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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETAR1A-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL E DA CÂMARA CORPORATIVA

DIÁRIO DAS SESSÕES N.° 166

ANO DE 1972 10 DE MARÇO

ASSEMBLEIA NACIONAL

X LEGISLATURA

SESSÃO N.° 166, EM 9 DE MARÇO

Presidente: Ex.mo Sr. Carlos Monteiro do Amaral Netto

Secretários: Ex.mo Srs.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira
Amílcar da Costa Pereira Mesquita

SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas.
Antes da ordem do dia. - Foi aprovada o n.° 164 do Diário das Sessões, com algumas rectificações.
Para cumprimento do disposto no § 3.° do artigo 109.º da Constituição, foi presente à Assembleia o Decreto-Lei n.º 76/72.
Leu-se na Mesa a resposta do Ministério das Comunicações a uma nota do perguntas do Sr. Deputado Oliveira Pimentel, sob o eventual encerramento, total ou parcial, de algumas linhas de caminho de ferro do tráfego reduzido:
O Sr. Deputado Alberto de Alarcão requereu várias informações sobre as obras do Plano de Rega do Alentejo e outras obras e fomento hidroagrícola a cargo do Estado.
O Sr. Deputado Alberto do Meireles pediu à Secretaria de Estado da Informação e Turismo diversos elementos sobre as taxas destinadas a Emissora Nacional de Radiodifusão e à Radio Televisão Portuguesa.
O Sr. Deputado Malato Belis manifestou a gratidão do povo de Eivas ao Sr. Ministro da Educação Nacional pela criação do 3.º ciclo Liceal naquela cidade.
O Sr. Deputado Millor Guerra foz algumas reflexões políticas a propósito do recente discurso do Sr. Presidente do Conselho na conferência anual da Acção Nacional Popular.
O Sr. Deputado David Laima preconizou n actualização das disposições do Decreto n.º 39 001, relativas à inscrição, matricula e pagamento das propinas dos alunos universitários.
Ordem do dia - Prosseguiu o debate ao aviso prévio do Sr. Deputado Alberto de Alarcão sobre urbanização e habitação.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Silva. Mendes, Alberto de Meireles e Pores Claro.

O Sr. Presidente encerrou a sessão às 17 horas e 15 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Eram 15 horas o 45 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Albano Vaz Finto Alves.
Alberto Eduardo Nogueira Lobo de Alarcão e Silva.
Alberto Maria Ribeiro de Meireles.
Albino Soares Pinto dos Beis Júnior.
Amílcar da Costa Pereira Mesquita.
António da Fonseca Leal de Oliveira.
António Júlio dos Santos Almeida.
António Lopes Quadrado.
António Pereira de Meireles da Bocha Lacerda.
Armando Júlio de Roboredo e Silva.
Armando Valfredo Pires.
Artur Augusto de Oliveira Pimentel.
Augusto Domingues Correia.
Bento Benoliel Levy.
Carlos Eugênio Magro Ivo.
Carlos Monteiro do Amaral Netto.
Delfim Linhares de Andrade.
Delfino José Rodrigues Ribeiro.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Eleutério Gomes de Aguiar.
Fernando David Laima.
Fernando do Nascimento de Malafaia Novais.
Fernando de Sá Viana Rebelo.
Francisco António da Silva. Francisco Esteves Gaspar de Carvalho.
Francisco João Caetano de Sousa Brás Gomes.
Gabriel da Costa Gonçalves.
Henrique dos Santos Tenreiro.
João Bosco Soares Mota Amaral.
João Duarte Liebermeister Mendes de Vasconcelos Guimarães.
João Duarte de Oliveira.
João José Ferreira Forte.
João Lopes da Cruz.
João Manuel Alves.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.

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João Pedro Miller Pinto de Lemos Guerra.
Joaquim Jorge Magalhães Saraiva da Mota
Joaquim de Pinho Brandão.
Jorge Augusto Correia.
José Coelho de Almeida Cotta.
José da Costa Oliveira.
José Maria de Castro Salazar.
José Vicente Cordeiro Malato Beliz.
Júlio Dias das Neves.
Lopo de Carvalho Cancella de Abreu.
Manuel Artur Cotta Agostinho Dias.
Manuel Elias Trigo Pereira.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel de Jesus Silva Mendes.
Manuel Jonquim Montanha Pinto.
Manuel Martins da Cruz.
Manuel Monteiro Ribeiro Veloso.
Nicolau Martins Nunes.
Olímpio da Conceição Pereira.
Pedro Baessa.
Prabacor Baú.
Rafael Ávila de Azevedo. . .
Ramiro Ferreira Marques de Queirós.
Raul da Silva e Cunha Araújo.
Ricardo Horta Júnior.
Rogério Noel Peres Claro.
Bui de Moura Ramos.
Teodoro de Sousa Pedro.
Teófilo Lopes Frazão.
Victor Manuel Pires de Aguiar e Silva.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 66 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 10 horas.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente:- Está em reclamação o n.° 164 do Diário das Sessões.

O Sr. Alberto de Alarcão: - Sr. Presidente: Solicito a V. Ex.ª autorização para enviar para a Mesa algumas rectificações a esse Diário.

O Sr. Presidente: - Faça obséquio de enviar para a Mesa as rectificações que pretende.

O Sr. Ribeiro Veloso: - Sr. Presidente: Na p. 3260, col. 1.ªa, 1. 29, onde se lê: "desenvolveram", deve ler-se: "desenvolvem".

O Sr. Presidente: - Se mais nenhum de VV. Ex.ª tem qualquer reclamação a apresentar sobre o n.º 164 do Diário das Sessões, considero-o aprovado, com as rectificações já apresentadas.
Para cumprimento do disposto no § 3.° do artigo 109.º da Constituição, está na Mesa, enviado pela Presidência do Conselho, o Diário do Governo, 1.º série, n.° 56, de 7 do corrente, que insere o Decreto-Lei n.° 76/72, o qual promulga a Lei Orgânica dos Serviços da Aeronáutica Civil de Angola e de Moçambique e revoga várias disposições legislativas.
Vai ser lida a resposta do Governo a uma nota de perguntas formulada pelo Sr. Deputado Oliveira Pimentel, que já foi lida na Mesa na passada sessão do dia 7 do corrente e publicada no n.° 164 do Diário das Sessões.

Foi lida. É a seguinte:

Resposta à nota de perguntas apresentada pelo Sr. Deputado Artur Augusto de Oliveira Pimentel na sessão de 84 de Fevereiro último.

O estado actual dos estudos empreendidos no Ministério das Comunicações e na Companhia dos Caminhos de Ferro Portugueses não permite ainda indicar as linhas de reduzido tráfego que total ou parcialmente virão a ser encerradas. Os estudos mais adiantados têm incidido sobre as linhas e ramais do Corgo, Sabor, Tua, Mora e Montemor e sobre o estabelecimento dos transportes públicos rodoviários do substituição.

Ministério das Comunicações, 6 de Março de 1972. - O Ministro das Comunicações, Rui Alves da Silva Sanches.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra para um requerimento o Sr. Deputado Alberto de Alarcão.

O Sr. Alberto de Alarcão: - Sr. Presidente: Pedi a palavra pnra.enviar para a Mesa o seguinte.

Requerimento

Nos termos do artigo 11.°, alínea d), do Regimento, requeiro que, pelos departamentos competentes, me sejam facultados os seguintes elementos:

1) Quais os dispêndios por obra e por anos de despesa efectuados com cada uma das obras do Plano de Rega do Alentejo da iniciativa do Estado?
2) Quais as áreas que anteriormente à execução de cada uma das referidas obras eram já regadas, as que se previam nos projectos virem a ser regadas e aquelas que efectivamente o foram no ano agrícola de 1970-, 1971?
8) Qual o custo de cada projecto, incluindo estudos, ensaios e demais dispêndios com pessoal para a realização dos mesmos projectos?
4) Qual a dotação anual atribuída à Direcção-Geral dos Serviços Hidráulicos a partir de 1950 e especificação das suas aplicações por obras e serviços?
Qual o montante das receitas de reembolso efectuadas com aquelas obras em cumprimento do disposto no Decreto-Lei n.º 42 665?
5) Qual a área regada anualmente por iniciativa das obras de fomento hidroagrícola e por albufeiras construídas por particulares ou associações agrícolas, a partir do ou o de 1950?
6) Qual o custo por hectare regado das obras de rega de iniciativa privada financiadas pela Junta de Colonização Interna?
7) Qual, o período de tempo que medeou entre o início do estudo e a conclusão de cada uma das obras de fomento hidroagrícola de iniciativa do Estado?

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O Sr. Alberto de Meirelles: - Sr. Presidente: Pedi a palavra para apresentar o seguinte

Requerimento

Nos termos regimentais [alínea d) do artigo 11.º do Regimento], requeiro que, pela Secretaria de Estado da Informação e Turismo, me sejam fornecidos os seguintes elementos:

1) Receitas provenientes das taxas de radiodifusão recebidas efectivamente, discriminadas por destino - Emissora Nacional e Radiotelevisão Portuguesa -, no último quinquénio;
2) Número de processos executivos por taxas em dívida instaurados nos juízos fiscais, seu valor global e importância arrecadada efectivamente em cada ano do último quinquénio;
3) Encargos totais com o serviço de cobrança de taxas, incluindo o da mecanização dos serviços, em cada ano do último quinquénio;
4) Importâncias pagas aos OTT pelo serviço de arrecadação dos taxas em cada ano do último quinquénio.

O Sr. Malato Beliz: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Creio bem que as breves palavras que me propus proferir nesta ocasião, - porque são palavras de agradecimento, poderão provocar em certas pessoas um sorriso de indiferença ou mesmo de condenação por perfilharem o princípio de que os actos governativos, quando satisfazem justas aspirações, constituem apenas o cumprimento de obrigações e, quando traduzidos por medidas menos satisfatórias ou abe inadequadas, ou evidenciam a falta delas, deverão ser criticados e combatidos por todos e quaisquer meios, sem atender a razões.
Pois, salvo o devido respeito por tais "doutas" opiniões, o sentimento de gratidão é, e será sempre, felizmente, natural, espontâneo e irreprimível, individual ou colectivamente, quando haja acções que o justifiquem, devam-
se elas a quem se deverem, mesmo àqueles para quem governar constitui obrigação, sempre bem pesada e cada vez mais difícil.
E é por esta razão que muito me honra poder ser, neste momento e perante VV. Ex.ª nesta Câmara, porto - voz do jubiloso sentimento de gratidão que inunda o coração de todo o bom povo elvense para com o Sr. Ministro da Educação Nacional pela recente criação do 8.° ciclo na sua secção liceal, cujo funcionamento se prevê já no próximo ano lectivo.
Dignou-se, deste modo, S. Ex.ª, com o sentido de justiça e oportunidade a que nos habituou, corresponder aos anseios da população e às diligências das autoridades locais, resolvendo mais um problema premente do ensino regional.
Efectivamente, se as vincadas tradições de elevada cultura, de esclarecida capacidade de trabalho e -a té de primores intelectuais que sempre foram apanágio da gente da região de que Eivas é centro, se viram seriamente ameaçadas de paralisação, ou mesmo de regressão, por falia de estabelecimentos de ensino oficial, adequados a uma população em expansão, justo é dizer-se que, se tal não se deu, isso se ficou devendo a iniciativa privada, materializada no extinto Colégio Elvense e no Colégio Luso - Britânico, os quais atravessaram tais dificuldades que bem se pode dizer ter sido a sua acção um verdadeiro apostolado.

O Sr. Silva Mendes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Entretanto, exposto superiormente o agravamento, por insuficiência, das condições de ensino na região, os quais, como se previna, vieram a tornar-se ainda mais exíguas, face- à entrada em exploração do regadio do Caia, com os seus 7500 ha, a qual, só por si, bem justificava um ensino diversificado, o Governo criou em Elvas, em 1953, a Escola Industrial e Comercial, a qual já hoje é frequentada por mais de sete centenas de alunos.
Apesar desta notável afluência ao ensino técnico, a criação, em 1968, da Escola do Ciclo Preparatório e de uma secção liceal continuou a mostrar que também a gente de Elvas se quer promover e valorizar, para engrandecimento da sua região e do País, pois apesar de recentes, a frequência naqueles estabelecimentos atinge já cerca de meio milhar de alunos no primeiro e de duas centenas no segundo.
Justo é dizer que o êxito que tão rápida e claramente só verificou em todos estes estabelecimentos de casino oficial, e a forma como os mesmos se têm imposto à consideração da população e dos próprios alunos, se deve ao trabalho e ao esforço sem limites e à elevadíssima competência dos respectivos directores e dos seus colaboradoras, aos quais, do reconhecimento da sua espinhosa tarefa, aqui deixamos uma palavra de grata homenagem e do maior apreço.
Com o novo aumento de possibilidades e de opções no ensino, o 3.° ciclo liceal recém - criado vem dar a toda a juventude de Elvas, e de uma vasta região circundante, a oportunidade de levar os seus estudos a um nível que a anterior necessidade de o procurar longe da casa paterna tornava economicamente inviável. E até para o aqueles que pretendem prosseguir estudos pós-liceais, à evidente vantagem económica alia-se o prolongar do viver no seio da família, com os benefícios de ordem moral e educacional que todos conhecemos.
Eis, pois, Sr. Presidente e Srs. Deputados, expostos em síntese os motivos da gratidão e do contentamento do povo de Elvas.
Contudo, e como é frequente suceder, a resolução de um problema ou o colmatar de uma carência estão na origem de novas necessidades e preocupações.
E, porque o ensino em Elvas não foge a tal característica evolutiva, está pois a cidade a braços com o ingente problema, - diria mesmo trágico, sem que tal qualificação possa fazer-se por exagerada - da consecução de instalações condignas, modernas e adaptadas às necessidades e concepções actuais do mesmo ensino. A rápida e crescente pressão da frequência de alunos na Escola do Ciclo Preparatório, para além dos milagres operados, dia após dia, pela dedicação e pelo espírito de bem servir do respectivo corpo docente, levou à ocupação de um segundo edifício, o qual, não obstante a boa vontade e o propósito colaborante com que foi cedido pelas autoridades administrativas, está longe, tal como o primeiro, de satisfazer razoáveis condições didácticas e de conforto, tanto para educandos como para educadores.

O Sr. Silva Mendes: - Apoiado!

O Orador: - Situação quase semelhante se verifica em relação à secção do ensino liceal, pois que, se até aqui os altos da Biblioteca Municipal têm conseguido ai-

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bergar com sofrível dignidade a crescente corrente juvenil, a verdade á que ". próxima entrada em funcionamento do 3.° ciclo tomá-los-á exíguos, do presente para o próximo ano lectivo, já pelo aumento certo de alunos, já pela necessidade de novas instalações laboratoriais.
Eis por que, em nome de uma população orgulhosa do seu passado o das suas tradições de indesmentido e são portuguesismo, mas que pretende ver-se integrada na sua época, ao mais alto nível, ouso endereçar um papel a dois governantes ilustres - aos Srs. Ministros das Obras Públicas e Comunicações e da Educação Nacional -, invocando os seus tão comprovados dinamismo da acção, elevada competência e profundo sentido das realidades, para que a rápida construção dos edifícios da Escola do Ciclo Preparatório e do Liceu de Elvas seja um facto, para engrandecimento da cidade, dignificação do ensino e prestígio de quem governa.
Finalmente, seja-me ainda permitido deixar aqui mais uma palavra de muito reconhecimento e respeitoso apreço ao Sr. Ministro das Obras Públicas e Comunicações, pois contando-me entre aqueles que, nesta Câmara, levantaram a voz para solicitar ao Governo a urgente e necessária revisão dos modestíssimos solários dos guarda-rios, viram agora estes os mesmos aumentados, conforme se solicitou.

O Sr. Leal de Oliveira: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Com certeza.

O Sr. Leal de Oliveira: - Aproveito a permissão de falar que V. Ex.ª me concedeu para agradecer tombem a S. Ex.ª o Sr. Ministro das Obras Públicas na atenção que lhe mereceram as solicitações apresentadas nesta Câmara tendentes à melhoria dos vencimentos dos guarda - rios, umas das quais por mim efectuada.
Note V. Ex.ª que, ao pedir, então, a melhoria das condições sócio - económicas daqueles serventuários do Ministério das Obras Públicas, eu estará certo de que a minha petição seria ouvida, conhecedor como estava o estou do interesse que o Sr. Ministro das Obras Públicos põe na melhoria da, situação dos seus funcionários, bem patente na reestruturação dos quadros e vencimentos ocorrida naquele Ministério.
Que o exemplo frutifique nos restantes logo que possível.
Muito obrigado, Sr. Deputado.

O Orador: - Agradeço a V. Ex.ª as suas palavras, que afinal vieram mostrar bem a razão e a justiça das minhas próprias.
E, se o novo nível de remunerações nem pelo próprio Governo será ainda considerado como totalmente satisfatório, justo e fácil será reconhecer que, para além do encargo que representaria um maior aumento, as implicações relativas a paridades com categorias equivalentes de outros sectores do funcionalismo remeterão a completa satisfação de justos desejos para uma reforma geral de quadros e de níveis de vencimentos que se deseja e espera em futuro breve.

O Sr. Leal de Oliveira: - Muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Miller Guerra: - Sr. Presidente: No discurso de candidatura que proferi em Outubro de 1969, e em outros passos da minha curta carreira política, declarei as minhas ideias. É a altura de as reafirmar para que se não veja incerteza onde houve propósito, ambiguidade onde existiu determinação, obscuridade onde tudo foi transparente.
Com a subida ao poder do Sr. Presidente do Conselho de Ministros, pareceu-me abriram-se horizontes e possibilidades novas à política nacional. Foi pelo que a transição significava ou prometia, como diferença do passado imediato, que resolvi enfileirar na falange modernizadora.
Tinha os olhos fixos na mudança evolutiva e, de forma nenhuma, na continuação do um regime que considerava inadaptável às transformações inerentes ao processo técnico, social e político dos nossos dias.
A ideia de Liberalização divulgada nessa altura denotava o abrandamento do poder pessoal, a supressão da censura e a instauração do pluralismo ideológico. A palavra ressoava-me aos ouvidos e aos do povo português como prenúncio de libertação de quatro décadas de autocracia, encaminhadas num governante a quem os seus partidários atribuíam um intangível e quase sagrado.

O Sr. Henrique Tenreiro: - E era verdade!

O Orador: - Para os seus partidários . . .

Após um período depressivo de convivência política requeriam-se reformas fundamentais, concebidas e executadas à luz de um novo ideário.
Presumia-se que a fase transitam consistiria num movimento duplo e simultâneo: crítica do regime transacto e lançamento das bases de outro mais moderno, liberatizante e reformista. Para isso era mister reexaminar os esquemas ideológicos, rever estruturas, mudar posições.
Não se foi tão longe: fez-se apenas uma pequena abertura no bloco monolítico. A liberalização consistiu num certo grau de tolerância, sem abolir as regras tradicionais. Mas tanto bastou para areja a atmosfera, permitindo a descompressão dos espíritos e dos corações oprimidos.
Foi sol de pouca dura - essas expectativas, esperanças, anseios, retraíram-se pouco a pouco, particularmente no campo das liberdades individuais, cuja disciplina retrogradou, "aproximando-se da dureza antiga.
A minha posição era considerada ingénua por ambos os extremos.

Os Srs. Henrique Tenreiro e Cunha Araújo: - E continua, e continua. . . .

O Orador: - Graças a Deus!

Pelos da direita, por ter acreditado numa mudança que reputavam impossível, enquanto a força estivesse do lado deles; pelos extremistas da esquerda, porque só pensavam na mudança pela violência revolucionária.
Ingenuidade, quer dizer, singeleza e sinceridade. Terei de tudo um pouco, como é próprio de quem confia nas ideias justos e na vontade dos homens para transformar o mundo.
Concebo a política baseada no reconhecimento mútuo dos homens como seres livres, o que pressupõe o respeito pelas oposições ideológicas. Fundamenta-se nisto o pluralismo, cuja antítese vejo retratada no partido único e na hegemonia de um só pensamento e de um só credo.
Discordo da concentração dos poderes numa pessoa ou numa oligarquia, sem reconhecer, ou reconhecendo imperfeitamente, a variedade das tendências, dos interesses e opiriões.
Se não se admite a crítica, o controle das animações e dos actos governativos, como se pode classificar o Regime se não de autoritário?

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A autoridade e a ordem são decerto necessárias, se não se arvoram em conceitos absolutos.
Parece-me que a análise das grandes questões nacionais, o debate em campo aberto, modificaria a ideia comum de que os obstáculos resultem da combinação de duas forcas antagónicas: a actividade das minorias sediciosas, por um lodo a dificuldade de fomentar o desenvolvimento económico, por outro.
No primeiro caso, é-se levado gradualmente a considerar todo o discordante um dissidente; o dissidente, um adversário; o adversário, um inimigo, fazendo crer que os embaraços não procedem da concepção do modelo político, mas do complot das forças dissolventes, dos liberais aos revolucionários.

O Sr. Cunha Araújo: - Isso não é verdade, não é verdade.

O Orador: - No segundo caso, as dificuldades vencem-se ilusoriamente, subordinando os objectivos sociais ao império do lucro, convertido em fim superior.
A ordem obtida pela imposição do silêncio é a ordem real, verdadeira, fecunda, ou é somente a sua aparência? Para preencher a existência colectiva é preciso mais do que isso: é preciso um projecto político que abra perspectivas, mobilize energias, determine vontades, quebre a monotonia da paisagem quotidiana.

O Sr. Mota Amaral: -Muito bem!

O Orador:- Se não se orienta o progresso por um ideário social justo, favorecem-se os mais fortes, aqueles que já gozam da fortuna e do poderio.
Ora, figura-se-me vão pedir às concepções antigas, donde derivam parte dos obstáculos actuais, o remédio para os vencer.
É inútil argumentar com os sacrifícios impostos pelo progresso social, esquecendo que a conservação do statu quo, a continuidade, também tem os seus sacrificados e faz as suas vítimas.
A meu ver o máximo enleio consiste em que para n evolução se efectuar é indispensável a liberalização, mas esta atemoriza a classe preponderante, porque Ibe abala as certezas repousadas, abrindo a porta aos percalços do movimento.
For isso, sem um impulso vigoroso, um programa ousado e bem definido, continuaremos a viver mais das tradições que das evoluções.
Uma das características do estado presente é o receio do avanço liberal, porque se supõe que pode franquear o caminho h democracia política e esta a democracia social. Mas, é impossível, por ser contraditório, querer no mesmo tempo o progresso e a conservação das estruturas, hábitos e concepções velhas.
Isto contrapõe-se aos objectivos a que aspiro, cujos determinantes são outras. Compreendem a liberdade intelectual, como condição e finalidade; a correcção das desigualdades sociais e a elevação do nível de vida. A política é o meio de atingir este desiderato; por isso aceitei a candidatura de Deputado.

O Sr. Cunha Araújo: - Todos queremos isso.

O Orador: - Eis as reflexões que me sugeriu o discurso do Sr. Presidente do Conselho pronunciado há dias no plenário da primeira conferência anual da Acção Nacional Popular.
Devo desistir? Ainda não.

O Sr. Mota Amaral: -Muito bem!

O Sr. Henrique Tenreiro: - Muito mal!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado - Miller Guerra Se bem ouvi algumas palavras de V. Ex.ª, sinto-me no dever de lhe lembrar que nenhuma atitude da Mesa da Assembleia Nacional permite supor que da sua parte ou da actividade da Assembleia tenha sido esquecido o que se contém nas duas primeiras frases do n.° 2.° do artigo 91.° da Constituição.

O Orador: - Se V. Ex.ª me autoriza . . .

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado pediu a palavra, para . . .?

O Orador: - Pediria uma explicação a V. Ex.ª

O Sr. Presidente: - Se V. Ex.ª deseja a palavra para explicações, com todo o gosto.

O Orador: - Se V. Ex.ª tivesse a bondade de me lembrar quais são esses dois artigos, que não tenho presentes . . .

O Sr. Presidente: - Não são dois artigos, são duas frases do n.° 2.° do artigo 91.° da Constituição, que dizem que é competência da Assembleia Nacional vigiar pelo cumprimento da Constituição e das leis e apreciar os actos do Governo ou da Administração.
Até agora, de modo nenhum a Mesa da Assembleia Nacional limitou a qualquer dos Srs. Deputados o exercício dessas competências.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - E, felizmente, continua a não limitar . . .

O orador foi cumprimentado.

O Sr. David Laima: - Sr. Presidente: Por força de quanto se determina no Decreto n.° 89 001, de 20 de Novembro de 1952 - artigos 65.° a 69.° -, devem todos os alunos universitários, ainda que voluntários, proceder à sua inscrição, matrícula e pagamento das respectivas propinas no início de cada ano lectivo.
Sucede, porém, que o referido diplomo, legal é anterior à abolição, tão desejada quanto proveitosa, do regime de exames de frequência. Com o novo regime criado com a referida abolição, fez-se o apelo conveniente à responsabilidade do aluno, permitindo-lhe a preparação mais conveniente para as provas finais.
Ora, tendo deixado de existir os exames de frequência, favorece-se aos alunos voluntários a possibilidade de avaliaram no decurso do próprio ano lectivo das possibilidades materiais e intelectuais de se apresentarem a exame final. Como se compreenderá, nem sempre será possível logo no início de cada ano lectivo tomar as decisões convenientes, tantas são as implicações evidentes que influenciam a apresentação a exame final.
São particularmente importantes os problemas criados aos alunos da Faculdade de Direito que, quer no ultramar, quer no estrangeiro, desenvolvem as mais diversas actividades profissionais e que aquela Faculdade frequentam como alunos voluntários, ali se apresentando para prestação das respectivas provas na época própria.
Ora, a condição de voluntários, aliada às suas actividades pessoais, logo revela dificuldades muito peculiares, que se não coadunam, de forma alguma, com a obrigatoriedade de uma matrícula no início do ano lectivo obrigatoriamente que só colhia justificação no regime já extinto.

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Nestas condições, parece-me que, sem qualquer prejuízo para os serviços universitários, que com vantagens evidentes e de enorme valor para os alunos, se poderiam actualizar das disposições do referido Decreto n.° 89 001, substituindo a matrícula obrigatória, e já referida, por uma simples inscrição para exame, com pagamento de propina de igual valor, a efectivar no período das férias da Páscoa.
Só assim procedendo, oremos, a abolição dos exames de frequência cria as condições de trabalho que tinha como objectivo maior. Só assim, cremos, se estabelece a harmonia, que boje não existe, entre o regime de matrículas e o novo regime de exames.
Fazemos, pois, o apelo devido ao Sr. Ministro da Educação Nacional para que, ainda neste ano de 1972, se possa corrigir o que, efectivamente, está mal, por anacrónico.
Confiamos!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: Vamos passar ao período da
Ordem do dia

Continuação da discussão do aviso prévio sobre urbanização e habitação.
Tem a, palavra o Sr. Deputado Silva Mendes.

O Sr. Silva Mendes: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao iniciar esta minha intervenção, dirijo os meus cumprimentos ao engenheiro Alarcão e Silva, ilustre representante do aviso prévio em discussão, pois os problemas no mesmo contudo ocupam lugar cimeiro nas nossas preocupações. A matéria tratada é base e ponto de partida para uma das batalhas a que o Governo meteu ombros - a da saúda, tal a incidência que nela tem a habitação.
Darei mesmo que enquanto esta for um sonho para uma grande parte dos portugueses, enquanto a rendia da casa for um aspecto para milhares de famílias, não poderemos pensar em ganhar a batalha da saúde pública.
A experiência da vida tem-nos feito sentir a angústia do drama que para muitos lares representa o dia 8 de cada mês e o desejo, que é simultaneamente um sonho, do direito a habitação condigna.
É certo que aqui e ali já se encontram campanhas em marcha para pôr fim às barracas que proliferam em volta dos grandes ou médios centros populacionais, mas sente-se ainda uma indiferença confrangedora ou um desconhecimento total pêlos dramas morais e sociais de quantos vivem na mais absoluta promiscuidade, em partes de casa ou num só compartimento, sem as mais rudimentares condições de higiene, onde nem o pudor pode viver, por não encontrar espaço para permanecer! O Governo tem sentido a acuidade do problema e por intermédio de alguns dos seus departamentos, dos quais destaco a Federação de Caixas de Previdência - Habitações Económicas e o Fundo de Fomento da Habitação, está dando contributo para que o mal se não agrave ou se não transforme em autêntica catástrofe social.
O Sr. Presidente da República tem demonstrado quanto sente o problema comum a tantos milhares de portugueses e a obra a que lançou ombros é das mais belas e gratas ao nosso coração.
Mas é forçoso reconhecer que todo o esforço despendido, do oficial ao particular, está neste momento muito aquém das necessidades e não ultrapassa a fase do mero paliativo conjuntural, pois este problema sócio-económico
situa-se ainda boje como um dos mais graves que temos de enfrentar.
Fácil é reconhecer que a falta de habitação existente é responsável, em grande parte, pela limitação da natalidade, pois em muitas famílias o nascimento de um filho deixou de ser uma bênção, para passar a ser uma tormentosa interrogação - onde deitá-los?; que grande número de doenças que afectam a população portuguesa tem os suas raízes na falta de habitação higiénica; que os rendimentos familiares não comportam o pagamento das rendas que se praticam no mercado livre.
O problema, quanto a nós, para ser resolvido, exige que se conjuguem esforços, actualizem leis, se dinamizem homens, se reformem mentalidades.
Podemos agrupar, relativamente aos rendimentos familiares auferidos, a população nacional em três grupos, segundo elementos apresentados no último colóquio sobre política da habitação:
1.° Cerca de 10 por cento de famílias que poderão suportar sem dificuldades o custo actual da habitação do m arcado;
2.° Cerca de 25 por cento que não têm possibilidades de suportar o cu&to actual da habitação, mesmo do padrão mínimo; e
3.° Cerca de 05 por cento de famílias que necessitam "m grani variável de um regime de limitação dos encargos para a habitação.
Ë evidente que se o primeiro grupo não nos preocupa, o segundo, enquanto os salários praticados no mundo do trabalho português não lhes permitir resolver o problema, ao Governo e as autarquias locais cabe intervir no sentido de lhes facultar o direito à habitação.
Para que tal seja efectivamente viável, é necessário que n comparticipação concedida pelo Governo aos municípios seja urgentemente revista, pois enquanto o preço do fogo, para a construção em bloco e em altura, se situa em 130 contos, sem incluir o valor dos terrenos, a comparticipação do Estado não pode ultrapassar os 40 contos.
Torna-se, portanto, necessário que a comparticipação se fixe, pelo menos, em 75 por cento do valor do custo real, única forma de as câmaras poderem financeiramente lançar-se em maiores empreendimentos.
Para atender às necessidades do terceiro grupo, o mais numeroso e heterogéneo, várias e diversas medidas terão que ser tomadas.
Facultar a aquisição de terrenos a preços acessíveis, quando os interessados estejam em condições de construir a sua própria habitação, ou criar mercados de rendas limitadas são, quanto a nós, metas relativamente fáceis de atingir.
O Decreto-Lei n.º 576/70 deu algumas possibilidades aos municípios no sentido de poderem adquirir terrenos a preços justos.
Refiro, porém, algumas dificuldades encontradas quando se pretende pôr em prática a doutrina expressa no citado decreto, pedindo ao Governo medidas que permitam dar - lhe integral cumprimento e atingir todas as suas finalidades.
No capítulo n (o valor dos terrenos para efeitos de expropriação), no artigo 9.°, diz-se que "o valor dos terrenos não considerados para a construção será calculado em função do rendimento possível dos mesmos, atendendo exclusivamente ao seu destino como prédios rústicos e ao seu estado no momento da expropriação . . .", mas na prática verifico-se que em processos de expropriação litigiosa propostos pelas câmaras interessadas os

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tribunais têm decidido de maneira diferente do que foi estabelecido do diploma.
No capítulo IV (aquisição de terrenos para urbanizar), dada a morosidade e as dificuldades que muitos municípios encontram em conseguir empréstimos que lhes permitam adquirir terrenos necessários ao desenvolvimento normal dos seus concelhos e ainda os prazos e encargos de amortizações fixados pela Caixa Geral de Depósitos, solicitamos que se facultem ao Fundo de Fomento da Habitação meios financeiros que lhes permitam substituir aquela na concessão dos empréstimos.
Fede-se ainda que as medidas preconizadas no capítulo VII (normas sobre financiamento das operações de urbanização) se alargue na prática às zonas do interior, pois, por enquanto, não temos dado conta que os benefícios previstos a estas tenham chegado.
Se estes pontos forem considerados pelo Governo e as comparticipações para efeitos de urbanização puderem ser elevadas até 85 por cento, ficarão as câmaras em condições de poderem lançar no mercado terrenos a preços acessíveis.
Para criar marcados de rendas limitadas, sugiro que às autarquias locais seja permitido ceder zonas urbanizadas a preços baixos, ou simbólicos, a empreiteiros particulares que de antemão se comprometam a praticar essas mesmas rendas, de acordo com estudos prévios e em proporções previamente indicadas, deduzidas de estudo económico.
Isto será afinal estender às empresas particulares os mesmos regalias que já hoje se concedam a organismos oficiais-
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Pana que a política da habitação seja uma realidade, vou terminai1 a minha intervenção pedindo ao Governo:
a) Enquanto não for possível dispor no mercado de habitações de rendas compatíveis com os vencimentos auferidos pelos funcionários públicos ou administrativos, a estes seja concedido subsídio de renda de casa, desde que não possuam habitação própria integralmente paga;
b) Que igual regalia seja prevista em todos os contratos colectivos de trabalho, qualquer que seja o ramo profissional;
c) À semelhança do que se tem praticado noutros países, se lance imposto suplementar sobre os terrenos contidos em zonas urbanizadas, retidas
no presente na mão de proprietários que procuram com eles especular, tendo sempre em conta as necessidades de desenvolvimento das citadas zonas urbanas;
d) Para fomentar a habitação nas povoações rurais que tenham meios de vida e fixar as respectivas populações se restrinjam em imediato, em todas as disposições contidas no Decreto - Irei n.° 46 673, de 29 de Novembro de 1965, quanto às exigências impostas ao loteador de dotar os referidos loteamentos das infra-estruturas urbanísticas basilares, e que transitem para as câmaras os respectivos encargos, desde que pelo Estado lhes seja assegurada comparticipação nunca inferior a 90 por cento;
e) Que sejam integrados num só departamento todos os serviços de urbanização e de fomento da habitação, no sentido de criar uma unidade indispensável à rápida solução dos problemas habitacionais;
f) Que a autorização para a instalação de novas indústrias nos grandes centros populacionais do País seja sempre precedida de garantia de alojamento para os operários que nelas vão trabalhar, a fim de evitar que para estes sejam atraídas famílias que de antemão se sabe não possuírem possibilidades de habitação;
g) Que nos meios urbanos, onde o mercado de rendas se mostre em disparidade com os ordenados actualmente praticados, se proíba a demolição de prédios que se apresentam ainda em boas condições de habitabilidade ou sejam facilmente recuperáveis; e

O Sr. Ávila de Azevedo: -Muito bem!

O Orador:

h) Que se considere no próximo Plano de Fomento o problema da habitação como dos mais graves que no momento temos de enfrentar.

Haverá, talvez, para tornar exequível a minha proposta, de exigir sacrifícios a alguns, mas exdjam-se, paro bem de todos.
A vida só nos poderá sorrir quando à nossa volta haja justiça social, e de justiça é que cada família portuguesa disponha de habitação condigna.

Vozes: - Muito bem! O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Alberto de Meireles: - Sr. Presidente: Se me embrenhasse no exame detalhado da vasta temática sumariada e sugerida neste aviso prévio, seria fatalmente conduzido a uma amarga frustração: a de, por querer abarcar tudo, pouco ou nada de útil ter afinal trazido à colaboração.
Atenho-me por isso a um apontamento, tão breve quanto possível, em torno dos temas seguintes:
A) A acção do sector público, e da Previdência, no domínio da habitação. A obra da Câmara Municipal do Porto;
B) Necessidade de um órgão de planeamento da política de habitação a nível nacional;
C) A iniciativa privada na construção habitacional. O problema do regime excepcional de inquilinato em Lisboa e Porto.
E nisto me afasto já, temerariamente, da salutar norma do nosso Padre António Vieira - tomará o pregador um só assunto... Oxalá me não arrependa.

Parto de premissas conclusivas, que reputo conterem matéria assente:
a) O fenómeno da carência de habitações, que vem de longe, e é comum a todos os países, agravou-se sobretudo entre nós a partir da 2.ª Guerra Mundial nos meios urbanos e suburbanos;
b) Ao aumento de procura não tem correspondido proporcional acréscimo de oferta, visando o alojamento de agregados familiares com reduzidas possibilidades económicas, que são a maioria;
c) A tendência fortemente ascensional das rendas e dos preços de habitações destinadas à venda impedem que a elas tenha acesso grande parte os estratos populacionais;
d) O empolamento verdadeiramente especulativo dos preços dos terrenos para construções, a par do crescente custo dos materiais e encargos sale-

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riais, conduzem a custos incomportáveis para a locação a preços acessíveis;
e) O crescimento urbano e suburbano, mercê da atracção que o desenvolvimento económico e a concentração industrial e burocrática exercem sobre as populações rurais, leva a situações angustiosas de aglomerados clandestinos, que ais câmaras municipais s5o chamados a mesolver, em continuada e dispendiosa acção;
f) O regime jurídico do inquilinato nas cidades de Lisboa e Porto afasta e não favorece o investimento privado, em termos de poder acudir h carência de habitações de nível médio;
g) Não obstante os vultosos investimentos realizados pelo sector público e em especial pela Previdência, nos últimos decénios, no domínio do fomento da habitação, estamos longe de uma situação de equilíbrio que responda às preocupações dos governantes e responsáveis.
Neste contexto, e perante as perspectivas apontados, no seu exaustivo estudo, pelo ilustre Deputado avisante, o sector público é solicitado a exercer acção, mais do que supletiva decisiva no fomento habitacional.
E isto na linha programática que se contém na própria Constituição:

Em ordem da defesa da família, pertence ao Estado e as autarquias locais favorecer a constituição de lares independentes, e em condições de salubridade, e a instituição do casal de família (artigo 14.°).

Tal como proclamou em 1933 o Doutor Salazar:

A intimidade da vida familiar reclama aconchego, pede isolamento, numa palavra: exige casa, a casa independente, casa própria, a nossa casa.
É, naturalmente, mais económica, mais estável, mais bem constituída a família que se abriga sob tecto próprio. Fora o nosso feitio independente, e em benefício da nossa simplicidade morigerada, nós desejamos antes a casa pequena, independente, habitada em plena propriedade pela família.

Desta concepção, cheia de humanidade, se arrancou desde 1033 para o programa de "casas económicas", realizado com a comparticipação do Estado e das câmaras municipais (e, mais tarde, por financiamento da Previdência em 17 bairros), através da colaboração do Ministério das Obras Públicas com o então Subseoretariado das Corporações.
E foram 12 723 casas económicas distribuídas por 61 bairros, atribuídas em regime de propriedade resolúvel, que vieram realizar os anseios de tantas outras famílias de trabalhadores, já hoje, na sua quase totalidade, proprietários dessas moradias.
Dentro da mesma Unha de pensamento, veio, já em 1956, a Lei n.° 2032, da autoria do nosso respeitado colega Dr. Henrique Veiga de Macedo, e que a Assembleia Nacional discutiu e votou com geral aplauso, tornar possível a concessão de empréstimos aos beneficiários da Previdência para estes promoverem a construção, aquisição ou beneficiação das suas próprias casas. Isto além dos empréstimos a entidades patronais contribuintes, para a construção de habitações destinadas aos seus empregados, e os Casas do Povo e suas federações, para construções destinadas aos trabalhadores rurais.
E até fim de 1970 foram concedidos 21 859 empréstimos pela organização da Previdência para a construção e aquisição de casas a beneficiários, com o valor global de 2 878 000 contos.
Vale a pena lembrá-lo, pois parece continuar a ser curta a memória dos homens, e talvez até mais dos políticos, mesmo em relação ao que é bem visível, por ser de pedra e cal.
Mas, paralelamente a política de construção de casas económicas, novos condicionalismos e os grandes volumes populacionais a atender impuseram, já na década de quarenta, novas soluções: as casas de renda limitada e as casas de renda económica.
Só na modalidade de casas de renda económica a Federação das Caixas de Previdência - Habitações Económicas tinha concluído, ao fundar o ano de 1970, 12 371 casas e tinha em construção mais 4 966, com um investimento total de 2 104 000 contos.
No conjunto - casas de venda económica e empréstimos a beneficiámos ao abrigo da Lei n.º 2092 -, o acção da organização da Previdência concretizou-se, assim, até 1970, num investimento de cerca de 5 milhões de contos, que proporcionaram, habitação a 34 230 famílias, com cerca de 161 000 pessoas.
A par disto, há que lembrar ainda outros sectores que vêm dando contributo para o fomento habitacional: a Junta Central das Casas dos Pescadoras, a Caixa Geral de Depósitos - também já com uma obra de interesse -, os obras sociais das forcas armadas e da Polícia de Segurança Pública, algumas Misericórdias e câmaras municipais. Não esquecendo a acção de algumas cooperativas "creditadas., como o Problema da Habitação, com sede no Ponto, que, dentro de limitações e contingências conhecidos, prosseguem uma obra de rofaeresse.
Que há o propósito de prosseguir, e em ritmo crescente, afirmou-o há poucos meses o Sr. Presidente do Conselho, anunciando que cerca de 5 milhões de contos (mais, e não menos) serão investidos em habitação e urbanização só por fundos públicos e dos instituições de previdência no triénio de 1971 a 1973, no âmbito do III Plano de Fomento.
Quanto a câmaras municipais, não se estranhará que sublinhe especialmente e com enlevo a obra que vem realizando a Câmara Municipal do Porto, até parque é certamente impar no País.
É o chamado "Plano de Melhoramentos paro a Cidade do Porto", comummente designado "de extinção das ilhas do Porto", que arrancou a partir de diploma de 28 de Maio de 1956, com o apoio financeiro do Governo, traduzido cm subsídios não reembolsáveis, comparticipação do Fundo de Desemprego e empréstimos, no montante total de 280000 contos, e que envolveu um dispêndio total de 310 623 contos, só com a execução dos novos aglomerados urbanos, terrenos, urbanização e obras complementares, correspondente a l.ª fase, em que foram construídas 6072 casas de rendas módicas, destinadas a habitação de famílias provenientes de construções a demolir ou beneficiar.

Como escreveu o malogrado presidente da Câmara e meu querido amigo Dr. Nuno Pinheiro Torres:

O Porto cumpriu honradamente o encargo que assumiu. O Plano de Melhoramentos só se concluiu para dar lugar a novos e sucessivos planos da mesma índole e com a mesmo e nobre finalidade.

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Assim, ao findar o ano de 1971, quinze anos decorridos sobre o arranque do plano inicial, a Câmara Municipal do Porto tinha construído 8653 casas (incluindo as 907 dos primeiros 5 aglomerados anteriores ao plano), estavam em construção, para conclusão em 1972 e 1978, mais 1056, e ainda 619 projectadas.
Às despesas totais de execução dos planos tinham .atingido 576 435 contos em 31 de Dezembro de 1971.
Por brevidade abstenho-me de referir a distribuição destas casas pelos 28 bairros construídos ou em construção na cidade, respectivos tipos e rendas mensais, que são extraordinariamente módicas, em alguns casos quase simbólicas.
Tudo consta claramente do mapa que solicito seja inserto em anexo, com elementos fornecidos gentilmente pela Direcção dos Serviços de Habitação da Câmara, Municipal do Porto.
A obra realizada, para a substituição das "ilhas" por moradias dignas da condição humana, tem dominado a administração camarária desde 1956, e bem, porque marca uma época, e é sem dúvida das mais meritórias e dignificantes.
A ela se ligaram os nomes do engenheiro José Machado Vaz e do seu imediato continuador, o Dr. Nuno Pinheiro Torres, que tiveram no engenheiro Eduardo Arantes e Oliveira, Ministro das Obras Públicas, o mais relevante e decidido apoio. E urge que prossiga ainda, enquanto houver no Porto tugúrios insalubres a eliminar, e há-os ainda, infelizmente.

O Sr. Ávila de Azevedo: - Muito bem!

O Orador: - Mas nisso se empenham igualmente o actual presidente e os seus colaboradores, e oxalá não lhes seja tolhida, por falta de meios, a continuidade necessária.
Uma referência breve ao Fundo de Fomento da Habitação, que em colaboração com outras entidades interessadas - sem esquecer "a benemérita Fundação Salazar, criada pela bondade, persistência e clarividência do Sr. Presidente da República (oito palavras do Doutor Marcelo Caetano - "conversa em família" de Junho de 1971), está a preparar e realizar uma obra da mais larga envergadura, iniciada com a edificação do Bairro da Agualva, no Cacém".
Quanto a mim, de há muito se impunha um organismo coordenador da política de habitação, que tem sido, aliás, preconizado, com funções de planeamento, definição e ação a nível metropolitano.
Já é mais duvidoso que tal organismo deve ter funções de execução, pois elas envolvem fatalmente duplicação de serviços existentes e experimentados.
Estará o Fundo de Fomento da Habitação destinado a exercer essas funções? De qualquer forma não esqueço que é exactamente no Ministério das Corporações e Previdência Social que se situa, e de há largos anos, o impulso fundamental do que $e vem realizando através do louvável investimento dos capitais da Previdência Social no fomento habitacional.
E a tal propósito lembro o Instituto Nacional de 1.ª Vivenda, que no país vizinho vem realizando uma obra espectacular, que se topa através de cidades, vilas e até aldeias.
Novos aglomerados urbanos foram implantados criteriosamente, sem preocupações de luxo e utilizando processos expeditos de construção, oom estruturas metálicas.
Todos os que percorrem a Espanha terão reparado, como eu, no renascimento e modernização de centros urbanos e rurais, através destas realizações.

O Sr. Ávila de Azevedo: - Muito bem!

O Orador: - E passo a outro ponto, o último: É unanimemente reconhecido - creio eu - que há no sector privado insuficiência de ritmo quanto a novas construções, e tal se deve em grande parte ao desinteresse dos capitais por uma forma de investimento que se considera pouco remuneradora, principalmente em relação a habitações de nível modesto.

O Sr. Ávila de Azevedo: - Muito bem!

O Orador: - Não se pode construir barato, porque os terrenos e materiais são caros, os salários tiveram altas consideráveis e os construtores não encontram dinheiro a juro baixo e prazo adequado de reembolso.
Isto para não referir as deficiências de ordem técnica e financeira de grande parte do sector que, tendo conhecido como nenhum outro o amadorismo e o espírito de aventura, trabalha na maior parte dos casos sem a continuidade necessária, sujeito a alternativas de euforia e de depressão.

O Sr. Alberto de Alarão: - Muito bem!

O Orador: - Sem dúvida, neste condicionalismo, difícil é que a iniciativa privada satisfaça a procura, acentuadamente intensa na construção para rendas modestos.
Mas aponto ainda outra causa, que se me afigura constituir sério factor de retraimento no investimento de capitais em imóveis para habitação: o regime excepcional do inquilinato nas cidades de Lisboa e Porto.
É uma velha querela, em que no calor das discussões, a mais das vezes, ou se proclamam posições meramente demagógicas, em que o sentido de justiça e de mero bom senso andam afastados, ou suo apenas situações pessoais que se defendem, isolada ou agrupadamente, com total alheamento de interesses alheios, legítimos e respeitáveis também.
O problema tem sido discutido algumas vezes nesta Câmara, e já nesta legislatura foi objecto de duas intervenções em que os seus autores tomaram posições divergentes: os dos Deputados Delfim Linhares de Andrade e José da Silva.
E já que este meu ilustre colega quis dizer à Assembleia, francamente, a sua situação pessoal de inquilino, aliás actualizado, eu permito-me dizer também que, graças a Deus, nem sou inquilino nem senhorio urbano de quem quer que seja. Estou inteiramente à vontade.
Na anterior legislatura, o Deputado António Borges de Araújo, que muito prezo e admiro, e é um excelente jurista de ciência e consciência, propôs-se apresentar um projecto de lei sobre actualização de rendas, que vicissitudes vários conduziram a que fosse retirado pelo próprio autor, e não por se convencer,, posso afirmá-lo, da sua inoportunidade. Do seu lúcido relatório extraio as seguintes passagens:
A estagnação das rendas que por imposição legal deixaram de acompanhar o custo de vida (refere-se ao regime excepcional de Lisboa e Porto) não torna aliciante encaminhar capitais para a construção de casas e coloca inúmeros senhorios em situação angustiante perante a satisfação inadiável dos encargos

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fiscais e de conservação dos prédios e até a necessidade própria subsistência.
Por sua vez, os inquilinos de agora têm de sujeitar-se a rendas exageradas, que lhes são exigidas como defesa para a impossibilidade de actualização futura. E parece estar-se já a assistir à estipulação de rendas progressivas como antídoto H proibição de recurso à avaliação fiscal.
A grande matada das rendas deixa de ter uma correspondência, ao menos aproximada, com o justo preço da habitação.
Umas, as antigas, são de montante insignificante e até ridículo; outras, as modernas, são muitas vezes excessivas e impróprias dos prédios a que respeitam.
Entre casas de igual valor lucrativo, chegam a verificar-se diferenças de renda de 1000$ - e mais! (Anoto que no mesmo prédio e no mesmo andar até casas iguais têm rendas que variam de um para três!).
Os inquilinos recentes pagam em demasia, porque os antigos usufruem uma regalia chocante, que se traduz na dispensa de satisfazerem o justo preço da sua habitação.
E essa regalia, coloca os senhorios na posição de suportarem pessoalmente um encargo equivalente a um subsídio de residência a que socialmente não deveriam estar obrigados. A situação actual é profundamente injusta.
E ao esclarecer o articulado do projecto de lei, que visava- pôr termo a dualidade realmente injustificada, dos regimes jurídicos vigentes no País para o inquilinato de Lisboa.e Porto e restante território metropolitano, afirmava:
É necessário resolver uma situação que, pela injustiça, de que se reveste, carece de ser revista.
Mas igualmente será indispensável um regime suave de integração no sistema geral em vigor para que não surjam problemas sociais delicados.
Estas as ideias mestras do louvável projecto de lei da autoria do Deputado Dr. Borges de Araújo, que, infelizmente, não chegou a ter seguimento.
Não é oportunidade esta para mais pormenorizado exame do problema e das soluções concretamente propostas no articulado do projecto de lei que refiro.

O Sr. Presidente: - V. Ex.ª já o esclareceu bem, mas eu permitir-me-ia pedir-lhe que frisasse ainda melhor que o trabalho do Sr. Deputado Borges de Araújo, parlamentarmente, não passou de uma intenção de projecto de lei.

O Orador: - Posso dizer - até porque tenho documentado o caso - que o Sr. Deputado Dr. Borges de Araújo apresentou esse projecto na Mesa, baixou preliminarmente à Comissão e o Sr. Deputado, espontaneamente, retirou-o da Comissão, sem ter sido submetido a votação.
Penso que por esta, forma e satisfazendo o desejo do Sr. Presidente, que perfeitamente compreendo -, fica esclarecido e bem frisado o assunto.
Limito-me a afirmar que o regime de excepção existente para o inquilinato de Lisboa e Porto carece de ser revisto à luz de elementares princípios de equidade, pondo-se cobro a uma situação objectivamente injusta, até em relação ao sistema vigente nas vastas zonas habitacionais contíguas a estas cidades, mas que, pertencendo embora a concelhos diferentes, as continuam e prolongam.
E absurdo, ilógico e certamente iníquo que seja permitida a actualização de rendas mediante recurso à avaliação fiscal em todos os concelhos, incluindo os limítrofes de Lisboa e Porto, e o não seja nestas cidades.
Não descortino, realmente, os fundamentos deste dualidade de sistemas. Ou será que, resistindo à rasoira igualitária dos privilégios faroleiros, os inquilinos de Lisboa e Porto, através dos seus arautos, se julguem ainda merecedores de tratamento diferente do dado ao comum dos cidadãos apenas porque habitem em casa alheia, na capital ou na mui nobre e invicta cidade do Porto?
A minha capacidade de compreensão não consegue ir tão longe. Mas não admira, porque não serei suficientemente igualitário e liberai. Valha-me Deus l
Para, além disso, afirmo a minha convicção de que o regime excepcional ainda em vigor, a título transitório não concorre, antes tolhe uma mais larga intervenção do sector privado no fomento da habitação em Lisboa e no Porto, que será sempre indispensável e é ainda, e apesar de tudo, fundamental.
E termino: o problema habitacional nos meios urbanos, em crescimento constante, é daqueles que porventura nunca serão resolvidos totalmente, por maior que seja o empenhamento de meios e esforços para atender todas as necessidades.
Há-de haver, sempre, em cada momento, mercê do afluxo irreprimível as cidades, carências habitacionais a remediar.
E isto por toda, a parte em que haja liberdade de circulação das pessoas e se reconheça o direito de cada um viajar e se fixar livremente dentro do seu país.
Pois se até mesmo nos países socialistas, veementemente admirados por alguns e por estes apresentados como modelos sociais, em que essa liberdade fundamental de circulação é naturalmente condicionada e a habitação é problema exclusivo do Estado, único proprietário possível, o que teoricamente pressupõe fácil solução das carências habitacionais, estos são conhecidas, e conduziram em certas épocas, não sei se ainda hoje, ia situações desumanas de promiscuidade animal, generalizadas e extensas!
Este aviso prévio coloca mais uma vez a Assembleia Nacional perante uma problemática vasta, complexa e sempre actual.
Nisto vai o meu louvor ao infatigável Deputado avisante e às suas intenções.

Vozes: -Muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Peres Clara: - Sr. Presidente: Entro neste debate sem nenhum saber de experiência feito, sem nenhumas leituras de tratadistas, sem estribo em nenhum simpósio, conferência ou mesa-redonda. Venho eu só mais as minhas cogitações. Se elas forem semelhantes a ideias expostas, sê-lo-ão por mera coincidência; se forem contrarias, sê-lo-ão por ignorância minha. Direi não como técnico, que para aqui em boa verdade não são chamados, mas como político que me cumpre ser, debruçado sobre os reflexos que possa ter na comunidade nacional ou na limitada que me escolheu o que se diz e o que se faz. Reflexos no imediato e futuros.
Todos os fenómenos ou comportamentos humanos têm hoje um nome técnico. É enunciá-los por esse nome que

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geralmente os faz considerar em moda. Assim acontece com o urbanismo, fenómeno tão velho como o homem. Onde e como construir - sempre foi problema posto à consideração do homem isolado ou de qualquer comunidade de homens. O urbanismo tem sido sempre, com este nome ou sem ele, um dos {problemas sócio-políticos de permanente preocupação da Humanidade. Não é preciso fazer apelo a especiais conhecimentos para se verificar que assim é.
A cidade antiga exercia sobre os cidadãos o poder, mais ou menos despótico, da vinculação. Quem não cabia no castelo ia construindo a casa à sombra das suas muralhas, para dentro delas se recolhei- e resistir aos inimigos. A autoridade do senhor impunha-se em todos os aspectos da vida comunitária.. Aumentando o número de moradores, ia-se alargando o perímetro das muralhas, numa preocupação centrífuga que nem só o espectro da guerra justificava. Para se entrar ou sair da cidade era preciso atravessar portas e porventura pagar portagem, se de mercadorias se tratava. No campo político, a velha cidade era muitas vezes uma unidade independente.
Depois, a cidade, obsoletas os castelos, pôde descer à planície e, tomando agora como centro o edifício dos Paços do Concelho, situado na praça maior, ponto de convergência para convívio, foi-se dispondo em círculos ou em círculos a partir de um núcleo compacto, se o terreno o impunha. O fisco administrativo adaptou-se à falta das barreiras, a expressão "fora de portas" passou a simbólica, significando o espaço para além das últimas casas consideradas solidárias. O Município era uma realidade de coesão de interesses e de pessoas. Os próprios bairros de segregação racial mantinham-se no espaço comunitário. A paróquia, agrupando parte da população à volta de uma igreja, foi simultaneamente freguesia, entre nós na realidade etimológica do termo, mas descentralizada por deliberação municipal e, portanto, conservando a vinculação de base. Foi uma dádiva, forçada embora pelas circunstâncias, e não um direito conquistado. E o Código Administrativo, com as suas naturais implicações sócio-políticos, nunca deixou de lembrar o espírito municipalista e a vinculação dos indivíduos à comunidade restrita.
(Mesmo com o fortalecimento da "dela de pátria e o poder centralizador dos governos, perdidas já embora muitas das prerrogativas municipais, a cidade continuou a ser um todo em mútua vinculação. Nesse sentido estão dispostas as suas estruturas sócdo-políticas.
Mas a cidade foi crescendo, alargando cada vez mais os seus círculos concêntricos; e o empolamento da zona dos serviços fez surgir a necessidade de descentralizar esses serviços, dotando com eles cada um dos bairros mais populosos. O Homem começou assim a perder o sentido do vínculo da autoridade, sem perder, todavia, ainda o da sociabilidade, porque tinha de procurar os espectáculos, o comércio, o seu próprio emprego na zona central da cidade. Por essas deslocações criou-se então outra espécie de sociabilidade: a do grupo que espera o mesmo transporte, que utiliza o mesmo transporte, que goza ou sofre os contratempos do mesmo transporte, militarizado, encurralado, encaixado, quase empacotado, entregue como mercadoria nos mercados do trabalho. Gente que, trabalhando e fazendo política de um lado, vive e exprime-se politicamente noutro lado, mantida, porém, nas mesmas estruturas político-administrativas. A reacção pacífica a esse figurino é o absentismo nos actos eleitorais. E a sensação de desvinculação progressiva vai criando no Homem um estado de angústia, que tem exemplificação concreta na conversa ouvida num dos transportes urbanos e feita entre operários de várias proveniências, que orgulhosamente diziam ser daqui ou dali, e a declaração amarga de um deles: eu não tenho terra, sou de Lisboa.
O avanço doa grandes massas humanas da periferia paru o centro, com todos os problemas de ordem material que origina, passou naturalmente a seu- preocupação dos governantes, que veio -a encontrar alívio por uma nova foram* de urbanismo - u do aproveitamento dos grandes espaços livres desligados da cidade, onde, sem os condicionalismos da urbanização concêntrica, é possível aplicar novos conceitos e ensaiar novos estilos de construção. Assim surgiram as células {habitacionais, bastando-se a si mesmas, em que a maioria dos moradores, sem necessidade de deslocação parti fora delas, passaram a uma convivência diária com os mesmas pessoas, vivendo em casas iguais, refazendo as meamos (frases, percorrendo as mesmas ruas, sentando-se EO mesmo jardim, numa monotonia que em breve se transforma em pânico de isolamento, quase desconhecido o poder vinculador da autoridade, que pode algumas vezes provocar revolta, mas dá afinal uma sensação de segurança de que todo o homem necessita paira o seu equilíbrio (psíquico. Nos fins-de-semana e nos dias feriados essas células despovoam-se com a saída em massa dos moradores, oprimidos por prédios cada vez mais altos, que são como muros de prisão e em que cada um se sente cada vez mais isolado, mais pequeno e mais insignificante. As praias e os campos enchem-se dessa multidão árida do espaço sem paredes, que regressa horas depois, em rebanho de automóveis, para a grilheta de mais uma semana de reclusão.
É evidente que, neste estado de espírito e nestas condições materiais, os homens não podem ser sensíveis a uma estrutura sócio-político-administativa que foi traçada para a cidade antiga. Os apelos desta não têm sobre eles qualquer influência. São como um programa qualquer da Rádio ou da Televisão, coisa que se vê e ouve por desfastio ou em fuga, para logo esquecer. Já que aos governantes não é possível alterar o rumo do novo urbanismo, pois é uma ideia força em movimento, cabe-lhes a procura da nova estrutura sócio-político-administrativa que há-de servir à realidade da cidade nova, ou então dar a cada uma das células que surjam o alvará que lhes permita servir-se de estrutura velha, solução, porém, que qualquer alfaiate desaconselharia, mesmo em época de feito, feito. É que, mesmo podendo cada célula tornar-se num burgo independente, o seu corpo estrutural não é o mesmo dos burgos de outra época, construídos a partir de um centro, ao mesmo tempo irradiador e centralizador.
Decerto sem qualquer originalidade, não quis deixar de pôr neste debate, que o Sr. Deputado Alarcão e Silva motivou, com aquele fôlego e aquele fogo que lhe apreciamos, uma nota de acento político de tom diferente, sem outro propósito que não fosso o de, desde já, alertar para a matéria os que, melhor do que eu, possam tratá-la e remediá-la. Eu quis dizer apenas que o rei ia nu. Quem souber, e puder que o vista.

Vozes: -Muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: O debate continuará na sessão de amanhã. Haverá sessão, a hora regi-

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mental, tendo como ordem do dia a continuação da discussão do aviso prévio sobre urbanização e habitação.
Está encerrada a sessão.

Eram 17 horas e 15 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Álvaro Filipe Barreto de Lara.
António de Sousa Vadre Castelino e Alvim.
D. Custódia Lopes.
Filipe José Freire Themudo Barata.
Francisco de Nápoles Ferraz de Almeida e Sousa.
Gustavo Neto Miranda.
Henrique Veiga de Macedo.
João António Teixeira Canedo.
João Paulo Dupuich Pinto Castelo Branco.
João Buiz de Almeida Garrett.
José Coelho Jordão.
José Dias de Araújo Correia.
José João Gonçalves de Proença.
José de Mira Nunes Mexia.
José dos Santos Bessa.
José Vicente Pizarro Xavier Montalvão Machado.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
D. Luzia Neves Pernão Pereira Beija.
D. Maria Raquel Ribeiro.
Maximiliano Isidoro Pio Fernandes.
Miguel Pádua Rodrigues Bastos.
Rui Pontífice Sousa.
D. Sinclética Soares dos Santos Torres.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortas.
Vasco Maria de Pereira Pinto Costa Ramos.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Alberto Marciano Gorjfio Franco Nogueira.
Alexandre José Linhares Furtado.
Amílcar Pereira de Magalhães.
António Bebiano Correia H enriques Carreira.
António Fausto Moura Guedes Correia Magalhães Montenegro.
Augusto Salazar Leite.
Camilo António de Almeida Gama Lemos de Mendonça.
Deodato Chaves de Magalhães Sousa.
Fernando Artur de Oliveira Baptista da Silva.
Fernando Augusto Santos e Castro.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Francisco Correia das Neves.
Francisco José Pereira Pinto Balsemão.
Francisco Manuel Lumbrales de Sá Carneiro.
Francisco Manuel de Meneses Falcão.
Francisco de Moncada do Casal-Ribeiro de Carvalho.
Henrique José Nogueira Rodrigues.
Humberto Cardoso de Carvalho.
Joaquim Carvalho Macedo Correia.
Joaquim Germano Pinto Machado Correia da Silva.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
José Gabriel Mendonça Correia da Cunha.
José Guilherme de Melo e Castro.
José da Silva.
Luís António de Oliveira Ramos.
Luís Maria Teixeira Pinto.
Manuel José Archer Homem de Mello.
Manuel Marques da Silva Soares.
Manuel Valente Sanches.
Rafael Valadão dos Santos.
Tomás Duarte da Câmara Oliveira Dias.

O Redactor - Januário Pinto.

Beatificações ao n.º 164 do Diário das Sessões, enviadas para a Mesa pelo Sr. Deputado Alberto de Alarcão:

Na -p. 8277, col. l.ª, 1. 28, onde se lê: "legais", deve ler-se: "legais e instrumentais";
Na p. 3280, col. 2.ª, supressão da 1. 17;
Na p. 8283, col. 2.a, 1. 54, onde se lê: "conveniência", deve ler-se: "convivência";
Na p. 3284, col. 1ª, entre as 1. 22 e 23:
66 009 fogos para arrendar, 124 649 fogos, por outros motivos, se não se encontram nos locais necessários a habitar, se não têm rendas compatíveis com a generalidade dos orçamentos familiares, se as suas condições de habitação são insatisfatórios, se, se trata de residências secundárias?
Pior ainda, se as suas rendas são fogo da mais pura especulação?
Sem querer ir tão longe como o engenheiro Gestão Ricou no Colóquio sobre Política da Habitação:

A proeminência do imposto indirecto sobre o directo, o princípio [. . .] de só taxar a produção sem taxar a riqueza improdutiva, o incitamento ao entesouramento e à agiotagem, nada de bom podem trazer [. . .] à habitação [. . .].
havemos de conceder algumas razões para essoutras afirmações:

Haverá, por exemplo, que acabar com a isenção de impostos sobre prédios devolutos e susceptíveis de serem alugados ou vendidos, haverá mesmo 'que agravá-lo ao fim de certo tempo de não utilização; haverá que impor taxas sobre certas condições excessivas de habitação [. . .] (Colóquio sobre Política da Habitação - "Intervenções dos participantes nos grupos de discussão", p. 84),

querendo referir-se certamente ao luxo ou preço exorbitante de algumas das rendas solicitadas, classificadas de especulação em várias passagens dos planos de fomento. .
Como casos haverá de nítida desactualização das rendas face, nomeadamente, aos encargos de conservação . . .
Mas tudo isto é complexa matéria que ao Governo preocupará certamente e acerca da qual entendi não dever pronunciar-me por merecer, dada a sua excepcional importância, um tratamento especial.
Voltemos às carências, às necessidades de habitação.
No relatório dos trabalhos preparatórios do IV Plano de Fomento, as necessidades anuais de construção de fogos parecem poder ser estimadas em cerca de:
Na p. 3284, col. 2.ª, nas cabeças 3.ª e 4.ª das colunas do quadro, onde se lê: "Lisboa e aglomerados" e "Porto e suburbanos", deve ler-se: "Lisboa " aglomerados suburbanos" e "Porto e aglomerados suburbanos";
Na p. 3288, col. 2.ª, 1. 8, onde se - lê: "que", deve ler-se: "a quem";
Na p. 3289, col. 1.ª, 1. 48, onde se lê: "especiais", deve ler-se: "espaciais";
Na p. 3289, col. 1.ª, 1. 66, a palavra grandes deve estar colocada entre aspas.

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1O DE MARÇO DE 1972 3331

Elementos utilizados pelo Sr. Deputado Alberto de Meireles no seu discurso:
Plano da melhoramentos da cidade do Porto

[... ver tabela na imagem]

Bairros em construção:

Número de casas

Falcão (conclusão prevista em Julho de 1972) 224
Lagarteiro (conclusão prevista em Abril de 1978) 200
Lagarteiro - Ampliação (conclusão prevista, em Abril de 1978) 48
Bom Pastor (conclusão prevista em Agosto de M73) 264
Aleixo (conclusão prevista em Outubro de 1873) 320

Em projecto:

Conatural (já aprovado superiormente) 128
S. João do Deus (remodelações e ampliação) 844
619

Em projecto:
S. Tomé 484

Despendido com o plano de melhoramentos até 31 de Dezembro de 1971 (pessoal, construção, urbanização, terrenos e diversos), 635 274 cantos, incluídos os terrenos do Campo Alegre e outros que não foram utilizados na construção de moradias, no montante de 58 830 contos, pelo que o total despendido com a execução do plano de construções foi de 576 435 contes.

Resumo:

Moradias construídas 907+,7 746= 8658
Moradias em construção l 056
Moradias, projectadas 619
Habitações Económicas - Federação das Caixas de Previdência
Casas construídas:
Pasteleira - Torres G, H e I 168
Casas em construídas:
Pasteleira 828

Requerimento enviado para a Mesa durante a sessão:

Ao abrigo das disposições regimentais, requeiro que pela Secretaria de Estado do Comércio seja, prestada a seguinte informação:

Qual n situação actual do projecto do mercado abastecedor do Funchal e quando se prevê que esteja concluído. Qual o período de execução previsto, incluindo a organização do seu circuito comercial.
Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 9 de Março de 1973. - O Deputado, Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.

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IMPRENSA NACIONAL

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