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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL E DA CÂMARA CORPORATIVA

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 20

ANO DE 1974 31 DE JANEIRO

ASSEMBLEIA NACIONAL

XI LEGISLATURA

SESSÃO N.º 19, EM 30 DE JANEIRO

Presidente: Exmo. Sr. Carlos Monteiro do Amaral Netto

Secretários: Exmos. Srs.
Manuel Homem de Oliveira Themudo
Amilcar da Costa Pereira Mesquita

Nota. - Foram publicados os seguintes suplementos ao Diário das Sessões: ires ao n.º 16, que Inserem, o 1.º, a proposta de lei n.º 5/XI, referente à promoção e defesa do consumidor, o 2.º, a proposta de lei n.º 6/XI, referente ao regime do condicionamento do plantio da vinha, e o 3.º, o parecer da Câmara Corporativa n.º 351 X, referente ao regime do condicionamento do plantio da vinha, e um ao n.º 19, que insere o parecer da Câmara Corporativa n.º 2/X1. referente à criação de secções cíveis e criminais nas Relações.

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 15 minutos.

Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o n.º 18 do Diário das Sessões sem rectificações.
Foi lido o expediente
O Sr. Mário Moreira referiu-se à visita ao nosso país de um grupo de Deputados ao Bundestag, a convite da Associação Industrial Portuguesa.
O Sr. Alberto de Alarcão usou da palavra para abordar problemas do abastecimento de água e seu financiamento.
A Sra. D. Maria de Lourdes de Meneies Oliveira fez considerações sobre a problemática do ensino, no que se refere à província do Algarve.
O Sr. Pinto Castelo Branco referiu alguns aspectos da economia e do desenvolvimento nacional e da actual conjuntura económica mundial.
O Sr. Freitas Pimentel agradeceu ao Governo as providências tomadas com vista às reparações e reconstruções das casas dos sinistrados aquando dos abalos sísmicos nas ilhas do Faial e do Pico, tendo ainda tecido considerações acerca do problema das comunicações nos Açores.
O Sr. Pereira do Nascimento fez considerações acerca de Cabinda, sua economia, condicionalismos próprios e desenvolvimento sócio-económico.

Ordem do dia. - Continuou a discussão na generalidade da proposta de lei acerca do regime do condicionamento do plantio da vinha.
Usou da palavra o Sr Leal de Oliveira
O Sr Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 25 minutos.

O Sr. Presidente: Vai proceder-se à chamada.

Eram 16 horas

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Abílio Alves Bonito Perfeito.
Adolfo Cardoso de Gouveia.
Albano Vaz Pinto Alves.
Alberto da Conceição Ferreira Espinhal.
Alberto Eduardo Nogueira Lobo de Alarcão e Silva.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alda da Conceição Dias Carreira de Moura d'Almeida.
Alexandre Pessoa de Lucena e Valle.
Alípio Jaime Alves Machado Gonçalves.
Almeida Penicela.
Álvaro Barbosa Ribeiro
Álvaro Mendonça Machado de Araújo Gomes de Moura
Álvaro Pereira da Silva Leal Monjardino.
Amilcar da Costa Pereira Mesquita.
António Alberto de Meireles Campos.

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António Azeredo Albergaria Martins.
António Calapez Gomes Garcia.
António Fausto Moura Guedes Correia Magalhães Montenegro.
António da Fonseca Leal de Oliveira.
António de Freitas Pimentel.
António José Moreira Pires.
António Manuel Gonçalves Rapazote.
António Manuel Rebelo Pereira Rodrigues Quintal.
António Manuel dos Santos Murteira.
António Moreira Longo.
António de Sousa Vadre Castelmo e Alvim.
António Victor Ferreira Brochado.
Armando Júlio de Roboredo e Silva.
Armindo Octávio Serra Rocheteau.
Artur Augusto de Oliveira Pimentel.
Assahel Jonassane Mazula.
Augusto Arnaldo Spencer de Moura Braz.
Augusto Domingues Correia.
Augusto Leite de Faria e Costa.
Augusto Salazar Leite.
Camilo Lopes de Freitas.
Carlos Monteiro do Amaral Netto.
Delfim Linhares de Andrade.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Eduardo António Capucho Paulo.
Eduardo do Carmo Ribeiro Moura.
Eleutério Gomes de Aguiar.
Fernando António Monteiro da Câmara Pereira.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Filipe César de Góes.
Filipe José Freire Themudo Barata.
Francisco Domingos dos Santos Xavier.
Francisco Elmano Martinez da Cruz Alves.
Francisco José Roseta Fino.
Francisco Magro dos Reis.
Francisco de Moncada do Casal-Ribeixo de Carvalho.
Gabriel Pereira de Medeiros Galvão.
Gonçalo Castel-Branco da Costa de Souza de Macedo Mesquitela.
Gustavo Neto Miranda.
Henrique Calapez da Silva Martins.
Henrique Ernesto Serra dos Santos Tenreiro.
Henrique Vaz de Lacerda.
Henrique Veiga de Macedo.
Jaime Pereira do Nascimento.
João Afonso Calado da Maia.
João Bosco Soares Mota Amaral.
João Duarte de Oliveira.
João Manuel Alves.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
João Paulo Dupuich Pinto de Castelo Branco.
Joaquim António Martins dos Santos.
Joaquim Emídio Sequeira de Faria.
Jorge Girão Calheiros Botelho Moniz.
José Alberto de Carvalho José de Almeida.
José de Almeida.
Santos Júnior José Coelho Jordão.
José Dias de Araújo Correia.
José Fernando Nunes Barata.
José Joaquim Gonçalves de Abreu.
José Maria de Castro Salazar.
José de Mira Nunes Mexia.
José de Vargas dos Santos Pecegueiro.
José Vicente Cordeiro Malato Beliz.
José Vieira de Carvalho.
Josefina da Encarnação Pinto Marvão
Júlio Dias das Neves.
Lopo de Carvalho Cancella de Abreu.
Luís António de Oliveira Ramos.
Luís Augusto Nest Arnaut Pombeiro.
Luiz de Castro Saraiva.
Luiz Mana Loureiro da Cruz e Silva.
Manuel Afonso Taibner Morais Santos Barosa.
Manuel Fernando Pereira de Oliveira.
Manuel Ferreira da Silva.
Manuel Gardette Correia.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel Homem de Oliveira Themudo.
Manuel de Jesus Silva Mendes.
Manuel Joaquim Freire.
Manuel Jorge Proença.
Manuel José Constantino de Góes.
Manuel Rosado Caldeira Pais
Manuel Viegas Carrascalão.
Maria Angela Alves de Sousa Craveiro da Gama.
Maria Clementina Moreira da Cruz de Almeida de Azevedo e Vasconcelos.
Maria de Lourdes Cardoso de Menezes Oliveira.
Maria Luísa de Almeida Fernandes Alves de Oliveira.
Maria Teresa de Almeida Rosa Carcomo Lobo.
Mário Hofle de Araújo Moreira Nuno Tristão Neves.
Oscar Antoninho Ismael do Socorro Montenegro.
Paulo Othniel Dimene.
Rafael Ávila de Azevedo Ricardo Horta Júnior.
Rómulo Raul Ribeiro.
Sinclética Soares dos Santos Torres.
Teotónio Rebelo Teixeira de Andrade e Castro.
Tito Lívio Mana Feijóo.
Tito Manuel Jeque.

O Sr Presidente: - Estão presentes 115 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.

Eram 16 horas e 15 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr Presidente: -Está em reclamação o n.º 18 do Diário das Sessões

Pausa

Se nenhum de VV. Exas. tem rectificações a apresentar a este Diário, considerá-lo-ei aprovado.

Pausa

Está aprovado

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Telegramas

Do presidente da Câmara de Vila Nova de Cerveira apoiando a intervenção do Sr. Deputado José de Almeida.

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Das comissões políticas da A N. P., das adegas Corporativas e da Federação dos Grémios da Lavoura da província do algarve apoiando na generalidade a proposta de lei acerca do regime de condicionamento do plantio da vinha.

as juntas de freguesia da região de Vizela pedindo a intervenção da Assembleia no sentido de ser defenda a sua aspiração relativa à restauração do concelho de Vizela.
Vários apoiando a intervenção do Sr Deputado José Alberto de Carvalho.

O Sr Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Mário Moreira.

O Sr Mário Moreira: - Durante o interregno parlamentar desta sessão legislativa deslocou-se a Lisboa, a convite da Associação Industrial Portuguesa, um grupo de catorze deputados ao Bundestag (Parlamento Federal Oeste Alemão) pertencentes ao Kommité fur Europaische Zusammenarbeit (Comissão Parlamentar para a Cooperação Europeia) Esta visita ao nosso país foi já precedida de outras de alguns dos mesmos e de outros parlamentares da referida Comissão - quer à metrópole, quer ao ultramar- e de contactos na própria República Federal da Alemanha.
Atendendo ao significado e à utilidade de que se podem revestir estes contactos, e ao facto de a Associação Industrial Portuguesa ter proporcionado um largo contacto com alguns de nós, Deputados à Assembleia Nacional, entendi que seria oportuno fazer deste lugar, e mesmo tardiamente, uma referência a este acontecimento.
Nas reuniões realizadas foram abordados, com grande abertura de parte a parte, os problemas mais candentes que neste momento afectam a vida económica, social e política, tanto em Portugal como na Alemanha Federal.
Pertencendo os parlamentares alemães em questão aos quatro principais partidos políticos do seu pais (sociais democráticos e liberais da coligação governamental e cristãos democratas e cristãos sociais, actualmente na oposição), é natural que as ópticas segundo as quais apreciaram e expuseram os seus pontos de vista, quer quanto aos aspectos económicos como aos sociais e até aos da política externa no seu país, tenham diferido por vezes marcadamente, aceitando cada um deles, embora naturalmente não as partilhando, as opiniões dos que pertencem aos outros agrupamentos.
Foram, todavia, todos unânimes, divergindo apenas na graduação, em apontar as dificuldades que poderão resultar, e até já resultaram, como consequência da crise energética, o risco de uma estagnação da economia (crescimento do produto zero), acompanhado ainda de subidas de salários que, embora mais moderadas do que até aqui, não poderão deixar de se repercutir nos preços, activando, portanto, a espiral inflacionista e a situação do volume de emprego.
É de salientar particularmente a atitude de espirito com que os nossos colegas alemães procuraram assimilar e analisar as informações que amplamente lhes foram prestadas pelos participantes portugueses, aos quais se juntaram alguns elementos qualificados dos serviços públicos (sobretudo dos Ministérios da
Economia, das Corporações, do Ultramar e dos Negócios Estrangeiros), prevalecendo o motto, diversas vezes repetido e glosado em diversos discursos pronunciados, de se não deverem emitir opiniões críticas sem primeiro se analisarem os factos objectivos.
Teve relevo particular a sessão de trabalho a que em parte assistiu S. Exa. o Ministro das Corporações e Segurança Social e na qual, entre outros, foi abordado o problema da situação dos trabalhadores emigrantes portugueses na Alemanha, bem como das possibilidades de se criarem em Portugal empregos qualificados por parte de empresários alemães conscientes e desejosos de facto de contribuir para o nosso progresso.
SS. Exa. os Ministros do Ultramar, dos Negócios Estrangeiros e da Economia dignaram-se de também receber o grupo parlamentar, tendo em todos os Ministérios havido francas e cordiais trocas de impressões.
Para terminar, gostaria de salientar de quanta utilidade me parece poder revestir-se a continuidade deste género de visitas, quer em Portugal, quer nos países nossos amigos, para um melhor entendimento das nossas realidades. Creio que a Associação Industrial Portuguesa, na acção que vem realizando, é bem credora do nosso aplauso.

O Sr. Alberto de Alarcão: - O prometido é devido. Aqui estamos, Sr. Presidente, a desobrigar-nos da promessa de virmos a considerar o financiamento do abastecimento de água na região de Lisboa E que ela possa servir ao esclarecimento da problemática das demais regiões de planeamento do meu País - o desejo.
Recorreremos uma vez mais ao interessantíssimo estudo Redes de Água, Saneamento e Energia Eléctrica na Região-Plano de Lisboa - 1971, que nos foi presente por amável deferência do presidente da sua Comissão de Planeamento.
Como se refere em «Palavras prévias», «os elementos recolhidos na presente publicação permitem verificar as actuais deficiências do sistema de contabilização praticado, que tornam difícil, e em muitos casos impossível, conhecer o preço de custo de gestão de serviço de abastecimento de água.
Sem uma acção no sentido de tornar mais explícitas as rubricas em que se deverão dividir as diferentes despesas, é muito difícil ter conhecimento real da situação.
A apresentação das contas, tal como é hoje feita em alguns municípios [...], mostra nalguns casos resultados positivos neste sector, quando se sabe serem na verdade francamente negativos, mesmo sem considerar - como seria de boa norma - as amortizações anuais dos investimentos feitos.
Lembremo-nos de que, pela própria natureza das condutas, uma rede de água tem, como vida normal, períodos de vinte a vinte e cinco anos, isto é, tempo de vida útil menor do que o das restantes infra-estruturas»
Passemos, pois, à sua consideração.
Duas receitas de exploração se destacam venda de água e alugueres de contadores. A nível do distrito

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de Lisboa se tinha, em 1971, um total de 255 000 contos de receita ordinária:

Valor
Receitas:
Milhares de escudos
Venda de água ....................... 231 734
Aluguer de contadores ............... 23 273
255 007

O concelho de Lisboa proporcionava a maior parte 135 000 contos, ou mais de metade, escalonando-se os restantes da seguinte forma:

[ver tabela na imagem]

Em alguns, mais rurais, não chegava ao milhar, nem sequer a meio milhar de contos de receitas totais É relativamente proporcional ao número de consumidores, variando entre 300$ e 1500$ por ano e por cada contador instalado, doméstico ou industrial, nos concelhos.

Depende, evidentemente, do consumo total, e não apenas domiciliário, e aquele varia entre um mínimo de 57 000 m3 no Cadaval e um máximo de 110 milhões na cidade de Lisboa. Tal a grandeza dos números, sempre que o desenvolvimento económico e social se instala e o crescimento demográfico se concentra nas grandes metrópoles da actualidade ou futuras.
Per capita, já tínhamos considerado o consumo. E, se não é tão divergente, porque ainda não ampliado pelo muito diferente número de consumidores de 3 m3 a 78 m3 por habitante e ano em Azambuja e Cascais, respectivamente, mesmo assim, apresenta diferenças consideráveis, resultantes de uma maior ou menor extensão das redes de abastecimento de água e serviço de famílias, de níveis de desenvolvimento económico e progresso social, inclusive de população flutuante (turistas e nacionais em vilegiatura ou fim-de-semana), que nem sempre serão creditados a favor de concelhos no período normal de realização dos recenseamentos (geralmente meados de Dezembro).
Nem todo o consumo é pago, porém* quase metade apenas a nível distrital, embora subsistam acentuadas diferenças entre os concelhos do distrito de Lisboa de 14% (?) na Lourinhã à totalidade em Sobral de Monte Agraço e Mafra.

[ver tabela na imagem]

Bem pode dizer-se, como se contém em "Palavras prévias", que "a comparação interconcelhos das percentagens de consumo de água paga em função do consumo total mostra diferenças que merecem uma anotação especial.
Na verdade, pelos dados recolhidos, verifica-se que nos 48 concelhos da Região-Plano de Lisboa há apenas 25 em que é pago mais de 70% do consumo total, e existem 12 em que é paga uma percentagem inferior a metade do consumo total.
Embora reconhecendo que talvez necessitem de correcção os dados recebidos, as percentagens de consumo pago são tão pequenas em alguns casos que merecerá certamente a pena uma verificação das suas causas".
Alguma dessa água não directamente satisfeita em termos de pagamento de aquisição se destina aos próprios serviços camarários, da limpeza das ruas à rega de jardins e outros espaços verdes, ou consumo gratuito nas instalações - é, aliás, muitíssimo discutível que se não entre com todos os encargos, reais ou estimados, para a determinação dos custos totais dos serviços camarários ou demais públicos Dificilmente se fará ideia do encargo total e eventual rendibilidade
Outra terá de imputar-se às perdas ocasionadas nas canalizações, sobretudo se já ultrapassaram a duração média de vida útil na função.
A despesa orça pela receita, desta fundamentalmente vive 244 milhares de contos a nível do distrito, pouca folga concede para a criação e desenvolvimento de fundos capazes de autofinanciamento Nalguns concelhos, inclusive, chega o saldo, mal apurado, a ser negativo.
Relacionando a despesa total com o consumo total, vêm-nos custos por metro cúbico de água que oscilam entre $63 na Lourinhã e 5$61 em Mafra, inclusive superior - como em Arruda dos Vinhos - ao próprio preço de venda.
Se relacionarmos, porém, apenas com o consumo pago, vêm-nos custos do metro cúbico consumido e pago já mais próximos dos preços de venda ao público, dos preços de facturação.

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[ver tabela na imagem]

A nível do distrito de Lisboa ter-se-iam -se de uma rede integrada se tratasse- custos de 1$635 por metro cúbico total e de 3$485 por metro cúbico pago.
Existiam na altura os seguintes níveis de preço praticados.

2$50 - Alenquer,
3S50 - Arruda dos Vinhos;
4$ - Azambuja, Cadaval, Loures, Lourinhã e Sobral de Monte Agraço;
4$50 - Lisboa, Mafra e Torres Vedras,
5$ - Oeiras e Vila Franca de Xira;
5$40 -Sintra,
5$50- Cascais

Sr. Presidente: Como se escreve no estudo Redes de Água, Saneamento e Energia Eléctrica na Região - Plano de Lisboa - 1971, «o actual sistema tarifário de água, extremamente divergente de concelho para concelho - com um mínimo de 2$/m3 em Alcochete e um máximo de 6$/m3 em Vila Nova de Ourem a preços de Dezembro de 1971 -, melhorará certamente se for possível caminharmos para idênticos níveis de preços em todo o País.
Aliás, considera-se preferível aceitar níveis de preços que possibilitem um bom e efectivo serviço, e, portanto, com investimentos, despesas de conservação e de funcionamento em boa parte assegurados pela própria gestão, de que o nível de preços actual, que na maior parte das vezes não permite qualquer autofinanciamento para os investimentos indispensáveis para acompanhar a evolução dos consumos, nem, em muitos casos, sequer a conservação das redes actuais.
[...] muito embora se reconheça que percentagem elevada dos investimentos com a implantação de redes de abastecimento de água devam continuar a estar, em grande parte dos casos, a cargo do Orçamento Geral do Estado na função «distribuidora que lhe compete, existem despesas que mais parece deverem ser suportadas pelo próprio consumidor [...]»
A partir do conhecimento do preço de custo do serviço de abastecimento de água, mais fácil será fundamentar as opções de planeamento espacial e estabelecer uma política tarifária a nível nacional (ou regional), com a possibilidade de fazer variar o preço no consumidor em função das decisões tomadas a nível de ordenamento geral do território.
Sirvam estas reflexões, por vezes a nós alheias, ao abastecimento de coordenadas de uma política integrada de água que, contemplando o presente, sirva a melhor definir e preparar a satisfação dessa necessidade básica das populações o abastecimento domiciliário de água no futuro na região de Lisboa em Portugal.

Vozes: - Muito bem!

A Sra. D. Maria de Lourdes de Menezes Oliveira: - Sr. Presidente, Srs. Deputados. Quando o ilustre Prof. Doutor Marcelo Caetano aceitou orientar os destinos do País, anunciou aos Portugueses os seus propósitos de renovação na continuidade, propósitos esses que se vêm concretizando num ritmo espectacular Consubstanciando tais propósitos, as múltiplas reformas operadas na maior parte dos sectores da vida nacional estruturam-se no estudo, na observação e na auscultação das mais prementes necessidades nacionais, visando o desenvolvimento sincronizado do povo português.
A preocupação do progresso das regiões continua viva no espirito do seu Governo, e, a comprová-la, a base V do IV Plano de Fomento, recentemente aprovado, preceitua a «... correcção dos desequilíbrios regionais, tendo em conta a valorização do factor humano existente e o aproveitamento das potencialidades naturais de cada região, nomeadamente nas áreas menos desenvolvidas».
Para cumprimento de um programa singularmente ambicioso, o Sr. Presidente do Conselho chamou para seu colaborador, no sector da Educação, o Prof. Doutor Veiga Simão, que, dotado de uma aguda inteligência, de uma invulgar tenacidade e de um espírito amplamente aberto aos mais modernos processos pedagógicos, está dando corpo a uma reforma de cujos objectivos e urgência dependerá -assim o cremos - a tão ambicionada felicidade da gente portuguesa.
Num dos seus discursos, afirmou o Sr Ministro da Educação Nacional que «educar todos os portugueses, promovendo uma efectiva igualdade de oportunidades, independentemente das condições sociais e económicas de cada um, é o objectivo da batalha decisiva da reforma da educação».
Nesta linha de pensamento, isto é, visando a consecução da democratização do ensino -entendida pelo acesso de todos os indivíduos às modalidades e graus de ensino correspondentes às suas capacidades e tendências, independentemente de condições económicas e sociais -, o Decreto-Lei n.º 402/73, de 11 de Agosto, criou novas Universidades e outros estabelecimentos de ensino superior.
O Algarve congratulou-se por ter sido dotado de um Instituto Politécnico - «um centro de formação técnico-profissional, ao qual competirá ministrar o ensino superior de curta duração, orientado de forma a dar predominância aos problemas concretos e de aplicação prática e a promover a investigação aplicada e o desenvolvimento experimental, tendo em conta as necessidades no domínio tecnológico e no sector dos serviços, particularmente as de carácter regional»
Todavia, a criação do Instituto Politécnico não satisfaz plenamente as necessidades e ambições do povo

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algarvio, que eu tenho a honra de representar nesta Câmara, muito menos lhe concedendo as tão apregoadas «iguais oportunidades» de valorização.

O Sr Leal de Oliveira: - Muito bem!

A Oradora: - No dia 4 do corrente mês, Évora escreveu mais uma página imorredoura do seu já brilhante passado a Universidade ressurgiu, enquadrando-se na cultura, na história e na monumentalidade incomparável da cidade-museu.
Évora mereceu a sua Universidade - a Universidade do Desenvolvimento do Sul.
Mas precisamente porque ela vem sendo designada por Universidade do Desenvolvimento do Sul, deverá destinar-se a servir toda a região de além-Tejo, isto é, o Alentejo e o Algarve.
Mas a servir quem (e como)? Os habitantes de Évora e todos aqueles que para aquela cidade se desloquem, sujeitos aos tradicionais inconvenientes que uma deslocação implica?
Será este realmente o espírito de descentralização perfilhado pela reforma educativa?
Estes pontos de interrogação fazem-nos crer que é chegada a altura de definir «Universidade do Desenvolvimento do Sul» com uma clareza marginal a possíveis especulações regionalistas.
O artigo 7.º do Decreto-Lei atrás referido esclarece que:

O Ministro da Educação Nacional poderá autorizar o funcionamento de unidades de ensino e investigação em localidades diferentes das sedes dos estabelecimentos do ensino superior.

Também o magnífico reitor da Universidade do Desenvolvimento do Sul, numa passagem do discurso que pronunciou na tomada de posse da Comissão Instaladora daquela Universidade, se referiu s. . ao caso de haver, como se espera, unidades de investigação e ensino em localidades diferentes das da sede da instituição»
É concludente que nos espíritos do Sr. Ministro da Educação Nacional e do esclarecido reitor da Universidade do Desenvolvimento do Sul existe uma abertura francamente positiva a situações como a do Algarve - que numa ânsia de valorização cultural inegável (comprovada pelos 604 estabelecimentos de ensino existentes e pelos 39 201 alunos matriculados nos diferentes graus de ensino), aguarda, expectante, do Sr. Ministro da Educação Nacional, a diversificação da Universidade do Desenvolvimento do Sul com a efectiva criação, na sua capital, de departamentos plurisdisciplinares.
Aliás, a pretensão da consciente população algarvia justifica-se, até porque, tendo sido a cobaia de misturas étnicas ancestrais, continua sendo agora de culturas que os estrangeiros vêm promovendo. É justo, é imperioso, e urgente, que se sustenha a descaracterização cultural de uma região singularmente histórica e eminentemente portuguesa.

O Sr Leal de Oliveira: - Muito bem!

A Oradora: - A criação de departamentos universitários naquela província constituiria uma medida de profilaxia de uma cultura que não tem nem pode ter apoio na técnica Porque, enquanto as Universidades conduzem à mais organizada criação da cultura de um povo, permitindo-lhe uma visão mais profunda da vida, uma mais ampla compreensão de valores, a técnica não possui sequer as enzimas do pensamento que conduzem ao conhecimento do homem e da sua natureza, elevando-o acima da sua condição material.
Com razão tomou Sócrates para fundamento básico da sua filosofia a inscrição do templo de Delfos «Conhece-te a ti mesmo»
Não é a técnica que eleva o espírito humano às regiões onde se pode encontrar a verdadeira felicidade: a felicidade de desvendar o imo abismal do homem.
As potencialidade da região algarvia justificam que, em departamentos universitários a que têm direito, se ministrem, entre outros, estudos superiores de longa duração de engenharia biológica, de biologia marítima, pois que a costa algarvia foi considerada ideal para culturas de peixes, de moluscos e outras espécies animais, pelo Dr. Harold Weber, técnico americano de representação mundial na especialidade.
Também o estudo das pescas a todos os níveis deveria vir a processar-se no Algarve, dada a sua incomparável situação geográfica para tal objectivo.
Acaso faltará ao Algarve raiz histórica para a justificação da criação de departamentos da Universidade do Desenvolvimento do Sul?
Podemos encontrar raízes de estudos universitários nos tempos remotos da moirama, onde aquele espírito fulgurou desde as Academias do Chen-Chir até à criação da Escola de Mareantes de Sagres.
Não teria sido aquela Escola autêntica Universidade, à qual se deve o cunho universal de um povo que ainda hoje projecta no Mundo a sua feição intercontinental ímpar?
Onde devem ser implantados os estudos universitários da Escola Náutica do Sul?
Onde melhor poderá ser estudado o aproveitamento da energia solar, se o Algarve possui um céu azul invulgarmente límpido e um clima único na metrópole?
As potencialidades do Algarve, ainda em grande parte por explorar e até por descobrir - como muito bem o afirmou o distinto algarvio Prof. Engenheiro Lajinha Serafim -, oferecem um vasto campo de estudos étnicos, geográficos, arqueológicos, minerais, vegetais, marítimos, climáticos, etc.
No âmbito da sociologia, por exemplo, a comunicação social conduziria a uma formação cultural de primeiro plano, preparadora do desempenho de funções de alio nível no campo das actividades sociais, cívicas, económicas, turísticas e educacionais.
Do mesmo modo se justificariam sobremaneira estudos superiores de turismo, de ciências humanísticas e de línguas vivas como instrumentos de trabalho numa terra que, em ritmo surpreendente, se vai tornando cosmopolita.
A carência de professores do ensino preparatório e secundário - verdadeiros pilares de uma estrutura educativa nacional - verifica-se em todo o território português, mas muito mais alarmantemente no Algarve, onde vão sendo mais gritantes as diferenças salariais entre o funcionalismo público e as empresas privadas.

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Que caminheiros do funcionalismo se atreverão hoje em demanda de terras algarvias na aventura de um tão limitado vencimento de sobrevivência?
Quão lógico e justo seria que naquela província o funcionalismo público, sofredor das consequências negativas do turismo, auferisse um suplemento compensador do elevado custo de vida!
No caso particular do professorado, cremos que a situação alarmante do problema educativo, provocada sem dúvida por questões de ordem económica, transcende o preocupante número de lugares ainda vagos Poderão na realidade ser dignos do nome respeitável de professores do ensino secundário todos aqueles - e são tantos - cujas estreitas habilitações não ultrapassam as do curso geral ou complementar dos liceus?
Acaso poderão ser professores os que não ensinam nem educam, antes subvertem a juventude que os não respeita, juventude essa que constitui a parcela maior e mais rentável do património moral e espiritual da Nação?
Disse alguém que ser-se professor é ser-se missionário E eu pergunto- como poderá haver espírito missionário na frustração?
Bem chocante e não menos significativo é o jocoso desabafo de um ilustre professor do liceu:

Na noite de 31 de Dezembro de 1973 deitei-me coronel e na manhã de 1 de Janeiro de 1974 acordei major

Perante situações de despromoção como esta, e para bem do ensino, faço votos sinceros de que os vencimentos do funcionalismo público sejam rápida e conscientemente revistos, mormente no que respeita aos agentes de ensino, como o foram recentemente, e com toda a justiça, os das forças armadas portuguesas.
Mas no que se refere ao caso particular da província algarvia, a crise angustiante do professorado não poderá ser solucionada sem a criação de um Departamento das Ciências da Educação, com base na diversificação da Universidade do Desenvolvimento do Sul.
É urgente que o Sr. Ministro da Educação Nacional ouça este meu apelo, onde se reflecte o apelo uníssono daquela provincial precisamos de professores no Algarve, que se formem no Algarve.
Estudante algarvio que tenha de encarar despesas de pensão para cursar estudos superiores longe da sua província não enveredará certamente pelos caminhos do professorado; e, se o fizer, dificilmente regressará ao Algarve para ali exercer a sua profissão, ali onde o elevado custo de vida o não compensará devidamente dos anos passados fora do lar, nem de tantos sacrifícios económicos.
Porém, se vier a ser criado no Algarve um Departamento das Ciências de Educação, quantos jovens se não decidirão pelos cursos do ensino, deste modo mais económicos e acessíveis?
Separado dos centros universitários existentes pelo adamastor das serranias; atordoado por um desenvolvimento turístico que se processa num ritmo cada vez mais acelerado, necessitado, mais e mais, de gente especializada em todos os sectores do trabalho, desejoso de «iguais oportunidades» de ensino, até como armas verdadeiramente eficazes de fixação de seus filhos- o Algarve, mercê de uma população escolar esmagadora, promove um elevado número de alunos ao ensino superior, ombreando eloquentemente com o somatório dos outros três distritos que constituem a zona de planeamento em que se insere.
Vejamos os dados estatísticos referentes ao ano de 1971-1972 (Anuário de Estatística de 1972, vol I)

Número de alunos matriculados no ensino liceal:

a) No distrito de Faro-4121;
b) Na sub-região alentejana (Évora, Beja e Portalegre) -7488.

Número de alunos matriculados no ensino técnico-profissional.

a) No distrito de Faro -5027;
b) Na sub-região alentejana - 6628

Número de alunos que concluíram o 3.º ciclo liceal:

a) No distrito de Faro - 356,
b) Na sub-região alentejana - 373

Número de alunos que frequentaram cursos superiores:

a) Do distrito de Faro -1510;
b) Da sub-região alentejana - 2429.

Os números apresentados dispensam comentários.
Preterido em muitos sectores da vida nacional, o Algarve constitui, no entanto, uma província onde a liquidação dos principais impostos, por habitante, se cifrou, no referido ano, em 1570$, enquanto na sub-região alentejana não ultrapassou 1015J (melhor dizendo, menos de dois terços daquele número) Compreendemos perfeitamente a natureza desta diferença de encargos, visto que nela se espelha de certo modo a imensa extensão desértica alentejana, de uma lonjura sugestiva e poética Mas ousamos perguntar se um bom contribuinte, pelo facto de sê-lo, correrá o risco de perder certo peso na balança de determinados direitos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O assunto desta intervenção poderá parecer, à primeira vista, eivado de um regionalismo tolo e pretensioso, olhado por um ângulo de observação menos avisado No entanto, eu creio sinceramente que ele transcende qualquer remoto clima regionalista, pela inegável dimensão com que se projecta na vida nacional.
Tenho dito

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Pinto Castelo Branco: - Sr Presidente: No curto espaço de um mês foram apresentados ao País três conjuntos de elementos da maior relevância para a definição e para a explicação ao País da política económica e de desenvolvimento nacionais Refiro-me ao Orçamento Geral do Estado para 1974 e às comunicações recentemente feitas pelos Srs Ministros das Finanças e da Economia e de Estado através da televisão, da rádio e da imprensa.
A estes elementos há que juntar o conteúdo dos debates e dos textos aprovados pela Assembleia Nacional

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para a Lei de Meios para 1974, bem como para a Lei do IV Plano de Fomento, uma e outra acompanhadas, naturalmente, dos exaustivos pareceres da Câmara Corporativa, apreciados durante o primeiro período da actual sessão legislativa. Finalmente, no passado dia 15, foi aprovada pelo Conselho de Ministros para os Assuntos Económicos a versão definitiva do IV Plano de Fomento, cujo projecto fora entretanto apresentado à Assembleia Nacional, à Câmara Corporativa e, simultaneamente, dado a público.
Quer dizer, desde 15 de Novembro próximo passado até hoje, em dois meses e meio apenas, pode dizer-se que a totalidade da política económica e das perspectivas globais de desenvolvimento do conjunto do espaço português foram apresentadas, não só à Representação Nacional, e por esta discutidas e aprovadas, como também trazidas ao conhecimento de todos os cidadãos nela interessados.
Quem se der ao trabalho -que reconheço ser árduo e para o qual provavelmente muitos não disporão do tempo ou até da persistência necessários - de analisar toda esta volumosíssima documentação, não poderá deixar de reconhecer que a política definida (ia a dizer tão abundantemente definida) se situa claramente dentro da orientação traçada pelo Sr Presidente do Conselho, de continuidade e renovação, e, simultaneamente, a coerência dessa mesma política com os grandes princípios estabelecidos pelo Chefe do Governo. Refiro-me especialmente ao seu carácter nacional, ao seu carácter unitário, ao seu carácter participado, tudo ordenado para o desenvolvimento acelerado e tanto quanto possível equilibrado e equitativo do conjunto das populações do espaço português.
Ausente em Angola durante quase todo o período de debate das Leis de Meios e do IV Plano de Fomento, apenas me foi dado intervir nas respectivas votações. Não irei, por isso, castigar agora a Câmara com uma intervenção a posteriori sobre a matéria... nem, aliás, a Mesa, e com toda a razão, o consentiria.
No entanto, creio virem a propósito, neste momento, alguns apontamentos relativos à economia e ao desenvolvimento nacionais e à actual conjuntura económica mundial.
Sr. Presidente Para quem tem algum conhecimento da vida das pessoas ou das colectividades, é óbvio ser hoje quase impossível viver-se a nível individual, social, nacional ou internacional sem um «plano de vida» (e provavelmente sempre terá sido assim) Simultaneamente, também saberá que tal plano, o «planeamento» da tecnologia e da economia, tem permanentemente de ser reajustado em função de vários factores, nomeadamente dos resultados que se vão alcançando, ou não, e das modificações da conjuntura.
As políticas, quer sejam individuais, de grupo ou nacionais, não podem igualmente deixar de ser adaptáveis e adaptadas às circunstâncias. Essencial é que os objectivos finais que se pretendam alcançar por meio delas, esses, sim, uma vez definidos, não sejam alterados (salvo, naturalmente, quando se verifique, ao longo da sua própria consecução, que estão errados).
No caso da Nação Portuguesa, os objectivos finais continuam a ser os mesmos de sempre A sua formulação, no entanto, pode e deve variar, de modo a que, sem alteração, embora, do seu conteúdo essencial, eles possam ser inteligíveis na linguagem e no contexto dos nossos dias e a eles adiram em especial as novas gerações.
Tal reformulação, hoje indispensável, é dificílima, pois que o contexto actual, interno e externo, até no próprio plano espiritual, mais se assemelha a areia movediça do que a terreno firme sobre o qual se possa caminhar com segurança Mas se o firme não está à vista, nem por isso ele deixa de existir, nem tão-pouco podemos caminhar sem nele nos apoiarmos. E por isso há que procurar tenazmente redescobri-lo, isto é reexplicá-lo para o colocarmos ao alcance daqueles que vêm atrás de nós.
Vejo agora que comecei a desviar-me e que este desvio me levaria longe. por isso, e apesar do interesse da matéria, regresso já ao ponto de partida, ou seja à influência da conjuntura sobre a política económica e o desenvolvimento do País. Na realidade, pode dizer-se que em menos de um ano a pressão conjuntural passou a ser no Mundo inteiro o factor primordial da política sócio-económica, para não dizer simplesmente de toda, ou quase toda, a política das nações.
Para caracterizar a influência desta pressão sobre a vida económica do País, creio que o melhor será transcrever a parte final do relatório da lei orçamental para o ano em curso, na qual o Sr Ministro das Finanças refere.

O orçamento de 1974 vai ser executado sob a influência de dois factores que muito o hão-de condicionar a política do petróleo e a inflação.
Um e outro são elementos que não se encontram sob o controle nacional exclusivamente Pelo contrário, dependem mais de acções externas do que de medidas tomadas a nível nacional.
No entanto, o Governo tem ponderado detidamente as diversas circunstâncias, está persistentemente atento ao desenrolar dos acontecimentos e analisa-os com o máximo cuidado, para serenamente tomar, na altura mais apropriada, as providências que se impõem.
Com a compreensão de todos e a atitude activa dos serviços, quer na adopção das medidas recomendadas, quer na administração das verbas que lhes são consignadas, espera-se que os problemas económico-fínanceiros e a crise do petróleo afectem ao mínimo a actividade económica e industrial do País.
O orçamento para 1974 apresenta-se, pois, em face da evolução da conjuntura, como um orça mento marcadamente funcional.
Sob este prisma, a orientação da política orçamental no sentido da expansão justifica-se pela necessidade de contrariar um eventual abrandamento das actividades económicas, imputável a origens externas, como as relacionadas com a crise da energia Mas este objectivo não colide com o papel que naturalmente lhe cabe no âmbito de uma actuação anti-inflacionista.
Na verdade, o equilíbrio do orçamento é só por si um instrumento de combate à alta dos preços, aliás reforçado pela existência de um importante excedente substancial, que se verifica se se tiver presente a natureza económica das receitas e despesas, pois continuam a registar-se diferenças positivas entre a receita ordinária e a

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despesa total, deduzida dos investimentos. A expansão dos investimentos públicos desencadeará naturalmente efeitos multiplicadores no rendimento nacional, que contribuirão para a ampliação da capacidade produtiva e também por essa via para a estabilização da conjuntura.
Por outro lado, a política orçamental continuará a ser estreitamente coordenada com os demais Instrumentos de combate à inflação, com particular relevo para a política monetária e para a política contratual de preços A estes instrumentos caberão, pois, pesadas responsabilidades na difícil tarefa de assegurar a expansão através da estabilidade.

Assegurar a expansão através da estabilidade em meia dúzia de palavras vemos claramente definido um programa que só por si é um mundo - e uma cabal manifestação de confiança no futuro das finanças e da economia nacionais -, e isto apesar da preocupação necessariamente causada pelo peso das ameaças que principalmente de fora (neste campo também) pesam sobre o bem-estar do País.
Para melhor caracterizar a amplitude dos desequilíbrios que o Mundo neste momento atravessa no âmbito específico da economia, direi o seguinte: o petróleo bruto do golfo Pérsico, que em Junho de 1972 era cotado a 2,6 dólares por barril, é-o agora a 11,9 dólares, ou sejam quase cinco vezes mais. No lapso de um ano e meio, o alumínio passou de 12 para 23 contos a tonelada; a gusa, de 1000$ para mais de 2100$; o enxofre, de 700$ para mais de 1500$, as fosfontes, de 375$ para mais de 1100$; o amoníaco, de 1100$ para 3000$ a 5000$; o sulfato de amónio, de 800$ para 3000$, a ureia, de 1600$ para 5700$; o caprolactamo (matéria-prima para o nylon 6), de 8 a 12 contos para 25 a 40 contos; o polímero de fibra poliéster, de 25 para 45 contos - preços todos eles entendidos por tonelada no mercado internacional.
Quer dizer, em menos de dezoito meses as matérias-primas ou os produtos essenciais que acabo de referir -e a sua lista poderia estender-se quase ao infinito- duplicaram de custo, na melhor das hipóteses. A maior parte, porém, triplicou, quadruplicou e, nalguns casos, quintuplicou de preço!
Simultaneamente, os salários, cá e lá fora, continuam também a inflacionar.
Ora, por muito que se melhorem as tecnologias e que a produtividade orgânica das empresas aumente- e em Portugal é manifesto estar-se a fazer um esforço sensível neste sentido e que só não tem tido repercussões profundas no mercado do trabalho porque a expansão da economia tem vindo a reabsorver a mão-de-obra assim disponibilizadas, é evidente que os produtos acabados, sejam eles quais forem, e os serviços têm forçosamente de acompanhar este agravamento dos seus custos, com as consequências que estão à vista e todos sentimos- e de que não temos sofrido mais porque até agora tem sido possível, em média, compensar (e mesmo mais) a inflação dos preços com a inflação dos salários.
E qual é, Sr. Presidente e Srs. Deputados, a posição e a situação do nosso pais em semelhante contexto mundial, por que não é, obviamente, responsável e sobre o qual não pode ter senão uma influência limitada?
Pois bem: Olhando para quanto vai pelo Mundo fora e muito especialmente para o que se passa na Europa, em África e no Extremo Oriente, isto é, nos três continentes em que existem parcelas de população e de território portugueses, creio bem que a nossa situação, apesar de tudo, ainda é uma das mais desejáveis. Já vimos, por um lado, que o Governo, com a serenidade, a cautela e a persistência que a situação requer, não só está atento à evolução da conjuntura, como tem vindo a tomar e prevê ir tomando as medidas realisticamente possíveis para a compensar. (As medidas utopicamente perfeitas, essas são apanágio dos críticos profissionais, mormente da Oposição!)
Simultaneamente, vê-se que o espaço económico nacional está em condições de suportar, melhor do que, por exemplo, o resto da Europa, o peso desta situação adversa, graças à natural complementaridade das suas varias parcelas qual seria a situação de qualquer delas no momento presente se não possuíssemos no ultramar petróleo bruto suficiente para, em caso de emergência grave, que, aliás, ainda não chegou, assegurar a totalidade do abastecimento nacional? Que seria também das províncias ultramarinas, no seu estádio actual de desenvolvimento, se, perante a carência aflitiva de produtos acabados ou semimanufacturados que se verifica em todo o Mundo, a metrópole não tivesse já atingido um grau de industrialização capaz de garantir o abastecimento das províncias ultramarinas, pelo menos, nos produtos mais indispensáveis para a vida das populações, ou, ainda, se em vez dos sucessivos programas de electrificação iniciados na metrópole logo que a conclusão da guerra de 1939-1945 o permitiu, e no ultramar à medida que os recursos em pessoas e bens o têm proporcionado, e se tem acentuado nos últimos anos, apesar do terrorismo, que seria,- dizia eu, se, por exemplo, a metrópole não pudesse ir buscar às barragens, nesta altura, 85% da sua produção de energia, o que nos confere no conjunto da Europa uma situação perfeitamente privilegiada?
Duas conclusões daqui resultam.
A primeira é a de que, para além dos aspectos morais e políticos, o bem-estar material e sócio-económico das várias parcelas da Nação Portuguesa dependem cada vez mais da sua complementaridade e, portanto, da integração das várias políticas locais numa política global comum que, assegurando a necessária articulação entre elas e, simultaneamente, com as regiões geo-económicas em que cada uma se encontra inserida, permita a optimização, de outro modo impossível, do conjunto dos recursos nacionais, a maximização do seu crescimento e uma melhor distribuição da riqueza assim produzida, concomitantemente com a prossecução de uma política geral que continue a assegurar ao País aquele mínimo de independência sem o qual a Nação perderia a sua própria razão de ser.
A demonstração a contrario do que afirma pode r buscar-se ao que está a acontecer à Europa, em , consequência do embargo dos países produtores de petróleo, e em que o velho continente acaba de revelar-se um verdadeiro «gigante com pés de barro», simplesmente por ter esquecido a natural complementaridade euro-africano e oceânica que Portugal con-

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tinua, e continuará, a defender, não só para seu próprio bem, mas até para bem do resto da comunidade mundial.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Esperemos, aliás, conforme em outras circunstâncias têm referido o venerando Chefe do Estado e Srs. Presidente do Conselho e Ministro dos Negócios Estrangeiros, que as restantes nações, mormente as europeias e aquelas que se dizem nossas amigas, comecem a entender a lição que os factos recentes se têm encarregado de lhes dar.

ara além da energia, a conjuntura externa tem-se manifestado fortemente desfavorável em outro plano ainda. Refiro-me à desordem monetária reinante em particular no mundo ocidental, devido aos erros sistematicamente acumulados nesta matéria ao longo de décadas, da qual, aliás, os americanos dão mostras de estar conseguindo sair à custa, mais uma vez, de uma Europa que os actuais acontecimentos começam a evidenciar muito mais utópica e acanhada nos seus conceitos do que alguns, mesmo entre nós, têm pensado.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Apesar deste quadro sombrio, e mercê da continuidade da política financeira felizmente instaurada há mais de quarenta anos pelo Presidente Salazar e em boa hora prosseguida por Marcelo Caetano, a verdade, porém, é que a situação portuguesa nisto também sai felizmente fora do contexto europeu, permanecendo suficientemente sólida para que o Sr Ministro das Finanças possa, com razão, afirmar, no decreto orçamental deste ano, que «as campanhas de dentro e de fora não conseguiram abalar a solidez da nossa moeda e o justificado prestígio internacional do equilíbrio financeiro entre nós mantido»

O Sr. Cancella de Abreu: - Muito bem!

O Orador: - Ou ainda, noutro passo do mesmo diploma, que «as nossas exportações crescem em ritmo nunca previsto. Mau grado as perturbações no domínio da energia no final de 1973, o sector industrial atingiu nesse ano taxa de crescimento superior à prevista no III Plano de Fomento. As intenções de investimento autorizadas para novas instalações e ampliações produtivas subiram de 13 milhões de contos em 1972 para mais de 20 milhões em 1973»...
...Se estes e outros factos ao menos servissem de lição a alguns «velhos, ou jovens do Resido» - ou ao complexo nacional da má-língua e do boato!
Consciente destas realidades o Governo optou, e bem, por continuar a política de expansão económica que tem vindo a seguir e é característica da orientação definida por Marcelo Caetano. É certo que isto quererá dizer que provavelmente iremos continuar a sentir os efeitos da inflação, o que apenas será perigoso se não for contido dentro de limites equilibrados relativamente aos restantes parâmetros da economia. Refiro-me em particular ao necessariamente concomitante acréscimo, proporcionado e cauteloso, do poder de compra, conjugado com um aumento suficiente da oferta, e, portanto e para tanto, da produção nacional, auxiliada quando indispensável pela importação. Esta, porém, penas em último recurso, dado o gasto de divisas que implica.
E aí intervém outro dos aspectos da maior relevância da política do Governo, quer se trate de gestão orçamental, quer da política a prazo do Plano de Fomento. Quero referir, nomeadamente, a prática de uma economia concertada ou contratual juntamente com a maximização coordenada da utilização da iniciativa privada, através, nomeadamente, da concessão de faculdades diversas, incentivos fiscais ou financeiros, e acções supletivas da administração pública.
Note-se que este conceito de política económica contratual não se refere apenas, em minha opinião, à articulação, por meio de acordos, entre a acção do Estado e a das empresas, colaboração à qual o leque das empresas privadas, de economia mista ou públicas, empresta já uma flexibilidade notável e uma capacidade de adaptação conjuntural igualmente de realçar Tal política envolve ainda a própria contratação colectiva de trabalho e a colaboração entre grémios e sindicatos no seio das corporações, e destas com a administração pública. O que tem de entender-se cada vez mais não como mero sistema de negociações salariais no quadro das relações laborais, mas também como forma de participação e, portanto, de responsabilização (pois que uma implica a outra) do factor «trabalho» na própria formulação e na realização da política de desenvolvimento económico do País.
Em período inflacionário como o que atravessamos, tal participação e a consciência da solidariedade social e da responsabilidade conjunta que o esquema institucional português, na sua justa peculiaridade, impõe a ambos os parceiros corporativos, talvez já esteja a ser um dos elementos mais válidos na manutenção da espiral inflacionista dentro de limites não apenas suportáveis pela comunidade, mas úteis para o «progresso em paz» da Nação.
Sr. Presidente: A política financeira e económica seguida pelo Governo e a crescente, embora ainda insuficiente, colaboração entre a administração pública e o sector privado, entendido na sua expressão corporativa, têm permitido que, apesar de uma conjuntura externa francamente desfavorável (já regressiva, na opinião da O C. D. E.), continuem a ser optimistas - embora com a prudência naturalmente aconselhada pelas circunstâncias - as perspectivas de desenvolvimento do conjunto do espaço português E isto mesmo nas zonas de momento sujeitas às arremetidas mais violentas dos nossos inimigos e à pressão mais desfavorável das circunstâncias. Estou a pensar, por exemplo, no sacrificado Moçambique, a quem não falta, nem faltará, aliás, a solidariedade operante de todas as restantes parcelas da Nação.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - É desta afirmação garantia, além do mais, a realidade palpável do nosso pais, apesar de empenhado à doze anos numa guerra total, como é a guerra subversiva, e de estar sujeito, há também mais de uma década, a uma emigração substancial, ter sido até aqui capaz, ao mesmo tempo, de se defender e, simultaneamente, de assegurar a continuidade do seu próprio desenvolvimento económico, social e educacional. E a confirmar quanto digo está o facto de o acréscimo das receitas ordinárias não resultar do aumento da carga tributária, antes correspondendo à crescente expansão da matéria colectável. É este ponto essencial por óbvias razões, pois quer dizer que o Governo pôde, sem agravar os impostos

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- e não esqueçamos que a carga fiscal no nosso país ainda continua a ser inferior à da maior parte das restantes nações desenvolvidas-, elevar para 53 milhões de contos o Orçamento Geral do Estado para o ano em curso, quando este, por exemplo no início da anterior legislatura, em 1970, ainda só atingia os 28 milhões de contos!
Assim, as verbas atribuídas sejam bem utilizadas. Neste particular pesam responsabilidades essenciais sobre os sectores governamentais da Defesa, com 12 milhões de contos; Educação, com quase 7 milhões, e Obras Públicas, com pouco mais de 6 milhões de contos.
Permitir-me-ei destacar o Ministério da Educação Nacional, cuja actuação tem sido bastante controvertida dentro e fora desta Câmara, e do qual a Nação tem o direito de esperar que os avultadíssimos recursos postos à sua disposição sejam efectivamente empregues para «rapidamente e em força» ir alargando e modernizando o nosso sistema educacional, que decerto convirá seja independente de ideologias, sobretudo estranhas, mas, simultaneamente, para ser portuguesmente válido, não poderá deixar de ter como finalidade última a de transmitir às gerações novas, não ideologias, mas sim os ideais, as ideias-
forças que justificam Portugal como nação una, livre e fraterna, aqui e no ultramar.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Deus queira, neste aspecto, que as reformas planeadas ou em curso não se limitem a meras soluções, quiçá tecnicamente perfeitas, porém vazias daquele conteúdo que uma educação verdadeiramente nacional tem por definição o dever de dar.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: Tudo quanto antecede acha-se de certo modo resumido por forma extremamente feliz no trecho da «Nota final», com a qual o Sr Ministro das Finanças encerra o relatório do decreto orçamental para o ano em curso, e que passo a ler:

As mais-valias de receita ordinária calculadas permitem fazer obedecer a preparação do orçamento para 1974 aos princípios da proposta de lei de meios, a qual se seguiu com a maior exactidão.
Respeitando estritamente o equilíbrio orçamental, acataram-se as prioridades concernentes à Defesa Nacional, aos empreendimentos previstos no IV Plano de Fomento, cuja execução no próximo ano se inicia, não se descurou o auxílio a prestar às províncias ultramarinas e conta-se ainda com dotação volumosa para financiamento de programas autónomos de investimento para além dos do âmbito do Plano de Fomento.
No domínio das acções programadas, deu-se especial relevo à educação e à saúde e prosseguir-se-á igualmente intensa actividade no concernente às infra-estruturas económicas e sociais e bem-estar das populações rurais, de modo a cumprem-se as linhas gerais do programa do Governo para o próximo ano.
A expansão da educação e o reforço da investigação científica conhecerão um novo surto do maior significado.
Por outro lado, no plano da divulgação, a nível de Governo, da política de desenvolvimento do País, creio poder afoitamente dizer que o essencial já está escrito e dito. Acrescentarei, no entanto, que o cidadão interessado está sem dúvida à espera de um comentário à parte especificamente ultramarina do IV Plano de Fomento, semelhante àquele que, de modo sugestivo e esclarecedor, o Sr. Ministro de Estado anteontem à noite apresentou através dos órgãos de informação, a propósito da orientação geral do Plano e da sua incidência directa sobre o continente e as ilhas adjacentes Aguardamos, portanto, com expectativa interessada, a comunicação que, estou convencido, o Sr. Ministro de Estado ou o seu colega do Ultramar - já que esta matéria corre por um e outro departamentos- apresentarão decerto oportunamente a público.
Todas estas considerações, Sr. Presidente, foram-me sugeridas pela situação económica mundial e pelo seu reflexo sobre o nosso país Ninguém sabe ao certo como evoluirá a conjuntura internacional, que pode estar à beira de um colapso semelhante ao dos anos 30, talvez por se não ter dado a devida atenção aos avisos repetidamente prodigalizados por alguns profetas clarividentes como, em matéria monetária, Jacques Rueff Em tal hipótese, teremos fatalmente de lhe sofrer também as consequências.
No entanto, e mesmo nesse caso, Portugal, porque é plurirracial e porque é multicontinental, estará aqui e no ultramar em melhores condições de resistência do que a maior parte dos restantes países, mesmo da Europa.
Mas é também possível que passado o actual período de desajustamentos, e suportadas as perturbações que necessariamente o acompanham, o Mundo se encaminhe para um novo estado de equilíbrio, e então os receios do momento não serão justificados
Em ambas as circunstâncias, porém, uma coisa é certa, as possibilidades e as vicissitudes do nosso país serão completamente diferentes, consoante nos mantenhamos, ou não, unidos, serenos e confiantes uns nos outros, e, muito particularmente, naqueles cuja função própria é governar o País.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Freitas Pimentel: - Exmo. Sr Presidente e Exmos. Srs Deputados Quando dos abalos sísmicos das ilhas do Faial e Pico, o Sr Ministro Rui Sanches, acompanhado de uma comitiva de técnicos do Ministério das Obras Públicas, apressou-se a visitar aquelas ilhas, onde permaneceu alguns dias, percorrendo cuidadosamente todas as zonas sinistradas.
Passados poucos dias, depois do seu regresso, o Governo tomou providências especiais e urgentes, tendo sido publicado, pelo Ministério das Obras Públicas, o Decreto-Lei n.º 680/73, em 21 de Dezembro de 1973, decreto que abriu um crédito de 80 000 contos para acorrer de pronto às despesas com as reparações e reconstruções das casas dos sinistrados.
Na qualidade de Deputado pelo distrito da Horta e ainda na de residente numa daquelas ilhas - a do Faial-, não posso nem devo deixar de dizer nesta Assembleia que me julgo no dever de agradecer ao Governo do Prof. Marcelo Caetano e ao seu ilustre titular das Obras Públicas, engenheiro Rui Sanches,

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a sua pronta presença naquelas ilhas sinistradas, presença que foi como lenitivo sagrado para muitos milhares de pessoas que imediatamente conheceram a esperança certa de melhores dias, para poderem continuar a vida nas localidades que tinham escolhido para seus lares.

O Sr Linhares de Andrade: - V. Exa. dá-me licença?

O Orador: - Com certeza.

O Sr. Linhares de Andrade: - Peço licença para me consentir que, também como Deputado pelo mesmo distrito - o distrito da Horta - e como natural da ilha mais atingida -a ilha do Pico-, me associe muito sentidamente ao agradecimento que V. Exa. dirige ao Governo de Marcelo Caetano e ao Sr. Ministro das Obras Públicas e Comunicações.
Muito obrigado.

O interruptor não reviu.

O Orador: - Obrigado eu.
Entre as declarações feitas então por S. Exa., no local dos sinistros, apraz-nos registar aqui algumas e agradecê-las de todo o coração, porque vieram de encontro aos nossos melhores desejos.
E foram elas

Aqui no distrito, especialmente na ilha do Faial e na ilha do Pico, o progresso não será travado pelo facto de algumas contrariedades terem acontecido [...]

Ficamos todos contentes e altamente tranquilos por ouvir essas e outras declarações, ditas muito especialmente para as populações da ilha do Pico, pois, assim, as obras que haviam sido planeadas, projectadas e algumas já em curso nesta ilha, como as do abastecimento de água a todas as freguesias, da electrificação a todas as freguesias, do acabamento das estradas longitudinal e transversal, dos caminhos de penetração, não vão sofrer qualquer interrupção, bem como a política dos portos não vai sofrer atrasos E, nesta conformidade, esperamos também que o porto da vila das Lajes do Pico seja incluído, como o foram os da Madalena e Cais do Pico, no IV Plano de Fomento, para que a nossa alegria seja quase total.
Quando estive na Horta, pelas férias do Natal, visitei todas as zonas sinistradas, podendo assim verificar a extensão do sinistro, que é muito grande, principalmente na ilha do Pico, onde atingiu várias freguesias, danificando muitas casas.
Quando regressei a Lisboa, já se haviam iniciado as obras de reparação, embora houvesse ainda abalos de terra!
Devo também deixar aqui uma palavra de justo louvor ao Sr Governador Sanches Branco, por bem o merecer, porque continua a ser permanentemente solícito com a sua simpática presença junto dessas populações sinistradas.
Quando das três últimas crises sísmicas do Faial, em 1926, em 1958 e agora em 1973, o Hospital da Horta foi sempre mais ou menos atingido. Em todas essas ocasiões houve grande pânico e tiveram de ser evacuados todos os doentes, com grandes prejuízos físicos, psíquicos e morais para os mesmos.
Julgo que seria agora ocasião única de substituí-lo por outro mais próprio, em vez do actual edifício, grande casarão, com salas enormes, altíssimas e desconfortáveis, sem quaisquer condições ou requisitos próprios dos hospitais modernos, isto é, construir-se um novo hospital que fosse seguro e funcional, segundo as modernas técnicas hospitalares E o que existe, devidamente reparado, poderia utilmente servir para a instalação de museu regional, arquivo distrital, bibliotecas e até para a instalação de alguns e determinados serviços distritais.
Aqui fica a sugestão para ser devidamente estudada por quem de direito.
Quando, em 24 de Agosto de 1971, foi solenemente inaugurado pelo venerando Chefe do Estado o Aeroporto da Horta, o Sr Ministro das Obras Públicas e Comunicações, Engenheiro Rui Sanches, no seu magnífico discurso que proferiu, disse «preocupa-me particularmente a revitalização do porto da Horta [...] bem como os problemas do tráfego portuário da ilha do Pico».
Àquela primeira parte do discurso já S. Exa. deu expressiva solução, publicando, a 15 de Janeiro deste ano, o Decreto-Lei n.º 4/74, em que «[...] tendo em vista os melhoramentos previstos no plano portuário dos Açores e a exploração comercial das infra-estruturas já existentes, entre as quais sobressai o porto da Horta, é agora criada a Junta Autónoma dos Portos do Distrito».
Está, pois, satisfeita uma velha e nobre aspiração do meu distrito e que vai dar uma vida nova à cidade da Horta e ao seu porto, que tem, como nenhum outro, condições excepcionais de localização para servir a navegação que demanda os continentes europeu e americano, depois de devidamente construídos os respectivos depósitos de combustíveis, ora em estudo.
Mas as restantes palavras do Sr Ministro merecem também especial realce, porque dão satisfação à prioridade especial na construção do porto da Madalena da iha do Pico, onde desembarcam e embarcam por ano mais de 130 000 pessoas, que são mesmo aquelas que circulam obrigatoriamente no chamado Canal do Faial. E muitos dias há em que as lanchas do Pico têm de navegar horas à procura de um dos portinhos ou dos portecos da ilha, para deixar ou receber gentes que não puderam adiar a vinda ao Faial ou a ida do Faial, muitas delas por necessidades imperiosas ou imprevistas, como sejam as pessoas doentes de urgência. E tudo isto chega a ser possível, porque o arrojo e a perícia dos marinheiros da ilha do Pico são únicos na vida difícil daqueles mares.
Assim, um porto verdadeiro na fronteira daquela ilha é bem uma necessidade de há tantos anos, tão antiga que nem sabemos quando começaram os estudos para tamanho e tão importante melhoramento.
Porém, só agora é que merecidamente vai ter execução, embora há muitos anos se dissesse que a ilha do Pico bem merecia ser chamada a tomar parte no conjunto distrital da Horta, ocupando nele o lugar que lhe competia pela sua grandeza e proximidade, pois o Faial e o Pico formam, sem dúvida, uma unidade moral e económica, pela sua natural vizinhança.
Antes de terminar estes meus simples dizeres, ainda desejava referir-me à minha querida ilhas das Flores

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O seu Aeroporto continua em obras, não servindo ainda regularmente os portugueses daquela ilha. Serve, porém, os franceses que ali vivem e regressam à França nos seus aviões Os aviões da SATA também lá vão, mas só quando fretados. Parece um paradoxo, mas tem sido mesmo assim!
Os Florentinos, durante muito tempo, serviam-se às vezes dos aviões da Força Aérea Portuguesa, que escalavam aquela ilha quinzenalmente. Mas não sei porquê, deixaram de o fazer, e agora só lã vão a pedido das autoridades locais, para transportar militares, funcionários em comissões de serviços públicos ou doentes em estado grave, comprovado por atestado médico Os restantes doentes resignam-se a embarcar, quando há lugares, no Ponta Delgada, da Insulana, munidos de um bilhete onde consta «sem direito à acomodação», ou então não embarcam, por ser imprudente a viagem em tal qualidade de transporte.
Simplesmente, porque em matéria de comunicações marítimas, os meus patrícios e até as restantes ilhas dos grupos central e ocidental estão em piores condições que há cinquenta anos! Também parece paradoxo, mas é mesmo assim, infelizmente!
Informam que o Aeroporto das Flores ainda não está completo. Mas isso não tem obstado que aviões da concessionária das ligações aéreas dos Açores vão ali, quando fretados!
Por esta penosa «insulandade», os Florentinos interrogam-se se é mesmo certo serem considerados como «segregados» das restantes ilhas dos, Açores Coisa semelhante gritam os Corvinos, quando falam de falta de assistência médica, dizendo, sem qualquer espírito de malícia, que «só se morre na ilha do Corvo quando Deus quer e é servido»
E, já que estou a falar da linda ilha das Flores, seja-me permitido exteriorizar o meu desgosto e o dos meus patrícios por, no IV Plano de Fomento, também não ter sido considerado b porto da ilha das Flores.
Sendo natural desta ilha e conhecendo, por experiência própria, a odisseia que se repete várias vezes no ano quando dos embarques e desembarques de passageiros e mercadorias, parecia-nos justo que o porto da ilha das Flores bem merecia ter sido incluído no IV Plano de Fomento.

Vozes: - Muito bem!

O Sr Pereira do Nascimento: - Sr. Presidente, Srs Deputados Ao usar, pela primeira vez, da palavra nesta Assembleia, é-me muito grato saudá-la
Para V. Exa., Sr. Presidente, serão, como não podiam deixar de ser, os meus cumprimentos de muito apreço, estima e admiração, de tal forma são conhecidas, mesmo entre os. novos Deputados, as altas qualidades evidenciadas por V. Exa. na anterior legislatura.
Para todos VV. Exas., Srs. Deputados, as minhas saudações também.
Regressei, há cerca de quinze dias, de Cabinda.
Da Cabinda do petróleo, que é hoje uma indústria política, Cabinda, distrito que já deve ser hoje dos territórios mais promissores da Nação Portuguesa, mas Cabinda que é hoje também, talvez mais do que nunca, o ponto nevrálgico de uma situação criada pela ambição e ganância de certos políticos sem escrúpulos.
Talvez por isto, a quadra que antecedeu ali o Natal foi fértil nos mais variados boatos e ameaças.
Que se passa ou passou, afinal, em Cabinda?
Não aconteceu em Cabinda nada de anormal, excepto a anormalidade habitual ali e nos outros pontos de Angola onde são forçados a coexistir o trabalho pacífico e a vigilância armada. Podemos, de facto, confirmar Cabinda prossegue, em paz e tranquilidade, a sua vida normal O território não foi invadido, dos poços de petróleo continua a jorrar líquido mais que preciosos, as pessoas movimentam-se para todos os pontos do distrito com o mesmo à-vontade e a mesma serenidade de sempre, o progresso e a paz, podemos dizê-lo, são a sua constante.
Nada, portanto, de anormal a não ser determinadas afirmações que partiram de outro Estado que connosco tem fronteiras e que tiveram o condão de provocar a mais viva repulsa.
A única coisa de diferente aconteceu no passado dia 14 do corrente Cabinda iniciou um novo passo em frente, o mais importante da sua história comercial moderna.
Aquando da sua primeira visita oficial a Cabinda, em 29 de Junho do ano transacto, feita pelo mar, em homenagem aos que no passado se encontravam e fundiram também pela mesma via e para significar a importância que o seu governo atribui às comunicações marítimas de Cabinda e o papel que ele representa na economia do distrito como principal alavanca para o seu progresso, prometeu S. Exa. o Governador-Geral Engenheiro Santos e Castro, para breve, a adjudicação da construção de um porto de longo curso.
Fiel à sua palavra e ao lema da sua governação de que sem Angola falam mais as realizações do que as palavras», cumpriu Santos e Castro a sua promessa.
Por isso, esteve em festa a cidade de Cabinda, no passado dia 14 do corrente. O distrito mais ao norte do Norte de Angola viveu dois acontecimentos assinaláveis, quais foram a inauguração da nova pista de jactos do aeródromo local e a assinatura do contrato de empreitada que assinalou o início da construção do porto de longo curso da cidade.
Com isto preencheu-se uma lacuna que há muito se vinha fazendo sentir, velhíssima e não menos justa aspiração das gentes de Cabinda, de que tanto se falou e escreveu, quase até ao seu descrédito.
É que a necessidade de se dotar o distrito com um porto de mar era não só um anseio dos seus habitantes como uma promessa que já tinha mais de três dezenas de anos e em que já quase ninguém acreditava.
Da sua importância transcendente para a economia e para a vida do distrito, «chave de muitos problemas», falam os condicionalismos da situação geográfica de Cabinda - qual ilha isolada, como está, encravada entre os dois Congos, só com uma saída a oeste pelo Oceano Atlântico -, pelo que as suas comunicações marítimas assumem capital relevo, conjuntamente com as possibilidades que se abrem para o total aproveitamento das suas matérias-primas tão procuradas.
E as gentes de Cabinda souberam aguardar, e, com o mesmo espírito de nobreza que as distingue, manifestaram, exuberantemente, a sua satisfação pelo início de uma obra que, talvez nesta altura, justificasse, no dizer do Engenheiro Santos e Castro, já outra

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obra - isto é, a sua ampliação. (Talvez não fosse ocioso pedir aqui já a capacidade de atracação para dois navios, já que a de um nos parece insuficiente, tão renitentes andam os barcos das companhias mercantes em aportar ali, alegando compreensíveis prejuízos em demoras de tempo).

O Sr Castro Salazar: - V. Exa. dá-me licença?

O Orador: - Faça favor.

O Sr. Castro Salazar: - Sr Deputado: Não é só em relação a Cabinda que se verificam dificuldades em os navios nacionais aportarem, pois tal acontece em relação a todos os portos que as empresas de navegação nacionais consideram não darem grandes lucros. Estou a pensar, nomeadamente, em S. Tomé, onde o problema se sente bastante. Parece-me importante também o cumprimento de itinerários previamente estabelecidos, de modo que os navios não estejam semanas e até meses sem passarem por S. Tomé e outros portos, e noutras ocasiões apareçam dois, três ou mais navios ao mesmo tempo, de modo que a capacidade de manuseamento de carga em tais portos é ultrapassada.
Há quinze dias, por exemplo, em S Tomé, onde já não aportavam navios havia bastante tempo, juntaram-se seis, de modo que foi impossível armazenar totalmente a carga por eles deixada, a ponto de parte dela se perder.
Era isto que desejava dizer.

O Orador: - Muito obrigado pela ajuda da sua intervenção.

Estou e ser, neste momento e nesta Assembleia, intérprete desse regozijo e tenho razões para esperar confiadamente que, ainda no decurso da actual legislatura, o novo porto possa vir a funcionar efectivamente como pólo de desenvolvimento de todo o distrito, incrementando as potencialidades que o seu subsolo encerra e valorizando-as m loco através do sector de uma industrialização racional.
A palavra pertence, agora, à gente empreendedora de Cabinda, e nomeadamente aos empresários que solicitam alvarás e não aproveitam as concessões dadas e aos madeireiros que amealharam fortunas com a venda de madeira, que beneficiará mais o distrito se para a exportação for já trabalhada (Espero poder, em breve, falar aqui das madeiras de Cabinda e do problema dos transportes marítimos).
Condições para o desenvolvimento da industrialização em Cabinda não faltam, bem como factores favoráveis para outros empreendimentos Sena tão-somente necessário aproveitar essas condições com determinados aliciantes e através de empresas com capacidade económica para tal Cabinda estaria assim decididamente lançada no afã do progresso, facto decisivo para a promoção e bem-estar das suas populações.
E pesem embora as características especiais que resultam sobretudo da sua situação geográfica, há dois anos, precisamente, que se assiste em Cabinda a uma arrancada de progresso que se tem reflectido no desenvolvimento sócio-económico das suas gentes e que constitui um magnífico exemplo e um pólo de atracção para os povos vizinhos, pelo clima de paz, ordem, bem-estar e progresso que se respira por todo o distrito.
Devem-se estas realizações ao chamado «Plano Calabubei» -nome derivado das principais localidades do distrito Cabinda, Landana, Buço Zau e Belize - que, começando pela satisfação das necessidades primárias das populações, produziu os melhores frutos, bem patentes no aspecto que o distrito apresenta por toda a parte e atingiu tal desenvolvimento que hoje, apoiado nas infra-estruturas existentes, se pode preocupar já com a promoção global das populações rurais.
Com uma população de 83 000 habitantes, dos quais 22 000 na cidade de Cabinda e seus subúrbios, e um quarto em frequência escolar, o distrito abrange uma área de 7000 km3, com uma rede rodoviária de 600 km, que cobre o distrito em todos os sentidos, sendo 300 km asfaltados.
O nativo de Cabinda, dos mais evoluídos do Estado de Angola, impõe-se pelo desejo de se cultivar, pelo seu trato, pela maneira elegante de vestir e pelos seus hábitos de higiene.
Eis, meus senhores, um retrato ténue de Cabinda.
São de fé e de confiança no futuro, ali, os propósitos de governantes e dirigidos.
Não há pânico em Cabinda pelas ameaças que nos foram dirigidas, embora saibamos, como disse o governador do distrito, brigadeiro Themudo Barata, na sua mensagem de Ano Novo, «que tem de ser de vigilância sem descanso, de antecipação constante a todas as manobras e intenções daqueles que espreitam a mínima oportunidade para tentarem - ao menos pelo receio- alterar a paz e a tranquila vida do distrito, toda ela voltada para o desenvolvimento da terra e da gente, e para o desejo de tornar tão intenso, quanto os nossos vizinhos o desejem, o nosso convívio e entendimento com os povos e autoridades que nos rodeiam».
E vou terminar Como Deputado, terei de ser fiel a mim mesmo e a quem me creditou tão importante mandato e terei de ser, por imperativo da minha própria consciência, uma voz de esperança para o distrito onde resido.
Ouso, pois, chamar a atenção do Governo da Nação para que continue a olhar para Cabinda como algo que vale a pena preservar, já que em Cabinda, apesar do isolamento próprio que constitui uma cunha geográfica encravada entre dois territórios estranhos, para não dizer inimigos, eu vi em tudo e em todos a determinação de quem não está disposto a ceder, a certeza da nossa razão e a vontade firme de continuar a ser parcela, embora minúscula, do território pátrio e, «indiferente a boatos e ameaças, numa despreocupação que não é descuido», continua a ser um exemplo de trabalho e de paz, surto de progresso, oferecendo a todos - desde que a respeitem - a colaboração de boa vizinhança que tem de ser a norma de convívio entre os povos civilizados.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem!

O Sr Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

Continuação da discussão na generalidade da proposta de lei de condicionamento do plantio da vinha Tem a palavra o Sr Deputado Leal de Oliveira.

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O Sr. Leal de Oliveira: - Sr. Presidente. Está a Assembleia Nacional, da vossa digna presidência, responsável pelo presente e pelo futuro de uma das actividades agrárias de maior relevância, devido aos enormes reflexos económico-sociais que essa actividade faz incidir numa grande massa de trabalhadores rurais, rendeiros, meeiros, empresários, proprietários e comerciantes e, evidentemente, de reflexos poderosíssimos na economia e na política portuguesa.
Trata-se do futuro da vitivinicultura metropolitana.
Trata-se do futuro de cerca de 400 000 ha (382 914 ha) de vinha cujo valor global a uma média, que julgo baixa, de 150 contos o hectar, daria um investimento realizado por gerações de lavradores no montante de 60 milhões de contos.
Trata-se do futuro de cerca de 400 000 ha de vinha que anualmente produzem uma média de 1000 milhões de litros de vinho, cujo valor se poderá estimar em cerca de 10 000 milhões de escudos (preço unitário de 10$).
Trata-se efectivamente de um sector da economia metropolitana que representa aproximadamente 15 % do produto agrícola bruto.
Trata-se ainda, posso dizer, de um sector que, por razões várias, e tantas são elas que vão de ataques catastróficos de certas pragas e doenças, às perturbações incontroláveis dos mercados internacionais, às mudanças bruscas dos hábitos dos consumidores, à falta de legislação adequada que permita o equilíbrio entre a oferta e a procura, trata-se dizia, de um sector que se encontra endémica e epidemicamente em crise, endemicamente desordenado e onde a lei do mais forte se tem, tantas vezes, instalado, levando o pequeno produtor a soçobrar ou a viver uma existência em constante sobressalto.
A desorganização e a crise que realmente existe no sector vitícola tem provocado junto do Governo constantes e angustiantes pedidos para que enfrente o problema que afecta tão grande número de portugueses.
Apelos constantes, mas díspares e, assim, de harmonização muito difícil.
Apelam uns, quando os preços do vinho conjunturalmente sobem, para que se liberalize o plantio da vinha, ao verificarem as abundantes receitas auferidas pelos detentores de vinhedos.
Apelam outros, os proprietários de vinhas, para a proibição do plantio da vinha fora das suas regiões, já que temem, e com certa razão, diga-se de passagem, crises de abundância, tão frequentes em passado relativamente recente.
Apelam ainda os proprietários de vinhas mal instaladas, pouco produtivas, velhas ou produtoras de vinhos pouco qualificados para que o Governo não liberalize o plantio das vinhas, pois vêem nas novas vinhas, quer se implantem na sua própria região ou fora dela, competidoras fortíssimas, não só pelo mais baixo custo de produção que permitem alcançar ao vinho produzido pelas suas uvas, como também pela quase certa melhoria da qualidade dos produtos vinícolas a que dão origem
Realmente, tem-se conhecimento de inúmeros pedidos dirigidos ao Governo nos últimos anos, por todas as formas e até indirectamente por intermédio da imprensa, para que promulgue nova legislação saneadora do sector.
Problema de extrema gravidade, acuidade e melindre, pois é difícil a qualquer legislador contentar ao mesmo tempo os vitivinicultores de todas as regiões vitícolas, os comerciantes, que também têm uma palavra a dizer, e até os consumidores nacionais e estrangeiros, que cada vez exigem mais imperativamente produtos genuínos e de qualidade.
Note-se que o Governo se tem mostrado conhecedor da problemática vitivícola nacional - haja em vista o articulado do despacho conjunto do Ministro da Economia e dos Secretários de Estado da Agricultura, do Comércio e da Indústria de 16 de Novembro de 1966, que, infelizmente, por motivos vários, pouca melhoria promoveu na viticultura nacional.
A demarcação, tão necessária, das regiões produtoras de vinhos regionais de qualidade, que naquele despacho se ordenava de execução «sem perda de tempo», ficou no papel e nas intenções dos legisladores.
Mais tarde, em 1968, no relatório do III Plano de Fomento, verificam-se também as preocupações governamentais em relação aos problemas vitivinícolas
Com efeito, lê-se no relatório do III Plano de Fomento o seguinte:

A reestruturação da Vitivinicultura exige revisão profunda, quer dos aspectos que se relacionam com a cultura da vinha, quer daqueles que se prendem com a transformação e comércio dos seus produtos.
Num país com vocação muito especial para a vitivinicultura, torna-se indispensável realizar uma reestrutução sem perda de tempo e no sentido que melhor se adapte às exigências qualitativas e quantitativas da oferta e da procura Constitui, além disso, empreendimento com lugar de realce nos programas de reconversão cultural, o que se impõe, uma vez que grandes superfícies vitícolas terão de ser ocupadas por diferentes aproveitamentos de maior interesse económico e outras áreas surgirão por imperativos simultaneamente de ordem económica e de qualidade dos produtos obtidos.
Prosseguirão os estudos iniciados no decurso do Plano Intercalar com vista à generalização do uso de máquinas nas vinhas e à redução dos custos de produção, procurando-se definir as modalidades de estabelecimento de novos vinhedos e a adaptação dos existentes às condições determinadas pela utilização da maquinaria e pela conservação do solo. Os estudos a desenvolver incidirão ainda sobre a determinação do valor cultural das castas e porta-enxertos, sobre alguns aspectos de sanidade vitícola e sobre a promoção da melhoria da qualidade dos nossos vinhos.

Afirma-se também no relatório que transcrevo que.

Prosseguir-se-á na execução dos planos, já em curso, de construção, ampliação e apetrechamento de adegas cooperativas e de fomento da comercialização directa dos produtos dessas organizações, pela concessão de conveniente apoio técnico e financeiro.

Para concretização dos objectivos que enformavam então o Governo e insertos no relatório do III Plano de Fomento, elaboraram-se dois empreendimentos- o n.º 6 (fruticultura), que consignou 6 000 contos para fomento de uva de mesa, e o n.º 8 (vitivinicultura), que, dando realce ao fomento do cooperativismo agrícola, reservou para o sector a verba de 424 000 contos.

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Do exposto verifica-se que o Governo possuía na altura uma política vitinícola adequada às realidades, na conjuntura muito sombrias por sinal, mas não nos parece prudente afirmar que o III Plano de Fomento alterou benéfica e exageradamente o sector Pelo contrário, ao longo do hexénio 1968 a 1973, viu-se empolarem-se extraordinariamente os seus problemas.
Certamente o Governo, consciente do facto, ao elaborar o relatório do IV Plano de Fomento no que diz respeito à orientação da produção vitícola, previu o lançamento de um programa de reconversão das vinhas do Douro, da Região dos Vinhos Verdes, da Região Demarcada do Dão, do Alentejo e do Algarve.
«Estes programas», diz-se no citado relatório, «deverão ser lançados antes do fim do 1.º triénio de vigência do Plano, vindo as metas a atingir a ser explicitadas nos programas anuais».
Óbvia, mas necessariamente, foi também a afirmação inserta no relatório em análise de que

[ ] os programas relativos à reconversão das vinhas não são exequíveis sem que seja revisto em profundidade o regime do plantio da vinha.

«Este regime», então prometido, «atenderá a normas de condicionamento regional e a técnicas de estabelecimento e cultura que influem na economia e qualidade dos produtos.»
Sr. Presidente A política vitivinícola apresentada pelo Governo no relatório do IV Plano de Fomento foi de certa forma sancionada por esta Assembleia quando recentemente aprovou a Lei n.º 3/XI.
O Governo prometeu então rever e, consequentemente, promulgar novo regime de plantio da vinha Prometeu e cumpra u Está esta Assembleia perante a Lei n.º 6/XI - Regime e condicionamento de plantio da vinha.
Bem haja o Governo por ter querido, pela mão de S Exa. o Ministro da Economia, Dr Manuel Cotta Dias, combater uma situação tão perturbadora da vida nacional
Bem haja S. Exa. por ter enfrentado, com a sua habitual serenidade e seriedade, um problema tão candente e tão politizável como são todos aqueles ligados à vitivinicultura.
S. Exa. achou conveniente equacionar e tentar resolver o problema da vitivinicultura nacional, atacando-o de frente e procurando a maior audiência e colaboração, para que a sua resolução não fosse só governamental, mas sim, e também, nacional.
Para tanto, o regime de condicionamento de plantio da vinha foi enviado como proposta de lei à Assembleia Nacional, ocupando agora a sua ordem do dia.
O referido documento, como se sabe, foi obtido por adaptação do projecto de decreto-lei n.º 8, onde foram introduzidas algumas actualizações e alterações sugeridas pelas diversas entidades e organismos consultados, nomeadamente pela Câmara Corporativa.
Sr. Presidente: Os problemas que envolvem a vitivinicultura portuguesa são realmente problemas de índole nacional, que se vêm arrastando ao longo dos anos, decénios e até séculos, e que a legislação, copiosa, promulgada, não tem conseguido harmonizar e resolver.
Será, agora, a lei que comento susceptível de levar Portugal metropolitano, de potencialidades vitivinícolas extraordinárias, ao lugar que merece e pode alcançar no contexto nacional e internacional?
Será viável, se se cumprir, claro, intransigentemente a política de qualidade e de equilíbrio entre a oferta e a procura, através de um condicionamento técnico apropriado, levar-se a alegria e a riqueza ao desolado e angustiado sector vitivinícola português?
Julgo que sim.
Estamos perante quinze bases, que, se aprovadas com as alterações que a discussão na generalidade e especialidade tornarem necessárias, permitirão a melhoria gradual das vinhas portuguesas, o equilíbrio constante entre a oferta e a procura e a tão necessária reconversão das vinhas mal implantadas, velhas e de castas ou bacelos inconvenientes.
Assim, se tal suceder, com certeza haverá maior número de possibilidades de se evitar «crises de produção e perda de mercados».
Sr. Presidente: Imediatamente a seguir ao ter proferido afirmações e convicções que decerto permitiram à Assembleia aperceber-se da minha posição aprovativa, na generalidade, ao texto da proposta de lei n.º 6/XI -Regime de condicionamento do plantio a vinha-, não posso deixar de tecer algumas reflexões sobre um tema, de extraordinária importância, aliás focado no óptimo parecer -o n.º 35/X- da Câmara Corporativa. Se o não fizesse, estariam muitos de VV. Exas. com inteira razão de me julgarem excessivamente confiante, ou até mesmo infantilmente ingénuo.
Mas antes de expor as considerações atrás prometidas permita-me V. Exa., Sr. Presidente, desde já e nesta oportunidade em que citei o parecer da Câmara Corporativa, dirigir-me ao Deputado José Fernando Nunes Barata, relator daquele parecer, a fim de o cumprimentar e felicitar pela competência que bem mostrou ao realizar, e segundo me disseram, em curto espaço de tempo, um trabalho a todos os títulos notável, que nos dispensou a todos nós, membros desta assembleia política, de perdermos tempo em estudos técnicos e morosa pesquisa bibliográfica.
Efectivamente, o parecer elaborado pelo Exmo. Colega Nunes Barata é exaustivo, honesto e tecnicamente perfeito.
Honro-me por contar nesta legislatura com a presença de uma individualidade que demonstrou, e bem, tanta competência ao elaborar o parecer da Câmara Corporativa n.º 35/X, relativo ao projecto de decreto n.º 8/X.
Retomando o curso à minha exposição, renovo as afirmações já atrás esboçadas indicadoras da necessidade de, nesta minha fala, me debruçar, mesmo que ligeiramente, num assunto, concretamente o da fiscalização da aplicação do preceituado na lei em estudo, se aprovada, e, consequentemente, da aplicação das penas impostas aos prevaricadores condenados Neste particular, e para êxito da política cuja prossecução a presente lei visa, parece-me necessário ser-se extremamente rigoroso.
Com efeito, a situação a que chegou o sector vitivinícola, e que muitos apelidam de caótica, é, infelizmente, e em grande medida, da responsabilidade da tradicional apatia, digamos antes da «brandura dos nossos costumes», o que perturba e altera os trabalhos de fiscalização e até a publicação das penas proferidas.
Imperam as vinhas ilegais.
Os vinhos a martelo, feitos científica ou artesanalmente, parecem que são abundantes, não obs-

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tante a acção constante das brigadas da Junta Nacional dos Vinhos, da Guarda Nacional Republicana e da Inspecção-Geral das Actividades Económicas
Sr Presidente: Este ponto da minha exposição é para mim de primordial importância.
Ou estou perante uma lei, com a qual aliás concordo, na generalidade, por estar convicto do seu favor para a vitivinicultura nacional, de uma lei para ser realmente bem compreendida e cumprida e os prevaricadores eficaz e intransigentemente perseguidos e castigados e, assim, de aprovação necessária por esta Assembleia, ou, pelo contrário, está-se defronte de mais uma lei de óptima intenção mas, como se costuma dizer, «para ficar no papel» e, então, não vale a pena o tempo que estou fazendo perder a V. Ex.ª, Sr Presidente, e a todos os meus Ex.mos. Colegas.
Estas minhas preocupações, que considero básicas para o prosseguimento ou não da minha fala, são partilhadas por muitos que se debruçaram sobre a problemática vitivinícola nacional
Com efeito, a própria Câmara Corporativa chamou, no seu parecer, a atenção para este ponto, como se comprova com o texto que a seguir transcrevo.

«Acresce», lê-se no referido parecer, «para lá das disposições legislativas, a viabilidade do seu cumprimento »
«Ora, o sector do plantio da vinha, todos o sabem», continua a afirmar o parecer da Câmara Corporativa, «constitui, umas vezes, fonte de graves atritos entre os serviços públicos e os agricultores e, outras, testemunho da brandura dos nossos costumes, de uma passividade que redundou em multiplicação de plantações ilegais, cuja regularização acabava por ser permitida em legislação posterior.»
Como, aliás, irá agora também acontecer, se aprovado for o n º 1 da base XII da proposta de lei em apreço.
Sr. Presidente: Será agora que surgirá uma lei sobre o condicionamento e plantio da vinha para ser integralmente cumprida; uma lei para ser fiscalizada?
Será agora, a partir de agora, aprovada que seja a lei em estudo, que o prevaricador deixa de beneficiar como tem ultimamente acontecido, hajam em vista os milhares de hectares de vinhas ilegais que foram mais tarde regularizados e aqueles que certamente virão a ser com o presente diploma?
Espero que sim!
Espero que sim, porque continuo, e com bastas razões, a acreditar nas pessoas que nos governam.
Espero que sim, porque conheço as qualidades de estadista insigne de S. Ex.ª o Ministro da Economia.
Eis, Sr Presidente, alcançado este pressuposto, fundamentado na confiança que deposito no Governo de Marcelo Caetano, a razão por que solicito a V. Exa permissão para continuar mais tranquilo a preencher o tempo de V Ex.ª comentando a lei sobre o plantio da vinha.
Efectivamente, se não me fosse possível acreditar na aplicabilidade da proposta de lei em apreço, fundamentados estariam muitos que dela duvidam e ingénuo e excessivamente crédulo estaria eu ao apoiá-la e até a discuti-la perante VV. Ex.ª
Feitas estas considerações preliminares, verdadeira questão prévia, irei imediatamente focar alguns pontos que mais me sensibilizaram ao longo do articulado da proposta de lei.

Em primeiro lugar pretendo chamar mais uma vez a atenção desta alta Câmara para as condições pedagógicas e de capacidade de uso dos terrenos com que a Natureza nos fadou e do aproveitamento que gerações e gerações fizeram daquilo que foi posto à sua disposição.
Segundo o Serviço de Reconhecimento e de Ordenamento Agrário, 54,4% do território metropolitano, ou sejam, 4 658 926 ha, têm utilização agrícola, mas somente 21,8 %, 2406625 ha, desfrutam de tal aptidão.

Deduz-se facilmente que «26,3% dos terrenos actualmente aproveitados agricolamente e que representam 2252291 ha possuem uma economia negativa, impõem baixos níveis de vida aos seus utentes e o desvio vocacional que se observa não permite, evidentemente, o tão desejado e necessário aumento do rendimento bruto nacional».
Está o Governo e está a lavoura evoluída em ânsia constante de levar o aproveitamento cultural ao local ecologicamente próprio.
Está o Governo e a lavoura a reconverter a ocupação cultural existente nas zonas onde a ecologia impõe outras culturas e não aquelas que ali vegetam, conjunturalmente viáveis enquanto a mão-de-obra foi barata e abundante e se vivia em relativa e equilibrada auto-suficiência empresarial ou nacional, mas actualmente anacrónica, agora que estamos perante os grandes espaços económicos continentais e intercontinentais.
Todavia, as opções que se deparam ao sector agrário são reduzidas silvo-pastorícia e cinegética nas terras de aptidão agrícola deficiente e culturas agrícolas para os terrenos de melhor aptidão.
São reduzidos também os padrões culturais para cada estação ecológica e assim reduzidas as culturas ecologicamente bem implantadas e, mais ainda, pouco frequentes entre aquelas as que são economicamente rentáveis.
Têm-se, assim, como viáveis: os cereais e forragens no sequeiro; o arroz, o tomate, certas forragens e pouco mais no regadio, o eucalipto, o pinheiro, o sobro e as pastagens naturais ou melhoradas nas zonas de aptidão não agrícola, e a videira, com a resistência e rusticidade que lhe é própria, apresenta-se como óptima opção cultural de norte a sul do País, conhecidas as «condições óptimas para o seu desenvolvimento» existentes no continente e ilhas adjacentes.
Parece-me que pelas razões que aduzi - necessidade bem patente de proporcionar à lavoura evoluída o plantio de vinha qualitativa e quantitativamente condicionada, nomeadamente nos terrenos de aptidão marginalmente agrícola ou até mesmo não agrícola (capacidade de uso C e D), mas ainda de aptidão vitícola tão abundante no País - a proposta de lei em estudo se apresenta positiva.
Isto é, clarificando melhor o meu pensamento Julgo que se deve permitir o plantio condicionado e rigorosamente fiscalizado do plantio de vinha, mas somente debaixo da certeza de que o produto vinícola produzido seja de qualidade e que as quantidades obtidas não venham de modo algum provocar saturação do mercado interno e externo.
Certa me parece, portanto, a intenção do Governo, tendo em devida conta as regiões vinícolas demarcadas e zonas vinícolas tradicionais, de vir a permitir o licenciamento de novas plantações, bem como a ré-

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constituição e transferência de vinhas prioritariamente naquelas regiões e zonas.
Desta forma poderá o Governo manter controle da genuinidade, qualidade e tipicidade dos vinhos, favorecendo a manutenção e afinamento e até criação de vinhos de qualidade únicos que se prevêem com possibilidades de colocação, e a bom preço, nos mercados nacional e internacional.
Ao mesmo tempo poderá controlar eficazmente as áreas das vinhas e respectivas produções e assim evitar, na medida do possível, situações de desfasamento da produção e do consumo de reflexos tão negativos em qualquer dos sentidos em que tal desfasamento se desenvolva.
Efectivamente, se a produção baixa, perdem-se mercados e multiplicam-se as fraudes, o vinho a martelo. Se a produção aumenta de quantidade a níveis superiores ao consumo, a crise instala-se invariavelmente no seio da produção
Eis, Sr Presidente, uma das razões por que estou com o condicionamento do plantio da vinha.
Outro ponto me chamou a atenção ao ler e estudar a proposta de lei em discussão e para o qual me quero debruçar, mau grado o potencial emocional e político que o envolve Trata-se dos produtos directos.
A base x da proposta de lei proíbe a plantação e a cultura de videiras produtores directos.
É extremamente concreta a referida base nessa posição proibitiva, permitindo, todavia, a enxertia ou a sua substituição nas condições e prazos a estabelecer pelo Governo para as várias regiões ou zonas do País.
O teor desta base mostra-se coerente com a política seguida tradicionalmente no País sempre que se legisla sobre produtores directos.
O parecer da Câmara Corporativa bem evidencia a sua concordância a esta posição governamental ao enumerar alguns diplomas legislativos, onde se consagra a eliminação das videiras produtores directos. O Decreto-Lei n º 23 590, de 22 de Fevereiro de 1934, por exemplo, proibia a plantação e venda de híbridos, tornando obrigatória a sua substituição ou enxertia integral no prazo máximo de quatro anos. A Lei n º 1891, de 23 de Março de 1935, também citada no parecer da Câmara Corporativa, não permitia lançar no consumo vinho de produtores directos americanos, com excepção de uma percentagem uniforme, a fixar sob parecer dos organismos vitivinícolas, para consumo das casas agrícolas dos respectivos vinicultores»
Mais tarde, os Decretos-Leis n.ºs 24976 e 24977, de 28 de Fevereiro de 1936, tornaram obrigatória a enxertia, substituição ou arranque de todos os produtores directos existentes e proibiram o consumo, excepto nas casas agrícolas dos viticultores, do vinho dos referidos produtores directos, o qual devia ser, segundo os mesmos decretos, imediatamente desnaturado.

Em 1944 e de acordo com o Decreto-Lei n º 33 544, de 21 de Fevereiro, mantém-se a política até então seguida, já que, como se afirma no seu texto, o vinho produzido pelos produtores directos «era baixo, desequilibrado, sem condições de conservação, perturbador da economia vinícola e, como tal, condenado não só pela lei portuguesa como pelos outros países» Finalmente, também na proposta de lei que se analisa, o Governo propõe a proibição da plantação e cultura de videiras produtores directos, como já dissemos, com o apoio da Câmara Corporativa, cujo parecer afirma em dada altura:
«A propósito dos produtores directos», julga conveniente, dada a pretensão de abranger neste diploma os problemas do plantio em toda a sua generalidade, reformular a regra da interdição, não só da plantação, mas ainda da cultura dos produtores directos».
Sr. Presidente: É este um aspecto da presente proposta de lei que me mereceu profunda reflexão e colheita de informações em face da incidência que tal medida, se aprovada, irá ter em milhares de viticultores.
Será por razões organoléticas que se tem vindo, pode até dizer-se tradicionalmente, a proibir a plantação e a cultura de produtores directos e a comercialização do seu vinho?
Se fossem razões de tal tipo que levaram os legisladores responsáveis pelos vários diplomas a proibir o plantio, cultura e comercialização do vinho dos produtores directos, que dizer de certos vinhos portugueses de grande aceitação no mercado interno e externo obtidos de vinhos em grande percentagem, cerca de 50%, como se afirma, produzidos de uvas originadas em produtores directos?
Mas não. Os motivos que devem ter levado o Governo a propor a base x, além dos históricos, foram certamente o conhecimento das experiências biológicas levadas a cabo nos anos de sessenta pelo Dr. Hans Breider, demonstrativas de uma maior incidência de doenças hepáticas, e nomeadamente da cirrose, em «cobaias» a que foram ministrados vinhos de produtores directos.
O mesmo investigador, noutro conjunto de experiências laboratoriais, verificou que a descendência de animais que ingeriram aquele tipo de vinho mostrava grande número de indivíduos afectados por monstruosidades físicas e desequilíbrios psicomotores.
É, assim, de admitir que os malefícios atrás apontados se estendam ao homem consumidor habitual de vinhos obtidos de uvas de produtores directos.
Parece, pois, ter total cabimento, à luz das conclusões das experiências do Dr. Breider, a pergunta formulada em tempos por determinado publicista, e que então me fez meditar, a seguir transcrita.
Parece-nos lógico perguntar se a alta percentagem de psiconeuroses observadas «em certa região rica em produtores directos» será exclusivamente motivada por factores geográficos-climáticos ou se na referida percentagem interferirá, e em que grau, o uso continuado, durante muitas décadas, dos vinhos produtores directos?
Sr. Presidente. Por esta razão ou por questões meramente comerciais, já que no XII Congresso Internacional da O.I.V, realizado na Romémia em 1968, o Dr. Hans Breider, que já citámos, denunciou o perigo do consumo dos vinhos obtidos dos produtores directos, hipótese ou verdade científica que servirá certamente para alimentar a argumentação negativa da nossa concorrência no mercado mundial dos vinhos.
Do exposto, permito-me afirmar à Assembleia a minha muito grande apreensão para a saúde e para o comércio internacional, pela existência no País de produtores directos destinados à produção de uva para vinho.

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Urge assim, na verdade, proceder à reconversão por enxertia dos produtores directos, até porque tal prática não é difícil nem morosa.
Honra seja feita neste particular aos técnicos portugueses que estão divulgando um método de enxertar que não perturba grandemente a produção das videiras onde é praticado e, assim, também pouco altera a economia do seu proprietário.
Sr. Presidente: Antes de me debruçar sobre a região vitícola algarvia, de grande interesse para a economia regional e nacional, até porque se tem mostrado valioso cartaz turístico, ainda irei ocupar a Assembleia com algumas reflexões muito breves sobre a cultura de videiras para obtenção de uvas de mesa
Estamos realmente num país que tem sentido, e por várias vezes, crises gravíssimas de saturação vinícola, tanto no mercado interno como no externo, devido à pouca elasticidade dos consumidores portugueses e também por pouca abertura dos mercados importadores, tantas vezes também produtores de vinho.
Temem muitos, e talvez até a razão lhes assista se a fiscalização não actuar com eficácia, que a generalização do plantio da vinha para uva de mesa venha a provocar, a menor ou maior espaço de tempo, situações de superproduções, tendo em atenção os mercados existentes, o que, dificultando a venda de uva de mesa para o consumo em natureza, a lançaria legal ou ilegalmente para o circuito vinícola.
Não quero desenvolver este tema, até porque me faltam elementos referentes a prospecções dos mercados estrangeiros de uva de mesa.
No entanto, parece-me, neste particular, que seriam muito prudentes, louváveis e realistas as considerações formuladas no parecer da Câmara Corporativa, ou seja, que.
«Um país que reúna condições naturais para dispor de uvas desde Junho até Outubro, colhidas nas vinhas, e até Dezembro, por recurso ao frio», posso acrescentar a VV Ex.ªs. que é viável no Sul do País conservá-las em câmaras frigoríficas até Abril, «poderá ter», continua o referido parecer, «vantagens sobre outros mais desprovidos de tais possibilidades».
Não será, assim, para a Câmara Corporativa pessimista a situação presente e próximo, futuro das vinhas para uva de mesa, opinião que também perfilho desde que a qualidade do produto, condição sine qua rum para a sobrevivência da especulação seja mantida e as suas condições de actuação nos mercados melhoradas
Para o efeito, deverão ser autorizados os licenciamentos para novas plantações de vinhas para uva de mesa somente nas zonas ecologicamente aptas à obtenção de boas frutas e, assim, susceptíveis de competir em qualidade e, também, em oportunidade comercial com o mercado internacional, que também neste sector se mostra extremamente agressivo.
Existem, todavia, muitas entidades, aliás produtoras de vinhos, que receiam o aumento da área plantada de vinha para uva de mesa por julgarem estar a abrir-se uma porta à fraude. Isto é, o fruto de tais plantações se destine à produção de vinho, e não para venda em natureza.
Dou-lhes, em parte, razão e talvez até possa dizer que os seus receios têm fundamento, já que a fraude, o furo à lei, parece que teve alguns praticantes por esse País fora.
Há que descobri-los e castigá-los.
No entanto, parece-me que tais possíveis situações fraudulentas são mais umas tantas razões para me congratular com o articulado da presente proposta de lei, que permitirá, de acordo, claro, com os condicionalismos a comprar, o plantio de vinha para a produção de uva para vinho.
A quem interessará, promulgada que seja a lei e com uma fiscalização atenta e honesta, plantar vinhas de uva de mesa e destiná-las para vinho?
Sr. Presidente: O plantio da vinha de uva de mesa efectivamente destinada à produção de uva para consumo e desde que atinja em 1.ª fase somente a área de 10 000 ha, programados no III Plano de Fomento, não irá, certamente, perturbar o comércio do vinho, já que, partindo-se da hipótese inverosímil de as uvas produzidas serem destinadas à produção de vinho, do que poderiam resultar 140 000 pipas, este quantitativo é ainda inferior à variação na produção anual de vinho, que se estima em cerca de 200 000 pipas.
Tendo em atenção as considerações que expendi em relação à uva de mesa, poderei talvez concluir que:
Se deve continuar a permitir o plantio de vinha para uva de mesa, mas com maior selectividade do que até aqui se tem vindo a praticar -casos há de localizações absolutamente anacrónicas - no sentido de se obter melhor qualidade do fruto e melhor oportunidade comercial da colheita,
Convirá, a partir de uma superfície plantada de 10 000 ha, reconsiderar o problema do seu alargamento, tendo em atenção as possibilidades concretas então existentes para absorção da respectiva produção;
Que, paralelamente às medidas atrás anunciadas, se exerça intensa fiscalização e se penalizem até com dureza os que atentarem contra o articulado dos diplomas que regem o plantio e comercialização da uva de mesa.

Sr. Presidente: Eis-me chegado ao remate da exposição que tenho vindo a desenvolver e que se traduzirá num pedido, num pedido muito veemente, num pedido que considero extremamente justo e exequível, num pedido, velha aspiração algarvia e que por vários meios tem chegado ao conhecimento do Governo.
Eu próprio, como representante algarvio, já aqui o apresentei.
Trata-se, como é fácil concluir, da demarcação da região vitícola algarvia e da liberalização condicionada do plantio da vinha no seu interior
Com efeito, em 18 de Fevereiro de 1970, depois de demonstrar nesta Assembleia que. «A viticultura é uma das raras opções culturais que se podem deparar à minifundiária lavoura algarvia em grave crise económica» e que «o comércio do vinho produzido no Algarve está em ampla expansão, com bons preços e devidamente organizado», solicitei «ao Governo, nas pessoas de SS. Ex.ª os Srs Secretários de Estado da Agricultura e do Comércio [...] a máxima e compreensiva atenção para o problema que ora apresentei, fazendo sinceros votos que na política vitivinícola que certamente irão», disse na oportunidade, «seguir se tenha em conta as conclusões e votos indicados, generalizáveis, estamos convictos, a muitas outras regiões vinícolas já demarcadas ou a demarcar »

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Solicitei então que «adentro da política [...] de restrinção do plantio da vinha, se deveria abrir uma porta permitindo o aumento dos vinhos de qualidade pelo acréscimo das áreas das vinhas que lhes dão origem»
Ora, a presente proposta de lei, nas suas bases II e III, vai ao enconaro do que solicitei em 1970, resta somente a sua aplicação logo que possível
Acresce ainda que as gentes algarvias, por intermédio dos seus representantes políticos, não deixaram de renovar constantemente a sua ardente aspiração, haja em vasta as conclusões de todos os plenários da Acção Nacional Popular realizados no Algarve de 1970 a 1973.
Sr. Presidente É por intermédio das regiões demarcadas ou por demarcar que se poderá prosseguir com uma política de qualidade e quantidade controlada imprescindível para o alargamento da nossa exportação de vinhos para mercados externos cada vez mais exigentes mas receptíveis a vinhos de elite.
Só a partir de regiões demarcadas se pode cumprir com eficácia o acordo de Lisboa relativo à Protecção das Denominações de Origem e ao seu Registo Internacional e Regulamento de Execução, ratificado em 2 de Fevereiro de 1966 pelo Decreto-Lei n º 46 852.
Realmente o estudo atento, aliás já feito para certas regiões, das condições ecológicas, das castas, porta-enxertos, técnica de fabrico, etc, pode definir os condicionalismos que poderão gerar ou geram o aparecimento de vinhos notáveis pelas suas qualidades e que os imporão ou impuseram no mercado.
De posse de tão preciosos elementos é viável a imediata delimitação de zonas vitícolas ou até restringir ou subdividir a área de certas zonas já demarcadas mas que não produzem com a homogeneidade necessária determinado tipo de vinho de qualidade.
Desta forma, se a política de qualidade é imprescindível para a sobrevivência da exportação dos vinhos portugueses, se a denominação de origem e o registo internacional é fundamental para a exportação dos mesmos; então, é evidente que as zonas demarcadas são necessárias ao viver presente e futuro da vitivinicultura portuguesa.
Mas voltemos ao Algarve
Quem não conhece o vinho de Lagoa, de Portimão, de Lagos e de Tavira?
Podemos afirmar que o Algarve ocupa já hoje uma posição destacada sob o ponto de vista vitivinícola, que conquistou não só pela relativa quantidade de vinho produzido mas muito principalmente pela tipicidade e qualidades organoléticas
Urge proteger da ruína que se aproxima por envelhecimento das vinhas existentes, no geral de compassos anacrónicos, o sector vitivinícola algarvio cujos rendimentos tanta incidência têm para os economicamente débeis minifundiários lavradores algarvios.
Como não quero abusar da paciência desta Assembleia e tecer maior cópia de argumentos que militem a favor do meu ponto de vista, ou seja, da urgência da demarcação da região vitícola algarvia e das suas sub-regiões, lembrarei tão-somente que o Decreto-Lei n º 63/71, de 3 de Março, que aprovou para ratificação o Acordo entre Portugal e a Espanha sobre a Protecção e Indicação de Proveniência, Denominação de Origem e Denominação de certos Produtos, assinado em Lisboa em 16 de Dezembro de 1970, o Algarve encontrava-se na lista (anexo B do referido decreto-lei), honrando-se com a companhia do vinho do Porto, Madeira, moscatel de Setúbal, Carcavelos, Estremadura, vinhos de Monção, Lima, Braga, Basto, Amarante, Penafiel, etc, Cartaxo, Torres Vedras, Borba, Reguengos de Monsaraz e Vidigueira.
Sr. Presidente A urgente definição e promulgação da Região Vinícola Demarcada do Algarve é não só um acto de justiça económico-social como até de extremo interesse e acuidade política.
Não se pode, neste momento, levar a frustração aos vitivinicultores algarvios
Vou terminar, dando mais uma vez a minha concordância na generalidade à presente proposta de lei.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem!

O Sr Presidente: - Srs Deputados: Vou encerrar a sessão.
Amanhã haverá sessão, à hora regimental, tendo como ordem do dia a continuação da discussão na generalidade da proposta de lei de condicionamento do plantio da vinha.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 25 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

João António Teixeira Canedo.
João Ruiz de Almeida Garrett.
Jorge Manuel de Morais Gomes Barbosa.
José João Gonçalves de Proença.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Manuel Valente Sanches.
Nicolau Martins Nunes.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.

Srs. Deputados que faltaram à sessão

Álvaro Filipe Barreto de Lara.
Álvaro José Rodrigues de Carvalho.
Aníbal de Oliveira.
Daniel Mana Vieira Barbosa.
Delfino José Rodrigues Ribeiro.
Fernando Guilherme Aguiar Branco da Silva Neves.
Fernando de Sá Viana Rebelo.
Francisco José Correia de Almeida.
Graciano Ferreira Alves.
Humberto Cardoso de Carvalho.
Joffre Pereira dos Santos van Dunem.
José dos Santos Bessa.
José da Silva.
Lia Mana Mesquita Bernardes Pereira Lello.
Manuel José Archer Homem de Mello.
Sebastião Alves.
Vasco Mana de Pereira Pinto Costa Ramos
Victor Manuel Pires de Agmar e Silva.

Requerimento enviado para a Mesa no decurso da sessão.

Requeira ao Governo, por intermédio do Ministério da Educação Nacional, que me sejam fornecidos os seguintes documentos publicados pelo Gabinete de Estudos e Planeamento daquelo Ministério.

Documento e Trabalho E S./A/72 1 Documento A E/B 1/73 2.

O Deputado, José Alberto de Carvalho

IMPRENSA NACIONAL CASA DA MOEDA

PREÇO DESTE NÚMERO 8$00

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