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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL E DA CÂMARA CORPORATIVA
DIÁRIO DAS SESSÕES N.° 186
ANO DE 1972 21 DE ABRIL
ASSEMBLEIA NACIONAL X LEGISLATURA
SESSÃO N.° 186, EM 20 DE ABRIL.
Presidente: Exmo. Sr. Carlos Monteiro do Amaral Netto
Secretários: Exmos. João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira
Amílcar da Costa Pereira Mesquita
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a. sessão às 6 horas.
Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o n.º 183 do Diário as Sessões, com rectificações apresentadas pelo Sr. Deputado Amilcar Mesquita.
Deu-se conta do expediente.
O Sr. Deputado Olímpio Pereira requereu vários demónios
fornecer pelo Ministério das Comunicações.
O Sr. Deputado Valadão dos Santos chamou a atenção do governo para alguns problemas dos Açores, designadamente do instituto de Angra do Heroísmo.
O Sr. Deputado Miller Guerra, falou sobre a situação hospitalar, a propósito de discurso do Sr. Secretário de Estado da saúde na posse do novo director-geral dos Hospitais.
O Sr. Deputado Carlos Ivo ocupou-se dos problemas das transferências entre o ultramar e a metrópole.
Ordem do dia. - Na primeira parte continuou o debate sobre; contas públicas de 1970, usando da palavra os Srs. Deputados Miguel Bastos, Ribeiro Veloso, Moura Ramos e Peroa Claro.
Na segunda parte prosseguiu a discussão na, generalidade da coposta, de lei da revisto da Lei Orgânica do Ultramar. Interferiram os Srs. Deputados Casal-Ribeiro, Sá Viana Rebelo e Alfino Ribeiro.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 45 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada. Eram 15 horas e 45 minutos.
Faz-se a chamada, a qual responderam os seguintes Sr. Deputados:
Mano Yaz Pinto Alves.
Alberto Eduardo Nogueira Lobo de Alareao e Silva.
bino Soares Finto dos Reis Júnior.
Amilcar da Costa Pereira Mesquita.
António Rebiano Correia Henriques Carreira.
António Fausto Moura Guedes Correia Magalhães Montenegro.
António da Fonseca Leal de Oliveira.
António Júlio dos Santos Almeida.
António Lopes Quadrado.
António Pereira de Meireles da Rocha Lacerda.
António de Sousa Vadre Castelino e Alvim.
Armando Júlio de Roboredo e Silva.
Artur Augusto de Oliveira Pimentel.
Augusto Salazar Leite.
Bento Benoliel Levy.
Camilo António de Almeida Gama Lemos de Mendonça.
Carlos Eugênio Magro Ivo.
Carlos Monteiro do Amaral Netto.
D. Custódia Lopes.
Delfino José Rodrigues Ribeiro
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Eleutério Gomes de Aguiar.
Fernando Artur de Oliveira Baptista da Silva.
Fernando Augusto Santos e Castro.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Fernando de Sá Viana Rebelo.
Filipe José Freire Themudo Barata.
Francisco António da Silva.
Francisco Esteves Gaspar de Carvalho.
Francisco João Caetano de Sousa Brás Gomes.
Francisco de Moncada do Casal-Ribeiro de Carvalho.
Gabriel da Costa Gonçalves.
Gustavo Neto Miranda.
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Henrique José Nogueira Rodrigues.
Humberto Cardoso de Carvalho.
João Bosco Soares Mota Amaral.
João Duarte Liebermeister Mendes de Vasconcelos Guimarães.
João Duarte de Oliveira.
João José Ferreira Forte.
João Manuel Alves.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
João Paulo Dupuich Pinto Castelo Branco.
João Pedro Miller Pinto de Lemos-Guerra.
Joaquim Jorge Magalhães Saraiva da Mota.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Joaquim de Pinho Brandão.
Jorge Augusto Correia.
José Coelho de Almeida Cotta.
José Coelho Jordão.
José Gabriel Mendonça Correia da Cunha.
José João Gonçalves de Proença.
José Maria de Castro Salazar.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Júlio Dias das Neves.
Lufa António de Oliveira Ramos.
Luís Maria Teixeira Pinto.
D. Luzia Neves Pernão Pereira Beija.
Manuel Artur Cotta Agostinho Dias.
Manuel Elias Trigo Pereira.
Manuel de Jesus Silva Mendes.
Manuel Joaquim Montanha Pinto
Manuel Martins da Cruz.
Manuel Monteiro Ribeiro Veloso.
Manuel Valente Sanches.
D. Maria Raquel Ribeiro.
Maximiliano Isidoro Pio Fernandes.
Nicolau Martins Nunes.
Olímpio da Conceição Pereira.
Pedro Baessa.
Rafael Ávila de Azevedo.
Rafael Valadão dos Santos.
Raul da Silva e Cunha Araújo.
Ricardo Horta Júnior.
Rogério Noel peres Claro.
Rui de Moura Ramos.
Teodoro de Sousa Pedro.
Teófilo Lopes Frazão.
Victor Manuel Pires de Aguiar e Silva.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 78 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Está em reclamação o n.° 188 do Diário das Sessões.
O Sr. Amílcar Mesquita: - Sr. Presidente: Requeiro a V. Ex.ª se digne mandar proceder as seguintes rectificações no nº 183 do Diária das Sessões: na p. 3600, col. 2ª, 1. 59, onde se lê: «aquele princípio sofra restrições ou desvios», deve ler-se: aquele princípio sofre restrições ou desvios»; na p. 8601, col 1ª. 45, onde se lê: «Deve processar-se à necessária», deve ler-se: «Deve processar-se a necessária»; ma p. 8604, col. 2.ª, 1. 29, onde se lê: «Não poderá ultrapassar o dobro», deve ler-se: «Poderá ultrapassar o dobro».
O Sr. Presidente: - Se mais nenhum de VV. Exas. deseja usar da palavra para reclamações sobre o n.° 183 do Diário data Sessões, considerá-lo-ei aprovado.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Está aprovado.
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Carta
De Ana Maria Correia Antunes a respeito da situação dos presos na cadeia de Caxias.
Telegramas
De Joaquim Almeida apoiando o discurso do Sr. Deputado Fausto Montenegro sobre viação rural.
Das Comissões da Acção Nacional Popular de Loulé, Olhão, Lagos, Faro, Tavira e Albufeira, e de Isabel Reis, Maria de Sousa e Maria das Dores Crisóstomo, apoiando as palavras do Sr. Deputado Cotta Dias a propósito da proibição da representação de determinada peça teatral.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra para um requerimento o Sr. Deputado Olímpio Pereira.
O Sr. Olímpio Pereira: - Sr. Presidente: Pedi a palavra para apresentar o seguinte
Requerimento
Para uma possível intervenção, requeiro, ao abrigo do Regimento, que pelo Ministério das Obras Públicas me sejam fornecidas as seguintes informações
1.° Qual a situação presente dos estudos e quando se prevê o início da construção do viaduto no Carreiro, para eliminar as passagens do nível;
2.° Quando se iniciarão os obras para alargamento do túnel existente no Lavradio sobre o qual passa a via férrea;
3.° Quando se prevê a construção do pontão junto da povoação do Penteado e da passagem de nível no Pinhal Novo para que a nova estrada que liga Moita a Pinhal Novo fique concluída;
4.° Quando será construída a passagem superior ou inferior para peões na estação de caminhos de ferro do Pinhal Novo, a fim de evitar os frequentes contratempos e desastres;
5.° Quando se prevê que será estudada e OOP truída a rede de saneamento do Pinho Novo, onde será em breve instalada a d: buição de água ao domicílio;
6.° Quando será construída no Pinhal Novo variante da estrada n.° 252 que liga Mo tijo a Palmeia e cujos •estudos datam a mais de vinte anos;
7.º Quando se eliminarão as milhentas curv existentes na estrada n.° 120, entre Grã dola e Santiago do Cacém e entre Santia. do Cocém e Cercal.
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O Sr. Valadão dos Santos: - Sr. Presidente: Mais uma vez pedi a palavra a fim de pôr à consideração desta câmara e chamar a atenção do Governo para uma série e problemas que afligem as ilhas dos Açores e, de uma maneira especial, o distrito de Angra do Heroísmo. Problemas, aliás, velhos e alguns por mim e meus ilustres e colegas já aqui tratados, mas que pela sua acuidade se vão tornando de dia para dia mais graves, fazendo vida naquele arquipélago, para uma grande parte a sua ordeira e laboriosa cada vez mais dificil e deveras apreensiva. O futuro para toda essa gente esta a tornar-se gradualmente mais negro, sem se vislunbrar meio -talvez também por culpa de certos responsáveis de o transformar mais promissor e optimista.
Sei que a maioria desses problemas estão a ser diz-» ... - estudados e planeados, mós o mesmo ouço referir há muitos anos, sem que até agora se haja entrado no campo das soluções práticos e concretos. E julgamos que já é tempo de elas irem aparecendo sem demoras, pois de outro modo corremos o risco de uma denodada quase gerai dos habitantes daquelas ilibas.
O Sr. Ávila de Azevedo: - Muito bem!
O Orador: - É uma verdade por todos proclamada que industrialização de uma região é factor de progresso socio-económico e sobretudo de fixação da sua populá-lo. Os Açores estão muitíssimo longe de serem uma dessas regiões que vivem a base da indústria. Mas há DÍS ou três campos em que poderiam de facto vir a ser factor determinante de riqueza e de progresso: a pecuária, a pesca e o turismo.
O Sr. Ávila de Azevedo: - Muito bem!
O Orador: - E digo poderiam, vir a ser porque - salvo pequenas e honrosos excepções- o que hoje existe é praticamente nulo. Os meios são mais do que rotineiros, estando-se com uma falta de apoio, mas apoio em todos sentidos, de quem o havia de dar. A Ilha de S. Jorge um exemplo típico deste atraso. Já uma vez aqui referi «e possuindo pastagens dos mais ricas que se possam imaginar 75 por cento ainda estão por arrotear! Encotram-se tal como quando foram descobertas! Em todas Ilhas há uma carência tremenda de caminhos de penetração, pois só com estes as máquinas e certas viaturas poderão chegar. Pela maior parte delas, ou melhor totalidade, proliferam «fabriquetas» de lacticínios sem
nensão e higiene e cujas barreiras uma legislação adequada ainda não conseguiu, derrubar, tanto mais que a destas já vão surgindo unidades fabris modernas,
devidamente apetrechadas, mas enfrentado muitas dificuldades. Com excepção das capitais de distrito, nas outras ilhas não se encontra um único veterinário, e isto nas terras onde se vive, essencialmente -às a dizer-.
asse exclusivamente, da pecuária. A Câmara de Veias,S. Jorge, pôs peia décima quarta vez a concurso o
de veterinário municipal. E pela décima quarta vez deserto. O que mão surpreende, pois ninguém quer para ali sujeitar-se a ganhar 3800$ mensais! E, entanto, os rebanhos vão morrendo à míngua de assistência . . . Tudo isto uma pálido ideia do muito que veria para dizer neste campo.
E quanto à pesca? Essa mesma pesca que poderia construir das mais válidas fontes de riqueza do arquipélago, s está mais do que provado a extraordinária abundân-daqueles mares. Não é sem motivo que por lá andam constantemente frotas japonesas, russas, sul-coreanas e bem apetrechadas lagosteiras francesas. E que possuímos nós, ali? Umas fábricas sem dimensão e sem estruturas que fazem o máximo que podem dentro de tremendos condicionalismos, principalmente, o do aparecimento e quantidades de pescado. E este jamais poderá vir nas quantidades necessárias enquanto as frotas atuneiras forem como actualmente: traineiras relativamente pequenas, sem condições para se afastarem demasiado das costas, e, sobretudo, sem barcos de apoio de toda a ordem técnica e, simultaneamente, enquanto os pescadores não estiverem mentalizados para essa espécie de tarefas.
O Sr. Ávila de Azevedo: - Muito bem!
O Orador: - Além disso, até para a chamada pesca de fundo superabundam as embarcações de tipo diminuto, de uma fragilidade impressionante, sem quaisquer possibilidades de se fazerem mais ao largo. E para agravar, e tornar tudo ainda mais precário, e, falta, quase por toda a parte, de varadouros de acesso fácil.
A pesca é uma indústria que, ali, merece ser planeada e ajudada, mas em grande dimensão, pois como actualmente se encontra corre sérios riscos de se ver totalmente aniquilada. E será mais uma . . .
Quanto ao turismo, não me vou deter, embora houvesse muito para comentar. Quero, apenas, referir que as pontencialidades turísticas dos Açores soo extraordinárias. Todos o reconhecem. E, ainda não há muito, quando centenas de jornalistas de todas os partes do Mundo lá estiveram a sua concordância foi quase unânime, como quase opinião unânime foi o pouco ou nada que se tem feito para esse fim. Há, sim, imensas boas vontades e homens confiantes que vêem no turismo, ali, um dos grandes factores de desenvolvimento e promoção.
O Sr. Ávila de Azevedo: - Muito bem!
O Orador: - E o pouco que se está a fazer é ao acaso, sem um plano orientador e, principalmente, lutando-se com uma aflitiva falta de capitais. Há que interessar as grandes empresas, se possível nacionais e, na falta destas, estrangeiras, nos empreendimentos turísticos dos Açores. Só elas poderão conseguir o tal arranque almejado e a contribuição indispensável para o desenvolvimento de uma indústria tão promissora naquele arquipélago. Já nem sequer falo nas flores, nos bordados e'outros artesanatos que constituiriam outras tantas fontes de riqueza a estudar e a desenvolver.
Mas, Sr. Presidente, se os indústrias são factores de progresso e de fixação humana, outros elementos há essenciais para que a vida se possa processar com um mínimo de condições. Entre esses se encontram a água e a electricidade. Ë por todos conhecido o elevado grau de pluviosidade daquelas ilhas. De resto, a própria televisão se encarrega de o anunciar, pois são já tradicionais os gráficos com aquelas fundas depressões que, tantas vezes, nos afectam. Pois, não obstante as vastas disponibilidades hídricos dos Açores, freguesias há no meu distrito, e algumas das maiores e das mais importantes, que, praticamente, não a possuem l Isto numa altura em que o Governo envida todos os esforços nesse sentido, comparticipando amplamente as obras para esse fim. A pouca água que nessas freguesias aparece é transportada em encanamentos (?) antiquíssimos, quase inexistentes, partidos, arrastando consigo todas as imundícies que imaginar se possa. É isto o que nalguns lugares ali, ainda hoje, se bebe. £ confrangedor, é triste, mas ... é verdade!
No que diz «respeito à electricidade, o problema também é grave, principalmente para a ilha Terceira, onde as
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O Orador: - Óptimo, eu não sabia.
O Sr. Jorge Correia: - Tenho a impressão que até já li isso em discursos.
O Orador: - Ainda melhor! Estou satisfeito com isso, a mim passou-me o facto despercebido.
O Sr. Salazar Leite: - V. Ex.ª dá-me licença? O Orador: - Faça favor.
O Sr. Salazar Leite: - Eu peço imensa desculpa, Sr. Deputado Miller Guerra, de o interromper nas suas considerações, mas estou certo que V. Ex.», com o treino que tem de falar em público, seguramente não irá perder, por assim dizer, o fio à meada.
V. Ex.ª, no decurso dos afirmações que proferiu logo de inicio, disse que maioria da população estaria de acordo com as razões invocados pêlos internos para tomarem a atitude que tomaram.
E evidente que V. Ex.ª deve ter seguramente muitos métodos de avaliar essa afirmação. Afirmação que me parece pouco convincente e sobretudo muito mal baseada, porque nós não vimos tal. Antes pelo contrário, vimos, talvez até um pouco erradamente, uma revolta, digamos assim, perante a atitude dos médicos, por conseguinte exactamente ao contrário do que V. Ex.ª disse.
O Orador: - Dá-me licença?
O Sr. Salazar Leite: -Com certeza, faz favor de esclarecer este ponto, se quiser. Depois temos mais que conversar . . .
O Orador: - Não falei em população.
O Sr. Salazar Leite:-Falou em pessoas responsáveis. . .
O Orador: - Não senhor!
O Sr. Salazar Leite: -... o que quer dizer que as outras não o são
O Orador: - O que eu disse foi o que passo a reler: A crise foi atribuída pela maioria das pessoas conheceo-oras . . .».
O Sr. Salazar Leite: - V. Ex.ª tem elementos seguros que o permita afirmar?
O Orador: - Tenho
O Sr. Salazar Leite: - Eu não tenho
O Orador: - Está bem
O Sr. Salazar Leite: - E mais, agradecia imenso que, V. Ex.ª os tem, os traga a nossa presença, porque evidentemente é tão difícil de avaliar . . .
O Orador: - Possuo os elementos suficientes para fazer afirmaçâo . . .
O Sr. Salazar Leite: - É uma opinião que não será minha.
O Orador: - No parecer de V. Ex.», os serviços hospitalares estavam a correr bem .e foram os internos que perturbaram tudo.
O Sr. Salazar Leite: -Não, não! Eu não disse isso.
Quando discuti com V. Ex.ª um certo ponto, já há uns tempos, disse que haveria erros, e estes estão sendo afirmados agora. Mas o que não posso de maneira nenhuma aceitar é que tudo se atire para os serviços administrativos e pouco se atire para a irresponsabilidade de alguns médicos, pois esta existiu.
O Orador: - Sr. Deputado e meu prezado colega, Prof. Salazar Leite: Tenho a dizer-lhe que eu estou transcrevendo as palavras, do Secretário de Estado da Saúde ...
O Sr. Salazar Leite: - Está neste momento transcrevendo as palavras do Secretário de Estado, amputando aquilo que ele disse, tirando somente do discurso algumas frases.
O Orador: - Sr. Deputado e meu presado colega: Isso agora é quê já não aceito; tenho aqui o discurso, vamos cotejá-lo e ver-se-á. Gosto dos discordàncias, mas não aceito desconfianças nem insinuações.
O Sr. Salazar Leite: - Se V. Ex.ª me dá licença que justifique este ponto, que é extraordinariamente importante ...
O Orador: - Então faz favor de justificar, porque gostava que ficasse bem claro, Sr. Deputado.
O Sr. Salazar Leite: -Oh, Sr. Deputado Ou me dá licença para eu falar, ou não me da!
O Orador: - Dou-lhe licença, mas é preciso que não me foça insinuações; não amputei nada, apenas citei.
O Sr. Salazar Leite: - V. Ex.ª, desde o momento em que não transcreve integralmente o texto e se limita a dizer uma frase, é evidente que essa frase não tem o sentido que se lhe aponta. Isto é corrente. Não estou a dizer que V Ex. tenha feito isto ou aquilo, estou apenas a dizer que isto é corrente.
O Orador: - V. Ex.ª está é pura e simplesmente a insinuar que eu, extraindo determinadas frases do texto, dei um sentido diferente daquele que era intenção do Secretário de Estado. Este é que é o ponto.
O Sr. Salazar Leite: - Não. Não estou a dizer isso. E se V. Ex.ª quer ler a frase que apontou há pouco, dou-lhe já a minha explicação.
O Orador: - Qual frase?
O Sr. Salazar Leite: - À última que citou do discurso do Sr. Secretário de Estado.
O Orador: - Já não sei qual foi, mas volto um pouco atrás: «Passando às dificuldades sentidas pêlos médicos, o Secretário de Estado mencionou especialmente os internos, aos quais se referiu nos termos seguintes: ...»
Se V. Ex.ª quiser, tenho aqui o texto do discurso completo, posso guiar-me por ele ...
O Sr. Salazar Leite: - Faça favor!
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O Orador: - Diz assim:
 insatisfação dos médicos internos, cuja concentração maciça nos enfermarias, falta de acompanhamentos permanentes, perda de critérios objectivos da apreciação final do seu trabalho, os não favorece para atinência daquilo que justamente pretendem - uma boa preparação profissional, complementar do curso base, que os habilite a desempenhar a sua função extra-hospitalar com segurança e tranquilidade.
O Sr. Salazar Leite: - Essa não foi a frase a que eu me referia, mas essa...
O Orador: - Mas vai outra já
O Sr. Salazar Leite: - A última, Sr. Deputado, escusa de estar ler todas.
O Orador: - Não. Eu vou ler o que for preciso para ficarem as coisas claras. A respeito dos serviços de urgência, o Secretário de Estado disse o que todos sabemos. O que todos sabemos, quer dizer, nós, os médicos. O Sr. Doutor não sabe, porque discorda.
O Sr. Salazar Leite: - Não, Sr. Professor...
O Orador: - Discordou quando eu há tempos falei dos serviços de urgência.
O Sr. Salazar Leite: - Quando V. Ex.ª falou dos serviços de urgência empregou uma expressão que é a mais ofensiva que poderia aplicar aos serviços de urgência: chamou-lhes «campo de concentração» . . .
O Orador: - Ninguém se ofendeu, a não ser V. Ex.ª Sr. Deputado e Prof. D salazar Leite.
Não tive nenhum reparo a esse respeito, a não ser do Sr. Prof. e Médico Salazar Leite . . .
O Sr. Salazar Leite: - Discordei da expressão que V. Ex.ª tinha empregado, e de que continuo a discordar, porque V. Ex.ª seguramente não ignora o que é um campo de concentração.
Com respeito- a saber ou não saber o que se passa nos Hospitais Civis de Lisboa, onde eu fiz toda a minha vida, já lá vão muitos anos ...
O Orador: - Há cinquenta anos...
O Sr. Salazar Leite: - ... mas garanto-lhe que nunca nós procurámos encontrar nos Hospitais Civis de Lisboa senão a maneira de nos podermos valorizar e de alguma coisa de útil fazermos para a sociedade.
O Orador: - Há cinquenta anos...
O Sr. Salazar Leite: - E não procurámos de modo algum encontrar nos Hospitais Civis de Lisboa uma fonte de discórdias e uma fonte de discussões ...
O Orador: -Não é ai que está o caso. Não se trata de nada disso!
O Sr. Presidente: - Os pontos de discordância de V. Ex.ª estão estabelecidos perante a Assembleia.
O Sr.- Deputado Miller Guerra tenha a bondade de continuar, e peço-lhe o favor de não consentir mais
interrupções, porque há que limitar a duração do período de antes da ordem do dia.
O Orador: - Seguindo as orientações do Sr. Presidente, não consentirei mais interrupções, mas quero que fique bem claro que eu não aceito, de forma nenhumas, insinuações do Sr. Deputado e meu colega Prof. Salazar Leite.
Eu não amputei, eu transcrevi. Eu não deformei, disse a verdade. E continuo a dize-la
Vozes: -Muito bem, muito bem!
O Orador: - Portanto, continuo. E não falo dos aspectos administrativos, campo especifico da competência do Sr. Dr. Jorge Santos, que
asseverou: «Há que rever em toda a sua plenitude o problema do financiamento hospitalar.»
E, oontinuando, caracterizou a situação nos seus aspectos genéricos do seguinte modo: desactualização das tabelas para doentes de enfermaria a cargo de entidades por elas responsáveis e que datam de 1965; excessiva desagregação das contas nos casos de acordos com entidades, significando elevadíssimos e desnecessários custos operacionais; irregularidade dos cobranças efectivas, tanto pela apresentação pontual das facturas como, princinpalmente., pela ineficácia do actual mecanismo legai de cobranças coerciva; estruturas internas insuficietemente dotadas e deficientemente mentalizadas para a colecção oportuna e rigorosa dos elementos de base componentes dos débitos a fazer; finalmente, imperfeitos sistemas cantabilisticos do apuramento dos custos e resultados
Sobre a gestão económica e financeira o Secretario de Estado advertiu: «[. . .] Não será tolerável o aparecimento de súbitos e inesperados deficits, nem a prática da persistência da sua manutenção como facto cansumado, isto quando fruto da passividade, indiferença ou ausência do sem posto dos gestores responsáveis, especialmente quando acobertadas estas com vagas alegações como já tem acontecido, pretensamente patrocinadora! dos interesses dos doentes, que não se divisam com facilidades»
Dito isto por um membro do Governo, não vale a pena acrescentar nada mais para se ter a certeza do estado estrutural e funcional dos principais unidades hospitalares
A Sr.ª D. Raquel Ribeiro: -Muito bem!
O Orador: - Por outro lodo, concluiu-se que a situação não provém de hoje nem de ontem, mas resulta naturalmente de dezenas de amos da política da saúde o da sua falta.
O Sr. Correia da Cunha: - Muito bem!
O Orador: - Não haveria sido mais correcto e útil ter aproveitado a crise para travar relações estreitas com os internos ouvindo-lhes os reparos e as reclamações em vez de os demitir
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - ... ferindo-os desnecessariamente e toda a profissão médica?
Os métodos autoritários têm isto de mau: em vez solucionarem os problemas, esmagam-nos.
Vozes: -Muito bem, muito bem!
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Fundamentou-se a razão da pergunta, mas nada foi feito para modificar a situação existente, isto é, o de uma rigorosa e escrupulosa verificação da correcção jurídica sem, no entanto, se entrar na verificação económica das despesas públicas. O que se faz é interessante na ordem jurídica, mas tem secundaríssimo valor na ordem económica, porque, dentro da mais estrita e rigorosa legalidade, a despesa pode ser criticável, comparada com os resultados obtidos e com a utilidade que produziu para o serviço ou para o público.
A discussão das contas públicas não pode visar exclusivamente a análise da correcção jurídica do equilíbrio orçamental. Há um outro equilíbrio mais profundo, o equilíbrio económico, através do qual se terá em conta, nas realizações feitas, a posição do capital investido, do trabalho produzido, do volume de crédito a que houve que recorrer.
Mais adiante...
Citaremos, agora, alguns pontos das contas, necessariamente pequenos extractos, mas que poderão, pela sua relevância, sugerir o interesse em serem, por quem mais se interesse por estes assuntos, aprofundados convenientemente.
As receitas ordinárias excederam as despesas da mesma natureza em l2 095 751 866$.
Por outro lado, as receitas extraordinárias foram apenas de 3 022 024162890, enquanto as despesas desta natureza foram de 14.102 090 247$, pelo que houve que ir buscar ao excesso das receitas ordinárias sobre as despesas ordinárias 11 080 066 084$10, pelo que o saldo encontrado é de l 005 685 782$50.
Acresce notar que, porá obter o saldo real, há que entrar em linha de conta com a provisão para encargos presumíveis de 1970 que transitam para 1971, os quais, como se esclarece no relatório que antecede a conta, se cifram em 990 000 000$, devendo, portanto, esta quantia ser abatida a importância atrás indicada.
A grande abundância de receitas ordinárias manteve o desafogo do Tesouro e permitiu pagar, por força de excesso de receitas ordinárias, despesas com carácter extraordinário e liquidar integralmente as despesas de guerra sem recorrer as receitas extraordinárias, ou indirectamente a empréstimos.
Cotejadas os receitas efectivamente arrecadadas com as inicialmente previstas, insertas no Orçamento, sem se ter em consideração as alterações levadas a efeito, no decurso da gerência, ao abrigo dos leis aplicáveis, verifica-se que a cobrança excedeu a avaliação em 3 952 525 454$10, prosseguindo deste modo a curva ascensional que se vinha verificando em anos anteriores. As diferenças mais significativas verificaram-se especialmente nos capítulos dos impostos directos e indirectos.
Continuando na comparação, mas agora das receitas cobrados com os inscritas no Orçamento corrigido, isto á, depois dos reforços legalmente autorizados e inscrições de rubricas não previstas inicialmente, verificam-se diferenças para mais e para menos, as quais, apreciadas em globo, são francamente positivas quanto à cobrança da receita ordinária e negativas quanto as extraordinárias A soma algébrica dessas diferenças origina um resultado negativo de l 734 573 319$50. As receitas ordinárias excederam em 6074467920S10,enquanto que as receitas extraordinárias acusam uma diminuição de 7 809 041239$60.
E curioso ainda notar que as receitas arrecadadas- no ano de 1970 excederam as de 1969 em 4 026 929 809$; o que revela a tendência progressiva das receitas que se vem verificando nos últimos nos.
Tal como se tem vindo a registar em anos transactos, as despesas continuam - ainda na presente gerência em apreciação, a processar-se em escala ascensional, verificando-se, porém, que, ma sua maior parte, foram suportadas pelas receitas do próprio ano.
Deduzidas as respectivas reposições, os despesas ordinárias efectuadas durante o ano de 1970 ascenderam a 17 683 583 889$60, o que representa um aumento de 2 525 788 447$70, ou seja, uma taxa de crescimento de 16,7 por cento.
Cotejando os números relativos os dois últimos anos, apuram-se diferenças para mais, em relação ao ano de 1969, em todos os Ministérios, com excepção do Ministério das Obras Públicas, cuja diferença para menos atinge ordem dos 89 669 contos.
A principal origem do empolamento anormal das despesas ordinárias verificado na gerência de 1970, com repercussão em todos os Ministérios, foi o reajustamento introduzido nos vencimentos dos servidores do Estado em consequência da promulgação do Decreto-Lei n.° 49 410, de 24 de Novembro de 1969.
Particularmente onde se registaram maiores acréscimos de despesa foram nos seguintes Ministérios:
Ministério da Educação Nacional - 656 659 501 $60; Ministério das Comunicações - 506 049 606$50; Ministério das Finanças - 384 388 702$90.
O aumento verificado no. Ministério da Educação Nacional resultou fundamentalmente da elevação dos encargos com o ensino primário, com o ciclo preparatório do ensino secundário, com o ensino técnico e com o ensino superior.
No Ministério dos Comunicações concorreram em larga medida, para o acréscimo as despesas com o Fundo Especial de Transportes Terrestres as feitas com o Aeroporto de Lisboa e com os portos do Douro e Leixões.
Por último, nas despesas com o Ministério das Finanças avultam, como geradores do acréscimo verificado, os encargos com a dívida pública, os do funcionamento dos serviços tributários e os com a Assistência na Doença aos Servidores Civis do Estado.
Indica a conta em análise que as despesas extraordinários se elevaram a 14 102,1 milhares de contos, tendo servido do cobertura os seguintes recursos financeiros:
Receita extraordinária - 3021,6.
Excesso de receitas ordinárias sobre despesas da mesma natureza - 11 080,5.
Despendeu-se com a defesa nacional e segurança pública 9474,9, e com o fomento, 4627,2.
Ressalta do exame dos inúmeros citados que os encargos com a defesa nacional e segurança pública absorveram 67,2 por cento do total da despesa extraordinária, tendo sido o restante - 32,8 por cento - aplicado no fomento.
Constituindo, como foi referido, o excesso das receitas ordinárias sobre os despesas da mesma índole a maior cobertura das despesas extraordinárias, isto significa, mais uma vez, que os encargos com a defesa nacional foram na sua totalidade custeados por aquele excesso, deixando, por isso, disponíveis outras fontes de receita, principalmente as provenientes de empréstimos externos e internos, os quais foram antes canalizadas para empreendimentos de carácter produtivo, entre os quais figuram os compreendidos no III Plano de Fomento.
Na conjuntura actual, os excessos de receitas ordinárias têm vantagens financeiras e impedem recurso excessivo ao empréstimo. Mas deve ter-se em conta que eles só são possíveis pela compressão de despesas ordinárias.
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Finalmente, farei uma sucinta referência ao que se refere à divida pública.
Verifica-se pela conta apresentada que o valor da dívida em 31 de Dezembro de 1970 era superior ao apurado em igual dia do ano anterior em 948 788 424$53.
À abundância de receitas ordinárias, que produziu um elevado excesso sobre idênticas despesas, permitiu fraca utilização de fundos levantados por empréstimo.
A dívida efectiva passou, no entanto, de 84 856 milhares de contos, em 1969, para 88659, em 1970.
Completando este enunciado dos pontos mais salientes da gestão financeira de 1970, transcrevo uma nota final dos conclusões do parecer que julgo de interesse reter:
«Este enunciado rápido das condições financeiros durante o exercício de 1970 é ensombrado pela situação do comércio externo, cora um déficit de 18195 000 coutos, proveniente de um aumento de importações da ordem dos 8 220 000 contos, sem contrapartida adequada nas exportações.
O pagamento deste déficit na respectiva balança pode ser realizado através das receitas das transferências privadas, com saldo estimado em 13 875 000 contos, e do turismo (8573000 coutos), permitindo uma balança de pagamento positiva na metrópole e na zona do escudo, embora de menor relevo do que em anos anteriores.
O alto desequilíbrio negativo da balança do comércio, agravado nos ultimos anos, precisa de ser visto à luz das incertezas e contingências das remessos da emigração e do turismo. A tarefa mais urgente neste aspecto da vida nacional é a de reduzir o déficit comercial por aumento das exportações e, indirectamente, da produção interna
O panorama que descrevi sobre a Conta Geral do Estado de 1970 evidencia serem perfeitamente normais as condições financeiros em que se desenvolveu o exercício referente àquele período de tempo, mas bem nos alerta para a necessidade que temos de continuar a trabalhar muito e bem, sem perdermos a noção da necessidade de uma vida austera, para que se afastem da gestão da actividade nacional todos os demagogismos fáceis, sempre tão perigosos.
Mão esqueçamos que a maior percentagem de despesas extraordinárias é paga por força de receitas ordinárias. Isto é, pelo nosso trabalho de todos os dias.
Ainda neste aspecto do nosso trabalho, queria acrescentar um pequeno apontamento.
Já quando aqui falei sobre a lei de meios mostrei a minha preocupação quanto à necessidade de se articularem habilmente os dois termos do problema produtividade/ trabalho, pois, observava, via com apreensão que os vagares na execução dos trabalhos aumentavam de dia para dia, estando a tendência para o abstencionismo a afectar todas as actividades.
Que esta preocupação era real, via-a confirmada dias depois numa muito pertinente intervenção do ilustre Secretário de Estado do Trabalho, Or. Silva Finto, aquando das jornadas de produtividade de 1972.
Ouçamo-lo:
Está incluída como medida de política, no IIIPlano de Fomento, a definição de um sistema de ligação dos salários à produtividade. Não é tarefa fácil, pois os ganhos da produtividade só se fazem sentir sobre os salários se se cumprirem certas condições (económicas, sociais, institucionais), do que resulta que a relação salários/produtividade não opera automaticamente, mas no termo de processo complexo, cujos efeitos só se fazem sentir a prazo.
Várias comunicações apresentadas - contínua o Sr. Secretário de Estado - revelam o grau de amadurecimento
com que o tema já é tratado nos competentes serviços do Ministério das Corporações e Previdência Social. Conhece-se a experiência francesa dos contratos-programas; estudou-se a tentativa inglesa dos contratos de produtividade; pretende-se, com o apoio das corporações, promover determinadas experiências de sistemas de remuneração com prémios de produtividade; elaborou-se um relatório sobre salário mínimo e suas repercussões na economia nacional e nos acréscimos de produtividade.
E terminou por afirmar que temos ainda o propósito de, por diversas formas e através das necessárias providências de ordem legal e administrativa, estimular a assiduidade do trabalhador, relacionando-a com o direito a determinadas regalias e pugnando pela diminuição do recurso ò baixa injustificada.
Aliás, disse a concluir, quanto a este último aspecto, poderemos, em data muito próxima, apresentar alguns números que revelam já saudável tendência para o desagravamento da taxa ascensional, que se verificava assustadoramente até 1970. Nesse momento se anunciarão igualmente novas medidas quanto a fiscalização médica das baixas.
Oxalá esta nota optimista com que o Sr. Secretário de Estado termina a sua fala seja, em breve, uma realidade.
Aliás, o que apenas desejamos é que cada um cumpra, e bem, o seu dever. O trabalhador como trabalhador, o funcionário como funcionário, o empresário como empresário e, até, o governante como governante. Nisto está em jogo o bem de todos que é o bem da Nação. Mostram os números que citei que são grandes as dificuldades a vencer. Evitemos, no entanto, perder o domino dos nossos destinos. Mesmo com sacrifícios, é melhor uma mediania calma e confiante do que uma falsa prosperidade de fachada, alimentada por elixires e panaceias de nula eficácia e, não raro, de conteúdo perigosamente destruidor.
Não nos esqueçamos, por outro lado. em momento algum que, para vencer, se nos exige um esforço persistente e heróico pela verdade e pelo bem humano, sobretudo uma clara e fecunda intenção de justiça social, de paz e fraternidade, de progresso e engrandecimento moral e material de uma pátria.
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Ribeiro veloso: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Desejava que os minhas considerações fossem unicamente referentes a Moçambique, sem estabelecer confronto com as outras parcelas do território nacional, por achar que elas não são comparáveis; irei, contudo, referir-me, num ou noutro ponto, a Angola, para apreciar melhor o que se passa em Moçambique.
Nos anos anteriores, e sobre este mesmo assunto das contas da gerência, chamei a atenção do Governo para a necessidade de ser feito, em tempo oportuno, o reforço das verbas do plano de fomento. Cheguei mesmo a dar uma sugestão que, quanto a mim, permitiria abreviar as formalidades que antecedem a publicação da portaria que concede os reforços, mas tenho de concordar que o problema é de difícil solução, pois em 1970 o reforço foi feito, para Moçambique, através da Portaria n.° 579/70, de 17 de Novembro.
Bera, em Moçambique, segundo se verifica no respectivo relatório, o reforço atribuído pela mencionada portaria foi de 288 100 contos, em números redondos, e o saldo
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que resultou da execução do programa aprovado foi, também em números redondos, de 370 200 contos. Temos de concluir que, em face dos números apresentados e vendo o assunto pelo seu aspecto global, foi inútil a publicação da portaria.
Mas a portaria que reforçou a dotação inicial de Angola foi a n.° 577/70, de 16 de Novembro, tendo o reforço sido de 337 300 contos, números redondos, resultando no final do ano somente o saldo de 185 900 contos. No caso de Angola podemos dizer que teve todo o interesse a publicação da portaria.
Estabelecendo o confronto entre as duas províncias, temos de concluir que houve uma deficiência em Moçambique que em Angola não existiu, pois, tendo as portarias sido publicadas com diferença de um dia, não está aí a justificação para tão grande desigualdade. O assunto merece reflexão e atenção, pois, voltando novamente ao caso de Moçambique, somente quatro dos empreendimentos em que as verbas foram reforçadas apresentaram saldo menor do que o reforço que lhe foi feito.
No relatório diz-se que o dispêndio foi de 67,3 por cento, isto é, que do total de l 133 007 contos se despenderam 762 718 contos, mas no parecer acrescenta-se que o coeficiente da utilização foi relativamente baixo, com o que estou de acordo. Efectivamente, em 1969 o coeficiente da utilização foi de 70 por cento, e seria de esperar que, por se tratar do terceiro ano de execução do Plano de Fomento, as estruturas estivessem já montadas de modo a permitir que o coeficiente de utilização das verbas aumentasse e não diminuísse. Em 1968 o coeficiente foi de 54 por cento e encontramos justificação para isso na circunstância de se tratar do ano de arranque do Plano, raciocínio esse que foi confirmado em 1969, pois passou, como já se viu, o coeficiente de 54 por cento para 70 por cento, o que foi muito bom. Os saldos atingem assim no final do terceiro ano de execução do Plano uma soma considerável, pois só se despenderam 64 por cento das verbas atribuídas, ou seja, que 36 por cento dos empreendimentos que foram previstos e dotados ficaram por executar.
As causas disto não constam, naturalmente, do parecer, mas poderão atribuir-se, segundo creio, em grande parte, à falta de pessoal qualificado, nos mais variados níveis. Os rendimentos obtidos com pessoal mal preparado, e portanto mal habilitado, não podem ser grandes, e até a própria perfeição do trabalho é necessariamente deficiente.
Parece, portanto, que é oportuno atender a esse tão importante sector, e julgo que seria conveniente a criação de um fundo de formação profissional para custear centros experimentais para jovens e suprir desse modo a deficiência de mão-de-obra que exista. Isto permitiria ainda que se intensificasse a distribuição miais justa das riquezas da província, pois os salários atigiriam valores moas elevados, já que maior seria a produtividade dos trabalhadores.
Além dos trabalhadores, há que intensificar também a preparação de todo o restante pessoal, acelerando o passo relativamente ao que se vem fazendo, pois corremos o risco de nos atrasarmos definitivamente. Tudo isto, naturalmente, não passou despercebido ao Governo da província, pois está já em fase adiantada de construção um centro de formação profissional em Inhambane para atender a determinado sector da Administração, convindo contudo que outras localidades também sejam igualmente dotadas, para atender a objectivos diferentes.
A Universidade também começa a contribuir eficazmente para a solução do problema da falta de pessoal aos Mais altos níveis, e assim estamos certos de que a província, estará absolutamente preparada para executar, sem dificuldades, o IV Plano de Fomento, que esperamos seja ambicioso.
São sombrias as cores que ressaltam do parecer sobre as contas gerais do Estado de 1970, na parte que respeita a Moçambique. E são sombrios porque mantêm a opinião pessimista quanto a situação económica da província naquele ano, com a afirmação categórica de que Moçambique estava e está a viver num nível acima das actuais possibilidades económicas. Clara e concretamente, o Governador geral de Moçambique, Sr. Engenheiro Pimentel dos Santos, no notável discurso que pronunciou na Beira, disse, e muito bem, que «a chave do domínio sobre os obstáculos» que há a derrubar está em grande parte mo incremento da produção.
E uma batalha em que estamos empenhados, porque irremediavelmente empenhados ficaríamos se não ganhássemos a batalha de produção. Não podemos produzir tudo o que necessitamos, e temos, portanto, de comprar, e cada vez mais, as máquinas e utensílios necessários ao apetrechamento que não possuímos e sem o qual não podemos vencer. Mas há coisas que podemos e devemos produzir, não só para deixar de as importar, como até, e principalmente, para os vender, o que é sinónimo de trocar pelo que tivermos de adquirir. Anos agrícolas maus, umas vezes, insuficiência de estruturas para permitir fácil e rápido transporto e fácil e conveniente armazenamento, por outras, têm originado que até o milho Moçambique tem tido necessidade de importar, atingindo em 1970 a importância de 71 792 contos.
A afirmação recente, que os órgãos da informação noticiaram, feita pelo secretário provincial de Terras e Povoamento, Sr. Engenheiro Martins Santareno, de que todos os excedentes da produção de milho que venham a verificar-se em Moçambique serão absorvidos por Portugal europeu leva-nos a pensar que o problema das infra-estruturas que mencionei está em vias de solução, e que se conseguiu interessar o agricultor na produção de milho.
Também no que respeita ao algodão se procura em Moçambique não só melhorar a produção, mas também aumentá-la, e para isso ainda em Fevereiro passado o Instituto de Crédito fez um empréstimo de 75 000 contos ao Instituto do Algodão para a execução do esquema de protecção fitossanitária da cultura algodoeira no sector tradicional da província. Mas no caso do algodão não é só a batalha da produção que há que ter em atenção, pois é muito importante para a província a resolução do problema da sua comercialização. Sobre os preços a praticar na actual campanha algodoeira irá pronunciar-se o ilustre Subsecretário de Estado do Comércio, sendo nosso desejo que os 60 por cento de produção que à metrópole se destinam sejam adquiridos de acordo com as cotações internacionais do momento.
Infelizmente para Moçambique, está cada vez mais cara a tonelada de tudo o que compramos e cada vez mais barato a tonelada de tudo o que vendemos, e isto, fundamentalmente, porque 71,2 por cento dos produtos que exportamos pertencem a sectores relacionados com a terra, sujeitos a fortes oscilações a que não são estranhos motivos especulativos, enquanto os que compramos são, de um modo geral, produtos industriais de instalação.
Assim, enquanto o valor unitário das exportações é o mais baixo dos últimos seis anos, tendo descido de 9697530 em 1965 para 2271 $50 em 1970, o valor unitário das importações é o mais alto no mesmo período de tempo, tendo passado de 3625$40 para 4976$90.
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Acrescentemos ainda a tudo isto que do carácter pré-dominantemente agrícola de Moçambique resultam incertezas de produção que, ligadas às dificuldades em aumentar as exportações, tornam muito vulnerável o nosso comércio externo. E é exactamente para diminuir as incertezas de produção, que normalmente resultam de água a mais ou agua a menos, que o Governo tem vindo a dedicar particular atenção a construção das barragens, por forma que se conserve a água em albufeiras quando é em demasia, para ser utilizada nos períodos em que não há nenhuma.
Mas além das barragens de Cabora Bassa e Massingir, cujas construções prosseguem em bom ritmo, o que nos garante que estarão concluídas nos datas previstas, há mais quatro pequenas barragens em construção e vinte sete projectadas, além de trinta e cinco que se consideram concluídas. Das que estão em estudo menciono as dos rios Umbeluzi, Incomati, Sabiè e Limpopo e ainda a que resultará dos estudos em curso na bacia do punguè
Ainda muito recentemente as cheias dos rios Maputo, Umbeluzi, Incomati e Limpopo trouxeram preocupações a todo o País pelo receio de que provocassem a morte a alguns milhares dos portugueses que labutam dia a dia nas terras dos ricos vales que os marginam. E se felizmente as mortes foram em número reduzidíssimo, graças às rápidas medidas de salvamento tomadas pelo Governo provincial, o mesmo se não pode dizer dos prejuízos, que atingiram cifras elevadíssimas, deixando na miséria parte dos agricultores. E sem querer alongar-me demasiado, falarei somente e sucintamente do esquema geral do ïncomati «que se compõe de cinco esquemas parciais (Moamba-Major, Movene, Médio Incomati, Baixo Incomati e Corumana), baseados essencialmente nas duas albufeiras previstas no primeiro e último esquema».
A execução deste sistema geral está estimado em 3 milhões de contos e proporcionará trabalho a 50 000 pessoas com salários mais elevados, prevendo-se que garantirá a exportação de produtos agrícolas no valor anual de 720 000 contos e permitindo diminuir a importação de certos produtos, como lacticínios, trigo, etc. Mas como estamos em fase de procurar executar as obras que mais rapidamente se tornem reprodutivas, preconiza-se de todo este esquema do Incomati a construção imediata da barragem da Corumana, cujo custo será da ordem dos 450 000 contos, e que «permitiria desde já garantir as actuais necessidades e submeter progressivamente novas áreas a regadio», já que a albufeira que criará terá uma capacidade de 600 milhões de metros cúbicos.
Todo este esquema foi estudado pêlos Serviços Hidráulicos de Moçambique e convirá até que me detenha, por momentos, nas considerações alusivas às importações e às exportações, para falar a VV.Ex neste serviço público, de tão elevado interesse para a província e que com tanta dedicação tem cumprido a missão de que está incumbido. Não poderei deixar de dizer, ao apreciar as dotações que teve em 1969 e 1970, respectivamente de 9505 e 10 660 contos, que necessita de ser revista a sua estrutura ou, no caso de a mesma ser já suficientemente grande para acudir as necessidades da província, de ser consideravelmente aumentada a sua dotação.
Voltado os importações e as exportações, quero referir como de muito interesse a poetaria assinada pelo Ministro do Ultramar, Sr. Prof. Silva Cunha, onde são definidas as normas de funcionamento dos depósitos francos nas províncias ultramarinas e que muito irão incentivar ali a instalação de novas unidades transformadoras, em face das facilidades fiscais que se prevêem tanto na entrada de matérias-primas ou artefactos como DA saída para expor-tação dos mercadorias produzidos. Não podemos deixar de aplaudir esta medida, como aplaudiremos todas as que incentivarem as exportações, pois isso se considera fundamental para a vida dos 8 200 000 habitantes de Moçambique. E preciso não esquecer que de tão elevada população uma parte considerável tem já um razoável poder de compra, cada dia quê passa maior vai sendo o número dos que, felizmemte, ganham o suficiente para viver condignamente, com possibilidades de dar aos filhos a educação conveniente. A frequência dos escolas assim o confirma e a pulverização de estabelecimentos comerciais, a provar que existe uma verdadeira sociedade de consumo, o confirma também. E daqui, e de tudo o mais, resultou em 1970 um deficit comercial da ordem dos 4 805 000 contos, que é demasiado e que nos deve levar a restringir a importação não só na quantidade, como na qualidade. E se temos de limiitar as importações, julgo que bom será que defina a quem, se deve comprar.
Julgo que, naturalmente, devemos comprar aos que nos compram a nós, mas isso deverá ser feito considerando Moçambique como uma parte do todo nacional ou não? Países há que compram a Moçambique bastante pouco, mas compram muito a outras parcelas do território nacional. Deve Moçambique, no caso de ter com esses países uma balança deficitária, restringir as aquisições neles até. pelo menos, a equilibrar? Ou convirá sacrificar-se, dado que outras parcelas do território nacional têm com esses países balanças comerciais altamente favoráveis?
Eu concordo com o sacrifício, se for necessário, mas para isso parece que conviria haver depois entre as diversas parcelas que constituem o território nacional uma política de compensação. E seria então um processo de aumento as trocas comerciais dentro do território nacional, procurando estabelecer compensações aos que tiveram de se sacrificar.
Também Moçambique não tem obtido rendimentos compensadores da tão razoável carteira de títulos que possui, o que leva a pensar que algumas dos companhias necessitariam de ser revitalizadas com novos capitais, por forma a alterar o marasmo em que se encontram.
Não falei mais de Angola nem fiz quaisquer considerações sobre os contas das outras parcelas do País. Mas outros de VV.Ex o vão fazendo, e bem. Mas o não fazer referências não significa que não tenha meditado, sobre as contas da metrópole e do restante ultramar com o interesse e cuidado com que meditei sobre de Moçambique, e por isso lhes dou o meu parecer favorável, com inteiro aplauso para o Governo e para o ilustre relator do parecer, Sr. Deputado Araújo Correia.
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Moura Ramos: - Sr. Presidente, Srs. Deputados todos: Poucas são as palavras para justificação do meu voto favorável à aprovação das contas gerais do Estado relativas ao ano de 1970 que ora se encontram em discussão e que, para prestígio dos serviços responsáveis continuam a ser apresentadas com a regularidade e pontualidade a que nos habituamos desde já longínqua data em que Salazar iniciou n marcha para a recuperação financeira do País.
Com alta competência técnica de economista e a criteriosa e inteligente observação do facto económico-social o Sr. Engenheiro Araújo Carreia subscreve o douto parecer sobre os contas públicas. E fá-lo como aliás é se timbre, com o habitual desassombro crítico e a clarividencia, patriotismo e sentido das realidades que, desd
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há muito, o impuseram à consideração e respeito de todos quando comenta os actos da governação e aponta os caminhos conducentes para que cada vez se faça mais e melhor.
A par do julgamento da Administração, o ilustre relator patenteia na crítica que sempre faz nos pareceres uma clara intencionalidade: a de esclarecer os problemas, de os equacionar em termos práticos e de sugerir para eles as melhores soluções. 13 efectivamente dentro deste espírito que o Sr. Engenheiro Araújo Correia pode escrever na introdução que: «a brecha cavada na Conta, pelos grandes deficits, começou a ser colmatada pelo envio de cambiais de emigrantes que, em conjunção com os provenientes do turismo e outros, formam os chamados invisíveis de tão benéficos efeitos nos últimos anos», advertindo, porém, que «é bom que o País não repouse no niante da avalancha de cambiais que aos milhões de contos vêm tapar o vácuo deixado por uma produção que não consegue os bens necessários ao aumento da exportação e os indispensáveis aos consumos internos. Os bens que bem orientados reduziriam a importação a termos fáceis de dominar».
Sem forçar o desânimo com o facto de não alcançarmos ainda os níveis de desenvolvimento dos países, altamente industrializados antes no-lo aponta como meta a atingir pelo esforço colectivo, até porque continuamos a manter uma vida financeira semeada, equilibrada e correcta , com uma tesouraria sem dificuldades. Ora o rompimento de tal equilíbrio podia e pode produzir perniciosos efeitos, até do ponto de vista social, pelo que a «regra de ouro, a aplicar paragem governe, seria da regularidade paulatina nos movimentos dos consumos. É uma regra que vale ouro em todos os países, até nos mais ricos, nos maior potência financeira, como ainda recentemente se provou com acontecimento de repercussões universais».
Mas por muito optimista que se queira ser, a verdade é a actividade financeira, que se tem desenvolvido por forma acentuada favorável, começa a ser ensombrada pelo aumento sensível do saldo negativo da balança comercial, que atingiu elevadíssima cifra de 18 195 000 contos provenientes de um aumento de importações sem contrapartida adequada nas exportações. Saldo negativo este que tem estado a ser compensado pela exportação da mão-de-obra que, por sua vez, «provoca o subemprego, multiplica n pressão dos factores que o País tem de suporte por virtude da conjuntura económica internacional, limita a capacidade de produção agrícola (obrigando a importação de produtos que eram ou podiam ser produzidos no País) e industrial (limitando as exportações) e contribui para subverter a escada de valores sociais em que assentava. vida portuguesa. E nestes condições e mau grado todos os esforços em contrário isto acarreta-nos uma situação pouco tranquilizadora, pois que suo postas em causa as possibilidades para intentar a «tarefa mais urgente ... e que á A de reduzir o déficit comercial por aumento das exportações e, indirectamente, da produção interna», para o que se contava com uma nova arrancada industrial.
E porque a apreciação das contas públicas é uma das grandes oportunidades - a outra é a discussão da Lei de Meios -, em que é entre nós feita a análise da administração pública, «proveito este momento para formular algumas observações e sugestões a que, com propósito construtivo, tais contas possam dor lugar.
Nunca como na gerência estadual de 1970 se apresentou tão grande saldo positivo entre a receita e as despesas ordinárias - quase 12 100 milhares de contos. E também nunca as receitas provenientes de contribuições, impostos
e taxas alcançaram a importância de 84 268 milhares de contos, o que derivou do aumento da matéria colectável, quer em volume, quer em extensão, e que parece traduzir melhoria de situação económica, melhoria que, no entanto, fica bastante aquém dos nossos desejos e anseios de desenvolvimento.
Quanto às despesas também se verificou um importante acréscimo, cabendo cerca de 18 milhões de contos para fazer face aos encargos com os serviços militares de defesa e segurança na guerra que nos foi imposta.
Documentando as contas a seriedade da obra realizada e constituindo a grande provia real da verdade do equilíbrio financeiro e até da sua solidez, continua a afirmar-se como válido o princípio segundo o qual o fomento, base de todo o progresso da Nação, é, sem dúvida, o melhor suporte da própria política de defesa, pelo que se preconizou e intentou acelerar-se a política do desenvolvimento económico.
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - Para corresponder ao esforço ingente despendido pelas forças militares que se batem nas frentes de batalha praticando feitos heróicos, necessário se torna que as forças económicas sigam o seu exemplo, trabalhando em ritmo acelerado, com fé, energia e sem desânimo, para além de prejuízos momentâneos e insucessos desmoralizantes, num constante e permanente fluir de empreendimento, em que ponham a prova toda a sua capacidade.
A Noção exige de todos, em nome do sacrifício dos seus soldados, um esforço ao máximo no desenvolvimento, bastando que cada um no seu lugar cumpra o seu dever de trabalhar, mas exige também que os diversos sectores da Administração não esqueçam, dentro de uma boa ética, a divisa do poupar e produzir, de modo que aquilo que o contribuinte paga seja para que indirectamente receba ou veja os benefícios do dinheiro que entrega nos cofres do Estado. Isto quer dizer que os dinheiros públicos têm de ser administrados com a maior porci-mónia e aplicados sabiamente no que for mais produtivo e de maior interesse. E esse interesse nem sempre é a necessidade imediata. Quantas vezes tal interesse se projecta no tempo para um futuro que, para alguns, poderá parecer ainda longínquo, mas que, na realidade, deve ser encarado frontalmente e com urgência, sob pena de se arrastar em soluções de emergência infrutíferas e dispendiosas.
Daí a necessidade que há de planear para poupar e de ter para investir em termos de produtividade útil. E que esforços e dinheiro não devem ser despendidos em soluções provisórias que nada remedeiam, antes agravam os problemas e as necessidades.
Há cerca de quarenta ano», quando se definiram os conceitos económicos da Constituição Política de 1933, Salazar podia dar o palavra de ordem que ainda hoje deve ressoar aos nossos ouvidos e. mais do que nunca, ser religiosamente seguida:
Agora, como em todos os momentos críticos, é preciso escolher e saber sacrificar - o acidental ao essencial, a matéria ao espírito, a grandeza ao equilíbrio, a riqueza equidade, o desperdício à economia, a luta a cooperação.
E o que se verifica? A resposta dá-no-la o ilustre relator a pp. 181 e seguintes do seu bem elaborado parecer:
Deve concordar-se que os serviços e o Governo têm tendência para aumentar despesas . . . E difícil en
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contar serviços satisfeitos com suas dotações, ainda que, como já tem acontecido, elas não sejam gastas integralmente. Por outro lado, a severidade e rigor com que muitas vezes certos serviços aplicam as disposições legais vai além da justa medida. Â situação em 1928, no início da reorganização financeira, em caótica como é hoje bem conhecida. Foram necessárias regras de grande rigidez nalguns casos. Com o tempo o colete de forças tornou-se mais lasso e reapareceram tendências, já, esquecidas, mas que dormiam no fundo do consciente. De modo que haverá que resolver sempre o problema do equilíbrio ...
Quando se adquiro o habito de gastar o que se despende a mais acumula-se- até que se atinge o limito crítico, o limite da falta de crédito e da falta de dinheiro. De modo que é comezinha a política do equilíbrio, imposta pelas condições de vida de todos os estados modernos. Ela impõe-se por si mesma e, mais tarde ou mais cedo, obriga a medidas violentos.
As contas referem-nos efectivamente essa tendência para o aumento de despesas nos diversos Ministérios que, em alguns casos, atinge somas elevadas, efectivamente no da Defesa, da Educação Nacional e dos Comunicações.
Economizar para, poder fazer investimentos utilmente reprodutivos, essa é que deve ser a norma, n ter presente no fragor dos variais batalhas que temos que travar, seja a do desenvolvimento industrial ou agrícola, seja a da educação.
Como já uma vez aqui dissemos:
Quer no tocante ao emprego de investimento, quer na lentidão e atraso no aproveitamento dos recursos existentes, quer ainda na falta de moderação em certos gastos, alardeando riqueza onde ela não existe e mostrando ostentação num momento em 'que a Noção sofredora e combatente precisa de uma actuação equilibrada, parcimoniosa e eficiente em todos os serviços públicos, e impõe um refreamento de vaidades e gastos, tudo isto pode acarretar uma estagnação da nossa economia, quando o interesse nacional a reclama cada vez mais dinâmica e fomentadora de riqueza, para fazer face ao imperativo da defesa da soberania nacional.
Para quê, pois, enquanto alguns serviços se estiolam até limites considerados críticos, obstando-lhes por vezes que capazmente sirvam como deviam, para quê, repito, tantos gastos supérfluos como aqueles que tantas vezes aqui já temos referido e a que hoje acrescentamos a distribuição insólita de subsídios, por vezes vultosos, para fomentar, desnecessariamente, o gosto dos jovens estudantes por passeios e excursões com uma finalidade mais recreativa do que educativa? Para quê lautos subsídios para exibição de uma reduzida equipa de ginástica na Alemanha, como ainda há pouco os jornais noticiaram quando foi assaltada a Escola de Josefa de Óbidos e daí roubadas umas centenas de contos dados como subsídio para aquela digressão? Não seria preferível que nas nossas escolas se fizesse mais a mentalização das cómodas jovens para que aprendessem a guiar-se na vida, tendo como lema o produzir e poupar que toda a acção governativas no sector público e privado dia a dia cada vez mais impõe? E também não seria melhor para o País ensinar aos jovens a validade dos princípios da ordem e do respeito, não permitindo que se diluam aos poucos face à erosão dos conflitos sociais que alguns têm como necessários e consideram a mola real de todo o desenvolvimento . . . anárquico, instável e preocupante?
No fragor de todas as batalhas que há a travar 'a bem da Nação acontecem ainda «coisas» que espantam todos aqueles que o sério pensam em melhorai- a vida do mundo português por uma transformação social que a todos fizesse participantes da graça divina, Vozes: - Muito bem! O Orador: - O Sr. Presidente do Conselho, ao receber os cumprimentos da A. N. P. no dia do 3.° aniversário da, sua posse, podia afirmar: «Não posso ocultar ao País que temos grandes dificuldades a vencer.» Vozes: - Muito bem! O Sr. Feres Claro: - Sr. Presidente: Um dos mais valiosos trabalhos que esta Câmara anualmente produz e, sem dúvida, o parecer sobre as contas gerais do Estado, que o Sr. Engenheiro Araújo Correia, com a sua beneditina paciência, vai redigindo ao longo de meses e não digo não sem poucas arrelias, porque o seu conhecimento do nosso modo de ser e da máquina burocrática o levam a encarar como fatalidade sem remédio, e, portanto, à boa paz, os atrasos e as insuficiências. São agora postas ú, nossa consideração as coutas gerais do Estado referentes a 1970. A forma como nos soo apresentadas, através do habitual parecer, numa diversidade de mapas de comparação, abrangendo épocas várias do nosso desenvolvimento, facilita grandemente a análise e permite, sem esforço, concluir sobre o que, por formação de cada um, mais nos interesse. Acresce, porém, que o Sr. Engenheiro Araújo Correia, na impossibilidade de se alargar em considerações, vai-nos dando as deixas para a entrada no debate em pequenas notas que são, não poucas vezes, como que sinais vermelhos em obra em curso e têm sido também, não poucas vezes, sinal verde, pelo qual felizmente se têm guiado algumas das importantes decisões ou opções governamentais. Ë óbvia, nestas palavras, a homenagem que presto no Sr. Engenheiro Araújo Correia, mas mais expressamente a quero exprimir, como acto de justiça e como agradecimento pela lição que me tem dado de como, mesmo no remanso de um escritório, em simples especulações estatísticas, se pode servir a Pátria com inestimável proveito. Mais pronto a criticar do que a elogiar, por natural pudor, sabe-me bem dizer aqui estas palavras, de coração isento, ditadas portanto e só pela verdade dos factos. E natural que a minha atenção se volte para as despesas do Ministério da Educação Nacional, que em 1970 tiveram, em relação ao ano anterior, um aumento de 657 000 contos, atingindo-se o índice 610, que em 1960 era 206 e em 1969 de 464. Como muito bem observou o Sr. Engenheiro Araújo Correia no seu parecer, não é, todavia, pelo volume das dotações que se mede a qualidade e a eficácia do ensino, embora a existência de meios financeiros seja meio caminho andado para melhorias assinaláveis. Não é possível, ainda vieste momento e muito menos com referência a 1970, verificar os benefícios da reforma de ensino que foi amplamente divulgada nos seus prin-
Em face disto, convirá para a nossa vida pública e privada que a norma orientadora seja dada pelo Estado, em exemplo de boa orientação e austeridade nos gastos, paira que deste modo os particulares menos penosamente possam suportar os sacrifícios em vidas e fazenda que a defesa da Pátria impõe.
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cípios básicos e discutida em termos de referendo nacional, mas pelo que se sabe dos suas linhas gerais talvez seja possível bordar aqui algumas considerações, que, se não forem pertinentes, espero que não sejam ao menos impertinentes.
Fiquem na meia-tinta das coisas possíveis por conclusões supostas sobre princípios esboçados.
No ano lectivo de 1947-1948, após longo período de preparação, dá-se início entre nós à reforma, que ainda vigora, do ensino técnico profissional, cujo objectivo era não só aperfeiçoar o ensino, curando os males do existente, mas também desenvolvê-lo, estendendo os seus benefícios até onde não chegava.
E que o Governo, por expressa declaração, reconhecia a necessidade urgente de difundir o ensino técnico, por ser aquele que, «orientado imediatamente .para a vida, mais eficazmente poderá vincular o aluno as actividades locais e mais adequadamente se ajusta as necessidades educativas do povo».
E acrescentava o relatório do Decreto-Lei n.° 86 409, de 11 de Julho de 1947, que promulgava o apoio dos autarquias locais à criação de escolas, parecer de aconselhar a revisão da política escolar dos municípios, até então interessada tão-sòmente no ensino liceal, tanto mais que «no programa de desenvolvimento do ensino técnico têm as câmaras o direito de contar com o apoio e a cooperação efectiva do patronato e dos organismos profissionais da respectiva área».
Ficou assim definida uma orientação que, seguida durante 25 anos, pôde dotar o País de uma vasta rede de escolas técnicas, que foram alavanca inestimável para o arranque industrial e não chegam ainda hoje para colmatar as necessidades. A Exposição dos 25 Anos de Ensino Técnico Profissional, a que nesta Câmara, com justo elogio, me referi na intervenção de 27 de Abril de 1971, e comigo o Sr. Deputado Dias das Neves, atestou a qualidade de ensino que se conseguiu e a diversidade de técnicas ensinados. Pode francamente dizer-se que o ensino técnico prestou ao País, nos últimos 25 anos, serviço de acentuado relevo. E não apenas ele, mas também o ciclo preparatório, que nele foi inserido e hoje constitui o ciclo comum de dois anos pós-primários.
Houve há 25 anos, conforme consta do documento então enviado à Assembleia Nacional pelo Governo, a intenção de situar o ciclo preparatório no quadro comum da escola primária superior, na concepção social de corrigir, pela
acção educativa, os efeitos de uma tendência de estratificação horizontal, proveniente exclusivamente das condições de nascimento, mas foi então julgado conveniente que, no íntimo convívio das escolas técnicas, o ciclo recebesse delas «o forte sentido activo, o gosto pela expressão prática do saber, o cultivo atento do sentido plástico». E concluía a proposta governamental:
Uma vez suficientemente definida e fixada a sua índole, chegará por certo o momento de decidir se este grau de ensino merecerá, ou não, maior autonomia e poderá vir a desempenhar a função de vestíbulo de acesso a todas as escolas secundárias.
O momento previsto em 1947 chegou de facto em 1968, quando foi instituído o actual ciclo preparatório das escolas secundárias, dois anos introdutórios à escolha de ma carreira, ou de cunho humanístico ou de cunho técnico profissional, ambas levando à Universidade. O ensino técnico profissional tinha gerado e criado um ciclo preparatório de toda a validade.
O Sr. Dias das Neves: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Faça favor.
O Sr. Dias das Neves: - Tenho estado a ouvir V. Ex.ª com toda a atenção e as considerações que tem estado a fazer, que merecem o meu acordo, todo o meu apoio.
Penso que poderei dar a V. Ex.ª uma achega, porquanto me parece que aquela concepção que foi estabelecida em 1947 está ainda hoje na ordem do dia, pois no projecto de reforma do sistema escolar estava prevista uma direcção-geral - a do ensino básico, que já foi criada e engloba o ensino primário e o ciclo preparatório. Parece, portanto, que uma concepção válida em 1947 continua a sê-lo ainda hoje.
O Orador: - Muito obrigado pela intervenção de V. Ex.ª, que vem confirmar aquilo que estou a procurar dizer: a concepção de 1947 revelou-se perfeitamente válida, e tão válida que vem a ter execução na reforma em curso. Continuando:
De entre os Aspectos inovadores do Estatuto do Ensino Técnico Profissional a que estou a referir-me, merecem especial referência: o da flexibilidade do sistema, que permitiu a criação de escolas industriais, comerciais e agrícolas sempre que as condições económicas e sociais do País aconselharam; a alteração e actualização de cursos; a criação de outros por iniciativa dos conselhos escolares, das comissões de patronato e das autarquias' locais.
Referência especial deverá ser também feita à dicotomia «ensino de formação», destinado a jovens em regime de pré-emprego, e «ensino de aperfeiçoamento», destinado a jovens ou adultos já em actividade profissional e adaptável aos interesses e necessidades da população discente.
Relevante ainda a instituição do ensino complementar de aprendizagem para jovens empregados, em aprendizagem com a 4.ª classe primária e ministrado no período normal do trabalho do aprendiz, por dispensa dada pela entidade patronal, e que não obteve o acolhimento que merecia por parte dos empresários e o apoio decidido do Estado, ao contrário do que acontece nos grandes países fabris.
O Sr. Dias das-Neves: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Faça favor.
O Sr. Dias das Neves: - E apenas para dizer a V. Ex.ª que esses cursos de aprendizagem foram a primeira tentativa de uma escolaridade obrigatória de seis anos. na medida em que, para além da 4.' classe primária, poderiam os alunos empregados aumentar a sua escolaridade em mais dois anos ou mesmo três.
Portanto, é de realçar também este aspecto, que me parece muito importante.
O Orador: - De acordo com V. Ex.ª, mas é pena que realmente os empresários não tenham compreendido isso e o Estado não tenha podido obrigar os empresários a cumprir o que se estabelecia na lei.
Actuando como mola propulsora e servindo ao mesmo tempo a explosão escolar dos últimos anos, o ensino técnico profissional atingiu entre nós uma importância que o parecer sobre as conta gerais do Estado põe justamente em relevo. De facto, se se compulsarem as estatísticas desde 1945, nota-se um gradual e firme aumento do interesse das populações e do interesse do Estado. Dos 87 802 alunos recenseados em 1945. em todas as
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modalidades do ensino técnico, passou-se em 1970 para 177 083; dos 26 685 contos orçamentados em 1945, chegou-se aos 644 586 contos em 1970.
Aos 292 professores efectivos de 1945 correspondem 1545, aos 166 mestres, 688, acrescendo ainda hoje 779 professores extraordinários, categoria existente em 1945 e constituída por licenciados ganhando no período das férias grandes e com lugar assegurado.
De 1948 a 1970 construíram-se 60 edifícios para o ensino técnico profissional e 20 sofreram grande remodelação e ampliação, tendo sido gastos com essa política de construções escolares 170 000 contos de 1948 a 1955 (a expensas do Plano Marshall até 1952), 387000 contos de 1955 a 1060; 269 000 contos de 1960 a 1965, e 475 000 contos de 1965 a 1970. Assim, os estabelecimentos de ensino oficial e oficializado, que eram 50 em 1945, chegaram a 120 em 1970, contemplando/agora 101 concelhos, enquanto em 1945 apenas serviam 38.
O parecer apresenta, com exclusão destes que citei, outros números de pormenor que confirmam o crescente interesse pelo ensino técnico profissional, sobretudo em distritos fortemente industrializados, como os de Setúbal e Aveiro, onde a frequência das escolas industriais e comerciais foi em 1970 muito superior à dos liceus locais. Embora pêlos números alinhados se verifique serem equilibradas as populações escolares dos liceus e escolas técnicas (120 000 para os primeiros e 119 000 para as escolas), o Orçamento Geral do Estado contemplou os liceus, em 1970, com um aumento de verbas a despender da ordem dos 87 000 contos, enquanto as escolas industriais e comerciais tiveram mais 118 000 contos.
Em ambas as verbas sobressai o gasto com o pessoal, como é lógico numa política de ensino que procura ser acessível a toda a economia familiar, mas as verbas para material são relevantes: 16 225 contos, dos quais 5472 gastos com matérias-primas e produtos para oficinas e laboratórios.
Ao iniciar a apreciação sobre o ensino técnico, afirma o parecer tratar-se de uma modalidade de ensino que, se bem conduzida, pode trazer grandes benefícios á economia nacional, que bem deles necessito.
Foi a consciência dessa necessidade, num país que ia fazer n sua arrancada industrial, que lançou para a frente um ensino que veio ensinar os Portugueses a trabalhar, tornando assim conciliáveis os conceitos de aprendizagem e de escola que entre nós, apesar de tudo, continuam a ser irreconciliáveis para muitos.
Veja-se a frequência dos liceus, onde tantos procuram o acesso a uma ocupação, que muitas vezes não surge por falta de habilitação específica. Das 120 escolas industriais e comerciais existentes em 1970, 98 estavam dotadas com ensino de mecânica aplicada (22 em 1945), 88 com electricidade aplicada (4 em 1945), 34 com o ensino de técnicas aplicadas à construção civil (22 em 1945), 88 com formação de donas de casa (34 em 1945), 11 com ensino de índole artística (26 em 1945), 92 com ensino de administração e comercial. (27 em 1945), 63 com secções destinadas ao prosseguimento de estudos (14 em 1945).
E nestas centenas de oficinas que se tem vindo a formar a mão-de-obra especializada que agora é totalmente absorvida, pelo estabelecimento de grandes empresas industriais, devidamente planificadas c enfrentando a concorrência por um alto nível técnico, e não, como tem sido altamente prejudicial, por uma política de baixo custo da mão-de-obra, tão responsável pela fuga de braços para o estrangeiro. As escolas técnicas não deverão dar apenas um certo adestramento oficina,
mas formar operários aptos a uma integração rápida no mundo do trabalho de hoje e de amanha. O esforço feito nestes últimos vinte e cinco anos não pode afrouxar...
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - ... antes deverá ser continuado e dirigido agora para uma maior especialização, com incidência no chamado ensino médio. O debate aqui há dias terminado sobre a proposta do Governo para facilitar a admissão de mão-de-obra estrangeira trouxe a primeiro plano as nessas carências. Disse, por exemplo, o Sr. Deputado Vaz Pinto Alves:
Nós encontramo-nos na posição de recurso ao trabalho de estrangeiros por não possuirmos ainda a mão-de-obra nacional, em número e devidamente qualificada, indispensável à reestruturação e reorganização das actividades industriais ou outras ligadas aos sectores da investigação científica e ao lançamento de novas técnicas e equipamentos. Ora, um processo de expansão económica implica a formação de técnicos altamente especializados e de trabalhadores qualificados que não se pode dispor em curto espaço de tempo e o desenvolvimento industrial e o progresso do País exigem que andemos depressa.
E mais adiante:
... o galopante crescimento do progresso técnico implica que os trabalhadores estejam aptos a compreendê-lo, o que exigirá aumento do nível da cultura de base, nova mentalidade e uma adequada formação técnica. Para tanto, há que intensificar e adaptar os programas de ensino nas escolas técnicas e dar à preparação e reconversão profissionais maior elasticidade nos seus circuitos e no integral aproveitamento das estruturas existentes, por forma a lançar-
se no mercado de trabalho um maior número de mão-de-obra válida e qualificada.
... por todos os meios ao nosso alcance, se quisermos competir nos difíceis momentos que nos aguar dam, teremos de deixar de ser um País de mão - de-
obra especializada.
As palavras que citei do Sr. Deputado Pinto Alves inserem-se perfeitamente no quadro das nossas carências que há pouco tão bem vi expressas em artigo subscrito pelo Sr. Engenheiro Rodrigues da Silva, há longos ano ligado ao ensino técnico profissional:
Se os industriais desejam, efectivamente, contribui para o nosso desenvolvimento económico, devera preocupar-se mais com o aumento da produtividade e menos com o aumento das despesas com o paga mento a trabalhadores mais qualificados - os único de quem podem tirar rendimento compensador, ria porque eles trabalhem mais, mas sim melhor. Neste capítulo, a rentabilidade do instrução é por de mais evidente; mas não podemos deixar de vincar que progresso económico é inseparável do desenvolvimento tecnológico, justamente o que depende vitalmente da melhoria do ensino técnico [...] Se a nossa população activa acusa diminuição progressiva, de vido n estai-mos exportando elementos válidos, vai aumentando o encargo dos que ficam a trabalhar.
Dissemos que a indústria deverá pretender maior rendimento do seu pessoal através da qualificação, não par que se trabalhe mais, mas sim melhor; mas, realmente
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aquela diminuição da população activa virá a impor um esforço mais violento, isto é, que se trabalhe mais e melhor!
Não me queria citar a mim próprio, mós, abordando neste momento de viragem educativa o problema fulcral da nossa sobrevivência económica, poderá ser conveniente lembrar que desde 1958 tenho nesta Câmara chamado a atenção para a importância do ensino técnico profissional e para a necessidade de o desenvolver e impor, no interesse nacional. Era previsível, apesar de tudo, que haveríamos de chegar ao impacte de agora, de termos de abrir as fábricas a mais mão-de-obra estrangeira. Vejam-se os minhas intervenções de 22 de Janeiro e 25 de Novembro de 1958, 8 do Julho de 1959, 9 de Dezembro de 1930, 13 de Dezembro de 1967, l de Fevereiro de 1968, 9 de Janeiro de 1969 e 27 de Abril de 1971.
Sr. Presidente: Estas foram as considerações suscitadas pela leitura do parecer sobre as contas gerais do Estado, no capítulo referente acção do Ministério da Educação Nacional. Concluindo-as, quero ainda lembrar a nossa aprovação recente a nova lei industrial, a que o Sr. Secretário de Estado da Indústria há poucas horas se referiu, dizendo que, «nos nossos dias de acelerada integração europeia, a industria portuguesa tem de ser altamente competitiva, quer dentro, quer fora do País».
Ora, será exactamente por uma formação técnica adequada, assente em sólida formação escolar, que o País conseguirá a mão-de-obra especializada necessária à sua sobrevivência económica. O rumo trilhado nos últimos vinte e «inço anos pelo ensino técnico profissional foi o nesse sentido, que podemos chamar de interesse nacional, e nada recomenda que ele seja outro, mas antes o mesmo, renovado e mais fortalecido em meios materiais e pessoais.
A reforma da educação que se antevê não parece muito de acordo com este ponto de vista, mas aguarde-se a sua concretização para, com mais autoridade, o poder dizer-se ou desdizer-se, neste último caso o que será muito melhor e, afinal, mais lógico, pois não pode admitir-se que dentro do mesmo Governo existam linhas divergentes de pensamento em questões fundamentais.
Dou a minha aprovação na generalidade às contas gerais do Estado do ano económico de 1970.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: Vamos passar a segunda parte da ordem do dia: continuação da discussão na generalidade da proposta de lei de (revisão da Lei Orgânica do Ultramar.
O Sr. Casal-Ribeiro: - Sr. Presidente: Quando desta tribuna., em Junho do ano passado, dei o meu modestíssimo e inútil contributo para a discussão na generalidade da proposto do Governo a aferição da Constituição então em vigor e aos projectos nº 6/X e 7/X, tal como vinham indicados, no parecer da comissão eventual da Assembleia Nacional para o efeito constituída, eu ressalvei o meu voto para, na especialidade e quanto ao ultramar, aceitar, quaisquer fórmulas ou redacções que mais se ajustassem com aquilo que, no meu entender, melhor exprimisse os aperrares interesses da Nação, fugindo-se a designações, como entoo escreveu o Digno Procurador Antunes Varela ao assinar vencido o parecer da Câmara Corporativa, pudessem «constituir uma força emotiva extraordinária mas sociedades massificadas dos tempos modernos».
Esperei em vão que se encontrasse fórmula mais adequada para os artigos 133° a 136°, de modo que círculos internacionais que pedissem, palavras a troca da sua simpatia não fossem amanhã os primeiros a reclamar que, por um princípio de coerência, pusessem a realidade de acordo com as patavinas ao serviço de desígnios que fácil seria adivinhar quais fossem». Quase textualmente eram as palavras, usados para significar o seu pensamento, do Procurador Prof. Antunes Varela Palavras que inteiramente, e conforme então afirmei, eu perfilhava.
Mas a Câmara votou por maioria esmagadora a proposta governamental e os projectos n.° 6/X e 7/X da comissão eventual referida.
Como já deixara antever, e porque realmente nova redacção não foi encontrada (nem procurada) para os artigos na generalidade acima apontados, eu votei contra, com mágoa de não ter visto ressalvados os riscos do emprego das tais palavras e de poder mio ter sido compreendido nu minha atitude por quem tem o duro encargo de governar.
De então para cá, e apesar de, ao que se disse, se ter pretendido descomprimir, a que assistimos nós no que ao ultramar diz respeito?
Ao aumento da campanha antiportuguesa levada efeito, por exemplo, pêlos países nórdicos no auxílio às organizações terroristas, que a soldo de Moscovo ou da China pretendem, acabar com a multissecular presença de Portugal em África.
Apesar de nossos aliadas na N. A. T. O., a Noruega e n Dinamarca- e, mais recentemente, a Holanda vieram juntar os seus dinheiros (e as suas ambições de predomínio económico) às tribos que nos combatem e do estrangeiro recebem armas, dinheiro ... e promessas. Completaram com a Suécia o número dos nossos detractores europeus mais frontais - ia a dizer oficiais - mas com quem continuamos a manter relações diplomáticas...
Mas o auxílio económico e moral - é bom não esquecer -, embora com carácter mais limitado ou menos desonrado, estende-se a outros países onde, em nome da liberdade dos povos do terceiro mundo africano, se continua a manter uma guerra que, sem essas ajudas, de há muito estaria acabada, com a paz que ali pretendemos obter e connosco, portugueses da metrópole, a esmagadora, maioria dos nossos irmãos africanos. Por isso lá estamos e lá continuaremos, se Deus quiser e os homens ajudarem ...
Não vejo, portanto, e infelizmente, qualquer razão para modificar o ponto de vista então por mim expresso. Se a designação «estados» é um título honorífico, não se explica que, a par de gente decerto muito bem intencionada, não exultem com a designação - que, pelo menos na aparência, enfraquece o conceito da unidade sempre defendida e pela qual tem dado a vida, ou sofrido amputações terríveis, tão grande e generosa parte da juventude portuguesa- tantos e tão suspeitos elementos que pela nossa África já nem escondem o seu desejo de verem tornar-se em novos brasis os portuguesíssimas províncias de Angola e Moçambique...
Assim parece recear o ilustre Procurador a Câmara Corporativa Dr. Vieira Machado, profundo conhecedor dos problemas ultramarinos, que lucidamente o refere no seu voto de vencido sobre a Lei Orgânica do Ultramar.
Já anteriormente o ilustre homem público, aquando do parecer da Câmara Corporativa sobre a revisão constitucional, se manifestara coerentemente de igual forma.
Volta agora a insurgir-se contra a ideia de conceder o título de «Estado» a Angola e Moçambique, naturalmente pelas razões já hoje por mim invocadas - e, eventualmente, outras mais poderosas ao referir-me ao voto
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há tempos formulado pelo ilustre Procurador Antunes Varela, e que torno a repetir:
Aqueles círculos internacionais que hoje peçam palavras à troca da sua simpatia serão os primeiros a reclamar amanhã que, por um princípio de coerência, pusessem a realidade de acordo com as palavras ao serviço de desígnios que fácil será adivinhar quais sejam.
Posteriormente, e aproveitando uma justíssima homenagem que a banca ultramarina lhe prestou, o Dr. Vieira Machado disse:
Tomemos cautela, muita cautela, meus senhores, porque uma transigência pequena traz outra maior, outra maior, e outra ainda maior, e não se sabe onde é que acaba, ou melhor, sabe-se muito bem onde é que pode acabar.
O Sr. Montanha Pinto: - Lá terá as suas razões.
O Orador: - Quem?
O Sr. Montanha Pinto: - A pessoa que V. Ex.ª acaba de citar.
O Orador: - E V. Ex.ª tem as suas.
E, prosseguindo, o Dr. Vieira Machado afirmou:
E não se julgue que por essas pequenas transigência acalmamos os nossos inimigos. Não se julgue que por esse sistema evitamos as línguas viperinas que nos querem envenenar. Pelo contrário, quanto mais cedermos, mais nos exigirão
E concluía o ilustre homem publico com o peso e a força da sua experiência de algumas décadas de actividade e de presença no ultramar, ou ligada as coisas do ultramar:
Esta é a minha opinião, talvez seja uma opinião ortodoxa, talvez não seja uma opinião actualizada, talvez não seja uma opinião válida, se quiserem, mas é uma opinião sincera que vem de ensinamentos.
O Dr. Vieira Machado afirmou, e por certo ninguém duvida, que «é seriamente partidário da unidade nacional». Eu também o sou, é por ela o Governo, sem sombra de dúvida; são-no todos nesta Casa - e Deus me livre de pensar o contrário. Simplesmente, há caminhos perigosos a trilhar. Uns preferem-nos, outros receiam-nos, outros, ainda, entram por eles deliberadamente! Todos, possivelmente, terão justificações para as suas ideias, as suas opções.
Eu, ao votar contra os artigos 183.° a 136.º, tombem optei pelo único caminho a seguir - claro está, em minha opinião e consciência. Sei que estarei mais uma vez só, ou quase; mas não abdico da minha maneira de pensar, uma vez que, infelizmente, tenho visto ser tão mal correspondida a abertura que se pretendeu fazer ao alterar o rumo de certos princípios que, a meu ver, eram fundamentais a unidade e a estabilidade da terra e da gente portuguesas! E isto nada tem com a aceitação, compreensão aplauso de muitas reformas levadas a cabo noutros campos cia vida nacional. Reputo muitas delas mesmo de indispensáveis. Mas isso é outra coisa.
Também é de notar, e não pode deixar de se considerar alarmante quanto aos processos usados e às pessoas referidas, o tom de certa imprensa estrangeira contra Portugal, visando declaradamente a guerra que sustentamos em África. Com efeito, os jornais Le Figaro, Le Monde e L'Expresse iniciaram uma intensa campanha, bem orquestrada e certamente bem remunerada, contra a presença de Portugal em África. Forjando entrevistas ou extraindo delas frases soltas, os jornalistas nossos inimigos insinuam, ou afirmam, que a guerra de África não é popular, que arruina o País e é «provocada, pelos fascistas» ( sic ) e pelos militares. Haverá alguma guerra popular e que não seja ruinosa para qualquer nação? Contudo, infelizmente, esta impor-se, ou melhor, impuseram-na, e ai de nós se a perdêssemos!
Tudo isto faz parte de uma luta contra Portugal, as forças armadas e as forças da ordem; a origem conhecemo-la! Descaradamente pretende-se envolver neste jogo lamentável pessoas que pela sua posição actual, pelo seu passado e, algumas, até pelo seu presente, só podem ser consideradas vítimas de calúnias, a necessitarem urgentemente de esclarecimentos inequívocos, para que sobre elas não pesem dúvidas pouco dignificastes!
E eu pergunto: será este o momento de se largar de mão uma posição intransigente, embora em muitos aspectos evolutiva e, sobretudo, construtiva no ultramar, dando assim a impressão de que os nossos inimigos, refiro-me a todos os nossos inimigos, que alimentam as campanhas contra Portugal, ou delas fazem eco, têm razão, ou as suas teorias podem ser levadas em consideração?
Continuo a perguntar se a designação honorífica de «Estados» não será um preço demasiado caro, uma interpretação demasiado perigosa, e que possa apenas servir para sustentar, ou sugerir, sonhos quiméricos?
Felizmente que a posição do Chefe do Governo é bem clara; mas, mesmo assim, não será um risco criar ideias, externas ou internas, de um abrandamento, ou diferença de métodos, na luta pela defesa do ultramar, ou que esta já não se põe com a mesma intransigência de há uns tempos atrás?
Creio bem que sim, e é justamente isso que eu temo.
Não me canso de afirmar que aceitei o lema de «renovação na continuidade». Mas tenho-me fiel ao princípio, que vejo felizmente continuar a ser o pensamento do primeiro responsável pela condução política do País, o Prof. Doutor Marcelo Caetano. Infelizmente, porém, nem sempre terá o eco desejável em alguns elementos responsáveis, e sofre com certeza a- deturpação de muitos dos que fazem da política uma oportunidade, às vezes única, de demagogicamente se evidenciarem...
O Sr. Presidente do Conselho parece tê-lo reconhecido implicitamente, ao proferir o seu admirável e realista discurso de 29 de Fevereiro último...
Eis, singelamente, Sr. Presidente, Srs. Deputados, c que se me oferece dizer sobre a proposta de lei n.° 19/X referente à revisão da Lei Orgânica, do Ultramar.
O Sr. Moura Ramos: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Faz favor.
O Sr. Moura Ramos: - Apenas duas breves palavras uma, para dizer que segui com todo o interesse e interesse e atenção as afirmações de V. Ex.ª e que comungo inteiramente com elas. Aliás, durante a discussão da revisão constitucional, quer na especialidade, quer na generalidade, tive precisamente ocasião de afirmar o que V. Ex.ª caba de dizer. E de congratulação, pois, a palavra que quero deixar em primeiro lugar.
À outra, é para formular penas um voto e faço muito sinceramente -, o de que, perante os receios apreensões em que comungamos, queira Deus que seja mós nós a enganar-nos.
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O Orador: - Oxalá, Sr. Deputado. Muito obrigado pelas palavras de V. Ex.ª
Não quis, nem poderia fazê-lo com conhecimento profundo e achegas úteis, enfarar em apreciações técnicas, cuja oportunidade não discuto e estão naturalmente de acordo com o que se estabeleceu e aprovou na revisão constitucional do ano passado, concordando, portanto, na generalidade com a proposta agora apresentada. Não posso, porém, dar o meu voto à base II, tal como está redigida, pois se concordo que, sendo «o Estado Português unitário, podendo compreender regiões autónomas com organização político-administrava adequada à sua situação geográfica e os condições do respectivo meio social» (artigo 5.° da Constituição, aprovada em Junho do ano passado), não acolito, mesmo a título honorífico, a designação de «estados» com que se pretende, desde já, desaguar Angola e Moçambique.
Não fiz parte da comissão eventual que, nesta Assembleia, estudou a proposta do Governo e o parecer da Câmara Corporativo. A leitura das conclusões produzidas deixou em aberto, infelizmente, os minhas dúvidas, as minhas apreensões, pois é omissa no assunto, quanto a mim mais preocupante, da proposta referida.
Limitei-me, portanto, a referir aquilo que em mim constitui um grito de alma, um dolorido aviso, a manifestação de um receio, e está mais ao meu alcance entender, por ser justamente o que preocupa o homem dia rua que, com sangue, suor e lágrimas, tem vivido esta última década tão cheia de actos de heroísmo e abnegação; mas também de injustiça no julgamento de alguém que por nós tanto fez e boje parece esquecido no seu humilde túmulo do cemitério do Vimeiro, como se não tivesse entrado na história da. Pátria, que soube servir, como poucos, pela poria da honra e da glória!
Oxalá eu me engane e sobretudo que Deus ilumine quem tem por missão continuar Portugal; mas temo sinceramente que às palavras se sigam actos, as honras se transformem em lágrimas e as transigência se transformem em tragédia maior ainda do que aquela que nos caiu em casa há mais de onze anos, mas que estoicamente temos sabido vencer, justamente porque eternos sabido merecer os nossos mortos»...
À Pátria, cujo conceito e significado parece hoje em dia sugerir novas interpretações, não bem preço! Por ela tudo devemos fazer, mesmo, muitas vezes, aquilo que parece uma contradição. Nunca, porém, nada que tenha como valor o sua própria amputação ou, simplesmente, inquine mais de oito séculos de História.
Que me perdoem aqueles que obstinadamente apontam o futuro e renegam, ou esquecem, ou duvidam do passado e da sua influência em todas as decisões que, seja em nome do que for, estão indiscutivelmente na base de um desenvolvimento que todos desejamos e havemos de conseguir, mesmo à custa de um esforço ímpar, e também sem preço, pois é o futuro de Portugal que o exige!
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Sá Viana Rebelo: - Sr. Presidente: Será posição singular, ia «dizer estranha, a de falar hoje nesta tribuna acerca do projecto de lei referente à Lei Orgânica do Ultramar, quando tive a honra de fazer parte da comissão que o estudou e concordou com o parecer resultante desse estudo.
Senti, porém, que deveria assumir uma atitude e, sem abiezas, formular, pessoalmente, um voto.
Tem riscos a minha resolução, mas há que corrê-los, pois quando estamos convencidos da razão e hesitamos em seguir e propalar os ditames da consciência não cumprimos o nosso dever, e este há que cumpri-lo sempre, com fé e determinação.
Em Angola, a leitura do projecto de lei a que me estou referindo suscitou largos comentários desfavoráveis e provocou até atitudes de pouco agrado. Cotejando-o com anteriores afirmações de responsáveis, disse-se e escreveu-se que estava longe de corresponder aos propósitos enunciados e que em pouco ou nada diferia da anterior Lei Orgânica.
Gerou-se, assim, a ideia fácil da desilusão e talvez mesmo da perturbação, ideia dominante em alguns sectores de que não deve minimizar-se a importância.
Evidentemente que as atenções hão-de concentrar-se agora nos Deputados por Angola, sobretudo, talvez, naqueles que foram escolhidos para fazerem .parte da comissão a que presidiu o ilustre Deputado Dr. Almeida Cotta, a cuja competência e lhaneza de trato rendo as minhas homenagens.
E, para que não haja dúvidas acerca dos meus pensamentos, aqui estou a prestar o meu depoimento e, repito, a formular o meu voto, baseado, no raciocínio e na experiência de quase dez anos de lugares de liderança em terras de Angola.
Alterando-se a Constituição, e de forma substancial, na essência, no que respeita ao ultramar, forçoso era proceder-se, a revisão do regime de governo das províncias ultramarinas, de forma que seguissem as directrizes do novo texto constitucional.
Ressalta desta obrigatoriedade um rumo, que é o de não ser legal estabelecer normas que saiam dos parâmetros indicados na Constituição. Impossível é, definidos princípios, dissecá-los depois com argumentações que os excedam.
Não podem surgir numa lei orgânica, numa lei reguladora, directrizes que contrariem o estipulado no diploma legal base.
Dentro desta ideia a todos os títulos inatacável, o Governo apresentou uma proposta a qual a Câmara Corporativa deu o seu douto parecer, de um modo geral concordante, sobre os quais a comissão eventual, constituída, sobretudo, per Deputados ultramarinos, se debruçou, elaborando uma redacção que entendeu não estar discordante com o pensamento governamental e os anseios das populações.
Na realidade, o Governo cumpriu a sua promessa de tornar estados as províncias de além-mar que pela sua importância o merecessem. Não houve medo às palavras, nem receio às suas repercussões.
Cumpriu ainda o Governo o seu desígnio de dar mais autonomia financeira e administrativa às províncias ultramarinas, criando uma Assembleia Legislativa electiva com recrutamento dos seus elementos por vontade directa ou indirecta das populações o estatuto futuro há-de dizê-lo e expurgada dos membros escolhidos e dos funcionários públicos conselheiros natos do actual Conselho Legislativo. É certo que o presidente dessa futura assembleia continuará sendo o governador-geral, mas as suas funções dependerão, em grande parte, do regimento que a própria assembleia elaborar e não há dúvida de que os órgãos que decidirão são todos eleitos. De resto é o princípio seguido, por exemplo, nos conselhos municipais metropolitanos cujos membros são eleitos: para fiscalizaram as câmaras ou deliberarem sobre assuntos que transcendem a competência das vereações, sendo os seus presidentes os das câmaras respectivas.
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Também na Junto Consultiva haverá uma larga participação de vogais eleitos, sempre mais do que os nomeados, Junta com maiores responsabilidades do que o actual Conselho Económico Social.
Criou-se, também, um Conselho de Governo obrigatoriamente funcional, destinado a coordenar as actividades das secretarias provinciais, que, hoje, por hipótese, poderiam agir de costas voltadas ou, pelo menos, cada uma por si, sem atender aos planos das outras ou até à orientação superior do governador-geral. Estas hipóteses mio suo prováveis, mas devem julgar-se admissíveis.
E a propósito de coordenação não quero deixar de realçar a base que se refere à vida económica e social das províncias ultramarinas que será regulada consoante a Constituição, evidentemente, mas com especial incidência sobre o ajustamento dos sistemas económicos e sociais das províncias às exigências do desenvolvimento de cada uma delas e do bem-estar da respectiva população, o progresso moral, cultural e económico das populações, a realização da justiça social, o povoamento do território e o aproveitamento dos recursos naturais.
Teve ainda a comissão eventual, sob proposta da ilustre Deputada Dra. Sinclética Torres, a preocupação de acrescentar uma base nova para a qual peço a atenção especial desta Assembleia, que é a que se refere à protecção a dar as terras utilizadas pelas populações menos evoluídas nas suas povoações e culturas, 32 uma base humana e na prática necessária, base que em nada minimiza os povos e só enaltece os governantes.
Em resumo: dentro da Constituição, a lei orgânica que vai submeter-se : apreciação desta alta Assembleia, pêlos seus predicados e oportunidade, merece a minha aprovação na generalidade. pelo que lhe dou voto concordante, voto que é, afinal, o corolário da minha actuação durante os trabalhos da comissão eventual.
O Sr. Delfino Ribeiro: - Sr. Presidente: O facto de haver participado nos trabalhos da comissão- eventual poderia dispensar a minha vinda a esta tribuna.
Tal como aconteceu na última revisão constitucional, dessa esquiva me afastei por razões que principalmente se relacionam com a minha qualidade de ultramarino.
Resumidamente me debruçarei sobre a proposta de lei que nos traz aqui reunidos.
Antes, porém, seja-me permitido dirigir uma saudação fraterna a quantos, de corpo e alma, com aprumo e devoção, coragem e até sacrifício da própria vida, se empenham na afirmação da nossa soberania no ultramar, continuando Portugal.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Vai para perto de um ano que, tomando posição sobre alguns aspectos de especial relevância para a vida do Pois no campo dos valores e opções políticas, fez esta Casa inscrever no diploma fundamental virias inovações que estão na linha evolutiva dos processos governativo e de administração dos nossos territórios ultramarinos.
A proposta em debate surge, assim, como corolário natural e imperativo daquela revisão. Ao espírito e letra 'desta deve, em consequência, ajustar-se n Lei Orgânica do Ultramar, subordinada, como inegavelmente está, ao padrão constitucional, que, por vínculo hierárquico normativo, lhe serve de fonte.
E isto o que na verdade se verifica.
As bases definidoras do regime geral do governo das províncias de além mar são apresentadas na mesma ordem de preocupações, necessidades e conveniências que animaram as correspondentes modificações introduzidas no texto cimeiro.
O que se recomenda retracta o (prosseguimento de uma política que, promovendo da melhor forma a unidade na diversidade, visa engrandecer a Nação, mediante o maior aproveitamento dos seus valores humanos e materiais e a elevação do bem-estar dos suas gentes.
Às alterações preconizadas brotam espontaneamente dos particulares condicionalismos dos seus meios geográfico e económico, dos estádios de cultura e civilização das suas populações, da lição da experiência, da permanente vigília dos problemas e anseios do ultramar e, por tudo isso, do dever de adaptação dos sistemas políticos e administrativos as realidades que lhes cumpre contem/piar e servir.
O Sr. Ávila de Azevedo: - Muito bem!
O Orador: - Atravessam, com efeito, os nossos territórios situados fora da Europa uma fase d& acelerado crescimento em todos os sectores, com largas perspectivas de maior progresso moral, cultural e económico.
Ora, impreterivelmente ligados, a tal desenvolvimento, andam, de um lodo, o acréscimo do volume e complexidade da actividade administrativas aos níveis provincial e local e, de outro, o aumento em número e capacidade das elites até então existentes.
Assim, não há senão que acolher e aplaudir uma orientação que, acentuando a desconcentrarão de funções e largando a descentralização administrativa que engloba o poder de legisla, apenas busca o aperfeiçoamento das instituições ultramarinas e uma intervenção mais ampla dos seus elementos válidos nos estruturas políticas e administrativas, em ordem a que, sem exagerada interferência da Administração Central, ganhe em celeridade e eficiência a gestão das coisas públicas que directamente lhes dizem respeito.
O Sr. Almeida Cotta: - Muito bem!
O Orador: - Caminhar neste sentido não significa desmembrar, desagregar, «pois as matérias de interesse comum ou de interesse superior permaneçam reservarias aos órgãos detentores do poder supremo e independente, come se impõe para a preservação e revigoramento do, unidade da Nação, da solidariedade entre as parcelas e da soberania do Estado. E antes, e tão somente, dar a devida expressão a especialidade do direito ultramarino, que as suas peculiares condições, os recursos naturais e o estado de desenvolvimento sócio - cultural ditam. E criar melhore? condições de vida aos que pertencem a uma família, coesa e desejam, que as s/ws relações caseiras continuem a ser modeladas com autenticidade, no brilho de unia progressiva prosperidade colectiva.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Tudo se reconduz, pote, à constante valorização harmónica das peças integrantes de um todo.
Nada se sugere que da Constituição Política não conste ou derive. Nada se dispõe que possa sequer abalar a realidade da integração territorial do Estado unitário.
Este o fulcro da propósito, que evidencia o pensamento acção é firme determinação de uma verdadeira política nacional, no seu inabalável propósito da fazer crescer, se ciai e economicamente, tudo quanto, pelo murado disperse é e persiste em ser português.
Vozes: - Muito, bem!
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O Orador: - Renova-se na continuidade, pelo que termino, outorgando a minha adesão na generalidade as bases era apreço.
Tento dito.
Vozes: -Muito bem!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: Vou encerrar a sessão, mas antes de o fazer quero convocar a Comissão de Política e Administração Geral e Local para ré reunir na próxima segunda-feira, dia 24, pelas 15 horas e 30 minutos, a fim de se ocupar de matéria que lhe remeterei.
Se a mesma Comissão sentir a necessidade de prosseguir os seus trabalhos em outros dias, reunirá à discrição do seu presidente.
Amanhã haverá sessão a hora regimental, tendo como ordem do dia, em primeira parte, a continuação, e espero que conclusão do exame das contas públicas do ano de 1970. E, em segunda paute, a continuação da discussão na generalidade da proposta de lei de revisão da Lei Orgânica do Ultramar.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 43 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Alberto Maria Ribeiro de Meireles.
Álvaro Filipe Barreto de Lara.
Delfim Linhares de Andrade.
Fernando do Nascimento de Malafaia Novais.
Francisco José Pereira Pinto Balsamo.
Francisco de Nápoles Ferraz de Almeida e Sousa.
Henrique Veiga de Macedo.
João António Teixeira Canedo.
João Lopes da Cruz.
José Dias de Araújo Correia.
José da Silva.
José Vicente Pizarro Xavier Montalvão Machado.
Lopo de Carvalho Cancella de Abreu.
Manuel José Archer Homem de Mello.
Miguel Pádua Rodrigues Bastos.
Rui Pontífice Sousa.
D. Sinclética Soares dos Santos Turres.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Vasco Maria de Pereira Pinto Costa Ramos.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Alberto Marciano Gorjão Franco Nogueira.
Alexandre José Linhares Furtado.
Amílcar Pereira de Magalhães.
Armando Valfredo Pires.
Augusto Domingues Correia.
Deodato Chaves de Magalhães Sousa.
Fernando David Laima.
Francisco Correia das Neves.
Francisco Manuel Lumbrales de Sá Carneiro.
Francisco Manuel de Meneses Falcão.
Henrique dos Santos Tenreiro.
João Ruiz de Almeida Garrett.
Joaquim Carvalho Macedo Correia.
Joaquim Germano Pinto Machado Correia da Silva.
José da Costa Oliveira.
José Guilherme de Melo e Castro.
José de Mira Nunes Mexia.
José dos Santos R essa.
José Vicente Cordeiro Malato Beliz.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel Marques da Silva Soares.
Prabacor Rau.
Ramiro Ferreira Marques de Queirós.
Tomás Duarte da Câmara Oliveira Dias.
O REDACTOR - Januário Pinto.
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