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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIADO DA ASSEMBLEIA CONSTITUINTE

DIÁRIO DA ASSEMBLEIA CONSTITUINTE

QUINTA-FEIRA, 11 DE MARÇO DE 1976 * NÚMERO 117

SESSÃO N.º 116, EM 10 DE MARÇO

Presidente: Exmo. Sr. Vasco da Gama Fernandes

Secretários: Exmos. Srs.
Alfredo Fernando de Carvalho
Amélia Cavaleiro Monteiro de Andrade de Azevedo
José Manuel Maia Nunes de Almeida

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberra a sessão às 15 horas e 30 minutos.

Antes da ordem do dia. - Deu-se conta do expediente.
O Sr. Deputado Melo Biscaia (INDEP.), manifestando preocupação e tristeza por não poucas portugueses terem esquecido depressa o longo e negro período do regime ditatorial de Salazar e Caetano ao defenderem hoje posições conservadoras ou mesmo iguais às do passado, quando, meses atrás, clamavam por liberdade, por justiça social, por socialismo, mostrou-se esperançado na opção do povo pelo socialismo democrático utilizando os esquemas e a metodologia da social-democracia evoluída e rejeitando assim os falsos profetas da democracia.
No final da sua intervenção, interpelado a orador respondeu a perguntas de esclarecimento formuladas pelos Srs. Deputados Romero Magalhães (PS), Simões de Aguiar (PPD) e Florival Nobre (PS).
O Sr. Deputado Teles Grilo (PS), após saudações ao Sr. Presidente da Assembleia Constituinte, à Assembleia, aos partidos políticos que lutam pela democracia e pelo socialismo às organizações sindicais, classes trabalhadoras e massas populares, criticou o CDS como partido da oposição menos em relação ao Governo do que em relação a um projecto socialista para a sociedade portuguesa, numa linha de coerência «sem o seu tão oportuno e apregoado social-centrismo». Quanto ao PPD, citando frases de intervenções passadas de alguns dos seus Deputados e uma passagem do programa do partido, perguntou se o súbito silenciamento da palavra «socialismo» em comícios, sessões de esclarecimento e outras públicas tomadas de posição significavam que o programa já não era válido.
Finda a sua intervenção, não obstante ter declarado que as perguntas por si feitas não eram para ser respondidas por Deputados dos partidos visados, pois as respostas deviam ser dadas directamente ao eleitorado, após o Sr. Deputado Barbosa de Melo (PPD) ter discordado da interpretação que inicialmente o Sr. Presidente dera do Regimento ao afirmar que a declaração do orador tornava inúteis quaisquer perguntas que Deputados lhe desejassem formular, discordância em que foi corroborado pelo Sr. Deputado Coelho dos Santos (INDEP.), as perguntas acabaram, com o acordo tácito da Assembleia, por ser feitas pelos Srs. Deputados do PPD Alfredo de Sousa, Barbosa de Mela, Jorge Miranda, Pedro Roseta, Helena Roseta e Olívio França.

Ordem do dia. - Continuou a apreciação do título v «Assembleia dos Deputados», da 5.ª Comissão, tendo sido aprovados o n.º 2 do artigo 43.º e ainda os artigos 51.º a 62.º, com eliminação dos artigos 58.º e 59.º e uma nova redacção para o artigo 57.º proposta pelo PS, e o artigo 68.º e o n.º 2 do atrigo 69.º No artigo 53.º ficou de reserva a alínea j).
Foi ainda aprovada, por proposta do Sr. Deputado Mota Pinto (INDEP.), que obteve o consenso unânime da Assembleia, a designação de «Assembleia da República», em lugar de «Assembleia dos Deputados».
Intervieram no debate os Srs. Deputados Jorge Miranda (PPD). Romero Magalhães (PS), Coelho dos Santos (INDEP.), Carlos Candal (PS), Mota Pinto INDEP.), Oliveira Dias (CDS), Emídio Serrano (PS), José Luís Nunes (PS), Alfredo de Sousa (PPD), Vital Moreira (PCP) e Barbosa de Melo (PPD).
Fizeram declarações de voto a propósito da aprovação da designação «Assembleia da República» os Srs. Deputados Jorge Miranda (PPD) e José Luís Nunes (PS).
No decorrer do debate foi autorizado o Sr. Deputado Raul Rego (PS) a comparecer no 3.º Juízo Correccional do Tribunal da Comarca de Lisboa, a fim de ser ouvido como testemunha de defesa numa acção.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 19 horas e 50 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Eram 15 horas e 15 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

CDS

Augusto Lopes Laranjeira.
Emílio Leitão Paulo.

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Manuel José Gonçalves Soares.
Maria José Paulo Sampaio.

MDP/CDE

Luís Manuel Alves de Campos Catarino.

PCP

Adriano Lopes da Fonseca.
António Rodrigues Canelas.
Avelino António Pacheco Gonçalves.
Eugénio de Jesus Domingues.
Fernanda Peleja Patrício.
Fernando dos Santos Pais.
Francisco Miguel Duarte.
Hermenegilda Rosa Camolas Pacheco Pereira.
Joaquim Diogo Velez.
José Manuel da Costa Carreira Marques.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Manuel Marques Figueiredo.
Leonel Ramos Ramirez.
Manuel Mendes Nobre de Gusmão.
Rogério Gomes Lopes Ferreira.
Vital Martins Moreira.

PPD

Abi1io de Freitas Lourenço.
Afonso de Sousa Freire Moura Guedes.
Alfredo António de Sousa.
Amélia Cavaleiro Monteiro de Andrade de Azevedo.
Américo Natalino Pereira de Viveiros.
António Joaquim da Silva Amado Leite de Castro.
António Júlio Correia Teixeira da Silva.
António Maria Lopes Ruano.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Roleira Marinho.
António dos Santos Pires.
Arcanjo Nunes Luís.
Armando António Correia.
Armando Rodrigues.
Artur Videira Pinto da Cunha Leal.
Carlos António Silva Branco.
Carlos Francisco Cerejeira Pereira Bacelar.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Custódio Costa de Matos.
Emanuel Nascimento dos Santos Rodrigues.
Fernando Adriano Pinto.
Fernando Barbosa Gonçalves.
Fernando José Sequeira Roriz.
António Martelo de Oliveira.
João Bosco Soares Mota Amaral.
João Manuel Ferreira.
Jorge Manuel Moura Loureiro de Miranda.
José António Camacho.
José Carlos Rodrigues.
José Ferreira Júnior.
José Manuel Burnay.
Luís Eugénio Filipe.
Manuel Coelho Moreira.
Manuel José Veloso Coelho.
Maria Élia Mendes Brito Câmara.
Maria Helena da Costa Salema Roseta.
Miguel Florentino Guedes de Macedo.
Nicolau Gregório de Freitas.
Nívea Adelaide Pereira e Cruz.
Nuno Aires Rodrigues dos Santos.
Nuno Guimarães Taveira da Gama.
Olívio da Silva França.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Rúben José de Almeida Martins Raposo.

INDEPENDENTES

Joaquim Coelho dos Santos.
José Casimiro Crespo dos Santos Cobra.
Luís Fernando Argel de Melo e Silva Biscaia.
Maria Augusta da Silva Simões.

PS

Adelino Augusto Miranda de Andrade.
Adelino Teixeira de Carvalho.
Afonso do Carmo.
Agostinho Martins do Vale.
Alberto Augusto Martins da Silva Andrade.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Alcides Strecht Monteiro.
Alfredo Fernando de Carvalho.
Alfredo Pinto da Silva.
Álvaro Monteiro.
Álvaro Neto órfão.
Amarino Peralta Sabino.
António Cândido Miranda Macedo.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Feliciano dos Santos.
António José Gomes Teles Grilo.
António José Sanches Esteves.
António José de Sousa Pereira.
António Mário Diogo Teles.
António Riço Calado.
Armando Assunção Soares.
Artur Filomeno de Magalhães Barros.
Artur Cortez Pereira dos Santos.
Artur Manuel de Carraca da Costa Pina.
Beatriz Almeida Cal Brandão.
Bento Elísio de Azevedo.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Manuel Natividade da Costa Candal.
Casimiro Paulo dos Santos.
Domingos do Carmo Pires Pereira.
Emídio Pedro Águedo Serrano.
Etelvina Lopes de Almeida.
Eurico Manuel das Neves Henriques Mendes.
Eurico Telmo de Campos.
Fernando Jaime Pereira de Almeida.
Flórido Adolfo da Silva Marques.
Francisco Carlos Ferreira.
Francisco Xavier Sampaio Tinoco de Faria.
Gilianes Santos Coelho.
Gualter Viriato Nunes Basílio.
Isaías Caetano Nora.
Jaime José Matos da Gama.
Jerónimo Silva Pereira.
João Francisco de Oliveira Moz Carrapa.
Joaquim Antero Romero Magalhães.
Joaquim da Costa Pinto.
Joaquim Gonçalves da Cruz.
Joaquim Laranjeira Pendrelico.
Joaquim de Oliveira Rodrigues.
José Alfredo Pimenta Sousa Monteiro.
José Augusto Rosa Courinha.
José Luís de Amaral Nunes.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
José Manuel Rodrigues Alves.

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José Maria Parente Mendes Godinho.
Júlio Pereira dos Reis.
Ladislau Teles Botas.
Laura da Conceição Barraché Cardoso.
Luís Abílio da Conceição Cacito.
Luís Maria Kalidás Costa Barreto.
Manuel Ferreira Monteiro.
Manuel Ferreira dos Santos Pato.
Manuel Francisco da Costa.
Manuel da Mata de Cáceres.
Manuel Pereira Dias.
Manuel de Sousa Ramos.
Maria da Assunção Viegas Vitorino.
Maria da Conceição Rocha dos Santos.
Maria Fernanda Salgueiro Seita Paulo.
Maria Teresa do Vale de Matos Madeira Vidigal.
Maria Virgínia Portela Bento Vieira.
Mário de Deus Branco.
Mário Nunes da Silva.
Pedro do Canto Lagido.
Pedro Manuel Natal da Luz.
Raquel Júdice de Oliveira Howell Franco.
Rosa Maria Antunes Pereira Rainho.
Rui António Ferreira da Cunha.
Rui Maria Malheiro de Távora de Castro Feijó.
Vasco da Gama Fernandes.
Vítor Manuel Brás.

O Sr. Presidente: - Responderam à chamada 151 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.

Eram 15 horas e 40 minutos.

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: Em relação ao n.º 114 do Diário, aceitam-se quaisquer reclamações, e aceitam-se rectificações ao n.º 115 do Diário.
Não sei se reparam que temos uma assistência juvenil fora do uso, o que só nos alegra, particularmente sabendo, como soube agora, que entre os assistentes se encontram os alunos do 1.º ano de Direito da Faculdade de Lisboa. Não há aqui nenhum cumprimento especial porque a Mesa não tem que cumprimentar especialmente seja quem for, mas alegra-se e regozija-se com o facto de ver os nossos futuros colegas nas bancadas de cima, e oxalá que tenham vida e saúde suficiente para poderem um dia vir para as bancadas de baixo.

Aplausos.

O Sr. Presidente: - Vamos proceder à leitura do

Expediente

A Sr.ª Secretária (Amélia de Azevedo): - Um telegrama assinado por João Mota Ribeiro, de Guimarães, de repúdio pelas declarações da Deputada Nívea Cruz, acerca da criação na Universidade do Minho dos cursos tecnológicos para os trabalhadores em Guimarães, declarando que o dinheiro dos impostos de Guimarães ficará naquela localidade se o Governo não concretizar ò ensino para os trabalhadores.

Outro telegrama de Braga, assinado por Lima Marques, da Associação Dinamizadora dos Interesses do Minho:
Tendo tomado conhecimento das justas e desassombradas afirmações contidas no requerimento distribuído nessa Assembleia pela Deputada Nívea Cruz, vem manifestar o seu apoio pela posição assumida pela referida Deputada.

Um telegrama de Alcácer do Sal:

Professores da Escola Secundária de Alcácer do Sal repudiam o Decreto n.º 793/75 e exigem revisão a graves injustiças.

Uma moção aprovada em reunião geral de trabalhadores em 17 de Fevereiro de 1976 do Instituto Nacional de Estatística, que repudia veementemente e denuncia todas e quaisquer restrições que venham a ser introduzidas na Constituição restringindo as suas liberdades como trabalhadores.
A Comissão Directiva Regional Provisória da Organização Pró-Sindical dos Trabalhadores da Função Pública manifesta de forma inequívoca a exigência da revogação do artigo 50.º da lei sindical, que dispõe que:

Lei especial regulará o exercício da liberdade sindical dos servidores do Estado, das autarquias locais e dos títulos públicas, que não sejam empresas públicas ou estabelecimentos de natureza comercial ou industrial.

Um abaixo-assinado com 103 assinaturas dos trabalhadores da Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, no qual reclamam iguais direitos laborais e sindicais dos restantes trabalhadores do País, solicitando a maior urgência no estudo deste assunto.
Uma moção, aprovada em plenário, dos funcionários administrativos da delegação de Setúbal da Secretaria de Estado do Trabalho rotula de inteiramente abusiva a denominação de moção e proposta aprovadas pelos trabalhadores da Secretaria de Estado do Trabalho, isto porque trabalhadores houve integrados nesta Secretaria de Estado que do plenário só tiveram conhecimento posteriormente à sua realização, por conseguinte entendem que este procedimento adoptado é de repudiar vivamente e exigindo que futuramente se analise e vote também aqui qualquer moção ou proposta que envolva trabalhadores da Secretaria de Estado do Trabalho, pois de outro modo terão de entender como manobras minoritárias e golpistas tais procedimentos. Aproveitam estar reunidas para reiterar a sua confiança à equipa responsável pelo Ministério da Trabalho e Secretaria de Estada do Trabalho - Tomás Rosa e Marcelo Curto -, bem como ao VI Governo, da inteligente e responsável condução do Sr. Primeiro-Ministro, Almirante Pinheiro de Azevedo.
A Comissão de Moradores de Arroios, perante a notícia da formação de uma comissão para resolução dos assuntos das ocupações ditas abusivas, manifesta estranheza da não representação dos delegados das Comissões de Moradores, únicas entidades conhecedoras desses factos e da situação dos ocupantes. Sugerem a integração dos delegados da zona, eleitos, das juntas de freguesia conhecedores dos problemas mencionados.
Um abaixo-assinado com 156 assinaturas dos trabalhadores da Direcção-Geral das Construções Escolares,

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que, tendo tomado conhecimento dos problemas respeitantes aos seus direitos laborais e sindicais e que estão a ser discutidos e votados na Assembleia, manifestam a firme disposição de lutar contra qualquer artigo ou articulado que os discrimine relativamente a quaisquer outros trabalhadores deste Pais.
Os trabalhadores da Direcção-Geral da Previdência, reunidos em RGT, exigem a consagração no texto constitucional dos direitos sindicais e laborais garantidos a todos os trabalhadores.
Outra moção dos trabalhadores do Centro de Estudos de Planeamento, Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica, Secretaria-Geral, Departamento Central de Planeamento, Comissão de Apoio às Cooperativas, integrados na Subsecretária de Estado do Planeamento, reunidos em assembleia geral, exigem a plena igualdade de direitos sindicais entre os funcionários públicos e os restantes trabalhadores. Exigem ainda a revogação do artigo 50.º da Lei Sindical.
Duas moções cuja recepção foi feita anteriormente, uma no dia 23 de Fevereiro e outra no dia 19 de Fevereiro, mas procedendo-se apenas hoje à sua leitura, pode dizer-se que são extemporâneas, uma vez que numa delas trabalhadores da RADAFE pedem o reconhecimento imediato da República Popular de Angola.
A outra moção é dos órgãos representativos dos trabalhadores, conselhos de trabalhadores e delegados sindicais da Setenave, também exigindo o reconhecimento da República Popular de Angola.
Como já há pouco disse esta leitura é extemporânea.
Outra moção, aprovada por unanimidade numa reunião geral das Comissões de Trabalhadores do Comité de Luta do Concelho de Setúbal:

O secretariado das Comissões de Trabalhadores do Comité de Luta do Concelho de Setúbal vem por este modo repudiar o inquérito do vosso organismo que dá pelo nome de DROT. Segundo o princípio deste inquérito, ele visa fazer colaborar num mesmo objectivo organismos de trabalhadores e de patrões, à boa maneira corporativa. Além disso, ele é uma ingerência intolerável nos órgãos independentes dos trabalhadores.
Por essa razão, exigimos do Ministério o fim desta ingerência.
Exigimos que o Ministério seja posto ao serviço dos trabalhadores, e não ao serviço dos patrões.
Exigimos também que sejam dadas credenciais a todas as comissões de trabalhadores e que seja posto fim a todo e qualquer saneamento à esquerda.
Em suma, exigimos um Ministério do Trabalho e não um Ministério das Corporações.

A assembleia de delegados da comissão permanente de trabalhadores da SEPSA manifesta a sua mais viva repulsa pelos actos terroristas da reacção fascista e reclama do Presidente da República, do Conselho da Revolução e do Governo as medidas enérgicas e necessárias para pôr fim ao terrorismo.
E, por hoje, temos lido o expediente.

O Sr. Presidente: - Terminará o período de antes da ordem do dia aos 20 minutos para as 5.
Chegaram agora dois requerimentos.
O Sr. Secretário faz favor de anunciar.

O Sr. Secretário (Alfredo de Carvalho): - Há dois requerimentos do Deputado Jaime Gama do Partido Socialista.

Pausa.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Melo Biscaia tenha a bondade.

O Sr. Melo Biscaia (INDEP.): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não consigo calar a forte preocupação e a tristeza profunda que sinto ao constatar que alguns portugueses e parece não serem poucos esqueceram depressa o longo e negro período do regime ditatorial de Salazar e Caetano!
Quantos ouvi, meses atrás, clamar, entusiasticamente, por liberdade, por justiça social, por socialismo, e hoje surgem defendendo posições nitidamente conservadoras, parentes ou mesmo iguais às do passado; quantos falam agora, obcecadamente, apenas dos erros da Revolução; quantos se comprazem em espalhar o seu pessimismo e derrotismo em relação ao presente e ao futuro, não escondendo uma certa saudade do que dizem ter sido a paz, a ordem e a prosperidade do tempo do fascismo.

Uma voz: - Muito bem!

O Orador: - Esqueceram já, lamentavelmente, que essa paz não eira uma paz generalizada, não era uma paz de todo o povo, mas, quando muito, era apenas a paz de alguns privilegiados, porque efectivamente a maioria dos portugueses viviam sem ela, alienados, explorados e oprimidos; esqueceram já que essa ordem era altamente repressiva, imposta com muita e desumana violência; esqueceram já que essa prosperidade era, no fundo, artificial e sobretudo obtida à custa de imensos sacrifícios exigidos aos trabalhadores, aos mais humildes, aos que foram sempre os desfavorecidos desse tenebroso regime.
Mas é um facto que tem alastrado a indiferença, o desinteresse pelo curso do processo revolucionário, havendo até quem o ataque violentamente, atribuindo-lhe a responsabilidade de todas as grandes dificuldades por que Portugal está a passar.
É que muitos não aceitam que nestes meses da Revolução não se tenham encontrado soluções para todos os problemas, tantos deles, afinal, herdados do regime que nos governou - regime que esteve sempre ao serviço dos grandes deste país, aumentando os seus privilégios e benefícios em troca do seu apoio económico e político.
Foram quarenta e oito anos - quantos o olvidaram já! - em que Portugal não saiu da humilhante e escandalosa situação de país subdesenvolvido, com lugar de assinatura na cauda de todos os outros!
Foram quarenta e oito anos - quantos se lembram ainda? - de um capitalismo desenfreado, gerador de discriminações e injustiças várias, e de um quase completo desprezo pela dignidade e pelas mais legítimas aspirações dos trabalhadores!
Grandes desigualdades económicas e sociais, desrespeito pelas liberdades e direitos fundamentais, mentira e corrupção, desmedida ganância de uns poucos à custa do suar e das lágrimas de muitos, cumplicidade do poder político com a alta finança e os monopolistas, descarada protecção da classe possidente, exploração doo obscurantismo do povo - tudo isso e muito mais

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existiu, em elevado grau, no regime derrubado em 25 de Abril de 1974.
Ora, é bom que estas coisas sejam lembradas, pelo menos de vez em quando, numa época como esta, em que parece andarem já tão arredadas do espírito de certas pessoas. E tal não acontece por acaso ...
Não tenhamos dúvidas, alguém está seriamente interessado em que os Portugueses percam a memória em, relação a todos os males do passado, levando-os a reagir somente contra os erros do presente processo democrático.

Uma voz: - Muito bem!

O Orador: - Alguém está interessado em desmobilizar o povo da Revolução para mais facilmente se apossar dele e o manejar a seu bel-prazer.
As forças reaccionárias estão organizadas e, às claras ou utilizando ainda alguns disfarces, vão desenvolvendo a sua actividade e espreitam a melhor oportunidade para agir em pleno.
A sua engenhosa máquina sente-se e ouve-se e vai sugando pouco a pouco os ingénuos, os incautos, os menos firmes nos seus ideais, aqueles que não sabem que a transformação profunda de uma sociedade não pode fazer-se de repente, aqueles que não sabem que essa transformação tem de passar necessariamente por excessos, por avanços e recuos, por reajustes sucessivos de critérios e de posições, por descontroladas paixões, por tensões sociais de maior ou menor intensidade.
Nenhuma revolução - que o seja efectivamente - se faz sem abuses, convulsões, solavancos e atropelos de vária ordem.
É a natural ânsia de se atingirem os objectivos que fizeram despoletar uma revolução que conduz a decisões pouco meditadas, rápidas, em que o factor político sobreleva muitas vezes a ponderação paciente, prudente e demorada de outros factores e de todo um completo condicionalismo.
Também, evidentemente, na nossa revolução tem havido precipitações, leviandades e erros de consequências graves.
Também muita coisa tem corrido mal, sendo censuráveis muitos dos processos e meios usados, quantas vezes apenas por oportunismo ou por demagogia.
Houve até (por que não reconhecê-lo?) verdadeiras «loucuras» por parte de sectores de certa esquerda, que tentaram desvirtuar o espírito e a finalidade da Revolução, procurando monopolizá-la, moldá-la a seu gosto próprio e consoante as suas conveniências.
Houve irrealismo, houve utopia, incorrecta interpretação da vontade popular, dirigismo. Quis-se passar, em corrida vertiginosa, de um extremo ao outro!
Embora reconhecendo tudo isso, penso, porém, que não há o direito de, generalizando o que apenas é parcial, concluir, como já se vai fazendo, pelo fracasso do processo revolucionário, abrindo a porta à desilusão ou à desesperança.
A revolução que estamos a viver não merece só acusações, não merece que só se faça ressaltar a sua parte negativa, como tantos, e até políticos responsáveis, têm feito, numa campanha bem orquestrada.
Entendo que não se deve passar o tempo a carpir mágoas, a dizer mal de tudo e de todos ou adoptando a cómoda posição de passividade.
Essas atitudes, essa renúncia, essa abdicação, será o que, presentemente, mais convém à reacção, que, por todas as formas, tem procurado fomentar e aproveitar os desânimos e a fraqueza de espírito dos menos esclarecidos e atentos.
A reacção, manhosamente, faz o seu jogo, e uma das suas cartas mais valiosa é precisamente a da exploração da descrença na Revolução.
E o que é lamentável é que algumas vezes são os que se dizem mais progressistas que lhe fornecem esse trunfo, com as suas atitudes insensatas, com os seus desatinos, com o seu orgulho e com a sua cegueira partidária.
A direita reaccionária tem-se alimentado e reforçado, principalmente, à custa das faltas, das asneiras, das fantasias e até da ingenuidade de certos grupos de esquerda, que têm teimado numa política irresponsável, desordenada, caótica, de terra queimada.
É uma tolice grave facilitar o jogo a essa reacção!
Há, sim, que contrariá-lo, há que denunciar todos os inconvenientes de uma direita que tenta recuperar os privilégios perdidos e que, ao contrário do que proclama, não possui o remédio para todos os males. Urge reagrupar à volta do processo revolucionário, interessando-os na sua dinâmica, todos aqueles que de início a ele aderiram e estão agora a ficar peso caminho, engrossando, talvez alguns inconscientemente, as hostes dos que querem, afinal, o regresso a formas retrógradas.
Mas como?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É às forças e organizações verdadeiramente dispostas a realizar neste país a democracia integral - política, económica, social e cultural -, é a essas forças, que têm como ideal e propósito sério o socialismo, que compete mostrar, inequivocamente, não só através de palavras, mas da prática, toda a importância e valimento das soluções progressistas que defendem.

Uma voz: - Muito bem!

O Orador: - Superando sectarismos exagerados: corrigindo erros e desvios que afectaram o projecto revolucionário; tendo sempre presente a realidade portuguesa; não deixando destruir mais sem ter com que substituir; revendo posições, com humildade, quando necessário; conjugando esforços quanto ao que pode ajudar a resolver os mais graves e prioritários problemas nacionais - é a essas forças que compete a tarefa patriótica de salvar o nosso povo do apetite e das garras de uma direita reaccionária, que, neste momento e quanto a mim, é o principal inimigo.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - É a essas forças que cumpre provar, com a sua praxis e capacidade de realização, que a revolução portuguesa tem de ser não só democrática, mas socialista, porque paina isso ela se fez.

Vozes: - Muito bem!

Aplausos.

O Orador: - As forças progressistas, sem quebra do que é próprio de cada uma, não podem negar a sua colaboração a uma acção urgente e eficaz no

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sentido de serem resolvidos problemas muito concretos, sobretudo de natureza económica e social, que afligem largas camadas da população.
Isso é essencial.

Uma voz: - Muito bem!

O Orador: - Mas há que fazer mais: há que fazer a revolução espiritual ou ideológica, que dê aos Portugueses um correcto esclarecimento político, uma maior educação cívica, a visão realista e justa das questões que carecem de solução, a vontade férrea de trabalhar e produzir riqueza, a apetência de viver e conviver democraticamente e de caminhar, com convicção, para o socialismo.
Já tarda essa revolução espiritual!
Tem sido, infelizmente, esquecida, e, no entanto, só por ela pode conseguir-se que a maioria do nosso povo compreenda bem todas as conquistas alcançadas depois do 25 de Abril de 1974, fazendo-a dispor-se a, firmemente, zelar e lutar por tais conquistas.
Só através dessa revolução muitos portugueses poderão vir a aceitar muitas coisas que não podem perder-se, como, por exemplo: o desejo e a vivência de democracia a todos os níveis, a participação efectiva das massas populares em todos os sectores da vida nacional, uma reformulação de conceitos, a eliminação de monopólios e latifúndios, a maior consciencialização e organização dos trabalhadores uma nova estruturação das relações de produção e de trabalho, a consagração na Constituição, que estamos a elaborar, de regras e princípios francamente progressistas e que alguém já pretende pôr em causa.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - É através dessa revolução espiritual ou ideológica que se poderá mostrar ao povo português toda a pureza de um socialismo construído e vivido em pluralismo e liberdade, que tem o condão de aliciar, de apaixonar, os que desejam sinceramente uma sociedade em que haja justiça social, fraternidade, igualdade e solidariedade.
Há que apagar a imagem defeituosa, deturpada, de socialismo, a ident.ifiear-5e quantas vezes com mero anarquismo, que, infelizmente, alguns têm exibido.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - As forças e partidos políticos verdadeiramente interessados no processo democrático têm de saber estar à altura da sua missão, neste momento e neste país.
Têm, quanto antes, de ocupar-se seriamente da parte que lhes compete nessa revolução espiritual, a qual deve ser devidamente planificada e realizada com método, bom senso, honestidade, boa fé e, sobretudo, sem violentar quem quer que seja. Há que orlar, pacientemente, a mentalidade socialista em cada um dos Portugueses.
Há que transformar não só as estruturas e as instituições, mas também o espírito e o pensamento dos homens que nelas hão-de servir, que nelas hão-de trabalhar.

Uma voz: - Muito bem!

O Orador: - Julgo que dessa acção pedagógico-política dependerá muito o êxito da luta que é preciso travar piara impedir não só o avanço e a instalação de uma direita reaccionária, mas também para evitar a acção nefasta de uma esquerda inconsciente, aventureirista e golpista, de que já tivemos dolorosa experiência.
Acredito, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que o povo, bem esclarecido, optará sempre pelo ideal do socialismo democrático, para a concretização do qual, quanto a mim, se deve caminhar progressiva e pacificamente, através de reformas profundas e estruturais, respeitando a realidade portuguesa e a vontade popular, utilizando os esquemas e a metodologia da social-democracia evoluída.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - O povo, esclarecido, rejeitará os falsos profetas da democracia, os hipócritas e fariseus da política portuguesa, que pregam o que não sentem nem querem realizar. Rejeitará todos os projectos ou propostas que possam conduzir a qualquer regime totalitária que destrua a liberdade conquistada.
Tenho ainda muita esperança que as forças progressistas saberão agir com inteligência e realismo, levando o povo a amar a Revolução, a entregar-se-lhe com entusiasmo, a crer nela, a trabalhar dedicadamente na sua continuação, como melhor forma de conquistar a felicidade que ele merece.
Tenho dito.

Aplausos.

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Pedidos de esclarecimento? Sr. Deputado Romero de Magalhães, tenha a bondade.
Mais algum Sr. Deputado deseja inscrever-se para pedido de esclarecimento? Mais alguém?
Sr. Deputado Simões de Aguiar, não é verdade? Mais alguém? Tem V. Ex.ª a palavra.

O Sr. Romero de Magalhães (PS): - Ouvi com muito agrado a exposição do Sr. Deputado Melo Biscaia, do qual apenas discordo em determinados problemas conceptuais, mas que, na sua generalidade, me parece uma contribuição altamente positiva neste momento em Portugal.
No entanto, no seu longo exórdio, o Sr. Deputado pôs determinados problemas que eu gostaria de ver clarificados. Nomeadamente, disse o Sr. Deputado que há quem esteja seriamente interessado em esquecer o passado, em desmobilizar o povo, e que esse alguém (mais abaixo disse-o) são políticos responsáveis que querem pôr em causa as conquistas revolucionárias do povo português.
Eu gostaria, se V. Ex.ª assim estivesse disposto, que concretizasse este ponto.

(O orador não reviu.)

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Simões de Aguiar tenha a bondade.

O Sr. Simões de Aguiar (PPD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não me choca absolutamente nada

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aquilo que acabo de ouvir da boca do Dr. Biscaia. Não me espanta. Faz-me lembrar efectivamente a sua posição anterior. Simplesmente, tenho a impressão que o Dr. Biscaia fará justiça de que ninguém esquecerá - e nas bancadas do PPD com certeza não esquecem - de que as culpas serão efectivamente, em grande parte, atribuídas ao regime anterior.
Neste momento, e segundo a sua boca, alguém está interessado em se esquecer.
Tenho a impressão de que o Dr. Biscaia nos fará justiça também, que o PPD não esquece.

Risos.

Estou plenamente convencido ...

Uma voz: - Estás, estás!

O Orador: - ... de que, e como afirmou o Dr. Biscaia, livre de oportunismos e demagogias, alguém e alguns dizem mal de tudo e de todos.

O Sr. Pedro Roseta (PPD): - Muito bem!

O Orador: - Também o Dr. Biscaia disse: «revendo a posição com humildade» e eu só queria fazer a pergunta ao Dr. Biscaia, meu amigo: como vai justificar a sua posição neste momento na Assembleia Constituinte depois de tudo o que afirmou. Quer dizer, como é que vai justificar perante a dúvida, perante a confusão do povo português, perante uma outra confusão da posição dele aqui na Assembleia Constituinte.

(O orador não reviu.)

Uma voz: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Dou a palavra ao Sr. Deputado Florival Nobre.

O Sr. Florival Nobre (PS): - Estou de acordo com o Sr. Deputado Biscaia quando se refere à via para o socialismo - e só esta pode resolver os problemas do povo português. E eu pergunto se na sua intervenção, quando se refere à direita reaccionária, engloba todos os partidos que defendem o velho sistema capitalista, que não interessa a ninguém.

(O orador não reviu.)

O Sr. Presidente: - Tem a palavra para responder. Está no seu direito.

O Sr. Melo Biscaia (INDEP.): - Pois, em primeiro lugar, eu quero responder ao Sr. Deputado Romero de Magalhães.
Como com certeza percebeu, eu tive o cuidado de nesta minha exposição, que é um marcar de posição, precisamente não referir nomes, não indicar as pessoas, não indicar as formações políticas. Entendo que neste momento, e sobretudo nesta Assembleia, devíamos deixar, justamente, esse actuar, tantas vezes aqui evidenciado. Isto é mais um marcar de posição, um abrir de alma, da minha alma, e, ao mesmo tempo, exortar todas as forças políticas a terem juízo - desculpem que assim o diga - a realmente porem de parte mais aquilo que as divide para olharem mais para aquilo que em comum pode defender a democracia e a construção de uma sociedade socialista em Portugal.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - No entanto, pois eu continuo a não referir nomes, mas simplesmente direi ao Sr. Deputado Romero de Magalhães que são todas aquelas forças políticas que realmente aproveitam o descontentamento que existe, e que eu apalpo no dia a dia até através dos motoristas dos táxis que me trazem aqui à Assembleia e com quem eu contacto e com quem falo sobre política, porque eu falo sobre política com toda a gente, e não há dúvida nenhuma de que há esse descontentamento, e esse descontentamento vem, como disse aqui também, muitas vezes da culpa de uma esquerda extremista, de uma esquerda que teve uma acção nefasta neste país. No entanto, o que eu levo a mal, que eu acho desonesto, é que não se esclareçam as pessoas e que se aproveite esse descontentamento precisamente para se aproveitar uma - neste momento - natural viragem à direita do povo português, para se lhe caçar os votos, visto que estão à porta as eleições.

É precisamente a essas forças que se aproveitam do descontentamento, da descrença de muitos da Revolução, que eu quis referir-me nesta minha exposição.

Pausa.

Quanto ao Sr. Deputado Aguiar, não percebi bem a sua pergunta. Ou por outra, creio que queria dizer: como é que eu justifico a minha posição neste lugar?
Eu justifico-a pura e simplesmente assim: eu estou aqui porque fiz um contrato na campanha eleitoral com o eleitorado do povo português. E disse na campanha eleitoral o que disse sempre aqui. E, portanto, entendo que estou neste lugar perfeitamente à vontade e com toda a justiça e com toda a legitimidade.

Aplausos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Quanto ao Sr. Deputado Nobre, pois é uma concepção que o Sr. Deputado com certeza tem de que a social-democracia não poderá conduzir ao socialismo.
Eu exprimi a minha maneira de pensar também. Respeito a sua. Mas gostaria também, como aliás isso é evidente, com certeza, que o Sr. Deputado respeitasse a minha.
Eu estou absolutamente crente de que neste país, neste momento, só através de uma via social-democrática autêntica, ...

Uma voz: - Toma!

O Orador: -... com reformas profundas e estruturais, não andando para trás, mas andando sempre para a frente, e tendo como meta e como ideal o socialismo em liberdade, pois eu entendo que realmente só através desta via se poderão resolver para já os problemas mais instantes, os problemas que re-

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solvam as necessidades básicas deste pobre povo português.

(O orador não reviu.)

Aplausos.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Telles Grilo, faça favor.

O Sr. Telles Grilo (PS): - Palavra que me é concedida, palavra que será sobretudo saudação, pese embora a despedida e amargurada ironia de certas considerações.
Palavra de saudação que não é mais do que um eco de milhares e milhares de vozes que se propalam por este país em completa sintonia com a minha própria voz. É assim que:
Saúdo o Sr. Presidente da Assembleia Constituinte, expoente máximo da legitimidade representativa, como saúdo o Presidente do Conselho da Revolução, onde entronca a legitimidade revolucionária.
Saúdo os Srs. Deputados, mandatários do nosso povo para a feitura da Constituição, mas saúdo também as comissões de trabalhadores e de moradores que rescindem a povo e povo são.
Saúdo os partidos políticos que lutam pela democracia e pelo socialismo, mas saúdo de igual modo as organizações sindicais e as massas populares.
Saúdo, finalmente, as classes trabalhadoras desta Pátria, geograficamente pequena na sua incomensurável dimensão universal, classes trabalhadoras que, inexoravelmente, haverão de derrubar o que resta do edifício podre, bafiento e corrupto da sociedade do lucro, erigindo em seu lugar, com seus braços, sua inteligência e sua vontade, uma outra mansão onde todos caibam e se realizem em perpétua paz e perfeito entendimento.

Aplausos.

Bem sabeis que não estais sós, camaradas, mais que um presente exausto e combalido na árdua batalha travada com um passado hediondo, é o futuro que tendes já ao vosso lado!
Bem sabeis que não há derrota que possa obstar à consumação da vitória, camaradas, porque sereis vós que, superando as contradições, escrevereis o epílogo da própria história!
Bem sabeis que não estais de mãos vazias, camaradas. Tendes ao vosso alcance, neste Portugal de hoje, três importantes e sólidas ferramentas que havereis de manejar com habilidade, persistência e firmeza: 1) A Constituição Política; 2) A garantia dada pelo MFA de que será cumprida; 3) E, acima de tudo, a vossa consciência de classe na luta pela emancipação final.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: As bases do meu partido me trouxeram até Lisboa, às bases de novo regresso para continuar, humilde, mas obstinadamente, a lutar pelos dois pólos à roda dos quais gravita o Mundo em que vivemos, na sua ânsia de rasgar séculos de servidão, na sua vontade de esmagar as sombrias cavernas dos mitos, onde se acoitam os faunos do medo e os ogres da repressão, na sua sede de enxugar os pântanos dos privilégios, das desigualdades e da alienação.
Dois pólos, duas tendências, dois vectores, duas palavras, um só imenso desejo: trata-se do socialismo - trata-se da liberdade.
Muitas vezes pensei, em conciliábulo comigo mesmo, se, por força dos exemplos históricos, não haveria que excluir uma em favor da outra, ou pelo menos criar-lhe uma hierarquia de dependência.
Do fundo da minha mundividência cristã, a que o marxismo trouxe importantes e fecundos ensinamentos, pude concluir que uma e outra se interpenetram e se fundem, porque se postulam reciprocamente, porque são o oxigénio e o hidrogénio, sem os quais não há água nem vida, porque, finalmente, são a própria essência da dignidade humana!
Na verdade, socialismo sem liberdade é escravatura feita em nome da democracia económica ...

Aplausos.

... do mesmo modo que liberdade sem socialismo é exploração feita em nome da democracia política.

Aplausos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E se vale a pena lutar por esses dois valores e defendê-los até às últimas consequências! Se vale a pena ..., mesmo quando as populações rejeitam a liberdade, que as ajudaria a emergir da escuridão; mesmo se as populações hostilizam a democracia, que as emanciparia; mesmo se essas populações receiam o socialismo, que, realizando-as, as projectaria para formas de vida superiores!
Há, pois, toda uma gigantesca batalha a travar contra o obscurantismo acumulado na poeira do tempo. Contra os cotos necrosados e purulentos que a sombra do fascismo ainda agita. Contra essa besta imunda que é a hidra do capital, a quem não basta cortar a cabeça, porque outras cabeças tem e as renova sem cessar.
É por isso que se exige uma militância corajosa, estóica e determinada a todos os que, cá dentro ou lá fora, lutam pelo socialismo e pela liberdade.

Aplausos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - É por isso que urge prevenir e reprimir os atentados terroristas, os botes de sabotagem, as manobras de diversão e toda a coacção psicológica, sejam veiculados pela direita, sejam carreados pela esquerda, que, assumindo esse papel, assume o rosto da própria direita.
É por isso que, por amor ao pluralismo e por respeito aos cidadãos, se torna necessário demarcar perfeitamente os nossos adversários ideológicos, a fim de se evitarem as perigosas alucinações de D. Quixote ou os tardios lamentos de Sancho Pança.
Vejamos, por exemplo, o CDS, partido que a si próprio se intitula de oposição, e que talvez o seja, menos em relação a um Governo do que em relação a um projecto socialista para a sociedade portuguesa. Defende com à vontade crescente, a que não falta uma ponta de saudoso marialvismo, misturado ao rigor da estatística e ao elitismo tecno-burocrata do mundo das finanças, as relações de produção capitalistas. Faz o panegírico da economia social de mer-

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cado e vai até ao requinte de, «procurando libertar as energias adormecidas ou refreadas» e «imprimir maior dinamismo às actividades económicas», acenar aos trabalhadores com a suprema felicidade de se verem transformados, um a um, em realizados proprietários!? Para tanto, há que lançar mão de profilaxia adequada, onde não faltem meia dúzia de bálsamos que possam suavizar as dores do parto impiedoso e incessante dos trabalhadores quando geram a mais-valia. A terapêutica adoptada, que, tendo muito a ver com a recuperação orgânica e funcional de quem produz, não descura a apopléctica abastança de quem detém os meios de produção, é extremamente sóbria e comedida: a) Por um lado, arranjam-se umas tantas vitaminas, embaladas sob esquemas de participação dos trabalhadores na decisão e resultados da unidade empresarial; b) Por outro, distribuem-se, risonha e eficazmente, umas quantas anfetaminas, na fórmula de repartição paritária de lucros, que vão aguentar e até potencializar a força de trabalho, sustentáculo derradeiro do capital investido.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Não pode dizer-se que o quadro clínico não esteja perfeitamente elaborado e que o boletim de sanidade deste país não possa vir a ser brevemente afixado, dando a conhecer a agradável e exultante boa nova de que o extremoso doente começa, finalmente, a reagir, para gáudio e bem-aventurança de todos os que, esperançada e desesperadamente, labutam pelo fim da usurpação capitalista.
O Centro Democrático Social tem sido coerente no seu tão oportuno e apregoado social-centrismo? Talvez devamos responder afirmativamente, atentos aos seus princípios e à sua acção, não obstante o preâmbulo do projecto constitucional que apresentou, surpreendente na sua arrasadora emotividade socialista, e um ou outro artigo que o seu grupo parlamentar aprovou, que não deixam de exalar um forte, saudável e inebriante aroma a sociedade sem classes.

Risos.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não é Camilo, nem Eça o que ides ouvir. Tão-pouco um excerto das Farpas ou um Novo Conto das Montanhas. Não deixa de ser, no entanto, um bom naco de prosa de ficção:

Liberdade, igualdade e solidariedade são os grandes ideais do socialismo e realizam-se na democracia.
Estes ideais são a herança de uma complexa tradição cultural historicamente alimentada pelos contributos do humanismo, do cristianismo e da filosofia ocidental, das lutas das classes trabalhadoras, da análise das formas de contradição e opressão da sociedade capitalista e do combate contra o fascismo, os imperialismos e os totalitarismos. O partido pretende reunir todos os que aceitam os ideais do socialismo e procuram realizá-los pela construção da democracia, independentemente da sua crença religiosa ou formação filosófica. A sua unidade baseia-se em ideais e objectivos políticos comuns e consolida-se na prática quotidiana da luta pela democracia e pelo socialismo.

O socialismo democrático é um desafio constante à dedicação e à generosidade dos seus militantes, porque os seus ideais e objectivos estão sujeitos a ameaças sempre novas e carecem de ser realizados sempre de novo.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - O partido, por mais estranho e surrealista que pareça, é o PPD ...

Risos.

... e se dúvidas houvesse sobre o seu programa e aquilo que se propõe, poderíamos folhear displicentemente o Diário e, com recolhimento, assistir a alguns curiosos e eloquentes monólogos-dialogantes. Ora oiçam:

O Sr. Alfredo de Sousa: - A sociedade socialista é uma forma superior de vida. Mas não basta dizê-lo, nem sequer só consigna-lo na Constituição. É preciso demonstra-lo ao povo (n.º 26 do Diário).

Gargalhadas.

O Sr. Moura Guedes: - Este povo :esteve e está com um projecto de socialismo em liberdade, em que o homem não mais seja explorado pelo homem e em que o cidadão não mais seja explorado pelo Estado. É necessário recuperar este povo para a revolução. Porque se não a revolução deixa de ser do povo e passa a ser contra o povo (n.º 26 do Diário).

O Sr. Furtado Fernandes: - Nem liberal, nem neoliberal, o PPD é um partido vocacionado na construção de uma sociedade socialista. Socialismo que não esmague a pessoa humana, antes seja condição imprescindível da sua ampla libertação. Para tanto recolhe o PPD contributos diversos onde se compreende o personalismo e o marxismo, para além de outras heranças que tornam o nosso partido maleável à apreciação da realidade e imune às construções dogmáticas (n.º 44 do Diário).

Risos.

Aplausos.

O Sr. Mário Pinto: - ... o meu partido tem repetidamente afirmado que substanciais apostações de Marx, e até de marxistas seus reais continuadores, são recolhidas e assumidas no seu programa. E segundo eu penso não de forma desprezível (n.º 45 do Diário).

O Sr. Jorge Miranda: - O povo disse que queria o socialismo, mas um socialismo democrático. A luta pela democracia e pelo socialismo passam pela feitura de uma Constituição democrática e socialista (n.º 47 do Diário).

Risos.

Uma voz: - Isso é engano ...

O Orador: - Estes, entre muitos outros depoimentos orais e escritos, coloquiais e televisivos, de entre-

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vistas e de comunicados, onde se foram amalgamando, até há bem pouco tempo, as respeitáveis opiniões dos condicionais, incondicionais e condicionados de um partido que, autolimitando-se lá pelas bandas da ria, na sua democracia interna, rumo ao carisma e à autocracia, deu à comunidade lusitana uma curta amostragem do que seria uma sociedade criada à sua imagem e semelhança ...

Aplausos.

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Pedro Roseta (PPD): - Olha quem fala.

O Orador: - E a questão que ponho é muito simples: face ao súbito desaparecimento da palavra socialismo das cordas vocais dos que, em comícios, sessões de esclarecimento e outras tomadas de posições públicas, falam em nome do PPD, pergunto se o seu programa é ou não ainda válido!?

Uma voz: - Isso é falso.

O Orador: - Pergunto se a sua pretensão de criar uma sociedade socialista, como o proclama solenemente o seu projecto constitucional - vejam-se os artigos 1.º (Princípios fundamentais)/64 (Princípios gerais da organização e da política económica), artigo 70.º (Sobre a Reforma Agrária) e artigo 76.º (Via para a autogestão) - pergunto se essa pretensão ainda se mantém?! Pergunto finalmente se a sua adesão na generalidade ao articulado da Constituição e a sua alta percentagem de aprovação no domínio da especialidade inculca ou não, ao democrático partido popular, a religiosa obrigatoriedade de respeitar e defender a lei fundamental do País e lealmente dar a conhecer essa posição ao eleitorado.
Não que acredite na via social-democrata para uma sociedade não capitalista, mas porque gostaria de saber qual é a outra face do espelho do PPD!
Na verdade a social-democracia, nos poucos países onde existe, é distributiva; assenta num elevado rendimento por cidadão, repousa numa industrialização avançada.
Por outro lado, parte dos rendimentos que se distribuem e redistribuem através de adequada fiscalidade não passam de mais-valias importadas, mais-valias que são arrancadas a outros povos na forma de matérias-primas obtidas a baixo preço, ou corporizadas no cheque que titula o lucro das multinacionais, à custa do esmagamento dos salários.

Aplausos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Finalmente, creio que aço-gestão e participação na gestão, muletas que a social-democracia oferece aos trabalhadores na sua penosa caminhada, não os leva ao socialismo, mas ao neocapitalismo; não os leva ao fim da exploração, mas ao seu recomeçar.

Uma voz: - Mentira!

O Orador: - Deixemos, pois, ficar nesses países os trenós que por cá nem há neve suficiente, nem espaço de manobra; deixemos por lá as renas que o clima é outro e a fauna de outra natureza ...

Risos.

... esqueçamos, senhores, esse rechonchudo e nórdico Pai Natal que, na sua tão festejada missão, entrou sempre pela chaminé limpa das casas mais abastadas, atafulhando de brinquedos os sapatos de verniz dos meninos favorecidos, e estranhamente se foi esquecendo da lareira suja e fria das casas dos mais humildes, onde jaziam ignoradas as botas esburacadas de meninos de outra condição.

Aplausos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: Hoje alteram-se um pouco as regras do jogo, porque, sem ofensa ao Regimento, me permito não responder aos eventuais pedidos de esclarecimento.

Vozes (em uníssono): - Ahhh!

Burburinho.

O Orador: - As perguntas são minhas. As respostas dá-las-eis vós, não ao Deputado socialista que neste momento inquire, mas exactamente ao povo português.

Manifestações diversas.

Aplausos.

Posto isto, repito, de outro modo, a interrogarão feita há pouco.

Vozes diversas.

Vozes: - Cala a boca, cala a boca!

O Orador: - Foi um provocador que falou ou foi um Deputado?

Risos.

Posto isto, repito, de outro modo, a interrogação feita há pouco: Assume, apesar de tudo, o PPD, a sua aparente condição de partido social-democrata, empenhado na via socialista, ocupando, assim, pelo menos um espaço teórico no processo português, ou remete-se, pelo contrário, a um papel de antiqualquer coisa, antitudo, procurando, paralelamente, lançar mão de fatiota que lhe não pertence, porque encomendada e vestida por quem foi mais lesto e hábil, tornando-se desta forma inevitavelmente um CDS de 2.ª grandeza?

Aplausos.

Risos.

É necessário que o popular partido democrático dê a conhecer aos que se preparam para eleger os seus mandatários a máscara que vai afivelar, não obstante ter já passado o Carnaval e ser tempo de reflexão porque é Quaresma.

Risos.

Burburinho.

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Constituinte do meu país - Presidente, Deputados: é hora de terminar. Faço-o com uma breve reflexão. Julgo ser tempo e dever de todos os católicos, nesta época pós-constantiniana que a Igreja atravessa, época de renúncia à aliança com o poder temporal, época de retorno à pureza do Evangelho, época de intervenção da comunidade cristã na problemática concreta da questão social, julgo ser tempo e dever de conjugarem todos os esforços para que a palavra exploração seja para sempre erradicada do frontispício da humanidade.
Está escrito há muitos milhares de anos: «Comerás o pão com o suor do teu rosto.» Lembra-te que há-de ser com o teu suor, e não com o suor do rosto alheio.

Uma voz: - Muito bem!

O Orador: - Lembra-te sempre que Cristo foi condenado pela omissão de um Pilatos imperialista e pela acção de um Sinédrio judeu capitalista.
Lembra-te, finalmente, que é preciso evitar que, conto Ele, alguém mais neste país seja traído por dinheiro.

Aplausos prolongados.

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado, na sua intervenção, fez a declaração formal e solene de que não responderá a quaisquer pedidos de esclarecimento.

Uma voz: - Isto é que é um democrata.

O Sr. Pedro Roseta (PPD): - E irresponsável

O Orador: - Nestas condições, chamo a atenção dos Srs. Deputados que a palavra será concedida, com certeza, se porventura foi objectivamente referido, ou criticado, ou atacado, qualquer Sr. Deputado. É o que diz o Regimento, e não posso deixar de o cumprir. Se me perguntarem à minha própria consciência se estarei de acordo com esta norma regimental, declaro já que não estou. Mas tenho de a cumprir. Efectivamente, o que se encontra escrito é que as respostas e o direito de resposta terão de ser exercidos, desde que foi objectiva e marcadamente referido e atacado, sobretudo, pelo Deputado em referência. Nestas condições, não concederei a palavra a qualquer intervenção, passando imediatamente ao uso da palavra o Sr. Deputado Avelino Gonçalves.

Burburinho.

Se alguém desejar usar da palavra para interrogar a Mesa ou interrogar o Regimento, concedê-la-ei, antes de conceder a palavra ao Sr. Deputado. Para interrogar a Mesa ou interrogar o Regimento.

O Sr. Barbosa de Melo (PPD): - Sr. Presidente ...

O Sr. Alfredo de Sousa (PPD): - Sr. Presidente ...

O Sr. Presidente: - Dois ao mesmo tempo é que não pode ser. Terá de ser só um. Faça favor um das Srs. Deputados de interrogar a Mesa ou interrogar o Regimento.

O Sr. Barbosa de Melo (PPD): - Sr. Presidente: É para interrogar a Mesa, e para através dela interrogar o Regimento na interpretação da Mesa, que eu peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Tenha a bondade.

O Sr. Barbosa de Melo (PPD): - Sr. Presidente: Entendo eu que o pedido de esclarecimento é um direito que assiste a todos os Deputados perante afirmações que são feitas na Câmara. Se o Deputado interpelado quer ou não dar a resposta que lhe é pedida, esclarecer aquilo que o perguntante considera obscuro - ou é considerado obscuro pelas seus pares -, isso é problema dele, respondente.

O Sr. Pedro Roseta (PPD): - Muito bem!

O Orador: - Mas o direito de perguntar assiste, segundo o nosso Regimento, a todos aqueles que ouvem aqui qualquer afirmação, que ouvem aqui qualquer intervenção dos seus pares.

Uma voz: - Muito bem!

O Orador: - Pergunto à Mesa o seguinte: será que a Mesa considera que o direito de perguntar só tem sentido quando o perguntado o quer considerar, não obstante a vontade expressa pelos outros de serem esclarecidos do conteúdo das suas afirmações? Será, esta a interpretação da Mesa? Estará ela de acordo com o Regimento?
Eis as minhas perguntas.

(O orador não reviu.)

O Sr. Presidente: - Para interrogar a Mesa mais algum Sr. Deputado?

Pausa.

Sr. Deputado Coelho dos Santos, tenha a bondade.

O Sr. Coelho dos Santos (INDEP.): - Sr. Presidente: Eu estou totalmente de acordo com a interpretação que fez o Sr. Deputado Barbosa de Melo, embora não tenha nenhuma pergunta a formular ao Deputado do Partido Socialista, que ouvi com todo o interesse e com quem concordo na maior parte daquilo, que disse. Simplesmente, parece-me que a Mesa está a fazer uma interpretação muito rápida, muito ligeira do Regimento e peço a atenção de V. Ex.ª para o seguinte: mesmo que o Regimento seja menos claro quanto a este aspecto, parece-me que o uso e costume também faz lei. Ora, o uso é dar-se o direito de palavra a quem deseja pedir esclarecimentos, e só depois disso se pergunta ao Deputado interpelado se quer responder ou não.
O facto de o Deputado do Partido Socialista ter antecipado a sua resposta à pergunta que normalmente a Mesa faz, não impede que os Deputados interpelantes tenham o direito de pedir os esclarecimentos. Eu permito-me requerer que o assunto seja levado a uma anotação da Assembleia.

(O orador não reviu.)

O Sr. Presidente: - Mais algum Sr. Deputado quer interpelar a Mesa?

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Efectivamente, o caso é, pelo menos, original. Vamos assistir à formulação de perguntas que se sabe antecipadamente que não são respondidas. Agora em reconsideração, depois dos argumentos que foram apresentados, a Mesa poderá eventualmente tomar uma posição diferente. Mas a razão por que a Mesa decidiu assim foi até pela originalidade do facto. Não será, porém, pelo meu intermédio que se vai coarctar aos Srs. Deputados o direito de pedidos de esclarecimento, embora desta forma original, sabendo-o antecipadamente, a não ser que haja reconsideração do Sr. Deputado respondente, de que não responderá às perguntas formuladas.
Façam o favor de fazer perguntas, então.

O Sr. Alfredo Sousa (PPD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, o teor da minha intervenção pode ser considerada ou não como uma pergunta pelo Sr. Deputado que acabou de falar.

O Sr. Afonso do Carmo (PS): - É ou não pedido de esclarecimento?

Manifestações várias.

O Orador: - As afirmações que o Sr. Deputado acabou de fazer, involuntariamente, são um testemunho ao Partido Popular Democrático. São um testemunho à fidelidade das suas opções, à fidelidade ao seu programa.

Risos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: -... porque nos momentos em que os partidos chamados à sua prática política fundamental, que é de notarem uma Constituição, o PPD afirmou essa fidelidade, pronunciando-se e optando por uma linha social-democrática como via ao socialismo.

Vozes: - Muito bem!

As próprias citações são um exemplo flagrante e já que ele as citou não as pode desmentir.

Manifestações.

Uma voz: - Muito bem!

O Orador: - Nunca a fidelidade de ontem, de hoje e de amanhã do PPD às suas opções, ao seu programa, à sua linha de conduta podem ser postas em dúvida, a não ser que aqueles que, através de insinuações mais ou menos gracejantes, querem lançar a poeira aos olhos do eleitorado, aos olhos do povo português ...

Aplausos.

Pateada.

Grandes manifestações.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado ... Sr. Deputado ...

Grandes Manifestações.

Eu apelo ... Eu apelo ...

O Orador: - Sr. Presidente: Sou atingido directamente ...

O Sr. Presidente: - Desculpe o Sr. Deputado, mas eu estou a pedir licença para intervir.

Burburinho.

O Orador: - Desculpe!

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado, pela sua inteligência, há-de ser o primeiro a compreender de que não está, efectivamente, a fazer um pedido de esclarecimento. Está a fazer uma intervenção ...

Manifestações.

Perdão! Os Srs. Deputados tenham paciência, fazem o favor de ouvir.
Está a fazer uma intervenção que podia ter lugar noutra ocasião qualquer e ser ouvida, pelo menos por meu intermédio e com a minha presidência, com toda a atenção pela Assembleia. Peço-lhe o favor de formular a pergunta e deixar-se de considerações, que me parecem a mim, salvo melhor opinião, uma autêntica intervenção oral que fica completamente deslocada deste momento da nossa sessão.

O Orador: - Sr. Presidente: Eu não quero entrar num exame detalhado do Regimento, mas tendo eu sido visado directamente, suponho que o próprio Regimento ...

Manifestações.

... me permite algumas considerações. No entanto, lá chegarei à pergunta.

Agitação.

A verdade é que, Sr. Presidente, essa questão de se pôr em dúvida a fidelidade do PPD não pode constituir areia atirada aos olhos do público, nem muito menos calúnias que são lançadas e que não se coadunam nada com o espírito democrático e cristão de quem falou.

Burburinho.

Não acha o Sr. Deputado que, se examinasse a fundo a prática de todos os partidos, não poderia encontrar num ou noutro uma infidelidade, e não acha o Sr. Deputado que a maioria dos partidos aqui presentes ...

Burburinho.

(Vozes impossíveis de registar.)

Meu caro amigo, também me engano, como o outro, e nunca ridicularizei ninguém.

Uma voz: - Muito bem!

Burburinho.

O Orador:-... que a prática dos partidos aqui presentes foram substancialmente fiéis à sua linha programática.
Considero, portanto, queira ele responder ou não, que a oração que o Sr. Deputado acabou de fazer

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foi constituída na base de vis calúnias que não se coadunam nada com o espírito cristão que arvorou.

(O orador não reviu.)

O Sr. Pedro Roseta (PPD): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Jorge Miranda para formular uma pergunta, um pedido de esclarecimento.

Pausa.

O Sr. Deputado Barbosa de Melo tenha a bondade. Faça o favor de desculpar.

O Sr. Barbosa de Melo (PPD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pedia a palavra para fazer um pedido de esclarecimento.
Considero a intervenção que o Sr. Deputado do Partido Socialista, que acaba de falar, aqui proferiu como uma intervenção cheia de brilho literário e cheia de nobreza moral.

O Sr. Theodoro da Silva (PPD): - Foi uma Intervenção democrata-cristã.

O Orador: - Eu também sou daqueles que entende, que aceita, que faz como sua regra de vida o princípio paulino de que «quem não trabalhar não comerá».

Uma voz: - Tem de ser assim ...

O Orador: - Apesar do brilho e da profundidade de intervenção que fez, há dois aspectos que eu lhe gostaria de perguntar, duas perguntas que gostaria de lhe fazer, cabendo-lhe, assim, obviamente o direito de responder ou não.
A primeira diz respeito à posição que traçou a respeito do Partido Popular Democrático. Fez afirmações, coligiu citações, proferidas até com uma certa data, segundo suponho.
E eu pergunto-lhe se teve em conta o conteúdo do Diário das Sessões desta Assembleia depois da data que arbitrariamente escolheu.
A segunda pergunta diz respeito ao seguinte: Teceu o Sr. Deputado considerações que menosprezam a via social-democrática para se atingir o socialismo. Teceu considerações invocando exemplos estrangeiros. E eu pergunto-lhe se teve conta, nas observações de algum modo desprimorosas que fez a essa via, se teve em conta os partidos que estão filiados na Segunda Internacional Socialista.

(O orador não reviu.)

Uma voz: - Muito bem!

Outra voz: - É assim mesmo.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Miranda.

O Sr. Jorge Miranda (PPD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tal como na intervenção que fiz e que foi citada pelo Sr. Deputado Teles Grilo, eu continuo a pensar que devemos fazer uma Constituição democrática e socialista, e queria desde já perguntar ao Sr. Deputado Teles Grilo se não tomou em consideração algumas intervenções minhas, muito posteriores àquela que citou, nomeadamente a intervenção sobre democracia e poder popular feita em Dezembro, já depois dos acontecimentos de 25 de Novembro; a intervenção sobre poder local feita em Janeiro deste ano, e, finalmente, a declaração de voto que ontem mesmo li, nesta Assembleia, em que falava expressamente na necessidade de uma transformação socialista das estruturas da comunidade portuguesa, ontem, nesta Assembleia Constituinte.

Uma voz: - Vá lá ...

O Orador: - Em segundo lugar, eu gostaria de perguntar ao Sr. Deputado Teles Grilo, embora provavelmente ele não queira esclarecer esse ponto - mas para mim é um ponto fundamental -, qual o modo como ele correlaciona as opções cristã e marxista a que adere.

A Sr.ª Maria Emília de Melo (PS): - O Sr. Bispo do Porto, Sr. Deputado, lhe explicará.

O Orador: - Todos nós gostaríamos de ser esclarecidos nesse ponto, e suponho que o povo português precisaria de ser esclarecido a esse respeito.
Uma terceira pergunta que gostaria de fazer diz respeito ao seguinte: o Sr. Deputado Teles Grilo tomou como alvo das suas críticas o Partido do Centro Democrático Social e o Partido Popular Democrático, e gostaria de lhe perguntar se não reconhece que, nesta longa experiência, embora vivida em longos meses, todos estamos a ter neste nosso país, as culpas que porventura haja - e suponho que todos estamos de acordo que as há - devem ser repartidas por todos, incluindo pelo seu próprio Partido Socialista, e se, porventura, não considera que outros partidos, que não o PPD, nomeadamente partidos à esquerda do PS, não são igualmente responsáveis pelo clima golpista que criaram, pela degenerescência que ligaram à palavra socialismo, pela associação que fizeram entre socialismo e antidemocracia, se esses partidos não deveriam também merecer uma palavra de reparo, uma palavra de crítica. Porque eu estou convencido, com toda á sinceridade, de que, em grande parte, o facto de não se fazer referência, o facto de agora se querer esquecer esse golpismo é grandemente responsável pela adesão que largas massas da população portuguesa estão a dar a movimentos anti-socialistas. É preciso reabilitar o socialismo, e o Sr. Deputado Teles Grilo deveria esclarecer também este ponto.

(O orador não reviu.)

O Sr. Manuel Gusmão (PS): - Reabilitar de quê?!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: Atingimos o limite do nosso período, «antes da ordem do dia». E só com o consenso da Assembleia eu poderia prolongar por mais alguns minutos os pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados. Pela lista de inscrição são as seguintes: Sr. Deputado Pedro Roseta, Sr.ª Deputada Helena Roseta e o Sr. Deputado Olívio França.

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3864 DIÁRIO DA ASSEMBLEIA CONSTITUINTE N.º 117

A Assembleia concede efectivamente ao Presidente a possibilidade de prolongar por mais alguns minutos este período. Se porventura eu não sentir ou pressentir da parte da Assembleia qualquer oposição, eu prolongarei por mais cinco minutos esses pedidos de esclarecimentos.

Pausa.

Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Roseta.

O Sr. Afonso do Carmo (PS): - Vai falar a reacção.

O Sr. Pedro Roseta (PPD): - Três perguntas muito breves para não excitar muito a bancada do Partido Socialista...

Risos.

...que, ao que parece, não gosta nem sequer de ser interrogada sobre as grandes verdades.

Gargalhadas.

Em primeiro lugar, eu gostaria de perguntar ao Sr. Deputado que falou se sabe ou não o que é o socialismo democrático europeu hoje, se sabe quais são os seus valores, muito bem expostos, aliás, em entrevistas dos dirigentes do Partido Trabalhista Norueguês publicadas no jornal A Luta, que é tido como voz oficiosa do seu Partido ...

Burburinho na Sala.

Risos.

...ou se confunde esses valores e o socialismo democrático com o dogma marxista, que os partidos sociais-democratas europeus repudiam há muito, e que, pelo contrário, o Partido Socialista mantém, segundo o qual o socialismo é a apropriação colectiva de todos os meios de produção.

Uma voz: - Muito bem!

O Orador: - Segunda pergunta: gostaria de saber se o Sr. Deputado sabe que já o imperador romano Vespasiano dizia há 1900 anos ...

Gargalhadas.

...que «o dinheiro não tem cheiro» ...

Gargalhadas.

...e se sabe que, ao que parece, o Partido Socialista quer confirmar esta afirmação ...

Gargalhadas.

...a menos que me explique como é que, se, como afirmou, o dinheiro das sociais-democracias na passa de «mais-valias arrancadas a outros povos», o Partido Socialista dele beneficia.

Risos.

Vozes: - Muito bem!

Aplausos do PPD.

O Orador: - Finalmente, em terceiro e último lugar, e a propósito de fidelidades aos programas e de esclarecimentos ao povo, como explica que ainda no sábado passado, num distrito onde estive e onde o seu Partido ganhou nas eleições do ano passado, eu tivesse encontrado diversos militantes - friso: militantes do Partido Socialista - que não sabiam (e ficaram espantados quando eu lhes disse) que a ideologia inspiradora do Partido Socialista é o marxismo.

Gargalhadas.

Apupos.

Manifestações diversas.

Vozes: - Muito bem!

O Orador. - Será que o Partido Socialista diz umas coisas lá fora, ao público e até aos seus militantes, e vota outras coisas diferentes aqui?

Aplausos do PPD.

Uma voz: - Isso é caciquismo.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Se o cretinismo pagasse imposto, o Orçamento Geral do Estado teria superavit ...

Grande burburinho.

O Sr. Presidente: - A Sr.ª Deputada Helena Roseta, tenha a bondade.

Burburinho.

Eu chamo a atenção dos Srs. Deputados. Tenha a bondade, minha senhora.

A agitação prossegue.

A Sr.ª Helena Roseta (PPD): - Srs. Deputados. Sr. Presidente: Tenho verificado que, nesta Câmara, o Partido Popular Democrático é atacado, simultaneamente, por duas coisas opostas e contraditórias.
Assim, para os Deputados do Partido Socialista, a social-democracia que o PPD defende não passa da cara lavada do capitalismo. Ou poderia citar expressões mais fortes como, por exemplo, antecâmara do fascismo.

Vozes: - E é! E é!

A Oradora: - Constato que é esta a vossa opinião. Ainda bem que a confirmaram.

Vozes: - Ainda bem ...

A Oradora: - Ainda bem que a confirmam ...
Mas, curiosamente, para os partidários do CDS - não aqui, evidentemente, mas por formas mais insidiosas - divulga-se junto do povo português que a social-democracia que o PPD defende é, no fundo, a mesma, coisa que o socialismo marxista, é, no fundo, a apropriação colectiva dos meios de produção. Em última análise, é muito próxima do comunismo.

Risos.

Burburinho.

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11 DE MARÇO DE 1976 3865

É um facto ...

Risos.

É um facto ...

Risos.

Posso continuar?

O Sr. Presidente: - Peço a atenção da Assembleia, por favor! ...
Faça o favor de continuar, Sr.ª Deputada.

A Oradora: - A verdade é que a social-democracia que nós defendemos não é nem a primeira interpretação nem a segunda. A social-democracia que nós defendemos é aquilo que - e muito bem - foi citado pelo Deputado do Partido Socialista que falou, é aquilo que muito bem, julgo eu, evidentemente, nós defendemos no nosso programa. É uma via democrática para o socialismo personalista e humanista.

Vozes: - Muito bem!

A Oradora: - A pergunta que eu queria fazer não era uma pergunta sobre o meu partido. Eu admito que todas as pessoas que aqui estão, que não pertencem ao meu partido, tenham sobre ele posições diferentes da minha. É evidente. Não lhe peço que fale sobre o meu partido nem vou eu falar sobre ele. Como disse, pelas suas palavras, o povo é que tem de dar a resposta, e eu estou de acordo.
Aquilo que eu pergunto é, simplesmente, isto: insinuou que o Partido Popular Democrático estaria interessado na defesa das multinacionais. Não vou eu aproveitar a ocasião para dizer qual é a posição do Partido Popular Democrático.
Eu apenas pergunto como compatibiliza essa sua insinuação com a afirmação do dirigente do seu partido Jorge Campinos, num almoço no American Club, em Lisboa, em que ele disse que estamos abertos à colaboração com todos os países que têm afinidades ideológicas connosco, como os Estados Unidos da América? É só isso que eu queria perguntar.

(A oradora não reviu.)

Uma voz: - Boa!

Risos.

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Olívio França, tenha a bondade. É o último orador inscrito para pedir esclarecimentos.

O Sr. Olívio França (PPD): - É uma simples pergunta.
Se o Sr. Deputado, tendo feito uma análise crítica sobre pretendidas contradições das palavras dos Deputados do PPD e do seu programa, por que razão é que fugiu à natural obrigação de fazer análise crítica das contradições dos Deputados do seu próprio partido e especialmente no que diz respeito ao seu próprio secretário-geral?

(O orador não reviu.)

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Basílio Horta desculpe, eu não tinha reparado. Tenha a bondade.

O Sr. Basílio Horta (CDS): - Sr. Presidente: Eu pedia palavra para interrogar a Mesa, porque há aqui alguma coisa de estranho para o meu partido.
O problema que se põe é que nós estamos hoje a assistir a pedidos de esclarecimento que são verdadeiras intervenções.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Nessas intervenções - o meu partido é a segunda vez que é tocado - nós temo-nos remetido a um silêncio e temos ouvido esta discussão, embora não tenhamos nenhum pedido de esclarecimento a fazer ao Sr. Deputado que acabou de referir, porque o que ele diz é da nossa coerência. Somos um partido que não nos reivindicamos do socialismo, somos um partido que defende a iniciativa privada, defendemos a economia social-democrata, sempre o dissemos, sempre votámos em conformidade, e, portanto, se o Sr. Deputado diz isso, está de acordo com aquilo que nós fazemos e sempre praticámos; não temos pedidos de esclarecimento a fazer.
No entanto, a Sr.ª Deputada Helena Roseta faz esclarecimentos e toca no nosso partido em relação a procedimentos nossos, fala a esta Câmara qualificando-os de insidiosos.
Eu pergunto ao Sr. Presidente se eu posso pedir esclarecimentos à Sr.ª Deputada Helena Roseta, ou não posso? Porque se se trata de perguntas, não tem o meu partido de vir à baila e ser qualificado de maneira imprópria como foi. Nesta ânsia de atacar tudo e todos, o Partido Popular Democrático já nem sequer nos poupa, nem sequer poupa o nosso silêncio e a nossa verticalidade!

Gargalhadas.

Burburinho.

Portanto, eu pergunto ao Sr. Presidente se posso ou não pedir esclarecimento à Sr.ª Deputada Helena Roseta, para que de uma vez por todas estes contenciosos possam ser fielmente esclarecidos e não se continue a enganar o povo português como até ao momento tem sido enganado por este partido.

(O orador não reviu.)

O Sr. Presidente: - Atenção, Srs. Deputados. Sem dúvida que o Regimento não tem sido impecavelmente respeitado. Os Srs. Deputados serão certamente os primeiros a compreender a dificuldade que tem o Presidente, que é naturalmente propenso à maior liberdade de expressão dos seus pares, em interromper, em chamar a atenção. O Sr. Deputado tem toda a razão quando afirma que, efectivamente, algumas das intervenções que aqui foram feitas fugiram muito do princípio normativo do nosso Regimento quanto aos pedidos de esclarecimento. Desculpará o Sr. Deputado. Para que não se continue a infringir, o pedido de esclarecimento tem de ser dirigido ao orador que fez a primeira intervenção e o Sr. Deputado terá ocasião, noutra oportunidade, de fazer a intervenção que entender de resposta à Sr.ª Deputada Helena Roseta e estabelece, com ela o diálogo que achar conveniente.

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Meus senhores, terminou portanto o período. Vamos dar a palavra ao Sr. Deputado. Mais ninguém poderá usar da palavra, pois já se ultrapassa o período que foi concedido pela Assembleia e vamos então entrar no período da

ORDEM DO DIA

O Sr. Secretário da Mesa fará o favor de fazer o ponto da situação, e vamos então entrar na discussão dos artigos do texto da Constituição Política referentes à organização do Poder Político da 5.ª Comissão. Tenha a bondade de ler o artigo 51.º, Sr. Secretário.

Foi lido. É o seguinte:

ARTIGO 51.º

(Competência de fiscalização)

Compete à Assembleia dos Deputados no exercício de funções de fiscalização:

a) Vigiar pelo cumprimento da Constituição e das leis e apreciar os actos do Governo e da Administração;
b) Ratificar a declaração de estado de sítio ou do estado de emergência que exceda trinta dias, sob pena de caducidade no termo deste prazo;
c) Ratificar os decretos-leis do Governo que não sejam feitos no exercício da sua competência legislativa exclusiva;
d) Tomar as contas do Estado e das demais entidades públicas que a lei determinar, as quais serão apresentadas até 31 de Dezembro do ano subsequente, com o relatório do Tribunal de Contas, se estiver elaborado, e os demais elementos necessários à sua apreciação;
e) Apreciar os relatórios de execução, anuais e final, do plano, sendo aqueles apresentados conjuntamente com as contas públicas.

O Sr. Presidente: - Está em discussão.
Não há propostas na Mesa.
O Sr. Deputado Jorge Miranda tenha a bondade.

O Sr. Jorge Miranda (PPD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Duas brevíssimas notas. A primeira relativamente à alínea a) do artigo 51.º A competência que neste artigo é dada à Assembleia para vigiar pelo cumprimento da Constituição, é uma competência que vem na linha da tradição constitucional portuguesa e da generalidade dos países. Os parlamentos têm, nos países de tradição constitucional francesa, um poder de guarda, de defesa da Constituição. E têm, ainda, um poder de vigilância relativamente à execução da Constituição. Todavia, no nosso caso, e isso já era em grande parte válido nas Constituições anteriores, é preciso que fique dito que esta competência de vigilância da Assembleia dos Deputados não tem o sentido de uma atribuição de um específico poder de garantia da constitucionalidade das leis. Tal poder pertence, como ontem já votámos, ao Conselho da Revolução, à Comissão Constitucional e aos tribunais. Esta competência da alínea a), portanto, é uma competência eminentemente política, e não uma competência que possa, de qualquer forma, traduzir-se na anulação ou na declaração de nulidade de qualquer acto jurídico-público.
A segunda nota diz respeito à alínea c). Nesta alínea c) diz-se assim: Compete à Assembleia «ratificar os decretos-leis do Governo que não sejam feitos no exercício da sua competência legislativa exclusiva».
Como já ontem tive ocasião de dizer, a 5.ª Comissão propõe que todos os decretos-leis sejam sujeitos a ratificações, embora a ratificação tácita da Assembleia dos Deputados. É isso uma manifestação do primado da competência legislativa da Assembleia, é isso uma manifestação da vontade de, de certo modo, restabelecer em Portugal o princípio da separação dos poderes. Todavia, relativamente aos decretos-leis feitos em matéria de reserva de competência legislativa do Governo, que são os decretos-leis feitos no que diz respeito à organização e ao funcionamento do Governo, é óbvio que aí já não se justificaria esse poder de ratificação.
A redacção que aqui se encontra formulada talvez, no entanto, não seja suficientemente clara. E eu permitir-me-ia sugerir à Comissão de Redacção - não é uma proposta que faço agora aqui -, permitir-me-ia sugerir à Comissão de Redacção que, onde se diz: «decretos-leis do Governo que não sejam feitos no exercício da sua competência legislativa exclusiva», se diga: «decretos-leis do Governo que não sejam feitos no exercício da competência legislativa exclusiva deste».
Ficará muito mais claro, não se trata de reserva de competência da Assembleia, mas sim, eventualmente conexa com qualquer autorização legislativa, mas sim reserva de competência do próprio Governo.

(O orador não reviu.)

O Sr. Presidente: - Continua o debate.

Pausa.

Mais alguém pede a palavra?

Pausa.

Vamos votar.
Há alguma objecção em que a votação seja feita no seu conjunto?

Pausa.

Não há objecção nenhuma?

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Presidente: - Vamos ler o preceito seguinte. É o artigo 52.º

Foi lido. É o seguinte:

ARTIGO 52.º

(Competência em relação a outros órgãos)

Compete à Assembleia dos Deputados, em relação a outros órgãos:

a) Apreciar o programa do Governo;
a') Votar moções de confiança e de censura ao Governo;

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b) Pronunciar-se sobre a dissolução ou suspensão dos órgãos das regiões autónomas;
c) Designar o provedor de justiça e um dos membros da Comissão Constitucional.

O Sr. Presidente: - Não há propostas.
Está em debate.

Pausa.

Ninguém pede a palavra?

Pausa.

Vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Presidente: - Antes de passar ao outro preceito, tenho que comunicar à Assembleia um pedido do 3.º Juízo Correccional no Tribunal Criminal da Comarca de Lisboa, para que o Sr. Deputado Raul da Assunção Pimenta Rego possa ser ouvido como testemunha de defesa do réu Mário António da Mota Mesquita.
Há alguma objecção?

Pausa.

Está concedido.
Vamos proceder à leitura de um novo preceito.

Foi lido. É o seguinte:

ARTIGO 53.º

(Reserva de competência legislativa)

É da exclusiva competência da Assembleia de Deputados legislar sobre as seguintes matérias:

a) Aquisição, perda e reaquisição da cidadania portuguesa;
b) Estado e capacidade das pessoas;
c) Direitos, liberdades e garantias;
c') Linhas fundamentais dos regimes do estado de sítio e do estado de emergência;
d) Definição dos crimes, penas e medidas de segurança e processo penal, salvo o disposto na alínea a) do artigo 33.º-A;
e) Eleições dos titulares dos órgãos de Soberania e de poder local;
f) Associações e partidos políticos;
g) Organização das autarquias locais;
g') Participação das organizações populares no exercício do poder local;
h) Organização e competência dos tribunais e do Ministério Público e estatuto dos respectivos magistrados, salvo quanto aos tribunais militares;
i) Organização da defesa nacional e definição dos deveres desta decorrentes;
j) Estatuto da função pública e responsabilidade civil da Administração (esta alínea não será apreciada desde já);
l) Linhas fundamentais do sistema de ensino;
m) Criação de impostos e sistema fiscal;
n) Definição dos sectores de propriedade dos meios de produção;
n') Definição dos sectores básicos nos quais é vedada a actividade às empresas privadas e a outras entidades da mesma natureza nos termos do artigo 80.º;
n") Meios e formas de intervenção e de nacionalização e socialização dos meios produção e critérios de fixação de indemnizações, referidos no artigo 80.º;
o) Linhas fundamentais da Reforma Agrária;
Critérios de estabelecimento dos limites máximos das unidades de exploração agrícola privada, referidos no artigo 95.º;
p) Sistema monetário e padrão de pesos e medidas;
q) Sistema do planeamento;
q') Determinação das regiões-plano e definição do esquema dos órgãos de planificação regional referidos no artigo 91.º;
r) Remunerações do Presidente da República, dos Deputados, dos membros do Governo e dos juízes dos tribunais superiores.

O Sr. Presidente: - Os Srs. Deputados entendem que se deve discutir ou entrar na apreciação deste preceito tão extenso, alfabeticamente tão extenso, no seu conjunto?
Está em apreciação.
O Sr. Deputado Jorge Miranda.

O Sr. Jorge Miranda (PPD): - Sr. Presidente. Srs. Deputados: É. com efeito, um preceito alfabeticamente muito extenso, mas exprime bem a preocupação que a 5.ª Comissão e, espero, a Assembleia Constituinte têm de rodear de todas as garantias o exercício do poder legislativo em Portugal. A razão de ser desta disposição é preservar, relativamente ao Parlamento, o exercício da função legislativa quanto às matérias politicamente mais importantes. Na nossa Constituição o Parlamento tem uma competência legislativa genérica, mas o Governo tem também uma competência legislativa, embora sujeita, no seu exercício, a ratificação do próprio Parlamento. Pois bem, com este preceito pretende-se dizer que, sem autorização legislativa, sem um acto prévio de autorização, o Governo não poderá vir a legislar nas matérias compreendidas nas várias alíneas, nas longas e extensas alíneas deste preceito. Disposições semelhantes encontram-se em Constituições estrangeiras, que têm bem consciência de que hoje em dia seria impossível que um Parlamento legislasse sobre tudo, mas que pretendem ressalvar, que pretendem salvaguardar para o Parlamento a definição dos regimes jurídicos nas matérias fundamentais da vida política do país.

(O orador não reviu.)

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Romero de Magalhães tenha a bondade.

O Sr. Romero de Magalhães (PS): - Mais do que entrar na discussão, Sr. Presidente, eu queria dar uma opinião sobre o significado deste articulado. Pa-

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rece-me que deveríamos fugir tanto quanto possível a uma reacção normal a todos os sistemas que sucedem a regimes ditatoriais, ou seja, transferir para as assembleias parlamentares poderes excessivos, tanto mais difíceis quanto no nosso caso já aprovámos no artigo 52.º, na sua alínea a), que o Parlamento tem de apreciar um programa do Governo. E, portanto, o Parlamento ao apreciar esse programa do Governo cerceia-se a si próprio na sua actividade. E é mais uma apreciação, um voto de que a extensão alfabética, como lhe chamou V. Ex.ª, deste artigo não possa nunca cair num regime em que o Parlamento por sua própria iniciativa desate a legislar sem considerar globalmente o programa de acção governamental.
Parece-me que, se a isto não fugirmos, neste articulado temos aqui um alçapão para um regime parlamentarista, que me parece de todo em todo inconveniente neste momento - e em qualquer momento -, mas neste momento ainda mais grave instituir em Portugal.
Eram apenas estas considerações que deixo aos constitucionalistas desta Câmara, porque não o sou.

(O orador não reviu.)

O Sr. Presidente: - Ora bem, Srs. Deputados antes de conceder a palavra ao Sr. Deputado que a pediu, chamo a atenção da Assembleia para a circunstância de a Comissão entender que a alínea j) «Estatuto da Função Pública» e «Responsabilidade de decidir da Administração», esta alínea não será apreciada desde já.
O Sr. Deputado Coelho dos Santos tem a palavra.

O Sr. Coelho dos Santos (INDEP.): - Parecendo exaustiva a formulação das matérias da competência exclusiva da Assembleia de Deputados, a mim afigura-se-me que há uma questão que devia ser aqui inserida, e a esse propósito eu faço uma pergunta à Comissão.
Nas relações entre a Igreja e o Estado, isto é, na previsão de uma revisão da Concordata, eu pergunto se deve ou não competir exclusivamente à Assembleia dos Deputados tratar dessa matéria. E faço a pergunta porque, no artigo 50.º, alínea i), diz que «compete à Assembleia aprovar os tratados que versem sobre matéria da sua competência. legislativa exclusiva». Portanto, no artigo que estamos agora a discutir, afigura-se-me que deveria realmente ser incluída esta matéria.

(O orador não reviu.)

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Jorge Miranda, para responder, se fizer favor.

O Sr. Jorge Miranda (PPD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Responderei quer às observações do Sr. Deputado Romero de Magalhães, quer à pergunta do Sr. Deputado Coelho dos Santos.
Quanto às observações do Sr. Deputado Romero de Magalhães, eu compreendo-as, mas temos solução para as dificuldades que ele pôs. O facto de haver um elenco numeroso de matérias que são da competência legislativa exclusiva da Assembleia não impede, por um lado, que a própria Assembleia nesse domínio autorize o Governo a legislar. É dessa matéria que trata precisamente o artigo 54.º O artigo 54.º é um expediente para aqueles casos em que a Assembleia não possa ou não queira fazer as leis respeitantes a todas as matérias do artigo 53.º E, por outro lado, conforme o Sr. Deputado Romero de Magalhães verá, no artigo 57.º, o sistema que pareceu preferível à 5.ª Comissão foi o sistema de as leis serem votadas, na generalidade, pelo Plenário, e, na especialidade, pelas comissões, sem prejuízo do poder da votação pelo Plenário, da votação global do Plenário e de em matérias ainda mais importantes do que as restantes, aí dever ser o Plenário a votar na especialidade.
Eu estou convencido que da conjugação do sistema de autorizações legislativas com o sistema da votação na especialidade pelas comissões será perfeitamente possível à futura Assembleia Legislativa resolver as dificuldades que o Sr. Deputado acaba de pôr.
No que toca ao programa do Governo, pois evidentemente que deverá haver uma articulação entre o Governo e a Assembleia; mas essa articulação traduzir-se-á precisamente na responsabilidade política do Governo perante o Parlamento. É evidente que a Assembleia não deverá, em princípio, votar leis contrárias ao programa do Governo, sob pena de pôr em causa a própria existência desse Governo, mas isso já é matéria a dilucidar no Governo que iremos apreciar, provavelmente na próxima sessão, ou da própria existência da Assembleia, eventualmente se a Assembleia através da votação de uma moção de censura ou da recusa de uma moção de confiança puser em causa o Governo. Nesse caso o Governo cai, mas o Presidente da República terá o poder de dissolver a Assembleia e competirá ao povo soberano decidir quem tem razão, se a maioria parlamentar se n Governo.
No que toca à pergunta do Sr. Deputado Coelho dos Santos, à sua razão de ser, ela é facilmente respondida. É que a matéria da Concordata, efectivamente, não parece aparentemente encontrar-se prevista na alínea i) do artigo 50.º Todavia, como o Sr. Deputado Coelho dos Santos poderá verificar, o exercício dos direitos, liberdades e garantias é precisamente matéria reservada à Assembleia e a Concordata tem por objecto o exercício da liberdade religiosa no que toca à Igreja Católica.
Portanto, forçosamente qualquer eventual revisão da Concordata ou qualquer discussão, ou qualquer posição do Parlamento sobre a Concordata, ou qualquer aposição do Estado Português sobre a Concordata com a Santa Sé carecerá de um voto da Assembleia dos Deputados. Isso, através da conjugação da primeira parte da alínea i) do artigo 50.º com a alínea c) do artigo 53.º

(O orador não reviu.)

O Sr. Presidente: - Continua o debate. Com a reserva da alínea j) já referida.

Pausa.

Suponho que mais ninguém pede a palavra ...
Vamos votar.

Submetido à votação, o artigo 53.º foi aprovado por unanimidade.

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O Sr. Presidente: - Novo preceito.
Tenha a bondade, Sr. Secretário, de ler o artigo 54.º

Foi lido, é o seguinte:

ARTIGO 54.º

(Autorizações legislativas)

1 - A Assembleia dos Deputados pode autorizar o Governo a fazer decretos-leis sobre matérias da sua exclusiva competência, devendo definir o objecto e a extensão da autorização, bem como a sua duração, a qual poderá ser prorrogada.
2 - As autorizações legislativas não poderão ser utilizadas mais de uma vez, sem prejuízo da sua execução parcelada.
3 - As autorizações caducam com a demissão do Governo a que foram concedidas, com o termo da legislatura ou com a dissolução da Assembleia dos Deputados.

O Sr. Presidente: - Está em discussão.

Pausa.

Ninguém pede a palavra?

Pausa.

Se não houver qualquer manifestação, vou usar do princípio absolutamente informal, que me parece, aliás, muito simpático. Se não houver nenhuma manifestação da Assembleia, considero aprovado por unanimidade o preceito.

Pausa.

Está bem? Então, está aprovado por unanimidade.
Vai ser lido o artigo 55.º

Foi lido, é a seguinte:

ARTIGO 55."

(Forma dos actos)

1 - Revestirão a forma de lei constitucional os actos previstos na alínea a) do artigo 50.º
2 - Revestirão a forma de lei os actos previstos nas alíneas b) a h) do artigo 50.º e na alínea b) do artigo 5l.º
3 - Revestirão a forma de moção os actos previstos nas alíneas a) e á) do artigo 52.º
4 - Revestirão a forma de resolução os demais actos da Assembleia dos Deputados.
5 - As resoluções, salvo as de aprovação de tratados internacionais, serão publicadas independentemente de promulgação.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Romero Magalhães, tenha a bondade.

O Sr. Romero Magalhães (PS): - Sr. Presidente: Era apenas uma observação para a Comissão de Redacção.
Eu confesso que, como não sou jurista, isto de andar nas leis a remeter de uns artigos para os outros me faz uma certa confusão. Eu suponho que, tanto quanto possível, a Comissão de Redacção deveria limpar estas remissões, porque senão tornam praticamente ilegível a Constituição, e esta há-de ser legível para todos os portugueses e não apenas para os legistas.
Suponho eu que isto é um princípio bom e que foi adoptado pelo menos em algumas Comissões: evitar a remissão de, artigo para artigo, porque, confesso, para quem não é jurista ou legista (na expressão arcaica) isto é uma confusão.

(O orador não reviu.)

O Sr. Presidente: - Muito bem! Algum Sr. Deputado quer discutir este problema? Aliás, é coisa que acontece na lista dos Caminhos de Ferro, também ...

Risos.

...que remete sempre para os artigos anteriores. Assim, algum Sr. Deputado deseja intervir?
Pausa.

O Sr. Deputado Carlos Candal, tenha a bondade.

O Sr. Carlos Candal (PS): - Ora bem! A Comissão de Redacção, efectivamente, também entende que, por razões, digamos, de estética jurídica, é preferível que os artigos não tenham remissões, mas, salvo melhor opinião de jurista mais abalizado, de reputação, de boa reputação, como a Constituição dirá - de reconhecido mérito -, não é defeito do articulado conter remissões para outras disposições.
Isso impede uma leitura corrida da Constituição, na medida em que ler uma disposição avulsa carece de sentido. Normalmente, para uma boa interpretação de qualquer dos artigos da Constituição, está-se obrigado a conhecer o plano da Constituição e até a ter uma ideia pelo menos geral da Constituição. De toda a maneira, não veja que seja muito incómodo. por exemplo, quando, no artigo 55.º, n.º 2, se refere os artigo 50.º e 51.º, folhear duas ou três páginas atrás para consultar. Seria mais cómodo, mas a comodidade seria mais do que compensada pelo peso e pelas repetições, se não houvessem estas remissões.

(O orador não reviu.)

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: Continuamos a discussão.

Pausa.

Podemos passar à votação.

Pausa.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Presidente: - Vamos ler o preceito que se segue.
Foi lido. É o seguinte:

ARTIGO 56.º

(Iniciativa legislativa)

1 - A iniciativa da lei compete aos Deputados e ao Governo.
2 - Os Deputados não podem apresentar projectos de lei ou propostas de alteração que en-

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3870 DIÁRIO DA ASSEMBLEIA CONSTITUINTE N.º 117

volvam directamente aumento de despesas ou diminuição de receitas do Estado criadas por leis anteriores.
3 - Os projectos e as propostas de lei definitivamente rejeitados não poderão ser renovados na mesma sessão legislativa, salvo nova eleição da Assembleia dos Deputados.
4 - Os projectos e as propostas de lei não votados na sessão legislativa em que foram apresentados não carecem de ser renovados nas sessões legislativas seguintes, salvo termo de legislatura, dissolução da Assembleia e, quanto às propostas de lei, demissão do Governo.

O Sr. Presidente: - Está em debate. Mais ninguém pede a palavra?

Pausa.

O Sr. Deputado Jorge Miranda.

O Sr. Jorge Miranda (PPD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Este artigo 56.º, respeitante à iniciativa legislativa, é um artigo fundamental para a dinamização da competência legislativa da Assembleia, porque não bastará atribuir a uma Assembleia amplos poderes legislativos se ao mesmo tempo não forem atribuídos amplos poderes de iniciativa aos seus membros.
A experiência portuguesa, nomeadamente a experiência da Constituição de 1933, mostrava que aí, praticamente, era o Governo quem detinha o monopólio da iniciativa legislativa. E mesmo em países democráticos é isso que se verifica.
Eu suponho que deveria ser preocupação da jovem democracia portuguesa que a iniciativa legislativa não pertencesse apenas ao Governo, mas também aos Deputados. É evidente que há limites, nomeadamente o limite de carácter financeiro, derivado de razões óbvias, que se encontra no n.º 2, mas deve ser fundamental ressalvar o direito de iniciativa legislativa dos Deputados, nomeadamente das minorias.
Deve depreender-se deste artigo 56.º que o futuro Regimento da Assembleia dos Deputados não poderá por qualquer forma tolher o exercício da iniciativa legislativa por parte dos Deputados ao voto ou ao parecer favorável de qualquer comissão parlamentar.

(O orador não reviu.)

O Sr. Presidente: - Continua o debate.

Pausa.

O Sr. Deputado Mota Pinto, tenha a bondade.

O Sr. Mota Pinto (INDEP.): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É indiscutível que corresponde a um interesse nacional inequívoco o apontamento rápido da Constituição, cuja elaboração foi cometida a esta Assembleia. Tenho, todavia, a impressão de que, em algumas matérias muito importantes, que dizem respeito ao sistema de Governo que ora estamos a analisar, esta Assembleia está a caminhar de uma forma algo apressada. Estou convencido de que é possível realizarmos esse objectivo de pronta conclusão da Constituinte com uma reflexão mais cuidada destes tão importantes aspectos que estão neste, momento perante nós.

Isto é-me sugerido pelo artigo 56.º, e intervenho para pedir um esclarecimento. Parece-me que o n.º 2 do artigo 56.º é uma disposição importantíssima.
Diz assim:

Os Deputados não podem apresentar projectos de lei ou propostas de alteração que envolvam directamente aumento de despesa ou diminuição de receitas do Estado criadas por leis anteriores.

Está aqui consagrada uma importantíssima restrição da capacidade de iniciativa dos Deputados. Uma disposição precisamente igual a esta, se não estou em erro, existia na Constituição de 1933. E, durante a I República, uma disposição que ficou conhecida na nossa história constitucional por «lei-travão» sancionou uma orientação correspondente a este pensamento, não sei se em termos exactamente iguais ou com alguma diferença, mas de alguma maneira exprimindo o mesmo tipo de preocupações.
Eu suscito, portanto, um esclarecimento: este n.º 2 significa, por exemplo - parece-me, entendo que a Câmara devia ser esclarecida a este respeito - que os Deputados não podem apresentar projectos de lei ou propostas de lei que, por exemplo, importem um aumento de salário mínimo nacional, ou que, por exemplo, estabeleçam um aumento do limite de isenção do imposto (por exemplo, do imposto profissional), que isso serão matérias de que os Deputados não poderão tomar a iniciativa de propor à discussão e à aprovação do Plenário?
Eu creio que o que é importante, para coordenar o planeamento financeiro constante do orçamento e a actuação executiva cometida ao Governo nesta matéria com actuação de outro órgão, não é tanto o problema da iniciativa dos Deputados quanto o facto de a Assembleia aprovar ou não leis que venham repercutir-se nessa matéria.
Não há dúvida de que estes exemplos que eu dei, que parecem ser retirados à iniciativa dos Deputados, podem ser apreciados na Assembleia. Se for o Governo a fazer um diploma sobre esta matéria, a Assembleia pode chamar esse diploma à discussão em Plenário para conceder ratificação ou para tomar uma deliberação contrária a esse diploma. Se é assim, por que motivo os Deputados não poderão tomar a iniciativa, não poderão ser eles a suscitar uma tomada de posição da Assembleia sobre esta matéria, sendo certo que nesta matéria não é retirada a possibilidade de uma intervenção da Assembleia, a não ser que esteja nas matérias de competência exclusiva do Governo, o que não me parece ser o caso? Algumas delas são até matérias da competência da Assembleia. Por exemplo a legislação sobre impostos que é matéria de competência exclusiva da Assembleia.
Eis aqui um ponto que eu entendo que deve suscitar alguma reflexão, porque efectivamente é uma apreciável restrição da capacidade de iniciativa dos Deputado.

(O orador não reviu.)

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Oliveira Dias, tenha a bondade.

O Sr. Oliveira Dias (CDS): - Sr. Presidente ...

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11 DE MARÇO DE 1976 3871

O Sr. Presidente: - Depois, a Comissão, através de um seu intérprete, poderá responder, naturalmente, às duas intervenções.
Faça favor.

O Orador: - Tinha pedido a palavra justamente para solicitar a V. Ex.ª que a votação acerca deste artigo fosse feita ponto por ponto, e não globalmente, como tem acontecido ultimamente, adiantando desde já que iríamos votar contra o n.º 2, pelos fundamentos que acaba de expor, e muito bem, na nossa opinião, o Sr. Deputado Mota Pinto, porque entendemos que, através de uma disposição deste género - e temos experiência bem viva a este respeito no nosso país -, o monopólio da iniciativa legislativa pode, de facto e apesar de tudo isto, ficar confinado ao Governo.
Não são só as disposições fundamentais, mas as variações, as modificações, das taxas mais simples, uma iniciativa no sentido de ser abolida a mais simples das taxas, que pode ser vedada a um Deputado com fundamento numa disposição deste género.
Por outro lado, sendo da competência exclusiva da Assembleia legislar sobre o sistema fiscal - por exemplo, também sobre a remuneração do Presidente da República, dos Deputados e membros do Governo e dos juízes dos tribunais superiores -, mal se entende como compatibilizar o n.º 2 do artigo 56.º com estas disposições que acabamos de aprovar.

(O orador não reviu.)

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Emídio Serrano, tenha a bondade.

O Sr. Emídio Serrano (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Primeiro que tudo quero-me referir à intervenção do Sr. Deputado Mota Pinto, que começou por dizer que nós estávamos a tentar trabalhar depressa de mais.
Ora sucede que este projecto - praticamente e textualmente o mesmo artigo que aqui está - foi entregue à apreciação da Assembleia dos Deputados em Novembro do ano passado. Ainda nessa altura o Sr. Deputado Mota Pinto era leader de um grupo parlamentar. Portanto, não foi assim com tanta pressa nem sobre o joelho que foi apresentado para apreciação. Houve até um ano de projecto. Não foi assim de ânimo leve que foi apresentado este projecto para a apreciação da Câmara. De qualquer modo, foi bastante pensado. E há uma justificação: como em todas as coisas, não podemos ir ou pretender ir para um simplismo ou para atitudes menos ponderadas. Aliás, poderia aqui, assim, até referir vários autores sobre estas atitudes demagógicas, que se podem considerar. Nomeadamente, até poderia citar, se entendessem - mas não vale a pena -, Ho Chi-Min. Não vale a pena citá-lo já, neste momento. Eu apenas lembro que há um assunto bastante importante, que é a possibilidade de, através de uma abertura total na aprovação de propostas que envolvam aumentos de despesas, demagogicamente se fazer com que caia um Governo, de que se torne absolutamente impossível governar. Se, havendo um planeamento económico do Estado, havendo um plano geral do Estado, com todas as receitas e despesas devidamente orçamentadas, for deixado ao livre arbítrio dos Deputados fazer novos decretos ou novas leis em que não se pondere o aumento das despesas, o que isso poderá provocar, muito naturalmente, será a apresentação de projectos ou de propostas absolutamente demagógicos, única e simplesmente para ganhar o eleitorado. A esse ponto nós temos que obstar com a maior calma e ponderação, porque, de outro modo, estaremos sujeitos a uma qualquer situação em que se pretenda, no momento, ganhar qualquer eleição e por isso fazer apresentar as propostas mais descabidas e impossíveis e insustentáveis para o País.

(O orador não reviu.)

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Oliveira Dias está à espera de uma resposta.
Tenha a bondade, Sr. Deputado Jorge Miranda.

O Sr. Jorge Miranda (PPD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Deputado Emídio Serrano - e muitíssimo bem - já esclareceu as dúvidas postas, quer na intervenção do Deputado Mota Pinto, quer na intervenção do Deputado Oliveira Dias. Eu limitar-me-ei a acrescentar duas notas.
Em primeiro lugar, que só quem desconheça a história portuguesa, a história política portuguesa desde século, poderá, de ânimo leve, pronunciar-se contra este artigo. Este artigo não tem origem na Constituição de 1933, tem origem na lei travão de Afonso Costa.
Além disso, disposição semelhante encontra-se em muitíssimos países, nomeadamente em Inglaterra, o país da democracia parlamentar. Os exemplos que o Sr. Deputado Mota Pinto deu são, precisamente, os exemplos da demagogia parlamentar eleiçoeira que poderia fazer-se se este artigo não existisse. Este artigo - chamo a atenção ainda para isso - fala em projectos de lei ou propostas de alteração que envolvam directamente aumento de despesas ou diminuição de receitas.
Na Constituição de 1933 não existia o advérbio «directamente», e daí uma interpretação extremamente rígida. Pelo contrário, com este advérbio «directamente» introduzido pela 5.ª Comissão será perfeitamente possível resolver problemas controversos quanto à iniciativa legislativa por parte dos Deputados. Essa iniciativa legislativa não sofrerá os impedimentos, os obstáculos que havia na Constituição de 1933. Além disso, chamo a atenção para isto: só se impede a diminuição de receitas do Estado criadas por leis anteriores. Não se impede obviamente que qualquer Deputado proponha uma alteração relativamente a uma proposta de lei que crie receitas para o Estado.
No que toca ao Sr. Deputado Oliveira Dias, parece-me que a sua intervenção vem apenas confirmar a ideia que temos de que se trata de um partido de oposição e que por isso não está preocupado com equilíbrio orçamental.

(O orador não reviu.)

Risos.

O Sr. Presidente: - Foi sugerido pelo Sr. Deputado Oliveira Dias ...
Tenha a bondade, faz favor.

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3872 DIÁRIO DA ASSEMBLEIA CONSTITUINTE N.º 117

O Sr. Oliveira Dias (CDS): - Sr. Presidente: Era para fazer um pedido de esclarecimento que pode ser dirigido a qualquer dos Deputados que me precederam.
Em primeiro lugar, eu queria dizer que de facto não nos passou pela cabeça a hipótese de que fosse construído um sistema para rebater a posição que tomamos, numa pretensa demagogia que se poderia fazer pela não aprovação deste artigo.
É evidente que é possível fazer demagogia com isso, mas também é evidente que se pode pretender um sistema correcto que não permita demagogias, mas que não permita também cercear gravemente a nosso ver a iniciativa legislativa dos Deputados.
O que eu queria perguntar era o seguinte: sendo da competência legislativa exclusiva da Assembleia o sistema de planeamento, nos termos da alínea g) do artigo 53.º e presumindo eu que qualquer novo programa de planeamento envolveu necessariamente despesas, como é que a Comissão entende que é possível tomar iniciativas referentes a esta competência legislativa exclusiva da Assembleia justamente acerca do planeamento de que falou o Sr. Deputado do Partido Socialista se for aprovado o n.º 2 do artigo em debate?

(O orador não reviu.)

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Luís Nunes.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Este debate pode ter, certamente, mais importância do que à primeira vista a gente possa pensar. Nós definimos na nossa Constituição dois aspectos que se interpenetram, mas que, de certa maneira são diferentes. Em primeiro lugar, definimos a competência global da Assembleia e, em segundo lugar, definimos a competência global das iniciativas dos Deputados.
O que é que acontece na prática? Na prática acontece que no início de cada ano legislativo a Assembleia será chamada a aprovar uma lei, que dantes se chamava «lei de meios» e que se pode chamar agora outra coisa qualquer, não vem ao caso, mas que autoriza as receitas ou que autoriza as despesas. Em princípio é isto. Feita essa lei, tomada em consideração essa lei, parece que se cairia, ou que havia o risco de se cair em certo tipo de anarquia económica e financeira se se permitisse aos Srs. Deputados que pudessem tomar determinado tipo de iniciativas que fossem contra leis anteriores de receitas e despesas. E é por isso que aqui se fala, como já foi dito pelo meu camarada e amigo Emídio Serrano, no adjectivo «directamente». Mas não se fala tão-só no adjectivo «directamente», fala-se também em leis anteriores e, quando se fala em leis anteriores, pura e simplesmente está-se a consagrar o princípio anteriormente definido da prioridade da lei de planificação económica, que de certa maneira limita, e, na nessa maneira de ver, bem, a iniciativa dos Srs. Deputados.
Não se trata, portanto, de uma limitação global e total da iniciativa dos Srs. Deputados; trata-se de uma limitação a essa iniciativa no quadro de leis anteriormente aprovadas o que é diferente. E, dentro desta medida, nós damos a aprovação a este normativo.

(O orador não reviu.)

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Alfredo de Sousa, tenha a bondade.

O Sr. Alfredo de Sousa (PPD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pessoalmente sou sensível a esta objecção que foi posta, relativamente a esta limitação de iniciativas da parte dos Deputados, nomeadamente, sabendo que a economia portuguesa se regerá por um plano sobre o qual os Deputados serão chamados a pronunciar-se. Creio, no entanto, que a forma como estão redigidos os diferentes artigos que dizem respeito a estas matérias, e a integração desses artigos será suficiente para lhe explicar qualquer objecção e redimir qualquer objecção. Com efeito, a alínea c) do n.º 1 do artigo 89.º da parte que já está aprovada da estrutura do plano, diz que haverá um plano anual que constitua a base fundamental da actividade do Governo, e deve integrar o Orçamento do Estado para esse período. Portanto, haverá uma aprovação do plano, ou uma feitura e aprovação do plano anual, no qual está incluído esse Orçamento do Estado. Consequentemente, sobre a parte respeitante à criação de impostos, e no que diz respeito ao Orçamento, e na criação, por exemplo, da massa salarial ou dos ritmos de aumento da massa salarial, daquilo que diz respeito ao plano.
A alínea f) do artigo 50.º também consigna que compete à Assembleia aprovar as leis do plano e do Orçamento.
Creio que, com a integração destes três artigos, haverá suficiente latitude de iniciativa à Assembleia dos Deputados para, em matéria de criação de impostos, de contratação de níveis de fiscalidade, suficiente latitude para que não se, sinta cerceado, mas ao mesmo tempo esteja imposta uma suficiente disciplina para que, de repente, aquilo que está programado, pelo menos em base anual, não seja fundamentalmente alterado e ponha em perigo o equilíbrio, ou os grandes equilíbrios económico-sociais.

(O orador não reviu.)

O Sr. Presidente: - Mais algum Sr. Deputado?

Pausa.

Sr. Deputado Mota Pinto, tenha a bondade.

O Sr. Mota Pinto (INDEP.): - Sr. Presidente, Srs. Deputados ...

O Sr. Presidente: - Tomem atenção, Srs. Deputados, que há muitos Srs. Deputados que estão a olhar para o relógio com a gula do seu café. De maneira que eu espero que ainda consigamos votar este preceito antes do período do intervalo.
Tenha a bondade, Sr. Deputado.

O Orador: - Sr. Presidente: Interpreto este implícita nas palavras de V. Ex.ª no sentido de eu ser breve.

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O Sr. Presidente: - Ó Sr. Deputado! Não é por isso homem! Não é por isso!

O Orador: - Efectivamente, vou sê-lo. Creio que, em todo o caso, valeu a pena levantar este problema e impedir que o artigo 56.º fosse aprovado de pleno, como foram alguns anteriores.
E era apenas esse o sentido da minha intervenção, quando há pouco disse que me parecia que, relativamente a alguns preceitos, não estávamos sequer a equacionar as questões. Eu acho importante equacionar pelo menos as questões quando elas têm a magnitude que tem aquela que o n.º 2 do artigo 56.º visa resolver.
Confesso que tenho muitas dúvidas sobre o n.º 2 do artigo 56.º E não é por estar interessado em abrir as comportas à demagogia. Creio que não me escasseia o realismo relativamente à necessidade de articulação entre os poderes do Estado.
Este n.º 2 do artigo 56.º foi justificado de duas formas. A primeira foi o entender-se que ele era uma consequência forçosa da existência de um orçamento de uma legislação anterior que define a receita e a despesa do Estado. Não me parece que isto seja forçoso. Haveria muitas outras formas, inclusivamente estabelecer uma vigência, uma aplicação das leis aprovadas por iniciativa dos Deputados condicionada à possibilidade de cabimento ou de inserção orçamental ou pelo menos uma dilação da sua entrada em aplicação para o período em que tivesse que ser elaborado o novo orçamento, relativamente ao qual essas leis seriam dados a tomar em consideração. Portanto, não é forçoso dizer-se, porque há um orçamento, porque há um plano que vem de trás, os Deputados não podem ter a iniciativa a este respeito, visto que era possível compatibilizar a iniciativa dos representantes do, povo com a necessidade de ordenação, com a necessidade de uma correcta ordenação e de um planeamento mais amplo do que aquele que resultaria de um mero mosaico de iniciativas desgarradas.
Em segundo lugar, fez-se referência a um aspecto importante: «Com isto pode-se travar a demagogia.» Eu aceito que isso seja efectivamente uma consequência possível deste preceito, mas eu pergunto: estamos a fazer a democracia e a instituir uma Assembleia dos Deputados já à partida com tanto medo da demagogia? O problema que se põe e o que pode, na verdade, ser prejudicial à correcta ordenação da administração é a aprovação das disposições. Mas o que está aqui em causa é uma privação de iniciativa. Sem dúvida, assim se impedem as pessoas de tomar iniciativas demagógicas. Eu pergunto se a melhor maneira de combater a demagogia será pôr uma mordaça aos demagogos.

Risos.

A demagogia situar-se-á apenas na Assembleia dos Deputados? Também o Governo não poderá fazer demagogia? E os partidos, fora dos parlamentos, não poderão prometer mundos e fundos?

Pausa.

Em suma, creio que está imediatamente presente no fundamento do n.º 2, enfim, uma concepção pessimista da natureza dos Deputados. Uma natureza que não é estendida aos políticos, enfim, enquanto não sejam parlamentares, enquanto sejam militantes dos partidos e se pronunciem nos jornais ou nos comícios e aos próprios membros do Governo.
Por todas estas razões eu tenho muitas dúvidas sobre o n.º 2 do artigo 56.º, reconhecendo que dele resultaria uma ordenação mais, enfim, isenta de perturbações para a massa dos assuntos financeiros do Estado. Tenho dúvidas, todavia, se não se pretende a este respeito ordem a mais.

(O orador não reviu.)

Vozes: - Muito bem!

Aplausos.

O Sr. Presidente: - Tem V. Ex.ª a palavra. Sr. Deputado.

O Sr. Vital Moreira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Confesso que as objecções do Deputado Mota Pinto começaram por não me impressionar. O que começou por me impressionar foi ó carácter não convincente das respostas a essas objecções.

Pausa.

Na realidade o que está aqui neste n.º 2 é que os Deputados não podem ter qualquer iniciativa que directamente aumente as despesas do Estado ou diminua as suas receitas. Quer dizer que, por si, só podem ter iniciativa que aumente as suas receitas ou diminua as despesas. O contrário, o aumento de despesas ou diminuição de receitas, só podem votá-lo desde que proposto pelo Governo.
Compreende-se efectivamente, ou poder-se-á compreender, que os Deputados não possam diminuir as recitas do Estado desde que não seja acompanhado de uma diminuição de despesas, ou compreende-se que não possam iniciar ou ter uma iniciativa que aumente as despesas do Estado desde que não aumentem também as receitas.
Mas pergunta-se: e naquelas iniciativas que, aumentando as despesas do Estado, contudo, criam por si mesmas receitas necessárias para cobrir essas novas despesas? Literalmente, segundo este número, estão impedidos os Deputados de as tomar, e nós não cremos que esta seja uma solução correcta só por si. Por que é que a Assembleia, por que é que os Deputados, não podem de per si criar novas despesas desde que criem as competentes receitas?
Não vale isto por dizer que o n.º 2 não tenha o sentido que a 5.ª Comissão lhe quis atribuir; vale por dizer que talvez valha a pena reconsiderar estes aspectos que não terão sido tomados em conta pela 5.ª Comissão, sem prejuízo daquilo que lá está ou do principal que lá está.
Assim, nós proporíamos a baixa deste número à Comissão.

(O orador não reviu.)

O Sr. Presidente: - Faz favor, Sr. Deputado Basílio Horta.

O Sr. Basílio Horta (CDS): - Sr. Presidente: Tinha pedido há pouco a palavra também para propor que

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3874 DIÁRIO DA ASSEMBLEIA CONSTITUINTE N.º 117

este artigo baixasse à Comissão. Coram efeito, os argumentos não são de todo convincentes porque, como disse o Deputado Vital Moreira, há aumentos de despesas que podem ser compensados com aumentos de receitas, quer receitas directamente previstas, quer outras que resultem até indirectamente de receitas que comportem esse mesmo aumento de despesa.
Por outro lado, o que acontece é que o tipo de argumentação política utilizada não nos convence de todo; nós não podemos partir para a próxima Assembleia Legislativa com uma desconfiança igual a esta que aqui foi demonstrada.
Finalmente, o argumento utilizado pelo Deputado Jorge Miranda também não nos convence duplamente. Em primeiro lugar, porque nós hoje somos partido da oposição, amanhã pode o PPD ser partido da oposição, e, em segundo lugar, porque orçamento mais desequilibrado do que aquele que já está, enquanto o PPD esteve no Governo, desde o I ao VI Governo, com excepção de V, é difícil encontrar-se.

(O orador não reviu:)

Risos.

O Sr. Presidente: - Temos uma proposta na Mesa no sentido de baixar à Comissão o n.º 2. Vai votar-se.

Submetida à votação, foi aprovada a baixa à Comissão do n.º 2.

O Sr. Presidente: - Podemos então votar o n.º 3. Ah! O n.º 1, peço desculpa. Vai ser lido.
Foi lido de novo.

O Sr. Presidente: - Vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Presidente: - O n.º 3 vai ser lido.
Foi lido de novo.

O Sr. Presidente: - Vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Presidente: - O n.º 4 vai ser lido.
Foi lido de novo.

O Sr. Presidente: - Vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Presidente: - Também está aprovado por unanimidade o intervala até às 18 horas e 15 minutos.

Eram 17 horas e 45 minutos.

O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão.

Eram 18 horas e 40 minutos.

O Sr. Presidente: - Tenham a bondade de ocupar os vossos lugares.

Vamos proceder à leitura do preceito que se segue. É o artigo 57.º

Foi lido. É o seguinte:

ARTIGO 57.º

(Discussão e votação)

1 - A discussão dos projectos e propostas de lei compreende um debate na generalidade e outro na especialidade.
2 - Se a Assembleia assim o deliberar, os textos aprovados na generalidade serão votados na especialidade pelas comissões, sem prejuízo do poder de avocação pela Assembleia e do voto final desta para aprovação global.
3 - Serão obrigatoriamente votadas na especialidade pela Assembleia as leis sobre as matérias abrangidas nas alíneas a), c'), f), g) e g'), do artigo 53.º

O Sr. Presidente: - Em discussão:

Pausa.

Ninguém pede a palavra?

Pausa.

Vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Presidente: - Outro preceito.
Pausa.

Por proposta da Comissão, os artigos 58.º e 59.º foram eliminados.
Há alguma oposição?
Pausa.

Considero, pois, aprovada a eliminação.
Vamos ler o artigo 60.º Foi lido.
É o seguinte:

ARTIGO 60.º

(Ratificação de decretos-leis)

1 - No caso de decretos-leis publicados pelo Governo durante o funcionamento da Assembleia dos Deputados, considerar-se-á concedida a ratificação se, nas primeiras quinze reuniões posteriores à publicação do diploma, cinco Deputados, pelo menos, não requererem a sua sujeição a ratificação.
2 - No caso de decretos-leis publicados pelo Governo fora do funcionamento da Assembleia dos Deputados, ou no uso de autorizações legislativas, considerar-se-á concedida a ratificação se nas primeiras cinco reuniões posteriores à publicação do diploma vinte Deputados, pelo menos, não requererem a sua sujeição a ratificação.
3 - A ratificação poderá ser concedida com emendas, e, neste caso, o decreto-lei ficará alte-

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rado nos termos da lei que a Assembleia então votar.
4 - Se a ratificação for recusada, o decreto-lei deixará de vigorar desde o dia em que for publicada no Diário da República a respectiva resolução.

O Sr. Presidente: - Em discussão.

Pausa.

Ninguém pede a palavra?

Pausa.

Vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Romero Magalhães (PS): - É apenas uma sugestão para a Comissão de Redacção: em vez de «fora do funcionamento» optar-se-ia por uma expressão diferente, porque esta não será muito literariamente correcta.

O Sr. Presidente: - Vamos apreciar o preceito que se segue. Artigo 61.º

Foi lido. É o seguinte:

ARTIGO 61.º

(Processo de urgência)

A Assembleia dos Deputados pode, por iniciativa sua ou do Governo, declarar a urgência do processamento de qualquer projecto ou proposta de lei ou de resolução, bem como da apreciação de decreto-lei cujo exame lhe seja recomendado pela Comissão Permanente.

O Sr. Presidente: - Está em discussão.

Pausa.

Ninguém pede a palavra?

Pausa.

O Sr. Deputado José Luís Nunes.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Presidente: Há aqui uma questão de ordem formal, que nem sequer é menos importante, que é a seguinte: «a Assembleia pode, por iniciativa do Governo, ou por iniciativa de qualquer Deputado», agora por iniciativa da própria Assembleia já se trata de uma resolução, está errado. Teria que se dizer: «A Assembleia dos Deputados pode, por iniciativa de qualquer Deputado ou do Governo, tomar qualquer decisão ...» Isto parece que é uma coisa que não está correcta.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Jorge Miranda.

O Sr. Jorge Miranda (PPD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Suponho que a dúvida do Sr. Deputado José Luís Nunes não tem razão de ser, porque precisamente o que se pretende é que haja uma deliberação da Assembleia sobre uma proposta de um Deputado, determinando essa deliberação a urgência. Quer dizer, o Governo pode pedir sempre a urgência. Para que um Deputado obtenha a urgência tem de haver uma votação favorável nesse sentido da própria Assembleia, para impedir que um Deputado que apresenta um projecto de lei vá, pela simples apresentação do seu projecto de lei, determinar uma alteração eventualmente da ordem de apreciação de outros projectos de lei ou vá forçar a Assembleia a uma apreciação precipitada que não se justifique.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Vital Moreira.

O Sr. Vital Moreira (PCP): - É para dizer que, a meu ver, o Deputado José Luís Nunes tem razão. Na realidade, no entendimento, pelo menos no meu entendimento, na Comissão não se pretende que houvesse processos de urgência, bastando para isso que o Governo diga: «Façam isso com urgência». Quer dizer, em qualquer dos casos, seja por iniciativa de Deputados ou do Governo, será a Assembleia a declarar a urgência de qualquer processo, de modo que nós damos apoio à proposta de alteração de redacção do Deputado José Luís Nunes.

O Sr. Presidente: - Mas trata-se efectivamente de uma proposta de alteração?

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Eu gostava de fazer a proposta de alteração, mas convencendo o Sr. Deputado Jorge Miranda. O que se passa é isto: há um Sr. Deputado que quer declarar um processo de urgência. Põe esse processo de urgência à votação da Assembleia e a Assembleia aprova e declara-a. Há o Governo que quer declarar um processo de urgência, é o mesmo fenómeno: põe o problema em votação à Assembleia e a Assembleia declara-a.
Tal como aqui está isto, permitia a seguinte interpretação: é que o Governo, por sua iniciativa e sem aprovação da Assembleia, podia decretar qualquer decreto ou qualquer diploma que tivesse um projecto de urgência, o que não é o caso. Quem introduz na Assembleia o processo de urgência é um Deputado ou o Governo, e a Assembleia resolve se efectivamente o processo deve ser ou não de urgência.
Neste sentido é que o problema deve ser alterado e posto assim: «A Assembleia dos Deputados pode, por iniciativa de qualquer dos seus Deputados ou do Governo, declarar urgência.»
Agora, a Assembleia dos Deputados, poder, por iniciativa sua, declarar urgência, peço imensa desculpa, mas é errado.

O Sr. Presidente: - Está conformado, Sr. Deputado? Tenha a bondade.

O Sr. Jorge Miranda (PPD): - O Grupo Parlamentar do Partido Popular Democrático não supõe esse entendimento.
Na minha opinião pessoal, muito pessoal, parece-me que seria importante que o Governo, para execução do seu programa, tivesse essa faculdade de pedir urgência de qualquer proposta e que, por esse

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simples facto, a Assembleia tivesse de adoptar a urgência. No entanto, isto é uma opinião puramente pessoal. O nosso Grupo Parlamentar votará a proposta de alteração do Sr. Deputado José Luís Nunes.

O Sr. Presidente: - Só um momento, Sr. Deputado José Luís Nunes.
Vamos dar a redacção que parecer mais conveniente e vai voltar à Mesa para ser apreciada.
Tenha a bondade de ler a proposta. A proposta não, o texto como fica.

O Sr. Secretário (Alfredo de Carvalho):- A proposta ficaria:

A Assembleia dos Deputados pode, por iniciativa de qualquer dos seus membros ou do Governo, declarar a urgência do processamento de qualquer projecto ou proposta de lei ou de resolução, bem como da apreciação de decreto-lei cujo exame lhe seja recomendado pela Comissão Permanente. .

O Sr. Presidente:- Continua em discussão.

Pausa.

Podemos votar então o texto com a alteração que foi sugerida ou que foi proposta.
Se a Assembleia está ciente, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Presidente: - Outro preceito.

O Sr. Secretário (Maia Nunes de Almeida): - O preceito que vai entrar em discussão pertence ao título V «Assembleia dos Deputados», capítulo I «Estatuto e eleição».
É o artigo 43.º, n.º 2, já que o n.º 1 já tinha sido aprovado.
O n.º 2 tem o seguinte texto.

2 - O Deputado que for nomeado membro do Governo não poderá exercer o mandato até à cessação destas funções, sendo substituído nos termos do artigo anterior.

O Sr. Presidente: - Em discussão.

Pausa.

Podemos votar?

Pausa.

O Sr. Jorge Miranda (PPD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Há vários sistemas relativamente à acumulação de funções de Ministro ou de membros do Governo em geral e de Deputados. Num sistema parlamentar puro, o princípio é não apenas o da compatibilidade como é até o da necessária qualidade de Deputado para se poder ser membro do Governo.
Mesmo quando não se encontra constitucionalmente consagrado, é um uso, é uma convenção de países com um regime parlamentar. Pelo contrário, nos países com sistema presidencialista, a regra é inversa, é a regra da incompatibilidade.
No nosso caso, em que nem vamos ter um sistema parlamentar nem um sistema presidencialista, competindo depois aos teóricos, em face do funcionamento do sistema, qualificar o regime como mais próximo do sistema parlamentar ou do sistema presidencialista, a solução é de uma suspensão do mandato de Deputado.
O Deputado que for nomeado membro do Governo terá o seu mandato suspenso, retomando o exercício de funções parlamentares com a cessação das funções governamentais nos termos gerais a prever na lei eleitoral.

O Sr. Presidente:- Algum Sr. Deputado deseja intervir?

Pausa.

Considero encerrado o debate. Vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Presidente: - Vamos passar ao artigo 62:º

Foi lido. É o seguinte:

ARTIGO 62.º

(Legislatura)

1 - A legislatura tem a duração de quatro anos.
2 - No caso de dissolução, a Assembleia então eleita não iniciará nova legislatura.
3 - Verificando-se a eleição, por virtude de dissolução durante o tempo da última sessão legislativa, caberá à Assembleia eleita completar a legislatura em curso e perfazer a seguinte.
4 - O disposto no número anterior não se aplica à primeira legislatura.

O Sr. Presidente: - Em discussão.
O Sr. Deputado Vital Moreira.

O Sr. Vital Moreira (PCP): - Apenas para chamar a atenção de que não é legível ou não consta mesmo uma vírgula que altera o sentindo. Nos seguintes termos: «Verificando-se a eleição» - vírgula - «por virtude de dissolução» - vírgula - «durante o termo da última sessão legislativa», etc. O tempo da sessão legislativa é relevante para a data da eleição e não para a data da dissolução.

O Sr. Presidente: - Está em discussão, com todas as vírgulas. Os Srs. Deputados desejam intervir?

Pausa.

Podemos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Secretário (Alfredo Carvalho):

ARTIGO 68.º

(Participação dos membros do Governo nas reuniões plenárias)

1 - Os membros do Governo têm direito de comparecer às reuniões plenárias da Assembleia e podem usar da palavra nos termos do Regimento.

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2 - Poderão ser marcadas, de acordo com o Governo, reuniões em que os seus membros estarão presentes para responder a perguntas e a pedidos de esclarecimento dos Deputados, formulados oralmente ou por escrito.

O Sr. Presidente: - Em discussão.

Pausa.

Podemos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Presidente: - Há uma declaração de voto. Ouvi uma.

Pausa.

Ah! Foi um isqueiro!
Então vamos ao artigo 69.º, n.º 2.

Foi lido. É o seguinte:

ARTIGO 69.º

(Comissões)

...............................................................................
2 - As comissões podem solicitar a participação de membros do Governo nos seus trabalhos.

O Sr. Presidente: - Em discussão.

Pausa.

Podemos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Presidente: - O que é que a 5.ª Comissão nos tem a dizer? Não temos material ...

Pausa.

O Sr. José Luís Nunes faça o favor.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Presidente. Srs. Deputados: Acabámos de discutir a matéria referente à Assembleia dos Deputados ou Assembleia Legislativa.
O nosso partido fez estas votações ressalvando sempre a sua posição contra a designação deste órgão. Nós não estamos de acordo com a designação de Assembleia dos Deputados. Poderia argumentar muito fortemente sobre este assunto; no entanto limitar-me-ei a três ou quatro argumentos que se me afiguram decisivos.
Em primeiro lugar, porque idêntica terminologia se não usa em relação ao Governo. Nós falamos de Governo não falamos de Conselho de Ministros.
Em segundo lugar, porque no plano formal parece errado definir-se um órgão pela presença dos seus membros ou pela designação dos seus membros e não pela sua competência.
Em terceiro lugar, porque a designação que defendemos, Assembleia Legislativa, de certa maneira consagra o princípio da repartição dos poderes entre o executivo, o legislativo e o judicial.
Em quarto lugar, porque se nos afigura que a expressão «Assembleia Legislativa» tem uma força muito intensa e muito real, porque é neste momento utilizada pelas populações no sentido de que as pessoas falam das próximas eleições como eleições para a Legislativa.
Em quinto e último lugar, porque, de qualquer modo, se nos afigura menos correcta esta ideia de que nós seremos candidatos a Deputados a uma Assembleia de Deputados. Incorrecto e pleonástico.
Evidentemente que outras designações se poderiam tomar ou arranjar. Em primeiro lugar, poder-se-ia adoptar a designação de Assembleia Nacional. Liminarmente afastamos essa ideia; em primeiro lugar, porque a designação de Assembleia Nacional aparece ou tem em Portugal uma conotação tristíssima que está no espírito de todos nós, e constituiria, de certa maneira, uma agressão ideológica a todo o povo português a utilização desta terminologia. Foi na Assembleia Nacional, presidida por Amaral Neto e paraninfada por Francisco do Casal Ribeiro, entre outros do mesmo teor, que se cometeram algumas das mais violentas agressões verbais e escritas contra o nosso povo. Está ligada também a uma qualidade de subserviência e de cobardia perante os poderes constituídos que o carácter altivo de uma democracia representativa, de um parlamento eleito, não podem, de forma nenhuma, admitir.

Uma voz: - Muito bem!

O Orador: - Em segundo lugar, a figura da Assembleia Nacional aparece ligada à Revolução Francesa quando havia três classes ou três estados e eram esses três estados que efectivamente formavam uma Assembleia Nacional. A nós que visamos a supressão e a constituição de uma sociedade sem classes, esta ideia ou base ideológica que lhe está subjacente não nos parece também que deva aqui assim ser reproduzida, pelo menos nos pressupostos ideológicos e filosóficos.
Em segundo lugar, nós entendemos que poderíamos utilizar a expressão «parlamento». A expressão «parlamento», no entanto, é uma expressão que, em primeiro lugar, está ligada à ideia de parlamentarismo, de discussões intermináveis, etc. Nós entendemos que a palavra «parlamento» tem um conteúdo ideologicamente divorciado da nossa realidade e até com algumas conotações também pejorativas na linguagem vulgar, embora ela por si só não permita tanto.
Portanto, parece que a palavra «parlamento» também não deverá ser utilizada; aliás, parlamento é uma palavra que é muitas vezes adoptada em sistemas bicamerais, e nós aqui, assim, desejamos constituir um sistema unicameral.
Poderemos também utilizar a expressão «câmara dos deputados», mas a expressão «câmara dos deputados» ou assembleia dos deputados» também é uma expressão ideologicamente ligada ao bicameralismo, porque pressupõe que haja outras assembleias representativas que não são assembleias dos deputados.
Portanto, todos estes argumentos levam-nos a propor a argumentação ou a designação de Assembleia Legislativa; acrescentaria isto a uma outra ordem de ideias: é que, efectivamente, se no sentido estrito esta Assembleia terá uma competência que vai para além de uma competência meramente legislativa, também é verdade que na expressão «legislativa» não se refere só a uma legiferalidade material, mas uma

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legiferalidade formal, e todas as resoluções que saiam desta Assembleia ou da futura Assembleia serão necessariamente ou terão a forma de lei, mesmo aquelas resoluções que se limitam pura e simplesmente a eleger esta ou aquela personalidade, nos termos que acabamos de aprovar na Constituição.
Neste sentido, o nosso partido vai votar e defende que deve ficar consagrada a designação de Assembleia Legislativa, e não a designação de Assembleia dos Deputados ou qualquer outra para tal.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Carlos Candal.

O Sr. Carlos Candal (PS): - O colega José Luís Nunes fez uma síntese quase perfeita do problema. Eu digo quase, porque admito que algum outro colega possa ser mais completo. Esta matéria foi discutida longamente na Comissão e a proposta inicial do Partido Socialista seria de Assembleia dos Representantes do Povo; havia quem propusesse Assembleia Nacional, Parlamento, Câmara dos Deputados, Assembleia Legislativa, mas chegou-se a um impasse, na medida em que nenhuma destas designações tinha um consenso aceitável; então, encontrou-se esta expressão inovadora «assembleia dos deputados», que se limita a constatar a realidade, é uma assembleia, é um órgão colectivo, formado por deputados eleitos nos termos da lei.
Não sei se será fácil ou até possível chegar-se aqui a um consenso que na 5.ª Comissão não foi possível encontrar; só foi possível formar opinião comum com esta designação de Assembleia dos Deputados.
De qualquer maneira, depois das intervenções que haja, se subsistir a dificuldade, eu proponho que esta matéria seja analisada em gabinete entre os representastes dos grupos parlamentares e dos Deputados independentes. Não se me afigura que seja matéria com grande dificuldade de ser discutida numa assembleia tão numerosa.

O Sr. Presidente: - Sr. Jorge Miranda.

O Sr. Jorge Miranda (PPD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta questão da designação da Assembleia representativa de todos os portugueses não deve ser dramatizada, no nosso modo de ver, nem devemos perder muito tempo com ela. Há questões políticas mais importantes a tratar e a resolver. No entanto, eu permitir-me-ia não aceitar os argumentos que foram expor tos pelo Sr. Deputado José Luís Nunes a respeito da designação «Assembleia Legislativa» contra a designação «Assembleia dos Deputados».
Parece-me que há alguns argumentos de peso contra a designação «Assembleia Legislativa». Por um lado, essa Assembleia Legislativa não é, já vimos pelos textos dos artigos que aprovámos ontem e hoje, não é exclusivamente, nem talvez fundamentalmente, um órgão legislativo. Há outros órgãos legislativos na nossa Constituição - o Conselho da Revolução e também o Governo, dentro dos parâmetros que acabámos de votar. Por outro lado, a Assembleia exerce importantíssimas funções não legislativas, nomeadamente todas as funções que se prendem com a formação e a subsistência do Governo. E não podemos subalternizar tais funções relativamente às funções legislativas. Aliás, a tendência nos parlamentos modernos, nas assembleias políticas representativas modernas, é para serem realçadas as funções fiscalizadoras e, em geral, as funções políticas, em detrimento das funções legislativas.
Por outro lado, em direito comparado, e mesmo na história do direito português, recente, a expressão «Assembleia Legislativa» é a que é dada a assembleias de 2.º ordem. É dada às assembleias legislativas de estados federados. É o caso dos Estados Unidos, é o caso do Brasil e era a expressão adoptada nas províncias ultramarinas portuguesas no regime de Marcelo Caetano.

Uma voz: - As colónias!

O Orador: - Nas ex-colónias. Eu não tenho medo às palavras, porque estou a referir-me à designação formal. Era a expressão que era adoptada nas ex-colónias para designar os pretensos órgãos representativos das suas populações.
Da mesma maneira que nós recusamos o termo «Assembleia Nacional», por ter a sua conotação com o regime fascista, recusamos a expressão «Assembleia Legislativa», por ter a conotação com a Lei Orgânica do Ultramar Português, de Marcelo Caetano. Era o termo que Marcelo Caetano adoptou para pretender iludir Portugal e o Mundo com a ideia de que havia qualquer Assembleia representativa nesses territórios, nas ex-colónias. Portanto, a mesma razão que nos leva a rejeitar Assembleia Nacional leva-nos a rejeitar Assembleia Legislativa.
Por outro lado, o Sr. Deputado José Luís Nunes disse que, formalmente, os actos da Assembleia eram leis, mesmo quando materialmente não fossem leis. Ora, isso não é inteiramente verdade, porque nós aprovámos há muito pouco tempo uma disposição que precisamente qualifica os actos da Assembleia dos Deputados em três formas: haverá actos que tomarão a forma de lei, em princípio os actos substancialmente legislativos, haverá actos que tomarão a forma de moção, aqueles que se prendem com a subsistência do Governo, e haverá actos que tomarão a forma de resolução. Portanto, a Assembleia Legislativa não é a Assembleia que faz actos formalmente legislativos.
Por estas razões, parece-nos que o termo «Assembleia Legislativa» não é de adoptar. Nós preferiríamos o termo «Parlamento» e iremos apresentar uma proposta no sentido do termo «Assembleia dos Deputados» ser substituído pelo termo «Parlamento».
A ideia de Parlamento, ao contrário do Sr. Dr. José Luís Nunes, não é a ideia de discussões longas e estéreis, de discussões que nada trazem; pelo contrário, historicamente, a ideia de Parlamento, em contraposição às pseudo-assembleias dos regimes não democráticos, é a de uma assembleia representativa democrática, livremente eleita, em que há representação das várias tendências políticas e que pratica e que tem competência para praticar actos de decisão efectiva da vida política do País. Parlamento não está associado simplesmente a governo parlamentar, a sistema de governo parlamentar - à inglesa, Parlamento tem o sentido de uma verdadeira assembleia política.
Nós, no nosso projecto de Constituição, não adoptamos, todavia, o termo «Parlamento», mas sim o termo «Câmara dos Deputados», e fizemo-lo porque,

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na vigência do pacto celebrado em Abril, efectivamente a posição constitucional desse órgão se encontrava bastante diminuída em relação à posição constitucional do Conselho da Revolução e, de cento modo, estava aproximada da posição constitucional da Assembleia do Movimento das Forças Armadas. Mas neste momento, em que a posição da Assembleia representativa se encontra já realçada, parece-nos perfeitamente possível adoptar o termo «Parlamento».
De todo o modo, nós não iríamos apresentar esta proposta se não fosse a proposta do Sr. Deputado José Luís Nunes. Nós, a bem de um consenso que, apesar de tudo, se estabeleceu na 5.ª Comissão, preferiríamos, para evitar discussões muito prolongadas, para evitar uma divisão na Assembleia, preferiríamos que se mantivesse o termo «Assembleia dos Deputados» que consta do projecto da 5.ª Comissão.
Nem se diga, muito simplesmente, que aqueles de nós que serão candidatos à futura Assembleia serão candidatos a Deputados à Assembleia de Deputados; isso não tem o menor interesse. Nem se diga que o termo «Assembleia dos Deputados» implicaria o termo paralelo «Conselho de Ministros», pois há países, por exemplo :a União Soviética, em que precisamente o Governo se chama «Conselho de Ministros».
Finalmente, não queria deixar em claro uma afirmação do Sr. Deputado José Luís Nunes, que não é historicamente correcta. Ligou o termo «Assembleia Nacional» à ideia de uma assembleia de classes, de uma assembleia de três Estados, etc.
Ora bem, esse termo «Assembleia Nacional», efectivamente, surgiu em França aquando da Revolução Francesa em conexão com o termo «Nação», com o conceito revolucionário liberal de nação, que não queria dizer uma organização de várias classes. O sentido revolucionário para a Revolução Francesa, bem entendido, de Nação, era o conjunto de todos os cidadãos e independente de classes.
No entanto, eu queria dizer à Assembleia que o Grupo Parlamentar do PPD não faz grande questão sobre este assunto, não quer prolongar excessivamente os trabalhos da Assembleia Constituinte à volta desta questão, mas não deixa de chamar a atenção para a necessidade de, à falta de um amplo acordo, então se manter a designação neutra «Assembleia dos Deputados».
Não fomos nós que colocámos a questão, queria chamar a atenção.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado José Luís Nunes.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Isto tem a sua importância, e eu gostava de chamar a atenção do Sr. Deputado Jorge Miranda para algumas coisas que o Sr. Deputado disse e com as quais não estou manifestamente de acordo.
Em primeiro lugar, chamou à colação o exemplo da União Soviética. Eu acho que não devemos chamar maus exemplos acerca deste assunto.
A União Soviética não é um sistema parlamentar; a União Soviética não é uma democracia representativa nem pretende sê-lo; a Constituição soviética nada tem em si de liberal.

Uma voz: - E esta é?

O Orador: - Portanto, estar a chamar aqui à colação o exemplo da União Soviética é estar a misturar alhos com bugalhos.
Agora quanto ao problema histórico, é evidente que também me perece que não tem razão. A primeira assembleia que se convocou na Assembleia Nacional Francesa foi uma Assembleia de Notáveis, convocada por Luís XVI. A seguir à Assembleia de Notáveis foi convocada uma Assembleia dos Três Estados, ou Estados Gerais, e depois discutia-se se o voto devia ser em conjunto ou se deveriam reunir os diversos estados em separado e dar o voto colectivo. Nessa altura os historiadores fazem a separação entre súbditos e cidadãos. Simplesmente, esta ideia da Assembleia Nacional aparece ligada-a esta ideia de cidadãos, mas também à ideia de reunir em conjunto todos os estados que nessa altura formavam a França. Depois há outras conversas sobre voto censitário, etc., mas não tem a ver uma coisa com a outra.
Em segundo lugar, temos o problema do Parlamento. A expressão «Parlamento» encerra em si, quer se queira, quer não, uma expressão de raiz estrangeira, inclusive de raiz francesa: parler - do sítio onde se fala. Eu devo dizer que já aqui na nossa Constituição temos uma expressão de raiz estrangeira, que é a expressão lock-out. Não foi possível conseguir outra melhor, e ficou lá.
De qualquer forma ...

O Sr. Deputado Carlos Candal (PS) esclarece o orador.

Ah! Ainda não ficou, pelo menos foi aprovada aqui.
De qualquer forma, sempre que for possível conseguir uma palavra portuguesa que diga a mesma coisa acho muito mal que apareçam expressões de língua estrangeira.
Depois temos o aspecto, que referiu, do problema de as províncias ultramarinas possuírem assembleias legislativas. Eu disse «províncias ultramarinas» propositadamente, porque havia um hábito, nos tempos do fascismo, que era as pessoas utilizarem a expressão «os chamados ventos da história», o chamado não sei o quê, o chamado isto, o chamado aquilo e o chamado aqueloutro. Se mitologicamente se chamava àquilo «províncias ultramarinas», a ideia de assembleia legislativa só pode ser usada em relação à realidade mitológica e é perfeitamente disparatado dizer que as nossas colónias tinham assembleias legislativas, porque isso é que é profundamente reaccionário - elas nunca tiveram assembleias legislativas.
Ora, esta ideia é uma ideia importante, mas não podemos ir longe de mais.
O artigo 8.º da Constituição de 1933 dizia o seguinte: «Os portugueses têm direito à vida e à integridade pessoal», e não é pelo facto de a gente saber que o Marcelo, o Salazar e o Tomás renegavam o direito à vida e à integridade pessoal dos portugueses que nós vamos deixar de reconhecer esse direito. É evidente que esse argumento não me parece que tenha fundamento. Agora um outro aspecto importante: as funções não legislativas da Assembleia. Eu devo dizer que não esperava essa argumentação da parte do PPD e do Sr. Deputado Jorge Miranda.

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Em primeiro lugar, o Conselho da Revolução tem funções legislativas. É um facto. Mas esse órgão só o será conjunturalmente. O Conselho da Revolução é um órgão de defesa da Revolução, que existe para funcionar num «período de transição». Ao fim do período de transição a competência plena será devolvida à Assembleia Legislativa. Portanto, trata-se de uma definição conjuntural.
Em segundo lugar, a existência de uma competência legislativa de Governo existe na mente dos melhores tratadistas, como o Sr. Deputado Jorge Miranda sabe muito melhor do que eu - é professor da matéria -, existe sempre construída como uma delegação expressa ou tácita do órgão legislativo. Quer dizer, até à data ainda ninguém defendeu para os Governos uma competência inata em matéria legislativa.

Em terceiro lugar, a tendência em relação às assembleias legislativas não é pura e simplesmente de lhes restringir a competência, mas de lhes alargar a competência.
Um socialista francês, que certamente é caro a qualquer de nós, que é o André Chandermagor, no seu livro Un Parlament porquoi faire, foca exactamente este tema e diz o seguinte: «A tragédia das democracias ocidentais não consiste, ao contrário do que se pensa, em restringir a competência das assembleias legislativas. A tragédia das democracias ocidentais reside exactamente naquele princípio de que elas não têm a sua competência legislativa devidamente alargada.
E os parlamentos modernos devem pura e simplesmente, sem exageros, caminhar no sentido de alargarem a sua competência legislativa.»
Quer dizer (eu não estou a citar de cor), a ideia de algumas frases textuais deste livro que os Srs. Deputados todos conhecem e que me poderão dar as merecidas palmatoadas se eu pura e simplesmente atraiçoar o pensamento do autor que não é o caso), que os Srs. Deputados conhecem e em que estas ideias aparecem devidamente defendidas.
Agora poder-se-á dizer: mas a Assembleia tem funções que não são funções elas próprias legislativas. Fala-se nas moções e nas resoluções da Assembleia.
Ora, sobre esse aspecto falta dizer - e é um aspecto que até podemos deixar para o Regimento como é que, por exemplo, uma moção de desconfiança ao Governo, como é que vai funcionar a desconfiança ao Governo.
A desconfiança ao Governo é efectivamente uma moção, é uma moção de que desconfiamos daquele Governo. Pronto! Essa é uma moção.
Mas, por exemplo, como é que o Governo vai actuar em frente dessa moção de desconfiança?
Pois muito bem, pode admitir-se - não é a minha opinião (estou a dizer só em teoria)-, pode admitir-se pura e simplesmente, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que seja necessário, depois de uma moção de desconfiança, uma lei que, por exemplo, diga: «O Governo não continua em funções.»
Este sistema aparece em alguns Governos e em alguns sistemas constitucionais. Quer dizer, há sistemas constitucionais para quem a moção de desconfiança não funciona necessariamente propter legis. É necessário, para além da desconfiança, uma tomada de posição da Assembleia, que diga depois: «Não queremos que este Governo continue.»
Eu não estou de acordo com este sistema, de forma nenhuma, e chamo a atenção ao Sr. Deputado Jorge Miranda de que isso é, em termos de direito comparado, possível.
Depois, o último aspecto da minha intervenção, ao qual não respondeu, e que para mim é totalmente decisivo, é o seguinte: no nosso país todo o povo português está a falar nas eleições para a Legislativa, a todo o povo português interessa as eleições para a Legislativa, e é para a Legislativa que o povo português vai votar, quer se uive ou não se uive.

Burburinho.

Nesse sentido, Sr. Presidente e Srs. Deputados, nós defendemos e mantermos a ideia de que deve ser Assembleia Legislativa, e desejamos que o Partido Popular Democrático ...

Burburinho.

...possa aderir a esta nossa tese, que todos os partidos democráticos possam aderir a esta nossa tese, porque em questões de democracia todos os partidos que aqui estão presentes estão de acordo: que os cães ladram e a caravana passa.

Risos.

Aplausos.

O Sr. Presidente: - Ora muito bem: eu gostaria de fazer uma pergunta ao Sr. Deputado Jorge Miranda. Um pedido de esclarecimento: a discussão que estamos aqui a ter neste momento é pertinente ao texto que vamos votar? A sua sede, como agora se diz, será efectivamente esta?

O Sr. Jorge Miranda (PPD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não fui eu nem foi o nosso grupo parlamentar que pós a questão, insisto. Foi o Partido Socialista, pela voz, eloquente como sempre, do Sr. Deputado José Luís Nunes, meu querido amigo e colega.

Risos.

Portanto, parece-me, em todo o caso, que, agora que concluímos o debate e a votação da matéria respeitante à Assembleia, seja à Assembleia Legislativa ou dos Deputados ou Parlamento da Assembleia Nacional ou Cortes. Não sei se preferem Cortes ...

Risos.

É capaz de ser mais português do que parlamento, Sr. Deputado José Luís Nunes.

Risos.

Parece-me que é este o momento para tomarmos uma decisão. Nós temos estado a adiar e talvez seja altura de tomarmos uma decisão.

Uma voz: - Cortes gerais.

O Sr. Presidente: - Digo isto porque foi apresentada uma proposta de alteração por parte do PPD, que eu não sei onde é que se enquadra.

Pausa.

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Um momento só Eu já lhe dou a palavra, Sr. Deputado Vital Moreira.
É este o ponto que devia ser esclarecido. Esta proposta de aditamento é para ser votada onde? Em que sítio?

O Sr. Jorge Miranda (PPD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nós apresentámos essa proposta no pressuposto de que o Partido Socialista também tinha apresentado uma proposta no sentido de ser Assembleia Legislativa.
Se o PS não apresentar essa proposta, nós não apresentamos a nossa. Retiramos a nossa. Mas, pelo que estou a ouvir, vai apresentar.

O Sr. Presidente: - Então, se vai apresentar, é melhor apresentar mesmo.

Risos.

Ainda não foi apresentada.

Pausa.

Eu já concedo a palavra aos Srs. Deputados que a pediram.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputadas: Nós apresentámos, efectivamente, em forma oral, a proposta de transformar a Assembleia dos Deputados em Assembleia Legislativa.

O Sr. Presidente: - Agora está entendido. Esta entendido. Bom, eu pedia ao Sr. Deputado José Luís Nunes o favor de fazer a proposta por escrito.
O Sr. Deputado Vital Moreira tenha a bondade.

O Sr. Vital Moreira (PCP): - Nós não atribuímos demasiada importância a esta questão. E por isso nos surpreende que outros lha atribuam. Não podemos deixar, de facto, de considerar surpreendente, especialmente acompanhada da inopinada soma de argumentos, a proposta do Deputado José Luís Nunes no sentido de alterar a designação da Assembleia Parlamentar que vamos ter, e que vínhamos designando, de acordo com o consenso unânime da 5.ª Comissão, por Assembleia dos Deputados. Não sei se estaremos seguros de amanhã aparecer uma proposta propondo, pois, alterar o nome do Governo, ou do Presidente da República, ou de qualquer outro órgão de que já tenhamos tratado. Não é este, contudo, o problema. O problema é que, para a falta de melhor explicação para esta inopinada proposta de alteração, eu até agora não vi outra razão senão a de que se pretendeu apenas, porventura, uma fidelidade literária ao texto da Plataforma. Invocaram-se argumentos como este: não podemos chamar à Assembleia Parlamentar que vamos ter Assembleia dos Deputados, pela simples razão de que não chamamos ao Governo Conselho de Ministros.
Este é um dos muitos e surpreendentes argumentos. É que, na realidade, não tem nada a ver uma coisa com a outra, pelas simples razão de que o Governo não é o Conselho de Ministros. Porque o Governo é formado por Ministros, Secretários e Subsecretários de Estado e o Conselho de Ministros é formado por Ministros. A que propósito é que se vem dizer que não se pode chamar Assembleia de Deputados à Assembleia dos Deputados? Pela mesma razão de que não se pode chamar ao Conselho de Ministros Governo?
Há um princípio lógico de que as designações devem, sempre que possível, acompanhar o objecto que designam. E nós vimos mal. Como é que se pode designar, com total correcção, por Assembleia Legislativa uma Assembleia que, por um lado, não se limita a fazer leis e que, por outro lado, não é só ela que faz leis?
No nosso projecto de Constituição, originário, estava para a Assembleia parlamentar o nome de Câmara dos Deputados.
Como se sabe, quer na primeira forma, quer na segunda forma da Plataforma Constitucional, a designação da Assembleia Parlamentar é a Assembleia Legislativa, que, de resto, já era a do Programa do MFA.
A única coisa que nos levou a alterar o nome que vem na Plataforma - que, volto a dizer, não nos causa qualquer repugnância nem oposição de princípios - é que ele é incorrecto, que não é correcto e que, se fosse possível, como foi, encontrar um consenso para uma designação mais correcta, então que se substituísse. E foi o que se fez.
É claro que nisto tudo pode haver não só fidelidade literária ao texto da Plataforma, mas também uma fidelidade ao Governo, que, quando ainda não havia qualquer Assembleia - e ainda não há - se pôs a fazer leis de eleição dessa Assembleia, dando-lhe logo um nome com letra grande e tudo.
Bom, mas eu não vejo por que razão haveremos de respeitar tanto, tanto, tanto o Governo, que ato nos sujeitamos a aderir ao nome que o Governo põe em relação a uma Assembleia cuja designação, competência e formulação pertence a nós, Assembleia Constituinte.
Pelo que a nossa posição é de fidelidade, essa sim, a um consenso inicial: a designação de Assembleia dos Deputados.
Sem que consideremos dramático que venha a vencer a designação do Partido Socialista, apenas lamentamos que, por imposição do Partido Socialista, venhamos a ter uma designação não totalmente correcta para a Assembleia Parlamentar, isto é, para a Assembleia dos Deputados.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Coelho dos Santos deseja pedir esclarecimento?

O Sr. Coelho dos Santos (INDEP.): - Na intervenção do Sr. Deputado Vital Moreira, eu pareceu-me ouvir duas vezes referir a Assembleia. Parlamentar que vamos ter. Se assim é, eu pedia que me dissesse se realmente isto é ou não já uma definição, uma classificação da própria Assembleia: Assembleia Parlamentar.

O Sr. Presidente: - Desejará responder o Sr. Deputado?

O Sr. Vital Moreira (PCP): - Não, Sr. Deputado, Assembleia Parlamentar é uma designação do que tecnicamente é a Assembleia, uma Assembleia Parla-

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mentar é um Parlamento, e aí eu até estou de acordo com o Sr. Deputado José Luís Nunes.

O Sr. Presidente: - Sr. Romero de Magalhães.

O Sr. Romero de Magalhães (PS): - Para lançar um pouco a confusão, que já não é pouca, depois de tantos e tão ponderosos argumentos, eu, pessoalmente, embora vote disciplinadamente, considero que a designação mais correcta seria a designação tradicional portuguesa - e aí prestaríamos uma homenagem aos homens da República - que regressássemos, segundo o projecto, aliás inicial, do Partido Comunista, e suponho que de um outro partido, à designação tradicional de Câmara dos Deputados.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Jorge Miranda.

O Sr. Jorge Miranda (PPD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Serei muitíssimo breve nesta intervenção.

Risos.

Tenho procurado ser, embora a vontade seja contrária.

Risos.

Respondendo a algumas observações do Sr. Deputado José Luís Nunes, o paralelo que fez, ou que eu fiz, com a União Soviética, pois, foi não em relação à Assembleia, mas em relação ao Governo. Portanto, é escusado insistir nele.
Quanto ao termo Assembleia Legislativa, pareceu-me haver uma contradição do Sr. Deputado José Luís Nunes. Por um lado, não quer que se chame Assembleia Nacional ao futuro parlamento, pela sua conotação com o regime fascista, mas, por outro lado, não se importa que se chame Assembleia Legislativa, apesar de saber que, nas ex-colónias, ou nas províncias ultramarinas ... Sr. Deputado Manuel Gusmão, é altura de acabarmos com o terrorismo psicológico à volta das palavras, em Portugal.

Burburinho.

Risos.

Mas, por outro lado, dizer o Sr. Deputado José Luís Nunes que não se importa que se chame Assembleia Legislativa, apesar de saber que em Portugal só se chamou Assembleia Legislativa ao órgão pretensamente representativo das populações coloniais ...
Assim, ou não ligamos demasiado aos nomes, e então tanto podia ser Assembleia Legislativa como Assembleia Nacional, ou ligamos, e tem de se incluir os dois nomes.
Finalmente, queria dizer que a designação «Câmara dos Deputados» teve a adesão do Sr. Deputado Romero de Magalhães, que podia ser justificada num sistema bicamaral, e aí tem toda a razão o Sr. Deputado José Luís Nunes. No nosso projecto da Constituição havia a Câmara dos Deputados, porque havia uma espécie de segunda Câmara, que era a Assembleia do MFA. Mas como agora esta Assembleia já não existe, parece-me que não tem cabimento esta designação de Câmara dos Deputados. Ou vamos para a Assembleia dos Deputados, ou vamos para outra. Mas suponho que já tenhamos perdido muito tempo com esta questão ...

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Mota Pinto tenha a bondade.

O Sr. Mota Pinto (INDEP.): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Apesar de o meu amigo e colega Jorge Miranda já ter dito que perdemos muito tempo com esta questão, eu sinto-me também no direito de emitir uma opinião a este respeito.
Dá-me a impressão de que a Assembleia, ao discutir este problema, está num daqueles momentos de ócio criador ...

Risos.

Ócio, porque não está a discutir intensamente e a levar em atenção quaisquer disposições constitucionais, e está, enfim, a dar largas à imaginação para encontrar uma fórmula que crisme o futuro órgão parlamentar da República Portuguesa.
Eu direi que qualquer das designações serve, é funcional, é prestável. Não me deixo impressionar pelo fetichismo das palavras, mas, pelos vistos, há uma certa sensibilidade às várias conotações de cada uma das fórmulas propostas: Parlamento tem certas conotações que desagradam, Assembleia Nacional também, Assembleia Legislativa idem, Câmara dos Deputados igualmente, pelo que eu vou ter a audácia de sugerir uma outra denominação ...

Risos.

... que tem talvez a vantagem de, não sendo nenhuma daquelas em que as formações partidárias estão enquistadas, poder ser adoptada por eles, se efectivamente não atribuírem a este problema uma extrema importância.
Creio que é, aliás, uma designação que não será comum e que não existirá noutras Constituições, a não ser que o meu colega é amigo Jorge Miranda, com a sua erudição sempre comprovada, me venha demonstrar que no Paraguai ou na República da Bósnia existe uma Assembleia com este molde,

Risos.

Eu creio que poderíamos chamar à Assembleia Legislativa, pura e simplesmente, Assembleia da República. Assembleia da República, porque é o órgão colegial que exprime e traduz a República.
Há o Presidente da República, uma figura singular, que encabeça e simboliza, portanto, o Estado. E há um órgão colegial que exprime, que é o representante do povo português. Creio que esta expressão que está em paralelismo com a designação «Presidente da República», põe em relevo o carácter colegial, reabilita e dá o devido valor a uma fórmula: a palavra «República», que na história das ideias, que na história das formas de Estado, tem um conteúdo progressista, tem um conteúdo democrático, é sinónimo de democracia em todas as dimensões que a democracia pode exprimir. Por esse motivo, e sem atribuir a este problema nenhuma importância especial, eu sugeriria a fórmula «Assembleia da República».

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O Sr. Presidente: - Um pedido de esclarecimento do Sr. Deputado Jorge Miranda.

O Sr. Jorge Miranda (PPD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Um pedido de esclarecimento.
Por sinal, já há pouco o Sr. Deputado José Luís Nunes, tinha sugerido, em conversa informal, o termo «Assembleia da República», e por isso eu estou muito satisfeito por haver essa concordância dos bons espíritos que são o Deputado Mota Pinto e o Deputado José Luís Nunes.

Risos.

É natural.

Aplausos.

Mas o pedido de esclarecimento que eu queria fazer ao Sr. Deputado Mota Pinto é o seguinte:
Não foi nem no Paraguai nem na Bósnia, que não são regimes democráticos representativos, que se encontra essa expressão «Assembleia da República». Mas queria perguntar se ele não se terá inspirado na expressão «Congresso da República», da Constituição de 1911. Pela minha parte, e em meu nome pessoal, seria mais uma homenagem que esta II República democrática portuguesa prestaria aos homens ida I República.

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Mota Pinto, diga da sua inspiração.

O Sr. Mota Pinto (INDEP.): - Sr. Presidente: Eu creio que este pedido de esclarecimento é um pedido de perscrutação dos motivos subconscientes que me levaram a propor esta fórmula. Devo dizer que não tinha falado nisto com o Sr. Deputado José Luís Nunes, e lembrei-me, pura e simplesmente, por analogia e paralelismo com a fórmula «Presidente da República», e porque, enfim, isto é um problema quase estético, gosto da palavra «República». Acho que a palavra «República» exprime alguma coisa na história das ideias e dos sistemas de Governo, que comporta potencialidades no domínio político, no domínio social e no domínio económico correspondentes a uma sociedade democrática em todos os seus desenvolvimentos. Só por isso.

Vozes: - Muito bem!

Aplausos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Nunes.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Valha a verdade que diga que a expressão «Assembleia da República» me foi sugerida pelo meu colega e camarada Carlos Candal, depois de ter ouvido uma série de Deputados do grupo parlamentar.

Risos.

Burburinho.

Essa ideia surgiu da seguinte outra ideia: a expressão «Assembleia Nacional» tinha conotações menos agradáveis. Por outro lado, o nosso regime é um regime republicano; por outro lado, ainda, poder-se-ia em volta desta designação reunir um determinado consenso; por outro lado ainda, ao contrário do que se pensa, o órgão superior da I República, da Constituição de 1911, não era a Câmara dos Deputados, mas sim ó Congresso da República, formado pela Câmara dos Deputados e por uma outra Câmara, a Câmara dos Pares.
Dito isto, Sr. Presidente, Srs. Deputados, nós damos a nossa adesão à designação de Assembleia da República.
Mas gostava de dizer uma coisa, a finalizar. É que esta discussão, ao contrário do que se pensa, de forma nenhuma foi uma discussão estéril. Os símbolos e as designações dos órgãos têm um aspecto emocional de tal ordem importante que, em 5 de Outubro de 1910, os homens da República, embora continuando a tradição liberal dos homens do passado que fundaram a Nação, substituíram a bandeira azul e branca pela bandeira verde-vermelha. Bandeira hoje que é nossa e que orgulhosamente arvoramos. Portanto, ao fazermos, ou ao chamarmos à assembleia representativa do povo português Assembleia da República, nós, de certa maneira, reafirmamos a vinculação eterna e para sempre do nosso destino aos ideais nobres de justiça e fraternidade do 5 de Outubro de 1910 e aos homens eminentes que os incarnaram.

Vozes: - Muito bem!

Aplausos.

O Sr. Presidente: - E até, se me permitem, vai-nos proporcionar - desculpem esta intervenção um bocadinho atrevida - que nos nossos comícios do futuro se dêem vivas à República, que é uma coisa que nunca ouvi. Não se dão vivas à República. Dá-se vivas à Revolução, vivas a Portugal - raríssimas vezes; que me recorde, nem tenho lembrança de nenhuma vez em que se tenha dado vivas à República em comícios.
Mas parece que continua em discussão. O Sr. Deputado Mota Pinto tenha a bondade.

O Sr. Mota Pinto (INDEP.): - Sr. Presidente: Só porque, havendo, pelos vistos, vários candidatos a padrinhos da nova Assembleia, eu sou forçado a explicitar com toda a minúcia a origem desta proposta.
Foi, efectivamente, numa troca de impressões deste grupo de Deputados independentes que, com a intervenção do Sr. Deputado Coelho dos Santos e os outros Srs. Deputados, e a partir da fórmula Diário da República, que é o nome que está consagrado na Constituição para o jornal oficial, surgiu a fórmula, primeiro, Assembleia da República Portuguesa e, depois por apuramento, Assembleia da República.

O Sr. Presidente: - A proposta do Sr. Deputado José Luís Nunes passaria a ser ...

Pausa.

Faz favor.

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O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Presidente: Dada a necessidade e o consenso comum nesta Assembleia, eu propunha que esta proposta que vou submeter por escrito não fosse minha, mas fosse assinada por todos os Srs. Deputados que efectivamente quiserem dar a sua assinatura, porque ela representa um consenso que de forma nenhuma me pertence a mim nem ao meu grupo parlamentar.

Vozes: - Muito bem!

Aplausos.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Barbosa de Melo.

O Sr. Barbosa de Melo (PPD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estava na Mesa uma proposta, apresentada pelo Grupo Parlamentar do Partido Popular Democrático, para que a designação do órgão fundamental do esquema político futuro, o órgão civil fundamental, tivesse a designação de Parlamento. A designação que vinha da 5.ª Comissão não era satisfatória, porque era apenas um nome que não indicava nada relativamente às funções. A designação proposta inicialmente pelo Partido Socialista era deficiente, porque só apontava uma das funções, porventura a primordial, desse órgão. Aquela que nós propusemos também não era inteiramente completa, na medida em que aludia a uma forma de actuação que é o da discussão do Parlamento, da discussão, da controvérsia, da contraposição dos pontos de vista. Também isto não diz tudo a respeito do órgão de que estamos a tratar. Nesta conformidade, tendo em conta as deficiências várias de todas as designações propostas, e tendo em conta, por outro lado, a riqueza da expressão ligada a esta fórmula que, digamos assim, espontaneamente se gerou ao longo do debate, no seio do Plenário, o PPD vai dar o seu acordo a esta designação e, por consequência, retira uma proposta que estava na Mesa noutro sentido.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Mota Pinto.

O Sr. Mota Pinto (INDEP.): - Queria informar que tenciono entregar na Mesa uma proposta subscrita pelos Srs. Deputados Independentes no sentido correspondente ao conteúdo da minha intervenção.

O Sr. Presidente: - Creio que chegou uma proposta do Sr. Dr. José Luís Nunes perfeitamente igual. Suponho.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Presidente: Dado que o Sr. Dr. Mota Pinto foi a primeira pessoa a fazer essa sugestão, eu propus que nós assinássemos conjuntamente essa proposta. Portanto, eu escrevi-a aqui assim e vai já o nosso colega Carlos Candal, que nos faz esse favor, correr as bancadas para que todos nós a assinemos.

O Sr. Presidente: - Aguardamos, pois, a colheita de assinaturas.

Pausa.

Peço que não assinem todos, se não passa da hora.

Pausa.

Cinco minutos para o abaixo-assinado.

Pausa.

O Sr. Deputado Coelho dos Santos tenha a bondade.

O Sr. Coelho dos Santos (INDEP.): - Sr. Presidente, Srs. Deputadas: Como se trata de um assunto destinado a ficar na história desta Assembleia, eu quero deixar bem clara a defesa que vou fazer da pessoa que realmente apresentou a proposta.
Ela pode e deve ser subscrita pelos grupos parlamentares que aderiram imediatamente à apresentação dessa proposta. Mas a proposta é, de facto, do Deputado Carlos da Mota Pinto. Eu sugeri-lhe essa ideia em consonância com a expressão já aqui utilizada Diário da República. Mas, para a história, e esta posição defendo-a intransigentemente, é a Carlos da Mota Pinto o autor da proposta perante este hemiciclo.

O Sr. Presidente: - Vem então a proposta?

Pausa.

Suponho, se estiverem de acordo, que a poderíamos votar.

Ela vai entrar na Mesa, com certeza, com as assinaturas recolhidas e eu peço licença para sugerir à Assembleia que, dada a solenidade deste acto, porque se trata de um acto eminentemente solene para a nossa vida pública, a votação será feita de pé por todos os Srs. Deputados. Os Srs. Deputados que aprovam tenham a bondade de se levantar.

Submetida à votação, a proposta foi aprovada por unanimidade.

Aplausos prolongados.

O Sr. Presidente: - Temos dez minutos. Vamos aproveitá-los.
O Sr. Deputado Jorge Miranda.

O Sr. Jorge Miranda (PPD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É para uma breve declaração de voto. Votando a designação «Assembleia da República» para a Assembleia representativa de todos os portugueses, o Grupo Parlamentar do Partido Popular Democrático deseja, em primeiro lugar, manifestar a sua satisfação pelo consenso que, apesar de todas as divergências reais que existem, foi possível estabelecer nesta Assembleia Constituinte. Deseja reafirmar a sua fé nos valores de liberdade, igualdade e fraternidade que estão associados ao termo «República» e deseja, por último, declarar que entende esta votação de algum modo como uma nova rectificação solene da proclamação da República em Portugal, tal como aconteceu com a Assembleia Constituinte de 1911.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado José Luís Nunes.
O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, quero sublinhar, tal como fez o Sr. Deputado Coelho dos Santos, que foi o Sr. Deputada Mota Pinto o primeiro a propor

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esta designação; em segundo lugar; congratular-me por se ter conhecido um tão amplo consenso e por ter sido o meu grupo parlamentar a levantar o problema de uma designação que foi possível enfim melhorar; em terceiro lugar recordar aqui, assim e publicamente, que a designação deste órgão como Assembleia da República é de certa maneira a reentrada nesta Sala de todos aqueles que desde o dia 28 de Maio de 1926, sob a violência e sob a força das armas do Governo eleito pelo povo português, a abandonaram e nunca mais voltaram aqui a entrar.
É, de certa maneira, o regresso a esta Casa de Afonso Costa; é, de certa maneira, o regresso a esta Casa de António José de Almeida e António Sérgio; é, de certa maneira, o regresso a esta Casa do último Presidente da República Portuguesa, o último chefe do Governo, António Maria da Silva e Bernardino Machado; é, de certa maneira, o regresso a esta Casa de todos os homens da República que pelos caminhos do exílio tanto se sacrificaram e tanto sofreram e tanto lutaram pela liberdade do povo português.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - É a entrada nesta Casa novamente da sopro da liberdade e do livre pensamento a que esteve tanto tempo alheia; é, em verdade, a restituição do Palácio de S. Bento à sua verdadeira função de Assembleia dos mais altos representantes da Nação e é, também, e sé permitem a entrada aqui dentro de todo um cortejo de sombras, de todos os nossos companheiros que ao longo desta luta morreram e que não puderam aqui estar connosco.
É também a vitória e a entrada aqui dos homens da resistência de Carlos Cal Brandão e José Dias Coelho, que durante a longa noite fascista foram capazes de lutar pela liberdade.

Aplausos.

O Orador: - É também ... a entrada nesta Casa dos revolucionários do 3 de Fevereiro e do 7 de Fevereiro e dos revoltosos da Marinha Grande.
E se permitem, correspondendo a um apelo do nosso Presidente, Srs. Deputados, meus camaradas:
Viva a República!

Vozes: - Viva!

Aplausos prolongados.

O Sr. Presidente: - Meus senhores, parece-me que depois deste acto emocional não levariam a mal ao Presidente que encerrasse a sessão, porque não vamos agora descer a meia dúzia de minúcias.
Considero comovidamente encerrada esta sessão.
Amanhã às 15 horas.

Eram 19 horas e 55 minutos.

-------------------------

Proposta apresentada na Mesa, relativa à denominação da futura Assembleia:

Proposta

Propomos que a Assembleia representativa do povo português, que nos artigos votados aparecia designada por «Assembleia dos Deputados», passe a designar-se por «Assembleia da República». Mota Pinto (INDEP.) - José Luís Nunes (PS) Carlos Candal (PS) - Alfredo Pinto da Silva (PS) - Francisco Carlos Ferreira (PS) - Romero de Magalhães (PS) - Artur Cortez dos Santos (PS) - António Macedo (PS) - Álvaro Monteiro (PS) - Amílcar Pinho (PS) - Manuel Rocha Santos (PS) - Emídio Serrano (PS) - Nunes de Almeida (INDEP.) - José Augusto Seabra (INDEP.) - Casimiro Cobra (INDEP.) - Vítor Manuel Freire Boga (INDEP.) - Coelho dos Santos (INDEP.) - José Manuel da Costa Bettencourt (INDEP.) - Barbosa de Melo (PPD) Olívio França (PPD) - Basílio Horta (CDS) Diamantino Ferreira (ADIM) - Pedro Roseta (PPD) - Roleira Marinho (PPD) - Vital Moreira (PCP) - Eurico Campos (PS) - Laura Cardoso (PS) - Fernando de Almeida (PS) - Mário Nunes da Silva (PS) - Henrique de Barros (PS) Igrejas Caeiro (PS) - Gualter Basílio (PS) - Nuno Godinho de Matos (PS) - Júlio Calha (PS) - Eurico de Campos (PS) - Artur Manuel Costa Pina (PS) - Florival Nobre (PS) - Silva Pereira (PS) - Joaquim Oliveira Rodrigues (PS) - Rosa Rainho (PS) - Armando Assunção Soares (PS) Raquel Franco (PS) - Joaquim da Costa Pinto (PS) - Raul Rego (PS) - Oliveira e Silva (PS) António Campos (PS) - Etelvina Lopes de Almeida (PS) - Eurico Manuel Mendes (PS).
Seguem-se onze assinaturas ilegíveis.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

ADIM - MACAU

Diamantino de Oliveira Ferreira.

CDS

António Francisco de Almeida.
António Pedreira de Castro Norton de Matos.
Basílio Adolfo Mendonça Horta da Franca.
Francisco Luís de Sá Malheiro.
Francisco Manuel Lopes Vieira de Oliveira Dias.
Vítor António Augusto Nunes Sá Machado.

MDP/CDE

Álvaro Ribeiro Monteiro.
Ilídio Ribeiro Covêlo Sardoeira.
Orlando José de Campos Marques Pinto.

PCP

Hipólito Fialho dos Santos.

PPD

António Coutinho Monteiro de Freitas.
António Júlio Simões de Aguiar.
Eduardo José Vieira.
José Angelo Ferreira Correia.
José Augusto de Almeida Oliveira Baptista.
José Theodoro de Jesus da Silva.

INDEPENDENTES

Alfredo Joaquim da Silva Morgado.
Carlos Alberto da Mota Pinto.

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3886 DIÁRIO DA ASSEMBLEIA CONSTITUINTE N.º 117

José Manuel Afonso Gomes de Almeida.
José Manuel da Costa Bettencourt.
Victor Manuel Freire Boga.

PS

Amílcar de Pinho.
António Fernando Marques Ribeiro Reis.
Aquilino Ribeiro Machado.
Florival da Silva Nobre.
Francisco Igrejas Caeiro.
Henrique Teixeira Queiroz de Barros.
João Joaquim Gomes.
João do Rosário Barrento Henriques.
José Fernando Silva Lopes.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Luís Geordano dos Santos Covas.
Luís Patrício Rosado Gonçalves.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel do Carmo Mendes.
Maria Emília de Melo Moreira da Silva.
Maria do Pilar de Jesus Barata.
Mário Alberto Nobre Lopes Soares.
Mário de Castro Pina Correia.
Nuno Maria Monteiro Godinho de Matos.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.
Sophia de Mello Breyner Andresen de Sousa Tavares.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

CDS

Adelino Manuel Lopes Amaro da Costa.
Carlos Galvão de Melo.
Diogo Pinto de Freitas do Amaral.
José António Carvalho Fernandes.
Manuel Januário Soares Ferreira Rosa.
Manuel Raimundo Ferreira dos Santos Pires de Morais.

MDP/CDE

Levy Casimiro Baptista.

PCP

António Branco Marcos dos Santos.
António Dias Lourenço da Silva.
Carlos Alfredo de Brito.
Dinis Fernandes Miranda.
Hilário Marcelino Teixeira.
Jaime dos Santos Serra.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
João Terroso Neves.
José Alves Tavares Magro.
José Pedro Correia Soares.
Maria Alda Nogueira.
Octávio Floriano Rodrigues Pato.

PPD

Antídio das Neves Costa.
Carlos Alberto Coelho de Sousa.
Eugénio Augusto Marques da Mota.
Fernando Monteiro do Amaral.
Germano da Silva Domingos.
João Baptista Machado.
José António Valério do Couto.
José Bento Gonçalves.
José Gonçalves Sapinho.
Leonardo Eugénio Ramos Ribeiro de Almeida.
Manuel Joaquim Moreira Moutinho.
Marcelo Nuno Duarte Rebelo de Sousa.
Mário Fernando de Campos Pinto.

INDEPENDENTES

Abel Augusto de Almeida Carneiro.
Artur Morgado Ferreira dos Santos Silva.
Carlos Alberto Branco de Seiça Neves.
Emídio Guerreiro.
José Augusto Baptista Lopes e Seabra.
José Francisco Lopes.
Orlandino de Abreu Teixeira Varejão.

PS

António Alberto Monteiro de Aguiar.
António Duarte Arnaut.
Carmelinda Maria dos Santos Pereira.
Eurico Faustino Correia.
João Pedro Miller de Lemos Guerra.
José Alberto Menano Cardoso do Amaral.
Manuel Amadeu Pinto de Araújo Pimenta.
Manuel João Vieira.
Maria Helena Carvalho dos Santos Oliveira Lopes.
Maria Rosa Gomes.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cardia.
Mário Manuel Cal Brandão.
Vitorino Vieira Dias.

UDP

Afonso Manuel dos Reis Domingos Dias.

Os REDACTORES: José Alberto Pires - José Pinto.

PREÇO DESTE NÚMERO 18$00

IMPRENSA NACIONAL - CASA DA MOEDA

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