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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL E DA CÂMARA CORPORATIVA
DÍARIO DAS SESSÕES
N.° 240 ANO DE 1973 29 DE MARCO
ASSEMBLEIA NACIONAL
X LEGISLATURA
SESSÃO N.° 240, EM 28 DE MARÇO
Presidente: Exmo. Sr. Carlos Monteiro do Amaral Netto
Secretários: Exmos. Srs.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira
Amílcar da Costa Pereira Mesquita
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 5 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o n.°238 do Diário das Sessões.
Deu-se conta do expediente.
Para cumprimento do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, foram presentes à Assembleia os Decretos-Leis n.ºs 130/73 e 131/73.
Os Srs. Deputados Oliveira Pimentel e Camilo de Mendonça prestaram homenagem à memória do Sr. Dr. Trigo de Negreiros.
O Sr. Presidente associou-se, a título pessoal, à homenagem prestada à memória do Sr. Dr. Trigo de Negreiros.
O Sr. Deputado Max Fernandes teceu várias considerações acerca da pecuária em Moçambique.
O Sr. Deputado Duarte do Amaral congratulou-se com a assinatura do contrato de empreitada de quebramento e dragagem de rochas submarinas no porto da Póvoa de Varzim e referiu outras obras levadas a efeito pelo Ministério das Obras Públicas.
O Sr. Deputado Lopes Frazão congratulou-se com a construção da barragem de Alqueva.
O Sr. Deputado Alberto de Alarcão referiu-se à urbanização do vale de Algés e da zona ribeirinha de Lisboa.
Ordem do dia. - Prosseguiu o debate do aviso prévio sobre a indústria do turismo no desenvolvimento económico e social do ultramar.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Delfino Ribeiro, Carlos Ivo e Prabacor Rau.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 5 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 15 horas e 55 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Albano Vaz Pinto Alves.
Alberto Eduardo Nogueira Lobo de Alarcão e Silva.
Alberto Marciano Gorjão Franco Nogueira.
Alberto Maria Ribeiro de Meireles.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Álvaro Filipe Barreto de Lara.
Amílcar da Costa Pereira Mesquita.
Amílcar Pereira de Magalhães.
António Bebiano Correia Henriques Carreira.
António Fausto Moura Guedes Correia Magalhães Montenegro.
António da Fonseca Leal de Oliveira.
António Júlio dos Santos Almeida.
António Lopes Quadrado.
Armando Júlio de Roboredo e Silva.
Artur Augusto de Oliveira Pimentel.
Augusto Domingues Correia.
Bento Benoliel Levy.
Camilo António de Almeida Gama Lemos de Mendonça.
Carlos Eugénio Magro Ivo.
Carlos Monteiro do Amaral Netto.
D. Custódia Lopes.
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Delfim Linhares de Andrade.
Delfino José Rodrigues Ribeiro.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Eleutério Gomes de Aguiar.
Fernando Artur de Oliveira Baptista da Silva.
Fernando David Laima.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Fernando do Nascimento de Malafaia Novais.
Francisco António da Silva.
Francisco Correia das Neves.
Francisco Esteves Gaspar de Carvalho.
Francisco Manuel de Meneses Falcão.
Francisco de Moncada do Casal-Ribeiro de Carvalho.
Francisco de Nápoles Ferraz de Almeida e Sousa.
Gabriel da Costa Gonçalves.
Henrique Veiga de Macedo.
Humberto Cardoso de Carvalho.
João Duarte Liebermeister Mendes de Vasconcelos Guimarães.
João Duarte de Oliveira.
João José Ferreira Forte.
João Lopes da Cruz.
João Manuel Alves.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
João Paulo Dupuich Pinto Castelo Branco.
Joaquim Carvalho Macedo Correia.
Joaquim Germano Pinto Machado Correia da Silva.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Joaquim de Pinho Brandão.
José Coelho Jordão.
José da Costa Oliveira.
José Maria de Castro Salazar.
José de Mira Nunes Mexia.
José Vicente Cordeiro Malato Beliz.
Lopo de Carvalho Cancella de Abreu.
Luís António de Oliveira Ramos.
Manuel Elias Trigo Pereira.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel de Jesus Silva Mendes.
Manuel Joaquim Montanha Pinto.
Manuel Marques da Silva Soares.
Manuel Martins da Cruz.
D. Maria Raquel Ribeiro.
Maximiliano Isidoro Pio Fernandes.
Nicolau Martins Nunes.
Olímpio da Conceição Pereira.
Pedro Baessa.
Prabacor Rau.
Rafael Ávila de Azevedo.
Rafael Valadão dos Santos.
Ramiro Ferreira Marques de Queirós.
Raul da Silva e Cunha Araújo.
Rui de Moura Ramos.
Teófilo Lopes Frazão.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 74 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 5 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Está em reclamação o n.° 238 do Diário das Sessões.
Pausa.
Se nenhum de V. Exas. tem reclamações a apresentar sobre este Diário das Sessões, considerá-lo-ei aprovado.
Pausa.
Está aprovado.
Nota de rectificações ao n.° 238 do Diário das Sessões apresentada na Mesa, posteriormente à sua aprovação, pelo Sr. Deputado Agostinho Cardoso, por não estar presente na altura em que foi posto à reclamação aquele número do Diário das Sessões:
Na p. 4805, col. 1.ª, l. 10, onde se lê: "psicopatas, todos", deve ler-se: "psicopatas tidos".
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Telegrama
Da Associação dos Proprietários Lisbonenses reunidos em assembleia geral saudando o Sr. Presidente e manifestando a esperança de que brevemente seja estabelecida a equidade jurídica e económica que merecem e pela qual há tanto tempo anseiam.
O Sr. Presidente: - Para cumprimento do disposto no § 3.° do artigo 109.° da Constituição, está na Mesa, enviado pela Presidência do Conselho, o Diário do Governo, 1.ª série, n.° 73, de 27 do corrente, que insere os seguintes decretos-leis:
N.° 130/73, que reorganiza os quadros do pessoal da Inspecção do Trabalho;
N.° 131/73, que reorganiza os quadros de pessoal da Inspecção dos Organismos Corporativos.
Tem a palavra o Sr. Deputado Oliveira Pimentel.
O Sr. Oliveira Pimentel: - Sr. Presidente: Faleceu o conselheiro Trigo de Negreiros. Natural de uma pequena aldeia do concelho de Mirandela, oriundo do meio rural, pelo estudo a que se dedicou, beneficiando da educação que recebera, pelas qualidades de inteligência e de trabalho de que se achava dotado e soube apurar, cultivando a amizade como poucas pessoas o sabem fazer, tinha à sua frente uma carreira brilhante, no seguimento da qual, por méritos próprios, fez com que tivesse ascendido aos mais altos cargos no seu país.
Tendo feito os estudos liceais, ingressou na Universidade de Coimbra, onde concluiu a licenciatura em Direito, após o que entrou na vida prática e no seu distrito como conservador do Registo Civil, em Vila Flor, onde ao mesmo tempo exerceu a advocacia. Foi ainda ali que se iniciou na política, ao desempenhar o cargo de presidente da Câmara Municipal, donde transitou para secretário do Tribunal da Relação do Porto.
Em Coimbra fora discípulo do Doutor Manuel Rodrigues - um dos espíritos mais brilhantes que têm servido o Regime -, o qual pôde apreciar as suas qualidades e fazer um juízo exacto dos seus méritos e, assim, sendo Ministro da Justiça, nomeou-o ajudante do procurador-geral da República, em serviço como procurador da República junto da Relação do Porto,
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cargo este que desempenhou com elevação e soube dignificar como outras figuras de juristas, tais como o Dr. Pedro de Castro, que anteriormente o haviam ocupado.
Jurista de fina sensibilidade, era, no entanto, por formação e tendência natural, um político por vocação. Esta sua aptidão e o conhecimento que tinha do Porto - dos seus homens e das suas coisas - levaram-no ao desempenho do cargo de governador civil desse distrito. A partir daqui, a sua carreira política caminha em marcha ascendente, sem cessar, e, assim, mercê dos cargos que lhe são confiados, vai-se desenrolando e multiplicando no exercício de diversas funções da maior responsabilidade, deixando bem vincada em todas elas a marca inconfundível da sua forte personalidade, ao produzir trabalho de fundo na organização e aperfeiçoamento das estruturas do regime político que tão devotadamente serviu.
Assim, em 1940 é chamado a exercer responsabilidades governativas como Subsecretário de Estado das Corporações e Previdência Social, onde deixou assinalada a sua passagem pela elaboração de diversos projectos que vieram a ser convertidos em diplomas legais.
Em 1944 assume as funções de Subsecretário de Estado da Assistência Social, onde a sua acção se fez sentir, e concretizou por forma acentuada no domínio da assistência psiquiátrica, da assistência aos menores, aos inválidos e à família, no campo da luta contra a lepra e no combate à tuberculose, doença esta que ao tempo atingia como verdadeiro flagelo parte apreciável da população e cujo tratamento eficiente com vista à sua erradicação se revestia de sérias dificuldades. Mas é em 1950 que Joaquim Trigo de Negreiros atinge o zénite da sua brilhante carreira política, quando o Doutor Salazar lhe confia a gerência da pasta do Interior, cargo este em que permaneceu até 1958. E, se como Ministro do Interior soube imprimir um rumo ordenado e coerente à política interna do País, a sua acção continuou também a fazer-se sentir por forma saliente, pelas decisões que tomou no campo da saúde e da assistência, através do Subsecretariado da Assistência Social, que ao tempo se encontrava na dependência directa da pasta do Interior.
Foi assim que, possuindo clara visão dos problemas e perfeito conhecimento das necessidades do País, contribuiu decididamente para a revitalização das Misericórdias, carecidas de meios materiais, muitas das quais não dispondo de serviços e com funcionamento meramente simbólico.
O Sr. Pinho Brandão: - Muito bem!
O Orador: - Foi com o seu entusiasmo e tenacidade ao serviço de uma causa justa revestida de utilidade e marcada por um cunho de espírito altruísta que no prosseguimento de uma campanha previamente concebida e convenientemente estruturada em estreita colaboração com o Ministério das Obras Públicas que os hospitais sub-regionais - hoje denominados "concelhios" - nasceram, cresceram e entraram em funcionamento de norte a sul do País.
O seu espírito e sensibilidade soube estimular e fomentar a benemerência particular dirigida no sentido do auxílio a prestar às Misericórdias, suprindo as carências do Estado, para que estas melhor pudessem realizar os seus objectivos dentro do espírito que presidiu à sua criação.
Foi assim que apareceram os cortejos de oferendas a favor da construção dos hospitais e para aquisição dos respectivos equipamentos... Foi assim que surgiu a ideia da Jeira de Deus. Recordo neste momento o Ministro Trigo de Negreiros, oriundo da terra - e com os pés assentes na terra -, enquadrado na paisagem do Romeu, em tarde de Primavera, sem casaco, chapéu de aba derrubada, uma das mãos segurando a rabiça do arado e a outra empunhando a aguilhada com a qual conduzia uma possante junta de bois, lavrando a terra para lançamento da semente destinada à leira de Deus a favor do Hospital de Mirandela, em acto cheio de simbolismo que se estenderia pelo País fora...
Mas a personalidade multiforme de Joaquim Trigo de Negreiros fez ainda com que tivesse sido Deputado à Assembleia Nacional em diversas legislaturas, como foi também Procurador à Câmara Corporativa, de cuja Secção Permanente fazia parte e onde ocupou as funções de vice-presidente.
Cessara as funções de Ministro do Interior para assumir as de presidente do Supremo Tribunal Administrativo, as quais desempenhou com superioridade, acerto e isenção, sem comprometer a responsabilidade que incumbe a esse alto órgão na defesa dos interesses que lhe são afectos.
O Sr. Duarte do Amaral: - V. Exa. dá-me licença?
O Orador: - Com muito gosto.
O Sr. Duarte do Amaral: - O meu testemunho é perfeitamente insignificante perante as considerações que V. Exa. está a fazer, mas acompanhei o Sr. Dr. Trigo de Negreiros durante uma grande parte da sua vida e, por isso, gostava de me associar à homenagem que V. Exa. lhe presta, sobretudo, em dois aspectos: sobre o da sua inteligência e o das suas qualidades de extraordinária humanidade.
O interruptor não reviu.
O Orador: - Eu registo com muito gosto esta homenagem que V. Exa. acaba de prestar ao Sr. Dr. Trigo de Negreiros.
Joaquim Trigo de Negreiros foi grande, visto ao nível do País - e não se diminuía, antes se agigantava, quando apreciado como bragançano, no quadro limitado da sua região, amando a sua terra e lutando pelo seu engrandecimento. Conhecia os seus problemas como poucos e assim os sentia no seu íntimo; procurava ser útil à sua terra removendo ou ajudando a remover dificuldades que surgissem; o seu conselho prudente refreava ânimos exaltados ou contribuía para abrir novos caminhos ou indicar outros menos conhecidos. Estava sempre presente - tanto nas horas boas como nas horas más.
Há poucos dias ainda a cidade de Bragança, acompanhada pela sua Câmara Municipal, prestou justa e merecida homenagem ao Ministro Prof. Veiga Simão. Quem assistiu a ela e desconhecia o desfecho que a todo o instante se aguardava deve ter notado a ausência do Dr. Trigo de Negreiros e certamente concluiu ser essa a primeira vez que a sua falta se verificava. A sua vida encontrava-se a breves momentos do fim.
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Aproximava-se da morte. Se tal não fora, ali estaria ao lado dos seus conterrâneos, comungando da homenagem que era prestada àquele membro do Governo, e, ao mesmo tempo, com a sua presença e a sua palavra conciliadora e prudente prestaria o melhor contributo para reforçar a unidade política do seu distrito.
Joaquim Trigo de Negreiros, filho das terras bragançanas, à sua terra regressou depois da morte. O seu exemplo permanecerá.
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Camilo de Mendonça: - Sr. Presidente: Durante a interrupção das sessões parlamentares foi o Senhor servido de chamar à Sua presença Joaquim Trigo de Negreiros.
Lembrar nesta Casa a personalidade de Joaquim Trigo de Negreiros constitui dever que se me impõe como Deputado bragançano, que nem a afinidade que nos ligava pode chegar para me inibir de o fazer.
Licenciado em Direito, muito cedo e com as mais altas classificações, na sua Universidade de Coimbra, resiste a convites e apelos para se dirigir às suas terras, que acima de tudo estremecia. Aí começa a sua vida profissional, no seu meio, entre as suas gentes, perto do seu Abreiro, da sua Mirandela.
A sua cepa rural nunca se perdeu, por mais que a vida o tivesse chamado, sucessiva e continuadamente, ao exercício dos mais altos postos da política e da Administração e o forçasse a viver primeiro no Porto e depois em Lisboa por mais de metade da sua existência.
Com a vitória do movimento nacional de 28 de Maio, quando tinha apenas 26 anos, logo toma a presidência do Município de Vila Flor, terra que nunca mais esqueceria e de que jamais deixaria de ser patrono, terra onde as qualidades de homem, de político, rapidamente se evidenciam em termos de propiciarem a sua brilhante carreira política.
Alguns anos após é chamado à Procuradoria da República junto da Relação do Porto, para tempos depois, em pleno período difícil da guerra civil de Espanha, ser nomeado governador civil do Porto.
Com a remodelação ministerial de 1940 é chamado a ocupar a Subsecretária de Estado das Corporações e Previdência Social, cargo bem delicado no momento, para sucessivamente vir a desempenhar os cargos de Subsecretário de Estado da Assistência Social e de Ministro do Interior no conturbado período que culminou no ano de 1958.
Deputado em sucessivas legislaturas, praticamente não chegou a participar nos trabalhos parlamentares, em consequência do continuado impedimento pelo exercício de funções governativas por quase duas décadas e porque se não dispôs a aceitar nova candidatura a Deputado em 1961.
Continuou por isso a sua actividade parlamentar como procurador à Câmara Corporativa até à hora da morte.
Nomeado, entretanto, presidente do Supremo Tribunal Administrativo, exerceu o cargo até atingir o limite de idade, em 1970.
Não se conformou, porém, com o limite de idade imposto pela lei e reiniciou activamente a sua actividade de advogado, sem prejuízo de uma intensa intervenção em matéria social, particularmente no que concerne à arbitragem.
Eis a traços largos a longa, intensa e multiforme carreira de Joaquim Trigo de Negreiros, a que o País, o Regime e os seus contemporâneos ficam a dever os mais assinalados serviços,...
O Sr. Veiga de Macedo: - Muito bem!
O Orador: - ... uma dedicação sem limites,...
O Sr. Veiga de Macedo: - Muito bem!
O Orador: - ... uma actuação fecunda, uma vida devotada ao serviço dos outros.
Vozes: - Muito bem! Muito bem!
O Orador: - Mas a sua vida constitui exemplo de virtudes, de amor, de fé.
Virtudes ancestrais que o cadinho trasmontano moldou, que o meio rural plasmou, que a vida seriamente vivida marcou.
Amor que intensamente dedicou ao seu semelhante, particularmente ao mais modesto,...
O Sr. Veiga de Macedo: - Muito bem!
O Orador: - ... que acrisoladamente doou aos seus conterrâneos, que entranhadamente consagrou à sua terra, que transbordantemente derramou pelos seus inúmeros amigos.
O Sr. Veiga de Macedo: - Muito bem!
O Orador: - Fé nos destinos do seu País, da sua terra, da humanidade, mas também do ideário político que abraçou,...
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - ... das tarefas a que se dedicou, do Regime que devotadamente serviu.
A excelência do seu carácter, a firmeza e constância dos seus ideais, o seu optimismo salutar que contagiava, a moderação das suas atitudes, a humildade sóbria e profundamente humana que evidenciava,...
O Sr. Veiga de Macedo: - Muito bem!
O Orador: - ... a magnanimidade da sua alma grande, aberta e sempre fiel às suas amizades,...
O Sr. Veiga de Macedo: - Muito bem!
O Orador: - ... impuseram Joaquim Trigo de Negreiros à consideração, respeito, estima e admiração de quantos com ele lidaram,...
O Sr. Veiga de Macedo: - Muito bem!
O Orador: - ... independentemente dos seus credos políticos ou religiosos, do seu nível social ou cultural.
Vozes: - Muito bem!
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O Orador: - A sua cultura vasta e poliforme, o seu espírito de trabalho, a eficiência de que constantemente deu provas, a sua capacidade de decisão, a sua coragem e gosto das responsabilidades, conjugados com aquelas qualidades humanas, fizeram de Joaquim Trigo de Negreiros um dos mais hábeis políticos dos últimos quase cinquenta anos e uma das figuras mais destacadas da vida nacional neste meio século.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Com a sua morte perde o País alguém que pela sua experiência, conhecimentos, prestígio e simpatia se muito lhe deu, muito poderia ainda ficar-lhe a dever se a morte impiedosa o não tivesse roubado tão cedo ao convívio de todos.
Colaborador dedicado, leal e amigo de Salazar, Joaquim Trigo de Negreiros fez parte de uma plêiade de homens que definiram uma época que ficará indelevelmente marcada na vida do País. Infelizmente poucos, muito poucos, desses homens pertencem ainda ao nosso convívio, porque mais rico seria o País e mais simples nos seria vencer as tremendas dificuldades que o destino nos reservou. Deus seja louvado!
Sr. Presidente: Poucas palavras mais, já que pelo menos Bragança deve a Joaquim Trigo de Negreiros a homenagem a que tem jus, que nunca lhe tributou em vida na justa medida que devia,...
O Sr. Veiga de Macedo: - Bragança e o País!
O Orador: - ... e será este o momento para traçar o perfil deste homem que distribuiu por tanta gente tanto amor, amparo e protecção, como dificilmente poderá igualar-se, e em que o esforço no sentido de promoção económica e social, como dos auxílios materiais, completam um quadro impressionante de dádiva e sinceridade.
Há, porém, três traços da sua personalidade que não devo deixar de lembrar aqui, e neste momento, por outros tantos episódios justificativos.
Em 1950 era Joaquim Trigo de Negreiros Ministro do Interior, e nessa qualidade foi, em representação do Governo, receber os restos mortais do Presidente Teixeira Gomes. Houve manifestações públicas que levaram à intervenção das forças de segurança.
Chocado com o facto, perturbado pela circunstância de alguns homens terem ficado presos, Joaquim Trigo de Negreiros passou algumas noites sem dormir, sensibilizado pelo facto da privação da liberdade imposta a outros.
Ao chegar em 1940 à Subsecretária das Corporações foi, pelo seu espírito liberal, recebido com reservas e suspeitas.
O Sr. Alberto Meireles: - V. Exa. dá-me licença?
O Orador: - Faça favor.
O Sr. Alberto Meireles: - Se V. Exa. me permite, eu, com muita emoção, acrescentaria o meu testemunho. Penso que nesta sala só o Sr. Deputado Henrique Veiga de Macedo e eu o recebemos no Ministério das Corporações em 1940, ambos jovens delegados no Instituto Nacional do Trabalho.
É verdade. Não o negamos. É título de glória de Trigo de Negreiros. Terá sido recebido com hesitações
e com reserva, porque não era dos nossos, daqueles que connosco tinham feito a arrancada.
Recebemo-lo, e lembrarei um traço que era da sua personalidade: o primeiro acto de reunião entre nós foi discutir a lei da renovação das Casas do Povo, em que ele não tinha colaborado. Era da autoria de Manuel Rebelo de Andrade. Assunto que ele não conhecia sequer.
A humildade, a receptividade com que ele aceitou de nós, rapazes, jovens entusiastas, e talvez com alguma suspicácia, com que recebeu as nossas sugestões, a receptividade com que recriou essa lei e com que quis que lhe déssemos execução, tendo-o ele à frente, foi notável.
Logo a seguir outra obra notável: foi a criação do abono de família em Portugal.
O Sr. Veiga de Macedo: - Muito bem!
O Sr. Alberto Meireles: - Arrancou com a simplicidade de um provinciano, de um homem de pequenos recursos, porque se gastou muito pouco e se fez imenso.
Tenho gosto, e em especial porque as circunstâncias nos terão separado, render esta homenagem muito sentida àquele que foi um dos grandes chefes do Instituto Nacional do Trabalho.
Muito obrigado.
O interruptor não reviu.
O Orador: - Eu continuo: combatido por muitos, criticado duramente por outros. Indiferente a todo o ambiente, aferrou-se ao trabalho, respondendo com afabilidade a todos, correspondendo a todas as solicitações, parecendo na sua humildade a todos pedir desculpa de ali se encontrar. E rapidamente tudo mudou, cessaram as revoltas, acabaram-se as dúvidas, cimentaram-se amizades sólidas, procedeu-se a uma estruturação válida, profunda e coerente do sector que lhe fora confiado.
Em dado momento da sua vida política ia homenagear-se alguém que não mantinha relações com Joaquim Trigo de Negreiros, alguém que sem disfarces lhe manifestava hostilidade. Pois Joaquim Trigo de Negreiros, com a sua habituai descrição, tudo fez para favorecer o brilho da homenagem, a grandeza da manifestação.
Três casos que posso testemunhar, três atitudes de uma tal grandeza de alma e de um tão grande espírito cristão que por si definem uma personalidade e caracterizam um homem bom, modesto, generoso, batalhador, amigo do seu amigo, amigo da sua terra e das suas gentes.
Pois que Deus derrame sobre a sua alma quanto de bem semeou nesta terra.
Vozes: - Muito bem! Muito bem!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: Se V. Exas. mo consentem, também eu gostaria, a título puramente pessoal, de dizer que me associo às manifestações de saudade, de apreço e de respeito que V. Exas. quiserem tributar à memória do Dr. Joaquim Trigo de Negreiros.
O Sr. Max Fernandes: - A escassez de carne de vaca é, na actualidade, um fenómeno que assume
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proporções gigantescas e que vem afligindo muitas nações - especialmente os países mais prósperos do hemisfério norte -, que, simultaneamente com uma alta densidade populacional e um elevado poder de compra, não dispõem de áreas que lhes permitam um livre desenvolvimento da sua pecuária.
Só nos países do Mercado Comum essa carência atinge 500 000 t anuais.
A falta tende a agravar-se na proporção em que aumentam as populações e na medida em que estas, por virem atingindo maiores níveis de vida, adicionam ao maior mercado proveniente da evolução demográfica um contingente também crescente de consumidores, sem que a produção progrida o suficiente para poder acompanhar esse galopante aumento de consumo.
Entre nós, a dificuldade de se manter um abastecimento regular de carne de vaca aos habitantes das nossas diversas parcelas, não sendo senão um reflexo dessa tendência mundial, constitui um dos problemas de mais acuidade da economia nacional, especialmente no que diz respeito ao mercado mais evoluído da metrópole, que não consegue abastecer-se a si própria.
De tal ordem é essa insuficiência que só no último ano, excluindo outros produtos de origem animal, despendeu ela do seu tesouro a exorbitante quantia de um milhão de contos em importações de carne, e ainda mais outro milhão na sustentação dos seus preços, para que estes se mantivessem acessíveis ao público.
Embora o problema se revista de aspectos graves, não deixa, no entanto, de ser fascinante, pois contém um desafio frontal à nossa capacidade de realização: se por um lado temos carências que se avolumam e ameaçam tornar-se crónicas, por outro lado possuímos no ultramar um potencial para uma pecuária não só capaz de satisfazer as mais pesadas exigências do nosso mercado, como ainda com possibilidade de uma considerável exportação para o estrangeiro.
Acresce ainda que esta hipótese adquire ali um interesse desusado, pois que em áreas de tão contrastantes rendimentos entre populações urbanizadas e rurais a pecuária é uma actividade quase ideal para uma mais equilibrada distribuição de riqueza e para uma melhor promoção sócio-económica das gentes menos favorecidas.
Situados no hemisfério sul como os grandes produtores-exportadores que são a Argentina, o Brasil, o Uruguai e a Austrália, os Estados de Moçambique e Angola dispõem de extensas áreas com baixa ocupação humana e generosamente dotadas pela Natureza de características que as tornam propícias à exploração animal.
No entanto, no caso de Moçambique, se bem formos a ver, apesar de ser um facto que a sua pecuária, mercê de um notável esforço das entidades responsáveis e da iniciativa privada, tem vindo a atingir progressivamente novas etapas, não é menos verdade que, em face do aumento de pressão demográfica e da feliz melhoria geral do nível de vida dos habitantes, o consumo, não obstante restringido por um sistema de quotas, vai ganhando tal dianteira sobre a produção que, num cômputo global, torna tímidos ou inoperantes os índices de crescimento que se vem registando.
Senão, vejamos o que se passou nos últimos dez anos:
De 1960 a 1970 a população de Moçambique subiu de 6 604 000 para 8 250 000 habitantes, o que corresponde a um aumento anual de 165 000 indivíduos.
De 1960 a 1971, o aumento passou de 1 088 000 para 1 268 000 bovinos, ganhando apenas 17 000 cabeças anuais, ou seja, um crescimento anual decepcionante de 1,45%.
Significa isto, portanto, que, enquanto a população aumenta com velocidade, a existência relativa de bovinos retrocede perigosamente. Significa também que, se não sairmos com ímpeto do impasse pecuário que estes dados estatísticos traduzem, mesmo sem entrarmos em linha de conta com uma desejável melhoria no consumo per capita, caminhamos irremediavelmente para a falta de carne.
Para ilustrarmos melhor esta insuficiência pecuária, bastará mencionar-se que, a não ser que aumentemos dramaticamente o ritmo de desenvolvimento desta actividade, só por motivo da nossa expansão demográfica teremos nós, em cada decénio, mais 1 milhão de bocas que não poderão contar com carne de vaca como alimento.
Note-se que, neste aspecto, Angola encontra-se numa situação bem mais optimista, pois, com uma população de 5 700 000 habitantes, possui 3 200 000 cabeças de gado bovino. Um coeficiente bovino por habitante de 0,56, contra somente 0,15 em Moçambique.
É princípio universalmente reconhecido que uma revolução industrial tem de acompanhar ou tem mesmo de ser precedida de uma revolução agrária que assegure um generalizado aumento de poder de compra.
Especialmente num território em que a esmagadora maioria da população dependa, total ou parcialmente, da agricultura ou da pecuária, estas actividades têm de ocupar o lugar dianteiro que lhes pertence como base de sustentação de uma economia sã, sob o risco de, mais tarde ou mais cedo, subvertermos todo o processo do seu desenvolvimento ou de impossibilitarmos a sua consolidação.
Dadas as suas implicações económicas e sociais, o objectivo da produção de carne de vaca em Moçambique, e até em todo o nosso espaço, deve, por conseguinte, ser classificado como de interesse e utilidade nacional e deve merecer o correspondente tratamento prioritário em todos os sectores e aspectos, uma vez que nos encontramos bem longe do nosso desiderato de auto-suficiência, até mesmo no âmbito provincial.
S. Exa. o Ministro do Ultramar, Prof. Silva Cunha, perfeitamente identificado com a necessidade de se dar maior impulso à pecuária do ultramar, em 1970 homologou uma série de oportuníssimas recomendações, visando o fomento da sua produção de carne, de leite e de lacticínios.
Lamentamos profundamente que nem em todos os sectores oficiais, as mesmas têm merecido o respeito que lhes é devido: mas elas aí estão, concisas, inteligentes, a apontar o caminho que devemos tomar - com decisão e eficácia - para alcançarmos aqueles fins.
Enquanto esses objectivos se não atingem, o Governo terá de continuar a arcar com o dispêndio de astronómicas verbas que tanta falta fazem noutros sectores, com a compra de carne lá fora e no suporte de preços praticados na sua venda.
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Outro aspecto a considerar é que são preciosos milhões de contos que, em vez de serem de algum modo encaminhados para a solução do problema adentro das nossas fronteiras e em vez de beneficiarem as pecuárias do ultramar e de contribuírem para atenuar a sua falta de divisas, têm ido parar sistematicamente aos cofres de países estrangeiros.
É deste modo que o panorama de carência mundial, conjugado com o potencial que temos em mão, oferece ao ultramar excelentes oportunidades de se criar e distribuir riqueza pelo desenvolvimento vultoso da sua pecuária - não um andar circunscrito ao acréscimo rotineiro a que temos assistido e que para nada chega, mas sim um passo gigantesco que lhe permitisse corresponder à chamada feita não só pelos seus próprios mercados e pela metrópole, como, mais tarde, pelas inúmeras nações que não têm possibilidades ecológicas de se auto-abastecerem.
O preço internacional de carne de vaca, em escassos meses, subiu de 30% e continua a subir, fazendo retinir um sinal de alarme nos países que a importam, mas também oferecendo maiores perspectivas aos territórios que exportam.
Muito recentemente, S. Exa. o Secretário da Agricultura, engenheiro Mendes Ferrão, afirmou que "as necessidades de produtos de origem animal nos dias de hoje são grandes, quer em Portugal, quer em todo o mundo: as disponibilidades no mercado internacional cada vez são menores e os preços têm traduzido uma marcha ascensional. Olhando a longo prazo, há que preparar todo o sector produtivo quanto às perspectivas futuras, que são boas, na colocação destes produtos no mercado".
Neste encarar do futuro, se grandioso é o problema, só na grandiosidade das nossas potencialidades ultramarinas e só na grandiosidade de medidas poderemos procurar uma solução capaz e encontrar uma solução nacional.
É preciso ter-se presente o simples facto de que uma vaca apenas produz uma cria por ano e que decorrerão alguns anos até que esta atinja o ponto óptimo de abate. Por natureza, portanto, a criação de gado bovino é um processo moroso que só atrairá capitais na medida em que, dentro do seu carácter aleatório, ela apresente mostras de ser uma actividade francamente lucrativa para quem pretenda empatar dinheiros.
Por enquanto e porque lhe falta esse pré-requisito essencial e a possibilidade de se obter concessões por aforamento mesmo para explorações em regime extensivo aconselhadas para as áreas de que dispomos, não temos presenciado os grandes capitais metropolitanos ou até estrangeiros - que procuram oportunidades melhores do que as que têm onde estão - a afluir a Moçambique para aquele efeito, nem cremos que as enormes extensões propícias à pecuária, nomeadamente extensiva, que recente publicação oficial delineou e avaliou em 5 milhões de hectares, tenham muita probabilidade de nesse sentido virem a ser aproveitadas enquanto não for racionalizada e melhorada a estrutura de economia em que essa actividade ali assenta e enquanto não houver acesso àquele tipo de ocupação.
Tenha-se em mente ainda que a tecnologia moderna visando mais carne e melhor carne em menos tempo, além de vultosos investimentos, além de dispendiosas infra-estruturas e além de técnicos suficientes e competentes, exige o estudo técnico e económico, o apoio creditício e o suporte de organismos estatais bem dotados e apetrechados.
Ninguém nutre dúvidas sobre as importantes realizações dos Serviços de Veterinária de Moçambique, actualmente dirigidos por um dinâmico director cujo nome - Dr. Fernando Paisana - é digno de menção pela obra já levada a efeito, mas, dada a imensidão daquele Estado e frente à enormidade do que há por fazer, bem merece este departamento oficial ser ampliado e multiplicado em todos os seus sectores.
Se observarmos o que tem acontecido com alguns países conhecidos como produtores de carne, poderemos colher valiosos ensinamentos sobre a importância da criação animal na vida das nações e sobre os factores-chave da pecuária moderna, que são: uma apurada técnica, a indispensabilidade de largos investimentos e o preço ao produtor como elemento incentivante, por excelência, de toda esta indústria.
Nos Estados Unidos da América, nos vinte anos que findaram em 1971, em que a população só cresceu de um terço, a produção de carne - graças ao seu avanço científico, a monumentais investimentos e a preços compensadores - aumentou duas vezes e meia, alcançando um magnífico coeficiente anual de expansão de 12,5%. Mesmo assim, no mês passado foi ali anunciado o provável racionamento da carne, pela suspensão de consumo uma vez por semana. Aconselhando o povo a trocar a carne pelo peixe, o próprio Presidente Nixon disse "ser patriótico comer mais pescado".
Na Austrália, onde vigoram altos preços, o Governo anima a exportação de carne isentando-a de taxas e outros desincentivos. O seu armentio registou, de 1966 a 1971, um aumento de 30%.
No Uruguai, cujo consumo anual por habitante atingia 100 kg, a inflação obrigou o Governo a instituir um racionamento que equivaleu a uma suspensão de consumo de quatro meses, a fim de ajudar o país a alcançar exportações de mais de um milhão e meio de contos, com que restaurar o equilíbrio da sua balança económica.
Na Argentina, o armentio subiu apenas 14 % nos últimos vinte anos. Houve falta de investimentos em virtude de o preço ao produtor ter sido considerado insuficiente. De 1966 a 1971 a média foi de 9$ por quilograma vivo e nesse período o número de bovinos permaneceu estático, e o país retraiu-se do mercado mundial.
No caso dos nossos territórios ultramarinos, em vias de desenvolvimento e cuja ocupação animal se pode considerar de recente data, embora haja acesso fácil a grandes extensões de viabilidade agrícola, a pecuária está longe de ter atingido o progresso que a sua economia reclama. Tal conquista depende, em primeiro lugar, do esforço do homem em superar as dificuldades inerentes ao terreno que é preciso desbravar e o desconhecido de uma climatologia zootécnica ainda por descobrir. O esforço necessário só será possível e só poderá ter continuidade e intensidade se e quando processado em condições atraentes sob o ponto de vista lucrativo.
No entanto, esse avanço geral transcende meras razões materiais: na opinião abalizada do nosso prestigioso antropólogo que é A. Rita Ferreira, "a elevação dos rendimentos da população rural contribuirá para a manutenção da estabilidade social. Entre a
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minoria evoluída e a maioria rural há um desnível difícil de eliminar. Todas as medidas que em tal sentido se tomarem serão política, social e economicamente valiosas".
É, pois, no colmatar de brechas da nossa economia e no melhor equilíbrio dos rendimentos das nossas massas populacionais que a pecuária de Moçambique oferece uma oportunidade insuperável, pois com um armentio que de há anos tem andado na casa de 1 milhão, pode esse Estado comportar uma manada que alguns técnicos calculam em 25 milhões de bovinos, mas que os Serviços de Veterinária, porventura com maior ponderação, avaliam em 10 milhões.
De uma maneira ou de outra, por aqui se pode fazer ideia do seu tremendo potencial e por aqui se pode sentir o nosso relativo atraso neste sector.
Consideremos, portanto, a situação:
Há anos que ali se pratica um rateio no abate, justificado pela fraca evolução daquela actividade primária e visando impedir o desgaste do armentio para além de limites calculados como prudentes.
Limitando-se o abate, naturalmente que fica prejudicado o livre florescimento do mercado consumidor que, desta forma, será bastante maior do que as estatísticas de consumo indicam. Não fosse esse contrôle, de há muito que Moçambique teria começado a importar carne de vaca a níveis internacionais de preço, por ora inconcebíveis para o seu mercado, afeito como está a preços que figuram entre os mais baixos do mundo.
Por notícias muito recentes, mas de que não temos confirmação, parece até que estamos importando carne da Rodésia, com isenção de direitos e outras imposições aduaneiras, e que o Fundo de Fomento Pecuário passou também a ser utilizado para amortizar parte do seu custo, a fim de o consumidor não ter de a pagar pelo preço a que fica.
A ser verdade, este singelo facto é por si suficiente para nos pôr de sobreaviso quanto à insuficiência de carnes em que já nos debatemos e os graves riscos que ela acarreta, e para pôr a claro o desnível de economia da nossa pecuária, até mesmo em relação à dos países vizinhos.
Por isso a exploração de carne não tem constituído grande chamariz para os que possuem capitais e façam contas, e que, por exemplo, encontram no investimento predial oportunidades menos trabalhosas, menos arriscadas e mais lucrativas do que as proporcionadas pela vida no mato e a incerteza dos resultados daquela actividade.
É isto de certo modo confirmado pelo movimento de empréstimos, enquanto, no quinquénio 1968-1972, a única instituição que apoia financeiramente a pecuária - a antiga Caixa de Crédito Agrícola - concedeu a esta actividade apenas 52 000 contos, a construção civil recebeu, só por parte do Instituto de Crédito de Moçambique e do Montepio de Moçambique, uma magnífica infusão creditícia de 2 500 000 contos.
Mesmo assim, neste quadro pouco animador para os que trabalham a terra, o que aparece como mais contraproducente é a orgânica de valores de gado e de preços da carne de vaca, que, em vez de remunerar justa e ordeiramente a produção e em vez de conciliar a venda da carne com a sua qualidade, constitui um mecanismo económico desajustado que nem serve o produtor nem protege o consumidor.
O mais resumidamente possível, vamos a ver como e porquê:
Existem em Moçambique duas categorias de produtores:
Os produtores "evoluídos", individuais ou de nível empresarial, regra geral possuidores de propriedades tituladas, contendo explorações apetrechadas em maior ou menor escala para a prática de uma criação racional e progressiva. Detêm o chamado gado "melhorado", embora possuam também quantidades consideráveis de gado "comum". Têm capitais investidos e eles próprios apresentam animais para abate nos matadouros.
Os produtores "tradicionais", de pequenos recursos, de uma maneira geral sem dinheiros investidos na terra nem capitais. As suas preocupações de ordem técnica limitam-se aos banhos carracidas, vacinações, etc., instituídos pelos serviços competentes. Possuidores de gado "comum", os seus animais são transaccionados em feiras, com garantia de preços mínimos e sob vigilância oficial, a compradores que promovem a sua recria ou o seu abate.
Existem duas classes de gado bovino:
A classe "melhorado", constituída por animais de raça e cruzas, de qualidade superior, pagos ao produtor a preços que vão de 16$50 a 22$50 o quilo de carcaça limpa.
A classe "comum", constituída por bovinos originários da região e de qualidade não apurada, pagos a 9$, 10$, 11S50 e 12$50 o quilo.
Os consumidores podem ser agrupados em duas categorias:
Uma, que consome a maior parte da carne que aparece no mercado, constituída por hotéis, restaurantes, etc., e por cidadãos mais ou menos bem instalados na vida, com actividades económicas confortáveis, ou por indivíduos com empregos que lhes proporcionam vencimentos de nível razoável.
Outra, constituída pelos que têm menores possibilidades materiais e pelos que são denominados como "economicamente débeis". Estando nas primeiras divisões da régua salarial, ou não comem carne ou apenas adquirem ocasionalmente uns quilos dos cortes mais baratos.
Finalmente, temos a considerar os talhos, que, por sua vez, compram a carne abatida nos matadouros a um só preço médio (14$20 em Lourenço Marques) e depois a vendem toda - seja a carne ruim proveniente de reses pagas ao produtor a 9$ o quilo, seja a que resulta de carcaças de 22$50 o quilo - através de uma única tabela, que não faz qualquer destrinça quanto à qualidade ou proveniência da carne.
Quem analisar estes simples dados concluirá desde logo que nos encontramos face a uma engrenagem artificial de preços, que não contempla as realidades, pois nem os interesses do produtor de gado (comum) estão protegidos, nem o próprio consumidor poderá distinguir quando, pelo mesmo preço e como diria o povo, compra lebre, quando leva gato.
Na procura de uma solução que possa congraçar posições tão divergentes, vamos estabelecer um confronto com aquilo que se passa em Angola, cujas condições de terras e de exploração pecuária são bastante idênticas às de Moçambique, e vejamos também, como referência apenas, o que acontece na vizinha República da África do Sul, onde a propriedade rús-
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tica atinge elevados valores venais, mas onde a pecuária é uma força económica, graças à existência de preços compensadores, de adequadas infra-estruturas de apoio e de uma eficiente assistência técnica e financeira:
Em Luanda, o produtor recebe, por quilo de carne aprovada e enxuta, 21$ (17$ acrescidos de um subsídio de 4$) se for de 1.ª, 16$10 se for de 2.ª e 13$30 se for de 3.ª categoria.
As carcaças classificadas de extra (I e II) são vendidas por talhos de carne especial, não sujeitos a tabelamentos, explorados pelas cooperativas de criadores em regime de auto-abastecimento. O preço de venda desta carne é actualmente de 70$, 60$ e 50$, conforme as peças açougueiras de que se trata.
A restante carne é vendida a 36$ sendo de 1.ª, a 20$ de 2.ª e a 10$ de 3.ª
Todos estes preços estão na iminência de serem aumentados, em virtude de estar em curso uma revisão do respectivo tabelamento.
Em Joanesburgo a carne de pior qualidade é paga ao criador a 17$50. O preço ao público é elevado e tem estado a subir quase semanalmente, acompanhando o aumento de custos.
As conclusões que os números que antecedem permitem tirar, em confronto com os de Moçambique, são bem visíveis e reprovam a orgânica que há muitos anos vigora naquele Estado, com considerável prejuízo para a sua pecuária e para a iniciativa privada, nomeadamente no que respeita ao gado das categorias inferiores, que, no jogo de compensações a que o preço único de venda obriga, é simplesmente desvalorizado para que o sistema possa funcionar.
Senão, e continuando a comparação de preços, vejamos:
Enquanto no tabelamento em Angola há uma diferença de 7$70 entre a primeira e a última qualidade de carne, enquanto na África do Sul ela é de cerca de 7$, em Lourenço Marques essa distância atinge o exagero de 13$50.
Enquanto em Angola a carne de qualidade superior é logicamente vendida a preços mais altos, em Moçambique, toda a carne, boa ou má, está sujeita a uma mesma tabela de venda ao público.
O Sr. Barreto de Lara: - Permite-me que faça uma intervenção muito breve?
O Orador: - Faça favor.
O Sr. Barreto de Lara: - V. Exa. fez uma referência a Angola e deu a entender que realmente em Angola a pecuária está muito bem organizada, que a pecuária está muito rentável, que está tudo muito bem feito, está tudo muito bonito. Pois quero-lhe dizer que não está! Está até bastante mal. A pecuária está pessimamente organizada em Angola. Há uma coisa boa, que é, ao contrário do que se passa em Moçambique: é que o arame é distribuído pelo Fundo de Fomento Pecuário aos criadores, que têm prazos para pagar. Mas no outro aspecto de organização, está mal.
Basta que lhe diga que os postos experimentais estão quase sem veterinários, pois estes querem concentrar-se nas cidades, onde podem usufruir de grandes rendimentos, e posso até dizer a V. Exa. que raro é o veterinário que ganha menos de 100 contos por mês, para não prestar assistência, afinal, aos criadores de gado em Angola.
Angola não está, pois, tão bem como isso, mas terei oportunidade de o dizer autonomamente noutra altura. Portanto, não tome Angola para exemplo, porque o exemplo é mal tomado. Queria...
O interruptor não reviu.
O Orador: - Dá-me licença? Eu apenas citei os números de Angola para comparação de preços: os que vigoram em Angola e os de Moçambique. Os preços em Angola são muito melhores do que os preços em Moçambique.
Continuando: O gado moçambicano "melhorado" é remunerado a preços que vão de 16$50 a 22$50, que se podem considerar como justos e francamente bons. Estão a par dos preços obtidos pelos criadores em Luanda e até mesmo em Joanesburgo para animais de idêntica categoria.
Outro tanto, todavia, se não pode dizer quanto aos animais classificados de "comum" que não realizam senão de 9$ a 12$50, quando em Luanda a última categoria rende 13$30 (preço a ser aumentado em breve) e quando em Joanesburgo nenhuma carne de bovino é paga ao produtor a menos de 17$50.
Quer isto dizer que, enquanto o gado nas qualidades superiores tem praticamente o mesmo plafond em Lourenço Marques e em Luanda - cidades que servem de confronto, dado o seu idêntico condicionalismo económico -, em Moçambique os preços para os animais que não alcançam essa classificação são minimizados, dando origem a um injusto desequilíbrio em desfavor da produção e em prejuízo dos mais necessitados.
Para realçar esta incongruência, bastará referir-se que enquanto as quatro qualidades de carne de vaca "comum", que leva anos a produzir, obtêm uma média de preço de 10$50, a carne de galinha, que se cria em escassas semanas, rende ao avilcultor nada menos de 24$50 o quilograma...
Inegavelmente que existe, portanto, uma inversão na ordem dos valores intrínsecos das carnes, que por si é bastante para demonstrar o erro em que laboramos.
Além dos preços, subsistem ainda alguns dispositivos anacrónicos que só entravam a actividade pecuária e cuja eliminação se impõe.
O mais saliente será talvez o caso do arame farpado, muito atempadamente levantado no Conselho Legislativo por um dos seus ilustres membros; os agricultores e os criadores de gados, que têm como das suas primeiras obrigações a vedação das concessões, são compelidos - devido a medidas proteccionistas - a adquirir esse arame à indústria local por um preço elevadíssimo, quando, se importado livremente, não teriam de pagar senão cerca de metade.
Imagine-se só quanto não beneficiaria a ocupação de terras e a sua exploração naquele Estado se fosse simplesmente eliminada essa obrigatoriedade enquanto subsistisse tamanha diferença de preço!
Há também a considerar que o refreio unilateral de preços referentes ao ciclo de gado e carnes não é por si uma resposta ao nosso problema de fundo, na medida em que a subida inexorável de custos levaria a pecuária a entrar em disfunção económica e acabaria por inverter o seu sentido progressivo.
Ora, como acontece com a indústria e o comércio, a pecuária depende do exterior para muitas das suas
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necessidades, pois de fora provêm os animais de raça, os medicamentos, os carracicidas, a maquinaria, etc.
For simples princípio de vasos comunicantes, que tem plena aplicação em economia, se de um lado esses custos, mais os custos internos (mão-de-obra, transportes, rações, combustíveis, etc.), sobem de nível, a este agravamento tem de corresponder aumento paralelo no valor do produto final, sob sério risco de destruirmos o bom equilíbrio e a rentabilidade daquela actividade.
Sentimos, no entanto, muito de perto, a justíssima preocupação do Governo daquele Estado quanto a aumentos de preços visando, decerto, a protecção devida à população, especialmente a de menores recursos, e estamos inteiramente ao seu lado na difícil e incansável luta que ali vem travando contra a carestia da vida e contra a tendência inflacionária geral.
Nesta linha de pensamento, a nossa intervenção, visualisando as premissas deste momentoso problema e a sua projecção no futuro, não visa senão ser um contributo para o bom êxito desse denodado esforço no que diz respeito ao sector pecuário e ao consumo dos seus produtos.
Apresentamos uma forma que talvez permita conciliar objectivos aparentemente antagónicos - o desenvolvimento da pecuária e a contenção de preços -, pois cremos possível essa harmonização através da reforma de todo o actual processo de comercialização de gado e de carnes, cujo desequilíbrio e cujos inconvenientes apontamos.
Vamos, pois, sugerir.
Para nós, foi sempre um contra-senso a existência de uma taxa, designada "taxa de fomento pecuário", sob a forma de desconto por fora, que incide sobre a própria pecuária que ela visa fomentar, pois recai sobre toda a carne produzida naquele Estado. No caso de bovinos, ascende a l$50 por quilograma e nos últimos três anos custou à produção cerca de 77 000 contos.
Não julgamos extemporânea a taxa em si, nem duvidamos dos objectivos de fomento que ela visa, antes a classificamos de utilíssima no apoio que é indispensável estender à pecuária e à iniciativa privada, mas a esta última só enquanto a actividade de criação de gado não tenha condicionalismo económico para se suportar a si própria e para se manter de pé sem a muleta de subsídios.
Todavia, cremos que essa taxa não deveria incidir sobre a carne cuja produção ela própria visa fomentar - é um caso de autofagismo ou de canibalismo económico -, mas sim sobre valores seleccionados da importação do estrangeiro que a justifiquem.
Deste modo, não seria a produção a arcar com um enorme encargo para o seu próprio fomento, pesado por serem poucos os contribuintes, mas sim seria essa receita cobrada sobre uma superfície muito maior, através de uma carga indirecta e diminuta.
Neste momento, parecendo que o Fundo referido vai ser utilizado na sustentação dos preços ao público da carne importada, mais uma razão surge para que assim se proceda.
Não será inédita esta forma de se cobrar semelhante receita, porquanto na metrópole os quantitativos necessários ao apoio da criação de gado e da venda de carnes, reunidos sob a rubrica de "Fundo de Abastecimento", não provêm de tributação lançada particularmente sobre a pecuária, mas sim de diferenciais obtidos na comercialização de combustíveis e produtos para o abastecimento público, importados do estrangeiro.
Mais recentemente - queremos frisar a sensatez e a lógica desta política económica - lemos o magnífico exemplo dos países do Mercado Comum, que, também instalados pela importância de resolver o seu sério problema de carnes, decidiram estabelecer uma taxa (prelievo) sobre a importação do exterior, cujo produto se destina precisamente ao investimento e ao aperfeiçoamento das suas pecuárias.
Não seria contraproducente ou até ridículo se essas nações fizessem recair essa taxa, à laia de desconto por dentro ou por fora, sobre os produtos das próprias pecuárias que necessitam desenvolver?
Libertando-se assim o nosso ciclo de carnes desse encargo (no caso das carnes de 4.ª categoria, atinge 16,6 % do valor), sem prejuízo de se obter para o mesmo fim e com mais lisura uma receita bastante maior através da nova forma de incidência preconizada, o preço ao produtor poderia, desde logo, ser beneficiado de uma melhoria correlativa.
Sem este peso, a pecuária poderia respirar mais fundo.
Evidentemente que, para quem está habituado à forma rotineira e já antiga de trabalho e de obtenção dessas receitas, esta sugestão, à primeira vista, parecerá descabida e impraticável.
Mas é tempo de modernizarmos os nossos métodos e de substituirmos os processos ultrapassados que durante largos anos foram postos à prova mas não nos conduziram aos nossos objectivos.
É altura de optarmos por novos caminhos, se de facto pretendemos alguma vez ver a pecuária moçambicana cumprir a sua dupla missão - uma tão importante como a outra - de abastecer o mercado interno com continuidade e sem rateios, e de concorrer para uma exportação em volume que assuma significado na balança económica daquele Estado.
No capítulo de remuneração de gado, afiguram-se-nos como verdadeiramente pobres os valores atribuídos ao gado "comum". Pagar essa carne a preços inferiores ao seu valor intrínseco, para, com o produto dessa desvalorização, se poder manter em funcionamento um muito discutível sistema de comercialização, é algo injusto e indensável, que contraria os princípios de equidade que tem de iluminar todo o processo de desenvolvimento pecuário.
Será esse, aliado às intempéries e a outras dificuldades, um dos motivos por que se vem registando um triste e desaconselhado declínio no armentio do criador tradicional.
Quanto ao preço da carne ao consumidor, há que - como já se faz em Angola - sermos realistas: se existe um considerável sector que pode pagar melhor pela carne, desde que esta seja também de superior qualidade, e se é natural que um produto melhor se venda a preço mais elevado, será oportuno liberalizar-se a venda de carnes "extra", proveniente de animais - de raças apuradas, através de talhos especiais em regime de auto-abastecimento e a níveis que a própria comercialização acabará por estabelecer, numa economia de oferta e de procura. Na metrópole, essa liberalização abrange as peças açougueiras de primeira.
Isto permitiria ir buscar-se ao mercado natural dessa carne a receita necessária para a sua remuneração,
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evitando-se o artificialismo do recurso, para esse fim, aos diferenciais obtidos a partir do pagamento ao desbarato do gado "comum". Para esta classe, a modalidade permitiria a prática de valores mais justos, pois deixaria de existir a necessidade de ela "suportar" o preço do gado "melhorado".
Todos conhecemos o momento difícil que as economias do ultramar atravessam e todos sabemos dos enormes esforços que ali se estão envidando para se suprir a enorme falta de divisas metropolitanas e estrangeiras, a fim de as respectivas balanças poderem retomar uma posição saudável.
Os próprios Governos daquelas parcelas, cujos ombros receberam transcendentes dificuldades vindas do passado, serão os primeiros a reconhecer que as medidas de extremo recurso, restritivas de importação, a que, à falta de melhor caminho, tiveram de lançar mão, embora acertadíssimas, embora inevitáveis, não constituem uma solução final, pois acarretam consigo o inconveniente de travarem o progresso, de diminuírem o nosso intercâmbio, de amortecerem a economia geral e de reduzirem a massa tributária e o comércio de cá e de lá.
Portanto, se no processo imparável de acelerarmos o nosso desenvolvimento económico não existe conveniência em restringir a importação de bens de produção e de consumo, senão naquilo que seja supérfluo e dispensável, se não é aconselhável diminuirmos o nosso comércio ou abrandarmos o nosso surto industrial, resta-nos a alternativa - embora apertando o cinto de intensificarmos a exportação daquilo que produzimos, aproveitando os excelentes preços que o exterior oferece, tanto para incitarmos a nossa produção a maiores níveis como para recompormos o nosso déficit cambial.
Já no primeiro ano do seu mandato, S. Exa. o Governador-Geral de Moçambique, engenheiro Manuel Pimentel dos Santos, no processo de vitalizar o seu inédito "programa para quatro anos", enfrentou, corajosa e decisivamente, o problema do leite, instituindo uma série de dispositivos que tornaram a actividade galactófora francamente rentável e abriram caminho para a auto-suficiência futura daquele Estado. É de esperar que com o incentivo dessas louváveis medidas, há pouco postas em curso, a sua produção de leite e a sua indústria de lacticínios progridam com ímpeto e contribuam cada vez mais expressivamente para diminuir o grande volume de importações que neste sector se tem vindo a praticar.
Encontrando-se praticamente inoperante, na zona do Limpopo, uma importante fábrica de lacticínios construída pelo Estado há uma dezena de anos com a capacidade de 30 000 l, mas que apenas labora uns 1000 l diários, lembramos a solução que esse problema poderia ter se se destinasse desde já à exploração de leite um parcelamento a ser reservado para esse efeito na área de influência da barragem do Massingir.
Essa ocupação, orientada pelos serviços de veterinária, à base de propriedade titulada e por indivíduos experimentados ou preparados para essa actividade, cedo permitiria o funcionamento a pleno daquela indústria, dando ao Estado uma oportunidade de se ressarcir do seu considerável investimento.
Quanto à carne de vaca - objectivo principal desta intervenção -, que tão aliciantes promessas oferece,
temos de reconhecer o seu maior custo, e temos de começar a recorrer em maior escala a outros alimentos, incluindo às carnes que levam menos tempo a produzir e custam menos - a de galinha, de cabrito, de coelho, de suíno e até de caça -, a fim de se aliviar a pressão de procura que os baixos preços fazem incidir sobre aquela, e permitir que Moçambique possa colher algum benefício dos óptimos preços que o mercado exterior por ela oferece.
De notar que S. Exa. o Secretário de Estado do Comércio, Dr. Alexandre Vaz Pinto, mostrando-se compreensivo desta grande necessidade do ultramar, abriu de par em par as portas para um maior intercâmbio com a metrópole, ao aumentar, recentemente, para 25S80 o preço a pagar por quilo de carne de bovino daquela proveniência, permitindo assim àquelas parcelas uma mais rápida recuperação das suas economias através das suas pecuárias.
Há que se tirar proveito da oportunidade criada.
As próprias peles, que os produtores têm vendido a 10$50, poderiam render-lhes o dobro, se colocadas no mercado metropolitano. É oportuno que se ajustem os seus valores locais e que se facilite a sua exportação parcial.
Assim, a exportação no ano findo de 600 t de carne de vaca de Moçambique para a metrópole, a ilha da Madeira e a Guiné é sinal de que o seu Governo procura trazer essas vantagens para a economia daquele Estado e de que opta - com acerto - por uma política pecuária de longo alcance e de visão nacional.
Em suma, para podermos lançar a pecuária de Moçambique no bom caminho da satisfação das necessidades internas e do concurso ao abastecimento nacional, não temos dúvidas - face a tudo quanto acima procuramos esclarecer - em advogar a adopção ou o estudo das seguintes medidas:
Em todo território nacional:
1. Reconhecimento do desenvolvimento da pecuária de todo o ultramar como objectivo de interesse e utilidade nacional, atribuindo-se-lhe, acto contínuo, isenções fiscais e aduaneiras, facilidades nos transportes, regime preferencial na importação de animais, produtos essenciais, etc., e outras regalias compatíveis com a sua importância.
Em Moçambique:
2. Incidência da taxa de fomento pecuário, não sobre a própria carne cuja produção ela visa fomentar, mas sim sobre determinada importação do estrangeiro, em moldes como se processa na metrópole e nos países do Mercado Comum. Isto permitiria um correspondente benefício nos preços ao produtor.
3. Liberalização do preço das carnes de qualidade superior, a ser vendida por talhos especiais em regime de auto-abastecimento, bem como das peças açougueiras de primeira, permitindo-se-lhes encontrar o seu justo nível pelo mecanismo da oferta e da procura.
4. Melhoria urgente do preço do gado "comum", nivelando-se o seu mínimo ao de Angola (13S80), pela substituição do actual sistema de comercialização de gado e carnes por outro mais harmónico com as realidades.
5. Fixação de um contingente anual de exportação de carne de vaca, livre de desincentivos fiscais e outros, a fim de a produção poder beneficiar do bom preço estabelecido na metrópole para as carnes do ultramar e, para tal, recorrendo-se a um raciona-
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mento, se necessário, enquanto subsistir a grave falta provincial de divisas.
Sendo a obrigação do abastecimento de Moçambique comum a todos os criadores de gado, independentemente da sua localização, as quotas de exportação deverão beneficiar todos os distritos produtores.
Procedimento idêntico deverá ser adoptado em relação às peles de bovino.
6. Fomento e promoção de consumo de outras carnes de mais fácil e mais rápida produção, especialmente de galinha, apoiando-se o melhor possível o progresso de uma avicultura moderna.
7. Atracção, para o investimento pecuário em Moçambique, inclusive através de empresas de economia mista, de capital metropolitano e até de estrangeiro. Encaminhamento, se possível, para o mesmo fim, de parte dos 2 milhões de contos que a metrópole despende anualmente com o seu problema de abastecimento de carnes, que não o resolve em definitivo.
8. Multiplicação dos serviços de veterinária em todos os sectores. Ampliação do Instituto de Investigação Veterinária.
Sem dúvida que algumas das inovações ou medidas sugeridas implicariam uma remexida de princípios, de atitudes e de métodos, mas essa revolução parece-nos indispensável se quisermos ultrapassar o andar da rotina dos anos e se quisermos evitar que dentro em breve a produção seja simplesmente esmagada pelo crescimento aparatoso do mercado consumidor.
Animados pelas oportunas e sábias medidas que pôs em curso para incrementar a produção de leite e de lacticínios, apelamos para S. Exa. o Governador-Geral de Moçambique para que dispense a este momentoso assunto a compreensão e o espírito de decisão que são definidas características da sua já fecunda acção governativa.
Dada a importância e a transcendência do problema pecuário, talvez não fosse descabida a sugestão da nomeação de um grupo de trabalhos ou de uma comissão para efectuar o seu estudo em profundidade, mas a prazo, tendo em vista a defesa desta essencial actividade económica e o seu futuro progresso a passos mais largos.
Só assim, olhando para a frente e colaborando todos na consecução de um objectivo que é de interesse comum, estaremos a percorrer mais seguramente o caminho íngreme mas necessário da auto-suficiência.
Só assim, escorada em bases mais firmes, por mais actuais e mais justas, poderá a pecuária de Moçambique evoluir da sua pequenez da casa de um milhão de cabeças, para, com a rapidez necessária, alcançar o seu armentio potencial e o lugar que lhe compete na economia daquele Estado e da Nação.
O Sr. Duarte do Amaral: - Sr. Presidente: Já sabia, e tenho agora a confirmação pelos jornais, que foi assinado o contrato da empreitada de quebramento e dragagem de rochas submarinas do porto da Póvoa de Varzim.
Acompanhei, desde o início, com o entusiasmo de um jovem engenheiro, o esforço dos ilustres poveiros, realizado em nome de todo o povo daquela boa terra, para obter esse porto, evitando, ao mesmo tempo, as grandes e tão conhecidas tragédias da sua barra, a decadência da risonha vila e a emigração em massa dos pescadores.
Pude, durante estes anos, ajudar, dentro das minhas possibilidades, os esforços feitos para se conseguir tão grande como indispensável melhoramento, mantendo permanente, contacto, aqui em Lisboa, com o Governo e com as autoridades poveiras, no seu constante esforço para que as obras se fizessem. Vivi com elas as primeiras horas de euforia, os desânimos dos insucessos, alegrando-me muitas vezes com as brilhantes vitórias alcançadas, impacientando-me com as grandes demoras sofridas. Mesmo aqui, nesta Assembleia, já mais de uma vez me fiz eco da necessidade de prosseguir e de acabar o porto da Póvoa de Varzim e nunca foi em vão.
Tive, por consequência, muita satisfação ao saber confirmada a assinatura do contrato, ao qual espero se dê imediata execução, aproveitando a época propícia que, para tal esforço, aí está a chegar.
Sei, por outro lado, que o plano geral de desenvolvimento do porto da Póvoa de Varzim, visando essencialmente o núcleo de órgãos operacionais para a pesca, os cais, os terraplenos e as instalações terrestres, que se esperava fosse aprovado pelo Conselho-Superior de Obras Públicas ainda em 1972 não saiu ainda deste alto órgão consultivo para voltar à firma, projectista e lá sofrer quaisquer alterações recomendadas.
Certamente tudo se fará de seguida, pois se crê, no sentido de que se espera e acredita, que estas obras sejam incluídas no IV Plano de Fomento e sigam sem novas interrupções.
Justificam tal procedimento a justiça devida a tão heróicos homens do mar, o apetrechamento necessário à perfeita rendibilidade das importâncias investidas, as necessidades do abastecimento de peixe na zona que o porto serve e, quanto às instalações para embarcações de recreio, a extraordinária e sempre crescente população balnear, sabido não se satisfazerem já os exigentes turistas apenas com os banhos de mar...
Sr. Presidente: Ao agradecer ao Governo a assinatura do contrato referido, sublinho com alegria como estamos longe dos tempos em que tínhamos de contrariar os Velhos do Restelo e os seus conselhos de desistir das obras do porto, pois nele não havia barcos, nem dava rendimento de pescado que as justificasse. Sempre fui de opinião que, havendo segurança, haveria barcos e, com barcos, chegaria o peixe. Os pescadores voltariam, os empresários mandariam construir embarcações modernas. Assim foi e, com a enorme fé e o amor à terra dos poveiros, tudo vai surgindo muito mais depressa do que o porto vai sendo apetrechado, mesmo antes, e logo à medida que esse apetrechamento vai sendo anunciado.
Assim, o número de embarcações motorizadas, como disse nesta Casa em 1960, que se cifrava apenas em quatro motoras, já tinha passado nesse ano para cinquenta e tal; em 1960 já subiam a cerca de 150 e, actualmente, já ascendem a 200, além de mais 50 embarcações diversas.
Por outro lado, o valor do pescado, que até 1970 não tinha excedido 4500 contos anualmente, apresentou-se em 1971 com o número record de 72 000 contos e em 1972 com 63 000 contos, valores com
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tendência para aumentar e que colocam a pesca do mar da Póvoa em situação de relevo - entre os portos da metrópole,
Estão, por consequência, totalmente ultrapassadas as fases de receio de que as obras não progridam e, dado o contrato agora, celebrado e o adiantamento do projecto, estão também vencidas as dúvidas sobre a possibilidade de novos atrasos na construção e na conclusão do porto.
Não podia ser de outra maneira num Ministério dirigido pelo Sr. Engenheiro Rui Sanches, Ministro cuja obra, demasiadamente discreta, é necessário apregoar para ser conhecida nos seus múltiplos aspectos, dos quais apenas sublinho, entre tantos, a reestruturação dos serviços do seu Ministério, o lançamento da rede de auto-estradas, o prosseguimento do Plano de Rega do Alentejo, a obra dos pequenos regadios, como, por exemplo, os da Cova da Beira e do Mondego, as transcendentes disposições sobre o "saneamento básico", o refazer das estradas principais, a instalação dos serviços públicos, o impulso aos problemas de urbanismo e habitação, a realização das infra-estruturas do Algarve e o saneamento da Costa do Sol.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Pois não caberia, no meio de tudo isto, a conclusão do porto da Póvoa de Varzim?
É claro que cabe!
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Lopes Frazão: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: Alqueva! Mais um sonho velho de tantos anos finalmente acordado para a vida, uma vida mais intensa para o Baixo Alentejo, imenso e pujante de virtualidades, que bem se precisa que venham à tona em máxima potenciação, para uma economia nossa fortemente vigorada, tal é a necessidade que temos maior.
Beja e o seu termo não podiam manter-se em indiferença silenciando-se nesta Casa perante empresa tamanha como é esta, vinda em parcela muito grande, a favor das suas terras e gentes, pelo diploma do último Conselho de Ministros, mandando retirar ao Guadiana, de sempre insensível no seu caminhar, o muito poder que ciosamente arrecada e esconde numa inutilidade absoluta que tanto confrange.
Neste momento, em verdade, sentimo-nos grandemente diminuídos para a exaltação devida ao empreendimento, no seu bem vincado gigantismo. Mas, mesmo pigmeu na palavra, não deixaremos de a pronunciar, modelando-a, isso sim, com o fervor do nosso encantamento de alma.
Beja com Alqueva, agora, de certeza, nas suas máximas posses de rega, de energia, de urbanização e de turismo, há-de ser o gigante sul-alentejano que nós sempre previmos e os mais novos hão-de ver projectado em toda a sua verdadeira grandeza.
Só Alqueva, não tenhamos dúvida, fará que Beja saia da subdesenvolvimento em que se debate e no qual tão desgostosamente a temos visto e sentido.
Por tal razão, esse enorme lago do Guadiana, de 3300 milhões de metros cúbicos de água, podemos dizer de vitalidade, foi sempre um dos nossos anseios maiores em prol deste pedaço largo do Alentejo, onde estanciamos vai para uma trintena de anos; e isso nos leva a ter-lhe aferrado o coração.
Sempre tivemos a rega do Alentejo por bem!
O sequeiro alentejano, ainda que intensificado como está, seja dita em abono da verdade e por justiça; devido ao esforço ingente do lavrador que tem a terra por seu natal, mostra-se insuficiente para satisfazer as nossas necessidades altamente avolumadas, sobretudo em factores proteicos, que são como com tanta propriedade o ditou o Prof. Josué de Castro, "o substrato da própria vida".
E é que a proteína animal, sem a qual o homem vegeta mas hão vive, está cada vez mais a abater-se no nosso binómio produção-consumo, impondo-nos uma fortíssima hemorragia de divisas, ano a ano a intensificar-se.
Assim, vejamos. Em 1972 importámos 2 867 349 contos de produtos do reino animal e exportámo-los apenas no valor de 506 255 contos! Em 1971 havíamos importado 2 575 854 contos e exportado 685 364 contos! Em 1970 a importação foi tão-só de 1 113 831 contos! Mas os produtos vegetais igualmente têm vindo num crescendo de franca preocupação: em 1972 a sua importação foi de 4 143 133 contos em 1971, de 3 639 282 contos, e apenas 1 897 354 contos, em 1970!
Só a carne nos levou no ano passado para cima de um milhão de contos, quando no ano anterior havia ido a 771 000 contos!
O leite falta, e muito, e já se importa, e não muito pouco!
E o milho, para fazer a nossa carne e o nosso leite, viu a sua importação em 1972 elevada a quase 1400 000 contos!
A escritora insigne Pearl Buck, há dias falecida, tão pendida para o social, e da mesma maneira o entendem grandes economistas, afirmou em tempo que "a palavra de ordem deve ser a de uma organização adequada dos suprimentos alimentares do mundo".
Alqueva há-de ser uma sólida infra-estrutura do País para essa organização!
O Plano de Rega, já em fase adiantada, sem os 134 500 ha beneficiados no Alto e Baixo Alentejo pela água daquela barragem, e só nesta última província são praticamente 80 000 os que vão colher benefício dela, e ainda sem o avolumar, por Alqueva, dos caudais de algumas das suas vinte e três grandes albufeiras, seria um plano sem perfeição e efeito. Haja em vista o que se passa no Roxo, que com a capacidade plena de 89,5 milhões de metros cúbicos de água armazena neste momento apenas 12 milhões. Só em 1968-1969 atingiu 85 milhões; logo em 1969-1970 desceu para 22 milhões e no ano seguinte 1970-1971 não foi além dos 8 milhões! Por tal motivo, as áreas beneficiadas em vez de, como é natural, crescerem, vão antes a reduzirem-se.
Nós precisamos, muito pelo contrário, que o regadio se extensifique, e não só, mas que também racionalmente se explore. Não é, como sucede hoje, sem pastagens e milho nas rotações que podemos ter a carne e o leite que nos fazem falta.
E não se diga que isso é apenas por culpa do lavrador; a lavoura tem respondido, e bem, fazendo quanto pode e sabe, tenha-se em conta as cooperati-
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vas logo criadas, e com que interesse! O que há, na verdade, é todo um condicionalismo obliterante, que estorva quanto se quer.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: O nosso Presidente do Conselho, a quem se deve em muito o erguer do Plano de Rega, pois quando Ministro da Presidência teve acção destacada, que não esquece, na sua inclusão no II Plano de Fomento, em afirmação incontroversa, disse "ser ilusão perigosa pensar que a expansão económica pode operar-se sem um sólido e constante aumento da produção nacional".
Por tal-qualmente assim o entender, em Dezembro de 1954, pouco depois de tomar o mando das Obras Públicas, o grande Ministro que foi o engenheiro Arantes e Oliveira despachou no sentido "do esclarecimento preciso e definitivo do problema da valorização pela rega da região alentejana".
E agora o teve por igual o Ministro grande que é o engenheiro Rui Sanches, determinando que Alqueva se faça, e com brevidade!
O nosso bem-haja para estes três homens, senhores perfeitamente esclarecidos e plenamente conscientes do interesse nacional.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Mas Alqueva não serve só para regar. A sua prestimosíssima água tem mais destinos de não menor importe. É a energia que dela há-de brotar, "tanto em produção como em potência, conferindo-lhe importância e interesse de relevo no conjunto da rede eléctrica nacional". É a dessedentação de muitas gentes que, pelo Alentejo fora, vivem carentes desse precioso e vital líquido. São 600 000, a passar, ou sejam 64% da sua população total, as vidas, já hoje bastantes sequiosas, que vão ter a sede mitigada pela água do Plano de Rega, quando inteiramente realizado. E é que ele não se pode atardar muito, pois Évora e Beja e mais centros populacionais importantes estão já bastante sedentos.
O matadouro industrial, em construção acelerada, precisa de muita água que só o Roxo lhe poderá fornecer; e o Roxo sem Alqueva mostra-se de um roxo muito esbatido, incapaz de poder ser útil, tanto quanto a ele se lhe vai exigir. E que dizer de Sines, com as suas necessidades de água extremamente exageradas, da ordem dos 200 milhões de metros cúbicos?
Não! Sem água o desenvolvimento industrial é utópico, e há-de ser Alqueva que o há-de promover nesta Beja que por ele anseia.
Ainda o turismo regional, hoje completamente adormecido, há-de ter com Alqueva o seu ledo acordar.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Não é de hoje, nem de ontem, o nosso bem querer pela rega.
O Alentejo regado recebeu grande impulso da Comissão da IV Zona (Sul) do Plano de Fomento Agrário, criado em Julho de 1949, e do qual fomos técnico participante, embora modesto.
Já nesta Casa, em Março de 1966, exaltámos o interesse de um regadio largamente dimensionado e, em Novembro de 1967, mostrámos o nosso desagrado pela não inclusão de Alqueva no III Plano de Fomento, afirmando que "só com muita água seriam viáveis a reconversão que se quer e a pecuária de que se precisa".
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E voltámos a pedir Alqueva, e depressa, em Abril de 1970, quando nos congratulámos com a visita do Chefe do Estado ao local onde vai surgir esse grande lago, um dos maiores da Europa.
Em. Fevereiro de 1971, afirmámos:
Confiar na boa vontade e acerto de acção do Sr. Ministro das Obras Públicas para o pleno aproveitamento do regadio do Alentejo.
E não nós enganámos!
Afinal, Alqueva veio mesmo pela vontade e querer de um Governo que operosamente vem realizando com fé e segurança e de um Ministro que sabe o que quer è quer mesmo.
Mas Alqueva não vem só! O favor para Beja vai muito mais além! No decreto-lei agora aprovado pelo Conselho de Ministros determinam-se "os estudos e propostas do segundo escalão do aproveitamento do Guadiana, o represamento da Rocha da Galé", acima de Mértola, este somente hidroeléctrico, mas com a virtude de triplicar a produção de energia do escalão de Alqueva. Só assim o Baixo Alentejo poderá vir a ser um autêntico pólo industrial, de que tanto se fala e reclama, mas sem energia e água não víamos bem como.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Esopo disse que "a gratidão é o signo das almas nobres"; e, porque é bem nobre a alma do homem sul-alentejano, pela minha voz humilde e bastante enfraquecida, mas maximamente fortalecida no sentir, aqui está ele presente no agradecimento de tão vincada concessão para as suas terras, assim ficando com elas extremamente promovidas e vivificadas.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Aquando da inauguração da barragem do Mira, em terras de Beja, ao vê-la de seu nome, o Sr. Presidente do Conselho assim expressou o sentimento que lhe ia na alma:
Louvada seja a terra, louvada seja a água, e mais os homens que do trabalho sabem fazer dádiva!
Essas mesmas terras, pela Alqueva redentora que lhe foi dada e as há-de tornar maiores, lançam o seu grito de reconhecimento: Louvado seja o Governo!
Disse.
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Alberto de Alarcão: - Sr. Presidente: Noticiaram os órgãos de informação há poucos dias que tiveram seu termo, após longas diligências, as negociações entre a Câmara Municipal de Oeiras e uma empresa de empreendimentos imobiliários para a urbanização do vale de Algés.
Diligências que vinham desde 1958 e que tiveram a dificultá-las a necessidade de realojamento de cerca de 500 famílias de débeis recursos que no local residiam. Não bastou sequer a posterior criação de uma fundação (Fundação Santa Isabel) animada do melhor espírito social, mas algo desapoiada de suficientes meios materiais. Se o dinheiro em excesso por vezes mata ou desvirtua o espírito, quando frequentemente rareia não permite levar a seu termo a tarefa que é proposta.
Tudo está bem, quando acaba em bem...
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Reforçadas substancialmente as liberalidades com que o Sr. Joaquim Pena Mechó - porventura mais português que muitos dos nascidos em Portugal - se dispôs a colaborar para a solução do problema habitacional dos ocupantes das barracas do vale de Algés, e com participação agora acrescida nos trabalhos e serviços por parte do Fundo de Fomento da Habitação e do Instituto da Família e Acção Social, creio que Miraflores não destoará do nome a que ganhou jus pelas benemerências a que se prestou.
Recordando as palavras do presidente do conselho 4e administração da referida empresa:
Sei que hoje é um dia de grande alegria para todos os que estamos aqui a consolidar um acto [...] desejado desde há longos anos. Sabemos a repercussão moral e social do que significa esta escritura que acabámos de assinar e o precedente que abre esta entrega que fazemos de 48 000 contos para contribuir a resolver o problema das barracas que envolvem a cidade de Lisboa. Desde 1963 que temos combatido, com todo o ardor, para que esta situação se regularizasse, do que teria resultado que 500 famílias dos Bairros de Santas Martas e do Pereiro teriam sido socialmente promovidas e alcançado uma vida humana e digna.
Recordando tais palavras, meditemos a lição que delas se colhe:
A desumanidade e ingratidão de alguns em quem confiámos, com grande infelicidade nossa, dificultaram este momento, durante quase onze anos, com prejuízo para todos. As difamações e as intrigas de que fomos vítimas muitos sofrimentos e preocupações nos deram. Nunca nos abandonou, porém, a fé no triunfo da verdade e a justiça dos homens. Mais do que os nossos sofrimentos, sentimos os daqueles que, pela malvadez, foram tão injustamente condenados a tantos anos de frio, incomodidade e miséria.
Assim vai o mundo quando falecem de todo os mais elementares princípios morais.
Mas Algés não é apenas o seu vale; vem beijar as salsas ondas no tempo em que foi cuidada estância balnear de lisboetas.
Não dispensava outras distracções; a própria praça de touros aí está a atestar, no desconforto paisagístico das suas paredes em ruínas, as distracções dessa Lisboa do passado.
E mais além, junto à linha do Estoril e à Marginal, erguem-se, abarracadas, outras construções, a pôr uma nota de mau gosto no panorama, nomeadamente desfrutado por turistas.
Impõe-se valorizar toda a zona adjacente ao rio.
Lisboa e o Tejo casaram-se outrora, no entrelaçar da terra e águas, no viver das suas aventuras marítimas e do seu comércio, na azáfama e pitoresco da sua vida ribeirinha.
Mas, posteriormente, a capital parecia querer voltar as costas ao seu rio, como que envergonhada, a embrenhar-se por esses vales interiores .entre colinas, a fugir ao seu destino: o rio e o mar, que lhe deram largos fundamentos para existir.
Razão tinha Afonso Lopes Vieira, esse poeta enamorado do "verde pino" e do prateado das águas, ao clamar contra esse atentado da natureza, o divórcio entre Lisboa e o rio. Ou, mais tarde, essoutro Tomás Ribeiro Colaço, homem de sensibilidade e de gosto, filho de uma família de artistas, ele próprio artista da palavra, prosador dos melhores e poeta, a gritar que Lisboa estava a trair o Tejo.
Mas a cidade e o rio parecem querer voltar a encontrar-se, assim no-lo prometeram, em tempos, o Sr. Ministro das Obras Públicas e o precedente "homem grande" da Câmara Municipal lisboeta, ao cuidarem do futuro arranjo urbanístico da zona da Praça do Comércio ao Cais do Sodré.
Que a cidade volte a mirar-se no Tejo, a recolher-se no prateado - que já foi mais... - das suas águas, que o sonho se torne realidade e a reconciliação venha breve - o voto de um deputado por Lisboa.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Mas, para isso, quanto mais não haverá que melhorar?
Entre Algés e o Terreiro que foi "do Paço", ergue-se a meio caminho, bem perto já da Praça de Afonso de Albuquerque e da estação fluvial de Belém, essa figura avantajada, adamastórica, desconforme e horrenda, soturna, ocre (dos primeiros temas da revolução industrial portuguesa): os edifícios da Central (termoeléctrica) Tejo.
Por quanto tempo mais aí permanecerão, até ser desmontada, que a sua provecta idade há muito o mereceu?
E já que fomos de longada até Belém, prossigamos a jornada e vejamos o que esteticamente deforma essoutro canto da Praça, dita "do Império" e melhor se lhe chamara porventura "de Vasco da Gama", igualmente zona nobre da cidade em sua abertura para o rio.
Trata-se de um depósito de novas e velhas viaturas, muitas delas abandonadas, reformadas, ferrugentas, que cumpriram a sua missão ao serviço das obras públicas do empreendedor Ministério respectivo.
Já depois que estas palavras alinhávamos e passadas à máquina nos chegaram, começaram obras de substituição de um inestético tapume de madeira algo carcomida e desbotada por um mais apresentável muro de tijolo. Do mal o menos. Mas o problema do uso da inadequada utilização e destino de terrenos nessoutra praça nobre de Lisboa fronteira aos Jerónimos e ao Museu de Marinha persiste.
Não seria possível encontrar local algo mais retirado da vista de quem circula ou passa pela estrada marginal e zona ribeirinha, ou utiliza - sobrelevado em vistas - os cosmopolitas transportes da linha do Estoril?
Creio que sim, e à superior consideração e boa vontade bastas vezes demonstrada por S. Exa. o Sr. Ministro das Obras Públicas, no atendimento de casos levantados, me acolho à espera de resolução. Assim seja.
O Sr. Presidente: - Vamos passar à
Ordem do dia
Continuação do debate do aviso prévio sobre a indústria do turismo no desenvolvimento económico e social do ultramar.
Tem a palavra o Sr. Deputado Delfino Ribeiro.
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O Sr. Delfino Ribeiro: - Sr. Presidente: Correspondendo ao amável convite que me dirigiu o ilustre Deputado engenheiro David Laima, a quem muito felicito pela efectivação do seu aviso prévio, aqui estou para dar uma pequena achega.
O desejo insaciável que o homem, numa manifestação de convívio com o seu semelhante, sempre revelou de alargar seus horizontes, conhecendo novas gentes, visitando outras terras e contactando com diversas culturas e civilizações, encontrou neste século um ambiente técnico-sócio-económico propício à sua expansão.
O que até então representava uma peregrinação rara, um privilégio de poucos e uma regalia ou usufruto quase dos ricos, transformou-se em fenómeno colectivo, de grupos e massas, dando lugar a que, em avalancha crescente, milhões de pessoas se libertem dos afazeres da sua vida quotidiana e espaireçam fora dos limites do seu habitat, ainda que por curto período.
Viajar passou, assim, a ser apanágio do homem hodierno, que, a par do melhor nível de rendimentos, conta com a rapidez, segurança e comodidade que os meios de transporte, a preços convidativos, facultam.
Esta democratização, que se traduz numa conquista das classes médias após a segunda conflagração mundial, projectou o turismo para a dimensão e importância que ora assume, atentas as múltiplas actividades e indústrias dele dependentes e considerados os benefícios económicos que gera e se reportam, nomeadamente, à sua contribuição, por virtude da entrada de divisas, para o equilíbrio das balanças de pagamentos, ao efeito multiplicador das suas receitas e ao papel de impulsionador de investimentos e nivelador da economia de várias zonas de um país.
Daí que o fomento turístico, agora elevado a técnica, venha sendo objecto de estudos aprofundados e de aturado interesse da iniciativa privada e das esferas, governamentais.
Encará-lo e analisá-lo nas suas múltiplas espécies e facetas e criar as bases de que carece o seu pleno rendimento, constituem motivos de constante preocupação em todas as nações.
Abordar assunto tão intrincado, debatido e aliciante, situa-se longe do meu propósito, que apenas se reduz à sugestão de algumas providências concernentes ao turismo de Macau, cujo impulso deverá alcançar a sua culminância logo que, quebrada a descontinuidade territorial com a conclusão da ponte entre a cidade e a Taipa, esta já ligada a Coloane por estrada, a província possa dispor de novo espaço unitário que muito facilitará o máximo aproveitamento daquelas ilhas.
Desejo, antes de mais, repisar o problema por mim abordado neste hemiciclo na sessão de 21 de Janeiro de 1970. Depois de realçar que, por norma, Macau é visitada por umas horas ou, quando muito, por um ou dois dias e de salientar o aspecto negativo e anacrónico das taxas consulares em causa, disse então:
Para que a província participe substancialmente do crescente fluxo turístico de Hong-Kong, que dele faz uma das suas grandes fontes de rendimento, torna-se mister que [...] se adopte quanto antes, e com carácter generalizado, o sistema de isenção de vistos para os estrangeiros que a visitem com curta duração.
Sobe meteoricamente o número dos que acorrem àquela vizinha colónia britânica, e não resta dúvida de que Macau beneficiou desse aumento em proporção superior à que estava habituada, graças aos esforços conjugados da administração pública local e das empresas particularmente interessadas.
A verdade, porém, é que, no sentido de se obter maior ímpeto, se reputa de relevância a isenção de vistos, cujo pedido se mantém de pé à espera - e oxalá não por muito mais tempo- que se lhe dê o merecido, porque justificado, deferimento, de molde a que os turistas encontrem simplificada a sua ida à nossa parcela do Extremo Oriente. Aconselha a prudência que tiremos o melhor partido dos bons momentos, tanto mais que, por força de grande concorrência, nada nos garante que, com o rodar dos tempos, outras opções mais atraentes não sejam postas ao gosto e conforto de quem viaja.
Também demanda atenção a propaganda que, para a difusão do que é nosso, se deve esperar das agências portuguesas de viagens, em ordem à inclusão nos seus itinerários daquela área asiática de uma paragem em Macau. É diligência que está sendo empreendida pela Agência-Geral do Ultramar, por cujo completo êxito deixo aqui lavrado o meu voto.
A recente Lei Orgânica dos Centros de Informação e Turismo, nascida da necessidade de "adaptar as disposições aos condicionalismos actuais e locais" e "dotar aqueles centros com quadros técnicos que lhes permitam desempenhar eficazmente as funções que lhes competem", leva a crer que se irá dar um passo decisivo no caminho da utilização das potencialidades das províncias ultramarinas, de forma que estas ofereçam aos turistas quanto de melhor possuem.
Por outro lado, recaindo nos mesmos departamentos a incentivação e promoção das actividades relativas aos espectáculos e formas de cultura popular, parece útil e patriótico que até Macau chegue, de quando em vez, uma réstea das manifestações teatrais metropolitanas que nestas últimas décadas não lograram ali aportar. O vetusto Teatro de, D. Pedro V, em vias de completo restauro, subsidiado pelo governo provincial e, salvo erro, também pela benemérita Fundação Calouste Gulbenkian, bem merecia ver o seu rejuvenescimento comemorado com a presença de artistas nacionais.
A resolução do que se pretende não irá, por certo - nem a tanto se aspira -, abarcar integralmente a problemática daquele nosso território, em boa hora dotado com importantes infra-estruturas para o tipo turístico que se lhe afeiçoa, mas, obviamente, tonificará o ambiente cultural e tornará Macau mais conhecida, designadamente por portugueses, elevando, e não pouco, o caudal, de forasteiros, que hoje monta a mais de 380 000, sem contar com os residentes de Hong-Kong, que, num total de cerca de 1 800 000, em relação ao ano findo, inundam a cidade, transportados em cinco navios de carreira, tipo convencional, e vinte hidroplanadores e, num futuro próximo, em jetfoil e helicópteros, atraídos pela sua acolhedora vizinhança, onde os jogos de fortuna, instalados em quatro casinos, dos quais um flutuante, e as corridas de galgos, a que brevemente se juntará a pelota basca, figuram no rol das principais diversões que decorrem ao longo do ano.
Com efeito, e ao lado dos pontos focados, vários outros surgem e se prendem, verbi gratia, com o plano
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de urbanização, a conservação e valorização do património arquitectónico perante o surto de edificação urbana, a preservação e enriquecimento dos museus, monumentos e bibliotecas, a construção e embelezamento de jardins e miradouros, a pureza e divulgação da cozinha, quer regional, quer nacional, a preparação dos dirigentes e outros profissionais da indústria hoteleira, bem como dos guias e intérpretes, a limpeza das vias públicas, o ordenamento do trânsito dos veículos e a mentalização da população.
O Governo não tem, todavia, descurado do muito que lhe compete promover, patrocinar, projectar e realizar, numa viva demonstração de uma administração que prestigia quem foi em feliz momento escolhido para dirigir os destinos da província, como fiel executor da política dos Poderes Centrais.
Destas ligeiras considerações, que se identificam com um apelo, recolho a esperança de que, pela mão de um turismo cada vez mais intenso e próspero, Macau, luz multissecular de Portugal na Ásia, espelhe com o maior brilho o que a Providência lhe destinou que fosse: exemplo ímpar de fraternidade num mundo progressivamente conturbado.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Carlos Ivo: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: O desenvolvimento dos meios de comunicação nos nossos dias tornaram acessíveis ao turismo as zonas mais recônditas e distantes do nosso globo; por outro lado, a intensidade sempre crescente da vida moderna, mormente nos grandes centros urbanos, torna aconselháveis, senão quase indispensáveis, umas férias periódicas para descanso dos espíritos e dos corpos.
Assim se explica, sucintamente e em parte, o fabuloso surto que em todo o mundo se verifica no volume de turismo, quer interno, quer externo, de certos países que possuem os atractivos naturais que vão ao encontro daquilo que o turista quer - as praias, as florestas, o sol, a neve, as paisagens, o sossego, a vida buliçosa, a arte, a vida selvagem, as salas de jogo, os costumes exóticos, enfim, a novidade que conduz à satisfação espiritual de cada um.
O aviso prévio anunciado pelo nosso colega Sr. Deputado David Laima reveste-se, pois, de inegável interesse, dado o potencial extraordinário para a exploração desta actividade, hoje considerada indústria, que existe no nosso ultramar.
Como representante de Moçambique, é com todo o gosto que apresento este modesto trabalho, contribuição pequena que seja para os objectivos e conclusões que possam emergir da efectivação deste aviso prévio.
Pena foi, porém, que a demora que houve até à sua inclusão na ordem dos trabalhos da Assembleia tenha impedido que o Governo tomasse conhecimento de várias considerações, que serão, certamente expressas durante os debates que se vão seguir e que teriam sem dúvida alguma influenciado o teor do Decreto-Lei n.° 108/73, de 16 do corrente, que aprova a Lei Orgânica dos Centros de Informação e Turismo das Províncias Ultramarinas. Como adiante se afirmará, a estrutura deste organismo, pelo menos em Moçambique, não satisfaz ao que dele é lícito esperar no sector do turismo.
Quis também o acaso que dentro de dias se discuta nesta sala a proposta para a lei de terras do ultramar, que, por omissão, pode vir a dificultar o justo desenvolvimento da indústria de turismo; oxalá ainda seja tempo de se rectificarem essas faltas e defeitos.
No desejo de desenvolver certos aspectos que me parecem mais importantes, pelas características especiais de que se revestem perante condicionalismos locais, e para não tornar este trabalho demasiadamente extenso, terei de ser muito breve ao analisar certos pontos constantes da nota de aviso prévio apresentada pelo Sr. Deputado David Laima; desta circunstância desde já peço desculpa ao Deputado avisante, mas não é por considerar sem interesse qualquer dos pontos que ele pretende ver analisados.
A indústria de turismo como meio de desenvolvimento económico e social. - Ocioso seria provar este conceito e bastará dizer que em Moçambique, em 1972, entraram na província mais de 500 000 turistas, cujos gastos representam, talvez, a segunda fonte de receita de divisas exteriores.
Trata-se de uma "exportação" que em nada empobrece os recursos naturais do país e que proporciona um veículo de propaganda da nossa presença em África que nenhum outro meio pode igualar.
As instâncias oficiais. - Como se sabe, o organismo que superintende em assuntos de turismo nas províncias ultramarinas é o Centro de Informação e Turismo.
Custa-me fazer esta afirmação, mas é um facto que o Centro de Informação e Turismo de Moçambique não tem tido, na opinião de grande maioria (se não a totalidade) dos responsáveis pela actividade turística, as estruturas e recursos necessários para se desempenhar da enorme tarefa que é a condução da indústria de turismo em toda a complexidade dos seus vários sectores.
Um dos grandes defeitos orgânicos que se apontava ao Centro de Informação e Turismo era a falta de destaque e de identidade atribuída ao turismo em relação à informação e relações públicas e a outros serviços centrais. De facto, era opinião corrente que o turismo devia ser completamente separado da informação; a tese tem as suas vantagens e desvantagens, mas não é só no nosso país que a informação e o turismo se encontram reunidos no mesmo departamento.
Era uma objecção de ordem prática, considerando que, havendo só um director, lhe era humanamente impossível dar a atenção devida ao sector da informação (especialmente delicado na conjuntura actual), estar constantemente a ser solicitado para receber e acompanhar pessoas importantes e ainda, depois de tudo isto, pensar nos assuntos de turismo - que em Moçambique ainda não chegaram, nem de longe, à fase de rotina, antes exigem imaginação, estudo e pronta execução.
Outro obstáculo à acção do Centro de Informação e Turismo era a falta de verbas e de pessoal. O Decreto n.° 170/70, além do lugar de director-adjunto (que continua vago), criou delegações distritais e locais (ainda agora, por acumulação, a cargo dos Serviços de Comércio), uma série de lugares adicionais, treze na realidade. Destes encontra-se vago há três
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anos o de chefe de Serviços de Turismo, o de chefe dos Serviços Administrativos, e nunca foram providos três desses lugares; acresce que, na inspecção da indústria hoteleira, as funções de fiscais são exercidas pelos agentes da fiscalização do Fundo de Turismo.
Assim é impossível!
Embora não me tivesse sido possível avaliar a reacção que a publicação do Decreto-Lei n.° 108/73, no dia 16 do corrente, causou entre os industriais de turismo, creio que é de esperar uma melhoria sensível na eficiência dos serviços do Centro de Informação e Turismo, pois de outra maneira não se compreenderia a reestruturação de tão importantes serviços.
Mas é absolutamente necessário dotar esse organismo com as verbas necessárias ao provimento e preenchimento de todos os seus quadros. Deve ser agora possível atrair aos lugares-chave indivíduos com as qualificações necessárias, e eu faço uma referência especial ao subdirector, a quem poderá ser entregue a orientação mais cuidada dos assuntos do turismo e da cultura popular - mais ou menos independentes do outro grande sector da informação e relações públicas.
Tenhamos esperança de que tudo correrá pelo melhor dentro da nova legislação.
Instâncias particulares. - Temos de concordar com o facto de que, quanto a turismo, o pouco que se tem feito, bem ou mal, em Moçambique se deve quase totalmente ao espírito pioneiro da iniciativa particular.
Os esforços deste sector têm sido isolados e não existem, que me conste, estruturas suficientemente preparadas para, na prática, proporcionar à iniciativa particular o apoio técnico e financeiro de que ela carece.
Desconheço se a política do Banco de Fomento Nacional mudou desde 1970 para cá, mas tenho conhecimento de um caso em que foi recusado a uma entidade hoteleira de reconhecida competência um empréstimo de 5000 contos, ainda que garantido pelo Fundo de Turismo!
Quanto a apoio técnico, como é que o Centro de Informação e Turismo o pode dar se não tem nem capacidade, nem meios para pôr à disposição da indústria de turismo?
O que se vem passando com as escolas hoteleiras é exemplo frisante: continuam por abrir, a despeito de se terem já despendido umas largas centenas de contos no aluguer de um edifício na Beira, que só agora está a sofrer obras de alteração, e nos salários de dois técnicos contratados em 1971. Quanto a Lourenço Marques, consta-me que se está a tentar negociar a compra de uma unidade hoteleira para lá se instalar a escola. Oxalá abram ainda este ano, pois a carência de pessoal, mesmo menor, é crítica.
Quanto ao pessoal mais qualificado, que deve, necessariamente, ser recrutado entre os elementos que já prestam serviço em restaurantes e hotéis, preconiza-se a formação de uma escola itinerante;
Os instrutores podiam ser bons chefes de cozinha, de sala e de bar que, recrutados aqui na metrópole, fossem ao ultramar prestar quer serviço permanente, quer serviço eventual nessas escolas itinerantes.
Felizmente que o potencial humano para pessoal da indústria hoteleira é praticamente inesgotável, pois
o autóctone, devidamente instruído, é um magnífico empregado. O efeito no sector económico-socíal de um grupo de milhares de indivíduos empregados nesta indústria, de rentabilidade estável e assegurada, será elemento de grande valor na luta pela promoção social em que estamos empenhados nas nossas províncias ultramarinas.
Pólos de atracção turística. - O Estado de Moçambique goza de uma posição privilegiada quanto às correntes turísticas dos países vizinhos, e só por esta razão se explica que a grande maioria dos turistas que nos visitam se contentem com aquilo que temos a oferecer: areia limpa, mar, sol, camarões e bom vinho!
Mas outros atractivos há que necessitam de infra-estruturas para que o seu valor se possa usufruir. Classificando-os em dois grandes sectores, temos em Moçambique os seguintes pólos de atracção:
a) No interior:
As terras altas, de clima mais ameno, que teremos de dedicar principalmente ao turismo interno, visto os nossos vizinhos terem do lado de lá da fronteira tudo o que os satisfaça - nós, de resto, pouco temos feito;
O Parque Nacional da Gorongosa, especialmente pela riqueza espectacular da sua fauna;
Caça desportiva (safaris), quer para a obtenção de trofeus, quer para fotografar os animais em condições não permitidas no Parque Nacional da Gorongosa. Trata-se de um tipo de turismo muito especializado, que adiante analisarei em mais pormenor.
b) No litoral:
As praias e o mar;
A pesca desportiva;
As cidades.
Para não me demorar sobre a apreciação do potencial destes pólos de atracção turística, aliás perfeitamente óbvios, direi apenas que os requisitos principais para o seu aproveitamento se resumem a estes aspectos:
Fáceis acessos rodoviários e aéreos;
Instalações adequadas ao tipo de turismo a explorar;
Outros atractivos acessórios a criar, nomeadamente o jogo, a exposição e a venda de artigos de artesanato e a exibição de manifestações folclóricas;
E, finalmente, mas não menos importante, a necessária dose de know-how.
Quanto ao primeiro requisito - facilidade de acessos -, gostaria de me referir principalmente ao litoral de Moçambique, concretizando certos casos:
Porto Amélia e António Enes, com as suas belas baías, podem ter um futuro auspicioso no sector do "turismo de praia" mais sofisticado para os que não gostam de grandes multidões; e
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pode ainda tirar-se partido do interesse histórico da ilha de Moçambique;
O triângulo África do Sul-Rodésia-Moçambique é, sem dúvida, o que reúne mais condições e não quero de maneira alguma perder esta oportunidade de fazer um apelo ao Governo de Moçambique para que promova sem delongas a ligação com estradas asfaltadas do eixo Beira-Lourenço Marques às várias estâncias de turismo que se encontram entre e nas imediações destas cidades, nomeadamente para o Sengo, Sofala, Bartolomeu Dias, Barra do Limpopo Chongoene, Pomene, Ponta do Ouro e outros pontos de atracção.
Será um empate de capital eminentemente reprodutivo.
Quanto às instalações, há que construir novas unidades, melhorar e ampliar as existentes, pois só assim podemos receber em caudal organizado o turismo das Américas e da Europa. O que existe presentemente não satisfaz, nem no que respeita a capacidade nem a qualidade.
E a autorização para o jogo? Como já tive ocasião de dizer nesta Casa, estamos positivamente a "perder o comboio"! Seria talvez mais fácil controlar o ingresso de elementos locais nos nossos casinos do que nos casinos dos nossos vizinhos, onde se sabe que os portugueses de Moçambique são sempre bem-vindos. Estarão as autoridades convencidas de que se não joga em Moçambique? Encaremos a realidade com ambos os pés no chão!
Promoção turística. - As várias formas de publicidade ou promoção turística têm de se concertar num plano geral, cabendo uma parte às instâncias oficiais e a outra às entidades particulares.
Ora, parece que esta coordenação de esforços é que tem faltado. Segundo opinião de entendidos, o C. I. T. tem sido compreensivamente cauteloso, pois esse organismo não dispõe dos recursos necessários, que principalmente se expressam pela acção de pessoal habilitado, para proceder à prospecção dos mercados que mais interessam a Moçambique.
Entra-se num círculo vicioso, porque, se não existem as infra-estruturas e instalações necessárias, também não é prudente promover um aumento demasiadamente rápido do fluxo turístico, se não lhe pudermos oferecer aquilo que prometemos.
As instâncias oficiais estão a fazer qualquer coisa no sentido de tornar Moçambique conhecido no estrangeiro, mas tem de se admitir que, no que respeita à metrópole, pouco se tem feito; à TAP, que se deve considerar uma transportadora particular, é que alguma coisa se deve. Compete à Agência-Geral do Ultramar promover o turismo metrópole-ultramar.
Os hotéis de Moçambique têm feito propaganda, especialmente nos territórios vizinhos, e as organizações de safaris promovem dispendiosas campanhas de publicidade na Europa e na América com resultados positivos mas restritos às suas especialidades.
Ora, como Moçambique não tem muito a oferecer para reter o turista por períodos longos, há que aumentar o volume do turismo, proporcionando as condições necessárias à visita de um grande número de turistas, embora por períodos relativamente curtos.
E isto só se conseguirá com o turismo de grupos (inclusive tours, ou excursões com tudo incluído), para o qual não estamos preparados.
Estas breves considerações trazem-nos ao ponto seguinte que é o de uma breve análise das correntes turísticas:
a) Em Moçambique, dado o próprio perfil geográfico do Estado, quase não tem havido turismo interno, a despeito da válida campanha levada a cabo pela DETA. Às passagens aéreas são necessariamente caras e enquanto a grande estrada Norte-Sul não estiver feita, pouco podemos esperar deste sector; lembremo-nos que a ligação rodoviária Lourenço Marques-Beira só há escassos meses de concluiu.
b) Do exterior, temos de classificar as correntes turísticas em vários sectores:
Dos países vizinhos temos:
O turismo económico, chamemos-lhe popular, firmemente estabelecido apesar de haver sintomas alarmantes quanto aos índices de 1972; e o turismo especializado, que só se poderá incentivar com o jogo.
De além-mar, que hoje se pode considerar de todo o mundo, temos:
O turismo da metrópole, que quase não existe como tal;
O turismo internacional especializado, que está aproveitado na actividade de safaris e que pode ser incentivado com a pesca desportiva;
O turismo popular internacional, quase não existente, todavia de grande interesse, e que será relativamente fácil de encaminhar para Moçambique.
Não é que nós, em Moçambique, só por nós, tenhamos todos os atractivos necessários para estabelecer a corrente directa para lá, mas em colaboração com a África do Sul e Rodésia, onde este tipo de turismo está em franco desenvolvimento, as perspectivas de comparticipação são luminosas, desde que possamos oferecer instalações e vias de comunicação em condições.
c) Quanto às facilidades de movimentação, há que simplificar ao máximo as formalidades com vistos nos passaportes; a demora na concessão de vistos é dada como uma das razões da diminuição do índice de ocupação dos hotéis em 1972.
Meios de transporte. - Moçambique está bem servido de acessos do exterior por mar e pelo ar; quanto ao interior, o problema é sempre o das estradas, que, no que respeita às ligações principais com a Rodésia e a África do Sul, está em vias de solução; os problemas locais, já assinalados, precisam, contudo, de atenção decisiva e urgente.
Fomento:
a) A inoperância dos fundos de turismo é consequência directa da falta de recursos humanos do C. I. T., o que se confirma pelos saldos de exercício que vão passando de ano para ano; tanto quanto me foi possível saber, este saldo cifrou-se em cerca de 20 000 contos de 1971 para 1972 e em 12 500 contos de 1972 para 1973.
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Outro aspecto que intriga no orçamento do Fundo de Turismo é uma comparticipação de 15 000 contos para o plano de fomento e uma receita correspondente do mesmo montante e origem. As contas ficam saldadas, é certo, mas o que me parece é que o plano, de fomento devia auxiliar o Fundo de Turismo sem qualquer contrapartida.
Este "toma lá, dá cá" não se percebe bem, e já foi objecto de comentários na sessão ordinária do Conselho Provincial de Turismo, que se realizou em Março de 1972;
b) O papel das agências de viagens não está a ser suficientemente aproveitado. Elas podem ser elementos inestimáveis na promoção do turismo, mas, para tal, precisam de ser protegidas e incentivadas.
Há que regulamentar urgentemente esta actividade e restringir a concessão de novos alvarás, pois é melhor ter poucas agências prósperas e activas do que muitas sem lucros e, consequentemente, sem possibilidade de actuação válida.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Assim, deviam as agências de viagens ser estimuladas e incentivado o seu interesse pelo turismo de importação, mediante isenções fiscais às que tivessem a sua sede no Estado e a obrigatoriedade de a aquisição das passagens para os funcionários que viajam à custa do Estado ser feita através das agências de viagens.
c) O papel das companhias transportadoras tem de ser, evidentemente, o que o seu nome indica: transportadoras e nada mais.
Nesta já longa exposição, queria apenas focar, muito resumidamente, um ramo de turismo com características muito especiais e que interessa sobremaneira a Moçambique e a Angola. Refiro-me ao turismo cinegético.
A conservação da fauna africana e a sua exploração racional é hoje preocupação de muitos países africanos; para além dos estudos feitos no Parque Nacional da Gorongosa, temos de convir que pouco se tem feito em Moçambique. E desse pouco, uma grande parte tem sido feita por alguns dos maiores concessionários de coutadas, mediante o dispêndio anual de centenas de contos em estradas, acampamentos, instalações de radiocomunicações, pistas de aterragem, pessoal para fiscalização, etc. Como compensação, têm visto as suas áreas diminuídas e as taxas aumentadas.
E é triste verificar que todo este esforço tende a perder-se perante verdadeiros atentados contra a fauna bravia que diariamente se cometem - com e sem conhecimento das autoridades - e que chegam a tocar as raias do vandalismo oficializado.
Resumidamente, queria apenas dizer que este estado de coisas se deve principalmente:
1.° À falta de fiscalização - será mais certo dizer falta de fiscais - por parte dos serviços competentes;
2.° À falta de mentalização das populações autóctones quanto ao valor da fauna cinegética. É de esclarecer que os regulamentos vigentes lhes permitem o abate de caça miúda para a sua alimentação, mas é-lhes vedado utilizar laços de arame para esse fim; ora, as concessionárias levantam por ano dezenas de milhares de laços, mas, a despeito de denúncias à autoridade administrativa, nenhuma atitude se toma, se não de aplicação de sanções, pelo menos de esclarecimento junto das populações;
3.° À actuação inglória por parte da Missão de Combate às Tripanossomíases, que, ao fim de tantos anos de actividade, ainda pode actuar por métodos considerados ultrapassados em países mais evoluídos;
4.° À falta de interesse na fiscalização por parte das autoridades administrativas, a quem, de resto, essas atribuições cabem por lei.
Ocorre meditar se qualquer coisa não estará fundamentalmente errada. Quanto a mim, sou de opinião, aliás largamente partilhada por quem se interessa e tem devoção por este património que a natureza nos confiou, que os assuntos de protecção da natureza deviam ser confiados a serviços especializados.
Sem querer diminuir o reconhecimento dos esforços que os Serviços de Veterinária têm desenvolvido na protecção da fauna, desejo assinalar que a Secção da Fauna é uma repartição, apenas, do todo que constitui os Serviços de Veterinária e que não pode estar à altura de zelar convenientemente pela condução integral deste vasto sector do nosso património.
Direi mais: é que me parece lógico admitir que os interesses da pecuária e da fauna bravia são, até certo ponto, antagónicos, por causa da incidência da mosca portadora da tripanossomíase, inimiga do gado e companheira inseparável da caça.
Assim, imaginemos dois veterinários a contemplar uma paisagem rutilante de verdes e suculentas pastagens: um, interessado na caça, imagina ver lá uma manada de lindos exemplares de egocero negro, ao passo que o outro, interessado na pecuária, verá lá uma manada de vacas leiteiras!
Será possível conciliar estes dois pontos de vista dentro dos mesmos serviços?
A continuar assim, receio bem que a vida do turismo cinegético em Moçambique, pelo menos, tenha os seus dias contados.
Para terminar, apenas me resta fazer votos para que alguns dos considerandos, que formulei possam contribuir para as recomendações que irão constituir a moção emergente deste debate.
Muito obrigado, Sr. Presidente.
Vozes: - Muito bem! Muito bem!
O Sr. Prabacor Rau: - Sr. Presidente: Em 29 de Abril de 1970 o Sr. Deputado David Laima apresentou a esta Assembleia, num aviso prévio, o problema do turismo de Angola, idêntico ao dos outros territórios do ultramar, sob o título "A indústria do turismo no desenvolvimento económico e social no ultramar", e propôs a análise de vários pontos, todos eles codiciosamente elaborados.
Foi agora publicado o Decreto-Lei n.° 108/73, que aprova a Lei Orgânica dos Centros de Informação e Turismo das Províncias Ultramarinas.
Analisando em primeiro lugar o referido decreto-lei, não posso deixar, com entusiasmo, de felicitar o Governo da Nação por, pela primeira vez, se ter
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debruçado em profundidade e largueza sobre o turismo das províncias ultramarinas. Somente é pena que tão tardiamente fosse possível estruturar pormenorizadamente a orgânica de tão importante sector da vida nacional no ultramar, onde quase nada se tem feito neste sentido. Mas nunca é tarde e assim nada mais há senão cumprir rigorosamente o que o Governo decreta e no campo do turismo ultramarino _- porque não dizê-lo - o pouco que existe confunde-se com o zero.
Mas não uso da palavra para criticar o passado, servindo-me de demagogia que não conduz a nada de positivo, mas sim para, a meu modo, dar o meu apoio, sem reservas, ao decreto-lei e à proposta do aviso prévio.
É fácil rebuscar no passado este ou aquele problema que não foram resolvidos no todo ou em parte, esquecendo o imensamente muito que de válido se edificou e alicerçou. Ao passado de quarenta anos tem de se deixar de maldosamente atribuir somente defeitos e negativismos, porque, se assim fora, não era possível ter-se um presente que permita construir um amanhã melhor. Não embarco na nau da desventura dos que só recordam noites de nevoeiro, morbidamente olvidando as tempestades vencidas por timoneiro de génio que, sem desviar os olhos do farol inapagável da Pátria, sempre arribou a seguro porto, donde saem rotas que permitem em segurança ultrapassar mares de águas paradas.
Assim, e tomando lugar na nau da fé e confiança no Governo da Nação, congratulo-me pelo importante decreto-lei agora publicado no Diário do Governo com o n.° 108/73. E em nome do pedaço mais lindo de Portugal daqui peço que não se fique somente no decreto-lei.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Quando disse que pena era só agora sair tão importante diploma, tinha o pensamento na "Sintra da Índia amena", terra ideal para o mais profícuo turismo. Perdido na saudade constante da minha terra, não podia, ao tratar-se do debate do aviso prévio e referir à Lei Orgânica do Turismo, deixar de lembrar a Índia Portuguesa, que os fados não consentem que beneficie da Lei Orgânica ora em causa. Mas era injusto não marcar de Goa a sua presença aqui e agora.
Há quem diga ser o turismo uma indústria que não conduz ao progresso de um povo, encobrindo numa roupagem colorida e linda, para os estrangeiros se deleitarem, a pobreza e atraso de um país.
Talvez em muitas nações seja assim, mas abertamente podemos dizer que não é o caso de Portugal. E porque não é, veementemente lanço o meu humilde brado para que se dê andamento, com alma e pertinácia, à promoção turística do nosso ultramar, em especial de Angola, que neste momento tem tantas e até mais condições que a metrópole.
Angola, que tão bem conheço, reúne condições primordiais para corresponder ao arranque turístico que o Governo agora designou. Lançada que está a orgânica dos Centros de Turismo no Ultramar, que se não perca um dia para lhe dar realidade. O desenvolvimento turístico de uma região não pode partir só do Estado, e assim necessário se torna que se incentivem os particulares a participarem na sua realização, a tomarem iniciativas neste sentido, não se lhe dificultando a tarefa e o querer com burocracias escusadas que amolecem vontades, nem concedendo monopólios que sufocam muitos empreendedores menos protegidos.
Aos centros do turismo do ultramar cabe-lhes nesta arrancada uma função dinâmica que deve abarcar horizontes largos, de forma a sair-se de uma vez para sempre do amadorismo e até desinteresse em que se tem vivido no domínio da indústria turística ultramarina.
A generalização do debate mostra aos nossos compatriotas e aos inimigos que nos movem uma guerra "que não desejamos, mas que de nenhum modo tememos", que não somente continuamos e continuaremos a ganhar a guerra das armas, mas também ganhamos e ganharemos a batalha pelo progresso do nosso ultramar, batalha de cultura e evolução das gentes, comum e constante a todas as nações que têm governos que não traem nem desvirtuam a nobre missão que o povo lhes confiou.
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: Vou encerrar a sessão.
Amanhã haverá sessão à hora regimental, tendo como ordem do dia a continuação do debate do aviso prévio sobre a indústria do turismo no desenvolvimento económico e social do ultramar.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 5 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
António Pereira de Meireles da Rocha Lacerda.
António de Sousa Vadre Castelino e Alvim.
Filipe José Freire Themudo Barata.
Francisco João Caetano de Sousa Brás Gomes.
Gustavo Neto Miranda.
João António Teixeira Canedo.
João Ruiz de Almeida Garrett.
José João Gonçalves de Proença.
José da Silva.
José Vicente Pizarro Xavier Montalvão Machado.
Júlio Dias das Neves.
D. Luzia Neves Pernão Pereira Beija.
Manuel Valente Sanches.
Miguel Pádua Rodrigues Bastos.
Ricardo Horta Júnior.
Rogério Noel Peres Claro.
D. Sinclética Soares dos Santos Torres.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Victor Manuel Pires de Aguiar e Silva.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Alexandre José Linhares Furtado.
Armando Valfredo Pires.
Augusto Salazar Leite.
Deodato Chaves de Magalhães Sousa.
Fernando de Sá Viana Rebelo.
Francisco José Pereira Pinto Balsemão.
Henrique José Nogueira Rodrigues.
Henrique dos Santos Tenreiro.
João Bosco Soares Mota Amaral.
Joaquim Jorge Magalhães Saraiva da Mota.
Jorge Augusto Correia.
José Coelho de Almeida Cotta.
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José Dias de Araújo Correia.
José Gabriel Mendonça Correia da Cunha.
José dos Santos Bessa.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Luís Maria Teixeira Pinto.
Manuel José Archer Homem de Mello.
Manuel Monteiro Ribeiro Veloso.
Rui Pontífice Sousa.
Teodoro de Sousa Pedro.
Tomás Duarte da Câmara Oliveira Dias.
Vasco Maria de Pereira Pinto Costa Ramos.
Requerimento enviado para a Mesa no decorrer da sessão:
Nos termos da alínea c) do artigo 11.° do Regimento, requeiro que, pelo Ministério da Educação Nacional, me sejam prestadas as seguintes informações:
1) Qual a legislação em vigor relativa ao ensino particular, especialmente no que respeita aos impostos sobre estabelecimentos de ensino e ao regime dos professores;
2) Qual o número de estabalecimentos de ensino particular que até ao presente ano lectivo inclusive, foram encerrados ou oficializados;
3) Qual o número e o montante dos subsídios de comparticipação atribuídos a estabelecimentos de ensino particular nos últimos cinco anos e a sua distribuição por graus e tipo de ensino;
4) Qual o número e o montante de bolsas de estudo atribuídas nos dois últimos anos lectivos e a sua distribuição pelos vários graus e regimes de ensino (oficial e particular);
5) Quais os organismos que atribuíram essas bolsas de estudo e quais os critérios de concessão, datas e formas de pagamento.
Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 28 de Março de 1973. - A Deputada, Maria Raquel Ribeiro.
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