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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL E DA CÂMARA CORPORATIVA
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 122
ANO DE 1971 16 DE JULHO
X LEGISLATURA
(SESSÃO EXTRAORDINÁRIA)
SESSÃO N.º 122 DA ASSEMBLEIA NACIONAL
EM 15 DE JULHO
Presidente: Exmo. Sr. Carlos Monteiro do Amaral Netto
Secretários: Exmos. Srs.João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira
Amílcar da Gosta Pereira Mesquita
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta, a sessão às 15 horas e 55 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foram presentes à Assembleia, para efeitos do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, vários decretos-leis.
O Sr. Deputado Leal de Oliveira requereu informações sobre empréstimos à indústria hoteleira e similares, de interesse turístico, na província algarvia, no último quinquénio (1966-1970).
O Sr. Deputado Almeida e Sousa referiu-se ao significado e importância da visita do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros a Espanha.
O Sr. Deputado Valadão dos Santos focou alguns problemas que afectam o progresso dos Açores.
Ordem do dia. - Continuou a discussão na generalidade da proposta de lei sobre a liberdade religiosa, tendo usado da palavra os Srs. Deputados D. Custódia Lopes, Miller Guerra, Sousa Pedro, José da Silva e Mota Amaral.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 17 horas e 35 minutos.
Textos aprovados pela Comissão de Legislação e Redacção. - Decreto da Assembleia Nacional, sob a forma de resolução, acerca das contas gerais do Estado respeitantes ao exercício de 1969.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 15 horas e 45 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Albano Vaz Pinto Alves.
Alberto Eduardo Nogueira Lobo de Alarcão e Silva.
Alberto Maria Ribeiro de Meireles.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Álvaro Filipe Barreto de Lara.
Amílcar da Costa Pereira Mesquita.
António Bebiano Correia Henriques Carreara.
António Fausto Moura Guedes Correia Magalhães Montenegro.
António da Fonseca Leal de Oliveira.
António Lopes Quadrado.
António Pereira de Meireles da Rocha Lacerda.
Aramando Júlio de Roboredo e Silva.
Armando Valfredo Pires.
Artur Augusto de Oliveira Pimentel.
Augusto Domingues Correia.
Augusto Salazar Leite.
Bento Benoliel Levy.
Carlos Eugénio Magro Ivo.
Carlos Monteiro do Amaral Netto.
D. Custódia Lopes.
Delfino José Rodrigues Ribeiro.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Eleutério Gomes de Aguiar.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Fernando do Nascimento de Malafaia Novais.
Fernando de Sá Viana Rebelo.
Filipe José Freire Themudo Barata.
Francisco Esteves Gaspar de Carvalho.
Francisco João Caetano de Sousa Brás Gomes.
Francisco José Peneira Pinto Balsemão.
Francisco Manuel de Meneses Falcão.
Francisco de Mancada do Casal-Ribeiro de Carvalho.
Francisco de Nápoles Ferraz de Almeida e Sousa.
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Gabriel da Costa Gonçalves.
Gustavo Neto Miranda.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Humberto Cardoso de Carvalho.
João António Teixeira Canado.
João Bosco Soares Mota Amaral.
João Duarte de Oliveira.
João José Ferreira Forte.
João Lopes da Cruz.
João Manuel Alves.
João Pedro Miller Pinto de Lemos Guerra.
João Ruiz de Almeida Garrett.
Joaquim Carvalho Macedo Correia.
Joaquim Germano Pinto Machado Correia da Silva.
Joaquim Jorge Magalhães Saraiva da Mota.
Joaquim de Pinho Brandão.
Jorge Augusto Correia.
José Coelho de Almeida Cotta.
José Coelho Jordão.
José da Costa Oliveira.
José Gabriel Mendonça Correia da Cunha.
José João Gonçalves de Proença.
José Maria de Castro Salazar.
José de Mira Nunes Mexia.
José dos Santos Bessa.
José da Silva.
José Vicente Cordeiro Malato Beliz.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Júlio Dias das Neves.
Lopo de Carvalho Cancella de Abreu.
D. Luzia Neves Fernão Pereira Beija.
Manuel Artur Cotta Agostinho Dias.
Manuel Elias Trigo Pereira.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel de Jesus Silva Mendes.
Manuel Joaquim Montanha Pinto.
Manuel Marques da Silva Soares.
Manuel Martins da Cruz.
Manuel Monteiro Ribeiro Veloso.
Manuel Valente Sanches.
D. Maria Raquel Ribeiro.
Maximiliano Isidoro Pio Fernandes.
Miguel Pádua Rodrigues Bastos.
Olímpio da Conceição Pereira.
Pedro Baessa.
Prabacor Rau.
Rafael Ávila de Azevedo.
Rafael Valadão dos Santos.
Ramiro Ferreira Marques de Queirós.
Raúl da Silva e Cunha Araújo.
Ricardo Horta Júnior.
Rui de Moura Ramos.
D. Sinclética Soares dos Santos Torres.
Teodoro de Sousa Pedro.
Teófilo Lopes Frazao.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Vasco Maria de Pereira Pinto Costa Ramos.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 91 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 15 horas e 55 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Como o n.º 120 do Diário das Sessões só há pouco pôde ser distribuído a VV. Ex.ªs, não o ponho Hoje em apreciação. Será sujeito a reclamações amanhã.
Não tenho tão-pouco expediente para fazer ler a VV. Ex.ªs
Informo que, enviado pela Presidência do Conselho, se encontra na Mesa, para cumprimento do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, o suplemento do Diário do Governo, n.º 163, de 13 do corrente mês de Julho, que insere o Decreto-Lei n.º 299/71, que aprova, para ratificação, o Regulamento Sanitário Internacional (n.º 2) da Organização Mundial de Saúde, aprovado pela XXLI Assembleia Mundial de Saúde e assinado em Boston em 25 de Julho de 1969, e revoga os Decretos-Leis n.ºs 39 193, 41 304 e 47 479.
Igualmente enviado pela Presidência do Conselho e para os mesmos efeitos do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, encontra-se na Mesa o Diário do Governo, n.º 164, de 14 do corrente mês de Julho, que insere os Decretos-Leis n.ºs 300/71, que dá nova redacção ao antigo 24.º do Decreto-Lei n.º 42 151, que cria a Academia Militar, estabelecimento de ensino superior destinado a formar oficiais para os quadros permanentes do Exército e da Força Aérea; 301/71, que autoriza o Fundo de Fomento da Habitação a contrair na Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência um empréstimo amortizável do montante de 19 000 contos; 302/71, que autoriza a Sociedade dos Armadores das Pescas em Moçambique, S. A. R. L. - Arpem, a importar do estrangeiro, com isenção de direitos e da taxa dos emolumentos gerais, três embarcações de feno de tonelagem bruta inferior a 1000 t cada uma, destinadas exclusivamente às suas actividades de pesca, e 303/71, que determina que o disposto no artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 122/70 (condicionamento industrial no espaço português) seja interpretado no sentido de não alterar o regime especial da Lei n.º 1947 (petróleos brutos).
Tem a palavra, para um requerimento, o Sr. Deputado Leal de Oliveira.
O Sr. Leal de Oliveira: - Sr. Presidente: Pedi a palavra para enviar para a Mesa o seguinte
Requerimento
Nos termos regimentais, requeiro que pelo Fundo de Turismo me sejam facultados elementos que me possam elucidar como se distribuíram no último quinquénio - 1966-1970 - as verbas destinadas a empréstimos à «indústria hoteleira e similares» e empréstimos a «outras realizações de interesse turístico», às empresas com empreendimentos na província algarvia.
Pretende-se também conhecer todas as empresas contempladas, tipo de empreendimento, total do custo da obra financiada, verba emprestada por empreendimento e o total anual dos empréstimos concedidos no referido quinquénio.
O Sr. Almeida e Sousa: - Sr. Presidente: No seguimento de uma política que já tem muitos anos de persistência e cujas dificuldades ninguém honestamente pode minimizar, encontra-se novamente em Espanha o Ministro dos Negócios Estrangeiros português.
Não se mudam séculos em dias e são muitos os problemas que longos caminhos divergentes criaram à aproximação que agora todos desejamos. Aproximação mais do que de palavras, e até de sentimentos, aproximação real que as novas coordenadas do mundo exigem.
Já aqui disse e repeti que penso que o costas contra costas em que durante séculos vivemos é bem respon-
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sável no atraso do nosso interior, no desequilíbrio da nossa economia. Muralhas da China já não são dos nossos dias, mormente quando o direito à emigração é um direito incontestado.
O Sr. Joaquim Macedo: - Muito bem!
O Orador: - Bem hajam, pois, os que, sem receio das dificuldades que sabem ir encontrar, procuram vencer o que nos divide e criar novas fórmulas de união e de entendimento que o futuro nos há-de agradecer.
Não nos podemos olvidar de que, se há dificuldades na política que queremos prosseguir, há muito, muito mais que nos une e a que tantas vezes não damos sentido.
A Espanha tem demonstrado nos últimos anos uma incontestável ideia de realismo, graças à qual, diante de nós, quase dia a dia, realizou o que tantos, na Europa, e apesar de todas as vicissitudes, querem já chamar o milagre espanhol.
Seria néscio negar o que todos vimos vendo. Vimos vendo com orgulho, quase que diria com inveja.
Uma política válida de aproximação peninsular, todos estamos convencidos, há-de trazer para a Nação Portuguesa reais vantagens. Não admira, pois, que a Nação siga as diligências que vão sendo feitas com interesse, ansiedade e, sobretudo, esperança.
Interesse, ansiedade e esperança que estas simples palavras de apoio, ditas por quem, para isso, se não arroga senão da sua qualidade de português, não fazem mais do que traduzir.
O Sr. Joaquim de Macedo: - Apoiado!
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi cumprimentado.
O Sr. Valadão dos Santos: - Sr. Presidente: Há dias, aquando da discussão de um dos artigos da Constituição, o meu ilustre amigo e colega nesta Câmara, o Deputado Barreto de Lara, num aparte um tanto jocoso, dizia que ilhas e ultramar eram uma e a mesma coisa. Verdade é, Sr. Presidente, que, geogràficamente falando, poder-se-ia considerar as ilhas como ultramar, e era bom que o fossem, pois, ao menos, assim gozaríamos das muitas regalias e vantagens que as nossas províncias ultramarinas hoje, felizmente, susufruem. O pior é que, politicamente, somos considerados metrópole, com a agravante de termos o mar a separar-nos, que o mesmo é dizer a lançar-nos, tantas vezes, no esquecimento. Esquecimento que nos deixa profundamente magoados e em situação de quase desfavor, quando comparamos o desenvolvimento e progresso eloquente de todas as regiões do continente e as relacionamos com as dos Açores.
O Sr. Duarte do Amaral: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Faça favor.
O Sr. Duarte do Amaral: - V. Ex.ª disse que gostaria que as ilhas fossem, consideradas ultramar. Eu era para dizer que algumas temais da metrópole queriam ser consideradas como as ilhas.
O Orador: - Eu não disse que gostaria que as ilhas fossem consideradas ultramar. Disse que as ilhas não têm, infelizmente, as regalias que tem o ultramar.
O Sr. Duarte do Amaral: - É o mesmo.
O Orador: - Aqui, o atraso nesse progresso é flagrante, e daí a necessidade de, uma vez por outra, lançarmos uns brados de insatisfação e de alarme, para que justiça e só justiça nos seja feita.
Sr. Presidente: É evidente que deste atraso todos somos culpados - falo pelo meu distrito, o de Angra do Heroísmo -, sobretudo, nós próprios e as entidades distritais responsáveis, porque nunca, talvez, tivéssemos posto com aquela coragem, com aquela veemência e acuidade que alguns problemas merecem e devem ser postos à consideração do Governo, o qual - faça-se essa justiça - não nos deixaria assim durante tão dilatado tempo a aguardar que certas soluções caíssem do Céu!...
É o caso, por exemplo, da situação dramática em que se encontra a nossa Junta Geral, que, desde os últimos aumentos de vencimentos - há mais de seis anos! -, ficou reduzida pura e simplesmente a mera pagadoria. A sua escassez de verbas é tão aflitiva e confrangedora que o meu distrito deve ser, ou melhor é, sem receio de contestação, o único onde ainda não há uma única escola a funcionar com a 5.ª e 6.ª classes! E, perante uma situação de tamanho desfavor, e que tão pernicioso é, pois coloca parte dos nossos jovens em futuros concursos em situação de plena desigualdade com os dos outros distritos. Isto apenas para só falarmos num aspecto da questão...
Todavia, não descortino, Sr. Presidente, melhores perspectivas para o próximo ano lectivo. Tudo como dantes, ou melhor, como há vários anos atrás, em virtude de andarmos a marcar passo... Também é certo que não vejo os directos responsáveis por estas e outras anomalias distritais, isto é, algumas das entidades locais, demasiado preocupados...
E, entretanto, nem um subsídio de emergência perante uma situação tão deplorável se conseguiu para a Junta Geral poder fazer face a encargos tão importantes como este atrás apontado.
E já que em assuntos de ensino falei, quero fazer daqui um apelo ao Sr. Ministro da Educação - esse Ministro que vem realizando uma obra que ficará a marcar, de maneira excepcional, a passagem do Prof. Veiga Simão por uma pasta tão delicada e difícil como é a que ele dirige. Eu apelo para S. Ex.ª para que no próximo ano lectivo, que agora se avizinha, não permita que suceda como aconteceu em vários liceus, mas, especialmente, no de Angra, e que foi o de se chegar ao fim de fevereiro e ainda não haver professores para disciplinas da maior importância, como a Matemática, Físico-Química, Inglês, Geografia, etc. Ao cabo de cinco meses, ou melhor, apenas a três do fim dos trabalhos escolares, anos de exame, como o 5.º e o 7.º, sem terem tido uma única aula destas matérias! Não será necessário acentuar o que isso representa de atraso e de transtornos futuros na vida desses alunos, e não podemos, com razão, calar as bocas àqueles pais que dizem que pagaram as propinas para os filhos terem todas as aulas.
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Agostinho Cardoso: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Agostinho Cardoso: - Estou a ouvir V. Ex.ª a falar do seu arquipélago dos Açores e a pensar que no arquipélago da Madeira o problema é semelhante. Não
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há dúvida que há uma estruturação por fazer de todos os problemas do ensino e seria de desejar - como todos nós desejaríamos - que o Ministro da Educação se deslocasse àqueles arquipélagos para estudar o conjunto dos nossos problemas.
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Agostinho Cardoso: - No ensino primário, nos temos o problema das escolas que ficam distantes, das residências para professores e da dificuldade de chegar lá, cada manhã de chuva, que sentem os professores que tem de morar longe.
No ensino secundário, temos o problema das bolsas de estudo para os alunos que moram muito longe dos centros ou para os colégios e liceus que poderiam ser instalados na periferia.
Ainda temos o problema dos institutos politécnicos, que agora vão começar e que tanto interessava para as ilhas.
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Agostinho Cardoso: - Temos também o problema da Universidade, continuando o ensino universitário a ser privilégio de três cidades privilegiadas, passe o pleonasmo, de Lisboa, Porto e Coimbra.
Não é fácil pensar-se que haja cursos universitários nas ilhas dentro de um certo tempo, mas os nossos estudantes universitários têm de vir fazer o exame de admissão a Lisboa, Coimbra ou Porto. Nem sequer se conseguiu o que se fazia outrora em relação ao ultramar antes dos Estudos Gerais e das Universidades ultramarinas: que se desloque uma brigada de professores às ilhas para fazer es exames de admissão às Universidades ou que estes sejam feitos por via de prova escrita e classificados na metrópole.
Não há qualquer espécie de auxílio aos estudantes universitários, nem viagens pagas e nem descontos importantes, além dos que a TAP lhes dá. Não há qualquer espécie de protecção aos estudantes universitários das ilhas e, todavia, nós temos uma situação difícil. E, sobretudo em relação à Madeira, como aos Açores, aliás, o surto de turismo que se avizinha obriga a infra-estruturas. Mas, para além das infra-estruturas económicas, há uma infra-estrutura educacional a fazer e que é muito importante.
Muito obrigado a V. Ex.ª
O Orador: - Muito obrigado, Sr. Deputado Agostinho Cardoso, pela sua valiosa achega, e quero dizer-lhe que comungo inteiramente das suas palavras e das aspirações do arquipélago da Madeira.
Quero dizer ainda mais. V. Ex.ª já tem muitas coisas e, pelo menos, tem uma coisa que é essencial: na Madeira, ao menos, já há a 5.ª e 6.ª classes. No meu distrito, ainda lá não chegou, coisa que já devia estar em todo o País. Ainda não chegou a 5.º e 6.ª classes ao distrito de Angra do Heroísmo!
O Sr. Casal-Ribeiro: - Talvez com a criação de Estados tudo se resolva.
O Orador: - Seja como for. O que eu peço é a atenção do Governo para uma anomalia tão grande.
Depois, são os problemas que surgem nos exames com esses alunos e cuja boa solução se ficou devendo ao alto espírito de compreensão e de humanidade do Prof. Veiga Simão.
Aguardamos que as nomeações de professores eventuais - já que efectivos não os há! - sejam feitas a tempo e horas e que quando haja faltas estas sejam colmatadas com a maior brevidade possível, mas nunca ao fim de cinco meses!
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Ainda neste campo de ensino, seja-me permitido mais um comentário: os alunos do ultramar e que estão na metrópole frequentando cursos superiores têm as suas passagem de ida e volta pagas. Os das ilhas apenas um desconto de 20 por cento concedido pelas transportadoras. Como vê, Sr. Deputado Barreto de Lara, continuamos a não ser ultramar...
Não será isto uma discriminação e um tratamento tão desigual! Eu sei que é tudo uma questão de dinheiro. Mas não será possível ao Governo evitar que tão incompreensível situação se mantenha?
Sr. Presidente: É de todos conhecido que os Açores são ilhas onde o grau de pluviosidade é bastante alto. De uma maneira geral, chove ali muito intensamente. A atestá-lo, as esplendorosas lagoas que sã observam em várias ilhas e que nalgumas até constituem grande cartaz de atracção turística. Pois bem, no distrito de Angra o problema da luz e da água ainda continua a ser grave.
E se é certo que quanto ao primeiro já há solução à vista, o mesmo já não se poderá dizer quanto ao da água. Há freguesias da maior importância e em que os seus habitantes tem de andar muito para conseguir um pouco daquele precioso líquido. Isto é quase inadmissível em ilhas, graças a Deus, tão ricas em nascentes.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Há promessas há longos anos de projectos que se estão a fazer, ninguém sabe onde, e os quais nunca estão concluídos, pois então, e só então, se conseguirá a tão almejada comparticipação. E, entretanto, os anos vão seguindo uns atrás dos outros e aquela pobre gente continuará pacientemente passando tormentos para conseguir uma gota de água! Que havemos de chamar a isto?!
Os Açores, como é do conhecimento geral, não têm televisão. Tão cedo aquele extraordinário meio de comunicação ali chegará. Contudo, não há ninguém naquelas ilhas que não possua um rádio. Ali existem também dois emissores particulares, além de um emissor regional, e que prestam relevantíssimos serviços ao arquipélago. Isso é reconhecido por todos.
A Emissora Nacional ouve-se ali normalmente em más condições, especialmente agora no Verão, poderei até acrescentar em péssimas condições. Os ruídos e as interferências são de tal ordem que a tornam quase inaudível. Entretanto - e como já uma vez aqui disse -, Rádio Argel, Rádio Moscovo, B. B. C., etc., fazem-se ouvir maravilhosamente. O Rádio Clube de Angra, uma das emissoras locais, e que por ser de toda a gente não é de ninguém senão dos Açores, e que tão grande colaboração tem dado sempre ao Governo, pretende desde há muito aumentar substancialmente a sua potência. Para isso - e caso singular - não pede dinheiro, nem subsídios, nem ajudas. Apenas deferimento dessa velha pretensão.
Pois, esquecendo-se que nós somos ilhas, que não temos televisão, que a Emissora não se ouve em condições, esquecendo-se de tudo isso, nunca foi possível, até hoje, conseguir-se o tão almejado aumento de potência. Porquê? E até quando?
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E eis-me, Sr. Presidente, chegado ao fim destas breves considerações. Tentei pô-las, talvez, com crueza, é certo, mas com objectividade. Espero que ao Governo, e às entidades responsáveis, elas possam merecer a atenção que é devida a uma população para quem a resolução desses problemas é um verdadeiro acto de justiça e que nada mais pretende do que, à sombra de um trabalho honesto e digno, olhar o futuro com mais confiança e optimismo.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vamos passar à
Ordem do dia
Continuação da discussão na generalidade da proposta de lei sobre a liberdade religiosa.
A Sr.ª D. Custódia Lopes: - Sr. Presidente: Ao observarmos a história da humanidade, vemos que a intolerância religiosa foi durante largo tempo, e é, ainda hoje, infelizmente, em algumas regiões do mundo, motivo de lutas, ódios e perseguições que têm levado à morte os indivíduos e feito mesmo perigar a unidade das nações.
O facto de se estar neste momento a discutir na Assembleia Nacional uma proposta de lei sobre a liberdade religiosa não significa que esta situação não existisse de há muito no nosso país, quer na lei fundamental, quer na vida comum.
Foi com o advento do liberalismo que se começou a admitir em Portugal a tolerância de outras confissões religiosas, para além da religião do Estado.
A Constituição de 1822 permitiu que os estrangeiros praticassem, doméstica ou particularmente, cultos diferentes da religião católica, e, na Carta Constitucional se dizia que ninguém podia ser perseguido por motivo de religião, uma vez que respeitasse a do Estado e não ofendesse a moral pública.
Era já um passo no sentido da liberdade religiosa que haveria de ser definitivamente introduzida em Portugal em 1911 pela lei da separação da Igreja do Estado, a chamada Lei da Separação.
Porém, o carácter laicista da lei trouxe restrições à autonomia da igreja católica, as quais se fizeram sentir não só ma metrópole como no ultramar, onde os missionários durante séculos procuravam introduzir os valores morais, sociais e culturais que importam à dignidade humana e estão na base da sociedade portuguesa.
A reacção a este estado de coisas fez-se sentir fortemente, e é do conhecimento de todos as medidas legislativas que se tomaram para aplanar a tensão existente entre a Igreja e o Estado.
No ultramar tornou-se mesmo necessário suspender algumas das disposições do Decreto n.º 233, de 22 de Novembro de 1913, que estendera às províncias ultramarinas parte da Lei da Separação, encontrando-se ligados a esta firme atitude os nomes dos generais Joaquim Machado e Norton de Matos, então governadores, respectivamente, de Moçambique e de Angola.
Decretos posteriores aperfeiçoam as leis em matéria religiosa, mas é verdadeiramente a partir de 1919, com o Decreto n.º 6322, de 24 de Dezembro, do Ministro Rodrigues Gaspar, que se retoma no ultramar a tradição missionária e um novo impulso lhe é dado pelo Estatuto Orgânico das Missões, aprovado pelo Decreto n.º 12 485, de 13 de Outubro de 1926, do Ministro João Belo.
Em 1940, com o Acordo Missionário assinado juntamente com a Concordata entre Portugal e a Santa Sé, ficaram estabelecidas estreitas relações entre o Estado e a Igreja no que se refere ao ultramar português.
Um ano depois, foi publicado um extenso diploma, o chamado Estatuto Missionário, com o fim de dar execução as disposições do Acordo e actualizar o Estatuto Orgânico de 1926.
Mas, ao lado da igreja católica, existem no ultramar muitas outras religiões e cultos.
Eu própria tive ocasião de afirmar mas Nações Unidas em. 1967, durante o debate dos projectos de declaração e de convenção sobre a eliminação de todas as formas de intolerância religiosa, que mas províncias portuguesas do ultramar católicos, muçulmanos, protestantes, budistas e ainda populações de outras religiões e cultos vivem conjuntamemte sem o menor conflito. E assim é, de facto, poios que, para além da liberdade religiosa, se verifica uma perfeita harmonia entre os diversos grupos religiosos, que não só se respeitam, mas também colaboram entre si.
É de salientar a política de ecumenismo que se vem processando no ultramar e, particularmente, em Moçambique, onde o pluralismo religioso é mais acentuado.
Lê-se na obra Missão em Moçambique, de D. Eurico Dias Nogueira, bispo da Igreja em Vila Cabral, e publicada em 1970:
Na noite do passado Natal viram-se os representantes das duas maiores comunidades não católicas do Niassa assistir às cerimónias litúrgicas próprias da quadra festiva na catedral de Vila Cabral.
Oito dias depois, todos se associaram numa mesma oração pela paz, de acordo com o apelo do Santo Padre. E as preces tiveram lugar tanto nas igrejas católicas e anglicanas como na mesquita muçulmana, a que esteve presente o bispo da diocese com uma delegação de católicos.
Ainda na capital do Niassa se assistiu a uma nova e impressionante manifestação de liberdade religiosa e de espírito ecuménico quando em 1 de Novembro, festa de Todos os Santos, se realizou uma cerimónia inédita, que foi a formação de um cortejo singular em que tomavam parte católicos, muçulmanos com os seus estandartes e dísticos do Alcorão, um grupo de protestantes e a comunidade anglicana de Mas sangere, todos entoando, alternadamente, adequados cânticos religiosos.
Este cortejo realizou-se após a inauguração de um campo de jogos, benzido pelo bispo da diocese, em que participaram com as suas preces e cânticos as diversas comunidades religiosas existentes ma região.
Estas provas de liberdade e ecumenismo religioso dão-se também em outras parcelas do ultramar português, como ma Guiné, onde existe uma larga população islamizada. Ali se poderá observar, num bairro, uma escola de instrução primária tendo anexas uma capela e uma mesquita, que o Chefe do Estado não deixou também de honrar com a sua presença na sua visita à Guiné.
Importa dizer que, excepcionalmente e em honra do Chefe do Estado, os cristãos foram autorizados a entrar calçados na mesquita, tal como, um dia antes, os muçulmanos haviam sido, pelo mesmo motivo, autorizados a entrar cobertos na catedral de Bissau.
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Já vão sendo correntes as peregrinações anuais de muçulmanos portugueses a Meca, sob os auspícios do Governo.
E se me refiro a estes factos é, apenas, para testemunhar com a vivência das realidades quotidianas, como têm existido, no ultramar, não só a liberdade religiosa, mas também a harmonia e a cooperação entre as várias religiões, nos vários campos em que a sua acção ética e social se vem exercendo.
Sr. Presidente: Por tradição, por índole do povo, propenso à interpenetração e comunicabilidade com povos de outras raças, culturas e credos, e ainda pelos princípios consignados de longa data na lei fundamental, a liberdade religiosa, esse direito que a consciência individual reclama e que penetra no foro das famílias e no seio das colectividades, vem-se exercendo no nosso País apenas com as restrições constantes da Constituição.
Contudo, entendeu o Governo, pela presente proposta de lei, sistematizar as normas fundamentais que se aplicam à liberdade de crenças e cultos e que se encontram dispersas por variados diplomas, e definir mais precisamente a situação das confissões religiosas não católicas e das associações que lhes pertencem.
Procura-se, assim, condensar numa lei o conteúdo da liberdade religiosa, que se aplica igualmente a todas as confissões, dando-se, assim, execução ao preceito constitucional.
No ultramar, pela multiplicidade de situações religiosas, mais se tem feito sentir a necessidade de novas normas que assegurem o exercício da liberdade religiosa. Vários diplomas e despachos tem procurado resolver casos anómalos que têm surgido com as confissões religiosas não católicas e as associações que lhes são inerentes.
Por tudo isto, me parece oportuna a proposta de lei do Governo, que, como, aliás, se prevê, deverá ser estendida, nos termos constitucionais, ao ultramar e, pelas razões expostas, com a maior urgência.
Dou, pois, a minha aprovação na generalidade à proposta de lei do Governo sobre a liberdade religiosa.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
A oradora foi cumprimentada.
O Sr. Miller Guerra: - Sr. Presidente: Começo por notar um facto - o pouco interesse que tem despertado a lei sobre a liberdade religiosa. Isto surpreende, porquanto trata-se de um ponto essencial da vida portuguesa desde os alvores da nacionalidade, que através da história deixou impressa a marca na alma e no destino da Nação. Apesar disso, o debate que agora se trava na Assembleia deixa o público quase indiferente.
Uma lei assim, apresentada em qualquer época transacta, seria discutida acaloradamente, talvez rejeitada ou, pelo menos, aceite com dificuldade pela maioria do País: tocava um ponto nevrálgico, que é o reconhecimento da igualdade de outros credos religiosos com o credo que durante séculos teve a hegemonia e privilégios. Por via disso houve desinteligências, dissídios, lutas, perseguições, tribunais da fé, fogueiras que queimaram inocentes.
Tudo já lá vai, tudo esqueceu - como o prova o acolhimento silencioso da lei que estamos discutindo.
Por aqui se vê a mudança operada na maneira de encarar o facto religioso entre nós; passou-se de uma atitude intolerante e dogmática para uma atitude compreensiva, liberal.
Liberal quer dizer: que todas os convicções religiosas gozam dos mesmos direitos dentro do Estado, sem exclusivismos nem discriminações.
A aceitação pacífica deste facto é um progresso, mas a que é isso devido? A resposta à pergunta, embora pareça sem cabimento aqui, vai encaminhar-nos para considerações mais próximas da liberdade religiosa.
O enfraquecimento da fé é um facto bem conhecido, mas cujas causas são menos claras do que seria de esperar. Uma das razões é o carácter afectivo-emocional que investigações desta natureza determinam forçosamente. A religião, como tudo quanto toca fundamente o nosso ser, presta-se muito mal ao rigor dos métodos de pesquisa e ao estabelecimento de cadeias lógico-discursivas. Todavia, a descristianização pode reduzir-se a algumas causas fundamentais. Estando, como está, ligada à evolução das sociedades modernas, naturalmente que os povos adiantados experimentaram-na mais cedo do que aqueles que andam com vagar. Mas nem por isso deixam de se repetir entre nós os acontecimentos ou fases que estabeleceram a transição de um estado de desenvolvimento agrário para o desenvolvimento industrial. E aqui encontramos a razão primeira e principal do enfranquecimento do credo religioso. Este assentava, e ainda assenta, sobretudo em duas camadas sociais, os camponeses e a burguesia. O deslocamento da população rural para a cidade mudou os hábitos, os padrões de vida, o sistema de enquadramento sócio-psicológico, de forma que o modo tradicional de viver a fé, desaparecidos os pontos de referência, enfraqueceu e, para muitos, extinguiu-se.
As massas proletárias propendem a ver na Igreja a aliada dos grandes e afortunados do mundo, e daí deriva outra razão do esfriamento do fervor religioso. Não há dúvida que as «massas» têm objectivamente razão, pois a religião tem servido, infelizmente, de lenitivo das misérias do pobre e de justificação das desigualdades sociais.
Por outro lado, as ligações históricas que a Igreja manteve com o Estado fez crer que o poder espiritual legitimava o poder temporal.
A Igreja, sustentando o poder civil, facultava a utilização política da religião. A autoridade do Estado encontrava aí um reforço e a Igreja um auxílio contra alguns factores de descrença.
Este sistema de apoio mútuo teve o grave inconveniente de confudir o campo específico da acção da Igreja com o do Estado, de modo que aconteceu perverter-se a missão apostólica em empresas mundanais. E, inversamente, o Estado, exorbitando da sua esfera, interveio no terreno da fé.
Formou-se assim um poderosíssimo bloco histórico, composto pelos dois poderes, nem sempre coeso e harmónico, mas que constitui uma das linhas mestras da nossa história. O bloco, segundo a época e a circunstância, denominou-se a Cruz e a Espada, a Fé e o Império, o Trono e o Altar, a Igreja e o Estado.
É discutível se o Estado lucrou com a ligação, mas hoje cada vez há mais quem pense que o proveito da religião foi aparente e transitório.
Dia a dia se torna patente o carácter ambíguo das relações da Igreja com o poder temporal, aparecendo a aliança mais como um obstáculo à propagação da verdade evangélica do que como um meio favorável ao seu progresso. A inspiração evangélica requer liberdade que a influência do poder civil dificulta e a cada passo impede.
O reconhecimento destes factos tem sido lento, porque neste capítulo o peso das tradições e dos hábitos é esmagador, mas pouco a pouco os católicos e a Igreja hierár-
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quica vão-se persuadindo da vantagem de se tornarem completamente independentes do Estado e das suas tentações.
Os grandes acontecimentos que foram o Concílio Vaticano II, a obra e a pessoa do Papa João XXIII, os movimentos renovadores a que deram origem ou impulso começam a transformar a fisionomia tradicional da Igreja e do catolicismo, libertando-os das cadeias douradas que por vezes os amarraram ao mundo e aos poderosos.
É verdade que a marcha renovadora está no principie e que o caminho a percorrer é bem penoso, porque as velhas instituições resistem obstinadamente à mudança, mas o essencial foram os primeiros passos, e eles estão dados.
Em resumo, podemos talvez concluir que as transformações do mundo e as modificações da Igreja alteraram a situação da Igreja em Portugal relativamente às outras religiões e ao Estado.
A Igreja já não sente a liberdade religiosa como uma ameaça à sua coesão interna e à unidade da fé, nem reputa necessária para exercer o seu ministério a protecção ou o apoio que o Estado tradicionalmente lhe prestava.
Decerto há quem lamente uma coisa e outra, o que bem se compreende porque não é de um dia para o outro que as pessoas entendem os sinais dos tempos. Ainda há muito quem suspire pela restauração do bloco histórico, como sendo o testemunho e a salvaguarda da fé e da unidade nacional.
A Igreja não pode ser o sustentáculo da unidade nacional; o pluralismo de crenças que a lei da liberdade religiosa consagrará desobriga o Estado de pesados compromissos de ordem confessional que podiam ter sido úteis noutras eras, mas hoje em dia são inconciliáveis com o Estado aberto à modernidade e, assim o esperamos, à democracia.
Esta situação, para a Igreja, traduz-se na diminuição de poderio, coisa vantajosa para a sua missão apostólica, porque suprime grande parte das dificuldades, antíteses e contradições a que a ligação histórica com o Estado a vinculavam.
As dissenções do poder político com a religião são inevitáveis, porque o poder nem sempre respeita a moral da fraternidade e, frequentemente, contraria o da liberdade. É por isso que o princípio universalista da religião cristã não se harmoniza facilmente com as particularidades da acção política.
A liberdade religiosa tem duas faces, uma respeita à igualdade de direitos dos diversos credos. Acabámos de ver que a aprovação da lei não levanta dúvidas nem dificuldades na opinião pública, pela singela razão de que a liberdade religiosa já está estabelecida nos factos sociais e nas consciências. Isto corresponde ao espírito do tempo presente.
A outra face da liberdade religiosa é menos falada, mas mais importante; vem a ser a liberdade de propagar a doutrina, o credo, a fé. Se essa faculdade não está garantida, pode falar-se em liberdade religiosa? Considerada por este ângulo a proposta de lei, deixa a consciência do ciente ilaqueada por limitações radicais à expansão da verdade que professa.
Como pode a Igreja ser livre num Estado que coarcta a liberdade de pensamento e de expressão?
Dir-se-á que a lei concede liberdade para as manifestações específicas da religião, mas isso não chega, porque é equívoco.
A religião não consiste sómente em actos de culto e de piedade - é uma concepção universal do homem, da natureza e da história. É uma resposta às interpelações da vida presente e futura, nos seus aspectos fundamentais. A religião dá sentido, significação, valor ao homem e ao mundo; os evangelhos são o modelo e o guia. Considerar o facto religioso circunscrito ao templo e ao cemitério é amputá-lo. É conceber a religião como um ritual confinado.
Hoje, como sempre, o credo religioso tem de impregnar todos os actos da vida humana, familiares, profissionais, sociais, políticos, etc. O crente tem de viver as consequências da sua fé. Para tanto pode entrar em discordância, ou até em conflito, com os valores geralmente admitidos ou impostos. Onde começa e onde termina a actividade especificamente religiosa?
Em nome da fé que o crente professa pode ser levado a defender, por exemplo, a Liberdade de imprensa, a Liberdade sindical, a protestar contra os abusos da autoridade, a fazer a crítica das instituições, a defender o fraco, o oprimido e os grupos minoritários.
Se o Estado lhe nega estas liberdades, a liberdade religiosa não existe.
Assim, o próprio sistema sócio-político pode impedir a afirmação da doutrina, isto é, a proclamação das verdades da fé.
Aqui está a minha objecção à proposta de lei, mas compreendo que este ponto não deveria ser considerado no documento, porque depende da posição que o Poder Público tomar com respeito às liberdades, garantias e direitos individuais, de que a Liberdade de expressão da doutrina religiosa é um simples corolário.
Uma nobre figura da Igreja, D. António, bispo do Porto, disse há dias: «Não há possibilidade de religião sem liberdade.»
Com estas palavras autorizadas fecho a intervenção.
Tenho dito.
O Sr. Joaquim Macedo: - Apoiado!
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi cumprimentado.
O Sr. Sousa Pedro: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Antes de iniciar a breve apreciação que me proponho fazer sobre a matéria marcada para a ordem do dia, permitam-me VV. Ex.ªs, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que aproveite a feliz oportunidade que se me oferece de estar no uso da palavra para, desta tribuna, dirigir ao Governo e ao País uma calorosa e sentida palavra de reconhecimento e de felicitações pela recente aprovação do Estatuto Legal da Universidade Católica Portuguesa, decidida em Conselho de Ministros do passado dia 6, data que certamente ficará a assinalar marco glorioso na história do nosso ensino superior.
No curto espaço de alguns dias, no decorrer desta quente sessão extraordinária, a consciência cristã do País teve ensejo de viver dois momentos altos, de transcendente significado.
O primeiro foi a introdução do nome de Deus no texto constitucional, por proposta que esta Assembleia se honrou de aprovar em votação solene.
O segundo foi a oficialização da Universidade Católica, senho dourado do cardeal Gonçalves Cerejeira, que assim pôde ter a felicidade de, ainda nesta vida terrena, ver coroados do melhor êxito tanto esforço e canseiras de tempos idos.
Mas não é só o egrégio cardeal que nesta hora exulta. Acompanham-no, certamente, e com ele dão graças a
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Deus pelo favor da Sua providência, todos os bispos de Portugal, todos os católicos portugueses - eu ia a dizer, a Igreja inteira.
Por isso é justo que, nesta circunstância, daqui se dirija ao Governo uma palavra de profundo reconhecimento e de modo especial se mencionem os nomes dos dois maiores obreiros desta hora histórica do ensino em Portugal: o Presidente do Conselho, Doutor Marcelo Caetano e o Ministro Doutor Veiga Simão.
Sobre os ombros do episcopado português recai agora a pesada responsabilidade de dar à Universidade Católica a projecção nacional que todos ardentemente desejamos. Terá com ela o clero consciente e os leigos responsáveis. Todos farão tudo. Um só nada fará. Nesta encruzilhada difícil, a doutrina do Vaticano II é arrimo seguro. Deus os encaminhe por lá.
E após estas considerações que, aliás, pela sua ressonância, não destoam do fundo da matéria que agora discutimos, entrarei na apreciação da proposta de lei que neste momento polariza os cuidados da Assembleia.
Serei necessariamente breve, até porque, depois do exaustivo e erudito parecer da Câmara Corporativa acerca ao projecto de proposta de lei n.º 6/X, pouco ficou por dizer.
Manda o Regimento que a discussão na generalidade do qualquer proposta ou projecto deverá versar sobre a oportunidade e a vantagem dos novos princípios legais e sobre a sua economia.
Tanto no preâmbulo da proposta como no parecer da Câmara os motivos aduzidos em abono da oportunidade e vantagem do novo diploma são suficientemente esclarecedores e convincentes, de tal modo que, a meu ver, dispensam qualquer discussão. Apraz-me verificar - e é esta nota, a propósito, que eu gostaria de referir - a preocupação do Governo pelas «deficiências do tratamento» até agora conferido às confissões religiosas não católicas que existem no País. E uma confissão honesta que honra quem a faz.
Acrescentaria ainda, em matéria de oportunidade, que a proposta de lei se integra perfeitamente, quanto ao tema, na doutrina da declaração conciliar de 7 de Dezembro de 1965, que exorta os católicos e a humanidade em geral a considerarem com a maior atenção «quão necessária é a liberdade religiosa, sobretudo nas presentes condições da família humana».
Quanto à economia da proposta, limitar-me-ei a duas ou três considerações que exprimem, talvez, pontos de vista um pouco diferentes daqueles que o diploma consigna.
Mantém-se, e bem, o regime de separação nas relações do Estado com as diferentes confissões religiosas. E evidente que partimos do princípio - e do facto - de que qualquer semelhança entre o actual regime de separação e o que foi estabelecido pela lei do mesmo nome de 1911 é pura coincidência...
Em todo o caso, estranha-se um pouco o sabor a indiferentismo de certas expressões como «o Estado não professa qualquer religião», sem a contrapartida de uma palavra que de algum modo exprima o altísimo contributo que, no desenvolvimento da sua história, a Nação deve à igreja católica, apostólica e romana.
Pode, talvez, dizer-se que a alusão que muitos desejariam está já feita no texto constitucional, que no seu artigo 46.º expressamente afirma que a religião católica, apostólica e romana é «a religião tradicional da Nação Portuguesa». Em todo o caso, num diploma que especificamente contempla matéria político-religiosa não seria de mais a simples transcrição de meia dúzia de palavras da lei fundamental.
Mas, se em última análise, por motivos que nos escapam, houvesse conveniência em não aludir ao especial relevo da igreja católica, o Governo e a Assembleia poderiam facilmente contornar a dificuldade a contento de todos, adoptando o texto sugerido pela Câmara Corporativa, que se limita à afirmação do princípio da separação no momento de definir as relações do Estado com as confissões religiosas.
Com o mesmo articulado, sugerido pela Câmara, também se resolveriam algumas críticas que surgiram quanto à afirmação da igualdade do tratamento conferido pelo Estado às confissões religiosas, «ressalvadas as diferenças impostas pela sua diversa representatividade» - acrescenta a proposta.
As dificuldades começam logo porque a única ressalva que se admite talvez não possa ser mesmo única. Cito, a propósito, a observação esclarecida do Doutor António Leite: com fundamento no n.º 2 da base II da proposta, se esta Assembleia o transformar em lei, os muçulmanos «poderiam exigir o reconhecimento, na ordem jurídica portuguesa, do casamento poligâmico, admitido pelo islamismo». Simplesmente, com a Constituição actual não é possível chegar a este extremo. Mas haverá então ocasião de atender a outras ressalvas, além da representatividade, se se insistir em manter o referido número da base II.
Além disso, o conceito de representatividade, só por si, sem qualquer especificação que melhor o defina, é, pelo menos, ambíguo. A que representatividade se referirá a lei: à do número dos fiéis ou à da qualificação da doutrina que professam? O texto constitucional confere relevo particular à religião Católica. E essa relevância, constitucionalmente consagrada, não justificará dúvidas no espírito de quem no futuro sentir a responsabilidade de interpretar a lei e dar-lhe cumprimento?
Por todos estes motivos, entendo que neste ponto o parecer da Câmara Corporativa merece a melhor atenção da Assembleia.
Outro ponto que desejava focar refere-se ao modo como a proposta encara o ensino da religião e moral nas escolas públicas e particulares.
Embora sensivelmente melhorada em relação «o projecto inicial, a proposta é ainda susceptível de um ou dois pequenos retoques, que, não alterando o fundo da matéria, talvez melhorassem a sua aplicação.
Diz-se, por exemplo, que no acto do inscrição em qualquer estabelecimento em que se ministre o ensino de religião e moral aquele a quem competir declarará se o quer ou não».
Salvo opinião mais autorizada, parece-me que a proposta estaria mais de acordo com a Concordata se limitasse essa exigência àqueles que desejassem ser isentos do ensino da religião e moral. É um pequeno aperfeiçoamento que não altera a intenção do articulado e neutralizaria uma das duas objecções que se podem fazer quanto a discordâncias com o texto concordatário.
A outra objecção consubstancia-se no facto de se ter estabelecido agora que os alunos maiores de 18 anos poderão ser isentos do ensino da religião e moral, qualquer que seja o grau das escolas que frequentam. Como se sabe, o artigo 21.º da Concordata estabelece que esse ensino se ministrará «nas escolas públicas elementares, complementares e médias», desde que os pais dos alunos não façam pedido de isenção.
De qualquer modo, penso que a atitude liberalizante da proposta está mais conforme com os «sinais dos tem-
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pos» e com o espírito do último Concílio. Será este talvez um ponto concreto para futura correcção do texto concordatário.
Porventura mais importante é a situação em que ficam as escolas {particulares não pertencentes a entidades religiosas, as quais, segundo a proposta, não podem estabelecer a obrigatoriedade das aulas de religião e moral aos alunos que nelas se inscreverem.
Penso que essa liberdade deve ser permitida às escoltas particulares, mesmo às que nada têm que ver com as entidades religiosas, até porque os pais têm sempre possibilidade de escolher outras escolas para os filhos. Talvez seja de ressalvar na regulamentação da lei o caso das pequenas cidades ou vilas onde, porventura, só existe uma escola particular.
proveito a oportunidade para formular o voto de que na regulamentação que vier a ser feita se obrigue os alunos que pediram isenção das aulas de religião e moral à frequência de um ensino de moral natural ou educação cívica, por exemplo, até como medida neutralizadora de qualquer intenção menos correcta ou pouco defensável que tenham tido ao decidirem-se pelo pedido de dispensa das aulas de religião e moral.
A base VIII da proposta sobre as limitações da liberdade religiosa contém matéria que só por si bastava para um tratado de polémica. Não creio que valha a pena tocar-lhe, no condicionalismo actual.
Direi, finalmente, uma palavra a propósito de um assunto delicado, pelas interpretações a que pode dar lugar, mas que merece a melhor atenção da Assembleia pelos reflexos desagradáveis e certamente não desejados que ele virá a ter na vida de muitas paróquias pobres e, sobretudo, na dos seminários.
A proposta parte do princípio que «os bens destinados a proporcionar rendimento não são considerados necessários à prossecução dos fins das pessoas colectivas religiosas», e, portanto, considera a sua aquisição sujeita ao que a lei geral preceitua.
Embora na letra do artigo 8.º da Concordata se isentem de impostos as igrejas e os seminários, até agora era costume considerar-se que tal isenção se estendia aos bens deixados às igrejas para sustentação do culto ou aos seminários para auxiliar a formação do clero.
A interpretação parecia correcta e era justa, pois, por mais espiritual que seja a missão das igrejas e a finalidade do ensino ministrado nos seminários, nem aquelas nem estes podem dispensar um mínimo de rendimento que sirva de suporte à sua missão.
Quando a Concordata diz que as igrejas e os seminários estão isentos de impostos, não exclui dessa isenção bens doados ou adquiridos que sejam necessários às exigências normais do culto e do ensino. Os edifícios, só por si, não garantem a exequibilidade das funções a que normalmente se destinam. Isto parece óbvio.
Particularmente quanto aos seminários, esta disposição da. proposta - sobre a qual não há parecer dia Câmara Corporativa, o que é pena - é sobremaneira injusta, porque, sendo, como são, estabelecimentos de ensino, não só não recebem os subsídios que a Constituição prevê para as escolas particulares, como ainda vêem agora agravadas as suas precárias finanças.
O Doutor António Leite suspeita que a intenção do Governo terá sido a de poder «controlar» a aquisição de bens imóveis que algumas poderosas confissões estrangeiras venham a fazer no País. Aceito a intenção e não duvido da necessidade desse contrôle. Mas não haverá processo de o fazer sem cair na injustiça que se aponta?
Cremos bem que sim. E é nessa esperança que gostaria de ver melhorado o texto da proposta que contempla esta matéria. Aguardemos o veredicto da Assembleia.
Postas estas reservas, dou a minha aprovação na generalidade à proposta de lei n.º 15/X.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi cumprimentado.
O Sr. José da Silva: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: 1. Sem com isso pretender que desculpem as minhas deficiências, começo por declarar que, entre as pressões de uma vida profissional intensa, não dispus do tempo que considerava indispensável ao estudo em profundidade de uma matéria tão importante como a da proposta de lei sobre a liberdade religiosa. Achei, porém, que essa limitação não me poderia dispensar do dever de apreciar aqui a oportunidade e vantagem dos novos princípios legais.
Bem gostaria de entrar na apreciação da proposta sem ter de lhe opor qualquer séria reserva; mas é impossível. Logo me ocorre esta observação prévia: se as liberdades de expressão do pensamento, de reunião e de associação estivessem suficientemente garantidas na lei geral, tornava-se perfeitamente dispensável uma lei sobre a liberdade religiosa dos cidadãos. Essa liberdade decorreria com inteira naturalidade do conjunto de direitos e deveres em que o exercício daquelas liberdades se desdobraria. E, na minha opinião, tais liberdades, no regime actual, não estão suficientemente garantidas. Daí resulta que, por agora, é necessária uma lei que assegure com suficiente latitude, ao menos, a liberdade religiosa. Mas daí decorre também que esta se tornará ilusória, mesmo definida com suficiente conteúdo, se o seu exercício for remetido para a insuficientíssima lei geral.
2. Assente que uma lei sobre liberdade religiosa, embora idealmente dispensável, se torna necessária dentro do nosso contexto jurídico, examinemos as coordenadas em que a proposta se situa.
Como se nota no preâmbulo da proposta, o que agora se submete à apreciação da Assembleia é «apenas a disciplina do exercício da liberdade religiosa na metrópole». O ultramar, onde os problemas da liberdade religiosa são mais agudos e sensíveis, não fica, portanto, abrangido. Esta limitação geográfica da lei a votar se, por um lado, lhe retira parte da importância, por outro, ajudará a definir o seu mais rigoroso alcance quanto aos seus mais directos destinatários.
Como é sabido, a grande maioria dos crentes metropolitanos enquadra-se na religião católica. A Constituição e, sobretudo, a Concordata de 1940 e respectiva legislação complementar, além de regularem as relações entre a Igreja e o Estado, consagram a liberdade religiosa desses crentes.
Ressalvando a proposta na sua base XVIII, n.º 1, todas as disposições da legislação vigente respeitantes à religião e à igreja católica, o problema que imediatamente se levantaria seria o de saber se a Concordata se justifica só as suas disposições não ofenderão porventura a liberdade religiosa. Sem pretender entrar na discussão do problema, demasiado vasto e complexo, entendo que, por enquanto, a Concordata se deve manter, sem prejuízo da sua revisão no interesse da Igreja, em aspectos que cerceiam a liberdade desta. Entre esses permito-me salientar o que respeita à nomeação dos bispos residenciais ou coadjutores com direito de sucessão e o que impõe aos católicos um estatuto matrimonial substancialmente diferente do dos outros cidadãos, obrigando-os em certos as-
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pectos a agir em conformidade com as prescrições da confissão a que pertencem.
Ainda neste domínio do matrimónio concordatário, tal como certa jurisprudência primeiro o aplicou e o Estado, depois, unilateralmente, o interpretou nos artigos 1596.º e 1599.º do Código Civil de 1967, é preciso que se saiba que a Igreja ficou sem a liberdade de decidir da oportunidade da celebração de um sacramento. «O casamento católico», diz-se no citado artigo 1596.º «só pode ser celebrado por quem tiver a capacidade matrimonial exigida na- lei.» «Á dispensa ido processo preliminar», determinai/por soía vez o artigo 1599.º «não altera os exigências da lei civil quanto à capacidade matrimonial dos nubentes, continuando os infractores sujeitos às sanções estabelecidas na lei.» A Igreja em. Portugal antes da Concordata podia e agora não pode admitir ao sacramento do matrimónio uma pessoa casada civilmente com terceiro. Por ter autorizado um casamento nessas condições, ao abrigo do direito canónico, já um dos nossos arcebispos se viu pronunciado pelo crime de bigamia e só não foi submetido a julgamento porque a morte o furtou a semelhante humilhação.
Mas a Concordata pode ser denunciada. E, nessa hipótese - que certos incidentes não permitem considerar nem absurda, nem necessariamente longínqua -, só restará aos católicos esta lei da liberdade religiosa. De resto, para já, e de acordo com a base XVIII, n.º 2, da proposta, «serão aplicáveis às (pessoas colectivas católicas os disposições desta lei que não contrariem os preceitos concordatàriamente estabelecidos». Quais são essas disposições? Uma resposta satisfatória exigiria longa análise e minuciosos confrontos. Não podem, portanto (nunca deveriam), os católicos encarar esta proposta como uma lei para outros, para as seitas ou seitarolas, como alguns, um espírito cristão, se exprimem em exposições que nos dirigem.
Dentro desta perspectiva descobrem-se desde já algumas deficiências sérias: falta uma norma que reconheça efeitos civis ao casamento monogamico precedido do processo preliminar e celebrado de acordo com os ritos próprios da confissão religiosa; falta também uma forma correspondente ao actual artigo 2.º da Concordata.
3. Outra das coordenadas indispensáveis à compreensão e apreciação da proposta será a concepção de vida religiosa que lhe estará subjacente.
Se é certo que os textos legais não têm de vincularar-se a expressões doutrinàriamente comprometidas, não deixarei, contudo, de lamentar a ausência de uma declaração inequívoca no sentido de que a liberdade religiosa é um dos direitos fundamentais. Uma tal declaração permitiria «situar» o expediente do reconhecimento como simples via ide atribuição da personalildade jurídica ias confissões e associações religiosas e não como processo de atribuição do direito à liberdade religiosa.
Sob outro aspecto, parece-me muito estreita a concepção de vida religiosa que serve de suporte à proposta. Admite-se, é certo, o plano da «doutrina» ou «crença»; nuas, para além dele, no domínio da prática, só se vê claramente formulada a finalidade do culto, parecendo que a própria referência a «outros fins específicos da vida religiosa» se poderá confinar à mesma esfera do «culto» sem ultrapassar as actividades directa ou indirectamente subsidiárias de mesmo. Suspeita-se que é numa concepção desta ordem que vão radicar as seguintes disposições da proposta:
É lícita a reunião das pessoas para a prática comunitária do culto ou para outros fins específicos da vida religiosa (base v, n.º 1).
Às confissões religiosas reconhecidas é permitido formar associações ou institutos destinados a assegurar o exercício do culto (base XI, n.º 2).
São consideradas religiosas as associações ou institutos constituídos ou fundados com o fim principal de sustentação do culto de uma confissão religiosa já reconhecida de harmonia com as normas e disciplina dessa confissão (base XII, n.º 1).
As confissões religiosas reconhecidas têm o direito de assegurar a formação dos ministros do respectivo culto, podendo criar e gerir os estabelecimentos adequados a esse fim (base XVI, n.º 1).
Os estabelecimentos que não se restrinjam a ministrar a formação e ensino religiosos ficam submetidos, nessa medida, ao regime previsto para os estabelecimentos de ensino particular (base XVI, n.º 3).
Estas transcrições parecem levar à conclusão de que a proposta esquece que a vida religiosa é crença e acção em coerência com a crença; é que o culto é apenas um aos aspectos dessa acção. Confinar a liberdade religiosa às manifestações de culto, como alguns pretendem, é desvirtuar a vida religiosa.
4. Seria agora a altura de perguntar quais os objectivos do Governo ao propor os novos princípios legais.
Certas declarações do preâmbulo da proposta deixam pressupor que se quis superar «a variedade dos diplomas que actualmente regulam a matéria», reformular «definir o sistematizar as normas fundamentais relativas à Uberdade religiosa» e corrigir «as deficiências do tratamento conferido às confissões não católicas».
Tê-los-á atingido? Não se revoga nenhum dos diplomas, cuja variedade postularia uma reformulação sistemática; deixam-se de fora os aspectos penais da matéria; deixam-se igualmente de fora os aspectos fiscais; não se dá qualquer relevo jurídico à celebração do casamento segundo os ritos das confissões reconhecidas; e, finalmente, mantém-se a regra de que o exercício dos vários direitos em que a liberdade religiosa se desdobra se deve subordinar, em princípio, «às normas gerais relativas às mesmas» - o que, além de não favorecer nem a sistematização, nem a estabilidade das normas aplicáveis, deixa poucas dúvidas sobre o carácter autoritário ou liberal do regime proposto.
Quanto às deficiências de tratamento conferido às confissões não católicas, pretende-se corrigi-las com o instituto do reconhecimento prévio. Deter-me-ei um pouco nessa nova figura jurídica antes de passar ao exame alguns outros aspectos fundamentais.
5. À sombra do princípio constitucional da liberdade dê culto, as confissões religiosas iam. vivendo numa situação de mero facto. Faltava-lhe a personalidade jurídica, é certo, mas a situação delas enquadrava-se no domínio do lícito.
Surge agora o expediente do reconhecimento com as formalidades e exigências previstas na base IX. As confissões que não estejam organizados hierarquicamente» que desenvolvam a sua acção em pequenas comunidades autónomas, dificilmente poderão satisfazer às exigências da proposta.
O n.º 1 da base IX está redigido em termos que levariam a supor que o reconhecimento é facultativo: «As confissões religiosas podem obter reconhecimento ...» Do conjunto da proposta deduz-se, porém, que ele é obrigatório. Efectivamente, só o culto público «das confissões religiosas reconhecidas é que não depende de autorização oficial nem de participação às autoridades civis (base V); só as confissões religiosas legalmente reconhecidas se podem organizar e fundar associações (base XI);
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só são consideradas religiosas as associações de uma confissão religiosa já reconhecida (base XII), só é permitida a construção ou instalação de templos ou lugares destinados à prática de culto quando este seja de confissões religiosas reconhecidas (base XVIII).
Desaparece praticamente a possibilidade de criar uma confissão religiosa.
Uma vez reconhecida fica a confissão religiosa com personalidade jurídica, e abre-se-lhe o caminho para a formação de associações. Mas a revogação do reconhecimento com as diluviamos consequências imperativamente fixadas mas bases X e XIII - cessação de actividades, extinção dias associações e institutos - representa uma permanente ameaça para a vida da confissão religiosa. O Governo reserva-se o direito de condenar à morte a confissão religiosa.
A variedade e imprecisão dos fundamentos de revogação, por um liado, a natural dispersão geográfica das comunidades e associações religiosas, por outro, ampliam muito as sombras da ameaça. Se a isto se acrescentam as divergências de critérios de apreciação e de distinção que, por vezes, se confrontam em matéria de política e de religião, avoluma-se ainda mais a ameaça. Não me situo no domínio das hipóteses descabidas, se aqui disser que eu posso considerar admirável, evangélica, determinada homilia de um sacerdote, enquanto outro, com tanta sinceridade como eu, a pode considerar abominável e subversiva. Uma medida de tal transcendência como a da revogação do reconhecimento de uma confissão religiosa não devia ficar nas mãos do Governo. A prever-se, deveria entrar na competência do Supremo Tribunal de Justiça, que decidiria depois de ouvir o Governo e a organização religiosa interessada.
6. Outro aspecto fundamental da liberdade religiosa é o que se exprime no chamado direito de reunião. Vem ele consagrado na base V em relação à prática comunitária do culto e outros fins específicos da vida religiosa.
Quais são os outros fins específicos da vida religiosa? A fórmula, pela sua elasticidade, até poderia satisfazer.
Mas quem é que decide, em última análise, se determinado fim, ou acto é ou não específico da vida religiosa? Como instrumento de certeza e, portanto, como garantia de liberdade esta formula não serve. Se o Governo quer reconhecer e garantir uma margem suficiente de liberdade religiosa, pelo menos com a extensão a que os católicos estão habituados, terá de estender a liberdade de reunião aos domínios do ensino, educação, cultura, assistência e acção social, quando integrados nos valores defendidos pela respectiva confissão religiosa.
Sujeitar o exercício desse direito de reunião a autorização oficial ou a participação às autoridades civis fora dos casos previstos na base V, n.º 2, equivale quase à negação prática desse direito. Limitar ao culto a liberdade de reunião e desvirtuar a vida religiosa mo que ela tem de profundo compromisso com a acção social.
7. Outro aspecto particularmente sensível da liberdade religiosa que vejo tratado sem generosidade é o que se vincula ao direito de associação. Dizem-lhe respeito mais directamente as bases XI e XII. Diz-se na base XI, n.º 2: «Às confissões religiosas reconhecidas é permitido formar associações ou institutos destinados a assegurar o exercício do culto»; e na base XII, n.º 1, acrescenta-se que «são consideradas religiosas as associações ou institutos constituídos ou fundados com o fim principal da sustentação do culto ...».
Como decorre dos termos da proposta, confina-se ao culto a zona da liberdade de associação para fins religiosos. Para além, impera naturalmente a lei geral.
Não param, porém, aqui as limitações da proposta ao natural direito de associação neste domínio. Basta considerar a norma da base XV, n.º 2, que exclui dos bens considerados necessários à prossecução dos fins das pessoas colectivas religiosas «os bens destinados a proporcionar rendimento».
Como poderão tantas vezes os pessoas colectivas assegurar a prossecução dos seus fins sem a aquisição de bens donde provirá o rendimento necessário?
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: Todos sabemos que as normais que tem regulado entre nós o exercício dos direitos de reunião e associação tendem mais a suprimir esses direitos do que a disciplinar o seu exercício normal. Suponho que se referia também a esses direitos o Sr. Presidente do Conselho quando, em 26 de Setembro de 1968, aludiu a certas liberdades que se desejaria ver restauradas.
Aqui estava uma oportunidade para um passo em frente. A própria comissão eventual reconheceu a insuficiência das garantias nestes dois importantes aspectos.
8. O último ponto que desejava tocar respeita ao chamado ensino de religião e moral. Creio poder invocar-se actualmente uma experiência de muitos amos reveladora de que não têm sido atingidos os objectivos, nem de formação, nem de informação.
Perante a falência deste ensino, directamente programado para aulas de formação, proporia que se procurasse atingir esta pela via da informação, substituindo-se as actuais sessões por cursos de cultura cristã, com carácter obrigatório e com prestação de provas. Não posso resignar-me a que um aluno saia do curso liceal com mais sólidos conhecimentos da mitologia greco-romana que do cristianismo.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: De acordo com o que acabo de expor aprovo a proposta de lei na generalidade por considerar que, apesar de não garantir uma liberdade religiosa suficiente, pode vir a ser enriquecida ma especialidade com alterações que a Convertam no instrumento que a Nação merece. Aqueles que se possam impressionar com eventuais abusos, lembro apenas que a base VIII já contém uma clara definição dos limites da liberdade religiosa. E, de resto, é inadmissível que a possibilidade de abusos constitua neste, como noutros domínios, uma razão suficiente para a privação de uma justa liberdade.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi cumprimentado.
O Sr. Mota Amaral: - Sr. Presidente: Naquela busca inquieta, que desde sempre se verifica, para compreender de forma total o Mundo que o rodeia e a sua própria vida, encontra o homem Deus, como Ser Supremo, Criador e Remunerador.
Deus surge assim no termo do processo de pesquisa que se inicia com as interrogações globais sobre os enigmas do Mundo e da condição humana, que hoje, como ontem e como sempre, mantêm a sua perene actualidade: como surgiu o universo e donde provém a admirável regularidade das leis que o regem? Qual o sentido e a finalidade da vida? Para, quê o sofrimento? O que é a morte? Donde vimos, afinal, e para onde vamos?
É de fé para os cristãos que Deus se revelou em Jesus, Deus feito homem, dando a, conhecer aqueles que esco-
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lheu, para que por sua vez estes levem a boa nova a todos e cada um dos outros homems a Sua própria intimidade e o caminho para nela participar.
Mas a religião, a atitude do homem perante Deus, não se apoia única e exclusivamente sobre o fundamento delicado - dom gratuito - da fé. Há uma religião natural, que o homem atinge apenas com a força da razão, acessível, portanto, a todos.
O impulso aterrador do ateísmo contemporâneo radica, quer-me parecer, muito mais do que no «escândalo do sobrenatural» que a Revelação implica na alienação generalizada de uma cultura em decadência, assente sobre valores marginais, como a economia, o bem-estar físico e o sexo, que narcotiza os mais profundos anelos esperituais do homem.
reconhecimento de Deus e da Sua supremacia implica sempre por parte do homem a adopção de certos comportamentos, que precisamente consubstanciam a religião. Estes comportamentos assentam numa adesão pessoal de cada homem a Deus, que nenhuma força natural é capaz de determinar. Mais, devido à natureza social do homem, projectam-se do plano interno e íntimo de cada um para o das relações de uns com os outros.
Se toda a actuação do homem, para ser verdadeiramente humana, há-de ser livre, atrever-me-ia a dizer, Sr. Presidente, que é no campo religioso, das relações do homem com Deus, que a liberdade individual - reflexo da inteligência mo domínio da acção - tem de ser respeitada da forma mais completa.
Exige, com efeito, a dignidade da pessoa humana sublinhada pelo cristianismo mediante a consideração da sua vocação sobrenatural - que ninguém seja coagido a adoptar um ou outro comportamento em matéria religiosa, nem tão-pouco impedido de agir nesta mesma matéria de acordo com os ditames da sua consciência.
Cada pessoa e cada grupo há-de, pois, aceitar a livre manifestação dos demais no que à religião se refere. E a autoridade social, o Estado, a todas garantirá tal liberdade - não porque verdade e erro se confundam, o que, aliás, não lhe compete apreciar, mas porque são iguais os direitos das pessoas que de boa fé e em consciência a uma e outro prestam adesão.
A Liberdade religiosa configura-se assim, Sr. Presidente, como uma pretensão mais dos indivíduos perante o Estado. É a este que as pessoas se dirigem para se
assegurarem contra a abusiva invasão por outrem da esfera do seu direito; e frente a ele se colocam também para reclamarem, da parte do Poder Público, o respeito pela actuação a cada um ditada pela sua consciência - tanto mais necessário quanto é certo serem variados e particularmente envolventes os meios de coacção de que ele dispõe.
Esta função de garantia é realizada pela lei. Não há liberdade sem lei: vivendo o homem em sociedade, em comunhão de vida com os outros homens, é imprescindível delimitar, mediante regras gerais, que a todos obriguem, o âmbito de acção que a cada um compete em face dos outros e em face do Estado, que personifica o corpo social.
Liberdade não legislada é, portanto, liberdade não defendida, permeável, designadamente, a todas as incursões do Poder. Mas também não serve qualquer lei: a legislação sobre as liberdades individuais tem de respeitar integralmente os valores que lhe incumbe acautelar, limitando essas liberdades na medida exacta do estritamente indispensável imposto pela ordem pública.
Tão significativa é à nossa experiência neste campo, fruto de um passado não muito distante, cujas consequências estão à vista; tão frequentes e variadas são as restrições, os condicionamentos, as cautelas entre nós vigentes, que julgo oportuníssimo, no momento de fazer leis sobre matéria de tal delicadeza, reivindicar disposições justas, que consagrem a liberdade como regra e não se limitem a tolerá-la como indesejada excepção.
É neste campo da garantia da liberdade dos cidadãos que se se situa, Sr. Presidente, o principal papel do Estado em matéria religiosa. Não está excluída a colaboração dele com as entidades representativas das várias confissões religiosas, em especial com aquelas que filiem maior número de pessoas; nem tão-pouco se o isentadas responsabilidades que lhe incumbem em ordem a favorecer na medida que lhe cabe o desenvolvimento da vida religiosa, de modo que os cidadãos possam realmente exercitar os seus direitos e cumprir os seus deveres e a própria sociedade beneficie dos bens da justiça e da paz que derivam da fidelidade dos homens a Deus. Mas a era da união do trono e do altar passou: não se aceita já que o Estado se arvore em patrono e protector da religião - os exageros e as violências do regalismo nas suas «diversas formulações só prejudicaram a religião, comprometendo-a em questões temporais; e também firmemente se rejeita o clericalismo, que, por paradoxal que pareça, tende agora a ressurgir em certos meios, embora com sinal político contrário àquele que entre nós é tradicional.
A regra será, pois, a da separação do Estado e das confissões religiosas, de Deus e de César. É isto o que a igreja católica para si reclamou no Concílio Vaticano II, ao afirmar que «a comunidade política e a Igreja são independentes e autónomas, cada uma no seu próprio terreno» (Constituição Gaudium et Spes, n.º 76). Ponto é que a ideia-força da separação não seja invocada, distorcidamente, para escorraçar a religião para dentro dos lugares de culto e proclamar que a ordenação das questões sociais haja de fazer-se à margem de toda a lei divina. Foi isto o que sucedeu em Portugal com o advento da 1.º República, cujos próceres da revolução de Outubro na realidade não separaram a Igreja do Estado, antes pretenderam subordiná-la a este de forma diferente, com o propósito declarado de erradicar, em prazo curto, qualquer convicção religiosa do povo deste país. Daí que a simples referência do termo «separação» seja ainda susceptível de gerar compreensíveis - mas injustificadas - apreensões, sobretudo naqueles que sofreram na sua carne as agruras de um sectarismo anti-religioso, propugnado por via oficial.
Mas teremos nós necessidade, Sr. Presidente, de uma lei especial sobre liberdade religiosa?
A liberdade religiosa analisa-se na liberdade de crença, na liberdade de reunião e na liberdade de associação. A liberdade de crenças é uma forma da liberdade de pensamento e, como esta, postula a expressão e a comunicação aos outros, mediante o ensino e os restantes processos de transmissão de ideias. Quanto às liberdades de reunião e de associação decorrem do aspecto social, comunitário, do fenómeno religioso: àqueles que professam a mesma religião há-de reconhecer-se o direito de se reunirem para a prática de actos de culto ou para a realização em conjunto de outras finalidades espirituais; e, bem assim, o direito de uns aos outros se associarem em termos estáveis para a obtenção de um objectivo de natureza religiosa, que todos tomam por comum.
A questão da liberdade religiosa, da sua garantia efectiva, desloca-se, portanto, para o âmbito da questão mais ampla das liberdades cívicas, que o Estado, em boa dou-
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trina, não atribuiu discricionàriamente aos indivíduos, limitando-se a reconhecê-las e a tutelá-las de forma adequada.
Se as liberdades individuais estão convenientemente asseguradas, reprimindo-se os evenutais abusos por meio de sanções cominadas na lei e aplicadas pelos tribunais comuns, afigura-se-me que é dispensável uma legislação especial sobre a liberdade religiosa. Onde, pelo contrário, a actuação dos cidadãos tende a ser encarada, por princípio, com suspeita e se multiplicam os controles prévios e as intervenções administrativas - então já se exigirá um diploma próprio que derrogue as regras limitativas gerais, em nome do respeito merecido pela peculiar posição da liberdade religiosa, que é a primeira entre todas as liberdades.
Sobradamente se mostrou, durante o debate na generalidade da recente revisão constitucional, que é deste último tipo a situação que presentemente se verifica no nosso país. Por isso se justifica a elaboração de um estatuto especial para o exercício da liberdade religiosa - que bem gostaria de poder encarar como o prelúdio da efectiva e próxima restauração das liberdades cívicas dos portugueses.
É nesta ordem de considerações que se insere, Sr. Presidente, a proposta de lei ora em discussão. O seu objectivo principal não é certamente proclamar, com foros de novidade, o princípio da liberdade religiosa. Este princípio a pouco e pouco foi entrando nos hábitos do povo e no nosso sistema jurídico, a partir da revolução liberal e como reacção ao anterior regime de intolerância, tantas
vezes movido por razões políticas, de modo que constitui já hoje indesmentível conquista do património cultural do País. Mas existem problemas a resolver neste campo - e não há-de ser o temor de ferir susceptibilidades ou de reacender velhas querelas que impedirá a Assembleia Nacional de sobre eles se debruçar e decidir, com prudente ponderação dos interesses em causa.
De entre tais problemas avulta o do reconhecimento e personalização das confissões religiosas que não se encontram em comunhão com a Igreja de Roma, sejam elas cristãs ou não, bem como das associações que no seio das mesmas se constituam. Até aqui estas confissões religiosas têm vivido numa situação de puro facto, sem qualquer vantagem para a colectividade, e com evidentes prejuízos para elas próprias e para os respectivos fiéis. Mesmo que fosse só por isso, já se justificaria a proposta de lei em apreciação.
Mas contém também esta proposta de lei a compilação das normas fundamentais relativas à liberdade religiosa, presentemente dispersas por vários diplomas. Estas normas surgem agora reformuladas, imprimindo-se-lhes os matizes especiais requeridos por um mais completo respeito pelo livre comportamento do homem, no aspecto social e externo das suas relações com Deus. Este é outro motivo sério a justificar o presente diploma.
É exactamente aqui, porém, que se descobre, Sr. Presidente, a principal fraqueza da proposta de lei que discutimos. Criar um regime de favor para as liberdades de expressão de pensamento, de reunião e de associação em matéria religiosa não é tarefa fácil. Ou se admitem essas liberdades em termos gerais - destruindo-se o problema na sua raiz; ou então, precisamente porque a religião fornece sempre uma concepção global do mundo e da vida, não se conseguirá superar a ambiguidade que resulta de por uma forma ou por outra, querer o Estado conservar os controles de que protesta abrir mão.
Vou por isso mais longe do que há pouco. Não é por mera questão pessoal que gostaria de poder encarar o que agora acaso se avança na liberdade religiosa como prelúdio da efectiva e próxima restauração das liberdades cívicas no nosso país. É que sem estas liberdades, a própria liberdade religiosa não logrará subsistir em plenitude.
Estas últimas observações não me impedem, porém, de dar, Sr. Presidente, à proposta de lei em debate a minha aprovação na generalidade.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: Vou encerrar a sessão.
Amanhã haverá sessão à hora regimental, tendo como ordem do dia a continuação, e espero que a conclusão, da discussão na generalidade da proposta de lei sobre a liberdade religiosa e, logo a seguir, o início da discussão e votação na especialidade da mesma proposta de lei.
Está encerrada a sessão.
Eram 17 horas e 35 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Camilo António de Almeida Gama Lemos de Mendonça.
Delfim Linhares de Andrade.
Fernando David Laima.
Francisco António da Silva.
Henrique Veiga de Macedo.
João Duarte Liebermeister Mendes de Vasconcelos Guimarães.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
João Paulo Dupuich Pinto Castelo Branco.
José Dias de Araújo Correia.
José Vicente Pizarro Xavier Montalvão Machado.
Luís Maria Teixeira Pinto.
Rogério Noel Peres Claro.
Rui Pontífice Sousa.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Alberto Marciano Gorjão Franco Nogueira.
Alexandre José Linhares Furtado.
Amílcar Pereira de Magalhães.
António Júlio dos Santos Almeida.
António de Sousa Vadre Castelino e Alvim.
Deodato Chaves de Magalhães Sousa.
Fernando Artur de Oliveira Baptista da Silva.
Fernando Augusto Santos e Castro.
Francisco Correia das Neves.
Francisco Manuel Lumbrales de Sá Carneiro.
Henrique José Nogueira Rodrigues.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
José Guilherme de Melo e Castro.
Lufe António de Oliveira Ramos.
Manuel José Archer Homem de Mello.
Tomás Duarte da Câmara Oliveira Dias.
Victor Manuel Pires de Aguiar e Silva.
O REDACTOR - José Pinto.
Rectificações ao n.º 119 do Diário das Sessões enviadas por escrito, à Mesa, pelo Sr. Deputado Júlio Evangelista.
Na p. 2429, col. 1.ª, no final das minhas palavras, onde se lê: «a alínea i)», deve ler-se: «o aditamento à alínea i)».
Na p. 2431, col. 1.ª, antepenúltima linha, onde se lê: «alienação», deve ler-se: «alineação».
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Propostas enviadas para a Mesa durante a sessão referentes à proposta de lei em discussão.
Proposta de alteração
BASE II
Ao abrigo do § 2.º do artigo 37.º do Regimento, proponho que o n.º 1 da base II da proposta de lei n.º 15/X passe a ter a seguinte redacção:
BASE II
1. O Estado, em matéria de religião, manterá o regime de separação nas suas relações com as diversas confissões religiosas.
Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 15 de Julho de 1971. - Os Deputados: Raul da Silva e Cunha Araújo
Francisco Manuel de Meneses Falcão
Rui de Moura Ramos
Francisco de Moncada do Casal-Ribeiro de Carvalho
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral
José dos Santos Bessa
Álvaro Filipe Barreto de Lara.
Proposta de emenda
BASE XIV
1. As organizações correspondentes às confissões religiosas e às associações e institutos religiosos administram-se livremente, dentro dos limites da lei, sem prejuízo do regime vigente para as entidades religiosas que se proponham também fins de assistência ou de beneficência fundados, dirigidos ou sustentados por entidades religiosas que se proponham também fins de assistência ou de beneficência fundados, dirigidos ou sustentados por entidades religiosas.
Sala das Sessões, 15 de Julho de 1971. A Deputada, Maria Raquel Ribeiro.
Proposta de aditamento
Proposta de lei sobre a liberdade religiosa
Propomos que o n.º 2 da base XV passe a ter a seguinte redacção:
BASE XV
1. ............................................................................
2. Os bens destinados a proporcionar rendimento que não se destine à sustentação do culto das igrejas e do ensino nos seminários não são considerados necessários à prossecução dos fins das pessoas colectivas religiosas e a sua aquisição está sujeita ao disposto na lei geral.
Sala das Sessões, 15 de Julho de 1971. - O Deputado, Teodoro de Sousa Pedro.
Texto aprovado pela Comissão de Legislação e Redacção
Decreto da Assembleia Nacional, sob a forma de resolução, acerca das contas gerais do Estado respeitantes ao exercício de 1969.
1. A Assembleia Nacional, tendo examinado os pareceres sobre as contas gerais do Estado respeitantes ao exercício de 1969, tanto da metrópole como das províncias ultramarinas, e concordando com as conclusões da Comissão das Contas Públicas, resolve dar a essas contas a sua aprovação.
2. A Assembleia considerando, todavia, os grandes esforços e sacrifícios que estão a ser exigidos à Nação; a necessidade de continuarem os elevados encargos com a defesa nacional, exigidos pela salvaguarda da unidade e integridade do País e, ao mesmo tempo, a necessidade de estimular também vigorosamente a sua economia; reconhecendo o acrescido peso e responsabilidade das tarefas que recaem não só sobre o Governo, como também sobre toda a administração pública;
Chama a atenção para as recomendações constantes dos referidos pareceres e, nomeadamente, para as seguintes:
a) Que - de harmonia, aliás, com bem patentes propósitos do Governo, ainda recentemente reiterados - se torna urgente acelerar a execução de uma profunda, ainda que progressiva, reforma administrativa, que abranja as estruturas dos serviços públicos, os métodos e processos de trabalho, que assegure a conveniente preparação e recrutamento do pessoal, em particular do profissionalmente mais qualificado, para que se lhe possa assim vir a garantir também a adequada remuneração;
b) Que os prementes interesses da defesa e do progresso económico-social da Nação impõem que se intensifiquem as medidas para associar mais estreitamente o esforço da defesa ao do fomento, para coordenar mais Intimamente os departamentos militares entre si e estes com os correspondentes serviços civis;
c) Que se procure, através de uma adequada combinação de factores humanos e materiais, tornar mais eficazes os meios empenhados na defesa da Nação, procurando nomeadamente economizar meios humanos, posto que o homem é a maior riqueza do País, não só como valor espiritual, mas também no plano da economia.
Sala das Sessões da Comissão de Legislação e Redacção da Assembleia Nacional, 14 de Julho de 1971.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Henrique Veiga de Macedo.
João Bosco Soares Mota Amaral.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
Joaquim Jorge de Magalhães Saraiva da Mota.
Miguel Pádua Rodrigues Bastos.
Rafael Ávila de Azevedo.
IMPRENSA NACIONAL
PREÇO DESTE NÚMERO 5$60