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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL E DA CAMARA CORPORATIVA
DIÁRIO DAS SESSÕES N.° 188
ANO DE 1972 26 DE ABRIL
ASSEMBLEIA NACIONAL X LEGISLATURA
SESSÃO N.° 188 EM 25 DE ABRIL
Presidente: Exmo. Sr. Carlos Monteiro do Amaral Netto
Secretários Exmos. Srs.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira
Amílcar da Costa Pereira Mesquita
SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 50 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foram aprovados os n.ºs 185 o 18C6 do Diário das Sessões, com rectificações apresentadas pelos Srs. Deputados Roboredo e Silva, Carlos Ivo, Defino Ribeiro e Olímpio Pereira.
Deu-se conta ao expediente.
Foi lido um oficio do Sr. Ministro ao Ultramar em que se prestam esclarecimentos sobre uma, intervenção ao Sr. Deputado Maximiliano Fernandes acerca de sugestões sobro o Estatuto da Aposentação.
Para cumprimento do disposto M § 3.º No artigo 109.º da Constituição, foram presentes à Assembleia, os Decretos-Leis n.ºs 124/72 e 126/72.
Foi lida uma nota de perguntas do Sr. Deputado Mota -Amaral relativa à aplicação nos Açores do novo regime de transportes dos adubos de produção nacional.
Foi negada autorização ao Sr. Deputado Pinto Machado para depor como testemunha no Tribunal Central de Menores do Porto.
O Sr. Deputado Pedro Baessa requereu informações relativas à possível existência de qualquer projecto de construção do uma barragem no rio Lúrio, em Moçambique.
O Sr. Deputado Pinto Balsemão referiu-te à recente visita, do Sr. Ministro das Obras Públicas e das Comunicações a quatro concelhos do distrito da Guarda, realçando dois aspectos: o tratar-se de uma visita, exclusivamente de trabalho e o ter sido efectuada a uma das mais pobres regiões do Pais.
O Sr. Deputado Mota Amaral focou algumas das principais carências da ilha de Santa Maria, do arquipélago dos Açores.
O Sr. Deputado Sousa Pedro fez considerações apoiando a estratégia de desenvolvimento adoptada pela Comissão Regional dos Açores, para. preparação do IV Plano de Fomento.
Ordem do dia. - Continuou a discussão na generalidade da proposta de lei sobre a revisão da Lei Orgânica do Ultramar,
tendo usado da palavra os Srs. Deputados Roboredo e Silva, D. Sinclética Torres, Montanha Pinto, Ávila do Azevedo, Martins Nunes, Santos Almeida e Carlos Ivo.
O Sr. Presidente encerrou, a sessão às 18 horas e 5 minutos.
Texto aprovado pela Comissão de Legislação e Redacção.- Decreto da Assembleia Nacional sobre organização judiciária.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 15 horas e 35 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Albano Vaz Pinto Alves.
Alberto Marciano Gorjão Franco Nogueira.
Alberto Maria ribeiro de Meireles.
Álvaro Filipe Barreto de Lura.
Amílcar da Costa Pereira Mesquita.
Amílcar Pereira de Magalhães.
António Fausto Moura Guedes Correia Magalhães Montenegro.
António da Fonseca Leal de Oliveira.
António Júlio dos Santos Almeida.
António Lopes Quadrado.
António de Sousa Vadre Castelino e Alvim.
Armando Júlio de Roboredo e Silva.
Artur Augusto de Oliveira Pimentel.
Augusto Salazar Leite. Bento Benoliel Levy.
Carlos Eugênio Magro Ivo.
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Carlos Monteiro do Amaral Netto.
D. Custódia Lopes.
Delfim Linhares de Andrade.
Delfino José Rodrigues Ribeiro.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Eleutério Gomes de Aguiar.
Fernando Artur de Oliveira Baptista da Silva.
Fernando Augusto Santos e Castro.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Filipe José Freire 'Themudo Barata.
Francisco. António da Silva.
Francisco Correia das Neves.
Francisco Esteves Gaspar de Carvalho.
Francisco João Caetano de Sousa Brás Gomes.
Francisco José Pereira Pinto Balsemão.
Francisco de Moncada do Casal-Ribeiro de Carvalho.
Gabriel da Custa Gonçalves.
Gustavo Neto Miranda.
Henrique José Nogueira Rodrigues.
Humberto Cardoso de Carvalho.
João Bosco Soares Mota Amaral.
João Duarte de Oliveira.
João Lopes da Cruz.
João Manuel Alves.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
Joaquim Carvalho Macedo Correia.
Joaquim Germano Pinto Machado Correia da Silva.
José Coelho de Almeida Cotta.
José João Gonçalves de Proença.
José Maria de Castro Salazar.
José dos Santos Bossa.
José da Silva.
José Vicente Cordeiro Malato Beliz.
Júlio Dias das Neves.
Lopo de Carvalho Cancellá de Abreu.
Luís António de Oliveira Ramos.
D. Luzia Neves Pernão Pereira Beija.
Manuel Elias Trigo Pereira.
Manuel de Jesus Silva Mendes.
Manuel Joaquim Montanha Pinto.
Manuel Monteiro Ribeiro Veloso. '
Manuel Valente Sanches.
Maximiliano Isidoro Pio Fernandes.
Miguel Pádua Rodrigues Bastos.
Olímpio da Conceição Pereira.
Pedro Baessa.
Prabacor Rau.
Rafael Ávila de Azevedo.
Raul da Silva e Cunha Araújo.
Ricardo Horta Júnior.
Rogério Noel Feres Claro.
Rui de Moura Ramos.
Rui Pontífice Sousa.
D. Sinclética Soares dos Santos Torres.
Teodoro de Sousa Pedro.
Tomás Duarte da Câmara Oliveira Dias.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 72 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 15 horas e 50 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: -Estou em reclamação os n.º 185 e 186 do Diário das Sessões. Em relação ao n.° 185 do Diário das Sessões, como VV. Ex.ªs estarão lembrados, já alguns Srs. Deputados apresentaram notas de rectificações, mias não ficou encerrada a apresentação destas.
O Sr. Roboredo e Silva: - Peço licença a V. Ex.ª para que no n.° 185 do Diário das Sessões sejam feitos as seguintes rectificações na minha intervenção: na p. 8655, col. 1.ª, a meio desta, esta entre parêntesis «rumping» e deve ler-se «dumpíng»; na mesma página, col. 2.ª, no penúltimo período, substituir a palavra «constituirá» por «construirá», e no último período, onde se lê: «da ordem dos»,
deve ler-se: «da ordem do».
Muito obrigado, Sr. Presidente.
O Sr. Carlos Ivo: - Peço licença, Sr. Presidente, para mandar rectificar no n.º 186 Diário das Sessões o seguinte: na p. 8673, col. 1.ª, 1. 41, inserir entre as palavras «mio» e «sujeita» n palavra «se» e na col. 2.ª, 1. 18, omitir uma frase que esta entre parêntesis, que diz.: «entre aspas».
Muito obrigado, Sr. Presidente.
O Sr. Delfino Ribeiro: - Solicito a V. Ex.ª, Sr. Presidente, se digne mandar proceder à seguinte rectificação no n.° 186 do Diário das Sessões: na p. 3686, col. 2.ª, I. 14, a contar do fim, onde se lê: «brilho», deve ler-se: «trilho».
Muito obrigado a V. Ex.ª
O Sr. Olímpio Pereira: - Sr. Presidente: Na p. 3666 do n.° 186 do Diário das Sessões, no meu requerimento, na 1. 6, desejava que fosse substituída a palavra «Carreiro» por «Barreiro».
Muito obrigado.
O Sr. Presidente: - Se mais nenhum de VV. Exas. deseja usar da palavra, para apresentar reclamações sobre estes números do Diário, considerá-los-ei aprovados.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Estão aprovados os n.ºs 185 e 186 do Diário das Sessões.
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Telegramas
Da Liga Popular Monárquica (Zona Norte) apoiando a intervenção do Sr. Deputado Casal-Ribeiro quanto à defesa do ultramar.
Da Câmara Municipal de Oliveira do Hospital apoiando a intervenção do Sr. Deputado Fausto Montenegro acerca da necessidade de incremento e renovação das estradas e caminhos municipais.
Da Câmara Municipal de Castelo de Vide apoiando a intervenção do Sr. Deputado Cotta Dias acerca da proibição da apresentação pública ri e uma peça de teatro estrangeira.
Vários apoiando a intervenção do Sr. Deputado Gabriel Gonçalves acerca da premente necessidade de construção da barragem, de Alqueva.
O Sr. Presidente: - Está na Mesa um ofício do Sr. Ministro do Ultramar, que vai ser lido.
Foi lido. É o seguinte:
Sr. Presidente da Assembleia Nacional:
Excelência:
Relativamente à intervenção do Sr. Deputado Maximiliano Fernandes em sessão da Assembleia Nacional relatada no n.º 178 do Diário das Sessões,
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de 7 do corrente, acerca de sugestões sobra o Estatuto da Aposentação, presto a V. Ex.ª os seguintes esclarecimentos:
O problema posto pelo Sr. Deputado já foi diversas vezes informado sobre petições de idêntico teor, firmadas por alguns aposentados.
As melhorias de aposentação, como aliás as dos funcionários no activo, têm, desde sempre, partido de iniciativa do Ministério das Finanças, ou do Governo por seu intermédio; sendo posteriormente tornadas extensivas ao ultramar, exactamente para que haja uniformidade, pois de outra forma não se compreenderia, já que a compensação pelo exercício de funções no ultramar se encontra nos vencimentos ou (pensões complementares e ainda na própria contagem do tempo quando em actividade. Não há, portanto, inferioridade dos aposentados residentes no ultramar perante os residentes na metrópole, pois as pensões bases daqueles são iguais às destes, acrescidas das pensões complementares precisamente quando residirem no ultramar.
Quanto à sugestão de que as pensões deveriam ser melhoradas paralelamente aos vencimentos, de forma que um funcionário de determinada categoria, aposentado em determinada data, tenha pensão igual h de outro funcionário com o mesmo tempo de serviço e igual categoria, mas aposentado muito posteriormente, prevê-se que o problema seja considerado no Estatuto da Aposentação, a publicar em breve para a metrópole, sob a orientação do Ministério das Finanças.
O subsídio por morte de servidores do Estado na situação de actividade concedido, para a metrópole, pelo artigo 10.° da Lei n.° 2101, de 19 de Dezembro de 1959, foi tornado extensivo ao ultramar pela Portaria n.° 17 607, de 22 de Fevereiro de 1960. Na revisão de providências iniciada pela Reforma Administrativa, foi aquele subsídio elevado para seis meses, através do artigo 19.° do Decreto-Lei n.° 49081, de 27 de Maio de 1969, tornado extensivo ao ultramar pela Portaria n.° 24/70, de 13 de Janeiro. Desta regalia não beneficiam ainda os aposentados da metrópole. Logo que a mesma lhes seja tornada extensiva, certamente que não deixará também de ser aplicada aos aposentados pelo ultramar.
Apresento a V. Ex.ª os meus melhores cumprimentos.
A bem da Nação.
Ministério do Ultramar, 21 de Abril de 1972.
O Ministro do Ultramar, Joaquim Moreira da Silvo Cunha.
O Sr. Presidente:-Para cumprimento do disposto no § 3.° do artigo 109.° da Constituição, estão na Mesa o suplemento ao n.° 92 e o n.º 95 do Diário do Governo, 1.ª série, de 19 e 22 do corrente, que inserem os seguintes decretos-leis:
N.° 124/72, que aprova, pana ratificação, o Acordo relativo à Organização Internacional de Telecomunicações por Satélites (Intelsat), 'assinado em Washington em 20 de Agosto de 1971;
N.o 126/72, que regula a execução da Convenção sobre Igualdade de Direitos e Deveres entre Brasileiros e Portugueses, assinada em Brasília em 7 da Setembro de 1971.
O Sr. Presidente:.- Vai ser lida uma nota de perguntas formuladas pelo Sr. Deputado Mota Amaral.
Foi lida. É a seguinte:
Foi já anunciada oficialmente a próxima entrada
em vigor de um novo regime de transportes dos
adubos de produção nacional, em função do qual o
preço do adubo será, no local do consumo, igual em todo o País.
Ora, presentemente, no distrito autónomo de Ponta Delgada o adubo sofre um encargo de transporte superior a 400$ por tonelada, o que .representa um encargo anual para a economia das ilhas de S. Miguel e Santa Maria rondando os 10 000 coutos, e isto sem que se pratiquem os níveis de adubação convenientes. Nas outras ilhas dos Açores a situação não é substancialmente diferente.
Nestes termos, ao abrigo das disposições aplicáveis da Constituição e do Regimento, pergunto ao Governo:
1) O novo regime de transportes dos adubos nacionais, designadamente no que se refere à existência de um preço no local de consumo, igual em todo o País, será aplicável ao distrito autónomo de Ponta Delgada?
2) E aos restantes distritos açorianos?
3) Em caso afirmativo, a partir de quando?
E em que termos?
8) Em caso negativo, porquê?
Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 12 de Abril de 1972. - O Deputado, João Basco Soares Mota Amaral.
O Sr. Presidente: - Está na Mesa um ofício do Tribunal Central de Menores do Porto, pedindo que seja autorizado o Sr. Deputado Joaquim Germano Pinto Machado Correia da Silva a comparecer nesse Tribunal no dia 27 de Abril corrente, pelas 15 horas e 30 minutos, a fim de depor como testemunha nuns autos de regulação. O Sr. Deputado comunicou-me que considera inconveniente para a sua acção parlamentar comparecer no Tribunal, no dia e hora referidos.
Consulto a Assembleia, nos termos regimentais, sobre se concede ou nega autorização ao Sr. Deputado Pinto Machado Correia da Silva para comparecer no Tribunal Central de Menores do Porto, no próximo dia- 27 de Abril, pelas 15 horas e 30 minutos.
Consultada a Assembleia, foi negada autorização.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra para um requerimento o Sr. Deputado Pedro Baessa.
O Sr. Pedro Baessa: - Sr. Presidente: Pedi a palavra para enviar para a Mesa o seguinte
Requerimento
Nos termos regimentais, requeiro que pelo Ministério do Ultramar sejam prestados os seguintes esclarecimentos:
1) Há algum projecto para a construção de alguma barragem no rio Lúrio?
2) Em caso afirmativo, para quando se- prevê o início dos trabalhos e quais as áreas beneficiadas?
3) Em caso negativo, que razões levaram a não encarar hipótese?
O Sr. Pinto Balsemão: - Sr. Presidente: Em meados do corrente mês, o Ministro das Obras Públicas e das Co-
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municações visitou quatro concelhos do distrito da Guarda.
Á notícia nada tem, em princípio, de especialmente assinalável. O método cómodo das decisões de gabinete está há muito condenado; é indispensável que os. membros do Governo observem in loco as realidades ligadas aos problemas que têm de resolver; é legitimo que as pessoas afectadas por esses (problemas sobre eles se exprimam directa e abertamente; e, além disso o engenheiro Rui Sanches é dos que mais viajam pelo País.
Parece-me, no entanto, conveniente registar aqui a deslocação em causa. Não, como já disse, porque ela se revista de transcendência fundamental. Tão-pouco para a agradecer «m termos protocolares, visto que, quanto a mim, os governantes têm obrigação de visitar o território nacional. Apenas para acentuar dois aspectos.
Em primeiro lugar, foi uma visita de trabalho. A expressão está talvez demasiado usada para que nela se acredite, mas neste caso, efectivamente, trabalhou-se. O Ministro proibiu as sessões solenes, os discursos, os vivas, as criancinhas das escolas e todas as outras costumadas manifestações . . . espontâneas do entusiasmo popular.
O Sr. Ávila de Azevedo: - Muito bem!
O Orador: - A visita resumiu-se a reuniões nas câmaras municipais e deslocações a .pé ou de automóvel aos locais onde se realizam ou vão realizar-se obras públicas. As reuniões nos municípios obedeceram a uma agenda previamente estabelecida e tiveram a colaboração de um valioso grupo de técnicos, ao nível de director--geral e de director de serviços, que acompanham o engenheiro Rui Sanches.
O Sr. Roboredo e Silva: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Faça favor.
O Sr. Roboredo e Silva: - Muito obrigado, Sr. Deputado.
Impossibilitado de ter estado presente na Guarda durante a visita que o Sr. Ministro das Obras Publicas fez a quatro concelhos do distrito, eu pretendo (associar-me inteiramente- às judiciosas considerações que V. Ex.ª está a fazer, e salientar acima de tudo essas simplicidade e sobriedade que o Sr. Ministro deu à sua visita de trabalho, como V. Ex.ª muito bem disse, porque só merece encómios tal processo de trabalho.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Roboredo e Silva: - De resto, eu sou das pessoas que se têm batido, nesta Assembleia, para que se faça o máximo pelo País, gastando-se o mínimo naquilo que não for absolutamente indispensável.
Desejaria ainda esperar que o Sr. Ministro, não obstante os seus múltiplos e complexos trabalhos, não perca uma oportunidade, tão próxima quanto possível, para visitar os restantes concelhos do distrito da Guarda e ir assim ao encontro dos gravíssimos problemas de carência de que aquelas populações enfermam, ansiando pela sua solução.
Muito obrigado.
O Orador: - Muito obrigado, Sr. Deputado.
O público pôde assistir e participar nestas sessões, e, apesar da timidez resultante da falta de hábito e do medo, houve, nalguns casos, intervenções interessantes de anónimos que conheciam os problemas melhor do que nin-
guém, por serem os primeiros atingidos pela sua Só resolução.
Acima de tudo, foram tomadas decisões.
Questões pendentes, há muito tempo, algumas há dezenas de anos, puderam finalmente ser analisadas, equacionadas e resolvidas.
É congelador assistir a adopção de soluções concretos que correspondem a anseios de populações carecidas de quase tudo. Ë desintoxicante testemunhar que os problemas podem ser efectivamente resolvidos sem necessidade de mais burocracites, sem criação de comissões, sem recurso ao expediente dilatório da fabricação de legislação que .tontos vezes acaba por não passar do papel.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O segundo aspecto que queria focar relaciona-se com o facto de a visita do Ministro das Obras Públicas e das Comunicações ter sido efectuada a uma região que é das mais pobres do País. Quando, como agora sucedeu, se ouve dizer que, por exemplo, apenas no concelho da Guarda é ainda necessário construir 90 km de estradas para que deixe de haver povoações isoladas, ou que a cidade de Pinhel, no Verão, fica reduzida a duos horas de agua por dia, tomo-se súbita e brutalmente consciência de que, «m Portugal metropolitano, há, pelo menos, dois mundos que pouco contactam e nada RR conhecem.
Para o Ministro e seus colaboradores, para os Deputados e demais entidades, este choque, embora sempre doloroso, será porventura salutar, na medida em que a todos nos obriga
Para as populações locais, a visita ministerial foi, sem dúvida, positiva e encorajante, não só pelo trabalho realizado e pêlos resultados obtidos, mas também porque alimenta a esperança de que outras dificuldades e carências venham a ser vencidas.
Essas dificuldades e carências existem e agravam-se com o correr dos dias. Só no distrito da Guarda há ainda dez concelhos que aguardam com ansiedade, e impaciência a visita do engenheiro Bui Sanches. Não porque tal visita seja a panaceia contra todos os moles -os problemas soo mais profundos e começam pelas próprias estruturas políticas e sócio-culturais -, mas porque, pela eficiência do método de trabalho e pela sobriedade antidemogógíca da actuação, significa a tomada de decisões e a resolução de questões que inutilmente se arrastam, há anos, contrariando, assim, o natural pessimismo de quem tem recebido muitas promessas e poucos actos e despertando a crença, de que afinal ainda há alguma coisa a tentar.
Num país como o nosso, subdesenvolvido em relação à Europa a que pertence, a técnica é cada vez mais política. Disso se apercebeu, felizmente, o Ministro dos Obras Públicas e das Comunicações.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Mota Amaral:-Sr. Presidente: O peso da insularidade, que convém nunca desmerecer, agrava-se na razão inversa da dimensão das ilhas. Quanto mais
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pequena é uma ilha, tanto mais custa viver nela, de tal modo encarece, a ponto de se tornar mesmo proibitiva, a satisfação das necessidades vitais dos seus habitantes.
Daí que as ilhas tendam a tornar-se um luxo, reservado àqueles que podem suportar os sobrecustos do isolamento a troco da tranquilidade e da paz que normalmente melas se encontram . . . "Não obstante, elas são uma bênção para os países que sobre elas exercem soberania, pelas facilidades que proporcionam, ainda hoje, nos transportes e comunicações a longa distância e também por considerações de alta estratégia, que não vem agora ao caso esmiuçar e que, quanto aos Açores, suo de resto suficientemente conhecidas. Ponto é então que os governos reconheçam, na prática o valor das ilhas e proporcionem às populações insulares as condições indispensáveis à sua permanência naquilo que de verdade é missão de interesse nacional.
Ocorrem-me estas considerações, Sr. Presidente, sempre que visito Santa Maria, ou sequer penso nesta ilha e na gente generosa e trabalhadora que lá vive. Bem caro se paga a honra de ter nascido e subsistir na primeira das ilhas que os nossos navegadores de Quatrocentos encontraram, ao explorar o Atlântico para ocidente de Portugal!
Uma agricultura primitiva, em luta constante com a avareza do solo e as irregularidades do clima, mantém num estado de pobreza mais ou menos disfarçado a maioria das cerca de 10 000 pessoas que habitam Santa Maria. O significado económico da pesca é diminuto, em riqueza produzida e em empregos criados. A indústria quase não existe e os serviços concentram-se na orbite de Vila do Porto e do aeroporto, o qual constitui mesmo pólo de atracção de pessoas de outras ilhas e até de fora do arquipélago.
Em condições destas, o circulo vicioso de pobreza transparece como realidade inegável: porque se é pobre, não se consegue investir (estudar, melhorar as actividades económicas existentes, introduzir outras novas), por isso se permanecendo pobre, tendendo para o ser cada vez mais.
E, não obstante, Santo Maria não é de forma alguma, a meu ver, uma ilha inviável, como o serão alguns dos rochedos que afloram dos oceanos um pouco por todo o Mundo. A criação de gado, sobretudo para produção de carne, apresente potencialidades que só agora começam a ser exploradas. As condições ecológicas são propícias às culturas forçadas, designadamente de primores hortícolas e de flores. E há ainda a possibilidade de instalar indústrias manufactureiras que trabalhem para a exportação, beneficiando da proximidade imediata de um aeroporto internacional; e o turismo, principalmente o de repouso e o ligado à prática dos desportos náuticos.
Para fazer arrancar Santa Maria da situação em que se encontra requer-se capital, verdadeiro empenho e alguma imaginação. Confiar na validade de esquemas de solução, no campo por exemplo do financiamento público à lavoura, pensados para outros meios diferentes dos de uma ilha pequena, pode vir a revelar-se ser vão. Existe aqui um repto as entidades públicas competentes, em última análise o Estado, a quem incumbe, pelo menos, no rigor mais estrito da lógica de uma economia de mercado, criar as condições necessárias ao livre desenvolvimento da iniciativa privada.
Pelo menos a Junte Geral do Distrito Autónomo de Ponta Delgada parece estar disposta A enfrentar esse repto: não há multo ainda, e com apoio governamental prestado através da Secretaria de Estado da Agricultura, tomou ela sobre ai o encargo de recuperar, .transformando-os em pastagens melhoradas, uma larga porção de terrenos erosionados que constituem a face semidesértica da ilha de Santa Maria.
Mas Santa Maria precisa de um porto. É por miar que se faz ainda, e possivelmente continuará a fazer-se, boa parto do abastecimento da ilha em bens essenciais, como são os destinados à alimentação, que nela não possam ser produzidos - e isto sem falar do movimento de pessoas e das necessidades da pesca. Ora os rigores da invernia chegaram, em tempos passados, a manter Santa Maria inacessível por mar durante meses.
Resolveu finalmente o Governo, em 1967, dar início à construção de um esporão galgável, que defendesse o cais existente em Vila do Porto, só utilizável aliás por batelões e embarcações miúdas, do violento mar do oeste.
Pretendia-se fazer obra de custo mais ou menos acessível e que fosse funcional. Mas as delongas havidos na decisão dela logo a encareceram apreciavelmente, por não ter eido possível aproveitar as máquinas e instrumentos deslocados de Lisboa para a vizinha ilha de S. Miguel aquando do prolongamento do molhe de Ponta Delgada. Depois, foi a própria solução técnica que foi poste em causa pela força irresistível dos factos: em Invernos sucessivos o mar destruiu o esporão que durante o Verão se ia construindo . . .
Temos agora, em Santa Maria, um terceiro ou quarto esporão, que beneficiou de um último Inverno excepcionalmente bonançoso, mas que não satisfaz; um cais sem as instalações anexas aconselháveis, que nalguns pontos ameaça desmoronar-se e que para o seu serviço conta apenas com uma grua-automóvel pertencente ao aeroporto e um velho pau de carga, ainda por cima, segundo parece, mal situado; e um fundeadouro que de novo ficou sujo com a ruína do cais e dos anteriores esporões e no qual se tornou difícil até a operação das embarcações que antes o frequentavam.
Compreende-se facilmente o sentimento de indignada frustração do povo moriense, exacerbado agora que se anuncia que as obras do porto estão concluídas; não é possível na verdade deixar de ponderar a eventualidade de em futuro Inverno o esporão ruir, privando Santa Maria novamente de comunicações marítimas.
Reconhece-se por outro lado o assisado do parecer da Junto Autónoma dos Portos de Ponte Delgada, que desde o início considerou o esporão galgável uma solução falhada e apresentou sugestões para uma obra definitiva e satisfatória - que talvez se contivesse afinal na verba efectivamente despendida.
Sr. Presidente: Outros problemas há em Santa Maria que merecem a atenção do Governo. O mais importante deles é o do abastecimento de água, que nos períodos de estiagem se torna irregular, quando não falto em absoluto. À Câmara Municipal de Vila do Ponto está muito empenhada na solução deste problema. Mas, tal como a maioria dos outros corpos administrativos concelhios do País, encontro-se elo a, mercê dos subsídios e comparticipações do Estado, que vivamente se deseja que surjam na devida oportunidade.
Quanto à electrificação das povoações da ilha, formula-se o voto de que não falte na altura adequada a boa compreensão das várias entidades que em Santa Maria detêm centrais térmicas de produção de energia - nada menos do que seis, sem contar a antiga central da Câmara - para os arranjos, que porventura venham a mostrar-se convenientes, com a empresa concessionária.
Não poderia terminar esta rápida referência a algumas carências da ilha de Santa Maria sem aludir ao aeroporto. Trata-se de uma infra-estrutura muito bem equipada do ponto de vista técnico e operacional, que tem prestado ao
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arquipélago e ao tráfego transatlântico serviços inestimáveis. As instalações do terminal, que datam da construção do aeroporto pela força aérea norte-americana, encontram-se, porém, totalmente ultrapassadas e urgem reapetrechamento.
A sala de desembarque dos passageiros mal abriga uma vintena de pessoas. Ora, cada voo que chega da América traz em média 80 a 90 pessoas, a maior parte das quais tem de esperar ao ar livre, quer chova ou faça sol, que se cumpram as formalidades policiais do estilo. Anoto que só nos meses de Abril a Outubro do ano passado operaram em Santa Maria, procedentes do continente americano, 184 voos, que desembarcaram 9555 passageiros. Os números referentes ao mesmo período de 1968, 1969 e 1970 são, respectivamente: 116, 5679; 196, 8516, e 148, 10 201.
A sala de verificação de bagagens da alfândega também necessita ampliação e beneficiação, dado o incremento tráfego.
O movimento dos passageiros em trânsito é, do mesmo modo, muito deficientemente comportado pelas actuais instalações do aeroporto. De Abril a Outubro do ano passado desembarcaram em Santa Maria 13 653 passageiros em trânsito, transportados em 395 voos internacionais regulares; os 392 voos não regulares que durante tal período escalaram este aeroporto originaram 53 423 passageiros em trânsito. Como não há sala para passageiros em trânsito, agravou a presença de um tal número de pessoas a confusão já por si decorrente dos 75 685 passageiros que utilizaram, chegando ou partindo de Santa Maria, um aeroporto dimensionado para um tráfego muitíssimo menor.
Não desconhece por certo o departamento governamental competente os dados que abreviadamente acabo de alinhar. A minha intenção é apenas reforçar a urgência da colmatação de carências que comprometem a qualidade do serviço que o Aeroporto de Santa Maria efectivamente presta.
Vozes: -Muito bem, multo bem!
O Sr. Sonsa Pedra: - Sr. Presidente: O planeamento está na ordem do dia das preocupações do Governo e na expectativa geral do País. No Secretariado Técnico da Presidência do Conselho, como nas comissões regionais, trabalha-se afanosamente na difícil tarefa de escolher e balizar os caminhos do futuro que o IV Plano de Fomento irá instituir.
Queira Deus que as pressões de interesses reservados e das políticas regionalistas malsãs que sempre aparecem, um pouco por toda a parte, não lhe desvirtuem o sentido, transformando em frustração o que se augura venha a ser instrumento eficiente de progresso de toda a comunidade nacional.
Situado numa perspectiva de serviço em favor dos interesses da região que integra os três distritos açorianos, usarei hoje da palavra para apoiar a estratégia de desenvolvimento que a Comissão Regional dos Açores resolveu adoptar, fazendo convergir todos os seus esforços na criação de infra-estruturas de base, na implantação de novas indústrias e no fomento do turismo.
Não podendo alongar-me em considerações de pormenor sobre cada uma das ideias- força deste tripé fundamental, limitar-me-ei, em breves palavras, a chamar a atenção do Governo para o que se espera venha a ser uma das peças mais válidas das aludidas infra-estruturas: o Aeroporto de Ponta Delgada.
Este aeroporto está dotado com uma pista de 1800.m, que, na altura do respectivo projecto, se considerou suficiente para as necessidades imediatas das ligações regulares entre ilhas e entre S. Miguel e Lisboa. Havendo no arquipélago dois aeroportos de grande dimensão, em Santa Maria e nas Lajes, assentou-se que por eles se fariam as ligações com o estrangeiro, especialmente a América do Norte. A solução, para a época, estaria correcta e foi por ela que se optou.
Em matéria de voos regulares de passageiros, apresso--me a dizer, ainda hoje nada tenho a opor a política que foi definida. As mesmas palavras de assentimento que dirigi ao Governo, deste lugar, por motivo da publicação do despacho do Sr. Ministro das Comunicações de 11 de Dezembro de 1970, repeti-las-ia agora, se fosse caso disso.
O problema que neste discurso pretendo tratar não tem nada a ver com a política aérea dos Açores. Desejo simplesmente expor ao Governo uma aspiração imperiosa do distrito que me constituiu seu mandatário - o prolongamento da pista do Aeroporto de Ponta Delgada até aos limites do que for tecnicamente possível.
Uma pista adequadamente dimensionada é, hoje, para os 150 000 habitantes de S. Miguel, o que era o seu porto de mar nos princípios deste século; no plano económico-social, a sua única esperança de salvação.
Dêem-lhe as voltas que quiserem; sem uma pista operável por aviões de longo curso, charters de passageiros e carga, a economia de S. Miguel, embora prenhe de possibilidades, acabará por abortar.
Em volumes de insofismável representatividade, não há exportações de produtos naturais ou fabricados que resistam aos sobrecus tos e outros prejuízos resultantes dos transbordos de S. Miguel para Santa Maria e ainda menos pura u Terceira; nem pode haver turismo capaz; nem capitais interessados no fomento de novas indústrias, em termos, repito, de real significado para a economia da ilha.
O Sr. Avila de Azevedo: - Muito bem!
O Orador: - Digo com a autoridade própria da função que exerço nesta Casa: S. Miguel, no limite das opções possíveis, não pretende chamar a si a escala, nos Açores, dos voos regulares para a América do Norte; aceita á política do tíoverno. Mas está maximamente empenhada é para a ilha questão de vida ou de morte - em que o Aeroporto de Ponta Delgada seja adaptado aos voos fretados de longo curso, pois só assim poderá vender, sem transbordos onerosos e limitativos, bens e serviços - saneando uma economia que tende a asfixiar-se no marasmo dos que sempre ficam, se não podem fugir. Não se pretende o irrealizável; nem sequer estou a pedir a Lua, que já hoje entrou no domínio dos possíveis. Antes desta intervenção consultei técnicos competentes de engenharia civil e da aeronáutica, conhecedores abalizados do tema concreto que estou expondo.
A pista actual do Aeroporto de Ponta Delgada tem todas as possibilidades de ser aumentada em mais 400 m a 600 m Ficaria com 7500 a 8000 pés de comprimento e nestas condições, com o equipamento de ajudas à navegação de que já dispõe, algumas dos quais, evidentemente, têm de ser transferidas para novo sítio, o aeroporto pode facilmente ser operado por aviões de longo curso.
É uma obra cara, sem dúvida; mas além de ser vital para uma população de 150 000 portugueses, com reflexos imprevisíveis no desenvolvimento de todo o arquipélago, tem a seu favor a enorme vantagem de se pagar por si. Em termos de relativa aproximação, o prolongamento da pista até aos 8000 pés rondará os 200 000 contos. Pois bem, só com o turismo, a partir de uma capacidade hoteleira de 2000 camas, limite mínimo atingível a curto prazo, desde que sejam exequíveis os charters de longo curso, pode-se prever uma receita anual da ordem dos 180 000 contos.
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Em muitos países o Estado arrecada para o Tesouro público, a partir da receita bruta do turismo, valores que oscilam entre 10 a 20 por cento daquele total. Se entre nós as coisas se processarem de modo semelhante, como é de supor, as 2000 camas de hotelaria em S. Miguel renderão aos cofres do Estado, pelo mínimo, 18 000 contos anuais. Isto quer dizer que, mesmo sem dispensar juros, o Tesouro público, «m menos de quinze anos, estará completamente reembolsado dos 200 000 contos que despender com o prolongamento da pista do Aeroporto de Ponta Delgada, indo ao máximo do que for tecnicamente possível.
O facto de as juntas gerais dos distritos insulares reterem parte dos receitas que aí se cobram, não põe problemas transcendentes. Os técnicos da especialidade saberão encontrar os factores de correcção adequados à circunstância.
Tudo isso parece perfeitamente razoável, salvo melhor opinião, que tem de ser documentada.
Mas se não quisermos perder o comboio, porque o futuro é de quem o agarra a tempo, toma-se necessário pôr mãos à obra. Por isso, antes de terminar, proponho ao estudo doa responsáveis a seguinte sugestão: no caso de os serviços competentes do Estado não poderem, por qualquer motivo, empreender já o estudo técnico e económico do prolongamento da pista do Aeroporto de Ponta Delgada - que seja a Junta Geral do distrito a tomar sobre si a responsabilidade desses trabalhos e do projecto dos obras a realizar. Mesmo que tenha de despender alguns milhares de contos na desobrigação deste encargo, se com isso se ganhar um ou dois anos, esse tempo de avanço, num empreendimento de tamanho significado na economia do distrito, resultará, com certeza, numa amortização compensadora do capital inicialmente investido. Creio que por esta via, legal ou legalizável, se poderá obter uma economia de tempo, quiçá importante, na obtenção do estado e projecto, que depois seriam submetidos, evidentemente, à apreciação final do Governo.
Que tudo se faça pelo melhor.
Tenho dito.
Yozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: Vamos passar à
Ordem do dia
Continuação da discussão na generalidade da proposta de lei sobre a revisão da Lei Orgânica do Ultramar.
Tem a palavra o Sr. Deputado Roboredo e Silva.
O Sr. Roboredo e Silva: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como é de pressupor, não usaria da palavra, roubando tempo a Câmara que já lhe faz falta, se não tivesse algum comentário a fazer sobre matéria que não foi contemplada, na proposta de lei, no parecer da Câmara Corporativa, aliás bem elaborado como sempre, nem no da nossa comissão eventual.
Como habitualmente, serei franco e independente nas opiniões que expresso, sem preocupação de agradar ou desagradar. Os interesses da Nação é que contam.
Lamento sinceramente não estar inteiramente de acordo com o parecer da nossa comissão eventual, não só porque, como tenho declarado aqui numerosas vezes, dou todo o apreço e relevo ao trabalho das nossas comissões, como ainda pela consideração que me merecem os seus membros e a amizade que de longa data me liga ao seu presidente, pois fomos condiscípulos no liceu. De resto
apreciei o esforço da comissão para atenuar alguns dos aspectos que vou mencionar e por isso aqui lhe deixo uma palavra de deferência e de muita simpatia.
Não me alongarei nas considerações que vou produzir. Limitar-me-ei a focar alguns poucos pontos da proposta de lei u.° 19/X e sobre eles fazer algumas reflexões pessoais, que terão de ser encaradas antes como reparos. Lembro que quando apreciámos as alterações à Constituição Política tomei posição a respeito da parte relativa ao ultramar que esclarece, afigura-se-me, o meu pensamento.
Partidário de uma autonomia administrativa de vistas largas, desde que acautelados os princípios da unidade e solidariedade entre todas as parcelas que constituem a Nação, ...
O Sr. Ricardo Horta: - Muito bem!
O Orador: - ... declarei nomeadamente:
A época em que nos situamos não permite imobilismos de ideias que impeçam um caminhar acelerado para formas de administração actualizadas que constituem anseio de todos os que são verdadeiramente conscientes. Entendo que o que se deve visar com uma crescente autonomia é uma mais acentuada integração da vida político-administrativa da Nação, através da participação nela de todos, os que o mereçam pelas suas capacidades, sem subalternizacões indevidas e sem interferências governativas a distância, nos'problemas locais, fora do quadro em que se desenvolvem, portanto, com as consequentes arrelias, frustrações e desistências tão prejudiciais ao progresso das parcelas que constituem a Pátria.
E mais adiante:
Eu conheço algumas das dificuldades com que se luta no ultramar por virtude da centralização que a organização actual impõe. Às vezes passam-se meses e meses e até anos para se conseguir uma decisão, demoras que levam a desgostar quando não a desesperar e a afastar pessoas ou empressas dispostas a investir e a trabalhar com as correspondentes repercussões benéficas no desenvolvimento económico-social das províncias, de que tão carecidas estão e em que a iniciativa particular tem saliente papel a desempenhar. O objectivo central tem de ser permitir a livre iniciativa privada como principal agente dinamizador do progresso económico e permiti-la com o mínimo de .peias e burocracias.
E ainda:
A situação de guerra subversiva - a pior das guerras, usando armas convencionais, mas processos à margem da lei - que defrontamos em três províncias de África, que a suportam mais directamente na carne e no sangue que a própria Mãe-Pátria, cujo êxito só será possível, ninguém por lá terá dúvidas a este respeito, mediante a poderosa e efectiva ajuda que a metrópole fornece, é razão fortíssima e convincente, a meu ver, para se lançarem as bases de uma autonomia regional com organização politica administrativa, ponderadamente progressiva, de harmonia com a própria evolução social, económica, educacional e pacífica que se venha a processar.
(Terminei de reproduzir aquilo que disse na altura em que apreciámos a Constituição.)
Posso pois, desassombradamente, como disse e ,é meu costume, emitir a minha opinião.
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O primeiro ponto é o de me parecer que com esta nova proposta da lei orgânica fica, na prática, tudo na mesma ou quase.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Será exagero? Talvez, mas da leitura que fia da proposta não me é possível concluir de forma diferente.
E não foi esse o objectivo que presidiu pelo menos ao espirito das alterações introduzidas na Constituição Política da República, ainda que porventura da letra da lei se possam tirar conclusões diferentes.
O segundo ponto é o de declarar que, dada a categoria de Ministro de Estado que se deu aos Governadores-Gerais, e muito bem, podendo tomar parte nas reuniões do Conselho de Ministros, não se me afigura razoável que dependam de um Ministro que na hierarquia administrativa do Estado tem a mesma categoria.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Se a finalidade era essa, então a equiparação não deveria ter ido além de Secretário de Estado. Apesar das alterações propostas pela nossa comissão eventual, que atenuam de alguma forma a posição dominante do Ministro do Ultramar, julgo que o Ministro que superintenda, coordene e fiscalize constitucionalmente a Administração das províncias ultramarinas tem de se situar na Presidência do Conselho e actuar em nome do Presidente do Conselho. Chame-se Ministro para os Assuntos do Ultramar ou qualquer outra designação, terá de estar integrado na Presidência do Conselho e daí resultar unia consequente simplificação na máquina burocrática que enforma o actual Ministério do Ultramar e que não facilita, como dei a entender nos períodos que transcrevi da minha intervenção sobre as alterações u Constituição, o ritmo acelerado de vida que as províncias de além-mar indiscutivelmente exigem.
Vozes:-Muito bem!
O Orador: - Considero este ponto fundamental e até agravado, relativamente «os argumentos deste meu raciocínio, pela designação honorífica de Estado que se desejou atribuir desde já as províncias de Angola e Moçambique, sem correspondente abertura de poderes políticos-Administrativos, que certamente se esperava.
Depois surge a questão dos Subsecretários de Estado. Como vão dor ordens a Governadores-Gerais de categoria hierárquica superior à sua? Usando a forma subalterna de «encarrega-me .S. Ex.ª o Ministro ou «de harmonia com a determinação ou instruções do Ministro», etc.? Não há dúvida, pelo menos para mim, de que a solução adoptada descurou aspectos que podem ter considerável repercussão futura.
Penso que estes e outros reparos que terei de anunciar talvez não houvesse lugar para os fazer, o que só me seria grato, se tivesse sido ouvido o Conselho Ultramarino sobre a proposta de lei, como judiciosamente lembrou o mosso ilustro colega engenheiro Themudo Barata.
O Sr. Mota Amaral: - Muito bem!
O Orador: - Por outro lado, não me parece aceitável a fixação da qualquer prazo para a comissão dos Governadores. A duração do exercício do corgo não tem de ser estabelecida, tal como sucede com os Ministros, que podem manter-se no mandato o tempo que for conveniente aos interesses do Estado, de harmonia com as suas capacidades políticas e administrativas. Depois, desempenhando os Governadores cargos de confiança do Governo da Nação, não julgo razoável que se este for substituído tenha obrigatoriamente de continuar no seu posto o Governador, que pode não ser considerado para o novo Governo e entidade capaz de lhe assegurar o exacto cumprimento d sua orientação, porventura, em certos casos, bem diferente da que vinha sendo seguida, e criar assim ao Governador situações menos satisfatórias. Isto por um lado, porque por outro, se a comissão do Governador tinha prazo fixo será sempre tomada como acto de violência ou desconsideração e só servirá para criar atritos e más vontades, a exoneração antes de findar esse prazo. Outro ponto que julgo muito discutível e que não merece o meu acordo é u atribuição aos Governadores da presidência da Assembleia Legislativa.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Podendo as sessões da Assembleia prolongar-se por quatro meses, não é difícil reconhecer que o exercício da presidência lhes absorverá demasiado tempo, com nítido prejuízo da Administração. Depois, esse exercício poderá até criar aos Governadores situações porventura difíceis. Poderia admitir-se que o Presidente do Conselho de Ministros fosse o Presidente da Assembleia Nacional?
Ainda que as posições sejam muito diferentes em substância, não deixa de havei- alguma similitude.
O Sr. Pinto Balsemão: - Muito bem!
O Sr. Almeida Cotta: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Com certeza.
O Sr. Almeida Cotta: - Pode a Assembleia estranhar que, estando V. Ex.ª a entrar nos domínios da apreciação na especialidade, não haja por parte da comissão quem possa esclarecer alguns pontos que V. Ex.ª vai pondo a ponderação da Assembleia.
Ora, eu queria significar a V. Ex.ª que realmente poderiam ser explicados aqui, a par e posso, mas como a discussão na especialidade há-de trazer novamente estes problemas a baila, então reservar-me-ei - eu, o Sr. Relator, alguns dos Srs. Vogais ou algum dos Srs. Deputados - para, nessa altura, explicar a V. Ex.ª os razões de algumas- das disposições a que V. Ex.ª está fazendo os seus comentários.
O Orador: - Muito obrigado, Sr. Deputado.
Eu respondo apenas o seguinte: É que eu estou a focar pombos que considero fundamentais na lei, ainda que sejam, como é lógico, discutidos, na altura da especialidade.
Mas V. Ex.ª verificará como eu fecho a minha intervenção. Eu não deixo de dor a minha aprovação na generalidade, mas faço determinados reparos que considero de fundo e que deixo á comissão o apreciá-los.
Mas, não nos precipitemos. De resto, eu não me vou alongar muito, vou ser rápido.
Entendo, portanto, que não é conveniente para os Governadores exercerem o cargo de presidentes das Assembleias Legislativas, devendo estes ser eleitos entre os seus membros, reservando, todavia, para os Governadores, por direito próprio, a prerrogativa de tomarem parto nos trabalhos quando o julguem aconselhável. A solução, em certa medida, de compromisso, sugerida pela nossa comissão, não me parece suficiente.
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Entendo que seria vantajoso incluir na Lei Orgânica, disposição que especifique que as Assembleias Legislativas funcionarão em sessões plenárias e que devem organizar-se em comissões permanentes ou eventuais. A Constituição fá-lo para a Assembleia Nacional. Considero o trabalho das comissões da maior relevância para uma eficiente actuação das Assembleias e por mira advogo a referência as comissões na Lei Orgânica.
Desejei sempre que se desse mais relevo aos serviços públicos integrados, que reputo da máxima importância para o progresso económico e tecnológico do conjunto das parcelas que constituem a Nação, pelo que a este respeito dou o meu apoio ao que se expõe no parecer da Câmara Corporativa, e a que a nossa comissão eventual igualmente deu a devida importância na base V.
E desejaria ainda que a redacção, no seu conjunto, da proposta da Lei Orgânica tivesse sido feita no sentido de simplificar a orgânica administrativa na metrópole, aproveitando no ultramar parte dos seus excelentes técnicos e funcionários . . .
O Sr. Santos de Almeida: - Muito bem!
O Orador: - ... libertando assim alguns dos que, como disse a nossa distinta colega Sr.ª D. Custódia Lopes, enchem as direcções e repartições em vez de actuarem onde são indispensáveis e não os há, designadamente no interior junto das populações. Também que se desse aos governos provinciais a mais lata competência por forma a facilitar e tornar expeditos os poderes administrativos que lhes são conferidos pela Constituição, com alguma referência a maiores atribuições para os governadores de distrito, cujo papel tem cada vez mais relevância na Administração. A este propósito adiro a muitas das considerações criteriosamente apresentadas pelo nosso prezado colega Dr. Lopes da Cruz.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E tudo isto, não valeria a pena repeti-lo, mas sempre útil insistir em pontos fundamentais, sem qualquer quebra do princípio intocável da unidade nacional, que eu não aceitaria em nenhumas circunstâncias, como, aliás, ninguém pode ter dúvidas nesta Casa, dadas as numerosas e enérgicas afirmações que a este respeito aqui tenho produzido.
O Sr. Ricardo Horta: -Muito bem!
O Orador: - Nestes termos darei a minha aprovação na generalidade a proposta de lei n.° 10/X, porque reconheço a urgência da promulgação da lei, esperando que seja tido em consideração na especialidade o essencial dos meus reparos, se bem que não tome a iniciativa de elaborar propostas de alteração, solicitando da nossa comissão que se debruce sobre os pontos que levantei e proceda em conformidade com o que em sua consciência melhor acautele os interesses nacionais.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
A Sr.ª D. Sinclética Torres: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Comparando a Lei Orgânica agora em estudo com as suas antecessoras, vê-se que a administração dos territórios ultramarinos sempre obedeceu aos condicionalismos internos e externos da época.
Assim, em política ultramarina já houve um regime de descentralização e assimilação que se estendeu de 1870 iate cerca de 1926, data em que começou o princípio da desconcentração.
Este regime foi até à publicação da Lei n.° 2119, onde já se procurava fazer participar, com mais eficácia, as províncias na administração dos negócios da Nação, e uma maior possibilidade pana a gestão das mesmas, utilizando-se todos os valores locais, evitando-se sempre que fosse possível sujeições desnecessárias.
Logo, o espírito de autonomia administrativa para as maiores parcelas do território nacional foram desde sempre objecto de estudo e reflexão por parte do Governo.
Disse-o, aquando do estudo da Constituição, que sentia receio pelas amplas autonomias financeira e administrativa, sobretudo no momento presente.
E porque estamos, de facto, na discussão de um importantíssimo documento para ia vida da Noção e repare-se que digo Nação-, e não somente do ultramar, direi em poucas palavras à Câmara ia razão dos meus receios.
E do conhecimento de todos que uma das acusações que até hoje, erradamente, diga-se em abono da verdade, nos inculpam é a falta de elites africanas capazes de participar na vida administrativa dos províncias, atribuindo-se o facto, a prior, ao atraso em que se encontram a maioria dos populações.
Pois, elites africanas sempre existiram e existem.
Quem viveu no ultramar, nomeadamente em Angola, pode atestar que a aristocracia africana foi uma realidade insofismável até ao dealbar do século xx, cujos vestígios ainda existem na toponímia das grandes cidades e em descendência nos meios suburbanos.
As modificações que surgiram até aos nossos dias foram a resultante de um progresso que considero desregrado, por ter arrastado alguns dos inconvenientes que agora procuramos superar.
Quanto ao atraso em que se encontram os populações, qual será a noção, que não se debate com problemas da mesma natureza?
Segundo cálculos efectuados pelo U. N. E. S. C. O., existem espalhados pelo Mundo 750 milhões de analfabetos e 800 milhões conhecem apenas as letras do alfabeto.
O pior inimigo da Humanidade - conclui a mesma informação, depois da fome, é o analfabetismo.
Por aqui se conclui que os argumentos de que se servem os nossos inimigos não são válidos, mas permanecem de pá e constituem forte ameaça à paz e integridade da Nação, enquanto não conseguirmos, efectivamente, fazer interessar ao máximo na administração local gente das províncias.
É necessário e até indispensável ao futuro do todo nacional que todos participem e, miais que isso, sintam a responsabilidade dessa participação.
Certamente que tudo isto deseja o Governo. Nota-se na actual Constituição em diversos artigos, sendo de salientar o aumento da representação ultramarina nos diferentes órgãos de soberania.
Em conclusão: o receio de uma maior descentralização e autonomia financeira ou administrativa estará sempre latente para mim, numa opinião pessoalíssima que aqui deixo, enquanto em todos os sectores da província, e em estreita colaboração com o Governo, não estiver uma representação condigna da maioria das populações.
Não aceito que uma classe privilegiada ou um sector restrito fale em nome de um todo, cuja heterogeneidade resulta dos diferentes estados de evolução em que se encontram.
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E não aceito porque isto representa um desafio o paz, provocando revoltos, e um perigo para ia unidade nacional,- porque o inimigo aproveita todos as abertas.
Ninguém tiraria proveito, nem a Nação, nem as populações, nem os privilegiados, porque tudo desmoronaria como um castelo de areia ao embate da primeira onda!
Nesta nova lei orgânica continua-se o salutar regime de descentralização progressiva.
Se para alguns esta descentralização não corresponde às necessidades ou aos cálculos previstos, para mina tem, pelo menos, a vantagem de corresponder, em princípio, às aspirações quê, de certo modo, todos desejámos: continuidade de uma era nova, cujos resultados, bons ou maus, dependerão, essencialmente, das qualidades, virtudes ou defeitos dos homens que hão-de interpretar as leis.
For isso dou o meu voto de aprovação para a generalidade do diploma em discussão.
Sr. Presidente: Antes de terminar estas breves considerações, importa dizer duas palavras acerca da nova base que propus.
Já tive ocasião de frisar nesta Câmara a necessidade de uma maior vigilância pêlos interesses das populações indefesas, que se regem por usos e costumes tradicionais.
Foi condicionada & minha maneira de sentir e de agir, sempre posta em evidência de forma a não oferecer quaisquer dúvidas, que concretizei a base a introduzir na nova Lei Orgânica se o plenário assim o entender.
De resto ela veio colmatar a sugestão que apresentei ao Governo acerca da necessidade de uma maior protecção dos bens imobiliários das populações tradicionais.
Fará além do significado humano e justo que esta base encerra, compreensível para todos, e bem avaliada por quem vive os problemas in loco, há um aspecto que não me canso de repetir: defender os direitos das populações, orientá-las e conduzi-las, até serem capazes de salvaguardarem os seus interesses, é, no momento presente, a arma mais eficaz contra a guerra subversiva que temos de enfrentar.
Já o Prof. Marcelo Caetano afirmou nesta Assembleia:
Na luta que se trava hoje no ultramar o que se disputa não são áreas, vilas ou cidades; são as almas e as adesões das populações.
E porque não tenho a menor dúvida em afirmar que as populações sempre estiveram e estão com o Governo de alma e coração, protegê-las das garras do inimigo é, mais que um dever, uma obrigação indeclinável.
O Sr. Almeida Cotta: - Muito bem, muito bem!
A Oradora: - Eu sei que na Constituição tudo isto está previsto, mas a verdade é que a Lei Orgânica é o catecismo para a administração nas províncias ultramarinas, é o documento de consulta permanente ruis repartições onde raramente se encontra a Constituição.
Deste modo, penso que seja de grande utilidade a inserção na Lei Orgânica desta, base, simples, clara e objectiva.
Agradeço ao ilustre Deputado Sá Viana Rebelo as referências que fez a esta proposta e com ele peço à Câmara que a julgue tendo em vista os objectivos, que ela deseja alcançar.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Montanha Pinto: - Sr. Presidente: Creio ser útil e oportuno fazer algumas considerações, ainda que simples e muito sucintas, sobre à proposta de lei n.° 19/X, revisão da Lei Orgânica do Ultramar, dada a extrema importância de que se reveste para a gestão ultramarina.
Qualquer alusão aos interesses das províncias ultramarinas venero-a pensando em Angola, por ser aquela onde vivo e melhor conheço.
Não quero nem posso fazer uma análise histórica e jurídica da proposta de lei que se discute, por não me sentir qualificado para tanto. Deter-me-ei apenas numa apreciação genérica que visa as implicações políticas de ordem prática que tal lei traz às populações a que se destina.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Em meu modesto entender não se atendeu- a uma estreita obediência aos princípios constitucionais. Se, por um lado, se respeitam e afirmam os princípios de unidade esses são indiscutíveis -, não vemos que a proposta de lei, quer na forma, quer na essência, cumpra uma evolução na autonomia de acordo com as tradições descentralizadoras e contemplada na última revisão constitucional.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A extensão, a riqueza e a potencialidade dos nossos territórios de além-mar e a diversidade dos seus problemas e soluções exigem uma maior descentralização de poderes, que só poderá ter êxito numa compreensão e união de espíritos cada vez mais forte.
Maior descentralização e mais autonomia as províncias ultramarinas encontrariam agora excelente oportunidade de ser reforçadas e actualizadas, respeitando integralmente as normas constitucionais.
Salvo o muito respeito que me merecem as opiniões não concordantes, permito-me afirmar que não vejo na proposta de lei novas formas de descentralização e autonomia que não constassem já da Lei Orgânica do Ultramar em vigor. Antes me parece que neste aspecto a proposta é demasiado cautelosa e imprecisa.
Não me alongo porque pretendo ser breve e conciso.
Recordo as palavras do Sr. Presidente do Conselho:
A autonomia, das província será compatível com o seu estado de desenvolvimento e os recursos próprios, o que implica a sua expansão segundo o vai exigindo o crescimento económico dos territórios.
Ora o progresso e crescimento económico no ultramar é evidente, feito u custa de sacrifícios e teimosias sem conta, possível graças a uma saudável reserva de energias e confiança num futuro melhor que todos estamos dimensionando.
Confiança total- e recíproca que tem de continuar cada vez; mais firme e se transfigure em fraterna solidariedade que continue sem cessar.
Vozes:-Muito bem!
O Orador: - Ora eu perfilho inteiramente a posição dos que afirmam: «A vida ali só pode prosseguir normalmente se no Governo provincial forem atribuídos os poderes e os meios que lhe permitam conseguir rapidamente as soluções adequadas para os problemas correntes de administração, isto é, se for respeitado o princípio de descentralização.»
Como a leitura; cuidada e atenta, da proposta de lei em discussão não permitiu, ao meu modesto entendimento, encontrar nela atribuição de poderes aos órgãos provinciais que alarguem a sua competência para além da que estava definida na lei em vigor, manifesto, nestas
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breves palavras, a minha preocupação e as minhas reservas. Pois o seu tom paternalista trilo serve as realidades nacionais e a sua tendência integracionista é irrealizável.
O Sr. Mota Amaral: - Muito bem!
O Orador: - Daí a insatisfação -ia dizer a desilusão - manifestada no ultramar ao ser divulgado o texto da proposta.
Sr. Presidente: Vou terminar manifestando o meu desejo humilde e muito sincero de que seja eu que esteja enganado por defeituosa interpretação dos textos e que os dias de amanha sejam cada vez mais favoráveis ao engrandecimento da Nação.
Muito obrigado.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Ávila de Azevedo: - Sr. Presidente: Depois de ouvirmos nesta Câmara, entre outras, as lúcidas intervenções dos Srs. Deputados da comissão eventual que se debruçou atentamente sobre a revisão da Lei Orgânica, o meu depoimento pode parecer redundante e extemporâneo. Todavia, a experiência de uma vintena de anos, em face das realidades ultramarinas, incita-me a uma breve como modesta intervenção.
As disposições agora em debate da nova Lei Orgânica são a consequência imediata e o remate do título VII da revisão da Constituição Política da República Portuguesa, promulgada em. 28 de Agosto do ano passado. A nova lei reforça, define e esclarece os princípios consignados naquele diploma.
Segundo a tese do discurso do Sr. Presidente do Conselho pronunciado nesta Assembleia em 2 de Dezembro de 1970, «a unidade - a unidade da Nação Portuguesa não prescinde das variedades regionais».
Tese que se ajusta perfeitamente à política do nossa expansão ultramarina, durante cinco séculos de esforços ininterruptos. Afirmada e reafirmada, em todas as circunstâncias, pelos nossos estadistas, vice-reis, capitães e governadores do ultramar. Expressa ou implicitamente deduzida, tanto dos regimentos outorgados pelos monarcas aos seus vassalos como n«s paginas luminosas e ainda, actuais dos africano lojistas do século XIX que nos legaram a grandeza dos nossos domínios de África. Sinal de força e de coesão da Nação Portuguesa.
Sr. Presidente: Só nos primórdios do constitucionalismo, entre 1820 e 1823, e, mais tarde, em pleno triunfo da causa liberal, se quebrou esta linha de continuidade na política nacional, com a afirmação dê uni poder centralizador e nivelador que se estendia desde Lisboa até aos confins do nosso Império. Era. uma lei impessoal e fixa aplicada a todo o género humano, inspirada nos enci-clopedistas como Rousseau, e um sistema de governo que estabelecia uniformemente as relações entre os cidadãos e o Estado, segundo o modelo napoleónico.
Não temos de nos admirar, pois, que ainda em 1842 se publicasse um Código Administrativo também extensivo aos territórios do ultramar. Os legistas desse tempo substituíam a noção concreta do homem membro da sociedade pelo mito do cidadão, semelhante em todas as latitudes, como ele havia sido criado pela Revolução Francesa . . .
Com alguns avanços e recuos, como o demonstrou, brilhantemente o Sr: Prof. Silva Cunha num discurso recente - «Descentralização e Autonomia na Tradição da Acção Ultramarina de Portugal» -, toda a nossa política de além-mar seguiu tradicionalmente o caminho da descentralização e da especialização. .Só com o acesso da geração liberal às responsabilidades da governação pública se retrocedeu para a centralização.
Apareceu então uma plêiade de africanologistas -como nos expôs a nossa colega Dr.a Custódia Lopes -, a chamada Escola de António Enes, o seu principal doutrinador, que era norteada pelas aspirações de uma maior amplitude nas responsabilidades do governo local. Nesta ordem de ideias e nestes métodos de acção se educaram os construtores da África novecetista, que chegou intacta até aos nossos dias: Mouzinho, o grande Mouzinho, Eduardo Costa, Caldos Xavier, Freire de Andrade e Paiva Couceiro. Todos eles lutaram denodadamente pela descentralização e pela autonomia administrativa- e ninguém pode pôr em dúvida o seu ardente patriotismo!
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Clamava então Mouzinho, com uma pena de escritor tão rutilante como a sua espada de soldado, que aos governos-gerais só competiam até 1890 imagine-se! - as mesmas atribuições que pelo Código Administrativo cabiam aos governadores civis das ilhas adjacentes.
Talvez não erremos salientando que foi graças aos lotos poderes, concedidos em momentos críticos aos comissários régias de Moçambique, como, mais tarde, críticos aos comissários da República em Angola, que as nossas grandes províncias de África ganharam a sua unidade territorial e conseguiram os bases do seu desenvolvimento futuro . . .
Eu sei que a integração, a sedutora concepção de um Estado unificado, plurirracial e transcontinental encontrou, entre nós, defensores entusiastas e coerentes com princípios que compreendemos e respeitamos. Infelizmente opõem-se-lhes as realidades sociais, as exigências económicas, as diferenciações étnicas e culturais e até os condicionalismos continentais das comunidades que item vivido à sombra da nossa bananeira.
A não ser que essa integração, como já vi sugerido, conduzisse logicamente nas suas consequências extremas à hegemonia dos territórios africanos sobre o próprio rectângulo europeu. Por que não deslocar então ó eixo da nossa nacionalidade para o continente africano e parte ou totalidade dos nossos órgãos de Governo paia as capiteis ultramarinas? Já a História, como lição da experiência política, nos ofereceu o exemplo do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, em que no Brasil se concentravam então os elementos mais vivos da Nação.
Houve também quem tivesse pretendido - como já fora promulgado pôr uma lei de 8 de Novembro de 1821, logo revogada dois anos depois - que se repartissem pelas diversas secretarias de Estado os negócios do ultramar, conforme os ramos administrativos a, que pertencessem.
Por mim estiou convencido de que esta dispersão conduziria, como em 1821, à ineficiência, e a desandem e ao caos aã administração ultramarina.
Hoje o Ministério do Ultramar não é tanto um organismo de execução, mas um elo de ligação e de cooperação entre o Governo central e os governos ultramarinas. Esta tendência vai acentua-se com a evolução descentralizadora.
De uma manem geral, desempenham funções neste Ministério homens que viveram no ultramar e, portanto, especialistas dias coisas ultramarinas - e ainda hoje a ética ultramarina constitui uma especialidade e um estilo de relações humanos.
Sei que na própria França, depois da independência dos territórios em que ainda se exerce a sua influência, os
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negócios da África se repartiram por três Ministérios. E não só se queixam desta infeliz orientação os estadistas metropolitanos, mais ainda os ministros africanos, que em Paris correm de um para outro departamento do Estado sem conseguirem a resolução das suas pretensões.
Sr. Presidente: A Lei Orgânica, agora em debate, ainda que precisando o funcionamento das rodagens essenciais da autonomia, tonto mós órgãos legislativos próprios como no esforço da autoridade dos Governadores, mantém todos os laços que prendem a metrópole aos seus territórios de além-mar. Harmoniza, perfeitamente a unidade política na diversidade circunstancial das condições geográficas e do estádio de desenvolvimento social das populações. Representa mais uma fase no grau evolutivo das relações «nitre o velho Portugal e as regiões africanas onde permanece o troco bem vivo do lusitanismo e a noção da unidade consciente afectava de todos os portugueses.
Todo o contexto legislativo ultramarino, nas suas sucessivas alterações e nas suas adaptações, ainda que morosas, atingiu um expoente de organização administrativa, em certos casos, mais eficiente e mais acomodada às realidades sociais do que alguns códigos desactualizados em vigor nas partes da Europa. Todos os que algum dia desempenharam funções relevantes na administração ultramarina fruíram da experiência salutar de uma liberdade de acção e de possibilidades de iniciativa que faltam entre nós. Dir-se-ia que os legisladores do ultramar foram inspirados e informados por outros princípios doutrinários e por outros preceitos de orientação administrativa. Admito, por exemplo, que os governos distritais de Angola e de Moçambique podiam servir de modelo Tia sua orgânica nos .governos civis dos distritos metropolitanos.
Sr. Presidente: Concluindo, direi que a Lei Orgânica do Ultramar, nesta revisão, marca mais um passo na administração ultramarina portuguesa - um passo sem dúvida cauteloso, mas de acordo com os condicionalismos políticos. as exigências económicas e as crescentes responsabilidades das comunidades portuguesas dos novos estados e provinciais. Alguns- desejariam que se ampliassem mais as atribuições dos órgãos governativas locais; outros, como vimos, recearam que algumas das inovações pudessem comprometer a unidade da Nação. Pela vivência do meu passado .ultramarino estou convencido de que o sentimento da unidade não reside nos leis, por mais oportunas e por mais esclarecedoras que elas sejam: a unidade, sim, reside na consciência dos povos de todas as raças e de todas as condições sociais que labutam nos territórios ultramarinos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - É esta consciência de lusitanísmo que desejamos afirmar e robustecer, como sinal da nossa presença no Mundo.
Yozes: - Muito bem!
O Orador: - Por estas razões, dou a minha aprovação na generalidade à proposta de lei sobre a revisão da Lei Orgânica do Ultramar.
Vozes: - Muito bem, multo bem!
O Sr. Martins Nanes: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Na minha intervenção de hoje abordarei a matéria da ordem do dia - a discussão na generalidade da proposta de lei sobre a revisão da Lei Orgânica do Ultramar -, tema de transferência importância, especialmente para os Deputados ultramarinos.
Como um dos membros da comissão eventual encarregada do estudo prévio da proposta de lei em causa, é óbvio que o meu ponto de vista se acha incluído no parecer da referida comissão, há dias tomado público pelo seu ilustre relator, Sr. Deputado Neto Miranda.
Tal facto, porém, não me dispensa de dedicar algumas palavras ao assunto, e gostosamente o faço, na qualidade de único representante nesta Câmara da província da Guiné.
Limitar-me-ei, todavia, a fazer algumas considerações de ordem pessoal e de carácter subjectivo, com a finalidade de explicar a posição que tomei e justificá-la.
Embora tenha para mim que os povos se governam mais com actos do que com palavras e menos com leis do que com factos, não deixei, no entanto, de prestar a maior atenção a esta lei, dada a ligação que tem com a lei fundamental da Nação -a Constituição Política-, cuja importância é ocioso salientar, tal é a sua dimensão.
Pude assim acompanhar do princípio ao fim os trabalhos dia comissão, neles tendo participado efectivamente, o que me permite formular algumas proposições a respeito da proposta.
Começarei por dizer que não concebo lei alguma digna desse nome, feita com outra finalidade que não seja a de servir a colectividade, e, se V. Ex.ª me dão licença, permito-me transcrever as palavras que a tal respeito pronunciou algures um homem de Governo que é um governante nato, não obstante a sua formação estritamente 1 militar (A. de Spinola):
Nenhum político responsável pode ignorar que a sua missão é eminentemente social e que, portanto, toda a sua acção terá de se orientar à luz de uma doutrina legitimada pela aceitação dos governados, alicerçada na perfeita consciência das realidades sociais e necessariamente liberta de qualquer tendência para se confinar aos aspectos filosóficos das grandes teses políticas ou para cair em práticas puramente demagógicas.
Por outro lado, entendo que a Assembleia compete, além do mais, por dever derivado da sua posição perante a Nação, fornecer as bases para a elaboração de leis justas e sábias, mantendo quem governa ao par das necessidades, dos anseios e do sentir das populações, através das intervenções objectivas dos seus membros.
Deste modo, é posto o Governo em face de problemas que itera de resolver e então ele escolhe os meios, o caminho ou os métodos mais adequados aos fins propostos, nascendo daí as leis que devem ser apreciadas pela Câmara Magna, a quem fica a faculdade de aprová-las ou rejeitá-las, consoante a sua validade ou inutilidade.
Neste aspecto, a apreciação na generalidade para mim é fundamental e decisiva; por ela se deduz se uma lei serve ou não serve a Noção, servindo ou não a maioria. Porquanto: ou ela é suficientemente boa que não pode ser recusada, ou é tão má que não-deve ser aceite sem prejuízos para a própria Nação. O resto é uma questão de forma que pode ser relegada aos técnicos jurídicos.
A função fundamental da Assembleia Nacional, a mais importante, segundo me parece-e nessa, sim, não deve ela jamais transigir, sob pena de deixar de cumprir a sua missão-, é a de vigiar e fiscalizar a aplicação ou execução das leis e o respeito pêlos princípios, pois na maioria dos casos o que está em causa não é a validade de umas ou de outros, mas sim a sua aplicação prática, o mesmo acontecendo às instituições. Em certos aspectos, mesmo, da sua acção, a Câmara não pede; exige o cumprimento das leis e a aplicação dos princípios e tom
força moral para isso, pois acima de tudo está a Nação, que ela representa.
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E de acordo com esta concepção pessoal da minha função como Deputado que aderi completamente e em plena consciência à resolução de adoptar a proposta em causa, tomada pela comissão por maioria absoluta, se não por unanimidade, em muitos casos verificada.
Para mim, aquela resolução representa, mais do que uma simples concordância formal e para além de uma adesão actuante ao pensamento que norteou a proposta de lei, um voto de confiança ao Governo e ao seu órgão consultivo Posto isto, vejamos como pessoalmente encaro a presente proposta de lei. a) Condicionar o presente; b) Preparar o futuro. Qual «lestas duas finalidades visa a Lei Orgânica em discussão? É a própria Câmara Corporativa que nos diz no seu (parecer que o espírito informador da proposta de lei é «dar expressão, nas instituições, is realidades existentes « HO mesmo tempo preparar para a renovada evolução em permanente processamento no ultramar». O facto aqui expresso não é uma mera hipótese, mas sim a expressão pura da verdade. Assim, pois, a futura Lei Orgânica do Ultramar visa os dois objectivos enunciados atrás, o que lhe dá um mérito excepcional. Será possível atingir os fins visados peto caminho escolhido? Creio firmemente que sim, pois a tese do Governo se fundamenta na realidade dos factos postos em presença e toda a teoria nestas condições tem possibilidades vastas de realização. O tempo vira certamente a confirmar este meu vaticínio. Efectivamente, qualquer medida, quer legislativa, quer de ordem pratica ou administrativa que se tomar em relação «o ultramar sem se ter em conta a situação que neste momento lá se vive « as três realidades da Nação Portuguesa -multirnacialidade, pluricontinentalidade e multicontenalidade - será de antemão condenada ao fracasso. Ora, a futura Lei Orgânica do Ultramar, que de resto é apenas uma adaptação da vigente à- nova Constituição, está equilibrada neste aspecto. Temos de dor aos povos do ultramar aquilo que os movimentos subversivos não lhes podem dar: paz e justiça sociais; respeito pelas suas tradições e progresso económico e social, que não são incompatíveis, e, finalmente, participação no processo da sua própria promoção, se bem que entendo ser essa (participação, mais do que um direito ou um privilégio, um dever e uma obrigação de todo o cidadão, de todo o homem. Julgada a essa luz, parece-me que a futura Lei Orgânica do Ultramar e as leis subsequentes que dela derivarão serão capazes de garantir a satisfação de toas necessidades, uma vez bem aplicadas. . Pelas razões expostas e por entender que a proposta traduz unia política activa e não passiva, realista e não utópica, virada para o futuro, mas levando em conta as realidades do presente, lhe dou a minha inteira aprovação. E espero que o povo que aqui represento receberá a nova Lei Orgânica com a mesma satisfação e entusiasmo, a mesma alegria natural e justificada, manifestada com a aprovação da Constituição, consciente de que, se ela não resolve todos os problemas, o que nenhuma lei conseguirá fazer, há-de proporcionar condições necessárias e suficientes pana que os possamos ir resolvendo com os meios de que dispomos. Se há alguma coisa a recomendar, ainda a propósito desta Lei, será apenas que a sua aplicação corresponda ao espírito que norteou a sua elaboração, e pana isso torna--se necessária, além da uma vigilância atenta aos possíveis desvios, uma selecção rigorosa dos homens de acordo com as responsabilidades que irão assumir dentro deste esquema. Haverá ainda que reformar mentalidades e educar os agentes no sentido de procurarem nas leis o que é necessário que se cumpra - e como cumpri-lo -, e não o «furo» ou abertura para satisfazerem ávidos desejos ou vontades egoístas. E não posso terminar sem formular votos para que haja continuidade na linha presentemente definida a fim de evitar novas oscilações no rumo da política ultramarina, como aquelas que se verificaram no passado, com nítidos reflexos na situação presente. É na realidade confrangedor, e motivo de preocupação, verificar como temos vindo, de experiência em experiência, avançando e recuando, indecisos entre dois princípios - descentralização e integração- que, longe de se oporem, na prática se completam, de modo que, ao cabo de alguns séculos, pouco progresso fizemos em qualquer dos sentidos, como se deduz da resenha histórica feita pela Câmara Corporativa. Por que tanta hesitação? Quando há uma unidade verdadeira como a que julgo existir entre os povos que constituem a Nação Portuguesa - unidade moral e espiritual - não haverá força centrífuga capaz de os separar. Por isso, não compreendo certas hesitações e receios quando se fala de descentralização político-administrativa nas províncias ultramarinas. Das duas uma: ou acreditamos na existência dessa unidade, espontânea, voluntária, natural, entre os povos que constituem a Nação, pressuposto da nossa política, e então não há que ter receios, só havendo que estar atentos à acção dos elementos desagregadoras - não centrifugadoras-, que aliás, não existem só no ultramar; ou, por outro, não temos fé nas forças que nos unem e, então sim, direi aos meus irmãos metropolitanos e ultramarinos e aos meus pares nesta câmara que não vale a pena continuar a luta, pois não se ganha uma guerra do tipo daquela quê nos é movida para além da Europa - e até mesmo dentro dela - sem forças espirituais verdadeiras que unam os homens. Estamos perante um problema que temos a todo o custo de resolver. Como consegui-lo? Será pela indiferença absurda, pelo abandono cobarde ou pela obstinação cega, que é o mesmo que andar com os olhos vendados à beira do abismo? Creio que não! Se o problema tem solução, como penso, havemos de encontrá-la com inteligência, bom senso e perseverança. Ora, a solução de qualquer problema ou dificuldade reside unicamente em conhecer-lhe as causas e eliminar estas, se os efeitos não convêm, ou provocar o aparecimento daquelas, se estes são desejáveis, pois, se a causa é descentralização e os efeitos suo a unidade, a cooperação e o progresso, então vamos pela descentralização político-administrativa, afoitamente, decididamente, sem reticências, sem dúvidas! Há apenas duas alternativas: prosseguir ou renunciar. E temos de aceitar na opção a fazer. Como o espírito de nenhum português verdadeiro, ultramarino ou metropolitano, aceita a renúncia como solução, estou convencido de que todos, de mãos dadas, vamos continuar a trabalhar com força e perseverança para acertarmos. E acertaremos! Vozes: - Muito bem, muito bem!
O que conta fundamentalmente numa lei, a meu ver, é a sua finalidade. Ora, qualquer lei visa sempre, pelo menos, um dos dois objectivos seguintes:
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O Sr. Santos Almeida: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Compreendemos perfeitamente a grave responsabilidade que sobre nós pesa ao manifestar-se sobre o mais importante problema que enfrenta o nosso país: o seu ultramar. Entendemos mesmo ser dever indeclinável de todos os membros desta Câmara, independentemente do círculo que representam, o debruçarem-se profundamente sobre tal problema, já que nele está em foco não apenas o destino desse mesmo ultramar, mas - afirmamos sem receio - o destino de toda a Nação.
De facto, não aceitamos que se não compreenda que aquelas enormíssimas parcelas do nosso território - riquíssimas em valores materiais e no portuguesismo das suas gentes -, que designamos por províncias ultramarinas, forçosamente virão a desempenhar um papel cada vez mais importante no conjunto nacional e no desenrolar de toda a nossa política, já que serão naturalmente elas que virão a dar-nos a força de que necessitamos para que possa vir a verificar-se rapidamente o ansiado progresso social de todo o povo português.
Daqui a assegurarmos que toda a nossa política, interna e externa, deva ter como principal objectivo o assegurar a manutenção do ultramar como parte integrante de Portugal, e o rápido desenvolvimento dos seus territórios, para bem do todo e indispensável a essa manutenção, vai um pequeno passo. Um passo que não hesitamos em dar, conscientes embora de que nos sujeitamos aos sorrisos irónicos daqueles que continuam, apesar de tudo, a só crer numa política estritamente europeia.
Não afirmamos que Portugal pereceria som o ultramar, nem sequer advogamos uma política de menos interesse pelas possibilidades que a Europa nos poderá oferecer mesmo a despeito das dificuldades que estamos enfrentando, mas consideramos que cometeríamos um tremendíssimo erro se descurássemos a verdade insofismável de que o ultramar é imprescindível a nossa independência económica, e deixássemos assim de fazer todos os sacrifícios que a sua manutenção e desenvolvimento exigirem.
É sem dúvida ele o nosso mais valioso património, no sentido materialista, para já não falarmos na sua enorme riqueza em valores morais e históricos, que não ignoramos serem normalmente relegados para segundo plano por certos conceitos modernos em que imperam os valores materiais.
É, pois, nos territórios que o constituem que se concentram as fantásticas potencialidades que podem e devem constituir a base de todas as nossas esperanças. Ê neles que virá a residir a força económica que nos colocará numa posição de virmos facilmente a enfrentar os outros grandes espaços, permitindo que Portugal se guinde entoo ao lugar de relevo a que tem direito, considerada e usada que seja toda a sua verdadeira dimensão e grandeza, infelizmente .tantas vezes ignoradas.
É, aliás, neles, muito mais do que por vezes se pretende fazer crer, que em grande parte tem assentado e assenta a nosso economia metropolitana, para a qual perda do ultramar viria a representar profundo golpe, há que admiti-lo. E ainda neles que residirá o factor de equilíbrio indispensável à nossa posição num possível acordo económico luso-brasileiro para o qual parece estarmos caminhando.
Ora, se tivermos a coragem de aceitar estes factos sem rodeios e equacionar o problema com esta crua, mas real simplicidade - a quase que indispensabilidade da manutenção e desenvolvimento do ultramar para a sobrevivência de Portugal .como país economicamente independente -, temos de admitir que a nossa altitude de forçosamente terá de ter como principal objectivo,
como primeira meta a atingir, o encontrar de uma solução positiva, e duradoura, que, sem pôr em risco a integridade da Nação, antes estreitando coda vez mais os laços existentes, garanta essa mesma manutenção. E é evidente que tal só poderá conseguir-se se a solução adoptada a todos satisfizer, a todos incutir confiança, a todos garantir os benefícios do progresso global.
Consideramos francamente «precária qualquer solução baseada numa política imposta, que não respeite a ideia de que o progresso acelerado do ultramar é indispensável h sua própria manutenção e de que, por sua vez, a confiança dos portugueses ultramarinos no futuro que se lhes apresenta - o que implica a satisfação de alguns dos seus reconhecidos como razoáveis anseios - á indispensável a esse progresso.
Mais do que ninguém são eles quem o constrói.
Além da paz que tanto nos esforçamos por obter, e que havemos de conseguir, estou certo, precisam de apoio, de estímulo, da certeza de um futuro duradouro e de pouco mais.
Não lhes falta a falta portuguesísma, nem o amor à Pátria, que nos tem conduzido às grandes realizações.
Entendemos assim que se a solução que se enquadra nos parâmetros postos representar sacrifício para qualquer dos espaços nacionais, sejam quais forem os sectores em que «e situem, devem estes ser encarados sem vacilações, para bem até desse mesmo espaço.
Estamos a ver alguns de VV. Exas. quase a perguntar-nos se consideramos nós que não esteja o País inteiro empenhado em tais sacrifícios, como sempre com a mente posta naqueles milhares de portugueses que tão galhardamente se batem na guerra diabólica que enfrentamos e que, antes de mais, nos deve preocupar, mas que não resolverá o problema de fundo sem que as vitórias militares sejam acompanhadas do progresso social, da ocupação económica, da expansão do ensino, enfim, do aportuguesamento de todo o território.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Pois queremos antecipar-nos afirmando que não desconhecemos tais sacrifícios, que do fundo do coração estamos reconhecidos a todos os que se batem, de cá e de lá. Que temos a maior admiração pelo nosso exército e, evidentemente, por todos aqueles que de algum modo colaboram na defesa do País.
O Sr. Roboredo e Silva: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Com certeza.
O Sr. Roboredo e Silva: - Eu desejaria, o que suponho estar no seu espírito, que onde V. Ex.ª disse que acreditava nos sacrifícios do nosso exército dissesse: «nos sacrifícios das nossas forças armadas».
Muito obrigado.
O Orador: - Tem V. Ex.ª toda a razão, Sr. Deputado Roboredo e Silva, eu penitencio-me e peço desculpa por essa omissão.
De resto, é uma omissão apenas naquilo que escrevi, e não naquilo que sinto dentro do meu coração - envolvo todas as forcas armadas, como é evidente.
Sem elas não estaríamos aqui representando Moçambique, já que Moçambique não seria mais território português.
Não temos a veleidade de admitir, por um segundo sequer, que poderia Moçambique resistir por si só à guerra que enfrentamos, e também não aceitávamos, nem
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sequer acreditamos, em soluções baseadas em qualquer espécie de auxílio externo. Temos como ponto assente que só nós, Portugueses, poderemos resolver um problema que é exclusivamente nosso.
E seja-nos permitido um pequeno parêntesis para render uma homenagem que se impõe e de há muito permanece no nosso espírito: a nossa D. G. S. Todos, mas todos, os encómios são devidos às nossas forças armadas.
Associamo-nos a todas as homenagens que lhe têm sido prestadas. Mas entendemos que pouco tem eido dito relativamente àquela fantástica e primorosa organização que é a Direcção-Geral de Segurança no ultramar, à qual tanto e tanto se deve, e que consideramos nenhum dinheiro do Mundo, fosse qual fosse a sua proveniência, poderia substituir.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Voltando, no entanto, ao assunto:
Não eram, pois, sacrifícios neste campo que tínhamos em mente. Outros há, como aqueles que suportam actualmente os portugueses de Angola e Moçambique, impossibilitados ato de deslocações dentro do seu próprio País por falta de cambiais - o que melhor podia ser suportável se se não conhecessem algumas injustiças e certas situações que muito contribuem para ia existência do problema.
Mas ainda em outros campos é necessário actuar decididamente, sacrificando orgulhos, sacrificando velhos e ultrapassados conceitos, sacrificando cómodas e injustificadas posições de privilégio no sector económico privado, abrindo mão de poderes que o bom senso e o interesse nacional manda que sejam transferidos para os governos locais, sem permitir que saudosismos ou outros naturais sentimentos humanos se sobreponham à inteligência e impeçam, assim, que se caminhe naquele sentido que uma visão clara e realista do problema indica como certo.
Sacrifícios que será necessário fazermos até para que não venham a tornar-se inúteis outros mais importantes.
Mas estamos a desviar-nos, antecipando-nos e deixando de seguir a linha lógica de pensamento que havíamos traçado.
Retomando, portanto, o nosso raciocínio segundo o qual deverá forçosamente a nossa política orientar-se no sentido da conservação do ultramar, não só vencendo os problemas de hoje, mas desde já ultrapassando-os, numa visão realista à distância que previna os possíveis problemas de amanha, apresenta-se-nos, portanto, a questão já numa segunda fase: qual a política que mais seguramente nos poderá conduzir aos objectivos que se pretendem alcançar?
E esta, afinal, a mais importante decisão que temos de tomar.
Foi, certamente, este -decisão sobre a nossa política ultramarina- o mais importante problema que enfrentou o actual Presidente do Conselho ao assumir o Poder.
E a decisão surgiu: descentralização ou crescente autonomia administrativa e financeira, consciente de que o progresso do ultramar, nomeadamente das províncias de Angola e Moçambique, se não compadece mais com um tipo de comando à distância que no campo económico vá muito além dias grandes decisões, das grandes obras, do estabelecimento das linhas mestras do rumo a seguir.
Para quê recordar toda a argumentação usada em defesa da descentralização? Entendemos que seria fastidioso reproduzir aqui as afirmações produzidas, as reformas anunciadas, que' todos certamente têm bem presentes.
E terá a decisão tomada sido a melhor? Em nosso entender só o foi após termos perdido AS esperanças de que poderia o Governo vir a admitir aquilo que considerávamos a melhor solução: uma verdadeira integração económica, utópica e impossível, 'no entanto, sem que se considerasse que implicava ela necessariamente b unificação da moeda. Mas de há muito compreendemos que o Governo Central não enveredaria por tal solução, considerada perigosa pêlos técnicos financeiros.
Fomos, portento, forçados a aceitar ter sido a mais lógica, «e não mesmo a única possível, e, assim, com ela nos regozijamos.
Não a discutimos, e o apoio que recebeu dos gentes do ultramar esteve bem patente nas eleições que nos trouxeram a esta Casa.
Aceitámos o caminho » seguir e preparámo-nos paru os sacrifícios que nos viriam a ser impostos como natural e lógica consequência de uma política à qual 'déramos todo o nosso apoio. Logo nos surgiram as dificuldades resultantes da nova orientação cambial, que, no entanto, acreditamos virá rapidamente a dinamizar os sectores produtivos da província, quando conjugada com a faculdade que ao Governo local terá de ser efectivamente concedida para actuar na correcção das deficiências que mais contribuem, para a existência e dimensão do problema.
Foi, pois, com este espírito que mós pronunciámos sobre a última revisão constitucional, e seja-nos permitido relembrar o que dissemos então:
Não perderei muito tempo em aplausos. Já no início desta legislatura, na minha primeira intervenção, expus o meu pensamento acerca do grau da autonomia que considero indispensável venha a ser concedido aos governos das províncias, congratulando-me então com a orientação que havia sido definida pelo Sr. Presidente do Conselho, precisamente na minha cidade - Lourenço Marques.
Às alterações que surgem na proposta do Governo, e que parece merecerem o apoio da grande maioria dos membros desta Assembleia, não representam mais do que um passo importante e imprescindível no seguimento da política então anunciada. Com elas me congratulo, embora o meu entusiasmo não vá ao ponto de deixar de compreender que o realmente importante será a aplicação prática daquilo que a Constituição facultará, que, de resto, já praticamente facultava, note-se. Quanto a mim, o principal grande mérito das alterações propostas reside no que elas demonstram de decisão no sentido de se verificarem alterações de facto. Importante será agora a revisão dia Lei Orgânica do Ultramar e dos estatutos político-administrativos das províncias ultramarinas e mais importante ainda será o espírito e a mentalidade dos homens a quem competirá a aplicação de tais leis.
A encerrar portento este assunto, até à discussão dos referidas leis - ocasião que considero a realmente oportuna para serem aprofundadas muitas das questões que têm agora sido levantadas - apenas quero registar que não comungo, nem comungamos, nós, em Moçambique, dos receios de alguns que parece temerem que a crescente autonomia a conceder às províncias possa conduzir, mesmo num futuro afastado, a uma desintegração do todo nacional.
Pois, -Sr. Presidente e Srs. Deputados, temos agora perante nós a reforma da Lei Orgânica do Ultramar, do-
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comento que deverá dar seguimento à política de descentralização.
Muito lamentamos, no entanto, ter de confessar que nos sentimos confusos perante a proposta do Governo e até perante o próprio parecer da Câmara Corporativa.
Será que o espírito da descentralização realmente se mantém? Mós, se se mantém, por que não surge ele claramente posto em prática, antes parecendo que haja a ideia de manter ou até aumentar a concentração de poderes no Ministério do Ultramar? For que se não definiram sequer os poderes futuros do Governador-Geral deixando que continuem a ser apenas residuais?
Enfim! Imensas perguntas poderíamos fazer. Muitas fizemos, aliás, na comissão eventual, e, francamente, não nos satisfizeram todas as respostas obtidas.
Cremos sinceramente que, apesar da notória hesitação, a verdadeira resposta esteja num excesso de prudência, num desejo de que seja gradual o processo de transformação, mantendo-se assim uma lei que não compromete, mas que permitirá um certo ceder lento de forca, naturalmente ü medida que as circunstâncias o aconselharem.
Acreditamos que seja esta a verdadeira razoo justificativa de uma reforma que tão pouco efectivamente reforma, dela resultando apenas uns .ténues passos, quase que um adiar da entrada em vigor da política anunciada ou um ganhar de tempo naturalmente ao intuito de permitir mais profunda ponderação ou preparação e adaptação de mentalidade a essa nova política.
E, neste campo - já aqui o afirmámos -, quer-nos parecer que a tarefa não será fácil, já que continuamos a notar a existência de fortes pressões contrárias à descentralização, que, naturalmente, terão tido também a sua influência na hesitação que agora se nota. Mas acreditamos, ainda, num excesso e prudência como primeira razão, pois nos repugna a ideia de que tenha havido o propósito deliberado de se recuar antes mesmo de se avançar. A ideia de que se terá decidido enveredar por um caminho diferente mantendo no entanto nos espíritos os princípios descentralizadores que, mesmo quando contrariados pelo articulado da lei, continuam a surgir como elemento justificativo dessa mesma lei.
Ora, sendo tussam,, como, repetimos, sinceramente acreditamos que seja, ficamos nós, no ultramar, a aguardar agora que surjam rapidamente as alterações indispensáveis e que as leis subsequentes, nomeadamente os estatutos político administrativos das províncias e sobretudo o espírito dos homens que os terão de fazer e executar, dêem, finalmente, algum corpo à ideia que não queremos ver abandonada.
E seja-nos permitido afirmar com a maior veemência e toda a convicção que este desejo não é ditado apenas pela nossa, qualidade de português ultramarino. Por estes mesmos princípios lutaríamos afincadamente se, conhecendo como conhecemos os problemas do ultramar e as suas gentes, fôssemos - como há vinte anos atrás- residentes na metrópole e aqui tivéssemos todos os nossos interesses. É que, Sr. Presidente e Srs. Deputados, compreendemos ser este o caminho a seguir para bem mão só do ultramar, mas da Noção inteira. Não ficaríamos bem com a nossa consciência se aqui não disséssemos com a maior clareza, como o fizemos na comissão eventual, que a Deforma, tal como está e «ó por si, não dará satisfação aos anseios das gentes de Moçambique, mesmo considerando as alterações ou inovações de prestígio que encerra (aliás nem todos têm a mossa concordância, entendendo-se aqui este «nossa» como pessoal), antes tendo criado um sentimento de frustração em todos ou quase todos os sectores da província, sentimento só
atenuado pela esperança de que venha a situação a modificar-se rapidamente.
Nós, que não temos esperança de que profundas alterações possam vir u vencer na discussão do projecto na especialidade, fazemos votos sinceros para que se não hesite por muito mais tempo no caminho firme da política realmente descentralizadora, que coloque os governos das províncias na posição que terão de ocupar para cabal desempenho da enorme tarefa que lhes compete realizar. E é na convicção de que assim será realmente que damos a nossa aprovação ú proposta na generalidade.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Carlos Ivo: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: Fastidioso seria da minha parte repetir a VV Exªs as circunstâncias que levaram as gentes do ultramar a amontoarem esperanças acerca da nova Lei Orgânica do Ultramar, esperanças essas que emergiram da revisão constitucional e de sucessivas declarações públicas, nomeadamente do Sr. Presidente do Conselho e do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros durante a entrevista que concedeu aos jornalistas, em Londres, em Março de 1971.
Dessa montanha de esperança e expectativa surgiu a proposta de lei n.° 19/X, que suscitou no ultramar os .sentimentos que já aqui foram descritos e assinalados, em forma que não poderei definir mais claramente do que já o fizeram os Srs. Deputados Dr. Lopes da Cruz e Dr. Sá Viana Rebelo.
Sem me embrenhar numa análise critica, sob o ponto de vista jurídico, das várias bases que constituem o articulado da proposta, tarefa a que não me abalançaria, poderá parecer que pouco mais há a acrescentar.
Contudo, sinto que não estaria a desempenhar-me honestamente do meu mandato como Deputado eleito pelo círculo de Moçambique se não trouxesse a esta tribuna o «porquê» dos sentimentos de frustração que se manifestaram por parte do sector, porventura mais evoluído e consciente, dos eleitores que me apoiaram como seu representante.
À esta Câmara, e especialmente aos Srs. Deputados menos conhecedores dos assuntos ultramarinos, também me vincula o dever de a esclarecer e informar da melhor maneira que souber e puder.
Os Srs. Deputados que já visitaram o ultramar compreenderão este meu escrúpulo e a razão por que não basta dizer que não gostamos: é preciso dizer porque é que não gostámos.
Antes, porém, de o fazer, e para evitar qualquer má interpretação ou significado menos exacto que as minhas palavras possam transmitir, peço a VV. Ex.ªs para recordar e transcrever, da intervenção que proferi durante o debate na generalidade, da revisão constitucional, as passagens que se seguem:
[. . .] se a integração puramente política foi, continua a ser e será sempre uma. realidade que se traduz pela unidade nacional, e dela constitui um substrato indiscutível, já uma integração administrativa parece estar em franca contradição com o conceito de diferenciação exigida pelas situações geográficas e condições do meio social dos várias parcelas do território nacional.
E mais adiante disse ainda:
Partindo da aceitação, que será sempre disciplinada, das grandes directivas políticas ao nível nacional e que têm de emanar do Governo Central, desejamos
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que, à medida gire mostramos capacidade e maturidade para tal, os problemas de âmbito provincial possam ser resolvidos pêlos órgãos de gestão pública que n proposto de lei pretende pôr ao nosso dispor.
Assim definimos a «crescente autonomia» que tanto receio infunde a alguns e que se resume, ao um e ao cabo, numa simples descentralização administrativa.
E, afinal, por que é que é tão simples como isto? For causa de uma circunstância, de um estado de espírito, chamemos-lhe até uma mística, que pela sua singeleza e naturalidade nem merece ser avaliada e muito menos posta ti prova: é a de sabermos que nenhum de nós pensa sequer em deixar de ser português!
Posto isto, passarei a apresentar na generalidade algumas das razões que, segundo julgo saber, não foram bem aceites no ultramar e especificamente em Moçambique.
Os pontos de contestação que me proponho individualizar resultam, como é lógico, de uma inevitável comparação entre as disposições contidas na Lei Orgânica em vigor e na proposta de lei agora perante a Assembleia.
São veículo determinante desta comparação os dispositivos da Constituição revista, especialmente os preceitos consignados nos artigos 135.° e 136.° e que, por integralmente transcritos, constituem a essência das bases III e IV da proposto de lei. Picam assim estabelecidos, em bases novas, as competências fundamentais das províncias, por um lado, e dos órgãos de soberania» da República, pelo outro.
É aqui que, perante a definição mais pormenorizada das competências atribuídas aos vários órgãos de. governo próprio dos províncias ultramarinas, parece começarem a surgir certas contradições que, para nós, são incompreensíveis e que se traduzem por competências paralelas centralizadas no Ministério do Ultramar.
A mudança de nomes aplicada a alguns dos órgãos de governo próprio dos províncias ultramarinas -Assembleia Legislativa em vez de Conselho Legislativo, e Junta Consultiva Provincial em vez de Conselho Económico e Social - não parece revestir qualquer finalidade prática, nem qualquer justificação se encontra no parecer da Câmara Corporativa.
A competência do Governador-Geral, a despeito de passar a ter honras de Ministro de Estado, não. foi aumentada no que respeita às suas relações com o Ministério do Ultramar, o que constituiria um passo em. frente no tão desejado processo de descentralização.
A competência da Assembleia Legislativa apresenta-se agora bem definida, mas a conveniência de o seu presidente ser o Governador-Geral, a quem está confiada a chefia da função executiva, suscita dúvidas que n fio devem ser ignorados.
Quanto à Junta Consultiva Provincial há que aplaudir a reintrodução, proposta pela comissão eventual, da obrigatoriedade da sua audição quando o Governador exercer a sua função legislativa fora dos períodos de funcionamento dia Assembleia Legislativa. A omissão desta obrigatoriedade na proposta de lei era notória, pelo que estou certo de que a proposta da comissão não deixará de merecer a aprovação desta Assembleia.
Resulta, dos reparos feitos a breve explicação» que pretendi dar do mau acolhimento que a proposta de lei teve no ultramar, e se é que tão complexa .panorâmica pode ser resumida a um mínimo absoluto de pólos de discordância, eu creio que eles poderão ser individualizadas de forma seguinte:
l.º Uma continuada e demasiada centralização de poderes no Ministério do Ultramar, nas suas relações com os governos provinciais contou o que era de prever depois da (revisão constitucional;
2.º A falta de precisão no anunciado das competências do Ministro ido Ultramar;
3.° A falta de directivas quanto à descentralização interna dos serviços provinciais. Esperemos, porém, que este aspecto possa ser resolvido por via dos respectivos estatutos político-administrativos.
4.° De uma manearia gerai, embora, se aceite como inevitável a existência da uma tutela mãos ou mero» rígida, o que já parece desnecessário é a manutenção de um paternalismo que não se justifica perante o crescente desenvolvimento do ultramar.
Tive sérias hesitações quanto ao voto que devia dar na generalidade a esta proposta de lei; mas ponderada e, decisão à luz da minha, embora limitadíssima, experiência parlamentar cheguei à conclusão de que votar pedi» sua rejeição seria apenas uma fútil atitude quixotesca.
Com sérias «servas quanto à várias disposições na especialidade, darei, no entanto o meu voto muito relutante à presente proposta de lei.
Muito obrigado, Sr. Presidente.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: Vou encerrar a sessão.
Amanhã haverá sessão, à hora regimental, tendo como ordem do dia a continuação, e espero que conclusão, da discussão na generalidadee da proposta de lei de revisão de Lei Orgânica do Ultramar.
Previno VV. Exas. de que, também para atender ao grande número de inscrição par o período de antes da ordem do dia, prevejo a necessidade de sessões de manha na Quinta e Sexta feira próximas.
Está encerada a sessão.
Eram 18 horas a 5 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Alberto Eduardo Nogueira Lobo de Alarcão Silva.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Augusto Domingues Correia.
Camilo António de Almeida Gama Lemos de Mendonça.
Deodato Chaves de Magalhães Sousa.
Fernando do Nascimento de Malafaia Novaís
Francisco Manuel de Meneses Falcão.
Henrique Veiga de Macedo.
João António Teixeira Canedo.
João Duarte Liebermeister Mendes de Vasconcelos Guimarães.
João Paulo Dupuich Pinto Castelo Branco.
Joaquim de Pinho Brandão.
José Coelho Jordão. José Dias de Araújo Correia.
José Gabriel Mendonça Correia da Cunha.
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José de Mira Nunes Mexia.
José Vicente Pizarro Xavier Montalvão Machado.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Manuel Artur Cotta Agostinho Dias.
Nicolau Martins Nunes.
Teótilo Lopes Frazão.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortes.
Srs. Deputados que faltaram a sessão:
Alexandre José Linhares Furtado.
António Bebiano Correia Henriques Carreira.
António Pereira de Meireles da Bocha Lacerda.
Armando Valfredo Pires.
Fernando David Laima.
Fernando de Sá Viana Rebelo.
Francisco Manuel Lumbrales de Sá Carneiro.
Francisco de Nápoles Ferraz de Almeida e Sousa.
Henrique dos Santos Tenreiro.
João José Ferreira Forte.
João Pedro Miller Pinto de Lemos Guerra.
João Ruiz de Almeida Garrett.
Joaquim Jorge Magalhães Saraiva da Mota.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Jorge Augusto Correia.
José da Gosta Oliveira.
José Guilherme de Melo e Castro.
Luís Maria Teixeira Pinto.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel José Archer Homem de Mello.
Manuel Marques da Silva Soares.
Manuel Martins da Cruz.
D. Maria Raquel Ribeiro.
Rafael Valadão dos Santos.
Ramiro Ferreira Marques.de Queirós.
Vasco Maria de Pereira Pinto Costa Ramos.
Victor Manuel Pires de Aguiar e Silva.
O REDACTOR - José Pinto.
Proposta enviada para a Mesa durante a sessão:
Proposta de emenda
Nos temos do artigo 37.° do Regimento propomos que na base XXXVI, n.° III, da proposta de lei n.0 19/X seja suprimida, a parte final, ficando com a seguinte redacção:
Para es reuniões do Conselho de Governo podem ser convocados o procurador da República e o comandante-chefe das Forcas Armadas da província.
Sola das Sessões da Assembleia Nacional, 25 de Abril de 1972. - Os Deputados: Filipe José Freire Themudo Barata - Manuel Joaquim Montanha Pinto - Manuel Monteiro Ribeiro V cioso - António Júlio dos Santos Almeida - João Duarte Liobermeister Mendes do Vasconcelos Guimarães.
Texto aprovado pela Comissão de Legislação e Redacção
Decreto da Assembleia Nacional sobre organização judiciária
Base I
1. Nas comarcas em que o movimento de processos penais o exigir haverá juízos de instrução criminal.
2. A competência dos juízos de instrução criminal compreende os feitos instruídos pela Policia Judiciária.
Base II
1. Cabe aos juízos de instrução criminal:
a) Exercer as funções jurisdicionais durante a instrução preparatória e durante a instrução contraditória nos processos comuns e nos processos de segurança instruídos pela Polícia Judiciária;
b) Dirigir a instrução contraditória;
b) Proferir os despachos de pronúncia ou equivalentes e os despachos de pronúncia.
2. Nas comarcas onde existir mais do que um juízo de instrução criminal, o serviço é distribuído pela forma que for estabelecida em regulamento.
Base III
1. No Tribunal Cível de Lisboa a no do Ponto haverá tribunais colectivos nas -varas e nos juízos.
2. O tribunal colectivo das varas é constituído pelo presidente da vara onde corre o processo e por dois corregedores adjuntos.
8. O tribunal colectivo dos juízos é constituído pelo juiz do juízo por onde corre o processo, que preside, e por dois dos titulares dos outros juízos.
3. A distribuição do serviço entre os juizes vogais dos tribunais colectivos será determinada em regulamento.
Base IV
1. No Tribunal Criminal de Lisboa e no do Porto, quando não funcionem em plenário, haverá tribunais colectivos nos juízos criminais e poderão ser instituídos tribunais colectivos nos juízos criminais e de polícia.
2. O tribunal colectivo dos juízos criminais é constituído pelo corregedor do juízo criminal por onde corre o processo, que preside, e por adjuntos, que serão os titulares de outros juízos criminais, dos juízos correcionais ou do tribunal de polícia.
3. O tribunal colectivo dos juízos correccionais e do tribunal de polícia será constituído pelo juiz do juízo por .onde corre o processo, que preside, e por dois titulares de outros juízos correccionais ou de polícia.
4. O encargo de tirar acórdão caberá sempre ao presidente do tribunal.
Base V
Quando se verifique que o serviço das comarcas é diminuto e não convenha a administração da justiça ou à comodidade dos povos a extinção de qualquer delas, poderá ser nomeado um só juiz para grupos de comarcas.
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Base VI
1. O Ministério Público junto dos tribunais é representado:
a) No Supremo Tribunal de Justiça, pelo procurador-geral da República ou pelo seu ajudante que for designado;
b) Em cada Relação, por um procurador da República;
c) No plenário de cada tribunal criminal e nas sedes de círculos judiciais em que se mostre aconselhável, por adjuntos do procurador da República;
d) Em cada tribunal de comarca, juízo ou vara e em cada tribunal de execução dos penas, por um delegado do procurador da República;
e) Nos juízos de instrução criminal das sedes das comarcas em que a Polícia Judiciária disponha de inspectorias, pelo inspector que tenha dirigido a instrução preparatória e, nos demais, pelo representante do Ministério Público junto da comarca sede, ou, se houver mais do que um, por aquele que tenha tido a seu cargo a fase preliminar do processo;
f) Em cada julgado municipal, por um subdelegado do procurador da República.
2. Haverá também adjuntos do procurador da República nas procuradorias junto das Relações com as funções que lhes forem designadas pelo respectivo procurador.
3. Aos adjuntos do procurador da República pode ser atribuída, exclusiva ou cumulativamente, a representação do Ministério Público em grupos de círculos judiciais; aos delegados do procurador da República pode ser atribuída a representação do Ministério Público em mais de um tribunal de comarca, vara ou juízo.
4. No caso de impedimento do inspector que tenha dirigido a instrução preparatória, a Polícia Judiciária designará o inspector que deve substituí-lo no juízo de instrução criminal.
Sala das Sessões da Comissão de Legislação e Redacção da Assembleia Nacional, 22 de Abril de 1972.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Henrique Veiga de Macedo.
João Bosco Soares Mota Amaral.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
Miguel Pádua Rodrigues Bastos.
Rafael Ávila de Azevedo.
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IMPRENSA NACIONAL
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