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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL E DA CÂMARA CORPORATIVA

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 147

ANO DE 1971 16 DE DEZEMBRO

ASSEMBLEIA NACIONAL

X LEGISLATURA

SESSÃO N.° 147, EM 15 DE DEZEMBRO

Presidente: Ex.mo Sr. Carlos Monteiro do Amaral Netto

Secretários: Ex.mos Srs.

João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira

Amílcar da Costa Pereira Mesquita

SUMARIO: — O Sr. Presidente declarou aberta a sessão ás 11 horas.

Antes da ordem do dia. — O Sr. Deputado Fausto Montenegro, referindo-se a vários problemas que afectam a produção e comercialização do vinho do Porto, advogou a reforma da política agrária.

O Sr. Deputado Ávila de Azevedo falou sobre o acordo celebrado entre Portugal e os Estados Unidos da América para utilização, pelos Norte-Americanos, da Base Aérea das Lajes, nos Açores.

O Sr. Deputado Olímpio Pereira tratou da situação dos ferroviários da Companhia dos Caminhos de Ferro Portugueses e da Sociedade Estoril.

O Sr. Deputado Ribeiro Veloso fez considerações a propósito do anunciado concurso público para a construção, conservação e exploração de auto-estradas em regime de concessão.

O Sr. Deputado Themudo Barata lamentou não ter ainda sido dada resposta a um requerimento seu sobre a situação da indústria de montagem de veículos automóveis no nosso país.

O Sr. Deputado Oliveira Ramos falou sobre a exiguidade dos vencimentos dos guarda-rios e sobre a conservação e utilização do antigo mosteiro beneditino de Tibães.

O Sr. Deputado Costa Oliveira abordou mais uma vez o problema de abastecimento de matéria-prima aos sectores têxteis dos lanifícios e dos algodões e mistos.

O Sr. Deputado Correia da Cunha regozijou-se com a nomeação do novo director do Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras.

Ordem do dia. — Concluiu-se a discussão na generalidade da proposta de lei de autorização das receitas e despesas para 1972, tendo usado da palavra os Srs. Deputados Joaquim Macedo, Correia da Cunha e Almeida Garrett.

O Sr. Presidente encerrou a sessão ás 13 horas e 20 minutos.

O Sr. Presidente: — Vai proceder-se à chamada.

Eram 10 horas e 50 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.

Albano Vaz Pinto Alves.

Alberto Eduardo Nogueira Lobo de Alarcão e Silva.

Alberto Maria Ribeiro de Meireles.

Álvaro Filipe Barreto de Lara.

Amílcar da Costa Pereira Mesquita.

António Bebiano Correia Henriques Carreira.

António Fausto Moura Guedes Correia Magalhães Montenegro.

António da Fonseca Leal de Oliveira.

António Júlio dos Santos Almeida.

Armando Júlio de Roboredo e Silva.

Artur Augusto de Oliveira Pimentel.

Augusto Salazar Leite.

Carlos Eugénio Magro Ivo.

Carlos Monteiro do Amaral Netto.

Delfim Linhares de Andrade.

Deodato Chaves de Magalhães Sousa.

Eleutério Gomes de Aguiar.

Fernando Dias de Carvalho Conceição.

Filipe José Freire Themudo Barata.

Francisco António da Silva.

Francisco Esteves Gaspar de Carvalho.

Francisco Manuel Lumbrales de Sá Carneiro.

Francisco Manuel de Meneses Falcão.

XII. 1971

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Francisco de Nápoles Ferraz de Almeida e Sousa.

Gustavo Neto Miranda.

Humberto Cardoso de Carvalho.

João Bosco Soares Mota Amaral.

João José Ferreira Forte.

João Manuel Alves.

João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.

João Ruiz de Almeida Garrett.

Joaquim Germano Pinto Machado Correia da Silva.

Joaquim José Nunes de Oliveira.

Joaquim de Pinho Brandão.

José Coelho de Almeida Cotta.

José da Costa Oliveira.

José João Gonçalves de Proença.

José Maria de Castro Salazar.

José dos Santos Bessa.

José Vicente Cordeiro Malato Beliz.

Lopo de Carvalho Cancella de Abreu.

Luís António de Oliveira Ramos.

D. Luzia Neves Fernão Pereira Beija.

Manuel Artur Cotta Agostinho Dias.

Manuel Elias Trigo Pereira.

Manuel Homem Albuquerque Ferreira.

Manuel de Jesus Silva Mendes.

Manuel Marques da Silva Soarès.

Manuel Monteiro Ribeiro Veloso

Miguel Pádua Rodrigues Bastos Olímpio da Conceição Pereira.

Pedro Baessa.

Prabacor Rau.

Rafael Ávila de Azevedo.

Ricardo Horta Júnior.

Rui de Moura Ramos.

Teófilo Lopes Frazão.

O Sr. Presidente: — Estão presentes 58 Srs. Deputados, número suficiente para a Assembleia funcionar em período de antes da ordem do dia.

Está aberta a sessão.

Eram 11 horas.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: — Não tenho para apresentar à reclamação de VV. Ex.as qualquer novo número do Diário das Sessões, nem tão-pouco tenho expediente para mandar ler.

Em consequência, dou desde já a palavra ao Sr. Deputado Fausto Montenegro.

O Sr. Fausto Montenegro: — Sr. Presidente: Ao conceder-me V. Ex.a a palavra, devo, antes de mais, cumprimentar respeitosamente V. Ex.as e testemunhar-lhe, mais uma vez, a minha melhor consideração.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: As reflexões que vou deixar à consideração dos directamente responsáveis inserem-se numa constante de apreensões que vêm de longe, mas que hoje se multiplicam no horizonte e que pesam como realidades e são visões de possíveis nuvens a anunciarem cataclismos.

O momento agrícola por que passa o País concentra muitas atenções, oficiais e particulares, no desejo de o estudar e dar-lhe a melhor solução.

No entanto, os resultados, em muitos sectores, não permitem uma tranquilidade, nem sequer uma esperança.

Referindo-me concretamente ao caso da Região Demarcada do Douro e do meu distrito, devo assinalar que o presente é dos mais graves da sua sacrificada existência,

muito mais do que o da destruição da filoxera, e que, para poder superar, tem necessàriamente de escolher do dilema que se lhe depara: a mecanização urgente, senão a morte imediata.

A sobrevivência do Douro deveu-se à raridade do seu produto — o vinho único no Mundo —, à persistência estóica dos seus agricultores, aliada e fundamentalmente dependente de um excedente de mão-de-obra, dos quais se extraíam as possibilidades do produto se transaccionar a preços baixos

Nunca pensaram, nem acreditavam os organismos oficiais e os agricultores, que viria o dia da imperiosa mecanização das vinhas e muito menos de as reconverter em sistema funcional e económico de cultivo.

Quanto à condição do emparcelamento, era utopia dos visionários!

A acelerada emigração do Douro, que está a converter-se em fuga para o estrangeiro e para os grandes centros urbanos, a duração do período escolar e do serviço militar, mentalizaram os poucos que vão ficando a considerarem o trabalho rural como vexatório para .a pessoa humana e até escravo.

Daí, o procurarem por todos os meios a fuga do campo, já que este não lhes pode satisfazer as naturais reivindicações sociais e salariais que são facultadas, em certa medida, nos meios onde se movimenta toda a finança.

E o Douro, que sempre dependeu de um excedente de mão-de-obra não especializada, vê-se de momento sem ela, com as consequências fatais de um empobrecimento agrícola que se afigura alarmante.

Há tempos, quando numa necessária e cordial reunião com os responsáveis da produção e da comercialização do vinho do Porto, e precisamente na cidade do Porto, fiz ouvir a minha modesta opinião acerca deste magno assunto, então prestei a minha rendida homenagem aos trabalhadores do Douro, como dos principais obreiros desse precioso vinho, pois a eles se devia, em grande medida, não só pelo seu disciplinado labor, como também, e fundamentalmente, pela miséria do seu salário.

Suponho que para alguns levantei um escândalo!

E porque assim era, nunca se pensou na mecanização, associações de grupo, emparcelamento e em tudo o mais que dispensasse grande quantidade de mão-de-obra, desclassificada na maioria, e se fomentasse o ensino na preparação de trabalho válido, esclarecido e rentável na aplicação da cultura regional e nacional.

Estes remédios surgem hoje no pensamento e na palavra de alguns, mas ainda com receptividades hostis e agressivas.

Por outro lado, surge a pergunta: em que empregar nesses tempos bem próximos esses excedentes populacionais?

Se havia miséria, mais se agravaria. Um bem trazia um imediato mal. Não há, pois, que recriminar só os lavradores do Douro.

Agora, a maioria dos lavradores só deseja que os poderes oficiais lhe solucionem os problemas, desde que não afectem as suas propriedades, usos, costumes, direitos e comodidades.

Necessàriamente que a sobrevivência implica celeridade e coragem na execução das reformas.

E por que tardam?

Talvez por alguns dos responsáveis — lavradores, organismos corporativos e oficiais — se considerarem bem na vida e terem de momento o seu problema resolvido, sem se aperceberem de que, neste caso, o apego à tradição é um mal que corrói e é o vírus da morte.

Embora alguns lavradores nos organismos corporativos se façam eco das apreensões e a própria Secretaria de Estado da Agricultura tenha criado um grupo de trabalho

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para estudar o caso do Douro, a verdade é que não se lhe tem dedicado o interesse necessário.

Por isso, custa-nos a acreditar no êxito dos resultados a que venha a chegar a comissão de estudo, aliás constituída por técnicos distintos e dedicados e na qual contamos com algumas sinceras amizades.

Este estudo implicava um gabinete permanente cujos membros não tivessem outra ocupação, de forma a afastar, o que é normal, as reuniões espaçosas c com as inerentes dificuldades.

Também todos sabemos que para levar por diante uma política de realidade se tem de começar pela base, e neste caso está a necessária alteração do conceito jurídico de propriedade.

A mentalidade do nosso agricultor está fascinada pela tradição e custa a convencê-lo, surgindo aqui um mundo de problemas e de dificuldades a vencer, as quais, entretanto, não justificam o prejuízo que causam à renovação agrícola e à própria riqueza dos lavradores.

E o vinho do Porto, como fonte de divisas, produto nacional que importa não só conservar como, ainda mais, desenvolver através da exportação.

Ou a Nação dispensa estas divisas e o seu produto e arrosta com as consequentes responsabilidades dos investimentos feitos através dos tempos no Douro e suas implicações comerciais, sociais, económicas e políticas?

Se a resposta à primeira pergunta é positiva, então inicie-se uma política agrária bem ordenada e dinâmica.

Para tanto, não necessitamos de «pavorosos» financiamentos: para já, pouco mais dos destinados à própria lavoura, se forem bem distribuídos e inteligentemente aplicados.

Recordem VV. Ex.as, a este respeito, a magnífica lição aqui proferida pelo Sr. Deputado Camilo de Mendonça.

O vinho do Porto é produto de primeira necessidade para a exportação, e só pode ser cultivado nas margens íngremes e xistosas do Douro, porque não admite imitações nem outras zonas do País que o produzam.

E são estas as razões por que ainda não retiraram o privilégio ao Douro…

Nos últimos anos a produção no Douro vem a diminuir, proveniente de cultivos deficientes.

Esta apreensão pode ter consequências de stocks menores e que não garantam o envelhecimento necessário do vinho de qualidade.

A defesa intransigente da qualidade deve ser uma constante do produtor, do comércio e dos organismos oficiais que estão destinados a velar pela orgânica do vinho do Porto.

Embora dê nota imediata das adulterações, há que precavê-lo de traficantes que estão prèviamente preparados para denegrirem a sua fama.

Neste aspecto há que intensificar a fiscalização e rever toda a legislação, para maior tranquilidade do consumidor e defesa da qualidade.

E evidente que este revisão tem de ser feita para todo o sector vinícola do País.

Só com repressões severas, em pesadas multas e prisão maior, se evitavam casos alarmantes de falsificação para a economia do vinho.

E inacreditável que num país vinhateiro proliferem as «fábricas» do vinho e que as sanções sejam tão benignas que despertem cobiça aos audazes e desonestos.

Como os processos correm seus termos em tempos longos, os efeitos perdem oportunidade e até se diluem no esquecimento…

Vozes: — Muito bem!

O Orador: — Por estas razões, nem sinto coragem de me referir ás «falsificações» que também se fazem no ultramar, quando nós as temos cá dentro.

Vozes: — Muito bem!

O Orador: — Até se fala que determinada firma conseguiu alvará pana fabricar «sangria», que é uma 'droga com base no vinho…

E talvez tenha razão, já que se importam milhões de litros de álcool para satisfazer as necessidades de benefício do vinho generoso e que vieram substituir, com desvantagens em preço e qualidade de origem, os excedentes de aguardente desbaratados numa exportação ruinosa…

Com certeza que essa importação está na linha de rumo da actual política económica.

Não ouvimos e não sabemos que se importam milhões de contos de artigos que não produzimos em quantidade suficiente por deficiência ou negligência de uma orientação agrícola?

E não sabemos que está feita uma lei sobre transacção de uvas e que nem os intervenientes sabem da razão do silêncio?

Que a referente ao plantio só passados sete anos veio à luz para a Câmara Corporativa dar o seu parecer?

Importa-se álcool vínico, carne, manteiga, óleos, batata, etc., e não se preocupam com uma possível e rentável produção nacional capaz de evitar essas ruinosas importações maciças.

O mal da agricultura está em não ter rumos e certezas definidas e em o seu departamento estar alheio ás decisões do departamento do comércio, onde a preocupação dominante é exclusivamente não alterar os preços.

Torna-se urgente, e será caso para perguntar se ainda vamos a tempo, ordenar as culturas do território nacional, metropolitano e ultramarino, e estabelecer entre eles compensações de excedentes.

Somos uma grande nação, com potencialidades que causam inveja aos mais evoluídos, mas, infelizmente, não as exploramos nacional e patriòticamente.

Vozes: — Muito bem!

O Orador: — Aqui rendo a minha homenagem aos bons portugueses que construíram e estão a construir a grandeza da terra pátria nas diferentes parcelas do mundo português.

A revisão da política 'económica agrária impõe-se imediata, e pela nossa parte cumprimos o dever de manifestar o desespero que reina no campo português.

Quanto ao caso do Douro, assinalar que ainda há vontades esclarecidas para reconstruírem um Douro funcional e rentável, conscientes como estão da certeza do dilema: ou a reconversão ou a morte.

E na produção que está a solução do problema.

Como todos sabemos, havendo produto há comercialização, e esta pode ser adaptada ás circunstâncias, mas não havendo produto já se não pode fazer qualquer espécie de comercialização.

Mas transformar as 85 000 parcelas de vinha, dos 25 000 proprietários, em explorações rentáveis e de fácil cultivo, é, sem dúvida, tarefa ingente e que consome avultados recursos, tempo, dinheiro, mão-de-obra e até ilusões…

Infelizmente que este panorama se pode transferir para outros sectores do meu distrito, que os tem igualmente dolorosos.

Estou-me a lembrar das miniparcelas destinadas ao cultivo da batata e dos cereais que cavam dia a dia a ruína do produtor.

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Devidamente ordenadas e orientadas davam perfumados e rentabilíssimos pomares, pastagens para fomento da pecuária, etc.

O exemplo dos pomares existentes em certos concelhos do meu distrito, que têm sido autênticas minas de ouro, alguns dispersos e até sem assistência técnica, outros sob a orientação zelosa e edificante dos poucos técnicos da região agrícola, provam a possibilidade de reconversões baratas, e altamente rentáveis.

Aos erros da comercialização não foi meu intento referir, mas não posso deixar de mencionar um que se deu ultimamente no solar do vinho de mesa, em pleno coração do Dão, que é, sem sombra de dúvida, o vinho de mesa por excelência, e que por falta de meios financeiros para o envelhecimento se viu invadido por comerciantes que os pagaram melhor para roses, e com isso lá se foram as melhores qualidades da região de vinhos de mesa.

Falta-nos o bom senso da comercialização, facilidades de financiamentos e uma disciplina de ordenamento comercial.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não devemos deixar vingar a ideia de que há o propósito de deixar morrer o Douro para, sobre as suas cinzas, se criar uma região nova.

Tão pouco devemos permitir que se viva a sebastiânica esperança de os emigrantes voltarem ao lar pátrio para aguentarem com o seu suor os medianos proventos do Douro.

Foi meu único e exclusivo propósito consciencializar os meus companheiros de trabalho do Douro e todos os organismos cooperativos, corporativos e oficiais a ele ligados, expondo estas verdades tão dolorosas quão verdadeiras.

Sabemos das dificuldades enormes a vencer — sentimentalismos e aversões, inclinação e dureza xistosa do solo, minúsculas parcelas disformes e de diferentes valores, numerário vultoso a investir, mas, em compensação, também sabemos que só experimentando se pode definir com acerto.

Para estes primeiros ensaios ofereceu-se e pediu com insistência à Secretaria de Estado da Agricultura, recentemente, toda uma freguesia caracteristicamente duriense.

Há que dar os primeiros passos para efectivamente se passar da política da esperança para a política da realidade.

Façamos votos para que dentro em breve os Durienses possam levantar o seu cálice de honra em louvor e agradecimento a todos que lhe façam justiça.

Vozes: — Muito bem, muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Ávila de Azevedo: — Sr. Presidente: Duas palavras apenas, e muito simples. Todos os portugueses receberam jubilosamente a notícia do acordo celebrado no dia 9 de Dezembro entre o Ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal e o Secretário de Estado norte-americano, em Bruxelas.

Terminaram assim com êxito pleno as negociações que se arrastavam desde 1962 — prazo em que haviam expirado as facilidades concedidas pelo Governo Português para utilização pelas forças americanas da Base Aérea das Lajes, na ilha Terceira, nos Açores. Era ainda a continuação de um processo de colaboração de Portugal com as potências ocidentais iniciado em 1943. Com a nossa habitual generosidade, o Prof. Salazar, Presidente do Conselho, escrevia então:

O Governo tem a consciência de ter prestado um serviço, não de ter feito um negócio; operou por patriotismo e de modo algum por cálculo.

Durante a guerra o Aeródromo das Lajes apressou a vitória dos Anglo-Americanos e dos seus aliados. Em paz, foi ainda a existência da Base das Lajes que permitiu o encontro dos representantes da Europa e da América, ou seja dos Presidentes da França e dos Estados-Unidos. E foi também nesta Casa bem lusitana, no rochedo de que já falava Garrett, mas um rochedo florido, que o nosso Presidente do Conselho, o Prof. Marcelo Caetano, acolheu os seus magníficos hóspedes. Do encontro destes três estadistas eminentes só podem resultar benefícios para a compreensão entre os povos e, para nós, Portugueses, uma posição de relevo no concerto das nações a que ninguém pode ser indiferente.

Vozes: — Muito bem!

O Orador: — Como se sabe, e em compensação da sua permanência nos Açores, o Governo dos Estados-Unidos comprometeu-se a prestar ao nosso país um vultoso auxílio de ordem financeira.

Continuam assim os Açores a desempenhar um papel primacial na defesa das potências ocidentais, como chave estratégica, por excelência, do Atlântico — o mare nostrum da nossa civilização atlântica.

E, pois, desejável que seja este arquipélago e agora falo como Deputado dos Açores— uma das regiões do território nacional a partilhar do auxílio económico do Governo Americano. A própria utilização das Lajes, se, por um lado, aproveitou à ilha Terceira com um afluxo de mão-de-obra local e de actividades, por outro lado, prejudicou a sua agricultura, com a ocupação dos melhores campos cerealíferos da ilha e o desgaste constante das suas vias de comunicação pelos comboios militares.

Entre as infra-estruturas indispensáveis ao desenvolvimento dos Açores: agrícolas, florestais, de comunicações e turísticas, de acordo com o programa estabelecido pelo Grupo Regional de Planeamento, impõe-se a construção e beneficiação dos portos — entre os quais avulta o da ilha Terceira, cuja falta foi tão notória neste momento crítico. Em face destas circunstâncias, estou plenamente convencido de que o plano portuário dos Açores, já estudado pelo Ministério das Obras Públicas, vai entrar em execução. A aspiração de um porto de abrigo naquela ilha com mais de um século, como já disse nesta Câmara entrará finalmente no caminho das realizações. Assim o esperam todos os terceirenses e, de uma maneira geral, todos os açorianos. O Governo da Nação acabará por dar cumprimento a esta promessa secular.

Vozes: — Muito bem, muito beml

O orador foi cumprimentado

O Sr. Olímpio Pereira: — Sr. Presidente: Não era minha intenção voltar a falar antes da reabertura dos trabalhos desta Câmara, em Janeiro, mas como a situação de mais de 27 000 ferroviários, pertencentes à Sociedade Estoril e à Companhia dos Caminhos de Ferro Portugueses — C.P. —, estes espalhados de norte a sul do País, é verdadeiramente angustiante, permiti-me pedir a palavra a V. Ex.a

Aos Srs. Deputados peço desculpa de me imiscuir em assuntos dos círculos de VV. Ex.as, mas, como se trata de um caso ao nível nacional, não pode o mesmo ser dividido nem reduzido a determinadas áreas.

Como é do conhecimento geral, o caminho de ferro está a atravessar uma grave crise, de certo a maior de toda a sua existência, e grandes são os esforços que o Governo e as administrações das empresas atrás citadas, especial-

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menta a última, estão fazendo para que a sobrevivência e actualização dos caminhos de ferro na metrópole seja uma realidade.

Ninguém ignora que é necessário substituir ou reparar centenas de pontes ou pontões, substituir milhares de quilómetros de carris (alguns datam de 1880), centenas de locomotivas e automotoras, centenas de carruagens 6' milhares de vagões.

Ê necessário formar pessoal a todos os níveis e reconverter outro para funções actualizadas, rever e adaptar os caminhos de ferro a novas técnicas de exploração, encerrar linhas e ramais deficitários, desguarnecer estações que anacrònicamente dão prejuízo, eliminar apeadeiros, reduzir os quadros do pessoal ao estritamente necessário, etc.

Só assim os futuros ferroviários poderão auferir vencimentos actualizados e regalias sociais como a maioria dos trabalhadores portugueses.

Sr. Presidente: Estas minhas palavras têm o fim de alertar quem desconheça o caminho de ferro, para que possam apreender o sentido do que vou passar a dizer:

Entre os sindicatos interessados e as empresas ferroviárias — Sociedade Estoril e C. P. — estão em curso negociações para novas convenções colectivas de trabalho.

Com a Sociedade Estoril estas negociações iniciaram-se em princípios de 1970 com a rescisão, por parte da empresa, do acordo colectivo de trabalho em vigor desde 1 de Agosto de 1961, que entregou a contraproposta aos sindicatos representativos do pessoal ao seu serviço: ferroviários, electricistas e enfermeiros.

Os sindicatos enviaram a contraproposta dentro do prazo regulamentar e nas negociações que se seguiram a Sociedade Estoril e os sindicatos chegaram a acordo quanto à maioria das cláusulas.

O texto que documentava o acordo das partes quanto a tais cláusulas foi enviado aos serviços competentes em 6 de Agosto de 1970.

Na fase conciliatória das cláusulas não acordadas, que decorreu na Corporação dos Transportes e Turismo, não resultou qualquer acordo quanto às catorze cláusulas em litígio, tendo sido lavrada em 8 de Dezembro a respectiva acta em que se consignavam as posições das partes quanto às cláusulas controvertidas.

Entrou-se depois na fase de arbitragem e foram nomeados os árbitros dos sindicatos e da empresa, em 7 e 13 de Maio de 1971.

O árbitro presidente foi nomeado em 28 de Maio, conforme despacho de S. Ex? o Secretário de Estado do Trabalho e Previdência, de 15 de Junho de 1971, tendo-se considerado esta data para os efeitos do artigo 19.° do Decreto-Lei n.º 49 212.

A decisão arbitrai tem a data de 30 de Agosto de 1971.

Mas não finda aqui a triste história desta convenção colectiva de trabalho.

O Decreto-Lei n.º 49 212, de 28 de Agosto de 1969, fixa prazos rigorosos para serem cumpridos pelas corporações, comissões, comissões arbitrais ou partes interessadas na regulamentação por via convencional nas relações colectivas de trabalho, nas três fases em que se pode desenvolver o processo, negociação normal de uma convenção colectiva de trabalho, negociação através da tentativa de conciliação e na fase de arbitragem.

Mas não fixa quaisquer prazos ao Ministério, quando este tenha de intervir.

Estas intervenções são:

Para nomeação do árbitro presidente;

Para estudo dos textos indicados no n.º 8 do citado decreto-lei;

Para homologação ministerial;

Para publicação de eventuais portarias de regulamentação de trabalho;

Para publicação no Boletim do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência.

Pois, Sr. Presidente e Srs. Deputados. Os ferroviários da Sociedade Estoril aguardam pacientemente desde princípios de 1970 o seu acordo colectivo de trabalho, e desde 30 de Agosto de 1971 até hoje, vão decorridos cento e seis dias, aguardam a decisão do Governo.

Quase dois anos de espera por um acordo colectivo de trabalho não será de mais?

Não será tempo em demasia obrigar, quem tanto necessita, a viver na incerteza do amanhã, sem saber com o que pode contar?

Aproxima-se o Natal. Não seria justo que fosse feita justiça a estes trabalhadores, tanto mais que a Sociedade Estoril é uma das poucas empresas ferroviárias do Mundo que não é deficitária?

Estão os ferroviários da Sociedade Estoril esperançados de que o alto espírito de compreensão de SS. Ex.as os Srs. Ministro, Secretário e Subsecretário de Estado das Corporações, Trabalho e Previdência, não deixarão de fazer justiça a estes ferroviários antes da quadra do Natal, justiça que merecem.

E vou terminar, Sr. Presidente, pois não quero abusar da benevolência de V. Ex? e farei apenas algumas breves considerações ao acordo colectivo de trabalho que está a ser negociado entre a C. P. e os sindicatos representantes do seu pessoal.

Sabemos que a C. P. é uma empresa deficitária e afectada por vários condicionalismos, impostos pela conjuntural sócio-económica do País.

Mas os trabalhadores ferroviários não têm culpa e em nada contribuíram para os citados condicionalismos, pois cumprem honestamente a sua missão.

Se o preço dos transportes, passageiros e mercadorias está condicionado, em muitos casos, para que a popução menos favorecida não seja afectada nos seus orçamentos familiares, não nos parece justo que aos ferroviários não sejam concedidos vencimentos actualizados e regalias sociais, pelo menos iguais à daquela maioria de utentes do caminho de ferro, pelos quais o Estado impõe à C. P. os referidos condicionalismos.

Não terão os ferroviários, como a maioria dos trabalhadores do País, direito a vencimentos mínimos actualizados, diuturnidades (estas já as tiveram), subsídio de Natal e subsídio de férias igual aos dias concedidos?

Não seria justo que aos ferroviários fosse facultada residência próxima dos locais de trabalho onde a maioria é obrigada a residir devido às características do serviço público que desempenham, nas condições dos demais beneficiários da Previdência?

Será justo que, quando atinjam o direito à aposentação, tenham de abandonar as casas no prazo de trinta dias, precisamente no momento em que o trabalhador mais dificuldades monetárias e de estabilização familiar passa a ter?

Não poderá o Governo, através da Previdência, dar uma ajudazinha aos trabalhadores ferroviários que tão sacrificados têm sido, e parece que continuam a ser, construindo, de cooperação com a C. P., alguns bairros nos locais de maior concentração ferroviária e sejam atribuídos nas condições das habitações económicas?

Parece que existem conversações nesse sentido, mas que uma das partes não está de acordo que quando atinjam a reforma os beneficiários continuem nas casas.

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Será justo que ao atingir a velhice sejam lançados na miséria aqueles que tanto contribuíram para o progresso do País, porque a pensão de reforma será absorvida na renda da casa?

Será justo que a C. P. pretenda aumentar a renda da casa da sua propriedade a alguns ferroviários (e são muito poucos) de importâncias que actualmente vão de 60$ a 130$ para algumas centenas de escudos, podendo atingir um sexto do seu magro ordenado, quando o aumento de vencimento proposto no novo acordo colectivo de trabalho é de 16,6 por cento atribuído ao aumento do custo de vida e não actualização de vencimentos?

Sabemos que o deficit da C. P. é em parte coberto pela Nação, mas os ferroviários também são portugueses e o Governo conta incondicionalmente com eles, assim como todos os trabalhadores do caminho de ferro desejam contar com a justiça do Governo do Prof. Marcelo Caetano.

Muito obrigado, Sr. Presidente.

Vozes: — Muito bem, muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Ribeiro Veloso: — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Anunciaram os jornais em 22 de Novembro passado que estava aberto concurso público pela Junta Autónoma de Estradas para a construção, conservação e exploração de auto-estradas, na extensão aproximada de 258 km, em regime de concessão, concurso esse que se realizará no próximo dia 8 de Fevereiro.

Este anúncio segue-se a uma anterior notícia, que naturalmente não teria passado despercebida a muitos de VV. Ex.as e onde se transcrevia na íntegra uma proposta de programa sobre esta matéria, apresentada pelo Sr. Ministro das Obras Públicas ao Conselho de Ministros, sintetisando concreta e claramente a sua opinião, baseada aliás em justificação perfeita.

Atendendo a que tenho a honra de ser o presidente da Comissão de Obras Públicas desta Assembleia, achei conveniente abordar aqui o assunto das auto-estradas, por considerar que o seu interesse não é local nem regional, mas sim nacional, pois terá reflexos em todo o espaço português, por acarretar à parte europeia de Portugal um surto de progresso nunca igualado, o qual motivará incremento económico e cultural em todas as outras partes do território nacional, muito embora estejam dela, como estão, geogràficamente separadas.

E indiscutível que as zonas de economia mais desenvolvida serão as mais beneficiadas pelas auto-estradas, pelo apoio que estas darão a cada uma dessas zonas, não só diminuindo ao máximo a incidência dos custos de transporte entre os centras de produção e os de consumo, mas também por as ligarem de tal modo entre si que irão completar mais ràpidamente o nivelamento das populações nos sectores da educação e da cultura, que vem a ser obtido com os meios de comunicação já existentes. Elas provocarão, portanto, a quase eliminação de zonas diferenciadas de cultura, de economia e de condições de vida em geral, transformando-as numa única zona de progresso, da qual indubitàvelmente irradiará riqueza para toda a Nação.

Naturalmente que as auto-estradas não poderão permitir o acesso directo a todas as povoações que estejam ao longo do seu percurso, e, assim, para todas essas povoações, os benefícios serão menores do que para aquelas que já tenham vida económica que justifique a construção sempre dispendiosa da respectiva entrada e saída da auto-estrada. Mas também, por outro lado, a auto-estrada é tanto mais procurada quanto maior for o número dos que sintam que tiram proveito na sua utilização; e se isto, por vezes, poderá ter uma importância limitada para os que fazem turismo, já assim não acontece para os que possuem viaturas de carga, principalmente quando se dedicam ao transporte de mercadorias de porta em porta ou de povoação em povoação, ao longo do percurso. E, embora, por vezes, se julgue que a construção das auto-estradas vai permitir uma considerável diminuição de tráfego em todas as estradas existentes, mesmo nas que lhe sejam concorrentes, a verdade é que se verifica sempre naquelas uma forte dinamização de tráfego, se as auto-estradas estão em plena utilização.

Há, assim, que ter em mente que a circunstância de se gastarem milhões de contos na construção das auto-estradas exige que haja redobrada atenção da Junta Autónoma de Estradas na conservação e beneficiação das estradas existentes, pois só deste modo estas poderão resistir ao aumento de tráfego que as auto-estradas lhes vão acarretar.

Poderá haver então alguém que pense não se justificar a construção das auto-estradas, se isso não diminui, mas aumenta, as despesas de construção, grande reparação e conservação de todas as estradas normais. Os que assim pensarem estão fora da razão, porque os números indicativos do tráfego actual que constam da já aludida proposta de programa feita pelo Sr. Ministro das Obras Públicas ao Conselho de Ministros são tão expressivos e conduzem a previsões para 1980 de tal modo elevadas, quer na hipótese optimista da O. C. D. E., quer na hipótese mais moderada da Junta Autónoma de Estradas, que, a não se tomarem providências imediatas iniciando em velocidade a construção das auto-estradas ali mencionadas, se conduzirá o País à estagnação e h sua consequente ruína. Ainda em reforço do que acabo de dizer, menciono uma previsão e que os nossos jornais nos deram a conhecer, de que 5 milhões de turistas visitarão Portugal europeu em 1973. Para que estes milhões de turistas se sintam bem do Minho ou Trás-os-Montes ao Algarve é necessário que largas centenas de milhares de outras pessoas executem os mais variados serviços, originando o movimento de centenas de milhares de viaturas, independentemente das que os turistas necessitam para se deslocar. Ora, os turistas foram 3,4 milhões em 1970, e como alguns dos números indicativos de tráfego que na proposta ministerial se mencionam foram colhidos nesse ano, podemos afirmar que aqueles tráfegos foram influenciados pela existência de turistas em terras de Portugal.

Não se construindo auto-estradas nas zonas onde esses tráfegos são já demasiado volumosos para as estradas que possuímos, não será possível a movimentação nessas mesmas estradas em 1980 com a presteza que a exigência de servir o turista determina, e originaremos com isso a deslocação das correntes turísticas para outros países que melhores condições tenham para os receber.

Os 5 milhões de turistas que se prevêm para 1973 deverão gastar, ainda segundo a notícia anteriormente mencionada, cerca de 8 milhões de contos e, consequentemente, convém-nos arranjar ainda mais esta parte da casa portuguesa, para que os turistas se sintam sempre melhor do que nos seus respectivos países. E se considero que para isto é muito importante a construção das auto-estradas, considero também que não é menos importante continuar com a beneficiação total das estradas que as ligarão às principais fronteiras que possuímos. Não se justifica, de momento, a construção de auto-estradas até às fronteiras, mas justifica-se plenamente que as estradas que ligam as fronteiras às auto-estradas tenham earac-

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terísiticas que tomem atractiva e acolhedora a entrada aos turistas em Portugal pela fronteira espanhola e os leve a ficar com saudades de terem deixado a nossa terra, logo que percorram os primeiros quilómetros de estradas do país vizinho. E serão esses milhões de pessoas que farão a propaganda de Portugal rio mundo e que contribuirão grandemente para o maior ou menor êxito da nossa diplomacia.

Mas, além do turismo, podemos ainda falar de outro sector que, quanto a mim, exige a construção de auto-estradas e que é o sector da educação. Em discurso recentemente pronunciado, afirmou o Sr. Secretário de Estado do Comércio, como opinião pessoal e com a qual aliás concordo, que um dos factores que reduz o alcance dos esforços para assegurar o mais rápido desenvolvimento económico e social do País é o baixo nível de educação de base de largas massas da população portuguesa. Ê de todos conhecida a obra extraordinária que através do Ministério da Educação Nacional o Governo está a levar a efeito, exactamente no sentido de elevar a educação dos futuros homens de amanhã. A escolaridade obrigatória passou de quatro para seis anos, multiplicaram-se os liceus, as escolas técnicas, comerciais, industriais, institutos, abriram-se novas Faculdades, isto é, as crianças que nasceram na década de 1961-1970 obterão já uma -educação de base de nível muito mais elevado e muito maiores possibilidades de a completarem até ao 5.° ano dos liceus ou equivalente do que as das décadas anteriores. Serão assim -as crianças da década de 1961-1970 que iniciarão a sua actividade na indústria, no comércio, no funcionalismo, a partir de 1979, ou mesmo antes.

E indiscutível que o País fica melhor apetrechado de meios humanos e necessariamente que as produções por cabeça serão incomparavelmente maiores. A evolução que se prevê é tão grande que está projectado para 1979 a entrada em serviço do primeiro grupo nuclear com a potência unitária da ordem de 500 MW para atender ás necessidades de energia que se presume existirão a partir desse ano, o que significa que estará absorvida não só a energia actualmente produzida, como a das centrais hidroeléctricas e térmicas que se encontram em construção para breve entrada em serviço.

Estando algumas das actuais estradas quase saturadas nesta fase de acentuado arranque em que nos encontramos, como poderão servir de estrutura ao desenvolvimento comercial, industrial e social que a subida do nível intelectual da população, aliado à existência de novas e importantes fontes de energia, tem necessariamente de provocar? O desenvolvimento não seria harmónico se as auto-estradas não fossem construídas e conduziria à paralisação no progresso das zonas mais evoluídas, que, como sabemos, se desenvolvem segundo o eixo Braga-Porto-Lisboa-Setúbal e, bem assim, nos arredores dos grandes centros de Lisboa e Porto. E sabemo-lo, não por simples sensibilidade, mas porque os números o dizem. Podemos verificá-lo através da apreciação, por exemplo, do mapa de consumos o capitações de energia eléctrica a nível distrital, que consta do relatório do Grupo de Trabalhos Energia para a preparação do III Plano de Fomento, como podemos verificá-lo pela apreciação do mapa indicativo da variação de intensidade da circulação de auto-móveis pesados de carga entre os anos de 1960 e 1965.

O progresso das zonas indicadas tem vindo a acentuar-se cada vez mais, o que levou o Governo em Abril de 1970, em continuidade da política definida pelo Decreto-Lei n.º 49 319, de 25 de Outubro de 1969, ao aprovar o programa de concurso e o caderno de encargos da construção, conservação e exploração, em regime de concessão, de 480 km de auto-estradas nas mencionadas zonas.

Dada a grandeza da obra, cada um dos três concorrentes procurou naturalmente apresentar as suas propostas por forma a acautelar, tanto quanto possível, os dinheiros que se propunha investir, e, consequentemente, ao apreciarem-se as propostas, houve que estudar os reflexos que resultariam na vida do País a aceitação dos termos de cada uma delas. E sempre um trabalho delicado é difícil e nem sempre conduz a uma informação favorável à adjudicação, como se verifica, pois a decisão de 12 de Outubro de 1971 do Conselho de Ministros foi de não serem de aceitar as propostas apresentadas ao concurso.

Foi tempo que se perdeu, é certo, mas aquela decisão revela que foi efectuado um cuidadoso -estudo de qualquer das propostas e que se verificou que era contrário aos interesses do País a aceitação do proposto e a consequente adjudicação nessas condições. Em face desta conclusão, não se poderia ter agido de maneira diferente. Não caiu o assunto na apatia, e, assim, novo programa de concurso e novo caderno de encargos são aprovados em Conselho de Ministros, passando a ser de 358 km a extensão de auto-estradas a construir.

Conforme se lê da proposta-programa do Sr. Ministro das Obras Públicas que a imprensa publicou, dividiu-se o programa inicial em duas fases, incluindo-se na 1.ª fase as obras cuja entrada em serviço estava prevista até 1977 e na 2.ª fase as que estavam previstas para os últimos anos do período de construção, ou seja de 1977 a 1982. E como a 1.ª fase é para se executar em nove anos, hão serão muito atrasadas as obras previstas para a 2.ª fase, se se iniciarem logo após o termo daquela.

Diz-se ainda na proposta-programa que poderão executar-se obras de beneficiação nas estradas que foram incluídas na 2.ª fase e, consequentemente, poderemos afirmar que parece só ter havido vantagem em retirar da concessão aqueles 122 km. Na verdade, se eles continuassem incluídos na concessão, não receberiam provavelmente, até à execução da obra, quaisquer beneficiações que lhe permitissem melhorar as condições em que o tráfego se processa ou virá a processar-se durante estes anos.

O mesmo não acontecerá agora, como acima se admite. Mas, além disso, retirar da concessão 122 km de auto-estradas poderá significar uma diminuição de encargos da ordem dos 3,5 ou 4 milhões de contos. E como o custo do empreendimento é pago pelos utentes da estrada, há necessidade de haver um tráfego ao longo dos anos que justifique o investimento. Se a priori se admite que esse tráfego não existe, já se admite também que a exploração irá ser deficitária e normalmente a concessionária endossa para o Estado, através da sua proposta, a compensação futura dos respectivos prejuízos. Portanto, se íamos estar oito anos à espera do início dessas obras e se elas iriam trazer pesados encargos para o Estado, considero que foi uma decisão feliz a redução da extensão do empreendimento.

Anda muito generalizada a ideia de que a construção das auto-estradas nada custará ao Estado; ora, o dinheiro para pagar a obra e, bem assim, o respectivo lucro terão de sair da exploração, isto é, das importâncias das portagens e dos rendimentos da exploração das áreas de serviço; quer aquelas, quer estas, serão sempre funções de tráfego e, portanto, quando por quaisquer razões os valores compensadores mínimos não são atingidos durante determinado período de tempo, isso pode traduzir-se em encargos para o Estado, que poderão ser pagos em di

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nheiro te em 'Concessões de outro género. Estamos convencidos de que não pode protelar-se por muito tempo o início das obras das auto-estradas, pelo que breve se iniciarão, e que se vai prosseguir com redobrado esforço a reparação e beneficiação de toda a rede existente, tal como consta do Decreto-Lei n.º 49 319. E, dentro desta convicção, felicitamos o Governo, e em especial o ilustre Ministro das Obras Públicas, pela obra que está programada e que tão elevado interesse tem para a vida da Nação.

Vozes: — Muito bem, muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Themudo Barata: — Sr. Presidente: Na sessão de 18 de Fevereiro último — já lá vão mais de nove meses — apresentei um requerimento pedindo certos elementos acerca da situação da indústria de montagem de veículos automóveis no País.

Para as pacientes leis da natureza, tão longo período chegaria para o complexo e laborioso trabalho de criar uma nova vida, formando um ser humano; pois para o calendário da administração pública verifica-se não haver sido ainda bastante para satisfazer um pedido regimental de informações, preparando umas simples respostas que nada têm de transcendente.

Não sei, porque tão-pouco isso me foi dito, qual a ração da demora: se ela se deve a simples indiferença dos serviços, a quaisquer resistências que não puderam ser vencidas ou a outros motivos. Não posso, porém, deixar de exprimir a minha maior estranheza pelo facto de em todo este tempo não ter havido ao menos oportunidade para que alguém se dignasse ter a consideração de qualquer esclarecimento, posto que se não trata de um favor pessoal que um Deputado esteja pedindo, mas de um direito que está exercendo.

O Sr. Ávila de Azevedo: — Muito bem!

O Orador: — Porei de parte a mágoa e o desapontamento pessoal de constatar o acolhimento dado a um requerimento que apresentei no mais sincero espírito de colaboração com o Governo e tão-pouco me deterei a averiguar se o sucedido pode ou não significar menos consideração para com o Deputado e suas prerrogativas ou menos respeito pelas funções desta Assembleia.

Parto do princípio que não houve qualquer intenção directa de menos deferência e desejo, assim, colocar o problema noutro campo que creio ser o apropriado: a falta efectiva de meios que tem a Câmara para informar-se, quando algum departamento do Estado seja menos pronto ou solícito a prestar a sua colaboração para esse efeito.

Em face da nova redacção da alínea c) do artigo 101.° da Constituição, parece poder esperar-se que o futuro Regimento venha dar melhores soluções ao problema.

Entretanto, há que continuar aguardando.

Parece útil ponderar, por outro lado, que é de presumir que o agitar deste problema não seja do agrado das empresas proprietárias das linhas de montagem. Para elas o que parece interessar é que o tempo se vá escoando, que o negócio se possa ir comodamente fazendo sem encargos ou compromissos de maior, até que decorra o tempo necessário ao desmantelar das barreiras alfandegárias na Europa. Nessa altura, ou fecharão esses simulacros de fábricas que instalaram no nosso país, passando a importar os automóveis sem qualquer incorporação de trabalho nacional, ou, se isso por acaso se revelar então mais económico, importarão os veículos desmontados, com uma incorporação nacional que será talvez ainda menor do que a actual e, em qualquer caso, muito reduzida.

Também nesta indústria parecemos condenados a perder os últimos comboios para a Europa.

Não tenho quaisquer duvidas acerca das rectas intenções do Governo, do seu desejo de se manter sobranceiro aos interesses dessas poderosíssimas empresas, cujos negócios movimentam, só em Portugal, milhões de contos e que, no Mundo, dispõem de orçamentos e de poderio económico equiparável ao de grandes estados.

Há, sem dúvida, no meio de tudo isto, interesses legítimos a respeitar, problemas difíceis a resolver, mas há também, por certo, resistências abertas ou subtis que bem se evidenciam até na forma como tais empresas se têm sabido esgueirar pelas malhas da legislação existente.

Talvez elas possam também argumentar em sua defesa que assim procedem por não terem visto mais firme e claramente apontado o caminho que deveria ser seguido.

Mas, por isso mesmo, porque se trata de um problema complexo e de grandes potentados internacionais, que se não preocupam senão incidentalmente com o progresso do nosso país, pois que acima de tudo pensam no florescimento dos seus negócios próprios, creio que a Câmara poderia dar valioso apoio ao Governo na adopção de soluções que, não sendo provàvelmente do agrado de muitos e poderosos interesses particulares, mais requerem encontrar bem solidários todos aqueles a quem cumpre defender os interesses nacionais.

Vozes: — Muito bem, muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Oliveira Ramos: — Sr. Presidente: Na sequência de uma pergunta dirigida ao Governo, fui informado, há cerca de um ano, que a situação dos guarda-rios era objecto de atenta análise por parte das entidades responsáveis, pois, como é sabido, estes servidores do Estado, a despeito de exercerem funções de interesse, continuam a auferir um ordenado irrisório. Segundo o Ministério das Obras Públicas, estudava-se o modo de aumentar a produtividade dos funcionários em questão, de modo que ela justificasse a actualização dos ordenados.

Afigura-se-me justo e desejável que a Administração tire bom partido da acção de quantos integram os seus quadros, como me parece indispensável que lhes pague convenientemente. Ora, por razões já larga e pormenorizadamente expendidas na Assembleia Nacional por vários Srs. Deputados, a situação em que se encontram os guarda-rios é, não só profundamente injusta, como geradora de males perniciosos.

Não se pode esperar que quem tem de vigiar extensos troços fluviais possa sobreviver com um ordenado que mal chega para cobrir as despesas de desgaste de vestuário e calçado e que fica aquém do percebido pelo mais modesto operário.

Daí que, neste final de ano e em vésperas de Natal, daqui façamos um apelo ao Sr. Ministro das Obras Públicas, pedindo-lhe solução para o caso em apreço.

Não há muito, durante a frutuosa visita que o Sr. Engenheiro Rui Sanches fez ao distrito de Braga, vimo-lo ponderar e decidir, com eficácia e sentido dos grandes problemas, várias questões de envergadura. Esses factos impressionaram-nos e levam-nos, hoje, a pensar que ele não alongará, por mais tempo, a resolução do pequeno mas trágico problema do vencimento dos guarda-rios e dos seus chefes de lanço.

Juntamos, assim, a nossa voz à voz de outros ilustres Deputados, certos de estarmos a insistir num tema digno de urgente atenção por parte do Executivo.

E, porque falamos de matéria afecta ao Ministério das Obras Públicas, permitimo-nos, de novo, salientar,

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perante o País, a necessidade de se defender o Mosteiro de S. Martinho de Tibães, antiga casa-mãe da Congregação de S. Bento de Portugal.

E um monumento verdadeiramente nacional pelo seu porte, pela sua riqueza artística e, bem assim, pela sua história e projecção regional no passado. Não há muito, a televisão deu-o a conhecer ao País, em oportuna reportagem, que bem mostrava o efeito das sevícias do tempo na velha e peculiar estrutura conventual.

Pequenos reparos não chegam para defender, em termos próprios, o conjunto arquitectónico, os azulejos, a talha, as imagens e os quadros que lá existem. Há que proceder, sem demora, a obras de envergadura e nós sabemos que o Ministério está atento ao problema.

Pessoalmente, aguardamos, não sem preocupação, que essa atenção frutifique para bem de Tibães, o mesmo é dizer, para o bem do património artístico nacional.

Como é bom de ver, o início do' restauro postula uma interrogação: qual o destino do Mosteiro?

Alguns queriam instalar no loca] uma pousada. Outros aventaram a hipótese, mais feliz, de transformar a casa num centro para intelectuais e artistas, o que bem se coadunaria com as ilibas tradições da Ordem Beneditina e o labor de tantos monges ilustres que lá viveram.

Todavia, ao nosso espírito seria mais caro ver o convento transformado num centro de férias para a juventude, regido por exemplar política de aproveitamento dos tempos livres. E uma sugestão que agora formulamos e que, a seu tempo e noutro contexto, esperamos desenvolver.

Por hoje, concluímos, Sr. Presidente, pondo nas mãos esclarecidas do Sr. Ministro das Obras Públicas o problema do vencimento dos guarda-rios e lembrando, mais uma vez, a S. Ex.a, o caso, singular no quadro do património artístico nacional, do Mosteiro de Tibães.

Vozes: — Muito bem, muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Costa Oliveira: — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Alarmante pânico e flagrante descrédito grassa no meio têxtil.

Porque nasci nesse meio e nele fui educado a trabalhar, sou, por formação de berço, crente, respeitador e devotado à intransigente defesa deus seus legítimos interesses.

Por isso, e por algo ter feito de válido, para aqui me mandaram os eleitores do meu distrito, confiantes em que me desempenhasse cabalmente em sua representação, e, como tal, não mie posso frustrar a respeitar essa tão honrosa missão que me foi confiada.

Debaixo desse firme propósito, muito lamento ter que, de novo, levantar aqui nesta Câmara o já saturante problema do abastecimento de matéria-prima dos dois importantíssimos sectores têxteis, o dos lanifícios e o dos algodões e mistos.

Tem esta indústria sido frequentemente ameaçada por uma firma luso-britânica, altamente interessada em retomar a pendida posição monopolizadora do abastecimento de fibras sintéticas Polyester, com que a dominou e explorou durante, longos anos.

Só o termo do período que a patente lhe conferiu deu lugar ia que, forçados por uma sadia concorrência, fossem preteridos em favor de outros produtores que competitivamente conquistaram a sua posição, de tão funestas consequências.

Assim, teve a indústria a possibilidade de se desenvolver nesta nova especialidade e poder pensar nos mercados internacionais, que conquistou, e sómente poderá sustentar e desenvolver desde que disponha de condições de livre aquisição, a preços competitivos.

Tem sido mantida larga luta ao longo dessa data até aqui.

Contestou-se, argumentou-se, justificou-se, directa e indirectamente, através de todas as mais válidas representações da indústria — grémios, corporações da indústria e do comércio, delegações políticas e de empresários —, e, como já referi, aqui mesmo, por mim e por outros ilustres -colegas, junto dia Administração, a quem foi largamente exposta a gravíssima situação que uma hipotética protecção pautai poderia criar, privando a indústria das suas indispensáveis condições para poder manter-se e desenvolver-se, defendendo as posições de negócio conquistadas, nomeadamente nos mercados externos.

São milhares de operários, milhões de escudos de divisais e a sua sobrevivência que estão em jogo; há que acautelar o não nos deixarmos iludir por promessas que não têm qual quer justificação válida.

Volto a repetir, não se criem situações de privilégio, de que tenhamos de nos lamentar.

De resto, haja na época presente quem me convença, ou a pessoas bem intencionadas, da oportunidade de se criarem protecções; quando todo o mundo -pugna pela livre comercialização; quando ensaiamos a nossa associação ao Mercado Comum, etc; é incompreensível, é apavorante…

Porque novos e insistentes rumores — a eventual concessão por parte do Governo de tal posição proteccionista a uma pequena empresa de relativa importância económico-social comparativamente com toda uma tão importante indústria —, ainda quero acreditar que tal notícia não passa de mera e nociva propaganda perturbadora, que outro fim não tem que o de estabelecer a confusão e criar o flagrante melindre dos empresários com a Administração.

Acreditando na justiça e no bom senso e capacidade administrativa do Governo, em quem tenho depositado toda a minha maior confiança, estou certo, e daqui faço o meu mais interessado apelo, para que definitivamente o Sr. Ministro da Economia e Finanças desminta categòricamente, e de uma vez para sempre, de qual a verdadeira situação — se a concessão de um monopólio a uma empresa ou a defesa dos interesses gerais de uma indústria, de modo a poder estabelecer-se a confiança abalada, dando-lhe assim o devido incentivo, para que, tranquilizados, possam preparar-se estruturalmente para podei enfrentar, com bases sólidas, a grande batalha internacional, sómente possível com equipamento válido e matéria-prima de qualidade e preço.

Não basta ter armas, precisamos de munições válidas, e sobretudo de quem as possa manejar.

Já temos inúmeros outros problemas que muito nos preocupam e fatalmente nos hão-de criar ainda mais embaraços: a mão-de-obra, o trabalho e a sua baixa rentabilidade por inércia de alguns elementos mentalizados a ganhar mais, fazendo menos.

Felizmente que a maioria ainda tem a noção clara de que só pode haver riqueza havendo trabalho, e este, e as reformas sociais tão desejadas, sómente poderão efectivar-se e assegurar-se se esse trabalho for frutuoso. Não se façam demasiadas promessas que se não possam cumprir; neste capítulo creio todos termos demasiado optimismo. Revejamos prudentemente a situação, pois considero muito grave falar-se em tantas regalias, esquecendo, ou omitindo, o que as pode possibilitar — o trabalho.

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Há que baixar ao campo das realidades, impondo à nossa acção económica — Governo e empresários — o bom senso e o dinamismo prático que a época nos exige, transpondo os problemas que se nos deparam, com adopção de inteligentes soluções que cada caso exige.

Deixemo-nos de rivalidades caseiras, encetemos uma acção de franca unidade nacional, e os frutos vingarão.

Finalizo, chamando a particular atenção do Governo para este transcendente problema que justificou esta oportuna intervenção, que ousei apresentar pela muita preocupação com que toda a indústria tem vivido, nesta hora tão difícil.

Não pode haver empresas válidas se os seus dirigentes não forem devidamente capazes e esclarecidos; com preocupações, sejam de que origem forem, fatalmente terão de se repercutir nos seus destinos.

Do agravamento e preocupação de vária outra ordem, com particular incidência neste importante sector, tiveram VV. Ex.as a oportunidade de ouvir ontem os nossos ilustres colegas Srs. Engenheiro Almeida e Sousa e Dr. Rui Pontífice de Sousa, razão por que me abstenho de me alongar, uma vez que fluentemente e com propriedade se desempenharam aqueles ilustres Srs. Deputados.

Bem hajam.

Vozes: — Muito bem, muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Correia da Cunha: — Sr. Presidente: O Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras possui novo director. Depois de laboriosas diligências aquela casa volta a ter timoneiro. Não desejaria deixar passar em claro tal facto. O País precisa de técnicos competentes como de pão para a boca. Eles constituem um dos pilares sobre que assentará o Portugal de amanhã. Por isso me regozijo com o acontecimento. Com a abertura das matrículas dos três últimos anos a vida académica tende a regularizar-se.

Todos beneficiarão com o facto. Os alunos, que souberam manter uma correcção exemplar; os docentes, e muito especialmente o Prof. Pinto Barbosa, que volta, de consciência tranquila, à sua nobre função; o País, porque não se pode dar ao luxo de manter mais de 4000 jovens no desconsolo de descanso forçado. Estamos todos de parabéns. E connosco o Prof. Veiga Simão bem poderá considerar que deu mais um passo de gigante na dura caminhada em que se empenhou.

Vozes: — Muito bem, muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados: Vamos passar à

Ordem do dia

Continuação da discussão na generalidade da proposta de lei de autorização das receitas e despesas para 1972.

Tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim Macedo.

O Sr. Joaquim Macedo: — Sr. Presidente: Apenas umas breves considerações sobre a proposta de lei de meias presentemente em discussão.

O quadro conjuntural em que esta lei se insere apresenta, como um dos traços mais dominantes, fontes tensões inflacionistas que vêm persistindo há vários anos, não obstante medidas correctoras anunciadas em leis de meios anteriores. É desnecessário acentuar as enormes dificuldades que estas subidas de preços, até porque incidem mais fortemente em bens essenciais — a Mim entoação e o alojamento —, têm provocado nas camadas economicamente mais débeis da população, sobretudo nas que são titulares de rendimentos fixos. Os jornais têm-se feito eco com frequência das reclamações do público, impaciente pela manutenção e até talvez agravamento de situação, e o Sr. Presidente do Conselho e também o Sr. Secretário de Estado do Comércio dedicaram ao assunto uma comunicação pública. O Pais e o Governo têm, pois, perfeita consciência da importância, do problema e da urgência das medidas a tomar para a sua resolução.

A inflação tem com certeza causas múltiplas, algumas das quais, como o aumento de preços dos produtos importados, escapam ao nosso controle, mais os técnicos inclinam-se a considerar as mais importantes mais do tipo de escassez de oferta do que de excessos de procura. As acções correctoras a empreender serão, pois, de estímulo à produção, e não redução do podar de compra, pelo menos de forma generalizada. É esta a via apontada na proposta de lei, onde se lê, no seu preâmbulo, textualmente, que «a actuação do Governo se dirige a assegurar a expansão da actividade económica e, concomitantemente, a contrariar as pressões inflacionistas». Inteiramente de acordo quanto aos objectivos; permito-me apenas algumas considerações quanto às medidas a tomar para os atingir.

No capítulo dos produtos agrícolas, tem-se vindo a registar forte evolução nos padrões de procura, sob influência de alterações na distribuição comercial e também nos hábitos, sobretudo da população urbana A venda nas supermercados, em regime de livre serviço, exige produtos de boa qualidade e apresentados em embalagens cuidadas e atraentes; o inegável aumento do poder de compra de uma larga camada da população dá-lhe acesso a uma gama de consumos, como, por exemplo, os produtos hortícolas e a fruta, já fora da zona de produtos básicos. Mas como pode esta procura modificada ser satisfeita, em condições razoáveis, por uma produção que, na sua maior parte, é constituída por unidades de área largamente insuficiente e ainda assim divididas, na sua grande maioria e como resultado do nosso regime sucessório tradicional, em parcelas pouco mais que microscópicas e com empresários fortemente arreigados a uma longa tradição de autoconsumo?

Na base da nossa política agrária não pode deixar de estar presente a alteração radical dos objectivos do nosso empresário agrícola — tem de produzir com os olhos postos no mercado, os produtos que esse mercado mostra absorver, aos preços e qualidades adequados, e toda esta alteração implica não só uma mentalidade profundamente diferente, mas também explorações agrícolas com dimensão suficiente. Parece-me evidente que toda a acção de apoio à agricultura que não tenha por baste estas mudanças estruturais não é auto-sustentada, e por isso a situação volta a retroceder quando o estímulo cessa. Não me parece que estes obstáculos ao desenvolvimento tenham sido tratados com os meios que a sua gravidade e extensão exigem.

No sector industrial também se impõe forte dinamização. Temos de incrementar a oferta para conter os preços, de produzir em qualidade e preços concorrenciais com o estrangeiro com vista à nossa desejável participação no movimento de integração económica europeia, de desenvolver a nossa acção exportadora, para atenuar o forte desequilíbrio da balança comercial. Tudo isto exige unidades fabris bem dimensionadas, com capitais importantes, com técnica actualizada e empresários dinâmicos e competentes.

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O panorama- industrial está contudo longe de ser este, e não me parece que o condicionalismo actual permita esperar-se que as necessárias mudanças surjam por reacção intrínseca do sector. Vivemos por demasiado tempo em mercado insuficientemente concorrencial, focalizados sobretudo por substituição de importações, com salários baixos, exportando quase exclusivamente produtos naturais, com pequena incorporação de trabalho e nenhuma de tecnologia avançada. Este universo fofo em que a indústria tem vivido desagrega-se ràpidamente pela eminência da abertura das fronteiras económicas e pela pressão salarial, a que se junta ainda, actualmente, o espectro de uma recessão generalizada e certamente intensa. Tudo isto cria um clima de expectativa e de receio muito compreensíveis, sobretudo nas empresas independentes, de estrutura familiar, e por isso mais vulneráveis, que não é, naturalmente, nada propícia a iniciativas industriais de relevo.

A nossa taxa de formação bruta de capital fixo tem sido das mais baixas da Europa e ainda por cima incidindo sobre um nível de rendimento por cabeça muito mais baixo, pelo que o nosso volume de investimento por habitante é muito inferior ao dos países europeus desenvolvidos. Sem forte aceleração do investimento, o nosso atraso relativamente a esses países não cessará de se acentuar.

Por outro lado, informa-se no preâmbulo da proposta de que a liquidez monetária tem vindo a crescer por várias razões, entre as quais avulta a das transferências do estrangeiro, que não têm parado de aumentar. Encontramo-nos assim em situação um pouco a modos de círculo vicioso: para conter o aumento de preços e acelerar o progresso económico necessitamos de aumentar os investimentos. Existem disponibilidades acumuladas nos estabelecimentos de crédito, mas não há dinamismo suficiente na iniciativa privada para canalizar para investimentos produtivos esses capitais disponíveis, correndo-se o risco de eles se encaminharem para o consumo e exercerem ainda maiores pressões sobre os preços.

A proposta de lei de meios que estamos apreciando refere textualmente a este propósito que «a experiência tem mostrado que frequentemente a actividade privada não corresponde da forma desejada aos incentivos criados pelo Governo, mostrando-se por vezes refractária à promoção de empreendimentos que seriam de grande interesse para o progresso económico e social do País». E por isso o Governo encara a possibilidade de, a título supletivo, intervir directamente no sector produtivo, do mesmo modo que já o fazia nas Leis de Meios de 1970 e 1971. Na primeira delas acentuava-se até que a indicação, desse facto se revestia «da maior relevância».

Aprovo inteiramente esta intenção do Governo, mas não me tenho apercebido de que neste capítulo a acção desenvolvida até agora corresponda ao grau de consciência que se tem do problema e da sua urgência.

E quando me refiro à intervenção do Estado na actividade produtiva não quero sifinificar apenas a criação de empresas públicas, mas sobretudo a colaboração de capitais públicos e particulares em actividades industriais. A presença do Estado é elemento fortemente catalizador da confiança e faria acorrer muitas disponibilidades, agora pouco ou nada produtivas, para o crescimento económico ou até constituindo travões ao desenvolvimento. É o caso da compra, pelos emigrantes, de pequenas propriedades rústicas, o que, em grande parte, faz manter o seu valor de venda muito acima do seu valor económico. Não constituirá forte dever para o Estado obstar a esses investimentos ruinosos e encaminhar os capitais dos emigrantes, ganhos com tanto sacrifício, para o desenvolvimento económico e consequente criação de emprego e aumento do nível de vida! Afinal são essas as condições básicas para assegurar o regresso desses portugueses que em terra estrangeira procuram níveis de rendimento que aqui não podem ainda obter.

Esta intervenção do Estado na actividade produtora, em óptica de economia de mercado, tem já largas provas em países, como a Itália, onde constituiu um elemento de arranque poderoso, e que, em grande parte, explica o milagre económico italiano do pós-guerra. E a provar que essas iniciativas encontram acolhimento muito favorável nos capitais privados, está o facto de os investimentos do holding do Estado italiano (IRI) serem em 95 por cento assegurados por autofinanciamento e recursos exteriores e apenas em 5 por cento por fundos públicos.

Que o Governo, na linha da proposta de lei de meios para 1972, se decida a empreender forte e coordenada acção de intervenção na actividade produtiva, em colaboração e como catalizador de capitais particulares, é o meu voto.

Vozes: — Muito bem, muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Correia da Cunha: — Sr. Presidente e Srs. Deputados: Encontra-se neste momento em termo de discussão um documento importante para a vida do País. Não possui, por certo, a envergadura de um plano de fomento, que obriga a uma visão mais larga; mas enquanto foi possível governar, durante muitos anos, sem planos de fomento, seria impensável fazê-lo, neste momento, sem o cumprimento do preceito constitucional que obriga o Governo a submeter a esta Assembleia, para apreciação, a proposta de lei de autorização das receitas e despesas para o próximo ano. Nesta proposta, de índole essencialmente conjuntural, o Governo compromete-se a prosseguir determinada política económica e social. Para o efeito bem de arrecadar receitas, em obediência a certas orientações a imprimia: à política fiscal e -orçamental; e tem de definir prioridades para dar cabimento ás despesas de uma forma equilibrada.

Porque se trata de uma lei de meios, a sua apresentação é tradicionalmente feita pelo Ministro das Finanças; mas perante a Câmara, e em meu entender, ele aparece como autêntico porta-voz do Governo, a justificar uma política global, e não apenas uma política financeira. As deficiências que porventura marquem a proposta de uma forma negativa não poderão, pois, encontrar justificação na circunstância de ser apenas um membro do Governo a trabalhar na sua elaboração.

O que se passa nesta matéria afigura-se-me uma aberração quase incompreensível. A vida económica do País é orientada a médio prazo, e anualmente comandada pelos planos de fomento e programas anuais de execução. Nos primeiros definem-se as orientações de política económica a médio prazo, orientações que se traduzem anualmente em medidas de política bem concretas e devidamente orçamentadas.

As orientações de contexto estão, por consequência, dadas e naturalmente aceites por todos; quando muito actualizam-se com a revisão do plano. Por isso as considero dispensáveis, nos termos em que se apresentam habitualmente nesta proposta de lei.

Isto significa que não me parece razoável manter por mais tempo, sem íntima conexão, estes dois instrumentos de trabalho, estas duas vias de reflexão.

Que se poderia esperar, então, de uma lei de meios? Exactamente aquilo que a Assembleia vem recomendando insistentemente, pelo menos há dois anos: uma enu

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meração coerente dos empreendimentos a financiar no ano seguinte, de acordo com as prioridades já referidas; os meios orçamentais necessários, e as medidas de política financeira a adoptar para a obtenção desses meios.

A proposta deveria aparecer-nos, portanto, com uma elaboração menos exaustiva e bem mais selectiva nas indicações a fornecer a esta Assembleia e ao País. Um documento dessa natureza teria real interesse, como foi reconhecido na proposta de lei para o ano corrente. Aí se lê:

A solução lógica e desejável seria a de que as leis de meios e as directivas para a elaboração dos programas de execução do Plano de Fomento se combinassem num documento único, em que se sistematizassem todas as grandes linhas da política económica nacional.

Esta preocupação correspondia a um estado de espírito salutar e abria perspectivas para uma rápida racionalização do sistema.

Talvez porque durante o ano em curso nada se fez nesse sentido, a proposta em apreciação omite qualquer alusão ao assunto.

Continua, no entanto, a afirmar-se «o propósito de conferir especial relevo ao investimento em empreendimentos produtivos e em infra-estruturas económicas e sociais». Conclui-se mesmo, que ia situação (conjuntural é extremamente favorável à aceleração desse (processo; há um elevado nível de poupança e a necessidade imperiosa de aligeirar a pressão inflacionista, retirando do mercado de capitais tudo o que puder ser canalizado para obras de fomento.

Assegura-se, da mesma forma, que «os investimentos públicos serão constituídos, fundamentalmente, pelos indicados no programa de execução para 1972 do III Plano de Fomento» (artigo 15.°). Neste momento ocorre perguntar quais são esses investimentos, para que se não fique apenas (numa manifestação de intenções. Bastaria antecipar de algumas semanas a preparação desse programa para que fosse agora possível apreciar e discutir com perfeito conhecimento de causa esta proposta de autorização. E evidente que tal facto implicaria um conhecimento, ainda que pouco profundo, do dispositivo orçamental, mas penso que só se lucraria com isso.

O nosso ilustre colega relator do parecer sobre as contas gerais do estado abordou este problema da seguinte forma, ao apreciar as de 1969:

Neste encandeamento falta, porém, um elo, que se pode considerar fundamental. As dotações aparecem no Orçamento Geral do Estado depois da aprovação da lei de meios: são da responsabilidade do Governo. A Assembleia não emite voto sobre a sua distribuição. Gastas pelos serviços, com aprovação ministerial, verificadas pelo Tribunal de Contas e, enfim, aprovadas pela Assembleia Nacional, não sofrem no decorrer da sua vida o exame do seu rendimento. Esse rendimento implica o exame das condições em que se gastam.

Ao reler esta afirmação de quem tanto se tem debruçado sobre os nossos problemas económicos, não posso deixar de reflectir sobre o significado de tantos empreendimentos cuja eficácia se avalia apenas em termos de realização financeira.

Dizer apenas que se concederá prioridade a este ou àquele domínio, que os investimentos serão feitos em ordem a assegurar o melhor ordenamento do território, que a política económica sectorial se deve orientar no sentido de… ou que o Governo continuará a promover o aperfeiçoamento da estrutura institucional e dos mecanismos monetários e financeiros do Pai… é pouco, muito pouco, em face do que se pretende.

O voto de confiança que o Governo solicita só pode ser concedido conscientemente se a Assembleia detiver para análise todos os dados do problema. Neste momento não se sabe concretamente como serão gastos os dinheiros públicos em 1972, e tem-se apenas uma ideia muito vaga do que se passou em 1971. Para já, o Governo espera que o programa de investimentos a financiar pelo Orçamento venha a registar um elevado nível de execução… Devemos 'Concordar que se trata de uma apreciação muito vaga, especialmente em face da perspectiva de só no início da próxima legislatura, em 1974, poderem os Srs. Deputados a quem tivermos passado o testemunho apreciar, de uma forma suficiente, os resultados concretos das medidas de política agora enunciadas.

A propósito da necessidade de integrar na óptica e no processo do planeamento as medidas de política consubstanciadas nestas propostas de lei, parece-me importante não esquecer que o nível de execução de um determinado programa se não afere apenas pela análise dos capitais investidas, mas, essencialmente, pela forma e oportunidade como foram gastos. Não está, portanto, em causa apenas o critério financeiro, mas toda a racionalidade e coerência do sistema. Não se constroem edifícios acumulando tijolos ao sabor da fantasia, mas de acordo com planos prèviamente elaborados. E mesmo assim ide vez em quando caem. Pois bem.

Se não é elaborando sucessivos planos a médio prazo que se conseguem discernir as grandes coordenadas que marcarão indelèvelmente o futuro ide cada país, também não será acumulando medidas de política de âmbito parcial e com visita a uma gestão anual que se poderão cumprir ias grandes linhas definidas pelos planos de fomento. Como estes só contemplam as despesas extraordinárias do sector público, impõe-se procurar para elas a aplicação mais adequada, em termos de uma perfeita aceitação das regras e (normas assentes nos referidos planos. Garantida a Cobertura financeira (para 1972 os investimentos previstos no III Plano de Fomento continuarão a beneficiar do primeiro lugar na ordem de precedência das despesas orçamentais, em paralelo com os encargos de (defesa nacional), há que cuidar da razoabilidade e oportunidade de execução de cada projecto. Essa função cabe, naturalmente, ao membro do Governo encarregado do planeamento económico. No ano corrente este princípio foi assegurado através da aprovação do artigo 6.°, assim enunciado:

As dotações globais do Orçamento Geral do Estado para execução do III Plano de Fomento não poderão ser aplicadas no ano de 1.971 sem o seu desenvolvimento e justificação em planos de trabalho devidamente aprovados e visadas.

Assim como o Governo entende que a independência do País só pode ser assegurada por um Orçamento equilibrado e um Tesouro forte, também será de aceitar que o progresso do mesmo não (dispensa o cumprimento de uma disciplina antecipadamente aceite na aplicação das verbas atribuídas ião Plano. São (essas as funções do intendente-geral do Orçamento.

Acontece, porém, que na proposta em discussão este preceito (deixou de ter cabimento, o que se torna perfeitamente incompreensível à luz das necessidades actuais.

Por isso se proporá, na devida altura, o seu aditamento.

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Acabei de referir um ponto sobre o qual não há verdadeiramente divergência com as intenções várias vezes manifestadas pelo Governo. Penso que a permanência desta situação se relaciona muito com a dificuldade em fazer aceitar na prática aquilo que em teoria ninguém tem já coragem de rejeitar. Refiro-me ao planeamento das actividades económicas; refiro-me à adopção da óptica prospectiva na definição dos quadros do futuro; refiro-me à necessidade de evitar, quanto possível, a permanente adaptação a situações embaraçosas que se não soube prever.

O Sr. Ávila de Azevedo: — Muito bem!

O Orador: — Nesta luta contra a inércia há outro ponto com que o Governo se tem mostrado preocupado, sem, contudo, se anunciar qualquer progresso — trata-se da evidente limitação imposta ao Orçamento Geral do Estado pela circunstância de não incluir os orçamento das províncias ultramarinas, nem os dos fundos e serviços autónomos, dias autarquias locais e da Previdência. Neste momento a Assembleia Nacional debruça-se atentamente sobre a aplicação a dar — em termos muito genéricos, entenda-se — a cerca de metade do montante global de verbas ia movimentar no próximo ano em todo o espaço português.

Não obstante seja partidário convicto da progressiva autonomização das províncias ultramarinas, nos termos recentemente definidos pelo Governo, custa-me a aceitar que a proposta ignore quase sistematicamente tudo o que se refere ao ultramar. Quando todos estamos de acordo sobre a conveniência de estreitar laços com esses nossos territórios, não me parece bem que o próprio Governo limite o âmbito da proposta à metrópole. Não é esse o critério seguido, por exemplo, com os programas anuais de execução do Plano de Fomento.

Seja como for, não podemos esquecer que o essencial da nossa política e do nosso desenvolvimento é hoje comandado pelo que se passa no ultramar. Não adianta ignorá-lo. Em 1970 mais de 45 por cento das despesas correspondentes ao Orçamento da metrópole foram destinados à defesa militar e à segurança e auxílio financeiro ao ultramar. As preocupações suscitadas recentemente pela adopção de medidas tendentes a regularizar os pagamentos interterritoriais mostram até que ponto as diversas parcelas do todo nacional ainda são solidárias na sua economia. Pareceria razoável, pois, que a proposta cm discussão se referisse ao ultramar de uma forma mais concreta e em termos de permitia. uma análise global mais pertinente por parte desta Assembleia.

Mas se estes desajustamentos ainda se podem compreender quando se encaram os problemas ultramarinos, já se não pode dizer o mesmo quando põem em causa a unidade e a universalidade do Orçamento, referido apenas à metrópole. Como se dizia na proposta de lei pana o ano corrente, impõe-se proceder ao ajustamento da organização corporativa aos princípios da Constituição e das leis fundamentais.

Penso que o essencial da proposta de lei se consubstancia no seu artigo 1.° Uma vez aprovado, depois de um longo enunciado de propósitos, o Governo fica autorizado a arrecadar as contribuições, impostos e mais rendimentos do Estado…

Mas que dizer de idêntica autorização para os serviços autónomos e todos aqueles que se regem por orçamentos não incluídos no Orçamento Geral do Estado? Em que bases é ela solicitada? Com que consciência pode ser concedida? Ao fazê-lo, esta Assembleia limita-se a responsabilizar o Sr. Ministro das Finanças pelo controle da administração dos respectivos fundos, o que não parece ser a atitude mais adequada.

Até aqui quase me limitei a apresentar de novo preocupações já expressas em anteriores discursos. Mantenho-me esperançado em que sejam tidas em conta nos próximos anos. As reservas enunciadas apenas traduzem o desejo de contribuir de alguma forma para o aperfeiçoamento dos sistemas e uma maior responsabilização desta Câmara através dos votos que é levada a formular.

Todos estamos de acordo sobre a necessidade de pedir a cada cidadão o melhor do seu esforço no sentido de levarmos por diante as tarefas ingentes que se nos apresentam. Teremos todos de ser solidários nos bons, como nos maus momentos.

Devemos encarar os factos com espírito realista, já que a ignorância dos mesmos não adianta para a sua resolução.

Os grandes parâmetros da actual situação continuam a ser os seguintes:

1) Situação de guerra no ultramar;

2) Aceleração do processo de desenvolvimento;

3) Integração no mundo novo que se está gerando.

E evidente que nenhum destes domínios pode ser encarado independentemente dos restantes. Trata-se de uma realidade única, em larga medida comandada por forças que nos transcendem.

A guerra em que estamos empenhados consome boa parte das nossas energias e disponibilidades. Verifica-se agora que as despesas militares se caracterizam por uma nula ou fraca reprodutividade.

Mas a guerra é essencialmente um facto político, e como tal deve ser encarado. Estamos prevenidas pela voz autorizada de alguns chefes militares de que não a poderemos sustentar indefinidamente. O tempo joga contra nós. Por isso, o estado de habituação que se está a generalizar não nos favorece. Temos de voltar a ser enérgicos m busca de soluções. A mais importante afigura-se-me residir muna maior responsabilização de cada província, no seu próprio destino, a partir de uma mobilização nacional dos seus recursos físicos e humanos. Sabemos como a chicotada do terrorismo acordou para o progresso, em 1961, um gigante adormecido que se chama Angola. Estou certo de que atada poderá impedir este território de caminhar a passos largos para um lugar de relevo na grande comunidade portuguesa.

Carece, porém, do apoio técnico e financeiro da Mãe-Pátria.

As obras de fomento em curso, ajudadas por uma maior racionalização das despesas militares, não deixarão de constituir o melhor penhor do seu progresso. Confiemos pois na clarividência do Governo e no patriotismo e espírito de decisão das suas populações.

Caminho idêntico deverá ser seguido para Moçambique e restantes províncias, imaginando-se talvez um estatuto idêntico aos das ilhas adjacentes para os arquipélagos de Cabo Verde e de S. Tomé e Príncipe.

Mas essa grande arma que se chama desenvolvimento não deverá contribuir apenas para a solução dos problemas do ultramar. E ela que gera riqueza e bem-estar; é ela que cala os inconformismos e avaliza a acção dos políticos. Sabemos quais são as nossas insuficiências neste domínio. Superá-las é condição de sobrevivência. Há que incrementar o ritmo de crescimento económico e que promover uma mais justa distribuição dos seus benefícios.

Há quem defenda a tese de que a concentração dos rendimentos é favorável a uma política de investimentos.

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Talvez assim aconteça em teoria. No nosso país, a um pronunciado aumento de aforro, bem evidenciado pela proposta de. lei, tem correspondido um investimento medíocre, em valor relativo e em qualidade.

Como explicar tal facto, se ele só favorece a inflação e impede a formação de capital fixo? Entre outras razões, podem referir-se a carência de atractivos por parte da indústria; a inexistência de uma bolsa de valores eficaz; o perfeito abandono a que foram votadas as poupanças dos emigrantes; a facilidade com que se colocam capitais no estrangeiro e, naturalmente, a concentração a que já me referi.

A facilidade com que milhões de contos são fraudulentamente transferidos para outros países em termos de, nos momentos mais inoportunos, voltarem a inundar o nosso mercado de capitais, deixa-me verdadeiramente atónito e a duvidar da razão que assistia às autoridades quando metiam na cadeia os desgraçados que eram levados a emigrar clandestinamente.

Esses, porque transitavam o seu próprio corpo, eram taxados de traidores; os outros, porque sujeitam os interesses do País às suas próprias maquinações de grandes financeiros, gozam da consideração e respeito que só a fortuna concede.

Vozes: — Muito bem!

O Orador: — Enfim, prefere-se o oportunismo ao esforço criador, a traficância ao

trabalho esclarecido. E por isso não admira que, de 1966 para cá, o investimento total tenha estagnado, mercê de uma diminuição progressiva do investimento privado. De acordo com elementos apurados por Alfredo de Sousa verifica-se, decompondo o investimento bruto dos últimos anos, que:

a) Enquanto a parte do sector secundário tende a diminuir, aumenta a do sector terciário (34,5 e 56,6 por cento, respectivamente, em 1969);

ò) A parte correspondente à indústria transformadora tem decrescido constantemente;

c) O investimento em casas de habitação tem aumentado progressivamente para, em 1969, se tornar maior do que o relativo à indústria transformadora (26 e 25 por cento, respectivamente) ;

d) A parte correspondente à agricultura é irrelevante (5,8 por cento em 1969).

Estes números traduzem, realmente, uma situação preocupante no que respeita à confiança que os investidores nacionais depositam no futuro da nossa economia.

A agricultura enferma de males tradicionais e sujeita a jugos que a estrangulam, serviu de esteio e trampolim a uma política de industrialização em larga medida tornada irresponsável por proteccionismos e benesses de toda a ordem. Sem empresários à altura a nossa indústria fez figura de progressiva enquanto pode manobrar o mercado interno, incluindo o do ultramar, a seu bel-prazer.

Hoje, no dealbar do tal mundo novo, sente esboroar o seu pedestal de barro. Por isso não atrai o investimento de quem pode e sabe investir, de quem conhece horizontes mais largos do que as nossas fronteiras. Para a média e pequena poupanças fica aberto o campo do investimento imobiliário canseirosamente acarinhado por toda uma cáfila de especuladores de terrenos muito difíceis de dominar pela Administração. E à sombra dessa política habitacional temos visto, graças a Deus, surgir de tudo.

O Sr. Ávila de Ázevedo: —Muito bem!

O Orador: — Os clamores que se levantam encontram pouco eco e muitos milhões têm sido, desta forma, subvertidos pela ânsia de aproveitar a onda de especulação que se abateu sobre a grande Lisboa. O País, em si mesmo, pouco lucrou com isso; mas a inflação tornou-se galopante.

Vozes: — Muito beml

O Orador: — O Governo tem procurado, por todas as formas, combater este processo constante de desvitalização. Mas o investimento público só representa 20 por cento do total e é naturalmente coarctado pelas elevadíssimas despesas operadas no sector militar. Temos, por consequência, neste momento, um poder de compra que excede de longe a nossa capacidade de produção de bens de consumo. Não admira, pois, que o deficit da nossa balança comercial aumente sem cessar e só possa ser coberto pelas remessas de invisíveis resultantes do trabalho de emigrantes ou da visita de turistas.

Praza a Deus que essas remessas se mantenham. Praza a Deus que a nossa indústria seja capaz de superar a crise de adaptação aos novos condicionalismos a que não nos podemos furtar. Praza a Deus que possam surgir, a breve trecho, os novos empresários agrícolas capazes de conduzir o sector a bom termo quando os que hoje são velhos puderem, finalmente, descansar.

Em boa verdade, ao ritmo a que o desenvolvimento hoje se processa, bem se pode pensar que em cada geração se criam as condições necessárias ao surto de uma nova sociedade. É o crescimento do produto, a urbanização, a facilidade das comunicações, a permeabilidade a novas ideias, é toda uma nova atitude perante a vida a não permitir a adopção, por tempo indefinido, do esquema de valores que o passado nos transmitiu. No último decénio a estabilidade que caracterizou a nossa sociedade foi violentamente abalada pela necessidade de acudir em força ao ultramar e pela partida em massa de homens válidos e populações inteiras para alguns países da Europa. Da conjugação destes dois fenómenos resultaram as perturbações inevitáveis, de índole económica, política e social. Não estão ainda suficientemente estudadas para se poder ponderar sobre as vantagens e inconvenientes que delas advieram; mas não se lhes pode recusar a amplitude e vigor suficientes para alterarem por completo os equilíbrios laboriosamente mantidos ao longo dos últimos decénios. Estamos, pois, caminhando ràpidamente para um mundo novo.

Uma vez radicada esta convicção, toma-se indispensável fazer um esforço no sentido de definir, a traços largos, o que queremos que seja o quadro de vida e a nossa sociedade no dealbar do novo milénio. Pede-se aos responsáveis uma atitude voluntarista e uma grande disponibilidade ao serviço de uma forte curiosidade para interrogar o futuro. Algumas premissas podem já ser adoptadas como realidades irreversíveis: uma solidariedade internacional cada vez mais forte e uma tendência para adoptar sem reservas os padrões de vida dos países mais desenvolvidos.

A primeira leva a considerar obsoleta a ideia de que seja possível, a qualquer país, viver à margem da grande sociedade das nações, por muito que se discorde dos seus fundamentos e doutrinas; a segunda admite, quanto a mim, uma atitude mais independente, baseada numa reflexão selectiva. E exactamente sobre ela que procurarei adiantar algumas ideias.

Encontramo-nos numa fase crucial de adaptação das nossas estruturas económicas e sociais a condicionalismos impostos pelas necessidades de um desenvolvimento ace-

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lerado. Em poucos anos a agricultura cedeu a sua posição de actividade primordial a um sector industrial que arrancou em força mercê da convergência de disponibilidades financeiras e humanas. Em consequência, assiste-se a uma completa desagregação das estruturas rurais, com toda a série de problemas que a mesma levanta e se repercute profundamente na vida nacional.

Em dez anos o País viu partir 1 milhão de habitantes; o remanescente permanece no cumprimento das suas tareias de rotina ou procura também a sua promoção na cidade.

A pressão demográfica diminuiu em muitas áreas, com reflexos imediatos nos saldos fisiológicos, no tratamento das terras e na elevação dos salários A produtividade da mão-de-obra, por seu turno, não tem progredido ao ritmo que se impunha, porque ficaram os trabalhadores mais idosos e menos aptos.

A população respondeu com o abandono à manutenção de condições de vida difíceis na maior parte das áreas rurais. Mercê da atracção intensa exercida pelos principais centros urbanos e áreas industrializadas acentuaram-se os desequilíbrios espaciais que constituem, há muito, sério travão ao desenvolvimento. O Governo procurou responder a este desafio aquando da elaboração do actual Plano de Fomento, que previa o lançamento da orgânica regional hoje em funcionamento. Posteriormente mandou elaborar, e aprovou com alterações, um documento da maior importância a que várias vezes me tenho referido e que representa uma tentativa de definição das grandes linhas a que deverá obedecer o ordenamento do território no continente. Ele está a ser repensado a nível regional para ficar a constituir o cenário mais adequado à implantação de novas actividades e à distribuição racional das populações. Qualquer dos aspectos é largamente condicionado pela orientação imprimida pelo Plano aos investimentos públicos e por uma política de incentivos a lançar progressivamente. Daí a importância em definir essa orientação de uma forma coordenada, porque nenhum departamento do Governo possui, por si só, capacidade para resolver toda a gama de problemas que o apoio infra-estrutural ás populações levanta.

Há que procurar conciliar o aproveitamento máximo das potencialidades existentes com uma política de desenvolvimento equilibrado e a salvaguarda dos valores essenciais das paisagens humanizadas. Assim se atenderá simultaneamente ás necessidades do presente sem comprometer o futuro. Foi esta a óptica que presidiu ao lançamento da grande operação de Sinas, será ela, necessariamente, a condicionar o traçado das grandes vias rápidas ou a definição do programa de acção do órgão encarregado da defesa do ambiente.

Não me parece que no âmbito das preocupações invocadas a proposta de Lei contenha argumentação que nos possa deixar perfeitamente tranquilos a este respeito. Não é tanto a abolição do capítulo dedicado à política regional que me choca; em boa verdade, diz-se quase o mesmo nos artigos 17.° e 18.° O que me parece grave é não se dar o devido relevo ás posições já assumidas pelo Governo nesta matéria, porque ela, por si só, define um estado de espírito construtivo e uma salutar preocupação com o futuro.

Começa a ser tempo de concluir, e receio bem ter carregado de mais -as cores do quadro que tracei; mas, na realidade, as perspectivas não são nada risonhas. Além dos problemas de fundo levantados, e que requerem urgente solução, outros surgem a complicar as tarefas a que o Governo mete ombros com inegável vontade de cumprir. Refiro-me, por exemplo, ás deficiências de que ainda enfermam os nossos apuramentos estatísticos; à carência de dados sobre a verdadeira qualificação da nossa mão-de-obra; à incipiência e descoordenação dos sistemas de informática existentes, etc.

De tudo isto faz eco a proposta em discussão, reflectindo-se numa evidente falta de convicção perante os objectivos assinalados.

Em face das dificuldades pressentidas, houve como que uma retracção no enunciado das medidas a tomar. É honesto não prometer de mais, mas a conjuntura exige que nos superemos e realizemos, mesmo, de mais.

Por outro lado, há tarefas em curso de grande fôlego que precisam ser repensadas, num esforço de avaliação dos resultados já obtidos. E o caso, por exemplo, das grandes obras de rega, em que a Nação já investiu avultados capitais, cuja reprodutividade económica e social é necessário assegurar. Aqui está um tipo de investimento a requerer visão ampla em todos os sentidos, para que se não dê o caso de vir a constituir estruturas que só por acaso respondem ás necessidades reais das áreas beneficiadas.

A Sr. D. Maria Raquel Ribeiro: — Muito bem!

O Orador: — Outro elemento preponderante do ordenamento do território residirá na constituição dos parques e reservas destinados à protecção da Natureza. Apraz-me realçar a determinação com que o Governo está a encarar este aspecto do magno problema da defesa do ambiente; ele interessa não só a todos nós, cidadãos de um país intensamente ocupado, mas também a todos os estrangeiros que buscam a nossa hospitalidade.

Não duvido que o Governo ao elaborar esta proposta de lei tenha feito tudo o que estava ao seu alcance para esclarecer e justificar uma política de conjuntura. A minha insatisfação não incide tanto sobre o que o documento contém como sobre o facto de lhe reconhecer horizontes demasiado estreitos. A amplitude dos problemas que hoje se nos deparam requer que olhemos longe, muito para além dos passos do dia a dia.

E o Portugal de sempre que está em causa e não apenas a permanência por mais um ano. Por isso eu desejaria que a um intróito largo, prospectivo, a proposta fizesse seguir simplesmente um enunciado coordenado de medidas bem articuladas e devidamente orçamentadas.

Enquanto esta Assembleia votar apenas intenções, não estará prestando ao Governo grande serviço, porque lhe compete assumir também a sua quota-parte de responsabilidade na construção do futuro do País. E esse interessa a todos os portugueses.

Vozes: — Muito bem, muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Almeida Garrett: — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tem a Câmara vindo a analisar a proposta de lei de autorização de receitas e despesas para 1972. E, a seu propósito, tem vindo a chamar à colação os múltiplos aspectos da política económica e financeira, envolvidos em todo o processo da gestão anual, para que se pedem as autorizações da Assembleia.

Não serei eu quem, chegado ao termo do debate, o protele significativamente. E peço licença para duas palavras, muito breves, de reflexão pessoal, sobre temas em debate, a propósito de uma lei de autorização.

Meus Senhores: A autorização que, em obediência a preceitos constitucionais, se nos pede, respeita ao pagamento das despesas públicas e à arrecadação e obtenção dos recursos indispensáveis à administração financeira.

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Tem-se afirmado nesta Câmara, e de modo cada vez mais pacífico, a ideia de ser o quadro geral daquela administração o que verdadeiramente está em causa neste debate.

Nesse plano situo as minhas breves considerações.

Qual vem a ser, efectivamente, esse quadro geral da administração? Nos termos e condicionalismo da proposta sobre que administração nos é pedido um voto? Constitui lugar-comum dizer-se que a administração é algo mais do que manobrar verbas, montar e fazer funcionar serviços, cobrar receitas ou obter fundos, colmatar as eventuais brechas financeiras do nosso dia a dia.

Administrar pressupõe um «para quê» complexo, mas claramente definido, um «para quê» intransigentemente mantido como linha permanente de orientação para objectivos inquestionados. Daí que o quadro geral da administração — retiro-lhe intencionalmente a qualificação de financeira — comece precisamente por ser definido por esse «para quê» complexo.

Os objectivos e as linhas de orientação adoptados apresentam-se, assim, como um suporte fundamental de toda e qualquer acção; é, nesse quadro, a adaptação dos instrumentos de que se dispõe às condições verificadas no espaço e no tempo é que constitui a essência da administração.

Sobre aquele suporte essencial deve incidir o novo voto, pois esse suporte constituem-no os objectivos e as linhas de orientação que definem a utilização das autorizações; o resto é matéria de permanente actividade governativa e de permanente controle parlamentar.

O Governo tem de saber o que quer, mas tem também de saber o que se quer, o que se está disposto a sacrificar e a ordenar, para realizar em prioridades.

A administração, como efectivação das políticas traçadas, é uma tarefa que exige um suporte nacional, uma verdadeira comunhão e adesão. A este respeito estou de acordo com o Sr. Deputado Correia da Cunha quando dizia há pouco ter a representação nacional a este propósito a maior responsabilidade e não lhe poder fugir; mas não deve, quanto a mim, de uma vez por todas, no fim de cada ano, enredar-se nos termos concretos da efectivação das suas orientações.

E ao longo do exercício e também, no momento oportuno do seu julgamento através das contas, que deverá acompanhar cuidadosamente, vigilantemente, a efectivação das orientações formuladas e certificar-se da sua validade e do seu êxio. Outro seria, quanto a mim, um entendimento anacrónico da função da representação nacional.

Pois bem: a administração financeira que se propõe para 1972 não poderia legitimamente esquecer, por um lado, este pano de fundo de política geral. Um pano de fundo que nos aparece não como calamidade a cercear as suas potencialidades de realização, mas como elemento constitutivo da sua própria formulação.

E sobre este ponto, supomos que não logramos dissipar, nesta Casa, todas as dúvidas ou ambiguidades.

O progresso da Nação una, a todos os seus níveis, em todos os seus espaços e sobre todas as formas que, como imperativo inescusável se apresente, é e tem de ser o objectivo último da nossa política e da consequente acção governativa.

Nenhum dos elementos que o integram, sejam eles quais forem, podem ser, um momento sequer, considerados fora deste conceito, pois são sempre, e em qualquer posição por que sejam vistos, partes constitutivas do próprio objectivo a prosseguir.

A administração financeira proposta para 1972 não poderia esquecer esse pano de fundo de política geral; e, efectivamente, não o esqueceu.

Por outro lado, vive-se hoje um período de transição, de expectativa nos arranjos externos, porque o mundo ocidental busca, no plano da economia, e até no da política, construções que lhe permitam responder melhor às exigências das suas responsabilidades para com os seus povos e para com o resto do mundo. E o processo, como todos sabem, não é isento de sobressaltos, de receios, de indecisões, de retracções e até de desequilíbrios.

Tudo isso cria um clima de instabilidade, de instabilidade interrogante; e é nesse clima que se tem de trabalhar, na prossecução quotidiana dos grandes objectivos nacionais. Daí outra característica da administração em analisei: a determinação tem de ser aliada à maior prudência e a uma flexibilidade que permita os ajustamentos requeridos pelos condicionalismos em que se vive e viverá nos próximos tempos. Suponho que, também quanto a este aspecto, não poderia a proposta apresentar-se honestamente com outra roupagem, nem com outras promessas do que aquelas que contém.

Visando a curto prazo a possível estabilização dos preços e a sua compatibilização com as necessidades de desenvolvimento económico e progresso social, a Administração propõe-se, por um lado, o ataque anti-inflacionista em todas as frentes, por outro, a melhor adaptação da oferta à procura, um melhor ordenamento geral do território, a expansão selectiva da economia e melhoria dos seus quadros gerais e o estímulo da iniciativa privada e sua orientação e correcção.

Permitam-me VV. Ex.as que termine com uma palavra sobre os dois últimos pontos. A política geral de investimento deve constituir o nosso verdadeiro caso de consciência neste momento, pois, a menos que nos demitamos das nossas responsabilidades ou aceitemos o risco da incoerência, há que enveredar progressiva mas intransigentemente por uma política selectiva a nível global. E há que ter a coragem de aceitar todas as implicações que ela comporte, quer no que respeita às indispensáveis alterações estruturais da nossa economia, quer mesmo no que respeita às exigências que uma política global faz às possibilidades de actuação coerente do próprio Estado. Há que situar este no campo pleno das suas responsabilidades, que, se não dispensa a unidade de decisão, também não enjeita a participação que a Nação inteira tem o direito e o dever de prestar. Nesse plano se insere a iniciativa privada, uma iniciativa a estimular, apoiar e, eventualmente, orientar pelo Estado.

Decerto todos estamos de acordo com o princípio, que é, aliás, constitucional.

A intervenção corredora ou supletiva do Estado aparece como remedeio de situações indesejáveis, para evitar males maiores e encontrar na gravidade desses males a sua plena justificação, correspondendo às indeclináveis responsabilidades do Estado, como expressão de todo o agregado1 nacional.

E a este, e à Nação toda, que, no fundo, cabe a última palavra em matéria de política, e nomeadamente de política económica e social, como seu destinatário e até como seu último autor.

Vamos nós, que a representamos aqui, enjeitar esta responsabilidade?

Por mim, respondo que não.

Vozes: — Muito bem, muito bem!

O orador foi cumprimentado.

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16 DE DEZEMBRO DE 1971 2981

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados: Já ontem informei VV. Ex.as, e devem-no ter verificado directamente, que o parecer das Comissões de Economia e Finanças sobre a proposta de lei em discussão foi apresentado na Mesa. Mandei dele, imediatamente, tirar cópias, que foram distribuídas a VV. Ex.as, e por isso mesmo eu digo que puderam verificar a' sua apresentação. Deve vir hoje publicado no Diário das Sessões.

Em vista desta divulgação, pareceu-me desnecessário lê-lo na Mesa.

Não está mais nenhum orador inscrito para a discussão na generalidade da proposta de lei de autorização de receitas e despesas para o ano de 1972. Não foi apresentada qualquer questão prévia tendente a retirar o assunto de debate.

Nessas condições, considero aprovada na generalidade a referida proposta de lei e, na Sessão desta tarde, faremos a sua apreciação e votação na especialidade.

Declaro, em consequência, para ordem do dia da sessão da tarde, à hora regimental, em primeira parte, a eleição da Comissão eventual para estudo de alterações ao nosso Regimento; em segunda parte, a discussão e votação, na especialidade, da proposta de lei de autorização das receitas e despesas para o ano de 1972.

Está encerrada a sessão.

Eram 13 horas e 20 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.

António Lopes Quadrado.

António Pereira de Meireles da Rocha Lacerda.

António de Sousa Vadre Castelino e Alvim.

Camilo António de Almeida Gama Lemos de Mendonça.

Fernando do Nascimento de Malafaia Novais.

Francisco Correia das Neves.

Gabriel da Costa Gonçalves.

Henrique dos Santos Tenreiro.

Henrique Veiga de Macedo.

João Duarte Liebermeister Mendes de Vasconcelos Guimarães.

João Duarte de Oliveira.

Joaquim Carvalho Macedo Correia.

José Coelho Jordão.

José Gabriel Mendonça Correia da Cunha.

José de Mira Nunes Mexia.

José Vicente Pizarro Xavier Montalvão Machado.

Júlio Alberto da Costa Evangelista.

Júlio Dias das Neves.

Manuel José Archer Homem de Mello.

D. Maria Raquel Ribeiro.

Maximiliano Isidoro Pio Fernandes.

Ramiro Ferreira Marques de Queirós.

Raul da Silva e Cunha Araújo.

Rogério Noel Peres Claro.

D. Sinclética Soares dos Santos Torres.

Tomás Duarte da Câmara Oliveira Dias.

Vasco Maria de Pereira Pinto Costa Ramos

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Alberto Marciano Gorjão Franco Nogueira.

Alexandre José Linhares Furtado.

Amílcar Pereira de Magalhães.

Armando Valfredo Pires.

Augusto Domingues Correia.

Bento Benoliel Levy.

D. Custódia Lopes.

Delfino José Rodrigues Ribeiro.

Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.

Fernando Artur de Oliveira Baptista da Silva.

Fernando Augusto Santos e Castro.

Fernando David Laima.

Fernando de Sá Viana Rebelo.

Francisco João Caetano de Sousa Brás Gomes.

Francisco José Pereira Pinto Balsemão.

Francisco de Moncada do Casal-Ribeiro de Carvalho

Henrique José Nogueira Rodrigues.

João António Teixeira Canedo.

João Lopes da Cruz.

João Paulo Dupuich Pinto Castelo Branco.

João Pedro Miller Pinto de Lemos Guerra.

Joaquim Jorge Magalhães Saraiva da Mota.

Jorge Augusto Correia.

José Dias de Araújo Correia.

José Guilherme de Melo e Castro.

José da Silva.

Luís Maria Teixeira Pinto.

Manuel Joaquim Montanha Pinto.

Manuel Martins da Cruz.

Manuel Valente Sanches.

Rafael Valadão dos Santos.

Rui Pontífice Sousa.

Teodoro de Sousa Pedro.

Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.

Victor Manuel Pires de Aguiar e Silva.

O Redactor — José Pinto.

Página 2982

Imprensa Nacional

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