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Número 19
Sábado, 7 de Agosto de 1976
DIÁRIO da Assembleia da República
I LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA
SESSÃO DE 6 DE AGOSTO
Presidente: Exmo. Sr. Vasco da Gama Fernandes
Secretários: Exmos. Srs. Alberto Augusto Martins da Silva Andrade
Amélia Cavaleiro Monteiro de Andrade de Azevedo
Maria José Paulo Sampaio
José Manuel Maia Nunes de Almeida
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 14 horas e 50 minutos. Foi aprovado o n.º 14 do Diário.
Prosseguiu o debate sobre o programa do Governo, tendo usado da palavra os Srs. Ministros da Justiça (Almeida Santos), do Planeamento e da Coordenação Económica (Sousa Gomes) e da Administração Interna (Costa Brás) e os Srs. Deputados
Sousa Franco (PPD), Furtado Fernandes (PPD), José Vitoriano (PCP) e Francisco Oliveira Dias (CDS).
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 17 horas e 55 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai proceder à chamada.
Eram 14 horas e 20 minutos.
Fez se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Partido Socialista (PS)
Adelino Teixeira de Carvalho.
Agostinho Martins do Vale.
Albano Pereira da Cunha Pina.
Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Augusto Martins da Silva Andrade.
Alcides Strecht Monteiro.
Alfredo Fernando de Carvalho.
Alfredo Pinto da Silva.
Álvaro Monteiro.
António Barros dos Santos.
António Cândido de Miranda Macedo.
Francisco Patrocínio Martins.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Chaves Medeiros.
António Duarte Arnaut.
António Fernandes da Fonseca.
António Jorge Moreira Portugal.
António Oliveira Aires Rodrigues.
António José Pinheiro da Silva.
António José Sanches Esteves.
António Magalhães da Silva.
António, Manuel de Oliveira Guterres.
António Riço Calado.
Aquilino Ribeiro Machado.
Beatriz Almeida Cal Brandão.
Bento Elísio de Azevedo.
Carlos Jorge Santos Ferreira.
Cardos Manuel da Costa Moreira.
Carlos Manuel Natividade da Costa Candal.
Edmundo Pedro.
Etelvina Lopes de Almeida.
Eurico Manuel das Neves Henriques Mendes.
Fernando Jaime Pereira de Almeida.
Fernando Reis Luís.
Fernando Tavares Loureiro.
Florêncio Joaquim Quintas Matias.
Florival da Silva Nobre.
Francisco de Almeida Salgado Zenha.
Francisco António Barracosa.
Francisco de Assis de Mendonça Lino Neto.
Francisco Alberto Pereira Ganhitas.
Francisco Igrejas Caeiro.
Francisco Soares Mesquita Machado.
Gualter Viriato Nunes Basílio.
Herculano Rodrigues Pires.
Herlander dos Santos Estrela.
Jerónimo Silva Pereira.
João Francisco Ludovico Costa.
João Joaquim Gomes.
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João da Silva.
Joaquim da Costa Pinto.
Joaquim José Catanho de Meneses.
Jorge Augusto Barroso Coutinho.
José Borges Nunes.
José Cândido Rodrigues Pimenta.
José Ferreira Dionísio.
José Gomes Fernandes.
José Justiniano Tabuada Brás Pinto.
José Luís do Amaral Nunes.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
José Maria Parente Mendes Godinho.
José Maximiniano de Albuquerque de Almeida Leitão.
José dos Santos Francisco Vidal.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Luís Abílio da Conceição Cacito.
Manuel Barroso Proença.
Manuel do Carmo Mendes.
Manuel Francisco da Costa.
Manuel João Cristino.
Manuel Joaquim de Paiva Pires.
Manuel Lencastre Meneses Sousa Figueiredo.
Manuel da Mata de Cáceres.
Manuel Pereira Dias.
Maria Alzira Costa de Castro Lemos.
Maria Emília de Melo Moreira da Silva.
Maria de Jesus Simões Barroso Soares.
Mário Manuel Cal Brandão.
Nuno Maria Monteiro Godinho de Matos.
Raúl da Assunção Pimenta Rêgo.
Rodolfo Alexandrino Suzano Crespo.
Rui Paulo do Vale Valadares.
Sérgio Augusto Nunes Simões.
Telmo Ferreira Neto.
Vasco da Gama Lopes Fernandes.
Victor Manuel Ribeiro Fernandes de Almeida.
Vítor Manuel Ribeiro Constâncio.
Partido Popular Democrático (PPD)
Albino Aroso Ramos.
Álvaro Barros Marques Figueiredo.
Amândio Anes de Azevedo.
Amantino Marques Pereira de Lemos.
Amélia Cavaleiro Monteiro de Andrade de Azevedo.
Américo Natalino Pereira de Viveiros.
Américo de Sequeira.
António Augusto Gonçalves.
António Egídio Fernandes Loja.
António Joaquim Veríssimo.
António Júlio Correia Teixeira da Silva.
António Júlio Simões de Aguiar.
António Luciano Pacheco de Sousa Franco.
António Moreira Barbosa de Melo.
Arcanjo Nunes Luís.
Arnaldo Ângelo de Brito Lhamas.
Artur Videira Pinto da Cunha Leal.
Fernando Adriano Pinto.
Francisco Barbosa da Costa.
Francisco Braga Barroso.
Henrique Manuel de Pontes Leça.
João António Martelo de Oliveira.
João Bosco Soares Mota Amaral.
João Gabriel Soeiro Carvalho.
João Lucílio Cacela Leitão.
João Manuel Ferreira.
Joaquim Guerra de Oliveira Alfaia.
Jorge de Figueiredo Dias.
Jorge Manuel Moura Loureiro de Miranda.
José Adriano Gago Vitorino.
José Ângelo Ferreira Correia.
José António Camacho.
José António Nunes Furtado Fernandes.
José Augusto Almeida de Oliveira Baptista.
José Bento Gonçalves.
José Ferreira Júnior.
José Gonçalves Sapinho.
José Joaquim Lima Monteiro de Andrade.
José Júlio de Carvalho Ribeiro.
José Manuel Menéres Sampaio Pimentel.
José Rui Sousa Fernandes.
José Sérvulo Correia.
José Theodoro Jesus da Silva.
Luís Fernando Cardoso Nandim de Carvalho.
Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel da Cunha Rodrigues.
Manuel Henriques Pires Fontura.
Manuel Sérgio Garcia Vila Lobos Meneses.
Maria Helena do Rêgo da Costa Salema Roseta.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Nicolau Gregório de Freitas.
Nuno Aires Rodrigues dos Santos.
Olívio da Silva França.
Rúben José de Almeida Martins Raposo.
Sebastião Dias Marques.
Victor Hugo Mendes dos Santos.
Centro Democrático Social (CDS)
Adelino Manuel Lopes Amaro da Costa.
Alexandre Correia de Carvalho Reigoto.
Álvaro Dias de Sousa Ribeiro.
Ângelo Alberto Ribas da Silva Vieira.
António Jacinto Martins Canaverde.
Carlos Alberto Faria de Almeida.
Carlos Galvão de Melo.
Carlos Martins Robalo.
Diogo Pinto Freitas do Amaral.
Emílio Leitão Paulo.
Eugénio Maria Nunes Anacoreta Correia.
Francisco António Lucas Pires.
Francisco Manuel Farromba Vilela.
Francisco Manuel Lopes Vieira de Oliveira Dias.
Henrique José Cardoso de Meneses Pereira de Morais.
João Carlos Filomeno Malhó da Fonseca.
João Gomes de Abreu de Lima.
João José Magalhães Ferreira Pulido de Almeida.
João Lopes Porto.
João da Silva Mendes.
José Cunha Simões.
José Duarte de Almeida Ribeiro e Castro.
José Luís Rebocho de Albuquerque Christo.
José Manuel Cabral Fernandes.
José Manuel Macedo Pereira.
José Vicente de Jesus de Carvalho Cardoso.
Luís Aníbal de Sá de Azevedo Coutinho.
Luís Esteves Ramires.
Manuel António de Almeida de Azevedo e Vasconcelos.
Maria José Paulo Sampaio.
Narana Sinai Coissoró.
Nuno Kruz Abecasis.
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Rui Eduardo Ferreira Rodrigues Pena.
Rui Fausto Fernades Marrana.
Ruy Garcia de Oliveira.
Vítor Afonso Pinto da Cruz.
Walter Francisco Burmester Cudell.
Partido Comunista Português (PCP)
Álvaro Augusto Veiga de Oliveira.
Álvaro Barreirinhas Cunhal.
Américo Lázaro Leal.
António Dias Lourenço da Silva.
António Marques Matos Zuzarte.
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
Carlos Alfredo de Brito.
Carlos Campos Rodrigues da Costa.
Carlos Hahnemann Saavedra de Aboim Inglês.
Custódio Jacinto Gingão.
Domingos Abrantes Ferreira.
Ercília Carreira Pimenta Talhadas.
Fernanda Peleja Patrício.
Fernando de Almeida Sousa Marques.
Francisco Miguel Duarte.
Georgete de Oliveira Ferreira.
Hermenegilda Rosa Camolas Pacheco Pereira.
Jaime dos Santos Serra.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
Joaquim Gomes dos Santos.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Manuel Paiva Jara.
José Rodrigues Vitoriano.
Lino Carvalho de Lima.
Manuel Duarte Gomes.
Manuel Gonçalves.
Manuel do Rosário Moita.
Maria Alda Barbosa Nogueira.
Nicolau de Ascensão Madeira Dias Ferreira.
Octávio Floriano Rodrigues Pato.
Raúl Luís Rodrigues.
Severiano Pedro Falcão.
Vital Martins Moreira.
Vítor Manuel Benito da Silva.
Vítor Henrique Louro de Sá.
União Democrática Popular (UDP)
Acácio Manuel de Frias Barreiros.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 218 Srs. Deputados. Havendo quórum, declaro aberta a sessão.
Eram 14 horas e 50 minutos
Entretanto haviam ocupado já a respectiva bancada o Sr. Primeiro-Ministro e outros membros do Governo.
O Sr. Presidente: - Está em aprovação o n.º 14 do Diário da Assembleia da República.
Há alguma reclamação dos Srs. Deputados?
Pausa.
Como não há, considero o aprovado.
Chamo a atenção dos Srs. Deputados e dos Srs. Presidentes dos grupos parlamentares. O Sr. Secretário vai ter a posição horária de cada partido.
O Sr. Secretário (Maia Nunes de Almeida): Tempo disponível dos partidos para intervenção: o Partido Socialista tem 136 minutos, o Partido Popular Democrático tem l44 minutos, o Centro Democrático Social tem l54 minutos, o Partido Comunista Português tem 138 minutos, a União Democrática Popular tem 13 minutos. Por sua vez, o Governo dispõe de 180 minutos.
O Sr. Presidente: - Vamos retomar o debate do programa do Governo.
Tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.
O Sr. Ministro da Justiça (Almeida Santos): Sr. Presidente, Srs. Deputados: No momento em que pela primeira vez tenho a honra de usar da palavra nesta Assembleia quero muito sinceramente dirigir a V. Ex.ª, Sr. Presidente, e a todos os Srs. Deputados as minhas sinceras saudações. Eu vejo em VV. Ex.ªs, se mo permitem, não apenas a expressão da vontade popular, mas, no plano do respeito que me merece o povo português, mais que a expressão dessa vontade, o próprio povo português.
Uma voz do PPD: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: Na sequência das considerações que aqui foram tecidas acerca da topografia desta bancada, eu também quero formular dois protestos. O primeiro é o de que, tenho de falar virado de costas para V. Ex.ª, ou seja, em posição, perfeitamente contrária àquela em que me encontrei durante toda a minha vida, porque sempre me encontrei ao lado de V. Ex.ª, irmanado na mesma luta.
O Sr. António Arnaut (PS): - Muito bem!
O Orador: - O segundo é um protesto contra estes focos de luz intensíssima, atirados para os nossos olhos, a lembrar outros de má memória. Eu não tenho a certeza, se durar muito tempo a minha intervenção, de que não venha a confessar tudo o que sei, inclusive que, o Programa do Governo tem todos os defeitos que lhe apontou o Sr. Deputado Acácio Barreiros.
Risos.
(Aplausos dos Deputados do PS e alguns do PPD e CDS.)
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Compreendo agora o que quis dizer Bertrand Russel quando afirmou que a democracia deve imunizar se contra a eloquência.
Disse também decerto com menos propriedade, que, a eloquência está na ordem inversa da clara razão.
Ouvi, deslumbrado, as intervenções dos Srs. Deputados, qual delas a mais eloquente.
Desde a concessão de algumas virtudes até à afirmação de todos os defeitos, de tudo aqui ouvimos um pouco. Desde a filigrana política do Sr. Deputado Barbosa de Melo, que por momentos nos fez esquecer o Programa, até à cega investida contra ele do Sr. Deputado Acácio Barreiros, fez-se aqui a demonstração controversial de que a homogeneidade política é uma ficção, e, de que a natural aceitação do pluralismo das opiniões - que não é senão uma forma me-
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nos sincopada de dizer democracia - é a única terapêutica contra a tirania e a opressão.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O discurso nihilista do Sr. Acácio Barreiros divertiu-nos mais do que nos molestou.
É certo que cometeu imperdoáveis excessos de linguagem.
Mas, aparte essa nota fora do tom, ele tem o direito de entender que o Sr. Kissinger é o responsável de todos os nossos males, e que os Ministros, pelo simples facto de sê-lo, são agentes do imperialismo americano (Risos.) Pessoalmente não gosto nada de assim ser chamado. Mas, como diria Voltaire, dava a minha vida para que o Sr. Deputado Acácio Barreiros continuasse a ter o direito de assim me poder chamar.
(Aplausos dos Deputados do PS e PPD.)
Uma voz do PS: - Muito bem!
O Orador: - Vendo bem, é fácil resposta ao seu discurso: o Sol existe, a água corre, e há mais gente boa sobre a terra além do Sr. Maior Otelo Saraiva de Carvalho. (Risos.) Nem nós somos tão maus como nos pinta, nem o Sr. Major Otelo Saraiva de Carvalho é o «ungido do Senhor» (Risos.) Fica-se, no entanto, a pensar se foi a pontos de vista como estes que o povo português dispensou o sufrágio de oitocentos mil votos.
Nos termos da Constituição, devem constar do Programa do Governo «as principais medidas políticas e legislativas a adoptar ou a propor ao Presidente da República ou à Assembleia da República para execução da Constituição».
Essas e nenhumas outras: a Constituição, eis pois o grande programa.
Assim o devem ter entendido os Srs. Deputados, visto que, após terem parturejado um texto constitucional invulgarmente programático, concederam ao Governo - incluindo pois os Ministros que - pela primeira vez tomavam contacto com as respectivas pastas - apenas dez dias para elaborar e apresentar o seu programa.
Corajosa e denodadamente, o Sr. Primeiro-Ministro e o seu Governo - cujos Secretários e, Subsecretários de Estado apenas tomaram posse cinco dias antes da data limite para a apresentação do programa - esforçaram se por apresentar um programa algo menos lacónico do que o sugerido pelo texto constitucional. Não os poupou isso ao reparo de que amontoaram um «catálogo de desejos» e não de projectos viáveis (nessa medida a insinuar excesso) nem à censura de que faltam nele os mais sofisticados pormenores (aqui, pretensamente, a pecar por defeito).
Se tivéssemos de explicitar - como se pretende que devíamos - o sentido e o conteúdo de cada diploma ou projecto de diploma programado, não te ríamos apresentado um programa mas um tratado de sensaboria, ao mesmo tempo que concentraríamos nos dez dias mais mal informados do Gabinete as opções do que, em princípio, pode vir a caber em quatro anos de governação!
Ao ouvir mencionar alguns dos defeitos achados no Programa não pude deixar de considerar dois aspectos.
O primeiro é o de que, sendo tão variado o leque das concepções políticas representadas nesta Assembleia, só por milagre o Programa do Governo - qual quer programa de qualquer governo - poderia deixar de ter defeitos à luz de algumas delas. A utopia de um programa basicamente socialista e simultaneamente comunista, social democrata e personalista cristão só se realiza nas mantas de retalhos.
O segundo há de consistir num pressuposto que, a meu ver, está longe de ser correcto. É ele o de que o Governo age e esta Assembleia assiste.
Algumas das intervenções dos Srs. Deputados atingiram a extrema ficção de pedir contas ao Governo por, no seu programa, não esclarecer o que pensa e vai fazer sobre matérias incluídas na competência reservada desta Assembleia! É certo que o Programa do Governo alimenta essa atitude, ao prever larga mente iniciativas legislativas sobre matérias incluídas naquela competência, ou ao admitir autorizações legislativas a respeito delas. Não seria, no entanto, por demais aberrante, se igualmente não fosse irrespeitoso, que o Governo, ao ser inquirido sobre o que pensa fazer em domínios de acção reservada a esta Assembleia, respondesse perguntando aos Srs. Deputados o que é que por seu lado a esse respeito pensam.
A verdade é que esta Assembleia não pode - nem ninguém deseja que o faça eximir-se, à responsabilidade de ter reservado para si competência exclusiva para legislar sobre tão vastas matérias que cobrem os aspectos essenciais da vida da Nação. Bastará mencionar o vasto âmbito dos direitos, liberdades e garantias, tal como o define o artigo 17.º da Constituição da República, de tal sorte que com ele se prende a quase totalidade, das interpelações feitas e dos reparos formulados.
Por outro lado, o Governo retira uma enorme tranquilidade da circunstância de, mesmo em relação a diplomas que pode aprovar no uso de competência própria, esta Assembleia poder, através do instituto da ratificação, pôr termo à sua vigência.
Assim sendo, que se receia? Que o Governo elabore projectos de diplomas que não mereçam, o pleno acordo desta Assembleia? Que aprove diplomas que esta Assembleia rejeite?
Nada mais simples do que aprová-los com emendas, no primeiro caso, e recusar-lhes ratificação, no segundo. Tudo isso será em absoluto normal e há de ser corrente. Mas porque o é carecem de justificação alguns receios aqui expressos, como se Governo e Assembleia da República fossem, em vez de órgãos de Soberania colaborantes, adversários que espreitam a primeira oportunidade para desferir um golpe.
Disse há pouco e é verdade, que só por milagre o programa de um governo de base monopartidária poderia simultaneamente, agradar a todos os demais partidos aqui representados. Esse defeito terá também seguramente o programa eventualmente apresentado por qualquer dos partidos que hoje está na oposição, aí residindo a melhor justificação para o facto de o texto constitucional não exigir a sua aprovação, contentando-se com a sua não rejeição.
Mas não é que o Sr. Prof. Freitas do Amaral houve por bem descobrir nele o «defeito» antípoda de se ter aproximado tão perigosamente do programa do seu próprio partido, que se viu na necessidade de invocar copyright?
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Não são apenas palavras. O VI Governo regulou o funcionamento dos conselhos de informação e aprovou estatutos, para a rádio, a televisão e as empresas editoras de jornais estatizados que os põem a coberto do contrôle partidário de qualquer governo. Este, ou qualquer outro.
De qualquer modo, não tinha o Governo de assegurar a própria Constituição, nem de anunciar a elaboração do estatuto da informação que a mesma Constituição comete a esta Assembleia (artigos 39.º e 40.º). Tomará, no entanto, essa iniciativa, se esta Assembleia a não tomar.
Pela especial consideração que igualmente me merecem gostaria de comentar algumas afirmações do Dr. Álvaro Cunhal relativas ao sector da justiça e da comunicação social. Do primeiro, por mal dos meus pecados, sou Ministro. Do segundo, fui-o até há pouco. Daí o dever de fazê-lo que também é prazer.
Depois de fazer justiça aos magistrados que e no seu entender a fazem, o Dr. Cunhal sugere que deixe de se considerar sagrado e intocável o aparelho judicial, e se modifique corajosamente por forma a torná-lo parte integrante e condigna do novo Estado democrático.
Pois bem já é!
E já é porque o Governo não acompanha o Dr. Cunhal quando afirma que o aparelho judicial não só absolve como elogia caluniadores; decide libertar condicionalmente assassinos de dirigentes sindicais apesar de ter acabado de condená-los; é, à maneira dos velhos tempos, dominado por espírito de classe, da classe exploradora, castigando os fracos e protegendo os poderosos; é, além disso, o poço sem fundo onde caem sem êxito afirmações e queixas de cidadãos ofendidos.
O Governo entende, bem ao contrário, que à parte excepções que não destroem a regra, a magistratura portuguesa atravessou com dignidade a noite fascista, onde não raro foi único farol, e que não merece de modo nenhum, como regra, a suspeita de juízos prejudiciais, parciais ou discriminatórios.
Vozes: - Muito bem!
Aplausos dos Deputados do PS, PPD e CDS.
Um pouco de familiaridade com os tribunais ensina-nos que, em regra, os juízes portugueses decidiam e decidem de acordo com a própria consciência e a lei às vezes até de, um ângulo quase fetichista de respeito por esta.
Eram as leis más e injustas? Decerto. Mas não cabia aos juízes modificá-las.
Mal irá o País quando nos permitirmos julgar os julgadores do ângulo da nossa visão pessoal sobre os casos julgados, o mais das vezes sem conhecimento dos factos, das provas e até da lei aplicável.
Uma voz do PS: - Muito bem!
Por alguma razão a Constituição da República confirma a soberania do poder judicial, bem como essas preciosas velharias que são a independência dos tribunais, a irresponsabilidade e a inamovibilidade dos juízes. Vai mais longe: afirma solenemente a obrigatoriedade das decisões dos tribunais para todas as entidades públicas e privadas, bem como a sua prevalência sobre as de quaisquer outras autoridades (artigo 210.º).
Uma voz do PPD: - Muito bem!
Está aqui implícito queira-se ou não se queira, o reconhecimento da sujeição do Estado ao direito.
Não é preciso ser jurista para se saber que uma ou outra decisão injusta (e decisões injustas sempre as haverá!) empalidece de gravidade perante o risco, social de se, desacatar uma só que seja a pretexto de que a não julgamos tão impecável como gostaríamos que fosse.
As experiências vividas no passado bem recente, e que explicam sem a justificar, a atitude reticente de alguns juízes perante certos tipos de, infracções, abalaram tão profundamente o sentimento de segurança dos cidadãos que existe hoje, generalizada, uma funda ansiedade de revalidação da vis imperativa das leis e da autoridade indiscutível dos tribunais.
Não precisaremos de voltar a sacralizar a função de julgar para que os juízes portugueses votem a ser e sê-lo-ão o último baluarte da autoridade da ordem e da justiça.
Mister é que as leis sejam expressão de assentimento colectivo, e esta assembleia é garantia disso. Em democracia e em liberdade, as leis são justas e os juízes são probos.
Deixou-me algumas apreensões um outro passo do discurso do Dr. Cunhal. É aquele em que afirma que medidas impopulares encontrarão resistência popular por muito que o Governo proclame o império de leis que elabore.
Se isto significa a afirma ção de um direito de resistência, às leis e às decisões judiciais que punam a sua infracção, atenção e cuidado: bem pode então significar a rejeição dos canais democráticos de luta política, ou seja da própria democracia.
Vozes: - Muito bem!
Aplausos dos Deputados do PS, PPD e CDS.
Outros passos da intervenção do ilustre Deputado convencem, no entanto, de, que não foi esse o sentido da sua afirmação.
Em matéria de comunicação social, o Dr. Álvaro Cunhal vê no programa do Governo uma orientação que mais parece apostada em assegurar a sua utilização pelo partido no Poder do que em assegurar o pluralismo de que tanto se proclama.
A formulação deste seu juízo enferma, porém, de um defeito que com frequência adregou descortinar no programa do Governo: o de nos não dizer que passos do programado inculcam essa aberrante orientação Sem isso, teremos de nos ficar pelo contra reparo de que, no entender do Governo, é precisamente o contrário o que do programa se extrai.
Nele se afirma a independência dos meios e órgãos de comunicação social face aos poderes político e económico; nele se admite a reprivatização (melhor se diria a cooperativização) dos órgãos estatizados de, informação escrita; nele se defende com ênfase o pluralismo ideológico na informação e a possibilidade de expressão e confronto das diversas correntes de opinião.
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Não estou em condições de ajuizar sobre esse pretenso «plágio» - e se é que em política há disso - pela simples razão de, que, por mal dos meus pecados, nunca encontrei tempo para ler o programa do CDS.
Risos e aplausos do PS.
O Sr. Amaro da Costa (CDS): - Mas leia, que é muito interessante.
O Orador: - É uma falta de que me penitencio. Assim sendo, se existe tão flagrante sobreposição na parte de cuja redacção fui autor, não se trata de plágio mas de coincidência de espírito, o que me deixa duplamente preocupado!
Risos.
Já agora, permitir me á o ilustre Deputado um outro inocente reparo: o de que não era caso de levar tão a sério a invocação dos seus galões de professor. É certo, que estamos aqui um pouco na posição de examinandos, de tal sorte que até podemos apanhar um chumbo.
Mas, por quem é, não caia na tentação de neutralizar o seu tão saudado distanciamento de outras professores de memória que da política fizeram cátedra, e que tratavam os seus ministros com escolástico autoritarismo.
Risos e aplausos do PS.
Em dois ou três momentos da sua naturalmente brilhante comunicação incorreu nesse pecado: quando pretendeu que o Governo traduziu mal, enquadrou mal e desenvolveu mal o programa do CDS; quando reivindicou mais competência e sabedoria em matéria de economia social, de mercado; quando qualificou de demasiado ambicioso e irrealista o propósito de fazer num ano a revisão de todos os principais códigos do direito português; enfim, quando imputou ao Governo um conhecimento impreciso dos mecanismos jurídico-constuticionais do Tratado de Roma e sugeriu que um pouco mais de estudo do direito comunitário europeu nos permitirá essa falha, que é como quem diz apanhar um 10. (Risos.) Resumindo, V. Ex.ª implicitamente sugere que voltemos na segunda época.
Risos.
Referir-me-ei, expressamente, apenas à parte em que directamente me dói. Pois sou responsável directo por em ambiciosa promessa de promover a revisão dos principais códigos no prazo de um ano.
Não direi; a V.Ex.ª pois não seria elegante que o seu reparo não destoa na boca de um ilustre ornamento do e universitário que levou vinte anos a reformar o Código Civil. (Risos.) Não seria justo, V. Ex.ª é professor de direito público e o respectivo código não chegou a ser reformado.
Risos.
Responderei apenas que o Governo não tem culpa de que esta ilustre Assembleia, ao redigir, e muito bem, o n.º 3 do artigo 293.º da Constituição, tenha exigido que a adaptação das normas anteriores atinentes ao exercício dos direitos, liberdades e garantias consignados na Constituição estará concluída até ao fim da primeira sessão legislativa. Isto é, até 15 de Junho de l977, ou seja a menos. de um ano da data do programa do Governo.
Há-de V. Ex.ª ter reparado em que, ao redigir o seu programa, o Governo fio cauteloso e modesto. Nele se diz: «Não tenhamos ilusões. Se é possível dentro deste prazo (um ano) completar a fase da simples adequação dos diplomas básicos e estruturais a os dispositivos, constitucionais, a sua reforma técnica e de fundo levará mais tempo.»
E não receie V. Ex.ª pelo sacrifício da qualidade. O Governo vai socorrer-se dos melhores especialistas. De qualquer modo, as reformas terão de ser a prova das por esta Assembleia, onde os técnicos abundam e onde, em última instância, estará V. Ex.ª
Risos.
Pelo respeito que as opiniões de V. Ex.ª me merecem focarei, ainda que sumariamente, dois outros reparos que me tocam pela porta.
No entender de V. Ex.ª, o Governo, em vez de se preocupar com a clara definição de uma política familiar, eurou antes do chamado «planeamento familiar», e de sugerir a sucessão legítima do Estado «in loco» dos parentes mais afastados' Bem ao contrário, a defesa da família deixou trago em muitas das medidas programadas.
Quanto ao planeamento familiar, é uma vez mais a Constituição que o exige (artigo 67.º). Admito que V. Ex.ª não morra de amores por alguns dispositivos constitucionais (risos), mas não parece, justo que V. Ex.ª impute ao programa do Governo os defeitos que considera existirem na Constituição.
Quanto à sugerida alteração da ordem de sucessão legítima, trata-se de uma simples sugestão que, a esta Casa caberá acolher ou deitar fora. Não irá nisso qualquer melindre.
Pareceu ao Governo, e continua a parecer, que a esposa deve herdar antes dos irmãos e sobrinhos (assim em defesa da família) e que, a partir destes, se encontra aberto todo um caminho a medidas do sentido social, hoje comprometidas pelo direito do parente afastado, colateral e, quiçá, ausente, que só por notificação judicial vem a saber que lhe, faleceu um tio rico ou um primo abastado que nem sequer conhecia ou de quem nem se quer sabia a existência.
Vozes do PS: - Muito bem!
Isto realça se no programa, sem prejuízo da mais ampla faculdade de selecção de herdeiros por via testamentária.
Também V. Ex.ª verbera o programa por, no capítulo da comunicação social, se ter esquecido de atribuir certos direitos concretos aos partidos não governamentais, procedendo a uma efectiva distribuição do poder entre o Governo e a oposição
Não é tanto assim. O programa, por um lado, defende a independência dos meios e órgãos de comunicação social face aos poderes político e económico (concepção algo contrária à de meios de comunicação social como um poder politicamente repartível) e, por outro, define como condição de liberdade e democracia a possibilidade de expressão e confronto das diversas correntes de opinião nos medidas e órgãos de comunicação social ao serviço do pluralismo ideológico.
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Não precisava, aliás, de ser tão enfático, num domínio em que a própria Constituição o é.
Afirmou ainda o Dr. Álvaro Cunhal que não é de aceitar que o Pais continue a pagar 600 mil contos anuais para que a imprensa estatizada se torne um instrumento do partido no Poder.
Não posso asseverar que não tenha sido esse o desiderato do estipêndio até ao advento do VI Governo, ou seja da minha entrada para a pasta da Comunicação Social.
Vozes do PS: - Muito bem!
Posso, no entanto, garantir que, após esta data, não foi de todo em todo essa a sua razão determinante. O povo é testemunha de que foi a partir desse então que o pluralismo se instalou na comunicação social.
O Sr. António Macedo (PS): - Muito bem!
O Orador: - E os trabalhadores das empresas subsidiadas sabem que foi a garantia dos seus postos de trabalho e do seu salário a única razão do suporte.
Quanto ao mais, de acordo em que não é de aceitar a continuação da mencionada sangria financeira. Para isso se tomaram algumas medidas e, se programaram outras. O Governo vai encarar o problema com redobrada decisão. Mas não tenhamos ilusões: o sector é deficitário; desfalcado do antigo suporte da banca capitalista, precisa, para sobreviver, de encontrar um novo mecenas que está errado é só o exagero.
O Dr. Cunhal feriu, ele também, a corda tantas vezes vibrada dos órgãos de propaganda fascista e emitiu o receio de que o anunciado programa de apoio à imprensa regional venha a reforçar lhes o alento.
Na passada, lembrou a pergunta dirigida ao Sr. Primeiro-Ministro sobre que medidas projecta o Governo tomar para impedir as campanhas de injúrias e calúnias e a propaganda fascista- e achou insuficiente a resposta dada, segundo a qual cabe aos tribunais julgar os delitos e que as decisões dos tribunais são sagradas.
A verdade é que a resposta correcta é essa e não podia ser nenhuma outra'
Vozes do PS:- Muito bem!
A Constituição assegura, por forma claramente irrestritiva, a liberdade de expressão do pensamento. Diz mesmo que o exercício do correspondente direito não pode ser impedido ou limitado por qualquer tipo ou forma de censura.
É que ele sabe, e nós também, que, quando a essa liberdade se abre uma excepção, se abre também um processo de, que se conhece o início, não o fim. Os Portugueses, com destaque para os comunistas, têm disso uma amarga experiência.
Nem se diga que, ao proceder assim, não fez a Constituinte uma opção consciente. Na verdade, ao regular a liberdade de associação, claramente proibiu organizações que perfilhem a ideologia fascista.
Significará isto que o fascismo organizado é ilícito, não assim a sua defesa individual?
Não significa. O artigo 66.º da Lei de Imprensa erige em crime a difusão de ultrajes, ofensas e outros ataques ilícitos às instituições democráticas susceptíveis de fazer perigar a ordem democrática. A defesa do fascismo é, por excelência, um desses ultrajes, uma dessas ofensas, um desses ataques. E não apenas faz perigar a ordem democrática: é a sua negação, o seu antípoda.
Vozes do PS: - Muito bem!
Com uma só diferença: a prevenção e repressão deste crime compete aos tribunais e só a eles. O Governo nada pode ou deve, fazer acerca disso sem prejuízo de esta Assembleia, no uso da sua competência reservada, poder tornar mais eficaz a sua prevenção, e mais dura a sua repressão através dos instrumentos legislativos adequados.
Quanto ao programado do apoio à imprensa regional, não se tema que o Governo acalente no próprio seio a áspide que há de destruí-lo.
Gostaria de terminar com uma palavra de esperança: vivemos maus momentos, enfrentámos dificuldades, ralhámos uns com os outros- Mas estamos aqui, em liberdade, a programar o futuro do nosso país.
Vale a pena suportar sacrifícios e passar privações para podermos continuar a ser livres e a ser dignos.
Fecho recordando um conhecido episódio chinês: Confúcio, ao passar junto do monte Thai, deparou com uma velha mulher que chorava copiosamente. Inquirida, respondeu que tinha passado por grandes sofrimentos. O tigre lhe devorara o pai, o marido e recentemente o filho. Perguntada por que não abandonava aquela. região infestada de tigres respondeu:
«Porque aqui não há governo tirânico»
«A opressão e a tirania» - sentenciou Confúcio «são piores do que os tigres.»
Nós, também, Srs. Deputados, que já o sabemos, não voltemos a esquecer nos disso.
Obrigado, Sr. Presidente.
Aplausos dos Deputados do PS, PPD e alguns do CDS.
O Sr. Presidente: - O Sr. Ministro da Justiça gastou 25 minutos com o seu discurso.
Tem a palavra o Sr. Deputado Sousa Franco.
O Sr. Sousa Franco (PPD): - Sr. Presidente e, Srs. Deputados: Em nome do PPD, cabe-me apreciar as linhas gerais da política económica e financeira constante do Programa do Governo. Para nós, os sociais-democratas, o conteúdo essencial deste projecto que o Governo apresenta tem uma tónica dominante, que a análise das suas perspectivas políticas e, sociais, feita ontem e hoje por outros companheiros do par tido, bem confirma: melhor ou pior, ele é uma proposta pragmática, nascida da sensata tomada de consciência de que o realismo é condição básica de qualquer política, de que importa que o Governo lance mão das soluções mais eficazes para tentar vencer a crise nacional nos seus aspectos imediatos, e de que, na sua complexidade, o programa visa apelar para as aspirações fundamentais de todos os portugueses, quer se sintam representados no Governo ou sejam - e são a maioria - representados pelos partidos da oposição.
Em relação a um programa que não é o nosso, mesmo quando de nós bebeu muitas sugestões con-
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cretas, devemos agir como oposição que somos: falando com franqueza, mas sem nos impormos o falso dever de sistematicamente dizer mal, ou proclamar, quais pitonisas, o fracasso antecipado desta aposta. Resistiremos mesmo à tentação de dizer que seríamos capazes de melhor. Do que aqui se passar depende suficientemente a estabilização da democracia e o futuro de Portugal para estarmos interessados em que o Governo consiga com o seu Programa resolver as dificuldades da situação presente, e lhe exigirmos depois, em cada momento, que seja coerente consigo mesmo e eficaz nas normas de acção que se propôs. O que importa ver é se para isso este Programa do Governo serve.
O conteúdo do Programa revela uma honesta intenção de começar a efectivar na prática a Constituição e talvez mesmo antes disso - a opção clara por atribuir prioridade absoluta ao relançamento da actividade económica, como condição que é para continuarmos a viver em democracia.
Começa assim a edificar-se agora o modelo social delineado na Constituição - Constituição que não é propriedade privada de nenhum partido, mas património do povo português.
Vozes do PPD: - Muito bem!
Aplausos dos Deputados do PPD e PS.
O Orador: - ... e para cuja definição, em muitos pontos, e designadamente no da organização económico-social, entendemos nós - os sociais democratas ter dado uma contribuição relevante.
Vozes do PPD: - Muito bem!
Assim, o Programa do Governo, aponta para reformas estruturais profundas assentes numa reorganiza ção do sector público, no estímulo e apoio ao sector privado, dentro da ampla zona de actividade que, lhe cabe cobrir, e no desenvolvimento do sector cooperativo e social, utilizando para tal diversos instrumentos e visando metas concretas definidas nos artigos 80.º e seguinte s da Constituição. Temos o nosso entendimento próprio dos critérios e características fundamentais deste modelo, numa visão social democrática. Como vamos construir, por etapas sucessivas, uma nova sociedade, adaptada ao querer e à maneira de ser da gente portuguesa, a partir de reformas profundas de longo prazo, que transformem uma estrutura ainda capitalista numa sociedade ao serviço do homem? Como vamos valorizar todos os cidadãos, sobretudo enquanto trabalhadores e criadores de, riqueza, diminuir as desigualdades onde quer que surjam, assegurar o primado do poder político, exercido pelo povo, nomeadamente pelos trabalhadores sobre o poder económico? Para isso, fornias equilibradas e bem precisas de contrôle de gestão, que o Partido Socialista já deu provas de aceitar, embora não se já muito clara a posição que torna no seu programa de governo, serão uma via positiva que nós entende-mos só se tornar fecunda, em termos de a prazo devolver aos trabalhadores o poder económico, se, progressivamente, for completada pela prática da co-gestão, principal instrumento de uma economia participativa, e pelo fomento de cooperativas que não sejam meras sociedades comerciais ou objecto de manipulações partidárias.
Vozes do PPD: - Muito bem!
Não partilhamos a leitura deste modelo económico de socialismo democrático feita aqui pelo Sr. Primeiro-Ministro, por demasiado pobre e por apelar em muitos casos para uma concorrência inexistente. Mas entende-mos, por corto, que a rentabilização concorrencial das empresas públicas é uma primeira e decisiva condição para que o sector público produtivo, no papel prioritário que lhe cabe no relançamento da actividade económica, não seja, por via de deficits crescentes e da improdutividade irresponsável, causa de parasitismos novos, de insatisfação das necessidades sociais prioritárias e do agravamento de novas formas de desigualdade, em detrimento dos trabalhadores mais desfavorecido - os do campo, os pescadores, os mineiros, os funcionários e os reformados, designadamente
Vozes do PPID: - Muito bem!
Do mesmo passo, gostaríamos de ver mais explicitamente definido como pensa o Governo estimular o sector privado, pois não basta para isso de limitar
o seu âmbito (o que não pode, aliás, confundir-se com a proibição de acesso a certas áreas e sectores, como o faz o Programa, mas implica, garantias positivas quanto à zona que fica aberta à livre iniciativa e à propriedade privada)
Não obstante, da nossa perspectiva social democrática, entendemos que o programa se, propõe começara construir uma sociedade democrática, mais livre e mais justa, nos quadros definidos pela Constituição. E por isso, nessa medida é, enquanto declaração de intenções, um programa aceitável.
Todavia, pesa nele mais o pragmatismo do que a sujeição a um modelo social a longo prazo, nem sempre bem incorporado nas opções esboçadas; e, no esforço de conciliar eficácia produtiva com justiça redistributiva, à primeira se atribuiu prioridade inequívoca. Defendemos nós, sociais-democratas, que o socialismo humanista há de construir-se passo a passo - transcendendo o capitalismo, em função da viabilidade das reformas de fundo feitas e da vontade popular que as determina, em vez de o construir raivosamente ou de transferir a mera propriedade mantendo inalteráveis as relações sociais.
Vozes do PPD: - Muito bem!
A tal luz há que dizer, contudo, que o presente Programa aponta mais para salvar a sociedade que existe, tal como existe, a curto prazo, do que para reconstruí-la em novos moldes. Não censuraremos este chão realismo, nem questionaremos que primeiro se vivo e depois se filosofa; mas a tal havemos de estar atentos, designadamente quando discutirmos reformas de fundo e quando apreciarmos o prometido Plano a quinze anos (período que nos permitimos julgar demasiado ambicioso, sugerindo se pondere um razoável e possível encurtamento do Plano a longo termo previsto pelo Governo).
Virado, como já disse, para consolidar e reabsorver reformas de estrutura, este Programa do Governo
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conjunto qualitativo de medidas que, como projecto de legislatura, parece apontar para um período de quatro anos de vigência - é sobretudo um programa
imediato de conjunturas. Estamos habituados, nos últimos anos, a que se ande a reboque, em tal matéria, sem políticas coerentes, sem modelos claros de estratégia a seguir na resolução dos problemas económico-sociais. E desta vez, ainda será assim? Em boa parte, deve-mos dizê-lo com franqueza, no nosso juízo continua a ser assim. Como é evidente, não nos debruçaremos com miudezas e minúcia sobre muitas das medidas propostas, que seriam discutíveis ou até erra
das Interessa nos a linha geral de que o Programa pretende ser expressão, mais do que o pormenor.
Tentaremos, isso sim, ver se o Programa do Governo traduz, na forma meramente qualitativa que lhe é própria, um conjunto coerente, claro, hierarquizado
e viável de opções políticas sobre a vida económica, que permitam saber em que quadros vai o Governo inserir as suas acções concretas de gestão no dia a
dia. Como resposta, adiantaremos, desde já, que nos parece não haver um modelo inequívoco, coerente, compatibilizado e global de opções que constitua uma
verdadeira política económica. E diremos que, mais uma vez, como era já da tradição dos nossos planos de fomento, se enunciou uni catálogo de medidas avulsas, sem curar muito das compatibilidades e da viabilidade financeira e económica de muitas delas - e, o que é pior, sem claramente definir os objectivos e hierarquizá-los à luz de escolhas políticas claras.
Vozes do PPD: - Muito bem!
Daqui decorrem duas consequências:
1.º Que este Programa não pode ser lido como uma série de promessas imediatas, mas como um conjunto de projectos, por vezes até só de intenções, que, por
não estarem escalonados no tempo, nos atrevemos a dizer será muito difícil cumprir na totalidade nos próximos quatro anos (por falta de meios financeiros,
de capacidade de execução de projectos, etc.)
2.º Que o Programa mais procura dar uma série de empurrões por todos os lados à máquina empanada da economia portuguesa do que visa actuar directa e incisivamente sobre as peças do motor que estão avariadas.
A Sr.ª Helena Roseta (PPD): - Muito bem!
O Orador: - Compreendemos que a situação actual possa impedir uma actuação racional e ordenada que bem desejaríamos fosse possível.
Compreendemos que pode ser necessário um programa de emergência, mas desejaríamos que esta orientação viesse a ser clarificada e concretizada, no
futuro, pois quem tudo quer alcançar ao mesmo tempo raramente consegue reter coisa que valha.
O documento apresentado pelo Governo foi adoptado mais numa perspectiva administrativa do que numa perspectiva política de planeamento. Daí que se note,
como já disse, a falta de um esforço de compatibilização do conjunto e que este careça de coerência total. Daí que não haja clara definição de objectivos
e hierarquização de prioridades. Daí que, as diferentes fases de orientação dos projectos e programas, ao contrário do que sucede com muitas medidas políticas e jurídicas, não apareçam nem com números nem com datas. Daí que possamos deparar com medidas ou objectivos contraditórios em capítulos diversos. Daí que a viabilidade global do Programa - mesmo aceitando que ele admite apenas o início de execução de projectos que hão-de dilatar se para além do limite de quatro anos- não apareça garantida. Para dar um exemplo, afigura se nos que, adoptando uma visão realista das fases de execução dos projectos apresentados, só eles pressuporiam - sector público e sector privado - uma taxa de formação bruta de capital fixo, da ordem dos 23 % a 25 % do produto nacional bruto, o que, é mais do dobro d o que se verificou no ano passado, e isto a partir do primeiro ano.
Será realista adoptar uma perspectiva deste tipo? Cremos que não. Por isso, entendemos que, no que se refere designadamente ao estudo das condicionantes financeiras deste programa, há que esperar pela quantificação em planos - o plano anual e o plano orçamental e, mais tarde, o plano quadrienal, que nos foram prometidos pelo Governo. Esperamos que essa quantificação em planos constituirá - se me permitem retomar a expressão de há pouco do Sr. Ministro da Justiça - como que uma prova de segunda época para melhoria de nota.
Risos.
Por outro lado, entendemos que quanto a muitos dos projectos haverá que fazer uma revisão das escolhas feitas, pois, ao ler o catálogo das medidas encaradas, pensamos que muitos dos projectos apresentados continuam a ser as velhas obras de Santa Engrácia da nossa política económica, de há muito conhecidas e nunca executadas, com a agravante de, em muitos casos, nunca terem tido sequer começo de execução.
O Sr. Amândio de Azevedo (,PPD): - Muito bem!
O Orador: - Não seja honesto, contudo, ignorar os condicionalismos que jogam contra a possibilidade de apresentar hoje, em Portugal, um diagnóstico correcto e preciso da crise económica e uma adequada política de relançamento e reconstrução da economia. Apenas exigimos ao Governo que tome medidas no sentido de pôr cobro a esta situação.
Em primeiro lugar, pesa a fundo a carência de elementos fidedignos e actualizados, a falta de órgãos de elaboração da política económica e o reduzido grau de confiança técnica e política que merecem os indicadores mais essenciais (quando deles dispomos).
Por isso, compreendendo as dificuldades com que se debate o Governo, bem gostaríamos de deparar com propostas concretas tendentes ao aperfeiçoamento do sistema estatístico nacional, designadamente no que toca ao Instituto Nacional de Estatística, à reestruturação de serviços técnicos de planeamento, que hão de apoiar os órgãos de planeamento definidos na Constituição, à revisão e elaboração de alguns dos indicadores e normas fundamentais para qualquer juízo político sobre economia portuguesa, tudo a fazer sob a égide da comissão competente da Assembleia da República. Não se compreende que continuemos a supor tar erros grosseiros no fornecimento de dados de estatística e contabilidade nacional aos órgãos políticos, actualizações ou alterações de números-índices
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em termos que ocasionam a maior incerteza no diagnóstico comparativo da situação real; não se entende que continue a apontar-se um número oficial de quebra da produção no ano transacto (2,7%) que está seguramente muito abaixo da realidade, como hoje é já fácil demonstrar. Quando estatísticas e dados de contabilidade nacional não merecem confiança técnica nem política, são inexistentes ou apenas podem ser utilizados com enorme atraso, não pode haver política económica, e os cidadãos estão legitimados para desconfiar de dados que não merecem confiança nem condizem com a experiência da sua vida quotidiana. Prova-o bem, aliás, a dificuldade, por vezes a imprecisão, com que o Sr. Primeiro-Ministro teve de apontar alguns elementos fundamentais acerca da situação económica portuguesa.
Urge pôr cobro a isto, designadamente mediante um inquérito do órgão parlamentar competente ao modo como são elaborados os elementos estatísticos fundamentais, tais como os números-índices do custo de vida. Temos direito a números fidedignos sobre a nossa vida colectiva; e a verdade é que hoje ou não os temos de todo ou não os temos a tempo.
Vozes do PPD: - Muito bem!
Por outro lado, a própria estrutura interna do Governo - criticável em muitos domínios, designadamente o das pastas económicas- denuncia a inexistência de uma máquina administrativa articulada e eficaz no domínio da administração pública económica, dos órgãos de decisão económica e das empresas públicas. A nossa administração e o sector público económico carecem de um novo modelo organizativo, que desburocratize o que existe, o adapte à nova estrutura da economia e assegure a gestão e o contrôle de largas zonas da economia que têm andado ao Deus dará. Tal modelo organizativo não se consegue multiplicando comissões, conselhos e departamentos novos, como em muitos passos o Programa do Governo sugere, sem obediência a uma visão de conjunto; nem para tanto basta confiar na reforma administrativa, que se anunciou e se espera, enfim, ver executada. Esperamos que o Governo, com a devida ponderação e a colaboração dos restantes partidos e forças sociais interessadas, promova com urgência o estudo e implementação de tal modelo, sob pena de a reformulação de critérios microeconómicos de gestão e orgânica do sector público vir a chocar com deficiente enquadramento numa organização administrativa quase a desfazer-se, que condena ao inferno as melhores intenções nesta matéria.
Vozes do PFD: - Muito bem!
Finalmente, cumpre passar em revista os principais objectivos de política económica que permitem interpretar o conjunto desconexo e administrativamente ordenado de medidas propostas.
Julgamos discernir alguns objectivos globais nas medidas propostas, embora nem sempre consigamos detectar com clareza qual a respectiva ordem de prioridades:
Relançamento imediato da economia e combate ao desemprego;
Luta anti-inflacionista, ou a redução dos efeitos de inflação;
Desenvolvimento económico, nos quadros de um modelo de socialismo democrático a que, em parte, já aludimos e que poremos de lado neste momento por todo o Programa ser, sobretudo, de conjuntura; Reequilíbro da balança de pagamentos.
Algumas considerações sobre os principais objectivos desta política global, um tanto sincrética e indefinida.
Numa perspectiva social-democrática, apoiamos a prioridade do combate ao desemprego e concordamos com o Governo quando afirma que ele só a médio prazo poderá ser reduzido a níveis razoáveis, ainda por cima numa altura em que a nossa histórica válvula de luta contra a sobrepopulação se encontra fechada ou quase (refiro-me à emigração). Temos, todavia, curiosidade em conhecer números rigorosos, e não vagos, acerca da situação do País nesta matéria e quais os esforços que o Governo empreenderá para que proximamente possamos dispor deles; queremos saber qual a previsão que, com base nos investimentos públicos programados e nos investimentos privados estimados, o Governo faz do ritmo de reabsorção dos desempregados existentes. Ninguém negará que, para além das dificuldades psicológicas e institucionais resultantes de esforços desastrados feitos no passado para assegurar a estabilidade de cada posto de trabalho e que estancaram o recrutamento de novos empregados, para além do regresso dos desalojados das antigas colónias, a variável fundamenta], a atacar para criar novos empregos é o investimento. Gostaríamos de saber quais os valores previstos para o nosso investimento público em 1976, na parte que resta, e 1977, certo como é que dele dependerá fundamentalmente a criação de empregos, pelo menos no primeiro ano de execução do Programa do Governo.
Vozes do PPD: - Muito bem!
E temos sérias dúvidas de que alguns investimentos públicos, inscritos no programa com a sua elevada intensidade capitalista, sejam os mais adequados à criação de empregos, sendo por certo mais fácil arrancar (desde que se garanta a procura final e a propriedade dos bens) no domínio da construção para habitação ou infra-estruturas, como equipamentos sociais ou infra-estruturas de armazenamento capazes, e no domínio da agricultura, dado o menor coeficiente de investimento por posto de trabalho.
Nesse sentido concordamos com os esforços de contenção orçamental, desde que incidam nas despesas do funcionamento, devendo, todavia, tolerar-se déficites porventura ainda maiores, se forem necessários, para financiar o investimento, desde que existam programas e projectos adequados e não continue a verificar-se, ou pelo menos a verificar-se tanto, a lamentável incapacidade de execução de projectos que até aqui têm dominado.
Vozes do PPD: - Muito bem!
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O Orador: - Cerca de 50 % da nossa formação de capital é, porém, privada - e da depende de condições internas de confiança e externas de cooperação, que devem acrescer ao simples esforço de viabilização das empresas. Numa perspectiva social-democrática, seríamos partidários de uma política de juros baixos (bonificados, se necessário, pelo Estado) e da prioridade e dinamização do crédito ao investimento, que haveria de ser acelerado nos seus critérios de decisão e privilegiado na fixação de plafonds de selectividade global (pontos essenciais omissos na definição da política de crédito do Governo).
Acharíamos imperativo normalizar o mercado financeiro, o que, em conjunto com a definição dos critérios e o começo de execução do esquema de indemnizações que abrangerá centenas de milhares de pequenos aforradores, seria uma forma de remobilizar poupanças até agora estéreis e de criar com das um novo mercado financeiro, facilitando assim a formação do capital. Entendemos nós, sociais-democratas, que o esquema de apoio ao investimento das pequenas e médias empresas deve, para além das condições anteriores, ser acrescido de eventuais exonerações fiscais, facilidades adicionais de crédito e de serviços de apoio no âmbito tecnológico e da produtividade.
Julgamos que o investimento empresarial passa pelo restabelecimento da confiança e de regras de jogo seguras, mas também pela capacidade financeira de investir, o que implica medidas tendentes à criação dos meios para o investimento: por exemplo, em certa medida, o congelamento, consolidação ou reajustamento dos passivos financeiros, a criação de esquemas adequados de regularização de impostos e contribuições previdenciais, de formas fáceis de mobilização de certos activos ou de reavaliação de outros activos, e assim a cessação do congelamento de preços com alta constante dos custos e consequente descapitalização forçada em ou endividamento anormal.
Finalmente, mais do que empréstimos externos que, mesmo quando financeiros, oneram indevidamente a balança de pagamentos e chocam com a falta de iniciativa interna coerente, entendemos que a abertura à Europa valoriza a sua atracção desejável, desde que acompanhada das devidas garantias dos direitos aos nacionais de investimentos estrangeiros, e temos fundadas dúvidas sobre se algumas disposições da legislação vigente sobre o investimento estrangeiro, até por discriminatórias e incompatíveis com o princípio comunitário da liberdade de estabelecimento, não deverão ser com vantagem modificadas num sentido que, claro, respeite o interesse dos trabalhadores portugueses.
Sem tais modificações, o investimento estrangeiro não se verificará, mesmo que melhorem as condições de estabilidade política e económica e se consiga implantar em Portugal uma economia de controles externos em termos aceitáveis inflexíveis.
Lamentamos aliás novamente que na parte de política internacional, como nos capítulos relativos ao comércio internacional, se haja omitido qualquer referência ao papel que na recuperação podem, sobretudo a médio prazo, assumir as nossas comunidades de emigrantes e o reforço de relações com países por
essa via a nós especialmente ligados, como a Venezuela e o Canadá.
Vozes do PPD: - Muito bem!
O Orador: - No entanto não é apenas no domínio da política de emprego por via do investimento que se nos impõe fazer algumas críticas à linha geral de actuação adoptada neste Programa de Governo. A orientação tomada a respeito do tratamento do fenómeno da inflação parece-nos ainda menos bem definida. Não contestaremos as exigências de rigor orçamental e de reequilíbrio financeiro das empresas e serviços públicos, ou outras tentativas de restrição do mercado monetário, que foi quase a única instituição monetário-financeira que nos últimos dois anos funcionou livremente (e funcionou, aliás, excessivamente e mal). Estranhamos, porém, a rígida norma monetarista de crescimento de emissão monetária que, a ser seguida, restringiria (ou mesmo anularia) a capacidade de concessão de crédito aos sectores privado e cooperativo, dadas as necessidades fixas de financiamento_ dos restantes sectores de economia. E, ao ver propostas de actualização de certos rendimentos cujo valor social não contestamos (designadamente as pensões sociais), ao encarar a norma geral, definida com certa vaguidade no capítulo respeitante à política de rendimentos (que nos parece prioritária mas desejaríamos ver, como certamente veremos no futuro, nesta Assembleia melhor concretizada), ao prever as consequências da inflação controlada e de uma política de expansão, perguntamo-nos se o Governo tem uma política coerente a respeito da inflação; ou se antes, ao propor tais medidas, está enunciando formas de travar a expansão, sem lograr evitar a inflação que resultará do jogo de todos estes factores, acrescidos da política de verdade dos preços que, se for brusca como parece, poderá conduzir a enormes altas de preços, directas ou indirectas; isto, para não falar agora de previsíveis dificuldades de abastecimento público, acrescidas de altas de preços agrícolas. Em tal caso, como espera o Governo manter a justiça social e os mecanismos económicos fundamentais no meio de um processo inflacionista previsível? Ou: tentará travá-la a todo o custo, sacrificando os objectivos prioritários da expansão e do emprego, e achar-se-á a braços com a inflação, sem uma política alternativa coerente de convivência com ela? Ou ainda .tentará, definir níveis toleráveis de inflação? Ou enveredará pela via das indexações, correcções e actualizações concertadas ou globais? O horizonte de quatro anos adoptado pelo Programa de Governo impõe uma política coerente nesta matéria - e, se a há, ela está bem escondida. Oscila-se, assim, entre o rigorismo monetário-financeiro e o jogo imediato da inflação de custos; entre a contenção e a tolerância ao mesmo tempo, o que não pode ser. Aqui fica feito um pedido de esclarecimento sobre as prioridades relativas e sobre a estratégia pensada para travar a inflação ou adaptar a gestão aos ritmos inflacionistas que se forem verificando, consoante os seus níveis e causas, sob pena de nos arriscarmos no futuro a ter mais (ou o mesmo) desemprego e ainda mais inflação, tudo ao mesmo tempo.
O reequilíbrio da balança de pagamentos, terceiro objectivo fundamental encarado no Programa de
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Governo, parece-nos merecer também uma prioridade que relativamente gostaríamos de ver esclarecida, mas que em absoluto não discutimos, até porque, pelo estrangulamento que introduz a quase todos os outros objectivos ou estratégias, poderá inviabilizar a economia no seu conjunto e qualquer política económica viável. De imediato e a curto prazo, uma economia de controles e a substituição de importações são critérios que se impõem; mas parece-nos que a insistência prioritária neles se esgota num mero modelo defensivo, que cumpriria complementar desde já com uma política mais ofensiva, adoptando claras prioridades orientadas para a exportação, em função, designadamente, do espaço europeu em que nos vamos integrar e de uma 'estratégia de viabilização e efectivação rápida das nossas vantagens competitivas. Gostaríamos de encontrar uma clara e concreta definição de prioridades quanto aos sectores e investimentos primordialmente virados para a exportação, de ver assegurados mais claramente mecanismos de financiamento à exportação e aos exportadores e de deparar com uma política cambial coerente, enunciada, claro, em linhas muito gerais. Nesta última matéria, e deixando ao Governo a latitude que entender na resposta pública, dado o melindre da questão, entendemos primordial saber -continuando a acompanhar o assunto através da Assembleia da República- qual a política cambial e de taxa de câmbio do escudo que o Governo entende seguir, designadamente numa óptica de estímulo efectivo às exportações, como pensa financiar o déficit cambial e valorizar as reservas ainda não oneradas, directa ou indirectamente, e como pensa evitar a evasão de capitais, reestimulando o fluxo de invisíveis.
Passando a uma outra matéria, que é a das finanças, duas palavras finais sobre a política das finanças públicas e de crédito. Dessas palavras, enunciadas globalmente e por via afirmativa, poderá o Governo facilmente inferir quais as críticas que por contraste nos suscita o seu programa.
Concordamos com a prioridade dada à contenção das despesas não reprodutivas, a qual deverá ser acompanhada de actos exemplares de punição de irregularidades praticadas em vários domínios da administração financeira e da rápida criação de estruturas de auditoria e controle económico-financeiro das despesas públicas, que ultrapassem a actual fiscalização burocrático-legalista. Mas gostaríamos de ver alargado este controle ao domínio prioritário da fiscalização política, designadamente pela apresentação à Assembleia da República dos orçamentos, relatórios, balanços e contas de exploração das empresas públicas. Do mesmo passo - é esse um elemento importante, no meio das transformações improvisadas a que o nosso sistema fiscal foi sujeito nos últimos anos, mais ditadas, em certos casos, pelo fim de obter receitas do que pela justiça fiscal -, impor-se-ia fazer uma revisão rigorosa das crescentes cargas fiscais actualmente existentes no nosso sistema, pois graves distorções levam, por exemplo, a que certos rendimentos do trabalho sejam, para iguais montantes, mais onerados que os do capital. Não basta dizer que se não aumentarão impostos até ao final do ano (salvo as contribuições previdenciais e a sobretaxa de importações).
É necessário ter uma ideia da justiça fiscal praticada no nosso país. Do mesmo passo, parece-nos, na nossa perspectiva social-democrática, que na revisão do sistema de impostos haveria de ter-se em conta, a par da necessária execução do modelo constitucional - a fazer razoavelmente num período que não poderá ser demasiado curto -, a adaptação da nossa fiscalidade ao objectivo da integração na CEE, designadamente introduzindo um imposto de transacções sobre o valor acrescentado, na medida em que fosse viável, com programação consequente. Entendemos ainda que há que fazer urgentemente um esforço no sentido da renovação radical das nossas estruturas die crédito público, pois, sem isso, nem os empréstimos forçados serão viáveis e produzirão resultados financeiros (lembremos a falhada experiência dos certificados de aforro), nem será possível planificar uma cobertura racional das despesas públicas para os próximos anos que permita recuperar, no mínimo, as disciplinas financeiras elementares.
Por fim - dentro de uma perspectiva de regionalização que sempre nos foi muito cara - entendemos que, quanto às finanças locais e quanto às regiões autónomas, seria imperioso saber qual o modo como se pensa (e segundo que critério se pensa), fazer a transferência das receitas fiscais correspondentes à riqueza efectivamente gerada nessas regiões e quais as medidas encaradas para permitir a criação de um verdadeiro sistema financeiro nas regiões autónomas da Madeira e dos Açores.
Vozes do PPD: - Muito bem!
O Orador: - Quanto à política de moeda e de crédito, muito nos ocorreria dizer. Mas, porque o tempo é pouco, colocaremos apenas algumas questões ao Governo sob a forma de perguntas:
- Pensa o Governo reforçar a confiança, já em recuperação, no sistema de crédito, designadamente por via de rigorosas garantias da integridade dos depósitos (face a empréstimos forçados ou. medidas de facto, por exemplo), acesso livre aos cofres e congelamento das contas apenas por decisão judicial?
- Pensa o Governo, e em que prazos, fomentar um plano de especialização gradual nas instituições existentes e segundo que prioridades? Recordo que há prioridades no que se refere à especialização bancária que são da maior urgência, não de hoje ou de amanhã, mas porventura de ontem.
- Quando, e sob que condições, pensa o Governo normalizar o mercado financeiro, como forma essencial de estimular o investimento?
- E, finalmente, que critérios de flexibilidade de taxas e selectividade de crédito se considera possível adoptar no futuro, perante a indefinição da política de crédito que aparece enunciada em termos muito genéricos?
Estas - no que se refere às orientações gerais - as principais observações que tínhamos a fazer ao esquema de política económica global do Programa de Governo. Programa que, como se viu, não seria o nosso, por motivos que deixámos apontados.
Não é isso, porém, razão para que, desde que o Governo dê garantias de abertura à Assembleia da República e ao povo português na sua execução e controle, desde que o Governo dê garantias de observância de critérios de absoluta idoneidade e competência na escolha dos responsáveis da administração
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pública e das empresas, na promoção das medidas propostas e sua concretização, não achemos que, neste momento, ele pode ser aceite como quadro de referência e ponto de partida, a cuja luz, como oposição social-democrata, analisaremos a actuação futura do Governo.
O Sr. Sá Carneiro (PPD): - Muito bem!
O Orador: - É um passo em frente, embora tímido, que poderá ser positivo se o Governo conseguir concitar os amplos apoios nacionais de que carece, construindo uma rede de participação nacional que é necessária neste momento para salvar Portugal, salvar a democracia, viabilizar a esperança, enfim, concreta de uma sociedade mais justa e rica, livre e fraterna. É andando que se faz caminho. Esperamos que a este passo, que entendemos positivo, apesar das muitas críticas feitas, se sigam outros cada vez mais perfeitos, para bem de Portugal e dos Portugueses.
Aplausos dos Deputados do PPD.
Vozes do PPD: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Furtado Fernandes.
O tempo de que dispõe são dezoito minutos.
O Sr. Furtado Fernandes (PPD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao fazermos o nosso comentário sobre a parte referente a trabalho do Programa de Governo do Partido Socialista temos a perfeita consciência de constituir a regularização e estabilização das relações de trabalho que o Governo assume como objectivo no seu Programa, condição imprescindível da consolidação da democracia e da construção do socialismo.
Efectivamente, o socialismo democrático não se pode edificar num país à beira da ruptura económica e social, dilacerado pela demagogia e pelo sectarismo.
Persistir nesta situação é lançar os fundamentos de um qualquer totalitarismo, que indubitavelmente nunca beneficiaria os trabalhadores portugueses, antes seria forma de guindar antigos ou novos senhores aos privilégios próprios das classes dirigentes dos Estados onde não se respeita a democracia.
Daí que o Partido Popular Democrático se regozije com a regularização e estabilização das relações de trabalho que o Governo assume como seu objectivo, não por vislumbrar nele uma forma oportunística de criar paz social, mas por entender claramente que este é o caminho que mais interessa aos trabalhadores, que, sem abdicarem das suas legítimas conquistas, compreenderão ser esta a via correcta para a consecução cada vez mais plena dos seus interesses e direitos.
Mas, para além deste objectivo genericamente proclamado na parte de trabalho do Programa do Governo, constatamos que neste capítulo preferiu optar-se mais pela enumeração da designação dos diplomas legais e peia explicitação dos prazos até onde vão ser apresentados ou emitidos do que no esclarecimento dos princípios, embora gerais, a que eles deverão obedecer.
Contudo, o calendário de apresentação dos projectos legislativos parece-nos ser já matéria para que formulemos as nossas críticas. O Governo propõe-se apresentar ou emitir até 15 e 30 de Outubro próximo, respectivamente, a revisão da lei da greve e as alterações à lei da contratação colectiva, enquanto para a revisão da legislação sindical aponta o fim do ano como prazo limite.
Na nossa opinião, sociais-democratas, o primeiro passo lógico na concretização da política legislativa referente às formações profissionais deveria ser dado com a emissão de nova legislação sindical ou, ao menos, ser esta concebida e posta em vigor em paralelo com as duas outras referidas leis.
O princípio da unicidade sindical é contrário à ordem constitucional vigente, não deve pois o Governo eximir-se à consagração legal da liberdade sindical, no mais breve espaço de tempo, única forma de ser construída a unidade sindical na liberdade.
Vozes do PPD: - Muito bem!
Não se compreende, pois, a razão por que o Governo entende dever aguardar até ao fim do ano a apresentação da nova legislação sindical ...
O Sr. Sá Carneiro (PPD): - Apoiado!
O Orador: - ... como também não se encontra fundamento para que o Governo não indique medida alguma conducente à ratificação da Convenção n.º 87 da Organização Internacional do Trabalho.
O Sr. Bento Gonçalves (PPD): - Muito bem!
O Orador: - Como todos sabem, esta Convenção, que se refere precisamente à liberdade e à protecção do direito sindical, encontrou sempre a animosidade dos ditadores de antes e de depois do 25 de Abril.
Vozes do PPD: - Muito bem!
Outro aspecto que gostaríamos de ver classificado no Programa do Governo é o do pacto social entre o Governo, as organizações sindicais e as organizações patronais, várias vezes referido pelo Sr. Primeiro-Ministro.
Certamente que os contactos que estabeleceu com os dirigentes das principais organizações sindicais e empresariais antes da apresentação do programa de Governo a esta Assembleia lhe terão permitido delinear algumas ideias acerca das possibilidades de êxito da política de concertação.
Pode o Governo adiantar alguma coisa sobre o modo por que se concebe essa política de concertação? Como integra nela as relações colectivas de trabalho e a respectiva regulamentação?
Entende o Governo que deve dispor, através do Ministério do Trabalho, de largos poderes de intervenção administrativa na regulamentação das condições de trabalho ou julga preferível reservar essa intervenção para casos excepcionais?
E, por outro lado, de que modo antevê o Governo o anunciado tribunal de conflitos colectivos de trabalho no contexto dos métodos de resolução dos conflitos colectivos?
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O recurso a esse tribunal será obrigatório ou facultativo?
As decisões do tribunal serão vinculativas para as partes?
Como enquadrar a existência desse tribunal na liberdade de negociação?
Estas são questões fundamentais a que o Programa do Governo do Partido Socialista deveria responder, em matéria de relações colectivas de trabalho.
Os sociais-democratas sobre tão importante problemática têm por certo que o princípio da autonomia das organizações sindicais e empresariais é decisivo e criador, enquanto que a exagerada intervenção do Estado é potencialmente portadora do perigo do dirigismo centralizador e autoritário.
Outro aspecto que o Programa do Governo do Partido Socialista foca deficientemente é o da formação profissional. Lamentavelmente, este factor que deve ser ponderado como uma autêntica infra-estrutura do desenvolvimento, não merece no Programa mais do que algumas referências sectoriais.
A necessidade de gizar uma verdadeira política de formação profissional que tenha em consideração as necessidades, possibilidades e problemas em matéria de emprego, tanto a nível regional como nível nacional; a fase e o nível de desenvolvimento económico, social e cultural; as relações entre o desenvolvimento dos recursos humanos e outros objectivos económicos, sociais e culturais; aponta para a existência de um departamento dotado de poderes e meios para a coordenação das múltiplas entidades que se dedicam à formação profissional.
Urge nesta matéria também avançar com um conjunto de diplomas legais a começar naturalmente por uma lei geral de formação profissional, onde se deverão consagrar as orientações fundamentais a nortearem a política de formação profissional e que terá a sua sequência noutros diplomas como deverá ser o caso, nomeadamente, da regulamentação jurídica do contrato de aprendizagem.
Sem estas medidas e outras que o Partido Popular Democrático acolhe .no seu Programa do Governo e de que existem aliás alguns projectos do VI Governo Provisório, mão se nos afigura possível conceber uma política nacional de formação profissional, de que o País tanto carece.
Só por ela será estabelecido o meio correcto de desenvolver as aptidões profissionais no homem, numa perspectiva do seu perfeito enquadramento no mundo do trabalho, permitindo-lhe o uso das suas capacidades, a sua correcção sempre que necessário e o seu desenvolvimento, de modo a melhor servir a sua realização pessoal e os interesses da comunidade.
Quer em acções de aprendizagem, de qualificação, de aperfeiçoamento, de reciclagem ou de reconversão, a formação profissional deve acompanhar toda a vida do trabalhador.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como já assinalámos e temos vindo a demonstrar, no Programa do Governo do Partido Socialista, o esclarecimento das orientações fundamentais das iniciativas legislativas propostas não acompanha, em regra a sua enumeração. Fica o povo português, e particularmente os trabalhadores, a saber o nome do que se propõe serem as inovações legais, sem que possam conhecer os princípios fundamentais do seu sentido e orientação, o que nos parece particularmente grave para um programa de Governo.
É evidente que se diz reiteradamente respeitarem-se os dispositivos constitucionais aplicáveis, sobre as matérias em relação às quais se pretende legislar. Não atribuímos, contudo, grande significado ao facto, pois o mínimo que se pode pedir a um governo constitucional como o do Partido Socialista é que respeite a Constituição.
Quanto ao exercício do controle de gestão, aí o programa de Governo adianta já com o travejamento fundamental que deverá consagrar, em seu entender, o diploma que versar esta matéria, o que, aliás, nos parece correcto.
Importa dizer, a este propósito, que os princípios por que opta o programa de Governo do Partido Socialista são sensivelmente os mesmos que se contêm no decreto-lei aprovado em Conselho de Ministros no final da vigência do VI Governo Provisório e que o anterior Presidente da República não promulgou.
O Partido Popular Democrático sobre este diploma emitiu um comunicado em que se explicitava o seu apoio à forma como era regulamentado o controle de gestão, deixava, contudo, salvaguardada a hipótese de serem introduzidas correcções que a prática viesse a aconselhar.
E, Sr. Presidente e Srs. Deputados, acreditamos bem que para o período de quatro anos, que é o desta legislatura, se venha a justificar que o grau de intervenção dos trabalhadores na gestão das empresas, consentido no programa de Governo do Partido Socialista, se venha a ampliar consideravelmente.
Aliás, verifica-se que o controle de gestão proposto é notoriamente incipiente, dado traduzir-se em pouco mais do que o direito à informação.
Quando comparado este modelo com os que vigoram noutros países da Europa Ocidental, nomeadamente os sociais-democratas, facilmente nos apercebemos dever destinar-se ele tão-somente a um período transitório, dado mais exigirem as transformações económicas e sociais já operadas em Portugal.
O Partido Popular Democrático, em coerência com as posições que sempre assumiu sobre esta matéria, dará a sua melhor atenção e apoio às lutas dos trabalhadores pela democratização do poder nas empresas, sem prejuízo dos direitos que a Constituição da República atribui aos empresários e que o PPD claramente defende.
Vozes do PPD: - Muito bem!
Estão os sociais-democratas perfeitamente convictos de que a construção do verdadeiro socialismo ultrapassa o problema da propriedade dos meios de produção, inserindo-se, primordialmente, na problemática da participação da pessoa humana em todas as instâncias da vida colectiva, com respeito integral pela sua individualidade e criatividade.
Este o nosso contributo para a construção do socialismo português, que tem de se alicerçar no diálogo entre as forças democráticas e socialistas que, para ser fecundo, não se compadecerá com declarações e propósitos de hegemonia ou de exclusivismo de qualquer uma delas.
Tenho dito.
Aplausos dos Deputados do PPD.
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O Sr. Presidente: - A intervenção do Sr. Deputado.
Furtado Fernandes teve a duração de catorze minutos. Tem a palavra o Sr. Ministro do Planeamento e da Coordenação Económica.
O Sr. Ministro do Planeamento e da Coordenação Económica (Sousa Gomes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao iniciar esta intervenção no período de debate do Programa do Governo, como estabelecido na Constituição, não posso deixar de começar por saudar com grande respeito e consideração esta Assembleia - expressão livre da vontade popular do povo português após os 50 anos de privação de liberdades que o nosso país sofreu.
O Sr. Primeiro-Ministro deu já, na apresentação que fez do Programa do Governo, o necessário destaque às grandes linhas de força do programa. O texto distribuído desenvolve com a extensão julgada suficiente e possível, no curto prazo de que se dispôs, as grandes preocupações e os grandes objectivos do Programa. Esta intervenção tem, pois, a justificá-la apenas a utilidade de sublinhar alguns aspectos do Programa, face às intervenções já produzidas pelos Srs. Deputados, designadamente as que se reportavam a aspectos da política económica.
Começaria por sublinhar a preocupação que houve na redacção do Programa de a subordinar inequivocamente à Constituição. Com efeito, não é secundário, mas antes essencial, saber, como ontem muito bem sublinhou o Deputado António Reis, se o Programa garante ou não o cumprimento da Constituição.
Ora, todo o Programa do primeiro Governo Constitucional, designadamente em matéria de política económica, foi construído no sentido de se inserir no contexto programático da Constituição, informado pelo ideal da construção do socialismo democrático.
É nesse contexto que ganha particular relevo o conteúdo do Programa relativo ao modelo de desenvolvimento e ao papel do Plano.
O Governo Socialista pensa que a crise da economia portuguesa não é apenas uma crise conjuntural, posta em evidência pela Revolução de 25 de Abril, mas sim uma crise de sistema, uma crise que tem raízes estruturais, que exige soluções radicais, que exige, na realidade, um novo modelo de desenvolvimento.
Diz, de resto, o Governo no seu Programa: na situação actual do desenvolvimento das forças produtivas portuguesas e da distribuição dos frutos da actividade económica pelas várias camadas da população não se encontram garantidos padrões mínimos de satisfação das necessidades e aspirações da maioria dos portugueses, mesmo a nível básico. A organização actual da economia afasta-se da preocupação fundamental de proporcionar à população não só meios de subsistência, mas também a possibilidade de viver melhor e de modo diferente. Paralelamente, o funcionamento irracional do sistema traduz-se no desvio de recursos para a produção e importação de bens não essenciais, beneficiando grupos minoritários, enquanto se encontram insatisfeitas necessidades básicas fundamentais, nomeadamente no campo da alimentação, da saúde, da habitação, da educação, da segurança social.
Daí a necessidade de se caminhar seguramente para um novo modelo de desenvolvimento da sociedade portuguesa, menos dependente dos mecanismos cegos do mercado e do lucro e mais propício à reorientação da produção e dos consumos segundo as prioridades estabelecidas pelo planeamento democrático.
O Governo, ao apresentar o seu Programa, tem, portanto, presente a necessidade de um novo modelo para uma economia de transição rumo ao socialismo, no quadro do Estado democrático.
Esse novo modelo, no espírito dos princípios consagrados na Constituição, tem como grandes metas:
O exercício democrático do Poder pela e para a maioria da população trabalhadora;
A regulação da economia realizada através do planeamento, sem, no entanto, se rejeitar a existência de «mercado» com funções de orientação das decisões económicas, subordinadas, no entanto, aos grandes objectivos políticos democraticamente definitivos;
A socialização dos principais meios de produção;
A maior igualdade na satisfação das necessidades da população em geral e das condições materiais oferecidas a todos os cidadãos.
A realização destes objectivos é gradual, objecto de realização por fases sucessivas e progressivamente mais avançadas, já que a via democrática que defendemos supõe que a maioria da população assuma conscientemente o projecto deste modelo, ao mesmo tempo que se prepare para exercer o Poder efectivo em estruturas sociologicamente complexas, como são as das sociedades contemporâneas.
Uma das críticas formuladas ao Programa referia a falta de hierarquização dos objectivos, a falta da definição de prioridades.
Ao nível de medidas concretas, essa hierarquização será formulada no âmbito do Plano, designadamente do Plano a médio prazo e do Plano anual (como se refere no Programa) e que em tempo próximo serão submetidos à Assembleia da República.
É por isso, em nosso entender, sem sentido dizer que o Programa «não é uma lista de medidas possíveis, mas um rol de medidas desejáveis». Isso seria querer que o Programa se apresentasse já sob a forma de plano, que não é o que se estipula na Constituição. A seu tempo, e como expressamente referido no Programa, o Governo apresentará para aprovação da Assembleia da República o Plano com as necessárias quantificações e prazos de concretização.
Entretanto, as medidas agora apresentadas no Programa do Governo assentam numa filosofia, num modelo próprio, que tem uma hierarquização precisa de objectivos qualitativos, designadamente no plano económico:
O combate ao desemprego e a obtenção do pleno emprego como situação desejável e normal da economia, através do aproveitamento integral dos recursos humanos nacionais;
O desenvolvimento orientado para a satisfação das necessidades sociais, privilegiando os consumos colectivos e a satisfação das necessidades básicas da população;
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A obtenção do elevado grau de independência em relação ao exterior, sem pretenção de autarcia e sem perda de eficiência económica e de qualidade da vida.
Estes objectivos significam a rejeição das bases de recuperação capitalista e supõem que colectivamente sejam aceites novos padrões de vida, mais humanos e mais justos, e a eliminação de situações de privilégio em favor de condições generalizadas de mais bem-estar e riqueza.
Estes objectivos estabelecem a hierarquização das prioridades do projecto socialista do Programa do Governo. É à sua luz que se construirá o Plano, que se desenvolverão as medidas programáticas que agora ali se enunciam no Programa.
Importa assim relevar o papel central que desempenha no Programa do Governo, tal como de resto está consagrado rua Constituição, o Plano, que será o instrumento por excelência do projecto socialista.
O Plano será, com efeito, o quadro de referência fundamental utilizado pelo Governo:
Como meio de organização e funcionamento da actividade económica;
Como espaço de intervenção concreta dos cidadãos na definição das suas necessidades e aspirações, mediante uma ligação dinâmica entre as unidades produtivas (designadamente as do sector público), a administração pública, as regiões, autarquias e comunidades locais, as várias organizações sindicais, patronais e outras, na construção das soluções que garantiam «o desenvolvimento harmonioso dos sectores e regiões, a eficiente utilização das forças produtivas, a justa repartição individual e regional do produto nacional, a coordenação da política económica com a política social, educacional e cultural, a preservação do equilíbrio ecológico, a defesa do ambiente e a qualidade de vida do País». Estou a citar o artigo 91.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa.
No contexto do novo modelo de desenvolvimento, será, portanto, o Plano, na sua formulação anual e a médio prazo, que dará coerência global ao conjunto das medidas programáticas que desde já se apresentaram no presente Programa do Governo.
Importa também referir que o Plano a longo prazo, que, como previsto na Constituição, o Governo submeterá em tempo próprio à Assembleia, será fundamentalmente o quadro de referência democraticamente estabelecido com a caracterização da forma como o povo português deseja ver construído o seu futuro próximo. Esse quadro de referência que será o Plano a longo prazo terá de ser revisto e actualizado periodicamente, de forma a permitir dispor-se de um horizonte de dez a quinze anos no qual se vão inserindo os sucessivos planos a médio prazo e os planos anuais.
O projecto socialista que o Governo defende é um projecto democrático, mas é um projecto que tem o homem como sujeito. Por isso o Plano desempenha um papel fundamenta], não como instrumento burocrático, como aqui foi sugerido, mas antes como única forma de permitir que seja o povo português, de forma concreta, a construir o seu próprio futuro, e não as leis cegas do mercado baseado na motivação do lucro, ou as leis dogmáticas de novos totalitarismos a ditar o destino de Portugal.
Foram também levantadas dúvidas quanto às intenções contidas nas medidas de recuperação económica incluídas no Programa do Governo.
Ora o Programa é claro. Diz concretamente que o Governo considera irreversíveis os passos já dados, designadamente as nacionalizações e a Reforma Agrária, em ordem à construção de uma economia de transição e que considera necessárias a promoção e consolidação, por um lado, da socialização dos sectores básicos numa dimensão que já efectivou a rotura irreversível com o sistema tradicional e que representa um poderoso instrumento que o Governo não deixará de utilizar, em princípio sem necessidade de novas nacionalizações.
Em segundo lugar, da possibilidade de concretizar e efectivar os mecanismos reais do planeamento descentralizado e participado, o que será feito de imediato.
Em terceiro lugar, das experiências de intervenção dos trabalhadores na gestão e controle das unidades produtivas, criando condições à existência de um amplo sector de propriedade social.
Parece-nos assim de rejeitar as acusações de que o relançamento da actividade económica proposto pelo Governo Socialista se irá basear em formas de recuperação capitalista.
Não nos parece também legítima a afirmação aqui produzida ontem por um Sr. Deputado de que a definição do sistema económico não é feita com clareza. Ao contrário, julgamos que essa definição se encontra bem precisa no Programa do Governo e, além do mais, de forma que se julga conforme aos princípios consagrados na Constituição. O Programa define, com efeito, claramente, as bases da reestruturação da actividade económica, a função do sector público e do sector privado, a intenção deliberada de atribuir progressivamente ao sector de propriedade social, designadamente às cooperativas e às empresas em autogestão, um papel de grande destaque no sistema produtivo.
Não têm também suporte no Programa do Governo as afirmações de que o caminho para vencer a crise assentará apenas em medidas de agravamento das condições de vida dos trabalhadores. Justamente se consagra antes que, não obstante a necessidade de medidas de austeridade em certos consumos e de disciplina económica e financeira, as medidas a tomar para vencer a crise protegerão na maior extensão possível as camadas mais desfavorecidas.
Importa sublinhar, entretanto, que se o Governo Socialista julga possível vencer a crise e consolidar a conquista das classes trabalhadoras, não esconde que serão pedidos sacrifícios a todos os portugueses, embora se queira defender de forma particular as camadas economicamente menos favorecidas.
Os sacrifícios pedidos serão menores na medida em que for possível melhorar a produtividade e, portanto, aumentar de forma competitiva a produção nacional, já que não será possível manter a satisfação do consumo interno em tão larga escala dependente das importações.
Diversas referências de apreciação na especialidade, designadamente as do Sr. Deputado Sousa Franco,
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levar-nos-iam a ter que antecipar aqui o que de forma responsável só poderá ser apresentado no âmbito do Plano, a submeter em tempo oportuno à Assembleia da República.
Nalgumas referências ao Programa do Governo tem-se afirmado também que é um programa ambicioso, que as medidas propostas exigem grandes despesas. Pergunta-se onde estão os recursos financeiros necessários.
Queremos dizer claramente que, se o Programa pode parecer ambicioso, isso resulta apenas do muito que há que fazer e a curto prazo, da necessidade de vencer a crise e construir novo futuro para o nosso país. O Governo não quer furtar-se à responsabilidade histórica, pelo que concordámos que não poderia deixar de ser considerado ambicioso qualquer programa de um governo socialista chamado à responsabilidade governativa no presente momento.
Mas não é a escassez de recursos financeiros que constitui para nós o principal problema.
Para o Governo, a preocupação central será a de conseguir subordinar intransigentemente a sua estratégia de actuação aos objectivos definidos qualitativamente no Programa:
Combate ao desemprego e melhoria da distribuição do rendimento;
Crescimento orientado para a satisfação das necessidades básicas, privilegiando os consumos colectivos;
Obtenção de maior independência em relação ao exterior.
Será nesta óptica que importa pôr a questão de como serão geridos os recursos financeiros de modo que, combatendo o desemprego e dando satisfação às necessidades básicas, não se crie maior dependência exterior e não se torne menos controlável a inflação.
O combate ao desemprego será feito pelo recurso aos investimentos produtivos que possam maximizar a criação de emprego e a utilização de recursos internos e minimizar os factores de dependência externa.
Isso não significa que não sejam realizados investimentos nas indústrias básicas, por natureza de capital intensivo, na medida em que a estratégia de desenvolvimento industrial e de independência exterior o requeiram. Mas significa que esses investimentos não terão a prioridade total.
A satisfação das necessidades básicas vai exigir, pelo seu lado, que uma parte significativa dos recursos seja consagrada à agricultura e à produção de bens alimentares, à saúde e educação, à habitação e a melhorias sociais.
Também o equilíbrio progressivo e planeado da balança de pagamentos constituirá uma preocupação de tradução imediata na actuação do Governo. Trata-se efectivamente de não hipotecar mais a nossa dependência e, sobretudo, de preparar o equilíbrio externo da balança de pagamentos, que terá de ser conseguido a médio prazo; mas para isso é necessário conseguir desde já um maior equilíbrio da balança comercial. Finalmente, e aqui registamos o acordo de diversas afirmações produzidas nas intervenções dos Srs. Deputados, não nos parece que possa haver dúvidas sobre a caracterização da crise económica. A sua análise está feita e refeita. O Governo Socialista refere, de resto, no seu Programa os traços essenciais da crise, justamente os que são necessários para definir os pontos de partida.
Trata-se agora de vencer a crise, construir uma sociedade democrática a caminho do socialismo, preocupações centrais do Programa do Governo, que constituem sem dúvida um desafio difícil. O Governo Socialista acredita, no entanto, confiadamente, na possibilidade de oferecer um novo futuro ao povo português.
Obrigado, Sr. Presidente.
Aplausos dos Deputados do PS e alguns do PPD.
O Sr. Presidente: - Temos um intervalo de vinte minutos. Está suspensa a sessão.
Eram 16 horas e 30 minutos.
O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão. Eram 17 horas.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Vitoriano.
O Sr. José Vitoriano (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Ministros: Da matéria contida no Programa do Governo apresentado a esta Assembleia, a parte que trata das relações de trabalho - «Regular e estabilizar as relações de trabalho» - é daquelas que suscitam maiores apreensões ao meu partido quanto à orientação que o Governo pretende imprimir à sua actividade.
As conquistas alcançadas pelos trabalhadores portugueses vieram a obter a justa consagração no texto constitucional, tornando-se desta forma património da Revolução.
Assim, se do Programa do Governo devem constar as principais medidas políticas e legislativas a adoptar ou a propor na execução da Constituição, aí deverão estar bem explicitadas as medidas que na actual fase são necessárias para garantir a defesa das conquistas dos trabalhadores. O respeito pela Constituição exige do Governo que tome posição pela defesa e promoção dos interesses dos trabalhadores, pela unidade e reforço da sua organização.
Nos últimos meses avolumaram-se os factores políticos, sociais e económicos preocupantes para os trabalhadores portugueses. As arremetidas de organizações como a CIP e a CAP contra as conquistas dos trabalhadores ganharam arrogância; multiplicaram-se às tentativas de recuperação capitalista.
Os despedimentos ilegais, nomeadamente de dirigentes e delegados sindicais; a falta de cumprimento de contratos colectivos; a recusa dos patrões a sentarem-se à mesa das negociações; a sabotagem económica; a manipulação tendente a conduzir à aceitação de salários e garantias inferiores aos consignados nos contratos; a violência física, a chantagem e ameaças; á desobediência flagrante e provocatória a decisões governamentais, como no caso da Têxtil Manuel Gonçalves este é o panorama que o grande patronato reaccionário apresenta ao Governo no domínio das relações de trabalho.
O Programa do Governo deveria dar resposta a cada uma destas questões.
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Mas não é nestes pontos omissos no Programa - que se encontram as preocupações do Governo, não é para cies que apontam as medidas previstas.
Perante a violência do grande patronato reaccionário, o Governo é aos trabalhadores que pede a paz social; perante a sabotagem económica, falta de investimento, encerramento e abandono de empresas, o Governo exige dos trabalhadores que trabalhem mais, que aumentem a produtividade.
O Governo compromete-se no seu Programa a consolidar e desenvolver as conquistas legítimas dos trabalhadores. Mas então seria necessário que apontasse as medidas concretas para dar a justa solução aos vários problemas expostos, como os da contratação colectiva, despedimentos e outros. Seria necessário que não se ficasse pelas intenções vagas e ambíguas e se respondesse agora às reivindicações justas dos trabalhadores, tantas vezes nos últimos meses apresentadas às orelhas moucas dos senhores que pontificam no edifício da Praça de Londres!
Mais: prometendo a revisão de vários decretos-leis reguladores de matérias fundamentais, como a greve, a contratação colectiva, a lei sindical, a lei de despedimento e outros, sem definir o sentido e objectivos que se propõe; omitindo qualquer referência à mais recente legislação antioperária, como os Decretos-Leis n.ºs 471/76 e 530/76; quase omitindo a responsabilidade do alto patronato na crise económica, falando ambiguamente e de passagem na sabotagem, inculpando os trabalhadores pela situação actual - o Governo não responde realmente a problemas candentes das relações de trabalho.
O Governo, que não ignora as posições do movimento sindical sobre todos estes problemas, parece apostado em prosseguir os rumos do VI Governo Provisório e do seu Ministério do Trabalho, que não são seguramente os da luta contra a recuperação capitalista.
A revisão da Lei Sindical é ambígua e vaga nas intenções, nada de bom augura para o reforço do movimento sindical e é feita num momento em que os sindicatos fazem um grande esforço de unidade. Por outro lado, não podemos deixar passar sem uma palavra de viva condenação o facto de o Governo pretender ouvir as associações patronais, os grandes senhores da CIP e da CAP, na revisão desta lei, dando assim cobertura a uma intromissão no que é âmbito exclusivo dos trabalhadores.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Ministros: Porque se trata de uma conquista fundamental da Revolução, constitucionalmente consignada, o controle operário, o controle de gestão, merecem-nos uma referência destacada. Devemos dizer que as considerações que a seu propósito se fazem no Programa e as que o Sr. Primeiro-Ministro fez nesta Assembleia nos preocupam por revelarem a intenção de esvasiar de conteúdo e limitar o direito de exercer o controle de gestão.
No quadro constitucional, o controle operário é uma concretização do «exercício democrático do Poder pelas classes trabalhadoras»; num estado que «tem por objectivo assegurar a transição para o socialismo», o controle operário, exercido sem limitações que o esvaziem de conteúdo, quer nas matérias a que se aplica, quer na sua organização a nível de empresa ou nível de sector, é um dos instrumentos adequados e imprescindíveis para atingir tal meta.
Não são medidas como a anunciada liberalização dos despedimentos, o recurso aos contratos a prazo, e outros que resolverão os problemas da economia nacional. Essas medidas só servem o alto patronato reaccionário, a recuperação capitalista e são formas de fazer pagar aos trabalhadores o preço da crise.
Pelo contrário, um verdadeiro controle operário sem limites incompatíveis com segredos, dando aos trabalhadores a liberdade de organização, esse, sim, será facto determinante do desenvolvimento da economia nacional, no respeito dos direitos e interesses dos trabalhadores.
Nós queremos afirmar, para que não haja dúvidas, que entendemos, e não apenas agora, ser necessário aumentar a produção e incrementar a produtividade. Entendemos que isto é não apenas do interesse da economia nacional, como é duplamente do interesse dos trabalhadores, porque garantia da consolidação da democracia rumo ao socialismo, porque condição da obtenção de novas regalias no domínio dos salários e de outros benefícios sociais. Mas é evidente que os trabalhadores se recusarão a- participar na realização destes objectivos se aquilo que se lhe promete são reduções das suas conquistas e o agravamento da exploração.
Quando muitos trabalhadores, há meses atrás, se lançaram na batalha da produção, nós, comunistas, damo-lhes todo o nosso apoio e estímulo enquanto que outros partidos representados nesta Assembleia denegriram e fizeram tudo para entravar essa grande iniciativa patriótica.
O socialismo por que lutamos é uma etapa num caminho de riqueza e bem-estar social, de libertação do homem da miséria, da opressão, da exploração. Mas para atingir tal meta é preciso que os trabalhadores participem na decisão do processo económico, saibam o destino do produto dos seus esforços e sacrifícios, exerçam o seu poder democrático no plano, no sector, na unidade produtiva.
Os trabalhadores não poderão aceitar a parte do Programa referente à matéria da contratação colectiva, não só porque se não apontam os objectivos e princípios a propor pelo Governo na revisão do Decreto-Lei n.º 164-A/76, como porque nenhuma referência é feita à situação concreta vivida em cada um dos contratos colectivos pendentes, abrangendo talvez mais de um milhão de trabalhadores, cuja resolução se eterniza por constantes incidentes, impasses e provocações, traduzindo um verdadeiro boicote, perante a passividade do Ministério do Trabalho. O meu Grupo Parlamentar teve a honra de receber há dias, aqui, em S. Bento, uma delegação da União dos Sindicatos de Lisboa e do Secretariado das Comissões de Trabalhadores da Cintura Industrial, que nos proeurou para nos transmitir as suas preocupações em matéria da contratação colectiva e despedimentos e nos entregou documentos de análise muito concretos acerca dos graves problemas que se traduzem nas relações de trabalho e que gostosamente podemos facultar à Assembleia.
Como sempre temos afirmado, as posições que vierem a ser tomadas permitirão aos trabalhadores saber o que têm a esperar deste Governo, quais os interesses que ele serve: se os dos trabalhadores, se os do
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patronato e da recuperação capitalista. Se por um lado a revisão do decreto-lei referido deve consagrai a eficácia da contratação colectiva como importante arma de luta das classes trabalhadoras, pela melhoria do conjunto dos direitos e garantias dos trabalhadores, designadamente os respeitantes à intervenção e controle da economia, por outro lado tem de responder com firmeza e de imediato ao boicote patronal. A Lei da Contratação não pode consagrar «a real desigualdade entre as partes na relação de trabalho, como é característica do capitalismo».
Numa sociedade de transição para o socialismo tal lei deve conter os mecanismos necessários para os trabalhadores poderem concretizar as suas conquistas, não só no papel, mas também através da real aplicação das normas e dos instrumentos de regulamentação colectiva. Para que não sucedeu como hoje, em que muitos patrões se recusam pura e simplesmente a aplicar os contratos perante a passividade do Ministério do Trabalho.
Também não responde às reivindicações dos trabalhadores a parte do Programa que se refere à matéria de despedimentos, não só pela falta de definição dos princípios orientadores da revisão do Decreto-Lei n.º 84/76, como principalmente pelas declarações do Sr. Primeiro-Ministro no acto da tomada de posse do Governo, como ainda pela ausência de referências a qualquer intenção de revogar o Decreto-Lei n.º 530/76. Qual é a «experiência colhida no decurso da aplicação do texto vigente» que vai servir de base à revisão do decreto-lei sobre despedimentos? É a experiência dos trabalhadores da Têxtil Manuel Gonçalves e outras empresas que vêem manter-se a situação de ilegalidade perante a tibieza do Governo em impor o cumprimento de decisões tomadas? É a experiência de delegados e dirigentes sindicais despedidos contra a lei e por imposição do patronato reaccionário? Vai ser garantida a eficácia do preceito constitucional de proibição dos despedimentos sem justa causa? Ou, ao contrário, procura-se alargar esse conceito e fazer dos despedimentos uma porta larga por onde passa a recuperação capitalista? Porque não se refere explicitamente o problema do Decreto-Lei n.º 530/76 e da necessidade da sua revogação, exigida por plenários de trabalhadores e organizações sindicais, decreto que, permitindo ao Governo tomar as medidas administrativas de redução do tempo de trabalho, de dispensa e transferência de trabalhadores e de congelamento da contratação colectiva, vem a ser nas mãos do alto patronato a forma de fazer pagar aos trabalhadores o custo da crise que não provocaram? Será que o Governo vai aceitar a aplicação do decreto em empresas como a multinacional Grundig e outras que já pediram a sua aplicação?
No que toca a política de rendimentos, se por um lado se dá satisfação às reivindicações do movimento sindical, anunciando a elevação do salário mínimo nacional e a actualização das pensões de reforma, por outro lado prevêem-se mecanismos de sentido e objectivos não esclarecidos, como a elevação do salário mínimo por etapas e sectores, a definição de uma «norma nacional» dentro da qual seriam feitos os aumentos salariais e a integração dos subsídios na remuneração, o que não parecem ser os meios adequados para garantir a defesa do poder de compra dos trabalhadores, apontando antes para fazer pagar aos trabalhadores o preço da crise.
Para concluir a apreciação do Programa no que toca às relações de trabalho, queremos mais uma vez, na sequência da intervenção do meu camarada Álvaro Cunhal, sublinhar as apreensões que nos causa a indefinição e ambiguidade do sentido e objectivos da revisão da regulamentação do direito de greve, tanto mais que no texto do Programa se usam expressões como «o abuso da greve», sem qualquer referência aos casos a que se reporta, sem explicitação das limitações que eventualmente se pretendem introduzir, sem indicação dos meios repressivos que o Governo quer eventualmente utilizar.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Ministros: Queria ainda referir uma outra questão, a da segurança social, como problema que se reflecte de forma muito acentuada e directa nas condições de vida dos trabalhadores. Sobre esta matéria ouvimos ontem aqui uma intervenção do Sr. Deputado Sérvulo Correia, do PPD, que preconizou uma série de medidas muito precisas e concretas. Embora possamos ter reservas sobre algumas dessas medidas, estranhamos que elas venham de um Deputado de um partido que, tendo estado à frente do Ministério dos Assuntos Sociais durante largos períodos de vigência dos governos provisórios, nomeadamente durante mais de dez meses consecutivos, não tenha posto em prática nenhuma das medidas ora anunciadas.
Quando no explanar da situação da Previdência se afirma no Programa do Governo que a deterioração desta culminou com a queda do V Governo, procura-se ignorar a actividade desenvolvida pelos trabalhadores na sua legítima participação na gestão e controle de um importante sector para a sua vida, que durante anos o regime fascista lhes recusou e cuja conquista o movimento sindical alcançou após o 25 de Abril. Este direito, os trabalhadores viram-no mais tarde consagrado na própria Constituição.
A utilização sistemática da Previdência como fonte de financiamento do estado fascista e, através dele, das forças do grande capital, não permitia que os trabalhadores vissem satisfeitas as suas reais necessidades. É a partir de 25 de Abril que alguns benefícios são aumentados, embora o seu esquema seja ainda manifestamente insuficiente.
Diz-se no Programa que «durante o VI Governo exerceu-se uma actividade tendente ao saneamento da situação financeira, quer pela contenção e redução do déficit, quer no sentido da cobrança dos créditos, quer pela reorganização administrativa com a neutralização dos poderes paralelos ...»
Ora, o que na realidade se passou foi que a situação financeira foi saneada, se isso se puder considerar saneamento, à custa da descapitalização das reservas da Previdência, no quantitativo que atinge já cinco milhões e meio de contos. Quanto aos créditos, isto é, os débitos do patronato à Previdência, eles estão longe de terem diminuído, pois que sendo de cinco milhões de contos antes do VI Governo andam hoje à volta de oito milhões.
Acerca do déficit previsto no orçamento geral da Previdência para 1976, há pontos que convém referir, para que não se iludam as suas verdadeiras causas.
A melhoria de benefícios, embora trazendo um acréscimo de encargos, não é, por si só, a causa do
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déficit referido. O boicote e sabotagem de que foram alvos as inúmeras empresas por parte do grande patronato reaccionário reflectiu-se directamente na previdência social com a retenção das contribuições que lhe eram devidas.
- O considerável aumento de encargos com a saúde, cuja responsabilidade competiria em grande parte directamente ao Estado, e o difícil controle das situações que originaram esses agravamentos de custos são factores que muito pesam no empolamento do déficit.
- Além disso, há que considerar o abaixamento significativo de entradas de receitas na Previdência por via da crise do desemprego (agravada com a substituição dó subsídio de desemprego por subsídio de doença, este de valor mais elevado e de mais fácil obtenção).
Para cobertura do déficit até ao final do ano corrente - oito milhões de contos- ainda não foram definidas formas concretas e globais para o resolver. E se as formas a adoptar forem idênticas às adoptadas até aqui, isso significa que são os trabalhadores a suportar a cobertura desse déficit através da venda de títulos de crédito que constituem o aforro da Previdência. Sistema por que, a continuar a ser utilizado até final do ano, os trabalhadores verão o seu património ser «comido», sem que dele se tivessem aproveitado, no sentido de o mesmo vir a ser reconvertido de maneira a melhorar as suas condições sociais através de redefinição da política financeira da segurança social.
Os objectivos definidos no Programa do Governo enquadram-se, nas linhas gerais, numa política de segurança social de acordo com o consignado na Constituição e com exigências de há muito sentidas neste sector.
Interessa, no entanto, que nos órgãos a criar estejam representados os trabalhadores através das suas associações sindicais e outras organizações de classe, pois a Previdência só estará à altura de cumprir a sua elevada função social em favor do povo em geral e dos trabalhadores em particular se estes participarem na sua gestão e controle.
- Em ligação com os objectivos do Programa e como providências a realizar a curto prazo e a iniciar imediatamente apontam-se no mesmo Programa medidas que, ao serem colocadas de forma generalizada, dificultam a percepção do alcance das mesmas e como na prática se comportarão os mecanismos que as porão em vigor.
Aliás, na própria explanação das medidas apreende-se certa ordem de questões que poderão pôr em causa o imediatismo ou o curto prazo na solução dos problemas. As actuais estruturas da Previdência, assentes ainda numa orgânica anarquicamente dispersa, a existência de diversos esquemas de benefícios e a diversificação de critérios administrativos têm obstado a que os interesses dos trabalhadores sejam eficazmente acautelados.
Só com uma participação activa dos trabalhadores a Previdência se pode reformular e as medidas apontadas podem concretizar-se no imediato ou a curto prazo.
Entretanto, há alguns pontos aos quais seria necessário desde ia dar uma mais completa clarificação dentro da relevância que eles assumem para prossecução de uma política social. A integração da acção médico-social da Previdência no Serviço Nacional de Saúde é uma medida que é urgente dinamizar, mas que, passando para o Estado a responsabilidade financeira que lhe cabe, implicará necessariamente que o Governo legisle e execute uma política fiscal que recaia sobre os rendimentos das classes mais favorecidas, de forma a que não continuem a ser apenas as classes trabalhadoras, através da Previdência, a suportar a maior parte dos encargos.
No regime da previdência rural impõe-se, efectivamente, uma progressiva aproximação ao esquema da previdência dos demais trabalhadores. A extensão do regime geral aos trabalhadores rurais deve ser objectivo a alcançar a curto prazo.
A segurança social representa para os trabalhadores e para o povo em geral uma necessidade importante para .garantia, no presente o no futuro, de condições mínimas e dignas de vida, razões por que nada pode ser feito neste campo sem a participação das associações sindicais das classes trabalhadoras.
Tal como a Constituição define,' a criação de um sistema de segurança social pressupõe o apoio e a participação dos trabalhadores na definição e prossecução desse sistema a todos os níveis da sua estrutura.
Por isso, entendemos que toda a movimentação sindical. que tem sido desenvolvida sobre esta matéria deverá merecer por parte do Governo a devida atenção, competindo-lhe ter em conta as conclusões já encontradas pelos trabalhadores, ressaltando, por conseguinte, a necessidade de um amplo e urgente diálogo entre o Governo e associações sindicais.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Ministros: Eram estas as questões que queria colocar à Assembleia sobre o Programa do Governo.
Tanto no que se refere à recuperação da economia como à reestruturação e ao saneamento financeiro da Previdência, não é à custa dos trabalhadores e contra eles que tal poderá ser feito. Não podem ser os trabalhadores a pagar as custas da sabotagem e do boicote do grande patronato e de outros inimigos da economia portuguesa.
Pelo contrário, é com os trabalhadores e com a sua participação responsável no processo de estabilização e desenvolvimento da economia, como, aliás, noutros sectores de actividade, que será assegurada a resolução dos problemas mais prementes do nosso país.
Aplausos dos Deputados do PCP.
O Sr. Presidente: - A intervenção do Sr. Deputado foi de vinte e nove minutos.
Tem a palavra o Sr. Ministro. da Administração Interna.
O Sr. Ministro da Administração Interna (Costa Brás): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Incumbiu-me o Sr. Primeiro-Ministro de, em seu nome e nó âmbito da competência do Ministério da Administração Interna, vir prestar a VV. Ex.ªs e ao País os esclarecimentos suscitados pelas intervenções que ontem aqui tiveram lugar.
Permitam-me, no entanto, duas anotações preliminares: A primeira é de natureza estritamente pés-
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soal e faço-a depois de alguma hesitação face às duas referências de que fui alvo já nesta Assembleia.
- A roda do destino vem a proporcionar que eu seja uma das «vítimas» - orgulhosa de o ser - da mutação verificada no nosso país e que conduziu a que exista um Governo que se rege por uma Constituição elaborada pelos legítimos representantes de todo um povo e que perante esses legítimos representantes presta contas das suas intenções e virá a prestá-las também dos seus actos.
Ë que também pretenderia que VV. Ex.ªs «vissem» neste mesmo lugar e comigo todos quantos, militares, camaradas meus e civis, espalhados por todo o Portugal, se bateram para que «isto» fosse um facto e se batem para que continue a ser uma realidade efectiva. Mas só esses ...
Aplausos dos Deputados do PS, P PD e CDS.
A segunda anotação diz respeito já ao Programa do Governo, apesar de o assunto em causa não ter sido, até ao momento, objecto de qualquer comentário. Se me atrevo a retirar desse facto a ilação da sua indiscutibilidade e justeza, a verdade é que se me afigura oportuno destacá-lo.
Refiro-me à disposição do Governo de efectuar «a correcção progressiva das distorções em matéria de vencimentos e regalias sociais entre trabalhadores da função pública e funcionários administrativos e os das empresas públicas e nacionalizadas». Afigura-se-me da mais elementar moral e justiça que assim seja, para adequada valorização da competência e melhoria da Administração em geral, como exige o interesse público. Necessariamente que será factor condicionante restritivo a disponibilidade financeira existente ou a criar, e esse factor deverá influenciar óbvia e decisivamente a discussão e as decisões que venham a ser tomadas relativamente a qualquer dos sectores referidos.
Não se estranhará, em consequência, que esta seja a posição do Ministro da Administração Interna em tudo quanto venha a interferir em tal matéria.
Da justeza e moralidade do princípio ajuizarão VV. Ex.ªs e o povo que representam.
Entremos então objectivamente nos aspectos ontem focados e alvo de algumas das vossas críticas.
Começarei pela intervenção do Sr. Deputado Álvaro Cunhal, no que me parece ter maior relevância e me diz directamente respeito.
Referiu o Sr. Deputado que «o propósito do Governo em (em vez de procurar outra solução nos vários sectores da economia nacional) integrar no funcionalismo, incluindo nas autarquias, 100 000 funcionários vindos das ex-colónias ... não é de molde a tranquilizar quanto à isenção ideológica do comportamento do Governo em matéria de saneamentos».
Sobre este assunto parece-me adequado referir que é de facto intenção promover a absorção dos funcionários vindos das ex-colónias, satisfazendo as carências internas da Administração, incluindo as das autarquias.
Isto porque:
1.º Existe um vínculo contratual com o Estado que deve ser respeitado;
2.º A quebra do seguimento de tal regra não deve ser exclusiva para este tipo de funcionários;
O Sr. Sá Carneiro (PPD): - Muito bem!
O Orador: - 3.º A adopção deste procedimento não impede o incentivo à desvinculação voluntária para o exercício de outras actividades.
Tanto assim é que há já ex-funcionários associados em cooperativas, exactamente no sector económico. Sem dúvida, no entanto, que deverão melhorar-se as condições para aquele incentivo. Pela minha parte agradeço a contribuição positiva desta chamada de atenção. Mas permita-me, Sr. Deputado, um pequeno comentário adicional:
É que V. Ex.ª abordou esta questão na sequência das considerações que teceu ao congratular-se - como eu - com o término dos «saneamentos baseados em discriminações ideológicas». E a sugestão que lança no início do trecho citado - orientação para vários sectores da economia- como a inquietação que manifesta no seu final - «não é de molde a tranquilizar quanto à isenção ideológica do comportamento do Governo em matéria de saneamento» - não concretizam aquela congratulação e até, bem pelo contrário e no meu entender, se constituem atitudes discriminatórias baseadas ainda por cima em pressupostos.
O Sr. Sá Carneiro (PPD): - Muito bem!
O Orador: - Não será de mais afirmar, mesmo que tal seja convicção generalizada em VV. Ex.ª, que a gestão do funcionalismo em geral é dos problemas e das tarefas mais delicadas e difíceis que encontro no Ministério.
A reorganização feita no final de 1974 e a estrutura então criada organicamente para o efeito não tiveram, em devido tempo, o seguimento necessário, pois só muito mais tarde foi retomada e em situação agravada pelo volume inesperado de casos a processar.
É naturalmente preocupação prioritária.
Da intervenção do Sr. Deputado Freitas do Amaral ressalta, para mim, a crítica quanto à omissão, no Programa, das intenções do Governo em matéria da organização administrativa regional como parte integrante do que, em globo, é o «reordenamento do território».
Considero útil informar quem porventura o não saiba que o projecto de organização administrativa regional, já do conhecimento público, teve uma elaboração com numerosa, cuidada, diversificada e competente participação e, porque possuía uma feição paraconstitucional, foi por mim entregue ao Conselho da Revolução o ano passado, no início da 2.ª quinzena de Março, uma semana antes de abandonar o Governo. Coube ao meu antecessor, comandante Almeida e Costa, o elevado mérito e coragem de o «ressuscitar» e de o pôr em discussão pública, como o previsto, e a honra de o entregar à Comissão Constitucional.
As disposições constitucionais sobre o assunto são, em boa parte, também o reflexo dessas diligências e do conteúdo daquele trabalho.
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Reconheço que de nenhum modo ficaria deslocada a referência ao assunto, que, no entanto, seria, para suficiente clareza, algo extensa.
Donde o cabimento da observação feita.
Mas porque não estava em causa o cumprimento das determinações ou orientações constitucionais, porque se trata de matéria da competência desta Assembleia, agora no aspecto legislativo, porque não se afigura viável a sua execução ou implantação a muito curto prazo, embora deva constituir meta a ter permanentemente em conta em todas as diligências descentralizadoras, optou-se, sim, pela referência às actividades que de imediato se afigura necessário continuar ou incrementar, como formas concretas de garantir a devolução do poder às autarquias locais, dentro de uma política claramente municipalista - aqui se situam as obras municipais como investimento que são, de modo indirecto, na saúde, na actividade económica, etc., e também com reflexos saudáveis e necessários na criação de postos de trabalho; a preparação da revisão das finanças locais, assunto que há mais de ano e meio vem sendo acompanhado e trabalhado, mas a que a instabilidade política e económica que se tem vivido não proporcionava condições de aplicação «sem prejuízo da qualidade»; a implantação e melhoria da orgânica de planeamento regional, o aumento da capacidade técnica dos municípios, etc.
Se a estas acções juntarmos a definição das novas competências dos órgãos do poder local (a esta Assembleia cabe fazê-lo) e a prática do seu exercício, teremos, com tudo somado, os «alicerces» sólidos que se pretende ter no «edifício» que queremos vivo, actuante e participado, construído a lanços rápidos mas seguros, como manda a prudência. Afigura-se-me, pois, que neste capítulo, pelo menos, o Programa não enfermará das receadas maleitas jacobinas ou napolcónicas.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Finalmente, os esclarecimentos que considero úteis e necessários dar acerca do problema genérico da segurança e autoridade do Estado, a que se referiram os Srs. Deputados Barbosa de Melo e Acácio Barreiros.
Não me parece que se possa colher do que consta cio Programa a ideia de que seja questão descurada. Atrevo-me mesmo a considerar que se é muito claro no que ali se diz, não só quanto aos princípios de actuação das forças de segurança, como relativamente ao modo pelo qual se procurará atingir os objectivos da acção dos seus agentes. Aproveita-se até a oportunidade para se dizer o que se pensa acerca do imperativo de uma relação recíproca forças de segurança-público, que me parece terá passado despercebida aos órgãos de informação, preocupados com a transcrição maçuda do texto em prejuízo da sua missão formativa e educativa.
Quero aqui realçar o que considero ser o princípio base dessa actuação, apesar de já diversas vezes repetido: e esse é o de que se procurará que a liberdade seja usufruída por todos, entendendo-se que «o direito que a ela cada um tem terminará onde o seu uso abusivo lesa igual direito dos restantes, no quadro de uma normal vivência em sociedade».
No âmbito dos direitos e deveres dos agentes e dos cidadãos em geral estão incluídos, evidentemente, os deveres dos primeiros relativamente aos segundos, sendo certo que não só o agente não poderá nem deverá tomar uma atitude passiva face à infracção à lei, como também não deverá abusar da autoridade que lhe é conferida, que, todavia, em absoluto lhe deve ser respeitada.
Cidadãos como os outros, têm por missão fazer cumprir a lei, respeitá-la e fazer-se respeitar. Cumprem ordens. A responsabilidade de fundo é sempre de quem os comanda. Aqui assumo a minha.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Por isso, Sr. Deputado Acácio Barreiro, tecerei alguns comentários em torno do assunto suscitado pela intervenção de ontem, mas que não lhe são exclusivamente dirigidos.
O Sr. Deputado tem a pesada responsabilidade de representar uns milhares de eleitores e ontem talvez milhões de pessoas o tenham ouvido. Espero que os mesmos milhões me ouçam agora, e efectivamente a algumas dessas pessoas eu, na realidade, me dirijo em especial.
Não discuto o substrato político e doutrina da intervenção que ontem fez. Aproveito-a, portanto e apenas, como pretexto para esclarecer ideias.
Vê-se frequentemente cometida a grave injustiça de acusar e atingir na sua dignidade cerca de 25 000 homens; comete-se também o erro - aliás, demasiadamente repetido por demasiadas pessoas e em variados temas - de tomar o todo pela parte, não individualizando as acusações, optando-se pelo caminho fácil e irresponsável do genérico. Assim se esquece que ninguém tem o direito de denegrir ou enxovalhar gratuitamente um colectivo numeroso ou uma instituição, com base na actuação passível de crítica, de sanção disciplinar ou de punição criminal de um, de dez, ou mesmo de algumas dezenas dos seus elementos. Fica-se também sem saber porque razão não será ponto assente a aceitação generalizada do artigo 44.º da Constituição da República - o direito de deslocação em confronto com o sequestro; não se vêem completamente clarificadas as posições quanto a depredações, destruições ou assaltos a instalações, sejam de que natureza forem, sem discriminação específica e incluindo embaixadas, edifícios públicos ou sedes de partidos políticos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Não se encontra suficiente referência a que, até ao momento e em resultado do período conturbado que se tem vivido, morreram em serviço 19 agentes e mais de 200 ficaram feridos; não se critica a diferença de projecção noticiosa que alguns jornais usam entre o relato de uma atitude incorrecta de um agente das forças de segurança e a actividade, risco e resultados da sua acção em prol da colectividade (talvez porque as segundas são normais e a primeira excepção ...).
Creiam, Srs. Deputados, que compartilho convosco das preocupações enunciadas sobre o assunto.
Não aceito passivamente que as origens de determinados actos criminosos que perturbam a vida pá-
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cífica dos Portugueses venham em exclusivo de um ou outro dos quadrantes do leque político português. Creio mesmo que em muitos casos se confundem.
O que posso afirmar-vos é que tudo será feito para que as forças de segurança façam cumprir a lei, dentro do escrupuloso seguimento dos princípios e regras que no Programa se enunciam; que as forças de segurança participarão activamente na detecção dos autores reais ou potenciais - sejam eles quais forem, venham eles de onde vierem (mini-grupo, grupo ou associação)- dos actos de sabotagem, de assaltos ou de sedição que se têm verificado e eventualmente se verifiquem ou alguém tenha a intenção de realizar.
Muito obrigado pela vossa atenção.
Aplausos dos Deputados do PS, PPD e CDS.
O Sr. Presidente: - O Sr. Ministro falou durante catorze minutos.
Tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Oliveira Dias.
O Sr. Francisco Oliveira Dias (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Ministros: Referem-se estas considerações aos sectores da saúde e da segurança social, à reabilitação de deficientes, que no Programa d'o Governo é tratado à parte, e ainda a alguns problemas referidos a propósito da condição feminina.
Na generalidade, o projecto do Governo quanto a estes sectores 6, no juízo do CDS, ponderado e cauteloso. Verifica-se, porém, que, na nossa opinião, é também gravemente omisso quer quanto a elementos, quer quanto a opções. Assim, a definição dos objectivos parece-nos incompleta ou, mesmo quando é correcta, comprometida por essas omissões. À parte estas críticas e reservas, não temos dúvida em dar o nosso apoio à generalidade do projecto e ao esforço que ele representa.
Como é ridículo ser-se mais papista do que o Papa, não e sem algum embaraço que abordo o tema, na medida em que não pretende o CDS nem pretendo eu ser mais socialista do que o Primeiro-Ministro Mário Soares e o seu Governo. Mas a verdade é que o projecto acaba por ser, no sector da saúde, por exemplo, envergonhadamente liberal, com algumas pinceladas de socialização.
Risos.
No fundo e através de dificuldades evidentes, através de toda a experiência internacionalmente adquirida, o problema é, porém, pacífico. Partindo daqui ou de além, no pensamento e na prática, a tendência para a integração dos serviços de saúde impõe-se por toda a parte.
Foi pena que, no confronto entre a sua filosofia idealista e as exigências implacáveis do realismo que a conjuntura impõe a quem, conscientemente, assume as responsabilidades da governação em Portugal, foi pena que o PS não tivesse aprofundado um pouco mais a sua análise destes sectores e não tivesse chegado a conclusões que parecem impor-se.
Apenas com a finalidade de chamar a atenção para o facto de que existe uma experiência internacional que é válida também para nós, permita-se-me citar um passo do relatório da OMS e da UNICEF, de Fevereiro de 1975, apresentado depois à 28.º Assembleia Mundial de Saúde:
O ponto fraco mais importante das várias diligências para o planeamento da saúde e a falta de um sistema de orientação geral da saúde, de uma vontade política para fornecer os recursos necessários à sua realização e de uma estrutura executiva eficaz para se cumprirem as decisões.
É neste contexto que se podem situar críticas de fundo e reservas quanto a alguns pontos concretos do texto do Programa do Governo, que passo a expor.
Quando a Constituição afirma, nos seus artigos 63.º e 64.º, que «todos têm direito à segurança social» e qu& «todos têm direito à saúde», pelo menos para nós, que somos personalistas, este «todos» é perfeitamente sinónimo de «cada um». E é por isso mesmo que consideramos indispensável que, para todos os portugueses - mas para todos, sem qualquer discriminação geográfica, profissional ou de condicionalis-mos familiares -, é preciso transformar esse «cabaz das compras», de que nos falou o Sr. Primeiro-Ministro, num «cabaz» de garantias que satisfaçam as necessidades elementares das pessoas e das famílias e que entre essas necessidades a saúde e a segurança social têm de ter o seu lugar.
Por isso mesmo julgamos insatisfatórias as medidas previstas nestes sectores.
Diz o Programa que o sistema nacional de segurança social «será integrado e generalizado a toda a população»; o Serviço Nacional de Saúde será generalizado, mas não integrado.
Ora, nós defendemos sempre e continuamos a defender que o SNS deve ser integrado e caracterizado por centralização normativa e descentralização na execução. O que se prevê quanto ao SNS é uma simples transferência dos serviços de acção médico-social da Previdência para a dependência da Secretaria de Estado da Saúde, como, aliás, se acaba por dizer no respectivo capítulo do Programa, muito embora sob a rubrica de integração. A Previdência continuará, porém, a contribuir para o seu financiamento.
Esta uma primeira objecção de fundo que nos permitimos apresentar.
As medidas a tomar quanto à segurança social revelam que se pretende continuar a tratar a mesma como fundo autónomo, sob regime de tutela do Governo ou de um Ministério, obrigado embora a publicar os seus planos, orçamentos e contas.
Por razões de princípio, e porque não compreendemos muito bem a utilidade de processos morosos que têm por finalidade apenas mudar de um bolso para outro bolso do Estado dinheiros ou títulos de dívidas, entendemos que os fundos da Previdência devem ser integrados no Orçamento Geral do Estado e que as suas contas e orçamentos devem ser sujeitas ao controle técnico do Tribunal de Contas -reorganizado em termos modernos e funcionais - e ao controle político desta Assembleia. Implica também esta nossa posição que as chamadas prestações devem ser sinceramente transferidas de uma categoria de receitas parafiscais, que são, para a de receitas fiscais, certamente consignadas e como tal controladas.
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Daí adviriam muitas vantagens, quer relativamente a uma maior justiça quanto às percentagens a cobrar em relação com o rendimento e as necessidades familiares, quer relativamente à intenção expressa, no capítulo próprio, de encaminhar a política fiscal para o regime de taxa única - que também desde sempre defendemos.
Esta a segunda observação de fundo.
Depois surgem-nos dúvidas quanto àquilo que o Estado pretende integrar no sistema de segurança social e quanto àquilo que entendemos que deve ser integrado no sistema nacional de saúde pública.
Fala-se da Previdência e do Estado. Porém, quanto à segurança social, estranhamos que se não façam alusões a organismos públicos que se destinam a cobrir, por exemplo, riscos de doença, aliás, em termos discutíveis, como a ADSE, a ADME e a ADMA.
E naturalmente estranhamos que não haja qualquer referência à Caixa Geral de Aposentações e ao Montepio dos Servidores do Estado, que asseguram as prestações de reforma dos funcionários públicos. Estranhamos também que não haja qualquer referência às seguradoras nacionalizadas, sabendo sobretudo que, pelo menos tanto como nós, o Sr. Primeiro-Ministro não quer cair, mesmo sectorialmente, no capitalismo de Estado. Ora estas seguradoras têm coberto, entre outros, riscos como os relacionados com os acidentes de trabalho e as doenças profissionais e têm, para tanto, não só as suas organizações actuariais, como serviços médicos e clínicas para internamento e tratamento especializados, alguns até de excelente nível. Pretende o Governo ou não integrá-las, pelo menos quanto a estes tipos de seguro e de serviços, nos sistemas nacionais de segurança social e de saúde? Como pensa o Governo pôr essas empresas nacionalizadas ao serviço de uma melhor cobertura, pelo menos quanto a estes riscos a que estão expostos os trabalhadores portugueses?
Também quanto às organizações que prestam serviços de saúde o Programa do Governo se limitei a falar de serviços- dependentes da Secretaria de Estado da Saúde e de serviços de acção médico-social da Previdência. É indispensável que o Governo tenha consciência de que há muitos outro - serviços de saúde dependentes do Estado e que, na nossa opinião, têm dê ser integrados no Serviço Nacional de Saúde.
Há também, no Ministério da Educação, por exemplo, os serviços autónomos de saúde escolar - de importância estratégica primordial em qualquer programa de saúde; há o Instituto Português de Oncologia; há o Instituto Aurélio da Costa Ferreira; há os serviços do Ministério da Justiça, que incluem pelo menos um hospital, além de serviços médico-sociais para o seu pessoal; há, como já disse, os postos e clínicas das seguradoras e de outras empresas nacionalizadas, como a CUF; há os serviços médicos próprios dos CTT, da TAP, da CP, etc, - e ainda, sem
pretender que seja exaustiva a relação, os serviços da GNR e da PSP, das juntas distritais, dos municípios, das juntas de freguesia.
É certamente difícil integrar tudo isto; mas é trágico tudo quanto esta pulverização representa em termos de ineficácia, de de-tcrioração e rotina dos serviços, enquanto, em muitas regiões do território nacional, se continuam a verificar escândalos como percentagens de 60 %, 70 % e 80 % de partos sem qualquer tipo de assistência.
Permita-se-me falar com franqueza. A partir de uma situação deste teor, o Serviço Nacional de Saúde ou se fará integrado, ou não se fará, até porque tamanho é o desbarato que não haverá qualquer possibilidade de o financiar.
É indispensável a integração funcional. Defendemos mesmo não se justificar que, dentro da própria Secretaria de Estado da Saúde, certos hospitais dependam de uma direcção-gcral e outros de outra. A integração física dos serviços é outro objectivo que deverá entender-se a médio ou longo prazo. Mas não deve considerar-se como requisito para a primeira ou, em termos claros, não deve servir de desculpa para que nada se faça.
É verdude que o Programa do Governo aponta para acções intcgrativas a nível local e distrital.
Mas desta maneira o que aí se conseguiu fazer nesse sentido será desintegrado a nível central, quando é certo que, repito, a centralização normativa e indispensável à descentralização executiva, participada por representantes dos utentes, cuja definição, aliás, é preciso estabelecer com melhor critério.
Essas acções têm de ser, em ordem a um planeamento a médio ou longo prazo, acompanhadas por um reforço prioritário da investigação sanitária e epidemiológica.
A «carta sanitária» de que se fala fez sorrir os meus colegas e amigos sanitaristas - de há muitos anos que estão habituados a ter que fazer uma quando entra um novo Ministro e o seu destino tem sido sempre, a gaveta das boas intenções, primeiro adiadas e depois esquecidas.
Mais uma palavra quanto à necessária comunicação entre os vários serviços hospitalares; será ela resultante obrigatória da organização integrada dos serviços. Não a fazendo, não haverá helicópteros que bastem para suprir os defeitos da estrutura.
Trata o Programa à parte da reabilitação dos deficientes e o Sr. Primeiro-Ministro abordou aqui, com vigor, o escândalo que a situação actual representa, acrescentando que a Comissão Permanente de Reabilitação está a estudar o problema e tem produzido bom trabalho. É um progresso notável, quanto e certo que no programa de Março do PS apenas se referiam os centros de reabilitação como meios para descongestionar a ocupação de camas hospitalares - o que não deixava de ser uma maneira singular de respeitar o direito aos cuidados de saúde e de segurança social que os diminuídos têm, como quaisquer outros portugueses.
Com esses estímulos e os seus recursos a Comissão continuará a trabalhar bem e depressa e concluirá que entre a doença ou o acidente - que aliás poderiam, por medidas preventivas, eventualmente ter sido evitados -, o seu tratamento e os cuidados de reabilitação, não deve haver barreiras, como aliás as não há entre os cuidados médicos e os métodos adequados à reintegração social dos diminuídos. Assim, concluirá forçosamente pela necessidade de incluir a reabilitação entre os serviços do Ministério dos Assuntos Sociais.
Régiste-se finalmente o circunlóquio que e projecto utiliza para falar de assistência, termo que está, entre nós; em fase de-menos uso. Assim acontecesse, meus
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7 DE AGOSTO DE 1976 495
senhores, em relação aos que carecem de assistência e de cuidados de serviço social! Bom seria que, para além do que promete, o Governo atentasse melhor em quem são aqueles que carecem realmente de assistência. São pessoas arquem uma sociedade injusta e desumana negou o que hoje são, constitucionalmente, direitos fundamentais de todos os portugueses - o direito à educação adequada, o direito aos cuidados módicos, incluindo a reabilitação, o direito ao trabalho remunerado e à reforma justa, o direito à habitação condigna.
Quando o Governo reparar nessas realidades que não desaparecem de um dia para o outro, concluirá que não são desprovidas de importância as acções tendentes a compensar essas injustas situações de facto, que há muito para fazer e que deve procurar assumir a sua parte nessas medidas enquanto forem necessárias - e que algum mérito têm as pessoas que, sensibilizadas a elas, com esses objectivos trabalharam e trabalham, muitas vezes em puro espírito de voluntariado, e cuja acção se encontra, em muitos casos, estrangulada financeiramente.
Vou terminar, focando um ponto que é abordado no capítulo da condição feminina que, de resto, se propõe desenvolver as disposições constitucionais, citando ou não os artigos correspondentes, sendo pena que não refira ou desenvolva outros também.
Mas trata-se aqui, como já se tinha tratado a propósito da saúde, do planeamento familiar e, na alínea e), depois de propor medidas, com que inteiramente concordamos, quanto à necessidade de acabar com a exploração da mulher, aparece subrepticiamente uma alusão às resoluções da Conferência Internacional da Cidade do México, que supomos ser aquela que se realizou em 1975 no âmbito do Ano Internacional da Mulher.
Quanto a essas resoluções, devemos afirmar que com algumas concordamos, de outras discordamos e a outras nos oporemos frontalmente, como aquela que se refere à chamada liberalização integral do aborto. Sabemos que há nesta Assembleia pessoas que não compartilham os sistemas de valores e as bases éticas da nossa posição a este respeito. No entanto, em alguns pontos poderá o Governo e a Câmara, com menos dificuldades, acolher as nossas reservas.
O planeamento familiar não se deve correctamente inserir nem na política sanitária, nem na política da condição feminina. É um tema de política demográfica da população, capítulo que não encontrei desenvolvido no Programa do Governo. Nestes parece-nos deslocado.
Desejaria, a este respeito, aliás, pedir a atenção do PS e do Governo para aquilo que a este respeito escreveu recentemente um dos vossos, Alfred Sauvy, do Partido Socialista Francês, mestre da demografia do Collège de France, no seu livro intitulado O Fim dos Ricos.
E desejaria recordar, com ele, o que se passou na Conferência Internacional de Bucareste sobre a população, em Agosto de 1974. Sauvy foi o autor da expressão, de que entre nós tanto se fala, «o Terceiro Mundo». Considera-a hoje cómoda mas anacrónica e pensa que o futuro do mundo se processará no confronto entre países velhos, desenganados e pessimistas, e países jovens. Assim se processará o fim dos países ricos e da sociedade primitiva.
Ao apreciar aquilo que tomo como afloramento, não digo de uma política da população, mas de um sentimento de sentido restritivo, que a este respeito subjaz no pensamento do Governo, receio fortemente que de mais uma das originalidades do socialismo português possa resultar fazer-nos passar directamente de país pobre a país velho.
E termino com um apelo no sentido de que o Governo não tome medidas neste sector sem ter em consideração, como lhe cumpre, a vontade profunda do povo português e sem reflectir ponderadamente naquilo que a este respeito pensam autores competentes que com o PS têm fortes afinidades ideológicas. E a referência encapotada à liberalização do aborto é para todos nós um solene aviso.
Tenho dito.
Aplausos dos Deputados do CDS.
O Sr. Presidente: - A intervenção do Sr. Deputado Francisco Oliveira Dias teve a duração de 20 minutos.
Estamos sobre a hora. A próxima sessão tem lugar segunda-feira, às 15 horas.
Está encerrada a sessão.
Eram 17 horas e 55 minutos.
Rectificações apresentadas pelo Sr. Deputado Cunha Leal (PPD) ao Diário n.º 14:
Na p. 339, col. 1.ª, 1. 33, em vez de «dos seus meios», deve escrever-se: «dos meios».
Na p. 339, col. 1.ª, 1. 4 e seguintes a contar do fim, deve substituir-se a frase iniciada em «que contemplando ...» e terminada em «... e mais nenhuns.», pela seguinte: «que, contemplando as várias letras das categorias do funcionalismo público, apenas na letra A figuravam funcionários representantes de um Órgão de Soberania nacional - os juizes do Supremo Tribunal de Justiça».
Na p. 339, col. 2.ª, 1. 7, entre as palavras «já» e «tinha» deve intercalar-se «, como antes afirmei,».
Na p. 339, col. 2.ª, 1. 12 e 13, a palavra «apontado» deve substituir-sc por: «afixado».
Na p. 339, col. 2.ª, 1. 34, onde está: «... lugar à hipótese contrária» deve escrever-se «lugar à percepção dos diferenciais, na hipótese contrária».
Deputados que entraram durante a sessão:
Partido Socialista (PS)
Alberto Marques Antunes.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
António F&rnando Marques Ribeiro Reis.
Carlos Cardoso Lage.
Carmelinda Mairia dos Santos Pereira.
Delmiro Manuel Sousa Carreira.
Jaime José Matos da Gama.
Joaquim Oliveira Rodrigues.
Joaquim Sousa Gomes Carneiro.
José Alberto Menano Cardoso do Amaral.
Maria Teresa Vieira Bastos Ramos Ambrósia.
Mário Aatómio da Moía Mesquita.
Teófilo Carvalho dos Santos.
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496 DIÁRIO DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA N.º 19
Partido Popular Democrático (PPD)
Afonso de Sousa Freire de Moura Guedes.
Eduauxto José Vieira.
Fernando José da Costa.
Francisco Manuel Lumbrales Sá Carneiro.
Joaquim Jorge de Magalhães Saraiva da Mota.
Manuel Joaquim Moreira Moutinho.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete.
Centro Democrático Social (CDS)
Basílio Adolfo de Mendonça Horta da Franca.
Vítor António Augusto Numes de Sá Machado.
Partido Comunista Português (PCP)
José Pedro Correia Soares.
Manuel Mendes Nobre de Gusmão.
Deputados que faltaram à sessão:
Partido Socialista (PS)
Amadeu da Silva Cruz.
António Alberto Monteiro de Aguiar.
Carlos Alberto Andrade Neves.
Fernando Torres Marinho.
José de Melo Torres Camipos.
Luís Manuel Cidade Pe-reira de Moura.
Partido Popular Democrático (PPD)
Antómío Augusto Lacerda de Queiroz.
António Joaquim Bastos Marques Mendes.
António Jorge Duarte Rebelo de Sousa.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Fernando José Sequeira Roriz.
Gabriel Ribeiro da Frada.
Mário Fernando de Campos Pinto.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Vasco Valentim Batista de Carvalho.
Centro Democrático Social (CDS)
Alcino Cardoso.
António Simões da Costa.
Emídiio Ferrão, da Costa Pinheiro.
Partido Comunista Português (PCP)
Angelo Matos Mendes Veloso.
José Alves Tavares Magro.
José Manuel da Costa Carreira Marques.
O CHEFE DOS SERVIÇOS DE REDACÇÃO, Januário Pinto.
PREÇO DESTE NÚMERO 13$00
IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA