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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL E DA CÂMARA CORPORATIVA

DIÁRIO DAS SESSÕES N.° 194

ANO DE 1972 10 DE AGOSTO

ASSEMBLEIA NACIONAL X LEGISLATURA

Sessão solene conjunta da Assembleia Nacional e da Câmara Corporativa para a posse de Sua Excelência o Presidente da República em 9 de Agosto

Sob a presidência de s. Exa. o Sr. Almirante Américo Deus Rodrigues Tomás, Presidente da República Portuguesa, que tinha à sua direita SS. Ex.ªs os Srs. Doutor Martelo Caetano, Presidente do Conselho, e Dr. Luís Supico Pinto, Presidente da Câmara Corporativa, da esquerda SS. Ex.ªs os Srs. Engenheiro Carlos Monteiro do Amaral Neto, Presidente da Assembleia Nacional, e Dr. José Osório Saraiva de Albuquerque, Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, reuniram-se na sala das Sessões da Assembleia Nacional os Srs. Deputados à Assembleia Nacional e os Dignos Procuradores à Câmara Corporativa, nos termos do artigo 75.º da, Constituição Política, para o acto da posse do Presidente da República.

Estavam presentes SS. Exas. os Ministros da Defesa Nacional e do Exército, de Estado adjunto do Presidente do Conselho, do Interior, da Justiça, das Finanças e Economia, da Marinha, dos Negócios Estrangeiros, das Obras Públicas e Comunicações, do Ultramar, da Educação Nacional e das Corporações e Previdência Social e Saúde e Assistência; Secretários de Estado da Informação e Turismo, Aeronáutica, do Exército, do Tesouro, do Orçamento, da Agricultura, do Comércio, da Indústria, da Obras Públicas, das Comunicações e Transportes, do Trabalho o Previdência e da Saúde e Assistência; e Sub-secretárias de Estado do Tesouro, do Comércio, da Administração Ultramarina, do Fomento Ultramarino, da Administração Escolar , da Juventude e Desportos, do Trabalho e Previdência e da Saúde e Assistência.

Compareceram também s. Exa. Rev.º o Patriarca de Lisboa, D. António Ribeiro; o Corpo Diplomático acreditado em Lisboa; a Sr.ª D. Gertrudes Rodrigues Tomás, esposa do Chefe do Estado; as esposas de SS. Exas. os Presidentes da Assembleia Nacional, da Câmara Corporativa e do Supremo Tribunal de Justiça e esposas de SS. Ex.ª os Ministros, Secretários de Estado e Subsecretários de Estado; altas entidades civis e militares e muitas outras pessoas do maior relevo na sociedade portuguesa.

Às 11 horas deu entrada na Sala S. Exa. o Presidente da República. O cortejo abria com dois Secretários do Protocolo do Estado, seguidos dos Srs. Costa Brochado e Dr. Hélder de Mendonça e Cunha, respectivamente secretário-geral da Assembleia Nacional e da Câmara Corporativa e chefe do Protocolo do Estado. Após S. Ex.ª o Presidente da República iam SS. Ex.ªs os Presidentes do Conselho, de Assembleia Nacional, da Câmara Corporativa e do Supremo Tribunal da Justiça; as delegações parlamentares, constituídas pelos Srs. Deputados Armando Júlio do Ribeiro e Silva, João Ruiz de Almeida Garrett, João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira, Amilcar da Costa Pereira Mesquita e José Coelho de Almeida Costa, a pêlos Dignos Procuradores José Frederico do Casal Ribeiro Ulrich, Latis Maria da Câmara Pina, Bento de Mendonça Cabral Parreira do Amaral, Emílio de Oliveira, Mortens e Ernesto Fernando Cardoso Paiva; e os membros das Casas Civil e Militar do Chefe do Estado.

Constituída a Mesa, o Sr. Presidente da Assembleia Nacional declarou aborta a cessão em nome de S. Ex.ª o Presidente da República, acrescentando:

O Presidente da República eleito, Sr. Almirante Américo Deus Rodrigues Tomás, vai prestar o seu juramento, como determina a Constituição, e ficará assim investido no cargo.

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O Sr. Almirante Américo Deus Rodrigues Tomás, levantando-se, proferiu a fórmula do juramento constitucional perante a Assembleia Nacional e a Câmara Corporativa, com toda a assistência de pé.

Juro manter e cumprir leal e fielmente a Constituição da República, observar as leis, promover o bem geral da Nação, sustentar e defender a integridade e a independência da Pátria Portuguesa.

Foi então executado o Hino Nacional pela orquestra sinfónica da Emissora Nacional, que se encontrava na Sala dos Passos Perdidos.

Seguidamente, o Sr. Presidente da Assembleia Nacional concedeu a Joaquim ao Sr. Deputado Joaquim José Nunes de Oliveira para, em nome das duas Câmaras, cumprimentar e saudar S. Ex.ª o Presidente da República. Subindo à tribuna, o Sr. Deputado Joaquim José Nunes de Oliveira pronunciou o seguinte discurso:

Sr. Presidente da República: Ao respondermos afirmativamente ao honroso convite que nós foi feito para, em nome das duas Câmaras, cumprimentar e saudar V. Ex.ª, Sr. Almirante Américo Deus Rodrigues Tomás, talvez não tivéssemos avaliado bem o peso da responsabilidade que havíamos assumido. Entretanto, sem perdermos a noção das insuficiências e limitações, um aspecto suavizou as nossas preocupações nesta hora plena de grandeza e de significado: a certeza de que as palavras a proferir seriam dominadas pelas verdades em que acreditamos e de que temos procurado dar testemunho em toda a nossa vida.

9 de Agosto de 1958 - 9 de Agosto de 1965 - 9 de Agosto de 1972.

Três efemérides do mais lavado sentido nacional e que se encontram profundamente gravadas nas nossas inteligências e nos nossos corações. E que, ao contemplarmos a figura veneranda de V. Ex.ª, ocupando desde há catorze anos a mais alta magistratura da Nação, não apenas nos curvamos perante a idiscutível dignidade e devoção com que têm sido servidos os supremos interesses do País, como nos enche da mais sincera admiração o sereno equilíbrio e a superior visão política revelados em momentos por vezes tão difíceis dia vida nacional.

Dignou-se V. Ex.ª aceitar novo sacrifício ao continuar a exercer a Presidência da República e, embora já uma vez nos tenha dito, em mensagem proferida nesta Assembleia, que em certas circunstâncias «não é tempo de pesar sacrifícios, mas só de medir a extensão do dever», o certo é que todos nós - e connosco muito legitimamemte o povo português - aqui lhe tributamos, pela voz de um dos seus representantes, e com comovido respeito, o mais vivo e sentado reconhecimento. Num mundo confuso e desvairado, em que o egoísmo parece dominar os homens, V. Ex.ª, Sr. Almirante Américo Tomás, dá com o seu espírito de sacrifício e o exemplo da sua vida, inteiramente votada ao serviço da Nação, uma grande e incomparável lição, inspirada por um alto ideal nacional.

A Pátria não pode ser denegrida nem enfraquecida, e V. Ex.ª tem sido como há pouco acentuou o Sr. Presidente do Conselho, a expressão da unidade que preconiza, o símbolo da determinação que nos anima.

Dos catorze anos passados por V. Ex.ª na Chefia do Estado, quantos dias repassados de amargura e de inquietações os assinalaram! A invasão da Índia Portuguesa - terra onde jamais se há-de apagar esse facho da civilização acidental e crista que o génio português aí soube acender -, os massacres no Norte de Angola, a generalização da agressão a parte de Guiné e de Moçambique, contra as quais foi perpratada uma dos mais bárbaras agressões da nossa época, com total desprezo pelos direitos e deveres internacionais, e finalmente a profunda emoção que dominou os Portugueses naqueles inesquecíveis dias em que foi anunciada a grave doença do Presidente Salazar e que culminaram com o trágico momento em que a morte prostrou esse homem genial, verdadeira dádiva da Providência, a cuja memória prestamos uma vez mais a homenagem do maior respeito; todos sentimos nessas horas graves, em que competia ao Chefe do Estado tomar uma decisão, a enorme responsabilidade que sobre si pesava, já que dela iria depender o futuro do PaisEm tais circunstâncias, as mensagens dirigidas por V. Ex.ª à Nação, foram sempre ouvidas em sentido recolhimento, sendo a da noite de 28 de Setembro de 1988 acolhida com um sentimento misto de tristeza e de esperança, esperança que logo se traduziu em certeza e em confiança no novo Presidente do Conselho de Ministros. E uma transição que a muitos se afigurava extremamemte arriscada, se não mesmo de consequências imprevisíveis, veio a processar-se com a maior natur-alidade, dadas as excepcionais qualidades do Prof. Doutor Marcelo Caetano, homem de Estado de inteligência brilhante, com larga experiência política, dedicado como poucos à sua missão, infatigável em face das mais pesadas tarefas e que os Portugueses receberam com demonstrações de inequívoco aplauso, perante a resolução tomada na hora própria sobre um problema da mais séria importância e da maior transcendência para a Nação.

É humano que cada governante tenha o seu estilo de governar, mas o essencial é que, quando existem linhas mestras da vida nacional «que possam adaptar-se, sem se quebrarem, às contingências dos tempos», a evolução que se opere corresponda na verdade às exigências do momento que se vive, sem contrariar uma continuidade que se justifica. Ora essas linhas existem e a fórmula encontrada «a todos permite viver em paz e progredir».

O observador imparcial e justo que procura, com ponderada reflexão, fazer uma análise cuidada do Regime em vigor, BUO pode desconhecer o esforço extraordinário que vem sendo realizado no sentido de proporcionar a todos os portugueses melhoria das condições de vida, pela extensão dos benefícios sociais, por uma mais eficiente cobertura assistencial e sanitária, por iguais oportunidades de educação e de cultura, pelo desenvolvimento industrial, pela reconversão da agricultura, pela reforma da Administração, a exigir larguíssimos recursos financeiros, o que pressupõe que se efectuem em resolução e com firmeza, mas também com prudência. E tudo tem vindo a processar-se numa conquista permanente de todas os horas para que na realidade a justiça social e a melhoria da condição humana não sejam apenas afirmações vãs.

Os planos de fomento vêm sendo por sua vez cumpridos e, neste momento, com uma audiência geral nunca igualada, trabalha-se activamente na elaboração do IV Plano de Fomento, numa prova insofismável do que pode a vontade de quem superiormente governa.
A obra grandiosa do ressurgimento continua, ao mesmo tempo que prosseguimos, como nos cumpre, na indefectível defesa das nossas queridas Guiné, Angola e Moçambique.
Dissemos indefectível defesa, porquanto, como muito bem acentuou o Prof. Doutor Marcelo Caetano «as forças militares que servem na África portuguesa e que hoje têm cerca de metade dos seus efectivos constituídos por africanos, não fazem a guerra: asseguram a paz». Quer isto dizer que aos ódios acirrados dos perturbadores da paz,

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daqueles que do estrangeiro nos atacam, respondem os soldados de Portugal, velando pêlos verdadeiros interesses dos povos integrados na Nação Portuguesa e pela defesa dos territórios, com a serenidade e a bondade de quem procura devotar-se a uma sincera cruzada de paz. E, por evidente, enorme o contraste entre quem assim procede e os sectários da subversão que teimam numa luta que não provocámos.

Nesta missão de guerra defensiva, que também é de paz, tudo tem sido feito para que não se exacerbem paixões ou se fomentem ódios, antes se procurando, socorrendo-me de palavras do Sr. Presidente do Conselho, «o convívio das raças, a formação progressiva de sociedades onde todos os homens tenham os mesmos direitos independentemente da cor da pele e onde os lugares de direcção sejam atribuídos em função da capacidade de cada um para os exercer. Assim, e ainda na mesma linha de pensamento, «a construção pacífica da sociedade multirracial portuguesa é a única via - que leva a resultados construtivos - com vantagens para a África e para o Mundo».

A guerra traduz-se afinal nas agressões por guerrilhas vindos do exterior, em determinadas zonas dos territórios, e que assim é demonstra-o a presença de V. Ex.ª, Sr. Presidente da República, quando das visitas às províncias ultramarina, que são carne e sangue da nossa Mãe-Pátria, em íntimo contacto com as multidões que o aclamavam, tão à-vontade e com o mesmo calor humano em que sempre é envolvido nas visitas a qualquer recanto de Portugal.

Essas manifestações de portuguesismo transbordante das populações de iodas as raças, de todos os credos e de todos as origens que V. Ex.ª comovidamente sentiu nos deslocações que efectuou, contropõem-se a toda a gama de explorações panfletários com que por vezes nos pretendem atingir. Pois só pelo profunda impressão e repercussão que essas triunfais viagens causaram no mundo, ficou o País o dever a V. Ex.ª mais um inestimável serviço.

Apesar de todas os vicissitudes, perigos e ciladas, uma coisa nunca poderemos esquecer: «quantos caíram ignorados, perdidos sobre as águas ou nas paragens longínquas de além-mar ...» e a segurança e o labor de quantos aí se acolhem à sombra da nossa Bandeira.

Por tal motivo o nosso esforço tem de permanecer no sentido de travar as guerrilhas vindas do exterior, constituídas por assassinos e violadores, orientados por grupos sem legitimidade e alimentados por uma onda avassaladora de ideológicos de índole subversiva e imperalismos económico-financeiros, a coberto de falsa bandeira de libertação de povos, quando alguns alinham entre os maiores opressores de nações civilizadas!

Contra todos as hipocrisias e todas as explorações, contra todas as tentativas dissimuladas de intromissão, Portugal tem de continuar, como alguém escreveu, o dar ao Mundo o exemplo admirável de uma Nação, dispersa no espaço pela multiplicidade dos seus territórios, mas unida no sentimento de uma viva comunidade nacional.

O Sr. Almirante Américo Tomás tem sido realmente, no momento histórico que atravessamos, a expressão da unidade que deve constituir preocupação dominante e imprescindível a congregar a família portuguesa, de maneira a que a vanguarda e a retaguarda, que se pretende converter também em teatro de luta, se mantenham coesas e invulneráveis aos fautores da intranquilidade, do desalento e da desagregação, obedecendo assim a um imperativo patriótico indiscutível.

Na hora difícil que atravessamos, como noutros momentos da nossa vida nacional, exige-se pureza de ideal, disciplina, unidade de acção.

Como Nação plurirracial que somos, impõe-se que os elementos mais conscientes desta comunidade saibam modelar a sua norma de vida, a sua linha de actuação, no sentido de poupai-mos este agregado humano aos perigos da desunião, aceitando voluntariamente a ideia de que hoje, mais do que nunca, se torna essencial uma disciplina política, factor indispensável para qualquer programa social ou económico. Não nos deixemos iludir nem arrastar por certas vozes enganadoras, que à sombra de palavras sonoras, de um significado discutível, querem conduzir-nos aos caminhos ínvios da derrocada. Em nome da liberdade, cujo conceito amoldam aos «eus interesses, pretendem implantar o anarquia, em nome de um apregoado progresso, palavra mágico de sentido cada vez mais difícil de precisar, não teriam dúvidas em nos conduzir pelos caminhos do aventura à noite tenebrosa das incertezas.

A palavra sensata e realista já foi dita e vivemos o momento em que todos os elementos úteis, todos o* homens de boa vontade, todos os portugueses que, na realidade, se sintam verdadeiramente portugueses, juntem os seus esforços, aproveitem abnegadamente todos os seus potenciais humanos e espirituais para o grande movimento onde têm lugar quantos desejem a integridade da Pátria e onde apenas não cabem aqueles que a negam.

Encarando realisticamente os verdadeiros interesses do País, manifestemos, de alma aberta, as nossas opiniões, mas não procuremos acentuar em demasia e sem exacta noção das realidades o que, porventura, seja motivo de desacordo. Não exijamos milagres, não tentemos resolver imprudentemente tudo quanto exige ponderação e uma autêntica hierarquização de valores e de necessidades e, assim, olhemos de frente tudo quanto desinteressadamente nos une, já que na hora dramática e decisiva que vivemos, só na união inteligente e patriótica, a merecer sabedoria e virilidade, encontraremos o verdadeiro caminho que nos permitirá sobreviver e continuar a revelar ao mundo, humildemente, mas com firmeza, que saberemos alicerçar a nossa felicidade terrena, vivendo o preocupação do progresso material, sem nunca esquecer o perfeito sentido dos valores morais e espirituais.

Quantas vezes, nos perspectivas da História se viram grandes ideias sossobrar só porque os homens isoladamente não foram suficientemente grandes, suficientemente sagazes, suficientemente generosos, para abdicar de pequenos sentimentos e, até, por vezes, de ressentimentos, que os haviam de conduzir tragicamente a desastres irremediáveis!

Unamo-nos pois para agir e, agindo, para salvarmos a integridade e perenidade de uma Pátria, constituída no decurso dos séculos, à luz de grandes ideais a que não são alheios os mais altos sentimentos humanos, argamassada no sangue dos nossos heróis e dos nossos mártires e no suor de tantos homens humildes e desconhecidos do nosso povo, grandes na alma e na generosidade dos seus sentimentos, que souberam através do tempo defendê-la a enignandecê-la. Saibamos, portanto, compreender esses extraordinários exemplos, abatendo todas as divergências e todos os interesses de grupo para juntar os nossos esforços na tarefa ingente de defender a integridade da Pátria.
Simboliza V. Ex.ª, Sr. Presidente da República, esse tão necessário elemento de união entre todos os portugueses autênticos. De formas diversas e em múltiplos locais deste Pais pluricontinental, tem V. Ex.ª constan-

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temente afirmado o seu profundo e sincero desejo de que, na paz, todos possamos contribuir para um Portugal cada vez melhor, um Portugal em que todos possam alcançar um nível tia vida compatível com os direitos humanos que constituem o corolário de um cristianismo autenticamente vivido, sem deturpações e isento de intenções tombas vezes obscuras e demagógicos. Tal linho de pensamento e de actividade exigirá sacrifício e deste nos deu V. Ex.ª o primeiro exemplo no aceitar o terceiro mandato para que foi eleito. Ocorre o início deste mandato no ano em que se celebra o IV Centenário da publicação do imortal poema em que Camões soube cantar as virtudes de uma raça que, enfrentando tantas vezes as maiores dificuldades e incompreensões, tem conseguido impor-se pelas qualidades que os séculos não diluíram e que os governantes de hoje não podem deixar adulterar.
As virtudes cívicas e militares do povo português, que V. Ex.ª tão dignamente representa, têm de ser preservadas da nefasta, influência de ataques frontais ou subtis que nos vêm do exterior e, por vezes, também do interior.
Numa das últimas estrofes de Os Lusíadas, o poeta escreveu:

A disciplina militar prestante
Não se aprende, Senhor, na fantasia,
Sonhando, imaginando ou estudando,
Senão vendo, tratando o pelejando.

Não teria Camões total razão, pois há também que «sonhar, imaginar e estudar» e, neste momento, apenas procuramos acentuar que o desenvolvimento e o progresso de um povo «não se aprende na fantasia», tornando-se necessário «ver, tratar e pelejar». Disto nos têm dado o mais extraordinário exemplo as forças armadas portuguesas e este admirável povo em cujo nome, como Deputado, nos cabe também a honra de saudar V. Ex.ª no dia histórico que hoje vivemos.
E que as nossas últimos palavras, nesta sessão de tão grande significado, correspondiam a um voto sincero e vibrante. Na nova etapa da caminhada sem fim em que todos estamos empenhadas - os portugueses do passado, do presente e do futuro - que Deus ilumine o espírito do mais alto magistrado da Nação, inspirando ao mesmo tempo aqueles que nos governam para que, com a boa vontade de todos, uma vez mais possamos marchar unidos, não apenas ma defesa da Pátria comum, garantindo-lhe a necessária integridade, mas também na defesa do bem-estar de todos os que constituem esta gloriosa Nação e do cristianismo propósito de melhorar os suas condições de vida, largando-lhe, tanto no campo dos valores materiais, como no dos valores espirituais, os mais rasgados horizontes.

No final do discurso, a assistência sublinhou as palavras do orador com prolongados aplausos.
Em seguida, o Sr. Presidente da Assembleia Nacional anunciou que, usando da palavra por direito próprio, S. Ex.ª o Presidente da República ia ler a sua mensagem às duas Câmaras. S. Exa. o Presidente da República, que, ao levantar-se, foi demoradamente ovacionado, leu então a sua mensagem, do seguinte teor:

Srs. Presidentes da Assembleia Nacional e da Câmara Corporativa, Srs. Deputados e Dignos Procuradores: Perante VV. Ex.ªs e de acordo com o preceituado no artigo 75.° da nossa Constituição Política, assumi há pouco e pela terceira vez consecutiva as altas funções do Presidente da República.
No momento solene da posse e usando a formula de compromisso que o mesmo artigo prescreve, jurei, mais uma vez, manter e cumprir leal e fielmente a Constituição da República. As palavras do texto constitucional são intuitivas e aparentemente simples, mas, bem meditadas, representam um rosário, quase sem fim, de responsabilidades. E embora o sejam, também, para todos os portugueses, elas atingem, quanto ao Chefe do Estado, e logicamente, o máximo da sua intensidade, constituindo para ele preocupação permanente era todos os seus pensamentos, procedimentos e decisões.
O reconhecimento perfeito das responsabilidades e do seu constante incremento, derivado da já longa permanência na chefia do Estado, fez-me hesitar muito, muito mais ainda do que em 1965, no propósito de me candidatar a novo mandato presidencial, que se me afigurava pouco justificável, mas para que estava sendo insistentemente impedido por apelos de que a minha consciência nem sempre conseguia desprender-se com a indispensável tranquilidade. Não resultaram essas hesitações do aparecimento de quaisquer quebras de ânimo ou de súbito temor às responsabilidades, pois tais hesitações seriam irremovíveis. As suas causas derivavam do natural receio, bem compreensível, de ao cabo de tantos anos de exaustivos esforços e de idade, não conseguir desempenhar, por mais alguns ainda e com a eficiência plena que elas exigem, tão altas e difíceis funções. É certo existir em qualquer idade o risco da pessoa desaparecer da vida ou de se incapacitar nela, mas não deve esquecer-se que tal risco vai logicamente crescendo ao longo dos anos que se vão vivendo.
Porém e através de insistente argumentação, de que não consegui libertar-me convictamente, fizeram-me crer que o meu dever, no momento actual, era continuar. Por isso anuí em me candidatar e como fui eleito, continuo; e continuo porque a um português que sinta, entranhadamente Portugal, não se afigura legítimo eximir-se ao cumprimento do seu dever, enquanto o puder e souber cumprir.
A minha candidatura foi recebida com geral simpatia e com manifesto entusiasmo em todo o morado português. De uma e de outra deram pleno eco os órgãos de informação e o excepcional volume de correspondência recebida, tudo parecendo mostrar ser a renovação dos meus anteriores mandatos a solução mais desejada. E confirmando esse parecer, o Colégio Eleitoral elegeu-me, por expressivo e consolador número de votos, para mais um septénio na chefia do Estado, o que exprime, sem dúvida, a continuação da confiança que a Nação em mim tem depositado.
Desvanecidamente agradeço essa confiança, tão largamente manifestada, e procurarei continuar a merecê-la, servindo o País, como o tenho procurado fazer sempre, com toda a dedicação e entusiasmo que lhe são devidos. É, aliás, uma obrigação e pelo seu cumprimento não há lugar, evidentemente, a qualquer gratidão. Mas é oportuno repetir o que afirmei na mensagem há sete anos dirigida à Nação, deste mesmo lugar. Em servir a Pátria não há sacrifícios que contem: mas só servindo-a exemplarmente se justificará continuar na chefia da Nação.
Não penso que venham a ser fáceis os anos que se avizinham, pois se tal pensasse seria agora e apenas mais um simples espectador desta solene cerimónia. E não penso, nem é de pensar, porque a humanidade se está mostrando cada vez mais profundamente perturbada e porque a experiência trazida dos dois anteriores mandatos e o clima de incrível animosidade, que tão injustamente nos criaram e tão encarniçadamente está sendo mantido, não permitem optimismos inconvenientes.
Infelizmente não voltarão, com a brevidade precisa, os tempos calmos que há anos atrás se viveram, embora

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a parte boa e sã da humanidade os deseje, como nós, com toda a compreensível ansiedade. Os estragos que as forças do mal têm causado ano já muito profundos, pouco se tendo feito de positivo, até agora, para pôr termo ao desrespeito, à indisciplina, à degradação e ao banditismo que têm grassado, com estranha impunidade, em quase todo o Mundo e têm conseguido abalar, e de que maneirai, os milenários alicerces em que se firmara, até há não muitos anos e com uma segurança que parecia indestrutível, a civilização ocidental e cristã.
É neste quadro bem pouco animador e até precoupante, mas sem dúvida realista, que inicio o meu terceiro mandato na Presidência dia República. Mas não enceto a marcha de forma alguma vencido e antes animado de pertinaz empenho de vencer, pois sem este negaria o meu passado e renegaria o portuguesismo que, arreigadamente e para sempre, se fixou no meu coração e na minha alma. Usarei na minha acção, como armas inquebráveis, a calma, a paciência e a persistência, que sempre me têm acompanhado. Continuarei fiel ao meu pendor para a bondade, sem hesitar no uso da firmeza, quando ela se torne necessária. E não olvidarei que a bondade não significa abdicação, nem a firmeza implica, necessariamente, violência.
Conhece-me o País suficientemente, pois o tenho percorrido, praticamente de lés a lés, com excepção dos pedaços de Portugal situados na Ásia e na Oceânia. Não preciso, pois, de dizer-lhe quem sou, nem como sou. Mas apesar de assim ser, não me julgo dispensado de reafirmar, nesta mensagem, o que a Nação tem direito a esperar de mim, para que eu possa corresponder à confiança que, com tanta largueza, me reiterou. Além de tudo o mais que abnegadamente lhe tenho dado, tem a Nação todo o direito a exigir de mim o integral cumprimento da obrigação contraída no juramento que prestei no início desta solene sessão e com o qual fiquei empossado, pela terceira e última vez e sem soluções de continuidade, nas funções de Presidente da República. Segundo a fórmula de compromisso lida, jurei manter e cumprir leal e fielmente a Constituição da República, observar as Leis, promover o bem geral da Nação, sustentar e defender a integridade e a independência da Pátria Portuguesa. A manutenção e o cumprimento leal e fiel da Constituição que estiver em vigor e a observação das leis não é tarefa exaustiva no regime em que felizmente vivemos. Outro tanto não posso afirmar quanto ao restante do juramento, pois a promoção do bem geral da Nação, quando temos, efectivamente, de sustentar e defender a integridade e a independência da Pátria, sendo tarefa excepcionalmente aliciante e verdadeiro desafio à nossa capacidade realizadora, é já missão eriçada de dificuldades na sua conjugação, porque à defesa da integridade e da independência da Pátria não pode deixar de conceder-se preferência sobre qualquer outra causa, mesmo a da promoção do bem geral da Nação, pelo menos ao ritmo a que poderia e deveria ser realizada em circunstâncias normais.
Desde que em Março de 1961, sem qualquer notória repulsa dos povos civilizados e até com a sua estranha e quase total indiferença, ocorreu imprevistamente canibalesco massacre no Norte da província de Angola, em que foram horrorosamente martirizados, mortos e trucidados mais de um milhar de brancos e de pretos, praticamente indefesos, não mais deixaram os perturbadores da paz alheia - com fins ocultos, diferentes dos alegados e que o tempo foi clarificando, pouco a pouco - de alimentar o terrorismo nas zonas fronteiriças de Angola e, seguidamente, da Guiné e de Moçambique, províncias infelizmente não apenas limitadas pelo mar, mas confinantes com alguns países de formação muito recente, sem noção dos seus deveres e das suas responsabilidades, que qualquer nação já amadurecida não pode deixar de conhecer e respeitar.
De então para cá temos estado permanentemente empenhados na manutenção da paz nessas parcelas de Portugal, protegendo todos quantos nelas vivem e trabalham honestamente da acção insidiosa do inimigo, subtilmente infiltrado do exterior, após ter sido instruído nas escolas marxistas da especialidade. Esse empenhamento não tem, porém, obstado ao espectacular desenvolvimento realizado em grandes parcelas dessas províncias, nem à promoção social dos seus habitantes, em todos os aspectos que ela envolve. Mas tudo isso, que representa um esforço quase sobre humano, tem de continuar sem desfalecimentos e, se possível, cada vez mais intensamente. Mas o essencial, repito, não pode deixar de ser, no momento que vivemos, a defesa da integridade do solo pátrio. Nela estamos dolorosamente consumindo, por culpa que não é nossa e há mais de onze anos, vidas e haveres, sem preço, as primeiras, e, em grande parte irrecuperáveis, os segundos. De resto o respeito devido à Constituição, à nossa História quase milenária e aos portugueses que ao longo dos séculos tudo sacrificaram e estão sacrificando em holocausto da Pátria, impõe que se mantenha, sem hesitações e sem tibiezas, a decisão que Salazar consubstanciou nos célebres palavras que proferiu em Abril de 1961. A minha recente reeleição, com o aplauso generalizado da Nação, bem ciente do meu firme pensamento em tão melindrosa matéria, não pode ter significado diverso. E eu confio no sentido arguto do povo português que, em todos os transes da nossa vida como Nação, soube sempre apontar, com o seu exemplo, os caminhos que deviam ser trilhados pelos seus governantes.
Em nome da, Pátria, que represento e consubstancio, é meu dever saudar desta tribuna, com toda a gratidão, os militares de terra, mar e ar que, ao longo de mais de uma, década, têm sido exemplos sublimes e constantes de coragem, de abnegação e de amor ao seu País, saudação que envolve todos os restantes portugueses, pretos ou broncos, que em Angola, em Moçambique e na Guiné tom auxiliado devotadamente a acção dos militares.
A prioridade que indubitavelmente merece a defesa da nossa- integridade territorial, mediante a manutenção da paz em todas as parcelas portuguesas espalhadas pelo Mundo, de modo algum pode ser satisfação bastante para a nossa consciência. Há, para além desse grandioso esforço, que despender outro, também imenso, o de promover o bem geral da Nação, em escala sempre crescente, para assim nos aproximarmos, tanto quanto possível, dos padrões de vida dos países mais desenvolvidos. Seria ingratidão esquecer o muito que se tem feito nestas últimos quatro décadas e o caos em que Portugal se debatia no princípio do século, mormente nos anos vinte. Partidos praticamente do zero e muito distanciadas dos países ricos, não podíamos, evidentemente, vencer o atraso e, conjuntamente, progredir ao ritmo desses países. Através dos planos de fomento e por fora deles, realizámos já uma obra de extraordinário valor que o futuro plano, o IV, com início no ano de 1974, certamente irá desenvolver com maior intensidade em todos os sectores da vida nacional, mormente na indústria, na agricultura, nos transportes e comunicações, na energia, na educação, na investigação, na saúde, na habitação e, de uma maneira geral, nos serviços da administração pública, obstando a que o mal da emigração prossiga e promo-

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vendo, ao contrário, o regresso de muitos portugueses, que passarão a encontrar na sua terra a melhoria de vida que têm buscado em terra alheia, à custa de sacrifícios sem conta.

A obra enorme que DOS áspera é, como já disse, um verdadeiro desafio à nossa capacidade realizadora, mas não é impassível de levar a bom termo. Para o vencermos há, porém, que trabalhar muito mais e mais acertadamente ainda, que unir produtivamente todos os nossos esforços num sentido mais benéfico para a comunidade portuguesa, e evitar dissensões que a experiência nefasta do primeiro quartel deste século, em absoluto, condenou. Evidentemente que se deverão discutir os soluções possíveis, mas sempre libertos de ideias feitas e com espírito compreensivo e construtivo, abdicando de preconceitos, de ressentimentos, de melindres e de excessos de amor-próprio, que sendo inconvenientes em qualquer caso, se tornam indesejáveis quando está em causa o bem e o progresso do País. E ao examinarmos com toda a minúcia e conscienciosamente as soluções adoptadas nos países mais avançados, para os problemas que tenhamos a resolver, não nos devemos deixar impressionar por ideias utópicas ou de inconveniente aplicação entre nós, só porque estão na moda. Aumentar os nossos conhecimentos, só nos pode trazer vantagens; aperfeiçoar as nossas qualidades e diminuir os nossos defeitos é da maior utilidade; mas não percamos as nossas especiais características, pois foram elas que asseguraram a nossa vida passada e continuam constituindo seguro penhor do nosso futuro. Em remate acrescentarei, ainda, devermos aplicar a nossa inteligência e a nossa capacidade de realização no sentido de a todos os portugueses poderem ser proporcionadas melhores condições de vida, garantindo-lhes pão suficiente, lar condigno, desenvolvida educação e conveniente defesa da saúde. Além de que, numa sociedade bem constituída, é necessário que os pessoas que a compõem tenham espírito de entreajuda, para que os beneficiados pela sorte se não esqueçam dos atingidos pela desdita.

Antes de terminar esta mensagem, é meu elementar dever agradecer as cativantes palavras do Sr. Deputado que me saudou em nome dos componentes das duas Câmaras reunidas nesta sessão conjunta e dizer-lhe que apreciei muito o seu discurso, escutado com o crescente interesse que as judiciosas considerações feitos me foram provocando.

É igualmente dever meu, que cumpro com o maior aprazimento, saudar com muita simpatia as nações amigas, cujos representantes diplomáticos compareceram nesta cerimónia e afirmar que Portugal lhes oferece a mesma leal colaboração de sempre e lhes deseja venturoso porvir. E porque visitei há poucos meses o Brasil, numa missão de grande significado histórico e porque com ele constituímos uma Comunidade verdadeiramente fraterna, exprimo ao seu ilustre representante, numa palavra especial, a profunda estima que sinto pela nação irmã.

E, ainda, antes das últimas palavras desta mensagem, não posso deixar de recordar os acontecimentos que mais impressionaram o povo português, nos meus dois anteriores mandatos. No primeiro, o brutal choque pela espoliação dos nossos centenários territórios de Goa, Damão, e Dio, em Dezembro de 1961, por um país de formação recente e que se dúzia pacifista. Eles continuam ainda e desoladoramente afastados da Mãe-Pátria, mas estão sempre presentes no seu pensamento. No meu segundo mandato, que hoje termina, a incapacidade inesperada e o consequente afastamento do Doutor Salazar da vida política portuguesa, em que providencialmente entrara quarenta anos antes, e a sua substituição pelo Doutor Marcelo Caetano, na Chefia do Governo. Lembro o primeiro com imensa saudade e profunda gratidão; reitero ao segundo a confiança nele convictamente depositada em 27 de Setembro de 1968.

Vou terminar com um apelo, em que ponho toda a minha fé.

Peço a Deus que conserve em perfeita união todo o povo português. A união multiplica a força e nós carecemos dela, tanto como noutros momentos difíceis da nossa História, para vencer a crise em que nos debatemos. Unidos, conseguiremos defendermo-nos e progredir e, portan-to, vencer e continuar Portugal. Sinto-me com autoridade para fazer este apelo, não apenas e já seria suficiente, pelas funções que continuo exercendo com plena confiança da Nação, como ainda pela circunstância, que só a título excepcional aponto como exemplo entre os muitos que certamente existem, de poder afirmar, apesar de ter nascido na última década do distante século passado, nunca me ter sentido um português inútil, durante toda a minha já longa vida. Se o meu apelo for ouvido, o que espero; se todos nos conservarmos perfei-tamente unidos naquilo que fundamentalmente interessa à nossa terra, como é mister: nunca deixaremos - todos - de nos sentirmos orgulhosamente portugueses, úteis à Pátria em que nascemos e queremos constantemente progressiva e eterna.

Finda a leitura da sua mensagem, o Chefe do Estado foi, de novo e demoradamente, aclamado pela assistência.

O Sr. Presidente da Assembleia Nacional, em nome de S. Ex.ª o Presidente da República, declarou então encerrada a sessão.

Foi executado novamente o Hino Nacional, após o que S. Ex.ª o Presidente da República se retirou da Sala das Sessões, com o mesmo cerimonial da entrada.

Eram 11 horas e 50 minutos.

IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA

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