O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 4591

REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL E DA CÂMARA CORPORATIVA

DIÁRIO DAS SESSÕES

N.° 226 ANO DE 1973 16 DE FEVEREIRO

ASSEMBLEIA NACIONAL

X LEGISLATURA

SESSÃO N.° 226, EM 15 DE FEVEREIRO

Presidente: Exmo. Sr. Carlos Monteiro do Amaral Netto

Secretários: Exmos. Srs.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira
Amílcar da Costa Pereira Mesquita

SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas.

Antes da ordem do dia. - Foram aprovados, com rectificações, os n.0' 222 e 223 do Diário das Sessões.
Deu-se conta do expediente.
O Sr. Deputado Jorge Correia lamentou que a Comissão Regional de Turismo do Algarve não tenha sido consultada sobre a elaboração do anteprojecto referente à sub-região do extremo sul, com vista à sua inclusão no IV Plano de Fomento.
O Sr. Deputado Franco Nogueira usou da palavra para tecer várias considerações de carácter político, nomeadamente acerca do conceito de paz.

Ordem do dia. - Continuou a discussão na generalidade da proposta de lei sobre a protecção da intimidade da vida privada.
Usou da palavra o Sr. Deputado Duarte de Oliveira.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 16 horas e 50 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Eram 15 horas e 45 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Alberto Eduardo Nogueira Lobo de Alarcão e Silva.
Alberto Marciano Gorjão Franco Nogueira.
Alberto Maria Ribeiro de Meireles.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Álvaro Filipe Barreto de Lara.
Amílcar da Costa Pereira Mesquita.
António da Fonseca Leal de Oliveira.
António Júlio dos Santos Almeida.
António Lopes Quadrado.
António Pereira de Meireles da Rocha Lacerda.
Armando Júlio de Roboredo e Silva.
Armando Valfredo Pires.
Artur Augusto de Oliveira Pimentel.
Augusto Domingues Correia.
Augusto Salazar Leite.
Bento Benoliel Levy.
Carlos Monteiro do Amaral Netto.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Eleutério Gomes de Aguiar.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Fernando do Nascimento de Malafaia Novais.
Francisco António da Silva.
Francisco Correia das Neves.
Francisco Esteves Gaspar de Carvalho.
Francisco de Moncada do Casal-Ribeiro de Carvalho.
João António Teixeira Canedo.
João Bosco Soares Mota Amaral.
João Duarte de Oliveira.
João José Ferreira Forte.
João Manuel Alves.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
Joaquim Carvalho Macedo Correia.
Joaquim Germano Pinto Machado Correia da Silva.
Joaquim José Nunes de Oliveira.

Página 4592

4592 DIÁRIO DAS SESSÕES N.° 226

Joaquim de Pinho Brandão.
Jorge Augusto Correia.
José Coelho Jordão.
José Gabriel Mendonça Correia da Cunha.
José João Gonçalves de Proença.
José dos Santos Bessa.
José da Silva.
José Vicente Cordeiro Malato Beliz.
Júlio Dias das Neves.
Luís António de Oliveira Ramos.
D. Luzia Neves Pernão Pereira Beija.
Manuel de Jesus Silva Mendes.
Manuel Valente Sanches.
Miguel Pádua Rodrigues Bastos.
Nicolau Martins Nunes.
Olímpio da Conceição Pereira.
Prabacor Rau.
Rafael Ávila de Azevedo.
Rafael Valadão dos Santos.
Ramiro Ferreira Marques de Queirós.
Raul da Silva e Cunha Araújo.
Ricardo Horta Júnior.
Rogério Noel Peres Claro.
Rui de Moura Ramos.
Rui Pontífice Sousa.
Teodoro de Sousa Pedro.
Tomás Duarte da Câmara Oliveira Dias.
Vasco Maria de Pereira Pinto Costa Ramos.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 63 Srs. Deputados, número suficiente para a Assembleia funcionar em período de antes da ordem do dia.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Estão em reclamação os n.ºs 222 e 223 do Diário das Sessões, que foram distribuídos a VV. Exas. com tempo já bastante para supor que possam ser postos à reclamação.

O Sr. Cunha Araújo: - Sr. Presidente: Era só para pedir licença a V. Exa. para entregar na Mesa um requerimento para rectificação do n.° 222 do Diário das Sessões.

O Sr. Presidente: - Tenha a bondade de enviar a nota de rectificações.

O Sr. Leal de Oliveira: - Sr. Presidente: No n.° 223 do Diário das Sessões, a p. 4552, col. 2.ª, l. 6, onde se lê: "pressupõe-se", deverá ler-se: "pressupõe".
Muito obrigado.

O Sr. Presidente: - Continuam em reclamação os n.ºs 222 e 223 do Diário das Sessões.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Se mais nenhum de VV. Exas. tem rectificações a apresentar a estes Diários, considerá-los-ei aprovados.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Estão aprovados os n.ºs 222 e 223 do Diário das Sessões.

Reclamação apresentada pelo Sr. Deputado Cunha Araújo:

Requeiro que o Diário das Sessões, n.° 222, a fl. 4528, col. 2.ª, l. 25, seja rectificado de modo que dele figure constando, em lugar "dos que a defendem", "dos que os defendem".

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Telegramas

Vários, apoiando a condução dos trabalhos parlamentares.
Das Caves Primavera, chamando novamente a atenção para a situação resultante da demora na liquidação dos atrasados provenientes de exportações para Angola e Moçambique.
Da Sra. D. Rosa Almeida e do Sr. Joaquim Serra, apoiando a intervenção do Sr. Deputado Veiga de Macedo.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Jorge Correia.

O Sr. Jorge Correia: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao ler, agora, o sucinto relatório apresentado pela Comissão Regional de Turismo do Algarve aquando da recente vinda a Faro do Sr. Ministro de Estado adjunto da Presidência para o Planeamento Económico, tomei conhecimento, com profundo desgosto, mas, em boa verdade, sem grande surpresa, que esta Comissão não foi consultada com vista à formulação do anteprojecto, chamemos-lhe assim, referente à sub-região do extremo sul, a incluir no IV Plano de Fomento.
Para já, considero grave omissão, que o remedeio agora proporcionado não consegue suprir, tanto mais que o óbice diz respeito a uma região turística por excelência, e por isso considerada prioritária, e onde os problemas são, como é óbvio, incomensuráveis.
Sem menosprezarmos os altos objectivos que o Algarve tem de alcançar, custe o que custar, através do estudo ponderado e em profundidade das suas vastas potencialidades agro-íctio-minerais, parece-me que a a sua valência turística, em franca expansão e sucesso, justificava, eu ia a dizer obrigava, ao estabelecimento de um grupo de trabalho específico deste sector, com vista ao próximo Plano de Fomento. Parece-nos, portanto, paradoxal que das duas sub-regiões sul foi precisamente a mais desenvolvida turisticamente, e sem dúvida com mais naturais aptidões, aquela que ficou privada de um grupo específico, e, mais do que isso, o que é gravíssimo, de um representante no grupo criado na região sul para aquele efeito, isto é, sem pessoa altamente interessada no desenvolvimento turístico do Algarve.
Insisto na gravidade desta omissão, que não pode passar sem um reparo veemente dos Algarvios, porque planear a médio prazo, tendo em vista o desenvolvimento e progresso de uma província, mormente no capítulo de turismo, não é bem a mesma coisa que fazer o plano de acção para uma junta de freguesia, ainda que para igual período.
É tarefa que transcende as atribuições e competência de qualquer comissão regional de turismo, mesmo

Página 4593

16 DE FEVEREIRO DE 1973 4593

bem dirigida, como é a nossa, e que, por isso mesmo, o seu presidente, Dr. Pearce de Azevedo, a quem endereço os meus respeitos, cônscio das limitações da sua Comissão perante fenómeno tão complexo, não deixaria, se lhe têm solicitado participação e dado tempo, de chamar técnicos e especialistas para preverem e programarem para período tão vasto.
Havemos de convir que é mesmo assim!
Por que se não fez isto?
De quem é a responsabilidade?
Quem tem de responder perante os Algarvios desta gravíssima lacuna?
Resta-nos a certeza de que a Secretaria de Estado da Informação e Turismo, para quem apelamos na pessoa de S. Exa. o Secretário de Estado, Dr. Moreira Baptista, que ama e conhece o Algarve, colmatará as deficiências que vimos a apontar.
Somos, por enquanto, uma sub-região, mas não somos subdesenvolvidos!
Também não é numa ou duas sessões, para as quais se convidaram as entidades quase à hora, como se de um beberete se tratasse, que a coisa se resolveria.
Como se deveria então ter feito?
Penso que se deveriam ter criado vários grupos de trabalho - vários -, e nunca esquecer o do turismo, que a tempo e horas apresentassem os seus relatórios para serem discutidos amplamente e com tempo, a fim de se poderem colher as sugestões mais válidas e de maior interesse para a província.
Duvida alguém que plano desta ordem deveria mobilizar as consciências e as vontades de todos os Algarvios no sentido de se encontrar o melhor caminho, as mais válidas sugestões e as mais acertadas opções, interessando os autóctones, de maneira a ouvi-los sobre as várias teses?!
Foram criados esses grupos de trabalho e fizeram os seus relatórios? Tenho de ouvido que foram criados alguns, mas, quanto aos seus relatórios, absoluto segredo.
Sei de um, e conheço as suas considerações, porque fiz parte dele, a convite do Sr. Dr. Armando Perdigão, a quem cumprimento muito cordialmente, prestando homenagem à sua inteligência e probidade, o que me não inibe de, na qualidade de algarvio, de Deputado pelo círculo, me associar ao desapontamento dos Algarvios perante o processo que se seguiu.
Como disse, só daquele, que com outros colegas tive a honra de subscrever, intitulado "Grupo de trabalho das infra-estruturas sociais da sub-região do Algarve", tomei conhecimento, e, estou certo, poucos mais o conhecem.
Sabemos todos, e não vale a pena discutir isto, de que sessões no estilo das que se realizaram pouco devem ter esclarecido S. Exa. não obstante a superior inteligência bem demonstrada como estadista que nos habituámos a admirar, pois a maior parte daquilo que se disser de improviso, ainda que recheado de merecimento, perde-se na fluidez natural da memória dos homens!
Suponho que seria mais curial, ou pelo menos útil e eficiente, distribuírem-se profusamente os referidos relatórios pelas pessoas mais qualificadas da Província, técnicos, não técnicos, imprensa, etc., e desta forma talvez que aos Deputados coubessem também alguns exemplares, a fim de ser possível a qualquer deles e das pessoas dar as achegas de harmonia com as suas preferências e aptidões.
A S. Exa. o Ministro de Estado ser-lhe-ia lido, então numa sessão mais formal, o relatório, que traduziria o sentir e os anseios dos Algarvios previstos e programados para o próximo Plano de Fomento, ainda assim susceptível de ali mesmo receber mais algum apontamento de circunstância.
Como as coisas decorreram, não agradaram aos Algarvios, que se sentem mal esclarecidos e servidos e tinham direito a sê-lo, pois diz-lhes directamente respeito, e nenhum pode nem quer alhear-se do que lhe vai acontecer nos próximos anos.
Razão teve a A. N. P., honra lhe seja, para no III Plenário, realizado em Portimão e Tavira em 1972, ventilar os mais variados temas de reputado interesse para a província e cuja discussão interessou vivamente algumas centenas de entidades, incluindo a Administração, excepção feita aos seus representantes no Sotavento, incluindo Faro, que primaram pela ausência, como se isso lhes não dissesse medularmente também respeito!
Razão teve a A. N. P. em adiantar-se, à cautela, como bandeirante que deve ser da vontade do povo, formulando recomendações, de entre as quais se destacam as seguintes:
I - Dadas as condições específicas do Algarve, quer sobre o aspecto ecológico e demográfico, quer atendendo à sua situação geográfica no extremo da região plano sul, quer considerando os acidentes orográficos que a separam do resto do País e com fundamento nestas características e ainda no facto de ser já considerada uma sub-região plano, recomenda-se que lhe seja dada autonomia como região.
II - Estabelecimento rápido na zona centrada em Faro de um pólo de desenvolvimento, sem deixar de considerar as potencialidades do porto de Vila Real de Santo António e seu hinlerland e de uma zona industrial centrada em Portimão.
III - Aproveitamento industrial das reservas mineralógicas do Algarve, nomeadamente do sal-gema de Loulé e dos calcários, com relevo para as brechas de Lagos e Tavira, e muito particularmente dos sienitos nefelínicos, posto que os problemas das Caldas de Monchique, aqui oportunamente levantados, mereceram de S. Exa. o Ministro da Economia e Finanças, Dr. Manuel Cotta Dias, a quem cumprimentamos e agradecemos respeitosamente, a atenção necessária.
IV - Prosseguimento de política de revitalização dos sectores das pescas e conservas.
V - Reconversão das marinhas, tendo em vista o seu aproveitamento económico.
VI - Definição do plano de rega do Algarve, com pleno aproveitamento dos seus recursos hídricos, com vista ao aprovisionamento de água para fins urbanos, industriais e agrícolas, nomeadamente construções de barragens no Sotavento (ribeiras de Alpoftel e Odeleite) e no Barlavento, na ribeira de Odelouca, para abastecimento de água de Portimão e Alvor.
VII - Aproveitamento silvo-pastoril e cinegético de toda a serra do Algarve.
VIII - Utilização adequada da terra, tendo em atenção as suas excepcionais aptidões para as primícias "horticultura, floricultura e fruticultura", que deverá ser dinamizada para além do estímulo material, que o Governo, em boa hora, vem concedendo, pela acção directa dos agentes do Estado, com o propósito de aglutinação e mentalização dos empresários agrícolas. Entende-se que, portanto, os serviços regionais ve-

Página 4594

4594 DIÁRIO DAS SESSÕES N.° 226

nham a ter as estruturas necessárias, a fim de poderem ser o ponto de partida das acções a desenvolver.
IX - Demarcação da região vitícola do Algarve e liberalização do plantio de vinha.
X - Delimitação da reserva, constituída por toda a zona lagunar conhecida por ria Faro-Olhão, tendo em vista não só a protecção da natureza, como o seu aproveitamento racional.
XI - Promover o concurso para o estabelecimento da auto-estrada Lisboa-Faro. Continuação acelerada da melhoria da estrada nacional leste-oeste, e o seu complemento lógico pela ponte sobre o Guadiana, ligando o Algarve ao resto da Europa.
XII - Intensificação de arranjo das vias de penetração da terra algarvia, nomeadamente os acessos aos aglomerados populacionais serranos; intensificação da electrificação das sedes de freguesia e lugares, bem como dotação com água potável e outras infra-estruturas necessárias.
XIII - Melhoria substancial das condições em que é feito o acesso ferroviário ao Algarve, quer no que diz respeito a material rolante, quer da própria via. Estudo da electrificação da rede ferroviária do Algarve.
XIV - Tendo em vista o desenvolvimento económico social do Algarve, só viável com energia eléctrica suficiente e a bom preço, recomenda-se a instalação de centrais hidroeléctricas e atómicas no Sul do País; sugere-se o vale do Guadiana, por exemplo.
XV - Prosseguimento da política infra-estrutural em todo o Algarve, de maneira a corresponder ao desenvolvimento turístico, com realce para o acesso às ilhas de Faro, Olhão e Tavira, na Região do Sotavento.
XVI - Instalação de aeródromos para táxis aéreos e avisões de turismo no Sotavento, sugere-se a região de Castro Marim-Vila Real de Santo António, e outro em Barlavento (Lagos-Portimão).
XVII - Arranjos complementares e apetrechamento dos principais portos pesqueiros, comerciais e turísticos do Algarve.
XVIII - Revisão do anteplano de urbanização do Algarve e sua homologação posterior, tendo em atenção as considerações expendidas pelas câmaras municipais no sentido de se aproveitarem melhor os seus terrenos próximos do mar para fins urbanos ou turísticos, sem eliminar completamente a cobertura vegetal hoje existente, transferindo-se para a "serra" e "barrocal", com mais propriedade, o actual conceito de defesa da Natureza, que tem impedido em muitos lugares o seu aproveitamento turístico de alta rentabilidade.
Revisão do conceito actual do domínio público marítimo à luz das necessidades do nosso tempo, de maneira a facilitar, e não emperrar, os empreendimentos turísticos junto, do mar.
XIX - Definição urgente da Universidade da Região Plano Sul e sua distribuição de acordo com as particulares necessidades, aptidões e potencialidades das suas sub-regiões.
Depois destas breves reflexões, volto a perguntar onde estão os relatórios dos grupos de trabalho acerca destes problemas?
Se os fizeram, por quê tanto segredo?
Com receio das críticas por consciente insuficiência ou ao contrário, pela altivez provinda do convencimento de méritos insuperáveis e metas preconcebidas?
Por tudo o que acabo de dizer e pelo que se pressupõe, razão teve a A. N. P. quando solicitou ao Governo que o Algarve fosse considerado não uma sub-região, mas uma região autónoma para planeamento sócio-económico.

O Sr. Ávila de Azevedo: - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Deputado Leal de Oliveira, numa das suas últimas intervenções, muito criteriosamente, como é, de resto, seu hábito, refere a certa altura que começa a não estar seguro da validade do sistema actual. Por mim, não tenho dúvidas de que as coisas, tal como estão, não servem convenientemente os Algarvios.

O Sr. Leal de Oliveira: - V. Exa. dá-me licença?

O Orador: - Faça favor.

O Sr. Leal de Oliveira: - Sr. Deputado Jorge Correia, estou muito atentamente a seguir as judiciosas declarações de V. Exa. e desde já afirmo concordar, na generalidade, com elas.
Agradeço muito sinceramente as palavras que proferiu e relativas à minha última exposição; e apresso-me a esclarecer que, actualmente, e em parte devido ao discurso de V. Exa., já não me restam dúvidas da não validade plena do actual sistema.
Urge, é evidente, individualizar, com órgão de planeamento próprio, a região algarvia, o que teria, certamente, permitido dar apoio a parte do relatório sobre o ordenamento do território elaborado pelo Secretariado Técnico da Presidência do Conselho na altura em que opina e advoga a criação de uma região autónoma no litoral sul que certamente permitiria a programação do seu desenvolvimento de forma mais consentânea com as suas realidades sócio-económicas e políticas.
E só mais uma palavra para afirmar a V. Exa. que, não obstante o trabalho levado a efeito pela Comissão Regional de Turismo do Algarve, que me leva daqui a cumprimentar o seu presidente e vice-presidente, me parece necessário para maior dinamização das tarefas que lhe estão confiadas, separar o seu sector de obras públicas infra-estruturais pela criação de um gabinete com certa autonomia, tipo do de Sines, que obviamente permitiria canalizar a Comissão Regional para a função que lhe é própria: o turismo, seu planeamento e promoção.
Muito obrigado, Sr. Deputado.

O Orador: - Muito obrigado, Sr. Deputado Leal de Oliveira, pela sua intervenção nesta minha palestra, e devo dizer-lhe que não me custa nada acreditar na sinceridade com que V. Exa. aderiu a esta tese, porque a razão é evidente e à razão toda a gente procura aderir.
Para lá do Marão toda a gente diz que mandam os que lá estão!
Para cá do Caldeirão e Monchique desejamos que mande quem de cá é ou fique!

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Desta tribuna, que procuro utilizar apenas em favor da Nação e do Algarve sem me eximir a sacrifícios e

Página 4595

16 DE FEVEREIRO DE 1973 4595

não poucas vezes sujeito a desgostos e incompreensões, permito-me solicitar ao Governo o amparo e carinho para todos os seus problemas, à luz da justiça do sentir e participação dos Algarvios.

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Franco Nogueiras - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Há conceitos que se diriam simples, e são complexos. Há frases que, por serem aliciantes, parecem exprimir verdades, mas são falsas. Há ideias que, na sua singeleza, se afiguram inócuas, e são perigosas. De tais conceitos, ou frases, ou ideias, podem os pobres de espírito, ou os menos informados, ou os menos responsáveis, usar sem risco de maior. Mas quando tais noções ou dizeres são empregues, e adoptados como seus, por quantos, pela função e pela cultura, têm e deveriam sentir responsabilidades especiais, então os riscos podem ser graves; e isso porque nos menos esclarecidos perturbam as consciências, suscitam a dúvida, fazem vacilar os ânimos, entibiam as vontades. Daqui à catástrofe vai um passo.
Ao dizer isto, Sr. Presidente, quero referir-me ao problema da paz. Sobre o tema muito se tem dito ultimamente; e quando se analisam as afirmações feitas, não se devendo presumir a má fé nem sendo lícito atribuí-las a ignorância, temos de concluir pela existência de um propósito deliberado quanto aos fins a atingir. Porque na verdade, Sr. Presidente, tem sido desvirtuada a essência da paz, e esta confundida com o pacifismo, e os dois conceitos misturados têm sido apresentados, defendidos, reclamados como valores únicos, como valores supremos, a que tudo o mais se deve subordinar. E formula-se essa doutrina como imperativo de consciência, como dever de cristãos, como ensinamento da Igreja. E daqui concluem alguns, e procuram levar outros a concluir, que toda a luta, que toda a guerra, é ilícita e monstruosa. Objectivamente, serenamente, sem agravos para ninguém, mas com clareza, todos temos o direito de ver se é assim.
Decerto, Sr. Presidente, a paz é um valor e um bem em si mesma, e não sei de homem responsável e em seus sentidos que queira ou defenda a guerra por método, por princípio, por política. Mas se se considera a paz o único bem e valor supremo, então estamos a falar de outra coisa, porque isso significa que situamos a paz acima do direito, da justiça e da verdade. E se aceitamos este modo de ver, teremos de aceitar também as suas consequências. Se a paz é superior ao direito, isso quer dizer que o fraco fica desprotegido perante o forte, visto que este, porque dispõe da força, tem o exclusivo da definição da ordem, tanto no plano nacional como internacional.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A paz superior ao direito é a ausência de direito, e é o esmagamento do mais fraco. Neste sentido, seria pacífica a ocupação da Checoslováquia. Se a paz tem preferência sobre a justiça, então ficam Pisados os princípios da legitimidade, e a justiça deixa de se fundar na lei geral e na equidade: paz acima da justiça é sujeição à violência. Neste sentido, seria pacífica a tirania da antiga cidade grega.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E se à paz se atribui mérito maior do que à verdade, então tornamos ao maquiavelismo, em que os fins justificam os meios, e isso com abandono do Estado pessoa de bem, subordinado à moral: a paz superior à verdade é o arbítrio da mentira. Neste sentido, seria válida a teoria do Príncipe. De tudo haveremos de concluir que se aceitarmos a paz como valor único, ou, pelo menos, mais alto do que o direito, a justiça e a verdade, então a paz equivale sempre à força. E concluiremos mais: como só comete agressão quem for poderoso, e não sendo lícito resistir, é sempre pacífico o que for forte. Mas isto já não é paz: é o abandono dos valores e dos princípios, sem os quais não valerá a pena viver a vida: é o pacifismo.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Mas tem-se ouvido dizer que a paz - os que usam esta palavra fazem-no porque não têm talvez coragem de se confessar pacifistas - é um imperativo de consciência. Caberá então perguntar: de qual consciência? No plano em que estamos situados, e no contexto em que têm sido proferidas as afirmações, eu por mim direi que a primeira consciência a ter é a consciência nacional.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Cronologicamente, e antes de qualquer outra coisa, somos portugueses, porque já nascemos portugueses: e ninguém é livre de declinar essa qualidade, ou de a esquecer mesmo por instantes. E é esta consciência nacional que impõe a rejeição de tudo quanto seja antinacional. Dizia António Granjo, creio que nesta mesma sala: "Eu amo a minha Pátria, e sou intolerante - confesso-o altivamente - para com todas as teorias e todos os actos dos quais possa resultar a sua fraqueza e o seu desprestígio."
Eis o que chama consciência nacional, Sr. Presidente: a altivez, o orgulho, a vontade em repelir tudo o que seja contra os interesses nacionais, ainda que o tenhamos de fazer ao arrepio das modas e ainda que no rosto de estrangeiros possamos descobrir um sorriso de superioridade desdenhosa.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Mas os profissionais do pacifismo vão mais longe: e afirmam, aparentemente com boa fé, que a paz, seja qual for o seu preço e a sua natureza, é um imperativo da consciência cristã.
Isto é muito grave de dizer, Sr. Presidente, sobretudo porque é falso. Decerto, o Cristianismo sempre proclamou e defendeu relações pacíficas entre os homens e os povos: é a busca da paz: mas nem nas Escrituras nem nos textos autorizados se colhe o ensinamento do pacifismo. Sem querer fatigar a Câmara, nem fazer alarde de erudição, lembrarei, no entanto, o que todos podemos ler em S. Paulo, ou em

Página 4596

4596 DIÁRIO DAS SESSÕES N.° 226

Santo Agostinho, ou em S. Tomás: a guerra justa, a guerra legal, a guerra defensiva, a guerra ordenada e conduzida pela autoridade constituída, é uma guerra legítima. E nem se diga que estão acaso ultrapassadas hoje aquelas altíssimas figuras do Cristianismo e da Humanidade. Aquelas lições foram retomadas e reiteradas pelos grandes doutores da Igreja e pelos grandes pontífices nos tempos modernos. Estaremos porventura já esquecidos do que na matéria foi ensinado, a nós todos que somos cristãos, por eminentes Papas como Leão XIII, com a sua doutrina de obediência ao poder temporal, ou como Pio XII, que considerava que a paz apenas poderia ser fundada na justiça e portanto no direito? No Concílio Vaticano II, no § 75 da Constituição Pastoral sobre a Igreja, aprovada pelo Santo Padre Paulo VI, diz-se textualmente: "Cultivem os cidadãos com magnanimidade e lealdade o amor à Pátria." E no § 79 a mesma Constituição Pastoral afirmou, também textualmente, a seguinte doutrina: "De qualquer maneira, a guerra não desapareceu do horizonte humano. E enquanto o risco de guerra subsistir e não houver autoridade internacional competente e que disponha de recursos suficientes, não se poderá negar aos governos o direito de legítima defesa."
Esta, Sr. Presidente, é a doutrina dos grandes Padres da Igreja, esta é a doutrina do Concílio Vaticano II: os governos têm o direito de legítima defesa. Estes são os verdadeiros ensinamentos, e em face dos mesmos podemos e devemos considerar como antinacionais e anticristãos os dizeres de planfletos distribuídos em certos templos, ou as teses dos que, como se fossem epígonos de Catão, se consideram e se apresentam como depositários exclusivos da consciência e do dever.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Perante isto, cabe perguntar: acaso não estará o Governo Português, ao defender a integridade da Nação, exercendo simplesmente os seus direitos de legítima defesa? Porventura foi Portugal que iniciou o terrorismo, ou que estabeleceu no seu solo bases de ataque a países estrangeiros, ou que manifestou algum desígnio de conquista de território alheio? E noutro plano, cabe igualmente perguntar: acaso pensarão os profissionais do pacifismo que os nossos governantes, como aliás muito bem disse há dias o Presidente do Conselho, são homens destituídos de escrúpulos e de consciência? Do ponto de vista da consciência nacional e do ponto de vista da sã doutrina, o Governo faz o que deve, dentro das responsabilidades que lhe cabem.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Chegados a este ponto, Sr. Presidente, há que denunciar os paradoxos e as contradições dos profissionais do pacifismo. São pacifistas, consideram uma certa paz o único bem que tem valia: mas quando por esse mundo ou em qualquer dos territórios que são Portugal se praticam actos de terror ou deflagram engenhos explosivos, não se lhes ouve uma palavra para condenar tais actos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - São pacifistas: mas à sombra do pacifismo reivindicam, reclamam ou recomendam tudo quanto sabem que leva à quebra da paz. São pacifistas: mas pelos seus gestos, pelos seus dizeres, pelas posições que assumem, identificam-se rigorosamente com os apóstolos da "teologia da violência".

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - As suas teses não passam de cópias do que sustentam os teólogos da violência na França, na Bélgica ou na Holanda: mas admito que talvez o não saibam: porque essas cópias, sendo servis, são sobretudo grosseiras. Tomemos um exemplo. Já tem sido afirmado que não há paz sem liberdade. Eis uma frase, lançada com a solenidade dos dogmas, que pode impressionar os simples, mas que nada significa, e é puramente capciosa. Tanto se pode dizer que não há paz sem liberdade, como não há paz sem justiça, como não há paz sem prosperidade, e assim por diante. Mas quando se escuta uma afirmação daquelas, ocorrem ao espírito, pelo menos, um comentário e três perguntas.
O comentário é este: afinal, há valores superiores à paz, porque a condicionam e, se não acatados, podem destruí-la. E as perguntas: como há paz nos países soviéticos, haverá aí também liberdade? E se for concedida toda a liberdade, no sentido em que aqueles a reivindicam, acreditar-se-á que no ultramar os terroristas depõem as armas? Ou acreditar-se-á, por outro lado, que os interesses imperiais, em cujo caminho nos encontramos e que por isso nos atacam, cessariam os seus ataques por haver no nosso sistema mais ou menos liberdade? Não: aproveitá-la-iam para logo se inserirem na nossa ordem interna, corroendo-a e demolindo-a. Mas o que muitos de nós quereríamos, Sr. Presidente, e como muito bem disse em Janeiro o Chefe do Governo, é que esses pacifistas ardorosos, preocupados com a salvação das suas almas, exercessem o seu apostolado junto dos terroristas em primeiro lugar.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Têm memória fraca, ao que parece: já se esqueceram, como recordou o Presidente do Conselho, do que foi e tem sido o terror contra o ultramar? Já se esqueceram de que foram e são saqueadas vilas e aldeias e esquartejadas pessoas de todas as idades e etnias? Já se esqueceram de que numerosas pessoas foram serradas vivas? Parece que essas consciências, tão límpidas, tão rectilíneas, tão cristalinas, deveriam palpitar de horror: mas tão-sómente lhes ocorre, contra a consciência nacional e contra a doutrina conciliar, negar o direito de legítima defesa à vitima da agressão, que é toda a Nação Portuguesa.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E isto me conduz a um último ponto: discutir ou não discutir a política ultramarina. Parece ser da essência de algumas atitudes nunca acharem nada bem, nem darem por assente o que quer que seja. Tudo tem de ser, para os que assim pensam, continuamente debatido e posto em causa. Mas não há muito, Sr. Presidente, foi a política ultramarina

Página 4597

16 DE FEVEREIRO DE 1973 4597

amplamente discutida, e o povo pronunciou-se, em maioria esmagadora, pela política de integridade da Nação.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Discutir de novo, porquê e para quê? É bem simples o problema, todavia: esses que reclamam a discussão estão, ou não, de acordo? Se estão de acordo, não se vê necessidade para o debate. Mas a minha conclusão é outra, e vais mais longe: no fundo, não estão de acordo; mas como não têm a coragem de o dizer, procuram pelos caminhos tortuosos e oblíquos da discussão suscitar um clima de corrosão, de descrença, de desânimo, de repúdio, que leve a atribuir à política ultramarina todas as dificuldades e todos os problemas, sabendo-se, como se sabe, que isso é falso.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E depois, Sr. Presidente, há que sublinhar a irresponsabilidade e a inconsciência com que se pede essa discussão. Ao fazê-lo, e se o fizéssemos, estaríamos a satisfazer interesses estrangeiros, e tudo o que se dissesse seria aproveitado e deformado e explorado pelos círculos internacionais hostis contra Portugal. Ou julgar-se-á que poderíamos discutir entre nós, em surdina, sem que estranhos dessem fé? Pois atentem os Srs. Deputados em que tudo o que se diz nesta Câmara é citado, examinado, esmiuçado nos meios externos, e explorado contra a Nação.
Pois atentem os Srs. Deputados que algumas palavras aqui pronunciadas, em matéria ultramarina, são objecto de relatórios especiais que circulam em Nova Iorque; e porque vejam nelas uma discordância ou uma divisão, logo são aproveitadas com júbilo pelos adversários. Ainda há pouco eu ouvi sublinhar, como se fosse coisa importante e recomendável, a repercussão que tinham tido no estrangeiro atitudes assumidas dentro do País por alguns. Dir-se-ia, no entanto, que repugna à sensibilidade e à maneira de ser do nosso povo a identificação dessas atitudes com as dos estrangeiros que, para satisfação dos seus interesses económicos ou estratégicos ou imperiais, têm por objectivo destruir a unidade e a integridade da Nação Portuguesa.

O Sr. Ávila de Azevedo: - Muito bem!

O Orador: - Discutir, Sr. Presidente? Mas então com que direito exigiremos da mocidade de Portugal que cumpra o seu dever e que faça sacrifícios que podem ser defintivos...

O Sr. Veiga de Macedo: - Muito bem!

O Orador: - ... enquanto nós, por deleite intelectual e pendor dialéctico, nos entretemos a discutir se a política é definitiva ou provisória?

Vozes: - Muito bem! Muito bem!

O Orador: - A resposta a esta pergunta é que deve ser profundamente meditada no foro íntimo da nossa consciência, e perante a magnitude do problema aparecem-nos como marginais e periféricos outros problemas que, no contexto actual, têm de ser havidos como secundários. Decerto, nenhum de nós é contra a liberdade. Mas mais importante do que a liberdade em sentido abstracto são as liberdades e os direitos que correspondem às aspirações fundamentais do homem: o direito ao trabalho, o direito à educação e cultura, o direito à saúde, o direito de acesso aos benefícios da técnica e do progresso. E ao nível da Nação, esta tem, sobretudo, direito à sua independência e à sua integridade.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Aquelas liberdades e aqueles direitos é que têm de ser efectivamente garantidos, e para tanto o Estado tem o dever de interpor o condicionamento que assegure o bem comum, consoante as circunstâncias do momento, e os interesses nacionais em jogo. No entanto, quando se escutam os dizeres dos pacifistas, tem-se a sensação de que julgam pertencer-lhes o exclusivo dos valores morais, sociais e políticos. Dir-se-ia que apenas eles defendem a justiça social, o progresso, as reformas que sejam necessárias, o respeito pelos direitos humanos, a intervenção na vida colectiva, a igualdade perante a lei, a igualdade de oportunidade para todos. Curiosamente, do seu tratamento dos problemas está ausente uma visão só nacional, e o peso de palavras como "pátria" e "patriotismo" é havido por ridículo e quase provoca motejos. Decerto, ninguém se pode arrogar o exclusivo de nada; mas se julgam que alguém tem essa pretensão, não há melhor maneira de a destruir do que invocarem também a pátria e o patriotismo.
E ao escutar os pacifistas, dir-se-ia ainda que, para eles, os que defendem a integridade da Nação negam por esse facto e repelem todos aqueles valores e princípios, que se comprazem, não se sabe com que sinistros propósitos, em oprimir, em cercear, em contrariar. Se assim pensam, e parece que pensam, então há que afirmar ser a sua visão dos verdadeiros problemas nacionais e das suas prioridades bem estreita e bem medíocre, e muito limitada também a sua visão do quadro internacional em que aqueles se põem e hão-de ser encaminhados. Eu sei, Sr. Presidente, todos sabemos, que está na moda e dá um tom de intelectualidade superior aparecer como arauto de abstracções, nobres em si mesmas, e como paladino de causas novas e orientações rasgadas, embora muitas vezes as primeiras não passem de mitos e possam ser velhas de séculos as segundas. Para se afirmar bem alto que são mitos ou que são antigas as ideias, todavia, é preciso alguma coragem; e é por isso que é muito mais difícil em cada época estar contra os tempos do que correr ao seu sabor; mas, em geral, os que se desencontram com o presente encontram-se com o futuro.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: Há precisamente setenta e três anos, Norton de Matos, quando pela primeira vez partia para o ultramar, foi despedir-se de um amigo e disse-lhe que ia fazer levantamentos cartográficos. O amigo observou com desânimo: "Ao menos ficar-nos-ão as cartas, quando nos levarem as terras." Era o tempo de uma partilha de África, motivada por ambições de algumas potências, como é o caso da nova partilha, orientada por outras potên-

Página 4598

4598 DIÁRIO DAS SESSÕES N.° 226

cias, que actualmente se pretende naquele continente. Mas, graças ao esforço do País, salvou-se o ultramar. E Norton de Matos, ao descrever o episódio nas suas Memórias, comenta: "Foi a tarefa ingente da minha geração, o conservar aquelas terras."

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E quando em face do desânimo de alguns transviados, que não sentiam o ultramar, Norton de Matos se lamentava perante o grande paladino da República e da liberdade e matemático ilustre que foi José Falcão, este comentou: "Eu supunha que havia coisas de que se não podia dispor sem infâmia." Nesta frase singela, quanta amargura!
Muito obrigado, Sr. Presidente.

Vozes: - Muito bem! Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: Vamos passar à

Ordem do dia

Continuação da discussão na generalidade da proposta de lei sobre a protecção da intimidade da vida privada.
Tem a palavra o Sr. Deputado Duarte de Oliveira.

O Sr. João Duarte de Oliveira: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O homem é um ser sozinho. Sozinho por ser uma entidade original, não idêntica a outrem, e cônscio do próprio "eu" como uma identidade independente.
O homem carece de períodos de solidão para apaziguar a sua sensibilidade activa; carece de estar só quando precisa de julgar ou de tomar decisões, exclusivamente baseado no poder do seu raciocínio; tem necessidade dessas "terras abandonadas" que a sociedade mantém, às vezes, em redor das suas actividades normais.
O homem sente uma necessidade atávica de se escapar do "mundo", de se isolar, até porque também há prazeres espirituais que só podem ser gozados no alheamento.
Não é uma rejeição da sociedade, mas um prazer positivo.
Não é um procedimento-recusa, mas um procedimento-aceitação.
O homem não suporta "ficar" sozinho, desligado de seus semelhantes. A sua felicidade depende da solidariedade que sente com os outros homens.
O homem é, assim, "naturalmente", por uma dicotomia gerada dentro de si, um ser sozinho e, ao mesmo tempo, relacionado com os outros; como pessoa, é um ser individual e um ser social.
O homem tem, pois, por exigência ontológica, o direito de estar só, o direito à protecção da intimidade da sua vida privada, que é património exclusivo seu.

O Sr. Pontífice Sousa: - Muito bem!

O Orador: - Não é, pois, um valor novo que surge a reclamar tutela. É um valor humano, uma manifestação da personalidade, um direito essencial, sempre gozado pelo homem, até há bem pouco, sem qualquer perigo sério de lesão.
Ora esse isolamento, onde o homem busca a paz de espírito e equilíbrio, indispensáveis à fruição da intimidade; essa subtracção ao alarme, à publicidade, à curiosidade, indispensáveis à paz interior; esse "jardim secreto" de cada um, que não é escolha, mas necessidade vital, encontra-se hoje seriamente ameaçado de lesão pelo abuso dos meios técnicos ao serviço do som, da imagem e da memória, que derrubaram todos os muros protectores da intimidade.
O ritmo da vida moderna desta sociedade técnica em que vivemos criou a tendência para o contrôle do homem, cuja vida é objecto de devassa sistemática para fins de natureza económica, política, social, de informação.
E, para além disso, motivações de curiosidade doentia, de ambição, de inveja, levam a buscar nos outros não a sua existência, mas o que é "interessante", pitoresco; a usar os outros como diversão ou desculpa.
E, assim, os meios técnicos, postos à disposição do homem para o servir, passaram a ser usados para o torturar.
Mas o outro é um mistério a respeitar-se, a ser compreendido; o meu semelhante é outro "eu".
Passou, pois, a fase da simples proclamação de direitos.
Em todos os países civilizados, este direito à intimidade é reconhecido como um dos mais expressivos da liberdade individual e a sua tutela civil há muito sancionada nas várias legislações.
Num mundo em que se fala na "simbiose" entre o homem e a máquina; em que se pretende esvaziar de sentido as tradicionais antíteses metafísicas entre materialismo e espiritualismo, determinismo e indeterminismo, fez-se urgente que o homem busque a preservação da sua individualidade, reaja pronta e severamente contra os atentados aos direitos da personalidade.
E o perigo e intensidade de violação desses direitos, na sociedade industrial e massificada em que vivemos, não se compadecem já com meras providências de natureza civil.
As formas e modos de violação actuais são portadores de um tal grau de ilicitude que exigem uma punição criminal.
É, aliás, nessa esteira que têm caminhado a doutrina e os ordenamentos jurídicos das nações ocidentais.
Também entre nós, agora, a violação do direito à intimidade da vida privada de cada um passará, se a proposta de lei n.° 27/X, emanada do Ministério da Justiça, for aprovada, a constituir crime, nas formas aí enumeradas.
Esta lei será a protecção da esfera do lar, da intimidade doméstica contra a agressividade da indiscrição; a defesa do nosso direito ao recato, a garantia do nosso direito à voz, à imagem, à vida quotidiana, às nossas intimidades contra as intromissões dos ouvidos e dos olhares a distância; a defesa do nosso último reduto.
Sr. Presidente e Srs. Deputados:
É sempre motivo de regozijo a elaboração de uma lei que visa a protecção e garantia das liberdades fundamentais do homem.
Aquela, a que me refiro, insere-se, quanto a mim, na linha de pensamento que presidiu à revisão constitucional, no capítulo das liberdades e garantias individuais.

Página 4599

16 DE FEVEREIRO DE 1973 4599

Apraz-me registar que se trata de uma lei que o estudo do direito comparado, constante do parecer da Câmara Corporativa, coloca na vanguarda do direito positivo dos países civilizados.
Dou-lhe, pois, o meu pleno acordo na generalidade.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: Parecendo-me conveniente reservar o dia de amanhã para que as comissões parlamentares convocadas continuem os os seus estudos sobre as diversas questões que lhes estão submetidas, amanhã não haverá sessão do plenário. Espero que as comissões a que aludo possam aproveitar utilmente a tarde de amanhã.
A próxima sessão será na terça-feira, à hora regimental, tendo como ordem do dia a continuação da discussão na generalidade e, se possível, início, até eventual conclusão, da discussão e votação na especialidade da proposta de lei sobre a protecção da intimidade da vida privada.
Aviso os Srs. Deputados acaso interessados na discussão da proposta de lei sobre agrupamentos complementares de empresas que essa é a matéria que deverá imediatamente seguir-se à que está agora em discussão e que a respectiva apreciação poderá porventura ser iniciada já na quarta-feira, dia 21.
Está encerrada a sessão.

Eram 16 horas e 50 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

António Bebiano Correia Henriques Carreira.
António de Sousa Vadre Castelino e Alvim.
D. Custódia Lopes.
Gabriel da Costa Gonçalves.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Henrique Veiga de Macedo.
João Duarte Liebermeister Mendes de Vasconcelos Guimarães.
João Lopes da Cruz.
João Paulo Dupuich Pinto Castelo Branco.
José Maria de Castro Salazar.
Lopo de Carvalho Cancella de Abreu.
Manuel Joaquim Montanha Pinto.
Manuel Martins da Cruz.
Maximiliano Isidoro Pio Fernandes.
D. Sinclética Soares dos Santos Torres.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Albano Vaz Pinto Alves.
Alexandre José Linhares Furtado.
Amílcar Pereira de Magalhães.
António Fausto Moura Guedes Correia Magalhães Montenegro.
Camilo António de Almeida Gama Lemos de Mendonça.
Carlos Eugénio Magro Ivo.
Delfim Linhares de Andrade.
Delfino José Rodrigues Ribeiro.
Deodato Chaves de Magalhães Sousa.
Fernando Artur de Oliveira Baptista da Silva.
Fernando David Laima.
Fernando de Sá Viana Rebelo.
Filipe José Freire Themudo Barata.
Francisco João Caetano de Sousa Brás Gomes.
Francisco José Pereira Pinto Balsemão.
Francisco Manuel de Meneses Falcão.
Francisco de Nápoles Ferraz de Almeida e Sousa.
Gustavo Neto Miranda.
Henrique José Nogueira Rodrigues.
Humberto Cardoso de Carvalho.
João Pedro Miller Pinto de Lemos Guerra.
João Ruiz de Almeida Garrett.
Joaquim Jorge Magalhães Saraiva da Mota.
José Coelho de Almeida Cotta.
José da Costa Oliveira.
José Dias de Araújo Correia.
José de Mira Nunes Mexia.
José Vicente Pizarro Xavier Montalvão Machado.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Luís Maria Teixeira Pinto.
Manuel Elias Trigo Pereira.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel José Archer Homem de Mello.
Manuel Marques da Silva Soares.
Manuel Monteiro Ribeiro Veloso.
D. Maria Raquel Ribeiro.
Pedro Baessa.
Teófilo Lopes Frazão.
Victor Manuel Pires de Aguiar e Silva.

Requerimento apresentado na Mesa no decorrer da sessão:

Na sessão de 26 de Abril de 1972 desta Assembleia formulei a seguinte nota de perguntas ao Governo:

Perante a especulação de rendas que, em muitos casos, tem vindo a verificar-se com as terras dos perímetros das obras de rega criadas pelo Governo, e, particularmente, no que respeita ao Alentejo, está em estudo a adopção de medidas tendentes a obstar a esse procedimento, contrário aos propósitos sociais do plano do regadio, ou o Governo projecta vir a fazê-lo?

Há já vários meses, foi-nos respondido pelo Secretário de Estado da Agricultura de então "encontrar-se em estudo um diploma sobre a regulamentação do arrendamento rural nos perímetros das obras de rega".
Ora, considerando que a exigência de rendas altas é uma das causas do reduzido aproveitamento do regadio já existente (e, pela mesma razão, também aquele se limita, praticamente, a uma monocultura de arroz e tomate, onde o rendeiro encontra alguma defesa, com desprezo de outras culturas necessárias e convenientes, como as hortícolas, pomares, forragens, milho, etc.) e como ainda não foi publicado até agora o anunciado diploma legal, requeiro ao Governo me informe do estado em que se encontra o estudo de tal projecto.

O Deputado, Francisco Correia das Neves.

Página 4600

IMPRENSA NACIONAL - CASA DA MOEDA PREÇO DESTE NÚMERO 4$00

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×