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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL E DA CÂMARA CORPORATIVA

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 111

ANO DE 1971 26 DE JUNHO

X LEGISLATURA

(SESSÃO EXTRAORDINÁRIA)

SESSÃO N.º 111 DA ASSEMBLEIA NACIONAL

EM 26 DE JUNHO

Presidente: Exmo. Sr. Carlos Monteiro Amaral Netto

Secretários: Ex.mos Srs. João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira
Amílcar da Costa Pereira Mesquita

SUMÁRI0: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 11 horas e 10 minutos. Deu-se conta do expediente.

Ordem do dia. - Continuou a discussão na generalidade da proposta e projectos de lei de alterações à Constituição Política.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Ramiro Queirós, Nogueira Rodrigues, Joaquim Macedo, Miller Guerra e Magalhães Mota.
O Sr. Presidente encerrou a sessãos às 12 horas e 40 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Eram 11 horas.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Albano Vaz Finto Alves.
Alberto Eduardo Nogueira Lobo de Alarcão e Silva.
Alberto Marciano Gorjão Franco Nogueira.
Alberto Maria Ribeiro de Meireles.
Álvaro Filipe Barreto de Lara.
Amílcar da Costa Pereira Mesquita.
António Fausto Moura Guedes Correia Magalhães Montenegro.
António da Fonseca Leal de Oliveira.
António de Sousa Vadre Castelimo e Alvim.
Armando Júlio de Roboredo e Silva.
Armando Valfredo Pires.
Artur Augusto de Oliveira Pimentel.
Augusto Salazar Leite.
Bento Benoliel Levy.
Carlos Eugénio Magro Ivo.
Carlos Monteiro do Amaral Netto.
D. Custódia Lopes.
Delfim Linhares de Andrade.
Eleutério Gomes de Aguiar.
Fernando Augusto Santos e Castro.
Fernando David Laima.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Fernando do Nascimento de Malafaia Novais.
Fernando de Sá Viana Rebelo.
Filipe José Freire Themudo Barata.
Francisco António da Silva.
Francisco Esteves Gaspar de Carvalho.
Francisco João Caetano de Sousa Brás Gomes.
Francisco Manuel Lumbrales de Sá Carneiro.
Francisco de Nápoles Ferraz de Almeida e Sousa.
Gabriel da Costa Gonçalves.
Gustavo Neto Miranda.
Henrique José Nogueira Rodrigues.
Henrique Veiga de Macedo.
Humberto Cardoso de Carvalho.
João Duarte Liebermeister Mendes de Vasconcelos Guimarães.
João Duarte de Oliveira.
João José Ferreira Forte.
João Lopes da Cruz.
João Manuel Alves.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
Joaquim Germano Pinto Machado Correia da Silva.
Joaquim Jorge Magalhães Saraiva da Mota.
Joaquim de Pinho Brandão.

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José Dias de Araújo Correia.
José Gabriel Mendonça Correia da Cunha.
José dos Santos B essa.
José Vicente Cordeiro Malato Beliz.
Júlio Dias das Neves.
Luís António de Oliveira Ramos.
Manuel Artur Cotia Agostinho Dias.
Manuel Elias Trigo Pereira.
Manuel de Jesus Silva Mendes.
Manuel Joaquim Montanha Pinto.
Manuel Marques da Silva Soares.
Manuel Martins da Cruz.
Manuel Monteiro Ribeiro Veloso.
Miguel Pádua Rodrigues Bastos.
Olímpio da Conceição Pereira.
Pedro Baessa.
Rafael Ávila de Azevedo.
Ramiro Ferreira Marques de Queirós.
Raul da Silva e Cunha Araújo.
Rogério Noel Peres Claro.
Rui de Moura Ramos.
Teodoro de Sousa Pedro.
Teófilo Lopes Frazão,

O Sr. Presidente: - Estão presentes 67 Srs. Deputados.

Está aberta a sessão.

Eram 11 horas e 10 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Previno VV. Ex.ªs de que na sessão da tarde porei em reclamação os n.ºs 106, 107 e 108 do Diário das Sessões, que já se encontram distribuídos. Reservo-os para a tarde, a pedido de alguns Srs. Deputados, que parece quererem prevenir a hipótese de não poderem estar hoje de manhã e desejarem fazer rectificações.

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Telegrama assinado por Luísa Maria Helena Blanqui Teixeira e outros pedindo a abolição de medidas de segurança na revisão constitucional em debate;
Telegrama de António Carvalho Rasteiro pedindo para ser invocado o nome de Deus na Constituição;
Telegrama do presidente e vereadores do Município de Caniçado apoiando & intervenção do Sr. Deputado Carlos Ivo;
Telegrama da população do concelho de Ebo, Gabela, aplaudindo a política do Governo Central;
Telegrama da Comissão Municipal do Quilenda no mesmo sentido;
Telegrama da Cooperativa Açoreana do Catofe (Quibala) apoiando as intervenções dos Deputados do ultramar sobre a revisão constitucional.

O Sr. Presidente: - Não estando nenhum Sr. Deputado inscrito para usar ida palavra no período de anotes da ordem do dia, vamos passar à

Ordem do dia

Continuação da discussão ma generalidade da proposta e projectos de lei de alterações à Constituição Política. Tem a palavra o Sr. Deputado Ramiro Queirós.

O Sr. Ramiro Queirós: - Sr. Presidente: O artigo 37.º do Regimento da Assembleia; Nacional determina que «a discussão na generalidade versará sobre a oportunidade e a vantagem dos novos princípios legais e sobre a economia da proposta ou projecto».
Na esteira do método fixado em tal preceito mão entrarei, nesta minha intervenção, na análise senão dos dois pontos que me parecem fundamentais para formular o juízo que me determine a dar ou mão a minha aprovação no generalidade à proposta do Governo e ao projecto n.º 7/X.
Análise de dois pontos apenas, mas não tão minuciosa que me obrigasse a roubar à Assembleia mais tempo do que o estritamente indispensável à definição e justificação do meu voto.
Abordarei - é este o termo mais adequado à real configuração do meu discurso -, como digo, dois pontos: um, o da proposta do Governo no que concerne «o regime constitucional das províncias ultramarinas; o outro, o da menção do nome de Deus na Constituição, constante do projecto mencionado.
Subo à tribuna com a plena consciência das responsabilidades que me cabem como representante da Nação nesta prestigiosa Assembleia. O eventual sabor a lugar comum que tal declaração possa despertar não me inibe de a fazer. Faço-a como expressão autêntica de uma incondicional liberdade de espírito. E isto que desejo fique expresso sem reticências.
Representante da Nação. Da Nação que através do meu círculo me elegeu para o desempenho das funções consignadas na Constituição. Este foi o mandato que ele me conferiu, digamos, em termos genéricos. Mais particularmente e circunstancialmente o de contribuir para que se realize o programa que em termos de dilema foi apresentado ao País pelo Sr. Presidente do Conselho para as eleições de 1969.
Eis as duas notas que tenho por essenciais para a determinação do quantum de soberania - se assim me posso exprimir à margem da configuração do caso em termos científicos, jurídicos - que a Nação nos outorgou.
Notas que definem e delimitam as fronteiras do mandato. E que correspondem, efectivamente, à vontade de tantos eleitores com quem tenho contactado pessoalmente, até por força do ofício que me está cometido, antes, durante e depois da chamada campanha eleitoral.
Vivendo de há muito o cuidado de me conduzir na actividade pública, como, aliás, na particular, por ideias claras e precisas, a partir das coordenadas apontadas, entendo que seria ultrapassar os limites desse mandato, seria trair a confiança que o eleitorado e, portanto, a Nação em mim depositou, tentar ou contribuir, directa ou indirectamente, para alterar o regime nas suas linhas essenciais.
E aqui se me oferece, então, pronunciar-me sobre a delicada questão prévia de saber quais os limites que a Constituição traçou aos poderes de revisão que detém a Assembleia.
Constituintes ou constituídos, o que importa à Assembleia, o que importa à Nação não serão tanto nem tão-só os resultados dos mais ou menos brilhantes raciocínios que se apoiem e partam de permissas puramente de natureza jurídico-positiva, com o esquecimento ou menosprezo daquilo que tem de iluminar a apreciação do problema e é, na felicíssima formulação do Deputado Almeida Garrett, «a correspondência e ordenação da ordem constitucional aos profundos anseios e valores por que se estrutura e orienta a nossa unidade nacional.
Tomar o poder de revisão como um autêntico poder constituinte, no sentido da capacidade e legitimidade de

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um novo ordenamento global da vida colectiva, impõe, como premissa irrecusável, a aceitação de princípio do desacordo fundamental entre a essência do regime político, as suas traves mestras, e os fundamentos ético-políticos em que o grupo nacional assenta».
Os limites, as balizas do campo em que a Assembleia se pode mover, já por imperativo do texto constitucional, já por exigência dos princípios que promanam dos ideais e linhas de força, no desenvolvimento das quais, ao longo dos séculos, se tem processado o nosso estilo de vida colectiva, o peculiar modo de estar no mundo da comunidade nacional, ou, por outras palavras, se tem revelado a sua vocação histórica, poderão, esses limites, até nem estar inscritos na letra da Constituição. Mas estão inscritos no seu espírito, e no mais profundo da alma do povo, que, através do seu apurado e comprovado instinto político, os conhece e vive ate às últimas consequências, até ao ponto de verter o seu sangue por eles.
Não se trata, Sr. Presidente, de expressões vazias de sentido, de concepções circunstanciais e ultrapassadas, de jogo de palavras sem correspondência à realidade. Não. Ensina-nos a história, desde os primórdios da nacionalidade até aos nossos dias, estes que vivemos e em que tomamos parte e prolongamos e construímos a história, que não se trata de palavras vãs ou de construções individuais mais ou menos românticas. Quando se põem em causa os valores fundamentais em que assenta o seu viver, o seu ser, a Nação levanta-se e faz ecoar una voce o vigoroso noli me tanger e de todos os tempos.
É uma constante, uma realidade comprovada, realidade mais real do que os próprios textos em que se exprime. Se alguém se esquecesse desta hierarquia de valores, não cometeria apenas um erro grave.
Quanto à, proposta do Governo, declara a comissão eventual que ela é oportuna, são vantajosos os novos princípios legais e se enquadra no contexto da Constituição.
For seu turno, a Câmara Corporativa afirma o mesmo, por outras e estas palavras:

A presente proposta pretende ver consagrada na Constituição, ao lado de uma multiplicidade de alterações de alcance menor, fruto predominante de uma preocupação de perfeição técnica, de um propósito de outorgar competências flexíveis ao legislador ordinário, de coerência sistemática ou de simples actualização, um certo número de modificações mais ou menos significativas, tanto no plano dos valores e opções políticas fundamentais como, igualmente, no da ordenação da vida estadual.
De entre todas as propostas de revisão constitucional até hoje submetidas à consideração da Assembleia Nacional, é a presente a que pretende consagrar maior número de inovações de tomo.

E, depois de enunciar as que considera mais significativas, a apontar no final piara a referente à situação constitucional das províncias ultramarinas, acrescenta:

Trata-se de inovações certamente, mas não de algo que, de alguma maneira e sob qualquer aspecto, constitua uma destruição da Constituição plebiscitada em 1933 e uma solicitação ou apelo a que a Assembleia Nacional, na presente oportunidade, subverta as bases constitucionais do Estado Português ou altere o seu regime: trata-se de algo cuja aprovação deixará intacta a lei fundamental no que ela tem de mais característico e identificante.
Será efectivamente assim?
Não pretendo debruçar-me sobre cada um dos pontos salientados nos pareceres, tanto da Câmara Corporativa como da comissão eventual.
Há que ver, porém, se o mesmo juízo posso manter em relação às inovações que a proposta apresenta para o regime jurídico das províncias ultramarinas.
Sr. Presidente: Procurei meditar profundamente sobre o problema. Recordei as palavras de Salazar transcritas no parecer da Câmara Corporativa:

No decurso deste último período (dos últimos quase quarenta anos), têm as instituições sofrido já alterações e aperfeiçoamentos vários.
Não há nada de imutável e, por isso, é natural que continuem a ser melhoradas consoante as necessidades que forem surgindo. Não vejo que isso deva ser motivo de estranheza.
«O especial condicionalismo», as necessidades que foram surgindo de cada um dos territórios ultramarinos impõem - diz o douto parecer da Câmara - o reconhecimento deles como entidades, não apenas autárquicas, mas também autónomas - autónomas no sentido de que, através dos órgãos locais, mais ou menos representativos, devem intervir não apenas na execução das leis emanadas de Lisboa e no desempenho das tarefas administrativas de interesse próprio, mas na própria feitura de uma legislação local especial fora do que se pode chamar o «domínio reservado» do Estado.
Inscrever na Constituição as normas que dêem expressão de maior autenticidade à participação das gentes e dos interesses sociais ultramarinos na definição do direito relativo àquelas matérias que não são reserva do Estado não é, salvo melhor parecer, abrir as portas ao desmembramento deste e à consequente ruína da unidade nacional: é promover, nos nossos tempos, esta unidade na única forma em que ela pode e em que ela, portanto, deve ser mantida.

Estou totalmente de acordo com estas palavras.
Não haja ilusões! Mais do que o receio das palavras, ponto de vista compreensível para quem viva a preocupação de fazer adequar rigorosamente a linguagem à realidade que se pretenda exprimir, é necessário ter em maior consideração ainda a própria realidade. Já porque é um problema de todos os tempos, já porque se agudiza nos que vivemos a realidade de um apreço muito vivo pelo valor da liberdade do homem, como pessoa física ou como pessoa colectiva, impõe-se que o Poder a limite e condicione apenas no estritamente indispensável à defesa e prossecução do bem comum.
Esta consideração, de ordem geral, vale inteiramente, para o problema das relações das províncias ultramarinas entre si e com o chamado Poder Central, em que o homem comum tem a sua primeira expressão na solidariedade entre todas as parcelas do território nacional e no imperativo indiscutível, da unidade e incindibilidade da Nação, da unidade e incindibilidade do Estado.
Pois bem, conforme o parecer acentua, «a proposta institui ou prevê todo um sistema de frenagem de tendências centrífugas que porventura se gerassem, sistema praticamente idêntico ao já hoje existente, o qual se destina a funcionar tanto em relação ao legislador local como à própria administração e função executiva de cada território».

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As províncias ultramarinas exigem a descentralização administrativa e autonomia legislativa. Pois, e de resto na continuidade da nossa tradição, ampliam-se e institucionalizam-se até ao limite em que o interesse da unidade da Nação o permite.
É preciso uma combinação sábia e feliz - continua o parecer - entre a descentralização e autonomia, de um lado, e a centralização integrativa, do outro.
A fórmula há-de ser esta: deve haver toda a descentralização e autonomia possíveis dentro da integração política e unidade nacional necessárias.
Acho feliz a fórmula apontada. Ela põe a técnica precisamente no que tem de específico a nossa actividade civilizadora: o respeito pela pessoa humana que fomos encontrar nos vários pontos do Globo aonde nos levou, nas caravelas de Quinhentos, o espírito que caracteriza o modo de estar no mundo dos Portugueses de sempre, permanentemente dispostos, naturalmente inclinados a oferecerem-se aos outros nos benefícios da sua cultura.
Oferecerem-se: eis o fundamento por excelência da nossa existência colectiva na multirracialidade das gentes, per um lado, e na unidade da Nação, por outro. Oferecemos uma pátria a tantos e tantos homens e gerações que a não conheciam e a conquistaram, aceitando aglutinar-se à sombra, tutelar da nossa bandeira. É por de mais sabido, urbi et orbi, que nos não levaram ao ultramar os impulsos egoístas a que outros obedeceram e por que moldaram, a sua acção colonizadora.
Nós fomos e fixámo-nos por generosidade, por amor, no sentido ecuménico mais autêntico que a palavra comporta. Assim nos revelámos capazes de gerar novos portugueses sem distinção de raças, de credos ou de culturas.
Nós gerámos filhos de Portugal. Por isso se deve insistentemente acentuar que também o ultramar é Portugal.
O ultramar não me parece que se deva dizer que é nosso: o ultramar é nós. Somos todos, nós. Irmãos.

O Sr. Barreto de Lara: - Muito bem!

O Orador: - Eis por que estou convencido ser nesta fraternidade radical, fruto do humanismo cristão, que sempre praticámos, que reside o substrato substancial da unidade nacional inscrita, acentuada e defendida na proposta do Governo.
Assim sendo, nada obsta, antes tudo aconselha a que se institucionalize para as províncias ultramarinas a descentralização administrativa e a autonomia legislativa, indispensáveis não apenas ao seu progresso, mas ao progresso do todo nacional.
Progresso no sentido corrente da palavra, progresso no «reforço dos laços de solidariedade existentes entre as várias parcelas da Nação».
É isto o que se harmoniza com as vozes mais profundas da alma nacional, e não o intento de centralizar, absorver, manietar.
Sr. Presidente: Certamente algo mais poderia trazer para defender a tese exposta. Mas não foi meu intuito sustentá-la. Foi antes expor algumas das razões que me levam a declarar que aprovo na generalidade a proposta do Governo.
Ao projecto n.º 7/X dou também o meu voto para a sua aprovação na generalidade, ao qual acrescento, com a comovida evocação da saudosa figura do Deputado Leonardo Coimbra, uma palavra de franco louvor aos Srs. Deputados seus subscritores pela iniciativa tendente a inscrever o nome de Deus na Constituição.
É minha convicção que o intento não ofende ninguém, nem mesmo os próprios ateus confessos, no fundo de cujos corações, assim o julgo, sentem fazer-se ouvir a voz de Deus na voz da sua própria consciência, algumas vezes, se não as mais delas, desconhecedores (como todos em maior ou menor medida também somos) do Seu verdadeiro rosto, quiçá deformado ou escondido pela imagem que eventual ou habitualmente alguns crentes, do número dos quais certamente ninguém me exclui, d'Ele apresentam na vida.
Não ofende e é lógico que se entenda dar satisfação a todos os crentes, sejam cristãos (católicos ou não), maometanos, budistas ou de qualquer outra verdadeira confissão religiosa.
Donde concluo que a introdução do nome de Deus na Constituição não contribuirá para estabelecer a divisão entre os Portugueses. Não tem cariz confessional. Não é problema para se discutir: efectivamente Deus não se discute.
Não havendo inconvenientes a apontar, pergunto: e haverá alguma ou algumas vantagens?
Eu vejo uma, que só por si é quanto à minha consciência basta para aprovar sem restrições aquele propósito.
Declarar o respeito por Deus como exigência Ora, numa altura em que em certos meios tanto se teme da crescente ingerência do Estado na vida privada dos cidadãos e dos prupos naturais em que se integram e da tentação, perante a qual ele possa sucumbir, de tender para um totalitarismo deteriorador ou destruidor das liberdades e direitos da pessoa humana, é ele mesmo, o Estado, que na Constituição, ao lado do compromisso de se limitar pelo direito e pela moral, vem, afinal, a explicitar a fonte última daqueles complexos normativos.
Não me limito a dar o meu voto para a aprovação na generalidade do projecto n.º 7/X: quero declarar que adiro com todo o entusiasmo ao propósito dos seus autores.
Tenho dito.

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Nogueira Rodrigues: - Sr. Presidente: Votar, só por si, não é suficiente em circunstâncias como estas, em que a Assembleia trata de assunto de tamanha importância para o País, para a Nação.
Há necessidade de justificá-lo e, só por isso, ousei pedir a palavra para o fazer; como só por isso o fiz, prometo a V. Ex.ª ser muito breve.
Há duas semanas que a Assembleia, depois de um trabalho exaustivo, de cerca de dois meses, por parte da comissão eventual, se vem ocupando da apreciação na generalidade da proposta e de dois projectos de lei relativos à reforma da Constituição Política. É ele o documento base do Estado; o documento pelo qual o Estado ajustará o seu comportamento ao dirigir os negócios da Nação, as relações entre os cidadãos.
Daí, mais que justificado o interesse que as alterações propostas suscitam em todo o País, na metrópole e no ultramar. Daí a oportunidade que a todo o momento se aproveita para atacar ou apoiar o Regime.
De certo modo, uma forma de vitalidade de que a Nação necessita, pois que hoje, mais do que nunca, face à tremenda tarefa que ao Governo compete empreender, a colaboração de todos, mas de todos, torna-se indispensável, necessária.

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Daí o louvar de todas as atitudes que, animadas das melhores intenções e do desejo mais sincero de colaborar, se esforçam, se empenham a fazê-lo, dando o melhor do seu trabalho, do seu saber.
E quando elas partem desta Casa, vinculadas à qualidade de mandatário do povo em que cada um de nós está investido, sempre se terá de ter em conta que os anima a mais justa e recta intenção.
Foi animado destes propósitos que, com a proposta de lei n.º 14/X, foram apresentados os projectos de lei n.ºs 6/X e 7/X, o último dos quais, com outros Srs. Deputados, tive a honra de subscrever.
Exaustivo e documentado parecer emitiu a Câmara Corporativa sobre a proposta de lei n.º 14/X e ainda pareceres sobre os projectes n.º 6/X e 7/X; a exaustivo trabalho de adaptação e, vamos lá, de conciliação, procedeu a comissão eventual, de que o seu relator nos deu pormenorizado relato na primeira sessão deste período extraordinário.
Exaustivas e documentadas apreciações sobre os projectos n.ºs 6/X e 7/X ouviu já estia Assembleia pelas intervenções dos seus primeiros autores, Deputados Sá Carneiro, Mota Amaral e Duarte do Amaral.
Ficou esta Câmara esclarecida dos propósitos das propostas e segura da recta intenção que as ditou.
O mérito do aceito ficará posto ao julgamento de cada um de nos, e só a discussão ma generalidade, seguida da especialidade, poderá clarificar as ideias e julgar da oportunidade do quanto foi proposto.

O Sr. Sá Carneiro: - Muito bem!

O Orador: - A esta Assembleia competirá decidir. E uma única preocupação a todos domina: a de dotar a Nação ide um documento, documento base, o mais equilibrado, o mais de acordo com superiores interesseis do povo português.
Se há quem se oponha à menor mudança, ou à mais cautelosa modificação, também haverá quem pretenda mutações rapadas, alargamento exagerado de passos na caminhada que o País empreende. Se há que não seguir os primeiros, conveniente e prudente será acompanhar e moderar os segundos, certos de que no meio termo encontraremos as soluções anais adequadas a todos os nossos problemas.

A vida da Nação exige continuidade, e só nela pode inserir-se fecundamente a renovação. Não há, pois, que colocar a questão em termos disjuntivos, não há que escolher entre continuidade ou renovação, mas apenas que afirmar o propósito da renovação na continuidade., isto é, de seguirmos sendo quem somos, mas sem nos deixarmos anquilosar, envelhecer e ultrapassar.

Foram palavras (pronunciadas nesta Casa pelo Chefe do Governo, em Dezembro último, aquando do anúncio da proposta de revisão constitucional.
Síntese feliz do que, tendo em conta a nossa maneira de ser, o nosso modo actual de estar no Mundo mais convirá ao País.
Vivemos largos anos agarrados a um conformismo comodista e tomamos sempre, ou quase sempre, por fatalismo o que tínhamos por condição.
Mais fácil e mais simples culpar os outros de faltas, de falhas, que são de cada um de nós.
Teremos de encontrar, por nós próprios e com trabalho intenso, o caminho que procuramos, a meta que desejamos alcançar. Se permanecermos estáticos, esperando o auxílio dos outros, seremos, além de ingénuos e inconscientes, tão ou mais egoístas de que quantos, preocupados consigo mesmo, ouvem exultantes as nossas queixas, sem cuidarem de atender aos nossos padecimentos.
Procuremos ser coerentes e reconhecer que, só num dar de mãos, poderemos encontrar solução para os nossos problemas, mais graves do que os dos outros, porque são os nossos próprios problemas.
Acolhamos com a melhor disposição de espírito, até com a melhor predisposição de espírito, todas as ideias, todas as sugestões, e, afastados os preconceitos, procuremos, com inteligência, buscar de entre elas as que se entenda melhor solução darão aos nossos problemas.
É neste estado de espírito que eu não posso entender, e muito menos concordar, com as conclusões da Câmara Corporativa relativas aos projectos de lei n.ºs 6/X e 7/X, em que «desaconselha a sua aprovação na generalidade, sem embargo de reconhecer os altos propósitos dos Srs. Deputados que os subscrevem».
Julgo, em meu entender, que mal avisada andaria a Assembleia se seguisse tão douto conselho e, Sr. Presidente, quero aqui deixar expresso o meu voto, contrariamente ao aconselhado, que propõe, após a sua apreciação na generalidade, prossiga também o seu debate na especialidade.
Fugindo à pretensão, que não possuo, de entrar na apreciação na generalidade do conteúdo, tanto da proposta como dos projectos de lei a que me venho referindo, não podia nem devia deixar de atentar, na generalidade também, nos aspectos políticos que os mesmos contêm. Único aspecto que poderia contemplar quem não é versado em matéria de direito e, mais complexo ainda, de direito constitucional.
Mantida a estrutura política de 1933, tanto a proposta de lei como os projectos procuraram formas novas que melhor se adaptassem aos actuais interesses da Nação.
Não se pretendeu decretar uma nova Constituição, para o que não havia mandato, mas antes se procedeu a uma revisão.
Em certos casos, alterações em profundidade e até aspectos novos.
No projecto n.º 6/X, no capítulo referente às liberdades individuais, a eleição do Presidente da República; no n.º 7/X, a evocação do nome de Deus no princípio da sua lei fundamental; na proposta de lei, a da extensão dos direitos da cidadania portuguesa aos brasileiros, como o disposto recentemente na Constituição do Brasil, e, na mesma proposta, uma alteração, bem extensa, em relação ao ultramar português, são as alterações mais em evidência em cada um dos documentos.
Se a prudência, em sentido político, me afasta de votar favoravelmente o proposto no projecto n.º 6/X e nos aspectos que referi, isto porque bem avalio que «a liberdade individual não pode ser avaliada fora do meio social em que os cidadãos vivem e relativamente ao qual têm deveres tão imperiosos a cumprir», e porque estou inteiramente de acordo que, quanto à eleição do Chefe do Estado, «há que prosseguir na experiência adoptada e daí colher a lição para mais tarde formar um juízo fundado sobre a conveniência de A conservar ou substituir», o mesmo não sucede com o proposto no documento n.º 7/X, em que o nome de Deus, sempre no cerne de todos os nossos actos, bem se enquadra no documento base que rege um povo de índole cristã, que o levou bem alto a todos os cantos do Mundo onde chegaram as suas glórias.
A extensão dos direitos de cidadania portuguesa aos brasileiros, em correspondência, por ser recíproca, com

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o que foi tornado constitucional recentemente no Brasil mão a entendem os Portugueses como mero acto de reciprocidade. Irmãos pelo sangue, pelo idioma, Portugueses e Brasileiros encontram-se em sua casa quando se juntam em Portugal. É uma concessão que se faz a pessoa de família e que o povo português incontestavelmente apoia.
Desde a apresentação da proposta n.º 14/X ao País feita nesta Casa pelo Chefe do Governo, até à discussão a que estamos procedendo mediaram largos meses.
O País teve, durante este tempo, oportunidade de a discutir, de a comentar, de a criticar. E o título VII da proposta, na parte que respeita ao ultramar português, foi, talvez, a que mais comentários produziu.
Uns, para quem as inovações em matéria de tanto melindre, face à situação que o País atravessa, face à posição que o resto do mundo, em geral, tem tomado em relação ao ultramar, não escondem as suas dúvidas quanto ao acerto e, sobretudo, quanto à oportunidade das propostas. Outros, encontram nelas a forma pela qual, territórios tão vastos, melhor possam participar na renovação do País, utilizando mais, por si próprios, pelo seu próprio esforço, pela sua própria iniciativa, todas as possibilidades que o seu trabalho, a sua riqueza, lho consintam. E as melhores intenções, estou crente, ditam as razões de um e outros.
O quanto mais interessa ao País é o que deve ser posto em equação, afastando receios que, a mantê-los, nos amarrariam a fórmulas que, embora de pensamento posto na grandeza da Pátria, ditadas por um sentimento sincero, não consentiriam o progresso da Nação, no que estamos todos empenhados, metrópole e ultramar.
Analisando a proposta, teremos de concluir como verdadeiro que ela responde por si mesma. Representa a vontade, a expressão do sentir do povo português, e no que respeita ao ultramar.
Para a unidade, de que o ultramar de forma alguma deseja abdicar, encontramos a expressão nas afirmações do Chefe do Governo:

Uma integração bem entendida de todas as parcelas no todo português exige que cada uma nele se insira de acordo com as suas próprias feições geográficas, económicas e sociais. Não seria sã uma unidade que fosse conseguida não por acordo de vontades obtido na harmonia dos interesses, mas pelo espartilhamento forçado, segundo figurinos abstractamente traçados. A unidade nacional não prescinde das variedades regionais.

Para a descentralização administrativa:

As províncias ultramarinas carecem de manter uma organização político-administrativa como a que a Constituição lhes assegura: com leis votadas para cada uma pelos seus órgãos legislativos, com o governo privativo que assegure a marcha corrente da administração pública, com finanças provinciais que permitam custear as despesas locais com as receitas localmente cobradas segundo o orçamento elaborado e aprovado pela sua assembleia electiva. A soberania do Estado, una e indivisível, nem por isso deixará de afirmar-se em todo o território da Nação.

Reflectindo sobre estas afirmações, não me ficou receio de concluir que assim se deseja caminhar para um real, crescente, progressivo desenvolvimento e constante autonomia das províncias ultramarinas. Rumo que serve, incontestavelmente, os interesses morais, sociais e económicos do País, com base nas raízes da história de um Portugal que, para não soçobrar, tem de olhar com realismo para o mundo de hoje e firmar-se, sem medos, em futuro fortemente estruturado.
A proposta do Governo terá, em esmagadora maioria, o apoio dos portugueses da província de Angola. Nela encontrarão o que sempre por eles foi solicitado, e implorado até: o desejo «de renovação na continuidade».

O Sr. Barreto de Lava: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Barreto de Lara: - Eu queria reforçar as considerações que V. Ex.ª traçou em relação ao ultramar, já que quanto às outras poderei não estar de acordo...
E faço-o afirmando com todo o vigor, >e até por notícias bem recentes provenientes de Angola, que todas as alterações que se façam à proposta do Governo no tocante ao ultramar vão contra a vontade das gentes do ultramar.
Gostava de deixar isto bem expresso e bem claro, porque hoje tenho a certeza absoluta de que estou a produzir uma afirmação que é comungada pela maioria dos habitantes do ultramar português, pelo menos dos de Angola, que é o círculo que eu represento.
Era só isto que eu queria dizer.

O Orador: - Muito obrigado, Sr. Deputado, pela sua intervenção. Eu também estou absolutamente seguro das afirmações que faz.
Sr. Presidente: Terminarei, dando o meu voto favorável, na generalidade, à proposta do Governo, mas antes desejaria, porém, servindo-me de uma transcrição, afirmar:
Temos de nos acautelar com quem pretende - em certos casos, admitamo-lo, de boa fé - substituir a (prudência firme do que é razoável, digno e exequível, pelo gosto de criar fantasmas. Os tempos não são para tais delírios...
Tenho dito.

O Sr. Barreto de Lara: - Muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Joaquim Macedo: - Sr. Presidente: Antes de me decidir a tomar posição neste debate sobre a revisão constitucional, reflecti muito acerca do interesse que a minha intervenção poderia aqui trazer. Detentor do direito de voto, o qual representa indubitavelmente o mais importante e decisivo meio de participação do Deputado nas deliberações da Assembleia, entendo que intervir na discussão se justifica quando se supõe possível convencer da vantagem ou desvantagem de uma proposta.
Como subscritor do projecto de revisão n.º 6/X, poderia considerar conveniente fazer aqui a sua defesa, se ela não tivesse sido já assegurada, exaustiva e brilhantemente, por outros Srs. Deputados, que, com inteira justiça, podem reivindicar a sua autoria. Por que então venho eu, leigo em técnicas jurídicas, maçar a paciência de VV. Ex.ªs, já duramente posta à prova com esta maratona de intervenções, a que não tem faltado, felizmente e para prestígio desta Câmara, elevação no conteúdo, vivacidade e requinte na forma e desassombro na defesa de posições em muitos pontos bem distanciadas? E por que, então, continuando a pergunta, me decidi intervir neste debate na generalidade, apesar de ir repetir, e da pior maneira, muito do que já foi dito, até pelo facto de a fazer quase no seu encerramento? Simplesmente, porque, Sr. Presidente e Srs. Deputados, estou suficientemente consciente da extraordinária im-

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portância do tema e da gravidade da hora em que vivemos, para deixar, apesar do perfeito conhecimento das minhas limitações nesta matéria, de defender o melhor que posso e que sei aquelas soluções que entendo as melhores para o bem presente e, sobretudo, futuro deste País. Não quero que a consciência, supremo juiz dos meus actos, me acuse um dia de ter faltado, nesta hora, que bem pode ser decisiva, as responsabilidades que me cabem por ter agora assento aqui nesta Assembleia.
Uma constituição, selado a estrutura jurídica fundamental de uma sociedade política, não pode ser uma construção teórica e abstracta, mas, ao contrário, tem de revestir uma realidade social bem concreta e, naturalmente, evolutiva. Por isso me pareceu de algum interesse trazer a VV. Ex.ªs algumas breves e desvaliosas considerações sobre a sociedade em que vivemos, e sobre elas assentar a minha posição nesta apreciação na generalidade da proposta e dos projectos em discussão.
A sociedade portuguesa tem vindo a sofrer profundas e rápidas modificações. Mostram as estatísticas, e mais não fazem do que dar expressão quantitativa à evolução que todos comprovamos, que os nossos campos se vão despovoando daquele excesso de população que há bem poucos anos neles vivia. Aquela sociedade agrária tradicional, fortemente patriarcal e hierárquica, vivendo à sombra e sob a influência do presbitério, vegetando em economia de subsistência e suportando com resignação os azares de uma vida sem horizontes, vem-se sumindo rapidamente. E essa evolução é irreversível, por muito que pese aos que viam nessa sociedade o paradigma da vida calma e feliz, esquecendo-se de que atrás dessa fachada de bucolismo poético se escondia muita privação material e forte dose de menoridade humana e civil. Tem sido a industrialização e, com ela, a chamada das populações, antes rurais, à cidade apontadas como as causas imediatas destas mudanças. Mas na base, e como motor principal, creio bem estar sobretudo uma tomada de consciência de que há outros mundos além da aldeia natal e de que é possível enjeitar uma atitude passiva e tentar cada um construir o seu próprio futuro. Os poderosos e penetrantes meios de comunicação social, a emigração e mesmo a guerra que suportamos em África, com a deslocação de tantos soldados a que obriga, levam a todos os recantos, mesmo os mais afastados, o conhecimento desse outro mundo, com todas as portentosas maravilhas científicas e tecnológicas que consegue realizar e com um grau de desenvolvimento económico e social diferente do nosso. Como consequência, e simultaneamente também como causa motora dessa transformação, surge-mos ainda o fenómeno da escolarização. Massas cada vez maiores de estudantes, muitos dos quais, quando as condições se lhes proporcionam, fora já da normal idade escolar, acorrem às nossas escolas oficiais e particulares, desejosas de promoção por meio da cultura e do saber. Não é minha intenção, e disso tranquilizo já VV. Ex.ªs, procurar fazer uma análise sociológica da situação, mas Apenas tirar algumas necessárias ilações políticas.
Na sociedade agrária tradicional, o homem vive enquadrado em meio muito pequeno, com um quadro de valores muito estável, dominado por um culto profundo da autoridade do notável da terra, seja essa posição resultante da situação económica ou social ou do prestígio cultural ou político.
Por outro lado, a actividade agrícola subordina muito o homem às forças naturais, e esse facto não estimula a sua iniciativa, mas abafa-a e imprime-lhe uma mentalidade fortemente fatalista. Ao contrário, a sociedade industrial, projectando-o em meios maiores, desenquadra-o; sendo muito menos rígida e estratificada, dá-lhe outras oportunidades de acesso e de promoção, e o tipo de actividade que exerce marca muito mais as possibilidades de iniciativa do homem.
É essa nova sociedade, mais culta e mais consciente de si própria e dos seus interesses e, por isso mesmo, pouco inclinada a aceitar soluções paternalistas e a passar chequeis em branco por período indefinido, que surge na realidade portuguesa. Que resposta se vai dar e esse é o ponto fundamental, ao seu desejo de participar na construção do seu próprio futuro colectivo?
E aqui projecta-se logo um dos principais pontos contemplados «o projecto n.º 6/X, de que fui subscritor-eleição do Chefe do Estado. Já aqui foi salientado com todo o rigor jurídico, e isso dispensa-me de acrescer seja o que for a este respeito, a posição ímpar do Supremo Magistrado da Nação, os seus amplos poderes e a sua indendência perante os restantes órgãos de soberania.
Por isso, entenderam os subscritores do projecto referido, dada a proeminência e a independência que o Presidente da República assume na nossa Constituição, que a sua forma de eleição deveria voltar a ser feita pela Nação, através do sufrágio directo de todos os cidadãos eleitores. Tem sido repetidas vezes afirmado, já na última revisão constitucional e nesta que está ai decorrer, que também o sufrágio orgânico que agora vigora: é expressão da Nação, e até melhor ainda que o anterior, visto nos regermos por um regime corporativo, e estas afirmações têm sido assistidas por vastos e eloquentes argumentos de impecável sabor jurídico.
Confesso não me terem, porém, convencido, talvez devido à minha ignorância de direito constitucional, mas a larguíssima maioria dos cidadãos portugueses está exactamente nas minhas condições, e repito aqui a afirmação, durante a discussão de revisão constitucional de 1959, do Sr. Deputado José Saraiva, tantas vezes e tão justamente aqui citado:

Não basta que se diga que é a Nação que elege o Chefe do Estado; também é necessário que ai Nação sinta que o Chefe do Estado é eleito por ela.

Perfilho esta posição, não me tendo podido aperceber - e muito ao Contrário -, e VV. Ex.ªs certamente também não, que o sentimento popular seja o de se considerar participante, ainda que indirecto, na eleição do Supremo Magistrado da Nação.
E estaria o Governo que propôs a alteração da forma de eleição do Chefe do Estado convencido de que era realmente a Nação que continuava a eleger, no então novo regime de sufrágio orgânico? Não era isso patente, pelo menos com clareza, na proposta, que dizia textualmente:

O Chefe do Estado é o Presidente da República eleito por um colégio eleitoral, etc...

Essa fórmula foi objecto de uma proposta de modificação no parecer n.º 10/VII da Câmara Corporativa, nos seguintes termos:

A Câmara entende que poderia continuar a dizer-se como até aqui que o Chefe do Estado é o Presidente da República eleito pela Nação...

e prossegue adiante:

... é ainda a Nação que continua a eleger o Chefe do Estado - e, se a visão ou concepção corporativa é exacta, elege-o em termos da maior autenticidade.

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A forma condicional usada no parecer n.º 10/VII não se me afigura a mais convincente para justificar a excelência do novo medo de eleição...
E com esta dúvida passo adiante, a outro ponto fundamental, contemplado tanto na proposta do Governo como no projecto n.º 6/X - o dos direitos, liberdades e garantias fundamentais. Defensor da concepção cristã do homem, e por isso mesmo partidário de formas democráticas da organização da vida colectiva, não será de estranhar que acentue que as liberdades fundamentais devem ser seguramente consignadas na nossa Constituição, de forma que a regulamentação do seu uso não lhes vá, na prática, provocar amputações tais que as desfigurem substancialmente. Mas não é no campo dos principies, onde a sua defesa já foi aqui concludentemente feita, que me pretendo movimentar. É antes em terreno mais pragmático.
Volto atrás à afirmação de que a nova sociedade portuguesa, que está a emergir da vaga de transformações em curso, deseja participar mais efectivamente na construção do seu futuro colectivo. Mas participação supõe antes de tudo liberdade, e este aspecto não deve deixar de estar fortemente presente na revisão do diploma fundamental do nosso sistema político.
A nossa realidade social não tem hoje as características marcadamente agrárias e patriarcais da de 1933, as quais permitiram um regime autoritário, mas adoçado de certo paternalismo benévolo. Numa sociedade industrial, as liberdades fundamentais não podem estar sujeitas a racionamento e, por isso, em meu entender, o dilema com que nos enfrentamos hoje é este: ou estamos dispostos a adaptar gradualmente as instituições políticas do País aos novos condicionalismos sociais, ou teremos de aceitar o cada vez maior estrangulamento das crescentes tendências para a participação dos cidadãos na vida pública, o que conduzirá à necessidade evidente de reforçar esquemas totalitários de poder, susceptíveis de criar tensões ao nível político e social gravíssimas e de provocar rupturas brutais do sistema sócio-político. Pela minha parte não tenho dúvidas quanto à opção a fazer.
Tem sido aqui nesta Câmara apresentado como obstáculo à desejável ampliação das liberdades individuais o clima de agitação que o mundo conhece. Sou intransigente defensor da ordem e da paz social, mas entendo que elas não só não se opõem à Uberdade, mas antes a pressupõem: não há verdadeira ordem sem justiça e sem liberdade. Não é, porém, realista deixar de atender à possibilidade de movimentos de subversão de qualquer matiz, que visem suprimir a liberdade e de forma definitiva. O Estado tem, nessas circunstâncias, de dispor dos meios legais necessários para a defender, mas eu entendo mais conveniente o recurso temporário a medidas de excepção do que a limitação permanente da Uberdade dos cidadãos. O recurso a medidas excepcionais não pode deixar de tornar mais viva à sociedade a consciência de que o interesse geral está ameaçado e de levá-la a colaborar na defesa das liberdades em perigo.
Por outro lado, se é verdade que é mais fácil nas sociedades plenamente democráticas a manifestação de violência, é ainda mais certo que nelas a sua eficácia política é baixa. Os cidadãos que podem exprimir livremente a sua opinião e intervir, sem restrições injustificadas, na vida política não aderem à ilegalidade e à desordem.
E termino estas descoloridas considerações, tão contrastantes com as brilhantes lições aqui ouvidas, mas não sem antes afirmar, sem entrar em pormenores de enumeração, que também encontro no projecto n.º 7/X matéria a que dou a minha aprovação, e sem, por último, fazer uma referência particular às importantes alterações propostas pelo Governo ao regime jurídico das províncias ultramarinas, não para acrescentar ao que já foi dito, e tão autorizadamente, em sua defesa, mas apenas para deixar aqui expressa a minha completa adesão.
Por isso, dou a minha aprovação na generalidade à proposta e aos dois projectos apresentados de revisão constitucional.

Vozes: - Muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Miller Guerra: - Sr. Presidente: Pedi a palavra para fazer um breve acrescentamento à minha intervenção de há dois diais. Observaram-me que havia ficado no terreno dos conceitos gerais, sem me pronunciar sobre as questões positivais que aqui tem sido postas com insistência, ou seja, o modo de eleição presidencial e os poderes da Assembleia Nacional.
Na verdade, pouco mais tenho a dizer.
Pensei e penso que a posição a tomar sobre o modo de eleição do Chefe do Estado e dos poderes da Assembleia decorre do valor atribuído às liberdade públicas. Se se colocam, os direitos, liberdades e garantias individuais no lugar em que nós os colocámos, isto é, na base das instituições políticas, tudo quanto contribua para a sua tradução na prática da vida social é benvindo. O que for em sentido oposto, contrariando o exercício dessas mesmas liberdades, deve rejeitar-se.
Auscultando a opinião pública - aquela opinião que se não contagiou pela propaganda da ideologia dominante; confrontando o desejo manifestado pelo País, dará ou obscuramente, de se emancipar das formas antigas de tutela e sujeição; comparando o povo português, mantido num estado de menoridade política, com outros povos do mesmo tipo de civilização; prevendo o rumo que forçosamente vai tomar a vida sob a influência conjugada das expectativas e das forças sociais e políticas preponderantes, reflectindo em tudo isto, sinto fortalecida a convicção de que o progresso só se faz na liberdade, tendo como critério a igualdade e a justiça.
Nestas condições, não posso deixar de defender o sufrágio universal directo como modo de eleição do Chefe do Estado e o aumento dos poderes da Assembleia - passos para o estabelecimento da legitimidade democrática.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Magalhães Mota: - Sr. Presidente: Subindo pela segunda vez a esta tribuna no decorrer da discussão na generalidade da revisão constitucional, muito dificilmente poderei não repetir-me ou repetir alguma intervenção aqui feita.
Correrei, no entanto, o risco.
Até por me parecer útil esclarecer alguns pontos ainda em aberto.
1. Tenho para mim que sempre, em qualquer momento e lugar, três atitudes políticas são possíveis.
Podemos sempre demitir-nos. É cómodo, fofo e morno. (Risos!) Podemos resignar-nos a que sempre alguns ou alguém decida por nós. Podemos ter a esperança, por mais pequenina que seja, de acrescentarmos algo de nós mesmos à construção e aos projectos da nossa terra.
Julgo que terei deixado bem claro que entendo a participação como possível e desejável.

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2. Penso também que toda a acção política, precisamente por ser acção, procura realizar-se em actos.
Não penso que isso seja conciliável com nenhuma espécie de intolerância ou rigidez.
Creio que há, cuidadosamente, que descobrir o que é essencial, ir formando opiniões, esclarecer sempre, convencer, se possível. Também foi quanto procurei fazer.
3. Uma sociedade só se constrói construindo em conjunto o seu futuro.
As tácticas tortuosas e as habilidades de vistas curtas voltam-se sempre contra os seus autores.
O povo vai repetindo em sua sabedoria que o «bom julgador por si se julga»...

O Sr. Barreto de Lara: - Muito bem!

O Orador: - Eu direi só que o respeito por nós mesmos implica o respeito pelos outros.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Passo adiante.
4. A réplica.
Para alguns opositores do projecto n.º 6/X, que subscrevi, um dos seus defeitos seria a sua origem, que apelidam de «histórica»...
Não lhes direi que o corporativismo é medieval. Mas direi da minha estranheza em ver atacadas a «tradição» e a história.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - 5. Há, aliás, um «erro» de perspectiva.
Afirmar a eminente dignidade da pessoa humana não é uma herança da Revolução Francesa ou do Liberalismo. Lembrou-o Mounier no Encontro Internacional de Genebra de 1947:

Todos os dias se diz de Cristo em todas as igrejas: e fez-se homem. Neste momento, os fiéis ajoelham-se.
Ao cristão de hoje, que pretende fazer de anjo fugindo ao homem e amaldiçoando-o, não temos outra coisa a pedir:...

Vozes: - Muito bem!

O Orador:

... que se faça homem, plenamente homem; que sinta a Paixão e que de cada homem, sem excepção, se possa dizer que ele se pôde fazer homem, plenamente homem.
Aparentemente, é pouquíssimo...

O Sr. Almeida Cotta: - V. Ex.ª entende que há algum Deputado desta Câmara que negue a eminente dignidade da pessoa humana?

O Orador: - Não.
Gostaria até de pensar que sim.

O Sr. Almeida Cotta: - Podem discutir-se os processos que melhor a defendam, mas nunca recusar. Eu não a recuso a V. Ex.ª e estou certo que V. Ex.ª não a recusará a mim, que todos estamos animados dos melhores propósitos de defender esses princípios.

O Orador: - Muito obrigado. Agradeço a V. Ex.ª não só as suas palavras como a boa intenção que elas revelam, o que me enche de optimismo.

O Sr. Almeida Cotta: - Tais intenções já são alguma coisa, embora o ditado... enfim, adiante.

O Orador: - Aí a minha alegria do nosso encontro.

(Risos).

... Mas é muito mais difícil do que soltar grandes brados para alvoroçar as almas sensíveis [...]1.

6. A intervenção feita pelo Deputado Gonçalves de Proença a título pessoal, e não já como relator da comissão, focou essencialmente quatro aspectos que considerou como os destacados da revisão. É a sua opinião (e não a minha) que sejam apenas aqueles quatro.
Tendo tido conhecimento de que o Dr. Gonçalves Proença não pode estar presente à sessão de hoje, eliminei precisamente metade das palavras que iria pronunciar.
Se ele se proporcionar, ficará para outra oportunidade a análise, que me propunha, dos seguintes pontos:

Concepção personalista (e não transpersonalista) da nossa Constituição;
Distinção do corporativismo como sistema económico-social, sistema político ou sistema «total».

Dos pontos abordados pelo Dr. Gonçalves Proença apenas, partanto, me referirei a dois. Por terem sido já amplamente focados e porque provavelmente voltarão a sê-lo, já me parece perfeitamente possível encará-los agora.
Refiro-me aos direitos, liberdades e garantias individuais e ao processo de eleição do Chefe do Estado.
Beneficiaremos todos, uma vez que falarei menos.

O Sr. Sá Carneiro - Não apoiado!

O Orador: - Deixarei para a discussão na especialidade a ponderação da vantagem em explicitar o direito à livre deslocação no território nacional, à emigração e à informação, que o Deputado Gonçalves de Proença entende já implícitos.
Só pretendo salientar que tais direitos não são conferidos pela lei, mesmo constitucional. São anteriores a ela, porque inerentes à própria dignidade da pessoa humana.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Não é a pessoa que é limitada pela lei. É o Estado que aceita como limites os que resultam da natureza da pessoa, e aceita-os nos próprios termos do artigo 4.º da Constituição.
Por isso, também, não posso sequer desejar acompanhar na sua lógica os argumentos extraídos de uma premissa que não aceito.
7. Também, não aceito as premissas do raciocínio efectuado quanto ao processo de designação do Chefe do Estado.
Não é verdade que o sistema de colégio eleitoral nos termos entre nós vigentes desde 1959 tenha aceitação noutros lugares na doutrina dos constitucionalistas ou nos textos constitucionais.
A minha modéstia vai ao ponto de me contentar com um único exemplo...

1 Contra as máquinas. O encontro tinha como tema «Progresso técnico e progresso moral».

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E anoto desde já que na Constituição Espanhola de 1931 havia um colégio, mas constituído pelas Cortes e por um número de eleitores de segundo grau igual ao número de membros das Cortes, mas eleitos por sufrágio directo. Nem se fale também da Constituição Italiana de 1947, da Constituição Francesa de 1958 ou da actual Constituição Alemã ou do colégio eleitoral americano.
Não há qualquer semelhança, nem na dimensão, nem na representatividade, nem no processo de designação dos membros do colégio.
Nem entre o regime português, sem partidos políticos, e qualquer dos exemplos apontados.
9. Concluo já. É que eu entendo que, quando se fala de homens, e são os homens que estão em causa, não é possível confundi-los com pediras.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Integrados nos grupos, não perdem a qualidade nem a eminente dignidade.
Não há parcelas de homem. Reduzir a possibilidade de actuação política de cada pessoa ao seu enquadramento num grupo é negar a sua unidade, é admitir que a sua consciência e a sua liberdade estão repartidas e limitadas por tantos pontos de vista quantos os dos grupos em que se integra, é conceder que o homem é totalmente condicionado no seu pensamento e agir pelo grupo em que se insere.

O Sr. Almeida Garrett: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Com certeza.

O Sr. Almeida Garrett: - Eu só pedia um esclarecimento para poder seguir o raciocínio de V. Ex.ª E é este: V. Ex.ª diz, se bem entendi, que a própria unidade da pessoa exige que ela, por assim dizer, consiga ultrapassar o seu múltiplo enquadramento, a sua expressão num múltiplo enquadramento, nos diversos grupos de interesseis em que participa. É isto?

O Orador: - Exacto.

O Sr. Almeida Garrett: - Se é assim, eu queria pedir a V. Ex.ª o seguinte esclarecimento: entende V. Ex.ª que, por esse facto, a multiplicidade de participação que um indivíduo tem em todos os grupos de interesses em que
é chamado a viver...

O Orador: - E que não anula os seus grupos...

O Sr. Almeida Garrett: - ... por sua própria natureza, faz com que a única saída para a expressão da sua personalidade seja a expressão puramente individual?

O Orador: - Não.

O Sr. Almeida Garrett: - Muito obrigado.
Creio que é, também, tratar os homens como pedras e só reconhecer valor aos edifícios.
O que vale é que os «edifícios se esboroam sem as pedras». Não fui eu quem tirou a conclusão...
E a culpa não é da Constituição.

Vozes: - Muito bem!

(Risos.)

O Orador: - 10. Termino. Descobri que, na tese exposta, os municípios votam como tais e por via da Câmara Corporativa. Eu, como indivíduo, chefe de família, advogado e deputado. O que quer dizer que os portugueses que são só indivíduos e chefes de família votam menos que eu.

O Sr. Almeida Garrett: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Faça favor.

O Sr. Almeida Garrett: - Desculpe-me, mas nesse ponto é que me permito discordar de V. Ex.ª

O Orador: - Com todo o direito.

O Sr. Almeida Garrett: - Com todo o respeito e que a tolerância mútua dá.

O Orador: - Muito obrigado.

O Sr. Almeida Garrett: - Ora, a expressão múltipla da personalidade humana não pode de maneira nenhuma permitir a V. Ex.ª a conclusão de uma restrição.
O indivíduo que participa em menos grupos, é evidente que ao votar - como V. Ex.ª diz -, não sei se a expressão está inteiramente correcta...

O Orador: - O que eu estava a reagir era à excessiva ampliação...

O Sr. Almeida Garrett: - Não, mas nem ganha, nem perde, porque, em qualquer dos casos, o que o voto exprime é a sua personalidade nesse campo. Se ele participa em mais grupos, pois a sua personalidade passa a ser, pura e simplesmente, expressa pelos grupos em que participa.
Se ele é exclusivamente chefe de família, suponhamos, e se fosse possível, é evidente que aí havia, na mesma, a participação adequada pela expressão da sua personalidade; se ele participa em mais grupos, não vota nem mais, nem menos. O que se exprime é por mais grupos.

O Orador: - Vem a dar na mesma. Eu diria até, que para clarificar o nosso pensamento oculto e para lhe tirar um pouco de colorido poderíamos até raciocinar em termos de direito comercial.

O Sr. Almeida Garrett: - E uma coisa que não sei nada.

O Orador: - Mas o exemplo é perfeitamente elementar. Aí, um accionista de uma sociedade anónima pode participar na assembleia geral como accionista a título individual e ao mesmo tempo estar representado, porque é accionista de uma outra sociedade, por hipótese, que também é accionista desta, cuja assembleia geral se manifesta, e, portanto, está também aí representado.
Eu julgo que nesse caso, que é muito paralelo, mas que oferece a vantagem de ser mais neutro, o indivíduo tem o seu voto pessoal e tem mais um voto ou mais uma parcela de voto correspondente a um seu interesse nesse outro sector.
Ora, eu julgo que, quando passamos do campo do puramente económico para o campo político, é a pessoa totalmente que conta.

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E, quando ela se manifestou como tal, não foi capaz de cindir os seus vários interesses. Todos eles estavam presentes e coincidentes na sua única forma, na sua única qualidade e dignidade e unidade da pessoa. Quer dizer: quando V. Ex.ª, quando eu votamos, votamos com tudo quanto somos. Votamos com a nossa qualidade pessoal, com os estudos e os trabalhos que fizemos, com a família e o pensar em que nos integramos.

Quando votamos por nós, votamos já com tudo isso.

O Sr. Almeida Garrett: - Mas isso corresponde, precisamente, à afirmação de V. Ex.ª que considera perfeitamente ilegítima toda e qualquer representação que não seja a representação puramente pessoal?

O Sr. Sá Carneiro: - Pessoal sim, mas individual não.
É diferente.

O Sr. Pinto Machado: - É radicalmente diferente!

O Orador: É radicalmente diferente, o pessoal do individual.

O Sr. Almeida Garrett: - O voto pessoal, como eu entendi, é o voto que exprime toda a personalidade.

O Orador: - A concepção do voto individual, alargado e ampliado dos vários interesses, era a de V. Ex.ª, não a minha.

O Sr. Almeida Garrett: - Não, está completamente enganado.
V. Ex.ª, então, desculpe, mas lamento que não me tenha feito compreender.

O Orador: - O defeito deve ter sido meu.

O Sr. Almeida Garrett: - A expressão de pessoa, através de todas as suas participações, essa é que dava a possiblidade de expressão pessoal. O resto, que estava em causa, era a expressão pessoal, como monopólio de um voto individual.

O Sr. Sá Carneiro: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Faça favor.

O Sr. Sá Carneiro: - Eu queria dizer, em primeiro lugar, que lamento muito que tenha suprimido parte do discurso e por isso não o apoiei há bocado quando dizia que fomos todos beneficiados.
Em segundo lugar, quanto a este ponto concreto, o Sr. Deputado Magalhães Mota distinguiu apenas os vários interesses acumulados na mesma pessoa e deu um exemplo pertinente e concreto.
Mas há mais do que isso. Há a desigualdade perante o voto. Vejamos o chefe de família.
O chefe de família vota na eleição dos representantes dos chamados elementos estruturais e vota na eleição dos Deputados. Mas a mulher do chefe de família só vota na eleição dos Deputados.

O Orador: - Exacto.

O Sr. Sá Carneiro: - Os filhos maiores dos chefes de família só votam na eleição dos Deputados.

O Orador: - É exacto.

O Sr. Sá Carneiro: - Mas há mais. Eu pasmo quando me dizem que este modo de eleição é a cúpula do corporativismo; e pergunto: a cúpula do corporativismo? E o ultramar? Acaso estará completada a organização corporativa no ultramar?
Como pode ser cúpula, pois, de uma pequena parcela do território nacional? Era isto que queria deixar em apontamento. Muito obrigado.

O Sr. Barreto de Lara: - Inteiramente exacto!

O Orador: - Quero finalmente acrescentar que também não aceito o dilema posto pelo Dr. Homem de Melo no que se refere à posição a adoptar perante o parecer da Câmara Corporativa de 1951 de que foi relator o Prof. Marcelo Caetano. Estou à vontade para o fazer: primeiro, por no plenário não ter citado o parecer em causa; segundo, por ser já suficientemente conhecida a minha opinião sobre esse texto.
Considero-o um notabilíssimo estudo, que põe a questão em termos para mim decisivos.
Precisamente por isso não aceito como possível uma mudança de opinião no campo dos princípios. Confirma-o, para mim, aliás, a apresentação da proposta do Governo, justificada em puros termos políticos, de oportunidade.
Também não aceito fazer a discussão em termos de autoridade: tenho a mais profunda admiração e respeito pelo valor intelectual do parecer em causa. Mas se o usasse seria tão-sòmente para ajudar as minhas, pobres mas minhas, argumentações.
Sr. Presidente: Por acaso li ontem o Livro de Leitura da Terceira Classe2, por onde minha filha mais velha vai aprender.
Li o seguinte texto:

O pai do Raul almoçou cedo nesse dia, porque desejava ser dos primeiros a cumprir o dever de votar nas eleições para a junta de freguesia da sua terra.
- Não - dizia ele para a sua mulher - não posso nem quero ficar indiferente perante um acto de que depende o progresso da nossa povoação [...]
Também nas eleições para a Assembleia Nacional, e até para as do Presidente da República, se manifestava sempre nele a vontade forte de intervir com o seu voto no bom andamento da administração pública.

(Risos.)

O modelo cívico das nossas crianças vota sempre, até para a eleição do Presidente da República.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Disse.

(Risos.)
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: Dois Srs. Deputados que se haviam inscrito para falar, e que eu contava o fizessem nesta sessão, não puderam executar os seus propósitos. Vou, pois, encerrar já a sessão. A próxima será esta tarde, à hora regimental, tendo a mesma ordem do dia.

Eram 12 horas e 40 minutos.

2Editorial Domingos Barreira, 4.a edição, p. 150.

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2248 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 111

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

António Lopes Quadrado.
Camilo António de Almeida Gama Lemos de Mendonça.
Deodato Chaves de Magalhães Sousa.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
João António Teixeira Canedo.

oão Bosco Soares Mota Amaral.
João Pedro Miller Pinto de Lemos Guerra.
João Ruiz de Almeida Garrett.
Joaquim Carvalho Macedo Correia.
José Coelho de Almeida Cotta.
José Maria de Castro Salazar.
José de Mira Nunes Mexia.
José Vicente Pizarro Xavier Montalvão Machado.
Manuel Valente Sanches.
D. Maria Raquel Ribeiro.
Maximiliano Isidoro Pio Fernandes.
Prabacor Rau.
Rafael Valadão dos Santos.
D. Sinclética Soares dos Santos Torres.
Vasco Maria de Pereira Pinto Costa Ramos.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Albino Soares1 Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre José Linhares Furtado.
Amílcar Pereira de Magalhães.
António Bebiano Correia Henriques Carreira.
António Júlio dos Santos Almeida.
António Pereira de Meireles da Rocha Lacerda.
Augusto Domingues Correia.
Delfino José Rodrigues Ribeiro.
Fernando Artur de Oliveira Baptista da Silva.
Francisco Correia das Neves.
Francisco José Pereira Pinto Balsemão.
Francisco Manuel de Meneses Falcão.
Francisco de Mancada do Casal-Ribeiro de Carvalho.
Henrique dos Santos Tenreiro.
João Paulo Dupuich Pinto Castelo Branco.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Jorge Augusto Correia.
José Coelho Jordão.
José da Costa Oliveira.
José Guilherme de Melo e Castro.
José João Gonçalves de Proença.
José da Silva.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Lopo de Carvalho Cancella de Abreu.
Luís Maria Teixeira Pinto.
D. Luzia Neves Pernão Pereira Beija.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel José Archer Homem de Mello.
Ricardo Horta Júnior.
Rui Pontífice Sousa.
Tomás Duarte da Câmara Oliveira Dias.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Vítor Manuel Pires de Aguiar e Silva.

O Redactor - Luiz de Avillez.

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