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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL E DA CÂMARA CORPORATIVA

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 152

ANO DE 1972 26 DE JANEIRO

ASSEMBLEIA NACIONAL

X LEGISLATURA

SESSÃO N.º 152 EM 25 DE JANEIRO

Presidente: Ex.mo Sr. Carlos Monteiro do Amaral Netto.
Amílcar da Costa Pereira Mesquita.

Secretários: Ex.mos Srs.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
Amílcar da Costa Pereira Mesquita.

Nota. - Foi publicado um suplemento ao n.º 161 do Diário das Sessões, que insere a proposta de lei n.º 21/X (prestação de avales pelo (Estado).

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 50 minutos.

Antes da ordem do dia. - Foi aprovada o n.º 150 do Diário das Sessões, com rectificações propostas pelas Srs. Deputados Sá Carneiro, Castelino e Alvim e Mota. Amaral.

Deu-se conta do expediente.

O Sr. Presidente informou enfarem na Mesa, enviadas pela Presidência do Conselho, as publicações solicitadas pelo 8r. Deputado Serras Pereira em 28 de Dezembro findo.

Também enviado pela Presidência, do conselho, recebeu-se na Meta, um documento da Comissão Interministerial de Cooperação Económica Externa, em satisfação de um requerimento apresentado paio Sr. Deputado Pontífice Sousa na sessão de 14 de Dezembro passado.

Igualmente enviados pela- Presidência do Concelho, receberam-se- na Mesa dois ofícios em satisfação dos requerimentos pelo Sr. Deputado Sá Carneiro na sessão de 15 do corrente.

Foi lido a resposta do Co D orno, na parte respeitante ao Ministério da Economia, à nota de perguntai formulada pelo Sr. Deputado Moura Ramos e publicada rio n.º 141 do Diário das Sessões.

Usou da palavra o Sr. Deputado Augusto Gouveia, que trotou doe deficiência da comunicações que prejudicam três povoações dos concelhos d" Miranda do Corvo e Coimbra.

Ordem do dia. - O Sr. Deputado Pinto Machado efectivou o seu aviso prévio sobre educação médica.

O Sr. Deputado Miller Guerra requereu a generalização do debate, usando da palavra.

O Sr. Presidente encerrou a sessão as 17 horas e 30 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada. Eram 15 horas e 35 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Albano Vaz Finto Alves.
Alberto Eduardo Nogueira Lobo de Alarcão e Silva.
Alberto Maria Ribeiro de Meireles.
Alexandre José Linhares Furtado.
Amílcar da Costa Pereira Mesquita.
António Bebiano Correia Henriques Carreira.
António Lopes Quadrado.
António de Sousa Vadre Castelino e Alvim.
Armando Júlio de Roboredo e Silva.
Armando Valfredo Pires.
Artur Augusto de Oliveira Pimentel.
Augusto Domingues Correia.
Augusto Salazar Leite.
Bento Benoliel Levy.
Carlos Eugênio Magro Ivo.
Carlos Monteiro do Amaral Netto.
D. Custódia Lopes.
Delfim Linhares de Andrade.
Eleutério Gomes de Aguiar.
Fernando Augusto Santos e Castro.
Fernando David Laima.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Filipe José Freire Themudo Barata.
Francisco Esteves Gaspar de Carvalho.
Francisco João Caetano de Sousa Brás Gomes.

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Francisco de Moncada do Casal-Ribeiro de Carvalho.
Gabriel da Costa Gonçalves
Gustavo Neto Miranda.
João António Teixeira Canedo.
João Bosco Soares Mota Amaral.
João Duarte Liebermeister Mendes de Vasconcelos Guimarães.
João Duarte de Oliveira.
João José Ferreira Forte.
João Lopes da Cruz.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
João Pedro Miller Pinto de Lemos Guerra.
Joaquim Germano Pinto Machado Correia da Silva.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Joaquim de Pinho Brandão.
José Coelho de Almeida Cotta.
José Coelho Jordão.
José Gabriel Mendonça Correia da Cunha.
José Maria de Castro Salazar.
José de Mira Nunes Mexia.
José dos Santos Bessa.
José da Silva.
José Vicente Cordeiro Malato Beliz.
Júlio Dias das Neves.
Lopo de Carvalho Cancella de Abreu.
Luís António de Oliveira Ramos.
Manuel Elias Trigo Pereira.
Manuel de Jesus Silva Mendes.
Manuel Joaquim Montanha Pinto.
Manuel José Archer Homem de Mello.
Manuel Martins da Cruz.
Manuel Monteiro Ribeiro Veloso Manuel Valente Sanches.
D. Maria Raquel Ribeiro.
Olímpio da Conceição Pereira Pedro Baessa.
Prabacor Rau.
Rafael Ávila de Azevedo.
Rafael Valadão dos Santos.
Raul da Silva e Cunha Araújo.
Rui de Moura Ramos.
Teodoro de Sousa Pedro.
Teófilo Lopes Frazão.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 67 Sr.s Deputados.

Está aberta a sessão.

Eram 15 horas e 50 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Está em reclamação o n.º 150 do Diário das Sessões.

O Sr. Deputado Sá Carneiro, acerca deste Diário das Sessões, enviou-me por escrito uma nota de rectificação que tem a apresentar, dado que não lhe era possível assistir a sessão de hoje.

Essa nota vai ser enviada à redacção do Diário para a tomar na devida conta.

O Sr. Cancella de Abreu: - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Cancella de Abreu.

O Sr. Cancella de Abreu: - Sr. Presidente, desejo apresentar a rectificação seguinte: na (p. 3 025, cal. 1.ª, 1. 49, onde está: "partido. Deputado", deve ler-se: "partido, Deputado".

O Sr. Castelino e Alvim: -Pedi a palavra para apresentar a seguinte rectificação: na ,p. 3 036, col. 1.º, 1. 2, onde está: "noas", deve ler-se: -"essas".

O Sr. Mota Amaral: - Sr. Presidente, na p. 3 033, col. 2.º, 1. 4, onde está: "política", deve ler-se: "político"; e na p. 3 035, col. 2.º, 1. 3, a seguir à palavra "tempo", deve introduzir-se a palavra "sequer".

(Pausa).

O Sr. Presidente: - Como mais nenhum de VV. Ex.ªs tem rectificações a apresentar, considero o n.º 150 do Diário das Sessões aprovado.

Deu-se conta do seguinte

Expediente Telegramas

Aplaudindo a intervenção do Sr. Deputado Magalhães Mota.

Do presidente do Sindicato dos Trabalhadores do Sector dos Produtos Químicos para a Agricultura.

Da direcção da Escola de Formação Rural de Lamego congratulando-se com as palavras do Deputado Fausto Montenegro.

Petições

De António Ferreira de Oliveira acerca do abono de família aos funcionários e pessoal das actividades privadas.
De Deolindo João da Mota Oliveira acerca dos vencimentos do funcionalismo.

O Sr. Presidente: - Estão na Mesa, enviadas pela Presidência do Conselho, os publicações fornecidas pelo Instituto (Nacional de Estatística e pela Imprensa Nacional destinadas a satisfazer, na parte que lhes respeita, o requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Serras Pereira em 28 de Dezembro fiado.

Está também na Mesa um ofício da Presidência do Conselho acompanhado de um documento da Comissão Interministerial de Cooperação Económica Externa, que se destina a satisfazer o requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Pontífice Sousa na sessão do passado dia 14 de Dezembro.

Encontram-se ainda na Mesa dois ofícios da Presidência do Conselho relativos à satisfação dos requerimentos apresentados pelo Sr. Deputado Sá Carneiro na sessão de 15 do corrente mês de Janeiro.

Vão ser entregues aos referidos Srs. Deputados.

Vai ser lida a resposta do Governo, na parte que respeita ao Ministério da Economia, a nota de perguntas formulada pelo Sr. Deputado Moura Ramos e publicada no n.º 141 do Diário das Sessões.

Informo a Assembleia de que o n.º 143 do Diário das Sessões contém a resposta da Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica à mesma nota de perguntas, na parte que respeita a este organismo.

Vai, portanto, ser lida a porte que respeita ao Ministério da Economia.

Foi lida. É a seguinte:

Resposta às perguntas do Sr. Deputado Rui de Moura Ramos no respeitante a competência da Secretaria de Estado da Indústria.

l- Alínea a):

1.1 - Desde longa data que vêm sendo feitas diligências para limitar a emissão de poeiras pelas fábricas de cimento. Se bem que algumas dessas diligên-

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cias nem sempre tenham eido bem sucedidas no passado, tem-se vindo a verificar, à medida que avança a tecnologia do fabrico, que aumentam as capacidades de produção e diminuem relativamente os custos de instalação e exploração dos dispositivos de captação de poeiras e ainda aumenta a sensibilidade em relação aos- problemas da degradação do ambiente, uma evolução no sentado de serem reduzidos os inconvenientes dos instalações fabris deste sector.

É o que se verifica também relativamente às fabricas de Maceira-Lis e de Pataias, embora certas situações conjunturais possam ter ocasionado inversões transitórias do sentido da evolução indicada.

Prestamos a seguir uma informação sucinta sobre estas duas instalações fabris ao referente ao lançamento de poeiras para n atmosfera. Notamos que esta emissão é, em geral, originada em três operações principais:

Na britagem do calcário, onde a poeira produzida, dado o seu peso não é projectada a grande distância e onde correntemente não são aplicados dispositivos de captação;

Na secagem e moagem de pó cru, onde normalmente se empregam nitros;

Nos fornos de cozimento, onde modernamente se empregam filtros electrostáticos.

1.2 - Fábrica da Empresa de Cimentas de Leiria, S. A. R. L., situada em Maceira-Lis.

1.2.1 - Existem actualmente cinco linhas de fabrico de cimento portland:

A 1.º linha, com 240 t/dia de capacidade de produção, cuja instalação de secagem e moagem de mi dispõe de ciclones e filtros de mangas e cujo forno não tem captação de poeiras à saída;

A 2.ª linha, idêntica à 1.ª;

A 3.ª linha, com 180 t/dia de capacidade de produção, idêntica às duas anteriores;

A 5.ª linha, com 1 500 t/dia de capacidade de produção, dispondo de electrofiltros, banto na moagem de cru como à saída do forno;

A 6.ª linha, com 900 t/dia de capacidade de produção, idêntica à anterior.

As três primeiras linhas em laboração são antigas. A .5.ª linha foi montada em 1968. A 6.ª foi autorizada por despacho ministerial de 20 de Setembro de 1969 e destinou-se a substituir as três primeiras em laboração, encontrando-se já em regime de laboração experimental.

1.2.2 - Verifica-se assim que as duas linhas mais modernas dispõem de captação eficiente de- poeiras, enquanto que o mesmo não acontece com as antigas. As três primeiras deveriam ter sido paralisadas logo que enteou em funcionamento a 6.ª, o que teria eliminado ou reduzido substancialmente o problema existente. Não parece, porém, que o aumento de capacidade de produção obtido com a entrada deste forno em laboração tenha satisfeito as necessidades actuais da procuro, o que leva s empresa a manter ainda em laboração os três antigos fornos, principal fonte de poluição do ar.

1.2.3 - Em 18 de Novembro de 1970, quando foi aprovado pelos serviços o projecto da 6.º linha, foram estabelecidas novas condições para serem observados pela Empresa, sempre tendentes à redução da emissão de poeiras para o exterior.. No termo do prazo fixado para o seu cumprimento, em Junho de 1972, está determinada a paralisação definitiva das trás antigas linhas.

1.3 - Fábrica da Companhia Portuguesa, de Cimentos Brancos, Gibra, situada em Pataias.

1.3.1 - Existem duas linhas de fabrico:

de produção de cimento branco; a mais antiga, cuja secção de secagem de calcário e de caulino não tem despoeiramento e que utiliza o forno n.º l, a que nos referimos adiante; A de produção de cimento portland, em cuja secção de secagem e moagem não há produção de poeiras, sendo a secagem feita por derivação de parte dos gases quentes do forno n.º l que seguem para um electrofiltro.

Ambos os fornos n.ºs l e 2 servem à produção de cimento portland e apenas o n.º l à de cimento branco:

O forno n.º l tem 150 t/dia de capacidade, de produção. Os gases deste forno atravessam o electrofiltro da moagem de linha de cimento 1 portland;

O forno n.º 2 tem 880 t/dia de capacidade de produção, com sistema de alimentação e de saída através de grelhas, que elimina a maior parte das poeiras expelidas.

1.3.2 - Está em curso a montagem de uma 3.ª linha de cimento portland, autorizada por despacho ministerial de 29 de Setembro de 1969, com um forno provido de electrofiltro para uma capacidade de produção de 600 t/dia, montagem que deve concluir-se no 1.º trimestre de 1972.

Com a entrada em funcionamento desta nova linha, dispondo de captação eficaz, o problema existente deve atenuar-se; pois que os fornos n.ºs l e 2 deixarão de trabalhar em sobrecarga, isto é, para alem da sua capacidade nominal, o que justifica, em parte, a actual situação.

Os serviços continuarão a actuar no sentado de reduzir ao mínimo a poluição provocada por esta instalação fabril.

2 - Alínea c):

Estes serviços têm procurado, através da sua participação no Grupo de Trabalho sobre Poluição do Ar, constituído pela Portaria n.º 22 035, de 6 de Junho de 1966, e agora pela Comissão Nacional do Ambiente, contribuir para o estabelecimento das bases em que devera fundar-se a luta contra a poluição do ar de várias origens, incluindo a industrial, e, em consequência, da legislação que a ponha em prática.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Augusto Correia.

O Sr. Augusto Correia: - Trémoa é o nome dado, habitualmente, ao conjunto de quatro pequenas povoações - Trémoa de Baixo, Trémoa de Cima, Casal Pequeno e Quinta da Trémoa pertencentes aos concelhos de Coimbra e de Miranda do Corvo, que se localizam entre montanhas, nas margens do rio Dueça, subafluente ido Mondego; o qual, na zona, separa aqueles concelhos.

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Estas pequenas povoações mão têm estrada ou caminho que lhes permita o acesso de viaturas motorizadas. Tem-lhes valido a linha do caminho de tenro da Lousa, que ali tem o conhecido apeadeiro da Trémoa.

No primeiro dia deste ano aquele apeadeiro deixou de fazer serviço de mercadorias em regime de detalhe, e lá ficaram no dia de Ano Novo as pequenas povoações com as suas carências, que já eram bem significativas, ainda mais avolumadas.

O movimento de remessas de detalhe seria, necessariamente, muito reduzido e justificaria que se pensasse nele como factor de rentabilidade da Companhia dos Caminhos dê Feno, que deve merecer especial atenção. Julga-se, no entanto, inoportuna a decisão tomada, de que resultou o apeadeiro, em que continuam a parar os mesmos comboios, servir agora exclusivamente para entrada e saída de passageiros, que adquirirão os bilhetes em transito sem agravamento de custo.

E porquê?

A Câmara Municipal de Coimbra iniciou no passado amo a construção de um caminho municipal que ligara a povoação da Trémoa à sua rede de estradas e caminhos, realizando numa extensão de 3 120 m, mediante comparticipação, as terraplanagens e respectivas obras de arte, orçamentadas em 950 coutos.

Para sã dar à Trémoa o seu caminho falta pavimentar essas terraplenagens construir um segundo lanço com a extensão de 3 500 m. Em tudo há que despender ainda, segundo os projectos apresentados, 3 850 contos.

É uma obra, em natureza e custo, que se considera perfeitamente realizável em curto prazo, desde que o Ministério das Obras Públicas, que a incluiu mo actual Plano de Fomento, e a Câmara Municipal de Coimbra tomem a decisão, que se deseja urgente, de solucionarem este grave problema da Trémoa, que se deveria ter evitado com uma colaboração estreita da C. P. com aquelas entidades.

Se assim tivesse acontecido, a C. P. encerrada o apeadeiro somente quando a estrada para a Trémoa estivesse construída ou, pelo menos, com as terraplenagens consolidadas.

E a C. P. deverá ainda fazer alguma coisa?

Não pedimos que restabeleça o serviço extinto, mas julgamos que poderá, com a deslocação eventual de um empregado, proporcionar o serviço de mercadorias de detalhe em determinados dias da semana, enquanto não existir a estrada que faculte a Trémoa o anunciado serviço de uma "estação-centro, que promoverá a distribuição e recolha de todas as remessas de detalhe na região de Coimbra".

A acção do Ministério das Obras Públicas, da Câmara Municipal de Coimbra e da C. P., que se pede, será, certamente, bem agradecida pela população da Trémoa, que até esquecerá, possivelmente,' as más condições em que tem vivido, e que agora foram agravados.

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: Vamos passar à

Ordem do dia

Efectivação do aviso prévio do Sr. Deputado Pinto Machado sobre educação médica. Tem a palavra o Sr. Deputado Pinto Machado.

O Sr. Pinto Machado: - Sr. Presidente: Dá-me V. Ex.ª a palavra para efectivar o aviso prévio sobre educação médica que anunciei, sumariei e justifiquei na sessão de 9 de Dezembro último. Então, concluí dizendo que do alto critério de V. Ex.ª esperava que o aviso prévio se efectivasse "antes de estar ultrapassada a sua oportunidade aguda". É-me sumamente .grato verificar que a minha esperança não foi, vã.

Um imperativo cronométrico condiciona 'esta intervenção: mesmo contando, antecipadamente, que V. Ex.ª me permitirá estendê-la como lhe consente o artigo 48.º do Regimento - por uma hora, terei, em média, apenas quatro minutos para tratar de cada um dos quinze pontos e defender cada uma dos respectivas proposições que indiquei e 'formulei ao anunciar o aviso prévio.

Deveria ter restringido o campo do meu discurso? Sinceramente, estou seguro de que não. Os problemas gravíssimos da educação médica em Portugal não se resolvem com atitudes meramente técnicas: é pelo próprio entendimento da educação médica repensado em referência a uma sociologia actual e prospectiva que tem de começar-se. De facto, antes de nos defrontarmos como o "como?" temos de responder ao "para quê?". E que também aqui, na educação medica, quem só escolhe caminhos sofre destinos.

Condicionado, pois, por duas exigências absolutas e muito dificilmente compatíveis - extensão do tema e escassez do tempo, tive de conceber uma estratégia que as conciliasse satisfatoriamente e fosse de acordo com a natureza desta Assembleia. Assim, vou apresentar sucintamente as normas basilares que orientam a educação médica moderna e depois indicar e justificar as medidas fundamentais que, em meu parecer, devem ser adoptadas e efectivadas para, de acordo com aquelas normas., se ir construindo a educação médica que melhor sirva o Portugal de amanhã. Cada nova geração tem, necessariamente, problemas específicos: não sobrecarreguemos os vindouros com trabalhos ciolópicos resultantes de termos fugido aos combates para que o nosso tempo nos desafia.

Na previsão de ulterior debate - desculpe-me, Sr. Presidente, estoutra antecipação a decisões da competência exclusiva de V. Ex.ª -, espero que muitos pontos merecedores de explanação mais desenvolvida venham a ser considerados por Srs. Deputados, e por mim próprio em segunda intervenção.

I) A SAÚDE:

1. Conceito. - A educação médica orienta-se no serviço da saúde e o seu valor objectivo, nos casos concretos, mede-se precisamente pelo grau da sua adequação a tal fim. Uma educação médica actualizada tem, pois, de ser entendida e realizada em referência a um conceito actualizado de saúde.

Tradicionalmente interpretada, restritiva e estaticamente, como ausência de doença, a saúde é hoje considerada, integrai e dinamicamente, como "estado de completo bem-estar físico, mental e social", na definição inscrita no preâmbulo da Carta da Organização Mundial de Saúde. Assim compreendida, a saúde diz respeito à totalidade de cada ser humano - em si mesmo e nas suas relações sociais.

2. Direito à saúde. - A este conceito de saúde liga-se o de ."direito à saúde"; o direito que tem cada pessoa de usufruir de todas as condições necessárias à sua realização integral. De facto, é pela realização "do homem todo e de todos os homens" 1 que se alcança a plenitude da saúde.

1 Paulo VI, Popnlorum progressio.

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O direito à saúde radica ma própria natureza da pessoa humana. E um direito fundamental ligado indissociavelmente ao da sua integridade, isto é, de existir e construir a sua biografia como pessoa humana. Não é, portanto, um benefício concedido, mas um direito primário e inalienável, da ordem da justiça, e, enquanto tal, base para a paz a. O seu reconhecimento petos Poderes Públicos e par todos os organismos sociais e a sua consciencialização por cada cidadão suo das marcas mais expressivas da caminhada aos povos pana níveis mais altos de vida humana, e a sua fruição efectiva constitui um dos critérios mais válidos para o julgamento ético de uma sociedade.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - 3. Serviço da saúde. - Ter saúde é, afinal, cada um realizar-se cie acordo com o que é: dignidade eminente de natureza, aptidões e vocações próprias. Trata-se, pois, de um dever da pessoa a que corresponde o direito referido do usufruto das condições indispensáveis a tal realização. A verificação dessas condições, desse serviço da saúde, exige uma acção global, no duplo sentado de imobilizar todos os homens e instituições e de se realizar em todos os domínios da vida individual e colectiva. As actividades diversificadas integrantes de tal acção - e que incluem a participação efectiva na vida política- devem e têm de ser estimuladas, coordenadas, orientadas e garantidas pelos poderes inerentes à função política do Estado social de direito.

4. Saúde e medicina. - A medicina serve a saúde combatendo a doença - profilaxia e terapêutica- e suas sequelas - reabilitação- e promovendo o desenvolvimento psíquico e somático do género humano e de cada homem. Em resultado dos enormes progressos da investigação científica e tecnológica são já vastíssimas - e sê-lo-ão muito mais no futuro - as possibilidades de acção eficaz da medicina na defesa e promoção da saúde.

A função social que o reconhecimento do direito à saúde atribui à medicina e a influência patogénica de aspectos negativos da sociedade moderna - nomeadamente quanto a organização económico-sócio-política, relações humanas, mundividência e poluição do ambiente - têm acentuado o carácter social da medicina e levado à sua intervenção em sectores que até há pouco lhe eram estranhos. De outro lado, a estrita necessidade da disposição de órgãos institucionais adequados, de recursos humanos e materiais suficientes, de instrumentos legislativos eficazes e de planeamentos concertados para que as crescentes possibilidades oferecidas pela medicina possam efectivamente beneficiar toda a população de uma localidade, de uma região e de um país, impõe a intervenção directa - promotora, organizadora, financiadora e fiscalizadora dos Poderes Públicos nas actividades médicas.

Estes dois movimentos convergentes exprimem e realizam a socialização da medicina - no seu mais amplo e autêntico sentido -, socialização que, se é indispensável para que o direito à saúde seja satisfeito, é também fonte de dificuldades no que concerne à definição de competências e à colaboração de médicos e administrações.

5. Saúde e educação médica. - Todo este novo e complexo condicionalismo em que hoje é exercida a medicina tem de modelar em nova forma a educação médica, que não pode continuar, na sua filosofia e na sua prática, a referir-se a realidades sociológicas ultrapassadas. Deixando, de momento; a consideração deste problema, chama-se já a atenção para o facto de o reconhecimento do direito à saúde implicar altíssima e indeclinável responsabilidade do Estado e das instituições de educação médica na realização correcta dessa educação.

Tal responsabilidade tem de ser plenamente assumida, sem tergiversações, já que respeita a um serviço Intimamente ligado às mais legítimas e essenciais aspirações das pessoas, à verdadeira paz social, ao progresso autêntico da Nação. "Os erros das mais artes e ciências raras vezes arruinam mais do que a fazenda; mas quem erra na medicina, mata; e vem a ser, por último, esta ciência, mal administrada, a mais perniciosa de um Estado", dizia, há dois séculos, Ribeiro Sanches 3. E Benjamim Disraeli reconhecia:

A saúde do povo é na verdade o fundamento de que dependem toda a sua felicidade e todos os seus poderes como Estado.

11) A EDUCAÇÃO MÉDICA:

1. Objectivo. - O objectivo da educação médica é formar médicos para o serviço da comunidade. E os médicos servem a comunidade exercendo a medicina aplicada, realizando a educação médica e paramédica, colaborando na elaboração e revisão - a nível local, regional e nacional - do planeamento de serviços sanitários que assegurem às populações os recursos de uma medicina integral actualizada e contribuindo para o progresso das ciências e tecnologias biomédicas. As instituições responsáveis pela educação médica têm de a orientar nestas quatro interligadas direcções e associando duas perspectivas: a que toma a educação médica como dado, como ela é entendida no presente, e a que a assume como incógnita e a considera como objecto de investigação.

Orientada para a comunidade, a educação médica não deve fechar-se sobre si mesma, auto-alimentado-se do seu narcisamento. Ao invés, deve ser solidária da sociedade a cujo serviço está, de forma a, nela incarnada, preparar os médicos para a satisfação das suas necessidades concretas nos domínios da medicina, preparação que não se limita à cultura científica e ao adestramento técnico, mas inclui a esclarecida consciência de uma eminente responsabilidade social.

2. Educação médica e Universidade. - Para o exercício competente das suas funções os médicos necessitam de uma cultura, de uma formação intelectual e de uma personalidade que só a Universidade - uma autêntica Universidade - pode proporcionar. De facto:

As Universidades são instituições de ensino superior que têm. como funções principais; o ensino de nível mais elevado e a investigação dos vários ramos do conhecimento. Entre estas funções deve existir um inter-relação que contribua para a formação da personalidade, conduza ao desenvolvimento, do espírito científico, crítico e criador, promova o fomento e difusão da cultura, a conveniente formação e actualização profissional, bem como o alargamento da ciência. No âmbito da sua missão de serviço à comunidade, devem também as Universidades considerar os problemas nacionais e regionais [...]6

1 Cit. em "Educação médica contínua", Prof. Dr. J. Cândido do Oliveira" Revista Portuguesa de Terapêutica Médica., 2, 77-79, 1968.

4 Cif. em "Higber education and the Nation's health. Policies for medical and dental education". A special report and recommendations by The Carnegie Commission ou Higner Education. October 1970. McGnraw-Hill Book Company, New York.

5 Linhas gerais da Reforma da Ensino Superior, M. E. N., 1971.

2 Cf. Mensagem de Paulo VI pana o V Dia Mundial da Paz.

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A correcta realização da educação médica exige à Universidade intensa investigação nas ciências biomédicas, sociais e pedagógicas e estreita colaboração com os serviços sanitários regionais e seus órgãos de planeamento centrais.

As funções e actividades que a sociedade de amanha há-de solicitar aos seus médicos reforçam o papel eminente da Universidade na sua educação. Na realidade, e em- virtude do crescente fenómeno da socialização já referido, não só as ciências sociais, económicas, Administrativas, jurídicas e a própria filosofia terão de incluir-se no arsenal de cultura dos médicos, como também será íntimo o seu contacto profissional com especialistas destas ciências.

3. Educado médica, Ministério da Saúde e Ordem dos Médicos. - Sem serviços sanitários de bom nível, a educação médica é de todo impossível ou fica mais ou menos gravemente prejudicada, visto ser neles que ela é, na maior parte, ministrada. Sem serviços médicos para toda a população, a comunidade está a custear a formação de médicos de cuja competência só parte dela irá beneficiar. Sem condições de trabalho qualificado e justamente remunerado, os médicos esterilizam-se pelo pluriemprego ou fogem pela emigração. Sem uma educação médica autêntica, não pode haver um sistema eficiente de serviços médicos. Sem a definição de uma política de saúde, é impossível adaptar a educação médica ao tipo de serviços médicos que o Estado se propõe facultar à população.

Esties cinco axiomas bastam para que se compreenda não só a íntima relação entre educação médica, serviços de saúde e política de saúde, como ainda, e correlativamente, a necessária intervenção, no planeamento e realização da educação médica, do departamento do Governo responsável por aqueles serviços e por aquela política e das associações médicas profissionais - no caso português, o Ministério da Saúde e Assistência e a Ordem dos Médicos, respectivamente.

4. Educação médica em romano. - É precisamente dos países que realizam uma medicina de melhor nível e cuja educação médica goza justamente de maior prestígio que o ensino médico tradicional tem sido mais severamente criticado, por corresponder a um contexto científico, pedagógico, económico, social e político já extinto. Adequar tal educação a realidade de hoje e, sobretudo, orientá-la pura a sociedade de amanhã cujas características fundamentais se podem já prospectar e, em certa medida, modelar -, é tarefa a que tais países se têm empenhadamente dedicado nos últimos anos. Como fruto desse labor foram e estão sendo continuamente lançadas, ensaiadas ë criticadas inúmeras reformas de diferentes tipos - inclusivamente num mesmo país -, Algumas, dos quais de concepção revolucionária.

Os progressos notáveis, sobretudo a partir do termo da 2.ª Grande Guerra, da física, da química e dos ciências antropológicas e biomédicas; a democratização da cultura, a consciência viva da dignidade da pessoa e da urgência em construir-se uma ordem social segundo a justiça, isto é, de harmonia com os direitos fundamenteis de cada ser humano, o reconhecimento agudo do carácter social da doença em suas causas e consequências, tivesse repercussões importantíssimas na maneira de interpretar a medicina sem seu conceito, função e exercício, o que, naturalmente, pôs radicalmente em causa a filosofia e a praxe do ensino, médico tradicional. E logo se deu conta da solidariedade íntima entre educação médica pré-graduada, pós-graduada e permanente; carreira médica universitária, hospitalar e de saúde pública; medicina preventiva, curativa, reabilitadora e social; investigação biomédica fundamental e aplicada. O planeamento, execução e revisão contínua destas actividades correlacionadas constitui, em termos modernos, uma política de saúde.

Os primeiros frutos das novas 'ideias brotaram, no que respeita a educação médica, em 1952, nos Estados Unidos da América, na Escola Médica da Case Western Reserve. University, que em Outubro último tive a felicidade de visitar. Daí irradiou, para todo o país e além-fronteiras, um amplo e entusiasta movimento transformador, de tal modo que a educação médica foi constituindo um tema da ordem do dia, discutido em publicações de especialidade e de divulgação, em conferências, seminários, mesas-redondas e congressos locais, regionais, nacionais e internacionais, mass media e relatórios oficiais. Fundaram-se e desenvolveram-se numerosas sociedades dedicadas ao estudo dos problemas da educação médica, e em muitas escolas médicas criou-se um departamento autónomo com o mesmo fim. Na Europa os reformas foram surgindo, umas mais inovadoras, mais flexíveis e mais profundas que outras, embora todas orientadas pelos mesmos princípios fundamentais: Suécia, 1959 e 1969; Turquia, 1968; França, 1966 e 1969; Dinamarca, 1967; Espanha e Holanda, 1968; República Federal da Alemanha e República Democrática Alemã, 1969. Na Grã-Bretanha, cada uma das novas escolas médicas criadas no decurso da última década tornou-se um centro experimental de educação médica.

A medicina como ciência, profissão e função social - participa da rápida evolução que caracteriza todos os aspectos da sociedade hodierna. Por isso, e em ordem à reforma da educação médica, não só é impossível aceitar modelos destinados, por imposição autoritária, a longa sobrevivência, como nem é legítimo defender, mesmo com caracter provisório, um modelo único. Diversidade - compatível com uniformidade em pontos gerais que certos condicionalismos poderão impor - e carácter ensaístico e, portanto, flexibilidade na concepção que permita as adaptações requeridas por uma actividade crítica permanente são exigências de uma educação médica válida para a sociedade moderna.

III) A REFORMA DA EDUCAÇÃO MÉDICA EM PORTUGAL:

1. Urgência da reforma. - Em Portugal, no- classe médica, no corpo docente das Faculdades de Medicina e também nos seus estudantes, há a convicção generalizada de que se impõe com urgência uma reforma da educação médica. Forem, ao averiguar-se o parecer de cada um sobre o sentido e alcance que deverá ter essa reforma e as medidas concretas que a realizem, observa-se grande diversidade de opiniões.

Essas diferentes atitudes. podem classificar-se em dois grandes grupos, conforme o ponto de vista de que, explícita ou implicitamente, são manifestação: um, de perspectiva tecnocrática, propõe medidas meramente técnicas e predominantemente referidas ao curso geral de Medicina; o outro, situado numa fundamentação antropológica, considera que "a reforma da educação médica, que urge promover em Portugal, antes de ser uma prática, tem de ser uma política, e antes de ser uma política, tem de ser uma filosofia, um entendimento do homem e da sociedade e das suas relações recíprocas". E neste segundo grupo que me incluo, como facilmente se deduz dos princípios que enunciei e perfilhei ao tratar, genérica e sumariamente, da saúde e da educação médica.

6 "Numerus clasus nas Faculdades de Medicina" - J. Pinto Machado. in O Médico, 61, 432. 1971.

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O grande erro de uma reforma exclusivamente tecnocrática da educação médica é consagrar e reforçar a sua alienação, isto é, considerar n preparação científico-técnica como um absoluto, sem qualquer referência à personalidade de cada educando e às características da sociedade concreta a cujo serviço, de uma ou de outra forma, se destina. Tal reforma permite, pois, uma trágica transferência, de posições, em que à ciência e tecnologia é reconhecida natureza de sujeito a categoria teleológica.

Ao tratar, há pouco, do objectivo da educação médica, declarei que ela deve habilitar os médicos para a satisfação, nos domínios da sua competência, das necessidades da sociedade real a cujo serviço irão estar ou estão. A este propósito, cito agora o que se diz na Certa Médica Europeia (declaração conjunta dos médicos do Mercado Comum): "O objectivo comum da política sanitária do Estado e da actividade da profissão médica é a protecção da saúde de todos os cidadãos."

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Ora isto aplica não só uma cultura científico, e técnica orientada pelas exigências da colectividade, como ainda competência médico-social e uma consciência formada segundo a justiça -, justiça de que o médico, enquanto médico, deve ser obreiro.

Nestes termos, entende-se que u essência da grave crise da nossa educação médica é ter-se perdido da sua referência fundamental: a sociedade real, a concreta, a que está. Ora a sociedade que está é muito diferente - em sua organização, valores, dinamismos, serviços, necessidades, aspirações - daquela que se foi para não mais voltar e em relação à qual, contudo, a nossa educação médica se mantém orientada. O impacte brutal e a reacção vigorosa consequente que, noutras latitudes e longitudes, os transformações sociais provocaram na educação médica não se verificaram cá, onde ela continua, serena, mantendo-se o que era nas bons velhos tempos.

É tal a celeridade - em progressão geométrica - do desenvolvimento das ciências e técnicas médicas que hoje um estudante de Medicina, mesmo excelente, chegado ao termo do seu curso, apenas 'assimilou parte mínima do património imenso dessas ciências e dessas técnicas. O plano de estudos continua, porém, vaidosamente enciclopédico - 38 disciplinas -, na pretensão estulta de preparar médicos completos e definitivos, pretensão que o diploma final ratifica tio garantir a competência do seu possuidor para todas as actividades médicas, incluindo, naturalmente, as cirúrgicas. E se é verdade que o uso do título de especialista requer uma formação complementar, é verdade também que a prática de qualquer especialidade é legalmente permitida a todo o licenciado em Medicina; a educação pós-graduada fica, assim, facultativa. Quanto à actualização médica, está limitada a esporádicas, restritas, e, em regra, poupou úteis iniciativas. Desligada das realidades sociais, a nossa educação médica está também desinserida das realidades científicas e técnicas.

Já acentuei ser indispensável uma política de saúde bem definida para que haja convergência da educação médica com o tipo de serviços sanitários postos no dispor de toda a população, em ordem à fruição de uma medicina integral. E isto não só porque a preparação dos médicos há-de estar coordenada com essa política, como também porque na sua formação deve incluir-se o conhecimento crítico dos condições em que irá processar-se o seu trabalho profissional. Sem esquecer que, por inerência das suas funções, às instituições de educação médica - muito especialmente em Portugal e agora às Faculdades de Medicina - cabe participar no planeamento, execução, avaliação e correcção das actividades integrantes de uma política de saúde. Ora tal política não tem, pura e simplesmente, existido, o que muito contribui para o assinalado isolamento da educação médica face à realidade social. Finalmente, ela anuncia-se agora, por cartão de visita - o Decreto-Lei n.º 413/71, de 27 de Setembro, a que tenciono referir-me, caso tenha oportunidade de segunda intervenção.

São estes, a meu ver, os aspectos essenciais da profunda desadaptação da nossa educação médica às necessidades do País. E não há reforma que lhe valha se não realizar a ligação da educação médica com a sociedade, a ciência e a política de saúde - três ligações, mas, em verdade, passe a expressão, um só casamento.

Seria agora o momento de referir um sem-número de mazelas, de todos os tamanhos e feitios, que afectam o curso geral de Medicina ministrado nos respectivas Faculdades, que é a única fase da educação médica que de facto está institucionalizada. Esses males são muitos e diversos, e tocam docentes, estudantes e restante pessoal, instalações, apetrechamento, remunerações, investigação científica, tempo de escolaridade, programa de estudos, métodos pedagógicos, produtividade escolar ... Não me deterei n considerá-los agora, não porque os subestime - como, se os sofro na minha carne l -, mas porque, por um lado, indicarei adiante remédios para os ourar, o por outro, porque já testemunhei aqui sobre a matéria ao analisar a situação da Universidade portuguesa 7 no debate do aviso prévio do Sr. Deputado Miller Guerra. O que não posso nem devo silenciar é a relação causa-efeito entre essa situação - consequência da omnipotência do Governo, que, transformando a Universidade em repartição pública docilmente obediente às ordens superiores, a que se recorre a requerer e receber títulos profissionais para ganhar a vida, quase nela apagou a chama criadora e muitos das deficiências da nossa educação médica. Os autênticos universitários - os servidores, não os mercenários - anseiam por que se converta em clarão a aurora de esperança que Marcelo Caetano e Veiga Simão fizeram raiar na Universidade.

No mais alto interesse do País, a reforma da educação médica é, pois, urgente, e esta urgência impõe acções imediatas, corajosas, drásticas, oportunas e eficazes.

2. Amplitude da reforma. - A vastidão e complexidade da medicina nas suas facetas fundamentais de ciência, profissão e serviço público impõem a diversificação da competência dos médicos em grandes vias, cada uma das quais com sucessivas ramificações: medicina preventiva, medicina curativa, medicina reabilitadora, medicina social, educação medida, investigação biomédica. Trata-se de sectores interligados e interpenetrados, o que exige uma formação básica comum a todos os médicos, a preceder especialização ulterior, em, que se associam, num domínio particular do conhecimento, várias das grandes vias indicados. Formação básica polivalente - educação pré-graduada - e especialização - educação pós-graduada - constituem, pois, os duas etapas indispensáveis de uma educação medida que efectivamente habilite para o exercício competente da profissão.

Esta habilitação Dão é, porém, definitiva, já que, dado o ritmo altamente acelerado do progresso científico e técnico em medicina, ela estará obsoleta decorridos dez anos, e ao fim de cada vez menos tempo no futuro. Daqui a necessidade de contínua actualização.

Finalmente, considerando o carácter cada vez mais científico, mais social e mais pluridisciplinar da medicina, é indispensável que os candidatos ao curso médico adqui-

7 Em 14 de Abril de 1970.

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ram uma preparação e formação convenientes no ciclo complementar dos liceus.

A reforma da nossa educação médica tem, portanto, de n. considerar em toda esto amplitude, de perspectivá-la como um todo, um processo único e contínuo que- se desenvolve em etapas sucessivas e coordenadas: pré-universitária, básica, complementar e permanente. Dado que, com as deficiências conhecidas embora, só temos institucionalizadas as duas primeiras fases, pode bem dizer-se que, mais do que reforma, do que se carece é de uma edificação.

Sendo o curso complementar do ensino secundário exclusivamente destinado a preparar os alunos que o frequentam para as exigências do ensino superior, é incompreensível que s Universidade seja posta à margem da sua organização e do seu funcionamento. Consequentemente, a reforma da educação médica - aqui, como mós outros pontos, integrada na reforma geral do sistema escolar- deve corrigir esta anomalia, em grande parte responsável peio facto de aquele curso não servir, na prática, a finalidade que teoricamente o justifica.

Deixando, mais para diante, a consideração do curso básico de medicine, passo a referir-me à educação pós-graduada e & educação permanente.

Sendo nos cursos pós-graduados que se completa a formação - não que se aperfeiçoa - obtida no curso básico e se adquire competência para o exercício da profissão, é evidente que a frequência, com aproveitamento, de tais cursos deve ser obrigatória para que se obtenha a licença para aquele exercício livre e responsável. Os alamos destes cursos soo já médicos, visto serem detentores de uma educação que lhes formou cientificamente o espírito e os dotou de uma cultura médica fundamental que lhes permite, sob orientação e supervisão competentes e rigorosas, irem assumindo responsabilidades progressivas na execução de actos médicos, até estarem aptos a actuação totalmente autónoma. Do que fica dito se deduz que, durante a sua educação pós-graduada, os médicos têm de trabalhar em regime de tempo exclusivo, o que supõe uma remuneração justa, tonto mais que o seu trabalho é absolutamente indispensável à realização dos serviços que a instituição onde se exercitam presta à comunidade.

Mas a educação pós-graduada não se limito à prática médica, pois inclui necessariamente muitas outras actividades formativas, como a frequência de cursos avançados, a intervenção em mesas-redondas e seminários, a realização de projectos de investigação aplicada e fundamental, a própria participação na função docente. E todo este conjunto diversificado é organizado em programa global que, no seu conteúdo e escalonamento, o jovem módico conhece logo no início da nova etapa da sua formação e de cuja realização, hora a hora, vai sendo, com antecedência, notificado. Trata-se, pois, de uma educação institucionalizada de alto nível, rigorosa e minuciosamente organizada. Exige, pois, condições humanas, materiais e administrativas para ser levantada a cabo com seriedade.

Há que reconhecer, com coragem, que não temos, e estamos longe de ter, as condições mínimas - aliás internacionalmente definidas - pana promover a educação pós-graduada dos médicos. Os actuais internatos, na sua concepção, organização e funcionamento, nada têm que ver com ela, pois não se distinguem essencialmente dos estágios tradicionais, totalmente entregues ao improviso e ao humor dos chefes. Uma das mais urgentes e ingentes tarefas a que há que lançar as mãos é esta da criação da educação médica pós-graduada, o que exige que os nossos hospitais se transformem efectivamente em hospitais como o mundo de hoje os entende.

No que concerne a educação médica permanente, a sua realização estará muito facilitada quando cada estabelecimento de serviços médicos for, como deve, um centro de irradiação cultural. Eis aqui unta razão de ordem prática por si só bastante para reprovar o critério da mediocridade, justificado por falta de recursos. As políticas de mediocridade são sempre profundamente antieconómicas, porque de rendibilidade insignificante; e não raro os seus efeitos directos ou colaterais são tão desastrosos que até se pode falar de uma rendibilidade voltada do avesso.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E bom qua, antes que seja tarde, acordemos para este problema da educação médica permanente. Hoje, como nunca, e no futuro sempre mais, a medicina é serviço da vida ou da monte, segundo se utilizam, os seus recursos bem e a tempo ou então tarde e ou mal. Como são extraordinários e contínuos os progressos no domínio da terapêutica - citando agora apenas estes - graças às descobertas e Sínteses de produtos de efeitos biológicos cada vez mais potentes - logo, com efeitos nocivos potenciais ou reais importantes -, um médico' desactualizado pode prejudicar seriamente um doente ou até matá-lo (ou deixá-lo morrer ...) por abstenção ou intervenção.

Trata-se de um aspecto tão grave que toda a indiferença é criminosa. Em alguns estados dos Estados Unidos da América a autorização para a prática da medicina é concedida a prazo, e a sua renovação depende de o médico comprovar a sua actualização. Outros estados manifestam A intenção de adoptar medidas idênticas. Deve salientar-se que estos iniciativas partem das associações médicas. No importante relatório sobre educação médica elaborado pela Comissão Carnegie para a Educação Superior e publicado em Outubro de 1970, recomendo-se que em todos os Estados Unidos da América se institua a averiguação periódica obrigatória dos conhecimentos dos médicos. Na U. B. S. S. os cursos de reciclagem são obrigatórios para todos os médicos: de três em três anos para os médicos de zonas rurais e de cinco em educo anos para os de áreas urbanas. E na Semana Europeia para a Formação do Médico, realizada em San Remo, na Itália, em 1971, uma das conclusões foi a de ser necessário institucionalizar a educação médica permanente e impô-la por lei.

O Sr. Ricardo Horta: - Muito bem!

O Orador: - Não tenho preconceitos contara as comissões. As comissões são úteis ou inúteis, conforme as qualidades das pessoas que as compõem e as reais intenções de quem as nomeia. No Reino Unido, s evolução da educação médica tem sido orientada pelas recomendações de comissões, a última das quais presidida por Lord Todd, publicou em 1968 o documento moderno mais importante sobre educação médica, no qual se trata desenvolvidamente o problema dia educação pós-graduada. E a revolução que transformou a viciosa educação médica norte-americana numa dos melhores, se não a melhor, do Mundo, foi operada pelo relatório publicado em 1910 e da autoria de um só homem: A. Flexner. Portanto, os pareceres, as comissões, são úteis desde que se saiba escolher os seus membros e se queira agir. Por isso sugiro a constituição de uma comissão nacional de educação médica, com representação dos Ministérios da Educação Nacional, da Saúde e Assistência e das Corporações e Previdência Social, da Ordem dos Médicos e das sociedades científicas médicas. Esta comissão teria carácter permanente e competir-lhe-ia, por sua iniciativa ou quando solicitada, pronunciar-se sobre

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problemas da educação médica. Poder-se-iam constituir secções: educação básica, pós-graduada e permanente.

3. Reforma na liberdade responsável. - Declarei anteriormente que, dadas as contínuas transformações que sofre a sociedade hodierna e de que participa a medicina, não é racional a imposição autoritária de modelos rígidos, e muito menos de modelo único, para a educação médica.

Creio que não cabe na cabeça de ninguém que deverá ser igual, no programa e no conteúdo, o curso médico nas Faculdades da metrópole, em Luanda e em Lourenço Marques.

A reforma, para verdadeiramente o ser, deverá ser entendida como processo intensamente dinâmico, cuja aceleração será directamente proporcional ao grau de participação efectiva de todos os intervenientes.

Está, portanto, fora de causa uma regulamentação miúda, anquilosante, decidida por via burocrática. Só a malha muito larga, tecida por algumas bases e normas gerais, permitirá - desde que não faltem os meios nem as pessoas - desenvolver a actividade crítica, estimular a capacidade criadora e fortalecer o empenho na aplicação prática de uma e de outra. Esta liberdade, naturalmente ligada à máxima responsabilidade perante a Nação, cujos interesses compete ao Estado defender, constitui, pois, a "calma" da reforma.

4. Reforma das Faculdades de Medicina existentes. - As Faculdades de Medicina não são monumentos de pedra erguidos em homenagem à ciência nem templos herméticos, onde sacerdotes lhes prestam misterioso culto. Também não são corpos estranhos à sociedade, e muito menos parasitas que vivem à custa dela, para seu exclusivo proveito. Não são ainda escolas técnicas profissionais ou fábricas da nova aristocracia dos "Drs". As Faculdades de Medicina são organismos de intensa vitalidade, com eminente e múltimoda função social: ministração da educação médica básica, pós-graduada e permanente e de educação paramédica; prestação à comunidade de serviços de medicina integral - preventiva, curativa, reabilitadora e social e de educação sanitária; apoio científico e técnico aos estabelecimentos de saúde e aos médicos de clínica privada; participação no planeamento, execução, avaliação e correcção da política de saúde.

Estas diversas actividades mantêm entoe si estreita ligação e estimulam-se mutuamente. For outro lado, integradas na Universidade, as Faculdades de Medicina mantêm com as outras instituições universitárias diálogo e convívio, visto que a amplitude das funções que exercem obrigam-nas a abrir-se a ramos do saber que até há pouco lhes eram estranhos.

Isto são - ou devem ser - as Faculdades de Medicina em 1972. Se as nossas mão são o que devem ser, é primariamente porque foram privadas de condições essenciais para serem os centros de saúde universitários, que é a sua vocação.

Às Faculdades de Medicina há que reconhecer a autonomia de que, por natureza, têm direito e garantir uma forma participada da sua gestão. Devem sofrer modificações profundas os regimes de recrutamento, promoção, trabalho e remuneração do pessoal docente, bem como o currículo do curso médico e os métodos pedagógicos. O tempo de escolaridade anual deve ser consideravelmente alargado e a admissão de novos alunos limitada. A investigação científica bem de ser fomentada de modo a constituir-se em actividade habitual e a organização dos serviços deve orientar-se por critérios de integração.

Porque muitos destes pontos foram tratados por mim e por outros Srs. Deputados no já referido aviso prévio do Sr. Deputado Miller Guerra, e porque o documento

"Linhas gerais da reforma do ensino superior", apresentado pelo Ministério da Educação Nacional ao Pais, se refere a quase toda esta problemática numa perspectiva que, se não necessariamente na letra, pelo menos no espírito coincide, no essencial, com os meus pontos de vista, quase me quedarei naquele enunciado de modificações a alcançar. Apenas alguns aspectos me irão merecer breves considerações.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado: V. Ex.ª atingiu os quarenta e cinco minutos regimentais e como ouvi, logo no princípio da sua dissertação, o pedido para ir até à uma hora, defiro-o, concedendo a prorrogação de tempo regimental.

O Orador: - A autonomia administrativa, financeira, pedagógica e científica da Universidade é reconhecida no citado documento ministerial. Evidentemente que, tratando-se de instituições públicas, custeadas pela Nação, que lhes cometeu funções ligadas aos seus mais altos interesses, tal autonomia não pode ser absoluta, já que tem, por imperativo constitucional, de estar submetida à fiscalização do Estado, superior velador desses interesses. Naturalmente que está na ordem dos interesses da sociedade que as instituições universitárias - no caso em discussão, as Faculdades de Medicina - gozem de larga autonomia, sem a qual as suas múltiplas funções terão o seu exercício fortemente prejudicado.

A autonomia conduz-me ao problema da gestão. Neste aspecto, parece-me que a proposta do (Ministério da Educação Nacional mantém, ou possibilita que se mantenha, tudo na mesma, com mera alteração de terminologia. Ora, tem de ficar claro que autonomia pressupõe (participação de todos, pois uma gestão oligoparticipada pode ser autonomia de um grupo ou classe, mas não de uma comunidade.

Quanto ao recrutamento dos assistentes eventuais, entendo que deverá ser feito por concurso de tipo documental, com entrevista pessoal, sendo dado conhecimento público dos seus resultados. A promoção na carreira docente há que sei meritocrática, e não burocrática, condicionada a vagas, e as condições de trabalho devem permitir que cada docente se realize integralmente de acordo com as suas capacidades e possa valorizar-se permanentemente, de modo a prestar serviços cada vez mais qualificados. Urge que se tomem, corajosamente, as medidas que permitam, com justiça, impor o regime de tempo completo e, sobretudo, exclusivo. Sobre esta questão fiz já longo e demonstrativo depoimento mesta Assembleia, pelo que me dispenso de me repetir. Apenas cito as seguintes palavras do Prof. Ernesto Morais, da Faculdade de Medicina do Porto, pronunciadas na oração inaugural dos trabalhos escolares da Universidade, em Outubro de 1958:

Quanto mais um professor se valoriza em actividades extra-universitárias mais a sua docência se inferioriza, pois ser professor não é só ser sabedor ou competente, é bambam, e principalmente, ensinar e ensinar vivendo a preocupação da ciência, sentindo as necessidades dos alunos, promovendo a inquietação dos discípulos.

Pelo seu carácter especializado e técnico, não falarei das modificações que deve sofrer o currículo do curso médico gerai, nem das inovações que se impõem nos métodos pedagógicos, nem do tempo de escolaridade anual que é mister ser aumentado à custa de importante redução

2 Sessão de 22 de Janeiro de 1970.

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do período exclusivamente dedicado a exames, tornada possível pela adopção de uma avaliação contínua do aproveitamento de cada estudante.

Pela sua importância - até política -, não posso deixar de me deter no famoso problema do numeres clausus.

As Faculdades de Medicina de Lisboa, Porto e Coimbra têm uma população escolar que de muito largo excede as suas possibilidades de medicamente as educarem, mesmo elevando ao máximo tais possibilidades e reduzindo ao mínimo razoável os requisitos dessa educação (quadro I).

QUADRO I
[... ver tabela na imagem]

Não (falando já no que isto representa de atentado i dignidade de docentes e estudantes e das próprias instituições, deve sei declarado aqui e agora, com toda a firmeza, que esta a ser atingida a própria segurança da Nação ao permitir-se a persistência, que ano após ano se agrava, de tal situação. Nestas condições, a melhor reforma do curso geral de Medicina é inaplicável e, portanto, inútil.

A limitação do número de alunos a dimensão pedagógica de cada Faculdade é, pois, condição prévia da exequibilidade de uma reforma. Antes do mais, diga-se que, ao defender inabalavelmente esta proposição, não estou desacompanhado: o numerus clausus vigora nas escolas médicas dos Estados Unidos da América (admitidos 5 a 50 por cento dos candidatos), no Brasil (em 1969, apenas foram admitidos 16 por cento dos candidatos), na República Federal da Alemanha, na Checoslováquia, na Suécia (admitidos 30 a 50 por cento, dos candidatos), na Grã-Bretanha, nos Faculdades de Medicina Autonomias de Espanha, na U. R. S. S. (admitidos 20 por cento doa candidatos), etc., etc. Países há, como a França, que instituem o numerus clausus no fim do 1.º ciclo do curso. E note-se que todas estas nações reconhecem-se carentes em médicos.

Esta limitação implica, necessariamente, uma selecção. A este respeito há duas correntes em Portugal, como no estrangeiro. Uma, minoritária, advoga-a ao fim do primeiro amo do curso ou no 4161000 do seu ciclo pré-clínico. Digo desde já que considero inaceitável este critério, se pressupõe que na totalidade ou em parte da Case inicial do curso médico podem ser admitidos alunos em número que exceda a possibilidade real de receberem a educação a que todos têm direito. Aliás, estes primeiros anos, em que se lançam e estruturam os sólidos alicerces da formação científica, não podem ser considerados mero jogo de rateio. E de que maneira se realizaria tal rateio? Pela atenção frequente a cada aluno, impossível, dado o seu excessivo número? Ou - como se chegou a fazer em França, na reforma de 1966 - sobrecarregando deliberadamente o programa, o que valorizaria, como factores de êxito, as capacidades de resistência e memorização?

Noutra perspectiva, bem de atender-se ao dever elementar de deontologia, que é ode qualquer estabelecimento educativo procurar, por todos os meios, o aproveitamento final de iodos os alunos que admite, sendo portando insustentável, do ponto de vista ético, que acolha um número superior ao que de antemão sabe poder educar. Penso que só seria legítima uma selecção no fim do 1.º ciclo do curso médico partindo do princípio que, nesse período, a população estudantil era proporcional à dimensão pedagógica dos serviços laboratoriais -, se a conclusão deste eido desse acesso a outros cursos ou, mediante uma formação complementar, permitisse alcançar um grau académico com aplicação profissional. Outra corrente defende a selecção no momento da admissão às Faculdades, como sucede na grande maioria das escolas médicas com numerus clausus. É também a minha opinião.

As deficiências inerentes a tal selecção - como a qualquer selecção - têm de ser reduzidas ao mínimo pela adopção dos critérios que o pedagogia tiver como melhores. A este respeito anota-se a utilidade de um aconselhamento vocacional no curso complementar do ensino secundário.

Antes de passar adiante, quero chamar a atenção para o facto de, no caso particularíssimo do curso médico, a avaliação da dimensão pedagógica das Faculdades não poder referir-se apenas as instalações e ao número de docentes, mas tem de considerai- ainda a população de doentes nos serviços hospitalares universitários. Segundo a Organização Mundial de Saúde, não deve descer-se abaixo da relação l aluno para. 5 camas. Considerando que, no regime actual, ao ciclo clínico do curso correspondem três anos, e tendo o Hospital Escolar de Santa Maria, de Lisboa, 1 200 camas e o Hospital Escolar de S. João, do Porto, 1 000, na Faculdade de Medicina de Lisboa não deveria haver mais de 80 alunos, em média, em cada um dos três últimos anos do curso, número que seria de apenas 67 na do Porto. Ora, ao ano lectivo de 1969-1970 inscreveram-se, pela primeiro, vez, ao 1.º ano, nestas Faculdades, 738 e 364 alunos, respectivamente.

Porque falei nos hospitais escolares, não posso deixar de lamentar a situação dualista e ambígua em que se mantêm desde a sua entrada em funções. Dualidade expressa na coexistência de duas carreiras médicas: a docente - que por sinal não é do quadro -, dependente do Ministério da Educação Nacional, e a hospitalar - que é a que, burocraticamente, está em sua casa -, dependente do Ministério da Saúde e Assistência. Ambiguidade porque, enquanto escolares, estes hospitais têm, como é evidente, particularismos específicos de muito diversa ordem em relação com o ensino e a investigação, mas é-lhes atribuída também uma função assistência exactamente nos mesmos termos que aos hospitais centrais não escolares. Ao determinar que o director dos hospitais escolares, que presidirá ao respectivo conselho de direcção, seja nomeado pelo Ministro da Saúde e Assistência, ouvido o Ministro da Educação Nacional, sob proposta do conselho escolar da respectiva Faculdade de Medicina, o Decreto-Lei n.º 270/70, de 15 de Junho, deu o primeiro passo numa direcção que há que prosseguir até às últimas consequências.

Quanto à necessidade de fomentar a investigação científica mas Faculdades de Medicina, recordo, na linha deste

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intervenção, a sua importância como meio de os alunos formarem um espírito científico e como exigência de formação de docentes verdadeiramente universitários. A este respeito oito o Prof. Marcelo Caetano, que diz que é com a investigação que ca Universidade adquire mestres, não só professores. É com essa investigação que um país forma gerações capazes de actividades criadoras, e não limitadas à contemplação admirativa ou, quando muito, à atenção imitativas.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - 5. Criação de novos centros de educação médica. - O problema atras levantado do numerus clausus nas três Faculdades de Medicina da metrópole sugere imediatamente a pergunta: temos alunos de Medicina a mais ou Faculdades a menos? Dito de outro modo: quais são as necessidades do País em médicos?

Não tenho notícia de estudos recentes sobre os médicos de que necessitamos. No Relatório sobre as Carreiras Médicas, publicado pela Ordem dos Médicos em 1961, demonstra-se que à data as carências eram enormes. Creio que de então para cá a situação não melhorou, pois o aumento do consumo médico, devido em grande parte ao alargamento dos serviços médicos da Previdência e à criação da Assistência na Doença aos Servidores Civis do Estado (A. D. S. E.), não me parece ter sido acompanhado de acréscimo proporcional de novos licenciados. Os números referentes a óbitos sem certificação médica ocorridos em diversos concelhos do continente em 1969 (quadro II) reforçam essa convicção.

QUADRO II

Óbitos sem certificação médica ocorridos em alguns concelhos, do continente, em 1969 (a)

QUADRO III
Óbitos sem certificação médica em alguns concelhos, do continente, em 1969 (a)
[... ver tabela na imagem]

(a) Estatísticas da saúde (continente e ilhas), 1969. Instituto Nacional do Estatística.

Em 1970 havia no continente e ilhas adjacentes, paca uma população de 8 668 267 habitantes, 8299 médicos, o que corresponde a uma proporção de l médico para 1044 habitantes, ou de 96 para 100 000. A distribuição geográfica destes médicos era muitíssimo heterogénea (quadro III).

Repartição dos médicos por distritos (a)
[... ver tabela na imagem]

(a) Segundo os resultados preliminares do recenseamento de 1970.

Se com a Organização Mundial de Saúde considerarmos como proporção aceitável a de l médico por 1 000 habitantes, verificamos que no continente e ilhas adjacentes só os distritos de Lisboa. Coimbra e Porto a tinham francamente mais favorável inferior que na quase totalidade dos restantes, a proporção era duas a três vezes pior l Note-se que dos 8299 médicos existentes em 1970, 4 679 (56 por cento) residiam nas cidades de Lisboa, Porto e Coimbra, cabendo a Lisboa e Porto 4 197 (51 por cento), não parecendo, apesar de tal carência, que em qualquer destas três cidades haja médicos sem trabalho. Para todo o restante território do continente e ilhas fica l médico para 2 238 habitantes!

Como tínhamos em 1960 -sempre no continente e ilhas - 7 075 médicos e em 1970 8299, o acréscimo no decénio foi de 1 224, a que corresponde a modesta média amuai de 122,41.

A conclusão que se tira destes elementos estatísticos á que, mesmo sem incluir o ultramar, o País está despovoado de médicos, o que compromete gravemente o êxito, pelo menos a curto prazo, de uma política de saúde ao serviço de toda a população.

A mesma conclusão se infere de estatísticas que colhi de diversas fontes sobre a densidade médica em países europeus (quadro IV).

QUADRO IV
[... ver tabela na imagem]

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Países
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Uma outra pista para reconhecer-se a nossa carência em médicos é dada por um estudo da O. G. D. E de 1966, em que se indica, em diferentes países, a percentagem de médicos na população activa, no qual se verifica a baixa posição que nos cabe (quadro V).

QUADRO V

Percentagem de médicos na população activa (a)

Estados Unidos da América 0,51
Jugoslávia 0,44
Canadá 0,43
Noruega 0,43
Grécia 0,40
Suécia 0,36
França 0,36
Holanda 0,36
Grã-Bretanha 0,33
Japão 0,29
Portugal 0,20

(a) Reearaos Humanos em Portugal (síntese de Informação estatística). Mário Murteira, Isilda Branquinho, A. do Matos e Acácio F. Catarino. Edição do Fundo de Desenvolvimento da Mão-de-Obra, Lisboa, 1969.

E a Câmara Corporativa, no seu parecer n.º 9/IX sobre o projecto do III Plano de Fomento, para 1968-1978 - continente e ilhas, de que foi relator o Prof. J. R. Almeida Garrett -, reconheceu, em relação aos recursos em médicos, "a necessidade urgente de aumentar o números destes profissionais".

Diversos factores se conjugam, para aumentar, progressiva e aceleradamente, o consumo médico: aumento da população (não podemos contar com a hemorragia da emigração como fenómeno permanente), aumento do número de pessoas de idade (expansão do seguro-doença, política de saúde a procurar atingir toda a população, melhor educação sanitária, consciência do direito à saúde, desejo de bem-estar, aumento do número de acidentes (de estrada, domésticos, profissionais, desportivos, etc.), aumento do número de casos de inadaptação à civilização urbana, aumento da frequência das doenças crónicas, aumento do número de actos de diagnóstico e tratamento por doente, crescente especialização dos médicos com diminuição progressiva da percentagem de clínicos gerais, ocupação cada vez mais frequente dos médicos em novos tipos de acção médica (investigação, higiene escolar, medicina do trabalho, etc.), tendência para a substituição da clínica livre pela prestação de serviços em organizações públicas ou privadas, com consequente redução do número de horas de trabalho por dia e benefício de reforma, etc. Em França, por exemplo, o número médio de visitas e consultas médicas aos beneficiários do seguro social passou de 2,50 em 1960 para 8,22 em 1970 10.

Verifica-se, pois, que a produtividade das nossas Faculdades, isto é, o número de novos licenciados que por ano diplomam não chega, de longe, para as necessidades. E o que é curioso é que esta produtividade, medida não em termos absolutos, mas em termos de rendimento (pela relação enfare as admissões e as conclusões), é baixíssima. Por exemplo, em 1970 concluíram o curso na Faculdade de Medicina do Porto apenas setenta e cinco estudantes. Ora esta autêntica mortandade resulta precisamente, em grande parte, de a maioria dos alunos dado o seu excessivo número - não poderem ser assumidos pela instituição, ficando entregues a si próprios.

De tudo isto concluo ser indispensável tomar a decisão imediata de criar covas Faculdades de Medicina. Alias, se relacionarmos o número de Faculdades de Medicina com o número de habitantes, verificamos que, no contexto internacional, a nossa posição e modesta (quadro VI).

10 "La sélection des étudiante en médfecine", R. Pressat. Le Conconrs Medical, 93, 6381, 1971.

QUADRO VI
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Há que acentuar que, apesar de as estatísticas, quanto aos recursos em médicos e escolas médicas, serem, na grande maioria idos países europeus, muito mais favoráveis que as nossas, tais países consideram-se em estado de carência, paio que definem políticas tendentes a aumentar significativamente tais recursos. Por exemplo: a Suécia propõe-se atingir a taxa de 180-200 médicos por 100 000 habitantes, em 1980; a Franca, 230:100 000 em 1985, e a Espanha avalia em 2 000 o número anual de novos médicos necessários para os objectivos marcados para 1975. Note-se que, neste país, só em 1968 foram criadas 6 Faculdades de Medicina. O Reino Unido, com 17 escolas médicas em 1968, tem agora 25.

Fica aqui perfeitamente demonstrado, creio eu, que o Paia, considerando mesmo apenas o continente e ilhas adjacentes, se encontra despovoado de médicos, pois, se excluirmos as cidades do Porto, Lisboa e Coimbra, a relação número de médicos-população é Aras vezes pior do que aquele mínimo que nos índices da Organização Mundial de Saúde se considera razoável. E se atendermos a que o consumo médico, por diversas razoes, tende progressivamente a aumentar, por aumento da população, por aumento do número de pessoas de idade, por aumento da frequência das doenças crónicas, por aumento das doenças da civilização urbana, pela diversificação progressiva dos serviços médicos, porque os médicos se vão cada vez mais "funcionarizando" e passam a trabalhar menos horas por dia e a ter direito a usufruir da reforma - esta escassez extraordinária de médicos que sofremos virá a agravar-se muito mais no futuro. Se anotarmos que no último decénio s média anual de novos licenciados foi apenas de 123, chega-se perfeitamente à conclusão que a produtividade das nossas Faculdades de Medicina não é satisfatória para as necessidades do Pais.

Produtividade baixa em valor absoluto, mas baixíssima em rendimento, isto é, comparando o número de alunos que entram e o número de médicos que saem. As perdas são superiores a 50 por cento, quando nos índices internacionais se consideram como "normais" perdas até 8 por cento.

Se referirmos o número de Faculdades para o número de habitantes, verificamos que a relação em Portugal, e apenas considerando o continente e ilhas, é de l Faculdade de Medicina para 2,9 milhões de habitantes, o que é o índice muito pior que em qualquer outro país europeu. Creio, portanto, que a única forma de conciliar a necessidade imperiosa de mais médicos com a necessidade imperiosa e da mais elementar honestidade, que em ceda Faculdade só entrem os alunos em número correspondente Aquele que elas podem educar, é a criação de novas Faculdades de Medicina.

Isto é um problema, para mim, tão essencial, mesmo em ordem à reforma do ensino médico, que, se o Sr. Presidente mo permitir e se houver oportunidade, eu tratarei em segunda intervenção.

Vou terminar. Ficaram expostas, segundo o meu pensamento, as grandes linhas de uma política da educação médica em Portugal, mas eu não poderia terminar sem declarar que elas não resultariam se essa educação não fosse eminentemente educativa, isto é, se não formasse efectivamente cada um dos seus sujeito" no sentido da sua disposição total para o serviço da comunidade em que se vão integrar. E como esta formação não se prega com palavras, mas aprende-se, assimila-se pelo exemplo, eu espero que o corpo docente das Faculdades de. Medicina portuguesas esteja realmente à altura deste momento decisivo que a educação médica portuguesa atravessa.

E termino, fazendo um voto: o de que nunca aconteça a ninguém, nem a mim me volte a acontecer, o que não há muito me sucedeu, num dia 2 de Novembro de certo ano, ao entrar num cemitério onde tenho alguns filhos. Ao ver muitas daquelas campas, eu pensei em quantos que ali estavam teriam morrido por falta de uma assistência médica, quantos daqueles que estavam ali mortos poderiam estar vivos. O meu voto, pois, é que esta pergunta nunca mais se possa fazer com real fundamento.

Muito obrigado.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Miller Guerra: - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que pede V. Ex.ª a palavra?

O Sr. Miller Guerra: - Pela importância e actualidade do aviso prévio que acaba de ser apresentado pelo Sr. Deputado Pinto Machado, roqueiro a V. Ex.ª a generalização do debate.

O Sr. Presidente: - Concedo a generalização do debate.

O Sr. Miller Guerra: - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Miller Guerra, para generalização do debate.

O Sr. Miller Guerra: - O aviso prévio que acaba de ser apresentado à Assembleia retraia o estado do ensino da Medicina no nosso país, diagnostica-lhe os males e propõe soluções.

De tantos estudos sobre o assunto, feitos por pessoas autorizadas, o do Deputado Pinto Machado é dos mais completos e penetrantes. Direi que chega no momento preciso, no instante em que o desenrolai: dos acontecimentos atinge o ponto crítico.

Durante muitos anos, apesar das repetidas exposições, apelos e clamores das Faculdades, oriundos do corpo docente ou discente, o ensino na sua concepção, métodos e particularidades conservou-se de harmonia com os cânones tradicionais, desactualizados.

As estruturas pedagógicas, herdadas de um passado remoto, continuaram, e continuam, dominando a formação dos novos médicos e cingindo as Faculdades num espartilho asfixiante.

O curso médico reflecte, como não pode deixar de ser, a educação universitária que reina entre nós. Por um lado, funda-se na aula magistral e nas relações de carácter paternalístico entre o professor e o aluno; por outro, numa organização fortemente hierárquica, centralizada, autoritária.

Aqui se radica o sistema, e daqui derivam os seus defeitos maiores. Construído numa época em que as ciências médicas, a profissão e a sociedade, eram bem diferentes do que são hoje, não se modificou, salvo num ou noutro ponto que não lhe afecta o espírito nem a estrutura. E a desarmonia entre a cadência evolutiva das ciências e da vida social e a inércia do sistema escolar a causa importante do mal-estar e do tremendo atraso.

Bem sabemos que as instituições universitárias são normalmente conservadoras e -tantas vezes! - reaccionárias. Longe de serem, como em regra se crê, instrumento ou acicate das transformações sociais e intelectuais, pelo contrário, opõem-se ao movimento, especialmente nas épocas de mudanças activas como a nossa.

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Em nenhum outro campo a educação, manifesta o seu poder, de controle social como no da Universidade, o mesmo Á dizer que esta pende mais a travar o progresso do que a apressá-lo.

O Sr. Axila de Azevedo: - Muito bem!

O Orador: - Mas a vida exerce sobre ã Universidade pressões cada vez maiores. As razões disso são conhecidas, mas também se conhecem os modos de as neutralizar ou, pelo menos, de lhes impedir o efeito dinamizador. Tem-se logrado, com prejuízo para a cultura, conter o ímpeto das aspirações e forças reformadoras. Os órgãos de governo da Universidade formam um grupo de pressão muito influente nas decisões e iniciativas das instâncias superiores dá Administração. É verdade haver docentes com alma de reformador, mas podem pouco perante a dinâmica- do processo geral. Muitos tornam-se a breve trecho dissidentes ou desiludidos, refugiando-se na sua cátedra ou no serviço hospitalar.

Os mecanismos de defesa de que o sistema universitário dispõe e utiliza paralisam ou retardam as tentativas de reforma profunda e imediata. Só quando as disfunções atingem gravidade excepcional, ameaçando a vida da própria organização, é que a rigidez cede, aceitando-se a mudança e os seus riscos. Até lá, só um poder externo forte, pertinaz e bem dirigido, com o concurso da energia da gente moça, vencerá as resistências conservadoras. Mas isso é improvável. .

A crise das Faculdades de Medicina provém decerto das mesmas causas da crise da Universidade, possuindo características especificas que influenciam a atitude do Estado perante a premência das 'necessidades, e expectativas que dia a dia aumentem a procura de médicos e dê serviços.

Note-se que, contrariamente ã uma noção comum, a influência do factor económico no consumo médico é menor que a do factor cultural, pois importa mais o grau de conhecimento que a capacidade económica.

Tudo isto se reflecte nas Faculdades e nos hospitais escolares e, por conseguinte, na educação médica.

Não insisto neste ponto já tratado pelo Sr. Deputado avisante, que desenvolveu proficientes considerações sobre o currículo dos estudantes.

Passo a um assunto reputado de primacial importância, que é, de certo modo, condição e base de qualquer reforma & valer. Refiro-me às novas Faculdades que é necessário criar sem demora.

O Sr. Ávila de Azevedo: - Muito bem!

O Orador: - Falei de propósito em novas Faculdades para afastar ia ideia de que é possível com ampliações, retoques e emendas transformar as Faculdades existentes em centros da ensino à altura das circunstâncias e das necessidades. Tenho a convicção bem radicada de que a reforma só é profícua instituindo novos Faculdades, obedecendo a três requisitos. O primeiro é serem, logo de principio, completamente independentes das actuais ...

O Sr. Pinto Machado: - Muito bem!

O Orador: - ... não podem constituir prolongamentos nem extensões directas nem indirectas.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Designadamente a concepção e os planos têm de ser gizados ao abrigo de tutelas e influências do modelo antigo.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Em segundo lugar, o corpo docente deve ser formado por pessoas no vias, no duplo sentido: novas nas ideias e ma idade. Não basta a juventude do espírito (de que banto se fala), é preciso também a dos anos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sem querer menoscabar os predicados e as ideias de alguns indivíduos maduros ou encanecidos, a verdade é que uma Faculdade leva muitos anos a dar os primeiros frutos e o avanço da idade é inexorável.

Em terceiro lugar, a Faculdade não deve ser entendida como um edifício com um corpo docente e discente aí encerrado hermeticamente. O conceito de instituições deste tipo, que é o histórico, já se mostrou incapaz de responder às solicitações do mundo contemporâneo. O ensino dos graduados e pós-graduados cabe a todos os serviços hospitalares gerais e especiais e aos departamentos da saúde pública, em condições de o ministrar, mediante contrato com a Universidade.

endo assim, devem aproveitar-se os meios consideráveis dê ensino e aprendizagem dos hospitais não universitários, onde existem médicos de elevada categoria profissional que assumiriam de bom grado funções pedagógicas.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

Orador: - Insisto nestes pontos, porque me parecem a condição sine qua non da reforma.

Deve esperar-se pouco da mudança da mentalidade de quem nasceu, viveu e, às vezes, entrou em declínio, à sombra de ideias e conceitos diferentes dos actuais e, principalmente, dos que nos traz o futuro. As acções reformatrizes resultam muito menos da adaptação do que da iniciativa de novos agentes humanos.

A nova Faculdade requer outras pessoas, com noções, ideais, entusiasmo e capacidade para romperem com o passado, dando forma e orientação novas à educação e à cultura médica e universitária.

Permita-me, Sr. Presidente, que retome a ideia aqui desenvolvida quando há perto de dois anos tive a honra de apresentar o diviso prévio sobre "As Universidades tradicionais e a sociedade moderna".

Defendi então a mesma ideia de hoje, que o tempo decorrido vincou mais no meu espírito: sas Universidades não se auto-reformam".

É preciso fundar Faculdades independentes das antigas, para lograrmos ainda ver nos nossos dias a Universidade moderna e - esperemo-lo - uma sociedade também moderna.

Vozes: - Muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: Vou encerrar a sessão. Peço a atenção dos Srs. Deputados que são membros da Comissão de Economia, e que estavam convocados para as 18 horas e 30 minutos, hora a que se presumia que acabasse esta sessão, para o facto de que o encerramento mais cedo da sessão do plenário permita iniciar também mais cedo os trabalhos da Comissão e, portanto, sou solicitado a rogar A sua comparência imediata na respectiva sala.

Amanhã haverá sessão à hora regimental, tendo como ordem do dia a continuação do debate do aviso prévio sobre educação médica. Está encerrada a sessão.

ram 17 horas e 30 minutos.

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Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Álvaro Filipe Barreto de Lara.
António Júlio dos Santos Almeida.
Deodato Chaves de Magalhães Sousa.
Francisco António da Silva.
Francisco de Nápoles Ferraz de Almeida e Sousa.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Henrique Veiga de Macedo.
João Paulo Dupuich Finto Castelo Branco.
João Luiz de Almeida Garrett.
Joaquim Carvalho Macedo Correia.
José Vicente Pizarro Xavier Montalvão Machado.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Manuel Artur Cotta Agostinho Dias.
Miguel Pádua Rodrigues B as toe
Ricardo Horta Júnior.
Rogério Noel Peres Claro.
D. Sinclética Soares dos Santos Torres.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortas.

Srs. Deputados que faltaram á sessão:

Alberto Marciano Gorjão Franco Nogueira.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Amílcar Pereira de Magalhães.
António Fausto Moura Guedes Correia Magalhães Montenegro.
António da Fonseca Leal de Oliveira.
António Pereira de Meireles da Rocha Lacerda.
Camilo António de Almeida Gama Lemos de Mendonça.
Delfino José Rodrigues Ribeiro.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Fernando Artur de Oliveira Baptista da Silva.
Fernando do Nascimento de Malafaia Novais.
Fernando de Si Viana Rebelo.
Francisco Correia das Neves.
Francisco José Pereira Pinto Balsemão.
Francisco Manuel Lumbrales de Sá Carneiro.
Francisco Manuel de Meneses Falcão.
Henrique José Nogueira Rodrigues.
Humberto Cardoso de Carvalho.
João Manuel Alves.
Joaquim Jorge Magalhães Saraiva da Mota.
Jorge Augusto Correia.
José da Costa Oliveira.
José Dias de Araújo Correia.
José Guilherme de Melo e Castro.
José João Gonçalves de Proença.
Luís Maria Teixeira Pinto.
D. Luzia Neves Pernão Pereira Beija.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel Marques da Silva Soares.
Maximiliano Isidoro Pio Fernandes.
Ramiro Ferreira Marques de Queirós.
Rui Pontífice Sousa.
Tomás Duarte da Câmara Oliveira Dias.
Vasco Maria de Pereira Pinto Costa Ramos
Victor Manuel Pires de Aguiar e Silva.

O REDACTOR - Luiz de Avilles.

Nota de rectificação apresentada pelo Sr. Deputado Sá Carneiro:

A p. 3030, na col. 2.ª, 1. 28, onde se lê: "esforço", deve ler-se: "desforço".

Requerimento enviado para a Mesa durante a sessão:

Nos termos regimentais, roqueiro que me seja enviada a seguinte publicação:

A Literatura Portuguesa, de Aubry Bell, edição da Imprensa Nacional.

Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 25 de Janeiro de 1972. - O Deputado, João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.

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IMPRENSA NACIONAL

PREÇO DESTE NÚMERO 6$40

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