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DIÁRIO

da Assembleia da República

Quarta-feira, 26 de Abril de 1978

I LEGISLATURA 2.ªSESSÃO LEGISLATIVA (1977-1978)

REUNIÃO SOLENE COMEMORATIVA DO 25 DE ABRIL

Presidente: Exmo. Sr. Vasco da Gama Fernandes

Secretários: Exmos. Srs. Alfredo Pinto da Silva
Amélia Cavaleiro Monteiro de Andrade de Azevedo
Maria José Paulo Sampaio
José Manuel Maia Nunes de Almeida

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Eram 11 horas e 20 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS)

Adelino Teixeira de Carvalho.
Agostinho Martins do Vale.
Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alfredo Fernando de Carvalho.
Alfredo Pinto da Silva.
Álvaro Monteiro.
Amadeu da Silva Cruz.
António Barros dos Santos.
António Chaves Modeiros.
António Fernandes da Fonseca.
António Jorge Moreira Portugal.
António José Pinheiro Silva.
António José Sanches Esteves.
António Magalhães da Silva.
António Manuel de Oliveira Guterres.
António Miguel Morais Barreto..
Aquilino Ribeiro Machado.
Armando F. C. Pereira Bacelar.
Beatriz Almeida Cal Brandão.
Benjamim Nunes Leitão de Carvalho.
Bento Elísio de Azevedo.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Justino Luís Cordeiro.
Carlos Manuel da Costa Moreira.

Carlos Manuel Natividade da Costa Candal. David dos Santos Silva. Eduardo Ribeiro Pereira. Etelvina Lopos de Almeida. Eurico Manuel das Neves Henriques Mendes. Fernando Abol Simões. Fernando Gomes Vasco. Fernando Luís do Almeida Torres Marinho. Fernando Reis Luís. Fernando Tavares Loureiro. Floréncio Joaquim Quintas Matias. Florival da Silva Nobre. Francisco de Almeida Salgado Zenha. Francisco António Marcos Barracosa. Francisco de Assis de Mendonça Lino Neto. Francisco Igrejas Caeiro. Francisco Manuel Marcelo Monteiro Curto. Francisco do Patrocínio Martins. Gualter Viriato Nunes Basílio. Henrique Manuel Velez Marques dos Santos. Herculano Rodrigues Pires. João Francisco Ludovicio da Costa. João Luís Duarte Fernandes João Luís Tavares de Medeiros. João da Silva. João do Rosário Barrento Henriques. Joaquim José Catanho de Meneses. José Ferreira Dionísio. José Luís do Anraral Nunes. José Manuel Medeiros Ferreira. José Manuel Niza Antunes Mondes. José Maximiano do Albuquerque de Almeida Leitão.

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Ludovina das Dores Rosado.
Luís Abílio da Conceição Cacito.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís José Godinho Cid.
Luís Patrício Rosado Gonçalves.
Manuel Alegre de Meio Duarte.
Manuel Augusto de Jesus Lima.
Manuel do Carmo Mendes.
Manuel Joaquim Paiva Pereira Pires.
Manuel Lencastre Meneses de Sousa Figueiredo.
Manuel da Mata de Cáceres.
Manuel Pereira Dias.
Maria Alzira Costa de Castro Cardoso Lemos.
Maria de Jesus Simões Barroso Soares.
Maria Margarida Ramos de Carvalho.
Maria Teresa Madeira Vidigal.
Maria Teresa Vieira Bastos Ramos Ambrósio.
Nuno Maria Monteiro Godinho de Matos.
Pedro Amadeu de Albuquerque dos Santos Coelho.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.
Rodolfo Alexandrino Suzano Crespo.
Rui António Ferreira da Cunha.
Serafim Olindo Ramos Bastos.
Telmo Ferreira Noto.
Teófilo Carvalho dos Santos.
Vasco da Gama Lopes Fernandes.

Partido Social-Democrata (PSD)

Afonso de Sousa Freire de Moura Guedes. Álvaro Barros Marques de Figueiredo. Amândio Anes de Azevedo. Amélia Cavaleiro Monteiro de Andrade de Azevedo. Américo de Sequeira. Anatólio Manuel dos Santos Vasconcelos. Antídio das Neves Costa. António Coutinho Monteiro de Freitas. António Egídio Fernandes Loja. António Joaquim Veríssimo.

António Jorge Duarte Rebelo de Sousa.

António José dos Santos Moreira da Silva.
António Júlio Simões de Aguiar.
António Luciano Pacheco de Sousa Franco.

António Manuel Barata Portugal. Arcanjo Nunes Luís. Carlos Alberto Coelho de Sousa. Casimiro Gomes Pereira. Cirilo Oliveira Marinho. Ferrando Adriano Pinto. Fernando José da Costa. Fernando José Sequeira Roriz. Francisco Braga Barroso. Gabriel Ribeiro da Frada. João António Martelo de Oliveira. João José dos Santos Rocha. João Lucílio Cacela Leitão. João Manuel Ferreira. Joaquim Jorge de Magalhães Saraiva da Mota. Jorge Ferreira de Castro. Jorge de Figueiredo Dias. José Alberto Ribeiro. José Adriano Gago Vitorino. José António Nunes Furtado Fernandes. José Bento Gonçalves. José Ferreira Júnior. José Gonçalves Sapinho. José Joaquim Lima Monteiro Andrade.

José Júlio Carvalho Ribeiro. José Manuel Meneres Sampaio Pimentel. José Theodoro de Jesus da Silva. Júlio Maria Alvos da Silva. Luís Fernando Cardoso Nandim de Carvalho. Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho. Manuel da Costa Andrade. Manuel Henrique Pires Fontoura. Manuel Sérgio Vila Lobos Menezes. Manuel Valentim Pereira Vilar. Maria Élia Brito Câmara. Mário Fernando de Campos Pinto. Nicolau Gregório de Freitas. Nuno Aires Rodrigues dos Santos. Olívio da Silva França. Pedro Manuel da Cruz Roseta. Rúben José de Almeida Martins Raposo. Victor Hugo Mendes dos Santos.

Centro Democrático Social (CDS)

Adelino Manuel Lopes Amaro da Costa.
Adriano Vasco, da Fonseca Rodrigues.
Alexandre Correia de Carvalho Reigoto.
Álvaro Dias de Sousa Ribeiro.
Ângelo Alberto Ribas da Silva Vieira.
António Jacinto Martins Canaverde.
António João Pistacchini Gomes Moita.
António Simões Costa.
Caetano Maria Dias da Cunha Reis.
Carlos Martins Robalo.
Diogo Pinto de Freitas do Amaral.
Emídio Ferrão da Costa Pinheiro.
Emílio Leitão Paulo.
Francisco Manuel Lopes Vieira de Oliveira Dias.
João Manuel K. Gomes da Silva Gravato.
José Cunha Simões.
José Duarte de Almeida Ribeiro e Castro.
José Luís Robocho de Albuquerque Christo.
José Manuel Cabral Fernandes.
José Vicente de Jesus de Carvalho Cardoso.
Luís Aníbal de Sá de Azevedo Coutinho.
Luís Esteves Ramires.
Maria José Sampaio.
Narana Sinai Coissoró.
Rui Garcia de Oliveira.
Vítor Afonso Pinto da Cruz.
Walter Francisco Burmester Cudell

Partido Comunista Português (PCP)

Álvaro Augusto Veiga de Oliveira. António Marques Matos Zuzarte. António Marques Pedrosa. Cândido de Matos Gago. Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas. Carlos Alfredo de Brito. Carlos Hahnemann Saavedra de Aboim Inglez. Domingos Abrantes Ferreira. Eduardo Sá Matos. Ercília Carreira Pimenta Talhadas. Fernanda Peleja Patrício. Fernando de Almeida Sousa Marques. Francisco Miguel Duarte. Georgete de Oliveira Ferreira. Hermenegilda Rosa Caniolas Pacheco Pereira. Jaime dos Santos Serra. Jerónimo Carvalho de Sousa.

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Joaquim Gomes dos Santos. Joaquim S. Rocha Felgueiras. Jorge Manuel Abreu de Lemos. José Manuel Maia Nunes de Almeida. José Manuel Paiva Jara. José Rodrigues Vitoriano. Manuel Duarte Gomes. Manuel Gonçalves. Manuel Mendes Nobre de Gusmão. Maria Alda Barbosa Nogueira. Nicolau de Ascensão Madeira Dias Ferreira. Octávio Floriano Rodrigues Pato. Severiano Pedro Falcão. Victor Henrique Louro de Sã. Zita Maria de Seabra Roseiro.

União Democrática Popular (UDP)

Acácio Manuel de Frias Barreiros.

Independentes

António Poppe Lopes Cardoso. José Justiniano Taboada Brás Pinto. Reinaldo Jorge Vital Rodrigues.

O Sr. Presidente: - Responderam à chamada 201 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.

Eram 11 horas e 40 minutos.

O Sr. Presidente: - Feita a chamada, suspendemos agora a sessão a fim de uma delegação da Assembleia da República receber o Sr. Presidente da República à chegada ao Palácio.
Está suspensa a sessão.

Às 12 horas deu entrada na Sala das Sessões o cortejo em que se integravam o Sr. Presidente da República, o Sr. Presidente da Assembleia da República, o Primeiro-Ministro, o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, os Secretários da Mesa, a comitiva do Presidente da República, o secretário-geral da Assembleia da República, o chefe e os secretários do protocolo.
No hemiciclo encontravam-se já os membros do Conselho da Revolução, os Ministros, os Ministros da República nos Açores e na Madeira, o Provedor de Justiça, os Presidentes das Assembleias Regionais dos Açores e da Madeira, o procurador-geral da República, o presidente do Tribunal da Relação de Lisboa e os membros da Comissão Constitucional.
Encontravam-se ainda presentes, nas tribunas e galerias, os Secretários e Subsecretários de Estado, o corpo diplomático, o vigário-geral da Diocese de Lisboa em representação do cardeal-patriarca, altas autoridades civis e militares e numerosos outros convidados.
Constituída a Mesa, na qual o Sr. Presidente da República ocupou lugar à direita do Sr. Presidente da Assembleia da República, a banda da Guarda Nacional Republicana, colocada na Sala dos Passos Perdidos, executou o Hino Nacional.

O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão.

Eram 12 horas e 5 minutos.

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O Sr. Presidente: - Sr. Presidente da República, Sr. Primeiro-Ministro, Sr. Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Srs. Ministros, Srs. Conselheiros da Revolução, ilustres convidados, Srs. Deputados, minhas senhoras e meus senhores: Cada um tem a sua maneira de comemorar o facto, o evento ou a simples memória.

Normal e habitualmente uma data evocativa caracteriza-se por um recordatório, mais ou menos emocionado, cheio de lugares-comuns, por vezes comovidamente, em que tudo se insere: o desfilar dos ambientes, o perfil de personalidades tipo, tudo isto ainda, porque fica bem, um quarto de estrofe d'Os Lusíadas ou meio poema de Fernando Pessoa.
Fica completo o ramalhete, ou melhor, o malmequer a desfolhar conforme as inclinações e as apetências do orador.
Será muito difícil falar-se de fundação da nacionalidade sem vir à coIação a gesta de Afonso Henriques, mesmo com a guerrilha contra sua mãe e a falta de pagamento do imposto devido à Santa Sé. Quando se aborda o problema da Batalha de Aljubarrota só conta o heroísmo da "arraia miúda" de Fernão Lopes, quando essa arraia miúda teve maior expressão na revolta burguesa de 1383, revolta que, para uns, foi só burguesa, no sentido tradicional da expressão, e para outros, na esteira de Cortesão, a prova da presciência dos homens do infante D. Henrique, arrancando dos penhascos do interior os grandes protagonistas da nossa odisseia atlântica. Do mesmo modo, vem sempre a talhe de foice a época de dominação filipina com o arranque de 1640 - Miguel de Vasconcelos projectado da janela, o entusiasmo da população, esquecendo-se o que se passou durante sessenta anos, em que a maior parte das elites se bandearam com o estrangeiro, quando ao lado delas, no seu anonimato inconformado, viveram e lutaram alguns nobres, algum clero, mas sobretudo, em transposição à distância, a falada arraia miúda de Fernão Lopes. Se porventura se defronta o episódio das invasões francesas, procura-se esquecer as valsas dançadas pelas fidalgas do tempo com os jovens oficiais de Napoleão, ali na Rua do Alecrim, no palácio de Junot, quando, sempre na inconformidade, o povo humilde, os sargentos da guarnição e uma minoria de intelectuais se batiam em campo raso no Rossio e no Largo das Duas Igrejas contra os invasores do território, episódio tão flagrantemente descrito nas páginas da Filha do Polaco, de Campos Júnior. Mais adiante, o que parece interessar na evocação das lutas entre D. Miguei e D. Pedro são as batalhas fratricidas, menosprezando o que representou para este país a concepção moderna de um Estado, expressa na obra fenomenal de Mouzinho da Silveira, e da compostura de homens da estirpe de Herculano e de Garrett - o Garrett do Portugal na Balança da Europa, que devia constituir, ainda hoje, uma leitura obrigatória para todos quantos desejam actualizar-se sobre a verdadeira vocação de um Portugal moderno. Se. ainda mais adiante, focarmos o 1820 e o 1891, cuida-se preferentemente de um elogio exaltante das virtudes, sem cuidar dos defeitos, e nessas virtudes o que significou para Portugal a paciente investigação histórica do autor de Eurico o Presbitero, e das Lendas e Narrativas, para seguidamente, como era dever imperioso, debruçar-mo-nos sobre a estruturação europeia dos vencidos da vida, não só para os guindar à nossa admiração e respeito,

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como também para os criticar, até pelo nome com que passaram à história, o que por si só define um estado de neurastenia e abandono impróprios de um verdadeiro intelectual, tanto mais que Antero, Junqueiro, Eça de Queirós ou Ramalho Ortigão tiveram o privilégio de interpretar as ansiedades dispersas de um povo mortificado, ainda com as marcas da santa inquisição, nossa vergonha e nossa tristeza. Ao aproximarmo-nos das horas já vividas, por tradição ou por temporalidade, não se procuram as "pedras vivas", de António Sérgio, antes se pesquisa e se declama o frenesim dos comícios tentaculares e das apóstrofes grandiloquentes, quando humildemente se sabe que um caldeireiro, de nome quase desconhecido, inscreveu nas paredes de S. Domingos, com o sangue das suas veias, um definitivo "viva a República", ou quando também se sabe que, no dia 5 de Outubro de 1910, a par da gesta da Rotunda, populares descalços e esfarrapados guardavam de arma aperrada os cofres possidentes dos adversários da véspera. E também se olvida a obra extraordinária dos homens que fizeram a República, insistindo nas divergências ou nas dissonâncias, 'pondo de lado a honradez impoluta dos varões Plutarco, a obra ingente de recuperação financeira de Afonso Costa, a modernização da nossa pedagogia e a pertinácia dos estadistas que conseguiram que a nossa Pátria, batida na Flandres e em África, alcançasse a paz, com a integridade do território nacional, com o acréscimo de Kionga. E persiste-se em minimizar o valor do parlamentarismo a favor da tirania e da renúncia que nos levou à ditadura, ou melhor às ditaduras.

0 significado desta tomada de posição de um impenitente escolar de história objectiva-se na afirmativa de que ainda se não escreveu, com realismo e verdade, a história do povo português.

Valiosas são as achegas, exemplificadamente, nos tempos mais chegados, a obra de rectificação de Sérgio, Cortesão, e as dos mais novos, de Vitorino Magalhães Godinho e de Joel Serrão, aqui, sim, para esquecer o pessimismo doentio de Oliveira Martins.
Esta entidade válida que é o povo português aguarda ainda a sua hora, e não vamos desesperar porque temos junto de nós quem a saberá escrever ou já escreveu, na prosa de Maria Lamas e nos versos de Adolfo Casais Monteiro, Armindo Rodrigues ou Carlos de Oliveira, paredes meias com os romances de Redol e nos ensaios percurcientes de Santana Dionísio e no ensaio promissor que é o estudo de Mário Soares sobre Teófilo Braga.
Mas a história do povo português continua por escrecer, na sua humildade, na sua singileza, na sua persistência. 0 povo dos Gaibéus, a tragédia da beira-mar, a fome e a miséria dos montanheses e dos homens da planície, das montanhas do Nordeste e as injustiças do Alentejo.
Não se pode comemorar seja o que for sem ter sempre presente essa entidade.

Ela nunca traiu, ela nunca se vendeu, ela nunca

tergiversou. Temos de contar com ela se quisermos

ser dignos de nós próprios.

Aplausos gerais.

Nas Cortes de antanho, palavra tanto do gosto da literatura saudosista, foi a voz do povo, na fala de João das Regras, quem melhor defendeu os interesses da nação em perigo, conseguindo demarcar o perfil da nacionalidade, mercê do Tratado de Alcanizes, e preparou a nossa aventura atlântica com o Tratado de Windsor, mas tudo isso foi possível porque houve um alfaiate chamado Fernão Vasques e de Trás-os-Montes e das Beiras vieram para o litoral os tripulantes das caravelas.

Em matéria de fidalguias o maior fidalgo foi o povo, presente até à morte nas duras procelas da nossa adversidade.

Não quero de forma alguma empobrecer o valimento das evocações ou os estudos parcelares dos brasões e das cruzes, mas ao passar por Alcobaça, pelo Castelo de Leiria, pelos Jerónimos ou pela Torre de Belém, sentinelas que se harmonizam com as fortalezas militares que foram os castelos, sinto que tudo isso só se alcançou porque o povo português nunca desistiu e na sua simplicidade fez sempre suas as grandes coordenadas do nosso destino intervalar ou consequente. E ao ver desfraldar neste país a bandeira verde-rubra, que os ditadores todos juntos não conseguiram arriar do mastaréu nacional, vêm sempre a meus olhos os homens como meu pai, simples caixeiro de uma lojeca lisboeta, que seguraram nas suas mãos as prerrogativas de um regime de liberdade, e foi ele que escalou Monsanto, que defrontou as incursões monárquicas, que resistiu a Sidónio e fez frente a Salazar e Marcelo Caetano.

Resta saber quem foi esse povo, ou melhor, se só assim consideramos os iletrados ou os analfabetos. Não, o povo fomos todos nós, aqueles que não tiveram o privilégio de se prepararem intelectualmente para a vida, e aqueles outros que pela voz e pela pena se misturaram na rua com as dores e amarguras da comunidade, consubstanciando em si a ombridad, de que nos fala Miguel Unamuno.
É dessa ombridad que temos de cuidar, dando o jeito português de hombridade, com h, ou seja, a nunca desmentida vocação para a liberdade, os sacrifícios das mulheres e dos homens deste país, queimados nas fogueiras da inquisição ou atirados como irracionais para os segredos do Aljube e de Peniche, ou para as torturas da PIDE - essa massa desconhecida a quem nunca feneceu o ânimo para suportar as frigideiras do Tarrafal.
É este o povo de que faço parte, com o privilégio de nunca ter sofrido o que outros sofreram, mas a quem nunca também minguou a vontade de ser aquilo que me prezo ser, antes de mais nada: um antifascista, porque o fascismo era e é a negação da própria vida e a perversão das mais justas reivindicações da grei nacional. E desse antifascismo emergiu o meu socialismo, que só o concebo e pratico dentro da liberdade, da legalidade e do pluralismo.

Aplausos do PS, PCP e alguns Deputados do PSD.

É nesta óptica que eu encaro o 25 de Abril.
Longe de mim a ideia de diminuir o serviço prestado à Pátria pelos capitães que ergueram nos seus punhos a liberdade perdida e amesquinhada. Simbolizo neles o Presidente da República. Presto-lhe aqui esta homenagem, distante da minha grande amizade, porque o que interessa é reconhecer o que esta Pátria lhe deve em direitura e em permanência.

Aplausos do PS, PSD, CDS e PCP, de pé.

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Pois bem hajam os capitães de Abril, mas não é só dos capitães de Abril que se trata nesta comemoração de mais um aniversário.

0 que importa é repor a verdade e dizer claramente que muitos de nós já tinham no peito a Revolução. Não tinham nem nunca tiveram as armas, e quando eventualmente as empunharam não foram suficientes para derrubar o fascismo.
Mas, dentro do peito de quem? Dentro do peito dos homens do 3 de Fevereiro e do 7 de Fevereiro, dos homens do 26 de Agosto, exemplificadamente e também do mesmo modo de todos quantos através de cerca de cinquenta anos de expiação perderam batalhas, mas nunca perderam a guerra.
Várias gerações se sucederam no transcurso da nossa dramática evolução. Os velhos republicanos que são a nossa saudade, os intelectuais que jamais se demitiram, a unidade de gerações para quem as idades não contavam porque o que se sobrepunha era o amor à nossa Pátria e. às suas franquias populares.
Nas cadeias, nas deportações e nos exílios, quatro gerações foram martirizadas e muitas delas frustradas.
Vejo desfilar à minha frente Bernardino Machado, Afonso Costa, José Domingues dos Santos, Hélder Ribeiro, que hoje andariam à volta ou já teriam ultrapassado os 90 anos; igualmente vejo desfilar à minha frente os meus companheiros do exílio de Espanha e os clandestinos no interior do País - João Soares, Nuno Cruz, Sarmento Beires, Utra Machado, Cunha Leal, Francisco Aragão, João Pedro dos Santos; o escol expresso nos exilados de Paris, significativamente simbolizados em Sérgio e Raul Proença; a minha geração sobre a qual tenho muita dificuldade em distinguir, mas que posso sem favor arrancar do meu coração e da minha inteligência Carlos Cari Brandão, e toda a teoria dos mortos do Tarrafal e dos vivos, de que temos entre nós, como membros desta Assembleia, os exemplos de Francisco Miguel e Edmundo Pedro, militando em partidos diferentes; outra teoria, a de todos os trabalhadores, de todos os estudantes que constituem a certeza de que jamais fomos vencidos.
É este o 25 de Abril que quero comemorar com um apelo com que termino estas palavras.
Há muita gente neste país interessada em perverter o surto da nossa Revolução, pela intriga, pela ambição e pelo messianismo. Quanto a este particular, a democracia não se constrói com messias, mas sim com o jogo constitucional, harmónico e legalista, com. o respeito pelas ideias dos outros, pela dignidade pessoal e política, porque, se a desgraça nos batesse à porta e se não tivéssemos forças para a dominar, uma nova história macabra se escreveria neste País e nela se inseririam os que não desistiriam e percorreriam de novo as estradas do martírio, e os outros que, uma vez na adversidade, ou se acomodavam ou pretendiam ultrapassá4a.
Pois bem, vamos serenar os nervos, dominar as emoções, estancar os ímpetos, deixar passar a caravana. Vamos agarrar este quadrilátero medieval que é a nossa Pátria de hoje e vamos acreditar nas virtualidades do povo português.
E com essa confiança, comemorando esta data emocional e festiva, vamos construir o futuro, e só não o construiremos se nos negarmos a nós próprios e se trairmos as indicações da história, tão doridamente vivida nas décadas e centúrias da nossa existência viril.

Minhas senhoras e meus senhores, não estão nestas palavras somente o coração, mas também a inteligência.
Com o coração e a inteligência não regressaremos ao passado, e a Revolução de Abril passará à história como uma afirmação desenvolta de um povo livre e democrático.

Aplausos gerais.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Antes de conceder a palavra ao representante da União Democrática Popular, quero dar conhecimento a todos vós do telegrama que agora recebi dos Srs. Deputados que se encontram em serviço na Assembleia da Europa:

Os Deputados de todos os partidos representados na Assembleia da Europa saúdam na pessoa do Sr. Presidente da Assembleia da República a Revolução libertadora do 25 de Abril e pedem para se transmitir a todos os colegas a expressão deste nosso sentimento.

Tem a palavra o Sr. Deputado Acácio Barreiros, representante da União Democrática Popular.

O Sr. Acácio Barreiros (UDP): - Sr. Presidente da República, Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Conselho da Revolução, Srs. Convidados, Srs. Deputados: Na passagem do 4.º aniversário do 25 de Abril nós queremos recordar com entusiasmo e emoção os heróis da resistência antifascista e deixar aqui expresso um testemunho de gratidão, uma saudação muito calorosa aos capitães do 25 de Abril de 1974.
São passados quatro anos depois de Abril: quatro anos de grandes jornadas de luta, de inesquecíveis lágrimas de alegria, de muitas horas de sacrifícios e trabalho devotado.
Talvez que nas primeiras horas de Abril poucos tivessem consciência clara do descalabro económico, político e cultural a que o fascismo tinha conduzido o nosso querido Portugal. Mas a dura realidade é que quarenta e oito anos de ditadura nos legaram um Portugal incapaz de produzir o seu próprio pão, uma economia feita à medida de meia dúzia de tubarões capitalistas e em grande parte reduzido a uma coutada onde os estrangeiros faziam lei e enriqueciam a seu bel-prazer.
Aliás, a reacção, encolhendo-se diante do primeiro ímpeto popular, esperava que, passado este, o povo desanimasse diante das dificuldades e, rendido, baixasse as bandeiras de Abril. Esperava, mas enganou-se. Com coragem, com determinação e até com raiva, todo o povo se lançou no esforço grandioso de fazer um Portugal diferente. 0 Alentejo cobria-se com o verde de searas em terras onde o mato chegou a ser arrancado com as próprias mãos; numerosas empresas sabotadas foram mantidas em laboração graças ao esforço dos seus trabalhadores, que chegaram a passar meses a fio sem receber salários; a banca foi nacionalizada, permitindo impedir que se continuasse a sangrar o País com a fuga de milhões de contos; vários sectores são nacionalizados; os trabalhadores alargam constantemente o controle operário para melhorar a produção e impedir as sabotagens. Entretanto defendia-se o novo Portugal nas

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barricadas do 28 de Setembro e do 11 de Março e em S. Bento arrancava-se uma Constituição que, consagrando muito, desse esforço generoso dos trabalhadores, apontava como meta dessa obra grandiosa o socialismo. Em tão pouco tempo construiu-se tanta coisa que dificilmente encontraremos na nossa história tamanhos exemplos de grandeza.
Por isso hoje, quatro anos depois de Abril, o povo não pode deixar de se sentir ferido quando os nossos governantes vêm dizer-nos que tudo está mal feito, que Portugal está cada vez mais próximo de um abismo, que as finanças estão na miséria, que os preços têm forçosamente de continuar a subir, que só a boa vontade dos estrangeiros nos pode salvar com os seus empréstimos milagrosos.
Mas, francamente, meus senhores, havemos de concordar que é difícil de explicar essa onda
pessimismo que espalhais? Afinal, não será verdade que hoje as condições são melhores que há quatro anos? Não será verdade que hoje temos um Alentejo produtivo em vez de coutadas e da miséria de há quatro anos? Não será verdade que hoje temos uma banca nacionalizada, capaz de pôr em ordem a economia, em vez dos bancos de meia dúzia de tubarões de há quatro anos?

O Sr. Cunha Simões (CDS): - Não, não é verdade!

O Orador- - Não será verdade que hoje um governo neste país pode marear níveis e orientar a produção apoiando-se no contrôle dos trabalhadores, enquanto há quatro anos o governo só podia fazer votos piedosos que os capitalistas só cumpriam se lhes apetecesse? E, finalmente, não será verdade que hoje ternos uma Constituição maioritariamente aprovada e que aponta metas claras a atingir?
Sendo assim, então porque. é que tudo está pior? Afinal porquê as sucessivas lamentações de sucessivos Ministros? Centenas de milhares de trabalhadores seriam capazes de responder a esta questão. 0 que está mal é que, em vez de se apoiar a Reforma Agrária, ataca-se, cortando créditos, entregando reservas, comprometendo, assim, o esforço dos trabalhadores. 0 que está mal é que, em vez de se criarem circuitos comerciais, sobem-se os preços para engordar os intermediários. 0 que está mal é que a banca nacionalizada anda a encher os seus cofres de dinheiro, recusando créditos, para amanhã ir pôr esse dinheiro nos bolsos dos grandes monopolistas sob a forma de indemnizações. 0 que está mal é que estamos a importar do estrangeiro muita coisa, sobretudo bens alimentares, que se podiam produzir cá, e fazemos isso só para que o imperialismo não se aborreça. 0 que está mal é andarem a pedir sacrifícios ao povo, e o povo a ver os ricos cada vez mais ricos, e os bancos a prepararem dinheiro para pagar as indemnizações aos grandes monopolistas. 0 que está mal, é preciso dizê-lo com toda a firmeza, é que sobretudo depois do 25 de Novembro se. tem acentuado neste país a política de fazer do Portugal de Abril um Portugal onde caibam os inimigos de Abril. Pretende-se fazer da Reforma Agrária uma reforma agrária onde caibam os latifundiários e os seus milhões de contos de indemnizações; das nacionalizações umas nacionalizações que agradem aos Melos, aos Champalimauds e demais tubarões capitalistas; da política de preços uma política que agrade aos

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grandes intermediários; da própria Constituição, com os seus objectivos socialistas, uma Constituição igual à dos países capitalistas da Europa; das nossas forças armadas umas forças armadas onde caibam os spinolistas e mesmo os oficiais saneados com o 25 de Abril e onde não caibam os oficiais de Abril.

Por isso há que dizer hoje com toda a clareza que o que está mal, o que está a falhar no Portugal de Abril é que se esteja em grande parte a governar contra as conquistas populares, que são elas mesmas es alicerces de um Portugal novo. 0 que está errado não é, nem podia ser, o 25 de Abril, mas sim os ataques ao 25 de Abril. Aliás nem outra coisa seria de esperar. Se muitos trabalhadores conseguiram melhorar a sua vida na luta contra os monopólios, uma política que ceda diante das exigências dos monopólios tem evidentemente como consequência crescentes dificuldades para os trabalhadores.

Mas reparai, reparai bem, ao que conduziu esta política de ir cedendo diante da reacção à espera que ela se acalmasse. A reacção, que aplaudiu cada uma das desocupações no Alentejo e cada corte de crédito que foi feito às cooperativas, surge hoje a exigir toda a terra para os latifundiários.

A reacção e o fascismo, que aplaudiram cada pide e cada bombista escandalosamente libertado, surgem hoje a exigir o julgamento do próprio Primeiro-Ministro, como fez o fascista Kaúlza de Arriaga. A reacção, que aplaudiu delirantemente o afastamento de cada um dos oficiais de Abril, surge hoje a exigir o afastamento dos últimos, ao mesmo tempo que por detrás da conversa das hierarquias exige que o comando das forças armadas seja entregue aos velhos Pinochets do fascismo e da guerra colonial. A reacção, que aplaudiu cada uma das leis que foram feitas contra a Constituição, surge hoje, em nome dessas leis, a exigir que se rasgue a própria Constituição. E hoje aí está ela, onde é maioria, a recusar-se a celebrar o próprio 25 de Abril, como aconteceu escandalosamente na Assembleia Regional da Madeira.

No fundo a reacção hoje procura lançar sobre o 25 de Abril e sobre a Constituição as culpas pelos resultados desastrosos de uma política que tem sido feita em grande parte contra o 25 de Abril e contra a Constituição.

A reacção, beneficiando hoje com a benevolência com que foi tratada, conspira e actua cada vez mais abertamente.

Da mesma forma que os fascistas aproveitaram a benevolência com que foram tratados pela 1 República para a esmagarem e porem Salazar no Poder. E, hoje, como então, aí está toda a reacção à volta de Kaffiza e de Sá Carneiro ...

Vozes do PSD: - Não apoiado!

O Orador: -... a fazer apelos, dizendo que é preciso encontrar um chefe capaz de salvar Portugal. Há cinquenta anos o chefe que os fascistas encontraram foi Salazar, não para salvar Portugal, mas para enriquecer meia dúzia de monopolistas à custa da fome e da escravidão de todo um povo.

As campanhas dos fascistas não ficam evidentemente só nas palavras, mas começam a crescer de

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violência sobretudo nas regiões autónomas, onde contam com a complacência dos Governos Regionais.

Vozes do PSD: - Não apoiado!

O Orador: - A acção criminosa dos grupos separatistas, dos bombistas e das juventudes fascistas nas escolas em nada se distingue da das juventudes de Mussolini, das juventudes hitlerianas na Alemanha ou dos grupos terroristas no Chile, que com a sua acção prepararam o assalto sanguinário das ditaduras fascistas.

O Sr. Cunha Simões (CDS): - E os terroristas da Baixa da Banheira?

O Orador: - Entretanto a nível militar, como o próprio Conselho da Revolução reconheceu, procura criar-se de novo o clima de há cinquenta anos, que permitiu a Gomes da Costa esmagar a República.

O Sr. Olívio França (PSD): - Não apoiado!

O Orador: - Se fiz este curto paralelo com os dramáticos acontecimentos que permitiram a queda da I República, é apenas para dizer a nossa convicção de que hoje as &orças democráticas e os trabalhadores não permitirão que tal se repita. Se os erros dos republicanos de há cinquenta anos foram uma tragédia, repetir hoje esses erros não passaria de uma farsa.
Saberemos defender o 25 de Abril não só dos seus inimigos, como daqueles que não têm a coragem de o defender.
Saberemos defender Abril com a consciência perfeita de que as declarações antifascistas, embora positivas, por si só não bastam.
A ofensiva contra as conquistas dos trabalhadores, o ciclo ruinoso dos empréstimos estrangeiros, a impunidade dos inimigos da liberdade têm de ser travados. Os trabalhadores sabem que têm de lutar contra quem governa contra eles, pois tem sido à sombra de tal política que a direita fascista tem crescido.
Saberemos defender Abril até porque o povo pobre sabe que, se lhe tirarem o 25 de Abril, nada mais lhe resta. E hoje, que a direita fascista já diz que voltará a descer às ruas para esmagar Abril, é preciso dizer-lhe que, se o fizer, não será a primeira vez que será derrotada, pois já a vencemos a 28 de Setembro e a 11 de Março. A UDP reafirma a sua convicção profunda de que, se for preciso, o povo saberá defender de novo nas barricadas o seu querido 25 de Abril.
Mas, sobretudo, saberemos defender Abril com os olhos postos no futuro.
Seguramente a razão mais profunda que pode irmanar todo o povo num só esforço de gigante para levar o 25 de Abril para a frente reside na consciência de que o 25 de Abril é uma oportunidade, talvez única na nossa história, de sermos verdadeiramente grandes em Portugal. Todos nós sentimos que não podemos perder esta oportunidade de dar aos nossos filhos um Portugal que nos orgulhemos de lhes entregar e eles se orgulhem de receber das nossas mãos.
Lutaremos, pois, com a certeza de quem sabe que um povo que não quer ser esmagado jamais o é, um povo que firmemente quer ser livre sempre o será.

As grandes manifestações populares do 25 de Abril e as próximas grandes jornadas do 1.º de Maio são a prova clara que o 25 de Abril está bem vivo nas mãos do povo. Vemos com alegria crescer entre os trabalhadores e no conjunto do movimento sindical a consciência da necessidade de levar à prática quanto antes a jornada de luta nacional há muito aprovada pela CGTP-Intersindical, como forma de lutar contra que se continue a governar contra o 25 de Abril, atacando as conquistas populares, comprometendo o esforço e o futuro dos trabalhadores.
E hoje que os fascistas despudoradamente apelam ao golpismo, exigem a cabeça dos capitães de Abril e de todos os democratas, ao mesmo tempo que os separatistas atiram para a rua o terror fascista, é mais que tempo de os democratas cerrarem fileiras, apoiando-se de forma decidida na luta e na força dos trabalhadores, alargando as conquistas populares, defendendo com firmeza o projecto constitucional. Aí está a matéria-prima, os alicerces e o fio-de-prumo do futuro de progresso, de paz e de liberdade para o nosso país. Por aí, seguramente, levantaremos a pátria livre e socialista de amanhã. Por aí venceremos os nossos inimigos, bem como os falsos amigos os velhos do Restelo que, apelando ao falso consenso, nos estão sempre a recordar que somos um país pequeno, que não nos é permitido contrariar os grandes senhores do mundo, que nos devemos limitar a ser aquilo que eles nos deixarem ser. Mas os trabalhadores não deixarão que se verguem as bandeiras do seu país diante desses falsos senhores do mundo, não entregarão os seus filhos aos mesmos que nos exploraram durante tantos e tantos anos.
Defenderemos Abril. Levaremos o 25 de Abril à vitória nas mãos do povo que é por quem ele foi feito.
Os trabalhadores, e só os trabalhadores, são os donos do futuro.
Viva o 25 de Abril!
Viva Portugal!
Aplausos do Sr. Deputado Carlos Candal (PS) e de alguns assistentes das galerias.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o representante do Partido Comunista Português.

O Sr. José Vitoriano (PCP): - Sr. Presidente da República, Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr. Primeiro Ministro, Sr. Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Srs. Conselheiros da Revolução, Srs. Ministros, Srs. Deputados, senhoras e senhores: Passa hoje mais um ano sobre a radiosa madrugada de Abril em que o Movimento das Forças Armadas, desde Jogo com a adesão e o apoio das massas populares, saiu à rua para derrubar a ditadura fascista que durante quarenta e oito anos subjugara e duramente oprimira o povo português.
Há quatro anos, os capitães de Abril, com o levantamento militar daquela heróica madrugada, davam o primeiro passo no caminho da liberdade e dos novos rumos da sociedade portuguesa.
Ao comemorarmos solenemente aqui, na Assembleia de República, este 4.º aniversário da Revolução de Abril, querem os saudar do fundo dos nossos corações esses valorosos militares que a ela se entregaram com toda a sua generosidade, emprestando-lhes a coragem e a abnegação próprias dos que abraçam as causas nobres e justas.

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Importa hoje e desta tribuna lembrar e destacar os sentimentos profundos que unem, no amor da 1'berdade e da democracia, esses heróicos oficiais e aqueles que depois se lhes juntaram às mais largas camadas da população portuguesa.

Importa recordar os sentimentos de profunda solidariedade que os unem aos antifascistas, resistentes e mártires da liberdade que durante quarenta e oito anos lutaram pelo fim da opressão e da violência fascistas.

Para as gerações futuras o levantamento militar de Abril será uma lição de patriotismo, um exemplo do amor à liberdade, a garantia de que os ideais do progresso saberão sempre encontrar forças e homens capazes de os levar à prática.

As massas populares encontram hoje, nas comemorações que mobilizam centenas e centenas de milhares de, portugueses por todo o País, a forma de mostrar que o 25 de Abril está presente nos corações e nas vontades como marco e como símbolo da construção de um Portugal democrático e independente e de um futuro melhor.

C, om o 25 de Abril o povo português celebra a conquista da liberdade e da democracia e afirma a sua inquebrantável vontade de as defender.

Celebra as profundas transformações económicas, o caminho da substituição do poder económico dos que sustentaram o fascismo, e com ele a opressão e a violência, por estruturas sócio-económicas que assegurem o desenvolvimento da economia portuguesa para bem do povo e do País. Celebra as novas condições sociais que permitiram a melhoria das condições de vida dos trabalhadores e do povo português a seguir ao 25 de Abril.

Celebra a paz conquistada depois de mais de uma dúzia de anos de guerra injusta contra povos que lutavam também pela sua liberdade e pela sua ind<_. pendência.br='pendência.br'> A celebração de Abril é a um tempo a condenação do regime fascista e a saudação, o apoio e o compromisso dos novos rumos traçados pela Revolução.
Abril opõe-se à opressão, ao esmagamento das liberdades, à limitação dos direitos fundamentais, à marginalizarão dos cidadãos da vida política.
Abril opõe-se à guerra e à violência, ao colonialismo, à opressão sobre outros povos, ao sacrifício do País, dos interesses nacionais e da juventude portuguesa a inconfessáveis interesses do estrangeiro e de minorias privilegiadas.
Opõe-se ao obscurantismo, ao segregacionismo cultural, ao elitismo, ao ensino reservado para uns poucos e condicionado para a grande massa da população.
Opõe-se à miséria e à fome, às degradantes condições de vida, de saúde e de habitação, aos baixos salários, ao abandono da terceira idade, das mães, dos jovens, das crianças, dos diminuídos, dos sinistrados.
Opõe-se aos privilégios económicos e à subordinação dos interesses da Nação e da grande massa do povo português aos interesses mesquinhos de uma minoria de grandes proprietários e monopolistas, à alienação do interesse nacional aos interesses do imperialismo e às suas imposições despóticas.
A "revolução dos cravos" é a revolução da liberdade, da solidariedade, da paz e do futuro.
Os que querem destruir Abril e aspiram à reconstituição dos privilégios de uma pequena minoria de

exploradores do povo português põem em causa essa paz, essa solidariedade, essa liberdade, esse futuro.

Encontramo-nos hoje perante uma nova escalada reaccionária que o País - os órgãos do poder democrático, as forças democráticas e progressistas e todos os que prezam a democracia e a liberdade - têm de enfrentar com coragem e decisão.

A reacção ataca em todo o lado e por todas as formas, não já apenas esta ou aquela conquista de Abril, mas o próprio regime democrático.

É a própria unidade nacional e a integridade da Pátria que está posta em causa e desde logo com o apoio ao separatismo e às acções violentas para o levar à prática.

É a paz e a estabilidade social que são comprometidas com o revanchismo, a intriga, a calúnia, o bombismo, a acção conspirativa.

É a solidariedade nacional que é frontalmente atacada, com campanhas de divisionismo e calúnia, carregadas de ódio.

São as instituições democráticas que são vilipendiadas, órgãos de Soberania objecto de baixas campanhas, a própria democracia assacada de culpas e calúnias contrapostas à promoção de velhas figuras do fascismo.

É a própria Constituição da República e as conquistas, direitos, liberdades e garantias nela consagrados que são contestados com a exigência da sua revisão, fora e contra os mecanismos nela previstos e com campanhas persistentes e corrosivas junto da opinião pública.
À acção desestabilizadora daqueles que querem o regresso ao passado é necessário opor a acção comum, a cooperação, a solidariedade dos que estão do lado da democracia e da liberdade.
A busca de uma alternativa democrática e patriótica deverá ser um objectivo central de todas as forças que se opõem ao regresso ao passado, que se opõem à reconstituição de um poder político e económico que esmagaria as liberdades, traria de novo a opressão e a miséria ao nosso povo, comprometeria o desenvolvimento económico, a independência nacional, a integridade da Pátria.
Uma alternativa que contenha em si a defesa de todas as grandes conquistas da Revolução, que respeite e consolide a Reforma Agrária e as nacionalizações, que estimule a participação criadora dos trabalhadores e o contr61e de gestão, que respeite os interesses e direitos dos trabalhadores, que atenda às suas reivindicações mais instantes, bem como às reivindicações de outros estratos importantes da população, como os pequenos e médios agricultores, industriais e comerciantes, os reformados, os jovens, etc., uma política, em suma, que no caminho de Abril se enquadre plenamente no respeito da Constituição da República, uma tal política isolará de vez os inimigos da democracia, dará forma o consolidará as mais profundas aspirações dos Portugueses - a paz, o bem-estar, o progresso social, um futuro melhor no rumo do socialismo.
Estamos certos de que tal política congregará o apoio e a adesão dos trabalhadores portugueses, será capaz de mobilizar a imensa maioria do povo português e encontrará na sua capacidade criadora e no seu empenho as forças necessárias para ser levada à prática.

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0 PCP reafirma hoje e mais uma vez a sua disposição e disponibilidade para examinar todos os problemas nacionais com outras foiças democráticas e patrióticas e encontrar, na unidade de objectivos e na solidariedade da acção, as formas adequadas à defesa e consolidação do regime democrático.
Solidários com todas as vítimas da violência fascista, com todas as vitimas do terrorismo e do separatismo, fazemos votos sinceros, na data em que se comemoram quatro anos da Revolução de Abril, para que todos aqueles que não querem regressar ao 24 de Abril se unam debaixo da bandeira da democracia e da Constituição e oponham uma barreira intransponível à ofensiva reaccionária.

Aplausos do PCP, do PS e dos Deputados independentes presentes.

A paz, a liberdade, a independência nacional, a integridade da Pátria, são hoje, perante os ataques desenvolvidos contra o regime democrático saído da Revolução de Abril, factores de coesão e unidade que encontram e encontrarão profundo eco no povo português, que permitirão mobilizá-lo, num projecto de reconstrução nacional, de resolução dos graves problemas nacionais.
Da nossa parte, afirmando que não nos pouparemos a esforços para realizar tais objectivos, queremos expressar a nossa completa confiança e certeza de que Abril, os seus ideais e as suas conquistas estão bem vivos no coração dos Portugueses e de que, contra todas as ameaças, serão defendidos.
Viva Portugal!

Aplausos do PCP, do PS e dos Deputados independentes presentes.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o representante do Partido do Centro Democrático Social.

O Sr. Oliveira Dias (CDS): - Sr. Presidente da República, Sr. Presidente e Srs. Deputados: Os quatro anos que vivemos a partir de 25 de Abril de 1974 não nos permitem - porque são poucos e porque têm sido intensos- a distância necessária para pretendermos escrever ou dizer já aquilo que na história há-de ficar.

Tenho, porém, a certeza de que a data que hoje celebramos há-de sempre encabeçar um capitulo diferente da história de Portugal. Capítulo em que hão-de figurar deliberações tomadas nesta Casa e as suas consequências, em que hão-de ser referidas personalidades hoje aqui presentes; em que aquilo que no dia a dia nos apaixona, com tonalidades de entusiasmo ou de desgosto, em regra terá desaparecido, na medida em que uma coisa são os sentimentos apaixonados dos homens e outra são ou serão os juízos rigorosos da história.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Mas o tempo há-de confirmar o sentido das comemorações que esta Assembleia hoje renova.
Na história de oito séculos da nossa Pátria, abriu-se um capítulo novo, naquela madrugada da Revolução e nos dias de deslumbramento que se lhe seguiram.

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Foram dias em que um povo inteiro passou da cor baça da descrença e da angústia para a felicidade das perspectivas de paz e para o encanto dos horizontes da Primavera em Portugal.

O Sr. Amaro da Costa (CDS): - Muito bem!

O Orador. - Era a liberdade!
Porém, Portugal - mesmo depois de concentrado no rectângulo da Europa, nos Açores e na Madeira e na presença singular em Macau - não é tão pequeno como um canteiro em que alguém semeia e em que só cresce unia espécie de flores, todas da mesma cor.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Num país, mesmo pequeno, uma flor só não é a Primavera, e apenas uma cor não pode exprimir a liberdade. (Aplausos do CDS e de alguns Deputados do PS.) "Liberdade, cor do homem" - como dizia André Breton -, isto é, o direito e o dever que cada homem tem de ter e de aparecer com a sua própria cor.
Era a liberdade que, tal como prometia o manifesto do 25 de Abril, não pode deixar de ser entendida como causa e efeito da justiça.
Liberdade que é sin6ninio de responsabilidade, que como tal a vemos, uns nos outros -e os outros e a história hão-de ver em nós.
Causa e efeito de justiça, não só entendida como respeito por um ordenamento jurídico adequado, mas, para além disso, concretizada nos direitos da pessoa humana, vivendo numa sociedade moderna e justa, tal como as declarações internacionais os definiram e a Constituição Portuguesa os acolheu.

Vozes do CDS:- Muito bem!

O Orador: - Responsabilidade que devemos querer e teremos de assumir, perante Portugal e o mundo, hoje e na história.
Tenho consciência de que continuam sem resposta satisfatória muitas das perguntas que o Sr. Presidente da República nos dirigiu aqui, faz hoje um ano. Nessa sessão, como desde que foi eleito, o Sr. General Ramalho Eanes falou, como lhe cumpre, em nome do povo que lhe atribuiu o seu mandato, com uma firmeza a que, por nós, não deixaremos de prestar, de novo, a mais convicta homenagem.

Aplausos do PS, CDS, Governo e alguns Deputados do PSD.

Perguntas claras e tão exigentes, como eram e são os requisitos e as acções necessários para dar cumprimento integral às promessas do 25 de Abril. Respostas necessárias, que desafiam a capacidade dos homens e a complexidade dos mecanismos de deliberação e de execução da orgânica do Estado; que não poupam a ninguém a obrigação de um empenhamento pessoal para as construir; em relação às quais, na complexidade, dos tempos, mesmo as medidas acertadas, como muitas das que já foram decididas, requerem muito esforço e algum tempo para que se vejam e se vivam as suas consequências positivas.

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Muitas dessas perguntas continuam sem resposta satisfatória. A justiça está longe de poder considerar-se assegurada, a liberdade - em zonas cada vez menores, mas ainda importantes do território nacional continua ameaçada; a vida é difícil, o povo queixa-se e o desânimo tolda o olhar das famílias e das pessoas, atenua a luz e carrega as sombras.
0 CDS tem plena consciência da gravidade da crise que Portugal atravessa - chamou inúmeras vezes as atenções para a sua iminência sem que lhe dessem ouvidos - e conhece bem as repercussões que ela tem na vida da enorme maioria dos portugueses.
Vivemos, de facto, tempos difíceis!
Mas não é nos tempos fáceis, nem é fugindo às dificuldades que os homens, as instituições e os povos dão provas daquilo que são, que valem ou que merecem.

Vozes do CDS:- Muito bem!

O Orador. - E das dificuldades há ilações que não é legítimo extrair nem propagandear.
Não é legítimo, nem honesto, que quem é mais responsável pela crise económica em que vivemos intente aproveitar-se agora das consequências daquilo que fez, ou mandou fazer, para pretender captar o descontentamento de um povo que sofre, tentando mais uma vez voltá-lo contra o caminho da sua própria sobrevivência.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Não é legítimo, nem racional, atribuir à liberdade, ou ao 25 de Abril, ou ao povo, as consequências destruidoras de um processo diferente, que no movimento democrático dos militares se enxertou; que pretendeu repetir, e em muitos passos repetiu, em Portugal o desenvolvimento da estratégia das vanguardas revolucionárias, que em toda a parte onde foram experimentadas - e em Portugal também não só não resolveram os problemas dos povos que a sofreram, como atraiçoaram sempre qualquer ideal de quem a tenha aceite como método para alcançar objectivos generosos.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Não é legítimo, nem racional, atribuir ao 25 de Abril ou à liberdade as culpas de um processo diferente, que sobretudo até 25 de Novembro de 1975 - submergiu os ideais e as promessas e asfixiou a liberdade que o povo português esperava, que merecia e merece, e que soube defender heroicamente, contra a intoxicação mais profunda, as ameaças mais torpes e os atentados mais graves de que foi vítima.

Vozes do CDS. - Muito bem!

O Orador: - Não é legítimo, nem respeita a dignidade humana, não corresponde às evidências que nos apresenta a conjuntura nacional e internacional, pensar ou pretender que a resolução das nossas dificuldades deva procurar-se de novo pela força, caçando bruxas, enchendo prisões, vingando agravos com novas injustiças, procurando novas vitimas. Em suma, e para falar claramente, não é legítimo, não respeita a dignidade humana, não corresponde às evidências e é

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um insulto aos Portugueses e uma traição a Portugal apontar como caminho para a resolução das dificuldades o apelo ou o incentivo à ditadura, seja quem for, diga o que disser o pretendido ditador, parta de ou de partir o seu cavalo ou a sua galera.

Aplausos do PS, PSD, CDS e Governo.

Aquilo que os Portugueses sofrem não é inédito!
Basta lembrarmo-nos daquilo que se passou na Europa toda - e em Portugal também - durante e no fim da última guerra mundial; daquilo que então faltava a quase toda a gente e que, apesar de tudo, hoje há para quase todos; do que nos contavam os refugiados dos países em guerra; daquilo que se via pela Europa adiante, anos ainda depois de assinada a paz.
E poderíamos correr o mundo martirizado, para vermos como, em poucos anos, situações muito mais graves do que aquela que sofremos agora foram superadas pelo esforço, pelo trabalho dos povos, pela solidariedade nacional e internacional.
Portugal, arruinado, não tinha ainda percebido bem a situação em que se encontra.
As consequências da crise são dolorosas para toda a gente - excepto para as aves de rapina, que aparecem sempre nas horas más e que é preciso abastar.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador:- Porém, quando outros povos venceram dificuldades maiores, os Portugueses hão-de também ser capazes de vencer as suas.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - E para isso não é preciso vender a independência nem a dignidade nacionais. Nem é preciso escondermo-nos no nosso orgulho ferido, fugindo das mãos que, lealmente, nos quiserem ajudar.
A aposta europeia de Portugal não colide em nada com o mais genuíno portuguesismo, como não feriu a personalidade própria dos povos já associados no Mercado Comum. Colide, sim, é com os nossos complexos de país atrasado na Europa, com a preguiça, com a desorganização e a incompetência, quando temos de trabalhar aqui, pelo menos, tanto e tão bem como trabalham os nossos emigrantes.

Vozes do CDS. - Muito bem!

O Orador: - Portugal europeu é possível se os Portugueses quiserem, em liberdade e graças ao 25 de Abril.
Nada disso é possível se as instituições democráticas forem subvertidas e alguém pretender obrigar os Portugueses a fazer à força aquilo que, em liberdade, ainda não conseguiram. Mas podem conseguir e querem conseguir.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Quatro anos volvidos, esta a perspectiva que o 25 de Abril abriu aos Portugueses que a Europa olha com admiração, por terem repelido uma ditadura velha e logo outra ditadura, que

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aparecia de novo, mas era ainda mais velha do que aquela em que a maior parte de nós nascemos.

Vozes do CDS:- Muito bem!

O Orador: - Em 25 de Abril de 1978, experimentado por tudo quanto já passou, enfrentando com determinação a dureza do trabalho e qualquer ameaça às instituições democráticas entretanto criadas, o povo português defenderá a sua liberdade e alcançará a justiça e os padrões de vida a que tem direito.
Este o sentido da posição que o CDS assume na actual conjuntura política e económica.
Hoje, na nossa opinião, esta a melhor homenagem aos homens que fizeram o 25 de Abril e aos que, entretanto, o defenderam de todos os enganos, ameaças e traições.

Vozes do CDS:- Muito bem!

O Orador:- 0 CDS acredita que Portugal livre pode contar com os Portugueses. Com as instituições democráticas, o povo português afirmará de novo a sua capacidade perante o Mundo e perante a História, perante a memória daqueles portugueses de outros tempos que tantas vezes venceram dificuldades e dúvidas muito mais graves do que aquelas que se nos deparam.
0 CDS acredita que o povo português saberá sempre distinguir as propostas sérias dos jogos fátuos. Tudo está nas suas mãos e por isso o povo terá o que merece.
Portugal livre vencerá!

Aplausos do PS, CDS e Governo.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o representante do Partido Social-Democrata.

O Sr. Moura Guedes (PSD):- Sr. Presidente da República, Sr. Presidente da Assembleia da República, Srs. Deputados, minhas senhoras e meus senhores:
Quase cinquenta anos de opressão e de injustiça não conseguiram sufocar no povo português a força irreprimível e transfiguradora da esperança.
Por isso o 25 de Abril foi possível.
Foi nessa esperança que pegou em armas numa madrugada de Abril e que, num impulso irresistível, levou de arrancada, à sua frente, as barreiras podres da ditadura e do colonialismo. E o País pôde redescobrir os horizontes vastos do Mundo e, no espaço livre de si mesmo, reencontrar-se consigo e com a sua história.
Não foi preciso, felizmente, que a manhã gloriosa da liberdade que assim nascia houvesse de ser baptizada em sangue.
E.Ia já vinha baptizada no sofrimento e na luta, no heroísmo e na determinação dos muitos homens livres que, ao longo de décadas e provindos de todos os quadrantes ideológicos, haviam sabido ser a resistência ao regime, batendo-se em todas as frentes, pela democracia, com a indómita coragem que só o amor à liberdade sabe emprestar aos homens.
Quando em 1975 essa liberdade voltou a estar ameaçada e o País se encontrou na iminência de uma nova ditadura, foi, de novo, a força irreprimível

e transfiguradora da esperança que fez levantar o povo português de norte a sul do País, e foi esse povo, com o apoio decidido de militares, que conseguiu despedaçar as muralhas de aço do novo totalitarismo em que pretendiam encerrá-lo, permitindo, deste modo, que a democracia pudesse ser institucionalizada em Portugal.

O Sr. Anatólio Vasconcelos (PSD): - Muito bem!

O Orador:- Foi assim que pudemos fazer uma Constituição, escolher livremente os representantes do povo à Assembleia Legislativa, eleger um Presidente da República, designar democraticamente os órgãos das autarquias locais, lançar, em suma, os alicerces, porventura ainda não suficientemente sólidos, de um Estado de direito.
Toda esta estrutura formal da democracia que conseguimos estabelecer, não sem custo, se é importante e indispensável, não chega, por si só, para assegurar a realidade de uma autêntica e límpida vivência democrática. A democracia pode mesmo extinguir-se, subsistindo embora as suas instituições formais, os seus rótulos e os seus ritos, se ao reconhecimento jurídico dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos não corresponder uma prática que traduza o efectivo respeito pelo seu exercício.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador. - Se esse desfasamento viesse a ocorrer, estaríamos caídos no farisaísmo democrático dos sepulcros caiados ...

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador. - Esse é um perigo real com que nos defrontamos neste momento, quando vemos entidades políticas, que deveriam ser altamente responsáveis, alinhar numa autêntica campanha difamatória desencadeada por alguns partidos políticos o certa imprensa contra aqueles que se limitam a exercitar o legítimo direito de crítica em relação aos órgãos de Soberania, crítica essa exercida em nome, na defesa e na prática da democracia.

Aplausos do PSD.

Vozes do PS: - Não apoiado!

O Orador: - Se o exercício desse direito de livre crítica, dirigida a quem quer que fosse, viesse a ser cerceado através de uma censura política, a democracia passaria a estar em perigo.
Nós, sociais-democratas, não permitiremos que isso aconteça.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Com todas as dúvidas e perplexidades que factos deste tipo nos suscitam, perguntemo-nos: Ao fim & quatro anos de caminhada, teremos avançado, substancialmente, em direcção a esse "país novo" que queríamos alcançar? Esse país "mais livre, mais justo e mais fraterno"?
É com mágoa que temos de reconhecer que ainda não. Esse país de bem-estar para todos, esse país de

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justiça e de paz, construído na liberdade, está ainda distante da realidade nacional.
Tão longe que já muitos (e esse é o drama nacional) começam a duvidar mesmo da própria viabilidade desse "país novo", perguntando-se a si próprios se ele não será apenas mais uma daquelas ridentes miragens que, ao sumirem-se, acabam por deixar o deserto ainda mais deserto.
Tem faltado e continua a faltar ao País um projecto global que permita enfrentar a gravíssima crise que vivemos, também ela de carácter global.
Parece evidente que só, essa solução política, económica, social e cultural terá eficácia para ultrapassar a crise. Tudo o mais estará condenado ao fracasso.
Continua a não se ver surgir na nossa vida política esse projecto equilibrado, justo e realista, de salvação nacional que as circunstâncias exigiriam.
Nem o País se dá conta de quaisquer esforços, desenvolvidos por quem de direito, nos quadros constitucionais, no sentido de se verem criadas as condições mínimas favoráveis ao aparecimento de um projecto deste tipo, que, dispondo à partida de uma ampla base de apoio, seria seguramente capaz de mobilizar a grande maioria dos portugueses.
A falta de imaginação ou de vontade política continua, assim, a bloquear a solução dos problemas gravíssimos com que Portugal se defronta.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Como o PSD tem vindo insistentemente a acentuar, é alarmante a situação do País.
A situação económica e financeira continua a agravar-se cada vez mais, sem que se defina uma estratégia coerente de ataque à crise.
Os preços sobem assustadoramente e o custo de vida torna-se insuportável para os mais desfavorecidos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A política de severa austeridade que se impõe aos cidadãos não tem qualquer correspondência numa correlativa e moralizadora exigência de austeridade pública, prosseguindo assim o escândalo das despesas sumptuárias do Governo e de outras entidades.

Vozes do PSD: - Muito bem!

Vozes do PS: - Não apoiado!

O Orador: - A maior parte dos meios de comunicação pertencentes ao Estado continua a ser instrumentalizada pelos partidos do Governo, em flagrante violação da Constituição.

Vozes do PSD: - Muito bem!

Vozes do PS: - Não apoiado!

O Orador: - Alastra a corrupção, o nepotismo, a droga, a violência e a criminalidade.

O Sr. Octávio Pato (PCP): - E a conspiração!

O Orador: - Aumenta o número de desempregados e de famílias sem habitação.

Para os estudantes não se vislumbra futuro.
Para os portugueses da terceira idade e para os beneficiários da segurança social não se vislumbra presente.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador. - A Administração continua paralisada; o Estado endivida-se, a dependência nacional é cada vez maior.
Tudo isto sem que surja um projecto nacional mobilizador e o impulso necessário para o executar.

O Sr. Aboim Inglês (PCP): - Está na Constituição!

O Orador: - Perante isto, aumenta, como seria inevitável, o descontentamento.
Escreveu Fernando Pessoa: "Ser descontente é ser homem."
0 descontentamento exprime a legitima atitude de desagrado de um homem livre perante uma realidade social degradada que lhe pretendem impor em termos de vida.
Já há um ano o Sr. Presidente da República advertiu nesta Câmara o País para esse desencanto, formulando então toda uma série de perguntas importantes, que, a serem respondidas pelos condutores dos destinos do País, nos permitiriam uma mais correcta avaliação dos males que afligem a Nação Portuguesa.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Por que continuam sem resposta essas perguntas?
Como a febre, o descontentamento é um sintoma; o mal não está nele mesmo, mas na doença que revela: o fracasso das fórmulas em que tem vindo a assentar a composição do Governo.
Esse o problema para o qual o povo português, através dos legítimos órgãos de Soberania competentes para o efeito, terá de encontrar, mais dia menos dia, remédio satisfatório, dentro do quadro das soluções constitucionais.

Vozes do PS: - Ah, ah, ah!...

O Orador: - Não duvidamos de que essa solução virá a ser encontrada, porque em democracia, e é essa uma das suas maiores virtudes, há sempre alternativas de solução democrática.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente da República:
Quatro anos são simultaneamente muito pouco tempo e muito tempo na vida de um povo.
São muito pouco tempo para erradicar hábitos de mentalidade e comportamento herdados do passado.
São muito tempo para que um país se permita dissipá-los ingloriamente, em inconsequentes aventuras e em desgastantes experiências de ineficácia.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - 0 período anarco-populista que atravessámos, em delírio, corrompeu e dissolveu de alguma forma as nossas estruturas morais e culturais.

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0 gonçalvismo, com a sua política de terra queimada, destruiu deliberadamente grande parte das estruturas económicas produtivas, agravando a manifesta debilidade que as mesmas já revelavam anteriormente e criando condições estruturais difíceis ao relançamento da nossa economia.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Os I e II Governos Constitucionais, com a sua inoperância e a sua incapacidade, têm vindo a corroer esse outro factor importante da recuperação nacional que é a confiança dos Portugueses nas promessas do 25 de Abril e a esperança na própria democracia e nas suas instituições.

Vozes do PSD: - Muito bem!

Vozes do PS: - Não apoiado!

O Orador: - Embora compreendendo as razões do desencanto de muitos, o Partido Social-Democrata não os acompanha nessa atitude de desalento.
0 PSD continua a acreditar no 25 de Abril e quer afirmá-lo por forma bem clara nesta tribuna ...

Risos do PS e PCP.

... porque, não obstante a indesmentível gravidade da situação que o País vive, acredita que o povo português saberá encontrar os caminhos certos e democráticos para sair dela.

Vozes do PSD: Muito bem!

O Orador: - 0 PSD não vota contra a esperança.
O PSD sabe que, como disse um dia Rui Barbosa, "a pior das democracias é sempre preferível à melhor das ditaduras".

Aplausos do PSD.

Ao assumir com clareza o seu papel de oposição democrática, o PSD tem a consciência de estar, desse modo, a servir o País e a edificação da democracia.
Começará por servir esses objectivos, com firme sentido de responsabilidade, no espaço político desta Assembleia em que se encontra representado pela vontade do povo.
Lutará aqui pelo aperfeiçoamento do Estado de direito democrático em que queremos viver.
15to passa pele regulamentação e cumprimento imediato, que exigiremos, das Leis da Reforma Agrária e do Arrendamento Rural, Delimitação dos Sectores Públicos t Privado e das Indemnizações.

O Sr. Jerónimo de Sonsa (PCP): - E o combate ao separatismo!

O Orador: - Há que aprovar, com urgência, os planos para a concretização da autonomia das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Há que votar, nesta Assembleia, diplomas excepcionalmente importantes para a vida do País, como são a ratificação da Convenção Europeia

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dos Direitos do Homem e protocolos adicionais; as leis da Uberdade de ensino, da rádio e TV, das associações. sindicais, do seguro agrícola, das finanças locais, da regulamentação da concorrência, da defesa nacional e Lei Eleitoral.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Servir a democracia terá de ser, antes de mais nada, procurar dotá-la daquele indispensável travejamento jurídico que, regulamentando, a todos os níveis,. a vida de relação, possa defender os cidadãos contra o arbítrio e a prepotência, que acabam sempre por sobrevir na falta de lei claramente expressa.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Servir a democracia terá de ser ouvir atentamente as sugestões e as criticas do povo e procurar dar-lhes expressão no debate político e na formulação das leis.
Servir a democracia terá de ser paira um partido de oposição democrática, como claramente somos, fiscalizar a acção do Executivo e apreciar criticamente a actuação de todos os órgãos de Soberania, exigindo que os seus comportamentos políticos se conformem com a vontade nacional e os interesses do País, virados para a defesa do bem-estar e da liberdade dos Portugueses.

Aplausos do PSD.

Procuraremos servir a democracia dessa forma, com a consciência de que a construção de uma sociedade democrática é tarefa que não termina nunca, porque a democracia é dinamismo, adaptação constante à permanente mobilidade da vida social, futuro a construir, caminho sempre à frente dos olhos, e que, por ser tudo isso, não se compadece com o dogmatismo das verdades imutáveis e pré-fabricadas.

Vozes do PSD:- Muito bem!

O Orador:- Ao comemorarmos, com sinceridade e emoção, o 25 de Abril, o PSD quer afirmar, aqui e agora, pela minha voz, que o 25 de Abril, como tarefa de construção de um "país novo", está ainda por concluir.
Teremos de ser nós todos, democratas, a concluí-lo.
A isso, nos comprometemos perante o povo português e saberemos honrar a nossa palavra.
Tenho dito.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente:- Tem a palavra o representante do Partido Socialista.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Sr. Presidente da República, Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr. Primeiro-Ministro, Sr. Presidente do Supremo Tribunal do Justiça, Srs. Conselheiros da Revolução, Srs. Deputados, minhas senhoras e meus senhores:
Neste dia, que é o dia da liberdade, o Partido Socialista saúda o general Ramalho Eanes, Presidente da República livremente eleito pelo povo português,

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símbolo da unidade nacional - e garante dos ideais do 25 de Abril, consagrados na Constituição.

Aplausos, de pé, do PS, PSD, CDS, PCP, Deputados independentes e Governo.

0 Partida Socialista saúda o Conselho da Revolução e, nas pessoas dos conselheiros aqui presentes, saúda os militares que em 25 de Abril de 1974, resgatando a honra das forças armadas, derrubaram um regime ilegítimo e restituíram ao povo português a liberdade, a dignidade cívica e o próprio exercício da soberania nacional.

Aplausos do PS, PCP, UDP, Deputados independentes, alguns Deputados do PSD e CDS e Governo.

0 Partido Socialista saúda o Governo presidido por Mário Soares, Governo democrático e legítimo, Governo de solidariedade nacional, que está a fazer um esforço patriótico para vencer a crise e salvaguardar as conquistas do 25 de Abril.

Aplausos do PS e CDS.

0 Partido Socialista evoca com especial emoção a resistência antifascista portuguesa, que, ao longo de quarenta e oito anos de ditadura, apesar do terror o da perseguição, da censura e da polícia política, das prisões e dos campos de concentração, das torturas, dos exílios, dos assassinatos, nunca se rendeu e nunca se vergou, lutando sem desfalecimentos pela causa da liberdade e da justiça.
Foi ela, a resistência, hoje tão esquecida e vilipendiada, que nesse período sombrio da nossa história assumiu a honra nacional. Foi o seu exemplo e o seu espírito indomável que formaram a consciência democrática das novas gerações e abriu caminho para a revolução vitoriosa do 25 de Abril.
Evoco, neste dia, o seu exemplo porque, perante a ofensiva revanchista contra o 25 de Abril, é necessário que o espírito da resistência esteja bem vivo em todos os portugueses que não estão dispostos a perder outra vez a liberdade.

Aplausos gerais.

Evoco a resistência para tornar bem claro aos nostálgicos do passado que os socialistas portugueses, adeptos dos princípios de tolerância e de reconciliação nacional, saberão, no entanto, defender o 25 de Abril com a mesma firmeza e determinação com que sempre lutaram pela causa da democracia.
Como afirmou Mário Soares, "o Partido Socialista saberá dizer não aos que sonham com o regresso ao passado".

Aplausos do PS.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Revolução do 25 de Abril nasceu, como todas as revoluções, de uma ruptura. Ruptura com um sistema de opressão e injustiça; ruptura com a rotina, o conformismo, a submissão. Assim foi sempre, em todos os momentos decisivos da nossa história. Desde que um príncipe subversivo teve a ousadia de se revoltar contra a mãe e desobedecer ao Papa para fundar um reino e uma pátria, sempre os momentos decisivos da nossa história foram momentos de ruptura, de revolta, de insubmissão e inconformismo. Momentos de rasgo e

risco, como os que levaram as nossas naus pelos caminhos do mar à procura de novos mundos e novas gentes, nessa epopeia sem par que iniciou uma nova era, aproximando povos e continentes, destruindo mitos e dogmas, contribuindo, com a experiência do ver claramente visto, para o nascimento da mentalidade científica e do espírito renascentista.

Momentos de revolta e iniciativa histórica, como 1383, 1640, 1820, 1910.

Assim se fez esta pátria, este povo e esta história, que é o nosso património mais precioso: rompendo, sempre que as circunstâncias o exigiram, com o obsoleto e o caduco, resistindo e rebelando-se sempre contra a opressão interna ou a ocupação externa.
A lição da história de Portugal é uma lição de grandeza e vistas largas, lição de liberdade, universalismo, insubmissão; não a do espírito tacanho e bota-de-elástico, burocrático e inquisitorial, marialva e beleguim, do nacional-salazarismo.
Faltava, porém, fazer a última viagem: a do regresso de Portugal a si próprio. Foi essa a viagem que se iniciou a 25 de Abril de 1974.
Viagem de regresso. Mas também viagem de recomeço. Porque uma nova era da história de Portugal começou a 25 de Abril de 1974. Talvez mesmo, como já aqui afirmou o meu camarada Salgado Zenha, os historiadores venham um dia assinalar que a Revolução do 25 de Abril pertence a um conjunto de factos que prenunciam uma nova era na história da Europa e do Mundo.
Seja como for, o que importa sublinhar, aqui e agora, é que a Revolução do 25 de Abril, pondo fim à mais velha ditadura do século, restabeleceu em Portugal a legitimidade do exercício do Poder, a qual só existe em liberdade e democracia.
E falo de legitimidade porque é tempo de tornar definitivamente claras duas coisas. a primeira é a de que o regime fascista era um regime ilegítimo, por isso que se fundava na supressão das liberdades, na repressão e no terror policial; a segunda é a de que o actual regime democrático é um regime legítimo, porque nasceu da livre escolha do povo português, no pleno gozo e exercício dos seus direitos de cidadania.
À Revolução do 25 de Abril cabe, pois, o mérito histórico de ter restabelecido o princípio da legitimidade, da única e verdadeira legitimidade: a que resulta do sufrágio directo, secreto e universal.
A diferença entre o golpe militar do 28 de Maio e o movimento de 25 de Abril é precisamente essa: do primeiro nasceu uma ditadura; do segundo nasceu uma democracia. Importa lembrar aos que sonham com um novo 28 de Maio que as ditaduras são sempre ilegítimas e que só há legitimidade em democracia.

Aplausos do PS, CDS, alguns Deputados do PSD e PCP e Governo.

Não é, pois, admissível que a crítica e a oposição aos órgãos de Soberania se transformem em crítica Ou Oposição à legitimidade do regime democrático instaurado pela Revolução do 25 de Abril.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Perguntar se o 25 de Abril valeu a pena não é realmente pergunta que se faça, como muito bem disse um camarada meu. A prova é a de que estamos aqui como representan-

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tes do povo, livremente eleitos pelo povo, o que durante meio século não aconteceu nunca, nesta sala.
A Revolução teve os seus erros, é certo. Todas as revoluções os têm. E não há revoluções quimicamente puras. Mas o que não é admissível é que certos sectores evoquem esses erros para condenar em bloco uma revolução libertadora, ao mesmo tempo que, com tanta indulgência, procuram desculpar os crimes de uma ditadura infame e opressora.

Aplausos do PS, CDS e Governo.

Quem assim procede ou tem vocação para ditador ou tem alma de lacaio.
Não é essa a vocação nem a alma do povo português, que desde e primeira hora esteve com o 25 de Abril e que em quatro eleições sucessivas escolheu inequivocamente a liberdade e a democracia.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Revolução tem sido generosa para com os seus inimigos. Mas não pode confundir-se generosidade com quebra de autoridade. 0 problema da autoridade democrática continua na ordem do dia. Continua na ordem do dia o problema do Estado.
0 Estado não é uma abstracção. 0 Estado não é neutro. E é evidente que o Estado nascido da revolução democrática não pode ter os vícios, os tiques, a mentalidade e o estilo do Estado que a Revolução derrubou.
Em nosso entender, o problema da autoridade democrática não resulta de uma crise de identidade, mas de uma crise de mentalidade.
0 principal erro político da revolução democrática foi o de não ter sabido fazer a pedagogia dos seus princípios. Foi o de não ter sabido criar ainda um estilo, uma linguagem, um projecto cultural. Já António Sérgio dizia que não pode haver verdadeira transformação social sem uma reforma da mentalidade.
É essa reforma que é preciso fazer. E é preciso fazê-la ao nível do próprio Estado.
Existem em vários sectores reflexos condicionados que levam as pessoas a agir segundo critérios ideológicos do passado, facto particularmente grave quando se trata de funcionários e agentes do Estado.
Se há hoje um Estado de direito neste país, isso deve-se à Revolução do 25 de Abril.
Se existe hoje separação de poderes, isso deve-se à Revolução e particularmente à luta dos socialistas, que sempre se bateram por um princípio.
Antes do 25 de Abril os juizes não eram, de facto, independentes. Hoje são-no.
A verdade, porém, é que magistrados que sempre assistiram passivamente às arbitrariedades do regime fascista comportam-se hoje com uma estranha benevolência em relação a caceteiros, bombistas e inimigos da democracia.

Aplausos do PS, PCP, alguns Deputados do CDS e Governo.

A democracia precisa de uma justiça forte, prestigiada e independente do poder político.
Mas não pode haver democracia se a justiça dá cobertura aos que, pela violência, atentam contra a ordem democrática.
Essa a razão pela qual não podemos deixar de considerar como uma afronta à democracia, à dignidade, à justiça, a libertação dos cinco agressores de Almeida Santos presos em Ponta Delgada e trazidos para Lisboa.

Aplausos, de pé, do PS, PCP, UDP, alguns Deputados do CDS, Deputados independentes e Governo.

Sejamos claros: 0 Estado não pode ser oposição ao Estado; os órgãos do Estado não podem resistir ao exercício da autoridade democrática e legítima dos órgãos do Poder.
0 poder democrático tem de ser exercido e tem de ser acatado. Essa é a condição da afirmação institucional da democracia,
Não pode continuar a admitir-se que a ordem democrática seja impunemente atacada ou posta em causa, como ainda recentemente aconteceu em Ponta Delgada.
Não pode continuar a admitir-se que o espírito de reconciliação nacional que presidiu ao 25 de Abril seja quotidianamente ferido por campanhas de ódio que incitam à retaliação e ao desmembramento da ordem constitucional.
Não pode continuar a admitir-se que muitos daqueles que aceitaram passivamente a mordaça da censura abusem hoje da liberdade para voltar a fazer de Portugal um país amordaçado.

Vozes do PS:- Muito bem!

O Orador: - Não pode continuar a admitir-se o "terrorismo verbal" de que muito justamente fala o Conselho da Revolução.

Vozes do PS:- Muito bem!

O Orador:- Não pode admitir-se que o separatismo, máscara ideológica do fascismo, continue a atentar contra a democracia e a unidade nacional.

Aplausos do PS, PCP, UDP, alguns Deputados do CDS, Deputados independentes e Governo.

A democracia funda-se na tolerância e é incompatível com o clima psicológico de guerra civil permanente que alguns pretendem instaurar na sociedade portuguesa.
0 Partido Socialista entende que é tempo de dizer basta à contra-revolução ideológica, de teor fascizante, veiculada por certos órgãos de intoxicação.

Aplausos do PS, PCP, Deputados independentes e Governo.

0 Partido Socialista entende que é tempo de contra-atacar com os meios legais e políticos que a Constituição faculta.
Neste domínio, cabe à Assembleia da República um importante papel no sentido de aprovar legislação que possibilite uma acção eficaz contra as actividades antidemocráticas.

Aplausos do PS, PCP, alguns Deputados do CDS, Deputados independentes e Governo.

Mas os órgãos do Estado, todos os órgãos do Estado, a qualquer nível ou escalão, têm de estar, clara e inequivocamente, do dado do regime democrático, que

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consubstancia a vontade nacional, expressa através de eleições livres.
Só assim será possível vencer a crise em democracia. E só em democracia -é bom lembrar- será possível vencer a crise.
0 Partido Socialista entende, pois, que às ameaças de actos de força ou de subversão antidemocrática o Estado tem de responder com a sua própria força, que é a força da lei e da ordem democrática.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador. - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Muito se tem falado em projecto nacional. A este respeito entendemos que, sendo a democracia um regime que se funda no pluralismo e na diversidade, é do livre confronto das ideias e dos diferentes projectos que pode formar-se um consenso em torno de um projecto colectivo.
Ora, o grande projecto colectivo, aquele que serve de denominador comum a todas as forças políticas democráticas, é o da própria democracia.
Não pode haver, em democracia, projecto único. 0 projecto único supõe sempre o partido único. Por isso nos parecem arriscados os termos e a insistência com que, se fala na necessidade de um projecto nacional novo.
Independentemente das intenções, uma tal insistência tem uma lógica: à força de se falar na necessidade de um projecto nacional novo, acaba por se chegar, como Salazar, à conclusão de que é precisa "uma nova ordem das coisas". Ou seja, à força de se falar em projecto nacional novo, acaba-se por se propor o Estado novo. E todos sabemos o que tal significa.

Risos do PS.

Pela nossa parte, nós, socialistas, não vamos por aí. Temos um projecto nacional muito claro: construir a democracia e caminhar, no quadro da democracia política, para uma sociedade socialista em liberdade.
Mas se não há, em democracia, projecto único, se a democracia é até o livre confronto entre vários projectos alternativos, pode e tem de haver consenso, pelo menos em relação ao próprio regime democrático e aos grandes objectivos nacionais.
Como já foi assinalado nesta Assembleia pelo Sr. Deputado Amaro da Costa, a rotura desse consenso por parte de forças políticas ou sociais significativas representa um perigo grave para a estabilidade democrática. Ora, quando se assiste à escalada de forças empenhadas, não tanto em fazer oposição a este ou àquele órgão de Soberania, mas em minar a própria ordem constitucional, é necessário que entre todas as forças responsáveis se estabeleça, independentemente de diferenças ideológicas, e até do antagonismo de filosofias, um consenso sólido quanto à necessidade de preservar, prestigiar e defender o regime democrático.

Aplausos do PS, CDS e Governo.

Consenso esse que deve estabelecer-se entre, partidos no Governo e partidos na oposição, já que a defesa da democracia compete tanto a uns como a outros.

Vozes do PS: - Muito bem!

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O Orador: - A colaboração existente, ao nível do Governo e da Assembleia, entre socialistas e centristas é um exemplo do espírito da solidariedade nacional que pode e deve existir entre portugueses com ideologias e projectos políticos diferentes, mas animados pelo mesmo propósito patriótico de reconstruir o País e consolidar a democracia.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: -0 Governo está a actuar com realismo e coragem. E se é legítimo criticar o Governo, se é legítimo apresentar soluções alternativas, não é legítimo, na hora presente, criticar por criticar, contestar por contestar, apenas na mira de dificultar, se não mesmo bloquear, a acção governativa.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Uma tal atitude não é democrática nem patriótica.
Nesta hora de grandes dificuldades e muitas incompreensões, o grupo parlamentar socialista reafirma a Mário Soares e ao Governo o seu firme apoio e solidariedade indefectível.

Aplausos do PS.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Há um grande projecto nacional: Construir a democracia.
0 dever de todos os democratas, qualquer que seja o campo ideológico ou partidário em que se situem, é o de lutarem para que esse projecto se enraíze na consciência dos cidadãos e se traduza nos factos da vida política.

Alguns esqueceram já o tempo do medo e da mordaça.

Alguns esqueceram já o tempo das salas de tortura, dos tribunais plenários, das medidas de segurança, que transformavam as sentenças em prisão perpétua.

Alguns esqueceram já o tempo em que era proibido fazer greve, reunir, falar, escrever, manifestar, o tempo em que era perigoso discordar e, mais ainda, reagir.

Alguns esqueceram já o tempo em que o povo tinha só o direito de ser oprimido, de calar e obedecer, o tempo em que as eleições eram uma farsa e ser da oposição um crime.
Alguns esqueceram já o tempo das prisões e do exílio, o tempo ignominioso do Tarrafal.
Mas há aqui, nesta Assembleia, quem não tenha esquecido.
Há aqui, na Assembleia e no Governo, quem, no 25 de Abril, estivesse ainda na prisão ou no exílio.

Por esse país fora há milhares e milhares de portugueses que não podem esquecer. 0 fascismo realmente existiu.
0 fascismo não pode voltar à terra portuguesa. 0 fascismo não voltará.
Por isso, hoje e sempre, é preciso que o 25 de Abril não seja só uma data que se comemora; é preciso que o 25 de Abril seja uma vivência sempre renovada, um acto de confiança e de fé na democracia, na liberdade e no futuro de; Portugal.

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Viva o 25 de Abril.
Viva Portugal.

Vozes do PS: - Viva!

Aplausos do PS, CDS e Governo.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Presidente da República.

O Sr. Presidente da República: - Sr. Presidente da Assembleia da República, Srs. Deputados, Portugueses: Celebramos hoje a liberdade dos Portugueses e a legitimidade das instituições que nos regem.
Celebramos o projecto democrático que esteve na origem e que justifica o 25 de Abril.
Estes são o dia e o lugar apropriados para que se medite no que foi feito e, para que se afirme o que é possível e necessário fazer de modo que Abril não fique como uma esperança sem resposta.
0 momento não autoriza que esta cerimónia decorra sem a sombra de perigos que ameaçam a obra incompleta da Revolução e que obrigam os Portugueses a considerar o futuro com natural ansiedade.
Neste dia, que devia ser de alegria e confiança, as palavras não podem ser usadas para ocultar ou iludir a gravidade da situação.
Para que a fé dos Portugueses possa ser recuperada, para que a consciência de cada um possa ser força a Nação, é preciso que a verdade seja dita e reconhecida.
Momento singular da vida nacional, encontro e vontades e desejo de solidariedade, o movimentei militar do 25 de Abril não tira a sua legitimidade das armas que o permitiram, mas sim da intenção democrática original que o País recebeu com entusiasmo e que o seu autêntico programa claramente estabelecia e impunha. É a fidelidade a esse princípio fundamental que exige a denúncia dos que pretenderam usar a confiança do País para atingir os seus objectivos sectários.
Explorando as emoções dos que pensavam tudo possível e o sofrimento dos que nada tinham, servindo-se dos militares, perturbando e destruindo as condições da vida económica, abalando a coesão social, fizeram dos factos consumados a fonte do seu poder, quando não dispunham de representatividade para os decidir.
A ingenuidade de alguns, o desespero de outros e a passividade de muitos permitiram que a estratégia organizada ou o oportunismo se servissem dos ideais de Abril.
Não ganharam os que traíram.
Mas liquidaram oportunidades, esgotaram meios, quebraram a solidariedade, mancharam a esperança.
Com o seu modo de fazer política, praticaram muitos dos erros que diziam atacar, contribuíram para que se esquecesse a culpa de um regime caduco por carências que ainda persistem, quiseram desfigurar a identidade cultural da Nação.
Srs. Deputados: A cegueira histórica da ditadura não preparara Portugal para resistir às forças que romperam os equilíbrios mundiais dos últimos trinta anos.
Certos progressos da década de sessenta eram enganadores e assentavam em condições, internas e externas, que não podiam manter-se.
A ordem estabelecida não tinha bases sólidas. Sem capacidade de evolução política, estava condenada a

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desaparecer quando a riqueza da Europa não mais transbordasse para Portugal, quando cessasse a exploração colonial, quando as tensões internas da- sociedade portuguesa livremente se manifestassem. Sem a expansão europeia, que alimentava a emigração e as exportações; sem o trabalho dócil e barato, que tornava rentável o que era obsoleto; sem o investimento externo, que procurava em Portugal vantagens ilegítimas; sem as remessas de emigrantes e as divisas dos turistas; sem o domínio dos mercados coloniais e a sua contribuição para a balança de pagamentos metropolitana; sem a capitalização iludida nas práticas especulativas, tudo era uma frágil construção, produto de situações transitórias ou insustentáveis e resultado da imposição policial.
0 25 de Abril marcou o encontro com a realidade das coisas que nenhum poder humano conseguiria evitar.
Mas o que devia ter sido um sóbrio regresso à simples necessidade de viver do nosso trabalho, com crescente igualdade e dentro dos severos limites que os nossos recursos materiais temporariamente impunham, foi a ocasião da aventura e da demagogia.
Distribuiu-se para consumo o capital acumulado pela Nação e que o regime anterior não soubera aplicar produtivamente; criaram-se expectativas a que não se podia corresponder; difundiu-se a confusão e sectarismo na Administração do Estado; desorganizou-se uma parte importante do aparelho produtivo; instalou-se um clima de insegurança, de, incerteza e de arbitrariedade.
Porém, apesar dos ataques e da violência, apesar das dificuldades acrescidas, o que era essencial no projecto que fez o 25 de Abril foi retomado em 25 de Novembro e tem vindo a ser realizado.
Vivemos em liberdade; não há presos políticos; não há censura.
Assegurou-se a expressão regular e periódica da vontade popular. As instituições encontram-se legitimadas e os órgãos de Soberania dispõem de condições para o exercício efectivo das suas competências.
Respeita-se a responsabilidade democrática dos representantes do povo.
Abriram-se perspectivas de uma maior justiça social.
Estão reconhecidos os direitos fundamentais dos trabalhadores.
As forças armadas restabeleceram a sua unidade e a sua dignidade com base nos valores da hierarquia e da subordinação à sua vocação nacional. Concreti7A-se o abandono gradual de funções políticas pelos militares.
Vivemos em paz.
Recuperámos uma posição de convivência democrática na comunidade internacional, diversificámos relações e voltámos a inserir-nos na Europa, a que pertencemos.
São realidades quotidianas que gerações de portugueses desconheceram, mas a que já nos habituámos.
Para que assim fosse se fez o 25 de Abril.
Para que assim fosse lutou a esmagadora maioria dos Deputados à Assembleia Constituinte contra os que defendiam. um novo projecto totalitário.
-Do seu esforço resultou a lei fundamental que nos rege, consagradora do princípio democrático.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Constituição é instrumento de liberdade e segurança.

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Mas não é um texto imutável e intocável, nem o poderia ser, porque, assenta na vontade popular, que não se fixa nunca de uma vez para sempre.
Ela mesma prevê a sua alteração.
A Constituição tem virtudes e tem defeitos.
Tem, contudo, a flexibilidade suficiente para permitir uma interpretação adequada às necessidades nacionais.
E confronta-se com uma experiência histórica concreta, que há-de determinar o que deve ser alterado, para que se possa ajustar à realidade portuguesa.
Não é por isso na Constituição que devemos procurar a justificação das nossas dificuldades, das incapacidades e deficiências dos dirigentes políticos, da permanência e agravamento dos factores de crise.
Temos de ganhar a consciência plena de que a crise que Portugal vive não é episódica, não é conjuntural, nem é dissipável em poucos anos com modesto sacrifício.
É necessário que tenhamos a coragem de saber e afirmar que se trata de uma crise profunda, que põe em jogo a própria independência de Portugal, que só será vencida pela inteira mobilização dos recursos humanos e materiais da Nação e que exigirá um alto preço, que todos os portugueses terão de pagar.
Os problemas nacionais não serão resolvidos pela apologia ritual de modelos políticos pretensamente perfeitos, riem deverão ser invocados como expediente
de ocasião ou pretexto para pressionar a opinião pública.
Nenhuma forma de poder político imaginável poderá honestamente oferecer aos Portugueses a rápida superação das suas dificuldades ou pedir-lhes menos esforço e menos disciplina.
Como contrapartida, os Portugueses esperam dos seus dirigentes lucidez, isenção e a coragem rara e difícil do realismo e do rigor.
Ao direito de exigir austeridade, corresponde o dever de dar uma resposta organizada à crise, de pôr de parte os interesses particulares de facções e pessoas, de a cada momento escolher sempre e só as soluções que mais convêm ao País, acarretem elas impopularidade ou impliquem firmeza.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente da República: - Das mais insignificantes, às mais vastas questões, é imprescindível que a acção do Poder seja límpida, adequada, eficaz. Só assim o Poder se não separará do País, só assim se identificará com os desejos profundos dos Portugueses e contará com o seu permanente apoio.
Os critérios a que deve obedecer este quadro de rigor e de realismo estão bem definidos e foram confirmados pela evolução política recente:
A vontade de reviver o orgulho da Nação e a confiança na perenidade da sua história, da sua cultura e do seu destino;
A vontade de liberdade, que é a primeira manifestação da vocação democrática;
A vontade de construir o equilíbrio entre todas as regiões que compõem o País;
A vontade de integração plena na Europa;
A vontade de estreitar os laços de cultura e convivência com os povos que, num passado distante ou próximo, Portugal ajudou a tornarem-se cada vez mais livres e independentes.

I SÊRIE - NÚMERO 65

É tempo de estabelecer, sem dúvidas ou concessões, o que é possível para Portugal. E de começar a cumpri-lo sem hesitações e colectivamente.
Srs. Presidente, Srs. Deputados: Os objectivos imediatos que hoje se nos impõem são a afirmação clara da autoridade do Estado, a formação de uma classe dirigente capaz e patriótica, a criação de um instrumento eficiente de governo através da reforma da Administração Pública e o estabelecimento de um correcto equilíbrio entre a actividade do Estado e as actividades privadas.
É urgente pôr termo às situações irregulares ou ilegais.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente da República: - Essa é a condição para que se restabeleça a confiança geral na lei e nas autoridades constituídas, para que se afirme o respeito pela ordem jurídica.
Não é aceitável nem democraticamente justificável que leis indispensáveis não sejam aprovadas ou que leis aprovadas e promulgadas continuem sem concretização efectiva por falta de regulamentação ou de decisão adequadas.

Vozes do PSD:- Muito bem!

O Sr. Presidente da República: - Contra uma lei publicada não poderá erguer-se outra limitação que não seja a declaração, pelos órgãos competentes, da sua inconstitucionalidade. Pode o Governo contar com todo o apoio que considerar necessário para fazer cumprir integralmente as leis do País.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente da República: - É necessário que a capacidade, a competência e o zelo não continuem a receber tratamento semelhante ao que é dado à incapacidade, à incompetência e ao desleixo.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente da República: - Sob pena de sufocar irremediavelmente as energias da Nação, temos de reconhecer que há aparentes igualdades que são profundamente inigualitárias.
Não é realista esperar esforço considerável de um país em que os melhores e os piores são premiados da mesma maneira.

Vozes do PSD:- Muito bem!

O Sr. Presidente da República: - As posições adquiridas não devem servir de único :critério de emprego, de remuneração e de escolha para posições de chefia.

Não se instaurou a liberdade para que as pessoas, tendo deixado de ser prejudicadas por motivos políticos, passassem a ser promovidas por motivos políticos.

Vozes do PSD:- Muito bem!

O Sr. Presidente da República: - Torna-se imperativo restaurar a hierarquia do mérito e julgar o mérito, imparcialmente, pelos resultados. Como se torna

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também imperativo apoiar a autoridade dos responsáveis nas organizações públicas e privadas, de modo a desembaraçar de entraves a sua acção.
Sem isso, será difícil apelar para a sua colaboração, eficiência e sentido das responsabilidades sociais.
É essencial, por outro lado, acelerar a reforma da Administração Pública, restituindo ao Estado o seu valor como instrumento de gestão nacional.
É preciso, por fim, que a função do Estado na organização económica, social e cultural seja reavaliada com serenidade.
0 Estado assumiu, directa ou indirectamente, encargos demasiado extensos para as suas possibilidades presentes e previsíveis.
Em vastas áreas, a intervenção estatal transformou-se em fonte de paralisia.

Vozes do PSD:- Muito bem!

O Sr. Presidente da República:- Não é aceitável que o papel do Estado na economia, no ensino, na comunicação social, na cultura, seja tão vasto ou se transforme em factor de bloqueamento, de incerteza, de gasto imoderado de recursos, quando deveria ser fonte de dinamismo e de expansão.

Vozes do PSD:- Muito bem!

O Sr. Presidente da República: - As normas do projecto político de democracia pluralista impõem, em particular, que se defina o equilíbrio adequado entre o sector público e a iniciativa privada, garantindo a esta as condições indispensáveis para que a sua criatividade e capacidade de inovação e de investimento sejam plenamente aproveitadas em termos do interesse nacional.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Portugueses: A autonomia regional dos Açores e da Madeira tem de ser concretizada rapidamente no quadro da Constituição.

Vozes do PSD: - Muito bem!

Aplausos do PS, PSD, CDS e Governo.

O Sr. Presidente da República: - Mas é necessário distinguir o que é a vontade de autonomia do que é frustração, receio, exploração partidária ou ameaça de interesses estrangeiros.

Aplausos do PS, PSD, CDS, alguns Deputados do PCP e Governo.

Para vencer a frustração, importa reafirmar a identidade nacional dos Portugueses no continente e nas ilhas.
Para dissipar o receio, os portugueses dos Açores e da Madeira têm a minha garantia de que nada justifica a exploração que ainda se faz da tentativa totalitária que abalou o continente em 1975.

Aplausos do PSD (de pé), CDS, alguns Deputados do PS e Governo.

Pelo contrário, o projecto autonómico tem agora fácil acolhimento na vontade colectiva da Nação e é um campo privilegiado para a cooperação interpartidária e de todas as forças democráticas e patrióticas.

Na medida em que qualquer ameaça ponha em causa a unidade da Nação, o Presidente da República e Comandante Supremo das Forças Armadas assegura que utilizará todos os meios necessários para garantir a integridade pátria.

Aplausos (de pé) do PS, PSD, CDS, PCP, Governo e Conselho da Revolução.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: No nosso quadro constitucional, as funções e responsabilidades dos órgãos de Soberania, estão definidas com flexibilidade bastante para que se possam ajustar a diferentes condicionalismos políticos.
A responsabilidade do Presidente da República impõe que respeite a autonomia constitucional dos outros órgãos de Soberania. Reciprocamente, devem estes respeitar a autonomia constitucional do Presidente da República, a nenhum competindo apreciar a sua acção.

Vozes do PSD:- Muito bem!

Aplausos do PSD e alguns Deputados do PS, CDS, PCP e Governo.

O Sr. Presidente da República: - Eleito por sufrágio universal, o Presidente da República tira o sentido do seu mandato, directamente, da vontade de quantos nele votaram e que tinham em comum a fidelidade aos valores da democracia pluralista e do Estado de direito capaz de responder às necessidades reais da sociedade portuguesa,
Nesta fase da vida nacional, as principais preocupações do Presidente da República são assegurar o funcionamento pleno das instituições e garantir a existência de alternativas políticas, condição de validade
e vitalidade da democracia.
É neste contexto que se deve compreender o conteúdo da confiança presidencial indispensável à legitimidade constitucional de um governo.
Ao Presidente da República importa menos quem governa e mais como se governa.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente da República: - Não há homens, nem facções, nem partidos, superiores às exigências da Nação.

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Presidente da República:- Há somente homens, facções e partidos que, num dado momento, servem bem ou servem mal a Nação.
Os Portugueses sabem que não serão apenas alterações de pessoas ou de instituições que irão permitir realizar os objectivos de uma vida decente e pacífica, em que a incerteza do futuro não seja uma angústia constante.
Preferem a razão e a prudência à linguagem da emoção e das promessas demagógicas, que, como as do passado, são impossíveis de cumprir.

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Presidente da República: - É preciso que de aparentes soluções não nasçam outros e mais graves problemas, é preciso que o caminho para a recupe-

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ração material e para a ordem cívica não corra o risco de acabar na miséria e no caos.

O Presidente da República mantém a sua inflexível determinação de assegurar, por todos os meios constitucionais, as condições de realização do projecto nacional.

Dos deveres que o povo português livremente lhe impôs, nenhuma incompreensão, nenhum obstáculo, nenhum desafio, nenhum perigo o poderão demover.

Aplausos (de pé) do PS, PSD, CDS, PCP, Governo, Conselho da Revolução e público das galerias.

O Sr. Presidente: - Está encerrada a sessão.

A banda da Guarda Nacional Republicana executou de novo o Hino Nacional, acompanhada em coro pela Assembleia e pela assistência, que no fim voltaram a aplaudir o Sr. Presidente da República.

Realizou-se então o cortejo de saída, composto pelas mesmas individualidades da entrada, tendo o Sr. Presidente da República saudado o corpo diplomático com uma vénia ao passar diante do respectiva tribuna.

Eram 14 horas e 15 minutos.

Deputados que faltaram à sessão:

Partido Socialista (PS)

Albano Pereixa da Cunha Pina. António Alberto Monteiro de Aguiar. António Cândido Macedo. António Riço Calado. Armando dos Santos Lopes. Avelino Ferreira Loureiro Zenha. Carlos Alberto Andrade Neves. Dieter Dellinger. Fernando Jaime Pereira de Almeida. Francisco Cardoso Pereira de Oliveira. Jerónimo da Silva Pereira. Joaquim Oliveira Rodrigues. Jorge Augusto Barroso Coutinho. José Cândido Rodrigues Pimenta. José Maria Parente Mendes Godinho. Manuel Alfredo Tito de Morais. Maria Emília de Melo Moreira da Silva. Mário Manuel Cal Brandão. Rui Paulo do Vale Valadares. Sérgio Augusto Nunes Simões.

I SÉRIE - NÚMERO

Partido Social-Democrata (PSD)

Amantino Marques Pereira de Lemos. António Augusto Lacerda de Queiroz. António Joaquim Bastos Marques Mendes. Armando António Correia. Artur Videira Pinto da Cunha Leal. Cristóvão Guerreiro Norte. Eduardo José Vieira. Francisco Barbosa da Costa. Henrique Manuel de Pontes Leça. João Gabriel Soeiro de Carvalho. João Vasco da Luz Botelho de Paiva. José Ângelo Ferreira Correia. José Manuel Ribeiro Sérvulo Correia. José Rui Sousa Fernandes. Manuel Cunha Rodrigues. Maria Helena do Rego da Costa Salema Roseta. Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete.

Centro Democrático Social (CDS)

Carlos Alberto Faria de Almeida. Domingos da Silva Pereira. Eugénio Maria Nunes Anacoreta Correia. Francisco António Lucas Pires. Francisco Manuel Farromba Vilela. Henrique José Cardoso Meneses Pereira de Morais. João Carlos Filomeno Malhó da Fonseca. João Gomes de Abreu de Lima. João José Magalhães Forreira Pulido de Almeida. João da Silva Mendes Morgado. José Manuel Macedo Pereira. Manuel António de Almeida de Azevedo e Vasconcelos. Rui Fausto Fernandes Marrana. Rui Mendes Tavares.

Partido Comunista Português (PCP)

António Joaquim Navalha Garcia. Custódio Jacinto Gingão. Jorge do Carmo da Silva Leite. José Manuel da Costa Carreira Marques. Lino Carvalho de Lima. Manuel do Rosário Moita. Raul Luís Rodrigues. Vital Martins Moreira.

Independentes

António Jorge Oliveira Aires Rodrigues. Carlos Galvão de Melo. Carmelinda Maria dos Santos Pereira.

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