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I Série - Número 40

Sexta-feira, 17 de Fevereiro de 1978

DIÁRIO da Assembleia da Republica

I LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1977-1978)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 16 DE FEVEREIRO DE 1978

Presidente: Exmo. Sr. Vasco da Gama Fernandes

Secretários: Exmos. Srs. Alfredo Pinto da Silva
Amália Cavaleiro Monteiro de Andrade de Azevedo
Maria José Paulo Sampaio
José Manuel Maia Nunes de Almeida

SUMARIO. - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 30 minutos.

Antes da ordem do dia. - Aprovados os n.ºs 28 e 29 do Diário e lido o expediente, foi dada informação sobre a apresentação de vários requerimentos e de duas petições e sobre o recebimento da resposta a um requerimento.
O Sr. Deputado Francisco Miguel (PCP) apresentou, justificando-o previamente, um voto de homenagem aos mortos do Tarrafal, a propósito da transladação para Portugal das ossadas de trinta e dois antifascistas mortos no antigo campo de concentração do regime fascista de Salazar.
Sobre este voto de homenagem pronunciaram-se ainda, além do Sr. Presidente, os Srs. Deputados José Luís Nunes (PS), Cunha Leal (PSD) e Oliveira Dias (CDS). 0 voto foi aprovado, guardando a Câmara, de pé, alguns momentos de silêncio em homenagem aos mortos do Tarrafal.
Em seguida, o Sr. Deputado Nuno Godinho de Maios (PS) fez a apresentação de um voto de protesto, que justificou, contra as ofensas de que foram alvo o Sr. Deputado Raul Rego e a Assembleia da República, durante a manifestação do dia 12, no cemitério dos Prazeres, em homenagem à memória do general Humberto Delgado.
Sobre a razão de ser deste voto pronunciaram-se também, além do Sr. Presidente, os Srs. Deputados Lino Lima (PCP) e Cunha Leal (PSD). Aprovado por unanimidade, emitiu declaração de voto o Sr. Deputado Oliveira Dias (CDS).
Seguiu-se a apresentação, pelo Sr. Deputado Pedro Coelho (PS), de um outro voto de protesto, relativo este à detenção do antifascista e militante do PS Maximino Serra, ordenada em consequência da sua participação, durante a ditadura fascista, no assalto ao quartel dê Beja. A requerimento do Sr. Deputado Vilhena de Carvalho (PSD), a discussão e votação deste voto foram adiadas para a sessão seguinte.
Em declaração política, o Sr. Deputado Monteiro Andrade (PSD) advogou para a resolução dos problemas da agricultura a necessidade de elaboração de um projecto profundo, claro e duradouro, manifestando a opinião de que o II Governo Constitucional, quer através do seu Programa, quer pelo seu comportamento durante o debate desse Programa, quer pela sua composição, não se encontra à altura de apresentar e levar por diante tal projecto. No fim recebeu explicações por parte do Sr. Deputado Amaro da Costa (CDS) a propósito de afirmações por si atribuídas ao deputado centrista Carvalho Cardoso.
Lido pelo Sr. Deputado Herculano Pires (PS) um relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos acerca da substituição de alguns Deputados do Partido Socialista, foi prestada informação sobre a apresentação de duas propostas de lei da Assembleia Regional da Madeira, uma quanto à regionalização da banca e fundo cambial e outra quanto aos investimentos estrangeiros na Região Autónoma da Madeira.
O Sr. Deputado Manuel Gusnido (PCP) condenou o facto de praças da GNR, em atitude de intimidação policial, claramente violadora dos princípios constitucionais, se terem apresentado em duas escolas da província - uma na Gafanha da Nazaré e outra em Tarouca - inquirindo se aí se estudava por um livro sobre estudos sociais da autoria de Fins do Lago e Maria José Dinis, como se ainda estivéssemos no tempo da política do livro único, protestando contra este desrespeito do Governo à liberdade de ensino consagrada na Constituição.
O Sr. Deputado Fernando Reis Luís (PS), a propósito da anunciada transferência de um jogador de futebol de um clube espanhol para um clube português, condenou a transferência em perspectiva pela consequente saída de divisas do País no período de austeridade que se está a viver e reclamou do Governo medidas no sentido de que a mesma se não consumasse.
O Sr. Deputado Soeiro de Carvalho (PSD), a propósito da extinção das brigadas técnicas agrárias e da criação, pelo despacho ministerial de 2 de Janeiro último, de sete regiões e vinte e uma sub-regiôes agrárias, reclamou para a vasta região do Douro-Sul de que Lamego é o pólo, o direito de ser também uma sub-região agrária.

Ordem do dia. - Na primeira parte a Sr., Deputada Alda Nogueira (PCP) fez a apresentação do projecto de lei n.º 98/I, do PCP, sobre a amnistia das ocupações de casas efectuadas após 14 de Abril de 1975 e respectiva legalização.
Na segunda parte discutiu-se o projecto de lei n.º 90/I - Regime processual dos crimes de imprensa. Intervieram no debate na generalidade os Srs. Deputados Soares Louro (PS), Jorge Lemos (PCP) e Meneres Pimentel (PSD), tendo o Deputado social-democrata respondido depois a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Herculano Pires (PS) e Narana Coissoró (CDS). Aprovado na generalidade o projecto de lei, formularam

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declaração de voto os Srs. Deputados Cunha Reis (CDS) e Meneres Pimentel (PSD). Aprovado também na especialidade, emitiram declaração de voto os Srs. Deputados Lino Lima (PCP) e Meneres Pimentel (PSD).
Entretanto fora lido pelo Sr. Deputado Guerreiro Norte (PSD) um relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos relativo à substituição de dois Deputados, um do PS e outro do PSD.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 19 horas e 35 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Eram 15 horas e 15 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS)

Adelino Teixeira de Carvalho. Agostinho Martins do Vale. Alfredo Fernando de Carvalho. Alfredo Pinto da Silva. Álvaro Monteiro. Amadeu da Silva Cruz. António Barros dos Santos. António Cândido Macedo. António Chaves Medeiros. António Fernandes da Fonseca. António José Pinheiro Silva. António Miguel Morais Barreto. António Riço Calado. Aquilino Ribeiro Machado. Benjamim Nunes Leitão de Carvalho. Carlos Alberto Andrade Neves. Carlos Cardoso Lage. Carlos Manuel da Costa Moreira. Eduardo Ribeiro Pereira. Fernando Abel Simões. Fernando Gomes Vasco. Fernando João Nogueira de Carvalho. Fernando Reis Luís. Fernando Tavares Loureiro. Florêncio Joaquim Quintas Matias. Florival da Silva Nobre. Francisco de Assis de Mendonça Lino Neto. Francisco Cardoso Pereira de Oliveira. Francisco Igrejas Caeiro. Francisco Manuel Marcelo Monteiro Curto. Henrique Manuel Velez Marques dos Santos. Herculano Rodrigues Pires. João Francisco Lodovico da Costa. João da Silva. João Soares Louro. Joaquim José Catanho de Menezes. José Cândido Rodrígues Pimenta. José Ferreira Dionísio. José Maximiano de Albuquerque de Almeida Leitão. Luís Patrício Rosado Gonçalves. Manuel Augusto de Jesus Lima. Manuel Alegre de Meio Duarte. Manuel Joaquim Paiva. Pereira Pires. Manuel Lencastre Menezes de Sousa Figueiredo. Manuel Pereira Dias. Manuel Tito de Morais. Maria Alzira Costa de Castro Cardoso Lemos. Maria Emília de Meio Moreira da Silva. Maria Margarida Ramos de Carvalho. Maria Teresa Madeira Vidigal. Nuno Maria Monteiro Godinho de Matos. Pedro dos Santos Coelho. Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo. Rodolfo Alexandrino Suzano Crespo. Telmo Ferreira Neto. Teófilo Carvalho dos Santos. Vasco da Gama Lopes Fernandes.

Partido Social-Democrata (PSD)

Afonso de Sousa Freire de Moura Guedes. Amândio Anes de Azevedo. Amélia Cavaleiro Monteiro de Andrade de Azevedo. António das Neves Costa. António Augusto Lacerda de Queiroz. António Júlio Simões de Aguiar. Arcanjo Nunes Luís. Artur Videira Pinto da Cunha Leal. Cristóvão Guerreiro Norte. Francisco Barbosa da Costa. Gabriel Ribeiro da Frada. João Gabriel Soeiro de Carvalho. João Lucílio Cacela Leitão. João Manuel Ferreira. João Vasco da Luz Botelho Paiva. José Alberto Ribeiro. José Adriano Gago Vitorino. José Ferreira Júnior. José Gonçalves Sapinho. José Joaquim Lima Monteiro Andrade. José Júlio Carvalho Ribeiro. Júlio Maria Alves da Silva. Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho. Manuel Henrique Pires Fontoura. Manuel Sérgio Vila Lobos Menezes. Manuel Valentim Pereira Vilar. Maria Élia Brito Câmara. Nuno Aires Rodrigues dos Santos. Ruben José de Almeida Martins Raposo. Victor Hugo Mendes dos Santos.

Centro Democrático Social (CDS)

Abel Fernando Coelho Santiago. Adriano Vasco da Fonseca Rodrigues. Alexandre Correia Carvalho Reigoto. Álvaro Dias de Sousa Ribeiro. Angelo Alberto Ribas da Silva Vieira. António João Pistacchini Gomes Moita. Francisco Manuel Lopes Vieira de Oliveira Dias. João Carlos Filomeno Malhó da Fonseca. João Gomes de Abreu de Lima. João José Magalhães Pulido de Almeida. João da Silva Mendes Morgado. José Cunha Simões. José Duarte de Almeida Ribeiro e Castro. José Luís Rebocho de Albuquerque Christo. José Manuel Macedo Pereira. José Vicente de Jesus de Carvalho Cardoso. Luís Esteves Ramires. Maria José Paulo Sampaio. Rui Mendes Tavares. Vítor Afonso Pinto da Cruz.

Partido Comunista Português (PCP)

Álvaro Augusto Veiga de Oliveira. António Joaquim Navalha Garcia. António Marques Matos Juzarte.

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António Marques Pedrosa.
Cândido de Matos Gago.
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
Carlos Alfredo de Brito.
Custódio Jacinto Gingão.
Ercília Carreira Pimenta Talhadas.
Fernanda Peleja Patrício.
Fernando de Almeida Sousa Marques.
Francisco Miguel Duarte.
Georgete de Oliveira Ferreira.
Jaime dos Santos Serra.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
Joaquim S. Rocha Felgueiras.
Jorge Manuel Abreu de Lemos.
José Cavalheira Antunes.
José Manuel da Costa Carreira Marques.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Manuel Paiva Jara.
Lino Carvalho de Lima.
Manuel Duarte Gomes.
Manuel Gonçalves.
Manuel Mendes Nobre de Gusmão.
Manuel Pereira Franco.
Manuel do Rosário Moita.
Maria Alda Barbosa Nogueira.
Nicolau de Ascensão Madeira Dias Ferreira.
Raul Luís Rodrígues.
Severiano Pedro Falcão.
Victor Henrique Louro de Sã.
Zita Maria de Seabra Roseiro.

Independentes

António Jorge Oliveira Aires Rodrígues.
António Poppe Lopes Cardoso.
Carlos Galvão de Melo.
Reinado Jorge Vital Rodrígues.

O Sr. Presidente: - Responderam à chamada 144 Srs. Deputados.
Temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 30 minutos.

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Estão em aprovação os n.ºs 28 e 29 do Diário.
Há alguma oposição?

Pausa.

Visto não haver oposição, considero-os aprovados.
O Sr. Secretário Pinto da Silva vai proceder à leitura do expediente.

O Sr. Secretário (Alfredo Pinto da Silva): - Oficio da Câmara dos Representantes do Reino de Marrocos, dirigido ao Sr. Presidente da Assembleia da República:

A Câmara dos Representantes do Reino de Marrocos apresenta-vos os seus cumprimentos e tem a honra de vos enviar a seguinte nota, adoptada por unanimidade na sua sessão de 8 de Dezembro de 1977, esperando que dela seja dado conhecimento à vossa ilustre Assembleia e que seja comunicada a todos os seus membros:
No mês de Novembro de 1975, Marrocos pôde completar, parcialmente, a sua unidade territorial através da libertação do Sara marroquino, que se encontrava sob a denominação colonial espanhola.
Com efeito, após a sua independência em 1956, Marrocos nunca deixou de lutar pela libertação total do seu território. Mas a partilha colonial do território marroquino, que teve lugar durante os dois primeiros decénios deste século, nas zonas francesa, espanhola e internacional, teve como consequência a divisão de Marrocos em vários territórios.
0 nosso país conseguiu, através de negociações com os Estados interessados, libertar algumas destas zonas em várias etapas. 0 Sara marroquino foi o último a ser recuperado pelo nosso país, que para tal utilizou os meios legais, tais como a consulta do Tribunal Internacional de Justiça da Haia, o qual reconheceu, na sua nota de 15 de Outubro de 1975, a existência de laços de fidelidade entre Marrocos e a província do Sara ocupada pela Espanha, e por fim a marcha verde sobre o Sara - marcha pacífica em que participaram 350 000 marroquinos.
0 Conselho de Segurança, encarregado de resolver o problema, convidou as partes interessadas a negociar, conforme o artigo 33.º da Carta das Nações Unidas. Deste modo, as conversações bilaterais com a Espanha levaram, em 14 de Novembro de 1975, a um acordo tripartido firmado em Madrid entre Marrocos e a Mauritânia, por um lado, e a potência administrante, por outro. Segundo este acordo, que deveria em seguida ser entregue ao Secretariado-Geral da ONU, a Espanha restituiu a Marrocos a parte setentrional da província do Sara. Na resolução n.º 3458/B, de 10 de Dezembro de 1975, a Assembleia Geral tomou, por seu turno, nota do referido acordo.
Lamentamos constatar que certos elementos colonialistas militares espanhóis, descontentes com este acordo, empreenderam manobas tendentes a esvaziar do seu conteúdo um acordo que tinha acabado com a presença colonial e permitido a reunificação do país. Estes elementos constituíram, assim, em conluio com as autoridades argelinas limítrofes, um grupo de aventureiros armados por elas para maltratar os civis, muitos dos quais foram raptados e postos em seguida em campos praticamente isolados e semelhantes a campos de concentração.
Com o fim de realizar as suas ambições expansionistas no Sara, o Governo Argelino criou esta situação para utilizar estes grupos de aventureiros e construir os campos de Tindouf, destinados aos marroquinos raptados do Sara e a numerosos argelinos, formando, assim, a partir desta amálgama, um pseudoproblema de refugiados. Do mesmo modo foram criadas bases militares, servindo de ponto de partida a grupos de mercenários enquadrados por oficiais do exército argelino. Estes grupos atacavam continuamente o nosso território nacional, cometiam

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actos criminosos, tais como assassínios, raptos de homens, mulheres e crianças e o seu sequestro nos campos de Tindouf, ameaçando deste modo a paz e a segurança da região.
A Argélia, ao tomar esta atitude, comete não somente actos que são contrários aos compromissos que subscreveu na Conferência Cimeira Árabe, de 1974, mas que vão igualmente contra as normas e as práticas internacionais, violam a Declaração Universal dos Direitos do Homem e prejudicam as regras de boa vizinhança que se devem estabelecer entre os dois povos - marroquino e argelino.
Estas violações sucessivas eram, certamente, destinadas a provocar um estado de tensão susceptível de desencadear um recontro militar entre os dois Estados.
Marrocos, que desde há já dois anos tem sido alvo de agressões armadas particularmente graves, sofrendo numerosas baixas, tem permanecido, apesar de tudo, um país pacifico empenhado em eliminar a tensão por uma via pacífica, segundo a opinião do Tribunal Internacional de Justiça e as resoluções das Nações Unidas.
Partindo destes princípios, a Câmara dos Representantes do Reino de Marrocos exprime o voto de que a vossa ilustre Assembleia denuncie a tensão assim criada artificialmente pelo Governo Argelino, a qual ameaça gravemente a paz na região, ao mesmo tempo que pede que ela tome uma posição em favor da unidade territorial de Marrocos, rejeitando toda a ingerência estrangeira que tenda a reintegrar, de algum modo, os interesses do colonialismo na parte liberta do seu território nacional.
A confiança que depositamos no vosso Parlamento é tanto maior que o interesse manifestado pelo vosso povo pela paz vos dará o direito de estar ao lado do povo marroquino na defesa da sua integridade territorial e dos numerosos valores que são escarnecidos nessa região, devido às agressões continuas e aos raptos efectuados pelos mercenários argelinos.
Afirmamos que o Parlamento do povo marroquino, defensor de nobres ideais, o primeiro dos quais é a paz internacional, está disposto a colaborar convosco para a realização da vossa missão de paz, a fim de que a tensão que se agrava de dia para dia nesta parte do Mundo termine graças à vossa vigilância.
Queira aceitar, Sr. Presidente, a expressão da minha elevada consideração, assim como a da Câmara dos Representantes do Reino de Marrocos.

O Presidente da Câmara dos Representantes,
Dey Ould Sidi-Baba.

Ofício da Assembleia de Freguesia de Odivelas:

Para vosso conhecimento junto remetemos moção aprovada na sessão extraordinária desta Assembleia de Freguesia, realizada no dia 21 de Janeiro de 1978:

A moção é a seguinte:

A Assembleia de Freguesia de Odivelas, reunida em sessão extraordinária na Escola Preparatória

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de Avelar Brotero, em 21 de Janeiro de 1978, decide:

1 - Protestar vigorosamente contra a falta de legislação que defina o regime de finanças locais, sem a qual não é possível o bom funcionamento administrativo das autarquias em prol dos verdadeiros interesses e justos anseios das populações;

2 - Exigir uma legislação que acabe de vez com o favoritismo entre autarquias, mas sim que consagre uma autêntica autonomia financeira dos órgãos do poder local em relação ao Governo Central.

Outro ofício da Assembleia de Freguesia de Odivelas:

A Assembleia de Freguesia de Odivelas, ciente das suas responsabilidades perante a vontade soberana do povo que a elegeu, propõe:

Que as corporações de bombeiros voluntários passem a beneficiar da isenção de quaisquer impostos quando se trate, justificadamente, da aquisição de material destinado às suas viaturas, de material de assistência a doentes e feridos, de material de combate a incêndios e de material de rádio, quer para o seu posto central de comunicações, quer a instalar nas suas viaturas;
Que a Câmara Municipal de Loures proceda à construção de mais um piso no actual quartel - ou providencie junto das instâncias superiores competentes -, piso esse que se destinará a um salão misto (ginásio, sala de reuniões, sala de espectáculos, etc.), assim como à urgente construção da indispensável casa-escola onde o pessoal do seu corpo activo possa executar os seus exercícios de salvamento e de combate a incêndios e ao seu exigível aperfeiçoamento técnico e físico, como fora prometido pelas autoridades responsáveis quando, há aproximadamente vinte e cinco anos, foram desalojados dos seus antigos quartéis.
Que a Câmara Municipal de Loures isente as associações de bombeiros do pagamento do consumo de água e energia eléctrica das respectivas instalações;
Que os bombeiros voluntários passem também a ser isentos do pagamento de licenças e impostos sobre espectáculos públicos, por se tratar de instituições de utilidade pública e que vivem com diversas dificuldades, como é do domínio geral.

Oficio da Assembleia Municipal de Vila Franca de Xira, dirigido ao Sr. Presidente da Assembleia da República:

A Assembleia Municipal de Vila Franca de Xira, reunida em sessão extraordinária no dia

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23 de Janeiro de 1978, deliberou aprovar por maioria a seguinte moção:

Considerando que o CDS votou contra a constituição e que tem manifestado abertamente não só o desacordo como inclusivamente o desejo que a mesma seja revista;
Considerando que se desenha uma situação em que na Assembleia da República se prevê a substituição de um prestigiado antifascista por um discípulo dilecto do salazarismo-marcelismo na Presidência da mesma;
Considerando o facto de o CDS ser reconhecida e convictamente um partido da direita reaccionária (incluindo nas suas fileiras elementos fortemente comprometidos com o regime fascista), não podendo assim existir quaisquer garantias de que este partido, na sua actuação a nível governamental e nos Ministérios, venha a cumprir com a letra e espírito da nossa Constituição, de modo a assegurar a transição para o socialismo, bem como a defesa das liberdades e das principais conquistas da Revolução nela consignadas.

Moção da Junta de Freguesia de Almada:

Considerando que: Não obstante as dificuldades financeiras com que se debatem os diversos órgãos autárquicos a nível nacional; não obstante a necessidade urgente de promulgação de uma lei das finanças locais, necessidade essa , já salientada por diversas vezes pelas várias forças políticas representativas do povo português; não obstante os diversos orçamentos financeiros já aprovados pelos órgãos autárquicos, os mesmos continuam sem saber de que verbas poderão dispor para as suas necessidades urgentes; não obstante ser necessária e urgente a definição de uma política financeira a nível local que impeça o paternalismo de decisões discriminatórias a nível central; não obstante todos estes considerandos, o País continua sem ver promulgada uma lei de finanças locais:
A Junta de Freguesia de Almada, reunida em 26 de Janeiro de 1978, delibera:

Reclamar da Assembleia da República a urgente discussão e aprovação de uma lei de finanças locais que sirva os interesses das populações.

Deu-se conta de mais o seguinte expediente:
Exposição

Da Comissão Coordenadora das Comissões de Trabalhadores dos Supermercados Pão de Açúcar dando conta dos problemas que afligem a empresa.

Moção

Aprovada na sessão pública realizada no passado dia 21 de Janeiro, no Teatro Vasco Santana, manifestando profunda apreensão perante as noticias vindas a público de que a Assembleia da República viria a ter como Presidente um destacado elemento do CDS.
Esta moção foi remetida por Aníbal Augusto de Castro.

Abaixo-assinados

A manifestar o descontentamento pela aliança contra natura do PS com o CDS, sendo primeiro signatário o Sr. António Joaquim dos Santos.
De que é primeiro signatário o actor José Rovás, a repudiar o ingresso do CDS no Governo.

Ofícios

Do Sindicato dos Trabalhadores Gráficos do Sul e Ilhas Adjacentes, a remeter fotocópia de um ofício enviado ao Sr. Ministro do Trabalho sobre anotações ao CCT.
Da Junta de Freguesia de Esmoriz, a remeter fotocópia do ofício que dirigiu à comissão de gestão do Banco Espírito Santo e Comercial de Lisboa a propósito da abertura de uma agência bancária.

O Sr. Presidente: - Foram apresentados os seguintes requerimentos: ao Governo, formulado pelos Srs. Deputados Marques Mendes e Nandim de Carvalho; ao Ministério da Indústria e Tecnologia, formulado pelo Sr. Deputado Marques Mendes; ao Ministério das Finanças, formulado pelo Sr. Deputado António Belo de Sousa; à Secretaria de Estado da Comunicação Social, formulado pelo Sr. Deputado Nandim de Carvalho; ao Governo, formulado pelo Sr. Deputado Marques Mendes, e ao Ministério do Comércio e Turismo, formulado pelo Sr. Deputado António Rebelo de Sousa.
Foram ainda apresentadas as seguintes petições: n.º 117/1, apresentada por Vítor Hugo dos Santos e outros, em representação dos trabalhadores dos quadros técnicos da previdência social, solicitando Intervenção com vista ao reconhecimento de inalienáveis direitos que na Portaria n.º 38-A/78 arbitrariamente se omitem, tendo baixado à 4.ª Comissão; n.º 118/1, apresentada pela Comissão Coordenadora dos Trabalhadores de Construções Técnicas, S. A. R. L., em que expõem questões respeitantes ao processo de desintervenção do Estado na empresa, à 3.ª Comissão.
Encontra-se também na Mesa, e já foi entregue ao interessado, a resposta da Secretaria de Estado da Comunicação Social ao requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Nandim de Carvalho na sessão de 3 de Janeiro findo.

O Sr. Presidente: - Para apresentação de um voto, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Miguel.

O Sr. Francisco Miguel (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Hoje estou nesta tribuna a falar não tanto como Deputado que sou, mas como sobrevivente do campo de concentração do Tarrafal e membro da comissão promotora da trasladação para Portugal dos restos mortais dos trinta e dois antifascistas que o fascismo lá assassinou.
A primeira parte da minha intervenção será para informar os Srs. Deputados do modo como decorreu em Cabo Verde o levantamento das campas e a transladação até Lisboa.
Na minha presença e na de outro membro da comissão promotora, Manuel Alpedrinha, foram levantadas as trinta e duas campas dos antifascistas lá sepultados, alguns deles há quarenta anos e o mais recentemente sepultado há trinta anos. Tivemos o

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apoio decisivo e inexcedível das autoridades de Cabo Verde.
Foi prestada homenagem aos antifascistas ali assassinados, na frente do próprio campo de concentração, hoje escola de preparação político-militar dos jovens cabo-verdianos. Esta homenagem teve a participação do Sr. Presidente do Conselho da República de Cabo Verde, que se fez representar pelo Sr. Ministro da Justiça, do presidente da Comissão de Apoio à Trasladação, do Sr. Embaixador de Portugal na República de Cabo Verde e de outras autoridades. Teve ainda a assistência do povo da vila do Tarrafal e de muita gente da cidade da Praia e honras militares, pois, terminada a intervenção do presidente da Comissão de Apoio à Trasladação, a tropa desfilou depois de ter disparado três salvas de tiros de armas ligeiras.
Este acontecimento tem uma importância muitíssimo grande e só foi possível porque se deu o 25 de Abril e hoje somos um pais democrático e também porque a República de Cabo Verde é um Estado independente e livre. Estes factos significativos foram salientados e ali mesmo foi afirmado que a nossa luta de antifascistas - portugueses, cabo-verdianos, angolanos e naturais de todas as restantes ex-colónias portuguesas que também ali estiveram encerrados depois de nós - era uma luta comum e solidária, pois o inimigo que nos oprimia era o mesmo.

Aplausos do PS, do PCP e de alguns Deputados do PSD.

O Orador: - Esta circunstância não pode deixar
de ficar gravada no nosso coração, porque é sincera
e verdadeira.
Depois desta cerimónia, nós, resistentes do Tarrafal, antifascistas portugueses e outros resistentes que também ali sofreram, visitámos o interior desse antigo campo de concentração onde vi morrer, durante o tempo que lá estive, vinte e seis dos meus companheiros de prisão: os camaradas mais queridos, e entre eles Bento Gonçalves, então secretário-geral do nosso partido.
Os restos mortais destes trinta e dois antifascistas assassinados no Tarrafal pelo fascismo e pelo Governo salazarista repousam agora em terra portuguesa. A ideia desta trasladação nasceu no próprio campo do Tarrafal, quando, em Outubro de 1937, numa, só semana, morreram sete dos nossos companheiros de prisão. Essa ideia de que, quando o fascismo fosse derrubado em Portugal, se procederia à trasladação de todos os que ali ficassem sepultados foi cumprida por nós.
A comissão promotora, como talvez os Srs. Deputados já saibam através da imprensa, constituída por todos os sobreviventes, desempenhou, como lhe competia, a sua missão. 0 povo português, que recebe no seu seio aqueles que lutaram pela terra portuguesa, pela sua liberdade e pela democracia, vai certamente participar nesta grande manifestação. E, se houver portugueses - e eu sei que ainda os há - que tenham desejado que eles não voltassem, ficarão convencidos de que a grande maioria dos portugueses quer a liberdade e a democracia e, sabendo que Portugal continental é a sua pátria, condena aqueles que no passado nos oprimiram nos então territórios coloniais.
A comissão tomou a iniciativa de construir no Cemitério do Alto de S. João um monumento que é homenagem aos que morreram no Tarrafal e simultaneamente homenagem a todos os que resistiram durante o fascismo, porque temos de salientar, Srs. Deputados, que os quarenta e oito anos de opressão fascista foram também quarenta e oito anos de luta contra o fascismo. 0 povo português não cruzou os braços perante a opressão. Lutámos e o Tarrafal foi uma prisão especial ali posta para matar - e matou - e esta responsabilidade pesa sobre aqueles que implantaram e mantiveram o Tarrafal. Mas os presos para ali atirados, considerados os mais combativos, eram uma parte do movimento de resistência que todos os portugueses antifascistas construíram.

O Sr. Cunha Leal (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Esta manifestação de homenagem que se presta aos que morreram no Tarrafal é bem a expressão de todos aqueles que desejam a liberdade e a democracia no nosso país. Assim, podemos estar certos de que o povo português nos acompanha no voto de que não volte mais à nossa terra o fascismo ...

O Sr. António Rebelo de Sousa (PSD): - Muito bem!

O Orador: - ... não haja mais campos de concentração onde os Portugueses voltem a sofrer e a perder a vida.

Aplausos do PS, do PSD e do PCP.

Não quero ser longo na minha intervenção, porque o próprio acontecimento diz mais por si só do que eu poderia dizer por palavras.
Temos na nossa terra os restos mortais dos que morreram no Tarrafal, vamos colocá-los nesse monumento que se construiu por subscrição pública, com o apoio franco e decidido do povo português e, aliás, também de muitos dos Srs. Deputados aqui presentes, dando assim por finda a nossa missão na comissão promotora da trasladação para Portugal dos que pereceram assassinados no Tarrafal.
Vou terminar a minha intervenção, Srs. Deputados, lendo o seguinte voto:

No momento em que regressam a Portugal
os restos mortais dos trinta e dois antifascistas
que, no campo de concentração do Tarrafal,
deram a sua vida, durante o fascismo, pela
conquista da liberdade e democracia, a Assembleia
da República chama a atenção do povo
português para a desumanidade de um regime
que cometeu tais crimes e presta comovida homenagem
ao sacrifício e à coragem dos mártires
que desde agora repousam no solo da Pátria
que tanto amaram.

Assembleia da República, 16 de Fevereiro de 1978.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Está em discussão o voto apresentado pelo PCP.

Pausa.

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Tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Nunes.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É com especial comoção que todos nós, Grupo Parlamentar do PS e Assembleia da República, vamos votar afirmativamente o voto apresentado pelo Sr. Deputado Francisco Miguel. Digo todos nós, Assembleia da República, porquanto a reacção de todos os grupos parlamentares foi, como era de esperar, inequívoca e humana.
No entanto, creio ser nosso dever dizer mais alguma coisa sobre o campo de concentração do Tarrafal e sobretudo sobre o que significa para nós o regresso à Pátria, à terra portuguesa, dos restos mortais daqueles que morreram nesse campo durante o período da resistência ao fascismo. Quer se queira quer não, por mais frios que sejamos, por mais longínquos que estejamos na história, mesmo que nessa altura não houvéssemos nascido, o campo de concentração do Tarrafal foi o símbolo máximo do regime português derrubado em 25 de Abril. Não se pense que esse símbolo era a Assembleia Nacional que aqui ilegitimamente reunia. Não se pense que esse símbolo era a Presidência da República que ilegitimamente reunia e dirigia o povo português. Não era. Não se pense que esse símbolo era também a sinistra PIDE-DGS. Não era. Não se pense que esse símbolo era ainda o Governo. Também não era. 0 momento fundamental vivido pelo fascismo na sua obra foi o campo de concentração do Tarrafal, da mesma forma que o monumento fundamental erguido por Hitler à sua obra foram os campos de concentração de Dachau, de Bucheriwald, de Auschwitz, de Treblinka e tantos outros onde muitos cidadãos sofreram por amor à pátria e à liberdade.
Nesse sentido, Sr. Presidente e Srs. Deputados,
nada melhor para reconciliar e unir os Portugueses
em volta de uma ideia do que fazer regressar a Portugal
os corpos de todos aqueles que se encontravam exilados
na sua própria morte, que se encontravam
fora do seu pais e que se encontravam agora a
viver em terra amiga, mas estrangeira, onde tanto
s9freram e onde tanto foram, ofendidos na sua honra
e na sua dignidade.
Sr. Presidente,, Srs. Deputados: Há uma meditação necessária a fazer sobre o regresso à Pátria daqueles que morreram no Tarrafal. A primeira meditação a fazer sobre esse regresso à Pátria é muito singelamente esta: os democratas portugueses, ao associarem-se às homenagens que são prestadas à sua memória, demonstram inequivocamente a sua vocação histórica de assumirem os valores históricos da democracia e da liberdade do povo português e de projectarem esses valores da democracia e liberdade num tempo futuro. Mais do que isso, ao prestarem a sua homenagem aos mortos do Tarrafal, os democratas portugueses reunidos aqui nesta Assembleia manifestam também, Sr. Presidente e Srs. Deputados, a sua firme intenção e a sua certeza de que o sacrifício não foi em vão e de que o cortejo de sombras que nos acompanha é a mais segura garantia de que o fascismo está morto e de que o fascismo não voltará.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Uma última reflexão me seja permitida: os mortos do Tarrafal são um património comum de todos os portugueses. Além disso, devo dizer-vos que são também património comum dos seus carrascos, porque o monumento aos mortos do Tarrafal é uma acusação constante e plena a todos os homens que em Portugal oprimiram o povo português, acusação que os acompanhará na morte e, para os que crêem, para além dela:
Neste sentido, comovidamente nos associamos ao voto proposto pelo PCP e às palavras do Sr. Deputado Francisco Miguel, que, ao contrário dos seus camaradas do campo da morte, teve a dita de ver o Portugal livre e democrático com que sempre sonhou.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Cunha Leal.

O Sr. Cunha Leal (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: 0 PSD associa-se comovidamente ao voto formulado pelo Sr. Deputado Francisco Miguel, do PCP, e inclina-se respeitosamente perante a memória de quantos sucumbiram às mãos tirânicas dos perseguidores salazaristas, porque de alguma sorte esses, e não só esses, simbolizam tudo quanto demais puro e nobre houve na luta contra a tirania que então nos oprimia, e fica fazendo votos para que jamais em terra portuguesa e - por que não dizê-lo - em todo o mundo possam existir campos de tortura onde se pague com a vida e o sacrifício o direito de exprimir livremente um pensamento político e de viver livremente os seus próprios ideais.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Oliveira Dias.

O Sr. Oliveira Dias (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vamos naturalmente associar-nos também muito comovidamente à homenagem aos mortos do Tarrafal.
Este momento é para nós - e pensamos que também para toda a Assembleia e para todos os portugueses -, de facto, um momento de profunda reflexão. A morte é uma imagem da vida: as condições em que se morre demonstram as condições em que a vida é proporcionada a cada um. É certo que a ,história se faz também sobre os sofrimentos, que são inerentes à própria condição humana. Os sofrimentos pessoais ou colectivos, aliás, a maior parte deles. calados e anónimos, mas muitos deles evidentes e, porventura, como neste caso, escandalosos. A consideração de que o sofrimento faz parte da vida não nos é pedido a nós nem a ninguém que deixe de distinguir entre aquilo que é, ou foi, natural e aquilo que é, ou foi, ilegítimo. Não podemos admitir que qualquer alegada razão de Estado possa algum dia prevalecer sobre o respeito da dignidade e dos direitos e garantias fundamentais da pessoa humana.

O Sr. Carlos Robalo (CDS): - Muito bem!

O Orador: - Portugal foi o primeiro pais a abolir a pena de morte e é perante esses memoriais, que se sobrepuseram à legislação, que não pode deixar neste momento de protestar, pela voz da sua Assembleia da República, que nunca mais queremos

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que na nossa terra se volte a pensar, seja pelo que for, em prisões que não sejam determinadas por tribunais independentes, que nunca mais queremos torturas, que nunca mais queremos campos de concentração nem aviltamentos da condição humana, que afinal recaem sobre os seus autores, e não sobre as suas vítimas.

Vozes do CDS: --- Muito bem!

O Orador: - Nas malhas que o império tece, ao fazer-se e ao desfazer-se, muitos cadáveres de bons portugueses ficaram espalhados pelo Mundo, mas essas vítimas do Tarrafal têm pleno direito a repousar para sempre em terra portuguesa.
Como prova de reconhecimento às autoridades de Cabo Verde, que deram todas as facilidades necessárias para a trasladação agora verificada, bem como à comissão promotora dessa homenagem, vamos votar a favor do voto apresentado pelo PCP. E, se me é permitido, considerando que a melhor maneira de reflectir ainda é em silêncio, atrevia-me a propor ao Sr. Presidente que a seguir à votação esta Assembleia guardasse alguns momentos de silêncio em consideração dos factos que temos tido presentes.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, antes de se proceder à votação, quero sugerir-lhes uma visita à exposição que se encontra patente em Belém, exposição extremamente expressiva e dramática e que muito me comoveu, através da qual é fácil apercebermo-nos do que foi o inferno do Tarrafal durante os longos anos de martírio e de expiação a que foram condenados não só os que ali se encontravam, mas, de uma maneira geral, todo o povo português.
Por outro lado, informo também a Assembleia de que estive presente no Aeroporto de Lisboa, na convicção de que o poderia fazer em nome da Assembleia da República, assistindo à passagem desses corpos a caminho da capela funerária improvisada, que hoje ou amanhã de manhã, segundo suponho, vai terminar porque os corpos vão ser trasladados para a Sociedade de Belas-Artes, donde sairá o enterro no sábado.
Podem calcular a comoção que senti, até porque conheci algumas das pessoas cujos ossos se encontravam naquelas pequenas umas, ao ver passar por mim trinta e dois corpos depois de durante longos anos terem estado enterrados no campo do Tarrafal. Uma meditação subiu-me imediatamente ao peito, que, aliás, transcrevi num artigo do Diário de Notícias de hoje e que posso sintetizar nestas duas expressões que escrevi agora mesmo, para não trair o pensamento: uma sensação de desespero por aqueles que não puderam fazer mais, primeiro, e, depois, uma sensação de remorso por aqueles que nada fizeram para evitar o campo do Tarrafal. Estas duas situações são de salientar e, muito comovidamente, se me é permitido associar-me - como Deputado, pelo menos, posso fazê-lo - a este voto tão sentido, tão dramático e tão profundo do Sr. Deputado Francisco Miguel, quero lembrar aqui que ele e um outro colega nosso que se encontra ausente, Sr. deputado Edmundo Pedro, que voltará dentro de pouco tempo ao nosso convívio, estou convencido disso, estiveram longos anos presos no Tarrafal. Foi uma expiação extremamente dura e é preciso que tenhamos sempre presente como este fascismo, que o Sr. François Mauriac dizia ser um fascismo bien-pensant, tinha requintes de malvadez ao revestir aparências enganadoras de algumas transigências e de certo laissezfaire. Este fascismo foi cruel não só no campo de, morticínio do Tarrafal, foi cruel também nos curros do Aljube, nas cisternas de Angra do Hero1sn'o e de Peniche e em tantas outras. prisões espalhadas pelo País,
Parece-me que temos o dever de pensar a sério neste problema: pormos de parte aquilo que nos pode dividir - e é natural que em democracia isso aconteça - e termos sempre presente aquilo que nos pode unir para que - e neste ponto parece que estamos todos de acordo - jamais volte a haver nesta pátria um regime igual àquele que permitiu a existência de um campo de extermínio no Tarrafal. Os outros campos de concentração eram quase iguais, apenas um pouco maiores, mas em matéria de tortura eram praticamente iguais, como o de Dachau, onde tive a notícia de que aí morreram seis portugueses cujos nomes não consegui averiguar, mas gostaria de saber quem foram.
Srs. Deputados, de pé. Comovidamente, vamos guardar alguns momentos de silêncio em homenagem aos mortos do campo do Tarrafal.

A Câmara, de pé, guardou alguns momentos de silêncio.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Godinho de Matos para, em nome do Grupo Parlamentar do PS, fazer a apresentação de um voto.

O Sr. Nuno Godinho de Matos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: No passado dia 12 deste mês, durante a romagem que se efectuou ao túmulo do general Humberto Delgado, verificaram-se certos incidentes que puseram em causa, primeiro, esta Assembleia da República, segundo, o próprio espírito da romagem, dirigida ao túmulo e à memória do general Humberto Delgado, e, terceiro, a figura de um Deputado desta Casa e nosso camarada de bancada, o Dr. Raul Rego.
0 Partido Socialista entendeu que devia protestar e manifestar o seu repúdio pelos factos que se verificaram e tornar bem claro nesta Assembleia que não admite nem aceita que em qualquer terreiro público ou em qualquer discurso se possa estabelecer uma similitude entre a Assembleia da República, eleita por toda a população de Portugal, e a antiga Assembleia Nacional fascista, que não era eleita, mas nomeada, com um simulacro de eleições.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Nós, de facto, julgamos que quem quer que se atreva a estabelecer um paralelo entre a Assembleia da República e a antiga Assembleia Nacional esquece ou não compreende o significado de uma eleição, não sabe, em suma, o que é a democracia, não sabe o que é o sentir e o desejo de um povo.

Vozes do PS: - Muito bem !

Aplausos do PS, do CDS, do PCP e de alguns Deputados do PSD.

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O Orador: - E também julgamos que todos os
Deputados, sem qualquer excepção, que se sentam
nesta Câmara pensam da mesma forma, pois admitimos
que, se pela sua cabeça pudesse passar a sus
peita de que esta Casa era paralela ou semelhante à
anterior Assembleia Nacional fascista, nenhum aceitaria
sentar-se nestas bancadas.
Aplausos gerais.

O Orador: - 0 que acontece - isso, sim,, é consequência
directa e imediata da democracia e nós,
socialistas, honramo-nos de seguir essas consequências
e de as aceitar - é que esta Casa reflecte a vontade
da população de Portugal. Esta Casa não é
composta exclusivamente por um só partido. Pelo
contrário, ela tem uma composição plurifacetada
porque é também plurifacetada a vontade da população
portuguesa.

Vozes do PS e CDS: - Muito bem!
O Orador: -E, se isto é assim, também não
podemos aceitar nem admitir que se injurie um homem
como Raul Rego, apodando-o de traidor, de
fascista e de vendido.

Aplausos do PS, do CDS, do PCP e de alguns
Deputados do PSD.

Julgamos que Raul Rego deu ao longo da sua vida
- antes dos eventos de 25 de Abril de 1974 e de-
pois desses mesmos eventos - provas mais do que
suficientes de que é um homem vertical, sério e sobretudo
comprometido com o ideal da democracia,
que sempre serviu e ao dispor da qual colocou por
várias vezes a sua vida e a sua liberdade.

Aplausos do PS, do CDS, do PCP e de alguns
Deputados do PSD.

Sr. Presidente, e Srs. Deputados: Por estas razões,
o Partido Socialista entendeu apresentar a esta
Câmara o seguinte voto de protesto:
Considerando:
1 - Que no dia 12 do corrente, na manifestação
de homenagem à memória do general
Humberto Delgado no Cemitério dos Prazeres,
ocorreram factos de extrema gravidade que esta
Assembleia não pode deixar sem o justificado e
pertinente reparo;
2 - Que, na verdade, tal manifestação foi
ostensivamente aproveitada para a exterioriza-
ção de posições de condenável sectarismo, nas
quais se chegou a comparar a Assembleia da
República com a Assembleia Nacional do regi
me fascista;
3 - Que, tendo o Deputado Raul Rego procurado
desagravar este Orgão de Soberania, foi
o mesmo Deputado insultado publicamente com
os epítetos de fascista, traidor e vendido;
4 - Que as atitudes acima referidas constituem
uma injúria gravíssima não só para esta
Assembleia, como também para um dos seus
membros, figura de antifascista coerente e com-
sequente, cuja personalidade merece o respeito
e a consideração de todos os verdadeiros antifascistas:
A Assembleia da República repudia indignadamente
as injúrias que a ela e ao Deputado

Raul Rego foram dirigidas, condenando o procedimento
daqueles que, possuídos de cego sectarismo,
acabaram por enxovalhar a própria
memória do general Humberto Delgado,
que lutou e deu a vida pela democracia que tais
sectários se propõem destruir.
Mais se propõe que o Sr. Presidente da Assembleia
da República transmita o teor deste
voto à comissão organizadora da manifestação
referida no n.º 1 deste voto de protesto.

O Sr. Presidente: - Está em discussão este voto
de protesto.

Inscreveram-se os Srs. Deputados Lino Lima e
Cunha Leal.
Sr. Deputado Lino Lima, tenha a bondade.

O Sr. Lino Lima (PCP): - Sr.-, Presidente, Srs.
Deputados: Não se estranhará que, após ouvirmos
as considerações do Sr. Deputado Nuno Godinho de
Matos e a leitura do voto que, em nome da banca-
da do Partido Socialista, apresentou a esta Assembleia,
a bancada do Partido Comunista Português,
por mim representada, se levante imediatamente não
só para se associar à reprovação feita nas aludidas
considerações e no voto aos factos passados no Cemitério
dos Prazeres, durante a homenagem à memória
do general Humberto Delgado, mas ainda para exprimir,
da forma mais veemente, a sua solidariedade
com o Sr. Deputado Raul Rego. Aliás, hoje mesmo o
Avante!, órgão oficial do meu partido, referindo-se a
esses incidentes, condena-os veementemente. Por-
tanto, não esperámos pelo momento da apresentação
deste voto para fazer essa condenação.
Estivemos também nessa homenagem, como meros
convidados. Nela participámos e eu próprio, em representação
do meu partido, fiz uma breve alocução,
que disse ser única e exclusivamente para prestar
homenagem à memória do general Humberto
Delgado e para clamar por justiça, pela justiça que
todos temos de clamar que se faça, julgando os seus
assassinos. E creio que o própio Sr. Deputado Raul
Rego será o primeiro a considerar que a minha breve
alocução se manteve dentro destes limites e não
tentou, nem de perto nem de longe, fazer qualquer
aproveitamento partidário da homenagem que ali se
estava a prestar.
Mas, se é inqualificável aquilo que alguém disse e
também a comparação infeliz que fez entre esta Assembleia
da República, eleita pelo povo, e a Assembleia
Nacional fascista - palavras que, volto a
repetir, nós reprovamos veementemente, por todas
as razões e até porque estamos, como temos demonstrado
na prática, absolutamente interessados na
defesa da democracia e da Constituição e no prestígio
das instituições democráticas, a começar por esta
Assembleia -, não podemos deixar de reprovar
também aqueles que por espírito sectário não respei
taram o Deputado Raul Rego e, antes do Deputado Raul Rego, o cidadão Raul Rego, o antifascista Raul Rego ...

Vozes do PS: - Muito bem!

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O Orador: - ..., de quem me prezo de ser amigo há muitos anos e que nesta bancada tem, como sabe, muitos amigos.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Por esta dupla razão o meu partido dá veementemente o seu apoio ao voto de protesto apresentado pelo Partido Socialista e aproveita a oportunidade para fazer um apelo a todos os cidadãos no sentido de que, devendo unir-se para defender a democracia e a liberdade, devem ter sempre presente quem são os verdadeiros inimigos da democracia e da liberdade - é evidente que o cidadão Raul Rego é um defensor e um amigo da democracia e da liberdade.

Aplausos do PS e do PCP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Cunha Leal.

O Sr. Cunha Leal (PSD): - Sr. Presidente, Srs.
Deputados: Quando há momentos expressei o pensamento do meu partido em relação ao voto formulado pelo Sr. Deputado Francisco Miguel, declarei que nesta bancada formulávamos desejos para que o exemplo dos homens que a tirania de Salazar ceifou e arrancou desta vida no Tarrafal não mais pudesse ter lugar em terra portuguesa ou onde quer que fosse.
Agora, no tocante ao voto que acaba de ser formulado pelo representante do Partido Socialista, completo o meu voto de há pouco, que é o voto do meu partido, fazendo expressar o nosso sincero desejo de que de uma vez para sempre se erradiquem hábitos que procuram transformar pessoas ao sabor de oportunidades momentâneas para disso se aproveitarem e condenarem aqueles que não são portadores das mesmas ideias ou defensores dos mesmos ideais. No voto do Partido Socialista vemos o fremente desejo de que efectivamente possamos conviver fraternalmente e de que os portadores de ideais antagónicos possam estreitar as mãos fraternalmente, tratando-se como adversários, e nunca como inimigos.

Voz do PSD: - Muito bem!

O Orador: - E, se fosse necessário exemplificar com alguém o que pode haver de sinceridade na evolução de uma pessoa quando expressa o seu próprio pensamento, esse alguém seria o próprio general Humberto Delgado que, começando por ser um fascista confesso, acabou por ser um adversário sincero e intransigente dos ideais fascistas e da ditadura que nos perseguia, de tal forma se batendo contra ela que às mãos dela veio a falecer.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Srs. Deputados, em nome do Partido Social-Democrata, protesto contra as brutalidades e contra os actos de pura estupidez que sei se praticaram à porta do cemitério dos Prazeres.
Espero, no entanto, que o horror que nos causam estas situações sirva de exemplo para que não voltemos a reincidir e para que, seja quem for o visado,
chame-se ele Raul Rego ou qualquer outro nome, não se meçam os comportamentos dos outros que são adversários da situação por aquilo que algum dia no passado lhes atribuíram, fazendo infirmar a sinceridade dos seus sentimentos actuais por aquilo que algum dia já foram.

Aplausos do PSD e de alguns Deputados do PS.

O Sr. Presidente: - Antes de procedermos à. votação do voto de protesto, se os Srs. Deputados me permitirem, desejaria dizer algumas palavras muito curtas e muito breves.
Tive o privilégio, puramente acidental, de não ter assistido a essa vergonha que se passou no Cemitério dos Prazeres. Estive apenas presente no início da manifestação, porque; depois de uma longa noite de vigília nesta Assembleia e bastante incomodado de saúde, me havia comprometido a comparecer àquela mesma hora, na exposição sobre o Tarrafal.
Suponho que ninguém nesta Assembleia terá conhecido melhor do que eu o general Humberto Delgado. Estabelecemos uma amizade muito profunda, que começou na hora bastante difícil em que eu era advogado de Henrique Galvão e que se prolongou para sempre até à hora da sua morte. Recebi dele provas de grande amizade e de grande identificação.
Por estas razões, Srs. Deputados, estou convencido de que, se o Sr. General Humberto Delgado estivesse presente nesta Assembleia, aprovaria com certeza o voto de protesto apresentado pelo Partido Socialista.
Srs. Deputados, vamos proceder então à votação ,do voto de protesto apresentado pelo Partido Socialista.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Oliveira Dias, para uma declaração de voto.

O Sr. Oliveira Dias (CDS): Sr. Presidente, Srs. Deputados: 0 meu grupo parlamentar associou-se ao voto de protesto do Partido Socialista e desejo apenas declarar que foi com verdadeira estupefacção que tomámos conhecimento e assistimos aos incidentes em causa, que repudiamos com a maior veemência os insultos a esta Assembleia e que temos desde sempre o maior apreço e respeito pelo Sr. Deputado Raul Rego.
Neste momento, perante a unanimidade do voto das forças, seja qual for a sua posição política, que exprimem nesta Casa a representação democrática da vontade do País, perguntamos se não é de concluir que quem chamou fascista, vendido e traidor ao Sr. Deputado Raul Rego deve, esse sim, merecer esses epítetos.

Aplausos do CDS e do PS.

O Sr. Presidente: - Não proferi qualquer palavra a associar-se às palavras de desagravo ao Sr. Deputado Raul Rego porque a nossa amizade é tão profunda e é um facto de tal maneira notório que não carece de prova.
Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro- Coelho, para apresentar outro voto de protesto.

O Sr. Pedro Coelho (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Um brevíssimo comentário antes de, em

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nome do meu partido, apresentar um voto de protesto sobre um acontecimento que é verdadeiramente lamentável. É extremamente oportuno referir este acontecimento justamente num dia em que esta Assembleia prestou reconhecida homenagem aos mortos do Tarrafal e, consequentemente, mais uma vez manifestou a intransigente decisão dos representantes do povo de estarem ao lado da democracia e de banirem para sempre o fascismo do nosso pais.
Como socialista e antifascista, não posso deixar de manifestar a minha estupefacção e indignação pela prisão do resistente antifascista Maximino Serra, militante do Partido Socialista, cuja prisão foi ordenada devido a um acto político que praticou em plena era fascista, acto de resistência contra o regime de Salazar. Enquanto membros da polícia política fascista e outros repressores do povo português vivem no nosso país em inteira liberdade e impunidade, uma decisão judicial do Estado democrático permitiu-se dar ordem de prisão a um democrata coerente que, arriscando a vida e o conforto familiar, não vergou a cabeça à ditadura e lutou mesmo de armas na mão.
Nós, socialistas e antifascistas, sempre defendemos, ontem como hoje, a separação do Poder Judicial do Poder Executivo, pugnando pela independência e autonomia dos magistrados judiciais, mas não podemos, nem poderemos, transigir com actuações que mais não são que verdadeiros actos de retaliação e que denunciam um processo de repressão aos democratas, escudando-se em utilizações abusivas da lei e na generosidade que a democracia conquistada no 25 de Abril tem demonstrado no nosso país.
Passo agora à leitura do voto de protesto:

Considerando ter a Revolução de 25 de Abril destruído para sempre o regime fascista;
Considerando estarem historicamente definidos como democráticos e patrióticos os actos da resistência à ditadura;
Considerando que foi recentemente preso o conhecido antifascista Maximino Serra por motivos relacionados exclusivamente com a acção política desenvolvida contra o fascismo, designadamente pela sua participação no assalto ao quartel de Beja e consequente fuga à prisão numa avioneta;
Considerando ter esta Assembleia da República especial legitimidade para formular este voto, em virtude de ter sido eleita na liberdade pela qual Maximino Serra lutou em Beja:
A Assembleia da República manifesta a sua surpresa por uma tal prisão, que considera ferir todos os princípios jurídicos e morais, e desde já a reprova sem reservas.

O Sr. Presidente: - Está em discussão.
Pausa.

Tem a palavra o Sr. Deputado Vilhena de Carvalho.

O Sr. Vilhena de Carvalho (PSD): - Sr. Presidente, no desconhecimento, pelo menos parcelar, dos factos que são trazidos por este voto de protesto, invocando a praxe parlamentar, requeríamos o adiamento da discussão e votação deste mesmo voto para a próxima sessão.

O Sr. Presidente: - De facto, está pacificamente estabelecida essa praxe parlamentar. Por isso está concedido o adiamento da discussão e votação deste voto para próxima sessão.
Tem a palavra o Sr. Deputado Monteiro Andrade, para uma declaração política.

O Sr. Monteiro Andrade (PSD):- Sr. Presidente, Srs. Deputados: A crise de que enferma a nossa agricultura, que é essencialmente do tipo estrutural e deriva fundamentalmente de uma incapacidade crónica da parte dos nossos governantes para pôr em prática uma política de reformas profundas, vem de há longos anos.
A inadaptação das estruturas das nossas empresas
e propriedades rústicas para uma agricultura de futuro
é consequência de razões históricas, ligadas ao
povoamento do território e agravadas por condicionalismos
de ordem ecológica, e resistiu no passado,
aliás como resistências ainda se encontram no presente,
a tentativas de reforma a que estão ligados
nomes como Alexandre Herculano, Mouzinho da
Silveira, Oliveira Martins, Basílio Teles ou Ezequiel
de Campos.
Os partidos políticos que se encontram representados nesta Câmara têm também o seu nome ligado à tentativa de alterar as estruturas, as formas e as relações de produção da nossa actividade agrícola, pois todos eles apresentaram ao povo português, através dos seus programas, essa intenção.
É certo que esses projectos são diferentes entre si: sem dúvida que são profundamente diferentes e até contraditórias as propostas do PSD e do PCP, sem dúvida que se encontram contradições entre as do CDS e as do PS. Mas não deixa de ser verdade que cada um deles, perante o seu eleitorado, se comprometeu a pôr em prática e a lutar pelo que então apresentava.
Foram estes, de resto, os argumentos base que todos os partidos utilizaram ao votar numa assembleia eleita directamente pelo povo - a Assembleia da, República - e pela primeira vez em toda a nossa história uma lei da Reforma Agrária.

O Sr. Fernando Pinto (PSD): - Muito bem!

O Orador: - A esse projecto de uma nova sociedade rural, que constitui a Lei das Bases da Reforma Agrária, se ligaram o PSD e o PS; contra tal projecto da sociedade. se manifestaram, e por razões distintas, o PCP, a UDP e o CDS.
0 PS e o CDS, seis meses depois deste marco histórico que para a agricultura e para o Pais constituiu o momento da votação de tão importante lei na Assembleia da República, apresentam-se perante este mesmo órgão de Soberania formando e apoiando um governo para a discussão do seu programa.
Mesmo antes deste debate já se interrogavam perante esta situação os muitos milhares de portugueses que directa ou indirectamente vivem da agricultura; interrogavam-se todos quantos vivem nas zonas rurais deste país, onde, infelizmente, ainda se encontram, com larga representatividade, situações em que a vida é demasiado penosa - fora mesmo do que possamos chamar humano.
Que poderemos esperar de tal Governo? Que soluções para os nossos problemas do dia-a-dia? Qual o projecto para o nosso futuro?

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Impunha-se, pois, para nós, partido com grandes
responsabilidades para tão grande camada de cidadãos que dia após dia lutam contra as incógnitas do tempo, num trabalho demasiado duro para tão poucas compensações e tão grandes angústias, uma primeira palavra após a longa jornada que representou, a discussão do Programa do Governo.
Impunha-se que, calma e serenamente, já sem transmissões pela rádio ou televisão, procurássemos dar simultaneamente uma resposta àquelas dúvidas e uma palavra de esperança pela afirmação do que queremos e de como agiremos.

O Sr. Fernando Pinto (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Para responder com clareza e para que das nossas palavras não restem dúvidas, para que possamos demonstrar que, apesar dos erros, das paragens ou hesitações, a esperança de. uma vida melhor e mais digna ainda pode e há-se chegar aos campos, importa primeiro afirmar o que representou para nós o Programa do Governo e o debate que se realizou.
Sem pretender retomar uma discussão que em termos regimentais já terminou, iremos, mesmo que resumidamente, explicitar o que representou para nós o Programa do Governo e a leitura que dele fizemos para o sector agrícola.
A imagem que do seu estudo retivemos foi a de que se pretendeu barrar o caminho a qualquer crítica da oposição, aflorando muito pela rama quase todos os problemas, quer na introdução, quer nos objectivos, quer nas medidas. Apenas faltou dizer que tudo aquilo que não foi transposto para o papel, que toda a ideia que não está liquida e límpida, se encontra subjacente no espírito dos responsáveis.
Um imenso etc. servia às maravilhas para tal, e o Programa em si mesmo também o é. Nele se esquece à partida que não se pode tratar do problema do sector primário sem levar em linha de conta os problemas do homem que está nele integrado; quer para aquém das estruturas, quer para além das medidas a tomar, ele não é culpado dos jogos políticos de ontem, de hoje e de amanhã, é antes a sua grande vítima.

O Sr. Armando Correia (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Quem é esse homem? Como foi lá parar? Quem o promoveu ou destruiu?
Não basta dizer que tudo a ele é dirigido e que o bem-estar da Nação levá-lo-á a prazo à melhoria do seu próprio bem-estar.
Acham-se, presentemente, o País e o Governo aptos a decidirem-se pela rápida elevação do nível de vida do rural?
Estaremos todos dispostos aos sacrifícios que serão necessários para que isso seja possível?
Não encontramos resposta a tais questões, nem verificamos que se tivessem equacionado as directrizes que promovam rapidamente esse homem.
Efectivamente, não se pode fazer agricultura com o que nos restou, em qualidade, da emigração, adicionado ao que nos vai ficando do desemprego de outros sectores. Teremos de fazer agricultura com profissionais, pois, sem eles, não é com investigação nem com extensão rural que passaremos da mediocridade neste sector. Ressalta deste facto que à partida o maior esforço deve ser o de dotar a agricultura com os artífices necessários a todos os níveis e de aos artífices fornecer matéria-prima e as ferramentas necessárias.

O Sr. Armando Correia (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Mas no docum6to que o Governo nos apresentou apenas se referem os objectivos genéricos e se apresentam medidas de forma avulsa; trata-se menos de um programa e mais de um inventário.

O Sr. Fernando Pinto (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Há um erro grave, que para nós é extremamente importante, que enferma e deve ser realçado: as Bases Gerais da Reforma Agrária constituem um diploma fundamental, a lei quadro para a prossecução da política agrícola. Foi assim que o Governo de então a apresentou, foi isso que resultou claro do debate então travado, foi esse o nosso entendimento ao votá-la, pois, apesar de a considerarmos insuficiente, sob esta óptica, não nos parecia impossível a sua complementação através de diplomas regulamentares.
No entanto, ela aparece-nos, ou melhor, refere-se a sua regulamentação diluída numa série do que se chama "Disposições", apresentadas como se de um índice de intenções se tratasse, e ainda por cima incluída numa alínea que respeita exclusivamente à reestruturação fundiária.
Esta subalternização que o Programa do Governo faz a um diploma que durante o seu debate foi considerado como a mais importante lei discutida nesta Câmara após a Constituição, transformando-a numa simples lei de expropriação, é errada e só poderá interessar para permitir ao CDS a justificação do seu apoio a este Governo, dada a posição que tomou aquando da sua votação. Mas registámos também a mudança do Partido Socialista.
Ou não será verdade que a Lei das Bases Gerais da Reforma Agrária, no seu articulado, aponta claramente os critérios a que deve obedecer a política agrícola? Que nos primeiros três capítulos desta lei estão definidas as finalidades gerais e especiais do fomento agrário, quais os meios, as iniciativas directas e indirectas, as medidas incentivadoras e integradoras e os princípios de comercialização, de crédito, de preços e de seguro?
Apontado este grave erro de base do Programa do Governo, omitindo outros que o tempo e a natureza desta intervenção não permitem explorar, o que representou para nós o Programa do Governo? Ele representou a "indefinição" e a preocupação de "não comprometimento".
Disso é prova tudo quanto acabamos de afirmar, a generalidade dos objectivos, a falta de hierarquização das medidas e a não referência a datas ou prazos para a sua apresentação e aplicação.
Disso não será prova também a nomeação de um "independente" como responsável do MAP?
Depois da leitura do Programa do Governo aconteceu o seu debate nesta Câmara. Permitiu ele que modificássemos a nossa interpretação?

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0 debate não poderia ser concreto e profundo, pois é o próprio Programa que nos sugere o adiamento da discussão da política sectorial, dado que na introdução refere:

A execução no tempo das acções propostas em capítulos que se seguem ficará, necessariamente, sujeita a uma concretização detalhada e qualificada nos planos anuais e de médio prazo.

No entanto, da parte da oposição foram feitas críticas duras, denunciadas omissões e muitas questões foram postas que não obtiveram qualquer satisfação.
Dos partidos apoiantes registamos que o CDS sobre este sector, bem como sobre qualquer outro, não fez intervenções. Apenas foi referido por um seu representante, o Sr. Deputado Carvalho Cardoso, "que não lhe competia a ele defender o Governo". Será que o CDS pretendeu reservar-se para uma posição de "apoio critico"?
Da calma e ponderada intervenção do actual Ministro da Agricultura e Pescas, Dr. Luís Saias, percebemos uma tentativa de definição para a orientação que irá imprimir ao seu Ministério. Quer a sua afirmação de que "as liberdades serão defendidas, custe o que custar e seja contra quem for", quer uma outra, a de que "o Governo aplicará a Lei das Bases Gerais da Reforma Agrária", são importantes, pois é nossa convicção de que é através da aplicação da Lei da Reforma Agrária, isto é, através da legalização da zona de intervenção da Reforma Agrária, que se poderão criar as condições para o exercício das liberdades individuais.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - No entanto, alguma reserva somos, ,obrigados a pôr nesta afirmação, uma vez que os diplomas regulamentares e a filosofia que lhes estiver inerente constituem, bem como os poderes discricionários do Ministro, factores com peso elevadíssimo na forma como ela irá ser aplicada.
Sobre os diplomas regulamentares continuamos sem nada saber, pois nem o Programa nem o Sr. Ministro nada nos adiantaram.
Quanto aos poderes do Ministro, à sua actuação, não o julgaremos nem a priori nem sequer pela sua "independência" política, de resto de acordo com a nossa própria conduta de sempre e com o pedido que ele próprio nos fez. Mas também não seremos brandos nas críticas que a sua acção nos merecer, nem deixaremos nunca de o pressionar a imprimir a dinâmica que a gravidade dos problemas impõe, nem tão-pouco de o apoiarmos nos casos em que as obras a empreender mereçam o nosso aval e onde o interesse nacional o exija.
Após o debate, a interpretação que fazíamos do Programa do Governo não só se manteve, como para nós ficou mais solidificada. Dai que tenhamos votado a nossa moção de rejeição do Programa do Governo.
É, pois, com amargura que concluímos que as questões que enunciámos no início da nossa intervenção, e que reflectem a dúvida que suscitou à grande maioria dos Portugueses a solução governativa encontrada, têm toda a razão de ser, mesmo após o debate que nesta Assembleia se travou.

Porém, em democracia existem sempre alternativas, esta a sua grande virtude, e a que o Partido Social-Democrata representa continua, e continuará, bem viva e faz-se pela afirmação, em cada momento e para cada questão, de qual é a nossa proposta.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, se me dá licença, é só para informar que terminou o período de antes da ordem do dia e que se encontra na Mesa um requerimento a pedir a sua prorrogação.
A Assembleia tem alguma coisa a opor?

Pausa.

Como não tem, faça favor de continuar, Sr. Deputado:

O Orador: - Por esta razão, não terminaremos esta declaração sem que nos debrucemos um pouco sobre as matérias fundamentais para a urgente resolução dos problemas da nossa agricultura que ou não foram referidas no Programa e no seu debate ou o foram de tal forma que nem nos permitiram verificar qual o seu significado nem sequer analisar as suas consequências.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O objectivo prioritário de uma política agrícola que se encontra largamente dependente do exterior em bens alimentares e onde tal situação constitui grave problema financeiro é sem dúvida o do aumento da produção agrícola.
0 estado de estagnação a que desde há longos anos a nossa produção está sujeita demonstra-nos que existem bloqueamentos que há que inventariar e simultaneamente apresentar uma estratégia para os ultrapassar. Em nosso entender, os principais são: a inadaptação das estruturas produtivas; a desorganização da nossa produção e o desordenamento territorial; o atraso tecnológico dos nossos "modos de produzir", e a deficiente preparação cultural e profissional dos nossos agricultores e trabalhadores rurais.
A deficiência das nossas estruturas produtivas é, sem dúvida, um grande obstáculo que teremos de ultrapassar. Porém, já temos o instrumento jurídico para tal obra, pois é nossa convicção de que pela regulamentação correcta da Lei das Bases Gerais da Reforma Agrária e com sua aplicação se poderão vir a resolver quer os intervenientes técnicos que ainda hoje, em larga escala, poderemos detectar na zona de intervenção - a cultura extensiva, a tendência para a monocultura, pousios que abrangem cerca de 1 milhão de hectares -, quer os inconvenientes do minifúndio - a agricultura de subsistência, o autoconsumo e a inviabilidade económica e social.
0 desordenamento territorial e produtivo é problema que urge enfrentar, mas que não poderá ser resolvido pela via legislativa ou só por ela, pois implica uma estratégia de utilização de recursos, a curto e a médio prazos, que só o Governo poderá fazer.
Impõe-se a qualquer governo empenhado na resolução deste difícil mas tão importante problema a apresentação de um "plano director da produção agrícola", onde, de acordo com as nossas potencialidades, se definam os seguintes parâmetros: "o que

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devemos produzir", "onde devemos produzir", "quais os modos de produzir".

O Sr. Armando Correia (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Sem tal plano, sem se fazerem as opções e os estudos que a sua elaboração implica, jamais conseguiremos que todas as medidas e incrementos à produção (crédito, preços, subsídios, incentivos fiscais, etc.) actuem no sentido da concretização dos objectivos que se apresentem.
A melhoria do nível tecnológico dos actuais processos produtivos é o terceiro parâmetro que nos propusemos abordar.
Sendo certo que o aumento da produção não se poderá basear em substanciais acréscimos da área cultivada, mas sobretudo na elevação do nível de tecnologia de produção, encontramos, porém, à partida bloqueamentos graves que o Governo terá de resolver.
Como é que o agricultor poderá utilizar a adubação racional, fazer o esquema de tratamentos correctos ou mecanizar a sua exploração quando, sempre que procura adquirir estes factores, os encontra sempre e sempre mais caros?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Em nossa opinião, este problema só poderá ser resolvido a curto prazo através de uma política selectiva de subsídios aos factores de produção, subsídios que urge criar.
Como se poderá fomentar a mecanização na agricultura quando se bloqueia a emissão de boletins de registo de importações para tractores e máquinas agrícolas?
Em nosso entender, as importações de bens de equipamento para a agricultura não podem ser restringidas ao ponto de não darem satisfação ao mercado, pois os acréscimos de produção que ocasionarão certamente que permitem contrapartida positiva entre as divisas poupadas pela diminuição de importação de bens alimentares e as divisas despendidas com importações deste equipamento indispensável.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - De pouco servirá pôr à disposição dos agricultores um eficiente serviço de extensão rural, mesmo que este esteja devidamente apoiado na investigação e experimentação agrícola, se não se resolverem os problemas que acabamos de referir.

De resto, não nos parece que o problema da extensão rural esteja definitivamente resolvido só porque se criou esta Direcção-geral no Ministério da Agricultura e Pescas.

Erros gravíssimos se têm cometido, lançando técnicos de extensão sem experiência, com deficiente preparação e, em muitos casos, nos últimos anos, mais com objectivos de doutrinação política do que técnica. Estas circunstâncias originaram um clima de de desconfiança do agricultor perante o técnico.

É necessário dignificar o técnico, dando-lhe formação permanente e fazendo apenas o seu lançamento quando já tenha alguma experiência para inspirar confiança.

É necessário dignificar o agricultor e o trabalhador rural, oferecendo-lhe formação profissional e respeitando os seus valores.
Para quebrar esta situação seria necessário desde
já dotar as regiões agrícolas de "propriedades piloto", alargando-as depois às sub-regiões, pois o agricultor é receptivo a inovações desde que confie na competência dos divulgadores e possa "ver para crer".
Sr. Presidente e Srs. Deputados: 0 que ficou dito, apesar do muito que ficou por dizer, permite-nos concluir o seguinte: os problemas da nossa agricultura não poderão ser resolvidos apenas com simples medidas. Eles exigem um projecto profundo, claro e duradouro.
0 Governo, quer através do seu Programa, quer pelo comportamento no debate, quer pela sua composição, não nos apresentou tal projecto nem mostrou a vontade e o querer necessários para o realizar.
0 Partido Social-Democrata, como partido da oposição, continuará na luta para que tal projecto seja realidade para bem dos Portugueses e, porque esta intervenção lhes é dirigida em especial, para o bem dos agricultores e dos trabalhadores rurais.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente:- Tem a palavra o Sr. Deputado
Amaro da Costa.

O Sr. Amaro da Costa (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Queria dar um esclarecimento ao Sr. Deputado que acabou de usar da palavra.
O Sr. Deputado referiu-se à circunstância de o meu colega Carvalho Cardoso ter, na sua interpretação, dito em determinado momento que não lhe competia defender o Governo. Permito-me corrigir o Sr. Deputado, pois não foi isso que o meu colega Carvalho Cardoso afirmou. 0 que de disse foi que não lhe competia defender o Programa do Governo, na medida em que, não se tratando de um Governo de coligação, o Programa do Governo é da responsabilidade colegial do Governo. Não compete aos Deputados, sejam do Partido Socialista, sejam do CDS ou de que partido forem, estarem a defender o Programa do Governo no sentido estrito de quem defende algo de que é autor.
Naturalmente não passou pela cabeça do Sr. Deputado Carvalho Cardoso - nem decerto passa pela cabeça do Sr. Deputado que acabou de usar da palavra - que o CDS deixe de apoiar o Governo pelo facto de o Sr. Deputado pretender fazer interpretações torcidas daquilo que é afirmado nesta Câmara.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Herculano Pires para fazer a leitura de um relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos.

O Sr. Herculano Pires (PS): - Em reunião realizada no dia 15 de Fevereiro de 1978, pelas 11 horas, foram apreciadas as seguintes substituições de Deputados:

1 - Solicitada pelo Partido Socialista: Alberto Augusto Martins da Silva Andrade

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(círculo eleitoral do Porto), por João Luís Duarte Fernandes; Delmiro Manuel de Sousa Carreira (círculo eleitoral de Lisboa), por Rui António Ferreira da Cunha (esta suspensão é pedida por um período de seis meses); Emílio Rui da Veiga Peixoto Vilar (circulo eleitoral do Porto), por David dos Santos Silva.
2 - Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha, verificou-se que os substitutos indicados são real e actualmente os primeiros candidatos eleitos ainda não solicitados na ordem de precedência da lista eleitoral apresentada a sufrágio pelo referido partido nos respectivos círculos eleitorais.
3 - Foram observados todos os preceitos regimentais e legais.
4 - Finalmente, a Comissão entende proferir o seguinte parecer:

As substituições em causa são de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.

A Comissão: Presidente: Álvaro Monteiro (PS) Secretários: Alexandre Correia de Carvalho Reigoto (CDS) - Herculano Rodrigues Pires (PS) - Cristóvão Guerreiro Norte (PSD) - Amélia Cavaleiro Monteiro de Andrade de Azevedo (PSD) - Victor Afonso Pinto da Cruz (CDS) - Álvaro Augusto Veiga de Oliveira (PCP).

O Sr. Presidente: - informo a Câmara de que se encontram na Mesa duas propostas de lei da Assembleia Regional da Madeira, uma quanto à regionalização da banca e fundo cambial na Região Autónoma da Madeira e outra quanto aos investimentos estrangeiros na Região Autónoma da Madeira, tendo baixado à 6.ª Comissão.
Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Gusmão.

O Sr. Manuel Gusmão (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: 0 Grupo Parlamentar do PCP, como, segundo cremos, outros grupos parlamentares, recebeu elementos e um protesto sobre um caso verdadeiramente estranho e condenável que, por aparentemente insignificante que pareça, merece, apesar de tudo, ser trazido a esta Assembleia da República.
Trata-se do facto de praças da GNR se terem
apresentado, ao que conhecemos, em duas escolas
- uma na Gafanha da Nazaré e outra em Tarouca
- inquirindo se aí se estudaria por um livro sobre
estudos sociais da autoria de Fins do Lago e
Maria José Dinis. Vários foram os jornais que noticiaram
tal ocorrência, pelo menos no que se refere
à Escola de Cambeia (Gafanha da Nazaré), entre os
quais 0 Primeiro de Janeiro e o Diário de Lisboa.
0 livro, ao que consta, foi publicado com toda a normalidade e legalidade há cerca de dois anos, data desde a qual se encontra à venda.
Recorda-se que é doutrina oficial não dever reregressar-se à "política do livro único", embora não se possa "deixar de ponderar na qualidade do livro escolar e demais instrumentos individuais de trabalho e nas consequências de uma total liberdade de mercado". Igualmente se recorda que o MEIC publicará

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no Diário da República lista dos instrumentos individuais de trabalho escolar submetidos a apreciação, de que constará referência expressa aos que tiverem sido reprovados. Não é o caso em causa.
Da critica dada em 0 Primeiro de Janeiro referiu-se que a justificação apresentada pelas praças da GNR foi conhecida: que recebiam ordens.
Quando se proeurou uma explicação mais concreta, nada foi adiantado para além de que a ordem vinha de "alguém" com rótulo de "confidencial".
Não está propriamente em causa a acção das praças da GNR, mas de quem lhes deu as ordens. 0 que importa é o que leva à própria pergunta das referidas professoras interrogadas: "Mas que é isto?" E o que o professor, co-autor do livro, que se nos dirige e também pergunta: "Mas que é isto? A que título, sob que norma ou lei se acoberta esta ordem? Quem é o alguém que dá ordens destas, de modo que sejam cumpridas, e a coberto de que 'confidencialidade legal' e de que legitimidade é possível dá-las?"
Sr. Presidente, Srs. Deputados: 0 que aqui está em causa não é tanto sequer a liberdade de expressão de um ou dois autores de um manual escolar, mas mais precisamente a liberdade de ensino e os meios de que as "autoridades" - supomos que de "autoridades" se trate - se podem servir para intervir no delicado problema da educação da juventude.
À face de todos os princípios constitucionais e democráticos, este procedimento, mas sobretudo o de quem o ordena - e encobertamente o ordena - são não só inverosímeis e insólitos, mas, sobretudo, inaceitáveis, até pelo que revelam de intimidação policiesca.
A opinião pública e as forças democráticas devem estar atentas a manejos deste tipo, que só podem. servir para que se desacredite o regime democrático.
Face a estes factos intoleráveis, o Grupo Parlamentar do PCP alerta, condena e chama a atenção para o facto de que o Portugal democrático saldo de Abril de 74 e que tem uma Constituição para ser cumprida não pode estar à mercê daqueles que, como repetidamente temos alertado, não estão dispostos a cumprir e, em muitos casos, não compreendem sequer os princípios democráticos que nos regem.
Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra. o Sr. Deputado Fernando Reis Luis.

O Sr. Fernando Reis Luís (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: 0 desporto é uma escola. Disso não tenho dúvidas. Disso não têm dúvidas todos aqueles que o praticaram ou praticam. Disso duvidarão, ou não terão a certeza da evidência, aqueles que têm o conceito de que desporto é somente espectáculo. Também o é, mas devia sê-lo em segundo lugar. 0 desporto não deve ser pervertido e a política sobre o sector deveria no passado ter sido dirigida no sentido de levar pessoas aos estádios para praticar ' desporto, e não para fazer ginástica à língua e à garganta, através de gritos que, na maioria dos casos, não constituem boa escola moral e cívica.
Portugal tem no momento uma boa percentagem de "desportistas" que, pelo menos, o praticam três

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vezes por semana, ou seja, praticam desporto de bancada ao domingo, desporto de leitura jornalística e discussão à segunda-feira e o totobola durante a semana. Mas não é desse tipo de desporto que os Portugueses necessitam. Ele fez falta para ajudar a oprimir o povo antes do 25 de Abril. Era escola do fascismo, mas não poderá continuar a sê-lo. Os Portugueses devem ir aos estádios, aos ginásios e aos campos pelados ou a outros lugares onde é possível fazer exercício físico, em primeiro lugar, para o praticar e, a partir daí, também a moldura dos estádios ficará enriquecida, quando esses mesmos verdadeiros desportistas forem, em determinado momento, espectadores.

0 desporto é uma escola, comecei por afirmá-lo no início. Mas, como qualquer escola, poderá ser boa ou má, pelo que se ensina, pelo que se pretende ou pelos seus objectivos visíveis ou ocultos. A escola foi má, serviu objectivos ocultos e, como tal, deve ser transformada. 0 que afirmo todos o conhecem. Foi tomada consciência dessa realidade e foram feitas tentativas válidas para obstar a tal orientação antidesporto a que chamavam desporto. Muito está para fazer e é um imperativo pôr mãos à obra e pôr mãos contra a ruína do que de válido nos resta, que, não sendo muito, é algo que pode aproveitar-se, modificar e desenvolver, com directrizes correctas. 0 desporto não deve servir a política, mas a política deve servir o desporto.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: 0 momento actual é de correcção de erros passados, pelo que é urgente que se encarem as soluções de frente, com vontade de vencer, sem hesitações e sem ficarmos nas lamentações do que poderia ter sido feito e não se fez.
O desporto serve para enriquecer o homem moral e fisicamente, e não materialmente. Não pode nem deve servir para valorizar o homem ao mesmo tempo que nega a sua dignidade. Não pode ser hoje o motivo de uma neo-escravatura em que o homem é objecto que se transacciona em leilão, ao sabor da melhor oferta, em que os compradores olham agora para as botas que esse objecto calça quando ontem olhava para os músculos que lhe daria a vitória na arena, onde esse homem mataria ou morreria às mãos de outro homem ou de uma fera, sem nunca ter chegado a ver a diferença entre homem e fera.

Nós, Portugueses, fomos dos primeiros povos a abolir a escravatura dos tempos passados e não podemos hoje aceitar um novo tipo de escravatura que, como nova que é, tem cara diferente, mas não menos aviltante e não menos ofensiva que a tradicional, se compararmos as estruturas das sociedades de então e o seu nível de desenvolvimento cultural, moral e humanista.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Noticias ultimamente vindas a público através dos órgãos de comunicação referem a possibilidade - ou a certeza de uma transferência de um jogador de futebol de um clube espanhol para um clube português. Só isso não justificaria aqui a sua referência, mas sim pelo que ela envolve de ofensivo para o povo português, ainda que o jogador em causa seja português - não é a pessoa, como tal, que está em causa, mas o acto em si mesmo. É que esta transferência vai custar ao Pais a quantia de cerca de 10 000 contos e esse jogador ganhará aproximadamente 200 contos por

mês, ou seja, cerca de quarenta vezes mais que o ordenado mínimo nacional.
A dignidade do homem e do desporto e a salvaguarda dos interesses morais, culturais e financeiros dos Portugueses impunha-me que a minha voz aqui se fizesse ouvir para chamar a atenção para tal facto e mostrar o meu desacordo total como homem, como português e como desportista.
É em nome do povo português, em nome da salvaguarda
dos interesses do Pais, em nome da dignidade
do homem e do desporto, em nome dos verdadeiros
desportistas que praticam o desporto pelo desporto. e
em nome da própria dignidade dos clubes desportivos
portugueses - e daquele que neste momento está em causa
- que daqui, desta bancada, protesto e
solicito que as autoridades competentes se imponham
- para obstar a este defraudar do desporto e da
economia. É daqui, desta bancada, que desde já requeiro
ao Governo que fiscalize e não autorize a
saída de divisas do País para tal fim, não só para
este caso concreto, mas para toda e qualquer transferência
de atletas estrangeiros para o nosso país, e,
ao mesmo tempo, tome medidas para gradualmente
evitar a entrada de técnicos estrangeiros, que corresponde
a uma saída de divisas e a um obstáculo à
luta contra o desemprego dos técnicos portugueses,
ao mesmo tempo que devem ser facultados cursos
de aperfeiçoamento no estrangeiro, no caso de
reconhecida necessidade.
A terminar, lembrarei a todos os clubes e ao Governo a sua responsabilidade na formação não de escolas de máquinas humanas para correr ou chutar, mas de escolas de desportistas e de homens.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Soeiro de Carvalho.

O Sr. Soeiro de Carvalho (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Foi em 1936: - quarenta e um anos passados. 0 Ministério da Agricultura, com o Decreto-lei n.º 27 207, criou a Brigada Técnica da V Região, a instalar em Lamego e cuja actividade era alargada a mais doze concelhos: Armamar, Cinfães, Moimenta da Beira, Penedono, Resende, S. João da Pesqueira, Sernancelhe, Tabuaço, Tarouca, Vila Nova de Paiva, Meda e Vila Nova de Foz Côa eram os beneficiados.
Tempos duros esses em que o trabalhar a terra se fazia sentir bem nas mãos dos agricultores. As máquinas eram as charruas que os bois puxavam e as novas técnicas não eram lá conhecidas nem para lá tinham transporte. Os processos, de primários, tornavam a terra mais madrasta ainda.
Tempos que duraram, e que os homens do Douro sul, como todos que nas lides da terra a regavam com a água que do corpo jorrava, não deixaram que os mesmos parassem. Tudo fizeram na sua vontade de ferro para transformar uma agricultura atrasada noutra que não fosse só de sobrevivência. Houve pioneiros. Da sua valentia o tempo não apagará o sentimento reconhecido dos pequenos lavradores.
Um homem alto, tez queimada e sulcada pelo vento campesino e serrano, olhar duro de quem quer ver para além da montanha, roupa grossa e botas cardadas calcorreava os caminhos da serra ou

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da várzea. A todos ensinava o que sabia - e era muito -, para minorar a miséria das gentes da agricultura e melhorar a sua produção.
É esta a imagem que ainda retenho do chefe da então Brigada Técnica da V Região, quando dela saiu reformado. Era o engenheiro Luís de Sousa.
Com ele seguiram uns tantos que a exemplo colaboraram, dinamizaram e criaram incentivos novos para que os herdeiros do trabalho da terra a ela ficassem ligados, na certeza de uma compensação justa, em vez da troca negativa a fazer por qualquer lugar de emprego na cidade. mais atraente.
Serviço patriótico este o de garantir a independência nacional na alimentação e no trabalho. Trabalho que estes tantos quiseram tornar favorável ao desenvolvimento daqueles que o praticavam.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A verdade desdobra-se aos nossos olhos numa realidade bem visível: 1000 ha de pomares em produção, cursos de formação profissional agrícola, núcleos de produção de batata de semente, cursos de extensão agrícola familiar e programa cooperativo de educação em nutrição, acção notável na profilaxia das epizootias, promoção e criação de dezassete cooperativas agrícolas e de cerca de cinquenta instalações de frio e tantas outras reconhecidas pela unanimidade da lavoura, sendo de notar, ainda, os cursos de podadores, de viveiristas, de arboricultores, de tractoristas, de capatazes fitossanitários e o desenvolvimento da produção leiteira.
Estes, alguns dos serviços com que os agricultores de toda a vasta região Douro sul contavam e deles não vão abdicar.
Acabaram as brigadas técnicas e foram criadas, com o despacho ministerial de 2 de Janeiro de 1978, se bem que a título provisório, sete regiões agrárias e vinte e uma sub-regiões.
Por mais que se procure neste despacho não se consegue descortinar o nome de Lamego. Não está lá nem Lamego nem terra que, com as mesmas características de produção, possa colmatar a grave lacuna que a extinção destes serviços de apoio acarreta para toda esta região Douro sul.
Será que houve esquecimento ou pretendeu-se mesmo postergar toda uma região cujas características não se podem confundir com zonas só vinhateiras? A heterogeneidade desta vasta região, que tem sido sempre um saco donde se tem tirado tudo e pouco se tem posto, não vai permitir que especialistas de vinhas passem a tratar os seus pomares e hortas.
Uma preocupação angustiante se apodera dos Iavradores-agricultores habituados já à serenidade que lhe conferia o apoio técnico cujo equilíbrio está próximo da ruptura. Se se pretende maior eficácia com a regionalização dos serviços, como se justifica, evocando essa maior eficácia, a transferência de serviços agrícolas e pecuários há muito radicados em Lamego em vez de os aumentar nos seus quadros que vinham já a ser insuficientes?
"Gentes e terras unidas pelos costumes, pelo sentir [ ... ]", dizia o então Ministro António Barreto, a quem aproveito para render as minhas homenagens pelo sentido geral que deu à sua política agrária.

O Sr. António Lacerda (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Com o seu despacho de 2 de Janeiro de 1978, vimos o esfrangalhar de todo um mesmo sentir e o separar dos mesmos costumes. Costumes e sentires amparados pelos contrafortes das serras de Leomil, da Lapa e Montemuro ... Essas, as autênticas divisões regionais naturais. Com o dito despacho, temos assim um mapa onde as serras nada representam; os costumes e os sentires de Cinfães e Resende irão ver o S. Bentinho da Porta Aberta ou a festa do traje na região de Braga; Meda fornece-se de queijo em Castelo Branco; S. João da Pesqueira, Armamar, Tabuaço e Lamego, unidos na desgraça, receberão alheiras de Mirandela; Moimenta da Beira, Tarouca e Sernancelhe ouvirão o fado Coimbrão na Região de Coimbra. Assim, os costumes de Coimbra e Braga e os sentires de Mirandela e Castelo Branco irão ter convergência no Douro sul, gozando o encantamento do vinho do Porto ou o sabor do vermelho presunto de Lamego ou talvez assistir às festas da romaria de Portugal, "Nossa Senhora dos Remédios", em Lamego, e aí, sim, "gentes e terras unidas pelos costumes, pelo sentir [ ... ]"
Curiosa divisão esta.
Porquê a razão desta regionalização a não coincidir com as regiões plano previstas pelo MAI?
Se bem que no despacho do Sr. Ministro se diga "ser a titulo provisório e indicativo" e a "coincidência num futuro com as regiões Plano", não iremos - pensar que tal coincidência será numa adaptação do plano já existente do MAl. Nesse plano Lamego é considerada, pela sua localização geográfica, um importante nó rodoviário e também, por via disso, como centro demográfico de uma região que consequentemente tem os mesmos usos, costumes, sentimentos e semelhanças de vontade e produção. E principalmente os mesmos problemas.

Nestas circunstâncias, e também por esta razão, foi previsto um agrupamento de concelhos pelo Ministério da Administração Interna cujo pólo dinamizador é Lamego.
Aí funciona já um gabinete técnico de apoio que aos concelhos já enumerados vem prestando serviços. Também para apoio de todas estas gentes existe em Lamego um hospital distrital, um liceu, uma escola comercial e dois colégios recebem os alunos dos ditos concelhos. Uma escola do magistério primário forma os futuros mestres dos filhos da agricultura. 0 Distrito de Recrutamento e Mobilização, a Escola de Formação de Sargentos, a Corregedoria Judicial, o Tribunal do Trabalho e os Serviços Florestais, tudo, originam que a Lamego convirja toda uma vasta região que à agricultura se dedica.

0 desaparecimento de Lamego, em vez da reestruturação, dos serviços de apoio à agricultura e à pecuária criará um vazio e um desinteresse, mesmo uma apatia, e em breve se viverá num marasmo donde dificilmente se sairá recuperado.

Temos de respeitar a obra já realizada. Estão os serviços montados, há hábitos adquiridos, há um numeroso núcleo de funcionários com os seus agregados familiares que naquela cidade de Lamego encontraram a sua estabilidade económico-social. Desenraízar estes e aniquilar aqueles é provocar uns custos desnecessários e inúteis com graves prejuízos

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para a economia nacional e dos quais se não vislumbra quaisquer compensações.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Temos de atender à vontade das populações, dos agricultores, dos comerciantes, dos funcionários e dos políticos; são eles os interessados, são eles que sentem a estranheza revoltante das decisões tomadas nos gabinetes.
Façamos a justiça de reconhecer que o Douro é estruturalmente uma região agrária e, como tal, deve ser tratada. A vertente sul, pelas condições específicas que possui, e já apontadas, deverá ser uma sub-região. Essa é a necessidade que se faz sentir nas gentes do Douro Sul. Necessidade justa essa que, por tal, se torna um direito.
Lamego tem o direito de ter uma sub-região agrária. o Douro Sul terá de ser uma sub-região agrária.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como temos marcada uma reunião dos grupos parlamentares que, suponho eu, será um pouco demorada, se estivessem de acordo interromperíamos agora a sessão e recomeçaríamos às 18 horas.
Há alguma oposição?

Pausa.

Como não há oposição, a sessão está suspensa.

Eram 17 horas e 15 minutos.

A seguir ao intervalo assumiu a presidência o
Sr. Vice-Presidente Manuel Tito de Morais.

O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão.

Eram 18 horas e 40 minutos.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Da primeira parte da nossa ordem do dia consta a apresentação, pelo PCP, do projecto de lei n.º 98/1, sobre amnistia das ocupações efectuadas após 14 de Abril de 1975 e respectiva legalização.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Alda Nogueira para a respectiva apresentação.

A Sr.ª Alda Nogueira (PCP)- - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Encontram-se claramente expressas no artigo 50.0 da Constituição da República as garantias gerais dos direitos dos cidadãos, bem como as condições da sua efectivação.
No que ao direito à habitação respeita, tais garantias encontram-se definidas com meridiana clareza no artigo 65.º, onde se lê, no ponto 2:

2 - Para assegurar o direito à habitação, incumbe ao Estado:

a) Programar e executar uma política de habitação inserida em planos de reordenamento geral do território e apoiada em pianos de urbanização que garantam a existência de uma rede adequada- de transportes e de equipamento social;

b) Incentivar e apoiar as iniciativas das comunidades locais e das populações tendentes a resolver os respectivos problemas habitacionais e fomentar a autoconstrução e a criação de cooperativas de habitação;

c) Estimular a construção privada, com subordinação aos interesses gerais.

Ainda no mesmo artigo 65.º da Constituição da República se consagra claramente que "todos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar". E neste mesmo artigo 65.º se traçam as grandes linhas da política habitacional do Estado que (cito) "adoptará uma política tendente a estabelecer um sistema de renda compatível com o rendimento familiar e de acesso à habitação própria".

Finalmente se afirma ainda neste mesmo artigo que "o Estado e as autarquias exercerão efectivo controlo do parque imobiliário, procederão à necessária nacionalização ou municipalização dos solos urbanos e definirão o respectivo direito de utilização".

Sr. Presidente, Srs. Deputados: 0 que se verifica é que, na prática, o imperativo constitucional não foi nem de longe concretizado. Continuam a haver no País centenas de milhares de famílias sem casa ou que vivem em tais condições que são, por si só, a negação do direito constitucional, já referido, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar.

A herança do fascismo neste campo da habitação cifrava-se num deficit de alojamentos que ultrapassava, em 25 de Abril de 1974, os 700 000 fogos.

Das casas existentes 57 % não tinham água corrente, 68 % não tinham casa de banho, 50 % não tinham rede de esgotos, 38 % não tinham energia eléctrica, 87 % das sedes de concelho não realizavam o tratamento de águas poluídas e de esgotos.

Na verdade o fascismo não foi só a superexploração dos trabalhadores, a eliminação das liberdades, o terror e a guerra. Foi também o completo desprezo pelas necessidades e condições de vida das populações do nosso país:

Paralelamente à situação de carências gritantes já referidas de casas em condições de serem habitadas existiam milhares de fogos devolutos velhos e outros de construção recente.
Quer dizer: por um lado, um parque habitacional manifestamente insuficiente quer no que respeita ao número de casas quer no que respeita às condições de habitação de grande número destas e, por outro lado, milhares de casas com condições de habitação que não se encontravam utilizadas.

Foi nestas condições que tiveram lugar as ocupações de fogos habitacionais no nosso país.

É evidente que houve diversas condições e intuitos que estiveram na raiz, de algumas destas ocupações, tal como é evidente que havia a necessidade de uma rápida correcção de situações de injustiça eventualmente criadas.

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Era pois necessário instituir um dispositivo que permitisse a regularização das ocupações de fogos devolutos.
0 Decreto-Lei n.º 198-A/75 veio definir, no seu artigo LO, n.º 2, o conceito de fogo devoluto ao afirmar que "considerar-se-ão devolutos os fogos em relação aos quais, à data da ocupação:

a) Se encontrasse excedido o prazo de sessenta dias, contado a partir da data da cessação do último arrendamento ou da data da concessão da licença de utilização, ou ainda da data da celebração do contrato de compra do fogo, quando este se destina a habitação;
b) 0 proprietário se encontrasse em falta no cumprimento do disposto no artigo 19.º do Decreto-Lei n.º 445/74 [ ... ]

ou seja, se o proprietário não tivesse no prazo de dez dias comunicado à câmara municipal os dados correspondentes ao fogo devoluto (número de divisões, renda, etc.), quer tratando-se de simples casa para alugar, quer tratando-se de habitação secundária não ocupada no prazo de seis meses ou de habitação em praia ou campo ou termas desocupada há mais de um ano.
0 objectivo do Decreto-Lei n.º 198-A/75 - a regularização das ocupações de fogos devolutos - é apontado logo ao abrir, no seu artigo 1.º, onde se lê:
As ocupações de fogos devolutos levadas a efeito para fins habitacionais, antes da entrada em vigor deste diploma, em prédios pertencentes a entidades públicas ou privadas, serão imediatamente legalizadas através da celebração de contrato de arrendamento.

Mais ainda: este decreto fixava o prazo para a celebração do contrato de arrendamento de trinta dias após a entrada em vigor do decreto e estabelecia que, no caso de o senhorio não cumprir o que nele se dispunha, "o contrato de arrendamento será imediatamente celebrado, em nome dele, pela respectiva câmara municipal, ou, mediante delegação desta, pela junta de freguesia da localização do fogo", devendo então as rendas (relativas ao período decorrido desde a ocupação à celebração do contrato), neste caso e só neste caso, reverter a favor da câmara municipal.
Ao exceptuar do conceito de fogos devolutos os que eram destinados à venda, à habitação própria ou de família (mesmo secundária, desde que em várias localidades) ou à habitação por curtos períodos de férias nas praias, campo ou termas, os que tivessem projecto para nova construção já entra o na câmara ou cuja demolição seja admissível os fogos destinados pelas empresas para habitação do pessoal ou os integrados nos prédios rústicos destinados à habitação dos rendeiros, os fogos propriedade de emigrantes, bem como os construídos para categorias populacionais determinadas, o Decreto-Lei n.º 198-A/75 deixava bem claro o próprio conceito de fogo devoluto.
Ao reconhecer que, independentemente da via utilizada, tais ocupações se tinham inserido na satisfação de necessidades urgentes e atendíveis dos estratos extremamente desfavorecidos da população, ao aludir

à sua legalização, o Decreto-Lei n.º 198-A/75 penalizava ao mesmo tempo justamente actuações abusivas dos proprietários que, em violação da legislação em vigor, não tivessem declarado para arrendamento os fogos devolutos da sua propriedade.
Ao mesmo tempo o Decreto-Lei n.º 198-A/75 declarava criminalmente puníveis e insusceptíveis de regularização todas as ocupações que viessem a ter lugar após a sua entrada em vigor, ou seja, após 14 de Abril de 1975.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Que se passou, porém, na realidade?
A realidade veio pôr em causa, nomeadamente nos casos de infracção à legislação em vigor, a eficácia dos mecanismos instituídos para a atribuição dos fogos devolutos. 15to, por um lado, em consequência " de desigual resposta das autarquias e, por outro lado, porque o processo administrativo preconizado na lei (ainda que expedito) esbarrou com a inércia de certos serviços camarários e se tornou, por isto mesmo, um processo moroso.
E também ainda porque as verbas atribuídas às autarquias, segundo as Leis n.º 11/76 e 60/77, o foram não se tendo elaborado qualquer plano de distribuição dessas verbas com a participação das autarquias. Disto resultou uma distribuição de verbas anárquica, arbitrária e muitas vezes, segundo critérios não objectivos.
De tudo isto e da resistência da maioria dos proprietários em causa resultou que foram os interesses destes que acabaram por prevalecer sobre os dos ocupantes, cujo número aumentara entretanto.
Até porque, entretanto, também o envelhecimento dos fogos que deixaram de ser utilizáveis (calcula-se em 12 000 por ano), o aumento da procura de casas por parte dos jovens e o regresso de portugueses que viviam nos novos países africanos absorveram largamente as novas habitações construídas após o 25 de Abril, pelo que as carências então existentes não só se mantiveram como até se terão agravado (não se percebe assim que motivos terão levado o Sr. Ministro da Habitação a afirmar há dias que as carências existentes serão de 500 000 fogos).
Finalmente, a realidade provou ainda a não justeza de data escolhida para separar as ocupações susceptíveis de regularização das não regularizáveis e, consequentemente, puníveis, como era expresso no artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 198-A/75:
Em consequência disto, sobre muitos ocupantes (aliás oriundos dos estratos extremamente desfavorecidos da população) passou a pesar a ameaça de sanção criminal, ainda que as suas actuações se situassem no campo da satisfação das "necessidades urgentes" consideradas de atender no Decreto-Lei n.º 198A/75.
Acresce ainda que a esmagadora maioria dos ocupantes desejava a celebração do arrendamento dos fogos ocupados.
É neste quadro que se insere toda a acção levada a cabo pelos ocupantes, comissões de moradores e autarquias na sua luta persistente para a abertura de novos prazos para a regularização das ocupações de fogos devolutos para fins habitacionais, quer antes, quer depois de 14 de Abril de 1975.
A publicação do Decreto-Lei n.º 294/77, de 20 de Julho, veio criar um novo dispositivo de legalização

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das ocupações, fixando novos prazos para esta legalização.
Porém, porque foi elaborado sem ter em conta propostas, sugestões e críticas dos interessados e porque foi publicado em período de férias (o que tornou praticamente impossível ou muito limitada a sua divulgação e impossível a sua aplicação, já que não funcionavam os mecanismos judiciais e notariais), tal Decreto-Lei n.º 294/77 não veio resolver o problema de legalização das ocupações. 15to mesmo, aliás, é reconhecido pelo próprio Governo no preâmbulo da Lei n.º 510/77, de Dezembro, em que se determina a prorrogação do prazo e se admite a notificação extrajudicial dos interessados reclamada pelos ocupantes porque incomparavelmente mais barata e mais simples.
Entretanto várias organizações de ocupantes e autarquias foram insistentemente apontando as várias deficiências do mecanismo instituído pelo Decreto-Lei n.º 294/77, cujo âmbito se restringia, tal Gomo o anterior, n.º 198-A/75, às ocupações realizadas antes de 14 de Abril de 1975.
Numerosas assembleias de freguesia e juntas de freguesia fizeram chegar à Assembleia da República seus reparos, criticas e reclamações para a extensão do regime de legislação previsto pelo Decreto-Lei n.º 294/77 às ocupações posteriores a 14 de Abril de 1975.
As próprias Assembleias Municipais de Lisboa e do Porto fizeram aprovar, respectivamente em 31 de Outubro de 1977 e 28 de Dezembro de 1977, moções neste sentido, tendo a da Assembleia Municipal do Porto sido aprovada por unanimidade.
Nem outra coisa era de esperar, quando a verdade é que, como já aqui afirmámos há pouco, as carências habitacionais não só se mantêm como se vêm agravando. Neste quadro assume particular gravidade a política do Ministério da Habitação do Governo do PS "sozinho", aliado de facto à direita: a liberalização dos despejos, através do Decreto-Lei n.º 293/77, as dificuldades criadas em relação à celebração dos contratos do desenvolvimento suprimindo o controle público da primeira comercialização, a definição de um regime de crédito às cooperativas de habitação económica que inviabiliza este programa, um nítido decréscimo da construção de habitação promovida pelo sector público e a devolução de empresas recuperadas pelos trabalhadores ao patronato são algumas das características desta política.

O Sr. Ministro da Habitação e Obras Públicas elogiava há dias o seu antecessor, referindo que o número de fogos construídos no ano de 1977 rondava os 40 000. Não referiu, contudo, a evolução do número de fogos construídos pelo sector público em relação ao sector privado. Ora, é sabido que o acesso das camadas mais carecidas à habitação promovida por entidades privadas é praticamente nulo. Em relação às habitações a que poderiam ter acesso - as promovidas pelo sector público -, o seu número sofreu um forte decréscimo. Na verdade, quando se fala no número de fogos construídos, há que referir a quem são destinados. E a grande maioria dos fogos construídos durante a administração do 1 Governo não foram efectivamente destinados às camadas do nosso povo mais carecidas de habitação.

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Com efeito, e segundo estimativas do grupo de estudos especializados do meu partido, em 1975 foram construídos pelo sector público 25 000 fogos; em 1976, 14 000, e em -1977, 17 150. De sublinhar que destas 17 150 construções públicas em 1977, 9438 fogos não foram construídos, mas sim reparados.
Ficam-nos assim, para as classes mais desfavorecidas, menos de 8000 fogos construídos em 1977.
Daqui se prova que a grande maioria das construções de fogos em 1977 se destinaram aos que mais podem pagar.
Quanto às comparações que o Sr. Ministro fez
sobre os investimentos públicos em 1975, 1976 e
1977 para habitação, há que sublinhar que dos 8,5
milhões de contos que se disse terem sido investidos
em 1977 só 5,3 milhões o foram destinados à habitação,
já que a verba total de 8,5 milhões de contos
serviu para cobrir despesas com a aquisição de terrenos
nem sempre para a habitação e com o equipa
mento do tipo, por exemplo, da comparticipação no
pavilhão gimnodesportivo do Benfica.
Resta ainda acrescentar que daqueles 5,3 milhões previstos se gastaram apenas 3,8 milhões. 15to não entrando em conta com a deflação que necessariamente tem de se fazer quando se comparam verbas de anos diferentes em que a inflação tem vindo a aumentar.
0 Programa do actual Governo e o discurso recente do Sr. Ministro da Habitação e Obras Públicas não permitem avaliar completamente o que será a política da habitação do 11 Governo. São de saudar as intenções - tantas vezes proclamadas e tão poucas vezes concretizadas - de estímulo e dinamização do sector cooperativo, de reorientação e promoção privada através, designadamente, dos contratos de desenvolvimento, no sentido da promoção de habitação social.
Esta orientação, em si mesma, envolve uma crítica à política de habitação do 1 Governo. A ser concretizada, não deixaremos de saudar esta política.
Mas não é sem apreensão que vemos anunciar a intenção de rever e aumentar as rendas de casa, ressuscitando provavelmente um projecto de diploma anunciado pelo 1 Governo, que felizmente nunca chegou a entrar em vigor, e que iria agravar fortemente a situação dos trabalhadores e do povo em geral.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Dado que as iniciativas governamentais no campo da regularização das ocupações de fogos devolutos ficaram muito aquém das necessidades, o projecto de lei n.º 98/I, que hoje o PCP apresenta a esta Assembleia, visa contemplar essas mesmas necessidades.
Apresentamo-lo aqui independentemente, ou antes, sem prejuízo de mais profundas alterações do regime de legalização das ocupações e do próprio regime jurídico dos despejos.
Note-se, a este último propósito dos despejos, que ainda recentemente o Conselho da Revolução considerou inconstitucionais as normas do Código Administrativo respeitantes à competência em matéria de despejos dos administradores de bairro dos concelhos de Lisboa e Porto. Mas continuam vigentes as normas do Decreto-Lei n.º 293/77 e do Código Civil respeitantes à questão dos despejos ... Quer isto dizer que está de pé esse retrógrado conjunto de

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normativas que, numa autêntica dança oscilante em honra do direito de propriedade, sacrificam a garantia constitucional do direito à habitação. Não há limite de idade para o despejo, não há proibição de despejo de doentes incuráveis, não foram revistos e adequadamente restringidos os fundamentos do despejo. Os enormes poderes concedidos aos senhorios subsistem, tendo-se mesmo restabelecido causas de despejo que se encontravam suspensas. A vaga de despejos a que quotidianamente temos vindo a assistir é a expressão gritante da inadequação da política governamental ao cumprimento dos imperativos constitucionais no domínio do direito à habitação ...
Trata-se de ponto a alertar urgentemente. Pela nossa parte não pouparemos esforços para que tal suceda com a brevidade e a eficácia necessárias à resolução do drama dos despejos.
Para este objectivo poderá contribuir também, em medida embora delimitada, este nosso projecto de lei n.º 98/I.
Caracterizemos brevemente o seu alcance e o seu conteúdo exactos. Assim:
0 projecto de lei n.º 98/1 permite a amnistia das ocupações entre 14 de Abril e 31 de Dezembro de 1977, cuja justificação se encontra no agravamento da situação habitacional no Pais neste espaço de tempo, pelos factores que já apresentámos e pela ineficácia dos mecanismos legais entretanto instituídos, ou seja, Decretos-Leis n.ºs 198-A/75, 294/77 e 510/77. Com efeito, no artigo l.º do projecto de lei do PCP lê-se:

São amnistiados os crimes previstos no artigo 8.º destes dois decretos-lei cometidos--entre os dias 14 de Abril de 1975 e 31 de Dezembro de 1977.

0 projecto de lei n.º 98/1 do PCP permite a regularização das ocupações efectivadas após 14 de Abril e cuja justificação já apresentámos.
0 projecto de lei n.º 98/1, no seu artigo 3.º, prorroga novamente o prazo para a legalização para cento e oitenta dias contados a partir da sua entrada em vigor.
Finalmente, o projecto de lei n.º 98/1 consolida a via extrajudicial para os processos a instituir, o que beneficiará inegavelmente as classes mais desfavorecidas.

São, pois, as necessidades prementes da situação que se vive, no que respeita ao problema habitacional, e a difícil situação em que se encontram milhares de ocupantes que determinam este nosso projecto de lei.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Estão abertas as inscrições para pedidos de esclarecimento.

Pausa.

Não as havendo, tem a palavra o Sr. Deputado Guerreiro Norte, para a leitura de um relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos.

O Sr. Guerreiro Norte (PSD):

Comissão de Regimento e Mandatos
Relatório e parecer

Em reunião realizada no dia 16 de Fevereiro de 1978, pelas 17 horas e 30 minutos, foram apreciadas as seguintes substituições de Deputados:
1 - Solicitada pelo Partido Socialista: João José de Carvalho Taveira Pinto (circulo eleitoral de Portalegre) por João do Rosário Barrento Henriques. Esta suspensão é pedida por um período de seis meses.
2 - Solicitada pelo Partido Social-Democrata: José Augusto de Almeida de Oliveira Baptista (círculo eleitoral de Santarém) por Casimiro Gomes Pereira. Esta suspensão e pedida por um prazo não superior a quatro meses.

Analisados os documentos pertinentes de que
a Comissão dispunha, verificou-se que os substitutos
indicados são real e actualmente os primeiros
candidatos eleitos ainda não solicitados
na ordem de precedência da lista eleitoral apre
sentada a sufrágio pelos referidos partidos nos
respectivos círculos eleitorais.
Foram observados todos os preceitos regimentais e legais.
Finalmente, a Comissão entende proferir o seguinte parecer:

As substituições em causa são de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.

A Comissão: Presidente, Álvaro Monteiro (PS) - Vice-Presidente, Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho (PSD) - Secretários: Alexandre Correia de Carvalho Reigoto (CDS) - José Manuel Maia Nunes de Almeida (PCP) António Cândido Miranda Macedo (PS) - Herculano Rodrigues Pires (PS) - Cristóvão Guerreiro Norte (PSD) - Amélia Cavaleiro Monteiro de Andrade de Azevedo (PSD) Álvaro Augusto Veiga de Oliveira (PCP).

O Sr. Presidente: - Vamos agora entrar na segunda parte da ordem do dia, que é o início da discussão do projecto de lei n.º 90/1, regime processual dos crimes de imprensa.
Tem a palavra o Sr. Deputado Soares Louro, para uma intervenção.

O Sr. Soares Louro (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputados: 0 projecto de lei n.º 90/I, apresentado pelo Partido Socialista à discussão e votação desta Câmara, dispensa, pela justeza e clareza dos seus objectivos, quaisquer explicações complementares. Não foi outro, aliás, o entendimento da Comissão de Direitos, Liberdades e Garantias ao submeter-nos o diploma em apreço sem outra informação que não fosse a de que reunia o parecer favorável dos partidos políticos com assento na 2.ª Comissão. Não se explicaria, aliás, que fosse de outro modo.

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0 reforço da celeridade processual dos crimes de imprensa decorre da necessidade, dolorosamente constatada, de se responsabilizarem em tempo útil, através do foro judicial, aqueles que se servem da liberdade para a denegrir, apunhalar e destruir.
A tolerância faz parte do travejamento moral e
jurídico do nosso regime democrático, mas não deve
nem pode ser permissiva para com quem, desrespeitando
o quadro constitucional, se serve da profissão
de jornalista, digna entre as mais dignas e responsáveis
do género humano, para cometer atentados
contra o direito ao bom nome dos cidadãos e das
instituições, intoxicando a opinião pública, semeando
ódios, cabalas e torpezas.
Não há democracia sem liberdade, e não há liberdade sem responsabilidade. 0 Poder Judicial, com a aprovação deste diploma, passará a dispor de mecanismos legais mais eficazes e expeditos para travar o surto de irresponsabilidade e, porque não dizê-lo, de má fé de certos gazeteiros e escrevinhadores que não se honram a si próprios nem às publicações que lhes dão guarida.
A imprensa terá de continuar a ser, aqui e em todo o mundo, o cão de guarda da democracia, o maior garante da sua existência e das liberdades e direitos' dos cidadãos, pelo que não se pode permitir que no seu seio campeiem livremente quantos, por falta de honradez e de idoneidade moral e profissional, a desrespeitam e desprestigiam. Uma imprensa livre e responsável não pode estar à mercê de aventureirismos e de especulações.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge de Lemos, para uma intervenção.

O Sr. Jorge de Lemos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta Assembleia analisa hoje o projecto de lei 90/1, apresentado pelo Partido Socialista, visando a revisão do regime processual dos crimes de abuso da liberdade de imprensa.
A acção penal pelos crimes de abuso da liberdade de imprensa exerce-se, na ordem jurídica portuguesa, nos termos estabelecidos pelo Código de Processo Penal e legislação complementar para o processo correccional, ressalvadas as disposições pertinentes da Lei de Imprensa, cuja redacção tem vindo a ser, neste ponto, corrigida e adequada simultaneamente às necessidades da celeridade processual e da garantia de uma boa administração da justiça.
Foi assim que o Decreto-Lei n.º 181/76, de 9 de Março, veio alterar a redacção dos artigos 37.º, 39.º, 43.º, 52.º e 68.º do Decreto-Lei n.º 85-C/75, de 26 de Fevereiro (a Lei de Imprensa), por precisamente se reconhecer que, "não obstante o carácter urgente atribuído aos processos crimes de imprensa, vários expedientes dilatórios" tinham vindo a impedir que estes se ultimassem com a prontidão desejada.
Desde essa altura, porém, já foi simplificada e acelerada a marcha do processo penal, cujo regime jurídico sofreu numerosas alterações, nomeadamente em obediência ao disposto no artigo 293.º da Constituição.
A experiência revelou, no entanto, que a celeridade processual imposta pelas necessidades de combate à proliferação de infracções que atingem as bases do regime democrático e a própria lei fundamental - aliás, reconhecida pelo legislador - é um objectivo que está ainda longe de ser atingido.
Não são alheias a este facto as características do aparelho judiciário português, cuja transformação exigirá ainda, durante longo período, um aturado conjunto de esforços e providências.
Mas é deste já possível, no domínio específico do regime processual dos crimes de abuso de liberdade de imprensa, recolher e sintetizar algumas conclusões da experiência de aplicação dos normativos até agora existentes. Por isso, só se poderá considerar positivo que sejam colmatadas de imediato algumas das suas insuficiências mais gritantes, sem prejuízo de ulteriores e mais profundas alterações.
E neste domínio cabe precisamente acentuar que a experiência de aplicação das regras gerais dos artigos 55.º a 58.º e do artigo 60.º do Código de Processo Penal não se tem revelado positiva, mas, bem pelo contrário, preocupantemente lesiva do interesse público numa adequada celeridade processual.
A prática reiterada de crimes de abuso de liberdade de imprensa acaba, na verdade, por redundar num injustificado retardamento, quer do julgamento, quer da execução da sentença, devido à aplicação da regra da apensação.
Igualmente inconveniente se tem revelado a prática do julgamento conjunto de agentes da mesma infracção, tudo apontando para que se torne obrigatório o seu julgamento em separado, que o artigo 56.º do Código de Processo Penal até agora meramente permitia, sem no entanto impor.
0 que se acaba de afirmar em relação aos casos de comparticipação valerá, por maioria de razão, para as hipóteses figuradas nos artigos 57.º, 58.º e 60.º do Código de Processo Penal.
Alertando esta Câmara para a necessidade e urgência de ulteriores medidas, o PCP considera que a aprovação do projecto de lei em discussão poderá contribuir para assegurar que sejam julgados e punidos em devido tempo todos aqueles que, abusando da tribuna da imprensa, atentam contra a ordem democrática, contra a Constituição da República e contra o próprio regime democrático.
Por isso mesmo daremos o nosso voto favorável ao projecto de lei n.º 90/I, apresentado nesta Câmara pelo Partido Socialista.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Meneres Pimentel.

O Sr. Meneres Pimentel (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: 0 projecto de lei n.º 90/I, denominado "regime processual dos crimes de imprensa", visa tornar inaplicável aos processos por crimes de imprensa o disposto nos artigos 55.º a 58.º e 60.º do Código de Processo Penal.
Quer isto dizer que, fundamentalmente, o partido proponente, ou seja, o PS, pretende julgar separadamente "as várias e sucessivas infracções à lei de imprensa quando atribuídas ao mesmo autor". 15to é: o projecto, a ser aprovado, corta cerce a possibilidade de um só julgamento para vários crimes cometidos por um só agente.

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Mesmo em homenagem a uma suposta razão de celeridade, o PSD não pode dar o seu acordo a tal projecto, que também retira a possibilidade de um julgamento conjunto de infracções relacionadas objectiva ou subjectivamente.
É sabido que a razão da chamada competência por conexão será, antes de tudo, de economia processual, mas não só, pois a ela acrescem razões de boa administração da justiça penal - juntando processos conexos, será provavelmente mais esgotante a produção da prova e respectivo conhecimento - e mesmo de prestígio das decisões judiciais, pois desaparecerá o perigo de uma pluralidade de decisões sobre infracções conexas se contradizerem materialmente.
No que respeita ao artigo 55.º do Código de Processo Penal, cuja inaplicabilidade aos processos por crimes de imprensa se pretende através do presente projecto, importa ainda salientar que este dispositivo contém as orientações processuais gerais para se proceder ao chamado cúmulo jurídico das diversas penas. Aprovado que fosse este projecto de lei, poderia vir a acontecer que o agente de diversas infracções à lei de Imprensa cumprisse as diversas penas impostas por simples adição aritmética, o que nenhum sistema jurídico de pais civilizado consagra.
Se se receia que a contunácia na prática de infracções deste tipo impede julgamentos célebres, o certo é que a correcta aplicação das actuais disposições do Código de Processo Penal permite evitar este inconveniente.
Daqui a desnecessidade do presente projecto quando exclusivamente motivado, como é, na referida celeridade. Acresce que, como se disse, o referido documento paralegal subverte o equilíbrio na administração da justiça criminal.
Em síntese, diremos que o projecto em causa, exceptuando para os crimes de imprensa regras gerais de competência, constitui um retrocesso na aplicação da lei criminal.
Nestes termos, não nos resta outra alternativa que não seja a de votar contra a admissibilidade do projecto de lei n.º 90/I.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Herculano Pires para fazer um pedido de esclarecimento.

O Sr. Herculano Pires (PS): - Sr. Deputado Meneres Pimentel, admitamos que o projecto de lei apresentado pelo Partido Socialista pode acarretar os inconvenientes que V. Ex.ª referiu na sua intervenção. Eu pergunto-lhe se o Sr. Deputado considera esses inconvenientes mais graves do que aqueles que resultam do facto de uni infractor estar a cometer infracções sucessivas e esperar sempre pela apensação dos respectivos processos sem ser julgado, sabendo V. Ex.ª que uma das virtudes que a justiça deve ter é a de ser pronta e rápida.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Meneres Pimentel deseja responder já ao Sr. Deputado Herculano Pires ou espera pelos outros pedidos de esclarecimento?

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O Sr. Meneres Pimentel (PSD): - Eu preferia responder no fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Então, igualmente para pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS), - Sr. Deputado Meneres Pimentel, eu não deixo dê concordar consigo sobre os inconvenientes que apontou relativamente à pluralidade de condenações e sobre a pluralidade de infracções praticadas pelo mesmo arguido nos crimes de imprensa. Mas gostaria de saber a sua opinião relativamente a esta questão - até porque o Sr. Deputado é uma pessoa entendida nestes assuntos -, nomeadamente se o Sr. Deputado não pensa que o facto de um indivíduo que, por exemplo, escreve num semanário ou num quinzenário vir sucessivamente praticando crimes para que o crime A seja adiado para ser julgado juntamente. com o crime B, para que os crimes A e B sejam julgados com o crime C e os crimes A, B e C o sejam com o crime D, de modo que uma pessoa, sucessivamente, até ao fim da vida, vá protelando a discussão e o julgamento do crime A, B e C, representa verdadeiramente um atentado contra a liberdade de imprensa e é uma das formas de obstrução da justiça quanto à punição da prática de crimes de imprensa.

O Sr. Lino Lima (PCP): - Só lhe resta ir para o inferno?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Meneres Pimentel, uma vez que não há mais pedidos de esclarecimento, pode responder já, se assim o entender.

O Sr. Meneres Pimentel (PSD): - Uma vez que não há mais pedidos de esclarecimento, responderei já, Sr. Presidente. Houve dois que, afinal, se resumiram a um, o que não é de estranhar, pois está a ser cumprido o acordo entre os dois partidos terminados em S.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Muito bem, Sr. Deputado! 0 problema é de pluralismo!

O Orador: - Quanto ao Sr. Deputado Herculano Pires, eu queria dizer-lhe que não posso comparar duas coisas que realmente não são comparáveis. O Sr. Deputado Herculano Pires perguntou-me se eu não julgava, face aos inconvenientes que eu referi, mais inconveniente que um arguido, através da contumácia na prática deste tipo de infracções, viesse a retardar a aplicação da justiça.
Ora, eu também disse que a actual lei processual penal, isto é, o Código de Processo Penal, permite evitar estes inconvenientes. Agora, tudo isto depende da boa ou da má administração da justiça, de haver bons ou maus magistrados. Quando eu aqui há alguns meses lutei para que os estatutos dos magistrados judiciais fossem modificados, era precisamente para evitar inconvenientes dessa ordem, se é que eles se verificam.

O Sr. Vilhena de Carvalho (PS13): - Muito bem!

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O Orador: - Efectivamente, o § 3.0 do artigo 55.0 do Código de Processo Penal - aqui respondo também ao Sr. Deputado Narana Coissoró - já permite que, quando o agente de uma infracção cometa outras que contribuam para retardar o julgamento, o juiz julgue separadamente as diversas infracções. Para quê então este projecto de lei, que eu considero, salvo o devido respeito pelos seus autores, um autêntico aborto jurídico? Para quê então, quanto aos crimes de imprensa, este exceptuar do regime geral das formas de competência por conexão em razão da pessoa ou em razão da coisa?
Eu, pessoalmente, não vejo qualquer vantagem nisso.

O Sr. Herculano Pires (PS): - Posso interrompê-lo, Sr. Deputado?

O Sr. Meneres Pimentel (PSD): - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Peço a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Meneres Pimentel (PSD): - Já lhe dou a palavra, Sr. Deputado Narana Coissoró.

Pode dizer; Sr. Deputado Herculano Pires.

O Sr. Herculano Pires (PS): - Sr. Deputado Meneres, Pimentel, agradeço-lhe o ter-me deixado interrompê-lo. 0 que eu lhe queria perguntar era se
V.ª Ex.ª admite expressamente que nesta matéria, relativamente aos crimes praticados contra a liberdade de imprensa, a justiça não está a funcionar convenientemente? Não me interessa discutir as razões nem os
qualificativos em que V. Ex.ª abunda relativamente
aos processos legislativos em que intervém. Friso
apenas esta constatação: é que V. Ex.ª admite que
efectivamente a justiça está a ser mal administrada
relativamente a esses crimes, mas não admite que se
lute contra essa má administração. Será verdade
isto?

O Orador: - Posso responder-lhe, Sr. Deputado?.

O Sr. Herculano Pires (PS): - Com certeza, Sr. Deputado.

O Orador: - Admito, pelas. informações que tenho e que são do seu conhecimento, que a justiça não estará a ser bem administrada quanto a esta espécie de crimes, mas, penso que não é por 'este processo - antes pelo contrário, pois penso que este é um processo totalmente errado - que se vai contribuir de alguma forma para que essa justiça seja mais bem administrada.
Pior, entendo que este projecto, a ser aprovado, e pediria a reflexão dos próprios proponentes, virá a agravar a administração da justiça neste aspecto. Se esteve no vosso espírito, como esteve, segundo consta do preâmbulo do pprojecto de lei, contribuir, através deste projecto, para a celeridade no julgamento destes processos, até admito que vá contribuir, mas vai contribuir para o mau julgamento destes processos, porque vai tirar a possibilidade de sobre a mesma infracção serem julgados os diversos comparticipantes,

1 SÉRIE - NÚMERO 40

vai tirar a possibilidade de se fazer um correcto cúmulo jurídico das penas, vai-se dar a possibilidade de se fazer um cúmulo material de penas, o que, pessoalmente, considero um autêntico aborto jurídico.
Tem agora a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró, para me perguntar o que pretendia.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Deputado, o problema é o seguinte: efectivamente, como o Sr. Deputado Meneres Pimentel sabe, o problema de saber se uma pessoa está a recorrer à prática dilatória ou não é em si mesmo um incidente processual. Quer dizer, o juiz, pelo menos no sistema até agora vigente - e talvez o PSD amanhã, se estiver no Governo e puder fazer leis, possa modificar isto num sentido mais ditatorial -, que é um sistema democrático, não pode, por si só, dizer que um determinado procedimento é dilatório ou não; antes, é preciso que a parte contrária, isto é, o Ministério Público, levante o incidente da dilação, que é, em si próprio, um incidente que retarda, por sua vez, a administração da justiça. 15to é, baseando-se naquele preceito que todos nós conhecemos - e que não é nenhuma descoberta de última hora, não é nenhuma pólvora, embora V. Ex.ª ainda não tenha feito viagem à China -, ninguém pode lançar mão daquele procedimento, porque é absolutamente difícil, para não dizer impossível, para o Ministério Público - e só o Ministério Público é que poderia lançar mão disso -, ou a própria parte, fazer a prova de que a prática de todas as semanas se fazer uma crítica injuriosa é de si um procedimento dilatório. Porque o facto é que qualquer jornalista pode injuriar pessoas todas as semanas, ou mesmo todos os dias, pois temos muitos jornais que o fazem todos os dias. E com certeza que a prova de que a segunda injúria praticada por qualquer indivíduo foi feita para arranjar um processo dilatório em relação ao primeiro é absolutamente difícil. De modo que V. Ex.ª sabe que na prática isso não colhe, ou seja, isso é um dispositivo muito bonito, mas os profissionais do foro sabem que a prova é difícil, além de que esses incidentes são dilatórios.

O Orador: - O Sr. Deputado Narana Coissoró parece que, em síntese, quer dizer o seguinte: é que para fazer funcionar aquele § 3.º do artigo 55.º que eu há pouco lhe referi é preciso um incidente. Mas não se trata de nada disso. Eu baseio-me sobretudo na prática. Se há uma determinada pessoa que escreve na imprensa e que injuria as pessoas, organiza-se o respectivo processo, não há conhecimento de mais nada e o processo é julgado sem qualquer outro inconveniente.
Se este projecto for aprovado, ocasiona o seguinte: é que, não se podendo aplicar, salvo erro, os artigos 55.º a 58.º, isto é, todos aqueles de que constam as disposições que há pouco referi, acontece que se torna efectivamente impossível fazer uma justiça capaz, de maneira a fazer uma correcta individualização da pena. E senão vejamos: quando há uma pessoa contumaz na prática destes crimes, que, portanto, repetidamente os pratica, como o Sr. Deputado disse, se este projecto vier a ser aprovado, acontece que o arguido vem a ser julgado separada-

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17 DE FEVEREIRO DE 1978

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mente por diversos tribunais e nenhum dos juízes
que vai julgar esse arguido tem qualquer possibilidade
de conhecer a prática jornalística deficiente,
criminosa até, se o réu for condenado, nem tem o
juiz qualquer possibilidade de conhecer a personalidade
desse agente, desse infractor à Lei de Imprensa.
Mantendo o sistema actual, existe essa possibilidade.
Se um sistema não funciona, como eu disse há
pouco em resposta ao Sr. Deputado Herculano Pires,
é por não se fazer uma correcta aplicação das
disposições actuais. Não é preciso qualquer incidente
para fazer suscitar a aplicação do § 3.º do artigo
55.º
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Ai não?
O Orador: - Não é, não senhor, Sr. Deputado.
Basta o juiz delimitar, sem indeferir, qualquer requerimento
do arguido no sentido de fazer apensar
qualquer outro processo que esteja pendente. E aqui
chamo mais uma vez a atenção para o facto de o
poder que se confere, através deste § 3.º do artigo
55.º ao juiz ser quase um poder discricionário e
que, portanto, estará, repito mais uma vez, na aplicação
da lei, e não na deficiência da mesma, a sanação
destes inconvenientes, que são do conhecimento geral.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Isso não é a
opinião do PSD.
O Orador: - Estou a falar, não há-de ser a minha
opinião? ... É evidente que é a minha opinião.
Olhem que esta!
Volto a repetir que esta excepção que se abre para
esta espécie de crimes vem concretizar uma maneira
canhestra, como eu gosto de dizer, de legislar.
Amanhã virá outra excepção, e esta vem a tornar-se
uma regra geral, o que conduz a uma administração
da justiça criminal. verdadeiramente fantasmagórica.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Não havendo mais oradores
inscritos, vamos proceder à votação na generalidade
do projecto de lei n.º 90/1.
Submetido à votação, foi aprovado, com votos a
favor do PS, do CDS, do PCP e dos Deputados independentes
Aires Rodrigues e Carmelinda Pereira e
com votos contra do PSD.

O Sr. Presidente: - Vamos passar às declarações
de voto. Tem a palavra o Sr. Deputado Cunha Reis.

O Sr. Cunha Reis (CDS): - Sr. Presidente, Srs.
Deputados: 0 CDS votou favoravelmente o projecto
de lei n.º 90/I em apreciação. Pouco é preciso dizer
para fundamentar o nosso voto, já que a escandalosa
acumulação de processos relativos a crimes de
imprensa sem decisão justifica plenamente o articulado.
Ttrata-se, no fundo, de reflectir uma preocupação
de maior celeridade processual, sem dúvida
necessária, preocupação a que damos o nosso acordo,
desde que, como é justamente o caso presente,
essa maior celeridade não prejudique direitos essenciais das partes, principalmente dos jornalistas, e vise, como também é o caso presente, eliminar a prática de expedientes dilatórios que a prática vem revelando.
Fazer justiça é julgar atempadamente.
A justiça não se compadece com o adiamento constante e sistemático da apreciação final de factos delituosos.
Este é o sentido do nosso voto.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Igualmente para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Meneres Pimentel.

O Sr. Meneres Pimentel (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Votámos contra o projecto de lei n.º 90/I pelas razões que já aduzi.
Em síntese, poderei dizer mais o seguinte: para nós também é importante a celeridade da justiça, mas é mais importante que a justiça seja bem administrada, bem aplicada, e sobretudo que na justiça criminal se faça uma correcta individualização da pena. Através da aprovação na generalidade que este projecto acaba de obter incorre-se nesse inconveniente, que para nós é mais valorado do que o segundo. Eis as razões por que votámos contra este projecto de lei.

O Sr. Presidente: - Não havendo mais declarações de voto, vamos passar à discussão na especialidade do projecto de lei em apreço.
Vai ser lido o artigo único.

Foi lido. É o seguinte:

Artigo único

O artigo 52.0 do Decreto-Lei n.º 85-C/75, de 26 de Fevereiro, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 181/76, de 9 de Março, passa a ter a seguinte redacção:

ARTIGO 52.º

(Celeridade processual)

1 . ..............................
2 . ..............................
3 . ..............................
4 - Não são aplicáveis os artigos 55.º a
58.º e 60.º do Código de Processo Penal.

O Sr. Presidente: - Está em discussão.

Não havendo nenhum Sr. Deputado inscrito, vamos votar na especialidade o projecto de lei n.º 90/I.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do CDS, do PCP e dos Deputados independentes Aires Rodrigues e Carmelinda Pereira e votos contra do PSD.

O Sr. Presidente: - Há declarações de voto?

Pausa.

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Tem a palavra o Sr. Deputado Lino Lima, para uma declaração de voto.

O Sr. Lino Lima (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Votámos na generalidade e na especialidade o projecto de lei em causa porque, entre o valor da celeridade da justiça, com vista à defesa da ordem democrática e à defesa da honra dos cidadãos, e o valor decorrente de razões técnicojurídicas, optámos sem hesitação pelo primeiro.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Tem. a palavra o Sr. Deputado Meneres Pimentel, também para uma declaração de voto.

O Sr. Meneres Pimentel (PSD): - Votámos na generalidade e na especialidade contra este projecto de lei porque consideramos um valor mais alto a correcta administração da justiça, sobretudo quando se trata de justiça criminal, em prejuízo de uma menor celeridade processual. Acho que deveria ter sido mais valorado por esta Câmara o primeiro objectivo em detrimento parcial do segundo. Não foi esta a vontade maioritária. Paciência! Acaba de ser cometido mais um erro nesta Assembleia.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - É o mal da democracia!

O Sr. Presidente: - Como não há mais oradores inscritos, está encerrado o debate.
Queria comunicar aos Srs. Deputados que amanhã não haverá plenário, por acordo entre todos os grupos parlamentares, mas reunirão as comissões. Na próxima terça-feira, às 15 horas, devem reunir-se ainda as comissões. na mesma terça-feira, à tarde, haverá uma reunião dos presidentes das comissões com os presidentes dos grupos parlamentares, a fim de fazerem um levantamento dos diplomas que existem para discussão e elaborarem a ordem do dia para o plenário que terá lugar às 15 horas da próxima quarta-feira.
Está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 35 minutos.

Deputados que entraram durante a sessão:

Partido Socialista (PS)

Alberto Arons Braga de Carvalho. António Jorge Moreira Portugal. António Magalhães da Silva. António Manuel de Oliveira Guterres. Armando F. C. Pereira Bacelar. Avelino Ferreira Loureiro Zenha. Beatriz Almeida Cal Brandão. Bento Elísio de Azevedo. Carlos Justino Luís Cordeiro. Carlos Manuel Natividade da Costa Candal. Dieter Dellinger. Etelvina Lopes de Almeida. Eurico Manuel das Neves Henriques Mendes.

I SÉRIE - NÚMERO 40

Fernando Luís de Almeida Torres Marinho. Francisco de Almeida Salgado Zenha. Francisco António Marcos Barracosa. Jaime José Matos da Gama. Jerónimo da Silva Pereira. João Luís Duarte Fernandes. Joaquim Oliveira Rodrígues. José Luís do Amaral Nunes. José Maria Parente Mendes Godinho. Luís Abílio da Conceição Cacito. Luís José Godinho Cid. Manuel do Carmo Mendes. Maria de Jesus Simões Barroso Soares. Maria Teresa Vieira Bastos Ramos Ambrósio. Mário Manuel Cal Brandão. Rui António Ferreira da Cunha. Serafim 0. Ramos Bastos. Sérgio Augusto Nunes Simões.

Partido Social-Democrata (PSD)

Anatólio Manuel dos Santos Vasconcelos. António Jorge Duarte Rebelo de Sousa. António Luciano Pacheco de Sousa Franco. Armando António Correia. Carlos Alberto Coelho de Sousa. Casimiro Gomes Pereira. Fernando Adriano Pinto. Fernando José da Costa. Fernando José Sequeira Roriz. Francisco Braga Barroso. Joaquim Jorge de Magalhães Saraiva da Mota. Jorge Ferreira de Castro. Jorge de Figueiredo Dias. José António Nunes Furtado Fernandes. José Manuel Meneres Sampaio Pimentel. José Manuel Ribeiro Sérvulo Correia. José Theodoro de Jesus da Silva. Manuel Cunha Rodrígues. Maria Helena do Rego da Costa Salema Roseta. Mário Fernando de Campos Pinto. Nuno Gil Pires. Pedro Manuel da Cruz Roseta. Rui Manuel Parente Chancerelle de Manchete.

Centro Democrático Social (CDS)

Adelino Manuel Lopes Amaro da Costa. António Jacinto Martins Canaverde. Caetano Maria Dias da Cunha Reis. Carlos Martins Robalo. Domingos da Silva Pereira. Emídio Ferrão da Costa Pinheiro. Francisco António Lucas Pires. Henrique José Cardoso Menezes Pereira de Morais. Luís Aníbal de Sã de Azevedo Coutinho. Manuel António de Almeida de Azevedo e Vasconcelos. Narana Sinai Coissoró. Walter Francisco Burmester Cudell.

Partido Comunista Português (PCP)

Domingos Abrantes Ferreira. Octávio Floriano Rodrígues Pato.

Independentes

Carmelinda Maria dos Santos Pereira. José Justiniano Taboada Brás Pinto.

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17 DE FEVEREULO DE 1978

Deputados que faltaram à sessão:

Partido Socialista (PS)

Albano Pereira da Cunha Pina. António Alberto Monteiro de Aguiar. António José Sanches Esteves. Armando dos Santos Lopes. David dos Santos Silva. Fernando Jaime Pereira de Almeida. Francisco do Patrocínio Martins. João do Rosário Barrento Henriques. Jorge Augusto Barroso Coutinho. José Manuel Medeiros Ferreira. Ludovina das Dores Rosado. Luís Filipe do Nascimento Madeira. Manuel da Mata de Cáceres. Rui Paulo do Vale Valadares.

Partido Social-Democrata (PSD)

Álvaro Barroso Marques de Figueiredo. Amantino Marques Pereira de Lemos. Américo de Sequeira. António Coutinho Monteiro de Freitas. António Egídio Fernandes Loja. António Joaquim Bastos Marques Mendes. António José dos Santos Moreira da Silva. António Manuel Barata Portugal. Eduardo José Vieira. Henrique Manuel de Pontes Leça. João António Martelo de Oliveira. José Angelo Ferreira Correia. José Bento Gonçalves.

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José Rui Sousa Fernandes. Luís Fernando Cardoso Nandim de Carvalho. Manuel da Costa Andrade. Manuel Joaquim Moreira Moutinho. Mário Júlio Montalvão Machado. Nicolau Gregório de Freitas. Olívio da Silva França.

Centro Democrática Social (CDS)

António Simões da Costa. Carlos Alberto Faria de Almeida. Diogo Pinto de Freitas do Amaral. Emílio Leitão Paulo. Eugénio Maria Nunes Anacoreta Correia. Francisco Manuel Farromba Vilela. José Manuel Cabral Fernandes. Rui Fausto Fernandes Marrana. Rui Garcia de Oliveira.

Partido Comunista Português (PCP)

Carlos Hahnemann Saavedra de Aboim Inglês. Hermenegilda Rosa Camolas Pacheco Pereira. Joaquim Gomes dos Santos. Jorge do Carmo da Silva Leite. José Rodrígues Vitoriano.

União Democrática Popular (UDP)

Acácio Manuel de Frias Barreiros.

0 CHEFE DA DIVISÃO DE REDACÇÃO, José Pinto.

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PREÇO DESTE NÚMERO 14$00

IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA

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