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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL E DA CÂMARA CORPORATIVA

DIÁRIO DAS SESSÕES

N.° 243 ANO DE 1973 4 DE ABRIL

ASSEMBLEIA NACIONAL

X LEGISLATURA

SESSÃO N.° 243, EM 3 DE ABRIL

Presidente: Exmo. Sr. Carlos Monteiro do Amaral Netto

Secretários: Exmos. Srs.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira
Amílcar da Costa Pereira Mesquita

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 55 minutos.

Antes da ordem do dia. - Foi aprovado, com rectificações, o n.° 241 do Diário das Sessões.
Deu-se conta do expediente.
O Sr. Deputado Lopes Frazão teceu algumas considerações acerca do planeamento regional, nomeadamente no que se refere ao distrito de Beja.
O Sr. Deputado Fausto Montenegro analisou o esquema dos benefícios da Previdência no meio rural.
O Sr. Deputado Pinto Machado interrogou a Mesa acerca da situação do projecto de lei sobre a publicidade do tabaco.
O Sr. Deputado Leal de Oliveira pôs em relevo a dificuldade de se utilizarem os serviços de automóveis de aluguer no distrito de Faro.

Ordem do dia. - Prosseguiu o debate do aviso prévio sobre a indústria de turismo no desenvolvimento económico e social do ultramar.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Barreto de Lara, Ávila de Azevedo, Nicolau Martins Nunes, Castro Salazar, Santos Almeida e Sá Viana Rebelo. O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 30 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 15 horas e 40 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Alberto Eduardo Nogueira Lobo de Alarcão e Silva.
Alberto Maria Ribeiro de Meireles.
Alexandre José Linhares Furtado.
Álvaro Filipe Barreto de Lara.
Amílcar da Costa Pereira Mesquita.
António Fausto Moura Guedes Correia Magalhães Montenegro.
António da Fonseca Leal de Oliveira.
António Júlio dos Santos Almeida.
António Lopes Quadrado.
António de Sousa Vadre Castelino e Alvim.
Armando Júlio de Roboredo e Silva.
Armando Valfredo Pires.
Augusto Domingues Correia.
Bento Benoliel Levy.
Camilo António de Almeida Gama Lemos de Mendonça.
Carlos Eugénio Magro Ivo.
Carlos Monteiro do Amaral Netto.
D. Custódia Lopes.
Delfino José Rodrigues Ribeiro.
Eleutério Gomes de Aguiar.
Fernando David Laima.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Fernando de Sá Viana Rebelo.
Filipe José Freire Themudo Barata.
Francisco João Caetano de Sousa Brás Gomes.
Francisco Manuel de Meneses Falcão.
Francisco de Moncada do Casal-Ribeiro de Carvalho.
Gabriel da Costa Gonçalves.
Henrique José Nogueira Rodrigues.
Henrique Veiga de Macedo.

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Humberto Cardoso de Carvalho.
João José Ferreira Forte.
João Lopes da Cruz.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
Joaquim Germano Pinto Machado Correia da Silva
Joaquim José Nunes de Oliveira.
José Coelho de Almeida Cotta.
José da Costa Oliveira.
José Maria de Castro Salazar.
José de Mira Nunes Mexia.
José Vicente Cordeiro Malato Beliz.
Lopo de Carvalho Cancella de Abreu.
Luís António de Oliveira Ramos.
D. Luzia Neves Pernão Pereira Beija.
Manuel Elias Trigo Pereira.
Manuel de Jesus Silva Mendes.
Manuel Joaquim Montanha Pinto.
Manuel Martins da Cruz.
Manuel Monteiro Ribeiro Veloso.
D. Maria Raquel Ribeiro.
Maximiliano Isidoro Pio Fernandes.
Miguel Pádua Rodrigues Bastos.
Nicolau Martins Nunes.
Pedro Baessa.
Prabacor Rau.
Rafael Ávila de Azevedo.
Rafael Valadão dos Santos.
Ramiro Ferreira Marques de Queirós.
Raul da Silva e Cunha Araújo.
Ricardo Horta Júnior.
Rui de Moura Ramos.
Rui Pontífice Sousa.
D. Sinclética Soares dos Santos Torres.
Teodoro de Sousa Pedro.
Teófilo Lopes Frazão.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 66 Srs. Deputados. Está aberta a sessão.

Eram 15 horas e 55 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Está em reclamação o n.° 241 do Diário das Sessões.

O Sr. Leal de Oliveira: - Sr. Presidente: Solicito a V. Exa. que ao n.° 241 do Diário dás Sessões, em reclamação, seja feita a seguinte rectificação: na p. 4866, 1.ª col., l. 38, em vez de "realizar", deve ler-se "realiza".
Muito obrigado.

O Sr. Presidente: - Continua em reclamação o n.° 241 do Diário das Sessões.

Pausa.

Se mais nenhum de VV. Exas. tem rectificações a apresentar a este Diário das Sessões, considerá-lo-ei aprovado com a rectificação já apresentada.

Pausa.

Está aprovado.

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Telegramas

Do presidente da Câmara Municipal de Coimbra apoiando a intervenção do Sr. Deputado Augusto Correia.
Do presidente da Câmara Municipal da Póvoa de Varzim agradecendo a intervenção do Sr. Deputado Duarte do Amaral.

Carta

Da Sra. D. Leonor Inês acerca da Concordata com a Santa Sé.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Frazão.

O Sr. Lopes Frazão: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: Perante as falas de muito azedume vindas dos vários quadrantes do País acerca do planeamento, diga-se antes, da maneira tida por muito imperfeita como ele se processou, na sua preparação, ao nível das comissões regionais. Beja também tem aqui uma palavra a dizer, até para que não se julgue que o Baixo Alentejo está conformado e satisfeito.
Ainda mais, podia pensar-se, no silêncio, e não é verdade, que os responsáveis políticos estavam desatentos ao problema e o tinham por somenos.
Bem pelo contrário, exactamente pela máxima importância e transcendência de um plano de fomento nacional reveste para cada uma das parcelas regionais sobre que incide, e Beja não é parte diminuída no todo do País, mas antes hercúlea de poder ocultado que urge pôr bem à mostra, pois nós temos estado atentos, e muito, ao urdir de toda esta tessitura, em que, naturalmente, havemos de nos ver envolvidos.
Somente até agora não dispúnhamos de quaisquer elementos de apreciação do que tinha sido trabalhado para a zona sul, o que nos foi há dias concedido, mas mesmo assim, pela sua magreza, ainda não nos dá a imagem certa do pensamento responsável, que, no entanto, nos parece algo deformada relativamente ao que se deseja e anseia.
Mas não vem para aqui, neste momento, a crítica ao relatório preliminar só agora recebido, que há-de ser sujeito, na sua integração à escala nacional, a voltas e mais voltas, que certamente lhe darão novo cariz, como não pode deixar de ser, e é preciso que o seja.
Ainda os queixumes, já ouvidos por muita parte, sobre a preposição regional do Plano tão-só de há pouco começaram a ter eco por terras sul-alentejanas. Que tal se havia de dar, assim nós o previmos, passa de cinco anos, quando nesta Assembleia interviemos observando o III Plano de Fomento Nacional, nomeadamente o seu capítulo do planeamento.
Mais estoutra motivação de um passado que apreciámos, ela também nos traz à liça, com marcada propriedade, já recordando o nosso presságio, já pugnando pela nossa dama, que é o meridião alentejano, que tanto nos custou e nos custa ver, sem bem compreendermos porquê, numa hierarquização subalterna no concerto da Região Plano Sul.

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Contudo, neste alterar de vozes, muitas, algumas mesmo em grita, mormente lá para as bandas nortenhas, a nós nos quer parecer que todos têm razão e ninguém tem razão.
Temos visto culpar acerbamente os responsáveis das comissões regionais pelas falhas mais ou menos havidas por gravosas para certos territórios integrados e marginais à respectiva sede. Ora, isso não me parece justo, pois estamos certos que tudo, e em todas elas, foi gizado na melhor das intenções, e na zona sul, a mais bem conhecida por nós, temos mesmo a certeza de que assim sucedeu tal qual. Isto não quer dizer que não tenha havido por vezes a sua pontinha de erro, sem mal cuidar, mas quem o não comete?
Muitos dos desacertos porventura existentes e as omissões verificadas em incompreensão obteriam a sua justificação precisa se ponderadas em calmo diálogo, sem a exaltação do homem poluído pelo psiquismo frenético dos tempos que vão correndo.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: O mal todo está, demo-lo a entender, na nossa intervenção de 1967, e o tempo, o grande indicador da vida, se encarregou de vir em apoio do que então nos parecia em erro, sim, mas da orgânica própria do planeamento.
O Diário de Lisboa, em artigo recente pela pena do seu colaborador o jornalista Avelino Rodrigues, ao abordar os incidentes de Bragança, pôs o dedo na ferida, afirmando "não existir nenhum mal, mas um vício técnico ou um desajustamento de estruturas".
Assim o temos por igual e muito certo.
Na resposta da Comissão de Planeamento ao comunicado da Câmara Municipal de Bragança é dito, e em verdade, que "técnicos são técnicos e fazem o que é possível, mas não conseguem fazer milagres".
Em contrapartida, diremos nós que política é política, e a esta é que cabe o primado do governo da Nação. A técnica é o seu alicerce mais potente, sem nunca, no entanto, dever atropelar ou menosprezar o ser político dos povos. Colidir ou esquecer a boa administração destes é técnica sem adesão, é técnica falhada, é técnica condenada.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Pensar o contrário é o divórcio da realidade!
Criar a Região Plano, como sucedeu, e bem, mas na ignorância do distrito, é pura utopia no contexto da nossa velha mas dominial organização administrativa.
Que assim é atesta-o o exemplo, em passado de pouco tempo, da existência efémera das juntas de província, um arremedo já de planeamento; a elas era dada supremacia autárquica sobre o distrito, o que sucedeu em 1936 com o Código Administrativo.
Pois no ano seguinte foi apresentado um projecto de lei nesta Assembleia que "visava suprimir a província como circunscrição administrativa", que só não foi aprovado por a legislatura não ter poder constituinte.
E é que a província continuou pelos anos adiante sem vitalidade, e de tal maneira que o nosso actual Presidente do Conselho, em 1957, afirmou, com bem fundada razão, que "a autarquia provincial, nos moldes em que foi instituída, é simples homenagem a um regionalismo ineficiente".
Logo em 1959 a Câmara Corporativa, chamada a pronunciar-se, mostra-se favorável ao distrito e a Assembleia Nacional tem-na por melhor, dando-lhe inteira aprovação.
É de todos sabida a velha sentença médica que "a função faz o órgão", e órgão sem função entra em desfalecimento e morre.
A província, despida das células que haviam de dar chama ao seu viver, praticamente morreu, e a Região Plano, se não lhe derem outra feição - com órgãos dinamizadores e mais participação -, pois não lhe auguramos vida longa.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Deve fazer-se notar que em ambos os diplomas que tratam da orgânica do planeamento, os Decretos-Leis n.ºs 46 909 e 48 905, respectivamente de Março de 1966 e de igual mês de 1969, é dada faculdade às autarquias locais de poderem criar comissões destinadas à recolha de elementos informativos com vista aos trabalhos de planeamento regional e acompanhar e dinamizar posteriormente a sua execução. Isto só prova que o legislador de um e de outro diploma não esqueceu a sensibilidade maior das respectivas autarquias para as suas "necessidades e aspirações".
Tal-qualmente nós entendemos então, e continuamos assim a considerá-lo por seguro, que a Região Plano deveria ter o distrito, pela respectiva comissão de desenvolvimento, como a sua célula primária. Esta constituiria os seus grupos de trabalho, que, uma vez com obra realizada, se integrariam nos grupos de trabalho regionais.
Se assim não for, o desinteresse pelas tarefas cometidas, sem vínculo distrital, há-de ser manifestado por parte de muitos, e nós sabemos que assim tem sucedido com frequência.
As comissões de desenvolvimento deveriam ser presididas pelos respectivos presidentes das juntas distritais e enviariam para a comissão consultiva regional dois delegados seus, perante elas responsabilizados.
Nós não percebemos, e isso não é bem visto e compreendido, porque há distritos com dois delegados e outros somente com um.
Eu bem sei que estes delegados são adrede nomeados pela junta de distrito, mas, na verdade, tal como o vêm sendo, não dispõem efectivamente da devida representatividade. E está consignado que ela deve ser a dos serviços regionais dos diferentes Ministérios e dos interesses locais públicos e privados. Para isso precisa-se que os delegados sejam necessariamente credenciados por uma força conexa a nível distrital, perfeitamente orientada, que só uma comissão plenária de desenvolvimento terá capacidade para tanto.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Em França, a política de desenvolvimento regional foi instituída em 1955, e apesar de todos os esforços de bem fazer, pois lá igualmente "a arrumação regional deu motivo a críticas e acérrimas oposições". Depois, tudo se concertou, mas para isso, criadas as regiões, "o departamento continuou a ser a célula administrativa, não tendo desaparecido as comissões locais.

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Houve", diz o Prof. Jules Milhau, "uma sobreposição, e não uma substituição". E isto porque, assim o refere o mesmo catedrático de Montpellier, "o legislador proclamou que a valorização regional deve ser feita pelos habitantes da própria região e que nunca será viável sem o concurso destes. É necessário provocar o espírito de uma consciência regional, associando estreitamente as populações ao seu destino económico".
E cá é exactamente essa "consciência regional" que falta, e sem ela nada feito.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Eu prezo muito o Algarve, as suas gentes e também, e muitíssimo, os seus lídimos representantes nesta Assembleia.
Mas não percebemos por que, na zona sul, o Algarve é sub-região - e isso leva dois delegados seus à comissão regional -, e Beja não o é, portanto com um delegado apenas! É discriminação que não me parece bem, é mal aceite que até perturba.

O Sr. Leal de Oliveira: - V. Exa. dá-me licença?

O Orador: - Faz favor.

O Sr. Leal de Oliveira: - Só uma achega muito simples e muito reduzida. É que o Algarve foi considerado sub-região, com uma certa autonomia, dadas as potencialidades, principalmente demográficas.

O Orador: - Eu adiante darei a V. Exa. a resposta que deveria dar já. Peço desculpa de não a dar neste momento.
Eu estou em desacordo, porque não vejo razão para tal, considerada a asserção por mim posta, do desligar da Região Plano Sul do Algarve, constituindo-se este em região autónoma.
O Algarve é, e isso é verdade, no dizer do nosso digno par engenheiro Leal de Oliveira, uma "realidade geográfica" e também uma "realidade económico-social".
Mas qual o distrito que não se considera assim?
Beja, talvez a Conistorgis ibérica citada por Estrabão, perdida, portanto, a sua origem na mais escura noite dos tempos, com todo o seu viver económico e social hoje perfeitamente caracterizado, e, amanhã, de regadio pleno e uma industrialização marcante, é já, e mais há-de ser ainda, uma autêntica realidade, que as divisões geográficas de Barros Gomes, em 1878, de Amorim Girão, em 1933, e de Lautensach, em 1937, todas individualizando o Baixo Alentejo, vincam profundamente.

O Sr. Leal de Oliveira: - V. Exa. dá-me licença?

O Orador: - Com certeza, aqui tem a resposta a V. Exa.

O Sr. Leal de Oliveira: - Eu agradeço muito a V. Exa. e direi que nada me repugna e até aceito o interesse premente de o distrito de Beja ser considerado uma sub-região, desde que os limites distritais coincidissem com os limites da província.
Desta maneira, estou convencido, a província do Baixo Alentejo teria as condições plenas para constituir uma sub-região da Região Plano Sul e talvez com órgãos de planeamento locais. Como eu pretendo que venha a suceder na província do Algarve, que neste momento já se poderia considerar uma região autónoma, dadas as suas potencialidades de toda a ordem, e peço que me dispense de citar a extensa bibliografia que existe sobre o assunto.

O Orador: - Muito obrigado, Sr. Deputado Leal de Oliveira, pois eu adiante também responderei a V. Exa., se me dá licença.

O Sr. Leal de Oliveira: - Por amor de Deus!

O Orador: - Por isso mesmo também não podemos aceitar como "única opção possível da Região Plano Sul a de admitir a criação de uma região autónoma no litoral sul, abrangendo a área polarizada por Beja e Faro, com a capital nesta última", segundo o "Estudo do Ordenamento do Território", feito a nível superior. Mas porquê isto? Que afinidades há entre o Baixo Alentejo e o Algarve, que uma barreira altamente montuosa separa, cindindo não só as terras, como economias, interesses, maneiras de ser e costumes? De resto, já houve há muitos anos, em 1832, uma tentativa frustrada e breve, por antinatural, dessa integração.
Conseguintemente, e assim nos parece com justeza essa opção não ser única, e até a temos como a pior, pois mais duas se deverão pôr: ou continuar a Região Plano Sul tal como se encontra definida a mais aceitável para nós, se com melhor estruturação e funcionamento, ou dela desintegrado e absolutamente individualizado o Baixo Alentejo, com os concelhos alentejanos do distrito de Setúbal na sua intimidade.

O Sr. Leal de Oliveira: - Muito bem!

O Orador: - Mas se vamos a desmembrar as regiões ora existentes, criando outras, não há distrito algum que a não queira ser!
Por isso, em nosso entender, é melhor deixar ficar como está, para ficar melhor!
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Para mim as comissões regionais devem, pois, ser órgãos de planeamento consultivos e coordenadores. As comissões distritais, obrigatoriamente criadas, devem com elas viver em íntima colaboração, cabendo-lhes o importante papel informativo e dinamizador local de apoio aos empreendimentos.
Se assim for, parece-me que tudo melhor será.
A subalternidade dos centros integrados nas regiões, essa, dissemo-lo, é que não a temos por bem, e até pode ser altamente comprometedora, se o centro de hierarquia tido por mais elevado é tão "pobretana" como os restantes. Em vez de ele se ter por fortemente acelerador, será antes francamente frenador.
Diz o Prof. Kindleberger, economista de nomeada e técnico altamente qualificado de planeamento, que "quando as regiões são subdesenvolvidas, conhecem-se as tensões e conflitos que surgem entre elas para saírem da pobreza". E mais diz que "há sempre possibilidade de uma delas poder mover-se mais rapidamente e ir mais longe sozinha. Esta possibilidade constitui uma das grandes inibições da cooperação económica regional".

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Mas nós não queremos mover-nos descompassadamente.
Queremos, sim, caminhar a par, mas bem a par, e não em disjunção, cada um a sobrepor os seus interesses aos interesses dos demais.
Mas para isso se precisa de mentalidade bem formada e, para além dela, a "revisão da orgânica definida", aliás prevista enquanto em vigência o III Plano de Fomento.
Isto, afinal, acaba de ser ditado em reunião de há dias, no Porto, na sede da Comissão de Planeamento da Região Norte, quando o Prof. Engenheiro Barbosa de Abreu disse, e bem, "ser necessário quanto à essência do planeamento proceder à descentralização dos quadros e da própria capacidade de decisão, o que deve suceder entre os níveis nacional e regionais e, também, noutra escala, entre o centro e a periferia das regiões. Ao mesmo tempo, torna-se indispensável, ainda a nível local", disse mais, "que seja incentivada a participação pública, tanto na formulação de objectivos como na própria actuação".
Nessa mesma reunião, o Ministro de Estado Adjunto para o Planeamento, Dr. Mota Campos, afirmou "ser evidente que é preciso ampliar e diversificar as modalidades de colaboração dos valores regionais".
Que assim seja, tal como o proclamou o nosso Ministro, no seu sentir inteligente e esclarecido, é o nosso mais veemente desejo.
Disse.

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Fausto Montenegro: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: Nos últimos anos, e na sequência do passado, têm sido múltiplos os diplomas e as realizações dos Ministérios das Corporações e Previdência Social e da Saúde e Assistência, ambos dirigidos no presente por um só Ministro, que os orienta com o selo da doação, no cumprimento do dever.
Se a doação pressupõe amor pela causa em que se está comprometido, e esta constitui a marca do autêntico dever de servir, não poderão deixar de ser nobres e leais os propósitos do Ministro Baltasar Rebelo de Sousa, que os orienta num ritmo crescente e uniforme.
E é neste espírito de respeito e unidade, a "unidade que é o fundamento da futura ordem social", como já o dissera Pio XII, que o estado social português está em marcha e é uma actuante afirmação em todas as horas.
A valorização de um verdadeiro e legítimo estado social, cristão e corporativo vai-se processando com medidas eficazes e constantes.
Por me ser impossível neste tempo regimental abordar alguns destes aspectos gerais, ocupar-me-ei de casos concretos auscultados no meio rural donde sou e vivo, que são reflexos dos nacionais e que estão relacionados com problemas da Previdência, assistência e saúde, sem esquecer um agradecimento ao Ministro Rebelo de Sousa, que me foi imposto pelos beneficiários do recente Tribunal do Trabalho de Lamego.
Em Outubro passado publicou o Ministério das Corporações um diploma - Decreto n.° 391/72 -, que concede a pensão de velhice aos rurais de idade superior aos 70 anos e que tenham trabalhado no campo nos últimos cinco anos por conta de outrem.
Na observação diária das carências destes rurais esta falta sentia-se e eram autênticos espinhos a ferirem os mais elementares deveres da solidariedade social, e não digo da cristã, porque era precisamente à sombra da caridade que estes seres humanos viviam.
Muitos a poderem justificar o seu estado de miséria, sem culpa, outros a sofrerem o castigo de uma vida desequilibrada.
Limito-me a deplorar tão grande desventura e a bendizer os que conjugam pensamentos, palavras e obras para atenuarem a "dor sem nome de tantos que, em vez do pão nosso de cada dia, conhecem apenas a fome negra de todos os dias".
A referida pensão vai minorar as privações dos velhos rurais e, para além do alimento necessário à sobrevivência física, tem o mérito de lhes reconhecer os direitos adquiridos através da sua dura vida de trabalhadores.
E neste momento sinto-me particularmente feliz por poder ser intérprete do reconhecimento de tantos desses a quem a justiça social atendeu no seu mais legítimo dever.
E porque tenho presente este pensamento de Cervantes - "dos vassalos leais o dever é dizer frente a frente aos senhores a verdade, sem que a adulação a acrescente ou outro vão respeito a diminua" -, também acrescento, sem minimizar o número dos beneficiados, que são ainda em grande quantidade os rurais - homens e mulheres - com menos de 70 anos paralisados pela invalidez e que não estão abrangidos pelos direitos da Previdência.
Todos sabemos ou devíamos saber, como verdades comezinhas, que os trabalhos do campo foram exaustivos e originam doenças prematuras e crónicas.
Atenda-se ao período invernoso, em que passavam dias seguidos debaixo de chuva constante, sem agasalhos, todos encharcados, ao próprio trabalho das vindimas e seus lagares, à cultura do arroz, etc., trabalhos estes que deixavam marcas para sempre no organismo do trabalhador.
E é por isso que se vêem tantos impossibilitados com muito menos de 70 anos, pois este limite de idade, que foi considerado também para os rurais, é demasiado longo.
Propomos e insistimos que seja revisto tal limite e se subsidiem os rurais inválidos.
Não desconhecemos os abusos utilizados dos que querem aproveitar-se de benefícios que não lhes pertencem e as consequências nefastas daqui resultantes.
Um exemplo: alguns abonos recebidos são gastos perdulários em certos casos e vão diminuir o ritmo e o índice do trabalho.
Tenho também neste momento presente exemplos de subsídios da assistência a famílias que possuem receptor, televisor e motorizada, levando uma vida de ostentação.
Compete aos responsáveis pela concessão destes benefícios, que saem do erário público, fazer um rigoroso exame e sujeitar os menos diligentes nos inquéritos a penalidades que os atemorizem.
Doutra forma fomenta-se o vício.
E tantos verdadeiros pobres sem subsídios!

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Mas se existem alguns defeitos, estes não invalidam os direitos que devem ter os trabalhadores do campo que viveram em locais e no tempo onde a Previdência não actuou e que pelo seu esforço, fadiga, fome e adversidades conseguiram através dos tempos sustentar a economia nacional.
Além de merecerem um padrão de agradecimento no coração de todos, também têm direito a uma recompensa, ainda que exígua, para o sustento dos seus dias de invalidez.
Sim, os que trabalham com o braço também tornam possível a actividade do que dirige e todo o trabalho digno tem uma eminente dignidade.
Aquele que levanta uma enxada merece respeito, pois é para todos que trabalha.
Nas nossas aldeias há muitos casos que se não compadecem só com subsídios por não terem familiares nem assistência que os ampare.
É por isso que as casas de assistência necessitam de um novo impulso e ordenamento para poderem acolher num ambiente familiar os que delas carecem.
Dê-se internamento a esses e acabe-se de vez com a já diminuta mendicidade.
A proposta de lei sobre o regime de assistência particular enviada pelo Governo de Marcelo Caetano à Assembleia Nacional vem de encontro a este nobre, humano e cristão sentimento.
Os relevantes méritos da assistência particular, reconhecidos ao longo de todo o preâmbulo da proposta, são bem o testemunho do espírito de que é informada a proposta de lei e virá trazer soluções para casas entregues à indolência e negligência de certas mesas administrativas.
Por estas instituições têm passado dedicadíssimos servidores, que lhes têm doado todo o seu saber, todo o seu coração e toda a sua fazenda.
Estes exemplos não são seguidos por alguns - concerteza muito raros- que ocupam as administrações para aí exercerem interesses pessoais e serem o espelho fiel daquele ideário imoral sentido por um nefando homem - "lembro-lhes que tenho apenas interesses permanentes" - e esquecem que a vaidade conduz ao ridículo e que o seu malsão orgulho faz diminuir o juízo.
Aplaudimos a iniciativa e a oportunidade da proposta e fazemos sinceros votos para que ela possibilite o impulso na valorização deste género de obras assistenciais.
Neste momento lembro-me, com esperança, de que serão atendidas com os necessários benefícios e melhoramentos as pobres casas dos velhinhos e crianças de Lamego.
Outro diploma veio fazer uma cobertura total das Casas do Povo.
Foi outro degrau que se subiu na promoção social do rural.
Os vários e positivos benefícios que as Casas do Povo possibilitam aos beneficiários são de tal ordem que não necessitam de encómios.
Todos estes meios visam a melhoria das condições de vida do trabalhador e o desejo de o fixar à terra onde nasceu ou exerce a sua actividade agrícola, proporcionando-lhe condições que lhe afastem a necessidade ou o desejo de se ausentarem delas na procura de outros sectores de trabalho.
Na verdade, a intenção é óptima, mas esta finalidade nem sempre é atingida, porque a fuga para outros serviços estranhos à agricultura, que são sem conta por toda a parte e com possibilidades de melhores remunerações e menor esforço, leva os rurais a estas fugas, sem receio de consequências prejudiciais.
Acabados estes serviços voltam à agricultura, que os tem de sustentar quando aqueles os dispensam.
Foi sempre assim através dos tempos: a agricultura, apesar de pobre, é o asilo de todas as infelicidades.
A melhoria da vida económica não é correspondentemente acompanhada por uma educação cívica e promoção do homem como homem e daqui resulta, na generalidade, uma indisciplina laborai e uma diminuição de horas e rendimento do trabalho agrícola.
Alguns previam que a agricultura viria a beneficiar bastante com aquelas medidas, o que não nos parece, pela experiência já colhida.
E é racional a dedução: se a agricultura continua nos mesmos moldes tradicionais, sem reformas de fundo, as melhores condições económicas e sociais do trabalhador e a escassez destes, motivada pela permanente emigração do campo para o estrangeiro e para a cidade, dificultam os trabalhos rurais, tornando ainda maior a crise agrícola.
Se prevalecer a tese dos que só reconhecem válida uma agricultura a ocupar 15% da população activa, embora os métodos tradicionais continuem a exigir mais de 50%, como cultivar as terras?
No meio rural não há contrato colectivo de trabalho, nem salários-hora de trabalho, e subsistem em raras terras hábitos obsoletos - como é o caso do proprietário ter de alimentar o rural do Douro, o que devia ser obrigatoriamente abolido, para dar lugar à possibilidade de o trabalhador se alimentar livremente e ao proprietário a de libertar-se desta escravidão.
Assim acabariam as exigências e os inconformismos.
Estas nobres diligências e determinações deviam ser desempenhadas pelas delegações do Instituto Nacional do Trabalho e pelas Casas do Povo, agora a cobrirem todo o território continental.
Estas sugestões foram sempre lembradas e desejadas pela grande maioria dos proprietários, mas só a verão em prática se as referidas entidades a isso se dispuserem, como deviam.
É-me grato deixar aqui o apelo e, a ser atendido, ficaremos com a certeza de que o grande e firme passo da promoção social do rural do Douro se dará.
O lavrador tem deveres para com a classe operária e devia ter os correspondentes direitos.
A agricultura descontrolada não melhora a produtividade nem a disciplina do trabalho.
Só as grandes reformas agrárias e sociais alcançarão esse fim.
A harmonia das duas classes é cada vez mais necessária.
Mesmo que para isso se exijam sacrifícios, devemos sofrê-los prontamente, se com eles se vislumbrarem os objectivos fundamentais: a promoção do rural e a salvação da agricultura.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: No âmbito da saúde grandes reformas se têm dado.
Os centros de saúde criados e a programação e construção de novos hospitais regionais reforçam a

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verdade indiscutível de que a vida humana e, consequentemente, a sua saúde são o mais precioso dos bens da terra.
Só nestes novos estabelecimentos se poderá aperfeiçoar o nobre trabalho da medicina.
Também aqui me compete reconhecer os bem apetrechados Centros de Saúde de Viseu e Lamego e suplicar que a prioridade para a construção dos novos hospitais regionais de Viseu e Lamego não seja alterada pela intervenção dos mais fortes.
Resta-me agradecer ao Ministro Rebelo de Sousa a concretização de um velho anseio solicitado há muito pelas comarcas que constituem o círculo judicial de Lamego e por outras que foram anexadas, de também terem em Lamego um tribunal do trabalho, anseio que se apoiava em várias razões de peso.
E tantas eram que a Inspecção-Geral dos Tribunais do Trabalho as reconheceu, bem como outras entidades.
Não devo esquecer alguns que, no anonimato, demonstraram a maior imparcialidade e aos quais se deve manifestar reconhecimento com este pensamento de Pascal: "A verdade anda tão obscurecida nestes tempos e a mentira tão enraizada que, a não ser que amemos a verdade, não a podemos conhecer."
A verdade foi conhecida e prevaleceu.
O júbilo dessas populações beneficiadas reflectiu-se na Câmara de Lamego, que em boa hora tributou uma merecida homenagem ao Ministro Rebelo de Sousa, à qual muito sinceramente me associo e entendo ser meu dever deixá-la bem expressa.
Esta minha gratidão reconhece que a autoridade conheceu os direitos de todos e os fez respeitar, e só assim é que "os governantes fazem da justiça e da equidade a sua única riqueza".
Esta fala do filósofo Mêncio é a norma governativa do Ministro Rebelo de Sousa.

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Pinto Machado: - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Pinto Machado pediu a palavra para...?

O Sr. Pinto Machado: - Para interrogar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. Pinto Machado: - Sr. Presidente: Dada a faculdade conferida a V. Exa. pelo artigo 35.° do Regimento, venho perguntar se o projecto de lei sobre publicidade do tabaco entregue na Mesa no dia 13 de Dezembro do ano transacto, de que fui segundo subscritor, será ainda discutido na presente sessão legislativa, que é a última da X Legislatura.

O Sr. Presidente: - Efectivamente, a faculdade a que V. Exa. alude está prevista no Regimento.
Considero que haverá vantagem em a Assembleia Nacional, nesta legislatura ou noutra, conforme as circunstâncias, não deliberar sobre esse projecto de lei sem se socorrer do parecer da Câmara Corporativa.
Em consequência, sem que esse parecer seja apresentado à Assembleia, e posso concordar com V. Exa. em que já está largamente excedido o prazo constitucional para o efeito, não o submeterei à discussão de V. Exas.
Tem a palavra o Sr. Deputado Leal de Oliveira.

O Sr. Leal de Oliveira: - Sr. Presidente: Vou hoje trazer a esta Câmara um assunto problema que insistentemente me tem sido sugerido por carta e, muitíssimas vezes, em contactos pessoais, ocasionais ou não, quando percorro o distrito de Faro, quer o faça no Sotavento, Barlavento ou até quando passo pelos "independentes" concelhos de Loulé ou Monchique.
Trata-se da grande dificuldade que existe, presentemente, no Algarve, principalmente nos períodos de ponta turística, que tendem, felizmente, a unirem-se, o que bem prova a vocação do Algarve para o turismo de "todo o ano", dificuldade, dizia, de se utilizarem os serviços de automóveis de aluguer.
Clamam os industriais de hotelaria, os turistas estrangeiros ou nacionais que pretendem usar aquele meio de transporte nos seus passeios pela província ou para alcançarem, a horas certas, o avião comercial no Aeroporto de Faro ou o comboio na estação mais próxima do seu hotel ou apartamento.
Clamam e com razão.
Os automóveis de praça tornam-se raros nos meses de Verão, nos períodos de férias do Natal, Carnaval, Páscoa e, ainda, quando o manto branco das pétalas das flores das amendoeiras cobrem o Algarve.
O turismo ressente-se e os que ali vivem, naturalmente menos apetecidos pelos motoristas, reclamam ainda mais fortemente contra um estado de coisas que perturba seriamente o seu dia a dia, o seu negócio, a sua pontualidade e, tantas vezes, a sua própria saúde.
Em relação a este último ponto, quero aqui dirigir à Polícia de Segurança Pública um agradecimento pela inauguração, em 1972, do utilíssimo serviço de ambulâncias 115.
Sr. Presidente: Julgo muito necessário que S. Exa. o Ministro das Comunicações estude atentamente o problema, e, não esquecendo a defesa dos interesses dos industriais e profissionais que se dedicam ao transporte público em automóveis de aluguer, providencie desde já o aumento do número de automóveis de praça no Algarve, nas localidades onde o problema seja mais grave.
Julgo, na verdade, que a resolução da crise que se avoluma da falta daquele meio de transporte se deve basear no aumento de unidades disponíveis.
Com efeito, o parque de automóveis de aluguer no Algarve cresceu de 1964 a 1971 somente 29 unidades, enquanto, por exemplo, o aumento do número de dormidas de turistas, em igual período, atingiu 1 405 463.
Note-se, também, que em cerca de treze anos, de 1960 a 1972, olhando agora para os aumentos dos parques concelhios, a evolução foi irrisória.
Albufeira viu aumentado o seu parque de automóveis de aluguer em somente 1 unidade: de 8, em 1960, passou para 9 em 1972; Alcoutim: de 3 unidades,

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em 1960, atingiu 5 em 1972; Aljezur: de 4, em igual período, passou para 6; Alportel manteve-se em 10 unidades; Castro Marim: de 3, em 1960, atingiu 5 em 1972; Faro: de 28 passou para 32; Lagoa: de 3 passou para 10; Lagos: de 10 para 12; Loulé: de 18 para 22; Monchique manteve-se de 1960 a 1972 com 8 unidades; Olhão: de 12 para 14; Portimão: de 21 para 27; Silves: de 15 para 20; Tavira: de 11 para 15; Vila do Bispo tem-se mantido com 3 unidades; Vila Real de Santo António: de 6 para 12.
Parece-me muito pouco significativo o aumento do parque de automóveis de aluguer algarvio, não obstante em igual período terem sido solicitadas 862 licenças de aluguer por entidades que, necessariamente, iriam aplicar os seus capitais, as suas poupanças e, na maioria, o seu trabalho para ganharem...
Lisboa viu recentemente satisfeito o seu problema da falta de táxis. Quando conseguirá o Algarve o mesmo?
Estou certo, Sr. Presidente, de que S. Exa. o Ministro das Comunicações diligenciará para que os serviços competentes consigam um, equilíbrio de interesses que venha a permitir ao público o transporte que necessita, ao industrial a retribuição do capital que empregou e ao profissional um salário justo e a possibilidade de possuir, um dia mais tarde, a enxada que de momento é de outrem.
Sr. Presidente: Aproveito a ocasião para solicitar ainda ao Sr. Ministro das Comunicações que mande instalar em Faro uma delegação da Direcção-Geral de Viação, visando a resolução das dificuldades enormíssimas que pesam sobre todos os que necessitam dos serviços daquela Direcção-Geral, a nível central ou regional - Évora.
Sabe-se, todos o sabemos, do aumento espantoso do parque automóvel, razão por que se torna evidente a necessidade de proporcionar aos serviços as condições de poderem cumprir as suas obrigações com a rapidez e a facilidade a que o público tem direito.
Tenho dito.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: Vamos passar à

Ordem do dia

Continuação do debate do aviso prévio sobre a indústria do turismo no desenvolvimento económico e social do ultramar.
Tem a palavra o Sr. Deputado Barreto de Lara.

O Sr. Barreto de Lara: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Deputado Fernando Laima, e há quanto tempo isso já vai, quis ter a gentileza de me manifestar o seu propósito de vir a apresentar um aviso prévio sobre o turismo em Angola.
O aliciante e a oportunidade do tema entusiasmaram-me, naturalmente, e logo senti irresistível desejo de emprestar colaboração a tão valiosa iniciativa, que, se bem compreendida nos seus objectivos, poderá em futuro próximo constituir fluente canal de entrada de divisas de que Angola tão carecida está.
Simplesmente, o tempo decorrido desde então e o acrescento de esgotantes trabalhos e inadiáveis afazeres da minha vida profissional - o que chegou a fazer-me pensar em não subir a esta tribuna - limitam-me apenas ao alinhavo de breves e despretensiosas considerações. O que lamento, evidentemente, posto perante o quanto havia a dizer e o tanto que gostaria de dizer.
Mas ao silêncio, que poderia ser interpretado como desinteresse, ou bem pior, que não alcançasse a importância que o problema reveste para o Estado de Angola, preferi o inevitável, da superficialidade, numa opção pelo menor dos riscos.
Sr. Presidente: Angola, com os seus 1 259 000 km2 de superfície, apresenta perspectivas quase ímpares para o desenvolvimento a grande nível de uma indústria turística. Ponto é que seja devidamente estruturada e montada e em reais termos de possibilitar a desejada rentabilidade económica.
Dispondo de uma costa marítima de 1600 km, salpicada de maravilhosas ilhotas, não se sabe que mais admirar em Angola, se a beleza das suas praias no cristalino das suas águas e na moldura das suas areias, se os seus mares, onde espécies piscícolas raras fazem o deleite dos mais exigentes pescadores, se as suas matas povoadas de caça e o aliciante mistério das suas florestas imensas, se a grandiosidade das suas montanhas, ou a mística beleza dos seus pores do sol, se a luxuriante vegetação a par do exótico das dunas de areia dos seus desertos que parecem nunca mais ter fim.
Angola, Srs. Deputados, é um verdadeiro paraíso, sem paralelo em toda a África, e talvez sem igual, pela exuberância inenarrável dos seus contrastes, no mundo inteiro.
E o homem de hoje, cada vez mais envolvido no turbilhão trepidante da vida moderna que o esgota e diminui, anseia mais que nunca por paz, por sossego e pelo isolamento que só a entrega à Natureza proporciona. E é tudo isso, meus senhores, e muito mais que a minha palavra não consegue traduzir, é essa Natureza, por vezes tão rudemente bela, quanto outras tão ternamente meiga, que coloca Angola em posição turística ideal que dificilmente encontra paralelo.
Pois, apesar desta pálida descrição, naturalmente enfraquecida pelo descolorido da minha voz, Angola e turismo situam-se numa distonia chocante, mercê da fraqueza ou da ambição dos homens, se não até principalmente da sua incapacidade e incompreensão.
Anote-se, e a título de exemplo, que a todo o transe se pretendem manter reservadas para parques nacionais e reservas de caça extensas áreas que se aproximam dos 8 milhões de hectares, que representam nada menos que o dobro das áreas reservadas na África do Sul e seis vezes mais do que as áreas reservadas em Moçambique, teimando em incluir-se nelas regiões em que nada já o justifica. Refiro-me principalmente ao Bikuar, onde ,se começam a desenhar e a sentir pontos de fricção a que urge pôr cobro por soluções de inteligência, e não de megalómano capricho.
Atente-se que nas conclusões da Conferência de Protecção da Natureza, reunida em Sá da Bandeira, no ano passado, se fizeram, quanto ao Bikuar, recomendações, não só no sentido da necessidade de um reordenamento rural das populações ribeirinhas, como a desocupação pecuária e agrícola da região, e com todos os melindres que isso envolve, como ainda a necessidade da instalação de uma vedação anticaça ao longo de toda a linha de separação entre o

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parque e o colonato de Capelongo, vedação essa que custará, como é fácil de supor, uma verdadeira fortuna. E sem querer alongar-me em grandes considerações, não me dispensarei, todavia, de me apoiar na opinião do ilustre professor extraordinário da Universidade de Luanda, Dr. Lima Pereira, que nos passos mais importantes assim se expressou quanto ao Bikuar:

Nada tem que o justifique agora como tal: umas raras palancas, uma última manada de búfalos, elefantes de modo irregular, são a riqueza cinegética devastada de um vasto território sem aproveitamento económico.

E acrescenta:

Se outras razões não houvesse, bastaria referir que a Huíla não tem, por paradoxal que isso possa parecer, a área suficiente para coexistirem criadores europeus e tradicionais, sem se criarem graves problemas de ocupação de terrenos ou se exigirem investimentos desproporcionados em relação ao aproveitamento que esses terrenos possam vir a ter.

E o ilustre professor conclui:

Nestas condições, manter-se uma reserva de caça, paredes meias com um colonato onde a evasão de uma manada pode causar apreciáveis prejuízos, não será uma atitude digna de todo o aplauso.

E insisto eu: Manter o Parque Nacional do Bikuar à custa de um reordenamento rural, obrigatório, portanto, das populações ribeirinhas; obrigar à desocupação pecuária e agrícola da região; arranjar forma de solucionar problemas de abeberamento; instalar uma vedação anticaça ao longo da linha de separação entre o Parque e o colonato de Capelongo, é preço demasiado elevado senão até incomportável, e o forçar de uma situação conducente a problemas que depois de desencadeados são quase insolúveis, a não ser através das sempre antipáticas medidas de força.
E já se pensa na criação de mais reservas: uma no Camucuio, a pretexto da protecção de umas manadas de búfalos que ali existem, não se olhando ao prejuízo do desalojamento da pecuária organizada e tradicional ali existente, e outra no Maiombe, esta, quanto a mim, realmente justificável.
E, assim, a extrema ambição de manter reservadas tão extensas áreas, e a previsão do seu aumento, faz com que a carência de meios conduza a situações de todo em todo de lamentar. E, por isso, ou também por isso, tudo o que se fez em matéria de turismo foi a título precário ou de improviso, aliás à boa moda lusitana.
Ora, dispondo já hoje o Estado de Angola de uma notável e válida rede de estradas, que avança a passos galopantes, atingindo regiões ontem inóspitas e inacessíveis, tempo é de se fazer o ponto da situação e de meter mãos a uma obra que poderá trazer, como já disse, rendimentos vultosos e que tão necessários são ao seu desenvolvimento e tanto poderão acelerar a tão desejável quão imprescindível promoção social das suas gentes.
Mas, para tanto, também é tempo de se pôr cobro ao improviso, compartimentando-se e definindo-se competências, estabelecendo-se cuidadosos e metódicos planos de acção e, sobretudo, terminando de vez com as tão conhecidas quão frequentes guerrilhazinhas de prestígios, evitando-se sobretudo que tudo e todos metam a mão na panela, que é afinal a forma mais ridícula de nada se fazer de válido.

O Sr. David Laima: - V. Exa. dá-me licença?

O Orador: - Com certeza.

O Sr. David Laima: - Eu queria agradecer a valiosa colaboração que tem prestado ao aviso prévio por mim efectivado e gostaria de aqui formular um voto veemente; que as palavras tão judiciosas que proferiu sobre o problema dos parques naturais não fossem esquecidas, pelo contrário, elas fossem retidas e analisadas com o devido cuidado. Eu até tenho uma formação naturalista académica. No entanto, devo registar que a expansão que se está a verificar, dos parques naturais aos parques de caça, em Angola, cria problemas muito graves para outras explorações económicas de interesse imediato.
Eu quero aqui referir, por exemplo, que as maiores jazidas de dolomite, indispensáveis à indústria vidreira de Angola, se situam no Parque da Quiçama e que, pela circunstância de ser um parque natural, não é mais consentida a exploração dessas jazidas de dolomite. Não sei realmente como é que a indústria vidreira irá resolver problema tão grave como aquele que lhe é criado.
Mas eu poderia também referir os jazigos extremamente importantes, e que quase afloram à superfície, de sal-gema e de sais de potássio. O mundo carece de sais de potássio e nós, infelizmente, ainda não aproveitámos aqueles de que podemos dispor. Pois eu sou pelos parques naturais, mas de maneira nenhuma que eles destruam outras vias de exploração económica de imenso interesse e rentabilidade para Angola.
Muito obrigado.

O interruptor não reviu.

O Orador: - Muito obrigado, Sr. Deputado. As considerações de V. Exa. vêm exactamente ao encontro do meu pensamento, na medida em que já referi que a situações de teimosia e de capricho se devem sobrepor soluções de inteligência. Portanto, o problema que V. Exa. acaba de equacionar resolve-se com a cabeça, inteligentemente, e vendo, analisando e sopesando qual é que é mais vantajoso para a economia do Estado de Angola.
Muito obrigado, Sr. Deputado, pela sua achega.
Continuando: para tanto, e segundo entendo, logo deveria começar por se criar uma direcção-geral, com indispensável autonomia de decisão e os meios financeiros necessários, se não até uma secretaria provincial, onde se centralizasse tudo quanto se relacionasse com turismo e, naturalmente, como decorre com evidente lógica, com a protecção da fauna selvagem e defesa da Natureza.
Mas para bom começo logo haveria que se eliminar, e rapidamente, o Diploma Legislativo n.° 22/72, de 27 de Fevereiro, publicado no Boletim Oficial,

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1.ª série, n.° 24, que entregou em exclusivo à Direcção dos Serviços de Veterinária a administração e fiscalização dos parques nacionais e reservas de caça.
Este departamento não dispõe de meios materiais e humanos suficientes e já está tão sobrecarregado que não tem a menor possibilidade de cumprir, com eficiência, a sua missão própria e específica, mas estranha e bizarramente sempre se tem mostrado cioso em avocar a administração dos parques nacionais e reservas de caça.
Haja em vista, por exemplo, que em efectividade de funções clínicas, existe em todo o distrito de Moçâmedes apenas um veterinário, que inevitalvelmente tem de se desempenhar de funções de gabinete que por si só lhe roubam quase todo o tempo e que os dois postos experimentais que o Governo, gastando verbas incalculáveis, criou naquele distrito, o Karacul e o Lungo, não dispõem de veterinário e que assim e consequentemente não cumprem a missão para que foram criados: fornecer os ensinamentos e conclusões das suas experiências, ensinando os criadores da região e prestando-lhes a indispensável assistência. E anote-se que estes postos experimentais, que já chegaram a atingir posição marcante quando tiveram técnicos qualificados e devotados à sua profissão, estão hoje, infelizmente, condenados a ruir estrondosamente, transformando em hecatombe uma obra que foi de inegável valor e que aqueles que a pensaram e estruturaram e o povo que a pagou, com tanto pasmo quanta indignação, vêem destroçar-se dia a dia pela forma mais dolorosa e chocante.
Mas dissera que se deveria criar uma Secretaria Provincial de Turismo, com delegações em todos os distritos, dirigidas pelos respectivos governadores, como representantes que são da administração pública, apoiados em elementos locais, conhecedores da respectiva região, delegações essas que, embora seguindo as directrizes gerais daquela Secretaria Provincial, dispusessem não só de meios financeiros necessários, como ainda de capacidade de decisão local.
É que, para além de outros, o candente problema dos parques nacionais e reservas de caça exigem uma devida estruturação e impõem um conjunto de medidas, sem esquecer as políticas, a que de forma alguma podem ficar alheios os representantes do Executivo nos respectivos distritos.
Pois não se entende como se possam ter afastado os representantes regionais do Governo, de intervenção activa em áreas enormíssimas que nestes tempos conturbados podem vir a ser palco de acontecimentos sociais, e até políticos, cuja minimização e desprezo seria um erro quase irremediável.
O citado Diploma Legislativo n.° 22/72 foi elaborado sem a audição e conselho dos representantes distritais da administração pública, e por óbvio arrastamento das Juntas Distritais. Tão-pouco foi sujeito à apreciação do Conselho Legislativo, hoje Assembleia Legislativa, muito embora tenha sido submetido à apreciação da que hoje se chama Junta Consultiva.
Mas um diploma de tal importância, mercê dos reflexos que tem em todo um Estado, composto das regiões mais díspares, jamais deveria ser concebido e elaborado sem ter sido submetido à apreciação e crítica do Conselho Legislativo, onde toda a Angola está representada e onde, pois, aos vogais dos respectivos círculos se permitiria a opinião e o contributo
do seu avisado conselho, a partir do conhecimento directo das regiões que representam. Mas isso não se fez, o que é de lamentar, e nem sequer até em alternante se ouviu a opinião dos vários distritos do Estado de Angola, através das suas autoridades representativas.
Repito: a Direcção Provincial dos Serviços de Veterinária, cuja actuação vem até sendo motivo de justas críticas, mercê de uma vultosa carência de valores materiais e humanos e, segundo nos parece, por outras razões, também não está à altura de se ocupar com exclusivismo da administração dos parques e reservas de caça. Até porque, e se outras razões bem mais fortes não apoiassem a afirmativa, não há só que cuidar da defesa de animais selvagens.
Infelizmente há poucos veterinários em Angola, muito embora sejam optimistas as perspectivas que hoje oferece a Faculdade de Veterinária. Mas por ora a carência é notável e, por esta razão e outras que prefiro por ora omitir, é deficiente a assistência técnica aos criadores, organizados ou tradicionais, e muito mais deficiente será se se lhe multiplicarem as funções.
Pois então, e se assim é, por que razão se acometeu àquela direcção mais uma tarefa tão delicada, que se reveste da mais transcendente importância na vida do Estado de Angola?
Por que se consentiu o afastamento da válida colaboração das populações regionais e até do representante do Governo nos respectivos distritos, não já e só na discussão, mas também na gestão do magno problema que revestem os parques e reservas de caça?
Tentou aquele departamento suprir as suas dificiências, a estilo de remedeio, contratando dois técnicos de um país vizinho. Mas, para azar seu e nosso, são homens oriundos de um país concorrente de Angola em turismo e até onde proliferam conceitos e ideias de todo em todo avessas à política nacional e que desde sempre repudiámos e afastámos.
Isto não significa que se lhes negue competência. E muito menos significa que se lha reconheça. Não me parece, porém, ter sido a medida mais prudente e avisada, pois tanto bastariam aqueles factos para os não recomendar. E a verdade é que já surgiram alguns conflitos e de matiz verdadeiramente inadmissível que me escuso de anunciar, mas que não terei dúvidas em fazer se para tanto for desafiado.
V. Exas., Srs. Deputados, não ignoram que vivo em Moçâmedes e que conheço razoavelmente bem este distrito. Nele se situa o Parque Nacional do Iona, e até bem me recordo das vezes em que infelizmente se transformou aquele Parque em coutada privativa dos recomendados "superiormente". Mas adiante. Esqueçamos isso. A verdade é que, sem qualquer razão plausível, os ditos técnicos opinaram pelo simples abandono das instalações que ali já existem, deficientes é certo, optando pela construção de outras na zona do Tambor, sem que seja quem for que conheça aquele Parque encontre razão válida para o fazer. As instalações existentes na região de Espinheira existem. Foram construídas sob a égide e orientação dos Serviços de Pecuária. Rodam os anos e agora abandonam-se pura e simplesmente?
Não, realmente não foi feliz a decisão de contratar aqueles técnicos.
Haverá, pois, em meu entender, que se rever toda esta situação em defesa dos interesses de Angola, para

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o que se conta com a dinâmica e a desassombrada inteligência do engenheiro Santos e Castro.
E daqui dois veementes apelos lhe faço já: por um lado, que se resolva sem tibiezas nem tergiversações, mas com justiça, como é seu timbre, o tão decantado litígio entre a pecuária da barra do Quanza e o Parque Nacional de Quiçama, que se arrasta morosamente e onde à serenidade e à inteligência se vem sobrepondo a intolerância, a teimosia e a incompreensão. E que se reveja a situação do Bikuar, a que já me referi, e antes que seja demasiado tarde. E que se medite nas consequências sociais, económicas e políticas que exige a sua manutenção, obrigando ao reordenamento das populações ribeirinhas, forçando à desocupação pecuária e agrícola de toda a região, congeminando soluções de abeberamentos, e, por fim - e que esforço isso representa -, instalando a tal vedação anticaça para separar o Parque do colonato.
E quedar-me-ia por aqui se não fora ainda sentir a necessidade de recordar à TAP, empresa concessionária e em regime de exclusivo de transportes aéreos para o Estado de Angola e para todo o ultramar, as obrigações e deveres que de tal situação lhe advêm, criando possibilidades de desvio para ali de uma grande corrente turística da metrópole e de outras parcelas de além-mar.

A Sra. D. Custódia Lopes: - V. Exa. dá-me licença?

O Orador: - Com certeza, Sra. Deputada.

A Sra. D. Custódia Lopes: - Tenho estado a ouvi-lo com muito interesse e queria concordar com V. Exa. acerca da necessidade de se incrementar o intercâmbio turístico entre o ultramar e a metrópole e vice-versa.
Queria também - e, de resto, já falei nisso quando da minha intervenção -, para esclarecimento da Câmara, dizer mais alguma coisa. Fui informada pela Agência-Geral do Ultramar de que, no ano passado, se fez um charter para Angola e que nesse charter foram 260 pessoas da metrópole para Angola e vieram de Angola para a metrópole 160, o que mostra bem o interesse que há por se conhecer o ultramar. E mais ainda: ficaram na lista de espera 400 pessoas, que desejavam conhecer não só Angola mas também Moçambique, mas, por dificuldades várias, não houve o charter para Moçambique. Fui também informada de que este ano está a organizar-se outro charter para Angola mas que para Moçambique continuam as dificuldades, apesar de a TAP ter um avião pronto para Agosto.
Quando quis saber das dificuldades, foi-me dito que elas residem nos pagamentos interterritoriais, exigindo a TAP que se paguem aqui as viagens integralmente, por transferência do dinheiro moçambicano.
Julgo que haveria toda a vantagem em se chegar a um acordo neste aspecto, pelo interesse que há em que os turistas de Moçambique venham até à metrópole, deixando até de ir para a África do Sul, onde vão com muita frequência passar as suas férias.
É para o alto espírito e compreensão desta companhia portuguesa de aviação, que tão altos serviços tem já prestado ao País, que eu deixo aqui este meu apelo.

O Orador? - Muito obrigado, Sra. Deputada. Agradeço imenso a sua achega, que, vinda, de mais para mais, de uma gentil senhora, mais me causa sensibilidade e ternura.

A Sra. D. Custódia Lopes: - Muito obrigada.

O Orador. - Realmente, V. Exa. tem razão e abordou um problema tremendo que mereceria aqui considerações que vou dispensar-me de fazer, reservando-me para outra oportunidade, acerca dos pagamentos interterritoriais.
Quanto aos voos charters, realmente V. Exa. tem razão: a TAP já devia ter estruturado a forma de organizar voos charters única e exclusivamente para correntes turísticas. Isto porque, mercê do contrato exclusivo que ela tem com o ultramar, tenho a certeza de que não há possibilidade de se alugarem ou fretarem aviões para fazer esses voos a outras companhias que não sejam os T. A. P. Mais responsabiliza esta circunstância, portanto, a TAP.
Agradeço imenso a achega que V. Exa. me quis dar.

A Sra. D. Custódia Lopes: - Eu é que agradeço a oportunidade que me deu.

O Orador: - Eu sei, por informações que directamente me foram prestadas, que a TAP não está alheia ao problema e que até largo tempo tem dedicado ao seu estudo. Pois bem, desejo que as suas intenções atinjam plano desejável e realizável, designadamente organizando excursões em colaboração com o Ministério do Ultramar e Governo-Geral de Angola e agências de viagens a tarifas reduzidas. O que estou seguro teria o mais franco acolhimento e notável sucesso e seria até em puro campo político bem desejável, por possibilitar cada vez mais o conhecimento real e vivido das terras de além-mar.
E quanto mais e melhor se conhecer o ultramar, pois também mais e melhor se compreende porque se luta.

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Ávila de Azevedo: - Sr. Presidente: O Deputado por Angola engenheiro David Laima convidou-me com amável insistência a participar no seu aviso prévio sobre "A indústria do turismo no desenvolvimento económico e social do ultramar". Não se esqueceu que eu era, até certo ponto, "homem de Angola", com vinte anos de permanência neste Estado. E, em verdade, a generosa terra de Angola impressionou todas as fibras da minha sensibilidade de português.
Considera-se hoje o turismo uma verdadeira indústria com incidência no desenvolvimento económico e social de um país que beneficie dessa actividade. No entanto, estão ligados ao turismo valores culturais e espirituais que constituem motivos de interesse e acabam por influir no processo industrial. São eles decerto que vêm incluídos no programa do aviso prévio sob a rubrica "Pólos de atracção turística".
Quais são esses pólos em Angola?
Podemos responder: a terra, o homem e o património monumental e artístico. Ou por outras pa-

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lavras: a paisagem, o contexto etnográfico e a arte. Angola, o maior território da Nação Portuguesa, apresenta-nos características bem marcantes nos dois primeiros aspectos e não é completamente desprovida no último. Reúne assim condições excepcionais para se tornar um pólo nacional de atracção turística, que só muito recentemente começou a despertar a atenção dos responsáveis por esta indústria.
Primeiramente a paisagem. Tanto do norte para o sul como de oeste para leste, Angola, pela sua constituição geológica, pela configuração do seu relevo e pela diversidade dos seus climas, oferece ao turista os mais surpreendentes panoramas.
Em Cabinda, a floresta virgem do Maiombe; no Congo, os cafezais inebriantes de perfume na época da floração; no Lucala, as majestosas cataratas do Duque de Bragança envolvidas por um quadro de exuberância tropical; mais além, as ciclópicas pedras de Pungo Andongo; no litoral, a magnífica cidade de Luanda espelhando-se na concha graciosa da sua baía.
Navegando para o sul, o tropicalismo de S. Filipe de Benguela, capital do antigo reino do mesmo nome; a restinga do Lobito emergindo com as suas casuarinas e o seu casario multicolor das águas acinzentadas do oceano; a cidade de Moçâmedes entre a mancha agreste do deserto e as ondas do mar azul; os contrafortes e os precipícios da Chela onde se aninhou a ridente cidade de Sá da Bandeira e, quase no limite de Angola, a remota Baía dos Tigres, onde os homens lutam ao mesmo tempo contra as dunas do deserto e contra as tempestades dos mares do sul. É um nunca mais findar de contrastes entre a floresta e a savana, entre as planícies e as montanhas.
Neste imenso Estado sucedem-se igualmente as raças, as tribos, as línguas, os costumes num mosaico rico de expressões etnográficas. São os Bacongos, numa vasta área cultural em que sobressaem os sobas dembos com as suas capas de honra escarlates, ou os Muxiluanda, pescadores da ilha de Luanda, envergando saias de xadrez azulado. São os Quiocos, o povo artista de Angola, representado num museu etnográfico, que é um dos mais preciosos repositórios da arte negra no Mundo.
Sem esquecer os característicos Bailundos do planalto do Huambo, o viajante que tomar a direcção do Baixo Cunene tomará contacto com as tribos nómadas e pastoris dos Dongoenas, Humbes, Cuanhamas e Cuamatos, notáveis pela sua beleza física, pelo seu feitio aguerrido, pela sua indumentária e pelo seu habitat. E poderá ainda observar os últimos espécimes de uma raça, quase desaparecida, os Bosquimanes, primitivos habitantes da África e tão diferentes dos Bantos como os arianos destes.
Um outro pólo de atracção em Angola, infelizmente ainda muito longe de organização e de publicidade adequada, como a Gorongosa em Moçambique, são as suas extraordinárias reservas cinegéticas. Além de quase todas as espécies de animais bravios da África intertropical, sobrevivem ali mamíferos desaparecidos como a palanca negra e o rinoceronte branco. Desde há muitos anos que se encara a constituição dos parques da Quiçama, da Cameia e do Bicuar, mas neste ponto Angola enferma de notória carência de iniciativa turística.
Esboçámos as linhas turísticas que importam à paisagem e à variedade etnográfica. Todavia, o património monumental e artístico é ainda uma outra motivação na descoberta de Angola. Tanto pelo desgaste do tempo como pela incúria dos homens, os monumentos são apenas na sua maioria as reminiscências da ocupação religiosa e militar. Concentram-se nas cidades ou em posições avançadas no interior do sertão.
S. Paulo de Luanda, fundada em 1575, capital de Angola, é também a cidade onde ficaram mais assinaladas as sombras do passado.
Do século XVII datam duas das suas igrejas mais antigas: Nossa Senhora da Nazaré, à beira do mar, lembrando um voto do governador André Vidal de Negreiros, e a igreja do Carmo, já sobre as Ingombotas, ornamentada de azulejos e de talha barroca. Três fortalezas defendiam a entrada de Luanda: a mais notável, verdadeira insígnia da presença lusitana nestas conquistas, é a de S. Miguel, alcandorada no morro do mesmo nome. Mas Luanda ostentava ainda palacetes, casas de sobrado, edifícios públicos ou simples residências, que, embora na sobriedade dos materiais de construção, se distinguiam pelo seu carácter e mesmo pela beleza arquitectónica. Não era apenas o solar de D. Ana Joaquina, traficante de escravos, hoje pertença do Estado.
Há uns trinta anos ainda se podiam ver na Rua dos Mercadores e na Rua de Avelino Dias, na cidade baixa, saborosas edificações dos séculos XVII e XVIII, que imprimiam uma fisionomia inconfundível ao burgo tropical e assinalavam uma presença europeia ao sul do equador anterior a todos os outros povos colonizadores. Infelizmente não houve o senso de conservar todo este património arquitectural, que despertaria não só a curiosidade dos turistas, mas serviria ainda de fundamentação histórica à feitoria fundada por Paulo Dias de Novais.
Todavia, os Portugueses deixaram ainda o traço da sua presença em outros itinerários de Angola. Um dos caminhos de penetração dos pioneiros foi o curso do Cuanza. Deste modo, as margens deste rio angolano ficaram salpicadas de padrões históricos da nossa ocupação no final do século XVI e no século XVII. É a Muxima com a sua fortaleza a cavaleiro sobre as águas quietas do rio e a igreja da mesma invocação, onde ainda hoje os nativos afluem em peregrinação. É o conjunto de Massangano com o seu evocativo santuário de Nossa Senhora da Vitória - vitória contra as hordas do rei N'Gola, com as pedras veneráveis da fortaleza e as ruínas do presídio.
Foi em especial na Muxima que se registaram as páginas mais gloriosas contra o ocupante flamengo. Os defensores encerrados na fortaleza bateram-se animados por este grito de guerra:

As praças d'El-Rei Nosso Senhor só se rendem depois de todos mortos!

Ainda à beira do Cuanza sobrevive outra imagem do passado, a povoação do Dondo, antiga feitoria, mercado de borracha no século XIX, com ruas ensombradas por acácias, moradias novecentistas, armazéns de permuta e varandas de ferro forjado. Uma cidadezinha adormecida sob a canícula da atmosfera tropical, onde ainda parecem ressoar as canções dos carregadores e a vozearia das caravanas descidas do interior.
Por Angola fora um ou outro povoado, uma ou outra fortaleza, rememoram a presença histórica dos

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portugueses: as ruínas da Igreja de S. Salvador do Congo, a primeira igreja construída em África ao sul do equador, os vestígios da fundição de ferro de Oeiras, S. José do Encoge, Benguela-a-Velha e Benguela-a-Nova, com a sua Igreja de Nossa Senhora do Pópulo e o seu palácio velho dos Governadores. E mais recentemente, nos meados do século passado, a fortaleza de Capangombe, no sopé da Chela, onde repousavam antes de subir penosamente a serra as colunas militares e as espanas de bois arrastando as gentes e as mercadorias. A fortaleza, tristemente abandonada, é um monumento erguido aos esforços e às misérias dos europeus que demandaram as terras salubres e inabitadas do planalto da Huíla.
Montesquieu disse que os Portugueses tinham descoberto o Mundo, mas desconheciam a terra em que nasceram. O conceito do filósofo francês pode ser alargado às terras ultramarinas, parte integrante da Nação. E tanto é assim que a grandeza, a pujança e a vitalidade do sangue português só se podem reconhecer pela dimensão pluricontinental dos mundos por nós criados.

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Nicolau Martins Nunes: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao anunciar o seu oportuno aviso prévio, o ilustre Deputado David Laima salientou a necessidade imprescindível que Angola tinha - e tem - de aproveitar as vultosas receitas que uma indústria de turismo devidamente organizada pode proporcionar para fazer face aos encargos da sua administração pública.
Ora, a Guiné sente igualmente essa necessidade, hoje mais do que nunca, ao enfrentar os astronómicos encargos que a múltipla luta pela sobrevivência, paz e progresso impõe.
Escreveu há tempo alguém autorizado "que, mau grado certas premissas menos favoráveis, bem conhecidas, e algumas 'opiniões' (entre aspas) difundidas, a Guiné Portuguesa dispõe de condições que, mediante acções firmes de fomento planeado, lhe podem assegurar, mesmo a curto/médio prazo, níveis económicos sensivelmente superiores aos actuais, com reflexos políticos evidentes". Está a indústria do turismo, por razões que seria ocioso salientar, incluída dentro desta perspectiva.
Tais factos, a que se aliou a amabilidade do convite do ilustre colega nesta Câmara, levaram-nos a tomar o compromisso de intervir neste importante debate, não obstante a escassez de tempo para uma mais cuidada preparação, propondo-nos trazer aqui o nosso ainda que modesto contributo.
Não carece de ser salientada a importância que a indústria do turismo tem, quer do ponto de vista económico, quer do prisma social, e o papel que ela desempenha nos nossos dias. Aliás, os oradores que nesta tribuna nos precederam tiveram a oportunidade de pôr em destaque factos e exemplos sugestivos que nos permitem aquilatar do valor real ou potencial deste extraordinário recurso económico e o seu reflexo no plano das relações humanas.
Definem os dicionários o turismo como um neologismo proveniente do inglês e que significa o gosto pelas viagens, sendo o turista uma pessoa que viaja para se divertir ou recrear. Pela definição, conclui-se que o turismo ou excursionismo começou por ser um mero desporto, um hábito, talvez baseado na necessidade que o homem sente de mudar de ambiente, de variar sensações, de experimentar emoções novas.
A pouco e pouco, com o crescente desenvolvimento económico que permitiu aos que trabalham maiores rendimentos e mais horas de folga, conjugado com a facilidade hodierna de comunicação e rapidez e segurança dos meios de transporte, o número de turistas foi aumentando, tornaram-se as viagens mais frequentes e o raio de excursões mais amplo, até que a moda acabou por se radicar nos costumes.
Hoje, o turista é a figura típica que se encontra por toda a parte, com maior ou menor frequência, em maior ou menor número, tudo dependendo dos atractivos e condições complementares que se proporcionarem neste ou naquele lugar.
Mas turismo não é apenas viagem, passeio, recreio ou desporto; ele é também estudo, instrução, educação, como muito bem lembrou de sublinhar aqui a ilustre Deputada D. Custódia Lopes. Daí, portanto, a crescente importância desta actividade que nos nossos dias chegou a constituir uma autêntica indústria, e das mais rendosas!
Tal é a progressão que se vem registando na actividade turística, que podemos chamar à época em que vivemos era do turismo. Só é pena que ela seja também, para mal dos nossos pecados e pela cegueira dos homens, a era do terrorismo...
Mas, acima de tudo e atento a que os países que mais contribuem alimentando o turismo são os mais ricos, os que pelo seu elevado grau de industrialização se tornaram economicamente mais fortes, podemos considerar a actividade turística como uma forma de compensação para os países ou territórios menos desenvolvidos ou em vias de desenvolvimento.
Por outro lado, favorecendo, com a circulação de riquezas, a circulação de pessoas, o turismo contribui para aplainar as diferenças nacionais, sem prejudicar o nacionalismo, através de um melhor conhecimento mútuo entre os povos.
É assim o turismo no Mundo. Como é ele em Portugal?
A situação é complexa. Se considerarmos Portugal no seu conjunto, isto é, abrangendo todas as suas parcelas dispersas pelo Mundo, temos de reconhecer que estamos ainda longe de tirar o máximo proveito da posição privilegiada que ocupamos, do ponto de vista de condições naturais.
Com efeito, embora seja certo que na metrópole a nossa posição não é medíocre no que se refere ao aproveitamento das nossas potencialidades turísticas, como evidenciam as estatísticas, não é menos certo que no ultramar, onde essas potencialidades não são menores e as necessidades também não, temos uma nota baixíssima, a inferir pelas intervenções dos Deputados ultramarinos que aqui ouvimos e pelo que temos para dizer acerca da Guiné.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pesa-nos dizê-lo, mas a verdade é que, na nossa Guiné, não se pratica, presentemente, turismo, nem interno, nem externo, nem nacional, nem internacional, e isso pelo simples facto de não se terem criado as condições ne-

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cessarias para que tal se possa verificar: no sector público, as estruturas carecem de uma organização adequada e de quadros capazes, embora, felizmente, já se comecem a esboçar medidas tendentes a eliminar tais deficiências; no sector privado, há falta de iniciativa, em parte consequência da debilidade financeira e da ausência ou quase ausência de instituições creditícias que respondam às necessidades no campo de financiamento; acresce ainda que não existem estabelecimentos hoteleiros a nível de indústria turística, na verdadeira acepção, e não há escolas hoteleiras.
Por tais razões, não se pode falar propriamente de indústria de turismo na Guiné, mas, sim, da necessidade de criá-la, fomentá-la e desenvolvê-la. Essa necessidade manifesta-se de forma inquietante, como já frisámos, arrastando atrás de si todo um cortejo de problemas, que vai desde a simples organização ao financiamento, da criação de infra-estruturas à formação de quadros.
Já lá vão bem longe, infelizmente, os tempos radiosos de confiança da estância turística da praia de Varela, que atraía nacionais e estrangeiros em número considerável, ainda antes mesmo de existir o Centro de Informação e Turismo (C. I. T.); uma iniciativa louvável, em Bolama, de que já havia nascido um luxuoso hotel de turismo, uma estância balnear - a denominada praia de Ofir - e um centro de informação, cultura e turismo com órgão próprio - o jornal O Bolamense - não teve continuidade, apesar de toda a pujança inicial, e extinguiu-se antes mesmo do seu criador, o falecido administrador de concelho e nosso saudoso amigo, Camilo Montenegro, a quem um jornalista na altura classificou de "velho com espírito jovem".
Assim se resume a história do turismo na Guiné Portuguesa, com um passado breve mas digno de ser recordado, ao mesmo tempo que se lamenta a falta de continuidade, que toma foros de endemia no campo das grandes realizações naquela parcela da Nação. E quantos recursos se têm delapidado, desta maneira, e quanta riqueza se tem deixado de aproveitar no meio das maiores necessidades!
De entre os emprendimentos que têm conseguido escapar a este fatídico destino ocorre-nos lembrar duas geniais obras: a Missão do Estudo e Combate à Doença do Sono, hoje Missão do Combate às Endemias, que se deve ao actual Presidente do Conselho, Prof. Marcelo Caetano, aquando Ministro do Ultramar, e o Centro de Estudos da Guiné, com o seu órgão de divulgação, o Boletim Cultural, iniciativa ligada ao nome do que foi grande governador e amigo da nossa Guiné, o almirante Sarmento Rodrigues. A ambas as figuras cumpre-nos neste momento render homenagem.
Mas, com tudo quanto acabámos de referir, não queremos de forma alguma dizer que a Guiné Portuguesa não reúne condições para o desenvolvimento da indústria de turismo. Pelo contrário, pudemos, depois de alguma análise, descortinar as mais amplas e esperançosas perspectivas, e o que vamos dizer a seguir torna evidente que a actividade turística tem possibilidades de vingar, e há-de vingar, na Guiné, não só porque ainda não morreu nos Guinéus o desejo forte de ver a sua terra desenvolvida, mais progressiva e mais próspera, mas também porque há fundadas razões para muito se esperar da política dinâmica de uma Guiné melhor e de que é patrono esse grande português e guinéu do coração que é o general António de Spinola.
Na realidade, a Guiné possui excelentes condições naturais, tanto para a indústria turística - e não só para a actividade industrial - como também para qualquer actividade económica, quer no sector primário, quer nos outros sectores, como o comprovam estudos sérios já feitos. Carece-se, sim, é de uma organização adequada, e essa tem de existir sempre que se queira realizar obra útil e duradoura. É necessário que haja uma organização que materialize os ideais a prosseguir; capaz de mobilizar os recursos disponíveis - ou criá-los - e orientá-los para um objectivo definido, e que enquadre homens preparados, de cujo esforço conjunto vive e subsiste, sem depender de qualquer deles, isoladamente.
Uma organização de tal natureza não prescinde também da qualidade, assim como do carácter mais ou menos permanente, da contribuição que lhe prestam os homens que enquadra. A instabilidade, caracterizada por alterações sucessivas e frequentes nos quadros de uma organização, é ainda mais prejudicial do que a imutabilidade sistemática, pois se este traz consigo a estagnação, que é prelúdio da desagregação, aquela é causa de desperdícios de toda a ordem, que, por sua vez, levam à extinção por falência.
A este respeito, transcrevemos o que disse André Carnegie, célebre industrial americano conhecido por "rei do ferro":

Se me visse na contingência de perder ou as minhas fábricas ou a minha organização, não hesitaria em sacrificar as fábricas, que poderia reconstruir, ao passo que não poderia numa geração refazer a minha organização, isto é, um pessoal bem escolhido, bem formado, de que cada membro foi orientado para o caminho em que pode prestar mais serviço, foi habituado a colaborar com o seu chefe, com os seus colegas, com os seus inferiores.

O mal da Guiné tem sido a deficiência na organização, resultante do facto de os seus quadros se basearem fundamentalmente em elementos com permanência limitada na província, e não em elementos radicados. É esta a conclusão a que chegámos ao analisar as causas do aparecimento e desaparecimento sucessivos de iniciativas, em quase todos os campos, na província que temos a honra de representar neste Colégio.
Com aquela perspicácia que o caracteriza e define a sua acção governativa, o general Spinola compreendeu os inconvenientes de uma tal situação e por isso falou na regionalização dos quadros, medida louvável que já começa a ser ensaiada. Note-se que não se trata de africanização, expressão que, tal como europeização ou asiatização, não tem sentido nem significado numa sociedade multirracial como a nossa.
Regionalização não implica, necessariamente, africanização, no caso português, em que europeus enraizados na África se consideram tão africanos como os nativos e estes tão portugueses como os da Europa. Não tem relevância que fulano, que ocupa tal ou qual cargo, em função da sua capacidade e preparação e não como resultado de um favoritismo escan-

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daloso, seja branco, preto ou mestiço, assim como não interessa que seja europeu ou africano, cristão ou muçulmano; o que importa, isso sim, é que seja qualificado para a função respectiva e que esteja, de preferência, radicado na província, para que a sua contribuição tenha garantia de continuidade.
Aludimos, há pouco, às condições naturais que a Guiné possui para o desenvolvimento da indústria de turismo. Quais serão elas?
Em primeiro lugar, vamos referir as condições geográficas. A situação da Guiné é extremamente favorável ao turismo, quer nacional, quer internacional, pois, além de se situar a distância sensivelmente igual entre os territórios do hemisfério norte e os do hemisfério sul, no espaço português, pode-se ainda dizer que ela se acha situada no centro do Mundo, ou seja, do triângulo formado pelos três mais importantes continentes, excluindo aquele a que pertence: a Europa, a América e a Ásia. Juntamente com a província irmã de Cabo Verde, constituem, potencialmente, um eixo económico de extraordinária importância.
Do ponto de vista climático, com as suas duas estações de seis meses cada uma - a estação seca e a das chuvas -, a primeira das quais, que vai de Novembro ou Dezembro a Maio ou Junho, abrangendo o período do Inverno europeu, possui excelentes condições para servir o turismo dos países do Velho Mundo. Nesta estação, mais do que na outra, pode ser proporcionada àqueles que a desejam uma vida calma nas inúmeras praias das nossas ilhas e até de alguns litorais da parte continental, vida que contrasta com as agruras invernais da terra natal, onde normalmente vivem.
Mas, além desse factor climático, que permite uma longa permanência na praia, a quem quiser tirar proveito do ócio que uma vida economicamente desafogada proporciona, o vasto mosaico étnico, que constitui a população da província, oferece ao turista mais preocupado com a cultura intelectual um campo ilimitado de estudo etnológico, por meio do qual se pode descobrir de forma atraente, juntando o útil ao agradável, essa misteriosa cultura africana, que não está gravada nas pedras dos monumentos nem no papel das crónicas, sujeitos às intempéries do tempo, mas se acha fixada no espírito, contida nas suas lendas, nas tradições e costumes exóticos, nos rituais estranhos, na arte curiosa e impressionante, nos cantares dos judius (poetas ambulantes), nas danças de iniciação, etc.
Haverá ainda, como complemento, a riqueza dos rios e mares, em peixes de toda a espécie, e das florestas e savanas, em peças de caça de todos os tamanhos. E ficamos por aqui, embora muito pudéssemos ainda acrescentar, no que toca às condições naturais.
A acrescentar àquelas dádivas da Natureza, que fazem da Guiné Portuguesa um campo favorável ao turismo e à consequente indústria, existem ainda algumas condições criadas, insuficientes, é certo, mas que não são de desprezar. Vamos por isso referi-las, embora de forma sucinta. São elas, a saber:

Uma instituição de apoio e coordenação das actividades de turismo - o C. I. T. -, que apenas necessita de remodelação e adaptação às exigências actuais de desenvolvimento da indústria turística.
Um instituto de crédito - a Caixa de Crédito da Guiné - que deve ser reorganizado e orientado para a sua verdadeira finalidade, podendo assim beneficiar a indústria turística;
Uma infra-estrutura de transportes e comunicação que satisfaz plenamente nalguns sectores, necessitando de pequenas melhorias noutros;
Duas estâncias turísticas - de Bolama e da praia de Varela -, que já dispõem das competentes instalações, bastando serem recuperadas.

Dadas a limitada extensão territorial, a distribuição dos atractivos turísticos citados por todas as regiões e a facilidade de comunicação e transporte por todos os meios, a província da Guiné pode ser considerada, toda ela, uma vasta zona para turismo de toda a espécie.
Falámos da situação e dos problemas actuais relacionados com o turismo na Guiné. Vamos agora falar das perspectivas do futuro. Para tanto, valer-nos-emos de um estudo mandado elaborar pelo Governo da província com a colaboração do Ministério do Ultramar (Junta de Investigações do Ultramar) e destinado a servir de base à definição de uma estratégia geral de desenvolvimento daquele território, à luz da actual conjuntura sócio-económico.
Damos a seguir o testemunho daquele documento, transcrevendo por comodidade e imperativo do tempo, que nos falta na preparação desta intervenção, o que se disse sobre a matéria em debate:

Embora a província disponha de possibilidades animadoras no âmbito da exploração da indústria turística, não se tem registado nos últimos tempos qualquer movimento turístico na sua acepção. Os centros turísticos da praia de Varela e de Bolama não registam qualquer movimento [...] Crê-se, no quadro desta prospectiva, que o desenvolvimento turístico deva centrar-se no pólo de Bubaque, onde se não oferece, mesmo no campo imediato, qualquer factor limitativo.
O arquipélago de Bijagós oferece, em potencial, um vasto campo de acção totalmente aberto ao grande turismo internacional. Desde que resolvido o problema dos transportes internos e das acomodações em Bubaque, a ilha poderia já, numa primeira fase, constituir um centro de atracção do turismo de férias, interno, em especial dado o volume da população europeia deslocada que poderia passar aí as suas férias na província. Esta primeira fase serviria inclusivamente de suporte ao desenvolvimento posterior do turismo internacional [...] Em face das extraordinárias condições e beleza natural das suas ilhas, especialmente das de Bubaque e Caravela, é altamente aconselhável a promoção de uma campanha de propaganda, em larga escala, por forma a interessar a finança internacional ligada ao turismo e as grandes empresas de navegação marítima e aérea no estabelecimento e exploração de um grande complexo turístico à escala mundial.

Com vista a esse empreendimento, prevê-se uma série de medidas, das quais salientamos:

1) A construção, em local a seleccionar, de um aeroporto internacional para aviões de grande

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porte, a jacto, o que justificaria plenamente o interesse das grandes empresas aéreas: TAP, Air France, Pan American, TWA, Sabena, etc, e bem assim a interligação com os grandes empreendimentos turísticos nacionais (Algarve e Cabo Verde) e internacionais;
2) E o aproveitamento das excelentes praias existentes em quase todas as ilhas, comparáveis às da Florida e das ilhas do Pacífico.

Na mesma linha de considerações, prossegue o documento assim:

Os projectos decorrentes desta problemática implicarão também a atenção especial a diversos outros aspectos infra-estruturais a considerar.
A esta luz, não está o C. I. T. estruturado para este fim, para o que se impunha dispor de pessoal especializado e dos necessários gabinetes técnicos e ser dinamizado à luz do impulso que se pretende imprimir ao sector.
As possibilidades de recreio em Bissau são também escassas e resumem-se a um cinema insuficiente, estando projectada a construção de mais um cinema, incluído no projecto Ancar. Está ainda em estudo o pedido de licenciamento para um cine-esplanada em Bissau.
Finalmente, considera-se do maior alcance a instalação na província de uma estação emissora de radiotelevisão cobrindo todo o território.
A esta luz, considera-se, como último aspecto da problemática fundamental do sector, a necessidade de que todos os assuntos relacionados com acomodação, transportes turísticos, recreio e informação pública passem a ser responsabilidade de um centro de informação e turismo, para o efeito convenientemente reestruturado.

Passando ao plano das concretizações dos principais objectivos a atingir, como sejam: promover a máxima exploração das potencialidades turísticas dos Bijagós no quadro interno e internacional, proporcionando por essa via um acréscimo do rendimento; promover a disponibilidade em Bissau das facilidades de recreio com a finalidade de canalizar os lucros obtidos para investimento noutros sectores económicos; dotar a província com facilidades de recreio e expressão cultural adequadas ao bem-estar social da população e à promoção social em curso, além de outros, o documento a que nos reportamos traz no final deste capítulo uma série de programas de que extraímos os seguintes pontos:

4.9.4 - Programas propostos:

PRG 4940/CIT/1 - Reestruturação e reorganização do Centro de Informação e Turismo da Guiné.

PRG 4940/CIT/2 - Formação, com recurso a bolsas de estudo na metrópole, de naturais da província destinados ao Gabinete Técnico do Centro de Informação e Turismo.

PRG 4940/CIT/3 - Construção de uma pista de aterragem em Bubaque, na previsão da sua ulterior reconversão em aeroporto da classe G.

PRG 4940/CIT/4 - Melhoramento das ligações aéreas entre Bissau e Bubaque, à medida do desenvolvimento das respectivas necessidades.

PRG 4940/CIT/5 - Melhoramento das ligações marítimas entre Bissau e Bubaque, na medida em que tal se justificar.

PRG 4940/CIT/6 - Lançamento de uma campanha intensiva de propaganda turística dos Bijagós no âmbito internacional.

PRG 4940/CIT/7 - Instalação e apretrechamento de um centro turístico na ilha de Bubaque.

PRG 4940/CIT/8 - Instalação de uma rede de transportes entre as várias ilhas dos Bijagós, adaptada às exigências do seu desenvolvimento turístico.

PRG 4940/CIT/9 - Fomento e apoio da reconversão ou valorização das instalações hoteleiras actuais de Bissau.

PRG 4940/CIT/10 - Formação, com recurso a bolsas de estudo na metrópole e ao Serviço Provincial de Formação Profissional Acelerada, dos profissionais de hotelaria necessários ao desenvolvimento do sector.

PRG 4940/CIT/11 - Estudo técnico-económico do projecto Setur e das condições do seu financiamento, com projecção ao desenvolvimento do sector turístico e da procura de acomodações, com vista à sua oportuna e ajustada antecipação às necessidades.

PRG 4940/CIT/12 - Instalação de uma estação emissora de radiotelevisão cobrindo o território da província, apoiando a expansão do público telespectador com recurso ao aluguer de receptores.

Quanto ao papel que cabe ao Estado na realização prática dos empreendimentos preconizados, permitimo-nos mais uma e última citação. Desta vez, vamos ouvir a voz autorizada do Governador e comandante-chefe das Forças Armadas, general António de Spinola:
Não poderá dispensar-se a intervenção do Governo a todos os níveis de planificação e contrôle, intervenção que deverá processar-se fundamentalmente à luz do diálogo constante das autoridades com os representantes legítimos das diferentes forças produtivas.
Considera-se, assim, que esta prospectiva terá de desenvolver-se à luz dos cinco pontos de doutrina em que se tem baseado a política de desenvolvimento em curso na província: apoio à iniciativa privada, defesa da função social do capital, valorização do factor trabalho, ordenamento territorial e sectorial e intervencionismo ponderado. De outro modo, será de recear que as acções decorrentes de uma política de fomento possam conduzir a formas anti-sociais de evolução.

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No tocante à indústria do turismo, preconiza-se, em especial, a seguinte acção do Governo, através do Centro de Informação e Turismo: intervenção directa e pessoal junto de investidores potenciais ou empresas interessadas, adequada fiscalização das condições de exploração da indústria hoteleira, a publicação da legislação que se for revelando necessária à execução dos programas propostos, não se julgando que a acção governativa possa ir além de certo limite, reservando-se o campo restante à iniciativa privada, o que não exclui a hipótese da participação do Estado nos capitais das empresas quando seja necessária e se justifique.
E aqui terminamos a nossa intervenção, fazendo votos para que o desenvolvimento da indústria do turismo no ultramar, tanto como em todo o Portugal, possa ser uma realidade, o que tudo leva a crer que se verificará, mercê da boa vontade dos governantes, patente nas mais recentes medidas legislativas tornadas públicas.

Tenho dito.

O Sr. Castro Salazar - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Deputado David Laima, ao anunciar o seu aviso prévio sobre a indústria de turismo no desenvolvimento económico e social do ultramar, referiu-se à necessidade de se criar em Angola "uma indústria de turismo devidamente organizada", acrescentando que tudo o que lá se tem feito se caracteriza "por um confrangedor amadorismo". Julgo que com excepção de Macau e Moçambique, onde a indústria de turismo está há muito razoavelmente organizada e é fonte de vultosas receitas, as palavras do Sr. Deputado avisante podem-se aplicar a todo o ultramar. Daí a oportunidade, tanto da efectivação do aviso prévio como da generalização do debate, pedida pela Sra. Deputada D. Custódia Lopes. Aproveito a ocasião que se me oferece para desta tribuna cumprimentar e felicitar os dois ilustres Deputados.
Foi no pós-guerra que o turismo internacional começou a expandir-se e a adquirir uma importância cada vez maior na vida económica das nações; na última década houve o que se pode chamar uma autêntica explosão turística em todo o Mundo, a que não foi estranho a melhoria do nível de vida das populações, a facilidade dos meios de comunicação e rapidez dos transportes, e o relativamente calmo clima social que se vive hoje na maior parte dos territórios. O "fenómeno turístico" atinge quase todos os países, conseguindo penetrar mesmo naqueles que até há bem pouco tempo eram avessos à curiosidade de estranhos, como os países comunistas, e a sua expansão processa-se a ritmo cada vez mais rápido. Basta dizer que em 1970 o número total de turistas que atravessaram as fronteiras dos países da O. C. D. E. foi de 134 milhões, e o montante global da receita em divisas arrecadadas de 14 200 milhões de dólares; a taxa de crescimento do sector, nesses países, situou-se entre 10% e 16%. Não admira que para os países membros da O. C. D. E. o turismo fosse considerado uma das indústrias de exportação mais importantes e dinâmicas.
No Canadá, as receitas turísticas tiveram nesse ano de 1970 um acréscimo de 20%, totalizando 1200 milhões de dólares; nos Estados Unidos atingiram 2300 milhões de dólares, com um aumento de 13% em relação ao ano anterior; o Japão, onde se realizou nesse ano a Exposição Mundial de Ósaca, viu os seus visitantes europeus aumentarem 50% e as receitas turísticas 57%. Quanto à metrópole, atravessaram a sua fronteira, em 1970, 3 342 887 estrangeiros e o montante das receitas arrecadadas pelo turismo foi de 6368 milhares de contos; em relação a 1969, os acréscimos foram, respectivamente, de 20% e 32,9%. Compreende-se assim o interesse e a atenção especial que o turismo começou a merecer aos governos, não só pelos altos benefícios económicos que acarreta, mas também pela sua contribuição para um melhor conhecimento e compreensão entre os povos e enriquecimento cultural das populações, não sendo pois de estranhar a crescente intervenção dos poderes públicos neste sector. Os governos intervêm, definindo uma política nacional de turismo de acordo com os interesses dos respectivos países e criando ou aperfeiçoando as infra-estruturas indispensáveis ao desenvolvimento da indústria turística. A formação de pessoal técnico a todos os níveis, o estudo de correntes turísticas e suas motivações, a inventariação de características regionais capazes de criarem aí pólos de atracção turística, o fomento de redes de transporte e comunicações, o incentivo à construção de alojamentos e centros de diversão, etc., competem ao sector oficial, o qual, no entanto, deve manter com a iniciativa privada a mais íntima ligação. A complexidade da indústria turística, desde o estudo de mercados à prestação de serviços, da publicidade ao equipamento hoteleiro, da planificação regional às técnicas de gestão, exige cada vez mais, tanto do sector oficial .corno das empresas particulares, equipas de técnicos altamente qualificados. Ora, são de todos conhecidas as dificuldades com que lutam as províncias ultramarinas no que concerne a técnicos qualificados, nomeadamente técnicos de turismo, sobretudo nas províncias de governo simples.
Para sairmos do amadorismo a que se referiu o Sr. Deputado David Laima, necessitamos urgentemente de técnicos de turismo de nível superior, médio e subalterno e, como não temos escolas onde se formem, a assistência técnica da metrópole é-nos indispensável, se realmente pretendemos no ultramar um turismo em termos de indústria progressiva, capaz de influenciar o desenvolvimento e expansão da sua economia. E não só assistência técnica, mas também uma coordenação a nível superior, no seio de um único departamento de turismo para todo o espaço português. Lembro o que a este propósito escreveu o Sr. Prof. Silva Cunha, ilustre Ministro do Ultramar: "Não pode esquecer-se que o País é um só e, portanto, como em todos os sectores da vida pública e privada, é à escala nacional que se deve fazer a coordenação das grandes directivas a que deve obedecer a política de turismo." (Silva Cunha, in "Política de Turismo no Ultramar", Revista Ultramar, n.° 24.)
Sem prejuízo de uma sempre saudável e apetecida descentralização regional, teria enormes vantagens a coordenação em cúpula do turismo como serviço nacional: definição de uma única política de turismo; maior facilidade de assistência técnica às regiões mais carecidas e no preenchimento dos seus quadros; publicidade turística no estrangeiro, abrangendo todo o território nacional, o que até politicamente teria van-

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tagens inegáveis; integração a mais curto prazo das províncias ultramarinas nos circuitos turísticos dos estrangeiros que visitam a metrópole, e desta nos dos que visitam o ultramar; fomento do turismo interno entre a metrópole e as províncias ultramarinas e vice-versa, etc.
Um grande passo se deu já nesse sentido, com a publicação pelo Ministério do Ultramar do Decreto-Lei n.° 108/73, em 16 de Março do corrente ano, dotando os centros de informação e turismo de cada província "com os quadros técnicos que lhes permitam desempenhar eficazmente as funções que lhes competem", e anunciando que "serão fixados os termos em que se estabelecerá a cooperação entre a Secretaria de Estado da Informação e Turismo, a Agência-Geral do Ultramar e os centros de informação e turismo".
Sr. Presidente: A avidez de sol, de calor, de céu azul e de praia é, segundo o Prof. Kurt Krapt, director da Federação de Turismo de Berna, um dos aspectos principais que caracterizam o turismo de hoje. Explica-se assim a deslocação cada vez mais para o Sul das correntes turísticas, sobretudo as provenientes dos países frios do Norte da Europa. As praias da Tunísia, do Médio Oriente, de Marrocos e das Canárias são hoje grandes centros de atracção turística. Cabo Verde, Guiné e S. Tomé e Príncipe situam-se justamente na rota dessa deslocação para o Sul, e prevê-se que dentro em breve se tornem em outros tantos pólos de atracção.
São enormes as potencialidades turísticas de S. Tomé e Príncipe. Situadas no golfo da Guiné, a escassas três centenas de quilómetros da costa africana, as ilhas que constituem o arquipélago, cobertas de vegetação luxuriante que desce das altas montanhas até ao mar, são de uma beleza extraordinária. As suas águas calmas, límpidas e tépidas banham lindíssimas praias de areias finas e douradas, ou formam pequenas baías e enseadas verdadeiramente paradisíacas.
Mas não é só a beleza da terra e a amenidade do clima, o azul do céu e o sol radiante dos trópicos que fazem das ilhas de S. Tomé e do Príncipe autênticos cartazes turísticos. A sua fauna marítima é riquíssima, sobretudo em espécies que fazem a delícia dos apreciadores da pesca desportiva: a grande barracuda, o atum amarelo (alisou), o veleiro (sailfish), o espadim (marlin), o dourado (dolphin), a tainha (tarpoon), o peixe-fumo (cavala gigante) e tantas outras espécies que seria fastidioso continuar a enumerar; a agradável temperatura das águas e a sua excepcional limpidez concorrem, juntamente com a riqueza piscícola, para que a caça submarina seja intensamente praticada na província.
A gente de S. Tomé, afável, hospitaleira, acolhedora, possui um folclore valiosíssimo; a música, a dança e as representações, sem deixarem de ter um certo sabor africano, reflectem, todavia, indiscutível aculturação lusíada.
Riquíssima é a cozinha regional são-tomense, em que o paladar africano e europeu se juntam numa "simbiose gastronómica estranha e saborosa".
O artesanato local tem a sua maior expressão nos trabalhos de tartaruga, que atingem perfeição notável.
O turismo de montanha tem também boas perspectivas em S. Tomé, onde a 900 m de altitude existe já uma pousada, sem dúvida a melhor instalação hoteleira da província, muito procurada pelos turistas vindos dos países africanos vizinhos, que preferem à praia o tonificante clima fresco da montanha, o sossego e o repouso que esta estância de turismo oferece. Creio que esta pousada deveria ser integrada num complexo turístico mais amplo, com, pelo menos, mais uma unidade hoteleira, campo de jogos polivalente, piscina de água doce, e outros meios de distração que não colidissem com a característica de calma e repouso da estância.
As infra-estruturas turísticas da província são, contudo, ainda muito precárias. Na cidade de S. Tomé há um único estabelecimento hoteleiro (a Pousada S. Jerónimo), algumas pensões e restaurantes, sendo reduzido o número de leitos disponíveis e deficiente o serviço na maior parte dos estabelecimentos; os locais de distracção para turistas resumem-se a uma piscina, um cinema e um campo de jogos. A província possui uma modelar rede de estradas, que cobre a maior parte do território, não existindo, contudo, mercê de determinados condicionalismos, acesso fácil às praias, nem estas possuem qualquer espécie de urbanização e acomodações que tornem cómoda a sua utilização.
O problema das ligações com o exterior é o principal obstáculo à expansão do turismo em S. Tomé, e sem a sua resolução é quase ocioso pensar-se em indústria turística nas ilhas. No que diz respeito a ligações marítimas, os navios nacionais de passageiros que escalam o porto de S. Tomé vão rareando de ano para ano, estando hoje a província incomparavelmente mais mal servida do que há trinta anos.
Os passageiros em trânsito que, ainda há poucos anos, desembarcavam dos paquetes que então demandavam o porto - pelo menos cinco em cada mês - e animavam com a sua presença as ruas e praças da cidade, faziam compras, visitavam os pontos turísticos da ilha e enchiam os restaurantes e esplanadas, já se não vêem com a mesma frequência, pois agora os nossos paquetes raras vezes escalam S. Tomé. As ligações aéreas com o exterior são feitas pela TAP através de Luanda, e somente nos meses de Verão há duas carreiras semanais. A província não possui nenhum porto com cais acostável para navios de longo curso, e a pista do Aeroporto, com cerca de 2000 m de comprimento, não permite o tráfego de grandes aviões a jacto.
Como se vê, para aproveitamento, em termos de turismo, das extraordinárias belezas naturais e demais elementos que constituem cartaz de propaganda turística, com que Deus dotou o arquipélago de S. Tomé e Príncipe, há toda uma estrutura a montar e algumas opções a fazer.
É verdade que tanto a Secretaria de Estado da Informação e Turismo como a Agência-Geral do Ultramar têm fornecido valioso apoio, enviando técnicos qualificados à província para estudar os problemas mais imediatos de turismo e ajudar a definir linhas de orientação; é verdade que os directores do C. I. T. provincial, que nos últimos anos têm chefiado os serviços, apoiados pelo restrito pessoal de que dispõe, puseram e põe ao serviço do turismo são-tomense todo o entusiasmo e inteligência, e muito do que neste sector há feito em S. Tomé deve-se em grande parte à sua dedicação e carinho; é verdade que o Governo da província tem dedicado a este problema a sua melhor atenção, inclusivamente con-

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tribuindo com as verbas indispensáveis ao apetrechamento do território em infra-estruturas mais urgentes e produzindo legislação adequada ao desenvolvimento da indústria turística e sua disciplina, como ainda recentemente mandando publicar o Regulamento das Agências de Viagem e de Turismo; é verdade também que se tem verificado nos últimos anos um certo incremento de turismo, tendo em 1972 entrado na província 1414 estrangeiros, dos quais 737 franceses e 338 americanos. Trata-se de um turismo especial - turismo de fim-de-semana -, praticado sobretudo por indivíduos de raça europeia radicados nos territórios africanos vizinhos, que com suas famílias aí vão passar às ilhas do Equador alguns dias de férias, mas também, não raro, por nativos desses países africanos, que se deslocam a S. Tomé para gozar a bondade do clima e beneficiar da hospitalidade portuguesa, que em África ou em qualquer outra parte do Mundo é sempre fidalga e acolhedora.
Mas todas estas verdades só podem vir em reforço do grande desejo que todos sentimos em S. Tomé e Príncipe de vermos em breve a província guindada ao lugar a que tem direito de zona turística internacional.
Eu creio que, para essa aspiração se tornar em consoladora realidade, ter-se-á de atender às seguintes necessidades, que julgo mais urgentes:

a) Apoio financeiro e técnico da metrópole;
b) Prolongamento da actual pista do Aeroporto de S. Tomé, de modo a permitir a sua utilização por aviões quadri-reactores, tipo Boeing 707;
c) Melhoria das ligações aéreas e marítimas com o exterior;
d) Adopção por parte da companhia que mantém o exclusivo das carreiras aéreas entre a metrópole e o ultramar de uma política aérea mais liberal, nomeadamente não pondo obstáculos à realização de voos charters para S. Tomé, e promovendo cruzeiros IT de outras parcelas do território nacional para a província;
e) Formação de uma sociedade de economia mista para exploração na província da indústria turística;
f) Promover a formação de profissionais de turismo e sua fixação na província;
g) Fomentar por meio de incentivos a indústria turística, independentemente de outros problemas de infra-estruturas que seria ocioso enumerar.

Vou terminar, Sr. Presidente, manifestando a esperança de que a economia de S. Tomé e Príncipe, estreitamente ligada à produção e comercialização de produtos tropicais, sem indústrias que lhe permitam uma confortável independência em relação às contingências da economia agrária, encontre no turismo a força que a robusteça e dinamize.

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Santos Almeida: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em boa hora decidiu o nosso colega de Angola Deputado David Laima trazer a esta Assembleia o problema turismo no ultramar.
Trata-se de facto de problema que bem pode ser considerado como daqueles que mais merecem uma muito especial atenção por parte dos responsáveis pela condução dos negócios económicos do ultramar, já que não se ignora hoje o extraordinário peso que o desenvolvimento do turismo pode ter no progresso económico de um território. É aliás bem frisante o exemplo da metrópole, em cuja economia o turismo está tendo reflexos cada vez mais acentuados e significativos, mercê da já actual existência de uma série de estruturas e organizações mais ou menos perfeitas, que, quando observadas por aqueles que, como nós, se mantiveram afastados da metrópole durante longos anos, nos fazem sentir ter-se realmente aqui enveredado decididamente por uma política de promoção turística digna de todo o louvor, e que deu ao sector o impulso que sentimos faltar ainda em Moçambique, não obstante os esforços válidos que têm sido feitos.
Reconhece-se, de facto, que a iniciativa privada, sentindo-se naturalmente apoiada pelos departamentos oficiais competentes, se lançou nos investimentos turísticos de modo afoito, acreditando finalmente na rentabilidade da indústria e procurando, portanto, o seu desenvolvimento através de organizações de dimensão cada vez maior.
Nota-se realmente que aquela confiança compreensivelmente indispensável para que o capital saia da apatia, ultrapassando a mediocridade dos investimentos para se lançar decididamente em realizações de vulto, existe na metrópole.
Mas as possibilidades no ultramar, e em especial referimo-nos a Moçambique, não são menores, Sr. Presidente e Srs. Deputados.
Há, evidentemente, que considerar as diferenciações existentes, há que usar técnicas diferentes, dirigidas, aliás, a tipos de turismo diferente. É verdade que assim é. Mas há realmente possibilidades fantásticas, campos a explorar tão férteis, em termos de rentabilidade, como cá, quer se encare o problema sob o ponto de vista de rentabilidade para a entidade privada, quer sob o interesse para o Estado, em termos de divisas. Neste aspecto ousamos até afirmar que o atractivo é ainda maior, pois se a um investidor privado pouco interessa se o seu investimento representa muito ou pouco consumo de divisas externas, visto que o avalia pelo dispêndio que tem de fazer da sua própria moeda, exigindo desse investimento uma rentabilidade razoável em igual moeda, ao Estado, a esse, interessa imenso, sobretudo, que o investimento represente um mínimo de consumo de divisas e dele se obtenha o máximo dessas mesmas divisas.
E não encontramos empreendimentos industriais que melhor se enquadrem nestas permissas.
Contrariamente à maioria dos grandes empreendimentos industriais (cujo enorme interesse não pomos em causa, evidentemente), os investimentos turísticos não exigem grande dispêndio em maquinaria ou outros bens importados. Hotéis, outros edifícios, acessos, parques, piscinas, etc., fazem-se quase que apenas com produtos locais e com uma enormíssima incidência de mão-de-obra, igualmente local, vendendo serviços, em divisas de que tanto necessitamos. E é talvez o turismo a actividade que mais reflexos tem numa quantidade de outras actividades, que paralelamente com ele se desenvolvem.

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Já ouvimos pessoas das mais responsáveis argumentar contra esta óptica com o facto de grande quantidade de divisas provenientes do turismo não dar presentemente entrada no Fundo Cambial, visto ser retida por particulares e negociada no mercado negro. Discordamos, pois há que considerar que tal retenção só se verifica dado o facto de não haver acesso a divisas por um modo legal, situação que, evidentemente, tem de ser rapidamente combatida. Mas, mesmo enquanto se matém tão apertada como hoje é de facto indispensável que seja, pois sejamos suficientemente francos ou suficientemente realistas para considerar que, assim mesmo, elas preenchem lacunas que poderiam ser perigosíssimas. Aquietam ânimos que poderiam por vezes exaltar-se, evitam ou atenuam situações delicadas c difíceis.
De resto, existem meios de contrôle, evidentemente, cuja eficácia depende da actuação do organismo oficial competente, que, aliás, tomou já algumas acertadas medidas.
Não vemos, portanto, que não tenhamos de considerar o turismo como um dos sectores que maior e mais rápida ajuda poderão dar ao problema económico de Moçambique e também como um sector altamente rentável para o empreendedor de ideias rasgadas, que saiba planear com uma óptica formada à luz de modernos conceitos de dimensão e eficiência.
Entendemos desnecessário falar detalhadamente das potencialidades do território. Outros colegas, aliás, o fizeram já e com mais propriedade.
São simplesmente fantásticas e têm, quanto a nós, duas grandes divisões: o turismo dos países vizinhos, com as possibilidades resultantes da existência de um mercado enorme, como o da República da África do Sul, economicamente poderoso e cansado das suas próprias zonas, ávido e apaixonado pelo ambiente diferente, continental, como lhe chamo, que encontra em Moçambique, e o turismo europeu e americano, cada vez mais inclinado para o exotismo de África, mais atraído pela sensação nova de visitar continentes diferentes.
Ora, para o desenvolvimento do turismo, que tente abranger, sobretudo, este segundo grande grupo, entendemos indispensável a cooperação de empresas turísticas de nível internacional, de larga experiência e dispondo de ligações e estruturas de captação que lhes permitam o encaminhamento dos turistas para a nossa África.
E é assim que, francamente, muito gostaríamos de ver viradas para Moçambique aquelas empresas metropolitanas, que se podem realmente considerar já de dimensão internacional, cuja experiência e ligações, mais importantes do que o capital que na realidade existe actualmente na província, constituirão verdadeira garantia do êxito dos empreendimentos.
Supomos mesmo que o Governo poderia de algum modo estimular tais organizações, entusiasmando-as, facilitando por todos os meios a sua extensão a Moçambique. Contribuir-se-ia, assim, não só para a solução do problema económico do Estado, que é de todos os portugueses, como igualmente para aquele intercâmbio ou interligação que entendemos ser nosso dever tentar que seja cada vez mais forte.
Consideramos haver ainda um outro argumento válido, militando a favor dos esforços que se fizerem no sentido de desenvolver o sector de turismo a que chamámos europeu e americano, nos dois grandes grupos a que nos referimos. É ele a divulgação de Moçambique. Do território, das suas gentes, do nosso modo harmonioso de viver, enfim!
No aspecto político entendemos serem inegáveis os benefícios que pudermos extrair e abstemo-nos até de aprofundar a sua análise.
Sem espírito de crítica, pois bem compreendemos as razões que nos levam a assim proceder, gastam-se fortunas levando à província, como convidados, entidades estrangeiras.
Pois muitos poderemos realmente atrair, sem dispêndio, antes pelo contrário, tirando daí vastos proveitos.
Por tudo isto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, não podemos deixar de considerar extremamente válida e necessária a colaboração no campo turístico que estamos tratando, como, aliás, em muitos outros, entre as províncias e a metrópole, não só a nível oficial, como a nível privado ou empresarial.
Serão, aliás, os laços nos dois campos que hão-de continuar a unir, de modo indestrutível, todas as parcelas do território nacional, qualquer que seja o futuro grau de autonomia de cada uma delas.
E tudo quanto hoje fizermos nesse sentido será, naturalmente, largamente compensado pela estabilidade económica e política que pretendemos manter no futuro, que terá necessariamente de continuar a resultar de modo natural, fruto da vontade e do portuguesismo de todos e também da interligação de interesses que intensificam os laços económicos.
Face à felizmente extraordinária abundância de meios financeiros existente na metrópole, onde os investidores parece encontrarem dificuldades para empregarem os seus recursos disponíveis, e às enormíssimas potencialidades de Moçambique no turismo, como, aliás, noutros campos, dir-se-ia que apenas nos falta um pouco de confiança no futuro do ultramar para que nos lancemos na exploração dos seus recursos, que ninguém duvida serem portentosos. De resto, repetimos que existem actualmente em Moçambique meios internos capazes de participar largamente em empreendimentos de vulto, desde que apoiados em técnica e em estruturas existentes.
E justamente no momento em que o Conselho Ultramarino, por feliz iniciativa do Sr. Ministro do Ultramar, se debruça sobre o momentoso e importantíssimo problema dos investimentos no ultramar, encarando com particular interesse as possibilidades do sector privado, achamos oportuno expressar o nosso veemente desejo de que venha Moçambique a beneficiar também, no campo do turismo, de uma política de verdadeiro estímulo e atracção, que na prática resulte capaz de originar realizações válidas, de dimensão e estruturas adequadas às suas possibilidades.
Numa palavra de devida justiça, não queremos deixar de afirmar que muito se deve já à iniciativa privada da própria província, a quem cabe o mérito das organizações que suportam actualmente umas largas centenas de milhares de turistas por ano. Igualmente apreciamos o esforço que a nível oficial está sendo feito e que a recente Lei Orgânica do Turismo no Ultramar virá certamente dinamizar.
Entendemos, no entanto, que a dimensão dos empreendimentos que se impõem exige, ou, talvez melhor dizendo, exige e admite, uma ampla participação de todos.

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Daí o estarmos inteiramente com o Governo em todas as possíveis medidas que entenda tomar no sentido de interessar os capitais e, acima de tudo, a experiência metropolitana, em realizações em Moçambique. Julgamos até que não seria descabida a existência de empresas de capital misto, em que participassem, além do Governo local, através do Instituto de Crédito, por exemplo, que sabemos estar a dedicar ao turismo uma certa atenção, capitais locais e metropolitanos. A participação do I. C. M., sempre que aceite, daria obviamente ao Governo uma maior garantia quanto ao correcto caminho das divisas obtidas.
Quanto às empresas metropolitanas que se estendessem a Moçambique e além das esplêndidas perspectivas em termos de rentabilidade directa (lembramos que a lei permite a transferência de dividendos quando resultantes da aplicação de capitais que legalmente deram entrada no Estado), elas adquiririam ainda uma dimensão maior, projectando-se em continentes diferentes, donde resultaria até um prestígio com fortes reflexos na sua própria posição na metrópole.
E estamos em crer que poderíamos nós, Portugueses, chegar brevemente à posição de não sermos forçados a aceitar que passem para as mãos de estrangeiros verdadeiros mananciais de riqueza, se devidamente explorados, como nos dizem ter recentemente acontecido com as célebres ilhas do Paraíso.
Não desejamos deixar a impressão de que somos contra os investimentos estrangeiros. Lamentamos é que, sobretudo em campos como este, sejamos forçados a reconhecer a impossibilidade de sermos nós próprios a realizar, aceitando, portanto, confrangedoras soluções, preferíveis, contudo, à estagnação ou mesmo ao declínio das organizações existentes, por incipiente exploração.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Queremos ser breves. É nosso desejo dar apenas uma pequena achega ao problema em discussão, aliás já perfeitamente debatido pelos colegas que nos antecederam, e forçosamente cairíamos em repetições se tivéssemos a pretensão de o desenvolver extensamente.
Há, no entanto, um outro ponto específico que desejaríamos referir, ainda que reconheçamos ter sido já aflorado: o problema das zonas de jogo.
Bem conhecemos os argumentos normalmente invocados para justificar a relutância com que o Governo tem encarado este assunto. Francamente, com eles não concordamos. De resto, a sua validade não poderia ser considerada apenas quando o problema é situado no ultramar. Existem na metrópole antigas e recentes zonas de jogo. Supomos que a legislação que tem por finalidade assegurar o seu contrôle tem actuado de modo perfeito, e por aquilo que nós próprios constatámos, quer-nos até parecer que poucas fiscalizações se processam tão eficientemente.
Por que não permitir então a instalação de casinos no ultramar, adoptando as mesmas medidas de segurança, ainda que com as adaptações que os condicionalismos locais porventura exigem?
Poderá alegar-se que o jogo em si só não representaria uma corrente muito grande de turistas. Duvidamos, mas enfim! Não nos esqueçamos, no entanto, que, aliado ao jogo, seria facílimo fazer surgir verdadeiros complexos turísticos de extraordinário interesse, que poderiam atrair um número elevadíssimo de turistas não jogadores. Com a garantia da rentabilidade proveniente das salas de jogo, entidades privadas poderiam realmente edificar, mediante condições mínimas logo impostas, amplos complexos nos quais os casinos se encontrariam integrados, constituindo fortes pontos de atracção para esses mesmos complexos e até para toda a zona em que eles se situassem.
Note-se a beleza do Casino Estoril e de toda a zona adjacente e repare-se no enormíssimo número de turistas que o visitam sem a finalidade do jogo, nos espectáculos e outras organizações que anualmente lá têm lugar.
Entendemos, pois, que a constituição de algumas zonas de jogo no ultramar, particularmente em Moçambique, poderia representar um forte impulso no turismo e, além do mais, não descortinamos por que razão se faz diferenciação entre os territórios. De resto, até os perigos que alguns possam ver na existência do jogo poderão ser extremamente minimizados através de uma adequada localização das zonas, sua facilidade de acesso, facilidade de contrôle, etc.
Aqui deixamos, portanto, o nosso parecer sobre um assunto que, quanto a nós, é basilar para a exploração do nosso turismo, até porque ele conta, como muito bem aqui fez notar há dias o Sr. Deputado Roboredo e Silva, com a concorrência às suas portas dos casinos da Suazilândia e Rodésia, que retêm milhares de turistas que certamente se deslocariam ao nosso território se nele encontrassem o atractivo do jogo aliado às praias de que tanto gostam.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Como homens que vivem intensamente os problemas de Moçambique, seja qual for o campo em que se situam, e conscientes de que o indispensável progresso social não pode deixar de estar directamente relacionado com o seu progresso económico, terminamos estas brevíssimas considerações fazendo sinceros votos para que da discussão deste aviso prévio sobre turismo algo de realmente positivo resulte para bem da economia do ultramar, e de Moçambique em especial, evidentemente.
Ao Sr. Deputado avisante testemunhamos o nosso reconhecimento por ter originado este importante debate.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Sá Viana Rebello: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Deputado Fernando Laima achou por bem trazer a esta Assembleia um assunto de muito interesse para o ultramar e até para a Nação no seu conjunto indestrutível, que é o do turismo nas vastas parcelas do espaço português, que, mercê do clima, dos costumes, das belezas naturais, de tantos requisitos agradáveis à vista e à sensibilidade, são já, ou serão num futuro oxalá breve, as metas a atingir por gentes ávidas de bem-estar ou da satisfação de curiosidades.
Bem haja, Sr. Deputado Fernando Laima, pela ideia levantada e em tão boa hora posta à discussão. Alguns ilustres membros da Assembleia Nacional já trataram deste importante assunto e eu também desejo acrescentar alguns elementos e faço-o transmitindo as conclusões da última "mesa-redonda" realizada em

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Luanda sobre turismo, conclusões ainda não publicadas e, portanto, desconhecidas, o que traz certo interesse ao que vou proferir.
Essa "mesa-redonda" foi promovida pela Câmara Municipal de Luanda em Fevereiro do ano corrente e serviu de intróito ao 2.° Colóquio de Turismo que a mesma Câmara promoverá de 28 de Setembro a 4 de Outubro através da sua Comissão de Turismo e com o apoio do Centro de Informação e Turismo de Angola.

O Sr. David Laima: - V. Exa. dá-me licença?

O Orador: - Fazia favor.

O Sr. David Laima: - Pois, Sr. Deputado, eu, como maior responsável do sindicato que tutela os profissionais da indústria do turismo em Angola, quero pedir autorização para exprimir aqui o nosso sentir muito magoado por não termos sido convidados a participar nessa mesa-redonda. Com uma franqueza que me é nata e bem conhecida, eu diria mesmo que nessa mesa-redonda esteve muita gente que não teria lá nada que fazer e que os trabalhadores da indústria do turismo foram, esquecidos deploravelmente.
Aqui fica, pois, a expressão do meu sentir magoado.
Muito obrigado.

O interruptor não reviu.

O Orador: - Eu quero responder a V. Exa., dizendo que as pessoas que assistiram à sessão tinham com certeza muito que fazer lá, porquanto os assuntos do turismo são para toda a gente. Em segundo lugar, acho que, se houve de facto essa falta, e acredito que a haja, eu, quando for para Luanda, procurarei junto dos responsáveis pela mesa-redonda fazer sentir e chamar-lhes a atenção para essa omissão.

O Sr. David Laima: - Muito obrigado, Sr. Deputado, e eu sabia que assim sucederia.
Muito obrigado.

O Orador: - O primeiro colóquio realizou-se em Setembro de 1972 na cidade de Nova Lisboa. Há, como se verifica por este apontamento, grande entusiasmo na discussão do turismo nas terras de Angola que aqui represento.
Ora, as conclusões a que me referi são as seguintes:
Foi reconhecido que, embora zona prioritária de turismo, Luanda é, por assim dizer, uma "porta aberta" para o turismo angolano, havendo que evitar dicotomias no que se realizar no sector.

O Sr. David Laima: - Muito bem!

O Orador: - Angola, e principalmente a sua capital, à qual o turismo externo não pode confinar-se, tem excepcionais condições para movimentar correntes de tráfego turístico, em especial como centro receptor.
O turismo em Luanda, e logo o angolano, deve integrar-se numa política económica global e obedecer a uma política própria que está por programar.
É necessário definir os mercados externos que interessa promover e orientar em sua intenção o fomento turístico.
Urge inventariar as zonas turísticas e seus recursos, sendo ponto assente que graças à sua excepcional situação e às motivações que já oferece Luanda é o principal centro turístico de Angola e que por isso requer prioridade nos esforços a desenvolver.
É indispensável o fomento no estrangeiro da propaganda turística de Angola, e pelas razões expostas da zona de Luanda, tarefa a desempenhar em primeiro lugar pelo Estado e na qual também incumbem responsabilidades à iniciativa privada, nomeadamente às empresas de transportes aéreos e às agências de viagens e turismo.
A importação de turistas não deve limitar-se aos mercados da África Austral, sendo de atender desde já os europeus e outros, em prioridades a estabelecer após estudos de marketing.
O aumento desejável da corrente turística deve ser progressivo e cuidadosamente planeado, em função de uma programação que vise a superação dos índices de crescimento neste momento previsíveis.
O decréscimo do custo dos transportes aéreos revela-se necessário para a exequibilidade de qualquer tentativa de atracção de maiores correntes turísticas, sendo conveniente, nomeadamente, estudar a adopção de regimes de voos diferentes dos agora praticados.
Luanda não está preparada para receber turistas em número avultado, porque há necessidades correntes que estão por satisfazer ao nível do viver habitual do citadino e que é preciso estudar e resolver, pois a sua ocorrência influenciaria desfavoravelmente o visitante.
Reconhece-se que as soluções urbanísticas em estudo e em curso na capital têm já incidência no panorama turístico de Luanda, mas há que completar o estudo das potencialidades existentes na cidade e seus arredores, criar nela e nas suas circunvizinhanças novos pólos de atracção e extrair melhor aproveitamento das suas riquezas naturais e do seu património.
A rede de restaurantes e estabelecimentos similares existente em Luanda é qualitativamente insuficiente, impondo-se a revisão das suas condições de funcionamento, designadamente através de uma maior fiscalização, não só repressiva como formativa e esclarecedora, e da melhoria obrigatória das suas condições sanitárias.
A indústria de hotelaria corresponde presentemente ao fomento turístico que se desenha em Luanda, mas um certo empirismo nas soluções adoptadas na criação de novos estabelecimentos, por falta de programação adequada, pode colocar em causa a rentabilidade da sua exploração e prejudicar os interesses do turismo.
A expansão turística já patente faz avultar a carência de mão-de-obra especializada, a evitar .por aumento de interesse pela aprendizagem de novos elementos e aperfeiçoamento dós exis-

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tentes, competindo a concretização desse objectivo à escola hoteleira, a qual deve acrescer as suas disponibilidades e acção, e aos empresários e profissionais, até agora dissociados do problema; sendo imprescindível, concomitantemente, modificar a estrutura do grémio representante do sector e melhorar as suas condições, para evitar a fuga, que ora se regista, para outras actividades; e estudar a revisão das taxas de serviço como achega para a concretização de última finalidade.
A falta de equipamento hoteleiro resultante das restrições em vigor na importação prejudica as unidades existentes e as que estão em curso de instalação ou vão ser criadas, devendo merecer um regime preferencial a aquisição em mercados externos de bens de consumo de utilidade turística.
As agências de viagem e turismo lutam com dificuldades de ordem burocrática que dificultam a sua acção e que devem ser solucionadas mercê da intervenção oficial e, por outro lado, devem participar num esforço de fomento turístico do qual têm estado de uma forma geral alheadas.

Estas as conclusões a que se chegou na mesa redonda, que, sendo um contributo válido para qualquer discussão sobre turismo angolano, não traduz o esgotamento das considerações que ele suscita.
Luanda pode ser, de facto, o pólo principal da atracção dos turistas. Possui praias extensas e com trezentos dias de sol, uma reserva de caça a 50 km de distância, o peixe-prata nas barras dos rios Dande e Cuanza, locais históricos que recordam, a quem a visita, os seus 400 anos de existência, folclore interessante e o apoio de uma cidade onde nada falta. Mas em Angola há mais, existem imensos pontos de interesse turístico como, por exemplo e sem muito rebuscar, as majestosas quedas do Duque de Bragança, as imponentes Pedras Negras, o maravilhoso deserto de lona, os safaris das terras do fim-do-mundo e, acima de tudo, o encanto fascinante, que enfeitiça, do enraizamento das suas cidades, da vastidão das suas terras e da lhaneza das suas gentes.
Posto isto, dou o pleno acordo ao aviso prévio do Sr. Deputado Fernando Laima sobre o turismo no ultramar.

Vozes: - Muito, bem!

O Sr. Presidente: - O debate concluir-se-á na sessão de amanhã. Antes de fixar a ordem do dia para essa sessão convoco a nossa Comissão de Legislação e Redacção para se reunir na próxima segunda-feira, dia 9, pelas 17 horas e 30 minutos, a fim de se ocupar de matéria nova que já despachei para ela.
Amanhã haverá sessão à hora regimental. A ordem do dia dividir-se-á em duas partes: na primeira parte concluir-se-á a apreciação do aviso prévio do Sr. Deputado David Laima sobre a indústria do turismo no desenvolvimento económico e social do ultramar; na segunda parte iniciar-se-á a discussão na generalidade da proposta de lei de terras do ultramar.
Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 30 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
António Bebiano Correia Henriques Carreira.
Delfim Linhares de Andrade.
Gustavo Neto Miranda.
João António Teixeira Canedo.
João Bosco Soares Mota Amaral.
João Duarte Liebermeister Mendes de Vasconcelos Guimarães.
João Duarte de Oliveira.
João Manuel Alves.
João Paulo Dupuich Pinto Castelo Branco.
Joaquim de Pinho Brandão.
José João Gonçalves de Proença.
Júlio Dias das Neves.
Manuel Valente Sanches.
Rogério Noel Peres Claro.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Albano Vaz Pinto Alves.
Alberto Marciano Gorjão Franco Nogueira.
Amílcar Pereira de Magalhães.
António Pereira de Meireles da Rocha Lacerda.
Artur Augusto de Oliveira Pimentel.
Augusto Salazar Leite.
Deodato Chaves de Magalhães Sousa.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Fernando Artur de Oliveira Baptista da Silva.
Fernando do Nascimento de Malafaia Novais.
Francisco António da Silva.
Francisco Correia das Neves.
Francisco Esteves Gaspar de Carvalho.
Francisco José Pereira Pinto Balsemão.
Francisco de Nápoles Ferraz de Almeida e Sousa.
Henrique dos Santos Tenreiro.
João Ruiz de Almeida Garrett.
Joaquim Carvalho Macedo Correia.
Joaquim Jorge Magalhães Saraiva da Mota.
Jorge Augusto Correia.
José Coelho Jordão.
José Dias de Araújo Correia.
José Gabriel Mendonça Correia da Cunha.
José dos Santos Bessa.
José da Silva.
José Vicente Pizarro Xavier Montalvão Machado.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Luís Maria Teixeira Pinto.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel José Archer Homem de Mello.
Manuel Marques da Silva Soares.
Olímpio da Conceição Pereira.
Tomás Duarte da Câmara Oliveira Dias.
Vasco Maria de Pereira Pinto Costa Ramos.
Victor Manuel Pires de Aguiar e Silva.

Página 4908

IMPRENSA NACIONAL - CASA DA MOEDA PREÇO DESTE NÚMERO 9$60

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