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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL E DA CÂMARA CORPORATIVA

DIÁRIO DAS SESSÕES

N.° 222 ANO DE 1973 7 DE FEVEREIRO

ASSEMBLEIA NACIONAL

X LEGISLATURA

SESSÃO N.° 222, EM 6 DE FEVEREIRO

Presidente: Exmo. Sr. Carlos Monteiro do Amaral Netto

Secretários: Exmos. Srs.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira
Amílcar da Costa Pereira Mesquita

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas.

Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o n.º 220 do Diário das Sessões.
Deu-se conta do expediente.
Foi presente à Assembleia uma comunicação da Presidência do Conselho sobre uma intervenção do Sr. Deputado Max Fernandes na sessão de 31 de Janeiro.
Foram entregues elementos requeridos pelos Srs. Deputados Cunha Araújo e Duarte do Amaral.
Foram lidas notas de perguntas apresentadas pelos Srs. Deputados Moura Ramos, Leal de Oliveira e Ávila de Azevedo.
Foi exarado um voto de pesar pela morte do pai do Sr. Deputado Franco Nogueira.
O Sr. Deputado Franco Nogueira agradeceu o voto exarado.
O Sr. Presidente propôs um voto de congratulação pela elevação à dignidade de cardeal do patriarca de Lisboa.
O Sr. Deputado Pinto Machado fez o elogio do Sr. Dr. Sá Carneiro, ex-Deputado à Assembleia.
O Sr. Deputado Veiga de Macedo teceu várias considerações sobre política geral, nomeadamente de apoio à política ultramarina.
O Sr. Deputado Miller Guerra usou da palavra para tecer algumas considerações sobre política geral e terminou por pedir a renúncia do seu mandato.

Ordem do dia. - Prosseguiu a apreciação do aviso prévio sobre meios de comunicação e problemática de informação em Portugal.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Homem de Mello, Correia da Cunha, Joaquim Macedo e Moura Ramos.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 19 horas.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Eram 15 horas e 50 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Alberto Eduardo Nogueira Lobo de Alarcão e Silva.
Alberto Marciano Gorjão Franco Nogueira.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Amílcar da Costa Pereira Mesquita.
António Bebiano Correia Henriques Carreira.
António Fausto Moura Guedes Correia Magalhães Montenegro.
António da Fonseca Leal de Oliveira.
António Júlio dos Santos Almeida.
António Lopes Quadrado.
Armando Júlio de Roboredo e Silva.
Armando Valfredo Pires.
Artur Augusto de Oliveira Pimentel.
Augusto Domingues Correia.
Augusto Salazar Leite.
Bento Benoliel Levy.
Camilo António de Almeida Gama Lemos de Mendonça.
Carlos Monteiro do Amaral Netto.
D. Custódia Lopes.
Delfim Linhares de Andrade.

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Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Fernando Artur de Oliveira Baptista da Silva.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Filipe José Freire Themudo Barata.
Francisco António da Silva.
Francisco Esteves Gaspar de Carvalho.
Francisco João Caetano de Sousa Brás Gomes.
Francisco José Pereira Pinto Balsemão.
Francisco Manuel de Meneses Falcão.
Francisco de Moncada do Casal-Ribeiro de Carvalho.
Francisco de Nápoles Ferraz de Almeida e Sousa.
Gabriel da Costa Gonçalves.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Henrique Veiga de Macedo.
João António Teixeira Canedo.
João Bosco Soares Mota Amaral.
João Duarte Liebermeister Mendes de Vasconcelos Guimarães.
João José Ferreira Forte.
João Lopes da Cruz.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
João Paulo Dupuich Pinto Castelo Branco.
João Pedro Miller Pinto de Lemos Guerra.
João Ruiz de Almeida Garrett.
Joaquim Carvalho Macedo Correia.
Joaquim Germano Pinto Machado Correia da Silva.
Joaquim Jorge Magalhães Saraiva da Mota.
José Coelho de Almeida Cotta.
José Gabriel Mendonça Correia da Cunha.
José Maria de Castro Salazar.
José de Mira Nunes Mexia.
José dos Santos Bessa.
José Vicente Cordeiro Malato Beliz.
Lopo de Carvalho Cancella de Abreu.
Luís António de Oliveira Ramos.
Luís Maria Teixeira Pinto.
D. Luzia Neves Pernão Pereira Beija.
Manuel Elias Trigo Pereira.
Manuel de Jesus Silva Mendes.
Manuel Joaquim Montanha Pinto.
Manuel Martins da Cruz.
Manuel Monteiro Ribeiro Veloso.
Manuel Valente Sanches.
D. Maria Raquel Ribeiro.
Maximiliano Isidoro Pio Fernandes.
Miguel Pádua Rodrigues Bastos.
Nicolau Martins Nunes.
Olímpio da Conceição Pereira.
Prabacor Rau.
Rafael Ávila de Azevedo.
Rafael Valadão dos Santos.
Ramiro Ferreira Marques de Queirós.
Raul da Silva e Cunha Araújo.
Ricardo Horta Júnior.
Rui de Moura Ramos.
Rui Pontífice Sousa.
D. Sinclética Soares dos Santos Torres.
Teodoro de Sousa Pedro.
Tomás Duarte da Câmara Oliveira Dias.
Victor Manuel Pires de Aguiar e Silva.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 78 Srs. Deputados.

Está aberta a sessão.

Eram 16 horas.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Está em reclamação o n.° 220 do Diário das Sessões.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Se nenhum de VV. Exas. tem rectificações a apresentar a este Diário das Sessões, considerá-lo-ei aprovado.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Está aprovado.

Rectificação apresentada pelo Sr. Deputado Fausto Montenegro, no decorrer da sessão de hoje, ao n.° 217 do "Diário das Sessões", por não se ter apercebido do momento em que este foi posto à reclamação:

Na p. 4335, col. 1.ª, l. 54, o período que começa por: "É o caso para reconhecer", deve ser antecedido de "O Orador".

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Telegrama

Do Sr. Lourenço Antunes apoiando a intervenção do Sr. Deputado Trigo Pereira.

Cartas

Do Sr. António Soares Moreira repudiando as palavras do Sr. Deputado Miller Guerra acerca dos acontecimentos da capela do Rato.
Do Sr. Serafim Pinheiro concordando com o pedido de renúncia de mandato do Sr. Deputado Sá Carneiro.
Da Sra. D. Maria Leonor da Silva propondo que se aclare o "Segredo da Paz" expresso no "Segredo de Fátima".
Das direcções diocesanas da Acção Católica Rural submetendo alguns pontos à consideração da Assembleia com vista à sua inserção na proposta de lei sobre a reforma, do sistema educativo.

O Sr. Presidente: - Está na Mesa uma comunicação da Presidência do Conselho, que vai ser lida.

Foi lida. É a seguinte:

Sr. Presidente da Assembleia Nacional:

Excelência:

1. Na sessão da Assembleia Nacional de 31 de Janeiro passado, o Sr. Deputado Maximiliano Isidoro Pio Fernandes referiu-se, no período antes da ordem dó dia, às condições de trabalho dos trabalhadores portugueses de Moçambique nas minas da República da África do Sul.
Porque aquele Sr. Deputado fez algumas referências desactualizadas, tenho a honra de levar ao conhecimento de V. Exa., com o pedido de inserção no Diário das Sessões, os esclarecimentos seguintes:
2. A chamada "Convenção de Moçambique", de 1928, que regulava o emprego da mão-de-obra

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portuguesa de Moçambique nas minas de oiro e de carvão do Transval, na República da África do Sul, foi revista em 1934 e deixou de vigorar em 1964.
3. Efectivamente, no decorrer de importantes conversações em Pretória, em Novembro de 1963 - e que versaram problemas relacionados com o melhor aproveitamento conjunto dos rios de interesse comum, e outros assuntos de interesse comum de Moçambique e daquele Estado -, foi negociado um acordo de trabalho que regulamenta o emprego dos trabalhadores portugueses nas minas da República da África do Sul. Quando, por conseguinte, o Sr. Deputado Maximiliano Fernandes apela para que o Governo solicite a revisão do Acordo de 1928 - a chamada "Convenção de Moçambique" -, verifica-se que essa revisão já foi efectuada.
4. Existem, actualmente, nas chamadas minas do Rand, na República da África do Sul, cerca de 1,5 milhão de trabalhadores estrangeiros. Na sua esmagadora maioria são originários do Malawi, Zâmbia, Uganda e Tanzânia. Cerca de 100 000 são portugueses de Moçambique. Apenas os trabalhadores portugueses gozam da protecção que lhes é concedida pelo Acordo de Mão-de-Obra de 1964 e que nas suas linhas gerais é a seguinte:

Existência, em Joanesburgo, de uma delegação do Instituto do Trabalho, Previdência e Acção Social de Moçambique, com diversas subdelegações, que acompanham o cumprimento dos contratos de trabalho e visitam frequentemente as minas para fiscalização das condições de trabalho.

Transferência para a terra da naturalidade do trabalhador português, em Moçambique, das economias que realizaram durante o seu contrato, que podem ir até 60 por cento dos salários recebidos.
Fixação de um período de duração do contrato - 1 ano e em casos especiais 18 meses -, que em caso algum pode ser excedido.
Garantia de cobertura por um regime de seguro contra acidentes de trabalho e de doenças profissionais.

5. Em Fevereiro de 1961 o Governo da República do Ghana depositou na Organização Internacional do Trabalho, em Genebra, uma queixa contra Portugal, a quem acusava de prosseguir, em Angola, Moçambique e Guiné, práticas de trabalho forçado contrárias às disposições da Convenção (n.° 105) Relativa à Abolição do Trabalho Forçado e Obrigatório, de 1957. Uma das acusações do Governo do Ghana referia-se ao emprego de trabalhadores portugueses na República da África do Sul, e afirmava:

... en vertu d'un contrat entre le gouvernement du Portugal et le gouvernement de l'Union Sud-Africaine près de cent mille Angolais sont expediés pour travailler dans les mines d'Afrique du Sud.

6. O Governo Português aceitou a constituição de uma comissão de inquérito, cuja composição era a seguinte:

Presidente: Paul Ruegger (suíço), embaixador, juiz do Tribunal Permanente de Arbitragem, presidente do Comité do Trabalho Forçado do B.I.T.
Vogais:

Enrique Armand-Ugon (uruguaio), juiz do Tribunal Internacional de Justiça, juiz-presidente do Supremo Tribunal de Justiça do Uruguai.
Isaac Forster (senegalês), presidente do Supremo Tribunal de Justiça do Senegal, perito do O. I. T. na Comissão de Aplicação das Convenções.

7. Esta Comissão visitou longamente Angola e Moçambique, e o processo, com larga inquirição de testemunhas, prolongou-se por cerca de um ano. No seu relatório (Bulletin Officiel do B.I.T., vol. XLV, n.° 2, supl. II, Avril 1962), lê-se, a p. 256, no que se refere à acusação do Governo do Ghana atrás citada:

La commission constate que le recrute-ment de main-d'oeuvre au Moçambique pour l'Afrique du Sud est fondé sur l'attirance économique de l'emploi en Afrique du Sud et sur le fait que cet emploi confère à ceux qui l'ont effectué un certain statu social; elle constate qu'il n'y a aucun élément de contrainte dans le ressort de l'authoríté portugaise et qu'il n'y a pas aucun élément de fraude dans le recrutement;...

8. Também em 1970, por mandato do Conselho de Administração do Bureau International du Travail, o conselheiro de estado francês Pierre Juvigny visitou longamente Angola e Moçambique e examinou, em detalhe, todos os aspectos relacionados com a mão-de-obra portuguesa na África do Sul. No seu relatório acentuou nada haver a criticar nessa matéria.
9. O Sr. Deputado Maximiliano Fernandes, na sua intervenção, refere-se também à existência, na República da África do Sul, de legislação discriminatória no que se refere à mão-de-obra europeia e banto. A matéria é da competência interna da República da África do Sul e as autoridades portuguesas apenas têm de, à luz das realidades, obter para os trabalhadores portugueses as melhores condições de trabalho. E esse objectivo foi largamente atingido com a celebração do Acordo de Mão-de-Obra de 1964.
10. Dada a impossibilidade de remeter a V. Exa. a numerosa documentação existente acerca desta matéria, sugere-se que o Sr. Deputado Maximiliano Fernandes obtenha, junto do Ministério do Ultramar, os esclarecimentos, que de muito bom grado lhe serão prestados, acerca do problema que levantou na sessão de 31 de Janeiro passado.

A bem da Nação.

Presidência do Conselho, 5 de Fevereiro de 1973. - o Presidente do Conselho, Marcello Caetano.

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O Sr. Presidente: - Enviados pela Presidência do Conselho, estão na Mesa os elementos fornecidos pelo Ministério do Interior destinados a satisfazer o requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Cunha Araújo na sessão de 19 de Fevereiro de 1971.
Vão-lhe ser enviados.
Estão na Mesa, enviados pela Presidência do Conselho, os elementos fornecidos pelo Ministério da Educação Nacional destinados a satisfazer, na parte que lhe respeita, o requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Duarte do Amarai na sessão de 23 de Novembro último.
Também lhe vão ser remetidos.
Vai proceder-se à leitura das notas de perguntas, formuladas pelos Srs. Deputados Rui de Moura Ramos, apresentada na sessão de 23 de Janeiro findo, António da Fonseca Leal de Oliveira, apresentadas na sessão de 24 de Janeiro, e a de Ávila de Azevedo, apresentada também em 24 de Janeiro.

Vão ser lidas. São as seguintes:

Nota de perguntas formulada pelo Sr. Deputado Moura Ramos

Considerando que a produção nacional de azeite - até há anos considerada como factor de equilíbrio dentro da economia agrária - vem abissalmente diminuindo, pelo que a área de olival, apurada em 1954 em cerca de 600 000 ha, teria baixado, segundo inquérito feito catorze anos após, para 270 000 ha; considerando que para esta destruição acelerada do nosso património olivícola não só tem contribuído o abandono a que têm sido votadas grandes áreas de olival, mas também, e sobretudo, o arrancamento de oliveiras que se tem vindo a processar para dar lugar a culturas consideradas mais rendosas, como, por exemplo, as florestais e frutícolas; considerando que a quebra de produção referida teria levado a despender, na última safra, 900 000 contos de divisas em importações de azeite, sem incluir as sementes de oleaginosas; e considerando ainda que em Bruxelas foi decidido atribuir aos membros da Comunidade Económica Europeia um prémio de 2,40 francos por cada quilo de azeite produzido, prémio que reverterá única e exclusivamente em benefício do olivicultor "desde que produza 10 kg de azeite", o que parece querer significar uma preocupação de fomentar a produção de azeite nos países membros do Mercado Comum, pergunto ao Governo, nos termos constitucionais e regimentais:

a) Têm sido observadas, no arrancamento de oliveiras, as normas legais que restringem a autorização apenas aos casos de manifesta decrepitude? Quem concede tal autorização e a que organismos é cometido o encargo de tal verificação? Quantas foram, de há seis anos para cá, as autorizações concedidas por distrito e também quantos os penalizados por virtude da inobservância do que a lei dispõe?

b) Não justificará o sector olivícola que seja objecto de mais atentos e desvelados cuidados, uma vez que o interesse nacional parece estar mais ligado à olivicultura do que aos óleos e sem esquecer a verdade afirmada pelo Prof. Vieira Natividade de que a oliveira é a árvore mais rica que os solos mais pobres comportam? E não podiam ser decretadas medidas estimulantes para que os olivicultores deixassem de prosseguir no arranque de oliveiras e até fomentadoras da instalação de novos olivais consignando para tanto as quantias que, porventura, estejam em dívida ao Fundo de Abastecimento pelos produtores de óleos, tudo com vista a tentar recuperar a posição perdida de exportadores de azeite?

c) Qual a política reputada mais consentânea com o interesse nacional no sector da olivicultura?

Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 23 de Janeiro de 1973. - O Deputado, Ruy de Moura Ramos.

Nota de perguntas formulada pelo Sr. Deputado Leal de Oliveira

Nos termos regimentais, pergunto ao Governo, pelos serviços competentes da Secretaria de Estado da Indústria, da veracidade de uma nota que recentemente chegou ao meu conhecimento de que estaria para breve a instalação em Tunes - Algarve - de uma central térmica.
Em caso afirmativo, gostaria de saber as suas características, perigo de poluição ambiental, zona envolvente susceptível de ser perturbada por eventual poluição, dispositivos a instalar antipoluição e sua eficácia.

Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 24 de Janeiro de 1973. - O Deputado, António da Fonseca Leal de Oliveira.

Nota de perguntas formulada peio Sr. Deputado Leal de Oliveira

Nos termos regimentais, pergunto ao Governo qual a relação das procedências oficiais correspondentes à dignidade que os Deputados usufruem como representantes da Nação.

Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 24 de Janeiro de 1973. - O Deputado, António da Fonseca Leal de Oliveira.

Nota de perguntas formulada pelo Sr. Deputado Ávila de Azevedo

Nos termos do § 3.° do artigo 11.° do Regimento da Assembleia Nacional, pergunto ao Governo a posição em que se encontra a antiga pretensão do Rádio Clube de Angra ("Voz da Terceira") para aumentar a potência da sua estação emissora.

Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 24 de Janeiro de 1973. - O Deputado, Rafael Ávila de Azevedo.

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O Sr. Presidente: - Peço a atenção de VV. Exas. Faleceu há poucos dias o pai do Sr. Deputado Franco Nogueira. Proponho que consignemos na acta da sessão de hoje um voto de fundo pesar pelo golpe que afectou este Sr. Deputado.

Pausa.

O Sr. Franco Nogueira: - Dá-me licença?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Franco Nogueira: - Perante o voto de pesar que V. Exa. exprimiu e a adesão que lhe deu a Câmara, apenas quero exprimir o meu comovido e penhorado reconhecimento.

O Sr. Presidente: - Peço a atenção da Assembleia. Na continuidade da vida - seria um lugar-comum lembrá-lo - repetem-se os factos tristes e os felizes.
Há poucos dias foi anunciado pela Imprensa que o patriarca de Lisboa, D. António Ribeiro, está previsto para a elevação à dignidade cardinalícia no próximo consistório. Sendo embora uma tradição que mais uma vez a Igreja observa, mas os altos talentos de si justificariam, não me esquecendo que os patriarcas de Lisboa têm sempre acompanhado a Assembleia Nacional nos seus grandes momentos, proponho que exaremos em acta um voto de congratulação para com o ilustre novo purpurado.

Vozes: - Muito bem! Muito bem!

Pausa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Pinto Machado.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Será melhor V. Exa. usar outro microfone, pois parece-me que esse não está bem ligado.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Interrompo a sessão por alguns minutos, a fim de ser reparado o sistema sonoro da Sala.

Eram 16 horas e 20 minutos.

O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão.

Eram 16 horas e 30 minutos.

O Sr. Presidente: - Convido o Sr. Deputado Pinto Machado a usar da palavra aqui na tribuna, uma vez que parece ter o único microfone bem ligado.

O Sr. Pinto Machado: - Sr. Presidente: Nos termos constitucionais, ao ser aceite por 76 votos contra 9, a sua declaração de renúncia, deixou de ser Deputado à Assembleia Nacional, no passado dia 2, o Sr. Dr. Francisco Manuel Lumbrales de Sá Carneiro.

O Sr. Camilo de Mendonça: - Dá-me licença?

O Orador: - Faça favor.

O Sr. Camilo de Mendonça: - A sua declaração, não. O seu pedido.

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Camilo de Mendonça: - É que há uma diferença, o pedido de renúncia é uma coisa...

O Orador: - Agradeço a V. Exa. a correcção; para mim, francamente lhe digo que isso não tem qualquer espécie de importância. Mas eu de bom grado, repito, de bom grado, substituo o termo.

O Sr. Camilo de Mendonça: - Sr. Deputado: Por amor de Deus, é que a minha dúvida é esta: É que a Assembleia não podia apreciar dos fundamentos do pedido, apreciava apenas o pedido. Portanto, quanto ao pedido, a Assembleia anuiu, quanto aos fundamentos, não se pronunciou, porque não podia.

O Orador: - Muito bem. Muito obrigado, Sr. Deputado Camilo de Mendonça.
Eu prossigo:
Tomei a iniciativa de, nesta sessão em que pela primeira vez o seu nome não é pronunciado na chamada, prestar homenagem a Francisco de Sá Carneiro, que, pela sua actuação política, marcou toda uma legislatura, atingiu relevo nacional e até se projectou além-fronteiras.

O Sr. Pinto Balsemão: - Muito bem!

O Orador: - Não o fiz por me sentir mais capaz ou mais digno do que outros que também o admiravam mas por ditame irreprimível de uma amizade que vem de longe - das autênticas, que não têm preço - e que esta experiência parlamentar vivida em comum - em ideais, satisfações e agruras - fez ainda mais íntima, profunda e rica.
Francisco de Sá Carneiro aceitou a candidatura a Deputado, a convite da União Nacional, por dever de participação livre, activa, responsável e criadora num desígnio de amplas reformas e profundas transformações indispensáveis à construção de um Portugal renovado em que coubessem - no pleno respeito da sua dignidade de homens - todos os portugueses. E fez questão que, em comunicado a divulgar pela União Nacional, fosse dado conhecimento público das razões da sua candidatura, sem o que não a aceitaria - no que foi acompanhado por três outros, entre os quais eu próprio. Esse comunicado, datado de 20 de Setembro de 1969 e que deveria ter acompanhado a notícia dos candidatos pelo círculo do Porto propostos pela União Nacional - acabou por só ser transmitido por este organismo aos órgãos da informação em 28 desse mês -, definia uma posição, traçava um programa e marcava um compromisso.

O Sr. Camilo de Mendonça: - V. Exa. dá-me licença?

O Orador: - Faça favor.

O Sr. Camilo de Mendonça: - Pode-me explicar por que motivo houve essa demora? Para haver demora, deve haver uma razão.

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O Orador: - Há. Tanto quanto eu sei, o comunicado foi entregue; de facto, astá aqui quem poderá esclarecer melhor V. Exa., que é o Sr. Deputado Almeida Garrett. Como digo, o comunicado foi entregue nesta posição: era uma condição que se punha para aceitar a candidatura. De resto, considerava-se compreensível que não fosse aceite essa pretensão ou exigência, como lhe quiserem chamar, e, se assim fosse, sentir-nos-íamos desligados mutuamente, sem que adviesse, para qualquer das partes, o menor constrangimento.
Foi uma questão que se processou com toda a clareza.
O comunicado foi entregue em devido tempo, tinha a data de 20, só saiu posteriormente, dois dias depois da publicação da lista dos candidatos, e, mesmo assim, teve de se empenhar vivamente o Sr. Dr. Sá Carneiro

O Sr. Camilo de Mendonça: - Mas não há razão nenhuma para essa demora?

O Orador: - Eu não sei se o Sr. Deputado Almeida Garrett poderá prestar o esclarecimento; a mim parece-me que não foi considerada conveniente, ou pelo menos, em princípio, assim considerada, a sua publicação.
Não sei se foi motivada pela União Nacional ou pelos serviços de censura. Isso é que eu desconheço. Foi retida!

O Sr. Camilo de Mendonça: - Não sei se os serviços de censura são aqui chamados, até porque já não existem...
O problema para mim é outro. Eu respeito, e sempre respeitei, a posição dos quatro Deputados que condicionaram a sua vinda à subscrição desse ponto de vista.
Respeitei e respeito perfeitamente...

O Orador: - Muito obrigado!

O Sr. Camilo de Mendonça: - ... e estou convencido de que o fizeram em acto de pura lealdade.
Há, porém, equívoco na matéria. É manifesto que desde o primeiro minuto - e é esse equívoco que levou naturalmente a essa demora -, porque todos nós sabemos que o Sr. Deputado Sá Carneiro teve na altura uma conversa na qual lhe foi explicado que não podia aceitar-se esse suposto de participação por uma lista que era apresentada pela União Nacional, que se dispunha a apoiar a política do Sr. Presidente do Conselho, naturalmente política a que dava a sua concordância e o seu aval. E tenho todas as dúvidas e fundadas razões para supor que essa atitude não foi tomada com esse, com o aval que foi dado ao País para as eleições dos Deputados em que todos fomos eleitos.

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Camilo de Mendonça: - Quero com isto dizer que eu compreendo e respeito a posição em que VV. Exas. vieram aqui em nome daquilo que honradamente subscreveram, embora eu discorde dessa orientação. Mas houve realmente um equívoco, e é esse que estamos a debater aqui, porque manifestamente, no quadro em que as eleições se passaram, havia vários supostos e esses supostos não podiam ser postos em causa por nenhuma candidatura, que era coberta e apoiada pelo prestígio e autoridade do Sr. Presidente do Conselho...

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Camilo de Mendonça: - ... e particularmente num ponto em que todos estavam de acordo, no mínimo, que era o apoio, sem dúvidas, sem reticências, à política ultramarina do Governo.

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Almeida Garrett: - V. Exa. dá-me licença?

O Orador: - Faz favor.

O Sr. Almeida Garrett: - Uso muito brevemente da palavra apenas porque V. Exa. trouxe o meu nome ao debate.
Sabe V. Exa., lembra-se decerto, que o problema - já levantado outro dia aqui na intervenção do Sr. Deputado Pinto Balsemão - era ode se aceitar ou não que cada um dos Srs. Deputados tivesse o seu modo de ver problemas particulares, tivesse toda uma diversidade de opiniões sobre um plano fundamental de unidade.
E esse plano fundamental de unidade - V. Exa. desculpe, agora sou eu que me ponho na situação de ter de fazer referências pessoais -, esse plano fundamental de unidade foi estabelecido, e honra lhes seja, sem qualquer reticência de VV. Exas., no projecto de manifesto dos Deputados do Porto, que VV. Exas. muito amavelmente discutiram em minha casa, sob versão minha, e aceitaram. Esse ponto de que falou o Sr. Deputado Camilo de Mendonça, precisamente o que me parecia ser um dos pontos fundamentais do nosso aparecimento como candidatos pela União Nacional, era o ponto da política ultramarina.
Quanto ao mais, quanto a uma diversificação de posições sobre os problemas da vida nacional, VV. Exas. sabiam perfeitamente qual era o meu ponto de vista. Continua a ser o mesmo: deixar a cada um dos Srs. Deputados a plena liberdade de discutir o que é discutível. Eu só lhes pedi que me fizessem o favor de ver se concordavam com aquilo que eu considerava indiscutível. Tive a grande satisfação de saber que não discordavam.
Muito obrigado.

O Orador: - Eu vou rapidamente responder, senão não chegarei ao fim antes do tempo regimental.
Em relação a esse comunicado, insisto, o problema é extraordinariamente simples. Da nossa parte foi entregue esse texto, considerado como condição de aceitação da candidatura, e em relação a ele havia só duas atitudes possíveis: ou rejeitá-lo ou aceitá-lo. Segundo aspecto: em relação à política ultramarina, desse comunicado não constava qualquer reserva nem nunca houve da parte desses quatro Deputados nenhuma tomada de posição contra ela.

O Sr. Camilo de Mendonça: - V. Exa. dá-me licença?

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O Orador: - O Sr. Deputado, agora dê-me licença porque estou no uso da palavra e quero chegar ao fim. Se V. Exa. vai estar aqui a interromper-me linha por linha, isso faz-me recordar a intervenção do Sr. Deputado Sá Carneiro na lei de imprensa. Está-se a repetir exactamente a mesma coisa. Já então foi V. Exa. quem fez as interrupções.
Não foi estabelecida qualquer reserva, pelo contrário. E agora, falando em nome muito pessoal, e até aproveito essa oportunidade, que me é grato realmente aproveitar, declaro que adiro totalmente a um projecto de efectiva criação de uma autêntica comunidade multirracial, no ultramar português. Assim estejamos todos nós, cá e lá, à altura desse projecto.

O Sr. Casal-Ribeiro: - Não percebi nada!

O Sr. Cunha Araújo: - Também não percebi nada!

O Orador: - Continuando: Creio oportuno repeti-lo, aqui e agora:

Entenderam os signatários dever fazer acompanhar a apresentação da sua candidatura à Assembleia Nacional de uma definição clara da sua posição.
Consideram que no actual condicionalismo do País têm a possibilidade e o dever de o servirem, submetendo-se a um sufrágio livre, que constitui o processo mais directo e amplo da indispensável participação dos cidadãos na vida do Estado.
Afigura-se-lhes que neste momento a sua intervenção livre e independente é compatível com a apresentação da sua candidatura pela União Nacional, uma vez que os dirigentes actuais desse organismo lhes merecem a qualificação de homens de boa vontade e já apontaram publicamente a instauração de um regime de tipo europeu ocidental como meta final da sua actividade política.
Nesta orientação, crêem que é possível realizar as transformações e reformas de que o País urgentemente carece na linha política do actual Chefe do Governo, necessariamente sujeita à fiscalização crítica da Assembleia Nacional. Neste ponto divergem das oposições, cuja existência e livre expressão encaram como indispensáveis e inerentes a uma vida política sã e normal.
Esta intervenção dos signatários, desligada de quaisquer compromissos, que ninguém, aliás, lhes solicitou, orientar-se-á, pois, essencialmente, no sentido da rápida e efectiva transformação política, social e económica do País. Consideram essencial para a realização de tal transformação assegurar o exercício efectivo dos direitos e liberdades fundamentais consignados na Constituição e na Declaração Universal dos Direitos do Homem.

Francisco Lumbrales de Sá Carneiro - Joaquim Macedo - Joaquim Pinto Machado Correia da Silva - José da Silva.

As intenções formuladas neste comunicado ordenavam-se à edificação de um estado social de direito, tendo sido sempre convicção firmíssima de Francisco
de Sá Carneiro que a construção de um estado social implicava, necessariamente, a vigência efectiva de um estado de direito, definido pelas seguintes características gerais apontadas por Elias Diaz, professor de Filosofia do Direito da Universidade de Madrid, em livro da sua autoria, cuja tradução portuguesa (Estado de Direito e Sociedade Democrática. Iniciativas Editoriais, Lisboa, 1972, p. 34) abre com palavras do Deputado Sá Carneiro:

a) Império da lei: lei como expressão da vontade geral.
b) Divisão de poderes: Legislativo, Executivo e Judicial.
c) Legalidade da Administração: actuação conforme com a lei e contrôle judicial bastante.
d) Direitos e liberdades fundamentais: garantia jurídico-formal e efectiva realização material.

"Por um estado de direito", pode resumir-se assim, exactamente, a vasta actividade parlamentar de Francisco de Sá Carneiro, consubstanciada em oitenta e cinco intervenções - de que se salientam, no exercício da função fiscalizadora do Governo e da Administração, quinze intervenções antes da ordem do dia e vinte e oito notas de perguntas e requerimentos (incluindo o de apreciação do Decreto-Lei n.° 520/71, de que foi primeiro signatário), e, no exercício de iniciativa legisladora, oito projectos de lei, seis dos quais (Liberdade de. associação, Liberdade de reunião, Funcionários civis, Alterações ao Código Civil, Organização judiciária e amnistia de crimes civis e faltas disciplinares) de sua exclusiva autoria e os dois restantes (Lei de imprensa e Revisão constitucional) de sua responsabilidade na maior parte.
Apenas quem conhece, por experiência própria, quão só se encontra o Deputado face às numerosas, díspares, complexas e delicadas tarefas que lhe são impostas pelo mandato de que é portador - para não falar da falta de ambiente estimulante e da interferência de contra-estímulos -, apenas esse é que pode avaliar o esforço de inteligência, perseverança e resistência à fadiga intelectual, afectiva e física que sustentou a intensa e qualificada acção de Francisco de Sá Carneiro nesta Casa. Lembro, a este propósito, o testemunho do Dr. Carlos Lima, apresentado no livro em que reuniu as intervenções havidas na Assembleia Nacional, em 1959, sobre o seu projecto de lei de revisão constitucional (Órgãos da Soberania: A Assembleia Nacional. Um Debate, Moraes Editores, Lisboa, 1971, pp. 22-23):
"Poderá dizer-se que, através da apresentação de projectos de lei, podem os Deputados definir um objecto próprio para os trabalhos da Assembleia, traçando com autonomia o sentido da actuação desta e corrigindo o quadro de implicações há pouco assinalado. [Referira-se ao 'critério selectivo dos decretos-leis submetidos a ratificação da Assembleia', o qual 'reside (...) na vontade do Governo, e não na importância ou relevo político das matérias objecto desses diplomas' (Ob. cit., p. 21)].
O exame deste ponto levaria muito longe. Conduziria à apreciação de todo o condicionalismo que torna praticamente muito difícil assegurar um regime de apresentação de projectos de lei com um mínimo de regularidade e coordenados em função de grandes

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finalidades a atingir: falta de apoio de quaisquer serviços ou organizações, que obriga o Deputado a realizar um esforço desde a raiz, tudo tendo de fazer, assim desperdiçando energias qualificadas em tarefas marginais; ausência de trabalho em grupo, no qual a afinidade de ideias constitua simultaneamente elemento definidor de firmes linhas de pensamento e factor dinamizador da acção política; condições materiais manifestamente insuficientes, que deixam margem para delicadas alternativas, pois só muito raramente é possível compatibilizar a imprescindível independência do Deputado, um trabalho eficaz na Assembleia e a necessidade de assegurar a subsistência dos respectivos agregados familiares, etc.
A boa vontade dos Deputados - e tantas vezes pude constatá-la - não pode superar as deficiências de um sistema, ou da ausência de sistema. Aliás, muitas vezes, só com o tempo se vai tomando consciência da existência ou falta de pequenas coisas, cada uma delas de per si sem significado, mas cuja actuação conjunta e simultânea acaba por ter reflexos acentuadamente negativos na acção do Deputado."
Foi neste contexto, ainda actual, que Francisco de Sá Carneiro, vivendo tremendamenta a sério o seu mandato de Deputado, produziu notável acção parlamentar, sempre com impecável correcção de trato e respeito das normas constitucionais e regimentais. A sua tenacidade é tanto mais de realçar quanto nenhum dos seus seis projectos de lei foi sequer discutido no plenário, e os dois de que foi principal autor, embora discutidos e aprovados na generalidade, foram retirados da discussão e votação na especialidade.
Intrépido e claro nas intervenções, directo e objectivo nas explicações, preciso e cortês nas interpelações, afável no convívio informal, com facilidade invulgar de resposta pronta e certeira - muitas vezes bem temperada de saboroso humor -, sempre leal, Francisco de Sá Carneiro, se não recebeu em seus pronunciamentos políticos a concordância da grande maioria dos seus pares, é merecedor do respeito de todos - a ninguém, aliás, agravou.

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Ribeiro Veloso: - V. Exa. dá-me licença?

O Orador: - Faz favor.

O Sr. Ribeiro Veloso: - Eu peço desculpa de o interromper, mas tenho uma vaga impressão de que estou a ouvir uma elegia.

O Orador: - Está a ouvir uma homenagem a um Deputado que muito admiro.

O Sr. Ribeiro Veloso: - A um ex-Deputado.

O Orador: - A um ex-Deputado que muito admiro.

O Sr. Ribeiro Veloso: - No frontal deste edifício está escrita na pedra uma locução latina, que diz: Omnia pro Pátria. E tenho estado a ouvir V. Exa. e sei que V. Exa. é amigo, é correligionário político e quiçá equevo do Dr. Francisco de Sá Carneiro. Mas eu ficaria de mal com a minha consciência se não lhe dissesse que não me parece que seja de interesse nacional...

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Pinto Balsemão: - Não apoiado!

O Sr. Correia da Cunha: - Não apoiado!

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Ribeiro Veloso: - (Olhando o Sr. Correia da Cunha) embora com o seu não apoiado, eu continuo.

O Sr. Correia da Cunha: - Não apoiado! Eu repito não apoiado!

O Sr. Ribeiro Veloso: - Com certeza.

O Sr. Correia da Cunha: - Não apoiado!

O Sr. Ribeiro Veloso: - Se me deixasse dizer o resto...

O Orador: - Eu agradecia, a ver se chegava ao fim, Sr. Deputado, porque eu queria chegar ao fim!...

O Sr. Ribeiro Veloso: - Eu também queria!

O Orador: - Então eu agradecia que fosse realmente breve e dissesse o que tinha a dizer...

O Sr. Ribeiro Veloso: - Com certeza. Eu peço-lhe muita desculpa...

O Orador: - Não, não tem que pedir desculpa, faça o favor de continuar.

O Sr. Ribeiro Veloso: - O que eu acho é que realmente o facto de V. Exa. estar a "panegiricá-lo"...

Risos.

O Sr. Ribeiro Veloso: - De panegírico! Fazer o louvor de... Esse seu olhar permitiu-me pensar que V. Exa. não tivesse compreendido bem aquilo que eu disse.

O Orador: - Não. Eu é que não conhecia o verbo. Mas... não quer dizer que ele não exista, com certeza? Conhecia o substantivo, não o verbo.

O Sr. Ribeiro Veloso: - Panegiricar.

O Orador: - Não conhecia o verbo... O Sr. Correia da Cunha: - Não existe.

O Sr. Presidente: - Chamo a atenção dos senhores que estão na assistência de que não podem, de qualquer maneira, acompanhar com manifestações, seja de que ordem for, os trabalhos da Assembleia.

O Sr. Ribeiro Veloso: - Mas acho que este elogio não tem interesse nenhum para o engrandecimento da Pátria.

Vozes: - Não apoiado!

Vozes: - Apoiado!

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O Orador: - Estou a usar de um direito que me cabe de prestar homenagem a um ex-Deputado, tal como tem sido feito em relação a outros, que, continuo a dizer, embora a maioria dos seus pronunciamentos políticos não tenha recebido a adesão da grande maioria desta Câmara, creio que merecia o respeito da parte de todos.

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Ribeiro Veloso: - Dá-me licença, é só um minuto...

O Orador: - Sr. Deputado, se me dá licença eu continuo. V. Exa. já disse o que tinha a dizer, já disse que o assunto não era merecedor de vir aqui.
Francisco Sá Carneiro foi integralmente fiel ao seu compromisso público de aqui defender princípios que considerava indispensáveis a uma vida política normal, por se ligarem aos mais altos valores da dignidade humana. E é útil reviver algumas palavras suas, proferidas em diferentes momentos, no início de uma experiência política há dias terminada.
Na primeira declaração pública, a título pessoal, como candidato a Deputado, disse em A Capital, de 9 de Outubro de 1969:

Não há liberdade de pensamento político se não é possível a cada um exprimir as suas ideias, confrontá-las com as dos demais, associar-se com os que as professam idênticas e procurar realizá-las na prática da acção governativa.
Se a liberdade é uma exigência espiritual, constitui também um problema político: em cada momento há que articular as liberdades pessoais entre si e combinar a sua medida e o seu exercício com a realização concreta do bem comum.
O certo é, também, que não se aprende a ser livre senão sendo-o; a aprendizagem da liberdade faz-se através do seu exercício, ainda que gradual e prudente, ou seja, adequada às circunstâncias como o bem comum exigir.
Dessas circunstâncias e da medida de liberdades concretas cujo exercício elas possibilitem não pode o Governo ser o único juiz.

Continuo a ler palavras do Sr. Dr. Sá Carneiro.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado: V. Exa. está comprometendo o seu tempo regimental com transcrições. V. Exa. é que sabe o que quer dizer, mas parece-me que não é costume parlamentar fazer discursos só com transcrições.

O Orador: - Não são só transcrições, Sr. Presidente. O tempo que tinha reparti-o. O Sr. Presidente pode dizer-me o tempo que me concede, por favor?

O Sr. Presidente: - V. Exa. começou a falar às 16 horas e 30 minutos, tem meia hora para falar. Dentro de sete minutos terá esgotado o seu tempo.

O Orador: - Muito obrigado.

Claro que é muito mais difícil, e pode parecer mais ineficaz, governar na liberdade do que contra ela; mas não há outra forma lícita de governo de homens.

Na sessão de propaganda eleitoral realizada em Matosinhos em 12 de Outubro de 1969, proclamou:

Recuso-me a aceitar [...] que o nosso povo tenha por natureza de ficar eternamente sujeito ao paternalismo de um homem, de um sistema ou de uma classe.
Recuso-me a admitir que, ao contrário dos outros povos, não possamos ser capazes de conciliar a liberdade com a ordem, o progresso com a segurança, o desenvolvimento com a justiça.
Recuso-me a conceder que a revolução seja a única forma de nos fazer sair do marasmo político, que a subversão seja o único meio de fazer vingar as reformas das nossas estruturas.
Por isso rejeito as ditaduras, sejam elas de direita ou de esquerda, de uma ou de outra classe, bem como os caminhos que a elas conduzam.
Creio que, se todos quisermos, podemos eficazmente aproveitar a oportunidade que nos é dada de obter as reformas necessárias sem quebra da ordem pública, sem atropelos das consciências, nem violências sobre as pessoas.

Já a escassos dias do acto eleitoral, em 20 de Outubro de 1969, afirmou no Diário Popular:

Essa breve tomada de posição (referia-se ao comunicado publicado em 28 de Setembro, e de que era primeiro signatário) destinava-se a evitar que pudesse pensar-se que houvera equívoco de quem nos convidara ou mudança de ideias de quem era proposto, quando, na realidade, existira, de parte a parte, a maior clareza, como era de esperar.

Até ao fim da 1.ª sessão legislativa Francisco Sá Carneiro sentiu-se satisfeito com a actividade da Assembleia e serenamente optimista em relação ao futuro, como o exprimiu em declarações ao Diário de Lisboa (13 de Fevereiro de 1970) e à Flama (23 de Março de 1970).
Mas a partir dos fins da 2.ª sessão legislativa foi sofrendo um processo de desencantamento progressivo. Este sentimento teve expressão máxima e última na sua declaração de renúncia, em que, depois de referir as condições e razões da sua candidatura e as vicissitudes por que passaram todas as suas iniciativas legislativas, escreve:

A sistemática declaração de inconveniência atribuída, nestes dois meses passados, aos meus seis projectos e as inusitadas considerações agora, pela primeira vez, produzidas pela Comissão de Política e Administração Geral e Local levam--me a concluir à evidência não poder continuar no desempenho do meu mandato sem quebra da minha dignidade, por inexistência do mínimo de condições de actuação política livre e útil, que reputo essencial.

"Nas inusitadas considerações agora, pela primeira vez, produzidas", censurava-se o Deputado por, através dos órgãos de informação, ter dado conhecimento público do projecto de lei que aquela Comissão...

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O Sr. Presidente: - Sr. Deputado: Peço a atenção de V. Exa. para o facto de que está a divulgar para o Diário das Sessões trechos que a Mesa considerou que não deviam ser publicados neste Diário.
Peço a V. Exa. para notar que se continua nesse movimento, que V. Exa. sabe perfeitamente que é contrário à interpretação que a Mesa tem da boa condução dos trabalhos da Assembleia, terei de lhe pedir o favor de cessar as suas considerações.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Perante essa ordem, eu paro. Embora, se entendi a explicação de V. Exa., há dias V. Exa. dissesse que considerava inconveniente a publicação desses textos no Diário das Sessões, mas não - nem o podia fazer -, que isso era anti-regimental.
Mas perante a ameaça de V. Exa. me retirar a palavra, eu paro.

Vozes: - Ameaça?

O Sr. Presidente: - O que eu noto é que V. Exa. registou a minha declaração de inconveniência dessa publicação e está aí a tentar fazê-la.

O Orador: - Porque não a partilho, Sr. Presidente.
Sr. Presidente: É tempo de concluir esta intervenção de homenagem a Francisco de Sá Carneiro que, se um dia se fizer análise crítica desapaixonada desta X Legislatura, ocupará lugar protagonista, pois imprimiu nela marca verdadeiramente histórica e, portanto, indelével.
Como disse no início, foi a grande amizade que nos liga que determinou a decisão de prestar este depoimento; ela, contudo, não influenciou o seu teor, que mantive objectivo. Mas é certo que, pelo que disse, quem quer pode avaliar quanto essa grande amizade me honra.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: Parece-me que a avaria dos microfones não é fácil de reparar imediatamente ou, pelo menos, sem nova interrupção da sessão. Espero a concordância de VV. Exas. para que os oradores do período de antes da ordem do dia continuem a falar da tribuna, que é a maneira de serem ouvidos por VV. Exas.

O Sr. Veiga de Macedo: - Sr. Presidente: Nas frentes da luta, as nossas forças armadas marcam presença de nobre e viril patriotismo e a flor da juventude bate-se e sacrifica-se pela causa da Pátria.
O cruento combate dura há muito e vai, com certeza, prolongar-se, porque o inimigo não desiste na sua cobiça e no seu ódio. Nem lhe há-de faltar o apoio que as potências do mal sempre asseguram aos que podem servir os seus desígnios.
Joga-se nesta guerra, que nunca quisemos e não merecíamos, o destino de Portugal, na unidade do seu corpo e na sobrevivência do seu espírito.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Os jovens que, desde 1961, vêm "dando os corpos a fomes, a vigias, a ferro, a fogo, a setas e pelouros, a quentes regiões,... a perigos incógnitos do mundo", para falar a linguagem do nosso Poeta Maior, sentiram e sentem bem a grandeza dos valores por que se batem.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Eles sabem que não se trata apenas - e seria já muitíssimo - de defender, contra os golpes do terrorismo, as populações na sua vida, no seu trabalho, na sua fazenda. Sabem que o seu holocausto não teria suficiente justificação se não visasse essencialmente preservar a unidade moral e política da Nação.

Vozes: - Muito bem! Apoiado!

O Orador: - Desta Nação pelo mundo dispersa nos seus territórios, mas coesa na sua vida, sentimentos e aspirações, no caldeamento das suas raças e na consciência da sua missão histórica e da indissolubilidade dó seu ser.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Generosos, lúcidos e animados por aquela fé que move montanhas -ai dos homens e dos povos sem fé! - tudo depuseram e depõem no altar da Pátria: interesses, comodidades e, quantas vezes, a própria vida.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A Pátria não são apenas os vivos, mas também os mortos, com o imperativo categórico da sua lição.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Não é apenas o presente, mas o futuro, com os seus direitos incontestáveis.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Por isso, não é lícito a uma geração, e muito menos a uma minoria, dirigente ou não, decidir do destino da Pátria. Esta não se discute. Não se plebiscita. Não se divide. Não se mercadeja.

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Henrique Tenreiro: - Apoiado!

O Orador: - Se algum dia nos passasse pela cabeça ou pelo coração que podíamos abandonar a nossa África para nos confinarmos a uma posição meramente europeia; se nos inclinássemos para soluções

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de ordem jurídica e institucional tendentes, não a garantir a consolidação e a perenidade da Pátria una, mas a formar novos países - novos Congos? novas Rodésias? -; se, por cegueira, abdicação ou mera habilidade táctica, admitíssimos sequer a hipótese de trilhar esses caminhos perigosos e incertos, estaríamos perdidos e atraiçoaríamos os interesses mais sagrados da grei.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Por outro lado, tenho ainda por inadmissível para o nosso ultramar qualquer regime fora do quadro próprio do Estado unitário. Este quadro é indubitavelmente o imposto pela vontade, pela vocação e pela história do povo português e encontra-se consagrado no texto constitucional.

O Sr. Pinto Castelo Branco: - Muito bem!

O Orador: - Contra ele não podem prevalecer quaisquer sugestões de inspiração federalista - até porque aceitá-las corresponderia, além do mais, a ignorar a nítida evolução dos países que algum dia, em virtude de peculiares razões históricas cada vez mais esbatidas, adoptaram o sistema federal. Todos eles têm vindo a abandonar gradualmente os traços mais característicos do sistema e estão a caminhar para uma unidade política mais perfeita, sem embargo do reconhecimento de acentuada autonomia administrativa no âmbito regional.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Já nesta Câmara, aquando do debate relativo à revisão da Constituição, me pronunciei sobre problemas que reputei e continuo a reputar de base, porque "dizem respeito ao próprio ser e destino da Pátria". Então, ao criticar certas posições relativas à concepção do Estado Português, apontei a necessidade de as combater pela palavra e pela acção e adverti que, se não o fizéssemos, não podíamos pedir à juventude que continuasse a lutar.

O Sr. Cunha Araújo: - Muito bem!

O Orador: - Será necessário repetir que a juventude só sabe e deve bater-se por certezas - que são os valores mais puros e os interesses mais altos da Pátria? Será necessário insistir em que quando, em 1961, se actuou "rapidamente e em força" contra o terrorismo, houve o propósito não apenas de salvaguardar os territórios e as populações, mas a própria integridade moral e política de Portugal - como Estado, como Nação e como Pátria?
Nem de outra forma teria legitimidade a nossa luta nesta guerra que dia a dia é ateada pelos sentimentos racistas de uns e pelo imperialismo económico e político de outros.
Não é para se criarem novos Congos ou novas Rodésias ou mesmo novos Brasis que o povo português sofre e luta.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Ele luta e sofre para manter íntegro o Estado Português e para o tornar cada vez mais aquela forte e inabalável estrutura jurídica, política e institucional... da Nação una... da Pátria una.

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Correia da Cunha: - V. Exa. dá-me licença?

O Orador: - Sr. Presidente:...

O Sr. Cunha Araújo: - V. Exa. dá-me licença?

O Orador: - ... As palavras que estou a proferir foram muito meditadas. Embora simples, visam traduzir um pensamento de fundo, que sei ser compartilhado pela Câmara, na sua esmagadora maioria, e que desde sempre foi o da Nação.
Por força da natureza e da finalidade desta intervenção, tenho de condensar em poucas afirmações esse pensamento, que gostaria chegasse à Assembleia sem interrupções que, de algum modo, pudessem tornar menos fácil a sua imediata interpretação.
Por isso, prossigo na minha intervenção se V. Exa. tiver a bondade de cooperar na efectivação deste propósito. Desde já agradeço a generosa compreensão do Sr. Deputado Cunha Araújo que, aliás, a ela sempre nos habituou ao longo de alguns anos de convívio nesta Casa - convívio para mim muito grato.
Sr. Presidente: Ouvi, no decurso da presente Legislatura, afirmações que dolorosamente me impressionaram, ou pela injustiça que traduziram, ou pelas inexactidões de facto que as viciaram, ou pelos erros de doutrina em que assentaram e que difundiram, ou pelo sentido corrompido e amargo que deixaram transparecer, ou ainda por terem fomentado, um clima de agitação propício a situações de indisciplina e de desordem como aquelas que há pouco foram denunciadas pelo venerando Chefe do Estado em palavras ajustadas à gravidade dos acontecimentos e à magnitude dos valores em perigo.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Aqui se julgou, através de apreciações tantas vezes infundadas e contrárias à verdade, um passado recente, sem o qual talvez nenhum de nós se encontrasse agora nesta Assembleia, e que, mau grado vicissitudes e contratempos de diversa ordem, assegurou o ressurgimento financeiro, económico, cultural e social do País.
E acusações directas - ainda há poucas semanas as ouvi de novo tão cruelmente acerbas como injustas - visaram uma das mais proeminentes e geniais figuras de homem e de estadista dos tempos modernos, que tudo sacrificou, ao longo de uma vida inteira, ao prestígio e à grandeza de Portugal.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Chegou-se ao ponto de se pretender atingir a memória imarcescível de quem, pela sua ímpar estatura moral e intelectual e pela sua obra extraordinária, se ergue e agiganta cada vez mais perante a história, a admiração e gratidão do povo por-

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tuguês e o juízo de quantos sentem e compreendem os valores da cultura cristã de que ele foi um dos mais lídimos, fecundos e esplendorosos defensores.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Admiti que, com o decorrer do tempo, certos espíritos irrequietos se aquietassem e começassem a ver os problemas com mais objectividade e serenidade. Mas enganei-me, a julgar pelo que foi acontecendo e pelo que ultimamente se passou a pretexto de um tema candente, como é o da paz, que bem merecia, por tudo, ser tratado com elevação e autenticidade, sem servir, como está a servir, as intenções de conhecidos fautores da guerra e de declarados inimigos da religião.
Não poderia, pois, sob pena de me demitir do dever de Deputado, deixar de juntar a minha voz à daqueles que, aqui ou lá fora, se insurgiram contra uma verdadeira ofensiva antinacional conduzida por elementos que não hesitam já em utilizar os lugares sagrados para hostilizarem, não um governo ou um regime, mas o próprio País, empenhado numa guerra de vida ou de morte, que não provocou, mas é obrigado a suportar.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Perante acontecimentos desta natureza e repercussão, que são atentatórios de interesses fundamentais da comunidade portuguesa, nenhum responsável no domínio da política ou no da hierarquia religiosa pode ficar indiferente ou de braços cruzados.

O Sr. Albino dos Reis: - Muito bem!

O Orador: - Se ao Estado cumpre, nestes casos, agir com prontidão e firmeza, a Igreja não pode confinar-se a vagas e ambíguas declarações susceptíveis de gerar maior confusão nos espíritos e de permitir interpretações contraditórias.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Nem podem bispos e padres alimentar, com as suas palavras e atitudes, a rebelião de fiéis ou infiéis contra a autoridade legítima, ou invadir, como está a acontecer com funestas consequências para a própria Igreja, o terreno da política com manifesto desrespeito pelas leis do País e pelas directivas e apelos das mais elevadas magistraturas nacionais.

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Correia da Cunha: - Não apoiado!

O Orador: - Toco na matéria, não obstante o seu melindre, porque o mal está a alastrar progressivamente e de tal modo que já não são só as organizações comunistas a constituir perigo sério para a ordem pública... e para Portugal como Estado e como Nação. Dir-se-ia até que o "partido comunista" vem sentindo ser-lhe possível e vantajoso substituir-se nas
primeiras linhas da acção subversiva por elementos que, pelas crenças que dizem ter e à sombra das quais se acobertam, deveriam estimular a nossa gesta civilizadora e não apoiar, como o fazem, os inimigos de Portugal - inimigos, também, na generalidade dos casos, dos valores do espírito e, portanto, da liberdade e da paz.
Estas considerações vêm a propósito de uma gravíssima afirmação aqui feita, há dias, a qual está a provocar viva reacção em todo o País. Foi dito nesta Câmara concordar-se e achar-se bem que se discutisse a legitimidade da presença ou a presença de Portugal no ultramar.
Ouvi a afirmação, como toda a Assembleia. Mais tarde, li-a e reli-a no Diário das Sessões e sobre ela meditei longamente. Em consciência, pude concluir sobre o seu exacto e real significado, que é de clamoroso agravo ao que de mais puro e intocável há na ideia matriz de Pátria.

O Sr. Almeida Cotta: - V. Exa. dá-me licença?

O Orador: - Rogo a V. Exa. o obséquio de aguardar que chegue ao fim da minha intervenção. Há pouco fiz pedido idêntico a dois Srs. Deputados, pelo que me seria grato manter fidelidade a esta linha de coerência.

O Sr. Almeida Cotta: - Mas perco uma oportunidade de poder talvez contribuir em alguma coisa para o esclarecimento do seu pensamento.

O Orador: - Em todo o caso e pela razão aduzida, peço me consinta dar continuidade às minhas considerações, em cuja clareza me empenhei e empenho. Se o entender, V. Exa. poderá dizer a seguir o que, em seu alto critério, tiver por conveniente. Ouvi-lo-ei, como sempre, com muito gosto. Bem haja!
Continuo pois:
Admitir que a presença de Portugal em qualquer parcela dos territórios que o integram possa ser discutida, ainda por cima por portugueses, equivale a discutir Portugal na essência do seu ser, na indivisibilidade da sua soberania, na irrefragabilidade da sua independência, na legitimidade incontrastável do seu destino.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Perante esta atitude afrontosa para a Nação, formulo o meu protesto, o meu protesto veemente, deplorando que na Câmara alguém tenha ousado admitir possa ser discutida a presença de Portugal no ultramar.
E isto precisamente quando, nas frentes de Angola, Moçambique e Guiné, a juventude, com o seu sacrifício e o seu sangue, dá testemunho heróico da legitimidade da Pátria na ampla dimensão do seu corpo e na grandeza intemporal da sua alma.
Repito: a Pátria não se discute. Não se discute, não se aliena, não se abandona, nem em tempos de paz nem em tempos de guerra.

Vozes: - Muito bem!

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O Orador: - Será preciso considerar, como o grande orador do Maranhão, que "temos em campanha, não um exército de Portugal, se não Portugal em um exército, e que de tal sorte é esta causa comum que toca a todos em particular e no mais particular de cada um"?!
Será preciso considerar que "menos fora estar empenhado o corpo da Nação, se não levara também empenhada consigo a alma que, no juízo dos que adiantam os olhos ao futuro, importa mais que tudo"?!

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Por tudo isto, eu tinha que proferir aqui esta severa palavra.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Se a alguém parecer que me atrevi a dizer o que fora mais reverência calar, respondo como Santo Hilário - e como Vieira na sua admirável Prática Espiritual sobre a Crucificação do Senhor -:

"Quae loqui non audemus, silere non possumus." O que se não pode calar com boa consciência, ainda que seja com repugnância, é força que se diga.

Vozes: - Muito bem! Muito bem! O Sr. Mota Amaral: - Não apoiado!

O Sr. Casal-Ribeiro: - Não apoiado? Parece impossível!

O Sr. Veiga de Macedo: - Não me surpreende o "não apoiado". Vejo que fui oportuno... e claro.

O Sr. Miller Guerra. - Várias vezes chamei a atenção da Assembleia e, por consequência, do Governo e do País, para os abusos da censura prévia.
Volto ao assunto pela última vez, já desesperançado de que a minha voz seja ouvida. As desilusões repetidas fazem-nos cépticos.
Na sessão da Assembleia do dia 15 do passado mês de Janeiro fiz uma intervenção sobre a Faculdade de Medicina de Lisboa e a crise universitária. A Comissão do Exame prévio, ou seja, a antiga Comissão de Censura com outro nome, cortou largas passagens da oração parlamentar, e na imprensa saíram trechos tão habilmente escolhidos que alguns leitores me perguntaram se eu tinha mudado de ideias.

O Sr. Henrique Tenreiro: - Era uma felicidade!

O Orador: - Mas há pior: Numa publicação, pelo menos, a intervenção foi toda cortada, embora o texto original transcrevesse escrupulosamente o do Diário das Sessões. À margem das páginas fiscalizadas, carimbaram estas palavras que causam arrepios às pessoas independentes e livres: "Exame prévio. Proibido". Pelo visto, o Governo manda guardar segredo do e se passa na Universidade, mesmo quando o estado uma Faculdade é exposto por um Deputado, professor dessa mesma Faculdade, e, além disso, pessoa que há anos se dedica a este assunto.
A lição deste caso lastimoso é que o Governo obsta a que se saiba a verdade e, por isso, amordaça quem a proclama.

O Sr. Almeida Cotta: - V. Exa. dá-me licença?

O Orador: - Tenha a bondade.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, era melhor V. Exa. não consentir interrupções, mas a Mesa tem o direito de lhe perguntar se V. Exa. tem a certeza de que é por ordem do Governo que qualquer organismo, segundo V. Exa. diz, limita a circulação da verdade.

O Orador: - Não tenho a certeza se é por ordem do Governo, mas esse organismo depende do Governo. Se não é o Governo que dá ordens, é esse organismo que tem autonomia.

O Sr. Almeida Cotta: - Se V. Exa. me dá licença, Sr. Deputado, a observação que queria fazer era semelhante àquela que acabou de fazer o Sr. Presidente. E como V. Exa. pode calcular, se V. Exa. fizer, como pessoa pertencendo a um determinado organismo, que depende do Governo, qualquer coisa que não deva fazer, já é tarde, mesmo quando o Governo possa ou queira providenciar sobre o problema.

O Orador: - Sr. Deputado Almeida Cotta, não entendi muito bem a objecção de V. Exa. Dá-me licença de lhe pedir que a repita?

O Sr. Almeida Cotta: - Não entendeu?

O Orador: - Não entendi.

O Sr. Almeida Cotta: - Eu vou escrever para ver se V. Exa. entende, por escrito.

O Orador: - Então, enquanto V. Exa. escreve, eu continuo.
No dia 23 de Janeiro último fiz uma intervenção subordinada ao título "Os acontecimentos da capela do Rato", de que provavelmente VV. Exas. não se esqueceram.

O Sr. Henrique Tenreiro: - Muito tristemente!

O Orador: - Os jornais e a rádio foram obrigados a dar a notícia de tal modo que o público ficou com curiosidade de saber o que verdadeiramente se passara.
O Governo quis que o País fosse mal informado. E foi.

Vozes: - Não apoiado!

O Sr. Almeida Cotta: - V. Exa. dá-me licença, se não me der licença...

O Orador: - Então não dou? Dou, Sr. Deputado.

O Sr. Almeida Cotta: - O que já não é estranho para mim. Já há bocadinho ma negaram...

O Orador: - Não, não, Sr. Deputado! Eu nunca neguei... Isso não é comigo.

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O Sr. Almeida Cotta: - A não ser que, depois, particularmente, possa explicar-me com mais facilidade e com mais tempo, mas não terá a oportunidade que tem agora.

O Orador: - Faz favor, Sr. Deputado.

O Sr. Almeida Cotta: - Isto de falar em intenções, Sr. Deputado, é muito grave. De intenções boas ou más está o Diabo cheio, está o Inferno cheio!

O Orador: - É verdade isso.

O Sr. Almeida Cotta: - Não pode assegurar que a intenção do Governo foi esta ou aquela. Fale-me em factos, tire-me ou extraia a interpretação dos factos, mas não me fale em intenções, por amor de Deus!...

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Eu peço a V. Exa. que me designe onde está a palavra intenção.

Pausa.

O Orador: - V. Exa. não a ouviu?

O Sr. Almeida Cotta: - Também podia ser possível que eu não ouvisse a palavra intenção! Talvez não ouvisse!

O Orador: - V. Exa. não ouviu? Dá-me licença de continuar?

O Sr. Almeida Cotta: - Com certeza.

O Orador: - Concluo que V. Exa. interveio não estando a prestar atenção ao que eu disse.
Continuando: A minha intervenção focava um ponto nevrálgico da vida nacional: a liberdade de palavra e de reunião sobre uma matéria que preocupa justificadamente o povo português - a paz.

O Sr. Almeida Cotta. - A todos nós!

O Orador: - Defendi, e continuo a defender, que qualquer assunto deve ser apreciado e discutido por todos aqueles a quem diz respeito. Levantei a questão a propósito dos católicos, mas pode e deve levantar-se para os adeptos de todas as crenças religiosas, ideologias políticas ou correntes de opinião.

O Sr. Pinto Castelo Branco: - V. Exa. dá-me licença?

O Orador: - Tenha a bondade.

O Sr. Pinto Castelo Branco: - Não sei se este microfone trabalha, mas não faz mal.

O Orador: - Faça favor: Tem aqui este, da tribuna.

O Sr. Pinto Castelo Branco: - Não é preciso, muito obrigado. Mesmo sem microfone, consigo fazer-me ouvir do lugar.
Eu julgo que qualquer assunto pode e deve ser discutido por todos aqueles a quem diga respeito, excepto quando a sua discussão, numa determinada altura, possa ser prejudicial para os interesses da comunidade. E foi nessa linha que eu há dias interrompi V. Exa.
E é nessa mesma linha que eu agora o interrompo para lhe dizer que a discussão da matéria que está em causa, naquelas circunstâncias, no momento em que continuamos em guerra - eu peço desculpa de me estar a repetir, mas não posso deixar de o fazer -, numa altura em que, além do mais, continuam a ser vítimas de sevícias mulheres, crianças e civis - de sevícias que vão até à morte -, a discussão desses problemas nesta altura é perfeitamente criminosa e contraproducente, inclusivamente em relação ao objectivo que V. Exa. diz agora que era o das pessoas que estavam reunidas na capela do Rato, ou seja,' a paz, sobre o que eu tenho, aliás, a maior dúvida.

O Sr. Cunha Araújo: - Muito bem! Dos que estavam e dos que a defendem.

O Sr. Pinto Castelo Branco: - Mas, enfim, isso é outra história.
Portanto, a liberdade de reunião, como qualquer das liberdades concretas, pelas quais todos nós nos batemos, tem necessariamente um limite. Esse limite é o do bem comum, Sr. Deputado. E é esse bem comum que não foi respeitado por quem estava no Rato e talvez por mais alguém.

Vozes: - Muito bem! Muito bem!

O Orador: - Sr. Deputado Pinto Castelo Branco: Posso fazer-lhe uma pergunta? Essa palavra "criminoso" que V. Exa. acaba de pronunciar, refere-se a quem?

O Sr. Cunha Araújo: - A uma atitude!

O Orador: - À atitude de quem? Refere-se a mim?

O Sr. Cunha Araújo: - Não sei, V. Exa. é que sabe se pode enfiar a carapuça!...

O Orador: - Não foi a V. Exa. que eu perguntei, mas ao Sr. Deputado que pediu a palavra. Repito: O "criminoso" refere-se a mim?

O Sr. Pinto Castelo Branco: - O criminoso refere-se a todos aqueles...

O Orador: - Não tenha receio, não tenha receio...

O Sr. Pinto Castelo Branco: - Não tenho, graças a Deus, Sr. Deputado.
O "criminoso" refere-se àqueles - e compete a cada um, em consciência,...

O Orador: - A minha pergunta é muito concreta; Sr. Deputado.

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O Sr. Pinto Castelo Branco: - ... o "criminoso" também o está a ser, Sr. Deputado. O "criminoso" refere-se a todos aqueles que, em consciência, sabem que estão com as suas atitudes a auxiliar, a fomentar, todos aqueles que nos estão a atacar, por um lado, e. ao mesmo tempo, tentam desmoralizar a Nação e especialmente aqueles que têm o encargo directo de a defender, isto é, em primeiro lugar, as forças armadas.
Como dizia há bocado o Sr. Deputado Almeida Cotta, nenhum de nós, e eu muito menos que qualquer um, sou capaz de julgar das intenções de outrem, por isso só V. Exa. é que pode julgar das suas intenções ao intervir nesta matéria.
V. Exa. pode estar a fazê-lo, aqueles que participem em reuniões e discussões deste género do Rato podem estar a fazê-lo conscientemente - e nessa altura são criminosos, não retiro o que disse - ou, então, inconscientemente.
Mas, se são inconscientes, nessa altura tenho o direito de dizer, pelo menos, que o melhor é tratarem de outra coisa e que devem ser esclarecidos. É o que eu estou a procurar fazer, Sr. Deputado.

O Orador: - Não me satisfaz a resposta, Sr. Deputado. Faz favor de responder precisamente. O "criminoso" refere-se à minha pessoa?

O Sr. Pinto Castelo Branco: - V. Exa. é que fará o favor de responder, em sua consciência.

O Orador: - Eu não respondo. Pergunto.

O Sr. Almeida Cotta: - V. Exa. dá-me licença, Sr. Deputado?

O Orador: - Se me dá licença...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peço a V. Exa. que não consinta mais interrupções pois há oradores para a ordem do dia. Além disso, a Mesa julga poder intervir na pergunta de V. Exa., exprimindo a opinião de que, tanto quanto a Mesa pode julgar, a resposta do Sr. Deputado Pinto Castelo Branco foi nìtidamente concreta.
Tenha V. Exa. a bondade de continuar.

O Orador: -Sr. Presidente: Se V. Exa. me dá licença, entendeu que a palavra "criminoso" se referia directamente a mim?

O Sr. Presidente: - Não, Sr. Deputado. Entendo que o Sr. Deputado Pinto Castelo Branco concretizou bastante bem a sua questão.

O Orador: - Entendo que não. Fiz uma pergunta concreta e exijo uma resposta concreta. Refere-se a mim ou não se refere a mim?

O Sr. Almeida Cotta: - V. Exa. dá-me licença?

O Orador: - Não, não. Não dou! Quero a resposta do Sr. Pinto Castelo Branco.

O Sr. Pinto Castelo Branco: - Sr. Deputado: É V. Exa. que, em consciência, tem de responder, não sou eu quem pode ajuizar das suas intenções.
Se V. Exa. o está a fazer conscientemente, eu já respondi: é criminoso. Se V. Exa. o não está a fazer conscientemente, então está mal informado ou está enganado, e é claro que o não é. V. Exa. é que pode responder, não eu.

O Orador: - Isso chama-se fugir à resposta.

O Sr. Pinto Castelo Branco: - Não, não fujo. Mas só V. Exa. é que pode responder.

O Sr. Casal-Ribeiro: - O Sr. Deputado dá-me licença?

O Orador: - Sr. Casal-Ribeiro, eu estou a falar...

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: A Mesa deseja que este debate continue com serenidade e interromperá a sessão se assim não for.
Peço ao Sr. Deputado Miller Guerra o favor de continuar as suas considerações. O incidente com o Sr. Deputado Pinto Castelo Branco, considero-o encerrado.

O Orador: - Não me responderam à pergunta que eu fiz.
Voltando um pouco atrás.
A minha intervenção focava um ponto nevrálgico da vida nacional: a liberdade de palavra e de reunião sobre uma matéria que preocupa justificadamente o povo português - a paz. Defendi, e continuo a defender, que qualquer assunto deve ser apreciado e discutido por todos aqueles a quem diz respeito.

Vozes: - Não apoiado! Não apoiado!

O Orador: - Levantei a questão a, propósito dos católicos, mas pode e deve levantar-se para os adeptos de todas as crenças religiosas, ideologias políticas ou correntes de opinião.
A paz, a verdadeira paz é fruto da liberdade dos cidadãos, e de forma nenhuma o resultado da política imposta pelo grupo que está no Poder.

(Muitas vozes discordantes interrompendo o orador.)

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: Quantas vezes será preciso a Mesa pedir-lhes o favor de deixarem o orador concluir as suas considerações com serenidade?
A matéria é grave, não ganha com interrupções sucessivas, as posições de muitos de VV. Exas. são conhecidas, não aumentam nem se acrescentam com novas interrupções, e a Mesa deseja que a intervenção vá até ao fim com serenidade.

O Orador: - Então, Srs. Deputados, eu continuo: A paz, a verdadeira paz...

Vozes: - Não apoiado!

O Sr. Casal-Ribeiro: - Protesto...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Casal-Ribeiro: Em que termos há-de a Mesa explicar-se?

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O Orador: - A paz, a verdadeira paz, é fruto da liberdade dos cidadãos e, de forma nenhuma, o resultado da política imposta pelo grupo que está no Poder. "O bom regime político", escreveu António Sérgio, "é aquele que permite a vida a todas as pessoas de todos os credos imagináveis e consente a pacífica experiência de progressivas reformas sociais." (Ensaios, III, 246.)
A política, aponta Paulo VI na carta ao cardeal Le Roy, é uma maneira de viver o compromisso cristão. O Papa não submete a acção política aos poderes estabelecidos, concede liberdade de escolha aos cristãos, respeitando a autonomia de cada um.
Bem diferente é o conceito do Governo, herdado como tudo o mais do pensamento salazarista:...

O Sr. Casal-Ribeiro: - Protesto energicamente contra as palavras do Sr. Deputado, mesmo que o Sr. Presidente não aprove.

O Orador:

Chamaremos política - diz o Dr. Salazar - o conjunto de meios de natureza individual ou colectiva pelos quais a consciência pública é levada a um estado de adesão ou simples conformidade com aqueles objectivos (do Governo) e colabora com o Poder na sua realização. (Discursos, IV, 274.)

Segundo este critério, a política reduz-se a aderir, a conformar-se e a colaborar com o Poder. Bem sabemos o que isto significa - na sua forma atenuada, o paternalismo; na sua forma extrema, o absolutismo. Política é obediência e sujeição ao Governo.
Suprimido o direito ao desacordo e à oposição, a repressão torna-se sempre necessária porque sem ela o Regime sente-se constantemente ameaçado. O Poder monopoliza a política, reservando-a ao partido único, outrora a União Nacional, hoje a sua sucessora, a Acção Nacional Popular.

Vozes: - Não apoiado!

O Orador: - Entrega a vigilância da pureza intelectual da doutrina ao aparelho de censura, agora chamado exame prévio, e a vigilância da ordem política a um corpo especial de polícia, antigamente denominada P.I.D.E. e hoje D.G.S.

Vozes: - Não apoiado!

O Sr. Casal-Ribeiro: - V. Exa. esquece que o País está em guerra!

O Orador: - Coordenando e justificando este complexo de meios e métodos, está a ideologia que impregna todas as facetas da vida social e individual - uma concepção totalitária imperativa fora da qual não há vida cívica nem verdade.
Discutir a doutrina do Estado equivale a abrir uma brecha por onde penetram os princípios dissolventes do sistema inteiro.

O Sr. Casal-Ribeiro: - Por onde V. Exa. penetrou.

O Orador: - À medida que o tempo avança, os factores de desagregação acumulam-se, porque cada vez se torna mais clara a singularidade de um regime autocrático-reaccionário num mundo que se transforma, adoptando outras formas de relações sociais.

Vozes: - Não apoiado, não apoiado!

(Várias vozes expressando desacordo interrompem o orador.)

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Miller Guerra: peço a atenção de V. Exa. Um dos direitos e deveres da Presidência é advertir os Deputados quando os seus discursos se tornarem ofensivos.
V. Exa. está usando de termos ofensivos para com o Governo deste País.
Não posso permitir que continue.

O Orador: - A intolerância atinge o auge...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, V. Exa. deseja que eu lhe retire a palavra?

O Orador: - ... Quando se toca, mesmo de longe, nos pontos centrais: a natureza do Regime, a estrutura política ou o poderio económico.

(Vozes diversas interrompem o orador,)

O Orador: - Estamos vendo a liberdade que existe...

O Sr. Casal-Ribeiro: - Se não houvesse liberdade, V. Exa. não estaria aqui.

O Sr. Henrique Tenreiro: - Nem teria a liberdade de proferir as palavras que está proferindo.

(Gera-se troca de palavras e disputa, entre os Deputados que discordam do orador e alguns que o apoiam.)

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: A sessão está interrompida.

Eram 17 horas e 25 minutos.

O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão.

Eram 17 horas e 30 minutos.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Miller Guerra: Tenha a bondade de continuar, tendo em atenção o meu reparo.

O Orador: - Suprimido o direito ao desacordo e à oposição, a repressão torna-se sempre necessária porque sem ela o Regime sente-se constantemente ameaçado.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Miller Guerra: À Mesa é perfeitamente claro que V. Exa. está demonstrando à evidência que o direito ao desacordo não está suprimido. Portanto, V. Exa. não pode continuar com afirmações que por si mesmo está a desmentir.

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O Orador: - V. Exa. dá-me o direito de dizer as últimas frases da intervenção?

O Sr. Presidente: - Mas com certeza.

Orador: - O espírito liberal está provisoriamente subjugado; mas um dia renascerá. Entretanto, é preciso manter a atitude inquebrantável de protesto. Como diria Hegel, as derrotas da razão agem como triunfos na dialéctica da História.
E, com isto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, despeço-me de VV. Exas. Peço a renúncia do mandato.

Vozes: - Não apoiado! Não apoiado!

O Sr. Francisco Balsemão: - Muito bem!

O Sr. Correia da Cunha: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - A Mesa ouviu o Sr. Deputado Miller Guerra dizer que pedia a renúncia do seu mandato, mas o Sr. Deputado fará o favor de formular a sua declaração de renúncia em termos mais formais, para ser considerada pela Mesa.
Vamos passar à

Ordem do dia

Continuação da discussão do aviso prévio sobre meios de comunicação social e problemática da informação em Portugal.
Tem a palavra o Sr. Deputado Homem de Melo.

O Sr. Homem de Melo: - Sr. Presidente: Não esperava usar da palavra nas circunstâncias como estas. O meu voto é de que consiga, mau grado as minhas limitações, trazer alguma serenidade aos trabalhos da Assembleia, que momentaneamente a perdeu.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: Quando o Sr. Deputado Magalhães Mota teve a generosidade de me manifestar a sua intenção de apresentar um aviso prévio sobre os meios de comunicação social e a problemática da informação, logo me dispus a participar no debate que viesse a estabelecer-se.
Aconteceu, porém, que me ausentei do País em meados de Janeiro último sem que me houvesse chegado qualquer indicação de que o debate poderia efectivar-se a curto prazo.
Fui, assim, surpreendido ao regressar, faz hoje oito dias. E embora a primeira reacção fosse de molde a afastar-me desta tribuna, tão escasso seria o tempo de que poderia dispor para alinhar as considerações que desejaria fazer, verdade é que acabei por não resistir ao sortilégio da matéria, à muita consideração que o Deputado avisante me merece e ao desejo de controverter - sem facciosismo ou acinte - determinadas afirmações que fui ouvindo e anotando.

O Sr. Presidente: - A Mesa não consegue ouvir o orador.

O Orador: - Sr. Presidente: Alguns Srs. Deputados - que as "crónicas parlamentares" filiam numa ala a que chamam liberal - não se têm dispensado de proceder a uma espécie de retrospectiva tendente a interpretar as circunstâncias de que terão resultado a aceitação das suas candidaturas e a justificar a actuação aqui desenvolvida ao longo das sessões legislativas.
Permita-se-me que - ao menos desta vez - diligencie seguir-lhes o exemplo, tomando à Câmara alguns momentos de atenção sobre o meu próprio "processo político".
Poder-se-á, talvez, concluir que o "liberalismo" também não é monopólio de qualquer ala e que o apoio à política do Chefe do Governo não exclui muitos daqueles que se recusam a abdicar da sua raiz e das suas convicções liberais.
Tomei assento nesta Casa, pela primeira vez - V. Exa., Sr. Presidente, sabe-o bem -, completaram-se já quinze anos. Quinze longos e por vezes dolorosos anos.
Preso à sedução do idealismo liberal - que assimilei através do exemplo dia a dia vivido não só ao lado daquele que me deu o ser, cujas excepcionais qualidades humanas e políticas não me ficará mal referir e realçar, mas também na aprendizagem constante proporcionada pela generosa amizade e abono esclarecido de homens públicos eminentes, um dos quais permanece junto de nós e de quem tive a honra de ser directo colaborador na presidência da Assembleia Nacional -, preso à sedução do idealismo liberal ingressei na Câmara convicto de que havia chegado o momento de acelerar a evolução política do Regime, aproximando-o mais dos "modelos" que a minha ingenuidade juvenil venerava e apetecia.
Passo em claro os termos e as circunstâncias da batalha que travei e, sobretudo, as incompreensões que à minha volta se manifestaram e as desilusões que colhi. Devo, porém, acrescentar que muitos foram os cálices da amargura, a tal ponto que o meu estado de espírito não teria andado longe daquele que alguns colegas de agora se esforçam por nos transmitir.
E se devo ao liberalismo em que nasci e me formei, e à sombra do qual desejo morrer, a possibilidade de haver esquecido agravos e injustiças, fiquei a dever à precocidade daquele ensaio político - tão novo me tinha sido dada a honra de aqui entrar - o ensejo de adquirir algum "saber de experiências feito".
Entre as várias - e algumas bem duras - lições que colhi, foi-me possível reconhecer, de uma vez para sempre, que a política não pode deixar de ser "a arte do possível", a menos que se transforme em actuação revolucionária - excluída, como é bem de ver, da ortodoxia processual de um órgão de soberania.
Nesta "arte do possível" deverá incluir-se a lembrança permanente do circunstancialismo geopolítico em que se actua e o tipo de sociedade a que se pertence.
Um homem público - a menos que seja mero visionário, tem de actuar em termos diferenciados, consoante se encontre em Paris, em Moscovo, em Pequim, em Pretória, em Argel ou em Lisboa. Para

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cada lugar, a actuação própria, susceptível de lhe permitir participar nas "regras do jogo" que vigoram no seu país.
Aceita-se que alguns - aqui ou além - não possam ou não queiram participar, refugiando-se numa espécie de exílio na própria pátria. Mas aqueles que participam não têm outro caminho que não seja aceitar as "regras do jogo".
Nascidos em Portugal, fazendo parte da sociedade portuguesa, com as suas características próprias, os seus defeitos e as suas virtudes, temos que nos cingir à realidade nacional, fugindo à tentação de desenvolver actuações, porventura adequadas a outras paragens, mas insusceptíveis de aplicação no actual circunstancialismo da vida portuguesa.
Isto não significa que cada um abdique dos seus ideais e dos seus propósitos, desistindo de atingir metas previamente fixadas. Significa, apenas, que deveremos ter sempre presente a pecularidade de clima político em que vivemos e agimos.
Esta diversidade de actuação verifica-se em toda a parte, não constituindo regra a aplicar apenas em determinadas latitudes.
Se tomarmos como exemplo os Estados Unidos e a Grã Bretanha - para não haver a mais pequena sombra de dúvida -, todos hão-de concordar que os políticos de cada um desses países não poderiam comportar-se da mesma forma se trocassem de nacionalidades. Por outras palavras: se o Presidente Nixon fosse inglês e o Sr. Harold Wilson americano, Ê evidente que um e outro haveriam de rever a sua estratégia de actuação: aquele, procurando alcançar não a presidência mas o cargo de Primeiro-Ministro de Sua Magestade Britânica - abandonando o rótulo e o conteúdo "republicano" que possui -, e o chefe da oposição trabalhista revendo os seus princípios socializantes, sob pena de ser lançado no ghetto da sociedade americana, capitalista por excelência.
Regressemos a Portugal.
Se não me é difícil aceitar e compreender o desejo e o propósito de contribuir para a evolução da sociedade portuguesa num determinado sentido, defendendo a evolução das instituições no caminho de uma maior abertura e de uma mais ampla participação, já não consigo acompanhar, nem compreender, a actuação de quantos, desprendidos da realidade em que vivem - como eu um dia utòpicamente procurei desprender-me -, pretendem adoptar ou copiar modelos estranhos a um tipo de vida e a um estádio de desenvolvimento sócio-económico inteiramente diferenciados.
Quem se der ao trabalho, aliás simples, de contar o número de países que vivem sob regime de características autenticamente democráticas - existência de dois ou mais partidos, rotativismo, liberdade de expressão, associação e reunião praticamente ilimitada -, com muita dificuldade encontrará, entre os 140 ou 150 em que a humanidade hoje se divide, mais do que 12 ou 13.
Pergunto, assim, porque há-de constituir tão constante preocupação a circunstância de não pertencermos ao reduzido grémio daqueles "eleitos". E pergunto também se - dentro do nosso peculiar condicionalismo - tiraríamos "sérias" vantagens de a ele pertencer.
É claro que haverá por aí uma ou duas centenas de cidadãos insatisfeitos por não lhes ser possível intervir mais extensa, livre e activamente na condução da vida pública. Mas pergunto à Câmara e a mim próprio onde Ê que se encontra o interesse primacial do País: Na súbita liberalização da vida pública, de consequências incalculáveis e de que resultaria o imediato enfraquecimento do Poder Executivo, embora proporcionasse uma mais activa participação de alguns - ou no continuado labor do dia a dia, a permitir progresso e desenvolvimento de todos?
Neste estado de espírito regressei à vida pública e a esta Casa. Fiel ao ideal e aos propósitos de sempre, tendo abandonado, apenas, na poeira do caminho, a utopia própria da inexperiência juvenil.
De entre todos - permita-se-me que insista -, de entre todos os candidatos a candidatos qual deles poderia oferecer mais válidos motivos de receio ou de dúvidas acerca da linha de actuação que aqui viesse a adoptar do que aquele que neste momento se encontra no uso da palavra?
E, todavia, nenhuma condição prévia para a apresentação da candidatura me foi sugerida, e muito menos imposta. Acresce que, tendo feito parte da comissão política que coadjuvou a comissão executiva da União Nacional a preparar o acto eleitoral de 1969, jamais ouvi a menor referência a quaisquer pressupostos que condicionassem a aceitação das candidaturas, excepto no que respeita à política ultramarina. Fosse por parte dos dirigentes que representavam o organismo, fosse por banda dos candidatos a candidatos.
Reivindico, assim, alguma autoridade para protestar - e protestar com rara veemência - contra determinadas afirmações ou insinuações aqui proferidas a propósito do debate em curso, afirmações ou insinuações susceptíveis de levar certos observadores, menos atentos ou menos familiarizados com a realidade portuguesa, a concluir que entre nós o panorama político se apresenta por tal forma sombrio que o País agoniza esmagado pela mais férrea e implacável ditadura.
Dentro de poucas semanas deverá realizar-se em Aveiro mais um congresso da oposição ao Regime. Nele terão acesso e assento todos os políticos insatisfeitos que desejem participar nos debates. As reuniões preparatórias sucedem-se. As teses circulam. Os órgãos de informação referem-se ao acontecimento.
Já alguma vez se viu uma "ditadura" consentir em reuniões e congressos deste tipo?

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Dentro de meses o País voltará a pronunciar-se, por sufrágio directo e universal, acerca da política que vem sendo seguida, e o Governo não esconde ser seu desejo que o eleitorado se pronuncie livremente, como aconteceu há quatro anos.
Já alguma vez se viu uma "ditadura" aceitar submeter-se ao veredito popular, consentindo na livre discussão dos actos do Governo e das opções tomadas pelo Poder?

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Raro é o dia em que nesta Casa se não houve uma voz a criticar o Executivo - e por vezes em tom e conteúdo que só não surpreendem por se haverem tornado muito frequentes.

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Qual o regime ditatorial que permite a suficiente independência que aqui desfrutamos sem que os membros da Assembleia sofram quaisquer consequências pela violência e heterodoxia das suas afirmações?

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - No que diz respeito aos órgãos de informação - aspecto de peculiar relevância no debate em curso -, também o panorama está longe de ser o que se tem procurado apresentar.
O continente possui doze jornais diários, três no Porto e nove em Lisboa.
Desses doze, pelo menos sete são totalmente independentes do Poder Executivo; cinco ou seis mantêm atitude de amorfismo ou de independência política e quatro reivindicam - e demonstram a cada passo - uma linha de intransigente oposição.
Para não referir a maior parte dos semanários, alguns bem recentes, da esquerda ou da direita - cuja ideologia e atitudes são por demais conhecidas.
Qual a "ditadura" onde seria possível semelhante panorama? Onde está, afinal, o monolitismo, a uniformização, o monopólio do poder de informar?
É certo que o "exame prévio" persiste. Mas eu pergunto como é que teria sido possível passar-se de um sistema de censura, em vigor ao longo de quatro décadas, para a abolição de qualquer intervencionismo prévio, sem que o País - e os próprios jornais - não se fossem preparando e gradualmente habituando a um novo "clima" de trabalho e de actuação?
E como teria sido possível instaurar um sistema sem contrôle prévio, enquanto o País permanece em guerra nos territórios de África e a infiltração terrorista já se faz sentir na própria metrópole?

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - O problema, Sr. Presidente, não é a existência de "exame prévio". O problema é a continuidade de um "exame prévio" que nem sempre se revela à altura das circunstâncias. E contra isso revolto-me e indigno-me, como os demais. A inteligência deveria ter já adquirido foros de cidadania.
No que à rádio diz respeito, também não se verifica qualquer monopólio do Poder. Nem se desconhecerá, por certo, mormente nos últimos tempos, as atitudes de flagrante heterodoxia de que alguns "postos" têm dado sobejas provas.
Haverá por aí alguma "ditadura" digna do nome que consinta semelhante estado de coisas?
É certo que a televisão foge à regra. E eu não digo que sob um ponto de vista meramente teórico me desagradasse o contrário.
Importa, todavia, recordar que o exclusivo de que a RTP desfruta resultou de estudos prévios que unanimemente concluíram, na altura do lançamento da televisão entre nós, que só assim poderia vir a ter viabilidade económica. Acresce que se trata de um meio de comunicação por tal forma poderoso e sedutor que o Estado tem o dever de zelar pela respectiva utilização, evitando que possa ser colocado ao alcance de hábeis manipuladores de opinião pública - insuficientemente preparada para se defender da forma mais lúcida e conveniente.
Ninguém discute que a França seja um país onde as instituições democráticas florescem e, no entanto, a TV também é - e foi sempre, mesmo em plena IV República - monopólio do Estado.
Sr. Presidente: Antes de entrar no capítulo final das minhas considerações - muito embora houvesse por de mais abusado da paciência da Câmara - desejaria referir-me a alguns pontos aqui especialmente focados, quer pelo Sr. Deputado avisante, quer pelo Dr. Francisco Balsemão.
O Dr. Magalhães Mota insistiu longamente sobre as carências que entre nós se verificam quanto àquilo a que se chama a "objectividade da informação".
Já um dia aqui afirmei que a objectividade em política não passa de um mito para consumo demagógico.
A informação, como parte integrante da actividade política, só, também aparentemente, poderá ser objectiva - porque resulta sempre de uma certa maneira de se interpretarem os acontecimentos.
O Estado não pode abdicar do direito de auxiliar a opinião pública a encontrar o rumo que melhor se harmonize com os altos objectivos que lhe cumpre atingir. Tanto mais quanto é certo que entre a subjectividade alheia e a própria - defensora aquela de interesses exóticos e esta de interesses caseiros - não pode haver hesitações.
A América do Norte deixou de poder sair vencedora da guerra do Sueste Asiático a partir do momento em que consentiu na infiltração, aquém-fronteiras, da informação que, directa ou indirectamente, o inimigo teve artes de introduzir na sua própria cidadela.

O Sr. Pinto Castelo Branco: - Muito bem!

O Orador: - Um país como os Estados Unidos, que, não obstante o revés sofrido, continua a gozar da fama de ser a mais poderosa nação da Terra, pode dar-se a esse luxo. Um país como o nosso tem de precaver-se, evitando que o germe da destruição assente arraiais e crie raízes no seio da opinião pública.

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Magalhães Mota: - Dá-me licença?

O Orador: - Faz favor.

O Sr. Magalhães Mota: - Tenho estado a seguir a sua intervenção com a maior atenção, como, aliás, era meu dever, e com um manifesto agrado, que resulta de acompanhar aquilo que eu poderia chamar - peço desculpa se a expressão é crua - um bom exercício. Porque a verdade é que me parece realmente - e daí o meu elogio - ter havido um magnífico esforço da parte de V. Exa. no sentido de nos demonstrar as excelências da política de informação que possuímos.
O meu objectivo ao formular este aviso prévio era bem outro. Contava que todos fôssemos capazes de pensar antes na política de informação que precisamos, o que necessariamente passa pela análise daquela que temos, mas pretende ir mais além e mais profundamente. Quando caímos nesta análise, vejo duas questões levantadas, essenciais ambas. Uma, é a da objectividade e a objectividade é, com certeza, um problema difícil. De tal maneira difícil que, no outro dia ainda, numa roda de amigos, alguém defendia ser o Diário de Notícias o mais objectivo dos jornais portugueses. E dizia-me: "Reparem na objectividade,

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no modo de paginar, nos factos exclusivamente narrados." Abreviando, concluímos que só lia os anúncios.
De facto, para cada um há o seu modo de ver a objectividade, mas eu julgo que isso mesmo implica a liberdade da informação, porque só cotejando as várias versões dos acontecimentos o leitor pode livremente formular o seu juízo.
Com isto caímos no segundo e grande problema, que é o de saber se pode ser livre a informação.
Segundo problema - realmente importante e sério, aqui entre nós e em toda a parte - eu diria que a informação pode e deve ser livre e vou dizê-lo usando expressões de V. Exa.: Porque é preciso, como disse, que a inteligência assuma os seus direitos, e, de outra maneira, ela é constantemente cerceada e obrigada a vergar-se, como certamente já lhe tem acontecido, a critérios muito menos inteligentes, muito menos atentos aos valores em causa, muito menos atentos ao próprio interesse nacional do que com certeza aos seus.

O interruptor não reviu.

Vozes: - Muito bem! Muito bem!

O Orador: - Sr. Deputado Magalhães Mota: Agradeço-lhe a intervenção, queria-lhe apenas anotar os três seguintes pontos:
Em primeiro lugar, eu não procurei demonstrar as excelências da política da informação em Portugal, procurei demonstrar que as insuficiências não eram tão grandes como as intervenções de V. Exa. e de que alguns outros colegas tinham querido fazer parecer.
Em segundo lugar, anoto que V. Exa. considera que a objectividade da informação é extremamente difícil e que, para cada um, como diria Pirandello, há a sua verdade.
Em terceiro lugar, eu também fui o primeiro a aceitar que o exame prévio funciona mal e que a inteligência já devia ter o seu foro e cidadania.
Portanto, parece que estamos mais próximos um do outro, do que à primeira vista poderia parecer.

O orador hão reviu.

O Sr. Magalhães Mota: - Eu queria congratular-me com isso, e já agora, já que me dá oportunidade para isso, acrescentava o seguinte:
Parece-me que o problema é o da inteligência assumir o seu papel, mas é-o além disso, e muito essencialmente para o problema que agora nos toca, o problema do desenvolvimento.
E eu digo porquê. Porque estamos num mundo em constante mutação e porque todos os critérios de todas as censuras não podem ser outros senão os da manutenção das situações existentes. E isso é o mais contrário que pode existir a um processo de desenvolvimento. Era apenas a nota que queria acrescentar.

O interruptor não reviu.

O Orador: - Aí nós divergimos profundamente, É que eu estou inteiramente de acordo com a situação existente. O que entendo é que ela deve evoluir gradualmente. E como não aceito que se possa dispensar neste momento a intervenção desse regime, tenho de escolher entre dois males o menor.
Continuando: parecem, assim, demasiado fáceis os caminhos apontados pelo Sr. Deputado Magalhães Mota. E a muita consideração que o nosso ilustre colega granjeou nesta Casa - a justo título - não é de molde a que consintamos na adopção de uma estratégia política demasiado simplista.
Quando, mais adiante, o Dr. Magalhães Mota preconiza a abolição das taxas que oneram os utentes da rádio e da televisão, encontramos a mesma forma simplista de raciocínio.
Ora, as taxas nem sequer podem ser consideradas um mal necessário. Representam o pagamento de um serviço. Vemo-las aplicadas um pouco por toda a parte. Assim como a informação escrita - difundida através de jornais e revistas - não pode ser gratuita, também a informação áudio-visual tem de ter o seu preço. E não poderá dizer-se que seja exagerado, porque, havendo sido calculado na base do custo dos jornais diários - quando foi lançada a TV cada jornal custava 1$ -, a verdade é que foi possível manter a mesma taxa, não obstante a evolução dos preços que se tem verificado. O facto de a RTP fazer publicidade tem permitido não encarecer o serviço, mas não justificaria, de qualquer modo, a gratuitidade. Porventura alguém pretende ler os jornais de graça, por publicarem anúncios?

O Sr. Barreto de Lara: - V. Exa. dá-me licença?

O Orador: - Faça favor.

O Sr. Barreto de Lara: - Muito obrigado, Sr. Deputado, por me ter permitido intervir. E neste aspecto de taxas gostava de relatar a V. Exa. uma carta que não tenho agora em meu poder, mas tenho em minha casa, que é assaz interessante no capítulo informação. Todos estamos entendidos, ou pelo menos todos os que estão nesta Casa deveriam estar entendidos, que precisávamos de criar uma unidade nacional e, portanto, a comunicação entre os do ultramar e os da metrópole devia ser, cada vez mais intensa e expressiva, para efectivamente nos compreendermos plenamente na realização dos fins comuns. Acontece o seguinte: a Emissora Nacional de Radiodifusão acaba de enviar um ofício ao Rádio Clube de Angola, e suponho que às outras províncias ultramarinas, dizendo que os programas que remetia para lá gravados não poderiam continuar a ir sem ser com fretes a pagar, mas que isso causava certos embaraços, porque a TAP, por sua vez, se recusava a receber em escudos angolanos o dispêndio desses fretes. Quer dizer: quando a Emissora Nacional de Radiodifusão deveria ter todo o interesse em que isso fosse difundido nos emissores locais, ainda que tivesse até de pagar para isso, pelo contrário, obriga as emissoras de lá a pagarem as taxas de transporte dessas bobinas; e mais, nem sabe como é que há-de fazer, porque a TAP não quer receber o dinheiro dos fretes postos lá.
Outra coisa que eu queria observar a V. Exa., portanto noutro aspecto, é esta: Era manifestar a perfeita concordância com V. Exa. na primeira parte da sua intervenção, que eu não quis interromper, só para não lhe quebrar o ritmo. Quando vim para esta Assembleia vim exactamente como V. Exa. Traziam-me aqui dois parâmetros fundamentais: a unidade da Nação e a evolução política, portanto pacífica e não revolucionária. Votei e intervim inúmeras vezes contra o Governo

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e nunca vi coarctada a minha liberdade; nunca me vi impedido de intervir fosse em que sentido fosse. Actuei sempre aqui em plena consciência. Entendi que esta Assembleia Nacional, para além de uma Assembleia onde havia uma "primavera política", significava uma Assembleia de aperfeiçoamento e transição entre um Regime e outro, e não a passagem abrupta de um sistema que existia para um sistema completamente liberalizante. A politização que nós pretendemos fazer, e que era pelo menos o meu objectivo principal, a politização deste País através do interesse dos trabalhos desta Assembleia, entendia eu ser o fundamental, o primacial. Foi isso o que realmente aqui me trouxe. Eu, que nunca me filiei na União Nacional, nem na Acção Nacional Popular. E não me foram impostas quaisquer condições, antes pelo contrário, aceitaram perfeitamente aquelas que eu pus, pura e exclusivamente independente.

O interruptor não reviu.

O Orador: - Dispenso-me de comentar a última parte da intervenção de V. Exa., que se filia em considerações que inicialmente produzi. Agradeço a sua intervenção e queria-lhe dizer que, quanto aos aspectos que focou em relação aos programas da Emissora Nacional e às dificuldades de circulação de ideias, de serviço e de mercadorias entre a metrópole e o ultramar, desejaria sublinhar que as acho tão lamentáveis como V. Exa.
Voltando às taxas da TV, eu queria dizer: poderá discutir-se o método. Poderá considerar-se demasiado burocratizada a arrecadação das receitas. Não será possível desistir-se da cobrança. E, em qualquer caso, não parece lícito considerar-se o sistema, entre nós em vigor, como "forma de marcar distância social". Distância social, taxada a 1$ por dia?!
Por seu turno, o Dr. Francisco Balsemão não se dispensou de fazer referência à hipótese de nos lançarmos na televisão a cores.
Atrevo-me a acrescentar que seria um erro sem justificação. Aí está outra amostra de falta de realismo, relativamente à realidade portuguesa.
A televisão a cores poderá justificar-se - e justifica-se - em países ricos, onde o sistema tradicional tenha já atingido um grau de divulgação que nós ainda estamos longe de alcançar. A instalação da TV colorida não poderia deixar de ser um luxo supérfluo e a aquisição dos aparelhos ficaria, apenas, "e pouco democraticamente", ao alcance de meia dúzia de privilegiados. Esses, se tiverem avidez da cor, poderão apreciar o sistema noutras paragens, sempre que se desloquem ao estrangeiro...
A modéstia e o sentido das realidades constituem virtudes das mais relevantes na arte de conduzir e governar os povos.

O Sr. Pinto Balsemão: - V. Exa. dá-me licença?

O Orador: - Faz favor.

O Sr. Pinto Balsemão: - Eu limitei-me a falar na televisão a cores, dizendo que se esta um dia vier, possivelmente será abarcada pelo monopólio como concessão exclusiva da R.T.P.

O Orador: - Que significa isso se não lançar na opinião pública o desejo imponderado para ela de ter a televisão a cores?

O Sr. Pinto Balsemão: - Não sei se a opinião pública será tão imponderada como isso?

O Orador: - Bom, por considerar que é imponderada é que eu achei oportuno dizer as razões que, no meu entender, não justificam a instalação da televisão a cores.

O Sr. Pinto Balsemão: - Aproveito a ocasião para dizer que eu não lancei a ideia da televisão a cores,

O Orador: - Lançou-a sub-reptìciamente.

O Sr. Pinto Balsemão: - Em segundo lugar, também me parece que será um anseio normal, em qualquer meio industrializado, ter televisão a cores, como um bem, talvez supérfluo, mas necessário...

O Orador: - Um anseio normal, com certeza, mas neste momento altamente inconveniente.

O Sr. Pinto Balsemão: - Quando a TV nos quiser dar programas que interessem realmente a toda a gente e tenham fins educativos...

O Orador: - Sr. Presidente: Não desejaria terminar sem que me fosse concedida a oportunidade de felicitar o Sr. Deputado Magalhães Mota pela iniciativa de apresentar o "aviso prévio" que motivou esta minha intervenção.
Embora tenha manifestado algumas discordâncias - a formação pluralista do ilustre Deputado avisante há-de, por certo, ajudá-lo a aceitá-las ou, pelo menos, a tolerá-las... -, apraz-me render-lhe a homenagem que merece pelo nível do trabalho que apresentou e pela correcção com que o fez, o que se enquadra, perfeitamente, no estilo a que já nos habituou, embora seja sempre agradável poder referi-lo e realçá-lo.
Sei que há muito a corrigir. Sei que não devemos dar-nos por satisfeitos, tanto no sector da informação como em muitos outros.
Mas daí a cairmos na tentação de procurar fotografar a realidade portuguesa, como se o Inverno - sombrio, agreste e triste - fosse a constante do nosso clima social e político, vai uma distância que não posso aceitar e a que recuso aderir.
Sejam quais forem as nuvens que escureçam o horizonte, creio firmemente que haveremos de continuar a percorrer o caminho da evolução, trilhado desde Setembro de 1968. Com a brisa primaveril a estugar-nos o passo, iluminados e aquecidos pela mais viva confiança no porvir.
Disse.

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Correia da Cunha: - Sr. Presidente:
1. A matéria nuclear do aviso prévio que o Sr. Deputado Magalhães Mota entendeu por bem apresentar não se me afigura fácil de abordar, tão complexas são as suas implicações sobre a vida dos indivíduos e os

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regimes políticos, sociais e económicos que os integram; por isso mesmo o considero com importância e oportunidade suficientes para atrair a atenção generalizada da Câmara.
Sabemos todos em que medida o progresso técnico tornou possível, nos últimos anos, uma aproximação entre todos os povos da Terra, tornando-os cada vez mais interdependentes e sensíveis às mutações que afectam a Humanidade. O Japão ou a China já não pertencem a outro mundo; o domínio da Amazónia ou o desenvolvimento da Sibéria também nos dizem um pouco respeito.
Tudo se comporta como se, na realidade, a Humanidade se tivesse comprimido e adensado. Nas últimas décadas tomou vulto uma consciência ecuménica consubstanciada nos órgãos de governo mundial e num espírito de solidariedade cada vez mais forte. Do ponto de vista político assiste-se ao desaparecimento dos regimes absolutos enquanto, por seu turno, são postas em causa os governos totalitários; todos os povos anseiam pelo desenvolvimento económico e social e procuram assegurá-lo através da participação cada vez mais intensa e consciente de todos os cidadãos nas decisões de carácter colectivo. Essa participação só é possível se se montar uma densa rede de informações de toda a ordem capaz de fornecer a cada membro da sociedade os elementos necessários a poder julgar o que se passa em seu redor. Este esquema situa-se na base do governo democrático e só pode funcionar, como é óbvio, se houver da parte daqueles a quem a informação se dirige uma capacidade mínima para entender a linguagem usada.
Ninguém participa no que não entende e por isso a instrução básica é fundamental à instituição dos regimes democráticos. Muitos líderes políticos tem feito vingar a tese de que o povo não está preparado para agir, pelo que deve aceitar as decisões de quem governa e de quem detém, portanto, o poder e a responsabilidade. Um governo deste tipo tende a criar a sua própria verdade e a tornar-se extremamente sensível aos que, porventura, discordem dela. Mas como é cada vez mais difícil governar sem o apoio do povo ou, pelo menos, evitando que ele se manifeste de forma hostil, o Poder entende ser seu dever dialogar; e fá-lo, normalmente, utilizando os órgãos de informação como vias de propaganda. Entra então no jogo das influências o quarto poder de que tanto se fala hoje e que é tão mal entendido nas suas motivações, objectivos e fórmulas que utiliza.
2 - Uma informação pode ser insuficiente, em qualidade ou quantidade, ou superabundante. Em qualquer dos casos se podem correr riscos sérios. Se a verdade dos factos é distorcida ou escamoteada, o cidadão comum sente-se marginalizado e tende naturalmente para se enquistar numa atitude individualista e de permanente desconfiança em relação a tudo o que lhe é dado a conhecer através das fontes oficiais; em compensação, adere facilmente ao boato. Estaremos todos de acordo em que esta situação se pode revelar altamente inconveniente. Gera a abulia e a descrença e torna a governação difícil, porque nessas circunstâncias o povo reage mal aos estímulos económicos ou políticos que lhe sejam dirigidos, ainda que devidamente fundamentados. Resta então o recurso à criação do clima emocional e à demagogia. Também estaremos todos de acordo sobre o valor das decisões tomadas, ao calor das manifestações mais ou menos preparadas por quem o pode fazer. A História está cheia de reacções deste estilo e muitas injustiças se cometeram à sua sombra.
3 - Mas a estas carências que acabo de referir contrapõe-se, frequentemente, outra situação, que consiste no empolamento exagerado da informação posta à disposição de cada um. O homem moderno é autenticamente assaltado, ao longo do dia e da noite, por catadupas de notícias que lhe chegam pela televisão, pela rádio, pela imprensa. Na maior parte dos casos, ele é perfeitamente incapaz de, por si só, elaborar essa informação e formar sobre ela um juízo. Mas, ainda que o não confesse, não lhe fica indiferente. Pouco a pouco o seu estilo de vida e o seu ideário aparecem moldados de acordo com os padrões que se reclamam. Gera-se o homem-robot da segunda metade deste século, o homem que adere sem reservas à sociedade de consumo e é escravo das suas próprias necessidades; ou o homem que, por reacção a esse modelo, adere à linha da contestação absoluta, do regresso ao zero, da negação de todos os valores por que até agora se tem pautado o comportamento humano. Esta reacção, tão frequente nos nossos dias, é legitimada pelo uso desenfreado a que se sujeita a informação quando colocada ao serviço de interesses profundamente divorciados do bem comum. Levado a formar uma imagem falsa do mundo que o cerca, o homem de hoje renuncia a integrar-se, porque teme a luta, a violência, a competição feroz. Esse estado de espírito torna-o propenso à fuga, à evasão, à adopção do exotismo no seu comportamento. Todos os dias, aqui e além, detectamos e deploramos exemplos dessa alienação.
4 - Como arma poderosa que é, a informação condiciona tudo e todos. É por seu intermédio que se orienta a opinião pública, se interpretam factos, se justificam atitudes. Como instrumento de domínio tende a favorecer a clivagem entre o rico e o pobre, o instruído e o analfabeto, o privilegiado e o pária. Se queremos realmente que todos os homens sejam iguais nos direitos como nos deveres, há que colocar a informação ao serviço do povo, impedindo por todos os meios que ela se transforme numa poderosa arma ao serviço de grupos. Só se pode exigir responsabilidade a quem é livre para exprimir as suas ideias. Foi esse direito inalienável, quando manifestado por via democrática, que levou o povo inglês a substituir Churchill no período áureo da sua popularidade; forçou De Gaulle a retirar-se da vida pública; impediu a Noruega de aderir ao Mercado Comum e influenciou largamente a condução da guerra no Vietname.

O Sr. Homem de Melo - V. Exa. dá-me licença?

O Orador: - Faça favor.

O Sr. Homem de Melo: - Apenas queria tentar fazer uma ligeira rectificação.
O povo inglês não teve nada que ver com a chamada de Churchill ao poder.

O Orador: - Eu não disse a chamada, disse a partida.

O Sr. Homem de Melo: - O problema foi o seguinte: havia um primeiro-ministro que politicamente

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foi considerado ultrapassado e a rainha, ouvidos os seus consultores políticos, entendeu chamar um novo primeiro-ministro.
O povo inglês não foi para aí chamado.

O Orador: - Sr. Deputado: De qualquer forma eu suponho que a rainha ainda interpreta ou significa o poder em Inglaterra, e Churchill nessa altura era não só um herói inglês, mas um herói mundial.

O Sr. Homem de Melo: - Ainda não era. Eu estou a falar em relação à chamada de Churchill...

O Orador: - Mas eu não estou a falar na chamada, estou a falar na retirada depois da guerra, da substituição de Churchill, da substituição do regime inglês.
Churchill apareceu como o vencedor da guerra e partiu porque o povo inglês assim o quis, por via democrática, e Churchill não se sentiu nada ofendido por isso, talvez desgostoso, mas partiu e a Inglaterra não perdeu nada com isso também. Continuou a ser o que era.

O Sr. Homem de Melo: - Foi má compreensão minha.

O Orador: - Foi com certeza.
Continuando: Para aqueles que consideram inevitável a governação à base do poder pessoal e usam todos os meios de que dispõem para o manter, estes exemplos podem parecer aberrantes, aquilo a que alguém já designou por equívocos da democracia. Se o foram, realmente, a culpa não terá sido da democracia, mas da forma como o povo foi informado do que se lhe pedia. Daí a enorme responsabilidade que, também do ponto de vista político, impende sobre os profissionais da informação e os Poderes Públicos que lhe estão afectos.
5 - A nossa Constituição é bem clara quando, no artigo 22.°, se refere à opinião pública, considerando-a "elemento fundamental da política e administração do País...". É ao Estado que compete "defendê-la de todos os factores que a desorientem contra a verdade, a justiça, a boa administração e o bem comum". Será apenas através dos órgãos de censura governamentais que este objectivo se pode atingir?
Será esta Assembleia, eleita por sufrágio directo dos cidadãos, incapaz de, também ela, cuidar de defender a verdade, a justiça, a boa administração e o bem comum?
Não será possível que os dois órgãos de soberania persigam esse objectivo fundamental sem correrem o risco de entrarem em conflito? E quando este for inevitável, qual será a obrigação maior - acatar a vontade do Governo, cujos actos devemos apreciar, ou ter em conta o bem comum, velando pela bondade da administração e defendendo, com total independência, a verdade e a justiça?
Tudo o que possa limitar os Deputados no exercício deste direito deverá considerar-se contrário ao interesse nacional, porque restringe a sua capacidade de diálogo com o Governo e o alcance do seu encontro com a opinião pública. Há uma consciência nacional a respeitar e uma responsabilização pelos destinos da Pátria que não pode deixar de ser repartida através de uma apreciação generalizada das grandes decisões a tomar. É para essa missão transcendente
que devem estar preparados os órgãos de informação, responsavelmente livres para, também eles, poderem servir o bem comum.
6 - Ora é exactamente o bem comum que está em causa quando se adere a uma política de desenvolvimento económico e social.
Para que se possa traduzir em qualquer coisa de realista torna-se necessário que as populações adiram aos esquemas propostos e que o Governo, por seu turno, tenha em conta o que se passa pelo mundo a esse respeito. Em termos de progresso científico e tecnológico, nenhum país pode hoje fazer o que quer que seja sem recorrer à informática através de terminais de computadores ligados a centrais que se comportam como autênticos bancos de dados. A solidariedade é a palavra de ordem, como única possibilidade de evitar o caos. Cerca de 100 000 revistas científicas publicam anualmente para cima de 5 milhões de artigos. Não há hipótese de qualquer investigador, pelos meios clássicos, acompanhar tudo o que se produz em matéria de inovação. Gera-se um novo estilo de dependência e antevê-se uma nova forma de domínio por parte das grandes potências.
Em compensação, o progresso desenfreado gerou os seus próprios mecanismos de travagem. A preocupação com os destinos de uma Humanidade que continua a não saber libertar-se da guerra, da fome, da ignorâcia, dos malefícios da poluição, afecta uma camada cada vez mais ampla de responsáveis. "Há só uma Terra", é o lema, e um património comum a preservar. Há que dar um sentido ao desenvolvimento económico "se se quiser assegurar um ambiente propício à vida e ao trabalho da pessoa humana e criar no Globo condições indispensáveis à melhoria da qualidade da vida". É assim que reza o princípio 8.° da Declaração do Ambiente aprovado em Estocolmo.
O princípio 14.°, por seu turno, chama a atenção para a importância do planeamento racional, ferramenta indispensável à conciliação dos imperativos do desenvolvimento com a necessidade de preservar e melhorar o ambiente.
Por várias vezes acentuei já. a íntima ligação que encontro entre estas duas preocupações. O nosso futuro depende da forma como as soubermos conduzir. E o assunto não diz respeito apenas aos governantes; interessa todos os cidadãos. E porque assim é, importa que se gere um clima de confiança mútuo. E volto de novo ao caso português para encerrar estas considerações. Não se pode pensar em desencadear uma acção colectiva em grande escala se não se tiver um conhecimento perfeito da massa humana a que ela se dirige. Se não houver um aparelho estatístico capaz de nos traduzir a realidade e as tendências prováveis da evolução, estar-se-á a planear sem fundamento. Por outro lado, a população surge como a mola real de tudo isto. O desenvolvimento deve ser programado à sua medida e de acordo com as suas necessidades. Por isso não pode haver receio em se dizer quantos somos, como somos e onde estamos; e, mais ainda, o que queremos. Essa informação é básica e não vejo como possa contribuir para a devassa da vida de cada um, salvo se, como por vezes acontece, o Governo for encarado mais como um inimigo do que como o órgão naturalmente votado à promoção do bem comum.

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Esse clima de hostilidade e de desconfiança constituirá sempre o maior obstáculo ao progresso de um país. Por isso uma informação verdadeira, imparcial e completa aparece cada vez mais como indispensável à formação de uma autêntica unidade nacional.

O Sr. Joaquim Macedo: - Permitam-me VV. Exas. que dirija antes de mais uma palavra de louvor ao Sr. Deputado Magalhães Mota pela sua iniciativa, que defendeu com tão louvável persistência, de vir aqui tratar de tema de tanta importância e actualidade. A intensidade actual da informação, a variedade e o impacte dos seus meios, a sua função, que tanto pode ser de promoção e dignificação das pessoas como transformar-se em instrumento de agressão e de domínio, tudo isto são questões sobre as quais se impõe uma profunda e saudável reflexão. E essa análise não pode constituir uma pura curiosidade intelectual, mas descer ao concreto, ao caso português, e incidir sobre a nossa informação e sobre o tipo de sociedade que, com ela, pretendemos construir.
É para mim perfeitamente claro que se procurássemos sublinhar o traço mais característico da época histórica que vivemos e da cultura que a enferma, seria exactamente o fenómeno da informação, considerado sob qualquer dos seus ângulos, que reuniria o consenso das opiniões.
Vivemos, todos o verificamos, num mundo em constante e rápida mutação; os sistemas de valores que regem as sociedades, os quadros de vida social e os comportamentos individuais e colectivos têm sofrido profundas alterações. É facto que elas derivam em grande parte dos extraordinários progressos nos campos da ciência e da técnica e do aumento acelerado da riqueza colectiva e do bem-estar material que dela resulta. Mas sem a poderosa influência dos meios de informação, as mudanças seriam exclusivas dos países avançados, permanecendo os outros afastados do fenómeno e, por isso, agarrados às formas de vida tradicionais e consentâneas com o seu grau de evolução cultural e técnica. Foi isso que aconteceu durante o longo tempo em que, por dificuldade de comunicações, os povos viveram isolados e fechados sobre si próprios, sofrendo evoluções independentes. As conquistas e progressos conseguidos pelas civilizações chinesa e da América Central, sem qualquer influência na Europa do seu tempo, são exemplo frisante dessa situação.
Actualmente, porém, as coisas passam-se de forma bem diferente. Os acontecimentos e as ideias surgidos em qualquer ponto do Globo são rapidamente canalizados pelos poderosos veículos da informação e atingem e influenciam os povos mais distantes. Mas a influência crescente dos meios de comunicação social não estará apenas ligada à sua intensificação ou aos progressos técnicos que se têm alcançado neste domínio, mas também a um novo estilo de vida social, que se vai afirmando, sobretudo nos países mais desenvolvidos. Os avanços da automação, nos mais diferentes campos de actividade produtiva, conduzem-nos cada vez mais a um tipo de civilização em que as actividades livres ocuparão lugar de maior relevo. Reduzindo-se a duração das tarefas profissionais, o homem estará mais disponível para receber informações e captar ideias propagadas pelos diferentes veículos de comunicação social. E nessa propagação assumem particular relevo os meios áudio-visuais. A informação escrita ainda pode ser um tanto controlada e filtrada, mas as ondas passam as fronteiras, sem passaporte. O alcance da rádio é mundial e o da televisão, condicionada actualmente ainda a distâncias relativamente curtas, sê-lo-á também em breve, com o progresso das transmissões com satélites relais. Aliás, quem vive no centro da Europa Ocidental recebe já nos seus receptores de TV as emissões belga, francesa, alemã e holandesa. Não tardará que os Governos tenham de negociar e repartir, como sucedeu com a rádio, as zonas de onda, dentro das quais poderão transmitir os seus programas.
A sua poderosa influência parece susceptível de transformar o comportamento do homem, não só pelo fascínio que a imagem exerce sobre o auditório, mas sobretudo porque é susceptível de ser recebida e entendida por todos. Ao contrário da imprensa, a televisão dispensa o conhecimento da escrita e, desse modo, povos analfabetos serão rapidamente levados a passar de uma situação de total ignorância a uma forma de cultura. Esta é, talvez, a maior revolução que a televisão nos trouxe.
Mas de entre as reais potencialidades da televisão, um outro aspecto entendo dever ser realçado: a do importante papel que pode desempenhar no correcto ordenamento das populações dentro do território. É evidente que uma vez satisfeitas as necessidades básicas do homem de natureza predominantemente material, ele se começa a preocupar com a qualidade da vida que desfruta, preocupação essa mais centrada em aspectos culturais e espirituais. Daí resulta uma das razões de atracção das populações aos grandes centros, onde, a par de melhores e mais variadas oportunidades de emprego, encontram uma vida cultural mais intensa e mais rica. Quando terminar o êxodo das populações rurais por razões económicas, surgirá estoutro, se não lhe pusermos dique, e esse dique não poderá ser senão o de criar condições de vida atraentes também nos pequenos centros. Aqui temos um papel importantíssimo da televisão, de janela sobre o mundo, trazendo a quem está isolado geogràficamente a informação imediata e viva dos acontecimentos e o suporte cultural traduzido em espectáculos, cursos ou conferências, reservados até agora a quem habita nos grandes centros. Só então os reais interesses da vida no campo não serão neutralizados por carências essenciais.
Por este aspecto da sua influência ser permanente e se exercer sobre todas as pessoas, eu arriscava-me a afirmar que mais até do que a educação, que não abrange senão alguns anos da vida do homem, a televisão deve ser um problema importantíssimo do Estado. Ela constitui um instrumento novo da informação, de educação e de distracção, com impacte até agora jamais alcançado. Isto não significa que os outros meios de comunicação social estejam, pelo advento da televisão, condenados a desaparecer. O que se verifica é um movimento de adaptação de cada um deles, abandonando os aspectos em que são suplantados e concentrando-se noutros em que se mantêm as suas vantagens específicas. Assim acontece, por exemplo, com a imprensa. O elemento tradicional de atracção do público pelo jornal, que eram as novi-

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dades sobre as quais os leitores se precipitavam, desapareceu em grande parte, pois elas já foram divulgadas antes, as mais das vezes, pela televisão ou pela rádio.
Nesse tempo quando se esperava um acontecimento importante as pessoas saiam à rua para conhecer o que se passava, enquanto agora cada vez mais se apressam a entrar em casa para serem informadas pela televisão. Mas, além da informação praticamente instantânea, a técnica da televisão cria ainda uma impressão de participação directa no acontecimento, que não pode dar o texto escrito de um jornal. Por isso a imprensa tende a orientar-se no sentido de tirar partido das características onde continua a dispor de superioridade nítida: o do comentário crítico dos acontecimentos e da informação especializada. O mecanismo intelectual de leitura é muito mais profundo do que o da audição ou da visão e por isso, por exemplo, o apaixonado do futebol, depois de assistir a um desafio, não deixará de ler o comentário do informador desportivo; nem a pessoa interessada por um discurso que ouviu na rádio ou na televisão dispensará a sua leitura para melhor se aperceber do seu sentido, tão-pouco se verificará diminuição de importância dos jornais especializados na divulgação e na crítica dos acontecimentos económicos ou financeiros ou na informação científica ou técnica.
Sr. Presidente: Todas estas muito incompletas considerações outro objectivo não tiveram senão o de pôr em relevo a extraordinária influência que os meios de comunicação, na sua tríplice função de informar, educar e distrair, exercem sobre o mundo de hoje, e daí fazer ressaltar as responsabilidades que derivam para o Estado pela sua correcta utilização. Porque se a informação é um factor por excelência de promoção e progresso das pessoas é também, se incorrectamente orientada, poderoso meio de domínio e de opressão. Deve contribuir para o diálogo, para a livre crítica, única forma de se criarem comunidades conscientes, capazes de formar opinião sobre os factos e decidir sobre as opções que lhe são postas, e assim participar na condução dos destinos da Cidade. Mas para isso a informação não pode ser sinónimo de propaganda.
A função do Estado é, sobretudo, criar as condições para que esse diálogo de ideias e de opiniões se possa estabelecer pacificamente, por um esforço de educação das pessoas tendente a melhorar a sua capacidade de discernimento e de crítica, fomentando os meios de informação e dando-lhes condições de independência. A primeira condição da democracia é conhecer e estar informado. Por isso, se pode dizer com propriedade que a liberdade da expressão é a expressão da liberdade.
Revertendo para a situação portuguesa, dir-se-á certamente, pelo menos, que este quadro da informação é um objectivo ideal que talvez persigamos, mas sem podermos perder de vista as nossas carências estruturais e a conjuntura especial que presentemente vivemos. Também não esqueço este nosso condicionalismo, mas penso que, apesar disso, nos devemos interrogar se estamos realmente envidando os esforços possíveis para impulsionar e favorecer a correcta função dos meios de comunicação social. E chamo à atenção para a situação da nossa imprensa, submetida ainda ao regime de exame prévio e dominada ultimamente, em grande parte, por grupos económicos poderosos, e Para a televisão tão-pouco independente e tão unilateral na informação que nos proporciona. Quando teremos este poderoso meio de comunicação e de promoção social, constituir a tribuna onde se discutam com liberdade, mas também com responsabilidade, questões importantes para o futuro deste País? E cito um exemplo, perfeitamente elucidativo: o da reforma da educação. À parte as opiniões diversas quanto ao seu objectivo essencial ou à validade e bondade das soluções concretas que propõe, suponho que todos estamos de acordo de que se trata de um projecto com fundamental influência no futuro da sociedade portuguesa. Ao pedido do Sr. Ministro da Educação Nacional de sobre ele se estabelecer o mais amplo e aberto debate público, respondeu o País de forma a demonstrar a bem a consciência que tomou da sua altíssima importância. Mas a nossa televisão praticamente ignorou o problema, como se de caso de somenos se tratasse.
A correcta função dos meios de comunicação não exige, porém, apenas liberdade de expressão e independência económica, mas também formação adequada dos profissionais que a servem. Reforço por isso a sugestão do Sr. Deputado Almeida e Sousa sobre a urgência da criação de uma escola de jornalismo. E quanto à sua localização, lembro também a particular situação do Porto. Pelas veneráveis tradições da sua imprensa, tão dignamente continuadas no presente - e aqui abro um parêntese para muito gostosamente apresentar as minhas homenagens aos jornais da minha cidade -, bem merece ser ela a sede dessa tão necessária escola.

O Sr. Moura Ramos: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não estava nos meus propósitos participar no debate do aviso prévio da autoria do ilustre Deputado Magalhães Mota, a quem dirijo as minhas saudações e cumprimento por ter trazido aqui, com a sua já reconhecida bagagem intelectual, um problema tão candentemente falado e tão unilateralmente, por vezes, interpretado para o solucionar da melhor maneira.
Porém, porque se levantaram no meu espírito algumas dúvidas quando fiz a leitura da intervenção em que o ilustre parlamentar efectivou o aviso prévio, decidi-me a trazer aqui o meu depoimento.
Vou ser breve no meu modesto testemunho, que nem por isso deixará de levar o sinete da sinceridade que costumo usar relativamente a tudo quanto tenho necessidade de transmitir aos outros.
A importância dos meios de comunicação social, nos dias de hoje, é um facto incontroverso e aceite unanimemente em toda a parte.
A rapidez e facilidade com que a informação, a notícia, o som e a imagem são transmitidos de um extremo ao outro do mundo, o impacte da televisão e da rádio junto de todas as camadas do público constituem alguns dos factores que fazem dos meios de comunicação social um dos pilares das estruturas em que assenta a sociedade dos nossos dias. Pode mesmo dizer-se que a importância dos meios de comunicação social é de tal monta que, no momento actual, o mundo se tornou mais devassado por virtude do seu incremento, por dar azo a que, rápida e facilmente, se saiba em qualquer parte o que se passa nas outras.
O impulso decisivo ao desenvolvimento de tais meios de comunicação em todos os campos por eles

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abrangidos foi devido ao impressionante progresso tecnológico das últimas décadas.
Porém, e infelizmente, tal desenvolvimento no sector técnico não foi acompanhado pelo progresso de ordem moral que se impunha, ocasionando que nem sempre os meios de comunicação social tenham sido bem utilizados, isto é, postos ao serviço dos melhores valores, levando que o homem mau uso fizesse deles, usando-os para o mal, quando se impunha que só os melhores valores o bem fosse difundido e propagado.
Quer dizer: a competência técnica centrada na eficácia dos meios de comunicação social nem sempre tem estado aliada à preocupação de servir, com verdade, as pessoas e as instituições, em suma, a sociedade. E, por isso mesmo, quantas vezes topamos com uma informação que outra finalidade e intencionalidade tem que não seja o de ser... deformadora, levando, sob a capa de dar a conhecer acontecimentos, antes impor deles uma predeterminada visão, para encaminhar os espíritos a julgar as pessoas, a sentir e a reagir e, ainda, para se conduzirem "as massas a obedecer, no equívoco e na inconsciência, aos manipuladores que as iludem para as comandar melhor... ". E assim surge, em vez da técnica da informação, a técnica da deformação, que, como já escreveu o Dr. João A meai, é irmã gémea das. técnicas de aviltamento denunciadas pela análise penetrante de Gabriel Marcel e que se surpreende "a elaborar uma versão unilateral e ardilosa, por vezes escandalosamente falsa, das ocorrências, dos problemas em causa, das hipóteses em jogo, dos protagonistas que encarnam as várias forças ou as várias correntes".
Por isso se depara, tantas e tantas vezes, com os meios de comunicação social a actuarem sem respeito pela verdade, pela selecção e pela oportunidade, levando às massas certas informações que só irão fazer-lhes mal ou que lhes farão mais mal do que bem, e isto em nome de uma tão discutível, por nefasta, objectividade.
Tais meios de comunicação não brilham, de um modo geral, pela seriedade, pela imparcialidade e isenção na apresentação dos acontecimentos, quer nacionais, quer internacionais. Basta que tenhamos presente o que tem acontecido com a imprensa mundial no julgamento e apreciação da nossa questão ultramarina.
O Doutor Salazar, com a clareza, objectividade e visão inteligente dos problemas, podia escrever: "Uma inconcebível liberdade de imprensa em política externa, uma inacreditável desenvoltura na maneira de tratar assuntos internacionais, nações e governantes estrangeiros, está aqui e além, sob os olhos resignados de governos, a cavar abismos, a falsear os factos, a aventar interpretações, a desvirtuar as intenções mais correctas, a desviar a opinião pública [...]" "Uma publicidade desaforada, estúpida umas vezes, outras inteligentíssima e intencional, esquadrinha as atitudes, dá sentido às coisas indiferentes, perverte as intenções, desvirtua o pensamento mais lúcido, açula paixões, espalha ódio, lança o terror, suscita problemas e, com meias verdades, cria a atmosfera de guerra com que alguns, é certo, podem resolver dificuldades de política interna e em outros não se percebe que intuito tenham senão a mesma guerra [...]"
E deparamos ainda com os que defendem o direito ilimitado e indiscriminado dos meios de comunicação
social de dar publicidade a tudo quanto lhes cai nas mãos, adoptando nos mais diversos campos uma atitude de negação - ainda que tácita e apenas implícita- de qualquer escala de valores morais, o que equivale a dizer: uma atitude de completo amoralismo, quando não é de descarado imoralismo.
Apesar da severidade com que vi julgada pelo Sr. Deputado avisante a falta de uma maior abertura para com os diversos meios de comunicação social, com a sugestão de que "toda a problemática da comunicação de massa" aparecesse, no nosso país, não apenas "como um acrescentamento ao nosso modo de vida", não vi, em contrapartida, ser igualmente tratado o mau uso feito dos meios de comunicação social quando são atacados os nossos interesses e defendidos os nossos direitos; quando, por toda a parte, mesmo no mundo ocidental, e até entre nós, jornais, revistas, livros e outros meios de comunicação social não é à toa que estão a ser vítimas de uma maciça infiltração comunista ou comunizante vitimando o que de melhor a Nação tem - a sua juventude!
Mas, se bem que tal constitua uma verdade de fácil verificação - pois que até se torna patente na elaboração de programas para o nosso ensino, como acontece com a disciplina, de raiz materialista, chamada "introdução às Ciências Humanas", integrada, a título experimental, no curriculum do 3.° ano do ensino básico -, quem o proclame com propósitos honestamente nacionais não se livra de ser acusado de fascista, de imobilismo estéril e de feroz conservadorismo e até de assustar-se com qualquer mudança, obstando por isso que "o País se torne mais culto e mais bem informado", o que, acontecer, corresponderia "a uma mudança radical do sistema do Poder".
E o Sr. Deputado avisante chega mesmo a julgar que não erra no diagnóstico pensando "que é por isto, e só por isto como razão profunda, que tanto se ataca o actual Ministro da Educação Nacional", tentando reduzir a todo o custo os meios de comunicação social à "função da comunicação tradicional" e dando de Portugal uma imagem "romântica, folclórica, patrioteira ou provinciana".
Com toda a franqueza confessamos que não conseguimos entender bem (e certamente a deficiência é apenas nossa) o alcance das palavras do ilustre Deputado, as quais acabámos de transcrever. E a dúvida é esta: quis o Sr. Deputado dizer que levará a "uma mudança radical do sistema de Poder" uma reforma educativa como aquela que o actual Ministro da Educação Nacional pretende levar a cabo? Mas, assim, teríamos o próprio Governo a promover, ou, melhor, interessado em promover, a destruição dos valores fundamentais que informam a Constituição Política. Ou, por outras palavras, teríamos o Governo que, contendo no seu seio o germe da própria destruição, se autodestrói. Será isto que o Sr. Deputado Magalhães Mota quis dizer, ou, porque é mais fácil teorizar do que trabalhar sobre realidades, teriam as palavras atraiçoado o seu pujante pensamento, que é costume expressar de forma tão cristalina?
É que, se for assim, como conseguirá conciliar-se esta orientação do Ministério da Educação Nacional com o ideário político expresso, por mais de uma vez, clara e peremptoriamente, pelo Sr. Presidente do Conselho e que, não buscando "ofuscar com promessas demagógicas nem fugir às responsabilidades das atitudes

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claras", nada mais é do que "um sistema singelo, preciso e coerente firmado na razão e confirmado pela experiência" e que se consubstancia em "um sistema de princípios que poderemos pôr em prática e que está contido, aliás, desde 1933, na Constituição Política do Estado"? (Discurso pronunciado pelo Sr. Presidente do Conselho em 21 de Fevereiro de 1970.)
Está certo, e de há muito aderimos a lutar pelo progresso constante, por todas as mudanças e evoluções benéficas, por tudo quanto seja justiça e melhoria dos povos, ouvindo para tanto a voz autorizada dos mestres, a seriedade na informação como no comentário. Isto é uma coisa.
Mas outra - e bem diferente - é deixar que os meios de comunicação social disponham da mais ampla liberdade para poderem bombardear as populações intelectualmente menos preparadas com ideias e princípios espalhados pelos seus agentes, que, em muitos casos, podem não estar intelectual e, sobretudo, moralmente apetrechados para a grave função de formadores de opiniões e mentalidades, em suma, para a função educativa que lhes compete prosseguir através dos instrumentos de comunicação social.
A necessidade de uma informação verdadeira e objectiva é, por isso, de há muito reconhecida e proclamada, não constituindo verdadeira informação aquela que só dá importância ao negativo, que está, ou parece estar, enfeudada a forças destrutivas, nem é objectiva a que patenteia descaradamente nortear-se por critérios de seita.
Nesta época de crise em que vivemos, e que é de anarquia, de subversão, de degradação da moral e dos costumes, em que os valores permanentes - Deus, Pátria, Autoridade, Família e Trabalho - são discutidos com a maior das leviandades e até negados, a pergunta que nos acode ao espírito é esta: como deverão actuar os meios de comunicação social: livremente e sem disciplina alguma? E o Estado - que se diz e deve ser ético e, por conseguinte, guardião dos valores e interesses nacionais - que posição deverá assumir? Intervir ou assistir impassível ao desenrolar da actuação dos instrumentos de comunicação social e deixar de cumprir o dever que se lhe impõe de preservar a moralidade pública, impedindo a corrupção da mentalidade geral, conforme lhe apontava S. Tomás de Aquino?
Não haverá factos, verdadeiros embora, mas que o seu conhecimento não represente uma necessidade e um legítimo direito da opinião pública e, além disso, a sua divulgação não poderá acarretar males maiores que os eventuais benefícios que traga? E que dizer então quando os factos são falsos ou, sendo verdadeiros, apresentados numa visão unilateral e deformada que apenas provocam efeitos negativos? E que dizer ainda da censura particular, a exercer-se em dois planos nos meios de comunicação social - o plano da empresa proprietária, como empresa económica, e que muitas vezes se confunde com a empresa de partido nos regimes que aceitam estes e cuja única ou principal razão de ser é desacreditar o Poder por intermédio da verdade ou da mentira para o derrubar em proveito do partido que essa empresa representa; e o plano propriamente dos agentes ou serventuários das empresas detentoras dos meios de comunicação social, que, por ideologia, simpatia ou qualquer outra razão, manipulam a seu bel-prazer a opinião pública através da forma como apresentam as notícias, da extensão e relevo que lhes dão, dos comentários ou críticas que lhes acrescentam, do silêncio intencional que observam, etc., empregando quantas vezes a manha subtil para, com ares inocentes, levarem a água ao seu moinho. E assim diminuem ou distorcem a verdade, esquecidos do amor que devem a esta e da lealdade e objectividade que devem à opinião pública, que, quase sempre, a eles se entrega confiadamente. E assistimos também ao uso e abuso das imagens em que a pornografia - "sinal da progressiva degradação do Homem", no dizer de Paulo VI - tem lugar de relevo, bem como a divulgação requintada dos crimes mais hediondos e dos factos mais deploráveis, e a exploração mórbida da sensualidade, do emocional e do criminal, tudo para prejudicar quem vê, mormente a juventude.
E tudo isto se faz em adoração ao bezerro de ouro, pois que a indústria assim torna-se bastante lucrativa, ou então com uma finalidade política - a do dessoramento das populações com vista ao seu enfraquecimento e uma mais fácil conquista do Poder e até, paradoxalmente, para a sua permanência.
O problema é, assim, muito mais complexo do que parece à primeira vista, sendo fácil teorizá-lo, mas difícil trabalhá-lo sobre realidades, e pode sintetizar-se nos termos em que o Doutor Salazar, com a sua habitual clareza e mestria, o formulou e que são os seguintes:

Ou de facto a imprensa com as suas irmãs mais novas - a rádio e a televisão - não exercem influência alguma na formação da opinião pública e não vale a pena gastar tanto tempo com estas discussões, ou exercem e então os governos para os quais, como entre nós, à opinião pública é constitucionalmente atribuída uma função de força social têm de evitar a sua perversão. E têm também de defender o interesse nacional. O direito reconhecido ao jornalista ou ao escritor não pode aspirar ao absoluto e tem de ser enquadrado naquelas duas necessidades essenciais. O problema é extraordinariamente difícil e não se lhe encontrou em parte alguma solução satisfatória, porque, além de um aspecto subjectivo que não se pode eliminar - a minha verdade, a tua verdade -, há interesses económicos e interesses políticos vastíssimos e perturbadores na formulação e venda da informação e da doutrina, distribuídas ao domicílio e de que os países têm por vezes de acautelar-se se quiserem salvar a alma e sobreviver. {Discursos, vol. V, pp. 505 e seguintes.)

Sr. Presidente e Srs. Deputados:
Na sequência de tudo quanto deixámos dito, e também, como disse o ilustre Deputado avisante, "com a certeza de que é mais seguro caminhar a procurar, mesmo com inquietude", mas sem deixar de estar amarrado à defesa daquelas verdades permanentes que para nós constituem seguranças e que jamais o deixarão de ser enquanto quisermos tornar a vida digna de ser vivida, pensamos que uma política de informação em Portugal deverá:

a) Transcender a simples política de noticiário;
b) Ter em conta a situação nacional e a sua evolução, reconhecendo o carácter a um tempo rural e urbano da sociedade nacional, no

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qual o desenvolvimento do urbanismo não deverá sacrificar os valores económicos e espirituais do sector rural;
c) Colocar o acento tónico na inovação e no desenvolvimento baseados no passado e na tradição;
d) Ser dinâmica e actuante, com importante papel na conservação e defesa da Pátria e no processo material e espiritual do seu desenvolvimento;
e) Dar uma imagem do Portugal que é e deve ser, imagem realista e não romântica, com a beleza exterior do nosso folclore a fazer manifestar a alma do povo; os nossos municípios e províncias de aquém e de além-mar a afirmarem plenamente a sua personalidade; e a tudo presidindo a perfeita integração e o verdadeiro patriotismo. Este deverá agora estar sobretudo atento à defesa da Pátria contra a subversão metropolitana e ultramarina, especialmente contra aquela que, tomando a forma intelectual e cultural, possa infiltrar-se nos meios de comunicação;
f) Estar atento aos perigos denunciados nas recentes mensagens de Ano Novo pelo venerando Chefe do Estado e pelo ilustre Ministro da Defesa e do Exército, nomeadamente aos perigos do "bombardeamento maciço da propaganda subversiva e pornográfica", ao qual "não foi posta, com a oportunidade que era mister, a barreira necessária" e que está produzindo "a corrupção dos costumes, a indisciplina e a falta de respeito, a contestação desenfreada e violenta", apontando-se em especial "certos programas de rádio que continuam a corroer a alma do povo"...

Serão necessários grandes esforços para prosseguir os objectivos propostos? A juventude, que é a seiva da Nação, do Portugal de amanhã, bem justifica a adopção de todas as medidas para a conduzir a bem mais úteis e bem mais nobres caminhos, afastando-a de trilhos perigosos e resvaladiços.
Será difícil a tarefa a realizar? Mesmo assim não deverá haver lugar para desânimos, se nos lembrarmos de que a melhor tarefa, sobretudo num plano mais elevado, é sempre a mais difícil.
Tenho dito.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: No n.° 215 do Diário das Sessões vêm publicadas várias notas de correcção aos textos do Acordo entre os Estados Membros da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço e a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, por um lado, e a República Portuguesa, por outro lado, e do Acordo entre a Comunidade Económica Europeia e a República Portuguesa.
Como VV. Exas. ouviram ler na sessão de 24 de Janeiro, foram encontrados alguns lapsos, que creio essencialmente de tipografia, e o Governo comunicou-os à Assembleia para obter a anuência da Assembleia sobre estas rectificações.
Amanhã, em primeira parte da ordem do dia, ocupar-nos-emos da apreciação de quaisquer reclamações sobre as rectificações aos acordos já aprovados por resolução da Assembleia Nacional, publicados no n.° 215 do Diário das Sessões, pp. 4302 e 4303.
Em segunda parte da ordem do dia, ocupar-nos-emos da continuação e conclusão do debate do aviso prévio sobre meios de comunicação e problemática da informação em Portugal.
Haverá sessão à hora regimental, tendo para ordem do dia estes dois temas.
Está encerrada a sessão.

Eram 19 horas.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Álvaro Filipe Barreto de Lara.
António de Sousa Vadre Castelino e Alvim.
João Manuel Alves.
José João Gonçalves de Proença.
José Vicente Pizarro Xavier Montalvão Machado.
Júlio Dias das Neves.
Manuel José Archer Homem de Mello.
Rogério Noel Peres Claro.
Teófilo Lopes Frazão.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Albano Vaz Pinto Alves.
Alberto Maria Ribeiro de Meireles.
Alexandre José Linhares Furtado.
Amílcar Pereira de Magalhães.
António Pereira de Meireles da Rocha Lacerda.
Carlos Eugénio Magro Ivo.
Delfino José Rodrigues Ribeiro.
Deodato Chaves de Magalhães Sousa.
Eleutério Gomes de Aguiar.
Fernando David Laima.
Fernando do Nascimento de Malafaia Novais.
Fernando de Sá Viana Rebelo.
Francisco Correia das Neves.
Gustavo Neto Miranda.
Henrique José Nogueira Rodrigues.
Humberto Cardoso de Carvalho.
João Duarte de Oliveira.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Joaquim de Pinho Brandão.
Jorge Augusto Correia.
José Coelho Jordão.
José da Costa Oliveira.
José Dias de Araújo Correia.
José da Silva.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel Marques da Silva Soares.
Pedro Baessa.
Vasco Maria de Pereira Pinto Costa Ramos.

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