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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL E DA CÂMARA CORPORATIVA
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 153
ANO DE 1972 27 DE JANEIRO
ASSEMBLEIA NACIONAL
X LEGISLATURA
SESSÃO N.º 153, EM 26 DE JANEIRO
Presidente: Ex.mo Sr. Carlos Monteiro do Amaral Netto.
Secretários: Ex.mos Srs.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
Amílcar da Gosta Pereira Mesquita.
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 55 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o n.º 151 do Diário das Sessões, com rectificações apresentadas pelos Srs. Deputados Almeida. Cotta, Duarte do Amaral e Cunha Araújo.
Dou-se conto do expediente.
O Sr. Deputado David Laima apresentou dois requerimentos: o primeiro, pedindo listas de funcionários da Angola que, tendo gozado em 1971 licença graciosa na metrópole, ainda não regressaram à província; o segundo, solicitando a indicação dos valores pagos por Angola pela, Lotaria Nacional para U expedida.
O Sr. Deputado Ávila de Azevedo requereu esclarecimentos, já anteriormente pedidos, sobre a aplicação no distrito do Angra ao Heroísmo da medida prevista pelo artigo l.º do Decreto-Lei n.º 47 710, de 16 de Maio de 1967.
O Sr. Deputado Barreto de Lara requereu vários elementos acerca da D. T. A. e D. E. T. A.
O Sr. Deputado Silva Mendes solicitou a restituição a Elvas de algumas obras de arte do Templo dos Frades Dominicanos daquela cidade.
O Sr. Deputado Bento Levy referiu-se ao grave problema das secas de Cabo Verde que afectam a agricultura daquela província o aos novos meios de auxilio às dificuldades da província recentemente concedidos pelo Governo.
O Sr. Deputado Agostinho Cardoso referiu o perigo de poluição que pode advir do pipe-line existente frente à praia de Porto Santo.
O Sr. Deputado Miller Guerra fez considerações a propósito da comunicação do Sr. Ministro da Educação Nacional sobre a reforma do ensino.
O Sr. Deputado Leal de Oliveira falou da repercussão nos meios rurais do Sul da anunciada reforma na distribuição geográfica da Guarda Nacional Republicana.
O Sr. Deputado Alberto de Meireles agradeceu a medida decretada em Conselho de Ministros, relativa a pensões de sangue a viúvas e órfãos, o a criação da secção de Filologia Germânica da Faculdade do Letras da Universidade do Porto, anunciada pelo Sr. Ministro da Educação Nacional.
O Sr. Deputado Augusto Correia congratulou-se com a criação do curto de Engenharia em Coimbra, igualmente anunciada pelo Sr. Ministro da Educação Nacional.
Ordem do dia. - Continuou o debate do avião prévio do Sr. Deputado Pinto Machado acerca da educação médica, tendo usado da palavra os Srs. Deputados D. Maria Raquel Ribeiro o Correia da Cunha.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 17 horas e 25 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 15 horas e 40 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Albano Vaz Pinto Alves.
Alberto Eduardo Nogueira Lobo de Alarcão e Silva.
Alberto Maria Ribeiro de Meireles.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Álvaro Filipe Barreto de Lara.
Amílcar da Costa Ferreira Mesquita.
António Bebiano Correia Henriques Carreira.
António da Fonseca Leal de Oliveira.
António Lopes Quadrado.
António Ferreira de Meireles da Bocha Lacerda.
António de Sousa Vadre Castelino e Alvim.
Armando Júlio de Roboredo e Silva.
Armando Valfredo Pires.
Artur Augusto de Oliveira Pimentel.
Augusto Domingues Correia.
Augusto Salazar Leite.
Bento Benoliel Levy.
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Carlos Eugênio Magro Ivo.
Carlos Monteiro do Amaral Netto.
D. Custódia Lopes.
Delfim Linhares de Andrade.
Duarte Finto de Carvalho Freitas do Amaral.
Eleutério Gomes de Aguiar.
Fernando David Lama.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Filipe José Freire Themudo Barata.
Francisco António da Silva.
Francisco Esteves Gaspar de Carvalho.
Francisco João Caetano de Sousa Brás Gomes.
Francisco Manuel de Meneses Falcão.
Francisco de Moncada do Casal-Ribeiro de Carvalho.
Francisco de Nápoles Ferraz de Almeida e Sousa.
Gabriel da Costa Gonçalves.
Gustavo Neto Miranda.
Henrique José Nogueira Rodrigues.
Humberto Cardoso de Carvalho.
João António Teixeira Canedo.
João Duarte Liebermeister Mendes de Vasconcelos Guimarães.
João José Ferreira Forte.
João Lopes da Cruz.
João Manuel Alves.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
João Pedro Miller Pinto de Lemos Guerra.
Joaquim Carvalho Macedo Correia.
Joaquim Germano Pinto Machado Correia da Silva.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Joaquim de Pinho Brandão.
José Coelho de Almeida Cotta.
José da Costa Oliveira.
José Gabriel Mendonça Correia da Cunha.
José Maria de Castro Salazar.
José de Mira Nunes Mexia.
José dos Santos Bessa.
José Vicente Cordeiro Malato Beliz.
Lopo de Carvalho Cancella de Abreu.
Luís António de Oliveira Ramos.
D. Luzia Neves Fernão Pereira Beija.
Manuel Elias Trigo Pereira.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel de Jesus Silva Mendes.
Manuel Joaquim Montanha Pinto.
Manuel Martins da Cruz.
Manuel Monteiro Ribeiro Veloso.
D. Maria Raquel Ribeiro.
Olímpio da Conceição Pereira.
Pedro Baessa Prabacor Rau.
Rafael Ávila de Azevedo.
Rafael Valadão dos Santos.
Raul da Silva e Cunha Araújo.
Ricardo Horta Júnior.
Rui de Moura Ramos.
D. Sinclética Soares dos Santos Torres.
Tomás Duarte da Câmara Oliveira Dias.
Vasco Maria de Pereira Pinto Costa Ramos.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 76 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 15 horas e 55 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Está em reclamação o n.º 151 do Diário das Sessões, em relação ao qual o Sr. Deputado Almeida Cotta me enviou uma nota escrita das rectificações que tem a fazer. Essa nota será enviada à redacção do Diário para que a tome na devida conta.
O Sr. Duarte do Amaral: - Sr. Presidente: Queria fazer a seguinte rectificação ao n.º 151 do Diário aos Sessões: na p. 3044, col. l. a, 1. 3, em vez de: "também e desgraçadamente relativamente a todos os outros produtos agrícolas", deverá ler-se: "também relativamente a quase todos os outros produtos agrícolas". Muito obrigado.
O Sr. Presidente: - Se mais nenhum de VV. Ex.ªs deseja usar da palavra, considerarei aprovado o n.º 151 do Diário das Sessões, com as rectificações apresentadas pelos Srs. Deputados Almeida Cotta, Duarte Amaral e Cunha Araújo, que acaba de me informar que também tem uma nota escrita para mandar para a redacção fio Diário.
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Carta
Da Sociedade Portuguesa de Estomatologia enviando cópia das moções aprovadas em assembleia geral dos estomatologistas portugueses, relativas à intervenção do Sr. Deputado Lopes Frazão, em que se pedia a legalização como odontologistas de algumas centenas de indivíduos inibidos de fazer a sua inscrição sindical.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra para dois requerimentos o Sr. Deputado David Laima.
O Sr. David Laima: - Sr. Presidente: Pedi a palavra para enviar porá Mesa os seguintes
Requerimentos
Nos termos regimentais e para informação sobre problemas que tratarei, com a possível brevidade, numa futura intervenção, solicito que, pelo Ministério do Ultramar, me sejam fornecidos os seguintes elementos:
1..º Lista de funcionários da província de Angola que, tendo gozado a licença graciosa em 1971, ainda se encontram em Portugal europeu aguardando embarque, com indicação do tempo de permanência nestas condições;
2.º Lista de funcionários da província de Angola que, tendo gozado a licença graciosa em 1071, ainda permanecem em Portugal europeu por parecer da Junta de Saúde, com indicação da data de conclusão da referida licença graciosa.
Nos termos regimentais, solicito que, pelo Ministério do Ultramar, me sejam indicados os valores pagos pela província de Angola pela Lotaria Nacional expedida para aquela província.
O Sr. Ávila de Azevedo: - Sr. Presidente: Pedi a palavra para enviar para a Mesa o seguinte
Requerimento
Venho requerer que, pela Secretaria de Estado do Comércio, me sejam fornecidos os esclarecimentos que, nos termos regimentais, solicitei na sessão desta
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Assembleia Nacional de 18 de Novembro do ano passado sobre a aplicação no distrito do Angra do Heroísmo da medida previsto pelo artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 47 710, de 18 de Moio de 1967.
O Sr. Barreto de Lata: - Sr. Presidente: Pedi a palavra para enviar para a Mesa o seguinte.
Requerimento
Nos termos constitucionais e regimentais, requeira que, pelo Ministério do Ultramar e com a maior urgência, me sejam fornecidos os elementos o prestados os esclarecimentos seguintes:
a) Resultados da camba da exploração da D. T. A. e da D. E. T. A. referentes aos anos de 1970 e 1971, os quais deverão ser prestados não só pelos serviços de exploração dos Serviços de Portos, Caminhos de Perro e Transportes, como ainda pela Aeronáutica Civil;
b) Qual o número de horas voadas nesses mesmos anos pelo director e subdirector da D. T. A., escusando-me de pedir esclarecimentos semelhantes quanto à D. E. T. A., por já ter sido informado de que o seu director e subdirector mão voam;
c) Inventário de sobresselentes existentes em armazém da D. T. A. em 31 de Dezembro de 1971;
d) Cópia de determinantes de limitações de voo que tenham sido estabelecidos para o director e subdirector da D. T. A., com menção expressa se foram excedidas, e, sendo-o, se foram pagas e qual o montante respectivo;
c) Cópias de estudos da reestruturação da D. T. A. feitos por duos empresas da especialidade, uma delas estrangeira, salvo erro, especificamente contratadas para o efeito, com indicação expressa das remunerações pagas por tais estudos;
f) Cópia de todos os estudos e conclusões acerca da transformação da D. T. A. em empresa de economia mista, com eventual participação ou não da TAP e as respectivas condições em que tal participação se fará;
g) Informação clara e concisa se está prevista a hipótese da absorção por compra ou operação equivalente da D. T. A. pela TAP;
h) Informado de que foi descontado no vencimento das assistentes da D. T. A o material de catcring em falta, desejo se me informe ainda se tal desconto foi forçado ou antes mediante anuência das ditas assistentes e, na primeira hipótese, se foi precedido de processo respectivo e em execução de decisão com força legal bastante que legitimasse então tal actuação, processo onde se terá dado às responsáveis todas os garantias de defesa que a lei impõe como condição de cidadania.
Desejo sublinhar que reforço o pedido de máxima urgência, para não cair na situação de obter os elementos pedidos a desoras, impossibilitando intervenção oportuna, como, aliás, já sucedeu a primeira vez que pedi elementos acerca da D. T. A.
O Sr. Silva Mendes: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao solicitar a minha inscrição paca falar hoje no período de antes da ordem do dia senti ainda mais viva a saudade do nosso colega José Vicente de Abreu, porque, se ele tivesse continuado nesta Câmara, certamente teria voltado ao assunto da sua última intervenção, reclamando dos Poderes Públicos, tantos vezes quantas os necessárias, justiça para a cidade de Eivas.
Há casos inexplicáveis ou que se apresentam de tal forma confusos aos nossos espíritos que não encontramos para 'eles qualquer espécie de justificação.
Quando em quase todas as partes do Mundo se conservam no lugar de origem as obras de arte que aqui e além existem ou vão sendo descobertas, em Portugal logo se apressam os Poderes Públicos, por intermédio dos competentes serviços, a trazê-las para Lisboa, onde tudo é possível acontecer, num excessivo zelo de protecção, até o desaparecimento dessas mesmas obras l
À província têm sido "arrancadas", reparai na moderação que uso para classificar o que na realidade sucede ..., verdadeiros tesouros que no seu lugar próprio seriam uma fonte mais de interesse a valorizar a região onde os mesmos se situavam e para os quais haviam sido realizados.
Quantos lutas têm de travar as autoridades locais para obstar à saída das suas obrais de arte, descobertos que elas sejam, pois a sua vinda para Lisboa, a experiência assim o demonstra, significa, na maioria das vezes, delapidação do património artístico das nossos tenras de província, quando não delapidação do próprio património nacional.
Mas, para exemplificarmos que assim é, vamos ao caso, historiando em poucas palavras o que se passou no Templo dos Frades Dominicanos, em Elvas.
Em 1936, a Direção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais iniciou o restauro do referido Templo.
Em 1944, em virtude de os trabalhos se terem intensificado, foram apeados e levados para restauro ..., permitam que assinale com reticências esta palavra "restauro", nove tábuas, do século XVII, do altar-mor e três tela" é uma tábua da capela-mor.
Sendo as mesmas reclamadas pela cidade, anos mais tarde, foi determinado por despacho de S. Ex.ª o Ministro da Educação Nacional, em 27 de Abril de 1949, que os quadros fossem entregues à Câmara, que os deveria mandar buscar à Junta de Província da Beira Litoral, em poder de quem se encontravam.
Perguntarão VV. Ex.ª, como eu pergunto a mim próprio, por que razão é que este património, pertença da cidade de Eivas, foi panar àquele departamento, sem notícia de haver ter sido pedida qualquer justificação a quem tal determinou, com atropelo de todo o bom senso e sem o mais pequeno sentido da responsabilidade que daí lhe deveria advir.
Poderá admitir-se que haja outro local, que não aquele em que as mesmas tinham sido encontradas, ande as tábuas e pinturas depois do restauro a que se procedeu (se é que o houve ...) possam ficar melhor?
Repare-se que se trata de um templo de grande valor arquitectónico e em boas condições de conservação.
Tem a cidade de Elvas um museu onde poderiam ter sido recolhidos, se alguma douta opinião se pronunciasse no sentido de mão poderem voltar ao local donde haviam sido arrancadas e para o qual propositadamente tinham sido concebidos -, mas nunca, salvo o devido respeito, para a Junta de Província da Beira Litoral!
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Mas reparai, passados que foram vinte e oito anos, é e Direção-Geral do Ensino Superior e dos Belas-Artes a confirmá-lo, até à data falta recuperar, e não há conhecimento do local onde se encontram, duas tábuas do altar-mor, presenteado Santo André e S. Tadeu, e toes tetas da capela-mor.
Uma das tábuas já recuperadas dá a dimensão diva desaparecidas, 3 mx2,50 m, e pelo tamanho não se pode admitir que só encontram esquecidos em qualquer cantinho da oficina onde se procedeu ao restauro.
Julgo que o caso, e essa a razão da minha intervenção, deveu-a passar à alçada da Polícia Judiciária e messe sentido reclamo ao Governo.
E, porque mas propusemos hoje defender o património artístico de Elvas, tão precisado de auxílio do Poder Central, não esqueçamos que é uma dos mais belas cidades fronteiriças e das de maior valor histórico, não queremos deixar de chamar o atenção da entidade a quem compete vaiar peba conservação e limpeza das suas muralhas, pedindo providências, para que deixe de verificar-se o estado de abandono a que ás mesmas têm eido votadas nos últimos anos.
O que ali se passa em mataria ide desmazelo é verdadeiramente vergonhoso, não tenhamos medo das palavras.
Será preciso esperar que S. Ex.ª o Ministro das Obras Públicas, no seu peregrinar pelo País, as visite, para mandar proceder aos arranjos que qualquer fiscal dos serviços, mesmo pouco qualificado, facilmente consideraria como de absolutamente necessários?
É triste concluir que na visita de S. Ex.ª está a nossa última esperança, pois bem sabemos, porque pessoalmente o tomos podado testemunhar, que o engenheiro Rui Sanches, por onde passa, faz dos mais extraordinários milagres da mossa época - elimina a burocracia que alguns sectores da nossa administração teimam em continuar a deixar medrar, eliminando com ela o desleixo que dal quase sempre resulta, e transforma a tradicional e desconfortante informação dos serviços "impossível proceder aos arranjos por falto de verba" neste despacho promissor de quem quer que tudo se modifique "dentro da pasta que em boa hora lhe foi confiada - "execute-se com urgência".
Assim, neste caso, esperamos.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi cumprimentado.
O Sr. Bento Levy: - Sr. Presidente: Esta intervenção, pela sua finalidade, estava preparada e pronta para o primeiro período desta sessão. Razoas extremamente fortes não me permitiram apresentá-la na devida oportunidade - como já acentuado pelo meu ilustre colega de círculo, Prof. Salazar Leite -, a quem, aproveitando o momento, volto a agradecer a camaradagem da sua intervenção de 2 de Dezembro, feita ma altura própria, com aquela elegância que lhe é peculiar.
As minhas palavras, criando os mesmos objectivos, não item o mérito dos proferidas pelo meu distinto amigo, mas terão um, depoimento de testemunha ocular que viveu directamente os acontecimentos em que se inserem as considerações a fazer.
Com efeito, Sr. Presidente, estive em Caibo Verde na época da sua maior ansiedade. Ali vivi os alegrias de um Agosto relativamente chuvoso e prometedor. Acompanhei a expectativa angustiante de um Setembro sem gota de água e finalmente o desalento de um Outubro também seco, com tudo a estiolar e a quebrar toda a esperança da possível atenuação de uma seca que já vai no quarto ano de persistente devastação.
De lá regressei, sem ilusões. O 'drama eterno das ilhas repete-se. Todo o trabalho agrícola ficou irremediavelmente perdido. Uma ou outra mancha verde, que surgia aqui ou além, estava mirrando. Nenhuma esperança de produção.
As gentes de Cabo Verde, porém, não desanimam e o País não hesita. O Governo, sem perda de tempo, com subsídios vultosos e oportunos permitiu prosseguir nas medidas adoptados a partir de 1959 e, desde então, aplicadas, com afeitos positivos, na luta contra a morte pela fome. O processo, com as adaptações que a evolução dos factores concernentes impõem, tem sido de tal forma eficaz que, 'apesar do rigor de três anos de seca, há que reafirmar - e com reconhecimento o faço - que ninguém morreu de fome nas ilhas. Acentuo este aspecto, face a um passado trágico de funestos e horrorosas consequências o que os ausentes dão como repetidas, sem atentar nas medidas adoptadas para um combate que, sendo difícil, tem, no entanto, poupado vidos e haveres dos atingidos. Detecção de ameaças a tempo, trabalho na oportunidade e alimento a horas evitaram e continuam evitando - a morte ou o depauperamento da população e a indignidade de socorrer por esmolas. Foi assim que, em vez das chamadas "estradas da fome ...", se executaram obras definitivas, devidamente planeadas, a servir de esteio ao progresso da província, mantendo-se a população opta e saudável - apesar dos limites impostos pela Natureza contra a qual a luta é árdua e trabalhosa.
Foi assim que eu pude ver a- gente simples e humilde do campo saudou: com alegria e uma ternura que não engana o governador da província, brigadeiro Lopes dos Santos. Sem vivas, sem exibições, sem alarido ou ajuntamentos. Sem que nos esperassem, de sorriso aberto, a manifestar o seu "contentamento" - como por lá se diz -, essa gente via passar o carro e seguia-o num silêncio comunicativo a dizer: obrigado!
Faço este registo com directo conhecimento dos factos. Percorri largamente, além de outras, a ilha menos frugal de todos - a de Santiago. Já vivi, aliás, duos secas catastróficas. Sei, por isso, quais poderiam ser os resultados destas. Não fugiria à responsabilidade da crítica e do comentário pertinente se tivesse razões para os fazer. Seria uma traição ao mandato que me foi confiado e ao carinho que o povo anónimo me dispensa. Em problemas de muito menor melindre e com ariscos de incompreensão não tenho (hesitado em apontar o que me parece errado ou deficiente.
De resto, o Sr. Presidente do Conselho, naquele seu estilo de governar com o povo e para o povo, não se limitou a ouvir informações e, sem poupar-se a esforços, visitou as ilhas atingidas, para um contacto directo, que lhe deu um panorama das necessidades a vencer e da forma como se vem actuando.
O próprio País não ignora o desenrolar doe acontecimentos que conheceu naquela "espécie de relatório e contas" que o Prof. Marcelo Caetano lhe apresentou em mesa-redonda ora TV, com intervenção dos principais responsáveis pelo decorrer da seca e que me parece um processo inédito, pelo menos em Portugal, de trazer a Noção a par dos netos do Governo e, neste ouso, dos destinos dados aos vultosos subsídios que têm sido concedidos a Cabo Verde.
Em quarto ano consecutivo de seca, a situação é mais grave, pois, como é óbvio, a sua sucessão em ondeia terá repercussões cada vez mais agudas.
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Cubo Verde comprova, porém, que não seria desacompanhado e foi com profunda emoção e certeza que registou estas palavras do Sr. Presidente do Conselho:
Temos de pensar muito nos nossos irmãos cabo-verdianos. Cabo Vende pode contar com a solidariedade nacional - que é, sobretudo, neste caso, solidariedade humana.
A província não esquecerá os propósitos do Governo, agora concretizados com um substancial subsídio de 200 mil contos, como já noticiado.
Ao apontar o facto, para agradecer em nome da população, espero a compreensão e o apoio do País, representado na sua máxima expressão nesta Câmara, para a solidariedade posta em prática pelo Governo, não só para salvar vidas, como também para o desenvolvimento económico e social de terras e gentes bem portuguesas.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi cumprimentado.
O Sr. Agostinho Cardoso: - Sr. Presidente: Pedi a palavra para em breve apontamento alertar o Governo e reclamar providências urgentes para um facto que, por localizado à pequena, ilha do Porto Santo, poderá parecer de ínfima importância no plano nacional.
Mas as pequenas como as grandes terras do País têm direito a que os seus legítimos interesses sejam salvaguardados.
se trago este assunto pana a Assembleia Nacional é porque ele se reveste de excepcional gravidade e de importância vital para o futuro da "ilha dourado", a primeira terna que os Portugueses descobriram para lá do ovar.
Conta n ilha, na aridez do seu terreno e na pobreza da sua gente, com a sua grande praia de areia amarela, a única do arquipélago da Madeira, banhada por um miar azul-cobalto de tépida temperatura, servida por clima maravilhoso, ar puríssimo e ambiente silencioso e calmo.
Estruturas turísticas importantes desenham-se num horizonte próximo, e na estação de Verão conta já Porto Santo com numerosos turistas madeirenses e alguns estrangeiros em número crescente.
A sua posição geográfica e a evolução da estratégia da N. A. T. O. trouxeram pana o seu aeroporto, agora ampliado, certa ligação com aquele organismo, estando programado o abastecimento de óleos do referido aeroporto através de um pipe-line, que conduzirá os óleos mencionados de um navio petroleiro que fundeie na baía para o depósito em terra.
Acontece que o pipe-line, tal como foi programado, estende-se em frente dia praia - que, como acentuei, é de grande interesse turístico e a ela vem dar. Qualquer fuga de óleos, que é sempre de prever, poderá ameaçá-la de poluição, tornando-a imprópria pana o turismo durante anos, dadas as correntes marítimas e os ventos predominantes no local.
Logo que conhecido o tacto, foi dele dado conhecimento ao Governo. Em primeiro lugar, do perigo de poluição, com consequências graves se esta se verificasse; em segundo lugar, da facilidade em modificar-se o trajecto do pipe-line, sem grande aumento do seu custo e sem prejuízo para a posição do navio abastecedor.
Indicaram-se dois locais afastados da baía para ligação à terra do referido pipe-line (a Serra de Fora e os Zimbralinhos) e fizeram-se discretamente as diligências necessárias através do governador do distrito, que pôs nelas o seu maior interesse, e de outras entidades.
Ora, acontece que, apesar das referidas diligências, parece correr-se o risco - considerando a adiantada posição do projecto de obras e os compromissos assumidos - de não ser modificado o referido projecto no sentido que se pede.
Como Deputado pelo Funchal, não posso, a partir deste momento, deixar de, na tribuna da Assembleia Nacional, onde os interesses dos povos devem ser defendidos, apelar para o Sr. Ministro da Defesa Nacional, para que sejam tomadas providências urgentes no sentido de modificar-se o projecto de obras e afastar-se a ameaça de poluição para a praia do Porto Santo, a única riqueza da pequenina ilha e da sua população.
O Sr. Correia da Cunha: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Faça favor.
O Sr. Correia da Cunha: - Queria deixar algumas palavras de apoio à intervenção que V. Ex.ª tem estado a desenvolver, e isto por dois motivos: um, porque me considero um enamorado da ilha de Porto Santo; outro, porque comungo nas suas preocupações em relação ao destino que o terminal, a que V. Ex.ª se tem referido, pode trazer para essa ilha.
Li, algures, que o tráfego de petroleiros deve duplicar dentro de poucos anos. Sabemos todos que as nossas praias do continente estão condenadas, se não irremissivelmente, mas condenadas a uma poluição crescente. Sabemos que Porto Santo está, felizmente, fora das rotas desses petroleiros. Porto Santo possui, para além de outros encantos, uma praia maravilhosa - V. Ex.ª conhece-a melhor que eu - , com cerca de 7 km de extensão. Sabemos que a ilha é demasiado pequena para que possa integrar vários esquemas de aproveitamento, a praia é quase exclusivamente o foco de atenção, o motivo que pode levar a um plano de aproveitamento turístico da ilha. Sabemos também que a proximidade de Porto Santo em relação à Madeira lhe dá um interesse complementar do aproveitamento turístico desta ilha.
Sabendo tudo isso e o interesse que a raridade dessas praias traz para elas, em face da procura crescente de sol, de mor, de áreas não poluídas, não podemos deixar de nos preocupar com o que pode acontecer à ilha se, porventura, não forem devidamente cuidadas as instalações que V. Ex.ª acabou de referir.
Do meu ponto de vista, e como responsável pela Comissão Nacional do Ambiente, não contrario, de maneira nenhuma, nem o alongamento da pista, que é uma infra-estrutura indispensável ao seu aproveitamento turístico, nem tão-pouco a colaboração dada a N. A. T. O., de nenhuma.
O que me parece que esta em causa é uma conjugação de esforços no sentido de, para além desse aproveitamento - que pode ser benéfico para a ilha, que não possui água, por exemplo, e através dele será possível instalar uma estação dessanilizadora - , para além desse aproveitamento, como dizia, nós conseguirmos apoiar também esse outro plano de desenvolvimento turístico que está em mente há vários anos, que interessa a iodos nós e apenas pode estar dependente de um estudo atento das várias hipóteses que V. Ex.ª acabou de enumerar.
Santa Maria, por exemplo, possui os mesmos problemas, mas tem uma infra-estrutura, um grande aeroporto
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que deveria servir, mas que aluo trouxe qualquer impacte sob o ponto de visto económico. Para essa infra-estrutura é necessário também o abastecimento de óleos, já se tendo, entretanto, verificado um derrame que não causou grande transtorno, porque é uma ilha de costa rochosa. No entanto, o mesmo não se verificará em Porto Santo quando tal vier a acontecer.
A praia não tem correntes, podendo, pois, ser sujeito a uma poluição que não é fácil, de momento, contrariar. Não há ali um apport de areias que cobram facilmente essas manchas, e, por consequência, ou se tomam as providências a as reserveis necessárias oeste momento, ou então corremos o risco de ver a ilha transformada num aeroporto, numa infra-estrutura militar, mas sem poder dar seguimento o. esse plano turístico, que teria o maior interesse para toda a metrópole.
Muito obrigado.
O Orador: - Agradeço as palavras que o Sr. Deputado Correia da Cunha acabou de pronunciar, apoiando valiosamente o que venho dizendo em favor da ilha de Porto Santo, pela competência e altos conhecimentos que V. Ex.ª tem destes assuntos.
Muito obrigado.
O Sr. Eleutério de Aguiar: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Faça favor.
O Sr. Eleutério de Aguiar: - Sr. Deputado Agostinho Cardoso: Em. breves palavras desejo solidarizar-mo com V. Ex.ª e deixar registadas, também, as minhas preocupações acerca do problema em causa. Problema que, aliás, não é virgem no nosso arquipélago. Não sei, ou melhor, não me recordo, por exemplo, se há dez anos se levantou a este nível, como é óbvio, a questão levantada com a localização do complexo relativo AO abastecimento de óleos à navegação, no porto do Funchal, que se situa, como sabe, na Praia Formosa, precisamente no prolongamento da zona mais privilegiada para o turismo e, hoje, a dois passos de modernos unidades hoteleiras. Além disso, o pipe-line atravessa toda a referida zona e sua costa marítima, colocando-a em sério risco, como facilmente se compreende.
Estamos a pouco tempo dos debates sobre a "conservação da Natureza", que constitui proclamada preocupação nacional e mundial. Quero acreditar, por isso - e regozijar-me-ia nessa eventualidade, como é meu hábito -, que o Governo não deixará de considerar o apelo de V. Ex.ª, revendo o assunto em todas as suas implicações, procurando salvaguardar as principais virtualidades da nossa região, dos pontos de vista da beleza paisagística e dos interesses vários das suas populações.
Muito obrigado, ainda, Sr. Deputado, por me ter consentido esta interrupção.
O Orador: - Agradeço a V. Ex.ª a sua achega num assunto pelo qual sei que V. Ex.ª também tem interesse, pois contínua a bater-se, o melhor que pode, pelos interesse do nosso distrito.
Não perdoaria a gente da ilha como A de todo o arquipélago da Madeira que tão justa reclamação deixasse de ser atendida, tão grave seria o risco de poluição da praia, a persistirem as obras projectados e tão fácil a sua adaptação a melhores soluções como venho dizendo.
Por mim, se me pareceu indispensável neste momento alertar o Governo sobre too insólita perspectiva, afirmo a minha confiança no alto critério e na pertinente decisão que a este respeito e em lavor da ilha do Porto Santo certamente tomará o Sr. Ministro da Defesa Nacional, como é de justiça.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi cumprimentado.
O Sr. Miller Guerra: - Sr. Presidente: Só duas palavras para assinalar um facto ocorrido ontem à noite, que foi o discurso do Sr. Ministro da Educação Nacional sobre o programa de reformas para o ano corrente.
Não ó agora a altura de fazer comentários ou apreciações pormenorizadas; serão feitas na hora própria, quando as medidas reformatrizes se executarem. Mas é o momento de apontar os aspectos que considero de mais relevância, talvez porque dizem respeito às minhas preferências e interesses profissionais.
Sem diminuir em nada as reformas de todos os graus do ensino, saliento as do ensino superior, porque constituem, segundo me parece, o passo mais dificultoso em matéria de inovações educacionais, pois aí se encontram as resistências tenazes à mudança e à penetração das ideias modernizadoras. De há muito que se esperava uma vontade forte e intemerata que cortasse o nó gordão da educação universitária.
Há uma dezena de anos, pelo menos, se conhece sem sombra de dúvida a incapacidade das Universidades no triplo aspecto pedagógico, social e financeiro; todavia, nem a observação dos factos, nem a fácil previsão do futuro, nem a agitação sintomática dos estudantes foram suficientes para que as instâncias responsáveis se debruçassem com espírito resoluto sobre questão de tamanha grandeza.
Transcorreu o tempo, agravaram-se as situações; o ensino piorou a olhos vistos, mercê do conflito surdo ou aberto entre as estruturas caducas e a inquietação das gerações novas e os imperativos dos tempos.
Na denominada crise universitária viu-se a desordem, a insurreição e o desacato. Não se viram com igual atenção os sintomas da desarmonia das instalações, dos métodos e da ideologia do ensino com uma sociedade que tem andado vagarosamente, mós que quer progredir com rapidez.
O temor da perturbação da ordem fixa e consagra as atitudes rotineiras, cortando as asas do espírito criador.
O progresso tem riscos, mas é preciso aceitá-los, compreendê-los e vivê-los. A instabilidade é companheira inseparável das realizações ousadas.
O Sr. Ministro da Educação bem o disse ontem quando falou dos "tempos necessariamente instáveis da reforma".
Termino, como S. Ex.ª fez, com uma citação de Antero de Quental, que digo de memória: "É na uniformidade e na, homogeneidade dos sociedade que está o perigo todo."
Vozes: - Muito bem!
O orador foi cumprimentado.
O Sr. Leal de Oliveira: - Sr. Presidente: Soa com muita intensidade nos meios rurais do Sul, e está a causar justificada ansiedade, que a prestimosa e patriótica Guarda Nacional Republicana irá brevemente sofrer profunda reformo na distribuição geográfica dos seus efectivos, supondo-se até que muitos pontos serão pura e simplesmente encerrados.
Deve-se, Sr. Presidente, a Guarda Nacional Republicana a paz e a tranquilidade dos espíritos nos meios rurais, e deste lugar aproveito a ocasião para dirigir àquela corpo-
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ração, aos oficiais e às praças, as minhas felicitações pelo permanente cumprimento da missão que lhe está confiada.
Sr. Presidente, estou certo de que as possíveis adaptações dos guardas da G. N. R. não perturbarão a eficácia mais que comprovada dia sua acção, mas não quero deixar de solicitar a 8. Ex.ª o Sr. Ministro do Interior para que efectivamente assim continue a suceder.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi cumprimentado.
O Sr. Alberto de Meireles: - Sr. Presidente: Soo breves e agradáveis para mim os palavras que vou dizer. São breves, porque os assuntos não carecem de longa dissertação; agradáveis, porque nada mais é agradável do que congratularmo-nos, agradecermos e felicitarmos.
Agradecer e felicitar porque neste clima de ordem e de estabilidade, não esqueçamos, o Governo continua teimosamente, serenamente, a desempenhar a sua função de governar. E governar também é atender clamores, é sobretudo atender anseios razoáveis.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Ora, já não sei há quantas sessões, mas vai há muitas, interrompendo o nosso operoso colega Alberto Alarcão, eu lembrei o problema das pensões de sangue a viúvas e órfãos, que considerava clamorosamente injusto. Pois leio no jornal de hoje que o Conselho de Ministros, com simplicidade, com justiça, com. verdade, resolveu o problema atribuindo em plenitude, isto é, pela totalidade, os pensões as viúvas e órfãos, sem atender à existência de remuneração de trabalho ou de rendimentos próprios por parte dessas mesmas viúvas e órfãos. Pareceu-me que isso seria justo. Invoquei nessa altura o símile dos acidentes de trabalho, em que ninguém pergunta às viúvas de acidentados se trabalhavam ou não, porque a pensão é inalterável em função dessa circunstância.
Esta a primeira palavra de agradecimento e de congratulação. Não foi certamente pela rainha voz, que nada vale ...
Vozes: - Não apoiado!
O Orador: - ... não foi por ela. Foi porque o Governo entendeu que era justo o que se reclamava. E para a Assembleia é certamente motivo de satisfação que os clamores que levantamos sejam ouvidos.
Não é verdadeiro dizer que clamamos no deserto. As vezes, poderemos clamar sem razão, mas asso é outra coisa.
Vamos à segunda palavra. Há meses, o Sr. Ministro Veiga Simão foi ao Porto e recebeu-nos a nós, Deputados, com toda a deferência, na Reitoria da Universidade, que me parece ser o lugar próprio para o Ministro da Educação Nacional o fazer na nossa cidade.
E nós dissemos que o Porto tinha reivindicações -, e uma delas, a mais instante, a que se apresentava com mais pressão neste domínio, era o da criação da licenciatura em Filologia Germânica.
Havia documentação convincente. Lembro-me de que um abaixo-assinado de 800 futuros alunos candidatos a essa licenciatura, oriundo? dos liceus do Porto e arredores. E quando digo arredores, digo Braga, sem injúria, porque é uma cidade com toda a autonomia ...
Risos.
(O que me vale é não estar cá o António Santos da Cunha, e com pena o digo, de resto), mas afluente em matéria universitária, do Porto, naturalmente.
Eram cerca de 800 alunos, e lembro-me que, por coincidência - e perdoem-me á nota pessoal -, a primeira signatária era uma filha minha, que não me tinha, aliás, pedido autorização para o fazer ... Resultado: está na Faculdade de Lisboa, em Filologia Germânica.
E isso aconteceu, pelo menos, a 800 alunos, se é que todos puderam fazer o que ela fez, porque muitos terão ficado pelo caminho, por não haver Filologia Germânica no Porto.
Eu invoquei no Sr Ministro, se bem me lembro (e alguns dos meus colegas se lembrarão, certamente), as tradições do Porto em matéria de língua inglesa, e, agora, também digo de língua alemã. As tradições do Porto, quanto ao linguajar inglês, são bem conhecidas: a colónia inglesa no Porto, com a sua feitoria, os seus negócios, pelo seu convívio social, impunha às famílias do Porto que os seus filhos fossem educados, falando correctamente inglês. A língua não deixou de ser útil, pelo contrário, embora o vinho do Porto tenha decaído, felizmente, apenas neste aspecto: o domínio inglês do seu comércio.
Mas as famílias do Porto continuam a procurar que os seus filhos falem inglês. Mas onde melhor se poderá aprender do que numa secção de Filologia Germânica da Faculdade de Letras?
Ouvimos ontem, pela televisão, a notabilíssima exposição, cheia de audácia, de rasgo e até de emoção, do Sr. Ministro da Educação Nacional, ao programar - e programa audacioso é esse - para 1972 a licenciatura de Filologia Germânica, no Porto, e, ainda por acréscimo, Geografia.
Pois bem haja, Sr. Ministro. O Porto até sem pedir obtém às vezes. Mas aquilo que vai obter é um grande serviço prestado à cidade e àqueles alunos que, sem isso, não poderiam seguir essa carreira universitária.
E com estas palavras de agradecimento e lembrando a citação belíssima que fez de Antero quanto à esperança, que neste caso é certeza - o Sr. Prof. Miller Guerra citou outra também bela -, no fim da sua exposição, que teve, certamente, o interesse apaixonado do País, é muito mais grato terminar dizendo bem, e não a recriminar o Governo.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi cumprimentado.
O Sr. Augusto Correia: - A notável comunicação do Sr. Ministro da Educação Nacional, ontem transmitida ao País através da rádio e da televisão, impõe-me, já hoje, uma palavra. Não irei, necessariamente, apreciar o vasto e profundo programa apresentado, o qual nos dará, certamente, uma posição bem melhor nas estatísticas da educação.
Quero somente concentrar as minhas palavras na criação da licenciatura em Engenharia em Coimbra, agora oficialmente anunciada para 1972, quando no programa do ensino superior se afirma: "Ampliar os centros universitários existentes, criando, nomeadamente, um instituto de ciências e tecnologia em Coimbra, para conceder a licenciatura em Engenharia e possivelmente outras."
Temos para nós que este Instituto entrará em funcionamento, pelo menos para a licenciatura em Engenharia, em Outubro próximo, pois não faltarão os "homens de antes quebrar que torce" a oferecer toda a indispensável ajuda para a planificação e realização do muito que se
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exige em objectivos a definir, instalações, equipamento, recrutamento de professores, etc.
Está lançado o desafio para uma nova luta em Coimbra pela "batalha da educação" com resultado final assegurado em prazo fixo. O prazo é Outubro e o resultado será o desejado ensino da Engenharia, por que trabalham, num esforço conjunto, as forças viras locais, em que se salientam a Universidade e a Câmara Municipal.
O Sr. Santos Bessa: - E também os Deputados!
O Orador: - As quais têm demonstrado bem os graves inconvenientes da falta de uma Faculdade de Engenharia.
Coimbra, que em todas as horas e nas mais diversas manifestações ao seu te interessada numa participação activa na luta "contra o marasmo ou contra a inércia", teve agora resposta certa para mais uma das suas legítimas aspirações, à qual dará toda a contribuição que o lançamento do ensino da Engenharia em Outubro próximo a ela reserve.
Pensando noutras respostas que se consideram indispensáveis para n realização de Coimbra como capital de região plano, agradece-se ao Prof. Veiga Simão, que Coimbra conta entre os filhos adoptivos mais ilustres, este impulso decisivo no seu difícil caminho para um grau de desenvolvimento que merece e o País exige.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar à
Ordem do dia
Continuação do debate sobre o aviso prévio apresentado pelo Sr. Deputado Pinto Machado acerca da educação médica.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada D. Maria Raquel Ribeiro.
A Sr.ª D. Maria Raquel Ribeiro: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O facto de uma assistente social, com responsabilidades no seu cargo profissional e nas funções que exerce no domínio da assistência social, subir a esta tribuna para intervir na discussão do aviso prévio, apresentado pelo Sr. Deputado Pinto Machado, sobre educação médica poderia causar estranheza, se não fosse, como muito bem ontem aqui foi referido, que educação médica e política de saúde estão intimamente ligadas. Eu direi que educação médica, política de saúde e política social têm de ser equacionadas dentro de uma realidade global e em termos de desenvolvimento nacional.
Vozes: - Muito bem!
A Oradora: - O direito à saúde é um dos direitos fundamentais do homem, e para satisfação de tal direito deve concorrer em pleno a educação médica. Garantir a saúde, actuar no sentido preventivo da doença, em verdadeiro serviço de educação individual e comunitária, tem de ser o principal objectivo da formação médica.
O médico bem de estar ao serviço do homem, e não ser por ele servido; tem de estar ao serviço da ciência e da investigação, porque a defesa da vida humana lho deve exigir. Tem de ser o arauto das medidas de política que visem a prossecução de tais fins através dos Poderes Públicos.
Mas, porque o homem não vive apenas do seu bem-estar físico e psíquico, a educação médica tem de visar uma preparação realista, inserida no contexto social onde os homens se movem. Por isso, dizíamos que formação médica e política da saúde têm de se situar numa óptica de desenvolvimento global. Desenvolvimento da personalidade, ajustamento das atitudes e comportamentos às mudanças e às roturas da vida familiar, profissional e social. Desenvolvimento económico e social, que acarreta consigo constrangimentos individuais e alterações de estruturas que motivam uma função dinâmica da sociedade e que não pode ser despercebida a actividade médica, como função social que é.
Sendo o objectivo do desenvolvimento nacional o progresso social, encarado este como o desenvolvimento harmónico do homem todo e de todos os homens, o medico tem de ser um dos agentes deste próprio progresso.
Muitos aspectos se incluem no quadro de transformações da sociedade actual - e não apenas nas sociedades dos países subdesenvolvidos ou em vias de desenvolvimento. Mesmo nos países fortemente industrializados e nas regiões chamadas civilizadas não são em menor número as variantes das transformações. De outra natureza -, é certo. Mas aí também o homem, por força do progresso tecnológico e científico, se sente condicionado a todos os factores de uma sociedade em mutação, produzindo uma reacção em cadeia, que altera rapidamente os esquemas económicos, os hábitos e n própria visão do mundo, trazendo, por vezes, às diferentes categorias profissionais a incerteza e a instabilidade. O aumento demográfico, a mobilidade das populações, o crescimento da consciência universal e social trazem simultaneamente sentimentos de inconformidade e de frustração com que a década de 70 se debate.
Desenvolvimento, como processo de mudança social, de alteração de estilos e hábitos, de abertura social, de promoção humana, de invenção e renovação das estruturas, têm de estar no âmbito da formação médica, sem o que não conseguiremos pôr em marcha uma política de saúde, que em boa hora se anunciou ao País. Discutível, mas existe, e vamos, pois, todos procurar nela colaborar, especialmente os que em sectores conexos poderemos estabelecer laços de entendimento sistemático s coesão metodológica.
Um sistema nacional de saúde, que a Lei Orgânica do Ministério da Saúde e Assistência vem estabelecer, há-de permitir que toda a população tenha acesso aos cuidados médicos, nomeadamente à prevenção da doença, quaisquer que sejam os seus meios económicos e o seu nível sócio-cultural.
É preciso para isso que muito de coordenação e colaboração se estabeleça, talvez mais na linha do planeamento e da conjunção e complementaridade de acções do que na integração de serviços, atenta a realidade nacional, considerada a autonomia de conceitos, organismos e instituições.
Para tal, não deixaremos de referir a necessidade de preparação de técnicos e especialistas de medicina e de outras matérias para um trabalho em equipa.
Se a visão social é indispensável ao médico, se ciências médicas e ciências sociais se completam, se ele próprio tem de ser encarado como um agente de mudança social, sobretudo, considerada a sua actividade no âmbito preventivo, há que ter em conta o estádio de desenvolvimento de coda região, os seus aspectos sociais o levar aí, dentro de uma política de desenvolvimento global e regional, um trabalho interdisciplinar e uma acção inter-
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serviços, quer se trate de zonas rurais ou urbanas e cie serviços mais ou menos especializados. Por isso, desejaríamos ver a orgânica do desenvolvimento regional encarar de início o enquadramento das actividades de saúde e acção social.
O Sr. Pinto Machado: - Muito bem!
A Oradora: - A formação médica, numa Universidade aberta à realidade sócio-cultural, deveria introduzir desde o início esta preparação no trabalho em equipa: com diferentes disciplinas, com pessoal administrativo e técnico, por forma que no exercício das actividades profissionais e nos serviços de saúde e de assistência médica não se verifique uma dicotomia tão acentuada e se garanta a afectiva coordenação de esforços.
A política de saúdo agora anunciada e a reforma do ensino, tão arduamente defendidas pelos ilustres titulares das respectivas pastas, hão-de permitir que uma maior correlação se estabeleça no desenrolar dos programas. Por um lado, visando et progressiva e generalizada cobertura sanitária da população e, por outro, uma adequada reforma de educação médica e uma democratização do ensino que sejam capazes de formar os obreiros da saúde de que o País precisa, quer em qualidade, quer em quantidade.
"Ser libertos da miséria, encontrar com, mais segurança a subsistência, a saúde, um emprego estável; ter maior participação nas responsabilidades, excluindo qualquer opressão e situações que ofendam a sua dignidade de homens; ter maior instrução; numa palavra, realizar, conhecer e possuir mais, para ser mais: tal é a aspiração dos homem de hoje, quando um grande inúmero de entoe eles estão condenados a viver em condições que tomam ilusório este legítimo desejo 1."
Se são estas as aspirações do homem de hoje, cabe nos Poderes Públicos, com a participação dos cidadãos, o empenhamento rua satisfação dos direitos o deveres da pessoa, em que se harmonizem e tutelem, os direitos, bem como se promova a sua formulação. Há, assim, que garantir um equilíbrio onde se evite a criação de situações de privilégio pão- meio de preferências concedidas a indivíduos ou a grupos.
O Sr. Pinto Machado: - Muito bem!
A Oradora: - Diria ainda que o médico, como o psicólogo, o assistente social ou o pedagogo, tem o seu papel social. E, como diz um grande sociólogo, "o papel social é efectivamente composto por normas, a que está submetida a acção dos sujeitos que ocupam uma posição ou uma função particular num grupo ou múmia colectividade. A diferenciação de furacões, quer enfare pessoas, quer entre grupos -de modo que coda um dê uma contribuição específica, particular e, por vezes, singular ao conjunto -, faz parte da natureza de quase todas os colectividades, por mais pequenas que sejam".
Queremos com isto concluir, Sr. Presidente, reafirmando a esperança que depositamos em que as reformas empreendidos, e as que no decurso deste aviso prévio vão ter oportunidade de ser sugeridas, venham contribuir para que o povo português goze de mais saúde, de melhor educação, de maior bem-estar temporal e espiritual.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
A oradora, foi cumprimentada.
1 Populorum Progressio - l, 6.
O Sr. Correia da Cunha: - Sr. Presidente: Várias vezes mie interroguei sobre a pertinência da minha participação numa eventual generalização do debate sobre o aviso previu ontem, aqui apresentado pelo Sr. Deputado Pinto. Machado. Neste momento, porém, estou tranquilo. A amplitude da temática referida pelo ilustre avisante, o transcendente interesso da matéria em discussão, a convicção e competência com que ela foi abordada e ainda o malfadado complexo de participação que me leva espontaneamente a aderir a todas os causas e tarefas que me parecem orientadas para o bem comum, todos estes factores contribuíram para me tornar solidaria com a iniciativa do Prof. Pinto Machado. Nesta emergência, contribuindo com o pouco que posso dar, fico desobrigado e predisposto a aceitar as críticas que VV. Ex.ªs, porventura., queiram formular sobre o meu trabalho.
Sr. Presidente: Unia política, de desenvolvimento não pode deixar de considerar como objectivo essencial a melhoria do bem-estar dos populações. Aparecem, assim, postas em causa não só a problemática do alojamento, da educação e da saúde, como necessidades fundamentais n satisfazer, mas também tudo o que se relaciona com uma mais justa repartição dos rendimentos e a oportunidade de acesso a uma vida melhor.
Pode dizer-se que o nível sanitário de uma população resulta da interacção de vários factores de progresso, como sejam uma alimentação equilibrada e suficiente, uma habitação condigna, condições de trabalho aceitáveis, o benefício de uma actividade física e intelectual regrada e até o exercício de um certo número de regras de conduta social indispensáveis ao equilíbrio psíquico de coda um.
Não é razoável, portanto, conceber um serviço de saúde que se não integre numa política global de desenvolvimento; e esta exactamente porque é global, não poderá deixar de ter em conta o grau de eficácia de que aquele se reveste.
Disse-se já que o direito à saúde é um direito inalienável. Como tal, deve ser perseguido com a mesma tenacidade com que se procura bastar às restantes necessidades primárias das populações. Uma população debilitada pela doença ou enfraquecida pelo uso imoderado do álcool, do fumo ou da droga nunca poderá servir de alicerce a uma sociedade livre.
Os custos sociais que inevitavelmente resultem de uma tal saturação não podem deixar de ser tidos ema conta quando se pretende mobilizar os medos necessários a determinada política de desenvolvimento. Tenho para mim, como ponto assente, que a natureza e volume dos recursos humanos se sobrepõem, pela sua, importância, a quaisquer outros factores ide progresso numa sociedade que, como n nossa, se situa em pleno surto industrial. Está em causa, portanto, a qualidade desses momos em termos de uma boa capacidade física, de uma aceitável formação profissional e de um equilibrado quadro mental. É difícil dissociar todos estes aspectos, por tal forma eles se interpenetram. Um indivíduo que se forma para a vida em ambiente de miséria, ou depravação, sem se sentir integrado na sociedade ou motivado por ela, não pode vir nunca a constituir um demento positivo no processo de evolução em que todos nos devemos empenhar. Não se concebe, pois, uma política, de saúde dissociada dos mecanismos que têm em vasta a conquista de níveos cada vez moas altos de bem-estar para todas os camadas da população. Não está em causa apenas n defesa e recuperação da saúde, mas a sua permanência com um estado normal a que todos, mas todos, podem aspirar.
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Ele só pode resultar de uma acção global, que requer a mobilização dos homens e instituições em todos os domínios da vida individual e colectiva. For isso, importa que as diversos actividades que integram tal acção sejam estimuladas, coordenadas e garantidas pelos poderes inerentes à função política cie um Estado social, como o nosso pretende ser.
Considerada a necessidade de uma acção colectiva que empenhe todos os cidadãos anima política global de bem-estar, só podemos ar ao encontro dos problemas fundamentais a resolver, revendo, de alto a baixo, toda a estrutura em que se alicerça a sociedade dos nossos dias.
Muito antes de procurai- saber se os médicos e os hospitais são suficientes e bem distribuídos, eu estou interessado em averiguar se as condições de vida e trabalho do nosso povo podem garantir o tal estado generalizado de saúde física, mental e social que deve constituir a meta por todos almejada. As estatísticas internacionais referentes ao estado sanitário dos diversos poises europeus colocam-nos, sem dúvida, no furado da escala. O exame do fenómeno não se pode cingir a uma simples correlação com índices de desenvolvimento económico, porque em países considerados meãos desenvolvidos os problemas de saúde são, por vezes, menos graves. Há decisões políticas que interferem DO processo e o condicionam decisivamente.
Na realidade, para além do montante global das dotações atribuídos no sector e que se sabe serem insuficientes, ter-se-á conseguido tirar o máximo efeito da sua utilização? Se tivermos em conta a estrutura dualista da nossa sociedade, não estranharemos que, a par de elevadas taxas de mortalidade por doenças preveníveis, como sus infecto-contagiosas, se nos depare também uma incidência importante de doenças próprias de países desenvolvidos, como as que decorrem de lesões vasculares.
Trata-se de uma situação ambígua só possível em países onde coexiste um estrabo privilegiado da população com uma maioria que vegeta inconsciente do que se passa à sua volta.
Este desequilíbrio tão profundo entre dois extremos é facilmente detectado, qualquer que seja o ângulo por que se encare a problemática do nosso desenvolvimento. Ele é aceite quase como uma fatalidade quando se analisam as concentrações de riquezas em determinadas áreas ou grupas económicos. Mós que tem a ver a justiça social com a saúde, perguntarão? A resposta ficará singularmente simplificada se cada um de vós fizer um pequeno exercício mentol tentando recordar o que se passa em muitos lares espalhados por todo este país. Compreender-se-á então por que boa parte do nosso povo está apenas presa no seu dia-a-dia e desinteressada do futuro que a espera e dos problemas fulcrais da colectividade. Acima de tudo importa subsistir; por isso não regateira esforços nem se esquiva a sacrifícios. A emigração é dará nas suas motivações. Assim a queiramos entender. E não me parece que possa ser contrariada apenas com a criação de postos de trabalho; há outros valores em causa que não devem ser subestimados.
Não me competira avaliar o grau de atraso sanitário da nossa gente. Tão-pouco me interessará neste momento a busca de soluções. Importa-me, sim, raciocinar sobre o fenómeno à luz dos esquemas de uma sociologia do desenvolvimento. Não quero aceitar a doença como uma fatalidade, mas cuidar antes de saber por que ela existe. E uma atitude mais humana e consentânea com os princípios do desenvolvimento equilibrado. Antes de tudo o mais, preciso de saber se não existem deficiências alimentares e se, independentemente delas, a fome não é um estado crónico para muita gente; preciso de saber se as regras de higiene são ensinadas nas escolas e cumpridos nos lares; se estão asseguradas as condições mínimas de salubridade nos seus aspectos primários de abastecimento de água, redes de esgotos, recolha e tratamento de lixos; se os crianças e os velhos estão convenientemente resguardados contra as intempéries; se o exercício físico é praticado pelos nossos jovens como um tatuai sagrado; se o alcoolismo, o fumo e a droga são combatidos como verdadeiras pragas sociais?! ... Quantas interrogações eu poderia acrescentar ti este rol na busca de uma resposta que me satisfizesse! É que eu não quero preocupar-me com os efeitos sem ir à origem das coisas para compreender unem sociedade que regateia o salário justo e admite o entesouramento de milhões; que repudia a emigração mas não vela pela fuga dos capitais; que quer soldados fortes sem compreender que eles não podem sair de uma juventude enfraquecida; que admite n propaganda do fumo e solicita a benemerência para a luta contra o cancro ...
O Sr. Pinto Machado: - Muito bem.
O Orador: - ... que favorece o alcoolismo e se queixa da mortandade que campeia nas estradas.
Enquanto não entender - tudo isto, ser-me-á muito difícil vincular-me ao estudo de um esquema de saúde satisfatório. Prefiro lutar por um ambiente de trabalho mais sadio nas fábricas, nas minas e nos campos do que pela instalação de mais hospitais e sanatórios. Eles são evidentemente precisos, com os médicos, enfermeiros e outros auxiliares e toda a moderna aparelhagem a que recorrem. Não estão em causa. Mas não aceito que se programe o sector como se apenas por seu intermédio fosse possível atingir resultados aceitáveis na luta pela elevação do nível sanitário da nossa gente. Não é tratando pessoas que se melhoram as sociedades, mas cuidando das instituições que as servem.
Procurei dar a entender por que considero necessário inserir os esquemas de saúde numa política global de desenvolvimento. Para além de todas Ainda ontem o Sr. Ministro da Educação, na comunicação que fez ao País, apontou um número de crianças diminuídas físicas, que constituem uma carga enorme para o nosso sistema educativo. Muitas delas sofrem os malefícios de uma hereditariedade. A guerra também não contribui para melhorar o quadro; não gera apenas diminuídos físicos, mas também desequilibrados psíquicos. Em qualquer caso, estornos perante uma permanente delapidação do capital humano. E é inevitável que se tenha de lutar para combater os seus efeitos. Como em qualquer outra frente, ela deve ser organizada através de uma planificação racional. Ainda aqui as decisões a tomar devem ter em conta uma política unificada de desenvolvimento. Sabe-se como esta é programada para períodos longos- e espaços amplos. Não pode ser refeita em cada ano para cada autarquia, assim como se não compadece com a visão estrita de cada sector. O mesmo acontece com a saúde. Empreendimento essencialmente ligado ao homem, não pode ignorar a sua distribuição, a sua qualidade, as suas aspirações -, hoje e amanhã, até ao limito do previsível. Para estruturar uma política realista de saúde é fundamental conhecer as grandes linhas de ordenamento do território. Não lhe
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será indiferente a constituição da rede urbana nem a taxa de urbanização; a inflexão a sofrer pelas principais actividades e a sua provável localização; o nível de instrução das populações e a atenção que merecer a manutenção de um ambiente saudável. É evidente que as infra-estruturas devem ser instaladas onde e como melhor puderem servir a população; é evidente também que para nada serve um hospital sem médicos ou um posto clínico sem doentes. Por isso o sector da saúde, para além da integração nos esquemas globais, precisa ser programado como qualquer outro.
Vários factores contribuem para que assim seja. Entre todos, porém, ressalta a especial competência do Estado nesta matéria, já que a iniciativa privada não pode dar se não um escasso contributo para a solução dos problemas afectos ao sector. Mesmo em países de economia livre como o nosso a saúde não pode deixar de ser tida como necessidade a satisfazer colectivamente, independentemente dos mecanismos de mercado. Neste como noutros casos, a sociedade está estreitamente dependente da nacionalidade dos planos e da eficácia da sua execução. Por isso mesmo, na recente reorganização do Ministério da Saúde e Assistência (Decreto-Lei n.º 418/71, de 27 de Setembro) se deu tanta ênfase à criação de um gabinete de estudos e planeamento; por isso mesmo, a saúde foi contemplada com quase 8 milhões de contos para o segundo triénio do plano em curso. O aumento do custo da saúde é fenómeno inelutável, que acompanha o envelhecimento da população e o progresso técnico, mas tem-se consciência de que o mal maior ainda poderá advir de uma acção descoordenada por parte dos diversos Ministérios com atribuições no sector.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Correia da Cunha, cumpre-me pedir a atenção de VV. Ex.ªs para o facto de que se está desviando do assunto do aviso prévio. VV. Ex.ªs está-se ocupando da política da saúde e não me pareceu, pela condução do debate do autor do aviso prévio, nem por outras intervenções, que a educação médica, que pode ser um aspecto da política da saúde, ou que pode interessar & política da saúde, seja dominada pela política da saúde.
Repito, peço a atenção de V. Ex.ª para o facto de que o Regimento me impõe a obrigação de chamar a atenção dos Srs. Deputados quando se desviam dos assuntos que estão dados para a ordem do dia.
O Orador: - Eu tenho de agradecer a advertência que V. Ex.ª me faz e confesso que não sei se estarei em melhor posição do que o Sr. Deputado avisante para esclarecer a orientação que dei a minha intervenção.
De qualquer maneira, quando o Sr. Deputado Pinto Machado une solicitou intervenção neste aviso prévio, apontou-me uma terceira alínea do articulado, em que se dizia: "A política da saúde e o planeamento económico." Procurei, portanto, orientar esta minha contribuição (dado que mão sou especialista em problemas de ensino e menos ainda em problemas de ensino médico) para o campo que o Sr. Deputado avisante considerou que eu a poderia dar. Coloquei-me, por isso, numa posição de humilde recepção de críticas e retomo novamente essa atitude para dizer a V. Ex.ª que foi com 'boa vontade que dei o meu contributo nesta, tribuna.
O Sr. Presidente: - Da boa vontade de V. Ex.ª não duvida a Mesa.
O Orador: - Muito obrigado, Sr. Presidente.
O Sr. Pinto Machado: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Faça favor.
O Sr. Pinto Machado: - Eu já tinha tido a tentação de felicitar o Sr. Deputado Correia da Cunha pela orientação que estava a dar a sua exposição - com todo o respeito pela advertência do Sr. Presidente, visto que ela, feita por uma pessoa com particular autoridade, vinha desenvolver um aspecto que, conforme indiquei no sumário do meu aviso prévio, integra e dá sentido a uma política de educação médica.
Como referi ontem, a educação medica visa formar médicos para o serviço de uma comunidade concreta em ordem ao desenvolvimento da sua saúde que, como recordei, na definição da Organização Mundial de Saúde "é o estado de completo bem-estar físico, mental e social da pessoa". Em toda a parte se procura uma medicina social, isto é, uma medicina que ultrapassou o seu estádio anterior de resolver os problemas da doença de coda indivíduo, em particular por se reconhecer que a doença não é necessariamente unia fatalidade, pois tem fundamentalmente causas sociais, que de largo ultrapassam os problemas das bactérias e dos vírus. É, pois, minha convicção profunda que a intervenção do Sr. Deputado Correia da Cunha efectivamente se integra naquilo a que poderia chamar uma educação médica compreensiva.
Muito obrigado.
O Sr. Presidente: - Se o Sr. Deputado avisante considera que o sentido da intervenção de V. Ex.ª é útil ao esclarecimento do debate que levantou, tenha V. Ex.ª a bondade de continuar, imas creio que o Assembleia também itera apreciado o esclarecimento do Sr. Deputado avisante.
O Orador: - Muito obrigado a VV. Ex.ªs
Retomando um pouco o fio ...
O aumento do custo da saúde é fenómeno inelutável que acompanha o envelhecimento da população e o progresso técnico, mas tem-se consciência de que o mau maior ainda poderá advir de uma acção descoordenada por parte dos diversos Ministérios com atribuições no sector. Ora, se VV. Ex.ªs me permitem, este apontamento tem intenção. É que a política da saúde não se faz apenas para o dia a dia e o fenómeno de emigração intensa, a que temos estado sujeitos, conduz necessariamente a um envelhecimento da população; portanto, a uma carga cada vez mais pesada nesse sector.
Não é por acaso que o Ministro da Saúde detém também a pasta das Corporações e Previdência Social; e não foi também sem intenção que o 'Governo criou, pelo Decreto-Lei n.º 446/70, o Conselho Superior de Acção Social especialmente encarregado de coordenar, em matéria de saúde, a acção dos dois Ministérios. Mas também é um facto que ainda subsistem desfasamentos com órgãos dos Ministérios da Educação, das Finanças, do Interior, das forças armadas, etc.
Por que é que faço referência a este aspecto? Porque sabemos todos que existem, neste como noutros sectores, compartimentos estanques que tentam subsistir e através do planeamento nós procuramos pôr a carrilar, a economizar, meios que se encontram dispersos. Portanto, o Governo tomou já, e refiro-o aqui, uma iniciativa que era importante, mas não terá sido tudo ainda.
Creio que neste domínio só haverá vantagem em procurar soluções conjuntas, coordenando atribuições para evitar a duplicação de esforços. Veio ao encontro desta preocupação a criação das chamadas comissões distritais
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de solide, de carácter Interministerial, e a instalação de centros de saúde, a nível distrital e concelhio, congregando a totalidade dos serviços locais existentes.
Trata-se de ura esforço importante de racionalização que importa acompanhar com interesse. Ao encarar a falto de cobertura médica para os centros de saúdo instalados em cento e quinze concelhos da chamada periferia, mão deixei de m editar sobre a intensidade das forças repulsivas que estão a afectar grande parte do nosso território europeu. Só o futuro dirá em que medida elas podem ser contrariadas e por que forma se poderá evitar a contínua retracção das áreas onde ainda é possível viver oeste país. Ao considerar os parâmetros de uma política de saúde não soube evitar descer até ao homem que trabalha e sofre, componente real de toda uma sociedade que tombem acusa fortes sintomas de desorientação e cepticismo. Continuar a ignorá-lo servirá apenas para que o mal se agrave e não ajudará os responsáreis a vincular o povo as suas decisões.
Para além do bem inestimável que é a saúde, eu desejarei para cada português uma vida mais digna e um futuro menos sombrio. Assim seja.
Vozes: - Muito bem!
O orador foi cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: Vou encerrar a sessão.
Amanhã haverá sessão à hora regimental, tendo como ordem do dia a continuação do debate do aviso prévio sobre educação médica.
Está encerrada a sessão.
Eram 17 horas e 25 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
António Júlio dos Santos Almeida.
Deodato Chaves de Magalhães Sousa.
Francisco José Pereira Pinto Balsemão.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Henrique Veiga de Macedo.
João Bosco Soares Mota Amaral.
João Duarte de Oliveira.
Joaquim Jorge Magalhães Saraiva da Mota.
José da Silva.
Júlio Dias das Neves.
Luís Maria Teixeira Pinto.
Manuel Artur Cotta Agostinho Dias.
Manuel José Archer Homem de Mello.
Manuel Valente Sanches.
Miguel Pádua Rodrigues Bastos.
Rogério Noel Feres Claro.
Teodoro de Sousa Pedro.
Teófilo Lopes Frazão.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Alberto Marciano Gorjão Franco Nogueira.
Alexandre José Linhares Furtado.
Amílcar Pereira de Magalhães.
António Fausto Moura Guedes Correia Magalhães Montenegro.
Camilo António de Almeida Gama Lemos de Mendonça.
Delfino José Rodrigues Ribeiro.
Fernando Artur de Oliveira.
Baptista da Silva.
Fernando Augusto Santos e Castro.
Fernando do Nascimento de Malafaia Novais.
Fernando de Sá Viana Rebelo.
Francisco Correia das Neves.
Francisco Manuel Lumbrales de Sá Carneiro.
João Paulo Dupuich Pinto Castelo Branco.
João Ruiz de Almeida Garrett.
Jorge Augusto Correia.
José Coelho Jordão.
José Dias de Araújo Correia.
José Guilherme de Melo e Castro.
José João Gonçalves de Proença.
José Vicente Pizarro Xavier Montalvão Machado.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Manuel Marques da Silva Soares.
Maximiliano Isidoro Pio Fernandes.
Ramiro Ferreira Marques de Queirós.
Rui Pontífice Sousa.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortas.
Victor Manuel Pires de Aguiar e Silva.
O REDACTOR - José Pinto.
Rectificações do Sr. Deputado Almeida Cotta ao n.º do Diário das Sessões:
Sr. Presidente: Tenho a honra de comunicar a V. Ex.ª de que na minha intervenção, publicada no n.º 151 do Diário das Sessões, de 20 do corrente mês, se devem introduzir ias seguintes rectificações, a p. 3 065, col. l.ª:
L. 10 e 11, onde se diz: "... admite actividades acessórias que são conexas, ...", deve ler-se: "... admitem-se actividades acessórias desde que sejam conexas, ...";
L. 47 a 60, onde se diz: "... não só o exclusivamente, mas até outras formas. Poderia arranjar formes liberarias, e no Direito, como sabe, a literatura não tem o rigor e a importância como o teria n riqueza verbal.", deve ler-se: s... não empregar só 'exclusivamente', para definir o mesmo conceito. Mas no Direito, como sabe, a literatura não item o valor e a importância que assume noutras formas de expressão do pensamento."
Rectificações ao mesmo Diário das Sessões enviadas para a Mesa pelo Sr. Deputado Cunha Araújo:
Sr. Presidente: Roqueiro a V. Ex.ª se digne ordenar a rectificação do Diário das Sessões em reclamação, n.º 151, pela forrou, seguinte:
A fl. 3 048, col. l.ª, 1. 3, 7 e 24, onde se lê: "vislege", "cxvi" e "propunham", deve ler-se: "ex vi", "vis lege" e "proponham".
Na mesma página, col. 2.º, 1. 57, onde se lê: s... e que pretende ...", deve ler-se: s... que pretenda ...".
A p. 3049, col 2.", 1. 13, onde se lê: "... tão-só o de . . ", deve ler-se: "... tão-só com o de ...".
Requerimento enviado para a Mesa durante a sessão: Requeiro, DOS termos regimentais, e com vista a uma próxima intervenção nessta Assembleia, que pela Administração-Geral do Álcool, e através da Secretaria de Estado do Comercio, do Ministério da Economia, me sejam fornecidos os seguintes elementos:
A) Sobre a economia do figo, nos concelhos de Tomar,
Torres Novos, Alcanena e Vila Nova de Ourem, para cada
concelho, e para os anos de 1960 a 1970:
1) Quantidades produzidos de figo industrial e de figo escolhido:
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2) Quantidade de aguardente produzida;
3) Preços praticados na aquisição do figo e da aguardente produzida;
4) Número de destilações existentes e quantas entearam em laboração;
5) Há quantos anos está em vigor a actual tabela de preços do figo pagos ao produtor e da aguardente produzida;
6) Movimento de laboração de figo e aguardente produzida pelas seguintes destiladoras:
a) Sociedade de Destilação do Porto da Laje - Tomar;
b) Sociedade de Destilação Lusitana - Torres Novas.
B) Sobra o comércio do álcool em Portugal:
1) Quantidade total e valor do álcool puro consumido no nosso país pana os mesmos anos;
2) Contribuição do álcool obtido a partir da economia do figo nesse consumo nacional;
3) Quantidade e valor de álcool puro, importado do estrangeiro, e preço por litro;
4) Relação dos poises dos quais se faz a importação de álcool-
C) Cópias dos relatórios e contas dm A. G. A. nos anos acima referidos.
Sala das Sessões dia Assembleia Nacional, 26 de Janeiro de 197a. - O Deputado, Júlio Dias das Neves.
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