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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETÁRIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL E DA CÂMARA CORPORATIVA

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 213

ANO DE 1973 18 DE JANEIRO

X LEGISLATURA

SESSÃO N.º 213 DA ASSEMBLEIA NACIONAL

EM 17 DE JANEIRO

Presidente: Exmo. Sr. Armando Júlio de Roboredo e Silva

Secretários: Exmos. Srs. João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira
Amílcar da Costa Pereira Mesquita

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão ás 16 horas.

Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o n.º 211 do Diário das Sessões.
Deu-se conta do expediente.
O Sr. Presidente informou ter recebido o relatório e contas da Junta do Crédito Público referentes ao ano de 1971, que serão publicados em suplemento ao Diário das Sessões.
O Sr. Deputado Salazar Leite apresentou um requerimento.
O Sr. Deputado Castelino e Alvim, na ausência, por doença, do Sr. Deputado Almeida Cotta, prestou alguns esclarecimentos a um requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Sá Carneiro.
A Sr.ª Deputada D. Custódia Lopes, ao referir-se aos diversos problemas do ultramar, preconizou uma maior informação sobre eles.
O Sr. Deputado Neto Miranda usou da palavra para se referir à comunicação do Sr. Presidente do Conselho.
O Sr. Deputado Lopes Protão, a propósito da criação do ensino politécnico, agradeceu, em nome das gentes de Beja, a decisão do Governo.
O Sr. Deputado Ramiro Queirós solicitou de novo ao Governo a criação da Faculdade de Direito da Universidade do Porto.
O Sr. Deputado Costa Ramos deu conta das reacções provocadas pelo conhecimento do estudo de expansão do Aeroporto de Pedras Rubras.
O Sr. Deputado Nogueira Rodrigues referiu-se à comunicação feita ao Pais pelo Sr. Presidente do Conselho.

Ordem do dia. - Continuou a discussão na especialidade das alterações do Regimento.

Foram aprovadas alterações ao artigo 11.º
Usaram da palavra os Srs. Deputados Veiga de Macedo, Miguel Bastos, Mota Amaral, Vaz Pinto Alves, Alberto de Alarcão, Gonçalves de Proença e Magalhães Mota.
O Sr. Presidente convocou as Comissões Eventual para o estudo das alterações do Regimento e de Política e Administração Geral e Local, tendo encerrado a sessão às 18 horas e 50 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Eram 15 horas e 50 minutos.

Procedeu-se à chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Albano Vaz Pinto Alves.
Alberto Eduardo Nogueira Lobo de Alarcão e Silva.
Alberto Marciano Gorjão Franco Nogueira.
Alberto Maria Ribeiro de Meireles.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Amílcar da Costa Pereira Mesquita.
António Bebiano Correia Henriques Carreira.
António Fausto Moura Guedes Correia Magalhães Montenegro.
António Lopes Quadrado.
António de Sousa Vadre Castelino e Alvim.
Armando Júlio de Roboredo e Silva.
Armando Valfredo Pires.

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Artur Augusto de Oliveira Pimentel.
Augusto Salazar Leite.
Bento Benoliel Levy.
Carlos Eugénio Magro Ivo.
D. Custódia Lopes.
Deodato Chaves de Magalhães Sousa.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Eleutério Gomes de Aguiar.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Filipe José Freire Themudo Barata.
Francisco António da Silva.
Francisco Esteves Gaspar de Carvalho.
Francisco João Caetano de Sousa Brás Gomes.
Francisco de Moncada do Casal-Ribeiro de Carvalho.
Gabriel da Costa Gonçalves.
Gustavo Neto Miranda.
Henrique José Nogueira Rodrigues.
Henrique Veiga de Macedo.
Humberto Cardoso de Carvalho.
João Duarte Liebermeister Mendes de Vasconcelos Guimarães.
João Duarte de Oliveira.
João José Ferreira Forte.
João Lopes da Cruz.
João Manuel Alves.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
Joaquim Jorge Magalhães Saraiva da Mota.
Joaquim de Pinho Brandão.
José Coelho Jordão.
José João Gonçalves de Proença.
José Maria de Castro Salazar.
José Vicente Cordeiro Malato Beliz.
Júlio Dias das Neves.
Lopo de Carvalho Cancella de Abreu.
Manuel Elias Trigo Pereira.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel de Jesus Silva Mendes.
Manuel Joaquim Montanha Pinto.
Manuel Martins da Cruz.
D. Maria Raquel Ribeiro.
Miguel Pádua Rodrigues Bastos.
Nicolau Martins Nunes.
Olímpio da Conceição Pereira.
Prabacor Rau.
Rafael Ávila de Azevedo.
Ramiro Ferreira Marques de Queirós.
Raul da Silva e Cunha Araújo.
Ricardo Horta Júnior.
Rui de Moura Ramos.
D. Sinclética Soares dos Santos Torres.
Teófilo Lopes Frazão.
Tomás Duarte da Câmara Oliveira Dias.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Vasco Maria de Pereira Pinto Costa Ramos.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 66 Srs. Deputados, número suficiente para se começar com os nossos trabalhos.
Está aberta a sessão.

Eram 16 horas.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: Por motivo de ligeiro, felizmente que é ligeiro, incómodo de saúde do nosso eminente Presidente estão VV. Ex.ªs privados da sua direcção, da sua eficiente direcção, na sessão de hoje.
Rogo-lhes, desde já, que me relevem qualquer omissão que por falta de prática ou por carência própria ocorra na condução dos nossos trabalhos.

Pausa.

Foi ontem distribuído o n.º 211 do Diário das Sessões, que submeto a qualquer reclamação ou rectificação.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Visto não haver rectificações a apresentar, considero o n.º 211 do Diário das Sessões aprovado.

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Exposição

Da Sr.ª D. Aurora Costa Mendonça Freire acerca da sua fraca situação financeira face ao possível aumento de rendas de casa em Lisboa e Porto.

O Sr. Presidente: - Informo a Assembleia que entrada na Mesa o Relatório e Contas da Junta do Crédito Público referente ao ano económico de 1971, que vai ser publicado no Diário das Sessões, como é de norma.
Tem a palavra, para um requerimento, o Sr. Deputado Salazar Leite.

O Sr. Salazar Leite: - Sr. Presidente: Pedi a palavra para enviar para a Mesa o seguinte

Requerimento

De harmonia com o artigo 11.º do Regimento solicito que, pelos serviços do Ministério da Educação Nacional, me sejam fornecidos os seguintes elementos:

Número de alunos matriculados nas Faculdades de Medicina de Lisboa, Porto e Coimbra, especificando, para cada uma, quantos os de naturalidade portuguesa e quantos os estrangeiros;
A distribuição desses- alunos pelos anos que constituem o curso;
A indicação do número de alunos matriculados nas disciplinas de cada ano, referindo, sempre que possível, as suas naturalidades.

O Sr. Castelino e Alvim: - Sr. Presidente: O Sr. Deputado Francisco Lumbrales de Sá Carneiro apresentou ontem um requerimento pedindo ao Governo esclarecimentos acerca do caso ocorrido, há dias, na capela do Rato;
Para esclarecimento do Sr. Deputado e da Assembleia e na falta, por doença, do Sr. Deputado Almeida Cotta, estou habilitado, pelo Governo, a prestar as seguintes informações:
1. A reunião na capela do Rato iniciou-se após a missa vespertina das 19 horas e 30 minutos de sábado, 30 de Dezembro, quando um grupo de indivíduos anunciou que ficava a ocupar o templo até ao dia 1 de Janeiro, à tarde, "sem tomar qualquer alimento", para reflectir sobre a mensagem pontifícia

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acerca da paz, mas incluindo desde logo nessa reflexão a intenção de discutir a defesa da Guiné, de Angola e de Moçambique.
Tal intenção foi manifestada igualmente em panfletos sob o título "Tornar a paz possível", distribuídos nos dias 30 e 31 à porta de várias igrejas de Lisboa e do sul do Tejo, bem como naqueles que numerosos petardos, explodidos em vários pontos da cidade no dia 31 e ferindo três crianças gravemente, espalhavam. Nestes panfletos, intitulados "Greve da fome contra a guerra colonial", começava-se por anunciar: "Neste momento, na capela da comunidade do Rato, cristãos fazem a greve da fome, alertando as consciências contra a guerra colonial."
2. A intervenção policial na reunião processou-se pela forma mais correcta, às 20 horas e 30 minutos de domingo, 31 de Dezembro.
Quer dizer que, durante vinte e quatro horas, a reunião teve lugar (verdade seja que com escassa concorrência), discutindo os participantes, não espontaneamente, como dizem, mas sobre a base de um documento de dezoito páginas dactilografadas, editado por "Capela da J. E. C. - Calçada de Bento da Rocha Cabral, 1-B, Lisboa", e que, além da mensagem de Paulo VI, contém outros textos, alguns de pura política interna, o último dos quais gravemente atentatório da dignidade de Portugal e incitando por vários meios à boicotagem da defesa do ultramar.
Durante a reunião foram feitas afirmações políticas contrárias à integridade da Nação, votadas moções no mesmo sentido, aplaudidos documentos dimanados dos inimigos de Portugal, insultadas as forças armadas.
Não tendo havido durante esse longo espaço de tempo intervenção da autoridade eclesiástica e existindo justo receio, após a explosão das bombas e a larga difusão dos panfletos, de que a situação se agravasse, a Polícia de Segurança Pública tomou precauções, pelas 20 horas do dia 31, no exterior da capela, e meia hora depois mandou dissolver a reunião.
Estava no seu direito. Os templos são lugares sagrados na medida em que sejam consagrados ao culto divino. Mas desde que passem a ser utilizados como recintos de concertos, salas de espectáculo ou locais de debates políticos têm de ficar sujeitos às normas de policiamento dos lugares públicos para o caso de quem neles tenha jurisdição não ser capaz de fazer observar a legalidade.
3. O oficial da P. S. P., que entrou sozinho na capela, ordenou a dissolução da reunião e deu prazo de dez minutos para a sua ordem ser executada. Não o foi. Nessas condições houve que deter os dirigentes da reunião, por desobediência. Os presentes quiseram acompanhar os detidos. Todos foram identificados na vizinha esquadra do Rato, com a rapidez possível, mantendo-se a captura dos dirigentes e de mais algumas pessoas que desacataram ou insultaram as autoridades, dos quais, pouco depois, foram libertados uns poucos pela sua menor idade e irresponsabilidade.
A detenção manteve-se, quanto aos considerados dirigentes e promotores da reunião, em virtude de serem suspeitos de autoria moral ou de cumplicidade na colocação e rebentamento das bombas que no dia 31 alarmaram a população e causaram graves ofensas corporais a três crianças.
4. Os funcionários públicos têm especiais deveres de lealdade para com o Estado que servem, donde resulta uma particular relação de dependência dos seus órgãos administrativos. No caso presente, o Conselho de Ministros considerou dever aplicar o Decreto-Lei n.º 25 317, de 13 de Maio de 1935, que lhe permite, independentemente de processo disciplinar, demitir ou aposentar os funcionários, por se tratar aqui de pessoas surpreendidas em flagrante delito.
Na verdade, a reunião em que tomaram parte está perfeitamente averiguada e caracterizada, estando no dia 31 à tarde as paredes da capela cobertas de cartazes subversivos e encontrando-se sobre os seus bancos os panfletos atrás mencionados. A identificação das pessoas presentes foi feita acto contínuo à dissolução da reunião.
Os funcionários assim surpreendidos em flagrante delito, numa acção gravíssima contra os interesses da Nação e atentatória dos princípios constitucionais, tinham de ser rapidamente punidos. A lei, aliás, faculta-lhes recurso gracioso para o próprio Conselho de Ministros.

A Sr.ª D. Custódia Lopes:-Sr. Presidente: Quando, em plena sessão da última Assembleia Geral das Nações Unidas, a delegação portuguesa se encontrava defrontando ataques por parte de certos países africanos e comunistas, chegaram ao nosso conhecimento as palavras claras, mas incisivas, relativas ao ultramar, dirigidas à Nação pelo Sr. Presidente do Conselho na sua habitual "Conversa em família", então proferida.
Essas palavras foram para nós, que ali estávamos cumprindo o dever de defender a Nação a que pertencemos de acusações injustas, falsas e até ignominiosas acerca da nossa política ultramarina, essas palavras foram para nós, digo, encorajamento e reforço para o árduo trabalho que nesse areópago internacional somos levados a desempenhar.
Para além de reafirmarem princípios tradicionais da nossa política ultramarina, as palavras do Sr. Presidente do Conselho definiram, inequivocamente, a posição portuguesa perante a guerra que nos impuseram do exterior e exprimiram os propósitos do Governo quanto à reintegração das pessoas desviadas das suas terras, à promoção económica e social das populações e ao estudo de aceleração da participação dos naturais das províncias na sua administração e no governo local, no sentido da formação de uma verdadeira sociedade multirracial.
Que estes louváveis propósitos e que o vastíssimo programa que estamos realizando nas províncias ultramarinas, com sacrifícios de toda a ordem, que vão até à perda de vidas dos que as defendem nas fronteiras ameaçadas, não sejam entendidos, ou antes, sejam propositadamente ignorados na O. N. U., por razões que não escapam a ninguém, não é de admirar, mas o que é de lamentar, Sr. Presidente, é que haja também entre nós quem ignore ou pareça ignorar as realidades do ultramar e o momento grave que a Nação atravessa, e se insurja contra uma guerra que apelidam de "colonial", a mesma terminologia usada pelos nossos inimigos na O. N. U.
Eu sei que esta atitude é apenas de uma reduzida minoria, porque a maioria, essa, vem suportando estòicamente o sacrifício que lhe é exigido na de-

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fesa de vidas e de territórios que são património comum.
Não podemos esquecer, em momento algum, as mães, os pais e toda. essa heróica juventude de brancos, pretos e mestiços que vem dando o melhor que possui, as suas próprias vidas, em defesa do ultramar. É que a razão da guerra não está na opressão de povos, mas sim na defesa de povoações inteiras, que bandos de terroristas, vindos de fora, fortemente apoiados por determinadas potências mundiais, vêm flagelando, matando indiscriminadamente velhos, crianças, mulheres e homens.
Não queremos, decerto, a guerra, mas não podemos permitir que sejam abandonadas à sua triste sorte, dentro do nosso território, populações indefesas, na maioria africanas, que são, afinal, as principais vítimas dos que se apelidam de "libertadores".
Além de as defendermos, estamos procurando, no ultramar, elevar o seu nível de vida, através de empreendimentos, alguns dos quais de tal maneira grandiosos que surpreendem quem quer que seja, como é o caso da barragem de Cabora Bassa, integrada no vasto plano do Zambeze, na região de Tete, onde a luta se tornou mais acesa, precisamente porque tal plano não convém aos nossos inimigos, pois que contribuirá para o bem-estar e estabilidade de populações que procuram aliciar.
Esta é a verdade que alguns não querem entender ou fingem ignorar.

Vozes: - Muito bem!

A Oradora: - Contudo, a própria imprensa estrangeira vem trazendo a lume, esclarecendo deste modo a opinião mundial, declarações e comentários de pessoas responsáveis, políticos, jornalistas, homens de ciências e outros que têm visitado ultimamente o ultramar português e observado nos próprios locais como se passam as coisas, e o que acontece é ficarem surpreendidos com o ambiente que encontram, com a obra realizada e com a nossa maneira de conviver, tão diversa daquela que pensavam, levados pela intensa e persistente propaganda contrária ao nosso país.

Vozes: - Muito bem!

A Oradora: - Assim, a jornalista norueguesa Ingegord Galtung, que visitou demoradamente Angola e Moçambique, terminava um extenso artigo sobre o ultramar, inserto no jornal diário de Oslo Morgenbladet, fazendo esta pertinente pergunta:

Porque é que tão escassamente se conhece no mundo aquilo que na África os Portugueses fizeram e estão a fazer?

E acrescenta:

Quando chegámos a Angola e Moçambique, com uma imagem falsa da situação, sofremos um choque ao descobrirmos essas sociedades vibrantes de actividade, que se desenvolvem a ritmo vertiginoso, em vez de terras primitivas, paralisadas pela guerra, tal como a propaganda comunista as descreve.

Tem razão a jornalista norueguesa em se admirar aã nossa prejudicial discrição, que vai até mesmo a lugares onde os elementos de informação sobre o ultramar deviam ser abundantes, objectivos e actualizados, para nos podermos contrapor à propaganda adversa, como é o caso nas Nações Unidas.
Mas não se trata apenas de informar e esclarecer no estrangeiro. E no nosso país?
Estão os Portugueses suficientemente esclarecidos sobre o ultramar e conscientemente preparados para as actuais circunstâncias da política ultramarina portuguesa, que exige de cada um de nós doação e sacrifício e de todos união e firmeza, e isto a despeito das repetidas comunicações feitas à Nação, com toda a clareza, pelo Sr. Presidente do Conselho?
Bastarão para tal os escassos documentários de cinema, os programas de televisão que, ultimamente, diga-se em abono da verdade, têm feito progressos, uma ou outra conferência e algumas notícias dos jornais e da rádio?
Não raras vezes me tenho apercebido, e com que mágoa o digo, de uma certa descrença ou tibieza, por parte de pessoas com alguma responsabilidade, ao falar-se do problema ultramarino. É que ele se torna, por vezes, incómodo para quem, usufruindo bem-estar, ouve referir constantes sacrifícios e trabalhos. Há mesmo quem não acredite que as populações sejam capazes de entender tais sacrifícios. São os cépticos e os derrotistas.
Uns, pensando nos seus próprios interesses, vêem na actual política ultramarina um estorvo para as suas ambições.
Outros, cultivando vaidades, vivem, por comodismo ou individualismo, completamente alheados dos acontecimentos, e procedem na vida quotidiana como se tudo corresse em maré de rosas e o País não estivesse suportando uma guerra. E não se pense que estes se encontram apenas na metrópole, há-os também no ultramar, em certos locais, mais ou menos distantes das regiões onde se luta.

O Sr. Carlos Ivo: - V. Ex.ª dá-me licença?

A Oradora: - Faça favor.

O Sr. Carlos Ivo: - Eu tenho estado a ouvir V. Ex.ª com toda a atenção e permito-me interrompê-la porque as dúvidas que V. Ex.ª tem tido quanto à eficácia e à extensão da informação no nosso país também eu as tenho tido. E, sempre que há uma dúvida, evidentemente que se segue um período de meditação. Dentro dessa meditação eu chego a esta conclusão: é que, na nossa informação para o estrangeiro, que tem sido lançada nos pontos nevrálgicos onde ela deve incidir para um maior conhecimento das nossas coisas, quer dizer, entre os diplomatas e os jornalistas, os nossos sistemas de informação têm tido realmente resultados positivos; ao passo que, no nosso país, isto temos de dizê-lo, tenho a impressão que nem na extensão nem na qualidade a informação tem alcançado os resultados que deve alcançar.
Nós vemos aqui na metrópole, como V. Ex.ª acabou de apontar, pessoas que falam em guerras coloniais e outras coisas, com desconhecimento absoluto do que se está a passar. Eu sei que à distância é um bocadinho difícil.

O Sr. Camilo de Mendonça: - Com desconhecimento, Sr. Deputado? Por amor de Deus!

O Sr. Carlos Ivo: - Em alguns casos.

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O Sr. Camilo de Mendonça: - Com desconhecimento, não acredito.

O Sr. Carlos Ivo: - O facto é que se dizem aqui coisas que, para nós, ultramarinos, são difíceis de compreender. Mas, por outro lado, eu também quero dizer que, mesmo nas províncias ultramarinas, especialmente em Moçambique, nós muitas vezes recebemos as informações acerca das coisas que se passam no nosso território através de fontes de informação estrangeiras, neste caso dos nossos vizinhos. E é exactamente isso que eu creio que está errado, pelo que o nosso sistema de informação deve ser adaptado às circunstâncias, de forma a termos todos plena consciência do que se está a passar, quer estejamos perto, quer estejamos longe das zonas de operações.
Muito obrigado.

A Oradora: - Agradeço a V. Ex.ª a achega que deu ao meu trabalho. Eu vou continuar e V. Ex.ª verá que eu queria um esclarecimento mais completo, mas não apenas no aspecto da informação dos jornais, mais para além disso. Eu depois mais adiante direi.
Mas há ainda os que não sentem pelo ultramar aquela dedicação, aquele amor, que seria lícito esperar-se numa nação secularmente ultramarina, por ignorância das suas realidades.
Julgo, Sr. Presidente, que é tempo de se mobilizarem todos os esforços e meios no sentido de se corrigirem conceitos errados ou ultrapassados, de se reformarem mentalidades e de se esclarecer mais amplamente a opinião pública para que os portugueses mais conscientes, os da metrópole e os do ultramar, vivam unidos o mesmo problema e possam suportar com mais ardor e firmeza os difíceis tempos por que a Nação está passando.

O Sr.º Cancella de Abreu: - Muito bem!

A Oradora: - Abrem-se hoje ao ultramar largas perspectivas de desenvolvimento económico e social, através de leis, de medidas e de reformas que, para serem válidas e autênticas, têm de ser profundamente entendidas e amplamente executadas. Há para tal que se encontrar, não só os meios materiais, mas também, e, sobretudo, as pessoas que terão de estar não só preparadas e à altura das largas e difíceis tarefas que lhes são exigidas, mas também consciencializadas para as atitudes e sacrifícios que a emergência actual impõe.
Isto significa que temos de preparar, não só técnicos e especialistas, mas também cidadãos conscientes dos seus direitos e deveres no conceito de uma nação distinta de qualquer outra pela sua maneira de estar no mundo, simultaneamente unida e diversificada.
Não me parece, Sr. Presidente, que a preparação para o entendimento deste conceito tão essencial à defesa da nossa política ultramarina, diria melhor, da nossa política nacional, porque é a própria sobrevivência da Nação que está em causa, esteja a ser feita com o dinamismo e o realismo que seriam necessários e desejáveis no cruciante momento de hoje.

Vozes: - Muito bem!

A Oradora: - Há, sem dúvida, manifestações e atitudes neste sentido, mas isoladas e descoordenadas.
Há que fazer, na metrópole e no próprio ultramar, uma consciencialização mais activa e profunda sobre o problema ultramarino, em todos os sectores da vida nacional, e criar também as condições necessárias para que todos, indistintamente, possam dar o seu contributo para a sua solução, solução que não admite abdicações em favor de estranhos e que só aos Portugueses pertence encontrar, na ordem, na justiça e no trabalho.

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Camilo de Mendonça: - V. Ex.ª dá-me licença?

A Oradora: - Faça favor.

O Sr. Camilo de Mendonça: - Minha Senhora: Eu estou a ouvi-la com o maior interesse, como sempre, a dar-lhe o meu pleno acordo, e mesmo quando eu queria abster-me de estar a intervir ou a interromper, sou, neste momento, forçado a fazê-lo, para pôr esta questão suscitada por acontecimentos recentes.
Suponho que se algum dinamismo tem havido na actual presidência do Governo, é em busca de soluções para o ultramar. Que, sem abdicar dos princípios, das intenções e das finalidades que estão em cada um de nós e que a todos cumpre defender, não se fechou a nenhuma pesquisa, a nenhuma procura, a nenhuma abertura, que chegaram, por vezes, a ser mal interpretadas.
Todavia, corajosamente, se não transigiu, se não abdicou, e antes manteve sempre a mesma fé e o mesmo objectivo. Presto a minha homenagem ao esforço, às diligências, às preocupações, que o Prof. Marcelo Caetano revelou neste particular, como correspondendo necessariamente à gravidade e profundidade de um problema, que é o maior do País.

Vozes: - Muito bem! Muito bem!

O Sr. Camilo de Mendonça: - Considero, portanto, perfeitamente inadequado, ilegítimo, que alguns procedam em atitudes que poderão ter-se como criminosas quando estão em causa problemas desta natureza e gravidade. V. Ex.ª, pelo que disse, convém comigo neste desabafo.

Vozes: - Muito bem! Muito bem!

O Sr. Camilo de Mendonça: - Eu respeito profundamente os problemas de consciência de cada um e da pesquisa de caminhos que a católicos ou não católicos se imponham. Mas não compreendo que possam dar lugar a atitudes contra a consciência nacional.

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Camilo de Mendonça: - Quando se chega a esse ponto, algo está profundamente doente ou mal. Respeito as preocupações de todos, as perplexidades que alguns até possam ter, mas, acima de tudo, a consciência nacional não permite a cada um, para lá das suas dúvidas ou hesitações, agir, manifestar-se

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ou tomar posições que contrariem o interesse que ao Governo de todos nós cumpre defender em todas as circunstâncias.

Vozes: - Muito bem! Muito bem!

O Sr. Camilo de Mendonça: - Portanto, nesse aspecto, permito-me acentuar que para aqueles os esclarecimentos não são já precisos, quando os caminhos que têm sido percorridos, os esforços que têm sido feitos, excedem largamente toda uma orientação anterior que podia, embora injustamente, ser acusada de algum imobilismo. Se ainda nem assim conseguimos que alguns naturais desta terra o entendam, temos de lamentar, temos de ter pena, mas temos de continuar.

A Oradora: - Sr. Deputado: Eu ouvi-o com muita atenção, mas também eu não compreendo as palavras de V. Ex.ª Talvez não me tivesse explicado bem ou V. Ex.ª tivesse interpretado mal as minhas palavras.

O Sr. Camilo de Mendonça: - Não, minha Senhora, eu referia-me a atitudes recentes de alguns e em concordância com as afirmações de V. Ex.ª

A Oradora: - Então está esclarecido!

Sr. Presidente: Tinha já escrito estas breves considerações quando ouvi, atentamente, a magistral e esclarecedora comunicação que o Sr. Presidente do Conselho, Prof. Marcelo Caetano, acaba de fazer à Nação, sobre a política ultramarina portuguesa, e na qual reafirmou os propósitos do Governo quanto à sua manutenção e defesa.
Para além do brilho da exposição, foi o comunicado uma notável lição de política ultramarina, um esclarecimento minucioso da conjuntura actual e do caminho traçado pelo Governo para a enfrentar, ao mesmo tempo que uma séria advertência à Nação, sobretudo aos que não estão atentos ou se alheiam das realidades.
É de desejar que os Portugueses meditem seriamente nas palavras que o Chefe do Governo acaba de dirigir ao País.
Como Deputada por Moçambique, terra onde gentes de variadas raças e credos lutam, conjuntamente, pela paz e pelo progresso, sinto ser meu dever manifestar, em nome de quantos me deram o honroso mandato de os representar nesta Assembleia, a satisfação pela firmeza com que a política ultramarina continua a ser encarada pelo Governo.

O Sr. Salazar Leite: - V. Ex.ª dá-me licença?

A Oradora: - Faça favor.

O Sr. Salazar Leite: - Muito obrigado. Eu preciso interrompê-la mais uma vez para reflectir sobre o que tem aqui sido dito. Desde que por amável deferência do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros de então eu tive a honra, que não esqueço, de ser incluído na delegação portuguesa às Nações Unidas, tenho vindo a reforçar algumas das opiniões que já tinha sobre a nossa posição nas Nações Unidas e, graças a alguns esclarecimentos de pessoas mais autorizadas do- que eu, creio que hoje poderei com consciência analisar perfeitamente aquilo que se passa dentro das Nações Unidas. Não é meu mérito, é mérito daquilo que tenho ouvido e dos conselhos que tenho seguido e da enorme influência das pessoas autorizadas.
Fui a primeira vez para as Nações Unidas ainda com uma vaga esperança de que aquilo que se dizia acerca dessa Assembleia não tinha razão de ser. Mas à medida que o tempo passou, fiquei mais consciente de que há uma atitude generalizada de um grupo de nações que tendem quanto possível a atacar Portugal, talvez como uma válvula de escape, porque a outros países não podem com tanta facilidade atacar. Eu pergunto a mim mesmo porque se salta com tanta facilidade sobre problemas gravíssimos do mundo actual, problemas que mereceriam mais atenção, que mereceriam um estudo profundo, e não cito nenhum porque estão na mente de todos nós.
E quando se trata de um problema em que Portugal pode ser atingido, procuram, de qualquer maneira, diminuir o nosso esforço, demonstrando ao mundo através dessa tribuna, que é uma tribuna extraordinariamente importante -e que em meu entender não devemos abandonar-, procuram fazer saber ao mundo que os Portugueses são a erva daninha que se encontra a modificar por completo as boas relações entre as nações.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Salazar Leite: Peço a sua atenção para as suas prolongadas considerações porque está esgotando o tempo regimental à Sr.ª Deputada.

O Sr. Salazar Leite: - Muito obrigado, Sr. Presidente, eu acabo já, porque tudo o que tenho a dizer é chamar mais uma vez a atenção para a situação em que nós nos encontramos nas Nações Unidas. Para o ambiente que se respira contra nós nas Nações Unidas e que tão bem foi apontado pela Sr.ª Deputada Custódia Lopes, a quem quero felicitar.
Espero bem que o futuro poderá modificar este estado de coisas e espero que alguma vez, através do mundo, seja reconhecida a obra que os Portugueses têm feito e estão fazendo para bem dos povos que a civilização nos entregou e que temos obrigação de conduzir para ela.

A Oradora: - Muito obrigada, Sr. Deputado, e vou já terminar com mais estas duas palavras.
Estou certa de que as populações ultramarinas, solidárias com o Governo, não desmerecerão da confiança que nelas foi depositada.

O Sr. Neto Miranda: - Sr. Presidente: Ao acabar de ver renovado, na recente comunicação ao País, tão acentuadamente, o pensamento do Governo quanto à defesa intransigente do ultramar, em sequência lógica de um passado que preservamos e de um futuro que estamos construindo, a minha consciência de português, que tem nesta Casa o honroso encargo de representar Angola, não pode deixar de salientar a dimensão da mensagem do Chefe do Governo.
São já longos os anos que tenho dedicado ao ultramar. Pois, perante a notabilíssima comunicação do Sr. Presidente do Conselho, eu jamais me senti tão compensado do modesto esforço que tenho dês-

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pendido nos diversos sectores da vida pública e privada daqueles territórios.
Sinto, como todos que ao ultramar dedicam o seu trabalho e os seus sentimentos, que a contribuição que lhe temos dado tem ajudado a construir uma Nação cada vez mais próspera e digna.
Próspera, como é evidente o seu desenvolvimento sócio-económico; digna, como só os verdadeiros possuidores da razão sabem julgá-la no tabuleiro internacional, sempre com o mesmo fervor nacionalista, sem receio das demagógicas posições do sectarismo internacional, que, por razões de quem necessita, e de quem dispensa, ainda que sejam em moeda satânica, martela sistematicamente o princípio do deve e haver para haver a quem deve o sorriso de uma aquiescência, o voto de uma permuta, o compromisso de uma abdicação, a perda da autoridade que procura mais tarde restaurar à custa das próprias carências, para ficar mais pobre em haveres e dignidade.
O Sr. Presidente do Conselho não deixou dúvidas a ninguém.
Como habitualmente, a responsabilidade do cargo e a personalidade de quem o exerce não se compadece com tibiezas ou admite juízos irreais.
O Chefe do Governo ao chamar a si toda a planificação do universo dos interesses nacionais, transfere necessariamente para cada um de nós parte do mandato que a Nação lhe outorgou. E é precisamente nesta posição política de quem se submete ao interesse nacional que devemos procurar compreender a inestimável conduta do Chefe do Governo, pois sabe, por contacto, ciência adquirida no humaníssimo mister de formar homens em sucessivas gerações, análise do mundo que o rodeia, que o poder de ser .é superior a todos os jogos, a todas as divergências, a todas as manobras.
Portugal sabe o que é, sabe-o há mais de oito séculos. Não o esquece e permanece firme na via do seu enriquecimento pátrio.
Nenhum de nós andaria esquecido destas verdades. Mas o Sr. Prof. Doutor Marcelo Caetano, indiferente aos desígnios de pressões externas, para se situar na contestação aos falsos profetas que desde há muito vêm aliciando terceiros para o seu mundo de ambições cómodas, não representando qualquer mandato, antes o desejam conquistar à custa do sangue inocente dos povos que apregoam libertar, vem firmemente manter inalterável a posição desde sempre assumida, a única que nos cabe defender: combater o inimigo. Aqui ou nas frentes da Guiné, Angola e Moçambique, para defesa dos povos daqueles territórios, que nunca por si mesmo quiseram outra garantia de vivência cívica, política, económica e humana que não fosse a que lhe é garantida pela bandeira portuguesa.
Sr. Presidente: Grave é a responsabilidade de quem governa. Mas não é menos grave aquela que por forma reforçada acabamos de receber: continuar a defesa, face aos ataques que nos são dirigidos. Corresponder à fé inabalável do Chefe do Governo é tarefa fácil para quem no dia-a-dia vive o seu trabalho de subsistência e de renovada esperança de uma vida mais digna.
Esse o caso português.
Por ele, num todo, respondem os que até agora sacrificaram as suas vidas. Aos que continuam a Nação, cabe-lhes significar firmemente que estão certos de que não será em vão que ganharão a batalha, unindo-se em volta dos seus governantes, apoiando-se nos sentimentos mais dignos de um povo: a honra de efectivamente o ser.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Lopes Frazão: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: "Decisão transcendente e histórica", assim intitulou, e em segura verdade, o Sr. Ministro da Educação Nacional a programação do ensino superior, que deu a conhecer ao País pelos últimos dias do ano passado.
De feito, a grandiosidade do programa apresentado e sobretudo a coragem com que o pôs, além de honrarem o Ministro que em boa hora o concebeu, dá-nos a certeza da sua plena execução, e não distante.
Tem-se por absolutamente certo que o saber se precisa que seja o mais largamente espalhado, por estar na base do melhor encaminhamento do viver nacional.
Por assim o sentirmos, estamos com o Sr. Ministro, e louvamo-lo com a maior sinceridade pelo seu propósito bem afirmado de um país que não pode ser progredido sem uma cultura expandida.
Para S. Exa., pois, o nosso bem-haja, pelo que de muito útil pretende para todos nós, que tanto precisamos de sermos melhores para sermos maiores.
Mas, assim o diz com boa segurança a sentença popular, "não há bela sem senão".
E porque somos nesta Casa modesto arauto do pensar das gentes de Beja, e porque elas estão francamente magoadas pelo ensino politécnico, que entendiam merecer, justamente, e não lhe foi atribuído, não devemos silenciar aqui esse sentimento de desgosto, pois só se sente a boa gente, e na verdade é boa a gente deste largo torrão sul-alentejano, que para mais vive em terra credora, pelo poder forte das suas alargadas virtualidades, de que seja maximamente acarinhada.
E a franqueza de um desabafo é sempre de estimar e também muito de considerar.
Já com intensidade e por muita parte se faz ouvir a voz triste da terra bejense pela falha grave da cultura agrícola de que ela tanto necessita, e que agora lhe foi negada ao seu próprio meio, onde tinha natural assento.
Com esta nossa fala tão-só vimos em reforço desse queixume pleno de causa, assim o temos em entendimento, porque não podia calar-se nesta Assembleia quem, desde a primeira intervenção que aqui fez em Dezembro de 1965, no debruçamento sobre a lei de meios, e depois em intervenções sequentes de 1966, 1968, 1969 e 1971, pretendeu sempre para Beja, por muitas e justificadíssimas razões, o ensino politécnico agrícola e industrial, e que afinal acaba por não o ver programado para a província com tanto merecimento dele, e que tanta falta lhe faz para sua perfeita e necessária promoção.
O progresso agrícola dos povos evoluídos deve-se sobretudo a uma formação profissional dilatada: assim é que a Holanda tem 46 por cento dos seus lavradores formados profissionalmente, para isso dispondo de

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300 escolas agrícolas secundárias e milhares de cursos primários, e a pequena Dinamarca, com a sua área de metade do Portugal metropolitano, tem 45 por cento de lavradores bem profissionalizados em 29 escolas agrícolas. Entre nós o seu número é apenas de 10!
Mas a agricultura só por si é incapaz, ainda que eficientemente conduzida, de promover regiões menos desenvolvidas, como é o caso do Baixo Alentejo, e este tem sofrido de sempre o desfavor grande de um subdesenvolvimento gerado pela monocultura cerealífera. É preciso que o agro desta ubertosa província alentejana se policultive para se poder industrializar, e tem possibilidades imensas disso, como o exige o interesse regional, para robustecimento do interesse nacional.
A agricultura, que em Beja se está a reconverter em bom caminhar, com a sua pecuária a qualificar-se grandemente, precisa, no entanto, para mais poder ser útil, do arrimo da indústria, e esta ligada à produção da terra há-de vir naturalmente, e em boa dimensão, num futuro que se antolha que não estará longe.
Há dias o nosso esclarecido e dinâmico Ministro da Economia declarou que "a principal razão do baixo crescimento do nosso produto agrícola está no desajustamento entre a utilização do solo e as suas potencialidades naturais", e é bem verdade.
Mas o ajustamento, que se quer que não demore, assenta primordialmente numa técnica afeiçoada, que ainda temos muito falha em quantidade, e porque não dizê-lo, mesmo em qualidade.
Sempre pensámos que desta vez é que Beja teria o seu ensino agrícola bem integrado na região, que vem sendo seu anseio velho de muitos anos.
Todos os indicadores citados pelo Sr. Ministro da Educação Nacional como válidos para a boa localização politécnica apontam certo para o distrito de Beja, celeiro de Portugal e futuro bálsamo da nossa exagerada fome proteica.
E não se queira que Beja se desertifique mais, pois bem basta o êxodo brutal da sua população agrária no último decénio, expresso na altíssima percentagem de 25 por cento, havendo concelhos com variação negativa superior a 30 por cento e mesmo a 40 por cento!
Em entender nosso, é exactamente nestes pólos de fraqueza, que no entanto escondem muita fortaleza, que só o homem de bom saber é capaz de pôr à vista, que devem ser implantados todos os meios possíveis de fixação à terra, dos quais o acesso fácil ao ensino tem a mais marcada importância.
Porque Beja tem a maior população do Alentejo, largas oportunidades de emprego, tanto na terra como nos serviços, e agora mais com Sines à ilharga, tem por si em afirmação a política de ordenamento, e ainda a necessidade de mão-de-obra qualificada, tudo isto havido como bons indicadores da actividade regional, nós daqui, desta tribuna onde se proclamam, para serem ouvidos, os anseios dos povos, pedimos ao Sr. Ministro da Educação Nacional, que entende, e bem, poder haver "transformações a introduzir" no esquema geral apresentado, que nelas considere o ensino politécnico em Beja.
E na certeza que nos dá a clarificação de espírito de S. Ex.ª e a vontade bem demonstrada de acerto nas suas ideações, estamos mesmo convencidos de que considerará a justeza deste nosso pedido, e assim Beja terá em breve, para além da Escola Normal Superior, que tanto devemos agradecer, o ensino técnico, que é sua suprema aspiração.
Disse.

O Sr. Ramiro Queirós: -Sr. Presidente: O Sr. Ministro da Educação Nacional, nas visitas que anteontem realizou a várias instalações escolares na margem sul do Tejo, afirmou, segundo a notícia que li na imprensa:

As escolas nascem e multiplicam-se em Portugal como fontes de renovação para o futuro.
Escolas pobres, em pavilhões pré-fabricados? Sim. Mas de outro modo não as havia.
Escolas com dificuldades de funcionamento? Tantas vezes. Mas antes assim do que não estarem abertas, deixando as crianças abandonadas nos campos e nas ruelas.
Escolas sem o equipamento que seria de desejar? Decerto. Mas um plano de reapetrechamento tem-se vindo a executar com celeridade. Cantinas que já deviam existir? Sim. Mas nunca se criaram tantas. Escolas sem aquecimento? Muitas. Mas, pela primeira vez, algumas centenas foram aquecidas.

E mais adiante:

Não se pode resolver tudo de pronto, mas muitas coisas julgadas irrealizáveis há pouco tempo estão hoje a um passo de serem executadas.
E sabemos bem que novos empreendimentos e iniciativas geram novas aspirações. Ainda bem. Todos os que acreditam na essência da política educacional devem ajudar em força. Agora mais do que nunca.
Há uma reforma a instaurar, Universidades e escolas superiores a abrir, há trabalho sem limites.

Peguei noutras palavras do Prof. Veiga Simão para lhes dizer, deste lugar, que a população do distrito do Porto o acompanhou no entusiasmo e determinação com que o Governo tem vindo a mobilizar todos os recursos de que pode dispor para vencer a chamada batalha da educação.
Para lhes declarar que no círculo por que foi eleito - e com certeza no País inteiro - todos acreditamos "na essência da política educacional, e que, assim, não sentimos qualquer dificuldade em ajudar em força".
Pois bem.
Julgamos que ao dirigir ao Governo o pedido para a criação da Faculdade de Direito na Universidade do Porto, e o mais rapidamente possível, pedido que traduz a aspiração repetidas vezes formulada por várias entidades e nas mais diversas oportunidades - ainda recentemente pelo Senado da nossa Universidade e pelos municípios do distrito-, julgamos, dizia, que estamos na linha da ajuda pelo Sr. Ministro esquecida.
E se insistimos por que se dê satisfação a tal pedido, não é porque "novos empreendimentos e iniciativas", como agora a criação de novas Universidades há pouco anunciadas ao País, "geram novas aspirações".

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Não se trata aqui de uma aspiração nova. Ela é velha de muitos anos e traduz a realidade da existência de uma grave lacuna na Universidade do Porto, lacuna que representa uma situação de injustiça para com a cidade e a vasta e populosa região por esta servida. Situação de injustiça com que nos não conformamos. Isto, para não referir o que há de injusto ainda nesta grave carência para com a prestigiosa e fecunda Universidade da capital do Norte, cuja história, seja qual for o ângulo por que se encare a sua presença no contexto cultural e educacional do País, lhe dá jus a ser tratada com o respeito e a generosidade devida a quem como ela tão assinalados serviços tem prestado à Nação.

O Sr. Ávila de Azevedo: - Muito bem!

O Orador: - É tão evidente a justiça de tal pretensão que julgo redondamente aduzir argumentos em sua defesa. Nem se diga que as dificuldades a vencer serão instransponíveis: o corpo docente a constituir, as instalações a encontrar, o apetrechamento a montar, não digo que seja fácil tarefa a levar rapidamente a cabo. Mas é possível fazê-lo se todos os interessados e somo-lo todos - quiserem dar-se as mãos, decididos a vencer. De resto, se assim não fora, para quê decretar a criação de novas Universidades, se as dificuldades acolá são idênticas às daqui?
Não me compete, neste singelo apontamento, ir mais longe.
O que peço é um veemente apelo, que dirijo ao Sr. Ministro da Educação Nacional, para que decida criar a Faculdade de Direito no Porto.

Porto não se conforma com a ideia, que porventura se tenha criado em Lisboa, de que é ... mais uma cidade da província.
Ele não carece, para fazer prevalecer os seus direitos, de invocar os velhos pergaminhos e os serviços relevantíssimos com que tem contribuído para o progresso do País. Ele é o que é: centro polarizador do desenvolvimento da Região Norte e donde irradia, e cada vez mais deve irradiar, o impulso criador para a zona que serve, em todos os campos da actividade humana.

O Sr. Ávila de Azevedo: - Muito bem!

O Orador: - Desconhecer ou menosprezar este facto, esta realidade, corresponderia não só a cultivar uma situação de injustiça para com o Porto e as suas gentes, mas também a contribuir cada vez mais para o pernicioso desequilíbrio no desenvolvimento regional, de cujo contexto o Porto é peça fundamental.
É certo que valiosos passos em frente têm sido dados pelo Governo. Mas o que se fez está ainda muito distante das metas que importa alcançar.
Não vou, porém, alongar-me na matéria, para a qual virá melhor oportunidade para ser desenvolvida.
O que pretendo é afirmar que a criação da Faculdade de Direito na Universidade do Porto representará por parte do Governo e a fazer-se com a celeridade possível, para além da reparação de uma situação de injustiça grave de que tem sido objecto a Universidade, a cidade e a região do Porto, um acto de boa vontade que as suas gentes não deixarão de averbar à conta de uma clarividente apreciação política da importância que não pode deixar de ser reconhecida à segunda cidade do País.
Nas mãos do Sr. Ministro da Educação Nacional deponho, confiado, o deferimento da pretensão.

O Sr. Ávila de Azevedo: - Muito bem!

O Sr. Costa Ramos: - Sr. Presidente: Nas últimas legislaturas sempre alguns Deputados pelo círculo do Porto se ocuparam nesta Casa do problema do Aeroporto das Pedras Rubras. Na sessão legislativa passada os Srs. Deputados Almeida e Sousa e Macedo Correia retomaram a questão. O primeiro para pedir, em síntese, o seguinte:

Que o Aeroporto seja considerado no mais curto espaço de tempo aeroporto internacional de 1.ª classe, em toda a extensão e com todas as implicações que isso possa trazer;
Que seja dotado com aparelhagem de segurança e aterragem sem visibilidade, que hoje equipa outros aeroportos internacionais; e
Que as suas pistas, se de tal carecerem, sejam modificadas de acordo com a nova utilização.

O segundo, desenvolvendo um tanto mais o tema, mas na mesma linha de pensamento, para referir as deficiências existentes face às exigências actuais e futuras e para apontar a lista das consequentes necessidades.
No essencial, essa lista coincide com a dos pedidos do Deputado Almeida e Sousa, pelo que se poderá afirmar ser esta última intervenção um reforço da primeira.
Atento, como sempre, à criação das infra-estruturas indispensáveis ao desenvolvimento do País e às preocupações manifestadas nesta Câmara pelos Srs. Deputados, o Governo, pela Direcção-Geral da Aeronáutica Civil, elaborou oportunamente um estudo de expansão do actual Aeroporto, destinado a servir de base à publicação do diploma que viria a instituir o plano director do aeroporto futuro, e sugeriu, simultaneamente, pelos serviços competentes daquela Direcção-Geral, que se introduzissem nas servidões aeronáuticas existentes as modificações que a execução desse plano poderia vir a acarretar.
Sendo este estudo concebido em termos de responder cabalmente ao que foi solicitado pelos Srs. Deputados, isto é, de modo a poder dar satisfação às exigências imediatas e futuras do tráfego N de um aeroporto internacional que se destinará a servir uma região onde residem cerca de 4 milhões de habitantes, com o dinamismo demográfico e económico para justificar a existência de uma infra-estrutura de tal natureza, parece que os povos e os seus representantes só teriam motivos para se congratularem e para pedirem ao Governo, uma vez publicado o decreto que estabelecesse o plano director, a passagem rápida à sua fase de execução.
A reacção dos povos, porém, foi outra. Com efeito, os habitantes dos concelhos que seriam abrangidos pelos diferentes tipos de servidões que o Aeroporto - na concepção de um estudo - viria a criar reagiram muito desfavoravelmente ao esquema concebido pelos serviços responsáveis e, pela voz autorizada das

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suas autarquias, solicitaram ao Governo a revisão desse Estudo.
Tal comportamento, encabeçado, sobretudo, pela Câmara de Matosinhos, certamente por representar o concelho que maiores sacrifícios teria de suportar, resultou do conhecimento das consequências que as aludidas servidões trariam para a região integrada na área da influência do Aeroporto, consequências essas que, no essencial, se poderão resumir assim:

a) Estabelecimento de zonas onde se teriam de realizar expropriações, embora não muito extensas, particularmente na parte destinada à implantação das pistas e instalações de apoio à aviação;
b) Criação de largas zonas onde a construção ficaria sujeita a limitações de altura para permitir as manobras de aterragem e descolagem; e, finalmente,
c) Criação de uma zona (contendo praticamente as duas anteriores) onde a intensidade sonora se situaria entre os 90 e os no decibeles, com graves riscos para a saúde das pessoas nela residentes, uma vez que, segundo o parecer da Direcção-Geral de Saúde, "os ruídos acima de 88 decibeles impedem o desenvolvimento normal dos recém-nascidos, podem determinar a perda parcial da agudeza auditiva, dificultam o sono e provocam estados de fadiga nervosa que reduzem a eficiência do trabalho, determinando a necessidade de frequentes períodos de recuperação para conservar a eficiência natural das pessoas".

Esta reacção dos povos e das suas autarquias pareceu injustificada aos defensores da existência de um aeroporto internacional localizado nas Pedras Rubras, que pudesse servir, como serviria o planificado pela Direcção-Geral da Aeronáutica Civil, às seguintes finalidades:

Aeroporto central, virado essencialmente para o transporte a longa distância;
Aeroporto de plataforma supersónica;
Aeroporto para transportes regulares e não regulares, internacionais e interiores, de curta e média distância;
Aeroporto de apoio ao sistema aeroportuário da Região Norte e de parte da Região Centro; e, ainda,
Aeroporto alternante do de Lisboa, em resultado do congestionamento deste ou das suas limitações operacionais.

Terão os que defendem a permanência do Aeroporto das Pedras Rubras, ampliado e modernizado em termos de poder corresponder às finalidades enumeradas, razão para considerar tal reacção injustificada?
Se as consequências das servidões aeronáuticas a estabelecer, na resultante da ampliação projectada, fossem apenas as expropriações e as limitações de altura na construção dos edifícios - apesar dessas expropriações implicarem a destruição de uma ou duas pequenas povoações e impedirem a construção de um agregado satélite para cerca de 30 000 habitantes, cuja localização já se encontrava aprovada, e apesar mesmo das limitações de altura desvalorizarem um tanto os terrenos e dificultarem a fixação de certos tipos de indústria-, no meu entender, assistiria aos partidários da localização do aeroporto nas Pedras Rubras larga margem de razão para considerarem injustificada a atitude das populações, tão evidente me parece a compensação dos prejuízos apontados, pelos benefícios decorrentes do progresso que a implantação de uma infra-estrutura com tal dimensão viria a proporcionar a essas populações.
Não sendo assim, porém, uma vez que a tais consequências se sobreporiam as da insalubridade acústica - cuja gravidade está bem patente no parecer da Direcção-Geral de Saúde a que anteriormente me referi-, e pelas quais não caberia às populações atingidas o direito a qualquer indemnização, já me não parece que se possa rotular de injustificado o comportamento dessas populações.
Com efeito, face a um tal condicionalismo, seriam as mesmas postas perante o seguinte dilema:

Viver permanentemente no ambiente de intensa e progressiva poluição sonora, com todas as consequências para que já tinham sido alertadas; ou
Abandonar os seus lares, tantas vezes construídos sabe Deus com que sacrifícios, sem compensação que lhes permitisse reconstruí-los em lugares mais saudáveis.

Numa hora em que o Mundo inteiro é solicitado a tomar consciência dos efeitos da poluição do meio ambiente e em que já se procura avaliar se este preço do desenvolvimento é suportável pela Humanidade, será razoável não encontrar justificação para a atitude dos milhares de pessoas que teriam de enfrentar um tal dilema?
Será aceitável, mesmo, que no esquecimento de tudo quanto não seja o atingir de certas metas de desenvolvimento se ignorem ou minimizem os interesses morais e materiais de uma comunidade sem responsabilidade no desenrolar do processo urbanístico que hoje dificulta a obtenção dessas mesmas metas?
Deixo à consciência daqueles que desejam o aeroporto nas Pedras Rubras, por qualquer preço, a resposta a estas perguntas, com a grande esperança de que todos nos acabaremos por encontrar, com recíproco entendimento, no ajuizar das situações e na procura das soluções que, sem perder de vista a realidade, mais conformes sejam com o objectivo comum de construirmos o grande Norte, que sendo um pouco mais do que o grande Porto, só poderá acelerar a construção deste.
Servindo-me agora do exemplo do concelho de Matosinhos, direi ainda à Câmara - no intuito de concretizar um tanto melhor as considerações produzidas - que só na parte da sua área abrangida pela zona de poluição sonora (37 000 000 m2, aproximadamente) residem hoje mais de 80 000 pessoas, muitas das quais em casa própria, e situam-se, além de grande parte do parque industrial e da zona costeira, com todas as suas praias em franco desenvolvimento, o hospital, várias escolas primárias, o liceu, a escola técnica e outros estabelecimentos congéneres, uma zona destinada à construção de casas para cerca de 40 000 pessoas (com o apoio do Fundo de Fomento da Habitação), três bairros das caixas de previdência,

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em suma, todo o amplo e diversificado centro cívico do vale de Matosinhos.
Em presença de uma realidade destas, e dada a reacção dos povos, que atitude poderia tomar a Câmara de Matosinhos que não fosse aquela que tomou, isto é, a de conjuntamente com as câmaras de outros concelhos interessados solicitar a S. Ex.1 o Ministro das Obras Públicas e das Comunicações a revisão do Estudo de Expansão do Aeroporto de modo a serem substancialmente reduzidas as consequências da poluição sonora ou, na impossibilidade dessa redução, a ser estudada a eventual implantação do aeroporto noutro local?
Aliás, mesmo que a reacção dos povos, por ignorância, se não tivesse manifestado como manifestou, poderia a Câmara, consciente dos perigos que a situação comportava, proceder de modo diferente?
Por mais que o meu bairrismo e o meu egoísmo de utente me levassem a desejar ter o aeroporto nas Pedras Rubras, tenho de afirmar que a Câmara de Matosinhos, como as restantes - face a um problema desta natureza-, cumpriram o seu dever, pugnando pela integridade das circunscrições administrativas que representam e pelo bem-estar dos povos cujo destino lhes está imediatamente confiado.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Procedimento diferente deste, sim, esse é que me pareceria seguramente injustificado e passível de severas críticas por parte das populações interessadas.
É certo que os defensores da solução contida no Estudo de Expansão do Aeroporto, isto é, os que se batem pela continuação do aeroporto nas Pedras Rubras, com todas as implicações que isso possa trazer, aduzem em favor da sua tese copiosa argumentação, de entre a qual, por mais significativa, destacarei a seguinte:

Não se encontra num raio de 50 km, a partir do Porto, local mais apropriado para a construção do aeroporto, e mesmo que se encontrasse, se consideradas todas as implicações económicas e financeiras do empreendimento, a ampliação projectada seria ainda a forma mais conveniente de resolver o problema;
A poluição sonora iria apenas somar-se a outros tipos de poluição já existentes na mesma área, resultantes do funcionamento da refinaria da Sacor (agora em ampliação), do Porto de Leixões e das várias indústrias aí situadas, parecendo, por isso, preferível esta sobreposição à criação de outra área poluída;
As servidões a que larga parte do concelho ficaria submetido (incluindo a da insalubridade acústica) não impediriam que se continuasse a exercer a actividade agrícola, e mesmo a actividade industrial, nomeadamente quando àqueles tipos de indústria que se servem do transporte aéreo para o escoamento dos seus produtos;
Na medida em que se não construiriam nessa zona novas habitações e a população hoje ali residente se visse obrigada a transferir-se, as infra-estruturas hospitalares, escolares e outras semelhantes, por falta de quem as utilizasse, deixariam de ter interesse e poderiam ser reconvertidas com outro aproveitamento;
Estão em curso, no domínio da tecnologia da construção de aeronaves, diversos trabalhos de investigação tendentes a encontrar processos de reduzir significativamente os efeitos da poluição sonora.

Situa-se, para além das possibilidades consentidas pelos meus conhecimentos, uma análise em profundidade de parte destes argumentos, alguns dos quais, todavia, me parecem largamente discutíveis, mas há uma resposta que se lhes pode imediatamente opor: nenhum deles contesta o principal fundamento da reacção provocada pelo Estudo de Expansão do Aeroporto - o facto de não ser possível garantir às pessoas no estado actual dos nossos conhecimentos que se não veriam obrigadas a sofrer as consequências da insalubridade acústica (porventura a pior de todas as poluições) ou a abandonar os seus lares, sem indemnização que as compensasse, pelo menos, dos danos materiais que teriam de suportar.
Esta circunstância, se não obriga a rejeitar totalmente o Estudo, obriga, pelo menos, a que o mesmo seja motivo de serena e cuidadosa revisão, tendente a encontrar para o problema do aeroporto do Norte do País - de tanto interesse para o desenvolvimento da região - uma solução que integre fórmulas susceptíveis de não fazer pagar demasiadamente a uns a satisfação dos interesses de outros, por mais legítimos que sejam e por mais que pareçam identificados com os interesses de toda a comunidade.
A sociedade tem obrigação, segundo penso, de distribuir tão equitativamente quanto possível pelos seus membros os custos sociais e económicos da sua marcha para o futuro.
S. Exa. o Ministro das Obras Públicas e das Comunicações, depois de ouvir os municípios interessados, mandou rever o Estudo de Expansão do Aeroporto. Se essa revisão conduzir a uma solução capaz de - após amplo e franco debate- concitar a adesão de todos ou pelo menos da grande maioria, permitindo que, a partir dela se aprovem rapidamente os planos reguladores da urbanização de alguns dos concelhos interessados no processo, que, com largo prejuízo para o seu crescimento, aguardam essa aprovação; se facilite o julgamento dos recursos que se encontram pendentes das decisões de algumas câmaras, na resultante de interpretações por elas dadas sobre o condicionalismo legal das servidões aeronáuticas; e se saneie certo clima de divergência que se tem vindo a gerar entre os municípios (que desejam ver despachadas as suas pretensões em matéria de urbanização) e os gestores da administração municipal, que, compreensivelmente, hesitam em proferir esses despachos, terá o Ministro prestado à região, sem qualquer sombra de dúvida, mais um notável serviço.
Sr. Presidente: Espero que não se extraia do que acabei de dizer as ilações de que sou contra a ideia da necessidade de o Norte possuir um aeroporto internacional, ou de que me não regozijo, como o Sr. Deputado Almeida e Sousa, com a decisão recentemente tomada de se pôr em adjudicação uma empreitada de beneficiação das actuais pistas do aeroporto e da sua aerogare.
A necessidade da existência do aeroporto está larga e insofismavelmente demonstrada nas intervenções dos

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Srs. Deputados a que me referi inicialmente, e mais concretamente ainda nos relatórios já publicados pelos Grupos de Trabalho das Infra-Estruturas e do Turismo da Comissão de Planeamento da Zona Norte, a cujas conclusões, quanto a essa necessidade, dou o meu inteiro apoio; a beneficiação das pistas e da aerogare impunha-se para poder corresponder às crescentes solicitações de tráfego aéreo em passageiros e mercadorias enquanto se aguarda a decisão a que anteriormente aludi e, mais do que isso, a transformação obviamente morosa dessa decisão na realidade por que todos ansiamos: o aeroporto metropolitano do Norte, concebido e dimensionado com rasgada visão de futuro.
Na verdade, Sr. Presidente, tais ilações, se possíveis, para além de negarem o meu entendimento das coisas, negariam por completo os objectivos desta intervenção, que bem se poderão sintetizar assim: tentar repor o problema do Aeroporto das Pedras Rubras no verdadeiro quadro das realidades que o condicionam e chamar a atenção do Governo para as difíceis situações que se vão criando na ausência de uma tomada de posição que restitua aos povos a confiança no futuro e às suas autarquias a possibilidade de tomarem as melhores decisões na gestão dos interesses que lhes estão confiados.
Tenho dito.

O Sr. Nogueira Rodrigues: - Sr. Presidente: Acabado de chegar de Angola, foi com viva e sentida emoção que acompanhei a comunicação feita ao País pelo Chefe do Governo. Com viva e sentida emoção Angola a acompanhou também, pois que, de todas as afirmações produzidas pelo Sr. Presidente do Conselho, lhe fica a certeza de que pode continuar com a mesma firmeza e confiança a tarefa enorme, ingente, a que se vem dedicando: o engrandecimento daquelas terras de Portugal.
Lutando contra o tempo, empenhada em todo um processo de desenvolvimento que quase assombra mesmo os mais crentes, Angola cresce não só no económico, mas faz progressos tremendos nó social. É produto do esforço de gente que tem dado em todas as épocas lições ao mundo, de perseverança, de persistência, de espírito de sacrifício e, mais do que tudo ainda, de coerência: de coerência pela forma como está no mundo, de respeito para consigo mesmo, pela sua história, pelo seu passado, pelo seu presente e com preocupação pelo seu futuro.
Para quem vive no ultramar, ao ouvir o Chefe do Governo, atentar em certos pontos da sua comunicação, algum motivo de preocupação, de receio, e até de espanto, o obrigam a reflectir que, afinal, alguns sectores do País, do seu país, desconhecem, contagiados talvez por um modernismo -ou ânsia dele-, preocupados com o que eles mesmos não sabem bem quê, desconhecem, dizia, todo este esforço, todo o enorme esforço em que o País, todo o País, está empenhado. E tanto assim é que, mesmo de repetidamente esclarecidos, continuam a ignorá-lo. Mas a nossa fé, a nossa confiança, continuam inabaláveis, pois que nem só de mártires, nem de heróis, está a nossa história cheia, pois que traidores em todas as épocas os houve.
Ao escutar a comunicação do passado dia 15, em todos os seus pontos os meus pensamentos nela se detinham relembrando o quanto de há doze anos a esta parte, e mesmo mais já, todo um processo de descolonização, toda uma ânsia louca de libertação, se tem transformado em desgraça para os povos africanos; e em desonra, em vergonha, para o mundo. Todo um cortejo trágico de independências, em que as excepções se limitam, e estas resultado de um trabalho de preparação de há longa data e de concretização muito recente. E, em Angola, como afirmava o Chefe do Governo, bem nos recordamos de "ver alguns restos na trágica passagem por Luanda de tantas vítimas de corpos e de almas destroçados".
Em Angola bem nos recordamos do quanto sentimos na. própria carne. Foram os nossos irmãos brancos ou pretos que tombaram, às mãos das hordas ululantes de selvagens. Têm sido os jovens do País que, como espírito de quem é jovem e destemido, tantas vezes, alguns a sua própria vida lhe entregam. Mas os que lembram a sua passagem por lá e as circunstâncias os não fazem regressar -de muitos tenho ouvido ter sido o melhor tempo da sua vida. Gente abnegada, gente autenticamente portuguesa.
Libertar-nos, pois, de quê?
Libertar-nos, pois, de quem?
Há todo um tremendo equívoco, talvez desonesto equívoco de uns quantos; equívoco que o País tem que desfazer, e combater, a menos que queira mergulhar na desonra, contribuir para a desgraça de regiões e suas populações, que têm como vínculo, em certos casos, a condição única de poderem continuar portugueses.
Libertação, de quê e de quem?
Vivemos numa época em que a própria Europa, a velha Europa, procura encontrar um tipo de ligação económica que conduza até a uma união política; em que o mesmo sucede em outras regiões do Mundo. Isto entre povos em que as afinidades se situam na recordação de um passado cheio de hostilizações bélicas e económicas. E nós, que constituímos uma Pátria com mais de quinhentos anos?
Libertarmo-nos, pois, de quê e de quem? Meu Deus: que tremendo equívoco!
"Sobre os ombros de quem governa pesa a responsabilidade do ultramar português. Defendê-lo contra os perturbadores da sua paz importa sacrifícios. É verdade. Resta saber se renunciar a essa defesa não importará sacrifícios bem mais graves e bem maiores. Para cada um dos portugueses e para a Nação. Eu, por mim, não aconselharia a renúncia", dizia o Chefe do Governo ao terminar a sua comunicação, tão lúcida, tão convicente na sua argumentação.
Por nós, ao acabarmos de escutá-lo, redobramos a nossa confiança nos destinos da Pátria e vamos retomar o nosso trabalho imenso em Angola, que Angola sómente interrompeu no tempo suficiente para o escutar. Para escutar e para lhe agradecer muito comovidamente, Sr. Presidente do Conselho.

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Montanha Pinto: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Faça favor.

O Sr. Montanha Pinto: - Quero apenas apoiar e solidarizar-me com as palavras de V. Ex.ª e pedir-lhe licença para acrescentar ou repetir que as palavras

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que ouvimos de S. Ex.ª o Presidente do Conselho na noite da passada segunda-feira foram muito úteis para alimentar salutarmente uma confiança, confiança que alguns por palavras, actos ou atitudes tentam debalde prejudicar. Muito obrigado.

O Orador: - Muito obrigado, Sr. Deputado, pela sua achega.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: Não havendo mais nenhum de VV. Ex.ªs inscrito para falar antes da ordem do dia, vamos passar à

Ordem do dia

Discussão na especialidade das alterações do Regimento.
Como se recordam, foi ontem aprovado o artigo 8.º, para o qual havia uma proposta de alteração.
Para o artigo 9.º e para o artigo 10.º, como não há quaisquer propostas de alteração, não há que os discutir. Passaremos ao artigo 11.º, para o qual há duas propostas de alteração, a primeira subscrita pelo Sr. Deputado Albino dos Reis e outros Srs. Deputados, a segunda pelo Sr. Deputado Mota Amaral.
A alteração diz respeito apenas a um parágrafo do artigo 11.º, mas como nesse parágrafo há referências ao corpo do artigo, vai ser lido todo o artigo e seguidamente serão lidas as propostas.

Foram lidos. São os seguintes:

Art. 11.º Os Deputados têm o direito de:
a) Apresentar projectos de lei;
b) Discutir e votar as proposta ou projectos de lei e a matéria das resoluções;
c) Formular, por escrito, perguntas, para esclarecimento da opinião pública, sobre quaisquer actos do Governo ou da Administração;
d) Ouvir, consultar ou solicitar informações de quaisquer corporações ou estações oficiais acerca de assuntos de administração pública, mesmo fora do funcionamento efectivo da Assembleia.
§ 1.º O Deputado que quiser exercer a iniciativa referida na alínea à) deverá entregar o projecto ao Presidente. Se não houver motivo para sustar imediatamente o seguimento do projecto, nos termos do artigo 33.º, o Presidente, considerada a matéria, enviá-lo-á à comissão ou comissões que julgar competentes, de entre as mencionadas no artigo 25.º, para se pronunciarem unicamente sobre se há ou não inconveniente na sua apresentação. A comissão ou comissões, ouvido o Deputado, darão o seu voto, por maioria absoluta do número dos seus membros, no prazo de três dias e devolverão o projecto ao Presidente, que o fará logo chegar às mãos do autor. Sendo divergentes os votos das comissões ouvidas, o Presidente decidirá. Estabelecido que não há inconveniente, poderá o Deputado fazer a apresentação, nos termos da alínea c) e § 4.º do artigo 22.º
§ 2.º O Presidente, se quiser intervir na discussão, far-se-á substituir na Presidência, que não poderá reassumir até ao final da votação.
§ 3.º O Deputado que quiser exercer a iniciativa a que se refere a alínea c) apresentará directamente na Mesa o texto da pergunta, a qual deverá ser rigorosamente objectiva e formulada em termos concisos e precisos, não podendo conter qualquer juízo afirmativo ou referir-se a matéria não pertinente às atribuições do Governo ou da Administração. Observados estes requisitos, o Presidente dará imediato conhecimento da pergunta ao Presidente do Conselho e, no prazo de dez dias, mandará ler na Mesa a pergunta, bem como a resposta do Governo, se, entretanto, tiver sido dada. Verificada a hipótese a que se refere o § único do artigo 96.º da Constituição, o Presidente limitar-se-á a comunicá-lo, directamente, ao Deputado interessado. Se na sessão imediatamente seguinte ao décimo dia posterior ao da apresentação da pergunta o Governo não tiver respondido ou invocado segredo de Estado, o texto da pergunta será lido na Mesa e publicado no Diário, procedendo-se do mesmo modo quanto à resposta do Governo logo que seja recebida.
§ 4.º Os Deputados que pretenderem examinar pessoalmente qualquer processo existente em algum dos Ministérios ou noutra repartição pública poderão fazê-lo mediante autorização do respectivo Ministro, nos termos do artigo 96.º da Constituição.

Propomos que o § 1.º do artigo 11.º do Regimento passe a ter a seguinte redacção:

§ 1.º O Deputado que quiser exercer a iniciativa referida na alínea a) deverá entregar o projecto ao Presidente. Se não houver motivos para sustar imediatamente o seguimento do projecto, nos termos do artigo 33.º, o Presidente, considerada a matéria, enviá-lo-á à comissão ou comissões que julgar competentes, de entre as mencionadas no artigo 25.º, para se pronunciarem unicamente sobre se há ou não inconveniente na sua apresentação. A comissão ou comissões, ouvido o Deputado, darão o seu voto, por maioria absoluta do número dos seus membros, e devolverão o projecto ao Presidente, que o fará logo chegar às mãos do autor. Sendo divergentes os votos das comissões ouvidas, o Presidente decidirá. Estabelecido que não há inconveniente, poderá o Deputado fazer a apresentação, nos termos da alínea c) e § 4.º do artigo 22.º

Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 15 de Novembro de 1972. - Os Proponentes: Albino Soares Pinto dos Reis Júnior - José Coelho de Almeida Cotta - Henrique Veiga de Macedo - Gustavo Neto Miranda - Albano Vaz Pinto Alves- Miguel Pádua Rodrigues Bastos.

Proponho que o artigo 11.º, § 1.º, do Regimento passe a ter a seguinte redacção:

Art. 11.º ..................................................................
§ 1.º O Deputado que quiser exercer a iniciativa referida na alínea a) deverá entre-

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gar o projecto ao Presidente. Se não houver motivo para sustar imediatamente o seu seguimento, conforme o disposto no artigo 33.º, poderá o Deputado fazer a apresentação, nos termos da alínea c) e § 4.º do artigo 22.º

Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 15 de Janeiro de 1973. - O Deputado, João Bosco Soares Mota Amaral.

O Sr. Presidente: - Estão em discussão.

O Sr. Veiga de Macedo: - Sr. Presidente: A comissão encarregada de estudar e propor as alterações ao Regimento empenhou-se, vivamente, ao longo de numerosas sessões, em apresentar trabalho fundamentado e sério.
O seu relatório foi entregue e publicado logo no início da presente sessão legislativa. Já vão decorridos, portanto, mais de dois meses.
Além disso, a seu pedido, teve o Presidente da Assembleia a gentileza de solicitar aos Deputados que com ela colaborassem, apresentando, oportunamente, sugestões ou propostas sobre a matéria. Houve felizmente quem correspondesse ao apelo.
A discussão na generalidade principiou e acabou há dois dias. O único orador na generalidade houve por bem apresentar então trinta propostas de alteração, as quais foram publicadas no dia seguinte, ou seja, ontem. A comissão, perante o sucedido, admitiu que lhe fosse dado tempo para se debruçar sobre essas propostas, algumas das quais visam modificações que não são de mera forma ou de superfície.
Apesar de tudo, não levantou a questão, e logo se votou ao estudo das propostas de alteração.
Mas a comissão, não obstante o empenho posto no trabalho, teve de reconhecer que não podia, por manifesta falta de tempo, estudar convenientemente as propostas. Trata-se de matéria complexa e delicada que não se compadece com pressas ou precipitações.
Se o Sr. Deputado Mota Amaral tivesse podido fazer entrega mais cedo das suas propostas ou as houvesse levado, com alguma antecedência, ao conhecimento da comissão, logo esta se apressaria a examiná-las com o interesse e a ponderação que pôs, e põe, no estudo dos assuntos da sua alçada.
Não envolve esta referência - que, no entanto, não poderia omitir- o menor desapreço pelo autor das propostas de alteração. Limito-me a registar um facto, do qual, aliás, já extraí mais uma lição, que me leva a rectificar algumas posições por mim assumidas no seio da comissão.
Vem tudo isto a propósito da situação embaraçosa em que a comissão foi colocada. A comissão - e, segundo penso, a própria Assembleia, que não pode legislar de ânimo leve, antes tem, para o fazer, de estudar bem e com tempo indispensável as matérias submetidas à sua apreciação. Por isso, Sr. Presidente, peço a V. Ex.ª tome as providências que, em seu alto critério, tiver por mais convenientes.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Veiga de Macedo: Ouvi com a atenção merecida aquilo que V. Ex.ª disse e que vem justamente ao encontro da posição ainda ontem por mim defendida como Deputado que sou, e apenas ali na minha cadeira. É que -se bem me recordo, até usei a palavra "catadupa" - uma catadupa de propostas apresentadas à última hora criam situações extraordinariamente embaraçosas aos Deputados que têm que se pronunciar sobre elas, que somos todos nós os que estamos presentes.
Consequentemente acho bem fundadas as razões que apresentou, mas este artigo 11.º, que já ontem veio na primeira leva - recordo-me que quando saí daqui só tinha recebido as propostas do Sr. Deputado Mota Amaral até ao artigo 36.º-, tenho a impressão que todos VV. Ex.ªs tiveram tempo de se debruçar sobre ele e que estarão, por consequência, preparados para sobre esse, e possivelmente mais alguns, tomar posição. De maneira que eu continuarei com o artigo 11.º em apreciação pela Assembleia e no momento oportuno tomarei as providências que, em meu entender, e agora como Presidente, o caso requer.
Continua a discussão.

O Sr. Miguel Bastos: - Sr. Presidente: Em primeiro lugar, queria referir-me à proposta da comissão. Nós não alteramos o texto do Regimento em vigor, apenas lhe tiramos o prazo em que as comissões se tem de pronunciar. Desde sempre me impressionou que as comissões tivessem apenas o prazo de três dias para se pronunciar em, embora o Regimento diga que esse parecer recai apenas sobre a conveniência ou inconveniência do projecto apresentado.
Apesar disso, hoje em dia e talvez sempre, foi difícil a uma comissão, num pequeno prazo de tempo, dar um parecer em relação à conveniência ou inconveniência de determinado projecto, embora recorde aqui que já uma vez tivemos de dar um parecer apresentado numa sexta-feira, com obrigação de nos pronunciarmos na segunda-feira seguinte, tendo em conta a globalidade de circunstâncias nacionais e até internacionais.
Por isso a comissão discutiu largamente esta matéria, e, como tive ocasião de dizer no parecer, julgámos ser preferível que não se estabelecesse qualquer prazo, deixando isso à responsabilidade das pessoas que dirigem os trabalhos - ou da pessoa que dirige os trabalhos desta Assembleia, que é sempre da nossa maior confiança e cuja posição e imparcialidade não podemos em caso algum pôr em dúvida, assim como os presidentes das comissões consultadas, que são sempre pessoas - sem desprimor para ninguém - que têm o sentido elevado, justo e perfeito da sua responsabilidade.
Além disso, de certo modo se alarga este poder. Se a comissão demora mais do que aquilo que o Deputado propriamente entende ser necessário, pode aqui no plenário interpelar a Mesa sobre essa matéria, e, portanto, com a projecção que uma intervenção desse tipo sempre tem.
Pareceu-nos que as coisas ficavam num pé de perfeita lógica e que se devia, como nós desejámos, e, aliás, foi salientado pelo único orador da generalidade, o Sr. Deputado Mota Amaral, dar prestígio à comissão, assegurando-lhe que o seu trabalho seria feito em condições de poder realmente dar-lhe maior seriedade, sem que este termo possa ferir susceptibilidades, e honestidade no parecer que terá de emitir.
Estas as razões, Sr. Presidente, e meus ilustres colegas, que nos levaram a adoptar este sistema.
Aproveito agora a oportunidade para fazer algumas considerações sobre a proposta de emenda que foi

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apresentada e está em discussão, juntamente com a da comissão.
Ousaria chamar a atenção de VV. Ex.ªs para a grande importância que envolve ou poderá envolver no futuro, se nós a aceitarmos.
Não gosto muito de, em relação às soluções nacionais, citar o que se passa no Mundo - até porque, neste caso concreto, a nossa forma de vida constitucional é perfeita e largamente diferente da que se usa na grande parte, senão da maioria, dos parlamentos-, mas a verdade é que, desde 1911 - mesmo desde as Constituintes em Portugal -, a verdade é que houve o cuidado de, em relação a todos os projectos de lei, haver uma forma, a começar pela própria Mesa, de controlar, de verificar, os projectos de lei apresentados. Está publicado e existe na nossa biblioteca um livro sobre os parlamentos, um livro francês em que as formas dessa verificação, desse contrôle, dessa apreciação, estão explicitadas em relação a todos os países. Alguns são perfeitamente drásticos, que não é o nosso caso, mas todos eles na defesa dos parlamentos, e aqui no nosso caso na defesa do prestígio da Assembleia, têm o cuidado de entregar a um órgão a apreciação prévia dos projectos de lei.
Nós não estamos livres, Sr. Presidente - eu falo à vontade, pois isto não toca nem fere ninguém porque estamos a fazer um regimento, o anterior durou doze anos, não sei quantos anos vai durar este -, não estamos livres de se apresentarem projectos que, em vez de trazer prestígio, dignidade e autoridade a esta Casa, podem realmente ser objecto, emprego o termo, de especulações ridículas, que nós temos a obrigação, como representantes que somos da Nação, de defender com a maior firmeza e a maior autoridade.
Sr. Presidente, trata-se de um direito dos Deputados fazer leis, mas logo a nossa Constituição e o nosso Regimento diz que o Presidente poderá fazer sustar os projectos se forem contra os princípios constitucionais ou se eles trouxerem ou implicarem maior despesa ou diminuição de receitas.
No Regimento, esta disposição não é mais do que uma forma de complementaridade à disposição que acabo de referir, porque a apreciação de um determinado projecto é ou não contra os princípios constitucionais.
A própria apreciação da oportunidade, ou da conveniência da sua discussão, podem ter que ser meditadas por uma comissão. Que eu me lembre, ainda há pouco sucedeu durante a nossa Legislatura uma emenda apresentada entender-se não ser constitucional.
Parece-me, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que, em palavras simples, sem a elegância do bom orador que nunca fui e que já não serei na minha idade, pude pôr a VV. Ex.ªs, com toda a franqueza, com toda a lealdade, as razões por que reputo esta disposição de uma grande importância e que espero todos VV. Ex.ªs tenham entendido, ainda que não tenha sido suficientemente claro, a importância fundamental que temos em votar apenas a proposta apresentada pela comissão.
Muito obrigado, Sr. Presidente.

O orador não reviu.

O Sr. Mota Amaral: - Sr. Presidente: Foram feitas algumas observações pelo Sr. Deputado Veiga de Macedo acerca do facto de ter eu apresentado uma série bastante numerosa de propostas de alteração ao Regimento que agora se encontra objecto da atenção da Câmara.
Não pude, de facto, por razões várias, corresponder ao convite que o Sr. Presidente dirigiu a todos os Deputados na altura em que a comissão foi eleita, mas nem por isso gostaria que a minha atitude fosse tomada, como parece infelizmente que está a ser tomada, como uma atitude pessoal. Tenho o maior respeito pelos membros da comissão eventual, a começar pelo seu ilustríssimo Presidente e nosso muito querido decano Dr. Albino dos Reis, e nunca me permitiria uma atitude desta natureza.
Não deixo também de frisar que, ao proceder assim, utilizei o direito que o Regimento me reconhece e nem sequer fui mais longe do que aquilo que a comissão entendeu dever propor na emenda do artigo 37.º sobre o momento próprio para apresentação das propostas de alteração.
As minhas propostas foram entregues na Mesa antes do início do debate na generalidade e é isso precisamente que a comissão vem propor que se faça. Além do mais, não sou quem conduz a ordem dos trabalhos desta Casa e não há disposição nenhuma na Constituição e no Regimento que obrigue a que o debate na especialidade se siga ao debate na generalidade. Se a comissão entende que deve ter mais tempo para estudar e tomar posições em relação às minhas propostas de emenda, a Mesa é sempre livre de ordenar os trabalhos da Assembleia nesse sentido.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, pode V. Ex.ª estar tranquilo que a Mesa intervirá no momento próprio a esse respeito.

O Orador: - Espero que isso tranquilize ainda mais a comissão eventual.
Sr. Presidente: acerca do problema que está em causa a minha proposta de emenda tem por objectivo fazer suprimir a intervenção prévia das comissões no julgamento da conveniência ou inconveniência dos projectos de lei que aqui são apresentados pelos Deputados. Acho que essa medida se impõe, antes de mais nada porque é uma faculdade constitucional dos Deputados - deriva desde logo do artigo 91.º da Constituição - apresentar projectos de lei. E esta faculdade o Regimento consagra-a, está no artigo 11.º, alínea a), em relação à qual não foram apresentadas quaisquer propostas de alteração, pelo que o princípio continuará a vigorar na nossa Assembleia. Os Deputados podem apresentar projectos de lei, têm o direito de o fazer.
Ora, como disse durante o debate na generalidade, foi em 1935, poucos meses depois de a Assembleia Nacional entrar em funcionamento, que, por revisão da Constituição, foi introduzido este processo de julgamento, da conveniência ou inconveniência dos projectos de lei, mediante uma comissão especial para o efeito eleita. Questão de melindre sem dúvida alguma, a ponto de o Presidente da Assembleia de então ter manifestado o maior interesse em que esta comissão fosse eleita pela Assembleia, e não de nomeação presidencial. Pena é que se não possa fazer a história da sua actividade, devido à falta de documentos, uma vez que não existem actas das reuniões

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dessa comissão especial durante o período em que ela existiu.
De maneira que não é possível, a não ser pelos testemunhos orais das pessoas que nela tenham participado, saber quais foram as atitudes tomadas pela comissão em relação a eventuais projectos de lei apresentados pelos Deputados e, portanto, determinar a medida exacta em que a intervenção da comissão veio a contribuir para o progressivo desaparecimento da iniciativa dos Deputados,
Ora eu acho, pelo contrário, que a iniciativa dos Deputados deve ser facilitada. Aliás, bastantes dificuldades já existem para ela, a começar pela do § único do artigo 97.º da Constituição. A famosíssima lei travão: os Deputados não podem apresentar projectos de lei ou propostas de alteração que envolvam aumento de despesas ou diminuição de receitas do Estado.
Por isso, com razão, há quem pergunte o que é que fica de efectivo e de prático na iniciativa dos Deputados, quando essa iniciativa não pode ter reflexos financeiros.

ão se pode traduzir numa actuação concreta do Estado.
Mas há outra limitação, que também é constitucional, que impõe que as leis aqui votadas hão-de restringir-se às bases gerais dos regimes jurídicos; não podem ir além disto.

O Sr. Camilo de Mendonça: - Não podem ou não vão?

O Orador: - Não podem. É constitucional.

O Sr. Camilo de Mendonça: - Mas vão!

O Orador: - É que também a Constituição prevê que não se possa contestar a inconstitucionalidade formal dos diplomas aqui votados que vão para além das bases gerais dos regimes jurídicos.
Mas isso são problemas da Constituição, que não estão aqui em causa.
Há ainda outra limitação na iniciativa dos Deputados, e julgo que esta acaba por ser a mais importante e a mais decisiva: é a falta de meios de trabalho que tem cada Deputado por si. Cada um tem de actuar por sua conta e risco, e não tem qualquer apoio. Só muito recentemente um diploma emanado do Governo veio prever a existência de um corpo de técnicos que prestará o seu apoio aos Deputados. Resta saber em que medida esse corpo de técnicos virá a ser solicitado pelos próprios Deputados e, portanto, qual será o apoio técnico que ele virá prestar-lhes. Mas, na prática, não existe institucionalizada, à parte este caso que agora citei, qualquer forma de apoio ao trabalho legislativo dos Deputados.
Quando se compara essa situação com a de outras assembleias legislativas por esse mundo fora, nas quais cada Deputado, e não falemos já de cada comissão, tem o seu próprio gabinete de trabalho, no sentido de colaboradores, assistentes legislativos, como acontece no Congresso dos Estados Unidos, vemos bem em que posição nos encontramos, comparativamente com outros países.

O Sr. Ávila de Azevedo: - Muito bem!

O Orador: - A iniciativa legislativa dos Deputados é uma questão de equilíbrio dos poderes. Não se pode fazer com que o poder de fazer leis, a capacidade de determinar, em sentido decisivo, as orientações da sociedade, caiba exclusivamente ao Governo.
Por isso, as assembleias legislativas mais ciosas das suas prerrogativas procuram garantir-se dos órgãos de estudo, dos métodos de trabalho adequados, para poderem situar-se, tanto quanto possível, em posição de igualdade com aqueles meios de trabalho técnicos de estudo que tem todos os Governos.
Ora, no regime actual, que, como disse, deriva da revisão constitucional de 1935, desde 1951 que não é exigência constitucional.
Porque, na verdade, a Lei n.º 2048, quando alterou a Constituição, suprimiu o preceito que exigia que os projectos de lei fossem submetidos ao exame da comissão especial nessa altura eleita, posteriormente de qualquer outra comissão competente das comissões permanentes.
Como muito bem disse o Sr. Deputado Miguel Bastos, não é o nosso um regime isolado; tem similares noutros países a exigência de uma aprovação que é, insisto, anterior à própria apresentação do projecto. Existe, na realidade, no processo legislativo de alguns países - em Espanha, por exemplo. Existe em alguns países do Norte de África; estou a lembrar-me da República Árabe Unida e também da Líbia. Verdade se diga: há regimes mais estritos do que o nosso, não se pode desconhecê-los. Na Noruega, por exemplo, todos os projectos de lei antes de serem apresentados pelos Deputados devem ser apresentados ao Governo, e este exemplo foi seguido pelas repúblicas centro-africanas.
Ora, para mim, entendo que se deve ir no sentido de facilitar a iniciativa dos Deputados, seguindo-se esse contrôle prévio, que apresenta a necessidade de julgamento de conveniência ou inconveniência por parte das comissões. Há, e eu reconheço esta possibilidade, melhor dito, esta necessidade, de contrôle prévio a fazer-se sobre a própria constitucionalidade do projecto de lei, mas isto é tarefa do presidente, ao abrigo do artigo 33.º do nosso Regimento, e é sistema também que garante a correcção dos projectos de lei apresentados noutros parlamentos pelo mundo fora. Portanto, não é um sistema totalmente original, mas há a prática, os exemplos de outros povos nesta matéria. Aliás, não se pode com isso dizer que o Governo fique totalmente desarmado, pois ele tem sempre a última palavra no assunto, havendo sempre a possibilidade de determinar quais são aqueles diplomas que devem ser votados na Assembleia Nacional, antes de mais pelo princípio da maioria, pois o Governo, apoiado pela maioria, pode rejeitar. Isto acontece em todos os parlamentos do mundo e é difícil governar sem o apoio da maioria, no legislativo, sobretudo em circunstâncias difíceis.
Além disso, o próprio Governo tem também a faculdade, que entre nós é constitucional e corresponde à praxe seguida noutros países, principalmente em Inglaterra, de intervir através de sugestões, por certo seguidas, na elaboração da ordem do dia. Portanto, não se trata de criar qualquer espécie de situações difíceis, mas apenas garantir que os Deputados em exercício vejam as suas iniciativas reconhecidas

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publicamente como tal, pois entendo que é de afastar o contrôle prévio à apresentação, confiado presentemente às comissões permanentes.

O orador não reviu.

O Sr. Vaz Pinto Alves: - Sr. Presidente: Não entrarei em considerações de ordem extraordinária. Limitar-me-ei a um depoimento muito simples. Julgo que a nossa experiência parlamentar tem demonstrado a vantagem de um exame prévio das iniciativas de ordem legislativa dos Deputados no sentido de as comissões se pronunciarem sobre a conveniência ou oportunidade dos projectos. Pode, por vezes, um projecto, em determinado contexto, apresentar uma inoportunidade flagrante na sua apresentação pública. Daí que se reconheça como conveniente um trabalho preparatório das comissões acerca da oportunidade ou conveniência de fazer uma lei sobre determinado assunto e com a orientação nela traçada. O exame prévio, Sr. Presidente, existe em muitos parlamentos, pois não se desconhecem os inconvenientes de discussões que é mister evitar quando o imponham interesses e circunstâncias muito ponderáveis. A simples apresentação no plenário poderia, em muitos casos, mostrar-se inconveniente e causar alguma perturbação para os interesses públicos.
Quanto ao prazo de três dias fixado no actual Regimento para as comissões darem o parecer - a experiência também demonstrou que, por vezes, se mostrava restrito, obrigando as comissões a um trabalho à pressa sem a necessária profundidade que os assuntos poderiam exigir.
Achou-se, pois, oportuno alterar este condicionalismo, o que não envolve qualquer arbítrio por parte das comissões que, conscientes das suas responsabilidades, ponderarão todas as circunstâncias na elaboração do seu parecer. De resto, se o Deputado entende que a comissão preconiza para além do razoável a emissão do seu parecer, o Deputado tem a faculdade de, no plenário, chamar a atenção para a demora que, no seu entender, se está a processar no seio da comissão quanto à emissão do respectivo parecer.
Creio, pois, Sr. Presidente não ser aconselhável deixar de se proceder ao exame prévio dos projectos por parte das comissões; sobre a conveniência ou oportunidade das iniciativas legislativas dos Deputados. Dou, por isso, o meu apoio à alteração sugerida pela comissão.

O orador não reviu.

O Sr. Alberto de Alarcão: - Ao ler esta proposta de alteração do Sr. Deputado Mota Amaral - a quem presto a minha homenagem pela sua iniciativa parlamentar- lembrei-me que em tempos mandara xero-copiar artigo publicado pelo semanário L'Express, Paris, n.º 1056, de 4 a 10 de Outubro de 1971, pp. 18 e 19, e subscrito por Roger-Gérard Schwartzenberg.
E por que o exemplo francês tem para Portugal e para os Portugueses normalmente algum valor, merecimento, não resisto à tentação de trazer ao plenário desta Assembleia algumas passagens significativas.
Diz o autor, com a autoridade que lhe advém de ser também professor de Ciência Política da Faculdade de Direito de Paris:
"Sobre noventa e sete leis promulgadas em 1970, dez sómente provinham de uma proposição parlamentar. Para o resto, o poder de legislar passa para a tecnoestrutura administrativa" (o que, aliás, se compreende, dada a extrema complexidade das matérias neste mundo extraordinariamente diversificado e inter-relacionado dos nossos dias). "O Parlamento não faz a lei: vota projectos governamentais [...], inserindo aqui e além alterações esporádicas. A estes ritmos infernais, a Assembleia já não delibera, regista." Sanciona- assim, alterando no pormenor, na especialidade.
Também, como nesse mesmo artigo se contém, é "o Conselho dos Presidentes que escolhe as questões que figurarão na ordem do dia".
Trazendo aqui este exemplo, servirá para afirmar que não poderei acompanhar no meu voto esta proposta de alteração apresentada pelo Sr. Deputado e prezado amigo Mota Amaral. E é, ainda, esse mesmo "Conselho dos Presidentes que decide a inscrição na ordem do dia dos pedidos de comissões de inquérito ou contrôle.

O orador não reviu.

O Sr. Gonçalves de Proença: - Sr. Presidente: Não era minha intenção intervir neste debate, mas algumas das considerações feitas por ilustres colegas determinaram a que o fizesse.
Em primeiro lugar, devo trazer para aqui um pouco da experiência que tenho como presidente de uma comissão.
Não vejo em que medida as intervenções dessa Comissão tenham coarctado as iniciativas dos Deputados. Os Deputados continuam livres no exercício dos direitos que a Constituição lhes confere para apresentarem todos os projectos de diplomas que entendam. O que pode acontecer é que a comissão não dê depois seguimento a essa iniciativa, o que é ligeiramente diferente.
De qualquer maneira, a iniciativa dos Deputados, na apresentação de projectos de lei, exercício constitucional que lhes assiste, teria de ser sempre objecto de contrôle. Podia ser objecto de contrôle por parte do próprio plenário, isto é, o plenário poderia começar sempre por apreciar a conveniência ou inconveniência dos projectos apresentados. Mas então cairíamos no inconveniente que se pretende impedir: depois de larga discussão e perda de tempo o plenário chegava à conclusão de que não tinha sido conveniente a discussão feita. E podia, até, em virtude disso, assacar a si determinados inconvenientes, desculpem a palavra.
Um processo fácil, por exemplo, de travar o funcionamento de uma Assembleia, seria a apresentação sucessiva de projectos, mais ou menos convenientes, que teriam de ser discutidos como se tivessem plenitude ou legitimidade total de apresentação. Então o que é que a maioria dos parlamentos fez?
A maioria dos parlamentos fez o seguinte: delegou esta apreciação num determinado órgão. Alguns parlamentos entregaram essa apreciação às Mesas respectivas, outros constituíram comissões que se encarregassem de fazer a referida apreciação.
Dir-se-á que as Mesas ou as comissões se substituem ao plenário? Não. Actuam por delegação dele. Actuam por delegação do próprio Parlamento. Eu entendo que das duas soluções adoptadas a mais perfeita é aquela que leva à constituição de comissões. Essas comissões eleitas pelo Parlamento traduzem ou ex-

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primem o próprio pensamento dessa Assembleia. Ou congregam todas as correntes que nela existem ou pelo menos traduzem o pensamento da maioria desse mesmo plenário. E chega-se assim à conclusão de que a comissão, porque eleita pelo plenário, acabará sempre por ter a expressão própria desse plenário. E é efectivamente o que tem acontecido. Mas eu ouvi aqui a afirmação também de que o sistema das comissões entre nós tinha sido introduzido apenas em 1935. E ficou-me no ar a impressão de que antes se adoptava o sistema de atribuir ao plenário a verificação da conveniência ou inconveniência dos projectos de lei.
Acontece que tenho em meu poder um texto insuspeito e que talvez nos mostre que a tradição legislativa portuguesa era também mais restrita do que aquela que depois foi adoptada em 1935. Trata-se do Regimento da Assembleia Nacional Constituinte de 1911 e nele se estabelece que nenhum projecto de lei apresentado pelos Deputados poderia ser objecto de discussão na Assembleia sem ter sido publicado para o efeito e se atribuía à Mesa competência exclusiva para decidir da conveniência ou inconveniência da publicação. Eu leio o preceito para ficarmos mais esclarecidos.

O Sr. Ávila de Azevedo: - Muito bem!

O Orador: - Todas as propostas e projectos de lei que tiverem de ser apresentados à Assembleia serão assinados. No acto, porém, de serem enviados para a Mesa não é permitida a sua leitura nem tão-pouco a dos correspondentes relatórios. Uns e outros terão publicação obrigatória na folha oficial no dia imediato ao da apresentação à Assembleia, imprimindo-se-lhes por esse modo a notariedade necessária em documentos dessa índole, salvo o caso de a Mesa julgar a publicação inconveniente, dando o Presidente do que ocorrer conhecimento à Assembleia.
Creio, Srs. Deputados, que o sistema instituído em 1935 foi bem mais na linha parlamentar do que aquele que tinha herdado dos sistemas anteriores.

O Sr. Camilo de Mendonça: - Pergunto a V. Ex.ª se essa disposição é copiada das que vigoram na Líbia.

O Orador: - Com certeza que não.

Muito obrigado, Sr. Presidente. O orador não reviu.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: Eu vou dizer ainda que continua em discussão. Mas afigura-se-me que a Assembleia começa a estar bastante esclarecida a respeito deste assunto. Mas, repito, continua em discussão.

O Sr. Mota Amaral: - Sr. Presidente: Á Assembleia começa a estar esclarecida sobre esta matéria, e pode, sem dificuldade, dizer-se que ela se apercebe bem de que o que está em causa é uma determinada concepção sobre as funções de uma assembleia política: ou a Assembleia serve para secundar apenas iniciativas do Governo, ou tem um campo de actuação autónomo, que lhe vem precisamente do reconhecimento do direito de iniciativa legislativa aos seus membros.
As posições são estas e, portanto, daí decorre o modo de votar. Mas o que não posso deixar de ponderar é que só julgo poder afirmar a existência de um direito de iniciativa, quando, de facto, o membro desta Câmara que tome por si essa iniciativa tenha a possibilidade, não de a ver transformada em lei, porque aí o problema é diferente, mas a possibilidade de a ver reconhecida como tal, de a ver divulgada, de a ver publicada.
Iniciativa que consiste em formular o projecto, que depois desaparecerá na gaveta de qualquer comissão ...

O Sr. Albino dos Reis: - Não apoiado!

O Orador: -..., não me parece que seja iniciativa digna desse nome, não me parece que seja efectiva ou o reconhecimento de um direito dessa natureza. Entendo que aos membros da Assembleia Nacional deve ser reconhecido o direito de apresentarem projectos de lei, ou sejam conhecidos como tal; que sejam publicados, que sejam divulgados.
Se o Regimento da Assembleia Constituinte de 1911 não outorgava essa faculdade -e está por provar que o Congresso da República não o outorgasse, eu não tenho elementos sobre o assunto -, o Regimento da Constituinte também não prova nesse sentido, pois pena é que assim fosse. Se o sistema estava errado a partir de 1935, possivelmente o sistema utilizado na Assembleia Nacional Constituinte também não estaria certo. É este o meu modo de ver.
Há países onde se facilita mais a iniciativa do que noutros. Na Câmara dos Representantes dos Estados Unidos os projectos de lei são apresentados na sua Mesa - introdução numa caixa que existe na mesa da presidência - e são publicados no jornal da Câmara.
Muitos deles nunca se transformam em lei, mas garante-se que essa iniciativa seja conhecida; que o interesse, que o empenho do membro da Câmara, seja notório para todos.
Mesmo que se reconheça que o plenário é sempre o detentor último da vontade da Assembleia e poderá fazer cessar uma iniciativa, registando-a por inconveniente e inoportuna, isto a mim em nada me repugna, é o natural, é o lógico.
Se uma iniciativa é apresentada e chega a ir à ordem do dia, pois pode ser rejeitada por ser inconveniente e inoportuna, ou como tal considerada pela maioria da Câmara.
Ter-se-ia assim perdido tempo? Depende. Tudo depende da ordenação dos trabalhos. Não existe sequer no nosso Regimento qualquer disposição que obrigue a prolongar uma discussão por muito tempo. O Presidente pode sempre considerar a matéria esclarecida e há assembleias legislativas onde a primeira leitura do projecto consiste apenas na indicação do seu nome, na indicação do seu título e numa votação imediatamente feita sobre se este projecto deve ou não ser enviado às comissões. Portanto, se é conveniente ou inoportuno. De qualquer modo, ainda aí se garante que ele seja conhecido e que ele seja divulgado.
E era isto que eu pretenderia que viesse a ser introduzido, e por isso me parece que, em defesa das prerrogativas da Câmara e da iniciativa que aos seus

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membros a Constituição e o Regimento conferem, se deve aprovar a proposta de emenda do § 1.º do artigo 11.º por mim apresentada.

O orador não reviu.

O Sr. Magalhães Mota: - Sr. Presidente: Os mais atentos leitores do nosso Diário das Sessões terão verificado que não subscrevi a proposta que a nossa comissão eventual apresentou em relação ao artigo 11.º
Quereria, no entanto, começar por dizer que alguns pontos da argumentação do Deputado Mota Amaral igualmente não subscrevo. Parece-me, e gostaria para este ponto de chamar a atenção da Câmara, que há uma tendência irreversível, verificada aqui ou além, um pouco por toda a parte: decadência do papel legislativo das Assembleias.
Depois acontece que na Inglaterra, apenas uma de cada dez das leis votadas na Câmara dos Comuns, são da iniciativa da própria Câmara. Acontece na França, como foi recordado; acontece nos próprios Estados Unidos, onde a influência do Presidente sobre o Congresso é cada dia mais acentuada.
Parece que é um facto a verificar e as razões todos nós as conhecemos. Algumas delas encontrar-se-ão certamente na diferença de recursos entre o executivo e o legislativo. Enquanto uns dispõem de um larguíssimo corpo técnico, o outro não dispõe de nenhuma espécie de auxiliares. E a complexidade das matérias da vida moderna dificilmente se compadece com a iniciativa legislativa desapoiada.

O Sr. Mota Amaral: - Sr. Deputado Magalhães Mota, dá-me licença?

O Orador: - Com certeza.

O Sr. Mota Amaral: - Há assembleias legislativas, e eu referi há pouco que procuram equipar-se com os corpos técnicos necessários para satisfazer essa necessidade de estudo mais apurado que a complexidade da legislação, hoje em dia, necessita. E de resto, até esta, é o sentido da evolução que se verifica entre nós.

O Orador: - Assim mesmo, há ainda uma distância grande entre o executivo e o legislativo, por mais que se procure apetrechar o legislativo e justo e bom é que se procure.
Mas a decisão moderna - e a legislação também acaba por ter alguma coisa de decisão - é baseada em toda uma série de dados e estes muitas vezes escapam às assembleias legislativas.
Partindo da ideia de que tende a diminuir a iniciativa legislativa das assembleias, eu diria que assim mesmo esta é importante e que deverá ser acarinhada.
Aqui, parece-me, vêm entroncar os dois pontos fundamentais das divergências que se afloraram.
Um primeiro ponto para que me ressaltou a atenção do debate foi o problema da vantagem do conhecimento da iniciativa legislativa do Deputado. Pareceu-me que de todas ou quase todas as intervenções terá ficado este ponto comum: de facto haveria todo o interesse e toda a vantagem em que a iniciativa fosse conhecida.
Ressaltou ele da intervenção do Deputado Mota Amaral, ressaltou até da crítica formulada pelo Deputado Gonçalves de Proença.
Um aspecto, portanto, é o da publicação, um segundo aspecto é o do exame a que o projecto, a iniciativa deverá ou não ser submetida. Quanto a esse campo do exame parece que também, apesar de tudo, houve alguma concordância, falou-se na necessidade de exame pelas comissões, pela Mesa, pelo plenário. Pelas comissões e pela Mesa como delegados do plenário, pelo plenário por um processo mais expedito ou mais complicado.
Julgo que também este ponto em que se terá verificado alguma concordância mereceria uma maior atenção, especialmente tendo em causa a questão da publicação, como acentuei.
Mas há um terceiro aspecto ainda. O terceiro aspecto é o de que admitida a necessidade do exame lhe marcar ou não um limite de tempo para que ele se efectue. Neste ponto não estou de modo algum convencido sobre as vantagens de adiar indefinidamente uma solução. Parece-me, pelo contrário, que teríamos, provavelmente por delegação, transferidos todos os processos de boicotagem; teríamos uma autêntica possibilidade de "voto de algibeira", que nem sequer me parece poder ser contraditada pela forma que aqui foi invocada. Se, e isto realça a importância do problema, o plenário não confere sequer a iniciativa legislativa tomada, porque ela não foi tornada pública, como é que o Deputado pode interrogar a Mesa por não ter sido dado andamento?

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Que possibilidades de julgamento se conferem ao plenário sobre um problema de fundo que ele não conhece?

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Parece-me extremamente importante este problema do prazo. E não me parece sequer que se consigam encontrar quaisquer argumentos que justifiquem que um simples exame de conveniência ou inconveniência deva arrastar-se mais do que os três dias previsto no actual Regimento. Não conheço nenhum caso na nossa prática parlamentar em que tal período se tenha revelado insuficiente para esse exame. E digo mais: se acaso a comissão tem bastantes dúvidas sobre a conveniência ou inconveniência, que em três dias não consegue resolvê-las, melhor será que submeta o assunto ao plenário. Pode ser que, efectivamente, este melhor encontre a solução. E parece-me que se um problema é tão difícil que provoca esta hesitação, então talvez seja preferível, de facto, que ele seja discutido, porque da discussão às vezes nasce a luz.
E, portanto, eu terminaria, Sr. Presidente, com três ordens de considerações: parece-me indispensável a publicação da iniciativa do Deputado, a sua divulgação; não faço questão sobre o problema do julgamento da sua conveniência ou inconveniência, a quem ele deva competir; parece-me que sempre por delegação do plenário. Mas considero essencial que, a quem quer que seja, seja marcado um prazo de decisão.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Veiga de Macedo: - Sr. Presidente: Antes de mais, creio que não devo deixar passar em claro

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uma afirmação do Sr. Deputado Mota Amaral, que pode gerar confusão. Parece-me que aquele Sr. Deputado deu a entender que projectos de lei teriam ficado algum dia na gaveta das comissões. Creio que nenhum documento submetido, ao longo dos últimos anos, a qualquer das comissões da Assembleia deixou de ser devolvido à Presidência com parecer fundamentado ou com mera conclusão do parecer emitido.
Se acaso interpretei mal as palavras do ilustre colega, desde já peço me seja relevada esta observação. Se acaso, pelo contrário, interpretei bem, aqui fica o esclarecimento para os devidos efeitos.
Sr. Presidente: As propostas de alteração em debate são, porventura, das mais importantes que na votação do novo Regimento a Assembleia terá de apreciar.
As questões ligadas à iniciativa da lei e à forma e limites a que deve obedecer são também das mais difíceis e delicadas pelas implicações políticas que envolvem.
Já que não me foi possível, na apreciação na generalidade, abordar o tema, resta-me agora referir a um ou outro ponto de interesse para a apreciação na generalidade das propostas em discussão.
Sabe-se que a iniciativa das leis só pode ser exercida em certos parlamentos a título individual por cada Deputado. Nos Estados Unidos da América, por exemplo, não é permitida qualquer iniciativa colectiva nesta matéria. Na Inglaterra vigora também o princípio da iniciativa individual.
Noutros países, pelo contrário, a iniciativa da lei não pode ser tomada por um só Deputado, mas, conjuntamente, por vários, os quais, para tanto, são obrigados a agruparem-se. Esta obrigação - assinala-se na publicação Parlements, da União Interparlamentar - deriva, sem dúvida, da preocupação de se fazer, desde início, uma selecção de projectos que permita tomar em consideração apenas aqueles que apresentem carácter sério e encontrem apoio de parte importante da opinião* pública.
Assim, na Bulgária só são admitidos projectos de lei assinados por um quinto, pelo menos, do número de Deputados. Prevêem-se exigências idênticas na Roménia, Polónia, Alemanha Ocidental e outros países.
Na mencionada publicação, depois de se aludir à tramitação referente à apresentação de moções relacionadas com a actividade legislativa, elucida-se que estas moções ou são acompanhadas de um texto de lei ou se limitam simplesmente a pedir ao Governo que apresente uma proposta sobre determinada matéria. É evidente que só as primeiras constituem verdadeiras iniciativas legislativas.
Estes dois sistemas são utilizados na Finlândia. Mas - e volto a transcrever o que vem nessa publicação da União Interparlamentar- é sintomático assinalar que várias velhas democracias da Europa, como a Suécia e a Suíça, de modo especial, não utilizam senão o segundo processo, o que equivale, na prática, a atribuir ao Governo o monopólio da iniciativa das leis. E acrescenta-se aí:

Na verdade, por esta forma ou por outra, tal maneira de proceder impõe-se pouco a pouco num número crescente de parlamentos por força das coisas, em razão da complexidade dos problemas a resolver. Este abandono de um privilégio fundamental da representação popular está oficialmente consagrado na Noruega, onde o texto que um Deputado tenha intenção de propor é submetido antes à apreciação do Governo que, conforme os casos, o modifica ou o desaconselha, pura e simplesmente. E, embora os seus pontos de vista não sejam vinculativos, o certo é que o Parlamento os segue na generalidade dos casos.

Diz-se ainda no mesmo estudo que "a supressão legislativa parlamentar", mesmo "em matéria de despesas, com tendência a generalizar-se", se tem por fim proteger os parlamentares contra tentações de demagogia, não visa menos a esvaziar de toda a substância o seu direito de apresentar projectos de lei, porque bem raros são aqueles que não têm alguma implicação financeira.
As causas deste fenómeno, que fez estalar os apertados coletes das idealogias, entroncam em razões que derivam da extrema complexidade das leis modernas e da impossibilidade de os parlamentares poderem ser assistidos por serviços e técnicos como o Governo, e ainda desta outra circunstância que no mesmo trabalho vem referida nestes termos:

É raro, com efeito, que o Governo possa aceitar um projecto que não promane dele. A sua política forma um todo que não suporta nem retranchements nem additions.

Isto explica que na vida parlamentar ocidental a iniciativa da lei provenha em regra dos Deputados da oposição. "Ela ganha nesse caso um significado especial que a afasta da sua função normal. Através do projecto, tal iniciativa constitui, no fundo, uma ofensiva contra o Governo." Mas isto logo reduz a possibilidade de êxito do projecto, como se evidencia no mencionado estudo, ao qual me ative muito de perto para evitar interpretações menos pertinentes às considerações que estou a formular.
Não é meu hábito aludir às soluções estrangeiras para significar que devam ser aplicadas em Portugal. Neste caso, fi-lo para desfazer equívocos que, porventura, possam existir no espírito de alguns ou para evitar, dentro do possível, se pense que só as nossas normas de ordem constitucional prevêem limitações ou estabelecem regras de disciplina relativas ao funcionamento das. instituições políticas.
De qualquer maneira, e por mero confronto, compreender-se-á, ao menos, que a comissão não quisesse assumir a responsabilidade de propor a supressão do § 3.º do artigo 11.º do Regimento.
A Assembleia, como órgão institucional de soberania que é, tem de fixar regras que assegurem o seu funcionamento em obediência às conveniências gerais e a defendam de eventuais, e sempre possíveis, abusos e desvios.
Já vou tendo alguma experiência de vida parlamentar e posso dar testemunho da vantagem que há em fazer preceder o seguimento dos projectos de lei da apreciação prévia de um órgão qualificado da Assembleia e por esta eleito.
A questão está em que esse órgão saiba manter inteira independência de juízos e de atitudes e subordinar-se tão-sòmente às exigências do interesse público e consiga, por isso, libertar-se de toda e qualquer influência estranha a esse interesse.
Mas este sistema de apreciação prévia sobre a conveniência dos projectos de lei, aliás, vigora noutros parlamentos, está longe das limitações que se registam

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em quase todas as assembleias, mesmo nas dos países em que vigora o regime dos partidos. Aí, e para adoptar de novo as palavras do Prof. Ameller, a função legislativa, embora continue a ser considerada apanágio do parlamento, o certo é que a sua fase essencial - o elemento motor que é a iniciativa das leis - está a escapar-lhe progressivamente. E acrescenta:

Se as regras constitucionais correntes estabelecem, desde essa fase, um harmonioso equilíbrio entre os direitos do Poder Legislativo e as do Poder Executivo, os factos encarregam-se, sem cessar e em todos os países, de o deteriorar em benefício do Governo e em detrimento do parlamento.

Já atrás apontei algumas das razões do declínio da iniciativa legislativa parlamentar que por toda a parte se regista.
Apesar dessa tendência generalizada nas democracias ocidentais e noutras -já não falo nos países comunistas, onde o totalitarismo atinge a máxima expressão que impede qualquer iniciativa fora do quadro do órgão central do Partido- e apesar ainda de, entre nós, se defender - com insistência que a Assembleia Nacional deve ser gradualmente despojada da função legislativa, continuo a pensar de modo diverso, embora reconheça que muitas são as matérias que não podem ser objecto de leis por ela votadas.
Mas este meu modo de ver funda-se muito no facto de não estar instaurado, entre nós, o regime partidário. Não seria difícil prever o que aconteceria se estivesse: a utilização da iniciativa da lei por parte dos Deputados para apresentarem projectos constituiria, ou poderia constituir, um mero processo de pôr em cheque a política vigente, ou de consolidar agrupamentos políticos contrários ao Governo. Se é possível que isto aconteça em regimes como o nosso, é, no entanto, muito menos provável do que nas assembleias de feição partidária.
E, por paradoxal que pareça, é, portanto, nas assembleias como a nossa, quando mantêm fidelidade aos princípios em que assentam, que se realiza de modo mais perfeito e natural o pluralismo político, pois cada Deputado fica liberto das férreas disciplinas partidárias, ~e pode, com mais à-vontade, apresentar os seus pontos de vista c votar livremente as matérias em discussão.
Assim, os regimentos das assembleias dos países em que há partidos são, em regra, mais rígidos e em muitos aspectos deixam pouca liberdade aos Deputados individualmente considerados, muito sujeitos aos comandos dos directórios dos partidos.
Se, entre nós, se caminhasse para o reconhecimento, de facto ou de direito, de partidos políticos, então a lógica interna do sistema e o perigo dos excessos e desmandos que às facções costumam desencadear acabariam, ou principiariam, por impor a formulação e vigência de preceitos de sentido diferente, isto é, de preceitos mais rígidos ou menos liberais para a acção dos Deputados.
O que acabo de dizer pode não agradar, porventura, aos que se habituaram a aceitar certas fórmulas políticas muito divulgadas hoje em dia com as mais diversas finalidades ou intenções. Mas o que tenho visto e continuo a ver reforça, cada vez mais, esta minha posição.
E que ninguém tenha dúvida de que, se se instalasse nesta Casa o espírito partidário, não só se atingiria a Constituição em princípio fundamental que lhe é específico, com todo o cortejo de consequências para o País, como se atentaria contra o verdadeiro pluralismo assente na liberdade dos Deputados, substituído automaticamente pela obediência sistemática e total às directivas das facções, ou melhor, da facção ou das facções para uns, e, para outros, que seriam naturalmente a maioria, às do Poder constituído.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: De harmonia com o artigo 49.º do nosso Regimento, considero o assunto suficientemente esclarecido. Vamos, por isso, passar à votação.
Como sabem, a proposta da nossa comissão eventual tem prioridade, por ser mais antiga. Suponho que não há necessidade de a tornar a ler.
VV. Ex.ªs têm perfeito conhecimento da proposta da comissão eventual e da proposta do Sr. Deputado Mota Amaral. Quando digo da comissão eventual, pretendo significar do grupo de Deputados que faziam parte dessa comissão e de que é primeiro signatário o Sr. Deputado Albino dos Reis, seu presidente.
Está, por consequência, à votação a proposta apresentada pelos Srs. Deputados Albino dos Reis e outros.

Submetida à votação, foi aprovada.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: Dada a observação que foi feita no início desta sessão, que aliás mereceu a minha concordância, pois já tinha posto a questão, ontem mesmo, no meu lugar habitual de Deputado, em face do numeroso grupo de propostas apresentadas ontem pelo Sr. Deputado Mota Amaral, convoco a comissão eventual que foi designada para rever o Regimento para se reunir amanhã, pelas 17 horas, e continuar a reunir de acordo com o critério do seu presidente.
Também para amanhã está convocada a Comissão de Política e Administração Geral e Local, para se ocupar de um projecto de lei que foi apresentado.
Por consequência, para que as comissões tenham tempo de se debruçar com a profundidade necessária nos assuntos que lhes estão submetidos, a próxima sessão terá lugar na terça-feira, dia 23, à hora regimental.
Quero ainda dar uma satisfação ao Sr. Deputado Mota Amaral: o Sr. Deputado Mota Amaral sai do País na próxima quarta-feira, em missão oficial pela sua função de Deputado, pois não deixei de ter isso em conta quando tomei esta decisão. Espero que o Sr. Presidente da Assembleia Nacional, que na terça-feira certamente, e com grande prazer para todos nós, presidirá à sessão, reduzirá o período de antes da ordem do dia ao mínimo, e prolongará ao máximo o período da ordem do dia, para que o Sr. Deputado Mota Amaral possa defender o maior número das suas propostas.
Claro que se cada artigo levar a discutir as duas horas que levou hoje, ficarão muitas das suas propostas por apreciar. No entanto, eu espero que nesse dia será dado um grande avanço na discussão do nosso Regimento.
Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 50 minutos.

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Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

António Júlio dos Santos Almeida.
Camilo António de Almeida Gama Lemos de Mendonça.
Delfim Linhares de Andrade.
Fernando David Laima.
Fernando do Nascimento de Malafaia Novais.
Henrique dos Santos Tenreiro.
João António Teixeira Canedo.
João Bosco Soares Mota Amaral.
Joaquim Germano Pinto Machado Correia da Silva.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
José da Costa Oliveira.
José Gabriel Mendonça Correia da Cunha.
José de Mira Nunes Mexia.
José Vicente Pizarro Xavier Montalvão Machado.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Luís António de Oliveira Ramos.
D. Luzia Neves Fernão Pereira Beija.
Rogério Noel Peres Claro.
Rui Pontífice Sousa.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Alexandre José Linhares Furtado.
Álvaro Filipe Barreto de Lara.
Amílcar Pereira de Magalhães.
António da Fonseca Leal de Oliveira.
António Pereira de Meireles da Rocha Lacerda.
Augusto Domingues Correia.
Carlos Monteiro do Amaral Netto.
Delfino José Rodrigues Ribeiro.
Fernando Artur de Oliveira Baptista da Silva.
Fernando de Sá Viana Rebelo.
Francisco Correia das Neves.
Francisco José Pereira Pinto Balsemão.
Francisco Manuel Lumbrales de Sá Carneiro.
Francisco Manuel de Meneses Falcão.
Francisco de Nápoles Ferraz de Almeida e Sousa.
João Paulo Dupuich Pinto Castelo Branco.
João Pedro Miller Pinto de Lemos Guerra.
João Ruiz de Almeida Garrett.
Joaquim Carvalho Macedo Correia.
Jorge Augusto Correia.
José Coelho de Almeida Cotta.
José Dias de Araújo Correia.
José dos Santos Bessa.
José da Silva.
Luís Maria Teixeira Pinto.
Manuel José Archer Homem de Mello.
Manuel Marques da Silva Soares.
Manuel Monteiro Ribeiro Veloso.
Manuel Valente Sanches.
Maximiliano Isidoro Pio Fernandes.
Pedro Baessa.
Rafael Valadão dos Santos.
Teodoro de Sousa Pedro.
Victor Manuel Pires de Aguiar e Silva.

Requerimento enviado para a Mesa no decorrer da sessão de 16 de Janeiro de 1973:

Nos termos regimentais, requeiro que me sejam prestadas informações sobre a veracidade dos seguintes factos:

No dia 31 de Dezembro de 1972, pelas 20 horas e 30 minutos, forças policiais cercaram a capela do Rato, em Lisboa, tendo depois procedido a uma busca nas instalações anexas à capela e à apreensão de vários objectos e publicações sem procederem à elaboração do respectivo auto?
Os mesmos agentes informaram as pessoas que aí se encontravam, empregadas da capela, de que esta ia ser encerrada?
No dia 1 de Janeiro de 1973, após o termo da missa celebrada ao fim da manhã, o sacerdote que a celebrou foi interpelado, junto ao altar e ainda paramentado, por agentes da Polícia de Segurança Pública que o intimaram a acompanhá-los, determinando que a capela ficasse encerrada e obrigando a sair os fiéis que se encontravam no templo, o qual passou, em seguida, a ser guardado por forças policiais?
A capela ainda se mantém encerrada ou sob vigilância policial?

A serem verdadeiros, no todo ou em parte, os factos referidos, mais requeiro que me seja dada informação sobre a pessoa ou entidade por eles responsáveis, bem como se da actuação das forças policiais foi dado prévio conhecimento às autoridades eclesiásticas.

Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 16 de Janeiro de 1973. - O Deputado, Francisco Manuel Lumbrales de Sá Carneiro.

IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA

PREÇO DESTE NÚMERO 8$80

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