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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL E DA CÂMARA CORPORATIVA

DIÁRIO DAS SESSÕES

N.° 236 ANO DE 1973 15 DE MARÇO

ASSEMBLEIA NACIONAL

X LEGISLATURA

SESSÃO N.° 236, EM 14 DE MARÇO

Presidente: Exmo. Sr. Carlos Monteiro do Amaral Netto

Secretários: Exmos. Srs
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira
Amílcar da Costa Pereira Mesquita

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas.

Antes da ordem do dia. - Foi aprovado, com rectificações, o n.° 234 do Diário das Sessões.
Deu-se conta do expediente.
O Sr. Deputado Moura Ramos referiu-se às explosões verificadas ultimamente em Lisboa.
O Sr. Deputado Duarte de Oliveira teceu algumas considerações acerca da actualização dos vencimentos dos funcionários e da última "conversa em família" do Sr. Presidente do Conselho.
O Sr. Deputado Salazar Leite referiu-se às explosões verificadas ultimamente em Lisboa.
O Sr. Deputado Lopes Frazão, referindo-se à última "conversa em família" do Sr. Presidente do Conselho, agradeceu o concessão da pensão de sobrevivência.
O Sr. Deputado Carvalho Conceição analisou vários problemas conexos com o ensino, nomeadamente nos aspectos de recrutamento dos professores do ensino secundário, e alguns aspectos da situação do pessoal administrativo e auxiliar.
O Sr. Deputado Alberto de Alarcão fez alguns comentários acerca da comercialização dos vinhos no ultramar e marcas de origem.

Ordem do dia. - Continuou o debate acerca do aviso prévio sobre toxicomania.
Usaram da palavra os Srs. Deputados D. Sinclética Torres, Cancella de Abreu, Braz Gomes e Leal de Oliveira.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 35 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Eram 15 horas e 50 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Albano Vaz Pinto Alves.
Alberto Eduardo Nogueira Lobo de Alarcão e Silva.
Alberto Maria Ribeiro de Meireles.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre José Linhares Furtado.
Amílcar da Costa Pereira Mesquita.
António Fausto Moura Guedes Correia Magalhães Montenegro.
António Lopes Quadrado.
Armando Júlio de Roboredo e Silva.
Armando Valfredo Pires.
Augusto Domingues Correia.
Augusto Salazar Leite.
Bento Benoliel Levy.
Carlos Eugénio Magro Ivo.
Carlos Monteiro do Amaxal Netto.
D. Custódia Lopes.
Delfim Linhares de Andrade.
Delfino José Rodrigues Ribeiro.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Eleutério Gomes de Aguiar.
Fernando David Laima.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Fernando do Nascimento de Malafaia Novais.
Fernando de Sá Viana Rebelo.
Filipe José Freire Themudo Barata.
Francisco António da Silva.
Francisco Esteves Gaspar de Carvalho.
Francisco João Caetano de Sousa Brás Gomes.
Francisco Manuel de Meneses Falcão.
Francisco de Moncada do Casal-Ribeiro de Carvalho.
Francisco de Nápoles Ferraz de Almeida e Sousa.
Gabriel da Costa Gonçalves.
Gustavo Neto Miranda.

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Henrique Veiga de Macedo.
João Duarte de Oliveira.
João Lopes da Cruz.
João Manuel Alves.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
Joaquim Jorge Magalhães Saraiva da Mota.
José Coelho Jordão.
José Gabriel Mendonça Correia da Cunha.
José Maria de Castro Salazar.
José de Mira Nunes Mexia.
José Vicente Cordeiro Malato Beliz.
Júlio Dias das Neves.
Lopo de Carvalho Cancella de Abreu.
Luís António de Oliveira Ramos.
D. Luzia Neves Pernão Pereira Beija.
Manuel Elias Trigo Pereira.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel de Jesus Silva Mendes.
Manuel Joaquim Montanha Pinto.
Manuel Marques da Silva Soares.
Manuel Martins da Cruz.
D. Maria Raquel Ribeiro.
Maximiliano Isidoro Pio Fernandes.
Miguel Pádua Rodrigues Bastos.
Nicolau Martins Nunes.
Pedro Baessa.
Prabacor Rau.
Rafael Ávila de Azevedo.
Raul da Silva e Cunha Araújo.
Ricardo Horta Júnior.
Rogério Noel Peres Claro.
Rui de Moura Ramos.
Teófilo Lopes Frazão.
Vasco Maria de Pereira Pinto Costa Ramos.
Victor Manuel Pires de Aguiar e Silva.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 68 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.

Eram 16 horas.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Está em reclamação o n.° 234 do Diário das Sessões.

O Sr. Roboredo e Silva: - Sr. Presidente: Solicitava que se procedesse à seguinte rectificação a este Diário:

Na p. 4727, col. 2.ª, l. 34, onde se lê "um popularidade", deve ler-se "uma popularidade".
Na mesma página e coluna, l. 39, onde se lê "com forma", deve ler-se "como forma".
Muito obrigado.

O Sr. Presidente: - Continua em reclamação o n.° 234 do Diário das Sessões.

Pausa.

Se mais nenhum de VV. Exas. tem reclamações a fazer ao n.° 234 do Diário das Sessões, considerá-lo-ei aprovado, com as rectificações apresentadas.
Está aprovado.

Rectificações apresentadas pelo Sr. Deputado Agostinho Cardoso ao n.° 234 do Diário das Sessões:

Na p. 4721, col. 1.ª, l. 39, onde se lê "Deputado Delfino Teixeira", deve ler-se "Deputado Delfino Ribeiro".

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Telegrama

Do Sr. Luís Pedro Leite, felicitando o Sr. Deputado Delfino Ribeiro pelo belíssimo trabalho sobre a toxicomania.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Moura Ramos.

O Sr. Moura Ramos: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Com uma sóbria nota emanada do Gabinete do Ministério do Exército, na tarde do dia 9 do corrente mês, o País foi uma vez mais desagradavelmente surpreendido pela notícia de novas manifestações de violência praticadas por agentes de bandos da antinação.
Tais manifestações de violência, com a costumada cobardia de processos da luta utilizada no ultramar através de emboscada e minas ocultas no leito das estradas, destinam-se a pôr à prova a têmpera moral das nossas populações, tudo fazendo para abalar a consciência colectiva, colaborando com os que nos atacam em África e criando na metrópole a anarquia e o caos.
Mas o certo é que os seus desnaturados e cobardes autores nada mais conseguem que não seja provocar um justificado sentimento de indignação e repulsa por parte de toda a gente, que se coloca mais abertamente contra os pontos de vista de uma organização que, a soldo do exterior, pretende obter pelo terrorismo as credenciais de uma oposição válida.
Como já uma vez aqui dissemos, os mandantes de tais atentados terroristas estão convictos de que o seu prestígio e autoridade aumentam na razão directa do número e volume dos estragos e perturbações que causarem ao País com os seus actos de terrorismo.
É assim que temos de explicar os seus golpes traiçoeiros, apunhalando pelas costas aqueles que na retaguarda asseguram a nossa capacidade defensiva nas frentes africanas. e sacrificando vidas inocentes aos seus tenebrosos desígnios de atacar o moral dos Portugueses e das suas forças armadas.
A táctica do terrorismo espectacular das bombas ou cargas explosivas não é, pois, de estranhar quando a sabemos praticada por um inimigo odiento e que a utiliza quando quer vibrar golpes que atinjam directamente a nossa estrutura defensiva, agindo de modo indirecto sobre os espíritos timoratos e, sobretudo, impressionando as imaginações, afim de não só transformar o funcionamento daquela estrutura defensiva, mas também colocá-la em posição merecedora de menos crédito por parte daqueles cuja integridade tem por função proteger.
A qualidade da resistência que opomos encarniçadamente nas frentes africanas às iniciativas dos inimigos não pode ser posta em dúvida, até porque nela

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se exprime a nossa capacidade de combate e a confiança que os nossos soldados depositam nos chefes que os conduzem, partilhando os perigos que correm e jogando quantas vezes a vida com a plena consciência daquilo que vale ou não vale o adversário que têm de superar. E existindo uma estreita interdependência das frentes de combate e a retaguarda e conhecendo a rija têmpera moral de que os combatentes dessas frentes se acham possuídos, os inimigos da Pátria passaram a lançar as vistas para a retaguarda, procurando miná-la, corroê-la e destruir a sua força coesa e a sua resistência activa e capaz.
Eis por que, de quando em vez, e para provocar no País uma atmosfera de preocupação e de pavor, irrompem actos de terrorismo praticados por quem se aceita na sombra e, renegando a Pátria, não quer obedecer ao seu mandado, mas antes seguir o caminho da traição, movido por uma falsa concepção do interesse individual, ou desorientado pela confusão dos mitos que o levaram a repudiar a lei das origens, orientação esta que certos escribas entre nós têm impunemente ajudado a propagar.
E é assim que, fanatizados, lançam mão de todos os processos subversivos e violentos, mediante os quais têm o desígnio de significar oposição a uma política de intransigente defesa do ultramar, em que Governo e povo português, identificados, se acham empenhados.
Processo condenado pela consciência pública - o da violência -, utilizado pelos terroristas, não é compatível com um mínimo de civismo, exigindo o bem comum que os seus agentes, como inimigos da Pátria que são, tenham de ser devidamente vigiados e castigados.
Na verdade, frente à actividade terrorista nada de transigências, nem de tentativas de acomodação que levem ao relaxamento da estrutura defensiva da Nação, acarretando maiores facilidades para os seus cobardes fomentadores e executores.
E enquanto as autoridades actuam para descobrir os criminosos pelos seus nefandos actos de traição, para o que lhes não deverá faltar o apoio firme de todos os portugueses dignos deste nome, oponhamos aos inimigos toda a força da nossa unidade, da nossa comunhão e da nossa intransigência, barrando o caminho aos desígnios torpes que os animam e à obediência satânica que aceitaram, sobrepondo ao interesse da comunidade portuguesa o seu credo anti-nacional e as suas vesgas paixões impeditivas de quebrarem as cadeias em que se deixaram agrilhoar a soldo do estrangeiro, sendo deliberadamente ou por cegueira nefasta contra a Pátria que, para sua desonra, os viu nascer.
Cerremos, pois, fileiras contra todos os terroristas - os da frente de combate e da retaguarda, mesmo que sem cargas explosivas se apresentem -, de modo a mostrar a esses miseráveis agentes, que venderam a sua alma de portugueses, que o direito de usarem o medo como processo de violentarem os inalienáveis direitos da Nação se defender dos seus cobardes e traiçoeiros ataques não fará esmorecer o ânimo e a determinação dos Portugueses para prosseguirem na defesa das muralhas da Pátria.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E termino as minhas considerações, Sr. Presidente e Srs. Deputados, com o sempre actual ensinamento de Salazar: "Tenhamos confiança! Tenhamos fé na lealdade própria e alheia, na ordem, no trabalho, na serenidade e seriedade com que havemos de encarar os problemas e acudir às dificuldades. Confiemos sobretudo, mais que na força das armas, na coesa e firme unidade nacional, no profundo e vivo amor à terra portuguesa, naqueles altos exemplos, valores da nossa história e ideais da nossa civilização, que o ferro não mata e o fogo não pode destruir!" (Discursos, vol. III, p. 300.)
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Duarte de Oliveira: - Sr. Presidente: Esta Câmara costuma mostrar sensibilidade aos acontecimentos que têm repercussão na vida nacional.
Todos os factos ou fenómenos, de incidência imediata sobre a vida dos cidadãos, devem encontrar eco nesta Casa para que possam ser apreciados e, em função da análise crítica que mereçam, ser definida a justa medida e o peso das atitudes ou resoluções tomadas.
A última "conversa em família" do Sr. Presidente do Conselho sobre a estabilidade económico-social dos servidores do Estado confirmou-nos a certeza, que já possuíamos, de que o Estado Social tem que levar a cabo todas as coisas de que tomou o encargo.
O Estado Social, que é acção, doutrina e política, definido pelo Sr. Presidente do Conselho e por outros responsáveis do Regime, tem como preocupação dominante tornar acessíveis a todo o homem as coisas materiais e morais de que carece para viver uma vida humana.
O bem comum, que mais não é do que a posse das condições de vida que tornam cada homem apto para a felicidade e perfeição, é a finalidade essencial do Estado Social.
Este só se realiza criando uma orgânica sócio-económica dirigida ao primado do homem, ao desenvolvimento, ao progresso e à liberdade de consciência do indivíduo.
É um combate permanente por uma participação mais equivalente no ser homem, para o qual não é, em última análise, primordial um problema de "ter", mas de ser reconhecido em sua dignidade de homem. Desse combate há-de resultar a estabilidade do equilíbrio entre os direitos do Estado e os direitos do indivíduo.
"Fez-se um enorme esforço para ir ao encontro das necessidades e aspirações do funcionalismo", disse o Sr. Presidente do Conselho.
É uma face de um processo global que está em marcha, é uma frente do combate que o Governo se propôs ganhar e de que todos temos a certeza ganhará, sempre com a nossa colaboração.
Houve actualização de vencimentos dos servidores do Estado e ela não terá sido a desejada por todos os que dela beneficiaram, mas também não foi a querida pelo Governo.
O Sr. Presidente do Conselho, cuja inteligência e lealdade o impuseram à consideração geral, conversou com simplicidade e com verdade sobre as condições económico-sociais do funcionalismo público.

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Profundamente conhecedor das realidades das sociedades contemporâneas, deu-nos a saber que o problema não admite soluções uniformes.
Assim, é bom não esquecer que o reajustamento verificado não é, nem pretende ser, meta atingida, mas é passo importante para isso. Há que saudá-lo como tal, dar-lhe o justo relevo e reconhecer publicamente que não era possível agora ir mais além, e que só os princípios de uma política administrativa sadia e as regras de uma política financeira sábia permitiram tal decisão.
Aliás, também não pode esquecer-se que a actualização beneficiou todos os servidores do Estado, no activo, na reserva, aposentados e reformados, e, sobretudo, pensá-la no contexto das outras melhorias.
A pensão de sobrevivência agora criada é uma conquista do nosso Estado no domínio das prestações sociais; é a sanção legal do direito do funcionário à protecção da sua família, depois da morte.
O estatuto social dos servidores do Estado enriqueceu-se com esta inovação de significado transcendente.
"É indispensável que os servidores do Estado não estejam mais desamparados que os restantes trabalhadores", outra afirmação do Sr. Presidente do Conselho.
Há uma orientação governativa de não canonização de boas intenções, mas de satisfação das exigências da ética natural.
Caminha-se, pois, a passos largos para a solução dos problemas primeiros dos que trabalham e criam riqueza.
Pagar a justa remuneração é contribuir para a estabilidade e segurança de todos quantos, servindo a causa pública, podem e devem olhar com serenidade e confiança os caminhos do futuro.
Só se pode produzir e trabalhar bem quando o presente e o futuro estão assegurados nos vários campos onde o homem se encontra e desenvolve.
Não esqueçamos, porém, que estas medidas de atenção, de esforço do Governo, exigem em contrapartida uma resposta dos funcionários.
E a resposta está a ser dada por muitos, mas não sabemos se por todos.
Só com real produtividade e devoção ao trabalho são merecidas e outras poderão ser conquistadas.
Se há estruturas que condicionam os homens, elas podem ser transformadas e recriadas pelos mesmos homens.
O poder de recuperação do homem é quase ilimitado, e o tradicional espírito de serviço dos funcionários é a garantia da resposta necessária.

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Salazar Leite: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Referiram-se, nas sessões de ontem e de hoje, alguns dos meus ilustres colegas ao cobarde acto que se processou em diversos locais de Lisboa e de que todos tivemos conhecimento através dos meios de informação. Não teria possibilidade de o verberar com a fremente indignação que puseram nas suas palavras, nem me seria possível tão bem exteriorizar o estado de espírito de todos os portugueses conscientes, que o são todos, pois não são, seguramente, portugueses, ou actuam como se o não fossem, aqueles que concretizaram os atentados, ou que, de algum modo" os instigaram ou prepararam.
Mas não gostaria que deixasse de ecoar nesta sala mais uma voz do ultramar, seguramente a menos indicada, mas a de um português que sente e sofre.
Por todo o Mundo se ateiam as labaredas de incompreensão e de ódio, que mantêm bem vivas as fogueiras, nas quais a humanidade se lança cegamente. Reacendem-se essas fogueiras por motivos que julgávamos já ultrapassados e que separavam os homens; pode dizer-se que não há, hoje, no nosso pequeno planeta, uma região isenta desses riscos. A paz que se pretende atingir foge de nós, e mais se afastará se não soubermos pôr cobro a todos os actos de terrorismo de que somos espectadores; vozes autorizadas se têm feito ouvir condenando-os, e a humanidade consciente começa a alertar-se e repudia tais actos.
Estamos certos de que estão atentos os nossos governantes, conscientes da sua responsabilidade e comungando nesse repúdio universal.
Deflagraram bombas em Lisboa; a finalidade, ou uma das finalidades, deveria ser a de minar o que, como muito bem disse o Sr. Deputado Roboredo e Silva, erradamente se designa por retaguarda. Mas se essa foi uma das finalidades, julgamos que aqueles que idealizaram tais actos erraram profundamente por desconhecimento da mentalidade e psicologia do Português. Onde pretendiam lançar a dúvida e, talvez, o terror, só conseguiram fazer aparecer repulsa e reforçar a determinação, já bem expressa em tantas eventualidades, de reagir e levar a bom termo a luta pela causa que sabemos justa.
O povo português demonstrou no passado e demonstra-o no presente, não se deixa intimidar, não se abate na defesa da sua causa, tal como quando surgiram obstáculos e o sacrifício lhe foi pedido para dar ao Mundo novos mundos.
Tal não aconteceu nem acontece perante os obstáculos da Natureza, que, por vezes, tão duramente nos puseram à prova e castigam populações de zonas menos favorecidas - o meu pensamento vai, neste momento, para os meus irmãos de Cabo Verde; somente se gera o desejo de lutar e se. reforça a certeza de vencer a crise.
Se assim é ante a Natureza, como se pode esperar diferente reacção perante os degradantes actos de terrorismo?
Deixo a pergunta sem resposta, pois sei qual a que ditará a vossa consciência!

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Lopes Frazão: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: "É indispensável que os servidores do Estado não estejam mais desamparados que os restantes trabalhadores", assim o proclamou há dias, com tanta justiça e tamanha compreensão, o Sr. Presidente do Conselho, na sua última "conversa em família".
É sobretudo esse o seu perfeito sentir, agora sobejamente demonstrado, por problema de máxima transcendência no melhor caminhar do País, como é o do passadio do funcionário público, sem dúvida alavanca do maior poder no impulsionamento da vida nacional, que eu devo aqui exaltar, e muito, no convencimento de que por assim ser o tanto já atribuído, longe ainda - quem o não sabe? - da satisfação

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plena das necessidades reais, mas que em verdade já não é muito pouco, se há-de multiplicar por forma a conseguir-se o nível parelho da renda do exercício público ao do privado, ainda sumamente distanciados. Só assim, isso obtido, seremos capazes de ter aquela administração que precisamos e se impõe para o desenvolvimento que se quer, e já temos em franca operosidade.
E lá havemos de chegar, tenhamos essa esperança e fé, muita fé nas nossas possibilidades económicas, que não são tão pequenas quanto se julga, e que o tempo e a boa vontade dos homens responsáveis hão-de grandemente acrescentar.
A recta intenção e a segurança no querer do Sr. Presidente do Conselho e o dinamismo, ânimo forte e saber esclarecido do nosso Ministro da Economia e das Finanças, dia a dia exuberantemente evidenciados, dão-nos a certeza de que assim tal-qual há-de suceder para bem nosso no futuro, que ansiamos melhor.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Foram muitos e bastante bem vincados os benefícios concedidos aos servidores do Estado por diplomas vários aprovados num dos últimos Conselhos de Ministros.
Aumentaram-se os vencimentos, em percentagem não muito alta, podemos dizer mesmo francamente insuficiente, mas compreende-se que esforçada para o erário, suportando a rudeza de profundos e multiplicados golpes; contudo, há que pôr em realce a extensão dessa medida de proveito a aposentados e pensionistas, a que não estávamos habituados antes.
Alteraram-se para algo mais os quantitativos dos subsídios de viagem e de marcha; alargou-se alguma coisa a tabela de ajudas de custo.
Anteriormente havia aumentado o abono de família, e sobretudo muito de considerar foi a melhoria, essa bastante grande, das condições de prestação da assistência na doença.
Em Dezembro passado foi concedido a todo o funcionalismo o subsídio de um mês de vencimento, que em intervenção nossa de Dezembro de 1971 havíamos pedido, mas com o nome próprio de 13.° mês, e estamos em crer que só razões fortes serão obstativas a que tal denominação não seja considerada e mantida no seu atributo pelos anos adiante.
Ora tudo isto, e em tão pouco tempo, é muito de ter em conta, muito de estimar e muito de agradecer.
Contudo, Sr. Presidente e Srs. Deputados, um provento agora conferido, e este extraordinariamente vultoso, um dos de maior importe na vida do funcionário, e que não teve o merecido relevo, minimizado no seu alto valor pelo simultâneo acréscimo de vencimento tido por muito diminuto, mas que bem merece lugar de primazia para o servidor do Estado, é a pensão de sobrevivência.
Nós não podíamos deixar aqui sem uma palavra do mais profundo e sentido agradecimento ao Governo tão grande benesse. Ou não tivéssemos sido nós, em intervenção passada, de Janeiro de 1971, quem pediu essa pensão no conhecimento fortemente magoado de muitos e gravosos problemas que afligem, e infelizmente continuam a afligir por bastante tempo, a sustentação de famílias de funcionários, tantos com altos serviços prestados ao País, exactamente os melhores servidores, que são os incapazes de se servirem, e com 08 seus familiares, por passamento seu, debatendo-se em quadros os mais negros de infortúnio.
A pensão de sobrevivência é por isso uma das mais vincadas concessões feitas ao funcionário, e não fazia sentido que ela fosse imposta à empresa privada e esquecida pelo Estado para aqueles que o servem. Mas nele um departamento havia que já a tinha, e isso é que era absolutamente incompreensível.
Pois agora tudo ficou ajustado, e bem, e tão bem que em vez de a pensão ser um agravo para o beneficiário, tal como o era no primeiro estudo feito, com o qual mostrámos inteira discordância na nossa intervenção de Dezembro de 1971, e felizmente que assim foi para a perfeição requerida, é antes um favor de real merecimento que muito nos apraz engrandecer e maximamente destacar.
Para o Governo, mormente nas pessoas do Sr. Presidente do Conselho e Ministro das Finanças e Economia, e ainda para quem tem a responsabilidade da reforma administrativa e acarinhou com tanto interesse o nosso apelo desde o primeiro momento, e que foram os três grandes obreiros desta fecunda e tão meritória concessão, verdadeiro bálsamo da mais intensa preocupação do funcionário, que é o amparo da família em desventura, a nós nos cabe, por dever que nos é imposto e gratíssimo ao nosso ser, render-lhes o preito do mais vivo e acendrado reconhecimento.
Para cada um o nosso bem-haja ditado por um sentimento de muitíssima gratidão.
Disse.

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Carvalho Conceição: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Dentro em breve irá esta Câmara debater a proposta governamental sobre a reforma do sistema educativo. É cedo, portanto, para me debruçar sobre a filosofia que o sistema traduz e sobre as estruturas escolares que se anunciam. Isso não me impede, todavia, de chamar, desde já, a atenção do Ministério da Educação para alguns problemas, que não afectando os esquemas programados, são, no entanto, fundamentais e prioritários para a eficácia de uma política educacional. É o caso, por exemplo, da manifesta carência de professores do ensino secundário.
Se podemos, melhor ou pior, obviar à insuficiência de instalações ou de material escolar ou didáctico, improvisar em matéria de recrutamento de professores é comprometer, com o futuro das novas gerações, o desenvolvimento nacional. A carreira docente tornou-se uma profissão chave, pois dela depende a formação dos cidadãos, por um lado, e da mão-de-obra qualificada, por outro.
Dada a responsabilidade da sua função, o ensino não pode estar à mercê de "amadores" ou de simples "boas vontades". O candidato à docência precisa de uma completa preparação profissional, de um maior saber e de um espírito melhor formado, com capacidade de "comunicação" e de "abertura" aos problemas do seu tempo e de "aceitação" do educando, enquanto "pessoa em formação". Não esqueçamos que o "encontro" que no acto pedagógico se realiza nunca é neutro, antes determina uma acção "modeladora" no espírito e no carácter do jovem. Eis por que Jean Jaurés gostava de dizer: "Não se ensina o que se quer, não se ensina o que se sabe, ensina-se o que se é."

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Recrutar professores qualificados supõe, por um lado, mão-de-obra intelectual disponível e, por outro, vencimentos atractivos. Se podemos esperar, dado o aumento da frequência universitária, maior oferta de candidatos à docência, nem por isso fica, desde logo, resolvido o problema da qualidade. E a razão é simples: sobre os diplomados exerce-se a concorrência do sector privado, com a garantia de situações mais compensadoras do que as facultadas pelo Estado. Têm aqui pleno cabimento as considerações feitas pelo Sr. Presidente do Conselho, em sua última "conversa em família", a propósito da dificuldade de obter técnicos para os serviços públicos. Disse S. Exa.: "E esses, hoje, são procurados avidamente pelas empresas privadas e pagos por elas regiamente. Daí a dificuldade de recrutamento com que os serviços da administração pública estão a lutar. Temos de encontrar maneira de obter e de reter no Estado técnicos competentes [...] e que estejam em condições de ajudar o desenvolvimento nacional [...]. Não se trata de fazer favores de classe. Mas, sim, de enfrentar a realidade de uma valorização pela concorrência [...]. Quanto menos lhes pagarmos no Estado mais eles escassearão. A administração pública e a Nação serão gravemente prejudicadas."
Há inegável correlação entre o recrutamento dos professores e o vencimento auferido: se muitos não desejarão uma profissão que têm por monótona, desgastante e não criadora, a fraca remuneração repele também reais "vocações", em especial nos ramos científicos, a quem o sector privado atribui salários mais elevados. Aumenta, por isso, o número de professores de ocasião, que no ensino buscam uma solução de emergência para as dificuldades de emprego com que deparam, e, consequentemente, deteriora-se a "imagem social" do professorado, a qual, por sua vez, contribui para afastar outros presumíveis candidatos.
Se desejamos pessoal competente, e que não sinta a necessidade de buscar, noutras actividades, um suplemento económico, o que sempre redundaria em detrimento da sua própria função, há que proporcionar-lhe vencimentos competitivos.
Infelizmente, não foi esse o caminho seguido. Preferiu-se uma outra solução, mais barata, sem dúvida, mas de graves consequências para a qualidade do ensino. Assim, quando se exige uma maior preparação aos professores para realizarem a sua missão educativa junto de um "novo tipo de aluno", inserido numa sociedade mais complexa e em evolução acelerada, permite-se o ingresso nos quadros docentes de candidatos com insuficiente preparação académica e pedagógica. Outrora, exigia-se uma licenciatura e dois anos de estágio, o que para o ensino dos dois primeiros anos do secundário (hoje ciclo preparatório) pode ser tido por exagerado; actualmente, reduz-se o estágio a um ano - suficiente, se bem orientado -, do qual, aliás, alguns podem ser dispensados, e aceitam-se, como habilitações académicas, o bacharelato (três anos de uma Faculdade) e mesmo, embora só para o ciclo preparatório, o 7.° ano liceal, ao admitir-se a estágio o professor primário. Se agora tivermos em conta que o ensino básico irá abranger os quatro primeiros anos do tradicional ensino secundário, forçoso se torna concluir que assistiremos a um abaixamento do nível de ensino realizado. Por outro lado, o ingresso de bacharéis no ensino secundário, em especial nos cursos complementares, onde se formam os futuros alunos do ensino superior e universitário, causa já sérias preocupações.
Se, por variadas razões, o ensino secundário se "massificou", importa não lhe fazer corresponder um ensino de inferior qualidade. Uma autêntica política de "democratização de ensino" deve obedecer a um padrão de alta qualidade, capaz de garantir, agora numa base muito mais vasta, a descoberta, a formação e valorização das novas elites.
O alargamento da base de recrutamento dos professores não deve fazer-se, por isso, através de uma diminuição de qualificação, mas, sim, pela valorização da profissão. Ora, entre os aspectos a considerar nesta política avulta o padrão de vida do docente, em grande parte função do seu salário. Se é certo que, para o professor, o ensinar não é mero meio de ganhar dinheiro, como o comprovam muitas das tarefas que realiza e que não constam do seu horário de trabalho, nem por isso devemos minimizar a questão dos vencimentos, apelando, com frequência, para o espírito de missão, de "sacerdócio", que é, na realidade, o seu.
Impõe-se, portanto, rever a situação do professorado dentro do quadro geral do funcionalismo. Tenhamos presente, no entanto, que tal revisão pressupõe a progressiva unificação do corpo professoral: o mesmo grau de formação para os docentes de todas as categorias, redução do número de categorias, mediante a fusão da de agregado e de auxiliar, e, na sequência de medidas já postas em prática, incentivar os eventuais a completarem a sua formação, quer académica, quer profissional.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Como estímulo para esta "promoção" dentro da função não vejo melhor do que o estabelecimento d'e maiores diferenças salariais entre os professores com desigual nível de formação.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Falar de "promoção" dentro da função é repor o problema das diuturnidades, traduzidas em redução do tempo de serviço e em aumento de vencimento. Recente diploma veio, finalmente, terminar com uma injustiça que durou' décadas, e de que eu me fiz eco em anteriores intervenções nesta Câmara: a contagem do tempo de serviço para a sua concessão é agora feita a partir do Exame de Estado e não, como até aqui, após o ingresso na efectividade - o que dependia do grupo do professor e, o que era ainda pior, do seu sexo, dado que o número de vagas femininas era bastante inferior ao das vagas masculinas.
Fez-se justiça. Resta agora aperfeiçoar o sistema, permitindo, por um lado, a revalorização do início da carreira do docente (período de dificuldades de vária ordem, inclusive de natureza financeira), mediante a antecipação do período de concessão da 1.ª diuturnidade para os cinco anos, em vez dos actuais dez, e, por outro, atendendo à competência adquirida no exercício da profissão, prever a possibilidade de prazos mais curtos para a referida promoção interna. Actualmente, as diuturnidades são concedidas por antiguidade, logo automaticamente. Uma maior mobilidade na carreira compensaria os

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investigadores ou inovadores. Mas vou ainda mais longe: há que estabelecer uma 3.ª ou mesmo uma 4.a diuturnidade, porque, com o novo sistema, um professor poderá estar vinte anos na situação que lhe confere a 2.ª diuturnidade.
No fundo, o problema consiste em saber qual o período de tempo necessário para obter o vencimento máximo. A este respeito, deparamos, na legislação europeia, com números variáveis, que vão dos quinze aos trinta anos. Entre nós, é de vinte anos. Pelas razões supra, parece-me perfeitamente legítimo estender o actual período aos trinta anos, de acordo com o seguinte esquema: 5 + 10 + 10 + 5. Na hipótese de, presentemente, não ser realizável este objectivo, sugiro três diuturnidades, aos 5-10-10. A redução de serviço, de duas horas cada uma, seria contada a partir da 2.ª diuturnidade, para melhor aproveitamento do período inicial da carreira do docente.
Para suprir a falta de professores, sem recorrer ao recrutamento de pessoal com menor qualificação, por toda a parte se utilizam mais intensivamente os professores existentes, mediante o regime de horas extraordinárias. Soluções diversas têm sido ensaiadas: na Inglaterra, o professor está na escola sete horas por dia, aí realizando todas as tarefas ligadas à sua função; na Jugoslávia, atribui-se-lhe um horário de quarenta e duas horas semanais, das quais vinte a vinte e quatro são de aulas, dez a doze de preparação de lições e de correcção de trabalhos e quatro a seis de gestão ou enquadramento de actividades juvenis; na Dinamarca, na tentativa de atrair docentes para os ramos científicos, estabelecem-se horários diferenciados, de disciplina para disciplina, e com número de horas extraordinárias também diferente, as quais, aliás, são pagas segundo um critério de progressividade (se as cinco primeiras têm o índice 100, a 15.a, por exemplo, já terá o índice 140).
Por estes exemplos, verificamos que o serviço suplementar está estreitamente ligado ao serviço normal. Compreende-se porquê: dar uma aula de Português não é o mesmo que dar uma aula de Matemática ou de orientar uma sessão de Canto Coral ou de Lavores Femininos; realizar uma aula com vinte e cinco alunos é diferente de fazê-lo com uma de trinta e cinco; actuar no curso geral não é o mesmo que actuar no. curso complementar. Embora seja difícil determinar com objectividade o grau de dificuldade de cada uma das actividades acima referidas, nem por isso podemos ignorar que são uma realidade e que devem ser tidas em conta. Entendo que, por um lado, se deve aliviar o serviço dos professores dos cursos complementares e, por outro, que certas tarefas docentes (preparação de lições, correcção de exercícios e trabalhos dos alunos, etc.) devem ser integradas no conjunto das horas tidas por extraordinárias, aproximando-nos do exemplo dinamarquês.
O nosso sistema de horas extraordinárias merece-me os seguintes reparos: excessivo número de horas Permitido (dez); desactualização da tabela das gratificações (hora extraordinária paga por preço muito inferior ao da hora normal); pequenas diferenças entre o serviço prestado no curso geral e no complementar; existência de diferenciação entre as gratificações atribuídas aos professores do 1.° ao 9.° grupos e as concedidas aos professores de Educação Física e de Canto Coral; inversão de valores na gratificação atribuída aos instrutores de Educação Física, quando comparada com a dos eventuais de Educação Física, que podem ter, apenas, o 5.° ano dos liceus (ou equivalente).
A necessidade de rever a tabela das gratificações por hora extraordinária é, hoje, maior, em virtude de um recente despacho não permitir acumulações de funções docentes noutra escola, para além das trinta e duas horas, desde que na sua escola possa receber serviço extraordinário. Percebe-se o espírito do despacho. Contudo, dado que as horas em regime de acumulação são pagas pelo preço normal, e tendo em vista a desactualização da tabela das horas extraordinárias, o cumprimento daquela decisão superior redunda na obrigação, para o docente, de se sujeitar a um serviço pior pago. Como processo de resolver o problema da falta de docentes, parece-me medida contraproducente.
Que critério seguir na referida actualização? Pagar a hora extraordinária ao preço da hora normal, deste modo atribuindo gratificações variáveis, de acordo com a categoria do docente? Acrescer o preço da hora normal de uma percentagem fixa, conforme é uso no mundo do trabalho? Estabelecer uma gratificação média, sempre superior à hora normal mínima, distinguindo a disciplina ou sessão e o ciclo de estudos? No condicionalismo actual, creio que esta última poderá ser a solução.
Naturalmente, pôr em prática tais medidas constitui, dado o número elevado de professores, pesado encargo para o Tesouro. Teoricamente, pelo menos, melhores salários exigem maior rentabilidade, logo conseguir o mesmo ou melhor resultado com menor número de professores. E, do mesmo modo, haverá que contrariar a ideia da diminuição do número de alunos por turma e pensar, antes, no seu ligeiro aumento. Aliás, não é novidade para os educadores que o conceito de "turma", na sua rigidez, tende a desaparecer face a novas formas de realização do acto pedagógico, que tanto prevê grupos de cerca de cem alunos, como pequenos grupos de quinze a vinte e mesmo o trabalho individual, de acordo com uma distribuição de tarefas pelos professores componentes de uma equipa pedagógica. Bem sei que poderá ficar de pé a pergunta: Tal aumento de produtividade é efectivamente possível sem comprometer a própria educação? Contudo, esse será o caminho para responder aos problemas em suspenso, de modo pertinente.
Outras medidas existem para tornar mais atractiva a carreira docente, suprindo muitas das desvantagens de um salário insuficiente. É o caso de toda a acção social que o Estado vem desenvolvendo e que nunca é de mais realçar. Entre estas medidas haverá que incluir - no respeitante ao professorado secundário - subsídios de habitação e de transporte (à semelhança do que se fez para o professorado primário) e, atendendo à crescente feminização dos docentes, estabelecer o "tempo de serviço parcial", para professoras e, simultaneamente, prever a instalação de infantários, creches ou jardins de infância, de preferência nas proximidades das escolas.
Antes de terminar, recordo que o êxito da escola depende do tipo de relações humanas existente. Os problemas de disciplina, o clima de trabalho, a mútua compreensão são função do número de participantes na relação pedagógica. Por isso, entendo ser necessá-

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rio entravar o "gigantismo" de certos estabelecimentos, sob pena de professores e alunos serem, para os responsáveis, simples números.
Mas uma escola não é apenas o centro educativo composto de alunos e de professores. Dentro dela trabalham outras pessoas. Estas fazem parte também da "comunidade escolar". Como participantes no acto pedagógico devem ser igualmente acarinhadas e não agravadas. Eis por que entendo ser meu dever expor ao Governo algumas das suas legítimas aspirações.
Assim:

a) Por que se concede uma gratificação de chefia de 800$ aos chefes das secretarias (se forem primeiros-oficiais) das escolas técnicas e apenas 600$ aos dos liceus? E será necessário, para conceder a referida gratificação, que a escola/liceu tenham, pelo menos, 1500 alunos? E, mesmo neste caso, porquê só é devida ao fim de três anos?
b) A permeabilidade dos quadros das secretarias
das escolas secundárias justifica casos como os mencionados no Diário do Governo, 2.ª série, n.° 49, de 27 de Fevereiro último, que permitiu a colocação, na situação de para além do quadro, e em comissão de serviço, nas secretarias dos liceus, como segundos-oficiais, de escriturários-dactilógrafos de 2.ª classe, vindos do ciclo preparatório, e de terceiros-oficiais oriundos de escolas técnicas? Já se pensou na delicada situação, mesmo disciplinar, que se pode criar no corpo de funcionários das secretarias dos liceus, deste modo preteridos? E não se dará o caso de essa colocação se poder efectuar num liceu onde haja um funcionário de igual ou superior categoria? Creio ser conveniente rever casos como estes;
c) E porque exigir ao primeiro-oficial das secretarias dos liceus, quando seja o tesoureiro, a caução de 10 000$, se ao funcionário de igual categoria em serviço numa escola preparatória ou técnica se exige 5000$? E já se considerou o facto de que um tesoureiro de 3.ª da Fazenda é caucionado em 3500$? Há que uniformizar o montante das cauções, reduzindo-as;
d) Não será igualmente tempo de actualizar as gratificações devidas ao chefe do pessoal menor e aos auxiliares das instalações, fixadas, presentemente, em 100$?
e) Não terão estes prestimosos colaboradores das autoridades escolares direito a horas extraordinárias sempre que obrigados a permanecer na escola mais de oito horas diárias?
f) A complexidade dos novos meios auxiliares de ensino (laboratorial, áudio-visual ou documental) não exigirá a criação de uma nova categoria de funcionários, com maiores habilitações que os actuais contínuos e serventes?

É tempo de terminar. Faço-o, recomendando:

1) Revisão da situação do professorado dentro do quadro geral do funcionalismo;
2) Estabelecimento de uma nova escala de vencimentos, com maiores diferenças salariais, de acordo com a formação do docente;
3) Concessão de uma 3.ª ou mesmo 4.ª diuturnidade, num dos dois esquemas: 5 + 10 + 10 ou 5 + 10 + 10 + 5. Redução de serviço (de duas horas) a partir da 2.ª diuturnidade;
4) Alteração do sistema de horas extraordinárias: limite máximo de seis horas, a aceitar-se o esquema actual; nova tabela de gratificações, tendo em atenção a disciplina ou sessão e o ciclo; reparar a flagrante injustiça de que são vítimas os instrutores de Educação Física. Na previsão de uma mudança na concepção das horas suplementares, considerar como tais certas tarefas dos professores, como sejam a preparação das lições, correcção de trabalhos, enquadramento de actividades juvenis;
5) Melhoria das medidas de alcance social, com a concessão de subsídios de habitação e transporte; estabelecimento de "serviço parcial" para as professoras com encargos familiares; instalações de apoio às famílias dos professores: creches, infantários ou mesmo jardins de infância;
6) Estabelecimento de um número de horas de serviço diferenciado, conforme a idade do docente (independentemente dos casos previstos nas diuturnidades, de modo a abranger os actuais eventuais) e o ciclo de estudos em que exerce a sua função;
7) Uniformização da gratificação de chefia aos chefes das secretarias;
8) Redução e uniformização do montante das cauções do tesoureiro;
9) Nova tabela de gratificações para o pessoal menor; atribuição de horas extraordinárias;
10) Criação de uma nova categoria de pessoal auxiliar, em virtude da complexidade dos novos meios de ensino, com relevância nos ramos científicos.

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Alberto de Alarcão: - O comentário crítico impõe o elogio quando certos problemas são resolvidos. Aqui estamos, Sr. Presidente.
Ao abordarmos no passado dia 2 de Fevereiro alguns aspectos relativos à "exportação de vinho, defesa do consumidor e técnicos junto dos armazenistas e exportadores" - assim chamáramos à nossa intervenção no período de antes da ordem do dia -, não nos dispensáramos de acrescentar, por o termos por oportuno, algumas considerações acerca da controvérsia entre as partes interessadas num carregamento de vinho para Luanda. Não nos detivéramos no pormenor - desconhecía-mo-lo até -, que esse veio a ser acrescentado pelos esclarecedores apartes dos Srs. Deputados Barreto de Lara e Alberto Meireles. A informação que por vezes vem a público nem sempre é completa, suficientemente esclarecedora, e daí uma conclusão menos precisa ou incorrecta que porventura se pudesse extrair da intervenção.
Mas esse caso, acidental apenas, não constituía na realidade o fundo das minhas considerações, como

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aliás muito bem recordou o Sr. Deputado Moura Ramos ao intervir, no dia 20, então mais circunstanciada e precisamente sobre o fundamento ou o infundado da recusa de aceitação desses vinhos, classificados por regulamento "bromatológico" interno à província "como impróprios para consumo e nocivos à saúde pública", por conterem "elevado" teor de cobre, ferro e chumbo por litro.
Breve se encarregou o Sr. Ministro do Ultramar de repor no são, na legalidade, o que andava desregulamentado. E assim, pela Portaria n.° 128/73, de 23 de Fevereiro, tornou extensiva aos Estados de Angola e de Moçambique a Portaria n.° 610/72, de 14 de Outubro, respeitante às características a que devem obedecer os vinhos e seus derivados nas várias fases do circuito de comercialização e a que deverão submeter-se os regulamentos de quaisquer laboratórios bromatológicos. Está feita justiça como convém, independentemente dos territórios aos quais se aplique.
Por motivo de urgência vieram ainda a ser determinadas, pelo Decreto-Lei n.° 66/73, de 26 de Fevereiro último, várias outras providências sobre a classificação e comercialização dos vinhos e derivados no ultramar, entre as quais me permito destacar a que se acolhe no n.° 2 do artigo 1.°:

Na legislação regulamentar a publicar pelas províncias ultramarinas deverão ser observadas as definições e classificação conferidas aos vinhos típicos regionais pelos diplomas regulamentares das respectivas regiões demarcadas.
E de um vinho típico regional verdadeiramente se tratava, como veio a ser internacionalmente reconhecido entretanto pelo Office International de la Vigne et du Vin.
Como bem lembrou o presidente da Comissão de Viticultura da Região dos Vinhos Verdes em conferência de imprensa no 1.° do mês, "com esta definição chegamos ao ponto fulcral do problema que tantas preocupações e trabalhos trouxe a Portugal, país beneficiado pelo Criador com a generosíssima dádiva de uma determinada área geográfica que, desde tempos imemoráveis, produz um vinho excelente, único, que a tradição bem longínqua, também, cognominou de 'verde', certamente pelo facto de a sua região produtora se situar em zona marcadamente caracterizada pela sua verdejante frescura".
A mesma tradição não conseguiu, porém, que a palavra "verde" fosse consagrada, em diploma administrativo, como designativo da área geográfica em que tal vinho se produz: "Verificou-se assim um desajustamento entre o termo escolhido para baptizar o vinho verde e o consagrado para individualizar geográfica e administrativamente a zona ou a região que o produz - Entre Douro e Minho.
Muito mais sorte tiveram outras zonas do Globo, igualmente bafejadas pela Natureza com condições especiais para produzir vinhos com características únicas, de altíssima qualidade, como, por exemplo, Bordéus, Borgonha, Champagne, etc. Nestas os noites dos vinhos produzidos coincidiram exactamente com os das regiões produtivas."
Noutras zonas do continente e ilhas adjacentes sê-lo-á também; nesta não foi assim.
Como igualmente lembrou o presidente da Comissão, "connosco a situação era bem diferente, ainda agravada pelo facto de em França, por exemplo, 'vin vert', segundo vocábulo adoptado pelos apreciadores de vinhos, singnificar 'vin très jaune, pas encore fait et, aussi, vin d'une acidité supérieure à la moyenne, due l'emploi de raisins insuffisament mûrs, un vin difficile pour les estomacs fragiles'.
Por esta elucidativa amostra poderão todos VV. Exas. compreender quantos trabalhos, preocupações e canseiras efectivamente foi preciso enfrentar e vencer para esclarecer a nossa singular situação no mundo vitivinícola."
Juntarei ainda outra: em Ferreira do Alentejo, no decurso de repasto em casa de agricultor, foi referido a cidadão americano que se iria buscar e dar a provar um outro vinho regional português: o vinho verde. Feita a tradução, calcule-se o semblante do convidado após ter estabelecido as equivalências: "vinho branco" provém de uvas brancas, "vinho tinto" provém de uvas tintas ou fortemente tingidas, "vinho verde" dondo provirá? Certamente, pensava ele, das folhas de videira. Mas depois que lhe foi explicado e o provou, acalmados ficaram os seus receios.
"Vinho verde" não é, pois, expressão para traduzir, mas para provar, saborear. Corresponde a um tipo regional de características únicas no mundo vitivinícola internacional.
A partir de agora tem Portugal um reforçado embaixador que haverá de prestigiá-lo no mundo. "Há que produzi-lo e manipulá-lo com todo o respeito, de forma a possibilitar um sensível aumento da riqueza nacional portuguesa [...]. Saibamos, efectivamente, estar à altura das novas e acrescentadas responsabilidades" - assim se aprontava a terminar o presidente da Comissão de Viticultura da Região dos Vinhos Verdes.
Solidarizando-me com a intervenção que o nosso colega de Entre Douro e Minho, e título profissional engenheiro, António Lacerda já aqui expressou, lembrar quero, para além das adegas cooperativas que vão polvilhando essa verde região, o papel, funções e importância que podem vir a revestir agrupamentos complementares de empresas para uma melhor organização e acrescida publicidade e conquista dos mercados internacionais para este vinho típico regional: "o verde" minhoto e douro litoral português.

O Sr. Montanha Pinto: - V. Exa. dá-me licença?

O Orador: - Faça favor.

O Sr. Montanha Pinto: - Desejo deixar aqui o seguinte apontamento: estou habilitado a poder afirmar a V. Exa. e à Assembleia, por um elemento responsável da Administração de Angola, e exactamente responsável no caso concreto que deu origem às intervenções de V. Exa. sobre este assunto, que o vinho que chegou a Angola e que foi considerado impróprio para consumo era acompanhado de um boletim de análises que de forma nenhuma correspondia ao produto que chegou a Angola; e os Serviços de Saúde consideraram esse produto impróprio para consumo, porque as análises feitas em Angola encontraram no produto que lá chegou substâncias altamente tóxicas e que ultrapassavam os mínimos admissíveis pela pessoa humana.
Muito obrigado.

O interruptor não reviu.

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O Orador: - Agradeço, embora me pareça que se trata de uma matéria ainda não suficientemente esclarecida.
Aguardemos, pois, as conclusões finais.
Agrupamentos que se deveriam, aliás, tornar extensivos a muitas outras regiões e até produtos.
Lembrar quero, ainda, aos responsáveis pelos destinos da agricultura nacional que mais vinhos e regiões vitivinícolas nacionais bem merecem estatuto especial, demarcação regional, definição de marca de origem e equivalente esforço de promoção nesta hora de abertura de fronteiras ao comércio internacional. Mas reservar-nos-emos para quando a esta Assembleia vier, como parece convir, o proposto regime de condicionamento de plantio da vinha, que se pretende renovar.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: vamos passar à

Ordem do dia

Continuação do debate do aviso prévio sobre a toxicomania. Tem a palavra a Sr.a Deputada D. Sinclética Torres.

A Sra. D. Sinclética Torres: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Porque todos sabemos que a toxicomania é um dos grandes problemas que afligem o mundo civilizado, é com satisfação que felicito o ilustre colega Dr. Delfino Ribeiro, não só pelo seu oportuníssimo aviso, mas também pela preciosa e completa exposição que fez à Câmara acerca de drogas e estupefacientes.
A minha modesta colaboração neste debate limitar-se-á a informar a Câmara até que ponto vão os malefícios do uso indiscriminado da droga no Estado de Angola, terminando com algumas sugestões que julgo terem algum interesse para as pessoas e entidades a quem este assunto diga respeito.
De norte a sul de Angola cultiva-se com facilidade e com extrema ajuda da natureza a liamba e a cola, conhecidas cientificamente por Cannabis sativa e Cola acuminadi, respectivamente, sendo as regiões mais activas no consumo ilícito da droga, por ordem decrescente, Luanda, Malanje, Benguela e Lobito.
Tanto a liamba ou marijuana como a cola são utilizadas pelos nativos tradicionalmente desde sempre; entretanto, de há uns anos para cá, a marijuana passou a ser largamente consumida sob a forma de cigarro por uma população civilizada, quer de etnia africana, quer de etnia europeia.
Começando pelos tradicionais nativos, há tribos que muito novas se iniciam no hábito de fumar liamba tanto homens como mulheres e crianças, não sendo raro encontrar estas últimas em idades compreendidas entre os 5 e 7 anos; noutras é vedado fumar às mulheres e às crianças, só sendo permitido a homens casados; noutras só é permitido a velhos; em algumas não é permitido o fumo e, finalmente, há tribos que preferem o rapé feito com tabaco moído e certas plantas à mistura que depois são reduzidas a pó.
Normalmente, segundo uma descrição de Capelo Ivens, os velhos que fumam são profissionais. Utilizam um instrumento típico conhecido pelo nome de mutopa, uma espécie de cachimbo com um reservatório de água por onde passa o fumo antes de este chegar à boca.
O fumo, ao passar pela água provoca ruídos, e os fumadores riem e falam muito eufóricos pela acção perturbadora do cânhamo.
Estes velhos já não trabalham e esta autorização da sua tribo é uma espécie de compensação do desgaste de energias.
Os fumadores profissionais conhecem os limites do uso da liamba e costumam curar as perturbações causadas por esta ou pelo tabaco introduzindo nas narinas algumas raspas de fragmentos de raízes secas de uma acácia mimosóide.
Mas, de qualquer forma, no dizer do etnógrafo Mário Milheiros, o vício do fumo nos indígenas não está entranhado como nos fumadores civilizados, podendo passar horas e até dias sem fumar.
A cola ou, mais vulgarmente conhecida, a noz de cola é a raiz de uma planta que pertence à família das esterculiáceas, rica em alcalóides, nomeadamente a teobromina e outros.
Esta droga é bastante conhecida pelas suas energias vitais.
"Consiste a dádiva mais mimosa conforme as significações aderentes ao uso da oferta. De todas as frutas é, por assim dizer, o ídolo que atrai geralmente a estimação de todo o povo.", segundo o historiador A. Correia da Silva, que mais adiante nos diz:

[...] para os presentes de cola as Angolistas, inventando as dobras triangulares de um lenço no centro do qual metem a cola ou qualquer outro mimo de pequeno volume, e assim fazendo vezes de bandeja, o conduzem as escravas, a quem vai dirigido sem o esconder aos olhos populares.

E procurando explicar o significado da cola, acrescenta:

A que é ofertada inteira significa afecto, amizade ou princípio lícito de afeição.
A que leva menos um bocado na parte superior da fruta demonstra amor novo, que espera correspondência para se declarar.
Se a cola vai acompanhada de muitos bocadinhos tirados da mesma fruta, exprime sensível saudade, etc.

E com certa dose de bom humor, o historiador termina:

[...] e desta sorte sem sofrer o martírio do alfabeto literário; juntar sílabas, soletrar nomes, nem pintar os caracteres em papel; conservar os aprestos de escrever e gastar tempo em explicações elegantes os seus amores; é talvez a mais decisiva linguagem.

Não há europeu, americano ou asiático que deixe de se acostumar a comer cola se não desiste das suas pretensões. O abecedário é inteligível e fácil a todas as nações.
Juntamente com a cola, o nativo (mais a nativa) come o gengibre.
Dois pedacinhos de cada um deles, acompanhados de um ou dois golos de uma bebida doce, constituem aquilo a que o Europeu chama aperitivo, mas que para eles tem a dupla vantagem de constituir um aperitivo e um estimulante de forças; permitindo-lhe, assim, trabalhar toda a manhã sem que o organismo sinta fome ou cansaço, antes predispondo-o para uma

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suculenta refeição, lá para o meio da tarde, tipicamente regional!
É um hábito ainda hoje utilizado por lavadeiras, quitandeiras e, de uma maneira geral, classes trabalhadoras humildes.
O gengibre, que elas associam à cola, pertence à família das zingiberáceas e não contém alcalóides, mas um óleo essencial com propriedades diafontice e estimulante.
No âmbito de populações evoluídas, também Angola começa a sentir os efeitos nefastos da utilização ilícita da droga, sobretudo nas camadas juvenis.
Neste aspecto, o objectivo é alhearem-se do mundo que os cerca, tornando-se irresponsáveis pelos actos que praticam.
O problema agrava-se para os meios liceais, com todo um cortejo de consequências que têm especial incidência sobre as raparigas.
Contudo, estamos, felizmente, muito longe de atingir situações dramáticas.
Segundo informações retiradas do Boletim do Secretariado da O. I. P. e da Interpol:

Nos Estados Unidos há cerca de 8 a 12 milhões de indivíduos, entre os quais uma forte percentagem de jovens entre os 14 e os 18 anos, que experimentaram a droga, e o seu emprego aumenta regularmente em ritmo alarmante.
Em França existem actualmente entre os 15 000 e os 20 000 heroinómanos.
Na Noruega aumenta o consumo entre os jovens de 14 a 17 anos.
Nos Países Baixos há cerca de 140000 pessoas utilizando a cannabis.
No Estado de Angola, em 1971, foram detectados 376 casos e, em 1972, 461 casos.

A percentagem no nosso caso é mínima em relação ao elevado número de jovens que actualmente frequentam escolas comerciais, liceus e Faculdades em todo o Estado de Angola.
Contudo, se acrescentarmos aos casos oficialmente conhecidos os problemas clandestinos que de certo hão-de existir, sentimo-nos na obrigação moral e social de tomar as medidas que se impõem enquanto é cedo.
Em primeiro lugar, convém não esquecermos que é na célula familiar que o jovem tem o direito de encontrar todo o apoio necessário ao seu desenvolvimento normal e equilibrado.
Se o jovem procura alhear-se do mundo e da família através da droga, do isolamento e, por vezes, do suicídio, alguma coisa está errada no ambiente que o cerca.
De uma maneira geral, estas aberrações juvenis partem de indivíduos de lares desarticulados,' não poucas vezes do excesso de facilidades concedidas na satisfação dos seus caprichos e algumas pelo egoísmo em que vivem os pais, semeando quase que um fosso entre eles e os filhos - cada um vivendo o seu mundo à parte, não cuidando de saber ou conhecer as esferas sociais que uns e outros frequentam.
As liberdades excessivas e os abundantes bens materiais que hoje uma boa maioria de pais se preocupa em dar aos filhos, mais para satisfação pública das suas potencialidades financeiras que por amor a esses mesmos filhos, constituem um passo em frente para a degradação dos nossos jovens, salvo, como é lógico, honrosas excepções.
As reuniões em família, a justiça e a compreensão, a tolerância e a autoridade, a serenidade e o respeito, a dedicação e o espírito de sacrifício, tudo faz parte das regras do jogo para que o ambiente familiar se torne uma atracção para os jovens e, muito principalmente, o local ideal para saciarem a sua incontrolável curiosidade e ânsia de saber.
É mesmo lamentável que muitos jovens, por incúria dos que deviam dar o exemplo, nunca cheguem a conhecer um bom ambiente familiar.
As estatísticas informam que são os filhos de classes abastadas os que mais se dedicam à droga e também muitos filhos de lares desfeitos.
Porque continuamos então de braços cruzados e só bradamos aos céus quando a fatalidade nos bate à porta?
Outro facto que é importante salientar e que o ilustre colega avisante também focou é o do papel da imprensa local, dos filmes e da televisão, para as terras que a possuem.
A propaganda da droga, intimamente ligada com o mundo pop, com os artistas célebres e favoritos da juventude, a falta de informação ao nível das camadas jovens e outros vícios da sociedade são outros aliciantes incontroláveis para a penetração no mundo do desconhecido.
Tem também importância a psicologia de grupo; vergonha de não fumar num grupo em que todos o fazem; falta-lhes o conselho amigo no momento oportuno.
Cabe ao Governo preparar as autoridades responsáveis pelo contrôle da droga, e que estas autoridades sejam implacáveis na repressão dos traficantes e fabricantes clandestinos.
Antes que se dê o que se está a passar em França: a fármaco-dependência - os fabricantes clandestinos e os traficantes estão a distribuir gratuitamente aos jovens colegiais heroína para garantirem novos adeptos dentro do país, já que as possibilidades de exportação são cada vez mais restritas.
Até onde chega a ganância do lucro!
Sr. Presidente: Quando me referi ao panorama da droga em relação ao autóctone tradicional, procurei, tanto quanto me foi possível, esclarecer as autoridades a quem este assunto diz respeito de que para este há que adoptar as medidas adequadas.
Já cometemos um erro em relação às bebidas fermentadas, que os tradicionais sempre usaram e nunca provocaram os efeitos que certos fermentados industrializados produziram, para as quais, em boa hora, o Governo tomou as medidas que se impunham.
Se alguma coisa havia a fazer com os produtores autóctones, seria uma vigilância mais apertada às condições de higiene na manipulação do produto, ou talvez nem isso. De resto, não passava de uma inofensiva bebida, negócio de gente humilde para servir humildes como eles.
Espero que em relação aos tradicionais fumadores de liamba haja um certo cuidado na maneira de actuar.
Não quero dizer com isto que se lhes permita tudo, mas não é com a perseguição indiscriminada, até a prisão e multas elevadas, nem com fotografias de mau gosto, com legendas ostensivamente insul-

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tuosas (como se a maioria as soubesse ler!), que se alcançam os objectivos que pretendemos.
Estas e outras ostentações de mau gosto só servem para identificar o nível de quem as pratica.
É preciso exercer a autoridade sem autoritarismo, e sobretudo ter capacidade e preparação suficiente para saber como e quando se actuar.
Apraz-me, contudo, informar a Câmara de que, embora como disse, o problema do Estado de Angola não é tão grave como noutros sítios; o Governo tem desde o ano passado uma comissão encarregada de estudar o problema, e entre outras medidas a tomar está prevista a instalação de um centro de recuperação dos toxicómanos.
Oxalá este importante debate tenha contribuído para despertar a consciência de muitos adultos, quer das autoridades, quer dos pais e educadores, de forma que todos possamos libertar os nossos jovens do mal que os ameaça.
Hoje são os jovens que precisam de nós, amanha seremos nós a precisar destes jovens.
Disse.

O Sr. Cancella de Abreu: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: As minhas primeiras palavras são para felicitar, vivamente, o Deputado Delfino Ribeiro pela manifesta oportunidade do seu aviso prévio. Simplesmente - e esta afirmação que vou fazer não tem qualquer originalidade, atendendo a que, por certo, foi e irá ser repetida pelos diversos oradores que nesta Assembleia se ocuparam ou se interessarão por esta matéria -, o Dr. Delfino Ribeiro foi tão exaustivo na apresentação do problema que, a nós outros, pouco ficará para dizer sobre este tão momentoso assunto sem ir repisar pontos já focados na sua magnífica e esgotante exposição.
Se, na realidade, o problema da droga preocupa seriamente grande parte dos países estrangeiros, não é menos verdade que na nossa terra, não tendo, ainda, a gravidade que se observa lá fora, vai, entre nós, tomando proporções que começam a ser assustadoras. E mais vale actuar desde já, firmemente e em força, do que esperar que, como será natural e seguro, a situação venha indubitável- e progressivamente a agravar-se.
É opinião unânime de que o abuso das drogas está a crescer em todo o Mundo de maneira terrivelmente vertiginosa, muito especialmente no âmbito da juventude, e a tal ponto que em determinados estudos efectuados nos Estados Unidos da América se chegou à conclusão - tristíssima conclusão, diríamos- de que, nos últimos três anos e entre a camada estudantil, o aumento do seu consumo atingiu a alarmante percentagem de 100 a 200 por cento!
A continuar este ritmo crescente e se não o combatermos de modo eficaz - afirmam justamente os investigadores americanos - não se poderá estranhar que dentro de um prazo relativamente curto aqueles que não adiram à toxicomania passem a constituir minoria e a ser considerados como indivíduos atípicos e à margem da sociedade moderna! Citando, ainda, os mesmos estudos, acrescente-se, como sintoma francamente desfavorável, que a idade em que se começa a experimentar a droga e os grupos etários nos quais o seu consumo atinge o ponto máximo tornam-se progressivamente mais baixos em cada ano que passa, facto que não pode deixar de ser encarado como altamente inquietante.
Quais as principais razões que levam os jovens a drogar-se? Segundo D. B. Louria, presidente do New York State Council on Drug Addiction e já aqui citado na intervenção do ilustre Deputado Roboredo e Silva, segundo Louria, repito, poderemos englobar essas causas em quatro grandes agrupamentos: gerais, familiares, sociais e de personalidade.
No grupo das razões de ordem geral destacam-se, à cabeça, a curiosidade e o ímpeto de experimentar novas sensações, a pressão e a opinião daqueles que se dizem amigos para que, ao menos, se experimente uma vez a droga, a facilidade na aquisição desta, a influência do meio sócio-cultural e profissional, e, ainda, a moda, a existência de tempos livres sem ter em que ocupá-los, o desejo de reduzir inibições sociais, a habitual rebeldia da adolescência e a fuga às pressões académicas - dificuldades de estudos - e às frustrações contra as quais se não pode lutar sem grande esforço.
No campo das causas familiares, sobressaem o desequilíbrio conjugal, a falta de resolução dos problemas domésticos, a ausência de autoridade e, porventura, o mau exemplo paterno no que se refere ao uso de drogas, as insatisfatórias afinidades e relações entre pais e filhos, já bem descritas pelo Sr. Deputado avisante, e o tédio que existe em muitos ambientes caseiros, emocionalmente frios e desprovidos de carinho.
No sector das razões de ordem social, avultam a necessidade de escapar ao meio em que se vive - criando novos mundos de ilusões-, o aborrecimento, o desprezo e a ausência de interesse pela sociedade que nos rodeia, a crise de idealismo que alguns atravessam, por suposta falta de objectivos válidos a atingir, a busca incomensurável do prazer que caracteriza a nossa época, o colapso da disciplina e o clima de rebelião que se verifica nos tempos modernos, a facilidade dos meios de comunicação, que ajudam à propaganda da toxicomania, e o poder ser-se levado a viver em solidão ou, como costuma dizer-se, em ambiente de gueto. Ainda neste grupo se deve englobar, como sublinha Louria, o renovado, por já antigo, método de drogar revoltosos com o fim de lhes destroçar os alicerces da nossa cultura e de lhes insuflar coragem para executar determinados actos contra a ordem estabelecida, as convenções ou as leis vigentes ou, ainda, de introduzir o maldito vício nos componentes dos exércitos regulares, para que, assim, se desorganizem e desmoralizem. O uso das drogas torna-se, deste modo, um emblema de subversão e a sua ilegalidade um pretexto específico para o seu consumo.

O Sr. Delfino Ribeiro: - Muito bem!

O Orador: - Finalmente, os motivos ligados à personalidade incluem a propensão individual para o uso abusivo de drogas - a importantíssima predisposição toxicofílica -, a necessidade de enfrentar ansiedades por confronto sexual, as depressões, as angústias, as psiconeuroses e a alienação, a exacerbada inquietude normal da adolescência, a incapacidade para tolerar sofrimento mental e as barreiras que,

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bem contra vontade, se criam entre alguns indivíduos e os que os rodeiam, levando-os ao que Massey denomina de "solidão ambivalente".
A droga, como moda, evolui por épocas, quantas vezes rapidissimamente, e tem, nessa sua constante mutação, características e aspectos completamente diversos. Repare-se nas motivações que deram lugar, no século passado, a que muitos artistas e escritores de nomeada constituíssem, quase que diríamos por puro diletantismo, os conhecidos clubes de fumadores de ópio e de haxixe, e nos factores que levam os actuais grupos, geralmente formados por jovens desambientados ou ávidos de novas sensações - que também, muitas vezes, conduzem ao homossexualismo - a reunirem-se para consumir marijuana, L. S. D. ou outras substâncias nocivas.
Numa interessante comunicação apresentada em Istambul, em 1969, à Reunião Anual da Liga Europeia de Higiene Mental, refere o Prof. Doutor Fragoso Mendes, justamente considerado como primeira autoridade portuguesa no campo das drogas, que podem considerar-se dois grupos bem definidos de toxicomania. O primeiro é grave, não só pelas suas consequências sociais como somáticas, leva, na maior parte das vezes, a tratamento hospitalar e é constituído por indivíduos predispostos, de constituição toxicofílica, nos quais a dependência da droga é, em regra, despertada não só por factores físicos, como ainda psicológicos (tratamento de dores, angústia, depressão, etc.) e mantida por causas essencialmente psíquicas, sendo, geralmente, um problema de ordem individual. O segundo, de natureza de grupo, de aparência mais ligeira, do ponto de vista físico, é igualmente grave pela sua grande difusão e pela dificuldade de contrôle, constituindo o produto de certos sectores da sociedade hodierna.
Nos tempos correntes há milhões de indivíduos que tomam drogas, mas nem todos se devem considerar como toxicómanos. Segundo a maioria dos autores, corroborados por Fragoso Mendes, e como norma, só se transformam em casos patológicos os que apresentam factores biossomáticos instintivos ou predisposição toxicofílica constitucional, que pode ser agravada por agentes internos ou externos, os quais, juntos com a droga, a personalidade e o meio ambiente, desencadeiam a tendência toxicómana.
No fim e ao cabo, por estas razões ou por quaisquer outras causas, o que é um facto é que o problema da droga ocupa, hoje em dia, uma posição de imensa relevância em quase todo o Mundo, havendo mesmo - e é possível que com algum exagero - quem tenha calculado em cerca de 1 bilião os indivíduos drogados no final de 1971!
A própria O. N. U., apreendendo a gravidade de tal matéria, criou o Fundo das Nações Unidas para a Luta contra o Abuso das Drogas, à frente do qual colocou o embaixador Cari Schurmann. Pretende este organismo actuar em três campos distintos, ainda que otimamente ligados: primeiro, ao nível dos Governos, Procurando que eles diligenciem junto dos agricultores para que substituam a produção do ópio por outras culturas; depois, agindo no sentido de incrementar e tornar mais eficiente a fiscalização sobre as importações e a venda clandestina da droga; por ultimo, efectuando uma campanha séria, sistemática e esclarecida junto dos seus consumidores, não tanto sob o aspecto moralizador mas, antes, chamando em especial a atenção para o conceito essencialmente científico da toxicomania e para os graves inconvenientes que esta pode trazer para a saúde.
A F. A. O. (Organização para a Alimentação e Agricultura) tem, do mesmo modo, um importante papel a desempenhar no assunto em causa, contribuindo com as suas técnicas aperfeiçoadas para ensinar, por exemplo, os agricultores a cultivarem outras plantas, como as do chá ou do café, e legumes, pimenta, nozes ou frutas, ou a dedicarem-se à criação de carneiros ou de bichos-da-seda, isto é, a substituírem as chamadas plantas dormideiras por outras culturas ou produções animais, que também lhes assegurem lucros compensadores. Mas, de entre as agências especializadas das Nações Unidas, não é apenas a F. A. O. que pode actuar eficientemente. São de considerar, por exemplo, as importantes actividades que a Organização Internacional do Trabalho (O. I.T.) pode exercer, arranjando empregos aos indivíduos que se conseguiram recuperar do vício e ajudando a reintegrá-los na sociedade, as que a Organização Mundial de Saúde (O. M. S.) deve cumprir, estabelecendo e divulgando as melhores regras para o tratamento dos toxicómanos, as que à U. N. E. S. C. O. competem no campo das campanhas contra o uso e o abuso das drogas, ou as que cabem à Organização Internacional de Aviação Civil (I. C. A. O.) nas orientações a dimanar no sentido de uma mais apertada fiscalização quanto ao contrabando aéreo dos produtos utilizados como tóxicos excitantes ou calmantes.
Mas perante o agudíssimo problema que representa a difusão e o consumo indiscriminado e clandestino das drogas, o que pode e o que deve fazer a sociedade, isto é, todos nós, para eficazmente combater ou, pelo menos, diminuir a sua acuidade? Ao mesmo tempo muita e pouca coisa, mas sempre, faça-se o que se fizer, dentro do pressuposto de que é absolutamente indispensável e manifestamente imprescindível actuar simultaneamente nos diversos campos que iremos referir e sempre em íntima colaboração com as outras nações, já que agir isoladamente ou apenas num sector nada resolve e pode, até, vir a ser prejudicial.
Vejamos, então, muito resumidamente -que cada um dos assuntos daria matéria, só por si, para longas dissertações-, os cinco principais aspectos que me parece deverem ser considerados ao encarar-se uma campanha efectiva contra a toxicomania.
Proibir ou vigiar atentamente as plantações de todas as culturas que possam dar lugar ao fabrico ou à preparação de drogas. - É este um campo - que está, essencialmente, na jurisdição dos governos, que devem acatar a autoridade e a influência que os organismos internacionais venham a exercer nesta matéria. Alguns resultados bastante favoráveis se têm conseguido, como, por exemplo, o obtido na Turquia, para a erradicação das culturas de dormideiras. No entanto, é necessário, uma vez tomadas as decisões e assumidas as inerentes responsabilidades internacionais, não retroceder com os respectivos compromissos, como aconteceu com o Irão, que depois de ter activa e prestimosamente colaborado durante cinco anos, substituindo as suas culturas condenáveis por outras, voltou a autorizar a plantação da Papaver somniferum.
Desmantelar a rede de distribuição de estupefacientes. - Este ponto é importantíssimo e é, talvez,

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o de mais difícil solução, atendendo aos enormes interesses financeiros que estão relacionados com a difusão clandestina da droga, dando lugar à constituição de verdadeiros gangs internacionais, com todas as implicações que usualmente estão ligadas a estas organizações criminosas.
Os lucros que se podem conseguir neste campo excedem, em muito, o que se almejaria alcançar em qualquer magnífico mas honesto negócio. Basta referir que a matéria que irá dar lugar a 1 kg de heroína pura se compra na produção por $US 500 e é mais tarde, depois de trabalhada e através de uma complicada cadeia de maléficos cangaceiros, vendida em doses parcelares aos consumidores ilegais por um preço que orça 1 milhão desses mesmos dólares! Quer dizer, os benefícios brutos alcançados com 1 kg de heroína - repito, benefícios brutos por quilo - podem chegar a atingir cerca de 25 000 contos! Não admira, portanto, que seja excessivamente laborioso destruir as redes de traficantes, tão habilidosa e inteligentemente montadas, e às quais, infelizmente e algumas vezes, estão ligadas personalidades havidas como importantes e com posições socialmente elevadas.
Este problema de combate à rede do comércio e distribuição clandestina de drogas compete, exclusivamente, à polícia e aos poderes judiciários, que muito têm feito, mas que muitíssimo mais devem ainda realizar, para poderem levar a cabo esta árdua tarefa. Para se avaliar das dificuldades da luta a travar neste campo, recordemos apenas que Nelson Rockefeller, o conhecido governador de Nova Iorque, que empregou os maiores e mais dedicados e entusiásticos esforços e correspondentes e vultosos dispêndios para humanamente combater a droga, chegou à triste, mas real conclusão de que teria de vivamente aconselhar, como único meio eficaz para se obter uma vitória, a condenação à prisão perpétua para todos os traficantes implicados no negócio dos calmantes e dos excitantes. E tinha carradas de razão para assim fazer esse alvitre, pois, na verdade e segundo relatam os jornais, em Nova Iorque a droga mata uma pessoa em cada oito minutos, número só por si manifestamente arrepiante na sua fria e nua crueza!
Por conseguinte, é de recomendar insistentemente ou, mesmo, de exigir, a bem da Humanidade, que à polícia sejam larga e generosamente proporcionados meios financeiros e em pessoal para que possa desempenhar cabalmente a sua ingrata mas meritória missão antidroga. Os investimentos que neste campo se fizerem serão, sem quaisquer dúvidas, muitíssimo inferiores aos que mais tarde se teriam de gastar para combater os perniciosos efeitos de uma toxicomania já instalada.
Prevenção. - Comecemos por acentuar a importância de esclarecer a população em geral, mas especialmente os jovens, acerca do que são as drogas e do perigo que constitui o seu consumo ilegal. Na certeza de que o problema da toxicomania se não resolve se não se falar nele, é indispensável que se expliquem as vantagens das drogas calmantes ou excitantes, quando judiciosamente receitadas por médicos, e se refiram de maneira clara e absolutamente honesta os gravíssimos inconvenientes do seu uso atrabiliário e indiscriminado. A elucidação tem de começar nas escolas, nas universidades e junto a outros grupos de jovens, e as explicações devem ser dadas por pessoal competente, conhecedor da matéria e devidamente treinado, em palestras curtas, seguidas de franco diálogo com a assistência. O que realmente parece tão fácil de dizer é, na prática, muito difícil de aplicar, especialmente pelo desinteresse que os próprios estabelecimentos de ensino manifestam por tão importante matéria.
A informação da juventude não deve apenas limitar-se a palestras e à discussão ou troca de impressões. É necessário difundir literatura apropriada e projectar filmes adequados, que os há de primeiríssima qualidade, para atingir os objectivos que tão ardentemente se pretendem.
A educação dos filhos e os problemas de família são, do mesmo modo e neste campo de prevenção, um aspecto justamente considerado como basilar. É hoje moda bastante generalizada deixar os filhos em plena liberdade de actuação, para que, segundo dizem os néscios, se lhes não diminua a personalidade! No fundo - e todos os jovens necessitam de ser orientados -, o que se verifica nesta trágica abdicação dos que têm responsabilidades no campo da educação da juventude é, acima de tudo, um imenso comodismo, uma renúncia lamentável que alguns pais adoptam perante as irrefutáveis obrigações que moralmente lhes competem.
Mais do que simples comodismo, eu diria que estamos perante uma vergonhosa covardia, uma fuga irresponsável frente aos compromissos que cada um tem o dever de assumir para com a sociedade em que vivemos, e que nos tem conduzido à crise da família, a que estamos assistindo com irreprimível tristeza. Mas além dessa educação, há o exemplo que é necessário dar, nas atitudes individuais, nas relações do conjunto familiar entre si e com o meio ambiente que o circunda, e na autoridade dos pais para com a compreensão dos problemas dos filhos. A este propósito não é descabido citar a bem conhecida frase de La Rochefoucauld, de que "nada há mais contagioso do que o exemplo"...
Por outro lado, sempre houve e continuará a existir o tão decantado conflito de gerações. Os mais idosos crêem-se senhores das chaves da sabedoria, enquanto os mais jovens atravessam frequentemente um período da vida em que se desinteressam pelo passado e se recusam a ouvir os solícitos conselhos dos mais experimentados. É imprescindível que estes saibam evoluir no tempo e que aprendam a escutar atentamente os jovens e a compreender os seus anseios à luz das realidades presentes, em especial a tendência que, porventura, possam vir a manifestar para o consumo de drogas e que consigam, ainda, discutir carinhosamente com eles esses tão intrincados problemas. Afirma-se, e muito justamente, que não há que temer a droga, mas, antes, a falta de contacto afectivo com a família. E todos estamos mais ou- menos de acordo em que a toxicomania é, em grande parte, uma anomalia psíquica originada pela falta de amor familiar.
Convém, ainda, a título preventivo, fazer interessar os jovens em ocupações sadias, muito em particular em intensas actividades desportivas. Nada há pior para conduzir a maus caminhos do que a ociosidade, pois quem nada faz está sempre predisposto a embarcar em situações de imprevisto, que, quantas vezes, levam a ocorrências verdadeiramente deploráveis.

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É do conhecimento geral, é base de toda a medicina e já o diz um velho ditado, que "vale mais prevenir do que remediar". Por razões de ordem económica, se outras houvesse e muitas há de natureza moral, é indubitavelmente preferível evitar o vício das drogas do que tratar as suas consequências. Portanto, serão poucas todas as verbas que se possam despender no campo da educação preventiva contra o uso indiscriminado e o abuso dos excitantes e dos sedativos.
Tratamento. - Antes de apresentar quaisquer considerações sobre este tema, desejo esclarecer, desde já e para que fique bem claro, que os toxicómanos devem ser sempre reconhecidos como verdadeiros doentes, que na realidade são, necessitados de tratamento médico, e nunca como vulgares delinquentes a entregar à justiça, para que esta os castigue e os corrija.
Dentro deste vasto campo, tão discutido, da terapêutica, das toxicomanias há opinião quase unânime de que o tratamento deve ser fundamentalmente de natureza psíquica, embora realizado fora de ambiente psiquiátrico, ter continuidade e ser exercido sob aturada vigilância. Segundo os conceitos mais modernos, e como regra geral, apenas os casos graves, individuais, devidos às chamadas drogas clássicas - morfina, heroína, cocaína - necessitam de internamento em estabelecimento especializado. Os outros, menos severos, ocasionados pelas drogas mais recentes - marijuana, L. S. D., haxixe, anfetaminas -, habitualmente consumidos em grupo, têm muitas possibilidades de poderem ser tratados em regime ambulatório.
Não irei pormenorizar, por estar fora da latitude do presente aviso prévio, os meios farmacológicos ligados à terapêutica das toxicomanias.
Apenas me referirei à metadona, por ter sido citada pelo Deputado Delfino Ribeiro, e unicamente para dizer das apreensões que tenho perante o entusiasmo da sua aplicação. Recordo só a grande voga que teve a heroína no tratamento da morfinomania, o imenso número de heroinómanos que daí resultaram, e do receio, mesmo certeza, da já registada habituação à metadona, quando empregue na terapêutica da intoxicação crónica pela heroína. Se o vício da morfina ocasionou o da heroína, fazemos votos para que este não dê lugar ao da metadona.

O Sr. Delfino Ribeiro: - V. Exa. dá-me licença?

O Orador: - Faça favor.

O Sr. Delfino Ribeiro: - Desejo registar com gratidão as amigas referências que V. Exa. se dignou dirigir-me, felicitá-lo pela exposição, que aliás se coaduna com o brilho das intervenções a que nos habituou, e juntar a minha concordância às considerações que V. Exa. acaba de tecer sobre a metadona. 4 Dela falei por ser utilizada no processo mais vulgarizado para o tratamento do vício resultante do consumo dos opiáceos. Todavia, e conforme tive o ensejo de ler num dos últimos números da revista trimestral intitulada International Journal for the study of brug Addiction, vários médicos especialistas, que se reuniram recentemente nos Estados Unidos da América para apreciar e analisar as consequências do uso da metadona na cura da toxicomania, chegaram a uma conclusão que coincide com a opinião de V. Exa.
Pena foi que não tivessem indicado um sucedâneo, quero dizer, um método que possa com vantagem pôr de parte a presença da metadona na terapêutica em causa. Oxalá assim venha a suceder num futuro próximo, pois afigura-se-me que tal ainda não aconteceu.

O interruptor não reviu.

O Orador: - Muito obrigado, Sr. Deputado Delfino Ribeiro.
Na verdade, segundo os elementos de que tenho conhecimento, ainda não se encontrou um sucedâneo da metadona que pudesse obter bons resultados sem os inconvenientes de habituação que a metadona tem. Façamos votos para que dentro em breve esse produto apareça.
Mas, na realidade, conseguem obter-se bons resultados no tratamento dos toxicómanos? A resposta é afirmativa, especialmente para os considerados como não gravemente viciados. No seu conjunto, dentro do pressuposto de que cada doente é um caso, e sem grande generalização, pode dizer-se que a cura dependerá do tipo da droga, do tempo de duração da toxicomania, das doses diárias tomadas, da idade da iniciação no vício, do meio social em que se vive, dos antecedentes pessoais e hereditários quanto ao foro psíquico e ao consumo de estupefacientes, e, ainda, da profissão exercida. Nesta, merece um relevo especial a daqueles que têm mais fácil acesso à droga, tais como os médicos, as enfermeiras, os farmacêuticos e o pessoal de laboratório. Por todo o Mundo é precisamente neste grupo que se encontra o maior número de drogados.
Nos casos portugueses estudados pelo Prof. Fragoso Mendes, a percentagem de toxicómanos naquelas profissões atingia 32,7 por cento, de longe a mais elevada em relação às restantes.
Desejo, ainda, referir dois pontos que se consideram como absolutamente fundamentais no tratamento deste tipo de doentes: o voluntariado e o anonimato. Só se trata devidamente quem esteja, na verdade, interessado em se recuperar. É, praticamente, quase inútil o tratamento coerciso de um toxicómano, pois, uma vez liberto da vigilância a que inicialmente se submeteu, acaba, na grande maioria das vezes, por recair no seu anterior vício.
Depois, para se tratarem, estes enfermos exigem um completo e perfeito anominato, o que é natural e bem se compreende. As suas fichas, nas consultas ou internamentos, devem apenas ter um número, sem qualquer nome, apelido, morada ou outros elementos de possível identificação. Esse anominato é, repito, imprescindível para que o toxicómano se submeta a tratamento, embora isso vá causar sérias perturbações aos serviços administrativos e pesar desfavoravelmente nas finanças hospitalares.

O Sr. Delfino Ribeiro: - V. Exa. dá-me licença?

O Orador: - Faça favor.

O Sr. Delfino Ribeiro: - Desta vez, era para manifestar um pequeno reparo à sua afirmação da quase inutilidade do tratamento coercivo. Não resta dúvida

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de que o ideal estaria em a apresentação voluntária poder, por si só e em relação a todos os casos, conduzir ao tratamento.
Infelizmente assim não sucede, pois, por mais que sejam os voluntários - e queira Deus que o seu número venha a exceder o dos que se ocultam, escondendo o vício -, sempre existirão drogados que apenas pensarão no consumo, vivendo para o bem-estar que da droga recolhem ou julgam receber.
Para estes impõe-se, por via judicial, a cura compulsiva, ainda que lhes falte o desejo de se afastarem do mal - sentimento que não raro, para não dizer por norma, também se verifica nos voluntários durante o decurso do tratamento - e o risco de recaída consequentemente se intensifique.
Por outras palavras: urge tentar auxiliar o drogado, obrigando-o ao tratamento quando a sua apresentação às entidades competentes se não efectue por iniciativa própria ou de quem o represente.
As dificuldades na obtenção de um bom resultado, ainda que possam divergir - e creio que variam mais de caso para caso do que por virtude da simples manifestação voluntária ou imposição estatal -, são sempre enormes. Há, pois, que para todos eles prever a necessidade de tratamento, de forma que os centros de recuperação funcionem para servir tanto os voluntários como os que venham a ser detidos e ou sentenciados - o que presentemente não se constata.

O interruptor não reviu.

O Sr. Salazar Leite: - V. Exa. dá-me licença?

O Orador: - Faça favor.

O Sr. Salazar Leite: - Não desejo de maneira nenhuma estabelecer polémica. Apenas, e começando por agradecer a exposição que V. Exa. tem feito a propósito deste problema, com todas as indicações que lhe advêm e lhe foi possível obter dentro do nosso meio, devo dizer que discordo completamente da opinião que foi aqui apresentada pelo Sr. Deputado avisante. E discordo por uma razão muito simples, por uma questão de exeperiência dentro do nosso trabalho na classe médica.
Não é a primeira nem a segunda vez que nós tentamos, dentro da nossa acção de médicos, forçar grupos de doentes - e estes indivíduos não são mais que doentes- a tratamentos cumpulsivos. Aqui o disse. E sempre temos falhado completamente.
O caso mais recente de que me recordo, que tinha ao mesmo tempo todas as características humanitárias, foi a tentativa feita no Brasil para conseguir que todos os leprosos fossem tratados de uma maneira cumpulsiva, obrigando-os a internarem-se em varíadíssimos campos e verdadeiras cidades de leprosos, onde todas as condições de vida eram muito superiores àquelas que eles tinham no meio exterior.
Teórica e humanamente isto era o máximo que se poderia desejar.
O resultado que se obteve foi a fuga constante desses indivíduos das zonas onde tinham a obrigação de se manter e a ascensão da doença à custa dos contactos que eles, escondidos, provocavam nas pessoas que diariamente os encontravam, arriscando-se a ser contagiadas.
Eu não acredito, de modo algum, nos tratamentos compulsivos, e neste caso mais ainda, porque, no caso em questão, verifica-se um factor psicológico que não se pode combater e que, afinal de contas, está na base da tendência para a morfinomania, que é a mais frequente de todas.

O interruptor não reviu.

O Orador: - Eu suponho que tanto o Sr. Deputado Salazar Leite como eu próprio não somos contra o tratamento coercivo, sabemos que há indivíduos que são apanhados pela Polícia e que têm de ser tratados.
Infelizmente, o facto de não sermos contra o tratamento coercivo não significa que acreditemos nele, este ponto é que é de sublinhar. No entanto, nesses doentes, que foram apanhados a consumir droga e por isso foram detidos e encarcerados, aí a acção psicológica tem uma enorme actuação, mais do que nos outros casos. Isto porque a acção psicológica pode convencer esses doentes a tratarem-se, e, uma vez convencidos, já não se trata de tratamento coercivo, mas sim voluntário.
Resumindo: Não somos, pelo menos eu não sou, contra o tratamento coercivo, apenas não acredito na sua eficácia, o que não significa que não haja casos onde se obtiveram bons resultados.

O orador não reviu.

O Sr. Deifino Ribeiro: - Era essa mesma explicação que eu esperava obter de V. Exa. Não sei se a opinião de V. Exa. coincide com a do Sr. Deputado Salazar Leite, no entanto, talvez não haja coincidência absoluta, pois V. Exa. que eu saiba, discordou totalmente do meu ponto de vista, defendendo o tratamento voluntário. Talvez eu me tivesse exprimido mal, mas o que eu penso é o seguinte: deve ser dado a todo o toxicómano a possibilidade de se curar.
Os voluntários, ou seja, aqueles que queiram apresentar-se às entidades competentes, serão tratados como voluntários, como anónimos. Em relação aos viciados, não voluntários, que não queiram vir à tona, ou seja, que não queiram apresentar-se às autoridades, em relação a esses também há que exigir que eles se tratem, embora as dificuldades possam ser maiores. Mas, como há pouco disse, o que importa é a determinação do doente para se tratar, quer ele seja voluntário, quer seja involuntário.
Há doentes voluntários que manifestam vontade de se tratar e depois essa determinação enfraquece, mirra, falece, sendo, portanto, o resultado do seu tratamento idêntico ao do indivíduo que não se apresentou e que foi detido e foi, portanto, obrigado a tratar-se, sem, portanto, desejar curar-se.
Ora quero dizer também, pelo que me toca e porque o relapso é mais norma que excepção, que não acredito muito nos resultados do tratamento, pois estes se mostram quase sempre negativos quando o doente não coopera, isto independentemente de ser um doente voluntário ou um doente não voluntário.
Muito agradecido a V. Exa.

O interruptor não reviu.

O Orador: - Ao fim e ao cabo, estamos todos de acordo.

O Sr. Agostinho Cardoso: - V. Exa. dá-me licença?

O Orador: - Faça favor.

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O Sr. Agostinho Cardoso: - Eu vou fazer uma espécie de "ponto" acerca daquilo que VV. Exas. disseram e aquilo que eu penso.
Em primeiro lugar, acho que se deve tratar qualquer pessoa mesmo sem probabilidades de cura. Tratámos os cancerosos, tratámos os tuberculosos no tempo em que não havia cura, etc.
Portanto, todo o toxicómano tem de ser tratado.

O Orador: - Eu não disse o contrário.

O Sr. Agostinho Cardoso: - Exactamente, eu estou a fazer o "ponto".
Segundo ponto: Perante a legislação, como temos considerado o toxicómano? Como um doente em grande percentagem e como um delinquente em percentagem pequena.

O Orador: - Eu considero-o sempre um doente.
Eu considero delinquente o traficante da droga.
O que toma a droga é um simples doente.

O Sr. Agostinho Cardoso: - Aí reside a minha grande discordância e que quero corajosamente pôr.
Um toxicómano é essencialmente um doente, mas pode ser um delinquente, e é-o em certas circunstâncias, como um alcoólico é um doente e é, em certas circunstâncias, um delinquente. É-se delinquente na medida em que se usa a droga em grupo, na medida em que perturba a ordem pública, na medida...

O Orador: - Mas ele faz isso tudo devido à doença.

O Sr. Agostinho Cardoso: - Mas há doentes que são castigados não por serem doentes, mas por praticarem actos de que são considerados responsáveis, erradamente ou não.

O Orador: - São castigados não como doentes, são castigados como responsáveis.

O Sr. Agostinho Cardoso: - É o que eu digo: são doentes, mas que são considerados pelas legislações como delinquentes.
É o caso do toxicómano que contagia os outros e que faz propaganda, etc.
Portanto, em muitas circunstâncias o toxicómano, sendo essencialmente um doente, é considerado pelas legislações também como delinquente.
Como doente ele tem que ser tratado, quer seja voluntário, e neste caso acreditamos um pouco na cura, quer não seja voluntário.
Em regra, os heroinómanos e os consumidores do L. S. D., são quase sempre reincidentes. Agora o que fazem os Franceses é relacionar um pouco a coacção legal com o tratamento, quer dizer: o doente que não se quer tratar é tratado em regime de internamento hospitalar, em meios próprios - eles chamam-lhe, até, socioterapia -, que é feito, pois, longe dos estabelecimentos de psiquiatria, e até o contacto dessa gente com os psicopatas lhes é nocivo. Depois passa para um regime de liberdade vigiada, em que é obrigado a apresentar-se perante o médico sanitário de três em três meses, durante um certo período. Mas, tendo saído desses estabelecimentos hospitalares especializados onde foi tratado coercivamente, pode escolher o seu médico e apresentar às autoridades sanitárias um atestado de que está a ser vigiado periodicamente.
Há aqui, por assim dizer, uma ligação entre a repressão e o tratamento. Há uma espécie de repressão sanitária - se pudermos empregar o termo -, dando e prolongando o tratamento.
Parece-me que é esta a posição que devemos tomar perante o toxicómano.

O interruptor não reviu.

O Orador: - Muito obrigado, Sr. Deputado Agostinho Cardoso, mas voltámos à mesma coisa: eu não afirmei aqui que se deviam tratar os toxicómanos, mesmo aqueles que não tinham possibilidades de cura. A minha dúvida é só esta: não acredito nos resultados que venham a obter-se nesse caso.
Reabilitação. - Uma vez conseguida a desintoxicação destes doentes, é necessário prepará-los para a vida normal. A par de uma intensa psicoterapia para eliminar completamente as tensões e as ansiedades, há que tomar medidas de carácter vocacional, recreativo e social, de modo a acompanhá-los e a integrá-los na sociedade como indivíduos perfeitamente válidos. É de interesse assinalar a importante acção que os ex-doentes podem exercer, ajudando o tratamento e a recuperação dos enfermos mais recentes.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Depois de ter feito uma síntese, tão rápida quanto possível, do problema em discussão, para que o possamos compreender e enquadrar num contexto internacional, não desejaria concluir esta intervenção sem mencionar o que conheço existir na nossa terra no campo da luta contra a droga. Julgo que, além do Centro de Recuperação Social da Ilha da Taipa, em Macau, apenas há, e desde há cerca de dois meses, uma consulta no Hospital de Santa Maria, criada por iniciativa da clínica de psiquiatria, e que funciona como centro de rastreio e tratamento ambulatório de toxicómanos.
É indispensável que num futuro o mais possível breve se instalem centros especializados de rastreio e tratamento no Porto e em Coimbra, além de se melhorar e ampliar a consulta de Lisboa, com equipas bem treinadas de médicos, enfermeiras, psicoterapeutas de grupo, assistentes sociais, etc., além de ligar esses centros com os hospitais psiquiátricos, para tratamento dos casos graves, e com centros de reabilitação, que, igualmente, se devem montar nas três zonas hospitalares do País. Acrescente-se, como nota animadora, que no IV Plano de Fomento, ora em preparação adiantada, se encara a criação de centros anti-droga, o que constituirá, sem dúvida, o primeiro passo de um importante projecto a executar.
A terminar estas minhas palavras, referentes à toxicomania, quero apenas reproduzir duas autorizadas opiniões sobre a enorme gravidade do problema em causa. A primeira, formulada em Junho de 1971, pelo Presidente Nixon, que afirmou:

A toxicomania nos Estados Unidos tem agora o aspecto de uma catástrofe nacional. Se não pusermos fim a este flagelo, será ele que dará cabo de nós.

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A outra, já aqui citada na brilhante intervenção do nosso colega Agostinho Cardoso, é da autoria do Santo Padre, Paulo VI, que disse:

Se, de qualquer modo, o fenómeno não for detido, acabará bem cedo por ter funestas consequências na comunidade humana.

Meus senhores: Estas duas categorizadas afirmações justificariam, só por si, a oportunidade do aviso prévio do Deputado Delfino Ribeiro, a quem apresento, uma vez mais, as melhores felicitações, ao mesmo tempo que, com a maior satisfação, dou o meu apoio às judiciosas proposições que apresentou no final do seu exaustivo e bem elaborado trabalho.

O Sr. Brás Gomes: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: Os graves efeitos resultantes do uso da droga atingiram, nestes últimos anos, proporções verdadeiramente alarmantes. A situação, aliás, foi já aqui analisada pelo ilustre Deputado avisante e pelos digníssimos colegas que me antecederam.
Milhões de jovens e de adultos de todo o Mundo administram a droga por todos os meios, fumando marijuana, tomando LSD por via oral ou endovenosa, ou adicionando às bebidas alcoólicas a heroína, a morfina, a mescalina, o STP, os barbitúricos e tantos outros estimulantes psicadélicos, na ânsia sempre crescente da provocação de anomalias fisiológicas e psíquicas que põem em perigo constante o equilíbrio da sua saúde física e mental, com as suas indomináveis consequências na estrutura da sociedade em que se integram.
A marcha progressiva do abuso da droga, que ultrapassa todas as fronteiras e alastra por todos os países do Mundo, impõe a necessidade de rigorosas medidas repressivas à escala internacional.
Assim, as Nações Unidas, em 1961, tomaram à sua conta o problema, criando a Convenção Única sobre Drogas Narcóticas, a fim de estabelecer um sistema de contrôle legal na produção, exportação e venda de drogas, por força do qual fossem canalizadas para o uso exclusivo da medicina. Em 1971, a Convenção de Viena aplicou medidas internacionais a drogas como o LSD, chamadas "drogas de submissão do espírito". Não obstante as providências tomadas, continuam as violações das leis, dado que os lucros obtidos com a venda de drogas são fabulosos, em contraste com o modesto nível de preços junto do cultivador. Um quilograma de ópio, que custa 20 dólares comprado directamente ao cultivador, depois de transformado em morfina passa a ser vendido por 20 000 dólares.
As Nações Unidas criaram, em 1971, um fundo para contrôle do abuso das drogas, fundo proveniente da contribuição voluntária de governos e de instituições. Existem já dezenas de projectos delineados, para cuja execução, no próximo quinquénio, estão orçamentados 95 milhões de dólares, tendo sido já iniciados trabalhos com a colaboração efectiva de técnicos habilitados na execução das tarefas dos diferentes sectores.
Contudo, um problema os aflige: as papoilas do ópio são cultivadas em países como a Birmânia, o Paquistão, o Afganistão, o Laos, etc., por populações que vivem em áreas afastadas e que na colheita e comércio destas plantas têm o seu principal meio de subsistência. A substituição da cultura da papoila por outra exigiria uma acção de fomento de grande envergadura por parte dos respectivos Governos, a fim de evitar as graves perturbações que, dessa substituição, resultariam para a economia das diferentes regiões. O mesmo acontece quando se pretende evitar o fornecimento ilegal de folhas de coca, ou ainda da Cannabis sativa, donde se extrai a marijuana e o haxixe, que são plantas de geração espontânea e cobrem grandes áreas da América Latina.
A impossibilidade prática de acções de grande envergadura contra a produção de plantas fornecedoras dessas drogas levam os traficantes, indivíduos sem escrúpulos, a continuarem os seus negócios ilícitos, na ânsia de lucros fabulosos, não obstante a fiscalização rigorosa dos Governos interessados na luta contra o terrível espectro da droga.
Os próprios ingleses admiram-se de que, sendo a Inglaterra uma nação onde a legislação é normalmente obedecida, cerca de 2 milhões de ingleses utilizam a droga. Só no ano findo, os tribunais condenaram 10 000 pessoas por delitos relacionados com a droga.
As Universidades inglesas albergam uma percentagem elevada de estudantes - quase 50 por cento - com experiência no campo da droga. O uso da droga na Universidade de Oxford, por exemplo, alastra assustadoramente; em 1967, um ilustre professor daquela Universidade declarava que a droga estava a destruir alguns dos melhores intelectos da nação. Hoje, na Inglaterra, indivíduos de 40 a 50 anos resolveram aderir à droga para se manterem a par da juventude.
A procura da droga, naquele país, avalia-se pelos milhões de libras que circulam, de mão em mão, para a compra dessa terrível Cannabis sativa, donde provêm a marijuana e o haxixe, oriundos do Norte de África e do Médio Oriente.
Ela começou a ser introduzida na Inglaterra pelos imigrantes das Antilhas, mas a maior parte da importação foi feita dos Estados Unidos através dos cantores de música pop.
Dessa célebre Cannabis sativa extrai-se hoje uma essência, que tem o nome de THC, derivada da flor feminina da planta, onde a droga aparece com uma concentração elevadíssima, pois a essência é refinada em laboratórios especializados e clandestinos (em Beirute e em Kabul). Para se avaliar dos seus efeitos, basta saber que uma garrafa de THC refinado equivale a uma espécie de bomba atómica no mercado da droga e pode conter o equivalente a 4 milhões de "baforadas de fumo" utilizadas normalmente pelos fumadores.
Os Estados Unidos utilizam em grande escala os sedativos e os barbitúricos, sendo cerca de 200 000 os viciados, além de 25 milhões de americanos que usam normalmente a droga.
As instalações de hidrocarbonetos voláteis, como a gasolina de isqueiro, a benzina e, principalmente, a cola sintética, também são utilizadas pelos jovens americanos para se intoxicarem.
O uso da droga nos Estados Unidos tem contribuído para que os casais viciados tenham filhos com males incuráveis. O bebé viciado pela droga no ventre materno deixa de consumir aquela dose quando nasce, e daí o seu sofrimento, manifestado por um pranto estridente e quase contínuo, acompanhado de suores e de tremores. No último ano, só em Nova Iorque, nasceram 1200 crianças nessas condições, e muitas

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outras centenas terão nascido em todo o Mundo trazendo consigo o estigma da mãe viciada pela droga, com a agravante de uma dificílima recuperação.
Em Montreal, no Canadá, uma equipa de prospecção sanitária chegou à conclusão de que 13 por cento dos jovens que lhe eram confiados utilizavam a cola, produto sintético, para se intoxicarem. Hoje, a proporção de universitários canadenses que se drogam atinge a inquietante cifra de 30 por cento (1 em cada 3).
No I Congresso Antidrogas de Hamburgo, realizado no mês de Março do ano findo, os cientistas chegaram à triste conclusão de que "não há receita que cure os viciados na droga". Do Congresso fizeram parte cientistas dedicados há muito ao combate contra a droga da Alemanha, Suíça, Holanda e Suécia, países que lutam com o aumento assustador de viciados. Um dos participantes no referido Congresso disse que "o vício da droga não é apenas um problema médico, jurídico, criminal ou sociológico, mas tudo isso junto e muito mais". No entanto, o Congresso utilizou todas as sugestões para a cura dos viciados, não sem que tivesse levantado um clamor pelo número assustador de jovens - cerca de 1 500 000 -, que, na altura, já tinham experimentado a droga e cerca de um décimo deles eram já considerados viciados crónicos. Além das possibilidades de cura estarem reduzidos ao mínimo, por cada cura que se regista surgem logo 300 novos viciados.
Tal o panorama apresentado pelo I Congresso Antidrogas, em que grupos de trabalho continuam reunidos a discutir o estado actual da pesquisa sobre as drogas e as motivações psicosociais do vício que se adquire. Quaisquer que sejam as divergências entre os diversos grupos de trabalho, o ideal comum é baixar o consumo das drogas e promover a cura dos viciados.
O tráfico de drogas é o problema mais difícil de ser dominado e aquele com que as diversas nações interessadas se debatem desesperadamente. Ele faz-se pelas formas mais extravagantes que se possam imaginar: escondidas em caixas de comida enlatada, em cabos de raquetas, em luvas acolchoadas para o hóquei, em contas e missangas dos hippies, em brinquedos de crianças, etc. Até uma equipa de televisão conseguiu transportar drogas em caixas de filmes, com o indicativo de que não podiam ser expostos à luz!
Um número relativamente recente do Sunday Telegraph relata ainda o caso de malas diplomáticas de embaixadas estrangeiras e dos próprios diplomatas dos países mais pobres de África, que estão a deixar entrar drogas, com manifesto e pronto lucro de venda, para a alta sociedade londrina. Um outro caso relatado pelo mesmo jornal refere-se a um categorizado membro da Alta Comissão Indiana, em Londres, que conseguiu fazer entrar latas de conservas com cerca de 50 mil grãos de haxixe em compartimentos separados nessas mesmas latas.
O contrabando da droga tem sido um problema gravíssimo para a Inglaterra, sendo o Paquistão, actualmente, um dos principais exportadores, seguindo-se o Líbano, a índia, o Médio Oriente e quase todos os países africanos. A própria África do Sul cultiva a Cannabis sativa no valor de 4000 t por ano.
Como deter essa marcha infernal? Como evitar que a droga invada as nossas escolas?
Sr. Presidente: A difusão e o crescente consumo de drogas parece relacionar-se com o fenómeno, característico do nosso tempo, da crença no direito à felicidade. Essa crença entra em conflito com a felicidade relativa que as estruturas sociais permitem ao indivíduo, que se refugia na droga como forma de manifestação contestatária, recusando a sociedade em que vive e procurando um expediente que o ajude a viver.
Outros há que procuram a droga como uma forma de renúncia, pura evasão de uma sociedade que os explora e continuará a explorar, na medida em que dela necessitam para a aquisição da substância tóxica que os escravizou e os pode conduzir aos mais repugnantes vícios e degradações.
O consumo da droga aumentou consideravelmente em todos os países ocidentais e são vítimas dele não só os desempregados e os complexados, como o são, também, e em grande escala, os estudantes sem problemas económicos.
Quais as causas dessa desorientação, principalmente entre a juventude?
Há dois tipos de indivíduos que normalmente se drogam:

1) Os predispostos, isto é, indivíduos neuróticos e emocionalmente instáveis, dificilmente adaptáveis aos problemas que surgem, levando-os à necessidade de se refugiarem na droga para experimentarem sensações novas compensadoras das suas frustrações;
2) Os que, sob o ponto de vista sociológico, sofrem a influência do meio ambiente, do qual faz parte a juventude, e que tendem a aceitar, e até louvar, atitudes de protesto e de contestação.

São diversas as causas que vão agir de modo a provocar o uso da droga nessas duas categorias de indivíduos:

1.° A fuga de problemas, quer de ordem material, quer de ordem espiritual. Os conflitos íntimos e os problemas de ordem familiar ou profissional levam o indivíduo a optar enfrentando esses conflitos ou fugindo deles refugiando-se na droga;
2.° A curiosidade. As experiências descritas com entusiasmo pelos outros despertam a curiosidade e levam ao desejo de experimentar;
3.° A riqueza. Os indivíduos que desfrutam de todos os bens de fortuna, levando uma vida fácil e de gozo de todos os prazeres, experimentam mais um - o da droga - que os leva muitas vezes à desgraça e ao crime;
4.° Dependência física e psíquica. Efeitos da própria droga, escravizam o indivíduo que passa a obedecer cegamente à sua vontade, consumindo doses cada vez maiores. Esta dependência é criada pelos traficantes que, com a sua ganância de lucros, conseguem promover a sua difusão nos ambientes frequentados por massas de jovens - rapazes e raparigas - onde encontram receptividade por se tratar de gente em regra geral mal informada, psicologicamente não amadurecida, de curiosidade natural e pronta a toda a espécie de experiências. Começa-se por fornecer a droga gratuitamente mas os traficantes sabem que o capital gasto irá

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em breve render juros elevados. Cedo os jovens começam a sentir a necessidade de novas doses e, então, o preço vai aumentando, porque eles tudo pagam para conseguirem que sejam regularmente fornecidos por esses criminosos à solta;
5.° Indivíduos psicopatas, facto que já pertence ao domínio da psiquiatria. São indivíduos de conduta fora do normal e que ingerem a droga sem causa que se possa justificar;
6.° Outras causas. Falta de ambiente familiar, falta de diálogo, más companhias e exemplos, a tendência para não trabalhar, excesso de liberdade individual, falta de ligação entre a família e a escola.

Sendo, pois, a droga um flagelo que tende a expandir-se e sabendo-se que ela encontra um campo fácil entre a juventude, mormente entre a juventude escolar, convém que esta se mantenha, psicológica e culturalmente, forte para que possa resistir à acção criminosa dos aliciadores.
A tarefa não é fácil. Se, por um lado, ela tem de se adaptar à realidade social actual, importa, paralelamente, ter em conta as precauções necessárias, ditadas pela prudência, para que o efeito que se procura não seja contraproducente. A difusão de elementos informativos desperta a curiosidade e pode desencadear tentativas de experiência que vão determinar todo um processo patológico de toxicomania.
Não há dúvida de que o problema é complexo e só poderá ser equacionado por um grupo de técnicos especializados de larga visão e com um sentido realista das dificuldades a enfrentar.
O Instituto Social Morumbi, do Brasil, sugere o lançamento de uma campanha antidroga por meio de duas linhas de acção:
1.° Linha de acção defensiva:
Defesa da entrada de drogas dificultando o acesso dos jovens a esses mercados, acção que se desenvolveria em três fases:

a) Legislação adequada;
b) Fiscalização rigorosa;
c) Repressão imediata.

2.° Linha de acção preventiva:
Informação séria, em que os pais e professores teriam papel preponderante, orientados por médicos e psicólogos que, por meio de palestras nas escolas, esclareceriam a juventude dos terríveis e irrecuperáveis males que as drogas acarretam.
É nesta linha de acção preventiva que se deverá inserir o problema dos jovens das nossas escolas.
Porque não confiar a orientação da campanha antidroga a organismos, como o Secretariado para a Juventude e a Mocidade Portuguesa?
Porque não promover a estruturação de actividades culturais e desportivas no sentido de atrair e interessar os jovens nas diversas modalidades, na sequência, aliás, dos propósitos já definidos pela Direcção-Geral dos Desportos?
Porque não organizar quadros preenchidos pelos alunos mais velhos, que, na função de monitores, seriam auxiliares preciosos na orientação dos alunos mais novos?
Porque não contar com a participação efectiva da medicina escolar e da assistência social, uma e outra especialmente habilitadas para desenvolver uma acção construtiva e profícua?
Porque não solicitar, através da respectiva associação ou directamente, a colaboração dos pais, e bem assim, pelas vias normais, a dos professores, sempre prontos a darem o seu melhor contributo?
Nestes termos, importa ter bem presente que para deter a marcha avassaladora da droga se torna imperioso mobilizar todos os meios ao nosso alcance, com vista à sua integração num plano de conjunto, cuja eficiência será assegurada pelo espírito de solidariedade e - o que é mais - pelo amor a essa juventude, a grande esperança da continuidade da Pátria.

O Sr. Leal de Oliveira: - Sr. Presidente: Compete-me hoje subir a esta tribuna para participar no aviso prévio sobre toxicomania, anunciado em 14 de Abril do ano passado pelo Deputado Delfino Ribeiro.
Honroso e responsabilizante convite me fez o Deputado avisante.
Não foi possível escusar-me apesar de, consciente da insuficiência dos meus conhecimentos, me sentir minimizado ao falar sobre tão complicada e escabrosa doença psico-social.
Doença que há muito mina a sociedade, em verdadeira epidemia por todo o mundo, mas com marcada virulência na Europa e nas Américas.
Não me foi possível, volto a dizer, escusar-me a tecer algumas considerações à volta de tão importante quão nefando problema, que atestassem publicamente a minha inteira rejeição a tão medonho mal e o meu temor num maior alastramento da toxicomania, vício que Paulo VI, em 1970, descreveu como um dos maiores flagelos mundiais e o arquiduque Otão de Habsburgo como "um dos negócios políticos e económicos mais importantes do nosso tempo".
Bem haja, portanto, Sr. Deputado Delfino Ribeiro, estamos desde já a dever a V. Exa. uma melhor clarificação do problema.
A Assembleia ficará mais esclarecida e o Governo mais apto a melhorar, se for caso disso, a legislação que, recentemente, promulgou tendente ao contrôle da praga - Decretos-Leis n.ºs 420/70 e 435/70 - e a promover as medidas necessárias à total erradicação da doença mais degradante que pode atacar o homem e a sociedade, já que o destrói física e psicomoralmente.
A elucidativa exposição ouvida no início do debate devia-me ter desencorajado de aqui tocar num tema tão profundamente tratado pelo Deputado avisante. Mas fá-lo-ei consciente da modéstia do meu contributo e pleno de esperança de que a minha fala possa servir como que uma pequena pedta do muro, da muralha, que instantemente se torna necessário construir para a defesa das nossas gentes, da nossa juventude, dos nossos filhos.
Sr. Presidente: Foi com júbilo e já ciente da gravidade que a toxicomania poderia vir a assumir em Portugal e com maior incidência no Algarve, como sequela presumível e abominável do desenvolvimento do turismo, que em 9 de Dezembro de 1970 aplaudi a promulgação do Decreto-Lei n.° 420/70, felicitando, na altura, o Governo na pessoa de S. Exa. o Ministro da Justiça.

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Permite-me então, ao ultimar a referida exposição, "chamar a atenção do Governo [...] para a necessidade da adaptação dos serviços existentes ou da criação de novos departamentos que possibilitem uma aplicação prática e eficiente do referido decreto-lei".
"Só assim", disse também, "os desejos do Governo, expressos no diploma n.° 420/70, e que representam uma necessidade vital da Nação, serão uma realidade positiva, e não, pelo contrário, como infelizmente por vezes acontece, venham a dormir, por falta de organização ou de meios, o sono da impotência".

O Sr. Delfino Ribeiro: - V. Exa. dá-me licença?

O Orador: - Faça favor.

O Sr. Delfino Ribeiro: - Cumpre-me agradecer a V. Exa. as elogiosas palavras com que me quis distinguir, talvez a título de pródiga retribuição dos aplausos que justamente lhe tributo quando, com calor e autoridade, defende os interesses da sua região ou se debruça sobre assuntos de âmbito nacional. A achega destina-se, porém, sobretudo a realçar ter sido V. Exa. quem, nesta Casa e nesta legislatura, teve a honra de em primeiro lugar abordar o problema que vem sendo objecto de debate, tendo também nessa altura V. Exa. permitido que eu o apoiasse com umas ligeiras considerações. Bem haja e obrigado.

O interruptor não reviu.

O Orador: - Sr. Deputado Delfino Ribeiro, muito obrigado pelas palavras que acabou de proferir. Mas, na verdade, se não fora a vossa preciosa achega em 9 de Dezembro de 1970, quando aqui tratei pela primeira vez do problema dos estupefacientes, estou certo de que as minhas palavras não teriam qualquer eco.

O Sr. Delfino Ribeiro: - Muito obrigado!

O Orador: - O que é evidente, Sr. Deputado, e por isso renovo os meus agradecimentos a V. Exa. pela apresentação do aviso prévio, é o interesse que ele provocou na Câmara, permitindo discursos sobre toxicomania do maior interesse.
O tema tem a máxima importância - mundial e nacional -, e para mim, como algarvio e Deputado pelo círculo de Faro, a sua relevância avoluma-se, já que naquela zona o tráfego de estupefacientes se agigantou, e eu não quero que o Algarve, conhecido mundialmente pela sua natureza ímpar, o seja também pelo alastramento do vício da droga.

O Sr. Delfino Ribeiro: - Não queremos, não queremos.

O Orador: - Muito obrigado, Sr. Deputado.
Continuando: Mais tarde, em Fevereiro de 1972, o desmantelamento de uma quadrilha, cujos tentáculos bem enlaçaram o Algarve, sugando alguns jovens cujas forças psicomorais não foram suficientes para vencer os embates que a vida hodierna, materialista, em que vivemos lhes proporcionou, levou-me novamente, nesta Casa, a tecer mais algumas considerações laudatórias à Polícia Judiciária e à sua Brigada Especial de Estupefacientes, que, à custa do destemor dos seus componentes, certamente poucos e mal equipados, conseguiram uma vitória contra o crime, contra o tráfico e uso de estupefacientes, contra o mal.
E note-se que esta vitória foi para mim supervalorizada por se ter obtido contra uma actividade altamente condenável e com fundas raízes em organizações internacionais poderosamente estruturadas, financeiramente potentes e onde o crime de qualquer feição e até o de morte é frequente.
Aproveitei ainda a altura para "solicitar ao Governo amplas providências para melhor e completa estruturação do combate contra a droga e corrupção dos costumes, incluindo o máximo contrôle nas fronteiras", certo de que os serviços policiais, apesar da plena doação e espírito de servir dos seus agentes, ainda não garantiam a nossa protecção e as fronteiras terrestres, marítimas e aéreas eram "campo" aberto para a entrada não só da droga, como, e principalmente, dos traficantes e consumidores.
Ainda no mesmo dia, utilizando a discussão na generalidade da proposta de lei sobre a organização judiciária e apesar de não possuir qualificações académicas ligadas ao tema, abalancei-me a nela participar, a fim de não perder a ocasião de chamar, mais uma vez, a atenção do País para a relevância e perigo da toxicomania e para dar o meu modesto aval à lei que se discutia.
Apelei mais a S. Exa. o Ministro da Justiça "para que rapidamente instalasse uma inspectoria judiciária no Algarve, já que é da sua competência e especialização e em todo o território continental a instrução preparatória dos processos relativos a crimes [...] de tráfico de estupefacientes, de mulheres e menores e de publicações obscenas".
Sr. Presidente: Serviram estas citações para bem provar a V. Exa. e à Câmara o interesse que tenho vindo a demonstrar pela luta contra o tráfico de estupefacientes e o seu consumo no País e no Algarve, província esta sujeita, nos últimos anos, a forte penetração de profissionais e de viciados de drogas misturados com os turistas que ali procuram a beleza da natureza e o trato afável das suas gentes.
Os meus gritos de angústia e as iniciativas do Governo não foram suficientes para a resolução do problema.
Assim o atesta a necessidade do aviso prévio ora em discussão e as recomendações que o Deputado avisante apresentou quando iniciou o debate, nomeadamente as que a seguir transcrevo:

A natureza internacional das [...] infracções recomenda a consagração de um critério de uniformidade nas legislações nacionais, de modo que a punição de criminosos se efective, independentemente da sua cidadania e local do delito, e a extradição se processe sem impedimentos.
A par de uma legislação que com eficácia previna e reprima a produção, manipulação, importação, venda, cedência gratuita, ministração e consumo ilícito urge equipar as autoridades policiais e adminiculares com o indispensável ao bom desempenho das suas funções. Homens treinados e em número suficiente, rápidos meios de transporte e comunicação, material adequado e, sobretudo, uma rede de informadores extensa e completa.

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Estas informações e iodo o texto da comunicação donde foram extractadas, a competência e a consideração que tenho pelo Deputado avisante Dr. Delfino Ribeiro, consultor português do Internacional Institute for the Study of Drug Addiction, com sede em Nova Iorque, co-autor do projecto do Decreto-Lei n.° 46 361, de 8 de Junho de 1965, regulador em Macau do comércio, uso e detenção de estupefacientes, e que também chefiou, durante anos, a Polícia Judiciária daquela província ultramarina portuguesa, leva-me desde já a concordar e aprovar as proposições com que culminou a sua exaustiva, completa e esclarecedora exposição.
Sr. Presidente: Não me é praticável, já o disse, explorar condignamente o tema da comunicação de hoje, falta-me competência que sobeja, felizmente, no Deputado avisante e em todos os seus colaboradores neste tão útil aviso prévio.
Mas se V. Exa. mo permitir, irei tecer algumas reflexões sobre as "sequelas" que envolvem esta doença tão perigosa e nefanda por destruir aquilo que o homem possui de bom e de belo: a sua dignidade, verticalidade, moralidade, força de ânimo, inteligência, em suma, o próprio homem no seu todo psíquico e físico.
A droga e o seu consumo, como bem asseverou Delfino Ribeiro, "anda, por via de regra, de mãos dadas com a criminalidade", com ampla "conexão do tráfico e consumo de narcóticos, com a miséria e crime (furto, roubo, tráfico de mulheres e menores, jogo clandestino, suborno, corrupção, ofensas corporais, homicídios, etc.)".
Tais afirmações impelem-me para aqui afirmar a ingente necessidade de a sociedade se defender, usando todos os meios que possa manejar, moralmente aceites, contra as toxicomanias, não obstante se se considerar como doença psico-social e as suas origens se alicerçarem na própria sociedade que o homem criou e nas estruturas sociais que o mesmo homem arquitectou.
Não o têm conseguido os países ocidentais europeus e americanos, onde a droga arrasta um cortejo de desgraças e de sujeições para gáudio e proveito de grupos reduzidos, verdadeira escória da sociedade, que comandam, a nível internacional, o tráfico da droga, de mulheres e menores e da pornografia, actividades, todas elas, que lhes permitem rendimentos fabulosos e o domínio, por corrupção, dos pontos chaves necessários ao êxito dos seus negócios.
Não se tem, com efeito, obtido nos países ocidentais o contrôle de tão grande mal.
É que a sociedade ocidental, sociedade permissiva por razões várias, onde a contestação sistemática de tudo e de todos ocupa um papel de relevo, tem vindo a "permitir" generalizadas, progressivas e suicidas tolerâncias nos costumes e formas de comportamento até há bem pouco não toleradas, nomeadamente as de índole sexual, pornográfica e as derivadas dos vícios do álcool e da droga.
A sociedade tornou-se assim mais permeável aos ataques que lhe são desferidos pelos seus próprios componentes que em autodestruição vão caindo na lama pegajosa da decadência física e moral arrastando na queda os que por qualquer razão lhes estenderam as mãos.
A droga é, certamente, e deverá ser considerada o perigo número um para a sobrevivência do homem como homem.
Mas diga-se em abono da verdade que a toxicomania não tem ocorrido, afirma-se, de forma alarmante nos países de leste.
Segundo o articulista Fernando Fragoso, "na Rússia e na China Vermelha o problema da droga não existe. E enquanto no Ocidente, sob a capa da libertação ou da contestação, o amor livre e a droga vão minando a sociedade, tornando-a cada vez mais miserável e decadente, na U. R. R. S. e nos domínios de Mao a austeridade dos costumes é directiva estatal rigorosa e amplamente fiscalizada".
Pois honra seja feita a tal directriz praticada em países donde nada de bom tem vindo ou se espera que venha.
O Ocidente terá de lutar mais intensamente contra a degenerescência que a droga provoca na sociedade eliminando o tráfico e o uso de estupefacientes.
Portugal tem também de actuar com firmeza neste particular.
Que este aviso prévio e a vontade de acertar do Governo de Marcelo Caetano nos salve desta praga, verdadeira peste do século XX.
Sr. Presidente: Resta-me chamar a atenção para alguns aspectos que julgo importantes e que bem patentes aos nossos olhos são esquecidos ou relegados para segundo plano.
Sabe-se, por exemplo, que as "toxicomanias, como as perversões e as delinquências, são perturbações psico-sociais. Necessitam, na sua formação, de elemento vindo de fora, ao contrário do que sucede com as neuroses e as psicoses onde os sintomas se podem considerar puros produtos da actividade psíquica interna".
Sabe-se, é voz corrente e amplamente verificada, que o hippy se droga.
A filosofia que criou e que o impele a evadir-se da sociedade que não compreende, não quer compreender ou, por fraqueza psíquica, não pode compreender nem adaptar-se, facilita e até o empurra para maior e plena fuga às realidades. Por isso viaja pelo mundo e pelo mundo fantástico que a droga lhe cria no espírito.
Não foram os hippies, ou melhor, não predominavam os hippies na quadrilha que actuou em Portugal em 1971-1972 e que a Polícia Judiciária desmantelou em Fevereiro de 1972?
Quem se esqueceu já do aspecto dos incriminados cujos retratos foram publicados na imprensa diária em 18 de Fevereiro de 1972?
É mais que evidente; o movimento hippy é grande responsável pela propagação da droga pelo mundo.
O movimento hippy é responsável ou pelo menos tem ajudado o tráfico e promovido o uso de estupefacientes em Portugal.
Há que desmacará-los e conhecê-los e, assim e para esse efeito, irei limitar-me a transcrever sucinta caracterização dos hippies vinda a lume na Época por volta dos anos 71:

Jovens vagabundos dos dois sexos, inicialmente de origem americana, que decidiram "deixar cair" (em inglês, to drop ouf) a sociedade burguesa em que foram (mal) criados para se entregarem livremente a práticas por ela condenadas: amor livre (a que chamam "fraternal"),

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absorção de estupefacientes (a que chamam "viagem"), etc. Esse repúdio ostensivo não inibe muitos deles de continuarem a viver basicamente à custa da família, geralmente abastada, que os (mal) criou.
Iniciado nos anos 60 na East Village de Nova Iorque, no bairro Haight-Ashbury, de São Francisco, e no Du Pont Circle, de Washington, o movimento hippy espalhou-se sucessivamente por toda a América do Norte, sob a forma de bandos mais ou menos numerosos, alcançando alguns a Europa e outros a Ásia, em cujas doutrinas filosóficas e religiosas se dizem inspirar. Por isso muitos se dirigiram para Katmandu, capital do Nepal, donde acabaram por ser expulsos por indesejáveis, o que já não sucedeu em países tidos por mais civilizados.
Fugidos de casa e das escolas que frequentavam, os hippies renegam a sociedade em todos os aspectos, forma infalível de evitar todas as obrigações dela decorrentes: os estudos, o trabalho, a higiene e as chamadas "conveniências". Tornam-se assim, deliberadamente, ignorantes, vadios, sujos e desenvergonhados.
Pacifistas e objectores de consciência (para se livrarem do serviço militar), declaram-se inimigos de toda a violência, com excepção da manifestada na música pop. Dizem-se "filhos das flores", sem que isso implique qualquer carinhosa alusão à mãe ou ao pai, que lhes mandam dinheiro para não terem de os aturar. Quando o dinheiro se gasta, pedem esmola, instituindo assim uma nova classe de mendigos, numa época em que por toda a parte se procura acabar com a mendicidade. Oferecem flores aos mirones que os observam e aos polícias que correm com eles dos parques onde pretendem acampar.
Quase sempre descalços e guedelhudos, vestem-se de maneira extravagante, com andrajos multicores, e despem-se com a maior facilidade, a qualquer pretexto, ou mesmo sem pretexto nenhum. Usam colares, pulseiras, berloques, guizos e outros adereços de alta fantasia. Muitos andam de viola a tiracolo, instrumento simbólico, pois a sua intenção é "violar" em todos os sentidos, como se exprime na divisa: "Make love, not war".
São, em suma, uma espécie de ciganos amadores, falsos ciganos de várias raças, sem eira nem beira, que a sociedade moderna parece levar em gosto, não fazendo nada para os "recuperar".
Na verdade, talvez não valha a pena. Mas deve ir preparando espaço nos cemitérios para os que sucumbirem à droga ou à miséria "procurada", nos hospitais, para os menos atingidos, nos asilos, para os que conseguirem chegar a velhos, e nas prisões, para aqueles que, efectivamente alienados pelo LDS, a heroína, a mescalina e outros excelentes alucinógenos, seguirem o exemplo dos assassinos de Sharon Tate e outras vítimas, conhecidas ou ignoradas, dos inocentes hippies.

O presidente Nixon, em Novembro de 1970, com a autoridade e responsabilidade que lhe advêm de chefiar uma das mais poderosas nações do Mundo, ao apontar o perigo do movimento hippy para a sociedade americana, proferiu as seguintes palavras:

Se um homem decide vestir-se de uma maneira diferente, usar o cabelo de uma maneira diferente ou falar de maneira diferente que causa repugnância às pessoas decentes, o problema é dele. Mas quando atira uma pedra, então é dever de todos nós impedi-lo.

A pedra já nos foi lançada pelos hippies que condescendentemente acolhemos no nosso país.
Trouxeram filosofias degradantes e decadentes, maus costumes, droga, porcaria.
Lançaram-nos pedras, temos que os impedir de continuarem a fazê-lo.
Torna-se necessário evitar a sua entrada em Portugal e enviar quanto antes os parasitas nacionais que por aí pululam para campos de recuperação, para hospitais e até aqueles que estejam em idade militar, para a grande escola de virtudes, de homens, que é o Exército, onde talvez possam ajudar a manter a integridade da Pátria, que também é a deles, quer queiram, quer não queiram.
O que se não pode é deixá-los circular livremente e contaminar a nossa juventude.
Por que não se segue o exemplo das autoridades marroquinas que decidiram no Verão de 1972 expulsar de Marráquexe, Tânger e Agadir grupos de hippies que por ali deambulavam, e a Tailândia, que também pela mesma época desenvolveu intensa campanha para se "desembaraçar de elementos jovens anti-sociais de cabelos longos e conduta equívoca".
Sr. Presidente: Irei renovar o pedido que fiz ao Governo nesta Casa em 22 de Fevereiro de 1972, ou seja, o "máximo contrôle nas fronteiras, não permitindo a entrada àqueles que, pelo seu aspecto exterior, vestuário, limpeza, etc., sejam prováveis consumidores ou traficantes de drogas e divulgadores de pseudofilosofias degradantes da sociedade".
Outro facto que me parece incontroverso é a conexão entre a música pop, a droga e o movimento hippy.
Com efeito, em tentativa de demonstração daquela convicção, lembro a esta Assembleia que a Polícia Judiciária teve como pista inicial e que a levou a desmantelar a rede de traficantes em 1972, assunto já atrás referido, precisamente a descoberta em Vilar de Mouros de um grupo hippy consumidor de drogas.
O referido grupo, após o festival, assentou arraiais em casebres arrendados na povoação e foi ali que as autoridades os encontraram e isso levou à descoberta da rede criminosa.
Na ilha de Wight, em 1970, a droga campeou no festival de música pop ali realizado e que impeliu o Deputado conservador pela ilha, Harold Woodnutt a deplorar na imprensa o uso abusivo de droga entre a assistência.
Em Abril de 1972 também num festival pop, em Mulwala, Austrália, a droga e a violência eclodiram na assistência e segundo relatos de jornalistas ocorreram dois mortos e trinta e quatro pessoas foram presas por possuírem estupefacientes, por embriaguez ou exposição indecente.
Há, não resta dúvida, necessidade de as autoridades estudarem o contrôle efectivo dos festivais pop que se queiram realizar em Portugal.

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Certamente não convirá a sua interdição. Há quem goste inocente e calmamente da música pop.
Mas é necessário que em tais festivais se evite a difusão da droga e as cenas de violência e destruição.
Sr. Presidente: vou terminar, e, ao fazê-lo ainda quero inumerar algumas ilações retiradas da exposição que finalizo:

Necessidade urgente da luta contra a droga, traficantes e uso de estupefacientes;
Necessidade de apetrechamento em homens e material da Polícia Judiciária de forma a habilitá-la a bem cumprir a sua missão;
Instalação no Algarve de órgãos eficientes para o combate e desencorajamento do comércio e consumo da droga, tráfico de mulheres e menores, proxenetismo, jogos ilícitos, etc., que se prevêem mais virulentos com o progresso da indústria turística;
Criação de estabelecimentos que efectivamente tratem, curem os viciados recuperáveis e recolham os que foram completa e exoneravelmente apanhados nas malhas da droga;
Contrôle do movimento hippy português e se evite por todos os meios a entrada em Portugal dos seus adeptos estrangeiros;
Contrôle dos festivais pop responsáveis por tumultos e difusão das drogas;
Fiscalização atenta das boítes, dancings, casinos e outros locais de diversão susceptíveis de serem ou se tornarem lugares de venda ou de consumo de estupefacientes.

Tenho dito.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: O debate continuará na sessão de amanhã.

Peço a atenção de VV. Exas. para o facto de estar publicado no Diário das Sessões, e, aliás, há alguns dias, o texto aprovado pela Comissão de Legislação e Redacção para o decreto da Assembleia Nacional sobre a protecção da intimidade da vida privada. Podem encontrá-lo na p. 4697 do n.° 232 do Diário das Sessões.
Darei a primeira parte da ordem do dia de amanhã para a eventual apresentação de reclamações sobre este texto.
Em consequência, amanhã haverá sessão à hora regimental, tendo como ordem do dia, em primeira parte, a eventual apresentação de reclamações sobre o texto aprovado pela Comissão de Legislação e Redacção para o decreto da Assembleia Nacional sobre protecção da intimidade da vida privada. Em segunda parte, a continuação, e possivelmente conclusão, do debate do aviso prévio sobre a toxicomania.
Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 35 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
António da Fonseca Leal de Oliveira.
António Pereira de Meireles da Rocha Lacerda.
António de Sousa Vadre Castelino e Alvim.
Henrique dos Santos Tenreiro.
João Bosco Soares Mota Amaral.
João Duarte Liebermeister Mendes de Vasconcelos Guimarães.
João José Ferreira Forte.
João Paulo Dupuich Pinto Castelo Branco.
Joaquim Carvalho Macedo Correia.
Joaquim Germano Pinto Machado Correia da Silva.
José João Gonçalves de Proença.
José da Silva.
José Vicente Pizarro Xavier Montalvão Machado.
Manuel José Archer Homem de Mello.
Olímpio da Conceição Pereira.
Rui Pontífice Sousa.
D. Sinclética Soares dos Santos Torres.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Alberto Marciano Gorjão Franco Nogueira.
Álvaro Filipe Barreto de Lara.
Amílcar Pereira de Magalhães.
António Bebiano Correia Henriques Carreira.
António Júlio dos Santos Almeida.
Artur Augusto de Oliveira Pimentel.
Camilo António de Almeida Gama Lemos de Mendonça.
Deodato Chaves de Magalhães Sousa.
Fernando Artur de Oliveira Baptista da Silva.
Francisco Correia das Neves.
Francisco José Pereira Pinto Balsemão.
Henrique José Nogueira Rodrigues.
Humberto Cardoso de Carvalho.
João António Teixeira Canedo.
João Pedro Miller Pinto de Lemos Guerra.
João Ruiz de Almeida Garrett.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Joaquim de Pinho Brandão.
Jorge Augusto Correia.
José Coelho de Almeida Cotta.
José da Costa Oliveira.
José Dias de Araújo Correia.
José dos Santos Bessa.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Luís Maria Teixeira Pinto.
Manuel Monteiro Ribeiro Veloso.
Manuel Valente Sanches.
Rafael Valadão dos Santos.
Ramiro Ferreira Marques de Queirós.
Teodoro de Sousa Pedro.
Tomás Duarte da Câmara Oliveira Dias.

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15 DE MARÇO DE 1973 4773

Quadros contendo alguns dos números a que o Sr. Deputado Carvalho Conceição se referiu no decurso da sua intervenção:

[Ver quadro na imagem]

(Cf. Formation, recrutement et utilisation des enseignants dans l'enseignement primaire et secondaire - O.C.D.E., 1971, p. 343.)

[Ver quadro na imagem]

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IMPRENSA NACIONAL - CASA DA MOEDA PREÇO DESTE NÚMERO 10$40

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