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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL E DA CÂMARA CORPORATIVA
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 154
ANO DE 1972 28 DE JANEIRO
ASSEMBLEIA NACIONAL
X LEGISLATURA
SESSÃO N.º 154. EM 27 JANEIRO
Presidente: Ex.mo Sr. Carlos Monteiro do Amaral Netto.
Secretários: Ex.mos Srs.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
Amílcar da Costa Pereira Mesquita.
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas o 50 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o n.º 153 do Diário das Sessões.
Deu-se conta, do expediente.
Para cumprimento do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, foi presente a Assembleia. Nacional o Decreto-Lei n.º 29/72.
Foram entregues ao Sr. Deputado Magalhães Mota as publicações por ele pedidas ao Ministério das Finanças em requerimento de 15 de Janeiro.
A Sr.ª Deputada. D. Custódia Lopes apresentou dois requerimentos: um, pedindo ao Ministério do Ultramar elementos sobre o número de médicos, veterinários e engenheiros em serviço do Estado na provinda de Moçambique, e outro, pedindo informações sobre o número de portugueses residentes na África do Sul e de emigrantes para este mesmo país nos últimos de anos.
O Sr. Deputado Leal de Oliveira solicitou ao Ministério das Obras Públicas o fornecimento de diversas informações relativas ao Plano Geral de Aproveitamentos Hidráulicos do Algarve.
O Sr. Deputado Oliveira Ramos requereu à Secretaria de Estado da Agricultura elementos sobre as iniciativas levadas a cabo, em execução ou programadas no ano de 1971 por aquele departamento, na sub-região litoral norte.
O Sr. Deputado Roboredo e Silva referiu-se às recentes comunicações feitas ao Pais pelo Sr. Ministro da Educação Nacional, a quem pediu especial atenção para a situação existente no Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras.
O Sr. Deputado Gaspar de Carvalho manifestou ao Sr. Ministro das Obras Públicas o reconhecimento das gentes da sua região pelas obras de beneficiação realizadas na estrada que liga as Penhas da Saúde a Manteigas.
O Sr. Deputado Alberto de Alarcão fez considerações sobre transportes escolares nos meios rurais.
Ordem do dia. - Continuou o debate do aviso prévio Sr. Deputado Pinto Machado sobre a educação médica.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Agostinho Cardoso, Santos Bessa e Oliveira Dias.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 17 horas e 40 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 15 horas e 40 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Albano Vaz Pinto Alves.
Alberto Eduardo Nogueira Lobo de Alarcão e Silva.
Alberto Maria Ribeiro de Meireles.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Álvaro Filipe Barreto de Lara.
Amílcar da Costa Pereira Mesquita.
António Bebiano Correia Henriques Carreira.
António da Fonseca Leal de Oliveira.
António Lopes Quadrado.
António Pereira de Meireles da Bocha Lacerda.
Armando Júlio de Roboredo e Silva.
Armando Valfredo Pires.
Artur Augusto de Oliveira Pimentel.
Augusto Domingues Correia.
Augusto Salazar Leite.
Bento Benoliel Levy.
Carlos Eugênio Magro Ivo.
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Carlos Monteiro do Amaral Netto.
D. Custódia Lopes.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Eleutério Gomes de Aguiar.
Fernando Augusto Santos e Castro.
Fernando David Laima.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Fernando do Nascimento de Malafaia Novais.
Francisco António da Silva.
Francisco Esteves Gaspar de Carvalho.
Francisco João Caetano de Sousa Brás Gomes.
Francisco Manuel de Meneses Falcão.
Francisco de Moncada do Casal-Ribeiro de Carvalho.
Gustavo Neto Miranda.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Humberto Cardoso de Carvalho.
João Duarte Liebermeister Mendes de Vasconcelos Guimarães.
João Duarte de Oliveira.
João José Ferreira Forte.
João Lopes da Cruz.
João Manuel Alves.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
João Luiz de Almeida Garrett.
Joaquim Germano Pinto Machado Correia da Silva.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Joaquim de Pinho Brandão.
José Coelho de Almeida Cotta.
José Coelho Jordão.
José da Costa Oliveira.
José Gabriel Mendonça Correia da Cunha.
José Maria de Castro Salazar.
José dos Santos Bessa.
José Vicente Cordeiro Malato Beliz.
Júlio Dias das Neves.
Luís António de Oliveira Ramos.
D. Luzia Neves Pernão Pereira Beija.
Manuel Elias Trigo Pereira.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel de Jesus Silva Mendes.
Manuel Joaquim Montanha Finto.
Manuel Monteiro Ribeiro Veloso.
Miguel Pádua Rodrigues Bastos.
Pedro Baessa.
Prabacor Rau.
Rafael Ávila de Azevedo.
Raul da Silva e Cunha Araújo.
Ricardo Horta Júnior.
Rui de Moura Ramos.
Teodoro de Sousa Pedro.
Teófilo Lopes Frazão.
Tomás Duarte da Câmara Oliveira Dias.
Vasco Maria de Pereira Pinto Costa Ramos.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 70 Srs. Deputados. Está aberta a sessão.
Eram 15 horas o 50 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Está em reclamação o n.º 152 do Diário das Sessões, já distribuído a VV. Ex.ªs.
Pausa.
O Sr. Presidente:-Se nenhum de VV. Ex.ªs tem quaisquer rectificações a fazer a este Diário, considerá-lo-ei aprovado.
Está aprovado o n.º 152 do Diário das Sessões:
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Telegrama
Dos agentes de educação familiar rural em serviço no Instituto Nacional do Trabalho de Bragança apoiando a intervenção do Sr. Deputado Fausto Montenegro sobre a sua situação.
O Sr. Presidente: - Está na Mesa, para cumprimento do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição e enviado pela Presidência do Conselho, o Diário do Governo, n.º 19, de 24 de Janeiro corrente, que insere o Decreto-Lei n.º 29/72, o qual torna extensivo à generalidade dos serviços de natureza pública, estabelecendo as normas para a sua uniformização, o uso da microfilmagem dos documentos em arquivo, com a consequente inutilização dos respectivos originais.
Estão também na Mesa, enviadas pela Presidência do Conselho, as publicações fornecidas pelo Ministério dos Finanças para satisfação de um requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Magalhães Mota na sessão do passado dia 15 de Janeiro. Vão ser entregues a esse Sr. Deputado.
Para apresentar dois requerimentos tem a palavra a Sr.ª Deputada D. Custódia Lopes.
A Sr.ª D. Custódia Lopes: - Sr. Presidente: Pedi a palavra par a apresentar os seguintes
Requerimentos
Nos termos regimentais, requeiro que pelo Ministério do Ultramar me sejam fornecidos os seguintes elementos referendes a província de Moçambique:
Número de médicos em serviço do Estado nos diferentes hospitais e outras instituições, distribuídos por distritos;
Número de médicos em serviço no Hospital Escolar da Universidade de Lourenço Marques;
Número de médicos veterinários em serviço do Estado nos diferentes distritos;
Número de engenheiros agrónomos e regentes agrícolas em serviço do Estado nos diferentes distritos;
Número de engenheiros civis, electrotécnicos e de outras especialidades em serviço do Estado nos diferentes distritos.
Nos termos regimentais, requeiro que pela entidade competente me sejam fornecidos os seguintes elementos:
1) Número de portugueses residentes na África do Sul;
2) Número de emigrantes para este mesmo país nos últimos dez anos, discriminando-se os quantitativos anuais.
O Sr: Leal de Oliveira: - Sr. Presidente: Pedi a palavra para apresentar o seguinte.
Requerimento.
Ao abrigo 9o Regimento dia Assembleia Nacional, solicito que pelo Ministério das Obras Públicas me sejam fornecidas, com a urgência possível, informe-
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ções detalhadas sobre o Plano Geral doa Aproveitamentos Hidráulicos do Algarve, destinado a suprir as necessidades em água paro rega e para o abastecimento das populações e da indústria.
Peço também que me sejam facultadas a localização e estimativas das áreas e quantidades globais de água para rega dos terrenos susceptíveis de virem a ser
beneficiados; necessidades em água para abastecimento dais populações algarvias; possibilidades actuais de abastecimento e estimativa das potencialidades hídricas existentes na província ainda não exploradas - subterrâneas e de superfície.
Solicito ainda ser esclarecido sobre a viabilidade ida inclusão do Plano Geral abras aludido no esquema de aproveitamento das águas do rio Guadiana - Plano de Rega do Alentejo - e, em caso afirmativo, das suas relações com as (barragens de Alqueva e da Rocha da Gala e com as águas do troço internacional .do rio Guadiana, entre a ribeira do Chança e a foz.
O Sr. Oliveira Ramos: - Sr. Presidente: Pedi a palavra para apresentar o seguinte.
Requerimento
Nos termos do Regimento, roqueiro ao Governo, através da Secretaria de Estado da Agricultura, informação acerca das iniciativas levadas a cabo, em execução ou programadas no ano de 1971, na sub-região litoral norte, em andem a:
1) Promover socialmente o agricultor e garantir-lhe conveniente adestramento técnico;
2) Fomentar o dimensionamento útil das explorações;
3) Incrementar, na área, a reconversão agrária e as produções agro-pecuárias e florestais consideradas rendosas.
O Sr. Roboredo e Silva: - Sr. Presidente: Três distintos Deputados referiram-se na sessão de ontem, em termos encomiásticos de inteira justiça, as duas comunicações ao País feitas pelo Sr. Ministro da Educação Nacional.
Associo-me ao ame já foi dito, e desejo acentuar um aspecto a que não estamos habituados, que á o de um Ministro vir dar contas a Nação, através do meio de comunicação mais directo e persuasivo que é a televisão, do trabalho executado no seu departamento ao longo do amo que findou e o previsto para o ano que há semanas acaba de começar e ainda para o futuro imediato. E é tanto mais de louvar essa nobre e denodada altitude do Ministro quando os problemas que enfrenta na sua pasta são dos mais complexos e inovadores da época que vivemos - genuína batalha da educação, como já lhe chamou. Por mim, creio que o Sr. Ministro da Educação Nacional está firmemente disposto a executar o que prometeu, e todos, e digo todos, porque nesta pesada tarefa a que o Ministro meteu ombros e que ó fundamental para a sobrevivência da Nação entre as civilizadas até os analfabetos terão alguma contribuição a dar, e essa seria, pelo menos, a de, enchendo-se de brio, aprender a ler e a escrever, se ia sua idade já não der para mais.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - São, pois, de reconhecimento estas palavras que profiro, e bem desejaria que, sem quebra dos princípios de autonomia que o Ministro quer dar em pleno e tem já concedido à Universidade, não deixe de haver um controle superior que se imponha quando faltas de direcção, de qualidades de organização ou desacertos de qualquer espécie conduzam a situação semelhantes às que se têm processado no Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras, onde se pode dizer que ainda não houve actividades escolares.
O funcionamento há poucas semanas iniciado do curso do 5.º ano de Finanças, em que os alunos terão tido acção de relevo, não tem significado de funcionamento escolar efectivo numa Faculdade onde estão matriculados mais de 4 000 alunos, dos quais só no 1.º ano serão pelo menos 800, tendo ouvido dizer que a previsão se inclina para uns 1 000 ou mesmo mais.
Afigura-se que este caso merece que o Sr. Ministro se debruce especialmente sobre ele, pois estamos praticamente no fim de Janeiro e será muito difícil que os alunos possam vencer o ano, ainda, que as aulas comecem no próximo mês e o ano escolar se estenda pelo Verão fora, se é que isso á viável.
Podemos imaginar a frustração e a tristeza, perante tão insólita ocorrência, dos moços que querem trabalhar e completar os seus cursos, que são felizmente a quase totalidade, e dos pais que anseiam e suportam, encargos para ver os filhos aptos a ganhar a sua vida, o que por vezes é feito com pesados sacrifícios materiais.
Por outro lado, a falta de esclarecimentos sobre tão sério acontecimento tem contribuído para a desorientação que reina na população escolar do Instituto por desconhecer totalmente o que lhe vai suceder neste ano lectivo.
Além do prejuízo que resulta para a Nação de um ano de atraso na preparação de diplomados, que são tão necessários ao desenvolvimento económico que todos desejamos imparável, a longa solução de continuidade nos trabalhos escolares contribuirá, sem dúvida, designadamente nos alunos de espírito menos forte, para se deixarem conduzir por caminhos porventura tortuosos ...
"A ociosidade é mãe de todos os vícios", diz o povo na sua imensa sabedoria.
Renovo o meu apreço- pela inteligente, enérgica e decidida actuação do Sr. Ministro e pelo Governo que o secunda e peço-lhe para que não fique pairando uma dúvida nas suas intenções e decisões, que deite a mão é a expressão que me surje como mais apropriada - com a urgência requerida ao Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras, por forma que seja ainda possível para todos os que o frequentam e que o mereciam não perderem o ano escolar.
Dará assim mais uma prova da sua forte personalidade de "antes quebrar que torcer", removendo obstáculos que para a sua vontade inquebrantável nunca serão intransponíveis.
Finalmente, desejaria incluir mais uma palavra para pedir ao Sr. Ministro que não esqueça, nos seus vastos projectos de reorganização do ensino superior, o distrito da Guarda e, particularmente, a sua capital, tão carecidos de infra-estruturas desse nível para satisfazerem os justos anseios dos seus duzentos e muitos milhares de habitantes, que, mercê de uma emigração maciça, permitem a numerosas famílias dar uma educação, de grau superior a seus, filhos hipótese que há meia dúzia de anos atrás seria inconcebível.
Muito obrigado.
Vozes: - Muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
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O Sr. Gaspar de Carvalho: - Sr. Presidente: Porque persisto na ideia de que a gratidão é um dos mais elementares deveres de qualquer pessoa bem formada, entendo ser de minha obrigação trazer aqui o testemunho do maior e mais sincero reconhecimento das gentes da minha região a S. Ex.ª o Ministro das Obras Públicas, por motivo das obras, agora ultimadas, que tanto beneficiaram a estrada que, partindo das Penhas da Saúde, se dirige, acompanhando a margem direita do rio Zêzere, em direcção às Caldas de Manteigas e vem depois atravessar a própria sede do concelho, para, finalmente, entroncar naquela que, através de panoramas deslumbrantes, liga as vilas de Manteigas e de Gouveia.
A estrada a que me refiro foi, há talvez cerca de trinta e cinco anos, aberta pelos serviços florestais, os quais, agindo embora na defesa dos seus interesses próprios, prestaram, sem dúvida, um enorme serviço ao turismo local; com ela permitiram, a quem o queira fazer, apreciar com comodidade alguns dos mais belos recantos do majestoso maciço da Estrela - a Nave de Santo António, os Cântaros, o Espinhaço de Cão, a nascente e o vale do Zêzere, locas até então só muito dificilmente acessíveis, pois a eles não era possível fazer chegar viaturas de nenhuma espécie.
O rodar dos tempos, porém, exigiu o melhoramento do traçado e do pavimento dessa via de comunicação, que a intensidade do trânsito tornou, entretanto, inadequados. Mas, como é evidente, não era ao departamento das florestas, com fins específicos fundamentalmente diferentes, que competia resolver o problema.
Assim é que, já lá vão dezena e meia de anos, se expôs ao Ministério das Obras Públicas a necessidade de a classificar como estrada nacional, integrando-a, pois, na rede a cargo da Junta Autónoma de Estradas.
A pretensão não obteve na altura deferimento; foi o Sr. Engenheiro Bui Sanches, perante quem eu, na qualidade de presidente da Câmara Municipal de Manteigas, funções que desempenhava então, voltei a renovar o pedido, que o resolveu favoravelmente, juntando a esse inestimável serviço ainda o de haver determinado que rapidamente se efectuassem, além do revestimento betuminoso, os trabalhos de conservação e melhoramento que se mostrassem mais instantes - e que tiveram agora o seu termo..
Bem atento aos interesses locais, que, sendo, afinal, uma parcela dos interesses da Nação, com estes coincidem, o ilustre titular da pasta das Obras Públicas não hesitou em tomar esta medida de largo alcance na valorização turística da serra da Estrela. Mas foi ainda mais longe: promovendo, simultaneamente, a terraplenarem e o revestimento betuminoso dos parques de estacionamento de viaturas automóveis que servem a estação de Vale dos Piornos e o revestimento betuminoso do ramal que liga aquela estação à estrada nacional n.º 339, solucionou uma das mais graves dificuldades para dar início ao funcionamento do teleférico, o qual, todavia, e segundo é minha convicção, deverá protelar-se para o Inverno de 1973-1974, já que não é de prever que antes dessa data estejam concluídas as indispensáveis estações junto aos locais de partida e de chegada.
Se, pois, o turismo está de parabéns, se os milhares de visitantes que em cada ano demandam aquelas paragens foram altamente beneficiados, o certo é que os habitantes da região o não foram menos, porquanto passaram a dispor de uma nova rodovia, digna desse nome, para as suas deslocações e pana o escoamento do produto das suas actividades industriais e agrícolas. E até a própria Colónia Termal do Férias das Caldas de Manteigas - iniciativa magnífica do Instituto de Obras Sociais do Ministério das Corporações e Previdência Social, que nunca será de mais enaltecer - ficou grandemente valorizada, pois se encurtou, de forma considerável, o acesso à estação do caminho de ferro da Covilhã.
Enfim, é caso para todos cos congratularmos por tais melhoramentos, que, não sendo espectaculosos, têm, contudo, o maior reflexo e a mais larga repercussão.
Acresce que o ilustre homem de Estado, vivamente empenhado, como se vê, no progresso da seroa da Estrela, acedeu também ao pedido da respectiva Comissão Regional de Turismo no sentido de ser efectuado o estudo - que está em curso - da construção da estrada nacional n.º 339-1, entre Sabugueiro (a povoação de Portugal situada a maior altitude) e Vasqueanes (estrada nacional n.º 232).
Por todos estes factos rendo ias minhas homenagens ao Sr. Ministro das Obras Públicos, agradecendo-lhe, tanto como os benefícios, a prontidão com que os concedeu; o reconhecimento de todos nós é profundo e bem sentido.
No nosso distrito da Guarda, distanciado, por estrada, cerca de três centenas e meia de quilómetros de Lisboa, mas tão desprotegido e esquecido que dir-se-ía estar a milhares, as carências são tantas, tão variadas e tão grandes que, satisfeita qualquer necessidade ou aspiração, ainda mais avultam as outras.
É por isso que me atrevo a apelar de novo para o Sr. Engenheiro Rui Sanches, cuja boa vontade e interesse bem patenteados ficavam nos casos de que venho tratando, para que se digne olhar com especial carinho aquelas terras do fim do mundo, tão desprezadas, tão falhas de tudo, e que, a manter-se a situação actual, acabarão, em grande parte, por ficar despovoadas.
O Sr. Roboredo e Silva: - Muito bem!
O Orador: - É que a ausência de razoáveis condições dê vida provocam um tal surto emigratório que a crise de trabalhadores se reveste dos mais alarmantes aspectos: o abandono das temas, outrora aproveitadas na mais insignificante leira e tão produtivas, e hoje deixadas incultas, é disso manifestação evidente. Por outro lado, o desânimo dos poucos que restam é angustioso; esperança, só a que- se concentra no futuro da fruticultura, mas também esta se desvanecerá se, entretanto, as iniciativas nesse sentido deixarem de ser acarinhadas, protegidas e auxiliadas, quer no campo técnico, quer no da conservação e na comercialização dos produtos.
Não se julgue que de algum modo exagero este drama cruciante que se está vivendo na região beiroa; aliás, a imprensa local repetidamente item feito eco da situação aflitiva que dia a dia se agrava. Sem desprimor pana outros, e são muitos, destaco a campanha que, embora até agora não tenhamos sido ouvidos, vem sendo prosseguida sem desfalecimentos, do há anos a esta porte, no semanário A Guarda, pela pena de diversos colaboradoras, entre os quais, no que respeita ao sector agrícola, merece ser posto em relevo o Dr. Antero Marques, pela suo constância que não esmorece e pelo senso prático com que por ele são estudadas as dificuldades da lavoura.
Mas o que nós todos pretendemos, afinal, é que o Sr. Ministro das Obras Públicas verifique, pelos seus próprios olhos -, o que se passa. Aliás, de há muito está programada a sua visita ao distrito da Guarda, e por duas vezes já motivos ponderosos impuseram o adiamento da sua deslocação.
A verdade, porém, é que o tempo vai passando e a nossa Ansiedade cresce, certos, como estamos, de que da sua visita, hão-de colher-se resultados promissores.
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Finalizo, pois, por exprimir o voto de que, removidos os obstáculos que a têm impedido, tal visita brevemente se concretize e dela resultem os frutos que esperamos.
Por mim, sou dos que continuem confiantes.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem!
O orador foi cumprimentado.
O Sr. Alberto de Alando: - Sr. Presidente: Já nos referimos à necessidade de concentração de efectivos escolares dos nossos meios rumais em voas de despovoamento como processo de manutenção da prestação de ensino às rarefeitas populações juvenis dos nossos campos e forma de melhorar a qualidade do seu ensino (Diário das Sessões, n.º 137, pp. 2 755-3 758).
Essa concentração de efectivos pode fazer-se todos os dias ou à semana (ou mais longa duração), com alojamento ou apenas transporte diário de escolares.
Sempre que se não queira retirar o aluno longamente do seu ambiente familiar (recorrendo nomeadamente a "residências académicas" e meios complementares de alojamento), haverá de pensar-se na montagem de serviços de transporte como forma de promoção dessa concentração diária de educandos.
Em capítulo próprio: "Acção social escolar", do Projecto de Estatuto da Educação Nacional, d autoria de um precedente Ministro da Educação Nacional, Prof. Doutor Inocêncio Galvão Teles, se contemplava o assunto em seu:
Art. 241.º - 1. Procurar-se-á assegurar e facilitar o transporte de e para os estabelecimentos de ensino por um dos seguintes meios:
a) Organizando as carreiras e horários de transportes colectivos de passageiros de modo a satisfazerem essa exigência;
b) Organizando transportes destinados especificamente aos alunos, quando se mostre necessário ou conveniente, tendo em atenção as circunstâncias, como a eventual impraticabilidade da solução anterior, a idade dos alunos, o seu número, a situação dos estabelecimentos de ensino.
2. Para o efeito do declarado na alínea b), poderá o Estado, designadamente, requisitar às empresas de transportes colectivos de passageiros, mediante indemnização, a realização de carreiras especiais. (Itálicos nossos.)
Tais são, com efeito, as soluções correntemente utilizadas no estrangeiro e que nalguns casos vão começando a ter seu curso entre nós, sobretudo nos meios urbanos e suburbanos, e importa alargar ao mundo rural:
a) Serviços regulares (rodoviários e ferroviários) de passageiros, para os quais nenhuma autorização é especificamente (pelo facto de transportar, porventura, sobretudo escolares) necessária, convindo, no entanto, promover a sua organização, montagem e funcionamento a tempo e horas, agora que se alarga a frequência da escolaridade obrigatória e cresce a distância a que normalmente se localizam os novos estabelecimentos de ensino (escolas preparatórias, nomeadamente);
b) Carreiras especiais reservadas a estudantes (ou mesmo transportes privativos de escolas, associações familiares ou outras entidades, nomeadamente autarquias locais).
Em qualquer dos casos pode ser facilitada a sua utilização pela obtenção de descontos ou modalidades mais favoráveis para estudantes, atribuição de subsídios pelo Estado, instituições oficiais ou particulares, etc.
A cedência gratuita de veículos poderia, inclusive, vir a ser estimulada e socialmente reconhecida nos meios ruçais, tal como se verifica com as ofertas para a instalação de cantinas escolares.
Sr. Presidente: Nos serviços regulares de transportes colectivos de passageiros podem ser postos a disposição apenas de escolares veículos em regime de desdobramento ou um certo número de lugares nas carreiras normais, de modo a assegurar prioritariamente o seu transporte, qualquer que seja a anuência do público em geral. Isso pode ser sobremodo importante em dias de feira, mercado ou romaria nos nossos meios rurais.
As aulas não esperam pelos alunos em atraso ou falta, por falta de capacidade nos meios de transporte colectivo de passageiros por rodovia. As condições contratuais com os transportadores nos meios rurais poderão assim considerar este aspecto de capacidade de transporte assegurado a escolares.
Mas será, sobretudo a respeito de circuitos especiais destinados aos alunos abrangidos pela nova escolaridade obrigatória, que se apresta a chegar aos nossos meios rurais, que nos queremos referir aqui e agora.
É que não desconheço a frouxidão das redes de transporte colectivo rodoviário de passageiros e a sua não harmonia frequente com os horários escolares.
Em França, por exemplo, l 170 000 crianças utilizaram em 1969-1970 transportes escolares, na quase totalidade beneficiando de "subvenções". Neste último ano escolar deve ter ascendido a l 400 000 crianças, o que denota bem a importância deste fenómeno social em povos que querem evoluir.
Quem pode organizar esses circuitos especiais?
Geralmente, quem assegura a gestão financeira e assume a responsabilidade civil de acidentes, outros que não os de circulação, é uma "pessoa moral" (um "departamento", uma associação de "comunas", uma "comuna", uma associação familiar ou de pais de alunos, um estabelecimento de ensino, um transportador).
Relativamente a condições de periodicidade, de horários, de distância a respeitar, aí se tem:
1) O circuito deve ser quotidiano (todos os dias escolares);
2) A duração do trajecto não deve exceder quarenta e cinco minutos em cada percurso;
3) Os horários devem permitir às crianças chegar antes das aulas e poderem ser acolhidas no interior dos estabelecimentos;
4) O projecto deve precisar, com o auxílio de cartas e relatórios adequados, as modalidades de execução dos serviços, o itinerário, os horários aproximados, as paragens necessárias e o número de crianças a transportar.
A criação de uma carreira ou circuito especial só será concedida se nenhum serviço regular se dispuser a assegurar, após ajustamento de horários e trajectos, as necessidades de ensino. Em igualdade de serviço e preço, a preferência deve ser compreensivelmente concedida às empresas de carreiras regulares de camionagem de passageiros.
Se nenhum acordo for possível estabelecer, o serviço de recolha, transporte e distribuição dos alunos pode ser assegurado por qualquer outra empresa de transportes
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públicos regional; por um alugador particular ou em administração directa, por adjudicação.
Quando todo o acordo se revela impossível, a exploração das carreiras pode ser concedida à entidade requerente do estabelecimento das carreiras.
Para beneficiar da participação ou auxilio do Estado, os serviços de transporte de alunos deverão solicitar a sua inscrição num "plano departamental de transportes escolares" e ser objecto de despacho favorável do Ministro responsável.
Tal plano destina-se a servir, dentro das áreas concessionadas ou demarcadas, os estabelecimentos de ensino inscritos na carta escolar de cada ramo e grau de ensino.
Compreende-se que deva ser concedida prioridade às classes de escolaridade obrigatória.
A autorização é concedida tendo em atenção imperativos pedagógicos que respeitam u organização do ensino, carta escolar, condições de ordem económico-financeira (nomeadamente preços a praticar) e rentabilidade dos serviços de transporta.
Podem ser concedidos subsídios de instalação ou créditos para o estabelecimento desses circuitos especiais de transporte de alunos.
Por seu lado, as despesas ide exploração devem ficar a cargo dos organizadores, mas sempre que o serviço se mostre não rentável ou a custo proibitivo para os famílias, pode o Estado participar nas despesas de funcionamento (máximo de 65 por cento em França, excepto no caso de reordenamento escolar, em que pode ser excedida tal percentagem, e até ao limite dos créditos abertos pelas leis de finanças anuais).
O contributo dos Ministérios da Educação Nacional e da Agricultura tem sido em França o seguinte:
Francos francosos
[... ver tabela na imagem]
Outros entidades podem igualmente participar no custo de funcionamento, tendo-se verificado em 1960-1967 a seguinte participação de encargos entre as entidades colaborantes:
Entidades
[... ver tabela na imagem]
A participação do Estado é actualmente da ordem dos 65 por cento doa encargos.
Podem beneficiar, dentro dos limites dos créditos abertos palas Leis de finanças anuais:
1) As famílias com residência em freguesias (communes) localizados fora de aglomerações urbanas e a uma distância igual ou superior a 3 km do mais próximo estabelecimento de ensino;
2) As escolas, públicas ou privadas, que ministrem certos graus (nomeadamente ensino primário e secundário) e ramos de ensino (escolas de formação profissional agrícola) e se disponham a organizar .transportes para a sua frequência.
Delas 'beneficiam ainda certas escolas de reconversão profissional de adultos (nomeadamente de mineiros) ou estabelecimentos de ensino particulares que hajam estabelecido contratos simples ou de associação com o Estado.
Nesta hora de educação nacional, em que se pretende alargar e alta vai já a hora- a escolaridade da população portuguesa, bem importa, Sr. Presidente, que o Ministério da Educação. Nacional esteja atento e possa dotar o Instituto de Acção Social Escolar de meãos que assegurem o transporte de escolares de famílias economicamente débeis em nossos meios rurais.
Também entre nós algo se começou fazendo e, sem pretender ser exaustivo, alguma informação tenho vindo a recolher e registarei como exemplos:
1) Para facilitar o acesso dos estudantes do ciclo preparatório residentes a mais de 2 km de distância, a Câmara Municipal de Amavas, lá para o Alto Minho, deliberou adquirir um veículo ide transporte automóvel para levar e trazer os crianças dos seus domicílios à escola, e vice-versa;
2) Em Vila Nova de Paiva, no coração da Beira Alta, é o próprio presidente da Câmara que, enquanto não for contratado um profissional encartado, se encarrega de transportar as crianças à escola, evitando que fiquem privadas de ensino. E acrescenta a informação:
Parece poder garantir-se que o sacrifício é feito com gosto. Basta olhar, observar, a chegada daquelas carradas de alegria às portas da escola [...];
3) A todas se terá antecipado no tempo, porventura, Borba, nó distrito de Évora - nos primeiros tempos de vida da escola, nem um só dia lhe faltou o carro dos bombeiros que, demonstrando elevado espírito de serviço, se prontificaram a levar e trazer das aulas as crianças que moravam longe.
Não há, porém, como ter os suas próprias ferramentas: melhor seria dispor a escola de transporte próprio, libertando os bombeiros para tarefas mais de acordo com os suas habilitações e préstimos.
Meteu o povo de Borba ombros à tarefa e foi festa na vila, um ano que vai passado, quando aí chegou a nova carrinha para o transporte dos escolares. Mas não ficou por aí a transformação.
Como alguém afirmou, suma escola é a mola real de promoção de uma terra. Os exemplos são inúmeros e podiam ser dados tocando em variadíssimos aspectos".
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Consideremos este outro, da, batalha da educação trovada em berra de Borba pelas suas gentes:
Em Borba existe há dois anos uma escola de ciclo preparatório - a Escola de D. Maria I. A vila gamboa imediatamente uma nova vida.
Em volta do benefício das crianças criou-se um clima de entusiasmo, que depressa se traduziu em iniciativas, qual delas a mais feliz.
Por exemplo:
No ciclo preparatório, os encarregados de educação começaram, desde a abertura, das aulas, a ser solicitados para reuniões, em que problemas relativos aos alunos eram postos em discussão. Na sequência dessas reuniões os assistentes, sempre numerosos, começaram a ganhar confiança amiga, que lhes permitiu abrirem-se com ia direcção. A verdade é que eles não entendiam a maioria dos aspectos que lhes eram expostos. Tinham, pois, de chegar à conclusão, um pouco desanimadora, de não se sentirem em condições de guiar e Acompanhar aos seus trabalhos escolares os próprios filhos.
E aconteceu apegues isto: em breve, a Escola de D. Maria I abriu as suas portas para um curso nocturno destinado aos pais dos alunos que a frequentam de dia - a esses pais que, muito inteligentemente, não querem ver avançar os filhos, ficando fies para trás.
E eis como irradia e se reflecte a acção que uma escola pode desempenhar junto da população de vilas e povoados do País.
Eis por que, tudo isto dito na simplicidade das gentes, se me afigurou suficientemente digno de trazer ao conhecimento desta Assembleia e passar às páginas do Diário das Sessões, pana que conste.
Seja-me permitido ainda, Sr. Presidente, sorno Deputado eleito do círculo lisboeta, uma última palavra de congratulação pela criação, desde a passada sessão legislativa, dos liceus, dos Olivais e da Junqueira, em Lisboa; de Algas, Amadora, Queluz, Sintra e Torres Vedras (Decreto-Lei n.º 447/71, de 25 de Outubro); Idos escolas técnicas dos Olivais, da Amadora, de Alverca, de Louras e de uma segunda escola técnica em Sintra (Decreto-Lei n.º 457/71, de 28 de Outubro), que assim se vêm juntar a muitas outras, dos mais diversos graus de ensino, criadas por este Portugal além, para que ganhar se possa a "batalha da educação".
Vozes: - Muito bem!
O orador foi cumprimentado
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar à
Ordem do dia
Continuação da discussão do aviso prévio sobre a educação médica.
Tem a palavra o Sr. Deputado Agostinho Cardoso.
O Sr. Agostinho Cardoso: - Sr. Presidente: E bem oportuno o aviso prévio do Sr. Deputado Pinto Machado quando se desenha uma política nacional de saúde que pretende a cobertura sanitária generalizada Ida população e a melhoria rápida das condições de saúde individuais e colectivas.
Com efeito, tuna educação médica realista que se volte em dimensões convenientes para a sociedade de hoje constitui pedestal indiscutível da política comunitária que pretenda -, progressiva e aceleradamente, levar a todos os cidadãos o usufruto do direito à saúde.
E isso porque o conceito moderno de saúde só é realizável através de uma medicina integral, orientada simultaneamente para a pessoa e para as massas humanas, dirigida ao presente, diversificada em numerosas especialidades médicas e paramédicas que a sua complexidade impõe, apoiada da investigação, que é chave do progresso em qualquer actividade, e subdividida harmoniosamente nos seus três ramos: medicina profiláctica, medicina curativa e medicina de reabilitação.
Essa educação médica, numa corajosa reforma que a leve a este objectivo, tem de considerar, além ao mais, a modelação da personalidade do profissional médico e paramédico dos novos tempos.
E isso, no aspecto integral a que a sociedade bem direito, e ao que dele espera, nos aspectos de preparação profissional, dinamismo e rendimento de actuação, deontologia moral, espírito de missão, suficiência de condições económicas e de trabalho, aperfeiçoamento permanente e culto das virtudes tradicionais de honra, que date deram prestígio junto dessa sociedade.
Médicos, para quem o doente não seja apenas "o invólucro da doença", mas um ser humano a quem se deve solidariedade s se pede a saúde e, às vezes, a vida.
Sr. Presidente: Limitada a um objectivo sectorial como adiante se verá, a minha intervenção apoia quase na integra o estudo sério e profundo do. Dr. Pinto Machado.
O despovoamento médico da provinda, sobretudo nas zonas rurais, e a concentração de profissionais nas três cidades universitárias do País - referi-o incisivamente nesta tribuna em Dezembro de 1969 a propósito da assistência médico-dentária, à população da metrópole. Nessa altura verificar-se-ia um profissional adontologãista por cada 20 000 habitantes, se estivessem uniformemente repartidos pelo País. Todavia, dos 422 médicos estomatologistas e 74 odontologistas não médicos, existentes nessa altura, quase metade (161 estomatologistas e 48 odontologistas) concentravam-se em Lisboa e uma parte imporbamte em Coimbra e Porto.
omos, aliás, o único país da Europa onde até aqui não havia ensino oficial de odontologia e estomatologia, e onde nada há organizado quanto a higiene dentária nas escolas, ou a prótese para os débeis sociais.
Foi por isso que vi com grande júbilo o Sr. Ministro da Educação Nacional anunciar, na sua última comunicação ao Pais, que iria ser criada em Lisboa um curso de Odontologia. É de supor que essa escola, basilar na cobertura das populações quanto a assistência dentária, corresponda a um curso de nível universitário de três a quatro anos de escolaridade. Congratulo-me com esta medida anunciada para 1972, que representa mais um alto serviço que o Prof. Veiga Simão presta ao Pais.
Glosando o problema que põe o Prof. Miller Guerra na sua intervenção, é de perguntar se será possível os Faculdades de Medicina auto-reformarem-se e aceitarem lado a lado novas Faculdades diversificadas, ou se o Estado, depois de todos ouvir, deverá tomar decisões sem grande demora.
É também, no que respeita à autonomia das mesmas, uma vez Deformadas - quanto será preciso cuidar das formas de gestão a estabelecer, para que, fugindo-se de uma tutela do Estado, aliás indesejável, não vá cair se numa mais indesejável oligarquia de alguns docentes, fachada aos elementos vivos que constituem unia escola superior!
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Dou o maior apodo a trás sugestões do Deputado avisante:
1) A preparação medida deveria começar no curso complementar dos liceus, o que talvez permitisse suprimir cus cadeiras preparatórias do 1.º ano KJ" Faculdade;
2) Os exames deveriam ser substituídos por um método da avaliação contínua, utilizando-se o tempo assim retirado, do período dos exames, (para alargar a escolaridade e prática anuais;
3) O curso de Medicina deveria conter dois períodos solidários: a educação básica, pré-graduada, polivalente, seguida da educação pós-graduada, orientando-se já adentro das grandes ramificações: medicina preventiva, curativa, reabilitadora, medicina social, educação médica e investigação biomética.
Convém esclarecer o problema do numerus clausus:
Em primeiro lugar deve expurgar-se ais Faculdades de Medicina, como de resto toda a Universidade, dos estudantes crónicos, aliviando-as de um peso morto. Depois, lotações, isto é, o número de alunos que a capacidade de cada edifício da Faculdade comporte, em principio, depois de convenientemente adaptado.
Alargue-se o ensino, ou seja a prática de certas fases e de certas ramos desse ensino, a instituições de saúde actualmente não universitárias que, mediante avaliação, se possam considerar válidas e se Situem dentro ou fora dos cidades universitárias. Cito quanto a medicina de reabilitação - cujo ensino oficiai sonda não existe no nosso pois - o Centro de Alcoitão, com pessoal de alto nível preparado no estrangeiro e sem ter podido ainda irradiar para os hospitais do País a sua especialidade.
Preveja-se e programe-se em seguida as Faculdades necessárias para o escoamento, durante um certo período, dos alunos que A elas se candidatem. E salão diga-se que determinada Faculdade é feito para determinado número de albinos e dirima-se os que sobejam para as outras, respeitando-se justos prioridades. Suponho ser esta, aproximadamente, a ideia do Deputado avisante acerca do numerus clausus - que pretendia pormenorizar.
Faço-o para acentuar que, possuindo o País o índice mais baixo da Europa em escolaridade universitária e prevendo-se para a metrópole e para o ultramar, por muito tempo, insuficiência de médicos em face da exigência crescente da sociedade em desenvolvimento e das especialidades médicas que se vão desenhando cada vez mais - neste condicionalismo, dizia, é de fomentar a ida da nossa juventude para as escolas médicas. Afigura-se, sem dúvida, gigantesca a tarefa da reforma da educação médica, até porque o ritmo dos decisões e da execução depende por vezes menos dos que dirigem do que dos técnicos planificadores, dos relatórios das comissões e dos engenheiros e arquitectos que traçam a anatomia e a fisiologia das instalações e equipamentos ...
Mas ela far-se-á, como tanta coisa difícil se tem feito neste país.
Mas, Sr. Presidente e Sós. Deputados, não é este o objectivo principal da minha intervenção.
Quando se vem falar da necessidade em inserir o ensino médico nas realidades da sociedade actual, é legítimo recordar um volumoso grupo humano com características próprias sob o ponto de vista de saúde e de medicina integral e que tem sido esquecido e abandonado até agora.
Refiro-me às pessoas idosas.
O Sr. Pinto Machado: - Muito bem! Muito bem!
O Orador: - Tem o ensino médico do considerá-las na sua programação. Constituem um numeroso conjunto, bem diferenciado sob o ponto de vista sanitário, e como tal considerado em todos os países civilizados. Há até quem diga que já se assiste a geriatrização da medicina, porque cerca de 25 por cento dos adultos doentes são pessoas idosas.
Há três imos, em aviso prévio, denunciei na Assembleia a existência e a importância que este problema nacional assumiria dentro de poucos anos. Previa-se já nessa altura cerca de l milhão de gente idosa de mais de 65 anos para 1980 - um décimo ou mais da população do País. O aumento da longevidade, o incremento da emigração dos homens adultos e a diminuição da natalidade que se tem verificado devem agravar esta estimativa.
Este milhão ou mais de portugueses, só na metrópole - e em cada província ultramarina haveria que estudar esse problema -, como necessidades, direitos e condicionalismos específicos, precisa de uma política nacional que a eles se dirija. É que não basta prolongar-se a vida humana; é preciso, sobretudo, que se consiga vivê-la com dignidade, segurança, utilidade, beleza e a possível validez que a terceira idade comporte.
O Sr. Pinto Machado: - Muito bem!
O Orador: - A sociedade industrial, como tantas vezes tem sido dito, tende a segregar e desinserir de si própria a pessoa idosa, impotente por vezes para a conter nas estruturas para que se vai orientando.
Diz certo autor que começamos a envelhecer desde que somos concebidos; outro, que levamos um terço da vida a crescer e três quartos dela a envelhecer, e outro ainda, que as sociedades deveriam ser julgados pela forma como consideram as pessoas de idade.
O que surpreende, porém, no nosso país, onde os problemas da terceira idade não ganharam ainda a prioridade que mereciam, é que os adultos, os validos, os que decidem, os que produzem, e virão irremediavelmente pertencer a este sector etário, continuem a evadir-se do seu próprio destino.
Conseguiu-se certa consciencialização quanto a criança e a juventude, à necessidade de puericultura pré e pós-natal, a existência da pediatria como ramo destacado da medicina.
O Sr. Santos Bessa: - Muito bem!
O Orador: - Nada se conseguiu ainda quanto à medicina da velhice.
Simone de Beauvoir, na introdução do seu livro La Vieil-lesse, diz que o escreveu para quebrar a conspiração de silêncio em volta dos velhos, e, citando Marcuse, acrescenta que é preciso perturbar a "tranquilidade" da sociedade de consumo neste aspecto, porque ela tem sido não só culpada, mas criminosa em relação às pessoais idosas. Permita-se-me que, recordando Simone de Beauvoir, eu continue a alertar o País sobre o problema da terceira idade.
Hoje, na quarta intervenção que faço nesta tribuna sobre esse tema, depois do meu aviso prévio, venho insistir na necessidade de fomentar o ensino e a prática da gerontologia e da geriatria em Portugal, como apoio ao que venha a fazer-se nos domínios da saúde em futuro programa nacional para os pessoas idosas.
Somos um dos raros países civilizados onde não existe o ensino universitário destas ciências.
Longe vão os tempos em que as doenças dos velhos eram consideradas irremovíveis e irremediavelmente na-
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turais, o tempo em que o médico passava em frente d" cama do velho, no hospital, sem quase para ele olhar.
A gerontologia aparece-nos como ciência de investigação, perscrutando o mecanismo e o processo do envelhecimento no campo biomédico em ordem a atenuá-lo e um dia talvez a vencê-lo.
Debruça-se também sobre os problemas da evolução e adaptação do homem a esse envelhecimento no plano psicológico e social. E ainda ajuda a traçar as medidas de profilaxia que prolonguem a vida e a velhice fisiológica, estudando o condicionalismo psicológico e social dos diversos ambientes onde se insere a pessoa idosa, com suas reacções próprias. A geriatria, por seu lado, no tríplice aspecto de profilaxia, terapêutica e de reabilitação, é a medicina especializada da gente da terceira idade. Está para ela como a pediatria paxá a criança. A psico-geriatria começa em certos países a desenhar-se já como uma subespecialidade, dadas as reacções próprias, a frequência e a importância dos perturbações psíquicas da terceira idade.
A necessidade de profissionais médicos e paramédicos de geriatria pode avaliar-se por duos ordens de considerações:
1) A importância das estruturas sanitárias a que a medicina geriátrica obriga - exames sistemáticos e periódicos, assistência médica domiciliária ou de dispensário, hospitais de dia, sobretudo para a psico-geriatria, e uma variedade de hospitalização para as doenças agudas, convalescenças, e situações de cronicidade que constituem o maior volume nosológico nos velhos;
2) O desenvolvimento da geronto-geriatria nos diversos continentes e o número grande de cátedras universitárias, de centros de investigação, de só cidades de gerontologia, de serviços hospitalares especializados, de clínicas de reabilitação, congressos internacionais, etc., referentes à pessoa idosa. Cite-se o Centro de Gerontologia de Kiev, que depende da Academia de Ciências Médicas da Rússia, talvez o mais importante do Mundo, com mais de 10 laboratórios, 10 professores e 80 cientistas de alta categoria, num total que ultrapassa 400 funcionários.
E ainda os Estados Unidos, onde trabalham só em investigação gerontológica cerca de 1 400 cientistas, e em Inglaterra, que em 1959 tinha já 95 serviços hospitalares de geriatria.
Desenham-se dois sistemas da assistência hospitalar geriátrica.
Em países como a Inglaterra e a Suécia a geriatria exerce-se em serviços hospitalares especializados. Noutros países é o caso da França pensa-se que as pessoas idosas hospitalizadas não devem ser separadas dos outros doentes, porque seria segregá-las. Os idosos são integrados nos serviços de medicina geral, de psiquiatria, de doenças de longo tratamento de convalescentes, onde os médicos geriatras os seguem.
Há, todavia, unanimidade de vistas quanto a necessidade de serviços geriátricos nos hospitais universitários para pilotar o ensino geriátrico e a investigação gerontológica. A formação de médicos e pessoal paramédico geriátrico obriga qualquer dos sistemas à criação de unidades de geriatria para fins de ensino.
E em Portugal?
Seja qual for o orientação que venha a dar-se à assistência médica geriátrica (enquadrá-la em estruturas já existentes, criar estruturas novas específicas ou utilizar um critério ecléctico), o problema do ensino médico neste sector põe-se com urgência, em minha opinião, tal como procurei esboçá-lo na intervenção de Abril de 1970 enquadrada no aviso prévio do Prof. Miller Guerra:
1) O ensino da geriatria clínica mis Faculdades de Medicina como cadeira independente, ou apenas como curso, tendo anexo um serviço hospitalar piloto com SEU sector ambulatório.
O ensino de geriatria de reabilitação, porventura o sector geriátrico mais importante para o nosso país (reabilitação de hemiplégicos recentes e de insuficientes respiratórios crónicos);
2) A criação de um instituto de gerontologia em moldes a estudar, que, além da investigação a seu cargo, diplomasse estudantes em cursos de saúde pública e de natureza social a nível universitário, relacionados com a gerontologia social, os quais serviriam de apoio à assistência das pessoas idosas no futuro. Estes cursos poderiam utilizar cadeiras dispersas por várias Faculdades;
3) Fazer reviver a Sociedade de Gerontologia, englobando não apenas médicos, mas outras pessoas interessadas na gerontologia ou com trabalhos publicados sobre assuntos geronto-geriátricos.
Talvez na escola superior de enfermagem que vai ser criada seja de enquadrar a especialidade geriátrica.
Sr. Presidente: Envelhecemos pelo menos meia hora desde que comecei a minha intervenção.
Quantos velhos morreriam mais tarde e teriam uma velhice fisiológica digna - em vez de vegetarem dolorosamente até morrer - se houvesse uma organização médico-geriátrica e o seu ensino no nosso país?
Termino fazendo votos que este aviso prévio seja útil para a reforma do ensino médico, tal como todos desejamos - e sobretudo desejamos que ela venha depressa.
Vozes: - Muito bem!
O orador foi cumprimentado!
O Sr. Santos Bessa: - Sr. Presidente: Não quero ocultar o prazer com que vi anunciado este aviso prévio, nem deixar de afirmar a minha satisfação pelos objectivos que visa e pela oportunidade com que foi apresentado à Câmara.
Felicito o seu autor, que, mais uma vez, cumpre, ao mesmo tempo, os seus deveres de Deputado, exerce a sua missão de professor universitário e presta à Nação um valioso serviço.
Trouxe à Assembleia um problema do mais relevante interesse nacional, cuja revisão e solução se afirmam não somente como necessárias, mas até como urgentes. Tal como ele afirmou, essa urgência de reforma impõe "acções imediatas, corajosas, drásticas, oportunas e eficazes".
A sua discussão nesta Câmara ocorre no momento exacto em que o ilustre Ministro da Educação Nacional analisa pareceres e sugestões para a extraordinária, ambiciosa e empolgante reforma do ensino a que corajosa e decididamente meteu ombros e naquele em que o seu ilustre colega das Corporações e da Saúde pretende marcar novos rumos aos graves e angustiosos problemas dos hospitais e da saúde pública nacional.
Isso nos impõe o dever de focar concretamente os mais candentes problemas compreendidos no âmbito do aviso e de emitir, no remate deste debate, conclusões e propôs-
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tas concretas que possam vir a ser contempladas na redacção definitiva das medidas legais deste sector da reforma da educação - o do ensino médico.
O Sr. Pinto Machado: - Muito bem!
O Orador: - Se assim for, esta Câmara terá apresentado um contributo válido, terá cooperado eficazmente com o Governo e terá concorrido para a execução das tais medidas corajosas, drásticas, oportunas e eficazes a que se referiu o Deputado avisante:
Sr. Presidente: Preocupações idênticas às que levaram o ilustre Deputado Pinto Machado a apresentar este aviso prévio foram as que me obrigaram, há cerca de três anos, em Março de 1969, a expor à Assembleia Nacional a necessidade de reforma urgente do nosso ensino médico e dos nossos hospitais. Entendi que, procedendo daquele modo, servia, a um tempo, os interesses dos médicos, os da medicina, os dos hospitais e os da própria Nação.
Disse nessa altura:
Temos de ajustar, sem demora; o ensino médico e a estrutura dos nossos hospitais à preparação do tipo e do número de médicos de que o País necessita.
Não há que adoptar o figurino deste ou daquele país - há que definir o que mais nos convém, o que devemos e o que podemos fazer.
O ensino módico não pode continuar a limitar-se ao ensino básico das Faculdades de Medicina. Esse ensino básico há-de completar-se com a formação técnica dada pelo internato hospitalar, de feição moderna e de execução séria. Só então o médico estará em condições de exercer a sua alta missão. E não há-de ficar por aqui: a este estágio, assegurado pelo Estado, em condições de eficiência e com justa remuneração, há-de seguir-se uma terceira fase, de cursos periódicos, de frequência obrigatória, que permitam a educação progressiva e a actualização constante dos médicos, a qual, aliás, já está em aplicação em vários países.
Disse ainda que o médico de hoje e do mundo que aí vem tem de ser preparado de modo diferente do que até aqui, pois que se lhe há-de exigir não somente a sua preparação para o exercício da medicina curativa, como também a necessária para prover à reabilitação do doente, à prevenção da doença e & promoção da saúde individual e colectiva.
O Sr. Ricardo Horta: - Sr. Deputado, dá-me licença?
O Orador: - Com muito prazer. Tenho muita haura nisso.
O Sr. Ricardo Horta: - Eu, pela primeira vez, intervenho neste debate, debate que resulta de um aviso prévio do Sr. Deputado Pinto Machado. E preciso que esta Assembleia reconheça o alto serviço que esse aviso prévio pode prestar à saúde nacional e V. Ex.ª não quis furtar-se à colaboração nesse aviso prévio.
V. Ex.ª falou e está a analisar a educação médica e a situação do verdadeiro médico. Eu posso dizer a V. Ex.ª que as palavras que vou proferir não se referem ao coso português. Quero que fique bem assente que não se referem ao caso português, mas ao caso global. V. Ex.ª e toda a gente sabe que as sociedades hoje estão num momento de desagregação e os futuros médicos partem dessa sociedade. Os futuros médicos trazem as qualidades ou os próprios males da sociedade contemporânea. E natural que do conjunto destas reacções nasça uma sociedade melhor, uma sociedade mais justa e melhor.
No entanto, tomos os candidatos à medicina e, amanhã, os futuros médicos, os homens formados e saídos dessa sociedade. Esses indivíduos vão entrar para um campo extraordinariamente humano, para um campo extraordinariamente construtivo para a vida da vida, e nós temos a obrigação, as nações têm a obrigação, de seleccionar esses homens. E a selecção tem de ser feita não só a base da cultura que eles têm, através da sua preparação básica para o acesso ao curso, como dos provas da sua consciência, como dos provas da sua humanidade, como das provas da sua reflexão.
O Sr. Cancella de Abreu: - Muito bem!
O Sr. Ricardo Horta: - São esses homens que amanhã hão-de ser os futuros pioneiros da saúde nacional, e é aí, à entrada desses cursos, que não se devem admitir indivíduos, que não tenham condições, que não tenham sensibilidade em frente do sofrimento dos outros. E aqui que está o mal, Sr. Deputado.
E V. Ex.ª sabe, como eu, pela sua experiência, pelo seu alto nível intelectual, pelo que desempenha na saúde nacional, hoje, na própria educação dos médicos, o que nos aparece neste campo desgraçado. Mas, como a inserção do médico, como o estudo da educação médica, têm de ser realizados na inserção da saúde pública, não se pode desligar uma da outra, têm de se criar as estruturas fundamentais para substituir as insuficientes.
Tem de ser a partir disso, Sr. Deputado Bessa: Temos de construir para substituir aquelas que são nitidamente insuficientes. E tem de se construir aquilo que é indispensável para o progresso técnico; e esse progresso técnico tem de vir de dentro de grandes possibilidades de ordem económica. Mas muitas vezes não é o dinheiro que resolve os gravíssimos problemas da saúde, e V. Ex.ª sabe-o muito bem. O dinheiro, muitas vezes, chega, mas investe-se mal. Mas o dinheiro não paga, por exemplo, o carinho de- uma enfermeira ou de um médico para um doente que sofre. Isto não custa dinheiro. Uma resposta, ou uma informação boa, quando um doente ou uma pessoa familiar aborda um funcionário, e este dá uma informação correcta e justa, não custa dinheiro, Sr. Dr. Bessa, isso custa educação, isso custa dedicação, isso custa humanidade.
Era isto que eu queria dizer.
O Orador: - Muito obrigado, Sr. Deputado Ricardo Horta. Congratulo-me sinceramente com o facto de V. Ex.ª estar de acordo com a necessidade que há-de dor à educação médica uma orientação no sentido de preparar os futuros médicos para o mundo que aí vem.
De acordo connosco está o Prof. Celestino da Costa, que é um proficiente mestre da nossa Faculdade de Medicina de Lisboa.
A este propósito, recordo o que um dia disse o Prof. Celestino da Costa:
A saúde pública e a medicina social variam de época para época, de acordo com a própria evolução social, e as sociedades ainda mudam mais do que os homens que as constituem.
Na sessão de Março de 1969, a respeito do novo tipo de médico, disse o seguinte:
Daqui em diante, em vez do colóquio singular, do binómio médico-doente, havemos de ter essencial-
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mente o trabalho de grupo, a colaboração de vários médicos com preparação diferenciada. E é para a preparação deste tipo de médico que temos de olhar, na execução de uma política de saúde eficaz e oportuna. Isto há-de ser obra da reforma do ensino médico e da reforma dos nossos hospitais. Assim o impõem não só a moderna estrutura da nossa população, mas também a evolução dos conhecimentos científicos, as novas técnicas de actuação médica e a protecção médico-social. Quanto mais tarde se fizer, tanto mais graves serão para nos as consequências.
Mantenho hoje a mesma opinião, e é-me muito grato reafirmá-lo neste momento em que o Prof. Finto Machado traz a esta Câmara um valiosíssimo aviso prévio, com cuja generalidade me declaro de acordo.
Esta orientação tem eido a mesma no desempenho da função docente de que me incumbiu a Faculdade de Medicina de Coimbra. Ficou definida deste modo na primeira lição que ali fiz, há vários 'anos, aos alunos do 6.º ano médico:
[...]É preciso criar no estudante de Medicina o espírito da prevenção, a preocupação da medicina preventiva, dar-lhe noções de ecologia humana. Este conceito fundamental das inter-relações do homem e do sem meio, se é certo que deve dominar todas as disciplineis, é particularmente importante na Pediatria e na Puericultura. Ë preciso que o médico moderno fie familiarize com as incidências sociais e económicas da doença no indivíduo, na família, na sociedade, e vice-varsa.
O Sr. Cancella de Abreu: - Muito bem!
O Orador:
Manter viva ao longo da sua actuação profissional esto chama da medicina preventiva, esta preocupação da prevenção das doenças e dos acidentes e da promoção da saúde nos indivíduos e nos grupos populacionais a que assiste, em complemento da sua acção terapêutica, é dever indeclinável do médico moderno.
Tal como disse à Assembleia Nacional, há anos, é necessário convencer certos médicos jovens de que eles não saem completamente formados dos Faculdades de Medicina, ao contrário do que aconteceu aos médicos de outras gerações. O médico que agora sai das Faculdades de Medicina é uma espécie de prematuro que carece de uma assistência especial continuada, complementar do seu desenvolvimento.
Seja isto considerado sem qualquer sentido pejorativo para o médico recém-formado ou para a Faculdade que o licenciou l
Julgo que a Câmara está suficientemente informada sobre não só a necessidade da reforma do ensino médico, como de todos os outros problemas constantes do aviso em debate, não só pela brilhante e exaustiva exposição do seu autor, como também pelas excelentes intervenções dos Deputados que me precederam.
Como quero ser breve, limitar-me-ei a salientar dois ou três pontos. E começo pelo penúltimo dos enunciados na súmula do aviso - o criação de novos centros de preparação médica.
Como está dito e redito e como aqui o demonstrou amplamente o Deputado avisante, a penúria nacional de médicos é uma realidade angustiante. Estamos muito longe da proporção que a O. M. S. considera aceitável - l médico por 1 000 habitantes -, visto que em Portugal continental e nas ilhas adjacentes a proporção é de l para 2 238 habitantes. Também a O. C. D. E., como aqui foi dito, nos destaca entre 11 países como os de mais baixa proporção de médicos em relação à população activa, com 0,20, enquanto os Estados Unidos têm 0,51, a Jugoslávia 0,44 e a Grécia 0,40. Também, como todos sabem, o Prof. Almeida Garrett, do seu douto parecer sobre o III Plano de Fomento, afirmou a nossa necessidade urgente de aumentar o número de médicos.
A agravar a deficiência numérica- destes tão necessários profissionais está ainda a sua deplorável distribuição no território nacional.
Uma e outra devem ser motivos de apreensão para quem queira fazer uma reforma de saúde pública que traga resultados palpáveis a curto prazo.
Temos de atrair às nossas Faculdades de Medicina, já hoje pejadas e com a sua capacidade ultrapassada em tantos sectores, muito mais alunos. Mas temos também de lhes criar condições de ensino eficaz.
Julgo que os hospitais escolares já hoje não oferecem condições que possam garantir um ensino eficaz, nem mesmo aos pré-graduados, dada a afluência que se tem verificado nos últimos anos. Não temos, portanto, outro remédio senão o de criar novos centros de educação médica.
Enquanto se não criam as novas Faculdades de Medicina a que aqui se referiram os Deputados Miller Guerra, e Pinto Machado; enquanto se não põe de pé o novo Hospital Escolar de Coimbra, too necessário, mas cujos projecto e construção se vêm, infelizmente, arrastando ao longo dos anos sem que ainda se saiba quando se iniciem as obras!...
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - ... é necessário tomar medidas sérias e urgentes para que se garantam condições de ensino eficaz tonto aos alunos de Medicina como aos próprios médicos já diplomados.
O Sr. Ricardo Horta: - Muito bem!
O Orador: - Como afirmou há cerca de três anos em brilhante e bem documentada conferência um dos mais ilustres professores da Faculdade de Medicina de Lisboa, "a educação pós-graduada é o problema mais delicado da educação médico".
Na mesma orientação se manifestou o autor do aviso em discussão; pois que será através dela que o médico se completa para o exercício da sua nobilíssima missão. E disse também que esta sua preparação, que é indispensável, não se deve limitar á prática médica, mas envolve muitas outras actividades, mesmo de tipo formativo, ampliando e intensificando a preparação até aí obtida.
A informação permanente, complementar, é, aliás, tão indispensável ao clinico geral como àquele que se especializou.
Sem sombra de dúvida: temos urgente necessidade de criar novos centros de educação médica!
Vem a propósito dizer que, em artigo muito recentemente publicado, o Prof. Nogueira da Costa e outros elementos da direcção da Sociedade Portuguesa de Educação Médica, analisando os relatórios das Faculdades de Medicina de Lisboa e de Coimbra, afirmam que o Hospital de Santa Maria, Com as suas 1 200 camas, não poderá preparar convenientemente mais de 150 médicos por ano, nos dois semestres.
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Os Hospitais da Universidade de Coimbra, também com 1 200 camas, propõem-se formar 100 médicos por ano - 50 em cada semestre.
Convém recordar que a O. M. S. considera que para formar 100 médicos é preciso um hospital de 1 800 camas.
O caso não se resolve satisfatoriamente com o aumento do número de assistentes em relação com o número de alunos. É necessário saber qual é a capacidade que têm os serviços para receberem os alunos e, portanto, estabelecer para cada serviço o número máximo permitido.
O Sr. Pinto Machado: - Muito bem!
O Orador: - Admitir todos pode ser demagogicamente muito perfeito, mas não é uma solução serial
O Sr. Pinto Machado: - Muito bem!
O Orador: - A respeito deste assunto dos hospitais escolares, o Prof. Miller Guerra, com toda a responsabilidade que lhe cabe como ilustre bastonário da ordem dos Médicos, como distinto professor da Faculdade de Medicina de Lisboa, como devotado estudioso dos problemas do ensino médico e como profundo conhecedor da situação dos nossos hospitais, afirmou aqui que o ensino dos módicos já diplomados deve caber a todos os hospitais gerais e especiais, bem como aos departamentos da saúde pública em condições de o ministrar, mediante contrato com as Universidades.
O Sr. Cancella de Abreu: - Muito bem!
O Orador: - Declaro-me de acordo com o principio que já há anos defendi, com a condição de apurarmos primeiramente quais os serviços ou hospitais centrais e quais as instituições de saúde pública que estão em condições de serem considerados idóneos para tal missão.
A estes deve recorrer-se o mais rapidamente possível!
O Sr. Ricardo Horta: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Faça favor.
O Sr. Ricardo Horta: - Peço desculpa a V. Ex.ª de o interromper pela segunda vez, mas ...
O Orador: - Tenho muita honra e muito prazer nisso. São achegas preciosas as que vêm de V. Ex.ª
O Sr. Ricardo Horta: - Muito obrigado.
V. Ex.ª levantou aí um problema de alto interesse para a educação médica. É de facto a descentralização das nossas Faculdades que, por impossibilidade de cumprirem a sua missão integralmente, nos leva a pensar que deverão centralizar-se nos hospitais centrais.
É evidente que os hospitais centrais têm médicos eminentes, pessoas altamente qualificadas para o ensino. Estou certo de que V. Ex.ª está de acordo comigo, dado que foi lá que demos os primeiros passos na verdadeira medicina.
O Orador: - Exactamente!
O Sr. Ricardo Horta: - E a maior parte dos professores de hoje, que são a coroa de glória das Faculdades, saíram dos hospitais centrais.
Ora, V. Ex.ª sabe muito bem que aqueles hospitais, embora tenham qualidades técnicas excelentes para a missão, estão atrasados sob o ponto de vista de equipamento. E preciso, portanto, inserir nessas zonas de saúde os elementos indispensáveis à sua altíssima missão. V. Ex.ª sabe que os inovações de ordem de diagnóstico, cie ordem terapêutica e de meios de diagnósticos são transcendentes sob o ponto de vista do encargos económicos.
u quero dizer a V. Ex.ª que há dias vi umas referências sobre este campo e verifiquei que nas inovações terapêuticas de toda a natureza se passa o seguinte:
A América, com 48 por cento das inovações terapêuticas no Mundo; o Japão, com 0,7 por cento; a França, que está na vanguarda, com 8 por cento; a Suíça, com 13 por cento, etc. Veja V. Ex.ª neste campo, que é essencial para o ensino, o controlo terapêutico como afirmação de um diagnóstico. Veja V. Ex.ª as grandes nações, por exemplo a América, que concentra esse poder majestoso, com 48 por cento. E ainda há mais ... Há três ou quatro dias, o Sr. Nixon (eu vou dizer-lhe aqui, embora V. Ex.ª saiba com certeza), numa análise que fez da política de blocos, veio dizer que queria fazer um período da nova América. E sabe V. Ex.ª o que ele pôs à cabeça? A assistência, a saúde da América. Esse monstro, que tem 48 por cento das inovações do Mundo, ainda quer mais perfeição. Veja o que isto representa, Sr. Deputado.
Muito obrigado.
O Orador: - Sr. Presidente, como V. Ex.ª vê, eu não só tinha de autorizar, mas, ainda mais, tinha de desejar ansiosamente que o Sr. Deputado Ricardo Horta me interrompesse e nos trouxesse estas achegas esclarecedoras, de tão alta importância para a nossa informação e para o esclarecimento da Assembleia.
Muito obrigado, Sr. Deputado Ricardo Horta.
No decreto a publicar a respeito dos hospitais escolares deve ficar consignado o direito de as Universidades ou de as Faculdades de Medicina poderem realizar contratos com os instituições referidas para que os tais serviços idóneos possam assegurar esta função complementar do ensino médico.
Há muitos serviços dos hospitais e dos maternidades centrais que, pela qualificação dos pessoas que os dirigem e das demais que asseguram o seu funcionamento, pelo movimento dos doentes que por eles passam e pelo nível da medicina que ali se realiza, estão em condições de poderem exercer condignamente essa função.
Ninguém ignora, aliás, que, durante muitos anos, muitos dos ilustres professores da Faculdade de Medicina de Lisboa foram ocupar, por concurso, a respectiva cátedra, depois de serem assistentes dos Hospitais Civis, depois de nos variados serviços terem feito a necessária preparação. E, se esses serviços foram capazes de assegurar tal tipo de preparação, ninguém lhes poderá negar idoneidade pura que adi se faça o ensino dos médicos.
O Sr. Salazar Leite: - Dá-me licença, Sr. Deputado?
O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Salazar Leite: - Peço imensa desculpa de vir roubar-lhe preciosos minutos da sua exposição ...
O Orador: - Não rouba, enriquece.
O Sr. Salazar Leite: - Estou a seguir com o máximo interesse, mas, sinceramente, as palavras que acaba de proferir, o ponto que focou, tocam-me profundamente., parque eu não concebo que se possa esquecer que a nossa medicina foi. em grande parte, nascida nos Hospitais Ci-
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vis de Lisboa. Hospitais Civis que se procura, ou tem procurado, um pouco denegrir; que têm sido, tonto quanto possível, diminuídos ma sua actividade e que poderiam ter constituído um núcleo principal de toda a actividade médica em Portugal.
Creio que a sugestão que acaba de apresentar mão só é partida de uma pessoa que tom demonstrado capacidade de raciocínio e inteligência, como também, mais do que isso, é algo que tem de ser aproveitado, para que se possa, de qualquer maneira, matar uma das deficiências que se encontram no nosso ensino medico.
Creio que é preferível recorrermos a Homens experientes para formar médicos, do que fazer médicos e professares por decreto, o que será muito pior, sob todos os aspectos.
O Orador: - Muito obrigado, Sr. Deputado.
Não posso, neste momento, deixar de repetir que recordo com muita saudade mestres e serviços do meu tempo, do tempo em que o ensino da Pediatria, o da Propedêutica Cirúrgica, o da Venereologia e da Sifiligrafia e o das Doenças Infecto-Contagiosas eram ministrados em serviços dos Hospitais Civis de Lisboa: na Estefânia, em Arroios, no Desterro e no Curry Cabral.
E também não quero deixar de lembrar que a maior parte dos especialistas que hoje tomos fizeram os seus estágios e a sua preparação especializada em serviços de hospitais centrais - escolares e não escolares - que a Ordem dos Médicos reconheceu como idóneos para tal.
O Sr. Salazar Leite: - Muito bem!
O Orador: - Isto me basta, Sr. Presidente e Srs. Deputados, para aplaudir a proposta de que cartas serviços dos hospitais centrais - gerais ou especiais - possam servir para o ensino médico.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Aliás, foi recorrendo o processo idêntico que a Faculdade de Medicina de Paris fez contratos com os Hospitais da Assistência Pública não universitários! - para conseguir a criação dos centros hospitalares universitários. E foi assim que, de um jacto, Paris criou dez centros hospitalares universitários, isto é, dez Faculdades de Medicina. Tudo isto se realizou no desenvolvimento da reforma do Prof. Robert Debré.
A nós compete-nos, porém, um outro ingente e urgente esforço - o de transformar, equipar e actualizar muitos dos nossos hospitais, e especialmente aqueles que mais prestígio e renome trouxeram à medicino, portuguesa.
O Sr. Salazar Leite: - Muito bem!
O Orador: - Volto, por isso, à minha intervenção de 1969:
Todo o hospital deve ser, simultaneamente, centro de assistência e dentro de ensino.
Hoje acrescentarei que o deve ser também de recuperação, de saúde pública e de investigação.
Vozes: - Muito bem!
Recordei, então, o movimento que se operou em Espanha desde 1967, no sentido de que os hospitais espanhóis pudessem corresponder ao mínimo exigido pela Organização Mundial de Saúde, pela Associação Hospitalar Americana e por outras instituições especializadas, internacionalmente reconhecidas como idóneas para impor tais exigências.
Disse naquela altura que, a despeito dos notáveis progressos realizados no país vizinho em matéria de aperfeiçoamento hospitalar, só dois hospitais foram considerados como dispondo do mínimo de requisitos exigidos.
A partir de então, muitos dos hospitais espanhóis têm sido objecto de aperfeiçoamentos sucessivos para que possam ser admitidos no Seminário dos hospitais com programas de pós-graduados.
Muitos deles o têm vindo a ser, incluindo mesmo alguns hospitais escolares.
Porquê este movimento? Tal como o disseram os seus organizadores e mantenedores s"para que todo o profissional que recorra a qualquer dos nossos hospitais para melhorar e actualizar a sua formação não seja defraudado e para que a sua permanência tom qualquer dos centros hospitalares incluídos no Seminário garanta, no prazo estabelecido, ia aquisição de um volume de conhecimentos e a aprendizagem de processos técnicos que lhes permitam actuação eficaz no serviço da comunidade".
Perguntei então e volto a perguntar hoje:
Quando poderemos nós saber iguais idos nossos hospitais e dos vários serviços de cada um deles estão em condições de garantir um ensino eficiente e de não ludibriar o médico, o Interno ou estagiário que ali se acolhe para fazer uma preparação séria?
Quando poderemos realizar trabalho idêntico àquele que os espanhóis estão fazendo?
Sr. Presidente: Falei há pouco da necessidade que têm, tanto os médicos gerais como os especialistas, de manter o seu aperfeiçoamento ao longo da sua actuação profissional dentro do princípio ou sistema de educação médica permanente.
A este propósito, devo informar que um grupo de três médicos pertencentes aos tais centros hospitalares universitários que a França criou, e muito dedicados aos problemas do ensino médico, visitou recentemente hospitais e Faculdades da Nova Iorque, Filadélfia, S. Francisco, Washington e outras cidades, concluindo entre outros casos:
a) O problema do ensino médico permanente ou contínuo é considerado nos estados visitados como da maior importância;1
b) Os métodos de ensino não são os mesmos nas várias cidades, mas a preferência, na maioria delas, vai pana os trabalhos de enfermaria, para o diálogo, para os conferências e seminários, e não para os modernos sistemas audiovisuais;
c) Há cursos oficiais com direito a diplome, e programais e horários definidos e há também cursos facultativos;
) Reconhece-se que, ao fim de cinco anos, 50 por cento idos conhecimentos médicos estão ultrapassados e carecem de ser renovados;
e) Há tendência para combater o excessivo tecnicismo desses cursos, incluindo neles conferências e temas de cultura geral;
f) Esses cursos são tão necessárias aos clínicos gerais como aos especialistas.
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - No mesmo sentido já o Prof. Valery Redot, há muito anos (em 1958), dirigindo-se a especialistas franceses, tinha dito:
Os médicos não se podem contentar com o que aprendem nas Faculdades e a medicina não pode conformar-se com o encerramentos dos especialistas mas suas torres de marfim.
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Penso que temos necessidade de termos banis especialistas, ma? não nos podemos dispensar de ter também um numeroso e bem preparado grupo de clínicos gerais. Há necessidade de mantermos um certo equilíbrio entoe os dois grupos.
Por isso mesmo há que evitar esta exagerada orientação dos novos médicos para a especialização. É preciso criar condições para que o clínico geral não seja olhado com desdém; que a remuneração pelos seus actos médicos não seja degradada e muito inferior à do especialista; que se combata a falsa ideia da hierarquia profissional do especialista; que se evite que o clínico geral seja considerado o parente pobre da família médica.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A tal respeito se pronunciou já o próprio presidente do conselho geral da Ordem- dos Médicos da França, o Prof. Vernejoul, condenando o abusivo prestígio atribuído ao especialista.
E convém recordar a tal respeito, em virtude do fenómeno português correspondente, que o Prof. Anjaleu, então director do Instituto Nacional e de Investigação Médica e de Saúde Pública da França, afirmou que o Estado Francês assumiu uma grave responsabilidade ao multiplicar os especialistas, porque isso svai contra uma boa medicina".
Por seu lado, os peritos da O. M. S. consideram o clínico geral um combatente indispensável na luta contra a doença.
O que é que se passou e vai passar-se em Portugal a tal respeito?
A preparação dos especialistas (bem como a dos pós-graduados!) foi orientada pela Ordem dos Médicos sob o regime do voluntariado, quer criando a lista das especialidades, quer organizando cursos, quer criando serviços idóneos nos hospitais e maternidades centrais, informações periódicas e relatórios confirmados pelos directores desses serviços, exames e júris nacionais. E foi feito por ela por força das circunstâncias.
Assim se foi constituindo a maior parte do corpo dos nossos especialistas, os quais têm demonstrado a eficiência do processo seguido.
Infelizmente, porém, o ritmo da sua produção não correspondeu as necessidades do Pais, não só por causa das exigências postas na sua preparação, mas também porque o Governo não soube valorizar devidamente- esses especialistas, atribuindo-lhe nas estruturas hospitalares os lugares a que tinham direito.
Porém, nesta altura, depois da reforma dos serviços de saúde e da do internato médico recentemente publicadas, julgo haver razões para certa preocupação - receio passarmos rapidamente da penúria para a pletora de especialistas.
O Sr. Cancella de Abreu: - Muito bem!
O Orador: - O título passou a obter-se com a conclusão do internato complementar após aprovação num exame final, com julgamento por um júri que receio não seja nacional.
Conheço o suficiente a respeito da forma como decorre esse internato em alguns serviços para recear não somente o número, mas também a qualidade. Receio muito que tenha de dar razão a um antigo e saudoso mestre de Medicina que distinguia entre especialistas e especialiódes! ...
Daqui pode vir um grave predomínio de especialistas que rompa o equilíbrio que é necessário manter. Para isso chamo a atenção dos responsáveis pela política do ensino médico e pela da saúde pública.
O Sr. Salazar Leite: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Faça favor.
O Sr. Salazar Leite: - Não queria deixar de reforçar aquilo que V. Ex.ª acaba de dizer, ao folar da pletora de especialistas.
É evidente o que acaba de dizer, tão evidente que não podemos pensar que num País em vias de desenvolvimento, em que nos encontramos perante a certeza de que o número de médicos formados é insuficiente para atacar todos os problemas respeitantes à saúde, onde em muitas regiões existe um só médico para 20 000 ou 30 000 habitantes, não podemos pensar, dizia eu, que todos os médicos derivem por uma maior facilidade de acesso para especialistas, esquecendo por completo a existência do clínico geral.
Direi eu, que afinal de contas sou, não direi um especialista, mas um especializado, e que trabalho mais num campo de saúde pública do que de saúde curativa, que seria bom, nesta euforia de visão do futuro, da medicina preventiva, da saúde das massas, não esquecer um homem que é imprescindível: o clínico geral.
O Orador: - Muito obrigado a V. Ex.ª
Sr. Presidente: Termino estas breves considerações dando o meu inteiro apoio as linhas gerais do aviso prévio do Deputado Pinto Machado, fazendo os melhores votos por que os ilustres Ministros da Educação, da Saúde e doa Finanças realizem o que é necessário e urgente para a reforma do ensino dos futuros médicos - mais e melhores médicos com curso mais abreviado! -, para o ensino contínuo dos pós-graduados, para a reforma e o necessário equipamento dos hospitais e para a melhoria da saúde pública nacional.
E junto mais um voto: é o de que, tal como o propôs um ilustre mestre da nossa Faculdade de Medicina de Lisboa, o Doutor Celestino da Goste, se considere a necessidade de substituir a Comissão Nacional do Internato Médico por outra - a Comissão Nacional para a Educação Médica Pós-Graduada, visto que o ensino pós-graduado não diz somente respeito ao Ministério da Saúde, mas também ao da Educação Nacional e, ainda, à própria Ordem dos Médicos.
Vozes: - Muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Oliveira Dias: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tenho procurado orientar a minha actividade nesta Assembleia pelo desejo sincero de dar o meu contributo na construção de uma sociedade portuguesa mais justa e mais participada, pelo que não poderia ficar indiferente ao apelo que, a todos nós, lançou o Sr. Deputado Pinto Machado ao sumariar o aviso prévio em discussão, que toca um problema fundamental de qualquer comunidade: a saúde dos seus membros.
Não sendo especialista na matéria, proponho-me centrar as minhas breves palavras em redor de uma das proposições que o referido Sr. Deputado enunciou, relacionando a saúde com uma política global de desenvolvimento.
Desde a Declaração Universal dos Direitos do Homem, a saúde está inscrita entre os direitos do homem, compreendida num nível de vida suficiente que garanta o seu bem-estar e da sua família. Bem sabemos como está a
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humanidade s nós próprios longe de assegurar essa grande aspiração dos homens de hoje, que Paulo VI sintetizou na encíclica Populorum Progressio, nesta síntese luminosa:
Ser libertos da miséria, encontrar com mais segurança a subsistência, a saúde, um emprego estável; ter maior participação nas responsabilidades, excluindo qualquer opressão e situações que ofendam a sua dignidade de homens, ter mais instrução; numa palavra, realizar, conhecer e possuir mais, para ser mais.
"Possuir mais, para ser mais", eis um bom programa de desenvolvimento da sociedade ao serviço do homem!
Está hoje, felizmente, ultrapassada a concepção do desenvolvimento restrito ao campo económico, embora com inevitáveis repercussões no campo social.
Desenvolvimento e progresso social condicionam-se mutuamente e as vantagens económicas do investimento social são de tal relevo - na medida em que constrói um homem novo com melhor educação de base, cultura, saúde, habitação, numa palavra, melhor nível humano - que Paulo VI, na referida encíclica, afirmou "[. ..] o desenvolvimento não se reduz a um simples crescimento económico. Para ser autêntico deve ser integral, quer dizer, promover todos os homens e o homem todo, [...]"
Também não é possível pensar hoje num desenvolvimento global que não abranja a dimensão socio-política do homem, pois que não se pode construir uma sociedade mais justa e progressiva sem a ampla audiência e participação crescente das populações, conscientes do seu dever de contribuir activamente para a edificação do bem comum através de adequadas estruturas. O desenvolvimento é inseparável do progresso cívico, pois há-de resultar cada vez mais de um esforço conjugado de toda a comunidade - indivíduos, serviços e outros grupos-, e só pode realizar-se validamente no rigoroso respeito dos liberdades individuais em clima de abertura e tolerância e também de paz social.
O Sr. Pinto Machado: - Muito bem!
O Orador: - Só assim será possível a verdadeira participação e consequente solidariedade das populações no esforço do desenvolvimento global.
Nesta perspectiva se orienta a conhecida definição da saúde, segundo a Organização Mundial de Saúde, como "estado de completo bem-estar físico, mental e social", definição que envolve a realização total do homem como indivíduo e como membro da comunidade política.
Ao reflectir agora sobre a sociedade portuguesa no campo da saúde & luz das considerações feitas, sempre numa óptica de simples cidadão interessado, suponho ainda pertinentes algumas considerações.
A primeiro é a do evidente baixo nível da saúde em Portugal num contexto europeu, o que ressalta do simples exame das estatísticas do conhecimento de todos e que não vou agora discriminar. Não duvido de que o remédio do estado actual de coisas dependa, essencialmente, como assinalarão os especialistas, do acelerado progresso dos serviços de saúde preventiva e curativa, talvez com acento na fase preventiva - reforma das Faculdades de Medicina e dos carreiros médicas. Mas desejaria chamar a atenção para um aspecto que julgo fundamental - a generalização da consciência de que a promoção da saúde é tarefe de todos, sendo a saúde o "estado de completo bem-estar físico, mental e social" da -referida definição da Organização Mundial de Saúde.
Há que sensibilizar a opinião pública neste sentido, pois não me parece que a educação sanitária de um povo se possa conseguir sem o esclarecimento e a participação activa desse mesmo povo.
A Sr.ª D. Raquel Ribeiro: - Muito bem!
O Orador: - A segunda consideração em redor da realidade portuguesa no domínio da saúde prende-se ao conceito da saúde como um direito do indivíduo no Estado moderno. Mas, se assim é e se também sabemos que o nível sanitário de um povo condiciona na essência o seu processo de desenvolvimento, então o Estado deverá investir maciçamente neste domínio, dotando o País mo mais curto prazo possível dos serviços que se revelarem necessários. Centros de saúde - a funcionar na realidade - ou outros. Respeitem-se e ajudem-se as instituições tradicionais de assistência de que o País está semeado, mas promova-se a actualização das que revelarem aptidões para tal e não se lhes exija o que não podem dar.
A Sr.ª D. Raquel Ribeiro: - Muito bem!
O Orador: - Ao Estado compete assegurar a realização do direito à saúde que assiste a todos os membros da comunidade, a ele incumbe, para além de orientar o suprir as instituições particulares, tomar a iniciativa de tudo que se revelar necessário para melhorar a saúde das populações e a ele se hão-de pedir, essencialmente, contas dos resultados obtidos.
A terceira consideração que desejaria fazer sobre esta matéria decorre do que atrás referi, como imperiosa necessidade de um esforço conjugado de toda a comunidade - indivíduos, serviços e outros grupos no sentido do progresso efectivo da saúde das populações.
Ora, entre nós assistimos demasiado tempo a uma nociva descoordenação e até concorrência (no mau sentido) de serviços, de que têm sido principais vítimas os seus utentes.
Instituições particulares e serviços dependentes de vários Ministérios atropelam-se muitas vezes nas suas zonas de actividade, deixando grandes espaços em branco no esquema de protecção médico-social das populações. E quantas instalações de assistência não há por esse país fora - consultas, hospitais, serviços diversos - a funcionarem muito longe do seu total aproveitamento, contrastando com tantas necessidades não satisfeitas?
Aqui é devida uma palavra de justiça pelo esforço, em curso, de coordenação - a partir da junção das pastas da Saúde e dos Corporações no mesmo Ministro responsável.
O Sr. Pinto Machado: - Muito bem!
O Orador: - Pessoalmente, porém, julgo ineficaz um esforço de coordenação que não conduza o mais rapidamente possível a unificação num único departamento governamental dos serviços de saúde dependentes dos dois Ministérios e de outros serviços dispersos, departamento esse a integrar num esquema amplo de segurança social.
Enquanto assim não for continuamos a assistir ao jogo da "capelinha", que rouba demasiado tempo aos responsáveis a arbitrar.
Vou terminar ainda com uma citação de Paulo VI. lema da sua mensagem para a celebração do Dia da Paz, que ocorreu no dia I do corrente, e aproveito para recordar: "Se queres a paz, trabalha pela justiça."
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Todos ambicionamos a paz l Só a conseguiremos sé, em união de esforços, soubermos evoluir rapidamente para uma sociedade mais justa. Para tanto, tomemos consciência dos nossos problemas com verdade e para sua resolução dêmos as mãos - todos os portugueses - no caminho da justiça, no caminho da paz.
Tenho dito.
O Sr. Pinto Machado: - Muito bem!
O orador foi cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: Vou encerrar a sessão. Amanhã haverá sessão à hora regimental, tendo como ordem do dia a continuação, e presumo que a conclusão, do debate sobre o aviso prévio do Sr. Deputado Pinto Machado acerca da educação médica.
Está encerrada a sessão.
Eram 17 horas e 40 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
António Júlio dos Santos Almeida.
António de Sousa Vadre Castelino e Alvim.
Deodato Chaves de Magalhães Sousa.
Gabriel da Costa Gonçalves.
Henrique José Nogueira Rodrigues.
João António Teixeira Canedo.
João Bosco Soares Mota Amaral.
João Paulo Dupuich Pinto Castelo Branco.
Joaquim Jorge Magalhães Saraiva da Mota.
Jorge Augusto Correia.
José de Mira Nunes Mexia.
José Vicente Pizarro Xavier Montalvão Machado.
Lopo de Carvalho Cancella de Abreu.
Manuel Artur Cotta Agostinho Dias.
Manuel Martins da Cruz.
D. Maria Raquel Ribeiro.
Olímpio da Conceição Pereira.
Rafael Valadão dos Santos.
Rogério Noel Feres Claro.
D. Sinclética Soares dos Santos Torres.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Alberto Marciano Gorjão Franco Nogueira.
Alexandre José Linhares Furtado.
Amílcar Pereira de Magalhães.
António Fausto Moura Guedes Correia Magalhães Montenegro.
Camilo António de Almeida Gama Lemos de Mendonça.
Delfim Linhares de Andrade.
Delfino José Rodrigues Ribeiro.
Fernando Artur de Oliveira Baptista da Silva.
Fernando de Sá Viana Rebelo.
Filipe José Freire Themudo Barata.
Francisco Correia das Neves.
Francisco José Pereira Pinto Balsemão.
Francisco Manuel Lumbrales de Sá Carneiro.
Francisco de Nápoles Ferraz de Almeida e Sousa.
Henrique Veiga de Macedo.
João Pedro Miller Pinto de Lemos Guerra.
Joaquim Carvalho Macedo Correia.
José Dias de Araújo Correia.
José Guilherme de Melo e Castro.
José João Gonçalves de Proença.
José da Silva.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Luís Maria Teixeira Pinto.
Manuel José Archer Homem de Mello.
Manuel Marques da Silva Soares.
Manuel Valente Sanches.
Maximiliano Isidoro Pio Fernandes.
Ramiro Ferreira Marques de Queirós.
Rui Pontífice Sousa.
Victor Manuel Pires de Aguiar e Silva.
O REDACTOR - Januário Pinto.
Requerimento enviado para a Mesa durante a sessão:
Nos termos regimentais, requeira que me seja enviada a seguinte publicação:
A Literatura Portuguesa, de Aubrey Bell, edição da Imprensa Nacional.
Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 27 de Janeiro de 1972. - O Deputado, Rui de Moura Ramos.
IMPRENSA NACIONAL
PREÇO DESTE NÚMERO 6$40