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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL E DA CÂMARA CORPORATIVA
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 11
ANO DE 1973 12 DE DEZEMBRO
ASSEMBLEIA NACIONAL
XI LEGISLATURA
SESSÃO N.º 10, EM 11 DE DEZEMBRO
Presidente: Exmo. Sr. Carlos Monteiro do Amaral Netto
Secretários: Exmos. Srs.
Manuel Homem de Oliveira Themudo
Amílcar da Costa Pereira Mesquita
Nota. - No n.º 2 do Diário das Sessões, de 17 de Dezembro, os Srs. Deputados Henrique Calapez da Silva Martins e Oscar Antoninho Ismael do Socorro Monteiro devem ser dados como presentes.
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 50 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foi posto em reclamação o n.º 9 do Diário das Sessões, tendo sido aprovado com rectificações.
Foi lida uma carta enviada para a Mesa pelo Sr. Presidente do Conselho acerca da situação do Sr. Deputado Santos e Castro.
Foi lido o expediente.
A Sr.ª Deputada D. Alda de Moura de Almeida teceu várias considerações a respeito dos problemas da juventude.
O Sr. Aníbal de Oliveira referiu-se à visita do Sr. Ministro do Ultramar aos Estados de Angola e Moçambique.
O Sr. Oliveira Ramos associou-se às comemorações do 25.º aniversário da Declaração Universal dos Direitos do Homem.
Ordem do dia. - Na primeira parte da ordem do dia continuou a discussão na generalidade da proposta de lei relativa ao IV Plano de Fomento. Usaram da palavra os Srs. Deputados D. Maria de Lourdes Cardoso de Menezes Oliveira,, Carvalho da Conceição, Neto Miranda, Homem Themudo, Castro Salazar, Fleutério de Aguiar, José Pecegueiro, Linhares de Andrade, Andrade e Cattro, Morais Barbosa e Alberto de Alarcão.
Na segunda parte prosseguiu a discussão na generalidade da proposta de lei de autorização das receitas e despesas para 1974. Usaram da palavra os Srs. Deputados. Silva Mendes, Álvaro Monjardino, Mário Moreira, Leal de Oliveira e Rómulo Ribeiro.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 0 horas e 5 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 15 horas e 30 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Abílio Alves Bonito Perfeito.
Alberto Eduardo Nogueira Lobo de Alarcão e Silva.
Alberto da Conceição Ferreira Espinhal.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alda da Conceição Dias Carreira de Moura de Almeida.
Alexandre Pessoa de Lucena e Valle.
Alípio Jaime Alves Machado Gonçalves.
Almeida Penicela.
Álvaro Filipe Barreto de Lara.
Álvaro Pereira da Silva Leal Monjardino.
Amílcar da Costa Pereira Mesquita.
Aníbal de Oliveira.
António Alberto de Meirelles Campos.
António Azeredo Albergaria Martins.
António Calapez Gomes Garcia.
António Fausto Moura Guedes Correia Magalhães Montenegro.
António da Fonseca Leal de Oliveira.
António de Freitas Pimentel.
António José Moreira Pires.
António Manuel Gonçalves Rapazote.
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António Manuel Rebelo Pereira Rodrigues Quental.
António Manuel dos Santos Murteira.
António Moreira Longo.
António de Sousa Vadre Castelino e Alvim.
António Victor Ferreira Brochado.
Armando Júlio de Roboredo e Silva..
Armindo Octávio Serra Rocheteau.
Artur Augusto de Oliveira Pimentel.
Assafiel Jonassane Mazula.
Augusto Arnaldo Spencer de Moura Brás.
Augusto Domingues Correia.
Augusto Salazar Leite.
Carlos Monteiro do Amaral Netto.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Delfino José Rodrigues Ribeiro.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Eduardo António Capucho Paulo.
Eduardo do Carmo Ribeiro Moura.
Eleutério Gomes de Aguiar.
Fernando António Monteiro da Câmara Pereira.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Fernando Guilherme Aguiar Branco da Silva Neves.
Fernando de Sá Viana Rebello.
Filipe César de Góes.
Filipe José Freire Themudo Barata.
Francisco de Moncada do Casal-Ribeiro de Carvalho.
Francisco Domingos dos Santos Xavier.
Francisco Magro dos Reis.
Gabriel Pereira de Medeiros Galvão.
Gonçalo Castel-Branco da Costa de Sousa de Macedo Mesquitela.
Graciano Ferreira Alves.
Gustavo Neto Miranda.
Henrique Calapez da Silva Martins.
Henrique Ernesto Serra dos Santos Tenreiro.
Henrique Vaz de Lacerda.
Humberto Cardoso de Carvalho.
Jaime Pereira do Nascimento.
João Afonso Calado da Maia.
João António Teixeira Canedo.
João Bosco Soares Mota Amaral.
João Paulo Dupuich Pinto de Castelo Branco.
João Ruiz de Almeida Garrett.
Joaquim António Martins dos Santos.
Jofre Pereira dos Santos Van-Dúnem.
Jorge Girão Carneiros Botelho Moniz.
Jorge Manuel Morais Gomes Barbosa.
José Alberto de Carvalho.
José de Almeida.
José de Almeida Santos Júnior.
José Coelho Jordão.
José Dias de Araújo Correia.
José Fernando Nunes Barata.
José João Gonçalves de Proença.
José Joaquim Gonçalves de Abreu.
José Maria de Castro Salazar.
José de Vargas dos Santos Pecegueiro.
José Vicente Cordeiro Malato Beliz.
José Vieira de Carvalho.
Josefina da Encarnação Pinto Marvão.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Júlio Dias das Neves.
Lopo de Carvalho Cancella de Abreu.
Luís António de Oliveira Ramos.
Luiz de Castro Saraiva.
Luís Maria Loureiro da Cruz e Silva.
Manuel Afonso Taibner Morais Santos Barosa.
Manuel Gardette Correia.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel Homem de Oliveira Themudo.
Manuel de Jesus Silva Mendes.
Manuel Joaquim Freire.
Manuel Jorge Proença.
Manuel José Archer Homem de Mello.
Manuel José Constantino de Góes.
Manuel Rosado Caldeira Pais.
Manuel Valente Sanches.
Manuel Viegas Carrascalão.
Maria Angela Alves de Sousa Craveiro da Gama.
Maria Clementina Moreira da Cruz de Almeida de Azevedo e Vasconcelos.
Maria de Lourdes Cardoso de Menezes Oliveira.
Maria Luísa de Almeida Fernandes Alves de Oliveira.
Maria Teresa de Almeida Rosa Carcomo Lobo.
Mário Hófle de Araújo Moreira.
Nicolau Martins Nunes.
Nuno Tristão Neves.
Paulo Otheniel Dimene.
Rafael Ávila de Azevedo.
Ricardo Horta Júnior.
Sinclética Soares dos Santos Torres.
Teotónio Rebelo Teixeira de Andrade e Castro.
Tito Lívio Maria Feijóo.
Tito Manuel Jeque.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Vasco Maria de Pereira Pinto Costa Ramos.
Victor Manuel Pires de Aguiar e Silva.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 117 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 15 horas e 50 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Está em reclamação o n.º 9 do Diário das Sessões, acerca do qual foram apresentadas na Mesa duas notas de rectificações.
Pausa.
Se nenhum de VV. Ex.ªs tem mais qualquer reclamação a apresentar, considero-o aprovado.
Nota de rectificações ao n.º 9 do Diário dais Sessões enviada para a Mesa pelo Sr. Deputado António Brochado:
Na p. 133, col. 1.ª, 1. 61, onde se lê: «assinaturas», deve ler-se: «assimetrias».
Na p. 133, col. 2.ª, l. 33, onde se lê: «exploratórias», deve ler-se: «exploradoras».
Nota de rectificações ao n.º 9 do Diário das Sessões enviada para a Mesa pelo Sr. Deputado Álvaro Monjardino:
Na p. 151, col. 2.ª l. 24, onde se lê: «enunciou», deve ler-se: «enunciam».
Na p. 152, col. 2.ª, l. 40, onde se lê: «princípios, mas», deve ler-se: «princípios. Mas».
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Na p. 153, col. 1.ª, l. 35; onde se lê: «consciência, até aderimos», deve ler-se: «consciência até, aderimos».
Está na Mesa uma carta de S. Ex.ª o Presidente do Conselho, que vai ser lida.
Foi lida. É a seguinte:
Sr. Presidente da Assembleia Nacional:
Excelência:
Tendo chegado ao conhecimento do Governo a existência na Assembleia Nacional de dúvidas quanto à situação do Sr. Deputado Fernando dos Santos e Castro, Governador-Geral de Angola, tenho a honra de esclarecer que, no entendimento dado pela Presidência do Conselho ao n.º 3 da base XX da Lei Orgânica do Ultramar Português, os Governadores-Gerais são considerados membros do Governo.
Por esse motivo, parece deverem ser abrangidos pelo disposto no § 2.º do artigo 110.º da Constituição.
Apresento á V. Ex.ª os meus respeitosos cumprimentos.
Lisboa, 10 de Dezembro de 1973.
A bem da Nação.
O Presidente do Conselho, Marcello Caetano.
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Telegramas
Vários apoiando a intervenção, do Sr. Deputado Santos Murteira.
Da Câmara Municipal de Monchique e de António Valente apoiando a intervenção do Sr. Deputado Leal de Oliveira.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada D. Alda de Moura de Almeida.
A Sr.ª D. Alda de Moura de Almeida: - Ao usar da palavra pela primeira vez nesta Assembleia, permita-me, Sr. Presidente, que cumprimente V. Ex.ª, com saudações de admiração e respeito, pelas altas qualidades, expressas na firmeza de carácter e inteligência com que orienta os trabalhos desta Câmara. Aos Srs. Deputados, quero do mesmo modo testemunhar o meu apreço s dar-lhes a certeza da minha colaboração em todos os assuntos que possam trazer a esta Casa de interesse para o País, ajudando a resolver os múltiplos problemas que neste momento preocupam os governantes.
É meu desejo ainda saudar e homenagear neste dia S. Ex.ª o Ministro do Ultramar, que ontem, em missão de serviço, chegou a Moçambique, levando o conforto da sua presença, da sua palavra, já nossa conhecida, a quantos ali trabalham e lutam pela paz.
Moçambique saberá retribuir ao Ministro Baltasar Rebelo de Sousa, com o apoio e a confiança dá sua acção governativa, toda a simpatia que de tantas maneiras lhe tem tributado.
Vozes: - Muito bem!
A Oradora: - Assim, o pensamento dos Deputados por Moçambique está hoje, e durante estes dias, acompanhando a visita ministerial, em que põem as maiores esperanças para o futuro do Estado de Moçambique, o diálogo entre os homens e a comunhão cada vez maior, de credos, raças, etnias, ao serviço do mesmo ideal comum - construir Portugal.
Vozes: - Muito bem!
A Oradora: - Sr. Presidente: Sendo a primeira vez que tomo parte activa nesta Assembleia, sinto naturalmente a inibição própria de quem inicia um caminho novo, inibição que venci, pelo desejo que tenho em servir o País, pugnando pelos interesses inerentes à minha condição de mulher e à minha missão de mãe e educadora.
Estão nesta primeira linha os problemas que aos nossos jovens dizem respeito, problemas que tanto preocupam o País e os seus responsáveis a todos os níveis.
Sendo tão importante o papel da juventude na vida da Nação e sobretudo na construção do seu futuro, sendo tão sérias as interrogações que os jovens nós põem neste momento, ousei pedir a palavra nesta Assembleia para reflectir em breves apontamentos sobre alguns aspectos que se referem à educação político-social da juventude do País, factor que reputo da maior importância na hora que corre.
Esta reflexão tem como objectivo dar a cada jovem consciência da sua responsabilidade na vida política nacional, de tal forma que, chamados a participar de algum modo na vida da Nação, o façam conscientes, em verdadeira dádiva de valores, do contributo que deles se .espera para o engrandecimento da Pátria.
Vozes: - Muito bem!
A Oradora: - Nesta linha de orientação, todos os jovens, escolares ou não, devem ter noções claras da verdadeira política do País, nos seus múltiplos aspectos, para que se possam integrar na causa nacional, compreender e viver o momento da política actual, apreender todo o seu significado e comprometer-se de facto na construção do futuro da Pátria.
Importa preparar os homens de amanhã na responsabilidade que lhes pertence, abertos a horizontes maus vastos, onde caibam os seus ideais nobres, esclarecidos, para poderem aceitar e compreender até ao fim á grandeza da sua missão como cidadãos construtores de uma sociedade válida em todos os aspectos positivos.
Não podemos correr o risco de manter a juventude alheada da política do País: é preciso. interessá-la, fazê-la compreender por que razão e esta a nossa maneira de agir, sobretudo nos problemas mais difíceis.
Um conhecimento político consciente não se adquire decorando apenas os artigos da Constituição.
É necessário compreender, pensar, avaliar; e o jovem para ser capaz de assim proceder terá de ser esclarecido, ensinado.
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A juventude exerce na sociedade actual uma força de extraordinária importância, mas, muitas vezes, ao ser chamada a postos de responsabilidade social, ou mesmo política, não está preparada para assumir essas responsabilidades, porque foi doutrinada por outros ideais, não podendo, por asso,, cumprir, como é necessário, as suas tarefas.
Há realmente uma lacuna a preencher, um diálogo, a estabelecer, amigo e fraterno, entre o mundo adulto e o jovem. Temos de estabelecer uma confiança e uma aceitação mútua. Só assim se pode enriquecer a comunidade com tudo o que de positivo possui cada geração. Certamente que os jovens revelam sinais negativos que comprometem o seu sonho de mundo novo.
Refiro-me à contestação pela contestação, sem o desejo de construir, que é urgente. Refiro-me à recusa sistemática de todos os valores tradicionais, como se na tradição não houvesse nada de válido, da experiência feita, da riqueza adquirida, que não podemos desprezar ,sem nos. negarmos a: nós próprios e comprometermos o futuro. Porém, vai mal a comunidade que não acredita na capacidade da juventude, que - desconhece sistematicamente os seus valores e se recusa ao diálogo com as novas gerações, só porque estas pensam de maneira diferente, embora se reconheça que a juventude, à nossa juventude, tem muito de positivo.
Os jovens querem participar ha construção do mundo de amanhã e por isso desejam ter oportunidade de exprimir a sua opinião, de fazer conhecido o seu contributo para a marcha da comunidade de que se sentem parte.
Mostremo-nos atentos aos seus valores reais, que são muitos. Escutemos as suas interpelações, quando forem absolutamente justificadas, compreendamos as suas reivindicações e movimentos positivos, ajudemo-los a libertarem-se de manifestações alienantes, acompanhemos os seus anseios legítimos, respondamos com programas concretos às reformas que forem justas, prevejamos as suas contestações e antecipemo-nos em soluções que permitam espaços de mais diálogo, mais bem-estar, mães responsabilidade e participação, mais compromisso social e político, mais comunhão, na grande cidade humana em que vivemos.
Vozes: - Muito bem!
A Oradora: - Neste contexto, como já fiz na Assembleia Legislativa de Moçambique, chamo a atenção do Governo para este problema, que reputo de. capital importância em todo o Estado Português.
É urgente criar formas que permitam aos nossos jovens ter uma consciência nacional - os jovens amorfos, sem convicções, sem capacidade crítica nunca poderão ser os responsáveis pelo amanhã, para enfrentar os graves problemas que à sociedade portuguesa continuarão a pôr-se, a fim de prosseguir nos objectivos que secularmente a amimam. A Nação Portuguesa é ímpar no concerto das nações do Mundo.
Precisamos de jovens com consciência política construtiva, dentro da nossa linha de rumo, que lhes permita a criatividade para soluções difíceis, a coragem, a fidelidade para não trair o País e a sua tradição.
Que tenhamos a decisão necessária para nos debruçarmos sobre este problema, que reputa de interesse fundamental para o futuro, que exige estudo, senso e acção esclarecida.
A nossa juventude é um valor tem preço; é dela que tudo depende, e se quisermos ter firmeza e confiança no porvir temos de pensar na preparação consciente dessa mesma juventude, tendo em atenção os supremos interesses do País.
Vozes: - Muito bem!
A Oradora: - Pode uma nação ter um exército forte, tecnicamente preparado; pode ter corpos administrativos competentes; técnicas apuradas; relações políticas habilmente conduzidas; pode ser económicamente próspera e sólida, mas, se a sua juventude não for constituída por gente qualificada, íntegra, moralmente forte e generosa, estimulada por ideais, nobres, o futuro dessa nação será incerto.
Vozes: - Apoiado!
A Oradora: - O mundo volta hoje a sua atenção para os jovens, porque eles são cheios de curiosidade, de interesse de saber, cheios de desejo da vida e podem, peles seus próprios valerei, ser facilmente vítimas de nefastas influências.
A formação da juventude é talvez na vida do País o mais importante.
Dizia um dos maiores inimigos da civilização ocidental que, para a melhor destruir, deviam os seus colaboradores começar por corromper a juventude, afastando-a da religião, interessando-a no sexo, destruindo-lhe a moral. Assim, podemos compreender que estamos no meio de uma das guerras melhor planeadas e mais difíceis de todos os tempos - a guerra fria -, uma guerra difícil que tem escravizado mais pessoas do que qualquer outra guerra anterior.
A nossa juventude está em causa, especialmente a adolescente, que está no centro e na primeira linha, desta guerra, treinada em todas as frentes, pela introdução do vício da droga.
É nosso dever defendê-la.
Como o conseguiremos?
Ocupando-a, subtraindo-a à astúcia traiçoeira dessa destruição em massa. Pára tal, será necessário recorrer, com certeza, à família, à escola e à terapêutica, para que a juventude não se perca e o País não se desfalque.
Os aspectos positivos desta juventude não podemos deixar de os enfrentar com esperança, com optimismo, sob pena de voltarmos as costas ao futuro, que está nas suas mãos, queiramos ou não queiramos - o que for a juventude de um povo, assim será o futuro desse mesmo povo.
A nossa juventude é o futuro da Pátria, o futuro de Portugal.
Nas terras do ultramar a que pertenço e pela minha vivência de educadora e mãe, eu sinto que os jovens são uma força de extraordinária importância, que urge respeitar e promover; eu tenho os olhos postos nessa, juventude, em que espero, na qual confio e que desejaria ver participar mais na vida da comunidade.
A Nação tem que confiar hoje, tal como sempre, na sua juventude.
Há doze anos alterou-se profundamente a vida nacional) no ultramar.
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O Mundo pensou que o modo e a insegurança provocada por ataques vindos do exterior se converteriam em cobardia e em fuga. Nessa altura, como hoje, foi nos jovens que colocámos o futuro da Nação.
Os nossos rapazes, na sua multirracialidade, responderam ao desafio que lhes foi feito. Responderam com a vida e com o melhor dos seus anos à defesa da continuação de Portugal em África.
Vozes: - Muito bem!
A Oradora: - Assim, ombro a ombro, de mãos dadas e corações em uníssono, jovens de todas as raças estão irmanados pelo mesmo amor pátrio.
Que o País saiba corresponder a esta juventude que luta contra inimigos comuns, se bate pela defesa de irmãos de todas as etnias.
Confiemos nos jovens e respeitemos os que tombaram no campo da honra, enquanto ajudamos a caminhar os que aqui, ou no ultramar, se preparam para construir o futuro.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Agradeço a atenção com que souberam escutar-me e desejo sinceramente que as minhas palavras sejam acolhidas com a inteligência que a esta Câmara compete e com á lealdade e desejo de servir o País com que as pronunciei.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Aníbal de Oliveira: - Sr. Presidente: Dirijo a V. Ex.ª as minhas primeiras palavras - de saudação, de homenagem e muito respeito - pelo lugar que ocupa, presidindo a esta Assembleia!
Mas, por outro lado, para além do cumprimento das tradicionais regras protocolares desta Casa, desejo ainda apresentar a V. Ex.ª - no início desta minha actividade parlamentar - os protestos de estima, muito apreço e consideração, acrescidos de recta colaboração.
Para VV. Ex.ªs, Srs. Deputados, as minhas saudações e a promessa de franco e leal convívio.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É de todos conhecida, com certeza, a deslocação do Sr. Ministro Rebelo de Sousa às províncias de Angola e de Moçambique, iniciada há oito dias, e, portanto, logo poucos dias depois de ter assumido as novas funções de Ministro do Ultramar.
Este facto revela só por si uma atitude política que julgo de significativo relevo, por constituir seguro postulado de uma acção administrativa que será marcada pela observação dos factos e das situações, pela auscultação directa das entidades administrativas locais e pela audição dos anseios dos respectivos povos.
O Sr. Dr. Rebelo de Sousa permaneceu em Angola durante seis dias, saindo ontem para Moçambique.
Para além da sua permanência em Luanda - onde observou certos empreendimentos em curso, inaugurando outros e desenvolvendo várias sessões de trabalho com as autoridades provinciais -, deslocou-se à sedes dos distritos do Uíje, do Huambo e de Benguela e visitou também a cidade do Lobito.
O entusiasmo das populações que o receberam integra-se na sua própria maneira de ser, no patriotismo que as domina e que é de todos bem conhecido. Em todos os locais percorridos teve o Sr. Dr. Rebelo de Sousa oportunidade de ouvir, das próprias entidades e do povo contactado, anseios de maior progresso económico, de maior desenvolvimento, de maior crescimento, maior e mais rápido ainda do que o que se processa em todo o Estado, quer por via da acção do sector público, quer por iniciativa privada, ajuizando assim melhor, é Sr. Ministro, dos aspectos que exijam maior acção do Governo Central.
Efectivamente, do contacto directo com as autoridades provinciais e do diálogo que decorre de tais encontros - motivado ou integrado nos actos ou nos propósitos da sua planificação governativa local; da vivência dos problemas equacionados ou a equacionar olhando o futuro; da auscultação dos povos, por si ou por via das actividades ou órgãos que os representam; da observação dos simples factores de progresso - o volume ou dimensão dos empreendimentos já em execução ou daqueles que estão planificados, ou dos que precisam de. ser definidos a curto prazo; do sentir específico de quantos ali vivem, irmanados todos, brancos e pretos, na explosão da escolaridade a todos os graus que a breve prazo rondará um milhão - no ano lectivo de 1971-1972 já estavam matriculados nos cinco mil estabelecimentos de ensino de Angola mais de meio milhão de alunos, mais exactamente 546 347 - e no «imparável progresso económico e social» do Estado, cujos vultosos resultados não se podem prever para daqui a dez anos, pois já constituem hoje franca realidade; de todas estas situações e observações colhidas pelo Sr. Ministro largos benefícios hão-de resultar para Angola.
Porém, de tudo quanto de muito positivo ali decorreu, julgo merecer destaque especial a presença de S. Ex.ª na sessão extraordinária da assembleia geral da Universidade de Luanda - comemorativa do 10.º aniversário daquela instituição.
Com efeito, além do acontecimento em si, aquele acto deu-nos conta dos resultados de uma jovem instituição voltada para o campo do espírito, que se integra, com relevo, na política que desde sempre temos vindo a desenvolver no ultramar. A propósito, recordarei apenas as afirmações então ali proferidas pelo magnífico reitor em exercício: «Comemorando-se os dez anos de vida de uma Universidade, cuja actividade foi iniciada em 1963 com 286 alunos, distribuídos por 10 cursos - com grande incidência em Ciências Pedagógicas e Engenharia - ministrados por 28 docentes, hoje comporta cerca de 3400 alunos distribuídos por 21 cursos com um grupo docente de 300 - elementos, coadjuvados por mais cerca de uma centena de colaboradores científicos.» Estes cursos decorrem em Luanda, em Nova Lisboa e em Sá da Bandeira, com grande frequência - cerca de metade - nos cursos de Engenharia e Medicina.
Esclarece-se que, embora de início os últimos anos, dos cursos fossem terminados na metrópole - as licenciaturas só se iniciaram praticamente nos últimos quatro anos e a maior parte das especialidades só foram criadas em data recente -, já concluíram até hoje as suas licenciaturas 248 alunos: 78 em Engenharia, 87 em Medicina, 51 em Veterinária, 26 em Agronomia e 6 em Ciências.
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A Universidade de Luanda - como referiu o Sr. Ministro - é «uma Universidade nova» verdadeiramente nova, fiel ao passado, mas também aberta aos tempos do futuro».
Dela muito espera Angola e muito lhe ficará a dever Portugal.
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Oliveira Ramos: - Sr. Presidente: Antes de mais, queria dizer a V. Ex.ª que vi, com júbilo, o seu regresso a tão alta magistratura. Obteve-a por direito próprio, que o sufrágio dos Deputados consubstanciou, para sublinhar a convicção de que o Sr. Engenheiro Amaral Neto incentivará o labor da Assembleia Nacional e pugnará pelo seu prestígio, pela .sua independência e pela sua dignificação.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Aceite, portanto, Sr. Presidente, os testemunhos do meu respeito e da minha consideração.
Aos Srs. Deputados endereço os melhores cumprimentos e os votos de profícuo trabalho a realizar em comum.
Para os Srs. Jornalistas vão as minhas expressivas saudações, pois são eles que dia a dia acompanham o nosso trabalho e o significam ao País.
Sr. Presidente: No exercício das faculdades que detenho como um dos representantes do Povo Português e na convicção de interpretar o sentimento de vastas camadas da nossa sociedade, quero associar-me, nesta Câmara, às comemorações do 25.º aniversário da Declaração Universal dos Direitos do Homem, promulgada em 10 de Dezembro de 1948.
Esse texto é um repositório de altos ideais e de nobres pensamentos propostos à consideração da comunidade das nações e à meditação dos homens de boa vontade. Concebido por espíritos esclarecidos, todo ele visa a eminente dignificação da pessoa humana. Se os princípios que consubstancia predominassem no concerto das Pátrias e no viver dos Estados, em termos genuinamente participados, outro seria o conteúdo das existências, e o perfil do orbe, menos sujeito a tensões, ver-se-ia transfigurado pela seiva da harmonia, hoje escassa nas relações internacionais, onde tanto pesa o jogo das. influências e o acicate das ideologias.
Com efeito, a Declaração em apreço sublinha que todos os seres nascem livres e iguais em dignidade e em direitos, podendo usufruir as prerrogativas da sua condição natural, sem qualquer espécie de distinção. E entre tais direitos primam, obviamente, o direito à vida, à liberdade e à segurança social. O indivíduo aparece então como senhor de intangível personalidade jurídica, aos demais semelhante à face da lei, lei que existe para o proteger e de nenhum modo para ofender ou prejudicar a indispensável vastidão dos seus direitos de cidadania.
Ora, porque, na frente do desenvolvimento do nosso país, a mais significativa batalha que hoje se trava é, porventura, a batalha da educação, entre a gama de direitos básicos inscritos na Declaração de 1948 eu queria destacar, a título de exemplo paradigmático, os princípios nela contidos que à educação dizem respeito.
Assim, o artigo 26.º proclama o direito de toda a pessoa à educação, a qual há-de ser gratuita, pelo menos a que respeita ao ensino elementar e fundamental, cuja obrigatoriedade cumpre determinar.
Por outro lado, a Declaração aconselha a difusão do ensino técnico e profissional, bem como o acesso aos estudos superiores em plano de igualdade e em função do mérito.
São princípios de indiscutível validade, cuja generalização, certamente, nenhum homem esclarecido põe em dúvida e que, por isso, importa acalentar, mais e mais, em todo o espaço português, à luz das disposições da recente reforma do sistema educativo.
Antes de significar o direito dos pais à prioridade de escolha do género dê educação a dar aos filhos, a Declaração de 1948 enuncia os objectivos genéricos do processo educacional: deve ter em vista o pleno desenvolvimento da personalidade humana e o fortalecimento do respeito pelos direitos do homem e pelas suas liberdades fundamentais, além de contribuir para a manutenção da paz e de estimular a tolerância e a amizade entre as pessoas e as nações.
Num tempo em que a tentativa de vazar o espírito dos homens em moldes de conduta social concebidos em série e impostos pela propaganda, num tempo em que a vida de relações assume formas turbilhonares, que nem por isso deixam de ser impessoalizadas pelo interesse e pela eficácia das actuações, mais do nunca interessa personalizar a educação em ordem a fortalecer o desabrochar das virtualidades específicas de cada um, o seu espírito crítico e optativo, redimindo o ser humano dos perigos da massificação, levando-o a assumir e a preservar os seus direitos fundamentais em. face de poderes assistidos por meios técnico burocráticos, às vezes tão desumanos quanto atentatórios das justas liberdades individuais.
Desiderato por igual desejável, em virtude de uma boa educação, creio ser a transposição das vivências próprias de um sistema amante da paz, da tolerância e da amizade na esfera dos contactos pessoais para o campo das relações internacionais, onde amiúde prima a irresponsabilidade atrevida, a defesa camuflada de grandes interesses e a busca de hegemonias garantidas a contragosto dos justos anseios, quer das nações pobres, quer de povos incompreendidos.
O fomento do direito à educação funcionará então como um contributo para a superação dos aspectos negativos ainda hoje vigentes e não deixará de desempenhar papel relevante no âmbito das estratégias de desenvolvimento que não esquecem a indispensável valorização da pessoa humana. Com efeito, «a condição prévia do desenvolvimento equilibrado [...] é o desenvolvimento do homem, a formação de homens capazes e responsáveis».
Por assim ser, no momento em que o Parlamento português discute o IV Plano de Fomento Nacional, julguei que um modo bom de memorar o 25.º aniversário da Declaração Universal dos Direitos do Homem seria encarecer aqui o direito à educação, fazendo votos por que a difícil, a complexa, mas aliciante tarefa de instauração da nova reforma do sistema educativo sirva para, em definitivo, enraizar esse direito da nossa terra e, em paralelo, consigo
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traga o florescimento de outros .direitos por igual constantes da Declaração de 1948, quais são os direitos que fundamentam «uma livre, ordeira e prestigiante democracia».
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: Vamos passar à
Ordem do dia
A primeira parte da ordem do dia tem por objecto a continuação da discussão na generalidade da proposta de lei relativa ao IV Plano de Fomento.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada D. Maria de Lourdes de Menezes Oliveira.
A Sr.ª D. Maria de Lourdes Oliveira: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: Subir a tribuna desta magna Assembleia traduz-se numa emocionante responsabilidade, que marcará, certamente, um traço indelével na alma de quem o faz pela primeira vez.
No arranque para uma participação mais real e positiva nos trabalhos da XI Legislatura, é meu dever e meu desejo endereçar os meus respeitosos cumprimentos a V. Ex.ª, Sr. Presidente desta Câmara.
Pela voz dos ilustres decanos desta Casa se tributou a mais pertinente homenagem aos valores intelectuais e morais de V. Ex.ª, tantas vezes demonstrados nas legislaturas anteriores. Ecoaram nesta sala sentimentos de júbilo pela recondução de V. Ex.ª no desempenho de tão difícil quão honroso cargo de Presidente. De bom grado me associo a todas essas manifestações de profundo apreço, vergada pelas palavras de admiração aqui proferidas e esclarecida pelo conhecimento, minuciosamente colhido nos números do Diário das Sessões da anterior legislatura, da actuação altamente prestimosa de V. Ex.ª em conjunturas passadas, por vezes tão difíceis.
Para V. Ex.ª, Sr. Presidente, vão, pois, os protestos da minha mais profunda admiração e respeito.
Os nomes ilustres dos meus pares, ilustres pelo valor demonstrado nos altos cargos que desempenharam ou desempenham, são aval incontestável de dignificação da mais alta Câmara do País. Para estes e para todos vós, Srs. Deputados, as minhas mais cordiais saudações, vinculadas pelo sincero desejo de uma positividade nada comum no exercício da responsável tarefa de representação que nos confiou a Nação Portuguesa na mais elevada votação de sempre.
Na sequência de cumprimentos tão justamente devidos não poderia esquecer os Exmos. Membros da Imprensa, que acompanham os trabalhos desta Câmara, na missão, assaz difícil e melindrosa, de informar, com a maior isenção, o povo português.
Limitado, como o é, o campo de acção do professor no processo propriamente educativo, só uma poderosa trilogia de comunicação, formada pela imprensa, pela televisão e pela rádio, poderá, com indiscutível êxito, cobrir todo o espaço extra-escolar. penetrando nos próprios lares os braços de um vasto processo educacional, tão influente na modelação da mentalidade e do carácter das colectividades.
Para VV. Ex.ªs, pedras tão responsáveis pela cobertura informativa e formativa da Nação Portuguesa, os meus melhores cumprimentos, com o desejo de que tão elevados objectivos sejam plenamente realizados.
Continua na ordem do dia a discussão na generalidade da proposta de lei do IV Plano de Fomento.
A sua extensão não me permitiu, nem permitiria a ninguém, analisar profundamente, em tão curto espaço de tempo, documento de tão rara responsabilidade. Verifica-se, no entanto que é um trabalho estruturado em bases de apoio irrefutáveis, com capítulos que considero do mais largo alcance, indiscutivelmente merecedor de palavras de apreço, extensivas à comissão encarregada da sua feitura.
Traçando às linhas mestras da vida nacional, numa óptica de futuro aberto à evolução da sociedade e da economia portuguesa, este projecto é uma tentativa de sintonização com as passadas do grande mundo, pelo que merece, na generalidade, a minha aprovação.
Permito-me, no entanto, esboçar algumas breves considerações, que suponho pertinentes, em referência a determinados assuntos, cuja revisão me parece oportuna.
A elaboração do IV Plano, de Fomento resultou, sem dúvida, de uma consciente reflexão sobre a actual realidade interna e externa e do compreensível desejo de continuidade da acção governativa - edificação do Estado Social -, só possível pelo conhecimento e utilização dos recursos e potencialidades de que se dispõe, sabido que um dos seus principais objectivos se traduz na promoção do bem-estar e do progresso social da população portuguesa. É este, aliás, caminho que conduz ao fortalecimento dos laços de solidariedade entre todos os elementos da comunidade nacional.
Mas os níveis de bem-estar e os ritmos de progresso sócio-cultural a que se aspira só serão possíveis através da estruturação da economia portuguesa. E o nosso povo, consciente da sua dimensão humana e conhecedor da medida do seu contributo para o desenvolvimento económico do País, reclama, muito justamente, a realização acelerada de todos os objectives que contribuam para a valorização integral do indivíduo e da criação efectiva de condições favoráveis à permanência das populações em todos os espaços geográfica e económicamente justificáveis.
É evidente que o grave problema da desertificação humana, verídico e fatal, não poderá ser resolvido sem determinadas soluções enérgicas, de capital importância, como, por exemplo: a edificação de habitações acessíveis ao nível económico do nosso povo; a abertura arrojada de estradas nacionais e municipais; o abastecimento de água e electricidade; a construção de redes de esgotos; a cobertura médico-sanitária e a ingente satisfação das carências educacionais e culturais, satisfação essa imprescindível no verdadeiro processo da fixação humana.
Porém, a realização de todos estes objectivos básicos, condicionada pelo desenvolvimento económico, faz-nos admitir que não sejam consideradas com a mesma isenção todas as regiões do espaço português. E o equacionamento de todas aquelas necessidades deve ser concretizado com a mesma verdade, não só nos distritos sedes das regiões-plano, mas também nas chamadas sub-regiões, não vá acontecer que algumas destas, pelo facto de haverem sido precedidas, na sua nomenclatura, por um inofensivo «sub», caiam no abismo do subdesenvolvimento.
A acção disciplinadora do desenvolvimento do País, visando a eliminação das assimetrias regionais até aqui verificadas, aparece como objectivo fundamental do
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IV Plano de Fomento, onde se afirma que «um dos fundamentos principais para uma política de desenvolvimento regional reside na conveniência de inserir no sistema de planeamento as justas aspirações e interesses detectáveis ao nível das regiões, como condição básica para se alcançar um processo de crescimento capaz de servir verdadeiramente as populações a que se destina».
A propósito de «justas aspirações e interesses detectáveis ao nível das regiões» (sic), foi-me dado conhecer umas e outros nos contactos com as populações algarvias e entidades responsáveis no decurso da campanha eleitoral finda. Assim, elucidada nas próprias fontes e após aturada e insuspeita reflexão, na minha qualidade de Deputada da Nação, mais esclarecida, como é óbvio, dos problemas do círculo que represento - entendo que, apesar das tão boas intenções, textualmente referidas na expressão acima transcrita, não foram consideradas devidamente, no IV Plano de Fomento, as potencialidades naturais da sub-região algarvia, que poderiam ser mais amplamente aproveitadas na economia nacional; nem o que se projecta para aquela sub-região, durante a vigência do importante projecto, inclui realizações tendentes a servir a população do Algarve ou a satisfazer os legítimos interesses de uma região que não pode nem deve viver exclusivamente do turismo.
Prevê-se, por exemplo, como uma das realizações prioritárias do IV Plano de Fomento, a construção do Aeroporto de Lisboa na zona de Setúbal. É indiscutível a evidente necessidade daquela obra. Mas o Aeroporto de Faro, que serve de apoio ao de Lisboa, mormente em dias de cerrado nevoeiro, precisa de ser consideravelmente ampliado e melhorado, sem o que não será possível fazer-se face ao progressivo aumento de tráfego. Porém, não descortinamos naquele tão bem estruturado projecto qualquer alusão a esta necessidade premente.
Ao citar, ainda, os centros onde, preferencialmente, deverão concentrasse as actividades industriais, dentro das realizações prioritárias previstas para o hexénio de 1974-1979, o IV Plano de Fomento refere os pólos de desenvolvimento seguintes: Sines, Braga-Guimarães, Coimbra, Covilhã, Évora, Torres Novas-Tomar-Abrantes e Faro-Olhão.
De novo o Algarve ficou em último lugar. Diz o ditado popular que «os últimos serão os primeiros». Mas neste ponto não acreditamos que as realizações propriamente ditas se venham a inverter à sequência do programa escrito.
Daqui solicitamos ao Governo que seja revista a posição algarvia, já que o pólo Faro-Olhão representa, para a província em que se enquadra, a sua verdadeira acção polarizadora, e não o pólo urbano-industrial de Sines, que, a meu ver, irá contribuir, incontestavelmente, para que no Algarve se acentue a repulsão demográfica que já se verifica em alguns dos seus concelhos, a despeito do empolamento da sua indústria turística.
O êxodo da população nesta província só poderá ser sustado mediante pólos de desenvolvimento criados nela própria.
É evidente que todos estes «esquecimentos» sulinos resultam do facto de o Algarve constituir uma sub-região da região-plano sul.
Nesta nossa posição de leal esclarecimento, não queremos significar que foi pensamento do Governo estabelecer prioridades, de distrito para distrito, ao criar na metrópole as quatro regiões-plano. Antes acreditamos sinceramente que se pretendeu realizar uma sincronização do desenvolvimento económico-regional, permitindo a cada qual prioridades justificadas pelas ecologias respectivas.
Ora, é precisamente nestes termos que a inclusão do Algarve como sub-região da região-plano sul se não justifica de modo nenhum, tão evidente é a disparidade mesológiica que o muro das serranias determina e os mares desiguais condicionam.
A integração do distrito de Faro como sub-região da região-plano sul, com sede em Évora, acarretará, inclusivamente, atrasos futuros e prejuízos incalculáveis, motivados pela eloquência da distância e pelas dificuldades das comunicações, mais apreciáveis em relação a Évora do que à própria Lisboa.
Que Évora seja a sede da região alentejana, englobando logicamente os distritos de Beja e Portalegre, está absolutamente certo, uma vez que a centralização dos serviços e na cidade-museu não significará inconveniente de deslocação, dada a sua posição geográfica incomparável. Acresce ainda que uma cidade histórica e arquitectonicamente rica como Évora justifica sobejamente maior valorização na escala nacional.
Mas o Algarve, mercê das suas características geográficas, mesológicas, históricas e até turísticas, constitui, pela sua fisionomia nada comum, uma região profundamente individualizada no panorama metropolitano. O muro das serranias, que o separa do Alentejo e do resto do País, determinou, histórica e geograficamente, um tipicismo bem sui generis, que, a par do difícil e prolongado acesso, o impõe, só por si, ao nosso espírito desempoeirado de «bairrismos provincianos» como uma região autónoma a prover de órgãos regionais próprios.
Aliás, esta ideia não está muito afastada do que se lê no IV Plano de Fomento:
A sub-região do Algarve encontra-se muito afastada do eixo económico do território e separada do Baixo Alentejo pela serra, pelo que dificilmente se fará sentir a acção polarizadora de Lisboa, mas virá a sofrer efeitos polarizadores do futuro centro urbano-industrial de Sines.
E logo a seguir afirma-se:
O Algarve tem condições para contribuir para melhor equilíbrio do território continental, porquanto poderá organizar-se com relativa autonomia em relação à capital.
A despeito do espírito correcto destas afirmações, não se compreende que os Exmos. Planeadores tenham transposto a serra e todas as condições de autonomia acima transcritas para incluírem o distrito de Faro como sub-região na região-plano sul, a que não é afim em nenhum aspecto.
A ideia descentralizadora dos serviços, em relação a Lisboa, é muito louvável, pelos incomensuráveis prejuízos resultantes para as regiões provocados pelos atrasos e pelo desconhecimento de .quem decide do que interessa ou não para as diferentes zonas, mas não encontra, pelo menos neste caso específico, a sua verdadeira solução para a chamada sub-região algarvia.
Certos assuntos do Algarve têm de ser resolvidos no Algarve. Como se compreende, por exemplo, que
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os assuntos de urbanização desta província tenham de ser julgados em Évora ou em Lisboa, se o Algarve é uma autêntica explosão urbanística provocada pelo turismo, que ali cresce em ritmo incomparável?
Mal por mal, Lisboa sempre fica a vinte minutos de avião...
E como se percebe que a sede de viação e trânsito não seja no Algarve, quando 70% dos passageiros são algarvios?
Referi logo no início desta intervenção a ingente necessidade de se incrementar o progresso social das populações, através do desenvolvimento dos sectores de natureza social: saúde, habitação e urbanismo, formação profissional e educação e cultura.
Só o sector educativo e cultural constituiria tema para vastas e longas considerações. Mas porque o tempo não é só meu, limitar-me-ei hoje a breves e despretensiosas referências, adiando para outra oportunidade uma maior explanação do assunto.
A educação e cultura vêm constituindo, inegavelmente, preocupação prioritária da política de desenvolvimento social. Mas, parafraseando o que se diz no IV Plano de Fomento, eu diria que essa preocupação se justifica mais propriamente pela possibilidade de aproveitamento do homem como homem, procurando dar-se-lhe o seu verdadeiro perfil humano.
Ás concretizações a efectuar neste sector durante o período de vigência do Plano de Fomento concentram-se em domínios prioritários, com os quais concordo plenamente.
Os esquemas programados são ambiciosos, inteligentes, mas falharão se não se cuidar de rever certos pontos que suponho basilares.
No que respeita especificamente à «educação básica na formação geral dos Portugueses», o IV Plano de Fomento eleva, como objectivo prioritário, a efectiva extensão da escolaridade obrigatória para oito anos, acrescentando «que o cumprimento da escolaridade obrigatória de seis anos seria alcançado no Plano». O termo praticamente suscita, só por si, muitas reticências, e sugere-me esta pergunta: onde foi atingida, afinal, a escolaridade obrigatória de seis anos? Nos grandes centros urbanos e mesmo em certos meios rurais? Indiscutivelmente!
Mas a gente da serrania? Quem calcorreou o seu distrito durante a campanha eleitoral apercebeu-se, sem hesitação, que há ainda um número considerável de crianças que nem sequer a escola frequenta, e um maior número ainda que termina os seus estudos na 4.a classe. E tudo listo porque as distâncias entre as instalações escolares e as residências dos alunos são, por vezes, enormes e desprovidas de estradas e de caminhos convenientemente transitáveis.
Um dos processos de solução da educação básica reside em rasgar, nos campos e nas serras, as estradas que possibilitem a circulação de transportes públicos, atraindo às escalas as crianças ávidas de saber, transportes cuja gratuitidade devia alargar-se também ao sector do ensino primário, já que o IV Plano de Fomento só os menciona ao nível do ensino preparatório.
Vozes: - Muito bem!
A Oradora: - A realidade é esta, e há que encará-la de frente. De outro modo, veremos acentuar-se cada vez mais as assimetrias educacionais do nosso país. Enquanto uns têm fácil acesso a estudo, até universitários, outros, portugueses também, crescem como plantas que resultaram de sementes caídas em terrenos pedregosos.
Ora, a educação e a cultura constituem, indiscutivelmente, um dos processos mais eficientes de fixação.
Quando no IV Plano de Fomento, se refere a «melhoria do nível profissional e da situação económico-social dos professores», é porque este problema merece uma atenção muito especial.
Quem duvida que o afluxo àquela profissão tão digna se vem realizando por muitos como processo temporário dê vida? A verdade é que nem todos contabilizam os erros que estas situações acarretam.
Mas lá diz o ditado: «Quem quer galinha gorda por pouco dinheiro sujeita-se a comer carne podre.»
Há que suprimir a inferiorização económica do professor, que vem perdendo muito do seu prestígio, diminuindo-se aos olhos dos outras e aos seus próprios olhos numa saciedade em que os valores materiais tanto pesam na dignidade do indivíduo e da família.
Dignificar, como se impõe, a função docente é incrementar o ensino, atraindo os valores positivos para a elevada missão de valorizar um povo, garantindo-lhe a sobrevivência através da educação, da cultura e do saber.
«Do professor», como muito acertadamente se diz no IV Plano de Fomento, «dependerá, em larga medida, o êxito das modificações a introduzir no Plano da Reforma Educativa já aprovado.»
O verdadeiro professor de que o ensino em todos os graus necessita é aquele fulcro que, erguerá verdadeiramente o País, com a simplicidade científica da afirmação de Arquimedes:
Dai-me um ponto de apoio e eu levantarei o mundo.
Disse um dia Miguel Angelo: «A estátua está na pedira, a obra do escultor é soltá-la.» A missão do professor é análoga à do escultor: desbravar a mente rude, dar-lhe «forma», enriquecê-la; mas enriquecê-la com a pedagogia do exemplo. É transcendentemente fundamental, portanto, a formação do educador: «Ensina-se o que se é» - disse alguém.
O IV Plano de Fomento quando se refere à «formação de professores» faz referência aos estágios pedagógicos; é urgente que se faça a revisão do actual sistema, ao nível de província: que se procure bons assistentes pedagógicos para estagiários e não estagiários para orientadores pedagógicos, com a preocupação negativa de que estes usufruam as regalias menos defensáveis que os estágios lhes conferem.
Será este o caminho da tão desejada elevação do nível professoral ou do seu rotineiro ingresso nos quadros? Não é seguindo os caminhos fáceis, mas procurando as vias de uma exigência lógica, que conseguiremos sincronizar as nossas passadas com as do mundo evoluído. Ninguém o duvide.
Não posso abandonar esta tribuna sem render o procurando as vias de uma exigência lógica, que em África arrisca a vida, generosamente, escrevendo com o próprio sangue a incomparável epopeia pluricontinental e multirracial de Portugal uno e indivisível.
Quero deixar bem vincada a minha homenagem a todos os filhos de Portugal que intrepidamente
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continuam o sonho de muitos dos seus antepassados: Portugal presente nos continentes do Mundo, realidade que só nós compreendemos porque só nós a criámos!
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Carvalho Conceição: - Sr: Presidente e Srs. Deputados: A proposta de lei em discussão nesta Câmara apresente-se como um diploma definidor das linhas gerais que hão-de orientar o desenvolvimento social e económico do País no período de 1974-1979.
Quaisquer que sejam as críticas ou as reservas que se possam fazer a algumas das suas bases, ou mesmo às suas lacunas, há que reconhecer que a proposta de lei sobre o IV Plano de Fomento se reveste de relevante importância para o progresso do País e para a promoção de suas gentes. Merecem plena concordância as linhas de rumo traçadas, a saber: aceleração do crescimento económico, mediante a actuação harmónica do sector público e do privado; mais justa repartição da riqueza produzida; combate às assimetrias pessoais e regionais; satisfação das necessidades básicas em matéria de educação, de saúde, de habitação, e valorização integral da pessoa.
O exame crítico do projecto do IV Plano de Fomento que acompanha a proposta de lei agora em debate, e que pela sua vastidão e complexidade me obriga a circunscrever as minhas considerações ao sector da educação e cultura, sugere-me duas ordens de interrogações. Em primeiro lugar, a Assembleia Nacional não vai, no fundo, discutir o «modelo» da sociedade servida pelo Plano. Significa isso que é intenção do Governo, pura e simplesmente, criar um «futuro-como-presente»? Partindo ao princípio de que está certa a «opção» governamental, os caminhos escolhidos são os correctos? Dito de outro modo, não se discutem os «futuros possíveis» nem os «caminhos alternativos», mas apenas, face às opções já tomadas quanto aos fins, os meios a utilizar. As atribuições de prioridades, com as correspondentes repartições das verbas orçamentais, com Mista à concretização de finalidades nacionais, careceriam, no meu entender, de ser fruto do trabalho conjunto do Governo e da Assembleia Nacional.
Uma segunda nota introdutória tem, quanto a mim, cabimento: a falta de indicativos financeiros - em valor absoluto (custo global) e relativo (distribuição pelos diversos capítulos) - e a ausência de um quadro da situação actual, face ao modelo implícito - o europeu -, não permitem, com justeza, avaliar das carências ou dos atrasos e, correlativamente, da oportunidade da estratégia adoptada, quer quanto aos objectivos, quer quanto aos meios a utilizar para os alcançar. Sem tais elementos quantitativos, teremos de nos limitar a apreciar as «intenções» do Governo, independentemente de poderem ter, ou não, suporte financeiro e humano adequado. E é o problema da exequibilidade do Plano.
Procuremos concretizar o nosso pensamento mediante a análise dos capítulos consagrados à educação e cultura.
No Plano apontam-se, como objectivos gerais da educação e cultura: valorização cultural dos indivíduos, tendo em vista estimular o desenvolvimento da sua personalidade aumentar a sua capacidade participativa na vida social, facilitar a sua mobilidade e promoção e, em segundo lugar, contribuir para a aquisição pelo indivíduo de uma qualificação profissional que lhe assegure a subsistência e promoção social. Repare-se que, enquanto na década de 60 a educação em encarada como produtora de «mão-de-obra» qualificada paira o crescimento económico, a década de 70 acentua o valor ida «pessoa», a ela subordinando ò desenvolvimento económico. Se a actividade educacional não pode ser desligada das preocupações do sector económico, como o demonstram os cuidados postos na «formação profissional» pelos diversos departamentos governamentais, conjuntamente com as diversas iniciativas do sector privado, todos havemos de reconhecer que a educação do homem tem outros objectivos (culturais, éticos, cívicos e políticos) a exigirem a coordenação de todos os esforços dentro de um plano de conjunto da responsabilidade do Ministério da Educação Nacional. A educação por que almejamos não pode ser apenas a escolar.
Daqui decorre a sobreposição de dois planos: a exigência do futuro não deve olvidar as carências presentes, as quais cumpre vencer, sob pena de perigar a realização daquele. Se temos de resolver problemas de instalações, insuficientes e inadequadas, de professores e de equipamento didáctico, para, com êxito, responder à «explosão escalão, não podemos, igualmente, deixar de ver o plano educativo a longo prazo. E a razão é simples: as crianças que vão entrar na escola exercerão a sua actividade no dealbar do século XXI. Eis o aliciante de uma política de educação à qual incumbe discernir ou mesmo definia: as valores estruturadores da sociedade, do ano 2000 e determinar os meios convenientes para a sua aceitação.
A esta luz, o esforço a realizar traduz, naturalmente, uma concepção do Estado e a sua ideologia. Um regime capitalista e um regime socialista podem ter a mesma política educacional, orientando-a, por exemplo, para a conquista de metas tecnológicas (modelo das sociedades industrializadas). Mas podemos também pensar que esse «admirável mundo novo», retratado por Huxley, tem como contrapartida a «massificação», mesmo a «manipulação» do homem, e em face desta conclusão aspirar, desde já, a dar um sentido humano à criação de riqueza.
Daí que ganhe relevo o problema das prioridades a estabelecer quanto às áreas de acção do esforço educativo. Deveremos procurar preferentemente a expansão da educação básica, de que decorrem os progressos do ensino secundário e superior e a própria estabilidade social e política, ou voltarmo-nos para a alfabetização e reciclagem dos adultos, mesmo que para alguns essa «alfabetização das massas» seja tida por perigosa, potencialmente, para a manutenção de uma sociedade estratificada? E, em qualquer dos casos, quanto estamos dispostos a investir no desenvolvimento do «capital humano»?
Se tivermos presente que em 1965 investíamos na educação 1,4% do nosso produto nacional bruto e que recentes relatórios da O. C. D. E. e da U. N. E. S. C. O. consideram necessários para a realização das políticas educacionais entre cerca de 5% e 10% do produto nacional bruto, damo-nos conta do esforço a fazer e das carências a colmatar. Mas acaso poderemos desviar para esse sector uma maior percentagem
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sem prejudicar os investimentos, noutros sectores importantes da vida nacional, em especial o das infra-estruturas, indispensáveis para acelerar o nosso desenvolvimento? Mas, por outro lado, como acelerar este sem pessoal qualificado? A «opção» política é aqui bem clara.
Face aos moldes que nos são oferecidos - conservador, liberal e radical -, a que faz pormenorizada referência o professor americano Gakung, que nos mostra a Europa Ocidental na transição do primeiro para o segundo, por oposição à China e a Cuba, defensoras do terceiro, sou dos que pensam na viabilidade de um quarto modelo, que, aceitando da concepção Liberal a flexibilidade do sistema educacional, a individualização do ensino e a promoção por mérito próprio, tenha também em conta, com o direito que a caída um assiste de se realizar, uma formação «em ordem à solidariedade social».
São, pois, coordenadas .da política de educação assegurar a cada um o direito à sua «auto-realização», em plena «igualdade de condições com os seus concidadãos». Atende-se aos níveis de aspirações de cada um e busca-se a equidade do sistema.
A este propósito, seja-me lícito recordar, neste momento, que a «batalha de educação» que o País vem travando sob o impulso do Ministro Veiga Simão assenta, precisamente, nestes pressupostos. Temos, nó entanto, de reconhecer que, se a expansão do ensino beneficiou todos os grupos sociais, não foi ainda possível apular profundas «assimetricas» pessoais, logo as disparidades sociais. É um facto, mesmo nos países de Leste, que o aumento dos efectivos escolares no ensino secundário e no superior aproveita mais aos jovens da chamada «classe média» do que aos oriundos dos meios ditos «populares». É que no acesso à escola pesa, com o nível económico do agregado familiar, a atitude e o grau cultural dos pais.
Por outro lado, a «igualdade de acesso» à escola não se traduz em «igualdade de formação», o que vem revelar a existência de factores extra-escolares no rendimento dos alunos e, simultaneamente, o valor limitado da escola e do ensino para contrabalançar as diferenças verificadas.
E mais uma vez nos damos conta de que a política educacional se insere numa política global, actuando também no ambiente que rodeia o educando, de modo a torná-lo estimulante e enriquecedor!
O Sr. Ávila de Azevedo: - Muito bem!
O Orador: - As medidas correctoras das disparidades verificadas através de «mecanismos compensatórios» visam quatro objectivos concretos, de que o Plano de Fomento, na esteira da recente reforma educativa, se faz eco:
Intensificação da educação pré-escolar, que de uma taxa de 3 % de escolarização, deverá passar, em 1979, para 15 %. Sabida a alta importância deste período na educação da criança, não podemos deixar de lamentar o atraso em que nos encontramos e de considerar bastante modesta a meta proposta. Mais não basta essa intensificação; há que fazê-la acompanhar de outras medidas, de natureza alimentar e sanitária..
Polivalência do ensino secundário, que visa acabar com uma dualidade de ensino tradutora de diferenciações sócio-económicas e impeditiva do pleno desenvolvimento do aluno. Razões pedagógicas, sociais e políticas levaram a essa decisão, que é irreversível. Já realizada a nível dos dois primeiros anos do ciclo preparatório, embora subsistindo ainda - esperamos que por pouco tempo- as diferenciações do curso complementar primário e do ciclo preparatório, directo e pela televisão, a polivalência, com mais dificuldade, à mistura com algumas incompreensões, vai sendo realizada no ensaio secundário. O esforço é, neste domínio, enorme, se tivermos presente que em 1969-1970 apenas estavam escolarizados no ciclo preparatório cerca de 71 % do respectivo grupo etário, enquanto no ensino liceal essa percentagem era apenas de 20%.
Diversificação do ensino superior, de acordo com um ensino secundário baseado num regime de opções e tendo em vista uma diversificação maior do mundo do trabalho. Repare-se que um dia virá em que o ensino secundário se tornará um ciclo de ensino geral, pelo que o conjunto das formações profissionais e técnicas será transferido para estabelecimentos pós-secundários, os quais assegurariam um leque extremamente grande de formações. Se esta hipótese pode parecer pouco provável, há uma outra maus verosímill: o 2.º ciclo do ensino secundário perderia parte da sua importância actual em matéria de formação profissional, a qual seria realizada no ensino superior curto.
Educação permanente, a mais significativa «estratégia» actual, indispensável face à mobilidade dais técnicas como dos conhecimentos, e que tem como uma das suas modalidades a «educação recorrente», mais ligada ao ensino superior, mas não só, que permitiria, em tempo completo ou parcial, o regresso à escola, para completar estudos interrompidos ou para actualização.
Repare-se, no entanto, que apesar da extraordinária relevância destes mecanismos compensatórios, três deles são relegados para o V Plano de
Fomento ...
Quanto a mim, dois grupos de idade merecem prioridade, precisamente aqueles que até agora têm estado fora do sistema escolar tradicional: o grupo até aos 6 anos e o dos adultos, estes a pedirem toda uma política cultural global, apenas ligeiramente esboçada no Plano que discutimos. Ora, «formação» da pessoa é um direito e por isso um serviço que deve ser oferecido a todos os cidadãos em qualquer momento da sua vida.
Esse «direito» obriga o Estado a criar as devidas condições para o seu exercício, compensando as desigualdades existentes, sobretudo quando elas resultem de motivos de ordem social ou geográfica. Para atenuar este último tipo de obstáculos, o Governo procura implantar escolas, enquanto centros promotores das pessoas e motores do desenvolvimento regional.
A localização dos estabelecimentos escolares, quer do ensino obrigatório, quer, sobretudo, do ensino facultativo, responde a vários imperativos: reduz as disparidades nas taxas de escolarização regionais; cria o «capital humano» - pela formação profissional,
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técnica e científica- necessário para a expansão regional, e, inversamente, o desenvolvimento da formação profissional em regiões de emigração permitirá a partida para zonas em vias de industrialização, por exemplo, de uma mão-de-obra já parcialmente formada. Isto não significa, no meu entender, que sem mais se considere que a instalação de um estabelecimento de ensino de grau secundário ou superior seja processo de reter a população dessa região. Tal só sucederá se outras medidas de natureza económica e social forem postas em prática.
A emigração só será evitada com o aumento necessário de empregos. Por outro lado, não se esqueça que a instalação de certos estabelecimentos de nível superior supõe a existência no local de condições atractivas para o respectivo pessoal docente, sejam de natureza económica, social ou cultural. Daí decorre uma opção política: onde implantar escolas de nível pós-secundário, por exemplo? Convém ter presente que a criação, de uma Universidade, pela mobilidade dos seus diplomados e pelo elevado custo da sua instalação, manutenção e funcionamento, é mais um problema nacional que local. Eis porque os peritos da O. C. D. E. vêem «com reservas» a política de «desenvolver uma região pela criação de uma Universidade».
Atender às potencialidades regionais, quer a nível demográfico, quer a nível cultural, quer quanto aos empregos que oferece, deve ser a preocupação primeira no estabelecimento de uma rede escolar. Por isso mesmo, o distrito de Braga viu surgir com naturalidade a Universidade dentro dos seus limites. Creio, no entanto, dada a densidade das suas escolas secundárias, a prover de professores, que se torna necessário criar uma escola normal superior. A região norte litoral não possui tal tipo de estabelecimento.
Os candidatos potenciais ao ensino serão desviados dá sua vocação para evitarem o custo da sua deslocação para as zonas escolhidas para implantação dessas escolas. Sabido, por outro lado, que o distrito de Braga, como escreveu em 1968 o Prof. Eugénio Caldas, é um dos cinco distritos da metrópole com mais população activa agrícola, porque não criar em Barcelos, por exemplo, concelho com mais de 90 000 habitantes e de feição marcadamente agrícola, uma escola que desse continuidade às escolas práticas já existentes ou em período de montagem no distrito?
Ao falar de política educacional, de reformas, de métodos, de programas ou de estruturas, ao pensar em fomentar a escolarização e sobretudo na formação do homem e do cidadão que desejamos, não posso passar em claro a minha profunda preocupação. É que nos últimos anos assistimos a uma progressiva deterioração do pessoal docente.
O Sr. Homem Ferreira: - Muito bem!
Ó Orador: - Quando sobem as exigências da função - em conhecimentos técnicos e sobretudo humanos, por que não dizê-lo? -, paradoxalmente, entrega-se a juventude das nossas escolas a um número crescente de professores, por vezes sem as necessárias qualificações. Há ainda escolas sem professores. E o drama está em que não basta encontrar quem queira «ensinar», é preciso encontrar quem saiba «educar».
O Plano fala-nos dos números elevados de docentes a formar e mais serão necessários para suprir as actuais carências. Mas não basta afirmar num plano que vamos formar tantos professores. É indispensável que apareçam candidatos. E estes só surgirão se as condições profissionais que lhes forem presentes constituírem aliciante bastante que concorram com outros tipos de empregos possíveis. Se a educação é a profissão «comunicadora» e «animadora» por excelência - o professor, atraver-me-ia a dizê-lo, é o indispensável agente catalítico da formação do educando-, esta só será realizada a partir de uma profunda riqueza anímica. A educação é um encontro de almas a exigir vocação, sacerdócio.
Se o trabalho do professor é motivado por valores profundos, isso não impede que ele espere da sociedade que serve a justa paga do seu trabalho e o seu reconhecimento enquanto classe profissional interessada vivamente em todos os problemas educativos, em cuja solução quer efectivamente participar, não apenas como agente, mas como promotor ou inovador. Sei bem que sendo o ensino, mesmo «industrializado», a «empresa» que mais depende de uma mão-de-obra sempre crescente, uma alteração na escala dos vencimentos traduzir-se-ia num pesado encargo para o erário público. Mas estamos de novo face a uma «opção» política: a quem devemos entregar a educação dos portugueses de amanhã?
Não tenhamos ilusões: os números previstos no Plano traduzem necessidades, embora desconheça o critério seguido para o seu cálculo. Mas o recrutamento de professores, se depende da «mão-de-obra» intelectual disponível, fornecida pelas diversas escolas normais ou outras, depende basilarmente dos vencimentos oferecidos.
O estatuto do docente deve estar de acordo com os princípios da justiça distributiva e devem permitir-lhe condições para o seu contínuo aperfeiçoamento, quer no plano profissional, quer no cultural. Aguardo, com relativa esperança, os trabalhos que conduzem à elaboração do estatuto do professor, para bem do ensino e da função docente, convicto de que muitas situações anómalas desaparecerão.
Não querendo abusar da paciência com que me vindes escutando, recordo apenas uma dessas situações anómalas e que atingem os professores primários, os cabouqueiros da educação: os professores primários estão à entradado exercício da sua profissão cinco letras abaixo dos instrutores de educação física do ciclo preparatório, aos quais é exigido, como àqueles, dois anos de escolaridade após o curso geral dos liceus; além disso, nem ao fim de trinta anos de serviço efectivo os professores primários alcançam o vencimento inicial dos instrutores de educação física. Creio não serem precisos comentários para a injustiça relativa praticada.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Plano de Fomento visa o progresso económico e social do País e deve colocar à disposição da política da educação os adequados meios para assegurar o seu desenvolvimento, não só com vista à formação dos futuros trabalhadores, mas tendo em conta todos os aspectos da sua vida comunitária. Entendo, por isso, que o sec-
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tor da educação deve receber lugar privilegiado dentro das prioridades estabelecidas no IV Plano de Fomento. Esperando bom acolhimento para as considerações feitas, dou a minha aprovação na generalidade à proposta de lei sobre o IV Plano de Fomento.
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Neto Miranda: - Sr. Presidente: Volto de novo a usar da palavra nesta Assembleia. E ao fazê-lo pela primeira vez na sua XI Legislatura, saúdo V. Exa., Sr. Presidente, que a Assembleia reelegeu para mais um quadriénio.
Dirigir esta Casa com a tranquilidade e oportunidade de acção que V. Exa. demonstrou anteriormente garante-nos uma actuação independente e liberta de condicionalismos, pois V. Exa. desempenha bem toda a tradição da Assembleia ao longo de dez legislaturas, o que permite aos Deputados serem aquilo que desejam, representando um eleitorado que cada vez se preocupa mais com os interesses superiores da Nação, os interesses do bem comum. As minhas mais respeitosas homenagens para V. Exa.
Sr. Presidente: O Governo Geral de Angola apresentou no princípio do mês passado à sua Assembleia, Legislativa uma proposta de. diploma de autorização de receitas e despesas para 1974.
Trata-se - tanto mais que a parte preambular faz uma análise técnico-económica da conjuntura daquele Estado por forma a esclarecer directivas, intenções e resultados imediatos de acção -, trata-se, dizia, de uma peça política de alto significado, salvo erro a primeira que tão detalhadamente nos informa retrospectiva e futuramente sobre a vida social e económica daquele território.
É de destacar nesta Assembleia aquela proposta de diploma e de recomendar a sua leitura, que, além de nos informar, nos esclarece de algumas dúvidas que eventualmente pudéssemos ter sobre o extraordinário progresso económico que aquele Estado atravessa. E a sua realidade vai entrosar-se no IV Plano de Fomento.
Diz-se no início da introdução daquela proposta de diploma:
As traves mestras do esquema de evolução da economia angolana para o período de 1974 a 1979 encontram-se consignadas no texto do IV Plano de Fomento, pelo que a actividade anual do Estado terá de estar ao serviço dos grandes objectivos económicos e sociais já definidos, tendo em conta, evidentemente, as condições específicas que caracterizam a conjuntura procurando-a aproveitar se ela se mostrar favorável à consecução daqueles objectivos, ou dominar se, pelo contrário, constituir entrave à realização dos mesmos [...] Assim, integrar o Orçamento Geral do Estado (Angola) e o programa anual do Plano de Fomento é tarefa que se impõe realizar na prática, apesar de legalmente se tratar de diplomas independentes, elaborados e aprovados em separado.
Ficamos, assim, cientes de que o Governo de Angola, ao formular as directivas e os objectivos do IV Plano de Fomento no que respeita àquele território, teve em vista, como essencial, a integração daqueles princípios na execução anual da sua acção e orçamento, o que aliás se compatibiliza, se não o impõe, com o disposto no n.º 2 da base XIIII da presente proposta de lei.
Deve ainda salientar-se que na proposta de lei que estamos apreciando se enumeram na base IV os objectivos específicos que se procuram atingir em conformidade com os objectivos gerais de desenvolvimento económico e progresso social, o que tudo compreende os grandes objectivos nacionais. Deles devemos destacar, a aceleração do ritmo e harmonização dos processos de desenvolvimento económico, tendo em conta os recursos naturais e humanos, capitais disponíveis, a defesa nacional e a promoção do progresso social da população portuguesa.
Não restam dúvidas de que estamos perante um documento que enuncia objectivos de cúpula para realização dos fins superiores da comunidade, com vista à formação de uma economia nacional no espaço português, o que é de extraordinária importância para a unidade política da Nação.
Para essa economia, o Estado de Angola terá uma participação que nos aventuramos a considerar de notável, dado não só o índice de progresso que se vem notando, como ainda as exigências dos mercados internacionais face a matérias-primas e energia que estão ao nosso alcance.
A riqueza do solo e do subsolo de uma região é, estatisticamente, correspondente à sua dimensão. Neste aspecto, o conhecimento científico do território toma uma importância fundamental, e todo o esforço que se faça para a expansão do conhecimento das riquezas- naturais deverá, ainda, ter em atenção a carência mundial de matérias-primas e a extraordinária industrialização que a técnica moderna colocou ao nosso dispor. E quando refiro a carência de matéria-prima, tenho em vista a política do petróleo definida pelos Estados árabes e a do ferro, que se prevê venha a ter a mesma orientação por parte dos Estados africanos.
Não vou ocupar-me, evidentemente, dos números estatísticos que possuímos .sobre a riqueza produtiva do Estado de Angola, aquela que para o fim que temos em vista mais saliente torna, no momento actual, a expressão do seu valor. Queremos apenas apontar o esforço que deve ser feito para o desenvolvimento da produção, para a dinamização do ritmo de crescimento das indústrias extractivas.
No projecto do IV Plano de Fomento, e relativamente a Angola e ao sector das indústrias extractivas, nas quais há a salientar os minérios de ferro e cobre, petróleo e diamantes, aponta-se, como insuficiências que foi possível detectar, a fraca participação do capital nacional, pois a maioria dos empreendimentos está baseada em capitais estrangeiros; a não transformação local de grande parte das matérias-primas; concentração das espécies mineiras exploradas e das empresas que as produzem; fraca cobertura geológica do território e reduzidos estudos de prospecção geral realizados, quer pela Administração, quer por entidades privadas, e a muito limitada contribuição do sector mineiro para a dinamização do crescimento interno.
Daí que o esforço que se irá fazer será para modificar o atraso em que vivemos no sector, mercê de circunstâncias que levaram os elementos de maior
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responsabilidade governativa local a fazer os reparos de estar a província de Angola a adquirir o que, aliás, em grande parte, bem podia dispensar. Trata-se, evidentemente, de uma crise de produção e para a qual não faltam matérias-primas. Como exemplo, foi recentemente referido pelo Governo daquele Estado que em 1974 a província terá de importar 1 milhão de contos de produtos refinados do petróleo, quando poderia estar dispensada dessa importação se se tivesse andado mais depressa nos estudos das petições apresentadas para o efeito.
A Sra. D. Sinclética Torres: - Muito bem!
O Orador: - Foi precisamente isso que o Governo-Geral de Angola fez de há meses para cá: «Acelerar todos os processos de informação por forma que o Governo Central pudesse decidir.
Mas continuemos.
Quer o projecto do IV Plano de Fomento, que por ser projecto não deixará de servir de orientação ao plano definitivo que imperativamente a lei em discussão impõe constituir o instrumento basilar da política do Governo em matéria de desenvolvimento económico e de progresso social, quer o diploma legislativo que autorizou o Governo Geral do Estado de Angola a cobrar as receitas locais e a utilizar o respectivo produto no pagamento das despesas, planeiam, para anular no sector das indústrias extractivas as insuficiências já apontadas, adoptar medidas visando a atracção de capitais nacionais ou estrangeiros; a integração vertical das empresas mineiras com vista a uma maior laboração dos recursos naturais; a definição de uma política de concessões e o futuro aproveitamento dos diferentes minérios; o apoio à constituição de uma empresa nacional de sondagens para a indústria petrolífera, aproveitando a-experiência já adquirida por técnicos nacionais; concessionar uma área restrita de off-shore profundo para a exploração de petróleo e, posteriormente, maiores áreas quando conhecidas as condições em que essa actividade é concedida em outros países; incentivar a constituição de novas empresas para aproveitamento de áreas libertadas com a utilização de mão-de-obra que vai ficando disponível.
Eis, em linhas gerais, e dentro do sector da indústria extractiva, o que se propõe no projecto do Plano de Fomento, como meio dê ele poder contribuir, em grande parte, para suprir as insuficiências até agora verificadas e que uma política de desenvolvimento impõe, já que é fraca a participação do capital nacional, muito reduzida a transformação das matérias-primas, serem cinco as empresas e três os produtos que constituem mais de 98% do total da produção mineira de Angola e ser muito fraca a cobertura geológica do território de Angola.
E quando mesmo assim sabemos que o valor da exportação de petróleo bruto, diamantes e ferro foi em 1972 de 6 milhões de contos, cabendo 3 milhões e meio ao petróleo e no ano de 1971 um pouco menos de 2 milhões, não será ousado pensar quanta riqueza está ainda por explorar e como se torna indispensável acelerar o processo de desenvolvimento, activando os meios de produção.
É para este aspecto que pedimos a atenção do Governo, que olhe com muito interesse as iniciativas que se lhe apresentem e que incite por todos os meios,
e com redução de peias burocráticas, os empresários, já lançados ou a captar nas actividades produtivas dos territórios nacionais, a que conquistem ou reforcem a sua confiança numa verdadeira comunidade nacional.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Ao Estado compete denunciar a sua fé nos destinos nacionais, em termos de futuro, contribuindo para é revigoramento da unidade nacional, que nenhum de nós quer perder.
É que, de uma maneira geral, podemos dizer que nos outros sectores da produção se passam situações semelhantes. E se no sexénio que se avizinha o Governo projecta dar um nítido e patriótico impulso ao progresso da Nação, e ao qual Angola se não vai subtrair, decididamente lancemos com fé e ousadia a estratégia do desenvolvimento.
Será, pois, conveniente ter presente que essa estratégia de desenvolvimento se acha definida na base IV da proposta de lei em apreciação em termos de aceleração do ritmo de crescimento da produção de bens e serviços e da promoção social da população.
Dada a interdependência dos factores que dinamizam essa estratégia, as prioridades da actuação serão meramente concepcionais, pelo que não haverá que considerar se a prioridade deverá ir para a promoção social ou para o ritmo de crescimento.
É que tal como se afirma na base III do diploma legislativo de autorização de receitas e despesas para 1974 do Estado de Angola, a estratégia ou política, por ser global, é sócio-económica e visa a criação de um clima de colaboração geral ao desenvolvimento de uma sociedade integrada e progressiva, subordinando-se aos objectivos gerais do IV Plano de Fomento.
O Governo-Geral de Angola vai, pois, exercer uma verdadeira política de fomento anual, considerando a sua posição coordenadorados objectivos gerais do desenvolvimento económico e progresso social, com vista à realização dos fins superiores da comunidade nacional.
Ao verificarmos que os fins específicos contidos no IV Plano de Fomento geram uma política de acção integrada na comunidade nacional e sabendo-se que o Governo-Geral do Estado de Angola, servindo-se dos seus próprios meios, visa dar expressão adequada à execução do Plano, mercê também dos meios de que ele puder dispor, podemos afirmar, face à análise que fizemos em parte do Plano e do que nele mais se contém, que a acção governativa regional, incidindo nos aspectos sociais, económicos, financeiros e administrativos, conduz a uma política de plena integração, consagrando, os princípios contidos nos artigos 135.º e 136.º da Constituição.
De facto, sendo na sua acção governativa as províncias ultramarinas autónomas quando legislam, ou dispõem das suas receitas ou do seu património, possuindo regime económico adequado às necessidades do seu desenvolvimento e do bem-estar da sua população, não devem, contudo, perder de vista a integração da sua economia na economia geral da Nação, contribuindo para o bem-estar das populações, respeitando os seus valores culturais e morais e zelando pelos seus direitos individuais.
Vozes: - Muito bem!
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O Orador: - E é de todo este conjunto, significando uma politização de todas as camadas sociais e étnicas, que deriva uma participação mais autêntica na vida pública, permitindo ao Governo de cada província ser mais decididamente executante dos princípios político-administrativos que a Constituição, a Lei Orgânica e o Estatuto próprio lho consentem.
Agir em termos de cumprir os princípios básicos, também, da lei que directiva a organização do IV Plano de Fomento é tarefa que a todos cabe e em que todos devem estar empenhados.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Por todo o exposto dou o meu parecer favorável à proposta de lei em discussão.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Homem Themudo: - Sr. Presidente: As primeiras palavras da minha primeira intervenção como Deputado quero que sejam de infinito respeito por esta Câmara política e, simultaneamente, de alta consideração por V. Exa., Sr. Presidente, e de fraterno cumprimento a VV. Exas., Srs. Deputados.
Infinito respeito pela Assembleia Nacional, que tanto deriva da sua representatividade, assente na realidade insubstituível do sufrágio directo para definição do querer político da Nação, como do valor da sua intervenção na vida política do País, face à natureza das funções e à dignidade com que as exerce, sem outros objectivos que não sejam o bem comum dos Portugueses e a honra do País e sem outras limitações que não as impostas pelos supremos interesses nacionais.
Palavras de alta consideração por V. Exa., Sr. Presidente, no apreço pelos predicados que tanto o distinguem e no reconhecimento grato do prestígio que V. Exa. acrescenta e assegura à representação nacional.
Fraterno cumprimento a VV. Exas., Srs. Deputados, saudando com igual aprazimento, por igualmente as ter por úteis ao serviço político da Assembleia, tanto a nossa sólida unidade em torno dos princípios constitucionais como as divergências sãs, que nos diferenciam, sem nos separarem, quanto aos modos de encarar e resolver os problemas nacionais e os desafios postos ao País.
Sr. Presidente: Para a elaboração do IV Plano de Fomento solicitou o Governo um largo esforço de participação, e é pela exaltação desta atitude, atento sobretudo o seu significado político, que inicio a minha intervenção no debate na generalidade da proposta de lei para fixação das orientações básicas que irão enquadrar o crescimento económico e o progresso social até fim dos anos 70 e, por conseguinte, condicionar e caracterizar o processo geral de desenvolvimento do País.
Vale esta atitude do Governo, a de buscar opiniões sobre os princípios orientadores e as acções concretas do Plano de Fomento, antes de mais como reconhecimento do direito de intervenção dos cidadãos no traçar dos caminhos e do destino do País. E traduz também a aceitação do interesse da pluralidade, das opiniões para a maior probabilidade de definição de orientações e acções certeiras que, por participadas, se vejam reforçadas pela congregação das vontades, como pelas responsabilidades assim voluntariamente assumidas e pela solidariedade que deste modo naturalmente desperta.
Foram muitos os que nos diversos campos de actividade e nos vários escalões do sector público e do sector privado - reflectindo vasta gama de opiniões e largo espectro de competências - deram o seu contributo para a elaboração do IV Plano, de Fomento.
A atitude do Governo é atitude que aponto, num louvor que não perde dimensão por afirmar que, sendo vasta, mais alargada ainda deveria ter sido a participação na fase de elaboração do Plano, por ser esta que mais vincadamente o caracteriza, dado que então se faz a tomada dos grandes caminhos pelos quais há-de correr o desenvolvimento do País.
Elaborado o Plano, e na procura da participação pela qual desde o início se decidiu, levou-o o Governo à apreciação da opinião pública, no propósito do seu possível aperfeiçoamento pelas críticas e comentários que viesse a suscitar.
Nos termos constitucionais, impregnados de profundo sentido de participação, recolheu o Governo o parecer da Câmara Corporativa, a reflectir as opiniões e sugestões dos representantes das autarquias locais e dos interesses de ordem administrativa, moral, cultural e económica.
Na mesma linha de pensamento, e em harmonia com a Constituição, trouxe agora o Governo à apreciação da Assembleia Nacional o IV Plano de Fomento. Analisando-o, dando sugestões, votando modificações, a Assembleia participa assim na fixação das normas a que, em definitivo, hão-de subordinar-se a organização e execução do Plano. E participa ainda fornecendo críticas e sugestões para aperfeiçoamento do projecto do Plano.
Na fase de apreciação, é vasta também a participação, a traduzir-se em comentários de opinião pública, pareceres técnicos e análises políticas.
Ponderada toda a participação recolhida nas fases de elaboração e de apreciação e feitas as correcções decorrentes e as alterações determinadas, o Plano tomará então a forma definitiva, para entrar finalmente em execução.
E também nesta fase o Governo procurará a participação:
Enviando à Câmara Corporativa e à Assembleia Nacional os relatórios da acção desenvolvida em cada ano de vigência do Plano, no propósito evidente do aperfeiçoamento dos programas futuros, pela crítica dos trabalhos desenvolvidos e dos resultados alcançados.
Levando ao conhecimento da Câmara Corporativa e da Assembleia Nacional - por louvável inovação introduzida pelo Sr. Ministro das Finanças na proposta de lei de meios - os programas anuais de actuação do Governo, nos quais se integram, diferenciadamente, os que respeitam à intervenção do Estado na prossecução do Plano de Fomento.
O maior conhecimento público do que em cada ano se fez e se alcançou e do que em cada novo ano se vai fazer e se pretende atingir, a par de um maior acompanhamento e de mais acentuada participação da
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Câmara Corporativa e da Assembleia Nacional na fase de execução do Plano, é voto que deixo, porventura, a coincidir com propósitos do próprio Governo.
O IV Plano de Fomento é, inequivocamente, um Plano participado: largamente, tecnicamente, politicamente.
Maior deveria ter sido a participação? Sobretudo abrangendo mais sectores? Em termos de maior eficiência? Assim penso.
Mas não é justo, porque não corresponde à realidade, afirmar que o Plano é obra apenas dos que detêm o poder político. Ou apenas dos que detêm o poder económico. Ou que é obra de poucos.
O IV Plano de Fomento, participado como está, não é sequer um Plano do Governo: é um Plano da Nação.
Sr. Presidente: Caracteriza-se o IV Plano de Fomento, em meu entender, fundamentalmente pelo realismo político em que assenta, a garantir-lhe viabilidade e eficácia, e pelo sentido humanístico e nacional que o impregna, a justificar e dignificar os esforços planeados, os sacrifícios porventura a suportar, mas também os benefícios a receber.
Não se trata de um Plano para um país de ficção, traçado num quadro irreal e para executar num tempo indeterminado e incaracterístico, em que o único factor a ter em conta, além da erudição do planeador, fosse apenas a resistência de umas condescendentes folhas de papel em branco ao deslizar de um aparo imaginativo e ambicioso.
É um Plano traçado no Portugal de 1973, visando o Portugal de 1974-1979.
Um Plano traçado no Portugal de 1973, e logo que a primeira premissa a impor-se, e inegavelmente a condicionar o processo e, sobretudo, o ritmo do desenvolvimento, seja a primazia do esforço de defesa contra os ataques e assaltos ao ultramar.
Um Plano, pois, traçado não à medida das nossas ambições nem tão-pouco a nível das nossas possibilidades totais. Um Plano ao qual um ambiente internacional de demissão e cobardia, de ambições imperialistas, de racismo exaltado e de intolerante reaccionarismo político rouba meios para levar o País a metas mais ambiciosas de desenvolvimento.
Mas um Plano que - por assente na firme decisão do Povo Português, entregue à guarda desta Assembleia e dada como «mandato indeclinável» ,ao Governo, de absoluta prioridade à defesa do ultramar - se eleva e agiganta em valor nacional, ,ao mesmo tempo que, por realismo político, obtém a adesão do País, pelo acatamento da primeira grande opção política do Povo, a prioridade da resposta aos ataques ao ultramar português.
Um Plano visando o Portugal de 1974-1979. E também em relação ao tempo futuro se manifesta o realismo político em que o Plano assenta: agora a afirmação de que será profundamente diferente da actual - nos aspectos económico, social e político - a sociedade portuguesa do futuro que irá construir.
Diferente, afirma-se no preâmbulo da proposta de lei em apreciação, porque «não podemos deixar de entrar na trajectória de aproximação do grande mercado europeu em organização» e porque, diz-se ainda, «não podemos fugir à influência dos padrões de vida Idas nações mais (industrializadas».
Mas não só! Diferente também, diferente, sobretudo, porque a Nação a quer diferente, em harmonia com a segunda grande opção política do Povo Português: a evolução para uma sociedade de mais altos níveis e com mais amplos horizontes de bem-estar, de cultura, de justiça, de liberdade e de harmonia social, na continuidade dos valores nacionais de que não abdicamos e nos individualizam como comunidade.
Nesta coincidência entre o querer da Nação, sobretudo o querer da Nação, e os objectivos últimos do Plano, aí está, evidenciando o realismo político em que o Piano assenta, outro motivo da adesão do País, sem a qual o Plano jamais passaria de um articulado de intenções.
Um Plano que arranca identificado com a primeira grande opção política nacional - prioridade à defesa do ultramar - e se propõe concretizar a outra grande opção política da Nação - uma sociedade evoluída e progressiva - é um Plano assente no maior realismo político e, por conseguinte, um Plano que, pela adesão do País, dispõe da condição fundamental para a sua viabilidade e eficácia: uma consciência nacional em sua volta, um sentido de empresa comum a todos os portugueses.
Sr. Presidente: A decisão política, implícita no Plano, de construção de uma sociedade melhor revela claramente o sentido humanístico e nacional que o impregna.
Não o domina, na verdade, o mito do desenvolvimento pelo desenvolvimento. "O Plano representa, sobretudo, um instrumento de valorização humana dos Portugueses e um meio de fortalecer a individualidade e coesão da comunidade portuguesa, pelo ataque frontal às injustas desigualdades entre os homens, entre as classes, entre os sectores da actividade nacional, entre as regiões.
Tão-pouco o obscurecem ópticas isoladas de progresso. O desenvolvimento que o Plano busca é um todo, a corresponder à unidade que caracteriza o homem, no encadeado das suas aspirações, e à unidade que define a sociedade, no imbricado dos seus aspectos.
Daí que o Plano contemple, em realização paralela e harmónica, perspectivas económicas, sociais e culturais, num esforço concertado do Governo e da iniciativa privada, dirigido à aceleração do crescimento do produto, da promoção do bem-estar e da elevação da educação e da cultura.
Mas o Plano vale ainda pelas condições que naturalmente irá criando para uma mais alargada, mais profunda e mais esclarecida participação dos Portugueses na vida pública e para uma convivência política mais sã e harmoniosa.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - É este sentido integral de desenvolvimento, desenvolvimento económico, social e cultural, mas também desenvolvimento político, que deriva, ao fim e ao cabo, das orientações contidas na proposta de lei em apreciação, a que tenho a honra de dar a minha aprovação na generalidade.
Deixando para outra ocasião a análise das estratégias sectoriais do desenvolvimento agora deslo-
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cada -, termino formulando um voto para o futuro: o de que o Governo cumpra quanto se propõe executar no IV Plano de Fomento e a iniciativa privada respondia ao desafio que lhe é lançado, no cumprimento da função social para que é chamada.
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Castro Salazar: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao usar pela primeira vez da palavra nesta legislatura, começo por apresentar a V. Ex.ª, Sr. Presidente, os meus respeitosos cumprimentos e endereçar aos Srs. Deputados as mais cordiais saudações.
Enviou o Governo à Assembleia Nacional a proposta de lei n.º 3/XI, na qual se definem as bases em que se deve enquadrar o IV Plano de Fomento. A proposta considera, quanto aos objectivos fundamentais e imediatos do planeamento, «objectivos metropolitanos» e «objectivos para as províncias ultramarinas», e, quanto a estas, distingue ainda entre objectivos para os Estados de Angola e Moçambique e objectivos para as províncias de governo simples. Os diferentes graus de desenvolvimento económico e social patentes nas diversas parcelas que constituem a Nação Portuguesa justificam essa destrinça, reforçada ainda pela recente reforma constitucional, que confere às províncias ultramarinas maior autonomia. No entanto, convém frisar que todos eles se enquadram nos grandes objectivos nacionais: aceleração do ritmo e harmonização dos processos de desenvolvimento económico de todo o território nacional e a promoção do progresso social da população portuguesa.
O desenvolvimento equilibrado das diferentes parcelas que integram a Nação, capaz de conduzir a uma melhoria cada vez maior das condições de vida de todos os portugueses, qualquer que seja a latitude do território nacional que habitem, foi .preocupação manifesta do Governo ao elaborar o Plano de Fomento em discussão nesta Câmara, como, aliás, o foi nos anteriores planos. Assim, a metrópole, como parcela mais desenvolvida e dentro do espírito de solidariedade nacional, contribuirá com cerca de 12 milhões de contos para o financiamento do IV Plano de Fomento no ultramar (sensivelmente o dobro do efectuado pela Administração Central no último Plano), cabendo-lhe 82,5 % dos investimentos a efectuar pelo Estado nas províncias de governo simples e 35,9% nos Estados de Angola e Moçambique; o financiamento reveste-se em alguns casos da forma de empréstimos isentos de juros e de subsídios gratuitos às províncias mais necessitadas de ajuda.
Investimentos tão vultosos e concedidos com tanto generosidade atestam bem o propósito dó Governo de promover o rápido desenvolvimento dos territórios ultramarinos, de modo a reduzir os desníveis ainda existentes entre o ultramar e a metrópole, e, por outro lado, afirmam límpidamente a realidade de uma Nação, que, embora diversificada em territórios e raças, é moralmente una;...
O Sr. Tito Lívio Feijóo: - Muito bem!
O Orador: - ...só assim se compreende e tem justificação tão grande sacrifício financeiro suportado pela metrópole.
S. Tomé e Príncipe receberá durante o 1.º triénio de vigência do IV Plano de Fomento um financiamento por parte da Administração Central de 180000 contos, enquanto a administração provincial contribuirá durante o mesmo período com 30000 contos. Dadas as dificuldades financeiras com que a província se debate, é de crer e de desejar que o financiamento a conceder pela metrópole beneficie das providências que favoreceram a província relativamente a encargos com anteriores empréstimos, e a propósito julgo ser esta a ocasião mais oportuna para dirigir ao Governo, através do Sr. Ministro das Finanças, um agradecimento pela. publicação do Decreto n.º 410/72, que aliviou a província de S. Tomé e Príncipe dos pesados encargos contraídos para o financiamento dos dois últimos Planos de Fomento e Plano Intercalar, encargos que em 1971 ultrapassaram 15 % das despesas ordinárias do orçamento provincial.
Prevê-se ainda durante esse período um financiamento de 62400 contos com origem em instituições de crédito e 52600 contos em autofinanciamento de particulares e empresas; de fontes externas estima-se um investimento de 82000 contos. Estão, pois, previstos gastos da ordem dos 407000 contos durante os três primeiros anos de vigência do Plano. Os grandes objectivos a atingir, definidos pelo Governo da província, são os seguintes:
1.º Mais equitativa distribuição dos rendimentos, com consequente melhoria das condições de vida das populações, mediante esforços a realizar nos sectores de produção, procurando incrementar a produção de bens e serviços de consumo interno e exportáveis, e, indirectamente, pela prossecução da edificação ou ampliação de infra-estruturas de base que melhor dimensionem o desenvolvimento económico e social desejado;
2.º Criação do maior número de empregos e melhoria das condições de prestação de trabalho;
3.º Promoção cultural e social das populações, através da continuação dos esforços de educação de base, do ensino elementar agrícola, da extensão do ensino secundário (liceal e técnico) e ainda do fomento habitacional e dos equipamentos básicos.
Sr. Presidente: Quando há seis anos se apreciou a proposta de lei referente ao III Plano de Fomento, tive a oportunidade de chamar a atenção da Câmara para a fragilidade da economia de S. Tomé e Príncipe, estruturada numa agricultura virada quase exclusivamente para a produção e exportação de matérias-primas e com predomínio de um único produto: o cacau. Sem indústrias que valessem esse nome, a economia são-tomense dependia na altura -e continua a depender -, em última análise, das oscilações de cotação do cacau no mercado internacional, no qual a província não pode influir, já que a sua exportação não chega a atingir 1 % da produção mundial deste produto.
A situação não se modificou de então para cá, pois em 1971 97% dos valores exportados pela província referiram-se a produtos agrícolas, dos quais o cacau ocupou o lugar mais representativo, com cerca de 80 % do total das exportações.
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Na realidade, a pesca e as indústrias transformadoras, viradas unicamente para o consumo interno, apenas contribuíram durante o hexénio para a redução da importação de peixe e de alguns produtos manufacturados, sem que tivessem influído nos valores exportadas pela província. Por outro dado, a agricultura não correspondeu ao que dela se esperou quando foi elaborado o III Plano de Fomento: a produção de cacau manteve-se estacionária, carecendo de significado o aumento de 5001 que, em relação a 1965, se verificou no ano de 1971; nas restantes culturas a regressão foi evidente, sobretudo no que se (refere à produção de café e coconote. Repetir-me-ia, pois, se me propusesse fazer uma análise dos sectores produtivos da província na conjuntura actual, dado que, quanto a estes, a panorâmica não se modificou nos últimos seis anos.
O mesmo se não pode dizer quanto às infra-estruturas económicas e infra-estruturas sociais, que sofreram durante o hexénio um impulso verdadeiramente extraordinário: a produção de energia eléctrica quadruplicou e a rede rodoviária duplicou a sua extensão em estradas asfaltadas; estas servem já uma importante área produtiva e zonas densamente povoadas, quase todas dotadas de equipamentos colectivos básicos.
A educação foi o sector que mais correspondeu aos investimentos nele efectuados, Sendo espectacular a evolução registada no período de 1965-1972 na generalidade dos graus e ramos de ensino. O ensino infantil, que não existia em S. Tomé em 1965, registou em 1972 uma frequência de 200 alunos. No ensino primário a frequência passou de 6327 para 10127 alunos, e no ensino secundário de 760 para 2670 alunos.
Os resultados obtidos no sector da saúde, em função dos investimentos efectuados, foram altamente notáveis. A mortalidade geral baixou de 14,3 por mi para 10,99 por mil no período de 1965-1972 e a mortalidade infantil, de 82,8 por mil para 65,74 por mil.
Ao iniciar-se o novo hexénio verifica-se, pois, um desfasamento entre o processo de desenvolvimento das infra-estruturas económicas e sociais, quase suficientes para as necessidades da província, e o do sector produtivo, dominado por uma agricultura em estagnação e onde uma indústria incipiente não satisfaz ainda as necessidades do consumo interno. Compreendesse a preocupação do Governo da província em dinamizar o sector produtivo, atribuindo-lhe 53,5 % do total dos investimentos previstos para o 1.º triénio do IV Plano de Fomento. Essa preocupação levou à criação em 1972 de uma comissão de estudo de diversificação destinada a promover e realizar os estudos necessários com vista à definição de novos empreendimentos com interesse, quer para a satisfação das necessidades internas, quer com vista à exportação, cujo papel1, na elaboração dos objectivos e prioridades a atingir durante o próximo sexénio em S. Tomé e Príncipe, é de enaltecer.
Pretende-se adaptar as estruturas económicas ao processo de crescimento, melhorando, no que diz respeito à agricultura, a produção física e produtividade das culturas tradicionais, a par de uma gradual diversificação cultural, e procurando em outros sectores, como a pesca, as industriais transformadoras e o turismo, compensações para os desequilíbrios verificados na economia santomense.
Reconhece-se serem grandes as dificuldades que à agricultura se têm deparado, nomeadamente a degradação de cotação de alguns dos seus produtos mais representativos, obstáculos à mecanização agrícola, dado o acidentado do terreno, carência de mão-de-obra, o aparecimento de pragas, e te., mas não há dúvida de que o Estado tem procurado, por intermédio dos seus serviços técnicos e apoio financeiro, minorar algumas dessas dificuldades. O projecto do Plano de Fomento prevê verbas importantes destinadas a estudos de entomologia e fitopatologia e à investigação relacionada com a aptidão e fertilidade dos solos e comportamento das culturas, o que, juntamente com as facilidades de recurso ao crédito em condições incentivadoras constitui valioso apoio à modernização e dinamização do sector.
Depois da agricultura a pesca é potencialmente a riqueza que maiores possibilidades oferece à economia da província. O mar- que rodeia as ilhas de S. Tomé e do Príncipe possui uma riquíssima fauna marítima, e a situação do arquipélago é privilegiada para numa das ilhas se instalar uma base piscatória de características internacionais.
A modernização dos métodos de pesca artesanal e a instalação de uma pequena empresa de pesca e secagem de peixe conduziram durante o último hexénio ao normal abastecimento do mercado interno, poupando à província divisas da ordem dos 6000 contos. Seria desejável a ampliação da actual empresa e a criação de outras de dimensão adequada ao aproveitamento industrial do pescado e à exportação. Sabe-se terem sido animadores os estudos preliminares efectuados por empresa interessada quanto à rentabilidade da pesca oceânica de tunídeos nas águas do arquipélago, quer no que diz respeito à captura, tratamento, congelação, farinação e extracção de óleos, como à possibilidade de montagem em terra de uma base frigorífica e equipamentos destinados a cozedura, conserva e liofilização de pescado.
A província espera que essa ou outra empresa nacional se lance no empreendimento e se não deixe a exploração das riquíssimas águas que circundam S. Tomé e Príncipe unicamente à iniciativa das frotas pesqueiras de países estrangeiros que há anos intensamente as exploram.
Directamente relacionada com o sector situa-se a urgente necessidade da construção em S. Tomé de um porto de pesca, apetrechado com oficinas de reparações navais, armazéns de apetrechos marítimos, sobressalentes e equipamentos, que, além de porto de abrigo, funcione como base de apoio às frotas que actuam na zona, tanto no que faz respeito a pequenas reparações navais e descanso de tripulações como a abastecimento de. combustível, água, frescos e outros géneros de primeira necessidade. Só com um ponto de pesca devidamente apetrechado se pode esperar a instalação na província de empresas piscatórias com a amplitude capaz de influenciar a economia são-tomense.
Durante a vigência do último Plano de Fomento, algumas indústrias se ampliaram e outras se instalaram em S. Tomé, com vista, sobretudo, à satisfação das necessidades dó consumo interno. Creio que se terá de caminhar agora para uma industrialização que vise a exportação e utilize basicamente produtos originários da província, designadamente o coco (coco ralado e fibra de coco), frutas (refrigerantes, conser-
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vás, sumos, formação da banana), oleaginosas, em geral, etc., e, em empreendimentos de maior vulto, a transformação de parte apreciável do cacau produzido na província em produtos semiacabados ou finais.
Dificilmente se poderá acelerar o desenvolvimento económico de S. Tomé e Príncipe e criar novos e compensadores empregos para uma população activa em rápido crescimento e cada vez mais culturalmente desenvolvida sem se enveredar afoitamente pela dinamização deste sector. De contrário, o grande esforço que no campo da educação se tem vindo a processar, e cuja prossecução desejamos, terá como resultado, se a província os não puder absorver, a saída para o exterior de elementos qualificados em ritmo crescente, o que constituída para S. Tomé e Príncipe perda lamentável.
Sr. Presidente: Entre os problemas que afectam a província, mas cuja resolução a transcende, estão as ligações marítimas e aéreas com o exterior. A insularidade do território condiciona a sua economia à maior ou menor facilidade dessas ligações, já que à província exporta praticamente tudo o que produz e importa a quase totalidade do que consome; daí a necessidade de transportes que garantam adequado escoamento às suas matérias-primas e um regular abastecimento dos géneros e materiais de que necessita.
O Sr. Tito Lívio Feijóo: - Muito bem!
O Orador: - Lamentavelmente, no que diz respeito a transportes marítimos nacionais, a situação vai-se deteriorando de ano para ano, pois as empresas de navegação concessionárias das carreiras de África não só vêm reduzindo o número de navios que escalam os portos de S. Tomé e do Príncipe, como, não raro, deixam de cumprir itinerários previamente estabelecidos, o que afecta toda a vida da província, quer no que diz respeito ao abastecimento do comércio local e, portanto, da população, quer nos prejuízos que uma armazenagem prolongada dos géneros à espera de embarque, e as dificuldades no cumprimento de contraltos de entrega, acarreta aos agricultores.
Há navios onde se faz discriminação quanto aos produtos a embarcar, pois se aceitam carregar cacau, cujo frete é considerado «rico», recusam «praça» ao carregamento de oleaginosas, tidas como «frete pobre».
Chegou-me ao conhecimento o facto de um carregamento de copra vendido em Abril para a metrópole só ter podido embarcar em S. Tomé no mês de Julho.
A contrastar com as dificuldades de escoamento dos produtos para o espaço português, que obrigatoriamente tem de ser feito em navios nacionais, os exportadores santomenses não têm problemas quando a exportação se destina ao estrangeiro, pois nessas circunstâncias o transporte das mercadorias pode ser feito em navios estrangeiros, que sem dificuldade escalam os pontos da província, mesmo para cargas de pouca tonelagem.
Na importação de géneros, as dificuldades surgem também com frequência quando se recorre a navios nacionais para o seu transporte. A província importa farinha de trigo, arroz, leite, manteiga e outros géneros de primeira necessidade, do Norte da Europa, mercadorias que eram transportadas em navios da Skandinave West Line, que mensalmente escalavam os portos de S. Tomé e do Príncipe. Quando os navios nacionais iniciaram as carreiras para o Norte da Europa, as empresas solicitaram aos importadores que fizessem embarcar as mercadorias originárias desses países em navios portugueses, pois as mesmas mercadorias seriam baldeadas em Lisboa para o primeiro navio que escalasse S. Tomé, se o transporte não se fizesse directamente para este porto. Os importadores acederam, tanto mais que as mercadorias transportadas desde a origem em navios nacionais beneficiam de um desconto de 20% nos direitos alfandegários.
Nos primeiros tempos as mercadorias chegavam a S. Tomé sem grandes atrasos, mas de ano para ano a situação tem-se vindo a deteriorar, havendo mercadorias que aguardam em Lisboa a baldeação para S. Tomé largas semanas e meses, com largo prejuízo para o comércio, dado que parte da carga se estraga, e para o público que periodicamente se vê privado de géneros de primeira necessidade. A situação chegou ao ponto de os comerciantes santomenses estarem na disposição de fazer transportar novamente os géneros que importam do Norte da Europa em navios estrangeiros, mesmo com o agravo de 20 % nos direitos aduaneiros.
Sr. Presidente: Não tenho qualquer má vontade contra as nossas empresas de navegação, a algumas das quais sou até devedor de gentilezas, mas os protestos que, não só em S. Tomé e Príncipe como em todo o ultramar, se levantam contra as crescentes deficiências no serviço por elas prestado levam-me a fazer este reparo, chamando a atenção do Governo para uma situação que começa a afectar o progresso de alguns territórios.
O Sr. Tito Lívio Feijóo: - Muito bem!
O Orador: - Eu aceito e aprovo as medidas de protecção concedidas pelo Governo à marinha mercante nacional, mas entendo que os benefícios concedidos obrigam a certos deveres, e quando as beneficiadas os não possam cumprir, o Governo não é mais obrigado a manter um regime proteccionista que redunde em prejuízo do interesse nacional.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Antes de terminar as breves considerações que venho fazendo, uma palavra, Sr. Presidente, para me congratular com a prioridade que à campanha de erradicação do paludismo foi dada nos objectivos a prosseguir durante o IV Plano de Fomento no capítulo da saúde. Será esta uma medida do maior alcance, no que diz respeito à promoção e protecção da saúde (das populações, já que o sezonismo continua a ser uma das doenças de maior incidência na nosonecrologia de S. Tomé e Príncipe.
Julgo ainda ser justo realçar o facto de os sectores sociais educação, saúde, urbanização e habitação - manterem no projecto que estamos a apreciar as prioridades desejadas, absorvendo parte considerável dos recursos financeiros a investir pelo sector público, o mesmo sucedendo quanto às infra-estruturas económicas, que apesar de satisfazerem já a maior parte das necessidades da província, prosseguir-se-á na sua ampliação e actualização.
A leitura atenta do importante documento enviado pelo Governo à Assembleia Nacional para que sobre
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ele nos pronunciemos aponta-nos, em última análise, como objectivo máximo do IV Plano de Fomento a valorização da pessoa humana; em S. Tomé e Príncipe e em .todas as parcelas que constituem a Nação Portuguesa. Por isso lhe dou a minha aprovação na generalidade.
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Eleutério de Aguiar: - Sr. Presidente: As nossas primeiras palavras na presente legislatura são para V. Ex.ª, Sr. Presidente, por razões que ultrapassam o formalismo da praxe e se radicam em sentimento de natural respeito e da mais profunda admiração.
Em 1969, no limiar do que já se convencionou chamar de primavera política neste País, ascendeu V. Ex.ª à presidência desta Câmara e; ao ser investido no cargo logo evidenciou que a Assembleia precisava de ser respeitada e de não desmerecer desse respeito. E anunciou princípios que fariam da nova Assembleia Nacional um órgão eficiente da soberania e lhe tornariam maximamente proveitosa a acção renovadora que o País de nós esperava.
A primavera passou, mas no vindimar dos frutos até os mais exigentes observadores da meteorologia política reconheceram que a X Legislatura deixou saldo francamente positivo. E, para que assim acontecesse, nós estamos convictos de que foi decisiva a forma lúcida e independente como V. Ex.ª conseguiu exercer a delicada missão para que, uma vez mais, os seus pares o designaram.
Pela nossa parte, ainda que cientes da modéstia dos recursos pessoais, tudo continuaremos a fazer para colaborarmos com V. Ex.ª na vigilância constante do Regimento, na certeza de que este se manterá como único código a condicionar a acção que aos Deputados incumbe, como legítimos mandatários da Nação, no diálogo com o Executivo.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Investidos num mandato que é nacional, ao subirmos a esta tribuna, curvamo-nos perante o povo que aqui ajudamos a representar. E fazemo-lo com o pensamento na população do nosso arquipélago da Madeira, a quem directamente prometemos servir, pugnando pelos seus interesses, na procura das soluções para os problemas que tanto dificultam a sua existência, impedindo o bem-estar a que, humana e legitimamente, aspira.
O IV Plano de Fomento afigura-se-nos instrumento ideal para se conseguir o desiderato, porque concebido com o objectivo de orientar, disciplinar e promover o progressivo desenvolvimento económico e social da Nação ao longo dos próximos seis anos, período insuficiente para nos alcandorarmos ao nível de vida das nações mais avançadas, mas talvez a única oportunidade que nos resta para evitarmos se acentue a distância que delas nos separa.
Com esta intervenção, não nos move qualquer intuito de originalidade, de que, aliás, seríamos incapazes, fazendo-a apenas com o desejo de se repensarem em voz alta as proposições que mais nos sensibilizaram.
Acontece, entretanto, que ao longo da legislatura passada de algum modo o IV Plano de Fomento esteve presente em nosso espírito, quando se procedia aos estudos com que os departamentos do Estado e as comissões de planeamento haviam de habilitar o Governo à apresentação da proposta de lei que discutimos.
Temos, assim, perfeita consciência de que, se as considerações então produzidas não terão logrado cabimento, muito menos o conseguiriam nesta fase, em que simplesmente nos é pedida a aprovação de bases genéricas, como já aqui foi acentuado, quanto a nós com flagrante clarividência e oportunidade. Pela nossa parte, fica também afirmado o propósito de acompanhamento das realizações cuja programação se encontra anunciada, para os efeitos que se tiverem por convenientes.
Não obstante o seu carácter genérico, a formulação dos objectivos que o Governo se propõe prosseguir traduz o que se nos afigura uma cuidada ponderação das circunstâncias enquadrantes no plano interno e no contexto internacional do processo de desenvolvimento em que o País se vai empenhar, bem como o firme propósito de acelerar o crescimento económico, assegurando-se, simultaneamente, uma mais equitativa repartição regional, funcional e pessoal dos rendimentos.
A taxa de crescimento anual média que se propõe é de 7,5 %. Se tivermos presente que, com o II Plano de Fomento, foi ultrapassada a cota dos 4%; que, na década de 60, se conseguiu um crescimento médio de 6,1%; que no período mais recente de 1971 a 1973 já se andou muito próximo dos 7%, temos de reconhecer que a taxa média de 7,5 % agora prevista para 1974 a 1979, sendo apreciável, até não é ambiciosa, fazendo-nos mesmo duvidar da viabilidade da pretendida sintonização com a Europa desenvolvida.
Considera-se, por outro lado, que a exposição do País à influência dos padrões de vida das nações mais industrializadas constitui um facto irreversível e apresenta-se o fenómeno emigratório como prova eloquente dessa realidade.
Atendendo a que a insuficiência de ocupações devidamente remuneradas tem sido uma das razões mais fortemente dominantes da corrente emigratória que, começando pelo mundo rural, se alargou ao litoral e ao próprio sector da indústria, importa saber em que medida o aperfeiçoamento da política do trabalho e a criação de novas oportunidades de emprego corresponderão às necessidades claramente evidenciadas.
Ora, no que se refere ao emprego e produtividade, apresenta-se a previsão de que continuarão a emigrar anualmente, em média, 60000 portugueses, contra cerca de 100 00 na década 1960-1970. Por seu turno, os novos empregos a criar na vigência do Plano serão da ordem dos 170 000.
Não se ignora que a falta de conjugação destes factores pode comprometer a estratégia do desenvolvimento enunciado. A política adoptada no sentido de favorecer a emigração legal tem sido vivamente controvertida, quanto a nós nem sempre de forma realista. Em última análise, conviria não esquecer que, sem a emigração e já não falamos nas consequentes divisas entradas no País -, estaríamos a braços com o gravíssimo problema de desemprego para mais de meio milhão de portugueses, pois estudos efectuados apresentam o déficit de 50000 postos de trabalho por ano ao longo da última década.
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Por razões óbvias, acompanhámos com o maior interesse a política que o Governo vem incentivando no mundo rural, precisamente o mais delapidado pela emigração, acentuando-se muito particularmente o vasto domínio da assistência médica e dos sistemas especiais de previdência e abono de família.
Neste contexto, evidencia-se o facto de as Casas do Povo estarem a transformar-se em influentes pólos de atracção sócio-cultural e a expandir a sua acção de assistência e previdência a níveis que se aproximam progressivamente daqueles que são comuns entre o trabalho na indústria, comércio e serviços, aspecto que muito nos apraz salientar, na medida em que se possibilita, com maior rapidez, a implantação de um autêntico sistema de segurança social alargado a toda a população.
Sr. Presidente: Aceite o princípio sempre actual de que, na evolução das sociedades, um país só poderá sobreviver construindo o seu futuro à base de uma preparação eficiente das novas gerações, é consolador verificar que o Governo definiu uma política de infância e juventude, propondo-se incrementar programas já em curso, indo ao encontro de profundas aspirações da Nação, de que esta Câmara se tem feito eco.
Constituindo matéria que nos é mais familiar, não se estranhará que lhes dediquemos um comentário porventura menos genérico do que o tempo aconselharia.
Da análise do relatório que acompanha a proposta de lei em debate pode concluir-se, efectivamente, que, numa política global de acção esclarecida, o Governo põe a tónica na promoção integral do homem, de tal modo que a planificação das actividades a favor da infância e juventude surge devidamente integrada em programas de âmbito mais lato, nos domínios da saúde pública e de acção social e educativa, cobrindo todas as suas necessidades (de nutrição, sanitárias, sociais e educativas) e acompanhando as diferentes etapas da sua existência (desde a concepção até o fim da adolescência), definindo-se prioridades e procurando assegurar-se a presença de pessoal qualificado, indispensável ao normal funcionamento das estruturas já existentes e a criar.
Numa linha de apoio directo à família, situa-se a reconhecida necessidade de gradual cobertura do País com infantários e jardins-de-infância, como ponto de partida para outros equipamentos sociais, que constituem a pedra de toque de uma estrutura sócio-económica organizada e não podem ser ignorados por qualquer política de urbanização racionalmente concebida.
No impulsionamento deste sector ressaltam as programações do IV Plano de Fomento, quer as que se enquadram nos objectivos do Ministério da Educação Nacional, como as do Ministério das Corporações e Segurança Social, este já com papel de relevo através do Instituto de Obras Sociais e do Instituto da Família e Acção Social, cujos planos de instalação foram oportunamente unificados, tornando possível concretizar de imediato um programa concertado de 60 unidades, contemplando 9000 crianças, além de várias medidas necessárias à formação de pessoal, não devendo deixar-se sem uma referência o apoio oficial ao equipamento desta natureza, de carácter privado, num total de 500 unidades, que asseguram, aproximadamente, a cobertura de 30 000 crianças.
O sector da educação é, sem dúvida, dos mais beneficiados com as dotações do Plano, perfazendo 37,7 milhões de contos.
Se atendermos, porém, a que, em igual período, através do Orçamento Geral do Estado, estão previstos investimentos da ordem dos 75 milhões de contos, teremos que a reforma do ensino votada pela Assembleia Nacional movimentará no hexénio 1974-1979 um total de 112,5 milhões de contos.
Perante uma obra que exige a mobilização de recursos humanos e materiais em escala nunca verificada na Administração, ninguém de boa fé poderá deixar de reconhecer que o Governo está seriamente empenhado em garantir na prática o princípio da democratização do ensino, para o que muito contribuirá, além da instituição da gratuitidade no período correspondente a oito anos de escolaridade obrigatória para que se caminha, em complemento da acção cometida ao Instituto de Acção Social Escolar, uma maior dispersão geográfica das novas escolas, designadamente Universidades, institutos politécnicos e escolas normais superiores, dispersão que, como é óbvio, se traduzirá em estímulo para o acesso de candidatos de menores recursos, bem como o lançamento das bases em que se. assegurará a educação permanente, estando já em curso a reestruturação dos cursos de adultos, que não se limitarão à alfabetização, mas incidindo também no aperfeiçoamento e na extensão cultural e proporcionando uma formação profissional mais actualizada.
Por outro lado, como aspecto significativo na execução da política social e educativa, merece o devido relevo o equacionamento da problemática da infância e juventude carecidas de meio familiar, limitando-se ao mínimo indispensável a existência de instituições em regime fechado - internatos - e exigindo sempre destes um funcionamento que os aproxime de autênticos lares, evitando-se actividades internas que devam ser processadas ao nível das estruturas regulares da comunidade.
Igualmente, assinala-se o propósito de se incrementar, sempre de forma coordenada entre os departamentos interessados, a acção que tem sido desenvolvida no sector dos deficientes e menores socialmente desajustados, pretendendo-se atingir a cobertura das necessidades do País, ensaiando-se novas fórmulas de atendimento, e concertando esforços no sentido da sua integração com crianças e jovens normais, ao nível escolar e da formação profissional.
Entretanto, como ponto fulcral da acção a promover, a fim de que toda e qualquer criança carecida de apoio específico seja bem estudada, insiste-se na urgente necessidade de se instituir um corpo técnico de competência nacional, com a atribuição de se pronunciar quanto ao decurso do processo e às reciclagens de que o mesmo careça. Só assim poderá haver garantia de diagnóstico e formação global e consentânea com as possibilidades intrínsecas de cada criança.
Como grande objectivo, ou mesmo como ideal da reforma da educação, sublinhe-se a implantação, pela via mais natural, de uma sociedade que se pretende verdadeiramente democrática, participada por todos e em que todos se sintam efectivos participantes.
Sr. Presidente: Entre os domínios frontalmente encarados no IV Plano de Fomento avulta o que res-
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peita ao ordenamento territorial dó País e à política regional, evidenciando-se a permanência de fortes assimetrias nos desníveis de desenvolvimento.
São amplos os objectivos definidos que assentam no progresso social, pelo aumento do número de empregos e por uma mais racional localização de equipamentos de utilidade colectiva; na reconversão das actividades regionais, pelo reforço e actualização das respectivas estruturas produtivas; no aproveitamento das potencialidades reais, através de uma esclarecida política de investimentos nas zonas que, prioritariamente, o aconselhem; na concepção de uma esquematização urbana convenientemente hierarquizada, pela reestruturação da distribuição territorial da ocupação humana; e, todo este enunciado, através de uma representativa participação das populações nas várias fases do processo de planeamento, para maior defesa e salvaguarda dos interesses regionais.
A região da Madeira, no conjunto, não estará tão contemplada quanto a sua população e até os seus responsáveis administrativos desejariam. No entanto, inscrevem-se no Plano medidas de apreciável alcance, que, a serem cumpridas, muito contribuirão para atenuar as gritantes carências em sectores vitais para o seu harmonioso desenvolvimento económico.
A caracterização dos factores que mais condicionam a vida no nosso arquipélago tem sido bastas vezes efectuada nesta Câmara pelos seus sucessivos representantes. Acresce que a Comissão de Planeamento Regional apresentou relatórios verdadeiramente notáveis, como contributo para a elaboração do IV Plano de Fomento.
Por tal motivo, e para que a Assembleia possa ter presente uma imagem da situação sócio-económica, recordaremos apenas que o déficit da nossa balança comercial, no ano de 1972, foi superior a 1 milhão de contos; a capitação média continua a ser muito baixa, pois ainda não ultrapassou os 10 000$; deficiente estrutura agrária, com largo predomínio do obsoleto regime de colónia e a mais grave crise de sempre nas suas principais culturas, marca profundamente o sector, a que, em 1970, se encontravam ainda ligadas 32700 pessoas, 36,5% da população activa, fazendo-se sentir a falta absoluta de circuitos de distribuição, com o decorrente prejuízo para a lavoura e para o consumidor; os estrangulamentos surgem também nos sectores da educação (este a ser revitalizado no que respeita a construções escolares, estando já praticamente assegurada a escolaridade obrigatória, embora se reconheçam precárias algumas soluções de emergência) e da habitação social, prevendo-se logo no início do Plano a edificação do Bairro da Nazaré, com cerca de 2000 fogos.
Todavia, para além do turismo, que vem polarizando sobretudo o litoral sul da Madeira, sente-se a ausência de outro(s) pólo(s) de desenvolvimento, o que é flagrante na zona norte, tal como noutras, aliás, carecidas de vias de comunicação mais rápidas e de medidas urgentes, visando o saneamento básico, que não existe em grande número de freguesias, incluído o próprio concelho do Funchal.
No que respeita a Porto Santo, abrem-se, finalmente, boas perspectivas de progresso, estando bem encaminhados os estudos de planeamento turístico, com vista ao aproveitamento das suas elevadas potencialidades, tendo-se deslocado à ilha um júri internacional que aprovou as bases propostas pelo Governo, devendo em breve ser aberto o concurso público para a sua concretização.
Numa ilha que encontrou no turismo a via mais rápida para o seu desenvolvimento, o sector dos transportes assume importância vital. Insistimos no interesse da revisão da política de tráfego para a Madeira, aguardando-se com natural expectativa a conclusão dos estudos com vista à actualização de todo o processo elaborado há dez anos sobre os transportes aéreos e respectivo equipamento aeronáutico.
Em conformidade com o despacho do Secretário de Estado das Comunicações, e Transportes de Março último, essa actualização far-se-á abordando com a maior profundidade possível todos os problemas levantados: viabilidade técnica e económica de desenvolver o Aeroporto do Funchal ou de construir um novo aeroporto na ilha da Madeira; viabilidade técnica e económica de um serviço eficaz de transportes entre Porto Santo e Madeira; estudo de novas correntes de tráfego turístico para a Madeira.
Na preparação das matérias a estudar, na escolha dos consultores e na futura apreciação de todo o processo, enveredou-se pelo método de fazer participar as entidades representativas dos interesses em causa, já que o grupo de trabalho é constituído pela Junta Geral do Distrito, Delegação de Turismo da Madeira e Hoteleiros, na parte que à região respeita, e pela Direcção-Geral da Aeronáutica Civil, Direcção-Geral do Turismo e TAP.
Neste momento, aguarda-se a apreciação por essas entidades das propostas formuladas pelos consultores, para desenvolvimento dos seus estudos.
Salienta-se o método de trabalho encontrado, que assegura a participação dos interesses locais, contrapondo as suas opiniões ao dogmatismo dos serviços oficiais, ainda que com inevitável demora, risco que vale bem a pena, quando estão em causa decisões de tamanha responsabilidade. Repare-se que só nas novas unidades hoteleiras estão investidos mais de dois milhões de contos, que se elevarão a cinco milhões num próximo futuro. Que na realização desses estudos se demore o menos tempo possível e que, entretanto, não se deixe de aperfeiçoar o transporte aéreo para a Madeira, de forma a ocorrer aos acréscimos de tráfego que, entretanto, se vão registando.
Sr. Presidente: Os relatórios das gerências das nossas autarquias deixam transparecer, claramente, as dificuldades encontradas para se executarem nos prazos previstos as obras programadas, algumas do maior interesse público. Sem dúvida, isso acontece por falta de meios, mas também, e não poucas vezes, devido a processos antiquados e rotineiros, a que acresce a inextricável teia burocrática.
Dada a peculiaridade de alguns problemas com que se debate o nosso arquipélago, admitimos que o recurso a programas autónomos, que o Governo resolveu lançar já em 1974, pretendendo dinamizar certas formas de actuação do sector público, recorrendo a modernas técnicas de gestão, poderá representar um caminho mais rápido na via do desenvolvimento regional. Estamos certos de que, localmente, não se deixará de estudar a viabilidade da utilização dessa possibilidade legal agora criada, pois todos os esforços não serão de mais, atentos os supremos objectivos a atingir.
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E vamos concluir, Sr. Presidente, aprovando na generalidade á proposta de lei acerca do Plano de Fomento para 1974-1979. No nosso espírito, a certeza de que temos um caminho claramente delineado, com vista à edificação de um estado social livremente aberto a todos os cidadãos e onde o acesso à hierarquia administrativa, civil e política, seja apenas ditado pela capacidade individual.
Que já dizia Sócrates: «Não há mais do que um bem, a sabedoria, nem mais do que um mal, a ignorância; o importante é crer no justo e no verdadeiro e aplicá-lo na vida...»
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Vargas Pecegueiro: - Sr. Presidente: Cumpre-me, em primeiro .lugar, cumprimentar V. Ex.ª, solidarizando-me com todos os Srs. Deputados que, antes de mim, nesta mesma tribuna, se dirigiram a V. Ex.ª para lhe testemunharem a mais alta consideração e o mais profundo respeito.
No momento em que, pela primeira vez na minha vida, tenho a honra de me dirigir a V. Ex.ª na qualidade de Presidente da Assembleia Nacional, sinto a responsabilidade que me foi. cometida como Deputado da Nação, cuja história se consubstancia com a desta própria Casa a partir de 1822, e desejaria sempre e em todas as circunstâncias ser verdadeiramente digno de me encontrar aqui.
A Nação não é objecto, é sujeito; quando se é investido em funções desta natureza, a única coisa legítima é servir. É como representantes da Nação, ao serviço da Nação, que aproveito esta oportunidade, especialmente significativa, para cumprimentar todos VV. Ex.ªs, Srs. Deputados.
Sr. Presidente, a proposta de lei relativa ao IV Plano de Fomento, que se encontra em debate na generalidade, tem merecido múltiplas, pertinentes e lucidíssimas intervenções por parte de muitos membros desta Assembleia.
O projecto do IV Plano de Fomento, que o Governo apresentou conjuntamente com aquela proposta de lei, é um notável documento, que, não apenas pela natureza do conteúdo, mas, sobretudo, pela complexidade dos temas, exige profunda reflexão, antes de ser legítima qualquer análise crítica.
É axiomático que essa análise, para ser legítima, há-de integrar a dilucidação sectorial no enquadramento global de que faz parte.
Com a plena consciência destes pressupostos, permita-me V. Ex.ª, Sr. Presidente, que ponha à consideração da Assembleia as seguintes reflexões sobre o capítulo I dos sectores de natureza social - «Educação e cultura».
Começa o referido capítulo por estabelecer os objectivos gerais e os domínios prioritários de actuação. Quanto aos objectivos gerais, é dada ênfase particularmente relevante ao primado do desenvolvimento integral da personalidade na acção educativa, de forma a aumentar a capacidade de intervenção dos indivíduos na vida comunitária e a facilitar a mobilidade e promoção sociais, sem ser esquecido que a valorização dos indivíduos deve, por um lado, estar sempre ao serviço da própria comunidade de que fazem parte e, por outro, ser «suporte de um processo de expansão e criação cultural, elemento essencial para um mais perfeito entendimento da. vida do homem na sociedade contemporânea».
Não se ignoram no projecto do Plano os condicionalismos de natureza humana e material a que há-de estar sujeita a concretização da reforma e o ritmo da expansão educativa; por isso mesmo se põe em evidência que «a plena inserção do sistema educativo na vida colectiva, implicando uma maior e mais completa ligação às famílias e às outras sociedades primárias, poderá exigir a criação de novos hábitos e atitudes mentais».
Releva de facto conferir a estas afirmações toda a sua imperatividade: uma reforma de ensino é um programa de acção; só se transformará de palavras em realidades se aqueles a quem se destina forem sujeitos e não meros objectos dessa mesma acção.
Educar é libertar; mas é sobretudo libertarmo-nos, ascendermos ao nível da pessoa humana, sermos capazes de vencer os limites do nosso individualismo egocêntrico e subirmos às regiões do espírito. Ao nível do indivíduo puro, psico-fisiologicamente falando, o homem não é ainda livre, é determinado pela sua infra-estrutura biológica; só pela educação da inteligência e da vontade se pode elevar à dignidade nacional, que é, em suma, capacidade de nos relacionarmos efectivamente com os outros, numa realização pessoal e colectiva em que os outros são tão importantes como cada um de nós, e assim cooperando activa e conscientemente na construção de uma comunidade de sujeitos na realidade livres, porque autenticamente responsáveis.
à problemática da educação identifica-se por isso com a própria problemática da emancipação do homem em todas as épocas e lugares; no nosso caso concreto de portugueses, na época actual e no lugar que ocupamos no Mundo, começa .por exigir, como ponto de partida sine que non, que cada português se convença de que a sua promoção pessoal e a da colectividade são, acima de tudo, um trabalho de responsabilização de cada um em relação a todos e de todos em relação a cada um. Daí a importância, na acção educativa de um povo, dos meios de. comunicação de massa e da dinamização dos grupos de convivência social, que o próprio projecto do Plano afirma terem hoje papel decisivo na aquisição de conhecimentos e na formação da personalidade.
E aqui entronca um problema capitalíssimo também, para o qual desejaria voltar por momentos a minha atenção: trata-se do problema da educação cívica.
A educação cívica tem de começar na escola; de contrário, corre risco de nunca começar. Refiro-me ao exercício quotidiano de uma forma activa de aprendizagem que a experiência psico-pedagógica tem vindo a encarecer cada vez mais.
Pois essa forma de aprendizagem consiste no quotidiano exercício da malas profunda forma de dignidade pessoal: a de só querer ter o direito de ter direitos na exacta medida do consciente e voluntário cumprimento dos deveres que a recta razão impõe. Função de ordem, disciplina interior e harmonia, eis em que consiste a vontade livre. Liberdade (igual a autodeterminação em função de um ideal ético) só pode ser compatível com lavre observância da M moral. Na medida em que se submete à lei moral, a vontade humana não fica determinada, autodetermina-se racionalmente.
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É por isso que a vontade livre é incompatível com o caprichismo. É por isso que, quando o homem se deixa vencer pelo determinismo das funções biológicas e não consegue controlar ais forçais da natureza que em si próprio habitam, as quais, no comportamento psico-fisiológico humano se chamam instintos, tendências orgânicas, reflexos, emoções, hábitos, desejos, temperamento, não é um homem que verdadeiramente age: é um mamífero superior comandado pelo paleoencéfalo, em que os centros cerebrais superiores não funcionam e o hipotálamo tomou o lugar que deveria ser desempenhado por eles. Não é um homem que está na nossa frente, adoida mesmo que afirme esquizofrenicamente a sua liberdade - é um escravo que importa ensinar ia libertar-se de si mesmo. E quando acontece que, norteados por essa forma de comportamento, reivindicamos o direito de ter direitos, abrimos o caminho à transformação do amor «poético» da liberdade em concretização dramática dia anarquia.
Se assim acontece e o drama não passa os limites do próprio indivíduo em quem se desenrola, fecha-o contudo no ciclo vicioso das contradições internas, produz os inadaptados ou os abúlicos, os sonhadores ou os incompreendidos. Se, em vez de pessoal, o drama se torna colectivo, chama-se tragédia: há quem lhe chame revolução.
Em ambos os casos, porém, o efeito tem por causa a impreparação do indivíduo ou da colectividade no que se refere a educação cívica.
Evidentemente que a questão não é tão simples como esquematicamente a tentei caracterizar; nem a complexidade de causas que na base lhe está é possível die determinar em analise superficial como a que acabo de fazer.
Num livro recentemente publicado por Alçada Baptista, com o título Conversas com Marcello Caetano. afirma a certa altura o autor:
Quando reflectimos sobre as motivações das sociedades contemporâneas, somos obrigados a verificar que as pessoais não estão muito interessadas em vencer a sua ignorância, com vista à preparação da sua 1iberdade responsável1, em reflectir de modo a poder programar uma vida lavre e criadora que, naturalmente, não pode excluir os elementos de aposta no futuro e do risco de viver. Não. As pessoais estão sociologicamente motivadas por formas de segurança e exigem dos Estados que lhes resolvam os seus problemas pessoais e que a elas inteiramente se substituam.
E, a propósito, relembra as seguintes palavras do Presidente do Conselho:
Costuma dizer-se que a liberdade não se recebe, conquista-se. Só que não é pelo verbalismo irresponsável nem pelo anarquismo revolucionário que os povos podem conquistar as liberdades de que precisam. Eu entendo que os cidadãos só conquistam a liberdade à maneira, que vão assumindo responsabilidades.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Torna-se cada dia mais urgente a reflexão sobre estes assuntos e, para além da simples reflexão, a tomada de decisões concretas que permitam orientar quotidianamente a acção educativa em termos de formação efectiva da personalidade.
Essa a razão por que se anota como uma dias directrizes mais fecundais do projecto do IV Plano de Fomento-a de programar o sector educativo com a claríssima consciência de que uma coisa é educar, outra instruir; distinção que infelizmente nem sempre é compreendida por muitos daqueles mesmos que exercem a função docente, até porque se pode instruir sem educar ou mesmo deseducando.
A verdadeira educação (e sobremaneira a educação cívica) é matéria de exercício permanente, não pode «aprender-se» por via psitacista. Compete à escola criar as estruturas ético-pedagógicas necessárias para que esse exercício possa real e efectivamente processar-se. A educação é factor essencial das transformações sociais, como no próprio texto do projecto se afirma. Daí a relevância da educação permanente. Daí a urgência de levar todos os portugueses à participação nesse mesmo factor essencial dias transformações sociais.
As considerações que acabo de fazer constituem um desenvolvimento do espírito que presidiu à elaboração do projecto no que ao capitado dia educação e da cultura especificamente concerne.
Em um tópico de decisiva relevância, refere-se o projecto do IV Plano de Fomento à necessidade de renovação permanente e diversificação funcional e institucional do sistema universitário.
Seria para mim grande honra que os conceitos acima expressos sobre educação cívica constituíssem uma achega útil, embora sem pretensões de originalidade, para relembrar a urgência e um equacionamento daquela temática em termos que, correspondendo à realidade sociológica que a Universidade é, permitam definir uma linha de orientação ético-pedagógica cada vez mais lúcida e eficiente, de forma a pôr sempre a Universidade ao serviço da juventude e da Nação.
É que juventude não é sinónimo de «classe social», com todas as consequências que daí se quereria demagogicamente poder tirar; é tempo da vida de cada ser humano especificamente destinado à aprendizagem, num processas bio-psíquico de construção da personalidade em que cada jovem se deve exercitar, simultaneamente, no culto dos valores do corpo e do espírito, na aquisição de conhecimentos científicos, técnicos ou artísticos que venham a permitir-lhe, quando adulto, o desempenho de uma profissão ou outra forma útil de actividade social no respeito consciente pelos direitos dos outros homens com quem conviva no espaço e no tempo, o que constitui a única forma legítima de reivindicar para si próprio os direitos de cidadania.
Ser jovem é ter, em primeiro lugar, o direito e o dever de aprender a ser homem, sem deixar de ser jovem. Claro que há uma forma de juventude, com múltiplas facetas, que nada tem que ver com a idade, e essa é a mais bela de todas as juventudes!
No meio de uma humanidade que em pleno século XX, a menos de três décadas do ano 2000, não conseguiu vencer ainda os flagelos da fome e da guerra, desperdiçar diletantemente o tempo da juventude é um luxo que só têm tempo e dinheiro para cultivar os ociosos que, contestando a chamada sociedade de consumo, que não edificaram, têm a desfaçatez de viverem como primeiros privilegiados dela.
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São conhecidos os erros da impropriamente chamada sociedade de consumo. Com lucidíssima ênfase se afirma no preâmbulo da proposta de lei sobre o IV Plano de Fomento que a decisão e firme apoio com que o Governo impulsionará as transformações necessárias à nossa sintonização com a Europa desenvolvida «não farão ignorar, todavia, os riscos que tal evolução comporta, nem menosprezar a intensidade do esforço requerido para os controlar. É que uma abertura incondicional e menos atenta aos estímulos que o mundo desenvolvido lança e aos figurinos que propõe poderia significar o enfeudamento aos seus interesses, o domínio pelos poderosos grupos económicos que o movimentam e, afinal, a sujeição do País aos aspectos negativos que o desenvolvimento industrial avançado não têm sabido evitar - mas de que já estão activamente conscientes os povos, das nações mais industrializadas».
Conhecer e diagnosticar os erros da chamada sociedade de consumo, procurar o caminho para as rectificações necessárias e planificar soluções novas é trabalho da inteligência; exige ideias e não emoções, exige estudo, problemática, determinação de meios técnicos, científicos e humanos, espírito crítico (que não é o mesmo que destrutivo espírito de crítica), investigação permanentemente em .aberto. Mas tudo isto nada tem que ver com repetir slogans em coro e cultivar nos intervalos o dolce far niente.
À juventude realmente estudiosa, que é o Portugal melhor de amanhã, daqui rendo as minhas homenagens de professor que sou e de estudante que quero sempre continuar a ser. E sobretudo àquela juventude trabalhadora que, depois do seu duro trabalho quotidiano nas empresas, nas fábricas, nos arsenais, em todos os lugares em que se trabalha por um mundo melhor, consegue ainda ter a força de vontade suficiente para estudar - em cursos nocturnos, em estágios de reciclagem ou de pós-graduação, ou até em suas próprias casas, autodidacticamente, numa ânsia incontida de saber.
E também por isso é que admiro, em especial, aquela juventude portuguesa que se bate nos campos de batalha pela perenidade da Pátria, una e indivisível - na Guiné, em Angola e em Moçambique -, e que, em muito casos, nos intervalos dos combates, ainda consegue disposição de espírito e energia para estudar, apresentando-se a exame nas épocas normais e extraordinárias para militares.
Aliás, essa reflexão analítica a que se chama filosofia, e que só é possível em tempo de estudante, foi a nota mais característica da mais célebre civilização humana: a civilização grega. E estou certo de que será essa de novo a mais autêntica forma de afirmação do homem como homem, virado então essencialmente para o estudo da verdade, nesse tempo que há-de vir quando os homens aprenderem formas de convivência social, em que o aforismo «homo homini lúpus» seja uma recordação da pré-história da humanidade e o amor atinja na Terra o seu mais profundo significado.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Farei, por último, incidir a minha análise sobre um sector que, na minha qualidade de Deputado pelo ultramar, considero dever merecer especial referência - o capítulo sobre a educação em Angola.
A obra que no sector da educação se tem realizado, sobretudo na última década, em Angola pode qualificar-se de verdadeiramente excepcional. Mas seria dar provas de falta de sentido das realidades não reconhecer nem diagnosticar com todo o cuidado as imperfeições, insuficiências e lacunas e especialmente o muito que está por fazer. A virtude de saber fazer, com toda a objectividade, esse diagnóstico tem-na o projecto do Plano no que a este sector se refere; como tem a indiscutível virtude de apontar os caminhos a seguir, os objectivos a concretizar com explicitação das medidas de carácter global e das específicas dos diferentes graus de ensino no que respeita aos aspectos materiais e humanos, à reestruturação dos serviços ao dimensionamento e funcionalidade das realizações.
Trata-se, com efeito, de uma análise e planificação rigorosamente fundamentada em investigação estatística, com plena visão das dificuldades a vencer e dos meios para as enfrentar e, no entanto, nitidamente virada para o futuro. O sector não está, porém, planificado em relação a todo o hexénio, e isso se me afigura também de grande vantagem. Na verdade, embora prevendo-se desde já um programa de investimentos e financiamentos da ordem de 1 220 000 contos, pareceu prudente que a planificação ficasse em aberto a partir do 2.º triénio, atendendo a que, em territórios cuja expansão nem sempre é previsível com rigor, convém não espartilhar, em esquemas que ulteriormente pode verificar-se não serem os mais adequados, as próprias realidades futuras.
Mas, precisamente porque assim é, julgo vantajoso deter-me num aspecto fulcro! que pode vir a determinar outras incidências de não menor significado. É o seguinte: o projecto estabelece, como é sabido, que é objectivo prioritário em relação à metrópole o atingir até final do hexénio a efectiva extensão da escolaridade obrigatória para oito anos, processando-se através de quatro anos de ensino primário e outros quatro de ensino complementar.
Ora, sucede que o projecto prevê que em Angola a esquematização seja um tanto diferente. Diz o texto do projecto:
Perante a realidade actual, que demonstra que o ciclo preparatório do ensino secundário é encarado por grande maioria dos alunos que o frequentam como um tipo de ensino terminal-- parece conveniente modificar a estrutura do ensino básico complementar, .bifurcando a única saída agora existente em três tipos de ensino, dos quais dois de tipo terminal e um do tipo de orientação. Ter-se-ia assim:
Ciclo preparatório, idêntico ao actual, para as camadas populacionais que normalmente prosseguem os estudos;
Dois tipos de ensino complementar: 5.ª e 6.ª classes e ensino técnico elementar (escolas de artes e ofícios remodeladas), como tipos de ensino terminal.
Esta dualidade de esquemas diferentes para a metrópole e para o ultramar (e digo ultramar porque, embora não haja expressa referência à opção nos planos estabelecidos para as outras parcelas ultramarinas, seria talvez essa a alternativa a adoptar), esta dualidade de esquemas, dizia eu, levanta para já as
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seguintes interrogações, se estou a ver realmente bem o problema:
á) Como estabelecer correspondência entre o curriculum escolar dos estudantes que estejam matriculados nos estabelecimentos de ensino metropolitanos e os que estejam matriculados nos estabelecimentos de ensino ultramarinos congéneres:
No caso de transferências de alunos do ultramar para a metrópole e vice-versa? No caso de alunos quê queiram seguir um curso na metrópole que não existe
no ultramar?
b) Que providências tomar em relação a problemas pedagógico-didácticos, como alguns dos seguintes:
Programação do conteúdo das disciplinas?
Livros únicos e livros a adoptar pelos conselhos escolares?
Organização e execução do serviço de exames?
Equiparação de habilitações e de diplomas?
No seu douto parecer n.º 57/X, sobre o projecto do IV Plano de Fomento, ao analizar o sector da educação em Moçambique, notara a Câmara Corporativa verificar-se «na simples* observação dos elementos apresentados um desajustamento de terminologia e de objectivos, em confronto com os novos sistemas educativos aprovados pela Lei n.º 5/73, de 25 de Julho (reforma do sistema educativo), cuja extensão ao ultramar foi já anunciada pelo Governo».
E acrescentara:
Convirá, pois, no entender da Câmara, que uma revisão de orgânica apresentada no projecto do Plano conduza a um ajustamento que afaste quaisquer equívocos e não deixe dúvidas sobre o valor nacional de habilitações obtidas em qualquer parcela do território nacional, ressalvadas sempre as peculiaridades regionais.
É nesse sentido que me atrevo a apresentar uma hipótese de solução.
Assim, tenho a honra de propor que nas correcções a introduzir na definitiva redacção do IV Plano de Fomento sejam consideradas as seguintes sugestões no sector da educação relativo ao ultramar:
a) A reforma do sistema educativo aprovada pela Lei n.º 5/73, de 25 de Julho, deve ser aplicada às províncias ultramarinas, com as alterações e o grau de desenvolvimento que as peculiaridades de cada região aconselharem, mas salvaguardando sempre a unidade essencial do esquema educativo estabelecido pela referida lei.
No caso de Angola, que tenho vindo a analisar, acompanhar-se-ia a progressiva concretização do esquema estabelecido para a metrópole, com as seguintes adaptações que, em parte, o projecto do Plano já estabelece:
Ensino básico complementar de quatro anos, a pôr em execução simultaneamente com a metrópole, mas destinado às camadas populacionais urbanas que. normalmente prosseguem os seus estudos;
Dois tipos de ensino básico complementar: 5.a e 6.a classes e ensino técnico elementar (escolas de artes e ofícios remodeladas), como tipos de ensino terminal).
Esta alteração, que se nos afigura não seria afectada pelas disponibilidades humanas e materiais previsíveis, teria a vantagem de não criar, sobretudo ao nível do ensino secundário, uma disparidade que, a verificar-se, será sem dúvida causa das dificuldades inicialmente apontadas.
Por outro lado, a unidade de esquemas permitiria, além disso, em Angola, e de certo em todo o ultramar, a redução da idade de ingresso no ensino primário dos 7 para os 6 anos, o que se nos antolha particularmente significativo em parcelas do território ultramarino onde há todas as vantagens psico-pedagógicas e sociológicas em que a aprendizagem da língua portuguesa seja iniciada pelas crianças o mais cedo possível.
b) Em relação ao conteúdo dos programas das disciplinas que se podem considerar de índole essencialmente humanística, como são a Língua Pátria, a História e a Geografia - corroborarei o ponto de vista expresso no projecto do Plano de que importa adaptá-lo às realidades humanas e geográficas de cada parcela do território nacional, sem que, no entanto, essa adaptação signifique unilateralismo de perspectiva, o que seria autocontraditório com uma pedagogia atenta à unidade nacional. Podem, assim, obviar-se incongruências pedagógicas e didácticas que já não podem de forma nenhuma aceitar-se.
Tudo isto serviria também de incentivo para o fomento das iniciativas editoriais de carácter didáctico, pelo menos nas parcelas mais desenvolvidas, como Angola e Moçambique, exigindo e valorizando trabalhos didácticos dos professores, e resolvendo em larga medida dificuldades e atrasos de importação no mercado de livros, o que é um facto, apesar das melhores providências em contrário.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tem esta Assembleia estado a discutir na generalidade a proposta de lei relativa ao IV Plano de Fomento. A proposta de lei define as bases em que o Governo se propõe pôr em execução o referido Plano. Nesse sentido, o Governo apresentou à consideração, primeiro, da Câmara Corporativa e, agora, da Assembleia Nacional um projecto de plano que, evidentemente, constitui ponto de partida do qual há-de surgir o Plano propriamente dito.
Analisar o projecto do IV Plano de Fomento e discutir a proposta de lei são duas funções da maior responsabilidade, sobremaneira porque se trata de documentos de cuja execução dependerá, em larga medida, o trajecto da Nação durante o hexénio de 1974-1979, período que, por preencher a maior parte da penúltima década do século XX, torna eminentemente históricas as decisões agora tomadas.
É com o sentido dessa responsabilidade que explicitarei, em paralelismo com os objectivos nacionais e ultramarinos definidos no preâmbulo da proposta de lei relativa ao IV Plano de Fomento, as seguintes reflexões finais:
Ser português - afirma-se no doutíssimo parecer da Câmara Corporativa sobre os acordos en-
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tre o nosso país e as comunidades económicas europeias -, ser português é ter uma determinada atitude perante os problemas, os acontecimentos e os homens; não é simplesmente um facto. Constitui, por conseguinte, um compromisso de acção que a esta imprime um sentido; viver Portugal não consiste apenas em viver em Portugal; e pode até não o ser. Ter determinada nacionalidade não permite seja a quem for atribuir-se um papel messiânico, nem o autoriza a considerar-se melhor do que os outros; mas torna-o diferente dos outros e susceptível, por isso, de enriquecer a variedade natural de cada época com o contributo da sua diversidade.
Acontece com as nações -dissemos nós- o que acontece com os indivíduos: têm ou não têm «personalidade»; são ou não são caracterologicamente «vertebradas»; encontram-se sociologicamente na infância, na juventude ou na adultez. Sr. Presidente: Pelo espírito de positividade experimentalista, pela fundamentação da génese da ciência moderna, pelo ideal humanista caldeado peto espiritualismo cristão, o movimento português de expansão ultramarina não é apenas um alargamento de horizontes geográficos, é, de facto, ponto de partida decisivo para o advento de uma nova cultura que, estando até aí sufocada pelo horizonte mediterrânico, adquire a partir desse momento uma dimensão essencialmente colonizadora e, por isso, universalista. Como está sobejamente demonstrado o Quinhentismo português abre através dos oceanos novos rumos para uma Europa nova. Vozes: - Muito bem, muito bem!
Querer constituir na Terra uma civilização realmente universalista através de decisões tomadas em organismos internacionais onde o diálogo que se estabelece é evidentemente muitas vezes útil e necessário, mas onde as decisões são tomadas por uma maioria em que pesa de forma decisiva a imaturidade irresponsável quando não o primitivismo sociológico - é, com efeito, andar a brincar às nações, com o gravíssimo perigo de uma escalada à beira da guerra nuclear. Acompanhar tudo isso com afirmações de pacifismo é o cúmulo da desfaçatez ...
Querer, por outro lado, construir uma civilização humana universalista, à escala mundial, com nações homogeneizadas por um figurino único, ainda que enfaticamente seja o do desenvolvimento tecnocrata, é não perceber nada de história nem de sociologia; é construir um edifício sobre areia movediça; é, em suma, contestar a realidade com a imaginação; pode aceitar-se em livros de «ficção científica», mas não pode seriamente discutir-se quando se investigam realidades para construir com elas, e a partir delas, tinhas de evolução que nos permitam projectar o passado e o presente num futuro realmente digno do homem.
Nós somos uma personalidade histórico-sociológica que se alienará a si própria se não se consciencializar dos seus verdadeiros alicerces. Nós somos aquela terra que não acaba onde o mar começa, porque somos terra ainda para além do mar... Nós somos, sem qualquer sombra de dúvida, um povo pluricontinental e, por isso mesmo, plurirracial.
Não se trata de uma política do Governo; trata-se, indiscutivelmente, da única política nacional verdadeiramente digna.
Basta reler, por exemplo, António Sérgio, insuspeito aliás nesta polémica, para o compreender de imediato: diz de na Breve Interpretação da História de Portugal:
A formação e a expressão da Nação Portuguesa não nos aparecem como dois fenómenos, mas como um único: e este é um aspecto - digamos - da passagem da economia agrícola e local da primeira parte da Idade Média para a economia burguesa, comercial, marítima (e de mercado universal) que chegou à plenitude
Essa Europa, importa recriá-la em termos de contemporaneidade; mas imaginá-la tão-somente pelo figurino da Europa desenvolvida é não saber tirar todo o partido das lições de história e teimar em edificá-la sobre areia quando, pela monumentalidade dos seus alicerces e travejamentos, se deveria desejar que fosse edificada sobre rocha.
Ora, a crise que a Europa neste exacto momento atravessa e cujas consequências e implicações decerto estamos longe ainda de poder exactamente prever, mas são, por seu termo, consequência lógica da crise de contradições em que sempre se debateu, especialmente depois da 2.a Guerra Mundial - evidenciam com clareza indiscutível que se persiste em querer construir a Europa contemporânea sob os escombros da sua própria abdicação.
E é trágico, porque a Europa é, na verdade, o cadinho em que se forjaram e continuam a forjar as grandes linhas de evolução do progresso humano, da ciência e da (técnica, à filosofia e à arte.
É trágico porque, na verdade, a Europa é mãe de civilizações!
Importa, entretanto, referir um possível equívoco de base: não é axiomático que a Europa contemporânea seja uma .realidade incontroversa, porque precisamente o que acontece é que essa Europa contemporânea é ainda um projecto por definir.
Nós temos, evidentemente, que manter e reforçar os laços que nos unem à Europa; nós temos, urgentemente, que «"adaptar a nossa economia aos condicionalismos decorrentes do processo de integração económica europeia», como se propõe na base V da proposta de lei relativa ao IV Plano de Fomento e esse é «um imperativo que decorre da ligação, decidida e negociada pelo Governo, da nossa economia à dos mais evoluídos países europeus».
Mas somos nós que, verdadeiramente unidos às raízes que determinaram a construção de uma Europa nova a partir do século XVI - somos nós, Portugueses, que persistimos em não desistir do projecto de construção de uma Europa autenticamente contemporânea, enleados, sem dúvida, numa complexidade de problemas resultante das nossas próprias contradições internas depois da época áurea dos Descobrimentos, mas realmente persistentes num ideal que é a nossa própria razão de ser histórica como rosto da Europa que fomos e queremos continuar a ser.
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O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: As nações sedimentam-se por uma complexa síntese de elementos geográficos e humanos em que são determinantes os factores económico-sociais, ético-políticos e culturais. Tudo isso, porém, é o mesmo que dizer que as nações se contraem e se projectam no futuro pela vontade dos homens, pela vontade de todos aqueles que, ao longo das gerações, são capazes de dar continuidade e formas novas a essa estruturação, organizando o trabalho colectivo que toma possível a sua permanência no espaço e no tempo.
Temos vivido muito à sombra das nossas glórias passadas, temos abusado do curto historicista desse passado, glorioso. Importa não confundir as realidades e sermos principalmente dignos de viver no presente. Importa romper com o passado, passado pana construirmos no presente o futuro necessário - a que têm direito todos os portugueses, em todos os pontos da Terra em que souberam construir Portugal.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Linhares de Andrade: - Sr. Presidente: Sentindo não trazer acréscimo útil ao que desta tribuna já foi dito com o maior brilho sobre os múltiplos temas abrangidos pela proposta de lei de elaboração e execução do IV Plano de Fomento, entendi, mesmo assim, não dever dispensar-me de intervir no debate, ainda que quase só para deixar exarada uma simples justificação de voto.
E isso porque pretendo, Sr. Presidente, que o meu voto de adesão na generalidade à proposta seja também expressão bem vincada do aplauso e do louvor devidos aos últimos Governos, pelo que resulta com maior saliência do primeiro contacto com os documentos em apreço: a firmeza e o acerto com que tem sido conduzida a nau do Estado pelas únicas rotas compatíveis com a honra e os interesses nacionais, a despeito de os ventos adversos terem feito vacilar, de início, alguns ânimos mais temerosos.
Quando, na verdade, fomos obrigados a organizar militarmente a defesa das províncias ultramarinas ameaçadas pelo terrorismo vindo de fora, todos os bons portugueses aceitaram a decisão tomada sem necessidade de prévia discussão, com verdadeiro imperativo nacional. Mas já nem todos admitiram nos fosse possível suportar por longo tempo os pesados encargos financeiros que ela iria impor. E mais escassos foram ainda os que acreditaram que sem prejuízo da pronta satisfação desses encargos, inquestionavelmente prioritários, pudéssemos prosseguir a marcha do desenvolvimento económico e social do País, encetada com a publicação da Lei de Reconstituição Económica de 24 de Maio de 1935.
Não foi, todavia, necessário muito tempo para ficar bem demonstrado como foram infundados os receios sobre a nossa capacidade para vencer essas duas batalhas, tão importantes uma como a outra.
Com efeito, a integridade do solo pátrio foi imediata e eficazmente assegurada, graças à intrepidez e ao espírito de abnegação das nossas forças armadas, em cujas fileiras logo surgiram, lado a lado, em proporção igual, soldados brancos idos da metrópole e soldados de cor naturais das próprias províncias atacadas. E volvido que foi um curto período de prudente retracção nos gastos públicos, pudemos retomar o caminho do progresso e nele alcançar notável avanço, que havia de acentuar-se espectacularmente no último quinquénio, sob o impulso vigoroso e dinâmico do próprio Presidente do Conselho, Prof. Doutor Marcelo Caetano. A barragem de Cabora Bassa, o porto de Sines; as auto-estradas, as reformas do ensino, da saúde e da segurança social são marcos a assinalar indelevelmente um momento alto da vida nacional.
A extensão do progresso alcançado no seu tríplice aspecto económico, social e cultural, como a medida do esforço despendido, das energias consumidas, do acerto e ponderação empregados, constituem o primeiro motivo de reflexão oferecida pela proposta de lei e pelo projecto do Plano de Fomento. Outro será o da riqueza dos seus propósitos, um e outro sugerindo a palavra de caloroso apoio que gostosamente dirige ao Governo.
Sr. Presidente: Vou limitar esta intervenção a um brevíssimo comentário sobre alguns dos aspectos da política de planeamento económico regional enunciada no projecto em relação aos Açores, particularmente ao distrito da Horta, que tenho a honra de representar na Assembleia.
Região plano de características profundamente diferentes das demais por que se divide o espaço metropolitano, posto que composta de nove ilhas, todas de reduzida dimensão, situadas longe umas das outras, separadas, no seu conjunto, do continente por cerca de 800 milhas marítimas, bem se compreende que a sua economia haja de ser fortemente condicionada pela singularidade da própria situação e configuração geográfica.
A pequenez do espaço e a incidência de inevitáveis encargos de transporte sobre os custos de mercadorias objecto de trocas com o exterior não podem deixar de traduzir-se em poderoso entrave ao desenvolvimento económico açoriano, enquanto comprometem a viabilidade ali da maioria das indústrias exploradas com êxito em outras regiões do País e também enquanto dificultam o acesso dos seus produtos agrícolas aos mercados continentais em condições de competitividade de preços. Daí a influência que os transportes marítimos sempre tiveram na vida económica e social do arquipélago, ao longo de toda a sua história. E porque a eficiência dos transportes marítimos é, por sua vez, condicionada pelas respectivas infra-estruturas terrestres, daí também a razão por que os povos do arquipélago, sobretudo desde que se generalizou a navegação a motor, insistentemente vêm reclamando como condição primeira do seu desenvolvimento económico a construção de portos, que em todas as ilhas, consoante as necessidades de cada uma, assegurem com eficiência o movimento normal de pessoas e mercadorias.
O Sr. Ávila de Azevedo: - Muito bem!
O Orador: - Na falta de portos capazes em quase todas as ilhas (só duas delas, Faial e S. Miguel, dispunham até há pouco de cais acostáveis a navios de longo curso) e no anacrónico sistema fiscal sobre a circulação de mercadorias, felizmente revogado pela Lei n.º 5/70, votada na última legislatura, devem
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encontrar-se as principais causas do atrofiamento económico, mais sensível numas ilhas do que noutras, em que parece apoiar-se a classificação de «zona deprimida» atribuída a toda a região.
Foi por isso, com bem justificado júbilo, que os açorianos tomaram conhecimento da aprovação do plano portuário do arquipélago e da sua inclusão no IV Plano de Fomento, confiando agora que da sua breve execução resultarão benefícios por que há muito anseiam, em verdade coincidentes, em grande parte, com os próprios objectivos do Plano de Fomento.
Naquele notável estudo, que muito honra os seus autores e o Ministério das Obras Públicas, de que são distintíssimos técnicos, foram realisticamente valoradas as necessidades presentes e futuras de cada ilha e, respeitando uma linha de orientação de nítido equilíbrio, foram definidas as soluções mais adequadas à sua satisfação.
Prevê o plano portuário a construção na ilha Terceira de um porto de abrigo que merecerá a qualificação de porto comercial de 1.ª classe, tal como os dois outros existentes, da Horta e de Ponta Delgada.
O Sr. Ávila de Azevedo: - Muito bem!
O Orador: -... e em cada uma das restantes ilhas, com excepção do Corvo, um porto comercial de 2.ª classe, dispondo de cais acostável a navios oceânicos. O local escolhido para o do Pico foi o cais do Pico e para o das Flores, as Lajes das Flores.
Na ilha do Pico, a mais populosa do distrito da Horta e segunda em superfície de todo o arquipélago, está ainda prevista a construção do porto terminal ferry-boat da Madalena, destinado a assegurar o intenso tráfego de pessoas e bens com a ilha do Faial e a do porto das Lajes.
A elaboração do projecto respeitante ao porto comercial do cais do Pico, ao porto terminal da Madalena e aos melhoramentos a introduzir no porto artificial da Horta, de modo a adaptá-lo às exigências dá navegação marítima moderna, vem considerada prioritária no projecto do Plano de Fomento. Mas já não a que respeita aos portos das Flores e das Lajes do Pico, falta que originou justificada mágoa da parte das populações afectadas, visto que também estas, aliás como as primeiras, se destinam a satisfazer necessidades prementes há muito reclamadas.
A este reparo, que deixo à consideração do Sr. Ministro Rui Sanches, juntarei um outro ainda relativo às infra-estruturas de transportes, mas desta vez aéreos.
Com a construção prevista dos aeródromos da Graciosa e de S. Jorge durante o período de vigência do IV Plano de Fomento, todas as ilhas do arquipélago dos Açores passarão a usufruir directamente dos benefícios extraordinários que os transportes aéreos proporcionam, todas menos o Corvo e o Pico.
Não me atrevo a defender a construção no Corvo de um aeródromo, atendendo à pequena dimensão da ilha e, sobretudo, à sua escassa população, hoje reduzida a menos de 400 habitantes, embora a situação destes, totalmente privados de assistência médica, situação a que me referi mais de uma vez na legislatura anterior, exija que se lhes assegure o recurso ao .transporte em helicóptero, em casos de urgência.
E no Pico?
A ilha do Pico, já o disse há pouco, é, a seguir a S. Miguel, a de maior superfície de todo o arquipélago, a maus populosa do distrito da Horta e seguramente aquela que num futuro próximo maiores índices de crescimento há-de apresentar no sector agro-pecuário, quando concluída a construção, já em curso, da rede de caminhos de penetração, quando puder ser agricultada parte da ilha, ainda inculta por falta de acesso, e quando, evidentemente, também estiver concluída a construção dos portos previstos no Plano de Fomento, sem os quais o escoamento dois seus produtos, já muito difícil agora, se tornará impossível.
Mas nem só no domínio da agro-pecuária a lha gigante (em altura) oferece possibilidades de grande expansão; também no das indústrias, dias indústrias viáveis nesta região sui generis, evidentemente, em curso reduzido número sobressai a do turismo.
Ao turismo dias Açores se refere expressamente o projecto do IV Plano de Fomento paia reconhecer a necessidade de lhe serem concedidos estímulos oficiais na fase de arranque em que se encontra. Esta simples referência, um tanto vaga, sem precisar quais as actuações a empreender no decurso do próximo hexénio, nem por isso deixou de gerar grandes esperanças entre os Açorianos, que sempre acreditaram na decisiva influência que o turismo virá a assumir no desenvolvimento económico da região, até porque nas poucas ilhas onde já surgiram as primeiras infra-estruturas Faial, Terceira e S. Miguel os resultados parecem ser encorajadores. Ora, a ilha do Pico, pelo valor dos atractivos próprios, não poderá deixar de vir a ocupar posição de relevo no contexto turístico regional, mas só o poderá conseguir plenamente se vier a dispor de um aeródromo próprio, como todas as restantes ilhas do arquipélago.
Termino, Sr. Presidente, educando à consideração do Sr. Ministro das Obras Públicas e das Comunicações os pequenos reparos que formulei, certo de que S. Ex.ª os atenderá na ocasião oportuna e na medida justa, com o mesmo carinho que sempre tem posto na solução dos nossos problemas dependentes dos seus Ministérios, carinho ainda há poucos dias bem expresso na prontidão com que acorreu ao Pico e ao Faial para ali mesmo decidir das providências a tomar em face da recente crise sísmica que atingiu aquelas duas ilhas.
O Sr. Andrade e Castro: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: São para V. Ex.ª, Sr. Presidente, as primeiras palavras que tenho a honra de proferir nesta Câmara; são palavras de cumprimentos e de saudação, palavras com que quero traduzir o muito respeito e a muita consideração que me merece a pessoa lustre de V. Ex.ª
A VV. Ex.ªs, Srs. Deputados, apresento também os meus cumprimentos e com eles fica a afirmação do propósito que me anima de colaborar convosco na obra construtiva que todos desejamos ver realizada por esta Assembleia.
Sr. Presidente: No momento em que se está prestes a terminar a discussão que na generalidade tem merecido o projecto de lei que vai aprovar o IV Plano
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de Fomento, parece-me oportuno fazer algumas considerações sobre questões que poderão ser consideradas condições de validade, de eficácia e de operância do Plano em causa, e ainda sobre a forma de elaboração desse mesmo Plano.
Um primeiro comentário que gostaria de fazer; e que gostosamente faço, refere-se a este último aspecto; refere-se ao processo utilizado para a sua elaboração.
Pela primeira vez, todos aqueles que na sociedade têm especiais responsabilidades, pela posição que nela ocupam, pelo conhecimento que têm dias conjunturas, pelo seu saber e pela sua cultura, foram chamados a participar, e a participar activamente na preparação deste IV Plano de Fomento.
No sedo das comissões regionais de planeamento, os componentes dos numerosos grupos de trabalho, os numerosíssimos consultores, todos aqueles que foram chamados, e todos aqueles que voluntariamente quiseram aparecer, todos deram com entusiasmo, com fé e com esperança a sua adesão e o seu contributo para o exame e caracterização das situações existentes, para apreciação das estratégias a seguir e das opções a tomar, para a indicação das acções e dos empreendimentos a realizar.
Honra lhes seja feita, e seja-lhes prestada, com justifica, a devida homenagem.
Que esta grande experiência - que recebeu grande resposta - seja apreciada e seja continuada; que todos esses homens, conscientes e responsáveis, interessados e dedicados, nas regiões a que pertencem e nos sectores em que se inserem, sejam de novo chamados; chamados para avaliar o grau e a qualidade de execução do Plano em cuja preparação intervieram; chamados a pronunciar-se sobre os programas a concretizar e os projectos a realizar; chamados para a correcção de possíveis desvios ou insuficiências; chamados para a formulação de planos de acção anuais e complementares; e, envolvidos definitivamente em todo o processo de planeamento, chamados sempre para a formulação de futuros planos de fomento, porque estando em causa o desenvolvimento nacional, sempre responderão presente.
Feito este comentário, que fiz por imperativo de justiça, parece-me oportuno tecer algumas considerações, não propriamente sobre o Plano de Fomento em são mesmo considerado, mais sobre algumas condições de eficácia paira a sua plena concretização no que respeita ao sector agrícola.
Faço-o com os alhos postos na agricultura minifundiária no litoral norte do País; o quadro que vou dar, nada lisonjeiro, é fornecido por técnicos1 qualificados que no relatório de propositais do respectivo Grupo de Trabalho para a Agricultura caracterizaram assim o meio rural daquela região:
A fraca dimensão empresarial é talvez a característica mais evidente da agricultura dia sub-região litoral; há um grande número de explorações de reduzida área e compostos por elevado grupo de blocos, muitos dos quais são complementares de outras actividades do empresário e da sua família.
Os agricultores têm um baixo nível de instrução, atingindo o analfabetismo uma elevada percentagem.
Predominam as empresas familiares de conta própria, havendo, no entanto, forte representação de arrendamento e de formas mistas de exploração.
Há uma evidente, falta de espírito empresarial, aparecendo uma elevadíssima quantidade de explorações agrícolas voltadas predominantemente ao autoconsumo.
A idade dos empresámos revela uma estrutura etária envelhecida.
Os índices de utilização da mecanização, de adubos químicos e de sementes seleccionadas e as produções unitárias, mostram muito pouca intensificação cultural, muito embora a agricultura praticada seja do tipo muito intensivo em relação à ocupação da terra.
As produções, incluindo a pecuária, situam-se a níveis unitários muito baixos; a produção vinícola, embora importante no seu conjunto, contém em si todos os inconvenientes de uma má zonagem e deficiente estrutura de produção, com elevada representação de produtores directos.
O acesso às povoações é difícil, havendo uma grande maioria à qual não é possível chegar viaturas automóveis de carga.
O abastecimento de energia eléctrica apenas atinge uma fraca quantidade de explorações para força motriz e ainda menos para iluminação.
A cobertura sanitária das populações e as infra-estruturas sociais são muito deficientes, e mais deficientes são ainda as possibilidades e facilidades de acesso ao ensino dos filhos dos agricultares.
É neste contexto sócio-económico, e neste clima cultural, que vali ser desencadeado todo o processo de desenvolvimento, produzido pelas acções e pelos empreendimentos que consubstanciam o IV Plano de Fomento, para acréscimo da produtividade global do sector e acréscimo do produto agrícola bruto, objectivos expressamente quantificados em 5%-6 % o primeiro e em 2 % o segundo.
O processo de desenvolvimento vai incidir directa e incisivamente em zonas predeterminadas, zonas caracterizadas por maiores virtualidades e potencialidades; maior vocação agrícola dos solos e maior densidade demográfica.
Virão elas a ser zonas de actuação prioritária, de actuação intensiva e global de todos os serviços da administração pública.
Estas «áreas integradas», verdadeiras «áreas-problemas», vão sofrer um tratamento especial, para que o produto aí gerado cresça a taxas nunca inferiores a 5 % ao ano; vão ser objecto, portanto, de uma série de medidas e acções que se pretende sejam intensivas, mas coordenadas entre si, para que esse resultado seja obtido e ao mesmo tempo se alcance uma equitativa distribuição de benefícios.
Semelhante actuação que se dirige expressamente e prioritariamente a tais áreas vai, no entanto, produzir reflexos periféricos, influenciar por indução espaços cada vez maiores e camadas populacionais cada vez mais largas.
O Plano de Fomento tem como objectivo o crescimento económico e a ascensão social; porém, no mundo rural, especificamente no mundo rural menos evoluído, o crescimento económico que se pretende provocar e produzir pressupõe um prévio desenvolvimento espiritual.
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Não é fácil, e quantas vezes não é possível, fazer crescer aceleradamente a riqueza, se os agentes humanos da sua produção não estão abertos à aceitação dos elementos indispensáveis a essa aceleração.
A ascensão social e cultural aparece, assim, ria situação em análise, não já como um objectivo paralelo do crescimento económico, mas como elemento e condição indispensável desse mesmo crescimento económico.
Não interessará muito falar da urgência de uma reestruturação fundiária, da necessidade de mecanização, da conveniência do associativismo, da acessibilidade ao crédito agrícola, da utilidade da formação profissional especializada, falar de programas e de projectos, de financiamentos a fazer e de empreendimentos a desencadear; falar de tudo isto a populações que não estão preparadas para receber de imediato semelhantes ideias.
Não interessará também de imediato quase de chofre e sem prévia preparação- fazer investimentos, possivelmente vultosos, em situação de virem a ser socialmente pouco úteis e pouco rentáveis a quem deles deverá beneficiar.
Com tudo isto quero simplesmente dizer que é indispensável e em vésperas de entrada em vigor deste IV Plano de Fomento, principalmente em relação às populações menos evoluídas residentes em áreas que por ele vão ser influenciadas-, indispensável e extremamente urgente uma larga acção de mentalização, uma grande e intensa campanha de formação e divulgação, acção e campanha a desenvolver por todos os serviços com vocação especial para tanto.
Poderá esta questão não vir a merecer a devida atenção, mas se tal acontecer corre-se o risco de, por falta de receptividade dos produtores e trabalhadores agrícolas, por falta de receptividade do próprio sector, vir a perder-se muito do grande esforço que vai ser desenvolvido; corre-se o risco grave de não virem a concretizar-se plenamente os objectivos económicos e sociais pretendidos no Plano de Fomento.
No ano transacto existiam
Por outro lado, há fortes carências em definição de objectivos, caindo frequentemente, cada uma, mais na finalidade da realização dos seus serviços específicos do que na dos resultados efectivamente a atingir.
Mas mais do que nunca, pelo que referi, é indispensável agora definir objectivos exactos, estabelecer programas concretos e consertados, coordenar serviços, dar sentido unitário à acção de todos esses impulsionadores do processo de desenvolvimento.
Em sociedades pouco evoluídas e culturalmente atrasadas, como são tantas das comunidades rurais do Norte do País, não basta para o seu progresso a existência de planos bem gizados e de meios materiais abundantes.
É, antes de tudo, necessário sensibilizar os destinatários desse desenvolvimento, provocar a sua abertura, a sua adesão, a sua participação no próprio processo que se desencadeia.
É necessário, antes de tudo, ter quem promova essa sensibilização e essa adesão, ter agentes em quantidade e em qualidade.
Se se quer promover, promover autenticamente, verdadeiramente, realmente o meio rural, há que encarar desde já o problema da preparação dos serviços de promoção; prepará-los no que respeita à quantidade e qualidade dos seus executores, no que se refere às suas estruturas e aos seus quadros; prepará-los e formá-los em relação directa com a grandeza da tarefa que lhes é proposta.
Sr. Presidente: Falar sobre o IV Plano de Fomento; discorrer sobre as matérias que comporta ou sobre os temas que nele são considerados; elogiar o esforço feito para equacionar de forma global e integrada toda a problemática que há-de dar sentido definido, mas sentido meritório, às forças que em todos os sectores vão ser postas em movimento, para um harmónico crescimento económico e um acelerado progresso social, visando a realização dos fins superiores e últimos da comunidade nacional; comentar as grandes linhas de pensamento que o informam, os altos e concretos objectivos que se propõem, ou a razão de ser do modelo que se adopta; criticar pormenores, lastimando, por exemplo, não ver nele inscrito um ou outro empreendimento que qualquer de nós gostaria que aí estivesse especificado; falar sobre o IV Plano de Fomento é em qualquer circunstância questão difícil.
Difícil, dada a amplitude do próprio Plano; são todos os sectores e todos os aspectos da actividade nacional que estão em análise; a sua situação no presente, as suas tendências e a sua evolução no futuro.
Difícil, dada a complexidade das matérias na generalidade e a alta especialidade de algumas delas, só apreciáveis por verdadeiros iniciados.
Difícil ainda porque, dado o seu tom programático de actuação política a desenvolver essencialmente pela administração pública, não contém descritos, especificados e quantificados muitos daqueles elementos que permitiriam uma visão clara e concreta da acção a realizar e efectivamente a levar a cabo, na realidade do tempo e do espaço.
Precisamente quanto a este último aspecto - realização do Plano no espaço - parece-me também oportuno fazer um comentário, comentário que respeita às condições de operância do próprio Plano em cada uma das regiões do País.
O Plano tem o País como razão de ser e dirige-se ao País; é um Plano de desenvolvimento económico e social do País; os seus objectivos são gerais e globais, são objectivos nacionais.
Estas características fundamentais, francamente aceitáveis, não deverão no entanto afastar a ideia de que ele vai aplicar-se, desenvolver-se e concretizar-se em regiões diferentes, diferentes nos seus caracteres físicos e humanos, diferentes nos seus aspectos económicos e sociais.
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Propondo-se corrigir assimetrias, ele tem de aceitar a existência dessas mesmas assimetrias.
E na decorrência deste mesmo pensamento, nele se estabelece como doutrina que a sua «execução deverá marcar sensíveis progressos, por forma que a programação de actuações assegure, efectivamente, a prossecução dos objectivos de desenvolvimento regional adoptados».
E para tanto se propõe, entre outras condições, a «formulação de propostas regionais mediante um processo participativo, a fim de traduzirem os reais interesses das regiões».
Estas já o afirmei atrás participaram activamente, através das suas elites, na preparação deste IV Plano de Fomento; por imposição da doutrina, pela lógica das coisas, e, como condição de operância do próprio Plano, terá de caber-lhes agora papel relevante e activo na sua concretização.
Para tanto é indispensável reconsiderar a orgânica do planeamento regional, tendo em vista reforçar a capacidade das respectivas comissões, para poderem interferir validamente no acompanhamento das actuações a levar avante.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Mas é também indispensável a revisão e aperfeiçoamento das estruturas existentes, em ordem a dar-se-lhes a flexibilidade necessária a poderem agir, interligadas e coordenadamente, na óptica da região em que se inserem e onde são elementos indispensáveis à realização de interesses concretos e específicos.
Feitos estes comentários, dou na generalidade a minha aprovação à lei em discussão.
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Morais Barbosa: - Sr. Presidente: Recém chegado a esta Casa de tão nobres tradições, tive a subida honra de subscrever a proposta que, unanimemente votada pela Câmara, reconduziria V. Ex.ª na sua presidência. Havia já, noutras circunstâncias, podido apreciar a nobreza de carácter de V. Ex.ª e a sua reconhecida dedicação aos interesses do País, associadas a uma afabilidade de trato que é timbre dos homens grandes; e pelo interesse com que, de longe embora, acompanhei os trabalhos da X Legislatura, pude aperceber-me da isenção com que V. Ex.ª os dirigiu. Compreender-se-á, assim, que não sejam de mero protocolo os cumprimentos que a V. Ex.ª dirijo ao usar pela primeira vez nesta Câmara do direito que me confere a alínea b) do artigo 11.º do Regimento.
Saúdo também todos os meus pares, a quem ofereço colaboração leal ao serviço dos superiores interesses da Nação, que todos aqui representamos, e de quem me permito esperar a melhor compreensão para os problemas Ido (círculo por que me candidatei - o círculo de Moçambique -, na certeza de que, eleitos todos sob o signo da unidade nacional, valor que acima dos mais nos cumpre defender na nossa vida parlamentar e nas nossas actividades quotidianas, não surgirão nesta Câmara desfalecimentos, fraquezas ou vaidades que de qualquer modo possam pôr em causa a Nação tal qual ela é.
Ao referir-me à unidade nacional, cumpro grato dever endereçando desta tribuna uma palavra muito especial às forças armadas, tantas vezes mal compreendidas no esforço que em três frentes de subversão violenta desenvolvem para a conquista da paz, esforço que se desdobra na actividade militar propriamente dita e nas mais diversificadas tarefas de promoção social a que devotadamente se entregam, conforme não deixou de acentuar o Chefe do Estado na mensagem que nos dirigiu no pretérito dia 19.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Penhor da integridade pátria, são as forças armadas depositárias fiéis do espírito do Exército, que, em 28 de Maio de 1926, abriu os caminhos da Revolução Nacional, pela restauração da ordem e da autoridade, sem os quais não pode haver progresso nem paz social Saúdo-as, também, nessa qualidade.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: Submeteu o Governo à apreciação desta Câmara, ouvida a Câmara Corporativa, a proposta de lei relativa ao IV Plano de Fomento para o período que abrangerá os anos de 1974 a 1979.
Regozijo-me por verificar que se trata de um Plano efectivamente concebido em termos que contemplam o País em toda a sua extensão, já porque visa «ca realização dos fins superiores da comunidade nacional» (base I), à frente dos quais não pode deixar de entender-se, obviamente, a defesa da sua própria integridade e o consequente repúdio de quanto possa, de qualquer modo, enfraquecê-la, já porque na sua própria concepção se fixam grandes objectivos nacionais e, em conformidade com eles, objectivos regionais específicos.
Congratulo-me ainda com o facto de um dos dois grandes objectivos nacionais que o Plano visa residir precisamente na «promoção do progresso social da população portuguesa», objectivo em relação ao qual o desenvolvimento económico há-de entender-se, em minha opinião, mais como meio de o alcançar do que como finalidade própria, desligada do serviço da pessoa e da Nação. Por outro lado, sabe-se também que, de acordo com o princípio de autonomia político-administrativa dos territórios ultramarinos, às respectivas instituições representativas foi dada oportunidade de apreciarem e discutirem o projecto do Plano na parte que a cada um diz mais directamente respeito e em cuja elaboração haviam, aliás, participado amplamente os órgãos provinciais de planeamento, em cooperação estreita com os serviços competentes do Ministério do Ultramar.
Se nada encontro, pois, que me impeça de dar a minha aprovação na generalidade à proposta de lei do Governo, gostaria, no entanto, de tecer algumas considerações suscitadas, em matéria de educação, pelo projecto do IV Plano de Fomento, embora este não haja sido submetido à nossa apreciação.
Havendo-me debruçado sobre esse sector do projecto antes de ter podido dispor dos pareceres da Câmara Corporativa, devo dizer que a minha tarefa se vê largamente facilitada depois de conhecer o parecer subsidiário das subsecções de Ciências e letras
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e de Ensino, da secção de Interesses de ordem cultural. Desejo chamar a atenção da Câmara, do Governo e do País para o referido parecer subsidiário, a cuja doutrina dou o meu inteiro apoio, pela seriedade e ponderação que reflecte, pelo sentido das realidades que transmite e pela serenidade com que, sem deixar de aplaudir o que merece aplauso, não deixa também de apontar o que, no entender das subsecções - que inteiramente perfilho -, se afigura passível de discordância ou de crítica.
Não retomarei, por conseguinte, todos os pontos sobre os quais se pronunciaram as subsecções. Mas não desejaria deixar de com elas sublinhar que a educação constitui «um direito inerente à pessoa, efectivado através da família, sendo esta auxiliada pelas Sociedades organizadas na parte que transcende as capacidades familiares», pelo que uma política de educação não deverá subordinar-se em excesso à política de desenvolvimento, e que «num programa de acção educativa e cultural, ainda que este seja parte de um plano de fomento, não deverá ser essa política de desenvolvimento a comandar a execução total de um programa de natureza educativa», ou seja, por outras palavras, que «c tecnicismo não pode sobrelevar o humanismo».
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Pela importância e significado de que se reveste, não deixarei também de insistir na observação das subsecções quanto ao sentido das transformações sociais que se pretende levar a efeito pela educação, o qual, no seu entender, que igualmente é o meu, «não poderá deixar de ser o determinado pelas coordenadas históricas e espirituais portuguesas, definidas constitucionalmente e expressas em declarações de responsáveis pela orientação política do Estado nos últimos quatro decénios».
Num momento em que o País é vítima da mais formidável agressão de que em toda a sua história tem sido alvo, quando se conjugam as forças dos imperialismos na luta que mobiliza a juventude para a defesa das fronteiras ameaçadas, enquanto o inimigo tenta, com algum êxito, abrir nova frente na própria metrópole, colocando e fazendo explodir bombas que lançam a perturbação e procurando de todas as maneiras - pela literatura, pelo panfleto, pelos espectáculos, pela agitação estudantil e de outras classes - subverter a consciência nacional, quando acontece tudo isso e muito mais, representaria grave insulto à Nação enfraquecer de algum modo a sua intrínseca capacidade de resistência, desmobilizar a frente interna, não salvaguardar os seus valores e interesses permanentes, ceder à tentação de negar o nacionalismo e de substituí-lo por um certo universalismo, o que só poderia suscitar aplausos de quem não está interessado em que Portugal mantenha e fortaleça a sua coesão interna e a sua individualidade específica.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Não pode esquecer-se que dos programas de educação, como dos programas e livros escolares, dependerá largamente a formação dos Portugueses e que não é abdicando de valores tradicionais, ainda que traduzidos em símbolos, que se formarão portugueses conscientes e motivados para as necessidades reais do País. As árvores, os rios, as flores e os passarinhos poderão constituir excelentes motivos de contemplação estética; mas nunca representarão valores sobre os quais possa alicerçar-se uma consciência nacional ë projectar-se uma missão de presente e de futuro.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Nesta mesma ordem de ideias, e ainda na sequência de observações do referido parecer subsidiário, ao mesmo tempo que lamento a inexistência de um plano nacional de cultura, que importa estabelecer para se obviar aos inconvenientes da improvisação, sempre onerosa e insatisfatória, penso que não deve protelar-se muito mais a definição de uma política de juventude.
Parece tão minimizado este sector que, apesar de o considerar «uma importante área instrumental da acção educativa», o Plano que consagra escassa meia página num conjunto de mais de vinte e cinco, e ainda assim sob a designação de «Ocupação de tempos livres da juventude». Ora nenhuma política de juventude pode conter-se na ocupação de tempos livres. E ainda quando assim fosse, acções tais como instalações para parques de campismo, colónias de férias, pousadas de juventude e escolas de animadores de juventude, quanto às chamadas infra-estruturas, e formação de monitores para colónias e campos de férias e sua especialização, formação de animadores e de dirigentes para centros de juventude e cursos para ecónomos, quanto à formação de quadros, que é tudo quanto o projecto prevê neste domínio para o hexénio, seriam instrumentos manifestamente insuficientes.
A juventude merece de todos nós mais consideração e maior respeito. Quem, por razões familiares ou profissionais, se encontra em contacto íntimo com ela e a encara como um valor e uma força moral da Nação sabe bem que a juventude dos dias que correm busca ansiosamente e de boa fé, como nós outros antes o fizemos, o sentido da vida e a resposta para situações de vazio, de dúvida ou de angústia que não podem deixar de atormentar quem, por natureza, é sincero e generoso.
Responder-me-ão, porventura, que tal sentido e tais respostas se encontrarão por intermédio dos monitores, animadores e dirigentes que hão-de formar-se ou especializar-se. Mas, ainda que se considere viável fazer beneficiar toda a juventude portuguesa, mesmo só metropolitana (porque, no ultramar, à Mocidade Portuguesa e à Mocidade Portuguesa Feminina continua a dever-se uma obra magnífica de que muito há ainda que esperar)...
Vozes: - Muito bem!
O Orador: -... daquelas infra-estruturas e daqueles quadros, resta saber que tipo de formação se pensa dar aos monitores, animadores e dirigentes em causa; resta saber como se definirão e que conteúdo receberão as actividade formativas, culturais, artísticas e outras que, segundo o projecto, traduzirão «um dos aspectos a contemplar na criação de afectivas condições de acesso dos jovens aos benefícios da educação». E ainda aqui penso que a juventude portuguesa deverá ser portuguesmente formada, «não bastando que se não contradigam, antes sendo essencial que se afirmem e tomem como objectivo» as coordenadas históricas è espirituais referidas pela "Câmara Corporativa e já
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antes evocadas. É que, conforme há dias sintetizou o Sr. Ministro do Interior no quartel-general da Legião Portuguesa, «os altos interesses do povo só se* servem na defesa dos altos interesses da Pátria».
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Compartilhando das apreensões manifestadas pelas referidas subsecções da Câmara Corporativa quanto à Viabilidade de execução dos programas respeitantes ao ensino superior, pensando, como elas, que as prioridades deveriam concretizar-se no ensino superior não universitário, em especial nas Escolas Normais Superiores e nos Institutos Politécnicos, o que permitiria não só melhorar a qualidade do ensino universitário, mas também formar em melhores condições e mais rapidamente o pessoal necessário ao ensino preparatório, receando qualquer eventual prejuízo no desenvolvimento do ensino primário e chamando a atenção para a pertinência do que sobre estes e outros pontos se lê no parecer subsidiário a que me venho referindo, desejaria, para concluir, ocupar-me de um outro aspecto que ao ultramar diz mais directo respeito.
De facto, contempla apenas o continente e as ilhas adjacentes todo o capítulo que sobre educação se vem apreciando no projecto do IV Plano de Fomento. Passando aos capítulos congéneres dos projectos relativos a cada uma das províncias ultramarinas, verifica-se a falta de articulação destes com aquele, o que encontra explicação mas não justificação fácil.
Como facilmente se compreende também, e necessariamente se louva a preocupação havida com a formação de pessoal docente nas províncias ultramarinas, a qual se torna cada vez mais dramática, na medida em que a expansão demográfica da população escolar constitui realidade gritante, bastaria lembrar que em Moçambique, por exemplo, mais de 50% da população tem idade inferior a 20 anos. Recordem-se apenas alguns números relativos a este Estado: em 1967, frequentavam o ensino primário elementar 476909 alunos -, com 6851 professores, e o ensino secundário e médio, 23 659 alunos, com 1341 professores; em 1972, havia 603 460 alunos e 10 816 professores no primeiro tipo de ensino e 44 368 alunos e 2195 professores no segundo.
Têm sido enormes, em todo o ultramar, o esforço e as verbas despendidas com a educação, nomeadamente a partir de 1964, ano da publicação do estatuto do ensino primário, e seria imperdoável injustiça, não só para a pessoa, mas também e sobretudo para o País, omitir aqui o elogio do governante de excepção que ao ultramar dedicou os últimos onze anos de uma actividade quotidiana e sem desfalecimentos de qualquer espécie e que hoje continua a servir a Nação e o Regime noutro posto da maior relevância, como é. o da Defesa Nacional: ...
Vozes: - Muito bem!
O Orador: -... refiro-me ao Prof. Doutor Joaquim da Silva Cunha. Ainda assim, será importantíssimo o esforço que deverá continuar a desenvolver o seu ilustre sucessor na pasta do Ultramar, na medida em que se conta por centenas de milhares o número de crianças ainda por alfabetizar num território como o
de Moçambique. E a ânsia de estudar e aprender das populações ultramarinas só passará despercebida a quem com elas não convive diariamente.
A progressiva alfabetização de camadas cada vez mais vastas dessas populações e o consequente incremento da escolaridade secundária têm como consequência inevitável e salutar um espectaculoso aumento da população universitária, que, contando pouco mais de oito centenas de alunos no ano lectivo de 1967-1968, via o seu número atingir perto de dois milhares e meio em 1971-1972, esperando-se que atinja cerca de 5300 dentro de seis anos.
Apesar do extraordinário surto de escolarização verificado no ultramar no último decénio e das estimulantes perspectivas para o futuro, o projecto do IV Plano de Fomento para os Estados de Angola e Moçambique pouco mais prevê, em matéria de ensino superior, do que construções escolares, o que não é difícil de entender quando se sabe quão reduzida é a competência das autoridades locais e do próprio Ministério do Ultramar nesse importante domínio, competência praticamente circunscrita às dotações financeiras e a aspectos administrativos, uma vez que nos aspectos pedagógicos a dependência se estabelece relativamente à Direcção-Geral do Ensino Superior, a qual, embora sendo um serviço nacional. dos Ministérios do Ultramar e da Educação Nacional, se encontra na prática muito mais vinculada a este último do que ao primeiro. Daqui resulta não raro, que, havendo o Ministério da Educação Nacional legislado para as Universidades metropolitanas, no âmbito da sua competência, tal legislação se vê, pela força das circunstâncias, aplicada às Universidades ultramarinas, sem que os órgãos provinciais ou centrais do Ministério do Ultramar possam utilmente pronunciar-se sobre a viabilidade ou o interesse de tal aplicação.
Os problemas daí resultantes tenderão a agravar-se com a criação do ensaio superior não universitário na metrópole, que implicará idêntica criação nas províncias ultramarinas, daí resultando certamente dificuldades a que estas terão de fazer face por si mesmas, sem os recursos, nomeadamente em meios humanos, de que o continente europeu certamente poderá dispor.
A isso acresce que o ensino superior não universitário, nomeadamente no que se refere aos Institutos Politécnicos, visa uma preparação profissional necessariamente determinada, nas suas modalidades, pelas necessidades específicas dos meios onde há-de inserir-se; e essa preparação profissional não poderá ser a mesma em toda a parte, diversificado como é, mais que o estádio de desenvolvimento local, o complexo das instituições económicas peculiares de cada um dos espaços regionais.
As carências de pessoal docente que por toda a parte se fazem sentir multiplicam-se no ultramar, e certamente mais ainda nas províncias de governo simples do que nas de Angola e Moçambique. Sabe-se, por exemplo, quão difícil se torna recrutar localmente os agentes docentes necessários e não se ignoram as dificuldades que se deparam quando se pretende, hoje, contratar na metrópole alguém para servir, ainda que em comissão de serviço, no ultramar; o alargamento do mercado de trabalho metropolitano, por um lado, e as dificuldades de transferências de dinheiro .do ultramar para a metrópole, por outro,
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são factores que só contribuirão para agravar a difícil situação com que se defrontam as províncias.
As Universidades ultramarinas, que se não encontram ainda em condições de fazer face a todas as suas necessidades sem grave sobrecarga de quantos as servem, ver-se-ão, assim, cada vez mais impossibilitadas de recrutar pessoal docente na metrópole, além de perderem elementos considerados necessários ao funcionamento de instituições metropolitanas, universitárias ou não. Este é um problema de múltiplas implicações e que sem dúvida ultrapassa as próprias Universidades. Como Deputado da Nação eleito por um círculo ultramarino e como professor universitário não julgo inoportuno chamar daqui para ele a atenção do Governo.
De modo nenhum pretendo travar ou dificultar a expansão da educação e do ensino na metrópole, a cujos problemas dedico a melhor atenção e o maior interesse, mas desejaria que a solução de tais problemas possa fazer-se sem sacrifício do ultramar, que o mesmo é dizer sem prejuízo do País.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Defendendo o princípio da autonomia político-administrativa das províncias ultramarinas, de acordo com as suais capacidades, penso que deve alargar-se a competência dos governos provinciais e do Ministério do Ultramar, por exemplo, quanto à criação de novos cursos superiores, que se não compreende dependa do Ministério da Educação, menos habilitado a julgar das possibilidades locais de os instituir e fazer funcionar.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E entendo que nenhuma reforma do ensino, com necessária aplicação ultramarina, deveria fazer-se sem que o Ministério do Ultramar fosse ouvido quanto à viabilidade de tal aplicação. Nesta matéria, em que está em causa assegurar a validade nacional dos títulos académicos, como sem dúvida noutras, o Ministério do Ultramar e, por seu intermédio, os governos provinciais deverão ter efectiva representação nacional.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: O número de oradores ainda inscritos para a sessão de hoje aconselha a que, como aliás já fiz prever, se prorrogue a sessão, mas por razões óbvias parece-me conveniente suspendê-la, para continuar às 22 horas.
Está, pois, suspensa a sessão.
Eram 20 horas e 15 minutos.
O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão.
Eram 22 horas.
O Sr. Presidente. - Continuação da discussão na generalidade da proposta de lei relativa ao IV Plano de Fomento.
Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto de Alarcão.
O Sr. Alberto de Alarcão: - Sr. Presidente: A revolução industrial veio desencadear profundas transformações no quadro de vida e civilização à superfície da Terra.
Não podia Portugal ficar imune às suas mais gritantes consequências e elas são visíveis a muitos títulos na profunda alteração das estruturas económicas e sociais, nos níveis de vida e mobilidade profissional e geográfica das populações, numa nova arrumação no território, nos desequilíbrios regionais do desenvolvimento, na degradação do meio ambiente, nas próprias alterações de comportamento e mentalidade das populações.
Reterei apenas algumas que mais expressivamente vão imprimindo marca inconfundível neste Portugal contemporâneo e alterando imagem dos tempos de outrora para os dias de amanhã. E por que o Portugal do futuro hoje se constrói, deveremos estar atentos à lição dos números recentes e do sentido da sua evolução.
Começarei por me recolher na análise dos dados demográficos, tanto a quanto montam as nossas ser lhes estatísticas da repartição do número de trabalhadores pelos grandes sectores da actividade económica.
Não teríamos já, nos começos deste século XX, os 80 % de agricultores e trabalhadores agrícolas das civilizações agrárias tradicionais. Mas a sua representação ainda ascendia, para o continente e ilhas adjacentes, a 65% do total de activos com profissão conhecida; 20% classificar-se-iam no sector secundário ou industrial, porventura mesmo mais artesanal, e 15 % prestavam «serviços» ainda que pouco intelectualizados ou «nobres» como os actuais ou futuros, que o não consentiam o fraco estádio de desenvolvimento económico e social e a debilidade dos níveis de vida e orçamentos domésticos da generalidade dos portugueses da metrópole.
Setenta anos volvidos, quão profunda alteração se experimentou nesta repartição da mão-de-obra e intelecto nacionais entre os diversos sectores das actividades produtivas!
[Ver Quadro na Imagem].
(a) O recenseamento não apurou.
Não são mais dois terços, mas apenas um na agricultura, que o demais demandou outros sectores, numa repartição que se- mostra actualmente quase equilibrada entre os diversos ramos da actividade económica global. Equilibrada não quererá dizer o mesmo que estável.
Mas o que fortemente se desequilibrou neste processo de alteração das estruturas sócio-profissionais da população activa foi a sua repartição geográfica ao longo do continente.
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Confrontemos o que investigação recente, e ainda não publicada; me permitiu apurar.
À data do censo de 1900. a repartição da população activa, com profissão conhecida; entre as diversas regiões e sub-regiões do continente era a seguinte:
[Ver Quadro na Imagem].
Pouco mais de 60 % da população activa residia e trabalhava no litoral, cerca Ide 40% nas sub-regiões do interior. Um terço nas regiões Norte, outro tanto no Centro, o restante sendo partilhado entre as regiões de Lisboa e o Sul, com vantagem para a primeira.
Setenta anos decorridos, a estrutura é já acentuadamente diversa:
[Ver Quadro na Imagem].
Quase três quartos da população activa trabalhava nas sub-regiões litorâneas, apenas um quarto dilatado labutava no interior.
Mas a aliteração mais notável ainda expressa-se na participação de calda uma das regiões plano para o total da força de trabalho do continente: a região de Lisboa ascende já quase a um terço, passando de 18,5% nos começos do século para 32,7% actuais.
As restantes apagam-se neste confronto percentual, mas é sobretudo a região centro (distritos de Aveiro, Coimbra e Leiria no litoral e, sobretudo, Viseu; Guarda e Castelo Branco no interior) que fica posta em causa em termos de sobrevivência digna no futuro ordenamento e divisão sócio-profissional da população. O Sul de há muito se apagava.
Que explica tal evolução?
Confrontemos estoutros dados da sua repartição sectorial por actividades económicas entre o começo do século e a actualidade.
[Ver Quadro na Imagem].
As regiões Centro e Sul seriam em 1900 ainda as mais expressivamente agrícolas, mas também o Norte registava mais de 65 % da sua força de trabalho no sector primário das- actividades produtivas. Lisboa afirmava já então um certo predomínio da indústria e dos «serviços» face à população ocupada nas actividades agrárias.
À data do último recenseamento, o de 1970, a situação é nitidamente diversa:
[Ver Quadro na Imagem].
Apenas o Sul continuava a afirmar dominância dos activos agrícolas na estrutura do trabalho (54% do total), e se mais não conta, foi porque grande número migrou para esta região de Lisboa, da «grande Lisboa», de uma e outra banda do rio Tejo, ou tentou a sua sorte no estrangeiro.
Nestes setenta anos a industrialização afirmou-se ainda nas regiões do Centro, sobretudo no litoral:
[Ver Quadro na Imagem].
e Norte, no litoral quase exclusivamente:
[Ver Quadro na Imagem].
Os «serviços» fortaleceram-se sobretudo na região que contém a capital da Nação: mais de um em cada dois habitantes nesse sector trabalha, ou se emprega. A agricultura não representa aí actualmente mais do que 16% da sua força de trabalho e está
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presente, sobretudo, por via da sub-região interior: o Ribatejo, mais. verdadeiramente o distrito de Santarém.
[Ver Quadro na Imagem].
O Sul contínua a ser o mais homogeneamente agrário:
[Ver Quadro na Imagem].
mas despontou alguma indústria no Algarve e vão surgindo «serviços» relacionados com o turismo, cuja actividade maior não coincide, aliás, com o período de realização dos recenseamentos populacionais: o mês de Dezembro.
Este contraste entre regiões agrárias e zonas industriais no continente é sobremodo nítido no confronto entre o litoral e o interior:
[Ver Quadro na Imagem].
No litoral, dois em cada dez portugueses são agricultores ou trabalhadores agrários, quatro são operários e outros tantos prestam «serviços» ou preenchem, pelo menos, os seus quadros.
No interior, em contrapartida, seis em cada dez activos trabalham na agricultura, silvicultura e pecuária, os restantes partilham entre si a pouca indústria e os «serviços» que lá surgiram e se mantêm.
Se considerássemos o sector industrial, motor do desenvolvimento, pela via da riqueza nele sobremodo gerada (independentemente ida reduzida área em que, por vezes, se instala) e {distribuída, sempre que a política social o estimula ou incita, acarretando a mais ou menos largo prazo o desenvolvimento dos «serviços», ter-se-ia em 1900 e 1970 a seguinte repartição do número de trabalhadores industriais do continente:
[Ver Quadro na Imagem].
Reforçada vem a importância deste sector nas sub-regiões do litoral, que ocupa já cerca de 85 % da mão-de-obra fabril do continente. No «interior» - se assim lhe pudermos chamar -, a percentagem apenas melhora, e ligeiramente, na sub-região de Lisboa «interior», mais precisamente no distrito de Santarém.
Más onde ressaltam sobremodo nítidas as oportunidades regionais e sub-regionais de emprego é do confronto entre os valoras absolutos das populações activas nos doas sectores motores de desenvolvimento económico e progresso social nos anos limite que temos vindo a observar.
Têm-se neste século as seguintes variações regionais e sub-regionais do emprego:
[Ver Quadro na Imagem].
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Dos 540 000 novos postos de trabalho criados no sector industrial no decurso deste século, 95 % foram-no no litoral: as sub-regiões de Lisboa e do Porto fixaram à sua parte 73,5% dessa população fabril, o centro litoral (e particularmente Aveiro, fortemente polarizado pelo Porto) 19,2%.
No Nordeste transmontano diminui a população fabril ou artesanal desde o começo do século.
Haverá ainda quem discorde de que nesta nova fase de. integração das actividades económicas, não já no espaço nacional, mas em mais dilatados, como o da Comunidade Económica Europeia e outros internacionais, «o desenvolvimento das actividades da indústria não deverá continuar a depender de situações de relativa vantagem no tocante a níveis salariais», mas, sobretudo, de que «o indispensável aumento da produtividade média da população activa passará progressivamente a ter de basear-se mais na evolução dos processos tecnológicos e de gestão empresarial», como se reconhece no preâmbulo da proposta de lei sobre o IV Plano de Fomento, para 1974-1979? O exemplo do que se passou em Trás-os-Montes deve ser sobremodo meditado.
Qual o papel da reforma do sistema educativo e o contributo da formação profissional extra-escolar para que «o crescimento mais acelerado da produção nacional e o aproveitamento dos recursos disponíveis possam fazer-se em condições tecnológicas e segundo linhas de especialização inovadora que assegurem a sua competitividade internacional», condição de sobrevivência?
À consideração do Sr. Ministro da Educação Nacional e dos serviços respectivos aqui- fica, uma vez mais, este meu apelo no sentido de uma maior habilitação técnico-profissional, sem descurar, evidentemente, a cultura.
O incrementado nível de vida que a industrialização acarreta, bem como a melhoria da produtividade agrícola nas regiões litorais, acaba por solicitar um re-forfco dos próprios quadros dos «serviços»: dos 645 000 novos profissionais que desde o começo do século vieram acrescer os efectivos do trabalho, 563000, ou 87% do total, fixaram-se igualmente nas sub-regiões junto ao mar.
A área metropolitana Lisboa-Setúbal absorve mais de metade dos novos postos criados, avançando decididamente não apenas para uma economia e sociedade industriais, mas despontando já para as formas mais evoluídas de uma civilização de «serviços».
Os novos postos de trabalho requerem trabalhadores, e estes fazem-se acompanhar ou constituem a breve prazo família. Surpreende, assim, que a estrutura percentual da população total, activa e não activa, presente nestes espaços se apresente de igual modo divergente de censo para censo?
Porque as séries estatísticas nos permitem uma análise mais dilatada no tempo, iremos considerar o século decorrido desde o primeiro verdadeiramente «censo» realizado em Portugal: o de 1864. Mas pode ter interesse uma estimativa que tentámos com base no «numeramento» dos habitantes do reino nesse ano já longínquo de 1535:
Há mais de quatro séculos a repartição da população, presente total do continente parece que seria a seguinte:
[Ver Quadro na Imagem].
Equilibradas se mostravam as regiões, podendo quase dizer que. um em cada quatro portugueses de antanho residia em caída uma das actuais regiões do País. E entre o litoral e o interior não se afirmavam então, a nível global; grandes desequilíbrios: num lado, 52,8.%, no outro, 47,2 %.
À data do censo de 1864 a situação já era ligeiramente diferente:
[Ver Quadro na Imagem].
não tanto entre o litoral e é interior, ainda, mas sobremodo entre o Norte-Centro e o Sul. Particularmente o Centro progride, o Sul alentejano retrograda. Uma melhor estrutura social, maior divisão da propriedade e distribuição da riqueza entre todos, a descoberta no Novo Mundo de novas culturas (nomeadamente do milho), vieram pacificamente revolucionar as economias e sociedades rurais: a população adensa-se, particularmente nos campos das Beiras Litoral e Alta, o Entre Douro e Minho, o próprio Nordeste transmontano beneficiam do acréscimo populacional.
O Sul, particularmente sangrado pelas descobertas e navegações marítimas, pelo povoamento e colonização de novas terras, estaciona, perde peso no conjunto demográfico continental. Escassamente, um em três portugueses reside no Sul e na região de Lisboa, partilhando o Norte e Centro os demais habitantes.
E eis-nos chegados a 1970:
[Ver Quadro na Imagem].
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A transformação é notória: dentro em breve, três em cada quatro metropolitanos residem no litoral e apenas um no interior. O Sul tenderia a desaparecer demograficamente, dos 25% do século XVI contava ultimamente já menos de 10% e o próprio Centro, sobretudo interior mas também já litoral, se apaga neste confronto dos valores percentuais de 1864 para cá.
É o Norte, sobretudo litoral, e a correspondente sub-região de Lisboa que tendem a dominar o panorama demográfico do continente, sendo lícita a pergunta se um dia nos não confinaríamos caricaturalmente às grandes áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto. E o resto, um deserto português - ou pouco menos - neste confronto das densidades demográficas no Portugal europeu:
[Ver Quadro na Imagem].
Neste adensar de gentes nuns lados, neste quase estagnar em outros, é fortemente responsável a nossa mais que desequilibrada rede urbana e de apoio rural, mas é aos aspectos mais amplos de ordenamento do território e correcção gradual dos desequilíbrios regionais do desenvolvimento que me quero ora ater.
Sr. Presidente: Julgo ter deixado - e bastante mais do que no projecto do Plano se contém suficientemente demonstrados os acentuados desequilíbrios regionais do desenvolvimento e sobretudo a tendência passada para o seu progressivo agravamento em terras do continente.
Vemos suceder, decorrer o fenómeno sob os nossos olhos, ou sentimo-lo em suas consequências, no afluxo desordenado de massas populacionais que acorrem aos grandes centros à míngua de empregos em suas áreas natais e nos levou a efectivar, consciente da gravidade do tema e da carência de uma equilibrada e harmónica rede urbana, aviso prévio na passada legislatura sobre «Urbanização e habitação»; vemos expressar-se na invasão anárquica de áreas urbanas e suburbanas, na falta de infra-estruturas e atraso na instalação de equipamentos sociais, nas carências de habitação e carestia das rendas, no congestionamento dos transportes públicos e dificuldade de os serviços lhes darem resposta capaz, na crise de abastecimentos de bens essenciais (como os alimentares) ou rarefacção dos produtos nos mercados, na subida dos preços, na indomada inflação e agravado custo de vida,, nos próprios desequilíbrios sociais, mentais, psicológicos, culturais, a que compreensivelmente dá lugar uma acelerada, deficientemente orientada e mal integrada, urbanização das populações.
A Sr.ª D. Teresa Lobo: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Urbanização de elevados contingentes populacionais, que deixaram de encontrar no meio rural condições de vida compatíveis com a sua crescente e irreversível sensibilização ao que entendem ser os frutos do progresso. Urbanização que não deveria desatender uma certa «rururbanização» dos campos, para utilizarmos expressão que começa a ser utilizada na língua francesa.
Importaria assim considerar as soluções necessárias ao enquadramento da evolução futura, tendo em conta que, se nas áreas urbanas e não só em Lisboa e Porto - se levantam graves problemas de urbanismo e habitação, a exigir soluções rasgadas, surgem-nos, no meio rural, em ligação com uma habitação que carece de ser modernizada, agudas necessidades de estradas e caminhos, de abastecimento de água e electricidade, de rede de esgotos, de ligações telefónicas, de cobertura médico-sanitária, de centros ide distracção e de convívio social.
Um desenvolvimento mais harmónico, mais pensado e planeado, mais antecipado ao curso dos acontecimentos, teria podido limitar algumas das consequências mais gravosas do processo ide industrialização e urbanização, do êxodo rural e atracção urbana, em que o País se empenha neste ultrapassar das sociedades rurais-agrárias tradicionais para ajudar a erguer o Portugal urbano-industrial e dos «serviços», da civilização eminentemente terciária de amanhã.
Ultimamente, a criação da Secretaria de Estado do Urbanismo e Habitação, a suprir reconhecida lacuna na estrutura do Governo e a criar renovadas condições para uma acção mais concertada e eficaz na atenuação dos déficit s habitacionais existentes e para a disciplina da utilização do solo nas áreas de ocupação urbana; a criação do pólo urbano-industrial de Sines, traduzindo uma política de concentração de investimentos e ide ordenamento urbano-industrial compensadora da excessiva atracção das actividades económicas pelas áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto; a aprovação pelo Governo do relatório sobre o ordenamento do território, que fica a constituir a orientação fundamental para a reestruturação a longo prazo da ocupação humana do continente, em conformidade com requisitos impostos pelas realidades tecnológicas e sociológicas actuais; a decisão de proceder a sensível alargamento da rede de auto-estradas, poderosos factores estruturantes do espaço económico e do viver das populações, são, entre outras, orientações e decisões governativas da maior relevância recentemente formuladas.
Mas não esgotavam como porventura o não preenchem ainda totalmente o complexo de medidas que poderiam a seu tempo e deverão vir a tomar-se em ordem a um melhor ordenamento do território e das actividades produtivas e à correcção gradual dos desequilíbrios regionais no continente e ilhas adjacentes.
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Poderia lembrar aqui a Lei de Fomento Industrial; votada no ano findo pela Assembleia Nacional. Do seu espírito se sente informada a Secretaria de Estado da Indústria, ao propor a sua própria reorganização.
É do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 632/73, de 28 de Novembro - não tem quinze dias -, que recolho o seu sentir:
[...] está em causa uma profunda reconversão - de objectivos e dê métodos, de técnica administrativa e dos processos de trabalho dos agentes - que sobrepassa o simples reajustamento de quadros ou o acerto parcial da função. [...] a necessidade da reforma radica-se em viragem de maior fôlego, implicando a própria concepção das funções de administração do desenvolvimento industrial. Com efeito, o Estado tradicional confinava-se maiormente em funções de organização: definia quadros legais e regras de jogo, arbitrava conflitos, disciplinava a vida industrial. Não se via a si mesmo como um agente privilegiado de transformação económica e social.
Ora, é isto mesmo que hoje se lhe pede e ele se propõe: ser essencialmente um promotor do desenvolvimento.
Impunham-no, aliás, os preceitos fundamentais da Nação,, sobretudo depois que a última revisão constitucional consagrou nova expressão e conteúdo ao artigo 31.º, n.º 1.º Da sua fórmula inicial:
Art. 31.º O Estado tem o direito e a obrigação de coordenar e regular superiormente a vida económica e social com os objectivos seguintes:
1." Estabelecer o equilíbrio da população, das profissões, dos empregos, do capital e do trabalho;
se passou a estoutra:
1.ª Promover o desenvolvimento económico e social do País e de cada uma das parcelas e regiões que o compõem e a justa distribuição dos rendimentos.
Importa daí extrair as necessárias ilações e as decorrentes soluções e acções.
Pretende-se, nesta proposta de lei, estabelecer as bases ou os princípios muito gerais que possibilitarão vir a criar em todo o espaço possível da ocupação humana condições favoráveis à permanência e valorização do homem português, pois que é a sua realização integral, como indivíduo e membro da comunidade, agente e destinatário de todo o progresso nacional, que verdadeiramente se tem em vista ao planear o futuro de Portugal.
O Sr. Álvaro Monjardino: -Muito bem!
O Orador: - Afirma-se, nomeadamente entre os objectivos do Plano, nítida tomada de posição quanto à necessidade de acelerar o «crescimento económico, conciliada, com propósitos de valorização dos Portugueses e de maior justiça na repartição regional, funcional e pessoal dos frutos do desenvolvimento - com o qua3 não peidemos deixar de nos congratular.
Foi precisamente no- estudo e análise das profundas modificações de estrutura, da ocupação; do território que o desenvolvimento económico implica e no reconhecimento da necessidade de orientar tais modificações, deliberada e intencionalmente, que assentou a fundamentação técnica da política de ordenamento do território, cuja aplicação o Governo se propõe intensificar ao longo do próximo hexénio.
Para tal estão preparados - conforme se afirma no preâmbulo da proposta - os instrumentos de aplicação e acompanhamento indispensáveis que haverão de continuar a aperfeiçoar-se e completar-se, sem prejuízo, todavia, da imediata passagem à acção concreta.
Com efeito:
Proposta uma hierarquia dos centros urbanos do continente, em correspondência com a função que lhes deve caber na óptica de um adequado apoio às populações e às actividades económicas localizadas na respectiva área de influência (ordenamento urbano);
Seleccionados, numa 1.ª fase, os centros onde preferencialmente haverão de concentrar-se as actividades industriais para as quais não seja imprescindível a inserção em zonas mais densamente urbanizadas ou dotadas de particulares condições naturais ou de infra-estruturas específicas (ordenamento industrial);
Identificadas as áreas em que a intensificação da exploração agrícola poderá conjugar-se com a instalação de indústrias transformadoras e o desenvolvimento dos serviços, do mesmo passo que aprofundado o conhecimento do que serão as vocações mais adequadas para as áreas rurais mais regressivas, e assimilada a importância de ter em conta, ao planear o desenvolvimento, a preservação e defesa do ambiente natural (ordenamento agrário e rural);
Ponderada a influência das infra-estruturas de transporte na realização dos objectivos do ordenamento espacial (planeamento das vias de comunicação e transportes);
Preparados os Instrumentos de apoio e estímulo que, a nível central e local, poderão ser utilizados para orientar a iniciativa privada e convencê-la a colaborar na realização de um adequado padrão de desenvolvimento;
podem neste momento considerar-se assentes, no âmbito de uma política definida e fundamentada, as orientações enquadrantes das decisões e actuações que haverão de permitir a progressiva realização do objectivo da melhor e mais equitativa distribuição regional dos empreendimentos e das oportunidades.
Pena é que, para além do aviso prévio efectivado pelo Sr. Deputado Correia da Cunha sobre «Ordenamento do território» e do nosso próprio sobre «Urbanização e habitação», nos quais a passada Assembleia tão notavelmente colaborou, não. venham futuramente à sua apreciação legislativa alguns diplomas fundamentais enformadores da política de desenvolvimento regional anunciada.
Estou certo de quê. esta Câmara política, tão expressivamente nacional, ultrapassando preocupações porventura excessivamente regionalistas e de âmbito limitado, saberia debater com elevação e equilíbrio as bases gerais de um regime jurídico ou de uma nova ordenação político-administrativa que se relacionasse com o ordenamento do território, a classificação admi-
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nistrativa das autarquias e lugares, os entes que devem, promover o desenvolvimento regional - mas talvez que nisso me adiante ao que possa estar no pensamento do Governo. Afigura-se-me, que a reflexão bem poderia constituir motivo de- estímulo e factor de dinamização para as economias e sociedades regionais e sub-regionais, de que tão carecidas se mostram por vezes.
De qualquer forma, ficam estabelecidos os princípios básicos e no projecto do IV Plano de Fomento a orientação e concretização mais aplicadas - através da formulação da base viu da proposta de lei em apreciação:
BASE VIII
1. Tendo em conta os requisitos da política de ordenamento do território, com vista à progressiva correcção dos desequilíbrios regionais de desenvolvimento, será dada prioridade no Plano às actuações tendentes a promover:
O fortalecimento e equilíbrio da rede urbana e da rede de apoio rural, com a finalidade de proporcionar às populações e às actividades produtivas os necessários equipamentos sociais e económicos, concentrados a distâncias adequadas;
A expansão descentralizada da indústria e dos serviços, orientada para novos pólos de desenvolvimento e centros de crescimento urbano-industriais;
A ocupação racional do espaço rural, tendo em vista a progressiva especialização das actividades agro-pecuárias e florestais e as exigências do equilíbrio ecológico, da conservação do solo e da defesa do ambiente.
2. A instalação dos equipamentos económicos e sociais requeridos pela valorização das diversas áreas será efectuada tendo em atenção a urgência em dar satisfação a necessidades básicas das populações em matéria de educação e saúde, urbanização e habitação, abastecimentos de água e electricidade, esgotos, transportes e comunicações.
Algumas destas expressões ganhariam em ser uniformizadas e alargadas, mas conto com a colaboração amiga e direcção compreensiva da nossa Comissão Eventual.
Para além de quanto respeita a matérias de urbanização, de pólos de desenvolvimento e centros de crescimento urbano-industriais, de habitação e equipamentos económicos e sociais, referidos na proposta e contemplados no Plano, importa ainda salientar que:
BASE XV
1. A fim de melhor assegurar a execução do Plano, deverá ainda o Governo:
j) Favorecer a criação de sociedades de desenvolvimento regional.
O Sr. Álvaro Monjardino: - Muito bem!
O Orador: - É inovação pela qual insistentemente reclamavam os poderes e autoridades regionais, os entendidos na matéria, as próprias populações. É inovação cara ao nosso espírito.
Saudemo-la com o júbilo que advém de a vermos pela primeira vez consagrada num dispositivo jurídico da Nação, que poderia, inclusive, trancender o simples quadro temporal de um IV Plano de Fomento, para 1974-1979, e alegremo-nos com a esperança que dimana das suas potencialidades de aplicação a um painel bastante desarticulado e algo subaproveitado de tantos espaços regionais de Portugal.
Congratulamo-nos com a sua proposição, e com isto dou por finda esta última apreciação na generalidade acerca da proposta de lei n.º 3/XI sobre o IV Plano de Fomento, para 1974-1979, concedendo não apenas o meu voto, mas um caloroso aplauso a quanto genericamente se propõe e submete à nossa consideração, à consideração desta Assembleia Nacional no dealbar da XI Legislatura.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: Vamos passar à segunda parte da ordem do dia - continuação da discussão na generalidade da proposta de lei de autorização, de receitas e despesas para 1974.
Tem a palavra o Sr. Deputado Silva Mendes.
O Sr. Silva Mendes: - Sr. Presidente: Cumprindo uma tradição que é, simultaneamente, um imperativo da minha consciência, ao subir pela primeira vez a esta tribuna, na presente legislatura, cumprimento respeitosamente V. Ex.ª, reafirmando os meus propósitos de lhe prestar a mais leal e franca colaboração.
O convívio dos últimos quatro anos dispensa-me, certamente, de melhor explicitar a muita consideração que V. Ex.ª nos merece, consideração, aliás, granjeada ao longo de toda a sua intensa e brilhante carreira parlamentar, orientada no propósito único de bem servir o País, bem servindo, ao mesmo tempo, a sua tão querida região ribatejana.
Srs. Deputados: A VV. Ex.ªs, meus pares nesta XI Legislatura, apresento respeitosos cumprimentos, dizendo do meu regozijo de ser um de entre vós a fazer parte desta Câmara política, de quem a Nação, neste momento, muito espera.
Cumprimentando, ainda, todos os que, ao longo dos quatro anos do nosso mandato, connosco vão empenhar-se nos trabalhos da Assembleia, peço licença para realçar os órgãos da informação, pelo papel importantíssimo que na vida da mesma vão ter, pois é através dos seus relatos que o País terá notícia da forma como cumprimos o mandato que nos confiou.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quem tem acompanhado a evolução sócio-económica nos últimos anos sente que, com a aprovação da liei em discussão, se dá ao Governo, apesar das dificuldades que o mundo parece conscientemente agravar, a possibilidade de prosseguir o caminhar no progresso, o abrir de novas perspectivas para atingir os padrões do desenvolvimento que ambicionamos.
Fácil é verificar que (Coda a lei de medos é denominada pela preocupação de uma mais equitativa repartição dos rendimentos e dá, em muitos casos, resposta à satisfação das necessidades básicas, principalmente nos campos da educação, da saúde, habitação e segurança social.
Na verdade, importa acelerar a melhoria da parcela do rendimento nacional atribuído ao factor trabalho, como fonte de justiça e de harmonia social, acom-
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panhando o de uma política de segurança que permita alargar o efeito redistributivo e satisfaça as necessidades normais de toda a população.
Mais uma vez se sente como motivo de preocupação constante do Governo, acentuando-se mesmo no preâmbulo da lei, a acuidade de que o problema se reveste - as dificuldades oriundas do sector administração pública - na fase que atravessamos, de aceleração do ritmo de crescimento económico.
E todos nós sabemos por experiência, amarga experiência até, que a máquina administrativa não age de acordo com as exigências actuais, que não acompanha, pronta e eficazmente, o esforço do Governo, o que ocasiona desânimo e às vezes até revolta.
A este assunto já nos referimos, por diversas vezes, nesta Câmara, e na recente proposta se reconhece que uma administração pública é, acima de tudo, um conjunto hierarquizado de funcionários que valerá, apenas e sempre, o que valerem os homens que o compõem.
Embora saibamos que o caminho a percorrer é difícil e reconheçamos que muito de positivo já se fez, embora compreendamos que a evolução não poderá nunca ser rápida, dado que não depende sómente de medidas legislativas, mas também de modificação1 de mentalidades, consideramos que o programa ora traçado terá poder suficiente para abrir novos rumos e encontrar melhores soluções.
Melhoria de condições de trabalho, aperfeiçoamento das remunerações básicas e complementares, melhores condições de segurança social, publicação do estatuto geral da função pública, criação e aperfeiçoamento de serviços de acolhimento e de informações, são passos que urge dar, metas que necessitamos atingir.
E como poderíamos deixar em silêncio a doutrina expressa na parte final do n.º 2 do artigo 23.º?
As actividades de formação não devem constituir um fenómeno marginal, com o seu quê de episódico, como que um elemento estranho na carreira do funcionário, mas antes ser dela uma parte integrante, adaptada à natureza da sua função e, em particular, às suas condições de promoção e de realização da carreira dos quadros do funcionalismo.
Queira Deus que todo este plano, rico de verdade, de objectivos e de intenções, não fique apenas como um desejo expresso na lei em apreciação, não seja unicamente o nascer de novas esperanças para sê transformar, por falta de apoio, num programa mais que se não cumpre.
Quando se diagnostica com tanta clareza e se receita com tanja segurança, é crime não aplicar o receituário.
Que ao empreendimento não faltem verbas que permitam dar-lhe total satisfação e homens que o executem, são votos que formulo.
Analisemos agora os capítulos referentes à habitação e urbanismo» aos circuitos de distribuição e defesa do consumidor e à política fiscal, que ora se enunciam.
Urgia que o problema da habitação fosse encarado frontalmente, tal como neste momento se enuncia. Não nos consolava, nem nos tranquilizava, o dizer-se que ele era idêntico ao dos outros países.
A repercussão que tem no seio da família portuguesa é de tal modo grave e perturbadora de um equilíbrio social que se têm de mobilizar todos os esforços e encontrar solução justa.
Nos últimos anos, mercê do desenvolvimento industrial, alguns centros urbanos sofreram o afluxo de uma população que, oriunda das regiões de índole essencialmente agrícola, a eles acorreram em busca de melhores salários.
É evidente que o facto se reflectiu, de forma grave, no sector da habitação, mercê do desequilíbrio oferta procura, e gerou situações verdadeiramente desumanas.
E não se diga que a sua maior equidade se situa sómente em Lisboa ou Porto, pois, como verdadeira epidemia, ela contaminou todos os centros em vias de desenvolvimento:
Na província, onde o capital particular não apareceu interessado em investir, mesmo em prédios de rendas não controladas, criaram-se deficits habitacionais* verdadeiramente catastróficos.
Como exemplo, um entre muitos,, direi que nas cidades do meu distrito as rendas actualmente praticadas no mercado livre são incompatíveis com a média dos salários auferidos pela população fixada naqueles meios.
E se é justo salientar a política seguida pelo sector então chamado «Habitações económicas», que teve sempre em linha *de conta os interesses dos centros rurais, ficaram, no entanto, os funcionários públicos, os administrativos ou os não abrangidos pela Previdência sem a mais pequena parcela de protecção.
A construção, no distrito de Portalegre, de fogos a cargo da Caixa Geral de Depostos foi uma gota de água no oceano das necessidades.
Refira-se, pois, como facto a enaltecer, a forma como a presente, lei de autorização de receitas e despesas para - 1974 encara a questão e possibilita meios para fazer face à carência, quer da seja de origem qualitativa ou quantitativa.
Mas não esqueçamos que o País não é só Lisboa e arredores; a população que reside fora destes centros tem iguais direitos de ver encarado e resolvido o seu problema.
Deixemos, como muito bem se preconiza, que a iniciativa privada se destine à construção de fogos para sectores de população cujos rendimentos sejam susceptíveis de suportar os efeitos da pressão da procura e confie-se ao Estado a construção de fogos sociais.
Só assim se conseguirão resultados satisfatórios.
A nossa simpatia e aplauso merece igualmente o estímulo previsto no presente diploma para os movimentos de autoconstrução, como forma válida de contribuir para a resolução rápida do problema.
Na verdade, dada a grandeza da batalha a travar, todas as frentes de combate que se abram são poucas para conseguir, com rapidez, a vitória.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Poderemos afirmar que o tema de toda a conversa, do café ao canto da lareira, é, no momento presente, o aumento do custo de vida.
Embora saibamos que o fenómeno é universal e irreversível, a verdade é que a população portuguesa não está mentalizada para o encarar ou para se defender dos seus inconvenientes e malefícios.
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Antes pelo contrário, é muitas vezes factor agravante da desorientação causada pelo fenómeno e pelos oportunistas, e reage não de acordo com a defesa dos seus justos interesses, que afinal são os interesses de todos nós, mas com os daqueles que a querem defraudar.
A criação do Instituto de Defesa do Consumidor é um primeiro passo para criar acções de defesa conjunta, mas não poderá, só por si, atingir as suas finalidades se todos nós não nos dispusermos a colaborar activamente.
Casos recentes, como o apelo à restrição do consumo da gasolina é de outros combustíveis, são exemplos frisantes da falta de civismo de alguns, da imaturidade de outros, da nossa falta de coesão é espírito de cooperação.
Q Governo pede que procuremos diminuir o consumo da gasolina?
Logo o mesmo aumenta, segundo consta, para o dobro.
E não se diga que o Governo não tem informado, com clareza, das dificuldades do momento.
O próprio Presidente do Conselho, na sua última comunicação, ao assunto se referiu.
Solicita-se, para o mesmo efeito, que não se ultrapassem os 80 km/hora, em estrada?
Logo carros que mal podem atingir os 60 km esforçam os motores para ultrapassar, em alarde de façanha, carros com motor de maior potência, mas cujos condutores procuram, não por medo à apreensão da carta, mas para corresponderem, no interesse de todos, ao apelo do Governo, manter-se, para tal, dentro dos limites fixados.
Ao vermos as bichas intermináveis de carros damo-nos conta das horas de trabalho que se perdem, se é que todas as pessoas que nelas se vêem trabalham.
O público, o consumidor, tem que disciplinar os seus apetites colaborando com os governantes e formando bloco em defesa dos interesses de todos, porque de outra forma maus dias nos esperam. Antes de terminar, queria deixar ainda uma palavra de muito agrado pela doutrina expressa e pelas medidas preconizadas para uma melhor repartição dos rendimentos.
Reduzir as diferenças salariais e pessoais existentes; reforçar a acção redistributiva da previdência social; melhorar o regime geral e os regimes especiais dessa mesma previdência; coordenar os regimes da Previdência com os do sector público e os do sector privado, são atitudes que dignificam um Governo e a nós próprios nos empolgam, por corresponderem cabalmente às aspirações do povo português.
Estamos todos, por natureza e por defeito, sempre prontos, a copiar ou apontar como exemplo o que se passa no estrangeiro, mas custa-nos muito utilizar, como figurino, os seus padrões em matéria fiscal.
Ao darmos a nossa aprovação ao que se propõe em política fiscal pedimos, simultaneamente, que se acelere a cobrança dos processos de liquidação em atraso, porque se diz que se contam por milhares os que aguardam julgamento final, principalmente de imposto complementar, e que se faça a reforma tributária com a urgência que o caso requer e recomenda.
E finalizamos aprovando na generalidade a proposta, conscientes de que nela se contém resposta a muitas das nossas preocupações e anseios.
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Álvaro Monjardino: - A lei de meios, cuja proposta está a ser apreciada por esta Câmara; apresenta este ano características que merecem elogio.
Pode até parecer que se está a ir mesmo para além do cumprimento dó artigo 91.º n.º 4.º, da Constituição Política, mas creio que se faz melhor do que isso está a dar-se cumprimento àquele antigo; entendido ele, lucidamente, como não podendo ser respeitado ao menos sem uma justificação das grandes linhas de política económica que, afinal; são as que presidem à política financeira a seguir no ano de1974.
Acarta-se desta maneira o passo com o estilo do IV Plano de Fomento. E se é certo não ter sido possível ainda este ano apresentação do projecto anual da execução do Plano, certo é também que, na justificação agora apresentada, se sente que as grandes linhas do mesmo Plano se acham presentes. Neste momento, desejava, e para já, assinalar a preocupação de intervir na redistribuição de rendimentos, através da substancial subida da taxa do imposto complementar até um limite de 70% para es réditos mais altos, bem como da do imposto profissional até 20% dos ganhos líquidos suportares a 720 contos. É que, neste último caso, se ajuda até a corrigir um sofisma fácil, que pode ser o de o trabalho figurar em precentagens crescentes na composição do rendimento nacional graças às retribuições excessivas de alguns privilegiados.
O Sr. Ávila de Azevedo: - Muito bem!
O Orador: - Mas a matéria que mais vivamente pretendia assinalar é a que consta do capítulo V da proposta e que se desenvolve dos artigos 16.º a 21.º
É aqui que a indução do IV Plano é evidente- até porque expressa -, traduzindo uma sintonia com este documento, na medida em que foi possível fazê-la. Por outro lado, a proposta em causa já nos deixa o esquema do que virá a ser o programa de execução do Plano para-1974...
Quer dizer:
a) Por um lado, a Lei de Meios insere-se - quanto à política económica enunciada nas directrizes do IV Plano (cif. artigo 2.º, n.º 1);
b) Mas é ela, Lei de Meios, que por seu turno dá ao Governo as directrizes para o programa anual de execução do mesmo Plano (artigo 16.º,- n.º 4), isto, entenda-se, no que respeita aos objectivos metropolitanos.
È esta última parte que, desejavelmente no próximo ano, e ao menos no que respeita à metrópole, já poderá vir a traduzir-se, em termos mais concretos, numa efectiva base dimensionada para o programa anual de execução do Plano de Fomento. Fazemos nossos, desta maneara, os votos expressos nesse sentido pela Câmara Corporativa.
Como especialidade desta rubrica da intervenção do Estado na ordenação do processo de desenvolvimento económico e social assinala-se, pelo seu elevado interesse, a execução de programas autónomos de investimento.
Estes programas, diz-nos o artigo 21.º da proposta, são de promover para além dos investimentos públicos incluídos no programa anual do IV Plano, ou no âmbito dele.
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Daqui se tirada ideia (e nele não estamos com a Câmara Corporativa, em seu comentário ao artigo 10.º da proposta), de que os programas autónomos podem coincidir com os programas constantes do projecto do Plano (onde aliás, este qualificativo de «autónomo» lhes não é dado), mas podem também dizer respeito a outras actividades.
Igualmente se fica. a saber que aqueles «programas autónomos» passam a ficar sob o controle desde a aprovação até todo o acompanhamento - do Ministro das Finanças, além dos departamentos interessados.
O intuito do lançamento destes programas autónomos é, confessadamente, o de experimentar, no sector público, novos processos de gestão, designadamente importados das empresas privadas (cf. n.ºs 9, 16 e 17, a pp. 139 e 143-144). Trata-se, portanto, de por via de certas acções de fomento, ou outras, ensaiar, afinal, um novo estilo, que se prevê mais eficaz, de actividade administrativa!
Quer dizer: Neste aspecto, a «intervenção do Estado no processo de desenvolvimento» apresenta-se como quê invertida: ela aparece como um simples meio de conseguir um certo fim - o qual, no caso, vem a ser o de melhorar experimentalmente os métodos de trabalho da Administração.
Nos termos do relatório da proposta, um desses «programas autónomos de investimento» refere-se ao fomento pecuário no arquipélago dos Açores.
Quanto a este ponto, parece não haver lugar a dúvidas: trata-se de matéria já prioritariamente inscrita no projecto do IV Plano de Fomento (vol. I, p. 247), visando até, em termos quantitativos, a duplicação das produções de carne e leite (vol. cit., p. 367).
Consagra-se, desta maneira, o que tem sido defendido quanto às raças de bovinos a criar preferencialmente no arquipélago, as quais devem orientar-se no sentido de um dual purpose, conforme medidas e empreendimentos a seu tempo propostos através da Comissão de Planeamento Regional.
Julgamos saber terem já sido destinadas verbas importantes para esta finalidade. Esperemos agora que os departamentos interessados no caso, as Intendências de Pecuária de cada uma das três Juntas Gerais- correspondam, em eficiência e dinamização, a um tempo dos seus serviços e do sector privado, a esta oportunidade que lhes é facultada, mas que as vai pôr à prova simultaneamente em vários níveis.
Este impulso dado à pecuária açoriana tem de entender-se como um primeiro passo para uma realidade maior.
É que vai incrementar-se a produção de matérias-primas, tirando, aliás, partido de condições ecológicas que toda a gente devia, saber (se não sabe) serem excepcionais.
Mas estas matérias-primas de alta qualidade (e penso, agora só na carne) não podem continuar à mercê de importadores continentais com poucos escrúpulos; não podem continuar a beneficiar marginalmente industriais oportunistas, nem os proprietários do solo, que até agora tiram partido de uma sobrevalorização nascida da debilidade dos outros sectores produtivos (a terra nos Açores é mais cara que a da Holanda e que a do vale central da Califórnia) e de uma- fiscalidade sonolenta.
Fiscalidade sonolenta, insisto, que se arrasta há uma geração, na dependência dos trabalhos do cadastro geométrico - os quais (como já foi preconizado) bem
podiam ser executados por- empreitadas, com custos afinal mais baixos e rápido aumento dos réditos fiscais. Por causa da debilidade dos restantes sectores produtivos é que as matérias-primas cuja produção se vai decisivamente estimular precisam absolutamente de ser industrializadas no arquipélago, como, aliás, vem expressamente previsto no Plano (vol. i, p. 367).
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E, para inteira valorização dos produtos acabados, é de pensar desde já no seu lançamento no mercado internacional (Plano, vol. cit., p. 228).
Pode ser esta uma tarefa de muito interesse para uma sociedade de desenvolvimento regional.
O arquipélago dos Açores era formado por ilhas desertas que os navegadores portugueses descobriram no século XV.
Daí por diante, já povoado por gente nossa, o arquipélago continuou a ser descoberto.
No século XVI foi descoberto pelos espanhóis, pelos ingleses e pelos franceses, na disputa da hegemonia dos mares.
No século XVII foi descoberto por todos os piratas do Atlântico.
No século XVIII foi descoberto ... pela centralização pombalina e pelos engajadores de emigrantes.
No século XIX foi descoberto pelos ingleses importadores de laranja e pelos que exploravam os apoios à navegação a vapor.
No século XX está a ser descoberto por todo o mundo. Desde os japoneses e os coreanos, com os seus pesqueiros vindos do outro hemisfério, até aos norte-americanos, com as suas forças armadas e as suas empresas multinacionais.
À Nação compete agora, mais do que nunca, mostrar-se consciente e à altura das riquezas que ali tem. Valorizando-as. Não as desgastando. Dando-lhes oportunidades de aproveitamento inteligente. Encurtando as distâncias físicas, mentais e económicas que ainda separam o continente do arquipélago, para uma verdadeira integração, que já está traçada nos textos, mas ainda não se deu como é urgente que venha a dar-se.
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Mário Moreira: - Sr. Presidente: O modo como este ano vem estruturada a apresentação da proposta de lei de autorização das receitas e despesas para 1974 foi mais uma motivação, e forte, para que decidisse vir a esta tribuna a fim de sobre ela fazer algumas considerações. E digo foi motivação forte, pois que aparece, segundo suponho, pela primeira vez numa forma razoavelmente integrada da acção do Estado para o ano de 1974 e articulada também, se bem que só dê certo modo, com o conteúdo do projecto do IV Plano de Fomento, o que é de aplaudir francamente.
Embora já tenha sido aqui dito por diversos oradores, e eu próprio, de certo modo, a isso me referi na intervenção que fiz a propósito da discussão na generalidade da proposta de lei referente à organização do IV Plano, considero oportuno reforçar desde já uma ideia: a de que há que coordenar, efectivamente a elaboração das leis de meios para os próximos anos com
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a directriz do Plano de Fomento e, particularmente, com a elaboração dos programas anuais da execução do mesmo. Na medida que importa ser realista, compreende-se que este ano não tenha sido possível publicar ainda o programa de execução do Plano para 1974. Entendo, no entanto, que para o ano já seria desejável - diria mesmo que esta Câmara haveria de insistir nesse sentido- que a apresentação da proposta de lei de autorização das receitas e despesas fosse precedida da publicação, e por que não até da discussão neste plenário, do programa de execução do Plano para 1975.
Na verdade, e embora seja -, evidentemente impossível dispor nessa altura de muito mais informações acerca do andamento da economia e das finanças portuguesas e da execução do Plano, do que nesta altura em relação ao ano corrente, a disponibilidade do programa permitiria avaliar com mais conhecimento de causa a adequação das políticas financeira e monetária que a proposta de lei de meios em si encerra. Penso que, embora a Lei de Meios não possa desprender-se do seu carácter conjuntural, cada vez mais haverá que procurar inseri-la, numa óptica estrutural, dentro da directriz dos planos a médio prazo.
Creio que só assim se poderá tirar com coerência e determinação partido máximo do. Plano, da lei de meios e das estruturas, e até motivar pela informação e participação os agentes económicos e camadas cada vez mais vastas da população. Creio, aliás, que esta motivação quanto ao acompanhamento da execução do Plano e da vida económico-financeira do País, além de ir consciencializando e, portanto, convidando à colaboração activa mais gente progressivamente mais válida, poderá ser amplo factor para se atingir com sucesso o. objectivo que se pretende atingir o desenvolvimento económico-social participado de Portugal e dos Portugueses.
Da leitura da proposta de lei, do panorama das economias portuguesa e mundial, da actividade financeira do. Estado, dos propósitos da intervenção do Estado no processo do desenvolvimento económico e social em 1974 e ainda do parecer da Câmara Corporativa saltam-me ao espírito alguns aspectos que irei comentar, sem qualquer pretensão de os esgotar, nomeadamente os relacionados com a actividade industrial e comercial, os projectos autónomos, a política social, a reforma fiscal, as infra-estruturas e a política regional.
A vida industrial em Portugal neste primeiro ano completo da vigência do acordo com a C. E. E. vem-se caracterizando, apesar de algumas vicissitudes que adiante referirei, de um modo geral, por .uma actividade a nível elevado de utilização das capacidades disponíveis, mercê de uma. procura interna e até externa elevada. As exportações, particularmente, tiveram um incremento muito significativo, para as quais o sector industrial teve larga contribuição. Mas também as importações, não só de bens de equipamento como de bens de consumo duradouros, e outros, continuam a crescer a ritmo elevado, o que levou o Governo, nas suas intenções de intervenção, a afirmar a necessidade da «adopção de uma adequada política das importações, susceptível de, simultaneamente, evitar, no que respeita à balança comercial, desequilíbrios profundos de difícil recuperação e de assegurar selectivamente uma importação capaz de complementar a oferta interna de bens [...] e satisfazer as necessidades em formação de capitais [...], contribuindo a mais, longo prazo para a supressão de «algumas das deficiências da referida oferta interna.»
Quanto a este aspecto é feita larga referenda no relatório. da proposta de lei à institucionalização da Comissão dos Equipamentos Pesados, que poderá contribuir fortemente pana uma melhor utilização das nossas capacidades. Há que acautelar, no entanto, a sua competitividade interna e externa. Para a primeira, o possível passo a dar será a programação antecipada dos investimentos, a concessão de financiamentos a longo prazo, como se se tratasse de exportações, e talvez até a consideração de se impor certo recurso à indústria nacional para os empreendimentos privados que venham a figurar no Plano. Embora correndo o risco de me respeitar, insisto na necessidade de a programação de investimentos considerada para os equipamentos pesados abranger outros campos onde se abrem amplas perspectivas de colaboração pana grande número de empresas nacionais. Oito particularmente a necessidade absoluta de continuar com a acção da programação dos equipamentos para as forças armadas, procurando tirar partido industrial de um mercado que mesmo em tempos de paz é sempre vultoso e cobiçado.
O Sr. Almeida Garrett: - Muito bem!
O Orador: - Parece-me que na nossa situação actual se trata até de uma questão de segurança.
É natural que as exportações devam ser incrementadas e que o Governo preveja nos seus propósitos acções de apoio através de diversos meios ao seu alcance Fundo de Fomento de Exportação, contratos de desenvolvimento para exportação, etc. Creio, no entanto, que haverá que ter certo cuidado com a natureza de algumas das indústrias que têm manifestado forte índice de crescimento na exportação, mas que pela sua natureza têm um valor acrescentado de demasiado trabalho intensivo e de baixo coeficiente de investimento. Tratando-se, sobretudo, de indústrias controladas do estrangeiro e que nos seus países exercem praticamente toda a actividade de investigação e comando do marketing, são bastante vulneráveis a uma mudança brusca das condições laborais relativas nas várias paragens do Globo.
Refere também o (relatório do projecto de lei que a abertura de espaços económicos, resultante dos acordos com a C. E. E., além de facilitar a circulação de mercadorias aumenta a tendência da fixação local de muitas filiais de empresas estrangeiras bem organizadas. Creio que se trata de facto, irreversível contra o qual se não poderá lutar por acções restritivas e a que só uma acção conjugada e construtiva das empresais portuguesas mais válidas poderá constituir resposta.
Por outro lado, creio que para se poder progredir na indústria e absorver excedentes de mão-de-obra teríamos de aceitar a instalação de empresas estrangeiras que queiram efectivamente investir: em novos sectores e actividades, produzindo e acrescentando valor, não só para o mercado interno, como para a exportação. Tal como se passa nos outros países, haverá que exercer um controle eficaz, mas que pelo peso excessivo da burocracia não afugente quem queira de facto vir colaborar no nosso desenvolvimento.
O Sr. Almeida Garrett: - Muito bem!
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O Orador: - Em sentido convergente sé encontra, aliás, a intenção do Governo de «prosseguir os estudos no sentido de preparar, projectos de unidades industriais;, cuja realização possa representar a abertura de uma nova fase no desenvolvimento dia indústria nacional, bem como acções específicas de apoio a iniciativas de fusão e agrupamento de empresas ou qualquer outro tipo de iniciativas que se reconheça de interesse para o desenvolvimento do sector industrial!». Suponho que não será difícil encontrar sectores adequadas. Mas espero que se caminhe rapidamente e com decisão. No que respeita a infra-estruturas de apoio, espero que os centros técnico do metal, da madeira e da cerâmica (e outros que se prevê venham a ser criados em breve) tenham um arranque auspicioso e contribuam de facto para o auxílio às médias e pequenas empresas, não só para as situadas nos grandes centros.
De saudar também o anúncio da prossecução da preparação dos bancos de dados e das matrizes inter-sectoriais, tão necessárias, juntamente com as restantes ferramentas estatísticas e de avaliação da conjuntura para uma conveniente gestão dos diversos sectores industrial.
Sr. Presidente: Fui até este momento talvez demasiado optimista quanto à situação da indústria e, de um modo geral, quanto à nossa economia e sua evolução a curto prazo. Com efeito, se o índice de actividade tem sido elevado, têm-se verificado, particularmente nos últimos meses, e até especialmente nas últimas semanas, fenómenos bem preocupantes, desde as pressões inflacionistas endógenas e exógenas à escassez de muitas matérias-primas básicas, e especialmente à crise aberta da energia originada pela escassez do petróleo. A dificuldade de previsão da evolução da situação requererá, evidentemente, um máximo estado de alerta e uma capacidade de acção a curto prazo, embora sem precipitações nem pânico. Creio que nesta difícil conjuntura esta Assembleia não deixará de acompanhar com todo o interesse a situação e a sua evolução. Impõe-se, naturalmente, uma ampla e mais completa possível informação por parte dos responsáveis e uma colaboração activa dos diversos sectores da economia e do público em geral. Não é certamente com reacções do tipo das manifestadas com o abastecimento da gasolina, e algumas que por menos visíveis poderão até ter consequências bem mais perigosos, que nos dignificamos como povo e que resolveremos os problemas.
O Governo terá d)e estar bem atento e não hesitar em tomar certas medidas coerentes para procurar conter aquela evolução dos custos que se revista de um. efeito de propagação amplificada. Ainda quero crer - que, insistindo numa informação objectiva e clara, não deverá ter receio de aplicar, se for absolutamente necessário, algumas medidas drásticas e aparentemente impopulares,
Quanto à indústria nacional, ainda, por outro lado, a hesitação de aplicação de certas medidas realistas quanto à fixação de certos preços de materiais básicos sujeitos a controle governamental podem contribuir para a criação de situações de carência especulativa - de efeito bem maus grave do que o ajustamento dos preços dentro de uma salutar economia do mercado - e de uma tendência para uma armazenagem excessiva de aparente segurança que conduzirá, por sua vez, a
uma acrescida pressão sobre os preços e a uma acrescida escassez. Poderá, influenciar-se negativamente, até, a liquidez da banca.
O Sr. Almeida Garrett: - Muito bem!
O Orador: - Se é certo que nos países estrangeiros, e particularmente nos que a nós estão associados na C. E. E., houve, até agora, de um modo geral, situações de conjuntura sobreaquecida e que precisamente essa situação,(que alguns, governos estavam a tentar combater) tem contribuído para a pressão sobre os preços dos produtos importados, não restam dúvidas de quê os efeitos da crise de energia (e não só) poderão provocar alterações bruscas de efeito imprevisível, pela incidência sobre os diversos sectores e até países afectados.
Carência de alguns produtos químicos básicos derivados do petróleo que conduzam os governos ou até as empresas produtoras a limitar as exportações, por um lado, quebras na procura de. outros bens resultantes do desemprego real ou latente, por outro, poderão provocar a falta de abastecimento de alguns sectores industriais e uma concorrência agressiva noutros.
Difícil é também de prever a situação da oferta de mão-de-obra nos próximos tempos. Para já, parece que o afluxo emigratório tenderá a atenuar-se (pelo menos para a Alemanha e a Holanda). Regresso maciço de emigrantes não creio que haja, a não ser que a situação de deteriore catastroficamente, mas já não me repugna aceitar que possa haver sério retrocesso nas «remessas» de dinheiros como consequência de se reduzir o trabalho extraordinário e até, transitoriamente, o horário semanal em alguns países da Europa. Isto, somado ao maior custo das matérias-primas a importar, não deixará de afectar possivelmente a nossa balança de pagamentos.
Nos aspectos fiscais que afectam as empresas, e para além da regulamentação da Lei de Fomento Industrial, saudasse a proposta respeitante à redução dos encargos com as mais-valias na incorporação de reservas em capital. É instrumento útil para o reforço do capital fixo das empresas. Espero que, quando da respectiva regulamentação, se fixem regras bem claras que abranjam muito amplamente as empresas, pelo menos todas as que tenham escritas devidamente organizadas.
Quanto ainda a infra-estruturas de apoio, e particularmente para o Norte e para além da melhoria urgente das condições de funcionamento dos portos de mar, chamo á atenção urgente para o deficientíssimo funcionamento dos sistemas de telecomunicações. Constituem verdadeiro estrangulamento, além da qualidade das comunicações e de diafonias constantes, que até são perigosas.
Vozes: - Muito bem!
Ó Orador: - No plano social as intenções de intervenção do Estado referem-se especialmente à repartição dos rendimentos, à promoção de equipamentos sociais e ao emprego. Referir-me-ei apenas ao primeiro e ao último.
Quanto ao primeiro ponto, pretende o Governo, dentro, aliás, da directriz do Plano de Fomento,
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prosseguir, «tão aceleradamente quanto as circunstâncias lho permitam, uma política de mais equitativa repartição dos rendimentos formados na economia». Não posso deixar de manifestar o meu completo acordo quanto a este aspecto, chamando, no entanto, a atenção para a necessidade de, de facto, se estabelecerem políticas concertadas. É certo que a participação do factor trabalho no bolo tem de crescer, mas não o é menos que haverá que promover o aumento da produtividade, a não excessiva deterioração do mercado de emprego e ainda a contenção, por parte dos sindicatos, de certas reivindicações simultâneas às de incrementos salariais e conducentes a reduções sensíveis da capacidade das empresas e da produtividade. Creio, em contrapartida, que há que prosseguir na promoção e aperfeiçoamento dos mecanismos da contratação colectiva e numa maior participação dos diversos intervenientes (trabalhadores e entidades patronais) na mesma. Para uma segurança adicional do emprego, entendo que seria conveniente prosseguir rapidamente com o estudo dos mecanismos de um verdadeiro seguro do desemprego. Reconheço a delicadeza do problema, mas creio que ao mesmo tempo que daria aos trabalhadores uma segurança a que em condições normais deverão ter direito, desoneraria as empresas individualmente de encargos que em épocas de crise ou reestruturação poderão pura e simplesmente significar a sua ruína. Acresce que a reivindicação de indemnizações por despedimento muito para além das legalmente fixadas tem tido tendência fortemente crescente.
Finalmente, quanto a este ponto, seja-me permitido fazer um ligeiro comentário ao facto de através da imposição crescente dos rendimentos mais elevados, sobretudo dos do trabalho, se procurar uma maior redistribuição dos mesmos. Salvo melhor opinião, creio que essa redistribuição se deveria operar na base, isto é, através dos próprios níveis de remuneração. Ousaria até sugerir ao Governo que, na mesma medida que a Câmara Corporativa sugeriu, e bem, em meu entender, o aumento da base da isenção do imposto profissional, o mesmo se deveria fazer quanto às isenções para efeito do imposto complementar, nomeadamente as respeitantes aos familiares.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Seria, por um lado (e o principal), maneira de concretizar uma política da defesa da família e, por outro, certa actualização das verbas resultantes da inflação.
Quanto às novas bases sugeridas para o imposto complementar, creio que certas críticas que se manifestam acerca do seu elevado nível e consequente desinteresse pelo aforro e investimento se poderá ter algum fundamento perdem muito da sua realidade enquanto existirem acções ao portador.
Mas também creio que seria de pensar, a exemplo do que com algum sucesso se tem verificado no Brasil, em vez de ir progressivamente subindo certas taxas, em permitir a sua redução mais ou menos intensa, desde que os rendimentos sujeitos ao imposto sejam efectivamente aplicados em projectos prioritários ou com cariz marcadamente social ou de bem comum.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Também num aspecto de justiça relativa e até de canalização de poupanças parece-me pouco produtivo fazer incidir impostos excessivos sobre determinados rendimentos quando, e é do domínio público e até está referido na própria proposta de lei e no parecer da Câmara Corporativa, há grande número de operações especulativas (bolsa e imobiliária), cujos rendimentos fogem totalmente ao fisco!
Por outro lado, a situação especulativa da bolsa (talvez a abrandar neste momento) não tem permitido, de facto, uma democratização do capital, pois tem-se verificado que só com elevadas imobilizações se conseguem algumas subscrições.
Quanto aos problemas relacionados com o emprego, reforço as referências feitas quanto à necessidade de prever a criação de mais empresas produtivas e, simultaneamente, concordando com a intenção de intensificação das acções de formação, aperfeiçoamento e readaptação profissionais.
Por se tratar de problema de profundo significado social, é de insistir no programa da construção de habitações sociais e na urbanização. Parece-me que a disponibilidade de projectos modulados de habitações que os serviços dependentes do Fundo de Fomento da Habitação pudessem pôr à disposição dos interessados contribuirá certamente para uma melhoria da qualidade da habitação e até para uma redução do seu custo e possibilidade de industrialização mais racional.
Também os problemas de urbanização e as infra-estruturas urbanísticas, incluindo os abastecimentos de água e energia e o saneamento, deverão merecer atenção espacial. Um apoio técnico mais activo às câmaras municipais sob a forma de fornecimento de alguns projectes Standard para certos equipamentos que acabam por ser repetitivos poderá não só conduzir a uma aceleração na realização dos projectos, mas também a evitar erros resultantes de inexperiência e a reduzir custos.
Gostaria ainda de fazer uma referência a uma inovação constante da proposta de lei. Refiro-me aos projectos autónomos. Na essência, parece-me de aplaudir a óptica em que é abordada a ideia. Mas entendo, que, sem prejuízo, digamos, da gestão autónoma de cada projecto, se não deverão, evidentemente, descurar acções constantes do Plano de Fomento.
A propósito, ouso sugerir, como caso particular que interessaria analisar, para, confirmando-se as conclusões optimistas constantes de relatórios da Comissão de Planeamento da Região do Centro, poder talvez ser considerado como projecto autónomo. Trata-se do plano de aproveitamento do Vouga, com incidência especial sobre a pecuária, com aproveitamento integrado das infra-estruturas de transformação dos produtos já existentes ou a complementar.
O Sr. Homem Ferreira: - Muito bem!
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O Orador: - Sr. Presidente: Vou terminar, renovando o apelo para que a linha que foi traçada na elaboração desta proposta se mantenha e até aperfeiçoe e que possamos para o ano analisar a nova proposta de lei dispondo do programa de execução do Plano de Fomento para 1975.
O Sr. Almeida Garrett: - Muito bem!
O Orador: - Finalmente, é realmente conveniente acelerar o estudo da reforma fiscal, até para harmonização com as legislações dos países nossos parceiros.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Leal de Oliveira: - Sr. Presidente: Novamente me encontro perante V. Ex.ª para, em período da ordem do dia, expressar publicamente, e com o eco que as paredes desta Casa proporcionam às palavras aqui proferidas, o que me foi sugerido pela apreciação da proposta de lei de autorização das receitas e despesas para 1974.
Não o faço sem certa hesitação, já que muito recentemente e em apreciação da proposta de lei do IV Plano de Fomento ocupei o precioso tempo de VV. Ex.ªs, Sr. Presidente e Srs. Deputados, com a apresentação do que então me fora inspirado pelo exame atento, mas, infelizmente, rápido, de tão importante quão volumoso documento governamental.
No entanto, a indecisão que me foi proporcionada não só pelo natural receio de enfadar todos os que benevolamente me escutam, como também pela apreensão de que a minha presença repetida nesta tribuna possa insinuar a todos VV. Ex.ªs que me encontro dotado para, perante tão qualificado areópago, me permitir a textura de considerações sobre assuntos de tão transcendente importância para o País.
Com a máxima humildade posso afirmar à Câmara que os motivos que me trouxeram e trazem a este lugar são essencialmente dois: o de cumprir o mandato que tão confiadamente me foi outorgado pela segunda vez pelo eleitorado algarvio e o de colaborar activa e conscientemente, mas com inteira liberdade de acção e de crítica, com o Governo da Nação num dos períodos mais graves da história portuguesa e, quiçá, da própria humanidade. Razões estas que são suficientes para, mau grado as minhas naturais limitações, me impelirem a cumprir o honrosíssimo dever de aqui falar em nome da população do Algarve, em nome de toda a Nação.
Sr. Presidente: Para V. Ex.ª dirijo os habituais cumprimentos de estima e consideração e que não deixam, não obstante repetidos, de apresentar o cunho de grande sinceridade ao iniciar a exposição que me propus trazer a esta Assembleia sobre a Lei de Meios para 1974.
Sr. Presidente: Antes de iniciar as reflexões já prometidas sobre a lei em discussão posso afirmar que a aprovo na generalidade, congratulando-me por «obedecer aos princípios fundamentais por que se orientaram as anteriores propostas de lei de meãos» e por «inovar fortemente em sua ordenação e no tratamento das matérias».
Não será também desde já descabida a afirmação, até porque a expressei quando apreciei a Lei de Meãos para o corrente ano, de que tenho a maior confiança no responsável peia sua elaboração - S. Ex.ª o Ministro dais Finanças -, a ponto de estar convicto de que se poderá ir mais além do que o articulado explícita e implicitamente obriga.
Porém, não me posso demitir nesta oportunidade de expressar algumas reflexões adentro das minhas possibilidades de crítica (construtiva) a alguns aspectos dia proposta de lei em apreço, já que ela efectivamente irá regular a economia nacional em 1974, com projecções económico-financeiras para os anos seguintes, até mesmo para todo o hexénio da vigência do IV Plano de Fomento.
Para tanto proponho-me, desde já, enumerar as reflexões que a Lei de Meios me proporcionou sem as revestir de roupagens retóricas e supérfulas o que, certamente, tirando brilho e recorte literário à minha exposição, permitirá, em contrapartida, não ocupar a atenção desta Câmara mais do que o estritamente necessário.
Sr. Presidente: Em primeiro lugar, congratulando-me com a decisão governamental de «reduzir substancialmente o déficit de alojamentos e combater a referida deterioração, seguindo três grandes linhas de actuação: incremento da iniciativa pública, orientação da iniciativa privada para redução do interesse social e promoção da melhoria qualitativa da habitação», quero, desde já, afirmar nesta Câmara a grande apreensão que se instalou no meu espírito, e generalizável a todo o Algarve, da tremenda dificuldade que o Governo manifestamente tem de controlar o surto urbanístico que por todo o lado se desenvolve vigorosamente.
Eu sei que o problema não é só algarvio.
Outras regiões, nomeadamente ao sul do Tejo, concretamente na península de Setúbal, sofrem incalculáveis prejuízos pela extrema dificuldade de os serviços públicos acompanharem, por insuficiência dos seus quadros, as solicitações dos que pretendem aplicar os seus capitais e organizações na construção civil.
Gera-se intenso conflito entre o sector privado e os serviços públicos e administrativos.
Os primeiros acusam os segundos de burocracias inúteis, morosidade, critérios de apreciação subjectivos e pouco claros; defendem-se estes, muitas vezes com inteira razão dos seus quadros técnicos serem insuficientes perante o empolamento das solicitações, da falta de anteplanos, planos e projectos de urbanização, ausência de infra-estruturas primárias de esgotos, electricidade, água, etc.
Não posso aqui inclinar-me para qualquer dos lados, até porque ambos possuem razões que os assistem positivamente, mas tão-somente afirmar que nas zonas em desenvolvimento urbanístico acelerado chega-se a situações por vezes caóticas. As construções clandestinas multiplicam-se, o saneamento é descurado, a fiscalização dos serviços públicos não é suficiente e a lei do mais forte acaba por imperar.
Peço deste lugar a S. Ex.ª o Ministro das Obras Públicas que continue a olhar atentamente o problema que ora apresentei adentro da sua competência ministerial.
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A S. Ex.ª o Ministro do Interior solicito também a sua atenção, já que das autarquias locais depende em grande parte o desenvolvimento urbanístico que se- pretende acelerado, mas condicionado ao bem público e proporcionando amplas, e equitativas oportunidades a todos a que ao sector pretendem aplicar o seu trabalho ou capitais.
Há que, em suma, definir e com urgência as grandes linhas de actuação por intermédio de anteplanos, planos e projectos de urbanização.
Há que estruturar devidamente os serviços que interferem no sector.
Há que exercer ampla, eficiente e severa fiscalização no sentido de se eliminarem as prevaricações tão frequentes na construção civil e no urbanismo que leva certas camadas populacionais a afirmar que para se construir rapidamente qualquer imóvel é necessário iniciar a obra mesmo na ilegalidade, desde que muito rapidamente, pois tem-se quase a certeza de que com maior ou menor número de dissabores se vem a acabar a construção já dentro da ilegalidade.
Não aconteceu assim na Brandoa?
Não como aconteceu como relatei em certos bairros periféricos em Évora?
Não aconteceu daquela forma em certas construções e urbanizações levadas a cabo no Algarve?
Sr. Presidente: O progresso tem sempre o seu preço, e o preço que se está pagando pelo surto espectacular que se opera na construção civil em Portugal nos últimos anos traduz-se precisamente nas desarticulações que enumerei.
Estou, todavia, persuadido, porque conheço e reconheço as qualidades de trabalho e as intenções firmes e persistentes de bem cumprir as espinhosas missões de que foram investidos de SS. Ex.ªs os Ministros do Interior e das Obras Públicas, de que as sequelas que apresentei serão, na medida do possível, eliminadas.
Sr. Presidente: Em relação ao sector agrário, tantas vezes o tenho tratado nesta Assembleia que talvez parecesse desnecessário agora não o focar, até porque muito recentemente aflorei o tema na discussão na generalidade da proposta de lei do IV Plano de Fomento.
Mas não me foi possível deixar, novamente, de o fazer.
O sector agrário nacional é sector problema.
Verifica-se facilmente a veracidade da minha afirmação na emigração descontrolada e vultosa processada no último decénio e alimentada na sua quase totalidade pela população do campo em intenso êxodo rural.
Verifica-se na apreciação da evolução dó produto agrícola bruto a preços constantes, que «acusa tendência para a estagnação ou lento crescimento das produções em que o cálculo se fundamenta» (parecer subsidiário da secção de Lavoura- - Câmara Corporativa, 1973).
Demonstra-se pelas transacções verificadas nos últimos anos no mercado de prédios rústicos, cujos proprietários, empresários ou. não, vão sendo paulatinamente substituídos por entidades ligadas aos sectores secundários e terciários e que ao campo vão buscar a tranquilidade de espírito que ali se desfruta ou a segurança dos seus volumosos e sobrantes capitais.
Contentar-me-ei, nesta oportunidade, em focar três importantes temas agrários:
O crédito agrícola.
A arborização da serra do Algarve.
Fogos florestais.
Em relação ao primeiro dos temas - crédito, agrícola -, ultimamente bastante focado a ponto de para muitos o considerarem panaceia universal paira o tratamento e cura da doença que enferma e estiola o sector agrário, permito-me, desde já, asseverar que é efectivamente arma poderosa, quando bem manejada, para a revitalização da agricultura; mas não suficiente. Assim o julga o Governo da Nação.
Assim também o afirmei na discussão da proposta de lei do IV Plano de Fomento, ao declarar que os domínios prioritários de actuação indicados pelo Governo para a evolução positiva das actividades agrárias e que se desenvolverão nos seguintes aspectos:
Crédito agrário;
Investigação e vulgarização;
Formação profissional;
Fiscalidade;
Associações agrícolas;
Preços dos produtos florestais;
Organização e disciplina dos mercados;
Continuação da extensão ao sector agrícola dos benefícios da Previdência; Reforço da representatividade das organizações profissionais do sector; Utilização dos espaços rurais; são domínios, prioritários mas de igual valência.
O crédulo, só por si, não levará a lavoura a atingir as metas que o Governo e ela própria desejam alcançar.
No entanto, é o crédito uma alavanca poderosa para o progresso do sector- agrário.
Assim o afirma o IV Plano de Fomento, assim o reafirma a proposta da Lei de Meios para 1974, nomeadamente no relevo com que o trata e ao anunciar que o grupo de trabalho sobre crédito agrícola, constituído por despacho de 9 de Outubro de 1972, já tinha apresentado superiormente um relatório com as modificações achadas convenientes e mais acertadas a introduzir nos mecanismos existentes e nas disposições legais em vigor.
Aguardemos serenamente que surja, e quanto mais depressa melhor, a esperada revisão da legislação sobre crédito agrícola, que envolverá certamente o crédito fundiário e o crédito de exploração, os prazos, taxas de juro e garantias, os títulos de crédito, as categorias de beneficiários (cooperativas, agricultura e grupo, associações de empresas e empresas agrárias), a articulação com subsídios, obrigando a revisão da organização e das instituições do crédito, tendo em vista, nomeadamente, a adaptação dos diversos fundos existentes e das caixas de crédito agrícola mútuo em sistema moderno e unificado, com ò seu campo definido em relação ao sector agro-pecuário e florestal, no que se refere à avaliação de planos e análise de projectos, ao controle da execução do que for aprovado e à captação de poupanças dos agricultores.
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Mas, Sr. Presidente, a reforma que se espera no crédito agrícola só será eficaz se efectivamente toda a Secretaria de Estado da Agricultura sofrer paralelamente a reestruturação já prevista a nível governamental e que tão recentemente -aquando da discussão da proposta de lei do IV Plano de Fomento - considerei imprescindível para o arranque que o sector agrário necessita e irá certamente sofrer no próximo hexénio.
Sr. Presidente: A necessidade mais do que evidente da reforma e actualização do crédito agrícola e das instituições- que o vêm a praticar, que perfilho totalmente, permite-me lembrar neste lugar e até felicitar os organismos que a ele se têm dedicado, nomeadamente a Junta de Colonização Interna, organismos de coordenação económica, Fundo de Fomento Florestal e tantos outros que não valerá a pena ditar.
Efectivamente, a lavoura, com maior ou menor dificuldade, tem obtido créditos naqueles organismos cujas estruturas, não obstante .pouco terem evoluído desde a sua fundação, têm permitido aos empresários agrícolas que a eles recorrem a reconversão das respectivas explorações.
A Junta de Colonização Interna, por exemplo, desde 1947 até ao 3.º trimestre de 1972 financiou, por intermédio da Lei de Melhoramentos Agrícolas, 59 680 empreendimentos, no montante de 2 800 000 contos. Talvez seja também útil .aqui referir que tanto aquele organismo estatal como agora o Fundo de Fomento Florestal praticam modalidades de crédito florestal a todos os títulos excepcionais.
Com efeito, à guisa de exemplo, posso citar o caso da Junta de Colonização Interna, que até muito recentemente (agora o crédito florestal está afecto sómente ao Fundo de Fomento Florestal) financiava as arborizações florestais ao juro d» 4,5 % ao ano com amortização do capital e juros a efectuar sómente após o início do respectivo rendimento.
Para terminar as considerações que venho formulando neste particular, renovo as esperanças na urgente promulgação das reformas anunciadas, não só em relação ao crédito agrícola como também a referente à Secretaria de Estado da Agricultura, com a afirmação muito sincera de estar convicto de que SS. Exas. o Ministro da Economia e o Secretário de Estado da Agricultura não pouparão os seus esforços na prossecução de tão importantes medidas.
Outro ponto que me chamou a atenção na Lei de Meios foi a intenção governamental, bem expressa no seu texto, da intensificação do apoio à florestação da propriedade privada, o que, aliás, se integra na política florestal indicada no projecto do IV Plano de Fomento.
Neste assunto e em aditamento aos comentários que formulei aquando da discussão do IV Plano de Fomento sobre a arborização da serra do Algarve, muito me alegrou o recente conhecimento de que o Fundo de Fomento Florestal, no seu contributo para o referido Plano, elaborou um projecto para a arborização daquela zona diminuída e a desertificar-se do Sul do País.
Segundo o referido projecto, «a beneficiação florestal e silvo-pastoril concentrada a levar a efeito na serra do Algarve, com vista à sua reconversão agrária - etapa fundamental e imprescindível de um desenvolvimento futuro», e com prioridade da sua parte ocidental,- beneficiará cerca de 32 200 ha durante o vigência do IV Plano.
A florestação será baseada em eucaliptos, pinheiros e sobreiros, computando-se em 149 690 contos o investimento total durante o próximo hexénio, e assim escalonado:
[Ver Quadro na Imagem].
Espero e desejo que o projecto para a arborização da «serra» do Algarve seja cumprido na íntegra ou até, se viável, amplamente excedido.
Espero e desejo que as populações atingidas dêem o apoio indispensável a tão importante empreendimento.
Estou certo de que a novel Corporativa Florestal do Barlavento Algarvio cumprirá, em estreita colaboração com o Fundo de Fomento Florestal, a missão que lhe competir.
Sr. Presidente: É já lugar-comum a afirmação de que Portugal metropolitano possuí potencialidades mais de índole florestal que agrícolas.
Assim o é realmente, já que cerca de 72 % da sua superfície não apresentam vocação agrícola.
Todavia, a área florestada é reduzidíssima - 2 983 834 ha -, ou sejam, cerca de 33 % da superfície total da metrópole, e permanentemente sujeita não só à destruição pelo fogo, como à exploração indiscriminada pelos seus utentes.
Em relação aos fogos, está na memória desta Câmara os que deflagraram este ano, nomeadamente o que mutilou o Parque do Geres e que só após oito dias de intensa luta foi considerado extinto.
Quem já se esqueceu do fogo que em Setembro consumiu extensa zona entre a cidade da Guarda e Celorico da Beira? E aquele que martirizou as matas de Arouca, devorando milhares de árvores durante alguns dias, desde o rio de Frades (Cabreiros), pondo em risco casais isolados e pequenas povoações das zonas de Penamarela, Pedrógão e Moldes e, mais tarde, de Vilhão e Cabreiras, Ribeira, Janarde, Silveiras, Carvoeiro e Telhe?
Pois foi-me muito grato verificar que um dos programas autónomos que o Governo pretende lançar este ano, a fim de «dinamizar certas formas de actuação do sector público, recorrendo a técnicas modernas de gestão», trata precisamente do combate a incêndios florestais.
A título de exemplo demonstrativo da urgência de tão importante iniciativa estatal e tendo em análise sómente os fogos detectados nas matas do Estado, verificou-se a ocorrência, nos últimos sete anos, de cerca de 113 fogos, média anual, que abrangeram cerca de 2200 ha, também média anual, ou sejam, cerca de 0,6% da área total arborizada.
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[Ver Quadro na Imagem].
Faço votos pelo êxito do programa e congratulo-me com a intenção do Governo, pois não estava certa, estava mesmo errada a reduzida eficácia por razões infra-estruturais do combate aos incêndios florestais, principalmente nas. matas privadas, do que resultava intensa delapidação, de cálculo muito difícil, mas real, do nosso património florestal.
Outro capítulo da proposta da lei de meios, de grande e evidente transcendência para a economia nacional no próximo ano, é o que se ocupa da política governamental de parques industriais.
Mais uma vez felicito o Governo da sua intenção de levar por diante o projecto do parque-piloto de Braga-Guimarães, do mais alto interesse para a economia do País e da região macrocéfala do Porto e arredores, e de incrementar «os estudos e acções conducentes à construção daquele parque e à definição das normas e meios promocionais de outros parques, sejam eles de iniciativa pública ou privada».
Mas novamente apelo nesta Casa ao Governo pana «que o pólo de desenvolvimento industrial Faro-Olhão venha a ter prioridade semelhante ao parque-piloto da zona de Braga-Guimarães», já que, «se tal não suceder, o Algarve estagnará em todos os sectores económicos, com excepção do turismo, que, no entanto, acabará também por sofrer os inconvenientes de se processar numa região votada ao desenvolvimento regional desequilibrado».
Sr. Presidente: Não resta dúvida de que a Lei de Meios para 1974 é realmente um manancial de meditações, o que muito honra o seu principal obreiro e responsável, S. Ex.ª o Ministro das Finanças, Dr. Manuel Coita Dias, a quem
O que farei, se V. Ex.ª mo permitir, sómente depois de tecer algumas considerações num assunto assaz controvertido, mas que para mim, adepto do Estado Social tão (lucidamente definido por Marcelo Caetano, e convicto da necessidade de equilibrada repartição das riquezas criadas para o justo processamento da justiça social em curso, me parece claro e exequível.
Com efeito, não era possível deixar de me referir à alínea é) do artigo 12.º do capítulo IV «Política fiscal», que permitirá ao Governo «elevar até ao máximo de 70 % as taxas do imposto complementar, secção A, aplicáveis às fracções do rendimento acima de 1 000 000$».
Sr. Presidente: Como não poderia dar o meu voto de concordância a tão justa determinação se, em 1972, aquando da discussão da Lei de Meios para 1973, afirmei interrogativamente se:
Não seria altura de se aumentar, e até com mais progressividade, o imposto complementar a partes do montante em que o referido imposto se mantém à taxa constante de 55%?
Baseei-me na oportunidade para solicitar o referido aumento nos comentários insertos no parecer sobre as contas gerais do Estado de 1970, que novamente transcrevo:
Há 581 rendimentos superiores a 1000 contos e 134 superiores a 2000 contos.
As quantias recebidas são, na verdade, grandes.
Assim, por exemplo, nos rendimentos superiores a 5000 contos, que são 15, o total eleva-se a 248403 contos.
Neste caso houve uma grande diferença de 1969 para 1970. No primeiro ano os rendimentos superiores a 5000 contos foram 10, no quantitativo de 59 041 contos. A média era um pouco superior a 5000 contos.
Em 1970 o número de rendimentos aumentou para 15, mas o seu quantitativo atingiu 248403 contos. O rendimento médio seria de 16 660 contos, o que não parece representar uma cifra correcta. É de estranhar esta grande subida nos rendimentos, acusada pela estatística.
«De um modo geral, deve dizer-se», afirma-se no citado parecer, «que parece ser baixa a taxa do imposto complementar».
Não foi possível em 1972 elevar-se a taxa do imposto complementar para os escalões dos rendimentos mais elevados até porque a Lei de Meios para 1973 não o considerou e a Assembleia não teve oportunidade de o fazer.
Parece-me, todavia, coerente com a política do Governo enformadora do Estado Social alinharmos com o articulado da alínea e artigo que comento a fim de se «prosseguir, tão aceleradamente quanto as circunstâncias [lhe] permitam, uma política de mais equitativa repartição dos rendimentos formados na economia».
Acresce ainda, Sr. Presidente, o que confirma a acuidade do problema, que o panorama retratado pela Comissão Parlamentar que estudou as contas gerais do Estado de 1970 sofreu forte alteração em 1971 por empolamento em número de contribuintes e dos montantes dos seus rendimentos.
Com efeito, em 1971 o número de rendimentos superiores a 1000 contos subiu de 581 para 617 e os superiores a 2000 contos de 134 para 344.
No entanto, é no escalão dos rendimentos superiores a 5000 contos que se nota maior diferenciação.
Em 1969 existiam sómente 10 contribuintes com o rendimento colectável global de 59041 contos e com a média por contribuinte de 5904,1 contos; em 1970 surgiram 15 contribuintes cujo rendimento colectável global atingia o montante de 248 403 contos, com a
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média por contribuinte de 16560 contos; e, em 1971, 17 contribuintes, cujo rendimento colectável global é de 262-526 contos, sendo a média por contribuinte de 17 017 contos.
Verifica-se assim que de 1969 a 1971 não só aumentou o número de contribuintes com o rendimento colectável superior a 5000 contos, como o seu rendimento médio triplicou de 5904 contos, em 1969, passou para 17017 contos, em 1971.
Sr. Presidente: Do exposto parece-me que com mais forte razão está certa a afirmação da Comissão Parlamentar das Contais Públicas, expressa ao emendar as contas de 1970, que novamente transcrevo, por actual:
De um modo geral deve dizer-se que parece ser baixa a taxa do imposto complementar.
E certa também me parece estar a intenção governamental de «elevar até ao máximo de 70 % as taxas do imposto complementar, secção A, aplicáveis às fracções de rendimento acima de 1 000 000$».
Assim sim.
Assim estamos coerentes com a doutrina que enforma o Estado Social.
Assim atingiremos os objectivos expressos no projecto do IV Plano de Fomento, nomeadamente o alcançar-se «mais equitativas repartições dos rendimentos» para «a promoção do bem-estar e do progresso: social das populações». Em relação à política fiscal, uma palavra ainda para me congratular com a prevista revisão do sistema fiscal português, já que considero, como afirmei! nesta sala, e por várias vezes, e lendo em atenção o imposto predial que incide na propriedade rústica, que a sua avaliação está desactualizada e enfermando de inexactidões que urge eliminar.
Ao terminar os comentários ao capítulo «Política fiscal»,- ainda ouso proferir mais algumas palavras, para solicitar o que já aqui por duas vezes pedi.
Trata-se da eliminação, que julgo urgente, de um imposto de origem feudal que ainda algumas câmaras cobram dos seus contribuintes: o chamado «imposto de trabalho», artigo 707.º do Código Administrativo.
No Algarve persiste, até agora, em Alcoutim, Aljezur, Castro Marim, Lagoa, Monchique e S. Brás de Alportel.
É necessário encontrar soluções financeiras para que aquelas Câmaras possam prescindir do imposto de prestação de trabalho «por outro, social, e politicamente certo e até, se viável, mais rendoso».
Assim o conseguiu este ano a Câmara Municipal de Tavira.
Assim o conseguirão, espero, os outros concelhos que citei.
Sr. Presidente: Vou acabar com uma derradeira palavra, mas agora de confiança na acção de SS. Exas. o Ministro da Economia e o Presidente do Conselho, com a certeza de que o «Governo acelerará, em 1974, o processo de modernização da administração pública, continuando, entretanto, a promover, no quadro, geral dos objectivos desta última, a melhoria das condições .de prestação de serviços do funcionalismo)).
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Rómulo Ribeiro: - Sr. Presidente: É com profunda e incontida emoção que eu subo peia primeira vez os degraus desta tribuna da Assembleia Nacional. Ao. fazê-lo, não posso, efectivamente, esquecer que neste lugar se ergueram, ao longo dos tempos e na cadeia das gerações, as vozes mais eloquentes da vida política portuguesa.
Demais nos ficaram a riqueza dos ensinamentos e a fulgurância emocionante dos debates. Mas, para além de todo este espólio de grandeza e independentemente das opções políticas dia cada um, o que a minha humilde contemplação mais desvanecidamente assinala nessas personalidades iludires é o alto exemplo da sua devoção à Pátria e o empenhamento total a que se devotaram! e em que se consumiram.
Por isso, Sr. Presidente, ao saudar V. Ex.ª no início desta legislatura e no gostoso cumprimento de uma velha e respeitável tradição, eu quero fazê-lo nem duplo sentido. Por um lado, prestando a minha singela homenagem ao parlamentar arguto e de sobriedade austera, que com tanto brilho e tão fina solicitude tem presidido aos trabalhos desta Câmara. E por outro, cumprimentar na pessoa de V. Ex.ª a memória de todos aqueles vultos ilustres que por este lugar passaram, que aqui lutaram, sofreram e persistiram, e que já agora, libertos da lei da morte, serão para más um exemplo e o facho de esperança na caminhada comum.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Por força do expresso no n.º 4.º do artigo 91.º da Constituição Política da Nação, o Governo apresentou atempadamente à
consideração da Assembleia Nacional a proposta de lei n.º 4/XI, com vista à necessária autorização das receitas e despesas para o ano de 1974.
Acompanhada do respectivo e bem elaborado parecer da Câmara Corporativa, encontra-se agora a referida proposta em discussão no plenário desta Assembleia Nacional, apreciando-se concretamente, neste momento, o seu conteúdo e possíveis incidências na generalidade.
Ora, é sobre alguns aspectos do seu contexto, e respectivo alcance, que me permito abordar umas breves reflexões e contribuir, com a modesta achega destes simples comentários, para a sua meticulosa e generalizada discussão por parte dos Srs. Deputados.
Assim, começo desde já por destacar e aplaudir a expressa intencionalidade do Governo progressivamente acentuada de ano para ano de fornecer à Assembleia Nacional e à Câmara Corporativa um «documento coeso e suficientemente instruído» de toda a problemática económica e financeira da conjuntura anual que se propõe focar. E este aplauso é tanto mais devido e merecido quanto é certo que a
presente proposta significa e concretiza já o fenómeno de uma programação anual da política económica e social do País.
Mas um tal objectivo, para ser completo (como bem anota o parecer da Câmara Corporativa), deverá incluir também elementos, tanto quanto possível bastantes, acerca da evolução económica e monetário-financeira dos vários territórios ultramarinos portugueses.
Na verdade, a conjuntura económica das províncias e Estados de além-mar condiciona consideravelmente - e sempre condicionará - a actividade económica
e financeira do Governo Central. E isto não só pelo
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facto dos encargos com o esforço da defesa nos diferentes territórios mas também por via da natural e cada vez mais acentuada interdependência da vida dos cidadãos e das trocas comerciais entre a metrópole e o ultramar.
Desta feita, na medida em que se procura elaborar uma «lei económica anual», cada vez mais completa na vasta gama dos elementos colhidos e dias soluções perspectivadas e abancando diferentes departamentos da Administração (que não só o das Finanças ou dia Economia), hão podem ficar de fora ou minimizar-se centos elementos informativos dos territórios ultramarinos. Parece-nos até que só assim é possível conjugar todo o complexo de factores actuantes (quando não declivas) no desenvolvimento planificado da economia metropolitana.
Nesta conformidade se louva e se apoda, com incondicional aplauso, o intuito do Governo de apresentar à Nação uma lei programática anual da sua política económica, e social (que não meramente fiscal). Mas neste propósito - e por mercê da sua própria dinâmica - está presente a necessidade de nessa mesma lei se inserirem elementos complementares dias relações metrópole-ultramar.
Como representante do círculo eleitoral de Bragança e do seu povo à Assembleia Nacional, sinto o dever de destacar na proposto de lei em discussão a sua. incidência sobre os sectores produtivos da agricultura, da silvicultura e da pecuária.
Terra pobre, de economia exclusivamente agro-pecuária, as esperanças do seu progresso e as dolorosas ansiedades das suas gentes andam directamente ligadas a possíveis iniciativas tomadas no domínio agrícola.
E tudo está psicologicamente. preparado para se aceitarem reformas de estruturas agrárias, mesmo que choquem com a sensibilidade de muitos e com o enraizado habitat em que nasceram e em que esperariam morrer.
O que é necessário é que a iniciativa de reformas estruturais se processe, que a intensificação do apoio do Poder Central aceleradamente se concretize, que as obras de drenagem e de fomento hidroagrícola vão sendo um facto. Numa palavra, o que é preciso é que a efectivação de quaisquer iniciativas vá depressa, sem deixar abater as últimas esperanças dos que, persistentemente e de dentes cerrados, querem continuar fiéis à região e ligados ao terrunho, que tanto amam.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - É certo que a proposta do Governo se mostra conscientemente preocupada e corajosamente documentada no inventado de iniciativas e de concretizações a satisfazer.
Mas o que se me afigura, aqui* e agoira, como de primordial importância é chamar a atenção do Poder Central piara a necessidade de encarar, prioritária, e rapidamente; todo esse complexo de empreendimentos relativamente à minha região de Trás-os-Montes.
Lá se ensaiaram já, por discernimento esclarecido de alguns dos seus filhos e por aceitação, confiante de todos, os primeiros passos do associativismo agrícola. E isto quer no que concerne à reforma e revigoramento das estruturas, quer no que respeita à criação complementar de certas indústrias, agrícolas, quer ainda no que interessa ao controle do circuito de comercialização dos produtos.
Dentro desta, conjuntura, é de elementar justiça salientar o complexo agro-industrial do Cachão, que, sob a dinâmica e decidida actuação do engenheiro Camilo de Mendonça um dos mais ilustres parlamentares que nos últimos tempos passaram por esta Casa -, se afirmou como um exemplo a seguir e uma realidade a acarinhar.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Assim, com o apoio indefectível do Governo da Nação, em que esperançadamente acreditamos, a difícil lavoura de Trás-os-Montes há-de continuar a sua momentosa tarefa de renovação e de reestruturação, para a salvação da terra, engrandecimento da Pátria e bem-estar da grei.
Saibamos muito bem que o ritmo de crescimento poderá definir-se mais claramente e mais progressivamente na zona do litoral. E sabemos ainda que os pólos de desenvolvimento hão-de continuar a processar-se com mais incentivo e natural atracção nas zonas ribeirinhas, designadamente nos pontos de intenso urbanismo. Mas isto não invalida a certeza da existência das potencialidades adormecidas no vasto território nordestino, nem o facto de esta região vir a afirmar-se, em termos de desenvolvimento, como um elemento determinantemente válido na contextura do todo económico nacional.
De resto, e para além de tudo, o povo que aqui orgulhosamente represento vive, como poucos, na austeridade, da sua existência e na altivez rude da sua afirmação, inserido e envolvido nos alhos e baixos da Nação Portuguesa. E se toda essa gente, que é a minha gente nunca negou ao serviço e à grandeza da Pátria, nem o vigor da sua inteligência, nem o calor da sua fidelidade, nem o próprio sangue dos seus filhos, certo é que sempre teria direito ao tratamento de uma prioridade salvadora, que o mesmo é dizer à solidariedade da Nação que todos somos.
Mais um breve comentário sobre a problemática da administração pública focada na proposta de lei de autorização das reeditas e despesas para 1974.
Diz-se no relatório respectivo:
Portugal está a atravessar um período de particularíssima importância no que respeita à natureza e ao conteúdo da acção a desempenhar pela administração púbica, considerando o Governo que na tarefa da reforma administrativa se joga também o futuro do País.
E nos considerandos que se seguem, o Governo reporta-se ao conjunto hierarquizado dos funcionários, à formação e aperfeiçoamento dos seus quadros e particularmente ao valimento pessoal que lhes deve ser inerente.
Por nós concordamos inteiramente com todas estas afirmações e ilações que o texto da proposta refere.
Mas o certo é que se vive no País um momento particularmente grave, no que concerne ao recrutamento dos funcionários, ao seu complexo e desarticulado astenia de remunerações e ao exercício da própria função.
Todo o mundo sabe e reconhece que os servidores do Estado estão mal pagos e que é lamentável a sua
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216 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 11
situação de inferioridade relativamente a outros empregados de empresas particulares (eu fadaria também em semiparticulares). E até relativamente aos empregados de empresas públicas, e torna-se particularmente chocante que a simples circunstância de um determinado departamento se transformar em empresa pública implicar logo uma melhoria sensível nos vencimentos dos seus servidores. Recordo de memória o caso dos C. T. T. e da Caixa Geral de Depósitos.
É certo que nós temos consciência precisa das tremendas dificuldades financeiras do Estado para cobrir o maus pequeno aumento de vencimentos. Mas não podemos deixar de anotar o dramatismo chocante daquelas situações em que uns melhoram apenas por deixarem de ser funcionários do Estado e outros prosperam e exigem ciada vez mais, simplesmente porque se acoitam ao abrigo de um contrato colectivo de trabalho. Pensarmos que um simples funcionário bancário vence mais que um general das forças armadas, ou que um conselheiro do Supremo Tribunal, é perturbadoramente embaraçante, por mais explicações que se dêm ou razões que se invoquem.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Mas o insólito de tratamento de funcionários relativamente a outros funcionários apresenta-se talvez ainda mais inquietante. Efectivamente, e segundo elementos que nos chegam às mãos, há funcionários que vencem horas extraordinárias, enquanto outros, em idêntico nível de categoria, as não vencem. Há departamentos que reajustam as suas categorias de servidores, consequentando uma melhoria geral no nível dos vencimentos, enquanto outros as mantêm na mesma estagnação de estruturas e de regalias.
Deste desnivelamento e desta desarticulação resulta uma série de consequências que, dia a dia, se vão acentuando e tornando gradativamente deploráveis. É a qualidade do trabalho que baixa, é o carácter dias pessoas que se degrada, é a venalidade e a «gorjeta» solicitada que vão fazendo a sua aparição. Que o digam certas repartições e tribunais, onde a obtenção .de uma certidão ou de uma diligência só se conseguem à custa da gratificação prévia (e muitas vezes estipendiada).
Tudo isto pede reparação e remédio urgente.
Estamos certos de que o Governo no novo ano económico irá continuar a reforma administrativa, melhorando o vencimento dos funcionários e disciplinando convenientemente as suas funções.
Vasto é, sem duvida - e forçoso é reconhecê-lo -, o conjunto de medidas que o Governo tomou neste sector durante o ano de 1973. Mas forçoso é que elas se multipliquem no ano de 1974 e que se articulem designadamente num plano harmónico e de perfeita igualdade entre todos os Ministérios.
Cabe-nos aqui acentuar com a Câmara Corporativa, ao comentar a revisão administrativa:
[...] no quadro daquela revisão, a definição de um adequado Estatuto do Funcionalismo constituirá, ao que tudo leva a supor, um dos termos fundamentais.
Confiadamente, assim o esperamos.
Antes de terminar, Sr. Presidente e Srs. Deputados, seja-me lícito salientar o facto de se haverem inserido já, na presente proposta de lei, providências de conjuntura económica - designadamente sobre as condições orgânicas e funcionais do sistema monetário-financeiro relativas ao IV Plano de Fomento e explícitas no respectivo texto base.
É, pois, o empenhamento sobre os grandes objectivos nacionais daquele IV Plano de Fomento, devidamente estudados, conexionados e planificados, que se pretende iniciar no âmbito da presente proposta de lei. É o começo da dura batalha pelo crescimento económico do País (em termos sobretudo da criação de novos técnicas e da multiplicação de empregos), pela melhoria acentuada do bem-estar e do progresso social do povo -, pela correcção das assimetrias do desenvolvimento global e consequentes compensações em termos de região. É a aceitação do desafio dos tempos.
Desafio que não podemos enjeitar, sob pena de nos negarmos como geração consciente e ao mandato histórico que recebemos. Desafio e batalha que galhardamente enfrentaremos, seguindo, de mãos dadas com a Nação inteira, a política corajosa e lúcida do Governo, com os pés bem fincados no húmus da terra e nas potencialidades da raça, buscando na nossa maneira .própria de estar no mundo e de a
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: Vou encerrar a sessão. Estão ainda catorze Srs. Deputados inscritos para a discussão na generalidade da proposta de lei relativa ao IV Plano de Fomento, e igual número de oradores pretendem intervir na discussão na generalidade da proposta de lei de autorização de receitas e despesas para 1974.
Parece-me, em consequência, preferível consagrar toda a sessão de amanhã à proposta de lei relativa ao IV Plano de Fomento.
Será esta a matéria da ordem do dia para a sessão que terá início à hora regimental e que porventura terá de ser prolongada.
A conclusão da discussão na generalidade da proposta de lei de autorização de receitas e despesas para 1974 espero poder marcá-la para a sessão de quinta-feira.
Está encerrada a sessão.
Eram 0 horas e 5 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Delfim Linhares de Andrade.
Francisco Elmano Martinez da Cruz Alves.
Henrique Veiga de Macedo.
João Duarte de Oliveira.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
José de Mira Nunes Mexia.
José dos Santos Bessa.
Luís Augusto Nest Araaut Pombeiro.
Rómulo Raul Ribeiro.
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12 DE DEZEMBRO DE 1973 217
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Adolfo Cardoso de Gouveia.
Albano Vaz Pinto Alves.
Álvaro Barbosa Ribeiro.
Álvaro José Rodrigues de Carvalho.
Álvaro Mendonça Machado de Araújo Gomes de Moura.
Augusto Leite de Faria e Costa.
Camilo Lopes de Freitas.
Francisco José Correia de Almeida.
Francisco José Roseta Fino.
João Manuel Alves.
Joaquim Emídio Sequeira de Faria.
José da Silva.
Lia Maria Mesquita Bernardes Pereira de Lello.
Manuel Fernando Pereira de Oliveira.
Manuel Ferreira da Silva.
Óscar Antoninho Ismael do Socorro Monteiro.
Sebastião Alves.
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