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I Série - Número 48
Quinta-feira, 9 de Março de 1978
DIÁRIO
da Assembleia da República
I LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1977-1978)
REUNIÃO PLENÁRIA DE 8 DE MARÇO DE 1978
Presidente: Exmo. Sr. António Jacinto Martins Canaverde
Secretários: Exmos. Srs. Eurico Manuel das Neves Henriques Mendes
José Gonçalves Sapinho
Angelo Alberto Ribas da Silva Vieira
José Manuel Maia Nunes de Almeida
SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 30 minutos.
Antes da ordem do dia - Dada conta do expediente, foi prestado informação acerca dos requerimentos apresentados na sessão anterior.
Rejeitado o voto de saudação a Estaline, no 25.º aniversário da sua morte, apresentado na sessão anterior pelo Sr. Deputado Acácio Barreiros (UDP, emitiu declaração de voto, além do referido Deputado, a Sr.ª Deputada Alda Nogueira (PCP) e formularam protestos ou contraprotestos, além do Deputado, da (UDP) os Srs. Deputados Carlos Brito PCP, Rui Machete(PSD), Manuel Alegre (PS), Aires Rodrigues (Indep.) e Azevedo Coutinho (CDS).
Em seguida a Sr.ª Deputada Maria Alzira de Lemos (PS),em comemoração do Dia Internacional da Mulher, apresentou um voto de saudação às mulheres de todo o mundo que lutam pela construção de um futuro melhor para a Humanidade. Participaram na discussão deste voto os Srs. Deputados Maria José Sampaio (CDS), Ercília Talhadas (PCP) Acácio Barreiros (UDP), Rui Machete (PSD) e Carmelinda Pereira (Indep.). Aprovado por unanimidade, emitiu declaração de voto a Sr.ª Deputada Alaria Alzira de Lemos (PS).
O Sr. Deputado Pedro Coelho (PS) alertou a opinião pública e as autoridades em geral quanto às consequências para a classe piscatória dos violentos temporais que assolaram o litoral português.
Em declaração política, o Sr. Deputado Marques Mendes (PSD), lembrando as críticas que formulou relativamente à política agrícola definida tio Programa do II Governo Constitucional, censurou a falta de clarificação, que nesse campo o Governo continua a manifestar, nomeadamente quanto à aplicação da Lei de Bases Gerais da Reforma Agrária. No fim respondeu a esclarecimentos prestados à Câmara pelo Sr. Deputado José Luís Nunes (P.9) e a protestos do Sr. Deputado Carvalho Cardoso (CDS), tendo também o Sr. Deputado Rui Machete (PSD) dado uma explicação à Câmara.
O Sr. Deputado António Zuzarte (PCP) teceu considerações sobre alguns dos problemas com que se debatem os estaleiros do Setenave.
O Sr. Manuel Vilar (PSD), referindo-se às carências de leite que vêm fazendo-se sentir, advogou a incentivação da produção de leite nas pequenas explorações, nomeadamente do noroeste e da Beira Litoral, no quadro das medidas incentivadoras enunciadas na Lei de Bases Gerais do Reforma Agrária.
Entretanto fora anunciada a entrada na Mesa das propostas de lei n.ºs 156/I e 157/I, da Assembleia Regional dos Açores, e dos projectos de lei n.º 105/I, apresentado pela UDP e 106/I, apresentado pelos Deputados independentes Aires Rodrigues e Carmelinda Pereira.
Ordem do dia - Foi autorizado o Sr. Deputado Salgado Zenha (PS) a depor no Serviço de Coordenação da Extinção do PIDE/DGS e LP.
Na continuação do debate conjunto dos projectos de lei n.º 41/I (do PCP) e 99/I e 100/I (do PS), relativos às empresas em autogestão, o Sr. Deputado Dieter Dellinger (PS), que interviera na sessão anterior, respondeu a um pedido de esclarecimentos do Sr. Deputado António Zuzarte (PCP) e, em seguida, a uma explicação do Sr. Deputado Jorge Leite (PCP).
Intervieram ainda no debate os Srs. Deputados Aires Rodrigues (Indep.) - que respondeu depois a um protesto do Sr. Deputado Narana Coissoró (CDS) - e Joaquim Felgueiras (PCP).
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 20 horas e 5 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 15 horas e 10 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Partido Socialista (PS)
Adelino Teixeira de Carvalho.
Albano Pereira da Cunha Pina.
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Alfredo Fernando de Carvalho
Alfredo Pinto da Silva.
Álvaro Monteiro.
Amadeu da Silva Cruz.
António Alberto Monteiro de Aguiar.
António Barros dos Santos.
António Cândido Macedo.
António Chaves Medeiros.
António Fernandes da Fonseca.
António Jorge Moreira Portugal.
António José Pinheiro Silva.
António José Sanches Esteves.
António Miguel Morais Barreto.
António Riço Calado.
Armando F. C. Pereira Bacelar.
Armando dos Santos Lopes.
Avelino Ferreira Loureiro Zenha.
Beatriz Almeida Cal Brandão.
Benjamim Nunes Leitão de Carvalho.
Bento Elísio de Azevedo.
Carlos Alberto Andrade Neves.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Justino Luís Cordeiro.
Carlos Manuel da Costa Moreira.
Carlos Manuel Natividade da Costa Candal.
David dos Santos Silva.
Dieter Dellinger.
Etelvina Lopes de Almeida.
Eurico Manuel das Neves Henriques Mendes.
Fernando Abel Simões.
Fernando Gomes Vasco.
Fernando Jaime Pereira de Almeida.
Fernando Reis Luís.
Fernando Tavares Loureiro.
Florêncio Joaquim Quintas Matias.
Francisco António Marcos Barracosa.
Francisco de A-.M s de Mendonça Lino Neto.
Francisco Cardoso Pereira de Oliveira.
Francisco Igrejas Caeiro
Francisco Manuel Marcelo Monteiro Curto.
Francisco do Patrocínio Martins.
Henrique Manuel Velez Marques dos Santos.
Herculano Rodrigues Pires.
João Francisco Ludovico da Costa.
João Luís Duarte Fernandes.
João da Silva.
João do Rosário Barrento Henriques.
João Soares Louro.
Joaquim José Catanho de Menezes.
Jorge Augusto Barroco Coutinho.
José Ferreira Dionísio.
José Luís do Amaral Nunes.
José Maria Parente Mendes Cadinho.
Ludovina das Dores Rosado.
Luís Abílio da Conceição Cacito.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís José Godinho Cid.
Luís Patrício Rosado Gonçalves.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel Augusto de Jesus Lima.
Manuel Pereira Dias.
Manuel Tito de Morais.
Maria Alzira Costa de Castro Cardoso Lemos.
Maria Emília de Melo Moreira da Silva.
Maria Margarida Ramos de Carvalho.
Mário Manuel Cal Brandão.
Pedro Amadeu de Albuquerque dos Santos Coelho.
Raul d'Assunção Pimenta Rego.
Rodolfo Alexandrino Suzano Crespo.
Rui António Ferreira da Cunha.
Rui Paulo do Vale Valadares.
Serafim Olindo Ramos Bastos.
Sérgio Augusto Nunes Simões.
Telmo Ferreira Neto.
Teófilo Carvalho dos Santos.
Partido Social-Democrata (PSD)
Álvaro Barroso Marques de Figueiredo.
Amândio Anes de Azevedo.
Amantino Marques Pereira de Lemos.
Américo de Sequeira.
Anatólio Manuel dos Santos Vasconcelos.
Antídio das Neves Costa.
António Egídio Fernandes Loja.
António Joaquim Bastos Marques Mendes.
António Manuel Barata Portugal
Arcanjo Nunes Luís.
Armando António Correia.
Artur Videira Pinto da Cunha Leal.
Casimiro Gomes Pereira.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Fernando Adriano Pinto.
Fernando José Sequeira Roriz.
Francisco Barbosa da Costa.
João António Martelo de Oliveira.
João José dos Santos Rocha.
João Manuel Ferrara.
Joaquim Jorge de Magalhães Saraiva da Mota.
José António Nunes Furtado Fernandes.
José Gonçalves Sapinho.
José Manuel Meneses Sampaio Pimentel.
José Manuel Ribeiro Sérvulo Correia.
José Rui Sousa Fernandes.
Júlio Maria Alves da Silva.
Luís Fernando Cardoso Nandim de Carvalho.
Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel Cunha Rodrigues.
Manuel Henrique Pires Fontoura.
Manuel Sérgio Vila Lobos Menezes.
Maria Élia Brito Câmara.
Mário Fernando de Campos Pinto.
Nuno Aires Rodrigues dos Santos.
Nuno Gil Pires.
Olívio da Silva França.
Ruben José de Almeida Martins Raposo.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete.
Centro Democrático Social (CDS)
Adriano Vasco da Fonseca Rodrigues.
Alexandre Correia Carvalho Reigoto.
Álvaro Dias de Sousa Ribeiro.
Ângelo Alberto Ribas da Silva Vieira.
António Jacinto Martins Canaverde.
António Simões Cosia.
Caetano Maria Dias da Cunha Reis
Francisco Manuel Lopes Vieira do Oliveira Dias.
Henrique José Cardoso Menezes Pereira de Morais.
João Carlos Filomeno Malho da Fonseca.
João José Magalhães Pulido de Almeida.
João Manuel K. Gomes da Silva Gravato.
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José Luís Rebocho de Albuquerque Christo.
José Manuel Cabral Fernandes.
José Vicente de Jesus Carvalho Cardoso.
Luís Esteves Ramires.
Manuel António de Almeida de Azevedo e Vasconcelos.
Maria José Sampaio.
Narana Sinai Coissoró.
Rui Fausto Fernandes Marrana.
Rui Garcia de Oliveira.
Rui Mendes Tavares. Victor Afonso Pinto da Cruz.
Partido Comunista Português (PCP)
Álvaro Augusto Veiga Oliveira.
António Joaquim Navalha Garcia.
António Marques Matos Zuzarte.
António Marques Pedrosa.
Cândido de Matos Gago.
Carlos Alfredo de Brito.
Carlos Hahnemann Saavedra de Aboim Inglês.
Custódio Jacinto Gingão.
Eduardo Sá Maia.
Ercília Carreira Pimenta Talhadas.
Fernanda Peleja Patrício.
Fernando de Almeida Sousa Marques.
Francisco Miguei Duarte.
Georgete de Oliveira Ferreira.
Hermenegilda Rosa Camolas Pacheco Pereira.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
Joaquim S. Rocha Felgueiras.
Jorge do Carmo da Silva Leite.
Jorge Manuel Abreu de Lemos.
José Carvalheira Antunes.
José Manuel da Costa Carreira Marques.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Manuel Paiva Jara.
José Rodrigues Vitoriano.
Lino Carvalho de Lima.
Manuel Duarte Gomes.
Manuel Gonçalves.
Manuel Mendes Nobre de Gusmão.
Manuel do Rosário Moita.
Maria Alda Barbosa Nogueira.
Nicolau de Ascenção Madeira Dias Ferreira.
Octávio Floriano Rodrigues Pato.
Raúl Luís Rodrigues.
Severiano Pedro Falcão.
Victor Henriques Louro de Sá.
Zita Maria de Seabra Roseiro.
União Democrática Popular (UDP)
Acácio Manuel de Frias Barreiros.
Independentes
António Jorge Oliveira Aires Rodrigues.
António Poppe Lopes Cardoso.
José Justiniano Taboada Brás Pinto.
Reinaldo Jorge Vital Rodrigues.
O Sr. Presidente: - Responderam à chamada 181 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 15 horas e 30 minutos.
ANTES DA ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vai ser lido o expediente.
Deu-se conta do seguinte
EXPEDIENTE
Da Comissão de Pais e Alunos de Samora Correia, protestando contra a redução de 50% para 25% no desconto concedido aos estudantes pela Rodoviária Nacional nas suas deslocações para Vila Franca de Xira, Benavente e, Lisboa, o qual já vigorava há vários anos.
Da comissão de trabalhadores do Asilo de Mendicidade de Coimbra, apelando para que o próximo diploma referente a aumento de vencimentos dos trabalhadores da função pública lhes seja extensivo, de forma a evitar-se a necessidade de despachos normativos, como tem acontecido, uma vez que os funcionários daquele Asilo, no que se refere a vencimentos, regulam-se pelos da função pública. Desta exposição vai ser enviada fotocópia à Comissão de Administração Interna e Poder Local.
Moção
Aprovada pela Câmara Municipal de Alpiarça, exigindo solução para o conflito gerado com o Serviço Médico à Periferia, de modo a que aos policlínicos seja dada a estabilidade suficiente para o bom funcionamento daquele Serviço.
Abaixo-assinados
Dos trabalhadores da empresa Real Vinícola e Companhia Velha, referindo a situação da mesma após a intervenção estatal e solicitando que o Governo adopte como solução a transformação da mesma em empresa mista.
Cujos primeiros signatários são, respectivamente, os Srs. Manuel Lima de Azevedo, Artur Custódio Ferreira, Carmindo J. Pereira, Joaquim Manuel Ferreira, Carlos Alberto de Oliveira e Manuel da Silva Fernandes, exprimindo o mais vivo protesto perante a publicada intenção de negociações para o lugar de Presidente da Assembleia da República.
De trabalhadores da empresa AC- Trabalhos de Arquitectura e Construção, S.A.R.L., cujo primeiro signatário é o Sr. José Maria Serrano Messias, na qual expõem a situação da empresa e apontam algumas soluções que lhes parecem ajustadas.
Cartas
Do conselho geral de trabalhadores da Lisnave, enviando as conclusões da assembleia geral de trabalhadores da empresa, realizada em 2 de Fevereiro findo.
Da comissão de trabalhadores do Arsenal do Alfeite, comunicando as conclusões sobre os projecto de lei n.º 92/I e 95/I, respectivamente do PCP e
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do PS, sobre a participação dos trabalhadores na elaboração da legislação de trabalho. Deste documento será enviada fotocópia à competente comissão especializada.
Ofícios
Com várias dezenas de abaixo-assinados, contendo alguns milhares de assinaturas de cidadãos, pronunciando-se contra a entrada do CDS no II Governo Constitucional.
Da União dos Sindicatos do Arquipélago da Madeira, comunicando a posição assumida pelos sindicatos na reunião plenária realizada em 19 de Fevereiro, sobre o diploma regional da regulamentação da lei da greve que, em resumo, se baseia na exigência da anulação do referido diploma e na declaração de inconstitucionalidade do mesmo.
Da Assembleia Municipal do Concelho, de Almada, enviando fotocópia da moção aprovada em reunião efectuada no dia 27 de Fevereiro, em que foi deliberado insistir-se junto dos órgãos do Poder no sentido da abertura imediata da discussão e aprovação da lei das finanças locais, a qual deverá contemplar as linhas gerais previstas na Constituição.
Da Comissão Integradora dos Serviços de Saúde Locais do Concelho de Coruche enviando fotocópia da moção aprovada em reunião realizada em 26 de Janeiro, solicitando a resolução imediata do problema que se levanta com a interrupção dos serviços médicos à periferia e os graves inconvenientes resultantes dessa interrupção.
Da Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses- Intersindical Nacional, enviando fotocópia da moção aprovada no colóquio da saúde realizado pelo Departamento de Segurança Social e Condições de Vida, em 21 de Janeiro, e em que se exige o cumprimento da Constituição, nomeadamente no campo da saúde, a participação dos trabalhadores na definição e contrôle do Serviço Nacional de Saúde e a continuação do Serviço Médico à Periferia.
Da Assembleia Municipal de Cascais, remetendo fotocópia da moção aprovada em sessão extraordinária, em 30 de Janeiro, manifestando preocupação pela ausência de legislação sobre as empresas em autogestão e solidarizando-se com os trabalhadores do Hotel Baía.
Da Cooperativa de Habitação Económica de Alverca-Chasa, de Alverca e do Ribatejo, enviando cópia de moção aprovada em plenário. realizado em 28 de Janeiro, fazendo reparos ao Decreto-Lei n.º 515/77 e apelando que esta Assembleia não permita que aquele diploma venha a ser responsável pela destruição de um direito consignado na Constituição - o direito à habitação.
Do Sindicato dos Trabalhadores da Indústria e Comércio Farmacêuticos, enviando texto de moção aprovada em reunião de delegados sindicais da Zona Norte, no dia 17 de Fevereiro, em que se exige a revogação do Decreto-Lei n.º 549/77 - Lei Orgânica da Segurança Social - e em que se propõe que a próxima lei venha a ser aprovada com prévia discussão pelos trabalhadores.
Da Assembleia Municipal de Lousada, enviando texto da moção aprovada em sessão realizada em 28 de Dezembro, e em que se refere a necessidade e urgente da aprovação, quanto antes, de uma adequada lei das finanças locais que responda às preocupações das autarquias.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, foram apresentados na última sessão os seguintes requerimentos: ao Ministério dos Assuntos Sociais, formulado pelos Srs. Deputados Jorge Leite, José Jara e Manuel Gomes; à Secretaria de Estado da População e Emprego, formulado pelos Srs. Deputados Joaquim Felgueiras e Eduardo Matos; ao Ministério dos Assuntos, Sociais, formulado pelos Srs. Deputados Dias Ferreira, Hermenegilda. Pereira e José Jara; ao Ministério do Comércio e Turismo, formulado pelo Sr. Deputado Sousa Marques.
Srs. Deputados, vamos proceder à votação do voto de saudação apresentado ontem pelo Sr. Deputado Acácio Barreiros.
Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PS, do PSD, do CDS e dos Deputados independentes Vital Rodrigues, Lopes Cardoso, Brás Pinto e Aires Rodrigues, a abstenção do PCP e o voto a favor da UDP.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr., Deputada Alda Nogueira para uma declaração de voto.
A Sr.ª Alda Nogueira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: 0 voto apresentado pela UDP à Assembleia da República sobre a controversa figura de Estaline foi aqui trazido não para proporcionar qualquer glorificação do papel ímpar do povo soviético na derrota do nazi-fascismo, mas com o objectivo contrário. Precisamente com o objectivo de alimentar a intriga contra a URSS e dar pasto às campanhas anti-soviéticas e anticomunistas.
Uma voz do PCP: - Muito bem!
A Oradora: - Se dúvidas existissem, as intervenções cheias de insinuações e afirmações caluniosas que aqui se ouviram aos Srs. Deputados Carlos Laje, em nome do PS, e Rui Machete, em nome do PPD/PSD, aí estão a demonstrá-lo flagrantemente.
Não se trata de um voto de saudação, mas de um voto de provocação.
Aplausos do PCP.
Trata-se de um acto irresponsável, explorado e agravado por outras afirmações igualmente irresponsáveis, que envolvem um órgão de Soberania fundamental do Estado Português, como a Assembleia da República, numa manobra de intriga que prejudica o fortalecimento das relações com a União Soviética e os outros países socialistas, que prejudica a diversificação das relações externas do nosso país, indispensáveis - como amplamente se reconhece - à recuperação económica e à salvaguarda da independência nacional.
Aplausos do PCP.
Como se sabe, Estaline foi um destacado dirigente do partido e do Estado Soviético...
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O Sr. José Luís Nunes (PS): - Ena!
A Oradora: - ..., mas que cometeu no desempenho dos seus cargos graves erros que foram desvendados, combatidos e rectificados -pelo próprio Padido Comunista da União Sovié,tica no seu XX Congresso.
Mas, evide nte mente, não é este o local para discutir e emabelecor dou-t-r-na sobre a figura, o papel e os erros de Estaldne.
0 Grupo Pa-flamentar do PCP pro-testa vivamente conifira as insinuações e ataques que, -a pre,texto de Um voto provocalório, lhe foram ddrig'dos por outros partidos.
Aplausos do PCP.
Por muito que se excitem e se agitem, os ant'comunistas, -a clareza -das posições do PCP em defesa das liberdades e da &,mocracia prolvam-se na sua história de cinquenta e sete anos e no seu combate diário e ganha a crescente a.udi:ênc'a, adesão e apoio do povo português, como todos os acoritteimentos evidenciam.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: -Tem a palavra o Sr. Deputado Acácio Barreiros pa,ra uma declaração de voto.
O Sr. Acácio Barreiros (UDP):.-Sr. Presidente, Srs. Deputados: A UDP, no 25.º anversário da morte die Jw.é Estalline, aprese-ntou a esta Assembleia, da Repúblka um voto de saudação a José E,;ta'-'ne em termos perfo'tamen,te claros.
Entenid'mos que os democratas devam. saudar os grandes lutadores an.tlfasoictas, aquelles que conflábuem para o progresso da Humanudade e em particular aquele que foi o grande. &rigen'te, da União Sov'ética e que à frente do Exérdito Verimelho -1n'ciou a grande de=ota dos sonhos sangrentos de ffitter.
Nesse sentido, a UDP não hesi,tou um momen-to, como nunca heska, em enailteícer a memória de Estafine, mantendo-a bom viva junto do povo português no que ela reprw.enta de flirimeza de pr'ncípios, de flirmeza na luta contra o fasc'smoe no que -e'--a repre,3enta na situação concreta da i-uta contra as feras sanguinárrias, nazis de Fli;der.
No--se sontido, ouvimos serem repev:- dos, nesta A'se,mbl.,-i'!a, insultos e caqúndias que na verdade se rebaixaram ao nível mais baixo da chamada «gutrra friia». Na -verdade, as inte.rvençõe4s dos Srs. Deputados C&rlos Laje e Rui Macheke e os insultos que dir;giram a Estaline são precisamente os me_-:,mo.; com que toda a reacção mundlial, após a grande mitória sobre ffitleir, tentou sujar o nome do grande ldà.r,'gen,te da União Swiét,'ca. Só lhes faltou acreocenita,r que Estalâne tepia com'do crianças ao peque;no almoço ou conitar a história das injecções aurás da ore'ha.
Os Srs. Deputados vieram repe,tir todo um conjunto de insultos e cwún,*,a;' que durante anos e anos foram alimentados pe,'ia reacção mun&a], contra Es,taline e foram sustentados pelos mais ferozes d,ita.do-res e que na verdade apenus tentam esconder o que todos os povos do Mundo pudoraim comiprovair. Na ve-rid-a,de, diante do grande exército al:- .imão, diante do d,i:tador Hitle-r, a pátn:a soviética, o Parti-do Comunista da União Soviética e o d.in,gen-te Estal-ine demonstraram a supe-rioa'dade do regime dos sovi;otes, a superiord-
dade do regirrie da ditadura do proletariado na defesa das libe:rdades e na deirrota do'.nazismo. 0 que todo o mundo e todos os trabalhadores puderam comprovar fo' que quem travou de facto o avanço dos nazis e inúciou a sua derrota foá Estal-Iine na gloriosa ba!talha de Estalinegrado.
Na veMade, até poderíamos esporar que deleTminadas ca-.ún-ias fossem ie-vantadas, -mas não é por elas que nos curvairemos para nos recusarmos a levantar a bandoi(ra de Estaline. A UDP não segue os passos de Kruch.tchev, de Marchãs, de Borlinguer ou do Dr. Álvaro Gunhal. A UDP não se v,-'rgará diante dessa campanha de calúnias, t continuaTá a ltvantair as bandeiraís da União Sovdétika, do poder dos sovietes, da &tadura do preIetariado -sob Len-ine e Estaline e continuará a mostraT a vantagem ~ sistema na satisfação dos interesses do povo e inclusà-vam-enle na própria defesa das liberdades.
A Sr.ª Deputada Alda Nogueira, ao vir cla&rif'car este voto como uma provocação, também não veio d'.2:e,r maàs nada, ve'10 &zer exactamente a mesma coisa que os Srs. Deputados CárIos Laje e Rui Machote. A Sr.ª Deputada diz que é a própria história do, seu parfido que comprova a justeza das suas pogições, mas podia-'-he cátar -e a Sr.u Deputada talvez conheça- o Avante! de Março de 1953, que na últura não hesátou sequer em dedicar toda a sua edíção cland,.-ct-jna ao «herdeárro e conúnuador gen;.al», -assim começava o arfigo, «d-e Marx, Engels e Lenine, ao grande Esta"c».
Risos do PS, do PSD e do CDS.
Nessa altura o Avante! fala das grandes manifestações de pesar da classe operária portuguesa, como no Arsenal do Alifeíi-te, na Parrison, na Fábrica Portuga-l, !nos Estaleiros da CU1F, na H. Vaultior, na Carris, na Tabaqueira, na Imprensa Nacional, organ;
Ízada,s, conforme diz o Avante!, pe,"o então PCP na clandestini»dade, sob a direcção do camarada José Gregório. 15to é que não pode sor escondido. Hoje, que já não se faz a edição do Avante! na c'andestinade, o Avante! já não levanta a bandeira de Esta'úne e vem aqui fazor -tod.a,u,ma decla-ração de voto Contra a UDP por considerar provocatório. que se levante a bande,ira de EstaFne - vaiuma grande distância entre 1953 e 1978 no PCP! Sempre defendemos, aliás, que a questãode Estaline foi sempre uma quecitão ewtral do m(>v:me.nto comunista internacional e foi sempre uma qiu,.stão central para todos os comunistas e até para todos os !revolucionários.
Podíamos a!i.nda acrescentar sobre Estal,'n-e que glori-flicamos a sua -memória não' só como difigente do Partido. Comunista da União Soviética, mas como destacado dirigente da III Internacional, III Inte-r-naci-onal essa onde ''z forjaram dirligentes comunistas como Tz-lmain, que morreu heroicamente ideba-ixo da ditadura nazi. Também é preo:(so, dizeir aqui que se o nazismo foi der,rotado foi porque os democra,tas, e antes de -mais os comunistas, se bateram -na própria Ale,main,ha, nas duras cond'çÓes de c'andestin,idade, contra o regl"rne de- Hit',er, t,--ndo sido -muii!tos deles fuzilados pelas SS. Iguailmenite, outros di:rigentes comun-istas, entre os quais José Gregório, também forjado na III Internacional, demonst-raram toda a sua foírça e todo o valor do in,ternacáorralásmo proletário.
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Queremos terminar dizendo que no futuro, como até hoje, a UDP continuará a levantar a bandeira de Estaline. Mesmo apesar daqueles democratas que se deixam arrastar pela campanha reaccionária, pelas centenas e mares de livros, brochuras, filmes e por tudo o que a reacção internacional produz contra Estaline, mesmo apesar desses, a UDP prosseguirá incansavelmente no esclarecimento do real papel de Estaline.
Risos do PS.
Não queremos exagerar, como nas palavras que um operário português, uma vez dedicou a Estaline: «A verdade é esta, é que se não fosse Estaline estávamos hoje todos a falar alemão.»
O Sr. Narana Coissoró (CI)S): - Ah sim?
O Orador:- Se aqui há efectivamente algum exagero, ele tem a importância de mostrar como a classe operária debaixo da ditadura salazarista sentiu o papel de Estaline, sentiu o papel da União Soviética e do glorioso Exército Vermelho.
Nós, como democratas, antifascistas e organização de esquerda, não poderemos deixar passar este 25.º aniversário sem levantar nesta Assembleia a bandeira
de Estaline, como disse o Sr. Deputado Rui Machete, «para que a situação política se clarificasse» - e ficou de facto mais clarificada. A classe operária, o povo trabalhador, o movimento comunista internacional tirarão as suas conclusões das posições aqui tomadas.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, pedi a palavra para formular um protesto. É que, Sr. Presidente e Srs. Deputados, vai de facto uma grande distância entre 1953 e os nossos dias, vai a distância, dos factos entretanto desvendados, e o PCP não é insensível aos factos, pois é nos factos que radica a sua análise.
Mas a declaração de voto a produzida pelo Sr. Deputado Acácio Barreiros vem trazer um novo argumento ao que há pouco foi dito pela minha camarada Alda Nogueira. Na verdade, da parte do Sr. Deputado Acácio Barreiros não há a intenção de proporcionar a glorificação do papel ímpar do povo soviético, nem o papel fundamental dos comunistas da Europa e dos comunistas do Mundo na derrota do nazi-fascismo. Da parte do Sr. Deputado Acácio Barreiros havia, sim, a intenção de, arrastando para aqui a questão de Estaline, proporcionar novos ataques à União Soviética e aos comunistas portugueses.
Uma voz do PCP:- Muito bem!
O Orador: - E isso confirma em absoluto que não se tratava, da parte do Sr. Deputado Acácio Barreiros, de qualquer propósito honrado e sério, tratava-se, sim, única e simplesmente de mover uma provocação ao PCP e aos comunistas portugueses.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: Igualmente para um protesto, suponho, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Machete.
O Sr. Rui Machete (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, pedi a palavra para formular um breve protesto.
A deificação dos chefes é uma característica típica dos regimes e das ideologias totalitárias e mais uma vez a regra se está hoje aqui a verificar. No entanto, o meu protesto não é em relação às declarações do Sr. Deputado Acácio Barreiros,, porque provavelmente não vale a pena, é, sim, relativo às declarações da Sr.ª Deputada Alda Nogueira, quando especificamente refere que eu pronunciei, em relação à memória de Estaline calúnias e insultos.
Quanto a este assunto, Quero dizer-lhe, Sr.ª Deputada, que as calúnias e insultos que eu pronunciei reproduzem apenas aquilo que um dirigente soviético, Kruchtchev, disse no XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética ao desmascarar, perante uma União Soviética estupefacta, o que foi o regime estalinista. E essas calúnias e insultos, que afinal são hoje factos históricos incontroversos, apesar de tudo, isto é, da pausa e da reflexão que o PCP teve entre ontem e hoje, não traduziram uma grande distância entre 1953 e 1978, visto que em 1953 haveria com certeza um aplauso entusiástico e hoje verifica-se que, houve apenas uma tímida abstenção. Portanto, não há justificação para que se diga que aqui se pronunciaram calúnias e insultos relativamente a um homem que, qualquer que tenha tido o seu papel como modelador da história foi sem dúvida nenhuma um grande genocida.
Aplausos do PSD e do Deputado do CDS Azevedo Coutinho.
O Sr. Manuel Alegre (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Para que efeito?
O Sr. Manuel Alegre (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para uma declaração de voto e também para um protesto.
O Sr. Presidente: - Neste momento não lhe posso dar a palavra para uma declaração de voto acerca, desta matéria.
O Sr. Manuel Alegre (PS): - Então peço a palavra para formular um protesto.
O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado. Tenha a bondade.
O Sr. Manuel Alegre (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados A primeira, coisa que eu queria tornar clara é que o Grupo Parlamentar do PS votou contra o voto apresentado pelo representante da UDP, não movido por qualquer animosidade contra o povo
soviético, mas sim, porque o nosso voto é um voto de respeito pelos milhões de cidadãos soviéticos que foram vítimas dos crimes de Estaline e é um voto de respeito por um milhão e meio de membros do Partido Bolchevique que entre 1936 e 1939 foram afastados deportados e fisicamente eliminados.
O Sr. José Luís Nunes (PS): - Muito bem!
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O Orador: - É ainda um voto de respeito por dez milhões de cidadãos soviéticos que a partir de 1939 morreram nos campos de concentração.
E queremos também tornar claro que o nosso voto é um voto de respeito por algumas das grandes figuras da revolução de Outubro fisicamente eliminadas por Estaline, e lembrarei Tomsky, Rikov, Frounzé, Kaimenev, Zinoviev e Trotsky. É também um voto de respeito pelas vítimas dos processos que Estaline e a sua polícia política deportaram para outros países, e lembro os processos de Kostov na Bulgária, de Gomuka na Polónia, de Rajk na Hungria, de Patrascanu na Roménia e de Slánsky na Checoslováquia.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: Quero protestar contra algumas afirmações que foram feitas, quer pelo Sr. Deputado Acácio Barreiros, quer pela Sr.ª Deputada Alda Nogueira, acerca de declarações proferidas pelo meu camarada Carlos Laje.
Tanto o voto apresentado pelo Sr. Deputado Acácio Barreiros, da UDP, como o voto aprecemitado pelo PCP não Fizeram mais do que confirmar o acerto e a justeza das declarações proferidas pelo meu camarada Caries Laje.
O voto do Sr. Deputado Acácio Barreiros tem uma virtude, a virtude da clareza, pois ficamos a saber que o Sr. Deputado Acácio Barreiros se identifica com os crimes de Estaline, com os seus métodos e processos e que, se por acaso amanhã ele e, o seu partido estivessem no Poder em Portugal, utilizariam os mesmos processos, isto é, a eliminação fhiica dos seus adversários, começando até talvez pelos Deputados da bancada do PCP. O voto do Sr. Deputado da UDP tem portanto, e como já disse, a virtude da clareza.
Quanto ao voto do PCP, queria dizer-lhes que nós compreendemos as dificuldades do PCP, mas pensamos que este voto traduz uma ambiguidade.
O Sr. Jorge Leite (PCP): - Isso não é um protesto, Sr. Deputado.
O Orador: - O PCP não resolveu o problema de Estaline e confunde o essencial com o acessório. Segundo a expressão da Sr.ª Deputada do PCP, José Estaline foi um grande dirigente que cometeu erros, e quanto a isto nós pensamos que, aqui se confunde o essencial com o acessório, porque o que o PCP considera é que Estaline foi um grande dirigente e que o acessório foram os erros.
Estaline foi um criminoso que praticou grandes crimes contra o socialismo, tanto mais graves quanto é certo que foram praticados em nome do socialismo.
Aplausos do PS e dos Deputados independentes Brás Pinto, Lopes Cardoso, Aires Rodrigues e Carmelinda Pereira.
Estaline praticou esses crimes em nome de uma grande esperança da Humanidade, praticou-os contra alguns dos obreiros da própria revolução de Outubro e exportou-os para outros povos e para outros países da Europa.
Nós, Partido Socialista, condenamos os métodos de Estaline, condenamos o estalinismo, e pensamos que esta questão, como disse ontem o Sr. Deputado Carlos Brito, é uma questão muito séria. Se ela dissesse apenas respeito ao PCP, isso seria um problema metafísico-religioso do PCP. No entanto, infelizmente, ela diz respeito a todo o movimento operário socialista e comunista mundial, e nós consideramos que é grave para aqueles que neste país acreditam no socialismo que o PCP, com as responsabilidades; que tem, não tenha ainda resolvido o problema de Estaline, porque não basta apenas ter derrubado estátuas, é preciso também que o PCP, de uma vez por todas defina se está de acordo com os métodos de Estaline e com tudo aquilo que é hoje um exemplo histórico trágico, a começar para a União Soviética.
Aplausos do PS e do Deputado do PSD Moura Guedes.
O Orador. - Quero terminar dizendo que o nosso voto de condenação de um criminoso como Estaline é um voto de homenagem a todos os povos que contribuíram para a derrota do nazismo e aos vinte milhões de mortos da União Soviética, que também deu o seu contributo para a derrota do nazismo.
Aplausos do PS e do Deputado independente Aires Rodrigues.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Acácio Barreiros, creio que para um protesto.
O St. Acácio Barreiros (UDP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tenho de protestar contra as várias declarações aqui proferidas, a começar pelas do Sr. Deputado Carlos Brito.
O Sr. Deputado Carlos Brito não pode dizer que seja por culpa da UDP que Estaline está a ser atacado, pois até da bancada do PSD, como aliás fizera a grande imprensa norte-americana, inglesa, francesa e alemã, vão buscar precisamente as palavras e os relatórios de Kruchtchev para atacar Estaline - o mesmo Kruchtchev, sempre aplaudido no Avante após 1956, que foi evocado pelo seu partido para atacar Estaline. Na verdade, a questão aqui está clara: não somos nós, que defendemos Estaline, que podemos ser atacados de estar a dar argumentos à direita. Quem o atacou e quem o caluniou foi quem recebeu os aplausos de toda a imprensa internacional, como por exemplo o próprio Trotsky, que já foi aqui citado, e que, na verdade, teve honras de primeira página na grande imprensa imperialista por caluniar Estaline, a ditadura do proletariado e a União Soviética.
O Sr. Carlos Lage (PS): - Que vergonha!
O Orador: - Na verdade, o que se passou é claro: é que nós viemos aqui levantar as bandeiras de Estaline...
O Sr. Dieter Dellinger (PS): - Um assassino!
O Orador: -... nesta Assembleia da República. E entendemos que levantar as bandeiras de Estaline nesta Assembleia da República nada tem de provocação, antes, pelo contrário, nós entendemos que essa é a obrigação dos democratas.
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O Sr. Herculano Pires (PS): - Dos democratas?
O Orador: - Se ele aqui é atacado, não é por nossa culpa, é, sim, por exemplo, por culpa do próprio partido do Sr. Deputado Carlos Brito, que se absteve nesta votação e que não foi capaz ou não quis defender Estaline, mas também não teve, a coragem de o atacar.
Quanto às afirmações do Sr. Deputado Manuel Alegre, queria dizer-lhe que penso que o voto do PS, ao contrário do que o Sr. Deputado disse, não é um voto de respeito, pelo povo da União Soviética, mas sim um voto de respeito pelas informações provocatórias da imprensa imperialista internacional.
O Sr. Manuel Alegre (PS) - Eu falei em factos, Sr. Deputado.
O Orador: - É que começam a citar tantos mortos que se calhar já não existe nenhum russo vivo depois de somarmos todos os nomes dos russos mortos que passaram pelas páginas do New York Times e de toda a imprensa reaccionária.
O Sr. José Luís Nunes (PS): - Nós não temos obrigação de ouvir isso!
O Orador: - A verdade é esta, e não se pode esconder aos povos: é que os regimes da social-democracia na Alemanha, na Áustria e na França foram vencidos diante. da subida de Hitler ao Poder, pois não conseguiram deter o avanço dos nazis.
Protestos do PS, do PSD e do CDS.
O Orador: - E o que os povos de todo o Mundo concluíram é que na verdade a União Soviética foi capaz de deter o avanço, dos nazis, de os vencer e de chegar em primeiro lugar a Berlim.
Protestos do PS e do PSD.
O Sr. Presidente: - Peço a atenção dos Srs. Deputados. Agradeço que oiçam o Sr. Deputado Acácio Barreiros e que o Sr. Deputado, se possível, transmita o que tem para dizer, sem provocar estas reacções que na verdade não dignificam, da parte de quem as pratica, esta Câmara.
O Orador: - Mas esta Câmara, Sr. Presidente, está nervosa por uma simples razão: é que enquanto que nós, UDP, estamos a dizer são os factos reais que a classe operária e. os trabalhadores em :todo o Mundo sentiram.
Protestos do PS, do PSD e do CDS, com alguns Deputados batendo nas bancadas.
O Orador: - Os Srs. Deputados podem dar murros na mesa que eu até paro e espero que acabem para poder continuar a falar.
O Sr. António Macedo (PS): -0 senhor não devia sequer ter começado!
O Sr. Narana Coissoró (CDS): -O Sr. Deputado Acácio Barreiros não devia ter começado, porque insulta o povo português.
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O Sr. Presidente: - Mais uma vez peço a atenção dos Srs. Deputados e agradeço que o Sr. Deputado Acácio Barreiros realmente não espere, porque senão não poderá acabar, pois não o deixarão.
Mas faça o favor de prosseguir, porque tu penso que a Câmara o vai escutar.
O Orador: - A verdade é que. tentar desligar o facto de terem conseguido com esse Exército Vermelho, com capacidade de combate e resistência histórica, erguer a pátria soviética do Partido Comunista da União Soviética. e da direcção de Estaline não engana nem meninos da La classe, quanto mais andar a espalhar isso aí à boca cheia pelos trabalhadores.
A classe operária, que sentiu bem aqui em Portugal a ditadura salazarista, sabe muito bem que foi através da Rádio Moscovo que começou a ouvir pela primeira vez as efectivas derrotas do exército hitleriano.
O Sr. José Luís Nunes ('PS): - E a BBC?
O Orador: - A UDP não pode deixar de, admirar um partido e um dirigente, de um partido, não na perspectiva - e nessa perspectiva o PSD, ainda por cima, não tem autoridade para falar- da teoria do grande chefe,, mas simplesmente porque é preciso de facto prestar homenagem àqueles homens que se destacaram e nós não temos nada contra o facto de se prestar homenagem aos homens que se, destacam e que são, símbolos de luta para toda a classe operária e para todo o povo.
Ora o que, o povo sentiu é que: era preciso de, facto um partido comunista forte, era. preciso um povo forte e, unido a esse partido para conseguir ...
O Sr. Manuel Alegre (PS): - E o Béria?
O Orador: - ... resistir com tanta f firmeza e coragem, como a social-democracia não teve em toda a Europa, diante das tropas de Hitler.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Isso são provocações ao povo português!
O Orador: -0 CDS é que tem uma grande autoridade para falar desta questão!
Vozes do CDS- - Gala a bocal.
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A realidade, em que nós confiamos é que o assunto aqui levantado não fica seguramente aqui. Pela parte da UDP, continuaremos a bater-nos para que o povo português cada vez mais vá conhecendo a obra de Estaline e para que, na verdade., esse mesmo povo, que nunca o esqueceu e sempre o estimou, porque o conheceu nas horas difíceis, quando não, se tratava de fazer discursos, mas de travar efectivamente o avanço das tropas hitlerianas, veja o que valem os homens. Foi. nessa altura que. o povo viu o que valeu o povo soviético, o Partido Comunista da União Soviética o Estaline. Àqueles que hoje, dão as mãos para insultar Estaline, seja da parte de Kruchtchev, seja da parte do imperialismo americano ou da parte
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dos ditadores como Pinochet e outros, a História os mandará de vez para o caixote do lixo da História, porque ela fará justiça, e já a está fazendo, àqueles que de Pacto deram um passo adiante para o socialismo, para a liberdade, para a felicidade dos trabalhadores e para o comunismo.
Protestos do PS e do PSD.
Uma voz do PSD: - Já acabou?
O Sr. Presidente: - Eu queria lembrar a alguns Srs. Deputados que na verdade o Sr. Deputado Acácio Barreiros está a fazer um protesto e o Regimento não fixa tempo. Agradecia, pois, quanto aos protestos, que os Srs. Deputados se autogerissem, se me permitem a expressão, em termos de sintetizarem as suas declarações.
O Sr. Aires Rodrigues (Indep.): - Sr. Presidente, peço a palavra para um ligeiro protesto em relação às afirmações do Sr. Deputado Acácio Barreiros.
O Sr. Presidente: - Tenha a bondade, Sr. Deputado.
O Sr. Aires Rodrigues (Indep.): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Deputado Acácio Barreiros acaba nesta última declaração de, tal como eu ontem disse, utilizar a técnica do amálgama, metendo no mesmo saco aqueles que por razões diferentes atacaram Estaline. Mas, mais do que isso, hoje o Sr. Deputado disse aqui1 nesta Assembleia que o combate dos trabalhadores soviéticos, que é uma realidade e que ninguém nega, contra o nazismo e o imperialismo foi diferente do combate dos trabalhadores austríacos, dos trabalhadores franceses, dos trabalhadores de toda a Europa que se opuseram ao nazismo.
O Sr. Manuel Alegre (PS): - Muito bem!
O Orador: - E mais, Sr. Deputado, queria dizer-lhe que o que era preciso aqui revelar, e que o Sr. Deputado Acácio Barreiros não revelou, é que a política e a moral criminosa de Estaline nessa altura, que dizia que o inimigo principal não era o nazismo, mas a social-democracia, permitiu a Hitler fazer milhões de mortes e subir vitorioso na Alemanha.
Aplausos do PS, do PSD e dos Deputados independentes Brás Pinto, Vital Rodrigues. Lopes Cardoso e Carmelinda Pereira.
O Orador: - Sr. Presidente Srs. Deputados: O que é grave, triste e lamentável é que hoje essa política seja retomada em Portugal pela UDP, não de um ponto de vista moral, mas de um ponto de vista prático.
Não me é permitido nem possível enunciar aqui, neste quadro, como a UDP na prática desenvolve a política que ontem desenvolvia Estaline, dizendo que os socialistas são o inimigo principal e não a direita nem aqueles que, na realidade, sempre, por todos os meios e por todas as formas, quiseram combater a classe operária e os trabalhadores portugueses. Essa política toma hoje forma, de diferentes maneiras, nos diversos locais de trabalho.
Não me é possível agora desenvolver a questão, mas não perderei a oportunidade de amanhã ou em qualquer momento, nesta Assembleia, tomar a palavra para mostrar como na realidade não é um acaso o facto de a UDP propor hoje um voto de louvor a Estaline, assim como não é um acaso o facto de a UDP desenvolver a mesma política que Estaline desenvolvia ontem, dizendo que os socialistas eram o inimigo principal.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente, para um breve contraprotesto.
O Sr. Presidente: - Tenha a bondade, Sr. Deputado
O Sr. Carlos Brito (PCP):- - Sr. Presidente Srs. Deputados, vou fazer um breve contraprotesto com três observações.
Primeiro, em relação ao protesto do Sr. Deputado Rui Machete. O Sr. Deputado sabe perfeitamente o que queremos significar quando nos referimos às suas insinuações e afirmações caluniosas. Referimo-nos de modo especial às considerações que produziu sobre o Estado Soviético e sobretudo às insinuações que fez, e em que insistiu, relativamente, ao PCP. E como insistiu em relação a essas considerações quanto ao nosso partido, reafirmamos o nosso protesto e consideramos que o Sr. Deputado insiste na calúnia.
O Sr. Rui Machete (PSD): - São factos!
O Orador: - Segundo, quanto ao Sr. Deputado Manuel Alegre, queria fazer uma observação muito rápida: ainda que tenha sido bem curta a observação que queremos significar quando nos referimos às figura de Estaline, o Sr. Deputado Manuel Alegre não a reteve e deturpou-a no seu protesto. Nós dissemos que Estaline foi um destacado dirigente do Partido Comunista e do Estado Soviético, o que é uma verdade histórica incontestável, e dissemos que no desempenho dos seus cargos cometeu graves erros que foram desvendados, combatidos e rectificados no XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética. Tal é o que nós afirmámos, tal é o que o Sr. Deputado Manuel Alegre não foi capaz de reter, ou não quis reter, para efectivamente deformar a clara posição do PCP nesta matéria.
Terceira e última consideração, Sr. Presidente e Srs. Deputados: protestamos contra o facto de a Assembleia da República se deixar envolver numa manobra de intriga incontestável e que, sem, dúvida nenhuma, afectam a imagem...
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - ...e o prestígio da nossa democracia no Mundo e não favorece, com certeza, as relações de cooperação do Estado Português com o Estado Soviético e com os países socialistas, não favorece, com certeza, a diversificação das nossas relações externas, que todos aqui consideramos serem medida indispensável para a salvaguarda da economia e da independência nacionais.
Aplausos do PCP.
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O Sr. Rui Machete (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, pode dizer-me para que efeito pede a palavra?
O Sr. Rui Machete (PSD): - Sr. Presidente, era para dizer que em relação aos protestos o Regimento é muito claro ao dizer, no artigo 96.º, que o Sr. Deputado que pedir a palavra para protestos deve limitar-se a indicar sucintamente o seu objecto e fundamento, e não é essa a prática que está hoje a ser aqui seguida.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Exactamente, Sr. Deputado, o Regimento fala em sucinto, mas não fixa o tempo, e foi isso que eu disse há pouco. Isso também depende de cada Sr. Deputado considerar o que é sucinto e espero que todos sejamos sucintos.
O Sr. Azevedo Coutinho (CDS): - Peço a palavra para um protesto, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tenha a bondade, Sr. Deputado.
O Sr. Azevedo Coutinho (CDS): - Protesto contra o insulto feito pelo Sr. Deputado Acácio Barreiros a esta Câmara.
O Sr. Deputado Acácio Barreiros declarou que nesta Câmara tinha sido levantada a bandeira de Estaline. Eu afirmo que foi enterrada a bandeira de Estaline.
Vozes do CDS: - Muito bem!
O Orador: - O voto foi claro, e só levanta essa bandeira quem pretende seguir os métodos que Estaline seguiu, disto é, quem pretende apoiar o ditador soviético, que permitiu a Hitler, com o seu pacto de não agressão com a Alemanha nazi, desencadear a II Guerra Mundial
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Muito bem!
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Isso é deformar a história!
O Sr. Severiano Falcão (PCP): - É só ignorância!
O Sr. Acácio Barreiros (UDP): - Sr. Presidente, peço a palavra para dar explicações à Câmara.
O Sr. Presidente: - Tenha a bondade, Sr. Deputado.
O Sr. Acácio Barreiros (UDP): - Eu queria dizer ao Sr. Deputada Aires Rodrigues, que protestou em termos tão enérgicos, que não ouviu o que eu disse.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Nem valia a pena!
O Orador: - O que eu critiquei aqui foi a posição da social-democracia, e não a posição dos trabalhadores austríacos e franceses - nem me poderia passar isso pela cabeça depois das páginas gloriosas que esses trabalhadores, em particular a resistência francesa, escreveram na luta contra o nazismo. Portanto, Sr. Deputado, o seu protesto é absolutamente deslocado.
Eu até estou convencido de que o Sr. Deputado está de acordo comigo quando digo que a social-democracia não só não consegue defender as liberdades como as faz ameaçar, sendo largamente responsável, na Europa, como até está a ser aqui em Portugal, pelo avanço da direita reaccionária e do fascismo.
O Sr. Armando Correia (PSD): - Isso tem-se visto!
Já agora, também queria dizer ao Sr. Deputado Aires Rodrigues que, felizmente, após o 25 de Abril, em que é permitido e dizer legalmente livros que não podiam ser publicados antes do 25 de Abril; poderá encontrar textos da III Internacional, de Dimitrov e de Estaline que mostram, muito ao contrário do que a propaganda social-democrata e reaccionária mundial pretende fazer crer, que foram os parados comunistas, sob a direcção da III Internacional, que fizeram propostas aos partidos sociais-democratas para os operários lutarem em conjunto contra o avanço do nazismo. Até foram Estaline, a III Internacional e Dimitrov ou primeiros a levantar a bandeira e a alertar para o facto da ameaça real do perigo nazi na Europa. Aí as direcções sociais-democratas não quiseram, porque, tal como vêm fazendo aqui em Portugal, preferiram manter os seus compromissos com o grande capital, compromissos esses que foram enfraquecendo a possibilidade de ser impedido o avanço do fascismo na Europa.
O Sr. Rui Machete (PSD): - Chega!
O Orador: - Mas são coisas que eu guardarei para a tal intervenção de fundo que o Sr. Deputado disse que ainda iria fazer.
Também queria dizer que não houve quaisquer intuitos provocatórios neste voto aqui apresentado. Não entendemos que temos esse direito e que é uma obrigação nossa apresentar aqui os votos que entendemos e levantar a memória de quem bem entendemos. É certo que o Sr. Deputado Carlos Bruto poderá ter alguma razão quando diz que isso pode trazer algum prejuízo, mas, se prejudica algo, são as relações com os imperialistas, com aqueles que não querem ver levantados os heróis do proletariado numa assembleia democrática. Mas nós, diante dessas pressões e ameaças, não baixamos essas bandearás, não seguimos o exemplo de Kruehtchev nesta matéria, e isso que fique perfeitamente claro.
Finalmente, queremos dizer, e isso que fique também claro, que o que nós fizemos foi cumprir uma obrigação de uma organização democrática e de trabalhadores, levantando o exemplo de um comunista, como em outras alturas levantámos o exemplo de outros homens, como Salvador Allende, que não era comunista, mas foram destacados combatentes pela liberdade e pelo socialismo.
O Sr. Aires Rodrigues (Indep.): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Aires Rodrigues pede a palavra para que efeito?
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O Sr. Aires Rodrigues (Indep): - É para um muito rápido contraprotesto, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Faça favor.
O Sr. Aires Rodrigues (Indep.): - Em primeiro lugar, queria dizer ao Sr. Deputado Acácio Barreiros que a energia da minha intervenção está em relação com a importância que eu atribuo a estas questões.
Em segundo lugar, gostaria de frisar o seguinte: eu não me equivoquei quanto à interpretação que dei às intervenções do Sr. Deputado Acácio Barreiros. Não me equivoquei, porque na realidade a questão não está nos erros que cometeu a social-democracia, não está na política que desenvolveu a social-democracia e que hoje pode desenvolver em qualquer país. A questão é esta, Sr. Deputado: é que na social-democracia, se o Sr. Deputado está de acordo comigo, existem trabalhadores, é que a social-democracia, em qualquer parte do Mundo, é constituída por partidos operários e dizendo que a social-democracia é o inimigo principal, dizendo que o mal menor, em rotação ao nazismo, é a social-democracia não se está a fazer a unidade com os trabalhadores sociais-democratas, está-se, ao contrário, a permitir isolar e fazer avançar o nazismo e o fascismo em qualquer país.
Queria ainda acrescentar que esta política é perigosa e perguntar-lhe se, por exemplo, em França, face à situação que existe, é ou não preciso derrotar a V República e o Giscard d'Estaing ou se, ao contrário, se deve fazer fogo contra o programa do PSF. É isso que eu pergunto, porque é isto que hoje se decide em França e em todas as partes do Mundo e é aí que é preciso ser claro, Sr. Deputado Acácio Barreiros e Srs. Deputados do PCP.
O Sr. Vítor Hugo dos Santos (PSD): - Viva a social-democracia!
Risos.
O Sr. Manuel Alegre (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Se o Sr. Deputado Manuel Alegre pede a palavra para um contraprotesto, tenha a bondade.
O Sr. Manuel Alegre (PS): - É sim, Sr. Presidente.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nós consideramos também que é lamentável que o Sr. Deputado Acácio Barreiros tenha trazido esta questão à Câmara. Devo dizer, aliás, que as últimas declarações do Sr. Deputado Acácio Barreares são uma ofensa à Câmara, ao povo português e à própria história. Ele mostra que é, de facto, um bom discípulo de Estaline, dado que um dos princípios do estalinismo consiste no seguinte: quando a realidade não serve as nossas conveniências, dissolve-se a realidade. Mas eu passo adiante.
Em relação às declarações do Sr. Deputado Carlos Brito, quero dizer que penso que retive bem o sentido da declaração do voto do Partido Comunista. De facto, Estaline foi um destacado dirigente do movimento comunista internacional, e eu penso que foi um destacado dirigente, infelizmente. Simplesmente, há uma nuance nas nossas posições: o Sr. Deputado Carlos Brito e o PCP falam de graves erros onde nos falamos de crimes. Nós pensamos que a existência de campos de concentração e as execuções em massa - a eliminação física dos adversários políticos - não podem ser tratados como simples erros graves, mas como crimes -crimes políticos, crimes contra o socialismo, crimes contra a Humanidade.
É evidente, também, que nós tomámos uma atitude clara. Condenámos sem equívoco aquilo que consideramos como um crime contra o povo soviético, contra a humanidade e contra o socialismo. O Partido Comunista escusou-se a fazê-lo, e essa atitude tem também um incontestável significado político.
Aplausos do PS.
O Sr. Lino Lima (PCP): - Olha a social-democracia na Alemanha, em 1919, contra o «movimento spartaquista.
O Sr. Presidente: - Para apresentação de um voto, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Alzira de Lemos.
A Sr.ª Maria Alzira de Lemos (PS): - Voto de saudação e apoio.
Considerando que o dia 8 de Março foi consagrado, durante a Conferência Internacional das Mulheres Socialistas, realizada em 1910, em Copenhaga, como o Dia Internacional da Mulher em homenagem à luta das operárias da industria têxtil de Nova Iorque, que em 8 de Março de 1857 morreram queimadas por defenderem um horário de trabalho inferior a 16 horas, diferente daquele a que estavam sujeitas;
Considerando que a luta das mulheres em todo o Mundo pela igualdade de direitos e responsabilidades e pela participação na vida social e política foi reconhecida como legítima e necessária, e consagrada, pelas Nações Unidas, que decretaram 1975 como o Ano Internacional da Mulher;
Considerando que esse ano culminou com a Conferência Mundial do México da ONU, sob o signo «Igualdade, desenvolvimento e paz», que decretou a Década da Mulher (1975-1985) e aprovou uma declaração de princípios e um plano mundial de acção pana essa década;
Considerando que em Portugal, depois do 25 de Abril, a Constituição estabeleceu o princípio da igualdade entre a mulher e o homem:
O Partido Socialista propõe à Assembleia da República o seguinte voto:
A Assembleia da República saúda, neste dia, as mulheres de todo o Mundo que prosseguem a luta pelos objectivos delineados no Plano Mundial de Acção e manifesta-lhes o seu apoio e a esperança da sua contribuição para a construção de um futuro melhor para a humanidade; Em especial, a Assembleia da República enaltece a luta pela paz do Movimento das Mulheres da Irlanda do Norte, distinguidas em 1977 com o Prémio Nobel da Paz, e a acção das mulheres brasileiras iniciada em 1975 pelo Movimento Feminino pela Amnistia e hoje alargada a outros movimentos coordenados pelo Comité de Amnistia das Mulheres Artistas para os Direitos Humanos, em favor da
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pacificação da família brasileira e representando a aspiração nacional da instauração da democrata no seu país;
A Assembleia da República saúda as mulheres portuguesas em plena consciência da importância do seu contributo para a consolidação em Portugal do Estado democrático e para a instauração de uma sociedade baseada na liberdade e na justiça social.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em discussão o voto, mas queria lembrar o seguinte: o período de antes da ordem do dia tem apenas mais três minutos; por outro lado, está pedida a sua prorrogação pelo PSD e, por outro lado ainda, o PSD pretende fazer uma declaração política que não tem nada a ver com a prorrogação, e, se estou bem informado, tem sido praxe desta Assembleia permitir a apresentação de qualquer declaração política mesmo depois de expirado o período de antes da ordem do dia.
Como suponho tratar-se, e estaremos certamente todos de acordo, de um dia especial, o Dia Mundial da Mulher, penso que não haveria grande atropelo aos princípios se a Câmara consentisse que, não obstante estar esgotado o período de antes da ordem do dia, prosseguíssemos com o debate e votação deste voto; depois faríamos a prorrogação do período de antes da ordem do dia e a apresentação da declaração política.
Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lage.
O Sr. Carlos Lage (PS): - Nós estamos de acordo com a sugestão do Sr. Presidente, mas a prorrogação do período de antes da ordem do dia, terá lugar após a discussão e votação do voto apresentado pelo Partido Socialista dispondo então cada partido de cinco minutos, como é habitual.
O Sr. Presidente: - É certo. Mas o PSD poderá, além disso, fazer a declaração política nos termos da praxe que aqui foi estabelecida.
Há alguma objecção?
Pausa.
Como não há objecções, está em discussão o voto apresentado pelo PS.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria José Sampaio.
O Sr.ª Maria José Sampaio (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O CDS vai apoiar o voto apresentado pelo PS, e nesta oportunidade, em nome do CDS, da sua organização autónoma para o trabalho político do sector feminino, e no meu próprio, quero prestar homenagem à mulher portuguesa, ao seu contributo e ao seu esforço para a reconstrução de Portugal em democracia.
O dia 8 de Março vem periodicamente relembrar quanto é e tem sido importante e imprescindível para a sociedade a colaboração feminina. Este dia vem despertar a consciência nacional e internacional para a necessidade de promover a igualdade e de mudar atitudes tradicionais, garantindo na sociedade, pluralista a presença da mulher ao nível das responsabilidades, a sua participação no esforço de desenvolvimento, na formulação de políticas em todos os sectores e a todos os níveis: local, nacional e internacional.
Em Portugal, a Constituição de 1976 assegurou a paridade do homem e da mulher na família, na sociedade e no trabalho. Já algumas leis. durante as duas primeiras sessões legislativas da Assembleia da República, vieram concretizar os princípios constitucionais, mas ainda há muito por fazer. Não basta que a Assembleia da República ou o Governo legislem sobre uma verdadeira igualdade. A promoção cultural, social e económica da mulher depende também da realização das condições políticas, sociais, culturais e económicas aptas a promoverem o direito à vida e ao desenvolvimento digno da pessoa humana e a supressão de todas as formas de discriminação, de marginalização e de violência, capazes de garantirem a livre circulação de ideias e de pessoas, o direito à formação cultural, social e profissional, o direito ao trabalho, com estatuto de igual e plena dignidade, susceptíveis de viabilizar o reconhecimento do valor da iniciativa privada numa visão solidária da vida económica e da sua função social. Está em causa, em suma, a concretização de condições que garantam o direito de a família se realizar como comunidade primária e insubstituível da vida humana e da sociedade, baseada na co-responsabilização do homem e da mulher. Está em causa assegurar-se uma qualidade de vida adequada à promoção humana do indivíduo e da comunidade, especialmente no que respeita à salvaguarda do património cultural, ao desenvolvimento dos serviços sociais, educativos e sanitários, à resolução dos problemas ecológicos e energéticos em harmonia com o ambiente e a paisagem.
A igualdade da mulher e do homem afirma-se também no acesso desta a todos os cargos e profissões em paridade de condições jurídicas, de salário e de segurança social, assim como no reconhecimento do valor social do trabalho doméstico livremente escolhido.
Mas também não basta a existência de condições políticas, sociais culturais e económicas óptimas. É preciso que todos, homens e mulheres, dentro e fora desta Assembleia, assumam plenamente os seus direitos, liberdades, garantias e deveres fundamentais, para recriar as relações pessoais, uma cultura, um projecto, um País novo.
E a mulher sabe que ninguém a poderá substituir na sua luta de promoção própria, de crítica e de co-responsabilização na construção de uma sociedade livre e, por isso, pluralista, uma sociedade solidária e, portanto, justa, uma sociedade participante e, logo, responsável.
A mulher, jovem ou idosa, residente ou emigrante, sabe que, neste momento, a resolução da crise económica lhe pedirá sacrifícios, mas também sabe que com a sua ajuda esta será vencida. A mulher portuguesa sabe que está em causa a democracia e a independência de Portugal. Por isso não se deixará manipular seja por que grupo, movimento ou partido for. Acreditamos plenamente na sua competência e criatividade, na sua capacidade para participar na
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construção de uma nova sociedade portuguesa socialmente mais justa.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Neste momento, em que o nosso país se prepara para a integração na Europa Ocidental, a participação activa da mulher na construção da unidade europeia deverá igualmente marcar a superação decisiva daquelas condições e costumes sociais e económicos que, em contraste com os princípios de igualdade afirmados na Constituição, entravam a plena realização das potencialidades .morais, intelectuais e operativas da mulher.
Hoje, 8 de Março, o CDS quer manifestar toda a sua solidariedade à mulher portuguesa que, co-responsavelmente como o homem quer construir em paz um Portugal mais livre e mais justo.
Aplausos do PS e do CDS.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Ercília Talhadas.
A Sr.ª Ercília Talhadas (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português vai votar favoravelmente o voto do Partido Socialista apresentado nesta data histórica, a propósito do qual vou fazer algumas considerações.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Hoje, dia 8 de Março, comemora-se em todo o mundo o Dia Internacional da Mulher! Historicamente, esta data representa o aniversário de uma grande luta vitoriosa e de repercussão internacional das mulheres trabalhadoras, concretamente, das operárias da industria têxtil de Nova Iorque, em 1857, contra a brutal exploração capitalista a que estavam sujeitas. Foi esta luta, ferozmente reprimida, uma importante contribuição das mulheres para a conquista da jornada de oito horas, marco importante na caminhada para a emancipação das classes trabalhadoras.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O dia 8 de Março tem grandes tradições na luta da emancipação da mulher portuguesa. Durante o regime fascista, o Dia Internacional da Mulher foi uma jornada de luta muitas vezes brutalmente reprimida pelas forças do terror fascista. Porém, apesar disto, alcançou, por vezes, uma grande expressão de massas, como aquando da manifestação de 8 de Março de 1962, no Porto, em quê participaram milhares de pessoas.
O fascismo foi uma tenebrosa realidade da vida da nossa Pátria, que o povo português não esquecerá facilmente. Para as mulheres portuguesas, o fascismo foi a superexploração da mão-de-obra das trabalhadoras, a discriminação mais vergonhosa para a mulher em geral, como mãe, como esposa e como cidadã. Hoje, depois do 25 de Abril, é possível à mulher portuguesa fazer deste dia uma jornada de amizade e de solidariedade com as mulheres de todo o mundo na luta pelos direitos da mulher; contra o fascismo, o imperialismo, o colonialismo e a guerra; por um futuro melhor, mais são e mais feliz para os nossos filhos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Devemos salientar aqui o papel importante que continua a caber às mulheres portuguesas na luta pela sua emancipação e promoção social, económica e política, para serem suprimidas progressivamente as discriminações, as injustiças sociais e os preconceitos que ainda hoje pesam sobre a mulher em Portugal.
O histórico movimento do 25 de Abril, que para o nosso povo representa o símbolo da liberdade, trouxe à mulher uma nova realidade no contexto da nova sociedade democrática.
Apesar disso, continuam ainda as mulheres portuguesas a sofrer discriminações. Ainda hoje, no Portugal democrático, as mulheres debatem-se com duas espécies de problemas que estão naturalmente relacionados entre si: os problemas comuns a todos os trabalhadores e os problemas específicos da sua condição de mulher e mãe, resultantes da discriminação social, económica, política e cultural a que continua sujeita em muitos casos.
Isto apesar de a Constituição de 1976 representar inequivocamente um marco histórico libertador na vida do povo português em geral e da mulher em especial. Com efeito, nela se reconhece a plena igualdade de direitos e deveres do homem e da mulher na família, no trabalho e1 na sociedade.
Também devemos assinalar positivamente as novas leis que actualizaram, neste domínio, o Código Civil, apesar de muito haver ainda a fazer. E nesta matéria cabe aqui sublinhar o papel importante desta Assembleia da República e de todos nós, Deputados. Estou certa de que, como representantes do povo, saberemos honrar a igualdade de direito da mulher, fazendo aprovar novas leis que não mais rebaixem a condição feminina no nosso país.
Contudo, a promoção da mulher não se consegue apenas com algumas reformas ou com a evolução das mentalidades. São necessárias transformações muito mais amplas e profundas, é necessária uma organização diferente das estruturas económicas, sociais, políticas e culturais do País.
A mulher, tal como o homem, terá de integrar-se, progressiva e activamente, no progresso social, num regime cujo objectivo terá de ser a melhoria do nível e qualidade de vida de todos os portugueses, conforme defende a Constituição da República. A libertação das seculares discriminações, injustiças e fardos que pesam sobre a mulher terá de ser conquistada pela própria acção, determinada, esclarecida e unida, das mulheres e dos homens progressistas da nossa terra.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Cabe aqui dizer que as intenções expressas no capítulo sobre a condição feminina do Programa do Governo não merecem desacordo da nossa parte. Mas também devemos deixar claro que não basta inscrever boas intenções no Programa. É necessário que a prática governamental as realize diariamente. E neste aspecto, a prática do I Governo deixa bastante a desejar. Pelo contrário, essa prática em muito agravou a situação da grande maioria das mulheres portuguesas, a braços com a acrescida repressão no trabalho, com um brutal aumento do custo de vida, despedimentos contínuos, de que as primeiras vítimas têm sido as mulheres trabalhadoras.
O já anunciado aumento dos preços de géneros e produtos de primeira necessidade, a saída do chamado Cabaz de Compras de géneros e produtos que
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dele fazem parte, o que se vai traduzir no aumento desenfreado dos preços destes mesmos géneros e produtos, além da subida do custo de serviços e bens, também de primeira necessidade, o congelamento de salários, que não estão acompanhando de modo algum a alta do custo de vida, as miseráveis pensões de reforma dos 800 mil pensionistas, a expectativa de um ainda maior desemprego, fruto da política de recuperação capitalista do Governo, tudo prenuncia o agravamento das condições de vida do povo trabalhador, sobretudo das suas camadas mais pobres, e, portanto, das dificuldades das donas de casa, das mães, das mulheres, que dia a dia terão de enfrentar a degradação da situação económica.
A prática governativa do I Governo e o Programa económico do II Governo, aqui trazido a esta Assembleia, não nos dão qualquer esperança de que este Governo venha a levar a cabo uma política em favor do povo trabalhador, e em especial da mulher. Bem pelo contrário.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É já hoje um facto incontestável que cada vez maior número de mulheres aspiram a ter mais responsabilidades e direitos na sua vida familiar, profissional, social e política, a quererem participar na escola, na fábrica, no campo, nas decisões políticas e económicas do País.
Estamos absolutamente convencidos, como a prática o tem vindo a demonstrar, de que as mulheres portuguesas saberão tomar o seu lugar, assumir as suas responsabilidades, ombro a ombro com os homens, na luta, que é de todo o povo português, para a construção de um Portugal democrático, próspero, independente e feliz a caminho do socialismo, como aponta a Constituição da República.
Nesta data histórica, de significado mundial, o Grupo Parlamentar do PCP saúda as mulheres do nosso país -intelectuais, estudantes, trabalhadoras de todas as condições sociais, em especial das fábricas e dos campos, donas de casa e outras - que nos sindicatos, comissões de trabalhadores e outras frentes de luta deram e continuam a dar a sua contribuição corajosa e valiosa para o derrube do fascismo e pelo reforço e defesa da democracia em Portugal.
Nesta saudação acompanham-nos, estamos certos, iodos os Deputados e Deputadas desta Assembleia, para quem os problemas das mulheres não são indiferentes e que antes os consideram como problemas de cuja solução progressiva só poderá resultar a honra, o prestígio e o reforço da democracia em Portugal.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Alzira de Lemos.
A Sr.ª Maria Alzira de Lemos (PS): - Apenas desejava usar da palavra aquando da declaração de voto do meu partido.
O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr.ª Deputada. Tem a palavra o Sr. Deputado Acácio Barreiros.
O Sr. Acácio Barreiros (UDP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A União Democrática Popular vai votar a favor do voto apresentado pelo Partido Socialista, e hoje, Dia Mundial da Mulher, também queremos fazer uma saudação especial às mulheres portuguesas, em particular às mulheres trabalhadoras, àquelas que .trabalham nas fábricas e nos campos,...
O Sr. Martelo de Oliveira (PSD): - E as que trabalham em casa?
O Orador: -... às mulheres portuguesas, que viram com o 25 de Abril renascer a sua esperança de uma vida melhor, da dignificação da sua condição de mulheres, da igualdade efectiva de direitos e da melhoria das condições de vida dos seus filhos - para muitas delas, da possibilidade de calçarem pela primeira vez os seus filhos, de conseguirem que eles não seguissem os caminhos do analfabetismo, que elas conheceram debaixo da ditadura fascista. Essa possibilidade, aberta pelo 25 de Abril, tem de ser recordada hoje dia 8 de Março, e já o foi por anteriores oradores, mas nós não queríamos deixar de o fazer também.
Infelizmente, o dia 8 de Março deste ano, se é certo que, como vem acontecendo desde o 25 de Abril, se celebra em liberdade, se é certo que livremente as mulheres deste país podem expressar a sua homenagem em relação às grandes lutas internacionais e em Portugal pelos direitos das mulheres, passa-se numa situação em que o futuro das mulheres portuguesas se encontra ensombrado com perspectivas que não podem deixar de preocupar todos os trabalhadores, em particular as mulheres.
É o anunciado aumento do custo de vida, é um ano que se diz o Ano Mundial da Criança, em que se preparam grandes comemorações nacionais, mas a verdade é que as mães deste país vêem que o leite vai aumentar ainda mais 30 %, e isso não pode deixar de trazer um protesto grande da parte das mulheres, sobretudo das mulheres mais pobres.
Neste sentido, o dia 8 de Março é também, este ano, um dia de luta. Um dia de luta contra a solução governativa que foi encontrada, contra as más perspectivas que se abrem à mulher, um dia de luta para que não volte mais o tempo do analfabetismo, o tempo em que se esmagavam totalmente as condições da mulher, o tempo dos orçamentos que já não chegam para nada - e eles já vão chegando cada vez menos -, o tempo de os filhos tornarem a andar descalços e sem quaisquer perspectivas de estudo e de dignificação profissional.
Nesse sentido, a União Democrática Popular vai apoiar o voto do Partido Socialista, não podendo deixar de recordar que também hoje a União das Mulheres Antifascistas e Revolucionárias (UMAR) leva a cabo uma iniciativa, a nosso ver a todos os títulos válida, ao manifestar nas ruas não só a alegria pelo 25 de Abril, mas também a preocupação quanto ao futuro do País, a decisão e a determinação das mulheres portuguesas, sobretudo das mais pobres, de não deixarem que Portugal volte ao tempo do fascismo, ao tempo da ditadura e da miséria, e de lutar pela liberdade, por um 25 de Abril efectivamente do povo, pelo socialismo, já que o 8 de Março é também um dia de luta pelo socialismo.
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O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Rui Machete.
O Sr. Rui Machete (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Partido Social-Democrata vai associar-se ao voto do Partido Socialista, querendo, contudo, salientar que é extremamente significativo que ainda hoje, depois de a Declaração Universal dos Direitos do Homem consignar inequivocamente a igualdade entre homens e mulheres, depois de as constituições da maioria dos Estados também de uma maneira peremptória falarem da igualdade entre os sexos, se torne necessário consagrar um dia como o Dia Mundial da Mulher, quando não existe um Dia Mundial do Homem. Isto é significativo, pois, apesar das declarações de direitos, apesar das normas jurídicas na sociedade -, que já não no Estado, continue a subsistir uma desigualdade de facto.
Ora, em Portugal, o 25 de Abril abriu perspectivas largas. A nossa Constituição começou por revolucionar também nesta matéria muitos aspectos e a pouco e pouco o legislador ordinário, designadamente no Código Civil, foi eliminando diversos preceitos aberrantes. Mas a sociedade portuguesa está ainda longe, infelizmente, de consagrar a efectiva igualdade, de acordo com a natureza diversa do homem e da mulher. Ao associarmo-nos ao voto do Partido Socialista, os sociais-democratas, homens e mulheres, de quem neste momento sou o porta-voz, exprimem efectivamente o desejo veemente de que a igualdade que existe na lei seja o mais rapidamente possível transportada para os factos das relações sociais, não apenas nesta ou naquela classe, mas em toda a sociedade portuguesa.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Carmelinda Pereira.
A Sr.ª Carmelinda Pereira (Indep.): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Eu votarei favoravelmente este voto, mas quero dizer o seguinte: não basta enaltecer-se, de forma abstracta, uma vez por ano, a luta das mulheres e os direitos que elas deviam poder ver estabelecidos na prática. As mulheres trabalhadoras, sejam de que país forem, não enaltecem nem saúdam apenas a sua luta. Elas combatem juntamente com todos os trabalhadores para poderem emancipar-se, emancipando a sociedade e a juventude. O que elas esperam desta Assembleia não é só um voto a enaltecê-las pela sua luta, das esperam dos Deputados socialistas e dos Deputados do PCP, que se encontram aqui em maioria, que sejam tomadas medidas que comecem a resolver de facto os seus problemas, isto é, que sejam tomadas medidas de fundo que impeçam o aumento do custo de vida. Não basta falar contra o aumento do custo de vida, é preciso ir à raiz do problema, é preciso criar condições que colmatem esse aumento, é preciso criar condições que permitam o aumento dos salários dos trabalhadores e, portanto, o aumento do orçamento familiar, compatível com o aumento do custo de vida. São precisas verbas para a educação, para que os filhos delas tenham direito ao ensino, para a saúde, para os hospitais e para as creches. É preciso que elas sejam libertadas economicamente, pois só nessa condição é que podemos falar na emancipação da mulher e só nessa condição é que me parece que esta Assembleia pode pronunciar-se, decidindo medidas que permitam começar a resolver os problemas deste país, que são os problemas que também afectam as mulheres trabalhadoras, tal como atingem os trabalhadores, tal como atingem a juventude. É isso que elas esperam dos Deputados socialistas e dos Deputados do PCP, foi para isso quê a esmagadora maioria das mulheres trabalhadoras deste país votou nos Deputados do PS e do PCP, que se encontram em maioria nesta Assembleia.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar à votação do voto de saudação à mulher portuguesa apresentado pelo PS.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.
Aplausos gerais.
O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Alzira de Lemos.
A Sr.ª Maria Alzira de Lemos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Partido Socialista congratula-se pelo facto de esta Câmara ter aprovado por unanimidade o voto de saudação apresentado pelo PS, o que significa que, para além das divergências partidárias, a problemática subjacente às questões ligadas à condição das mulheres é encarada em Portugal com a importância que merece e começa a deixar de ser tomada como problemática secundária.
O Partido Socialista, ao apresentar este voto de saudação à Assembleia da República fá-lo em coerência com o seu programa, com a sua ideologia e com a política que tem vindo a praticar.
Mais do que a comemoração de uma efeméride, este voto aponta para um projecto de sociedade em que as discriminações a que a mulher no quotidiano ainda está sujeita tenham deixado de existir e em que a igualdade consagrada na Constituição seja uma efectiva realidade.
É qualquer coisa de obsoleto que na nossa época ainda se celebre o Dia da Mulher, como se em todos os outros dias ela devesse ficar relegada para um papel subalterno. Falar da problemática da mulher neste dia só tem sentido numa perspectiva dinâmica em que se compare a sua situação no passado - principalmente no tempo do fascismo, que a tinha voluntariamente relegado para a categoria de cidadã de 2.ª classe - com a sua situação actual e com aquela que se deseja num futuro a constituir.
Todos saibamos que logo após o 25 de Abril e por intermédio da acção dos ministros socialistas foram abertas às mulheres duas novas carreiras, a da diplomacia e a da magistratura, que ainda lhes estavam vedadas.
Todos conhecemos os preceitos da Constituição, que estabelecem a igualdade das mulheres a todos os níveis na sociedade portuguesa de hoje - política, trabalho, família, etc. - e que a maternidade está ali reconhecida como um valor social eminente.
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Todos nós conhecemos também em que medida esses direitos já se consubstanciaram em algumas exposições importantes da lei civil e penal, nomeadamente no direito à família, que vai entrar em vigor em 1 de Abril, colocando Portugal ao nível dos povos com legislação mais avançada e perfeita neste domínio.
Mas todos nós sabemos também que, infelizmente, no quotidiano as condições pouco se alteraram e que só se modificarão pela crescente consciencialização das mulheres quanto aos seus próprios direitos e pela criação de mecanismos que facilitem essa consciencialização.
Há também que proceder à alteração das leis que ainda estão por modificar e erradicar toda a discriminação em função do sexo no que respeita a formação profissional, acesso e formação no emprego, condições de trabalho e remuneração, assim como no que diz respeito ao sector do ensino e orientações tradicionais em que se baseia.
A função social da maternidade, a protecção materno-infantil, o planeamento familiar, o combate à exploração específica da mulher são outros tantos campos em que há que desenvolver uma acção decisiva, com convicção e persistência.
O Programa do II Governo Constitucional aponta para a realização desses objectivos, - tendo-se na vigência do I Governo Constitucional institucionalizado um organismo oficial, integrado na Presidência do Conselho de Ministros, a Comissão da Condição Feminina, que tem por fim incentivar e coordenar todos os esforços no sentido de alcançar os propósitos desejados.
Mas são as próprias mulheres que podem dar o grande contributo no sentido da transformação da vida quotidiana e na vivência da igualdade efectiva prevista na Constituição e a consubstanciar nas leis.
Cabe às mulheres portuguesas, de acordo com um movimento irreversível a nível mundial, assumir o papel que lhes cabe na construção de uma sociedade de igualdade e de justiça social, contribuindo para o desenvolvimento, para a paz e para o estabelecimento, a todos os níveis, de relações de solidariedade e de co-responsabilidade que substituam as relações baseadas na opressão e no autoritarismo.
É este o significado do voto proposto pelo Pautado Socialista, consciente de que com este voto a Assembleia da República se associa pela melhor forma às celebrações do Dia Internacional da Mulher, na medida em que os homens que a integram, em grande maioria, lado a lado connosco, mulheres, manifestam o seu desejo de construir em Portugal uma sociedade baseada nos direitos de todos nós em plena responsabilidade e dignidade de seres humanos.
Aplausos do PS e do CDS.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como disse há pouco, temos aqui um requerimento a pedir o prolongamento do período de antes da ordem do dia apresentado pelo PSD. Se não houver oposição, está prolongado podendo usar da palavra um Deputado de cada partido por cinco minutos.
Estão abertas as inscrições.
Pausa.
Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Coelho.
O Sr. Pedro Coelho (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Embora seja do conhecimento público a severidade com que violentos temporais assolaram o litoral português, é nosso dever alertar a opinião pública e as autoridades em geral quanto às consequências desses vendavais e intempérie para a classe piscatória.
De uma maneira geral, dependentes exclusivamente da vida do mar, os pescadores vêm, frequentemente, os dias correr sem que possam tentar a sua sorte, permanecendo os barcos tristemente amarrados ou varados à espera da bonança.
Barcos parados e pescadores em terra significa menos peixe e salário reduzido ou inexistente, mas não são estas as únicas consequências da borrasca.
Muitos homens do mar, como as gentes da Costa Nova, em Aveiro, e das zonas ribeirinhas do Douro, vivendo junto às praias, viram as suas casas alagadas, ou mesmo levadas pela vaga e desfeitas na espuma, juntando ao revés da inactividade a calamidade de perda de bens e de conforto.
Em algumas zonas, como a Póvoa de Varzim, Vila do Conde, Espinho, Aveiro, Ericeira, Figueira da Foz, Cascais, Caparica, Faro, Olhão, Fuzeta, Tavira e nas regiões autónomas, o mar destruiu muralhas e molhes e agravou assoreamentos, provocando danos que perdurarão por muito tempo e tomarão ainda mais difícil a entrada segura e o abrigo das embarcações da pesca.
Não sendo desde já possível avaliar a extensão dos estragos na costa, estes danos serão talvez os que maior prejuízo causarão à classe piscatória e ao sector das pescas em geral.
Já dissemos aqui recentemente que o problema actual dos pescadores não é tanto o da remuneração directa, mas o das suas condições de trabalho, de estatuto e de formação profissional e de segurança social.
Para uma melhoria substancial das conduções de trabalho contribui decisivamente o estado operacional dos pontos, os locais de acostagem, de descarga e de tratamento do pescado, as barras e os acessos pelo mar, os abrigos utilizáveis durante todo o ano e em quaisquer condições do tempo.
Não defendemos, evidentemente, que cada praia se transforme num porto de pesca. Isso seria antieconómico, se não utópico. Os investimentos actualmente necessários para obras portuárias são enormes e exigem uma planificação cuidada e uma distribuição rigorosa, baseada em condições naturais, densidade da população piscatória, importância local da actividade, acesso próximo a pesqueiros, potencialidades de expansão e até irradiação comercial do pescado.
No entanto, não poderemos deixar de atender às condições reais deste país pescador ao longo de todo o seu litoral, incluindo continente e ilhas, herdeiro de uma actividade de raiz já substancia a sul do Tejo durante a estada fenícia e a colonização romana, e factor importante de actividade económica a norte do Tejo a partir do século XII.
Comunidades piscatórias profundamente implantadas desde há séculos, algumas das quais favoreceram o desenvolvimento de importantes centros actuais em todas as regiões do País e foram as sementes da indústria da construção naval e do comércio marítimo português, já para não falar na sua contribuição decisiva em técnica, equipamentos e homens para a
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expansão marítima portuguesa dos séculos XV e XVI.
Foram e continuam a sê-lo; e é essa a única razão pela qual nos permitimos relembrar, modestamente, um passado histórico que é de todos nós e foi construído dia a dia pela «arraia-miúda» do ocidente ibérico.
Hoje, como no passado, o desenvolvimento de uma forte economia marítima portuguesa passa por um sector das pescas forte, apoiado numa investigação e formação profissional bem estruturadas e adaptada às necessidades reais do País e activamente participante ma construção jurídica do novo regime legal da utilização dos oceanos, usufruindo da futura jurisdição marítima, cujo valor histórico ultrapassa os limites do mar e poderá contribuir para uma nova ordem económica internacional.
As catástrofes e as desgraças, sendo fenómenos usuais para a condução humana, permitem-nos por vezes reconhecer necessidades prioritárias que a tranquila rotina de todos os dias muitas vezes comodamente ignora!
Permitem-nos até verificar que elas não são necessariamente um determinismo a que o homem está condenado, mas, pelo contrário, no estado actual da ciência e da técnica, muito pode ser evitado.
Assim haja informações, vontade e coragem!
Algumas das situações agora agravadas pela intempérie resultam de erros humanos evidentes, de medidas erradas ou nunca tomadas.
Será o mar culpado pela destruição da cabeça do molhe norte do porto da Póvoa de Varzim e do assoreamento da sua barra por blocos de pedra e areias ou será o projecto daquelas infra-estruturas pontuarias que foram mal concebidas e projectadas?
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, queira abreviar, pois já esgotou o seu tempo.
O Orador: - Sim Sr. Presidente.
Serão as vagas e os rios responsáveis pela destruição de casas e campos ribeirinhos ou quem durante anos e anos não desenvolveu uma política habitacional e de solos ou de protecção adequada que permitisse às populações viverem em melhor recato?
Virá a ser o mar responsável no dia em que uma amarra menos segura permita a deriva de uma embarcação abrigada em Sesimbra, provocando uma cadeia de abalroamentos, cujas consequências de extensão só Deus sabe onde levarão?
Eis um caso que poderá ser exemplar quanto ao que refiro. A expansão das pescas em Sesimbra rapidamente tornou pequena a actual área protegida e aconselha a construção de um novo molhe, já projectado e orçamentado, conforme o defendido pelo Partido Socialista, que, duplicando a área útil de abrigo e de actividade em terra, permitirá também terminar de uma vez para sempre com os sobressaltos em que vive o armamento, que a cada golpe de mar mais violento fica com o credo na boca!
O mesmo se poderá dizer, embora por causas diferentes, sobre a necessidade do prolongamento do molhe morte do porto de abrigo da Póvoa de Varzim, condição necessária à segurança permanente daquela barra, onde há meses pereceram cinco vidas!
Molhes, barras, defesas, abrigos, assoreamentos, são palavras que o homem do mar se habituou a usar nas suas dificuldades diárias, num litoral que nem sempre é generoso em abrigo e condição natural. Muito tem feito o Estado democrático para melhorar as condições de trabalho, no entanto, uma tarefa imensa ainda teremos de enfrentar. Enfrentá-la-emos com coragem, realismo e eficácia.
Que nas medidas e acções que o Governo entendeu muito correcta e tempestivamente tomar, conforme se reconhece nas decisões do Conselho de Ministros sobre a matéria, as comunidades piscatórias tenham o lugar que merecem como conjunto de cidadãos conscientes e produtores generosos que são!
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o PSD invoca prioridade para fazer, neste momento, a sua declaração política, sem prejuízo dos cinco minutos atribuídos a cada um dos outros partidos.
A Mesa está de acordo, e não havendo oposição por parte da Câmara, tem a palavra o Sr. Deputado Marques Mendes.
O Sr. Marques Mendes (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Exactamente há um mês efectuou-se nesta Câmara o debate sobre o Programa do II Governo Constitucional.
O Sr. Telmo Neto (PS): - Ah sim?
O Orador: - Podia ter-se esquecido, Sr. Deputado.
Risos.
Tive eu próprio então a oportunidade de tecer alguns comentários críticos sobre o modo como a política agrícola era tratada em tal Programa e de simultaneamente formular ao Governo várias perguntas muito concretas. O Sr. Ministro da Agricultura e Pescas afirmava aqui mesmo, horas depois, que tal intervenção merecia ser ponderada.
Sucede que um mês decorrido não se obteve qualquer resposta concreta, precisa e inequívoca que traduza o resultado dessa, anunciada ponderação, mantendo-se a falta de clarificação que aqui se apontou ao Programa do Governo.
No campo dos actos, ou das omissões, melhor dizendo, vai-se começando a fazer luz, no entanto, sobre o entendimento perfilhado pelo Sr. Ministro da Agricultura e Pescas quanto à aplicação da lei de bases da Reforma Agrária a que aqui aludi durante tal debate.
Na verdade, o povo português já começou a tomar consciência do que vai, sendo para o actual Governo a aplicação e execução das leis sobre política agrícola maioritariamente aprovadas nesta Câmara! Ignorá-las.
Nesse passado dia 9 de Fevereiro afirmei aqui - referindo-me à lei de bases - que «há motivo para os portugueses se sentirem preocupados quanto à execução dessa lei que continuamos a reputar de fundamental». Há que reconhecer que esse sentimento de preocupação vai crescendo, face aos actos, às palavras e às omissões.
Dizer-se que tal lei vai ser cumprida, «tanto na sua letra, como no seu espírito», como lemos hoje,
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segundo declaração feita à Anop pelo Sr. Ministro, é muito pouco, ou mesmo nada, se se omite, como é o caso, o quando e o como dessa aplicação e quando a sua regulamentação tarda cada vez mais.
Se a lei de bases da Reforma Agrária não é para nós, sociais-democratas, a lei ideal, se ela não é a lei que faríamos se o PSD houvesse obtido nas urnas o apoio maioritário do povo português, o certo é que ela é, como várias vezes já o acentuámos, a lei que permite abrir caminho para a recuperação agrícola do País e para a consolidação da democracia.
E foi, por isso, e por tudo quanto então aqui deixamos dito, que a votámos favoravelmente; mas também porque lhe demos o «nosso voto é que não podemos, coerentemente, ficar calados quando se começa a constatar que o Governo PS/CDS a não está a executar como se impõe.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em 20 de Julho último, Jaime Gama, membro do presente Governo, afirmou aqui que «a aprovação desta lei, que permitirá produzir efeitos no novo ano agrícola, será uma vitória do regime democrático e da Constituição», e que ela «será ainda um acto de dignificação desta Assembleia perante o País e o testemunho da nossa gratidão ao combate dos trabalhadores alentejanos contra todas as formas de opressão, de insegurança, de violência e de injustiça»; no mesmo dia, Amaro da Costa, ao debater o mesmo assunto, afirmava também nesta Câmara: «A verdade é que nos encontramos perante uma clara demonstração da capacidade do Partido Socialista adoptar, consoante as épocas, e em período constitucional, atitudes globais bastante diferentes sobre um mesmo tema».
Só que os partidos que aqueles dois Deputados então representavam estão hoje irmanados no Poder, esquecendo-se um da «vitória do regime democrático e da Constituição» e da «gratidão ao combate dos trabalhadores alentejanos» e revelando-se o outro agora inteiramente colaborante ma «demonstração da capacidade» daquele em adoptar atitudes diferentes sobre um mesmo tema.
Vozes do PSD: -Muito bem!
Uma voz do PS: - Falso!
O Orador - Aqueles dois partidos, para satisfazerem a sua indesmentível ânsia de poder, agem no sentido de obter a «acalmia» do PCP em terras alentejanas...
O Sr. Telmo Neto (PS): - Ciumento!
O Orador: - Olhe que não, Sr. Deputado!
... e ainda que para isso lhe dando tempo para uma ronda de implantação do seu poder em outras zonas do País. Satisfazendo o que vinha sendo reclamado nas conferências das UCP's, é obtida essa «acalmia» através da não devolução de mais terras ocupadas, mesmo daquelas que haviam já sido objecto de despachos durante o I Governo; perante essa segurança pôde já o PCP constituir a sua alavanca ou correia de transmissão para tentar impor o seu poder no Norte e no Centro, fazendo criar a apelidada Confederação Nacional de Agricultores, a qual já foi aplaudida também pela UDP.
Quando lemos num matutino de ontem declarações sobre o assunto proferidas por um responsável do CDS, em que se dizia que ao denunciar a suspensão das entregas de reservas, estava o PSD a concorrer «para a criação de condições psicológicas e políticas que apenas podem favorecer o ressurgimento da arrogância do PCP no Alentejo» ficamos perplexos.
E quando vemos esse mesmo dirigente dizer ainda que «aos reservatários interessa certamente mais a demora de alguns dias para que vejam os respectivos problemas resolvidos de forma definitiva, do que uma curta antecipação de carácter provisório, que poderia redundar em futuros atrasos e complicações» começamos a pensar sobre qual seja a mola que impulsiona o CDS a não querer ver o que é evidente porque fala em «provisório» quando as entregas feitas ou já despachadas o são definitivamente, como definitivo é o acto administrativo respectivo.
Como o CDS esqueceu depressa o que aqui disse quando se debateu essa lei e quando se discutiu o seu projecto de lei sobre a suspensão parcial dos decretos gonçalvistas!
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Carvalho Cardoso (CDS): - Muito mal!
O Orador: - Talvez lhe fizesse bem atentar nas seguintes palavras de Jaime Gama aqui proferidas no referido dia 20 de Julho: «O PCP só avançou para o processo da Reforma Agrária quando considerou atingidos os seus objectivos em matéria de descolonização e a partir do momento em que entendeu que a Reforma Agrária, concebida em termos exclusivamente político» e numa perspectiva colectivista, poderia apresentar um instrumento táctico para a tomada do Poder. Não foi para melhorar a sorte dos camponeses e assalariados rurais alentejanos, nem para transformar a agricultura portuguesa que o PCP desencadeou, a parar de meados de 1975, o movimento das ocupações selvagens - foi para, por esse meio, criar uma área do País com poder político de facto, capaz de produzir efeitos a nível global»
O Sr. Telmo Neto (PS): - Boa afirmação!
O Orador: - É de um deputado vosso.
E agora não será para alargar essa área a outros pontos do País onde não tinha ainda conseguido tais intentos que avança no lançamento da mencionada Confederação, e isto porque vê a garantia de que continuarão ocupadas, ainda que ilegitimamente, largas centenas de milhares de hectares de terra?
Ou será que ao manterem-se agora tais ocupações selvagens já se transforma a agricultura portuguesa e já se está a melhorar a sorte dos agricultores e dos trabalhadores rurais alentejanos?
Mudanças tão rápidas nem Camões as teria previsto!
Vozes do PSD: - Muito bem!
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O Sr. Cal Brandão (PS): - Essa agora!
O Orador - O PSD, porque deu um largo contributo nesta Câmara, para a lei de bases em vigor, e porque logo salientou a necessidade de o Governo a aplicar e regulamentar no sentido por da apontado, não pode deixar de denunciar frontal e publicamente o que neste, domínio está a suceder.
Não pode deixar de denunciar que nem sequer se têm cumprido despachos a ordenar entregas, legalmente proferidos, e que a não proceder a novas demarcações e respectivas entregas de reservas se está a violar ostensivamente aquela lei, designadamente o seu artigo 62.º, que diz:
Enquanto não for regulado o processo de exercício do direito de reserva, este reger-se-á pelo disposto nos artigos 3.º do Decreto-Lei n.º 406-A/75, de 29 de Julho, 4.º do Decreto-Lei n.º 407-A/75, de 30 de Julho, 8.º e 14.º a 16.º do Decreto-Lei n.º 493/76, de 23 de Junho, e no Decreto Regulamentar n.º 11/77, de 3 de Fevereiro, em tudo o que não for incompatível com a presente lei.
Será que se esquecem os despachos proferidos e os outros se não proferem com o objectivo último de se procurar alterar o que está contido na dita lei através dos decretos-leis que a deverão regular, designadamente o processo do exercício desse direito de reserva?
O silêncio e tais omissões por parte do Sr. Saias, cuja acção - ou melhor, cuja falta de acção - vem merecendo o apoio declarado e afirmado do CDS - partido que votou contra tal lei juntamente com o PCP - constitui uma conduta que só serve, essa sim, a quem se tem servido do Alentejo como ponto de partida para a criação de um novo poder.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É grave desconhecer-se o que é realmente o mundo rural, com a civilização e a cultura que nele se encerra e com a sua maneira própria de encarar a realidade e a vida. As populações rurais querem progresso e desenvolvimento, querem trabalho e justiça social, querem paz e liberdade, mas não aceitam - como bem o demonstraram já, designadamente no 25 de Novembro - que novos senhores totalitaristas pretendam continuar a ser destruidores dos valores humanos que oito séculos de história foram concluindo e vivificando.
O Governo e os partidos que o apodam deverão meditar muito seriamente - neste alerta, já que na euforia do Poder em que têm vivido durante este mês e meio de existência não o têm querido fazer.
Não falamos deste modo do actual executivo por dele não fazermos parte...
O Sr. Carlos Robalo (CDS): - Mas parece!
O Orador - ...mas porque sabemos assumir as nossas responsabilidades de única oposição democrática aqui representada, direito de que não abdicaremos, porque é também um dever.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador - Contrariamente ao que afirmou o Presidente do CDS, em entrevista a um semanário de 16 de Fevereiro: «As dúvidas e as interrogações que neste domínio aqui formulou o PSD subsistem, e têm-se mesmo avolumado.»
Quando «esta Câmara, como, de resto, em todo o País, o debate, sobre a lei de bases da Reforma Agrária foi tido, e bem, como transcendente para a vida nacional, como algo de essencial para a consolidação da democracia e quando foi mesmo considerado que ela era, depois da Constituição, o diploma mais importante, é preocupante constatar que o Prof. Freitas do Amaral, venha em tal entrevista afirmar que «os problemas da Reforma Agrária, se bem que muito importantes, não podem deixar de considerar-se, apesar de tudo, como secundários»; se, como disse o Presidente do CDS, «está em causa o nosso futuro, a nossa dignidade, a nossa viabilidade como Nação livre e independente», não se compreende que tendo a falsa Reforma Agrária vigente antes da actual lei posto em causa a nossa liberdade, a nossa dignidade e independência e o futuro da democracia seja agora a lei aqui aprovada um problema secundário!
Os Portugueses ao lerem tais afirmações de dirigentes responsáveis do CDS e, ao lerem comunicados do mesmo partido (como o de Évora), em que se aceita que o MAP protele, sem se saber até quando, a execução dessa lei, começam a interrogar-se, e com razão, sobre o que está a suceder com este Governo e neste sector.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador - Mas ao terem conhecimento que pessoas da ex-Intervenção Socialista há dias entrados para o PS, criticavam a actual lei, chegando alguns deles a apelidá-la mesmo de criminosa, e que tal entrada, por conversão colectiva, até mereceu o regozijo do mesmo CDS, essas intervenções levam-nos a perguntar:
Será que tinha razão o Dr. Álvaro Cunhal - conseguindo agora os seus intentos - quando afirmava, por exemplo, em 17 de Junho, à saída de Belém, a propósito da proposta que originou a actual Lei n.º 77/77: «Tudo faremos para que o projecto de lei da Reforma Agrária não venha a ser aprovado e, se o for, tudo faremos para que seja suspensa a sua aplicação.»
E, na verdade, essa suspensão é já uma realidade insofismável.
Vozes do PS: - Olhe que não!
O Orador: - O povo português saberá concluir e julgar, mas a nós, seus legítimos representantes, cabe-nos o dever de exigir um claro e inequívoco esclarecimento, e daí o requerimento que vou entregar na Mesa para efeitos do consignado nos artigos 72.º e 205,º do Regimento desta Assembleia.
Aplausos do PSD.
O Sr. José Luís Nunes (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?
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O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Presidente, para dar alguns esclarecimentos à Câmara em relação à declaração política proferida pelo Sr. Deputado Marques Mendes em nome do PSD.
O Sr. Presidente: - Tenha a bondade.
O Sr. José Luís Nunes ((PS): - Esses esclarecimentos à Câmara não são sob a forma de um protesto, porque efectivamente não há que protestar. O Sr. Deputado Marqueis Mendes usou dos seus direitos regimentais para fazer uma proposta a esta Câmara e a única coisa que nos compete é apreciar essa proposta.
Queria referir três coisas que o Sr. Ministro da Agricultura, Dr. Luís Saias, teve ocasião de declarar repetidas vezes, aqui e fora da Assembleia.
Em primeiro lugar, declarou que a Lei da Reforma Agrária devia ser integralmente cumprida.
Em segundo lugar, teve ocasião de declarar que, para esse cumprimento efectivo e eficaz - isto esqueceu o Sr. Deputado, porque não leu ou não ouviu ainda porque quis esquecer a intervenção do Dr. Luís Saias - no mais breve prazo iria pôr fora, para serem publicados, os regulamentos necessários à aplicação da lei.
O Dr. Luís Saias disse ainda que a Lei da Reforma Agrária era para cumprir, sublinhando até que era esta Assembleia que a tinha definido e que ao Governo competia executar as leis que a Assembleia da República faz.
Simplesmente, antes de o Dr. Luís Saias tomar posse, antes de o Governo tomar posse, antes sequer de o Governo existir, durante a crise política que sucedeu à queda do I Governo Constitucional, verificou-se neste país que uma certa imprensa, de que agora o Sr. Deputado Marques Mendes é o eco, especulou profundamente com três coisas.
Em primeiro lugar, o novo Governo, que ainda não existia, pretenderia pôr em causa a Reforma Agrária.
Em segundo lugar, o Governo, que ainda não estava formado, teria um Ministro que não pretenderia executar a Reforma Agrária.
Em terceiro e último lugar, o Governo estava feito com o PCP.
Tratava-se nessa, altura, como qualquer observador honesto pode constatar, de uma manobra de baixa política perfeitamente enquadrada num sentido abstracto e provinciano que classifica os políticos provincianos ou possuídos de um estado de espírito que nada tem a ver com o interesse nacional, com o interesse da Reforma Agrária, não com os inconfessáveis interesses partidaristas que não direi partidários.
Não pertence o Sr. Deputado Marques Mendes, porque foi eleito pelo povo, a esta categoria. E nesta base é que se permite o meu grupo parlamentar manifestar o seu espanto, porquanto o Sr. Deputado Marques Mendes acha muito um mês para publicar os regulamentos da Reforma Agrária, quando, não obstante todos os esforços do meu e do seu partido, como o seu partido agora reconhece, com a acção do anterior Ministro não foi possível fazê-lo no período que vai de Julho até à queda do I Governo Constitucional.
O Sr. Bento Gonçalves (PSD): - Isso não é verdade.
O Orador: - Eu continuo a falar e os Srs. Deputados fazem o favor de se habituarem a não interromper com a expressão «isso não é verdade», como se fosse a jaculatória numa igreja ou num credo.
Risos.
A questão que aqui se põe é que o Partido Social-Democrata tem pouca coisa a ver com a Reforma Agrária e só está interessado na aplicação de metade desta lei.
O Sr. Manuel Alegre (PS): - Muito bem!
Uma voz do PSD: - Olhe que não!
O Orador: - Aquilo que aqui se põe é que nem o Sr. Deputado Manques Mandes nem qualquer outro Deputado do PSD - na Assembleia da República ou fora dela, nessas visitas de sabor regionalista que tanto lhe agradam - se têm permitido criticar o Governo vigente, dizendo o seguinte: «A lei não se aplica, porque ainda não foi expropriada uma certa quantidade de terra que há para expropriar.»
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - E não foi expropriada essa quantidade de terra pelas mesmas razões: é que as expropriações e as reservas beneficiam perante a lei de idêntico direito, isto é, têm de ser feitas com equilíbrio, de acordo com regras e com bom senso
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Mas aos Srs. Deputados do PSD interessa-lhes mais, positivamente, mandar para o Alentejo a Guarda Nacional Republicana do que proceder à execução da Reforma Agrária.
Aplausos do PS.
Todos nós sabemos que durante o período de discussão da Reforma Agrária tanto eu como o Sr. Deputado Marques Mendes tivemos, no âmbito dos nossos dois partidos, uma intervenção muito activa no desenrolar da discussão. Essa intervenção activa resumiu-se à Assembleia da República e à Confissão. Quanto aos debates da Comissão, não me vou referir a eles: em primeiro lugar, porque sempre combati a tese de alguns dos Srs. Deputados que preferem referir-se a factos que se passaram em comissões e que não constam de actas - eu sempre achei que isso não se deve fazer, e não o farei; em segurado lugar, porque entendo que os debates dessas comissões não estão suficientemente estudados e suficientemente marcados para neste momento, poderem servir de firme orientação.
O que sublinharei com muita atenção é que não se está aqui a tratar nem de reforma agrária nem de leis agrárias. Está-se somente a conseguir a seguinte manobra: o Governo vigente declarou que cumpriria as leis da Reforma Agrária, e vai cumpridas sem dúvida nenhuma, Sr. Deputado - eu próprio e o meu grupo parlamentar apoiamos o Governo nesse nobre objectivo; simplesmente, no momento em que o Governo começar, tiara e lucidamente, a cumprir as
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leis da Reforma Agrária, o Partido Popular Democrático vai procurar chamar a si o triunfo dessa aplicação, dizendo que foi graças à sua pressão e às suas denúncias que o Governo acabou por cumprir aquilo a que se tinha comprometido.
Aplausos do PS.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, o debate parlamentar faz-se na base de dois parâmetros: primeiro, o interesse nacional, e, segundo, instrumentalmente, tanto como em relação ao interesse nacional, a lógica e a inteligência.
A lógica parlamentar, como os Srs. Deputados sabem - e também o Sr. Deputado Marques Mendes, cuja inteligência eu muito aprecio -, não é uma lógica cartesiana, mas uma lógica tópica, uma lógica de convencimento. Mas também, como dizia alguém, uma mentira dita com convicção não se transforma numa verdade. E pode repetir-se diariamente, mesmo quando as leis da Reforma Agrária começarem a funcionar, que o Governo não cumpre a Reforma Agrária, porque o povo português não vai acreditar em tal atoarda.
Uma última reflexão se impõe, muito claramente sobre este ponto. Seria positivo, seria claro e seda necessário que o Partido Popular Democrático...
Uma voz do PSD: - Partido Social-Democrata!
O Orador: - ...dissesse a esta Assembleia, muito concretamente, o seguinte: «Apoiamos o Partido Socialista, apodamos o CDS, apoiamos o Governo, que é o que conta sobretudo, na sua exigência e na sua intenção de entregar as reservas a quem tem o defeito de as possuir.» Mas, Sr. Deputado, como os senhores não estavam no Alentejo quando os nossos Deputados ali levavam pancada, é melhor ter muita cautela quando se tratam certos temas». Seria também muito interessante que os Srs. Deputados do PSD usassem do seu direito regimental para, da tribuna ou do seu lugar, virem pedir ao mesmo tempo a expropriação dos hectares que faltam expropriar. Mas aí o silêncio reina nas bancadas do PSD. E não é espantoso que o silêncio reine nas bancadas do PSD: é que a Reforma Agrária tem de ser em Portugal uma bandeira de melhoria da situação dos trabalhadores; a Reforma Agrária não pode ser uma bandeira de implantação do Partido Comunista no Alentejo, mas também não pode ser uma bandeira para através do anticomunismo se fazerem passar interesses pessoais, partidários e interesseiros.
O Sr. Bento Gonçalves (PSD): - Olha quem fala!
O Orador: - Termino com uma reflexão em relação à Confederação Nacional de Agricultores. A Confederação Nacional de Agricultores tem com a Confederação dos Agricultores Portugueses um traço em comum: é que ambas foram constituídas no uso de um direito caro ao povo português, que é o direito à liberdade de associação. Todos em Portugal se podem associar livremente, todos em Portugal podem unir os seus esforços para prosseguir determinados fins em comum. O Partido Socialista, pela sua parte, tem sobre isto uma doutrina extremamente firme, e não usará, contra o simples direito de associação, quaisquer campanhas ou insinuações que visem a aplicação de um processo de intenção. Isto não quer dizer, quando a CNA cometer actos ou erros contrários às nossas ideias ou contrários à lei, que nós não utilizemos, quanto aos primeiros a arma da crítica, a que temos também direito, e contra os segundos a arma dos tribunais e da legislação, que é igual para todos. Agora o que nos parece muito grave é que o direito de associação possa, neste país, ser sistematicamente posto em causa e que se peçam contas a um governo constitucional por impedir, pelas forças ao seu dispor, a violação do direito de associação de uma confederação, efectivamente formada na base da lei.
Termino com uma última reflexão, que é a seguinte: o desespero, Sr. Deputado Marques Mendes, leva muitas vezes à incapacidade e à impotência política. O partido que não foi capaz, em 1975...
O Sr. Alves da Silva (PSD): - É o desespero do povo!
O Orador: - Ó Sr. Deputado, eu não estou disposto a ouvi-lo, porque a tal não sou abrigado. Eu vou continuar a falar e não me merece nenhuma consideração aquilo que o Sr. Deputado está a dizer.
O Sr. Alves da Silva (PSD): - Isto é uma intervenção. Já está a falar há mais de dez minutos.
O Sr. Presidente: - Ao Sr. Deputado do PSD, que está muito nervoso, queria chamar-lhe a atenção para o facto de que os esclarecimentos não têm tempo fixo.
Pausa.
Não vale a pena olhar para o relógio, porque o Regimento não marca tempo.
Os deputados podem dar esclarecimentos e realmente o Sr. Deputado José Luís Nunes já está a dá-los há mais de dez minutos, mas pergunto o que é que a Mesa pode fazer contra isso.
Pausa.
Tenha a bondade de continuar, Sr. Deputado José Luís Nunes.
O Orador: - Dizia eu que a impotência política muitas vezes dá lugar à raiva. Simplesmente a Assembleia da República não é o melhor lugar para dar razão a esses sentimentos.
Aplausos do PS.
O Sr. Carvalho Cardoso (CDS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?
O Sr. Carvalho Cardoso (CDS): - É para um pequeno protesto, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Faça favor.
O Sr. Carvalho Cardoso (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Eu queria formular um pequeno pró-
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testo relativamente à intervenção do Sr. Deputado Marques Mendes, porque o Sr. Deputado lançou certas insinuações sobre o CDS que sabe perfeitamente não terem razão de ser.
Em primeiro lugar, o Sr. Deputado Marques Mendes sabe perfeitamente que para nós o problema da Reforma Agrária não é secundário, mas sim essencial e fundamental.
Em segundo lugar, o Sr. Deputado Marques Mendes, sabe perfeitamente que nós votámos contra tal lei, mas isso, como já tem vindo sendo afirmado aqui relativamente a outros casos, nomeadamente o da Constituição, não invalida que nós, democraticamente, tenhamos de acatar as decisões da maioria e de velar pelo seu inteiro cumprimento.
Aplausos do PS e do CDS.
O Orador: - Em terceiro lugar, queria dizer-lhe que não há dado nenhum que teve o CDS a crer como ele disse, naquilo que é evidente. Nós não temos, de momento, nenhuma razão paira desconfiar que o Governo actual não vai, na realidade, fazer cumprir integralmente a lei de bases da Reforma Agrária depois de devidamente. Regulamentada, o que oramos que acontecerá rapidamente, e por isso velaremos também.
Em último lugar, queria protestar dizendo ao Sr. Deputado que não aceitamos as palavras de crítica de quem, pouco parecendo conhecer a realidade rural, nelas parece pôr segundas intenções.
Aplausos do CDS e do Sr. Deputado do PS José Luís Nunes.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Marques Mendes.
O Sr. Marques Mendes (PSD):- Sr. Presidente, tendo pedido a palavra para responder a estas explicações, queria começar por fazer um breve protesto contra uma afirmação produzida pelo Sr. Deputado José Luís Numes, pessoa que eu muito considero, quando diz que eu, ao referir-me à Confederação Nacional da Agricultores, me insurgi contra o exercício de um direito, o direito de associação, e pedi que o Governo actuasse. O Sr. Deputado não esteve atento, pois eu não disse nada disso. Reconheço inteiramente - e ele não foi posto em causa na minha intervenção - o direito de associação.
O Sr. José Luís Nunes (PS): - Posso interrompê-lo, Sr. Deputado?
O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. José Luís Nunes (PS): - Eu queria dizer-lhe, com a devida vénia, que as minhas palavras, por incompletas, não foram talvez bem interpretadas.
O Sr. Deputado não pôs em causa o direito de associação.
Vozes do PSD: -Ah!...
O Orador: - Srs. Deputados, mão estou a reconhecer nenhum erro por mim praticado, vou apenas explicar as minhas palavras, mas quero observar desde já
que essa exclamação é totalmente indevida e fora de tempo.
O que o Sr. Deputado Marques Mendes disse concretamente foi que a Confederação Nacional de Agricultores era uma confederação de influência comunista. Ora há duas formas de pôr em causa o directo de associação: uma é reconhecer por palavras tal direito, outra é fazer processos de intenção. Foi este o caso. Acho que o Sr. Deputado fez a essa confederação um processo de intenção.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Se V. Ex.ª me permite que continue, eu queria dizer ao Sr. Deputado que não faço processos de intenção e que o que está afirmado não é qualquer processo de intenção. E também queria dizer ao Sr. Deputado, face à sua observação, que então não sei porque é que ele e a sua bancada criticam por exemplo, a Intersindical, dizendo que ela é a alavanca do Partido Comunista. Porque é que o fazem? Não será isso também um processo de intenção?
Aplausos do PSD.
O Sr. Deputado José Luís Nunes certamente não esteve com a devida atenção quando aqui fiz uma intervenção sobre esta matéria, durante o debate do Programa do Governo. O Sr. Deputado, referindo-se a certa imprensa que nessa altura vinha dizendo que este novo Governo ia pôr em causa a Reforma Agrária, disse que eu estava agora a fazer-me eco dessa imprensa. Eu queria chamar-lhe a atenção para o que disse aqui nessa altura apontando razões, que tínhamos duvidas e que aguardávamos que o futuro nos esclarecesse. Foi o Sr. Ministro da Agricultura e Pescas que aqui disse que tudo o que tinha sido dito por mim merecia ponderação. Vai decorrendo um mês e ainda nenhuma resposta concreta foi dada às dúvidas que se vão prolongando, porquanto as informações que vêm sendo produzidas não têm sido desmentidas. Dizer-se que a lei vai ser cumprida, já o assinalei, quer nessa altura quer hoje, é muito pouco. Isto porque, se a lei for cumprida daqui a vinte anos, não há dúvida que de facto vai ser cumprida. Mas o que nós queremos é que se diga claramente quando e coimo vai ser cumprida..
Voz do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Por outro lado, nós já aqui defendemos - e isso foi afirmado muito categoricamente pelo meu companheiro Monteiro de Andrade - que a lei de bases da Reforma Agrária é uma lei quadro da política agrícola deste país e não, como se encontra no Programa do Governo, uma mera mediada de estruturação fundiária. E é uma lei quadro que contém já em si mesma meios para resolver injustiças efectivamente cometidas, como expressamente foi reconhecido pelo Partido Socialista quando foi votada, e que continuam a ser cometidas no Alentejo. Eram essas injustiças que era necessário resolver, e nesse ponto já há mecanismos apropriados para esse fim, designadamente o artigo 62.º e outros. Mas é aí que espantosamente tudo falhou. Efectivamente ninguém me desmentiu quando eu disse que havia despachos - e
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há de facto - que não foram executados apôs a posse do actual Governo.
Sr. Deputado, sou um provinciano - aceito-o perfeitamente, com muito orgulho -, mas devo dizer-lhe que não me move qualquer outro intuito que não seja o de efectivamente fazer repor a legalidade democrática em que os nossos dois partidos, quando foi da discussão e votação desta lei, tanto empenho aqui puseram, para que conseguíssemos uma lei que, como já assinalámos, não será perfeita nem ideal, mas é a lei de que o país carecia naquele momento e cuja aplicação cada vez é mais argente, tendo em vista a resolução dos problemas nacionais, tendo em vista a resolução das injustiças que se estão a cometer, sejam das praticadas onde foram, seja maior ou menor a parcela do território onde se cometam.
Quanto, Sr. Deputado, a visitas de dirigentes do meu partido a várias zonas, é melhor não falar, porque isso faz-me recordar os tempos em que o I Governo Constitucional ia reunir fora de Lisboa para tomar decisões que nunca se viu que utilidade pudessem ter para o povo português.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Queria por último, Sr. Deputado, remeter-lhe a minha homenagem pela justiça que me faz ao reconhecer que a lei não está a ser aplicada quando diz que, quando surgiram os decretos, quando ela for aplicada, nós então iremos chamar a nós o triunfo dizendo que fomos nós que impulsionámos essa aplicação. Bem haja, Sr. Deputado, por ter reconhecido o facto de a Lei não estar a ser aplicada.
Aplausos do PSD.
O Orador: - Quanto ao Sr. Deputado Carvalho Cardoso, devo dizer-lhe que não fiz nem faço - nunca foi esse o meu timbre - insinuações de espécie nenhuma. Se o Sr. Deputado ler o que eu disse na declaração política do meu partido, verificará que são afirmações muito cautelosas, extraídas de declarações feitas pelo Sr. Deputado e pelo Presidente do meu partido. O Sr. Deputado diz que não considera que esta lei seja secundária. Mas permita-me que lhe diga que essa afirmação contraria o que afirmou o Sr. Prof. Freitas do Amaral numa entrevista ao Tempo, que não vi desmentida, quando diz que os problemas da Reforma Agrária são, apesar de tudo, secundários - foi isso que eu transcrevi na minha afirmação.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Não compreendeu. Não basta ler, é preciso compreender!
O Orador: - Quando agora o Sr. Deputado diz que não tem dúvidas de que o Governo actual vai fazer cumprir integralmente a lei da Reforma Agrária, eu transcrevi na minha declaração política uma sua intervenção, na qual diz que sim, que tem dúvidas e que mais vale esperar uns dias - não sabemos quantos - do que resolver agora provisoriamente. É pois o Sr. Deputado quem põe dúvidas, não eu, pois sabe perfeitamente, tão bem como eu, que as entregas já feitas ou despachadas são definitivas, porque o artigo 62.º claramente o diz, não são provisórias, como o Sr. Deputado disse nas declarações que proferiu. Pedia-lhe, pois, que lesse, mas lesse atonta e integralmente o artigo 62.º da Lei n.º 77/77.
Aplausos do PSD.
O Sr. Rui Machete (PSD): - Sr. Presidente, dá-me licença?
O Sr. Presidente: - Para que efeito é que o Sr. Deputado Rui Machete pede a palavra?
O Sr. Rui Machete (PSD): - Sr. Presidente, desejava usar da palavra, para dar uma explicação, aliás relativamente breve.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Rui Machete (PSD): - O Sr. Deputado José Luís Nunes, na sua intervenção, referiu que este problema não devia ser visto segundo uma lógica cartesiana e falou numa lógica tópica.
Pegando nas suas palavras e utilizando uma lógica tópica, vou pôr-lhe, dentro dessa perspectiva, uma questão que existe no concelho de Alcácer do Sal. No concelho de Alcácer do Sal até agora só foi entregue uma única reserva e, por exemplo, num caso que tenho aqui diante de mim, o Sr. Augusto Marques Vereda, agricultor rendeiro, residente em Alcácer do Sal, que em 1975 viu ocupadas as propriedades que trazia de arrendamento, o Gargolim de Cima e a Serrinha, propriedades sitas na freguesia de Santa Maria do Castelo, pediu, ainda antes desta Lei da Reforma Agrária, Lei n.º 77/77, que lhe fossem demarcadas reservas e as mesmas lhe fossem entregues, na medida, em que ele vivia exclusivamente da agricultura e assim ficava sem meios de subsistência. Isto é um claro exemplo de pensar topicamente estes problemas. Ora, repito, independentemente do problema de novas entregas de reservas derivadas da nova Lei da Reforma Agrária, e independentemente de novas indemnizações, até hoje, Março de 1978, o Ministério da Agricultura, muito embora dizendo que o assunto está em estudo, que o assunto está bem encaminhado, que com certeza se vão praticar os actos de justiça necessários, continua a deixar este homem sem meios de subsistência.
O Sr. Manuel Gusmão (PCP): - Coitadinho!
O Orador - Este pensamento tópico serve precisamente para criticar um Governo que não tem cumprido as leis da República nesta mateira. Penso que é este um bom exemplo da lógica que deve ser aplicada nesta questão.
O Sr. José Luís Nunes (PS): - O Sr. Presidente dá-me licença?
O Sr. Presidente: - Para que efeito é que o Sr. Deputado pede a palavra?
O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Presidente, pretendia dar um esclarecimento.
O Sr. Presidente: - Tenha a bondade.
O Sr. José Luís Nunes (PS): - Queria agradecer ao Sr. Deputado Ruí Machete e ao Sr. Deputado Mar-
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ques Mendes porque dá efectivamente gosto conversar com pessoas que compreendem aquilo que se quis dizer. Só que o Sr. Deputado Rui Machete não tem razão.
A questão que se põe em relação, a esse ponto - e também lhe vou responder no mesmo estilo - é a seguinte: o que é que faz ou deve fazer um Deputado responsável em relação a um caso desses? Enquanto o Sr. Deputado falava tomei nota do nome e a primeira coisa que vou fazer quando estiver com o Ministro da Agricultura é perguntar: Sr. Ministro, o que é que se passa neste caso?
Vozes do PSD: - Olhe que há muitos!
O Orador: - Também há muitos do outro lado!
Informar-me-ei, portanto do que se passa em relação a este caso concreto.
No entanto, em relação aos problemas causados pela Reforma Agrária, das duas uma: ou se tem uma visão global do problema e nessa visão global do problema se vê um filme e esse filme não começa pelas ocupações de terras, mas sim pelas prepotências dos latifundiários, que eram exercidas efectivamente por muitos em relação às pessoas que já trabalhavam e que fizeram da Reforma Agrária um dos pontos fundamentais da intelligentzia deste país...
Uma voz do PS: - Muito bem!
O Orador: -..., ou nos limitamos a ver o microcosmos e as conclusões que dele tirarmos não serão nem conclusões rectas nem conclusões disjuntivas. Nesse sentido, quero dizer ao Sr. Deputado Rui Machete que: segundo penso, a lei é igual para todos, pelo que deve ser cumprida, primeiro, pela conciliação, depois, se não for possível a conciliação, pela força, usando na medida do possível o mínimo de força necessário para que ela seja executada, sem prejuízo de outros interesses.
Agora o que acabo de ler em A Luta é uma declaração do Sr. Ministro da Agricultura, que diz o seguinte: «As expropriações previstas na lei acompanharão a entrega de reservas tanto quanto for possível.» E depois, em caixa, na 1.ª página, diz-se «A entrega de reservas vai recomeçar dentro de quinze dias - cumprimento integral da lei de bases. As expropriações também vão prosseguir». Não se trata, portanto, de cumprir a Lei da Reforma Agrária daqui a vinte anos, mas sim de reiniciar ou retomar em todos os aspectos, dentro de quinze dias, o cumprimento da Lei da Reforma Agrária.
Para concluir, devo dizer-lhe, Sr. Deputado, que a pressa em fazer cessar as ocupações ilegítimas, não é um bom caminho para conseguir o cumprimento exacto da lei:
O Sr. Marques Mendes (PSD): - Sr. Presidente, dá-me licença?
O Sr. Presidente: - Para que efeito é que o Sr. Deputado pede a palavra?
O Sr. Marques Mendes (PSD): - Sr. Presidente, era também para dar esclarecimentos.
O Sr. Presidente: - Tenha a bondade, Sr. Deputado.
O Sr. Marques Mendes (PSD): - Em primeiro Lugar, queria agradecer ao Sr. Deputado José Luís Nunes o piropo, que lhe devolvo, de que eu terei compreendido e que é meu hábito compreender o que diz. É verdade, felizmente compreendemo-nos bem e regozijo-me também por, efectivamente, eu ter razão na minha intervenção, quando digo que a lei estava suspensa, porque o Sr. Deputado acabou de dizer que A Luta dizia - pelos vistos, parece que é o órgão oficioso do MAP - que iriam recomeçar as entregas. E quando falou na pressa, registo, e a bancada do meu partido regista, que, pelos vistos, as entregas feitas até agora, eram uma ilegalidade que o Governo do seu partido estava a cometer.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. José Luís Nunes (PS): - Não vale a pena responder!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Zuzarte para uma intervenção.
O Sr. António Zuzarte (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como operário metalúrgico da Setenave, trago hoje ao conhecimento desta Assembleia alguns problemas deste estaleiro naval.
Situada na península da Mitrena, em Setúbal, a Setenave é uma das empresas nacionalizadas no ramo da construção e reparação naval e é um dos maiores estaleiros do mundo, ocupando uma área de 1 milhão de metros quadrados, equivalente a um terço da sua área disponível.
É também o mais moderno estaleiro da Europa, o mais bem equipado, tendo como padrão uma doca de construções de navios até 700 000 t, duas docas secas para reparação de navios, respectivamente de 300 t e 700 t, três cais que estão preparados para receber simultaneamente dois navios cada um, o que dá uma capacidade de oito navios em reparação simultânea.
No sector das construções, a juntar à doca atrás referida, contamos com uma oficina de processamento de aço que permite construir navios de qualquer tipo, dentro dos mais altos padrões de qualidade.
A ideia da construção deste estaleiro aparece em 1971, dando-se o seu arranque em 1974 no sector das construções, e em 1975 no sector das reparações.
O rebentamento da crise do petróleo, em Outubro de 1973, mero reflexo da crise geral do capitalismo, vem a ter graves incidências na Setenave, concretamente no sector de construção naval.
Por efeito da crise, a Setenave não cresceu em meios humanos ao ritmo inicialmente previsto e que se aconselhava para um máximo de rendimento.
Um exemplo prático do efeito da crise internacional na Setenave é o contrato com a Thyssen, que era de dois superpetroleiros de 316 t.
A exemplo do que acontecia pelo mundo, o armador veio a denunciar este contrato baseado em argumentos que não se podem entender como razoáveis. Na verdade, o que acontecia é que o armador não estava interessado nos navios nas novas condições resultantes da crise do petróleo.
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Foi com grande esforço e também com cedências em relação ao contrato inicial que a Setenave conseguiu assegurar este contrato, que não deixa de ser um peso financeiro bastante grande para a Setenave, uma vez que o contrato foi feito em escudos, em 1973, e tem agora em cima todo o peso da desvalorização.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Um plano de reestruturação para a frota nacional poderia criar condições para minimizar os efeitos da crise internacional, permitindo à Setenave uma certa estabilidade na sua carteira de encomendas.
Muito se tem falado deste plano, mas a verdade é que até ao momento não é do conhecimento público qualquer Intenção do passar das ideias à prática.
0 acordo existente entre a Lisnave e a Setenave abre a perspectiva de coordenação de trabalho para reparação e construção entre os dois estaleiros, de modo a evitar a concorrência. Esta coordenação poderá, se o acordo for aplicado à letra, contribuir para um melhor aproveitamento das capacidades existentes entre as duas empresas, defendendo assim os interesses nacionais. Só que o acordo não está a ser correctamente aplicado, em prejuízo da Setenave, essencialmente na área das reparações.
A demonstração mais significativa será dada pelo balanço que a Setenave fez em relação à actividade de 1977, concluindo que a Setenave só reparou 18% dos navios entrados nestes estaleiros, enquanto o acordo previa 25%.
Ainda é de referir o modo pouco uniforme como os navios se distribuíram ao longo do ano na Setenave, obrigando a grandes esforços, pontuais, para em seguida o sector das reparações cair em situação de desocupação quase total.
0 acordo prevê o planeamento dos recursos humanos das duas empresas através da transferência temporária de trabalhadores, de acordo com as necessidades.
No começo das negociações a administração da Lisnave propunha a transferência em termos definitivos dos trabalhadores das novas construções para a Setenave.
Para os trabalhadores esta posição era clara; pretendia-se transferir o sector em crise para a Setenave, ficando a Lisnave com as reparações, sector que, embora esteja abaixo dos números óptimos, vai trabalhando de forma rentável.
Os trabalhadores de ambas as empresas não concordaram com esta posição da administração da Lisnave, que se traduzia afinal em dar os ossos para a Setenave.
0 mais grave é que, a Lisnave ficava sem qualquer dependência da Setenave, e, assim, poderia jogar com o acordo existente entre as duas empresas no sector das reparações, viabilizando a Lisnave à custa da Setenave.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, a falta de infra-estruturas suficientes na região de Setúbal, no campo da habitação, transportes, estabelecimentos de saúde e formação profissional obriga a Setenave a encargos suplementares muito elevados.
Os trabalhadores, através dos seus órgãos representativos, têm feito todos os esforços de modo a alertar os governos da grave situação financeira em que se encontra a empresa.
Estes alertas só tiveram eco no Governo nos fins de 1977, na forma de remendo da situação financeira, sem no entanto definir claramente a estrutura necessária a uma empresa desta dimensão, conforme tem sido expresso em muitos documentos dos órgãos da empresa ao Governo. A Setenave concorre num mercado cujos países e não a adoptar medidas de protecção à construção, naval (apoio financeiro e concessão de subsídios de custo ao armador), e, assim, só poderá competir se forem garantidas pelo Governo iguais condições.
Continua a Setenave a ter de se valer de empréstimos a curto prazo, como por exemplo, em 1976, em que a Setenave pagou 500 mil contos, e, em 1977, 720000 contos em juros à banca.
Perante este conjunto de dificuldades, as quais são exteriores ao próprio estaleiro, sendo umas de âmbito governamental os trabalhadores, através dos seus órgãos representativos, têm desenvolvido todos os esforços no sentido de reduzir os efeitos da crise, da qual não são os responsáveis.
Como condição fundamental para a defesa dos seus postos de trabalho, os trabalhadores estão efectivamente interessados em defender a Setenave como empresa nacionalizada e demonstram-no na prática.
Os trabalhadores da Setenave, juntamente com os restantes trabalhadores da indústria naval e metalomecânica pesada, desenvolveram todos os esforços para a instauração e funcionamento dos respectivos centros coordenadores previstos nos Decretos-Leis n.º 556/76, de 15 de Julho, e n.º 589/76, de 23 de Julho. Ao fim do ano e meio de evasivas constantes, o MIT, como resposta aos esforços dos trabalhadores, decide a sua extinção através do Decreto-Lei n.º 548/77 de 31 de Dezembro. 15to sem consulta aos trabalhadores dos sectores, contrariando assim o que está consagrado na Constituição.
Da parte dos trabalhadores, nenhuns esforços têm sido recusados para defender a Setenave como empresa nacionalizada, para organizar e dinamizar o sector de construção e reparação naval. Como exemplo disso, aí está a aceitação, em assembleia geral de trabalhadores, de um horário que permite à empresa uma maior competitividade (no sector de reparações) e grandes economias.
Não podemos deixar de salientar que o turno da 1 às 9 horas da manhã, aceite pelos trabalhadores, é de uma grande dureza. Só quem conhece a indústria de reparação naval poderá avaliar o que é trabalhar numa noite sujeito a todas as condições climatéricas, e concretamente na Setenave, estaleiro que está situado no meio do rio Sado, ligado a terra através de uma estrada.
Só com os trabalhadores, com o seu esforço patriótico na defesa das conquistas de Abril, designadamente na defesa e consolidação das nacionalizações, da Reforma Agrária e do contrôle operário, será possível a saída da crise e a recuperação económica nos rumos traçados pela Constituição da República!
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, entraram na Mesa duas propostas de lei, ambas vindas da Assembleia Regional dos Açores: uma, que tomou o
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n.º 156/I, que respeita à entrada em vigor, nas regiões autónomas, dos diplomas emanados dos órgãos de, Soberania e dos publicados no Diário da República, a qual vai baixar à 1.ª Comissão; a outra, agora com o n.º 157, que respeita à suspensão, nas regiões autónomas da aplicação de diplomas cuja constitucionalidade seja impugnada pelas respectivas assembleias, a qual baixará também à 1.ª Comissão. Como para cada uma destas propostas de lei se solicita a adopção do processo de urgência, nos termos regimentais, essa matéria fará parte da primeira parte da ordem de trabalhos de amanhã.
Há ainda dois projectos de lei que acabaram de entrar na Mesa: um da UDP, que toma o n.º 10511, que respeita aos meios processuais pelos quais pode ser efectivada a amnistia relativa a crimes de objecto comum de fim político, o qual baixa à 1.ª Comissão - em relação a este projecto de lei foi também pedido o processo de urgência, que igualmente será apreciado amanhã na primeira parte da nossa ordem de trabalhos; o outro, apresentado pelos Srs. Deputados independentes Aires Rodrigues e Carmelinda Pereira, recebeu o n.º 106/I e respeita às comissões de trabalhadores e respectivos direitos e baixará à 3.ª Comissão.
Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Vilar, para, uma intervenção.
O Sr. Manuel Vilar (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Um dos produtos alimentares de que os Portugueses sentem falta é o leite. A carência deste alimento básico para os nossos filhos pequenos ou para os doentes é já tradicional nesta época do ano, e por isso mesmo mais imperioso se torna tomar as medidas, consideradas necessárias para debelar o mal.
0 grande volume da produção de leite no nosso país é obtido nas regiões de pequena exploração agrícola, onde também impera a pequena e pequeníssima propriedade dispersa, onde se pratica uma agricultura marginal, muitas vezes como actividade complementar de outra profissão. Aos mini estábulos destas explorações agrícolas, cujas médias aritméticas em algumas zonas atribuem vaca e meia por cada um, se deve a produção de grande parte do leite produzido em Portugal.
Este tipo de exploração agrícola, que, penso eu, na Europa só se encontra no nosso país, é, no entanto, em muitos casos, também o único meio de subsistência de muitos portugueses que vivem da agricultura em toda a região do Noroeste e Beira Litoral, onde se verifica uma situação de subemprego em pequenas explorações, que terão de subsistir enquanto outros sectores económicos não forem capazes de responder ao desafio que para eles deve representar essa
situação. A agricultura portuguesa para atingir o patamar europeu terá forçosamente de resolver o problema do subemprego que a aflige, mas isso só se
verificará com a colaboração de outros sectores da actividade económica.
A agricultura do minifúndio é, em muitos casos, não um modo de vida, mas uma luta pela sobrevivência, em que a produção de leite não raro funciona como a única fonte de receita do agricultor, enquanto as restantes produções se destinam ao auto consumo. 0 problema do leite, seu preço e produção, é assim simultaneamente económico e social.
Não podemos nem queremos confundir economia com socorro social, mas não podemos esquecer os reflexos sociais de certas medidas de carácter económico, voltadas para as produções dos pequenos agricultores.
Da produção total de leite, 62% são obtidos no Entre Douro e Minho e na Beira Litoral, onde predominam as muito pequenas explorações agrícolas, ao lado de outras que o esforço dos agricultores têm conseguido reconverter e onde a rendibilidade poderá já ser aceitável. baseada no esforço conjunto e na colaboração entre técnicos e agricultores.
Vozes do PSD:- Muito bem!
O Orador: - No aproveitamento dos resultados positivos de algumas destas explorações mais avançadas e numa área tradicionalmente voltada para a produção de leite, pode estar um auxílio precioso para resolver os problemas da carência, que os responsáveis não devem ignorar.
A produção de leite, porque é sobretudo obtida nas pequenas explorações, deve ser objecto de medidas incentivadoras enunciadas nas Bases Gerais da Reforma Agrária expressas na respectiva lei; sem dúvida que essas medidas poderão ser várias, mas algumas delas, por elementares, não podem ser esquecidas. 0 preço, a melhoria dos efectivos, as facilidades para as associações de agricultores voltadas para esta produção, consideramo-las prioritárias.
Foi nas zonas de minifúndio que nasceram as primeiras cooperativas de comercialização e industrialização do leite e lacticínios, embora durante muitos anos não fossem mais que verdadeiros símbolos do cooperativismo; algumas delas remontam a sua criação à década dos anos vinte.
No Entre Douro e Minho nasceu a primeira união de cooperativas em 1949, voltada para a industrialização e o abastecimento público. Integram hoje essa União 11 cooperativas, em, que estão associados muitos milhares de pequenos produtores. A recolha diária média é de cerca e 216 000 l, cuja maior parte, ou sejam 76%, é destinada ao abastecimento público e o restante para abastecimento da indústria. No entanto, à União, que faz a recolha, só cabe para industrialização própria 3%. Esta situação representa um prejuízo, durante muitos meses por ano e no período de falta de leite, para os agricultores associados nas cooperativas, em virtude do subaproveitamento em que se mantém a sua unidade transformadora. 0 deficit de leite nos períodos piores chega a atingir 30%.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao trazer à consideração da Câmara estes números mais não quero do que chamar a atenção para um problema que tem profundas implicações da mais variada ordem, desde, o abastecimento público com um produto de primeira necessidade até aspectos sociais e técnicos relacionados com a produção. Não é segredo para os responsáveis de que o preço de custo na produção se encontra acima da média por que é pago ao produtor. A média de liquidação na União das Cooperativas de Entre Douro e Minho é actualmente de 8$34, mas estudos realizados, embora variando muito de está-
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bulo para estábulo, apontam, para médias substancialmente superiores na produção. Não é, pois, de admirar que, nestas circunstâncias, a produção não
consiga acompanhar o ritmo do consumo e, a continuar da mesma forma, mais se acentuará este desnível.
Um dos factores mais decisivos para fazer baixar o custo da produção é, sem dúvida, a capacidade genética das vacas para a função leiteira, que nos nossos
efectivos autóctones se encontra bastante diminuída.
Na intenção de melhorar os efectivos dos pequenos agricultores, as cooperativas realizaram a importação de largas centenas de animais que foram distribuídos
pelos associados interessados na sua aquisição. Essa operação de melhoramento do efectivo, a todos os títulos louvável, está em vias de se transformar em
motivo de descontentamento dos agricultores e dos crédito das cooperativas, em virtude do agravamento dos encargos bancários de toda a operação, que, tendo
sido iniciada com taxas de juros mais baixas, têm sido sucessivamente agravadas ao longo do tempo.
Os pequenos agricultores que se inscreveram nas suas cooperativas para receber uma ou duas novilhas e raramente trás, ficarão descontentes quando tiverem
que desembolsar importância superior à inicialmente prevista.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os agricultores voltados para a produção de leite nas zonas do minifúndio são parte considerável, talvez a maior, de mais
de 30% dos trabalhadores portugueses empregados na agricultura e aos quais é preciso criar as condições necessárias para atingir a igualdade efectiva com todos os outros, conforme está expresso na Constituição.
Este é um objectivo que não pode deixar de estar nas preocupações permanentes, dos; responsáveis, como participantes e condutores de uma sociedade que queremos cada dia mais humana, mais justa e mais fraterna, não só nas palavras, mas sobretudo nas acções conseguidas.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos fazer agora o intervalo regimental. Entretanto agradecia que os representantes dos grupos parlamentares so
reunissem por favor, no gabinete do Presidente.
Está suspensa a reunião até às 18 horas e 45 minutos.
Eram 18 horas e 15 minutos.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está aberta a sessão.
Eram 19 horas e 10 minutos.
O Sr. Presidente: - Antes de continuarmos os nossos trabalhos, queria informar a Câmara de que houve uma avaria no registo de som. Deste modo, para que os nossos trabalhos possam prosseguir é necessário, segundo me informam os serviços que
os Srs. Deputados ao usarem da palavra façam o favor de estarem atentos à Mesa, uma vez que, logo que haja necessidade de mudar de bobina, teremos; de interromper o Sr. Deputado que esteja no, uso da palavra, o qual a retomará depois de efectuada a mudança.
ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, entrámos no período da ordem do dia.
Encontra-se na Mesa um pedido de autorização para que, o Sr. Deputado Salgado Zenha presto declarações no Serviço de Coordenação da Extinção da PIDE/DGS e LP, em data, hora e local à escolha do Sr. Deputado, ou ainda por escrito, sobre o processo n.º 2448 do ex-chefe de brigada José Serras.
Se a Assembleia não se opuser fica autorizado o Sr. Deputado a depor.
Está autorizado.
A resposta do Sr. Deputado vai ser comunicada em ofício, Srs. Deputados, retomamos agora a discussão conjunta dos diplomas respeitantes à autogestão.
Estão inscritos para pedidos de esclarecimento ao Sr. Deputado Dieter Dellinger, relativamente à sua intervenção de ontem, os Srs. Deputados António Zuzarte, Veiga de Oliveira e Joaquim Felgueiras.
Tem a palavra o Sr. 0eputado António Zuzarte.
O Sr. António Zuzarte (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Deputado Dieter Dellinger disso, a dado passo da sua intervenção de ontem, o seguinte: «0 projecto de lei do Partido Comunista Português visa a expropriação sem indemnizações.» Lembro ao Sr. Deputado que o projecto de lei apresentado, pelo meu partido a esta Assembleia, no artigo 3.º, n.º 3, diz o seguinte: «Nos termos do artigo 87.º da Constituição da República, quando provado o abandono justificado, será garantido o direito à indemnização, determinado segundo critérios a fixar em lei própria.» Sou, pois, obrigado a concluir que o Sr. Deputado com certeza não leu o nosso projecto de lei. Ou então estará o Sr. Deputado a admitir com isso que todas as empresas foram abandonadas? Nesse caso, como é que o projecto de lei do PS parte do pressuposto que todos os casos foram injustificados?
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Dieter Dellinger, pretende responder Já ou após as restantes perguntas?
O Sr. Dieter Dellinger(PS): - No fim, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Ainda para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Oliveira.
O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Prescindo, Sr. Presidente!
O Sr. Presidente:- Tem então a palavra o Sr. Deputado Joaquim Felgueiras.
O Sr. Joaquim Felgueiras (PCP): - Sr. Presidente, também prescindo.
O Sr. Presidente:- Então tem a palavra o Sr. Deputado Dieter Dellinger para responder às perguntas, se assim o desejar.
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O Sr. Dieter Dellinger (PS):- Sr. Presidente, Srs. Deputados: o artigo 4.º do projecto de lei n.º 41/I, do PCP, é de tal maneira claro e retaliatório nas alíneas que prevêem a expropriação sem indemnização que efectivamente é possível abranger aqui a quase totalidade dos casos. De resto, ao longo da minha exposição de ontem, citei, com base nalguns exemplos, o caso do significado da palavra «reiterado» quanto ao não pagamento de contribuições para a Previdência e diversos outros incumprimentos. Efectivamente a autogestão, ou seja o contrôle das empresas por parte dos trabalhadores, não se verificou diria mesmo que não se verificou na totalidade em empresas que se encontravam, em perfeitas condições financeiras, que estavam a pagar pontualmente os salários, que podiam pagar os retroactivos, por mais elevados que fossem, onde portanto não havia o mais pequeno problema.
Toda a gente sabe que em 1974 os salários aumentaram em média 35%, em 1975 aumentaram em média 29%, na maior parte dos casos com retroactivos avultados. Foi normalmente a falta de um fundo de maneio, de um fundo de tesouraria, impedindo a muitas empresas o pagamento imediato desses retroactivos, que deu origem a que determinados grupos pudessem iniciar um processo de contestação da entidade patronal e levar ao abandono da empresa, por parte da entidade patronal. Geralmente isso aconteceu quando se formaram determinados tipos de agitação e quando a entidade patronal se amedrontou e não teve capacidade de resposta ou de diálogo. Muitas vezes a própria entidade patronal, não tendo capacidade de gestão suficiente, sendo excessivamente rígida, não foi capaz de dialogar e de chegar a acordo com os trabalhadores.
Portanto, este é um dos casos que, pelo artigo 4.º do projecto de lei do PCP, pode ser considerado como um abandono injustificado. Pelo projecto de lei do Partido Socialista há determinados tipos de justificação, se bem que o problema de determinados incumprimentos tenha de ser analisado em função do valor do activo. Citei o caso de uma empresa de moldes que, por exemplo, tinha 16 trabalhadores e, um activo de 8000 ou 9000 contos e em que determinados incumprimentos representariam percentagens mínimas em relação ao activo. Com efeito, não é possível converter um activo em dinheiro de um dia para o outro, mesmo quando esse activo é constituído por mercadorias vendáveis. É com base nesses casos concretos que o Partido Socialista fez o seu projecto de lei, procurando com ele uma situação de equidade e de justiça. Não é esse o caso de um articulado burocrático como o do projecto de lei do PCP, que não contempla as razões por que, em determinadas empresas certas situações de incumprimento st, verificaram. Acrescento até o seguinte: conheço muitas empresas - e posso citar nomes como a «Seldex» e «Pereira & Brito» - que puderam cumprir rigorosamente, os pagamentos de retroactivos, porque, pretendendo construir novas instalações fabris e possuindo dinheiro e fundos para aquisição de novos equipamentos e para completar muitas vezes instalações fabris que já estavam em construção, suspenderam esses processos para pagar determinados retroactivos, para pontualmente cumprirem as obrigações que foram impostas, geralmente até de uma maneira anti-económica em relação a essas empresas. Claro que, isso traduziu-se em que as empresas não investissem mais, em que determinados projectos não fossem completados, em que, ao fim o ao cabo todos nós, principalmente os trabalhadores, ficássemos mais pobres.
O Sr. Jorge Leite (PCP) - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?
O Sr. Jorge Leite (PCP): - Queria dar uma curta explicação, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Faça favor.
O Sr. Jorge Leite (PCP): - Este problema, a que no fundo o Sr. Deputado Dieter Dellinger não respondeu, já não é novo neste debate e, pela nossa parte, vemo-nos forçados a mais uma vez esclarecer, em particular o Sr. Deputado Dellinger.
Aquilo que está em questão é o seguinte o Sr. Deputado acusa o nosso projecto de lei de não contemplar os eventuais casos em que deva, legitamamente, haver indemnização.
Sr. Deputado, queria dizer-lhe duas coisas. Em primeiro lugar, é inequívoco que o artigo 3.º do projecto de lei do PCP prevê a indemnização aos empresários; que abandonaram justificadamente as suas empresas. Em segundo lugar, o projecto de lei do PCP prevê, inequivocamente, que não haja indemnização no caso de se terem verificado actividades delituosas.
Aqui o Sr. Deputado como aliás já ontem fez vem fazer uma grande questão à volta deste assunto. 0 curioso é que isso nos assusta um bocado, Sr. Deputado, porque o projecto de lei do seu partido também prevê que, quando se tenham verificado actividades delituosas, não haja indemnização. Já perguntei se isso significa que nós e os trabalhadores devemos interpretar essas acusações ao projecto de lei do PCP como um recuo do Partido Socialista relativamente a esses casos.
Uma outra questão, Sr. Deputado: o Sr. Deputado referiu ontem que havia 150000 pequenas e médias, empresas e, no fundo, este processo de autogestão só aconteceu relativamente, em cerca de 0,5% dessas empresas. É evidente, Sr. Deputado, que entendemos que não havia apenas 0,5% dessas empresas que não pagavam, por exemplo, à Previdência. 15to significa que naqueles casos em que os trabalhadores assumiram a gestão algo mais do que o simples não pagamento se passou da parte dos empresários. É exactamente como o Sr. Deputado disse: esses empresários, além de não pagarem, não se abriram minimamente ao diálogo, para possibilitar, como noutras aconteceu, através desse mesmo diálogo, a viabilização, continuação e, elaboração da respectiva empresa, sem que os empresários tivessem de abandonar a empresa.
Gostava que isto ficasse em termos claros, de uma vez por todas, Sr. Deputado.
O Sr. Narana Coissoró (C'DS): - Não fica, não!
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O Orador: - Resumindo, temos o seguinte: em primeiro, lugar, o nosso projecto de lei prevê a indemnização nos casos em que o abandono tenha sido justificado; em segundo lugar, prevê-se, de acordo com a Constituição, que não haja indemnização quando tenham sido praticadas actividades delituosas, que é o que prevê também o vosso projecto de lei. Estão arrependidos de terem proposto isso?
O Sr. Dieter Dellinger (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?
O Sr. Dieter Dellinger (PS): - Queria prestar um esclarecimento ao Sr. Deputado Jorge Leite, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Faça favor.
O Sr. Dieter Dellinger (PS): -O Sr. Deputado Jorge Leite afirma precisamente o que eu disse na minha exposição e o que repeti agora mesmo há poucos segundos, quanto ao caso de haver algo mais do que o simples incumprimento de determinados pagamentos. Citei até que, a ser aplicado a artigo 4.º, este poderia, pelo menos teoricamente, abranger mais de 10 000 empresas, ...
O Sr. Jorge Leite (PCP): - Sr. Deputado, não pode!
O Orador: - ... porque abrange, aquelas empresas onde os trabalhadores não assumiram o contrô1e de gestão, onde não houve autogestão, mas houve um
determinado incumprimento.
Não posso conceber que uma empresa que não cumpriu uma determinada norma não sofra a mais pequena penalização ou, quando muito, se limite a pagar, por exemplo, no caso das contribuições à Previdência uma multa de 100S00 mensais, e outra, em que esse incumprimento gerou uma determinada agitação no interior da empresa que, amedrontou a entidade patronal fique completamente expropriada
e sem indemnização.
Quando falamos no nosso projecto em gestão delituosa é concretamente delituosa. Não se trata de um simples incumprimento de alguns pagamentos, pela
impossibilidade, por exemplo, de possuir um fundo de maneio suficiente para o pagamento imediato de retroactivos avultadíssimos ou para o pagamento
imediato de determinados aumentos salariais.
É isso que eu queria dizer e é isso que está efectivamente expresso no nosso projecto.
Eu até diria o seguinte: qualquer pessoa que tivesse trabalhado em empresas e em fábricas ao longo de, todos estes anos nem sequer faria a pergunta que o
Sr. Deputado fez, nem sequer punha estes problemas porque os teria conhecido pessoalmente no seu dia a dia. Efectivamente sou levado a concluir que
o Sr. Deputado não o trabalhou em fábricas nem escritórios. Não sei o que é que fez, mas efectivamente não foi um trabalhador ao longo destes anos, e por isso não compreende o problema. Vê o problema de uma forma puramente jurídica, vê o problema de uma forma maniqueísta - de um lado estão os bons, de, outro lado estão os maus - e não assistiu efectivamente, ao longo destes anos, em empresas diversas, fábricas e laboratórios, a estes processos, pois se tivesse efectivamente trabalhado e assistido não punha esses problemas e não fazia as perguntas que fez.
O Sr. Jorge Leite (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Faça favor.
O Sr. Jorge Leite (PCP): - Sr. Presidente, eu desejava fazer uma pequena intervenção sob a forma de uma curta explicação,
Primeira questão: julgo que a Câmara já percebeu aquilo que desta bancada se disse relativamente a isto, e quero crer que, o Sr. Deputado Dieter Dellinger também já percebeu. Se insiste em fazer crer que não percebeu, eu julgo que o melhor é pôr uma pedra sobre o assunto.
Segunda questão: está o Sr. Deputado seguro de que não falou de, cor quando se referiu a mim? Quer dizer, esse é o seu estilo pessoal, isto é, essa é a sua atitude habitual, ou isto foi um lapso do Sr. Deputado?
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Dieter Dellinger pretende esclarecer?
Pausa.
Desculpe, Sr. Deputado, mas é só um minuto para se mudar de bobina.
o Sr. Presidente: - Sr. Deputado, tem já a bobina à sua disposição, faça favor.
O Sr. Dieter Dellinger (PS): - Quanto à questão que o Sr. Deputado me pôs - se estou seguro no que lhe diz respeito -, eu digo o seguinte, não conheço a sua vida nem quero conhecer. Unicamente pelo teor das perguntas que me fez eu concluo isto: concluo que ou não trabalhou ou, se trabalhou, não prestou nenhuma atenção ao trabalho e àquilo que fazia.
O Sr. Jorge Leite (PCP): - Presumido! Vaidoso!
O Sr. Manuel Gusmão (PCP): - Tem tantos nas mãos que ficou sem pensar!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção tem a palavra o Sr. Deputado Aires Rodrigues.
O Sr. Aires Rodrigues (Indep.): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ninguém desconhece as ligações íntimas entre as entidades patronais, as gerências das
Empresas, e o antigo regime, do qual eram o grande suporte, e à sombra do qual viviam, na base de uma exploração desenfreada da classe trabalhadora portuguesa.
0 25 de Abril e a irrupção das massas, populares na cena política a todos os níveis levou grande parte das gerências e entidades patronais a reacções vio-
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lentas, contra a perda dos privilégios que ciosamente procuravam manter, tentando com a alavanca económica obstar ao movimento que, no plano político, era irreversível - a queda de regime fascista.
Muitas foram as empresas abandonadas ou pura e simplesmente sabotadas da forma mais variada, por vezes grosseiramente, outras vezes de modo subtil e astucioso.
Milhares de trabalhadores de norte a sul do País viram-se obrigados a tomaram nas mãos os destinos das empresas para assegurarem os seus postos de trabalho e o funcionamento das unidades produtivas.
Milhares de trabalhadores que durante quatro anos suportaram os maiores sacrifícios, prescindiram de regalias e até mesmo dos salários estão hoje ameaçados de verem desabar todo o seu esforço e abnegação, de verem recompensados os responsáveis pelo abandono das empresas e pela sabotagem económica, ou sucumbiram pura e simplesmente na voragem da economia de mercado, para a qual serão atirados sem qualquer protecção, como alguém lançado às ondas com uma grilheta nos pés.
É este o futuro dos trabalhadores que assumiram a gestão das empresas após o 25 de Abril, no caso de serem aprovados os projectos de lei n.ºs 99/I e 100/I, do anterior Governo, e que agora o Grupo Parlamentar do PS retomou e traz à apreciação denta Assembleia.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Se o futuro dos trabalhadores não estivesse em causa, diríamos que assistimos no n.º 5 do artigo 2.º, do projecto de lei n.º 100/I, do Partido Socialista, a uma situação perfeitamente caricata. Diremos, no entanto, que estamos perante uma situação extremamente grave.
Ninguém ignora que a autogestão é um elemento central do programa do Partido Socialista. Ninguém ignora que em muitas empresas onde os trabalhadores assistiram a gestão, por abandono ou sabotagem das entidades patronais, fizeram-no de acordo com os princípios socialistas, fieis ao programa do PS, que passo a citar:
O contrôle exercido pelos trabalhadores nas empresas, que se vem esboçando após o 25 de Abril, é o primeiro passo da sua intervenção autogestionária e será aplicado tanto nas empresas nacionalizadas como no sector privado. Para além da progressiva eliminação da propriedade privada dos meios de produção, os trabalhadores devem manter todos os meios de contestação às novas formas de repressão, exploração, esbanjamento ou desperdício, resultantes de abusos ou negligências da burocracia empresarial e pública.
Este parágrafo do programa do Partido Socialista é encimado da seguinte frase:
A política que preconizamos a curto prazo.
Ora é hoje o Grupo Parlamentar do PS que, à revelia do programa do partido, apresenta um projecto de lei sobre as empresas em autogestão onde no referido n.º 5 do artigo 2.º se presume a autogestão não litigiosa, não viciada e injustificada, o que quer dizer que aos trabalhadores, e não às entidades patronais, cabe o ónus da prova sobre autogestão.
Atenção, Srs. Deputados do Partido Socialista! O que isto significa é que dentro em breve o próprio Partido Socialista se presume não litigioso, não viciado e, sobretudo, injustificado, cabendo aos militantes socialistas o ónus da prova sobre a sua própria existência.
É esta a lógica de uma política ditada pelos interesses das forças que sempre consideraram, e continuam a considerar, a autogestão, o contrôle de gestão e o próprio socialismo como injustificados.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O projecto de lei n.º 99/I, apresentado pelo mesmo grupo parlamentar, vem colocar nas mãos do deputado e sob o contrôle de um organismo burocrático as empresas que tenham conseguido passar a apertada malha jurídica e escapado à devolução ao patronato.
Com efeito, ao INEA, organismo composto exclusivamente por representantes dos Ministérios, caberá decidir do futuro destas empresas.
Quem na actual situação duvidará do desvelo e do carinho com que o representante do Ministério do Comércio e Turismo, o representante do Sr. Ministro Basílio Horta, ex-secretário-geral da CIP, estudará, desenvolverá e apoiará as empresas autogeridas e em especial as experiências de autogestão?
Certamente com o mesmo desvelo e o mesmo carinho com que o seu colega de bancada, o Deputado Narana Coissoró, se dirige nesta Assembleia aos trabalhadores que cometeram o crime de assumir a gestão das empresas abandonadas ou sabotadas pelas entidades patronais.
Os trabalhadores das empresas autogeridas, os trabalhadores portugueses, os militantes e simpatizantes socialistas não poderão compreender nem aceitar que após terem lutado nas empresas pelos princípios socialistas da autogestão saia agora uma lei em que a definição da autogestão e das situações de autogestão estejam a cargo de representantes do Governo e, em particular, de um governo do qual faz paute o CDS. O mesmo CDS que na Comissão Parlamentar de Trabalho defendeu a audição pela referida comissão da associação fantasma que dá pelo nome de «Associação dos Empresários Usurpados».
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Programa do Partido Socialista considera o contrôle exercido pelos trabalhadores nas empresas, que se vem esboçando após o 25 de Abril, como o primeiro passo da sua intervenção autogestionária. Porquê então um diploma legal que nega e contraria frontalmente este passo do programa?
Porquê um diploma legal que presume a autogestão injustificada, que presume os primeiros passos na intervenção autogestionária injustificados? Porquê um diploma que conceda as proprietários que abandonaram as empresas um prazo de mais de dois anos para reivindicarem a sua posse?
Quem ignora os artifícios de toda a espécie, utilizados ao longo destes anos por parte das entidades patronais para tentarem estrangular as empresas geridas pelos colectivos de trabalhadores?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O facto de o projecto de lei n.º 100/I, apresentado pelo PS, começar o capítulo V, sobre a regularização definitiva da autogestão, pela definição da situação do proprietário e ainda a maneira como o faz, mostram a coluna vertebral deste projecto.
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Contrariamente ao programa do PS, contrariamente às posições sempre assumidas pelos socialistas, este projecto estrutura-se não a partir dos passos dados pelos trabalhadores, não a partir do seu movimento real, das suas necessidades e aspirações, mas sim das necessidades e aspirações dos proprietários.
Daí o modo vago como o artigo 41.º estabelece os casos em que o pedido de reivindicação, ou restituição, de posse por parte das entidades patronais não será atendido, deixando ao Poder Judicial uma margem de manobra que não será favorável aos trabalhadores, que não será favorável às conquistas de Abril, como tantas vezes tem sido demonstrado ao longo destes anos. A atestá-lo está o voto de protesto que o próprio PS propôs nesta Assembleia contra a decisão de um juiz ao mandar prender Maximino Serra.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os projectos n.º 99/I e n.º 100/I, apresentado pelo PS, ameaçam milhares de trabalhadores das empresas nas quais eles assumiram a gestão após o 25 de Abril, ameaçam-nas nas suas condições da vida, no seu futuro, como trabalhadores.
Os projectos de lei n.º 99/I e n.º 100/I são um factor de instabilidade social, porque a ameaça do desemprego é um factor de instabilidade social, é um factor de reforço da reacção e de enfraquecimento da democracia.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os trabalhadores não têm qualquer ilusão relativamente aos objectivos do PSD e do CDS - a defesa dos interesses dos exploradores, dos responsáveis pela crise.
No entanto, nesta Assembleia e perante, os projectos de lei agora apresentados pelo PS, esses partidos fazem nuances, nuances que os trabalhadores percebem bem, Srs. Deputados do PSD e do CDS.
São os lugares que uns e outros ocupam, não é verdade? Um no Governo e outro fora, disfarçado de oposição!
Porém, em Março do ano passado, antes da coligação,...
O Sr. Amaro da Costa (COS): - Em Maio.
O Orador - ...no tempo da convergência democrática, quando estes projectos de lei: foram apresentados, a vossa posição era diferente. Ambos eram contra eles, não porque eles favorecessem o trabalhadores, mas porque era preciso ser-se mais claro, era preciso abolir pura e simplesmente a autogestão, era preciso banir do dicionário esta palavra.
Deputados Socialistas, tiremos as conclusões práticas e claras daquilo que querem as forças que nesta Assembleia representam o patronato. Elas nunca ficarão saciadas; procurarão ir sempre mais longe, procurarão sempre mais e mais cedências até ao regresso ao 24 de Abril. Deste ponto de vista é significativa a referência feita pelo Sr. Deputado Amândio de Azevedo à situação das empresas antes do 25 de Abril. Não se importou o Sr. Deputado com a situação dos trabalhadores nessa mesma época (significativa coincidência).
Votarei, pois, Sr. Presidente e Srs. Deputados, fiel ao programa do Partido Socialista, que ajudei a elaborar, fiel aos princípios do socialismo, contra os projectos de lei agora apresentados pelo Grupo Parlamentar do Partido Socialista.
Os Srs. Deputados do Partido Comunista apresentaram também um projecto de lei, no qual estão consignados alguns pontos que considero positivos, tais como a responsabilização do passivo das empresas e uma enunciação mais rigorosa das actividades delituosas contra a economia nacional
Considero ainda que a própria estrutura do projecto de lei apresentado pelo PCP é fundamentalmente diferente da estrutura dos projectos de lei apresentados pelo Partido Socialista. No entanto, esse projecto está longe de poder satisfazer e garantir de forma duradoura a gestão futura, pelas comissões de trabalhadores e pelas direcções das cooperativas (veja-se o n.º 1 do artigo 8.º do projecto de lei do PCP).
Também no que se refere ao capítulo sobre o processo que inclui o inquérito e a deliberação do Conselho de Ministros ele não pode merecer o nosso acordo. Em nosso entender, não deve caber ao Conselho de Mnistros o poder de deliberação sobre esta matéria.
Por estas razões não votaremos a favor do projecto de lei do PCP, abster-nos-emos.
Permita-se, no entanto, que aproveite para responder aos comentários que os Srs. Deputados do PCP fizeram aquando da intervenção da Sr.ª Deputada Carmelinda Pereira. Assim, Srs. Deputados do Partido Comunista, é bom que de uma vez por todas compreendam que a nossa expulsão do Partido Socialista não nos fará abandonar a defesa dos princípios socialistas e muito menos cobrir posições incorrectas, ainda que elas tragam o selo do PCP. Deixamos essa tarefa a outros, já que nós não a faremos.
Ainda a este propósito gostaria de frisar que não basta apresentar projectos de lei mais correctos nesta Assembleia nem responder ao pânico do PSD, para quem até a própria palavra autogestão é subversiva.
O Sr. Barbosa da Costa (PSD): - Eh lá!...
O Orador: - As vossas responsabilidades não se limitam apenas a esta Assembleia. Elas relacionam-se também com os milhares de trabalhadores que votaram no Partido Comunista, tal como os que votaram no Partido Socialista, e que esperavam da vossa parte a organização da acção na unidade de todos os trabalhadores para que os Deputados do PCP e do PS se unissem, retirando as propostas de lei que não defendessem os trabalhadores, votando a favor dos interesses dos trabalhadores em autogestão, votando a favor da consolidação das liberdades, da democracia e das conquistas da Revolução, enfim, obrigando o PSD e o CDS a recuarem.
Srs. Deputados do PCP: não basta apresentar projectos de lei menos maus, tal como para impedir a constituição de um Governo PS/CDS não basta apresentar uma moção de rejeição cujo objectivo mais não é do que permitir ao Governo- construído à revelia dos trabalhadores e dos socialistas, a um Governo sem futuro, dar uma imagem de estabilidade que na realidade não tem e que seria patente se tivesse sido obrigado a apresentar a esta Assembleia a moção de confiança normal em democracia.
Ao votarmos contra as moções de rejeição não votámos a favor do Governo PS/CDS, como os Srs. Deputados bem sabem. Votámos antes, contra o conteúdo das referidas moções e contra a manobra
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que permitiu deixar passar o Governo com uma imagem de estabilidade que na realidade não tem.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Peço a palavra, Sr. Presidente, para formular um protesto.
O Sr. Presidente: - Faça favor.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vou ser muito breve no protesto que irei fazer, protesto que diz respeito a duas ou três afirmações incorrectas, ou proprositamente falsas, que o Sr. Deputado Aires Rodrigues se permitiu fazer do alto da tribuna.
Em primeiro lugar, quanto às expressões que me atribui, isto é, às frases que leria dito contra os trabalhadores, como isso está diariamente exarado na acta da reunião da Comissão de Trabalho não roubarei tempo a esta Assembleia repetindo: o que lá está expresso. Qualquer leitor poderá consultar essa acta, confrontar o que Lá está escrito com o que o Sr. Deputado Aires Rodrigues tivesse a ver como é que nesta Assembleia se falta à verdade.
Em segundo lugar, quando eu, como representante do CDS, pretendi que, ao lado do Secretariado das Empresas em Autogestão e das outras organizações que por escrito ou directamente aqui vieram colocar perante a Assembleia os seus problemas, também fossem recebidos os componentes do Movimento Nacional de Empresários Usurpados, o Sr. Deputado Aires Rodrigues entendeu qualificar este movimento de «fantasma». O Sr. Deputado é um especialista em fantasmas, é líder de um movimento fantasma, anda a propor um Governo fantasma, de modo que para o Sr. Deputado Aires Rodrigues tudo se passa num mundo de fantasmas. E como o Sr. Deputado sabe bem o que é um fantasma e não sabe distinguir os fantasmas da realidade, move-se neste mundo fantasmagórico que lhe é próprio.
Finalmente, faltando uma vez mais à verdade, diz o Sr. Deputado Aires Rodrigues que na Comissão Parlamentar de Trabalho o CDS teria votado contra os projectos de lei do Partido Socialista. Ora o Sr. Deputado Aires Rodrigues faz o favor à Comissão de passar por lá de vez em quando e de vez em quando tomar o pulso - digamos assim às discussões que lá se travam. Mas com certeza que não foi por má memória que o Sr. Deputado aqui veio faltar à verdade.
Em primeiro lugar, na Comissão de Trabalho nunca houve nenhuma votação para se saber quem votava a favor e quem votava contra os projectos de lei aí apresentados. A única coisa que houve foi uma proposta do Partido Socialista, apoiada pelo Partido Comunista, no sentido de enviar os três projectos que agora estão em discussão directamente para o Plenário. Nós entendíamos que os referidos projectos não deviam vir ao Plenário sem prévia discussão na Comissão, mas fomos derrotados. E foi sobre esse ponto que houve discussão. Não se discutiu o fundo do problema, nunca se discutir sobre se os projectos do Partido Socialista deveriam ou não vir ao Plenário, nunca se discutiu sobre quem era a favor ou contra eles.
Portanto, quando o Sr. Deputado Aires Rodrigues vem aqui dizer que o CDS votou contra esses projectos de lei não de a verdade. Também nesse caso se está a mexer no seu mundo de fantasmas e a ver fantasmagoricamente votações que nunca se fizeram.
O Sr. Amaro da Costa (CDS): - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Aires Rodrigues, com certeza para contraprotestar.
O Sr. Aires Rodrigues (Indep.): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Muito rapidamente e parafraseando o nosso povo, gostaria de dizer ao Sr. Deputado Narana Coissoró que «mais depressa se apanha um mentiroso que um coxo».
Assim, deverei dizer-lhe o seguinte: se o Sr. Deputado ouviu bem a minha intervenção eu não falei em votação na Comissão Parlamentar de Trabalho. Eu disse que a posição assumida pelo CDS nessa altura foi uma posição contra as propostas socialistas.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Uma votação!
O Orador: - Também o Sr. Deputado se engana quando diz que eu não tenho o direito de voto na Comissão de Trabalho e também não é verdade que eu passo por lá para tomar o pulso da discussão. Eu passo por lá quando penso que é importante participar, mesmo apesar de o Sr. Deputado Narana Coissoró, contra o Regimento, ter feito uma proposta no sentido de que eu não deveria participar das discussões, quando afinal o Regimento é claro ao dizer que eu tenho o direito, como qualquer Deputado, de assistir e participar nas reuniões de comissões, apenas não tendo o directo de voto. O Sr. Deputado entendia coarctar-me esse direito regimental, não foi possível, e portanto continuarei a ir lá, a intervir nas discussões e a fazer a interpretação que entendo, como os outros farão a sua acerca das posições que cada partido assume perante as propostas que são apresentadas. E eu devo dizer-lhe que não devo ter sido o único a entender, das diversas intervenções que houve sobre os projectos de lei, quer quando da presença dos representantes dos Ministérios da Indústria e Tecnologia e do Trabalho, quer quando houve a recepção das diferentes entidades ouvidas pela Comissão de Trabalho, que as opiniões manifestadas pelo CDS eram bem diferentes daquelas que agora tem manifestado e naturalmente bem diferentes da conclusão lógica que será o seu voto. Mas isso esperaremos para ver.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Ainda não viu?
O Orador. - Sr. Deputado, relativamente aos fantasmas, devo dizer-lhe que não me preocupo com o facto de dizer que eu vivo num mundo de fantasmas. Num mundo de fantasmas inventados.
De qualquer forma, devo dizer-lhe, Sr. Deputado, que defender um Governo do Partido Social/ata e do Partido Comunista não é uma fantasmagoria. E isto por uma razão muito simples: é que eles são a maioria existente nesta Assembleia, custe o que custar ao Sr. Deputado.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, antes de conceder a palavra ao Sr. Deputado Joaquim Felgueiras,
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vamos aguardar que o serviço proceda à mudança da bobina de gravação.
Pausa.
Tem, pois, a palavra o Sr. Deputado Joaquim Felgueiras.
O Sr. Joaquim Felgueiras (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, não será certamente possível a esta Assembleia debruçar-se sobre o estatuto desejável para as empresas em autogestão e fazer a justiça que os trabalhadores exigem e merecem sem conhecer e compreender o significado das dificuldades, boicotes, violências e calúnias a que foram sujeitos ao longo da sua existência.
É que não se trata, hoje e aqui, de definir um modelo em abstracto, e um sistema acabado e mais ou menos perfeito de regular e enquadrar um certo tipo de empresas. Trata-se, sim (e tão-só), de responder, de frente e sem rodeios, aos problemas que a vida põe, de defender interesses concretos e historicamente inseridos, de consagrar as soluções legislativas adequadas a uma experiência concretamente vivida por 30 000 trabalhadores.
Qual dos projectos de lei apresentados - o n.º 41/I, do meu Partido, ou os n.ºs 99 e 100/I, do PS responde melhor (ou, simplesmente, responde) às exigências do interesse nacional? Qual dos projectos apresentados recolhe e valoriza devidamente os dados da experiência? Qual dos projectos está efectivamente apontado na direcção da protecção, consolidação e desenvolvimento do sector das empresas em autogestão? Qual dos projectos tem afinal a aceitação dos trabalhadores do sector? Eis as perguntas que importa responder claramente! Sr. Presidente, Srs. Deputados, na origem das situações da autogestão encontra-se, ao fim e ao cabo, atitude concertada de violência de uma faixa do patronato, mais interessado no combate ao processo democrático e na sabotagem do que na resolução dos problemas das empresas e na defesa do interesse da economia nacional.
Violência - e sabotagem - foi o abandono das empresas em situação difícil, descapitalizadas, sem matérias-primas, com dívidas a fornecedores, ao Estado, à Previdência.
Por exemplo, o patrão da SIC (mais tarde UNOP, Sociedade Industrial de Cartonagem, Lda.) antes de abandonar a empresa anunciava que se encontrava em estado de falência, agradecendo a quem lhe ficasse com a empresa e prometendo mesmo um almoço e a escritura em 24 horas. E comentava que «só um louco» aceitaria a empresa como se encontrava! Não contou foi com o esforço heróico dos trabalhadores, que aumentaram a facturação da firma, desenvolveram a carteira de encomendas, criaram novos postos de trabalho, montaram uma cantina e um pequeno posto médico e projectaram o aumento de instalações e novos investimentos. Isto tudo, ao mesmo tempo que pagavam centenas de contos de dívidas «criteriosamente» legadas pelo ex-patrão!
Violência - e cinismo - é o que mostra o patrão da firma Jorge Silva e Filhos, da indústria vidreira, que na carta em que anuncia aos trabalhadores o abandono da firma diz, textualmente:
Saio do País certo de que volvidos alguns meses serão os senhores a reclamar a minha presença.
Então analisarei a situação e verei se o vosso egoísmo e falta de compreensão merecerá mais esse sacrifício da minha parte.
Só que os sacrifícios não foram dele, foram dos trabalhadores, designadamente para pagar as dívidas que ele deixou!
Violência - e desprezo pelos direitos fundamentais - é o abandono de uma empresa, deixando salários de meses e meses por pagar, como fizeram os patrões da Conlã, de Almada, da ex-Camisas Lord e de tantas outras empresas.
Violência - e fraude - é a prática de actos lesivos da empresa, como na firma Goval, Gomes e Vasques, Lda., onde há de tudo um pouco, desde a compra de um imóvel em nome pessoal, mas obrigando a firma, até cheques sem cobertura e faltas vultosas nos valores da firma.
Só que, Sr. Presidente e Srs. Deputados, a acção .patriótica dos trabalhadores em defesa das empresas, se, por um lado, teve o efeito de pôr um travão ao desenvolvimento de outras acções de sabotagem, não impediu, por outro, que novas acções de violência fossem cometidas.
Ela reaparece, em força, nas acções de desestabilização lançadas contra estas empresas, nos assaltos, provocações, boicotes e calúnias; ela afirmasse de forma clara nos casos em que patrões conseguem reentrar nas empresas e reapossar-se da sua gestão.
Assim, a Cincamo - Cooperativa Operária Industrial e Comercial de Mobiliário (ex-Nefil) é assaltada no passado dia 5 de Janeiro pelo ex-patrão, acompanhado por um bando de marginais contratados. A cobiça justifica-se pelos factos: a empresa foi recuperada pelos trabalhadores, factura hoje 100 000 contos anuais e tem 20 000 contos de material em stock. Durante as breves horas em que se mantiveram na empresa, os bandoleiros danificaram maquinaria, furtaram documentos e não se esqueceram de esvaziar a cantina de algumas bebidas que lá encontraram
A A. M. Fidalgo, devolvida ao patrão com base numa decisão (judicial, acaba por encerrar, e os trabalhadores, que tinham aumentado as vendas em cerca de 57%, liquidando pontualmente os compromissos assumidos, receberam como recompensa longos meses sem salários e uma situação na prática equivalente ao desemprego.
O patrão da Artins, empresa de móveis metálicos do Porto, assalta a empresa em 4 d& Junho de 1977, e logo instaura processos disciplinares a vários trabalhadores, impedindo-os de entrar na empresa.
O patrão da Conlã, depois de ter lançado uma campanha de boicote junto dos clientes, aparece estranhamente na empresa a acompanhar funcionários judiciais que realizavam uma diligência accionada por recusar quaisquer negociações
Nos supermercados Bombarato, Lda., e na Fábrica Cuétara, de Pombal, os patrões regressados, apesar dos compromissos» assumidos no Ministério do Trabalho, logo que se apanharam nas empresas, promoveram despedimentos e suspensão de trabalhadores, conduzindo a situações gravíssimas de desestabilização. O patrão da Bombarato encerra postos de venda e,
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perante a firme oposição dos trabalhadores, socorre-se de uma aparatosa acção policial.
Na Fritlã, empresa de confecções da Amadora, o patrão promove um assalto, pela calada da noite, e retira nada mais, nada menos, que todo o seu recheio, inclusive maquinaria!
São apenas alguns casos, entre muitos, mas bem elucidativos. Mostram que a acção do patronato em relação às empresas que são geridas pelos trabalhadores tem visado a sua desestabilização e a criação de toda a ordem de dificuldades ao seu desenvolvimento, e consolidação. E mais: mostram que, o regresso do patronato a essas empresas é fonte de graves tensões sociais, conduz ao desrespeito dos direitos dos trabalhadores e à diminuição dos postos de trabalho, leva à degradação e, paralisação das empresas, não serve o interesse nacional.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Esta é, Sr. Presidente e Srs. Deputados, uma conclusão decisiva e fundamental para a consideração das propostas em debate.
As propostas que, por vias directas ou travessas (mais ou menos claras ou mais ou menos encapotadas), conduzem à recuperação pelo patronato das empresas não são seguramente as que servem os interesses dos trabalhadores, não servem a estabilidade e, desenvolvimento deste sector, não são compatíveis com a manutenção dos postos de trabalho aí existentes, não se enquadram numa política de recuperação económica, não se coadunam com o projecto constitucional.
Tais propostas - e é o que se passa com os projectos n.ºs 99 e 100/I do PS - revelam, afinal, que os seus autores desconfiam da capacidade e iniciativa dos trabalhadores, se recusam a assumir uma posição clara do defesa dos seus interesses, esquecem ou pretendem ignorar os ensinamentos da experiência.
A vida demonstrou que o trabalhadores, com muita dedicação e muito sacrifício, souberam manter em laboração empresas abandonadas e sabotadas, foram capazes de garantir os postos, de trabalho, enfrentaram e resolveram muitos problemas, puderam mesmo, por vezes desenvolver e relançar empresas que outros consideravam perdidas. E assim como o fizeram, sem qualquer apoio, nestes anos que passaram, assim o saberão fazer também no futuro!
A vida demonstrou, por outro lado, que os trabalhadores, melhor do que ninguém, são capazes e estão interessados em atender aos interesses de terceiros e em cumprir pontualmente, mesmo que com sacrifícios, aquilo a que se, obrigam.
As queixas de fornecedores e clientes, de pequenos e médios industriais e comerciantes, não são contra os trabalhadores e contra a gestão que realizaram. Não são as dívidas contraídas pelos trabalhadores que estão em questão, porque 'estes sabem e querem honrar os seus compromissos. Mais ainda: tudo fazem e tudo farão para resolver os problemas e dívidas que o ex-patrão deixou à empresa. E quantas o quantas vezes o fizeram com sacrifício do seu próprio salário e de outras regalias!
Vozes do PCP: - Muito bom!
O Orador: - Bem diferente é a atitude seguida por muitos patrões. Quem não conhece ou não ouviu ainda afirmações do patrões regressados, dizendo que não pagam as «dívidas dos trabalhadores», que nada têm com isso? Quem de boa fé espera ou acredita que, a devolução das empresas ao patronato possa resolver ou de alguma forma ajudar a resolver problemas decorrentes de situação financeira existente nas empresas antes do os trabalhadores terem assumido a gestão?
0 esforço desenvolvido, pelos trabalhadores em defesa das empresas raramente foi correspondido, por parte da Administração Pública, com o apoio que se esperaria, desde logo em nome do interesse nacional.
Os trabalhadores das empresas em autogestão revelaram desde há muito que, têm ideias precisas sobre o conjunto de medidas que seria necessário, adoptar, dentro de uma perspectiva de, recuperação e consolidação do seu sector.
Sabem - e numerosas vezes o afirmaram e reclamam - quanto importaria preparar e formar técnicos administrativos e de produção, a fim de permitir a curto prazo melhorias na produtividade e na qualidade.
Demonstraram abundantemente que urge racionalizar e actualizar os meios de produção e promover estudos de reestruturação, reconversão e fusão de empresas, a fim de, tornar viáveis economicamente o maior número possível.
Do estudo que, têm vindo a fazer da situação global do sector ressaltam conclusões que não podem ser ignoradas: é a necessidade de linhas especiais. de crédito e financiamento em condições preferenciais; é a garantia de, escoamento de produtos, em especial a partir de contratos especiais de, venda ao Estado 9 às empresas do sector público; é o apoio de organismos especializados do Estado para obtenção de encomendas nos mercados tradicionais e em novos mercados.
Em vez de tudo isso, os trabalhadores defrontaram-se, sim, foi com graves omissões e mesmo, até com práticas que comprometem a viabilidade e o futuro das empresas.
Foi assim na Estercoop (ex-Frema), executada pelo Estado por dívidas do ex-patrão.
Foi assim na Cuétara, onde durante o período de autogestão o dinheiro da empresa foi imobilizado na banca. É assim na Neolux, do Porto, onde, depois de os trabalhadores elaborarem um plano, completo de reconversão da sua empresa, plano já aprovado por entidades oficiais, não conseguem obter créditos bancários, sob o pretexto da falta de definição jurídica da situação da empresa.
É assim na Empresa Fabril de Vormoim, onde à falta de apoio se acrescenta a ingerência. Na verdade, a partir de uma credencial, que condiciona a aquisição. de maquinaria a autorização do Ministério, os trabalhadores esperaram meses por uma simples bobinadeira, com» a qual pretendiam afinal, e só, aumentar a produção e contribuir para a riqueza nacional.
Muitos outros exemplos quase tantos quantos as empresas se poderiam narrar aqui...
Mas são também exemplos, cada um deles, de uma
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luta corajosa, tenaz, prolongada. contra inimigos jurados e empenhados em destruir o sector.
Ouvimos já, durante este debate, um Sr. Deputado do CDS, do partido da extrema-direita parlamentar, fazer aqui a lacrimejante absolvição dessa faixa do patronato.
Ouvimo-lo, nas palavras e nas intenções, passar um atestado de incapacidade aos trabalhadores e augurar uma lei que dê confiança ao patronato e investidores.
Ouvimo-lo, defender interesses que nada têm a ver com a continuidade, e consolidação deste sector, que nada têm a ver com a defesa dos interesses dos trabalhadores e da economia nacional.
Nem outra coisa seria de esperar!
Para eles, para os inimigos do projecto socialista consagrado na Constituição, o sector das empresas em autogestão é para ser abatido e liquidado não é para ser defendido.
Esta é a questão. Aqui reside a linha de fronteira entre, os que se reclamam dos trabalhadores e os que aqui falam em nome dessa faixa do patronato; a linha de fronteira entre os que querem assumir as suas responsabilidades para com os trabalhadores e para com o interesse nacional e os que, do outro lado, sonham com o regresso ao passado e com a liquidação das conquistas de Abril!
0 projecto de lei n.º 41/I, apresentado pelo meu partido, contém soluções realistas e equilibradas, que têm em atenção a situação concreta das empresas, a maior ou menor possibilidade da sua viabilização e recuperação.
É um projecto que visa a estabilidade social a consolidação do sector, a defesa do interesse nacional.
È um projecto que assenta, sem ambiguidades na confiança nos trabalhadores e na sua capacidade e iniciativa.
Nenhuma razão de pormenor, nenhuma crítica pontual a este, ou aquele aspecto concreto do. seu articulado, pode justificar a sua não. aprovação na generalidade por aqueles que se reclamam dos trabalhadores.
Neste momento, em que os trabalhadores olham para esta Assembleia com a esperança de ver aprovada uma lei justa, importa que todos os que, aqui e lá fora, afirmaram e afirmam querer defender este sector saibam assumir por inteiro as suas responsabilidade.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a ordem de, trabalhos para amanhã é a continuação da que estava prevista para hoje.
Está encerrada a sessão.
Eram 20 horas e 5 minutos.
Deputados que entraram durante a sessão:
Partido Socialista (PS)
Alberto Arons Braga de Carvalho.
António Magalhães da Silva.
Aquilino Ribeiro Machado.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Fernando João Nogueira de Carvalho.
Fernando Luís de Almeida Torres Marinho.
Florival da Silva Nobre.
Francisco de Almeida Salgado Zenha.
João Luís Medeiros.
Joaquim Oliveira Rodrigues.
José Cândido Rodrigues Pimenta.
José Manuel Medeiros Ferreira.
José Maximiano de Albuquerque de Almeida Leitão.
Manuel do Carmo Mendes.
Manuel Joaquim Paiva Pereira Pires.
Manuel da Mata de Cáceres.
Maria de Jesus Simões Barroso Soares.
Maria Teresa Madeira Vidigal.
Partido Social-Democrata (PSD)
Afonso de Sousa Freire de Moura Guedes.
Amélia Cavaleiro Monteiro de Andrade de Azevedo.
António Augusto Lacerda de Queiroz.
António José dos Santos Moreira da Silva.
António Júlio Simões de Aguiar.
António Luciano Pacheco de Sousa Franco.
Carlos Alberto Coelho de Sousa.
Eduardo José Vieira.
Fernando José da Costa.
Francisco Braga Barroso.
Gabriel Ribeiro da Frada.
João Lucílio Cacela Leitão.
João Vasco da Luz Botelho Paiva.
Jorge Ferreira de Castro.
Jorge de Figueiredo Dias.
José Adriano Gago Vitorino.
José Ângelo Ferreira Correia.
José Bento Gonçalves.
José Ferreira. Júnior
José Joaquim Lima Monteiro Andrade.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
Manuel Valentim Pereira. Vilar.
Pedro Manuel da Cruz Roseta.
Victor Hugo Mendes dos Santos.
Centro Democrático Social (CDS)
Adelino Manuel Lopes Amaro da Costa.
António João Pistacchini Gomes Moita.
Carlos Martins Robalo.
Domingos da Silva Pereira.
Francisco António Lucas Pires.
Francisco Manuel Farromba Vidigal.
João da Silva Mendes Morgado.
José Duarte de Almeida Ribeiro e Castro.
José Manuel Macedo Pereira.
Luís Aníbal de Sá de Azevedo Coutinho.
Walter Francisco Burmester Cudell.
Partido Comunista Português (PCP)
Carlos Alberto do Vale Gomes.
Domingos Abrantes Ferreira.
Jaime dos Santos Serra.
Joaquim Gomes dos Santos.
Independentes
Carmelinda Maria dos Santos Pereira.
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Deputados que faltaram à sessão:
Partido Socialista (PS)
Agostinho Martins do Vale.
António Manuel de Oliveira Guterres.
Jerónimo da Silva Pereira.
Manuel Lencastre Menezes de Sousa Figueiredo.
Vasco da Gama Lopes Fernandes.
Maria Teresa Vieira Bastos Ramos Ambrósio.
Nuno Maria Monteiro Godinho de Matos.
Partido Social-Democrata (PSD)
António Coutinho Monteiro de Freitas.
António Jorge Duarte Rebelo de Sousa.
Henrique Manuel de Pontes Leça.
João Gabriel Soeiro de Carvalho.
José Alberto Ribeiro.
José Theodoro de Jesus da Silva.
Maria Helena do Rego da Costa Salema Roseta.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Nicolau Gregório de Freitas.
Centro Democrático Social (CDS)
Carlos Alberto Faria de Almeida.
Diogo Pinto de Freitas do Amaral.
Emídio Ferrão da Costa Pinheiro.
Emílio Leitão Paulo.
Eugénio Maria Nunes Anacoreta Correia.
João Gomes de Abreu de Lima.
José Cunha Simões.
Independentes
Carlos Gaivão de Melo.
O CHEFE DA DIVISÃO DE REDACÇÃO, José Pinto.
PREÇO DESTE NÚMERO 18$00
IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA