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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA-GERAl DA ASSEMBLEIA NACIONAL E DA CÂMARA CORPORATIVA
DIÁRIO DAS SESSÕES N.° 190
ANO DE 1972 28 DE ABRIL
ASSEMBLEIA NACIONAL X LEGISLATURA
SESSÃO N.° 190. EM 27 DE ABRIL.
Presidente: Exmo. Sr. Carlos Monteiro do Amaral Netto
Secretários: Exmos. Srs.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira
Amílcar da Costa Pereira Mesquita
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a, sessão às 11 horas e 25 minutos.
Antes da ordem do dia. - O Sr. Deputado Maximiliano Fernandes referiu-se à necessidade de resolução de alguns dos graves problemas ocasionados pela longa ocupação aos territórios do Estado da Índia.
O Sr. Deputado Nogueira Rodrigues choutou a atenção do Governo para. aspectos dúbios do indeferimento da passagem de títulos de propriedade rural em Angola.
O Sr. Deputado Meneses Falcão apontou algumas das deficiências de que enferma a máquina administrativa, no que à administração municipal diz respeito.
O Sr. Deputado João Manuel Alves analisou as principais carências da rede de viação rural do concelho de Mortágua.
Ordem do dia. - Na primeira parle da ordem do dia foi aprovado o texto da Comissão de Legislação e Redacção relativo ao decreto da Assembleia Nacional nobre a organização judiciária.
Na segunda parte da ordem do dia concluiu-se a discussão na generalidade da proposta de lei sobre a revisão da Lei Orgânica do Ultramar, tendo usado da palavra o Sr.. Deputado Almeida Coita.
Iniciou-se em seguida a discussão na especialidade da referida proposta de lei, tendo sido aprovadas, algumas com alterações, as bases I a VII inclusive, e uma base nova.
No debate intervieram os Srs. Deputados Moura Ramos, Neto Miranda, Vaz Pinto Alves e Casal-Ribeiro.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 13 horas.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 11 horas e 10 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Albano Vaz Pinto Alves.
Alberto Eduardo Nogueira Lobo de Alarcão e Silva.
Alberto Marciano Gorjão Franco Nogueira.
Alberto Maria Ribeiro de Meireles.
Amílcar da Costa Pereira Mesquita.
António Bebiano Correia Henriques Carreira.
António Fausto Moura Guedes Correia Magalhães Mon-
tenegro.
António da Fonseca Leal de Oliveira.
António Lopes Quadrado.António Pereira de Meireles da Bocha Lacerda.
Armando Júlio de Boboredo e Silva.
Artur Augusto de Oliveira Pimentel.
Augusto Salazar Leite.
Bento Benoliel Levy.
Carlos Eugênio Magro Ivo.
Carlos Monteiro do Amaral Netto.
D. Custódia Lopes. Delfino José Rodrigues Ribeiro.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Eleutério Gomes de Aguiar.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Fernando do Nascimento de Malafaia Novais. Francisco António da Silva. Francisco Correia das Neves.
Francisco Esteves Gaspar de Carvalho.
Francisco João Caetano de Sousa Brás Gomes.
Francisco Manuel de Meneses Falcão.
Francisco de Nápoles Ferraz de Almeida e Sousa.
Gabriel da Costa Gonçalves.
Gustavo Neto Miranda.
Henrique José Nogueira Rodrigues.
Humberto Cardoso de Carvalho.
João Lopes da Cruz.
João Manuel Alves.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
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corresponder aos justos anseios de alguns dos seus servidores e de muitos dos nossos concidadãos da outra margem do Indico - sôfregos do contacto com a Pátria -, mas especialmente para, em coerência com o nosso credo, fortificarmos a presença de Portugal naquela longitude.
A outro problema nos queremos referir, não só por se arrastar há mais de dez anos sem vislumbre de solução, mas também porque representa uma angústia para muitos que em vão vêm procurando que justiça lhes seja feita.
Trata-se dos depósitos em dinheiro e dos objectos dados em penhor que,' à data da ocupação do Estado da índia, se encontravam na posse do Banco Nacional Ultramarino - banco emissor daquele território e único ali existente -, que nessa altura se viu na contingência de os transferir pana a metrópole.
Para muitos desses depositantes os valores em causa constituíam as únicas economias da sua vida, mas para quase todos eles as enormes dificuldades ou
Por razões de normal hermenêutica bancária que não prevê circunstâncias anormais desta natureza ou por quaisquer outros motivos, decerto excedendo o seu alcance ou a sua competência, aquela entidade não tem efectuado pagamentos aos referidos depositantes, resultando infrutíferos os esforços feitos por muitos destes para obterem o reembolso dos seus valores.
Ora, estamos face a condições inesperadas e excepcionais criadas per uma situação política, a que são alheios tanto aquela prestigiosa instituição como os mencionados depositantes, mas o que aflora como evidente é que, enquanto estes têm indiscutível direito às importâncias depositadas, para o Banco subsiste a inegável obrigação de as pagar.
Porque tanto o exercício desse direito como o cumprimento daquela obrigação têm sido dificultados pela anormalidade da situação e por razoes totalmente fora da vontade de uma e da outra parte, torna-se imprescindível proporcionar ao Banco os meios legais ou burocráticos para poder proceder ao pagamento em causa, assegurando-se ao mesmo tempo aos clientes interessados uma forma simples e expedita para poderem correntemente reaver o que lhes pertence.
Razões de justiça, de ordem económica e até de interesse político nos levam a pedir ao Governo a urgente promulgação de medidas tendentes a facilitar aqueles operações e estamos certos de que a sua oportuna intervenção tanto será acolhida com alívio e gáudio pêlos interessados como contribuirá até para aumento do próprio prestígio daquela instituição bancária.
À boa solução dos singulares problemas que acabamos de expor constituirão sinal da vivência do Estado da índia nos nossos corações e prova da nossa contínua solidariedade com o seu povo, que de tão longe sofre a saudade do nosso convívio.
Com esperança, portanto, a aguardamos.
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Nogueira Rodrigues: - Sr. Presidente: Nos termos do Regulamento de Concessão de Terrenos nas Províncias Ultramarinas, pelo seu artigo 197.°, «aos titulares de propriedade perfeita, não adquirida por concessão ao Estado, sobre prédios identificados quanto à localização, área e forma pêlos processos de demarcação definitiva, poderá ser passado título».
Este «poderá ser passado título» não traduz uma simples possibilidade, mas antes um poder vinculado. Não um poder. discricionário, dependente de puras razões de conveniência administrativa, mas o que tradicionalmente se designa por poder-dever. E isto porque, nos termos do mesmo Regulamento, o Estado somente reconhece os direitos que sejam titulados pelo cadastro.
Abstendo-me de considerações acerca da possível inconstitucionalidade do diploma, na medida em que parecem subvertidos todos os princípios da propriedade privada, ã questão ganha extrema acuidade com o indeferimento da passagem de títulos em relação a terrenos situados entre as margens dos rios Bengo e Cuanza.
Ora, a lei diz, no mesmo Regulamento, que o requerimento de passagem de título «será instruído com certidão dia Conservatória do Registo Predial, de que constem a descrição do prédio, a inscrição da propriedade plena a favor do requerente e todos os actos de aquisição, originária ou derivada, relativos ao prédio».
Por sua vez, o § 3.° do artigo 197.°, no mesmo Regulamento, determina que «será recusada a passagem de título quando da certidão resultem dúvidas acerca do direito invocado pelo requerente».
Pois, apesar de os titulares da propriedade plena terem os seus prédios descritos na Conservatória, donde consta a inscrição daquela propriedade a seu favor, os seus pedidos foram indeferidos, com fundamento em que era necessário provar que os terrenos haviam sido concedidos pelo Estado (caso das antigas doações régias), ou que haviam sido adquiridos por prescrição, havendo já sentença com trânsito em julgado que a declare.
E isto porque, refere-se, «pela Lei de 9 de Maio de 1901, o Estado considerou como seu património todos os terrenos que à data não constituíssem propriedade particular, nos termos da lei portuguesa, proibindo-se mais tarde pelo artigo 210.° do Regulamento de Tetras de 1919 a justificação da mera posse».
A exigência de que a propriedade plena tivesse sido constituída por prescrição constante de sentença é absolutamente inaceitável e está em contradição com o referido artigo 197.° do Regulamento que atrás transcrevo, que indica que da certidão que instrui o pedido do título devem constar todos os actos de aquisição originária ou derivada. Ou derivada, significa que a exigência da aquisição originária - como é o caso da prescrição - não é o único tipo de direitos reconhecidos em face da lei.
Por outro lodo, o indeferimento dos títulos parece-me ainda mais absurdo e mesmo gritante em relação aos terrenos cujo registo é anterior a 1901, anterior, portanto, à referida Lei de 9 de Maio de 1901.
Por conseguinte, afigura-se-me que não só as disposições do Regulamento de Ocupação e Concessão de Terrenos - na medida em que só permitem o reconhecimento do direito de propriedade a quem tiver título dos terrenos fora de Luanda - implica já uma extensa limitação daquele direito em face das normas das leis portuguesas, como a interpretação restritiva que das suas disposições é feita pela Administração, manifestamente subverte todo o estatuto da propriedade privada, tal como o reconhece o direito português.
Efectivamente, não pode esquecer-se que os nossas leis tanto reconhecem as formas de aquisição originária como derivada da propriedade e que nos termos do disposto nos diplomas reguladores do registo «o registai definitivo constitui presunção não só de que o direito registado existe, mas de que pertence a pessoa em cujo nome está inscrito, nos precisos termos em que o registo o define».
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As actuais soluções da Administração, a que se deu a maior divulgação na imprensa, só pode bei- a virtude de criar a insegurança e a incerteza naqueles que, agregados às suas terras, se fixam pela província adentro e nela empregam o seu suor, o seu trabalho.
Quanto à certidão dia Conservatória do Registo, que tem como fim assegurar a confiança nas relações jurídicas, nada vale; é bom que se tomem medidas, e urgentemente, esclarecendo de vez dúvidas, se dúvidas existem nesta matéria.
E dever do Estado assegurar a paz das relações jurídicas, dando ele e desde logo o melhor exemplo do cumprimento da lei.
E não se cria essa desejada confiança e paz quando inúmeros processos pendentes há anos nos Serviços Geográficos e Cadastrais de Angola, em que a Administração promoveu diversos passos, onerosos na sua maior parte, são agora, inesperada e ao que parece ilegitimamente, fulminados por se entender que libes falta base legal.
Ao cabo de anos de procedimentos, andamento processual que muitas vezes implicava dispendiosos trabalhos de levantamento topográfico, agora é que os processos são anulados, por verificação de falta de elementos que haviam, todavia,, sido verificados, ou que é de supor que o tivessem sido.
Há todo um esclarecimento a exigir. O estatuto da propriedade não pode assentar em bases dúbias. Assim não acontece na metrópole e assim não deve acontecer nas outras parcelas da Nação.
Se há toda uma política de terrenos a empreender em Angola, impõe-se que a mesma se cumpra de acordo e em obediência às normas legais, que não faltam nesta matéria, desde logo as reguladoras da expropriação por utilidade pública.
É para tanto que, com o que acabo de dizer, pretendo chamar a atenção urgente do Governo.
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Meneses Falcão: - Sr. Presidente: As considerações que vou fazer são ditadas por uma preocupação que aflige muita gente e poucas vezes é denunciada pública, clara e abertamente, por força de uma das seguintes razões:
Ou excesso de recato com a preocupação de não ferir susceptibilidades, ou erro de medida que atira para o campo das ninharias elementos essenciais à consistência que supomos assegurada noutra escala de grandezas.
A verdade é que o momento que passa não é próprio para desperdícios de cortesia nem para ignorar que migalhas também são pão.
Fiel a esta ideia, direi que a nossa máquina administrativa, nos aspectos em que a conheço, necessariamente os de feição mais convencional, peca por deficiências que nada têm que ver com a solidez dos princípios, com o estabelecimento das bases, com a isenção e dignidade dos altos comandos, mas com a falta de homens que a sirvam e a negligência de alguns que a servem mal.
Para mim tem sentido inteiramente válido a expressão «crítica construtiva»; e é por via disso que trago novas declarações a um tema que não é novidade, fazendo reparo na circunstância de verificar o empenho de muitas pessoas a bater no que é sólido, talvez na ânsia de estragos irreparáveis, descurando o interesse das correcções ao nosso alcance.
E será aqui que se encontra explicação para a tese do «quanto pior, melhor».
Sem pensar que tudo se pode esperar da obra e graça de uma varinha mágica, que existe na imaginação fantasiosa de muita gente, congratulo-me com a generalidade dos portugueses, que assistem confiantes a um esforço crescente para a conquista de melhores condições de vida para todos.
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - Esforço a que se chama em muitos sectores «arrancada», mas não deverá perder a imparcial designação de «continuidade», se quisermos dor o seu a seu dono.
Não vem ao caso marcar pontos na classificação das grandes realizações, mas aceitemos que elas existem e vão dando nova feição à nossa vida económica e político-social.
Basta saber se a ânsia de novidade não poderá ser prejudicada por efeitos secundários.
De qualquer modo, respeitando a segurança do traçado que vem de longe ou metendo por atalhos à procura de trilhos quo permitam chegar mais depressa, o que interessa é garantir um passo certo na tarefa consciente de todos, que não pode ser ignorada pela irreflexão, ou mesmo sabotada pela negligência de alguns.
Estas imagens, são inspiradas no que por aí vai de apreensões, recriminações, optimismo desmedido e pessimismo descabido.
Há uma natural tendência para procurar a razão de todos os males na infracção à cartilha que estudámos, cobrindo todas as soluções com princípios e sentenças que até adoptaram uma linguagem emprestada.
As verdades comezinhas, as soluções palpáveis, vão para o tal campo das ninharias, como que tocar-lhes seja descer do pedestal.
Poderiam ser abertos aqui vários capítulos para falar, a nível caseiro, de educação e ensino, assistência hospitalar, previdência social, desenvolvimento regional, etc.
Tocarei apenas e levemente no problema da administração municipal, e só para lembrar a ligação que tem com todos os outros e a importância de que se reveste como instrumento de acção na administração geral, porventura o único que as grandes massas populacionais conhecem de perto.
E conhecem até ao ponto de não se verem noutro espelho, fazendo dele padrão para todas os medidas.
Na hora do julgamento para as decisões eleitorais é ali que se pedem todas as meças. Há muita gente que ainda não entendeu isto.
Não está em causa considerar que a generalidade dos muitos responsáveis pela administração rural trabalha gratuitamente, nem importa ir aí buscar comparações, até porque, embora verificada a tendência para ser assim cada vez menos, ainda encontramos melhores frutos no trabalho por devoção do que no imposto por obrigação.
O que importa é verificar que, mais do que os meios, falham os métodos; mais do que a limitação dos recursos materiais, conta, negativamente, a inoperância.
Bicos, pobres e remediados, os municípios cobrem o País como uma manta de retalhos em que a desigualdade chega a ser chocante.
Bem certo que há condições naturais que arrastam muitos condicionalismos e que o desenvolvimento regional há-de ser comandado por todas as potencialidades, quer sejam da natureza geográfica ou humana.
Também é certo que muito justa e ordenadamente as comparticipações do Estado, na sua percentagem, funcionam na razão inversa dos recursos locais.
Poderemos acrescentar que uma coisa é a percentagem usada e outra é a presença efectiva da comparticipação
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num ambiente de justiça distributiva; sem pedir o milagre da multiplicação dos pães.
Mas nesse ambiente talvez colha o argumento do dinamismo dos directamente interessados.
Na vastidão deste campo de análise, pretendo apenas remeter-me para uma das tais constatações que andam muito cá por baixo e vão fazendo estragos irreparáveis, sempre a coberto da classificação errada de aspectos secundários.
Usando e abusando da sua hora, uma boa parte dos nossos técnicos faz letra morta de necessidades, urgências e compromissos, usando o primeiro travão na máquina cujo movimento desejaríamos uniformemente acelerado.
Vêm depois as repartições onde os já retardadas iniciativas, param, frente ao argumento da falta de gente.
Argumento válido, mas que vai ficando com as costas muito largas!
O Sr. AvIla de Azevedo: - Muito bem!
O Orador: - Numa câmara municipal, onde podem faltar técnicos - normalmente faltam -, se entrarem mensalmente dezenas ou centenas de projectos que exigem exame cuidado, terão estes que ser despachados a curto prazo, sob pena de funcionarem como aprovados com todos os direitos para o interessado, que não tem obrigação de esperar mais.
E isto está certíssimo. De outra maneira não se anda.
Mas, aguardar meses e meses que uma repartição superior conceda o sim ou o não numa formalidade que a lei impõe, quantas vezes em contradição com o princípio da autonomia dos municípios, é que é flagrante e demolidora injustiça.
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - Há respostas que, na realidade, requerem estudo, mas a verdade é que elas vêm ao fim de longos tempos e nem sempre estudadas.
Ou estudadas à luz de posições teóricas que a prática não aceita e prejudicam particularismos tão aceitáveis como impossíveis de ignorar.
Entretanto, tudo pára ... ainda mesmo que seja uma solução essencial & vida dos povos.
Daí as agressões aos pobres responsáveis pela administração local, cujo dinamismo - quando existe - é fantasia para os sectores governados e impertinência para os sectores governantes.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Agravando a situação surge, neste ambiente e com frequência, outro fenómeno cujos inconvenientes são de apontar, não obstante a boa intenção que lhe dará origem.
Nos pequenos núcleos populacionais a braços com problemas, os mais impacientes, geralmente os indocumentados e algumas vezes os mal intencionados, fazem exposições ou reclamações que dirigem às mais altas esferas.
Pois há sempre uma resposta pronta e confortava para estes recalcitrantes que não se acomodam com a lógica das explicações -não confundir com o legitimo recurso perante negligências ou arbitrariedades - e não raras vezes conseguem directamente ou por portas travessas aquilo de que os órgãos administrativos idóneos não foram capazes!
Resulta daqui prestígio para os poderes centrais? Talvez.
Mas a administração local fica desprestigiada para todos os dias, enquanto se esquece facilmente a cortesia de um momento.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Toda a entidade que se dá' ao interesse público e, para o servir, leva colaboração aos bastidores, à força de ir recebendo em troca a sensação de que pede favores, cansa-se.
Não quero terminar sem declarar que sinto a tranquilizante garantia das forças impulsionadoras mais responsáveis e que sou testemunha do mais nobre esforço de membros do Governo, que estão a pôr toda a sua inteligência e acção na tarefa que enfrenta todos as dificuldades encontradas no ambiente que apontei; sem testemunhar o trabalho exaustivo de directores de serviços com quem tenho contactado, que trabalham por si, pêlos colaboradores que lhes faltam e até por alguns que faltam aos seus deveres.
O Sr. Ávila de Azevedo: - Muito bem!
O Orador: - É de elementar justiça reconhecer publicamente que um grande número de dedicações realiza tarefa de alto mérito no efectivo progresso deste país.
Mas não deixemos de confessar que poderíamos chegar mais longe e mais depressa com uma generalizada consciencialização do dever, que chamasse toda a gente ao trabalho de realizar, em vez da tarefa de desacreditar e exigir dos outros realizações que são obrigação de todos.
Bem sabemos que não é para todos o trabalho por devoção, mas não nos esqueçamos de que a Nação só pode pagar o que deve quando produzir o que pode.
Vozes: -Muito bem!
O Sr. João Manuel Alves: - Sr. Presidente: Já, em tempos, aqui me referi ao grave problema que represento para o País o atrofio da execução, em certas zonas mais deprimidas, da rede de viação rural.
No meu distrito é sobretudo nos concelhos do Norte que aparecem generalizadas essas carências.
Mas é numa concelho do extremo Sul que., em termos absolutos, a realização do esquema de viação rural previsto se encontra em maior atraso. Atraso tanto mais notável quanto é certo que os concelho limítrofes se encontram razoavelmente equipados.
Refiro-me ao concelho de Mortágua.
E antes de passar a descrever o quadro sombrio, mesmo negro, que este concelho nos apresenta, de justiça é que se realce, até para estabelecer o contraste, as suas potencialidades e virtudes.
Desenvolvendo-se territorialmente no ponto de encontro do planalto central e dos serras do Caramulo e do Buçaco, adi vêm confluir vários cursos de água, de maior volume os que procedem do planalto -o Mondego, q Dão e o Gris-, de menor volume, mas de maior importância para aquelas terras, os que descem das vertentes próximas.
Daqui resulta uma diversificação bem marcada de solos.
Ali, no fundo dos vales, por onde corre o regato remansoso, terra úbere, aproveitada até ao mais pequeno palmo porá as diversas culturas; além, duas extensas várzeas com alguns quilómetros de extensão, precisamente a marcar -os fronteiras do planalto central com a serra do Caramulo e a interceptar, em parte, esta da do do Buçaco, onde a terra não regateia facúndia: . '
Todavia, este solo arável representa menos de 5 por cento de todo o território concelhio.
Os restantes 95 por cento são as encostas e os- montes de pobre constituicão argilosa, onde há poucas décadas
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apenas crescia a, urze, o tojo e a carqueja, a servir de apoio a uma débil economia pecuária de índole pastoril.
Porém, a tenacidade para a qual não há obstáculos, o espírito de sacrifício que não conhece limites, uma sadia emulação que não permite desequilíbrios económicos e que são as virtudes e a riqueza principal das gentes de Mortágua, haviam de fazer o milagre.
E sem ajudas oficiais de qualquer ordem, nem técnicas nem financeiras, apenas contando consigo próprios, recorrendo ao crédito particular, tantas vezes gravoso, quando a ordem que veio de cima foi a de reconversão dos terrenos incultos em floresta, a determinação foi cumprida.
E ali cresce hoje, ocupando 95 por cento da área do concelho, a zona florestal mais densa e talvez mais racional da Beira interior.
Nisso, o Estado não investiu um tostão e também não o consentiram as orgulhosas gentes de Mortágua que ali se viesse instalar, para o efeito, capital estranho.
For via disso, por virtude de uma utilizarão quase total e racional dos solos e ainda porque nele existem algumas dos unidades industriais mais representativos do distrito, de iniciativa dos suas gentes, é este o concelho que apresenta os melhores índices de crescimento daquela região, com distorções positivas nalguns deles, muito para cima dos médias regionais.
Mas, Sr. Presidente, a este esforço do sector privado, direi melhor, a esta determinação das gentes de Mortágua em investir na sua terra com suor e amor não tem correspondido uma acção equivalente do sector público.
E o panorama é simplesmente desolador no que toca à viação rural.
Bastará atentar em que, de cerca de 90 km previstos de estradas e caminhos municipais classificados, apenas se encontram concluídos 18 km, ou seja somente 20 por cento do total.
Deste modo, são em número de 22, incluindo duas sedes de freguesia, as povoações com mais de 100 habitantes que não têm qualquer acesso.
Ali não vão os veículos motorizados normais. Só a pé, em carros de bois e, ultimamente, de acesso.
Quem, por dever de ofício, tenha de percorrer com frequência o concelho, como é o caso dos médicos, há-de prevenir-se, para o exercício da profissão, do veículo adequado, que não é de modo nenhum o automóvel vulgar.
Ainda há relativamente pouco tempo, para proceder à inauguração da luz eléctrica num numeroso grupo de povoações, ali se deslocaram várias entidades oficiais.
Pois durou um dia essa caminhada pelas falidas da serra do Bucaço, e o único transporte que foi possível utilizar em todos os percursos foi o Land Rower.
Mas não é apenas a comodidade dos povos que está em cousa. É também a própria economia do concelho.
Como há pouco referi, domina ali a floresta - pinho e eucalipto.
Ora, a falto de acessos determina, por um lodo, que o transporte onera demasiado o seu custo, em prejuízo do produtor, e, por outro, que os subprodutos do corte e do desbaste ficam totalmente desaproveitados e a apodrecer nas motas, visto o seu preço não compensar a careza do transpor-te em tais condições.
E, assim, perdem-se anualmente em Mortágua alguns milhares de cantos.
Ao trazer à Assembleia este quadro sombrio de um concelho que não o merece, não pretendo avexar seja quem for.
Sei que os sucessivos responsáveis pela administração local puseram na solução deste magno problema o melhor empenho.
Conheço também o espírito de missão com que agiram aqueles a quem, em qualquer grau hierárquico, compete, adentro dos serviços do Estado, promover a obtenção dos meios necessários a sua resolução.
Creio, antes, que para a situação descrita contribuíram vários factores, cujo efeito «negativo talvez não tenha sido ponderado.
Para um deles contribui, ao mesmo tempo, a constituição argilosa do solo, a natureza acidentada do terreno e a existência de vários cursos de água a vencer, o que determina custos avultadíssimos, em relação à média dos custos da região, para idênticas obras.
Outro factor é a morosidade com que têm decorrido os estudos para a abertura
dentro do concelho da estrada nacional m.0 334-1.
Basta notar que tal estrada condiciona a abertura de seis caminhos municipais classificados e, por via deles, o acesso a quinze povoações.
Mas não interessa avaliar os causas.
O que aqui me trouxe foi a necessidade de apontar o facto, para obter o remédio.
E faço-o cheio de esperança. O Sr. Ministro das Obras Públicas, pelo dinamismo que imprime às acções do seu Ministério, pelo carinho que põe na solução dos problemas instantes, pelo elevado espírito de justiça com que tem procurado corrigir desequilíbrios regionais, dá-me a certeza de que irá procurar pôr cobro a situação tão anómala.
O Sr. Cancella de Abreu: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Faça favor.
O Sr. Cancella de Abreu: - Sr. Deputado, tenho estado a ouvir com o maior interesse os considerações muito justas que está fazendo u favor dos problemas e da boa gente de Mortágua, que bem o merece.
Referiu o problema das estradas. Há uma estrada que realmente interessa a Mortágua, interessa ao distrito de Viseu e também ao distrito de Aveiro, que é R estrada do serra que irá ligar os dois distritos.
O Orador: - É a estrada n.° 334-l.
O Sr. Cancella de Abreu: - Não me recordava do número da estrada.
Sei, da parte do Sr. Ministro das Obras Públicas, que há o maior interesse na sua conclusão, pois essa estrada muito irá beneficiar os proprietários dias florestas dessa região, no encaminhamento dos produtos para Cacia e mesmo para o porto de Aveiro.
Apesar de saber que o Sr. Ministro dos Obras Públicas está muito interessado no problema, que prometeu resolver dentro em breve, queria lançar daqui um apelo nesse sentido a essa entidade do Governo tão animosa, sempre cheia de boa vontade de servir, como é o Sr. Ministro das Obras Públicas.
Yozes: - Muito bem!
O Orador: - Muito obrigado, Sr. Deputado.
Era precisamente focando esse ponto que eu me encontrava nas minhas considerações.
Manifestava a minha esperança, no dinamismo do Sr. Ministro das Obras Públicas, e um dos factores que
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eu tinha referido como causal desse estado de coisas era precisamente a ausência do troço da estrada nacional n.° 334-1 no concelho de Mortágua.
Essa estrada, como V. Ex.ª acabou de referir, tem um interesse regional bastante grande, mas para além do interesse regional, de ligação de pequenas regiões ou sub-regiões, representa para o concelho de Mortágua mais esta condicionante, que eu também já tinha referido, de que pelo facto' de a estrada não estar concluída ainda se não construíram pelo menos seis caminhos municipais que dentro do plano rodoviário estilo previstos para entroncar nessa mesma estrada.
O Sr. Cancella de Abreu: - Aliás, essa estrada, em parte, já está feita ...
O Orador: - Junto a Aveiro ...
O Sr. Cancella de Abreu: -... e é precisamente a parte mnis dispendiosa. Agora são poucos os quilómetros que falta acabar ...
O Orador: -É um problema que se arrasta há cerca de vinte anos ou mais.
Eu iria concluir, dizendo que, para já, impõe-se a construção do troço da estrada nacional n.° 334-1 dentro do concelho.
Depois, vencido o impasse, o atraso só poderá ser recuperado com o uso de meios especiais, paru além do esquema normal dos planos de viação rodoviária rural: as faculdades permitidas pela base V, os meios contidos na base XV da Lei n.° 2108, com acções conjugadas da Comissão do Nordeste, parecem-me impor-se, pelo menos, neste caso.
A terminar, Sr. Presidente, eu peço desculpa por aqui trazer um caso demasiado concreto e localizado.
Se o fiz, foi porque a urgência da sua solução e as gentes de Mortágua merecem todo o nosso interesse.
Yozes: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: Vamos passar à
Ordem do dia
A primeira parte- da ordem do dia tem por objecto a apresentação de eventuais reclamações sobre o texto, aprovado pela Comissão de Legislação e Redacção, para o decreto da Assembleia Nacional sobre a organização judiciária.
Está em reclamação.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Como nenhum de VV. Ex.ª tem reclamações a apresentar sobra este texto, considero-o definitivo.
Vamos passar à segunda parte da ordem do dia: continuação da discussão na generalidade da proposta de lei de revisão da Lei Orgânica do Ultramar.
Tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Cotta.
O Sr. Almeida Cotta: - Sr. Presidente: Ao subir a esta tribuna, prometi a mim mesmo situar-me dentro da regra do Regimento que nos aponta como tema central da discussão na generalidade o exame das vantagens dos novos princípios legais que informem as propostas ou projectos « a sua oportunidade e economia.
Mas o homem põe e Deus dispõe, pelo que, provavelmente, não o conseguirei.
No entanto, considero meritório tentá-lo, porquanto a interpretação daquela norma regimental conduz à conclusão de que através dela se pretendem evitar divagações prejudiciais à análise das matérias, cujo estudo se deve realizar no momento próprio e pela forma adequada, de sorte e, contribuirmos para a formulação do juízo que todos temos conscienciosamente de fazer e de ajudar a fazer.
Depois de a Câmara Corporativa e de a comissão eventual designada para o estudo da Lei Orgânica do Ultramar se haverem ocupado cuidadosamente da proposta do Governo; depois de alguns oradores que me antecederam a terem comentado sob diversos ângulos e dada a sua concordância com os textos constitucionais, só me julgaria obrigado a apresentar algumas notas à ponderação desta Câmara pelo facto de presidir à Comissão do Ultramar e também àquela comissão eventual.
Acontece, porém, que as dúvidas suscitadas na discussão na generalidade sobre os problemas em causa impelir-me-iam a entrar no debate, pois a Assembleia, desconhecendo o diálogo travado na comissão, acerca da maior parte delas, se não de todas, ficaria na ignorância das razões que determinaram a sua posição.
E convém referir que a comissão acabou quase sempre por votar as suas decisões por unanimidade. Desejaria desde já agradecer a preciosa colaboração de todos os membros da comissão eventual, permitindo-me destacar a do Sr. Relator. Não esqueço também as amáveis palavras que alguns Srs. Deputados me dirigiram, generosas, amigas e que muito me sensibilizam.
Ao abordar problemas relativos à administração ultramarina, não se poderá julgar inoportuna ou despiciente a referência à dolorosa mágoa que, por certo, todos sentimos perante um certo número de interrogações, afirmações e insinuações que se formulam por esse mundo fora acerca da mossa política africana.
Onde estamos, para onde vamos, o que fazemos, o que não fazemos, perguntam com falsa ingenuidade aqueles que naturalmente nos desejariam ver, perplexos, em eternas e angustiantes dúvidas e, pior do que isso, em sérias dificuldades, devido ao ambiente que nos procuram criar e aos generosos auxílios e santuários concedidos a quem quer que esteja disposto a atacar-nos.
A isso poderíamos laconicamente responder: estamos em África como estamos na Europa, na Ásia ou na Oceania, à mercé dos desígnios de Deus, sem dúvida, mas Ele não pode, como diria Vieira, nem ninguém mais pode tirar-nos de cá ou de lá, porque nós não queremos, porque seria injusto.
Yozes: - Muito bem!
O Orador: - A lusitanidade em África é um facto consumado e irreversível, conforme ainda recentemente lembrou o Sr. Presidente do Conselho.
Esta a posição inabalável da qual temos partido para continuar os rumos da nossa existência colectiva, e não vale a pena tentarem dividir-nos porque a comunidade portuguesa, forjando o destino comum em interesses e sentimentos que soube transformar em denominadores comuns, edificou em sólidas bases uma realidade sócio-política, impossível de ignorar ou de desfazer. Não mercadejámos apenas:
fizemos cristandade, e isso exprime um conceito de vida e de civilização que ajudará a compreender a perenidade da nossa presença no Mundo, sabe Deus, quantos as vezes à custa de quantos sacrifícios.
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Mas a Noção Portuguesa atingiu aqui a mais alta expressão e a mais nobre razão de ser. E é nesta linha que se insere a proposta de lei, visando dotar as províncias ultramarinas da organização político-administrativa capaz de responder as exigências de uma sociedade em progresso acelerado, dentro dos condicionalismos em que temos de mover-nos no âmbito nacional.
Sr. Presidente: A proposta em exame corresponde verdadeiramente a uma nova Lei Orgânica do Ultramar. O facto de serem reproduzidas da anterior bastantes disposições não lhe tira novidade, porque esta vem do espírito que anima a lei e não da coincidência formal de expressão de algumas normas que traduzem instituições ou regi-as secundários e cuja modificação não traria qualquer vantagem.
Logo de entrada a lei define, segundo as novas prescrições constitucionais, o âmbito da autonomia das províncias ultramarinas.
Essa autonomia passa a ser a pedra angular da organização ultramarina. À competência dos órgãos de soberania da República traduz uma limitação destinada a assegurar a unidade nacional, a solidariedade de todas as parcelas do território português e a integridade da soberania.
Daí decorre o método adoptado no ordenamento da nova lei e que nem sempre foi bem compreendido tonto aqui, no Assembleia, como lá fora, sobretudo no ultramar.
Fixo-se expressamente o' que compete aos órgãos de soberania da República: e o resto, tudo o resto, tudo o que não é reservado a esses órgãos supremos do Estado, fico para os atribuições das províncias autónomas.
Ao contrário do que algumas vezes se disse, este método é muito mais favorável à descentralização do que um outro em que se especificasse miúdamente as atribuições e a competência dos órgãos locais. Se assim se fizesse, o que a Lei Orgânica não desse aos órgãos locais entendia-se pertencer aos órgãos centrais: e o contrário é que traduz a verdadeira orientação autonomista.
Para os órgãos do soberania da República, a Assembleia Nacional e o Governo, reserva-se aquilo que importa aos interesses supremos da Nação em que todos os territórios estão integrados e devem estar cada vez mais; reserva-se aquilo que constitui matéria comum a todas as parcelas do ultramar e que como tal deve ser regulada uniformemente -e administrada' segundo iguais padrões em todas as províncias.
Mas aquilo que importa em particular a cada província fica para os órgãos provinciais. São estes que sobre as matérias de interesse puramente local legislam, e que, no que toca a administração interno, executam.
A Lei Orgânica delineia um sistema de organização provincial autónoma que, bem compreendido e posto em prática, dará inteira satisfação às aspirações locais, sobretudo de Angola e Moçambique.
No centro, como representante do Governo Central, de que passo o fazer parte, e nessa qualidade, penhor, zelador e defensor da unidade nacional, o Governador.
O Governador que, importo sublinhá-lo bem neste hora em que, mais do que nunca, devemos acentuar e revigorar o espírito de unidade e de solidariedade da Pátria Portuguesa pluricontinental e plurirracial, não deve perder nado do seu prestígio, do suo proeminência, do suo preponderância, não só na administração como na vido social das províncias ultramarinas.
O Governador tem de continuar a ser o autoridade independente que, acima de interesses, de grupos, de roças, é o fiel e árbitro do bem comum, atento aos direitos
de todos, sem consentir que os mais fracos sejam oprimidos e gue discriminações odiosas afectem a fraternidade entre Portugueses.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Autoridade independente pela sua origem; autoridade independente pela sua posição; autoridade independente pela sua missão de fiel executor dos leis gerais da Nação e do província em íntima união com os órgãos da soberania.
O Governador, porém, deixa de ser, como até aqui, o único detentor dos Poderes Legislativo e Executivo na província. Creio que ainda se não atentou suficientemente nisto.
Até agora, o Governador era, o legislador dos diplomas legislativos, embora sobre eles tivesse de consultar o Conselho Legislativo. Agora é o Assembleia Legislativa quem legislo. Não se trata de simples mudança de nome: um Conselho aconselha; mas a Assembleia delibera. Na Assembleia o Governador passa a ter apenas o direito de iniciativa e o direito de veto suspensivo, que normalmente compete aos chefes de Estado na promulgação dos leis.
O facto de poder assistir, como os seus secretários provinciais (com voto consultivo), os reuniões da Assembleia, presidindo-as, não tira o esta a plenitude do poder deliberativo. Aliás, é natural que na maior porte dos casos o Governador deixe ao vice-presidente eleito a função de dirigir os trabalhos da Assembleia.
Por outro lodo, a fixação do mandato subtrai o Governador das contingências da vida de um gabinete, sem prejuízo da continuidade, no seu' termo, através do recondução, e o saída, em qualquer altura que as circunstâncias o aconselhem ou imponham, tombem não oferece sérias dificuldades.
Mas, modificação porventura ainda mais importante, o Governador deixa de ser o único detentor do Poder Executivo, como até aqui, em que os secretários provinciais só despachavam por delegação sua.
De ora ovante os secretários provinciais passam a ter competência própria. O Governador preside ao Conselho de Governo, formado pêlos seus secretários provinciais, que .perante ele são responsáveis e devem agir sob sua direcção, mas exercendo, conjuntamente com ele, diz a lei, as funções executivas.
E, pois, uma espécie de Conselho de Ministros, que assegurará maior coordenação dos serviços, por um lado, e, por outro, mais íntima participação dos colaboradores do Governador na definição e na sequência das directrizes da Administração.
Dos actos dos secretários provinciais passo, pois, a poder interpor-se directamente recurso contencioso, sem as dificuldades jurisprudenciais que provinham da figura da delegação de poderes.
Também a instituição da Junta Consultivo Provincial não corresponde a mera mudança de nome do antigo Conselho Económico e Social. Esta Junta é um verdadeiro Conselho de Estado administrativo, como existe em vários poises europeus, por influencio do França, e como existiu no Estado do índia Portuguesa nos séculos passados. Trata-se de um órgão central de consulta do governo local que poderá e deverá exercer papel relevante na orientação dos negócios públicos e na resolução dos casos particulares.
Se completarmos este quadro com o reforço da competência dos tribunais administrativos e com a reafirmação da independência dos tribunais judiciais, bem como pela revisão do sistema de fiscalização jurisdicional da
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constitucionalidade das leis, teremos traçado o quadro das instituições que fazem das províncias ultramarinas regiões realmente autónomas e dão a Angola e Moçambique estruturas que não se encontram mais vigorosas nos Estados federados.
Estão aqui as condições necessárias e suficientes para a descentralização tão almejada pelas províncias. Mas não é nas leis só que se descentraliza: é na prática.
A Sr.ª D. Custódia Lopes: - Muito bem!
O Orador: - E a prática exige para isso gosto de responsabilidade e posse de meios suficientes.
A respeito deste ponto, gostaria de responder, num breve apontamento, às críticas feitas ao Ministério do Ultramar e HO que se considerou excesso do seu funcionalismo.
O Ministério do Ultramar é, na verdade, para os assuntos da competência do Governo Central, centro de decisão. Mas uma grande parte da sua actividade desenvolve-se em acções de apoio à administração das províncias. Apoio técnico, sobretudo. Nem em todos os sectores as províncias podem ter o pessoal qualificado para as variadíssimas e complexas funções que dos' serviços exige a vida moderna. E, por isso, recorrem b metrópole com frequência - e, diga-se em abono da verdade e da justiça-, em geral com vantagem.
Por outro lodo, às vezes o estar demasiado perto dos problemas e, sobretudo, dos interesses a eles ligados, não é condição para tomar as melhores decisões. A distância, se tem defeitos, oferece também a vantagem de permitir mais largas perspectivas e de assegurar uma independência mais segura.
Por mim catou convencido de que se fosse suprimido o Ministério do Ultramar não tardaria muito que as províncias sentissem duramente a sua falta.
O Sr. Ávila de Azevedo: - Muito bem!
O Orador: - E que, mesmo a dispensão dos seita funcionários, destruindo núcleos de estudo e decisão experientes e com visão global, não acarretaria para o ultramar vantagens equivalentes aos prejuízos causados pela medida.
O Sr. Ávila de Azevedo: - Muito bem!
O Orador: - Quanto às autarquias locais, a Lei Orgânica continua na linha tradicional de consagrá-las e incentivá-las. Mas também aqui o importante é aparecerem homens devotados ao bem comum que saibam aproveitar as faculdades legais para dar vida ao que é mero projecto. E em muitas cidades e vilas do ultramar esses homens têm aparecido e realizado obra admirável a que é de elementar justiça render homenagem.
Estamos, pois, perante uma lei nova, com novos horizontes e, sobretudo, novo espirito.
Repito, porém, que a novidade da lei resultará, sobretudo, da capacidade de renovação de quem vier a executá-la.
Ela pressupõe, como já disse, que no governo das províncias haja homens com imaginação, iniciativa, gosto das responsabilidades e capacidade de congregação de vontades e colaborações na empresa comum.
Pressupõe um funcionalismo competente e devotado, na primeira linha do qual devem estar os funcionários da administração civil, que foram e continuam a ser o estrutura básica da nossa acção em toda a extensão territorial.
O Sr. Ávila de Azevedo: - Muito bem!
O Orador: - Pressupõe a chamada cada vez mais insistente dos naturais das províncias aos postos do Governo e da Administração . . .
Yozes: - Muito bem!
O Orador: - ... de harmonia com a sua capacidade e com as suas possibilidades, de modo que, sobretudo nos órgãos representativos mas quanto possível nos demais, se espelhe a realidade da sociedade multirracial que constituímos e queremos fazer progredir.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Pressupõe a boa vontade e a boa fé de quantos tenham de participar na aplicação e na execução das novas disposições da Constituição e da Lei Orgânica - pondo de parte críticas superficiais e derrotismos pessimistas para ensaiar com entusiasmo e confiança as novas funções.
Sei que se ergueram vozes descontentes ou decepcionadas aquando da publicação da proposta governamental. Passou esta pela Câmara Corporativa. Processou-se o estudo na Assembleia através da comissão eventual A verdade é que a proposta que vamos agora examinar na especialidade corresponde à tetra, e à intenção da revisão constitucional; conserva das leis anteriores a experiência digna de respeito; inova amplamente, abrindo sobretudo caminhos para novo avanço da autonomia regional dentro da unidade nacional, permitindo a flexibilidade das soluções locais em combinação com o forte sentido de integração que é próprio da Nação Portuguesa. O Sr. Jorge Correia: - Muito bem! O Orador: - Por isso merece que a consideremos vantajosa para o País, oportuna quanto à ocasião e bem concebida na sua economia. Merece que a aprovemos. Vozes: - Muito bem! O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: Não está mais nenhum orador inscrito pana a discussão na generalidade desta proposto de lei e não foi presente na Mesa qualquer questão prévia tendente a retira-la da discussão. Considero, pois, aprovada na generalidade a proposta de lei de revisão da Lei Orgânica do Ultramar, pelo que podemos passar a sua discussão na especialidade e votação, que vamos iniciar imediatamente. Vai ser lida a base I, em relação à qual não está na Mesa qualquer proposta de alteração. Foi lida. É a seguinte: TÍTULO I Do território do ultramar BASE I O ultramar português abrange as parcelas do território da Nação indicadas aos n.°s º 2.° a 5.° do artigo 1.° da Constituição e compõe-se de províncias com a extensão e limites que constarem da lei e dos tratados, acordos ou convenções internacionais aplicáveis. O Sr. Presidente: - Está em discussão.
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O Sr. Moura Ramos: - Sr. Presidente: Apenas umas breves palavras, repassadas quanto mais não seja da sinceridade que procuro pôr sempre, em tudo quanto sinto necessidade de transmitir aos outros, mesmo que para • tanto corra o risco de desagradar.
Durante a discussão da proposta de lei n.° 14/X tive a oportunidade de, franca e lealmente, sem rodeios nem ambiguidades, dizer aquilo que pensava quanto à revisão constitucional e, de modo muito particular, quanto às «profundas transformações introduzidas nos preceitos constitucionais relativos ao ultramar».
Na convicção de que a política tradicional ultramarina era a da integração defendi os dois princípios da organização poltico-administrativa dos nossos territórios ultramarinos: descentralização administrativa e unidade política.
Ora, como então foi sublinhado pelo Sr. Deputado Neto Miranda, tais princípios já existiam expressamente consagrados na Constituição ou já tinham sido objecto de lei ou decreto-lei, bastando apenas que o Governo e, designadamente, o Ministro do Ultramar mais amplamente os praticassem.
Desta posição, conscientemente assumida, procurei tirar as respectivas consequências lógicas e de coerência com os princípios, sincera e convictamente defendidos, pelo que deixei de votar as inovações da proposta de lei e contidas no título VII do texto governamental.
Agora que se trata da discussão na especialidade da proposta de lei n.° 19/X sobre a revisão da Lei Orgânica do Ultramar, e ainda dentro do mesmo princípio de coerência e lógica, também não votarei aquelas disposições que me pareçam colidir ou contrariar os princípios então defendidos, como sendo os que constituíram o segredo de toda a obra realizada e são ainda a melhor salvaguarda do futuro, radicando a Pátria no ultramar e consolidando o caminho para a integração numa só nação.
O Sr. Presidente: - Continua em discussão.
Pausa,
O Sr. Presidente: - Se mais nenhum de VV. Exas. deseja usar da palavra sobre esta base, passaremos à votação.
Submetida à votação, foi aprovada.
O Sr. Presidente: - Vamos agora passar à base II, em relação à qual está na Mesa uma proposta de alteração subscrita por diversos Srs. Deputados.
Os Srs. Deputados proponentes perdoar-me-ão que não especifique os seus nomes, uma vez que as propostas estão à vista de VV. Ex.ªs e por elas poderão identificar os seus autores.
Vão ser lidas a base II e a proposta de alteração.
Foram lidas São as seguintes:
TÍTULO II
Princípios fundamentais de governo das províncias ultramarinas
BASE II
I - As províncias ultramarinas são parte integrante da Nação e constituem regiões autónomos, com estatutos próprios, podendo ser designadas por Estados, de acordo com a tradição nacional, quando o progresso do seu meio social e a complexidade da sua administração justifiquem essa qualificação honorífica.
II - A designação de Estado é mantida para a índia Portuguesa e atribuída desde já às províncias de Angola e Moçambique.
Propomos que o n.° I da base II passe a ter a seguinte redacção:
BASE II
I - As províncias ultramarinas são parte integrnte da Nação, com estaturos próprios como regiões autónomas, podendo ser designadas por Estados, de acordo com a tradição nacional, quando o progresso do seu meio social e a complexidade da sua administrção justifiquem essa qualificação honorífica.
II - ...................
Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 21 de Abril de 1972. - Os Deputados: José Coelho de Almeida Cotta - Gustavo Neto Miranda - Custódia Lopes - Sinclética Soares dos Santos Torres - Delfino José Rodrigues Ribeiro - Maximiliano Isidoro Pio Fernandes - Albano Vaz Pinto Alves - Nicolau Martins Nunes - Fernando de Sá Viana Rebelo - Manuel Monteiro Ribeiro Veloso.
O Sr. Presidente:- Estão em discussão a base II segundo o texto da proposta de lei e a proposta de alteração.
O Sr. Neto Miranda: - Sr. Presidente: Esta alteração foi sugerida pela comissão eventual, precisamente para que a redacção da proposta do Governo se pudesse adaptar convenientemente ao dispositivo contido no artigo 133.° da Constituição, pois que ali se diz que as províncias ultramarinas terão estatutos próprios como regiões autónomas. Isto poderia levar a entender-se, pela redacção da proposta do Governo, que a autonomia derivava dos estatutos, e não que os estatutos derivavam da autonomia. Daí, portanto, a alteração proposta.
O Sr. Vaz Pinto Alves: - Sr. Presidente: Ao lado do princípio sempre presente da unidade nacional, esta base configura a directriz constitucional do artigo 133.°, no qual se estabelece que «os territórios [...] situados fora da Europa constituem províncias ultramarinas, as quais terão estatutos próprios como regiões autónomas, podendo ser designadas Estados, de acordo com a tradição nacional, quando o progresso do seu meio social e a complexidade da sua administração justifiquem essa qualificação honorífica».
Por outro lado, o artigo 133.° faz depender do desenvolvimento das províncias, quer do ponto de vista económico, quer social, quer cultural e, consequentemente, da complexidade da administração, a designação de Estados, designação que, na linha constitucional, outra coisa não é que uma forma de poder autárquico, isto é, de .administração de uma comunidade territorial por ela própria, no respeito dos superiores interesses do país em que essa comunidade se encontra integrada.
O Sr. Casal-Ribeiro: - Sr. Presidente: No momento soleníssimo em que a Assembleia Nacional discute na base II da nova Lei Orgânica do Ultramar, proposta pelo Governo, o estabelecimento da designação honorífica de «Estados» para as províncias ultramarinas de Angola e Moçambique, base contra a qual eu votarei, não pretendo fazer uma profecia, antes pelo contrário, desejo de todo o meu coração de português, investido de funções políticas e perfeitamente consciente da gra-
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vidade da decisão, que os meus presságios se não verifiquem: nem na minha nem nas gerações vindouras. Sei que tudo tem de evoluir, excepto os princípios que estão na génese da nossa própria grandeza. Sei, inclusivamente, que esses princípios não estão postos de lado pelo Governo nem pela esmagadora maioria da Nação, aqui representada. Mas temo, sinceramente o afirmo, que entremos num caminho cuja saída só Deus sabe qual será!
Tenho o maior respeito, como, aliás, por todos - mesmo aqueles que professam ideias contrárias as minhas -, pelos Srs. Deputados ultramarinos. Admito que na sua maioria, ou mesmo totalidade, conheçam muito melhor os problemas das províncias que os elegeram do que a maioria, ou mesmo totalidade, de qualquer outro elemento que compõe esta Câmara. Mas já não aceito que, em circunstância nenhuma, a qualquer deles interesse mais, relativamente a qualquer seu colega da metrópole, a Lei Orgânica do Ultramar.
O coração de todo o português consciente, investido ou não das funções que nos colocaram neste posto, pulsa igualmente, quer represente o Nordeste Transmontano, a Beira Baixa, a Estremadura, o Alentejo ou as ilhas adjacentes. E os grandes problemas nacionais interessam, ou devem interessar, a qualquer de nós.
O que se discute na Assembleia Nacional neste momento é de transcendente importância - quanto a mim - para o ultramar português, logo para Portugal uno e indivisível. E a decisão aqui tomada será histórica, para bem ou para mal da nossa Pátria.
Sem, por momentos sequer, esquecer a disciplina que devo ao Governo, nunca sujeição, pois sujeito só estou e estarei à minha própria consciência, eu voto contra, tal como disse na minha intervenção na generalidade, a forma, e não a essência, da base n; voto contra uma designação que reputo de extremamente perigosa, interna e externamente.
Ao tomar esta atitude não o faço por quixotismo; faço-o em plena consciência, coerentemente com um passado político que não enjeito, e desejoso, afirmo mais uma vez, que nenhum dos meus receios venha a verificar-se e eu fique nos anais desta legislatura simplesmente como um «velho do Restelo». Mas apenas nisto eu aceito a designação, porque, quanto à evolução preconizada e seguida, eu sou aberto, bem mais do que se pensa; mas desde que se prossiga na continuidade de princípios, de que não abdicarei jamais, custe a circunstância o que custar. Repito que a Pátria não tem preço, e eu, que por ela já paguei tanto, continuarei a pagar até ao limite das minhas forças ... e dos meus recursos.
O Sr. Presidente: - Continuam em discussão
Pausa.
O Sr. Presidente: - Se mais nenhum de VV. Ex.ªs deseja usar da palavra, passaremos à votação.
Em virtude de haver uma proposta de alteração, que ó uma proposta de emenda ao m." i, ponho-o primeiramente a votação e, segundo dispõe o Regimento, com prioridade para a proposta de alteração.
Submetido à votação, foi aprovado o n.° 1 segundo a proposta de alteração.
O Sr. Presidente: - Ponho agora à votação o n.° II da mesma base II, em relação ao qual não há propostas de alteração.
Submetido à votação, foi aprovado.
O Sr. Casal-Ribeiro: - Sr. Presidente: Peço a palavra para um esclarecimento.
O Sr. Presidente: - Tem a bondade.
O Sr. Casal-Ribeiro: - Quando se tratou do n.° I da base II, V. Ex.ª pôs a rotação a proposta ou a alteração?
O Sr. Presidente: - Eu pus à votação o n.° I na redacção redacção da proposta de alteração. Como se trata de uma simples proposta de emenda, a proposta conduz a dar ao texto do nº 1 uma mova redacção. Foi essa que pus à votação.
Não tem sido costume na Assembleia, nunca, que eu observasse, quando há propostas de alteração que sejam propostas de emenda, pôr a votação simplesmente a substância da emenda. O que se tem posto à votação é o texto como resulte, após a emenda. A Assembleia o que aprovou foi, portanto, o n.°1 da base II, com a redacção proposta, em alteração ao texto primitivo, par um grupo de Srs. Deputados.
Votou também o n.° II segundo o texto d» proposta de lei, que aprovou. Ambos foram aprovados.
O Sr. Casal-Ribeiro: - É que eu não me levantei no n..0 i e não desejaria que ficasse assinalado que votava cambra o n.° I. Eu não me tinha apercebido, Sr. Presidente, desculpe.
O Sr. Presidente: - Tenho muita pena, Sr. Deputado, mas o Regimento não admite declarações de voto.
O Sr. Casal-Ribeiro: - Mas isto não é uma declaração de voto, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Se o Sr. Deputado! após a votação do n.° I, tivesse pedido a contagem ou o registo na acta de que a votação não fora unânime, o seu pedido seria considerado e atendido. Peço desculpa, mas, se V. Ex.n mão -votou, a 'Mesa não tem culpa. A votação está feita.
O Sr. Casal-Ribeiro: - Está bem. Eu votei contra o nº II, e considero como tendo-me levantado e votado igualmente condira o n° I.
O Sr. Presidente: - Vamos passar agora à base III, que vai ser lida. Em relação a qualquer proposta de alterações.
Foi lida. É a seguinte:
BASE III
A autonomia das províncias ultramarinas compreende:
a) O direito de possuir órgãos electivos de governo próprio;
b) O direito de legislar, através de órgãos próprios, com respeito das normas constitucionais e das emanadas dos órgãos de soberania, sobre todas as matérias que interessem exclusivamente à respectiva província e não estejam reservadas pela Constituição ou por esta lei à competência daqueles últimos órgãos;
c) O direito de assegurar, através dos órgãos de governo próprio, a execução das leis e a administração interna;
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d) O direito de dispor das suas receitas e de as afectar às despesas públicas, de acordo com a autorização votada pêlos órgãos próprios da representação e os princípios consignados nos artigos 63.° e 66.° da Constituição;
e) O direito de possuir e dispor do seu património e de celebrar os actos e contratos em que tenham interesse;
f) O direito de possuir regime económico adequado às necessidades do seu desenvolvimento e do bem-estar da sua população;
g) O direito de recusar a entrada no seu território a nacionais ou estrangeiros por motivos de interesse público e de ordenar a respectiva expulsão, de acordo com as leis, quando da sua presença resultarem graves inconvenientes de ordem interna ou internacional, salvo o recurso para o Governo.
O Sr. Presidente: - Está em discussão a base III.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Se nenhum de VV. Ex.ªs deseja usar da palavra sobre esta base, passaremos à votação.
Submetida à votação, foi aprovada.
O Sr. Presidente: - Passaremos agora à base IV. Vai ser lida.
Foi lida. É a seguinte:
BASE IV
O exercício da autonomia das províncias ultramarinas não afectará a unidade da Nação, a solidariedade entre todas as parcelas do território português, nem a integridade da soberania do Estado.
Para esse efeito, compete aos órgãos da soberania da República:
a) Representar, interna e internacionalmente, toda a Nação, não podendo as províncias manter relações diplomáticas ou consulares com países estrangeiros, nem celebrar, separadamente, acordos ou convenções com esses países ou neles contrair empréstimos;
b) Estabelecer os estatutos das províncias ultramarinas, legislar sobre as matérias de interesse comum ou de interesse superior do Estado, conforme for especificado nesta lei, revogar ou anular os diplomais locais que contrariem tais interesses ou ofendam as normas constitucionais e as provenientes dos órgãos de soberania;
c) Designar o governador de cada província, como representante do Governo e chefe dos órgãos executivos locais;
d) Assegurar a defesa nacional;
e) Superintender na administração dos províncias, de harmonia com os interesses superiores do Estado;
f) Fiscalizar a sua gestão financeira, prestando-lhes a assistência indispensável, mediante as garantias adequadas, e proporcionando-lhes as operações de crédito que forem convenientes;
g) Assegurar a integração da economia de cada província na economia geral da Nação;
h) Proteger, quando necessário, os populações contra as ameaças à sua segurança e bem-estar que não possam ser remediadas pêlos meios locais;
i) Zelar pelo respeito dos direitos individuais, nos termos da Constituição, dos valores culturais das populações e dos seus usos e costumes não incompatíveis com a moral e o direito público português.
O Sr. Presidente: - Está em discussão.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Como nenhum de VV. Ex.ª deseja usar da palavra para discussão da base IV da proposta de lei, ponho-a à votação.
Submetida à votação, foi aprovada.
O Sr. Presidente: - Está agora pendente na Mesa a proposta de introdução de uma base nova para seguir à base IV e que vai ser lida. Trate-se portanto de uma proposta de aditamento.
Foi lida. É a seguinte:
Propomos a introdução de uma base a seguir à base IV, com a seguinte redacção:
BASE IV-A
I - Os serviços cuja acção e quadros devem ser unificados, nos termos do § único do artigo 138.° da Constituição, em relação à metrópole e ao
ultramar, formarão serviços nacionais integrados
na orgânica de todo o território português.
II - Diplomas especiais definirão, quanto ao ultramar, a competência de outros Ministros em relação a esses serviços, bem como a intervenção do Ministro do Ultramar e dos governos das províncias ultramarinas na respectiva administração.
Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 21 de Abril de 1972. - Os Deputados: José Coelho de Almeida Cotia - Gustavo Neto Miranda - Custódia Lopes - Sinclética Soares dos Santos Torres - Delfino J 080 Rodrigues Ribeiro - Maximiliano Isidoro Pio Fernandes - Albano Voe Pinto Alves - Nicolau Martins Nunes - Fernando de Sá Viana Rebelo - Manuel Monteiro Ribeiro Veloso.
O Sr. Presidente: - Está em discussão a proposta de aditamento de uma base nova ao texto já votado, base que na designação provisória é a base IV-A.
O Sr. Neto Miranda: - Sr. Presidente: Trata-se não propriamente de uma base nova, pois o seu conteúdo já se achava numa disposição da proposta de lei.
Conforme; já se disse no parecer da comissão eventual, o n.º I desta base não tem correspondência directa da proposta de lei. Foi introduzido do parecer da Câmara Corporativa para se cumprir o § único do artigo 135.º da Constituição, que diz que na Lei Orgânica se deveria prever a possibilidade de serem criados serviços públicos nacionais, integrados em todo o território português. A forma adoptada pela Câmara, e a que a comissão deu a sua adesão, corresponde a essa intenção de previsão, ao referir mesmo a acção e a formação de quadros com vista à sua característica de serviços públicos nacionais, intenção que já vinha expressa no n.° VII na base XI da proposta de lei.
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Quanto ao n.° II é retirado também desse n.º II da base XI e estabelece com o n.° I a correspondência perfeita dos princípios ali definidos.
O Sr. Presidente: - Continua em discussão.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Como mais nenhum de VV.Exªs deseja usar da palavra, vamos passar à votação.
Posta à votação, foi aprovada a base IV-A, com OB seus n.º s I o II.
O Sr. Presidente: - Vamos agora passar à base V, em relação a que tão-pouco há, propostos de alteração na Mesa. Vai ser lida.
Foi lida. É a seguinte:
BASE V
As provindas ultramarinas reger-se-ão, em regra, por legislação especial, em harmonia com os necessidades regionais do desenvolvimento económico, cultural e social.
O Sr. Presidente: - Está em discussão.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Como nenhum de VV. Ex.ª deseja usar da palavra, vamos passar à votação.
Posta à votação, foi aprovada.
O Sr. Presidente: - Vamos passar agora à base VI, em relação à qual há uma proposta de alteração. Vão ser lidas a base VI e a proposta do alteração.
Foram lidas. São as seguintes:
BASE VI
O estatuo de cada província ultramarinas, estabelecerá a organização político-administrativa adequada h sua situação geográfica e às condições do seu desenvolvimento e nele se regulará, além do mais que for necessário, a constituição, funcionamento e competência dos órgãos de governo próprio da, província, a divisão administrativa, desta e A natureza, extensão e desenvolvimento doe seus serviços administrativos.
Propomos que a base VI passe a ter a seguinte redacção:
BASE VI
I - Cada, província constitui uma pessoa colectiva de direito público, com capacidade para adquirir, contratar e estar em juízo e cujo estatuto estabelecerá a organização politico-administrativa adequada à sua situação geográfica e às condições do seu desenvolvimento.
II - No estatuto de cada província regular-se-á, além do mais que for necessário, a constituição, funcionamento e competência dos órgãos de governo próprio da província, a divisão administrativa desta e a natureza, extensão e desenvolvimento dos seus serviços administrativos.
Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 21 de Abril de 1972. - Os Deputados: José Coelho de Almeida Cotta - Gustavo Neto Miranda - Custódia Lopes - Sinclética Soares dos Santos Torres - Delfino José - Rodrigues Ribeiro - Maximiliano Isidoro Pio Fernandes - Albano Vaz Pinto Alves - Nicolau Martins Nunes - Fernando de Sá Viana Rebelo - Manuel Monteiro Ribeiro Veloso.
O Sr. Presidente: - Estão em discussão conjuntamente.
Tem a palavra o Sr. Deputado Vaz Pinto Alves.
O Sr. Vaz Pinto Alves: - Sr. Presidente: No entender da comissão eventual, a formula sugerida pela Câmara Corporativa é preferível.
Efectivamente, dividindo a base em dois números e afirmando o princípio do artigo 134.° da Constituição Política, que é um princípio geral, e cujo lugar próprio parece ser esta base, está-se a dar cumprimento ao preceito constitucional do artigo 134.°, que transcende propriamente o âmbito da administração financeira e constitui, como se disse, o princípio geral que melhor cabimento terá nesta base.
O n.º II da base «m apreço reproduz, com ligeiras alterações, o disposto na segunda parte da base V da Lei Orgânica em vigor.
O Sr. Presidente: Continuam em discussão.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Como mais nenhum de VV.Exas. deseja usar da palavra, vamos passar à votação.
Parece à Mesa que a proposta de alteração é uma emenda, uma vez que conserva parte do texto em discussão. Mas é certamente uma emenda ampla, uma vez que essa parte que conserva é dividida em dois números, ampliando em qualquer deles o que consto da proposta de lei.
A Mesa julga que a forma correcta de interpretar o Regimento será pôr à votação a emenda, com os seus dois inúmeros, e o seu destino decidirá, depois, em relação ao texto primitivo da base da proposta de lei.
Ponho, portanto, à votação a proposta de emenda a base VI, preconizada pelos Srs. Deputados, que compreende dois números, em que se conserva parte do texto da proposta original com varias ampliações.
Posta à votação, foi aprovada.
O Sr. Presidente: - Vamos passar à base VII, em relação à qual não há proposta de alteração na Mesa.
Vai ser lida.
Foi lida. É a seguinte:
BASE VII
I - A unidade política de cada província é assegurada pela existência de uma capital e de governo próprio.
II - Poderão, todavia, duas ou mais províncias pôr em comum a gestão de certos interesses ou a administração de alguns serviços, nos termos que forem estabelecidos por decreto-lei, ouvidos os governos das províncias interessadas.
O Sr. Presidente: - Está em discussão a base VII, segundo o texto da proposta de lei.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Se nenhum de VV.Exas. deseja usar da palavra para, discutir este base, pô-la-ei à votação.
Submetida à votação, foi aprovada.
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3774 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 190
O Sr. Presidente:- Srs. Deputados: Vou encerrar a sessão. A tarde haverá sessão à hora regimental, tendo como ordem do dia a mesma da segunda parte desta manha, isto é, continuação da discussão na, especialidade e votação da Lei Orgânica do Ultramar.
Está encerrada á sessão.
Eram 13 horas.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Albino Soares Pinto dos Beis Júnior. António Júlio dos Santos Almeida. Camilo António de Almeida Gama Lemos de Mendonça. Filipe José Freire Themudo Barata. Francisco José Pereira Pinto Balsemão. Francisco de Moncada do Casal-Ribeiro de Carvalho. João Bosco Soares Mota Amaral.
João Duarte Liebermeister Mendes de Vasconcelos Guimarães.
José Coelho Jordão. José de Mira Nunes Mexia. Júlio Dias das Neves. Manuel Artur Cotta Agostinho Dias. D. Maria Raquel Ribeiro. Prabacor Baú. Vasco Maria de Pereira Pinto Costa Ramos.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Alexandre José Linhares Furtado.
Álvaro Filipe Barreto de Lara.
Amílcar Pereira de Magalhães.
António de Sousa Vadre Castelino e Alvim.
Armando Valfredo Pires.
Augusto Domingues Correia.
Delfim Linhares de Andrade.
Deodato Chaves de Magalhães Sousa.
Fernando Artur de Oliveira Baptista da Silva.
Fernando Augusto Santos e Castro.
Fernando David Laima.
Fernando de Sá Viana Rebelo.
Francisco Manuel Lumbrales de Sá Carneiro.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Henrique Veiga de Macedo.
João António Teixeira Canedo.
João Duarte de Oliveira.
João José Ferreira Forte.
João Pedro Miller Pinto de Lemos Guerra.
Joaquim Jorge Magalhães Saraiva da Mota.
José Dias de Araújo Correia
José Guilherme de Melo e Castro.
José João Gonçalves de Proença.
José Maria de Castro Salazar.
José dos Santos Bessa.
José da Silva.
José Vicente Pizarro Xavier Montalvão Machado.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Luís António de Oliveira Ramos.
Luís Maria Teixeira Pinto.
D. Luzia Neves Pernão Pereira Beija.
Manuel Marques da Silva Soares.
Manuel Martins da Cruz.
Miguel Pádua Rodrigues Bastos.
Nicolau Martins Nunes.
Rafael Valadâo dos Santos.
Bui Pontífice Sousa.
D. Sinclética Soares dos Santos Torres.
Tomás Duarte da Câmara Oliveira Dias.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Victor Manuel Pires de Aguiar e Silva.
O BEDACTOE - José Pinto.
Propostas do alteração relativas à proposta de lei de revisão da Lei Orgânica do Ultramar enviadas para a Mesa durante a sessão:
Propomos que os n.ºs II e III da base XLIX sejam transformados num. único n.º II, que passará a ter a redacção seguinte:
BASE XLIX
l -
II - Quando as circunstâncias o exigirem o Estado prestará assistência financeira às províncias ultramarinas, sujeitando-se estas às restrições temporárias indispensáveis por virtude de situações graves das suas finanças.
Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 27 de Abril de 1972.-Os Deputados: Henrique José Nogueira Rodrigues - Carlos Eugênio Magro Ivo - Manuel Joaquim Montanha Pinto.
Propomos que os n.9" m e v da base LVII passem a ter a seguinte redacção:
BASE LVII
II - ....................
III - Dependem de prévia autorização do Governo Central, dada em decreto-lei, os empréstimos que exigirem caução ou garantias especiais.
IV -.....................
V - Os direitos do tesouro público ou dos estabelecimentos de crédito referidos no n.° IV da base LI por dívidas pretéritas ou futuras dos províncias ultramarinas, bem como os que estas possam ter em créditos sobre aqueles, são imprescritíveis.
Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 27 de Abril de 1972. - Os Deputados: Henrique José Nogueira Rodrigues - Carlos Eugênio Magro Ivo - Manuel Joaquim Montanha Pinto.
IMPRENSA NACIONAL
PREÇO DESTE NÚMERO 5$60