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I Série-Número 39

Segunda-feira, 13 de Fevereiro de 1978

DIÁRIO da Assembleia da República

I LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1977-1978)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 11 DE FEVEREIRO DE 1978

Presidente: Exmo. Sr. Manuel Tito de Morais

Secretários: Exmos. Srs.

Alberto Augusto Martins da Silva Andrade
Amélia Cavaleiro Monteiro de Andrade de Azevedo
Alfredo Pinto da Silva
José Manuel Maia Nunes de Almeida

SUMARIO - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão as 10 horas.

Aprovados os n.ºs 20 a 25 do Diário, prosseguiu e concluiu-se o debate sobre o Programa do Governo, verificando-se intervenções da, Srs. Ministros da Habitação e Obras Públicas (Sousa Gomes) e do Trabalho (Maldonado Gonelha) e dos Srs. Deputados Aquilino Ribeiro Machado (PS), Zita Seabra (PCP), Fernandes Loja (PSD), António Guterres (PS), Veiga de Oliveira (PCP), João Vasco Paiva (PSD), Lopes Cardoso (Indep.), Lucas Pires (CDS), Jaime Gama (PS), Aboim Inglês (PCP), Carmelinda Pereira (Indep.), Acácio Barreiros (UDP), Pedro Roseta (PSD) e Aires Rodrigues, (Indep.).
Usaram ainda da palavra, para pedidos de esclarecimento, explicações, protestos ou contraprotestos, além do Sr. Ministro Adjunto do Primeiro-Ministro (Almeida Santos), os Srs. Deputados Fernandes da Fonseca (PS), Maria Margarida de Carvalho (PS), José Leitão (PS), Cabral Fernandes (CDS), Carlos Lage (PS), Sérvulo Correia (PSD), José Luís Nunes (PS), Oliveira Dias (CDS), Narana Coissoró (CDS), Jorge Leite (PCP), Domingos Abrantes (PCP), Lino Lima (PCP), Acácio Barreiros (UDP), Magalhães Mota (PSD), Helena Roseta (PSD), Manuel Alegre (PS), Jaime Gama (PS), Amaro da Costa (CDS) e Pedro Roseta (PSD).
Na parte final do debate, que foi encerrado pelo Sr. Primeiro-Ministro (Mário Soares), intervieram os Srs. Deputados Acácio Barreiros (UDP) - que também formulou um protesto em relação à intervenção do Sr. Primeiro-Ministro -, Carlos Brito (PCP), Freitas do Amaral (CDS), Sousa Franco (PSD) e Salgado Zenha (PS).
Procedeu-se depois à votação do requerimento do PSD em que se pedia a votação nominal da respectiva moção de rejeição, do Programa do Governo, tendo aquele sido receitado, com declarações de voto dos Srs. Deputados Rui Machete (PSD), Oliveira Dias (CDS), José Luís Nunes (PS) - que respondeu também a um protesto do Sr. Deputado Sérvulo Correia (PSD), o que, por sua vez, motivou explicações do Sr. Deputado Freitas do Amaral (CDS) - e Jorge Leite (PCP).
Em seguida foram submetidas à votação as moções de rejeição do Programa do Governo apresentadas pelo PSD e pelo PCP. Rejeitados pela Assembleia, emitiram declaração de voto os Srs. Deputados Acácio Barreiros (UDP). Alda Nogueira (PCP). Figueiredo Dias (PSD), Oliveira Dias (CDS) e Salgado Zenha (PS).
Sobre o recurso interposto pelo Sr. Deputado Acácio Barreiros (UDP) da decisão do Sr. Presidente em lhe retirar a palavra quando produzia a declaração de voto atrás referida, com fundamento na utilização pelo orador de expressões menos correctas para com outros Deputados, pronunciaram-se, além do Sr. Presidente e do Deputado recorrente, os Srs Deputados Carlos Brito (PCP), Amaro da Costa (CDS) e Sérvulo Correia (PSD). Aprovada pela Assembleia a decisão da Mesa, formularam declaração de voto os Srs. Deputados Acácio Barreiros (UDP) - que tombem deu esclarecimentos ao Sr. Deputado Amaro da Costa (CDS) -; Salgado Zenha (PS), Amaro da Costa (CDS), Cunha Leal (PSD) e Carlos Brito (PCP).
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 5 horas e 40 minutos do dia seguinte.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Eram 9 horas e 45 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS)

Adelino Teixeira de Carvalho.
Albano Pereira da Cunha Pina.
Alberto Augusto Martins de Silva Andrade.
Alfredo Pinto da Silva.
Álvaro Monteiro.
Amadeu da Silva Cruz.
António Barros dos Santos.
António Cândido Macedo.
António Chaves Medeiros.

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António José Pinheiro dia Silva.
Aquilino Ribeiro Machado.
Armando F. C. Pereira Bacelar.
Beatriz Almeida Cal Brandão.
Benjamim Nunes Leitão de Carvalho.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Justino Luís Cordeiro.
Emídio Rui Peixoto Vilar.
Fernando Gomes Vasco.
Florêncio Joaquim Quintas Matias.
Francisco Igrejas Caeiro.
Henrique Manuel Velez Marques dos Santos.
Herculano Rodrigues Brites.
João da Silva.
Joaquim José Catanho de Menezes.
José Mania Parente Mendes Godinho.
José Maximiano Abarques de Almeida Leitão.
Luís Abílio dia Conceição Cacito.
Manuel Augusto de Jesus Lima.
Manuel Lencastre Menezes de Sousa Figueiredo.
Manuel Tito de Morais.
Maria Margarida Ramos die Carvalho.
Mário Manuel Cal Brandão.
Pedro Santos Coelho.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.
Rodolfo Alexandrino Suzano Crespo.
Serafim Olindo Ramos Bastos.
Teófilo Carvalho dos Santos.

Partido Social-Democrata (PSD)

Amândio Anes de Azevedo.
Amélia Cavaleiro Monteiro de Andrade de Azevedo.
Américo de Sequeira.
Anatólio Manuel aos Santos Vasconcelos.
Antídio das Neves Costa.
António Egídio Fernandes Loja.
António Júlio Simões de Aguiar.
Armando António Correia.
Artur Videira Pinto da Cunha Leal.
Fernando Adriano Pinto.
Fernando José Sequeira Roriz.
Francisco Barbosa da Costa.
João António Martelo de Oliveira.
João Manuel Ferreira.
João Vasco da Luz Botelho Paiva.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Manuel Meneres Sampaio Pimentel.
José Theodoro de Jesus da Silva.
Júlio Maria Alves da Silva.
Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho.
Manuel Cunha Rodrigues.
Manuel Sérgio Vila Lobos Menezes.
Manuel Valentim Pereira Vilar.
Nicolau Gregório de Freitas.
Nuno Gil Pires.
Olívio da Silva França.

Centro Democrático Social (CDS)

Abel Fernando Coelho Santiago.
Adriano Vasco da Fonseca Rodrigues.
Álvaro Dias de Sousa Ribeiro.
Ângelo Alberto Riva da Silva Vieira.
Carlos Alberto Faria de Almeida.
Carlos Martins Robalo.
Emídio Ferrão da Costa Pinheiro.
João Carlos Filomeno Malho da Fonseca.
João José Magalhães Pulido de Almeida.
João da Silva Mendes Morgado.
José Cunha Simões.
José Manuel Cabral Fernandes.
José Vicente de Jesus de Carvalho Cardoso.
Luís Esteves Ramires.
Rui Mendes Tavares.
Vítor Afonso Pinto da Cruz.
Walter Francisco Burmester Cudell.

Partido Comunista Português (PCP)

Álvaro Augusto Veiga de Oliveira.
António Joaquim Navalha Garcia.
António Marques Matos Zuzarte.
António Marques Pedrosa.
Cândido de Matos Gago.
Custódio Jacinto Gingão.
Ercília Carreira Pimenta Talhadas.
Fernanda Peleja Patrício.
Fernando de Almeida Sousa Marques.
Georgete de Oliveira Ferreira.
Hermenegilda Rosa Camolas Pacheco Pereira.
Jaime doo Santos Serra.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
Joaquim Gomes das Santos.
Joaquim S. Rocha Felgueiras.
Jorge do Carmo da Silva Leite.
Jorge Manuel Abreu de Lemos.
José Cavalheira Antunes.
José Manuel da Costa Carreira Marques.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Rodrigues Vitoriano.
Manuel Duarte Gomes.
Manuel Gonçalves.
Manuel Mendes Nobre de Gusmão.
Manuel Pereira Franco.
Manuel do Rosário Moita.
Maria Alda Barbosa Nogueira.
Nicolau de Ascenção Madeira Dias Ferreira.
Octávio Floriano Rodrigues Pato.
Raul Luís Rodrigues.
Severiano Pedro Falcão.
Victor Henrique Louro de Sá.
Zita Maria de Seabra Roseiro.

Independentes

José Justiniano Taborda Brás Pinto.
Reinaldo Jorge Vital Rodrigues.

O Sr. Presidente: - Responderam à chamada 115 Srs. Deputados.
Temos quórum.
Está aberta a sessão.

Eram 10 horas.

O Sr. Presidente: - Estão em aprovação os n.ºs 20 21, 22, 23, 24 e 25 do Diário. Há alguma objecção?

Pausa.

Como não há, consideram-se aprovados. Vamos continuar o debate sobre o Programa do Governo.

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Tem a palavra para uma intervenção, o Sr. Deputado Aquilino Ribeiro Machado.

O Sr. Aquilino Ribeiro Machado (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: As breves considerações que acerca do Programa do Governo me proponho fazer cingir-se-ão, unicamente, a alguns aspectos do poder local nele contemplado.
No ponto 3.1 da p. 20 diz-se que o município constitui a base da organização da sociedade portuguesa. É óbvio que semelhante juízo de valor deverá ser entendido como uma declaração de intenções, filiada, de resto, numa das correntes mais sérias do nosso pensamento histórico, já que o panorama que a maioria das autarquias actualmente nos oferece está longe de tal meta.
Compreende-se, sem dificuldade que assim aconteça. Deliberadamente esvaziados de conteúdo durante a hibernação a que foram sujeitos, os municípios acordaram para novas realidades da vida colectiva, desacreditados e desguarnecidos de meios reais de intervenção.
No curto lapso que medeou entre as eleições que lhes restituíram a efectiva representatividade e as horas que estamos agora a viver não foi possível reconverter os aleijões herdados nem tão-pouco colmatar o grosso das carências que continuam a afligi-los. Daí não ser apropriado falar do fenómeno autárquico como de uma realidade socio-política mais ampla do que nas presentes circunstâncias se configura.
A consciência desse facto invalida, todavia, o reconhecimento de que teria sido já oportuno abrir um debate franco em torno de várias concepções do poder local, que presentemente se entrechocam de forma mais ou menos encapotada, bem como em volta do papel a atribuir-lhe na democratização da sociedade portuguesa. A clarificação de muitos destes conceitos asseguraria, pela carta, mais linealidade e mais unívoca leitura a certas políticas sectoriais que visam satisfazer as aspirações territorialmente localizadas da população.
À míngua desta ventilação da problemática municipalista, à falta de uma filosofia consistente pela qual se balizem as relações do Estado com as autarquias, pecado de que nenhum sector político está imune, justo é reconhecer, porém, que no actual Programa do Governo se dão patos significativos no bom sentido. Efectivamente, entre o elenco das diversas medidas nele propostas é legítimo deduzir que o fenómeno autárquico tende progressivamente a adquirir maior peso, como agente ou como interlocutor imprescindível à sua concretização. É manifesto o propósito de ultrapassar o estatuto de minoridade a que os municípios eram relegados, por via de regra, e disso testemunha o conteúdo da alínea d) da p. 21, onde se defende a progressiva supressão ou redução dos serviços locais do Estado que possam com vantagem ser constituídos pela entrega das respectivas atribuições, por transferência ou delegação, às autarquias locais, ou respectivas federações e associações». Igualmente revelador do mesmo espírito se deverão considerar na p. 35 os desígnios referidos nas alíneas d) e g) que nos falam da descentralização do Estado, e da prática e reforço da descentralização institucional.
Todavia, para que esta tendência de restituir às populações o comando das decisões e das iniciativas venha a consolidar-se é indispensável que as autarquias se achem habilitadas a assumir tal responsabilidade. O que, em primeira instância, passa pelo reforço da sua capacidade técnica e financeira.
Estes dois condicionalismos básicos são explicitamente assinalados no Programa, que lhes atribui, com justeza, carácter prioritário.
Se bem que o advento de um novo regime das finanças locais se encontre dependente de aprovação da Assembleia, não é descabido lembrar que a sua falta está, em grande parte, na origem de muitas frustrações e ressentimentos de que em número crescente os responsáveis locais se fazem eco.
A implementação da lei não deixará de se revestir de problemas complexos, senão mesmo delicados. O Governo afigura-a estar consciente disso ao propor «o acompanhamento da execução da reforma das finanças locais e gestão apartidária do Fundo de Perequação Financeira» - alínea c), p. 21. É de esperar que em matéria de tanta relevância os representantes autárquicos, tenham uma palavra a dizer e uma posição a reivindicar.
Em qualquer caso, a Administração Central deverá aprontar-se para que a concretização da lei se não protele por falta de infra-estruturas de resposta. Trata-se de uma área extremamente quente, dadas as esperanças que os responsáveis do poder local - porventura com algum exagero - põem na substituição qualitativa da política de mão estendida aos subsídios e comparticipações - pela política de gestão autónoma de que legitimamente lhes pertença.
A capacidade técnica das autarquias é a outra componente indissociável do poder local. Constitui, em si mesma, um objectivo mais difícil de atingir face ao reduzido número de elementos qualificados e à falta de atractividade financeira e profissional que os lugares criados ou a criar exercem sobre o meio técnico. Afigura-se, por conseguinte, realista a disposição expressa no Programa de visar uma maior aproximação dos níveis salariais a praticar na Administração com os níveis praticados no sector privado. Igualmente é da mais alta importância o incremento sistemático das acções de formação e reciclagem do pessoal existente em paralelo com a abertura de horizontes mais amplos de carreira decorrentes da criação do quadro técnico-administrativo previsto na Constituição.
No entanto, os efeitos destas medidas só virão a tornar-se sensíveis a médio prazo. Até lá a institucionalização dos gabinetes de apoio técnico às autarquias, a que se faz referência na alínea c) da p. 204, constituirá a forma de proceder intercalarmente mais adequada.
Mister é todavia que o comando e a direcção desses gabinetes - como estruturas coadjuvantes que são - venha a caber aos municípios directamente interessados. A fórmula da associação ou da federação poderá ser utilizada para o efeito. Toda a tentação de colocar estes aparelhos sob a exclusiva dependência de qualquer departamento ministerial deverá ser afastada por contraditória com o espírito

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autárquico e, em última análise, por deficientes conduções de funcionalidade, como a experiência tem demonstrado.
Como corolário do incremento da autonomia financeira e técnica há que encarar de frente a delimitação das fronteiras a partir das quais acaba o poder central e começa o poder local. Aqui reside, seguramente, o problema mais controverso, dada a disparidade de situações a ter em conta. Se existem, por um lado, municípios, como, por exemplo, o de Lisboa e Porto, solidamente estruturados e com um arcabouço técnico que os habilita a assumir responsavelmente mais amplas competências, como forma de descentralizar o aparelho de Estado, a verdade é que muitos outros não podarão responder do mesmo modo. É uma realidade que encontrará, porventura, uma forma de compensação, pela via intermediária das federações em que venham a integrar-se - mas é uma realidade de que no imediato exige flexibilidade e tratamento diferenciado. Daí que tenha inteiro cabimento a institucionalização de um estatuto próprio para aquelas duas grandes cidades, o que, de resto, a lei das competências e atribuições dos órgãos das autarquias já, de certo modo, contempla.
Lisboa e Porto inserem-se, porém, num quadro geográfico que as ultrapassa. O princípio da comunidade, urbana que o Programa do Governo implicitamente assinala quando aponta a necessidade de uma nova organização das áreas metropolitanas está em causa. Sem desmerecer da intenção, em si mesmo indiscutível e constitucionalmente consagrada, importa que neste domínio se proceda com indispensável prudência e gradual aproximação. Todas as transformações bruscas e traumatizantes poderão revestir-se de sérios inconvenientes susceptíveis de comprometer irremediavelmente o objectivo visado.
Por minha parte não antevejo a criação de uma área metropolitana como o nascimento de um supermunicípio - o que iria ao arrepio do movimento descentralizador -, espécie de administração gigante, para a qual, numa interpretação estrita da alínea a) da p. 20, seriam transferidas somente - cito o texto - «as competências actualmente atribuídas aos órgãos próprios dos diversos municípios envolvidos», mas antes como uma estrutura decisional, onde se fará a coordenação das acções directamente relacionadas com o processo urbanístico, a gestão do solo, o sistema de transportes e as grandes infra-estruturas de interesse interconcelhio.
Não seria, por outro lado, concebível que aquela autarquia surgisse unicamente pela convolação das competências actualmente exercidas, pelos municípios que a iriam integrar, sem que paralelamente o Estado nela descentralizasse um significativo leque das suas próprias competências.
É evidente, porém, que todas estas questões não deixarão de ser amadurecidas oportunamente pelo Governo e estamos confiantes quanto à adequação da fórmula a ser proposta, cientes de que os municípios envolvidos serão chamados a colaborar na procura da solução mais conveniente.
Afirma-se nas alíneas e) e i) das pp. 21 e 43 que se prevê a criação de novos bairros administrativos,
bem como a definição das atribuições e das competências dos magistrados administrativos, na sua qualidade de coordenadores dos serviços periféricos do Estado a nível local.
Não estão em causa as eventuais vantagens de dividir os grandes aglomerados por novos bairros. Convirá, no entanto, tranquilizar certos espíritos que teimam em interpretar esta medida como uma forma de perpetuar a figura do governador civil, embora, desta feita, repartido em pequenas fracções
Para terminar, meia dúzia de palavras, apenas, acerca das regiões administrativas. A cautela posta na abordagem deste assunto justifica-se inteiramente. Não deverá, todavia, a relativa parcimónia do Programa, a tal respeito ser entendida como manifestação de desinteresse, mas antes como a consciência de que o problema se reveste de grande transcendência, a exigir estudo aprofundado e exaustivo. Como para as áreas metropolitanas, mas agora, se possível, com maior ênfase, dada a diferença de escalas, a importância do que está em jogo não consente improvisações. A regionalização é uma das etapas fundamentais na consolidação da democracia e na ultrapassagem dos desequilíbrios estruturais de desenvolvimento que existem entre várias zonas do País. Não podemos dar-nos ao luxo de ser mal sucedidos como seguramente aconteceria se os interesses partidários se sobrepusessem aos interesses das populações considerados como sistemas de identificação com um espaço territorialmente demarcado. A dimensão política constitui um elemento de valor apreciável para aquela demarcação, mas o seu grau hierárquico fica aquém de muitos outros que igualmente deverão ser tomados em conta - como, por exemplo, o factor geográfico, histórico e económico, etc.
Há que sofrear a natural impaciência de atingir a meta das regiões, com prejuízo da abertura de alicerces sólidos em que as mesmas deverão assentar.
Mediante o acompanhamento das medidas que irão ser praticadas no domínio de desconcentração e coordenação regional dos serviços periféricos - através da implementação e contrôle das regiões planas -, da experiência a colher das associações e federações de municípios que venham a construir-se - dos ensinamentos advenientes do funcionamento das áreas metropolitanas -, enfim, a partir de todo o conjunto de dados que por aqueles meios seja possível obter se ficará em condições bastante mais seguras para a abordagem da problemática em questão.
O livro branco a que na p. 41, alínea c), se faz referências poderá constituir o desencadeamento de uma vasta discussão destas matérias que facultem uma tomada de consciência colectiva e uma inequívoca evidenciação da vontade das populações no que toca às opções definitivas a tomar.
No concernente ao poder local o Programa do Governo propõe um conjunto de realizações que abrirá às autarquias perspectivas bastante favoráveis.
Acredito na capacidade da equipa que se dispõe a pô-lo em prática e acredito que a bem curto prazo os factos falarão por si.
Dou, por conseguinte, todo o meu apoio ao Governo e, como representante da principal autarquia do

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País, asseguro-lhe que poderá contar com a minha colaboração franca e empenhada.

Aplausos do PS.

Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Zita Seabra para uma intervenção.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Debatemo-nos na elaboração destas breves notas sobre a parte respeitante à educação com um problema. Tínhamos, por um lado, as vinte páginas constantes do Programa do Governo, tínhamos por outro, a prática política de mais de dezasseis meses da equipa que vai continuar no Ministério e que só foi alterada para dar lugar à entrada de um Secretário de Estado do CDS.
A dificuldade era tanto maior quanto é facto que o anterior Programa do Governo pouco ou nada pesou na acção e na orientação do Ministério da Educação.
Se a larga maioria do povo português não conhece o conteúdo do Programa do Governo, conhece a prática do Ministério Cardia. Se efectivamente já muita gente tem dito que estamos fartos de palavras, aqui, neste caso concreto, temos actos também para fundamentar a nossa análise.
E a primeira questão que colocamos é se efectivamente o Ministério de Sottomayor Cardia conseguiu encontrar caminhos para resolver alguns dos graves problemas que ao País se deparam no sector da educação.
Melhorámos ao fim deste ano e meio?
A resposta é claramente não e resulta dos três traços essenciais que caracterizaram em nossa opinião a acção do Ministério de Sottomayor Cardia.
O primeiro, foi sem nenhuma dúvida uma política toda e sempre virada para favorecer os estudantes de maiores meios económicos e prejudicar as condições de estudo aos jovens trabalhadores, e oriundos das classes trabalhadoras, contrariamente ao que a Constituição impõe.
O segundo, a sua incompetência evidenciada numa política de remendos e de maus remendos.
O terceiro, a recusa do diálogo e da participação.
Refiro apenas algumas questões exemplares que pecam por defeito mas que revelam até que ponto estes três traços são reais:

O Ministério da Educação nada fez em questões prioritárias como a alfabetização e educação permanente.
Nada fez no sentido da criação de uma efectiva rede de jardins-de-infância, a não ser a demagógica apresentação de duas propostas de lei; e digo demagógica porque nem sequer tiveram sequência no Orçamento Geral do Estado que se seguiu à sua aprovação;
Simultaneamente, o Ministério conta na sua actividade com a pesada responsabilidade de ter deixado milhares de estudantes sem aulas.

Escolas encerradas por sua exclusiva iniciativa, como é o caso dos Hospitais Civis de Lisboa, do ISCSP extinto, da Faculdade de Economia do Porto. Um exame de aptidão à Universidade que deixou milhares de estudante» na rua e este ano um chamado Ano Propedêutico que, no mínimo, se pode classificar de burla mais completa.
Mas burla - que, tal como o exame de aptidão, prejudica, acima de tudo, os trabalhadores-estudantes e os filhos das classes trabalhadoras, que, ao contrário do que expressa a Constituição, vêem cada vez mais difícil o exercício efectivo do direito ao ensino.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - A computar o quadro, o Ministério é responsável pela aplicação do numerus clausus à Universidade baseados no malthusiano critério das instalações, e só agora no actual Programa do Governo o MEC vem prever que vai proceder aos estudos por onde devia exactamente ter começado, ou seja, o levantamento das necessidades do País em técnicos.
Quanto aos docentes, seguiu-se uma política de colocações que lançou a maior confusão nas escolas em que o ano lectivo veio a iniciar-se com semanas e até meses de atraso, deixando professores sem trabalho e estudantes sem aulas, mudando professores para dezenas ou centenas de quilómetros do local onde leccionavam anteriormente. Uma política que se traduziu também e em vários campos na retirada de direitos adquiridos dos docentes.
Outro traço bem vivo destes meses do Ministério Cardia foi uma política de saneamentos à esquerda, que levou ao afastamento do Ministério de tantos e tantos profissionais competentes. A acompanhá-la, a recusa do diálogo e da participação, o ignorar completo das estruturas representativas dos professores - os sindicatos, dos estudantes - as associações de estudantes das escolas - os órgãos de gestão eleitos e dos trabalhadores do seu Ministério. A acompanhar esta recusa ao diálogo, o Ministro Sottomayor Cardia recorreu a medidas represavas ou descaradamente ameaçadoras a que já não estávamos, felizmente, habituados.
Os Srs. Deputados e o povo português recordam-se certamente da greve da Universidade de Coimbra, acompanhada de greves nas outras Academias, greve essa exactamente contra a recusa ao diálogo, contra a reintegração de alguns professores saneados sem diálogo prévio, contra o encerramento da Universidade. Mas lembram-se também, por exemplo, da nota do Ministério, já ontem aqui e mais uma vez denunciada de inconstitucional e ilegal, ameaçando com sanções disciplinares os professores que exercessem o seu legítimo direito de greve.
No entanto, se o Sr. Ministro Cardia foi, ao longo deste ano e meio, tão pronto em tomar medidas ou em ameaçar estudantes e professores que acima de tudo exigiam ser ouvidos, enquanto para estes foi assim, o Sr. Ministro nada fez, não mexeu um dedo, nenhuma medida tomou contra a acção dos grupos fascistas nas escolas, que lançam a violência e o terror, destroem instalações, espancam estudantes progressistas e até professores, difundem propaganda nazi, impedem o calmo e pacífico desenrolar do ano lectivo.

Aplausos do PCP.

O Programa do Governo silencia a questão. Isto, apesar de a Assembleia da República ter já apro-

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vado dos votos exigindo firmes medidas, apesar dos apelos dos professores, dos pais e dos estudantes, apesar das tomadas de posição das organizações políticas progressistas da juventude, incluindo e por diversas ocasiões da própria Juventude Socialista.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Posto este breve enquadramento ao texto constante do Programa do Governo, algumas considerações concretas sobre aquilo que desde já se pode ver ou perceber.
O aparelho escolar e o sistema de ensino têm, em regra, duas funções interligadas - a de dar uma formação profissional e a de veicular e reproduzir valores culturais, ideológicos e sociais. O ensino é, a um tempo, reflexo da sociedade e agente sobre da. Nas sociedades divididas em classes estas duas funções do aparelho escolar tendem a reproduzir e a manter a divisão de classes existentes na sociedade.
Isto, Srs. Deputados, não são elucubrações meramente partidárias. A Constituição acolhe-o e, face a essa compreensão, traça princípios programáticos e imperativos de ordem política geral e ideológica:

O princípio de que a democratização da educação a ser promovida pelo Estado visa contribuir, cito, «para o desenvolvimento da personalidade e para o progresso da sociedade democrática e socialista (artigo n.º 73.º, n.º 1»;
O princípio de que o Estado deve modificar o ensino de modo a superar a sua função conservadora da divisão social do trabalho;
O princípio do estímulo e favorecimento do acesso dos trabalhadores e dos filhos das classes trabalhadoras ao ensino e às mais elevadas qualificações.

Trata-se de traços fundamentais da visão constitucional dos direitos e deveres culturais, e como tais deviam merecer e marcar o programa de qualquer Governo democrático.
Entretanto, o Programa do Governo PS/CDS ignora essa dimensão cultural do ensino e os princípios referidos. O que nos oferece é uma visão tecnocrática que não técnica dos problemas do ensino, aparentemente desenquadrada de qualquer perspectiva política afirmativa. É digo aparentemente desenquadrada porque a omissão das formas de concretização dos princípios constitucionais vai de par com a presença implícita de uma ideologia tecnocrática, da recusa política de avançar no cumprimento de tais princípios. E digo que se trata de uma visão tecnocrática e não técnica parque a dimensão técnica dos problemas e das soluções, que é evidentemente fundamental, pressupõe uma articulação clara com uma dimensão de explicitação progressista; e a tecnocracia é precisamente o aparente eliminar dessa articulação para melhor esconder a sua base política direitista. É o que sucede neste Programa.
Torna-se entretanto claro que essa base é a da continuação da política de recuperação capitalista. Este é o programa que poderá servir no campo do ensino o grande capital, na sua tentativa de restauração do seu poder na economia nacional.

Aplausos do PCP.

Quais as necessidades do País a que se visa adequar a actividade educativa?
Serão as necessidades do desenvolvimento da economia com base nas grandes transformações económicas e sociais conquistadas pela Revolução Portuguesa e consagradas no projecto constitucional de transformação da nossa sociedade, ou as necessidades de um reduzido grupo de grandes capitalistas e de imposições do imperialismo? Que técnicos industriais e agrícolas? Que tipo de gestores? Uma parte da resposta é-nos dada pelo que o Programa contém no plano económico. A outra deduz-se do que há de compartimentação estanque dos graus escolares, na profissionalização restritiva que permite o contrôle repressivo dos mercados de trabalho e de emprego, na não previsão prioritária das medidas. Veja-se, por exemplo, o parágrafo 3.4.2.3., que diz que a selectividade se acentuará nos cursos complementares do ensino secundário e que convém no fundo despachar o maior número de estudantes possível, das escolas até aí. Sabendo nós que para quem o diz selectividade é sinónimo de rigor e qualidade de formação, parece poder entender-se que até aos cursos complementares o ensino pode decorrer em grandes preocupações de qualidade no sentido da despachar o mais depressa possível os jovens trabalhadores para o mundo do trabalho, e que, a partir daí, a partir do curso complementar, se entrará no mais forte crivo social de técnicos médios e superiores. Ou seja, alargar, por um lado, a base de recrutamento de mão-de-obra, com um mínimo de formação profissional que a torna rendível para o patronato, que facilite a formação de contingentes de desempregados de modo a poderem ser jogados como pressão contra a subida de salários e a manutenção do poder de compra dos trabalhadores. E, por outro lado, estreitar por crivos e becos sem saída o tipo, a origem social e a função social dos técnicos, de modo a poderem ser instrumentos dóceis do grande capital.
Que dizer da orientação vocacional focada no secundário geral? Tememos que no contexto deste esquema de ensino venha a servir para se concluir que o filho do sapateiro tem imenso jeito para vir a ser sapateiro e que o filho de um engenheiro tem imenso jeito para vir a ser engenheiro.
Há que dizer Srs. Deputados, que o Partido Comunista Português tem defendido, e aqui mesmo na Assembleia da República, e propugnado a necessidade de que à todos os níveis de ensino se incentive a ligação do ensino à vida, do ensino à prática. Ninguém tem insistido mais na necessidade de dotar o secundara de um terminal profissionalizante e de adaptar o ensino superior às necessidades do desenvolvimento do País em quadros técnicos preparados para o ingresso na vida profissional. Mas o que aqui é proposto é bem diferente, e inspira-se sobretudo na visão veiga-simoniana de formação profissional, restritiva, quase exclusivamente praticista e criando becos sem saída.
A dimensão tecnocrática «expurgada» dos imperativos políticos da Constituição verifica-se ainda, por exemplo, na reiterada incapacidade de pensar o problema da extinção do analfabetismo e da educação permanente, desaparecendo mesmo esta expressão e a formulação das suas medidas integradoras, tal

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como desaparecem as referências à universidade aberta e ao ensino à distância.
Outras questões e outras interrogações teríamos a colocar. Com que meios, com que prazos se vão executar muitas das medidas propostas? Mas como o tempo é curto focarei apenas e muito rapidamente as questões do ensino particular, da investigação científica e do desporto.
Quanto ao problema do ensino particular, o Programa é lacónico e pouco explícito, embora a importância da questão motive duas referências no acordo PS/CDS. O conhecimento que há do projecto existente na Comissão de Educação da autoria do PSD e das posições do CDS aí tomadas, tornam mais do que razoável recear que, no sentido do acordo citado, se prepare mais uma manobra de cerco ao ensino público, nomeadamente ao ensino superior, destinada a pôr o Estado a financiar as escolas em que o grande capital forme os seus homens, a sua gente, como bons, eficazes e rendíveis exploradores ou intermediários da exploração.
Sem pôr em causa a necessidade de bases gerais e de um novo estatuto do ensino particular, é importante acentuar que, constitucionalmente, o Estado tem como incumbência futura principal a de criar uma rede de estabelecimentos oficiais de ensino que cubra as necessidades de toda a população.
Nós estamos de acordo que o Estado deverá apoiar, nomeadamente através de contratos-programas os estabelecimentos de ensino privado supletivo, atendendo-se a supletividade não só na sua dimensão geográfica ou regional, mas nos sectores ou ramos em que a sua acção supra utilmente lacunas do ensino público. Mas o Estado não pode pôr em causa a sua incumbência positiva fundamental - e sobretudo quando se prevêem cortes orçamentais para o ensino, é inaceitável que as verbas restantes possam ser aplicadas para manter margens de lucro a instituições de carácter comercial ou para financiarem as escolas para a grande burguesia formar os seus quadros enquanto pensar que as escolas públicas não lhe permitem ainda fazer sob a sua discricionalidade completa, até porque sabem que aí têm de contar com a oposição de muitos e muitos professores e estudantes.
O que o Programa do Governo diz sobre a investigação científica e tecnológica, questão importante de todo o desenvolvimento económico e social contemporâneo, para além da sua pobreza, apresenta explícita ou implicitamente perspectivas negativas de que é importante apontar rapidamente três:

a) Não nou parece correcta a integração da Junta Nacional de Investigação Científica no MEC, aparentemente com o objectivo da unificação das estruturas de coordenação. Tal medida contraria a experiência geral e as recomendações internacionais sobre o problema e parece revelar o desconhecimento da estrutura do nosso sistema científico e tecnológico;
b) Ao mesmo tempo essa medida e a ênfase dada à investigação universitária quanto ao Plano de Reordenamento Científico (3.14.4) fazem recear que se pense poder atribuir, o que não é realista sequer, ao sector universitário de investigação o papel de motor da reconversão e inserção social da investigação científica e tecnológica; o) FàialmieiUe, o Programa não prevê qualquer forma de participação, nomeadamente dos trabalhadores científicos na formulação e acompanhamento da política de investigação científica. Essa participação decorre não só de princípios de ordem democrática, como em termos práticos é reconhecida internacionalmente como a única forma de resolver no seio da comunidade científica a aparente contradição entre a liberdade de criação e o planeamento da investigação científica e tecnológica e de mobilizar os investigadores para a reconversão das suas actividades.
Quanto ao Programa do Governo para o sector do desporto é também um conjunto de intenções desconexas e desgarradas, em que não se define minimamente uma política, não se apontam soluções, não se objectiva ou quantifica, não se definem métodos ou prazos.
Efectivamente, o Programa do Governo apresenta uma concepção retrógrada, do papel da cultura física e desportiva, enquanto meio formativo e cultural e da dupla necessidade de perspectivar esse papel - o de democratizar e o de permitir que se realize como meio de democratização social, fugindo à terminologia e contrariando o conteúdo constitucional.
O Programa ignora e despreza o apontar de soluções quanto aos aspectos fundamentais da cultura física desportiva do povo português: o desporto escolar e o desporto dos trabalhadores.
Isto é evidente quando só para o ensino primário, preparatório, secundário e universitário se calculam necessários, pelo menos, dez especialistas de cultura física e desportiva. No entanto, nada se diz sobre o programa de formação que anule as carências da situação actual.
No que respeita ao desporto dos trabalhadores, onde as carências são ainda maiores, não contém uma linha. Não é definida nem objectivada uma política ou um programa de instalações, sem a qual a cultura física e o desporto não podem efectivamente estar ao alcance de todos e, em particular, dos trabalhadores.
Mas também no que respeita ao apoio ao desporto federado não se explicitam os motivos da revisão dos critérios de apoio nem os princípios em que se vai basear nem mos objectivos que se visam atingir. Não se define a função, os programas e os meios que devem assistir ao apoio à alta competição e ignora-se que Portugal deve começar a prever como vai participar nos Jogos Olímpicos de 1980.
Como não podia deixar de ser, também neste sector não se vislumbra qualquer intenção de iniciar ou de instituir o diálogo, a participação, a consulta mútua entre os departamentos governamentais e os mais directamente interessados na cultura física e desportiva: as federações, associações e clubes da modalidade, os sindicatos e as organizações juvenis, as

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organizações populares de base territorial, colectividades de cultura e recreio e comissões desportivas das autarquias.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: é pois para nós claro que o Programa do Governo PS/CDS não aponta para a concretização dos princípios constitucionais, anuncia uma clara incapacidade de promover a mobilização popular e nacional, não visa abrir caminho para a sociedade democrática e socialista para a qual a educação deveria contribuir nos termos da Constituição.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Fernandes da Fonseca para pedir esclarecimentos.

O Sr. Fernandes da Fonseca (PS): - Ouvi com a maior atenção a intervenção da Sr.ª Deputada Zita Seabra e não vou fazer-lhe perguntas, apesar de todo o conteúdo da sua intervenção ser controverso, mas vou prestar à Câmara um esclarecimento, visto que a Sr.ª Deputada Zita Seabra referiu a não existência dia aulas sobretudo depois da posse do Sr. Ministro Sottomayor Cardia, depois que passou a dirigir o Ministério da Educação e Investigação Científica, e citou muito concretamente o problema da Faculdade de Economia do Porto. Dado que sou professor da Universidade do Porto, queria esclarecer a Câmara de que a Universidade tem cerca de vime mil alunos e para além de um problema específico que houve com a Faculdade de Economia que teve de ser submetida a uma reestruturação, todas as Faculdades da Universidade do Porto - Faculdades de Medicina, de Letras, de Engenharia, de Ciências e de Farmácia e de Economia, curso superior de Psicologia, Escola Superior de Belas Artes, Instituto Superior da Engenharia, Instituto Superior de Contabilidade, I.S.E.F., etc. - estão a funcionar de forma inteiramente correcta desde o princípio deste ano escolar, ou seja, desde os meses de Outubro e Novembro.
Por outro lado, queria ainda esclarecer que no ano escolar de 1974-1975 as aulas realmente só começaram em Abril e Maio na maioria dias faculdades. No ano escolar de 1975-1976 só começaram em Janeiro, Fevereiro ou Março, na maior das Faculdades. No ano escolar de 1976-1977 começaram em quase todas as Faculdades nos meses de Novembro ou Dezembro. E no ano escolar de 1977-1978 começaram em todas as Faculdades nos meses de Outubro e de Novembro.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Margarida de Carvalho para pedir esclarecimentos.

A Sr.ª Maria Margarida de Carvalho (PS): - Sr.ª Deputada Zita Seabra, ouvi com atenção a sua intervenção, que mais não foi do que uma crítica ao Ministro Sottomayor Cardia e ao seu Ministério. Mas, aliás, essa posição já é habital na Sr.ª Deputada. De qualquer modo queria fazer-lhe umas perguntas muito concretas.
Em primeiro lugar, a Sr.ª Deputada referiu-se ao problema da alfabetização. Gostaria de perguntar-lhe se realmente entende ou não que para alfabetizar
é preciso gente preparada, que não se inventa, que tem de ser metodicamente preparada, e não aqueles grupos de alunos universitários, embora com muito boa vontade, que partiram para as aldeias sem saber minimamente o que é alfabetizar.
Gostaria também que a Sr.ª Deputada me explicasse, por que é que afirma que o ano propedêutico é uma burla. Terminado o Serviço Cívico Estudantil - que nós sabemos o que foi realmente ,como é que podiam ser preparados, os alunos para ingressarem minimamente preparados na Universidade?
Em relação à colocação dos professores gostava também que me respondesse ao seguinte: a Sr.ª Deputada sabe, e portanto foi demagogicamente que aqui votou a falar no problema, que a colocação de professores e os seus atrasos não se devem só aos serviços centrais do MEIC, mas a certos conselhos directivos e também a professores que não souberam, ou não quiseram, preencher correctamente os boletins. Os próprios sindicatos, como a Sr.ª Deputada sabe, fizeram referência a esta situação. Gostaria ainda de perguntar à Sr.ª Deputada se realmente a desorganização do ensino foi maior no tempo do I Governo Constitucional do que realmente no ano de 1975.
Por fim, pergunto-lhe, referindo-se a Sr.ª Deputada à qualidade de ensino, se, quando numa Faculdade de Direito se ensina a teoria da guerrilha urbana ou o Direito de Família é apenas baseado na obra do Engels monoliticamente, isso é realmente verdadeiro ensino.
No tocante aos professores de Educação Física, a Sr.ª Deputada fala apenas num número reduzido de especialistas. Gostaria de saber se o desporto é ou não uma coisa séria e se, em vez de termos monitores feitor apressadamente, deveremos ter realmente especialistas que não prejudiquem nem as crianças nem os jovens para toda a vida.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada Zita Seabra, deseja responder já ou no fim? Há mais Srs. Deputados inscritos para pedidos de esclarecimento.

A Sr.ª Zita Seabra {PCP): - Sr. Presidente, prefiro responder a tudo no fim.

O Sr. Presidente: - Então tem a palavra o Sr. Deputado José Leitão para também formular pedidos de esclarecimento.

O Sr. José Leitão (PS): - Sr.ª Deputada, como o tempo é curto, de forma muito breve desejava apenas formular duas perguntas: A Sr.ª Deputada classificou de burla mais completa o ano propedêutico. Queria, pois, perguntar se o Partido Comunista, abstendo-se quando foi da discussão na generalidade sobre o ano propedêutico, pretendeu colaborar na burla.
Outra questão que gostaria de colocar é a seguinte: a Sr.ª Deputada referiu, e muito justamente, a posição da Juventude Socialista - eu quero dizer que não é apenas da Juventude Socialista, o Partido Socialista foi o primeiro partido a apresentar nesta Assembleia um protesto contra as actividades fascitas nas escolas - e afirmou que o Ministério da Educação e, nomeadamente, o Sr. Ministro Sottomayor Cardia não se tem preocupado com isso.

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Queria, pois, perguntar à Sr.ª Deputada se ignora as atitudes tomadas, em diversos casos, pelo Sr. Ministro Sottomayor Cardia, mandando encerrar escolas onde se verificavam actividades fascistas, até que, efectivamente, existam condições democráticas para o seu funcionamento, se ignora, nomeadamente, que o Ministro Sottomayor Cardia proibiu a realização, por parte de uma organização fascista, de uma comemoração provocatória do 25 de Novembro, no Liceu de Garcia de Orta, no Porto, e se ignora que, efectivamente, saiu este ano legislação regulamentar para a actividade disciplinar dos órgãos de gestão democrática das escoas, que reforça, de uma forma mais eficaz, a possibilidade de esses órgãos garantirem a democracia nas escolas, pondo termo à presença de elementos provocadores que impeçam um convívio democrático entre os estudantes.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Zita Seabra para responder.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Eu iria responder brevemente, embora tenha muitas perguntas, porque o meu partido já dispõe de pouco tempo.
No entanto, em relação à primeira questão colocada pelo Sr. Deputado Fernandes da Fonseca, o que eu disse na minha intervenção não era que a Academia do Porto estava parada - era melhor! O que eu disse é que o Sr. Ministro Cardia foi responsável pelo encerramento da Faculdade de Economia do Porto, que durante uns meses esteve parada devido a esse encerramento, com o prejuízo que isso acarretou para os estudantes, para os professores e, no fundo, para o povo português, que financia o ensino, tal como sabe.
As outras faculdades estarem a funcionar não é nenhuma glória do Sr. Ministro; pelo contrário, é uma obrigação. Isso deve-se, antes de mais, à acção que os estudantes e os professores dessas Faculdades tem feito no sentido de garantir o seu próprio funcionamento. Mas o que acima de tudo salientei é que, em relação ao ensino superior - além destas escolas que referi expressamente, que estiveram paralisadas (e referi concretamente o nome de algumas) -, pela acção do Sr. Ministro, houve milhares de estudantes, dezenas de milhares de estudantes, que estão sem aulas, que e tão na rua, que não puderam continuar os seus estudos na Universidade por toda uma série da medidas de secção à entrada na Universidade, que, a começar pelo exame de aptidão e a terminar no numerus clausus fizeram com que muitos estudantes hoje vejam gorados os seus esforços para prosseguirem os seus estudos, com todas as dificuldades que isso acarreta para as suas famílias e para elas próprios.
O absurdo da política do Sr. Ministro foi tão grande neste ponto que, como já referi, prejudicou, acima de tudo, os trabalhadores estudantes. Mas, além disso, tem esta característica: é que, impedindo esses estudantes de entrarem por um exame de aptidão completamente absurdo e decretado à última hora, o Sr. Ministro veio prejudicar, e muito vivamente, esses estudantes.
Quanto as questões colocadas pela Sr.ª Deputada Maria Margarida, e também muito brevemente, creio que não ouviu bem a minha intervenção. Efectivamente critiquei o Sr. Ministro, mas também me referi, muito concretamente, ao programa do Governo. Claro que, tratando-se da manutenção exactamente da mesma equipa à frente do Ministério, não podemos ignorar o que é que essa equipa tem feito, porque aí são factos, não são palavras. São factos concretos que nós e o povo português temos para ajuizar do que é que esta equipa vai fazer. A única alteração que houve foi para pior: foi para sair um Secretário de Estado que era do Partido Socialista e dar entrada a um Secretário de Estado que é do CDS.
Quanto à questão da alfabetização - e, para encurtar, eu junto-lhe aqui uma questão que também me foi colocada em relação ao desporto, ou seja, a necessidade de preparar devidamente os técnicos para a alfabetização e para o desporto -, nós estamos de acordo em que essa preparação seja feita. Agora, Sr.ª Deputada, já lá vão dezasseis meses e nada se fez, nem sequer no sentido de criar condições para preparar tanto os técnicos de alfabetização como os técnicos desportivos. Já lá vão mais de dezasseis meses. Se isso era desculpa. quando o Sr. Ministro tomou posse no I Governo, hoje não pode ser. Hoje nem sequer os caminhos foram encontrados para vir a formar esses tais técnicos, tanto de alfabetização como desportivos, que sejam capazes de enfrentar estes dois graves problemas e de lhes dar solução.
E acrescento-lhe só mais um aspecto: é que também em relação ao ensino pré-primário mos ouvimos essa desculpa, que era necessário formar técnicos capazes para vir a criar as próprias escolas para vir formar os técnicos de educação pré-primária com capacidade, etc., etc. Nós estamos de acordo com a qualidade, consideramos que não se deve improvisar. Mas o que o sr. Ministro fez nestes 16 meses foi nada; e agora vem voltar a fazer aquilo que tinha desfeito quando lá chegou, ou seja, veio novamente dizer que era necessário que as escolas do magistério primário formassem também educadores de infância, que era o que estava a ser feito e que o Sr. Ministro desfez com essa mesma teoria.
Em relação ao ano propedêutico, também junto as duas questões que me foram colocadas tanto pelo Sr. Deputado José Leitão como pela Sr.ª Deputada Maria Margarida, o eu ter classificado de burla.
Oh, Srs. Deputados, que é que se podará considerar que seja menos gravoso que a palavra burla, um ano lectivo dado pela televisão sem nenhum apoio de monitores nem de nada, deixando o estudante como espectador à frente de um aparelho, não lhe dando nenhum apoio pedagógico nem técnico - como já foi aliás, longamente discutido e denunciado na própria Assembleia da República?! Como é que se poderá classificar senão de burla um ano propedêutico em que eu, Sr.ª Deputada, ainda há pouco tempo estive no Algarve com centenas de trabalhadores-estudantes que não conseguem captar o 2.º canal por que na maior parte do Algarve o 2.º canal não é transmitido, não chega lá a não ser em dias em que o clima esteja particularmente bom, e então lá conseguem apanhar uma liçãozinha?! Não será isto, efectivamente, uma burla?
Quanto ao meu partido ter-se abstido na votação na generalidade, pois quero dizer-lhe o seguinte,

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Sr. Deputado José Leitão: é que se efectivamente no debate na especialidade na Comissão o ano propedêutico não for alterado no sentido positivo, ou seja, não forem dadas determinadas garantias de seriedade a este ano propedêutico, como efectivo ano intermédio e de preparação para a Universidade, pois certamente que o meu partido não votará a favor nem se absterá na votação final. Aí iremos ver se foram, até lá, feitas algumas introduções que dêem algumas garantias aos estudantes de que isto não será, efectivamente, uma burla, como está a ser neste momento. Senão o meu partido certamente votará contra na votação final.
Quanto à questão de a colocação de professores e os atrasos verificados se deverem aos conselhos directivos, oh, Sr.ª Deputada, francamente! ..., já tenho ouvido muitas desculpas do próprio Ministério sobre toda a baralhada e toda a confusão que lançou com a questão da colocação dos professores. Já ouvi até uma desculpa do Sr. Secretário de Estado (e que continua agora) da orientação pedagógica, dizendo que alguns dos atrasos se verificaram tanto pela avaria do computador como pela circunstância de o 11.º edifício do Ministério estar a abrir brechas, estar quase a cair. Agora ouço a desculpa de que foram os conselhos directivos. Mas queria-lhe dizer que os conselhos directivos só foram chamados a auxiliar na colocação de professores quando o Ministério já estava tão ensarilhado que já não era capaz de resolver o problema e já só tinha lançado a confusão mais completa. E mais: quando os conselhos directivos foram chamados, foi porque o próprio Ministério abandonou os critérios que inicialmente tinha definido para colocação de professores e veio para uma posição mais realista, mas já em pleno ano lectivo, já quase no fim do mês de Outubro.
Tenho pouco tempo, por isso vou terminar referindo-me só à questão das actividades fascistas nos estabelecimentos de ensino e com a nota que o Sr. Deputado José Leitão me colocou de que o Sr. Ministro tinha feito qualquer coisa. Referiu que, inclusive, deu alguns poderes aos órgãos de gestão eleitos para eles próprios actuarem em relação a provocadores que em determinados estabelecimentos de ensino, encabeçam estas acções, que tanto prejudicam o desenrolar do ano lectivo.
Mas, Sr. Deputado, o despacho pode ser uma coisa e a realidade é outra. Dou-lhe um exemplo muito concreto e muito conhecido deste país, particularmente na cidade de Lisboa, dos irmãos Baltasar, que ainda há bem pouco tempo usavam o emblema do CDS na lapela, mas que são conhecidos por intervirem e investirem contra vários liceus a que nem sequer pertencem. Pois no liceu a que eles pertenciam os professores e o órgão de gestão eleito decidiram não lhes relevar as faltas porque eles já tinham esgotado as faltas que podiam dar. E o Ministério veio alterar essa decisão do próprio conselho de gestão e reintegrou e relevou as faltas aos irmãos Baltasar. Este é um facto concreto, provado por nós e trazido até nós pelos estudantes e pelos professores desse mesmo estabelecimento de ensino.
Por último, e uma vez que tenho pouco tempo, era só mais esta nota: é que, se, por um lado, para o combate às organizações fascistas e às actividades fascistas nos liceus, são necessárias medidas firmes e disciplinares, por outro lado é necessário também toda uma acção de educação do próprio Ministério no sentido de ganhar os estudantes e os jovens para os ideais da democracia.
Hoje essa é uma realidade e a juventude não está com estas organizações. A juventude está com os ideais da democracia, mas é preciso que da parte do Ministério sejam também encaradas medidas no campo educativo e não é só regulamentar ou disciplinar - como ontem aqui o Sr. Ministro referiu. E, também no campo educativo, no sentido de ganhar a nossa juventude estudantil para os ideais da democracia e para o combate a estas organizações, a estes provocadores fascistas que aparecem nos liceus.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção tem a palavra o Sr. Deputado Fernandes Loja.

O Sr. Fernandes Loja (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Entre a apresentação do Programa do I Governo Constitucional e a chamada «apresentação» do Programa do II mediaram exactamente dezoito meses. E, obviamente, nesse espaço de tempo, grandes alterações se podem constatar na realidade deste país; com efeito, o custo de vida aumentou, baixaram as reservas de ouro, agravou-se o desemprego, cresceu o nível das importações, ampliou-se o deficit orçamental.
Ninguém poderá negar que, não obstante as reservas postas por diversos partidos ao Programa do I Governo e aos seus executores, com motivações de natureza ideológica e de natureza pontual, tais reservas não excluíram nunca uma autêntica face de boa intenção, que se traduzia minimamente na concessão do benefício da dúvida.
Os dezasseis meses de gestão do I Governo Constitucional serviram infelizmente (e não podemos deixar de dizê-lo com sinceridade) para degradar ainda mais a situação do País e, se nem todas as responsabilidades pertencem ao Governo, a imensa reserva de fé que existia, sem dúvida alguma, no povo português, foi dramaticamente abalada; e a dúvida crescente em relação aos governantes conduziu, o que é bem mais grave, a uma posição de frequente cepticismo quanto à capacidade do próprio sistema democrático em resolver os grandes problemas nacionais.
Os motivos da natureza exclusivamente política com que alguns pretendem responsabilizar os partidos da Oposição que pela sua votação levaram à queda do Governo, limitaram-se claramente a traduzir razões mais fundas que ganharam corpo na população deste país à medida que aumentavam as dúvidas, em relação à capacidade do Governo e que o cepticismo se instalou nos espíritos.
Legítimo foi que os Portugueses desejassem a elaboração de um programa mais realista, a constituição de um Governo mais amplamente apoiado e a adopção de medidas aceites pela população como mais próximas das suas necessidades colectivas e mais exequíveis no contexto das potencialidades humanas e materiais da comunidade.

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Legítimo é que os Portugueses se interroguem, perante o Programa agora apresentado e perante os homens escolhidos para o executar, qual o índice de credibilidade que podem conceder a um e aos outros.
E porque este Governo continua a ser, na designação oficial, um Governo de base PS, legítimo é também que os Portugueses comparem os compromissos assumidos no Programa agora apresentado com os compromissos assumidos no Programa do I Governo e que, na maior parte dos casos, não foram cumpridos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador - E ao pensar-se especificamente nas populações das zonas conhecidas por regiões autónomas, creio será legítimo que aquelas se interroguem quanto à genuinidade da lista de boas intenções, proclamadas muitas vezes quanto à aceitação da autonomia restritivamente consagrada na Constituição, mas, mesmo essa, nem sempre assumida com a coragem necessária de quem abandona tradições de Administração centralizadora e obsoleta para, com determinação, seguir um novo rumo que estabeleça novos critérios de equilíbrio de justiça e renovado ambiente de fraternidade entre o Poder Central e os poderes regionais.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - É talvez consolador para alguns ouvir o Sr. Primeiro-Ministro afirmar que os Madeirenses e os Açorianos se contam entre os melhores portugueses, mesmo admitindo que tal opinião é um mero juízo de valor que pode subentender para outros portugueses a qualidade de piores, dicotomia que não nos interessa sequer aceitar como hipótese.

Aplausos do PSD.

O Orador: - Mas mesmo essa afirmação não consegue apagar o cepticismo em relação ao programa presente, que se pode talvez substanciar nas seguintes observações:
Diz-se no Programa que se «procurará acelerar a concretização de transferência dos serviços periféricos e a devolução dos poderes que até ao presente pertencem à esfera da Administração Central e que devem ser cometidos aos órgãos próprios das regiões autónomas».
E diz-se ainda que «se promoverá o melhoramento das instalações e dos quadros do pessoal dos serviços periféricos não transferíveis para a esfera de competência dos governos regionais». Mas se o I Governo Constitucional, apesar de idênticos compromissos, não efectivou tais propósitos, que motivo têm as populações para crer que este Governo, que é a evolução na continuidade do I, os irá realizar com eficácia?
Diz-se no Programa que se «promoverá a clarificação das regras que disciplinam a organização dos orçamentos regionais e a sua inserção no Orçamento Geral do Estado». E diz-se ainda que se «promoverá a descentralização económica com reconhecimento efectivo dos direitos constitucionais das regiões autónomas». Mas se o I Governo Constitucional durante dezasseis meses de vigência não se mostrou capaz de encorajar tal descentralização e sugerir tais regras, que motivo têm as populações para crer que este Governo, que é a evolução na continuidade do I, desenvolverá sem tibieza essas acções?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Diz-se no Programa que se «apoiará a concretização a curto prazo dos planos e das estruturas no domínio dos transportes aéreos e marítimos de e para as regiões». E diz-se ainda que se «dará apoio à total cobertura das regiões pela RDP e RTP». Mas se o I Governo Constitucional, apesar de tais serviços serem um dos mais fortes elos da unidade nacional, em nada os melhorou, que motivo tem as populações para crer que este Governo, que é a evolução na continuidade do I, vai agora dedicar a uns maior atenção e alterar nos outros a improvisação que aquelas siglas representam?
E nem vale a pena considerar como aceitáveis os estudos que o Governo Central se propõe fazer de zonas de franquia aduaneira e de um conselho de política monetária e cambial. Não só nos parece que tais iniciativas pertencem aos governos regionais (posto que eventualmente com a cooperação do Governo Central) mas até já foram desencadeadas. Com. efeito, no que respeita à zona de franquia aduaneira, a sua criação está prevista no Plano a Médio Prazo já aprovado na Assembleia Regional da Madeira, aliás em consonância com o projecto de estatuto da região autónoma, que se encontra nesta Assembleia da República. Quanto aos conselhos de política monetária cambial, afigura-se clara sugestão de que, com a iniciativa, pretenderá o Governo Central travar o processo já posto em marcha pelas Assembleias Regionais dos Açores e da Madeira, quer da regionalização da Banca, quer da criação de fundos cambiais.
Será a isto que o Programa chama «esforço convergente do Governo da República e dos Governos Regionais»? A nós parece-nos uma clara interferência do Governo Central em iniciativas regionais. E não será com certeza a colagem de um rótulo diferente que transformará problemas prioritariamente regionais e com incidências nacionais em problemas de prioridades inversas. O II Governo Constitucional dá assim nas regiões autónomas o seu primeiro mau passo.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento tem a palavra o Sr. Deputado Cabral Fernandes.

O Sr. Cabral Fernandes (CDS): - O meu partido não dispõe, efectivamente, de muito tempo para proceder a um conjunto de perguntas que seriam pertinentes em relação à intervenção do Sr. Deputado Fernandes Loja.
Devo dizer que ouvi a sua intervenção com muita atenção pelo respeito que me merecem as suas opiniões. No entanto, quer-me parecer que a sua intervenção pecou, no essencial, porque está deslocada no tempo. Isto é: nós não estamos aqui para julgar e criticar o I Governo Constitucional, nem para analisar

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o seu programa. Nós estamos aqui perante uma realidade distinta, que é a de julgar o programa do II Governo Constitucional. E sobre essa matéria o Sr. Deputado Fernandes Loja foi, de facto, muito parco, e só no final da sua intervenção referiu alguns aspectos. Vem dizer que o Programa do II Governo Constitucional pecou por excesso. Diz, designadamente, que quanto à viabilização da zona de franquia aduaneira nas regiões autónomas é, ou parece ser, uma intromissão na esfera de competência própria dos órgãos regionais.
Gostaria, pois, de perguntar, ao Sr. Deputado Fernandes Loja se. ao pensar-se criar uma zona franca, há que ter ou não em conta as relações económicas entre as regiões e o continente e há que ter ou não em conta as relações ou o interesse da integração de Portugal na Comunidade Económica Europeia. E se é assim, interesses que se colocam em vários: planos - uns no plano estritamente regional, outros no plano internacional -, como poderá dizer-se se o Governo Central não poderá, cooperando com os órgãos de autogoverno das regiões autónomas, cooperar na concertação e na harmonia destes mesmos interesses?
Devo dizer, aliás - e o Sr. Deputado Fernandes Loja sabe isso melhor do que eu -, que este projecto contido, agora, no Programa do II Governo Constitucional constitui uma aspiração das populações insulares, nomeadamente da população da Madeira, alimentada desde há dezenas de anos, uma aspiração direi mesmo secular.
No entanto, nunca por nunca Governo algum. quer na I República, quer no regime deposto pelo 25 de Abril, quer nos Governos que sucederam ao 25 de Abril, reconhecem, de uma forma solene, pública e formal, como agora o II Governo Constitucional reconhece, que há interesse em viabilizar a criação de uma zona franca aduaneira.
Pergunto, pois, se isto para o partido do Sr. Deputado não tem um significado político muito importante, se isto não significa um compromisso político muito importante. Por nossa parte, estamos satisfeitos.
Pergunto ainda - porque o Sr. Deputado Fernandes Loja referiu-se a outro aspecto constante, pela primeira vez, do Programa do II Governo Constitucional, que é o estudo da criação do Conselho de Política Monetária e Cambial, que visa, se leu atentamente o Programa, adoptar o funcionamento do sistema bancário e visa, também, garantir a participação na definição e execução das políticas monetária e cambial, em termos adequados às necessidades de autonomia dos desenvolvimentos regionais -, pergunto, pois, se isto se quadra ou não num preceito constitucional, designadamente o artigo 28.º, n.º 1, que se refere à cooperação entre os órgãos do Governo Central e os órgãos do Governo Regional, tendo em vista a correcção das desigualdades derivadas da insularidade. Pergunto, então, quem afinal quer cooperar. Pergunto até se o seu partido pretende, desde já, fazer letra morta deste preceito constitucional, se pretende, por acaso, vir a eliminá-lo numa futura revisão constitucional.
Haveria muitas perguntas a fazer, muitos esclarecimentos a prestar, mas queremos desde já dizer que não estamos dispostos a «evoluir na continuidade», como se referiu o Sr. Deputado Fernandes Loja, não estamos dispostos a manifestar - agora perante o II Governo Constitucional, que vem exercendo há tão pouco tempo as suas funções - desconfianças da nossa parte. Queríamos, pelo contrário, ver surgir do seu partido um clima diferente, o de olhar para o futuro, em termos de efectiva cooperação entre o Governo Central e os governos regionais.

Aplausos do CDS.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Fernandes Loja, há mais oradores inscritos para pedidos de esclarecimento. Deseja responder agora ou no fim?

O Sr. Fernandes Loja (PSD): - No fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Laje.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro: A primeira constatação que faço é a de que um Programa de Governo cumpre-se para o prazo que foi definido, que é de quatro anos e não de dezoito meses.
Desejava, pois, pôr a seguinte questão ao Sr. Deputado Fernandes Loja: tendo utilizado, e já vem sendo costume no PSD fazê-lo, a expressão «evolução na continuidade», sendo esse partido formado por homens que defenderam a «evolução na continuidade» dentro do regime fascista e verificando-se aqui uma «evolução na continuidade» dentro do regime democrático, nós queremos dizer que rejeitamos esse tipo de conotações porque elas se poderiam estabelecer com o partido a que o Sr. Deputado pertence e não com o Partido Socialista.
Por outro lado, o Sr. Deputada diz que os serviços periféricos têm sido dificultados no sentido da sua transferência para os governos regionais. Muita demagogia se tem feito com isso e alguns entraves têm sido levantados pelos próprios governos regionais. Por exemplo, como é que o Sr. Deputado me explica que, tendo o Ministério dos Assuntos Sociais regionalizado os serviços na Madeira, se tivessem levantado entraves nos Açores e uma recusa por parte do Governo Regional dos Açores acerca dessa transferência?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Fernandes Loja para responder, se assim o entender.

O Sr. Fernandes Loja (PSD): - Começando pelos problemas postos pelo Sr. Deputado Cabral Fernandes, diria que, quer em relação à zona de franquia aduaneira quer em relação ao Conselho de Política Monetária e Cambial, há um ponto comum em que a nossa posição nos parece absolutamente diversa. É que o Sr. Deputado aceita que a iniciativa seja do Governo Central e eu não o aceito. Aceito a iniciativa do Governo Regional, com a eventual colaboração do Governo Central. Creia que a esse respeito a sua posição é diferente.
Quanto ao reconhecimento formal pelo Governo Central desses princípios, é correcto o que disse; quanto à iniciativa, insisto que ela deve ser dos governos regionais.

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O Sr. Cabral Fernandes (CDS): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

O Orador: - Lamento, mas não tenho tempo.
Quanto à questão posta pelo Sr. Deputado Carlos Laje, devo dizer-lhe que em relação à expressão «evolução na continuidade, mantenho o paralelo. O salazarismo foi um fascismo de violência, o marcelismo tornou-se um fascismo ridículo. O I Governo Constitucional fez um socialismo de indigência e o II Governo Constitucional parece que vai transformar o socialismo também numa coisa cómica.

Aplausos do PSD.

Tanto num caso como noutro, trata-se de «evolução na continuidade».
Quanto à segunda parte da sua questão, a que diz respeito à transferência de serviços, devo dizer-lhe, e muito rapidamente, que as posições do Governo Regional da Madeira nada têm a ver com as posições do Governo Regional dos Açores. Cada um toma as posições que quer.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Isso é problema do Governo Regional dos Açores.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não há inscrições, pelo que pergunto se nenhum Sr. Deputado ou Membro do Governo deseja inscrever-se.

Pausa.

Tem a palavra o Sr. Ministro Almeida Santos.

O Sr. Ministro-Adjunto do Primeiro-Ministro (Almeida Santos): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Queria pedir à Assembleia que tomasse em consideração, uma vez mais, a circunstância de que me parece ser do seu próprio interesse que o Governo tanto quanto possível responda às críticas que lhe sejam feitas. O Governo dispõe já de muito pouco tempo e se o gastar todo corre o risco não ele. mas mais a Assembleia, de não dispor de tempo para responder às últimas críticas que lhe sejam feitas, a menos que os Srs. Deputados entendam, o que me parece que seguramente não entendem, que as suas críticas e comunicações que vão fazer até ao fim do debate são irrespondíveis ou não merecem resposta.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Ministro Sousa Gomes.

O Sr. Ministro da Habitação e Obras Públicas

(Sousa Gomes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro: É hoje um lugar-comum falar-se na difícil e degradada situação da habitação em Portugal. Os inúmeros diagnósticos já elaborados, as extensas análises produzidas, caracterizam de forma suficiente a dimensão e os difíceis problemas a resolver para se dar solução a essa necessidade essencial. Não é, portanto, o local nem o momento adequado para repetir, sumariamente que seja, uma análise
caracterizadora do problema de habitação Mas será talvez útil referir, mesmo em termos breves, alguns dados que permitam ter bem presente o ponto em que nos encontramos nesta matéria para que, quer por parte do Governo quer por parte da Oposição, não se abordem em termos de facilidade as soluções para este problema nacional Trata-se, efectivamente, de um problema nacional, que dá uma imagem de subdesenvolvimento português e da degradação a que se deixou chegar a satisfação dessa necessidade básica que é o direito à habitação
Mais de 500 000 fogos seriam necessários num futuro imediato para satisfazer as carências existentes. O ritmo recente de construção da habitações não se afastou em 75 e 76 de 30000 fogos/ano. Tem-se assim uma primeira e significativa imagem da situação de carência e da fraca capacidade existente para lhe dar solução a curto prazo.
Trata-se, com efeito, de realizar uma tarefa cuja dimensão é poucas vezes avaliada nas suas correctas proporções. Torna-se evidente que nenhuma solução séria do problema de habitação em Portugal será impossível fora de um contexto de médio e longo prazo; trata-se de um problema a que mais de uma geração terá de dedicar o melhor das suas energias e que requererá por parte do Governo um esforço de âmbito nacional.
Convém também não julgar as dificuldades a vencer apenas à luz de um passado recente. A crise que agora se enfrenta tem raízes fundas no passado.
Até 1974 a parcela de investimento dedicada à habitação só excepcionalmente ultrapassou o valor de 4% do produto nacional bruto.
Em 1975 o País consagrou à formação bruta de capital fixo em bens habitacionais apenas 3,8% do produto nacional bruto. No mesmo ano a média dos países europeus dedicava cerca de 6% do produto nacional bruto à construção de habitações, designadamente a Espanha, 6,2%, a Itália, 6,1% e a Grécia, 5 %.
É também significativo ver que enquanto alguns países europeus atingem níveis anuais de construção de oito a dez fogos por cada 1000 habitantes, em Portugal, em 1975, esse número não atinge sequer quatro fogos por 1000 habitantes.
O esforço recente realizado após o 25 de Abril, e em particular o desenvolvimento no âmbito do I Governo Constitucional, veio encontrar, além dessa situação de insuficiência de recursos consagrados à construção habitacional, uma conjuntura extremamente desfavorável, que, em certa medida, obrigou a considerar um ponto de partida mais difícil. Com efeito, no período de 75/76 a média de fogos concluídos rondou os 30000, nível significativamente inferior ao dos primeiros anos desta década.
Em 1977, mercê da actuação do I Governo Constitucional, foi possível registar-se uma viragem na recuperação da construção habitacional, estimando-se em cerca de 40000 os fogos concluídos nesse ano. E aproveito a circunstância para referir o trabalho inestimável realizado neste domínio pelo meu antecessor e pelo I Governo em geral, que é justo neste momento realçar e que o futuro próximo permitirá avaliar de forma incontestável.

O Sr. Herculano Pires (PS): - Muito bem!

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O Orador: -De salientar o esforço realizado pelos poderes públicos no passado próximo e a prosseguir agora em 1978 e nos anos seguintes.
Com efeito, o sector público, que investiu em 1974 apenas cerca de 0,8 milhões de contos na promoção da habitação e construção de infra-estruturas, realizou nos anos seguintes um volume impressionante de investimentos: 2,8 milhões em 75; 5,1 milhões em 76 e cerca de 8,5 milhões em 77.
Não é fácil em qualquer caso ignorar o esforço que representa a realização em 77 de um volume de investimentos dez vezes superior ao de 74.
Este esforço irá prosseguir sem desfalecimento. Prevê-se que o sector público possa em 78 dinamizar o investimento de cerca de 14 milhões de contos na área de habitação.
Mas não tenhamos ilusões. Não obstante a perspectiva generosa que este Governo quer dar à resolução dos problemas reais, não será possível, repito, dar satisfação adequada às carências existentes fora de um contexto de médio e longo prazos.
Face às necessidades temos, entretanto, de ter a coragem de conhecer que só com grande determinação será possível realizar nos próximos anos volumes; de construção que se aproximem de 50000 mil novos fogos em 1978, 55 000 a 60 000 em 79 e 65 000 em 80.
Essas serão, portanto, as metas admissíveis e aceites pelo Governo com níveis mínimos a realizar. A efectivação dessas metas poderá ficar comprometida entretanto se a conjuntura interna, designadamente por carência de recursos financeiros a curto prazo, ou por insuficiência das produções de materiais necessários à construção, não permitir desbloquear os meios necessários à prossecução de tal programa.
Em qualquer caso, haverá por parte do Governo uma firme e inequívoca determinação no sentido de atacar a resolução do problema habitacional de forma tão satisfatória quanto o permitam os recursos disponíveis.
E será nesta perspectiva que também aceitaremos todas as críticas e as respectivas propostas alternativas de solução que venham a formular-se.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A solução dos problemas habitacionais requer que se definam de forma explícita as linhas de ataque do problema da promoção de habitação. Queria lembrar, no entanto, a título prévio, a existência de diversos níveis de condicionantes básicos que não poderão ser ignorados:
Por um lado, a própria dimensão económica do problema de habitação ligado ao nível de recursos disponíveis no País e à política de distribuição do rendimento nacional, que por sua vez influenciará a política financeira ligada à habitação e a adequação de oferta possível à procura efectiva.
Por outro lado, a capacidade produtiva interna do sector da construção e das indústrias a montante, sector que terá de sofrer extensas melhorias estruturais que serão, no entanto, de maturação longa, e este factor não pode ser ignorado, sob pena de completo irrealismo na obtenção dos objectivos desejados.
Finalmente, os problemas institucionais, designadamente os que se inserem na capacidade de a própria Administração Pública fazer executar uma correcta política habitacional, no âmbito das preocupações que hoje se impõem no que se refere à política de solos, à política urbanística e de ambiente.
Tendo em conta o objectivo central da política habitacional - o de proporcionar habitação condigna à generalidade das famílias portuguesas -, a dimensão económica do problema assume particular relevo.
Ora a análise dos rendimentos familiares disponíveis em relação aos custos de acesso a uma habitação própria ou em locação permite concluir genericamente que:

Apenas uma pequena percentagem das famílias portuguesas poderá suportar a totalidade dos encargos relativos ao custo do alojamento;
Uma percentagem muito elevada - de longe a maior - terá de ser auxiliada em maior ou menor grau no acesso à habitação;

Finalmente, a percentagem restante é totalmente insolvente, ou seja, não tem capacidade, perante os custos actuais e previsíveis da construção, de ter acesso à habitação, mesmo de padrões mínimos.
Parece portanto indiscutível face a esta situação que ao Estado não poderá deixar de competir uma forte intervenção na construção dirigida ao último estrato e parcialmente ainda ao estrato intermédio.
A iniciativa cooperativa e a própria iniciativa privada devidamente apoiada poderão contribuir decisivamente para a solução do problema habitacional do primeiro e segundo estratos.
No entanto, nenhuma solução será possível sem uma actuação globalmente concertada que dinamize e .promova os sectores público, cooperativo e privado, já que as contribuições de todos eles são consideradas indispensáveis à obtenção de resultados mínimos pretendidos.
As grandes linhas de ataque ao problema habitacional encontram-se formuladas em termos de orientações globais no texto do Programa do Governo.
Em síntese, prevê-se aí as seguintes actuações dominantes:

Enquadramento da política de habitação num contexto de actuação mais amplo, integrando a política urbanística, o ordenamento físico do território e a protecção do ambiente;
Efectivação de uma política de solos no sentido de dotar as autarquias municipais com as áreas preparadas em infra-estruturas e equipamento;
Promoção racional, apoiada num planeamento efectivo e activo da construção habitacional, o que, ligado a uma actuação dinâmica no domínio da política de solos, permitirá promover a resolução do presente surto de construção clandestina;
Apoio do Estado, de formas directa e indirecta à construção habitacional, designadamente no sentido de fazer baixar por todos os meios possíveis os custos da habitação;

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Continuação do apoio à recuperação e reabilitação de casas, degradadas;
Adopção de uma nova política de financiamento da construção e revisão em termos coerentes das condições de crédito à aquisição de habitação;

Definição das condições de acesso à habitação social e estabelecimento das regras de apoio a famílias de baixos rendimentos e aos estratos populacionais mais desfavorecidos.
A realização dessa política supõe uma grande determinação na implementação dos sectores promocionais da construção habitacional.
Em primeiro lugar, pelas razões já referidas, terá de se dinamizar de forma acentuada o papel da promoção pública, quer directa a nível da Administração Central e das autarquias locais, quer indirecta, através do apoio às cooperativas e outras organizações de fins não lucrativos, e através da implementação dos programas de orientação e apoio à promoção privada, designadamente pela utilização dos contratos de desenvolvimento e habitações de renda limitada. Neste esforço de promoção pública, é intenção do Governo orientar de forma privilegiada para as autarquias municipais, o papel preponderante. Para o efeito, serão estabelecidos e reforçados os meios postos à disposição das câmaras municipais, através do estabelecimento de programas de aquisição de solos, de realização de infra-estruturas necessárias às áreas de renovação e expansão prioritárias e pelo estabelecimento de programas de operações de construção habitacional de acordo com os regimes de promoção pública. Para tal será necessária não apenas a descentralização efectiva mas também a desconcentração dos próprios serviços da Administração Central como explicitado no Programa do Governo.
Por outro lado terá de ser estimulado e dinamizado o papel do sector cooperativo, que se julga dever assumir progressivamente uma posição de maior relevância na resolução do problema habitacional. Para o efeito serão estabelecidas condições especiais de financiamento, articulando as condições de cedência de terrenos com esse novo esquema de financiamento, mantendo-se os regimes preferenciais, de que as cooperativas já gozam, e procurar-se-á remover os estrangulamentos actualmente existentes na máquina pública e que têm dificultado o desenvolvimento do sector cooperativo.
Finalmente será útil a reorientação da promoção privada, não apenas no sentido de estabelecer condições que permitam dinamizar a sua contribuição para a resolução do problema habitacional como ainda de forçar o abaixamento de custos e a produção dominante de habitações de carácter social, designadamente, através do apoio indirecto do sector público consubstanciado nos contratos de desenvolvimento e promoção de casas de renda limitada. Do mesmo modo se apoiarão os programas de reabilitação do parque habitacional existente, estabelecendo condições que proporcionem o desenvolvimento de programas de renovação urbana, designadamente, do nível do equipamento dos fogos existentes.
Para que este conjunto de formas de promoção pública, Cooperativa e privada possam atingir os objectivos pretendidos e os níveis de realização requeridos, será também indispensável dotar de coerência a política financeira, relativa a habitação, clarificando as condições de financiamento dos diferentes regimes promocionais, definindo com clareza os extractos da procura a que se dirigem e conjugando o efeito promocional e de crédito à procura com novos incentivos à formação de poupança destinada a investimento na habitação. O reforço dos actuais sistemas de crédito à promoção de habitação própria, nomeadamente o regime de crédito bonificado, terá de ser objecto de medidas complementares condicionantes da sua utilização a objectivos predominantemente sociais, privilegiando, designadamente, a sua utilização através de cooperativas de fins não lucrativos. Esta Assembleia, ao nível de comissão competente, tem vindo a analisar alguns dos problemas que referi, a propósito da ratificação do Decreto-Lei n.º 515/77. Julgo que seria porventura mais oportuno que se legislasse globalmente sobre o sistema de crédito do sector cooperativo, no quadro da revisão do regime jurídico de cooperação habitacional, sem prejuízo de serem introduzidas no referido diploma as alterações necessárias, mas somente no quadro do crédito individual bonificado. É uma sugestão que deixo à consideração dos Srs. Deputados.
Outro aspecto que caracteriza o presente problema habitacional relaciona-se com o mercado de arrendamento. É extraordinária monte reduzida a oferta de fogos novos para arrendamento e a legislação sobre rendas no arrendamento urbano de Setembro de 1974 veio introduzir um forte acréscimo das distorções que já se verificavam. Efectivamente, o congelamento das rendas praticadas nos novos arrendamentos de habitações antigas, conjugado com o sistema de rendas livres para habitações novas, conduziu a uma diminuição da oferta e a uma rápida subida das rondas dos novos alojamentos, outros proprietários antecipam, em vários anos, o valor das rendas a pagar pelos arrendatários. Esta situação terá de ser rapidamente alterada, e é intenção do Governo nesta matéria estabelecer a curto prazo nova legislação e medidas complementares, que proporcionam critérios justos de fixação e revisão de rendas de casa, atentas, contudo, as difíceis condições de vida de parte significativa da população portuguesa.
Por outro lado, e complementarmente aos contratos de desenvolvimento, pretende-se igualmente dinamizar a produção de habitações de renda limitada por parte da iniciativa privada. Para o efeito, ir-se-ão adoptar novos instrumentos de política, nomeadamente no domínio do financiamento articulado com as condições de cedência de terrenos.
Aliás, será uma constante da política a prosseguir um estreito contrôle do uso do solo, integrado na implementação de um planeamento e gestão urbanística eficazes, que torne disponíveis os terrenos necessários ao esforço habitacional público e privado e à construção dos equipamentos sociais indispensáveis. Esta actuação assentará numa estreita articulação com as autarquias desenvolvendo-se o programa de aquisição de terrenos, dinamizando a adopção das medidas cautelares previstas na legislação de solos e promovendo o lançamento de um novo programa de planos de urbanização, sempre que necessário e possível de âmbito concelhio. Nesta matéria importa levar a efeito um fonte processo de desconcentração da

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Administração Pública conjugada com o estabelecimento de formas de apoio às autarquias locais que possibilitem, a uma efectiva descentralização de competências e decisões. Ainda neste contexto haverá que, a curto prazo, institucionalizar as formas de participação das populações no processo de elaboração dos diferentes tipos de planos, em especial através dos seus representantes autárquicos.
Terá igualmente especial relevo a melhoria da articulação com as autarquias nos domínios do saneamento básico e do equipamento. Assente numa exclusiva capacidade decisória por parte dos órgãos autárquicos neste tipo de obras de âmbito local, procurar-se-á, como formula transitória até à entrada em vigor da lei de finanças locais, simplificar os fluxos financeiros para as autarquias e os processos de aprovação técnica de projectos, no quadro de uma coordenação interdepartamental a estabelecer a nível regional, acompanhada de uma séria desconcentração de competências e de decisões.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não basta, contudo promover ou incentivar a construção e recuperação de habitações ou equipamentos sociais. Há que inseri-los numa dinâmica conjugada de melhoria de qualidade de vida, integrando e comandando as realizações por um processo de ordenamento físico do território e de protecção do meio ambiente. É intenção deste Governo tornar efectiva e eficaz uma política neste domínio, que congregue a actuação dos diferentes organismos ou actividades com impacte no uso e organização do território.
A limitação de tempo obrigou-me a circunscrever a minha intervenção fundamentalmente aos problemas da habitação. Teria todo o interesse e oportunidade a referência específica e detalhada, em complemento do texto do Programa do Governo, que serviram de orientação noutras áreas, designadamente na das obras públicas. A sua importância recomenda que se deixe para uma intervenção autónoma o tratamento das políticas específicas desse sector.
Não quero terminar, contudo, sem uma breve referência à política relativa ao sector da construção civil. A reunião no mesmo Ministério dos principais sectores clientes da indústria da construção civil tornará mais fácil a definição de uma política concertada de apoio e desenvolvimento a este sector produtivo, que passará necessariamente pela remoção dos principais estrangulamentos existentes, designadamente na oferta de materiais de construção e de projectos, na disponibilidade de terrenos e esquemas financeiros adequados. Visará fundamentalmente a reorganização e modernização da sua estrutura produtiva e a melhoria da cobertura regional. Em estreita articulação e complementação à actividade de investigação do LNEC, desempenhará esta matéria um papel determinante o instituto da construção, a criar em substituição das direcções-gerais existentes no âmbito da antiga Secretaria de Estado.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Governo tem consciência não só das dificuldades como até dos limites existentes à resolução dos problemas que se põem na área da habitação.
Mas o Governo sabe também que esta questão é, sem dúvida, uma das mais instantes. Por isso tudo se fará para se conseguir avançar significativamente na sua resolução.
Mas, mais do que promessas, o Governo quer, em tempo próprio, apresentar realizações, por isso, o Programa dá prioridade à definição das orientações! de política a seguir. Assim se quer que seja a vontade política, e não apenas a generosidade de intenção, a comandar a decisão de dar resposta nestas áreas aos problemas reais do nosso país.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputada António Guterres.

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Na minha intervenção que fiz nesta Assembleia, durante o debate da moção de confiança apresentada peto I Governo Constitucional, tive ocasião de referir que o combate à crise económica, tal como esta se caracterizava em Julho de 1976, deveria constar de três fases distintas e sucessivas.
Importava, em primeiro lugar, redefinir as regras de jogo enquadradoras do sistema económico e social, repor o funcionamento e a eficácia dos mecanismos e estabelecer a confiança dos agentes económicos.
Estas as condições necessárias paira permitir o êxito de uma segunda fase, orientada para a rápida redução dos principais desequilíbrios de natureza macroeconómica, com particular relevância para o desequilíbrio das nossas relações com o exterior.
Concretizados estes objectivos, será então possível acelerar o desenvolvimento económico, de forma sustentada, e não inflacionista, para assegurar a satisfação das necessidades sociais da população e modernizar a sociedade portuguesa, de acordo com a nossa vocação europeia.
Cumprida, com êxito a primeira fase desta estratégia, em grande parte pela acção do I Governo Constitucional, não será de entranhar que a política económica do II Governo assente num programa de estabilização para 1978 e nas linhas mestras definidoras do plano de desenvolvimento económico e social a médio prazo.
Da mesma forma que se não estranha que os partidos da Oposição aqui representados não tenham podido construir uma crítica fundamentada a esta política, nem tenham sido capazes de lhe contrapor um esquema de substituição.
Há momentos na história dos povos em que os problemas enfrentados são de tal forma imperativos, que poucas alternativos ficam para os resolver.
Ao comparar as afirmações que aqui foram feitas pelos partidos da Oposição, durante o debate da moção de confiança, com as que agora aqui temos ouvido, fica reforçada perante o povo português a consciência da razão que já então tínhamos.

O Sr. Cal Brandão (PS): - Muito bem!

O Orador:- Só é de lamentar que tenha sido necessária uma longa crise política, com graves repercussões na situação económica do País, para que a Oposição pudesse reconhecer o que era afinal uma verdade elementar.

Vozes do PS: - Muito bem!

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O Orador: - Ou então - seremos nós forçados a reconhecer que as críticas de natureza programática que agora nos contrapõem não são mais do que uma cortina de fumo que esconde a verdadeira questão do não saciado apetite pelo Poder.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Afinal, parece que o grande defeito do Governo Constitucional não é o seu Programa, mas a composição partidária da maioria parlamentar que o apoia. Daí que os partidos da Oposição se tenham empenhado menos em criticar o Partido Socialista que dá a base ao Governo e concentrado mais o fogo das suas baterias; sobre o CDS, culpado do terrível crime de ser ele, e não outro, a integrar elementos seus no Governo Constitucional.
A fórmula governativa tem ao que parece dois graves defeitos. Para o PCP, o CDS manda de mais - é uma verdadeira coligação. Para o PSD, o CDS manda de menos - não tem mais.do que três meninos de coro, sentados na bancada do Governo. Se alguma moral houvesse que tirar desta história, não andaríamos longe da fábula do velho, do rapaz e do burro.

Risos do PS e do CDS.

E afinal de contas o PSD bastante se empenhou na convergência democrática com o CDS, e o PCP não desdenhou participar numa coligação governamental com o então PPD (note-se que para o PCP não há diferenças assinaláveis entre o PSD e o CDS), isto quando o PS abandonou o IV Governo Provisório, se essa coligação, PCP-PPD, se desfez tal se não deveu à iniciativa do Partido Comunista.
Para usar uma terminologia muito cara aos oposicionistas, poucos casamentos terão deixado um tão longo cortejo de pretendentes despeitados.

Risos do PS e do CDU

Sr. Presidente, Srs. Deputados: A ausência de propostas alternativas dotadas de coerência e credibilidade não tem impedido, no entanto, a Oposição de utilizar permanentemente duas lógicas de ataque baseadas em premissas que, quanto a nós, são totalmente carecidas de fundamento.

Do lado do PSD mantém-se a tónica da demagogia desenvolvimentista, cheia de promessas por vezes contraditórias nos seus termos, raramente adequadas à realidade portuguesa actual e às possibilidades da nossa economia. Se me é permitida uma leve ironia direi que o PSD parece não ter conseguido libertar-se inteiramente de uma certa mania das grandezas, para a qual a sua situação de partido oposicionista não tem facilitado a conveniente terapêutica, que o assumir de responsabilidades governamentais certamente permitiria. Não estamos em campanha eleitoral, seria bom que todos disso nos compenetrássemos. Depois da intervenção do Sr. Ministro das Finanças penso que não vale a pena fazer mais referências às observações que o PSD aqui tem produzido.
Do lado do PCP têm sido constantes as acusações, não totalmente inovadoras, de viragem à direita, de política de recuperação capitalista, de traição aos verdadeiros interesses dos trabalhadores portugueses, chegando a atacar princípios e preceitos que o próprio PCP se dispôs a aceitar no decorrer de recentes negociações.
Apesar de tudo, valerá a pena debruçarmo-nos com algum detalhe sobre o modelo económico subjacente aos textos do acordo entre o CDS e o PS e ao Programa do Governo Constitucional.
A revolução portuguesa permitiu concretizar um conjunto de transformações económicas e sociais, que marcam avanços indiscutíveis no caminho para a construção de uma sociedade democrática e socialista e que foram consagrados no texto constitucional.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Muito bem!

O Orador: - Tais transformações decorreram, no entanto, num clima de instabilidade política e social, agravou pelas dificuldades decorrentes da crise internacional e do próprio processo de descolonização, sem falar dos defeitos estruturais herdados.
Daí que o sistema económico e social resultante dessas transformações, e apesar do êxito de muitos dos esforços já empreendidos, apresente ainda numerosos sintomas de debilidade. Tal é patente na persistência dos desequilíbrios macroeconómicos, mas também em numerosas dificuldades de carácter organizacional ou financeiro, que ainda subsistem em parte do sector público produtivo.
Face a esta situação, três vias de evolução parecem possíveis.
A primeira, consistiria em assumir uma atitude revanchista, procurando restabelecer, de forma brutal ou mais subtil, a situação económica e social anterior a 25 de Abril de 1974.
A segunda, levaria a fechar os olhos às fraquezas da actual conjuntura e a desencadear uma corrida para a frente, na mira de uma certa imagem do socialismo, de carácter forçosamente totalitário e cuja base económica assentaria inevitavelmente pela lógica própria das coisas, num colectivismo integral.
Finalmente, a terceira consiste em aceitar com realismo que é melhor pôr a funcionar bem o Portugal que temos, do que arriscar a sua destruição ao serviço de uma ideologia abstracta ou de interesses individuais ou de classe, incompatíveis no momento presente com a recuperação económica que é necessária.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Muito bem!

O Orador: - É esta a via que decorre, com clareza meridiana, da leitura do Programa do Governo Constitucional. Nele se respeita, aliás integralmente o texto da Constituição e o ordenamento jurídico e institucional que dele decorre.
As leis fundamentais definidoras do sistema económico e social foram reafirmadas. Assim aconteceu com a Lei da Reforma Agrária, com a lei que define as vocações dos sectores público e privado e consagra a irreversibilidade das nacionalizações, a Lei das Indemnizações e os diplomas que estabelecem os direitos fundamentais dos trabalhadores
E não se venha, como já aqui foi feito, argumentar com a possibilidade de se constituírem sociedades de investimento privadas. Tais entidades, que estão impedidas de exercer a actividade bancária, sempre estiveram legalmente previstas e nem os momentos mais exaltados do Verão de 75 as puseram em causa.

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Por outro lado, importa sublinhar que, em paralelo com o fomento da iniciativa privada cujo papel se reconhece, como papel fundamental que é, o Programa do Governo prevê medidas importantes de dinamização, racionalização e saneamento financeiro do sector público produtivo, que constituem elemento básico para consolidar as nacionalizações.
Não se pense que consolidação é compatível com uma política de facilidades, geradora, de um clima de deterioração na vida e na gestão das empresas, com reflexos que afectam a economia do País e o bem-estar dos cidadãos. Impõe-se sim uma acção permanente e rigorosa que garanta a integral viabilização do sector público.
Sem um sector público socialmente rentável, dinâmico e eficaz, dotado de verdadeira autonomia de gestão, imune às burocracias inúteis e emperradoras e que garanta aos seus trabalhadores uma intervenção construtiva permanente, não há projecto socialista com um mínimo de credibilidade. Da mesma forma que nenhum projecto político é possível de assentar na ruína económica.
É imperativo de consciência de qualquer socialista coerente e responsável exigir neste momento uma política económica e financeira rigorosa que impeça que nos venhamos a endividar a um ritmo tal, que não faria mais sentido no futuro de dependência nacional.
Sem algum sacrifício no momento presente será impossível evitar o colapso económico, pondo com ele em risco a democracia política, os direitos económicos e sociais dos trabalhadores e as condições materiais que permitem uma vida digna ao povo português.
Sacrifícios e austeridade que, no entanto, não existem sem perspectiva, como por alguns aqui foi afirmado, mas que são condição prévia para o lançamento de um projecto de desenvolvimento a médio prazo, nos termos do Programa do Governo.
Mas se tudo isto é verdade, perguntarão alguns Srs. Deputados, como terá podido o CDS assinar um acordo que afinal permite consolidar o sistema constitucional?
A razão parece-me óbvia. Os problemas enfrentados pela nossa economia são de tal forma graves, que não parece aconselhável introduzir novas reformas de fundo, sejam elas viradas para a esquerda como para a direita. Se assim acontecesse, inevitavelmente veríamos renascer uma situação de instabilidade, que tudo poderia deitar a perder.
O acordo firmado entre o CDS e o PS não pretende confundir as concepções dos dois partidos quanto às sociedades terminais que cada um aponta - se é que de sociedades terminais se pode com propriedade falar. Antes se estabelece uma pausa, baseada no respeito do que existe e que importa tornar inteiramente viável, se queremos que a economia funcione e o regime democrático se consolide.
É um acordo realista que assegura as condições materiais do exercício da democracia, sem a qual, quero acreditar, nenhum dos partidos representados nesta Assembleia poderá realizar o seu projecto político.
Atrevo-me por isso a prever que, se o Programa fosse apresentado por Governo de diversa composição desde que responsavelmente formado e assumido, não poderia o respectivo texto opor-se, no essencial, no que foi aqui adoptado.
Não parece pois legítimo que, em vez de lhe contrapor alternativas coerentes e viáveis, contra ele se agitem meros fantasmas, certamente com o objectivo de minar a confiança da base social de apoio do Governo, sem reparar que, com isso, se pode pôr em risco a própria recuperação económica do País.
O Partido Socialista sempre repudiou as teses corporativistas que negam a existência de conflitos de interesses entre as classes sociais. Mas também nos parece evidente que nenhuma sociedade pode sobreviver a uma situação, a uma permanente agudização da luta de classes.
É nossa convicção de que os interesses da classe dos trabalhadores portugueses consistem fundamentalmente, no momento presente, em assegurar as condições que permitam combater a crise económica, garantir a estabilidade social e evitar a deterioração das condições de vida, viabilizando, o sistema económico e social que a Constituição consagra.

O Sr. Agostinho do Vale (PS):- Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A estratégia económica que consta do Programa do Governo Constitucional é coerente, é patriótica e tem condições de viabilidade. A existência de uma maioria parlamentar estável que a suporta e a competência da equipa governamental a quem cumpre executá-la dão-nos a garantia de que será cumprida.
Estamos convencidos de que a essa estratégia os Portugueses saberão responder de forma patriótica e responsável, quer sejam trabalhadores, quadros ou empresários. Restabelecida a normalidade da vida política e a confiança dos agentes económicos, faz (sentido encarar o futuro com uma esperança renovada.
Muito obrigado.

Aplausos do PS e do CDS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Sérvulo Correia para pedir esclarecimentos.

O Sr. Sérvulo Correia (PSD): - Não é para pedir esclarecimentos, Sr. Presidente. É para uma tomada de posição sob a forma de um breve protesto.
Em primeiro lugar, verifica-se agora que, depois de ser o Grupo Parlamentar do CDS o que aqui de longe mais tem defendido o Governo e o seu Programa, aparece o Partido Socialista a prestimosamente defender não só o Programa e o seu Governo - até que enfim! -, mas também, e logo à cabeça, o CDS. Simplesmente, Sr. Deputado António Guterres, não é exacto quando nos acusa de estarmos preocupados por o CDS mandar de menos. Se o Sr. Deputado, por exemplo, ouviu ontem atentamente a minha intervenção, terá concluído dela que na nossa perspectiva certas influências do CDS, não devidamente clarificadas no acordo entre o seu partido e o CDS e no Programa do Governo, são a nosso ver perniciosas, instilando nesta fórmula um conservadorismo que não está de acordo com as necessidades do País.

Risos do CDS.

Aliás, nós não temos dito que o CDS manda de menos no Governo. Temos, sim, apontado as contra-

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dições que o CDS assume ao participar nesta fórmula política, somadas às contradições do seu próprio partido, Sr. Deputado António Guterres, e que não auguram nada de bom quanto à coerência da actuação desta equipa governativa.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Também quando o Sr. Deputado fala em pretendentes despeitados, certamente não se refere ao Partido Social-Democrata, já que o Sr. Deputado sabe muito bem que nós ao longo das negociações fomos solicitados para um esquema que era o de cedendo mais do que o CDS estivesse disposto a ceder, sermos privilegiados com a partilha do Poder com o Partido Socialista. Simplesmente, como o Sr. Deputado muito bem sabe, nós é que não entrámos nesse esquema, recusando fazer concessões em pontos que nos pareciam fundamentais, no que diz respeito à integração do Partido Comunista na rede de acordos políticos, no que diz respeito à igualdade qualitativa de participação do nosso partido na fórmula governativa, não aceitando, afinal, um papel de subalternização ou de adjuvância que depois o CDS viria a aceitar. Foi porque não aceitámos que não participamos e que, portanto, não somos pretendentes despeitados.
Quanto à demagogia desenvolvimentista, também o Sr. Deputado António Guterres sabe muito bem que nós aceitamos e reconhecemos a necessidade de uma política de austeridade. Simplesmente, o que sempre temos dito, fundamentado e demonstrado - e não vejo que tenham aqui são rebatidas com êxito, ou que sequer tenha havido uma tentativa sistematizada de rebater as posições que já foram assumidas a esse respeito pelos nossos Deputados economistas Ângelo Correia e António Rebelo de Sousa - o que nós sempre entendemos é que não faz sentido desenhar as linhas de uma política de austeridade ou de estabilização, como os Srs. Deputados chamam num documento que serviu de base, em boa parte, para o vosso acordo com o CDS, sem integrar essas medidas de austeridade numa visão a médio prazo que tem de ser, necessariamente, de relançamento da economia, sob pena, Sr. Deputado, de a integração do nosso país na Europa, para não falar de outras coisas, ficar total e definitivamente comprometida.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Não percebeu nada.

O Orador: - Finalmente, sob a forma de protesto, manifesto a minha profunda preocupação por uma afirmação que o Sr. Deputado acaba de fazer e que é a de que neste momento nem sequer novas reformas de fundo são possíveis. Quer dizer, o seu partido já não põe apenas o socialismo na gaveta, põe também o reformismo. Sr. Deputado, nós pomos as mãos na cabeça!...

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado António Guterres tem a palavra, se pretender responder.

O Sr. António Guterres (PS): - Vou fazê-lo, Sr. Presidente, sob a forma de um brevíssimo contraprotesto.
Em primeiro lugar, não tive a intenção de defender o CDS, pois penso que é ao CDS que compete fazer a sua defesa.
Resta-me apenas afirmar que, se há algum tom de conservadorismo no Programa do Governo, ele consiste, apenas, em procurar conservar aquilo que a revolução portuguesa nos trouxe.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador:- Se o PSD pretende fazer reforma de fundo nesse contexto, é um problema do PSD que não nosso.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Não vou responder à questão da coerência do meu partido. Penso que as intervenções que aqui têm sido produzidas por nós tem sido claras, coerentes, precisas e do mesmo sentido.
Em relação à questão da demagogia desenvolvimentista, creio que o Sr. Deputado correu um grave risco e que foi o de procurar contrapor à intervenção do nosso Ministro das Finanças, Dr. Vítor Constâncio, as intervenções produzidas pelos Deputados do seu partido. O povo português ouviu, comparará e tirará conclusões.
Finalmente, em relação às reformas de fundo de que o Sr. Deputado falou, quero dizer-lhe que com elas não pretendemos reformas de fundo que alterassem o sistema constitucional, reformas de fundo que alterassem as formações económicas e sociais. Simplesmente, no que diz respeito à melhoria das condições de vida do povo português ainda recentemente o novo Governo anunciou que serão dados passos decisivos na construção do Serviço Nacional de Saúde o que nós consideramos uma reforma de fundo, mas que não põe em risco a Revolução e que não altera a estrutura constitucional do Estado. A essas estaremos sempre abertos; e essas promovê-las-emos com o máximo empenho. Agora alterar o sistema constitucional, pôr em risco as conquistas da Revolução, isso nunca faremos.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado José Luís pediu a palavra para que efeito?

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Presidente, queria fazer um protesto.

O Sr. Presidente: - Tenha a bondade, Sr. Deputado.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Presidente, também sob a forma de um protesto, muito breve, gostaria de dizer o seguinte: em primeiro lugar, é efectivamente inexacto que seja o CDS a defender o Governo, pois quem tem defendido o Governo, que é o nosso, tem sido o Partido Socialista, e também o CDS. Em segundo lugar, desejaríamos que acabasse o tipo de afirmações dessa bancada, embora compreendemos que elas não possam acabar facilmente, porque para isso será necessária a longa evolução política e mental que levará os Srs. Deputados do PPD a não confundirem «evolução na continuidade» com democracia e a não confundirem a Assembleia da Repú-

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blica com os Congressos do Partido Popular Democrático.

Risos e aplausos do PS e do Sr. Deputado Cunha Simões (CDS) e protestos do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Oliveira Dias.

O Sr. Oliveira Dias (CDS): - Sr. Presidente, Sus. Deputados: O patente nervosismo do Sr. Deputado Sérvulo Correia, que aliás merece toda a minha estima e consideração, não justifica, no entanto, a meu ver, que eu peça a palavra para um protesto. Justifica, sim, que lhe dê, que lhe peça que aceite uma explicação e que a aceite de uma vez por todas.
O Sr. Deputado Sérvulo Correia discutiu, mãos uma vez, a posição do CDS relativamente ao Governo, se era correcta ou não era correcta, se era conveniente ou não era conveniente. Eu queria pedir, Sr. Depurado, que compreendesse que o Sr e o seu partido não têm qualidade nem competência para se pronunciarem acerca dos termos em que os outros (partidos estabelecem acordos.

Vozes do CDS: - Mulato bem!

O Orador: - Em segundo lugar, o Sr. Deputado mais uma vez volta, com uma preocupação quase obsessiva, a falar da incoerência da nossa posição de apoio ao Governo. Queria dizer-lhe, Sr. Deputado, que há uma máxima, e peço-lhe que não me chame conservador por isso, que considero válida, é muito antiga e é a meu ver constante: «Ninguém dá o que não tem.» Ora, o seu partido não tem coerência própria, o seu partido não pode pedir meças sem coerência a ninguém.

Aplausos do PS e CDS.

O Sr. Presidente: - Não há mais inscrições, Srs. Deputados Não sei se se há-de concluir...
Perdão, Srs. Deputados, inscreveu-se agora o Sr. Deputado Veiga de Oliveira.
Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Programa do Governo da coligação PS/CDS em debate inclui como aspecto de grande relevância a criação de um designado Ministério da Reforma Administrativa
Reforma administrativa em abstracto é, foi e sempre será uma questão pacífica. Ninguém duvidará que a Administração Pública e de forma mais geral o aparelho de Estado consentem e exigem uma constante adaptação aos objectivos que devem servir.
A Constituição da República estabelece que a Administração Pública visa a prossecução do interesse público no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos (artigo 267.º, 1) e diz também que, a Administração Pública será estruturada de modo a aproximar os serviços, das populações, a assegurar a participação dos interessados na sua gestão efectiva, designadamente, por intermédio das organizações populares de base ou outras formas de representação democrática, e a evitar a burocratização.
As questões que se poderão colocar serão, pôs, por um lado, a definição dos objectivos a atingir pela Administração Pública e, por outro, a estruturação e localização hierárquica do aparelho de reforma.
Por outras palavras: a reforma é administrativa, mas terá de submeter-se não a uma qualquer arquitectura adiministrativista, mas aos fins último, do Estado, tal qual os define a Constituição.
A reforma administrativa não pode resultar de uma qualquer interferência reformadora erigida em princípio ou partir de um órgão todo poderoso que colha em si mesmo a razão da sua existência e que de través possa, servir de mero instrumento de controlo inconfessado do aparelho de Estado.
Vejamos em primeiro lugar a questão dos objectivos: o Programa do Governo estabelece na p. 22 como objectivo da reforma «dotar o País de uma Administração Pública humana, humana, coerente e eficiente, capaz de construir um estímulo, em vez de travão. Ao desenvolvimento económico e social de responder com presteza ao movimento de integração económica europeia e ao respectiva condicionalismo»
Pondo de lado a adjectivação de duvidosa ou nula utilidade e significado, resta a referência ao desenvolvimento económico e social não caracterizado e a alusão ao chamado movimento de integração económica europeia de consabido significado.
Poder-se-á dizer que o desenvolvimento económico e social referido encontra a sua caracterização em parte diversa do Programa e poderá mesmo pretender-se que não contraria o projecto constitucional, afirmações de que, naturalmente, discordamos.
O importante é que se assim fosse desde logo se deveria ter subordinado a reforma administrativa e os seus órgãos de coordenação e execução aos objectivos e aos departamentos responsáveis pela política governamental.
De forma mais simples: o departamento ou departamentos responsáveis pela reforma administrativa deveriam subordinar-se ao Conselho de Ministros e ao Primeiro-Ministro e, em última instância, submeter-se ao contrôle e à fiscalização desta Assembleia, de cuja competência reservada depende grande parte das medidas que em tal matéria podem ser intentadas.
Dir-se-á que assim já é, dado que qualquer Ministro e qualquer Ministério dependem do Conselho de Ministros e do Primeiro-Ministro e a sua actividade legislativa está submetida ao contrôle da Assembleia da República. Assim sucederia também com o Ministério da Reforma Administrativa!
A realidade é, contudo, bem diversa.
O Programa do Governo dedica expressamente mais de vinte páginas à reforma administrativa, para além de múltiplas referências determinadas por outras secções do texto.
Imediatamente se nota que assuntos importantíssimos, como o plano de estabilização económica para 1978, as políticas sectoriais básicas, o plano anual e de médio prazo, a defesa das herdades democráticas e dos direitos dos. trabalhadores, a defesa das principais conquistas da Revolução, a salvaguarda da nossa independência nacional, são ou menos, contemplados ou até pura e amplamente omitidos.
Vejamos, entretanto, que reforma e que Ministério reformador estão projectados: nessa vasta extensão do Programa do Governo.

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Desde logo, o Ministério da Reforma Administrativa tem o poder de promover a criação mos restantes Ministérios e sectores da administração de serviços sectoriais de reforma. Este poder transforma-se em dever depois de esclarecida a questão da competência do Governo em tal matéria.
É assim que se estabelece que o Governo «utilizará a plena capacidade dos serviços centrais do Ministério e dos respectivos órgãos de planeamento, consulta, orientação, formação, coordenação « execução», logo se acrescentando que «em certa medida» caberão também ao Ministério «funções de superintendência e de contrôle». Resta saber, porque lá não é dito, em que medida.
E nem a administração local e regional, nem as administrações autónomas e empresas públicas escapam a este movimento centralista que concentraria no Ministério da Reforma Administrativa poderes de um verdadeiro super-mistério, com atribuições e competências habitualmente reservadas ao Primeiro-Ministro ou mesmo ao Conselho de Ministros.
Talvez para tranquilizar esses menos ingénuos se diga a certo passo que para dar corpo a todas as realizações que se projectam será enviada à Assembleia da República uma proposta de lei de bases da reforma administrativa. Tal promessa, porém, não ilude o poder desde já atribuído ao Ministério da Reforma Administrativa de se desdobrar e multiplicar em organismos instalados em todos os escalões da Administração Pública e das próprias empresas públicas.
Entretanto, os compromissos solenemente assumidos através da Lei n.º 47/77, quer no tocante ao estatuto da função pública, cem prazo expirado em 13 de Janeiro último, quer no que respeito aos aumentos de vencimentos a vigorar a partir de 1 de Janeiro de 1978. continuam reduzidos a promessas não cumpridas.

O Sr. Jorge Leite (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Isto poderá também significar que era nova vaga da reforma administrativa é ainda e mais uma vez a forma de iludir a reivindicações dos funcionáreis públicos.
Por acréscimo, e embora seja assunto lateral, não poderemos deixar de referir que a melhor parte dos milhares de lugares que o projectado aparelho da reforma administrativa comporta serão certamente preenchidos por cidadãos de reconhecido mérito e competência e razoavelmente oriundos da clientela política do partido a que pertence a personalidade descristianizada que é o Sr. Ministro da Reforma Administrativa.
Mas não é tudo.
A coberto destes poderes superiores e tentaculares, o Ministério da Reforma Administrativa institucionalizará a função do pessoal nos diferentes departamentos do Estado, regulamentará (pasmem, Srs. Deputados) e definirá a representação do pessoal que serve a função pública para efeitos da defesa dos seus direitos e interesses legítimos e garantias para o livre exercício da acção sindical. Nem mais nem menos!
Naturalmente também se prevêem novas receitas paira acorrer a tanta despesa de incerta e obscura utilidade. E divide já se fala eufemisticamente na «racionalização dos contingentes de pessoal» (leia-se: despedimentos) e na «elevação graduai das taxas devidas pela utilização dos serviços e bens da Administração» (atendendo supostamente à verdade dos preços e dos custos de produção).
Prevê-se também uma exploração mais dinamita e actual do domínio público do Estado, bem assim do respectivo património privado, exploração que em tal contexto nem por se pretender mais dinâmico porá em menor risco o domínio público e o património privado do Estado.
Finalmente, prevêem-se também economias a efectuar com a mecanização dos serviços e de um modo geral com a sua racionalização e melhoria.
De passagem lembramos que esta confusão entre a noção de economia (como ausência de despesas) e a noção de receita (como elevação de taxas) tem um sabor a certo possidonismo que ganhou foros de doutrina em Portugal, durante a ditadura salazarista.
Há entretanto mais, muito mais, neste projecto, quase sonho de eminência parda, com que se pretende - através de um inocente Ministério da Reforma Administrativa - controlar todo o Governo e a Administração Pública - central, regional e local - e as empresas públicas.
Sonho só comparável àquele que em outra época encontrou instrumento adequado no Ministério das Finanças e se concretizou com os resultados conhecidos...
Ao ler o programa na parte, que ao Ministério da Reforma Administrativa se reporta,.encontramos a marca de um projecto por certo longamente pensado e amadurecido, com o sabor da actualização dos projectos há muito conservados na gaveta.
Tudo foi previsto. Desde a possibilidade de transformação dos serviços burocráticos em empresas públicas à revisão do estatuto da concessão e seu incremento, à revisão do estatuto legal dos contratos administrativos, sem esquecer a reorganização interna dos diversos Ministérios ou de órgãos como o Tribunal de Contas e a Inspecção-Geral de Finanças, passando pela coordenação do processo de arrendamento ou compra de imóveis para os serviços públicos.
No capítulo dos métodos de trabalho e racionalização, a enumeração exaustiva, desdobrada em onze alíneas, estendesse desde o estudo e revisão do direito financeiro ao código do procedimento administrativo.
Mas tudo isto é ainda pouco neste esboço de análise necessariamente rápida do monstro tentacular que dá pelo nome de Ministério da Reforma Administrativa. Chaga-se finalmente ao ponto culminante: as realizações do Ministério em colaboração com a Assembleia da República, o Conselho de Ministros, o Estado-Maior-General das Forças Armadas e os restantes Ministérios.
De notar desde já que o Ministério da Reforma Administrativa pretende imiscuir-se na reorganização, instalação e funcionamento do orgão de soberania que é a Assembleia da República. Simplesmente espantoso!
Depois, de um rosário de «colaborações», «coordenações», funções «adjuvantes», funções «de informação», «controlos de custos», etc., ete., o Ministério da Reforma Administrativa pretendesse competente para na prática poder influenciar e mesmo determinar a política de outros Ministérios, condicionar a elaboração de diplomas, participar na reorganização de tri-

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bunais, na criação de serviços de auditoria, na revisão da legislação orçamental e de contabilidade pública, na gestão patrimonial do Estado, no reordenamento do território, incluindo o judicial, etc., etc. ...
Definindo políticas de outros Ministérios a coberto da «estreita colaboração», propõe-se coordenar a definição de uma política salarial com o Ministério do Trabalho e de fixação de benefícios complementares e mesmo promover Agências com vista à definição de uma política coordenada de segurança social e de acção social complementar.
Ponto por ponto, de atribuição em atribuição, de competência em competência, o Ministério da Reforma Administrativa assume-se já não como monstro tentacular e superministério, mas quase como o supercontroleiro de toda a actividade do aparelho de Estado.
Que objectivos e a quem pretende servir este Ministério?
O Sr. Deputado Diogo Freitas do Amaral, apreciando a reorganização dos serviços do Ministério da Educação Nacional, em 1972, classificava-a de um «exemplo feliz de coordenação da Reforma administrativa com o desenvolvimento: a decisão de reorganizar o Ministério foi conjugada com a decisão de travar a batalha da educação, lançando a reforma do ensino».
Por essa altura, o Sr. Deputado Amaro da Costa era, salvo erro, o director do Gabinete de Estudos e Planeamento do Ministério da Educação Nacional...
Os resultados de exemplo «tão feliz» são de todos conhecidos.
A famosa «batalha da educação» caetanista cifrou-se numa estrondosa derrota, e a reorganização dos serviços do Ministério redundou no consabido caos administrativo,

O Sr. Jorge Leite (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Não sabemos se outros mais brilhantes resultados foram obtidos, mas as ligações que existem entre a génese do Ministério da Reforma Administrativa e o Sr. Deputado Freitas do Amaral, o facto de o primeiro-ministro do novo Ministério ser o «despartidarizado» Dr. Rui Pena, do CDS, fazem-nos pensar que desta vez a diferença estará só no sonho desmedido de obter de viés o domínio «administrativo» (leia-se: político) do II Governo, cujo programa tem vindo a ser debatido nesta Assembleia.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Como se o CDS, partido adjuvante do Governo de predominância PS, pretendesse com este Ministério proclamar. «Nada do que é público nos é vedado.»
E será pertinente perguntar se, em face de tão poderoso e tentacular Ministério da Reforma Administrativa, a composição do Governo corresponde às repetidas afirmações do Sr. Primeiro-Ministro e dos responsáveis do PS e do CDS.
E será pertinente perguntar se em face de tão poderoso e tentacular Ministério da Reforma Administrativa a escolha do Sr. Dr. Rui Pena para o cargo está ligada a algum «conjunto de raras qualidades» ou se estamos mais uma vez perante algum discípulo dilecto de algum eminente administrativista.

O Sr. Cunha Simões (CDS): - Enfim, continuamos na intriga, não é verdade?

O Orador: - E o que será pertinente afirmar é que através do denominado Ministério da Reforma Administrativa, o CDS disporá neste Governo não só de três Ministérios e cinco Secretarias de Estado, mas de um instrumento eficaz de vigia, fiscalização, pressão e contrôle sobre todo o Governo, incluindo o Primeiro-Ministro.

Aplausos do PCP

O Governo seria, assim, de base PS, mas de inspiração e contrôle CDS.

Vozes do PCP: -Muito bem!

O Sr. Álvaro Ribeiro (CDS): - Controleiros é com o PC.

O Orador: - Diríamos, para terminar, que o Ministério designado de Reforma Administrativa terá tendência a transformar-se rapidamente no pólo de todos os equívocos e ambiguidades em que este Governo assenta: pondo-se a questão de saber se no acordo PS/CDS tudo é transparente ou se nele haverá outras cedências que venham a resultar em mais gravosos prejuízos para a consolidação do Estado democrático e para a defesa da independência nacional.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sr. Deputado Veiga de Oliveira, em primeiro lugar, queria agradecer-lhe em nome do meu grupo parlamentar o elogio que V. Ex.ª fez do novo Ministro da Reforma Administrativa. Na verdade, trata-se de uma pessoa de raras qualidades e um dos reputados administrativistas do nosso país.

O Sr. Cunha Simões (CDS): - Muito bem!

O Orador: - Em segundo lugar, queria dizer-lhe o seguinte: não é com fantasmas nem com a obsessiva recordação do passado que se podem avaliar os projectos democráticos do presente. V. Ex.ª, naturalmente, como totalitarista que é, vê em todo o lado as intenções macabras de ocupar o aparelho de Estado, porque dentro dos seus quadros mentais não cabe outra coisa. E um exemplo disso foi, exactamente, que em todos os lados em que o Partido Comunista se instalou depois do 25 de Abril - legal ou abusivamente - não fez mais do que ocupar, tentacular e obsessivamente, todos os lugares-chave que lhe foi possível.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Descanse, Sr. Deputado, que o CDS não é o PCP...

Vozes do PCP: - Não é, não!

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O Orador: - ...e por isso mesmo não seguirá o seu mau exemplo.

Protestos do PCP.

Em terceiro lugar, dado o pouco tempo o que o meu grupo parlamentar dispõe, vou pôr-lhe estas breves questões: V. Ex.ª, com a sua vasta cultura e a qualidade de ter sido antigo Ministro, reconhece ou não que a nossa administração pública precisa de uma profunda e imediata reconversão e reforma? V. Ex.ª sabe ou não sabe que o actual aparelho administrativo é incapaz de responder a todos os desafios que a Constituição aponta para o País? Está ou não V. Ex.ª convencido de que o Programa do Governo aqui apresentado no respeitante à reforma administrativa é o mínimo indispensável para os próximos dois ou três anos?

O Sr. Presidente: - Para responder tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Oliveira.

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Sr. Deputado Narana Coissoró, de facto, eu poderia testemunhar com bastante mais rigor do que o senhor o fez o comportamento do Partido Comunista, nomeadamente no aparelho de Estado. O Sr. Deputado disse - e é verdade - que eu fui Ministro em vários Ministérios.

O Sr. Cunha Simões (CDS): - Nós também o sabemos!

O Orador: - E o Sr. Deputado ou qualquer pessoa pode constatar (e certamente haverá nestas bancadas quem o possa testemunhar) que em nenhuma ocasião, com a qualidade que tinha de Ministro, tomei a atitude de promover, nomear ou colocar fosse quem fosse por ser do meu partido.

Aplausos do PCP.

O Sr. Malho da Fonseca (CDS): - Rara excepção.

O Orador: - Mas também poderia verificar que nessa qualidade, dispondo dos poderes que o Sr. Deputado conhece, tive sempre o cuidado de defender que o que deveria estar na base da promoção, da colocação e da nomeação dos funcionários eram as qualidades e a capacidade das pessoas.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Se não foi o senhor, foi o seu Ministério.

O Orador: - O Sr. Deputado poderá comprovar isto, perguntando desde o contínuo dos Ministérios que estiveram a meu cargo até ao actual Primeiro-Ministro, incluindo alguns dos actuais Ministros que foram Ministros comigo nos Governos Provisórios.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Não foi só o seu Ministério que o PC teve.

O Orador: - Não fiz isto porque pessoalmente sou assim ou assado, mas porque esta era a orientação do meu partido.

Aplausos do PCP.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Agora é que estragou tudo!

O Orador: - Quanto à reforma administrativa ser ou não necessária, é evidente que o Sr. Deputado talvez não tenha ouvido o que eu disse no início da minha intervenção. Eu disse que era questão pacífica reformar constantemente o aparelho do Estado, adaptando-o aos objectivos políticos e administrativos que deve servir. Mas pus em contraste os objectivos da Constituição com aqueles que aparecem vagamente definidos nas vinte páginas do Programa do Governo referentes a este assunto, embora profusamente ilustradas por palavras.
Por outro lado, os desafios da Constituição são passos grandes e exigem, e exigirão, adaptações, modificações e reformas no aparelho de Estado e, em geral, em toda a administração pública. Mas o que eu não creio, Sr. Deputado, é que a influência do CDS nesta reforma possa vir a ser benéfica -e disse isso na tribuna.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - A sua crença é consigo!

O Orador: - Creio, justamente, que as vossas ideias políticas e a vossa atitude perante a Constituição serão maléficas para essa reforma.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - PC dixit!

O Orador: - Quanto às crenças, naturalmente, cada um tem a sua opinião, Sr. Deputado, e eu traço a nossa.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Em questões de crença eu não posso discutir.

O Orador: - Quanto aos poderes indispensáveis, o que está em causa não é a existência destes ou daqueles poderes, mas o que resulta de uma leitura atenta do Programa do Governo neste capítulo é que, de boa ou de má-fé - e a boa-fé ou a má-fé não estão em causa -, fica ao Ministério da Reforma Administrativa capacidade suficiente para, por intermédio de pressão, coordenar, sugerir, executar, ouvir, fiscalizar e promover, pelo que o seu titular, além de Ministro, às vezes será primeiro-ministro e coisas que até não têm nada a ver com o Conselho de Ministros nem com os Ministros.

Aplausos do PCP.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - São moinhos de vento, Sr. Deputado, são moinhos de vento!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Vasco Paiva, para uma intervenção.

O Sr. João Vasco Paiva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: No plano das grandes reformas nascidas da Revolução, o II Governo afirma nomeadamente o propósito de consolidar a autonomia regional dos Açores no evidente respeito pela Constituição.

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Mas... é preciso que o povo dos Açores veja concretamente, para aceitar como intenção de unidade, que também esta «grande linha de orientação política» não é mais um postulado a esquecer ou a ir lembrando uma vez por outra.

O Sr. Sérvulo Correia (PSD):- Muito bem!

O Orador: - É importante o Governo impor-se um calendário realista que permita desde logo acreditar que o Programa é exequível e que é coerente. Não vemos isso no documento ora em debate.

Vozes do PSD: -Muito bem!

O Orador: - Se foi possível constatar na prática que as pálidas promessas do Programa do I Governo foram ainda assim definhando com o evoluir da consolidação das instituições democráticas regionais, é naturalmente aceitável que o povo dos Açores esteja também céptico quanto à execução em prazo capaz da? propostas formuladas pelo II Governo.
A opção social-democrata tomada pela esmagadora maioria do povo dos Açores não se compadece com a apatia desde sempre sentida em relação às questões insulares

O Sr. Sérvulo Correia (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Como que um sem-fim de complexos centralistas impede que certo? Órgãos de Soberania ajam da forma mais correcta e afigura-se-me que o II Governo se deixa enredar por tal estado de espírito, pelo modo como titubeia as propostas do seu Programa sem sequer afirmar em que tempo elas se realizarão.

O Sr. Fernandes Pinto (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Será que aos Açorianos se quer pedir de novo uma paciência e uma quietude que vem durando para além de meio século? Ao Governo cabe não impor tal coisa e estabelecer de imediato um diálogo aberto e desinibido com os órgão? do Governo Regional que permita a ultrapassagem das múltiplas dificuldades que se sentem na Região, derivadas dos impasses do Poder Central, nomeadamente no que toca à real implantação da autonomia, para o que um primeiro passo é sem dúvida a transferência dos serviços periféricos do Estado e o segundo a consolidação de formas descentralizadas que apontem para uma autonomia financeira real que permita a abertura de novas possibilidades de desenvolvimento regional cujos resultados em tudo beneficiarão o País.
Não é aceitável que se continue a assistir na Região a uma sede imensa de poder executivo por parte do Ministro da República que possui missão ainda mais nobre, e que dessa forma a vai maculando aos olhos dos Açorianos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Era necessário que os mecanismos constitucionais sejam respeitados e dinamizados para que as dificuldades que foram ultrapassadas aquando do repúdio popular pela «autonomia burla» consagrada numa primeira versão da 8.º Comissão da Assembleia Constituinte não sejam a cada passo memorizadas.

O Sr. Sérvulo Correia (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Da leitura n.º 2 da divisão 1 do capítulo III do Programa do Governo ressaltam algumas questões às quais, como deputado dos Açores, não posso deixar de prestar atenção.
Logo à primeira leitura retém-se o seguinte: «O actual Governo confia nas virtualidades da autonomia político-administrativa ajustada à medida dos condicionalismos geográficos, económicos, sociais e históricos que a determinam. Essa medida está hoje fora de causa: é a consagrada na Constituição da República. Seria tão-pouco realista e patriótico ir além dela como ficar aquém.»

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Muito bem!

O Orador: - O que aqui citei não poderia deixar antever o que mais adiante se constata serem os objectivos, do Governo. Se ficar aquém do consagrado na Constituição não é patriótico, então não nos é possível conceber como definitivos os objectivos enumerados, pois eles exprimem uma leitura restritiva da Constituição.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Estão os Açorianos vivamente empenhados em possuir um estatuto definitivo digno das suas aspirações democráticas de uma verdadeira autonomia. Naquele estatuto não poderão persistir tibiezas nem lacunas e terá de constituir o espelho do sentir da esmagadora maioria da população. Jamais se poderá assistir a processos como os que se seguiram aquando da elaboração do actual estatuto provisório. Atente-se que por encargo da Junta Administrativa de Desenvolvimento Regional, designada habitualmente por Junta Regional dos Açores, foi elaborada uma proposta de estatuto autonómico com a participação de independentes e de elementos do PS e do PSD, com uma antecedência considerável sobre a votação da Constituição. Aquele documento veio mais tarde a ser objecto de compatibilização constitucional com a participação de açorianos. Mas não se ficou por aqui ... O estatuto veio a ser restritivamente amputado em tempo record, mas desta feita por uma comissão completamente alheia à Região.
Os Srs. Ministros Almeida Santos e Vítor Constâncio, por terem acompanhado de perto o processo descrito, poderão dar testemunho de que os interessar sés dos Açorianos não poderão correr o risco de ficar de novo espoliados se se avançar para um estatuto definitivo sem que a consolidação da autonomia se efective na parte já expressa no estatuto provisório e sem que os órgãos do Governo próprio absorvam os poderes que lhes são devidos e ainda diluídos em serviços periféricos do Estado.

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Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A esta Câmara ainda poderei lembrar que à Junta Regional dos Açores, empossada por alturas de Agosto de 1975, já haviam sido conferidos largos poderes, o que mais avoluma a gravidade lê não terem sido implementadas as tais transferências para os órgãos regionais.

O Sr. Furtado Fernandes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Nestas questões o Programa do Governo deixa a desejar do ponto de vista de precisão e clareza.
Ainda terei, antes de terminar, de referir um facto curioso que se extrai do Programa: refere-se a necessidade de inclusão das despesas dos serviços periféricos, mesmo não transferidos, no orçamento regional. Ocorre-me perguntar: porque se não inscreve do mesmo modo a receita que deriva dos tratados internacionais, mesmo quando não formalmente firmados?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador:- Um sistema de calculadas poderá ser utilizado em qualquer dos casos.
O apoio à cobertura integral da Região por parte da RDP e RTP não poderá quedar-se pelo fornecimento de equipamento.
Nos Açores muito se tem pugnado por uma real regionalização das delegações daquelas empresas, mas a abertura nesse campo tem sido nula, repetitivamente.
Sem que aos Açorianos interesse qualquer redução de abertura ao exterior da Região, não pode, contudo, deixar de se sentir localmente que o princípio que vem sendo perfilhado, de uma simples, mesmo insípida, desconcentração, não responde aos desejos de ver dignificadas emissões regionalizadas e reduzidas às questões na verdade interessantes, as emissões de programação nacional. E a questão não se põe só quanto a programação no sentido amplo, teremos de descei ao nível da informação e produção locais, que naturalmente são as que mais polarizam as atenções dos residentes a quem muitas questões locais do continente dizem tão pouco, que as desinteressam.
Também anotei referências a estudos diversos, e todos poderão ser úteis, mas que isso não signifique de modo nenhum uma ultrapassagem aos poderes, da Região, nomeadamente no que toca à iniciativa legislativa, e sobretudo que isso não signifique em qualquer caso um mascarar com outra designação e/ou outra amplitude de propostas já formuladas pela Região na respectiva área.

O Sr. Sérvulo Correia (PSD): - Muito bem!

O Orador: - É o caso do último objectivo enunciado.
Assim não, não me é fácil dizer nesta Câmara que este Programa do Governo está de acordo com o que se pensa ser um mínimo exigível ao Governo. O CDS, pelos compromissos assumidos no seu manifesto eleitoral, poderia ter dado um maior contributo, pois que o PS já há muito mostrou por onde te quedam as suas propostas.

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Aqui fica mais uma «palpava» para ajudar a fazer a prova de que o Governo de maioria parlamentar PS/CDS não constitui a coligação coerente de que o País está carecido para a resolução dos seus múltiplos problemas.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos ainda vinte e dois minutos e não há mais nenhuma inscrição.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tenha a bondade.

O Sr. Carlos Lage (PS):- Sr. Presidente, se não há mais nenhuma intervenção, sugeria que iniciássemos a sessão da tarde, em vez de às 15 horas, às 14 horas e 30 minutos. E isto com o objectivo de não prolongarmos demasiado a sessão pela noite fora.

Vozes do PSD: - Não, não!

O Orador: - Ou então, uma vez que não há intervenções, poderíamos passar imediatamente à fase seguinte, poderíamos passar às votações.

O Sr. Presidente: - Pode-se concluir que os partidos prescindem do tempo que têm para a discussão do Programa? É essa a intenção?

Pausa.

Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Leite.

O Sr. Jorge Leite (PCP): - Sr. Pressente, lembro novamente o acordo. E lembro, pela nossa parte, o seguinte: que hoje, da parte da manhã, o PCP fez já duas intervenções, gastando quarenta e seis minutos e trinta segundos dos setenta que tinha para todo o dia de hoje.
Além disso, volto a lembrar, nomeadamente ao Governo e ao Sr. Ministro Almeida Santos, que, por exemplo, nós ontem fizémos uma intervenção sobre uma matéria importante como é a do trabalho que ainda não vimos respondida. Julgo que é um pouco excessiva a ideia do PS de que não há oposição. ou de que já não tem nada a dizer. Estamos ainda à espera de algumas respostas.
Julgo, portanto, que da nossa parte é legítimo esperar que seja, por exemplo, o CDS, que ainda hoje não interveio, a fazê-lo, pois em termos de partido é aquele que dispõe de mais tempo no presente momento. O Governo interveio apenas uma vez, o PCP interveio duas vezes.

O Sr. Bento Gonçalves (PSD): - O PSD também interveio duas vezes!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Sérvulo Correia.

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O Sr. Sérvulo Correia (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Verifica-se, também, pela distribuição dos tempos ainda restantes que os Srs. Deputados independentes dispõem ainda de um total de quarenta e cinco minutos. Este problema dos Srs. Deputados independentes é um problema delicado, visto que eles, nos termos regimentais - mal ou bem, mas segundo o Regimento vigente -, não tinham a faculdade de usar da palavra neste debate. Democraticamente, os grupos parlamentares concederam-lhes esta possibilidade, mas temos de ter presente que, beneficiando individualmente de um tempo muito superior àquele que lhes caberia se fosse rateado, por igual, a todos os Deputados desta Câmara, os Srs. Deputados independentes, acumulando as suas intervenções na fase final, aquela que, dado até o facto de hoje ser um sábado, irá poder ser escutada directamente, pela rádio, pela grande maioria do povo português, vão distorcer qualitativamente este debate, porque vão ocupar com os seus pontos de vista um tempo de antena que não corresponde, de forma nenhuma, ao peso que esses Srs. Deputados têm aqui, portanto, à sua representatividade.

Vozes do PS, PSD e CDS: - Muito bem!

O Orador: - Há, por conseguinte, aqui um grave factor de distorção que, se não houver, por parte dos Srs. Deputados um mínimo de colaboração, fazendo pelo menos agora uma intervenção, o meu grupo parlamentar terá de reconsiderar para efeito de saber se este esquema pode ser levado avante ou terá ainda de ser agora revisto.

Vozes do PS, PSD e CDS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sucede que não está presente nenhum Deputado independente daqueles que ainda não usaram da palavra.
Srs. Deputados, faltam dezasseis minutos para as 13 horas, pelo que penso que, não havendo mais inscrições, o melhor será interromper a sessão e começá-la às 15 horas, se estiverem de acordo.

O Sr. António Macedo (PS): - Antes às 14 horas e 45 minutos.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Igrejas Caeiro quer intervir?

O Sr. Igrejas Caeiro (PS): - Não era para uma intervenção, Sr. Presidente, mas apenas para perguntar se ainda é possível pedir um esclarecimento ao último Deputado que usou da palavra.

O Sr. Presidente: - Não é regulamentar, Sr. Deputado.
Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lage.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Eu tinha feito uma proposta - dada a ausência dos Deputados independentes que tem sido patente nas bancadas e por tencionarem eles, com certeza, como já disse o Sr. Deputado Sérvulo Correia, fazer as suas intervenções à tarde - que era correcta: era que a sessão à tarde começasse um pouco mais cedo. Porém, parece que há discordância quanto a esta sugestão porque alguns Deputados não terão possibilidades de chegar a essa hora. O mais sensata, então, é de facto encerrarmos aqui a sessão e recomeçarmos os trabalhos às 15 horas. Não vamos é estar indefinidamente aqui a debater esta questão.

O Sr. Presidente: - A Câmara está de acordo?

Pausa.

Como não há oposição, está suspensa a sessão, que recomeça às 15 horas.

Eram 12 horas e 45 minutos.

Após o almoço, assumiu a presidência o Sr. Presidente Vasco da Gama Fernandes.

O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão. Eram 15 horas e 15 minutos.
Tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso para uma intervenção.

O Sr. Lopes Cardoso (Indep.): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Ministros: Não comporta o espaço de tempo que me foi reservado uma análise exaustiva do Programa do Governo, como não permite que me atarde na apreciação das medidas que o integram.
Aliás, se recuso determinar-me a partir de um sumário processo de intenções feito àqueles que agora são Governo, nem por isso creio indispensável aquela análise exaustiva.
Para além do que são a natureza, o alcance e o conteúdo das propostas do Governo trazidas a esta Assembleia, a filosofia que lhes está subjacente, o projecto político que as informa bastam para que a nossa posição se defina.
E se o projecto político é mais importante do que a fórmula de Governo, não é menos verdade também que através dessa fórmula se haverá de ajuizar à partida da sua coerência interna, como dessa fórmula se haverá de deduzir o real significado de muitos dos propósitos que se anunciam.
Ultrapassar a crise que o País atravessa é - foi-nos dito - o objectivo do Governo e não serei tu que lhe negarei a sinceridade de um tal propósito. Só que nem todos fazem a mesma leitura da crise; só que nem todos sofrem do mesmo modo a crise; só que a crise de uns não é necessariamente a crise dos outros.
Ultrapassar a crise em que quadro? À custa de quê e de quem? Mercê de que sacrifícios?
Permita-me que me socorra aqui de uma citação: «Na situação actual de desenvolvimento das forças produtivas portuguesas e da distribuição dos frutos da actividade económica pelas várias camadas da população não se encontram garantidos padrões mínimos de satisfação das necessidades e aspirações da maioria dos portugueses [...]. A organização actual da economia afasta-se da preocupação fundamental de proporcionar à população não só meios de subsis-

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tência, mas também a possibilidade de viver melhor e de modo diferente. O funcionamento irracional do sistema traduz-se no desvio de recursos essenciais, beneficiando grupos minoritários - enquanto se encontram insatisfeitas necessidades básicas, nomeadamente no campo da alimentação, da saúde, da habitação, da educação, da segurança social, etc.
Daí a necessidade de se caminhar seguramente para um novo modelo de desenvolvimento da sociedade portuguesa [...], a necessidade de um novo modelo para uma economia de transição rumo ao socialismo no quadro do Estado democrático.
Trata-se de um desafio a que não podemos deixar de responder, Já que representa a vontade inequívoca do povo português expressa nas três eleições livres realizadas após o 25 de Abril e consignada na Constituição da República.»
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A longo citação que acabo de fazer não a colhi -ao contrário do que observador menos atento ou porventura influenciado pelas palavras do Sr. Primeiro-Ministro poderia pensar - na prosa inspirada de um qualquer utopista: não a retirei de um belo discurso de alguém que, livre das responsabilidades do Poder, pôde, um dia, dar largas à sua imaginação. Tão-pouco a fui repescar nos arquivos da nossa vizinha Torre do Tombo. O documento a que me reportei tem uma data - Agosto de 1976 - e teve um nome: Programa do I Governo Constitucional.
Se me socorri de uma tal citação não foi para acentuar as sucessivas contradições em que caiu o discurso governamental. De tão evidentes não carecem de ser sublinhadas. Se o fiz, é porque creia que nela se contém uma resposta à pergunta que formulei: ultrapassar a crise em que quadro? À custa de quê e de quem? Mercê de que sacrifícios?
Aceitar ou recusar a Constituição como quadro no interior do qual se terão de encontrar as soluções imediatas para a crise é sem dúvida a questão-chave que neste momento nos divide. Porque aceitá-la ou recusá-la significa do mesmo passo escolher à custa de quê e de quem se ultrapassará a crise.
Isto porque aceitar a Constituição não pode significar apenas aceitar ou recusar o ordenamento jurídico-constitucional dela decorrente, como se afirma no Programa do Governo. Implica aceitar ou recusar o projecto político cujos contornos essa Constituição claramente define.
Não nego a quem quer que seja o direito de manifestar o seu desacordo face àquele documento fundamental, o direito de e contestar nus limites do funcionamento das instituições democráticas. Mas tentar reduzi-lo a um simples ordenamento jurídico-institucional, para justificar uma acção governativa que o não acate na sua plenitude, é negar o respeito que lhe devem os órgãos de Soberania, sejam eles quais forem.
Que o CDS, que não votou a Constituição, o procure fazer compreende-se. Que o PS, que foi, sem dúvida, um dos seus principais obreiros, o aceite, exemplifica bem o longo caminho percorrido por este partido desde que votou a Constituição até hoje.
E se referimos o facto tantas vezes repetido de o CDS ter votado contra a Constituição não o fazemos com o objectivo de lhe colar um qualquer ferrete que o banisse uma vez por todas da vida política
portuguesa. Tem o CDS o direito de discordar da Constituição. Tem esse direito e teve - diga-se de passagem - a coragem de votar contra ela, quando outros lhe terão dado o seu apoio com o propósito reservado, mas nem por isso menos determinado, de se lhe oporem na primeira oportunidade. Mas não como direito, como partido de Governo que hoje é, de fazer da Constituição uma leitura amputadora de muito do essencial que nela está contido.
Que o CDS, que votou contra a Constituição, esteja hoje no Governo explica a natureza do Programa desse Governo e deixa-nos antever a óptica em que será aplicado.
De resto, se dúvidas houvesse, o Sr. Prof. Freitas do Amaral tê-las-á dissipado: «O CDS não aceitaria entrar para o Governo se este viesse a ter uma prática política mais esquerda que o I Governo Constitucional», disse-o ele nesta Assembleia, e de forma clara.

O Sr. Carvalho Cardoso (CDS): - E óbvio!

O Orador: - Quando se compara o que tem sido a coerência de comportamento dos dois partidos da coligação, podemos ficar certos de que o Sr. Prof. Freitas do Amaral está seguro daquilo que afirma.

O Sr. Carvalho Cardoso (CDS): E está!

O Orador: - O Sr. Primeiro-Ministro explicou, - explicação que quis ser também uma justificação do Programa do Governo - que é importante falar em socialismo (valha-nos isso que ao menos se não perca a memória das palavras), mas que se não trata aqui e agora de construir o socialismo, mas tão-só de recuperar a economia e salvar a democracia.

O Sr. Carvalho Cardoso (CDS): - Muito bem!

O Orador: - Terá o Sr. Primeiro-Ministro reflectido no que afirmou?
A acreditarmos nos seus argumentos, não existiriam hoje em Portugal condições mínimas para levar à prática o projecto constitucional de transição para o socialismo.
Ter-se-á o Sr. Primeiro-Ministro apercebido que, a ser assim, as suas palavras contêm a mais veemente crítica que um socialista poderia fazer ao que foram
dezasseis meses de Governo do Partido Socialista? Recordar-se-á o Sr. Primeiro-Ministro de ter afirmado, em Agosto de 1976, nesta Assembleia:

O Governo considera que se verificam [...] condições para efectivar em Portugal a construção histórica de uma economia de transição e pretende desde a primeira hora dar início à sua concretização.
O Governo considera que estão reunidas condições potenciais para efectivar em Portugal a construção de uma economia de transição [...].

Se tais condições existiam em Agosto de 1976 e se desapareceram ao cabo de dezasseis meses de Governo de Partido Socialista, a quem a responsabilidade?

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Seguramente àqueles que após terem afirmado solenemente que os objectivos que se propunham alcançar - e cito de novo o Programa do I Governo - significavam a «rejeição das bases, da recuperação capitalista» se fizeram depois os mais dedicados artífices dessa recuperação.
Convenhamos, contudo, que não basta constatar que as palavras do Sr. Primeiro-Ministro contêm em si a condenação da política do seu primeiro Governo para que fique demonstrado, do mesmo passo, que desvirtuam a realidade. Como a demonstração de que elas desvirtuam essa realidade não basta para o ilibar de responsabilidades ou para justificar a posteriori a sua acção.
Que a situação se degradou ao longo destes últimos meses, que as condições não são já as mesmas, um simples facto o documenta: a entrada do CDS para o Governo. Fica por demonstrar que outra solução não teria sido possível, que outro não poderia ser o Governo nem outro o seu Programa.
Porque a questão está em saber-se se, sim ou não, pode ser levado a cabo o projecto constitucional; o problema está em saber-se se, sim ou não, se está deliberadamente, por opção política, a esvaziar o seu conteúdo a Constituição que se aprovou.
Tenho para mim que a resposta é simples: não há um tempo para consolidar a democracia e um tempo para construir o socialismo. As duas tarefas vão de par. A caminhada para o socialismo é longa, a estrada pode ser difícil e sinuosa, mas não se chega ao socialismo percorrendo o caminho oposto. Isto é, reforçando os mecanismos económicos do capitalismo.
O Governo veio afirmar-nos que o projecto constitucional e a consagração da utopia, que a recuperação económica do País é incompatível com aquilo que para o Sr. Primeiro-Ministro era há pouco mais de um ano «a vontade inequívoca do povo português democraticamente expressa em três eleições livres». Veio afirmá-lo e oferecer-nos em troca o quê?
Uma política que ditada do exterior determinará não só o «programa de estabilização para 1978» como condicionará, a ser aplicada, o modelo de desenvolvimento económico a médio prazo. Modelo já posto em causa quando o I Governo Constitucional retirou sem mais explicações o Plano a médio prazo que apresentara a esta Assembleia.
Política que se traduzirá inexoravelmente na degradação das condições de vida do povo português, no agravamento do custo de vida, no crescimento acentuado do desemprego, no aumento da dependência externa.
É verdade que a contenção da inflação e a criação de empregos aparecem, a par da redução do deficit da balança de pagamentos, como objectivos da acção governamental. Mas pode perguntar-se com legitimidade em que medida os mecanismos que se privilegiam para alcançar o último daqueles objectivos não são de molde a comprometer os restantes.
Como compatibilizar a criação de novos empregos com as restrições impostas ao crescimento económico? Como compatibilizar o controlo da inflação com a política monetária, financeira e de crédito esboçada no Programa de Governo?
Reconhece o Programa «os riscos de aplicação a uma economia como a portuguesa de um programa de estabilização que utilize as clássicas medidas de política orçamental e monetária dirigidas à contenção da despesa interna. Sendo certo que a maior parte dos nossos problemas têm uma origem estrutural [...]» Só que reconhecendo esse risco se baseia no essencial nessas medidas e se limita a acrescentar que «o Programa tem assim de inserir-se numa óptica de recuperação económica». O que em rigor não significa nada e me recorda a história daquele general que instado para informar quantos homens seriam necessários ao desempenho de determinada missão respondeu convicto, do alto das suas estrelas: «Os suficientes»
Se é certo que na sociedade portuguesa, onde se conservam algumas das transformações essenciais verificadas após o 25 de Abril e onde o capitalismo não conseguiu refazer todos os seus mecanismos de dominação, a construção de uma democracia socialista, assente na participação activa e organizada dos trabalhadores, constitui, hoje talvez mais do que nunca, uma alternativa estável e global, permitindo ultrapassar uma situação de crise, que decorre da própria natureza do que foi e é o capitalismo português, tal não será, e isso foi-o claramente dito, a tarefa que o Governo se propõe empreender.
Levar até às suas últimas consequências a lógica da recuperação capitalista, colocar a Constituição, entendida como um todo e não como um mero ordenamento jurídico-institucional, «na gaveta», enquanto se aguardam «melhores dias» que permitam a sua pura e simples revogação, é, em síntese, o projecto político subjacente ao Programa do Governo.
Para o levar à prática constituiu-se um Governo de coligação PS-CDS
Governo de coligação que se nos não é apresentado como tal nem por isso deixa de sofrer das mesmas limitações e de reflectir as mesmas contradições Limitações e contradições que os eufemismos de linguagem não bastam para eliminai
E porque essas contradições existem e porque essas dificuldades internas não são fictícias, cada um deles se vê forçado a não assumir claramente a mesma leitura do Programa, a mesma leitura do projecto político nele contido, ainda quando essa leitura seja idêntica.
Não é por acaso que o Sr. Ministro Almeida Santos não respondeu à questão que lhe foi posta quando afirmou que o CDS aceitara viabilizar aquilo a que a Constituição obrigatoriamente conduz sem precisar a natureza daquilo a que no seu entendimento a Constituição obrigatoriamente conduz.
A ausência da resposta vem da própria ambiguidade, da própria contradição de uma fórmula governamental em que cada parceiro entende diferentemente a sua participação no Governo, ou talvez, pior ainda, pretende fazer crer que esse entendimento e diferente.
Como não e por acaso que o Sr Deputado Freitas do Amaral, tendo afirmado que o CDS não participa no Governo, veio em seguida expor os objectivos que são os do CDS ao participar no Governo.
Não e fácil de facto descrever claramente situações que voluntariamente se pretendem ambíguas.
As contradições que dividem a actual coligação, que reduzem a coerência interna do Governo a que deu lugar e a reduzem tanto mais quanto deliberadamente se optou por uma fórmula ambígua destinada não a

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eliminar essas contradições, mas a atentar escamoteadas; essas contradições fazem de uma indiscutível maioria aritmética uma maioria cuja estabilidade é bem menos indiscutível.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Existem neste momento na Mesa duas moções de rejeição do Programa de Governo.
Porque o Regimento nos não autoriza a explicar, através de uma declaração de voto, o sentido da posição que perante elas iremos assumir - e falo neste momento não só em meu nome pessoal, mas também em nome dos meus camaradas Brás Pinto e Vital Rodrigues -, vejo-me forçado a fazê-lo agora.
As razões que nos levam a rejeitar o Programa de Governo decorrem do que aqui dissemos. Porque o voto das moções de rejeição não comporta necessariamente o voto dos considerandos que as fundamentam, a nossa posição será idêntica em relação a ambas, isto é, pelas razões que são as nossas: ambas merecerão o nosso voto favorável.

O Sr Ministro-Adjunto do Primeiro-Ministro (Almeida Santos): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tenha a bondade, Sr. Ministro.

O Sr. Ministro-Adjunto do Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, pedi a palavra para prestar ao Sr. Deputado Lopes Cardoso, pela consideração que tenho por ele e que me merece, um esclarecimento que é o seguinte: acusou-me ou pelo menos afirmou que eu não respondi à pergunta que me tinha formulado sobre aquilo a que a Constituição conduz. Não me parece, sinceramente, que tenha sido esta a pergunta que me formulou o Sr. Deputado Lopes Cardoso e por isso lhe dei a resposta que dei. Ainda hoje deixaria mesmo de lhe dar essa resposta, porque me cabe o direito de pressupor que não tenho de esclarecer o Sr. Deputado sobre aquilo a que a Constituição conduz. Todos devemos presumir que lemos a Constituição.
E já que estou no uso da palavra, queria só focar mais dois aspectos: disse o Sr. Deputado que não há um tempo para construir a democracia e um tempo para construir o socialismo. A verdade é que a história demonstra exactamente o contrário. Efectivamente, nos países que seguiram a linha e o rumo que nós estamos a seguir primeiro constituiu-se a democracia e só depois se pensou em socialismo.
Disse também o Sr. Deputado Lopes Cardoso que o Governo vem aqui afirmar que o projecto constitucional é uma utopia. A verdade é que é uma intervenção livre que ele faz, da sua responsabilidade apenas, sobre o Programa do Governo que em grande medida já está realizado, o que não é nem costuma ser uma característica das utopias.
Mas se põe o problema de saber aquilo a que a Constituição conduz e não para responder à sua pergunta mas para responder ao problema que acabo agora de pôr, direi que a Constituição conduz a um regime de transição para o socialismo, sem definir metas temporais ou outras sobre quando deve chegar-se a esse socialismo.

O Sr. Lopes Cardoso (Indep.): - Dá-me licença, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Eu posso considerar que efectivamente se tratou da prestação de um esclarecimento mas não quero deixar de lhe dar a palavra porque posso também entender, e o Sr. Deputado Lopes Cardoso pode estar nesse entendimento, que foi uma espécie de pedido de esclarecimento feito à sua intervenção.

O Sr. Lopes Cardoso (Indep.): - Eu queria agradecer ao Sr. Ministro Almeida Santos, primeiro, as palavras que me dirigiu e, depois, o esclarecimento que me prestou, e registar, se me permite, que no entendimento do Sr. Ministro - e isto não é um jogo de palavras e creio que é importante - o CDS entra para o Governo decidido a viabilizar a transição para o socialismo. O CDS dirá da sua justiça, mas este parece ter sido o entendimento do Sr. Ministro Almeida Santos.
Em seguida, não me referi ao Programa do Governo como um programa utópico. Eu referi-me ao facto de se ter dito aqui que a transição no imediato para o socialismo era pura utopia. Não era o Programa do Governo que estava em causa, e penso que ele sob certos aspectos é utópico e noutros é realista.
Quanto àquilo que nos conduz ou nos conduzirá - esse problema é do Governo -, aí é que provavelmente as divergências podem surgir.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Lucas Pires, tem a palavra para uma intervenção.

O Sr. Lucas Pires (CDS): - Sr. Presidente. Sr?, Deputados: Após quatro dias de debate e perante um Programa de três; centenas de páginas, não pode deixar de se experimentar um certo desalento verbal. O ambiente é próprio, porventura, a compreender como a sombra dos números começa a embaciar o brilho das palavras. Porventura estamos, de facto em Portugal, no momento em que os números se tornam reais, em que os números se sentem e se mastigam - o momento em que os números da inflação, do deficit externo, da desvalorização do escudo, saem dos cálculos, das estatísticas, das contas dos economistas e invadem, com a sua brutal franqueza, a vida corrente dos Portugueses.
É curioso notar a este respeito como o Dr. Mário Soares, aquando da sua apresentação televisiva do «pacote 2», ainda teve o cuidado de remeter os números para o rodapé da comunicação. Mas eis que, incontidamente no dia seguinte, eles escorregam da manga larga do seu Ministro das Finanças, perante o mesmo auditório e à mesma hora. E, pronto, era a sua primeira aparição pública. Então começou muita gente a perceber que os números não eram apenas os hieróglifos dos economistas, que os. números são a própria seiva da vida económica moderna. As palavras começavam a perder a guerra com os números, embora se admita que elas próprias haviam constituído, por sua vez, uma etapa vitoriosa, contra o puro activismo da rua, em que se traduzira a fase precedente desta revolução, fase de que a própria Constituição -como revolução escrita - só a custo conseguira emergir.
Era ainda a fase em que palavras como comunismo, socialismo, social-democracia, democracia

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cristã, eram verdadeiros exércitos de letras. A própria economia era, então, sobretudo, uma economia literária. Basta dizer que o primeiro plano de economia portuguesa não era quantificado e que, suprema e máxima ironia, a circulação monetária era, sobretudo, a circulação de letras. Embora, também aqui note-se, houvesse, apesar de tudo, um progresso, pois que na fase anterior, da revolução na rua, os números eram considerados um valor burguês e por pouco não se procedera, como o fizera Fidel Castro, à suspensão da contabilidade.

Risos do CDS.

De resto, o que era esta paixão das palavras senão também a compreensível recusa activa do enorme silêncio em que se vivera durante cinquenta anos?
Eis, porém, que o ciclo das palavras se retrai e se abre o ciclo dos números. Suponho que, em grande parte, foi isso o que quis dizer Mário Soares quando aqui confessou que não estava em causa consumar de imediato o socialismo, o que estava em causa era a economia, a democracia e tudo o que é essencial para o maior número possível de portugueses.
E neste contexto está, porventura, a chave de aproximação entre PS e CDS para efeitos de tornar possível um governo. Tal aproximação não é, de facto, um imperativo de ideologias. Mas é, sem dúvida, simbólico e sintomático que a primeira e maior razão de ser deste acordo tenha consistido na necessidade de encontrar um número maioritário de apoio ao nível parlamentar, político e social.
Chegou o tempo de fazer contas, de pôr as contas em dia, de optar em termos de realismo, eficácia e objectividade. Neste contexto, justamente, o acordo do meu partido com o PS não pode ser concebido senão como uma convergência democrática, isto é, uma convergência formal, que incidirá, por definição, sobre planos concretos e não sobre ideias abstractas, que assentará numa vontade comum e não em apriorismos verbais.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - E mesmo os meus amigos do PSD reconhecerão que um acordo entre o PS e o PSD pretenderia claramente mais do que isso: pretenderia apresentar-se não apenas como uma convergência democrática, mas lambem como uma convergência para-socialista, não apenas, como uma convergência de números, mas ainda como uma convergência de palavras.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Repare-se, aliás, no facto de a alternativa entre socialismo, comunismo, social-democracia e democracia cristã ser cada vez menos agitada, e em lugar dela tomar crescento relevo a opção alternativa entre presidencialismo e parlamentarismo. É um fenómeno que assinala muito bem como a questão principal já não é das alternativas entre ideias políticas, mas sim de entre modos de governo efectivo! Já não é a questão da escolha pura, mas sim a questão da eficácia. Já não é a questão do país transcendente, mas a do país real.
Ora, entre o PS e o CDS não há nenhuma comunidade nominalista e é por isso que a objectividade do acordo entre eles pode ser mais objectiva do que a de qualquer dos restantes acordos imagináveis.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - A mera constituição de uma maioria significa que o Poder não está permanentemente a concurso, que os projectos de lei nascem inteiros e que não cheguem à Assembleia como quem pede a uma incubadora para lhe completar as formas e lhe imprimir o sexo.

Risos do CDS.

Só por isso a constituição de uma maioria permanente ajudará decisivamente a uma maior celeridade, a uma maior constância e a um maior rigor dos actos de autoridade. Deixando de ser dúplice como a cabeça de Janus e, portanto, intrinsecamente traiçoeiros. Deixando de andar ao sabor do catavento legislativo que produzia ora maiorias para um lado ora maiorias para o outro, ou seja, maiorias reciprocamente laterais. O Poder forma-se agora a partir do Estado, verticalmente, e é menos produto de uma correlação de forças, de uma guerra de posições entre partidos, que só poderia gerar insegurança e instabilidade.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Os blocos do Poder agora adquirem fixidez e as frentes são nítidas. O problema já não é o de uma charneira horizontal, de um lado a outro sem fronteiras, mas de charneira parlamentar que filtre a autoridade, mas de cima para baixo.
Por outras palavras: o Poder passa a ser menos luta e mais Governo, e sob este aspecto ou nesta medida a maioria pode responder ao mesmo tipo de desejo para que o chamado presidencialismo se pretende oferecer como solução.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - O Governo pode, ainda, passar a sei mais realista e eficaz, pois passa a integrá-lo o partido português que menos deve ao Poder e que representava mesmo uma espécie de país real virado ao Estado oficial, uma espécie de país liberal virado ao Estado «socialista».
Pode mesmo dizer-se que a subida do CDS ao Governo assinala a passagem das forças da iniciativa, das forças não estatais, da fase do combate pelo seu reconhecimento à fase da sua integração, enquadramento e direcção política e legislativa como era requerida pela sua ascendente implementação social

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Por isso o acesso do CDS ao Governo não pode deixar de ser considerado um bom sinal, embora a viragem estratégica que se aludiu - do combate à direcção e enquadramento - possa ainda, por enquanto, ser contestada por prematuras pelos mais pessimistas.

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Evidentemente, eu não creio que estejamos num mar de rosas e que a vida deste Governo vá ser uma marcha triunfante, entre alas engalanadas, a caminho acelerado de um bilhete-postal do tipo da «grande e próspera nação». Desde logo porque os problemas do País não são apenas problemas de Governo e porque a salvação já não vem pelo verbo - deste Programa ou de outro - como poderia ter vindo no princípio.
O pessimismo tem os seus argumentos. Dir-se-ia, por exemplo, que, de um acordo de governo que resulte basicamente de um apelo dos números se pode resvalar para aquilo que se quis até evitar - a pura gestão, a lógica tecnocrática, a realizar, ainda por cima, por quem não foi escolhido em função de tal lógica. O Programa que nos foi apresentado terá até porventura ressaibos desse tecnocratismo e pode mostrar-se mesmo um pouco desanimador para qualquer inimigo das sebentas. Dir-se-á até que a solução é em si mesmo demasiado geométrica, negligencia tensões reais, abstrai de que somos um país afectivo, ou de, como diz Pessoa, apenas «somos tudo ou nada», e esqueceria, ainda e sobretudo, que é também de uma esperança, e não apenas de um programa que se precisa, que é, mais que qualquer outro, um país de pessoas mais que um país de números.
É preciso estar prevenido disto tudo e responder. Principalmente é preciso não ter a tentação de pensar que a resolução dos problemas portugueses se há-de esgotar na pura gestão da situação dada ou existente. É preciso, sim, aceitar que a aceitação das instituições dadas e a assunção da responsabilidade por elas é a primeira condição para a sua transformação democrática no sentido de uma maior liberdade, operacionalidade e eficácia dessas mesmas instituições.
A nossa perspectiva não é, pois, a situacionista. Na sua própria origem esta fórmula de Governo assenta, de resto, numa vontade intensa de alterar profundamente as condições reais da vida política portuguesa, e se, de crítica é passível, é até de um excesso de voluntarismo. Introduz ,tanto um outro modo de olhar politicamente como uma outra direcção para o olhar, menos vesga e mais rasgada, deixando aberto o caminho em frente e corrigindo certo estrabismo «esquerdista» que ainda por aí pulula.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Repito, pois, que a fórmula do Governo não pode corresponder a uma perspectiva e a uma dinâmica situacionista. Só pode corresponder a uma perspectiva e a uma dinâmica reformista coerente.
Aceitar fora deste espírito reformista apenas o puro existencialismo das instituições, de instituições crescentemente dilaceradas e vazias e que, de facto, tal como existem, existem para a sua própria morte, seria criar as condições de que se alimentam a guerra civil e a contra-revolução. A participação do CDS no Governo deve, pois, também, ser entendida como uma operação de reequilíbrio das instituições políticas, sociais e económicas e da própria consciência pública, reequilíbrio que, aliás, não será sem consequências definitivas importantes, qualquer que seja o destino desta nova fórmula de governo.
O que é preciso, ainda e sobretudo, é que se não esqueça que na situação actual do País é indispensável ao sucesso da política do Governo não apenas um programa, mas também uma doutrina e uma eficaz capacidade de liderança activa. Uma doutrina de governo não é uma ideologia. É, sim, um objectivo estratégico geral que possa mobilizar a opinião e seja mais do que uma nova habilidade ou, apenas, mais um néon faiscante a exibir por aí. Aí está, de resto, um elemento que não é facilmente identificável após a leitura deste Programa do Governo, mas que com certeza não deixará de resultar da respectiva prática. Não nos podemos esquecer, neste ponto, que, por exemplo, em termos de austeridade - ainda que moderada como o pensa o Ministro Vítor Constâncio -, não basta uma política de austeridade, é também necessária uma sociedade mais austera. O que já se sabe só será possível se uma doutrina e uma nova moral política a tanto incitarem.
São problemas que é necessário tomar em devida nota! É evidente, por outro lado, que outros acordos igualmente maioritários teriam sido possíveis e que eu próprio tive e exprimi no momento e no local oportuno sobre esta fórmula algumas reservas. Mas a política não se conjuga no pretérito. E, sobretudo, há na política um momento crítico de decisão, uma hora, ou um minuto às vezes, irrepetível e, sobretudo, irretratável, um momento em que as dúvidas já não têm mais função política e em que a divisão se transforma em unidade como é função da política conseguir. É curioso, aliás, que a este respeito homens tão díspares como Gramsci e Salazar empreguem fórmulas tão similares, sejam elas a do pensar com dúvida e realizar com fé, «ou do .pessimismo de inteligência e do optimismo da vontade» ...

Vozes do PCP: - Não apoiado!

O Orador: - ..., todas, afinal, para que de decisão para a frente e, também, o lugar dos braços, e não apenas o da cabeça.
O possível fez-se e eu tenho sempre presente, como uma vez me disse o meu antigo professor Barbosa de Melo, que o quixotismo é reaccionário. E nós, Portugueses, muito particularmente, temos de aceitar que para nós acabou em definitivo a dimensão, histórica e física, de que resultava a vocação épica. Esta solução é, também, numa certa medida - é esta a perspectiva que quero oferecer -, a solução de humildade e que com humildade deve ser tomada, A questão a pôr a respeito desta fórmula de governo não é a de saber se ela é a única, nem se é a ideal, nem se é a definitiva, mas muito simplesmente a questão de saber se, só ela tendo sido possível, ela representa ou não um progresso em relação à fórmula anterior e se ela é ou não susceptível de acelerar o processo do desenvolvimento e da clarificação política e económica do País.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Muito bem!

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O Orador: - Suponho que ninguém, dos socialistas para cá, poderá dar a estas duas questões uma resposta negativa.
Se ninguém nega que esta solução comporta um grande risco, ninguém negará que ela comporta, também, uma grande possibilidade e que os seus estrategas principais merecem bem o nosso apreço pelo alargamento e o desbloqueio que, pela sua coragem, podem ajudar a abrir à vida nacional.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Quando falamos de humildade, temos de notar, ainda, que tudo é cada vez mais connosco e com todos nós. Que os balões de política externa e o ópio da diversão externa cada vez empolgam menos e não são por si só suficientes. Julgo, de facto, que este Programa e este Governo hão-de marcar, também, uma espécie de regresso a casa, de regresso à estima e à consideraçâo de nós próprios. Precisamos e muito, é certo, de ajuda externa. Estamos ainda a ser prezados e obsequiados por te da a Europa como se fôssemos a nova fronteira redescoberta do velho continente. Mas lemos de evitar a tempo transformarmo-nos no seu far-west. Temos de cuidar cada vez mais daquilo que Rousseau, opondo-o ao chauvinismo do «amor-próprio», chamava o «amor de si». Se todos nos responsabilizarmos e empenharmos como tais, pondo de pousio os nossos exércitos de letras, estaremos todos - como suponho que é empenho comum - a evitar que os abutres tenham razão.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Suponho que importaria, ainda, por último e nesta ocasião, ter consciência do significado histórico que, independentemente dos sinais partidários, esta nova passada política concretiza. Da participação do CDS na formação do Governo resultará que todos os grandes partidos portugueses tiveram já responsabilidades no Governo desde o 25 de Abril, isto é, durante os últimos três anos. É, de certo modo, um record de alternância democrática, inédito, pelo menos, nos Países do Sul da Europa.
É, aliás, também esclarecedor que a rotação partidária no exercício do Governo tenha começado por incluir a participação do PCP e desemboque agora na participação do CDS. Suponho que se trata objectivamente de uma eloquente prova do imenso caminho percorrido, de uma eloquente prova da realidade das alternativas democráticas em Portugal e de uma eloquente prova de que o CDS, tantas vezes considerado o bastardo, se não mesmo o bastardo enjeitado desta revolução, é agora por esta claramente perfilhado.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Mesmo, ou, sobretudo, para quem acredite na superioridade da prática política sobre as concepções ideológicas e teóricas, não poderá deixar de ver aqui, pelo menos, um significativo sinal e apelo da evolução futura portuguesa. É, aliás, por isso que, embora este Governo não seja um Governo do CDS e que embora este Programa não seja em sentido estrito o programa do CDS, esta é, do certo modo, uma hora histórica do CDS, como noutro plano e noutra medida esta - pelo ter assumido mais uma vez o tornar histórico da evolução portuguesa- é também uma hora do Partido Socialista.

O Sr. Carvalho Cardoso (CDS): - Muito bem!

O Orador: - E Deus queira, porque os ponteiros não se tendo enganado, que, assim como o tandem governativo com o PCP foi o grande passo atrás da revolução portuguesa, assim o tandem entre o PS e o CDS possa ser o grande passo em frente da revolução portuguesa. Esse é o meu voto.

Vozes do CDS: - Muito bem!

Aplausos do CDS e do Deputado independente Galvão de Melo.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Leite, para pedidos de esclarecimento.

O Sr. Jorge Leite (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A dialéctica diletante do Dr. Lucas Pires, que palavrosamente começou por opor o número à palavra, ignora que o número é a forma mais concentrada da palavra. É possível, todavia, que para quem como o Dr. Lucas Pires, tudo se resume ao vértice da corporação, tudo o que seja só palavra lhe cause engulhos. Por mim, fico agora a conhecer mais uma razão da sua aversão pela Constituição.
Todos nos recordamos da intervenção, sobre a Constituição, do Dr. Lucas Pires em 2 de Abril de 1976, que mereceu desta bancada, da bancada do Partido Socialista e até das galerias legítimos protestos.

Vozes do CDS: - Ilegítimos das galerias!

O Orador: - Digo eu que conheci agora mais uma razão da aversão do Sr. Deputado Lucas Pires pela Constituição e pelo projecto constitucional. É que, de facto, na Constituição não há números, há palavras.

O Sr. Carvalho Cardoso (CDS): - Olhe que há números, Sr. Deputado...

O Orador: - Mas há uma meta bem concreta na Constituição, Sr. Deputado Lucas Pires. E o que eu lhe pergunto é isto: é se o Governo e esta fórmula governativa conduzem ou não a essa meta?

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Há mais algum pedido de esclarecimento?

Pausa.

Então, o Sr. Deputado Lucas Pires poderá responder, se assim o entender.

O Sr. Lucas Pires (CDS) : - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Eu sabia que a minha dialéctica a

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respeito dos números e das palavras causaria alguma perplexidade à bancada do Partido Comunista, pela razão simples de que, se para o materialismo só há números -e o materialismo é a horizontalidade absoluta da sociedade de massas -, a verdade é que o Partido Comunista vive normalmente prisioneiro das bíblias e das palavras.

O Sr. Octávio Pato (PCP): - De corporativismo é que o senhor percebe ...

O Orador: - Essa contradição é insanável.
Mais uma vez o Partido Comunista quer transformar a Constituição Portuguesa numa bíblia e não num processo constituinte real, de pessoas reais e de forças políticas reais.

Vozes do PCP: - Olhe quo não...

O Orador: - A nossa noção sobre a Constituição é uma noção personalizada e concreta, que tem a ver cem uma situação, com um destino, com um conjunto de pessoas. Não é a imposição de um diktat por escrito, de um decreto regulamentar transformado em constituição. Nós não fazemos da Constituição um decreto regulamentar como o Partido Comunista.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - O Partido Comunista quer fazer da Constituição uma portaria, um despacho ministerial, e nós não o queremos fazer.

O Sr. Jorge Leite (PCP): - Querem rasgá-la!

O Orador: - Aliás, Sr. Deputado, dir-lhe-ei num tom mais irónico - e ia o disse aqui uma vez - que nós não casámos com a Constituição, e o Sr. Deputado devia saber que a nossa formação é de só violar as damas com quem casamos.

Vozes do CDS: - Muito bem!

Risos.

O Sr. Lino Lima (PCP): - Na melhor das hipóteses!

Risos.

O Orador: - Eu felicito-me, porque reparo que o Sr. Deputado Lino Lima entendeu a minha observação apenas como uma ironia.

Risos do CDS.

O Orador: - É por isso que já tive ocasião de reafirmar aqui: nós comportamo-nos perante a Constituição como leitores da Constituição e não autores da Constituição; não temos paternalismos em relação a ela.
Aliás, o Sr. Deputado Jorge Leite devia saber a respeito de mim próprio - pelo menos enquanto sucessor na presidência da Comissão de Assuntos Constitucionais do Dr. Vital Moreira, porque não tenho participado ultimamente nas reuniões dessa Comissão - que se há alguém que nessa Comissão sempre defendeu extremamente, e muitas vezes contra o meu próprio partido, a aplicação estrita, literal, positiva e jurídica o da Constituição, fui eu.
Eu tenho em relação à Constituição uma atitude como político e outra como jurista. E essa atitude como jurista nunca a transgredi, nunca a transgredirei, pois o direito é para nós o primeiro factor de ordem, respeito e construção de uma sociedade democrática.

Aplausos do CDS e do Deputado independente Galvão de Melo.

O Sr. Presidente:- Sr. Dr. Lucas Pires, eu creio que mesmo no caso concreto que o senhor referiu nunca houve violação nenhuma ...

Risos.

Srs. Deputados, estamos na situação habitual: sem inscrições. Estou à espera que elas surjam. Posso demorar um pouco a fumar o meu cigarro, sou extremamente paciente, ou se querem que eu invente uma chamada telefónica, também sou capaz de inventar. Faço tudo o que os senhores quiserem.
Tem a palavra o Sr. Ministro Adjunto do Primeiro-Ministro.

O Sr. Ministro-Adjunto do Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, embora correndo o risco de já não me sobrar tempo para podermos responder como desejaríamos - e nisso veríamos uma homenagem às últimas críticas feitas ao Programa do Governo -, pedia ao Sr. Ministro do Trabalho que intervenha.
De qualquer modo, chamo a atenção da Assembleia de que não está certo que se coloque o Governo em posição de ter de considerar ou de admitir que há críticas indiscutíveis e críticas que, na verdade, não merecem resposta.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Ministro do Trabalho.

O Sr. Ministro do Trabalho (Maldonado Gonelha): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sendo esta a primeira vez que uso da palavra nesta Casa, cumpre-me respeitar o que já vem sendo uma regra, a qual é saudar-vos e manifestar-vos o meu respeito. Não quereria, todavia, que tal fosse tomado como um simples cumprimento de ritual e de cortesia, quando, de facto, muito ao invés disso, é, sim, o testemunho sincero do que sinto, eu, tal como sou, com a minha origem,, ao encontrar-me aqui nesta qualidade e perante vós, representantes legítimos do povo português, dos quais também sou um, nesta Casa que para todos os verdadeiros e sinceros democratas e o templo da liberdade e da democracia.

Aplausos do PS e do CDS.

O Orador: - Por tudo isto, peço-vos, Sr. Presidente e Srs. Deputados, aceitem a expressão da minha modesta homenagem.
Obviamente, subi a esta tribuna para vos falar do capítulo que me respeita no Programa de Governo, que aqui está em discussão.

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Será uma breve e genérica intervenção, porquanto, particularmente depois da intervenção excelente e lúcida do meu colega e camarada Vítor Constâncio, o texto respectivo fala por si e, penso, dispensaria outros comentários.
Como ali se afirma, e não é de mais recordá-lo, uma política social responsável, neste momento e neste país, não pode ser enunciada de forma teórica, nem concebida autonomamente. Terá antes, de ser fortemente determinada pela estratégia definida pela política económica que visa resolver a crise.
Mas a saída da crise conjuntural da economia portuguesa, cujo problema é, imediatamente financeiro e depois económico, passa não só pelo reconhecimento das principais condicionantes que lhe são postas, mas também pelo não ignorar a dimensão política em que avultam alguns pressupostos, tais como: entender-se que a política conjuntural de austeridade que se impõe de imediato não deve ser tomada com um fim em si, mas como uma condição indispensável para garantir, em futuro próximo, uma estratégia de expansão que permita a médio prazo, e concretizando, acelerar o crescimento do produto nacional que origine a melhoria da satisfação das necessidades básicas dos Portugueses; a diminuição do desemprego, se possível a sua eliminação; a redução das desigualdades sociais, particular e urgentemente contemplando aqueles de nós que mais pobres e mais fracos vivem nas regiões economicamente mais deprimidas, sem, porém, também esquecer que não poderemos adiar por mais tempo a correcção de gritantes injustiças sociais que têm resistido e se tem agravado com todas as investidas, da demagogia pseudo-revolucionária que gerou uma nova «aristocracia», a aristocracia das cinturas industriais e de alguns sectores nacionalizados.

Vozes do PS e CDS: - Muito bem! Vozes do PCP: - Não apoiado!

O Orador: - Tem de se procurar corrigir as disparidades interprofissionais e intersectoriais e olhar a sério para certas categorias de portugueses que são os eternos esquecidos, os eternos sacrificados: o conjunto da população rural, os pescadores, os mineiros, certas categorias de funcionários públicos e da administração local, os reformados e os pensionistas ...

Aplausos do PS e do CDS.

Vozes do PCP: - Isto é demagogia...

O Orador: - ..., temos de olhar a sério para os sacrificados e temos de ter a solidariedade bastante para abdicarmos de algumas regalias nuns casos para que outros, ao menos, não sofram tanto.

Vozes do PS e CDS: - Muito bem!

O Sr. Cavalheira Antunes (PCP): - A começar por si...

O Orador: - Deve, por outro lado, considerar-se que a viabilização de um tal projecto passa pela estabilização das relações de trabalho, e esta, para além. da concretização do que atrás se disse, pelo comprometimento responsável dos parceiros sociais e da actuação despartidarizada e não radicalizada dos seus representantes, procurando a concertação, colocando-se numa posição de abertura total ao diálogo.
Em qualquer sociedade existem conflitos. Mas em democracia os conflitos dirimem-se no diálogo, na concertação e pelo voto democrático.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Não é em clima de violência e de coacção que se pode resolver os problemas.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Sr. Jorge Leite (PCP): - É de cima para baixo que se resolvem?

O Orador: - Se antes do 25 de Abril, neste país, ser-se trabalhador implicava um estatuto social discriminatório, vexatório, não poucas vezes (quando casei, eu próprio bem senti isso, dadas, na altura, a minha profissão e a da minha mulher)...

Uma voz do PCP: - Não parece!

Protestos do PS e do CDS.

O Orador: - ..., também é preciso reconhecer e dizer-se que, depois daquela data, momentos houve em que ser-se empresário, na boca de alguns, era socialmente pior do que se fosse criminoso de delito comum.

Vozes do CDS: - Muito bem!

Vozes do PCP: - É mentira!

O Orador: - O Governo, como lhe compete, respeitará os direitos de todos e, portanto, não consentirá que outros os violem, particularmente no nosso domínio, sejam eles trabalhadores ou empresários.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Uns e outros têm direitos e, consequentemente, têm de ser respeitados e garantidos; uns e outros têm deveres e, por isso, têm de os cumprir.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Como recordou aqui ontem o Dr. Vítor Constâncio, «há muitos portugueses que ainda não se adaptaram às novas relações sociais criadas pelas instituições democráticas e que implicam o respeito pelos direitos do adversário e que supõem a tolerância e o compromisso na resolução dos problemas».
É necessário, pois, implantar-se o respeito mútuo, a disciplina, o apego ao trabalho com afinco e dedicação, a dignificação desse mesmo trabalho e dos trabalhadores, a justiça social...

O Sr. Carvalho Cardoso (CDS): - Muito bem!

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O Orador: - ..., para não cairmos numa eventual armadilha que alguns, traiçoeiramente, possam estar a preparar.

Aplausos do PS e CDS.

O Orador: - É por isto que o Governo, mais do que nunca, sente a necessidade de dialogar e de dialogar em especial com os parceiros sociais.

A Sr.ª Ercília Talhadas (PCP): - Vê-se.

O Orador: - Empenhado, como está,, numa política de salvação nacional, numa política que não é estreitamente partidária, numa política que é verdadeiramente nacional, o Governo sabe que grande parte do êxito oeste projecto depende da capacidade de suscitar e criar um clima generalizado de confiança no povo português.
Mal andarão aqueles que, impedindo o esclarecimento desse mesmo povo, e particularmente dos trabalhadores, os procurem atirar para becos sem saída, iludindo-os na sua boa fé e, manipulando-os com as suas necessidades, lhes dêem a ilusão de que o Governo só não resolve as suas dificuldades porque não quer.

Vozes do CDS: - Muito bem!

Vozes do PCP: - É isso que fazem. São traidores dos trabalhadores.

O Orador: - Perigoso seria isto e tremenda responsabilidade sobre eles pesaria.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É facto público que quando o I Governo Constitucional tomou posse se acabava de sair de período socialmente conturbado e se vivia ainda fortemente sequelas de um processo desgastante e frontalizador entre as forças produtivas. Dezenas, se não centenas, de contratos colectivos de trabalho estavam pendentes e radicalizadas as posições dos respectivos parceiros sociais; dezenas e dezenas de conflitos colectivos de trabalho ao nível de empresa e de sector repercutiam a incapacidade de diálogo; a máquina administrativa do Ministério do Trabalho sofria ainda a instabilidade e a insegurança dos seus funcionários, tantas foram as pressões e as coacções sobre eles exercidas; ...

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Muito bem!

O Orador: - ... o avanço dos primeiros passos na consolidação das instituições e normas democráticas era um desafio no lançamento de uma nova fase da vida dos Portugueses; a expectativa descrente dos investidores, a criação de regras sociais para lhes ganhar a confiança, a normalização da disciplina nas empresas, o combate ao absentismo, o desajustamento sectorial e interprofissional eram e foram, e em certos casos ainda são, outros tantos problemas que determinaram uma acção própria, cuja eficácia e resultados no decurso do ano de 1977 nos parecem irrefutáveis e publicamente reconhecidos. Os trabalhadores portugueses compreenderam essa política, e a prová-lo tivemos o clima de paz social em que vivemos, apesar das tentativas que se fizeram para que assim não fosse, sem conflitos graves, abaixo daquilo que se passou em alguns países da Europa com mais longa experiência democrática e sem estarem a braços com problemas da gravidade dos nossos.
É oportuno referir, também, que muitas das causas, de tais conflitos se situaram em razões de natureza económica e financeira, determinadas pela deficiente estrutura empresarial e pelos efeitos da grave crise económica, não poucas vezes agravados pela explosão reivindicativa dos anos anteriores, que desorganizou certos sectores produtivos, baixou a produtividade, aumentou o absentismo, criou climas de indisciplina e de irresponsabilidade.
No entanto, este trabalho de acção diária e sistemática, ao qual há que atribuir realce ao zelo profissional e competência aplicados, muitas vezes com sacrifícios, pelos funcionários ao Ministério, não invalidou outras medidas conjunturais no plano legislativo, cuja intenção foi acudir às preocupações de estabilidade e paz social. Porém, nunca se perdeu de vista o trabalho de fundo a operar na definição das grandes linhas políticas para instituição de um sistema de administração do trabalho consentâneo com as novas realidades democráticas.
Foi assim que se levou por diante a tarefa de reestruturação do Ministério, repondo ou estabelecendo princípios administrativos adequados, definindo as respectivas carreiras e funções, restabelecendo as hierarquias e reformulando os grandes departamentos e as suas atribuições.
De salientar nessa reestruturação operada e que se concluirá agora a atribuição de uma capacidade técnica ao Ministério em preterição da sua anterior tendência intervencionista e a organização especializada dos serviços, bem como, sobretudo, e realço, a criação de uma direcção-geral de higiene e segurança no Trabalho e a reformulação integra] da Inspecção do Trabalho.
Porque em democracia os passos terão de ser necessariamente seguros e consequentes, não foi sem intenção que assim se procedeu, dando prioridade à criação de um aparelho administrativo eficaz.
Estamos igualmente habilitados, como resulta do Programa de Governo agora em apreciação, a apresentar com alguma proximidade a esta Assembleia a outra tarefa que igualmente nos havíamos proposto: um sistema de leis coerente e conforme a intenção política contida naquele Programa.
Considerando de má norma legislativa elaborar cada lei de acordo com a «oportunidade» de momento e sem uma ligação sistematizada de regime, penso que ao apontarem-se faltas de clareza no conteúdo programático das leis a apresentar, da forma como aqui se fez, se dá um exemplo de aí, sim, não se saber precisar o objectivo pretendido.
Pois bem, nós sabemos com precisão qual é o conteúdo que pretendemos em tal sistema legislativo e de como ele, para corresponder às exigências formuladas, tem de respeitar os direitos constitucionais e garantir a estabilidade económica e a consequente estabilidade das relações laborais.
Vários sectores desta Assembleia e, bem assim, vários sectores sindicais e empresariais exigem do

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Governo esta obra legislativa, omitindo ou esquecendo-se uns e outros quanto o labor da feitura das leis, como função própria desta Câmara, tem pecado por ineficiência partidária em alguns casos e, noutros, por contestação da soberania das suas leis.
Será, talvez, bom lembrar que o sistema democrático tem os seus órgãos próprios emanados da vontade do povo e que é prática antidemocrática a oposição ou abstenção aos comandos legítimos desses órgãos. Aceitar o assunto nesta Assembleia e contestar o que ela soberanamente delibera procurando obter, por incitamento, o recurso a acções exteriores a esta Casa é praticar um acto de hipocrisia, penso eu, é não respeitar a democracia.

Vozes do PS e CDS: - Muito bem!

O Orador: - Apesar disso, o Governo não se furtará a trazer a esta Assembleia as propostas de lei que servirão de base ao novo edifício da política de trabalho, emprego e formação profissional, nomeadamente: a proposta de lei que instituirá os princípios e as bases gerais do direito do trabalho; a proposta de lei que regulará, em todos os seus aspectos, a relação individual de trabalho; a proposta de lei que estabelecerá as regras da contratação colectiva e a discriminação dos conflitos colectivos; a proposta de lei que assentará os princípios de segurança e higiene nos locais de trabalho; as propostas de lei que assegurarão as medidas adequadas ao Estatuto de Aprendizagem e Formação Profissional; as que actualizarão as normas do processo de trabalho, enfim, estas e outras, uma vasta compilação coerente e sistematizada, que aqui serão trazidas e que hão-de implicar a actualização, integração ou revogação de toda a legislação de trabalho em vigor que está dispersa e é por vezes incoerente, se não mesmo contraditória.
Em qualquer caso, o Governo ouvirá sempre os parceiros sociais, como esta Câmara o não deixará de fazer, tal como sempre o tem feito.
No que respeita, porém, à participação e empenhamento responsável dos parceiros sociais, é útil sublinhar que sempre se preferiu no Ministério do Trabalho à capacidade intervencionista a responsabilização efectiva dos agentes económicos e dos parceiros sociais, sem o que não poderá haver nem estabilização económica, nem estabilização das relações laborais. E, neste momento, a correspondência do poder de compra à evolução do custo de vida, a conciliação entre o nível dos preços e o nível dos salários, é uma fórmula que não pode ser alheada da actual conjuntura económica e cuja evolução haverá de ter em conta a realidade de cada um dos sectores e a distorção intersectorial e interprofissional.
Será, contudo, no Conselho Nacional do Plano e no Conselho Nacional de Rendimentos e Preços que se situa a sede, por excelência, para a concertação e concretização, entre outras, de uma norma salarial e de uma política de rendimentos.
Acusam-nos de estarmos a caminho da restauração dos monopólios e latifúndios e a desenvolver uma política social antioperária. É um slogan totalmente de guerrilha ideológica.

Vozes do PCP: - Ah, claro!

O Orador: - E, como tal, nem sequer tem a dignidade da crítica.

Risos do PCP.

Ainda ontem isso aqui ficou confirmado ao não se registar qualquer pedido de esclarecimento à intervenção do Sr. Ministro do Plano e Finanças.

Aplausos do PS.

O Orador: - De facto, o que estamos a fazer é, sim, a tentar, com todas as nossas forças, recuperar a economia portuguesa, sem o que não haverá democracia e nem muito menos direitos dos trabalhadores a salvaguardar.

Uma voz do PCP: - Dos Champallimaud!

O Orador: - Se não recuperarmos a economia portuguesa, a probabilidade é altíssima de regressarmos à ditadura. Aliás, em toda a Europa de hoje, as forças progressistas, incluindo certos partidos comunistas, como na Itália ...

Risos do PCP.

... preocupam-se em obter a necessária transformação da sociedade, mas sem destruir mecanismos económicos. Foi esse cuidado que, infelizmente, não houve em Portugal.

Vozes do CDS: - Muito bom!

O Orador:- E pelo que se vai passando agora e aqui, por vezes, se vai ouvindo, parece não se querer que haja. De resto, para aqueles que usam e abusam do slogan certamente que Luciano Lama, considerado um dos principais dirigentes sindicais italianos e que é secretário-geral da Confederação Geral dos Trabalhadores Italianos, dominada pelo Partido Comunista Italiano, também deve estar a defender uma política antioperária de defesa dos monopólios e dos latifúndios, de defesa daquela Europa...

A Sr.ª Ercília Talhadas (PCP): - Qual, Sr. Ministro?

O Orador: -... opressora, onde ninguém quer viver, ao afirmar, segundo notícia recentemente difundida, que «os negócios tinham de dar lucro e que as empresas não deviam ser forçadas a manter mais trabalhadores do que necessitavam».

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Como se vê, política antioperária a favor dos despedimentos e defendendo o patronato sabotador.

Risos do PS e CDS.

Porém, tal como Luciano Lama, também eu entendo que as empresas, sejam elas do sector público, do sector privado ou do sector social, devem ser rendíveis e não alimentar o subemprego.

Vozes do PS e CDS: - Muito bem!

Vozes do PCP: - Claro, claro!

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O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Seja, porém, como for, para a solução dos problemas portugueses é connosco, primordialmente connosco, que teremos de contar. Por isso é que todos nos temos de esforçar por criar e desenvolver entre os Portugueses a mística do trabalho, porque sem trabalho, sem determinação, sem sacrifício, por forma a desenvolver a produção a todos os níveis, com competência, disciplina e concórdia, não nos poderemos, colectivamente, salvar.
É difícil ser-se Governo neste país, e bem ingrato ser-se Ministro do Trabalho na situação que atravessamos. Nunca na minha vida, antes disso, me passou pela cabeça vir a sê-lo, nunca pedi ou quis sê-lo, mas já que o sou sê-lo-ei com a coragem, a determinação e a capacidade de que for capaz, porque estou convencido profundamente de estar a servir o meu país e a contribuir de facto para um futuro melhor e mais justo do povo português, enfim, para a defesa dos verdadeiros interesses dos trabalhadores portugueses.

Aplausos do PS e CDS.

A Sr.ª Ercília Talhadas (PCP): - Dos patrões!

O Orador: - Por outro lado, e sobre as educas que a oposição aqui tem tecido sobre a composição do Governo, cito apenas do Sr. Presidente da República, no discurso de posse do II Governo Constitucional que «a capacidade do Governo não passa pelo que separa o PS do CDS, mas pelo rigor, pela determinação, pela seriedade, pelo esforço de compreensão e de diálogo que for posto na execução do programa que une o Ministério».
Esse rigor, essa determinação, essa seriedade, serão o cunho da nossa actuação. O esforço de compreensão e de diálogo será tanto mais profícuo quanto da parte de todos os interessados existir a mesma vontade e boa fé que nos anima.

Aplausos do PS e CDS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, chamo a vossa atenção para o facto de o Governo ter só dois minutos...

Risos do PCP.

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Oh, Sr. Presidente, não me diga isso!

O Sr. Presidente: - ... eu não disse dois minutos de vida, eu disse dois minutos horários. Simplesmente, parece que os projectos por vezes são transformados e transformados por esse lado...

O Sr. Ministro-Adjunto do Primeiro-Ministro: - Olhe que são dois anos, Sr. Presidente...

Risos.

O Orador: - Efectivamente, o Governo tem dois minutos para responder a quatro pedidos de esclarecimento, segundo a ordem de inscrições que tenho aqui.
Estive a reflectir um pouco sobre esse problema, consultei os meus colegas da Mesa, e só poderei consentir que o Governo ultrapasse os dois minutos para
respostas se a Assembleia o consentir também. A Assembleia resolverá no momento oportuno, na certeza de que serei rigoroso quanto a este ponto.
Vou dar a palavra aos Srs. Deputados que a pediram e, findos os pedidos de esclarecimento ou o que for, terei de observar este tempo de dois minutos, mas não deixarei de consultar a Assembleia, que decidirá. Se a Assembleia decidir negativamente, o Governo não poderá exceder esse tempo.
Sr. Deputado Sérvulo Correia, faça favor.

O Sr. Sérvulo Correia (PSD): - Sr. Presidente, é para interpelar a Mesa precisamente sobre a matéria que V. Ex.ª tem estado a tratar. Creio que, dada a quase inexistência de tempo de que o Governo dispõe, só fará sentido que algumas bancadas dirijam a palavra à bancada do Governo se, simultaneamente, essas bancadas cederem, do seu tempo, o tempo necessário para que essas respostas sejam dadas.

O Sr. Presidente: - É realmente ama boa solução, mas essa solução não é minha.

O Sr. Primeiro-Ministro (Mário Soares): - Dá-me licença. Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: - Eu penso que não é necessário isso, porque no final do debate tenho o direito de encerrar o debate e. portanto, posso responder a qualquer coisa que fique agora sem resposta por falta de tempo.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Esta é a chamada solução óptima.

Risos.

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Dá-me licença, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Sr. Premente, Srs. Deputados: Nós, naturalmente, prezaríamos muito a resposta que o Sr. Primeiro-Ministro porventura viesse a dar às perguntas feitas ao Sr. Ministro do Trabalho e a que ele não possa responder por falta de tempo, mas pensamos que a resposta do Sr. Primeiro-Ministro não substitui, nem em regra, nem em rigor, nem corresponde àquilo que se pretende quando se interroga especificamente o Sr. Ministro do Trabalho.
De maneira que nós pensamos que há uma outra possibilidade, que é esta: porventura o Sr. Ministro do Trabalho precisará de, em vez de dois minutos, supúnhamos que três ou quatro minutos, portanto mais dois minutos, ou mesmo mais três ou mais quatro. O que poderia ficar assente é que o Sr. Ministro do Trabalho usasse da palavra durante mais dois ou três minutos e cada grupo parlamentar, se fosse necessário, usasse também de mais dois ou três minutos. Nós não terminaremos antes das quatro da manhã ou das cinco e por isso não alteraríamos nada.

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O Sr. Presidente: - Custa-me muito discordar, mas esse bailado de minutos vai dar quase mais uma hora, o que não pode ser.
Vamos então estabelecer esta regra: vou dar a palavra aos Srs. Deputados inscritos, o Sr. Ministro do Trabalho tem dois minutos para responder e se a Câmara o entender - e eu terei que consultar a Câmara nessa altura - que pode conceder mais alguns minutos, a Câmara concederá, a não ser que se adopte a solução apresentada pelo Sr. Primeiro-Ministro de responder no encerramento do debate.
Tem a palavra o Sr. Deputado Domingos Abrantes, para formular pedidos de esclarecimento.

O Sr. Domingos Abrantes (PCP): - Na sua exposição, reparei que dirigiu várias vezes críticas ao comportamento dos trabalhadores, mas não reparei que tivesse, uma única vez, dirigido qualquer crítica ao patronato.

A Sr.ª Maria Emília de Melo (PS): - Isso não é verdade!

O Sr. Cunha Simões (CDS): - O senhor ouve mal!

O Orador: - Essa pode ser talvez a razão por que a bancada que representa aqui o grande capital se tenha erguido e, calorosamente, batido palmas à exposição do Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Isso já não pega!

O Orador: - Irei pôr, entretanto, a seguinte questão: sabendo que os trabalhadores reivindicam a revogação do conhecido decreto dos 15 %, sabendo que a CIP enviou uma carta ao Governo para que esse decreto fosse reposto a seguir a 31 de Dezembro, a pergunta em concreto é se sim ou não a reposição desse decreto obedeceu ao pedido da CIP.
A segunda questão é esta: a manter-se, este decreto não se transforma numa verdadeira burla? Isto é, mantendo-se a vigência da contratação por dezoito meses, se o Sr. Ministro concorda ou não que o que está em vigor não são aumentos salariais de 15 %, mas sim aumentos salariais de 9,5 %, visto que não adianta absolutamente nada haver aumentos, para um ano, de 15 %, mantendo-se a vigência dos dezoito meses.
Outra questão que eu gostaria que o Sr. Ministro me elucidasse é como é que se articula a existência deste decreto dos 15% com o projecto do Governo dos 20 % e qual, em concreto, a vigência de que fala o Programa do Governo, mas que este não concretiza?
Uma outra pergunta que gostaria de fazer é a seguinte: entende o Sr. Ministro que defende a democracia entregando a Facar ao patronato...

Vozes do PS: -Ah!...

O Orador: -..., entregando a Mundet ao patronato, permitindo que os mercenários entrem na Copam, etc.?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Carvalho Cardoso (CDS): - Se calhar é!

O Orador: - Agora uma outra pergunta, Sr. Ministro. O Sr. Ministro falou, e já há dezasseis meses nós ouvimos falar, nos sectores dos trabalhadores mais desprotegidos. E a realidade e que os meses passam e está na mão do Governo tomar as medidas concretas - e certamente o Sr. Ministro não vai pensar que os trabalhadores se oporão a que o Governo tome medidas concretas - para melhorar a situação dos sectores mais desprotegidos. Eu lembro, entretanto, ao Sr. Ministro que nesses sectores é precisamente onde se agravam mais as condições. Mas já agora perguntava ao Sr. Ministro se, sabendo que no plenário da Intersindical do dia 4 foi aprovado um programa que prevê precisamente a melhoria do subsídio de desemprego, o aumento das pensões mínimas, o aumento do abono de família, etc., o Governo tenciona aceder a esse caderno reivindicativo.
Outra questão: o Sr. Ministro, segundo entendi da sua exposição, falou em serem os trabalhadores mais bem pagos a pagar em benefício dos mais desfavorecidos. É uma concepção um bocado entranha: que o Sr. Ministro não tenha pensado em ser o patronato a pagar. E isto é tanto mais grave quanto é certo que em 1977, e apesar do compromisso formal do I Governo Constitucional, a parte dos salários no rendimento nacional foi inferior ao nível de 1974. Ou seja como é que se quer obrigar os trabalhadores a perder alguma coisa em benefício dos que menos têm quando o que se verifica é que a parte dos salários baixa e parte dos lucros sobe?
Uma última questão: o Sr. Ministro falou em diálogo, e eu pergunto-lhe em concreto - e se alguma coisa pode caracterizar a sua política foi precisamente a falta de diálogo: o Sr. Ministro não recebeu uma única vez a Central Sindical, mais, decretou mesmo que em Portugal não havia nenhuma Central Sindical: é uma ironia, mas... talvez por questão de alucinação - se pensa o Sr. Ministro manter a ideia de que não existo uma Central Sindical e, portanto, não dialogar com a única Central Sindical, ou se vai continuar na política de ingerência no movimento sindical e a querer impor um grupo cuja representatividade não existe.
Por último, quanto à concertação no Conselho Nacional de Rendimentos e Preços, lembro o seguinte: os trabalhadores estão em minoria nesse Conselho, isto é, a maioria é do patronato e do Governo. E quando os trabalhadores, nesse Conselho, levantaram problemas ele fechou. Será que vamos assistir à mesma prática?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Lino Lima, tenha a bondade.

O Sr. Lino Lima (PCP): - Sr Ministro: Sabendo-se que nas outras industriais se concentra uma parte substancial dos trabalhadores deste país, com a qual o Governo tem de contar para a apregoada política de ,paz social, como se compreende o insulto que o Sr. Ministro acaba de lhes dirigir, chamando-lhes pejorativamente «aristocracia»?

A Sr.ª Maria Emília de Meto (PS): - É a verdade!

O Orador: - Quis o Sr. Ministra, com a especial responsabilidade que tem como Ministro do Trabalho,

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com essa atitude, provocar esses trabalhadores a fim de fomentar conflitos sociais? Ou, então, como havemos de entender esse insulto que dirigiu aos trabalhadores das cinturas industriais?

O Sr. Sérvulo Correia (PSD): - O Sr. Deputado não fala nos trabalhadores de Braga?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, também para pedidos de esclarecimento, o Sr. Deputado Jorge Leite.

O Sr. Jorge Leite (PCP):- Sr. Ministro, como o tempo urge, vou tentar ser breve, não sem que lhe diga o que sinto sobre as acusações que fez a respeito da recuperação da economia, interpretando-as eu como uma autocrítica, porque quem a não recuperou foi o I Governo Constitucional, apegar da paz social de qui: gozou, como reconheceu publicamente o Sr. Primeiro-Ministro.
Ainda uma outra nota: o Sr. Ministro do Trabalho referiu que na Itália - e deixe-me dizer-lhe que quando se comparam coisas diferentes a única coisa que pode resultar é disparate - ...

Risos do PS e do CDS.

... não se está a defender a destruição do aparelho produtivo, o que infelizmente, disse o Sr. Ministro, aqui não aconteceu. Pergunto se é a nacionalização dos monopólios que é para si uma infelicidade.
Agora outras perguntas mais concretas. O Sr. Ministro enumerou algumas das leis que irá propor à Assembleia e, curiosamente, não se referiu a uma das poucas que constam do Programa do Governo, sobre o regime de prestação temporária de trabalho. O Sr. Ministro nada disse sobre isso. Devo dizer-lhe o seguinte: em Portugal, os contratos de trabalho a prazo tem um nome: são contratos de trabalho a prazo. O trabalho temporário, ou seja, o que é conhecido por trabalho temporário, também tem um nome e consiste no seguinte: permitir empresas de tráfego de mão-de-obra. Queria que elucidasse se o que aqui se refere, na página 187 e ainda na página 76 do Programa, é a contratos de trabalho a prazo ou se é a trabalho temporário propriamente dito, que, em todo o lado, significa admissão de empresas de tráfego de mão-de-obra?
Por outro lado, se há algum princípio filosófico que informe este Programa do Governo, o da concertação é um deles. Fica-se com a ideia de que para o Programa não há luta de classes e, porventura, nem classes. Mais ainda: diz-se expressamente, na página 76, que a empresa é «uma comunidade de interesses entre empresários e trabalhadores». Pergunto-lhe, Sr. Ministro, bem como a todos os trabalhadores socialistas, se entende que o interesse de quem explora é comum ao interesse de que é explorado, que o interesse de quem despede é comum ao interesse do despedido?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Ministro, julgo que nesta matéria e deste casamento de que é filho este Programa - para usar a expressão do Sr. Deputados Lucas Pires -, se alguma dama nesta matéria é violada não é, com certeza, o CDS, porque esta é exactamente a filosofia do CDS.

Aplausos do PCP.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Até porque não é dama...

O Sr. Amaro da Costa (CDS): - Em filosofia o Sr. Deputado é muito fraco!

O Orador: - Em último lugar: uma das propostas que aqui se apresentam é a da dinamização das inspecções de trabalho. Concordo, simplesmente acho curta a medida. Entenda o Sr. Mineiro que devem ficar marginalizadas das inspecções de trabalho as organizações representativas dos trabalhadores?

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Policiamento...

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, ainda para pedido de esclarecimento, o Sr. Deputado Amândio de Azevedo.

O Sr. Amândio de Azevedo (PSD): - Sr. Ministro do Trabalho, gostaria de começar por lhe dizer que é muito precipitada a sua conclusão acerca do silêncio do PSD, após o discurso proferido po Sr. Ministro das Finanças e Plano.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O debate ainda não acabou e a resposta deverá vir a ser dada.

Vozes do PSD: - Muito bem!

Vozes do PS: - Até parece.

O Orador: - Quanto às perguntas que lhe queria fazer, Sr. Ministro, em primeiro lugar, gostava que me dissesse, se possível, quando é que vão ser apresentadas as propostas que referiu? Quais são os princípios fundamentais a que cada uma delas vai obedecer, naturalmente na linha de uma política global, coerente, não só no mundo do trabalho como até em relação a outros sectores da governação?
Outra pergunta que lhe queria fazer, Sr. Ministro, é se, para além da revisão das normas processual de trabalho e da transferência dos tribunais para outro Ministério, está prevista alguma medida que torne possível que os tribunais prestem justiça a tempo aos trabalhadores?
Finalmente, gostava de lhe perguntar se não terá sido precipitada e carecida de revisão a interpretação dada ao antigo 12.º da Lei da Greve, que corresponde precisamente a uma proposta do PSD e que consagra, inequivocamente, o direito dos trabalhadores da função pública recorrerem, desde já, à greve, independentemente de regulamentação desta lei.

O Sr. Presidente: - Para todos estes pedidos, o Sr. Ministro do Trabalho dispõe de dois minutos para responder, a não ser que a Câmara me autorize a conceder-lhe uma prorrogação de tempo.
Tem a palavra o Sr. Ministro do Trabalho.

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O Sr. Ministro do Trabalho: - Sinto que, roeste momento, estou entre a espada e a parede: se uso apenas os dos minutos, não respondo a tudo ou respondia insuficientemente; e se abuso do tampo sou capaz de ser censurado por asso.

Vozes do PS e CDS: - Muito bem!

O Orador: - De qualquer forma, vamos ver se o cónego fazer, seguindo a ordem dias pessoas que me interpelaram.
Diria, para começar, que o Sr. Primeiro-Ministro tinha razão, contrariamente ao Sr. Engenheiro Veiga de Oliveira, porque, afinal, algumas das interpelações ao Governo, citando-se páginas do Programa do Governo que não são do capítulo do meu sector, que é referido a partir da página 184 e seguintes.
De qualquer forma, queria dizer o seguinte: não fiz críticas ao comportamento dos trabalhadores. Fiz críticas ao comportamento de alguns trabalhadores, em algum sítio» e empresas deste país, e que são verdadeiras.

Vozes do PS e CDS: - Muito bem!

O Orador: - Também não omiti críticas aos empresários. O problema é este: neste país há trabalhadores e empresários que ainda não acertaram as realidades democráticas das novas instituições

Aplausos do CDS e PS.

No que se refere ao Decreto-Lei n.º 49-A/77, o chamado decreto dos 15 %, é evidente que não foi a pedido de ninguém e penso que, de boa-fé, o Sr. Deputado acenará a seguinte explicação - havia lógica - e da nossa parte entendemos que havia - em se publicar um documento que limitasse os aumentos salariais e não teria sentido, que depois de uma vacatura governamental, se permitisse uma vacatio-legis que originasse uma explosão reivindicativa incontrolável. Daí que a «matéria do decreto em causa - e afirma-o solenemente - faça parte do Programa do Governo, e manter-se-á em vigor enquanto não for publicada a norma que permite, de acordo com o Programa do Governo, os 20 % como limite e a sua revisão, se o aumento inflacionista for superior ao previsível.
Por outro lado, e quando se refere - aliás, fez aí uma afirmação que permito classificar como menos própria quando dirigida ao Ministro do Trabalho - à desintervenção de algumas empresas, como o Sr. Deputado sabe a intervenção nas empresas foi um processo que foi originado, em alguns casos, devido ao abandono de algumas entidades patronais, mas, com pretexto nisso, também para fazer o esbulho de outras empresas.

Vozes do CDS: - Muito bem!

Uma voz do PCP: - Esbulho?

O Orador: - Sim, esbulho.
Como tal, não é ao Ministro do Trabalho que compete a desintervenção das empresas, mas sim aos Ministérios da tutela.

O Orador: - O Sr. Deputado, quando me cita algumas dessas empresas, está a fazer uma pergunta ao Ministro errado. Devia ter feito a pergunta, oportunamente, aos Ministros respectivos. A desintervenção, nos termos da lei, é para ser feita, porque a intervenção não é uma forma escamoteada de nacionalização.

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, terminou o tempo concedido ao Governo.
A Câmara autoriza que o Sr. Ministro do Trabalho utilize mais alguns minutos para a sua resposta?

Pausa.

Visto não haver oposição, queira continuar, Sr. Ministro.

O Orador: - Quando se fala em tomar medidas...

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, desculpe interrompê-lo novamente, mas o Sr. Deputado Veiga de Oliveira está a pedir a palavra, certamente para interpelar a Mesa.
Tenha a bondade, Sr. Deputado.

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - O Sr. Ministro já utilizou um minuto e dez segundos a mais do tempo a que dispunha

O Sr. Sérvulo Correia (PSD): - Que falta de fair play...

O Sr. Presidente: - Isso é pelo relógio do Sr. Deputado. Num relógio pluralista não é essa a hora.

Risos.

Aplausos do PS, CDS e de alguns deputados do PSD.

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - O meu relógio talvez não seja pluralista, mas é um relógio diferencial Quartzo, que é bem mais preciso do que esse.

Risos.

O Sr. Amaro da Costa (CDS): - Viva, viva!

O Orador: - Sr. Presidente, nós propusemos que o Sr. Ministro utilizasse mais três ou quatro minutos para responder. Propusemos também - e isto não altera muito o tempo dos nossos trabalhos - que se houver um grupo paramentar que, para uma resposta, precise de mais dois ou três minutos, lhe sejam concedidos. Isto é razoável e, dentro desta razoabilidade, pensamos que o Sr. Ministro deve continuar a responder.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Afinal, os relógios estão certos!

Risos.

Faca favor de continuar as suas respostas, Sr. Ministro do Trabalho.

O Sr. Jorge Leite (PCP): - Mas uma parte cabe ao Ministério do Trabalho.

O Sr. Ministro do Trabalho: - Muito obrigado, Sr. Presidente.

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Na parte que se refere - e não sei se deveria ter sido, com propriedade, trazida aqui - ao plenário de uma organização sindical, as decisões das organizações sindicais competem-lhes a elas e, como ontem foi bem esclarecido, subscrevo o que foi afirmado pelo Sr. Deputado Amaro da Costa...

Uma voz do PCP: - Ainda bem, ainda bem!

O Orador: - ... .relativamente ao papel dos partidos políticos e das outras organizações de cidadãos. Mas, para lhe responder, direi, ao invés talvez das confusões desse plenário, que o Governo precisa primeiro de fazer contas, de acordo com o que aqui foi ontem manifestado e expresso - penso que sem margem para equívocos - pelo Sr. Ministro das Finanças e do Plano.

Vozes do PS e CDS: - Muito bem!

O Orador: - No que se refere à Central Sindical existente, o Sr. Deputado confundiu a minha qualidade de Secretário Nacional do Partido Socialista com a de membro do Governo.

Vozes do PS e CDS: - Muito bem!

O Orador: - Há, no entanto, confusão, que deve derivar do paternalismo fascista de antes do 25 de Abril e que vários sectores também advogam, como se competisse ao Ministro do Trabalho formar sindicatos neste país. De facto, o Estado não tem que intervir nas organizações dos trabalhadores.

Vozes do PCP: - Mas intervém!

O Orador: - No que se refere à Comissão Nacional de Rendimentos e Preços e a dizer-se que os sindicatos são minoritários face ao Governo e às representações empresariais, podem os sectores empresariais dizer o mesmo, porque o Conselho é tripartido e, necessariamente, nenhum, dos sectores é maioritário.

Vozes do PS e CDS: - Muito bem!

O Orador: - Ao Sr. Deputado Lino Lima devo manifestar, com toda a cortesia e respeito que me merece e, também,, com a dignidade que as minhas afirmações lhe devem merecer, que não insultei trabalhadores nenhuns. O que manifestei, e manifestar é salientar, e lamentei - isto penso que é irredutível - é que nas cinturas industriais os salários e as regalias são muito mais altas do que no conjunto da população trabalhadora portuguesa.

Vozes do PS e CDS: - Muito bem!

O Orador: - E o conjunto da população trabalhadora portuguesa - quero sublinhá-lo -, ao contrário do que o Sr. Deputado afirmou, não está nas cinturas industriais.

Vozes do PS e CDS: - Muito bem!

O Orador: - Às perguntas feitas pelo Sr. Deputado Jorge Leite, devo responder que, quando o Sr. Deputado diz que falar do que se passa na Itália é comparar coisas diferentes e que isso é um disparate, infelizmente - e digo infelizmente porque fui mais feliz nessa altura - já não sou electricista...

O Sr. Joaquim Gomes (PCP): - É pena!

O Orador: - ..., e tenho alguns conhecimentos de matemática para lhe afirmar que a sua afirmação não é, de todo, correcta, porque não comparei coisas diferentes, comparei ideologias idênticas.

O Sr. Jorge Leite (PCP): -Para situações diferentes!

O Orador: - Paira situações diferentes, de facto, o, seguindo as afirmações do Partido Comunista Português, a Constituição da República Portuguesa é unais progressista do que a italiana...

O Sr. Jorge Leite (PCP): - Por isso mesmo!

O Orador: - ..., logo devia ter um comportamento muito mais coerente, no sentido de salvaguardar aquilo que realmente são conquistas.

Aplausos do PS e CDS.

No que se refere ao conjunto legal do regime de prestação temporária de trabalho, devo dizer que, seguindo a sua interpretação - e fui eu que escrevi o texto do Programa do Governo nessa matéria -, há um erro de terminologia. Perdoe-se-me esse erro. Não pretendo, de maneira nenhuma, usar a expressão «prestação temporária de trabalho» para me referir às empresas que referiu como tráfego de mão-de-obra, mas sim ao contrato de trabalho a prazo. Digo contrato de trabalho a prazo porque penso ser essa uma das formas de assim, também contribui ir, temporariamente, para a diminuição do desemprego.

Vozes do PS e CDS: - Muito bem!

O Orador: - Por outro lado, quando se refere à página 76, peço-lhe desculpa, mas há perguntas a que se não respondem. A pessoa que escreveu esse capítulo, ou o Sr. Primeiro-Ministro, dir-lhe-á com propriedade o que pretendia. Contudo, não fujo à pergunta. Quando lá se diz que «uma empresa é uma comunidade de interesses», tenho de lhe dizer esta realidade, pois é em realidades que nos movemos e com elas que o Governo governa...

Vozes do CDS: - Muito bem!

Vozes do PCP: - Olhe que não!

O Orador: -..., e sem empresários privados também não se resolve o problema do desemprego. Não é considerando um empresário um inimigo que se consegue defender os interesses dos trabalhadores.

Vozes do PS e CDS: - Muito bem!

O Orador: - No que se refere à dinamização da Inspecção do Trabalho, muito brevemente lhe digo

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que a Inspecção do Trabalho, enquanto eu for Ministro do Trabalho, vai funcionar nos termos da Convenção n.º 81 da OIT, ou seja, independente das associações patronais, das asaociações sindicais e com autonomia, de forma a ter também independência do Governo, no cumprimento das leis.

Aplausos do PS e CDS.

Quanto às perguntas feitas pelo Sr. Deputado Amândio de Azevedo, não me precipitei, penso eu, ao registar que a Oposição não tinha feito comentários ou, pelo menos, interpelações à exposição do Sr. Ministro das Finanças e do Plano; tanto que me basear a olhar para a vossa bancada e registar a ausência do Prof. Sousa Franco para pensar que ele vai intervir e que está a preparar o discurso, desde ontem, visto que não assistiu ao discurso do Sr. Ministro das Finanças e do Plano.

Uma voz do PSD: - Ouvi-o pela rádio!

O Orador: - Quanto a um sistema de legislação coerente com os outros sectores da governação, como o Sr. Deputado Amândio de Azevedo sabe, porque já foi membro do Governo, é evidente que no meu Ministério se preparam os textos, que esses textos serão submetidos à apreciação do Governo, e que o que vier do Governo para esta Assembleia é da responsabilidade do Governo, embora originariamente preparado pelo Ministério do Trabalho.
Por outro lado, e sobre a revisão das normais dos tribunais do trabalho, de acordo com a Lei n.º 82/77, o Governo tem, até Julho de 1978, que apresentar propostas de regulamentação a esta Assembleia. Assim, para além da pergunta que me fez, devo dizer-lhe qual é a minha intenção: penso que seria extremamente preocupante que, no sentido de se procurar acelerar a justiça no trabalho, se saltasse directamente do conflito para o tribunal.
Neste momento, uma das coisas mais preocupantes que existe no nosso país...

Uma voz do PCP: - Seiscentas mil!

O Orador: - Não são seiscentas mil.
Isso traduz uma coisa, assim como o febre: o resultado de uma doença. Para comparação, direi que na Suécia há apenas um tribunal de trabalho, em Estocolmo, e, com grande preocupação para o Governo Sueco, passaram de duzentos e quarenta processos em 1975 para quinhentos em 1976.
Em Portugal sucede que, em 1976, tivemos 500 mil processos e ficaram por julgar cerca de 190 mil, que transitaram para 1977, acumulados com mais 400 mil que apareceram em 1977, dos quais transitaram 196 mil para 1978. Isto é uma doença social e é contra ela que temos de lutar, para a resolver.

Aplausos do PS, CDS e Deputado Independente Galvão de Melo.

O Sr. Sérvulo Correia (PSD): - O remédio é a social-democracia!

O Orador: - Assim, para além disto, é importante registar uma outra coisa: é que para a resolução dos conflitos, antes de dirimidos juridicamente em contencioso do tribunal, deve procurar-se a conciliação, e se as comissões de conciliação e julgamento são inconstitucionais - talvez que só comissões de conciliação não sejam -, o Ministério do Trabalho vai tentar que elas continuem a funcionar como comissões de julgamento tripartidas, na boa norma da democracia e da OIT.
No que se refere ao direito à greve dos trabalhadores da função pública, devo dizer-lhe que esses trabalhadores não estão abrangidos pelo contrato individual do trabalho, pelo que não compete ao meu Ministério pronunciar-se sobre esse direito, mas sim à Secretaria de Estado da Administração Pública e, neste momento, ao Ministério da Reforma Administrava.

Aplausos do PS e CDS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Gama para uma intervenção.

O Sr. Jaime Gama (PS): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Ministros, Srs. Deputados: Ao aproximar-se o final da sessão legislativa anterior, o País começou a mergulhar numa crise política. A maneira como decorreu o debate e a votação de algumas das leis definidoras do sistema económico demonstrou a necessidade de rever o modo de funcionamento das relações interpartidárias, no quadro parlamentar e fora dele. A fórmula de governo, até então adoptada, só o fora graças à aquiescência manifestada pela? restantes forças políticas quando da tomada de posse do primeiro ministério constitucional. Mas à medida que o PS nesta Câmara praticava e recorria ao apoio parlamentar flutuante, as restantes formações partidárias avançavam com exigências políticas globais, para negociar cada caso concreto de apoio de voto.
Na impossibilidade de se encontrar uma resposta positiva para o memorando distribuído aos partidos pelo Primeiro-Ministro, a lógica dos factos apontava para um entendimento tácito entre os partidos da Oposição, no sentido de derrubar o Governo e, sem recurso a eleições, constituir outro onde o PS não permanecesse sozinho. Quando um dirigente da então próspera «Convergência Democrática» ouviu o secretário-geral do PCP declarar que o Governo tinha de cair, imediatamente reconheceu que estavam criados os pressupostos parlamentares indispensáveis para que fosse aprovada uma moção de censura. Tal não se veio a dar, apenas porque foi o Governo que se antecipou à Oposição, colocando a questão da confiança.
A queda do I Governo Constitucional veio agudizar a crise em que o País vivia. A ansiedade existente na maioria dos portugueses, em consequência de não se perspectivar uma saída rápida para o problema governativo, estava a ser explorada por forças e quadrantes políticos apostados em desestabilizar o regime democrático. Daí a urgência em encontrar uma solução.
O PS tomou a iniciativa de estabelecer contactos e conversações com os restantes partido?, no propósito de se pôr termo à crise no mais curto prazo. Pôs, nessa actuação, o interesse da democracia e de Portugal acima de quaisquer perspectivas partidárias

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de curto prazo e foi ao ponto de actualizar coerentemente a sua linha política em face da nova situação criada.
O PCP, após longas horas de negociação, recusou-se a estabelecer qualquer acordo com o PS. À última hora, o PCP insistiu em pontos periféricos das suas próprias propostas, sabendo claramente, por respostas anteriormente dadas, que o PS os não poderia aceitar, numa clara demonstração de que, em termos objectivos, não tinha interesse algum em subscrever com o PS um acordo onde fossem minimamente acautelados os interesses dos trabalhadores portugueses, como pretendiam os socialistas.
O PSD, a braços com uma crise interna que está longe de ter sido clarificada ...

O Sr. Sérvulo Correia (PSD): - Isso era o que o Sr. Deputado queria.

O Orador: - ..., demonstrou uma rigidez negocial completa ...

O Sr. Sérvulo Correia (PSD): - Lá isso é verdade. Com certeza!

O Orador: - ... , negando-se a aceitar a fórmula «governo de base PS com personalidades», o estatuto de ministro das personalidades e a possibilidade de o PS subscrever com o PCP um acordo interpartidário antes da formação do novo Governo.

Vozes do PSD: - É verdade!

O Orador: - Mais tarde, no decurso das conversações, o PSD recusar-se-á a assinar com o PS um acordo programático, um acordo interpartidário de cooperação e não aceitaria sequer subscrever um comunicado conjunto entre os dois partidos. Em ocasião recente, o PSD denunciou o acordo de consultas que havia firmado com o PS antes do final da primeira sessão legislativa.

O Sr. Fernando Pinto (PSD): - E muito bem!

O Orador: - Com as atitudes de auto-isolamento e intransigência reveladas pelo PCP e pelo PSD, bem como em virtude da situação a que se chegara, estavam esgotadas as fórmulas Governo PS/Independentes, Governo PS/PCP, PS/PSD, PS/PSD/CDS, PSD/CDS ou Governo PS/PSD/CDS/PCP.

O Sr. José Vitorino (PSD): - E PS/UDP?!

O Orador: - O Governo de mediação presidencial, para que apelava o PSD, havia sido afastado pelo Presidente da República. A antecipação de eleições era julgada inconveniente pelas forças políticas, dada a sua repercussão negativa sobre a economia nacional e a incerteza reinante quanto às alterações com relevância política que a sua realização acarretaria.
Em política não há soluções óptimas. Ou melhor, a solução possível é a solução óptima.

O Sr. Nandim de Carvalho (PSD): - O PS é péssimo!
Havia sido esboçado o texto de um acordo interpartidário de incidência governamental entre o PS e o CDS. Nestas circunstâncias, a Comissão Nacional do meu partido deliberou viabilizar a formação do II Governo Constitucional, na base do acordo existente, mantendo o PS a disposição de prosseguir negociações com o PSD e o PCP, um e outro protagonizando importantes sectores do eleitorado, como é sabido.

Vozes do PSD: - Lá isso é verdade!

O Orador: - Ter-se encontrado uma solução significou a derrota dos que, contra a estabilidade do regime democrático, não queriam que se encontrasse solução nenhuma. Ter-se encontrado uma solução democrática clara representou um sério abalo nos que pretendiam uma solução constítucional obscura. Ter-se encontrado uma solução entre partidos foi a vitória destes sobre os grupos de pressão. Como não há soluções apartidárias que sejam democraticamente mais vantajosas ou coerentes que soluções interpartidárias, a solução encontrada e a nova fórmula de governo representaram, como de resto foi reconhecido pelo Presidente da República, uma, resposta democrática para a crise. A grande campanha que se esboçara contra o regime democrático foi travada. Na extrema-direita e na extrema-esquerda, com justa razão, considerou-se negativo o desfecho dos acontecimentos e porque assim sucedeu, porque eles foram derrotados, temos razões seguras para considerar que foi a democracia que saiu vitoriosa.

Vozes do PS e CDS: - Muito bem!

O Orador: - Os socialistas portugueses sentem orgulho no seu partido por ter desviado de um abismo o sistema constitucional, abismo esse que para os trabalhadores e o povo não deixaria de significar sacrifícios incomportáveis. Ao tornar possível uma saída democrática para a crise, o PS prestou um serviço à democracia, e, como hoje os interesses dos trabalhadores se identificam histórica e politicamente com a manutenção e o desenvolvimento do regime democrático, o PS foi o melhor protagonista político e partidário da classe trabalhadora portuguesa na conjuntura presente.

Aplausos do PS.

A existência de um esquema maioritário começou a fazer sentir os seus efeitos benéficos, pois é evidente a desdramatização com que passaram a ser encarados os debates políticos e parlamentares. O clima, por vezes alucinante em que funcionou esta Assembleia, não é, a partir de agora, mais possível.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - E a Oposição, que sempre reclamara um governo maioritário, como panaceia de todos os males, está colhida de surpresa e daí a forma como tem intervindo nos debates.

O Orador: - Foi o que aconteceu.

Vozes do CDS: - Muito bem!

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O Orador: - Trata-se de unia situação nova, estável e clarificada, em relação à qual a Oposição tem de fazer um esforço de ajustamento, para que cabalmente possa desempenhar a patriótica missão que lhe compete, sem o recurso à argumentação vazia ou ao fraseado demagógico e, por isso, inconsequente.

O Sr. Amaro da Costa (CDS): - Muito bem!

O Orador: - A fórmula governativa é ajustada às circunstâncias. O Programa do Governo está à altura do desafio da realidade e não se tem visto que mereça reparos de fundo por parte da Oposição. Em matéria económica, a intervenção do Ministro Vítor Constâncio foi, ao que parece, suficientemente esclarecedora. Mas a fórmula e o Programa tudo ou nada serão, em função da acção governativa que for empreendida, a curto e médio prazo. Este novo Governo tem, portanto, a responsabilidade, pela sua actuação, de concretizar o que, no plano da fórmula e do Programa, não foi difícil obter. Cabe-lhe, não o duvido, a tarefa mais difícil. É pesada a sua responsabilidade, mas estou certo de que a não enjeitará e vai dar resposta concreta aos problemas que afligem o povo português.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - O novo Governo, porque é democrático, conta com o apoio do Presidente da República. Muito se tem dito e escrito sobre a acção do general Ramalho Eanes. Muito se tem pretendido especular sobre os seus poderes. A serenidade, o bom senso e o patriotismo com que o actual Presidente da República tem desempenhado as suas funções garantem-lhe o apoio da larga maioria dos portugueses. Sebastianistas de vários quadrantes têm procurado exorbitar o âmbito dos poderes constitucionais do Presidente da República - a todos eles se tem sabido opor o general Ramalho Eanes, na consciência rigorosa de que a nossa Constituição mais não permite do que um semipresidencialismo atenuado.

O Sr. Amaro da Costa (CDS): - Muito bem!

O Orador: - E a leitura objectiva do discurso proferido pelo Presidente da República na posse do novo Ministério só reforça a conclusão de que assim é. O elogio das vantagens de um sistema de partidos, como elemento essencial da vida democrática de um povo, não deixam dúvidas sobre a nobreza de intenções, a rectidão de atitudes e a fidelidade à letra e ao espírito da Constituição por parte do actual Presidente da República.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O novo Governo, porque é democrático, deverá contar também com a compreensão da Oposição e dos parceiros sociais, com os quais está disposto a dialogar activamente. O facto de o PSD e o PCP se terem auto-excluído de uma solução política para a crise que o País viveu não significa que ambos os partidos se afastem de um diálogo com o Governo ou mesmo se recusem a prosseguir conversações com o PS, quando tal for oportuno. Conveniente será que ambos os partidos, pelo facto de estarem na Oposição, não percam a sua autonomia mesmo no plano táctico e que o seu ímpeto oposicionista os não venha a colocar a reboque um do outro. Um PCP que cada vez mais se afirma democrático nacional e até católico...

Risos do CDS.

... e um PSD radicalizado na crítica de esquerda ao Governo tem fortes razões para se unir...

Vozes do PSD: - Não apoiado!

O Orador: -..., mas a Constituição de um bloco oposicionista PSD/PCP - uma «minoria de esquerda», para o PSD, ou uma «minoria de direita», para o PCP ...

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Tem juízo!

Risos do PSD.

O Orador: - ...seria prejudicial ao futuro da democracia portuguesa.

Uma voz do PSD: - De facto é um governo fantasma!

O Orador: - Esperemos que não venha a dar-se embora certos indícios nos façam supor que está em marcha quanto a alguns sectores. O diálogo do Governe com, a Oposição será tanto mais intenso e produtivo quanto cita não se fechar num bloco rígido e articulado de negação sistemática.

O Sr. José Alberto Ribeiro (PSD): - Não lhe deviam ter dado nota para ir à oral.

Uma voz do PS: - Ganhou-a antes do 25 de Abril!

O Orador: - Igualmente com os parceiros sociais o País terá a ganhar...

O Sr. Braga Barroso (PSD): -Talvez não!

O Orador: -..., com as provas que estão a dar de querer realmente debater com o Governo os interessem que defendem. A despartidarização das tomadas de posição dos parceiros sociais, para além de reforçar a respectiva implantação, é indispensável à transparência de funcionamento de um regime democrático. O Governo saberá ter na devida conta essa franqueza de processos. A Oposição e os parceiros sociais são pilares do regime democrático, do mesmo modo que o Governo e os partidos do Governo ou que apoiam o Governo. É preciso que todos se assumam na função que lhes cabe e intensifiquem a prática de métodos democráticos nas suas relações.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: a situação actual da democracia portuguesa, uma vez resolvida a questão do Governo, é a de uma crise profunda, cujo principal vector se situa no terreno económico. Em

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face da situação alguns são levados a atitudes de descrença, indiferença ou niilismo. É preciso dizer aos que assim pensam e procedem quo pensam e procedem mal. Os problemas portugueses são graves, mas têm solução. E essa solução não deve ser outra senão uma solução democrática. Se há uma crise há que enfrentá-la para vencê-la. Os Portugueses, que conhecem a crise, serão capazes de vencê-la se a isso se dispuserem com energia.
Os dirigentes políticos não divergem muito quanto às razões da crise, mas não são unânimes quanto à terapêutica. É natural e democrático que assim aconteça. O Programa do novo Governo contém as soluções maioritárias para a crise que o País atravessa. À Oposição cabia apontar outras igualmente realistas, mas não o fez até ao momento. As soluções do Programa do Governo terão, portanto, de ser postas em prática, sob a orientação do Primeiro-Ministro Mário Soares e na consciência clara de que em momento de crise, quando se procura uma saída viável, há que distinguir os objectivos essenciais numa acção política, isolando as questões acessórias. No momento presente, o interesse estratégico do regime democrático impõe-nos, em primeiro lugar, a resolução da crise económica, tendo em vista a integração plena de Portugal nas comunidades europeias. A demagogia ou o idealismo doutrinário podem ser muito atraentes ao> ouvido mas não resolvem os problemas concretos de um país e sobretudo não fazem funcionar a sua economia. O fraseado utópico em nome dos trabalhadores, mesmo quando perpassado das melhores intenções, nada resolve e regra geral volta-se contra os interesses reais desses mesmos, trabalhadores. É em moldes realistas e operacionais que a crise económica vai ser atacada e vencida por este Governo. Sem a resolução deste ponto o regular funcionamento das instituições democráticas tenderá a dissipar-se e a aproximação entre Portugal e os países da Europa Ocidental não passará de uma expectativa vã, quer no plano económico quer no plano político e cultural. Vencer a crise económica, normalizar na prática o funcionamento de uma economia moderna, deve constituir a preocupação maior do novo Governo.
Em segundo lugar, competir-lhe-á dar ao Estado democrático português uma consistência que até aqui lhe tem faltado. Neste país, se já não há Estado corporativo, ainda não há Estado democrático. E mais grave: esta questão é tida por questão política secundária. São, portanto, acções imperativas: a eficiência de funcionamento dos Órgãos de Soberania - com especial relevo para o Governo e a Assembleia da República -, a reforma da administração pública, a consolidação das autonomias regionais nos Açores e na Madeira, a descentralização municipal, bem como a salvaguarda democrática da ordem pública, a luta sem quartel contra a corrupção, o crime e a droga, o reforço do prestígio dos, tribunais e uma valorização da defesa nacional adequada aos padrões da OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte). A democracia portuguesa joga a sua revitalização a prazo na capacidade que os seus dirigentes revelarem em fundar um Estado democrático autêntico. Esta preocupação não deve, todavia, ser encarada como preocupação vazia ou identificada com quaisquer referências a este tema feitas por parte de analistas que a invocam. Não pela natureza ou dimensão do problema em si, mas como factor de guerrilha interpartidária ou de frustração pessoal.
A democracia portuguesa obrigará igualmente o novo Governo -e esse será o seu terceiro grande objectivo - a prosseguir sem visionarismo de espécie alguma a tarefa de recolocar o País. perante o Mundo e a Europa. A nossa política externa não deverá ser objecto de disputa partidária, porque corresponde a interesses permanentes de um povo e de um país. Porém, a descolonização e ao fim do isolamento diplomático de Portugal obrigam-nos a reajustar as nossas relações externas perante o mundo dos nossos dias e de acordo com as exigências da nossa soberania e da nossa independência nacional.
Ao lutar por que estes objectivos sejam alcançados, o Governo estará a contribuir de forma decisiva para atalhar as questões essenciais do regime democrático no nosso país. Nunca como na hora presente a acção concreta de uma equipa de governo se identificou tanto com a consolidação de um regime e com as aspirações democráticas de um povo e de um país.
O Partido Socialista, ao assumir a responsabilidade básica pela formação e pelo Programa do novo Governo, teve em consideração a crise que atinge o País e a necessidade de a vencer rapidamente com recurso a soluções de tipo democrático. Pôs de parte eventuais preconceitos de cariz partidário parque, considera que, acima dos léus próprios interesses como organização, estão os interesses dos trabalhadores, a felicidade dos Portugueses, a defesa da democracia, o futuro de Portugal. Partido que defende o socialismo democrático, o PS não considera que «congelou» ou sequer «retardou» o seu papel em virtude de ter sido encontrada a solução que foi. Exactamente porque entende que o socialismo é indissociável da democracia pluralista, o PS considera que, ao consolidar esta, está a defender aquele. O socialismo democrático é hoje a opção de milhões de trabalhadores na Europa Ocidental A preservação, do regime democrático em Portugal é um contributo essencial dado pelo PS não apenas aos trabalhadores portugueses mas sobretudo aos europeus que vêem na nossa experiência um forte motivo de esperança colectiva.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O novo Governo, longe de «desnaturar» o PS como alguns pretendem, autonomiza-o, identifica-o consigo mesmo, reforça a sua organização e alarga a sua implantação. Que se desiludam os nossos adversários - nunca crescerão à custa das falsas expectativas com que encaram o futuro do PS! Cresçam por si próprios se forem capais! Unido e coeso, o meu partido está pronto para todas as batalhas! E irá vencê-las!

Aplausos do PS.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Dois partidos, o PSD e o PCP, apresentaram neste debate duas moções, diferentes paira dizer a mesma coisa. A originalidade destes modos diversos de dizer o mesmo certa-

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mente se fica a dever ao facto de que, quer o PSD quer o PCP, têm necessidade de demonstrar aos seus adeptos que não andam a copiar-se um ao outro.

O Sr. Jorge Leite (PCP): - É falso, porque não é a mesma coisa.

O Orador: - O PSD, estranhamente, irá votar contra o Governo, porque não votou contra o I Governo Constitucional. O PCP alega para o mesmo efeito que esta fórmula não serve a sua leitura do projecto constitucional. Se o PCP votar a moção do PSD e o PSD votar a moção do PCP, ficará demonstrado o aspecto gratuito de terem apresentado moções diferentes.

Vozes do PS: - Muito bem! Risos.

O Orador: - Mas se se abstiverem, ou votarem cada um contra a moção do outro, dar-se-á que o PSD e o PCP vão votar contra e não vão votar contra o Programa deste Governo.

Risos.

O Sr. Octávio Pato (PCP): - Esse é o seu desejo!

O Orador: - A Oposição, nessa altura, passará de dividida a confundida e será manifesto o reforço da base, ia maioritária, de apoio parlamentar ao Governo.

Risos.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Seja, porém, qual for o resultado da votação por parte do binómio PSD/PCP, é uni facto adquirido neste momento que a crise do Governo foi resolvida e que dessa resolução só não têm de se orgulhar os partidos que para ela não trabalharam como deviam.
A consciência daquilo que é o Portugal de hoje, das suas dificuldades mas também das potencialidades do seu povo, leva-nos a ter uma ideia clara sobre aquilo que Portugal deve ser: um país democrático, moderno e europeu.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Portugal pode ser uma nação democrática, moderna e europeia!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Com vontade, com realismo...

Vozes do PCP: - E o socialismo?

O Orador: -..., com espírito patriótico e, acima de tudo, com muito trabalho, este país há-de ter o lugar a que tem direito.

Aplausos do PS e CDS.

O Sr. Presidente: - Vamos proceder agora às inscrições para pedidos de esclarecimento ao Sr. Deputado Jaime Gama, que terão lugar depois do intervalo.

Pausa.

Estão inscritos os Srs. Deputados: Acácio Barreiros, Magalhães Mota e Helena Roseta. Vamos agora fazer um intervalo de trinta minutos.

Eram 17 horas e 30 minutos.

Após o intervalo, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente António Jacinto Martins Canaverde.

O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão.

Eram 18 horas e 15 minutos.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Jaime Gama tem a palavra o Sr. Deputado Acácio Barreiros.

O Sr. Acácio Barreiros (UDP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Deputado Jaime Gama fez um conjunto de malabarismos, que lhe são habituais...

Risos.

... e eu queria aproveitar esta oportunidade para lhe fazer um pedido de esclarecimento sobre uma questão que muito me tem intrigado.

É sabido que o Sr. Deputado Jaime Gama - honra lhe seja feita - foi uma das pessoas que mais se empenhou na formação deste Governo e espantou a muita gente - a mim próprio me espantou - que, no final, não fizesse parte do elenco governamental, isto é, não chegasse a Ministro. Gostava de saber se isso se trata de uma ingratidão do Dr. Mário Soares...

Risos.

... ou se, pelo contrário, o Sr. Deputado Jaime Gama acredita tão pouco neste Governo que resolveu ficar de fora para preparar o seguinte.

Risos.

Uma segunda questão que lhe queria colocar é a seguinte: No debate que houve aqui, nesta Assembleia, sobre a Reforma Agrária, o Sr. Deputado afirmou o seguinte acerca do CDS (cito do Diário da Assembleia da República: «O CDS, como partido que votou contra a Constituição, mão podia deixar de ser contrário à concretização legal dos princípios constitucionais em matéria de Reforma Agrária», e mais isto: «E, em segundo lugar, porque o CDS confunde os agricultores portugueses, confunde a agricultura portuguesa com a sua clientela política, constituída por uma facção extremista, a Confederação dos Agricultores Portugueses!»

Uma voz do PSD: - Boa piada!

O Orador: - Portanto, eu gostava de perguntar se o Sr. Deputado mantém esta posição de considerar que o CDS, porque votou contra a Constituição, é contra a concretização dos objectivos constitucionais e se no seu entender o CDS representa ainda a facção mais extremista da CAP ou então, e se me permite, usando as palavras do Sr. Primeiro-Ministro Mário

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Soares, se o Sr. Deputado para não ser burro também mudou de ideias.

Risos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota.

O Sr. Magalhães Mota (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Eu não poderei repetir a referência feita aos malabarismos do Sr. Deputado Jaime Gama pelo Sr. Deputado Acácio Barreiros senão ele inventa que há uma coligação entre o PSD e a UDP.

Risos.

Todavia, terei de lhe dizer que me faz lembrar, na sua intervenção e em várias outras da sua bancada e das bancadas do CDS e do Governo, a história daquele desastre em que um motorista de táxi, tendo chocado com uma carroça de hortaliça, já na esquadra, apresentava os dois sinistrados cobertos de adesivos e ligaduras, mas dizia com ar feliz: «Isto foi o melhor que se pôde arranjar.»

Risos.

Eu creio, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que o Sr. Deputado Jaime Gama, de facto, apresentou aqui em ar de desculpa as soluções a que chegou. E com isto far-lhe-ia apenas três perguntas ainda, com o receio de, ao ver o ar tão embevecido da bancada do CDS para a do PS e vice-versa, pensar com algum temor ver sair daqui o Sr. Deputado Cunha Simões aos ombros dos Srs, Deputados Carlos Laje e Manuel Alegre...

Risos.

Mas vamos às perguntas. Será que o PS, para salvar a democracia, teve de renunciar ao socialismo?
Segunda questão: o PS é mais PS por causa do CDS? Isto é: o PS descobriu o seu condimento, descobriu a sua razão de esperança, descobriu a sua diferença específica nesta aliança com o CDS?
Terceira questão: quando o Sr. Deputado Jaime Gama faz o elogio da solução maioritária trata-se de um arrependimento tardio de soluções minoritárias que atrasaram as soluções para este país, de uma súbita conversão ou de uma outra manifestação de conjuntura?

Vozes do PSD: -Muito bem!

O Sr. Presidente: - Finalmente, também para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Roseta.

A Sr.ª Helena Roseta (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Diz o social-democrata Willy Brandt que o papel da oposição em democracia não é impedir um governo de governar, mas sim obrigá-lo a governar bem. Ora o Sr. Deputado Jaime Gama falou na formação de um bloco de oposição ao Governo formado entre sociais-democratas e comunistas. Esse bloco não existe e está à vista. A prova é quis o Sr. Deputado Jaime Gama falou também em duas moções de rejeição diferentes - uma do PSD e outra do Partido Comunista.

Uma voz do PS: - É a mesma coisa...

A Oradora: - E a minha pergunta é esta: entende o Sr. Deputado Jaime Gama que é ao Governo ou aos partidos apoiantes do Governo que cabe ditar ao PSD o papel e o lugar que este deve desempenhar na Oposição que ele próprio defendeu ser em relação ao II Governo Constitucional? Ou, pelo contrário, reconhece o Sr. Deputado Jaime Gama ao PSD o direito de se constituir em oposição democrática independente, que não quer nem precisa de conluios com o Partido Comunista para fazer oposição democrática ao II Governo Constitucional?

Por outras palavras, entende o Sr. Deputado que nesta Casa só pode haver uma oposição ou, pelo contrário, aceita que aqui se constituam duas oposições diferentes e autónomas?

O Sr. Presidente: - Para responder, caso assim o deseje, tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Gama.

O Sr. Jaime Gama (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em relação às questões postas pelo Sr. Deputado Acácio Barreiros e a algumas referências feitas pelo Sr. Deputado Magalhães Mota, como elas se destinavam a divertirem-nos, penso que não procuravam nenhum esclarecimento e portanto não o terão - tiveram o nosso divertimento.

Uma voz do PS: - Muito bem!

O Orador: - Relativamente às questões postas pelo Sr. Deputado Magalhães Mota, isto é, se para salvar a democracia o PS abdica do socialismo, considero-a uma estranha perguntai quando colocada por um Deputado que muita num partido político cujo programa também tem por horizonte o socialismo e que exactamente entende a social-democracia como uma via para a construção do socialismo, embora tal facto não seja muito evidente na prática política desse partido. Mas é o que está no programa, não foi mudado e temos aqui várias vezes ouvido referências à coerência programática do Partido Social-Democrata.

O Sr. Magalhães Mota (PSD): - Podemos dizê-lo.

O Orador: - A democracia e o socialismo não se opõem porque na nossa concepção não se excluam, e a luta por uma dessas realidades é parte integrante da luta pela outra, exactamente porque elas não são duas realidades - elas são uma e a mesma realidade.
E essa pergunta que o Sr. Deputado Magalhães Mota me fez eu admiti-la-ia perfeitamente da parte de um Deputado que tivesse os pressupostos analíticos doutrinários dos comunistas, mas não da parte do Sr. Deputado, porque na concepção leninista é que a democracia é uma etapa do socialismo, que, por sua vez, é uma etapa da realização da sociedade comunista.

O Sr. Magalhães Mota (PSD) -Dá-me licença, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça Favor.

O Sr. Magalhães Mota (PSD): - Sr. Deputado, e apenas para lhe recordar que foi o Sr. Primeiro-Mi-

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nistro quem suscitou a questão. Talvez seja um problema interno...

Risos do PSD.

O Orador: - Sr. Deputado, creio que confunde as palavras do Sr. Primeiro-Ministro e em virtude dessa confusão, sem nenhum efeito, pretende confundir
a própria Assembleia. Mas penso que lhe demonstrei e de resto o sentido da sua observação só o confirma - que o Sr. Deputado ao colocar essa questão se situou do ponto de vista não do social-democrata que julga ser mas do leninista que manifestamente não é nem quer ser.

Vozes do PSD: - É claro!

O Orador: - Em relação à segunda questão sobre se o PS é mais PS por causa do CDS, tenho a dizer-lhe que o PS não é mais nem menos PS por causa de qualquer partido, seja ele o CDS, o PSD ou o PCP, mas que o PS é certamente mais PS quando se comprometeu a encontrar uma solução para a crise política que o nosso país atravessava, solução que permitisse viabilizar a consolidação do regime democrático em Portugal. E na medida em que o PS, contrairiam ente ao que suponho ter ido a atitude do seu partido, foi capaz de pôr de lado preconceitos de natureza partidária a curto prazo, foi capaz de pôr de lado o seu próprio chauvinismo partidário, foi capaz de avançar sobre aspectos exteriores da sua própria ortodoxia, penso que o PS, ao sobrepor acima dos seus interesses e da sua dinâmica partidária própria o interesse da democracia nacional, do regime democrático e do povo português, foi, por isso mesmo, mais PS. Isto é: o PS, como partido político democrático, soube estar à altura da crise política que o País enfrentava, soube e foi capaz - coisa que não foi o seu partido - de encontrar a resposta política adequada para a crise que o País atravessava.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Magalhães Mota (PSD): - É a sua interpretaçâo.

O Sr. Carvalho Cardoso (CDS): - Se isto é discutir o Programa do Governo, vou ali e já venho...

O Orador: - Perguntou o Sr. Deputado, em terceiro lugar, se o elogio por mim feito da solução maioritária agora encontrada constitui arrependimento tardio, súbita conversão ou mera manifestação de conjuntura. Da minha parte, dir-lhe-ei que não. Cada solução política, Sr. Deputado, tem o seu tempo e o seu lugar. O seu próprio partido foi adepto da solução minoritária que presidiu à formação do I Governo Constitucional. Não o foi durante a totalidade dos dezasseis meses em que esse Governo desempenhou as suas funções, mas, na medida em que o seu partido apresentou aqui -do que, aliás, agora está arrependido, segundo se depreende dos considerandos da actual moção da rejeição - uma moção de rejeição por ocasião da tomada de posse do I Governo Constitucional, o seu partido deu-lhe claramente, do ponto de vista político, o seu assentimento, a sua concordância, e permitiu a constituição de uma solução política minoritária.

Vozes do PSD: - Isso é malabarismo.

O Orador: - De resto, o então presidente do vosso partido subiu àquela tribuna e do alto dela teve a oportunidade de fazer, em termos até mais encomiásticos do que alguns dos outros Deputados, o elogio da solução de Governo que fora obtida, desejando ao novo Governo as maiores felicidades para bem de Portugal.

Vozes do PSD: - Isso não é verdade!

O Sr. Fernando Pinto (PSD): - Tem de voltar a escola primária. Sr. Deputado.

Vozes do PS: - Têm a memória curta!

O Orador: - Foi essa a realidade, Srs. Deputados, e só a partir de determinada altura da vigência do I Governo Constitucional é que o seu partido insistiu na tónica da crítica ao Governo minoritário, que, diga-se, era uma critica que, constituindo o essencial da crítica do vosso partido ao Governo, não o situava como partido da oposição, naquele plano que compete à oposição desempenhar num Estado democrático, dentro, aliás, dos pressupostos que a Sr.ª Deputada Helena Roseta atribuiu ao antigo Chanceler da Alemanha Federal Willy Brandt, com cuja citação, devo dizer, estou inteiramente de acordo.
Mas se o PSD circunscrevia a crítica ao I Governo Constitucional pelo facto de ele ser um Governo minoritário, mais uma razão para que agora se constitua um governo com suporte parlamentar maioritário para que esse partido não tenha em relação ao II Governo uma posição tão oposta face à posição que assumiu em relação a um I Governo, que, para mais. era minoritário.

O Sr. Fernando Pinto (PSD): - Eu bem digo que o Sr. Deputado tem de voltar à escola primária...

O Orador: - É manifesto que o PSD tinha outros objectivos quanto à solução maioritária a pôr em prática. Esses objectivos não foram alcançados e daí que agora sejam feitas estas críticas da forma como o são.
Quanto às questões postas pela Sr.ª Deputada Helena Roseta, penso que, como boa jornalista que é, essas questões se destinaram mais a manifestar a opinião do seu partido perante a opinião pública do que a procurar qualquer esclarecimento da minha parte. Houve nas palavras da Sr.ª Deputada a manifesta e muito clara intenção de dizer que não havia uma oposição, que não havia um bloco oposicionista que havia, sim, duas oposições diferentes e autónomas.
Sobre isso, Sr.ª Deputada, devemos dizer que não temos qualquer ilusão de que o seu partido e o PCP se não confundem ou que a UDP e o PSD não têm nenhuns traços de identidade.

A Sr.ª Helena Roseta (PSD): - Então não há bloco!

O Orador: - De resto, eu disse-o claramente na minha intervenção. Apenas apelei no sentido de que a radicalização oposicionista da vossa parte, ou da parte de outros partidos, os não levasse a todos, em

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nome da luta comum contra o novo Governo, a perderam exactamente essa identidade e autonomia, que é benéfica para o regime e para a própria progressão dos vossos partidos no terreno eleitoral.
Registo, todavia, que essa situação vai criar dificuldades, no plano parlamentar, aos vossos partidos e que essa preocupação que quer o PSD quer o PCP, vão ter em se demarcar um do outro vai levar a que nesta Assembleia se repita no futuro o esquema já delineado na apresentação dupla de -idênticas moções de rejeição ao Programa do Governo.

O Sr. Bento Gonçalves (PSD): - Que dedução...

O Orador: - Isto é: sempre que em cada ponto concreto os vossos dois partidos sintam a necessidade de votar contra o Governo, contra o PS ou CDS, vão ter a necessidade de recorrer a formas distintas para no fundo realizarem a mesma coisa.

O Sr. José Vitorino (PSD): - E depois?

O Orador: - Isso vai enriquecer bastante a actuação deste Parlamento, mas vai fazer com que talvez gastemos algum tempo. E pode a Sr.ª Deputada estar descansada porque pelo facto de haver neste Parlamento uma maioria clara, ela não vai ser utilizada por aqueles que a constituem no sentido em que, por exemplo, na Assembleia Regional dos Açores ou da Madeira é utilizada a maioria de que o vosso partido aí dispõe para inviabilizar, para chumbar sistematicamente, as iniciativas legislativas da oposição, chegando até um dirigente do vosso partido a declarar que a oposição naquela Assembleia nada fazia, nem era necessária, porque era minoritária.

Risos do PS.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Multo bem!

O Orador: - Regato, a terminar, que, pela voz da Sr.ª Deputada Helena Roseta, o seu partido declarou que tinha sido por vontade própria, por deliberação dos seus próprios órgãos e dirigentes políticos que o PSD tinha resolvido ser oposição em relação ao II Governo Constitucional.

Uma voz do PSD: - E não tenha dúvidas.

O Orador: - Nós não tínhamos dúvidas, mas quando ouvíamos certos dirigentes do vosso partido declarar que tinha sido o PS que tinha, por maquiavelismo, pela maneira como conduziu as negociações durante a crise política, provocado a exclusão do PSD da nova solução política e dó novo Governo, nós ficávamos com dúvidas a esse respeito. Mas, assim, verificamos, e com agrado, que não foi o vosso partido que foi excluído de nenhuma solução; foi o PSD quem, por deliberação própria, se excluiu do novo Governo e da solução política que foi encontrada.
Essa declaração da Sr.ª Deputada Helena Roseta tem o mérito de repor a verdade sobre aquilo que nós já sabíamos, mas que alguns dirigentes do seu partido ainda ignoravam.

Aplausos do PSD.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Peço a palavra para um protesto, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Manuel Alegre tem a palavra.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Deputado Magalhães Mota fez um esforço para ter graça e eu queria só lembrar-lhe que nem eu nem o meu camarada Carlos Laje carregámos aos ombros o ditador Marcelo Caetano, quando algumas pessoas tiveram a ingenuidade de acreditar que ele ia liberalizar este país.

Aplausos do PS.

O Sr. Magalhães Mota {PSD): - Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Magalhães Mota. tem a palavra para um contraprotesto.

O Sr. Magalhães Mota (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Creio que mais uma vez se revelaram divergências na bancada do PS: o Sr. Deputado Jaime Gama pensava que eu me tinha divertido, o Sr. Deputado Manuel Alegre parece pensar que não. Deixo o problema a ambos...
Porém, queria dizer ao Sr. Deputado Manuel Alegre que. se pensou atingir-me, não o conseguiu.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - E queria dizer também ao Sr. Deputado Manuel Alegre que não creio que esteja em condições de, muito facilmente, disparar fechadas para quem quer que seja.

Aplausos do PSD.

O Sr. Sérvulo Correia (PSD): - Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Sérvulo Correia pede a palavra para que efeito?

O Sr. Sérvulo Correia (PSD): - Para fazer um protesto em relação a uma afirmação do Sr. Deputado Jaime Gama.

O Sr. Presidente: - Faça favor Sr. Deputado.

O Sr. Sérvulo Correia (PSD): - Referindo-se à afirmação da minha colega de bancada Helena Roseta, segundo a qual nós decidimos ser oposição, veio o Sr. Deputado Jaime Gama habilidosamente, como, aliás, é seu timbre, procurar induzir em confusão aqueles que aqui nos ouvem. Com efeito, o Sr. Deputado Jaime Gama não agora porque esteve no cerne dessas negociações e do esquema que acabou por prevalecer, que sempre, no decurso dessas negociações, nos foi dito pelo Sr. Deputado Jaime Gama e pelos seus dois camaradas que o acompanhavam nesses trabalhos que ou aceitariam fazer uma plataforma com incidência governamental com o PSD ou com o CDS, mas nunca com os dois. E, quanto a nós, se quiséssemos ficar no Governo, que escolhêssemos, que transigíssemos, que aceitássemos, pelo menos aquilo que já tinha sido aceite pelo CDS.
Sr. Deputado, nós sempre dissemos que não aceitaríamos determinadas coisas que o público conhece,

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nomeadamente o acordo compensatório com o PC e, portanto, aí, efectivamente, deliberámos não formar Governo com os senhores, mas porque os senhores não estavam em condições ou não desejavam estabelecer aquela plataforma tripartida com uma base programática sólida que nós entendíamos necessário fazer para resolvermos problemas deste país.
Agora, o Sr. Deputado, quando vem, referindo-se à afirmação da minha colega, dizer que nós quisemos ser oposição e que o quisemos desde o princípio, saiba que isso não corresponde à realidade e, por outro lado, ignora o seguinte ou parece esquecer-se de que, tal como há bocado disse, depois de, quase no termo das negociações, nos comunicarem que iam formar Governo com o CDS e nos terem proposto uma plataforma de outro tipo, portanto, um tipo de acordo feito entre o PS como partido do Governo, e o nosso, como partido de oposição, nós dissemos não, e dissemos que ficaríamos na oposição, descomprometidamente, de mãos livres e foi precisamente a esse ponto e à deliberação que, nesse sentido, foi tomada no Congresso do Porto que a Sr.ª Deputada Helena Roseta se referiu.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Alegre, presumo que para..

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Para direito de defesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Como, Sr. Deputado?

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Para direito de defesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Eu quero dizer que estou em perfeitas condições políticas e morais para disparar as fachadas que entender contra quem quer que seja, e, sobretudo, contra aqueles que contra mim as disparam. O Sr. Deputado Magalhães Mota fez uma afirmação misteriosa que eu interpreto como uma insinuação e tenho o direito, como Deputado eleito que fui, de lhe exigir explicações ou desculpas.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota.

O Sr. Magalhães Mota (PSD): - O Sr. Deputado Manuel Alegre não tem o direito de defesa. O Sr. Deputado Manuel Alegre foi quem quis atacar.

Protestos do PS.

Segundo ponto, igualmente claro e igualmente firme...

O Sr. António Macedo (PS): - Ora essa! ...

O Orador: - Sr. Deputado António Macedo, eu não estou a falar consigo.

O Sr. António Macedo (PS): - Como, como?

O Orador: - Não estou a fadar com o Sr. Deputado.

O Sr. António Macedo (PS): - E é bom que não fale. porque frechas tenho eu para dar...

O Orador: - Pois, certo. Encantado, Sr. Deputado ...
O Sr. Deputado Manuel Alegre não obterá de mim que faça algo que poderia parecer uma delação.

O Sr. Herculano Pires (PS):- Está a fazê-lo, Sr. Deputado.

O Orador: - Não o faço, não quero fazê-lo, não quero insinuar nada, não quero sugerir nada.

Vozes do PS: - Está, sim, Sr. Deputado.

O Orador: - Portanto, não o farei. Isso não obterá de mim, e, portanto, tal como não insinuo.

O Sr. Herculano Pires (PS): - Está a fazê-lo, Sr. Deputado!

O Orador: - Não estou, não, Sr. Deputado, do mesmo modo que não darei mais explicações e não estranharei sequer as preocupações do Sr. Deputado.

Vozes do PSD: - Muito bem!

Protestos do PS.

O Sr. Jaime Gama (PS): - Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Jaime Gama pede a palavra, e eu chamo-lhe a atenção para o facto de o seu partido ter já ultrapassado em três minutos o tempo regimental. De qualquer modo, faça o favor de dizer para que efeito pede a palavra.

O Sr. Jaime Gama (PS): - Sr. Presidente, deixo ao seu critério o facto de eu fazer um curtíssimo contraprotesto às declarações do Sr. Deputado Sérvulo Correia, depois desta infeliz intervenção do Sr. Deputado Magalhães Mota.

Protestos do PSD.

O Sr. Presidente: - Como creio não haver oposição da Câmara, o Sr. Deputado pode fazê-lo.

O Sr. Jaime Gama (PS): - O Sr. Deputado Sérvulo

Correra disse duas coisas surpreendentes e que contêm na sua simples transcrição um desmentido daquilo que afirmou, porque disse que o PS tinha, nas negociações, proposto ao PSD que ou lhe interessava fazer um acordo com ele ou com o CDS, em alternativa. Depois, disse que da nossa parte tinha havido a declaração de que estávamos dispostos também a subscrever um acordo com o PSD desde que o PSD também aceitasse aquilo que o CDS tinha aceite.

Vozes do PSD: - Ninguém disse isso!

O Sr. Moura Guedes (PSD): - É má fé!

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O Orador: - É uma declaração surpreendente, que demonstra a confusão com que o PSD analisa estes

problemas.

Em segundo lugar, e segunda afirmação surpreendente, disse o Sr. Deputado Sérvulo Correia -penso que não se trata de má fé da minha parte, transcrever o que ele disse ...

Vozes do PSD: - É má fé, sim senhor!

O Orador: - «... - não é verdade que quiséssemos ter sido oposição desde o início.» É este o proposto louvável que presidiu à declaração de intenções de «ter caras nossas», do PSD, no Governo. Verifico, agora, que é bem contra vontade, bem contra vontade, que o PSD, talvez por ser um partido de vocação governamental por excelência, se encontra na oposição e que, quando fala e elogia o papel da oposição, afinal, não pensa que está a desempenhar um papel tão necessário como aquele que na realidade é.

A Sr.ª Helena Roseta (PSD): - É para admirar.

O Sr. Sérvulo Correia (PSD): - Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Sérvulo Correia pede a palavra para que efeito?

O Sr. Sérvulo Correia (PSD): - É para dar uma curta explicação, uma vez que o Sr. Deputado Jaime Gama, manifestamente, não me entendeu.
O que eu aqui disse foi o seguinte, e, aliás, não o disse aqui pela primeira vez, pois tinha-o dito em público e por escrito mais do que uma vez: os negociadores do PS - e, aliás, o Sr. Deputado Jaime Gama não o negou, nem o poderia fazer - sempre nos disseram que só fariam a plataforma de incidência governamental ou connosco ou com o CDS. Uma vez que as nossas negociações com eles começaram depois das negociações havidas entre o PS e o CDS. repetidamente, perante a nossa não aceitação de um acordo compensatório com o PC, perante a nossa não aceitação d; um estatuto qualitativo diferente para os nossos membros do governo de estatuto dos do PS, qualitativo, repito, porque não está em questão a distribuição de pastas ou meros aspectos quantitativos, os senhores negociadores do PS logo na segunda sessão de negociações que tiveram connosco disseram-nos: não, se vocês querem fazer a plataforma preferencial connosco, vocês terão de, pelo menos, aceitar aqueles pontos que o CDS já aceitou.
Isto, evidentemente, pressupunha uma insinuação.
Agora se podaria concluir que, se nós fôssemos no leilão e, pelo menos, aceitássemos aquilo que o CDS já tinha aceite, os senhores talvez tivessem um acordo connosco e não com o CDS. Portanto, eu nunca disse que os senhores estavam dispostos a fazer acordos simultaneamente com o PSD e o CDS. Não, Sr. Deputado, isso nunca esteve em causa.

O Sr. Jaime Gama (PS): - O Sr. Deputado dá-me licença que o interrompa?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Jaime Gama (PS): - O Sr. Deputado pensa que é útil para este debate que se continue com esta política? O Sr. Deputado pensa que um partido deve viver a remoer o seu passado, ou que, pelo contrário, mesmo contra vontade, na oposição, não lhe assiste o dever de ser, talvez contra vontade, um partido voltado para o futuro?

Aplausos do PS.

O Orador: - Certamente, Sr. Deputado, certamente. Porém, o que nós não aceitamos - e perante isso não nos calaremos - é que a máquina de propaganda do seu partido, aliás, aparentemente dirigida pelo Sr. Deputado Jaime Gama em pessoa...

Risos do PS.

.. procure induzir em erro a opinião pública e apresentar-nos com a imagem de quem tem tido uma actuação que não foi a nossa. Quanto a isso, não contem que nos calemos ou que vamos transigir.

Aplausos do PSD.

Mas, quanto ao resto, esteja o Sr. Deputado descansado que nós somos efectivamente um partido virado para o futuro. O Sr. Deputado ouviu-me ontem e verificou que nós somos um partido que, neste momento, pensa em preparar tudo para ganhar as próximas eleições.

Aplausos do PSD Risos do PS.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado José Luís Nunes pede a palavra para que efeito?

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: permitiu-se o Sr. Deputado Magalhães Mota fazer aqui uma série de afirmações acerca do meu camarada Manuel Alegre. Se alguém se permitir dizer nesta Câmara que eu não tenho tempo para me referir a essas afirmações, essa falta de tempo cairá sobre o carácter de quem fizer essa afirmação.

Protestos do PSD

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Luís Nunes, o seu partido tenha já mais de um quarto de hora sobre o tempo que lhe foi atribuído. Eu suponho que, quanto a direito de defesa, o Sr. Deputado Manuel Alegre já se defendeu.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Não chega, Sr. Presidente.

Protestos do PSD

O Sr. Presidente: - Suponho que o Sr. Deputado José Luís Nunes pretende inventar uma figura regimental que não conheço, que é a defesa por procuração.

Risos do PSD.

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O Sr. José Luis Nunes (PS): - Não, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, eu penso não me ser possível dar-lhe a palavra para esse efeito

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Presidente, eu peço imensa desculpa, mas não pretendo usar a defesa por procuração. O meu colega Manuel Alegre não precisa de procuradores e existem determinadas regras dentro do ambiente democrático que, e que me perdoe, Sr. Presidente, devia ter sido V. Ex.ª a chamar inicialmente a atenção para elas.

O Sr. Presidente: - Eu peço desculpa, mas o Sr. Deputado Manuel Alegre já se defendeu, e por isso, dado que o seu partido já não dispõe, de tempo, não posso, a menos que a Câmara nisso consinta, dar-lhe mais tempo.
A Câmara tem algo a opor?

Pausa

Tem a palavra o Sr. Deputado Marques Mendes.

O Sr. Marques Mendes (PSD): - Sr. Presidente, eu só queria perguntar se esse excesso de tempo também é concedido aos restantes partidos?

O Sr. Presidente: - Certamente, Sr. Deputado.

O Sr. Marques Mendes (PSD): - Pois, se assim é, não vemos inconveniente em ouvir o advogado de defesa do Sr. Deputado Manuel Alegre.

Risos

O Sr. Presidente: - Fica assente que o tempo que o PS utilizar será igualmente utilizado pelos outros grupos parlamentares, se assim o desejarem.
Tem, então, a palavra o Sr. Deputado José Luís Nunes.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Eu não sou advogado de defesa do Sr. Deputado Manuel Alegre. Em primeiro lugar, porque o Sr. Deputado Manuel Alegre não está a ser atacado, nem a ser julgado; segundo, porque as afirmações que aqui foram feitas pelo Sr. Deputado Magalhães Mota fazem parte daquelas que alguém dizia que «são tão inverosímeis que nem sequer têm a possibilidade de serem salvas».
Aquilo que eu queria dizer é que existe, ou tem existido, e espero que continue a existir, dentro desta Câmara uma clara fundamentação do que é o debate político. O debate político, Sr. Presidente e Srs. Deputados, pode e deve ser vivo, e eu próprio tenho dado demonstração de que não só tenho um debate vivo, como aceito que seja tratado com vivacidade. Tem que ser verdadeiro, tem que ser completo, tem que ser total. Mas com o que o debate parlamentar não se compadece é com a insinuação, com a afirmação encoberta, com um não esclarecimento e é com os ataques pessoais. Que exemplo é que esta Câmara pode dar ao País se permitisse que no seu seio se fizessem imputações que são em si e de per si caluniosas, quando, ainda há pouco tempo, todos nós aplaudimos o Sr. Primeiro-Ministro quando ele condenou certa imprensa que lançava campanhas de calúnia?
Que respeito tem por si próprio um partido que pela voz do seu presidente afirmou publicamente do alto daquela tribuna que não usaria nunca - e creio que o não vai fazer - a calúnia como arma política? Que conteúdo tem, ou não tem, objectivamente a frase «eu não sou um delator» proferida a um Sr. Deputado? Essa frase, Sr. Deputado Magalhães Mota, que pouco conheço do que tenho trabalhado consigo na Comissão de Defesa Nacional, nesta Assembleia é tão-só e manifestamente infeliz, e nada mais poderia, se fosse tomada à letra, significar senão que V. Ex.ª era cúmplice ou encobridor de alguma coisa, o que eu sei que é manifestamente falso, que é manifestamente errado. E quero dizer-lhe que, ao contrário do que o seu partido poderia pretender, ou de alguns poucos elementos do seu partido, animados não de forma alguma de má-fé mas por uma paixão partidária que a honra desta Câmara não pode de forma nenhuma tolerar nestas circunstâncias, deve encontrar em mim não um advogado de defesa, mas um homem que aqui, nesta Assembleia, não deixará de lutar pela preservação das instituições, da lealdade e do debate entre todos os Deputados, sem excepção.

Aplausos do PS.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Manuel Alegre pede a palavra para que efeito?

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Sr. Presidente, eu serei muito breve. Quero dizer que estou surpreendido com a atitude, do Sr. Deputado Magalhães Moía, que reputo de extremamente grave. O Sr. Deputado não quis dar as explicações e isso obriga-me, com tristeza, a que tenha de, a partir de agora, considerá-lo como uma pessoa capaz de veicular calúnias e atingir a honra de outras pessoas.

O Sr. Magalhães Mota (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota.

O Sr. Magalhães Mota (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Queria fazer minhas as palavras do Sr. Deputado José Luís Nunes. Queria dizer que também eu penso que o debate político não pode ser nem ataque pessoal, nem a calúnia. Por isso, não pude deixar de reagir, e, de reagir com energia, à afirmação caluniosa do Sr. Deputado Manuel Alegre, que fez uma insinuação a propósito do Sr. Prof. Marcelo Caetano, que era caluniosa, que era grave, injuriosa, intencional e violenta. Daí que me tenha defendido com toda a energia.
Ceido, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que também eu lamento que o debate político seja confundido com o debate pessoal.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Aboim Inglês.

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13 DE FEVEREIRO DE 1978 1445

O Sr. Aboim Inglês (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Ministros: A defesa e consolidação das liberdades e das outras conquistas da Revolução de Abril, que rasgou nova época para a história pátria, e o progresso económico-social acelerado, que se exige para recuperar o secular atraso do nosso país e responder às necessidades e anseios do povo português, são inseparáveis de uma política nacional independente.
É facto histórico incontestável que a dependência externa, ou melhor, o domínio explorador de potências imperialistas sobre os destinos de Portugal, os seus recursos naturais e o trabalho do seu povo, foi um dos mais negativos factores responsáveis, tanto pelo nosso subdesenvolvimento económico-social, como pela falta de liberdade imposta ao povo português na longa noite do fascismo.

Aplausos do PCP.

Mas é igualmente hoje uma clara experiência (que tem sido quase diariamente vivida pelo nosso povo durante estes últimos quatro anos, e por isso se torna verdade reconhecida e consciente para um número crescente de portugueses a da continuada campanha imperialista para recuperar a integralidade daquele domínio sobre Portugal, seriamente abalado pelo 25 de Abril, por parte precisamente daquelas mesmas potências que antes do 25 de Abril o exerceram.
Por isso. não é patriótica, não serve o novo Portugal que a Constituição consagra nem os mais profundos interesses e exigências do povo e da Nação portuguesa uma política externa que não tenha como primeira e prioritária preocupação a salvaguarda e reforço da (independência nacional.

A Sr.ª Ercília Talhadas (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Esta é a primeira razão e ela é por si suficiente para que rejeitássemos o Programa do Governo que estamos apreciando, quer pela letra e espírito do seu capítulo sobre política externa quer pela orientação global de todo o Programa, que aquele capítulo apenas traduz e reforça.

A Sr.ª Hermenegilda Pereira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Ministros: Com a autoridade que lhe cabe e conhecimento de causa, o Sr. Ministro das Finanças e do Plano, no seu discurso (a cuja clareza não quero deixar de prestar tributo) afirmou que o deficit da balança de pagamentos era o primeiro e mais premente dos problemas objectivos que integram a profunda e grave crise nacional. Nem por não ser nova é menos verdadeira a asserção. E chegou mesmo a afirmar que: «A luta pela maior independência nacional, dentro dos limites que esta pode ter no mundo moderno, passa hoje essencialmente pela nossa determinação colectiva em reduzirmos o deficit da balança de pagamentos.» Afirmação com cujo conteúdo essencial também nós, PCP, concordamos, já que de há muito o temos vindo a afirmar e demonstrar. Só que «determinação colectiva» não basta; para que ela se mobilize e para que ela atinja o seu patriótico fim é imprescindível outra via de solução, que não aquela que o Programa do Governo
aponta e o Sr. Ministro proeurou fundamentar, aliás referindo na sua análise alguns dos factos que fazem com que a «solução» que defendeu não seja solução.

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Esclareceu o Sr. Ministro que a responsabilidade pelo agravamento brutal dos deficits da balança de pagamentos desde 1974. as suas principais causas, não residem no nosso regime democrático, mas sim «em factores internacionais não controláveis pelo nosso país», e designadamente na «deterioração dos termos de troca», isto é, precisamente um dói mecanismos essenciais actuais da exploração imperialista. Como muito objectivamente reconhece, «a deterioração dos termos de troca de quase 30% desde 1974 representa um imposto cobrado pelo exterior sobre o conjunto da economia e implica, portanto, um empobrecimento real do País». Resultado líquido do «imposto» imperialista: temos 110 milhões de contos de dívidas, onde podíamos ter 9 milhões de saldo positivo...
No início do seu discurso, o Sr. Ministro dissera que «há um preço a pagar pela nossa própria liberdade». Como profundo conhecimento de causa poderia dizer-lhe, e estou certo de que concordará, que a liberdade, «0.1110 a honra, não tem preço. Ma. compreendendo o que o Sr. Ministro pretendia dizer no contexto, posso convir agora em que mais de 100 milhões de contos em 4 anos de «pagamento de impostos» ao imperialismo - mesmo até somados aos incontáveis milhões antes extorquidos e a alguns que ainda nos hão-de extorquir - não seriam preço alto para a nossa liberdade, se com eles «comprássemos» de facto a independência, a soberania, o futuro livre da nossa Pátria, em vez de nos empenharmos, como nos empenhamos, de facto, mas e mais, nos laços da dependência externa, no garrote dos empréstimos, nas cadeias da escravidão imperialista.

Aplausos do PCP.

Obstáculo a termos podido compensar o aumento dos preços dos produtos que importámos foi sem dúvida a «depressão económica nos mercados onde vendemos». Como objectivamente refere o Sr. Ministro, «os novos dados da crise económica internacional foram deste modo a principal causa dos deficits acumulados por pequenos países como Portugal, e a persistência daquela crise continua a afectar fortemente as nossas possibilidades de recuperação», nomeadamente, explicitamos nós. pela barreira que opõe às nossas exportações e pelo empenho acrescido em impor os seus excedentes no nosso mercado a preços de «amigos», isto é de extorsão imperialista. Compreende-se bem o sabor amargo das pílulas que têm de engolir aqueles que hão-de discutir com tais «amigos», bem piores que os de Peniche! E queira o povo de Peniche desculpar-me a expressão, pois não pretendo ofendê-lo. Compreendem-se bem quantas dificuldades se abatem sobre os representantes de um «país pequeno e pobres» quando se colocam na dependência exclusiva da «solidariedade» de tais prestamistas os tubarões monopolistas internacionais! E lamenta-se, por eles. Mas terá da se recusar, pelo País.

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Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Ministro. Na raiz da alegada intransponibilidade destas dificuldades está o colete de forças que se pretende vestir à força à Nação portuguesa, está a falsamente alcunhada «opção europeia», que é, no dizer claro do Programa e da intervenção do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, «objectivo central da nossa política externa». Objectivo esse que determina aquilo que se alcunha de «vectores essenciais da vocação económica de Portugal», descoberta peregrina de ocasião, absolutamente contrária à nossa Constituição e às exigências objectivas da nossa realidade, e que, nem mais nem menos, consiste nas funções dependentes que o imperialismo da Comunidade Económica Europeia (CEE), e não só, atribui ao nosso país dentro da sua esfera de dominação: «abertura ao exterior» (isto é, mercado aberto para os excedentes de mercadorias e capitais desses países terem a colocação fácil que a crise geral do capitalismo lhes torna cada vez mais difícil de encontrar) e «especialização» (isto é, de novo a mão-de-obra barata do antigamente e empresas e produções de terceira e quarta categoria na divisão internacional de trabalho imperialista).
A construção técnico-económica que o Sr. Ministro das Finanças e do Plano laboriosamente construiu para «demonstrar» que solução há só uma, a que apresenta o Programa do Governo de coligação PS/CDS, e mais nenhuma, cai pela base. Porque a base é este princípio não explicitado nem fundamentado, donde parte toda a construção: a falsamente alcunhada «opção europeia», que não é uma opção determinada por razões económicas, mas políticas; razões políticas que não são de interesse nacional, mas de interesse de classe;...

O Sr. Amaro da Costa (CDS): - Não apoiado!

O Orador: -... é opção que não é opção, mas submissão às imposições exteriores, aos reais interesses do povo e da Nação portuguesa.

Aplausos do PCP.

O Sr. Amaro da Costa (CDS): - Não apoiado!

O Orador: - Como já afirmámos noutra ocasião, «a falsamente alcunhada opção europeia, isto é, o pedido de adesão ao Mercado Comum dos Nove não representa qualquer novo rumo nas relações internacionais do nosso país [...], representa o regresso ao passado [...], compromete gravemente a independência nacional e o progresso económico-social do povo português».

O Sr. Macedo Pereira (CDS): - Isso é surrealismo!

O Orador: - Constitui intolerável afronta ao interesse nacional e à nossa inteligência invocar dependências herdada; não para adoptar novo rumo que as diminua, mas como pretexto para prosseguir e acentuar uma política suicida que conduziria à integral submissão do novo Portugal democrático e antimonopolista à mni-Europa dos monopólios, a Comunidade Económica Europeia.
E nem se diga, como rapidamente, se proclama a este propósito, que acima de tudo, em termos económicos, há que ser «realista» e «pragmático». Porque além de tudo o mais, esta pseudo-opção e pseudo-é tudo o que há de mais irrealista e prejudicial: a integração na CEE é impossível e não se realizará. Trata-se de uma manobra política para ajudar a impor ao Portugal do 25 de Abril a recuperação capitalista, latifundista e imperialista...

Aplausos do PCP.

Risos do CDS.

...ao arrepio do espírito e da terra da Constituição, das nossas realidades nacionais e das realidades da situação internacional. E trata-se também, é óbvio, de um mau negócio», ligarmo-nos ainda mais a uma Europa doente e em profunda crise, pois «a Europa dos Nove, para a qual convergem tantos anseios políticos burgueses, sofre uma grave crise económica, que irá durar por muitos anos ainda». A afirmação não é minha. Adivinhem os Srs. Deputados de quem será?

Risos do PCP.

Protestos do PS.

Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Ministros: Não me resta tempo para referir, uma por uma, todas as questões concretas constantes do Programa do Governo de coligação PS/CDS em matéria de política externa;, assim como o significado e eventuais consequências da entrega do Ministério dos Negócios Estrangeiros a uma «personalidade» do CDS.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - E bem!

O Orador: - Optei por ir ao fundo da questão e à questão de fundo.
Mas o que pensa o PCP dessas outras questões, aliás subordinadas, resultará claramente do cotejo deste Programa do Governo com as «Medidas» para a defesa da democracia e da independência nacional», aprovadas pelo VIII Congresso do meu Partido.
Porém, se critiquei aquilo que sei apresenta como orientação básica fundamental da política externa que informa o Programa do Governo, não quero deixar ao menos de lembrar explicitamente que o PCP defende, como orientação básica da política externa portuguesa, a decidida, tenaz e activa diversificação das nossas relações externas, única via capaz de, no mundo de hoje, reforçar a independência e possibilitar o progresso de Portugal.

Aplausos do PCP.

Tal orientação, aliás exigida pala Constituição, não enforma, como vimos, o Programa do Governo, e por isso o que nele a propósito se diz não é garantia suficiente, dada ainda a prática do Governo anterior, de que deixará de se praticar a criminosa e antipatriótica subestimação e sabotagem das nossas relações de amizade e cooperação, designadamente, com os países socialistas, os países africanos independentes de expressão portuguesa e os países árabes.
Deveria ainda examinar as questões programáticas «referentes aos «migrantes. Já não deponho de tempo.

O Sr. Oliveira Dias (CDS): - Ainda bem!

O Orador: - Estou convicto, contudo, de que os

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problemas que aqui levantei são problemas vitais comuns a todos os portugueses, portanto também aos emigrantes, que portugueses são.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador - Noutra ocasião tratarei mais concretamente dos seus problemas próprios.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não compartilhamos da visão pessimista da situação internacional subjacente a este Programa. Não «apostamos» no renovo da guerra fria em que, em vários passos e medidas, este Programa se empenha.
Apreciamos a situação internacional com realismo, vendo os perigos que as forças mais reaccionárias representam e pretendam reactivar, mas vendo com igual realismo a corrente profunda favorável à paz, ao desarmamento, à segurança, à democracia, à independência nacional, ao progresso social e ao socialismo, que continua a engrossar na Europa e no Mundo.

Aplausos do PCP.

Afirmamos a nossa profunda confiança nessas forças do progresso, tal como estamos inquebrantavelmente confiantes nos sentimentos e consciência patrióticos da classe operária, das forças populares e democráticas de Portugal, no futuro livre, independente e socialista da nossa Pátria.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Amaro da Costa.

O Sr. Amaro da Costa (CDS): - Sr. Deputado Aboim Inglês, lamentavelmente o seu discurso não traz nada de novo relativamente àquilo que seria de esperar, o que quer dizer também que em matéria de política externa e de realismo na análise da situação concreta da posição de Portugal no Mundo o seu partido continua fiel a uma linguagem irrealista e idealista e, por consequência, completamente desajustada das realidades.

Vozes do PCP: - Ah! ...

O Orador: - Ao contrário do que o Sr. Deputado Aboim Inglês pensa, Portugal integrar-se-á na Comunidade Económica Europeia (CEE)...

A Sr. Maria Emília de Melo (PS): - Muito bem!

O Orador: -.... ao contrário do que o Sr. Deputado pensa, Portugal será membro do Mercado Comum, e, ao contrário das suas profecias, tudo isso vai verificar-se, porque é a opinião clara da maioria do povo português.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - E o Sr. Deputado pode dizer, contra a maioria do povo português, que nunca se verificará a adesão de Portugal ao Mercado Comum, que o povo português, na sua maioria, lhe dirá que o Sr. Deputado se engana, o, mesmo, que o Sr. Deputado tente o contrário, será mais uma vez derrotado nas suas profecias, assim como o seu partido o tem sido noutras profecias que tem feito.
Mas admitindo que, por hipótese, Portugal adere de facto à Comunidade Económica Europeia (CEE) - e imagino que o Sr. Deputado poderá admitir esta hipótese como um cenário improvável ou impossível, na sua opinião, mas que, em todo o caso, é um cenário possível na medida em que é partilhado pela maioria desta Câmara -, se isso acontecer, qual será a posição do Partido Comunista: aderirá à participação nas instituições comunitárias, designadamente aceitará enviar delegados seus ao Parlamento europeu ou recusar-se-á a isso? O Partido Comunista adoptará a posição dos comunistas franceses e dos comunistas italianos ou abdicará da solidariedade internacionalista com esses dois partidos, dizendo que não comunga dos seus pontos de vista, e, por consequência, se põe em oposição frontal àquela que esses dois partidos já adoptaram?

A Sr.ª Ercília Talhadas (PCP):- Vá à bruxa, Sr. Deputado.

O Orador: - Qual é, do ponto de vista da análise do Partido Comunista, as consequências que extrai da sua adesão ao marxismo-leninismo e ao internacionalismo proletário quanto à provável adesão de Portugal ao Mercado Comum e à participação nas instituições comunitárias?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Aboim Inglês, o seu grupo parlamentar dispõe apenas de seis segundos, mas como há o bónus dos dezoito minutos, poderá responder, se desejar.

O Sr. Aboim Inglês (PCP): - Sr. Presidente, antes de responder ao Sr. Deputado Amaro da Costa, eu gostaria de saber se não há mais pedidos de esclarecimento.

O Sr. Presidente: - Não, Sr. Deputado. Pode, portanto, responder já, se assim o entender.

O Sr. Aboim Inglês (PCP): - Sr. Deputado Amaro da Costa, se o meu grupo parlamentar, em vez de dispor de seis segundos, tivesse dezoito segundos, esse tempo seria o suficiente para lhe responder, Sr. Deputado.
O Sr. Deputado Amaro da Costa fez-me perguntas sobre hipóteses: perguntou-me sobre qual será a posição do PCP se... e tendo em conta que outros partidos... tal e tal... Quanto a isto, eu tenho apenas a dizer-lhe que o meu partido toma, pela sua cabeça e pela sua direcção, as posições que entende tomar em cada caso concreto e ao chegar o momento devido.

Aplausos do PCP.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - É sobre a hora!

O Sr. Lino Lima (PCP): - O Sr. Deputado ainda não percebeu que nós não estamos aqui a brincar?

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Carmelinda Pereira.

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A Sr.ª Carmelinda Pereira (Indep.): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Nós Deputados socialistas presentes nesta Assembleia, fomos todos eleitos segundo um programa socialista. Hoje encontramo-nos aqui, todos, numa situação difícil: a crise agrava-se e as suas consequências abatem-se sobre todas as camadas da população trabalhadora e aqueles que foram os pilares do regime fascista procuram vingar-se dos trabalhadores e do 25 de Abril. Eles organizam a repressão nas empresas, despedem e ameaçam. Os trabalhadores para se defenderem, para defenderem os seus direitos, para defenderem as liberdades, e a democracia contra o patronato, contra a reacção, base de apoio do PSD e do CDS, precisam de um PS forte.
A partir do momento em que se constitui um Governo do PS com o CDS, o PS enfraquece-se.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: A minha posição e a posição do meu camarada Aires Rodrigues nunca foi contra o PS. Tudo o que dissemos, sobre o nosso combate, quer dentro do partido quer depois de termos sido expulsos, foi em relação à política que foi desenvolvida, política essa que permitiu redobrar a arrogância e a audácia dos saudosistas do passado, dos inimigos do PS, política que conduziu à difícil situação em que hoje os racistas se encontram. O nosso combate foi contra a política e as medidas que levaram a direcção do PS a tornar-se por completo refém das forças da burguesia, das forças inimigas do socialismo, da liberdade e da democracia.
Os militantes do PS sentem-se hoje indignados porque eles constatam que as medidas que foram tomadas, e que muitos deles aceitaram como um mal necessário para permitir à direcção governar, em vez de levarem o País para um caminho socialista, conduziram a um governo com o CDS, a um Programa do Governo sob os ditames do CDS.
Os trabalhadores e os militantes do PCP que ouviram dizer tantas vezes à sua direcção que as medidas do Governo eram más, mas que era necessário que não se fizesse grandes lutas contra elas, porque isso levaria à instabilidade e à queda do Governo - «única alternativa de esquerda», como dizia o PCP-, constatam que o facto de não se ter organizado a acção eficaz pela mudança de orientação política do Governo levou à sua queda, levou ao reforço da reacção que hoje procura impor à orientação do País e até à do próprio Partido Socialista.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A situação é difícil para os trabalhadores. Nós, socialistas, estamos numa situação difícil. Digo-o como o penso: Mário Soares está também numa situação difícil. Foi com ele que nós adoptámos o programa do PS; foi com ele que constituímos o PS; foi com ele que se constituiu o Governo Socialista, Governo que decorreu do facto de o PS se ter transformado no maior partido dos trabalhadores portugueses, no maior partido português.
O PS, partido que os militantes socialistas construíram, aprendendo a defender a democracia no seu próprio seio e no seio dos trabalhadores; o partido que os militantes socialistas construíram lutando corajosamente; pela liberdade de organização e de acção dos trabalhadores e por isso pela unidade, lutando pelas nacionalizações e pelas empresas em autogestão, pelas cooperativas, por uma reforma agrária justa, contra os latifundiários, contra os sabotadores, contra os pides, contra a Confederação dos Agricultores Portugueses (CAP) e contra a Confederação de Indústria Portuguesa (CIP), contra o CDS e o PSD que os representa. E muitas vezes, é preciso dizê-lo, lutaram contra forças políticas que em nome do socialismo instauraram a divisão e o sectarismo no seio das fileiras da população trabalhadora.
Os militantes socialistas reconhecem, e com razão, que o PS que nós forjámos em conjunto - é que é essencial no Governo para manter a democracia e não o CDS.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Mário Soares engana-se quando diz nas suas declarações que sacrificaria o seu partido à democracia, porque, em última análise, sacrificar o PS à democracia é sacrificar a democracia, e o PS.
Que garantias tendeis vós, dirigentes e militantes do PS, fazendo um Governo com o CDS? Que política pode fazer este Governo? Toda a gente o sabe, toda a gente diz - e o próprio Mário Soares o afirmou nesta Assembleia - que não é uma política socialista.
Um Governo que o CDS defende tão entusiasticamente, é um Governo cujo Programa é citado pelo CDS. E um Programa ditado pelo CDS representa a defesa dos interesses daqueles que despedem os trabalhadores, que organizam a especulação, que atacam a democracia, que organizam manifestações onde se grita: «Morte a Soares e morte aos socialistas!»- é um programa contra o PS.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Ena, pá!

A Oradora: - Sr. Presidente, Srs. Deputado?, Srs. Membros do Governo: Ontem, nesta Assembleia, o Sr. Ministro Vítor Constância afirmou: «Hoje ser progressista é ser realista e rigoroso». Estou de acordo consigo, Sr. Ministro. É preciso ser-se realista e rigoroso para se começar a resolver os problemas tão graves, deste país e que, segundo o Sr. Ministro, não são apenas do Portugal, são-no de todos os países da Europa, mesmo se com graus diferentes.
Diz o Sr. Ministro que não há tempo para demagogia nem para irrealismo! Mas eu pergunto como os trabalhadores perguntam: não será irrealismo e falta de rigor pretender-se resolver a grave crise deste país com uma política ditada pelo CDS e imposta pelo Fundo Monetário Internacional (FMI)? Não será irrealismo considerar-se que as rotações para os nossos graves problemas, consequência de uma crise que é do capitalismo, que o CDS representa, passam pela aplicação de um programa de medidas que decorrem do CDS e do capitalismo? A baixa da taxa de produção, o aumento das taxas de juro, a falência de centenas de pequenas e médias empresas, a ruína dos pequemos e médios agricultares, os despedimentos em massa que o Fundo Monetário Internacional quer não farão parte de uma política irrealista e com falta de rigor?
O canalizar de verbas para o ensino provado e confessional dos filhos-família, como quer o CDS,

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enquanto faltam verbas para as escolas oficiais, não será uma política irrealista e com falta de rigor?
Foi Mitterrand quem afirmou que as exigências do Fundo Monetário Internacional para Portugal eram intoleráveis. É Carlos Laje quem afirma que «o PS, pela sua capacidade internacional, está em condições de lançar uma ofensiva contra o FMI». Por que não há-de ser o nosso país a denunciar as campanhas do FMI?
Não nos podemos submeter à lógica do FMI, que por ser a lógica da retracção, pode comprometer o futuro da nossa economia. Não haverá então uma saída para a crie? Sim. Para o CDS e para o PSD as saídas tornam-se cada vez mais fechadas. É Eanes quem afirma: «Este Governo é um Governo possível.» Mas a saída para os trabalhadores existe, ela é a política que decorre do programa do PS; é a política que os trabalhadores portugueses querem e que os trabalhadores da Europa estão dispostos a apoiar, e decerto que não apoiarão as democracia-cristã.
E os trabalhadores da Europa estão em maioria e organizados, Srs. do CDS e do PSD. Eles têm mais força que a democracia-cristã.
Ser-se rigoroso e realista, Sr. Ministro Vítor Constâncio, é reconhecer que um Governo PS/CDS não permitirá resolver nenhum problema deste país. Por isso o PS e todos nós que fomos eleitos na base de um programa socialista, se a política deste Governo for avante, estaremos amanhã numa situação ainda mais difícil.
E porque o PS ficará amanhã numa situação ainda mais difícil, os trabalhadores portugueses estarão também numa situação mais difícil.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: como é que é possível defender a liberdade e a democracia com os inimigos da liberdade e da democracia? Não sou quem o explico. Mário Soares há pouco mais de um mês afirmou: «A direita e a extrema-direita procuram demolir as conquistas da Revolução, apagar todos os vestígios da nossa revolução.» Então eles ter-se-iam de repente tornado adeptos das conquistas da revolução da liberdade e da democracia?
Este Governo é um Governo sem futuro, é o que concluem os militantes socialistas e os trabalhadores que ouviram e que não se esqueceram das declarações de Mário Soares. O futuro é o futuro socialista, é uma política de medidas socialistas.
Os Srs. Deputados conhecem as minhas posições quanto à questão governamental

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Muito, muito!

A Oradora: - O PS e o PCP estão em maioria nesta Assembleia tal como o estão no País o que era necessário era um Governo do PS/PCP. Mas qual foi a posição dos dirigentes do PCP quanto a esta proposta, que foi apresentada e que a maioria dos trabalhadores quer ver concretizada?
Os dirigentes do PCP consideram-na de rematada demagogia. Deputados do PCP, não nos atirem mais pedra para os olhos! Não digam mais que o CDS entrou no Governo pelas mãos do PS. Não lavem desta situação as vossas mãos, A direcção do PCP conduziu este país ao impasse, governamental ao votarem contra o governo do PS. É preciso dizê-lo! Mas qual era a vossa alternativa?
Qual era e qual é a vossa alternativa, Srs. Deputados do PCP? Vocês disseram que era preciso um Governo na base de uma plataforma com todas as forças sociais e políticas sem discriminação. Hoje dizem que o CDS representa a reacção.
Votaram contra um Governo PS. Um Governo PS/PCP é irrealista; utópico, é rematada demagogia. Governo PS/CDS significa que o PS se aliou à direita e à reacção, pois o PS deixou entrar o CDS no Governo pelas suas mãos. Então que Governo? Será um Governo PS-PPD-CDS? É ainda pior!
Podem ainda fazer-se várias combinações no quadro desta Assembleia, mas quais estaria o PCP, e assim sou levada a interrogar-me se a direcção do PCP procura um Governo PS/PCP/PSD/CDS.

Risos,

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - E a UDP?

A Oradora: - Se assim for, o CDS e o PPD deixariam de ser partidos reaccionários?
Ora, ora, Srs. Deputados do PCP, devemos ser claros!
Os trabalhadores deste país, os vossos militantes, tal como os militantes socialistas tem o direito de exigir uma política clara. Senão o impasse continua. E o impasse recai sobre os trabalhadores que precisam de ver claro para saberem o que têm a fazer.
Os dirigentes do PCP afirmam: «O CDS é a extrema-direita legal deste país.» Eu estou de acordo e os trabalhadores portugueses também estão de acordo com estas declarações de dirigentes do PCP.
No que não se pode estar de acordo é que se diga: «O Governo PS-CDS dispõe ainda do benefício da dúvida.»
Srs. Deputados do PCP, os trabalhadores não têm nenhuma dúvida sobre a política de um Governo com a participação do CDS sendo este apoiado por aquele partido tão entusiasticamente.
Pergunto, Srs. Deputados do PCP, se inspirando dúvidas aos trabalhadores em relação a um Governo com o CDS não se estará a lançar a confusão nas suas fileiras? Não se estará a conduzi-los, por esse caminho, a um impasse? Quando o próprio Primeiro-Ministro afirma, ao assinar o acordo com o CDS, que este acordo seria até 1980, mas que poderia alterar em função da modificação da situação política actual, conduzindo os trabalhadores para um impasse não se estará a impedir que eles possam modificar a situação política a seu favor para que haja a ruptura com o CDS? Não se sendo claro e responsabilizando-se o PS por tudo o que de mau existe neste país não se estará a organizar a divisão no seio dos trabalhadores, o que, aliás, é o que a burguesia pretende, para poder fazer passar os golpes contra os trabalhadores e contra a democracia e contra o 25 de Abril?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Para os socialistas muita coisa começa a ser clara. Uma delas é que é preciso impedir a destruição do PS, porque o PS é o baluarte da liberdade e da democracia. E um partido que defende a liberdade e a democracia não pode aliar-se com. o CDS-

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É o que dizem os trabalhadores ao considerar esta coligação absurda. Eles tem razão, «a direita adere para trair». Disse-o, há alguns meses, Vasco da Gama Fernandes. Ele sabia do que falava.
Acoitar esta aliança seria aceitar a destruição do PS. E destruir o PS é destruir o instrumento que os militantes construíram, para defender e garantir a liberdade, a democracia e a construção do socialismo.
Sacrificar o PS à democracia é sacrificar o PS, a democracia, a liberdade e a construção do socialismo. Sr. Primeiro-Ministro, não se pode brincar com
a história!
Eu combato contra a destruição do PS, contra o seu enfraquecimento e é por isso que sou obrigada a votar contra este Governo PS/CDS, contra o seu programa sobre o qual não tenho quaisquer dúvidas.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Leite.

O Sr. Jorge Leite (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É para uma curta explicação.
Naturalmente que mos não somou responsável pela miopia política da Sr.ª Deputada e muito menos somos responsáveis pela sua demagogia. E bastante me surpreende que a Sr.ª Deputada tenha, no fundo reservado a maior parte da sua intervenção a atacar o PCP.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP) - Admiras-te?

O Orador: - Apenas vim esclarecimento mais, Sr.ª Deputada: nós votamos contra a política do I Governo Constitucional e lutámos por que o I Governo e o Partido Socialista fizessem uma política de esquerda. Se isso não aconteceu a culpa não é do Partido Comunista.

Aplausos do PCP.

A Sr.ª Hermenegilda Pereira (PCP): - Ela sofre da doença infantil...

A Sr.ª Carmelinda Pereira (Indep.): - Sr. Presidente, posso fazer uma pergunta ao Sr. Deputado?

O Sr. Presidente: - Tem ainda um minuto disponível. Pode fazer a sua pergunta, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Carmelinda Pereira (Indep.): - O Sr. Deputado Jorge Leite diz que o seu partido lutou contra a política do I Governo Constitucional, e como essa política não se modificou, os Srs. Deputados do PCP votaram contra o Governo do PS.
As perguntas que gostava de colocar ao Sr. Deputado são estas: qual foi a fórmula governamental, que os Srs. Deputados começaram a adiantar muitos meses antes de o Governo ter caído? e se não é verdade que diziam que era preciso um novo Governo assente numa plataforma com todas as forças políticas e sociais sem qualquer discriminação.

O Sr. Presidente: - Se o Sr. Deputado Jorge Leite desejar responder, faça favor.

O Sr. Jorge Leite (PCP): - Gostava de dizer só o seguinte: a Sr.ª deputada votou de facto no I Governo, pois fazia parte do partido que o apoiava. Nós não votámos nem sim nem não, porque não houve votação. Queria ainda lembrar-lhe mais o seguinte: como já disse um dia ao Sr. Deputado Aires Rodrigues, aconselhava-a a que lesse com atenção, com a devida atenção, os documentos do Partido Comunista. Talvez lucre muito com isso, ou melhor, não tenho dúvidas em que lucraria muito com isso.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem agora a palavra o Sr. Deputado Acácio Barreiros.

O Sr. Acácio Barreiros (UDP): - Sr. Presidente, Srs. Ministros, Srs. Deputados: Nesta intervenção queremos debruçarmo-nos, muito rapidamente, pois já dispomos de pouco tempo sobre algumas das questões económicas e financeiras que o mesmo levanta.
O Programa do Governo, argumentando a necessidade de combater a crise que a economia vem atravessando, aponta no sentido do reforço do capital privado, no sentido de uma dependência ainda maior do exterior, para o aumento das trocas de juro e para a consequente cada vez maior miséria dos trabalhadores.
O que nele se desigma por «restabelecer a confiança na solidez da economia» à custa do povo constitui o traço característica do mesmo e é a condição do FMI para a concessão do seu aval ao grande empréstimo do consórcio dos países capitalistas, o qual vem sendo apresentado como a tábua de salvação a que temos de nos agarrar se não quisermos ir para o fundo...
É no entanto essa política imposta peio FMI que nos empurra para o furado.
Comecemos por analisar o problema da balança de pagamentos.
Aponta o «Programa para a necessidade de uma política económica dita de «estabilização» que consistiria no essencial num conjunto de medidas de carácter restritivo que levasse à quase estagnação económica, permitindo desse modo reduzir o deficit da balança de transacções correntes para cerca de 40 milhões de contos para 1978. Isso permitiria, diz o Programa, o lançamento de políticas activas de recuperação económica nos anos seguintes, e assim ficariam para trás os anos difíceis para os trabalhadores.
No entanto, as medidas apontadas vão no sentido contrário, no sentido do reforço da nossa dependência face ao imperialismo.
Como se sabe, o problema da balança de pagamentos reside, fundamentalmente, nos crescentes desequilíbrios ao nível do comércio de mercadorias. Em 1977, para darmos só um exemplo, importámos mais de 190 milhões de contos, enquanto exportámos apenas 80 milhões de contos.
É aqui que se deve centrar o ataque a essa questão. No entanto, esse ataque deve ser dirigido no sentido de reduzir rapidamente as importações.
Enquanto se tiver de se importar, num só ano, mais de 35 milhões de contos de bens alimentares que em grande parte poderiam e deveriam ser produzidos internamente, enquanto se continuar a proceder à importação de 3 a 4 milhões de contos de peixe, enquanto as 200 milhas marítimas continuarem desaproveitadas, enquanto largas centenas de milhares de contos de artigos supérfluos e de produtos cuja pró-

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dução poderia avançar rapidamente sem que para tanto fosse necessário recorrer a importações significativas, enquanto tal situação não for radicalmente invertida, não há mezinhas nem medidas que ponham cobro a tal situação.
Mas o Programa do Governo aponta noutro sentido. Ao apontar a diminuição do ritmo de crescimento das importações, mas ao apontar, por outro lado, que se deve assentar o motor da recuperação económica nas empresas de exportações, e portanto no aumento das exportações. Esta é a via do reforço da política dos empréstimos ruinosos que apenas vêm contribuindo para o agravamento da crise.
Já no Plano para 1977 pretendia o Governo que as exportações crescessem, dizia que iam crescer 12 % em volume e as importações 6 %, o que de facto aconteceu foi o contrário. As exportações cresceram apenas 5% e as importações cresceram 14%.
Como pretende agora o Governo convencer os trabalhadores de que por milagre este ano os resultados serão diferentes?
Os imperialistas estão a aproveitar-se da situação a que os sucessivos Governos deixaram chegar o País.
Grandes responsáveis pelo desenvolvimento desequilibrado e distorcido da nossa economia no tempo do fascismo, onde o que se pretendia era o máximo lucro privado e a exploração desenfreada da mão-de-obra barata que o regime opressor lhes oferecia, os imperialistas utilizaram, aipos o 25 de Abril, os mais variados processos no sentido de agravar uma situação já estruturalmente desastrosa.
Assim: encerraram e sabotaram largas dezenas de empresas, baixando a produção nacional e lançando milhares de trabalhadores no desemprego - basta lembrar, entre inúmeros outros casos, a Timex, Agfa, Algot, Applied que diminuíram as suas compras ao nosso país como forma de pressão e meio de agravamento das dificuldades; os EUA, por exemplo, em 1976 compraram-nos cerca de metade do que haviam comprado em 1973, em pleno fascismo; fugiram com avultados capitais cujo montante em 1975 e 1976 estimamos tenha ultrapassado os 50 milhões de contos, contribuindo dessa forma para a desvalorização da moeda; a sob e a sobrefacturação nas operações com o exterior foram sempre um meio de fuga, de tal modo que até este Programa se refere a essa situação; venderam-nos os seus produtos cada vez mais caros, enquanto compraram os nossos ao desbarato. Foi assim que os imperialistas foram agravando a crise.
Fizeram tudo isto e agora este Governo chama-lhes «amigos» e pretende que seja na sua bondade que o povo português deve depositar as suas esperanças de salvar este país e de vencer a crise.
Na verdade, a situação é grave e urge uma solução. Mas essa só pode passar pelo pleno aproveitamento dos nossos recursos naturais; o desenvolvimento da agricultura e pescas, a drenagem dos nossos recursos mineiros, para aproveitamentos industriais, o lançamento ou desenvolvimento da produção interna permitiriam sair da crise.
Assim se combateria o desemprego e, seguramente, um tal plano obteria o empenho dos trabalhadores.
Com tal finalidade devem ser canalizados os imensos meios de financiamento interno existentes no sistema bancário em consequência aos monstruosos lucros dos capitalistas.
Esse seria um verdadeiro plano de desenvolvimento que obviamente implicava a protecção alfandegária do nosso país, pois caso contrário a concorrência das multinacionais impediria o desenvolvimento. Ora precisamente uma das exigências do FMI, prevista, aliás, no Programa, é a diminuição das protecções aduaneiras.
Não é nem nunca poderá ser um programa de estabilização aquela que aponta para a estagnação económica e consequente desemprego para a ruína de dezenas de pequenas e médias empresas agrícolas e industriais, através, designadamente, das taxas de juros escandalosas, para fortes desvalorizações do escudo, para os ataques à Reforma Agrária, às nacionalizações e às intervencionadas. E essa é a política que o FMI exige e que será aceite por este Governo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Muito se tem falado nos últimos anos nos empréstimos externos. São mesmo apresentados como a única saída possível para a crise financeira do País. A UDP sempre considerou esta política, que vem sendo seguida, como uma falsa solução.
Do chamado «grande empréstimo», de cerca de 30 milhões de contos, a quase totalidade será para pagar juros e amortizações da dívida externa, que já em Novembro ultrapassava largamente os 150 milhões de contos.
Mesmo considerando a amortização ainda relativamente desses encargos com a dívida, serão em 1978 da ordem dos 20 milhões de contos. Ou seja, dos 30 milhões 20 milhões ficam logo para pagar encargos da dívida. Para cobrir o deficit da balança de transacções correntes, o Governo vai ter de contrair outros grandes empréstimos e aumentar brutalmente a dívida externa e a continuar a venda do ouro como vem acontecendo ultimamente. E continuamos à espera que o Governo responda à pergunta que já formulámos sobre a situação do ouro. Qual a quantidade de ouro que já foi vendida, depois da venda de 49 t de ouro aos EUA. Quer dizer, os imperialistas emprestam-nos dinheiro para lhes irmos pagando os encargos com o que lhes estamos a dever e assim a necessidade de empréstimos não tem fim e a dívida será cada vez mais volumosa. É por isso que sempre nos temos oposto a tal política.
E já agora cabe perguntar ao Governo: que espera que aconteça para que de 1978 para 1979 e seguintes se passe da estagnação para o crescimento acelerado se, como aponta o Programa, vão ser necessários novos empréstimos este ano? Porque deixa então o FMI e os países ditos amigos de exigir, como agora, a estagnação económica para continuarem a conceder-nos os seus empréstimos ruinosos?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Outro objectivo considerado prioritário no Programa do Governo é o contrôle dos aumentos dos preços, que afirmam pretender manter nos 20 %.
Uma tal percentagem é completamente demagógica e apenas se destina a justificar a limitação dos salários a esses 20 % e ainda por cima condicionados aos aumentos de produtividade da situação económica dos respectivos sectores.
Na verdade, o Programa nada adianta no sentido de controlar o que os Governos anteriores, ditos sócia-

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listas, se têm mantendo incapazes de controlar. O Programa aponta no sentado inverso do combate à inflação e assim caie-me perguntar: será aumentando os preços dos produtos do Cabaz de Compras, retirando a este todo o significado que controla a Macau? Será resolvendo os problemas das empresas públicas e nacionalizadas através dos aumentos generalizados dos preços dos respectivos bens e serviços que se evita o aumento do custo de vida? Será o retirar do poder de intervenção aos organismos de coordenação economia, transformando estes em meros correctores dos excessos, como exige o Mercado Comum, que se combatam os intermediários? Será a desvalorização continuada do escudo imposta pelo FMI e aceite pelo Governo neste Programa e com as suas consequências conhecidas que o Governo quer controlar a subida dos preços? Seria aumentando os impostos indirectos e retirando os subsídios aos produtos que se melhora a vida do povo? Será entregando o comércio interno a um homem forte da CIP que se saneiam os circuitos de comercialização?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A propósito do aumento do custo de vida é importante que se refiram as implicações que nele vão ter as indemnizações que o Governo se prepara para dar aos grandes capitalistas e latifundiários, cujo montante vai ultrapassar os 100 milhões de contos.
No mesmo Programa em que se afirma ser necessário aumentar ainda mais a austeridade, o Governo anuncia que vai dar largas dezenas de milhões de contos aos ricos. A maioria desse dinheiro vai direito para os cofres de meia dúzia de tubarões. Só a uma família, a dos Melos, cabe a bonita quantia de 13 milhões de contos. O Governo desmente-se a si próprio: a austeridade é só para aqueles que vivem do seu trabalho para aqueles que sempre conheceram a austeridade e viveram com ela. Para os ricos não há austeridade: há indemnizações!
Curiosamente, todos os partidos tem feito silêncio sobre as graves consequências das indemnizações que vão ter no custo de vida e portanto na vida do nosso povo. Mas todos o sabem e o Governo também.
Na verdade, até o Banco Mundial afirmava recentemente num relatório confidencial: «Obviamente, a distribuição destes títulos (indemnizações) terá um largo impacto na economia», admitindo provocar um aumento ainda maior nos preços. O relatório citado aponta que dado a gravidade do efeito das indemnizações, estas «terão de ser consideradas no programa monetário do Governo».
E de facto constatamos que o Governo CDS/PS se propõe levar a cabo uma política monetária mais restritiva do que em 1977. Por isso o Governo procura reduzir outros meios de pagamento: diminuindo ainda mais o poder de compra dos trabalhadores, aumentando os impostos, diminuindo as despesas do Estado e aumentando ainda mais as taxas de juro para diminuir o crédito.
Mas cabe perguntar: quais vão ser as consequências desta política restritiva?
Recentemente alguém disse: «Seria perigoso aplicar uma política monetária muito restritiva. Resultariam daí graves problemas de desemprego, de quebra na produção e de ruína financeira nas empresas.»
Quem traçou este panorama sombrio não fomos nós. Foi o Governador do Banco de Portugal, num discurso feito no dia 2 de Maio de 1977.
Na verdade, é para poder dar as indemnizações aos grandes capitalistas que o Governo quer obrigar o povo a fazer ainda mais sacrifícios. Não é, pois, para salvar a economia nacional: é para ajudar a reconstruir o império económico dos Meios, dos Champalimauds e de outros do mesmo tipo.
Se a preocupação do Governo fosse de facto resolver a crise da economia, não ia dar esses milhões de contos a esses parasitas que a provocaram. Pegava nesse dinheiro investia-o para criar mais empregos, nas escolas e hospitais, etc.
Os sacrifícios a serem necessários devem começar por aqueles que nunca os fizeram e sempre viveram à larga e à custa da miséria dos trabalhadores.
Para sabermos o que esses tubarões capitalistas farão com o dinheiro das. indemnizações, basta conhecermos o seu passado e até ler a página 189 do Programa do actual Governo, onde se diz «É todavia «importante realçar quis o desenvolvimento do nosso país a partir dos anos 60, não gerou empregos em número significativo. Daí que a progressiva absorção dos excedentes de mão-de-obra, à medida que se ia reduzindo o subemprego na agricultura, não tenha sido feita pela criação de postos de trabalho mas à custa de uma emigração maciça cujo, níveis médios anuais oscilavam entre cem a cento e cinquenta mil pessoas.»
Neste momento, tais parasitas avançam na compra de inúmeras empresas, deixadas arruinar ou em situação difícil, por baixos preços, despedindo de seguida parte ao pessoal, legando essas empresas aos sócios estrangeiros.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Diz o Programa que: «A situação da balança de pagamentos não permite aumentar os salário: reais aos níveis anteriores, pois isso provocara o aumento dos preços.»
Esconde-se que os preços dos produtos podem manter-se ou baixar mesmo com o aumento dos salários reais, desde que os lucros dos capitalistas diminuam. Mas será isso possível na situação actual? Vamos demonstrar que sim:
Pode mesmo afirmar-se, e isso é bem significativo da situação a que se chegou, que durante o ano de 1977 um rendimento nacional gerado mas actividades económicas da ordem dos 600 milhões de contos pouco mais de 50% (metade, note-se), reverteram para os trabalhadores que representam com as suas famílias cerca de 90 % da população portuguesa, enquanto os restantes (quase 300 milhões) foi para os bolsos dos capitalistas.
Poderia pensar-se que os capitalistas investiram esse dinheiro, criaram novas empresas e postos de trabalho. Mas estatísticas oficiais apontam para investimentos globais naquele ano da ordem, dos 170 milhões de contos. Portanto, e em números redondos, pode afirmar-se que os capitalistas, aqueles que provocaram a crise que se vive, arrecadaram improdutivamente qualquer coisa como 130 milhões de contos num só ano de um rendimento de 600 milhões de contos. E, ainda se preparam para arrecadar as indemnizações. Se tivermos em conta que nos países da Europa capitalista a participação do trabalho no rendimento nacional é da ordem de 65 % a 70 %, facilmente se percebe o grau de exploração da mão-de-obra que já hoje existe no nosso país e que o Programa em discussão pretende reforçar ainda mais.

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Assim se explica também o porquê de tanta liquidez no sistema bancário. Na verdade, as largas dezenas de milhões de contos que aí permanecem improdutivamente constituem uma preocupação para os seus responsáveis e contrastam escandalosamente com a falta de créditos em que se debatem inúmeras unidades produtivas e com a política de estagnação económica, que com o argumento da necessidade de reduzir o deficit externo se pretende prosseguir No entanto, como atrás se afirmou, muitas produções podariam avançar sem necessidade de recorrer às importações
Ao levantar a palavra de ordem «Os ricos que paguem a crise», a UDP tem em conta esta situação profundamente injusta. E ao propor a saída dos contratos colectivos de trabalho e os aumentos dos salários reais da classe operária e demais trabalhadores, não estamos a ser irrealistas. Esses aumentos deveriam ser acompanhados por um forte incremento da produção assentando nos sectores cujos desenvolvimento está menos dependente do exterior. Um tal desenvolvimento seria voltado essencialmente para as nossas necessidades internas, e não paira o exterior, como quer o Governo no seu Programa de fome, miséria e desemprego. É esse o caminho do Governo.
A vontade de agradar aos capitalistas e ao imperialismo é de tal modo grande que se propõe no Programa a criação de prémios de emprego através dos quais o Fundo de Desemprego, isto é, os trabalhadores, financiariam directamente os caetanistas dando-lhes um subsídio por cada emprego criado. Isto ao mesmo tempo que se defende o aumento de repressão nas fábricas e empresas sob a capa do que se chama no Programa «combate ao absentismo».
Sr Presidente, Srs. Deputados: Com esta intervenção termino a minha participação neste debate. E termino manifestando a nossa completa rejeição por um tal Programa reaccionário, que consuma o acordo PS/CDS.
Termino com a convicção de que os trabalhadores derrotarão a política reaccionária deste Governo, abrindo caminho ao 25 de Abril, a uma vida melhor para o povo, ao socialismo.

O Sr. António Macedo (PS): - Sr. Deputado Acácio Barreiros, apresente uma moção de rejeição...

Risos.

O Orador: - Se me dá licença, Sr. Presidente, aproveito para dizer ao Sr. Deputado António Macedo que a UDP mão apresentou nenhuma moção de censura ao I Governo e não apresenta aqui nenhuma moção de rejeição a este Governo porque o partido do Sr. Deputado António Macedo, o PCP, o PSD e o CDS - só estiveram todos de acordo - retiraram à UDP o direito de poder apresentar essa moção

O Sr. António Macedo (PS): - Então penalizo-me ...

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Roseta.

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É por imposição da Constituição que o Governo tem de apresentar à Assembleia da República o seu Programa, para que esta o aprecie. Mas o Governo revelou ter, do preceito constitucional, entendimento estreito. Para ele, apresentar o Programa é distribuir um texto policopiado
Assim, o Sr. Primeiro-Ministro limitou-se a ler o índice do documento espraiando-se em longuíssima exposição sobre história antiga, o que mostra quem está voltado para o passado ...

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - ... fazendo o elogio fúnebre do Governo anterior e tentando justificar a fórmula governativa encontrada.
O mesmo entendimento estreito levou a grande maioria dos Ministros a sentir-se desobrigada de justificar as partes do Programa da sua responsabilidade. Lamentamo-nos vivamente, embora compreendamos a dificuldade de evitar cair em verdadeiros requisitórios sobre a política dos seus antecessores, do mesmo partido, como sucedeu com uma das poucas verdadeiras apresentações realizadas, a cargo do Sr. Ministro das Finanças e do Plano.
Houve mesmo um Ministro que queria que só houvesse críticas depois de a sua actuação se ter começado a desenvolver. É caso para perguntar para que importa a Constituição, este longo debate...
Alguns Deputados do PS e todos os, aliás muito poucos, do CDS que intervieram, à excepção da corajosa intervenção do Deputado Lucas Pires, descobriram que o debate pode servir para algo que a Constituição não previra. Esquecendo o Programa, dedicaram-se à justificação, repetida e repetitiva, da fórmula de Governo e à apreciação de questões políticas e partidárias que nada tinham a ver com o objecto do debate.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Desta vez, foi sobretudo o CDS, talvez tomado dos ardores do neófito e mostrando que já aprendeu alguma coisa, que se arrogou o direito de apreciar a conduta passada dos outros partidos, de perorar sobre a sua vida interna e até de fazer críticas pessoais aos seus dirigentes. Também ele tem, como outros, do Programa a noção do índice; dos partidos, a da fulanizacão; do projecto, de futuro, a da crítica às atitudes de Sá Carneiro.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Aliás, só o relevo que este social-democrata adquiriu no panorama política português expeça a persistência dos ataques que ainda hoje, lhe fazem.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Tal atitude merece a nossa reprovação, tanto mate que sobre o Programa do Governo o CDS quase nada disse. Enquanto o PSD se debruçava sobre a economia, a agricultura, o comércio, a saúde, a segurança-social, as questões de trabalho, as regiões autónomas, aquele partido, caído em embevecimento, aliás mútuo, com o seu novo parceiro,

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ignorou que ao povo não interessam os episódios, passados ou presentes, da política politiqueira.

Vozes do PSD: -Muito bem!

O Orador: - O que o povo quer é saber com o que pode contar e conhecer as probabilidades ao ver minorados os tremendos problemas concretos, bem reais, com que se debate no seu dia-a-dia: a subida do custo de vida, o desemprego, a carência de habitação, as dificuldades dos sistemas de saúde e segurança social, a degradação do ensino, a desesperada situação dos reformados e pensionistas, sem esquecer a falta de boas estradas, de abastecimento de água, de sistemas de esgotos e de luz eléctrica que ainda afligem muitos portugueses.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Não era para esclarecer isto que devia servir este debate?
Será que o CDS pretendia escondei a situação de grande subalternidade em que foi colocado pelo acordo que assinou e que o levou a subscrever um programa que não era o seu, em contradição com muitas posições antes assumidas na Assembleia Constituinte e nesta mesma Assembleia?
Será que pretendeu que se ignorasse que o papel de apêndices despartidarizados, como agora se diz, dos seus três núncios...

Risos do PSD.

O Sr. Oliveira Dias (CDS): - Núncio era um grande cavaleiro!...

O Orador: - ... resulta claramente do Programa do Governo, onde se afirma: «sendo o II Governo Constitucional basicamente constituído por membros do mesmo partido que assumiu a gestão do I - aliás com a presença de maior número de membros desse partido -, não se há-de estranhar que o nosso Programa apresente, mais do que simples pontos de contacto, verdadeira similitude com o anterior Programa»?
O CDS esqueceu-se da velha fábula do leão e da ovelha. Na sua função adjuvante, prepara-se para aplicar um programa que é mera continuação de outro que tanto criticou e que levou aos lindos resultados por todos conhecidos - e sentidos - na vida quotidiana.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Muito mal!

O Orador: - Verifica-se, pois, que, ao contrário do que aqui tem sido dito, este Governo não tem assegurada a maioria parlamentar estável com carácter de permanência, uma vez que ao que parece só há compromisso relativamente aos diplomas considerados fundamentais. Como a qualificação de fundamental deverá ser obtida, em cada caso, por acordo, está nas mãos de cada partido vincular-se em cada votação ou não.
Lindo modelo de «estabilidade maioritária intermitente».

Aplausos do PSD.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Lindo trapezista!

O Orador: - E que dizer do ridículo die, confundindo as leis da física com as da política, se pretender que o Programa deste Governo seria social-democrata por ser a resultante de duas orientações diversas com a mesma força que, na realidade, não têm, como se viu: uma centrista e outra socialista, de inspiração marxista. Se algum Sr. Deputado concebe o Programa deste Governo como um lugar geométrico de contradições - cuja resultante, em termos físicos, seria, aliás, a anulação recíproca -, o problema é do Governo, e não do PSD.
É bom que fique claro que a social-democracia não é uma mistura de contradições - é um conjunto autónomo de propostas coerentes, consubstanciadas num programa reformista a aplicar segundo metodologia própria, de acordo com uma prática consagrada na Europa há muitas décadas.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Muito nos admira, aliás, a súbita conversão do CDS aos encantos da social-democracia, quando a sua «Folha», não há muito tempo, a considerava um caminho para o socialismo colectivista e deste para o comunismo, realidades que eram, então, metidas no mesmo saco...
Outros julgarão que, uma vez que o Programa do Governo consubstancia a prática do PS, ele é, só por si, social-democrata. Nada mais errado. A prática do PS tem sido não uma prática reformista e harmoniosa, de acordo com um programa, mas uma prática flutuante oscilando entre o colectivismo, oriundo da sua inspiração ideológica dominante, e as cedências que a manutenção do Poder lhe impõe, sem excluir a concessão às medidas preconizadas pela escola económica ultraliberal de Chicago.

O Sr. Amândio de Azevedo (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Ora, desde o fim do século passado que é característica essencial da social-democracia a adequação entre a prática e a teoria.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Ao longo do século XX foi patente o insucesso dos partidos que por não serem sociais-democratas não efectivaram, a tempo, tal adequação. Os exemplos do PSI e da velha SFIO, sobretudo no tempo de Guy Mollet, são gritantes. Agarrados a um programa que diziam, por «realismo», não poder cumprir, caíram no chamado «oportunismo», ora se aliando a partidos centristas ora aos comunistas, deixando-se enlear pela corrupção e pelo clientelismo, tudo sacrificando à manutenção ou à aproximação do Poder, conforme os casos. Naturalmente que os seus resultados eleitorais foram diminuindo em consequência...

Aplausos do PSD.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Se o PS achou amargo o óleo de fígado de bacalhau, a dose que o CDS engoliu foi ainda mais substancial.

Risos do PSD.

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Para lá das contradições com as suas posições, já aqui referidas, em matéria que vão da Reforma Agrária aos assuntos sociais, um dos importantes capítulos onde elas são extraordinariamente agudas é o da educação, ciência e cultura.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É duvidoso que exista qualquer programa sobre educação, ciência e cultura. O que há é uma «floresta de enganos», um catálogo de necessidades articulado com o enunciado de - pasme-se! - entre duas e três centenas de acções a desenvolver. Admitindo, o que é duvidoso, que o Governo durasse dois anos, haveria que desencadear uma média de 2,5 acções por semana...

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Tem sete dias a semana...

O Orador: - Pana uma equipa que durante ano e meio nem sequer garantiu trabalho a todos os professores, deixando, no entanto, muitos estudantes sem aulas, que quase nada fez em educação permanente, etc., só por verdadeiro milagre!
Neste capítulo vão ao rubro os erros do Programa, que em geral aqui temos criticado.
Não se estabelecem prioridades, não há qualquer hierarquização das actuações a desenvolver.
Apenas sete do elevado número de acções apresentadas estão submetidas a um prazo. A gigantesca burocracia do Ministério vai crescer ainda mais, com a deglutição da Secretaria de Estado da Cultura e da Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica, apesar de ser absurda a integração de organismos de natureza interministerial num Ministério sem vocação para acções de coordenação.

O Sr. Sérvulo Correia (PSD): - Muito bem!

O Orador: - E tudo com uma bem pouco fundamentada justificação, e que foi aduzida pelo Sr. Primeiro-Ministro: a preocupação - vejam lá! - de restringir o número de departamentos da Presidência do Conselho. Mas existem muitos Ministérios da Cultura e Ciência na Europa.
Mas há uma originalidade: o Governo não quer apresentar uma proposta de lei sobre as bases gerais do sistema de ensino e quer que ela surja de um debate prévio; entretanto, prepara uma série de medidas que, a serem executadas, alterarão irreversivelmente todo o sistema.
Noutras pontos, o Programa piora em relação ao do Governo anterior.
Assim, a garantia da liberdade de aprender e ensinar, extensiva à liberdade de fundação de estabelecimentos de ensino privado, foi substituída por uma referência à aprovação do estatuto do ensino particular e a um eventual auxílio do Estado a certos estabelecimentos. Satisfaz isto o conceito de liberdade de ensino do CDS?
Também desapareceu o plano de educação permanente, à qual o CDS, em Janeiro, tanta importância deu aqui. Agora só a educação de adultos, numa perspectiva escolar, com avaliação de conhecimentos e tudo.
Sumiram-se também as referências à manutenção do espírito pluralista do ensino e à efectiva igualdade de oportunidades no acesso.
Quanto ao Ano Propedêutico, que fez o CDS às numerosas propostas que apresentou aqui quando pediu a ratificação do diploma que o criou? E fica o mesmo partido satisfeito com o simples aperfeiçoamento dos sistemas de colocação de professores existentes? E aceita a omissão, dentro do esquema do ensino superior, do lugar que cabe a certas escolas não universitárias, como os ISEs (Institutos Superiores de Engenharia) e os ISCAs (Institutos Superiores de Contabilidade e Administração).

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - É patente o centralismo nas matérias de educação e de cultura. Esvaíram-se as referências à regionalização do ensino superior e à autonomia das universidades.
A desconcentração dos serviços do MEC não garante qualquer intenção descentralizadora. Sem participação das autarquias locais, os funcionários serão talvez o alicerce de mais uma nova rede de Governadores Civis, privativa do MEC.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Na cultura, evitam-se, os compromissos concretos do programa anterior, sobre quais os museus a criar, os monumentos a restaurar, mas quer-se centralizar tudo em gigantesca actividade editorial, discográfica, empresarial... Com um mínimo de participação quer-se promover directamente quase tudo, subalternizando os apoios às actividades existentes.
Assim se podem abrir as portas ao dirigismo cultural. Assim se podem acirrar as tentações de alguns, como em 1975, de assaltar e assomar pela cúpula uma máquina administrativa dotada de um poder imenso de eventual manipulação e direcção dos espíritos dos Portugueses.

O Sr. Amândio de Azevedo (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Face aos perigos reais que desencadeiam certos aprendizes de feiticeiro, muito rirá o povo da acusação centrista, de coligação «social-comunista» entre o PSD e o PCP e a outra, socialista, de «pacto tácito» ou de «bloco» entre os dois partidos. Julgarão que alguém os acredita?

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Isto não é para rir, é para chocar.

O Orador: - Para que insultam a inteligência de quem os ouve? Na falta de imaginação no Poder, teremos o delírio dos partidos do Poder? Viu-se aqui, a propósito da Reforma Agrária, das questões de trabalho e de muitas outras, o choque frontal entre as concepções comunista, marxista-leninista e social-democrata da vida e da sociedade. Resultou claro, até pela apresentação de duas moções de rejeição, o que já se sabia: não há uma oposição, há várias oposições, completamente distintas entre si. Aliás, é sabido que os comunistas consideram os partidos sociais-democratas como os seus mais perigosos adversários, pois é nos países onde aqueles são fortes que

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a adesão popular progressiva às reformas sociais-democratas reduziu a quase nada o apoio de que gosam.

Vozes do PSD: - Muito bem!

Risos do PCP.

O Orador: - E, francamente, acusar, certas pessoas, nesta Câmara, perdoem-me a modéstia, como a mim, de pacto com o PCP não lembraria ao próprio Diabo ...

Risos do PSD.

..., não só pelas provas dadas, mas por todos saberem o que pensamos da actuação do PCP, como pela recusa em participar na negociações que se fizeram para, por acordo paralelo, apodar o PCP ao Governo. Pudessem os Srs, Deputados dos outros partidos dizer a mesma coisa.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Mas não podia deixar passar em claro o impudor ...

Risos.

...de dois partidos - o PS e o CDS - que, eles sim, tinham há apenas quinze dias, e depois de longas negociações que comportariam graves cedências, um pacto pronto - que não era tácito, era expresso - para ser assinado com o PC e que só à última hora se gorou.

Aplausos do PSD.

O que não podia era calar a indignação pela desfaçatez de um partido governamental que buscou o apoio do PC para votar inúmeras leis, que nesta tribuna mendigou apenas há dois meses até ao último momento, os seus votos para fazer passar uma moção de confiança e que vem agora inventar palhas que não há nos olhos alheios, esquecendo as grossas traves que tem nos seus.

Aplausos do PSD. Vozes do PS: - Ah!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Embarcando neste Governo original, maioritário umas vezes outras não, o CDS assumiu também a responsabilidade, que até aqui era só do PS, de não se ter ainda conseguido em Portugal uma coligação verdadeira, um governo de salvação nacional. Mas par favor não continuem a comparar esta solução coxa e intermitente com as coligações que os partidos que nos são afins têm realizado lá fora.

Vozes do PS: - Ah!

O Orador: - Se não houve coligação verdadeira e claramente maioritária, como essas, a culpa foi do CDS e do PS, por insistirem não só nessa solução dita da base mais as personalidades, mas, sobretudo, na subsistência de uni programa que nós nunca poderiamos subscrever, e por isso aqui apresentámos a moção de rejeição.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Porque esquecem que muitos partidos defendem, lá fora e em situações bem menos graves que a nossa, a necessidade de coligações e de plataformas programáticas que tenham apoio de muito mais de 50 % do eleitorado?
Não venham, pois, falar no «doce sacrifício» do Poder que, aliás, não querem deixar. Não venham atirar as culpas da situação para a oposição democrática, que é firme, mas que sabe e quer dialogar, ou afirmar falsamente que esta não apresentou respostas para a crise quando ela, na verdade, oportunamente o fez. Tudo isso é que é, ao contrário do que disse há pouco um Sr. Deputado do PS, a mais rematada demagogia, em que, felizmente, -ninguém acredita.

Vozes do PSD: -Muito bem!

O Orador: - Aliás, há mais de cem anos, Eça de Queirós ridicularizou «definitivamente» os nossos antecessores que aqui vinham dizer o mesmo. Realmente, por vezes, a história repete-se.

Risos do PSD.

Mas, mau-grado a tentativa de desviar o objecto do debate, atacando o passado dos partidos de oposição, esquecendo que quem tem estado no Poder há muito - o PS - é que é responsável pela situação a que o País chegou, o povo ficou a conhecer melhor essa situação e a saber o que pode esperar deste Governo.

Vozes do PSD: - Multo bem!

O Orador: - Melhoria do seu bem-estar e resolução dos graves problemas que o afligem no seu dia-a-dia? A resposta é: não. Acentuação progressiva da dependência do exterior, e colocação nos ombros das gerações futuras de um pesadíssimo fardo que terão «de pagar», sem que lhes sejam dados os instrumentos educacionais, culturais e tecnológicos para o poder fazer: a resposta é sim.
Quem quer o Poder quer as responsabilidades. Em democracia, ninguém lhes escapa. Mais tarde ou mais cedo, veremos as contas que delas tereis de prestar ao povo. Nós, que nele confiamos totalmente, sabemos que vos dará a sanção que merecerdes.

Aplausos do PSD.

Vozes do PS: - E a alternativa?

O Sr. Amaro da Costa (CDS): - Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Amaro da Costa.

O Sr. Amaro da Costa (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É para dar esclarecimentos ao Sr. Deputado Pedro Roseta que eu pedi a palavra.

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Aliás, o papel da maioria é dar esclarecimentos à minoria, não é pedir-lhos.

Aplausos do CDS e PS.

Risos.

O Sr. Sérvulo Correia (PSD): - Estamos prontos a recebê-los»

O Orador: - O Sr. Deputado Pedro Roseta considerou incorrecto o fio que o CDS adoptou neste debate do Programa do Governo pela circunstância de, por um lado, apenas ter feito quatro intervenções de fundo antes do encerramento do debate e, por outro lado, porque nos dedicámos mais ao tratamento de questões de política geral ido que a questões de política sectorial.
Bem prega frei Tomás. O Sr. Deputado, que é especialista em questões de educação, passou sobre elas como gato por brasas, dedicando quase toda a sua intervenção a questões de política geral e não de política sectorial, nem sequer do Programa do Governo. Ficamos, assim, esclarecidos sobre o que o Sr. Deputado pensa que é a discussão do Programa do Governo.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Deputado, tomando as dores do CDS, também considera que estamos com ardores de neófitos e que não nos apercebemos, como neófitos que somos - e é natural -, da subalternidade horrorosa em que o PS nos colocou neste acordo que com ele firmámos. Esteja o Sr. Deputado descansado, não temos consciência da subalternidade, até porque não é a quantidade que faz a qualidade...

Risos.

...também porque estamos convencidos de que o problema não é de saber se o CDS tem ou não um estatuto de subalternidade em relação ao PS. Trata-se acenas de reconhecer a verdade elementar que a geometria eleitoral deu ao nosso país, e que é a circunstância de o CDS ser o terceiro partido nacional e o PS o primeiro partido nacional ser subalterno, porque o povo assim o quis, não é desonra para ninguém, e temos muita honra nisso.

Aplausos do CDS e PS.

Mal está é que quem ficou em segundo lugar nas eleições - e por isso também é subalterno - pretenda arrogar-se do exclusivo do único projecto democrático susceptível de dar a Portugal um futuro digno. Esta é que é uma posição, pelo menos, orgulhosa, arrogante e cuja interpretação, em termos de geometria eleitoral, ponho, naturalmente, em causa.
O CDS não tem três núncios despartidarizados no Governo - os membros do Governo que estão filiados no CDS são oito e não três -, sendo preciso esclarecer mais uma vez o Sr. Deputado Pedro Roseta de que eles não estão despartidarizados, no sentido em que o Sr. Deputado usa a palavra, estão tão-somente desvinculados de disciplina partidária na medida em que, tal como os outros membros do Partido Socialista, constituem no Governo um colégio solidário e responsável e, por consequência, não têm de repetir, isso sim, as cenas desagradáveis que se repetiram muitas vezes nos Governos Provisórios, que era de os Srs. Ministros não saberem como é que haviam de votar porque tinham de perguntar às sedes dos partidos como é que haviam de o fazer.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Muito bem!

O Orador: - Isso assam é que não ajudava o País a resolver os problemas, nem estava de acordo com a realidade.

Aplausos do PS e CDS.

Quero também escurecer o Sr. Deputado que não foi devido ao Programa do I Governo Constitucional que o CDS fez críticas a esse Governo. Aliás, em matéria de Programa do I Governo Constitucional, devo dizer-lhe que o PSD foi de uma simpatia e de uma generosidade...

Vozes do PSD: - Olhe que não!

O Orador: - ...em relação a esse mesmo Programa, excluindo o capítulo dedicado à segurança social, sobre o qual, na altura, o Sr. Deputado Sérvulo Correia fez uma intervenção mais vigorosa, e alguns aspectos da política económica, em que o Sr. Deputado Sousa Franco também fez uma intervenção de certo cuidado, quanto aos restantes capítulos houve muitas palavras de aplauso do PSD.

Vozes do PSD: - Olhe que não!

O Orador: - Consulte-se o Diário.
Houve muitas vezes a repetição da situação em que PS e PSD aplaudiam em coro os Ministros - e o PSD nessa altura nem sequer tinha um acordo com o PS, era apenas candidato a esse acordo.

Risos.

O CDS não apresentou, efectivamente, a propósito do Programa do I Governo Constitucional, uma moção propondo a sua rejeição pela circunstância de termos dito claramente que o Programa tinha grandes traços positivos e que não era aí que encontrávamos o motivo principal das nossas queixas. O grande motivo de crítica ao I Governo Constitucional foi, isso sim, o facto de ele ser minoritário e não corresponder à nossa interpretação daquilo que devia ser o Governo Português na situação de crise que nessa altura já se vivia.
De modo que é errado que o Sr. Deputado diga que nós tecemos críticas tão duras em relação, ao Programa do I Governo Constitucional e que somos agora benignos em relação a um programa que, na sua interpretação, não é mais do que um prolongamento daquele.
Quanto ao compromisso que o Sr. Deputado deseja estabelecer acerca dos programas do PS e do CDS, que teriam resultado numa síntese social-democrata, em termos desse Programa, é evidente que eu desejo esclarecê-lo que não pretendemos que o Programa do II Governo Constitucional seja um Programa social-

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-democrata. Não pretendemos isso. nem nunca o dissemos.
O Sr. Deputado Ribeiro e Castro, de facto, por ironia, estabeleceu um paralelo entre a reivindicação de socialismo humanista e personalista do PSD, a reivindicação dê socialismo democrático do PS e a reivindicação personalista do CDS. E daí, utilizando, com inegável brilho, o jogo de palavras que aqui se permite, endereçou, isso sim, uma pergunta ao PSD no sentido de saber se o contributo do CDS neste acordo torna pior, em relação àquilo que era o Programa do I Governo Constitucional, o Programa do II Governo Constitucional.
Não temos quaisquer encantos pela social-democracia, tal como o PSD a interpreta, e consideramos, obviamente, que o PSD não é um partido social-democrata.

Aplausos do PS e CDS.

Protestos do PSD.

O CDS não tem obrigação de responder às perguntas que o Sr. Deputado fez acerca do capítulo do Programa do II Governo Constitucional referente à educação. O Programa é do II Governo Constitucional e é ao Sr. Ministro da Educação que o Sr. Deputado tem de pôr as perguntas que dirigiu ao CDS.
Aliás, não sei se também há nisto um certo mecanismo de projecção psicológica. O Sr. Deputado fez tantas perguntas ao CDS que, às tantas, comecei a pensar se o PSD não era, naturalmente, um projecto de alternativa ao II Governo Constitucional. O que o PSD é, parece, ser ou deseja ser, tal foi a intensidade das suas críticas ao CDS, é, pura e simplesmente, um candidato à alternativa ao CDS.

Risos.

Que seja, empregando a expressão utilizada ontem pelo Sr. Deputado Sérvulo Correia, se nós somos conservadores, o PSD é candidato e alternativa aos conservadores portugueses. É esse o facto pretexto que parece que os senhores disputam.

Vozes do PS: - Muito bem!

Protestos do PSD.

O Orador: - Donde o vosso projecto não é ser governo em 1980, o vosso projecto é substituir o CDS no Governo.

Risos.

E assim sendo, quereria também esclarecer o Sr. Deputado Pedro Roseta sobre um ponto que me parece importante e que tem a ver com expressões utilizadas ontem pelo Sr. Deputado Sérvulo Correia É que é tal o vigor com que o PSD, mais do que discutir a sua própria posição face ao Governo, discute a sua posição face ao PS e ao CDS e ultimamente também face ao PCP - parece que tem problemas nessa área...

Risos.

... mais que isso, há uma intenção evidente do PSD, de que é importante desde já tomarmos nota, de se apresentar como uma espécie de partido de mãos limpas...

Vozes do PSD: - Isso é o CDS!

O Orador: - ...face a tudo aquilo que pode ser objecto de manipulação demagógica em Portugal. E quando o PSD, por vezes, pela boca de alguns dos seus analistas, insiste na circunstância de ser, por ter sido rejeitado pela Internacional Socialista, o partido mais nacional de todos os partidos portugueses, começo a pensar se, em vez de Partido Social-Democrata, não devia chamar-se Partido Social-Nacionalista.

Aplausos do CDS e do PS.

Protestos do PSD.

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Lembro ao Sr. Deputado que o Partido Social-Democrata já ultrapassou o seu tempo em cinco minutos e que já está a utilizar um bónus idêntico ao que há pouco foi concedido ao Partido Socialista, dispondo, portanto, só de mais treze minutos.
Tenha a bondade, Sr. Deputado Pedro Roseta.

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Apesar disto, começo por responder não a estas perguntas, que não foram perguntas, mas sim esclarecimentos generosamente prestados pelo Sr. Deputado Amaro da Costa, mas com uma breve fábula que mostra, realmente, a sabedoria da ambiguidade. É esta: uma rapo. a encontrou unia máscara que era muito linda e colocou-a para ver se aprendia alguma coisa, mas chegou à conclusão de que a beleza do exterior não dá o cérebro.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Onde está a piada?

O Orador: - A bela oratória do Sr. Deputado Amaro da Costa e a beleza das suas palavras, excepto quando faz qualificações sobre partidos, em que, antevendo isso, já as tinha referido, é como a história da máscara da raposa: muito linda por fora, mas não têm cérebro.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Mais uma vez o Sr. Deputado Amaro da Costa veio dar razão ao que eu disse, já que não foi capaz de dizer rigorosamente nada sobre o objecto da matéria em questão - o Programa do II Governo Constitucional - , e que foi: o CDS não quer falar do Programa do Governo.

Aplausos do PSD.

Deixamos-lhe, como à raposa da fábula, até que descubra a falta de consistência que está no interior desse programa, a ilusão da beleza exterior que a nada leva, mas que aqui é muito mais grave do que nos tempos antigos, porque com isso sofre todo o povo português.

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Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Mas agora o CDS vai mais longe e aqui enxertaria o meu protesto, embora o Sr. Deputado Magalhães Mota faça outro depois em nome do meu grupo parlamentar - não contente com tudo o que se passou aqui, não contente com intrometer-se na própria vida pessoal dos dirigente partidários...

Vozes do CDS: - Na vida pessoal?! ...

O Orador: - ..., vai ao ponto de se arrogar - qual partido marxista-leninista, porque esses, em geral, é que fazem isso - o exclusivo de qualificar e de rotular as outras forças políticas, não como acontece nas democracias pluralistas, em que os partidos respeitam o que os outros dizem ser e aceitam a prática democrática de todos eles mas indo o CDS ao ponto de 55 arrogar o direito de baptizar 03 muros partidos.

O Sr. Amaro da Costa (CDS): - O Sr. Deputado Sérvulo Correia chamou-nos conservadores...

Protestos do PSD.

O Orador: - É muito estranho que isso aconteça. Não esperávamos que o CDS quisesse dizer alguma coisa sobre as misturas do centrismo com a democracia cristã, com o liberalismo e com o conservadorismo. Mas que grande salada russa!

O Sr. Oliveira Dias (CDS): - Salada russa?!

O Orador: - E agora até estão de novo sensíveis aos valores do socialismo.

Risos.

Ainda bem, que votariam outra vez a sociedade sem classes.
O meu grupo parlamentar e eu fizemos aqui críticas ao Programa do Governo, fundadas e profundas, que julgo que foram as essenciais em matéria de educação, ciência e cultura. O CDS nada disse sobre esta matéria. Engoliu tudo porque está disposto a engolir milhões de litros de óleo de fígado de bacalhau...

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Faz muito bem!

O Orador: - ... e outras coisas mais.

Risos.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Mas não óleo de rícino...

O Orador: - O CDS vem agora falar da maioria que dá esclarecimentos à minoria. Quem diria! um partido que nada disse sobre o Programa do Governo enquanto o nosso se pronunciou sobre todos os assuntos que enunciei. Um partido que subscreve uma plataforma para uma maioria intermitente, isto é, que é maioria dia sim. mas não é maioria dia não, conforme o tal acordo qualifica as decisões de fundamentais ou não.
Sr. Deputado, nós temos o direito de criticar esta pretensa maioria, esta intermitência e esta originalidade ...

O Sr. Agostinho do Vale (PS): - É só nomes!

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - E fazem muito bem!

O Orador: - ..., que nada têm a ver com as coligações que se fazem por essa Europa fora.
O Sr. Deputado também disse: nós estamos no Governo em posição minoritária porque temos uma percentagem de votos muito inferior à do PS. Não era nada disso que estava em discussão. Não tente deitar nevoeiro, porque nevoeiro já há muito e isso aqui não colhe.

Vozes do CDS: - Não tanto, não tanto...

O Orador: - O que entrava em discussão não era, como acontece nos outros países, de o SPD, por hipótese, fazer uma coligação com o Partido Liberal Alemão, em que ao nível de Governo cada um deles tem em pé de igualdade a representatividade decorrente da percentagem dos votos populares, não era isso que estava em causa; o que estava em causa era esta entranha fórmula de Governo de base PS com personalidades centristas, despartidarizadas num sentido e noutro não, constituindo uma estranha maioria que funciona a conta-gotas.

O Sr. Agostinho do Vaie (PS): - É só ciúme!

O Orador: - Nunca defendamos o exclusivo, como disse, nem queremos governar sozinhos. O que queremos é que ninguém pense que as ideologias, nem que seja para brincar, como teria feito o Sr. Deputado Ribeiro e Castro, se tomam como as batatas.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Como o bacalhau!

O Orador: - Não é isso que está em causa. Enquanto o CDS é tão amplo que consegue meter no seu seio muitas ideologias incompatíveis e ainda sentir-se sensível aos valores do socialismo, o PSD sempre defendeu a social-democracia, que é a sua ideologia, e nunca se afastou do seu programa. Pudessem os outros partidos dizer o mesmo...

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Para a autocrítica que deviam fazer é que eu chamo a sua atenção e não para a crítica da Oposição, mas sim para a crítica da sua própria atitude nos últimos meses e do seu programa, que deixam muito a desejar como todos já viram.

O Sr. Bento Gonçalves (PSD): - A tese deles é a tese da partido único.

Aplausos do PSD.

O Sr. Magalhães Mota (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Magalhães Mota (PSD): - Para um protesto, Sr. Presidente,

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O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Magalhães Mota (PSD): - O Sr. Deputado Amaro da Costa e o Centro Democrático Social não tem, nem nesta Câmara, nem fora dela, autoridade para rotular ninguém, não têm autoridade para fazer política a contar pelo dedo, não têm idoneidade para o fazer.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - E não a têm porque para isso precisam de esquecer que já se alcunharam de «alternativa 76».

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - E esta era a fórmula única de substituição de todo um projecto constitucional.

Aplausos do PSD.

Não a têm, porque, em congresso, consideraram o seu programa ultrapassado pela Revolução e não fizeram outro até à data. Não a têm, porque tiveram necessidade de obter um certificado internacional de democracia cristã, porque talvez cá dentro o não tivessem obtido. Os partidos são o que são e não precisam que alguém por eles os certifique. E o Centro Democrático Social e o Sr. Deputado Amaro da Costa deveriam ter disso conhecimento.
O Sr. Deputado Amaro da Costa e o Centro Democrático Social, pela sua voz, autorizam a que hoje nesta Câmara e neste momento, às dúvidas que já tínhamos sobre o seu carácter social, juntemos a dúvida de saber se ainda são democráticos.

Aplausos do PSD.

O Sr. Amaro da Costa (CDS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faz favor, Sr. Deputado.

O Sr. Amaro da Costa (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Se me permiti a ironia de perguntar se o PSD se passaria a chamar Partido Social-Nacionalista, foi apenas porque ontem, o Sr. Deputado Sérvulo Correia utilizou abundantemente, para qualificar o CDS, uma expressão que não corresponde, de todo em todo, àquela que nós utilizamos para nos qualificarmos a nós próprios. E fê-lo, por conseguinte, como eu próprio tive na ocasião a possibilidade de o dizer. É evidente que não tenho qualquer intenção de utilizar como menos estes qualificativos que, porventura, a minha pergunta poderia indiciar. O que fiz foi apenas exercer um direito exemplar de resposta àquilo que o vosso colega Dr. Sérvulo Correia ontem mesmo afirmou.
É evidente que o Dr. Sérvulo Correia tem o direito de considerar que o CDS é conservador. Ninguém lhe nega esse direito. Mas também ninguém me negará o direito de afirmar com a mesma insistência, atendendo a que neste momento está a ser feita uma desvinculação internacional do seu partido que o PSD tem um desejo de afirmação nacionalista. O que também, a «essa vez, não poderá ser considerado pejorativo.
Quanto à circunstância de o CDS se ter apresentado como alternativa 76 nas eleições para a Assembleia da República, é evidente que o nosso projecto de alternativa estava consubstanciado num programa do governo que foi apresentado, e em nenhuma das passagens desse projecto se dizia que ele tinha algo a ver com a substituição do projecto constitucional.
Aquilo que o Sr. Deputado Magalhães Mota acabou de dizer não corresponde à verdade, e eu interrogo-me, apenas num aparte, se não há mais governos para 03 que são um pouco exaltados e não dizem mais nada a esse respeito.
Quanto à circunstância de o CDS não ter programa, quero esclarecer o Sr. Deputado Magalhães Mota de que o CDS tem um programa desde que nasceu, que mantém e que não foi posto em causa. Esse programa chama-se declaração de princípios e corresponde à carta magna, na qual continuamos a inspirar-nos e que não foi mudada numa única vírgula.
O CDS, além de ter uma declaração de princípios, tem um programa aprovado mais tarde, no primeiro congresso do partido, e, obviamente, em muitas das suas passagens não se adequa ao ordenamento institucional que hoje existe.
É, por exemplo, um programa que tem toda uma política relacionada com a banca privada. E como a banca privada, por força constitucional, deixou de existir em Portugal, que sentido é que faz um partido manter no seu programa um capítulo sobre banca privada. Esse programa terá, necessariamente, de se adaptar e de mudar e o segundo congresso do partido, em face deste novo ordenamento jurídico-constitucional, o que fez foi, tão-só, uma atitude de lealdade para com as as instituições e de respeito para com a Constituição no sentido de mandatar órgãos competentes para promover as alterações necessárias ao programa do partido. O programa, entretanto, na parte em que não está ultrapassado, naturalmente, mantém-se em vigor, mas na parte que colide com a ordem constitucional tem de ser revista, sob pena de o CDS sei um partido anticonstitucional.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Muito bem!

O Orador: - Mas quereria acrescentar que talvez, pesquisando com cuidado o programa do PSD, de 1974, se encontrarão nele porventura, muitas passagens que não estão adequadas à ordem constitucional aprovada pela Constituição de 1976. Penso que essa é uma matéria que atinge por igual o PS, o PSD e o CDS. No entanto, não me quero ingerir nos assuntos internos do PSD, mas pergunto se o PSD considera que todo o seu programa está construído à luz do ordenamento jurídico-constitucional de Abril de 76 e que Leve até a capacidade profética de o prever... Não terei, contudo, nada a comentar a este propósito.
Quanto ao problema de o Sr. Deputado Magalhães Mota -com um desplante que, de facto, eu não esperava vir a esta Câmara pôr em causa o carácter democrático ou não democrático do CDS, não vou responder-lhes pois considero que foi uma exaltação da sua parte e, assim, perdoo-lhe como exaltação.

Vozes do CDS: - Muito bem!

Vozes do PSD:- Olhe que não!

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O Sr. Sérvulo Correia (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Sérvulo Correia (PSD): - É para dar explicações, uma vez que o meu mome foi aqui invocado.

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. Sérvulo Correia (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado: A designação de social-conservador não a apliquei ao Partido do Centro Democrático Social, mas sim à semicoligação por ele formada com o Partido Socialista e ao Governo dela resultante. Na minha qualificação, a palavra social resulta da presença do Partido Socialista, e a expressão conservador resulta da presença do CDS, que, se não quer ser considerado um partido conservador, não deveria assumir atitudes públicas como, por exemplo, a de manutenção de estreitas e íntimas relações de amizade com o Partido Conservador Britânico, das quais, aulas, o CDS tem feito propaganda.
Por outro lado, penso que a expressão conservador não tem nada de insultuoso. Pode estar certa ou pode estar errada. Pode ser uma boa ou uma má análise. Aliás, não foi ontem a primeira vez que utilizei nesta Câmara a expressão «conservador» para qualificar o CDS. Sempre tenho dito, quando me tenho pronunciado pela natureza do CDS, que o considero um partido democrático mas conservador, ou, se quiser, um partido conservador democrático. É disse-o em alturas em que talvez não fosse tão bem acolhido como neste momento poderia ser, sobretudo quando disse que era um partido democrático. Mas a expressão conservador, em si, pode estar certa ou errada, os Srs. Deputados do CDS podem aceitá-la ou não, mas, a meu ver, não podem considerá-la insultuosa, senão podemos considerar insultuoso o trocadilho que o Sr Deputado Amaro da Costa hoje teve a liberdade de utilizar e que nem se percebe onde vai ter.
Mas já que o Sr. Deputado quis referir a tendência nacionalista do meu partido, segundo o seu ponto de vista, quero lembrar-lhe que nem sequer precisa de ir ao nosso programa - o seu partido não tem agora um programa, poderá vir a ter mais tarde outro, mas tem apenas declarações de princípios iniciais, enquanto nós temos um programa e também temos declarações de princípios alia? coincidentes, com o programa - porque recordo-lhe, logo nas declarações de princípios de Maio de 1974 e depois com grande desenvolvimento no nosso programa de partido, defendemos a integração de Portugal na Europa democrática e a ratificação cie textos de direito internacional que sujeitariam os órgãos do n oro Estado à jurisdição de tribunais, como o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem e de instituições internacionais, como a Comissão Europeia dos Direitos do Homem, que teriam poderes sobre o nosso Estado que limitariam a soberania nacional.
Creio que fomos os primeiros a defendê-lo nesta Câmara, por várias vezes, e vemos agora com agrado - enfim, algum ponto de positivo o vosso Programa do Governo há-de ter- que, pela primeira vez, ele diz com clareza que vamos aceitar a jurisdição desse Tribunal e dessa Comissão. Mas fomos nós, e não o CDS, quem aqui! primeiro o defendeu. E também fomos nós, e não o CDS, quem pela primeira vez, através de parlamentares portugueses, o defendeu ao Conselho da Europa.
Portanto, essa pretensa qualificação de nacionalista em relação ao meu partido não tem a mínima fundamentação. Mas se o Sr. Deputado quer dizer cem isso que o meu partido, ao contrário do seu, acredita nas virtualidades do povo português e crê que a solução de fundo para a crise grave que estamos a viver tem de se encontrar dentro das nossas fronteiras e com o nosso povo, então nesse sentido, mas só nesse, aceitamos a qualificação.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Amaro da Costa.

O Sr. Amaro da Costa (CDS): - Peço muita desculpa, mas não tenho culpa que fiquem registadas no Diário da Assembleia da República expressões que nem eu nem o meu partido podemos aceitar.
Não posso aceitar que o Sr. Deputado Sérvulo Correia tenha dito que o PSD, ao contrário do CDS, acredita no povo português e nas suas virtualidades, para superar a crise.
Suponho que essa expressão lhe saiu ao correr da pena, mas não podia deixar de registar um veemente protesto, porque faço-lhe a justiça de pensar que não terá sido essa a sua intenção.

O Sr. Presidente: - Paira uma intervenção que é a última prevista nos termos do artigo 196.º do Regimento, tem a palavra o Sr. Deputado Aires Rodrigues.

O Sr. Aires Rodrigues (Indep.): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo: Ao longo da minha actividade de militante político, que, não sendo longa, leva já dezasseis anos, nunca pude admitir que algum dia viria enfrentar um Governo em que lado a lado se sentariam Ministros socialistas e Ministros representantes das forças políticas e sociais que apoiaram e sustentaram o regime ditatorial, que durante quase cinquenta anos oprimiu e explorou o povo português.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Não apoiado!

O Orador: - Como socialista, digo-o hoje com profunda mágoa, os dias que decorrem desde a constituição do actual Governo, com elementos do CDS, são os dias mais tristes e amargos, que pude viver depois do 25 de Abril
E penso não me aventurar demasiado se disser que são estes os sentimentos que hoje perturbam as centenas de milhares de socialistas, que de norte a sul do País, seguem cem atenção e apreendo a vida política portuguesa.
Todos quantos construíram o Partido Socialista, como partido da democracia e do socialismo, sabem que hoje a ameaça que paira sobre o Partido Socialista é em última análise, a ameaça sobre a própria democracia e o socialismo.
As profissões de fé dos Srs. Deputados do CDS, ao longo desta maratona em defesa do Governo,

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estão longe de tranquilizar a grande massa dos socialistas, antes trazem à tona com clareza o objectivo que sempre perseguiram as forças da direita, que nunca esconderam a modificação neste país do centro da gravidade de vida política portuguesa do Partido Socialista para os partidos herdeiros legítimos do passado da reacção e exploração.
Tal é o conteúdo, tal é a interpretação que não pode deixar de ser dada por quem lá fora ouve agora os discursos dos Srs. Deputados do CDS e compara com o seu próprio dia-a-dia, compara com o comportamento do CDS nas escolas, nas empresas, nas vilas e aldeias do Norte e Centro do País.
O Sr. Deputado Manuel Alegre afirmou ontem nesta tribuna que o PS é o partido da democracia e do socialismo e que os socialistas apoiariam tudo quanto pudesse fortalecer uma e outro.
Estou plenamente de acordo e penso que nenhum socialista estará em desacordo. Mas, recordando palavras do mesmo Sr. Deputado aquando da convergência PPD CDS, referindo que essa convergência escondia objectivos mais amplos, que uma nova conspiração estava em marcha contra a democracia e dizendo mesmo que os socialistas, não temiam os narizes compridos, civis ou militares, certamente que o Sr. Deputado Manuel Alegre não excluía dessa «conspiração de narizes», passe o termo, os sorrisos pontifícios e seminaristas dos dirigentes do CDS.
Gostaria, pois, de perguntar e não devo ser o único a poder fazer a pergunta. Quem ontem participava em conspirações contra a democracia pode ser hoje um reforço da democracia?
Não o creio, como o não crêem os trabalhadores portugueses.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: O Partido Socialista encontra-se hoje em sérias dificuldades.
Não serei eu que farei coro contra o Partido Socialista, contra os que de uma maneira ou de outra apontam na destruição do Partido Socialista.
Não foi essa e nunca será essa a minha política. Mas, em meu entender, a defesa do Partido Socialista é a defeca das posições arrancadas num combate árduo, na luta de classes, nas empresas, nas organizações de trabalhadores, nas autarquias locais.
E as posições que o Partido Socialista arrancou neste combate pela defesa das condições de vida dos trabalhadores ou pelas liberdades democráticas, que não são realidades antagónicas mas sim realidades indissociáveis, essas posições são incompatíveis com a constituição de um Governo com o CDS.
Senão vejamos. Na AGFA, em Coimbra, cuja administração despejou dezenas de trabalhadores, em particular os membros das comissões de trabalhadores e de delegados sindicais, quase todos socialistas, justificando dificuldades financeiras e de mercado, assistimos hoje e por parte da administração à quebra do compromisso assumido com o anterior Governo, com o maior despudor, compromisso esse que significava a readmissão, até Abril deste ano, dos então despedidos. Aos trabalhadores despedidos, agora convocados, é-lhes apresentado um contrato a prazo por seis meses, com um período experimental de quinze dias. O período experimental ó o pretexto que, permitindo à administração alegar inadaptação, serve para atirar para o desemprego os trabalhadores em causa. A administração da. AGFA conta hoje com o apoio do CDS para cobrir um tal procedimento.
No entanto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, quem votou no Partido Socialista não foram os administradores, mas sim os trabalhadores da AGFA.
Não me é possível evocar aqui, no quadro desta intervenção, todos os casos AGFA deste país. A verdade é que eles são cada vez mais numerosas.
A defesa do Partido Socialista passa hoje pelo respeito de mandato que nos deu o povo trabalhador deste país - uma política socialista, capaz de começar a resolver os problemas de fundo adiados sucessivamente pelos anteriores governos.
Uma política socialista não significa construir o socialismo em quatro anos, como afirmou o Sr. Primeiro-Ministro. Uma política socialista significa tomar medidas que consolidem as conquistas do 25 de Abril e coloque as pedras sobre as quais podem passar os interesses prioritários da esmagadora maioria da população trabalhadora portuguesa.
Esta política não pode ser feita com aqueles que representam os interesses antagónicos do povo trabalhador.
Esta política não pode ser feita com Governo com o CDS.
E a presença de três Ministros do CDS no actual Governo não camufla as pretensões do CDS, outrora sempre anunciadas: queremos ditar a política do Governo Ministério a Ministério. Ao anunciar nesta Assembleia, pela voz do seu presidente, que não tinham abdicado de nenhuma das suas pretensões essenciais, todos podemos constatar que ao CDS foram assegurados os mecanismos para na realidade ditarem a política deste Governo!
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Há já algum tempo que nesta Assembleia, juntamente com a Deputada Carmelinda Pereira, abri a perspectiva de um governo PS/PCP que tomasse as medidas socialistas que os trabalhadores aspiram.
Fizemo-lo ao constatarmos que a política do Governo PS criava o descrédito do Governo diante dos trabalhadores, reforçava o poder das administrações, dos capitalistas e latifundiários, reforçava o poder dos partidos que nesta Assembleia os representam - o CDS e o PPD, levava, inevitavelmente, a que estes partidos começassem arrogantemente a sua candidatura ao Governo!
Ao termos votado contra a moção de confiança do I Governo Constitucional mantivemos claramente a alternativa de um governo do PS e do PCP, na base de uma política que permitisse começar a resolver os problemas do povo trabalhador.
Mas quero aqui deixar claro que, tal como me bati por um governo PS sozinho para fazer uma política socialista, não hesitaria em reconsiderar o meu voto, no caso de o Partido Socialista estar disposto a anunciar publicamente um governo PS com uma política decorrente das linhas fundamentais do seu programa
Convém no entanto dizer, aqui e agora, também que o PCP, ao considerar o governo PS/PCP uma proposta irrealista e demagógica, ao recusar-se fazer campanha por um tal governo, conduziu na prática à política do impasse! Senão vejamos. Um governo de plataforma, aberto a todas as forças políticas sem descriminações, não seria na realidade no governo

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de coligação que poderia incluir os partidos da direita?
Mas nesse caso, num tal governo, o PPD ou o CDS deixariam de ser partidos reaccionários, independentemente da plataforma que estivesse subjacente a um tal governo?
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo: É-me impossível, no quadro do tempo que me foi atribuído, analisar em detalhe as medidas que este Governo se propõe tomar. Gostaria ainda de referir que a intervenção do Sr. Ministro Vítor Constâncio é, na realidade, um bom diagnóstico da situação económica. Mas, como todos sabem, em economia como em medicina, se o diagnóstico é fundamental, não é, no entanto, suficiente para garantir a cura do doente. A terapêutica, bem como aqueles que a aplicam, são os factores decisivos.
Tomemos a situação no domínio dos circuitos comerciais e em particular no domínio das importações e exportações. Poderá este Governo, com um Ministro do CDS, com um homem que foi secretário-geral da CIP, pôr em prática uma política que tenha em conta as necessidades de combater os grandes intermediários, de pôr de pé a empresa pública de comércio interno que garanta aos pequenos e médios produtores o escoamento e um preço fixo e razoável aos seus produtos? Que impeça a especulação? Que libertem os pequenos e médios produtores da tutela dos grandes intermediários e especuladores da influência dos caciques?
Poderão constituir-se empresas púbicas de comércio externo que controlem as importações e exportações, que impeçam aquilo que há algum tempo vinha transcrito no Diário Popular, que, diga-se de passagem, não considero ao serviço de interesses inconfessáveis?
Dizia esse periódico, no balanço anual sobre economia, que cerca de 8 milhões de contos saíam anualmente em divisas sob a forma de subfacturação e sobrefacturações nas importações e exportações.
No entanto, Srs. Deputados, a criação de empresas públicas de comércio interno e externo faz parte do programa do PS, faz parte do arsenal político em que todos nós, Deputados socialistas, fizemos campanha.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Para resolver os problemas fundamentais da sociedade portuguesa em função dos interesses dos trabalhadores é preciso romper com o CDS, romper com a sua política. É preciso voltar a uma política socialista. As soluções existem. Os socialistas conhecem-nas. É preciso pô-las em prática.
Só uma política socialista pode reforçar o Partido Socialista, essencial à democracia e ao socialismo.
A terminar, permita-se-me uma palavra de esperança em oposição à amargura manifestada no início da minha intervenção.
Estou convencido de que os militantes socialistas serão capazes de evitar a destruição do PS, serão capazes de romper com uma política que leva à sua destruição.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminaram as intervenções previstas no artigo 196.º do Regimento.
Está suspensa a reunião, que recomeçará às 22 horas e 30 minutos, para o cumprimento do artigo 197.º do Regimento.

Eram 20 horas e 55 minutos.

Após o intervalo, assumiu a presidência o Sr. Previdente Vasco da Gama Fernandes.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.

Eram 22 horas e 50 minutos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Acácio Barreiros.

O Sr. Acácio Barreiros (UDP): - Sr. Presidente, Srs. Ministros, Srs. Deputados: A UDP considera necessário tirar da última crise governativa e do debate que se travou nesta Assembleia algumas das preciosas lições, políticas que contêm.
Em primeiro lugar, parece-nos necessário que o País tenha clara consciência da gravidade da escolha feita pelo Dr. Mário Soares e pelas cúpulas do PS ao trazer a extrema-direita para o Governo. Os dirigentes do PS, perante o ultimato do Fundo Monetário Internacional, que exigia um governo de força em Portugal em contrapartida do «grande empréstimo», cederam em toda a linha: propiciaram a queda do I Governo pondo à votação a moção de confiança e lançaram um sombrio e tortuoso processo de negociações secretas, cujo resultado final era já perfeitamente conhecido por eles, pelo CDS, pelo PSD, pelos imperialistas americanos e pelos imperialistas alemães. A expectativa e o mistério que se pretendeu criar em torno das negociações destinaram-se a iludir grosseiramente a opinião democrática do País. A solução final viera de há muito programada «de cima», ou seja, do Fundo Monetário, do embaixador Carlucci, hoje agente da CIA, do Sr. Strauss: a recomposição do Governo, a entrega das decisões governamentais de fundo às forças da direita. Tudo o mais foram regateio? de pastas e manobras de fachada, num estilo que pouco fica a dever ao dos mais corruptos regimes burgueses.
O Dr. Mário Soares e os restantes dirigentes do PS podiam ter-se recusado a dar a sua colaboração neste jogo. Apesar de todas as concessões que já tinham feito à direita, podiam ter-se recusado ao papel quo lhes, era distribuído nesta intriga. Mas não se recusaram. Resolveram conscientemente transpor o último passo que ainda lhes faltava dar para a renegação completa do programa do PS e da sua campanha eleitoral de 1976. Ao fazê-lo, os dirigentes do PS ficaram vinculados a uma posição que os socialistas, e o povo do nosso país não esquecerão e jamais lhes perdoarão.
No seu oportunismo político incorrigível, é possível que a direcção do PS pense que a vida seguirá o seu curso normal e que o PS se recomporá da crise que o abala à custa de umas tantas demissões. Se assim é, enganam-se. O PS, tal como existiu durante os últimos anos, acaba de ser profundamente golpeado pelos seus dirigentes. Largos sectores da popu-

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lação que julgavam ver defendidos pelo PS os seus interesses acabam de verificar que foram enganados e tirarão as necessárias conclusões deste facto.
É necessário frisar a desenvoltura chocante com que o Dr. Mário Soares se apresentou nesta Assembleia a dizer que não tem vergonha nem complexos pela aliança que fez com a direita, julgando poder ocultar a capitulação com uma graça, disse o Dr. Mário Soares que «só os burros não mudam de ideias». Mas a questão não estava em mudar ou não de ideias, e o Dr. Mário Soares sabe-o muito bem. Aquilo que neste momento indigna os trabalhadores socialistas e o povo português é que o Dr. Mário Soares tenha mudado da camisa, de programa, tenha falseado todas as suas promessas e declarações solenes anteriores, para satisfazer as exigências imperialistas de um governo de direita em Portugal. Como quer o Dr. Mário Soares que sejam encarados os seus arrebatamentos antifascistas de 8 de Dezembro nesta Assembleia, quando já estava pronto a ir para as barricadas defender as liberdades? É preciso reconhecer que entre os fervores antifascistas de Dezembro e a rendição incondicional ao CDS em Janeiro, a viragem é demasiado brutal, mesmo para aquilo a que já nos habituara.
A UDP vinca esta questão, não porque ainda tivesse quaisquer esperanças num rebate de consciência dos dirigentes socialistas. Nunca tivemos essas esperanças, não as alimentámos em ninguém e consideramos verdadeiramente criminoso que haja quem o tenha feito. Referimos aqui a questão para que seja tirada a lição devida.
Em seguida, parecer-nos necessário determo-nos um pouco na política seguida pelo CDS nesta questão, porque ela tem sido envolvida numa verdadeira cortina de fumo. É preciso responder com clareza à pergunta: não terá o CDS feito efectivamente a viragem para uma política mais moderada ao aceitar entrar neste Governo? Não estará o CDS em vias de ser recuperado para o respeito pela Constituição? Não haverá um certo fundamento para a irritação dos fascistas do MIRN e da Barricada quando acusam o CDS de ter desertado do campo da extrema-direita?
Se houvesse ainda pessoas tão ingénuas a ponto de se deixarem iludir pela manobra táctica que o CDS acaba de realizar, essas pessoas cometeriam um erro irreparável de que em breve teriam de se arrepender.
O que se passou efectivamente, foi que os dirigentes do CDS tiveram a lucidez suficiente para se aperceberem do grau de apodrecimento e isolamento a que já tinha chegado a cúpula do PS e souberam, para mais depressa se guindarem ao poder, colocar os seus homens em mais postos-chave do aparelho de Estado e prepararem a passagem a novas etapas. O que dividiu recentemente o CDS do PSD, como ressaltou com clareza do debate, foi a divergência acerca de saber se se pode avançar para a direita utilizando o PS ou se é preciso desde já pôr o PS à margem. O PSD jogou na rigidez, o CDS jogou no envolvimento. E o Dr. Mário Soares tirou as dúvidas a quem ainda as tinha e deu razão ao CDS: sim, a direcção do PS está disposta a dar cobertura a um governo de direita; sim, a direcção do PS está disposta a impor pela força uma política antipopular de austeridade para os pobres a de prosperidade para os ricos; sim, a direcção do PS está disposta a cumprir as ordens do Fundo Monetário Internacional, arruinando o País. Foi por não se lerem apercebido disto a tempo que os caciques do PSD ficaram de fora, amarrados à rigidez obtusa do Dr. Sá Carneiro

Risos do PSD.

Mas já aprenderam a lição e já começaram as sondagens para o governo tripartido - (encapotadas sob a moção de rejeição).

Vozes do PSD: - Olhe que não!

O Orador: - O CDS mostrou habilidade para alcançar os seus objectivos reaccionários. O CDS não mudou nem podia mudar porque não muda a sua base social: a CIP, a CAP, os grandes intermediários, os meios do grande capital ligados a Washington e a Bona. O CDS vai para o Governo, que ninguém tenha dúvidas, pôr em prática uma política cujos objectivos têm sido proclamados umas mil vezes no decurso dos últimos anos: recuperar a prosperidade sem peias dos grandes negócios que existia antes de 1974, e, para isso, destruir o 25 de Abril e a Constituição. Esse é o único programa real do CDS - como também, aliás, o do PSD.
Naturalmente, objectivos destes não se declaram cruamente em público. Mas são esses os objectivos que o CDS persegue e que bem transparecem por debaixo das palavras seráficas dos seus dirigentes sobre o jogo democrático. O CDS vai-se já sentindo de tal maneira seguro nas suas novas posições que de vez em quando perde a prudência. Não é por acaso Que um orador do CDS aqui se congratulou há dias por já estar ultrapassada a necessidade de tudo negociar a toda a hora. O CDS entrevê tempos novos e fala com mais franqueza. A este respeito é bem sintomático o despudor de certas afirmações aqui feitas pelo Sr. Ribeiro e Castro, secretário do CDS, e que não podem passar sem o protesto indignado da UDP. Disse o Sr. Ribeiro e Castro que os comunistas que no passado lutaram contra a ditadura de Salazar talvez não sejam assim tão dignos de respeito, porque muito possivelmente lutaram pela implantação de uma outra tirania semelhante.

Uma voz do CDS: - Oposta.

O Orador: -A UDP tem alguma coisa a dizer acerca dos comunistas, dos autênticos comunistas, assim insultados pelo Sr. Ribeiro e Castro. A consciência antifascista do nosso país não permitirá que o CDS, ou seja quem for, enlameie aqueles que lutaram contra a ditadura de Salazar, correram as prisões e morreram na tortura ou no Tarrafal!. Se permitíssemos que a memória de Bento Gonçalves, morto no Tarrafal, de Alfredo Dinis, assassinado numa entrada, de Militão Ribeiro, morto na Penitenciária, e tantos outros heróis e mártires da luta contra o fascismo fosse insultada por aqueles mesmos que colaboraram com a ditadura - então estaríamos em vésperas de perder todas as liberdades.

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Eu sua opinião, quem é digno de ser saudado e imitado, Sr. Ribeiro e Castro? É talvez a coragem cívica do seu correligionário Basílio Horta, quando ocupava um cargo dirigente na odiosa União Nacional salazarista? São talvez as lições de Direito que então dava o seu chefe e discípulo de Marcelo Caetano, Prof. Freitas do Amaral? Como se atreve o CDS a insultar uma memória que é sagrada para o povo português?

O Sr. Oliveira Dias (CDS): - Sagrada?!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Ministros, Srs. Deputados: Os responsáveis do CDS encarregaram-se de fazer nesta Assembleia a defesa do Governo que o PS não foi capaz de defender. Afirma nm que o II Governo Constitucional vai ser um governo de restabelecimento económico e de estabilidade das instituições. E uma vez que este é o carácter do Governo, afirmam que toda a política de ataque sistemático ao Governo só pode favorecer os extremistas, tanto de direita como de esquerda, únicos interessados em desestabilizar a situação.
Uma vez que já nos pronunciámos suficientemente sobre os aspectos de fundo do Programa do Governo, pareço-nos útil nesta intervenção de encerramento do debate colocar algumas perguntas que ajudem a compreender a falsidade desta argumentação.
Se a recuperação económica nacional precisa do esforço de todos os Portugueses e de uma severa austeridade, como é que os senhores do CDS explicam que o vosso Governo se prepare para limitar ferreamente os aumentos de salários, estimule a elevação ainda maior dos preços dos produtos de primeira necessidade, dos transportes, das rendas de casa, atingindo assim duramente a masca da população - e ao mesmo tempo decida pagar 100 milhões de contos - eu repito: 100 milhões de contos - em indemnizações aos grandes capitalistas e banqueiros? Como é que isso se enquadra na sua filosofia personalista de inspiração cristã, Dr. Amaro da Costa? Uma tal medida, Dr. Freitas do Amaral, não corresponde a uma política centrista é antes uma política de extrema-direita.
Se o Governo tem como objectivo a estabilidade das instituições, como devemos entender a atitude do CDS face aos seus membros implicados na rede bombista, face aos grupos de caceteiros nazis da Juventude Centrista nas escolas, face ao plano de criação do famigerado SIR e de milícias privadas? Consideram os dirigentes do CDS que tais actividades e iniciativas são reaccionárias, ilegais, desestabilizadoras, fascistas, e vão demarcar-se delas, ou continuarão a apoiá-las e promovê-las como têm feito até aqui? E isso, Dr. Freitas do Amaral, não será uma política de extrema-direita?
Se o Governo visa a recuperação económica do País, como nos afirmam, e se respeita a independência nacional, como explica o CDS a submissão total às imposições do Furado Monetário Internacional que está confessada no Programa do Governo? Seguir a política de «especialização» da produção que o FMI exige mão e agravar o marasmo da nossa indústria e da nossa agricultura e elevar brutalmente o desemprego, forçar as desintervenções em série, estrangular a banca nacionalizada, pela criação de bancos de investimento? Isto, Dr. Freitas do Amaral, é ou não uma política de extrema-direita que o CDS se propõe aplicar no nosso país?
Estas perguntas, é natural, não vão ter resposta aqui dentro. O Governo não ouve. O Governo vai tentar deitar poeira para os olhos dos trabalhadores com uma ou outra medida puramente demagógica para encobrir a aplicação do seu Programa antipopular. Num governo destes não há lugar para os bem intencionados. Há um sujo trabalho a fazer, por encargo dos grandes interesses financeiros nacionais e internacionais, e é esse o trabalho que vai ser levado por diante, se o povo o consentir.
O Dr. Luís Saias garantiu aqui que vai fazer guerra aos intermediários no sector das pescas. Pois nós podemos garantir desde já ao Dr. Luís Saias que, dentro de meia dúzia de meses, das duas uma: ou ele renuncia às suas intenções, ou é forçado a demitir-se, como aconteceu à Dr.ª Manuela Silva.

Risos do PS, PSD e CDS.

Não, este Governo não tem nada a ver com recuperação económica ou com estabilidade democrática. É um Governo que vai Nevar a uma etapa mais adiantada o processo de recuperação capitalista, de ruína do povo o de destruição das liberdades que foi iniciado com o golpe de 25 de Novembro. Ninguém se pode já convencer que a ofensiva do grande capital contra os trabalhadores e o povo português, em desdobramento desde essa data, irá atenuar-se, justamente agora que o CDS conseguiu a entrada no Governo. É o contrário que vai acontecer e ninguém deve ter ilusões a esse respeito.
Os responsáveis do CDS adoptam o velho estratagema reaccionário de se arvorarem em virtuosos defensores da ordem ao mesmo tempo que avançam no cerco e no ataque às liberdades, à Constituição, às conquistas populares. Gritam que é preciso respeitar a ordem e preparam-se para desferir os últimos golpes no que resta do 25 de Abril. Neste jogo duplo esperam poder avançar até um ponto em que tenham o povo amordaçado e impossibilitado de lhes resistir.
Sr. Presidente, Srs. Ministros, Srs. Deputados: Não nos venham fazer mais elogios aos capitães de Abril, porque a verdade é que a maioria deles está afastada das forças armadas e estes que hoje os vêm elogiar não são capazes de protestar contra o facto de os principais capitães de Abri terem passado pelas prisões e sejam hoje afastados das forças armadas sem que ninguém aqui proteste.

Vozes do PSD: - Já está a meter água!

O Orador: - Não nos venham falar da Europa porque o que está visto é que em nome da Europa o CDS já está no Governo, o PPD também pretende ir para o Governo, e os trabalhadores estão a ver que ao mesmo tempo que lhes agitam a Europa tentam virá-los de costas para o Chile e tentar que esqueçam a experiência chilena.

Vozes do PSD: - Ai o Chile!

O Orador: - Ao concluir a intervenção da UDP neste debate, queremos acentuar: a situação apresen-

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ta-se carregada de perigos, que seria trágico ignorar ou subestimar. Uma nova ditadura reaccionária em Portugal é possível se não forem unidas todas as forças que a possam impedir. Mas se é verdade que a situação actual é perigosa, nós não esquecemos que o Governo tem projectos ambiciosos de mais para as suas forças reais. Este Governo não tem nenhuma base sólida de apoio fora desta Assembleia, mesmo que o Sr. General Ramalho Eanes nos pretenda impedir de o dizer. É um Governo fraco porque resuma de manobras sem princípios, feitas à revelia do povo e nas suas costas.
O Dr. Mário Soares disse aqui, e o Dr. Amaro da Costa repetiu, que o Governo tem pernas para andar. É certo. A UDP gostaria de chamar a atenção de todo o País para um outro aspecto: é que o Governo tem pés de barro e pode ser tombado.
Sr. Presidente, Srs. Ministros, Srs. Deputados: O Dr. Mário Soares veio aqui a esta tribuna apelar à acalmia. O Sr. Deputado Amaro da Costa disse que respeitar o jogo das instituições é cingir-se à crítica verbal, aqui no Parlamento, e deixar o Governo governar sem empecilhos.
Aí está uma interpretação da democracia que revela bem a formação política do Sr. Deputado Amaro do Costa. No momento em que os professores do CDS provocam arrepios as democratas com as suas promessas de respeito pela Constituição, no momento em que garantem, que a vão acatar seria bom que relessem os artigos constitucional onde estão consignadas as liberdades e os direitos populares.
A UDP quer declarar desde já, para que não haja margem para equívocos, que não renuncia ao uso de nenhum dos direitos e liberdades populares para combater este Governo.
Combater este Governo, dar-lhe oposição frontal e sistemática, tal é a posição que definimos desde agora, agora que ele entra em Punções. E fazemo-lo porque seria um absurdo ficar na expectativa, dar tempo ao Governo para pôr à prova a sua equipa, o Programa (reaccionário que aqui apresentou, os partidos em que se. apoia, as combinações maus do que suspeitas de que é fruto e onde a intervenção do imperialismo americano e alemão ficou bem à vista. Tudo isto são motivos mais que suficientes para exigir uma tomada de posição clara desde já.
Pela nossa parte, nós dizemos abertamente: os trabalhadores, a classe operária, os pequenos e médios agricultores, os empregados, a intelectualidade, a juventude e as mulheres, todos os homens livres deste país, devem dar-se as mãos e erguer um grande movimento de protesto contra este Governo, com o CDS, em defesa da Constituição e das liberdades, em defesa das conquistas do 25 de Abril e da independência nacional. E é urgente que este movimento - que adias já está em curso - ganhe força e amplitude antes que seja tarde. Antes que os perigos que espreitam o 25 de Abril sejam maiores e mais fortes.
Foi o Dr. Álvaro Cunhal que desse que este Governo é um monstro de pés de barro. É verdade. Só tenho a acrescentar que não deixemos secar o barro e não deixemos que ele vá fortalecer os seus pés.
Desejo saudar desta tribuna os exemplos encorajantes que a classe operária portuguesa está já dando ao partir para a luta pelos seus justos direitos e legítimas aspirações. Desejo saudar os camaradas da Lisnave, da Sorefame, da barragem da Aguieira, da Edizer, da Santos e Barreto e de tantas outras empresas que estão lutando contra os despedimentos e a repressão, pelo cumprimento dos acordos de trabalho.
Uma menção especial merecem os trabalhadores da F. Ramada, em Ovar, que, ameaçando a administração de desencadear uma greve geral, ilimitada, obrigaram-na a reintegrar um operário, suspenso por ter dado uma entrevista ao jornal «Bandeira Vermelha», órgão central do PCP (r).
Na F. Ramada, em Ovar, a reacção levantou a cabeça e suspendeu um operário por motivos políticos. Os operários responderam unidos e a reacção recuou.
Hoje em Portugal, o CDS vai para o Governo com o PS para restringir as liberdades e atacar as conquistas de Abril. É preciso que lhe seja dada a necessária resposta para que a política deste Governo seja paralisada, para que o 25 de Abril não morra!
A UDP reafirma a sua disposição de conjugar forças com todos os trabalhadores e com todas as forças políticas de esquerda para barrar o caminho à direita e reabrir os caminhos de Abril.
A UDP reafirma a sua proposta de acção unitária com base nos quatro pontos já anunciados e que são a defesa das liberdades e da Constituição, a defesa das condições de vida da classe operária e dos trabalhadores, a defesa da Reforma Agrária e dos rendeiros, seareiros, pequenos e médios agricultores, não à Lei Barreto, não à Lei do Arrendamento Rural, a defesa da independência nacional.
A UDP reafirma o seu inteiro apoio à exigência de numerosos sectores sindicais para a realização de uma grande jornada de luta nacional que meta em respeito este Governo e faça avançar o movimento operário e popular de massas.
A UDP reafirma a sua profunda e segura convicção de que os trabalhadores comunistas, os trabalhadores socialistas, os cristãos...

Uma voz do PS: - Cristãos-novos!

O Orador: -... e os antifascistas, todos os homens de esquerda deste país saberão encontrar formas de aproximação e unidade, saberão juntar-se num grande bloco popular antifascista para defender o 25 de Abril, para salvar Portugal.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro e Srs. Ministros, Srs. Deputados: Se no início do debate podíamos admitir que subsistissem dúvidas sobre a natureza deste Governo e deste Programa, no momento do seu encerramento duas conclusões estão inquestionavelmente adquiridas: o Governo é, na sua fórmula, uma coligação PS/CDS; o Programa do Governo é um Programa comum da coligação.

Vozes do PCP: - Muito bem!

Vozes do PS: - Ah!

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O Orador: - Com longas e por vezes esforçadas tiradas oratórias pretendeu-se encobrir esta evidente realidade.
Dos dois partidos coligados, nenhum se assumiu formalmente nestas conclusões, nomeadamente quando sobre elas foram frontalmente questionados - e ambos o foram.
Mas é verdade que qualquer deles as acolheu na parte substancial das suas posições; é verdade que ambos se reconhecem numa maioria organizada; ambos se solidarizam na totalidade do Programa apresentado.
Se a evidência da coligação e da comunhão programática é tão transparente, que espécie de pudor impede que os dois partidos o reconheçam abertamente?
Tal é uma crucial interrogação que o debate suscita e ficou por responder.
Compreende-se a má consciência revelada pelos dois parceiros ao comprometerem-se numa solução que contraria frontalmente as suas posições programáticas e os seus compromissos públicos reiteradamente afirmados.
A incoerência que mina tanto a solução como o pacto que lhe serve de suporte constitui um dos traços da sua fragilidade, da sua incapacidade para promover qualquer mobilização, da sua inaptidão para fazer frente aos grandes problemas nacionais.
Esta conclusão que o debate põe em evidência legitima a afirmação de que a coligação não reproduzirá sequer a base eleitoral dos dois partidos à data das eleições para a Assembleia da República e que reduz, à esquerda e à direita, a sua base social.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Por outro lado, as moções e telegramas de protesto e de repúdio aprovadas por muitos milhares de trabalhadores em plenários e outras reuniões representativas dirigidas à Assembleia da República e aos grupos parlamentares são um testemunho claro da larga e profunda preocupação com que em vastas camadas da população a formação deste Governo é acolhida e da viva oposição que está a suscitar.

Aplausos do PCP.

Vozes do PS: - Não apojado!

O Orador: - Se sublinhámos até agora traços comuns no comportamento dos dois partidos da coligação, cumpre não deixar de acentuar que o entusiasmo e orgulho pela solução não é igual nas bancadas de cada um dos partido coligados.

O Sr. Salgado Zenha (PS): - Olhe que não!

O Orador: - É que, em termos de partilha do Poder, há um partido que cedeu muito e há um outro que obteve bastante e se esforça por obter ainda mais.

Vozes do PCP: -Muito bem!

Uma voz do PS: - Muito mal!

O Orador: - Desde há muito que o PCP tinha advertido que as pressões e o cerco que a direita reaccionária vinha adensando sobre e em torno do Partido Socialista visavam forçá-lo à partilha do Poder como primeiro passo para o substituir e finalmente arredar.
Desde há muito que o PCP tinha advertido que as cedências do PS às pressões e aos cantos de sereia da direita reaccionária, longe de a aplacarem e de a conterem, a reforçariam e encorajariam nos seus propósitos.

O Sr. Costa Moreira (PS): - A culpa é do PCP!

O Orador: - O poro português sabe hoje que a almejada descompressão da atmosfera política e da pressão reaccionária se traduziu na clara partilha do Poder com a reacção...

Risos do PS

... pretendido esvaziamento dos argumentos da direita se realizou (singular «esvaziamento») pela aceitação e adopção das suas posições e dos seus pontos de vista; o celebrado apaziguamento da conspiração antidemocrática se traduziu no empolamento de perigos que conduzem à sua intensificação e agravamento.
Quando do debate nesta Assembleia do Programa do I Governo do Dr. Mário Soares, afirmou o secretário-geral do PCP, Álvaro Cunhal...

Uma voz do PS: - Ditador!

O Orador: -... a democracia portuguesa não está interessada em que se acentue a guinada à direita do Partido Socialista, não está interessada em que este passe a ser um partido que, pelo seu programa e a sua prática política, pouco se diferencie do PPD e do CDS, partidos que representam os interesses do grande capital e dos agrários».
O PCP nunca proeurou qualquer possibilidade de entendimento com o Partido Socialista ...

Uma voz do PS: - Diz bem: nunca proeurou.

Aplausos do PS.

O Orador: - Perdão, o PCP nunca deseurou qualquer possibilidade de entendimento com o Partido Socialista, porque esse é o interesse da democracia e do povo português. Procurámo-lo aquando do debate das leis do Plano e do Orçamento para 1977, a propósito da lei de delimitação dos sectores e da Lei de Bases da Reforma Agrária, antes e durante o debate da moção de confiança e após a queda do Governo.
Nunca o Partido Socialista se mostrou capaz de aprender com a vida e aceitar um claro acordo para a comprovada necessidade de mudar de política.
A coligação que o Partido Socialista agora realiza culmina, por um lado, um longo processo de deslizamento para a direita, um longo processo de cedências à direita, mas é, por outro lado, uma ampla expli-

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cação das razões por que até agora nunca o PS quis chegar a uni real acordo com o PCP.

Aplausos do PCP

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Não é verdade!

O Orador: - De tal maneira é completa e funda a coligação PS-CDS, que hoje se compreendem em toda a sua extensão as razões por que o PS não pôde aceitar um texto de efectivo acordo interpartidário com o PCP no decorrer da recente crise governamental.
Hoje se compreende o peso das objecções do CDS ao considerar inaceitáveis os termos do acordo que se esboçava entre o PCP e o PS.
Do lado do CDS, a coligação culmina toda uma sinuosa política de escalada persistente em direcção do Poder.
Derrotada fragorosamente a retrógrada «Alternativa-76» e tendo compreendido que a chegada ao Poder pela via das umas não era alcançável por meras operações de prestidigitação, o CDS enveredou pela colagem ao PS. Tal orientação, justamente conhecida pela designação de «política da bengala do ceguinho»...

Risos do PS, PSD e CDS.

...não excluiu, porém, antes comportou associações e convergências com o PPD/PSD (ora coligando-se com ele, ora escorraçando-o com displicência do quadro de negociações em curso), como não excluiu, para melhor pressionar o PS a «política do duche escocês» durante o processo da contra-revolução legislativa.

Uma voz do PS: - Ceguinho!

O Orador: - Exausto o PS neste complexo de operações, assistimos ao período da chantagem das «moções de censura», aqui oportunamente recordado pelo Sr. Primeiro-Ministro.
Hoje, o CDS é partido da coligação governamental.
Dissemos já, e afirmamos de novo: O CDS é o Partido que votou contra a Constituição. É o Partido que sempre defendeu as reivindicações máximas dos maiores patrões e por isso achou pouco a Lei de Delimitação dos Sectores Público e Privado, a Lei Barreto, a Lei das Indemnizações, a Lei das Comissões de Trabalhadores e do Controlo de Gestão. É o Partido que em toda a actividade legislativa fez tudo para reduzir os direitos e liberdades dos trabalhadores. É o Partido que combateu e contrariou quanto pôde o processo de descolonização e que o adultera e calunia. É o Partido que sempre recusou a condenação frontal do regime fascista derrubado em 25 de Abril, que recusa a proibição das organizações que perfilhem a ideologia fascista e o combate decidido às suas violências contra a democracia e as forças democráticas.

Aplausos do PCP.

O Sr. Amaro da Costa (CDS): - É falso!

O Orador: - É o Partido que nunca recuou ante o mais baixo e mais primário anticomunismo para combater as forças democráticas, como aqui mesmo evidenciou.

Aplausos do PCP

O Sr. Carlos Robalo (CDS): - É de facto caluniador, Sr. Deputado!

O Orador: - Mas o debate revelou algo mais. O CDS chegou ao Poder à custa do PS e pela mão do PS.

O Sr. Carlos Robalo (CDS): - Democracia!

O Orador: - E é esse paradoxo lamentável que o PS aqui tem festejado com as suas palmas. CDS não recuou ante nada para atingir o seu objectivo: adulou e agrediu, fez e desfez «convergências», não só correu como acotovelou, atropelou e afastou os seus aliados de ontem.

Aplausos do PCP.

O Sr. Salgado Zenha (PS): -Não faça literatura, fale do Programa do Governo!

O Orador: - Tal é o parceiro que o PS escolheu. E quando este parceiro anuncia que falta travar «a última batalha», tudo se pode admitir.

Uma voz do CDS: - Bruxo!

O Orador: - Há todas as razões para que os democratas cerrem fileiras!

O Sr. António Macedo (PS): - E o Programa do Governo?

O Orador: - Tirou-me a palavra da boca!
Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Ministros, Srs. Deputados: O PCP fez a sua apreciação do Programa do Governo...

O Sr. António Macedo (PS): - Ora ainda bem, ao fim de 15 minutos fala do Programa do Governo!

O Orador: - ... criticou as soluções insuficientes ou desajustadas, rejeitou as medidas contrárias ao projecto constitucional e à resolução dos problemas nacionais e apresentou propostas alternativas, baseadas na defesa dos interesses dos trabalhadores e das mais largas camadas da população, na defesa das conquistas da Revolução, das liberdades, da democracia e da independência nacional.

Aplausos do PCP.

O Governo e os Partidos da coligação, nas intervenções produzidas e no seu comportamento, não só não deram resposta positiva às várias questões postas, como, bem pelo contrário, avolumaram as nossas preocupações e apreensões.
Não foram afastadas as apreensões quanto ao exercício e «regulamentação» das liberdades; confirmaram-se os perigos e ameaças sobre as formações económicas, designadamente as nacionalizações e a Reforma Agrária; acentuaram-se os traços negativos

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apontados à política social do Governo; não foram rebatidas as críticas feitas ao programa económico.

A Sr.ª Emília de Melo (PS): - Não é verdade!

O Orador: - Mantêm-se os perigos apontados para a salvaguarda da independência nacional
Vejamos a questão das liberdades.
Em vez de um programa claro de defesa dos direitos e liberdades dos cidadãos e do Estado democrático, o Governo omite e deixa sem resposta questões fundamentais. Nada diz sobre as grosseiras violações do direito à greve; nenhuma medida propõe para o combate às organizações fascistas e terroristas e às actividades de bandos nazis nas escolas

Vozes do PS: - Ah!

O Orador: -O anúncio, no acordo PS/CDS, da revisão da lei sobre a liberdade e direitos sindicais causa aos trabalhadores as mais profundas preocupações. Ninguém vai certamente acreditar que a extrema-direita parlamentar, o partido do grande capital, dê o seu voto a uma lei sindical que defenda e garanta o desenvolvimento da organização e da unidade dos trabalhadores.
O CDS, pelo voz do seu presidente, já se permite pretender ditar à Oposição as suas responsabilidades e competências e quer atribuir-lhe a missão sumária de «fiscalizar, criticar e propor alternativas», enquanto o seu vice-presidente, pressuroso, avança nada mais nada menos do que as regras tácticas de oposição até 1980.

O Sr. Amaro da Costa (CDS): - Somos clarividentes!

O Orador: - O novo Governo, pretendendo atribuir os seus inevitáveis fracassos aos trabalhadores e às forças que se oponham à sua política, tenderá a recorrer de forma crescente a medidas administrativas e repressivas e à «regulamentação» das liberdades e direitos.
Os democratas de todos os quadrantes e tendências não deixarão de se interrogar sobre o significado dos aplausos aqui ontem ouvidos sublinhando os apelos de um Deputado, como o Sr. Galvão de Melo, ao exercício da autoridade a todo o custo.
Vejamos, em seguida, a questão do respeito pelas formações económicas e da política da recuperação económica e financeira.
Há muito tempo que o PCP afirma ser necessário dar combate ao deficit da balança de transacções correntes e apontou medidas concretas para a resolução deste problema.
Afirmámos e demonstrámos que só com o aumento da produção, com a produção nacional de produtos importados, com a redução e contingentação de bens supérfluos ou não essenciais, com o combate aos desperdícios, que só com um grande esforço nacional baseado nos nossos recursos e energias nacionais se poderá sair da crise.

Aplausos do PCP.

Afirmámos e demonstrámos que na actual situação o respeito pelos limites das formações económicas é uma condição indispensável para o êxito de uma política de reanimação económica que tenha em conta os interesses do povo e do País.
O Programa do Governo causou-nos as maiores apreensões, que o debate e as intervenções produzidas vieram agravar.
Sob a cortina de fumo da «concorrência coexistencial», o que ressalta é o primado do sector capitalista e a adopção de medidas que põem em causa os sectores e empresas nacionalizados. A Reforma Agrária é praticamente omitida, e nenhumas medidas se prevêem para a sua consolidação. Anuncia-te com prioridade a atribuição das indemnizações aos monopolistas e latifundistas e a devolução acelerada de empresas participadas e intervencionadas. O sector da propriedade social, as cooperativas e empresas em autogestão são praticamente votadas ao esquecimento.
As medidas preconizadas para a saída da crise são uma aplicação mecânica, académica e rotineira das exigências do Fundo Monetário Internacional, e, longe de a resolverem, vão, pelo contrário, agravá-la. São o aprofundamento das medidas do 1.º e do 2.º pacotes, na altura anunciadas como conduzindo à redução do deficit comercial e da balança de transacções correntes e que, afinal, se saldaram no aumento de preços, em falências», no agravamento do deficit da balança comercial e na diminuição dos salários reais.
A restrição de crédito preconizada e a indexação ias taxas de juro - exigências do Fundo Monetário Internacional - levarão ao abaixamento da produção e à anunciada liquidação e falência de inúmeras empresas, com o consequente aumento do desemprego e necessidade de novas importações.
O problema não está em moderar um qualquer consumo, como o Governo o afirma, mas sim o consumo de bens importados, sobretudo o consumo das classes de maiores rendimentos.
A redução e a contingentação de bens supérfluos ou não essenciais não são incompatíveis com os nossos compromissos internacionais, no GATT, na EFTA e na CEE. São incompatíveis, sim, com as medidas do Fundo Monetário Internacional que exigem a liberalização alfandegária com os países prestamistas.
O problema não está em moderar a produção, tanto mais quando nos encontramos face a um elevado grau de capacidade produtiva e recursos não utilizados, ma? sem em reduzir, nomeadamente através da produção nacional de produtos importados, a componente importada.
E isto não é incompatível com a manutenção do poder de compra dos trabalhadores. Antes pelo contrário. O alargamento do mercado interno, sobretudo o mais fiel à produção nacional, é condição indispensável para o aumento da produção e para a saída da

Aplausos do PCP

E é curioso verificar que mesmo quando o Governo reconhece ser a mobilização dos trabalhadores necessária e indispensável, não a faz apelando para o seu empenhamento, para a sua actividade criadora,

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mas sim para a sua aceitação cega, conformista e subserviente do apertar do cinto.
Para o PCP, e bem ao contrário, a recuperação económica e financeira há-de fazer-se, mas no respeito dos interesses dos trabalhadores e das mais largas camadas da população, com a sua participação criadora e determinada, com a sua confiança de que os sacrifícios do presente, que não temem..

Vozes do PS e CDS: - Ah!

O Orador: -..., são a garantia da construção de um futuro democrático e socialista.

Aplausos do PCP.

Vejamos, em terceiro lugar, a política social.
O Governo omite qualquer referência aos milhares de despedimentos já efectuado; ignora os despedimentos selectivos de dirigentes e delegados sindicais e membros de comissões de trabalhadores: nada adianta sobre a contestada lei de despedimentos; confessa que as suas medidas económicas provocarão falências e mais desemprego; promete uma ainda maior generalização dos contratos a prazo e de outras formas intensivas de exploração dos trabalhadores.
Ao mesmo tempo que anuncia um tecto para os aumentos da massa salarial, o Governo declara-se incapaz de controlar eficientemente a inflação, nada prevê para desbloquear a contratação colectiva, promete o aumento da carga fiscal, novas desvalorizações do escudo e aumentos de preços; tudo, afinal, factores que contribuirão inevitavelmente para a degradação dos salários e das condições de vida dos trabalhadores.
Ouvimos aqui um membro do Governo expressar as suas boas intenções quanto à segurança social, referindo-se, entre outros assuntos, à situação dos reformados e dos pensionistas; mas quarenta e oito horas depois, outro membro do Governo esclarecia que das medidas financeiras propostas resultava a necessidade de conter os aumentos das prestações sociais e dava como exemplo precisamente as pensões de reforma.
Para o PCP, este não é o caminho da recuperação económica e o caminho Que permite a mobilização dos trabalhadores.
O que se impunha fazer, e a curto prazo, era dar satisfação às reivindicações mais urgentes do movimento operário e sindical, publicando legislação e adoptando medidas de defesa dos interesses e direitos dos trabalhadores, defendendo os seus salários, a segurança no emprego, o exercício dos. direitos e liberdades dos trabalhadores.

Aplausos do PCP.

Reforçando e desenvolvendo o seu movimento unitário, as comissões de trabalhadores e o grande movimento sindical imitado em volta da CGTP-Intersindical, que daqui saudamos pelo alto sentido da? responsabilidades demonstrado em toda a sua acção, os trabalhadores, com confiança, determinação e serenidade, seguramente não desfalecerão na defesa dos seus legítimos direitos e interesses.

Aplausos do PCP

Sr. Primeiro-Ministro e Srs. Ministros, Srs. Deputados: Perante os novos fracassos e os velhos erros que o Governo PS-CDS promete e anuncia, a vida e a realidade portuguesa, a vontade do povo português, acabarão por colocar na ordem do dia a necessidade vital de fechar o capítulo da recuperação capitalista, agrária e imperialista e de concretizar, com eleições antecipadas ou não, uma alternativa democrática a este Governo e à sua política.
Uma nova política definida na base do respeito pela Constituição, do respeito pelas liberdades e pelas outras conquistas da revolução, da defesa intransigente da independência nacional e um novo Governo com composição capaz de garantir esta política democrática e patriótica, tal é a «solução que dia a dia ganha mais força, maior apoio e amplitude e na qual se pode legitimamente fundamentar a certeza de que, no quadro das instituições, Portugal sairá da crise.
A vida continuará a mostrar que a solução dos problemas nacionais reclama o apoio, a participação, o entusiasmo, a iniciativa dos trabalhadores portugueses e o destacado papel das suas estruturas e organizações representativas.
A vida continuará a mostrar que no quadro político nacional o PCP é uma força essencial na defesa da democracia portuguesa, nas tarefas da recuperação económica, no esforço nacional indispensável para fazer Portugal sair da crise.

Uma voz do PS: - Vê-se!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Apresentado a sua própria moção de rejeição, quer o PCP deixar inteiramente claras as razões políticas precisas por que se opõe a esta solução governativa, por que rejeita este Programa de Governo. Como o debate demonstrou, as razões do PCP são distintas e até opostas às evocadas por outros quadrantes da Assembleia que também se decidiram pela rejeição.

Uma voz do PS: - Mas lá vão de braço dado!

O Orador: - Pronunciamo-nos pela rejeição do Programa do Governo PS-CDS.
Significa isso que, no exercício dos direitos constitucionais, combateremos tudo quanto na acção deste Governo representar violação e omissão das disposições constitucionais, agravamento dos problemas nacionais, das condições de vida dos Portugueses, de sacrifício dos interesses de Portugal como país livre e independente.
Mas significa também que, como sempre temos feito, acompanharemos atenta e objectivamente todas as medidas e posições que o Governo venha a adoptar e definiremos no concreto e em cada caso a nossa atitude, podendo desde já assegurar-se que o nosso severo julgamento sobre a incapacidade deste Governo resolver os problemas centrais dó País não significará que medidas positivas,. de pequeno ou grande alcance, deste ou daquele sector ou departamento, encontrem o nosso apoio.
Com o Governo de coligação PS-CDS adiou-se a solução que o País precisa!
Afirmamos que existem forças e condições para enfrentar com sucesso os perigos e as dificuldades que se anunciam.

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Com a firmeza, a coragem e a determinação de quem tem muito a defender; com serenidade e lucidez; com unidade, confiança e entusiasmo, os trabalhadores, os democratas, as forças sociais e políticas que estão com o regime democrático saberão defender os ideais e as conquistas de Abril, saberão construir o Portugal livre, próspero e independente que corresponde à sua vontade, às suas aspirações, saberão manter o caminho do socialismo apontado pela Constituição da República.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Freitas do Amaral para uma intervenção.

O Sr. Lino Lima (PCP): - Vamos lá ver agora se vocês gostam de apartes.

Risos.

O Sr. Freitas do Amaral (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Está a terminar o debate que nesta Assembleia se efectuou sobre o Programa do II Governo Constitucional.
Da discussão havida algo de positivo resultou. A maioria parlamentar começou a funcionar e encontrou-se a si própria; a oposição, por seu lado, viu-se pela primeira vez ao espelho e verificou, embora com pesar, que é de facto minoritária.
O Governo saiu reforçado do debate - sólido, sereno e seguro die si; os partidos da oposição ficaram enfraquecidos- nervosos, inquietos, divididos.

Vozes do PSD: - Olhe que não!

O Orador: - É sintomático que intervenções políticas fundamentais do Governo, como a declaração sobre política externa e a declaração sobre política económica, financeira e monetária, não tenham suscitado protestos, nem críticas, nem sequer pedidos de esclarecimento, da parte de qualquer Deputado da oposição.

Aplausos do CDS e PS.

Assim, mais do que o Programa, mais do que as soluções concretas para os problemas nacionais, mais do que a política a seguir pelo Governo, o PCP e o PSD atacaram sobretudo a fórmula governativa de que não fazem parte.

O Sr. Marques Mendes (PSD): - Está enganado, Sr. Deputado!

O Orador: - Como ambos admitiram, porém, durante a crise, participar de uma maneira ou de outra na respectiva solução, e atendendo a que criticam sobretudo a circunstância de o Governo ter rido formado a partir de um entendimento entre o PS e CDS, temos de concluir que o motivo principal dos ataques consiste apenas no facto de o PCP e o PSD terem ficado na oposição, isto é, fora do Governo e sem influência nele.

O Sr. Amaro da Costa (CDS): - Muito bem!

O Orador: - Semelhante atitude é natural da parte desses Partidos, mas, como é óbvio, reduz consideravelmente o valor moral, o significado político e a eficácia prática dos seus ataques e das suas críticas.
Houve durante o debate, infelizmente, acusações sem fundamento, calúnias sem desculpa, deturpações da verdade inadmissíveis.

O Sr. Cunha Leal (PSD): - É verdade, é verdade!

O Orador: - Foram respondidas de imediato e a elas não voltarei: primeiro, porque o povo português sabe que o DGS nunca lhe mentiu;...

Risos do PSD e do PCP.

Vozes do PSD: - Boa piada!

O Orador: - ...segundo, porque tais processos de luta política prejudicam quem os utiliza e quem deles se ri, mas não quem deles é vítima; e, terceiro, porque os Portugueses esperam de nós, seus Deputados, qualquer coisa de melhor e de mais sério do que vistosas agressões verbais com que tantas vezes se esconde a desarrumação das ideias, a vaidade ferida ou a simples falta de solução para as dificuldades enfrentadas

O Sr. Fernando Pinto (PSD): - Parece que se está a ver ao espelho!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O principal problema nacional é, neste momento difícil da nossa história, a crise económica grave em que nos encontramos. Isto está dito no Programa do Governo, foi afirmado pelos membros do Governo que aqui discursaram e continuou a ser repetido pelos dirigentes dos partidos que apoiam o Governo. Do lado da Oposição ninguém o contestou. Combater é vencer com prioridade absoluta a nossa crise económica pode, pois, considerar-se como um grande objectivo nacional - que por isso mesmo ultrapassa o âmbito das lutas partidárias e a todos se impõe como causa determinante de comportamentos políticos e motivo irrecusável de contenção, de prudência e de renúncia.
Se queremos, com efeito, como é nosso dever, triunfar da crise económica e alcançar esse êxito necessário em plena normalidade democrática, todos - governantes e governados, Governo e Oposição, maioria e minoria -, todos teremos de aceitar particulares obrigações na fase crucial que estamos a viver. O Governo e a sua maioria terão de se mostrar abertos e dialogantes; a Oposição e os seus adeptos terão de se revelar responsáveis e moderados; uns e outros deverão, em suma, sem abdicar dos direitos que lhes pertencem, exercê-los, todavia, em função da situação em que o País se encontra e com plena consciência de que não está em jogo apenas o êxito ou o insucesso de um Governo, mas sobretudo a liberdade e a independência de Portugal, a prosperidade, o bem-estar e a segurança dos Portugueses

Aplausos do CDS

Estou certo de que o Governo saberá estar à altura das suas responsabilidades - por isso lhe dou o meu apoio. E tenho esperança de que a Oposição, pelo

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menos a oposição democrática, saiba também proceder como lhe cumpre. Todos somos portugueses; a todos interessa salvar Portugal.

Vozes do CDS e PS: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O combate à crise económica, questão prioritária da política nacional, de que me ocupei já na quarta-feira passada, não é o único problema a enfrentar pelo novo Governo, nem é, portanto, o único problema equacionado e com resposta adequada no respectivo Programa. Duas outras questões, entre muitas, estão presentes no texto que aqui foi debatido e sobre elas importa dizer também alguma coisa: refiro-me à organização do Estado e à modernização da sociedade portuguesa.
O Programa do II Governo Constitucional foi acusado - quer neste hemiciclo quer na Imprensa - de ignorar ou menosprezar o problema candente da construção do Estado democrático. Penso, contudo, que a crítica não tem fundamento. De uma ponta à outra, o Programa tem presente essa que?,tão e avança numerosas propostas concretas destinadas a continuar a erguer o edifício necessário.
Sabe-se que o Estado democrático assenta, antes de mais, num sistema completo de instituições políticas representativas. Ora, tais instituições existem e funcionam: temos um Presidente da República escolhido por sufrágio universal, temos um Parlamento livremente eleito, temos um Governo Constitucional.
O Estado democrático pressupõe também um Poder Executivo forte, capaz de tomar as decisões que se impõem e de se fazer obedecer, na defesa da lei e na manutenção da ordem pública, na garantia de funcionamento dos serviços públicos essenciais e na promoção do desenvolvimento económico e social. Tal Poder Executivo existe e a partir de agora ganha em autoridade e eficácia com o facto de se consubstanciar num Governo maioritário.
O Estado democrático implica, além disso, um Poder Legislativo representativo e operacional, encarregado de discutir e aprovar normas legais adequadas às exigências do bem-comum, que dêem garantias de justiça, de razoabilidade e de certeza do direito e que sejam claras e acessíveis para as autoridades que as hajam de executar e para os cidadãos que as tenham de cumprir. Esta Assembleia está em condições de se desempenhar a contento dessa missão e o Governo promete, no seu Programa, melhorar substancialmente as instalações e os meios de funcionamento da Assembleia da República.
O Estado democrático postula a existência de um Poder Judicial independente e prestigiado, capaz de fazer correcta aplicação do direito, defendendo as liberdades individuais, salvaguardando os interesses superiores da colectividade e prestando justiça na adequada composição dos litígios entre cidadãos, e suas organizações. O Programa do Governo contém uma extensa e abundante lista de providências destinadas a reforçar a dignificação da magistratura e a promover a racionalização orgânica e funcional dos tribunais portugueses.
O Estado democrático carece de instituições militares disciplinares e hierarquizadas, profundamente identificadas com a sua Pátria e inteiramente entregues às missões que lhes forem em cada momento definidas pela soberania nacional. Ora, as forças armadas portuguesas estão desde o 25 de Novembro reintegradas na sua função tradicional; encontra-se em vias de definição uma nova política global de defesa, que esta Assembleia há-de adoptar em lei que para o efeito está a ser preparada; e no Programa do Governo refere-se expressamente - e muito bem - que será a este Governo que competirá intervir na preparação dos mecanismos legais e organizativos que permitam a normal e indispensável subordinação das forças armadas ao poder político - tarefa de transcendente significado para a construção do Estado democrático e que, nos termos constitucionais, deverá coincidir com a próxima revisão constitucional, possível a partir de 1980.
Além disto, o Estado democrático exige uma política externa una e firme, de independência nacional, de estreita solidariedade com os aliados tradicionais e de cooperação com os povos amigos, em especial as de expressão portuguesa. O Programa do Governo aponta nesta direcção. E vai mais longe, porque assenta na valorização do elemento humano da Nação Portuguesa reforçando a protecção devida aos nossos emigrantes, estabelecendo pontos de contacto e nexos de convivência com todas as comunidades portuguesas e de luso-descendentes espalhadas pelo Mundo e promovendo, por outro lado, como é de elementar obrigação nacional, uma política activa de defesa e expansão da língua portuguesa e um programa de divulgação da nossa cultura no estrangeiro.
O Estado democrático pressupõe ainda uma política autêntica e sincera de descentralização do Poder e de difusão das responsabilidades, como forma de combater a hipertrofia da Administração Central e de assegurar o pluralismo institucional, o equilíbrio e valorização das regiões - em particular das regiões autónomas insulares - e o florescimento de um genuíno poder local democrático. O Programa do II Governo Constitucional vai nesta matéria mais longe do que o de qualquer outro Governo Português do século XX.

Vozes do CDS: - Muito bem!

A Sr.ª Ercília Talhadas (PCP): - Até parece mentira!

O Orador: - Enfim, o Estado democrático reclama uma nova administração pública, motivada, competente e participada, pronta a responder com agilidade e eficiência a todas as solicitações que o Poder Político ou a sociedade lhe dirigem constantemente. O Programa do Governo aborda de uma forma exaustiva, e decerto com tal extensão e profundidade, pela primeira vez, desde as grandes transformações de Mouzinho da Silveira em 1832, toda a problemática da reforma da administração pública em Portugal.
Como se vê, não é procedente a crítica de que o Programa do Governo deixou em claro a construção do Estado democrático, mas há mais. É que, nas presentes circunstâncias, e para além do Programa, creio poder afirmar que é também o próprio Governo na sua fórmula e composição actuais, que contribui poderosamente para a construção do Estado democrático.

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Porque, na verdade, e quanto a mim, também se ajuda a construir o Estado democrático quando em fase especialmente melindrosa se forma um Governo que não cristaliza o sistema político numa bipolarização esquerda-direita, susceptível de fracturar o País em duas metades antagónicas.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Também se ajuda a construir o Estado democrático quando se deixam as mãos livres a linhas sindicais autónomas, democráticas e reformistas.

Vozes do PS e CDS: - Muito bem!

O Orador: - Também se ajuda a construir o Estado democrático quando em situação de crise se pode contar na oposição com um grande partido democrático e se não concede o monopólio do descontentamento e a ideia de alternativa a um partido como o Partido Comunista Português.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Também se ajuda a construir o Estado democrático quando se contribui para vencer a crise sem dramatismos, sem se optar à pressa, à primeira dificuldade que se encontra pela frente, por soluções de última instância. E, enfim, também se ajuda - e de que maneira - a construir o Estado democrático quando se forma um Governo a partir do entendimento entre dois partidos políticos que apoiaram a eleição do Presidente da República e que nunca duvidaram da instituição nem da pessoa, mesmo nos momentos mais conturbados em que outros hesitaram, suspeitaram ou denegriram.

Aplausos do CDS e PS.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Para além da resolução da crise económica e da construção do Estado democrático, vima outra necessidade se impõe ao nosso país - a modernização da sociedade portuguesa. Sem ela não podemos atingir nenhum objectivo primordial: nem removeremos as nossas dificuldades maiores, nem prepararemos o País para entrar no Mercado Comum, nem resolveremos os problemas concretos dos Portugueses.
Somos, em muitos aspectos, uma sociedade antiga. Temos índices demográficos fortemente negativos, que denotam um envelhecimento gradual da população portuguesa. Deixámos sair para fora das nossas fronteiras, como emigrantes ou exilados, muitos elementos válidos que aqui fazem falta. Fomos até há pouco um país essencialmente agrícola e ainda hoje não dispomos de suficiente expansão industrial e desenvolvimento urbano. Só muito tarde nos abalançamos à exportação, por medo do desconhecido, e nos abrimos ao turismo, por receio da contaminação. Não se cultivou a ciência por falta de meios, nem se insistiu nas tecnologias por falta de objectivos. Quis-se fazer crescimento económico sem progresso social e promoveram-se empreendimentos privados sem o acompanhamento necessário em equipamentos colectivos.

O Sr. Amaro da Gosta (CDS): - Muito bem!

O Orador: - Não temos as empresas de que necessitamos - na agricultura, na indústria, no comércio e nos serviços -, mas menos ainda beneficiamos das escolas, dos hospitais e das habitações que os nossos níveis económicos sem dúvida já consentiriam.
Impõe-se-nos, assim, com a maior urgência, um esforço enorme de modernização da sociedade portuguesa: de rejuvenescimento demográfico; de estímulo e atracção dos quadros dirigentes; de industrialização e urbanização de tipo europeu; de adaptação do mundo rural e inserção da agricultura no mundo moderno; de valorização do comércio, do artesanato e dos serviços; de promoção de trocas comerciais com o exterior através da exportação em vez de transferências humanas através da emigração...

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: -..., de fomento do turismo como fruição da paisagem, do sol e do mar, e não como mero aluguer de quartos; de promoção da ciência como factor de progresso e das tecnologias como condição do desenvolvimento; de modernização da escola como factor de liberdade e de acesso à cultura como realização pessoal; de promoção do intercâmbio com o exterior a todos os níveis como forma de enriquecimento individual e colectivo, e não como perigo de descaracterização nacional...

Uma voz do CDS: - Muito bem!

O Orador: -..., de um sério esforço de melhoria da qualidade da vida, pela organização de uma vida quotidiana mais suave, pela implantação de cidades mais humanas, pela defesa de um ambiente natural mais puro, pela promoção de uma prática desportiva mais intensa e generalizada.
Acima de tudo, tenhamos sempre presente - e vai nesse sentido, como é óbvio, o Programa do Governo - que a modernização da sociedade portuguesa numa linha de orientação tipicamente europeia não deve revestir um significado meramente económico, tecnocrático ou cosmopolita; ela tem de ser sobretudo uma modernização de profundo sentido social, quer dizer, humano.
O que fundamentalmente importa é melhorar as condições de vida dos portugueses mais desfavorecidos, é alcançar a superação das formas mais penosas do trabalho manual, é assegurar a mobilidade e a promoção social, é combater todas as formas de isolamento ou marginalização de grupos sociais, é associar as diferentes categorias económicas e profissionais à assunção de responsabilidades efectivas, é - numa palavra - transformar a condição humana em todos os domínios da actividade nacional.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Só nestes termos e neste estado de espírito julgo valer a pena, no Portugal de hoje, ser Governo ou estar com ele. E penso que nos partidos que apoiam o II Governo Constitucional existem suficientes energias para levar por diante as mencionadas transformações. Ponto é que nos não deixemos nunca identificar, em nenhuma fase da nossa caminharia.

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com as injustiças que em cada momento existirem na sociedade.

Uma voz do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Estudemos, pois, todos os casos, denunciemos todos os erros, aproveitemos todas as possibilidades de solução. O eleitorado português julgar-nos-á pelos frutos da nossa acção e não pela cor dos nossos olhos.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: No início do presente debate, declarei aqui na tribuna: «Este Governo tem de saber que pode ter êxito. Os dois Partidos que o apoiam têm de saber que podem ganhar esta campanha em que se empenharam. O povo português tem de saber que pode sair da crise em que está mergulhado.»

Risos do PSD.

Do lado da Oposição, porém, e da parte de alguma imprensa que se compraz em glosar aquilo a que chama o «desencanto», acusam-nos de estarmos optimistas e de exibirmos a convicção de poder triunfar.
De facto assim é. Acreditamos no êxito, consideramo-lo possível, desejamo-lo convictamente. E como apreciaríamos ouvir, da parte da Oposição actual, algo de semelhante ao que nós próprios dissemos ao I Governo Constitucional, no encerramento do debate parlamentar de investidura. Temos dúvidas sobre a vossa capacidade de vencer, mas a bem de Portugal oxalá o conseguissem!
Seja, porém, como for, afirmamos que este Governo pode ter êxito. Por isso nos apontam o defeito do idealismo. Devo confessar que procuraremos guardar em nós esse defeito o mais longamente que nos for possível. Não há êxito sem entusiasmo, não há triunfo sem convicção, não há vitória sem ideal.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - É por sermos assim que ainda temos connosco uma possibilidade de transfigurar o mundo: de outra forma, seria apenas o mundo a desfigurar-nos a nós.

Aplausos do CDS e do PS.

Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Ministros. Srs. Secretários e Subsecretários de Estado: Em nome do CDS e em meu nome pessoal, desejo-vos as maiores felicidades. As vossas felicidades serão as felicidades do povo português. O vosso bom sucesso significará que a crise económica terá sido vencida, a liberdade salvaguardada, o Estado democrático fortalecido, a sociedade portuguesa modernizada, o ingresso na Europa viabilizado, o bem-estar dos Portugueses proporcionado, a justiça social posta em prática, a confiança nas potencialidades do País garantida, o futuro dos nossos filhos assegurado e o orgulho na grandeza e prosperidade de Portugal robustecido.
Por tudo isto vos desejo a todos, muito sinceramente, boa sorte.

Aplausos do CDS, do PS e do Sr. Deputado independente Galvão de Melo.

O Sr. Presidente: - Pedia ao Sr. Vice-Presidente José Vitoriano o favor de me substituir na presidência. Desculpem não estar presente, mas estou extremamente incomodado com as luzes e não posso estar aqui mais tempo.
O Sr. Vice-Presidente José Vitoriano assumiu a presidência.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Sousa Franco.

O Sr. Sousa Franco (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo: Cabe-me, em nome do Partido Social-Democrata, tirar hoje perante o povo português as lições finais deste debate parlamentar.
O sentido das responsabilidades, como as exigências cada vez mais graves da crise nacional sucessivamente adiadas e aumentadas, obrigam-nos, mais do que nunca, a ser directos e frontais. A política é feita, acima de tudo, de coragem e competência, ou então trai o povo. Como sempre, mais que sempre, há que falar verdade: ai de nós se o discurso dos políticos for diferente do que diz o povo, pois em democracia a política é de todo o povo e os políticos não podem, nos seus jogos de cúpula, esquecer o pensar, o sentir, a vida real do povo português.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Não vou usar palavras de mel, expressões eruditas ou palacianas, discursos de circunstância mais ou menos floridos. Neste momento de crise há que dizer a verdade nua e crua, doa a quem doer.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Estamos nós, está o povo português satisfeito com o debate que aqui vai encerrar-se? Por mim respondo: não. Nem com o debate nem com o Governo e seu Programa, que deveria ser o seu principal objecto.
O debate a que assistimos contrastou em muito com o I Governo Constitucional, em Agosto de 1976.
Então prevaleceu a serenidade, a lucidez, um largo consenso a respeito de questões fundamentais, uma centelha de esperança na democracia que acabara de se institucionalizar e uma certa alegria pelo exercício democrático reencontrado em plenitude. É grande o contraste com este debate. Em muitos momentos, ele careceu de vivo e real interesse, mais parecendo velatório de nado-morto do que festa de nascimento ou baptizado do novo Governo; em outros, o teor das lutas partidárias não foi edificante - e acentuou com pesar no que os partidos da situação e o Governo disseram, em muitos casos a tentativa de confundir questões, a falta de apresentação dos pontos essenciais do Programa de Governo, a crítica panfletária aos partidos da Oposição, o ataque insultuoso a personalidades que, por ausentes, se não podiam defender ...

Aplausos do PSD.

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... a tentativa de deturpar posições e atitudes, designadamente nossas, de forma inaceitável. Houve, é certo, excepções, mas confirmaram a regra.
Os partidos de aliança PS/CDS e o Governo não centraram o debate no Programa do Governo como lhes cumpria, mas sim no ataque azedo às oposições e em querelas passadas. Por isso a discussão se perdeu em questões estéreis, direi mesmo, aliás, que no início da apresentação do Programa do Governo vimos o Sr. Primeiro-Ministro fazer um discurso que com ele pouco ou nada tinha que ver e só no final ouvimos o Presidente do CDS apresentar realmente o Programa do Governo.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Como poderíamos nestas condições ter um debate frutuoso?

O Sr. Amaro da Costa (CDS): - Não é verdade!

O Orador: - Todos devemos meditar sobre o que se passou. Proponho a todos que não se reincida na medida em que com certeza há culpas de todos, pois quem perde com tudo isto é Portugal e o sistema democrático.
Que mudou tanto, então, após estes dezoito meses? O desencanto com a experiência infeliz do I Governo Constitucional? A descrença popular neste Governo nascente, que não pode ser estranha ao nervosismo dos partidos da aliança que Sérvulo Correia chamou, e bem, de «social-conservadora»? A crise psicológica profunda que atinge o povo português? A degradação política, económica, social e moral? A experiência inautêntica de partidos que se esgota no exercício do Poder, e não num projecto de futuro, que se perdem, na passagem do exercício solitário do Poder, a falsas soluções à italiana, em que os compromissos substituem a negociação de um verdadeiro programa de acção, em que os arranjos mais ou menos habilidosos substituem a coerência dos projectos e a firmeza das propostas? Todos estes sintomas de doença e crise - em que, mais uma vez, esta Câmara reflectiu o que vai lá por fora - não podem ser ignorados na reflexão pelos democratas. Os discursos falsamente optimistas só encobrem realidades que, quando as não reconhecemos, se tornam mais graves, porventura mesmo irremediáveis.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador - Não descobriremos novos caminhos marítimos para a índia com discursos cor-de-rosa, que o povo bem sabe serem o contrário da sua experiência quotidiana. Só descobriremos o caminho autêntico para Portugal se indagarmos, bem no fundo, o que esteve mal neste debate, o que está mal neste Governo, o que anda mal no funcionamento das nossas instituições e no Estado democrático ainda por construir, o que está mal - e pode e deve estar bem - em Portugal.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador - E há que ver também se o Governo que aqui veio e o que aqui se disse contribuem ou não para atacar a fundo tais males de que os Portugueses se queixam com razão, para melhorar a vida concreta do povo - garantindo-lhe pão e emprego, travando a alta dos preços e a escassez dos bens. melhorando a educação dos jovens, alargando o acesso à habitação, garantindo melhores transportes, saúde pública e privada, pensões de reforma suficientes e um quadro de vida digno e humano. Em nosso entender, infelizmente, a resposta é clara: não. Estávamos mal, mas pela prova dada não estamos muito melhor. Não vou aqui criticar certas afirmações que os partidos da semicoligação PS/CDS disseram, porqui a inteligência, o sentido ético e o bom senso do povo português as julgarão pelo que valem. É, por exemplo, um insulto à inteligência dos Portugueses o regresso à totalitária ideia de confundir toda a Oposição com os comunistas: os sociais-democratas estão na Oposição, como está o Partido Comunista Português, não por terem com ele um projecto comum, mas por ambos dizerem não ao Governo, cada um com os seus motivos e de acordo com o próprio programa, que, como todos sabem, são largamente opostos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador - Alies, não fomos nós, foram o PS e o CDS que aceitavam subscrever uma plataforma com o PCP, directamente ou por intermédio do PS, plataforma cuja negociação esteve muito adiantada e só se não celebrou porque o PCP o não quis...

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Não posso todavia deixar de protestar contra o facto de os partidos da aliança governativa, ao passo que atribuem ao Presidente da República eleito por sufrágio universal os poderes quase simbólicos de um presidente ou rei constitucional em regime parlamentarista, pretenderem partidarizar de forma inadmissível o Sr. Presidente da República.

Aplausos do PSD.

Vozes do PS: - Não apoiado!

O Orador - Um dirigente do CDS chegou «o extremo de escrever que o «principal responsável da existência de um Governo fundado num acordo PS/CDS é o Presidente da República», frase que repudiamos, por ofensiva da dignidade e função arbitrai que o Presidente da República sempre tem assumido. Por isso. não aplaudimos nem aplaudiremos aqui manobras partidárias, tendentes a confundir o Governo com o Presidente, a oposição ao Governo com a oposição ao Presidente. Mas dizemos ao Sr. Presidente da República que o nosso empenho na preservação do sistema democrático se estende, antes do mais, ao Órgão de Soberania ao qual cabem, era tal domínio, maiores responsabilidades. que nunca tentámos nem tentaremos adulá-lo nem manipular-lhe frases ou atitudes, que não fazemos colagens ao Presidente da República, pois somos suficientemente adultos para andarmos pelo nosso p£...

Aplausos do PSD.

... e que o aplaudiremos apenas quando se mensionar o digno representante constitucional de todos os por-

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tugueses, sem as intenções de manipulação partidária que aqui infelizmente afloraram mais de uma vez. Confiamos no Presidente da República, não confiamos na aliança PS/CDS. O nosso aplauso e a nossa crítica, livres e honrados, serão sempre exercício de respeito democrático e nunca partidarização do cargo ou da pessoa do Sr. Presidente da República.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Neste momento de crise nacional importa saber em que medida o Governo que aqui se apresentou e o Programa que acabamos de discutir correspondem ou não às necessidades do País. A crise nacional sente-se em todos os domínios: na falta de confiança generalizada, no sistema de educação degradado, na injustiça social crescente, na crise económica e financeira, na falta de um projecto nacional e na falta de um sentimento comum de identidade nacional, na carência de uma nova política externa, que concretize efectivamente a opção europeia, cujo início de definição foi dos aspectos mais positivos dá acção do I Governo Constitucional.
A concepção deste Governo em que medida corresponde ou não à necessidade de vencer a crise, à necessidade de consolidar a democracia - é este o ponto fundamental que cabe abordar aqui.
Na nossa opinião estamos num momento de indefinição, mas para a resolver não é um Governo indefinido que serve. Na nossa opinião estamos num momento de expectativa, mas para o resolver não é também um Governo transitório de expectativa que serve. Seria necessário uma solução de fundo, solução essa que esteve à vista, mas infelizmente não foi conseguida. A responsabilidade por termos enveredado por mais uma falsa solução cabe fundamentalmente ao Partido Socialista, acolitado pelo CDS.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Porque estamos então em oposição a este Governo? A resposta é simples, o debate só a confirmou. Além do que já foi dito, no que respeita à incapacidade do Governo para corresponder às exigências de vencer a crise nacional, que é muito mais ampla e muito mais profunda que uma mera batalha parcelar, entendemos que por três razões a sua concepção é para nós errada e inadequada às necessidades nacionais. A sua composição é deficiente, o seu Programa não é nem satisfatório nem adequado. Vejamos melhor estas três razões.
A concepção do Governo é desde logo errada. A fórmula que lhe preside - a semicoligação PS/CDS - foi já aqui criticada por diversos motivos, e muitos deles são decisivos. Ela não é, desde logo, clara: era claro, apesar de erróneo, o Governo «PS sozinho»; eram claros os governos interpartidários, com dominante participação militar, que existiram na fase provisória. Agora, porém, todas as regras são difusas. Há Ministros do CDS, como personalidades despartidarizadas ou desvinculadas, integrados num Governo de base PS; o próprio Programa do Governo aparece como uma renovação na continuidade do último dos que teve o Partido Socialista, e o papel de componente essencial do Governo, como tal, é apenas atribuído ao Partido Socialista. Quer isto dizer que, em pura lógica política, se o CDS retirasse o seu apoio ao Governo, poderia o Partido Socialista pretender continuar a governar, desde que para tal encontrasse outro apodo maioritário suficiente. E mais quer dizer que, como apenas existe acordo de voto conjunto nas questões que sejam consideradas fundamentais, ficam as portas abertas ao Partido Socialista para negociar com quem quiser os acordos que quiser. E quer dizer atada que o acordo com o CDS proporcionou ao Partido Socialista uma maioria parlamentar, é certo, mas intermitente e restrita, não uma maioria nacional duradoura e mais ampla.

O Sr. Nandim de Carvalho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Seria curioso ver a maioria PS/CDS projectada a naval nacional, por exemplo, nos pianos sindical, da juventude, das autarquias locais, onde o Partido Socialista já participa em outras maiorias, e com esta não iria de certo muito longe.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Que o CDS tenha aceitado ser um mero auxiliar do PS, num Governo PS e com um programa PS, é lá com ele e nada temos com isso; mas a fórmula e o acordo do Governo são um problema nacional, com o qual têm a ver todos os portugueses!. Ora, da é, em nossa opinião, uma forma de habilidade, mas não de consistência profunda, e a democracia não se consolida com soluções pouco danais ou falsas soluções. Por que não havemos nos de fazer como as outras democracias europeias? Por que havemos de continuar à procura de soluções originais que nada resolvem, adiam os problemas, obscurecem as posições de cada um.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Se as coisas são diferentes do que digo, então o Governo é mesmo uma coligação - e a falta de clareza está em disfarçá-la em roupagens verbais que ninguém entende e em que o povo afinal não acredita. Fale-se em coligação e acabou. Demonstrado fica também que este Governo - e também o seu Programa - não podem ser coerentes (seja ele na base do PS, como creio, ou seja de inspiração do CDS). Não negamos a possibilidade do compromisso em política; mas «negamos sim, que se possa, como os lagartos, mudar de pele de um momento para o outro. Não negamos sequer a compatibilidade transitória de certos projectos Liberais ou conservadores e certos projectos socialistas. Mas recusamos as analogias falsas e superficiais, que antes invocavam certos casos de governos pretensamente minoritários e agora aludem alguns governos de países europeus. O - PS não é um partido social-democrata, sempre negou tal qualidade - e é com partidas desse tipo que, por vezes, se têm coligado formações demo-oristãs ou liberais. Por outro lado, Portugal não tem hoje ainda uma estrutura económica semelhante à da Europa Ocidental, o mesmo se passando no domínio social, e demorará tempo a tê-la: como pensar, pois, que o CDS, que há num ano ou dois votou contra a Constituição, a Lei da Re-

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forma Agrária, a Lei das Indemnizações, a Lei de Delimitação dos Sectores da Economia e tantas leds fundamentais, possa executá-las adequadamente, se não fizer uma de duais coisas: ou violentar a sua consciência, ou executá-las fora do espírito e da letra que as informa? Passaram seis ou sete meses, e tanto mudou. Porquê?
Enfim, anoto que a coerência da fórmula é diminuída por se ter, como no jogo do xadrez, feito um «salto de cavalo» por cima do PSD, que esse sim, tem um projecto coerente e social-democrático - pois é claro que se o PSD estivesse no Governo o programa seria outro, e bem diferente.

Aplausos do PSD.

Este salto, gerador de contradições que o acordo base PS/CDS e o Programa não resolveram e até nem escondem, tem razões darás: apego ao poder, insuficiente coerência política e intenções reservadas, que até já se. não escondem, de destruir ou dividir o Partido Social-Democrata. Desiludam-se, que não o conseguirão: melhor será que apliquem, todas as energias a governar para resolver os problemas nacionais, que são tantos e tão graves.

Aplausos do PSD.

É formalmente maioritário ma sua concepção este Governo? É-o hoje no apoio parlamentar, e isso é positivo. Mas no dia-a-dia, quando surgirem as contradições que não estão resolvidas no acordo vago e mim Programa ambíguo, quando os interesses de fundo opostos e as posições sempre contraditórias do PS e do CDS chocaram no dia-a-dia, qual a eficácia de tal Governo, roído de contradições internas? Qual a possibilidade de manutenção, eficiente e rápida, de boa capacidade legislativa?
Qual a capacidade de mobilização das bases sociais do cada um dos partidos? Esta solução, porque não assentou num compromisso concreto e precioso, é germe possível de conflitos quotidianos. Não é essa a base para uma governação concreta, eficiente e rápida, capaz de resolver os problemas do povo português.
Enfim, há uma razão adicional para que na sua concepção este Governo não mereça o nosso apoio. Julgamos, e nisso estaremos de acordo com outras formações desta Câmara, que é prioritária unia política de austeridade consentida, de reconstrução nacional pelo trabalho dos Portugueses, de arranque para o desenvolvimento, o progresso e a justiça social e de construção do novo Estado democrático, eficiente, descentralizado, participado e ao serviço de todos os portugueses. É esse o sentido que damos a um Governo democrático de salvação nacional - que é diferente de qualquer Governo de emergência, engendrado a trouxe-mouxe na esperança de que em próxima remodelação saia melhor. Ora, o PS escolheu a mínima maioria parlamentar - e não a máxima maioria nacional. Deixou do fora as duas alternativas que mais motivam os trabalhadores - a comunista e a social-democrata -, e como poderá ser por dês facilmente aceite? Conscientemente diversificou ainda mais a sua política de alianças, que vai do PCP ao PSD, e agora ao CDS. Pôs de lado a coerência programática, aliando-se ao partido de que porventura mais diverge e com que menos pode construir a> maioria estável capaz de, a médio prazo, consolidar o Estado democrático - nos movimentos juvenis, nos movimentos sindicais e cooperativos, nas autarquias locais, nas regiões autónomas, num amplo e generalizado; apoio espalhado por todo o território nacional.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Este não é por isso um Governo com um Programa de salvação nacional. É um mero acordo maioritário e parlamentar de partilha do Poder.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - No fundo, o Governo do PS sozinho, apoiado no CDS, é um Governo da mínima maioria possível e não da máxima mobilização nacional.

O Sr. Cunha Leal (PSD): - Muito bem!

O Orador. - Poderá mesmo dizer-se que terá reduzido, por repulsão, a base sócial de apoio efectivo dos dois partidos, em que à partida poderia contar. Não se nega que este Governo é democrático, legítimo e parlamentarmente maioritário; mas não basta isso para obter o assentimento nacional para um grande esforço de austeridade, que os trabalhadores sintam repartido com justiça, não basta isto para um grande esforço de empenhamento na reconstrução nacional. que exige o assentimento expresso da esmagadora maioria dos portugueses. Não basta isto para que, enfim, o povo português, na sua máxima disponibilidade, dê o seu acordo à solução agora encontrada.
As maiorias à justa, as oposições demasiado numerosas não são conformes aos grandes esforços nacionais e não estamos numa situação de mera gestão, estamos numa necessidade de mobilizar todos os recursos para vencer a crise.

Vozes do PSD: -Muito bem!

O Orador: - Atente o Dr. Mário Soares no significado histórico dos grandes governos de concentração com socialistas, sociais-democratas e conservadores, e verá que eles dispunham de larguíssimas maiorias parlamentares e sociais, que eram maioritárias nas grandes instituições e forças mais representativas. Verá que eles consubstanciavam a unidade nacional democrática e não magras e débeis maiorias parlamentares. Verá, em suma, que eram soluções de estadistas, atentos ao interesse nacional em épocas de crise e não de arranjos de políticos, só preocupados com os seus partidos e clientelas.

Aplausos do PSD.

Vejamos agora a composição da equipa governativa, que também aqui foi mencionada, embora pouco.
Sem um Governo coeso, competente, capaz de administrar e governar bem, não é possível vencer a crise.
Não entrarei em pormenores, quanto à solução apontada, acentuando no entanto a falta de estruturas, de coordenação, o conflito permanente com tudo e todos, que é o Ministério da Reforma Administrativa, e deficiente: localização de diversas Secre-

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tarias de Estado (como a do Ambiente), a recondução de membros do Governo e equipas departamentais que já deram péssimas provas de capacidade de concepção e de gestão...

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - ... a manutenção da acumulação de lugares partidários e de Governo. Não deixam ainda de acentuar a redução do inúmero de pastas e a eliminação de conflitos entre certos departamentos ministeriais. Disto é exemplo feliz a concentração dos Ministérios do Plano e das Finanças - ainda por cima colocados sob a responsabilidade de um técnico de indiscutível competência e experiência.

O Sr. Salgado Zenha (PS): - Muito bem!

O Orador: - Mas, tal como uma andorinha não faz a Primavera um ou dois bons Ministros não fazem um bom governo.

Aplausos do PSD.

E sem descer a especificações incorrectas, devo dizer que a equipa que se conseguiu não é certamente o melhor que se poderia lograr, mesmo se contando com os membros dos dois partidos semicoligados no apoio a este Governo.
O governo, capaz de vencer a crise, tem de ser, embora de base partidária, um governo de competências, tem de escolher para cada pasta e cada lugar aquele que seja mais capaz política e tecnicamente, aquele que seja mais competente para encontrar as soluções e decidir com rapidez e autoridade,

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Salvo raras e honrosas excepções, o actual Governo na sua composição não nos dá garantias de que seja capaz de gerir com competência e eficácia. E esta é uma segunda razão, e uma razão de peso para, respeitando o sufrágio maioritário e o direito que o Primeiro-Ministro tem de constituir a sua equipa, não podermos, sequer pela abstenção ou pela passividade, esconder a nossa insatisfação com a solução a que se chegou.

O Sr. Amândio de Azevedo (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Finalmente, uma terceira razão: um governo deve obedecer a uma concepção, e essa é má, deve ser uma equipa, e não estamos satisfeitos com ela, mas deve ser sobretudo uma equipa motivada por um programa.
É para vencer a crise, segundo determinadas regras e em obediência a determinados objectivos, que este Governo foi constituído.
Desde logo, quanto ao Programa do Governo, a síntese que fazemos é que ele não é melhor do que o do I Governo Constitucional. Antes, em muitos pontos desmerece no confronto com ele. É um Programa apressado. Primeiro se negociou o Governo e depois a plataforma programática, ao invés do que nós, sociais-democratas, sempre propusemos.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Por outro lado, é confessadamente o sucessor e herdeiro do Programa do Governo Constitucional do PS, tão semelhante a este quanto na generalidade das matérias o que ficou por executar é quase tudo e pode assim ser reproduzido praticamente na íntegra no actual Programa. Esperamos e exigimos que desta vez seja para cumprir melhor e com mais rigor.
Por outro lado, este Programa é muito mais vago e impreciso do que o I Governo Constitucional. Desapareceram em quase todos os domínios os diagnósticos da situação. Foi de regra riscar-se quase tudo o que representava um compromisso preciso: não há datas nem prazos, quase não há estatísticas nem números, não há cálculos dos encargos financeiros, das medidas imediatas, não há compromissos concretos mas intenções vagas.
Quando muito podemos encontrar aqui uma certa inventariação de necessidades, mas um programa não é apenas isso. Necessitamos de acções e não de palavras, de projectos e não de verbalismos. Este Programa do Governo é muito mais um amontoado de palavras do que um conjunto seriado, datado e ordenado de acções concretas para satisfazer as necessidades reais do povo português.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - É evidente que em alguns pontos, em relação ao Programa do I Governo Constitucional, transparece nele a indefinição, a ambiguidade e a incoerência que resultam do acordo base. PS/CDS. Aqui ficou já claramente demonstrado tudo isso no domínio da política agrária, particularmente no que se refere à zona da reforma agrária.
Acentuarei, em relação aos principais capítulos sectoriais, que há certas zonas em que o Programa não é mais do que um convite ao improviso e esperamos que, como todos os portugueses, este Governo seja capaz de improvisar bem. Não é mais do que um enunciado muito genérico de acções a ir executando conforme for possível, conforme Deus for servido. Menciono como exemplo dessas áreas a agricultura, o comércio e turismo, a indústria e os assuntos sociais.
Em outros casos, verifica-se um diagnóstico correcto da situação, mas há falta de programação concreta: é o que sucede com a reforma administrativa. Em outros, enfim, continua a actuação dos departamentos anteriores nalguns casos relativamente dinâmica e satisfatória, noutros, como no da educação, francamente decepcionante e abaixo das necessidades.
A única melhoria significativa refere-se à nova coerência da política económica global, ainda ontem aqui explicitada peio Sr. Ministro das Finanças e do Plano. Entendemos que ela é de facto para 1978 a primeira prioridade nacional, mas só na perspectiva de 1978.
Estranhou-se, porventura, a falta de perguntas ou contestações nossas à exposição do Sr. Ministro Vítor Constâncio. É fácil de explicar porquê: é que ela veio reconhecer o essencial das críticas que nós, ao longo do tempo temos feito

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à questão económica socialista nos Governos Provisórios e no I Governo Constitucional

Aplausos do PSD

Ela apresenta um enquadramento correcto e suficiente, pela primeira vez, da política de estabilidade - curto prazo. Foi, em suma, a melhor condenação da passada política do Partido Socialista. Enquanto reclamávamos austeridade e relançamento, foi-nos dito que a economia do Pais vivia num El Dorado, estava prosperante, dispunha de apoios externos e, sobretudo em períodos eleitorais, não sofria dificuldades nenhumas.

Aplausos do PSD.

Sempre dissemos o contrário e hoje o discurso do Sr. Ministro Vítor Constâncio veio, pela primeira vez, revelar que há uma política económica e financeira global e coerente, que não vai tão longe como o expansionismo desaustinado que ainda na discussão da moção de confiança o CDS aqui defendeu, mas que, pela primeira vez, aceita que a austeridade é necessária para que possamos ter uma economia sólida, para que comecemos a desenvolver-nos na medida exacta dos recursos que temos.
Não se diga. contudo, que está aqui a passagem de um cheque em branco, até porque a elaboração da política global que justificaria as medidas de austeridade, a compensação dos sacrifícios que o povo português tem de fazer, por imposição dessa mesma política, não estão garantidas, à partida, no Programa do Governo.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Entendemos que será necessário que a austeridade seja justa e os rendimentos reais dos consumidores sejam tanto quanto possível mantidos, quer por garantias de preços, quer por garantias das pensões de reforma e segurança social...

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador -..., quer pela manutenção, na medida do possível, de qualidade dos serviços sociais. Entendemos que é necessário que os rendimentos das classes mais desfavorecidas não sofram desmedidamente com a austeridade. Entendemos que é necessário reformar muitos dos aspectos da vida portuguesa, desde o sistema fiscal, em que se não houver reformas de fundo a austeridade será apenas uma causa de injustiça, até a uma política de rendimento, em que se não for possível fazer funcionar os mecanismos de há muito instituídos e nunca postos em operação pelo Governo nunca se compatibilizará a austeridade com a justiça social.
Entendemos, enfim, que o Programa do Governo contém demasiadamente concessões ao Fundo Monetário Internacional e que quem o votar aqui está a comprometer a capacidade de negociar do Governo num acordo, que não contestamos seja indispensável, mas em que à partida o Governo com este Programa começa a negociar de mãos atadas.
Em resumo, entendemos que, pela primeira vez, há uma melhoria nítida da política económica global, mas entendemos que essa política, porque não é dissociável do conjunto e porque esse conjunto não é para nós satisfatório e não dá garantias de satisfação das necessidades mínimas do povo português, pode ser encorajada. Será apoiada quando o merecer, mas não merece um cheque em branco.
Posto isto, estamos claramente na Oposição. Vamos votar a moção de rejeição que este debate e o estudo mais aprofundado do Programa só nos provaram ter pleno fundamento.
Entendemos que este é o momento em que é também particularmente delicado ser Oposição. O povo português vai ter de fazer sacrifícios, mas será necessário garantir a satisfação de necessidades mínimas de emprego, habitação, segurança social, de educação. O povo português terá de ser motivado por um projecto nacional. E o projecto conservador, ambíguo e incoerente que este Governo na generalidade apresenta não nos parece adequado como contribuição a esse projecto nacional. No entanto, a Oposição há-de ter em conta a necessidade de consolidação do sistema democrático, que mais deverá ser enfraquecido, se o for, pelas insuficiências da acção do Governo do que por qualquer actuação inconsiderada da Oposição.
Seremos sempre, e num primeiro momento, uma oposição selectiva e cuidadosa, procurando preservar o sistema democrático. Seremos sempre uma oposição exigente, pedindo ao Governo que governe, e quando, por actos e não por palavras, aquilo que o Governo fizer for por nós considerado positivo não lhe regatearemos aplausos nem lhe negaremos apoio.
Enfim, seremos sempre uma oposição consciente dos seus direitos. Não basta o que consta do Estatuto da Oposição.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador - Será necessário que os meios de comunicação social, que toda uma estrutura centralista antidemocrática que aqui existe em Portugal seja partilhada devidamente entre todos os portugueses e que nela não haja discriminação contra a Oposição, qualquer que ela seja.

Vozes do PSD: -Muito bem!

O Orador: - Dentro deste espírito exigiremos ser informados, que o Governo respeite o direito de informação da Oposição nesta Assembleia como fora dela. Procuraremos fiscalizar, propor alternativas, e nas instituições em que estamos - autarquias locais ou regiões autónomas- contribuir para a construção do Estado democrático sem partidarismos nem divisionismos. Nesse sentido a nossa posição será firme, mas será uma posição fundamentalmente democrática. Por isso nos sentimos no direito de dizer que tanto ou mais do que o Governo que na Oposição vamos construir a democracia, na Oposição vamos ajudar a vencer a crise, na Oposição vamo-nos preparar para mobilizar o povo português num projecto nacional que, ainda que falhe, neste momento ou noutro, algum dia há-de vir e há-de vir como produto da convivência democrática dos Portugueses.
Desejamos a este Governo que possa resolver os problemas, que seja capaz de governar e quando o for, estaremos satisfeitos com isso, porque a resolu-

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ção dos problemas do povo português é certamente, por inadequado que seja o programa global em que venha a incidir, um bem para todos, um bem para o povo português e um bem para nos. Mas quando o não for teremos a responsabilidade de, tal como agora, dizer duramente, doa a quem doer: este caminho não serve; Deus os ajude e tenham tanta felicidade quanto possível para que alguma coisa possam fazer em bem. Mas, quando se provar que este caminho não serve, que outras alternativas têm de ser procuradas, então ter-se-á provado quem tem razão, que a democracia em que todos nós acreditamos é capaz de criar alternativas, que a democracia, afinal de contas, não está em risco.
Que o Governo governe bem é o nosso voto e que nós, como Oposição, saibamos construir alternativas. É a nossa promessa. Aqui ficam ambas e o povo português a todos nós julgará.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Salgado Zenha.

O Sr. Salgado Zenha (PS): - Sr. Presidente da Assembleia da República, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Uma vez empossado o II Governo Constitucional pelo Sr. Presidente da República, a esta Assembleia compete essencialmente a crítica do Programa do Governo, para o aprovar ou rejeitar.
Verificamos, no entanto, destes debates que a Assembleia da República se esqueceu dessa sua obrigação e se preocupou fundamentalmente em criticar o pecado original do presente do Governo, porque, em seu entender, na sua base está uma falta irremediável que não pode ser perdoada nem consentida, que é o facto de existir um acordo, para o apoio parlamentar deste Governo, entre o CDS e o PS.
Nós não negamos à Oposição ou às oposições - use-se o singular ou o plural, porque há várias sensibilidades políticas dentro desta Assembleia, que vão desde o Sr. Deputado Acácio Barreiros ao Sr. Prof. Sousa Franco, e portanto eu deixo a escolha entre o plural e o singular a eles próprios -, nem nego à Assembleia da República, esse direito de crítica. O que eu afirmo é que eles faltaram à sua principal obrigação. E porque nós temos que aceitar a crítica no plano em que ela nos foi feita, nós vamos responder.
Se existe hoje um Governo PS-CDS, isso deve-se essencialmente ao facto de que a Oposição assim o quis. Quando a UDP, o PCP, o PSD e o CDS se aliaram, em 8 de Novembro, para derrubarem o I Governo Constitucional, sabiam perfeitissimamente que o Governo seguinte não seria um PS sozinho, mas seria um Governo PS acompanhado. Nós damos aos partidos da Oposição o direito democrático de derrubarem o I Governo Constitucional, de derrubarem o II Governo Constitucional e os demais governos que se vierem a constituir. Esse seu pleno direito democrático não lhes é negado nem é recusado, mas desde o momento em que o Sr. Presidente da República, no exercício das suas funções, encarregou o secretário-geral do Partido Socialista, Mário Soares, como leader do partido mais votado do povo português, para formar o novo Governo,
de modo que ele obtivesse um apoio maioritário parlamentar, é evidente que a Oposição não pode, sem abuso dos direitos que a Constituição lhe confere, impor ao Partido Socialista ou aos outros partidos os seus critérios de escolha, para que o PS se faça acompanhar por quem quiser.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O PS fez-se acompanhar pelo CDS depois de negociações que decorreram com vários partidos. No decurso dessas negociações ajuizou pela forma que entendeu, que é da sua exclusiva responsabilidade e que este Parlamento nem sequer tem o direito de criticar...

O Sr. Cunha Leal (PSD): - Não tem o direito de criticar? Homessa!

O Orador: -..., e escolheu o seu aliado: escolheu o CDS e escolheu muito bem.

Aplausos do PS e do CDS.

O Sr. Fernando Pinto (PSD): - Que rico conceito de democracia!

O Orador: - Naturalmente que isto não significa de maneira nenhuma que o pacto celebrado entre o PS e o CDS tenha sido um pacto dirigido contra os outros partidos aqui presentes nesta Assembleia. Isso deve-se a qualquer preconceito da parte de quem faz essa acusação, mas que, em nosso entender, não tem qualquer fundamento.
A primeira obrigação de um democrata é viabilizar a democracia. Não pode haver democracia sem Governo, como não pode haver liberdade sem autoridade, e a crise governamental durou tempo excessivo.
Digo mesmo mais - e isto envolve mesmo uma crítica aos negociadores -, as negociações até duraram tempo de mais, em meu entender.
Uma vez que surge uma crise governamental, a primeira obrigação é fazê-la cessar o mais depressa possível. Arrastar indefinidamente uma crise governamental num regime democrático como o português, que é jovem, é de certo modo uma falta, uma dificuldade que pode comprometer a estabilização da democracia.
Nós não poderíamos arrastar as negociações por mais tempo. As negociações entre o CDS e o PS decorreram à luz do dia, estão firmadas num pacto democrático, constitucional e honrado entre dois partidos, e àqueles que passam o tempo a remoer o passado e a fazerem investigações sobre o passado dos partidos ou dos componentes desta Assembleia eu direi que o comportamento democrático é aquele que resulta dos nossos actos no presente, no futuro e nos seus resultados práticos para a consolidação da democracia em Portugal. Esse é o único critério da democracia.

Aplausos do PS e do CDS.

Estranhou-se que nós fizéssemos uma aliança com um partido como o CDS, que, efectivamente, durante

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o decurso do I Governo Constitucional nos fez uma oposição pelo menos tão sistemática como o PCP ou o PSD. Nós diremos que em democracia nós não temos inimigos, temos apenas adversários...

A Sr.ª Maria Emília de Melo (PS): - Muito bem!

O Orador: - ...e nós consideramos perfeitamente normal que o nosso adversário de ontem seja o nosso aliado de hoje, num pacto que terá a duração de dois anos, ou seja, até à realização das próximas eleições, pacto esse que por nós será escrupulosamente cumprido e estou certo que também será escrupulosamente cumprido pelo CDS, para em 1980 podermos tornar a ser adversários e possivelmente podermos tornar a ser aliados, se porventura os interesses da democracia e de Portugal, tal como o PS entende, assim nos aconselhar esse pacto com o CDS ou com outro partido aqui representado.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Em democracia tem de haver liberdade e responsabilidade. Nós nunca pedimos aos partidos da Oposição que se responsabilizassem pelos nossos próprios actos, mas entendemos que os partidos da Oposição devem conceder ao Partido Socialista a liberdade de determinar os seus próprios actos, pois só assim é que o povo português, em 1980, poderá ajuizar do resultado do nosso comportamento.
O nosso acordo com o CDS, portanto, não pode ser objecto de nenhuma crítica válida da parte dos partidos da Oposição, a não ser que os partidos da Oposição estejam arrependidos da atitude que tomaram no dia 8 de Dezembro. Da parte da UDP e do PCP estou certo de que não estão arrependidos. Vários dirigentes comunistas, incluindo o Deputado ausente Dr. Álvaro Cunhal, disseram que era preferível um governo mais à direita do que um governo PS sozinho. Se porventura, em seu entender, o Governo PS-CDS é mais à direita do que o Governo anterior, pois muito bem! Aí têm o Governo que quiseram e reclamaram.

Aplausos do PS.

Quanto às afirmações feitas pela UDP, eu confesso que nunca compreendi muito bem aquilo que a UDP quer e estou certo de que a UDP também não sabe bem aquilo que quer. Portanto, aguardo o dia em que eu compreenda o que a UDP quer, para então me pronunciar.
Quanto à posição do PSD, a crítica que nos é feita reside fundamentalmente no facto de nós não nos termos aliado ao PSD.

O Sr. Marques Mendes (PSD): - Olhe que não!

O Orador: - Mas com base em que direito constitucional, com base em que preceito democrático, com base em que norma do ordenamento jurídico-constitucional, que até é criticado - eu nem me atrevo a dizer que alguns membros do PSD criticam o actual ordenamento jurídico-constitucional, porque poderei ser acusado de semear divisões internas num partido que é um exemplo de coerência, de unidade e...

O Sr. Cunha Leal (PSD): - Presunção!

Protestos do PSD.

O Orador: - ...de vida modelar interna, mas que não obstante nós não tentamos imitar-, é que...

Aplausos do PSD.

... o PSD nos quer impor uma aliança com o PSD?

O Sr. Sousa Franco (PSD): - Não, não quer!

O Orador: - Dêem-nos o direito de nós não nos aliarmos ao PSD, não obstante reconhecermos que no seu seio se encontram elementos de muito valor, desde o campo docente, como o Prof. Sousa Franco, que fez um péssimo discurso político, mas uma bela lição falhada numa Faculdade de Direito...

O Sr. Cunha Rodrigues (PSD): - Veja-se ao espelho!

O Orador: -... até outros elementos de reconhecido valor democrático, como o meu amigo Cunha Leal ou o Dr. Sérvulo Correia. Mas esses seus valores podem servir no campo da militância da Oposição, e eu espero que não se sintam frustrados por se encontrarem na Oposição até às próximas eleições. Até pode ser que antes disso venham a ser Poder, a não ser que a partilha do Poder seja um acto tão pecaminoso que o PSD rejeite totalmente essa ideia. Estarão na Oposição até às próximas eleições, e porque não? Nós estivemos na Oposição cinquenta anos, durante a ditadura; durante os Governos Provisórios, no V Governo passámos para a Oposição, depois tornámos a ser governo. Se formos governo até 1980, aguardaremos que o voto popular se pronuncie a nosso respeito. Se nos mantiver o voto, continuaremos a ser governo, quer isso incomode quer não incomode o PSD.

O Sr. Marques Mendes (PSD): - Não incomoda nada.

O Orador: - Se porventura o voto popular entender que o Partido Socialista e o Governo actual, presidido pelo meu camarada Mário Soares, não correspondem àquilo que o povo dele esperava, até pode acontecer que o PSD seja governo...

O Sr. Cunha Leal (PSD): - Ou a UDP!

O Orador: - ...e então se verá se as lições do Sr. Prof. Sousa Franco em matéria de economia e de política europeia serão mais eficazes e mais benéficas para o povo português do que a luta que o Partido Socialista sempre tem travado em defesa das liberdades e da democracia em Portugal.

Aplausos do PS.

Seja como for, eu quero dizer a todos os partidos da Oposição que, em primeiro lugar, nós nunca con-

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fundiremos as nossas desavenças com qualquer partido aqui presente, seja ele qual for, com o descrédito da democracia ou das instituições democráticas.

A Sr.ª Maria Emília de Melo (PS): - Muito bem!

O Orador: - Nós, socialistas, admitimos perfeitamente, e legitimamente, que da nossa parte possa ter havido erros. Ninguém, a não ser aquele que nunca fez nem nada faz, deixa de cometer erros. O erro é humano e ninguém pode ter a estulta pretensão de que não comete erros. Nós até podemos admitir que no nosso comportamento e na nossa actividade política nem sempre possamos ter sido o que desejávamos ou possamos ter caído em quaisquer actos passíveis de crítica - isso é humano. Mas, seja como for, nós admitimos sempre a crítica em relação ao nosso comportamento, sem com isso ficarmos incomodados, porque todos os socialistas, conforme hoje foi relembrado pelo meu camarada Manuel Alegre, são democratas, embora haja democratas que não são socialistas, como é óbvio, e uma das qualidades dos democratas é o respeito pelas instituições democráticas, porque sem democracia não há democratas, apenas pode haver antifascistas ou antiditatoriais. Portanto, para evitarmos o recurso a essas imagens que às vezes incomodam alguns dos presentes, para que não seja necessário utilizar aqui esses termos, preservemos as instituições democráticas pela dignidade do nosso comportamento e pelo respeito mútuo.

Aplausos do PS.

O acordo entre o PS e o CDS tem sido também incriminado pelo facto de ele poder indiciar uma grande gula pelo Poder. Creio que essa gula do Poder, se é que existe, é de quem nos critica, porque o PS e o CDS exercem o Poder legitimamente, porque foram nele investidos pelo Presidente da República, eleito pelo povo português, porque se encontram aqui perante a Assembleia da República, e não assumirão esse Poder se porventura o voto for contrário. A missão dos partidos em democracia é exercerem o Poder se tiverem o apoio do povo ou estarem na Oposição e exercerem-na se não tiverem o apoio do povo.
Os partidos, como o PSD, que nos criticam por essa gula do Poder é que a possuem, porque o PSD, não possuindo votos nem conseguindo aliar-se a um partido que lhe dê a maioria necessária para governar, tem que se contentar em ser Oposição até ao momento em que o povo português lhe reconheça, em números, como aqui foi dito, aquela legitimidade que neste momento não tem. Isto não significa que nós sejamos inimigos de algum dos partidos aqui presentes ou queiramos aumentar ou agravar as suas dificuldades. O que pensamos é que em democracia há governo, há oposição e há adversários, mas isso não significa que nós nos. persigamos uns aos outros e até que os adversários de hoje não possam ser os aliados de amanhã, se for necessário, para defender a democracia em Portugal.
As referências ao Programa do Governo foram praticamente insignificantes, e quanto às críticas, confesso que nem as compreendi muito bem.

O Sr. Fernando Pinto (PSD): - É natural!

O Orador: - No entanto, visto que tanto o PSD como outros elementos desta Assembleia teceram justos elogios ao Ministro das Finanças. Vítor Constâncio, e não se ouviu qualquer afirmação relevante que desse a compreender em que medida é que o PSD está em desacordo com esse Programa, eu concluo que afinal de contas há um acordo envergonhado, porque o PSD reconhece que não era capaz de fazer melhor.

Aplausos do PS.

Quanto à crítica feita pelo PCP, foi uma crítica verbal e nem sequer convencida e também não consegui compreender quais eram as medidas alternativas que o PCP apresentava. De qualquer maneira, eu lembro que o Programa do Governo, na própria definição da Constituição, consiste num conjunto de medidas políticas e legislativas a apresentar ao Presidente da República e à Assembleia da República. Isto significa que, no fundamental, o Programa do Governo tornará a ser discutido aqui nesta Assembleia nos vários sectores em que ele só decompõe.
É também fácil de definir rapidamente o que C esse Programa do Governo. Naturalmente que o PS e o CDS têm programas a longo, prazo que são diferentes, mas há pontos que são comuns. Um dos pontos fundamentais é a salvaguarda e a consolidação da democracia política em Portugal. O primeiro dever de um democrata é defender a democracia e portanto nós aliámo-nos ao CDS, e não temos nenhuma relutância em o afirmar publicamente, porque foi dos partidos presentes ou da Oposição que aqui se encontram representados aquele em que nós encontrámos uma disposição mais sincera em defender a democracia, pondo de parte, neste momento, quaisquer dissídios ou divergências que entre nós possam existir.
Quero mesmo elogiar, prestando-lhe a devida homenagem, a direcção política do CDS, que, tendo tido, com certeza, dificuldades internas - dificuldades internas todos os partidos as têm, incluindo o próprio Partido Socialista, mas, naturalmente, é nos nossos congressos e organismos internos que das se discutem, e até damos aos outros partidos, desde o PCP ao PSD, o direito de deitarem de vez em quando um pouco de gasolina nos nossos dissídios internos, porque nós somos incombustíveis..

Risos gerais e aplausos do PS.

... -, soube com coragem e com determinação, vencer e superar essas divergências de momento para efectuar com o Partido Socialista um pacto que serve os interesses da democracia e do povo português.

O Sr. Cunha Leal (PSD): - Vê-se!

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O Orador: - Nós pensamos mesmo que após cinquenta anos de ditadura em Portugal uma das principais dificuldades da democracia é a ruptura que houve na continuidade de uma prática democrática. A democracia não são só papéis, não é só a Constituição, a democracia é também uma prática, e o melhor serviço que o PS e o CDS prestaram ao País foi o de praticarem a democracia nas suas relações recíprocas.
A nós também não nos incomoda a circunstância de o CDS ter votado contra a Constituição, porque reconhecemos ao CDS o direito de, através dá via eleitoral e dentro dos quadros constitucionais, tentar modificar os preceitos constitucionais a partir do momento em que a Assembleia da República possua poderes constituintes, e porque inclusivamente nós preferimos, no plano ético, constitucional e democrático, um partido que votou contra a Constituição, mas que na prática a respeita, com ela se conforma e até serve a sua implantação, do que aqueles outros que têm a Constituição nos lábios, mas que possivelmente, no íntimo dos seus corações, a querem destruir, reduzindo-a a um papel sem significado.

Aplausos do PS e do CDS.

O Programa do Governo é um Programa, conforme aqui foi dito várias vezes, de estabilização política, económica e constitucional. Um dos milagres da Revolução portuguesa, que tão denegrida tem sido por muitos, foi o de, após cinquenta anos de ditadura, numa situação económica e militar difícil, ter feito a economia de uma guerra civil. Nós pensamos que esse grande capital da nossa revolução deve ser mantido e que a democracia se deve implantar em Portugal através do diálogo e do confronto democrático. Ora o Programa do Governo visa essencialmente esses fins. É uma política de estabilização constitucional porque, resistindo a todos os apelos - e muitos foram, vindos de vários lados -, se encontrou uma solução para a crise governamental no estrito quadro dos preceitos constitucionais. É uma solução de estabilização política porque a democracia não consiste apenas em dizer que se é democrata, mas em praticar a democracia. O que o CDS e o PS fizeram foi celebrar entre si um acordo que é perfeitamente claro e que dentro de dois anos será julgado nos seus frutos pelo povo português. É também uma política de estabilização económica porque a todos os sonhadores do absoluto ou a todos os manipuladores das esperanças do povo, a quem ocultam a realidade, nós devemos dizer que devemos considerar as dificuldades presentes como um desafio à capacidade do povo português e não como um pretexto para andarmos constantemente a agredir-nos e a perseguir-nos uns aos outros. Essas dificuldades têm de ser vencidas e vão ser vencidas. Não o vão ser através da mágica de um papel, porque, para além das medidas constantes deste Programa, outras possivelmente o Governo terá de tomar em consequência da necessidade de fazer frente a uma realidade que se modifica dia a dia. Mas este Governo não é um Governo ditatorial Para as principais medidas que tiver de tomar terá de vir a esta Assembleia. Nós reconhecemos que em casos importantes a Oposição tem dado um contributo significativo para a melhoria das leis aqui apresentadas. Pensamos até que, quando os debates da Assembleia da República não se verificam sob a luz dos projectores da RTP ou não são transmitidos pelos canais da Radiodifusão, esta Assembleia -e preocupa mais com as soluções construtivas do que em se exibir para o povo português através da mágica da palavras, muitas vezes sem significado.

A Sr.ª Beatriz Cal Brandão (PS): - Muito bem!

O Orador: - Mas todas essas medidas serão aqui discutidas uma a uma e depois aprovadas ou não. Portanto não tenha a Oposição tanto medo do Programa, tal como o Programa não tem medo da Oposição. O Programa viverá com a Oposição, estou certo, e a Oposição habituar-se-á a viver com este Programa, e daqui a dois anos, em 1980, nas próximas eleições, até serei capaz de ouvir o Prof. Sousa Franco reconhecer, com a honestidade que lhe é peculiar, que não era só o Ministro Vítor Constâncio que merecia os seus elogios, mas também os demais componentes desta equipa ministerial.

Aplausos do PS e do CDS.

Até lá, a Oposição e, se assim o desejarem, os partidos da situação governamental -nós nunca pertencemos a nenhuma situação, mas entendemos que, desde que haja o princípio da alternância, é natural que assim seja- cumprirão os. seus deveres específicos. Note-se que o que houve de incriminável na ditadura de Salazar e de Marcelo Caetano não foi o facto de eles governarem Portugal, mas o facto de não reconhecerem o princípio da alternância, de não consentirem que houvesse eleições democráticas e periódicas que pudessem destituir esses governantes. Nós não temos nenhum complexo do passado nem temos nenhum receio do futuro. Nunca fomos nem seremos fascistas e não será do nosso comportamento que advirá qualquer limitação ou perigo para a democracia em Portugal. O povo português, que nos escuta, sabe perfeitamente que é assim.
A função do Governo é governar e o Governo vai governar. E não se deixará impressionar pelos riscos de não ter uma suficientemente ampla base parlamentar ou social de apoio. A que temos chega. Vamos pois governar, já que a função do Governo é precisamente essa. Um partido democrático não tem que recear nem tem que se envergonhar do exercício democrático do Poder, e por isso vai governar mesmo. E daqui a dois anos, se os partidos da Oposição convencerem o povo português de que nós governámos mal ou até de que o principal contributo ou o valor deste Governo se deveu aos ministros do CDS e não aos Ministros do PS, nós aceitaremos a escolha que o povo português fizer, estando embora centos de que isso não vai acontecer. Pelo contrário, estamos certos de que o povo português vai reconhecer que o Partido Socialista é e continuará a ser a principal força democrática do nosso país. Se assim não acontecer, o princípio da alternância será respeitado e com a mesma sinceridade

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e com o mesmo denodo com que o Partido Socialista hoje governa amanhã será oposição democrática ou um governo democrático. Portanto este Governo vai governar Portugal e para bem de Portugal e, assim como foi desejada boa sorte ao Governo, eu desejo boa sorte à Oposição - à UDP, ao PCP e ao PSD.
Boa sorte e que Deus vos acompanhe!

Risos gerais e aplausos do PS e do CDS.

Neste momento reassumiu a presidência o Sr. Previdente Vasco da Gama Fernandes.

O Sr. Presidente: - Antes de mais, queria anunciar à Câmara que deu entrada na Mesa um requerimento do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português pedindo a votação nominal da sua moção.
Na reunião dos grupos parlamentares foi combinado, e suponho que esta combinação se mantém, fazermos um intervalo de vinte minutos, antes de dar a palavra ao Sr. Primeiro-Ministro.
Há alguma oposição?

Pausa.

Está suspensa a sessão.

Era 1 hora e 20 minutos do dia 12.

O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão.

Era 1 hora e 50 minutos.

O Sr. Presidente: - Tem V. Ex.ª a palavra, Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro (Mário Soares): - Sr. Primeiro-Ministro...

Risos gerais.

Perdão, Sr. Presidente!
É preciso começarmos por uma nota de bom humor, tanto mais que a Sala só está ainda meia.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A minha tarefa encontra-se bastante facilitada pela circunstância de ir encerrar um debate sobre o Programa do Governo quando, praticamente, durante este debate de quatro dias, se falou bastante pouco do Programa do Governo.
Com a excepção da noite de hoje, em que, dadas as intervenções mais densas de conteúdo dos diferentes líderes parlamentares e em que foram produzidas afirmações, críticas e achegas para o Programa com real interesse e importância, infelizmente, durante o debate de quatro dias a que assistimos, falou-se muito da fórmula de Governo e falou-se relativamente pouco do Programa.
Fui eu muito criticado nesta Assembleia e em muitos órgãos, de comunicação social pelo teor da minha intervenção no início deste debate. A verdade é que, de acordo com a Constituição e com o Regimento, nada obriga o Primeiro-Ministro a fazer uma intervenção preliminar e será totalmente despiciendo que ela vá oralmente repetir o Programa que apresenta por escrito. De modo que, como é lógico e normal, o que interessaria, do meu ponto de vista, fazer era
definir o quadro político em que nasceu o Governo que agora apresenta o seu Programa a esta Assembleia e indicar as grandes linhas da filosofia política que estão subjacentes a esse mesmo Programa, não insistindo sobre o desenvolvimento de cada um dos seus capítulos.
Mas a verdade é que a crítica que me foi feita não tinha, a meu ver, pela razão que indico, muito motivo nem justificação. Pelo contrário, os Srs. Deputados da Oposição que aqui intervieram durante os quatro dias de debate reincidiram naquilo que foi o objecto da crítica que me fizeram, não falando praticamente no Programa senão para globalmente o criticarem e não apresentando soluções de alternativa para esse mesmo Programa.
Por mera curiosidade, dir-vos-ei que capítulos fundamentais do Programa não foram sequer referidos. Não houve uma palavra sobre justiça; não houve uma palavra sobre transportes; não houve uma palavra sobre defesa; foi passado quase em claro o problema dos negócios estrangeiros. Só no último dia foi feita uma referência - e mesmo assim em termos políticos, não uma referência concreta - ao problema da reforma administrativa. Quase não se falou de um problema em todo o caso escaldante como é a comunicação social. Não se falou, praticamente, da administração interna e do poder local. Não houve nenhuma referência a um problema importante, qual seja o dos desalojados. Não se falou da condição feminina. Não se fizeram praticamente críticas à política industrial. Falou-se muito pouco acerca do Plano. Falou-se muito pouco sobre o problema, também escaldante e prioritário, das nossas finanças. Fizeram-se algumas críticas de passagem em matéria de comércio e turismo. Repetiram-se críticas não à política de educação mas ao Ministro da Educação, críticas aliás que são fastidiosas, porque são conhecidas pelo menos há dezoito meses e repetem-se sempre. Quase não se falou de obras públicas e de política de ambiente. Fizeram-se críticas apenas superficiais em matéria de habitação e passou em claro, praticamente, a política de cultura.
Todos os Srs. Deputados que têm como eu presente o debate a que assistimos durante estes quatro dias sabem que isto que eu afirmo é rigorosamente a expressão da verdade.

Vozes do PSD: - Olhe que não!

O Sr. Salgado Zenha (PS): - Olhe que sim!

O Orador: - E o povo português, que, através da Radiodifusão, seguiu quase na íntegra os nossos debates, se não mesmo na íntegra, esse certamente viu e assistiu a que houve muitos jogos florais, alguns interessantes, alguns com bom humor, outros menos edificantes - temos todos de o reconhecer -, mas que nada de essencial, na matéria que era importante, foi carreado para este debate.

Aplausos do PS e do CDS.

Não se trata de uma crítica, que eu não me permitiria fazer a esta Assembleia. Trata-se de constatar uma decepção que é largamente partilhada,

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acreditem, no País Esta Assembleia, noutras circunstâncias, tem dado melhor conta de si. E é de facto fundamental para o prestígio da própria Assembleia e das instituições que todos aqui servimos que, de futuro, se cale um pouco mais o ardor partidário e se desça mais ao concreto.
Nas críticas que foram feitas posso dizer, esforçando-me por ser objectivo, que o Programa no seu conjunto resistiu bem a essas críticas.

Risos do PSD.

E não foram apresentadas, de medo perceptível, propostas de alternativa. Falou-se muito em coerência, invocou-se muito a coerência, mas, propostas de alternativa coerentes, acerca disso houve uma omissão completa. E os Srs. Deputados, sabem muito bem que em muitas circunstâncias foi o próprio Governo que teve de tomar a iniciativa de defender o seu Programa sem que ele tivesse sido ainda atacado. E sabem que muitos Srs. Ministros aqui falaram porque era necessário preencher o tempo, sem que antes lhes tivessem sido dirigidas quaisquer críticas.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Para quem gaba tanto a competência e para quem com tanta facilidade acusa o? outros de incompetentes era bom, talvez mesmo bonito,, um pouco mais de autocrítica e de humildade.

Aplausos do PS e do CDS.

Falou-se muito sobre a fórmula do Governo. Não vou voltar a este tema que me parece esgotado.
Do debate - e apesar de todas as críticas - penso que a actual fórmula governativa saiu prestigiada aos olhos do povo português.

O Sr. Amaro da Costa (CDS): - Muito bem!

O Orador: - E, ao contrário daquilo que aqui disseram um ou dois Deputados comunistas que invocaram o volume de telegramas e de abaixo-assinados, eu devo dizer que sei como é possível fabricar telegramas e abaixo-assinados.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Todos nós o sabemos. E não me deixo impressionar nem por uma coisa nem por outra.
A verdade é que nós vivemos num país concreto, temos os órgãos de informação que temos e não vimos, no viver colectivo dos Portugueses, nem sentimos de norte a sul do País, ilhas atlânticas incluídas, que houvesse resistência ao Governo ou à fórmula governativa, antes pelo contrário.

Aplausos do PS e do CDS.

Por outro lado, quanto ao acordo PS/CDS, que alguns disseram ser um acordo contra natura...

O Sr. Amândio de Azevedo (PSD): - Eram do seu partido.

O Orador: - ...e outros classificaram com outros epítetos - não vale agora a pena reproduzi-los -, devo dizer, e isso será com certeza a conclusão não só da Assembleia como aliás do povo português, que esse acordo funcionou aqui bem, funcionou naturalmente, funcionou espontaneamente.

Aplausos do PS e do CDS.

E apesar das críticas, das insinuações, das tentativas que de um lado e de outro vieram no sentido de estabelecer divisões e de estabelecer mal-estar ou de pôr em evidência aquilo que poderiam pensar ser algumas brechas para as alargar, apesar de todas essas tentativas que chegaram até ao ponto de se fazerem claramente algumas insinuações que teriam a intenção de ferir ou de susceptibilizar alguém, como dizer que o líder do CDS é que fez o verdadeiro discurso de Primeiro-Ministro, pois todas essas insinuações, essas notações não tiveram qualquer efeito nas bancadas nem do PS nem do CDS e eu terei muito gosto em reconhecer que o líder do CDS tem evidentemente uma estatura de Primeiro-Ministro e falou, e muito bem, com essa estatura, que todos lhe reconhecemos.

Aplausos do PS e do CDS.

Significa isto, Srs. Deputados, que, como eu disse, o Governo tem pés para andar; mas mais do que pés para andar tem cabeça para pensar, pensa bem e vai executar o seu pensamento.
E a propósito disso devo dizer que foi aqui feita uma intervenção extremamente importante, que poderíamos mesmo dizer que é decisiva ou que foi decisiva, dado que dela decorre toda a construção do resto do próprio Programa, na medida em que consideramos esse sector como a prioridade das prioridades. Refiro-me, naturalmente, como já entenderam, à intervenção do Ministro das Finanças e do Plano.
Esperávamos, no Governo, que as finanças e a política financeira esboçada no nosso Programa, fosse criticada. Esperávamos mesmo e legitimamente - era esse talvez um dever da Oposição - que, havendo num partido da Oposição um líder que é considerado e reputado como um bom especialista da matéria, ele viesse aqui fazer antecipadamente as suas críticas ao Programa. Esperámos em vão e o Ministro das Finanças teve de falar na ausência desse reputado especialista, que entretanto preparava, certamente - e podemos dizer que essa preparação foi fecunda, visto que tivemos aqui o produto da sua reflexão -, o seu discurso desta noite. Mas, nesse discurso, que foi naturalmente muito variado, as críticas às finanças e à política financeira proposta pelo Governo, quer no que diz respeito ao diagnóstico quer no que diz respeito à terapêutica, não se fizeram sentir. E como nós sabemos, e certamente os Srs. Deputados da Oposição concordarão nisso comigo, é daí que tudo depende. Porque nós teremos todas as ambições, o desejo legítimo de fazer o mais possível pelo povo português, de dar a máxima satisfação às aspirações possíveis do povo português, todos nós desejamos isso, mas para o fazermos sem demagogia isso está dependente dos meios que temos.

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E é sobre: esses meios que devíamos ter feito uma reflexão, reflexão colectiva, reflexão que infelizmente não foi feita.
Podemos perguntar - e o povo português necessariamente perguntará - se há alguma alternativa neste país», em termos de democracia, para este Governo, para este Programa, para esta fórmula governativa. Devo dizer que ninguém a - indicou - e isto é um dado que faz com que todos nós, Governo e Oposição, tenhamos obrigação de apostar neste Governo e de, embora as críticas sejam sempre ilegítimas, não confundir críticas com maledicências ou com pressões inconfessáveis. Há que apostar neste Governo porque ele é democrático, porque ele tem condições para resolver os problemas do País e porque pela parte da Oposição não se perfilou, de uma maneira verosímil e capaz de ser percebida e entendida pelo povo português, uma alternativa para este Governo, para esta fórmula governativa e para este Programa.

Aplausos do PS e do CDS.

Isso leva-nos, necessariamente, a falar da Oposição. Ou, como disse um Sr. Deputado da Oposição, falar das oposições. Eu não gosto do termo, porque era muito empregue no tempo do antigamente. Mas, efectivamente, temos de verificar que existem duas oposições. Que radicam em razões profundamente diferentes,, tão diferentes que se acharam no dever de cada uma delas apresentar a sua moção de rejeição, sem que tivessem explanado muito os fundamentos de uma tal moção. Pareceu-me - poderei enganar-me e não me quero antecipar, daqui a pouco vamos sabê-lo - que a moção de rejeição apresentada primeiro pelo PSD foi tão genérica que poderia bem alimentar a esperança de que o PCP a votasse. Pelo contrário, a moção de rejeição apresentada pelo PCP tem uma certa fundamentação que parece impedir - em termos, da coerência tão falada - que o PSD a vote.

O Sr. Sérvulo Correia (PSD): - Disso somos nós os juízes.

O Orador: - Vamos assistir dentro de alguns momentos às votações e vamos saber como é que se passam as coisas. Mas as circunstâncias, de haver posições tão diferentes, em face de uma maioria que existe efectivamente e que se provou que existia e que funcionava, mais reforça a posição do Governo e retira possibilidades à Oposição de se apresentar como uma alternativa crível.
Agora queria fazer uma referência particularmente dirigida ao Sr. Deputado da UDP. O Sr. Deputado da UDP - que é pessoalmente e como Deputado uma pessoa simpática - ...

O Sr. Salgado Zenha (PS): - Apoiado!

Risos.

O Orador: - ...tem gozado nesta Assembleia de um estatuto de tolerância do qual me parece que está a abusar um pouco...

O Sr. Cunha Leal (PSD): - Homessa! Está a censurar?!

O Sr. Salgado Zenha (PS): - Abusa, mas nós gostamos.

O Orador: -...em termos de democracia. E permitiu-se na sua intervenção fazer referências que me parece que foram além de certas normas. E eu tenho o dever de lhe chamar a atenção para isso, porque concretamente falou, referindo-se a mim, que eu estava a «mudar de camisa ou de casaca».
Eu devo dizer ao Sr. Deputado da UDP - que não tem passado antifascista conhecido - que não lhe reconheço autoridade moral, nem política, para me dar lições de antifascismo.

Aplausos do PS e de alguns Deputados do CDS.

Mas não foi por este aspecto que eu referi a intervenção do Sr. Deputado da UDP. Foi porque julguei ver nas suas palavras como que um apelo para um bloco que tivesse por missão ou por função derrubar o actual Governo. E disse mesmo que o Governo tinha pés de barro e que poderia ser derrubado. Ora, em democracia, um Governo legítimo - como será este e é este - só pode ser derrubado por esta Assembleia.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Deputado aqui nesta Assembleia só tem um voto e representa pouco mais de 1 % dos Portugueses, o que é pouco, manifestamente curto, para falar em nome de trabalhadores e muito especialmente para falar em nome de trabalhadores socialistas, como hoje já se arrogou o direito de falar. Ninguém lho reconhece e devo dizer-lhe que cai no ridículo do País se o continuar a fazer.

Aplausos do PS e do CDS.

Portanto, é bom que tenha o sentido das suas próprias proporções e do que representa nesta Casa. Ninguém lhe tira os seus direitos, mas não passe acima de certas regras. Sobretudo se pensa que é legítimo ou que o Governo toleraria que se tentasse derrubar na rua aquilo que não se consegue derrubar por via dos mecanismos democráticos. Disso o Sr. Deputado desiluda-se, porque não lho consentiremos, em defesa da legalidade democrática, nem a si nem a ninguém.

Aplausos do PS e do CDS.

Quanto às outras críticas de um lado e do outro, quer do lado do PCP, que declarou ser um partido responsável e que estaria disposto sempre a sublinhar aquilo que era positivo, embora no seu conjunto e à partida globalmente estivesse contra, e da parte do PSD, que disse recentemente - aliás num termo muito polémico e em que reincidiu - que estava na disposição de fazer uma «oposição selectiva». O adjectivo é importante e eu reconheço que nessas matérias da Oposição há adjectivos e estou de acordo nesse particular com o Sr. Deputado Sousa Franco.

O Sr. Salgado Zenha (PS): - Muito bem!

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O Orador: - Eu penso, quer em relação a um quer em relação a outro, dos dois lados, da bancada do PCP e do PSD, que houve - foi a impressão que eu colhi e espero não ofender ninguém com esta minha apreciação, que espero ser despida de paixão e objectiva - como que a teorização do ressentimento. Ora, Srs. Deputados, já dizia o grande pensador espanhol Gregório Marañon que «em política como no amor o ressentimento é mau conselheiro».
E é este convite que eu faço em especial ao PSD, por o ter mostrado de uma maneira mais patente e evidente que tenha a coragem e seja capaz, para bem da democracia - função que tem como segundo partido do País - de ultrapassar esse ressentimento.

O Sr. José Vitorino (PSD): - Pode estar descansado!

O Sr. Sérvulo Correia (PSD): - Não existo

O Orador: - Excelente, se é assim.
Foram feitos em relação ao Programa, mais do que críticas, juízos de valor.
E também desejaria sublinhar ou não deixar passar em claro um pendor que houve, da parte da bancada do PSD, para o auto-elogio e a autoglorificação. Parece que em matéria de soluções têm copyright, têm direitos de autor e estão sempre a pôr-se nos bicos dos pés e a puxar pelos galões. Tenho a impressão de que não é necessário; são adultos, nós reconhecemos que ião adultos. Não é necessário fazerem isso, porque, a atribuírem-se tantas virtudes, vão - como disse durante o debate ou como sugeriu um dos meus colegas - talvez rivalizar com o «grande educador do povo» e serem também «o grande educador do povo».
E penso que não é próprio de um grande partido democrático, como os senhores, terem tanta auto-suficiência e tão pouco sentido crítico.

O Sr. Américo de Sequeira (PSD): - O problema

O Orador: - Temos pois, e é isso que é importante - e não restarão já dúvidas a ninguém nesta altura - um Governo. Governo que contou à partida com o apoio clarividente do Presidente da República. E seja-me permitida aqui neste momento uma palavra de louvor para a figura do Presidente da República.
Falou-se muito aqui de tentar partidarizar ou instrumentalizar o Presidente da República. Devo dizer que a esse respeito não vale a pena ter preocupações. Conheço hoje o Sr. Presidente da República, depois de contacto permanente e estreito, durante dezasseis meses de Governo, e posso afiançar a esta Assembleia - e não era preciso fazê-lo, porque nisso estamos de acordo - que o Presente da República, pela noção que tem das suas altas funções, pela escrupulosa maneira que tem de cumprir os ditames da Constituição e ser fiel à mesma, que jurou pelo respeito que tem pelos outros Órgãos de Soberania que não seja o próprio Órgão de Soberania que ele também é, tem sido um Presidente da República que honra o Estado Português e que não se deixará jamais partidarizar por ninguém.

Aplausos do PS, do CDS, do Governo e de alguns Deputados do PSD.

Mas o Governo precisará também do apoio desta Assembleia - é isso que lhe estamos justamente a pedir neste momento e estou convencido de que vai tê-lo - para governar não somente hoje, mas para governar até ao fim da legislatura.

O Sr. Salgado Zenha (PS): - Claro!

O Orador: - E isso é a grande novidade que existe neste Governo: é que à partida tem condições para Governar até 1980 e vai Governar até 1980.

Aplausos do PS e do CDS.

O Sr. Cunha Leal (PSD): - Já ouvimos isso no I Governo.

O Orador: - O clima do debate que aqui houve não reflectiu, a meu ver, a situação de crise grave que vive o País.
Os partidos estiveram demasiado empenhados em defender as suas próprias razões e em discutir menos os problemas nacionais. E a verdade é que, se vivemos esta crise que vivemos, isso deve-se à circunstância de nós considerarmos que era necessário pôr a esta Assembleia uma moção de confiança, para consciencializar, através dela, todo o País da gravidade da crise financeira que nós atravessamos, dos remédios que temos pela frente para ultrapassar e vencer essa crise e para mobilizar através disso não somente a consciência mas a vontade de todos os portugueses.
Por isso foi lamentável que não se fizesse uma reflexão, uma discussão, que não se perdessem aqui algumas horas para discutir a parte do Programa que diz respeito justamente ao projecto económico...

O Sr. Amaro da Costa (CDS): - Muito bem!

O Orador: - ...ao programa de estabilização a curto prazo e às grandes linhas a médio prazo, conseguida a estabilização financeira necessária para nos lançarmos no desenvolvimento, e que não discutíssemos a intervenção do Ministro das Finanças.
Falou-se de austeridade, mas ninguém perguntou em que é que consistia essa mesma austeridade. Entretanto, é essa porventura a pergunta mais angustiada, mais necessária, mais directa, que faz a todos nós o povo português: como é que vamos viver concretamente o ano de 1978?

O Sr. Coelho de Sousa (PSD): - Mal!

O Orador: - Quais são as dificuldades por que vamos passar? Temos de passar ou não por elas? Poderão ser elas evitadas?
Pelo contrário, voltou a falar-se com uma ponta de demagogia que julgávamos já ultrapassada...

O Sr. Marques Mendes (PSD): - Nota-se.

O Orador: - ...,na necessidade de vencer o desemprego, na necessidade de aumentar a produção, na necessidade de fazer crescer a economia e ao

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mesmo tempo reduzir os deficits. Como se tudo isso fosse possível ao mesmo tempo e se governar não fosse escolher e se ao País não fossem requeridas opções de fundo...
Nada disso foi suficientemente detalhado, pormenorizado, discutido. E não me venham dizer os Srs. Deputados da Oposição que a culpa nesse sector cabe ao Governo ou aos partidos que apoiam o Governo.
Nós demos uma solução; dissemos concretamente no Programa, e está escrito, qual é essa solução, quais são as opções que vamos fazer, como é que pensamos vencer e superar as dificuldades que temos pela frente.
Haverá aí alguém que se gabe de ter dito que havia outras soluções alternativas para vencer e nau dificuldades e quais eram elas? Que as dificuldades não eram essas?
Sobre isso houve um silêncio em ambas as bancadas da Oposição e é lamentável que isso tivesse sido feito.

O Sr. Cunha Leal (PSD): - Não é exacto!

O Sr. Marques Mendes (PSD): - Não esteve cá, Sr. Primeiro-Ministro.

O Orador: - Ao contrário, nós dissemos que se trata, naturalmente, de abrandar o ritmo do nosso crescimento. Não o fazemos, como foi insinuado ou dito aqui por um desejo masoquista de sermos impopulares, mas por considerarmos que é este o nosso estrito dever patriótico e nacional, juntamente para nos pormos ao abrigo de dependências estrangeiras.
Sabemos que as dificuldades resultam, como aqui foi dito, e ninguém o negou, da alta do preço das matérias-primas e, particularmente, do petróleo, que é um problema que afecta todos os países do Mundo e não somente Portugal, como se sabe.
Veio aqui um Sr. Deputado comunista dizer que era o imperialismo que, elevando o preço das coisas, estava a cobrar e a fazer uma exploração suplementar sobre o povo português. Se nós tivéssemos a mesma maneira simplista de encarar estes problemas, lembraríamos ao Sr. Deputado comunista que quem aumentou o preço do petróleo, que fez subir outros preços de matérias-primas, foram os países do Terceiro Mundo principalmente e não os países a que ele chama imperialistas -porque esses também foram vítimas das mesmas dificuldades, na maioria dos casos, que nós próprios temos com o aumento do preço do petróleo. É uma questão de conhecimento apenas; e talvez o Sr. Deputado não saiba, ou não o quisesse dizer, que a União Soviética aumentou também o preço do petróleo tendo seguido nesse mesmo aumento os países da OPEP, e por esse facto também nos aumentou o preço a nós que lhe compramos petróleo. E, portanto, se eu usasse do mesmo raciocínio simplista, diria que a União Soviética estaria a explorar o povo português.

Aplausos do PS e do CDS.

É evidente, Sr. Deputado, e esteja acerca disso descansado, que eu não digo isso e reconheço que é evidente que tendo subido o preço do petróleo em todo o Mundo a União Soviética não podia ficar indiferente a essa alta. É um facto evidente, que, aliás, explica muitos outros acontecimentos e se falássemos um pouco - se tivéssemos o tempo que não temos de política internacional, poderíamos falar acerca disso longamente e até relacionar esse facto do preço do petróleo e do esgotamento de certas refervas de petróleo, previsíveis para 1980, com certo interesse especial e com certa penetração que as está a fazer neste momento em África, como todos sabemos.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Mas o problema, para nós, é fazer frente às nossas dificuldades. E para fazermos frente às nossas dificuldades temos de seguir uma política realista e conhecer qual os meios que temos para lhes fazer frente, quais as limitações que temos e às quais não é somente esse Governo que se tem de sujeitar, mas qualquer outro Governo se teria que sujeitar. E se fosse um Governo com características diferentes daquele que hoje se apresenta a esta Assembleia, era muito natural que as dificuldades ainda fossem muitíssimo maiores.
Quando se fala em justas lutas é necessário saber o que é que se quer dizer com essas justas lutas, para onde é que se quer empurrar o País em primeiro lugar e as classes trabalhadoras em segundo lugar, se nos formos lançar nessas «justas» lutas sem saber se lhes pode ser dada verdadeira satisfação, se há meios reais para se lhes dar satisfação. Porque, se se pensa que é sempre legítimo pedir aumentos de salários e aumentar indefinidamente esses salários, se se pensa que se pode ou se deve empurrar as classes trabalhadoras, neste momento, para esse lado de lutas reivindicativas, que se sabe de antemão que não podem legitimamente ser satisfeitas sem gravíssimos prejuízos para todo o país, é evidente que se está a tentar empurrar a classe operária e os trabalhadores deste país para uma situação de impasse e de beco sem saída, de que os trabalhadores serão as primeiras vítimas.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Acerca disso devo dizer que confio, como já disse aqui uma vez, no patriotismo dos partidos representados nesta Assembleia e que confio no bom senso do povo português e das classes trabalhadoras portuguesas ...

O Sr. Salgado Zenha (PS): - Muito bem!

O Orador: - ... que têm dado ao longo de todo este processo sobejas provas de bom senso. É por isso quo eu digo, àqueles que se comprazem na utopia mais desligada das realidades quotidianas, que esses não são acompanhados pelo povo português, porque o povo português sabe o que quer e tem a consciência das nossa próprias limitações.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Mas, se nós dizemos que é necessário ter cuidado com as «justas» lutas e se devemos fazer atenção a reivindicações que não podem ser satisfeitas, digo também, e dirijo-me ao outro sector do leque nacional, que é preciso que os Investidores tenham a

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coragem de investir, que limitem os seus lucros e digo também aos especuladores que nós lhes vamos dar uma luta total

Aplausos do PS e do CDS.

É nesse sentido e não porque desconheça a realidade da luta de classes. Mas há momentos para agudizar a luta de classes e há momentos para lhe pôr um freio. Isso depende, como sabem aqueles que são peritos em marxismo, da relação de forcas existente, em cada momento, numa dada sociedade. E é por isso, muito justificadamente, que eu pedi a acalmia nesse tipo de lutas sócias e é por isso também que eu julgo que todos nós, portugueses, temos o dever e o direito de apelar à consciência nacional e de dizer a todos os portugueses que, para além das divisões de classe que existem entre esses, há qualquer coisa que se sobrepõe a isso, que é a solidariedade nacional e que essa solidariedade é necessária em momentos de crise como aquele que atravessamos.

Aplausos do PS e do CDS.

Queremos, evidentemente, a estabilidade económica e pendamos que, para que haja um mínimo de estabilidade económica, precisamos de resolver, através do plano de estatização para 1978 aqui apresentado, ou de começar a resolver o problema esmagador dos deficits da nossa balança de pagamentos. Precisamos de reduzir drasticamente esses deficits, é a nossa prioridade das prioridades, e uma vez conseguido isso é porventura possível, sem excesso de optimismo, encarar os anos 80 de uma maneira diferente e então aí fazer um arranque efectivo para o desenvolvimento do País.
Não há democracia sem estabilidade económica mínima. Não há socialismo sem democracia - socialismo não totalitário, entenda-se...

A Sr.ª Maria Emília de Melo (PS): - Muito bem!

Uma voz do PCP: - Ah!

O Orador: -... e em nenhuma parte do Mundo onde há regimes ditos socialistas existe, nesses regimes democracia política.

Uma voz do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Nós, Portugueses, consideramos, espero que todos, que a democracia política é uma conquista irreversível do povo português...

Uma voz do CDS: - Muito bem!

O Orador: -... e não a queremos pôr em causa, não a deixaremos pôr em causa, não é através de avanços inusitados para o socialismo, que seria nessa hipótese um socialismo totalitário, que nós aceitaremos sacrificar a liberdade ou sacrificar a democracia política.

Aplausos do PS, do CDS e do Sr. Deputado Nuno Rodrigues dos Santos (PSD).

Não quer isto dizer, Sr. Deputado da UDP, que nós estejamos aqui para meter o nosso socialismo na gaveta, não quero dizer isso. Somos socialistas e não renegamos nem renegaremos o nosso programa. O compromisso político que estabelecemos com um partido que não é socialista é um compromisso sem ambiguidade. Eles sabem que nós somos socialistas, nós sabemos que eles não são socialistas, mas apesar disso entendemos que chegou o momento de acima de tudo salvar a democracia política portuguesa e, para isso, pôr em prática um sistema de estabilização económica e financeira deste país. É para isso, e até 1980, que nós estamos unidos sem qualquer ambiguidade. Nem nós os queremos enganar a eles nem eles nos querem enganar a nós. Este compromisso é perfeitamente legítimo.

Aplausos do PS e do CDS.

A hora, é, pois, de grande realismo e eu tenho o prazer de repetir, prestando-lhe homenagem, as palavras que nesta Câmara disse o Sr. Ministro das Finanças e do Plano quando afirmou: «Aqui e agora, ser progressista é ser realista e é ser rigoroso.» Aqueles que julgam que ser progressista é fazer demagogia e atirar as massas populares para um beco sem saída, esses não são progressistas, são aventureiros.

Aplausos do PS e do CDS.

Consolidar, portanto, a democracia é o nosso objectivo. Democracia pluralista, entenda-se - para não haver confusões -, nos termos definidos pela Constituição, no respeito pela Constituição e pelo ordenamento jurídico institucional decorrente dessa mesma Constituição.
Defender a democracia e defender a Constituição e defender a Revolução de Abril e não pô-la em causa.
Se os senhores que se reclamam de certo tipo de progressismo fossem capazes, num momento, de pôr a mão na consciência e lembrar-se do que foi a experiência vivida por este país desde 1974, quando havia tantas esperanças à partida, quando havia tanto idealismo à partida, tanta confiança à partida, do povo português, quase unânime, na defesa da democracia e, quando viu, que pelo irrealismo de alguns, por esse falso progressismo, estragaram ou iam estragando a ideia mestra da Revolução e do socialismo, hão-de compreender que eu tenho razão e que fomos nós, socialistas, que salvámos a Constituição e o socialismo neste país.

Aplausos do PS e de alguns Deputados do CDS.

Somos, evidentemente, democratas, todos o sabem. Fomos antifascistas e sofremos por isso, todos o sabem. Não nos basta dizer agora - hoje não custa nada dizer que se é antifascista. É claro que o somos; mas fomo-lo, o que é muitíssimo mais importante, o que nos dá uma autoridade especial para aqui falar. E pode estar certo o Sr. Deputado da UDP...

Risos.

..., quando invoca aqui, com tanta frequência, a necessidade de combater aquilo que chama «a reacção» e de defender o povo português de novas investidas fascistas, pode estar certo de que para esse combate, dentro da legalidade democrática e constítucional, contará sempre com o Partido Socialista e com o II Governo Constitucional.

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Aplausos do PS e do CDS.

Parece ser moda de certos jornais, de certos órgãos de informação, em certos círculos, falar muito agora e teorizar acerca do Estado.
Foi aqui dito por Freitas do Amaral, e bem, que o Programa do II Governo Provisório...

Vozes do PSD: - Provisório?! Muito bem!

Risos.

O Orador: - ... perdão, constítucional.
Srs. Deputados do PSD: Quem lê os seus discursos como fazia o Dr. Salazar, que vinha para aqui ler um texto, é evidente que nunca se engana; quem fala de improviso pode enganar-se, é legítimo.

Aplausos do PS e do CDS.

O Sr. António Macedo (PS): - Estão muito excitados!

O Orador: - Bom, às vezes, se não se sabe ler bem, também se engana!

Risos.

Mas estava eu a dizer que no Programa do II Governo Constitucional, por toda a parte, se vê aquilo que nós pensamos acerca da necessidade de defender e de consolidar o Estado. Não o Estado em abstracto, mas o Estado democrático. E o que vem a ser o Estado em abstracto?
Quem falava do Estado em abstracto e dizia «nada contra o Estado, tudo a favor do Estado» era o defunto Mussolini, o que em português foi traduzido, pelos teóricos do corporativismo, por «tudo pela Nação, nada contra a Nação». Nós, socialistas, dizemos e gostamos mais de dizer «tudo pelo povo e para o povo».

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Muito bem!

O Orador: - O que nos interessa a nós é o povo, mas a organização política é a organização política do Estado, não de qualquer Estado, mas do Estado democrático. E é juntamente através das suas instituições e prestigiando os órgãos de Soberania, não criando artificiais divisões entre os diferentes Órgãos de Soberania, mas pelo contrário, lutando pela sua harmonização, dentro da teoria da divisão dos poderes democráticos, que se consolida o Estado democrático.
Nós estamos interessados em fazê-lo, fomos fiéis a isso durante toda a nossa vida, desde que nos conhecemos, e sempre na oposição, até ao 25 de Abril de 1974. No ano difícil de 1975, em que havia como que o desaparecimento do Estado, não para que ele desaparecesse efectivamente, mas para que em seu lugar se construísse outro Estado igualmente totalitário, fomos fiéis à construção do Estado democrático, já nessa altura, e penso que durante o I Governo Constitucional fizemos mais do que ninguém em Portugal para consolidar o Estado democrático. E prosseguiremos nesse esforço, como já foi dito, nomeadamente através da reforma das estruturas administrativas do Estado Português.
Marchamos para a institucionalização da democracia, e se é exacto que sem estabilidade económica não pode funcionar uma democracia, também podemos dizer que sem democracia não é possível hoje resolver os problemas do desenvolvimento português, porque - como aqui foi lembrado durante o debate, pela bancada do Governo- não é através de ditaduras desenvolvimentistas que é possível fazer o desenvolvimento de Portugal ...

O Sr. Amaro da Costa (CDS): - Muito bem!

O Orador: -..., mormente na situação internacional que temos e no contexto internacional a que estamos submetidos necessariamente pela nossa situação histórica e geográfica.
Temos, assim, perante nós o horizonte dos anos 80 e é em relação a esse horizonte que o II Governo Constitucional vai trabalhar e vai governar. Trabalhar e governar para instituir, de uma maneira irreversível, a democracia e o Estado democrático, para que em cada crise que haja, de tipo governamental ou outra, não seja posto em risco ou em causa o problema da democracia.
Temos, pois, de superar a crise financeira. Não é num ano que o vamos fazer. Sabemos, e esse é o nosso projecto e plano, que durante o ano de 1978 vamos reduzir de 400 milhões de dólares o nosso deficit, mas, para isso, temos necessariamente de recorrer a apoios internacionais e que rapidamente recomeçar as nossas negociações com o Fundo Monetário Internacional. Ao contrário do que se disse, não vamos para essas negociações com as mãos atadas. E o facto de no próprio Programa do Governo termos já indicado qual era a nossa política para o ano de 1978 mostra que não estamos aqui para obedecer a indicações ou sugestões do Fundo Monetário Internacional. Estamos para obedecer a imperativos de natureza patriótica, que todos nesta Câmara reconhecem sem excepção, porque não há aqui ninguém - Governo ou Oposição - que tenha dito ou atrevido a dizer que não era necessário reduzir o deficit da nossa balança de transacções.
O que muita gente não foi capaz de dizer - particularmente nas bancadas da Oposição - foi aquilo que decorre desse esforço necessário, ou seja, a política de austeridade. Temos necessariamente que passar por ela, e para isso precisamos do apoio, da compreensão de todo o povo português.
Seria através da não superação dessa crise financeira - que se fará, segundo os nossos cálculos, até 1980 - que teríamos condições para ficar, mais do que estamos hoje, ao abrigo de dependências externas. O problema da independência nacional, mais uma vez o lembro, não é uma questão de palavras, é uma questão económica e muito concreta. Não é com palavras que nos pomos ao abrigo de certas pressões.
Temos - como aqui foi dito - que modernizar Portugal e esse é um esforço também do II Governo Constitucional. Temos de afirmar Portugal no mundo e que dar passos decisivos - como estão a ser dados e serão dados ainda durante o ano de 1978 - para integrar Portugal na Europa do Mercado Comum e da CEE. É também uma opção irreversível do povo português.

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Temos de fazer uma política externa também preocupada com a cooperação com os países africanos de expressão portuguesa, como foi dito, e muito bem, pelo Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros.

O Sr. Salgado Zenha (PS): - Muito bem!

O Orador: - Temos finalmente que dar, na medida do possível, satisfação às aspirações populares, temos de ir ao encontro de legítimas aspirações populares, temos que ir ao encontro de legítimas aspirações do nosso povo, fazendo o máximo de esforço para isso, que os nossos meios financeiros consintam, no domínio da saúde. Foi aqui dito qual era o programa, quais as prioridades e até as datas em que íamos pôr em funcionamento o plano de saúde, o plano de segurança social, da protecção aos reformados, aos que são economicamente mais débeis. Temos que fazer um grande esforço no domínio da habitação, particularmente da habitação social. E o Sr. Ministro das Obras Públicas e da Habitação disse também em que medida esse esforço vai ser feito, prestando, aliás, justiça ao esforço enorme -extraordinário e não reconhecido - feito pelo Ministro anterior, aqui presente nesta Sala.

Aplausos do PS.

Temos que fazer isto num clima de liberdade, liberdade completa, mas sem abusos a essa própria liberdade. Temos que o fazer num clima de tranquilidade pública, de ordem e de paz. Parece que a esse respeito ninguém terá dúvidas de que o II Governo Constitucional será capaz de manter em absoluto as liberdades de todos, de respeitar os direitos humanos de todos, sem nenhuma excepção, não fazemos distinções nesse domínio entre portugueses, porque todos são iguais para nós, sejam eles quem forem, tenham as ideologias ou as crenças que tiverem. Manteremos também a autoridade democrática do Estado e a legalidade democrática.
Temos, finalmente, que conferir confiança, segurança, aos Portugueses. Quando falo nos Portugueses, tanto falo nos Portugueses de Portugal, como nos que estão espalhados por todo o mundo, nos emigrantes, a quem tanto devemos, dos quais nos orgulhamos e que queremos, na medida das nossas forças e possibilidades, apoiar em toda a medida do possível...

Vozes do PS e do CDS: - Muito bem!

O Orador: -..., dando educação aos seus filhos, divulgando a cultura e a língua portuguesa no estrangeiro e criando, junto dos Governos amigos e aliados dos países onde eles estão e onde trabalham, condições de segurança social iguais, se possível, àquelas que têm os naturais desses países.

Vozes do PS e do CDS: - Muito bem!

O Orador: - É nesse domínio que temos estado a trabalhar e que continuaremos a trabalhar.

Aplausos do PS e do CDS.

Srs. Deputados, este é o nosso horizonte para 1980. Então aí voltaremos ao veredicto das umas e aí responderemos perante o que fizemos e perante o que não fazemos, perante o que fomos capazes de fazer e perante o que não fomos capazes de fazer. O povo português, coimo único soberano, nos julgará nas umas, dando-nos o seu voto ou não nos dando o seu voto.
Acreditamos na alternância democrática. Todos sabem, nesta Câmara, que as eleições se farão e que serão, como todas após o 25 de Abril, eleições exemplares. Se nessa altura a Oposição tiver capacidade e meios para se impor ao País, aceitaremos, como sempre aceitámos, o veredicto popular e seremos nós a Oposição. Se não, continuaremos a governar e, se possível e necessário, e se for caso disso, como lembrava há pouco o meu camarada Francisco Zenha, continuaremos a governar em associação com o CDS.

O Sr. Fernando Pinto (PSD): - Campanha eleitoral para o ano 2000!

O Orador: - Resta-me, Srs. Deputados, fazer um último apelo. Apelo, naturalmente, a esta Câmara, aos Deputados que apoiam o Governo, aos Deputados, da Oposição e, através desta Câmara, ao povo português, ao trabalho, à confiança, à acalmia social, à solidariedade nacional, à vontade de vencer, porque nós, Portugueses, temos de vencer e havemos de vencer a crise que temos pela frente. Nessa luta, a Oposição terá o seu lugar, terá o seu papel, terá os seus direitos e seremos - escuso de o dizer - escrupulosos respeitadores dos direitos da Oposição. Foi feito e aprovado por esta Câmara - já aqui foi lembrado - o Estatuto da Oposição. A ele seremos fiéis.
Pediremos à Oposição que passe para além daquilo que possam ser reflexos normais de mau humor ou frustração e que se assuma como tal, patrioticamente, democraticamente.
Depois de ouvirmos aqui as palavras finais dos discursos do Sr. Deputado Carlos Brito e do Sr. Deputado Sousa Franco temos confiança e temos o direito de esperar que se vão assumir como Oposição leal, como Oposição patriótica que quer contribuir para a resolução dos problemas portugueses, porque, para resolver os problemas portugueses, não basta o Governo, são precisos todos os Órgãos de Soberania, a harmonia entre os Órgãos de Soberania, são precisos os partidos políticos, sejam do Governo ou da Oposição.
Estou certo de que o farão. O futuro está nas mãos de nós todos. Está nas mãos dos Portugueses. Está tanto nos mãos do Governo como da Oposição.
Que cada um cumpra o seu dever.

Aplausos do PS, do CDS, do Deputado Independente Galvão de Melo e dos Membros do Governo.

O Sr. Acácio Barreiros (UDP): - Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Não lhe posso conceder a palavra palas razões que vou aduzir a seguir. Efectivamente, na última sessão que houve foram consentidas por mim interpelações, pedidos de esclarecimento, ao Sr. Primeiro-Ministro.
Estarei condenado a praticar erros diferentes ao

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longo da minha veda, mas não quero praticar o mesmo erro.

O Sr. Acácio Barreiros (UDP): - Dá-me licença? É para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, está a perder o seu tempo. Só lhe concedo a palavra na altura em que eu achar oportuno.
Não quero repetir esse erro, porque é contra o Regimento, na medida em que neste expressamente se diz: «Encerrado o debate pela intervenção do Primeiro-Ministro, proceder-se-á ma mesma reunião, após o intervalo de uma hora, à votação.»
Em meu entender - susceptível de recurso para a Assembleia é que o debate está encerrada Por combinação havida entre os grupos parlamentares na reunião há pouco realizada resolveu-se reduzir o período de reflexão de uma hora para meia hora.
A minha decisão é, portanto, de não lhe conceder a palavra. Esta decisão é - como disse - susceptível de recurso.
Tenha a bondade.

O Sr. Acácio Barreiros (UDP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Regimento tem princípios gerais e tem a sua aplicação às diversas matérias, entre as quais a discussão do Programa do Governo.
Um dos princípios gerais do Regimento é claro: se algum Deputado se sentir ofendido na sua honra, tem o directo de protestar. Esse é um princípio geral, é uma garantia que o Regimento dá e não pode ser invocado qualquer processo particular do Regimento para se recusar esse princípio geral.
Como Deputado desta Assembleia, penso que o Sr. Primeiro-Ministro - não vou pedir esclarecimentos que não são permitidos, nem dar esclarecimentos - me ofendeu, pessoalmente e ao meu partido, e peço a palavra em nome do Regimento, em nome dos seus princípios gerais (espero que se não modifiquem agora) para usar da palavra e formular um protesto.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, já que se considera ofendido na sua honra e consideração eu não tenho o directo de lhe recusar a palavra. Só por este caso concreto.
Tenha então a bondade, Sr. Deputado.

O Sr. Acácio Barreiros (UDP): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Deputados: Eu queria...

O Sr. Presidente: - Mas peço-lhe, Sr. Deputado, que seja sintético e conciso. Esta minha decisão é uma decisão controversa, pois não sou eu que subjectivamente vou examinar as ofensas de que V. Ex.ª se sente atingido. E eu não queria, de maneira nenhuma, proibir aquilo que V. Ex.ª considera - segundo o seu modo de pensar - como uma ofensa.
Peço-lhe, no entanto, sob pena de ter de o interromper, que circunscreva esse protesto àquilo que V. Ex.ª considera ofensa à sua honra e consideração.

O Sr. Acácio Barreiros (UDP): - Eu só queria recordar ao Sr. Presidente que também o Regimento não estabelece qualquer limite de tempo para protestos.

Protestos do PS.

Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Deputados: O Sr. Primeiro-Ministro nas suas declarações fez sucessivos ataques à UDP -no que está no seu legítimo direito-, mas fez acusações de certa gravidade e que considero absolutamente ofensivas.
Em primeiro lugar eu queria dizer ao Sr. Primeiro-Ministro o seguinte: o Sr. Primeiro-Ministro não conhece nem tem obrigação de conhecer o meu passado antifascista, mas queria dizer-lhe que na luta antifascista fiz o que pude, consegui ou tive capacidade para fazer.
Não exibo esse passado antifascista porque também não ando à procura de qualquer medalha para o meu passado antifascista. Mas em nome dos muitos militantes da UDP que foram vítimas de atentados bombistas, em nome de todos esses meus camaradas, alguns dos quais talvez o Sr. Primeiro-Ministro conheça, que passaram pelas cadeias da ditadura e lutaram contra a ditadura, a UDP não aceita lições de antifascismo de quem quer que seja. E isso que também fique aqui bastante claro.
Em segundo lugar queria dizer ao Sr. Primeiro-Ministro o seguinte: o Sr. Primeiro-Ministro proferiu uma série de ameaçais absolutamente claras e, a meu ver, absolutamente despropositadas. Mas eu quero dizer-lhe que, se não conhece o meu passado, é bom que uma coisa no meu presente conheça perfeitamente: em nome também dos meus camaradas da UDP e em nome de cem mil eleitores - é perante eles que, de facto, tenho de responder, pois confiaram o seu voto à UDP -, quero dizer-lhe claramente que essas ameaças não me atemorizam e que não me farão desviar um só milímetro dos objectivos com que me propus vir lutar nesta Assembleia.
Finalmente, queria dizer ao Sr. Primeiro-Ministro que na sua intervenção e nas ameaças que fez dedicou tanto tempo à UDP que isso pouco se compreenderia numa organização que, pelos vistos, quase não existe e que representa «uma parte ridícula - como disse, - do eleitorado. A não ser que, de facto, tenha consciência de que aqui, quando falamos, temos em conta o conjunto dos trabalhadores, as aspirações dos trabalhadores e dirigimo-nos aos trabalhadores. E tenha ainda em conta que, de facto, também é para os militantes socialistas que nos dirigimos nesta tribuna, porque estamos aqui a trabalhar para o bem dos trabalhadores - e talvez essa sua ameaça e esse seu nervosismo refutam, ao fim e ao cabo, a consciência que tem de que os trabalhadoras socialistas sentem as palavras da UDP.

Risos do PS.

Concretamente, quando eu me referia ao Sr. Primeiro-Ministro dizendo que tinha mudado de camisa, referia-me ao programa. E foi o Sr. Primeiro-Ministro que disse isso aqui. Disse até a frase de que «só os burros não mudam de ideias» e portanto não está agora com as mesmas ideias e com o mesmo programa com que se apresentou diante do eleitorado. E eu penso que posso expressar o protesto que sinto como lutador antifascista e em particular pela presença do

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CDS no Governo e penso também que posso interpretar os sentimentos dos trabalhadores socialistas... Se acha que interpreto mal...

Protestos do PS.

O Sr. Manuel Pires (PS): - Onde é que está o teu passado antifascista?

O Orador: - Vocês estão bastante nervosos!...

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Isto é uma intervenção!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, vamos terminar se faz favor. Concedi a palavra ao Sr. Deputado apenas para desafrontar a sua honra e consideração.

O Orador: - Com certeza, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor de deixar agora as camisas em paz.

Risos.

... e vamos tratar da sua honra e consideração.
Se o Sr. Deputado persiste em se desviar da intenção do pedido da palavra e do intuito com que ela foi concedida, há-de-me, naturalmente, fazer a justiça e acreditar que será com muita pena minha que terei de lhe retirar a palavra.

O Sr. Salgado Zenha (PS): - Mas ele já falou!

O Sr. Presidente: - Espero pois a sua consideração e o seu bom senso.
Faça favor de continuar a desagravar a sua honra e consideração.

O Orador: - Eu termino rapidamente e em poucos segundos, Sr. Presidente.

O Sr. Salgado Zenha (PS): - Apoiado!

O Orador: - Mesmo com os protestos da bancada do PS, eu só queria dizer que não me é difícil compreender o que sentirão os militantes socialistas ao ouvir o Sr. Primeiro-Ministro a ameaçar a UDP estando de braço dado com o CDS. Isso chega.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, fazemos agora um intervalo por trinta minutos.
Eram 3 horas e 15 minutos.

O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão.
Eram 3 horas e 50 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: Como é do conhecimento da Câmara, entraram na Mesa duas moções de rejeição com dote requerimentos. Um apresentado pelo Partido Social-Democrata, que foi o primeiro, e outro pelo Partido Comunista Português.

Vamos em primeiro lugar pôr à votação o requerimento do Partido Social-Democrata, que pode ser objecto de declarações de voto, mas, segundo o meu entender, essas declarações de voto não podem ser superiores a 3 minutos, de harmonia com o n.º 1 do antigo 100.º do Regimento. Isto só quanto ao requerimento.
No que diz respeito à moção, a disposição é aquela que se segue. Portanto, o n.º 2 do artigo 100.º do Regimento que diz: «o limite do tempo previsto no número anterior não se aplica às votações na generalidade de lei ou de resoluções ou às votações de moções.»
Quer dizer, temos então três minutos para declarações de voto quanto ao requerimento e não temos tempo fixado quanto à declaração de voto no que diz respeito às moções.
É claro que eu espero o bom senso dos Srs. Deputados atendendo ao nosso cansaço, fadiga e à hora adiantada. Espero, portanto, que sejam o mais concisos possível nas vossas declarações de voto
O requerimento do PSD diz o seguinte:

Ao abrigo do artigo 109.º do Regimento desta Assembleia, requerem os Deputados do PSD abaixo assinados a votação nominal da proposta de rejeição do Programa do Governo apresentada pelo Grupo Parlamentar do Partido Social-Democrata.

Vou por à votação este requerimento.

Submetido à votação, foi rejeitado, com 139 votos contra (PS, CDS e Deputado independente Galvão de Melo) e 106 votos a favor (PSD. PCP, UDP e 5 Deputados independentes).

O Sr. Presidente: - Alguém deseja usar da palavra para declarações de voto?

O Sr. Rui Machete (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Rui Machete para uma declaração de voto.

O Sr. Rui Machete (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Quero, em nome do Partido Social-Democrata, fazer uma breve declaração de voto.
O meu partido requereu, ao abrigo do artigo 109.º, n.º 2, do Regimento, que a moção que apresentou de rejeição do Programa do Governo fosse feita por votação nominal. Propunha-se o PSD com este requerimento fazer confrontar cada um dos Deputados com a sua própria consciência, para que, sem subterfúgios nem invocações absolutórias de disciplina partidária, se pronunciassem individualmente perante o povo português que os elegeu.
Ao contrário do voto anónimo por levantados e sentados a votação nominal permite aos eleitores conhecer o exacto sentido do voto de quem os representa. Comentaram algo maliciosamente certos observadores políticos que a sua adopção clarificaria as coisas e impediria que, perante inconformados eleitores da sua circunscrição que lhe viessem brandir as divergências entre o comportamento prometido durante a campanha eleitoral e a opção política actualmente tomada, alguém se sentisse tentado a fundir a sua responsabilidade pessoal na mais geral

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e difusa do seu partido, justificando-se com as conveniências dos oportunismos tácticos deste e com as vantagens do exercício do Poder.
A recusa do voto nominal feita pelos partidos do Governo estaria e está assim explicada pelo receio de eventuais desfalecimentos na hora da verdade e das explicações.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Mas o problema por nós posto vai mais longe e mais fundo. Diz respeito à questão fundamental da representação política e do papel do Deputada na democracia parlamentar, ou com uma componente parlamentar, dos nossos dias. Se tal como na democracia clássica da época liberal o Deputado continua a ter um mandato representativo e não um mandato imperativo - os Deputados representam todo o país e não os círculos por que são eleitos, di-lo a Constituição no artigo 152.º, n.º 3 -, há que examinar que limites legítimos pode impor à sua liberdade de apreciação e de decisão a disciplina de voto resultante da pertença a um grupo parlamentar, a um partido político. A circunstância de, no Estado de partidos que é o Estado democrático pluralista moderno, o Deputado ser simultaneamente representante de todo o povo e também membro de uma organização partidária pode criar-lhe uma situação de conflito interno quando eventualmente estes dois pólos tenham sinais contrários.
Enquanto os partidos se mantêm fiéis ao mandato geral que receberam do eleitorado, isto é, respeitam o seu programa e os compromissos que assumiram durante a campanha eleitoral, não há razão para termos conflitos graves e generalizados entre a liberdade do mandato do Deputado e a disciplina partidária. Aliás, os regulamentos dos grupos parlamentares, como acontece com o nosso, devem prever os mecanismos que permitam ressalvar a liberdade do Deputado. Porém, quando exista uma modificação radical da política dos partidos do Governo em relação ao projecto apresentado e às promessas feitas ao eleitorado - alteração que só é legítima com novas eleições -, o Deputado já não está limitado por uma disciplina que o pretende forçar a um programa que lhe é alheio.
O eleitorado, de resto, há-de julgar se o PS e o CDS se mantêm ainda fiéis aos seus programas e às suas promessas eleitorais e se não estamos, agora, já, perante uma, solução em que o mandato representativo exigiria a liberdade de voto dos seus membros.

O Sr. Sérvulo Correia (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Os parlamentos não podem ser, sob pena de subvertermos a democracia, meras caixas registadoras e de ressonância da vontade e decisões dos estados-maiores dos partidos. Têm, pelo contrário, de continuar a assegurar a sua função primordial, de, com toda a publicidade e em debate livremente contraditório, tornar presente, vivo e actuante o povo em cujo nome agem.

Com a recusa desta votação nominal prestou-se um mau serviço à componente parlamentar do nosso sistema político e, consequentemente, à nossa jovem democracia. Ficou evidenciado também quem tem medo da clarificação política nestas matérias.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Oliveira Dias.

O Sr. Oliveira Dias (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A minha primeira reacção - aliás a primeira reacção de todos os Deputados do Grupo Parlamentar do CDS - perante o requerimento no sentido de que se procedesse à votação nominal da moção de rejeição do PSD foi a de que se tratava de um desafio pessoal a cada um de nós, ao nosso empenhamento pessoal no apoio ao Governo cujo Programa acabou de ser discutido por esta Assembleia. Assim, o nosso primeiro movimento foi no sentido de que votássemos a favor do requerimento para que cada um de nós, todos aqui presentes, pessoalmente, tivesse oportunidade de afirmar esse empenhamento e esse apoio. No entanto, a reflexão mostrou-nos que se tratava de mais do que isso: o que podia também deduzir-se do requerimento era uma tentativa de diluir, porventura de atentar contra a solidariedade e a representatividade de cada grupo parlamentar e da maioria que apoia o Governo.

Vozes do PS:- Muito bem!

Protestos do PSD.

O Orador: - Porque, para se poder identificar os que votam de uma maneira e os que votam de outra não é necessário recorrer ao método de votação nominal.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O requerimento em causa visava afinal estabelecer um procedimento que, a ser aprovado, acabaria por traduzir um acto de desconfiança de cada grupo parlamentar relativamente à autonomia e às atitudes de cada Deputado.
Tratando-se, como se trata, de uma deliberação com profundas implicações políticas e de uma questão de confiança, não poderíamos aceitar tal hipótese.
Por isso votámos contra o requerimento do PSD.

Aplausos do CDS e de alguns Deputados do PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Nunes.

O Sr. José Luís Nunes (PS): -Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nos termos do artigo 107.º, n.º 1, alínea c) do Regimento, a votação normal é feita por levantados e sentados.
Esta votação é pública.
A História ensina-nos, e já nos ensinou alguém, que há pessoas - dizia Séneca a propósito dos Romanos - que se rodeiam de altos muros não para praticar uma virtude mas para pecarem mais ocultamente.

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Da mesma maneira, os Srs. Deputados do PSD invocam princípios que desmentem na prática quando esses princípios lhes são manifestamente desfavoráveis. E para que os Srs. Deputados e o povo português vejam o que é o partido da contradição, eu vou ler a declaração de voto do Sr. Deputado Sérvulo Correia, feita em nome do Grupo Parlamentar do PSD, quando nesta Câmara, e pela primeira e única vez, foi pedida a votação nominal.
É do seguinte teor:

Também nós, sociais-democratas, assumimos não só colectivamente mas individualmente a responsabilidade pelos nossos votos. E, aliás, ao votar o próprio requerimento da bancada do Partido Comunista, os sociais-democratas, todos e cada um deles, que participaram nessa votação, assumiram já uma posição face às intenções do mesmo Partido Comunista.

É assim, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que se apanham nas curvas as pessoas que invocam princípios para fundamentar as suas tácticas políticas movidas por razões meramente circunstanciais.

Aplausos do PS e CDS e protestos do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Leite.

O Sr. Jorge Leite (PCP): - Sr. Presidente Srs. Deputados: Uma curtíssima declaração de voto do grupo Parlamentar do Partido Comunista.
O Grupo Parlamentar do Partido Comunista, que também apresentou um requerimento de votação nominal, considera à partida legítima, quer uma votação nominal, quer uma votação secreta, quer uma votação por grupos parlamentares. Não temos em relação a nenhuma destas formas de votação - aliás consagradas no Regimento e admitidas pela Constituição - qualquer parti-pris.
Entendemos, no entanto, que a Assembleia deveria deliberar, e deliberou válida e democraticamente, sobre esta questão que é fundamental, a questão de saber se cada Deputado deveria ou não, num acto político de tamanha importância, ser confrontado ele mesmo com o voto sobre as moções de rejeição ao programa do Governo.
Em todo o caso, uma vez que o nosso requerimento ainda se mantém, consideramo-lo naturalmente prejudicado com a votação que acabou de ser feita.

O Sr. Presidente: -Tem a palavra o Sr. Deputado Sérvulo Correia.

O Sr. Sérvulo Correia (PSD): - É para dar explicações, Sr. Presidente, uma vez que foram invocadas aqui, como precedente, afirmações minhas.
Eu lamento que o Sr. Deputado José Luís Nunes, em primeiro lugar, tenha invocado afirmações desinseridas do seu contexto...

Risos do PS e do CDS.

... sem referir concretamente qual a circunstância em que elas foram proferidas.
Em segundo lugar, observo-lhe que o que eu aí disse - e que o Sr. Deputado acaba de ler - foi que quando mo meu grupo parlamentar votamos como grupo nós não nos abstraímos das nossas responsabilidades individuais.

O Sr. Jaime Gama (PS): - E os outros?

O Orador: - Mas, em terceiro lugar, observo-lhe que, como foi lido há momentos na nossa declaração de voto, há circunstâncias, que se traduzem na alteração, por parte dos partidos, das linhas programáticas que apresentaram ao eleitorado, que justificam uma posição individual dos membros dos seus grupos parlamentares.

Protestos do PS.

Não era esse o caso no precedente, que abusivamente e sem qualquer conotação com o presente caso concreto, o Sr. Deputado José Luís Nunes apresentou.

Aplausos do PSD.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Bom... Entramos na regra geral e por isso concedo a palavra ao Sr. Deputado José Luís Nunes.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como normalmente, eu serei breve.
Esta declaração de voto do Sr. Deputado Sérvulo Correia, que acabei de ler, vem no Diário da Assembleia n.º 105, de 5 de Maio de 1977.

O Sr. Sérvulo Correia (PSD): - E depois?

O Orador: - Ela foi feita no seguinte contexto: tratava-se da Lei de Delimitação do Sector Público e do Sector Privado. O Sr. Deputado Vital Moreira propôs então que fosse feita votação nominal e os Srs. Deputados ao PSD votaram contra ela. Estavam no seu pleníssimo direito. Mas do que não têm direito é de agora, em declarações de voto, invocarem grandes princípios, grandes regras morais de ética e de não sei que mais, quando as razões por que propõem essa votação são muito simples: jogam numa coisa absolutamente absurda que é a divisão dos grupos parlamentares. Mas o nosso grupo parlamentar não se deixa dividir.
De resto, estão absolvidos os Deputados que na Assembleia Constituinte abandonaram o Partido Popular Democrático - então assim se chamava o PSD - e que exactamente invocaram esses princípios.
Eu penso que o Sr. Deputado Sérvulo Correia estará de acordo contigo de que talvez não seja esta a altura de procurar ou de mandar vir o Diário da Assembleia Constituinte referente à sessão em que o então PPD conclamou e proclamou como traidores, como criminosos de lesa-majestade...

Vozes do PSD: - É falso!

O Orador: - É verdadeiro!

Vozes do PSD: - É falso!

O Orador: - ...um grupo de Deputados que afirmava que o Partido Popular Democrático tinha traído a sua fé social-democrata.

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O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Está a delirar, Sr. Deputado!

O Orador: - Eu devo dizer aos Srs. Deputados que isso está escrito, está documentado e esta discussão de que é falso ou é verdadeiro é uma coisa muito simples de demonstrar. Os Srs. jornalistas e os órgãos de informação poderão facilmente colocar na primeira página dos jornais as declarações que os senhores então fizeram.

Protestos do PSD.

E agora podem os Srs. Deputados estar certos do seguinte: que a votação que se fez aqui, defendendo o direito de um Deputado se manter independente, embora pudesse discordar do programa do seu partido por considerar que este mudou o programa, foi feita com o nosso voto, com os votos dos independentes, com os votos do PCP e contra os vossos votos.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Sérvulo Correia.

O Sr. Sérvulo Correia (PSD): - Para um breve protesto, Sr. Presidente.
As palavras do Sr. Deputado José Luís Nunes acabam, não obstante a roupagem que as envolveu, de demonstrar a verdade daquilo que afirmei. É evidente que quando nós aqui votámos a Lei de Delimitação do Sector Público e do Sector Privado não nos estávamos a afastar um milímetro do nosso programa, do programa com que nos tínhamos apresentado perante o eleitorado.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Duvido que o eleitorado que votou no CDS tivesse admitido esta semicoligação, tal como duvido que o eleitorado que votou no PS também a tivesse admitido.

Aplausos do PSD e protestos do PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Freitas do Amaral.

O Sr. Freitas do Amaral (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Era só para esclarecer o Sr. Deputado Sérvulo Correia, a Câmara e o País, já que se referiu às dúvidas que tem sobre se o CDS está ou não coerente com posições que tenha tomado antes das eleições, que eu próprio, presidente da Comissão Política do CDS, antes das eleições de Abril de 1976 para a Assembleia da República, onde estamos agora, declarei publicamente em entrevista que está publicada no semanário O Jornal, e que depois foi repetida à sociedade em toda a campanha eleitoral, que o CDS se apresentava a essas eleições com a seguinte estratégia de alianças, uma vez que o problema das alianças não estava definitivamente esclarecido: nós considerávamo-nos abertos a qualquer hipótese de alianças, salvo com o PC, e referi expressamente que admitíamos fazer alianças ou só com o PSD, ou com o PSD e o PS ou só com o PS. Estamos, portanto, perfeitamente de acordo com o que dissemos antes dais eleições.

Aplausos do CDS.

O Sr. Presidente: - Vou ler a moção de rejeição do PSD:

Considerando que o problema do novo Governo não foi objecto de qualquer votação e que tal ambiguidade não deverá continuar a ser permitida;
Considerando que, embora directamente perguntado, o Governo não esclareceu se apresenta ou não a moção de confiança;
Considerando que é imperioso tornar claro quem aponta e se compromete neste Programa de Governo, o Grupo Parlamentar do Partido Social-Democrata propõe a refeição do Programa de Governo [artigos 20.º, n.º 1, alínea c), e 198.º, do Regimento].
Vou pôr à votação esta moção.

Submetida à votação, foi rejeitada, com 141 votos contra (PS, CDS e deputados independentes Galvão de Melo, Aires Rodrigues e Carmelinda Pereira), 75 votos a favor (PSD, UDP e Deputados independentes Brás Pinto, Lopes Cardoso e Vital Rodrigues) e a abstenção do PCP.

O Sr. Presidente: - A moção do PCP é a seguinte:

Considerando a apresentação à Assembleia da República do Programa do Governo, cuja fórmula governativa é a de uma coligação PS/CDS, o Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português, nos termos do artigo 195.º da Constituição e do artigo 198.º do Regimento da Assembleia da República, propõe a rejeição do Programa de Governo, porque tal Programa não se conforma com o projecto constitucional nem serve a resolução dos grandes problemas nacionais, designadamente a recuperação económica e financeira do País.
Está em votação.

Submetida à votação, foi rejeitada, com 141 votos contra (PS, CDS e Deputados independentes Galvão de Melo, Aires Rodrigues e Carmelinda Pereira), 43 votos a favor (PCP, UDP e Deputados independentes Lopes Cardoso, Brás Pinto e Vital Rodrigues) e a abstenção do PSD.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - (Quando votavam os Srs. Deputados Aires Rodrigues e Carmelinda Pereira): - Ainda vão para a UDP!

Aplausos do PS e do CDS ao ser anunciado o resultado da votação.

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O Sr. Presidente: - Vamos passar às declarações de voto. Tem a palavra o Sr. Deputado Acácio Barreiros.

O Sr. Acácio Barreiros (UDP): - Sr. Presidente, Srs. Ministros, Srs. Deputados: O II Governo acaba de «passar» nesta Assembleia!
Acabamos de assistir aqui ao degradante espectáculo de ver Deputados de um Partido que se diz socialista a oferecer a maioria para que um partido de saudosistas do passado se apodere de Ministérios.
É realmente alarmante a imagem oferecida pelo Partido Socialista. É realmente chocante ver homens de passado antifascista aplaudir de pé intervenções revanchistas, como a do Deputado Galvão de Melo, mais conhecido por «caceteiro de Rio Maior».

Risos e protestos do CDS.

O Sr. Presidente: - Dá-me licença, Sr. Deputado? O Sr. Deputado não tem esse direito. As palavras já estão ditas e eu não posso apanhar as palavras que saem todas as vezes da sua boca.

Risos.

Não tenho esse poder mágico...

O Sr. Deputado desculpará, mas não se pode dirigir desse modo a uma pessoa que é tão Deputado como V. Ex.ª e que foi eleito do mesmo modo. Portanto, advirto-o de que, se voltar a usar de uma expressão semelhante, eu retiro-lhe imediatamente a palavra.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Acácio Barreiros (UDP): - Devo recordar que esse mesmo Sr. Deputado se tem dirigido também em termos insultuosos aos representantes da UDP, nesta Assembleia.
É verdadeiramente revoltante ver homens que se afirmam socialistas a aplaudir alegremente os discursos hipócritas e reaccionários de discípulos de Marcelo Caetano, como os chefes «centristas» da extrema-direita.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Você está influenciado pela Rua!

O Orador: - A tal ponto desceu o Dr. Mário Soares, e os seus amigos.
A partir deste momento, a bancada do PS tornou-se responsável perante o povo português pela entrega dos postos governativos a homens comprometidos com o 24 de Abril.
A partir deste momento a bancada do PS tornou-se responsável pela apresentação de um programa governativo abertamente anticonstitucional, um programa que contraria vários pontos fundamentais da Constituição mesmo antes de 1980, mesmo antes de o poder fazer legalmente.
A partir deste momento, a bancada do PS tornou-se responsável por formar um bloco governativo com um partido da extrema-direita, um bloco governativo que está voltado para atacar a Reforma Agrária, as nacionalizações, as liberdades sindicais e políticas.

O Sr. Amaro da Costa (CDS): - Não apoiado!

O Orador: - A partir deste momento, a bancada do PS tornou-se responsável por uma coligação com os monopólios que visa arrancar do suor dos trabalhadores os superlucros com que pretendem recompor o seu poderio abalado com o 25 de Abril.

O Sr. Amaro da Costa (CDS): - Não apoiado!

O Orador: - Estas são as responsabilidades da bancada que se diz socialista. É escusado tentar apagá-las. É escusado tentar justificá-las com discursos inflamados e juras de fidelidade ao socialismo!
Já lá vão os tempos em que o Dr. Mário Soares enganava os verdadeiros socialistas com a sua péssima «mania» de dizer uma coisa e fazer outra, com a sua péssima «mania» de discursar à esquerda e actuar à direita.

Risos do PSD.

Hoje a verdade é nua e crua! E a UDP denuncia-a abertamente, sem temor, sem hesitações, sem os punhos de renda que tanto agradam a estes debates parlamentares.
A verdade é que a reacção, os grandes tubarões e a finança internacional acabam de dar mais um golpe no 25 de Abril, acabam de dar mais um passo na sua caminhada para o poder absoluto. O CDS vai para o Governo para minar ainda mais as transformações democráticas no 25 de Abril. Vai preparar o terreno para amanhã o PPD exigir também a sua parte no bolo da recuperação capitalista. E se os trabalhadores o permitissem, lá chegaria o dia em que o Marcelo regressaria para abraçar os seus hábeis discípulos.
Chegou a altura de perder as ilusões! Não permitamos que nos amarrem o pensamento com a conversa democrática do CDS, senão amanhã amarram-nos os braços.
É preciso dizer, repetir e gritar por esse Portugal fora: o CDS não se converteu ao 25 de Abril, às liberdades democráticas, à Reforma Agrária e às nacionalizações.
O CDS é a ponta de lança dos monopólios no Governo. Para «salvar a economia» e «estabilizar o País» como hipocritamente declaram em cada discurso que fazem, eles precisariam de domesticar os trabalhadores pelo terror, destruir as suas organizações e a sua unidade, aumentar o ritmo de produção, congelar os salários e elevar os preços, devolver os. sectores-chave da economia aos tubarões expropriados, captar a entrada de capitais estrangeiros com novas garantias de superlucros.

O Sr. Amaro da Costa (CDS): - Não apoiado!

O Orador: - Os objectivos da grande burguesia e do imperialismo não se compadecem com as mais tímidas transformações democráticas operadas após

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o 25 de Abril. Necessitam de um regime forte, arbitrário, que cale as vozes demasiado discordantes e permita aos grandes capitalistas enriquecer à custa do labor da classe operária e do povo trabalhador.
O CDS está a fazer um grande esforço para se fingir democrático e poder entrar no Governo sem provocar grandes sobressaltos. E está também a pagar o seu preço, pois há por aí muito reaccionário que não compreende porque há-de o Sr. Freitas do Amaral ou o Sr. Amaro da Costa vir para esta tribuna camuflar aquilo que realmente pensa e deseja com beáticos louvores à democracia.

O Sr. Carlos Robalo (CDS): - Isto é ofensivo, Sr. Presidente.

O Orador: - A prova da grande farsa teatral que o CDS vem mantendo nesta Assembleia foi-nos dada logo no início deste debate pelo Deputado Cunha Simões, conhecido escriba no pasquim fascista O Templário.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, tenho de retirar-lhe a palavra porque já pela segunda vez usou de uma expressão ofensiva da consideração de um Sr. Deputado.

O Sr. Acácio Barreiros (UDP): - Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Não dou licença nenhuma.

O Sr. Acácio Barreiros (UDP): - Mas posso interpelar a Mesa?

O Sr. Presidente: - Não dou licença nenhuma, já lhe disse. O Sr. Deputado chamou caceteiro e não sei que mais ao Sr. Deputado Galvão de Melo...

Risos.

Acaba de chamar escriba a outro Sr. Deputado. Faça o favor de se sentar.
Se quer interpelar a Mesa, ela não tem nada a responder-lhe porque o Sr. Deputado vai sentar-se.

O Sr. Acácio Barreiros (UDP): - Mas eu posso interpelar a Mesa, eu tenho o direito de o fazer, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Pois interpele a Mesa à vontade, porque a Mesa vai dizer-lhe a mesma coisa.

Risos.

Faça o favor de interpelar a Mesa, Sr. Deputado.

O Sr. Acácio Barreiros (UDP): - Pois, Sr. Presidente, devo-lhe dizer que o que está aqui escrito é acerca de um jornal que o Ministério Publico...

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado não está a interpelar a Mesa.

O Sr. Acácio Barreiros (UDP): - Estou, sim. Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Se me dá licença, Sr. Deputado, eu não aceito. Não me interessa para nada a referência a jornais. Interessa-me só que chamou escriba a um Sr. Deputado desta Assembleia.
Estou a mandá-lo sentar-se. Faça o favor de se sentar.
Se não se senta, eu interrompo a sessão.

O Sr. Acácio Barreiros (UDP): - Mas posso recorrer da decisão da Mesa?

O Sr. Presidente: - Pois claro que pode. Faça o favor de recorrer.

Risos.

No entanto, tenho a dizer que tenho sido muito liberal em deixar que os Srs. Deputados exponham nas declarações de voto certos princípios dialécticos, etc. Contudo, o Sr. Deputado acaba de fazer duas afirmações que reputo de extremamente graves, primeiro dirigindo-se ao Sr. Deputado Galvão de Melo e depois ao Sr. Deputado Cunha Simões. Foi com esse fundamento que eu resolvi convidar o Sr. Deputado a sentar-se.

O Sr. Acácio Barreiros (UDP): - Mas espero, Sr. Presidente que ao menos, para interpor recurso não me seja cortada a palavra.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Acácio Barreiros (UDP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados; O que está escrito neste texto refere-se a um jornal, O Templário, que foi proibido pelo Ministério Público e por várias vezes foram apreendidas as suas edições.

Protestos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, tenham paciência; o Sr. Deputado Acácio Barreiros está no uso de um direito que tem sido reconhecido várias vezes nesta Câmara. O Sr. Deputado está a justificar a razão de interposição do seu recurso.
Por isso, faça o favor de continuar, Sr. Deputado Acácio Barreiros,

O Sr. Acácio Barreiros (UDP): - Em segundo lugar, queria recordar que a norma seguida neste Parlamento quando se fazem afirmações ofensivas - ainda hoje à tarde tivemos uma troca de piropos entre o PS e o PSD - é que sempre for dada a palavra para que os Srs. Deputados defendessem a sua honra e pudessem rebater as declarações dos outros Deputados. E, caso curioso, a nenhum dos Deputados que fizeram declarações ofensivas a Mesa retirou a palavra.
O Sr. Deputado Galvão de Melo tem, evidentemente, o direito de protestar no final das declarações por mim feitas. O Sr. Deputado Cunha Simões tem o mesmíssimo direito. Portanto, Srs. Deputados, o que há bocado não se fez nem com o PSD nem com o PS está agora a ser feito com a UDP e não se pode deixar de dar a isso um significado político. Queria dizer-lhes claramente que o Regimento

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não proíbe ninguém de fazer acusações públicas a quaisquer outros Srs. Deputados. Os Deputados tem o direito regimental de protestar contra essas afirmações e defender a sua honra - está lá escrito. Portanto, como a questão não é regimental, mas sim política, os Srs. Deputados vão decidir. À luz do Regimento parece claro que qualquer Deputado pode fazer as afirmações que entender e é responsável por elas e que os outros Deputados podem também responder a essas acusações. Portanto, os Srs. Deputados vão decidir se a UDP pode ou não usar da palavra, agora, neste Parlamento. No entanto, quero antes dizer-lhes que os Srs. Deputados podem cortar-me a palavra - o que até nem é a primeira vez -, mas uma coisa é clara...

Uma voz do PS: - Isso é uma ameaça?

O Orador: -... uma coisa fica extremamente dará, Srs. Deputados: é que não vão mudar as ideias políticas da UDP.

O Sr. Salgado Zenha (PS): - Ninguém o deseja!

O Orador. - Queira também dizer-lhes claramente que, por mais ameaças, protestos e cortes de palavra que façam, a UDP mantém as mesmíssimas posições.
Nós confiamos que o povo português, com os seus sentimentos democráticos, saiba interpretar o que se está a passar nesta Assembleia. O CDS está no Governo e já se começa a cortar a palavra à UDP, talvez no seguimento das ameaças do Sr. Primeiro-Ministro.
Deixo aos Srs. Deputados a responsabilidade da decisão.

O Sr. Salgado Zenha (PS): - Nós assumimos essa responsabilidade.

O Sr. Presidente: - Pois muito bem, Srs. Deputados, o Sr. Deputado recorrente, chamemos-lhe assim, está a confundir tudo. Eu, na verdade, na sessão de ontem estaria disposto a cortar-lhe a palavra se ele reincidisse porque chamou chantagista ao Sr. Primeiro-Ministro, mas como efectivamente o Sr. Deputado depois disso modificou a sua intervenção eu deixei passar e não o fez. Se porventura a tem repetido, nesses termos ou em termos parecidos, eu teria procedido da mesma maneira.
Quanto à questão política, o Sr. Deputado ficará com a sua ideia que já exprimiu, mas quero dizer-lhe que não me perturba absolutamente nada a sua insinuação. Terei muitos defeitos, e com certeza tenho, mas o que efectivamente até o próprio Sr. Deputado tem reconhecido é que eu sou um presidente totalmente imparcial.

O Sr. Acácio Barreiros (UDP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Não lhe dou mais a palavra, Sr. Deputado!

Risos.

Eu quis apenas varrer a minha testada dessa insinuação política a que o Sr. Deputado se referiu. Foi por isso que eu falei.
Srs. Deputados, está interposto o recurso, que foi recebido pela Mesa e está nessas condições todas a que eu estou habituado do tempo de advogado.
Eu acabei de tomar uma decisão, que sabem muito bem qual é; trata-se, portanto, de saber - os Srs. Deputados desculparão, a repetição não é, de forma alguma, ofensiva do vosso entendimento - qual é a decisão da Assembleia relativamente a esta questão.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faz favor, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Deputado Acácio Barreiros estava no uso da palavra para produzir uma declaração de voto. Que me recorde, é a primeira vez que na Assembleia da República um Deputado que formula uma declaração de voto é interrompido nos termos que V. Ex.ª, Sr. Presidente, acaba de fazer e com a decisão de lhe cortar a palavra.
Peço-lhe, Sr. Presidente, que reconsidere a sua decisão - e exactamente nesta noite.
São conhecidos, Sr. Presidente e Srs. Deputados, os pontos de vista do PCP relativamente à linguagem que o Sr. Deputado Acácio Barreiros frequentemente utiliza; e seguramente que o meu partido e o meu grupo parlamentar não têm sido dos menos agredidos pela linguagem do Sr. Deputado Acácio Barreiros.
Entretanto, e com tudo o que se tem passado neste debate, parece à bancada do PCP que o motivo alegado pelo Sr. Presidente na verdade não justifica uma decisão tão radical como a de lhe cortar a palavra. No entender do Grupo Parlamentar do PCP, o Sr. Deputado Acácio Barreiros deve continuar no uso da palavra e nesse sentido votaremos.

O Sr. Presidente: - Antes de dar a palavra ao Sr. Deputado Amaro da Costa, quero dizer-lhes - e quanto a isto penso que estaremos todos de acordo - que esta é uma pequena infracção regimental. Tem sido permitido pelo consenso da Assembleia que o recorrente justifique a interposição do recurso, expondo as suas razões. Generalizar-se a discussão a propósito da interposição de um recurso, enfim, não serei eu que lhes cortarei a palavra, mas efectivamente não me parece correcto.
Tem a palavra o Sr. Deputado Amaro da Costa.

O Sr. Amaro da Costa (CDS): - Sr. Presidente, suponho que intervirei nos termos regimentais porque o meu propósito é interpelar a Mesa, o que não é, de facto, impedido nem se pode considerar generalização do debate.
O Sr. Presidente actuou ao abrigo do n.º 3 do artigo 102.º do Regimento no sentido de que, quando algum Deputado se desviar do assunto em discussão ou quando o discurso se torne injurioso ou ofensivo, o Presidente pode retirar-lhe a palavra se o orador persistir na sua atitude.

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O Sr. Presidente fez, de facto, uma advertência ao Sr. Deputado Acácio Barreiros e perante uma insistência retirou-lhe a palavra. O Sr. Deputado Cunha Simões, a propósito de quem foi feita uma referência considerada justamente pela Mesa como injuriosa, comungaria do ponto de vista que eu, em termos interrogativos, neste momento coloco à Mesa e que vai no sentido de que o Sr. Presidente reconsidere a sua posição. No caso de V. Ex.ª a manter, nós votaremos a favor da decisão do Presidente da Mesa, mas antes de o fazer gostaríamos que o Sr. Presidente pudesse reconsiderá-la. E é esta interpelação que muito sinceramente lhe faço.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Sérvulo Correia.

O Sr. Sérvulo Correia (PSD): - Sr. Presidente, eu, em nome do meu grupo parlamentar, venho também interpelar a Mesa, pedindo a V. Ex.ª que reconsidere a decisão que tomou. E faço-o também com a isenção que resulta da circunstância de ainda há poucos momentos o Sr. Deputado, aliás no exercício de um direito que lhe cabe, se ter referido em termos pouco primorosos, digamos assim, ao meu partido.
No entanto, embora reconheça que o Sr. Presidente tem razão ao considerar que as qualificações que há pouco o Sr. Deputado Acácio Barreiros utilizou em relação ao Sr. Deputado Galvão de Melo são injuriosas, observo que o Sr. Deputado Acácio Barreiros não as repetiu, e, portanto, agora o que está em causa concretamente é a utilização em relação a outro Sr. Deputado da palavra «escriba». Ora, embora esta palavra não me pareça neste contexto muito elegante nem muito feliz, não creio também que seja injuriosa e, portanto, bastante para justificar a dureza da decisão da Mesa.
Neste sentido nós pedíamos ao Sr. Presidente, aliás no seguimento da posição já tomada pelo Grupo Parlamentar do CDS, que reconsiderasse a sua decisão.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a palavra «escriba», sob o ponto de vista egípcio...

Risos.

... tem efectivamente uma conotação histórica. No entanto, não é disso que se trata. Eu considero-a altamente ofensiva da honra e da consideração seja de quem for - a começar pela minha -, pela intencionalidade e pelo conceito generalizante que existe entre nós da palavra «escriba».
Assim, eu mantenho a minha decisão.
Há mais algum grupo parlamentar que deseje usar da palavra relativamente a este ponto?

Pausa.

Vamos, portanto, passar à votação da decisão da Mesa a que se refere o recurso interposto pelo Sr. Deputado Acácio Barreiros.

Submetida à votação, foi aprovada, com 127 votos a favor (PS, CDS e Deputado independente Galvão de Melo), 6 abstenções (Deputados socialistas), 113 votos contra (PSD, PCP, UDP, um Deputado socialista e os Deputados independentes Brás Pinto, Lopes Cardoso, Vital Rodrigues, Carmelinda Pereira e Aires Rodrigues).

O Sr. Presidente: - Algum Sr. Deputado deseja fazer declarações de voto?

Pausa.

O Sr. Presidente: -Tem a palavra o Sr. Deputado Salgado Zenha.

O Sr. Salgado Zenha (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nós apoiamos a decisão da Mesa sobre este incidente porque é indiscutível que as afirmações feitas pelo Sr. Deputado Acácio Barreiros são ofensivas da honra e da consideração devida aos Srs. Deputados, a que ele se referiu. Mas mais do que isso elas também foram lesivas da consideração devida à dignidade das instituições democráticas de que o Parlamento faz parte.

Uma voz do PS: - Muito bem!

O Orador: - Bem vistas as coisas, poderá dizer-se que em qualquer circunstância fora deste hemiciclo as frases: proferidas pelo Sr. Deputado Acácio Barreiros não eram lícitas. Ora, o que não é lícito fora deste hemiciclo também não é dentro desta Assembleia. E, embora nós compreendamos perfeitamente o entusiasmo e o arroubo que se põe às vezes em certas afirmações, já uma declaração de voto pensada, que se trouxe escrita para este hemiciclo, longamente reflectida, não há qualquer atenuante para o comportamento do Sr. Deputado Acácio Barreiros.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Portanto, a conduta do Sr. Presidente é perfeitamente justificada.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Acácio Barreiros.

O Sr. Acácio Barreiros (UDP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Câmara julgou, pelos vistos, ofensivas algumas afirmações aqui feitas, nomeadamente em relação ao Sr. Deputado Galvão de Melo. Eu evidentemente que não as considero ofensivas e quero recordar aos Deputados do PS que num comício em Rio Maior depois do 25 de Novembro, e isso foi comentado até por elementos do Partido Socialista, o general Galvão de Melo - conforme a imprensa descreve -, com uma moca na mão, disse que o futuro dos comunistas era o de serem corridos até ao Algarve para o mar. E eis que isso não ofende, de forma nenhuma, a dignidade da democracia! ... Mas que alguém considere isso uma atitude de incitamento à violência e o classifique como uma atitude de um caceteiro, ah! isso já ofende grandemente a dignidade desta Câmara e sobretudo o acordo do PS com o CDS! ...
Devo-lhes dizer, Srs. Deputados, que me cortaram a palavra, mas o País que está a olhar para esta

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Assembleia está a assistir a tudo o que aqui se está a passar. Também não quero deixar de dirigir uma palavra aos Srs. Deputados d» PS que não se quiseram associar a esta decisão antidemocrática, uma palavra de apreço, que lhes é devida, porque, a meu ver, cumpriram a obrigação de qualquer democrata.
Quero também dizer a todos os outros Deputados - claro que a posição do CDS é lógica - e aos trabalhadores que me estão a escutar o seguinte: cortaram-me a palavra quando eu formulava a minha declaração de voto, mas talvez que, com este acto, esta Câmara tenha dado uma imagem bem mais clara aos trabalhadores dos perigos que a democracia portuguesa corre, e de que, de facto, a UDP nada dramatiza quando fala do Chile, em nada dramatiza quando fala do que é que a democracia vai passar a ser neste país com o CDS no Governo e qual é o resultado da aliança do PS com o CDS.
Talvez tenha dado, assim, uma imagem ainda mais eloquente do que a própria declaração de voto que eu ia aqui proferir. Nessa esperança e na certeza de que os trabalhadores socialistas não poderão aceitar que dirigentes do seu partido, que dirigiram palavras até mais fortes do que aquelas que constam da minha declaração de voto em comícios públicos, quando o CDS ainda não se encontrava no Governo ou quando ainda não tinham tanto medo da direita como agora, pois que nessa altura essas palavras não ofendiam a dignidade da democracia, agora comecem por calar a UDP.
No entanto, tenho a certeza de que não vão conseguir calar a voz de protesto dos trabalhadores deste país, sejam eles ou não da UDP.

O Sr. Salgado Zenha (PS): - Ninguém o deseja!

O Orador: - Porque aqui o que está em causa é a democracia; o que está em causa é o futuro dos nossos filhos, é o futuro da liberdade, da democracia e daquela pátria livre e socialista que todos queremos construir e que está escrita no coração dos trabalhadores com tanta força e com bandeiras seguras com tanta força que, digo-lhes, Srs. Deputados: podem dar as mãos ao CDS que os trabalhadores não deixarão cair essas bandeiras, saberão, antes, levantá-las e defender a democracia. Também o funcionamento democrático da Assembleia da República é uma exigência dos trabalhadores porque elegeram os Deputados que aqui os representam. E se puseram aqui nesta Assembleia o Deputado da UDP não é por favor nenhum que os senhores fizeram. Eu estou cá em representação de 100000 trabalhadores que votaram na UDP.
E, portanto, que me cortem a palavra, isso os trabalhadores saberão interpretá-lo e saberão lutar contra essa atitude antidemocrática.

Uma voz do PS: - Não tenhas dúvidas!

O Sr. Acácio Barreiros (UDP): - Pois, não, Sr. Deputado, não temos!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Amaro da Costa.

O Sr. Amaro da Costa (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É precisamente porque a democracia está em causa que o CDS votou como votou este recurso do Sr. Deputado da UDP. Porque a democracia é um projecto de convivência, é um projecto organizado, não é anarquia. O Regimento confere ao Presidente da Assembleia poderes e o Presidente da Assembleia exerceu-os. Pelo nosso lado, o Sr. Deputado Acácio Barreiros far-nos-á com certeza a justiça de reconhecer que fizemos um apelo no sentido de o Presidente da Assembleia reconsiderar a sua posição, se assim o entendesse. O Presidente não entendeu assim e não poderíamos fazer outra coisa que não fosse, pelo prestígio da democracia e pelo prestígio da Assembleia, rubricar a atitude que livremente ele tinha assumido.
Quero dizer ao Sr. Deputado, sem amargura nem azedume, que o Sr. Deputado também me visou nas suas palavras. O Sr. Deputado disse que eu era alguém que vinha aqui representar algo que não pensava. O Sr. Deputado, no fundo, insinuou que eu era pura e simplesmente um actor que vinha aqui representar aquilo que, no fundo, não sentia. Eu nem sequer protestei contra isso, de tal forma estou habituado a essas atitudes do Sr. Deputado. No entanto, considero isso muito mais grave do que outras referências que por tão directas e tão primárias se qualificam a si próprias. Mas as insinuações subtis que procura lançar, e essas, sim, sem qualquer mérito para a democracia nem qualquer valor para os trabalhadores portugueses, isso é que não abona nada em relação à defesa da democracia.
O Sr. Deputado tem um talento, todos lho reconhecemos: é que, sendo um, nesta Assembleia, faz o barulho de muitos.
Além do mais, sabe fazê-lo com muita arte - e nisso vai uma homenagem da minha parte, se me consente e não me considera a mim leproso por lhe fazer a si uma homenagem contaminando-o por isso. Essa homenagem é a de que o Sr. Deputado tem um especial talento, justamente quando tem a possibilidade de se dirigir ao País, nomeadamente através dos meios de comunicação social ligados em directo a esta Sala.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Cunha Leal.

O Sr. Cunha Leal (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Ministros: Não me parece que tenha sido altamente dignificante para a democracia e espectáculo a que hoje aqui se pôde assistir. Não me parece que se possam colher frutos sadios, no sentido do melhor convívio, quando hoje, já pela parte de alguém que até não tem assento nesta Assembleia, se viram censuras feitas a pessoas que, no exercício da sua função, teriam porventura exagerado da tolerância com que eram ouvidas. Tolerância de que ele em nenhuma hipótese poderia ser juiz.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - No entanto, votámos como votámos pela elementar razão de que, da primeira vez poderíamos encontrar, e encontrámos mesmo, intuitos

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ofensivos no tocante a certas expressões ditas, com a exuberância que lhe é costumeira, pelo Sr. Deputado da UDP, já da segunda vez não vimos nada que se pudesse lastimar, a menos que se queira, por exemplo, injuriar uma profissão que nos tempos do velho Egipto era um título de nobreza.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Pois bem, a decisão está tomada, esta Câmara pronunciou-se como entendeu dever pronunciar-se, chegou a uma conclusão e que ao menos possamos extrair de tudo isto, para prestígio da democracia, um ensinamento: é que, de uma vez para sempre, se acabe nesta Casa com trocadilhos, com expressões como «fascista», «reaccionário», cavernícolas e outras mais que eu para aí ouvi avonde...

Risos.

... e que efectivamente não prestigiam esta Casa e desprestigiam obviamente quem teve o mau sestro de delas se usar. São estes os votos do meu partido. Peço a todos que daqui colhamos um ensinamento para arrepiarmos caminho e entrarmos numa senda de um melhor convívio, mais humano e mais fraterno.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Estamos no período das declarações de voto. O Sr. Deputado Galvão de Melo pediu a palavra, que não vou deixar de lhe conceder, pois o Sr. Deputado pode invocar, com certa justeza, a meu ver, a circunstância regimental de lhe ser permitido lavar a sua honra e consideração.
Tem, portanto, V. Ex.ª a palavra.

O Sr. Galvão de Melo (Indep.): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Uma vez que esta Câmara, no seu todo, já se pronunciou sobre o incidente, nada se me oferece dizer sobre o assunto. Muito obrigado.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Votámos contra a decisão da Mesa por entendermos que o Sr. Deputado Acácio Barreiros devia prosseguir no uso da palavra para poder concluir a sua declaração de voto. Na verdade, entendemos que o rigor da Mesa, neste caso, hoje, pelo motivo que foi invocado, se não justificava. Temos ouvido aqui muito pior.
Reafirmamos a nossa posição relativamente à linguagem frequentemente usada pelo Sr. Deputado Acácio Barreiros e por outros Srs. Deputados. E até por Deputados da bancada atingida. Pensamos que o Sr. Presidente deverá estar bastante atento também a essas situações, que são frequentes.
Lamentamos, por último, Sr. Presidente, que não tenha sido sensível ao apelo que lhe dirigimos esta noite.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Acácio Barreiros.

O Sr. Acácio Barreiros (UDP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pedi a palavra para dar algumas explicações à Câmara.
Sr. Deputado Amaro da Costa, queria-lhe dizer que dispenso não só o seu tom paternalista mas também que pretenda dar lições de democracia à UDP.

O Sr. Amaro da Costa (CDS): - Não pretendo nada!

O Orador: - Porque como já aqui se viu e se calhar ainda se verá, se os trabalhadores não souberem responder a isso, a democracia do CDS nada tem a ver com a democracia da UDP.

Vozes do CDS: - Isso de certeza!

O Orador: - Queria também dizer, em relação ao Sr. Deputado Cunha Leal, que, com uma Constituição antifascista, a Câmara para a cumprir tem de seguir um caminho antifascista. E se riscarmos a palavra «fascismo», se deixa de poder ser utilizada, então de que é que se fala aqui?

Risos gerais.

O Orador: - Desapareceu o fascismo deste país?

O Sr. Cunha Leal (PSD): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor.

O Sr. Cunha Leal (PSD): - O Sr. Deputado Acácio Barreiros foi gentil em consentir que eu o interrompesse para esclarecer. Não lhe nego o direito, nem a si nem a ninguém, de falar em fascistas, reaccionários ou em que quiser. O que eu pedi é que de uns para com os outros, nós, Deputados aqui nesta Câmara, prescindíssemos de utilizar esses termos, por isso que todos aqui citamos de acordo com um estatuto que não permite que nem fascistas nem quejandos possam ter entrada nesta Casa.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Devo-lhe dizer, Sr. Deputado, que a UDP não deixará de chamar as coisas pelos seus nomes...

Risos.

..., e aqueles que tomarem atitudes fascistas serão assim classificados pela UDP, pelo menos enquanto esta Câmara não resolver reduzir mais ainda os direitos à UDP.
Pela nossa parte vamos ouvir com certeza as restantes declarações de voto. Vamos ouvi-las em seguida e pensamos que o silêncio que somos obrigados a respeitar e o facto de sermos proibidos de fazer a declaração de voto vão ser, por si só, bastante elucidativos dos conceitos de democracia nesta Casa.

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O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Alda Nogueira, para fazer a declaração de voto do seu partido.

A Sr.ª Alda Nogueira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Passo a ler a declaração de voto do meu partido a propósito das votações das moções de rejeição do Programa do Governo.
O Partido Comunista Português acaba de rejeitar o Programa do Governo de coligação PS/CDS, votando favoravelmente a moção que, em tempo oportuno, e nos termos da Constituição e do Regimento, apresentou a esta Assembleia.
Ao longo do debate, o PCP demonstrou detalhada e pormenorizadamente que tal Programa não se conforma com o projecto constítucional, agrava os perigos que pendem sobre as liberdades e a democracia portuguesa, não serve a resolução dos grandes problemas nacionais, designadamente a recuperação económica e financeira do Pai?, não garante a manutenção dos limites actuais das formações» económicas, antes ameaçando pesadamente as nacionalizações, quase ignorando a Reforma Agrária e o sector de propriedade social, condenando as pequenas e médias empresas à falência e à ruína.

Vozes do PCP: - Muito bom!

A Oradora: - É um Programa que visa manifestamente a restauração do poder do grande capital sobre a economia nacional e sobre o aparelho de Estado.
O Programa que o PCP acaba de rejeitar anuncia novos sacrifícios impostos ao povo trabalhador. É o Programa da contenção dos salários, da subida dos preços, do agravamento dos despedimentos e do desemprego.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Submetendo a estratégia do desenvolvimento e miragem da integração no Mercado Comum e a uma real subordinação ao poder económico do imperialismo, tal Programa conduz ao agravamento das condições de dependência, o que em matéria de política externa se traduz na adopção de linhas que contrariam o desanuviamento, a cooperação internacional e a independência nacional.
Apresentando a sua própria moção de rejeição, o PCP quis deixar inteiramente claras estas precisas razoe?. Elas são distintas e até opostas às invocadas por outros quadrantes que também se decidiram pela rejeição. Por isso mesmo nos abstivemos na votação da moção apresentada pelo Grupo Parlamentar do PSD.
Ao rejeitar o Programa do Governo de coligação PS/CDS, o Partido Comunista Português afirma que se oporá firmemente a tudo quanto vá contra os interesses dos trabalhadores, contra o regime democrático, a Constituição e o futuro independente de Portugal.

Aplausos do PCP.

O PCP, como sempre tem feito, acompanhará atenta e objectivamente todas as medidas e posições do Governo e definirá, no concreto, em cada caso, a atitude a tomar.
A vida e realidade portuguesas, a vontade do povo português, acabarão por pôr na ordem do dia a necessidade de uma alternativa democrática a este Governo e a esta política.
Nas condições económicas, sociais e políticas, criadas pela revolução portuguesa, uma alternativa democrática para a saída da crise é possível com os trabalhadores e não contra os trabalhadores, com o PCP e não contra o PCP.

Aplausos do PCP.

Existem forças e condições para enfrentar com sucesso os perigos e as dificuldades que se anunciam. Os trabalhadores, os democratas, as forças sociais e políticas que estão com o regime democrático, saberão defender os ideais e as conquistas de Abril e com unidade, confiança e determinação, manterão aberto o caminho do socialismo apontado pela Constituição da República.

Aplausos do PCP.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Na intervenção de encerramento do debate, o Sr. Primeiro-Ministro, como é seu pleno direito, emitiu juízos políticos sobre a discussão havida em torno do Programa do Governo na Assembleia da República e criticou posições, teses, apreciações dos partidos da Oposição.
Não cabe, nesta declaração de voto, responder às alegações políticas do Sr. Primeiro-Ministro. Há duas notas, porém, que importa produzir:

1.ª - Não foi exacta a síntese que o Sr. Primeiro-Ministro apresentou sobre o debate relativamente a intervenções sobre problemas sectoriais. Aproveito o ensejo para o informar que o meu grupo parlamentar produziu dez intervenções neste debate, oito das quais foram precisamente dedicadas a problemas sectoriais: situação económica e financeira, agricultura e pescas, habitação, segurança social e saúde, situação social e laboral, comunicação social, reforma administrativa, educação, ciência e cultura e política externa.
Na intervenção sobre a situação económica e financeira, abordámos, entre outros temas, os problemas da indústria, turismo, transportes e o «plano de estabilização para 1978».
2.ª observação - Não podemos deixar de lamentar e considerar de todo inadequadas às práticas democráticas as palavras de admoestação que o Sr. Primeiro-Ministro entendeu dirigir à Assembleia da República. Aqui fica o nosso reparo.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Figueiredo Dias, para uma declaração de voto.

O Sr. Figueiredo Dias (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Cumpre-me dar conta, em breves palavras e em última instância, das razões fundamentais porque o PSD votou favoravelmente a moção de rejeição do Programa do II Governo que ele próprio apresentou

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e se absteve relativamente à moção apresentada pelo PCP.
Votámos favoravelmente a nossa moção, em primeiro lugar, em nome da concepção que sempre tivemos, que temos hoje e nos propomos ter sempre das exigências de defesa da democracia.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Democracia é, antes de tudo. transparência e liberdade de escolha do futuro perante várias alternativas.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A democracia não se defende, por isso, com conclamações à falsa unidade ou ao apagamento - ainda que pretensamente temporário - de contraposições reais e insanáveis entre partidos com projectos alternativos de resolução aos problemas presentes e de conformação da sociedade futura.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A democracia defende-se, pelo contrário, deixando brotar as diferenças e alternativas e considerando-as todas à luz dos ideais do pluralismo, da convivência e da tolerância.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Nos tempos conturbados que temos vívido, depois que o povo português e o seu sonho inapagável de liberdade reapareceram, não foi ainda tempo para a transparência e para a alternativa democráticas. Aí estão as constantes e recíprocas acusações, aí está uma crise tão evidente quanto avassaladora e cuja paternidade todos, enjeitam, aí tem continuado a indefinição de um poder, que o seja -para arcar com os louros e as responsabilidades - e de uma oposição democrática que assuma como tal e seja estímulo, reivindicação e, sobretudo, alternativa ao Poder.

Aplausos do PSD.

É preciso que acabe, de uma vez por todas, a perniciosa tradição que obriga o poder a afirmar que, que para além dele, só existem as forças do mal, o dilúvio da opressão, o fim da liberdade ...

Vozes do PSD: - Muito bem!

Orador -... que o leva a arvorar-se em tutor da Oposição, em preceptor solícito da Assembleia da República, em fiscal de quem tem por missão e por dever fiscalizá-lo.

Aplausos do PSD.

Urge que não ceda à tentação de pensar a oposição democrática como sustentáculo de um poder com o qual não concorda. É necessário reconhecer-lhe legitimidade para substituir a todo o momento o poder constituído e libertá-lo da prisão permanente da ideia perniciosa do mal menor. A partir de agora tudo deve ser claro como o não pôde ser ainda após o 25 de Abril de 1974.

Uma voz do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Se o PS e o CDS puderem vencer a crise, a bem do povo português, que partilhem os louros da forma que entenderem. Se falharem, que isso signifique aquilo que para nós é claro e seguro: que tem de ser procurada outra alternativa democrática que como tal se assuma e que nós, os sociais-democratas, queremos, sabemos e podemos representar.

Aplausos do PSD.

Votámos a nossa moção, depois, porque o seu sentido imediato - a rejeição de um programa e de um governo - resulta necessariamente da confluência de dois dados. É um a realidade da crise - sobretudo económica, mas não só económica, também social e cultural - e o consequente perigo de ruptura da sociedade portuguesa. É outro a circunstância - para nós igualmente insofismável -de o acordo que sustenta este governo e o seu programa não constituir, até para os seus próprios protagonistas, o acordo melhor e necessário, mas só o que foi (falsamente) julgado possível e circunstancialmente imposto.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador:... Tínhamos a ideia - a discussão destes dias só serviu para que ela em nós se radicasse - de que tal acordo nem é o melhor possível nem muito menos o que o povo e a história teriam o direito de esperar dos partidos democráticos.

O Sr. Sérvulo Correia (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Rejeitar, pois, o programa e o governo que de um tal acordo derivam, surge-nos como uma exigência que se não compadece com dilações. Hoje teria ainda sido a hora de o substituirmos por outro melhor. Amanhã, não sabemos se isso ainda será possível e viável - sem prejuízo de, como partido democrático que somos e nos assumimos, nos comprometermos solenemente em fazer todos os sacrifícios para que as alternativas se mantenham em aberto e não fiquem para a história como responsáveis aqueles que agora decidiram, com espírito de aventura ou mesmo de autodestruição, escolher uma barca frágil para a travessia da procela.

Aplausos do PSD.

Votámos a nossa moção, em terceiro lugar, porque o programa surgiu à nossa análise como uma proposta sem coerência e sem o golpe de asa necessário à superação da crise.
A apreciação pelos representantes do povo de um programa de governo não é seguramente, nem pode ser, mera valoração académica da correcção e justeza formais de um texto. É, tem de ser, apreciação de um projecto real de actuação dentro de um determinado quadro político.
O Partido Social-Democrata recusa formalmente a asserção do Sr. Primeiro-Ministro segundo a qual não teria discutido o programa.

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O Partido Social-Democrata, bem ao contrário, demonstrou, no tempo, de que dispôs, naturalmente, as razões políticas e técnicas pelas quais não aceita orientações sectorial do programa em campos tão diferentes como os da política agrária, da educação, da segurança social e de tantos outros.
E de todo o modo o Partido Social-Democrata, ainda quando pudesse reconhecer o bom fundamento de certas medidas nele contidas, recusa-lhe de todo viabilidade real na situação concreta: por isso o disse, com razão, vago, definidor de meras intenções, pouco mais que instrumento regulador de uma certa partilha do Poder.

Aplausos do PSD.

Mas nem por isso nos queremos tornar à partida fautores da desgraça, ou mesmo seus profetas. A nossa oposição será democrática e selectiva.
Significa isso que as restantes forças democráticas e os portugueses em geral poderão contar com os sociais-democratas para tudo aquilo que representa esforço dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos; consolidação das instituições livres e do pluralismo; respeito pela legalidade; aprofundamento na participação de todos na condução da coisa pública e nos serviços e benefícios da comunidade, enfim, integração no movimento histórico de construção de uma Europa unida, democrática, socialista e respeitadora das culturas nacionais.

Aplausos do PSD.

Como oposição selectiva, não contrariaremos sistematicamente tudo aquilo que do Governo vier, ou dos partidos que o sustentam. Sistemática só seria a nossa oposição se os detentores do Poder se colocassem fora dos termos em que a Constituição baliza a sua aquisição ou exercício, ou se a invocação sistemática da «maioria» fizesse renascer o sonho mau da unanimidade.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Porque se nos não afigura que, de um modo geral, o programa que ora apreciamos contrarie a Constituição, não poderíamos ter votado favoravelmente :uma moção que o rejeita com fundamento na sua inconstitucionalidade. E porque confiamos que a maioria se autolimitará em todas as condições e não cederá nunca à máxima, ímpia e detestável, lhe chamou alguém, de que «em matéria de governo a maioria tem direito a fazer tudo», aqui continuarmos, com a serenidade de quem exerce um direito e cumpre um dever, no lugar da oposição democrática.

Aplausos do PSD.

O Sr. Salgado Zenha (PS): - Muito bem!

O Orador: - Como grande partido - dizemo-lo com convicção e sem precisar de nos pormos no bico dos pés - temos, mesmo sobre aquele que em número de votantes até agora se nos sobrepôs, a vantagem - inestimável para quem não enxergue apenas a curto prazo - de possuir um programa, inalterado mas actual, que representa para o futuro dos Portugueses um projecto de mudança consistente, realista. adequado à maneira de sentir da nossa gente e estruturado com base nos condicionalismos que defrontamos e nas» vias de progresso que podemos trilhar.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Por isso mesmo temos tomado perante os problemas nacionais - da economia e das finanças ao trabalho, da educação à segurança social, da defesa nacional à política externa - posições constantes e compatíveis entre si.
O nosso projecto do futuro e a coerência com que sabemos defendê-lo e aprofundá-lo são, neste momento indeciso e inquietante, um feixe de lux e uma bandeira de esperança. Em nós o povo português tem, nós acreditamos, o germe do seu futuro em paz, justiça e progresso. Para aqueles que não desesperam de Portugal, da democracia, da construção de um futuro melhor pela via de reformas livremente assumidas, igualizadoras e racionalizantes, somos uma razão para crer e um imperativo de confiar.
Eis, Sr. Presidente e Srs. Deputados, em síntese breve as razões dos nossos votos. Com eles damos vida à oposição democrática ao II Governo e, desta forma, à própria democracia. E sentimo-nos assim participantes insubstituíveis da tarefa exaltante de preparar, através das dificuldades dos anos presentes, o advento de uma era de paz, de fraternidade, de igualdade e de bem-estar para todos os Portugueses.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Oliveira Dias.

O Sr. Oliveira Dias (CDS): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro e Srs. Ministros: O PSD apresentou a esta Assembleia uma moção de rejeição sobre o Programa do II Governo Constitucional. Fundamentou-a apenas na conveniência de que um texto desta importância e uma discussão de tamanho relevo não toassem sem que sobre eles incida uma votação.

Alguns Srs. Deputados começam a abandonar a sala.

O Sr. Presidente: - Chamo a atenção dos Srs. Deputados que estão a sair. Tenho ainda a comunicar-lhes a marcação da próxima sessão, que não é na terça-feira. Posso já adiantar dizendo ...

Vozes: - Não, não! ...

O Sr. Presidente: - Então faça favor de continuar, Sr. Deputado.

O Orador: - Estava o PSD no seu direito e a sua moção foi votada. O CDS votou contra a proposta do PSD pelo motivo tão simples e tão fluido que é o de que nós apoiamos o Governo. Tão simples como é dizer se sim ou não. Tão profundo como é assumir a responsabilidade de, hoje e aqui, dizer que sim ou que não, como é acreditar-se que, deste nosso apoio

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ao Programa, cuja refeição era proposta, resulta a solução da crise política em que, sem Governo, a Nação se afundava cada vez mais.

O Sr. Amaro da Costa (CDS): - Muito bem!

O Orador: - Também o PCP apresentou uma moção de rejeição do Programa e também contra ela votámos. O texto sobre o qual esta votação incidiu era diverso do PSD.
Segundo o PCP, o Programa do Governo «não se conforma com o projecto constitucional, nem serve a resolução dos grandes problemas nacionais e designadamente a recuperação económica e financeira do País».
Não foi demonstrado, por quem quer que fosse, que o Programa do Governo concorda com a Constituição. De facto ele situa-se perfeitamente adentro da sua mais rigorosa interpretação jurídica. Pelo contrário, o CDS entende que, cumprido o Programa e desenvolvendo a política decorrente, o Governo reforçará o regime e as instituições constitucionais democráticas que a persistência da crise, essa sim, ameaçaria gravemente, como se sabe.

O Sr. Amaro da Costa (CDS): - Muito bem!

O Orador: - Fala o PCP da «resolução dos grandes problemas nacionais». É verdade que, neste momento, estão em causa grandes e graves problemas nacionais. Mas é verdade também que boa parte deles é resultante da prática política e social recente daqueles mesmos que, neste momento e na oposição, persistem na lógica singular de se arvorar em acusadores e de se apresentar como depositários da sua resolução. Nós sabemos e o País sabe perfeitamente que isso não é verdade.
A atitude que o CDS assumiu decorre directo e linearmente do seu comportamento e das atitudes que assumiu ao artigo do processo político português recente e sobretudo a partir da queda do I Governo Constitucional. Decorre directa e linearmente também da hierarquia de valores que a sua declaração de princípios define.
Para o CDS importa antes de mais a defesa do País e do povo, no regime democrático que é condição de vida do próprio partido, como de todos os outros, que não tenham vocação totalitária. Importa muito mais do que qualquer risco ou do que o peso de qualquer responsabilidade que conscientemente se enfrentem.
Não tememos nós os riscos e as responsabilidades de sermos oposição desde que - a partir de 12 de Março de 1975 - os governos provisórios e o I Governo Constitucional nos, levaram a situarmo-nos dessa maneira em relação a eles; não tememos hoje apoiar o Governo que foi constituído na sequência do acordo que foi possível firmar entre o PS e o CDS. Governo maioritário, estável e coerente como demonstrará, por muito que haja quem diga ou pense o contrário.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - O CDS assume tranquilamente a responsabilidade de apoiar o II Governo Constitucional, que vai partir de uma situação tão difícil. Intranqui-
los ficaríamos se não nos tivéssemos disposto a tudo quanto estava e está ao nosso alcance - e que nos não fizesse renunciar àquilo que éramos e somos- para ajudar a resolver os grandes problemas nacionais que estão à vista de todos.
Não há eventuais dificuldades futuras que possam desorientar-nos ou mesmo obcecar-nos ao ponto de deixarmos de tomar no presente as decisões que se impõem.
Estamos convencidos de que é possível solucionar a gravíssima crise económica, financeira e monetária em que o País se encontra. Estamos convencidos de que o Programa do Governo contém as disposições e indica métodos e instrumentos adequados à estabilização e à superação destas dificuldades.
Por outro lado, o apoio maioritário de que o Governo dispõe nesta Assembleia, associado à firmeza e estabilidade dos outros poderes do Estado democrático, é garante de que se reúnem as condições necessárias para a resolução da crise política, aberta ou latente, em que temos vivido e cuja solução está encontrada.
Srs. Presidente e Srs. Deputados: Derrotadas as moções de censura, estão pois cumpridas todas as disposições constitucionais para que o Governo comece a governar.
Sr. Primeiro-Ministro e Srs. Membros do Governo: Temos a convicção de que, tal como os grupos parlamentares que vos apoiam, a grande maioria do povo português deposita na vossa acção as suas melhores esperanças.

Uma voz do PCP: - Oh, oh!...

O Orador: - Desejar-vos todas as felicidades é o mesmo que desejar para todos nós, para todos os Portugueses o estímulo de verificar que se caminha com coragem e competência para dias melhores, que se vão abrir horizontes novos para Portugal.

O Sr. Amaro da Costa (CDS): - Muito bem!

O Orador: - Não se estranhará que daqui enderece uma palavra especial de amizade e de estímulo àqueles de nós que assumiram também responsabilidades governativas. Ao Governo, em conjunto, por igual, desejo garantir todo o apoio, todo o empenho do CDS e do seu grupo parlamentar, no sentido de que lhe sejam asseguradas as melhores possibilidades de uma acção profícua.
Que esta data tenha, como esperamos, um significado peculiar nos caminhos do Portugal novo, livre, cada vez maus português e cada dia mais europeu; no abrir de esperanças cada vez maiores e que estamos certos se tornarão certezas de uma vida melhor para todos os portugueses, em Portugal e no mundo.
Este o significado da nossa atitude. Este o sentido dos nossos votos.

Aplausos do PS e CDS.

O Sr. Salgado Zenha (PS): - O Partido Socialista apoia o II Governo Constitucional, e é tanta a sua razão que serão necessárias poucas palavras para o explicar.

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O Programa do Governo é um programa patriótico, salutar, democrático e rigorosamente conforme com o projecto constitucional. Isso, aliás, foi reconhecido pelos dois partidos da oposição mais numerosos, o PCP e o PSD, que declararam que só deduziriam oposição selectiva - seguindo os termos do PSD - ou oposição naquelas medidas que fossem contrárias ao seu ideário próprio, -segundo o PCP. Reconhece-se, assim, automaticamente que na sua grande generalidade o Programa do Governo não conseguiu encontrar dos dois partidos, apesar do brilho e de autenticidade dos talentos que os exortam, qualquer argumento válido, que, aliás, não foi captado por ninguém que aqui esteja neste hemiciclo.

Vozes do PSD: - Não apoiado!

O Orador: - Muito obrigado, Srs. Deputados, mas eu ficaria comprometido se fosse apoiado.

Risos.

Por outro lado, conforme é evidente, o Programa do Governo é constituído, na sua parte mais importante e mais fundamental, por um conjunto de medidas legislativas que serão presentes a esta Assembleia. Então, sem televisão, sem rádio e sem a excitação própria que a cena confere a estes debates que são projectados de madrugada para todo o País, estou certo de que muitos Deputados da oposição reconhecerão que, quando votaram contra o Programa do Governo, o fizeram não contra o Programa em si mas contra a composição qualitativa do Governo.

O Sr. Marques Mendes (PSD): - Olhe que não!

O Orador: - Porque, na realidade, a contestação fundamental dos principiais partidos que se opuseram a este Governo foi não o seu Programa mas, sim, o facto de o CDS participar nele e nele não participar o PSD ou o PCP.
Ora, isto parte do conceito de que, para, «sés partidos, em democracia existe o pecado original. Isto é, haveria certos partidos que estão, contaminados por um pecado indelével que não se sabe qual seja e há outros que nascem imaculados e a quem são devidas todas ais reverências.
Ora, em democracia não há pecados originais, há apenas pecados de resultado.

O Sr. Amândio de Azevedo (PSD): - Mas há também pecados mortais!

O Orador: - Sim, e também pecados mortais, mas esses é o povo que os julgará, com a ajuda de Deus.

Uma voz do PSD: - Que católico!

Risos.

O Orador: - Eu falo conforme entendo, e creio que não falto ao respeito devido a esta Câmara.
De modo que, os pecados de resultado serão julgados pelo povo português em 1980, e eu, sem querer ser profeta, faço um prognóstico: o povo português, em 1980 reconhecerá que não houve nenhum pecado original, nem houve nenhum pecado de resultado.
Abençoará este Governo e, se calhar, até é capaz de o reeleger. De modo que, até 1980, caros oposicionista de ambas as bancadas: que Deus vos acompanhe a todos.

Aplausos do PS, CDS e do Deputado Independente Galvão de Melo e risos do PSD e do PCP.

O Sr. Presidente: - Em primeiro lugar, quero comunicar aos Srs. Deputados que só vamos ter sessão na próxima quinta-feira. Assim foi deliberado pelos grupos parlamentares, dado o cansaço e a fadiga desta jornada em que estivemos empenhados.
Srs. Deputados, antes de partirem, queria dizer-vos o seguinte: cada um reage como quer, cada um tem a sua sensibilidade. Respeito inteiramente a sensibilidade dos outros, mas há uma coisa que vos quero prometer firmemente: chamarei a atenção do orador que porventura usar da palavra nesta Assembleia, advertindo-o, como diz o artigo 110.º do Regimento; se porventura esse Deputado persistir - e só nesse caso -, é que eu lhe retirarei a palavra. E por maiores concepções egípcias que possa haver, ficaria muitíssimo aborrecido com a minha consciência e com a minha sensibilidade se alguém me chamasse escriba.

Risos.

Também não gostaria nada que me chamassem caceteiro...

Risos.

... e outras palavras que sei que se têm dito aqui, apesar de não ter estado sempre na presidência. Peço aos Srs. Deputados que seja qual for a vossa sensibilidade, tenham paciência, mas eu tenho que reagir com a minha. Quando eu entender que certas expressões ferem a minha sensibilidade, lenho de reagir de maneira como entendo que devo reagir.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Peço-vos desculpa - admito perfeitamente que tenha praticado um erro -, e até foi controversa, por exemplo, a decisão que tomei de permitir ao Sr. Deputado Acácio Barreiros usar da palavra depois do Sr. Primeiro-Ministro, mas vejam até que ponto chegam a minha delicadeza e as minhas preocupações. Como o Sr. Deputado Acácio Barreiros anunciou que, efectivamente, estava ofendido na sua honra e consideração, e como é um caso puramente subjectivo dele, dei-lhe a palavra, embora não o pudesse fazer.
Srs. Deputados, peço-vos muita desculpa. Bom dia e até quinta-feira, às 15 horas.
Está encerrada a sessão.

Eram 5 horas e 40 minutos.

Declaração de voto enviada para a Mesa:

Srs. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo: Como todo o povo trabalhador português, a nossa posição é votar contra o Governo PS-CDS e o seu Programa. Quando nesta Assembleia se encontram em maioria os Deputados do PS e do PC eleitos

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sob um mandato preciso, defender e alargar as conquistas da Revolução de Abril, os interesses do povo trabalhador e as liberdades democráticas, a entrada de um partido no Governo como o CDS, partido que tanto os dirigentes do PS como do PCP sempre caracterizaram como «os legítimos herdeiros do antigo regime», é um acto contrário à vontade expressa pela esmagadora maioria do povo trabalhador português. Nós constatamos que este Governo não se submeteu ao voto desta Assembleia, como é normal em democracia. Não podemos, portanto, exprimir o nosso voto sobre este Governo. Voto que não podia deixar de ser contra.
Foi proposto aos Deputados eleitos pelo povo trabalhador nesta Assembleia que fossem votadas moção de rejeição do PPD e do PCP.
Nós consideramos normal que o PPD - partido representante dos interesses do capital e da reacção, cujos objectivos são liquidar as conquistas do povo trabalhador português arrancadas depois do 25 de Abril - ao mesmo tempo que afirma que não fará «oposição sistemática a este Governo», declare que o acha demasiado frágil e procure preparar as condições para um «governo de salvação nacional» com uma intervenção mais pesada do Presidente da República, mesmo se para isso for necessário dissolver esta Assembleia.
O sentado da moção de rejeição do PPD é claro: ela não procura evitar que este Governo passe, ao mesmo tempo que confessa as suas verdadeiras intenções, contrárias aos interesses do povo trabalhador português.
Os dirigentes do PCP propõem também que os Deputados votem a sua moção de rejeição, ao mesmo tempo que se pronunciam contra a alternativa decorrente da maioria PS-PC existente nesta Assembleia, da vontade dos trabalhadores e dos seus próprios militantes.
Os dirigentes do PCP pronunciaram-se contra a fórmula desgoverno PS-independentes.
Os dirigentes do PCP pronunciam-se contra o governo PS-PCP.
Os dirigentes do PCP afirmam no editorial do Avante: «O PCP reafirma que não seguirá uma política de tipo contestária. Só porque ainda não mostrou a sua prática, o Governo PS-CDS dispõe ainda do benefício da dúvida.»
Assim, podemos concluir que a moção de rejeição do PCP não é uma verdadeira moção de rejeição a este Governo, Governo constituído a partir de uma «plataforma com todas as forças sociais e políticas, sem discriminação», sob a égide do general Ramalho Eanes, como o PCP tinha proposto.
Votar a moção do PCP é votar o impasse político, seria votar uma solução governamental com os partidos da burguesia, quando o próprio PCP o diz: «Evidenciada a incapacidade deste Governo para a resolução dos problemas nacionais que puser na ordem do dia a sua substituição.» Votar a moção do PCP é votar a proposta de dissolução desta Assembleia da República, que dirigentes do PCP propõem, Assembleia da República onde o PS e o PC estão em maioria, e abrir assim a porta a uma maioria PPD-CDS.
Como é natural, nós, votamos, pois, contra a moção do PCP.
Nós votamos com o povo trabalhador português pelo governo PS-PCP, pela resolução dos problemas deste país, pela defesa e alargamento das conquistas ido 25 de Abril, Dela defesa das liberdades, pelo socialismo.

Lisboa, 12 da Fevereiro de 1978.- Os Deputados independentes: Aires Rodrigues - Carmelinda Pereira.

Rectificação ao «Diários»:

Exmo. Sr. Presidente da Assembleia da República:

Venho solicitar a V. Ex.ª a seguinte rectificação no Diário da Assembleia da República, 1.ª série, n.º 30: a fl. 1052, col. 2.ª, alínea 15, onde se lê «abriram caminho ao enquadramento cooperativo»; deverá ler-se: «abriram caminho ao enquadramento corporativo».
Muito grato, subscrevo-me com a maior consideração.

11 de Fevereiro de 1978.

Bento Elísio de Azevedo (Deputado PS).

Deputados que entraram durante a sessão:

Partido Socialista (PS)

Agostinho Martins do Vale.
Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alfredo Fernando de Carvalho.
António Alberto Monteiro de Aguiar.
António Fernandes da Fonseca.
António Jorge Moreira Portugal.
António José Sanches Esteves.
António Magalhães da Silva.
António Manuel de Oliveira Guterres.
António Miguel de Morais Barreto.
António Riço Calado.
Armando dos Santos Lopes.
Aval no Ferreira Loureiro Zenha.
Bento Elísio de Azevedo.
Carlos Alberto Andrade Neves.
Carlos Manuel da Costa Moreira.
Carlos Manuel Natividade da Costa Candal.
Delmiro Manuel de Sousa Carreira.
Dieter Dellinger.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Etelvina Lopes de Almeida.
Eurico Manuel das Neves Henriques Mendes.
Fernando Abel Simões.
Fernando João Nogueira de Carvalho.
Fernando Luís de Almeida Torres Marinho.
Fernando Reis Luís.
Fernando Tavares Loureiro.
Florival da Silva Nobre.

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Francisco de Almeida Salgado Zenha.
Francisco António Marcos Barracosa.
Francisco de Assis de Mendonça Lino Neto.
Francisco Manuel Marcelo Monteiro Curto.
Francisco do Patrocínio Martins.
Jaime José Matos da Gama.
Jerónimo da Silva Pereira.
João Francisco Ludovico da Costa.
João Soares Louro.
Joaquim Oliveira Rodrigues.
Jorge Augusto Barroso Coutinho.
José Cândido Rodrigues Pimenta.
José Ferreira Dionísio.
José Luís do Amaral Nunes.
José Manuel Mediaras Perneira.
Ludovina das Dores Rosado.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís José Godinho Cid.
Luis Patrício Rosado Gonçalves.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel do Carmo Mendes.
Manuel Joaquim Paiva Pereira Pires.
Manuel da Mata de Cáceres.
Manuel Pereira Dias.
Maria Alzira Costa de Castro Cardoso Lemos.
Maria Emília de Melo Moreira da Silva.
Maria Jesus Simões Barroso Soares.
Maria Teresa Madeira Vidigal.
Maria Teresa Vieira Bastas Ramos Ambrósio.
Nuno Maria Monteiro Godinho da Matos.
Rui Paulo do Vale Valadares.
Sérgio Augusto Numes Simões.
Telmo Ferreira Neto.
Vasco da Gama Lopes Fernandes.

Partido Social-Democrata (PSD)

Afonso de Sousa Freire de Moura Guedes.
Álvaro Barroso Marques de Figueiredo.
Amantino Marques Pereira de Lemos.
António Augusto Lacerda de Queiroz.
António Coutinho Monteiro de Freitas.
António Joaquim Bastos Marques Mendes.
António Jorge Duarte Rebelo de Sousa.
António Luciano Pacheco de Sousa Franco.
António Manuel Barata Portugal
Arcanjo Nunes Luís.
Carlos Alberto Coelho de Sousa.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Fernando José da Costa.
Francisco Braga Barroso.
Gabriel Ribeira da Frada.
Henrique Manuel de Pontes Leça.
João Gabriel Soeiro de Carvalho.
João Lucílio Cacela Leitão.
Joaquim Jorge de Magalhães Saraiva da Mota.
Jorge Ferreira de Castro.
Jorge die Figueiredo Dias.
José Alberto Ribeiro.
José Adriano Gago Vitorino.
José Ângelo Ferreira Correia.
José António Nunes Furtado Fernandes.
José Augusto Almeida de Oliveira Baptista.
José Bento Gonçalves.
José Ferreira Júnior.
José Gonçalves Sapinho.
José Joaquim Lima Monteiro Andrade.
José Manuel Ribeiro Sérvulo Correia.
José Rui Sousa Fernandes.
Luís Fernando Cardoso Nandim ide Carvalho,
Manuel da Costa Andrade.
Manuel Henrique Pires Fontoura.
Manuel Joaquim Moreira Moutinho.
Maria Élia Brito Câmara.
Marta Helena do Rego da Costa Salema Roseta.
Mário Fernando de Campos Pinto.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Nuno Aires Rodrigues dos Santos.
Pedro Manuel da Cruz Roseta.
Ruben José de Almeida Martins Raposo.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete.
Victor Hugo Mendes dos Santos.

Centro Democrático Social (CDS)

Adelino Manuel Lopes Amaro da Costa.
Alexandre Correia Carvalho Reigoto.
António Jacinto Martins Canaverde.
António João Pistacchini Gomes Moita.
António Simões Costa.
Caetano Maria Dias da Cunha Reis.
Diogo Pinto de Freitas do Amaral.
Domingos da Silva Ferreira.
Emílio Leitão Paulo.
Eugénio Maria Nunes Anacoreta Correia.
Francisco António Lucas Pires.
Francisco Manuel Farromba Vilela.
Francisco Manuel Lopes Vieira de Oliveira Dias.
Henrique José Cardoso Menezes Pereira de Morais.
João Games de Abreu de Lima.
José Duarte de Almeida Ribeiro e Castro.
José Luís Rebocho de Albuquerque Christo.
José Manuel Macedo Pereira.
Luís Aníbal de Sá de Azevedo Coutinho.
Manuel António de Almeida de Azevedo e Vasconcelos.
Maria José Paulo Sampaio.
Narana Sinai Coissoró.
Rui Fausto Fernandes Marrana.
Rui Garcia de Oliveira.

Partido Comunista Português (PCP)

Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas
Carlos Alfredo de Brito.
Carlos Hahnemann Saavedra de Aboim Inglês.
Domingos Abrantes Ferreira.
José Manuel Paiva Jara.
Lino Carvalho de Lima.

União Democrática Popular (UDP)

Acácio Manuel de Frias Barreiros.

Independentes

António Jorge Oliveira Aires Rodrigues.
António Poppe Lopes Cardoso.

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Carlos Galvão de Medo.
Carmelinda Maria dos Santos

Deputados que faltaram à sessão:

Partido Socialista (PS)

Fernando Jaime Pereira de Almeida.
Francisco Cardoso Pereira de Oliveira.

Partido Social-Democrata (PSD)

António José dos Santos Moreira da Silva.
Eduardo José Vieira.

Partido Comunista Português (PCP)

Francisco Miguel Duarte.

O CHEFE DA DIVISÃO DE REDACÇÃO, José Pinto.

PREÇO DESTE NÚMERO 59$00

IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA

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