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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL E DA CÂMARA CORPORATIVA

DIÁRIO DAS SESSÕES N.° 165

ANO DE 1972 9 DE MARÇO

ASSEMBLEIA NACIONAL

X LEGISLATURA

SESSÃO N.° 165, EM 8 DE MARÇO

Presidente: Ex.mo Sr. Carlos Monteiro do Amaral Netto

Secretários: Ex.mos Srs.
Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira
Amílcar da Costa Pereira Mesquita

Nota. - foram publicados um suplemento ao n.º 160 ao Diário das Sessões, que insere a proposto do lei n.° 22/X e o parecer da Câmara Corporativa, n.º 34/X (Fomento industrial), e outro ao n.º 163, que insere o texto aprovado pela Comissão do Legislação e Redacção do decreto da Assembleia Nacional sobro defesa da concorrência.

SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 55 minutos.

Antes da ordem do dia. - Usaram da palavra os Srs. Deputados Trigo Pereira, acerca da formação profissional agrícola; Pereira de Magalhães, para solicitar do Governo a instalação em Alcobaça de estudos a nível universitário; David Laima, - sobre problemas de interesse para Angola,;- Barreto de Lara, para só referir ao regime de pagamentos inter-torritoriais e suas implicações, e Moura Ramos, que chamou a atenção para as deficiências dos serviços de distribuição postal.

O Sr. Presidente informou haver sido recebida na Mesa no decorrer da sessão, enviada pela Presidência do Conselho, uma proposta do lei sobre registo nacional de identificação, que vai ser enviada à Câmara Corporativa, para que emita parecer e oportunamente baixará à comissão competente.

Ordem do dia - Em primeira parte, foi posto à reclamação o texto elaborado pela Comissão de Legislação e Redacção para o decreto da Assembleia sobre defesa da concorrência.
Não tendo havido qualquer reclamação, foi o texto considerado aprovado.
Em segunda parte, iniciou-se a discussão do aviso prévio sobre urbanização e habitação, tendo usado da palavra os Srs. Deputados D. Raquel Ribeiro, Roboredo e Silva, Leal de Oliveira, Agostinho Cardoso e Meneses Falcão.

O Sr. Presidente encerrou a sessão às 19 horas e 10 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada. Eram 15 horas e 40 minutos.

Fez-se a chamada, á qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Albano Vaz Pinto Alves.
Alberto Eduardo Nogueira Lobo de Alarcão e Silva.
Alberto Maria Ribeiro de Meireles.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Amílcar da Costa Pereira Mesquita.
Amílcar Pereira de Magalhães.
António Fausto Moura Guedes Correia Magalhães Montenegro.
António da Fonseca Leal de Oliveira.
António Júlio dos Santos Almeida.
António Lopes Quadrado.
António de Sousa Vadre Castelino e Alvim.
Armando Júlio de Roboredo e Silva.
Armando Valfredo Pires.
Artur Augusto de Oliveira Pimentel.
Bento Benoliel Levy.
Carlos Monteiro do Amaral Netto.
D. Custódia Lopes.
Delfim Linhares de Andrade.
Delfino José Rodrigues Ribeiro.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.

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Eleutério Gomes de Aguiar.
Fernando David Laima.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Fernando do Nascimento de Malafaia Novais.
Fernando de Sá Viana Rebelo.
Filipe José Freire Themudo Barata.
Francisco António da Silva.
Francisco Esteves Gaspar de Carvalho.
Francisco Joio Caetano de Sousa Brás Gomes.
Francisco Manuel de Meneses Falcão.
Francisco de Nápoles Ferraz de Almeida e Sousa.
Gabriel da Costa Gonçalves.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Henrique Veiga de Macedo.
João Bosco Soares Mota Amaral.
João Duarte de Oliveira.
João José Ferreira Forte.
João Lopes da Cruz.
João Manuel Alves.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
Jo&o Paulo Dupuich Pinto Castelo Branco.
Joaquim Carvalho Macedo Correia.
Joaquim Jorge Magalhães Saraiva da Mota.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Joaquim de Pinho Brandão.
José Coelho de Almeida Cotia.
José João Gonçalves de Proença.
José Maria de Castro Salazar.
José Vicente Cordeiro Malato Beliz.
Júlio Dias das Neves.
Lopo de Carvalho Cancella de Abreu
D. Luzia Neves Perndo Pereira Beija.
Manuel Artur Cotta Agostinho Dias.
Manuel Elias Trigo Pereira.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel de Jesus Silva Mendes.
Manuel Joaquim Montanha Pinto.
Manuel Marques da Silva Soares.
Manuel Martins da Cruz.
Manuel Monteiro Bibeiro Veloso.
Maximiliano Isidoro Pio Fernandes.
Nicolau Martins Nunes.
Olímpio da Conceição Pereira.
Pedro Baessa.
Rafael Ávila de Azevedo.
Ramiro Ferreira Marques de Queirós.
Raul da Silva e Cunha Araújo.
Ricardo Horta Júnior.
Rogério Noel Feres Claro.
Rui Pontífice Sousa.
Teodoro de Sousa Pedro.
Teófilo Lopes Frazão.
Victor Manuel Pires de Aguiar e Silva.

O Sr. Presidente:- Estuo presentes 74 Srs. Deputados.

Está aberta a sessão.

Eram 15 horas e 55 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Não foi distribuído nenhum Diário das Sessões que deva ser submetido à reclamação de VV. Ex.ªs. Tão-pouco tenho expediente para apresentar consideração da Assembleia.
Tem a palavra o Sr. Deputado Trigo Pereira.

O Sr. Trigo Pereira: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Um pouco, por toda a parte, temos ouvido os empresários agrícolas queixarem-se da política de contenção dos preços dos seus produtos, até porque se sentem como "enteados" no conjunto das actividades produtivas, mormente quando, olhando à sua, volta, copejam a dureza e rendimento do seu trabalho, o valor do capital fundiário necessário à sua actividade, os riscos que correm em todos os seus investimentos, e o lucro auferido, com situações que têm por paralelas noutros sectores, e, nisto, havemos de reconhecer que têm razão.
Mas, sentem-se ainda de certo modo desfavorecidos quanto a apoio financeiro e seguramente descapitalizados para colaborarem efectivamente na dinamização do sector; da conversão das estruturas; no ordenamento do território; na reconversão das culturas com a rapidez que todos ambicionamos, e no integral aproveitamento das obras de rega, como é imperioso, enfim, julgam-se também importantes para impedir que dia a dia se dilate o fosso que separa a capacidade económica da agricultura da do sector dito industrial.
É certo que por mais de uma vez estes temas têm sido abordados nesta Casa vistos de diversos ângulos e focados em múltiplas facetas, o que tem conduzido em inevitáveis críticos e reparos, que fundamentalmente mais não traduzem do que o desejo incontido de todos, e mormente daqueles Deputados mais Intimamente ligados a terra,, de colaborarem na procura dos caminhos que conduzam e rapidamente a população activa na agricultura à almejada situação de paridade no nível de vida à de outros sectores.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Por certo que o caminho mais seguro para se atingir esta meta se terá de encontrar através da valorização e promoção do homem, quer ele seja empresário, quer seja trabalhador agrícola.
Este conceito pressupõe, portanto, um continuado esforço de educação, de formação e de habilitação profissional, que no nosso caso bem poderemos designar por formação profissional agrícola extra-escolar.
Só a partir de uma sólida educação e formação profissional a todos os níveis o homem do campo poderá dialogar e participar activamente na construção da agricultura do futuro.
E por assim ser, não fujo à tentação de citar a este respeito algumas palavras do engenheiro Vasco Leónidas, quando disse:
Não ignoramos que os problema relativos à educação de base têm de ser equacionados nas suas relações com o desenvolvimento global, sectorial e regional. Tal conhecimento, hoje enunciado de forma dará por todos os estudiosos do desenvolvimento, não resulta apenas de uma conclusão teórica, mas da experiência bem dura registada em tantas regiões do Mundo e também no nosso país. Na verdade, depois de criadas as infra-estruturas fundamentais para garantir a viabilidade de uma economia e os fundamentos de uma expansão do bem-estar, os investimentos intelectuais passam a constituir a base do crescimento económico, não podendo ser esquecidos nem substituídos por nenhuma espécie de investimento material. O desenvolvimento é bem um processo de mobilização de energias humanas, sobretudo nos aspectos intelectuais e técnicos, quando se ultrapassa o limiar da disponibilidade dos recursos físicos e biológicos.
No - caso de regiões situadas na fase de desenvolvimento em que nos encontramos, os investimentos

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intelectuais - necessitam de ser considerados de evidente prioridade, dada a acumulação já obtida em investimentos materiais, cujo pleno aproveitamento depende agora dos níveis de formação intelectual e profissional da população activa que os vai utilizar.
Hoje, como sempre, os serviços estatais ligados ao sector agrário e que actualmente formam a Secretaria de Estado 5a Agricultura tiveram como verdadeiro este conceito á certo que com os nuences que as circunstâncias do tempo lhes foram imprimindo.
For isso, bem podemos dizer, e com justiça, que há mais de um século vêm dedicando à formação profissional acrisolado esforço, e tanto assim é- que já "m 1886 há notícia da necessidade da formação profissional de trabalhadores a utilizar nas matas nacionais e os escritos sobre temas agrários das últimas décadas do século XIX estuo cheios de referência ao esforço feito para melhorar os conhecimentos de base de empresários e trabalhadores.
Em 1913, pela Lei n.° 26, de 9 de Julho, prevê-se a criação de escolas de formação profissional florestal, escola, aliás, que veio a funcionar na Marinha Grande em 1914.
Em 1924, também na Marinha Grande abriu a primeira escola de resinagem.
Em 1936, os serviços agrícolas começam a elaborar programas anuais de formação profissional de trabalhadores, os quais cobrem diversos sectores de actividade agrícola.
Em 1937, á Junta de Colonização Interna inicia a preparação e selecção de empresários para os centros de colonização. A partir de 1962, este organismo, para além do apoio financeiro que presta a entidades oficiais e particulares que se dedicam à formação profissional agrícola, vai estendendo a sua acção a todo um conjunto de actividades a que poderemos chamar de "promoção social das populações rurais".

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A partir de 1946, a Direcção-Geral dos Serviços Pecuários promove os primeiros cursos para avicultores e, a pouco e pouco, vai dilatando e promovendo a diversos níveis cursos de formação profissional e de reciclagem adentro do âmbito da sua actividade.
Paralelamente, por esta época quase todos os departamentos estatais ou para-estatais ligados à agricultura têm acção semelhante.
Quanto esforço despendido, quantas sacrifícios feitos, quanta devoção e que espírito de sacerdócio e apostolado se exigiu dos técnicos sobre quem recaiu a responsabilidade de preparar os profissionais da agricultura.
Que caminho se percorreu desde esses recuados tempos até hoje, da exemplificação e do contacto directo e pessoal, que em muitos casos até levou ao ensino da escrita, passou-se à formação de cursos, que em pouco diferiam de um tipo de escolaridade tradicional, para podermos hoje dispor dos métodos e das técnicas mais avançados de difusão de conhecimentos, de ensino, de dialogo e de participação, que nos leva àquilo que se chama educação continuada.
Neste sector devemos proclamar claramente que não há imobilismo. Poderemos ser pouco penetrantes por falta de meios, mas derrotistas e imobilistas, nunca.
Lutamos, e com alegria, por uma agricultura do futuro e sabemos seguramente que a formação profissional é uma das actividades fundamentais e indispensável no progresso do sector agrário.
Por assim ser, não devo, nem posso deixar de assinalar com júbilo a abertura, e início de funcionamento do primeiro ciclo da Telepromoção Rural, anunciado na proposta de lei de autorização das receitas e despesas para 1972, instalado em Vila Nova de Gaia.

O Sr. Alberto de Alarcão: - Muito bem!

O Orador: - Através dele, para além da difusão de conhecimentos, está-se a utilizar o último e mais portentoso meio de comunicação e que é a televisão, a qual nos permite já, mesmo a título experimental, divulgar em onze postos de recepção, tantos quantos são os que funcionam actualmente em circuito fechado, os conceitos, as técnicas e os programas de actuação; e exemplificando, pondo-os e expondo-os à crítica simultânea de cerca de duzentos agricultores, com evidente economia e melhor utilização dos técnicos e dos profissionais intervenientes nos esclarecimentos que a participação aberta e sem limitações dos intervenientes neste tipo de ensino proporcionam!.
Através dos cursos de formação de empresários, e paralelamente de profissionais, com a implantação de centros de gestão, de formação e de economia doméstica, etc., conseguiu-se a base humana necessária à utilização deste maio extraordinário de ensino e de comunicação humana.
Não resisto por isso à tentação de vos deixar já algumas interrogações que foram postas no decurso dos dois primeiros programas realizados 8 e 22 de Janeiro de 1972.
Será que a agricultura de grupo aparece para dar solução às explorações muito pequenas, que talvez possam resolver ao nível familiar os seus problemas, ou para as médias ou mesmo grandes, que têm actualmente grandes dificuldades de mão-de-obra e de mecanização?
O grupo pensa que será de toda a vantagem que houvesse uma política do Governo no sentido de os agricultores saberem aquilo que devem produzir e qual a quantidade garantida de colocação desses produtos.
Como é possível fazer gestão da sua exploração sem ser através de um centro de gestão?
Por que é que a lavoura não pode colocar directamente os seus produtos no mercado do Porto?
Qual o preço de aluguer por hectare de terra economicamente viável para pecuária?
Uma vez que na região há muitas solas de ordenha colectiva, a vacinação contra a febre aftosa não deverá ser obrigatória e gratuita?
A natureza e a profundidade dos dúvidas postas chegarão ou não para afirmarmos que temos homens capazes de serem verdadeiros empresários agrícolas.
E se assim não for, que responda quem puder, pois neles reside a nossa maior esperança.

Vozes: - Muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Pereira de Magalhães: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Na execução gradual da promissora reforma dos estudos no País, terá, certamente, o Governo de seguir, também aqui, à semelhança do que vem acontecendo em outros sectores, um judicioso e bem cuidado planeamento, para que os novos estabelecimentos a criar, seja qual for o grau do ensino a instituir, se distribuam adequada e criteriosamente por todo o território nacional.
Creio ser este o significado das visitas que o Sr. Ministro da Educação vem fazendo a várias localidades.
B evidente que, para tanto, não poderá deixar de se atender à comodidade da população escolar e facilidade do seu recrutamento, às potencialidades que, pela sua si-

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tuação, os locais escolhidos possam dar a eficiência do ensino e seu aproveitamento, e muito especialmente às tradições docentes, aliás aqui e além invocadas para justificar a criação da escola a que se aspira.
Ora, a meia distância dos centros universitários de Lisboa e Coimbra, precisamente a 100 km de um e de outro (é essa mesma também a distância que separa Coimbra da cidade do Porto); situada no centro de uma região economicamente desenvolvida e progressiva, de numerosa e densa população escolar, que deseja continuar os seus estudos clássicos ou técnicos até à licenciatura, ou a grau académico mais elevado, Alcobaça, por todos estes motivos e designadamente pelo tradicional interesse que a sua abadia cisterciense sempre mostrou na divulgação da cultura, é uma das localidades que mais e melhores condições reúnem para a instalação, não apenas de mais um estabelecimento de ensino secundário, como se prevê, mas, e sobretudo, de uma escola ou instituto de ensino superior, isto é, de uma escola universitária.
E então vejamos.
Neste último aspecto, bastará dizer que, numa época em que a instrução se considerava dispensável ou mesmo inútil, foi em Alcobaça que, segundo a melhor versão histórica, se abriram as primeiras aulas públicas do País.
Como escreveu Manuel Vieira Natividade:
O estado de ignorância em que se achavam os Portugueses até princípios do século XIV é verdadeiramente manifesto, porque não encontramos menção de um homem esclarecido que não seja estrangeiro ou que não fosse receber o baptismo da instrução a terras estranhas. A instrução era, podemos dizê-lo, desprezada por todos os diversos graus da sociedade, e tão desprezada que frequentemente encontramos referências a priores e ministros religiosos que nem ao menos sabiam escreveu o seu nome.
Ora, reconhecido este estado de ignorância popular e, consequentemente, o atraso que neste campo se registava em relação aos outros países, foram os mosteiros que, entre nós, tomaram então a iniciativa de promover e difundir a instrução.
Hás a educação nacional (assim se diria hoje) ficou, no entanto, a dever especial favor ao Mosteiro de Alcobaça. Efectivamente, Jogo nesse recuados tempos desempenhou o Mosteiro de Alcobaça papel de excepcional, relevo no desenvolvimento e expansão do ensino, que já naquela época passou a ministrar em muito elevado grnu.
"Só no reinado de D. Afonso III", continua Manuel Vieira Natividade, "a instrução começou a desenvolver-se. Neste primeiro passo tomaram parte os abades dos mosteiros mais importantes de Portugal, e o Mosteiro de Alcobaça foi o primeiro que teve aulas públicas onde se lia: Grammaitica, Logica e Thcologia para os mancebos de fora do mosteiro que quiserem aproveitar."
O próprio abade de Alcobaça, D. Pr. Estevãm Martins, instituidor dessas aulas, as inaugurou, lendo as primeiras lições em 11 de Janeiro de 1269.
Eu sei que este facto foi recentemente contestado, aliás com base em argumentos muito especiosos.
Ou não estivéssemos na época das obsidiantes contestações.

e me for permitido, Abrirei aqui um parêntesis, para enunciar, embora muito sumariamente, os termos da controvérsia.
Estatui-se na escritura da sua instituição que o perpétuo e contínuo estudo de letras seria criado no Mosteiro ad communcm utilitatem monachorum nostrorum et omnium: . .
Vê-se, no entanto, claramente do original que a copulativa et está colocada entre estas duas últimas palavras, de modo a poder supor-se que ali foi incluída posteriormente.
Sobretudo desta circunstância se pretende agora concluir que o texto primitivo teria sido falsificado e que este, inicialmente, se referia & criação da escola, não para ensino dos monges e de todos (público), mas tão-somente para utilidade de todos os monges (omnium monacho-rum).
Esto raciocínio parece, todavia, demasiadamente simplista e muito precipitado.
Começamos por notar que, a entender-se como pretendem os opositores, estaríamos em presença de uma grosseira falsificação, visto que, no texto, a irregularidade se descobre ao mais leve exame. E, deste modo, o autor da falsificação, se fora esse o seu desígnio, teria perdido o seu tempo, pois nunca assim é de considerar aquela que, pela sua evidência material, a ninguém pode enganar.
Por isso mesmo é que a contrafacção ou imitação grosseiras de quaisquer escritos ou documentos, ainda que no intuito de induzir em erro, nem sequer para efeitos penais se consideram falsificações.
De outro lado, se tivermos em atenção que foram, de facto, os mosteiros que em primeiro lugar ministraram na instrução pública no País; se notarmos o excepcional interesse que n Abadia, de Alcobaça tão cedo demonstrou por essa causa; a disseminação, pelos coutos do Mosteiro, de ferrarias e granjas, verdadeiras escolas públicas industriais e agrícolas para instrução dos colonos, onde o ensino das "humanidades" não em estranho; se tudo isto já era assim em 1269, parece mais razoável e sensato supor e mesmo entender que a mencionada copulativa et, longe de constituir uma falsidade, fora antes ali acrescentada para emendar um erro inicial de escrita, ou então no natural propósito de harmonizar o - texto com a realidade, isto é, com a prática já anteriormente seguida do ensino dos "mancebos" de fora do mosteiro que quiseram aproveitar:". Não será assim?
E a tese contestatária não terá o seu principal fundamento na ânsia da originalidade? . . .
É que, até hoje, nenhum escritor (muitos de comprovada e inegável autoridade) nessa matéria tinha posto em dúvida a verdade das primeiras aulas públicas em Alcobaça.
Mas as tradições de Alcobaça não ficariam por aqui. Se procurarmos bem, - ainda no seu Mosteiro iremos encontrar algumas das mais fundos raízes da Universidade portuguesa.
Com as primeiras aulas públicos, com o impulso que D. Afonso III e, depois, o sábio Rei Lavrador deram à instrução, as ciências começaram a vulgarizar-se, operando-se, desde logo, uma verdadeira reforma nos costumes e nos espíritos, que havia de trazer também aos Portugueses uma nova mentalidade.
Daí nasceu a ideia das Escolas Gerais, isto é, da fundação da Universidade.
Ora, acrescenta M. Vieira Natividade: "Foi ainda o abade de Alcobaça (D. Dr. Estêvão Martins) quem mais trabalhou para a fundação desse estabelecimento, convidando os abades de outros mosteiros o bastante para vencer todas as dificuldades. Destacou-se, porém, o abade de Alcobaça pela importância dos seus donativos e pelos esforços que praticou para ser instituído em Portugal esse melhoramento civilizador".

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Uma nova era se iniciou, então, para os Portugueses., mas o Mosteiro de Alcobaça continuou sempre fiel à missão que a si próprio impôs. As várias escolas agrícolas que instituiu mós seus coutos; a educação literária e científica que promoveu e facultou; os serviços prestados à instrução e educação artísticas desde a fundação do Mosteiro até à extinção das ordens religiosas; as suas escolas onde as artes se aperfeiçoavam e desenvolviam, como a pintura, a escultura e tantas outras actividades culturais; o vasto saber de muitos dos seus abades, como Fr. Estêvão Martins, Fr. António Brandão, Er. Bernardo de Brito, Fr. Fortunato de S. Boaventura, e tantos outros cujas obras levavam o nome de Alcobaça às mais distantes paragens de todo o mundo culto, são bem o perene testemunho da resoluta e eficiente cultura alcobacense.
E essa ilustrada tradição continuou, depois, a produzir os seus frutos até os nossos dias, como o atesta uma plêiade de escritores, cientistas e investigadores, nossos contemporâneos, a culminar com o sempre saudoso Prof. Joaquim Vieira Natividade, que a morte levou quando ainda havia tanto a esperar da sua fértil e poderosa inteligência.
De tudo quando acabo do expor, embora sumariamente (lembrando mais uma vez a privilegiada situação geográfica local), desejo concluir que nenhuma outra terra, mais do que Alcobaça, ostentará melhores pergaminhos para receber uma escola universitária. Com isso, além do assinalado benefício concedido, se praticaria um acto de justiça, que o seu povo, às vezes incompreendido, jamais esqueceria.
E ainda em obediência às invocadas tradições (foi lavrador o Rei que instituiu a Universidade, também de raiz alcobacense foram essencialmente agrónomos os monges de Alcobaça; atingiu ala a ciência agrária, em todos os tempos, muito elevado grau de desenvolvimento e ensino; foi agrónomo e silvicultor o Prof. Natividade, que em Alcobaça desenvolveu toda a sua sabedoria e fecunda actividade científica) , em obediência a essas tradições - dizia - , permito-me sugerir que, de preferência, ali se crie ou instale, se a minha petição vier a ser ouvida, uma escola superior de agronomia e silvicultura.
De resto, além do moderno Centro Nacional de Fruticultura, para assistência (técnica à lavoura, já em Alcobaça funcionam há muito alguns estabelecimentos de investigação científica, ao nível universitário, relacionada com aquele ensino - como a Estação de Experimentação Florestal, a Estacão de Biologia Florestal e o Centro de Estudos do Castanheiro -, que na Faculdade ou Faculdades a criar poderiam ser naturalmente integrados.
E não esquecerei aqui também esse verdadeiro escol de agrónomos e sivilcutores que devotadamente dirigem e servem esses proficientes estabelecimentos científicos.
Acresce ainda que a região de Alcobaça, pela variedade das suas culturas (desde os pomares e vinhas até às florestas), constituiria um vasto e excedente campo experimental para instrução prática dos alunos da nova escola.
Creio, finalmente, que, deslocado dali o Asilo de Mendicidade, como já se decidiu, e depois de pequenas obras de restauro e adaptação, ficaria resolvido com vantagem e até com toda a propriedade o problema das instalações.
Assim se trocaria também o estéril e desolador aspecto actual do Mosteiro, pela vida pujante e renovadora que lhe iria emprestar toda a sua nova população escolar. E, desse modo, continuaria o Mosteiro a manter, ainda hoje, a sua feição cultural, a única inteiramente digna das suas antigas e nobres tradições.
Ao Governo, pois, e especialmente ao Sr. Ministro Veiga Simão, primeiro responsável da nova era que se inicia para a educação nacional, tenho a honra de enviar estas minhas suplicantes palavras.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem!

O orador foi Cumprimentado.

O Sr. David Laima: - Sr. Presidente: Tenho entre mãos, chegado há dias, o relatório e contas do exercício de 1970 da Secção Distrital do Moxico do Sindicato Nacional dos Empregados do Comércio e da Indústria da Província de Angola.
Documento divulgado em Angola, conhecido portanto das instâncias oficiais, das organizações patronais e dos sindicatos, ele exterioriza o pensar de todos quantos em Angola ali enfrentam condições de trabalho para as quais tenho feito apelos sucessivos de atenção.
Ninguém, ao ler o referido documento, pode ficar insensível aos problemas expostos com tanta franqueza, autêntico brado de desespero e de fadiga, tentativa convicta para alcançar a correcção dos erros que não podem ser tolerados numa sociedade justa.
É pois sob a emoção confessada e muito sentida dessa leitura que, de novo, apelo para a necessidade imediata e evidente de se encontrarem as soluções desejadas para os problemas expostos, limitando-me hoje a reproduzir os textos a que me refiro, pois eles contêm, no mais elevado grau, a franqueza, a espontaneidade, a mágoa de quem realmente suporta a incongruência e injustiça das situações relatadas. Qualquer alteração que me permitisse apenas roubaria força e interesse a esses textos.

1. Salários. - "A doença social depende, primariamente, das condições sociais em que vive o trabalhador. Não pode ser combatida eficazmente se não houver, pelo menos, uma alimentação suficiente e racional e uma habitação higiénica. E para isso terá de haver uma política de salários que defenda o trabalhador da subalimentação e da sanzala."
"Na área desta secção o trabalhador chega a ganhar entre 40$ e 60$ diários, às vezes menos. Nestas condições queremos homens válidos? Impossível! Temos apenas homens "doentes de corpo e espírito." Em Luanda é vulgar as chamadas grandes companhias praticarem salários de 80$ a 35$ diários, quantia mais que insuficiente para os encargos com a alimentação de um casal.
"Compreendemos que, em matéria de solários, não basta legislar. Torna-se necessário criarem-se condições económicas que permitam pagar; também sabemos, porém, que há muita exploração e que muito se ganha à sombra dos salários de miséria que se estão a pagar."
Não ousaríamos acrescentar o que quer que fosse se não nos tivesse despertado a atenção uma crónica do jornalista Luís Rodrigues, publicada no Jornal do Congo n.° 711, de 10 de Fevereiro último.
Sentimos ser oportuno reproduzir essa crónica na íntegra, pois é incontroverso que todos os aspectos salariais ali estão considerados de forma que consideramos merecedora dos maiores encómios. Eis pois o texto de Luís Rodrigues:
Em recentes discursos, proferidos por entidades responsáveis, temos continuado a ouvir afirmações que nos deixam ficar algo duvidosos, por aparentemente se encontrarem em contradição com a realidade do dia-a-dia. Referimo-nos especialmente à chamada "drenagem" dos serviços públicos, de funcionários qualificados ou não, que escolhem a actividade privada, onde os ordenados são muito me-

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lhores do que no Estado. E (possível que em tempos mais ou menos afastados essa situação se tivesse verificado; mas nos últimos tempos as condições muito especiais que oferece o funcionalismo público, com raras excepções de serviços, estabelecem uma corrente em sentido inverso, e ó a empresa privada que está a sentir uma forte drenagem de elementos por si preparados, em benefício das repartições oficiais.
Ë uma questão de dinheiro e é, também, uma questão de condições de trabalho. Senão, vejamos: em benefício da Fazenda, perdi, nos últimos dois anos, dois óptimos colaboradores, que apanhei "em verde", a acabar o liceu, frequentando ainda o 5.° ano. Ensinei-os a trabalhar (coisa que nunca tinham' feito), a escrever (bem) à máquina, a organizar um arquivo, a fazer uma notícia, a escrever razoavelmente português (o que os liceus parecem ser incapazes de fazer). Qualquer deles, ao fim de um ano, ganhava cerca de 4000$ mensais. Trabalhavam à volta de quarenta e duas horas por semana, se havia uma reportagem ou com trabalho extra, faziam-no. Jornalista não tem horário, porque as notícias também o não têm. O mais recente a sair cá de casa entrou para a Fazenda a ganhar mais de 6500$, entra às S horas e 80 minutos, saí às 12 horas e 80 minutos, volta a entrar às 14 horas e 30 minutos e sai às 17 horas, ao sábado à tarde não trabalhai e nem concebe que se possa ter de trabalhar ao domingo. Está mais gordo. Não tem responsabilidades e a única preocupação real que o aflige é a possibilidade de o título mensal poder vir um ou dois dias atrasado.
Ninguém tem culpa de que o jornal pague mal. Um redactor qualificado da revista Noticia ganha 10 contos por mês, do jornal A Província do Angola, sensivelmente o mesmo. Mas são profissionais fraquejados, com muitos anos de - serviço e que ganham o que se considera "bons" (!!!) ordenados. Mais continuemos . . . Numa empresa privada de Carmona, sólida casa que pratica vencimentos considerados geralmente de bom nível para o meio, há dois terceiros-escriturários, rapazes novos, que trabalham como mouros e dão à casa um rendimento real. Têm responsabilidades que, se não cumprirem a preceito, arrastarão, naturalmente, a dispensa do serviço! Um deles tem o 2.° ano comercial, o outro tem parte do 5.° ano dos liceus. Ganham, respectivamente, 8000$ e 5000$ e têm alguns (poucos) benefícios marginais. Mas trabalham, e "no duro". . . Um outro funcionário, responsável por um dos sectores da firma, profissional de escritório competente, homem de confiança, ganha 6000$. É um chefe de família, casado e com filhos. Voltemos à Fazenda, como poderíamos voltar a qualquer serviço público. Um funcionário com os anos de serviço e as qualificações de qualquer deles ganharia no mínimo mais 2 a 3 contos. Sem responsabilidade de maior. Com muito menos trabalho. Sem perigo de receber uma simples carta a dar um ou dois meses para procurar emprego . . . Uma dactilógrafa (ou dactilógrafo) , no Estado, tem apenas de ter a 4.ª classe e entra, em Carmona, a ganhar quase 5000$. E muitas vezes até quase nem sabem dactilografia, têm aqueles horrorosos cursos a martelo, e andam à caça das letras, demoram duas horas para fazer um ofício . . . quando o não têm de deitar fora. Isto, pelo menos, é o que me dizem chefes de secção amigos, que abertamente comentam a fraquíssima qualidade do funcionário recente, isto é, daquele que está a entrar para os serviços nestes últimos anos.
Mas os bancos ... Ah! Os bancos! Pois também os bancos, com a fama de serem bons empregadores, não resistem ao confronto com o Estado. Entra-se com o 5.º ano; o ordenado inicial é de 3600$. O trabalho é duro e de muita responsabilidade. Há uma observação rigorosa do aproveitamento. Ao fim de quatro a cinco anos o funcionário bancário está na letra E (dos bancos), ganha 7200$. Está ao escalão correspondente ao do segundo-oficial de serviços públicos, mas com muito mais responsabilidade geral. E em Carmona, um segundo-oficial ganha em média mais de 8 contos e tem regalias muito apreciáveis . . . Um gerente de agência bancária tem, por contrato de trabalho, um vencimento de 11 350$ ... E muitos ganham isso e nem mais um chavo. Pois é ... são assim os bancos ... a entidade privada que melhor paga.
Mas não é apenas o vencimento que atrai para o Estado, para o serviço público. Entendo que fundamentalmente pesa em tal assunto a combinação quase irresistível de dois factores que contam muito nos tempos que vão correndo: a irresponsabilidade e o lazer. Os funcionários públicos são praticamente irresponsáveis.

A Sr.ª. D. Sinclética Torres: - Não concordo.

O Orador: - Eu estou a falar em relação a Angola.

A Sr.ª D. Sinolética Torres: - Eu queria esclarecer o ilustre colega como funcionária que sou, superior por acaso, que tanto eu como outros funcionários que não são superiores têm tanta responsabilidade como quaisquer outros. Têm processos disciplinares, estão sujeitos a sanções. Se haverá alguns que realmente não cumprem, a culpa é dos chefes e directores que os deixam, não cumprir, não porque não tenham responsabilidades directas no assunto. Como directora, eu sinto-me duplamente responsável pelos serviços que estão a meu cargo. Era só isto que queria dizer.

O Orador: - Então, eu só tenho a lastimar a má qualidade dos chefes, por enfrentarmos situações desta natureza. Não valeria a pena chegarmos a esta conclusão. Uma vez que a temos de atingir, vamos encontrar culpados, que era o que menos desejava: são os chefes!

O Sr. Leal de Oliveira: - Alguns chefes!

O Orador: - Não tenho dúvida, Sr. Deputado.

O Sr. Barreto de Lara: - Não, alguns chefes não. É toda (uma legislação anacrónica e ultrapassada.

O Orador: - Então será a legislação. Eu só estou a frisar e a acentuar uma situação com a qual se pode ou não concordar. Aliás, tenho a impressão que houve uma certa precipitação da ilustre colega na medida em que eu, mais adiante, acentuo exactamente a situação que acatou de relatar. Por isso, só lhe pedia o favor de me escutar até ao fim e na devida altura poderemos fazer os comentários. Muito obrigado.

O Sr. Presidente: - Peço ao Sr. Deputado o favor de não consentir interrupções, porque a hora vai adiantada e o número de oradores inscritos para o período da ordem, do dia é muito longo.

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O Orador: - Peço desculpa, Sr. Presidente. Eu continuo então rapidamente.
Informações anuais oscilam entre o Bom e o Muito bom. Não há funcionários Regulares-? Singular, singular ... O tempo parece não ter fim para o funcionário normal. Há tempo para tudo. Os "antigos" queixam-se que os novos nasceram cansados e em muitos serviços, onde uma tradição de trabalho árduo ainda persiste, verifica-se que não há candidatos a vagas . . .
O exemplo vem donde? Não se consegue descortinar bem. Verifico apenas que a nossa administração é extraordinária nos escalões superiores. Lendo os jornais de todo o Mundo, lá aparecem regularmente casos de incompetência - na administração no funcionalismo a nível superior. São feitos inquéritos, os seus resultados são publicados, as fotografias dos altos funcionários negligentes são chapadas nas páginas de mais evidência, para exemplo e aviso. Dá-se responsabilidade dos falhanços aos seus autores ou maiores intervenientes. Isso, certamente, também aconteceria entre nós, se houvesse caso para tal. Mas eu não me recordo de um único caso de incompetência responsabilizada a alto nível. Isto em nove anos de profissão. Sinal certo de que não se registam casos desses. Não é? Portanto, se o escalão mais alto trabalha e é responsável, se há inegável moralidade e espírito de serviço, porque será que os níveis inferiores do funcionalismo são como são? Porque existirá a "ditadura dos terceiros-oficiais e das dactilógrafas", como dizia, há bem pouco tempo no Uíge, um ex-Ministro do nosso Governo? Caso estranho e singular. Eu, por mim, não sei responder.
Que se pode então concluir?
Que a sobrevivência da empresa privada, o seu equilíbrio como núcleo homogéneo da fusão do capital e do trabalho, são fortemente abalados pelos encargos tributários sempre crescentes, avassaladoramente crescentes, e para cujo agravamento contribui, de forma poderosa, o empolemento do aparelho estatal.
Fabricam-se funcionários públicos a ritmo inadmissível, cada vez menos dedicados, cada vez mais incompetentes, na maioria das vezes totalmente desinteressados das responsabilidades que lhes estão cometidas.
A mística feita de empenho, brio, dedicação, espírito de sacrifício, diríamos mesmo, por ser de inteira justiça, de abnegação e competência, do velho funcionário não encontro, nos novos, espíritos receptivos - estes votados como estão à indiferença, à irresponsabilidade, ao autêntico "não te rales".
Perdida a qualidade, surge, exigente e prejudicial, a quantidade, impondo sacrifícios a todos, prejudicando as maiorias, provocando desequilíbrios difíceis de reparar, dissipando possibilidades que mereciam melhor aproveitamento.
Os próprios quadros superiores da administração pública são continuamente ampliados, assim se registando um aumento espectacular. Estes novos quadros, ciosos da respectiva categoria, ávidos dos benefícios que julgam devidos, embora a lei tantas vezes os não consinta, resvalando tantas vezes para o ambiente eufórico do luxo e da dissipação, que, como é evidente, também se espraia pelo agregado familiar, não menos exigente nas prerrogativas que são tão apetecidas. O governo provincial enfrenta assim situações consumadas, às quais só seria possível reagir por via disciplinar, o que, por razões compreensíveis, não é fácil nem sempre possível.
Mas nada pode então ser feito? É evidente que tudo pode ser feito, que muito deve ser imediatamente feito. Tudo está, pois, em se querer que seja feito.
Perdida, pois, grande parte da sua vitalidade, por esta autêntica sangria de recursos provocada pelo tributo sempre crescente, a empresa privada pagã pior, pois, os que a servem do que aqueles que só remotamente interessam à sua própria vivência.
Esta uma das razões:, não a única, nem certamente a mais importante, dos baixos níveis salariais praticados em Angola.
Alguns elementos estatísticos tão expressivos merecem ser registados:
Em 1965, 71 por cento dos salários pagos ao pessoal admitido nesse ano e sindicalizado no Sindicato Nacional dos Empregados do Comércio foram inferiores a 3000$; 20 por cento destes salariados variavam entre 1500$ e 2000$.
Em 1966, 67 por cento dos salários estavam compreendidos no mesmo intervalo, isto é, de 1000$ a 8000$.
Em 1967, 70 por cento.
Em 1968, 70 por cento.
Era 1969, 65 por cento.
Só em 1970 a proporção diminui para cerca de 60 per cento.
Tendo em consideração o agravamento espectacular do custo de vida, que conclusões se podem tirar?
Nem sequer nos parece útil acentuá-las!
Não se infira que considero elevados os ordenados do funcionalismo público, longe disso, acentuo apenas um desequilíbrio, que sem demora tem de ser restabelecido.

2. Horário do trabalho e férias anuais:
Como sempre, o cumprimento do horário de trabalho no Luso e na área sob a jurisdição desta secção é uma hipótese longínqua e por isso continuamos a aguardar a fixação nesta cidade de uma brigada de fiscalização do Instituto do Trabalho.
Em Dezembro de 1970 apareceu um agente do Instituto.. Foi uma pousa refrescante no inferno da exploração ignóbil que se pratica na pessoa do empregado, obrigando-o a trabalhar sempre que a vontade do patrão muito bem o entende.

O Sr. Barreto de Lara: - Eu desejo protestar contra a expressão "ignóbil" usada por V. Ex.ª

O Orador: - Fica registado o protesto.
Se recusa, vai para a rua pelo mais ínfimo pretexto, ainda por cima com a alcunha de malandro e indesejável. Enfim, com fama suficiente para dificilmente conseguir outro emprego.

O Sr. Barreto de Lara: - Torno a protestar!

O Orador: - Eu não tenho tempo porque o Sr. Presidente já me proibiu, mas na devida altura gostaria, mesmo a título particular, que me explicasse a razão dos seus protestos.

O Sr. Barreto de Lara: - É muito simples...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado David Laima, devo esclarecê-lo de que o Presidente não o proibiu, solicitou-lhe que se contivesse, não dando largas a interrupções por haver necessidade de economia de tempo.
O Orador: - Com certeza, eu aceito disciplinadamente e compreendo perfeitamente. Muito obrigado.

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O Sr. Barreto de Lara: - ... E que existem os tribunais de trabalho onde correm processos da ordem dos dezenas de milhares de contos, exactamente propostos por funcionários que não gozaram as suas férias e não usufruíram outras regalias e recorrem portanto à única entidade que num Estado de direito é capaz de reparar as injustiças que se cometam, não concedendo férias aos empregados que a elas têm direito, ou outras regalias.

O Orador: - Muito me agrada ouvir essas afirmações porque mais adiante vou tratar exactamente dos tribunais de trabalho e tenho muita pena que o Sr. Dr. Álvaro Lara, que exerce a actividade há tanto tempo em Angola, n Só se recorde, neste momento, da situação desses tribunais e faça uma afirmação tão gratuita.

O Sr. Barreto de Lara: - Gratuita? Essa é boa. Eu conheço os tribunais de trabalho e conheço também condenações feitas à escala de centenas de contos, impostas às vezes até a tabernas ou a casas que por via de tais condenações caíram em falência, por serem condenadas a pagar valores astronómicos a empregados que reivindicaram férias, horas extraordinárias e sei lá que mais, tudo com base no Estatuto do Trabalho de Angola.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Barreto de Lara, peco-lhe o obséquio de não dar o mau exemplo de não querer aceitar a limitação que o orador tão boamente aceitou.
V. Ex.ª tem regimentalmente amplas oportunidades de estabelecer os factos que entenda deverem ser esclarecidos.
Faço-lhe, portanto, o favor de não alongar a intervenção do orador, visto que está a prejudicar outros oradores desejosos de usarem da palavra e já inscritos para o efeito.

O Sr. Barreto de Lara: - Muito bem, Sr. Presidente. A partir de agora silenciarei.

O Orador:

E férias? Quem as goza? . . .
Permitimo-nos produzir mais alguns comentários:
Referimo-nos mais acima ao empolamento dos quadros estatais. Pois, por mais bizarro que pareça, a verdade é que um organismo como o é o Instituto do Trabalho, Previdência e Acção Social, cujo campo de actividade é de relevância ímpar no quadro de uma sociedade como a sociedade angolana, enfrenta dificuldades quase insuperáveis, quer pela heterogeneidade dos problemas que bem de resolver - e os problemas humanos são os mais difíceis de obterem a solução desejada -, quer pela dispersão de actividade num território imenso. Pois esse organismo, dizíamos, continua a sofrer de todos os males de uma estrutura mal consolidada, precisamente por não dispor de meios para uma imprescindível satisfação das suas necessidades em colaborações aptas e dignas. Anos e anos se perderam no estudo de uma orgânica actualizada, sendo finalmente adoptada um solução, da qual a província esteve praticamente alheada, como é da regra, e que ainda hoje se não definiu completamente.
Criada a Secretaria Provincial de Trabalho, confiava-se no rápido aperfeiçoamento deste sector estatal.
Pois apesar das boas vontades evidentes, da competência, dedicação e sensibilidade, sobretudo sensibilidade, dos quadros superiores da administração da província e da presidência do Instituto, ainda hoje se enfrentam dificuldades inacreditáveis e inaceitáveis, para melhorar os serviços desta Secretaria, criadas por processos de actuação
e de funcionamento em que a subjectividade das intervenções desnecessárias, alheias ao quotidiano da província, adquire formas negativistas, de evidente prejuízo para todos, mas que perduram por misteriosos hábitos adquiridos e que continuam, infelizmente, a ser tolerados.
Confiamos porém que a persistência colha o êxito desejado e que a lucidez ajude como se deseja.
Pelo Diploma Legislativo n.º 2827, de 5 de Junho de 1957, foi aprovado o Estatuto do Trabalho de Angola.
Transcorridos praticamente quinze anos, repetimos, quinze anos l, ainda se aguarda a regulamentação do artigo 60.°, que reconhece o direito ao gozo de licenças nas terras da naturalidade.
Sem esta regulamentação, aquele preceito não tem qualquer valor efectivo.
Quinze anos decorridos!
Quantos anos ainda haverá que aguardar?
E já agora uma última nota sobre o problema das licenças.
Enquanto na quase totalidade das. empresas privadas apenas administradores e directores viajam de avião, em 1." classe, no Estado é elevadíssimo o número de funcionários que beneficiam de uma regalia exagerada e que se não admite em tempos de sacrifício. Assim se dissipam milhares de contos que poderiam ter muito melhor aplicação. Não será tempo de se evitarem dissipações deste tipo?
3. Tribunais do trabalho. - "Outra lacuna da nossa organização social.
Os ordenados de Abril e Março de 1968 litigados em juízo e que a própria entidade patronal confessa dever, ainda nesta data - Dezembro de 1970 - estão por receber. E assim se joga com o pão de quem nada mais tem para viver do que o produto do seu trabalho.
Não se sente o problema e por isso não se resolve."
Cremos nada mais dever acrescentar.
4. Previdência. - "Está sobejamente reconhecido que a Previdência é factor relevante na fixação do trabalhador no país onde exerce a sua actividade.
A segurança do futuro, para si e para a família, na velhice, na doença, na morte e no desemprego, traz ao trabalhador uma tranquilidade que se reflecte na produção e no consumo.
Fala-se que este ano vai . . . Embora sejamos um povo que tem uma especial propensão pela esmola desde que seja, como a do fariseu, dada à porta da igreja, não acreditamos, a não ser que haja uma nova convulsão social que obrigue a pôr muitas coisas no seu lugar."
Acrescentamos nós: sabemos já ter sido analisado no Conselho Ultramarino o diploma que institucionaliza a Previdência no ultramar.
Pois apesar de existir um Conselho Económico e Social e um Conselho Legislativo em funcionamento nos províncias, pois, apesar disso, nenhuma consulta foi proporcionada àqueles órgãos.
Quer pois isto dizer que, mais uma vez, como já dissemos e repetimos, os interessados directos no problema foram afastados da análise 'de um diploma tão relevante para as sociedades que constituem.

O Sr. Almeida Cotta: - . muita atenção ...

O Orador: - Eu agradeço. e não gostava nada de

O Sr. Almeida Cotta: - ... E não gostava nada de interromper, até porque o Sr. Presidente fez aqui um apelo para não se perder muito tempo. Mas não posso

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deixar de chamar a atenção de V. Ex.ª para o seguinte: quando diz que o Conselho Ultramarino está a tratar de estudar um problema do maior interesse para a província e que a província não tem quem a represente naquele Conselho, quer dizer, não é ouvida, esquece que realmente hoje a constituição do Conselho Ultramarino tem uma larga representação das províncias ultramarinas.

O Orador: - Eu peço licença, Sr. Deputado, mas não foi isso que eu disse. Se me dá licença, volto a repetir o parágrafo:
Pois, apesar de existir um Conselho Económico e Social e um Conselho Legislativo em funcionamento nas províncias, pois, .apesar disso, nenhuma consulta foi proporcionada aqueles órgãos.

O Sr. Almeida Cotta: - Pois não, porque há um outro órgão de que fazem parte representantes das províncias ultramarinas que soo ouvidos e que estudam o projecto, porque senão estávamos sucessivamente a ouvir órgãos.

O Orador: - Sr. Deputado, pelo muito respeito que tenho, pelo conhecimento directo do Sr. Deputado, por todas as outras razões, apesar de tudo, peço licença para guardar a minha opinião, e gostaria, interpretando alias o sentir de todos quantos em Angola estuo, que realmente aos órgãos da província fosse dada uma outra audição, de forma que pudéssemos dor uma 'Colaboração, que com certeza não era de menor valia. Era tudo quanto se desejava.
Permitimo-nos até afirmar que nem sequer as secretarias provinciais do trabalho e "os organismos que as servem foi consentida qualquer pronúncia..
O diploma, urdido ma metrópole, aqui permaneceu, num total desprezo pelos legitimes direitos de intervenção dos respectivos interessados, quer na sua estruturação, quer na discussão consequente.
O diálogo entre as entidades patronais e os sindicatos, pelo menos em Angola, sempre foi fácil, leal e camarada; sempre foi útil e profícuo; sempre favoreceu as soluções negociados que se desejaram; nunca dificuldades insuperáveis urgiram a destruir este lúcido conceito de compreensão e harmonia.
Parece-me, pois, que o Governo, fiel à filosofia corporativa que todos servimos, deveria guardar para si, exclusivamente, - um juízo arbitral que, repito, talvez nem viesse a ser necessário.
O que sucederá? As decisões adoptadas podem não colher a aprovação de nenhuma das partes e que à imposição seja dada a resposta que menos se desejaria. Enfrentar-se-á pois um movo quadro de reacções que desnecessário será, provocar.
Tudo poderia, pois, ter sido fácil e justo. Assim não se entendeu, e, por nós, aqui deixamos todos as reservas quanto ao interesse do diploma votado e os consequências da sua aplicação prática.
Servimo-nos de textos do relatório de uma secção de um sindicato. Poderíamos utilizar qualquer outro relatório de qualquer outra secção de qualquer outro sindicato da província.
Este é o pensar de todos quantos em Angola trabalham. Estas são os razões autênticas que se não podem desconhecer.
Iludir a realidade é apenas uma forma de perdermos mais tempo. Tempo que não será fácil recuperar.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Barreto de Lara: - Sr. Presidente: Já deste mesmo lugar fiz uma análise perfunctória e superficial no Decreto-Lei n,° 478/71, que passou a disciplinar o regime dos pagamentos interterritoriais, afirmando então que aguardaria a evolução e o desenvolver do sistema para me pronunciar quando fosse caso disso.
Não deixei contudo de manifestar logo um vivo e completo desacordo, se não até desapontamento, face ao contido nos seus antigos 18.° e 19.°, por apenas permitir aos bancos emissores ultramarinos e nos bancos comerciais autorizados a exercer o Comércio de câmbios nas províncias do ultramar a manutenção de contas em seu nome em estabelecimentos do crédito domiciliandos no estrangeiro ou em qualquer outro território nacional, e, para além destas entidades, tão só, aos residentes nas províncias do ultramar, mas, quanto a estes, confinada a permissão exclusivamente àqueles que obtivessem prévia e expressa autorização da inspecção de crédito e seguros ou do comércio bancário da província das suas residências.
E como no diploma logo se estabeleceu também que quem não conseguisse obter tal, autorização ficaria obrigado a vender ao fundo cambial as suas disponibilidades em moeda estrangeira ou em escudos metropolitanos, por todo o ultramar perpassou uma onda de espanto, se não também de desânimo.
E a propósito e de imediato perguntara eu se, perante o reconhecimento já feito, na experiência de alguns anos, das múltiplas formas e processos de tornear o obstáculo, teria merecido a pena manter um dispositivo que já são no passado se havia mostrado de todo em todo improfícuo e que na actual conjuntura se agravava em política de antipatia.
Vivo desacordo manifestei também quanto ao perigoso conteúdo da alínea d) do artigo 20.°, pelo qual passou a ficar vedada às instituições de crédito autorizados a exercer o comércio de câmbios a concessão de créditos em moeda local garantidos, por fianças ou vales, a residentes no estrangeiro ou em outro qualquer território nacional, ou caucionados por títulos ou depósitos de moeda estrangeira ou em escudos de outro território nacional, ou ainda por quaisquer haveres situados no estrangeiro ou em outro território (nacional, salvo com autorização expressa do Ministro do Ultramar, precedida de parecer do administrador do Fundo Cambiai.
E logo salientei também que tal dispositivo conduziria fatalmente a desunimos e retraimentos dos investidores não residentes.
E se com tal dispositivo se pretendeu afinal, como já ouvi dizer, provocar o afluxo de capitais, a inversão da situação é que me parece fatal resultante. Por motivos tão óbvios e tão evidentes que evitarei a -V. Ex.ª o incómodo de os produzir.
E quanto desejaria errar o prognóstico. O certo é que, a citada disposição, ao menos de imediato, criou logo problemas de tomo, pela insegurança e incerteza em que logo se viram colocados os notários das províncias do ultramarinas quando solicitados à outorga de determinados contratos, desde que um dos outorgantes e bastava tão-só um) não (fosse residente no território onde se iria titular o negócio jurídico. Verdade seja que, ao que me consta, já só clarificou um tanto a interpretação de tal disposição, e pelo menos em certa medida já estão reconhecidas algumas das suas dúvidas e interrogações. Mas não todas, é bom que o acentue.
Mas a verdade é que a disposição ficou e permanece com toda a sua esquisita, incompreensível e até fria configuração e com as suas inquietantes interrogativas.

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Mas para além destas reserves, que do novo sublinho, chamando para elos, com persistente insistência, a atenção do Governo, dissera eu, então, expressamente nesta Câmara:
Não quero, porém, e por ora, fazer uma apreciação pormenorizada do novo diploma, e nem sequer equacionar se se foi pelo melhor caminho e se se encontrou a solução ideal. As medidas estão tomadas. É pois facto consumado. Deixarei assim que o tempo evidencia se resultou e como resultou. E cá estarei na altura própria, e quando próprio o ache, e fazer o meu pronunciamento.
Perdoar-me-ão VV. Ex.ª, Sr. Presidente e dignos pares desta Câmara, o enfado das repetições que podem ser, e são efectivamente, fastidiosas mas não de todo inúteis.
Ora, a verdade, portanto, é que essa tomada de posição não inibe e antes até justifica que trago já ao plenário o resultado de algumas observações ao processamento do novo sistema, no acompanhar do seu desenvolvimento e evolução, sem usar lentes de pessimismo derrotista de menos de optimismo exagerado, no salutar objectivo de tentar ajudar, quanto nas minhas parcas forças o permitam, a desejáveis aperfeiçoamentos, trazendo aqui a voz do homem comum, sem quaisquer recomendações ou graduações especializadas, objectivando-me, acima de tudo, no evitar de deteriorações e desagradáveis amofinamentos, eivados de perigos, que não escapam à percepção até dos menos avisados.
Portanto, e por isso, algumas observações se me apresentam já oportunas, e todas elas enfileiradas num juízo positivo à valocação do sistema.
A primeira é a de que, analisando o processamento actual do regime dos pagamentos interterritoriais com senso e ponderação, logo se verifica que o sistema permitirá, com todas as vantagens daí inerentes, uma aceleração na industrialização das províncias do ultramar.
A transcendente importância do facto é de todo em todo irrecusável e irrefutável.
Muito embora legítima seja na interrogativa sobre a dimensão de mercados consumidores, onde a grande massa das suas populações não tem poder de compra e, muito pior do que isso, não atingiu sequer um estádio de satisfação de necessidades essenciais.
Mas, por outro lado, verdade é também que se olha com óbvio constrangimento para duas das mais valiosas matérias-primas angolanas - o ferro e os diamantes - , que não são industrializadas no local onde existem e donde se extraem. E se quanto ao ferro é ponderável, mas não irremovível, o argumento exactamente à luz da curta dimensão económica do mercado consumidor e que consigo arrasta obviamente a própria dimensão da empresa transformadora, embora se não deva esquecer nem obliterar que os planeamentos se fazem não para. o presente, mas para um futuro, e promissor, em territórios de colossal dimensão, já quanto aos diamantes, no meu modo de ver, não se encontra o menor argumento e a mais íntima razão válida para que a sua lapidação se não faça em Angola, precisamente onde se encontram as minas. E sabe-se quanto a lapidação valoriza tal produto, e que talvez até essa simples operação tivesse sido o bastante para cobrir o déficit cambial que anualmente se vinha encontrando.
Carência ou dificuldades de técnica? Mas, valha-nos Deus, os técnicos aparecem de todo o lado. Ponto é que se lhes pague condignamente. E os outros elementos necessários, menos especializados, far-se-ia facilmente, pelas suas já reconhecidas e naturais aptidões, a partir de elementos locais.
Falece, pois, se bem me parece, tal argumento, e outros não conheço que justifiquem a situação.
Observarei ainda e forçosamente que o anunciado e desejado desenvolvimento industrial terá de processar-se a curto prazo e afinal sobre clima bem pouco propício, sobretudo porque dominado por uma legislação complicativa e morosa que cumpre a todo o transe modificar o mais rapidamente possível.
Além disso, mercê sobretudo da diminuição das receitas publicas, ora pelo encolhimento inevitável dos réditos aduaneiros -importa-se menos, cobro-se menos-, ora porque a fatal repercussão da diminuição de transacções, por carência de produtos, atirará por aí abaixo os rendimentos tributáveis, assim ficam prejudicadas as tão necessárias e indispensáveis obras de fomento, que constituem afinal o pano de fundo em que toda essa aceleração industrial iria processar-se.
A agravar este estado de coisas surge um outro depauperamento das receitas das províncias do ultramar: é que, no intuito de evitar duplas tributações, situação que se arrastava de há muito e que cumpria de facto solucionar, pensa-se, ou até este momento o facto já estará consumado, optar por solução, talvez mais cómoda, mas menos justa: as empresas com sede na metrópole aqui passariam a pagar as suas contribuições e impostos, ainda que a dominância das tais operações se processe no ultramar. E, a ser assim, de mais uma bem elevada verba se verá privado o ultramar.
E um apontamento também ainda aqui desejo deixar, porque se prende com os financiamentos de promissoras actividades: de há longos anos que a agricultura e a pecuária vêm sendo financeiramente apoiadas pela Caixa de Crédito Agro-Pecuário.
A Caixa, mercê do dinamismo, inteligência e probidade de quem sempre a vem dirigindo, tem desempenhado papel marcante e notável no desenvolvimento daquelas actividades.
Pois começa a constar com insistência em Angola que se pensa na integração da Caixa de Crédito Agro-Pecuário no Instituto de Crédito de Angola, de jovem criação e, até talvez por isso, cuja actividade vem deixando muito a desejar.
Pois, segundo o meu entendimento, e que suponho que coincidirá com o de todos ou quase todos agricultores e criadores de gado, tremendo e pesado erro se cometerá só se levar a cabo tal integração, a que se não vê a menor vantagem. Ao contrário, até, pois, perde-se em experiência e em eficiência.
As relações Caixa-Instituto terão sem dúvida de ser revistas pelas dificuldades de financiamento - e que serão obrigatórias- que este vem levantando àquela, apesar de dispor de elevadíssimas disponibilidades.
Mas integração isso é que nunca.
O segundo ponto a que me queria referir é que, mercê do rigor das restrições para a importação de mercadorias pelas parcelas de além-mar, a falta de mercados para a colocação do largo somatório de produção metropolitana assumiu assinalável relevo. E assim, por isso, claramente e sem subterfúgios ou segredos de corredor, em todos os espíritos tomou verdadeira dimensão o real valor, para além do sentimental, que as províncias do ultramar representam no contexto da Nação.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Permitiu assim o deflagrar do novo sistema de pagamentos interterritoriais um saudável am-

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biente, mais favorável a um dialogo equitativo, num diálogo franco e lúcido travado à luz clara do Sol, olhos nos ódios e sem eufemismo, sopesando-se agora a real dimensão económica que cada parcela da Nação representa, não deixando confinar o ultramar tão-só ar sentimentalismo muito louváveis decerto, mas que em certa medida obnubiliam a visão, pondo-se de lado e de vez o apregoar do regime de favor que os espíritos menos esclarecidos tanto avozeavam.
Agora, sim, a luz rude da verdade abriu-se caminho a um diálogo inevitável, que ajudará a consolidar a unidade da Nação e tanto mais desejada e desejável quanto no mundo hodierno os grandes espaços e as grandes dimensões são meta fatal. E que estão finalmente delineadas todos as condições e requisitos para esse diálogo o para relações despidas de sobrancerias antes revestidos de paridades que sempre e impuseram, mas que só agora começam a reconhecer-se.
Por fim, a terceira verificação que se representa ao meu espírito é que as restrições impostas a todos tornam tão claro e tão vivo o momento difícil que se vive, que a um clima de euforia e de superficialidade se sobreporá fatalmente um ambiente de reflexão, à luz do qual se mentalizará governantes e governados, numa senda de austeridade e de parcimónia nos gastos, confinando-se todos, mas todos, ao estritamente necessário e indispensável e afastando, e aí, sim, praticamente, tudo quanto seja sumptuário e supérfluo. E data chamada, como disse, não pode confinar-se tão-só aos governados. Antes e também obviamente, e por maioria da razão, se impõe aos governantes.
Pois nestas reflexões que acabo de fazer sem dúvida que o novo sistema marcou três pontos positivos. Há que reconhecê-lo e louvá-lo desde já e não o silenciar. Antes, repito, louvá-lo com entusiasmo, tal a importância que assume na vida da Nação.
Para além destas considerações, de outro assunto me vou ocupar e que era ao cabo e ao resto a razão principal que aqui me trazia hoje.
Assunto que todavia se prende ainda com os pagamentos interterritoriais, e daí até a associação de ideias.
Mercê do sistema de integração económica que legalmente vigorou neste país por mais de uma década, e apesar de dispor de várias fábricas de tabaco, e em plano eficaz funcionamento, importavam-se em Angola da província de Moçambique, para mais de 60 000 contos anuais de tabacos manipulados.
Claro que, num sistema como o que deriva do Decreto-Lei n.° 478/71, sendo o tabaco um produto não essencial e que até deve considerar-se, como na maioria das nações, num produto de luxo, e ainda porque havia e há em elaboração várias fábricas em Angola, foi, como não podia deixar de ser, pois o contrário bradava aos céus, colocado esse tabaco em 5.º lugar na lista das prioridades. E com toda a justeza.
Mas, parece que assim o não entendendo e numa atitude que pelo miemos à primeira vista se afigura retaliatória, olhando a posição para que seu tabaco manipulado fora relegado, na província de Moçambique, passou-se então a considerar os produtos derivados da pesca e que importava de Angola para a posição, estranha e esquisita, de bens não essenciais, começando por isso a serem recusadas licenças para a importação de tais produtos.
Ora, estes derivados da pesca são principalmente peixes secos, peixes de meia cura e peixe congelado.
Quer dizer, peixe que a província de Moçambique não pode produzir, porque o não tem em quantidade e qualidade bastantes, e que, sendo barato e de natureza, e sabor peculiares, se destina exactamente às camadas da população não já e só com menor poder de compra, mas ainda com o gosto a eles afeito e em cuja alimentação constitui, digamos assim, portanto, o prato forte, foi equiparado a tabacos manipulados, que se destinam apenas a alimentar vícios.Ora, afileirar no mesmo muno tabaco com derivados da pesca é coisa que me deixa atónito.
Parece, e ressalvo sempre o devido respeito, um acto menos pensado e menos ponderado, se não até de sobranceiro desinteresse pela alimentação das classes pobres, que são as que o consomem.
E é este afinal um apontamento que hoje também aqui queria deixar, e que fica acompanhado de um apelo ao bom senso, de quê me não é por modo algum licito duvidai sequer, das autoridades a quem o assunto está afecto da província irmã de Moçambique.

O Sr. Santos Almeida: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Faça favor.

O Sr. Santos Almeida: - V. Ex.ª está a focar um ponto que, como representante de Moçambique, não poderia deixar, passar sem reagir, embora declare a V. Ex.ª que não estou inteiramente dentro do problema, não sabendo, portanto, até que ponto a província de Moçambique poderá ter usado da arma de que dispunha - restrições à importação de peixe - para, por seu lado, resolver um problema económico gravíssimo para a sua própria economia: o cessar súbito das exportações de tabaco, para só falar, em tabaco. Tive no entanto conhecimento de que os secretários provinciais de Economia de Angola e Moçambique estiveram recentemente reunidos em Lourenço Marques, naturalmente de acordo com os respectivos Governos-Gerais, e que daí resultou uma solução absolutamente satisfatória para os duas províncias.
Tanto quanto sei, entre Angola e Moçambique, frente a frente, olhos nos olhos, como V. Ex.ª e eu entendemos que se deve fazer, o problema foi solucionado num pé de absoluto entendimento.
Não sei se as críticas de V Ex.ª não serão agora extemporâneos, na medida em que essa solução surgiu de facto, embora lhe não possa dizer exactamente qual é. O que sei é que os problemas económicos, não só tabaco e não só peixe, foram solucionados entre as duas províncias.
Deixe-me V. Ex.ª frisar que tenho uma confiança tão grande no nosso actual Governo, e no seu bom senso, portanto, que francamente me sinto ferido ao ouvir acusações que tenho a certeza absoluta serem completamente infundadas.
Moçambique seria incapaz de uma atitude desonesta ou incorrecta para com a província de Angola.
Certamente que procurou, isso sim, encontrar a melhor solução para um problema tão importante.

O Orador: - Pois muito bem! Parece-me então que se agiu com inteligência, se é que se agiu com inteligência, e pois parte tão-só da afirmação de V. Ex.ª.
Mas a minha intervenção não foi extemporânea, porque ela foi elaborada exactamente numa altura em que es coisas se processavam exactamente como disse.
Se V. Ex.ª me diz agora que a caprichos pessoais se sobrepôs a inteligência, o que às vezes não é muito comum neste país, pois só terei motivo para me congratular com as palavras de V. Ex.ª e para lastimar o passado que se verificou à altura em que tive ciência dos acontecimentos.

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Mais duas palavras, Sr. Presidente:
Falou - ontem nesta Assembleia o Sr. Deputado Roboredo e Silva. A sua vivacidade, o seu patriotismo, a sua indesmentível classe, a força com que se exprimiu, não me deu o direito, inibiu-me, obviamente, de o interromper. Mas permite-se-me que hoje desta bancada lhe dirija um forte e apertado abraço, em que vai todo o meu apoio - às brilhantíssimas palavras e ao patriotismo que revelou.

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - Outra coisa queria dizer à Sr.ª Deputada D. Sinclética Torres: também não a que interromper.
Falou V. Ex.ª que num instituto de ensino haviam recusado a presença de uma monitora escolar - se não me engano - pela simples circunstância de não ter cor branca. Pois queria apoiar V. Ex.ª inteiramente nas suas afirmações e dizer-lhe que gente dessa não tem lugar em Portugal.
Tenho dito, Sr. Presidente.

Vozes: - Muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Moura Ramos: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Consciente das responsabilidades que, por imperativo legal e moral, me cabem como mandatário da Nação, não tenho deixado de abordar problemas de interesse nacional e regional, chamando a atenção do Governo não só para quilo que julgo caminhar mal, com a reprovação de medidas consideradas como prejudiciais, mas também apoiando ou aplaudindo tudo quanto, por verdadeiramente útil à sociedade, disso seja digno.
E o que tenho procurado fazer com seriedade, isenção e uma objectividade que não descura nem lesa os ira interesses superiores do País, que está em guerra, e, por isso mesmo, não pode ser favorecedora dos inimigos da Pátria.
E tudo sem atendes nem fanfarronadas demagógicas destinados a causar sansacionalismo, cá dentro e lá fora, e a divertir a, quase sempre mórbida, curiosidade pública, nem, muito menos, para obedecer a clientelas progressistas ou outras de aparentado matiz político ou para despontar as suas boas graças.
E, assim, procedo sem receio nem vergonha de ser acusado de sebastianismo "marialvista" e traduzido em estar sempre pronto a recordar, com admiração respeitosa e grata, o homem que o "foi em toda a dimensão da palavra e em toda a dignidade da espécie" e que, durante quarenta anos, conduziu, "era imobilismo estéril, mas com serviço dinâmico e criador, os destinos do País e que, muito embora pese a alguns inebriados pela "essência abstracta de ideologias em voga e desintegradoras da Pátria, "vive, e viverá, porque subiu e passou definitivamente a pertencer ao inundo imperecível do espírito". E assim procedo também sem a preocupação de me julgar fadado para vedeta política nem estar à espera de honrarias, benesses ou quaisquer compensações que não sejam as que resultem de um dever de consciência que importa cumprir, e que tudo faço para que seja cumprido com tranquilidade de consciência.
E após este esclarecimento que julguei necessário prestar, vou ocupar-me do assunto principal desta intervenção.
Sr. Presidente: Há determinados serviços públicos cuja relevante importância no processo de desenvolvimento económico e social do Pais é de tal modo evidente que se toma desnecessário encanecer.
Estão nesse caso os serviços dos Correios e Telecomunicações, que não podem deixar de funcionar bem, ou pelo menos razoavelmente, sob pena de advirem dai graves prejuízos para a comunidade, pois é por de mais sabido quanto a eficiência das comunicações postais, telegráficas e telefónicas è indispensável as actividades económicas e administrativas, a defesa, à segurança das pessoas e dos bens e a vida social, acompanhando e favorecendo o seu desenvolvimento e expansão".
Noutros tempos, e mercê da existência de um corpo de funcionários que se sacrificavam em dedicação e zelo ao serviço, os CTT cumpriram, melhor ou pior, mas de forma quase sempre aceitável, a sua missão.
A partir da década de 50, em que se acentuou o crescimento económico do País, passou-se por um período de crise que se supôs ir terminar com a profunda revisão orgânica dos CTT, feita no sentido de lhe ser outorgada feição empresarial!, de acordo com o carácter industrial que a produção dos serviços de comunicações dominanitemeabe reveste".
Efectivamente com a solução "empresa pública" dada àqueles serviços públicos admitiu-se, talvez ingenuamente, que tudo se modificaria pronto, pronto operando-se uma grane viragem na vida dos CTT, em que se punham todas as esperanças. E isto não obstante ser do conhecimento dos responsáveis que da complexidade da passagem de um serviço público a uma empresa pública era extraordinariamente grande no caso dos CTT", pelo que havia que "pedir a maior compreensão ao Governo e ao público, pois que alguns anos são ainda precisos para que esta reconversão se faça e se possam tirar todos os benefícios da - nova orientação que foi adoptada".
E nos primeiros tempos, pelo rumo que as coisas tomaram, tudo levava a crer que, embora modesta, uma certa melhoria se tinha alcançado. Porém, tal melhoria foi fugaz, desvanecendo-se pouco após o optimismo excessivo por parte de muitos e "posto em evidência pela experiência colhida durante o primeiro ano de trabalho, que intensamente visaram, as reformas de estruturas e métodos".
Na verdade, a crise voltou aos serviços dos CTT, reflectindo-se, de modo particular, nos telefones e nos correios, pelo que, de há tempo a esta parte, os serviços vêm sendo alvo de constantes e justificados queixas do público.
Quanto aos telefones não se pode, com verdade, afirmar que estejamos perante um serviço público impecável. Muito longe disso, pois que os utentes pagam bem e estão mal servidos, contrapondo-se h morosidade exagerada nas chamadas interurbanas automáticas a pontualidade na cobrança do dinheiro do aluguer e das chamadas ... E se passarmos às chamadas interurbanas não automáticas, então a demora para obter uma ligação ainda é maior, acabando quase sempre por ter de se desistir, com os consequentes danos não apenas económicos e de projecção nas coisas da vida dos utentes, mas também danos psicológicos por vezes graves.
Efectivamente, em matéria de ligações telefónicas e do tempo que para elas se esbanja e é obrigado a esbanjar, não restam dúvidas também de que melhor poderia ter-se trabalhado para evitar a prorrogação teimosa das deficiências.
E de tal maneira as coisas se têm vindo a processar neste sector dos telefones que a expressão, já hoje corriqueira: "Não telefone . . vá" ganhou tais foros em actualidade e verdade que foi guindada a divisa destinada a traduzir a má eficiência dos serviços neste particular.
Mas, se do sector dos telefones passarmos ao dos correios, o panorama não se apresenta mais animador para os utentes, incidindo as queixas de modo particular na morosidade da entrega da correspondência, que chega atra-

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sada as mãos dos destinatários - utentes, dada também a falta de distribuição do correio aos sábados à tarde e aos domingos e feriados.
Mas, se o cumprimento dos feriados facultativos, mesmo seguidos ou antecedidos de domingo, representa para as actividades do comércio e industria demoras prejudiciais e tanto mais de lamentar quanto é certo que enquanto a Nação trabalha os serviços dos CTT incoerentemente descansam, - e isto num momento em que tudo se devia fazer para acelerar a nossa recuperação económica -, que dizer da aplicação do sistema adoptado em dias que não suo feriados - como ainda há pouco aconteceu em terça-feira de Carnaval - sem qualquer aviso prévio aos utentes?
Se atentarmos na importância que o correio representa nas comunicações entre o mundo de negócios de interesses tão respeitáveis e que tão revelante papel desempenha no progresso do País - o que parece ser ignorado pelos serviços dos CTT -, não poderá deixar de concluir-se que, retardando a entrega da correspondência, presta-se um mau serviço ao País, provocando justos protestos dos utentes, que, para maior gravame, voem aumentadas as tarifas de registo e de taxas de encomendas postais sem a correspondente melhoria na satisfação das suas necessidades.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A transformação do serviço público dos CTT em empresa pública, traduzindo a adaptação da orgânica u função com vista & procura de urna maior eficiência e de um menor custo de produção, poderia e deveria representar maiores benefícios para os utentes. A experiência diz-nos que tais benefícios ainda não se concretizaram, sentindo-se o público prejudicado, quer pela supressão da distribuição aos sábados a tarde (com consideráveis prejuízos para muitos, entre os quais estuo os administradores da imprensa regionalista, cujos jornais costumavam chegar nos sábados à tarde as mãos dos seus assinantes e que por assim não suceder desistem das assinaturas), quer pela supressão da distribuição aos domingos e feriados, mesmo facultativos, e a consequente retenção da correspondência sem qualquer respeito pêlos interesses do expedidor e do destinatário.
A verdade é que o País não tem um serviço postal capaz, que o satisfaça de modo cabal, não devendo os CTT agastar-se com os censuras feitas pêlos utentes, que pagam e, por isso mesmo, alguns direitos têm ...
Demais, anima-os o melhor propósito - o da melhoria dos serviços -, e feudo quanto se vá e sabe impõe como necessária, imperiosa e justa essa melhoria.
E não podendo nem devendo o Estado abdicar da autoridade que lhe compete neste vasto e importantíssimo domínio de acentuado interesse nacional, nomeadamente no que "respeita quer à definição da política de correios e telecomunicações, quer ainda à competência para a aprovação das tarifas e dos regulamentos de uso público, apela-se para o Governo e, em especial, para o Sr. Ministro das Comunicações a fim de que sejam tomadas providências tendentes a que a empresa pública Correios e Telecomunicações cumpra, com justeza e com urgência, os imperativos nacionais que se propôs e ainda tão longe de serem atingidos: a procura da maior eficiência e expansão do serviço com o mínimo custo para a colectividade.
Estes os votos que muito sinceramente formulamos em nome do interesse nacional.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: Informo VV. Ex.ª que, durante a sessão, entrou na Mesa, enviada pela Presidência do Conselho, uma proposta de lei sobre o registo nacional de identificação que vai ser enviada à Câmara Corporativa, para que sobre ela emita parecer, e oportunamente baixará à Comissão competente.

Vamos passar à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: -A primeira parte da ordem do dia tem por objecto a apresentação de eventuais reclamações sobre o texto elaborado pela Comissão de Legislação e Redacção para o decreto da Assembleia Nacional sobre defesa da concorrência.
Se algum de VV. Ex.ª tem qualquer reclamação a apresentar sobre este texto, terá a bondade de se manifestar.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Como parece que não há reclamações, considera-se definitivo o texto redigido pela nossa Comissão de Legislação e Redacção.
Vamos passar à segunda parte da ordem do dia: Discussão do aviso prévio sobre urbanização e habitação.
Tem a palavra a Sr.ª. Deputada D. Raquel Ribeiro.

A Sr.ª D. Raquel Ribeiro: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pedi a generalização do debate do presente aviso prévio sobre urbanização e habitação porquanto desejo apoiar a iniciativa do Sr. Deputado avisante Alberto de Alarcão, corroborando nas mesmas razões de importância e oportunidade em levantar nesta Câmara este problema, na sequência das vozes de outros ilustres Deputados em legislaturas anteriores, e para corresponder ao compromisso tomado para com muitos dos nossos eleitores do círculo de Lisboa.
Não posso, porém, prosseguir sem relembrar, com viva emoção, a saudosa memória do nosso colega Deputado José Pedro Pinto Leite.
Companheiros de jornada nos contactos pré-eleitorais com as populações do nosso distrito, pudemos ver, ouvir e sentir de perto as angústias de inúmeras famílias e das respectivas autarquias, da chamada aglomeração de Lisboa. Desde logo prometemos que haveríamos de ser seus intérpretes, no caso de vir a ser eleitos. Meses depois, em trabalho de equipa, os Srs. Deputados Alberto de Alarcão, Pinto Leite e eu própria começamos então a preparar este aviso prévio. O seu desaparecimento para sempre do nosso convívio mais nos deixou a obrigação de satisfazer o compromisso assumido, embora aqui nos faltem o entusiasmo, o brilho e a coragem das suas intervenções.
De então a esta porte, muito se tem falado do problema da habitação e sabemos quanto ele está nas preocupações do Governo, na linha das reformas sociais e no trabalho de maior justiça social, de que as várias medidas legislativas, publicadas nestes dois últimos anos, são garantia.
A este magoa problema quis, também, o venerando Chefe do Estado dar todo o seu apoio, na preocupação de que para cada português houvesse um lar condigno, e na luta que haveria de ser travada para se conseguir tal objectivo.
A ele se têm dedicado alguns dos municípios, e não posso deixar de referir a acção enérgica e decisiva do Sr. Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, nos planos que traçou ao assumir as suas funções naquele município, e na valiosa obra já realizada no pouco espaço de dois anos.

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O seu plano de realojamento sistemático dos muitos milhares de famílias residentes em barracas, a sua preocupação de demolição da barraca desabitada, a colaboração e coordenação com outras entidades, designadamente na linha da acção sanitária e social e da promoção das populações, são garantia de uma nova capital, sem este flagelo habitacional, ao fim de uma dezena de anos.
Ainda há pouco, ao entrar para esta sessão, fui procurada inesperadamente por um grupo de inovadores do bairro da Quinta da Curraleira e do Vale Escuro, que me apresentou uma fotocópia de uma exposição entregue, há poucos dias, ao Sr. Presidente da Câmara de Lisboa.
Porque considero grave e oportuno o que nesta exposição se refere, tomo na liberdade de ler, aqui, algumas passagens, com a esperança de que o Sr. Presidente da Câmara possa, precisamente, tomar medidas imediatas a fim de evitar esta injustiça que, certamente, está a ser tomada por má interpretação da sua orientação.
Diz o seguinte esta exposição, que é assinada por um representante de cada família atingida pelas medidas tomadas pela Polícia Municipal no bairro da Gurraleira:
Pelos problemas graves e tendo sido as pessoas tratadas desumanamente pela Polícia e sem qualquer consideração pelas consequências das medidas tomadas, pede-se que os problemas sejam resolvidos de modo que as pessoas indefesas não sejam prejudicadas nos seus direitos mais elementares.
As pessoas do bairro estão dispostas a colaborar, com todo o interesse, nas medidas que a Câmara Municipal deseja tomar para melhorar a sua condição e fazer desaparecer estes bairros da cidade. Pedem, apenas, que lhes sejam fornecidos os meios de o conseguir.
Mas prosseguindo:
Mas, porque Portugal não é Lisboa, mas porque Lisboa á cada vez menos só a cidade, há que conseguir-se idêntica política e proporcionar-se adequados meios de acção aos municípios da grande Lisboa. Justo será referir, também, a obra realizada e os planos em curso no Município de Almada, da responsabilidade do seu actual presidente e ilustres vereadores. Melhor, o problema da urbanização e da habitação, embora mais agudo nesta área, põe-se ao longo de todo o país, exigindo uma política bem deferida e planos de acção coerentes, coordenados e globais.
Presta-se também homenagem ao Município do Porto, que mais cedo começou a obra de combate aos bairros de lata e às "ilhas", obra que prossegue e teria de continuar enquanto existir o "Borrado" e outras zonas semelhantes.
O Fundo de Fomento da Habitação pretendo ser o órgão responsável por esta política, mas terá ele posição suficiente, em matéria de habitação económica para os beneficiários da Previdência, das autarquias locais, instituições particulares, cooperativas, fundações e da própria iniciativa privada, individual ou constituída em sociedades, ou precisaríamos de um departamento de nível ministerial com os poderes e meios suficientes para tão magna tarefa?
Que medidas haveria a tomar neste campo para facultar e atrair um melhor aproveitamento dos dinheiros dos emigrantes, frequentemente entrando por esse País fora, na construção de casas em áreas sem a menor garantia de um mínimo de urbanização e de infra-estruturas?

O Sr. Alberto de Alando: - Muito bem!

A Oradora: -Parece-me que, para além do caminho percorrido, e reconhecido oficial e publicamente o direito a habitação, que tem de ser assegurado a todos pela sociedade em geral, sob a responsabilidade do Estado, perante
as carências presentes e previsíveis, haveria que tomar decisões em ordem a hierarquia de prioridades, de modo a evitarem-se perda de tempo e desperdício de recursos.
Quero com isto dizer que, prestando homenagem a todas os iniciativas realizadas e em curso, o problema existe -, e existe com a acuidade que foi assinalada no Colóquio sobre Política da Habitação,- que se realizou em Lisboa, entre 30 de Junho e 5 de Julho de 1069, por feliz e oportuna iniciativa do Ministério das Obras Públicas, sob a superior orientação de S. Ex.º o Ministro Rui Sanches e o Subsecretário de Estado de então, Doutor Silva Pinto.
A maior gravidade põe-se, é certo, ao nível das concentrações urbanas; se quisermos ver o problema da carência de fogos, todavia, sabemos também que os factores migratórios têm, geralmente na origem, o desejo de ganhar melhor, de ter mais, de ser diferente. E a tudo isto estão ligados o meio ambiente, as infra-estruturas, os equipamentos educativos, culturais, sanitários e recreativos. Por isso, o saneamento, a luz, a agua, a remoção dos lixos e a rede de esgotos estão na base das infra-estruturas a garantir, do forma ordenada e programada a toda a população, porá que não se assista ao abandono geral dos campos e à assimetria do tecido urbano.
A construção de habitação, assim como as infra-estruturas referidos, os vias de comunicação e a vede de transportes são factores de fomento das possibilidades de progresso económico - social, pelo que têm do ser objecto de uma clara definição política, de fomento geral, económico, cultural e social.
Esta política deverá ser orientadora dos planos de fomento, a que se impõe a prévia definição do ordenamento ou planeamento físico do território português. Sem que se siga essa clara orientação, não se sairá do âmbito das políticas sectoriais de fomento, subordinadas, quase sempre, as razões de política conjuntural. "Uma política de planeamento global tem, simultaneamente, que considerar o incremento do produto nacional e a distribuição equitativa de benefícios, visando uma justa redistribuirão da riqueza".
Ora, dado que precisamente o incremento destas medidas virá favorecer as populações de menores recursos, só uma justa repartição dos rendimentos poderá vir possibilitar aos organismos oficiais e às autarquias locais a execução dos seus programas de remoção de tais carências, tendo em consideração as tendências da expansão regional e global.
Gostaria de abordar estes problemas pela forma como eles são vistos e sentidos pelas populações em geral.
Sobeje que o desejo de promoção, a procura de novos horizontes, de melhores condições de salubridade, educação, trabalho, recreio, são irreversíveis.

O Sr. Ávila de Azevedo: -Muito bem!

A Oradora: -A tendência para a passagem da população do sector agrícola às zonas urbanas industrializadas aumentara o quantitativo da população urbana. Isto far-se-á, de forma regulada ou harmónica, se houver uma política de noção clara e orientadora, de um tipo de sociedade portuguesa que se desejar ter, e à qual se facultem a promoção social e o acesso comum aos bens colectivos, ou se ignora, e prosseguem anocrònicamente as correntes migratórias, os bairros clandestinos - da Brandoa ou Galinheiras -, o número excessivo de capitais

1 In relatório final do Colóquio sobre Política da Habitação - Mel. Setembro, 1969.

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investidos na construção civil ou noutras indústrias, perante a - passividade ou penúria angustiosa dos municípios, a brados com a desproporção entre as necessidades a satisfazer e os recursos de que dispõem.

Vozes: - Muito bem!

A Oradora: - A dinâmica da vida social continuará ,a manifestar-se dentro e além - fronteiras; portanto, há que planear e optar com flexibilidade, informando, e fazendo participar as próprias populações pela via normal da freguesia, do município, da organização profissional. No nível em que aos encontramos será admissível a construção - de habitações de luso sem a contrapartida de imposto para a habitação socia-1 e para o equipamento dos bens colectivos?

Vozes: - Muito bem!

A Oradora: - O preço dos terrenos, o custo das rendas de casa, incomportável para os rendimentos familiares, não suo factores da inflação com que já nos debatemos?
A reconstrução sistemática de habitações pela demolição de edifícios, como se verifica por toda a cidade de Lisboa, constitui boa operação financeira para os respectivos empresários, mas economicamente muito discutível para a comunidade.

Vozes: - Muito bem!

A Oradora: - Por efeito de uma demolição, cresce o número de desalojados em procura de nova habitação, quase sempre a preços já incomportáveis com a sua economia familiar, e a tendência para a fixação de residência nas zonas periféricas, tendo de suportar ainda um acréscimo de despesas em transportes inerentes a esta situação, por vezes em áreas - dormitório, desprovidas de equipamentos colectivos, culturais, sociais e sanitários, com todos os inconvenientes de necrose no campo sociológico.

O Sr. Ávila de Azevedo: - Muito bem!

A Oradora: - Além disso, uma cidade como Lisboa pão é apenas um somatório - de problemas económicos e sociais. E um enquadramento de tecido humano e físico, onde se espelham os valores culturais e históricos de um povo e que importa não ver dilacerado.

O Sr. Ávila de Azevedo: -Muito bem!

A Oradora: - Contamos com as adequadas medidas legais e com a intervenção oportuna das autarquias para evitar os inconvenientes de uma reconstrução indiscriminada, sem que queira dizer que não se prossiga a renovação das zonas antigas, com planos urbanísticos devidamente aprovados, mas sem transigência dos municípios perante as pressões dos proprietários e a adulteração desses mesmos planos. Há que contar que, acima dos números exorbitantes dos empresários da construção, com a consequente subida dos preços das rendas de cosa, ter-se-á que cercear as percentagens de lucro, acima dos quais se assegurariam a construção de equipamentos sócio - culturais colectivos ou a obrigatoriedade de construção de fogos, tipo habitação social, com contrapartida nas despesas municipais na colocação de infra - estruturas indispensáveis.
Ainda recentemente, alertados para o problema do surto de cólera verificado no fim do ano passado, e com possível ressurgimento em meses próximos, o Ministério da Saúde e Assistência, através da Direcção-Geral de Saúde, apelava para que uma campanha de saneamento se fizesse intensamente, por meio do combate ao flagelo dos bairros de barracas, os sublocações, às zonas periféricas de construções clandestinas sem infra-estruturas , de saneamento e salubridade. Não pode efectivar-se uma política de saúde, apesar de se ter programado uma rede de serviços de saúde pública e assistência médica até às populações rurais, se os municípios não dispuserem de planos de urbanização adequados e de recursos humanos e materiais que lhes permitam assegurar os condições mínimas de promoção das suas populações. Algo se pode esperar da acção das Federações dos Municípios que a actual política do Governo tem incrementado; receio, porém, que sejam logrados os planos respectivos se as juntas distritais e os competentes serviços de urbanização não puderem intervir oportunamente, apoiando a - execução dos programas e as acções da periferia.
Não se podem admitir as desigualdades perante o progresso dos diferentes concelhos, ou melhor, as desigualdades perante as condições de vida das populações urbanas centrais e das populações suburbanas e de certas áreas rurais.
Uma política urbanística e humana tem de assegurar a redução dos desequilíbrios e facultar o acesso aos bens indispensáveis ao desenvolvimento e à promoção das populações.

O Sr. Ávila de Azevedo: -Muito bem!

A Oradora: - A habitação é indispensável ao revigoramento da família, mas esta tem de ser chamada a intervir na solução deste problema, quer pela participação activa, por meio do imposto ou derrama municipal, quer pela sua audiência junto dos planificadores e dos centros de decisão, por meio da necessária representatividade e de uma colaboração indispensável à definição e à execução dos planos imediatos e a prazo. Para tal, política de família e política de habitação têm de ser coerentes. Desejamos que não mais se incentive a segregação dos chamados bairros sociais ou de habitação social sem se facultar a indispensável permuta nas famílias de diferentes níveis sócio - económicos e culturais.

O Sr. Silva Mendes: - Muito bem!

A Oradora: - Mesmo os bairros de habitação evolutiva ou de construção provisória devem assegurar os meios indispensáveis de promoção e a faculdade de transferência para áreas habitacionais heterogéneas.
Podemos considerar que determinadas situações especiais de certos agregados familiares exijam um tratamento específico, mas não pode a sociedade permitir que os marginais ainda mais se marginalizem pelas condições que lhes são criadas. Não somos a favor de acções compulsivas.

O Sr. Ávila de Azevedo: - Muito bem!

A Oradora: - Respeitamos a liberdade individual e familiar, acreditamos na capacidade de promoção que o ser humano pessoa, cônsul éramos o valor da propriedade privada e o direito à sua posse e desenvolvimento, tendo por limites o bem comum. Mas sentimos a dureza dos dependentes económica e socialmente e lutaremos para que a eles sejam garantidos os seus direitos de cidadania portuguesa.
Queremos referir e apelar particularmente, como já o fizemos nesta Câmara, para a situação dos idosos: casais idosos e isolados.

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A sociedade, os Podares Públicos não podem ignorar a situação em que se encontram muitos milhares de portugueses com mais de 65 anos de idade. Pelo último censo de 1970, 22,2 por cento dos idosos declararam viver só, e 20,6 por cento só com o cônjuge.
Porque a muitos destes ainda não chegaram os benefícios da Previdência, para cima de 100 000 "vivem" com rendimento mensal inferior a qualquer mínimo vital, recebendo auxílios dos serviços assistenciais e de particulares (64,5 por cento).
Temos pois de olhar de frente o problema e, especialmente, nos grandes centros urbanos, como Lisboa, ao executarem-se os planos urbanísticos, ao removerem-se os bairros de barracas, terão de ser proporcionadas habitações condignas aos velhos isolados, porque a eles lhes assiste o mesmo direito à habitação. Não se trata de procurar resolver o problema com a criação sistemática de lares ou residências para idosos. Se bem que a carência no sector seja ainda muito acentuada - apenas estão satisfeitas 80 por cento das necessidades de equipamento em regime de internato, ao qual cerca de 80 por cento são de deficiente qualidade -, será mais humano e mais económico, para a sociedade possibilitar-lhes a estada nas suas comunidades naturais, sempre que possível na própria família ou, quando esta não exista, nas construções de habitação social, onde o tipo ou tipo l não sairá demasiadamente dispendioso e onde será anais confortável garantir o pagamento e a respectiva renda, através dos serviços assistenciais.
Espera-se, pois, que se possa assegurar aos idosos, assim como aos deficientes físicos, a possibilidade de realojamento no local em que vivem as famílias normais, sem que se faça discriminação ou segregação, por situações. Sendo de desejar que nos novos planos de urbanização, nas "novas cidades ou bairros" a acompanhar os pólos de desenvolvimento industrial, as condições sociais, educativas e económicas sejam tomadas em consideração em pé de igualdade com as questões materiais.
Mais se apela piara que o trabalhador social e profissional possa estimular as qualidades dos cidadãos, encorajando o seu contributo para o fomento do bem-estar da comunidade e o desenvolvimento das suas potencialidades e assumindo no exercício das suas funções papel importante na elaboração da política que vise o bem - estar de todos! influenciando assim os Poderes Públicos e procurando evitar o desconhecimento dos desideratos da população e as suas aspirações.
Disse-o há bem poucos dias o Sr. 'Presidente do Conselho: "Não podemos ficar na passividade a ver passar o tempo", e, ainda mais, frisou a intenção do Governo em prosseguir na linha das reformas sociais em que havia empenhado o seu programa, para que, sem deixarmos da ser o que somos, consigamos para o povo português mais bem-estar e mais justiça.
Não terá de ser este o empenhamento de todos os portugueses, todos sem excepção?

Vozes: - Muito bem, muito bem!

A oradora foi cumprimentada.

O Sr. Roboredo e Silva: - Sr. Presidente: A maior dificuldade para o ser humano desta época em que vivemos- e ainda trinas do futuro é o crescimento explosivo da população. Se hoje são 3,5 biliões no Mundo, serão o dobro dentro de trinta ou quarenta anos segundo os estudiosos da ecologia, da sociologia e da estatística.
E todavia fácil de compreender que a evolução da ciência e da técnica, com uma investigação poderosa, quase inimaginável há três ou quatro décadas, em todos os campos, atenderá às necessidades alimentares dessas populações, não criando portanto ameaças à sua existência. Refiro-me especificamente à parte alimentar, por ser a que mais impressiona. No entanto outro problema surge, a meu ver, que terá de reputar-se porventura mais complexo, e esse é o da habitação. Ainda que, louvado Deus, não haja que construir em proporções semelhantes àquele crescimento, é fetal que a pressão resultante da falta de alojamento criará um dos mais graves motivos de tensão social. E se o mesmo raciocínio se continuasse bastante para lá do ano 2000, chegaríamos à conclusão que, apesar dos espaços vazios em certos continentes, nomeadamente no africano, os homens serão tantos que acabarão por se comer uns dos outros como grilos (passe a expressão popular) ou suportar em holocausto uma guerra de extermínio. E a tendência para a afluência às cidades, criando autênticas áreas sobrepovoados, portadoras de todos os garra es nefastos, poluição incluída, que são um dos "adoráveis" resultados da sociedade de consumo, da industrialização, do progresso enfim, agravará fortemente o mal-estar geral.
Urbanização e habitação terão de ser, portanto, problemas cruciais exigindo constante atenção.
Não se suponha que estes pálidos e porventura pouco convincentes comentários para alguns significam intenções retrógradas ou, pelo menos, de quem não joga em cheio na carta do progresso.
E vamos lá que, se nos situarmos no nosso país, e. aponto agora directamente para a metrópole, a que o oportuno aviso prévio sobre urbanização e habitação, do nosso ilustre colega engenheiro Alberto Alarcão parecia limitar-se, o problema semi-apocalíptico que mencionei, a não se alterar totalmente o ritmo da emigração, constituirá problema sim, mas quase em sentido inverso: despovoamento, casas desabitadas e também um desequilíbrio na produção de bens de consumo, particularmente nos de origem agrícola, cuja rarefacção já começa a ser um facto. Há poucos dias um jornal da tarde apresentava-nos os números relativos u emigração no ano de 1970 retirados do Boletim anual do Secretariado Nacional da Emigração, que atingiram o montante quase inacreditável de 173 200 pessoas, das quais saíram do Pais legalmente apenas 66 3601 à emigração clandestina, esse sarcoma que, a continuar neste ritmo, nos liquidará em alguns anos, e digo-o com sincera mágoa, mas infelizmente convencido, se não forem tomadas as mais severas medidas, que se justificam inteiramente, uma vez que a emigração legal está regulamentada praticamente sem peias, virá facilitar, até certo ponto, o grave problema habitacional e social, pois a velha metrópole lusitana acabará por ter principalmente velhos e algumas crianças, que um ou outro pai, por uns restos de patriotismo e culto da tradição, queira manter ligados à cultura e nacionalidade portuguesas.
Eu devo estar totalmente desfasado, ou já fraco de entendimento, apesar de ter tido a preocupação, desde que fui envelhecendo, de não enquistar em ideias antiquadas e antes tentar acompanhar a evolução célere que se processava no Mundo, designadamente no âmbito das ideologias, por discutíveis que fossem, e do materialismo que não apresentasse aspectos sórdidos. E faço esta afirmação porque não atinjo o raciocínio dos homens mais inteligentes desta terra que nos viu nascer, que aceitam como uma realidade, contra a qual nada se deve fazer, esta calamidade nacional que passou a ser a emigração clandestina, nas proporções que assumiu.
E como país ainda (o por largo tempo provavelmente) modestíssimo no seu desenvolvimento industrial, de salários não comparáveis aos da Alemanha ou da França (os

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pólos de atracção máxima para os nossos emigrantes), onde, aliás, o rendimento do trabalho é caso sério, o que não sucede entre nós - ainda há pouco tempo aqui afirmei que a produtividade continua a ser palavra quase unicamente de significado teórico -i, como poderemos chamar a nos quem se habituou a receber muito e a trabalhar muitíssimo, para receber menos, apenas com a vantagem de trabalhar muito menos! Se o dinheiro é que conta e lá fora não se têm preconceitos sobre A natureza do trabalho a que se deita a mão, nem os indivíduos parecem fatigar-se?
Então caminhamos para ura beco sem saída: ficaremos com uma população idosa com tendência a aumentar substancialmente - mesmo os emigrantes em que o fermento do patriotismo se manteve virão apenas morrer a Portugal - e uma população activa a declinar de ano para ano.
Se o funcionário do Estado é tão deficientemente pago em relação ao custo de vida, que atingiu dimensões intolerável, como se poderão aceitar novos aumentos de solários se, por exemplo, um polícia e um guarda republicano, que arriscam na vida para defesa da integridade física e dos haveres da população, ganham, líquidos apenas uns 2000$ mensais-? Sabe a Câmara que um furriel e um alferes ganham tombem, vencimento líquido, respectivamente, cerca de 2400$ e - 8500$ mansais, com ligeira melhoria se casadas?
Já aqui afirmei uma, vez que um dos mais lamentáveis erros que se cometeram na nossa Administração foi a equiparação de vencimentos entre civis e militares. E apelidava-se, na altura, o regime de ditadura militar! Pois os militares (e aqui englobo os que seguem - a carreira das armas e muitos que servem nas forças de segurança), que não têm horas extraordinárias, que fazem serviço ao aquartelamento passando periodicamente noites fora de casa, que realizam, além dos além dos seus cursos e estágios, treinos militares violentos de preparação, em que algumas vezes morrem ou ficam estropiados, e que quando há guerra, como vem sucedendo há onze anos, jogam a vida diariamente, pois esses militares foram equiparados em vencimentos ao funcionário que trabalha na sua repartição as horas da tabela e recolhe a casa com a tranquilidade do dever cumprido, sim, mas com a segurança que lhe é dada pelos tais militares dos quadros ou das forças de segurança, em tantos meios mal compreendidos e desconsiderados!
Quantos vezes nesta Câmara, se tem levantado a questão de vencimentos desactualizados ao que concerne a várias classes ouviu? Mas dos militares, quem se ocupou? E não me parece que haja profissão onde a independência e a dignidade sejam "tributos mais necessários do que na carreira militar!

O Sr. Ricardo Horta: - Muito bem!

O Orador: - Mas reparo agora que como preâmbulo para os pontoa que desejo focar mais de harmonia com o aviso prévio me alonguei em demasia, do que peço perdão a V. Ex.ª, Sr. Presidente, e igualmente aos Srs. Deputados. É que não poderia calar por mais tempo este justo desabafo, que há muito mantinha sob pressão na minha consciência.
Quando em 2 de Dezembro de 1971 usei da palavra nesta tribuna, a fim de apreciar a proposta da Lei de Meios para o ano corrente, tive oportunidade de fazer algumas considerações, que não julgo despiciendo aqui repetir e que alargarei seguidamente, pois, em minha opinião, cabem ou vão ao encontro do cerne do tema geral do aviso prévio, que, como já disse, considero digno de aplauso, pela oportunidade e finalidade construtiva que encerra, se bem que, honra lhe seja, da matéria não bem o Governo andado divorciado. Transcrevo o que então disse:
As rendas das habitações recém - construídas ou que vogam atingem quantias espantosas. Entendo que o Governo tem de encerrar com particular atenção este aspecto fundamental da vida familiar, estudando um antídoto enérgico de acção imediata, pois a Lei dos Solos, cujo valimento ë indiscutível, e os 5 160 000 contos, que na revisão do Plano de Fomento de 1971- L973 se prevê gastar em urbanização e habitação, não constituirão medidas capazes de minimizar acentuadamente em prazo muito curto, os terríveis efeitos dessa alta desenfreada. As rendas que se pedem em Lisboa são verdadeiramente e incríveis e constituem, em meu juízo, um dos factores mais gritante de desagregação social na vida da nossa capital.
Necessariamente que circunscreverei a minha intervenção a limitados aspectos, mormente ao que se passa com as forças armadas.
Todos sabemos as carências no preenchimento de vagas nos quadros militares, já de si insuficientes. A carreira das armas, para a qual é precisa vocação, que exige arreigado amor à Pátria, não se ser materialista nem egoísta, devoção e entusiasmo para encarnar aquilo a que se chama "virtudes militares", está, em consequência dos tempos progressivos que vivemos, votada às feras. Eu que tanto acreditei, e acredito, malgré tout, na mocidade de Portugal, nunca esperei, como militar apaixonado pela minha carreira, onde totalmente me (realizei, como sói dizer-se hoje, que se viesse a verificar tão grande desinteresse por uma das mais belas profissões que um jovem pode abraçar. A ânsia de dinheiro, a educação caseira em deterioração e hábitos que não aceitam uma disciplina que reputo indispensável em todas as actividades e nos ambientes familiares, considerando a palavra disciplina no seu valor intrínseco; pois não se suponha que desejo os regulamentos militares aplicados às profissões ou à vida civil, têm afastado das escolas militares muitos moços que amanha farão falto como chefes militares e como dirigentes. Ë que na vida militar são muitas as possibilidades de se aprender no mais vasto sentido da palavra, e designadamente nos contactos humanos, criando sentimentos de camaradagem e companheirismo e vincando bem aquela noção de responsabilidade que significa ter dependentes de um a vida de muitos.

O Sr. Ricardo Horta: - Muito bem!

O Orador: - Ora, para minimizar de alguma maneira estas gravosas consequências há que encarar ajudas aos militares, que até agora têm sido concedidas em bem modesto grau. Um dos mais delicados problemas é justamente o da habitação. Depois, as deslocações a que os militares das forças arraiadas e das de segurança (estes em menor extensão) estão sujeitos por múltiplos motivos de serviço, agora aumentados pelas sucessivas comissões no ultramar, tornam a questão muito mais penosa.
Assim, há que estruturar um vasto plano de construções para militares dos quadros, em todas as cidades ou vilas do País onde estejam aquarteladas unidades militares ou forças de segurança de certo vulto.

O Sr. Ricardo Horta: - Muito bem!

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O Orador: - Terão de adquirir-se terrenos, quando deles se não dispuser já, para urbanizar e construir bairros sociais, com a sua escola, posto de sanidade, centra comerciai, etc., dependendo do número de fogos desde logo, não muito longe dos aquartelamentos, por forma a que cada militar das forças armadas ou das forças de segurança tenha uma casa, mediante renda compatível com o seu magro soldo e que nunca deveria exceder um quinto desse soldo, dependendo mesmo do número de filhos e do montante do vencimento. Trata-se de um ponto crucial na atracção para a carreira das armas. Quando for do domínio público que todos os militares profissionais, pelo menos ao constituir família, disporão de casa de habitação mediante renda módica, areio bem que a escassez que presentemente se sofre de gente para os seus quadros experimentara uma redução sensível. Deixa, de ser um pesadelo a colocação noutra unidade, pois o militar sabe que não tem de separar-se da família, ficando na nova comissão à espera de uma casa que algum dia, aparecerá, mas sempre por renda incomportável, como presentemente sucede, mesmo nas cidades de província. Ora isto equivale a ter de viver longe dos sons entes queridos e consequências correspondentes não só para a educação dos filhos, como para o próprio sustento e consolidação dos laços familiares, que cada vez mais necessitam de ambiente de afecto e dignidade, para o qual a presença do chefe da família é razão fora de causa.
E, postas mais estas questões preambulares, apresento à consideração da Assembleia e do Governo algumas reflexões que considero realistas. Assim, os numerosos e sacrificados membros das forças armadas, no domínio habitacional, estão a ser tratados como "parentes pobres".
Efectivamente, os Serviços Sociais das Forças Armadas, a quem cabe a responsabilidade de planear e construir habitações para militares, têm encontrado nos seus objectivos, tão humanos quão indispensáveis, enormes dificuldades, (para não dizer incompreensões.
Parece-me adequado indicar a situação actual que se apresenta aqueles - Serviços no aspecto habitacional:
Para uma massa associativa superior a 26 000 conjuntos familiares apenas dispõem de 654 habitações construída e 386 em construção, números acrescidos de 76 cujo financiamento foi facultado aos interessados através de empréstimos hipotecáveis, totalizando portanto 1 116 habitações.
Devo lembrar, nesta altura, que os Serviços Sociais das Foiças Armadas não se ocupam das forças de segurança, que, dependentes do Ministério do Interior, terão provavelmente sido menos "enteados" que os militares de carreira.
Para terminar esta parte dos poucos aliciantes realidades que em matéria habitacional enfrentam as forças armadas direi que, se optimistamente admitíssemos que somente cerca de 70 por cento dos associados dos Serviços Sociais das Forças Armadas necessitavam efectivamente de habitação, ficavam por cobrir umas 17 500 f famílias, o que equivaleria, ao custo técnico-financeiro da construção actual, se atribuída uma dotação anual da ordem dos 250 000 contas, a dezoito ou vinte anos para lhes dar satisfação!
Convém ainda dizer que todos os militares de carreira suo obrigatoriamente contribuintes daqueles Serviços e que pagam uma quota modesta desde logo, mas dependente do respectivo vencimento.
E há factos que espantam e que não devem ser omitidos, como, por exemplo, atitudes negativas do departamento chave quanto à construção de habitação social em terrenos afectos àqueles Serviços, sem qualquer compensação para estas dificuldades. Assim acontece que vários anos depois informa o tal departamento que, ouvido o Fundo de Fomento da Habitação, os terrenos deveriam antes "ser-lhe entregues a fim de promover a construção de habitações para funcionários públicos, muito embora reservando uma percentagem para satisfação de algumas necessidades dos Serviços Sociais das Forças Armadas".
Se o Fundo de Fomento da Habitação pretende obter terrenos para construir casas para funcionários públicos, reservando não se sabe que parcela para algumas necessidades das forças armadas, por que não se indica o critério que preside a essa reserva?
Por outro lado, se os militares têm de fornecer terrenos para construções destinadas a funcionários civis, parece-me lícito perguntou por que motivos não são os militares admitidos aos concursos para atribuição de casas em regime de propriedade resolúvel - regime que as forças armadas não puderam ainda contemplar- construídas ao abrigo do Decreto - Lei n.° 42 951, de 27 de Abril de 19960, casas que legalmente as destinam a funcionários públicos e não exclusivamente civis?
Importa dizer que as forças armadas (receberam comparticipações no fundo perdido do 1960 a 1969, do Ministério das Obras Públicas, através do Fundo de Desemprego, que embora modestas constituíam um incentivo e permitiam fixar rendas compatíveis com os vencimentos dos funcionários militares. Mas a partir daquele último ano, não mais obtiveram quaisquer comparticipações.
A crise da habitação é, talvez, o drama social número um da nossa época, como areio que já foi chamado.
Reconhece-se ser a casa uma das necessidades primárias do homem e daí se transformar no direito à habitação que, quando satisfeito, implica vantagens consideráveis em todos os aspectos da vida social, como é sabido. A crise da falta de habitação de vendas acessíveis é agravada, pelo facto de a quase totalidade da oferta provir do sector privado e este dispor de um mercado privilegiado, cuja rentabilidade beneficia da poderosa pressão da procura e da liberdade de fixação de preços que pessoalmente condeno, o que não acontece felizmente com algumas das outras necessidades primárias.
Aquando do colóquio, realizado em 1969 pelo Ministério das Obras Públicas sobre política habitacional, uma das conclusões foi a de que para se acertar a lei da oferta e da procura no nosso país, em matéria de habitação, seria necessário construir durante vinte anos 60 000 dbgos

O Sr. Ricardo Horta: - Muito bem !

O Orador: - O problema dos terrenos é de capital importância. Todos ficamos esperançados sobre os resultados benéficos que adviriam da promulgação do Decreto-Lei n.° 576/70 o da política dos solos, a que já me referi, mas pelo que conheço ainda não detectei os seus benefícios.
A questão do financiamento é outro ponto fulcral que afecta fortemente os Serviços Sociais das Forças Armadas, pois têm de seguir uma política de crédito que os inferioriza nitidamente,
Não possuindo disponibilidades que lhes permitam levar no fundo perdido verbas destinadas à construção de habitações, são forçados a recorrer ao crédito para a quase totalidade dos encargos (terrenos e construção) e este é lhes concedido a taxas e prazos de amortização incomportáveis e incompatíveis com rendas suportáveis pelos vencimentos dos militares.
Finalmente importa lembrar que o agravamento do custo da construção elevou os preços em relação a 1966 de uns 180 por cento.

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Para amenizar este gravame haveria que caminhar abertamente para uma estandardização da construção em geral, a da habitação de carácter social em particular.
Levantei o problema habitacional das forças armadas porque merecia ser salientado, todavia, entendo que a solução adequada terá de ser geral.
Se é indiscutível que a habitação social é um instrumento da política económica a realizar pelo Governo, parece indispensável que se disponha do um órgão autónomo que evite distorções sectoriais perniciosas e onde colaborem todos os organismos públicos, semi-públicos e mesmo privados que na actividade intervenham.
Esse órgão deveria ser responsável e deveria contar com a colaboração de todos os departamentos intervenientes.
Por que não um Ministério da Habitação, que filias não seria inédito, pois existe noutros países?

O Sr. Ricardo Horta: - Muito bem!

O Orador: - Assim e de qualquer forma, afigura-se-me que haveria que estruturar um serviço independente, que abrangesse todos os servidores do Estrado, civis e militares, capaz de resolver com o dinamismo e isenção que o crucial problema exige os aspectos referentes a terrenos, financiamento e distribuição de fogos, aumentando consideravelmente os furados públicos mesta domínio; poderia sugerir-se como fonte de receita, por exemplo, a conversão de berremos não necessários do património geral em imóveis sociais.

A Sr.ª. D. Raquel Ribeiro: - Muito bem!

O Orador: - A tarefa a realizar, dada a situação actual, é (realmente ciclópico e só a organização pelo Governo, a cujos boas intenções presto homenagem, de medidas apropriadas - e muitas ideias serão certamente apresentadas na discussão do aviso prévio - conduzirá à satisfação que todos desejamos: o dia família possuir uma verdadeira casa.

Vozes: -Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Leal de Oliveira: - Sr. Presidente: Mais uma vez subo os degraus desta tribuna para apresentar a V. Ex.ª. aos Srs. Deputados e à Nação o meu modesto pensar, hoje sobre um tema de alta importância nacional, já que envolve na sua vasta problemática a célula básica da Nação e da Humanidade - a família -, que, custe o que custar, terá de ser preservada na sua forma física e anímica, no seu alto - potencial de valores morais, da corrupção do ambiente por ela própria gerada.
Pois foi V. Ex.ª., Sr. Presidente, que me permitiu intervir no debate sobre "Urbanização e habitação", razão por que apresento a V. Ex.ª os meus melhores agradecimentos, mas, se me autoriza, dirigirei agora o calor do reconhecimento para o Sr. Deputado avisante, engenheiro Alberto de Alarcão e Silva, pelo interesse e humana oportunidade do seu aviso prévio.
O tema "Urbanização e habitação", nos seus sentidos lato e restrito, abrange o mundo em que se integra o homem, o mundo em que se integra a família, célula básica da sociedade, fonte da conservação e desenvolvimento dos povos, mundo esse que o homem ainda não conseguiu moldar de forma racional e de acordo com as suas potencialidades e limitações, o que tem provocado forte desequilíbrio na Natureza, de reflexos até há pouco imprevisíveis, por distantes no tempo e no conhecimento dos homens, mas agora visivelmente nítidos no seu desfavor mortal para a sobrevivência do homem.
A Humanidade, que em profundos sobressaltos tenta adaptar-se a um crescimento demográfico extraordinariamente intenso, vê-se constrangida a viver cada vez mais afastada e contra a Natureza, que sempre lhe serviu, em todos os tempos, para a prover de alimentos como também para a formar e até suavizar espiritualmente das frustrações que as lutas do dia a dia fazem instalar nas almas e nos levam a actuações muito pouco humanos e muito afastadas dos altos princípios morais nascidos e codificados no início da nossa era.
É sempre oportuno tecer considerações sobre temas relacionados com o homem nas suas múltiplas implicações com o ambiente. As Conjunturas sucedem-se e certo é que não se vêem marchar passo a passo com as investidas que o homem, lança para alcançar utopicamente o supremo progresso medidas eficazes que permitam manter a integridade física e psíquica do homem adentro das respectivas comunidades e ao mesmo tempo a sua harmoniosa coligação com a Natureza.
Eis, Sr. Presidente, algumas motivações que mie impeliram hoje a solicitar a V. Ex.ª licença para aqui falar.
O sumário do aviso prévio oportunamente divulgado é vasto e todas as suas alíneas encerram temas plenos de oportunidade e de importância. Proponho-me, somente, tecer considerações que julgo complementares as intervenções que aqui efectuei aquando da discussão da proposta de lei sobrei a protecção da Natureza e do "aviso prévio sobre ordenamento do território, e se podem enquadrar no n.° 2 da alínea B) do referido sumário:
Para a sua consecução (política da habitação) importa integrar devidamente os programas de execução da habitação no planeamento económico - social e no ordenamento do espaço, actividades produtivas, população.
Irei abordar problemas básicos que se filiam fundamentalmente adentro de uma mesma problemática: ordenamento do território visando o melhor aproveitamento das suas potencialidades de acordo com as respectivas limitações e de tal forma que se evite a destruição do meio ambiente em franco progresso, em "consequência da utilização desordenada e indiscriminada do espaço e da exploração irracional dos recursos".
Não desenvolverei nesta minha fala, com a profundidade que lhe era devida pela sua relevância, considerações sobre a protecção da Natureza e dos seus recursos, porquanto foi exaustiva a discussão da proposta de lei 7/X, mas, tão-somente apelar desde já e com a máxima urgência - o problema insere-se na luta de sobrevivência em que a Humanidade está envolvida - ao Governo da Nação para que realize as sugestões apresentadas na discussão do diploma atrás indicado e cujo texto aprovado por esta Assembleia lhe permite, e, na moção aprovada também nesta Casa, sobre a matéria do aviso prévio apresentado pelo Deputado Correia da Cunha e ainda, fazer realçar a VV. Ex.ª a importância da ocupação urbano industrial inevitável ao viver da Humanidade, mais que se não for devidamente considerada e ordenada no espaço, em extrema tentativa de minimização dos seus nefastas consequências - diminuição do corpo vivo do nosso planeta - levará, certamente, o homem de amanhã a ter que emigrar, para continuar vivo, não para países deste mundo, mas, certamente, para o espaço exterior.

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Sr. Presidente: A superfície produtiva começa a merecer nosso estro, não só pela destruição completa e irreversível do solo em grandes áreas, como também pela ocupação não produtiva necessária ao viver do homem.
Mas se tal rarefacção preocupa a nível mundial os que pretendem ainda conciliar os interesses imediatos do homem com o equilíbrio da Natureza, certamente deverá preocupar muito intensamente a Nação Portuguesa, a braços com um território metropolitano utilizado agricolamente em 54,4 por cento da sua superfície total, que, no entanto, somente 28,1 por cento apresenta tal aptidão.
São raros, mesmos raríssimos, as terrenos metropolitanos próprios para uma intensificação cultural do tipo agrícola, e os restantes nem todos são susceptíveis de rentável utilização florestal.
Torna-se assim da máxima importância a reconversão cultural do continente português, primeiro passo para a revitalização económica da lavoura portuguesa, mas ao mesmo tempo necessário se torna e com a máxima e transcendente relevância, que a ocupação do solo dita urbana e industrial ou social se limite ao mínimo e de forma a não se lapidar o património produtivo de índole agrícola que, como se viu, não é vultoso.
E será significativa a ocupação do território pelas chamadas áreas sociais? Será pessimismo puramente académico o teor desta minha comunicação?
Infelizmente julgo que não.
Procurarei imediatamente mostrar a esta Câmara números concludentes e que bem demonstram as perdas de terrenos utilizáveis, agrícola e florestamento, já sofridas e irreconvertíveis e tentar, outrossim, apresentar a rapidez do crescimento dessas áreas directamente proporcional ao intenso crescimento demográfico e tecnológico dos povos.
Convencionando chamar às zonas ocupadas por habitações, logradouros, albufeiras, fábricas, certos talvegues, como áreas sociais, em 1950-1956, segundo os Serviços de Reconhecimento e Ordenamento Agrário, existia ao longo do País uma utilização, no geral não reconversível, de cerca de 152 189 ha, ou seja, 1,7 por cento da superfície total de Portugal continental, e cerca de 6,8 por cento da área com aptidão essencialmente agrícola.
Será relativamente modesta aquela percentagem da superfície do continente, mas, todavia, adicionada a outras ocupações, leva-me, a concluir que existem já em Portugal vastas áreas perdidas irreversivelmente (para o sector agrário.
Com efeito, se adicionarmos as áreas sociais os sapais, as salinas e incultos não especificados, a superfície do continente desviada ou não aproveitada pelo sector agrário alcança já valores muito mais importantes, que atingem l 290 895 ha, cerca de 15 por cento da área continental e 54 por cento da área considerada com aptidão agrícola.

guisa de exemplos, que julgo elucidativos, ainda quero apresentar a VV. Ex.ª algumas utilizações não agrárias dos solos, cuja tendência ascensional será paralela, como já afirmei, ao progresso do País.
As estradas nacionais, por exemplo, ocupam cerca de 21 692 ha, ou seja 0,24 por cento da superfície total do continente. Se adicionarmos a ocupação das (estradas municipais, caminhos e vias férreas (cerca de 22 500 ha em estimativa grosseira de 1966), somará cerca de 84 192 ha; o que representa uma ocupação de 0,88 por cento do continente.
Mas outras utilizações surgem com tendência para crescer o ritmo galopante. E o caso das áreas ditas urbanas. Darei como único exemplo, para não enfastiar esta Assembleia, o crescimento desta nossa capital, o crescimento de Lisboa.
Em 1862 a capital tinha uma superfície de 1485 ha, em 1902, 2725 ha, em 1949 a área atingiu os 4750 ha e em 1968 o S. R. O. A. reconhecia que, só no concelho de Lisboa, a capital se estendia por 5842 ha, isto é, sem se contar com a nova Lisboa que se estende pelos concelhos limítrofes da margem direita e esquerda do rio Tejo.
Os aeroportos, tão necessários nestes tempos ao viver das nações e imprescindíveis àquelas cujas balanças de pagamentos se equilibram com a indústria do turismo, subtraem, todavia, ao solo agrário superfícies que não são de desprezar. O Aeroporto de Lisboa tem cerca de 800 ha e a Base de Beja, que assentou em terrenos, no geral, de boa aptidão agrícola, ocupa a mesma área.
Também as indústrias perturbam o meio ambiente, pela ocupação e destruição de vastas áreas e pela alteração ambiental que provocam nas zonas circunvizinhas e em superfícies muito mais extensas.
O exemplo do Barreiro é elucidativo e os 637 ha de tornemos completamente estéreis e resultantes da exploração das minas de S. Domingas, no concelho de Mértola, esta, verdadeira chaga da crusta terrestre que convém não deixar multiplicar sem o devido controle.
Julgo que é altura, até porque já me alonguei demasiado, não por minimização do tema, mas sim para não abusar da complacência desta alta Câmara, de concluir da necessidade de se planificar o crescimento urbano - industrial e todas as ocupações do solo que o progresso e a civilização exigem de forma que a delapidação desse património da Humanidade se faça com o mínimo de desperdícios e de acordo com as necessidades futuras do homem.
Há que destruir o menos possível da natureza e enquadrar conveniente e harmónicamente ao seu seio as realizações humanas.
"A rápida transformação da paisagem da natureza a que assistimos torna urgente substituir a evolução descontrolada das actividades humanas, como se tem feito até aqui, par um planeamento consciente que tenha por fundamento as potencialidades e seus graus de valor."
Sr. Presidente: O meu pensamento volta-se agora para, o distrito de Faro, a braços com um empolemento da industrial turística e a correlativa expansão urbanística. As terras e as florestas, as dunas e os "baurocais",estão a ser invalidados pelas construções, sem, até agora, se sentir um controle efectivo estatal ou municipal.
De 1951 a 1957 o S. R. O. A. verificou um aumento das áreas sociais no distrito de Faro da ordem dos 1700 ha. Pena é não haver estatísticas referentes à década de 1960 - 1970, período máximo da avalancha do turismo e das urbanizações e de que, certamente, resultou uma ocupação de solos agrários muito mais significativa.
Na extrema necessidade de se definirem, e cumprirem critérios, tanto quanto possíveis exequíveis, e que imponham uma boa e racional ocupação dos solos.
Parafraseando o arquitecto paisagista Facco Vinna Berrete, que uma Direcção-Geral de Urbanização se tem dedicado ao ordenamento paisagístico das zonas a urbanizar, poderia também afirmar que a arquitectura paisagística "é hoje base indispensável do planeamento, que abrange, não só a cidade, como o conjunto cidade - campo, estabelecendo-se as bases para um plano ordenador que ponha em harmonia o uso possível com a capacidade de recuperação do meio".

Por que se espera para a apresentação do plano de urbanização do Algarve convenientemente alicerçado no respectivo ordenamento paisagístico que, certamente, preservará

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a paisagem da poluição humana e indicará os solos de menor capacidade de uso agrícola para a utilização da índole social?
Faltarão diplomas para o fazer? Pois que se promulguem quando antes, pois, entretanto, os capitais vão-se investindo por todo o distrito na aquisição de terrenos destinados a urbanizações e tornar-se-á muito difícil fazer prevalecer junto dos seus novos proprietários critérios que para muitas são de puro sentimento.
No Algarve os problemas relacionados com a alteração da paisagem e da ocupação dos solos de razoável aptidão agrária têm grande importância, já que é precisamente a natureza algarvia, ainda pouco conspurcada, nomeada e principalmente a sua costa, que o turista procura. E a razão primeira da invasão turística, pois, como se sabe, o turismo exige a paisagem equilibrada.
E assim sendo, "se no desejo de promover o turismo, u paisagem em questão mio se encontrar em equilíbrio, haverá então, e antes de tudo, que a ordenar. Deste modo, o turismo e o ordenamento paisagístico percorrem caminhos paralelos".
Sr. Presidente: Parece-me possível resumir desta minha fala os seguintes ilações:
Que o território português no seu todo continental e a província do Algarve em particular possuem fraca percentagem de terrenos de alto potencial agrícola;
Assiste-se ao longo do País à invasão dos terrenos entregues ao sector agrário por ocupações e utilizações que destroem a sua anterior vocação e perturbam a natureza no seu equilíbrio dinâmico. Que o Algarve está nesta conjuntura muito mais sujeito ã desequilíbrios da natureza e ocupações irreversíveis para a agricultura, pelo extraordinário empolamento das construções urbanas e urbanizações, que chegam a atingir centenas de hectares;
Que se torna urgente promover a elaboração ou apresentação de planos urbanísticos tendo como base ordenamentos ecológicos e paisagísticos, estes últimos por aproveitamento das preciosas bases cartográficas elaboradas pêlos Serviços de Reconhecimento e Ordenamento Agrário da Secretaria de Estado da Agricultura;
Que a Secretaria de Estado da Agricultura deverá estar presente com o seu competente parecer em todos os casos em que se pretenda desviar o solo agrário no sentido urbano - industrial.
Tenho dito.

Vozes: -Muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Agostinho Cardoso: - Sr. Presidente: No âmbito, aliás bem vasto, do aviso prévio que o Sr. Deputado Alberto de Alarcão anunciou e levou a efeito, localizei três pontos de referência para esta minha intervenção.
No primeiro, pretendo assinalar apenas a importância da salubridade habitacional em face dos surtos de cólera que nos espreitam na época em que o calor se acentua. Sabendo-se que é a habitação, ou melhor, os agrupamentos habitacionais insalubres, com as suas insuficientes estruturas urbanos, o principal motivo de persistência - e repetição destes episódios de infecção colérica, uma política de higienização dos velhos bairros e até de destruição de habitações não higienizáveis deve ser encarada ao mesmo tempo que o incremento da habitação social.
E habitação social - recorde-se não significa habitação gratuita ou não (rentável. O investimento na habitação social devia fomentar-se, como motivo de aplicação dirigida da capitais das grandes empresas possuidoras de numerosas reservas, de estabelecimentos bancários e da própria Previdência, que muito tem feito neste aspecto em várias zonas do País, mas que noutros, como no meu distrito do Funchal, por várias razões, pouco tem realizado.
0 segundo ponto, já o referi no debate da última Lei de Meios:
Seria de desejar que um planeamento a médio prazo permitisse para as diversas regiões do País a cobertura habitacional do funcionalismo. Parece-me - acentuei-o nessa ocasião - que u subida simultânea de vencimentos à grande massa do funcionalismo faz por vezes correr o risco de um aumento não dominável do custo de vida, e que neste sector a expansão das cooperativas de consumo, a protecção à doença pela Assistência na Doença aos Servidores do Estado a qual já vai estendendo uma actuação eficaz ao agregado familiar - e o fomento da habitação constituem apoio económico mais eficaz ao referido funcionalismo.
A coordenação e generalização dos serviços sociais dos diversos sectores públicos que um recente decreto acaba de promover representa mais um passo no sentido do que venho dizendo.
Não ignoro os óbices do problema da habitação do funcionalismo em algumas regiões, ou seja, o custo do terreno, a falta de mão-de-obra na construção civil e a implantação dos edifícios em (relação ao local do trabalho. Mas um largo inquérito de prospecção trar-nos-ia as bases para um estudo e uma previsão sérios.
Problema que parece ser de enquadrar num planeamento adaptado a cada distrito e para cuja realização se procurasse obter a colaboração e o investimento de entidades privados.
No terceiro ponto - o principal motivo da minha intervenção - pretendo salientar a necessidade urgente de equacionar-se uma política de habitação para a pessoa idosa, capítulo indispensável de uma política da velhice e alínea Importante para estudos que estejam em realização, ou que venham a realizar-se, no nosso país, acerca do problema habitacional.
Tenho insistido nesta Assembleia sobre a importância do problema da velhice no nosso país, que o deve ir equacionando sector por sector, como há muito o fazem as nações que a tempo pressentiram e verificaram o peso da massa crescente de pessoas idosas sobre u problemática nacional. É fenómeno tão evidente que nada se ganha, notes muito se perde, em ignorá-lo.

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - A gente idosa crescerá progressivamente em número e percentagem na comunidade nacional. Essa gente, há que mante-la- integrada com dignidade e suficiente nível de vida na sociedade a que pertence, e cujas características e evolução previsível tornam cada vez mais difícil essa integração.

O Sr. Ricardo Horta: -Muito bem!

O Orador: - Ora, dentro dos direitos da pessoa idosa, um dos mais salientes é, sem dúvida, o direito à habitação própria devidamente condicionada.
Velhice não é sinónimo de doença e o velho não é sempre um inválido total.
A gente idosa, se utilizadas devidamente suas aptidões e compensados os seus déficit s, constitui uma força humana de apreciável interesse nacional.

A Sr.ª D. Raquel Ribeiro: - Muito bem!

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O Orador: - Mas pelas suas limitações físicas progressivas - redução da acuidade idos sentados, isolamento a que fica em regra condenado, imobilismo temperamental que a faz erguer no ambiente do lar o seu pequeno munido bem delimitado a pessoa idosa, por essas razões, tem direito a um tipo de habitação específica.
Habitação "protegida", de dimensões e equipamento apropriados, onde uma independência relativa se mantenha o mais tempo possível e onde a pessoa idosa se baste a si própria, encontrando nela motivos de interesse existencial e ocupação devidamente apoiados e completados, quando necessário, por assistência sanitária e doméstica.

O Sr. Ricardo Horta: - Muito bem!

O Orador: -Acentua-se, mais uma vez, que o problema habitacional da velhice não é um problema de miséria, é um problema de desadaptação social a compensar.
Pouco a pouco, toda a gente idosa em Portugal terá a sua reforma ou a "pensão nacional da velhice", que espero ver instituída para aqueles que, em número decrescente, fiquem fora dos esquemas de aposentação do Estado ou da segurança social.
Mas o que a gente idosa nem sempre possui, além do asilo ou do hospital, onde não é fácil entrar, e ainda que tenha relativa suficiência económica, é a habitação com o conjunto de apoios indispensável as suas habitações físicas: o abastecimento exterior (o ahtopping dos Ingleses), a cozinha, o arranjo doméstico e pessoal. E isto, sobretudo, quando se aproxima o que denominei "segunda velhice" a estrema velhice com invalidez.
São numerosos os velhos de hoje, vivendo sem miséria, isolados na sua mitiga casa grande ou pequena, mas inadaptada, segregados em quarto retirado na residência de um parente caridoso, ou habitando pensão barata onde são hóspedes incómodos a posteriormente asilar.
A política habitacional da velhice, em coerência com as ideias de robustecimento da família - unidade social - de luta contra a sua desagregação no nosso país, tem de enquadrar o lar independente da pessoa idosa adentro da habitação familiar.

A Sr.ª D. Raquel Ribeiro: - Muito bem!

O Orador: - Na sua vizinhança ou, pelo menos, sob a sua próxima influência. E só a seguir considerar, para estudo e realização os tipos de residência colectiva sempre conjunto de lares individuais ou de casal idoso apropriados ao nosso país, que supram a estrutura familiar, quando, em volta dela não possa situar-se a pessoa idosa.
Resumo a seguir algumas características e aspectos práticos da habitação justa familiar da pessoa idosa:
a) Considere-se em primeiro lugar o pequeno anexo habitacional autónomo, enclavado na habitação familiar, contendo uma grande sala com dois sectores, o de dormir e o de estar, o quarto de banho adaptado e a kitchenotto com arrumos Isto permite para o casal idoso, ou para a mulher, que em regra sobrevive, o contacto familiar em parte do dia e a retirada discreta, para o cómodo aposento quando à noite o seu convívio com visitas ou o aglomerado familiar se torne incómodo ou fatigante;
b) Ao construir-se os grandes blocos habitacionais podem considerar-se pequenos apartamentos autónomos para pessoas idosas, abrindo para o patamar da casa onde resida o filho e a ela acopulado para efeito de aluguer;
c) (Prever a construção em cada bairro residencial de pequenos grupos de faltaste, nunca mais de seis, em que não falte a pequena varanda onde se cultivem flores, constituindo conjuntos habitacionais destinados à gente idosa cuja família more perto. Este tipo de residência foi minuciosamente estudado por técnicos do Ministério da Habitação e Administração Local de Inglaterra e divulgados esquemas para aplicação em várias publicações, entre os quais o Design Bullctin of the Minisfery of Housing and Local Government.
Em certos países - é o caso ainda da Inglaterra -, quando não é possível instalar a pessoa idosa em noivo apartamento adaptado, criasse a sua residência antiga um sistema de apoio social, que vai desde as Meals on Wfccclg ao fornecimento do mobiliário, objectos e mecanismos de compensação ou prótese adaptados às suas limitações físicas. Atribui-se-lhe também a direito de algumas horas diárias de assistência doméstica, com a condução semanal ao clube de velhos. Equipa-se a residência com aparelho de rádio e televisão, pelo interesse que representam na compensação do isolamento e da depressão psíquica. Dizem os técnicos ingleses que este sistema é mais económico e mais humano do que a hospitalização precoce ou a utilização em massa de asilos e estabelecimentos residenciais colectivos.

A Sr.ª D. Raquel Ribeiro: - Muito bem!

O Orador: - O problema das residências colectivas é complexo, e merece pormenorizado estudo, para se seleccionarem os tipos a adaptar "o nosso pais. O número de lares individuais ou de casal contidos em cada estabelecimento residencial deve ser sempre - inferior a uma centena; são importantes as estruturas funcionais comuns, de convívio, alimentação, ate., em ordem a não se cair numa segregação social dourada ou em estruturas de manutenção tão onerosa que sejam difíceis generalizar.
Parece-me que neste sector há sobretudo a considerar como base de estudo os dois tipos de residência geriátrica francesa: maison de retraitc e foyer-logement. Há que reflectir ainda na posição a tomar sobre o ponto de vista habitacional em relação à segunda - velhice, com situações tão variáveis de invalidez definitiva e de doenças intercorrentes, das quais se pode sair ou não recuperado. Sou de opinião que deve procurar manter-se enquanto for possível a pessoa idosa na sua residência, atitude sempre mais económica e mais humana, como já acentuei. Mas tem de estudar-se também as características de hospitalização quando esta se tornar inevitável.

O Sr. Ricardo Horta: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Com certeza, com muito prazer.

O Sr. Ricardo Horta:-Peço desculpa a V. Ex.ª porque a hora já vai muito avançada, mas eu queria prestar homenagem ao Sr. Deputado Agostinho Cardoso pela forma persistente, actuante com que tem batalhado por um problema gravíssimo das sociedades modernas: a parte gerontológica, a parte velha, a parte da pessoa idosa. V. Ex.ª esteve a levantar um problema muitíssimo grave, relativamente a assistência séria à pessoa idosa. Esta é hoje praticamente segregada da verdadeira sociedade. Vai para um hospital e o hospital não a pode ter, mantém-se meses, anos numa cama de um hospital, uma cama dinâmica altamente necessária para aquelas coisas que são pré-

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mentes. A pessoa idosa, anquilosada por situações patológicas de toda a natureza, ocupa uma cama e não sabemos para onde a havemos de mandar. O nosso pais, infelizmente, não tem ainda estruturado o que se chama a hospitalização domiciliaria.
É absolutamente necessário criar-se esse sistema e aproveitar todas as instalações domiciliarias que podem comportar esses enfermos, nuas transportar-lhes lá as necessidades médicas e técnicas de que precisam: as necessidades de enfermagem, higiénicas, um cortejo de exigências que esses homens têm. E dentro desse espírito a saúde tem que alterar profundamente a sua estratégia
sanitária. Em todos os países estão a rever essa situação, porque têm consciência de que, quando no Mundo nós temos 112 milhões de indivíduos com mais de 75 anos, e quando em 1975 se prevê um acréscimo para 130 milhões, é extremamente grave esta situação. Quando há 20 por cento da população com a idade superior a 60 anos, vemos quanto isso representa na assistência sanitária de qualquer pais desenvolvido e consciente das suas responsabilidades. V. Ex.ª levanta o problema habitacional e esse é um dos problemas prementes. Há uma grande percentagem de pessoas idosos que são segregadas da sociedade, não saem de casa nunca, estão prisioneiras na sua casa.
Países civilizados calculam em 7 por cento as pessoas idosas que não saem de casa e grande número vive só em habitações isoladas (cerca de 13 por cento).
É preciso que a habitação traga essa gente ao convívio dos mais novos, ao convívio daqueles que lhe podem servir.
O Orador: -"Agradeço a V. Ex.ª a valiosa ajuda à minha intervenção, que a veio valorizar sobretudo em dois aspectos: o primeiro, que retrata bem a necessidade de valorizar e de estruturar o domicílio da pessoa idosa em ordem a que ela seja o eixo do seu pequeno mundo tão delimitado. O segundo, que eu não foco na minha intervenção e que também a vem valorizar, é a necessidade de estabelecer o convívio das várias gerações com a pessoa idosa, porque a experiência do velho e a sua lucidez é muito útil aos novos e, em regra, estes gostam do privanço com aqueles.
Por isso fico muito grato pela sua ajuda.
É também, de fomentar-se, através de uma campanha de esclarecimento, o interesse das entidades privadas no sentido da construção e exploração hoteleira, de unidades residenciais para gente idosa, não cobre, e sem família. E acabarão até por surgir benfeitores quando este problema for suficientemente conhecido.
Não desejo pormenorizar os aspectos técnicos ou funcionais da habitação da pessoa idosa e do ambiente em que deve enquadrar-se.
Denuncio apenas a sua importância, como capítulo prioritário do problema habitacional, em face de l milhão de pessoas idosos previsto na metrópole para 1980 e ainda porque - como já disse - considero - o aspecto importante da política da velhice que tanto interessa definir no nosso País". Os projectos de construções habitacionais e de urbanização dos aglomerados humanos esquecem por vezes, em relação no mundo futuro, que podem contribuir para a desagregação e dispersão da família das três gerações, se tudo sacrificarem ao valor do metro quadrado.
Uma política habitacional coerente deve orientar-se no sentido de agrupar núcleos de pessoas familiarmente afins, e não da massificação geométrica e despersonalizada das populações.
A urbanização das cidades e vilas deve considerar tanto o problema habitacional da pessoa idosa, como cuidar dos espaços verdes, das escolas, dos creches, do desporto das crianças c das colónias de férias porá operários. Não o fazer será trair o munido do futuro.

A Sr.ª D. Raquel Ribeiro: - Muito bem!

O Orador: - A habitação da pessoa idosa é um dos seus direitas mais sagrados, porque ela constitui o centro de toda a sua vida na luta contra o isolamento, a solidão, a inactividade, a falta de contactos humanos a que a pouco e pouco fica condenada. Habitação devidamente enquadrada num ambiente compensador. É dela que se parte para a eternidade.
Há que especializar em Portugal técnicos no estudo da habitação para a pessoa idosa em suas diversas incidências, e isto adentro de uma política habitacional em que um não sofra segregação quanto à família e na sociedade. E a regra deve ser, insisto: co - habitação ou vizinhança familiar, com independência sempre possível. Repito: a presença e a experiência da pessoa idosa na família é um factor educacional o de equilíbrio cada vez mais reconhecido.
Daqui partir para a divulgação de projectos piloto de pequenas habitações, grupos de flatlcta e apartamentos integrados na residência familiar, que se projectem em pormenor e se publiquem, fornecendo-os, com o indispensável apoio técnico, às entidades privadas - pessoas e empresas - que queiram construir habitações de pessoas idosas.
Uma equipa piloto é de criar no nosso país. Não pode dizer-se que neste sector escasseie investigação e realizações nos outros.
Finalmente, uma legislação que fomente, estimule e condicione a promoção das habitações para pessoas idosas, enquadrando-as nos aglomerados urbanos, interessando nelas as câmaras municipais das grandes cidades, as grandes empresas, o sector das obras públicas e a Previdência.
E até que faculte a livre troca, com a justa compensação, de habitações alugadas ou de propriedade própria entre casais idosos habitando casas grandes e famílias mais numerosas vivendo em casas pequenas.
Também neste aspecto de habitação da pessoa idosa continuamos um pouco longe da Europa.
Termino, Sr. Presidente, com um apelo ao Governo para que este problema seja considerado logo que possível. Penso que há possibilidade de fazê-lo e de nele interessar vários sectores nacionais.

Vozes: - Muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Meneses Falcão: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao intervir no aviso prévio anunciado pelo Sr. Deputado Alarcão e Silva, começo por declarar o propósito de confirmar a minha solidariedade a quantos entendem que não deve ser a situação de conflito de interesses a justificar a posição cómoda de expectativa, até ver onde param as modas ou ande chega o império do mais forte.
Solidariedade a quantos acreditam numa doutrina social e esperem dela o equilíbrio que respeite, nos valores, o seu uso sem consentir no abuso que estimule a produção pelo trabalho, que acolhe o espírito de luta com simpatia ou benevolência, mas repudie todas as formas de prepotência.
A multiplicidade dos problemas a analisar dentro do tema proposto deixa-nos a certeza de que é (possível encaminhar algumas considerações para um campo menos dominado pelas preocupações que se adivinham sem cair em tautologias impertinentes.

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Longe de mim o propósito de evitar ias situações escaldantes que podam encontrar-se ao longo de discussão tão aliciante e me levaria a flagrante contradição com a afirmação já feita.
Forque estou certo da profundidade de outras intervenções e consciente das limitações naturalmente resultantes de uma falta de especialização ou estudo encaminhado com maior amplitude, limito-me a uma curta referência às reacções ditadas pelo chamado senso comum, omites de me remeter para o exame de algumas particularidades que cabem perfeitamentei no sumário das proposições a defender.
Não é preciso ser tradicionalista nem estar imbuído de uma sensibilidade hereditária para aceitar que o lar proporciona um conforto espiritual que é barreira poderosa contra as mais nefastos correntes da desagregação social.
E para reconhecermos que a família é base primária da educação, da disciplina e da harmonia social, nem seria indispensável que tal ideia estivesse expressa no preceito constitucional, de tal modo se integra nos preceitos morais que comandam o comportamento humano em todas as latitudes.
Os desvios são dolorosas experiências que tendem a desaparecer nas manifestações colectivas.
Quando resultam, da orgânica da Administração, do comportamento individual, das condições sócio-económicas, verificadas em determinados ambientes e agregados populacionais, são objecto de preocupações, como aquelas que vieram aqui pertinentemente trazidas pelo Sr. Deputado avisante.
Mas falar em família é folar em lar, em abrigo, em ambiente, em comodidade e conforto.
Neste aspecto, os grandes problemas são das grandes cidades; e entre nós há, realmente, qualquer coisa que não funciona bem.
É certo que muita gente, mais por falta de disciplina e consciencialização das suas conveniências e interesses do que por falta de recursos, cai na lei do menor esforço e acomoda-se em qualquer parte.
Mas não podemos ignorar que alguns cidadãos têm de suportar a incomodidade e a promiscuidade das barracas porque o seu esforço não chega para vencer a inacessibilidade do alojamento condigno.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E outros ainda, muitos outros, aguentam estoicamente as restrições que hão-de impor ao agregado familiar, para fazerem da sua habitação o último reduto na defesa da sua integração social.
Todas estas formas de restrição são perigosamente agressivas da integridade de célula familiar.
Extraordinariamente valiosa e em muitos sectores decisiva tem sido a acção dos organismos da Previdência, que podem orgulhar-se de obra meritória com resultados bem patentes. Também é louvável o esforço das câmaras municipais, com muitos resultados práticos bem à vista.
Outras formas válidas de actuação se encontram em meritórias iniciativas que a Nação conhece.

O Sr. Alberto de Alarcão: - Muito bem!

O Orador: - Mas o fantasma da falta e carestia de habitações persiste em atormentar muita garote.
Daí o legítimo apelo ao papel coordenador, impulsionador e director do Estado, a fazer prevalecer a justa harmonia de interesses.
Mas não bosta que o princípio esteja constitucionalmente definido.
Essa harmonia de interesses impõe disciplina a todos os cidadãos, seja qual for a posição em que se encontrem. Nem é possível admitir a possibilidade legal de deixar ao senhorio o proveito da foto, ide habitações disponíveis, através de uma especulação inadmissível, nem podemos ignorar que a construção está cada vez mais onerada pelo justificado custo da mão-de-obra e pelo nem sempre aceitável aumento de custo de terrenos e materiais de construção.
Quer queiramos, quer não, havemos de deparar também num nível de remunerações deslocado de um índice de custo de vida, que se vai firmando irreversivelmente.
Se voltarmos a atenção para outro, variante do problema da habitação, que parece esquecida, tombem não se vê razão pana temer a impopularidade das medidas que acabem, com a situação das intocáveis rendas antigas, que, normalmente, beneficiam quem não tem o direito de viver à custa do sacrifício dos outros.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Há situações que caem significam harmonia de interesses, nem justiça social.
Nesta ordem de ideias, difícil se torna entender que se vá mantendo a restrição imposta no artigo 10.° do Decreto - Lei n.0º 47 344, de 25 de Novembro de 1966.
Classifica-se este aspecto da questão de escaldante. Toco-lhe com o à-vontade de quem não é senhorio, nem inquilino.
Parece-me possível fazer frente a todos os exageros com medida disciplinadores que conduzam ao indispensável e justo equilíbrio.
Não esqueçamos, porém, que outros problemas sérios se tapam pelo País a cabo, com prolongamento até aos meios rurais.
Vou ocupar-me de um que, no meu entender, merece a melhor atenção e tem soluções à vista.
Todos sabemos que se faz um grande esforço no sentido da promoção social das populações manos.
Nem todos os sectores da Administração jogarão certos na busca do cominho mais lógico e racional para a concretização de tal esforço emanado do Poder Central. Mas isso leva-nos a outra questão que agora não vem ao caso.
Uma das grandes dificuldades encontradas para dotar, oportuna e convenientemente, grande número de povoações com acessos e o estabelecimento de redes de água e energia eléctrica, está na sua incrível dispersão.
Em vasta zona da Beira Litoral há povoações de menos de 100 fogos que ocupam áreas maiores do que outras com mais de 500.
É muito difícil impor ali regras de urbanização. Mas a habitação com as condições que todos desejamos impõe uma disciplina que não ofenda tanto as estatísticas, que alguns se comprazem em exibir para evidência das posições negativas.
Pois, em muitos casos, por estranho que pareça, essa dispersão resulta da falta de terrenos disponíveis para construção de habitações.
Dentro da povoação, a aquisição de um lote, a custa da quinta ou do quintal do grande ou pequeno proprietário, é tanto ou mais difícil do que nos grandes centros.
Ainda não é aqui que tem especial importância o problema, embora tenha o seu interesse e seja susceptível de medidas utilmente apropriadas.

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É que há muitas dezenas de pequenas e grandes povoações que funcionam como fonte inesgotável de conflitos sérios, a correr para o banco dos hospitais e banco dos réus, por via da utilização dos terrenos classificados de baldios.
A figura jurídica dos baldios tem feito correr rios de tinta, e parece estar apurado que os terrenos assim designados constituem bens de que as autarquias locais podem dispor, embora com certas restrições.
Tal situação está acautelada no Código Administrativo, que se reporta à utilidade social dos baldios quando faz a sua classificação (artigo 390.°).
Próprios ou impróprios para a cultura, os baldios dispensáveis do logradouro comum podem ser vendidos em hasta pública, mas depois de divididos em glebas com o mínimo de l ha (artigos 394.° a 400.°).
Havia muito que dizer sobre estes condicionalismos no respeitante ao aproveitamento mais conveniente destes bens, uma vez incluídos no domínio privado, mas apenas nos interessa saber agora que implicações ficam para o problema da habitação.
Como acontece em muitas regiões do País, alguns concelhos estendidos pela sarna do Sicó, por exemplo, têm murtas centenas de habitações construídas em baldios indevidamente utilizados.
Situação ilegal, a provocar variadíssimos conflitos, que não é possível sanar sem medidas especiais.
Não cabe na cabeça de ninguém que se mandem demolir essas centenas de construções e, por isso mesmo, impossível se toma impor uma disciplina que ponha, cobro à continuação das irregularidades verificadas mestas Brandoas.
(Por outro lado, a venda em hasta pública é tão favorável a lei do mais forte como a audácia que leva os menos escrupulosos à usurpação de direitos com intimidações ou mesmo agressões. Isto porque naquela forma de venda, o economicamente débil fica sempre absorvido pela prepotência do poderoso.
Conta ainda, que quem precisa de comprar 100 m* ou 1000 m2 de terreno para a sua modesta moradia não pode comprar um mínimo de 10 000 m2, mormente em regime de competição.
E assim., indisciplina puxa indiscipline, abuso arrasta abuso e a desordem é o destemperado tempero do ambiento!
Por falta de espaço em espaço a móis desagrega-se a povoação, dispersam-se "s pessoas e concentra-se a ilegalidade.
Ora, embora pareça demasiadamente simplista, a solução preconiza-se nestes termos:
1.° A aplicação das medidas previstas no artigo 16.º da Lei n.° 2080 não ficaria pelas cidades; iria até outros agregados populacionais, classificados, para o efeito, pelos municípios;
2.° Sempre que o inquérito apropriado levasse à conclusão de que o chefe de família residente nas zonas incrustadas de baldios tinha necessidade e interesse na construção da sua casa, ser-lhe-ia dispensado o espaço pretendido nos terrenos sob administração da autarquia. Mais correctamente: da câmara ou da junta de freguesia.
Não ficaria mal que esta possibilidade fossa extensiva à montagem de instalações artesanais.
3.° A venda para aquele efeito seria dispensada da hasta pública, o preço seria determinado por uma comissão de avaliação e a área a ceder não iria além da necessária à habitação e seus logradouros.
4.° As muitas situações já criadas -apropriação indevida para construção - seriam, excepcionalmente, e dentro de um prazo a fixar, objecto da solução preconizada no número anterior.
5.º O produto dos alienações resultaria, naturalmente, em proveito dos povos da zona, através de melhoramentos de interesse comum.
Mal se imagina quantos problemas ficariam resolvidos através de medidas deste- género.
No primeiro caso, nem constituíam violência, nem eram diferentes das que se aplicam a outros cidadãos.
Nas restantes circunstâncias enumeradas não seriam afectados os direitos de ninguém, muito seria ganho com a aplicação do valor das cedências, mas muito mais se ganharia ainda em saldos de valor social e moral a arrecadar.
Importa acrescentar que tudo seria letra morta se as medidas preconizadas tivessem de percorrer todas as capelinhas da nossa complicada burocracia.
A autonomia administrativa dos municípios, que está escrita no papel, mas onda enrolada em papéis, deveria chegar e sobrar para acautelar todas as situações que pudessem emergir de posição tão complicada e solução tão simples.
E assim tentei dor uma ajuda à conservação da nossa casa.

Vozes: - Muito bem !

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Presidente: - O debate continuará na sessão de amanhã.
Amanhã haverá sessão a hora regimental, tendo como ordem do dia a continuação do debate sobre o aviso prévio relativo a urbanização e habitação.

Está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 10 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Álvaro Filipe Barreto de Lura
António Pereira de Meireles da Bocha Lacerda.
Carlos Eugênio Magro Ivo.
Francisco José Pereira Pinto Balsemão.
Gustavo Neto Miranda.
João António Teixeira Canedo.
João Duarte Liebermeister Mendes de Vasconcelos Guimarães.
Joaquim Germano Pinto Machado Correia da Silva.
José de Mira Nunes Mexia.
Manuel José Archer Homem de Mello.
D. Maria Raquel Ribeiro.
Miguel Pádua Rodrigues Bastos.
Prabacor Baú.
Bui de Moura Ramos.
D. Sinclética Soares dos Santos Torres.
Tomás Duarte da Câmara Oliveira Dias.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Vasco Maria de Pereira Pinto Costa Ramos.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Alberto Marciano Gorjão Franco Nogueira.
Alexandre José Linhares Furtado.
António Bebiano Correia Henriques Carreira.

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Augusto Domingues Correia.
Augusto Salazar Leite.
Camilo António de Almeida Gama Lemos de Mendonça.
Deodato Chaves de Magalhães Sousa.
Fernando Artur de Oliveira Baptista da Silva.
Fernando Augusto Santos e Castro.
Francisco Correia das Neves.
Francisco Manuel Lumbrales de Sá Carneiro.
Francisco de Moncada do Casal- Ribeiro de Carvalho.
Henrique José Nogueira Rodrigues.
Humberto Cardoso de Carvalho.
João Pedro Miller Pinto de Lemos Guerra.
João Buiz de Almeida Garrett.
Jorge Augusto Correia.
José Coelho Jordão.
José da Costa Oliveira.
José Dias de Araújo Correia.
José Gabriel Mendonça Correia da Cunha.
José Guilherme de Melo e Castro.
José dos Santos Bessa.
José da Silva.
José Vicente Pizarro Xavier Montalvão Machado.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Luís António de Oliveira Ramos.
Luís Maria Teixeira Pinto.
Manuel Valente Sanches.
Rafael Valente dos Santos.

O Redactor - Luís de Avilles

Pedido de rectificação ao n.º 163 do Diário das Sessões, apresentado no decorrer da sessão pelo Sr. Deputado Pinto Machado:
Solicito do V. Ex.ª a consignação no Diário das Sessões das seguintes rectificações à minha intervenção publicada no n.º 163:
Na p. 3258, col. l.ª, 1.4, a cantar do fim, liminar
"um";
Na p. 3258, col. 2.ª, 1. 10, escrever "pausa" em vez
de "pressa";
Na .p. 3258, col. 2.ª, 1. 21, escrever "mantém" em vez
de "constróem";
Na p. 3258, col. 2.ª, 1.31, escrever "simplistamente"
em vez de "simplesmente";
Na p. 3358, col. 2.ª, 1.43, eliminar a vírgula;
Na p. 3258, col. 2.ª, -1. 3, a cantar do fim, escrever
"tarda" em vez de "tarde";
Na p. 3258, col. 2.ª, 1.3, a cantar do fim, escrever
"qualidade" em vez de "justidade";
Na p. 3-258, - col. 2.ª, 1.2, a contar do fim, escrever
"está" entre "ela" e "intrinsecamente";
Na p. 3259, col. 1.ª, 1. 26-27, pôr comes antes de "identidade" e depois de "razão";
Na p. 3259, col. 1.ª, 1.29, eliminar "uma";
Na p. 3259, col. l.ª,- 1.42, escrever "concentra" em
vez de "encontra".
Aproveito a oportunidade para apresentar a V. Ex.ª os meus respeitosos cumprimentos.

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