempre' sou='sou' também='também' mas='mas' ser='ser' nunca='nunca' a='a' e='e' interesses='interesses' família='família' ou='ou' em='em' seguir.br='seguir.br' quando='quando' o='o' esse='esse' suborná-las='suborná-las' melhor='melhor' enunciá-las='enunciá-las' caminho='caminho' chefe='chefe' nasci='nasci' da='da' superiores='superiores'> Poderá alguém, de resto, e por mais seguro que esteja de si e da sua razão, esquecer-se que há interesses que devem colocar-se acima dos seus, desde que não esteja em jogo a própria dignidade? Certamente que não, e tolo será quem assim não pense; tolo ou obstinado, e a teimosia em excesso pode deixar de ser uma virtude e conduzir-nos a caminhos perigosos de trilhar e que bem melhor convirá saber evitar a tampo.
Mas, voltando ao assunto candente do «ultramar e à redacção proposta pelo Governo a determinados artigos que o regem, eu queria acrescentar, e faço-o humildemente, ia a dizer lamentosamente, que não consegui ser devidamente esclarecido como tanto desejava.
Ouvi aqui dizer, por exemplo, que ao fim e ao cabo as alterações eram mais aparentes do que reais, pois trata-se de condensar em quatro artigos aquilo que já existia mas andava disperso em quarenta e dois, segundo creio; ouvi afirmar que certas designações, quanto a mim não isentas de risco na sua interpretação e possíveis consequências que dai advenham, reforçavam mais ainda a unidade nacional; que a autonomia administrativa existente ficava assim mais bem definida; que a unidade da Nação ficaria, agora, mais salvaguardada, etc.
Diz, contudo, a p. 5, o parecer da comissão eventual «que a revisão constitucional constante da proposta do Governo tem vantagem, quer pelas inovações e aperfeiçoamento de ordem técnica que permite (e de que a Cons-

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tituição se encontra carecida), quer por inovações essenciais que sugere em conformidade com a evolução das necessidades e as conveniências da Nação. Razão por que - continua o parecer também sob este aspecto - a proposta tenha merecido a sua aprovação na generalidade, reservando-se para a especialidade a pormenorização e concretização do seu precioso conteúdo». Ora eu tenho esperança que, assim, ainda possa vir a ser alterada, por proposta desta Assembleia, a redacção de alguns artigos que ao ultramar se referem.
O parecer da Câmara Corporativa é longo e pormenorizado, não deixando até o ilustre relator de acentuar para reforço de determinadas designações - à volta das quais se gerou grande e talvez prematura controvérsia - de referir um discurso proferido pelo Doutor Salazar; ou, melhor dizendo, de uma breve e fugaz referência feita pelo antigo Chefe do Governo, num dos seus magistrais discursos, o que me pareceu forçado e até revela fragilidade na argumentação que se pretende defender e na razão que se deseja invocar ...
Mas se tudo, no fundo, fica na mesma ou se as alterações não são de vulto; se a ideia do Governo é manter o statu quo, o qual seja a unidade integral da Pátria e os poderes do Governo Central - para intervir, como ouvi afirmar -, quando qualquer decisão local não se coadune com os superiores interesses nacionais, para quê lançar ideias, sugestões, ou apenas palavras, que provoquem divisão entre portugueses que devem hoje, mais do que nunca, estar unidos, atentos e prontos a defender-se dos renegados - segundo expressão do Sr. Presidente do Conselho - que se encontram entre nós, «aliciados por países e organizações estrangeiras, nossas inimigas»?
Também me confunde a ideia de que a palavra «autonomia», e, sobretudo, o conceito que ela encerra, possa sofrer flutuações e reajustamentos consoante a época em que se vive. Autonomia é, por definição, «o direito que frui um país de se governar segundo as suas próprias leis; independência administrativa; liberdade moral ou intelectual»; quanto a mim, certas definições jamais poderão sofrer actualização. Elas são aquilo que são e ai de nós quando as pretendemos ajustar a conveniências ou compromissos!
Ora, se o termo já existia na nossa Constituição, para quê alterar o sentido em que estava expresso, quanto ao ultramar, juntando-lhe palavras que podem um dia, talvez próximo, e como muito bem diz o Digno Procurador Antunes Varela no seu voto de vencido, «constituir uma força emotiva extraordinária, principalmente nas sociedades massificadas dos tempos modernos». «Aqueles círculos internacionais - prossegue o Digno Procurador - que hoje peçam palavras, à troca da sua simpatia, serão os primeiros a reclamar amanhã que, por um princípio de coerência, ponhamos a realidade de acordo com as palavras ao serviço de desígnios que fácil será adivinhar quais sejam.»
Há, realmente, que (ter «bodo o cuidado com as palavras», sobretudo com aquelas cuja interpretação possa dividir, criar ilusões ou falsas ideias, principalmente a gerações lançadas para a vida sem nenhum contacto na sua formação intelectual com o território da Mãe-Pátria, como sucede com os jovens formados nas jovens Universidades de Angola e Moçambique.
Ninguém tem a vida na mão e ela não é eterna. Há que deixar, aos que vierem e cujas intenções podem não ser nem tão claras nem tão puras, todas as portas fechadas no trinco, para que não haja gazua que as abra; e há palavras, quanto a mim, que podem transformar-se em autênticas gazuas!
Realmente, «o que mais nos deve preocupar é o reforço dos laços de solidariedade existentes entre as várias parcelas da Nação e a multiplicação dos serviços nacionais que, fortalecendo a consciência da nossa unidade moral, melhor facultem o aproveitamento dos valores humanos e dos nossos escassos recursos materiais em todo o espaço económico português». Com a devida vénia aqui reproduzo o trecho final do notável parecer do Digno Procurador Antunes Varela, parecer que, com a maior humildade, inteiramente subscrevo.
Não pretendo dar conselhos nem formular avisos; nem ser ave agoirenta, nem acreditar em fantasmas! Tenho a certeza que não há intenções - nem podia haver por parte de quem tão limpidamente põe as suas ideias - de que possa vir a alterar-se, mercê de modificações introduzidas ou que se pretendem introduzir na Constituição, a unidade da Pátria portuguesa, tão combatida, tão vilipendiada, tão odiosamente renegada por alguns, poucos, dos seus próprios filhos.
Creio e continuarei a crer nos homens que têm sobre os seus ombros o pesado encargo de governar o País e de o conduzir à grandeza que todos nós desejamos dentro das suas actuais fronteiras e dos seus tradicionais princípios e estruturas.

O Sr. Ribeiro Veloso: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Eu nisto sou muito liberal. Às vezes não o são para comigo, mas eu tenho muito prazer que V. Ex.ª me interrompa.

O Sr. Ribeiro Veloso: - Tenho estado a ouvir V. Ex.ª com imenso prazer, aliás como sempre, aprecio e sei que as afirmações de V. Ex.ª têm tanto valor ou mais do que aquelas que eu possa fazer.
Concordaria inteiramente com o que V. Ex.ª diz se não tivesse começado por um princípio que não me parece perfeitamente feliz: o Sr. Deputado Casal-Ribeiro disse, não sei se por acaso, que tem dedicado a este assunto do ultramar, estudo de há longos meses. Parece-me que a deficiência vem daí, a nossa disparidade de opiniões, se é que ela existe de facto na essência, resulta exactamente de V. Ex.ª só estudar este assunto há longos meses, enquanto nós, os que vivemos no ultramar, o estudamos há longos anos.

O Sr. Barreto de Lara: - Sofremos há longos anos ...

O Orador: - Eu também sofri alguma coisa, Sr. Deputado.

O Sr. Barreto de Lara: - Nem um décimo do que sofri eu.

O Orador: - É possível.

O Sr. Barreto de Lara: - Em 1961, estava eu de armas à cabeceira e possivelmente V. Ex.ª não estaria.

O Orador: - É possível. Eu sofri na carne da minha carne.

O Sr. Barreto de Lara: - Eu sei, Sr. Deputado.

O Orador: - Então já vê, sofri muito mais que V. Ex.ª

O Sr. Barreto de Lara: - O grau de sofrimento é avaliado consoante cada um de nós próprios.

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O Orador: - Então porque é que V. Ex.ª diz que sofreu mais do que eu?

O Sr. Barreto de Lara: - Eu estou a dizer que sofri.

O Orador: - E eu também.

O Sr. Barreto de Lara: - Mas eu sofro há quatro gerações, como dizia ontem.

O Orador: - V. Ex.ª sofre há quatro gerações? Quer dizer, sofreu por antecipação.

O Sr. Barreto de Lara: - Exactamente, por antecipação.

O Orador: - Eu por antecipação não sofri.

O Sr. Barreto de Lara: - Vou herdando isso.
Até já fui considerado português de segunda linha, calcule V. Ex.ª, já foram fechadas as escolas militares P naval aos homens do ultramar.

O Orador: - E o Sr. Deputado não se considerou sempre português da primeira linha?

O Sr. Barreto de Lara: - Eu gostava de lhe responder, mas prefiro não o fazer.
Que sou portuguesão sou. Agora o resto deixá-lo-ei para outra oportunidade.

O Orador: - Aguardemos a oportunidade que o Sr. Deputado Barreto de Lara dê a sua opinião sobre se é português de 1.ª, 2.ª ou 3.ª linha.

O Sr. Barreto de Lara: - Com certeza, mas não é V. Ex.ª que me julga.

O Orador: - Eu? Nem sou juiz.

O Sr. Barreto de Lara: - V. Ex.ª tem julgado aqui o portuguesismo de muita gente segundo uma matriz muito particular que às vezes me tem impressionado embora me tenha calado.

O Orador: - Em todo o caso, sem o portuguesismo dos portugueses da metrópole, onde estaria V. Ex.ª e as suas quatro gerações?

O Sr. Barreto de Lara: - Onde? Eu lhe digo Sr. Deputado Casal-Ribeiro, estávamos ...

O Orador: - Pronto! Eu já não lhe dou mais a palavra, já não o deixo interromper mais, porque nesta altura já não sou liberal. As vezes não o têm sido para comigo, porque é que eu o hei-de ser.

O Sr. Barreto de Lara: - E o defeito de se variar consoante os ventos.

O Orador: - Ah! Eu é que ando ao sabor do vento? V. Ex.ª tem a coragem de me dizer que ando ao sabor do vento, sobretudo ao sabor do vento político. Olhe que esta tem graça.

O Sr. Barreto de Lara: - Eu refiro-me ...

O Orador: - Pronto. Sr. Deputado, acabou-se.

O Sr. Barreto de Lara: - Acabou-se o liberalismo.

O Orador: - Justamente, acabou-se o liberalismo. Já acabou há muito tempo felizmente e espero que não volte.
Sentiria até a maior mágoa e teria a maior decepção da minha vida política se as minhas palavras tivessem uma interpretação diferente daquilo que vem apenas do meu coração, da minha inteligência, da minha fé e da minha vontade de ser útil à terra que foi meu berço.
Não pensem, Srs. Deputados, que falo apenas sensibilizado pelo enorme e incurável traumatismo que sofri com a perda de um filho na defesa de ultramar. Eu amo de facto o ultramar e, como todos VV. Ex.ªs, eu amo a minha Pátria. Quero o seu bem e a sua grandeza, tal como VV. Ex.ªs o querem.
Nem os mais jovens ou liberais que no seu idealismo - e às vezes ingenuidade - são portadores de novas ideias, nem os mais tradicionalistas ou conservadores, acusados tantas vezes injustamente de imobilismo, que têm assento nesta Câmara, serão menos ou mais portugueses uns do que os outros.

O Sr. Sá Carneiro: - Muito bem!

O Sr. Barreto de Lara: - Muito bem!

O Orador: - Pensaremos, por vezes, de forma diferente, teremos ideais ou desejaremos trilhar caminhos nem sempre convergentes, mas a noção do dever é a mesma: honrar o nosso mandato, servir a nossa Pátria.
Comecei, e já lá vão quinze anos, a viajar, em trabalho, às vezes bem duro, pelo ultramar português. Ali desenvolvi algum esforço, no sentido de servir e de ampliar as actividades das empresas onde ganho o pão nosso de cada dia. Nunca tive porém interesses directos a defender; defendi simplesmente interesses gerais, legítimos e concordantes com o desenvolvimento das províncias que conheci e aprendi a amar.
Por isso sou um apaixonado da África portuguesa, parte integrante de uma nacionalidade que jamais se poderá amputar.
Um dia, em viagem de trabalho, deparei, em Quissala, em Angola, em pleno território bailundo, com um pequeno monumento - o antigo Forte Cabral Moncada - que tem o nome do meu avô materno, conselheiro Francisco Cabral Moncada, governador-geral daquela província de 1900 a 1904, quer dizer, aquando do levantamento que ficou na história como «Companha do Bailundo». Doente, já muito doente, acompanhou - com a rara noção do dever que possuía - as tropas que lutaram e venceram essa luta, imposta pela tribo então revoltada. Regressado à metrópole, no fim do seu mandato, morreu com quarenta e poucos anos, por razões ligadas à doença que em Angola contraíra e de que não se quisera curar, para estar sempre presente em momento crucial da história da província que lhe fora confiada.
Esse pequeno monumento e a medalha de ouro da rainha D. Amélia atestam a sua dedicação e a sua vontade de servir. É um exemplo que, naturalmente, guardo dentro do meu coração.
O outro exemplo, o mais doloroso e o mais triste, aquele que permanentemente me acompanha conhecem-no já VV. Ex.ªs
Tenho, portanto, em África algum esforço, muitos lagrimais, o meu próprio sangue e o exemplo de um venerado!
Talvez estes factos, não o nego, influam na minha intransigência e na minha emoção quando se fala do ultramar, da sua defesa e da necessidade, para continuidade da Pátria, de que ele esteja tal como o ambiciono: cada vez mais integrado na comunidade que constituímos

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e devemos manter, embora ressalvando realistamente arranjos adaptáveis à vida de hoje, mas apenas no que se refere à vida da Nação Portuguesa!
Sr. Presidente: Vejo que abusei, não do tempo regulamentar, mas da benevolência com que me escutaram. Fui mais longo do que queria, talvez do que devia, mas quis deixar bem expresso o meu pensamento no momento que o País atravessa; e não quis fugir à responsabilidade de o exprimir com palavras simples, mas profunda e desinteressadamente sentidas.
Repito que não pertenço a grupos nem facções, nem empunho qualquer estandarte revolucionário; nem tão-pouco estou obcecado por nada nem por ninguém, salvo pelo desejo de servir Portugal o melhor que posso e sei!
Assim, dando o meu acordo na generalidade à proposta do Governo e aos projectos n.º 6/X ,e 7/X, tal como estão indicados no parecer da Comissão eventual da Assembleia Nacional para a revisão da Constituição, ressalvo o meu voto, no que ao ultramar se refere, para quaisquer fórmulas ou redacções que mais se ajustem com aquilo que, no meu entender, melhor exprima os superiores interesses da Nação.
A vida para mim tem sido dura; para além do exemplo de bom português, coerente e desinteressado, honrando o seu nome e as suas ideias, pouco mais tenho para deixar aos filhos que me restam e aos filhos do meu filho mais velho.
Repito sempre que à política nada devo; não estou arrependido, porém, do tempo que lhe dediquei, nem sequer das amarguras que me tem causado; tão-pouco receio os dissabores que ela possa ainda vir a provocar-me.
Desejei apenas, ao fazer esta intervenção, como português e como Deputado, cumprir mais uma vez o meu dever, com os olhos postos na eternidade da Pátria, em cujos destinos creio inabalàvelmente.

Vozes: - Muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. José da Silva: - Sr. Presidente: Parte das considerações que pensava expor sobre a oportunidade política da revisão constitucional já as ouvi a outros distintos colegas. Mas como estamos em declarações de voto, ninguém poderá estranhar as coincidências ou repetições.
A concepção do homem e da sociedade que orienta as minhas opções é a que está na base da encíclica Pacem in Terris e que vivifica o catolicismo moderno na sua indispensável dimensão social. Sem querer ofender ninguém, e muito menos os que comungam nas mesmas crenças, tenho de declarar que não descubro fora da democracia de tipo ocidental nenhum regime moderno que garanta suficientemente a dimensão política da pessoa humana nos seus direitos e deveres fundamentais.
Já aqui foi salientado, e acertadamente, que a Constituição de 1933, ao estabelecer os órgãos do Poder Político e regular o seu funcionamento, consagrava soluções de normalidade democrática. Sabendo-se, porém, que ela presidiu a um regime que expressamente repudiava a democracia política, logo nos ocorre pensar que não foi nela, mas em leis espaciais, que esse regime se consolidou. E foi mesmo assim, como facilmente se poderia demonstrar.
Com o decorrer dos anos tornou-se tão natural a contradição entre o Regime e a Constituição que os mais fervorosos adeptos daquele não se cansaram de propor que se acabasse com o sistema ide eleição que dava origem aos dois principais órgãos da soberania: o Chefe do Estado e a Assembleia Nacional. E alguns deles, intervindo em campanhas eleitorais como candidatos a Deputados, punham de parte quaisquer preocupações de coerência e não se coibiam de atacar nas suas bases, como inexpressivo da vontade nacional e como sujeito a fáceis demagogias, o tipo de sufrágio a que se submetiam. É certo que depois, confortados nas largas maiorias alcançadas, celebravam a vitória com homenagens ao bom senso e à maturidade política do povo português.
O regime do chamado «Estado Novo» não foi um regime constitucional, mas um regime pessoal, emanado da forte e inconfundível personalidade do Presidente Salazar, que pôde ser o que foi porque a Nação também era o que era. Entretanto, foram-se modificando profundamente as condições sócio-económicas do conjunto nacional. Pensando certamente nelas e no seu próprio afastamento da cena política, já o Doutor Salazar agudamente previa, em 1965, a eventual necessidade de uma revisão:
Seja qual for a evolução dos acontecimentos - afirmou ele - , não pode haver dúvida de que é nos sete anos a seguir que, por imperativos naturais ou políticos, se não pode fugir a opções delicadas e, embora não forçosamente a revisões, à reflexão ponderada do Regime em vigor.
Tenho plena consciência de que entramos na fase das opções delicadas, de que se impõe agora, com plena atenção aos sinais dos tempos, com serenidade e franqueza, a reflexão ponderada do Regime em vigor.
Deve a Nação ao venerando Chefe do Estado a escolha do Prof. Marcello Caetano para a difícil sucessão de Salazar. Através de manifestações inequívocas vindas de sectores da maioria normalmente silenciosa, a Nação sancionou essa escolha.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Apesar das dificuldades surgidas e dos sacrifícios pedidos, apesar das reticências que surgem aqui ou ali, estou certo de que o Presidente do Conselho dispõe ainda do mesmo crédito e do mesmo apoio. Mas também me parece evidente que as novas condições da sociedade portuguesa tornam impossível um segundo Salazar - o que para mim significa que o Regime tem de passar a ser o que decorrer da Constituição.
À luz das considerações que acabei de explanar, parece-me que a revisão constitucional não pode deixar de incidir na restauração das grandes directrizes originais e na instauração ide uma fiscalização efectiva da constitucionalidade das leis. Por razões ideológicas apoiarei, portanto, a generalidade das disposições, quer da proposta, quer dos projectos que concorram para uma melhor definição das garantias dos cidadãos e para uma abertura à democratização progressiva das nossas instituições.
Neste último aspecto, considero fundamental o regresso à fórmula do sufrágio directo para a eleição do Chefe do Estado. Que haja fora desta Assembleia quem não simpatize com b processo e até o considere abominável ainda o compreendo, porque sei que há quem só reconhece às elites o instinto de interpretar validamente a vontade da Nação. Que haja dessas pessoas entre os Srs. Deputados custa-me muito mãos a compreendê-lo, porque me habituei a considerar ia nossa presença aqui como um voto de confiança no sistema do sufrágio directo.
Foi para acabar com a possibilidade do chamado golpe de Estado constitucional que se alterou nesse ponto a Constituição de 1959. Retirou-se, dessa forma, à Nação a possibilidade de escolher um Chefe de Estado que não fosse

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o candidato do Governo. A alteração não tinha sido reclamada- pela Nação e- fora anunciada quando esta acabava de «manifestar acentuado interesse pela participação na eleição do Chefe do Estado. Voltemos, pois, ao sufrágio directo, porque o processo actual, além do pecado original que o vicia, não oferece quaisquer garantias de autenticidade nacional.
O sufrágio indirecto pode ser válido, mas nunca pela forma como o colégio eleitoral se constitui entre nós.
Se até este momento concedi às razões ideológicas o favor da prioridade, não considero menos importantes as realidades sociais em que actualmente vivem os destinatários das normas que pretendemos alterar.
Já aqui foi posto em evidência que a sociedade portuguesa de 1933, mesmo no espaço da metrópole, era fundamentalmente conservadora. Sem qualquer expressão industrial de relevo, voltada predominantemente para a agricultura, ancorada no analfabetismo e no tradicionalismo cristão, isolada dos granidas meios de comunicação social, não podia deixar de o ser.
O quadro está agora em vias de se alterar por completo. O despovoamento das zonas rurais, a concentração da população em áreas urbanas, a queda vertical do analfabetismo, a elevação da escolaridade mínima obrigatória, o acesso de grandes massas ao ensino secundário, o contacto do público com os grandes meios de comunicação social - tudo indica que a nossa sociedade é já, em grande parte, outra.
A estas novas condições vem juntar-se a interferência, caída vez mais actuante, do catolicismo pós-conciliar.
Depois de ter constituído um instrumento de estabilidade política, prometendo o Céu a todos e pregando aos pobres a resignação, entra agora a pregar a dignidade da pessoa humana, os direitos fundamentais, a participação social, tornando-se uma região incómoda para os regimes pronunciadamente autoritários.
Na própria distribuição das forças políticas assiste-se a uma deslocação para oposição, embora não declarada, de certas minorias que antes apoiavam calorosamente o regime estabelecido. Não creio que o fenómeno deva ser encarado com surpresa, ou mesmo com apreensão, nem me parece que, em consequência, o Governo encontre menos apoio.
Entretanto, a partir de 1961, os grandes territórios do ultramar, primeiro Angola e, depois, Moçambique e Guiné, viram-se parcialmente assolados pela subversão baseada na táctica da guerrilha. A defesa do ultramar, pelos valores em jogo, pelos meios que mobiliza, pelos sacrifícios que implica e pela projecção que tem no futuro da Nação, converteu-se, a partir de então, no problema fundamental e condicionante da política portuguesa. A tal ponto que, em 1969, o Governo achou bem aproveitar as eleições de Outubro para, em certa forma, a plebiscitar, com o fim de que, cá dentro e lá fora, se ficasse a saber se a política do Governo era também política da Nação. Todos conhecemos o resultado.
É a concepção que inicialmente invoquei e são os factos que acabo de apontar que me fornecem as coordenadas em que procuro situar a revisão constitucional. Já indiquei em que direcção me impele a invocada concepção. Mas não estarão os factos a apontar a direcção oposta? Não faltam os que, perante a contestação, a subversão ou o terrorismo, logo acodem com a ideia de que se não pode desarmar o Estado. Esquecem-se de que a restauração de certas liberdades também reforça o Poder, na medida em que lhe aumenta a base de apoio e a força moral. E tão fácil hoje perturbar a vida pública que não vejo como poderá um governo acautelar eficientemente a ordem se não dispuser de amplo apoio nacional. Não se trata, portanto, de desarmar o Estado, mas de armá-lo por forma que se julga mais eficaz, mais de acordo com as condições da nossa sociedade.
Sr. Presidente: Deixei propositadamente para segundo lugar a apreciação da proposta do Governo na parte que reputo mais importante e mais corajosa - aquela em que se definem as grandes linhas da política a seguir no ultramar na direcção de uma autonomia progressiva das províncias ultramarinas.
O problema do ultramar é tão sério e tão grave, e compromete tão profundamente a Nação, que não há o direito de o tratar em termos que possam deixar lugar a equívocos. Sendo, embora, um problema de ontem e de hoje, logo se articula com- o futuro dos respectivos territórios e com o futuro da metrópole. Porque o ultramar é objecto de ataqueis armados, organizados por movimentos emancipalistas, parece que todos os seus problemas e os respectivas soluções se devem subordinar à ideia da sua defesa e que esta só pode ser eficaz e coerente se repelir qualquer transigência ou coincidência com objectivos anunciados pelos adversários de Portugal.
Não há dúvida de que o problema básico da (política ultramarina é o da defesa, mas a justificação dessa política tem de formar um todo com ela. Uma justificação meramente idealista, que se alheie da fatalidade geográfica, das realidades de hoje e das inevitáveis realidades de amanhã, por mais patriótica e generosa que seja, não serve necessariamente os interesses da Nação.
Creio que todos estamos de acordo em reconhecer que as colónias europeias na África Negra se constituíram fundamentalmente no século XIX, em função dos interesses e da competição das grandes potências. As suas fronteiras, traçadas muitas vezes por quem desconhecia totalmente as regiões, demarcaram territórios que normalmente não constituíam nem unidades étnicas nem verdadeiras unidades regionais.
A conversão desses territórios em Estados em consequência da chamada descolonização criou na África Negra a geografia política1 mais artificial do Munido, porque, além de os novos Estados não terem sido precedidos pela formação de nações, as suas fronteiras, filhas do acaso colonial, separaram quase sempre os povos da mesma etnia. Para ajustar a geografia política africana à realidade física e humana do continente seria necessário refazê-la totalmente de novo. Mais não é esse o caminho que os dirigentes africanos pretendem seguir. E quando, como no caso do Biafra, surgem movimentos muito afins a uma reacção de base nacional, ninguém se interessou por proteger o que trazia marcas de autenticidade africana. O Biafra teve de sucumbir perante o Estado artificial reconhecido e protegido.
Embora a origem das colónias portuguesas seja um pouco diferente, por se reconduzir à descoberta e não assentar na força ou influência de uma grande potência, a verdade é que também a Guiné, Angola e Moçambique estão longe de ser conjuntos verdadeiramente naturais. Com a difusão do português como língua comum que lhes sirva de instrumento de comunicação e cultura, ir-se-ão transformando em povo, dentro do respeito das diferenças regionais, as diversas etnias de cada um dos três grandes territórios. Como já o acentuou o Sr. Presidente do Conselho, «compreende-se que se prossiga, sem desfalecimentos, numa política de assimilação espiritual, de modo que metrópole e ultramar constituam uma unidade cada vez mais homogénea».
Na África Negra, de resto, por inviabilidade das línguas autóctones, sem cultores e sem tradições culturais, torna-se

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indispensável o recurso a uma língua exógena: o inglês, francês ou português. Para Angola, Moçambique e Guiné a opção que está de acordo com o interesse dos povos (e que os próprios movimentos emancipalistas parecem não combater) é a que já está lançada: a do português. Está aqui um ponto de convergência de interesses que julgo dever ser acentuado. Se ganharmos a batalha da língua, em que parece que ninguém nos combate, qualquer que venha a ser o futuro político das províncias ultramarinas, creio que ficarão assegurados a longo prazo os mais profundos e legítimos interesses de Portugal.
Neste momento não posso deixar de evocar a espantosa criação histórica que Portugal realizou no Brasil. Verdadeira projecção da metrópole e verdadeira garantia da perenidade de Portugal, o Brasil é um gigante tão bem conformado na unidade do espírito português que será cada vez maior e cada vez mais uno. Como resultado da acção de Portugal no Mundo, julgo que o Brasil, só por si, constitui razão suficiente para que os portugueses nunca venham a sofrer de complexos de inferioridade nacional.
Quando penso nos que morreram definitivamente para o formar e para o defender, quando não passava de uma colónia, tenho de concluir que não morreram em vão, que ficou bem justificado o seu irreversível sacrifício.
Por estas razões aprovo também calorosamente a proposta de revisão na parte em que se projecta estender aos Brasileiros os direitos da cidadania portuguesa. As relações entre Portugueses e Brasileiros constituem a melhor prova de que a Nação Portuguesa não se perde necessariamente nas contingências históricas das independências políticas.
Com esta chamada do Brasil quis deixar bem claro que é no plano da cultura ou, se quiserem, do espírito, e não no da política e da economia, que situo, a longo prazo, os interesses de Portugal no ultramar.
Mas isto não significa que neste momento não apoie a política de defesa das províncias ultramarinas.
Já aqui declarei a minha adesão aos princípios da democracia política, que se me apresenta como o único regime em que a dignidade do cidadão se pode afirmar e realizar em liberdade e responsabilidade. Reconheço, porém, que há muitas pessoas que, associando estreitamente democracia e autodeterminação e aceitando a guerrilha como manifestação de movimentos nacionalistas, consideram a política seguida como incompatível com os ideais democráticos. Algumas classes, sabendo que me não furto ao diálogo, chegam a dizer-me: Há-de-nos explicar como é que concilia a democracia com a defesa do ultramar. Outros há que, por razões análogas, declaram não saber conciliar o cristianismo autêntico, que querem viver e aplicar, com uma política que, vigorosamente iniciada por um regime ditatorial, teimaria em ignorar os sinais dos tempos ou dos ventos da história. Não faltam pessoas bem-intencionadas, inquietas, generosas, sem ambições políticas, entre os que apresentam tais objecções.
Tenho reflectido muito nisto. E parece-me que o que essas pessoas, no fundo, põem em causa não é pròpriamente a política seguida, mas a justificação integracionista que dela insistentemente se tem feito. Justificar a defesa do ultramar como exercício de um direito histórico, como corolário de uma autodeterminação já decidida há muito, como simples consequência da qualificação constitucional dos territórios ou como implicação necessária e indiscutível, decorrente do conceito de Nação, não pode deixar de conduzir a certas desorientações, de restringir o sentido da defesa e de gerar desnecessárias contradições entre essa política e os valores do cristianismo e da democracia.
Ao exprimir-me assim, está fora das minhas intenções repelir o ideal de Nação multirracial e pluricontinental que muitos patriòticamente põem na base das suas atitudes O que pretendo é simplesmente acentuar que a repetida afirmação dessa linha de pensamento se torna responsável pela ilusão de que só dentro desses pressupostos é que a defesa do ultramar teria sentido.
Sr. Presidente: Quando em 1961 se abateu sobre Angola a onda terrorista, encontrei-me entre os que, pouco informados sobre as realidades da África Negra, começaram por acreditar que o movimento se integraria numa consciência nacional aspirando à independência. Pensava então que em Angola se iria repetir o drama da Argélia e que Portugal depressa se veria ultrapassado pelos acontecimentos.

O Sr. Pinho Brandão: - Muito bem!

O Orador: - É com satisfação que reconheço ter-me enganado. Quem visitar os grandes territórios do ultramar fica com a certeza de que, apesar das repetidas resoluções da O. N. U., apesar da acção e propaganda dos adversários, só uma pequena minoria das populações pôde ser mobilizada para a luta pela independência política. Se tal objectivo fosse vivido pela generalidade das populações, como em muitos países se acredita que seja, a política seguida já tinha fracassado há muito.
Quem friamente considerar a pequenez e limitados recursos da metrópole, a grandeza e dispersão dos territórios ultramarinos, o volume das populações autóctones, as distâncias, as dificuldades das comunicações e da vigilância, as carências de toda a ordem, tem de aceitar que, por enquanto, a razão está do nosso lado e que não pode ser verdade o que tão insistentemente se propala.
O que eu contesto aos movimentos que dirigem as guerrilhas é que sejam representativos das populações. Bem longe de as representarem, estão a actuar contra os seus interesses. Essas populações, vivendo no horizonte definido peias comunidades tribais, não sentem ainda (e pode-me não chegar a sentir) a necessidade d

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Creio que nas condições actuais qualquer verdadeiro democrata deveria reconhecer que seria contra o interesse real das populações uma independência política, quer na fórmula rodesiana, quer na da entrega à «maioria negra».

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - O que se impõe, portanto, é prosseguir na defesa, entendida esta, porém, como um dever histórico de Portugal paira com as populações que há séculos acolhe sob a sua bandeará.
Dada a natureza da luta que nos é imposta e do perigo de a guerrilha progredir no aliciamento dais populações, a defesa não pode descurar a promoção social.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - O que neste domínio se tem feito nos últimos anos, sobretudo no sector do ensino, honra as nossas autoridades.

Vozes: - Muito bem!

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O Orador: - Parece-me, mo entanto, urgente promover o acesso de muitos negros ao ensino de eivei universitário, porque é chocante a falta de elites entre ai população de cor.
À promoção das populações implicará cada vez maior autonomia política para as diversas regiões. Disso não duvido. A este propósito quero lembrar que, aquando da visita que em Novembro passado fiz à Alemanha Federai, a convite do respectivo Governo, por mãos de uma vez me perguntaram deputados desse país se, em minha opinião, a promoção social em que o nosso Governo se empenha no ultramar favorecerá ou não a actual solução política. Respondi-lhes que não faltam brancos nas províncias ultramarinas, que vêem na promoção em icurso, sobretudo no domínio da instrução, um processo de criar os verdadeiros «terroristas» de amanhã, mas que o Governo, embora consciente do alcance possível da política seguida, não deixava, por cálculo, de cumprir os seus deveres !para com as populações; e que o actual Presidente do Conselho já tinha substituído a fórmula da integração pela da «autonomia progressiva».
Não queria com o que vou dizer chocar ninguém, mas em política também, por vezes, se devem pôr hipóteses. Chego a admitir que entre os povos menos evoluídos se venha a desvalorizar a ideia da independência política, já posta em crise entre os povos evoluídos. Mas, se vier um dia a acontecer que a fatalidade geográfica das distâncias e das grandezas dê origem a novos «Brasis», não devemos considerar isso um resultado trágico. Se tal resultasse de uma verdadeira autodeterminação (o que nas condições actuais está afastado) deveria merecer-nos todo o respeito.
E dentro destas perspectivas que considero extremamente oportunas as alterações propostas para os preceitos relativos ao ultramar. A via da autonomia parece-me a que maior coesão pode trazer ao todo nacional. Nesse aspecto julgo também feliz a previsão da possibilidade de as províncias ultramarinas virem a ser designadas por «estados». Longe de representar um enfraquecimento da unidade nacional ou uma transigência perante o adversário, essa qualificação traduz todo o empenho que a metrópole põe no desenvolvimento dos grandes espaços ultramarinos. Se alguma coisa pode macular o texto proposto é a expressão «qualificação honorífica» que, depois da referência à tradição nacional, fica a traduzir uma hesitação injustificada.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Por tudo o que expus aprovo na generalidade tanto a proposta como os projectos. O reforço das garantias individuais, o reforço da competência da Assembleia Nacional, a extensão da cidadania portuguesa, aos brasileiros, o regresso ao sufrágio directo como processo de eleição do Chefe do Estado, a promoção do ultramar pela via da autonomia parecem-me direcções válidas, perfeitamente ajustadas aos interesses nacionais.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Santos Almeida: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Hesitei em subir a esta tribuna. Posição realmente bem mais cómoda poderia assumir se me limitasse a, através do voto e de pequenas intervenções ocasionais eespecíficas, aquando da discussão na especialidade, dar a conhecer os meus pontos de vista acerca dos vários aspectos da revisão da Constituição, fugindo a uma intervenção na generalidade que o meu espírito prático e avesso a discursos, quase me levou a evitar.
Receei, no entanto, que, no calor das discussões que se irão seguir, me fosse difícil expor com toda a clareza tais pontos de vista, e deixar, portanto, bem expressos os porquês da posição que assumirei. E isso eu nunca me perdoaria.
Consciente como estou da responsabilidade que me cabe, que cabe a todos nós, eu começo por exigir a mim próprio uma tomada de posição absolutamente aberta e firme, assente em ideias e princípios conscientemente formados, fruto da muita ponderação e reflexão que merece assunto de tão vital importância para o futuro da Nação Portuguesa, e, enquadrada nela, da minha querida província de Moçambique.
E esta é, sem dúvida, a ocasião apropriada para expor a VV. Ex.ªs o resultado de tais reflexões, na base do qual estará, evidentemente, a atitude que vou assumir ao votar cada um dos pontos da reforma, além do mais na esperança de que o conhecimento dos pontos de vista dos Deputados do ultramar possa vir a ter certa influência na atitude final a assumir por alguns de VV. Ex.ªs
Um ligeiro parêntesis, no entanto, para afirmar que não deixarei de estar atento às discussões que se seguirem, e que admito a possibilidade de, através delas, qualquer novo elemento surgir, susceptível de fazer com que eu próprio altere aqui ou ali a minha actual maneira de ver. Progressivo como pretendo ser, não admito a mim próprio ideias imutáveis, fechadas a discussões, que teimosamente neguem a possibilidade de novas luzes, novos conceitos, as poderem corrigir ou mesmo modificar.
Tenho, no entanto, prestado tanta atenção à argumentação que tem sido prodigamente produzida, e que nalguns casos contribui efectivamente para modelar a minha-opinião, que me parece difícil venha esta a sofrer alterações profundas.
Sr. Presidente e Srs. Depurados: A necessidade e a legitimidade da revisão da Constituição que nos rege foi já suficientemente demonstrada.
E tarefa de responsabilidade que nos cabe enfrentar.
A facilitar tal tarefa, a servir de base aos trabalhos desta Câmara, temos, felizmente, não só a proposta do Governo e os dois projectos apresentados por vários Deputados, como ainda o trabalho exaustivo elaborado pela comissão eventual, que analisou os três documentos básicos e ainda o parecer da Câmara Corporativa.
Como português de Moçambique, lá radicado há quase vinte anos, permitam-me VV. Ex.ªs que comece as minhas considerações pelo sector ultramar.
Face à quase inexistência de correntes de opinião diferentes relativamente a este sector, no que toca aos membros desta Câmara digo «quase inexistência» porquanto notei quão fraca foi, felizmente, a receptividade a pessimismos extremistas que se revelaram, limitar-me-ia a manifestar a minha satisfação por ver que se pretende decididamente enveredar por uma política de descentralização efectiva, baseada na compreensão de que os problemas locais só localmente podem ser convenientemente estudados e resolvidos - quando não transcendem, como é evidente, a capacidade do território onde surgem -, se não fosse o facto de estar o ultramar na base da minha tomada de posição relativamente a aspectos importantes da reforma, precisamente àqueles que maior celeuma têm originado, e que maior significado poderão vir a ter na vida da Nação Portuguesa. Refiro-me às divergências mais significativas entre a proposta do Governo e o projecto n.º 6/X, que quer-me parecer serem as que se situam no campo do estabelecimento das liberdades individuais

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de natureza política, da forma ide eleição do Chefe do Estado e dos poderes consignados ia Assembleia Nacional.
Sou, portanto, forçado a deter-me um pouco sobre o problema ultramar.
Não perderei muito tempo em aplausos. Já no início desta legislatura, na minha primeira intervenção, expus o meu pensamento acerca do grau da autonomia que considero indispensável venha a ser concedido aos Governos das províncias, congratulando-me então com a orientação que havia sido definida pelo Sr. Presidente do Conselho, precisamente na minha cidade - Lourenço Marques.
As alterações que surgem na proposta do Governo, e que parece merecerem o apoio da grande maioria dos membros desta Assembleia, não representam mais do que um passo importante e imprescindível no seguimento da política então anunciada. Com elas me congratulo, embora o meu entusiasmo não vá ao ponto de deixar de compreender que o realmente importante será a aplicação prática daquilo que a Constituição facultará, que de resto já praticamente facultada, note-se. Quanto a mim, o principal grande mérito das alterações propostas reside no que elas demonstram de decisão no sentido de se verificarem alterações de facto. Importante será agora a revisão da Lei Orgânica do Ultramar e dos Estados Político-Administrativos das Províncias Ultramarinas, e mais importante ainda será o espírito e a mentalidade dos homens a quem competirá a aplicação de tais leis.
A encerrar portanto este assunto, até à discussão das referidas leis - ocasião que considero a realmente oportuna para serem aprofundadas muitas das questões que têm agora sido levantadas - apenas quero registar que não comungo, nem comungamos nós em Moçambique, dos receios de alguns que parece temerem que a crescente autonomia a conceder às províncias possa conduzir, mesmo num futuro afastado, a uma desintegração do todo nacional. Na realidade, quer-me até parecer que nunca estivemos nós num caminho que tão firmemente conduza a uma integração perfeita, integração de facto, resultante da vontade e interesse de todos, não imposta. É certo que a fonte de tais receios nem sempre se situa nas províncias. Perigosamente admite-se até, por vezes, que seria a própria metrópole a, deliberadamente, conduzir as províncias a esse afastamento.
Não acreditamos em tal nem por um momento e apraz-nos verificar que a própria Constituição, noutros pontos, reforçará ainda mais a unidade que todos desejamos e de que todos necessitamos, se queremos sobreviver.
Não quis deixar de focar este assunto por considerar indispensável deixar bem vincado que é conscientemente convicto que tais perigos não existem, que dou a minha completa adesão à proposta do Governo, neste capítulo. E quero esclarecer ainda que esta convicção não ignora de modo nenhum a argumentação dada em defesa de pessimismos e receios. Digamos que ela resiste a todos esses argumentos. Pesa-os, pondera-os com o respeito e cuidado que me merecem todas as opiniões, e sai incólume.
Saibamos nós todos não nos desviar do caminho sabiamente iniciado, e a unidade nacional não sofrerá qualquer abalo.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Não posso deixar de, muito sinceramente, render as minhas homenagens àqueles que, corajosa e abertamente, defendem os princípios básicos do projecto n.º 6/X. Congratulo-me com a sua apresentação e felicito os seus autores, de cuja honestidade de convicções não tenho qualquer dúvida. Não reconhecer os princípios de justiça social em que assentam séria negar a minha própria condição de homem, que pretendo ser livre, tão livre quanto lhe poderá ser consentido o necessário enquadramento numa sociedade em que, forçosamente, a liberdade de uns tem de condicionar a liberdade dos outros.
Sem entrar profundamente em tão vasta matéria, aliás já tão exaustivamente tratada, e já que o meu propósito se limita a, claramente, definir a minha própria posição, direi apenas que bem gostaria de ver finalmente aplicado ao nosso país tais princípios de liberdade individual, fazendo os Portugueses sair do tão longo período de quase completo afastamento das coisas políticas em que tem sido forçado a viver, desde que não incondicional defensor do Regime estabelecido.
Mas acontece que, como português do ultramar, sinto mais do que ninguém esta verdade amarga que não pode deixar de pesar fortemente no meu raciocínio: estamos em guerra. Uma guerra que é, ela própria, a negação dos princípios de liberdade que gostaria de defender. Uma guerra que representa para nós todos gravíssimos perigos e que coloca os portugueses do ultramar: numa permanente expectativa, num permanente estado de receio acerca do porvir. Uma guerra que, bem o sabemos, só poderá ser dominada e vencida, no campo das armas como no económico, se se mantiver absolutamente inalterada a nossa política integracionista, que desejamos ver progressiva, mas sempre integracionista.
Olhamos, pois, com extrema atenção o desenrolar dos acontecimentos, e na atitude do nosso Governo reconhecemos o firme e decidido propósito de manter o ultramar português, de finalmente promover o seu desenvolvimento no ritmo acelerado que se impõe, levando-o assim a ocupar o lugar de relevo que merece no conjunto nacional, seja qual for o grau de progressivismo a que logicamente se terá de obedecer.
Não podemos, portanto, deixar de sentir ser nosso dever no ultramar, antes de. mais, apoiar, do modo mais firme, quem aios oferece tais garantias, ajudando a torná-lo cada vez mais forte, e bem Compreendemos que seria trair os nossos próprios interesses (quem neles não pensa?), o tomar de qualquer atitude que fizesse perigar a sua estabilidade ou que originasse o surgimento de dificuldades ao sereno desenrolar da política que apoiamos.
Conhecemos, infelizmente, a maneira de pensar de muitos (portugueses, relativamente ao problema ultramarino. A campanha eleitoral que precedeu a vinda de todos nós a esta Casa, foi suficientemente esclarecedora. Revelou fontes correntes de pensamento que nos não atrevemos a querer fortificadas e perigosamente expandidas. Causaram tais correntes graves apreensões no ultramar e não tenho dúvidas em afirmar que estiveram elas na base do fortíssimo apoio à política de Marcelo Caetano que o povo das províncias patenteou através da votação maciça verificada.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Não se votaram pessoas, candidatos, como é evidente. Votou-se, isso sim, apoio a uma política da qual os portugueses do ultramar se não pretendem desviar, seja qual for o grau de apoio que noutros campos da política interna, cada um tenha dispensado ou dispense ao actual regime.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Ora, qualquer atitude da minha parte, manifestada através de um voto de oposição à proposta do Governo nos pontos básicos que podem bulir com a forte autoridade de que tem de estar investido, e ainda

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que a minha própria concepção acerca do crucial problema da fixação dos limites das liberdades individuais da natureza política me levasse a desprezar as realidades para enveredar cegamente pelo campo ideológico, seria necessariamente um gesto contrário aos desejos manifestados pelo eleitorado que me elegeu representante nesta Câmara, e que, em grito tão altissonante, se declarou favorável à política de Marcelo Caetano, manifestando, simultâneamente, o seu veemente repúdio pelos perigosos conceitos que o alarmaram e cuja aplicação inexoravelmente nos conduziria a todos, repito, a todos, ao caos. A nossa sobrevivência no ultramar pode estar em jogo, e com ela a estabilidade económica e o progresso social de toda a Nação. Deixarmo-nos seduzir por certas doutrinas, mesmo teoricamente certas, seria perigosíssimo para todos os portugueses no momento presente. Considero acertada e indispensável a prudência com que se caminha no sentido de se alargarem as liberdades- no âmbito da política. Argumentar-se-á que uma constituição tem de ter em vista o futuro, que não pode ser feita, ou simplesmente revista, apenas em função de determinada situação presente ou de determinado Governo ocasionalmente no poder no acto da sua feitura, mas antes tem de justamente prever as mutações que possam surgir e, logicamente, vão surgindo. Mas não se alega também, justamente em defesa da revisão constitucional, a necessidade de a adaptar aos condicionalismos do momento presente? Pois digamos que é justamente em atenção a tais condicionalismos que o meu voto vai, exceptuando evidentemente num ou noutro ponto de menos vital importância, para a proposta do Governo. Mágoa, profunda mágoa, sinto eu por enfrentarmos no ultramar a situação de desassossego, que deve levar os portugueses de cá e lá a considerar perigoso o momento para profundas aberturas no aspecto da liberdade política. Estas poderiam agora redundar numa crescente actividade contra a nossa política ultramarina, actividade, aliás, que já se não circunscreve à simples propagação de ideias, mas vai até à prática de condenáveis actos de terroristas que só diminuem a nossa capacidade de resistência.
Bem gostaríamos que tal situação não existisse. De resto, estou em crer que, na base da própria proposta do Governo, está justamente a situação peculiar do momento presente. Pois que poderia ter levado o Prof. Marcelo Caetano a alterar a sua maneira de pensar relativamente à forma de eleição do Chefe do Estado?
E afirmo que considero o povo português plenamente representado no sistema orgânico actual, pelo facto de votar pela manutenção de tal sistema? Evidentemente que não considero, sobretudo tendo em vista a forte representatividade no colégio eleitoral de elementos de nomeação governamental, o que, necessariamente, lhe tira o carácter universal que devia ter.
Mas eu sou do ultramar e como tal vivo os seus problemas tão de perto e tão intensamente que a sua defesa tem de constituir o primeiro objectivo da minha actuação nesta Câmara. Que a consciência desses mesmos problemas, e da sua incidência no conjunto nacional, me não permite que contribua para o alargamento dos já grandes perigos existentes. Tal seria servir mal Moçambique, seria servir mal o País.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Com a maior brevidade e clareza que me foi possível, expus a minha maneira de pensar e justifiquei a minha actuação. Estou perfeitamente consciente de ter seguido o caminho menos cómodo, e não me foi fácil concluir por esta conduta, mas a consciência de seguir o caminho recto, alheio a comodidades fáceis é por si só suficiente recompensa. De resto,
sinto-me perfeitamente acompanhado, já que com prazer verifiquei estarem muitos de VV. Ex.ªs possuídos de ideias coincidentes com as minhas.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: A análise à proposta e projectos não se circunscreve, evidentemente, aos pontos que foquei. Sinto no entanto que, quanto aos restantes, e apesar do indiscutível grande interesse de alguns, nos quais incluo o projecto n.º 7/X, limitar-me-ei, aquando da discussão da especialidade, a lar o meu modesto contributo, evitando agora roubar o precioso tempo da Câmara. Dou, portanto, o meu voto favorável aos três documentos, repetindo que os considero todos meritórios. Deram eles lugar a uma discussão útil justamente no lugar próprio, emprestando vitalidade a esta Câmara. Qualquer deles tem, aliás, variadíssimos pontos que merecem a minha aprovação.

Vozes: - Muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Sá Carneiro: - Sr. Presidente: O poder que fomos chamados a exercer é um poder constituinte, quase independente do executivo, e próximo do verdadeiramente soberano, no qual radica.
Incumbe-mos preservá-lo e mante-lo liberto da expansão do executivo que a nova sociedade em toda a parte justifica, mias que nem por isso é em si menos avassaladora.
Pertence-nos exercê-lo como quase soberano que é, liberto das conveniências sempre invocadas para limitar a acção de outrem; prestando atenção as opiniões dos outros órgãos de soberania e da Câmara Corporativa, sua auxiliar, mas assumindo a responsabilidade de pensar e tomar decisões que tem de ser só nossas; guiando-nos apenas pelas conveniências presentes e futuras de todos as portugueses, e não apenas dos que nos elegeram; sabendo libertar-nos de todas os pruridos e preconceitos pessoais, já que não estamos a legislar parca individualidades, por mais respeitáveis que sejam, nem para situações, por mais atendíveis que possam ser, imas som para os cidadãos de agora e do futuro, cujo bem nos pertence assegurar através das normas constitucionais.
Exposto o conteúdo do poder exercendo, analisado o contexto em que se insere, já os articulados em discussão estão em boa parte justificados na generalidade das suas normas.
Isso não dispensa, no entanto, a sua analise específica, feita a partir daquele que, como seu signatário, me cabe especialmente justificar na orientação do artigo 37.º do Regimento: conveniência e oportunidade das novas disposições, plano geral do projecto.
Nos seus temas gerais há coincidência entre a proposta e o projecto n.º 6/X quanto à maior parte dos assuntos; assim pelo que se refere aos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, ao alargamento da competência da Assembleia Nacional, às garantias da constitucionalidade das leis.
Como se lê no início do n.º 4 do relatório da proposta, domínio onde ela sugere importantes inovações é o dos direitos individuais.
Nessas inovações importantes vai o projecto mais longe o mais largo, numa linha de correspondência com as necessidades que nesse campo se fazem instantemente sentir.
Já veremos a diferença de grau entre os articulados propostos: de momento salienta-se apenas a coincidência de campos em que a urgente necessidade pública da revisão se faz sentir.

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Funcionamento da Assembleia, distribuição de competências entre ela e o Governo, alargamento das matérias reservadas àquela, são pontos comuns às duas iniciativas em análise, que também, aqui reflectem ainda as garantias dos cidadãos.
Para além de algumas disposições avulsas, dificilmente integráveis nas linhas fundamentais do plano de cada um dos articulados, avultam duas grandes diferenças entre eles, não por oposição, mas por omissão: no projecto não se versa a ordem constitucional do ultramar; e na proposta nada se contém quanto ao modo de eleição do Chefe do Estado.
O Presidente do Conselho deu a razão desta omissão ao apresentar aqui a proposta no dia 2 de Dezembro: ao Governo não pareceu oportuno e conveniente pôr esse problema.
Fica-lhe salva a opinião quanto ao modo de eleição, já que apenas quanto ao tempo o Governo a não trouxe à discussão, em si mesma reconhecida como admissível nestes termos: «será discutível a forma de eleição do Chefe do Estado».
É evidente que a inclusão dessa matéria no projecto revela que os seus signatários tomam posição diferente: consideram que a alteração da forma de eleição deve ser desde já resolvida, sem necessidade, portanto, de aguardar a lição da experiência.
Veremos porquê.
Se esta divergência é clara, o mesmo não acontece com a referente ao regime constitucional do ultramar.
A sua omissão no projecto pode ter vários sentidos, prestar-se a diferentes interpretações, desde o apoio à proposta do Governo até à defesa da manutenção das actuais disposições.
Mas aqui não existem necessariamente posições de conjunto entre os quinze signatários do projecto: cada um poderá ter a sua opinião, determinar-se a seu modo perante aquilo que o Governo propõe.
Penso que a omissão da matéria aio projecto n.º 6/X revela apenas que os seus signatários não sentiram necessidade de a contemplar.
Se o fizeram em virtude de perfilharem os pontos de vista do Governo ou se optaram pela inalteração do texto actual, caberá a cada um dizê-lo na altura própria.
Regressemos, pois, às matérias comuns.
A identidade dos assuntos faz com que, pelo menos quanto a eles, se revele o acordo fundamental entre o Governo e os Deputados signatários do projecto quanto à oportunidade e conveniência de rever as disposições constitucionais referentes aos direitos individuais e à repartição do poder político entre os órgãos de soberania.
Poderá evidentemente haver, aqui e lá fora, quem entenda diversamente, mas esse entendimento porá necessariamente em causa tanto o projecto como a proposta.
A conveniência e oportunidade referem-se à necessidade de revisão, não ao conteúdo dos preceitos propostos. Este será discutido na especialidade; aquelas deverão ser versadas na generalidade.
O sustentar-se que tais ou tais preceitos não podem ser aprovados, sob pena de certas consequências, é um juízo quanto à especialidade que revela adquirida a aprovação na generalidade.
Como se verá, a Câmara Corporativa não julgou assim, mas equivocou-se quanto ao pensamento pelo qual se determinou - e omitiu afinal a apreciação dos projectos na generalidade.
O Governo e os quinze Deputados signatários do projecto em apreciação entendem que há oportunidade e vantagem na alteração das normas constitucionais respeitantes aos direitos individuais e à repartição das competências entre o Governo e a Assembleia.
Mas desta convergência na generalidade avultam diferenças na especialidade, que radicam em grande parte nas divergentes posições de partida.
O Governo, encarnando, através da delegação que recebeu do Chefe do Estado, um poder político quase ilimitado, tende a defender a plenitude do seu poder e preocupa-se essencialmente com a segurança.
Por isso ele quer comprometer-se o menos possível em soluções constitucionais referentes aos direitos individuais, já que, sendo elas definitivas e eles o mais relevante limite ao seu poder político, daí redundaria uma efectiva restrição à livre actuação do poder governamental.
Mas porque recusa um totalitarismo constitucional e é ele mesmo sensível aos vaiares fundamentais da pessoa, o Governo dispõe-se a pôr em causa a redacção constitucional referente às garantias dadas aos cidadãos em matéria criminal.
A este campo se confinam as inovações da proposta quanto aos direitos individuais, já que as referentes à liberdade religiosa se resumem, afinal, à previsão de uma lei sobre a matéria.
Como simples cidadãos que são, privados de poderes políticos relevantes, encontrando-se, mesmo assim, no exercício dos que lhes restam, subordinados ao Chefe do Estado, os Deputados sentem, melhor do que o Governo, que o cidadão, com todo o solene reconhecimento constitucional dos seus direitos fundamentais, se encontra, na realidade, desarmado frente ao Poder.
Pouco importa às pessoas saber que têm os direitos reconhecidos em princípio, se o exercício deles lhes é negado na prática.
Liberdade de expressão com apreensões administrativas, censura, autorização e caução prévia não adianta.
Liberdade de reunião e de associação quando e para o que o Governo entender, não resulta.
Liberdade física com possibilidade de prisões policiais prolongadas e incontroladas judicialmente e de interrogatórios sem a presença de defensor, não é garantia.

Vozes: - Apoiado!

O Orador: - Liberdade política sem projecção efectiva e sem instrumentos de exercício, não passa de ilusão.
O Governo nisto vê, sobretudo, a segurança da sociedade que comanda.
Eu sinto a insegurança da pessoa oprimida e atenho-me à Constituição, como único instrumento eficaz.
Nisto se baseia a diferença essencial entre a proposta e o projecto.
Este, visa garantir desde já na Constituição uma formulação tal dos direitos fundamentais que não seja apenas ela própria liberal, mas que conjure o risco de ser completada por uma ordem legislativa totalitária que sobreponha os interesses da sociedade aos direitos da pessoa.
Ou seja, que o projecto visa, a respeito dos direitos fundamentais, assegurar um verdadeiro Estado de direito, em que à legislação comum e aos tribunais competirá a repressão dos abusos da liberdade.
Nisto limita-se a ser fiel à orientação essencial da Constituição, que tem como fundamental da ordem que estabelece o respeito pelos direitos da pessoa.
Como a sua formulação actual não impediu, nem impede, que os direitos teoricamente reconhecidos sejam na prática negados pela instituição de todo um sistema policial preventivo, há que adoptar na Constituição uma nova enunciação dessa matéria.

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A esta justificação, simultaneamente jurídica e histórica, acresce uma razão de princípio.
A matéria dos direitos da pessoa é, em si mesma, constitucional, já que respeita à articulação cidadão-Estado e aos limites dos poderes deste que os direitos daquele constituem. Tem, portanto, justificado assento na lei fundamental tudo quanto respeite à existência real daqueles direitos.
Eles hão-de estar efectivamente assegurados na Constituição.
E não o estarão se qualquer lei ordinária, ainda que a pretexto de os disciplinar, os diminuir ou suprimir, contrariando afinal os preceitos constitucionais.
Isso é possível e foi praticado à sombra do actual artigo 8.º da Constituição; por isso no projecto se propõe uma nova redacção para essa matéria.
As disposições actuais permitiram que se instaurasse todo um regime preventivo, característico, como se viu, do Estado policial, em que, a propósito de prevenir os abusos da liberdade que alguns poderiam cometer, se reprime a efectiva liberdade de todos.
E a censura, são as autorizações policiais, as permissões governamentais, as longas e incontroladas prisões preventivas, as penas administrativamente impostas, as medidas de segurança ilimitadas e o mais que na especialidade se verá.
Com a nova redacção proposta para o artigo 8.º pretende assegurar-se efectivamente os direitos da pessoa, deixando à lei ordinária apenas a regulamentação necessária dentro de um sistema repressivo, característico do Estado de direito, em que, respeitando a liberdade de todos, se reprimem, com a indispensável e adequada severidade, os abusos verificados.
Esse o sentido e alcance das alterações propostas, que determinarão necessariamente o significado da opção que aqui tomarmos.
Reflecte-se a posição apontada também na enumeração dos direitos, havendo-se suprimido a condicionante «nos termos da lei».
Não que se pretenda subtrair o comportamento da pessoa ao império da lei, mas porque, por um lado, se entendeu que não é da vontade do Estado, consubstanciada na lei, que promanam os direitos da pessoa, mas sim da própria natureza desta; por outro lado, há que atentar que, quanto às liberdades fundamentais, é o Estado quem se há-de limitar nos termos da lei.
Por último, os abusos dos direitos, em que as liberdades se decompõem, cairão necessariamente sob a alçada da lei repressiva, aplicada pelos tribunais, a qual integra todo o sistema penal, defensor das pessoas e da sociedade.
O projecto traduz a aceitação da concepção jusnaturalista-personalista subjacente à Constituição e procura conformar o texto constitucional com esse dado essencial da nossa ordem social, incompatível com qualquer sistema policial repressivo, que não protege nem realiza eficazmente a liberdade essencial dos cidadãos.
Tão importante como a enumeração dos direitos é a previsão constitucional da regulamentação do seu exercício, no qual, como no gozo das suas liberdades, «cada um só é submetido às limitações estabelecidas pela lei exclusivamente em vista a assegurar o reconhecimento e o respeito dos direitos e liberdades de outrem, a fim de satisfazer justas exigências da moral, da ordem publica e do bem-estar geral, dentro da sociedade democrática», de harmonia com o artigo 29.º, n.º 2.º, da Declaração Universal dos Direitos do Homem, que vigora como direito interno português.
Mas todos temos ouvido e lido duas ordens de objecções ao projecto: uma, a de que não devem ter assento na Constituição pormenorizações, tais como as referentes às garantias penais, a opinião pública, à lei de imprensa; outra, e mais grave, consistiria na circunstância de o projecto deixar o Estado desarmado na luta contra a desordem e a subversão.
Quanto ao primeiro aspecto, há que considerar que todos os pormenores se justificam, desde que necessários para a efectiva existência dos direitos. A objecção só terá, portanto, valor, desde que acompanhada da demonstração, que até agora não foi produzida, de que no nosso contexto político-jurídico as especificações que se pretende introduzir são supérfluas.
Atente-se, além disso, em que a Constituição tem inúmeras disposições de pormenor, referentes a matérias carecidas de natureza e de dignidade constitucionais; vejam-se, por exemplo, os preceitos referentes a quem pode assistir às sessões das comissões da Assembleia Nacional ou às reuniões da Câmara Corporativa.
E a propósito da imprensa não se dá desde o início categoria constitucional à obrigatoriedade de inserção de notas oficiosas?
A crítica fundada na limitação dos poderes de Estado é simultaneamente pertinente e improcedente.
Se racionarmos em termos de Estado policial em que, através da existência de todo um sistema preventivo, os direitos e liberdades dos cidadãos se encontram à mercê do Governo - e já anteriormente se viu que no nosso caso o estão -, privado desse aparelho o Estado, passando a ser de direito, deixará de dispor dos meios policiais preventivos de que antes dispunha.
Mas não ficará por isso desarmado, como o não está nenhum Estado de direito, em que por se respeitar a liberdade não deixam de reprimir-se os abusos. Para isso existem as leis e os tribunais.
E quando, pela gravidade das circunstâncias, esse regime repressivo não bastar, tem o governo ao seu alcance a imposição transitória e excepcional do regime preventivo e policial, através da proclamação do estado de sítio ou de regime de necessidade que agora propõe.
Eis como a grave censura feita ao projecto não tem fundamento.

O Sr. Magalhães Mota: - Muito bem!

O Orador: - Pelo menos tanto como os seus críticos, os autores do projecto prezam a ordem e a segurança; repudiam e condenam a desordem, a subversão e o odioso terrorismo.

O Sr. Pinto Machado: - Muito bem!

O Orador: - Mas entendem também que a injustiça, a opressão, o regime policial são grandes fautores daqueles males; entendem que a repressão das liberdades fundamentais gera a revolta, o descontentamento, o mal-estar social e o subdesenvolvimento contrários ao bem comum, ao progresso e à ordem pública ...

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - ... entendem que esta só pode conseguir-se e aqueles prosseguir-se com respeito dos valores humanos fundamentais, num sistema em que os abusos sejam reprimidos severamente, mas as liberdades honestamente respeitadas.

Vozes: - Muito bem!

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O Orador: - Entendem que, como em qualquer Estado de direito, no nosso deve assegurar-se a luta contra o desregramento, a intranquilidade e qualquer forma de desordem ou agitação subversiva através de uma legislação penal adequada, aplicada pelos tribunais, salvas as excepções graves determinantes dos estados de emergência.
Com esta matéria central do projecto liga-se a das alterações referentes aos tribunais, que todos se querem ordinários, ou sejam aqueles em que os juizes gozam das garantias que habilitam o Poder Judicial a ser garante da justiça: a inamovibilidade, a exclusividade de funções e o carácter vitalício.
Todo um sistema de promoções extraordinárias e de nomeações em comissão de serviço ou a prazo fixo foi ignorando e atenuando a garantia da inamovibilidade, simultaneamente diluindo a consciência pública de que só os tribunais ordinários asseguram a independência do judicial frente ao executivo, sem a qual o cidadão fica à mercê deste.
Além disso, sendo, como é e o Governo assim o assinala, a existência de uma competência reservada da Assembleia Nacional uma defesa para os particulares, a inconstitucionalidade orgânica resultante da sua ofensa tem de sair do campo político para o campo jurídico, passando portanto para a competência dos tribunais comuns ou do tribunal de inconstitucionalidade previsto pelo Governo.
Sem isso, aquela reserva, e os particulares que visa a defender, ficarão privados de garantia jurídica.
As alterações referentes à forma de eleição do Presidente da República e ao funcionamento e competência da Assembleia Nacional prendem-se também, em parte, com os direitos individuais, como resulta do que aqui já disse.
A eleição do órgão de soberania que em si concentra os poderes de Estado há-de pertencer aos cidadãos, sem o que não haverá liberdade política e se não respeitará o regime democrático proclamado na Constituição e na Declaração Universal dos Direitos do Homem: por isso aquela assegurava e esta impõe a eleição por sufrágio universal.
Dado o sistema de eleição adoptado em 1959, no qual, além do mais, o número de eleitores de nomeação do Governo e o dos que o não são ficou em grande parte dependente do próprio executivo, pode considerar-se que o nosso sistema passou de democrático a autocrático. Nas suas potencialidades, senão já na sua realização imediata, o modo de eleição retira aos cidadãos o poder de designação do real detentor dos poderes.
E assim é que, já em 1959, o nosso sistema foi aqui qualificado como uma «monocracia», embora bicéfala e moderada. Melhor se diria agora «oligocracia».
Esta situação é suficiente, quanto a mim, para vencer quaisquer questões de tempo, de oportunidade e de conveniência, e, bem assim, para tornar ocioso que se aguarde a lição da experiência.
Se o modo de eleição do Chefe de Estado põe em jogo a liberdade política essencial e os fundamentos do regime, há que encará-lo desde já e que optar imediatamente por um regime autocrático ou democrático.
É certo que somos muito propensos a personalizar as questões, o que inibe que elas sejam postas com a independência e a objectividade necessárias.
No caso presente isso não é possível, já que, além do mais, tendo o actual Presidente da República sido eleito tanto por sufrágio directo como pelo actual modo de eleição, a sua autoridade, a sua representatividade, a sua figura estão necessariamente imunes à discussão da forma de eleição, à qual, de resto, sempre seriam incontestavelmente superiores.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Pelo que respeita à Assembleia Nacional e ao seu funcionamento, procurou-se assegurar a possibilidade de exercício de uma fiscalização real dos actos de Poder, com defesa dos direitos dos cidadãos face ao potentíssimo Executivo, e assegurar ao órgão colegial de representação política a regulamentação de todas as matérias referentes aos direitos e liberdades fundamentais ou com elas relacionados, em tudo quanto não hajam de estar previstos na Constituição.
Só na discussão na especialidade poderá completar-se esta análise, que não ficaria, no entanto, provisoriamente concluída sem anotar que grande número das alterações constantes da «proposta do Governo, designadamente quanto a direitos individuais e competência da Assembleia Nacional, haviam sido propostas em 1959 por Deputados e aqui inexoravelmente rejeitadas, não obstante o empenho e o brilho com que foram defendidas.
Besta, por último, uma referência ao parecer da Câmara Corporativa.
Há que louvar-lhe a ousadia, reconhecer-lhe o desassombro, enaltecer-lhe a capacidade de reconsiderar opiniões anteriores, apontar-lhe o sentido político a dominar o conteúdo técnico.
Quem esperaria ver aí citada a Convenção Europeia dos Direitos do Homem, ou um autor e uma obra como a de Duverger?
Quem suporia ver aí qualificado de inconstitucional o actual regime de prorrogabilidade indefinida das medidas de segurança ou assinalada a circunstância, pletórica de consequências, de que os actos de instrução do Ministério Público e da Polícia Judiciária são actos materialmente jurisdicionais, não tratando embora do problema de saber se ante o artigo 116.º da Constituição eles não cabem exclusivamente aos tribunais?
Quem imaginaria encontrar no parecer o reconhecimento dos direitos à greve e ao lock-out como meio de realização da justiça comutativa nas relações de emprego e a afirmação de que, entre nós, a denegação de tais direitos é imposta ou explicada pelas circunstância excepcionais de uma economia em fase de desenvolvimento?
Os pontos apontados demonstram suficientemente a ousadia e o desassombro que referi.
Por outro lado, a Câmara Corporativa não hesita em aprovar agora as alterações propostas pelo Governo, que, em 1959, propostas então por Deputados, rejeitara sistematicamente.
A competência exclusiva do órgão parlamentar para a criação de impostos, condenada em 1959 como contrária à tradição e aos interesses nacionais, é agora acolhida como despida de inconvenientes e representando até o regresso a uma tradição constitucional.
Em 1959, a Câmara entendia que a Assembleia Nacional, não devia ser o órgão exclusivamente competente para legislar sobre a nacionalidade portuguesa.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado: V. Ex.ª excedeu o tempo regimental de vinte minutos, uma vez que é a segunda vez que fala desta matéria. Posso conceder uma prorrogação, mas desejaria que não excedesse o tempo de meia hora, para nos mantermos no quadro do respeito devido ao Regimento.

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2190 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 108

O Orador: - Agradeço A V. Ex.ª, Sr. Presidente, a prorrogação que me concede, e estou convencido que terminarei dentro da mesma.
Hoje a Câmara acolhe essa alteração proposta pelo Governo, Considerando que se trata de matéria constitucional.
O mesmo sucedeu com a definição dais penas e das medidas de segurança, hoje aceite no parecer como da competência exclusiva do Parlamento e em 1959 rejeitada por inviável, sendo certo, embora, que então era também referida as infracções.
O alargamento da competência legislativa da Assembleia quanto ao ultramar, também rejeitado em 1959, merece hoje acolhimento no parecer.
A consagração da recorrabilidade de todos os actos administrativos definitivos e executórios e a concentração da competência para decretar a inconstitucionalidade das leis num só tribunal supremo, hoje sancionadas, haviam sido propostas por um Deputado em 1959, mas foram então rejeitadas no parecer n.º 16/VII.
Considerando que foi o mesmo o digno Procurador relator dos pareceras de 1959 e dos actuais, mais valorizada fica a capacidade de reconsideração da Câmara Corporativa, que mostrou sobejamente não temer ser acusada de versatilidade jurídica ou política.
Mas onde a sensibilidade política da Câmara mais requintariam ente avulta é nos pareceres referentes aos projectos da lei de revisão constitucional.
Cuidaria qualquer menos iniciado nestas subtilezas que, tendo indiscutivelmente a Assembleia Nacional poderes constituintes e havendo-lhe sido já presente pelo Governo uma proposta de lei de revisão, o exame na generalidade se resumiria a saber se os projectos satisfazem o disposto no artigo 176.º, §§ 2.º, 3.º e 4.º, da Constituição; ou seja, se foram apresentados dentro do prazo de vinte dias, se definem com precisão as alterações propostas e se se encontram assinados por um mínimo de dez Deputados.
Esta convicção, politicamente ingénua, é possível, mais se radicaria no desprevenido intérprete se fosse consultar os pareceres da Câmara Corporativa sobre a matéria, pois em todos se adopta a orientação referida.
E se, para maior segurança, se detivesse nos pareceres de 1959, relatados pelo mesmo digno Procurador sobre nada menos de oito projectos de revisão da Constituição, veria que oito vezes a Câmara, mutatis mutandis, fez em escassas linhas esta apreciação na generalidade:

O projecto foi apresentado em tempo, conforme o disposto no § 2.º do artigo 176.º da Constituição. Dispondo a Assembleia Nacional, neste momento, em consequência da antecipação que votou, de poderes constituintes, nada se opõe a que a Câmara Corporativa lhe dê sobre o projecto em referência o seu parecer.

O que terá sucedido para que esta lógica e constante orientação da Câmara auxiliar se subverta em 1971?
Cada um conjecturará como souber e puder.
Mas o certo é que nos pareceres agora emitidos sobre ambos os projectos a Corporativa não faz qualquer apreciação na generalidade, abandonando a orientação anterior.
Entra imediatamente na análise da especialidade dos preceitos propostos, na parte em que sobre essas matérias não havia emitido parecer com respeito à proposta do Governo.
Condena sem remissão cada uma das alterações projectadas.
E com base nesta análise na especialidade, indevidamente rotulada, conclui «que não deve recomendar a sua aprovação na generalidade».
Compreende-se que os ilustres Procuradores que votaram vencidos tenham reagido contra este insólito procedimento, cuja explicação, a meu ver, consiste nisto: reactiva ao aspecto político das alterações projectadas, a maioria dos Procuradores intervenientes no parecer aceita que, depois de analisados na especialidade os projectos, se dê à Assembleia oportunidade de os retirar da discussão, não recomendando a sua apreciação na generalidade. Se tivermos também presentes as dificuldades de seguimento que os projectos encontraram na análise preliminar das comissões, o que se conclui, e é o primeiro ponto desta já demasiada longa análise, é que, por razões políticas, em 1970-1971 é muito mais difícil apresentar e fazer discutir projectos de revisão da Constituição do que em qualquer legislatura constituinte do período que vai de 1935 a 1969.
Veremos se no plenário desta Casa se pensa dentro desses novos horizontes políticos em matéria constituinte, para tirar então uma conclusão geral quanto ao significado deste novo estilo.
Do confronto da proposta e do projecto de lei parece-me poder concluir-se que o primeiro é sobretudo orientado por um critério de eficácia governativa, mesmo naquelas reformulações, que reconhece necessárias, quanto às garantias penais e aos poderes da Assembleia Nacional, representando embora as alterações propostas um princípio de progresso, cuja continuação e realização são remetidas para leis ordinárias e práticas administrativas essencialmente dependentes todas do próprio Governo, directamente ou através do apoio que tem na Assembleia Nacional.
É que não podemos esquecer-nos, como de resto tem sido lembrado, de que o apoio dos candidatos ao Governo é que determinou o voto dos eleitores, qualquer excepção servindo apenas para confirmar a regra, o que demonstra que o funcionamento parlamentar das maiorias, e esmagadoras, não depende da pluralidade dos partidos.
Diversamente, o projecto de que sou um dos signatários orienta-se basicamente no sentido de assegurar desde já na Constituição o exercício efectivo dos direitos e liberdades fundamentais, procurando manter as leis ordinárias e prática administrativa dentro de um sistema repressivo dos abusos, aplicado por tribunais comuns de jurisdição ordinária, como é característico de um Estado de direito.
Esta orientação básica está, segundo creio, presente em todo o articulado, aflorando na maior parte das principais alterações projectadas, quer elas se refiram à Assembleia Nacional, aos poderes e modo de eleição do Presidente da República, aos tribunais ou ao controle da constitucionalidade das leis.
Das duas opções fundamentais postas aos Portugueses pelo Sr. Presidente do Conselho, a proposta do Governo serve perfeitamente a primeira, ou seja a de rejeitar o abandono do ultramar perfilhando uma política de progressivo desenvolvimento e crescente autonomia.

Vozes: - Muito bem!

O orador: - A realização das reformas com resolução e firmeza, mas sem quebra da ordem pública e da paz social, parece-me que é mais bem servida no projecto n.º 6/X do que naquela proposta. Esta é, para mim, a síntese da apreciação de ambos na generalidade.

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24 DE JUNHO DE 1971 2191

O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.
Amanhã haverá duas sessões. Uma de manhã, às 11 horas. A outra à hora regimental, ambas com a mesma ordem do dia.
Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 45 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

António Júlio doe Santos Almeida.
Deodato Chaves de Magalhães Sousa.
Francisco de Nápoles Ferraz de Almeida e Sousa.
Henrique Veiga de Macedo.
João Manuel Alves.
José Dias de Araújo Correia.
José Maria de Castro Salazar.
José Vicente Pizarro Xavier Montalvão Machado.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Manuel José Archer Homem de Mello.
D. Maria Raquel Ribeiro.
Miguel Padua Rodrigues Bastos.
D. Sinclética Soares dos Santos Torres.
Teófilo Lopes Frazão.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Alberto Marciano Gorjão Franco Nogueira.
Alexandre José Linhares Furtado.
António Bebiano Correia Henriques Carreira.
Fernando do Nascimento de Malafaia Novais.
João Pedro Miller Pinto de Lemos Guerra.
João Ruiz de Almeida Garrett.
Jorge Augusto Correia.
José da Costa Oliveira.
José Guilherme de Melo e Castro.
José dos Santos Bessa.
Luís Maria Teixeira Pinto.
Remiro Ferreira Marques de Queirós.
Victor Manuel Pires de Aguiar e Silva.

O Redactor - Luiz de Avillez.

Telegramas da Associação de Fomento do- Distrito de Quelimane; Comissão Concelhia da A. N. P. do Maputo; Comissão Concelhia da A. N.º P. da Namaacha; Comissão Provincial da A. N. P. de Moçambique; Comissão Concelhia da A.N. (P. da Matola; Comissão Concelhia da A. N. P. de Marracuene; Comissão Concelhia da A. N.º P. da Moamba; Comissão Concelhia da A. N.º P. do Umagude; Comissão Distrital da A. N.º P. de Lourenço Marques, e Comissão Concelhia da A. N. P. da Manhiça, todos apoiando a intervenção do Sr. Deputado Ribeiro Veloso e a proposta da revisão constitucional.
A estes telegramas se referiu o citado Sr. Deputado nas suas rectificações ao Diário das Sessões, n.º 104.

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