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I SÉRIE - NÚMERO 3
Sábado, 29 de Outubro de 1977

DIÁRIO da Assembleia da Republica

I LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1977-1978)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 28 DE OUTUBRO DE 1977

Presidente: Exmo. Sr. António Duarte Arnaut

Secretários: Exmos. Srs. Alberto Augusto Martins da Silva Andrade
Amélia Cavaleiro Monteiro de Andrade de Azevedo
Maria José Paulo Sampaio
José Manuel Maia Nunes de Almeida

SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão os 14 horas e 20 minutos.

Antes da ordem do dia.- Lido o relatório da delegação parlamentar portuguesa que participou na 64.º Conferência da União Interparlamentar, aprovados os n.ºs 137 e 138 do Diário, referida a apresentação, pelo Governo, da proposta de lei n.º 132/I, que regulamenta o recenseamento eleitoral, e, pelo PSD, de três pedidos de ratificação, deu-se conta do expediente.
Foi depois dada informação da admissão de três petições, de requerimentos apresentados e de respostas recebidas, bem como de dois ofícios do PCP indicando, respectivamente, os elementos que integram a presidência e o secretariado do grupo parlamentar e as diversas comissões.
Seguidamente a Sr.ª Deputada Alda Nogueira (PCP) apresentou um voto de protesto condenando nova campanha repressiva do Governo Sul-Americano contra a maioria negra do pais. A requerimento do Sr. Deputado Rui Pena (CDS), a discussão e votação do voto de protesto foram adiadas para a reunião seguinte.
O Sr. Deputado Ribeiro e Castro (CDS), a propósito das disposições governamentais que proíbem o pluriem rego na comunicação social, apresentou um voto de protesto contra a situação em que foram colocados, com tais medidas, os trabalhadores da comunicação social. Sobre este voto de protesto pronunciou-se o Sr. Deputado Carlos Lage (PS), o qual, perante nova intervenção do Deputado do CDS, prestou um esclarecimento à Câmara. A requerimento do Sr. Deputado Jorge Leite (PCP), foi adiada a votação do voto de protesto.
O Sr. Deputado Raúl Rêgo (PS) apresentou por sua vez, um voto de protesto contra declarações dos presidentes das Câmaras Municipais de Alfândega da Fé e de Macedo de Cavaleiros relativas ao corte de energia eléctrica fornecida a Lisboa. O teor do voto de projecto e a sua justificação motivaram um protesto do Sr. Deputado Sérvulo Correia (PSD), a que o Deputado socialista respondeu com um contraprotesto. Intervieram ainda, a diverso título além do apresentante do voto de protesto e do Deputado do PSD, os Srs. Deputados Rui Pena (CDS).
António Reis (PS) e Carlos Brito (PCP), tendo a votação do voto de protesto sido adiada para a sessão seguinte, a requerimento do Deputado do CDS.
Depois de lido um ofício do Sr. Presidente da República a comunicar a sua intenção de próxima deslocação oficial à Alemanha Federal e a solicitar o necessário assentimento da Assembleia da República, o Sr. Deputado Fernandes da Fonseca (PS), a propósito de um crime de assassinato acorrido no concelho de Paredes e em que as vítimas foram os pais e dois irmãos do autor do crime, alertou para os problemas da saúde mental no nosso pais.
O Sr. Deputado Barbosa da Costa (PSD) teceu considerações sobre a situação criada pelo Decreto-Lei n.º 263/77 nos professores do ensino primário, ex-regentes escolares.

Ordem do dia. - Na primeira parte, foi concedida prioridade e urgência para discussão dai propostas de lei n.º 132/I, que regulamenta o recenseamento eleitoral e 124/I, que aprova, para ratificação, a Convenção Europeia dos Direitos do Homem. Lido, pelo Sr. Deputada Alexandre Reigoto (CDS), um relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos sobre a substituição de alguns Deputados foi autorizado o Sr. Deputado Faria de Almeida (CDS) a depor em tribunal.
Na segunda Parte, foi aprovada na especialidade a proposta de lei n.º 89/I, que aprova a segunda emenda ao acordo relativo ao Fundo Monetário Internacional elaborado em conformidade com a resolução n.º 29-10 da Assembleia de Governantes do referido Fundo.
Lido pelo Sr. Debutado Herculano Pires (PS) um relatório e parecer sobre a substituição de mais dois Srs. Deputados entrou-se na discussão do pedido de ratificação n.º 18/I, apresentado pelo PSD, relativo ao Decreto-Lei n.º 254/77. que aprova a Lei Orgânica da Direcção Geral de Saneamento Básico, intervieram no debate os Srs. Deputados Helena Roseta (PSD), João Porto (CDS), Veiga de Oliveira (PCP) e Aquilino Ribeiro (PS), tendo ainda o Deputado socialista respondido a um pedido de esclarecimento do Sr. Deputado Marques Mendes (PSD). Usaram também da palavra o Sr. Ministro Jorge Campinos - que respondeu ainda a pedidos de esclarecimentos dos Srs. Deputados Marques Mendes (PSD) Helena Roseta (PSD),

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Sérvulo Correia (PSD) e Veiga de Oliveira (PCP) - e O Sr. Ministro das Obras Públicas (Almeida Pina) - que respondeu ainda a um pedido de esclarecimento ao Sr. Deputado João Porto (CDS).
O Sr. Presidente encerrou a reunião aí 18 horas e 50 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 14 horas e 5 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS)

Adelino Teixeira de Carvalho.
Agostinho Martins do Vale.
Albano Pereira da Cunha Pina.
Alberto Augusto Martins da Silva Andrade.
António Alberto Monteiro de Aguiar.
António Barros dos Santos.
António Chaves Medeiros.
António Duarte Arnaut.
António Fernandes da Fonseca.
António José Pinheiro Silva.
António Magalhães da Silva.
António Poppe Lopes Cardoso.
Benjamim Nunes Leitão de Carvalho.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Manuel da Costa Moreira.
Etelvina Lopes de Almeida.
Eurico Manuel das Neves Henriques Mendes.
Fernando Abel Simões.
Fernando Gomes Vasco.
Florêncio Joaquim Quintas Matias.
Florival da Silva Nobre.
Francisco António Marcos Barracosa.
Francisco de Assis de Mendonça Lino Neto.
Francisco do Patrocino Martins.
Gualter Viriato Nunes Basílio.
Herculano Rodrigues Pires.

erónimo da Silva Pereira.
Joaquim Oliveira Rodrigues.
Jorge Augusto Barroso Coutinho.
José Alberto Menano Cardoso do Amaral.
José Ferreira Dionísio.
José Justiniano Taboada Brás Pinto.
José Maximiano de Albuquerque de Almeida Leitão.
Ludovina das Dores Rosado.
Luís Abílio da Conceição Cacho.
Manuel Barroso Proença.
Manuel João Cristino.
Manuel Lencastre Menezes de Sousa Figueiredo.
Manuel Pereira Dias.
Maria de Jesus Simões Barroso Soares.
Maria Margarida Ramos de Carvalho.
Maria Teresa Vieira Bastos Ramos Ambrósio.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.
Reinaldo Jorge Vital Rodrigues.
Rui Paulo do Vale Valadares.
Sérgio Augusto Nunes Simões.
Telmo Ferreira Neto.
Teófilo Carvalho dos Santos.
Victor Manuel Ribeiro Fernandes de Almeida.

Partido Social-Democrata (PSD/PPD)

Amândio Anes de Azevedo.
Amantino Marques Pereira de Lemos.
Amélia Cavaleiro Monteiro de Andrade de Azevedo.
Américo de Sequeira.
Anatólio Manuel dos Santos Vasconcelos.
Antídio das Neves Costa.
António Augusto Gonçalves.
António Egídio Fernandes Loja.
António Joaquim Veríssimo.
Arcanjo Nunes Luís.
Armando António Correia.
Fernando Adriano Pinto.
Francisco Barbosa da Costa.
Francisco Braga Barroso.
Gabriel Ribeiro da Frada.
Henrique Manuel de Pontes Leça.
João António Martelo de Oliveira.
João Gabriel Soeiro de Carvalho.
João Lucílio Caceia Leitão.
João Manuel Ferreira.
José António Nunes Furtado Fernandes.
José Joaquim Lima Monteiro Andrade.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Rui Sousa Fernandes.
Júlio Maria Alves da Silva.
Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho.
Manuel Cunha Rodrigues.
Manuel Sérgio Garcia Vilalobos Menezes.
Maria Élia Brito Câmara.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Nicolau Gregório de Freitas.
Nuno Aires Rodrigues dos Santos.
Olívio da Silva França.
Victor Hugo Mendes dos Santos.

Centro Democrático Social (CDS)

Alcino Cardoso.
Alexandre Correia Carvalho Reigoto.
Álvaro Dias de Sousa Ribeiro.
Ângelo Alberto Ribas da Silva Vieira.
Carlos Alberto Faria de Almeida.
Carlos Martins Robalo.
Emílio Leitão Paulo.
Francisco António Lucas Pires.
Francisco Manuel Farromba Vilela.
Francisco Manuel Lopes Vieira de Oliveira Dias.
João Carlos Filomeno Malho da Fonseca.
João Gomes de Abreu de Lima.
João José Magalhães Ferreira Pulido de Almeida.
José Cunha Simões.
José Duarte de Almeida Ribeiro e Castro.
José Luís Rebocho de Albuquerque Christo.
José Manuel Cabral Fernandes.
José Vicente de Jesus de Carvalho Cardoso.
Luís Esteves Ramires.
Manuel António de Almeida de Azevedo e Vasconcelos.
Maria José Paulo Sampaio.
Rui Eduardo Ferreira Rodrigues Pena.
Vítor Afonso Pinto da Cruz.

Partido Comunista Português (PCP)

António Joaquim Navalha Garcia.
António Marques Matos Zuzarte.
António Marques Pedrosa.
Cândido de Matos Gago.
Carlos Alfredo de Brito.

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Carlos Hahnemann Saavedra de Aboim Inglês.
Custódio Jacinto Gingão.
Domingos Abrantes Ferreira.
Fernanda Peleja Patrício.
Francisco Miguel Duarte.
Georgete de 0liveira Ferreira.
Hermenegilda Rosa Camelas Pacheco Pereira.
Joaquim Gomes dos Santos.
Joaquim S. Rocha Felgueiras.
Jorge do Carmo da Silva Leite.
Jorge Manuel Abreu de Lemos.
José Cavalheira Antunes.
José Manuel da Costa Carreara Marques.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Manuel Paiva Jara.
José Rodrigues Vitoriano.
Manuel Duarte Gomes.
Manuel Gonçalves.
Manuel Mendes Nobre de Gusmão.
Manuel Pereira Franco.
Manuel do Rosário Moita.
Maria Alda Barbosa Nogueira.
Nicolau de Assunção Madeira Dias Ferreira.
Octávio Floriano Rodrigues Pato.
Raul Luís Rodrigues.
Severiano Pedro Falcão.
Victor Henrique Louro e Sá.

União Democrática Popular (UDP)

Acácio Manuel de Frias Barreiros.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 139 Srs. Deputados.
Está aberta a reunião.
Eram 14 horas e 20 minutos.

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: Vou ler-vos o relatório da delegação parlamentar portuguesa que participou recentemente na 64.º Conferência da União Interparlamentar:

Relatório da Delegação Parlamentar Portuguesa na 64.ª Conferência da União Interparlamentar

Realizou-se em Sófia, de 20 a 30 de Setembro, a 64.ª Conferência da União Interparlamentar. A nossa Assembleia, que aderiu àquela organização por resolução de 15 de Junho passado, fez-se representar por uma delegação, que tive a honra de chefiar, constituída por mais os seguintes Srs. Deputados: Rodolfo Crespo (PS), Artur Cunha Leal (PSD1, Rui Pena (CDS) e Alda Nogueira (PCP).
A ordem de trabalhos foi a seguinte:
1.1 - Eleição do presidente e dos vice-presidentes.
1.2 - Debate geral sobre a situação política, económica e social do mundo e as actividades da União.
1.3 - O papel dos parlamentos no desenvolvimento dos esforços tendentes ao abrandamento das tensões internacionais e os progressos no domínio do desarmamento, inclusive as armas nucleares e as novas armas de destruição em massa.
1.4 - Estudo de uma nova ordem económica internacional, em particular a contribuição dos países desenvolvidos para a instauração de mecanismos de cooperação entre os países em desenvolvimento e as transferências de tecnologia para o desenvolvimento.
1.5 - O direito do mar.
1.6 - O comportamento das autoridades israelitas nos territórios árabes ocupados.
1.7 - Os direitos inalienáveis à autodeterminação e à independência dos povos ainda sob o domínio colonial e neocolonial e a avaliação da aplicação da resolução da 63.ª Conferência sobre a situação na África Austral.
1.8 - O aprovisionamento de água e o controlo dos desperdícios como condições prévias para o desenvolvimento do meio ambiente.
2 - Os colegas Cunha Leal e Rodolfo Crespo intervieram no debate sobre o ponto 3 da ordem do dia. Por minha parte, e em nome de toda a delegação, intervim na discussão do ponto 7 da ordem do dia.
A delegação portuguesa apresentou, conjuntamente com os grupos da França, da Itália e da Grécia, um projecto de resolução sobre o ponto 6 da ordem do dia - "O comportamento das autoridades israelitas nos territórios árabes ocupados" -. condenando a política de Israel e insistindo, junto das partes interessadas, para que se abstenham de empreender qualquer acção susceptível de aumentar a tensão no Médio Oriente, e para que apoiem os esforços tendentes à realização, o mais rapidamente possível, da Conferência de Genebra Face a outras propostas (do grupo árabe e dos Estados Unidos) foi criada uma comissão de redacção para apreciar os vários projectos e que apresentou um projecto final de resolução baseado em grande parte no projecto subscrito pela delegação portuguesa, que veio a ser aprovado.
A delegação participou ainda nos trabalhos das cinco comissões especializadas:
1) Comissão para o estudo dos assuntos políticos, da segurança internacional e do desarmamento;
2) Comissão para o estudo dos assuntos económicos e sociais;
3) Comissão para o estudo dos assuntos parlamentares e jurídicos e dos direitos do homem:
4) Comissão para os territórios não autónomos e para o estudo dos assuntos étnicos;
5) Comissão para a educação, a ciência, a cultura e o ambiente.
Foi construída uma subcomissão para estudo dos meios de combate à poluição no Mediterrâneo, em que Portugal foi incluído por sugestão do colega Rui Pena.
3 - A delegação portuguesa foi recebida pelo Presidente da Assembleia Nacional da República Popular da Bulgária, Sr. Dr. Bonev, com quem conversou longa e cordialmente sobre as relações de amizade existentes entre os dois países, tendo sido salientado o desejo recíproco de as aprofundar ainda mais.
Em encontro de delegações latino-americanas salientou-se a conveniência da criação de um grupo de amizade latino-americano, sugerindo-se

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que cada país designasse um parlamentar para participar nas reuniões preparatórias do grupo. Igualmente se preconizou a criação de um- grupo de amizade Portugal - Espanha, para o qual se designaria também um parlamentar de cada um dos dois países.
Em plenário da Conferência, foi deliberado, por unanimidade e aclamação, que a próxima reunião da União Interparlamentar se realizasse em Lisboa de 26 de Março a l de Abril próximo. Este facto constitui uma honra e apreço para a democracia portuguesa e para a Assembleia da República.
Torna-se agora necessário e urgente elaborar o estatuto do grupo português e eleger os órgãos nele previstos. Enquanto tal eleição se não fizer, sugere-se que os assuntos respeitantes à União Interparlamentar incluindo a elaboração- dos estatutos e a organização da próxima reunião, sejam cometidos à actual delegação.
É imperioso dever da minha parte realçar o alto espírito de cooperação e de camaradagem de todos os colegas que integraram a nossa delegação e o apoio que nos foi concedido pela Embaixada Portuguesa em Sofia. Creio ,poder afirmar que a nossa delegação honrou o País e a Assembleia e que, por isso cumpriu o seu dever.
Juntam-se, em apenso a este relatório, na sua versão, original em francês, as intervenções; produzidas no plenário da Conferência e o texto da moção apresentada pela nossa delegação.
Este relatório foi discutido e aprovado por unanimidade pelos membros da delegação portuguesa que participou na referida Conferência em Sófia.

Acabo de receber, um ofício do Sr. Secretário--Geral da União Interparlamentar, o Sr. Pio Carlo Terencio, exprimindo os seus agradecimentos pela recepção que lhe foi feita, na ,sua recente permanência em Portugal, pela Assembleia da República e pela delegação portuguesa, não só a ele como também ao Sr. Subsecretário-Geral, o Sr. Evseyev. O Sr. Secretário-Geral põe-se à nossa disposição para colaborar connosco na organização da próxima, conferência que. como se sabe terá lugar em Lisboa.
O Sr. Primeiro-Ministro enviou-me um telegrama, que passo a ler:

Como primeiro vice-Presidente reeleito da Assembleia da República peço que transmita aos restantes membros da Mesa os meus cumprimentos e propósito do Governo em manter com essa Assembleia diálogo permanente indispensável a consolidação das instituições democráticas.

Mário Soares.

Aplausos dá PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: Estão, em aprovação os n.°s 137 e 138 do Diário.
Há alguma oposição?

Pausa.

Como não há, considero-os aprovados.

O Governo apresentou a proposta de lei. n.º 132/I, que regulamenta o recenseamento eleitoral pediu também prioridade e urgência para esta discussão.
Foram apresentados pelo PSD os seguintes pedidos de ratificação: ratificação n.° 20/I - Decreto-Lei n.° 424/77, de 11 de Outubro (reestrutura o quadro da Junta do Crédito Público); ratificação n.º- 21/I - Decreto-Lei n.° 427-B/77, de 14 de Outubro (cria o ensino superior de curta duração); ratificação n.° 22/I - Decreto-Lei n.° 419/77, de 4 de Outubro (permite que as casas de renda económica possam ser vendidas aos respectivos arrendatários); ratificação n.° 23/I - Decreto-Lei n.° 377/77, de 6 de Setembro (revê diversas disposições relativas à legislação do processo penal).

Deu-se conta do seguinte:

Expediente .

Despacho

Do gabinete do Sr. Secretário de Estado do Tesouro, do seguinte teor:

Solicite-se ao Sr. Ministro sem Pasta, Prof . Jorge Campinos, que nos termos do n.° 4 do art. 7.º da Lei Orçamental, seja a Assembleia da República informada de que o Governo, durante o 2.º trimestre do corrente ano, não procedeu ao lançamento de quaisquer empréstimos para financiamento do défice do Orçamento Geral do Estado.

Lisboa, 14 de Outubro de 1977.

Ofícios

Do Sr. Presidente da República, dirigido ao Sr. Presidente da Assembleia, do seguinte teor:

Tendo o Conselho da Revolução pronunciado na sua reunião do dia 16 do mês em curso, pela inconstitucionalidade do Decreto n.° 93/I. sobre «comissões de trabalhadores», e no exercício do direito de veto consignado nos artigos 139.°. n.° 4, e 278.°, n.° l, da Constituição! junto devolvo a V. Ex.ª o referido decreto para os fins do disposto no n.º 2 do citado artigo 278.°
Apresento a V. Ex.ª os melhores cumprimentos.

Lisboa, 21 de Setembro de 1977. - O Presidente da República. Amónio Ramalho Eanes.

Do Sr. Ministro sem Pasta, dirigido ao Sr. Presidente da Assembleia da República, do seguinte teor:

Nos termos do n.° 4 do artigo 7.º da Lei n.º ll/76, de 31 de Dezembro, tenho a honra de junto remeter a V. Ex.ª fotocópia de um despacho, da Sr.ª Secretária de Estado do Tesouro, relativo ao financiamento do défice do Orçamento Geral do Estado.
Com os mais respeitosos cumprimentos.

O Ministro sem Pasta, Jorge Campino.

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Do Sr. Ministro sem Pasta, dirigido ao Sr. Presidente da Assembleia de República, do seguinte teor:

Na sessão da Assembleia da República de 3 de Junho último, o Sr. Deputado Vilalobos Menezes fez uma intervenção sobre o problema dos transportes marítimos para os Açores, em que foram colocadas várias questões ao Governo, e em especial ao Ministério dos Transportes e Comunicações, que se julga de interesse esclarecer.
Deste modo, solicitando a sua publicação no Diário da Assembleia da República, junto remeto a V. Ex.ª uma informação daquele Ministério sobre o assunto.
Com os mais respeitosos cumprimentos.

O Ministro sem Pasta, Jorge Campinos.

Do Sr. Ministro da Agricultura e Pescas, dirigido ao Sr. Presidente da Assembleia da República, do seguinte teor:

Tem vindo a público nos últimos dias, opiniões isoladas ou colectivas da Comissão de Agricultura e Pescas da Assembleia da República fazendo estado das más relações entre esta Comissão e o Ministério da Agricultura e Pescas.
Informaram os órgãos da Imprensa que a responsabilidade seria imputada por alguns Srs. Deputados ao Ministério da Agricultura e Pescas, que pouco ou nada se faz representai nas reuniões da Comissão.
Desejo declarar a V. Ex.ª que vejo com o maior agrado o desenvolvimento das relações entre essa Comissão e este Ministério informando-o todavia que nunca fui pessoal ou oficialmente convidado a participar em quaisquer reuniões ou trabalhos da Comissão.

Do Provedor de Justiça, dirigido ao Sr. Presidente da Assembleia da República, do seguinte teor:

Por respeitarem a matéria de competência legislativa reservada à Assembleia da República [art. 167.º, alínea o), da Constituição], junto envio a V. Ex.ª cópias da exposição apresentada neste serviço por Fernando Toscano de Figueiredo e Albuquerque e do escudo a que aqui se procedeu, que mereceu a minha inteira concordância.

Com os melhores cumprimentos.

O Provedor de Justiça, José Magalhães Godinho.

Do Sr. Secretário de Estado das Pescas, dirigido ao Sr. Presidente da Assembleia da República, do seguinte teor:

Através da Imprensa (Diário de Notícias, de 24 de Outubro de 1977) verifiquei, com surpresa, que tinha sido criticado por um Deputado do CDS, na reunião da Comissão Parlamentar da Agricultura e Pescas, devido à minha ausência, quando se discutia uma exposição de trabalhadores das pescas, sobre o saneamento económico e financeiro das empresas nacionalizadas do sector.
Deve-se a minha surpresa ao facto de não haver qualquer convocatória, quer no meu Gabinete quer no do Sr. Ministro da Agricultura e Pescas, para tal reunião.
Como V. Ex.ª certamente está certo, encontro-me sempre à disposição para colaborar com o Órgão de Soberania de eleição popular a que tão dignamente preside, em todas as actividades em que o Governo possa ou deva intervir. É essa, aliás, a orientação deste Ministério, e se me dirijo a V. Ex.ª a título pessoal, é porque na notícia transcrita no referido órgão de Informação foi citada concretamente a minha pessoa.
Não posso, pois, deixar de solicitar a atenção do Presidente da Assembleia da República para o facto que exponho e do qual o Ministério, não sendo responsável, poderá sofrer as consequências algo desprestigiantes na pessoa dos seus responsáveis.
Aproveito para enviar a V. Ex.ª as minhas respeitosas e cordiais saudações.

Pedro Coelho.

Dos trabalhadores da Santa Casa da Misericórdia do Ponto, do seguinte teor:

Vêm os trabalhadores da Santa Casa da Misericórdia do Porto trazer ao conhecimento de V. Ex.ª na qualidade de Presidente da Assembleia dos representantes do povo português uma moção aprovada em plenário realizado no passado dia 6 de Outubro de 1977 e que a seguir se transcreve, a fim de a mesma ser divulgada junto dos Deputados dessa Assembleia, para os fins que entenderem como mais convenientes.
Certos do bom acolhimento que possam dispensar a esta moção, aproveitamos a oportunidade para apresentar a V. Ex.º os nosso melhores cumprimentos.

Pelos Delegados Sindicais, Eduardo Augusto Ramos Valadares.

Na referida moção os trabalhadores da Santa Casa da Misericórdia do Porto decidiram o seguinte:

1 - Divulgar por todos os meios ao seu alcance a situação discriminatória em que se encontram os trabalhadores das pessoas colectivas de utilidade pública e administrativa.

2 - Exigir do Governo que lhes seja aplicado o referido Decreto-Lei n.º 923/76 e repudiar qualquer corte nos respectivos retroactivos.

3 - Exigir a rápida entrega do projecto de Estatuto do Regime Jurídico das Instituições

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Particulares de Assistência, a fim de ser estudado pelos trabalhadores.

4 - Exigir ao Governo uma resposta concreta até fim de Outubro, que, não sendo conseguida, implicará a realização de novo plenário de trabalhadores com o fim de encontrar formas mais adequadas de luta.

Porto, 6 de Outubro de 1977. - Os Trabalhadores da Santa Casa da Misericórdia do Porto.

Exposição

Das Comissões de Pais do Porto e Lisboa, com o seguinte texto:

As Comissões de Pais do Porto e Lisboa, hoje recebidas pela Comissão Parlamentar de Educação, Ciência e Cultura, na Assembleia da República, reuniram em sessão de trabalho e decidiram, por unanimidade. solicitar aos Órgãos de Soberania a entrada nas Universidades de todos os candidatos que prestaram provas de aptidão, tendo baseado a sua decisão nos seguintes factos:

1.º Contrariamente à promessa legal de acesso directo à Universidade após um ano de inscrição no serviço cívico, os alunos foram forçados a prestar provas;

2.º A navegação desta situação e o anúncio tardio do exame de aptidão sem ter em conta a situação dos candidatos, afastados há meses de um ensino regular, e a falta de tempo para a preparação de um programa tardiamente alargado;

3.º A verificação de erros graves de eliminação de alunos com incontestáveis capacidades demonstradas ao longo da vida escolar;

4.º A verificação de deficiências graves na elaboração dos enunciados nas provas:

5.º A inscrição destes jovens no ano propedêutico vai atingir inexoravelmente os que agora acabaram o 7.º ano. pois o número de candidatos no próximo ano do ensino superior avolumar-se-á de tal forma que reduzirá a um mínimo a possibilidade de realizar vocações e capacidades: e por último.

6.º A inconsistência de critérios de selectividade que acaba por permitir acesso a alunos com zero a Língua Portuguesa (prova geral), prova considerada eliminatória.

Depois de examinadas exaustivamente as soluções possíveis e a situação criada pelo MEIC, as Comissões de Pais do Porto e Lisboa encontraram como única saída possível a matrícula de todos os candidatos que prestaram provas de acesso. Esta é a única solução que, depois dos atropelos dos despachos de 4 e 10 de Outubro, aparece como susceptível de não criar mais injustiças.

Lisboa, 20 de Outubro de 1977. - Pela Comissão de Lisboa, Isabel Maria Abranches Meneses Cequeira e Silva Santa-Rita. - Pela Comissão do Porto, José da Silva Soares.

Moção

Aprovada em sessão da assembleia de freguesia de Santa Mana de Belém, reunida no dia 19 de Outubro de 1977, do seguinte teor:

1) A revogação dos Decretos-Leis n.ºs 293/77 e 294/77, de modo que sejam defendidos os direitos dos cidadãos a uma habitação condigna e sejam criados mecanismos simplificados que possibilitem a legalização das ocupações efectuadas, eliminando a separação entre ocupantes antes e depois do 14 de Abril de 1977.
2) A definição de uma política habitacional de acordo com a Constituição da República, o que até ao momento o Governo não efectuou.
A assembleia de freguesia apoia as formas de luta justas dos ocupantes pelo direito a uma habitação digna.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: Informo que foram admitidas as seguintes petições: petição n.º 93/I - apresentada por Germínia Ferro de Carvalho Dias, requerendo a suspensão de todos os processos judicias em que está envolvida até à aprovação e entrada em vigor da lei de autogestão; petição n.º 94/I-apresentada por António Góis Girão e outros, solicitando a abertura da Auto-Vitória de Coimbra e a manutenção da totalidade dos postos de trabalho, sem qualquer tipo de represália sobre os trabalhadores da empresa; petição n.º 95/I - apresentada pelo Sindicato do Serviço Doméstico de Lisboa, exigindo que a Assembleia da República tome as medidas necessárias para que seja publicada legislação de trabalho no tocante a mulheres trabalhadoras do serviço doméstico.
Na reunião de 25 do corrente foram apresentados os seguintes requerimentos: ao Governo, formulados pelos Srs. Deputados Alberto Andrade, João Porto e Vítor Louro, respectivamente: ao Ministro da Agricultura e Pescas, formulados pelos Srs. Deputado Coelho de Sousa, Vilhena de Carvalho, Custódio Gingão, Pereira Franco e Vítor Louro; ao Ministério da Indústria e Tecnologia, formulado pelos Srs. Deputados Carlos Carvalhas e Veiga de Oliveira; ao Ministério dos Assuntos Sociais, pelos Srs. Deputados José Vitorino, Moreira da Silva, Eduardo Vieira e Amélia de Azevedo; ao Ministério dos Transportes e Comunicações, formulado pelo Sr. Deputado Ângelo Correia; ao Ministério das Finanças, formulado pelo Sr. Deputado Florival Nobre; à Secretaria de Estado da Marinha Mercante, formulado pelo Sr. Deputado Moreira da Silva; à Direcção-Geral de Saneamento Básico, formulado pelo Sr. Deputado Ferreira Dionísio.

Foram recebidas as seguintes respostas a requerimentos do Ministério dos Transportes e Comunicações, aos requerimentos apresentados pelos Srs. Depu-

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tados António Esteves, Fernando Reis Luís, Manuel João Cristiano, Manuel Proença, Francisco Barracosa, Eurico Mendes e José Vitorino nas sessões de 20 de Maio e 14 de Junho; do Ministério das Finanças, aos requerimentos apresentados pelos Srs. Deputados Soeiro de Carvalho e Pedro Roseta nas sessões de 17 de Maio e 15 de Junho; do Ministério dos Assuntos Sociais, aos requerimentos apresentados pelos Srs. Deputados Martins Canaverde e Adriano Rodrigues nas sessões de 28 de Junho e 27 de Julho; do Ministério da Administração Interna, ao requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Angelo Correia na sessão de 28 de Julho; do Ministério das Obras Públicas, ao requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Gonçalves Sapinho na sessão de 15 de Junho; do Ministério da Agricultura e Pescas, ao requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Vilhena de Carvalho na sessão de 27 de Julho; da Secretaria de Estado da Segurança Social, ao requerimento apresentado pelos Srs. Deputados Sérvulo Correia e Pedro Roseta na sessão de 12 de Julho; da Secretaria de Estado do Comércio Externo, ao requerimento apresentado pelos Srs. Deputados Jaime Gama, Borges Nunes e Monteiro de Aguiar na sessão de 8 de Março; da Secretaria de Estado da Indústria Ligeira, ao requerimento apresentado pelos Srs. Deputados Freitas Monteiro e Nunes de Almeida na sessão de 10 de Maio.

A Sr.ª Secretária Amélia de Azevedo vai ler um ofício, que acaba de ser recebido na Mesa do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português.

A Sr.ª Secretária (Amélia de Azevedo): - Ofício do presidente do Grupo Parlamentar do PCP, Sr. Deputado Carlos Brito:

Exmo. Sr. Presidente:

Comunico a V. Ex.ª os nomes dos Deputados que em reunião do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português foram escritos para a presidência e secretariado do grupo:

Presidente: Carlos Alfredo de Brito; vice-presidentes: Vital Martins Moreira, Álvaro Augusto Veiga de Oliveira e Maria Alda Barbosa Nogueira.
Secretariado: além do presidente e vice-presidentes, foram eleitos os Deputados Francisco Miguel Duarte, Custado Jacinto Gingão, Lino de Carvalho Lima, Jorge do Carmo da Silva Leite, José Carreira Marques, José Manuel Maia Nunes de Almeida, Vítor Henrique Louro de Sá e Severiano Pedro Falcão.

O Sr. Presidente: - Recebemos também um outro ofício do Partido Comunista Português contendo a relação definitiva dos Srs. Deputados que integram as diversas comissões.
A este propósito chamo a atenção dos demais grupos parlamentares para o que expõe o antigo 41.º do Regimento. Segundo este normativo, a designação do representante na Comissão de Regimento e Mandados e nas comissões permanentes far-se-á pelo período da sessão legislativa. Impõe-se pois que os demais grupos parlamentares cumpram o preceituado no artigo 41.º do Regimento.
Tem a palavra o Sr. Deputado Vítor Louro.

O Sr. Vítor Louro (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Na qualidade de presidente da Comissão de Agricultura e Pescas, desejava prestar um esclarecimento à Câmara. Na realidade, fiquei naturalmente surpreendido, assim como os colegas que integram esta comissão, pelo, salvo erro, telegrama e ofício que acabam de ser lidos provenientes do Sr. Ministro da Agricultura e Pescas e do Sr. Secretário de Estado dias Pescas. E fiquei surpreendido porquanto esses membros do Governo fazem a afirmação de que jamais foram convocados para qualquer entrevista com a Comissão - e estou a dar este esclarecimento sem prejuízo de aprofundar melhor esta questão. De qualquer modo, tenho entre mãos o ofício n.º 640, de 15 de Junho, fazendo referenda a um outro anterior, datado de 2 do mesmo mês, em que é solicitada a comparência de um membro do Governo para esclarecer duas questões. Por essa altura foi solicitada também a presença do Sr. Secretário de Estado das Pescas.
Creio poder afirmar que não há qualquer deficiência da parte dos serviços desta Assembleia, porquanto eu próprio, em entrevista havida oportunamente com o Sr. Ministro sem Pasta Jorge Campinos, verifiquei que ele tinha conhecimento deste ofício.
Era portanto apenas para dar este esclarecimento, desde já, sem prejuízo de um melhor aprofundamento da questão.

O Sr. Presidente: - Informo os Srs. Deputados que o PCP, o CDS e o PS solicitaram o direito de apresentar votos. Para esse efeito vou dar a palavra à Sr.ª Deputada Alda Nogueira.

A Sr.ª Alda Nogueira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O que se tem passado nestes últimos dias na África do Sul, onde o Governo do Sr. Vorster tem levado a caibo mais uma das suas desumanas e cruéis ofensivas repressivas contra o povo negro daquele país, não pode deixar de provocar a maior indignação entre os cidadãos democratas e livres de Portugal.
Centenas de prisões, agressões contra negros, assaltos, buscas, rusgas, arrombamentos, violências de toda a espécie, campearam nesta última semana nas cidades do Cabo, Joanesburgo e Durban em especial, onde desabou a pior vaga repressiva desde o início dos anos 60.
Jornais de expressão negra, como o World e o Weekend World, foram proibidos e o seu director Percy Qoboza, foi preso. O director do jornal de expressão branca Daily Dispatch, Donald Woods, foi banido, que o mesmo é dizer: com residência fixa, proibido de fazer declarações públicas e obrigado a apresentar-se à polícia.
A União dos Jornalistas Negros foi extinta. Foi proibida a Convenção do Povo Negro, de que Steve Bikko (que tudo indica ter sido assassinado na prisão) era presidente. O Instituto Cristão da África do Sul foi proibido e os seus dirigentes banidos. Ao todo dezoito organizações que se têm oposto ao regime de apartheid foram encerradas.
Cresce, como é natural, a indignação dos mais diversos sectores dos próprios círculos dirigentes da sociedade branca contra esta política repressiva do Governo do Sr. Vorster. Alguns professores universitários juntam a sua voz aos protestos e à condenação do Governo, que atinge proporções sem precedentes,

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por parte da oposição branca à política de apartheid e por parte da imprensa em geral.
Quatro escritores sul-africanos de renome mundial, Nadim Gordiner, Alan Paton, Athold Fuyard e André Bunk, condenaram já publicamente esta ofensiva repressiva.
O arcebispo de Cantuária, Donald Coggan, manifestou o seu profundo desgosto e grande choque perante esta vaga terrorista.
Dezanove editores de jornais sul-africanos condenaram o encerramento dos jornais de expressão negra. Nos Estados Unidos a opinião pública, meios jornalísticos, religiosos e outros, têm feito ouvir os seus protestos contra a repressão em curso na República da África do Sul.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não é de hoje nem de ontem esta prática do recurso à repressão e ao terror por parte dos governantes sul-africanos contra o Movimento de Libertação Nacional no seu país.
E podemos dizer que não oferece qualquer dúvida que se o Governo do Sr. Vorster se sente à vontade pana voltar à sua política repressiva, espezinhando as mais fundamentais liberdades do povo sul-africanos, isso se deve fundamentalmente às suas estreitais afianças (encobertas algumas) com o imperialismo internacional e a ajuda, apoio e protecção que este lhe tem dispensado ao longo do seu reinado de terror, opressão e exploração inauditas da maioria negra.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Só o peso crescente da opinião pública mundial, só a pressão dos parlamentares dos vários parlamentos do mundo e de outros meios e órgãos do poder democrático de vários países poderá, em apoio à luta difícil do povo negro da África do Sul e dos seus aliados, fazer recuar o Governo racista do Sr. Vorster.
Este sentido do nosso voto, que passo a ler com uma pequena alteração feita no final, aceitando uma emenda apresentada pelo Grupo Parlamentar do CDS.

Voto de protesto

Considerando que o Governo Sul-Africano desencadeou, há cerca de uma semana, mais uma violenta ofensiva repressiva contra a maioria negra do país, de que resultaram dezenas de feridos, centenas de prisões, assaltos e o encerramento de dezoito organizações cívicas, profissionais, religiosas e estudantis que se têm oposto ao regime do apartheid, assim como o encerramento de pelo menos três jornais, espezinhando brutalmente os mais elementares direitos e liberdades do povo da África do Sul;
Considerando que a política racista do Governo Sul-Africano tem merecido o protesto e a condenação de várias organizações internacionais, desde a Organização das Nações Unidas à União Interparlamentar;
Considerando que esta nova onda repressiva vem "comprometer a possibilidade de solução pacífica para o problema do apartheid, nas palavras do secretário-geral da ONU, Sr. Kurt Waldheim, ao mesmo tempo que agrava as tensões existentes naquela região do continente africano:

A Assembleia da República:
Reprova e condena com veemência mais esta campanha repressiva do Governo Sul-Africano;
Reclama a cessação destas medidas antidemocráticas;
Exprime a sua solidariedade à luta dos povos da África do Sul por um (regime democrático que represente, em condições de total igualdade, todos os cidadãos.

Pelo Grupo Parlamentar do PCP: Alda Nogueira - Jorge Leite.

O Sr. Presidente: - Está aberta a discussão. Quem se inscreve?

Pausa.

Tem a palavra o Sr. Deputado Rui Pena.

O Sr. Rui Pena (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao abrigo da praxe regimental - porque se trata de um voto que envolve interesses de um país estrangeiro, sem prejuízo de nos considerarmos preocupados com o objecto do mesmo, mas porque devemos ponderar interesses portugueses eventualmente conexos -, solicitamos o adiamento da votação e porventura da discussão do voto do PCP para a próxima sessão.

O Sr. Presidente: - Foi invocada uma praxe regimental, mas de qualquer modo vou consultar o partido proponente. Se este nada tiver a opor, o adiamento será deferido.

A Sr.ª Alda Nogueira (PCP): - O Grupo Parlamentar do PCP nada tem a opor, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Está então deferido.
Tem agora a palavra o Sr. Deputado Ribeiro e Castro para apresentar o voto de protesto do Grupo Parlamentar do CDS.

O Sr. Ribeiro e Castro (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vou primeiramente ler o texto de voto proposto pelo nosso grupo parlamentar, após o que farei a sua justificação.

Voto da protesto

Considerando a natureza injusta das disposições que proíbem o pluriemprego na comunicação social;
Considerando a reacção que essas medidas têm provocado nos sectores por elas abrangidos, nos partidos políticos e no Conselho da Imprensa:
A Assembleia da República protesta contra a situação em que foram colocados os trabalhadores da comunicação social e recomenda ao Governo a suspensão imediata da aplicação do Despacho Normativo n.º 197/77 e dos artigos 2.º e 3.º do Decreto-Lei n.º 645/76, de 30 de Julho, até sua ulterior revisão, recordando que, nos termos do n.º 2, alínea a), do artigo 58.º da Constituição,

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deverão participar obrigatoriamente nessa revisão as associações sindicais dos trabalhadores da comunicação social.
Palácio de S. Bento, 28 de Julho de 1977. - Pelo Grupo Parlamentar do CDS: José Ribeiro e Castro - José Luís Christo - Rui Pena.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: As medidas que vieram proibir o pluriemprego para os trabalhadores da comunicação social têm causado legítima e compreensível controvérsia.
As medias tendentes a proibir o pluriemprego estão normalmente relacionadas com conjunturas de desemprego, visando, através de uma disposição moralizadora, diminuir a escassez de postos de trabalho, impedindo que a mesma pessoa acumule dois ou mais. Mal se entende, porém, que, sendo geral a conjuntura de desemprego, e não apenas sectorial, medidas deste tipo sejam concretizadas apenas para um sector da vida nacional, não abrangendo sequer outros domínios de actividade estatizados ou sob intervenção do Estado e não abarcando tão-pouco, como justamente sublinha o Conselho de Imprensa, os próprios gestores das empresas de comunicação social.
Os intuitos moralizadores que aquelas medidas poderiam querer revestir perdem-se assim completamente. E não só pela razão que acima foi referida.
No mesmo sentido apontam, na verdade, o n.º 3 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 645/76 e o n.º 4 do Despacho n.º 197/77, ao abrirem a porta à discriminação permanente e à discriminalidade ilimitada numa matéria deste melindre, quando admitem "casos excepcionais" não tipificados na lei e a serem decididos pelo livre arbítrio do Ministro do Trabalho e do Secretário de Estado da Comunicação Social. Isto é, no nosso ponto de vista, totalmente inadmissível.
Estes simples factos mereceriam por si sós o voto que o CDS aqui propõe, recomendando a suspensão imediata dessas medidas.
Mas, além disso, há ainda dúvidas legítimas quanto à constitucionalidade do decreto-lei referido e à legalidade do citado despacho.
Com efeito, para além de o despacho normativo, a pretexto de mera interpretação, agravar nitidamente o conteúdo do disposto no Decreto-Lei n.º 645/76, é controversa a constitucionalidade deste último, por não ficar claro se, à luz do artigo 51.º da Constituição que fixa o direito ao trabalho e os seus limites, é correcta a proibição do pluriemprego tal como está determinada.
Por outro lado, creio que as associações sindicais dos trabalhadores da comunicação social abrangidos por esta medida não foram sequer ouvidas a seu respeito, o que contraria frontalmente o disposto no n.º 2, alínea a), do artigo 58.º da Constituição, e justifica plenamente a lembrança que é feita na parte final do voto proposto.
Enfim, tenho pessoalmente dúvidas fundadas sobre se a regulamentação do regime de trabalho e de emprego nas empresas de comunicação social, e sobretudo dos jornalistas, poderá ser considerada como simples legislação do trabalho ou pelo contrário, atendendo à peculiar natureza do seu produto, não deverá ser ainda considerada como legislação relativa à liberdade de imprensa, já que é pelo regime de trabalho e emprego que se pôde limitar a independência do jornalista e, portanto, a independência, a verdade e o pluralismo na informação. Neste caso, se este for o entendimento mais correcto, aí se encontrará mais um fundamento da inconstitucionalidade daqueles diplomas e daí decorrerá a necessidade de a sua revisão se fazer, ao menos nas suas bases gerais, por proposta de lei enviada pelo Governo a esta Assembleia, e não por decreto-lei.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O CDS, ao propor aqui este voto, tem naturalmente presente as diversas criticas de que aqueles diplomas têm sido objecto por parte de diversas entidades. Seria injusto, aliás, e oportunismo indesculpável que as não recordássemos aqui, procurando apropriar-nos de um juízo que não é só nosso. O Conselho de Imprensa, o presidente do Sindicato dos Jornalistas, um plenário de trabalhadores da comunicação social, o Deputado do PSD, Nandim de Carvalho, o Deputado do PCP, Aboim Inglês, eu próprio, todos já manifestaram, por esta ou aquela razão, que acima se proeurou recordar, a sua opinião negativa sobre uma medida que consideram irrealista, inaplicável, injusta, imoral, discriminatória, arbitrária ou demagógica. Críticas que são justas se considerarmos, ironizando que medidas deste tipo mais parecem ilustrar o "princípio do tratamento mais desfavorável aos trabalhadores", ao invés do princípio do tratamento mais favorável que é característico das legislações modernas e está já presente, de há muito, na legislação portuguesa de trabalho.
É, aliás, aquele, vasto consenso quanto à natureza incorrecta da medida em apreço que leva o Grupo Parlamentar do CDS a propor este voto, com a expectativa fundada de que seja facilmente aprovado.
Por ele, não pretendemos outra coisa que não seja contribuir para fazer justiça a uma classe profissional que, pela natureza e pelo relevo social da sua profissão, não merece que se lhe apliquem especificadamente medidas discriminatórias deste teor.
Seria até positivo que a Assembleia da República acolhesse unanimemente o nosso voto, uma vez que também o Deputado socialista Arons de Carvalho reconhece, ao menos, que se trata de medidas insuficientes e incompletas, concluindo eu que ele também entenderá que a sua revisão é necessária, e é o próprio Primeiro-Ministro que, segundo relato da imprensa, admitiu em declarações recentes a necessidade de corrigir brevemente aqueles diplomas.
Este é o nosso desejo. Este é o nosso voto.

Aplausos do CDS.

O Sr. Presidente: - Está em discussão.
Quem se inscreve?

Pausa.

Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lage.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Pressente, Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do PS vai logicamente votar contra este voto de protesto do CDS, dado que ele é manifestamente extemporâneo.

Todos os Deputados e os cidadãos portugueses têm conhecimento das declarações feitas perante o povo português pelo Sr. Primeiro-Ministro de que os casos emergentes deste diploma que fossem manifestamente injustos seriam corrigidos e que se iriam tomar disposições nesse sentido.

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No entanto, é preciso dizer-se que o princípio de combater o pluriemprego onde quer que ele surja, dando origem a privilégios e a vantagens escandalosas, tem de se manter, e é isso que o Governo vai fazer. Mas no momento em que o Sr. Primeiro-Ministro afirmou perante as câmaras da televisão que iam sei corrigidas situações eventualmente injustas perante os directores dos jornais, não compreendemos o sentido deste voto do CDS, a não ser que se queira paradoxalmente combater o pluriemprego e mante-lo ao abrigo de conveniências de momento o de uma lamentável duplicidade.

O Sr. Ribeiro e Castro (CDS): - Sr. Presidente, peço a palavra para formular um protesto.

O Sr. Presidente: - Tenha a bondade, Sr. Deputado.

O Sr. Ribeiro e Castro (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Queria protestar, em primeiro lugar, porque o Sr. Deputado Carlos Lage manifestamente não tem razão nas suas afirmações. Até declarei na minha intervenção que nós, Grupo Parlamentar do CDS, somos contrários ao pluriemprego. Simplesmente, entendemos que ele, a ser regulado, nomeadamente dada a gravidade da conjuntura de desemprego existente actualmente em Portugal, ou é para todos ou não pode ser aplicado para ninguém.
Por outro lado, o Sr. Deputado Carlos Lage fez uma consideração curiosa: que o Sr. Primeiro-Ministro já tinha anunciado...

O Sr. Presidente: - Desculpe, Sr. Deputado Ribeiro e Castro, permita-me interrompê-lo para lhe dizer que entendo que não está a fazer um protesto - que neste caso, em meu entender, não é pertinente -, mas está, sim, a fazer uma intervenção, aliás no uso do direito que lhe confere o Regimento. Tenha a bondade de continuar, Sr. Deputado.

O Orador: - Como estava a dizer, o Sr. Deputado Carlos Lage referiu que o Sr. Primeiro-Ministro já admitiu a correcção destas medidas. Eu de facto refiro-o na minha intervenção, mas isso não torna o nosso voto extemporâneo, pelo contrário, pois têm sido frequentes, nomeadamente no domínio da informação, as declarações de intenção do Governo que depois não são concretizadas. É o caso do próprio estatuto de informação e o que Se passa com a lei da rádio e da televisão, que se arrasta há muito. Poderia ainda citar-lhe muitos outros exemplos que o confirmam. De qualquer forma é útil que a Assembleia da República se pronuncie sobre o assunto.
Por outro lado, o Sr. Deputado Carlos Lage disse que o Sr. Primeiro-Ministro se dispõe a resolver com os directores dos jornais os casos que são injustos. É precisamente isso que nós consideramos errado. Ou a revisão é feita no diploma, em condições que garantam, efectivamente, quo há um tratamento igual para todos, ou então, se se for rever esta ou aquela situação injusta, insiste-se uma vez mais naquilo que vem disposto no artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 645/76 e que, pela total ausência de tipificação legal, é uma porta aberta à discriminação e
a que os jornalistas sejam colocados na dependência e nas mãos do Governo.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Pede a palavra para que efeito Sr. Deputado?

O Sr. Carlos Lage (PS): - É para um rápido contraprotesto, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente - Sr. Deputado: Como ouviu dizer, não considerei a intervenção do Sr. Deputado Ribeiro e Castro como um protesto, visto que não o julguei pertinente. V. Ex.ª limitou-se na altura a expor as suas razões de discordância do voto e o Sr. Deputado Ribeiro e Castro não tinha, obviamente, o direito de protestar contra essa opinião. V. Ex.ª não pode portanto fazer um contraprotesto.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Peço então a palavra para prestar um esclarecimento à Câmara.

O Sr. Presidente: - Queira então dar o esclarecimento, mas muito rapidamente, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Queria acentuar que o Sr. Primeiro-Ministro afirmou que o despacho ia ser revisto. Portanto, a revisão do despacho implica logicamente que as situações injustas que se possam detectar, e que são conhecidas, venham a ser resolvidas ao abrigo desse despacho. Mas, fundamentalmente, quero aqui salientar que é estranha a atitude do CDS e do Sr. Deputado Ribeiro e Castro de tomar aprioristicamente as palavras do Governo ou as suas intenções como não cumpridas. Parece-me que a atitude correcta, e elegante seria: no caso de o Governo não cumprir com as promessas, as afirmações e as intenções, então, sim, o Sr. Deputado Ribeiro e Castro e o seu partido protestariam perante a incoerência ou não cumprimento do afirmado. A priori, tomar atitudes negativas ou de condenação é, mais uma vez, uma atitude politicamente condenável. E é isso que eu pretendia dizer à Câmara.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Leite.

O Sr. Jorge Leite (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O objecto do voto apresentado pelo CDS merece ao Grupo Parlamentar do PCP a maior atenção, como aliás já expressou em várias ocasiões. Por isso mesmo, permitimo-nos, ao abrigo da praxe parlamentar, solicitar o adiamento da votação deste voto, sem que o CDS deva interpretar isto como qualquer atitude de represália, uma vez que essa mesma posição a tínhamos já assumido antes mesmo da apresentação do nosso voto.

O Sr. Presidente: - Como o CDS nada tem a opor, está portanto deferido o adiamento.
Há ainda um outro voto, que a Mesa não pode ainda qualificar, que vai ser apresentado pelo Partido Socialista.

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Tem a palavra o Sr. Deputado Raúl Rêgo

O Sr. Raúl Rêgo (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: No momento em que o País atravessa uma crise económica grave, os factores de desestabilização surgem-nos como autêntica sabotagem da democracia portuguesa.
Vencida a onda de golpismo e entrados em vida constitucional, não podem, nem a Assembleia da República nem o Governo, olhar com indiferença a onda de violência que vai nas ilhas a algumas províncias do continente.

Risos.

E parece-nos que não podem, nem a Assembleia da República, nem o Governo, nem os Deputados conscientes, encontrar nisto motivo de riso porque está nisto o futuro da democracia portuguesa.

Aplausos do PS.

Sr. Presidente: Não podemos alhearmo-nos de atitudes e declarações nitidamente sabotadoras da ordem pública e da economia nacional, sobretudo quando feitas por autoridades responsáveis, ou que deveriam sê-lo, e que, eleitas com os votos do povo, atraiçoam despudoradamente a missão que lhes foi confiada.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Referimo-nos concretamente ao que se passa no distrito de Bragança, em que os presidentes das câmaras municipais tomam abertamente o caminho da violência e se apresentam como autênticos bombistas.

Vozes do PS: - Muito bem!

Vozes do CDS: - Não apoiado!

O Orador: - Para esses apologistas dos tempos da ditadura, que nunca ninguém encontrou a protestar contra ela, em que a ordem era o imobilismo...

Vozes do CDS: - Não apoiado!

A Sr.ª Helena Roseta (PSD): - É falso!

O Orador: -... parece que a democracia deve ser destruída à bomba e por esta se imporem os seus caprichos, ainda que o País se afunde.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estão na memória de todos os acontecimentos verificados em Alfândega da Fé, na altura da visita do Sr. Presidente da República. Não precisamos de voltar sobre eles.

A Sr.ª Emília de Melo (PS): - Exactamente!

O Orador: - Pois, o mesmo presidente da Câmara, contestador das autoridades democráticas e daqueles que já defendiam a democracia no tempo do fascismo, defende claramente o atentado, indo até ao ponto de dizer que ele pode pôr Lisboa às escuras.
Ouçamos as palavras do Sr. Carlos Fernando Vieira de Castro, presidente da Câmara Municipal de Alfândega da Fé: "O Governo, lá em baixo, faz cartaz de publicidade do Nordeste transmontano, chama-nos coitadinhos, desgraçados, mas não somos tão desgraçados como se pensa, temos muito mais pano para mangas. Podemos, de um momento para o outro, pôr Lisboa às escuras." Eu volto a repetir para que a Assembleia ouça bem, e em particular o partido do Sr. Vieira de Castro ou aqueles que acham que a sabotagem é motivo de risos, eu volto a repetir, "podemos de um momento para o outro pôr Lisboa às escuras", disse o presidente da Câmara de Alfândega da Fé.
A declaração é classificada no mesmo jornal que a insere, e que se tem distinguido pela sua atitude antidemocrática e elogio a quantos inimigos da democracia há neste país, de extraordinária importância pela coragem e desassombro e prossegue assim: "eles que se lembrem que quem lhes dá energia somos nós. Energia é vida, portanto, senhores de Lisboa, olhem-nos um bocadinho mais de frente, como o disse ao Sr. Presidente da República". Isto, disse ele, presidente da Câmara da Alfândega da Fé, em relação aos problemas do Nordeste transmontano, e continua: "que nos vejam com outros olhos porque nós iluminamos Lisboa e damos-lhe de comer".

O Sr. Sérvulo Correia (PSD): - Ë verdade!

O Orador: - "Posso citar percentagens, embora um bocadinho atrasadas. Damos 75 % de energia, para o Sul, e damos 47,5 % de comida. O povo transmontano trabalha para aqueles que nada fazem, para aqueles que arruinam a economia deste país."

Vozes do CBS e PSD: - Apoiado!

O Orador: - E restabelecer-se-ia a economia deste país com as bombas do Sr. Vieira de Castro?!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Evidentemente, Srs. Deputados, que sou transmontano, e já tive a honra de representar o distrito de Bragança, mas não sou bombista e não admito que um bombista se declare como falando em nome do povo transmontano.

Aplausos do PS.

Falará em nome de quem? Da reacção que por lá tem sido deixada actuar à vontade. Falará ele em nome dos homens do totalitarismo, de quem fez o elogio mesmo diante do Sr. Presidente da República? Falará em nome do seu partido? Este nos poderá dizer se sim ou não.
Não ficamos por Alfândega da Fé, pois não se trata de um bombista isolado. Vamos ouvir o presidente da Câmara Municipal de Macedo de Cavaleiros. O Sr. António Ferreira que disse a um jornal diário de Lisboa: "Há um tiro programado no isolador do posto do Pocinho" - diz um presidente de uma câmara municipal que há um tiro programado no isolador do posto do Pocinho - e acrescenta: "tenho um homem que lhe posso apresentar amanhã, mas há mais, é uma arma de 22 mm".

Sr. Presidente, Srs. Deputados: As declarações do presidente da Câmara de Alfândega da Fé podem

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ler-se no semanário O Diabo, de 9 de Agosto, e as do presidente da Câmara de Macedo de Cavaleiros em A Capital, de 13 de Setembro, e não foram desmentidas até agora. Também até agora não vi tomar qualquer prevenção da parte de ninguém que chame à ordem homens que deveriam ser responsáveis e responsabilizados e que se mostram dispostos a mergulhar o País em autêntica guerra civil.

Manifestações de protesto do CDS.

O Orador: - Estaremos dispostos a deixar a nossa democracia ao arbítrio de homens como estes, para os quais a bomba é a única forma de diálogo?
Os partidos a que pertencem os presidentes das Câmaras de Alfândega da Fé e de Macedo de Cavaleiros irão com certeza elucidar-nos. Têm a palavra também as autoridades respectivas, e sobretudo o Ministério da Administração Interna e os partidos que esse bombistas representam.
Entretanto, não podemos deixar de apresentar a esta Assembleia o seguinte voto de protesto:
A Assembleia da República exprime o seu veemente protesto contra as declarações feitas pelos presidentes das Câmaras Municipais de Alfândega da Fé, ao semanário O Diabo, e de Macedo de Cavaleiros, ao diário A Capital, nas quais se ameaça pôr Lisboa às escuras, e destruir o posto de distribuição do Focinho, reprovando estas afirmações irresponsáveis que não prestigiam as instituições autárquicas e têm a expressão de personalidades que, lamentavelmente, não têm formação democrática e sentido de cidadania.

O Sr. Presidente: - Está em discussão o voto de protesto do Partido Socialista. Quem se inscreve?
Pausa.

Tem a palavra o Sr. Deputado Sérvulo Correia.

O Sr. Sérvulo Correia (PSD): - Sr. Presidente: Peço a palavra, não para desde já participar na discussão, mas para fazer um protesto em relação à introdução ao voto feita pelo Sr. Deputado Raúl Rêgo.

O Sr. Presidente: - Tenha a bondade, Sr. Deputado.

O Sr. Sérvulo Correia (PSD): - Quero protestar por aqui se condenar e qualificar alguém como bombista, alguém que não está sequer judicialmente pronunciado nessa, qualidade, e muito menos condenado, e alguém que não prestou directamente declarações a um jornal, mas em relação ao qual um jornal, aliás por forma pouco clara, atribui determinadas declarações.

termos em que o Sr. Deputado Raúl Rêgo acaba de fazer, um problema desta natureza.

Uma voz do PS: - Qual?

O Orador: - E já que o Sr. Deputado quis acusar alguém do meu partido de factor de desestabilização, eu digo ao. Sr. Deputado que muito mais factor de desestabilização é quem sem fundamentos atribui a figuras gradas da política portuguesa declarações que, a serem verdadeiras, seriam desestabilizadoras, mas que estão formal e unanimemente desmentidas.

Aplausos do PSD e do CDS.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Raúl Rêgo, deseja contraprotestar?

O Sr. Raúl Rêgo (PS): - Sim, desejo contrapor, Sr. Presidente.

Vozes do (PSD) - Muito bem!

O Orador: - Eu quero aqui apresentar o meu veemente protesto por ser com base em elementos desta ambiguidade que se traz a esta Câmara, nos

O Sr. Presidente: - Faça o favor, Sr. Deputado.

O Sr. Raúl Rêgo (PS): - Quero dizer ao Sr. Deputado Sérvulo Correia...

Continuam os aplausos do PSD e do CDS ao protesto do Sr. Deputado Sérvulo Correia.

O Orador: - Eu não sei se os Srs. Deputados batom palmas às decorações do presidente da Câmara de Macedo de Cavaleiros, se batem palmas a uma afirmação irresponsável.

Aplausos do PS.
Protestos repetidos do PSD e do CDS.

O Orador: - Protestem como quiserem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: Chamo a vossa atenção paira o decoro que é exigido a cada um de nós quando nos sentamos nesta Assembleia a exercer o mandato que o povo nos conferiu. Se uma Assembleia democrática dá este exemplo ao povo português, não pode certamente exigir que a prestigiem e respeitem. É a nós que cabe em primeiro lugar o exemplo de dignificar esta Câmara e o mandato que recebamos do povo.
A Mesa não pode evitar, infelizmente, que estes lamentáveis, incidentes aconteçam, mas pode verberá-los com firmeza, e é o que faço neste momento.
Queira continuar, Sr. Deputado Raúl Rêgo.

Aplausos do PS.

O Orador: - Quero perguntar ao Sr. Deputado Sérvulo Corroía o que é que ele considera uma afirmação não fundamentada, se os códigos servem para alguma coisa; se o que está escrito serve para alguma coisa; se quando os jornais citam o presidente de uma câmara, que não respondeu passado um mês, é uma afirmação autêntica ou para o Sr. Deputado Sérvulo Correia é um simples boato?

O Sr. Herculano Pires (PS): - Muito bem!

O Orador: - Se é um boato quando se refere apenas ao partido dele ou também é um boato quando se refere a todos os outros partidos.

A Sr.ª Maria Barroso (PS): - Muito bem!

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O Orador - O que é que o Sr. Deputado Sérvulo Correia toma como uma afirmação responsável? Ou sara irresponsável o Sr. Deputado Sérvulo Correria, ao replicar, classificar como irresponsáveis aqueles que se firmaram em documentos autênticos?

Aplausos do PS.
Protestos do PSD e do CDS.

O Orador: - Quando os senhores para cá vieram já eu cá andava!

O Sr. Carlos Robalo (CDS): - Isso não quer dizer que sejamos menos dignos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: Não vejo como podemos prosseguir com estes apartes verdadeiramente impertinentes. Verifico que a advertência que há pouco fiz não foi ouvida. O que me preocupa não é propriamente o teor das intervenções ou dos apartes. O que me preocupa é que eles se afastem, algumas vezes, e creio que se afastaram neste momento, do respeito que é devido à Câmara onde nos sentamos, e para isso chamo a vossa atenção.
Compreendo perfeitamente que certas questões deverão ser debatidas aqui1 com calor e com vivacidade. Simplesmente, Sr. Deputados, não me parece que de algum modo o calor e a vivacidade dos debates permutam afastando-nos do respeito que devemos às instituições democráticas e ao povo português.
Tenha a bondade, Sr. Deputado Rui Pena.

O Sr. Rui Pena (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Assistimos há pouco, em tiradas grandiloquentes, como e hábito do distinto jornalista e director uma condenação violenta daquilo que consideramos de A Luta, nosso ilustre colega nesta Assembleia, a uma condenação violenta daquilo que consideramos um dever elementar de qualquer entidade que tenha sido eleita pelas populações para defender os seus interesses. E não posso, de maneira nenhuma, admitir que a defesa desses interesses possa ser difamatóriamente entendida como acto criminoso, e criminoso da pior espécie.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaria de perguntar ao ilustre Deputado Raúl Rêgo se, efectivamente, o presidente da Câmara Municipal de Torre de Moncorvo não participa das mesmas opiniões - e devemos atender à substância dessas opiniões, que não à forma das opiniões- expressas pelos presidentes das Câmaras Municipais visados. E quero perguntar ainda ao Sr. Deputado Raúl Rêgo se, como jornalista e bom profissional que é, é ilícito fazer processos de intenção através de extractos perfeitamente pouco localizados e desgarrados de entrevistas dadas por esses homens públicos a órgãos de comunicação social cujas direcções estão, por acaso, na mão de ilustres socialistas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: De qualquer modo, o assunto é suficientemente grave e o meu grupo parlamentar, só depôs de analisar convenientemente as declarações, poderá pronunciar-se sobre o voto que foi proposto pelo Partido Socialista. Por isso requeremos que pela Mesa nos seja fornecido extracto completo das decorações dos visados para que, em devida altura e devidamente fundamentados, nos possamos pronunciar sobre o voto proposto pelo Partido Socialista.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Rui Pena, não vejo como a Mesa poderá fornecer-lhe os elementos que requer, a menos que o Sr. Deputado Raúl Rêgo os faça chegar à Mesa. Verifico que assam fará e, nessa medida, a Mesa vá fornecer-lhe os elementos solicitados.
Lembro à Câmara que faltam apenas cinco minutos para terminarmos o período de antes da ordem do dia. A menos que seja requerida a sua prorrogação, ele terminará impreterivelmente à hora regimental.
Pediu o palavra o Sr. Deputado Carlos Brito, mas antes disso quero dizer ao Sr. Deputado Raúl Rêgo que não pode responder às perguntas que lhe foram feitas, justamente porque essas perguntas não lhe poderam ter sido formuladas. O Sr. Deputado Rui Pena fez uma intervenção ao abrigo do Regimento. V. Ex.ª poderá usar da palavra, se porventura quiser prestar qualquer esclarecimento, mas não em resposta às perguntas que lhe foram feitas.

O Sr. Raúl Rêgo (PS): - Peço a palavra para um esclarecimento, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Então tenha a bondade, Sr. Deputado, mas peço-lhe que seja breve.

O Sr. Raúl Rêgo (PS): - Eu quero dizer ao Sr. Deputado Rui Pena que o presidente da Câmara Municipal de Torre de Moncorvo foi eleito com o voto dos socialistas, mas atraiçoou esse voto...

O Sr. Carlos Robalo (CDS): - Isto é ignóbil!
Risos do PSD e do CDS

O Orador: - ...atraiçoou, a própria secção do Partido Socialista que o elegeu sim ele ser socialista. Se é com quintas-colunas dessas que os Srs. Deputados atacam o Partido Socialista, talvez o Sr. Deputado Rui Pena se tenha querido referir também, quando falou de ilustres socialistas, à directora de O Diabo, que eu não considero de forma nenhuma democrata, quanto mais socialista.

Aplausos do PS e de alguns Deputados do PCP.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Raúl Rêgo, chamo-lhe a atenção porque faltam menos de cinco minutos e ainda tem de usar da palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.

O Orador: - É só para concluir, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Então tenha a bondade de concluir, Sr. Deputado.

O Orador: - Quanto à documentação, ela está bem documentada em O Diabo, sem que eu tenha invocado a lei da imprensa, bem como qualquer das falas ou discursos do Primeiro-Ministro que aqui são invocados. Está em O Diabo do dia 9 de Agosto de 1977 e em A Capital do dia 13 de Setembro do mesmo ano. Nenhum partido nem nenhum dos visados protestou. Se isso não é documentação, dir-me-ão o que ela é então.

Aplausos do PS e do PCP e risos do PSD e do CDS.

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O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Rui Pena, deseja também prestar algum, esclarecimento?

O Sr. Rui Pena (CDS): - É apenas para um protesto muito simples contra as palavras do Sr. Deputado Raúl Rêgo.

O Sr. Presidente: - Tenha a bondade, Sr. Deputado.

O Sr. Ruí Pena (CDS):- É que, efectivamente, não está nos hábitos do meu partido, consequentemente do meu grupo parlamentar, atacar quem quer que seja através de quintas-colunas ou, por outras palavras, subrepticiamente. Nós, quando temos de atacar, atacamos de frente, mas só atacamos quem realmente merece ser atacado e verificamos agora, inclusivamente nas próprias palavras do Sr. Deputado Raúl Rêgo, que efectivamente o Partido Socialista nem merece a pena atacá-lo, visto que este se esboroa por si mesmo.

Aplausos do PSD e do CDS.

O Sr. Presidente: - Se o Sr. Deputado António Reis deseja intervir, tenha a bondade de informar a Mesa para que efeito é.

O Sr. António Reis (PS): - É para, em nome do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, formular um protesto.

O Sr. Presidente: - Tenha a bondade, Sr. Deputado António Reis.

O Sr. António Reis (PS): -Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em nome do Grupo Parlamentai do Partido Socialista, desejo formular um protesto contra a infeliz intervenção do Sr. Deputado Rui Pena e ao mesmo tempo agradecer-lhe a oportunidade que me dá para afirmar aqui claramente que são exactamente atitudes como as do Sr. Deputado Rui Pena e como as dos partidos que tentam neste momento lançar uma campanha torpe em volta dos problemas imitemos do Partido Socialista que vêm contribuir para a maior coesa, unidade e determinação dos socialistas portugueses ...

Aplausos do PS.

O Orador: - ...e que tornarão mas firme ainda a nossa determinação em sétimos coerentes com o nosso projecto antifascista, democrático e socialista.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não foi requerida até este momento a prorrogação do período de antes da ordem do dia. O Regimento impõe-me que se cumpram os tempos estabelecidos.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, posso usar da palavra?

O Presidente: - Sr. Deputado Carlos Brito, para que efeito deseja usar da palavra?

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, eu supunha que já tinha seguido para a Mesa um requerimento a pedir a prorrogação do período de antes da ordem do dia. Como verifico que isso não aconteceu, requerido oralmente que seja prolongado o período de antes da ordem do dia e imediatamente seguirá para a Mesa o respectivo requerimento.

O Sr. Presidente: - Está deferido, Sr. Deputado. Aguardamos portanto a chegada do requerimento, o que não impede que desde já se considere prorrogado, nos termos do Regimento, o período de antes da ordem do da.
Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito, pois está inscrito.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português considerara da maior oportunidade o voto aqui apresentado pelo Sr. Deputado Raúl Rêgo e compreende e aplaude a intervenção repassada de indignação que aqui produziu. Na verdade, as declarações dos dois presidentes de câmaras municipais do distrito de Bragança que foram citadas não poderiam passar em claro esta Assembleia cometeria uma gravíssima omissão se as tivesse deixado passar em silêncio. Até agora, da parte da duas bancadas que refutaram a intervenção do Sr. Deputado Raúl Rêgo...

Vozes do PSD: - Nós não refutámos.

O Orador: - ... não ouvimos sequer colocar esta hipótese: se forem verdadeiras, nós condenamos. Não o disseram e isso é extremamente grave.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Consideramos extremamente oportuno o voto, porque, como repetidamente temos afirmado, a acção das forças reaccionárias, mesmo quando se desenvolve legal e constitucionalmente, tem por pano de fundo uma campanha de apelos à violência, de conspirações, de projectos e dos planos de sabotagem, de destabilização económica, social e política, de pressões ilegítimas, de violências e de golpes.

O Sr. Fernando Pinto (PSD): - Por quem Deus nos manda avisar!

O Orador: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: Mesmo quando certas forças da directa advogam que a única alternativa a uma aliança do Partido Socialista com a direita é um golpe militar, isto é chantagem da pior, que tem em vista impedir uma alternativa, democrática e constitucional.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - A intervenção do Sr. Deputado Raúl Rêgo é extremamente oportuna porque - cito do documento da última recurso do Comité Central do meu partido - é necessário acentuar a vigilância em relação às actividades fascistas e exigir que lhes seja posto cobro. Por isso, nós vamos votar com o Partido Socialista.

Aplausos do PCP e de alguns Deputados do PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Sérvulo Correia. Dispõe de cinco minutos, como sabe.

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O Sr. Sérvulo Correia (PSD): - Sr. Presidente: Eu não desejo intervir ainda neste debate. Desejava dirigir um pedido de esclarecimento ao Sr. Deputado Carlos Brito.

O Sr. Presidente: - Queira formulá-lo, Sr. Deputado.

O Sr. Sérvulo Correia (PSD): - Eu desejava saber da parte do Sr. Deputado Carlos Brito se é ou não entendimento do Partido Comunista Português que determinados autos de sabotagem são legítimos em defeca da ordem democrática derrubada por golpes totalitários. Quero saber isso porque me lembro de determinadas actuações da ARA, nomeadamente colocando bombas em navios que se dirigiam às antigas colónias portuguesas.

Risos e manifestações de desagrado do PS e do PCP.

O Sr. Presidente: - Chamo a atenção dos Srs. Deputados.
Queira continuar, Sr. Deputado Sérvulo Correia.

O Orador: - Observo ao Sr. Deputado que na notícia de A Capital, que tem servido a este debate, apenas há uma frase desgarrada e não uma entrevista da pessoa referida e como essa frase é completamente separada de todo o seu contexto quero saber se o Sr. Deputado Carlos Brito entende ou não que seria legítimo, no caso da verificação, mas dessa vez com triunfo, de um novo 25 de Novembro, a população portuguesa, em defesa da democracia, impedir que a energia eléctrica chegasse a Lisboa. Eu quero desde já responder à pergunta que faço. Por meu lado, digo-lhe que, se houvesse um novo 25 de Novembro e se infelizmente, esse 25 de Novembro trunfasse, nós, sociais-democratas, tudo faríamos para que Lisboa não recebesse energia eléctrica.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidenta: - Queira responder, Sr. Deputado Carlos Brito.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Parece-me que esta intervenção do Sr. Deportado Sérvulo Correia é particularmente confusa. Creio que o Sr. Deputado ganharia bastante se todos nós estivéssemos de acordo em que ela não ficasse registada no Diário.
Sr. Deputado Sérvulo Correia, mas onde chegam os Srs. Deputados sociais- democratas, Deputados do PPD? Então os Srs. Deputados já confundem o regime que actualmente vigora em Portugal...

Risos do PSD.

...º regime de que nós aqui somos naturalmente, pelo mandato popular, defensores responsabilizados...

Vozes do PSD: - Vê-se!

O Orador: - ... com o regime fascista? Os Srs. Deputados comparam os actos de terrorismo e sabotagem que elementos fascistas cometam hoje contra o regime democrático e a ordem constitucional com os actos de violência que nós apoiámos mas contra um regime ilegítimo?

Aplausos do PCP e de alguns Deputados do PS.

O Orador: - Eu com isto respondo à sua pergunta, mas é o PPD que tem de prestar esclarecimentos à Câmara.

Aplausos do PCP e de alguns Deputados do PS.

O Sr. Sérvulo Correia (PSD): - Sr. Presidente, posso usar da palavra?

O Sr. Presidente: - Já lhe dou a palavra, Sr. Deputado Sérvulo Correia.
Antes disso, queria pedir a todos os colegas que abreviassem as suas intervenções, visto que chegou há pouco à Mesa uma mensagem do Sr. Presidente da República que devei ser lida neste período. Chamo, portanto, a vossa atenção para a necessidade que também temos de começarmos os nossos trabalhos da ordem do dia.
Tenha a bondade, Sr. Deputado Sérvulo Correia.

O Sr. Sérvulo Correia (PSD): - Sr. Presidente, vou formular um protesto.
Não há necessidade de esclarecimentos porque, ao contrário daquilo que afirmou o Sr. Deputado Carlos Brito, as minhas palavras foram suficientemente claras e não confusas.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Deputado Carlos Brito é que, seguindo uma táctica infeliz, procura confundi-las.
Eu muito claramente estabeleci um paralelo entre formas de luta violenta contra regimes não democráticos e disse ao Sr. Deputado Carlos Brito que, assim como o Partido Comunista antes do 25 de Abril tinha usado bombas para lutar contra um regime não democrático...

O Sr. Octávio Pato (PCP): - Se as acções da ARA foram totalitárias, também o foi o 25 de Abril.

O Orador: - ... nós, sociais-democratas e muitos, outros portugueses, estaríamos dispostos a fazer o mesmo se um golpe antidemocrático e totalitário derrubasse a democracia. E lembrei ao Sr. Deputado Carlos Brito que das declarações referidas em A Capital, completamente desinseridas de um contexto não se podia, de forma nenhuma, negar que o contexto em que elas tivessem sido proferidas fosse precisamente esse, isto é, o da disposição de as populações, no caso de a democracia ser derrubada, utilizarem a violência para repor e defender a democracia.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Rui Pena queria pedir-lhe um esclarecimento.
V. Ex.ª há pouco requereu que a Mesa lhe prestasse os elementos necessários para se poder pronunciar relativamente ao voto apresentado pelo Partido Socialista. Isso significa que V. Ex.ª requereu o adiamento da votação?

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O Sr. Rui Pena (CDS): - Com efeito, Sr. Presidente. Pois se, efectivamente, a Mesa me puder fornecer hoje esses elementos, eu necessito, naturalmente, de tempo para que o meu grupo parlamentar se pronuncie sobre os mesmos. Portanto requeiro, ao abrigo daquela mesma praxe regimental aqui já invocada anteriormente, o adiamento da votação para a próxima sessão.

O Sr. Presidente: - Sendo assim, e porque essa praxe faz lei, considera-se que está adiada a votação. De qualquer modo, como foi solicitado o prolongamento do período de antes da ordem do dia, está ainda inscrito para usar da palavra neste período e nos termos do Regimento - cinco minutos para cada partido - o Sr. Deputado Marques Mendes.
Tenha a bondade, Sr. Deputado Marques Mendes.

O Sr. Marques Mendes (PSD): - Sr. Presidente, não pedi: a inscrição para usar da palavra neste período. Pedi a palavra já há momentos para ao abrigo dessa praxe, que agora acaba de ser invocada, solicitar o adiamento da votação para a próxima sessão.

O Sr. Presidente: - Sendo assim, e porque o prolongamento do período de antes da ordem do dia foi diferido, ainda podem usar da palavra o Partido Socialista, o Partido Social-Democrata e o Partido do Centro Democrático Social, se desejarem exercer esse direito.
O Sr. Deputado Patrocínio Martins tinha pedido a palavra sobre esta discussão do voto de protesto do Partido Socialista, mas como a discussão foi adiada poderá usar dela na próxima reunião.
Vou dar a palavra à Sr.ª Secretária D. Amélia de Azevedo para ter a bondade de ler uma mensagem, chegada há momentos, do Sr. Presidente da República.

A Sr.ª Secretária (Amélia de Azevedo): - A mensagem do Sr. Presidente da República é do seguinte teor:

SR. PRESIDENTE DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA.

EXCELÊNCIA:

Tencionando deslocar-me nos dias 12 a 15 do próximo mês de Dezembro à República Federal Alemã, em viagem de carácter oficial, venho nos termos do artigo 132.º e da alínea d) do artigo 136.º da Constituição, solicitar o necessário assentimento dessa Assembleia.
Apresento, a Vossa Excelência os meus melhores cumprimentos.

Lisboa, 28 de Outubro de 1977. - O Presidente da República, António Ramalho Eanes.

Nesta mensagem foi lançado o seguinte despacho do Sr. Presidente em exercício António Arnaut:

Dê-se conhecimento ao Plenário. Publique-se (artigo 229.º, n.º 2, do Regimento). Fixo à Comissão dos Negócios Estrangeiros o prazo de oito dias para emitir parecer (artigo 230.º do Regimento).

Lisboa, 28/10/77.

O Sr. Presidente: - Pergunto ao Partido Socialista se deseja inscrever um seu Deputado para usar da palavra durante cinco minutos.

O Sr. Fernandes da Fonseca (PS): - Desejo inscrever-me eu, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Fernandes da Fonseca (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados:
Na noite de 19 do corrente, o lugar de Sabroso, da freguesia de Beire, do concelho de Paredes, despertou da sua pacatez e provincianismo seculares, agitado por um vento de tragédia. A notícia horripilante que rapidamente se espalhou pelas vizinhanças deixava toda a gente estupefacta. Um empregado fabril, de 29 anos de idade, de nome António Braga Pereira do Couto, acabara de assassinar, da forma mais cruel e mais horrorosa o seu pai e sua mãe, respectivamente de 71 e 57 anos de idade, e seus dois irmãos, de 28 e 21 anos e deixara entre a vida e a morte a sua irmã, de 23.
Como única motivação aparente do acto criminoso emergia apenas a preocupação do assassino em libertar a família do espírito maligno que todos encarnavam.
Consumada a tragédia alucinante, ficaram os quatro familiares a repousar numa mesma cova do cemitério local e o António Pereira do Couto recolheu à cadeia de Custódias, de onde passará certamente para um manicómio criminal. Aos psiquiatras, que porventura venham a ser encarregados do seu exame, não se tornará com certeza difícil chegar à definição e ao diagnóstico da crise psiquiátrica provocadora deste massacre.
De acordo com o que noticiaram os jornais, António Pereira do Couto encontrava-se com baixa por doença desde o mês de Junho e ainda no domingo anterior ao trágico acontecimento se havia deslocado na companha de seu pai, a alguns quilómetros de distância da sua residência, a fim de consultarem "uma mulher de virtude".
Em antes da sua consumação, quem podaria admitir que no último quartel do século xx, e num país dito civilizado, um acto tão abominável pudesse vir a acontecer.
Mas a realidade trágica aí está, como que a convencer-nos de que alguns dos nossos estratos sociais poderão ter regressado, pelo menos por um momento, a uma plena Idade Média. Referimo-nos sobretudo àquele negro período da história da psiquiatria, em que as terapêuticas das doenças mentais, exercidas por sacerdotes e feiticeiros, consistiam, mercê da sua concepção mágica, essencialmente em exorcismos e expurgos, quando não em penitências criminosas que podariam chegar até ao assassínio.
E a evocação do acontecimento aterrador, ainda tão fresco na nossa memória, serve-nos para trazer aqui, Sr. Presidente e Srs. Deputados, mais uma chamada de atenção aos problemas da nossa saúde mental.

A satisfação das necessidades da saúde dos diversos agregados populacionais constitui, desde há muito,

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uma das maiores preocupações dos responsáveis políticos de qualquer país.
Resultam essas preocupações da circunstância evidente de que, para além de um direito individual ao bem estar da pessoa, se aceita hoje o princípio incontestável de que a saúde representa, de facto, o maior potencial criador de riqueza de um agregado.
Por isso se coloca actualmente a problemática da saúde ao lado da educação, constituindo, uma e outra, as duas alavancas indispensáveis ao arranque da economia e do desenvolvimento de qualquer nação.
Daí o desafio que a organização da saúde lança aos responsáveis políticos de todo o mundo, já que na base da sua restruturação e da sua eficiência se situam todas as infra-estruturas que condicionam o bem-estar dos cidadãos e a plena realização dias suas capacidades individuais e colectivas. Podemos mencionar entre tais infra-estruturas a habitação condigna, a nutrição apropriada, a regulamentação fisiológica do trabalho, a urbanização programada, a ocupação dos tempos livres, a satisfação cultural, etc.
Importa aqui salientar que se um tal desafio é comum a todos os países, ele atinge sempre uma muito mais ampla dimensão naqueles agregados nacionais em que se procura estabilizar e consolidar uma estrutura do tipo democrático.
É evidente que as resoluções dos múltiplos problemas que condicionam a estruturação da saúde, nas suas facetas assistênciais e profilácticas, não são de algum modo fáceis; muito especialmente se tivermos em atenção que os estilos da vida moderna vêm mudando ao homem, inúmeras dificuldades na sua adaptação às constantes mudanças sociais, físicas e até emocionais que envolvem essa mesma vida.
Ensinamos a história da medicina que na luta travada em defesa da sua saúde o homem pôde vencer, com o maior sucesso, os seus inimigos externos, contando-se entre as suas mais retumbantes vitórias a que ganhou contra os gérmenes da infecção.
Mas não conseguiu ainda, com igual êxito, derrotar, nos planos terapêutico e profilático, os seus inimigos internos ou, então, aqueles que resultam do impacte da vida moderna na sua adaptação e nos seus hábitos. E avultam, entre essas duas últimas categorias de inimigos, as perturbações cardiovasculares, as doenças mentais e o cancro.
Por isso mesmo, um grupo de eminentes cientistas, há pouco reunidos (Ph. SELBY - Perspectives in Medicine 6, S. Karger, Basel, 1974), afirmava, a tal propósito, que esses constituíam os três maiores problemas a enfrentar e a dominar no campo da saúde na década de 80. Segundo eles, todo o serviço de saúde de qualquer país civilizado deverá estar apto, nesta altura, a levar por diante exames de rotina em toda a sua população, de modo que o maior inúmero das doenças possam ser detectadas em fase completamente tratável.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - É certo que uma tão ampla possibilidade de defecção das doenças fará subir as taxas de morbilidade em todos os países. Mas tal subida tornar-se-á apenas aparente desde que aumente, de forma evidente, a eficiência das terapêuticas disponíveis, o que, consequentemente, fará aumentar a nossa longevidade.
A decaída de 80 apresenta-se, assim, aos olhos desse grupo de cientistas, como o período em que deverá ser atingida uma grande vitória contra aqueles três grandes inimigos actuais da saúde humana.
Mas não esqueçamos que nessa luta, e na sua respectiva vitória, irá contar sobretudo o desenvolvimento das tais infra-estruturas da saúde que apontei. Significa isto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que, se o nosso país quiser acompanhar os projectos de vanguarda, para a conquista do bem-estar físico, mental e social dos cidadãos, terá que alcançar-se rapidamente à estruturação de um serviço nacional de saúde.
Desse serviço fará parte integrante e nós pensamos que deverá ser prioritária, a organização da nossa saúde mental.
Se contarmos que as estatísticas mais baixas atribuíam a qualquer sociedade uma incidência potencial de 3% de deficientes mentais, 1% de esquizofrénicos e 0,5% de epilépticos, facilmente concluiremos que no nosso país existirão, mesmo dentro desse óptimo estatístico, 500 0000 necessitados de amparo permanente. E se acrescentarmos a esse número outros 500 000 alcoólicos (isto para só nos referirmos àquelas situações psicopatológicas com maior tendência para a descompensação individual e social), teremos uma ideia clara da grandeza das nossas necessidades nesse sector.
Para além disso, e mesmo sem descermos a referências pormenorizadas sobre a incidência das neuroses e das demais psicoses, importa acentuar que se admite entre nós, embora por avaliação grosseira e proveniente por defeito, visto não possuirmos dados estatísticos adequados, que mais de 25 % dos nossos casos de incapacidade para o trabalho são devidos a perturbações de natureza mental.
Urge, pois, planificar sem mais delongas os nossos serviços de saúde mental, integrando numa organização global e eficiente as diversas estruturas assistênciais já existentes e criando as de natureza comunitária e profilática que para tal se mostrem necessárias.
Foi esse, aliás, o sentido de duas das minhas intervenções feitas na 1.ª sessão legislativa desta Assembleia a de 25 de Janeiro, sobre enfermagem psiquiátrica, e a de 10 de Fevereiro, sobre o combate à droga e ao alcoolismo no nosso país. Haja em vista que o alcoolismo, que se inclui dentro da patologia de carácter mental, constitui ainda um dos grandes factores de casualidade nas perturbações cardiovasculares.
É esse o apelo que volto a formular nesta ocasião, dirigindo esse apelo directamente ao Ministério dos Assuntos Sociais e, especificamente, ao secretário da Saúde, mas estendendo-o, de forma muito concreta, à necessária colaboração de todas as forças políticas do nosso país.
Conjuguemos, pois, todos os nossos esforços para que rapidamente se efective entre nós a estruturação de um adequado serviço de saúde mental, capaz de contribuir, de modo eficiente, para minimizar o nosso sofrimento individual e colectivo e elevar, em contrapartida, o bem-estar geral do nosso agregado.

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E para reforço deste apelo, termino com as palavras que utilizava o Jornal de Notícias, do Porto, do passado dia 20 :

Neste caso, os sinos que dobraram pela família de Sabroso também dobraram por todos nós, porque todos pertencemos à imensa família de milhões de vítimas do nosso atraso social e da nossa loucura individual ou colectiva.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Também para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa da Costa.

O Sr. Barbosa dm Costa (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É dever dos representantes dos portugueses, por eles livremente eleitos, denunciar publicamente todas as situações de injustiça que, apesar de repetidas promessas, nem sempre cumpridas, se avolumam continuamente.
Embora seja mais fácil e cómodo defender os interesses de maiorias ou de grupos quantitativamente significativos, pela ausência que tal defesa provoca, não podemos deixar de alertar para a situação de algumas centenas de pessoas, mas a justiça a isso nos obriga, pois aqueles que, pela exiguidade da sua representatividade, umas dificilmente poderão fazer ouvir a sua voz.
As considerações expendidas são motivadas pela situação criada por um recente diploma legal aos professores do ensino primário, ex-regentes escolares.
Para uma mais completa compreensão do problema importa recuar no tempo, procurando fazer a história do longo e penoso calvário destes humildes, mas dignos, servidores do ensino.
Criando o seu estatuto pela exiguidade de docentes diplomados, que foi agravado pelo encerramento das escolas do magistério primário num determinado lapso de tempo, foram os regentes escolares a mais desprezada categoria do funcionalismo público.
O seu vencimento, se tal se pode chamar a uma retribuição ainda há poucos anos de 450$ mensais, era mais baixo que o de uma auxiliar de limpeza das escolas primárias que não ultrapassava 500$, mão tinha acesso a qualquer tipo de reforma e, quer fossem efectivos ou agregados, não ganhavam nas férias e, como cúpula de toda esta miserável situação, quando não eram necessários, eram pura e simplesmente demitidos.
Certamente que com tais perspectivas a preparação da maioria era deficiente, mas, apesar de tudo, conhecemos muitos que foram excelentes pedagogos, inteiramente votados à missão que não lhes era paga e foram os responsáveis pelo arranque ao analfabetismo de muitos milhares de portugueses, quer crianças quer adultos, em terras por outrem recusadas e, sendo mais pobres que os pobres que ensinaram, suportaram estoicamente a marginalização a que foram votados.
Esta escandalosa situação foi sendo timidamente minimizada por algumas medidas.
Assim, foi-lhes finalmente concedido o direito à inscrição na Caixa Geral de Aposentações, contando-se para o efeito o tempo de serviço já prestado.
Entretanto, muitos desses servidores iam procurando valorizar-se e alguns deles, se a idade limite imposta por lei lhes permitia, após a obtenção das habilitações necessárias, ingressavam nas escolas do magistério para serem docentes de pleno direito.
Talvez na sequência deste interesse, foi-lhes permitido, em 1972, o ingresso nas escolas do magistério, mediante a frequência e aprovação em cursos intensivos, de duração variável em função das suas habilitações.
No legítimo desejo do aproveitamento desta faculdade, muitos se lançaram na busca do almejado diploma de professor, alguns com mais de 50 anos de idade, com um longo passado de canseiras e de sacrifícios, autênticos párias da sociedade, abandonando a casa e a família, pois a maioria vivia e leccionava nas aldeias mais abandonadas.
E assim se talham que manter, durante pelo menos, quatro anos, num redobrado esforço, pois a idade e a intensidade dos cursos a isso os obrigava.
Entretanto o vencimento, que havia passado para 1400$, foi-lhes aumentado para o limite mínimo nacional, merecido 25 de Abril, e tendo o Decreto-Lei n.º 290/75, de 14 de Junho, possibilitado uma categoria na carreira do funcionalismo público.
Ainda por força deste diploma passava a ser contado para todos os efeitos, legais todo o tempo de serviço prestado em qualquer grau ou ramo de ensino, quer antes quer depois da sua entrada em vigor. A injustiça é mais flagrante quando constatamos que há alguns ex-regentes que muito legitimamente se efectivaram ao abrigo do Decreto-Lei n.º 290/75, enquanto outros nas mesmas circunstâncias, por terem a infelicidade de serem abrangidos pelo discutível Decreto-Lei n.º 263/77, não o podem fazer igualmente, sendo-lhe arbitrariamente retirado esse direito adquirido.
Assim, vemos professores com largos anos de bom e efectivo serviço como regentes, serem relegados para o 2.º escalão e preteridos em favor de outros professoras a quem basta um só dia de serviço para estarem integrados no 1.º escalão.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nunca é tarde para se reverem posições que a justiça e a equidade exigem.

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Por isso é nossa opinião que urgentemente se devem modificar as disposições que provocaram esta situação a cidadãos que sempre pelo anterior regime foram classificados de 2.ª classe.
Reposta a democracia neste país, torna-se incompreensível a manutenção de qualquer tipo de injustiça e entendemos que tudo deve ser feito para respeitar os daremos das pessoas por mais insignificante que seja o número de atingidos.

Uma voz do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Nem que seja um único cidadão a ser vítima de uma arbitrariedade deve merecer-nos tanta ou maior atenção e defesa como se de um grande grupo se tratasse.
Esperamos que o departamento ministerial responsável se debruce rapidamente sobre este problema de forma a reparar a desigualdade que se cavou entre docentes do ensino primário que, embora diplomados por caminhos não totalmente coincidentes, exercem a mesma função tão necessária à melhoria das condições culturais do nosso país.

Aplausos do PSD e do Deputado Cunha Simões (CDS).

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Como o CDS não deseja utilizar este período suplementar, passamos à ordem do dia.
O primeiro ponto a tratar é a apreciação do pedido de concessão de prioridade e urgência na discussão da proposta de lei n.º 132/I, que regulamenta o recenseamento eleitoral.

Nos termos do artigo 244., n.º 2, do Regimento, a Assembleia deliberará após debate em que terão o direito de intervir apenas um dos requerentes e um representante de cada partido, por período não superior a um quarto de hora. Está, portanto, em discussão.

Pausa.

Tem a palavra o Sr. Deputado Oliveira Dias.

O Sr. Oliveira Dias (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Eu apenas desejava pedir um breve esclarecimento, adiantando desde já que o nosso grupo para fomentar, em princípio, estará de acordo com a concessão de prioridade, e urgência na apreciação desta proposta de lei. No entanto, não está esclarecia na nota que nos foi facultada que modalidade de urgência é que o Governo propõe ou que a Câmara entende adoptar e penso que esse ponto deveria ser convenientemente esclarecido.

O Sr. Presidente: - Como o Sr. Deputado sabe, não tendo sido requerida qualquer tramitação especai quanto ao nosso processo de urgência, aplica-se a regra supletiva do artigo 246.º
Considera-se, portanto, concedida a prioridade e urgência.
Há ainda outro pedido de urgência relativamente à proposta de lei n.º 124/I, que aprova, para ratificação a Convenção Europeia dos Direitos do Homem, concluída em Roma em 4 de Novembro de 1950. Também não foi requerida nenhuma tramitação especial, pelo que, a ser aprovada a urgência, se aplicará a regra supletiva.
Como não há inscrições, considera-se também considerada a prioridade e urgência.
O ponto seguinte é, como sabem, a leitura do Relatório da Comissão de Regimento e Mandatos sobre as substituições de alguns colegas nossos.
Para o efeito, tem a palavra o relator da Comissão, Sr. Deputado Alexandre Reigoto.

O Sr. Alexandre Reigoto (CDS):

COMISSÃO DE REGIMENTO E MANDATOS RELATÓRIO E PARECER

Em reunião realizada no dia 26 de Outubro de 1977, pelas 15 horas, foram apreciadas as seguintes substituições de Deputados:

Solicitada pelo Partido Social-Democrata:

Américo Natalino Pereira Viveiros (círculo eleitoral de Ponta Delgada), por Justino Manuel Costa Madeira.

António Júlio Correia Teixeira da Silva (círculo eleitoral de Aveiro), por António Monteiro Coutinho de Freitas. Esta suspensão é pedida por um período de seis meses.

Solicitada pelo Partido Comunista Português:

Américo Lázaro Leal (círculo eleitoral de Setúbal), por Cândido de Matos Gago. Esta suspensão é pedida, por um período de sete meses.

Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha, verificou-se que os substitutos indicados são real e actualmente os primeiros candidatos eleitos ainda não solicitados na ordem de precedência da lista eleitoral apresentada a sufrágio pelos referidos Partidos nos respectivos círculos eleitorais.

Foram observados todos os preceitos regimentais e legais.

Finalmente, a Comissão entende proferir o seguinte parecer:

As substituições em causa são de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.

A Comissão: Vice-Presidente, Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho (PSD). - Secretários, Alexandre Correia de Carvalho Reigoto (CDS) - Cristóvão Guerreiro Norte (PSD) - Amantino Marques Pereiro de Lemos (PSD) - Víctor Afonso Pinto da Cruz (CDS) - José Manuel Maia Nunes de Almeida (PCP).

O Sr. Presidente: - Como não há qualquer oposição, está aprovado o relatório e consideram-se operadas as substituições.

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Está pendente um pedido de autorização para que o Sr. Deputado Carlos Alberto Faria de Almeida preste declarações na Comarca Judicial de Celorico da Beira, no próximo dia 31 de Outubro, pelas 11 horas, relativamente ao Processo n.º 48/77. Já foi ouvido o interessado. Resta saber se a Assembleia tem alguma cousa a opor.

Pausa.

Como nada há a opor, está concedida a autorização.

Entramos, por isso, prezados colegas, na segunda parte dos nossos trabalhos: continuação da discussão da proposta d& lei n.º 89/I, que aprova a 2.ª emenda ao Acordo relativo ao Fundo Monetário Internacional, elaborado em conformidade com a Resolução n.º 29-10 da Assembleia de Governantes do referido Fundo.
Tínhamos aprovado a proposta na generalidade, faltando agora a votação e a discussão na especialidade.
O Sr. Deputado Carlos Lage pede a palavra para um esclarecimento.
Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, parece-me que já foi feita a discussão e votação na generalidade com as declarações de voto dos diversos partidos, faltando apenas votar na especialidade.

O Sr. Presidente: - Ou discutir, se houver inscrições, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Evidentemente, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Foi o que disse: discussão e votação. No caso de não haver inscrições, passaremos imediatamente à votação.

Pausa.

Vamos passar à votação na especialidade desta proposta.
Como se trata de um artigo único, será feita uma única votação.

Submetida à votação, foi aprovada com votos a favor do PS, do PSD e do CDS e votos contra do PCP e da Deputada independente Carmelinda Pereira.

O Sr. Presidente: - Uma vez que não há declarações de voto, iniciamos a discussão do pedido de ratificação n.º 18/I, relativo ao Decreto-Lei n.º 254/77, de 15 de Junho, que aprova a Lei Orgânica da Direcção Geral de Saneamento Básico.
Está em discussão.
Tem a palavra o Sr. Deputado Marques Mendes.

O Sr. Marques Mendes (PSD): - Sr. Presidente, não era para participar ainda na discussão. Era só para Interpelar a Mesa, solicitando-lhe um esclarecimento.

O Sr. Presidente: - Tenha a bondade, Sr. Deputado.

O Sr. Marques Mendes (PSD) - Uma vez que vamos entrar na discussão de um pedido de ratificação de uma matéria que reputamos de muito interesse, gostaríamos de saber se o Governo se faz representar neste debate, porquanto consideramos de suma importância que o Governo esteja representado pelo respectivo Ministro ou Secretário de Estado.
Era este o esclarecimento pretendido.

O Sr. Presidente: - Creio que o Governo se fará representar porque há pouco chegou à Mesa um pedido de informação relativamente ao horário previsto para o início dá discussão. Como não vejo aqui nenhum membro do Governo e como, entretanto, a Mesa tem de reunir para tomar uma deliberação urgente relativamente ao provimento do secretário-geral da Assembleia da República, creio ser oportuno fazer um pequeno intervalo de 15 minutos.
Como não há oposição, interrompemos os trabalhos por 15 minutos. A reunião está suspensa.

Eram 16 horas e 10 minutos.

A seguir ao intervalo, estiveram presentes os seguintes membros do Governo: Ministro sem Pasta, Jorge Campinos, Ministro das Obras Públicas (Almeida Pina) e Secretário de Estado dos Recursos Hídricos (Morais Barroco).

O Sr. Presidente: - Está reaberta a reunião.
Eram 16 horas e 45 minutos.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Herculano Pires, na qualidade de membro da Comissão de Regimento e Mandatos, tem um relatório para ler.
Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Herculano Pires (PS):

COMISSÃO DE REGIMENTO E MANDATOS

Relatório e parecer

Em reunião realizada no dia 28 de Outubro de 1977, pelas 16 horas, foram apreciadas as seguintes substituições de Deputados:
Solicitada pelo Partido Socialista:

José Manuel Niza Antunes Mendes (círculo eleitoral de Santarém), por Luís Patrício Rosado Gonçalves. Esta suspensão é feita pelo período de seis meses.
Mário António da Mota Mesquita (círculo eleitoral de Lisboa), por Dieter Dellinger. Esta suspensão, é feita pelo período de seis meses.

Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha, verificou-se que os substitutos indicados são real e actualmente os primeiros candidatos eleitos ainda não solicitados na ordem de prece-

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ciência da lista eleitoral apresentada a sufrágio pelo referido Partido nos respectivos círculos eleitorais.
Foram observados todos os preceitos regimentais e legais.
Finalmente a Comissão entende proferir o seguinte parecer:

As substituições em causa são de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.

A Comissão: Vice-Presidente, Manuel Cardoso V. de Carvalho (PSD). - Secretários: Alexandre Correia de Carvalho Reigoto (CDS) - José Manuel Nunes Maia de Almeida (PCP)-António Cândido M. Macedo (PS) - Herculano Rodrigues Pires (PS) _ Cristóvão Guerreiro Norte (PSD) - Amantino Marques P. de Lemos (PSD)- Victor Afonso Pinto da Cruz (CDS) - Álvaro Augusto Veiga de Oliveira (PCP).

O Sr. Presidente: - Há alguma oposição?

Pausa.

Como não há consideram-se operadas as substituições.

Agora, Srs. Deputados, iniciaremos o debate relativo à ratificação n.º 18/I. Nos termos do Regimento, o debate será aberto por um dos autores do requerimento de sujeição a ratificação.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Roseta.

A Sr.ª Helena Roseta (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O Partido Social-Democrata sujeitou a ratificação o Decreto-Lei n.º 254/77, relativo à Lei Orgânica da Direcção-Geral do Saneamento Básico, porque entende que neste decreto estão contidas disposições que vão contra posições de princípio que nós defendemos. É cento que nós temos as nossas, o PS terá as suas, o Governo terá as dele, mas efectivamente ainda não foram discutidas publicamente neste país. Acontece que nesta Lei Orgânica se fala, por um lado, numa organização interna, a nível central, de uma Direcção-Geral que se criou; por outro lado, de numa estruturação desta Direcção-Geral a nível regional e local, estruturação essa que é de carácter transitório. E é aqui que os problemas se colocam. Devo, contudo, antes de começar a dissecar os problemas que esta estruturação levanta, fazer uma breve história da existência desta Direcção-Geral do Saneamento Básico.
A criação da Direcção-Geral do Saneamento Básico filia-se numa resolução do VI Governo Provisório, de 23 de Janeiro de 1976, que estabelece alguns princípios gerais da política de saneamento básico no nosso país e que são os seguintes:
Criação de regiões die saneamento básico, com as respectivas entidades gestoras, as quais deverão integrar águas, esgotos e lixos e ficarão na dependência do então Ministério do Equipamento Social, através da Secretaria de Estado das Obras Públicas.
Em segundo lugar, necessidade de criação de uma Direcção-Geral do Saneamento Básico, no âmbito desta Secretaria de Estado, com os respectivos órgãos regionais.
Em terceiro lugar, a necessidade de investir uma verba da ordem dos dois milhões de contos por ano, com o objectivo de satisfazer as carências de saneamento básico do nosso país, uma meta que se colocava então em 1990.
A seguir a esta resolução do Conselho de Ministros do VI Governo Provisório, surgiu o Decreto-Lei n.º 117-D/76, de 10 de Fevereiro, em que o antigo Ministério do Equipamento Social era substituído pelo Ministério das Obras Públicas e aqui, então fica, efectivamente criada a nova Secretaria de Estado dos Recursos Hídricos e Saneamento Básico com a Direcção-Geral do Saneamento Básico e uma outra Direcção-Geral. Neste decreto, que eu cito por ter um pormenor importante, diz-se no artigo 6.º alínea c), que "desta nova Secretaria de Estado dos Recursos Hídricos e Saneamento Básico ficam dependentes, para efeitos de tutela, empresas públicas a criar neste sector". Isto é, pela primeira vez aparece a designação de empresas públicas no sector do saneamento básico, designação que é nova, uma vez que anteriormente se falava apenas em entidades gestoras, fórmula suficientemente vaga para nos deixar na duvida sobre qual o modelo que estava subjacente à ideia dessas entidades de saneamento básico.
Tudo isto se passou ao tempo do VI Governo Provisório. Depois disso, como todos sabem, aprovou-se a Constituição, fizeram-se eleições legislativas de que resultou o I Governo Constitucional, fizeram-se eleições para as autarquias e aprovou-se a respectiva lei que acaba de ser publicada.
Agora é preciso verificarmos se do conjunto de novos textos derivados destes fundamentais actos da democracia não resultam princípios que não são exactamente os mesmos que os referidos na Resolução do Conselho de Ministros do VI Governo Provisório, em matéria de saneamento básico.
Quanto ao que a Constituição nos diz em matéria de saneamento básico, é muito pouco. Diz-nos apenas no artigo 66.º, artigo muito importante, que se garante o direito a um ambiente equilibrado e a uma melhoria da qualidade de vida dos cidadãos, o que implica, evidentemente, uma estrutura de saneamento básico que o nosso país ainda não tem, e diz-nos mais adiante, em matéria de entidades responsáveis pela solução deste problema, no artigo 239.º, que o País deverá, obedecendo ao princípio da descentralização administrativa, criar autarquias locais com uma série de atribuições e competências, dizendo-se ainda, no artigo 257.º, que serão as futuras regiões que terão competência paira dirigir serviços públicos regionais, e, no artigo 263.º, que transitoriamente, na ausência das regiões, serão erradas assembleias distritais. Isto é, prevê-se na Constituição a passagem de um sistema administrativo centralizado para um sistema administrativo regionalizado e descentralizado. Acontece que o modelo de saneamento básico implícito à tal resolução do VI Governo Provisório não é rigorosamente o mesmo. Porque, efectivamente, passa-se de um sistema centralizado para um sistema regionalizado, com a criação das empresas públicas regionais, mas não há uma efectiva descentralização. Pelo contrário, há uma concentração, porque se vai buscar à competência das autarquias até então exi-

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tentes competências que passarão para o nível regional, esvaziando o nível local e aumentando o nível regional. Isto em matéria de Constituição.
O que diz sobre esta matéria o Programa do I Governo Constitucional? É um programa, nesta matéria, relativamente ambíguo, com uma redacção que não deixa ver claramente quais eram as intenções do Governo nesta matéria.
Assim, depois de fazer uma análise das carências do sector, na p. 46 do Programa do I Governo Constitucional, diz-se que se irão criar estruturas regionais que coordenem e explorem todos os sectores relativos ao saneamento básico. Mais uma vez se fala numa designação ambígua, de estruturas regionais, e nós continuamos sem saber se são serviços públicos, se são empresas públicas, se são autarquia regionais, se o que é... Não fica dito.
Diz-se adiante, na p. 69, que em matéria de saneamento básico se combaterá uma política de gigantismo - fala-se mesmo em antigigantismo -, donde podemos deduzir que era intenção do I Governo Constitucional não fazer uma política de saneamento básico à custa de grandes instalações, com custos muito caros e com uma necessária concentração de serviços. Contudo, o que consta do Programa do Governo é muito pouco para podermos saber exactamente o que é que se pretendia.
Passemos, finalmente, à lei das autarquias, que acaba de ser publicada. Nesta lei das autarquias, no artigo 2.º, alínea e), estabelece-se como atribuição das autarquias tocais a promoção da salubridade pública. No artigo 18.º, alínea o), estabelece-se como competência das assembleias municipais a autorização às câmaras municipais para se integrarem em federações de municípios, associarem-se com entidades públicas, participarem em empresas regionais ou formarem empresas municipais. No artigo 87.º estabelece-se como competência das assembleias distritais a deliberação sobre a criação de serviços que apoiem tecnicamente as autarquias.
Isto é, deduz-se da lei das autarquias que efectivamente, e aliás mantendo neste ponto particular o que já se previa no Código Administrativo, é atribuição das autarquias promover as acções tendentes à salubridade pública e é competência dos órgãos deliberativos a nível municipal e distrital decidir da criação de entidades para fazer frente a estas necessidades públicas. Ora, acontece que não é isto que se pode deduzir da Lei Orgânica da Direcção-Geral do Saneamento Básico. A criação, prevista em tal lei orgânica, de umas entidades regionais que têm o nome sofisticado de comissões instaladoras: das entidades gestoras de saneamento básico, e que no fundo são nem mais nem menos do que os embriões das futuras empresas públicas de saneamento básico, contende directamente com a definição das atribuições que a lei das autarquias explicita em relação ao saneamento básico. Efectivamente, a lei das autarquias atribui às autarquias locais a competência para actuar nesta matéria; são uma atribuição das autarquias locais todas as acções deste sector. Sendo assim, não se compreende que uma lei orgânica venha criar comissões instaladoras de empresas públicas que vão retirar esta atribuição às autarquias locais.
Por outro lado, a criação destas empresas públicas, segundo a lei orgânica, fica dependente de uma proposta de diploma a apresentar pelas comissões instaladoras à Secretaria de Estado, não constando da lei orgânica que esse diploma tenha de ser aprovado ou sequer visto pelas autarquias locais, e portanto ficamos convictos de que as empresas públicas de saneamento básico são criadas, pura e simplesmente, por decisão governamental. É evidente que o Governo pode dizer que não é assim, mas que, logo que as comissões instaladoras tivessem os diplomas prontos, o Governo os viria sujeitar às autarquias, para elas terem conhecimento do que se estava a passar. Mas infelizmente a experiência prova que assim não tem sido. Posso falar do caso de Lisboa em que efectivamente, para grande curiosidade minha, já que sou também vereadora da Câmara Municipal de Lisboa, como sabem, vim a saber pelo relatório designado de "Necessidades sociais e nível de vida", da Secretaria de Estado do Planeamento, do Ministério do Plano, elaborado em Abril de 1977, que vão lançar-se, numa 1.ª fase, empresas públicas de saneamento básico do Porto, Algarve, Beira Alta e Lisboa, dizendo-se em pé de página - isto em Abril de 1977 -, com a maior das simplicidades, que a Empresa Pública, de Saneamento Básico de Lisboa já está criada. Ora, eu, vereadora da Câmara Municipal de Lisboa, em Outubro de 1977, não tenho qualquer conhecimento disto. Portanto, não sei como é que podem ser criadas empresas públicas neste contexto, com competências que são das autarquias locais e sem quaisquer conhecimento prévio das respectivas autarquias.

O Sr. Sérvulo Correia (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - Uma outra questão que também se levanta, independentemente da criação destas empresas públicas, é a divisão do País em regiões de saneamento básico, divisão essa que é decerto tecnicamente necessária, mas que tem de ser articulada com a futura criação das regiões previstas na Constituição, e desde já com as assembleias distritais previstas na lei das autarquias. Ora esta articulação também não consta da lei orgânica que cria órgãos regionais de saneamento básico, designadamente as comissões instaladoras das entidades gestoras de saneamento básico, que nada têm a ver com toda esta estrutura regional ou pré-regional.
Posto isto, a questão que nós levantamos e a de saber qual é a política do Governo Constitucional em matéria de saneamento básico. Já referi aqui o Programa do Governo onde se previa, como já disse, com uma linguagem ambígua, o lançamento de estruturas regionais, surgindo agora este decreto que cria as tais comissões instaladoras das entidades gestoras de saneamento básico. Mas o que são estas entidades gestoras? Qual o seu papel? Que modelo está por detrás desta designação? O Governo nada explicitou ainda sobre isto, designadamente no Plano a Médio Prazo, que, aliás, foi retirado e que não tinha qualquer opção em matéria de saneamento básico, ficando nós sem saber se a opção do Governo era regionalizar ou não, se era criar empresas públicas ou não - aí nada constava sobre isso. No entanto, nos relatórios preliminares deste Plano há uma série de indicações que nos confirmam a tese de que efectivamente as entidades gestoras de saneamento básico são as em-

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presas públicas e que estas são directamente dependentes do Ministério, sem qualquer articulação com as autarquias.
Senão vejamos: no relatório apresentado pelo Ministério das Obras Públicas em Março de 1977 - "Diagnóstico da situação e estratégia de desenvolvimento do sector da construção e obras públicas" - depois de se demonstrar que a actual situação em matéria de saneamento basco é uma situação de altas carências - e escuso de estar a indicá-las aqui, pois os números constam desse relatório e do Programa de Governo e quem quiser poderá consultá-los, embora hoje possam estar um pouco desactualizados, mas a ordem de grandeza será a mesma - prevê-se a estratégia para o saneamento básico com a criação de regiões de saneamento básico, a colocação em cada região de uma entidade gestora que será uma empresa pública na tutela da Secretaria de Estado dos Recursos Hídricos e Saneamento Básico, do Ministério das Obras Públicas, e transitoriamente a criação de núcleos regionais e as tais famosas comissões instaladoras das entidades gestoras de saneamento básico. Cá está, pois, a ideia que está subjacente a esta lei orgânica, uma lei que estabelece uma estrutura regional transitória com vista à cobertura do País por empresas públicas de saneamento básico.
Também se diz neste relatório do Ministério das Obras Públicas que em matéria tarifária serão as futuras empresas públicas de saneamento básico que cobrarão as tarifas de disponibilidade e utilização dos respectivos serviços. Significa-se com isto que se pretende retirar às autarquias não apenas a atribuição que lhes é cometida pela actual lei, e que já lhes era cometida anteriormente pelo Código Administrativo, mas também uma fonte de receitas substancial. Eu não tenho indicações quanto ao montante das tarifas actualmente cobradas no sector, mas as indicações quanto ao investimento a fazer neste sector vão desde o valor de 2 milhões de contos/ano indicados pelo VI Governo Provisório ao valor dos 3,2 milhões de contos/ano indicados neste mesmo relatório do MOP que prevê um montante de 13,5 milhões até 1980. É uma verba muito elevada, é uma verba que deixaria de estar atribuída às actuais entidades que agem nesta matéria, e que são as autarquias, para estar cometida a empresas públicas.
Retiro daqui a conclusão, e uma vez que de todas estas indicações preciosas dos relatórios preliminares do Plano a Médio Prazo nada saiu para a proposta que acabou por ser aqui presente à Assembleia, que o Governo, pelo menos nessa data, sabia o que queria, mas não o queria dizer. E se não o queria dizer, alguma razão tinha. É que sabia bem que a criação de empresas públicas, tal como se antevê nesta estratégia apresentada, pelo Ministério das Obras Públicas, vai contra as atribuições definidas, como sendo atribuições das autarquias, quer anteriormente: quer agora, pela lei das autarquias, e vai também contra a opinião da maioria das Câmaras que não se querem ver esvaziadas do seu papel e não se querem ver diminuídas nas suas fontes de receitas. É por isso com certeza que o Governo elimina do Plano que aqui apresentou qualquer referência a uma opção em matéria de saneamento básico, mas no plano dos factos e no plano organizativo avançou e tem avançado, e é nesse contexto que surge esta lei orgânica, que tem a gravidade de sob a capa e sob a designação de uma lei orgânica, admitindo que é apenas uma estruturação de uma direcção-geral, apresentar propostas de um modelo de actuação em saneamento básico neste país de acordo com uma política que ainda não foi nem apresentada nem discutida. Ora essa é a razão que nos leva a pedir esta ratificação. Evidentemente nós não temos de entrar na discussão dos pormenores da orgânica da Direcção-Geral - não foi por isso que pedimos a ratificação -, mas queremos, sim, pôr em causa a criação das tais comissões instaladoras das entidades gestoras de saneamento básico.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - A política de saneamento básico do PSD é diversa dessa. Entendemos, contudo, e se bem que eu avance desde já aqui as linhas gerais da nossa posição, qual não é esta a sede para apresentar esta política, e isto ,por uma razão simples: nós entendemos que primeiro se define uma política nacional e depois se estruture uma lei orgânica, e não o inverso. Não é, portanto, na discussão de uma lei orgânica que nós vamos encaixar ou meter, a martelo, uma política nacional de saneamento básico. A nossa política nacional de saneamento básico - apresentada, aliás, aos eleitores no nosso programa eleitoral de 1976 e já por mim também aqui por várias vezes referida, designadamente numa declaração política que fiz na ocorrência do Dia Mundial do Ambiente -, parte dos seguintes pressupostos: descentralização administrativa e financeira efectiva e não apenas teórica; cooperação técnica e financeira entre autarquias próximas, significando isto que se pode perfeitamente admitir, como alternativa ou como fase provisória, prévia à criação de entidades regionais mais vastas, a possibilidade de uma cooperação imediata entre autarquias vizinhas, cooperação essa que tem muito interesse, quer para as federações de municípios quer para as autarquias do interior, onde não se justificam instalações de grande porte; colaboração dos órgãos do poder locai no planeamento regional e nacional, pois isso não se tem verificado com o actual Governo Constitucional.
Entendemos que a política nacional de saneamento básico tem de ser feita mediante o concurso dos órgãos locais e dos regionais assim que estejam em funcionamento, mas, pelo menos desde já, dos locais, e não aceitamos que tudo isto seja decretado nas costas dias câmaras municipais. O PSD não é favorável ao esvaziamento de competências e de atribuições das autarquias locais; o PSD não é favorável à criação de empresas públicas à margem das autarquias locais; o PSD não é favorável ao sigilo das intenções do Governo nesta matéria.
Nós entendemos que a política nacional de saneamento básico que neste momento o MOP parece pretender seguir, na continuação, aliás, da política de saneamento básico do mesmo MOP de antes do 25 de Abril - nada tenho contra isso, mas é apenas um pormenor, pois trata-se de uma política definida em 1972, na altura por uma visão meramente tecnicista, já que não se podia contar com o concurso dias autarquias que nessa altura não eram representativas -, é também uma política à margem do concurso das autarquias.

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O Sr. Guerreiro Norte (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - Nós não aceitamos isto e não aceitamos que a política nacional de saneamento básico se fundamente no lançamento de grandes empreendimentos públicos, necessariamente muito vultosos, nem acreditamos que esses grandes empreendimentos sejam mais bem geridos e mais eficazes do que um sistema descentralizado. Evidentemente que temos conhecimento que nas áreas de grandes concentrações urbanas se terá de ir para empreendimentos de certo vulto, mas somos favoráveis a um sistema, mesmo em matéria de saneamento básico e mesmo com as condicionantes técnicas do nosso país, o mais descentralizado possível e o mais económico possível, quer quanto à gestão quer quanto à sua eficácia de funcionamento. Nós temos consciência que num país como o nosso, onde não há praticamente técnicos de saneamento básico, a não ser meia dúzia de pessoas formadas no exterior e muita gente que tem trabalhado nos serviços municipalizados e que aí adquiriu alguma experiência, não podemos arrancar com grandes empresas públicas para as quais nem sequer teríamos pessoal.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Aliás, esta realidade não é apenas nossa, é uma constatação de facto, porque, se formos ver o que se passa em matéria de financiamento neste sector, verificamos que já em 1976, já depois de definida uma orientação, na tal resolução do VI Governo Provisório, em matéria de saneamento básico, as previsões de investimento não se realizaram. Ficou por gastar, digamos assim, no final do ano uma verba na ordem dos 490 mil contos para um total de 1,5 milhões de contos, o que significa que, por um lado, se deparou com falta de projectos e não com a falta de financiamento e por outro lado se deve ter deparado - embora o Governo o não confesse, eu sei que assim é -, uma grande dificuldade e atraso na tomada de decisões. Porque o que se passa actualmente em matéria de saneamento básico é que com o actual sistema que não é ainda o proposto pelo MOP com as tais estruturas regionais, mas também não é já o sistema totalmente pulverizado das autarquias, temos uma situação que não é carne nem peixe e que em matéria de saneamento básico qualquer câmara que pretenda pôr em prática um projecto tem necessariamente de fazer a via-sacra do costume: vai bater à porta do núcleo regional, este não tem competência para tomar decisão, manda para a Direcção-Geral, esta não tem competência para tomar decisão, manda para o Conselho Superior das Obras Públicas, e o que é facto é que há projectos à espera de aprovação em matéria de água há mais de um ano e em matéria de esgotos há mais de cinco anos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Ora isto dificulta grandemente a aplicação de uma política de saneamento básico e, muito mais, de uma política pensada em termos de grandes investimentos, em grandes complexos regionais.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Sendo assim, a nossa proposta é de se retirarem deste decreto-lei as referências a essa política de saneamento básico à base de empresas públicas regionais, porque, por um lado, isso contende com as competências e atribuições das autarquias e, por outro lado, isso nem sequer foi discutido e deliberado pelos órgãos competentes, e se deixe ficar apenas no decreto aquilo que ele contém em matéria de organização dos serviços da Direcção-Geral; que se procure, neste acertar de coisas, que a orgânica da Direcção-Geral do Saneamento Básico seja suficientemente flexível para aceitar a necessidade de prosseguir com a política de saneamento básico que venhamos aqui a definir, quer o Governo em termos de opções do Plano a Médio Prazo quer a Assembleia da República em termos de aprovação dessas opções. Assim, este decreto é passível de diversas alterações que oportunamente apresentaremos na Mesa.
Além disto, tendo consciência que neste sector já se fizeram muitos estudos, já se fizeram muitos trabalhos, já se gastou muito dinheiro e há muitas obras em curso, tudo isso não pode ser deitado fora. Não queremos, efectivamente, deitar para o caixote do lixo o trabalho que está feito. Queremos, sim, aproveitá-lo, mas também compatibilizá-lo com as exigências da Constituição, da lei das autarquias e com a vontade dos órgãos autárquicos eleitos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Há ainda uma questão que eu quero levantar que se prende com esta lei orgânica, embora seja uma questão diferente que já não tem a ver com as empresas públicas, mas com o provimento do pessoal da Direcção-Geral de Saneamento Básico. Não me quero pronunciar sobre o provimento do pessoal que vem de antigas direcções-gerais para esta, mas sobre o provimento do pessoal para uns organismos que estão previstos nesta lei, e que são os núcleos regionais.
Em relação aos núcleos regionais, a nossa posição é de os aceitar como estrutura transitória, uma vez que, no fundo, não são mais do que delegações distritais acertadas a uma óptica da regionalização do País. No entanto, entendemos que nestes núcleos regionais se deve admitir a possibilidade de integrar o pessoal das câmaras e dos serviços municipalizados que têm experiência no sector. Essa possibilidade não está prevista no decreto-lei, onde só se prevê a possibilidade de integração de funcionários de direcções-gerais ou de quaisquer outros indivíduos. Nós, entendemos que, sendo o nosso pais tão escasso em técnicos e peritos nesta matéria, não podemos efectivamente desperdiçar esse pessoal que ainda é o que tem alguma experiência prática neste sector - evidentemente com necessidades de formação e actualização, mas essas estão previstas.
Posto isto, apresentadas, pois, as nossas reservas de fundo quanto à Lei Orgânica da Direcção-Geral de Saneamento Básico, nós desde já anunciamos que iremos apresentar nesta Assembleia uma iniciativa legislativa correspondente à criação de um serviço nacional de saneamento básico, à semelhança de outros serviços nacionais já criados, para fazer frente a outras necessidades da população, serviço esse que há-de ser integrado e descentralizado, mas que há-de

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também ser sujeito às deliberações autárquicas, quer a nível local, quer a nível regional, conforme se prevê na Constituição. Este o nosso propósito. E é com esse propósito que nos apresentamos aqui pedindo a ratificação desta lei orgânica, apresentando as nossas reservas e pedindo ao Ministério das Obras Públicas que nos responda às diversas questões que acabámos de apresentar.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Porto para uma intervenção.

O Sr. João Porto (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Decreto-Lei n.º 254/77, cuja ratificação foi requerida e se encontra neste momento em discussão, aprova a orgânica da Direcção-Geral de Saneamento Básico.
Não vamos aqui discutir as vantagens ou desvantagens das disposições adoptadas em tal diploma relativamente à estrutura e funcionamento daquela Direcção-Geral. Trata-se de matéria da competência e da responsabilidade do Governo e preocupa-nos muito mais o que os organismos têm para fazer - e que perspectivas de realização nos oferecem - do que a forma como internamente se preparam para essa missão.
Pelos frutos se conhece a árvore e, portanto, a obra que resultar de tal estrutura nos permitirá avaliar, então já sem margens para dúvidas, se ela foi bem ou mal concebida.
Para nós, pois, o que está neste momento em causa não é o objectivo directo e anunciado do diploma, mas sim eventuais objectivos indirectos que, de uma forma discreta, a aplicação do decreto-lei permita atingir. Não é tanto o que está escrito que nos preocupa, mas sim o que, não se escrevendo, ficou pressuposto.
Efectivamente, ninguém põe em dúvida que à Direcção-Geral de Saneamento Básico deverá caber um papel importante no desenvolvimento da política do sector. Também não está em dúvida que existem limites técnicos à descentralização da gestão do saneamento básico, já que muitas soluções não só envolvem amplas regiões, como exigem o concurso de técnicos altamente especializados, que cabe aos Serviços do Estado preparar e manter operacionais. Não é, pois, de estranhar que o diploma em análise enumere uma longa série de competências atribuídas aos serviços daquela Direcção-Geral.
Porém, havendo outras entidades com competência no domínio do saneamento básico, como é o caso das autarquias locais, necessário se torna que aquelas competências sejam rigorosamente delimitadas, por forma a evitar interferências ou lacunas indesejáveis; e do mesmo modo se impõe que tal delimitação seja criteriosa, tendo em atenção, a par dos limites técnicos, o princípio da descentralização administrativa.
A definição genérica e unilateral de competências presta-se, naturalmente, não apenas às interpretações mais variáveis, mas tombem, e sobretudo, às actuações mais discricionárias.
Justifica-se assim que, a propósito de um decreto-lei sobre a orgânica da Direcção-Geral do Saneamento Básico, se pergunte: na opinião do Governo, quais as competências das autarquias locais no âmbito do saneamento básico? De que forma se estabelecerá a ligação entre os núcleos regionais de saneamento básico e as autarquias locais?
As entidades gestoras do saneamento básico, bem como as respectivas comissões instaladoras, terão a participação das autarquias locais interessadas? No caso afirmativo, até que ponto essa participação terá carácter deliberativo? Numa palavra: em matéria de saneamento básico, em que medida reconhece o Governo às autarquias locais a sua qualidade autárquica?
E se pensarmos ainda em acções recentemente desenvolvidas noutros domínios, como é o caso da distribuição da energia eléctrica, poderemos sintetizar a dúvida de uma forma mais drástica e, porventura, excessivamente dramática: ser ou não ser autarquia, eis a questão!
O CDS vai, naturalmente, dar o seu voto favorável à ratificação do Decreto-Lei n.º 254/77. Está fora de questão que se suspenda um diploma cujo conteúdo principal respeita à orgânica de uma direcção-geral. Mas parece-nos muito oportuno que, a propósito, se aclare publicamente o sentido da política do Governo nesta matéria: se procura dar corpo a uma descentralização efectiva, ou se, ao contrário, os núcleos regionais de saneamento básico têm apenas por objectivo uma desconcentração dos serviços do Estado que mais facilite a centralização da gestão no sector.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Oliveira, também para uma intervenção.

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O processo de ratificação do Decreto-Lei n.º 254/77, de 15 de Junho, permitirá certamente melhorar e corrigir alguns aspectos do diploma em causa.
O Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português é, no entanto, de parecer que as questões fundamentais, ou mesmo só as mais importantes, que ao País se colocam no domínio do saneamento básico, ou são exteriores ao texto, ou só ao de leve são afloradas por ele.
Antes de propormos algumas alterações, que terão neste decreto-lei o efeito correctivo considerado por nós indispensável, importa, pois, situar toda a problemática do saneamento básico no que toca, por um lado, ao bem-estar das populações e em geral aos problemas do ambiente e, por outro, no que diz respeito à organização político-social e económica expressa de forma concentrada nos diversos poderes do Estado democrático e nas suas inter-relações.
Fora deste quadro de referência, quer o decreto-lei do Governo, quer o debate na Assembleia da República, quer as eventuais propostas correctivas, perderiam sentido ou reduzir-se-iam a uma mistura de fórmulas tecnocráticas de aplicação duvidosa e de resultado nulo ou negativo.
Todos conhecemos as carências e misérias e mesmo as situações trágicas que neste domínio resultaram de quase meio século de ditadura fascista.

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Na verdade, a somar à enorme falta de habitações e aos bairros de lata ou degradados podem indicar-se três índices cujo significado não deixa dúvidas: 50 por cento das casas existentes não têm rede de esgotos, 57 por cento das habitações não dispõem de água corrente, 87 por cento das sedes de concelho não realizam o tratamento de águas poluídas e de esgotos. Quanto à recolha e tratamento de esgotos e sua remoção, tratamento e destino final dos lixos, a situação é ainda pior.
Resolver tão grandes e graves problemas, para a salubridade e bem-estar das populações e por forma a não degradar mais ainda o ambiente exigirá, a par de complexos meios técnicos e de grandes recursos financeiros, a participação activa e criadora das populações, quer directamente quer através dos órgãos eleitos do poder local e regional e, finalmente, da definição e execução de uma política nacional integrante que cabe também aos órgãos do Poder Central do Estado.
As dificuldades são muitas e crescem ainda, porque teremos não só de criar a partir do zero, mas também de eliminar situações de degradação cuja urgência imporá soluções provisórias, mas imediatas. O grau de poluição de alguns dos nossos cursos de água, resultando já em certos casos na destruição total da vida animal e em parte da vegetal o acumulando perigosamente riscos inaceitáveis para a salubridade e vida das populações ribeirinhas é mais uma prova do que afirmamos.
E que dizer se todos nós sabemos que existem ainda as fontes de chafurdo, que continuam ainda, por vezes, a ser o único ou principal meio de abastecimento de água de algumas populações.
A escassez de água devidamente tratada, a ausência de esgotos, a inexistência de recolha de lixos resultam forçosamente na poluição do meio ambiente, na insalubridade das populações e em graves prejuízos sociais e económicos para toda a vida nacional.
É o bem-estar e a qualidade de vida do povo que estão em causa, é afinal uma das tarefas fundamentais do Estado democrático, conforme o explicita claramente, nomeadamente no seu artigo 9.º, a Constituição da República Portuguesa.
É também uma das incumbências do Estado - artigo 66.º da Constituição da República -, onde mais detalhadamente se referem o controlo da poluição, o equilíbrio ecológico, o aproveitamento nacional dos recursos e a qualidade de vida de todos os portugueses. E vale a pena frisar que a Constituinte, revelando um apurado sentido das, realidades, sublinhou desde logo a necessidade de recurso à iniciativa popular - n.º 2 do referido artigo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É conhecida de todos a forte interdependência que existe entre o saneamento básico e o aproveitamento racional dos recursos hídricos nacionais. São também conhecidas as relações existentes entre o ciclo da água e o equilíbrio ecológico e o ambiente. Se tivermos em conta a situação concreta do nosso país, é forçoso concluir que terá de definir-se uma política nacional de saneamento básico intimamente ligada com uma política também nacional de gestão dos recursos hídricos.
É sobre as formas de definir e depois executar e fiscalizar a execução de uma tal política que as divergências poderão existir. É, pois, esta a questão que em traços rápidos, e por isso mesmo um pouco esquemáticos, procuraremos a seguir esclarecer.
A ditadura fascista, derrotada pelo 25 de Abril, causou um imenso cortejo de males e misérias.
Mas a destruição das liberdades democráticas não podia passar sem a destruição do que de melhor havia nas nossas tradições de municipalismo. Os municípios foram reduzidos, aos presidentes das câmaras e estes transformados em funcionários de confiança, onde por vezes era difícil distinguir o esbirro do capataz de Fazenda. As populações só com muita luta e sujeitando-se à repressão conseguiam fazer ouvir a sua voz.
A história das águas públicas e dos baldios, a proletarização e espoliação dos camponeses, a especulação desenfreada dos terrenos nos grandes centros urbanos, os bairros de lata, a insalubridade e misérias das populações e a repressão brutal, que tudo impunha, só eram possíveis com a destruição do poder local sufragado pelas populações.
E se lembramos estes factos é porque há hoje quem argumente com a incapacidade financeira e de gestão dos municípios, com a falta de meios técnicos ou mesmo com a sua ausência a nível municipal, para concluir retumbantemente que a única via para a solução dos problemas, do bem-estar das populações, e nomeadamente do saneamento básico, é a vida centralista e tecnocrática.
Para esta corrente, o Governo central, a partir do Terreiro do Paço, com uns tantos funcionários espalhados pela província, uns tantos organismos de sofisticado aparelho técnico e talvez umas tantas empresas públicas com poderes e técnica, já se vê, para tudo planear e resolver seriam a solução para o saneamento básico.
Nada mais errado e perigoso. Nada mais contrário quer à solução dos enormes problemas que nos afectam a todos, quer à consolidação da democracia, quer ao progresso económico, social e político do nosso país.
O Grupo Parlamentar do PCP defende, ao contrário, que a via correcta será aquela em que a participação das populações e dos órgãos do poder local e regional esteja devidamente assegurada.
Sucede porém que o decreto-lei cuja ratificação foi pedida não representa senão uma pequena peça do conjunto de diplomas que urgem para se poder caminhar com segurança, não só em relação aos problemas do saneamento básico, como também aos problemas do urbanismo, da habitação, da instrução, da assistência médica, dos transportes, em geral, de todos os problemas cuja solução correcta pressupõe a mais larga participação das populações e não será possível sem elas.
Assim, por exemplo, não faz sentido definir regiões de saneamento básico sem definir regiões administrativas.
Não faz sentado definir a política de saneamento básico sem assegurar aos municípios a capacidade financeira e técnica que lhes permita participar de facto na definição dessa política.
Não faz sentido criar instrumentos executivos de uma política e de um plano sem assegurar o exercício do poder tutelar por forma a aproveitar a eficiên-

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cia e a economia possíveis, sem perder o contacto com realidades que nem sempre, ou quase nunca, são redutíveis a números, e quantas vezes os números que existem são errados.
Não faz sentido pensar resolver, em tempo oportuno e com os poucos meios financeiros disponíveis, e as enormes carências e mesmo misérias que constituem o panorama geral do saneamento básico, sem contar com a mobilização e a participação activa e criadora das populações.
Nós conhecemos bem a argumentação dos que defendem as soluções centralizantes e tecnocráticas - falsas soluções, desde logo.
Há mesmo quem responsável por departamentos centrais do Estado diga: "As câmaras (!), nós demos-lhes as verbas necessárias e elas nem sequer conseguiram gastá-las, não têm capacidade de gestão, não têm projectos, não tem técnicos, não têm fiscalização", e concluem bombasticamente: se queremos alguma coisa teremos, etc., o resto é conhecido - mais um gabinete de apoio, mais uma repartição pública, mais um organismo gestor, mais e mais centralização e cegueira tecnocrática.
Nós persistimos em defender que justamente o que é indispensável é promover as capacidades do poder local, instituir as regiões, garantir a autonomia financeira e administrativa aos órgãos locais e regionais, fomentar a sua participação na definição da política nacional, no seu faseamento, na determinação das situações críticas, no estabelecimento de prioridades e também na tutela dos instrumentos executivos que, por economia de meios e pela urgência dos resultados, terão de superar as divisões municipais, e atender não só às necessidades regionais, mas também aos imperativos nacionais.
Nós defendemos que nos três grandes problemas em causa só por razões de método separáveis - águas, esgotos e lixos - há atribuições que deverão competir em exclusivo aos municípios, há as que dirão respeito às regiões administrativas e há também problemas cujo carácter iminente nacional e global exige a intervenção e a responsabilidade dos órgãos do Poder Central.
O decreto-lei em processo de ratificação não pode, pois, ser aceite senão como diploma orgânico e regulamentar de um instrumento da Administração Central do Estado, em concreto da Direcção-Geral do Saneamento Básico, e dentro destes limites deve confinar-se.
Há entretanto neste decreto-lei alguns dispositivos que poderiam apontar ou ser aproveitados para o acolhimento de falsas soluções tecnocráticas, centralistas e atentatórias da autonomia do poder local e regional e, portanto, antidemocráticas e anticonstitucionais.
As nossas propostas irão justamente no sentido de eliminar ou corrigir tais dispositivos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, é competência reservada desta Assembleia da República a lei das finanças locais, cuja discussão na generalidade já foi objecto dos trabalhos deste Plenário, e que esperamos possa ser brevemente aprovada.
É competência reservada desta Assembleia da República promover a instituição das regiões administrativas, que constituem um elo fundamental dos poderes do Estado e são indispensáveis à consolidação da democracia e, por essa via, também à satisfação das necessidades e promoção do bem-estar das populações.
A definição de uma política de saneamento básico, com garantias de realização adequadas às condições concretas do nosso povo e às possibilidades económicas e financeiras que estão ao nosso alcance, não poderá resultar da simples lei orgânica de uma direcção-geral. Ela não poderá também resultar do estabelecimento mais ou menos tecnocrático de uma divisão do País em regiões de saneamento básico e da criação de instrumentos de gestão facilmente degradáveis em centros burocráticos e tecnocráticos de comando, sem qualquer legitimidade popular.
Nós pensamos que o decreto-lei em apreço tem intenções louváveis e aspectos defeituosos corrigíveis.
Nós pensamos, porém, que este debate terá sobretudo o mérito de ter permitido mais uma vez colocar como questão central o cumprimento da nossa Constituição, designadamente através da elaboração de legislação que garanta a autonomia financeira e administrativa aos municípios e promova rapidamente a instituição das regiões administrativas.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Aquilino Ribeiro.

O Sr. Aquilino Ribeiro (PS) - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A discussão que tem estado a ser travada em torno da ratificação deste decreto-lei constitutivo da estrutura orgânica da Direcção-Geral do Saneamento Básico serviu para pôr a tónica não sobre o problema interno da organização do serviço - o que parece não ter suscitado observações de nenhum dos sectores que aqui intervieram -, mas sobre o problema mais amplo do saneamento básico - da intervenção que é necessário levar a efeito para dotar as populações com o equipamento e com as obras de que carecem ao longo do País.
O saneamento básico é uma necessidade instante, todos o reconhecemos, é uma preocupação do Governo e, como não podia deixar de ser, já aqui foi dito quanto o País carece de uma intervenção tão forte neste sector quanto as populações se encontram carecidas. Todavia, esta intervenção, que terá de ser uma intervenção com uma tónica forte, exige necessariamente um enquadramento realista, tendo em conta a situação em que nos encontramos de carências de toda a ordem, não apenas no domínio financeiro, mas sobretudo no domínio técnico e também no domínio administrativo.
Efectivamente, se abrangermos a paisagem das nossas autarquias, verificamos que elas se debatem neste momento com graves dificuldades que não são superáveis a curto prazo. Isto obriga necessariamente - para fazer face a um problema de tal natureza e que traz angustiadas muitas populações - a uma acção centralizada no sentido de permitir superar as insuficiências locais. Esta intervenção centralizada, no entanto, terá de ser encarada, - e neste aspecto não existe nenhuma divergência de opinião relativamente às posições já aqui assumidas - tendo em conta as competências dos municípios, sem agra-

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vo, porém, da eficiência que é necessário assegurar a essa intervenção para que ela resulte.
Sabemos que uma intervenção centralizadora no tocante a uma política de coordenação de investimentos, numa política que procure assegurar prioridades e que entre em conta com as possibilidades do País nesta matéria, terá de obedecer a ordens de preocupações que se insiram num planeamento, numa entidade capaz de planear. É dentro desse espírito que me parece ter sido - muito embora este assunto seja sempre actual - algo inoportuno estar já a levantar o problema de como será constituída a futura orgânica do saneamento básico a nível dos órgãos de intervenção local, porque não é essa, efectivamente, a questão que emerge do texto do decreto-lei em apreço.
Com efeito, nós verificamos que no n.º 2 do artigo 6.º - fundamentalmente é aí que as críticas mais acerbas aqui levantadas se inscrevem - existe, neste momento, tomada como opção apenas a criação de uma estrutura para avaliação e levantamento das necessidades do País. Não tem outros objectivos, nem visa levar mais longe o seu campo de actuação.
Dentro desta necessidade de se proceder a um levantamento das dificuldades e a um levantamento simultâneo das potencialidades, é possível, a partir daí, enquadrar uma política mais realista de intervenção. Devemos assinalar até - e aqui uma palavra pode ser deixada cair no sentido de considerar que porventura a nomenclatura não é muito feliz - que o trabalho efectuado por estas comissões instaladoras ao longo de quase um ano é extraordinariamente positivo e constitui um valor assinalável para que se possa marchar com mais segurança em direcção ao futuro.
As entidades gestoras não estão criadas e a filosofia a que hão-de obedecer não foi discutida. Mas é evidente que, de acordo com a doutrina que sempre temos defendido, essas entidades gestoras se terão de concatenar e de coordenar a sua acção com os municípios, e não contra os municípios; terão de entrar em acordo com os municípios sem ferir as suas esferas de intervenção própria e sem entrarem em conflito com as suas reais competências. Este princípio sempre o defendemos e na altura própria teremos oportunidade de o defender novamente, quando o problema for discutido em sede própria, ou seja, quando forem discutidas as estruturas das empresas públicas de saneamento básico.
Todavia, nós reconhecemos, para esconjurar certas dúvidas que porventura uma leitura carregada de suspeição deste texto possa deixar em suspenso, que é susceptível de algumas correcções que, sem lhe desvirtuarem o espírito - e o espírito é aquele que eu aqui explicitei - permitam um consenso. O Partido Socialista nessa matéria está aberto ao diálogo e creio que no fundo não há nesta matéria divergências assinaláveis, tanto quanto pude concluir das intervenções feitas.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Marques Mendes para pedidos de esclarecimento.

O Sr. Marques Mendes (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Eu queria pedir apenas um breve esclarecimento ao Sr. Deputado Aquilino Ribeiro Machado, que é a pessoa que talvez possa prestar aqui um esclarecimento importante sobre um ponto que já foi abordado pela minha companheira Helena Roseta e que terá interesse na medida em que se trata do mui ilustre presidente da Câmara Municipal de Lisboa.
No relatório que a minha companheira referiu, de Abril de 1977, refere-se expressamente "o lançamento destas empresas [portanto empresas públicas de saneamento básico] está previsto em três fases, sendo a primeira constituída pela das regiões do Porto, Algarve, Beira Alta e Lisboa", e depois numa chamada diz-se quanto à de Lisboa que é "a única nesta data já criada". Ora, como o Sr. Deputado Aquilino Ribeiro Machado é o presidente da Câmara Municipal de Lisboa, eu far-lhe-ia as seguintes perguntas cujo esclarecimento agradeço para efectivamente ficarmos todos conscientes disto: como foi criada a empresa pública de saneamento básico de Lisboa? Quando foi criada? Foi ouvida a autarquia respectiva através dos seus órgãos ou de qualquer dos seus órgãos e em que circunstâncias, ou seja, se através da Câmara Municipal ou da Assembleia Municipal, nos termos constitucionais?
Por outro lado, e é o último esclarecimento que peço ao Sr. Deputado, já que referiu aquela disposição do decreto ora em ratificação, que fala nas comissões instaladoras, fala-se também no n.º 2, alínea a), nos "núcleos regionais de saneamento básico". O Sr. Deputado disse, quanto às comissões instaladoras, que isso seria uma matéria que efectivamente poderia suscitar dúvidas, que poderia ser esclarecia. Pois eu pergunto, qual o entendimento que o Sr. Deputado dá a estes núcleos regionais, pergunto se serão realmente os embriões das futuras empresas públicas de saneamento básico.

O Sr. Presidente: - Queira responder, Sr. Deputado Aquilino Ribeiro. É evidente que o nosso colega o interpelou como Deputado, e não como presidente da Câmara Municipal de Lisboa.

O Sr. Marques Mendes (PSD): - Isso é só uma coincidência.

O Sr. Aquilino Ribeiro (PS): - Sr. Presidente, eu posso, neste momento, se me permite, responder nas duas qualidades. Como presidente da Câmara Municipal de Lisboa, não tenho conhecimento da constituição da empresa púbica de saneamento básico de Lisboa. Tanto quanto sei, não estão definidos quaisquer estatutos, não podia ter sido constituída uma empresa desta natureza sem que a Câmara Municipal de Lisboa fosse ouvida e sem que acerca de semelhante matéria tivesse tomado uma posição de fundo.

A Sr.ª Helena Roseta (PSD): - Estou mais esclarecida.

O Orador: - Relativamente à pergunta que fez sobre os núcleos regionais de saneamento básico, eu entendo-os ainda nesta fase preliminar, em que não está definida a doutrina que há-de enformar a constituição estrutural dessas empresas, como empresas ou entidades, como organismos regionais de

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planeamento descentralizando a acção ministerial, e apenas nesses termos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Ministro sem Pasta Jorge Campinos.

O Sr. Ministro sem Pasta (Jorge Campinos): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Antes da intervenção do Sr. Ministro das Obras Públicas e eventualmente antes da intervenção do Sr. Secretário de Estado dos Recursos Hídricos, gostaria de, muito rapidamente, tecer três considerações.
A primeira é para agradecer muito sinceramente a ocasião que é dada ao Governo de explicitar mais detalhadamente a sua concepção em matéria de saneamento básico. É óbvio, e é evidente também, que essa política de saneamento básico, que compete ao Governo, não se encontra fundamentada em documentos oficiais, documentos administrativos ou documentos técnicos de direcções-gerais ou serviços, se tais documentos não forem aceites oficialmente pelos órgãos competentes nessa matéria, a começar pelos Srs. Membros do Governo e a terminar no próprio Conselho de Ministros.
Em segundo lugar, disse-se aqui que a lei de competências das autarquias locais atribui todas as competências em matéria de saneamento básico às ditas autarquias locais. A este respeito, duas coisas quero dizer: a primeira, é que este decreto-lei, relativo à organização e funcionamento da Direcção-Geral de Saneamento Básico, é obviamente, anterior à lei das competências das autarquias locais. E, quanto a esta lei, penso, contrariamente ao que foi afirmado aqui, que não atribui explicitamente essa competência às autarquias. Desde já digo que isto não significa, da nossa parte, uma falta de abertura à discussão, inclusive para encontrarmos fórmulas que possam vir a reforçar a competência dos órgãos autárquicos nesta matéria.
Citaram-se, aliás para fundamentar essa argumentação, vários artigos da lei das competências das autarquias locais, a começar pelo artigo 2.º, que define atribuições genéricas e é óbvio que nós não podemos deduzir da leitura deste artigo que a Assembleia da República não é competente, após promulgação desta lei, para legislar em matérias relativas ao fomento, ao abastecimento público, à cultura e à assistência ou à salubridade pública, atribuições que têm de ser obviamente regulamentares.
Também se citou o artigo 48.º, alínea o) em que há uma substanciam, particularmente clara e da qual não se pode deduzir o que aqui foi deduzido em matéria de saneamento básico. Esta alínea está assim redigida: "Autorizar o município a integrar-se em federações de municípios, a associar-se com entidades públicas, a participar em empresas regionais", cujo estatuto não está definido aqui nem na Constituição, mas a única autorização formal para o órgão autárquico é para a formação de empresas municipais, cujo objecto não está definido também aqui. Depois citou-se o artigo 62.º e mais precisamente a alínea h), que diz: "Deliberar sobre a administração das águas públicas sob a sua jurisdição", e eu perguntaria então onde é que se fala de esgotos e de lixos, porque é que esta Assembleia não estendeu tal competência precisamente a esgotos e a lixos, que com as águas públicas constituem a definição de saneamento básico.

A Sr.ª Helena Roseta (PSD): - De salubridade pública.

O Orador: - E, curiosamente, a única empresa pública que existe nesse sector no nosso país é a Empresa Pública das Águas em Lisboa.

A Sr.ª Helena Roseta (PSD): - Que tantos problemas tem tido com a Câmara, Sr. Ministro!

O Orador: - Sem dúvida, minha senhora, não os nego e não vejo inconveniente na sua interrupção. Até posso dizer-lhe que os subscrevo.
Li repetidamente o artigo 87.º aqui referido, e que respeita às competências das assembleias distritais, e nada encontro em matéria de saneamento básico. No entanto, o Governo não só está aberto à discussão com todos os grupos parlamentares aqui representados, como está também, nesta matéria, especialmente aberto ao diálogo com as autarquias locais. Eis, pois, a minha segunda observação.
Tenho uma terceira questão a abordar e peço de antemão aos Srs. Deputados que a interpretem em sentido construtivo. É esta Assembleia competente para submeter a ratificação um decreto-lei relativo à organização e ao funcionamento de uma direcção-geral. O Governo, contrariamente ao que acaba de afirmar o Sr. Deputado Sérvulo Correia, pensa que esta Assembleia não é competente.
O Governo dispõe de uma reserva de competência legislativa, a única especificada na Constituição, que está inscrita precisamente no artigo 201.º, n.º 2, assim expressa: "É da exclusiva competência legislativa do Governo a matéria respeitante à sua própria organização e funcionamento." É da exclusiva competência legislativa do Governo, friso. O que é o Governo está definido na Constituição precisamente no artigo 185.º - um órgão que é, em primeiro lugar, o órgão de condução da política geral do País e, em segundo lugar, o órgão superior de Administração Púbica e como tal competente para legislar exclusivamente no que concerne à organização e funcionamento de toda a Administração Pública. Se eu faço esta referência aqui é para que não seja considerada a nossa participação neste debate como a aceitação de um precedente nesta matéria, é porque consideramos que, ao abrigo deste debate, poderemos discutir uma política geral de saneamento básico, mas, se me permitem os Srs. Deputados, creio que o sistema de ratificação pode, se mal utilizado, conduzir a uma importante instabilidade do que se chama o negócio jurídico. É grave, pode ser grave, na medida em que esta Assembleia dispõe de uma competência normativa que não suporta comparação com nenhuma assembleia existente neste momento nos países da Europa Ocidental. E se viermos agora, sistematicamente e em todos os outros domínios, submeter constantemente a ratificação dos decretos-leis do Governo, eu penso, não tanto preocupado com o Governo, como é óbvio, nem com o bom fundamento dos que submeteram este ou aquele decreto a ratificação, que podemos introduzir uma grave instabilidade no que é ou não a legislação em vigor.

Vozes do PS: - Muito bem.

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Orador: - Ficamos nós paralisados, fica esta Assembleia paralisada, ficam os cidadãos paralisados? Nós afirmamos que não. Não fica porque existe precisamente um controlo de constitucionalidade das leis.
Muito obrigado, Sr. Presidente e Srs. Deputados, e mais uma vez lhes dou conta do que estamos dispostos a discutir e a negociar, e talvez com a intervenção do Sr. Ministro das Obras Públicas possam ver qual é a verdadeira intenção do Governo.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, há vários colegas que se inscreveram para solicitar esclarecimentos ao Sr. Ministro Jorge Campinos, mas quero chamar a vossa atenção para o facto de que, segundo a praxe estabelecida, as nossas reuniões de sexta-feira terminam às 18 horas. Todavia, nada impede que a reunião continue.
Inscreveram-se para pedir esclarecimentos os Srs. Deputados Marques Mendes, Helena Roseta, Sérvulo Correia e Veiga de Oliveira.
Se a Assembleia nada tiver a opor, solicitados e prestados os esclarecimentos encerraremos os nossos trabalhos, salvo se for requerido o seu prolongamento.
Tem a palavra o Sr. Deputado Marques Mendes.

O Sr. Marques Mendes (PSD): - Sr. Ministro, ouvi atentamente a exposição que V. Ex.ª acaba de fazer e creio que ficou bem claro nas palavras da minha companheira Helena Roseta que nós não estávamos a pôr em causa a orgânica da Direcção-Geral de Saneamento Básico, que estávamos a apreciar um outro aspecto, que era o de determinadas disposições poderem conduzir a outro caminho.
Queria sobretudo esclarecer o seguinte, e isto na sequência de um esclarecimento que pedi ao Sr. Deputado Aquilino Ribeiro Machado: O Sr. Ministro referiu-se à EPAL - Empresa Pública das Águas de Lisboa. Não sei se estará no espírito do Sr. Ministro e se será o espírito daquele tal relatório preliminar de Abril de 1977 quando diz "empresa pública de saneamento básico" referir-se à EPAL. Tenho dúvidas a esse respeito, até porque saneamento básicos são águas, esgotos, lixos, etc. e permitir-me-ia perguntar ao Sr. Ministro, uma vez que fez essa referência e como nesses relatórios preliminares se afirma claramente, que "está já criada", qual é efectivamente a empresa pública de saneamento básico de Lisboa.

O Sr. Presidente: - O Sr. Ministro Jorge Campinos deseja responder já ou aguarda que sejam formulados todos os pedidos de esclarecimento para responder em conjunto?

O Sr. Ministro Jorge Campinos: - No fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Assim será Sr. Ministro. Tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Roseta.

A Sr.ª Helena Roseta (PSD): - O Sr. Ministro referiu no início da sua intervenção que a política de saneamento básico do Governo não estava ainda definida, que eu tinha citado fontes provenientes de documentos não oficiais. Aliás, eu rectificaria, são documentos oficiais, pois vêm dos Ministérios, não são é eventualmente documentos aprovados oficialmente.
Mas o Sr. Ministro também expendeu a tese de que esta Assembleia não seria competente para ratificar este decreto-lei. Ora eu julgo que estas duas afirmações conjugadas colocam o Governo em muito má posição, porque se efectivamente o Governo não tem uma política definida em documentos aprovados e se por outro lado não somos competentes para ratificar este decreto, admitindo que isto era assim, acontecia então que o Governo por este decreto criava, como eu disse na minha intervenção, pela "porta do cavalo", empresas públicas de saneamento básico, que são o elemento constitutivo de uma política determinada de saneamento básico, e que não tínhamos qualquer hipótese de fazer face a essa determinação, uma vez que não éramos competentes para ratificar essa decisão. Julgo, Sr. Ministro, que, independentemente da questão jurídico-constitucional de saber se somos ou não competentes, o Governo, se nós não ratificássemos este decreto, ficava em muito mas circunstâncias e não lhe teríamos dado a oportunidade, que o Sr. Ministro acabou de agradecer, de ter vindo aqui esclarecer esta questão.
A segunda questão que queria pôr-lhe é a seguinte: O Sr. Ministro diz-me que eu cito a lei das autarquias e que ela é posterior a este decreto-lei. É um facto, é posterior na sua publicação mas não na sua aprovação. É um pormenor que é importante referir, porque há um grande lapso de tempo entre a publicação e a aprovação, como é sabido. De qualquer modo, não há dúvida nenhuma de que as atribuições que a lei das autarquias comete às autarquias, nesta matéria, no artigo 2.º, alínea e), são também as que já o Código Administrativo cometia e, portanto, não há aqui nada de novo. Logo, mesmo ao abrigo da lei anterior eram também as autarquias as entidades competentes para este efeito. Portanto, Sr. Ministro a pergunta que quero fazer-lhe é a de saber se não entende que, ao abrigo da legislação anterior, e ainda vigente, enquanto a lei das autarquias não está posta em vigor, não são também as autarquias entidades competentes nesta matéria.
O Sr. Ministro referiu também que eu teria falado no artigo 62.º, alínea h), sobre competência das Câmaras municipais em matéria de águas públicas. Eu não referi esse artigo, mas sim o artigo 87.º sobre a competência das assembleia distritais, o que é diferente, até porque a competência em matéria de águas públicas é um assunto completamente diferente, tem a ver com o domínio público. Era esta uma rectificação que queria fazer. Por fim queria perguntar ao Sr. Ministro se não ouviu ou se provavelmente não se terá apercebido de que nós sugerimos exactamente que a discussão de uma política de saneamento básico não deve ser feita a propósito desta ratificação, mas sim da definição das linhas orientadoras dessa política. Para esse efeito, nós, Partido Social-Democrata, já nos comprometemos aqui a apresentar uma iniciativa legislativa nesse sentido. Julgo que o Sr. Ministro terá ouvido o que disse, e portanto não há nenhuma intenção nossa de estar a desviar o sentido do debate, porque apenas

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nos interessa aqui ratificar um decreto que contende com o que nós aqui já dissemos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Sérvulo Correia.

O Sr. Sérvulo Correia (PSD):- Sr. Ministro: O esclarecimento que queria solicitar-lhe prende-se com uma matéria da mais alta importância e que transcende até o simples tema do nosso debate de hoje. Não é, aliás, a primeira vez que ela aflora aqui no decurso dos nossos trabalhos, dado que, nomeadamente quando foi aqui debatido um projecto sobre um fundo de apoio às comunidades portuguesas, tinha já então o Governo e o Partido do Governo tido ocasião de exprimir a sua concepção, a sua interpretação da Constituição, no sentido de que o artigo 201.º, n.º 2, Ida Constituição inibiria esta Assembleia, por reservar essa matéria exclusivamente ao Governo, de legislar sobre a organização de administração pública portuguesa.
Ora, em face deste ponto de vista do Governo, que nós de forma alguma partilhamos, eu desejaria fazer ao Sr. Ministro as seguintes perguntas: Se o Sr. Ministro considera ou não que a Constituição Política apresenta conceitos diferentes de governo e de administração e que face à Constituição não é legítimo confundir governo e administração; se não é facto que a definição de Governo nos surge, no plano orgânico, no artigo 186.º da Constituição, onde se diz que "o Governo é constituído pelo Primeiro-Ministro, pelos Ministros e pelos Secretários e Subsecretários de Estado"; se não é exacto que, pelo contrário, a administração pública aparece definida nos artigos 267.º e seguintes da Constituição, em termos que nos mostram ser ela uma realidade muitíssimo mais ampla do que a do Governo, tal como definido no artigo 186.º; se não é verdade que a própria Constituição, em variadas passagens, estabelece até relações entre o Governo e a Administração Pública e nos apresenta confrontadas essas duas realidades que necessariamente, no espírito do legislador constituinte, são realidades autónomas - e tanto que assim é, que, em primeiro lugar, aparece logo no próprio artigo 185.º, que o Sr. Ministro há pouco tinha citado, mas que me parece que para definir Governo é uma citação insuficiente, na medida em que não se pode abstrair também do artigo 186.º, se não é verdade que no artigo 185.º n.º 1, da Constituição desde logo se nos apresenta o Governo como um órgão superior da Administração Pública, portanto como uma realidade incluída também no âmbito da Administração mas muito mais restrita, uma vez que é apenas um dos seus órgãos o seu órgão superior; se não é verdade também que no artigo 202.º, alínea d), da nossa lei fundamental se diz que cabe ao Governo dirigir os serviços e a actividade da administração directa e indirecta do Estado, donde se mostra também aqui que Governo e Administração não são realidades inteiramente coincidentes.
Desejaria, finalmente, perguntar ao Sr. Ministro se não tem para si como entendimento único possível, e no caso das não entender, por que razão o n.º 2 do artigo 201.º da Constituição, que restringe à competência legislativa do Governo a matéria respeitante à sua própria organização e funcionamento, tem necessariamente de ser entendido em ligação com o artigo 186.º, n.º 3, onde se diz que "O número, a designação e as atribuições; dos Ministérios e Secretarias de Estado, bem como as formas de coordenação entre eles - mas repare que fala apenas em Ministérios e Secretarias de Estado e suas atribuições, mas não de outros planos da Administração Publica, serão determinados, consoante os casos, pelos decretos de nomeação dos respectivos titulares ou por decreto-lei". Posto isto, pergunto se não é efectivamente esta função que aqui vem referida no artigo 186.º, n.º 3 aquela para que remete o n.º 2 daquele artigo 201.º quando coloca no âmbito da competência legislativa exclusiva do Governo a matéria respeitante à sua própria (do Governo e não da Administração Pública) organização e funcionamento.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Oliveira.

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Algumas das dúvidas e questões que queria suscitar foram por outra via, talvez um pouco diferentemente, já colocadas. Em todo o caso, queria repetir para que não fique dúvidas sobre a nossa posição.
Uma questão que se coloca é esta: o Governo confunde-se com a Administração Pública ou não? É que em caso contrário aquele n.º 2 dó artigo 201.º reporta-se só ao Governo e não à Administração Pública. O Sr. Ministro entende ou não que é este o entendimento que se deve dar à leitura não só de um artigo da Constituição mas de todos eles?
Depois, gostaria de, em face do que foi dito pelo Sr. Ministro, focar a questão em relação à qual o Sr. Ministro fez várias observações e que dizem respeito às competências e atribuições das autarquias. Certamente todos estaremos de acordo que nem tudo o que está na lei relativamente às atribuições e competências responde cabalmente, porventura, aos desejos de uns ou, enfim, às opiniões de outros sobre este assunto. Mas a minha pergunta era no sentido de, supondo mesmo que há essas deficiências, que aliás são corrigíveis por outra ler, saber se o Governo pensa ou não que deve ser fomentada ao máximo a capacidade das autarquias locais de participarem, gerirem, planearam, proporem opções e fomentarem a participação das populações na resolução de um problema que não pode ser resolvido pelo menos a curto prazo, em termos de centralismo e de tecnocracia.
Por outro lado, e para finalizar, quero levantar uma questão que é um pouco técnica, mas que tem algum sentido em negação a tudo isto, e que é esta: tem ou não competência o Ministro das Obras Públicas, ou outro qualquer, para nomear uma comissão instaladora com a capacidade de investigar, determinar e de propor? Precisa de ou não de lei? E se não precisa, o que importa ressalvar na lei para que ela não seja inutilizada?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Ministro Jorge Campinos para responder às perguntas que lhe foram feitas, se assim o entender.

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O Sr. Ministro Jorge Campinos: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Responderei sucessivamente aos diferentes Deputados, esperando ser claro.
Quanto ao Sr. Deputado Marques Mendes, aludiu a um relatório preliminar sobre a EPAL e no qual creio que se faz referência ao saneamento básico. Devo dizer que não tenho aqui esse relatório, mas se me quisesse dar precisões acerca do mesmo poderia responder.

O Sr. Ministro Marques Mendes (PSD): - Dá-me licença, Sr. Ministro?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Marques Mendes (PSD): - Sr. Ministro, não referi um relatório sobre a EPAL, mas um relatório preliminar do Plano a Médio Prazo, e aí não se fala na EPAL, mas numa empresa pública de saneamento básico, a tal de Lisboa, já criada. V. Ex.ª é que há bocado, falou na EPAL.

O Orador: - Agradeço a sua interrupção. Devo dizer-lhe que esse relatório não tem obviamente valor de documento do Governo e que se trata de um relatório de diagnóstico da própria situação. É um documento de trabalho. Digo aqui, em nome do Governo, que nós não subscrevemos essa afirmação, não porque sejamos obrigados neste momento a dizer que não o subscrevemos, mas simplesmente porque tal corresponde ao pensamento do Governo nessa matéria. E sobre esse assunto terão explicações muito desenvolvidas do Sr. Ministro das Obras Públicas.
A Sr.ª Deputada Helena Roseta afirmou que o Governo não tem uma política definida em matéria de saneamento básico. Creio que ela está definida, ainda que ligeiramente, no Programa do Governo e que até este momento não encontrará nenhuma decisão contrária ao espírito e à letra do próprio Programa do Governo nessa matéria. E precisamente agradeci a oportunidade que davam ao Governo para aqui explicar perante a Assembleia da República qual a linha de orientação que o Governo entende dar a essa política de saneamento básico.
Repito que disse que a lei das competências das autarquias locais não outorgava directamente essa competência às autarquias - isto a nosso ver, a sua opinião é diferente - , mas, repito, isso não quer dizer que o Governo não esteja disposto a discutir o que, aliás, já foi dito através do Grupo Parlamentar do Partido Socialista.
Na verdade, foi por erro involuntário que eu citei um artigo que não deveria ter citado, mas continuo a dizer que no artigo 87.º não encontro absolutamente nada sobre o assunto do saneamento básico. Se quiser ter a amabilidade de ler e de me indicar a alínea que fundamenta o seu raciocínio, agradeceria, mas dir-lhe-ei que a alínea c) ("deliberar sobre a criação e manutenção de serviços que na área do distrito apoiem tecnicamente as autarquias") pode ser o "albergue espanhol!". Encontrar-se-á o que aí se leva, mas vamos levar conjuntamente qualquer coisa para definir essa alínea.

A Sr.ª Helena Roseta (PSD): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Ministro?

O Orador: - Faça favor.

A Sr.ª Helena Roseta (PSD):- Sr. Ministro, julgo que quando se diz "deliberar sobre a criação e manutenção de serviços", tudo o que seja criação de órgãos de saneamento básico a nível regional cabe nesta alínea.

O Orador: - Mas, Sr.ª Deputada, criação e manutenção de serviços que se enquadrem na própria competência da autarquia local. É evidente que, por exemplo, a autarquia local não pode criar um órgão de apoio aos trabalhos da Assembleia da República. Entendo, pois, que esses serviços obviamente têm de estar ligados às próprias competências das autarquias. E uma vez mais repito que vamos discutir esse assunto.
Quanto ao Sr. Deputado Sérvulo Correia, quero dizer-lhe, em resumo, que aprecio sempre, como é óbvio, as suas considerações de tipo jurídico e até de tipo político, mas que não posso - estar de acordo consigo. Simplesmente tenho uma perfeita noção da minha modéstia: obviamente não sou um tribunal constitucional e talvez um dia haja necessidade de, com vista a encontrarmos uma solução de entendimento sobre a interpretação de certos artigos da Constituição, que os órgãos competentes nessa matéria soberanamente deliberem para esse efeito. No entanto, peço o favor de o Sr. Deputado ler o artigo 268.º da Constituição, nomeadamente o n.º 2, pois o Sr. Deputado citou o artigo 268.º, mas, enfim, no § 2.º, poderia ter lido nas duas últimas linhas o seguinte: "[...] sem prejuízo da necessária eficácia, unidade de acção e dos podares de direcção e superintendência do Governo". E é precisamente, Sr. Deputado, que entra aqui a noção, certamente bem conhecida por si, de tutela do poder disciplinar e do poder de orientação político-administrativa. Mas, enfim, se o Sr. Deputado me der o prazer de continuar a discutir este assunto fora desta Assembleia para não aborrecer os Srs. Deputados, fá-lo-ei com imenso agrado e prazer, de antemão certo de que vou aprender muito com o Sr. Deputado.
Quanto ao Sr. Deputado Veiga de Oliveira, creio que uma parte da resposta já foi dada com esta minha última intervenção; mas gostaria de sublinhar ainda um aspecto. O Sr. Deputado perguntou se o Governo é ou não favorável a uma participação cada vez mais activa dias populações. Sem ambiguidade, respondo-lhe, Sr. Deputado, que o Governo é favorável a uma participação cada vez mais activa das populações na definição dos seus próprios interesses e na solução dos seus próprios problemas. E nesta matéria respeitante ao saneamento básico pensa o Governo que uma intervenção das autarquias locais, dás câmaras e das assembleias municipais é absolutamente fundamental não só para determinar aí necessidades, mas também para que possamos solucionar, talvez dentro de vinte anos, esse problema tão grave que é o do saneamento básico. Mas estou certo de que uns e outros estamos convencidos de que esse problema não se resolve com discursos nem tão-pouco com discussões sobre a descentralização.

A Sr.ª Helena Roseta (PSD): - Nem com leis orgânicas destas!

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O Orador: - O nosso país é algo de muito diferente do ponto de vista das estruturas e das capacidades técnicas e não podemos comparar, do ponto de vista das estruturas e das capacidades de organização, por exemplo, o distrito de Lisboa com o de Bragança. E gostaria de saber como é que vamos resolver em Bragança ou em certas regiões do Norte as questões relativas ao saneamento básico se as autarquias locais forem competentes exclusivamente nessa matéria.

Aplausos do PS.

O Sr. Ministro das Obra Públicas (Almeida Pina): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - O Sr. Ministro deseja fazer uma intervenção ou prestar esclarecimentos?

O Sr. Ministro: - Desejo prestar alguns esclarecimentos, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Ministro.

O Sr. Ministro das Obras Públicas: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Antes de mais, não quero deixar de manifestar o meu agrado e imensa satisfação de novamente ter o prazer de estar nesta Câmara, dando alguns esclarecimentos que neste momento até me parece que serão, apenas, supletivos. E digo isto porque foi com extraordinário agrado que verifiquei que não haverá aqui ninguém em desacordo. A única pessoa que parece estar em desacordo serei eu, uma vez que todas as críticas que aqui foram feitas, o foram à minha pessoa, naturalmente como responsável do Ministério das Obras Púbicas. Mas era por isso que eu fazia questão de dizer aos Srs. Deputados que não há nenhum desacordo, pelo contrário, serei talvez aquele que está mais de acordo com a filosofia que aqui foi exposta.
Se alguma má interpretação eventual ou casualmente pode ter sido tirada da nossa actuação, procurarei de futuro ser mais explícito, mas a verdade é que não poderei abrir mais a porta do meu gabinete, pois é sempre com muito agrado que recebo todo e qualquer cidadão deste país, e felizmente muitos têm sido. Particularmente em relação às nossas ligações com as autarquias locais, poderia talvez fazer um apelo e pedir aos Srs. Deputados que se houver alguma câmara municipal que nunca tenha tido um contacto com este Governo, digo mesmo através dos membros do Governo aqui presentes, será com o maior empenho que a receberemos, porque não sei, e digo-o sinceramente, se ela existirá. Temos tido relações frequentíssimas com todas as câmaras, com todas as autarquias locais, cem muitas freguesias, que nos têm pedido a nossa colaboração e presença. Temos dado essa presença com a maior boa vontade, o maior interesse, porque não é outro aquele que temos ao estarmos sentados no lugar que ocupamos que não seja o de servir o nosso país, particularmente as suas populações.
As câmaras municipais, e diria todas as autarquias a nível de câmara municipal, tiveram já contactos connosco, eventualmente, através dos seus presidentes e muitas vezes através de todos os seus vereadores. E volto a dizer que se houver alguma e que me esteja a escutar e não tenha sido atendida que seria com o maior interesse que gostaria de a excluir da relação daquelas que o não foram. Só este aspecto poderia bastar talvez para mostrar a nossa intenção quando apresentamos qualquer decreto ou proposta de lei a esta Assembleia.
Este problema do saneamento básico é para nós crucial. Nenhum de nós tem dúvidas neste ponto, certamente. E não apresentámos já esta proposta de lei a esta Câmara, que é a única entidade competente para definir cabal e finalmente esta política, precisamente porque temos tido a extrema preocupação de ouvir todas as autarquias locais. Nenhuma deixou ainda de ser ouvida e na sua grande maioria têm um documento de trabalho nosso para apreciação e têm-nos mandado a melhor colaboração, o que, desde já devo aqui agradecer. Estamos e continuaremos a estar ocupados com este assunto porque a nossa intenção é que as nossas autarquias sejam dignificadas, que lhes seja dada toda a competência, mas, acima de tudo, com competência ou sem competência das autarquias, com competência ou sem competência dos membros do Governo, o que nós desejamos é tentar resolver, num período que se julgue possível, este problema crucial que é o do saneamento básico do nosso país.
Em relação aos diversos problemas que aqui se colocaram, penso que já foram mutuamente esclarecidos. Os diversos grupos parlamentares trocaram umas impressões para mim extraordinariamente válidas, que me deram imensos ensinamentos e que vão, pois, ajudar-me a concretizar as minhas intenções. Mas devo dizer com toda a sinceridade - e pedia que não fossem feitas outras deduções daquilo que agora vou dizer - que a nossa intenção é exclusivamente a de procurar arranjar entidades competentes, tenham elas a forma de empresas públicas ou de quaisquer outra figura jurídica que se possa arranjar, que gostaríamos fosse a melhor, aquela que melhor interessasse todas as populações e que pudesse tecnicamente resolver o problema, pois de um problema técnico se trata, no fundo. Mas eu diria, correndo o risco de repetir o que aqui já foi dato e por julgar que todos os esclarecimentos já terão sido prestados, que não penso que estas comissões instaladoras, que eventualmente trarão preocupações, possam ser embriões de nada que possa preocupar esta Câmara, pois os núcleos de saneamento básico foram criados com a melhor intenção de auxiliar as câmaras para evitar aquilo que V. Ex.ª referiu, isto é, que fossem imensos aqueles passos perdidos, que os papéis, estudos prévios e tudo o mais transitem inutilmente entre as nossas aldeias e o Terreiro do Paço. Devo, pois, dizer com enorme satisfação que não aprovo nenhum desses projectos, porque eles são aprovados pelos técnicos que temos nestes núcleos, e só os projectos que envolvem uma tecnicidade que, infelizmente, não podíamos exigir a esses técnicos que conseguimos pôr em Bragança, Viena do Castelo e Castelo Branco, porque são pessoas que não estão devidamente preparadas neste sector, é que vêm à Direcção-Geral, onde temos técnicos já competentes que possibilitarão uma melhor utilização dos dinheiros públicos, em matéria, por exemplo, de centrais de tratamento dia esgotos, centrais de tratamento de águas, de equi-

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pamento mais sofisticado. Só em casos destes é que não damos competência a esses nossos delegados, que não são outra coisa os núcleos do saneamento básico, orados para localmente auxiliarem e procurarem um desbloqueamento da Administração, para se acabar com a burocracia do correio para Lisboa, pois não tem qualquer interesse chegarem às mãos do Ministro para este ter a vaidade de encontrar à sua volta na mesa a superfície de 1 m2 de papel. Isso não vale a pena. Deste modo, os papéis ficarão nos seus lugares e os projectos entrarão em execução muito rapidamente. Aliás, temos a satisfação de poder afirmar que durante este ano alguma coisa se lucrou nesse sentido.
Em relação às comissões instaladoras, penso que também neste decreto-lei se estabelece muito claramente as suas funções. Se se entende que alguma das funções que lá está pode perturbar ais Intenções dos Srs. Deputados, pois cortem-se as mesmas, mas pensamos que as funções são efectivamente de levantamento de projectos, funções de estudo. Devemos dizer que tivemos a preocupação de que nessas comissões estivessem pessoas da confiança das autarquias. Essas pessoas foram-mos indicadas na sua maioria, porque algumas são nossos delegados, pelas próprias autarquias. Temos tido um contacto extraordinariamente frutuoso dessas comissões com as autarquias. Tem-nos chegado às mãos informação extraordinariamente rica e o resultado dessa informação é já visível, e dizemo-lo com muita satisfação, porque vamos iniciar já o 3.º curso para formação de técnicos de engenharia sanitária - o 3.º devo dizer - e o 3.º curso de operadores de equipamento sofisticado (desculpem-me a vaidade de o referir assim, mas é equipamento que exige alguns conhecimentos técnicos). Em muitos casos alguns desses rapazes que frequentam o curso eram funcionários, mas não sabiam o que era uma central de tratamento de esgotos, por exemplo. Os cursos, aliás, não são feitos por nós que naturalmente não temos essa capacidade, mas em estreita ligação com a Universidade Nova, e dentro de dias começam os 3.ºs cursos.
Todavia, formámos já alguns técnicos. Todos sabem da carência espantosa de técnicos que tem o nosso país neste sector. Pois foi como resultado do levantamento dos meios humanos e da capacidade das nossas regiões que chegámos à conclusão de que a primeira coisa a fazer era a de formação, o que estamos a fazer. Hoje temos um conhecimento também bastante pormenorizado das origens hídricas e dos destinos que devem ser dados aos afluentes. Temos disso conhecimento de uma forma global, porque não podemos pensar em destruir mais, como aqui já foi dito, os nossos rios, pois como toda a gente sabe - a imprensa tem dado larga informação - temos rios em que, perdoem-me a expressão, já nem um caracol vive, temos rios completamente mortos. Mas passamos a dispor, mercê destas comissões de estudo, de uma informação riquíssima, pormenorizada, sobre as nossas regiões. Será que somos capazes de, agora, com esta informação traçar as linhas-mestras para resolvermos o problema do saneamento básico do nosso país? É um desafio que se nos põe. É uma informação que traremos à Assembleia da República se entretanto esta não nos der uma solução antecipada, e muito satisfeitos ficaríamos se pudéssemos concordar com uma solução dessas, pois até acontece que há documentos de trabalho que circulam há um ano por todas as autarquias locais que têm sítio sucessivamente modificados e melhorados com a informação que delas nos chega. Peço desculpa de ter sido um pouco longo nesta justificação do meu acordo aos Srs, Deputados, mas fazia questão de que não pudessem restar dúvidas.
Ora, é também com muita satisfação que posso afirmar que não estamos a seguir aquele célebre projecto de 1972, mas também digo com toda a firmeza que não o estamos a seguir simplesmente porque ele era tecnicamente inviável, porque se ele fosse o projecto que conviesse ao País nós segui-lo-íamos, independentemente da sua origem, mas, infelizmente, nunca correspondeu e também não era agora que correspondia. Nós preparamos aquilo que julgamos e podemos fazer de melhor.
Em relação a este pequeno problema que se levantou e que poderíamos dizer um grão de areia, mas para que esse grão de areia seja mais macio e não se transforme em quartzo, relativamente a esse problema da empresa pública de saneamento básico de Lisboa, que já existe, pedira desculpa se pudesse dizer que está correcto. É a minha interpretação, pois considero que a EPAL é uma empresa pública de saneamento básico no sector da água. Direi mesmo que foi com esta filosofa que isso foi escrito, porque não é obrigatório que uma empresa pública de saneamento básico abranja todos os sectores. Uma empresa pública de saneamento básico, poderá tratar exclusivamente e para uma determinada região só a água. Poderá tratar também cada um dos sectores restantes. Se está errado este diagnóstico, que é o diagnóstico do Ministério das Obras Púbicas fornecido ao Ministério do Plano para trabalho, peço as minhas desculpas e retiramos essa expressão, mas posso garantir - e então aqui os representantes da Câmara Municipal de Lisboa - que não existe, subjacente, nenhuma ideia de empresa de saneamento básico no sentido lato. Muito estranho seria este país, mais até do que nós o consideramos, se isso pudesse existir. Penso que isso é da exclusiva competência da Assembleia da República e mal pareceria que esta só agora desse por essa anomalia. Não deu por ela, pois ela não existe. Enfim, é um simples esclarecimento. Aceitamos que tenha sido uma maneira pouco feliz de escrever, mas o que pensamos é isto que acabo de expressar.
Não sei se respondi a todos os problemas. Particularmente o problema da ligação dos núcleos com as autarquias foi posto pelo Sr. Deputado João Porto. Essa ligação é, posso dizer, a mais perfeita. Não temos nenhuma queixa. Pelo contrário, temos tido durante este ano o prazer de, nas muitas reuniões que temos feito em conjunto com as Câmaras ao nível distrital, verificar que, sucessivamente, as queixas em relação ao saneamento básico têm vindo a diminuir. Atribuo a causa desta diminuição à actuação dos núcleos de saneamento básico, que têm com as autarquias uma ligação extremamente perfeita, íntima. Suponhamos que as autarquias querem mandar fazer um projecto. O que é que acontece? Como os Srs. Deputados calcularão, os Srs. Presidentes das

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Câmaras, por exemplo da Beira ou de outra região - e desculpem-me ter falado da Beira, mas fica perto da minha terra - não conhecem um técnico para fazê-lo, até porque é difícil arranjá-los, e então dirigem-se aos núcleos que lhes indicam um, dois ou três técnicos. Por seu turno, os técnicos não se dirigem mais à Câmara a pedir os elementos para fazer o projecto, mas pausam a dirigir-se aos técnicos do núcleo de saneamento básico. Penso que esta interpenetração dos serviços deve ser para nós um motivo de regozijo e não de desconfiança.
Aliás, há um pedido que eu faria a esta Assembleia: que não desconfiem de nós, porque não temos nada escondido. Como disse aqui há pouco o Sr. Deputado Veiga de Oliveira, nós poderíamos ter nomeado estas comissões nas vossas costas, como é hoje costume dizer-se e não ter dito nada a ninguém, ou não pediríamos? Penso que sim. Eu fazia um simples despacho e nomeava uma comissão. Penso que o poderia fazer, mas parece-me que é muito mais honesto termos apontado para aqui, termos dito publicamente que temos estas comissões como órgãos que estão a funcionar. E não será vantajoso fazer isso? Essas comissões não terão efectivamente outra aceitação local? A verdade é que a ligação que existe, peço desculpa de insistir, é a melhor. Se as autarquias estão em estreita ligação connosco, porque desconfiamos nós desta ligação?
Garanto-vos que enquanto for eu o responsável não haverá uma câmara municipal que se possa queixar de que nós lhe fizemos qualquer coisa na sua área que a contraria e diria mais, que ainda há dois dias chamaram-me a atenção de técnicos do Ministério para que de maneira nenhuma isto acontecesse, porque estamos a preparar um plano de obras municipais para acidentar, se possível, até final deste ano (no ano passado apresentámo-lo só em Abril, infelizmente). Compreenderão que é difícil fazer este plano das obras municipais, pormenorizar as obras todas com ou seus valores. Estamos a fazer um esforço para o apresentar antes do fim do ano, mas este plano não pode ser feito sem a estreita colaboração das autarquias.
Ainda há dois dias chamei veementemente a atenção dos técnicos superares do Ministério para o facto de que não é admissível que apareça o plano de uma obra que não tenha sido solicitada pela autarquia correspondente.
Peço desculpa, pois fui um bocadinho mais longo do que pensava, mas volto a frisar, porque me parece ser o apelo mais importante: nós estamos aqui exclusivamente para servir nas melhores condições e ficaríamos intensamente gratos que quando não o estivéssemos a fazer, nos fosse chamada a atenção para tal facto.
Tenho tido contactos com todas as autarquias e já me prontifiquei várias vezes com esta ou aquela câmara para estabelecermos um diálogo mais fácil. Devo dizer que não há nenhuma câmara municipal que tenha pedido uma audiência no nosso Ministério e não tenha sido recebida pelo adjunto do Ministério ou pelo secretário. Peço que solicitem à câmara a que isso tenha sucedido que vá junto de mim reclamar. Penso que não exige nenhuma, porque as relações com as autarquias são para nós o ponto fundamental do nosso Ministério digo-o aqui publicamente e peço que as câmaras municipais o contestem. Ficarei satisfeito em saber que isso tenha sucedido para o rectificar.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Deputado João Porto pede a palavra. Tínhamos assentado em que, após o esclarecimento do Sr. Ministro, encerraríamos a reunião, mas também não posso, de forma alguma, impedi-lo de usar da palavra.
De qualquer maneira, a Assembleia é soberana sobre esta matéria e enquanto não houver oposição continuaremos a trabalhar.
Tenha a bondade, Sr. Deputado.

O Sr. João Porto (CDS): - Sr. Presidente, trata-se apenas de um pedido de esclarecimento.
Sr. Ministro, peço desculpa de insistir, não queria ser maçador, mas o que efectivamente está em causa não é saber a forma humana como têm decorrido os contactos entre o Ministério das Obras Púbicas e as autarquias locais. A finura de trato de V. Ex.ª, bem como dos seus colaboradores, são garantia de que esses contactos se terão dado e continuarão a dar da melhor forma. Por outro lado, é também natural que na actual situação financeira dos municípios, estando eles dependentes das comparticipações do Estado para a realização das respectivas obras, eles tenham necessidade de recorrer, naturalmente com bons modos ao auxílio do Ministério da Obras Públicas. O que está em causa não é, portanto, isso.
O que está em causa é saber como vão processar-se essas relações no futuro, no momento em que as autarquias tenham financiamentos capazes para a realização das suas próprias iniciativas. O que está em causa é saber qual o grau de competência que o Governo considera que deve ser dado às autarquias em matéria de saneamento básico e também saber até que ponto o Ministério das Obras Púbicas vai permitir que as autarquias disponham das verbas destinadas às obras de saneamento básico.
Peço desculpa desta insistência, mas realmente já tinha formulado a pergunta durante a minha intervenção e na verdade ela continua sem resposta.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Marques Mendes estava inscrito, mas já não se encontra na sala.
Entretanto, dou a palavra à Sr.ª Deputada Helena Roseta.

A Sr.ª Helena Roseta (PSD): - Efectivamente o meu colega Marques Mendes queria pedir uns esclarecimentos mas havia o problema do horário do avião.
Queríamos fazer a sugestão, se o Sr. Ministro não se importar, de se acertarem agora inscrições para pedidos de esclarecimento para a próxima sessão, uma vez que as pessoas estão com os seus horários de transportes já um bocado ultrapassados. A nossa sugestão era, pois, que o Sr. Presidente, caso o Sr. Ministro concordasse, acertasse inscrições de Deputados para pedidos de escurecimento ao Sr. Ministro.

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O Sr. Presidente: - Naturalmente que a Mesa não vê nenhum inconveniente, até pelo contrário, acha muito pertinente essa sugestão.
Na verdade, estando assente que as reuniões de sexta-feira terminem às 18 horas, é evidente que os nossos colegas têm os seus horários estabelecidos de acordo com essa hora.
De qualquer forma, pergunto ao Sr. Ministro se não vê nenhum inconveniente em que responda aos esclarecimentos que já foram solicitados e ainda àqueles que vierem a ser feitos na próxima reunião. A Mesa recebe as inscrições para esse efeito.

O Sr. Ministro das Obras Públicas: - Estou perfeitamente de acordo. Mas, se me permitem, dou num minuto o esclarecimento que por último me foi solicitado.
Como o Sr. Deputado sabe, ma grande maioria, as verbas postas pelo Governo à disposição das autarquias locais não são atribuídas pelo Ministério das Obras Públicas. Na sua maioria foram destinadas pelo Ministério da Administração Interna, pelo que as autarquias não têm que vir com bons modos pedir-nos uma esmola, porque não lhe damos outra esmola que não seja a da colaboração técnica. Não é o dinheiro que elas nos vêm pedir. E apesar disso temos boas relações com as autarquias.
Eventualmente ficou um pouco subjacente que seria das nossas boas relações que resultaria o bom êxito de tais diligências. Para o futuro poderá não ser, mas nós estamos exactamente a preparar o futuro ouvindo as câmaras, ouvindo toda a gente, para criar um documento de trabalho que venha a esta Assembleia para ser ratificado. Nós não podemos, mas temos consciência de que mesmo que o pudéssemos fazer não criaríamos uma política de saneamento básico que não fosse trazida a esta Assembleia.
Estamos a preparar demoradamente e com todo o interesse essa lei a que chamamos lei da política do saneamento básico para a apresentar à Assembleia da República, que então será responsável pelas relações futuras entre os Ministérios e as autarquias locais, mas tal proposta da lei há-de vir a este hemiciclo e de qualquer maneira poderemos continuar o diálogo.

O Sr. Presidente: - Ficam inscritos para solicitar esclarecimentos ao Sr. Ministro das Obras Públicas na próxima quinta-feira os nossos colegas Marques Mendes, Mendes dos Santos, Helena Roseta, Sérvulo Correia, Veiga de Oliveira, e João Porto.
Foram entregues na Mesa e já estão admitidos os seguintes diplomas: do Governo, um pedido de autorização legislativa pana legislar sobre a criação de um centro de formação profissional de magistrados judiciais do Ministério Público; do CDS, um projecto de lei para a defesa da democracia...

Risos do PCP.

...do PSD, um projecto de lei sobre organizações que partilhem a ideologia fascista e um projecto de lei sobre a prorrogação do pagamento de impostos; do PCP, um projecto de lei: de revogação ao artigo 109.º da Lei n.º 79/77, de 25 de Outubro.
Acabámos há pouco de aprovar a proposta de lei n.º 89/I. Nos termos da alínea do artigo 164.º e dos n.ºs 4 e 5 do artigo 169.º da Constituição, essa deliberação toma a forma de resolução.
Srs. Deputados, está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 50 minutos.

Rectificação ao Diário

Exmo. Sr. Presidente da Assembleia da República:

O signatário vem solicitar a rectificação do último parágrafo (pág. 5144) da declaração de voto que, em nome do Grupo Parlamentar do Partido Social-Democrata, emitiu na sessão plenária de 10 de Agosto e inserta no Diário da Assembleia da República, n.º 140, pois onde se lê: "...por elas conterem uma do jogo da democracia...", deve ler-se, pois foi o afirmado: "...por elas serem o produto do jogo da democracia...".

Palácio de S. Bento, 28 de Outubro de 1977.
- O Deputado do Partido Social-Democrata, a) António Marques Mendes.

Deputados que entraram durante a sessão:

Partido Socialista (PS)

Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alfredo Pinto da Silva.
Amadeu da Silva Cruz.
António Cândido Macedo.
António Fernando Marques Ribeiro dos Reis.
António Manuel de Oliveira Guterres.
António Rico Calado.
Aquilino Ribeiro Machado.
Delmiro Manuel de Sousa Carreira.
Fernando Jaime Pereira de Almeida.
Fernando Luís de Almeida Torres Marinho.
Fernando Tavares Loureiro.
Jaime José Matos da Gama.
João da Silva.
João Soares Louro.
Joaquim José Gatanho de Meneses.
José Cândido Rodrigues Pimenta.
José Gomes Fernandes.
José Manuel Medeiros Ferreira.
José Maria Parente Mendes Godinho.
José dos Santos Francisco Vidal.
Luís José Godinho Cid.
Luís Patrício Rosado Gonçalves.
Manuel Augusto de Jesus Lima.
Manuel do Carmo Mendes.
Manuel da Mata de Cáceres.
Maria Alzira Costa de Castro Cardoso Lemos.
Maria Emília de Melo Moreira da Silva.
Nuno Maria Monteiro Godinho de Matos.
Rodolfo Alexandrino Suzano Crespo.
Vasco da Gama Lopes Fernandes.

Partido Social-Democrata (PSD/PPD)

António Augusto Lacerda de Queiroz.
António Joaquim Bastos Marques Mendes.

Página 69

29 DE OUTUBRO DE 1977 69

António Jorge Duarte Rabelo de Sousa.
Artur Videira Pinto da Cunha Leal.
Carlos Alberto Coelho de Sousa.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Eduardo José Vieira.
Fernando José da Costa.
João Afonso Gonçalves.
Joaquim Jorge de Magalhães Saraiva da Mota.
Jorge de Figueiredo Dias.
José Angelo Ferreira Correia.
José Augusto Almeida de Oliveira Baptista.
José Bento Gonçalves.
José Gonçalves Sapinho.
José Manuel Ribeiro Sérvulo Correia.
Manuel Joaquim Moreira Moutinho.
Maria Helena do Rego da Costa Salema Roseta.
Mário Fernando de Campos Pinto.
Rúben José de Almeida Martins Raposo.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Macheie.

Centro Democrático Social (CDS)

António Jacinto Martins Canaverde.
António Simões Costa.
Basílio Adolfo de Mendonça. Horta da Franca
Emídio Ferrão da Costa Pinheiro.
Eugênio Maria Nunes Anacoreta Correia.
João Lopes Porto.
José Manuel Macedo Pereira.
Nuno Krus Abecassis.
Rui Fausto Fernandes Marrana.
Vítor António Augusto Nunes de Sá Machado.

Partido Comunista Português (PCP)

Álvaro Augusto Veiga de Oliveira.
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
Jaime dos Santos Serra.
Lino Carvalho de Lima.
Zita Maria de Seabra Roseiro.

Independentes

António Jorge Oliveira Aires Rodrigues.
Carmelinda Maria dos Santos Pereira.

Deputados que faltaram à sessão:

Partido Socialista (PS)

Alfredo Fernando de Carvalho.
Álvaro Monteiro.
António Jorge Moreira Portugal.
António José Sanches Esteves.
Armando dos Santos Lopes.
Avelino Ferreira Loureiro Zenha.
Beatriz Almeida Cal Brandão.
Bento Elísio de Azevedo.
Carlos Alberto Andrade Neves.
Carlos Jorge Ramalho dos Santos Ferreira.
Carlos Manuel Natividade da Costa Candal.
Dieter Dellinger.
Fernando Reis Luís.
Francisco de Almeida Salgado Zenha.
Francisco Igrejas Caeiro.
Francisco Manuel Marcelo Monteiro Curto.
Francisco Soares Mesquita Machado.
João Francisco Ludovico da Costa.
João Joaquim Gomes.
Joaquim Sousa Gomes Carneiro.
José Borges Nunes.
José Luís do Amaral Nunes.
Luís Manuel Cidade Pereira de Moura.
Manuel Joaquim Paiva Pereira Pires.
Mário Manuel Cal Brandão.

Partido Social-Democrata (PSD/PPD)

Afonso de Sousa Freire de Moura Guedes.
Álvaro Barros Marques de Figueiredo.
António José dos Santos Moreira da Silva.
António Júlio Simões de Aguiar.
António Luciano Pacheco de Sousa Franco.
António Monteiro Coutinho de Freitas.
António Moreira Barbosa de Melo.
Arnaldo Angelo de Brito Lhamas.
Fernando José Sequeira Roriz.
Francisco Manuel Lumbrales de Sá Carneiro.
José Adriano Gago Vitorino.
José Ferreira Júnior.
José Manuel Meneres Sampaio Pimentel.
José Theodoro de Jesus da Silva.
Justino Manuel Costa Madeira.
Luís Fernando Cardoso Nandim de Carvalho.
Manuel Henriques Pires Fontoura.
Manuel da Cruz Roseta.

Centro Democrático Social (CDS)

Adelino Manuel Lopes Amaro da Costa.
Diogo Pinto de Freitas do Amaral.
Henrique José Cardoso Meneses Pereira de Morais.
João da Silva Mendes.
Luís Aníbal de Sá de Azevedo Coutinho.
Narana Sinai Coissoró.
Ruy Garcia de Oliveira.
Walter Francisco Burmester Cudell.

Partido Comunista Português (PCP)

Ercília Carreira Pimenta Talhadas.
Fernando de Almeida Sousa Marques.
Jerónimo Carvalho de Sousa.

Independentes

Carlos Galvão de Melo.

O CHEFE ADJUNTO DOS SERVIÇOS DE REDACÇÃO, José Pinto.

Página 70

PREÇO DESTE NÚMERO 19$00

IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA

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