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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL E DA CÂMARA CORPORATIVA

DIÁRIO DAS SESSÕES

N ° 227 ANO DE 1973 21 DE FEVEREIRO

ASSEMBLEIA NACIONAL

X LEGISLATURA

SESSÃO N.° 227, EM 20 DE FEVEREIRO

Presidente: Exmo. Sr. Carlos Monteiro do Amaral Netto

Secretários: Exmos. Srs.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira
Amílcar da Costa Pereira Mesquita

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 55 minutos.

Antes da ordem do dia. - Foram aprovados, com rectificações, os n.ºs 224 e 225 do Diário das Sessões.
Deu-se conta do expediente.
O Sr. Deputado Ferreira Forte, depois de tecer algumas considerações acerca da rede de estradas do distrito de Castelo Branco, pediu que a ligação deste seja encurtada, utilizando as vias existentes na margem esquerda do Tejo.
O Sr. Deputado Valadão dos Santos referiu-se à atribuição do Prémio Montaigne ao Prof. Vitorino Nemésio.
O Sr. Deputado Alberto de Alarcão teceu algumas considerações em defesa do ambiente natural da vida e do património vegetal em meios urbanos e suburbanos.
O Sr. Deputado Leal de Oliveira deu conta da aspiração da comarca de Portimão a ver construído o Palácio de Justiça.
O Sr. Deputado Moura Ramos ocupou-se do problema da exportação de vinho para o Estado de Angola.

Ordem do dia. - Terminou a discussão na generalidade da Proposta de lei sobre a protecção da intimidade da vida privada.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Meneses Falcão, Teixeira Canedo e Moura Ramos.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 17 horas e 10 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Eram 15 horas e 45 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes srs. Deputados:

Alberto Eduardo Nogueira Lobo de Alarcão e Silva.
Alberto Marciano Gorjão Franco Nogueira.
Alberto Maria Ribeiro de Meireles.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre José Linhares Furtado.
Amílcar da Costa Pereira Mesquita.
António da Fonseca Leal de Oliveira.
António Júlio dos Santos Almeida.
António Lopes Quadrado.
Armando Júlio de Roboredo e Silva.
Artur Augusto de Oliveira Pimentel.
Augusto Domingues Correia.
Augusto Salazar Leite.
Bento Benoliel Levy.
Camilo António de Almeida Gama Lemos de Mendonça.
Carlos Monteiro do Amaral Netto.
D. Custódia Lopes.
Delfim Linhares de Andrade.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Eleutério Gomes de Aguiar.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Filipe José Freire Themudo Barata.
Francisco António da Silva.
Francisco Esteves Gaspar de Carvalho.
Francisco João Caetano de Sousa Brás Gomes.
Francisco Manuel de Meneses Falcão.
Francisco de Moncada do Casal-Ribeiro de Carvalho.
Henrique Veiga de Macedo.
Humberto Cardoso de Carvalho.
João António Teixeira Canedo.
João Bosco Soares Mota Amaral.
João José Ferreira Forte.

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João Lopes da Cruz.
João Manuel Alves.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
João Paulo Dupuich Pinto Castelo Branco.
Joaquim Carvalho Macedo Correia.
Joaquim Germano Pinto Machado Correia da Silva.
Joaquim de Pinho Brandão.
José Coelho de Almeida Cotta.
José João Gonçalves de Proença.
José Maria de Castro Salazar.
José de Mira Nunes Mexia.
José Vicente Cordeiro Malato Beliz.
Lopo de Carvalho Cancella de Abreu.
Luís António de Oliveira Ramos.
D. Luzia Neves Pernão Pereira Beija.
Manuel Elias Trigo Pereira.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel de Jesus Silva Mendes.
Manuel Joaquim Montanha Pinto.
Manuel Martins da Cruz.
Manuel Valente Sanches.
Maximiliano Isidoro Pio Fernandes.
Miguel Pádua Rodrigues Bastos.
Nicolau Martins Nunes.
Pedro Baessa.
Prabacor Rau.
Rafael Ávila de Azevedo.
Rafael Valadão dos Santos.
Ricardo Horta Júnior.
Rui de Moura Ramos.
Rui Pontífice Sousa.
D. Sinclética Soares dos Santos Torres.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 64 Srs. Deputados, número suficiente para a Assembleia funcionar em período de antes da ordem do dia.
Está aberta a sessão.

Eram 15 horas e 55 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Estão em reclamação os n.ºs 224 e 225 do Diário das Sessões.
Tem a palavra o Sr. Deputado Franco Nogueira.

O Sr. Franco Nogueira: - Sr. Presidente: Na p. 4565, col. 1.ª, l. 29, do n.° 224 do Diário das Sessões, deve ser corrigido o nome do poeta brasileiro que eu citei para "Manuel Bandeira"; na mesma coluna, l. 12, a contar do fim, em lugar de "legislativos", deve ler-se "legítimos", e na p. 4566, col. 1.ª, l. 15, em lugar de "devidos", deve ler-se: "devidas".
Muito agradecia estas rectificações. Muito obrigado, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Continuam as reclamações aos n.ºs 224 e 225 do Diário das Sessões.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Também eu tenho uma rectificação a fazer ao n.° 224 do Diário das Sessões, a p. 4571, no fim da col. 2.ª: onde está escrito "Procustes", creio que a forma correcta de escrever o nome desse velho ladrão será "Procusta".
Se mais nenhum de VV. Exas. tem reclamações a apresentar aos números do Diário das Sessões já citados, considerá-los-ei aprovados com as rectificações apresentadas.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Estão aprovados.

Rectificação apresentada pelo Sr. Deputado Prabacor Rau ao n.° 255 do Diário das Sessões:

No final do seu discurso deve inserir-se a seguinte expressão: "Pelo exposto dou a aprovação na generalidade à proposta de lei em discussão."

Rectificações feitas pelo Sr. Deputado Pinto Machado aos n.°s 221 e 222 do Diário das Sessões e só hoje apresentadas:

a) Ao n.° 221 do Diário das Sessões: na p. 4498, col. 2.ª, l. 26, em vez de "reparo de", escrever "reparo antes de", e na mesma página e coluna, l. 2, a contar do fim, em vez de "na", escrever "com a";
b) Ao n.° 222 do Diário das Sessões: na p. 4520, col. 1.ª, l. 2, em vez de "está", escrever "está"; na p. 4521, col. 2.ª, l. 30, em vez de "amnistia", escrever "Amnistia", e em vez de "civis", escrever "políticos"; na p. 4523, col. 1.ª, após a l. 28 e a l. 33, pôr uma linha de pontos; na p. 4524, col. 1.ª, l. 13, em vez de "dissesse", escrever "disse".

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Telegramas

Do Sr. Justino Falcão apoiando o discurso do Sr. Deputado Franco Nogueira.
Dos Srs. José Conceição, Adriano Falcão, da Casa do Povo Vilares da Vilariça e Leal Freire apoiando o discurso do Sr. Deputado Veiga de Macedo.

Carta

De Paranto, Lda., sobre os atrasos de processamento de documentos na Direcção-Geral de Viação.

Exposições

Com várias assinaturas pedindo que a idade mínima de recenseamento para o direito de voto seja de 18 anos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Ferreira Forte.

O Sr. Ferreira Forte: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O distrito de Castelo Branco não possui ainda uma rede de estradas que possamos classificar de boa.
Por outro lado, também não são satisfatórias as ligações rodoviárias com Lisboa e Coimbra, para hoje só falarmos destas.
Se é certo que no IV Plano de Fomento estamos integrados na Zona Centro, julgamos, todavia, que futuras correcções hão-de atender à realidade econó-

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mica que é o vaie do Tejo e, portanto, começa a ter prioridade a nossa ligação a Lisboa.
Antes de continuarmos, cumpre-nos agradecer à j. A. E., na pessoa do seu ilustre presidente, a cedência de informações e dados que permitiram pormenorizar esta intervenção. Estendemos o agradecimento ao director do organismo, que há longos anos trabalha em Castelo Branco.
No distrito, para cumprimento do plano rodoviário aprovado pelo Decreto-Lei n.° 34 593, de 11 de Maio de 1945, ainda faltam construir 15 km de itinerários principais, 30 km de estradas de 2.ª classe e 288 km de estradas de 3.ª classe.
E em 31 de Dezembro de 1972 existiam ainda com pavimento de calçada de paralelepípedos 3 km de itinerários principais, 18 km de estradas de 2.a classe e 5 km de vias die 3.a classe. Na mesma data, utilizávamos 60 km de estrada de macadame e 37 km de vias só terraplenadas.
Assinalemos ainda o facto de, para os actuais 1012 km com revestimento betuminoso, 350 km só terem sido revestidos nos últimos dez anos.
Para analisarmos as dificuldades que nos ligam aos grandes centros, daremos tão-somente que, por exemplo, para atingirmos Coimbra, começamos por rodar na estrada nacional n.° 112, para tomarmos depois a estrada nacional n.° 2 e passarmos finalmente à estrada nacional n.° 17.
É certo que para atingirmos Lisboa só temos que utilizar a estrada nacional n.° 3 até ao Carregado e, daí em diante, a estrada nacional n.° 1. No entanto, o mau traçado do percurso, aliado à natureza do pavimento, levou os habitantes de Castelo Branco a abandonar tal trajecto e a substituí-lo por aquele que toca em Nisa, Ponte de Sor, Montargil, Mora, Coruche, Infantado e Vila Franca de Xira. Necessitamos, assim, de percorrer 243 km (até à portagem de Sacavém), com o tempo oficial fixado em 3 horas e 30 minutos.
Pelos dados mencionados, não é de admirar que a publicação do Decreto-Lei n.° 465/72, de 22 de Novembro, tenha vindo a abrir novas perspectivas ao desenvolvimento das Beiras. Por tal facto, todos os que habitamos no interior beirão não nos cansaremos de agradecer, sincera e calorosamente, ao Governo do Estado Social que Marcelo Caetano, como todos nós, quer edificar, a publicação do já chamado Diploma das Auto-Estradas.
Se, efectivamente, com as auto-estradas, o interior fica com maiores possibilidades die se desenvolver, não é menos certo que, para tal se conseguir, há que, rapidamente, projectar e executar as vias de acesso a essas rotas do futuro.
Todos já sabemos que o troço Vila Franca die Xira-Carregado, da auto-estrada do Norte, entrará ao serviço no 2.° semestre de 1975, e o troço Carregado-Leiria, no 1.° semestre de 1979. Isto quer dizer que os habitantes de Castelo Branco poderão utilizar a auto-estrada quando estiver a terminar o IV Plano de Fomento.
Tal facto leva-nos a pedir ao Governo que, durante * vigência do IV Plano de Fomento,, mande remodelar a via de acesso que, na margem direito do rio Tejo, liga Castelo Branco ao nó de Alcanena, por Fratel, Envendos, Mação, Constância e Torres Novas.

O Sr. Pinto Castelo Branco: - V. Exa. dá-me licença?

O Orador: - Com certeza.

O Sr. Pinto Castelo Branco: - Sr. Deputado: Tenho estado a ouvir com a maior atenção e o maior interesse aquilo que tem estado a dizer e com que concordo inteiramente.
Queria apenas acrescentar uma pequena nota aio começo da sua intervenção: é que, na minha modesta opinião, não é agora que começam a ter importância as ligações do distrito de Castelo Branco e da zona interior com Lisboa. Tiveram-na sempre e continuam a ter, começam é a ter mais importância ainda do que já tinham.
No que diz respeito concretamente ao ponto que acaba de referir - da ligação da Beira Baixa para Lisboa por Fratel, Envendos, Mação, Constância e Torres Novas -, quereria juntar à sua opinião a minha, no sentido de que o Ministério das Obras Públicas acelere, tanto quanto possível, a realização dessa melhoria, não só porque (c)Ia efectivamente corresponde à ligação mais rápida e melhor para Lisboa, mas até porque é uma primeira aproximação da ligação à futura auto-estrada do Norte, tal como está prevista num planeamento que foi já apreciado na Assembleia.
Venho, pois, juntar aqui o meu ponto de vista no sentido de uma aceleração da realização desta obra que considero fundamental para o desenvolvimento da Beira Baixa.

O interruptor não reviu.

O Orador: - Muito obrigado, Sr. Deputado Pinto Castelo Branco, mas, como sabe, nós em Castelo Branco há muito que pugnamos para que, no planeamento, o vale do Tejo não seja desmembrado e a nossa ligação seja mais com Lisboa, e não com Coimbra. Dentro dessa ordem de ideias, as suas considerações estarão certas. Eu só pedia era mais prioridade...

O Sr. Pinto Castelo Branco: - E eu apoio, Sr. Deputado, a "mais prioridade" de V. Exa.

O Orador: - Muito obrigado. Deste modo, com a modernização desta via, desde Fratel às proximidades die Alcanena, a distância entre Castelo Branco e Lisboa passará a ser de 220 km e o tempo die percurso die 2 horas e 40 minutos.
Porém, os habitantes do distrito que nos trouxe a esta Câmara precisam de ver melhorada a ligação rodoviária com Lisboa em menor intervalo de tempo.
É possível, utilizando as vias existentes na margem esquerda do Tejo, reduzir a actual distância de 243 km para 228 km e o tempo de percurso de 3 horas e 30 minutos para 3 horas e 10 minutos. Para tal é necessário abrir o lanço Erra-Montargil, da estrada nacional n.° 119, e ligar Fratel à estrada nacional n.° 118 junto à Margalha.
Assim, pedimos ao Governo que dote a Junta Autónoma de Estradas dos meios financeiros necessários para, em dois anos, os referidos lanços poderem ser abertos à circulação.
Estamos certos de que o Governo atenderá mais esta pretensão das gentes de Castelo Branco.

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O Sr. Valadão dos Santos: - Sr. Presidente: Há dias os órgãos de informação trouxeram-nos a notícia da atribuição do Prémio Montaigne ao Prof. Vitorino Nemésio. Foi mais um galardão a juntar a tantos outros com que aquele brilhante homem de letras tem sido distinguido. Mas esta distinção, todavia, pelo carácter internacional de que se reveste e pela categoria do júri que a concedeu, merece um lugar à parte e uma citação especial nesta Câmara.
Eu não vou, Sr. Presidente, nem fazer o elogio do Prof. Vitorino Nemésio, nem tão-pouco uma análise à sua vastíssima actividade literária, pois que não se coaduna com as atribuições desta Assembleia. Quero apenas, deste lugar e nesta curta intervenção, saudar o romancista de Mau Tempo no Canal, o estudioso e biógrafo da Mocidade de Herculano, o professor ilustre de tantas gerações, o poeta de "Festa Redonda" das Cantigas de Terreiro da Minha Ilha, o etnólogo, o conferencista, o filólogo e o crítico literário. Em toda esta intensa e múltipla actividade aparece-nos sempre Nemésio, com o talento do seu espírito alicerçado numa profunda e vastíssima cultura, como um humanista, que o é em toda a acepção da palavra e que o coloca, sem dúvida, entre os grandes homens de letras portugueses deste século.
Ele é já uma figura nacional e o prestígo do seu nome e da sua obra projectam-se além-fronteiras e tem, sobretudo, no Brasil, a sua maior expressão.

O Sr. Ávila de Azevedo: - V. Exa. dá-me licença?

O Orador: - Faça favor.

O Sr. Ávila de Azevedo: - Desejo apenas, Sr. Deputado, associar-me calorosamente à homenagem prestada ao nosso patrício Doutor Vitorino Nemésio.
O Prof. Vitorino Nemésio consegue, ao mesmo tempo, ser um escritor, um romancista, um ensaísta, que consagra a sua actividade não só a uma elite de leitores, mas tornou-se igualmente uma figura popular em Portugal, através da sua comunicabilidade humana na televisão.
Além disso, ninguém melhor exprime do que ele o sentimento da açorianeidade. A terra, o homem, as paisagens açorianas, têm uma expressão invulgar na sua obra e tomam dimensão universal apesar de se poderem considerar literatura regional.
É por isso que me quero associar com todo o calor às palavras justas do Sr. Deputado Valadão dos Santos.

O interruptor não reviu.

O Sr. Linhares de Andrade: - Se V. Exa. me dá licença, eu, como açoriano e em representação do meu círculo, faço minhas as palavras do ilustre orador que me antecedeu, Sr. Deputado Ávila de Azevedo, apoiando V. Exa. com todo o gosto.

O Orador: - Muito obrigado, Sr. Deputado Ávila de Azevedo e Sr. Deputado Linhares de Andrade. As palavras pronunciadas por VV. Exas. vêm dar mais brilho a estas descoloridas palavras, aquele brilho que o Prof. Vitorino Nemésio tanto merece.
Mas, Sr. Presidente, a minha razão de ser aqui, neste momento, é não apenas pela enorme e sincera admiração que tributo a Vitorino Nemésio, mas principalmente porque, como Deputado dos Açores, como representante do distrito de Angra do Heroísmo, da sua e minha ilha Terceira, não podia ficar calado, pois sei da grande estima, da profunda consideração que as gentes da minha terra nutrem e sentem por Vitorino Nemésio. Ali nasceu, ali cresceu, ali passou toda a sua adolescência, ali se iniciou nas letras pela mão de um livreiro, espécie de Mecenas - Manuel Joaquim de Andrade, o Fazendinha, como saborosamente lhe chamava Nemésio.
Reminiscências dessa meninice e dessa juventude estão sempre presentes no pensamento e na actividade do escritor. Em muita da sua obra ela bem se espelha e se verifica. E é vê-lo, sempre que à ilha se desloca, calcorrear aqueles montes e campos verdejantes, conversar amenamente com pescadores, antigos baleeiros e pastores, deambular nos arraiais das touradas à corda, vibrando com a festa brava e interrogando os "Mazantinis" da nossa Terceira, sempre com aquela simplicidade que é apanágio dos grandes.
E é vê-lo e ouvi-lo ainda, todos os sábados, ali na TV, naquele "Se bem me lembro..." (não será até, este título, um apelo a tantas dessas evocações?), é ouvi-lo - dizia -, sempre que a ocasião se proporciona, a falar nessas ilhas de bruma, nas suas gentes, na sua Praia da Vitória, nos seus cantadores ao desafio, nas suas estradas e canadas.

O Sr. Oliveira Ramos: - V. Exa. dá-me licença?

O Orador: - Faça favor.

O Sr. Oliveira Ramos: - Também eu gostaria de juntar a minha palavra à de V. Exa. para sublinhar quanto é oportuna a homenagem que está a prestar ao Prof. Doutor Vitorino Nemésio.
Ele merecera como açoriano e merece-a, sobretudo, como um dos mais altos valores da cultura portuguesa.

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Oliveira Ramos: - Cultura portuguesa que, como poucos, sabe estudar.
E digo isto com todo o à-vontade, pois durante dois anos tive a honra de ser seu assistente na Faculdade de Letras de Lisboa, precisamente na cadeira de História da Cultura Portuguesa.
As suas aulas marcaram quantos a elas assistiram, pela penetração de análise, pela largueza da interpretação, pela capacidade de sugerir novos problemas e abrir novos caminhos à investigação, num domicílio que tão largas perspectivas oferece a quem o queira explorar em termos objectivos.
De facto, além de ser Vitorino Nemésio um escritor die expressão original da nossa literatura, é também um intérprete original da nossa cultura.

O interruptor não reviu.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Muito obrigado, Sr. Deputado Oliveira Ramos, pelas palavras pronunciadas e que vieram dar ainda maior brilho a esta pequena intervenção em

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homenagem ao espírito brilhante de Vitorino Nemésio.
Continuando.
São vivências muito fortes e poderosas na obra e na vida de Nemésio. Pois é em nome dessa ilha, que ele traz sempre no coração, em nome dos Açorianos e, de uma maneira especial, dos Terceirenses, que eu, traduzindo o seu sentir e admiração, daqui saúdo e felicito Vitorino Nemésio, figura das mais eminentes das letras portuguesas e filho dilecto e honra dos Açores.
Muito obrigado.

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Alberto de Alarcão: - Referiu-se recentemente o Sr. Deputado Fausto Montenegro, com a autoridade que advém de quem bem considerou o problema antes de o trazer a esta Assembleia, à questão da defesa do património artístico nacional.
Será a um outro aspecto do património, não já do seu círculo, mas do meu distrito e de quantos mais vêm sendo atingidos por um processo de urbanização acelerada, que ora nos queremos referir: o da salvaguarda de exemplares botânicos e de maciços vegetais em áreas não já rurais, mas urbanas, a adensarem-se.
Vão desaparecendo quintas e jardins particulares, sacrificados às necessidades de espaço para novas construções e à sede de lucro das imobilizações fundiárias. O interesse particular a imperar desalmadamente sobre o bem comum...
Com o desabar dessas rururbanizações e o erguer de novas construções urbanas que à Natureza pouco mais concedem que o espreitar os astros por entre florestas de cimento armado, vai-se muito desse espaço vital: as zonas verdes, que bem serviam a definir um quadro de vida e ajudavam a humanizar, a "naturalizar", um pouco as cidades-jardins de antanho.
Não admira, assim, que mais e mais se reconheça nessas metrópoles, ou megalópoles da actualidade, uma degradação da "qualidade de vida", que anda pariedes meias com a falta dessoutro espaço vital para as pessoas viverem e contactarem com essoutra Natureza, que não apenas a humana, e as suas virtudes, defeitos, instintos ou paixões.
Degradada a paisagem, a cidade torna-se, por vezes, a selva da própria humanidade. "Andam feras à solta na cidade", terá dito alguém em certa longitude.
Sob o camartelo demolidor volvesse em pó e detritos não apenas o já referido património monumental e artístico, mas essoutro natural, vegetal, botânico, que alegrava a vista e ajudava a apaziguar os corações. E disso se ressentem quantos habitam a cidade nos dias de hoje.
Indubitavelmente, as novas vias die comunicação e meios de transporte podem, nos tempos livres de outras actividades familiares ou profissionais, conceder ao cidadão das grandes urbes o contacto com a Natureza não poluída e desequilibrada dos grandes espaços agrários ou rurais, o próprio desfrutar de residências secundárias, quando primárias se não encontram disponíveis em quantidade, qualidade e preço devidos Para muitos dos seus "irmãos" concidadãos. E até sucede que, na cidade, os escritos se eternizem ou Perpetuem em casas para alugar, sem contribuírem para os cofres do Estado, que se deseja social, com uma parcela de rendimentos possíveis de angariar se as rendas descessem um pouco, às tantas, e as habitações - em vez de vagas - viessem em breve a ser alugadas. Quem dispensa esses rendimentos por tanto tempo bem podia ceder uma parcela dos rendimentos dispensados em benefício da habitação social.
Mas voltemos ao ambiente de vida e património vegetal.
Para a preservação de outros bens dispõem as câmaras municipais, teoricamente ao menos, de comissões municipais de arte e arqueologia, ou de turismo, como já aqui foi recordado na referida intervenção. Mas quantas disporão para a defesa ou promoção do meio ambiente e conservação ou fomento dos maciços vegetais e espécimes botânicos de particular grandeza, beleza ou expressão de comissões equivalentes e serviços afins capazes de prestarem o contributo de uma orientação, fiscalização e acção eficazes?
Poderá alegar-se que "a seara é grande e os servidores são poucos", mas interessaria inquirir também se se terá feito todo o possível por promover a sua formação e preparação profissional.
Quando será reconhecido à arquitectura paisagística nos planos do ensino superior agrário o lugar que lhe é devido no contexto da refoma da educação?
E que dizer dos demais graus de escolaridade? Quando teremos verdadeiras escolas de floricultores que preparem para a vida agrária e arranjo ou tratamento dos jardins nesta hora em que a flor e a folhagem, os maciços vegetais, os relvados, começam a ganhar lugar de eleição no quadro de vida das sociedades de "consumo de massa" ou "de abundância"?
Lacunas do nosso sistema escolar que teremos de preencher um dia.
É exigência de quase todas as câmaras a existência de um médico veterinário municipal. Mas quantos concelhos terão aí, ou no grémio da lavoura, um técnico agrário, de cultura geral e grau intermédio que seja, ao seu dispor e do das populações? E, no entanto, a generalidade dos concelhos são rurais, agrários.
Como fazer florir as estradas e caminhos de Portugal mais profusamente, nesta hora de tempos livres e turismo nacional e internacional, se temos tão poucos "hortos" florícolas municipais e menos ainda distritais? Como cuidar dos seus jardins?
A quem, a que serviços e estruturas virá a caber a preservação e o fomento dessa riqueza botânica, florícola ou arborícola, que se estadeia ou podia desenvolver ainda mais por terras e vias de comunicação de Portugal?
A quem cabe o inventário, a preservação e fomento desse património nacional?
Não seria possível promover, aquando das demolições por via de urbanização, a transferência de muitos desses especímenes botânicos que levaram anos e anos, gerações por vezes, a criar e desenvolver, transferir para praças, largos, jardins e outros espaços verdes municipais existentes ou a criar, evitando a morte inglória, como vem a suceder a tantas palmeiras nos arrabaldes desta grande Lisboa?
E, no entanto, são árvores por vezes centenárias, que bem poderiam encontrar melhor, mais condigno

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destino, na área, nomeadamente, do Restelo e de Belém, tão ligada à história ultramarina de Portugal.
Quem lhes acode e lhes vale? Quem as inventaria e protege? Quem fiscaliza e cuida desse património vegetal?

O Sr. Leal de Oliveira: - Sr. Presidente: Desloquei-me este fim de semana ao Algarve para me associar a uma cerimónia que muito me tocou o coração, fortaleceu o ânimo e me deu forças para aguentar os embates que a vida quotidiana nos oferece e se presumem, para o futuro, mais duros e arrasantes.
A posse das Comissões de Distrito e Consultiva da Acção Nacional Popular do Distrito de Faro, as pessoas que ficaram a dirigi-las, respectivamente os Exmos. Srs. Drs. Manuel Pereira Rodrigues Clarinha e Gabriel Pereira de Medeiros Galvão, e as palavras circunstanciais, de ordem, seguras, plenas de bom senso e politicamente certas proferidas pelo Exmo. Sr. Presidente da Comissão Executiva, Dr. Elmano Alves, foram os responsáveis e obreiros do meu maior alento para continuar a lutar por um Portugal maior.
Todavia, a vida é cheia de contrastes, e, ainda não refeito das benéficas emoções contraídas naquela cerimónia, tomei conhecimento de que um dos poucos edifícios de cunho antigo de Portimão e onde esteve instalada a Câmara Municipal do Concelho, e, actualmente, ocupado por várias repartições públicas - Tribunal Judicial, Cartório Notarial, Conservatórias do Registo Predial e Civil, Biblioteca Municipal, posto de turismo e até, o quartel da Guarda Nacional Republicana -, tinha sido pasto das chamas provocadas por um presumível e inimputável curto-circuito que promoveu a destruição de parte do edifício e de centenas de processos judiciais ali arquivados.
Que problemas se levantarão, no futuro, devido à destruição de tal documentação?
Que demoras suplementares não irão agora ocorrer no processamento da justiça?
Sr. Presidente: O sinistro e a destruição que motivou são de lamentar, mas das cinzas que ontem mesmo visitei sairá, estou convicto, pois creio no Governo da Nação e, neste caso particular, na competência de S. Exa. o Ministro da Justiça, uma obra de que Portimão se honrará.
O Governo irá, certamente, aproveitar a altura - e com a urgência que o caso requer e impõe - para dotar a comarca de Portimão do Palácio de Justiça, da Domus Justiciae, que há tanto tempo aspira e que tanta falta lhe faz.
Sr. Presidente: Eu sei que tem estado no espírito da edilidade e até de S. Exa. o Ministro da Justiça, e, segundo julgo, desde há muito, a construção do Palácio de Justiça que hoje aqui peço, que todos os portimonenses pedem.
Mas não é, Sr. Presidente, a partir de agora, possível esperar mais. A documentação que se guarda, mal guardada, vê-se, no vetusto e velho palácio dos Sárreas Tavares de Garfias Torres, não pode estar sujeita à destruição por fortuitos curtos-circuitos eléctricos.
É tão evidente a oportunidade e necessidade da construção da Domus Justiciae de Portimão que desde já deixo ao Governo da Nação, na pessoa de S. Exa. o Ministro da Justiça, o meu profundo e antecipado agradecimento, pois estou certo de que S. Exa. irá, com urgência, continuar a gigantesca obra que vem desenvolvendo para dignificação das casas onde se ministra a justiça, erigindo mais um palácio, o de Portimão.
Tenho dito.

O Sr. Moura Ramos: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pedi a V. Exa. a palavra para me ocupar, embora de maneira sucinta, de um assunto candente que tem sido notícia nos últimos dias e que - se bem que numa outra faceta - já foi abordado nesta Assembleia.
Refiro-me ao problema da exportação de vinhos para Angola, agora trazido a terreiro por virtude de as autoridades sanitárias angolanas haverem insolitamente recusado a entrada naquele território ultramarino de grandes remessas de vinho a granel, com o fundamento, considerado estranho, de as classificar "como impróprias para consumo e nocivas à saúde pública" por conterem elevado teor de cobre, ferro e chumbo por litro.
O impacte que tal decisão teve em todos os sectores ligados ao vinho, quer o da produção, comercialização e exportação, foi enorme, acarretando reacções que vão desde a estupefacção e desalento ao mal-estar e revolta, por se verificar que a situação criada por um organismo oficial é manifestamente atentatória dos interesses da vinicultura nacional e geradora de mau nome e reputação para os vinhos portugueses, com os consequentes gravames e prejuízos pelos reflexos que poderá vir a ter nos mercados externos.
E tais reacções não devem admirar se nos lembrarmos do papel de capital importância que a vinicultura desempenha para a actividade agrícola portuguesa e actividades a esta ligadas, quer a montante, quer a jusante do circuito, para a exportação e, portanto, para a balança económica.
Porém, mais justificado nos parece o alarme causado por tal medida, por acrescer de maneira bastante sensível as restrições de escoamento de vinhos a granel para o tradicional mercado angolano, já reduzido a cerca de metade por força da política de restrições de cambiais determinada em fins de 1971, pois a média anual decresceu de cerca de 90 milhões de litros exportados para 47 milhões de litros.
Mas, a par de todo um sistema de remessas de vinho para Angola, e que veio a modificar-se, dada a proibição da entrada de vinho em barris, pelo que passou a ser feito por transporte em navios-tanques especialmente preparados para o efeito, e engarramento no local de destino, o que levou a investir largas somas de dinheiro na montagem de instalações adequadas, novas dificuldades surgiram. E agora relacionadas com a exigência de características dos vinhos, e isto pode levar a crer que aconteceu por se haverem sanado as dificuldades anteriormente levantadas e que atrás referimos.
É evidente que o que deve sobremaneira interessar a ambas as partes - exportadores e entidades controladoras - é garantir a melhor qualidade para os vinhos destinados a consumo.
O que já não consegue perceber-se bem é que a entidade controladora, que no caso presente é a Direcção dos Serviços de Saúde de Angola, actue, como sói dizer-se, de modo mais papista do que o

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Papa, fazendo exigências de sanidade bastante diferentes das exigidas na metrópole e em colisão ou para além das disposições legais vigentes.
As características dos nossos vinhos são as estabelecidas pelas Portarias n.ºs 691/71 e 610/72, respectivamente de 11 de Dezembro e 14 de Outubro, e deverão ser "observadas, quer os produtos se destinem aos mercados metropolitano e ultramarino, quer aos mercados externos, salvo se, neste último caso, exigências dos próprios mercados tiverem determinado ou vierem a determinar a fixação de outras diferentes". Definidas naqueles diplomas legais as características a que devem obedecer os vinhos e seus derivados nas várias fases do circuito de comercialização, só podem e devem ser, consequentemente, considerados impróprios os vinhos que se situem fora dos limites, relações e índices definidos nos métodos oficiais de análise.
Ora acontece que tais diplomas são omissos no que toca a limites de teor de ferro, cobre e chumbo, o que, segundo me informam, também acontece com a legislação de outros países produtores de vinho. O próprio organismo de âmbito internacional L'Office International du Vin apenas estabelece limite de teor para o chumbo (de 0,6 mg/l), nada referindo quanto ao ferro e ao cobre.
Sendo assim, como explicar e justificar a decisão, sem conteúdo algum de legalidade, tomada pelos Serviços de Saúde de Angola, fazendo tábua rasa dos n.°s 11.° e 12.° da Portaria n.° 691/71, que dizem textualmente:

11.° A Comissão Técnica Permanente de Viticultura e Enologia, com base nas decisões dos organismos internacionais especializados e nos resultados dos estudos que vierem a ser efectuados sobre os produtos nacionais, procederá periodicamente à revisão das características a que se refere esta portaria e proporá as alterações convenientes.
12.° Sem prejuízo dia competência genérica atribuída à Inspecção-Geral dos Produtos Agrícolas e Industriais, a fiscalização do disposto na presente portaria incumbe, conforme os casos, à Junta Nacional do Vinho, aos restantes organismos vitivinícolas regionais e aos Grémios dos Armazenistas de Vinhos e do Comércio de Exportação de Vinhos?

Como conciliar - repito - estas disposições ilegais transcritas com a decisão tomada por um organismo oficial - a Direcção dos Serviços de Saúde de Angola - a quem a lei devia merecer estrito acatamento, e que, pelo menos sem razão local conhecida, transfere, de maneira insólita, na esfera de influência de outros organismos oficiais, sobrepondo-se-lhes?
Sr. Presidente: Em face do que deixamos dito e com vista ao aclaramento das dificuldades crescentes postas à aceitação no mercado angolano dos vinhos oriundos da metrópole, e tendo ainda em conta os gravames e prejuízos resultantes para o sector vitivinícola nacional com os seus, possíveis reflexos nos mercados externos, e provocados pela decisão das autoridades ditar de Angola, vou mandar para a Mesa um em que, ao abrigo das diisposições regimentais, peço que sejam fornecidos os elementos seguintes:

a) Cópia da decisão fundamentada dos serviços de saúde que considerou como "impróprias para consumo e nocivas à saúde pública" as remessas de vinho a granel enviadas para Angola;
b) Quais as firmas que exportaram esses vinhos e se o fizeram com rigoroso acatamento das disposições legais em vigor;
c) Quais as entidades que, nos portos de origem e destino, controlaram a qualidade dos vinhos, bem como a cópia dos certificados, se os houver, da genuinidade dos produtos remetidos;
d) Quais os limites de teor de ferro, cobre e chumbo que, no critério das autoridades sanitárias angolanas, foram desrespeitadas e base legal em que tal fixação desses limites foi feita, com a possível explicação da nocividade para a saúde de cada um daqueles elementos;
e) Qual a actuação da Junta Nacional do Vinho e de outros organismos ligados à exportação dos vinhos, no caso presente;
f) Quais os limites de teor de ferro, cobre e chumbo autorizados pelo Office International du Vin.

E termino as minhas considerações, Sr. Presidente, formulando os mais sinceros votos de que nos problemas levantados e relacionados com a exportação dos vinhos para Angola sejam encontradas as melhores soluções em ordem a servir, antes de tudo o mais, os superiores interesses da Nação una, plurirracial e pluricontinental que constituímos.
Tenho dito.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: Vamos passar à

Ordem do dia

Continuação da discussão na generalidade da proposta de lei acerca da protecção da intimidade da vida privada.
Tem a palavra o Sr. Deputado Meneses Falcão.

O Sr. Meneses Falcão: - Sr. Presidente: Entendeu-se, no seio da Comisão de Política e Administração Geral e Local, que à discussão na generalidade da proposta de lei sobre a protecção da intimidade da vida privada fosse trazida uma palavra isolada no sentido técnico normalmente instalado no comando das preocupações que conduzem a uma apreciação desta natureza.
O pequeno texto que é a proposta de lei em apreço surge, aos olhos dó leigo em matéria jurídica, como medida simples a enfrentar a complexidade de alguns problemas da vida.
Se não era punível devassar maliciosamente a vida alheia, passa a ser. E acabou-se.
Mas quem ultrapassar leste raciocínio simplista, amparado a uma ciência de ouvido e com a certeza de que não faltam disposições legais a defender os bons costumes, acaba por interrogar-se num ambiente de confusão.

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Pois não é certo que toda a gente tem direito ao bom nome e reputação, à sua tranquilidade e sossego, à intimidade na vida privada?
Não sentámos que esses direitos estão juridicamente tutelados quando vemos os cidadãos nas barras dós tribunais a responder por danos morais?
E ao ouvir falar de interpretação extensiva e integração de lacunas ficamos com a ideia de que nada falta para legitimar a acção punitiva contra os indiscretos, os bisbilhoteiros e todos os intrometidos de má fé na vida íntima de cada um.
Mas em presença de um exame tão cuidado e extenso como aquele que nos é oferecido pelo órgão consultivo de apoio à Assembleia, que é a Câmara Corporativa, depois da reflexão imposta pelos deveres da comissão que regimentalmente havia de pronunciar-se, topa-se o verdadeiro alcance da preocupação do Governo e reconhece-se que a medida proposta ultrapassa largamente as limitações de um juízo indocumentado.
De resto, é por força de juízos indocumentados que muita gente reclama medidas; e medidas contra as medidas...
Reflectindo e meditando, num ambiente enriquecido por diferentes testemunhos, concluímos que esta proposta de lei serve a novidade das situações actuais, face ao negativismo que acompanha a revolução técnica, e acautela as situações que se adivinham na corrida para a conquista da irresponsabilidade no futuro.
Talvez por isso se fala já num avanço sobre as legislações estrangeiras.
Mas não desviemos demasiadamente a atenção para os instrumentos revolucionários, para os primores da "civilização industrial", que permitem a escuta, a devassa, a intromissão, a brutal agressão à tranquilidade de espírito - com consequências de ordem física - dos cidadãos.
Medida repressiva, a que está em causa, pena é que não seja bem acompanhada por outras medidas de carácter mais preventivo, alarmantemente a cair em desuso, por cedência a correntes materialistas, sobrepondo os interesses de grupo e classes aos direitos do homem.
Há quem receie não ser ou parecer moderno e abrace um progressismo pedagógico que faz esquecer nas escolas primárias e secundárias os ensaios de educação cívica e o sistemático combate à corrupção de costumes. Combate a fazer pela imagem, pela exaltação do exemplo, no culto da virtude e sublimação dos princípios.
Muito pertinentemente, o ilustre relator do parecer da Comissão de Política e Administração Geral e Local, naturalmente apoiado por todos os elementos da Comissão, acentua que foi o aparecimento de instrumentos de precisão capazes de vencer distâncias e 'isolamentos que veio pôr em crise a intimidade da vida privada, para concluir que o aperfeiçoamento de tais instrumentos facilmente incita à sua utilização, dentro da grande probabilidade de o infractor nunca ficar a descoberto.
Daí a previsão de medidas que condicionem a fabricação e comercialização dos engenhos.
Também o Governo, no preâmbulo da sua proposta, admite que não estamos em presença de um sistema completo, mas de um passo expressivo antes de uma iniciativa de maiores dimensões.
Retomo aqui a preocupação já expressa, para assinalar que é muito traste e preocupante verificar que é precisamente no aperfeiçoamento técnico do homem, num ambiente de evolução, dentro da maior expressão científica, que surge a impossibilidade de travar eficazmente a degradação moral que ameaça o mesmo homem no seu precioso reduto: a intimidade pessoal.
Pois será também no ambiente de indiferença com que se observa ou não, se se atenta num generalizado abafar dos valores morais, que ressalta o mérito da proposta, como tentativa de acudir à tranquilidade em perigo.
Já lá vai o tempo em que ficava a porta só no trinco! Agora, quanto mais exuberante é a vida social, maior é o número de ferrolhos a defender o homem, do homem.
Neste ponto sentiria a tentação de penetrar no recolhimento de certos doutrinadores, se não tivesse muito respeito pela intimidade da vida privada...
Fica então previsto mais um meio de interceptar a calúnia à nascença, em vez de a punir quando já deixa inevitáveis sequelas.
Não ficará mal explicitar que colher imagens, escutar, devassar, penetrar furtivamente na intimidade das pessoas, por malícia, sem justa causa, só pode servir para reproduzir amesquinhando, divulgar comprometendo, especular intimidando, ou fazer chantagem comerciando.
Todos sabemos quanto é perigosa a deturpação. Até o extracto de conversa, de boa ou má fé. Meia dúzia de palavras isoladas do texto essencial, prestam-se a milhentas incriminações. Todos temos experiência disso.
Por outro lado, a verdade em campo aberto passa livremente e pouco se repara nela. A mentira, colhida e propalada insidiosamente, bate a todas as portas e fixa-se em toda a parte.
No melhor pano cai a nódoa; é da sabedoria popular.
Ora, basta que o cidadão sinta a possibilidade de ser abusivamente observado ou escutado - direi mesmo expropriado da sua intimidade, servindo-me de uma imagem colhida no parecer da Câmara Corporativa -, basta isso, para viver com os nervos em franja e reclamar o direito de defesa.
Defesa que não encontrará, decisivamente, nesta lei, embora lhe possa dar uma preciosa ajuda.
Havemos de socorrer-nos de outras leis, se quisermos ir mais longe. As leis do Velho, do Novo, do inalterável Testamento.
As leis morais.
Não retiremos da Igreja o verdadeiro catecismo, que já vai sendo substituído por falaciosas interpretações; da escola, a simplicidade dos velhos conceitos, a emoldurar o culto da virtude, que já vão cedendo lugar ao culto do materialismo, mascarado de tecnicismo.
Não retiremos da sociedade a evidência, o peso da sanção moral, que deve transitar pela rua, pela escola, pelas repartições, pelos colóquios, pelos congressos, por todos os lugares cada vez mais afeitos à ideia de que o que importa é fugir do que nos incomoda, sem pensarmos que essa libertação nos faz fugir da nossa condição humana.

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Condição que também se defende no apoio a esta lei, mas sem esquecer que só as normas morais completam quanto fica fora do raio de acção das normas judiciais.

O Sr. Teixeira Canedo: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não nos proporemos fazer, nesta intervenção, nem a análise histórica nem a justificação ontológica exaustiva da necessidade da tutela criminal do direito à defesa da intimidade da vida privada, pois, para não comermos o risco da desvirtuação, teríamos de reproduzir o que brilhantemente aqui foi dito pelo Sr. Deputado Duarte de Oliveira e o que, com não menos relevância e interesse, é afirmado no douto parecer da Câmara Corporativa e na comunicação feita pelo ilustre advogado Dr. Mário Raposo ao I Congresso da Ordem dos Advogados.
De acordo com Ligi e Musatti, a intimidade é a necessidade de encontrar na solidão aquela paz e aquele equilíbrio continuamente comprometidos pelo ritmo da vida moderna; de manter-se a pessoa, querendo, isolada, subtraída ao alarde e à publicidade, resguardada da curiosidade dos olhares e dos ouvidos ávidos. (Paulo José da Costa Júnior, O Direito de Estar Só, p. 2.)
O seu valor está precisamente no facto de gerar a independência que, tornando-nos espiritualmente diferentes do nosso semelhante, nos permite valorar as relações sociais.
"Nas actividades em que estamos continuamente expostos a contactos sociais e onde tem lugar um incessante intercâmbio de ideias, tendemos a ficar parecidos uns com os outros graças ao ajustamento mútuo. Este processo de socializar as nossas experiências é salutar desde que seja equilibrado por uma esfera de privaticidade. Sem esta não resta força no 'eu' para resistir à contínua mudança e o indivíduo converte-se numa pilha de padrões descoordenados." (Mannheim, Diagnóstico do Nosso Tempo, citado por Paulo José da Costa Júnior a p. 23 da obra já referida.)
Com excepção para os países totalitários, reconhece-se hoje por toda a parte que a intimidade da vida privada deve ser tutelada no foro criminal fundamentalmente porque, de um lado, a evolução da técnica facilitou extraordinariamente o seu desrespeito e, de outro, porque o homem é cada vez mais o centro e o escopo último do direito contemporâneo.
"O processo de corrosão das fronteiras da intimidade, o devassamento da vida privada, tornou-se mais agudo e inquietante com o advento da era tecnológica. As conquistas desta era destinar-se-iam em tese a enriquecer a personalidade, ampliando-lhe a capacidade de domínio sobre a natureza, aprofundando o conhecimento, multiplicando e disseminando a riqueza, revelando e promovendo novos rumos de acesso ao conforto.
Concretamente, todavia, o que se verifica é que o Propósito dos inventores, cientistas e pesquisadores sofre um desvirtuamento quando se converte de ideia beneficente em produto de consumo. A revolução tecnológica, sempre mais acentuadamente, ganha um dinamismo próprio, desprovido de directrizes morais, conduzido por um cientificismo ao qual são estranhas e mesmo desprezíveis quaisquer preocupações éticas, metafísicas, humanísticas. Torna-se cega e desordenada, subtraindo-se ao contrôle até mesmo dos sábios, que a desencadeiam." (Paulo José da Costa Júnior, O Direito de Estar Só - Tutela Penal da Intimidade, p. 14.)
Pela narco-análise, pelas projecções subliminais e através de ordenadores electrónicos de dados ou de diminutos e perfeitíssimos aparelhos de captação de sons e imagens, a técnica conseguiu abolir a liberdade do pensamento, a inviolabilidade da intimidade da vida privada e do domicílio, o isolamento moral e físico, o sigilo das comunicações e da correspondência, enfim, qualquer segredo mais íntimo dos indivíduos.
A sua evolução e aplicação descontrolada puseram, decisivamente, em crise os direitos de personalidade, nomeadamente o direito à intimidade da vida privada que, não obstante seja para nós o mais importante, até há pouco tempo a quase generalidade dos ordenamentos jurídicos reputavam satisfatoriamente defendido através da defesa dos demais.
É certo, porém, que para este estado de coisas contribuíam a sua difícil conceitualização e as reduzidas hipóteses da sua agressão por processos naturais.
Prevendo já as largas possibilidades negativas da técnica, a Declaração dos Direitos do Homem, proclamava em 1948, no seu artigo 12.°:

Ninguém poderá ser objecto de intervenções arbitrárias na sua vida privada, na sua família, no seu domicílio ou na sua correspondência, nem de atentados à sua honra e à sua reputação. Toda a pessoa tem direito à protecção da lei contra tais atentados.

Outras organizações internacionais, nomeadamente a Comissão Internacional de Juristas e a União Internacional dos Advogados, têm vindo a proclamar princípios perfeitamente coincidentes com aquele artigo 12.°
Todo este movimento de opinião tem vindo a influenciar os ordenamentos jurídicos internos de grande número de países ocidentais, os quais, com maior ou menor largueza, têm procurado dar protecção criminal ao direito à intimidade da vida privada.
Situa-se na linha dessa mesma orientação o projecto de lei que, por iniciativa feliz do Sr. Ministro da Justiça, ora estamos a discutir. Para tutela jurídica do direito à intimidade dia vida privada são nele objectivamente consideradas: as conversas ou comunicações particulares, a imagem e a tranquilidade das pessoas.
De salientar é, desde já, que, concordando com o parecer da Câmara Corporativa, se tenha eliminado, e bem, a exigência, que se verificava no projecto inicial, do dolo específico como elemento típico dos crimes que enunciava; adoptou-se a melhor e mais corrente técnica legislativa e acabou por se propor um projecto de lei com possibilidade de aplicação prática e não apenas teórica.
A conceitualização perfeita do direito à intimidade da vida privada era e continua a ser tarefa difícil, não só pela grande amplitude do conteúdo possível da intimidade das pessoas, mas também da complexidade da delimitação do que seja a sua vida privada perante os valores contrapostos dos direitos de e à informação e de liberdade de acção.

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Esta evolução, este risco, é tanto mais grave quanto é certo estar a tecnologia, melhor dizendo, a sua filosofia, a degradar o homem, a desvalorizá-lo, reduzindo-o a mera peça da engrenagem industrial.
O facto, porém, de não dispormos ainda de um conceito devidamente afinado, segundo nos parece, não tem relevância de maior, visto que o projecto indica especificadamente as actividades ou acções concretas que são passíveis de punição, e o artigo 80.° do Código Civil manda aferir a reserva da intimidade da vida privada, que a todos reconhece, por duas bases objectivas: a natureza do caso e a condição das pessoas.
Salvo melhor opinião em contrário, parece-nos, ainda, que a "reserva quanto à intimidade da vida privada de outrem" pode cindir-se e ser agredida em dois momentos diferentes: o da intromissão não consentida e o da divulgação. A expressão "guardar reserva" daquele artigo 80.° pode perfeitamente ter dois significados: "não intromissão" e "não divulgação".
São duas realidades a que correspondem diversas intensidades de dolo e com interesse, portanto, para a graduação da punição.
O conflito que atrás admitimos entre o direito à intimidade da vida privada e os direitos de informação e à informação só existirá para quem entenda que a mera narração de factos é manifestação de pensamento, ou seja, que existe um direito de crónica.
Para nós, decididamente, não o é.
Demais, como afirma Goldschmidt (La protección jurídica de la vida privada, p. 238):

Confundem-se com facilidade causa e efeito. Não são tanto os desejos do público que originam as publicações relativas à vida privada, senão uma imprensa inescrupulosa que disputa e alimenta tais apetites do público.

Na generalidade, o projecto de lei merece-nos apenas os seguintes reparos:
a) A pena máxima prevista não tem, parece-nos, a elasticidade suficiente para que dentro dela se possam estabelecer penas justas para as diferentes realidades previstas.
Será, assim, necessário, segundo também nos parece, cominar pena com o limite máximo mais alto para alguns dos ilícitos previstos na base I.
De facto, como se acentua no parecer da Câmara Corporativa, é uma verdade - mas ilógica e até imoral, dizemos nós - que o direito se mostre mais preocupado em garantir eficazmente a protecção e defesa do homem naquilo que ele tem do que naquilo que ele é, nos seus bens patrimoniais do que nos seus bens pessoais.
Se um homem, tantas vezes por necessidade, furta a outro mais que 10 000$ e menos que 40 000$, fica sujeito a uma pena de dois anos de prisão correccional; na moldura da proposta, a pena mais alta é de um ano de prisão! É manifesta a disparidade;
b) Comina penas com a mesma moldura para ilícitos de gravidade muito diferentes, situação que não se compreende, sobretudo quando os crimes sejam cometidos com instrumentos especialmente adequados a facilitar e dissimular a sua prática ou como publicidade, e deixar de considerar como crime a captação, registo e divulgação da imagem dos bens de outrem, facto este tantas vezes susceptível de ferir a intimidade privada;
c) Não prevê a incriminação da divulgação, sem justa causa, de factos da intimidade da vida privada do agente, que o sejam, simultaneamente, da intimidade da vida privada de outro ou outros sem o consentimento destes.
A presente lei representa, sem dúvida, uma iniciativa de vulto e aponta-nos um Ministro inteiramente atento às realidades da vida hodierna. Motivo há, pois, para felicitarmos calorosamente o Sr. Ministro da Justiça.
Os homens do foro, e sobretudo os Srs. Juizes, terão possibilidades de a completarem e melhorarem através das suas decisões, pois ela, creio, virá a ter uma estrutura e redacção final que permitirá larga elaboração jurisprudencial e a aplicação em grande medida do critério do julgador.
Tenho dito.

O Sr. Moura Ramos: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Proponho-me fazer umas considerações muito breves acerca da proposta de lei n.° 27/X, que o Governo, na esteira do movimento internacional que vem procurando dar expressão legal à tutela penal da intimidade da vida privada, acaba de submeter à apreciação desta Assembleia, acompanhada do douto parecer da Câmara Corporativa.
A protecção legal que, autónoma e vigorosamente, se deseja dar com a presente proposta de lei à intimidade da vida privada dos indivíduos resulta de um evoluir da sociedade tecnológica, que, não obstante, os seus rápidos e enormes progressos, nem sempre tem levado na devida e correcta linha de conta os direitos da personalidade humana. Quer isto dizer que ao avanço da técnica em todos es domínios não tem correspondido correlativamente um progresso de ordem moral, ou, melhor, um tão necessário acatamento aos princípios e valores morais e espirituais, que umas vezes são esquecidos quando não frontalmente ameaçados e até violados. Na verdade, o progresso tecnológico, a técnica, parece arrastar consigo a acção corrosiva do desregramento dos costumes ou, pelo menos, condicioná-la. Também neste sector as vitórias do homem sobre a Natureza através da técnica têm o seu reverso, sobretudo quando falta a esse progresso técnico aquele "suplemento de alma" de que nos falava Bergson e que leva a torná-la dura, implacável, desumana e violadora daqueles mais sagrados direitos do homem.
E tal actuação baseia-se numa moral materialista e numa filosofia da história que só tem como principal escopo o êxito e o escândalo obtidos para contestar e até para desprezar as noções do justo e injusto, do verdadeiro e do falso, da moralidade e imoralidade, em suma, do bem e do mal.
Nesta sociedade em que vivemos e que cada vez mais lesta a tornar-se permissiva no capítulo dos costumes e dos desregramentos sexuais, que tende a aceitar com a maior indiferença moral muito do que, ainda há bem pouco tempo, condenava severamente ou se esforçava por dissimular, em que a pornografia, a droga e o erotismo foram alçapremados a um lugar de relevo tristemente corruptor, resultou uma degradação de valores e um sintoma de declínio que não admira merecer especial atenção por parte dos res-

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ponsáveis pelos destinos da civilização ocidental e cristã.
É que os meios de comunicação social, com a mira de obter lucros por qualquer preço e em nome de uma suposta liberdade, que, ao cabo e ao resto, acabará, inevitavelmente, por converter-se na mais pesada das servidões, lançaram-se ao assalto incessante ao que a vida humana de mais privado tem. E, lamentavelmente, fazem isto com objectivos sensacionalistas, escandalosos, quando não difamantes, desprezando para tanto os valores perenes e os direitos fundamentais e chegando ao cúmulo de nem sequer ser poupada a própria dignidade e a vida privada do homem.
Ora, é precisamente neste contexto que se deve inserir o aparecimento da proposta de lei que, em boa hora, o Governo tomou a iniciativa de mandar à Assembleia Nacional com o objectivo de dar tutela penal "à violação do recolhimento e intimidade do homem pelo seu semelhante", conforme se lê no relatório da referida proposta de lei.
É que o direito ao respeito da vida privada de cada um é unanimemente aceite, razão esta por que se procura tutelar criminalmente a ofensa ou violação desse direito.
Ora, sabendo-se, como se sabe, que o avanço da técnica tem permitido a descoberta de processos e de aparelhagem vária cuja utilização pode conduzir à violação desse direito, e que uma tão necessária e correlativa força de moralidade não tem acompanhado tal progresso técnico, imperioso se tornou, nos dias de hoje, dar expressão na lei à tutela penal da intimidade da vida privada, que a doutrina e a jurisprudência reclamam como sendo precisa para cuidar da defesa de tal direito.
E nem admira que assim aconteça numa época em que a exploração comercial, a indústria dos escândalos, por altamente rendosa, vai de vento em popa ao encontro dos gulosos e indignos gostos de massas cada vez mais instruídas em libertinagens e cada vez menos educadas na prática das verdadeiras liberdades e virtudes, pelo que se tornava imperioso e urgente arranjar uma arma de combate contra os aspectos negativos que o progresso técnico acarreta ao desenvolvimento de uma sã personalidade humana.
Ora, é essa arma de combate que precisamente quer obter-se com a proposta de lei em apreciação, punindo quem cometa abusos praticados com os mais variados engenhos de escuta e de recolha de imagens e até de violação do próprio pensamento.
E se bem que o direito penal constituído não esteja completamente alheado de várias formas possíveis de violação da intimidade da vida privada, entendido foi, e quanto a nós bem, que, com a presente proposta de lei se abarcassem outras "formas de violação permitidas e divulgadas pelos mete técnicos de intromissão e relacionação", garantindo-se deste modo o "núcleo essencial da intimidade até agora desprovido de uma protecção legal capaz", e que "pela crescente divulgação que vem sendo registada nos meios e processos técnicos que facilitam a sua consumação", tão veementemente são (repudiadas pela consciência social, exigindo a "imediata incriminação de ofensas embora respeitantes a interesses individuais, aliás dos mais importantes", como bem se sublinha no Parecer da Câmara Corporativa.
O Doutor Salazar, com a cristalina claridade do ^u arguto pensamento político e invulgar sentido das realidades, disse um dia que via nas leis o espelho dos defeitos dos homens, pois que, por mais puro que seja o princípio dessas leis, são aplicadas pelos homens de que elas reflectem os defeitos.
Efectivamente assim é, e com a proposta de lei em apreciação o Governo mostra estar bem compenetrado da verdade contida naquela asserção de Salazar, pelo que importa espelhar em lei os defeitos perigosos que uma sociedade permissiva e tecnológica pode levar impunemente a implantar como dessoradas regras de vida do nosso povo.
E ainda bem que tal acontece, sabido como é que, normalmente, os grandes erros políticos são quase sempre causados pela falta de atenção dos governantes.
É que, tal como no mundo físico, toda a acção suscita uma (reacção; assim, no mundo social, todo o acontecimento tem o seu verso e reverso. Bis por que à acção de desvergonha e baixeza a que o avanço de uma técnica utilizada despudoradamente para violar o carácter sagrado de que se deve revestir o segredo da vida privada de cada um dos portugueses, há que opor uma reacção intransigentemente salutar e vigorosamente benéfica, varrendo da testada portuguesa uma das chagas mais graves de que está a sofrer a sociedade humana - a imoralidade -, obstando ao amolecimento das forças do espírito que constitui, além de séria ameaça à dignidade humana e cristã dos Portugueses, um grave crime de lesa-pátria, se atentarmos na advertência de Bonald de que "a pior das corrupções não é a que desafia as leis, mas a que delas faz lei".
Dentro de uma concepção cristã, à sombra da qual nos acolhemos, há que observar na regulamentação jurídica desta matéria o desejável e necessário equilíbrio entre a salvaguarda dos direitos da personalidade, por um lado, e as prementes exigências do bem comum, por outro lado, sabendo-se da dificuldade, por vezes existente, em objectivar em termos universais aquilo que cada um de nós, subjectivamente, é capaz de precisar para si mesmo.
E porque a proposta de lei n.° 27/X em apreciação, com as alterações sugeridas pela Câmara Corporativa e pela Comissão de Política e Administração Geral e Local, desta Assembleia, parece não comprometer esse tão desejado equilíbrio e dar satisfação aos interesses cuja protecção se propõe fazer, muito gostosamente lhe dou o meu voto de aprovação na generalidade.
Tenho dito.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Pinto Balsemão, que se tinha inscrito para usar da palavra neste debate, parece não estar na sala e, aliás, ainda não deu a sua presença à Mesa. Concluo, portanto, que desiste da sua intervenção.
Não há mais nenhum Sr. Deputado inscrito para a discussão na generalidade da proposta de lei acerca da protecção da intimidade da vida privada. Não foi apresentada nenhuma questão prévia tendente a retirar da discussão esta proposta de lei. Considero-a, portanto, aprovada na generalidade.
Amanhã procederemos à sua apreciação e votação na especialidade. Informo VV. Exas. de que deram entrada na Mesa várias propostas de alterações: algumas subscritas por Srs. Deputados membros da nossa Comissão de Política e Administração Geral e Local, outras pelo Sr. Deputado Teixeira Canedo. Vão ser

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publicadas no Diário das Sessões e amanhã serão distribuídas a VV. Exas. em fotocópias antes do início da discussão.
Também peço a atenção dos Srs. Deputados porventura interessados na discussão do aviso prévio anunciado pelo Sr. Deputado Delfino Ribeiro acerca da produção, tráfico e consumo ilícitos de estupefacientes, que esse aviso prévio deve ser efectuado na próxima semana.
Como já anunciei, a seguir a esta proposta de lei, espero que na sessão de depois de amanhã, iniciar-se-á a discussão na generalidade da proposta de lei relativa aos agrupamentos complementares de empresas.
Vou encerrar a sessão. A próxima sessão será amanhã, à hora regimental, tendo como ordem do dia a discussão e votação na especialidade da proposta de lei relativa à protecção da intimidade da vida privada.
Está encerrada a sessão.

Eram 17 horas e 10 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Albano Vaz Pinto Alves.
António Bebiano Correia Henriques Carreira.
António de Sousa Vadre Castelino e Alvim.
Fernando do Nascimento de Malafaia Novais.
Gabriel da Costa Gonçalves.
João Duarte Liebermeister Mendes de Vasconcelos Guimarães.
João Duarte de Oliveira.
João Ruiz de Almeida Garrett.
José Coelho Jordão.
José dos Santos Bessa.
Júlio Dias das Neves.
Raul da Silva e Cunha Araújo.
Rogério Noel Peres Claro.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Álvaro Filipe Barreto de Lara.
Amílcar Pereira de Magalhães.
António Fausto Moura Guedes Correia Magalhães Montenegro.
António Pereira de Meireles da Rocha Lacerda.
Armando Valfredo Pires.
Carlos Eugénio Magro Ivo.
Delfino José Rodrigues Ribeiro.
Deodato Chaves de Magalhães Sousa.
Fernando Artur de Oliveira Baptista da Silva.
Fernando David Laima.
Fernando de Sá Viana Rebelo.
Francisco Correia das Neves.
Francisco José Pereira Pinto Balsemão.
Francisco de Nápoles Ferraz de Almeida e Sousa.
Gustavo Neto Miranda.
Henrique José Nogueira Rodrigues.
Henrique dos Santos Tenreiro.
João Pedro Miller Pinto de Lemos Guerra.
Joaquim Jorge Magalhães Saraiva da Mota.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Jorge Augusto Correia.
José da Costa Oliveira.
José Dias de Araújo Correia.
José Gabriel Mendonça Correia da Cunha.
José da Silva.
José Vicente Pizarro Xavier Montalvão Machado.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Luís Maria Teixeira Pinto.
Manuel José Archer Homem de Mello.
Manuel Marques da Silva Soares.
Manuel Monteiro Ribeiro Veloso.
D. Maria Raquel Ribeiro.
Olímpio da Conceição Pereira.
Ramiro Ferreira Marques de Queirós.
Teodoro de Sousa Pedro.
Teófilo Lopes Frazão.
Tomás Duarte da Câmara Oliveira Dias.
Vasco Maria de Pereira Pinto Costa Ramos.
Victor Manuel Pires de Aguiar e Silva.

Propostas enviadas para a Mesa no decorrer da sessão, acerca da proposta de lei sobre a intimidade da vida privada:

Proposta de emenda e aditamento

Propomos a seguinte redacção para a base I da proposta de lei n.° 27/X (protecção da intimidade da vida privada):

BASE I

1. Será punido com prisão até um ano e multa correspondente aquele que, sem justa causa e com o propósito de devassar a intimidade da vida privada de outrem:

a) Intercepte, escute, registe, utilize, transmita ou divulgue, sem consentimento de quem nela participe, qualquer conversa ou comunicação particular;
b) Capte, registe ou divulgue a imagem de pessoas ou de seus bens, sem o consentimento delas;
c) Observe, às ocultas, as pessoas que se encontrem em lugar privado.

2. Quando o agente utilizar instrumento especialmente adequado à prática da infracção, a pena será a de prisão e multa correspondente.
Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 20 de Fevereiro de 1973. - Os Deputados: José João Gonçalves de Proença - João Manuel Alves - Francisco Manuel de Meneses Falcão - Bento Benoliel Levy.

Proposta de emenda e aditamento

Proponho a seguinte redacção para a base I da proposta de lei n.° 27/X (protecção da intimidade da vida privada):

BASE I

1. Será punido com prisão e multa correspondente quem, devassando, sem justa causa, a intimidade da vida privada de outrem:

a) Utilize, transmita ou divulgue ou maliciosamente intercepte, escute ou registe, sem consentimento de quem nela participe, qualquer conversa ou comunicação particular;
b) Capte, registe ou divulgue a imagem de pessoas sem o sen consentimento.

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2. Se, porém, utilizar instrumento especialmente adequado a facilitar ou dissimular a prática da infracção ou der publicidade aos factos que a integram, ser-lhe-á aplicada a mesma pena em medida não inferior a um terço da sua duração máxima.
3. Haverá publicidade sempre que esses factos sejam transmitidos ou divulgados a, pelo menos, cinco pessoas.

Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 20 de Fevereiro de 1973. - O Deputado, João António Teixeira Canedo.

Proposta de alteração

Proponho que a alínea c) da base I passe a constituir outra base com o n.° I-A e com a seguinte redacção:

Base I-A

Será punido com prisão até um ano e multa correspondente quem, devassando, sem justa causa, a intimidade da vida privada de outrem, observe às ocultas pessoas que se encontrem em lugar privado.

Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 20 de Fevereiro de 1973. - O Deputado, João António Teixeira Canedo.

Proposta de emenda

Propomos a seguinte redacção paxá a base II da proposta de lei n.° 27/X (protecção da intimidade da vida privada):

Base II

1. Será punido com prisão até um ano e multa correspondente aquele que, sem justa causa, forneça elementos, relativos à intimidade da vida privada de outrem, sem o seu consentimento, a um ficheiro, base ou banco de dados, geridos por ordenador ou por outro equipamento fundado nos princípios da cibernética.
2. As mesmas penas serão aplicadas àquele que fizer uso desses elementos, para fins não consentidos por lei, quando hajam sido recolhidos pelos processos referidos no número anterior.

Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 20 de Fevereiro de 1973. - O Deputado, João António Teixeira Canedo.

Proposta de emenda

Propomos a seguinte redacção paia a base III da Proposta de lei n.° 27/X (protecção da intimidade da vida privada):

Base III

Será punido com prisão até seis meses e multa correspondente aquele que, sem justa causa e com o propósito de importunar alguém, se lhe dirija pelo telefone, através de mensagens ou se apresente diante do seu domicílio ou de outro lugar privado.

Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 20 de Fevereiro de 1973. - Os Deputados: José João Gonçalves de Proença - João Manuel Alves - Francisco Manuel de Meneses Falcão - Bento Benoliel Levy.

Proposta de alteração e aditamento

Proponho que a base III passe a ter a seguinte redacção:

Base III

Será punido com prisão até seis meses e multa correspondente quem:

a) Importune, sem justa causa, a intimidade da vida privada de outrem, dirigindo-se-lhe pelo telefone ou através de mensagens ou quaisquer escritos ou apresentando-se reiteradamente no ou junto do seu domicílio ou de outro lugar privado;
b) Importune, também sem justa causa, essa mesma intimidade, captando, registando ou divulgando a imagem de bens alheios.

Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 20 de Fevereiro de 1973. - O Deputado, João António Teixeira Canedo.

Proposta de aditamento

Propomos que à proposta de lei n.° 27/X (protecção da intimidade da vida privada) seja acrescentada uma nova base, a que caberá o n.° VII, com a seguinte redacção:

Base VII

Por forma a prevenir o perigo que, nos termos da presente lei, pode resultar da utilização ilícita dos instrumentos a que se refere o n.° 2 da base I, deverá o Governo proceder à regulamentação do seu fabrico, importação, transacção ou simples detenção.

Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 20 de Fevereiro de 1973. - Os Deputados: José João Gonçalves de Proença - João Manuel Alves - Francisco Manuel de Meneses Falcão - Bento Benoliel Levy.

Proposta de aditamento

Proponho que à presente lei seja aditada mais uma base, com a seguinte redacção:

Base...

Será punido com prisão até um ano e multa correspondente todo aquele que, sem justa causa, revele ou divulgue factos da vida privada de outrem sem o seu consentimento, ainda que tais

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factos pertençam, simultaneamente, à intimidade da sua própria vida privada.

Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 20 de Fevereiro de 1973. - O Deputado, João António Teixeira Canedo.

Requerimento enviado para a Mesa no decorrer da sessão:

Ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais, requeiro que me sejam fornecidos os elementos seguintes:

a) Cópia da decisão fundamentada dos Serviços de Saúde de Angola, que considerou como "impróprias para consumo e nocivas à saúde pública" as remessas de vinho a granel enviadas para ali;
b) Quais as firmas que exportaram esses vinhos e se o fizeram com rigoroso acatamento das disposições legais em vigor;
c) Quais as entidades que, nos portos de origem e destino, controlaram a qualidade dos vinhos, bem como a cópia dos certificados, se os houver, da genuinidade dos produtos remetidos;
d) Quais os limites de teor de ferro, cobre e chumbo que, no critério das autoridades sanitárias angolanas, foram desrespeitados e base legal em que a fixação desses limites foi feita, com a possível explicação da nocividade à saúde de cada um daqueles elementos;
e) Qual a actuação da Junta Nacional do Vinho e de outros organismos ligados à exportação dos vinhos no caso presente;
f) Quais os limites de teor de ferro, cobre e chumbo autorizados pelo Office International du Vin.

Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 20 de Fevereiro de 1973. - O Deputado, Rui de Moura Ramos.

IMPRENSA NACIONAL - CASA DA MOEDA PREÇO DESTE NÚMERO 5$60

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