O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 79

DIÁRIO da Assembleia

1 Série-Número 5

Quarta-feira, 16 de Janeiro de 1980

da Republica

1 LEGISLATURA 4.ªSESSÃO LEGISLATIVA (1979-1980)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 15 DE JANEIRO DE 1980

Presidente: Ex.O Sr. Leonardo Eugénio Ramos Ribeiro de Almeida

Secretários: Exºs Srs. Manuel Henriques Pires Fontoura
Alberto Marques Antunes
José Manuel Maia Nunes de Almeida
Manuel Baeta Neves

SUMARIO. - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão, às 10 horas e 35 minutos.
Iniciou-se o debate do Programa do VI Governo, no qual intervieram o Sr. Vice-Primeiro Ministro e Ministro dos Negócios Estrangeiros (Freitas do Amaral), o Sr. Ministro das Finanças e do Plano (Cavaco e Silva) e os Srs. Deputados Macedo Pereira (CDS), Carlos Brito (PCP), Luís Coimbra (PPM), José Tengarrinha (MDP), Jorge Lemos (PCP), João Cravinho (PS), Mário Adegas (PSD). Luís Catarino (MDP), Sousa Tavares (Indep.), Jerónimo de Sousa (PCP), Helena Cidade Moura (MDP), Luis Saias (PS). Luís Beiroco (CDS). José Ernesto, Oliveira (PCP), Mário Tomé (UDP), José António Veríssimo (PCP), Natália Correia (PSD) e João Amaral (PCP).
Para pedir ou dar esclarecimentos ou fazer protestos relativamente a algumas intervenções, usaram da palavra os Srs. Deputados Salgado Zenha (PS), António Guterres (PS), Jorge Sampaio (PS), João Lima (PS), Lucas Pires (CDS). Pedro Roseta (PSD), Sousa Tavares (Indep), Carlos Carvalhas (PCP), Sousa Gomes (PS), Vital Moreira (PCP), Angelo Correia (PSD), Ferreira do Amaral (PPM), Luis Coimbra (PPM), José Vitorino (PSD), Oliveira Dias (CDS), Ourique Mendes (PSD), Malato Correia (PSD), Almeida Santos (PS). Amândio de Azevedo (PSD) e Zita Seabra (PCP).
Durante a sessão foi lido pelo Sr. Deputado Pinto da Cruz (CDS) um relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos sobre a substituição de dois Deputados e o Sr. Presidente anunciou a apresentação de requerimentos para sujeição a ratificação de vários decretos-leis.
A sessão foi encerrada à 1 hora do dia seguinte.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Eram 10 horas e 10 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD)

Álvaro Barros M. de Figueiredo.
Amândio Anes de Azevedo.
António Alberto Correia Cabecinha.
António Augusto Lacerda de Queiroz.
António Maria Pereira.
António Maria de O. Ourique Mendes.
Armando Adão e Silva.
Arménio dos Santos.
Carlos Encarnação.
Carlos Manuel Pereira de Pinho.
Carlos Matos Chaves de Macedo.
Cecília Pita Catarino.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Fernando Monteiro do Amaral.
Germano da Silva Domingos.
Henrique Alberto F. do N. Rodrigues.
João António Sousa Domingues.
João Aurélio Dias Mendes.
João Luís Malato Correia.
Joaquim Manuel Cabrita Neto.
Joaquim Marques Gaspar Mendes.
José Adriano Gago Vitorino.
José da Assunção Marques.
José Baptista Pires Nunes.
José Henrique Cardoso.
José Manuel Cochofel da Silva.
José Theodoro da Silva.
Leonardo Eugénio R. Ribeiro de Almeida.
Luís António Martins.
Manuel Henriques Pires Fontoura.
Manuel Luís Fernandes Malaquias.
Manuel Maria Moreira.
Manuel Maria Portugal da Fonseca.
Manuel Pereira.
Maria Adelaide Santos de Almeida Paiva.

Página 80

80

1 SÉRIE -NUMERO 5

Maria Helena do Rego da C. SalemaRoseta.
Maria Manuela Simões Saraiva.
Marília Dulce C. P. Morgado Raimundo.
Mário Martins Adegas.
Miguel Camolas Pacheco.
Natália de Oliveira Correia.
Nuno Aires Rodrigues dos Santos.
Pelágio E. de A. Matos Lopes de Madureira.
Pedro Manuel da Cruz Roseta.
Reinaldo AlbertoRamos Gomes.

Partido Socialista (PS)

Adelino Teixeira de Carvalho.
Agostinho de Jesus Domingues.
Alberto Marques Antunes.
Amadeu da Silva Cruz.
António de Almeida Santos.
António Cândido de Miranda de Macedo.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Duarte Arnaut.
António Fernandes da Fonseca.
António Francisco Barroso Sousa Gomes.
António Manuel de Oliveira Guterres.
Aquilino Ribeiro Machado.
Armando Filipe Cerejeira P. Bacelar.
Carlos A. da Costa Sousa.
Carlos Cardoso Lage.
Edmundo Pedro.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Francisco de A. Salgado Zenha.
Francisco Igrejas Caeiro.
Frederico A. F. Handel de Oliveira.
Guilherme Gomes dos Santos.
Herculano Rocha.
Herculano Rodrigues Pires.
Joaquim José Catanho de Meneses.
Jorge Fernando Branco Sampaio.
José Maximiano de A. Almeida Leitão.
Júlio Augusto M. de Montalvão Machado.
Luís Silvério Gonçalves Saias.
Manuel Alfredo Tito de Morais.
Manuel Branco Ferreira Lima.
Manuel Francisco da Costa.
Manuel Joaquim de M. P. Tavares Santos.
Rui Fernando Pereira Mateus.
Teófilo Carvalho dos Santos.
Victor Manuel Gomes Vasques.

Partido Comunista Português (PCP)

Álvaro Barreirinhas Cunhal.
Álvaro Favas Brasileiro.
Ângelo Matos Mendes Veloso. António Dias Lourenço da Silva. António Joaquim Gervásio.
António Marques Pedrosa.
António da Silva Mota.
Carlos Alberto do C. da Costa Espadinha.
Carlos Alberto do Vale G. Carvalhas.
Carlos Alfredo de Brito.
Carlos Campos Rodrigues da Costa.
Carlos H. Saavedra de Aboim Inglez.
Dinis Fernandes Miranda.
Domingos Abrantes Ferreira.
Ercília Carreira Pimenta Talhadas.
Fernando de Almeída Sousa Marques.
Fernando Freitas Rodrigues.
Francisco Miguel Duarte.
Hélder Simão Pinheiro.
Jaime dos Santos Serra.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
João António Gonçalves do Amaral.
Joaquim António Miranda da Silva.
Joaquim Victor Baptista G. de Sá.
Jorge do Carmo da Silva Leite.
Jorge Manuel Abreu de Lemos.
José António Veríssimo Silva.
José Ernesto I. Leão de Oliveira.
José Manuel Aranha Figueiredo.
José Manuel da Costa C. Marques.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Rodrigues Vitoriano.
Josefina Maria Andrade.
Lino Carvalho de Lima.
Maria Alda Barbosa Nogueira.
Maria Ilda da Costa Figueiredo.
Marino B. de Vasconcelos B. Vicente.
Rosa Maria Reis A. Brandão Represas.
Victor Henrique Louro de Sá.
Zita Maria de Seabra Roseiro.

Centro Democrático Social (CDS)

Adalberto Neiva de Oliveira.
Adriano Vasco da Fonseca Rodrigues.
Alexandre Correia de Carvalho Reigoto.
Américo Maria Coelho Gomes de Sã.
António Ferreira Pereira de Melo.
Artur Fernandes.
Emídio Ferrão da Costa Pinheiro.
Eugénio P. Cavaleiro Brandão.
Francisco António Lucas Pires.
Francisco Gonçalves C. de Ferreira.
Francisco Manuel Lopes V. 0. Dias.
Henrique Manuel Soares Cruz.
João José Magalhães F. Pulido de Almeida.
João da Silva Mendes Morgado.
Joaquim António F. Pinto de C. Branco.
José Augusto Gama.
José Eduardo Fernandes Sanches Osório.
José Manuel Macedo Pereira.
José Manuel Rodrigues Casqueiro
Luís Carlos C. Veloso de Sampaio.
Luís Eduardo da Silva Barbosa.
Luís Filipe Pais Beiroco.
Luís Gomes Moreno.
Manuel António de A. e Vasconcelos.
Maria José Paulo Sampaio.
Maria Tabita L. F. Mendes Soares.
Pedro António J. B. Pestana Vasconcelos.
Rui Eduardo F. Rodrigues Pena.
Ruy Garcia de Oliveira.
Victor Afonso Pinto da Cruz,

Partido Popular Monárquico (PPM)

Augusto Martins Ferreira do Amaral.
Gonçalo Pereira Ribeiro Teles.
Henrique José Barrilaro F. Ruas.
Luís Filipe Ottolini Bebiano Coimbra.

Movimento Democrático Português (MDP)

Helena Tâmega Cidade de Moura.
José Manuel Marques do C. M. Tengarrinha.
Luís Manuel A. de Campos Catarinho.

Página 81

16 DE JANEIRO DE 1980

União Democrática Popular (UDP)
Mário António Baptista Tomé.
O Sr. Presidente: - Responderam à chamada 158 Srs. Deputados.
Temos quórum, pelo que declaro, aberta a sessão.
Eram 10 horas e 35 minutos.
Na bancada do Governo encontravam-se o Sr. primeiro-ministro e os Ministros.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, lembro à Assembleia que no consenso formado na reunião dos grupos parlamentares que se estabeleceram os tempos para o debate do programa do Governo ficou assente, que disporiam de um total de sessenta minutos o MDP, o PPM, o CDS e o PSD, o PCP e o PS, assim como o Governo, disporão de setenta e cinco minutos, a UDP de vinte. e cinco, minutos e, os Srs. Deputados Independente6, no seu conjunto, disporão de vinte e três minutos.
Como este' tempo foi atribuído aos partidos, ficou também assente que, dentro, dos quadros de tempo fixados, se deixava ao critério dos.partidos o número de intervenções e o tempo que. elas durariam, desde que, em conjunto, não excedam o tempo fixado para o mesmo, partido.
Lembro, também que o tempo que não for utilizado na sessão de hoje não beneficia os partidos na sessão de amanhã. Na sessão de amanhã a limitação de tempo é a mesma, sem que lhe acresça o tempo não utilizado hoje.
Está em debate, o Programa do Governo.
Tem a palavra o Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro dos Negócios Estrangeiros.

O Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro dos Negócios Estrangeiros (Freitas do Amaral): Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao subir a esta tribuna pela primeira vez como membro, do Governo, e não já na qualidade de Deputado como tantas vezes nos últimos cinco anos, faço questão, de que as minhas primeiras palavras sejam de, respeito e de homenagem em relação à instituição parlamentar, que consubstancia-a e traduz a verdadeira representação nacional e, portanto, através dela, a expressão genuína da vontade política do povo português.
É fundamentalmente por Essa razão, e também porque acredita nas virtualidade de uma íntima colaboração entre os Poderes Legislativo e Executivo, que o Governo anunciou pela voz do seu primeiro-ministro, em consonância com a promessa feita no programa eleitora,1 da Aliança Democrática, a intenção de melhorar as relações orgânicas e. funcionais entre o Governo e o Parlamento. Nessa ordem de, ideias, é minha intenção contribuir, dentro dos limites constitucionais, para associar mais intensamente a Assembleia da República ao -acompanhamento da política externa portuguesa, sobretudo através do uma presença mais frequente, do Ministro dos Negócios Estrangeiros nas reuniões da respectiva comissão parlamentar que penso seria, desejável funcionasse, com mais regularidade e projecção. Para além disso, o Governo dialogará de forma permanente a sistemática com os Srs. Deputados da maioria parlamentar que venham a ocupar-se dos assuntos internacionais e manterá os partidos da oposição ao corrente das principais decisões de política externa e da evolução da situação internacional, aplicando assim o «estatuto da Oposição» nos interessámos por aprovar quando éramos oposição e que nos orgulhamos de cumprir agora que somos Governo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não é calma nem isenta de muitos aspectos negativos a situação internacional momento em que o Governo inicia, as suas funções.
Multiplicação, dos focos de, conflito localizados, a intensificação do expansionismo político e, militar da União Soviética, o consequente agravamento das relações Leste-Oeste, as evoluções em curso no Irão, a persistência do conflito israelo-árabe, a agudização da crise do petróleo, o reinício, da corrida aos armamentos, entre outros aspectos, demonstram claramente que a situação internacional é hoje muito delicada e preocupante.
Tão delicada e tão preocupante que o Presidente Carter a considerou já como a mais grave crise vivida pelo Mundo após a 2.ª Guerra Mundial, que, o Presidente Giscard d'Estaing declarou, no primeiro dia do ano, que havia potencialmente um risco de guerra e que, noutros quadrantes, idênticas afirmações foram feitas pelos Governos da Jugoslávia, da China Popular e de numerosos países do terceiro mundo.
É de esperar, todavia, que as nações e os seus governantes consigam evitar o pior, respeitando, acima de tudo o valor primordial da paz e subordinando a sua actuação ao acatamento dos princípios universalmente aceites do direito internacional. Neste sentido se pronunciou há dias, em angustiada e clarividente mensagem a toda a humanidade, o Papa João Paulo II, cujos apelos à paz, à justiça e à verdade, na base da garantia integral dos direitos do homem, o Governo português inteiramente aprova, apoia e - se lho é consentido - torna seus.
O súbito agravamento da situação internacional nas últimas semanas é, na opinião do Governo Português, da inteira responsabilidade da União Soviética, que, com frontal violação da Carta das Nações Unidas e das demais normas internacionais aplicáveis, invadiu com tropas regulares, o Afeganistão e aí executou um golpe de Estado exógeno, ao derrubar o Governo do país e, substituí-lo, por outro, suprimindo assim a independência e a liberdade de um povo que, até aqui fora um Estado soberano.
Ao tomar posse em 3 de Janeiro, o Governo deparou, pois, com uma situação de grave ameaça à paz e segurança internacionais, que estranhamente não tinha merecido ao Governo anterior a reacção condenatória que se impunha e que, pelo contrário, tinha suscitado à Sr.ª Primeiro-Ministro, no último dia do seu mandato, um comentário público revelador de benevolência e grande compreensão para com a intervenção da União Soviética no Afeganistão.

O Sr. Armando Bacelar (PS): - Não apoiado!

O Orador: - O Governo entendeu que devia reagir prontamente: por um lado, para não deixar que as inaceitáveis declarações da Sr.ª Primeiro-Ministro do V Governo ficassem a representar, perante o País e a comunidade internacional, a atitude oficial ou oficiosa das autoridades portuguesas sobre o assunto ...
A Sr.ª Helena Roseta (PSD): -Muito bem!

Página 82

82 I SÉRIE - NUMERO 5

O Orador: -...e, por outro lado, para significar que o Governo Português repudia firmemente a clamorosa violação do direito internacional que a União Soviética cometeu., e não está disposto a contribuir, por uma política externa feita de silêncios ou de ambiguidades, para enfraquecer o flanco sul da NATO perante a crescente ameaça soviética ao mundo ocidental.

Aplausos da AD.

O Governo está consciente dos propósitos de «finalização» da Europa que animam actualmente os países do Pacto de Varsóvia e tem a dizer muito claramente que Portugal, na parte que lhe toca, -tudo fará para se opor a essa estratégia e combate-la-á vigorosamente sem qualquer hesitação.

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Somos, por isso, a favor de tudo o que possa fortalecer a capacidade de defesa do mundo ocidental e, portanto, apoiaremos sem reservas o reforço da NATO nas presentes circunstâncias.
A chamada a Lisboa do embaixador de Portugal em Moscovo para consultas deve ser vista e entendida à luz das considerações anteriores: foi uma forma de testemunhar, pelo processo diplomático usual nestes casos, a reprovação pública das autoridades portuguesas e foi também, além disso, uma decisão necessária para permitir o rechace global da política portuguesa perante a União Soviética nos planos, diplomático, cultural e comercial, que o Governo desde logo iniciou e de que a seu tempo dará conta a esta Assembleia e ao País. Não temos a intenção de adoptar medidas drásticas ou soluções extremas, mas temos, o direito e o dever de analisar, de acordo com as nossas concepções, em que medida os Governos anteriores puseram ou não a defesa intransigente dos interesses portugueses acima da tendência ingénua para fazer concessões sem contrapartida ou para praticar uma política de desanuviamento unilateral, caracterizada por uma linha de cedência sucessivas em que ao Ocidente cabem apenas os recuos ou as paragens e ao bloco comunista os avanços.

Aplausos da AD.

O Ministério dos Negócios Estrangeiros tenciona proceder a este reexame global em relação a todos os países do Pacto de Varsóvia e seus satélites: mas a crise do Afeganistão aconselha naturalmente a começar pelos dossiers relativos à União Soviética, e assim se fará.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O que acabo de dizer em relação à crise internacional que se desenrola presentemente sob os nossos olhos já permite compreender alguns dos aspectos mais importantes da política externa portuguesa que me cumpre sublinhar perante esta Câmara.
Em primeiro lugar, foi patente no caso do Afeganistão, e sê-lo-á genericamente daqui em diante, que o Governo se sente, e é, solidário do mundo ocidental, pois representa um país europeu e atlântico que sempre se pronunciou por largas maiorias a favor dessa orientação de base, a qual corresponde naturalmente e sem esforço à vocação e à maneira de ser da Nação Portuguesa e aos imperativos estruturais decorrentes

da sua história, da sua posição geográfica e da sua cultura e, civilização.
Em segundo lugar, foi patente no caso do Afeganistão, e sê-lo-á genericamente daqui em diante, que o Governo pretende conduzir uma política externa, clara e sem ambiguidades, que contraste de forma bem nítida com os equívocos, as flutuações e as incertezas que caracterizaram a acção internacional do nosso país do Verão de 1978 para cá. Já foi afirmado que as grandes opções da política externa portuguesa não oferecem dúvidas a ninguém. Nós pensamos, todavia, que a condução da política externa portuguesa nos últimos dezoito meses foi motivo de dúvida e perplexidade para a maioria dos portugueses e dos aliados de Portugal.

O Sr. Rui Pena (CDS): - Muito bem!

O Orador:- Para que tudo fique, pois, bem claro neste momento - quer perante os que nos apoiam, quer perante os que nos criticam , quero declarar de forma frontal e categórica, tal como foi feito durante a campanha eleitoral que nos trouxe ao Governo, que a nossa política externa será uma política claramente pró-europeia e pró-ocidental. Não haverá nela, por conseguinte, qualquer traço de terceiro-mundismo, de não alinhamento ou de reserva ou distanciamento face às nossas solidariedades atlânticas, conscientemente aceites e livremente mantidas.
Aplausos da AD,

Em terceiro lugar, foi patente no caso do Afeganistão, e sê-lo-á genericamente daqui em diante, que o Governo entende chamar a si a condução da política externa, sem a deixar a outros órgãos de Soberania como alguns Governos anteriores fizeram.

Vozes do PSD e do CDS: -Muito bem!

O Orador: - Ao contrário do que sucedia na Constituição de 1933, nos termos da qual a condução da política externa pertencia de direito ao Presidente da República, a Constituição de 1976 atribui essa responsabilidade, ao Governo. Conforme se diz no Programa aqui apresentado para debate, «respeitar-se-ão naturalmente as atribuições que no campo da actuação internacional do Estado a Constituição confere, em termos limitados e para determinados efeitos, ao Presidente da República, à Assembleia da República e ao Conselho da Revolução. Mas, fora desses casos de competência específica, a competência genérica para conduzir a política externa pertence ao Governo - e este assumi-la-á plenamente».

Vozes do PSD: -Muito bem!

O Orador: - A unidade da política externa é, aliás, uma norma operacional exigida pela maior dignidade do Estado e pela coerência e eficácia da acção internacional a desenvolver por Portugal. Por isso, o Governo se oporá também, na medida dos poderes ao seu alcance, à prática anterior das diplomacias paralelas, que desprestigia o País no exterior, perturba o funcionamento interno do Estado e é, aliás, incompatível com o artigo 138.º, alínea a), da Constituição, que só permite a nomeação de enviados ex.

Página 83

16 DE JANEIRO DE 1980 83

traordinários quando a mesma tenha por base uma proposta feita nesse sentido pelo Governo. As diplomacias paralelas deverão, pois, terminar.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A rápida e completa integração de Portugal na Comunidade Económica Europeia, como membro de pleno direito, é o principal objectivo internacional deste Governo e passará de ora avante a constituir a prioridade das prioridades da política externa portuguesa. Daí que pela primeira vez no nosso país tenha sido criado no elenco governativo o cargo de Secretário de Estado da Integração Europeia, cujo significado muito me apraz desde já pôr em relevo, Daí tam6ém que se tenham concentrado nas mãos de um mesmo Ministro as responsabilidades da política externa e da integração europeia.
Quero, no entanto, acentuar aqui que para nós, e diferentemente do que outros entendem a tal respeito, a integração europeia não é tomada como fatalidade histórica irreversível ou como imperativo geoestratégico a que não possamos furtar-nos. Portugal teria, mesmo mantendo-se no campo ocidental, outras soluções alternativas que poderia, se quisesse, adoptar sem ter de aderir, ao menos como membro de pleno direito, ao Mercado Comum Europeu.
Para nós, a adesão integral à CCE não é, pois, a aceitação resignada da única saída possível, é sim a escolha livre e esclarecida da melhor solução de entre as várias por que poderíamos optar.

Vozes do CDS: -Muito bem!

O Orador: -Não é, assim, a submissão a uma fatalidade irresistível, mas a adopção de uni novo destino colectivo. que nos atrai, porque é na Europa que vemos o modelo de sociedade, os níveis de bem-estar e o tipo de civilização e de cultura que ambicionamos como sistema político como quadro de vida e como ponto de- partida para o desenvolvimento de Portugal e um futuro melhor para os nossos filhos.
Colocar deste. modo a questão em nada diminui, antes pelo contrário reforça grandemente, a opção portuguesa feita em 1977 nesta Assembleia com o apoio maciço dos três maiores partidos. democráticos portugueses, de acordo com uma iniciativa em boa hora tomada pelo Governo do Partido Socialista.
Escolha livre e esclarecida da melhor solução, a adesão de Portugal à CEE não se- baseia a nosso ver, em meras razões económicas, que de resto seriam só por si legítimas e bastantes. Para além e acima delas, consideramos do maior relevo os motivos políticos e culturais.
Politicamente, a nossa integração europeia significa um poderoso reforço, da democracia pluralista em Portugal, valor tão alto e sublime que bem justifica se lance mão, para o preservar; de mais esta sólida garantia institucional.
No plano cultural, por outro lado, a nossa adesão à Europa unida, mais do que a integração numa realidade para que entrássemos pela primeira vez, apresenta-se-nos sobretudo como uma verdadeira reintegração - a reintegração de Portugal no espaço cultural em que se formou, donde nunca se exilou e a que pertence não apenas pelas suas raízes, estruturas e instituições, mas também pelo contributo extraordinário e universalista que deu é própria história da Europa e à sua projecção no Mundo. Não é decerto por acaso, mas justamente pelas razões acabadas de apontar, que, segundo me foi comunicado, o Conselho da Europa se propõe apoiar a organização em Lisboa de uma grande exposição internacional sobre a era dos descobrimentos. Os Governos anteriores não se interessaram pela iniciativa ou não foram capazes de a concretizar: este Governo fá-lo-á. E vai fazê-lo por duas razões principais. Primeiro, porque está interessado em valorizar o património cultural da Nação Portuguesa e acima de tudo a nossa história, tão mal tratada no ano de 1975 e tão carecida ainda hoje, de reocupar o lugar que lhe compete na vida de uma pátria desejosa de superar definitivamente a crise de identidade em que foi lançada.

Vozes do PSD e do CDS: -Muito bem!

O Orador: -Em segundo lugar, porque queremos mostrar a nível europeu que, em nossa opinião, a Europa unida do futuro, se não deve dispensar uma sólida base económica e financeira, não pode, no entanto, confinar-se nos acanhados limites materiais de uma organização de negócios, de interesses e de dinheiro. A Europa não pode ser apenas comercial, tem de ser também, e sobretudo, um centro multinacional de cultura e um po61o de civilização exemplar.
Aplausos da AD.

Interessa-nos certamente fortalecer e fazer solidificar a Europa dos agricultores, dos comerciantes, dos trabalhadores e empresários, das associações patronais e sindicais, do comércio internacional e do desenvolvimento económico. Mas interessa-nos igualmente lutar para que a Europa não seja apenas isso e venha a ser também, e sobretudo, a Europa da cultura, da arte, da literatura, da música, dos monumentos e museus, das catedrais, da investigação científica, das Universidades, da educação, da saúde, do desporto, da Eurovisão, do turismo, das autonomias municipais e regionais, da defesa do ambiente e da promoção da qualidade da vida. Esta sim, na sua totalidade, é a Europa a que queremos pertencer e que pretendemos ajudar a construir com a nossa presença e pelas nossas mãos.
Aplausos da AD.

Sr. Presidente e Srs. Deputados: Pelas razões e nos termos anteriormente expostos, propõe-se o Governo seguir uma política de afirmação clara e inequívoca da vocação europeia de Portugal, assumindo essa vocação em toda a sua plenitude, que o mesmo é dizer, com todas as consequências directas e indirectas que derivam dessa opção, tanto políticas como económicas.
É assim intenção do Governo a aceleração das negociações com o Conselho das Comunidades Europeias e a intensificação dos contactos bilaterais com os Estados membros.
Para este efeito, e depois de uma próxima deslocação a Estrasburgo, onde presidirei ao Comité de Ministros do Conselho da Europa, deslocar-me-ei proximamente a Roma, para visitar o presidente em exercício do Conselho das Comunidades, e estarei presente em Bruxelas no dia 5 de Fevereiro para participar, em nome do Governo Português, na primeira reunião de negociações a nível ministerial que se realiza após

Página 84

84 I SÉRIE - NUMERO 5

a abertura de negociações, que teve lugar em 17 de Outubro de 1978.
Contamos também poder receber em Lisboa, ainda no mês de Fevereiro, a visita do vice-presidente da comissão da CEE encarregado das negociações com os candidatos à adesão, Lorenzo Natali.
Desta forma, e com estas primeiras iniciativas, pretende o Governo marcar visivelmente o seu firme propósito de dar um forte impulso político ao processo da integração europeia de Portugal.
No plano técnico, esperamos poder abrir a curto prazo em Bruxelas todos os capítulos da negociação que ainda não foram abertos, a saber: agricultura questões orçamentais, direito de estabelecimento: questões económicas e financeiras e questões institucionais.
Mas o Governo não pretende de modo nenhum que as negociações se desenrolem apenas no âmbito dos gabinetes e no segredo das chancelarias; serão por isso tomadas todas as providências para que o Parlamento, a opinião pública e as forças sociais possam acompanhar mais de perto a evolução do processo, por forma a garantir o interesse e o empenhamento da Nação inteira nesta grande e promissora iniciativa de que depende o nosso futuro político, económico e cultural.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Conforme consta do Programa do Governo submetido, à vossa apreciacão, embora a Europa e a integração europeia constituem a prioridade das prioridades da política externa portuguesa, esta desenvolver-se-á simultaneamente noutras direcções e actuará ao mesmo tempo noutros planos. Creio que o Programa é bastante claro quanto aos princípios. mas aproveitarei para esclarecer algumas dúvidas postas neste hemiciclo na sessão anterior.
Começo por reafirmar que o Governo tem todo o interesse em manter e aprofundar aquilo a que a nossa Constituição chama «laços especiais de amizade e cooperação com os países de língua portuguesa». O Governo colocará essas ligações na base de uma relação entre Estados, e não noutra qualquer base pessoal, partidária ou ideológica, o que seria descabido e inviável. Por outro lado, a política a executar face aos novos países de expressão portuguesa assentará numa filosofia de respeito pelas soberanas nacionais, de não ingerência nos assuntos internos de parte a parte e ainda, no que nos toca aos, portugueses, de salvaguarda da dignidade nacional.
Serão, cumpridos os acordas de, amizade ou cooperação já assinados e tomadas outras iniciativas julgadas pertinentes. Será estudado o contencioso económico e financeiro existente e. proposta e. sua negociação' E serão defendidos, aí como perante quaisquer outros países, os interesses legítimos de Portugal e dos Portugueses. Do tudo se. ocuparão, em especial, a Direcção-Geral da Cooperação e o Instituto para. a Cooperação Económica, recentemente, criados o que aguardam a necessária ratificação parlamentar.
Foi perguntado noutro dia ao Gorverno. por um partido da, oposição se em relação aos mesmos países- se encarava também o prosseguimento, da cooperação cultural, em que o Programa não fala, e w. se admitia poder apoiar as empresas portuguesas que pretendam estabelecer relações comerciais com empresas desses novos Estado A resposta é óbviamente positiva em ambos os casos e de muito bom grado se deixa assim reparada a omissão.
Quanto a política a desenvolver face aos países árabes, direi que é firme- intenção do Governo manter e expandir as relações existentes e procurar estabelecê-las quando ainda não existam. Não o faz-mos apenas ou principalmente por causas económicas, mas também por se tratar & países cuja civilização marcou profundamente a nossa história e a da Humanidade, cuja espiritualidade e cultura muito admiramos e cujo papel no equilíbrio e na paz mundial tem vindo a adquirir o maior relevo e, não pode deixar de ser tido em conta na primeira linha das realidades internacionais contemporâneas.

Vozes do PSD: - Muito, bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O curto período de que disponho para esta intervenção não me, permite alongar as referências que desejaria poder fazer ao capítulo da emigração e, das comunidades portuguesas no, Mundo. Isso não significa menor atenção ao problema que tenciono colocar sempre em primeiro plano nos objectivos e na acção a empreender pelo departamento que me está confiado. Entendo mesmo que o Ministério dos Negócios Estrangeiros não pode mais limitar-se: a ser apenas um instrumento da diplomacia interestadual, antes terá de converter-se num organismo vocacionado para desempenhar simultaneamente uma missão social de apoio a todos os portugueses que residam no estrangeiro ou nele se encontrem.

O Sr. Theodoro da Silva (PSD): -Muito bem!

O Orador: -Só assim se poderá ir de encontro às necessidades, reais dos nossos emigrantes, que não podem continuar a ser tratados como mera fonte de remessas monetárias, antes têm de ser vistos sobretudo como seres humanos com carências de toda a sorte, como portugueses desejosos de manter uma ligação muito íntima com a sua pátria e com cidadãos de parte inteira, a quem é ilegítimo e escandaloso não reconhecer a plenitude dos direitos cívicos e políticos.

Aplausos da AD.

Por outro. lado, o Governo empenhar-se>-á em elaborar uma política global de identificação, apoio e valorização das comunidades portuguesas espalhadas pelo Mundo e de estreitamento dos laços que, apesar dos séculos das distâncias, as unem a Portugal. Neste sentido, e particularmente significativo, que o cargo de Secretário de Estado da Emigração tenha passado a denominar-se oficialmente de Secretário de Estado da Emigração e Comunidades Portuguesas. O Governo tem conhecimento, das intenções da maioria parlamentar quanto à sujeição a ratificação e revisão dos diplomas reguladores da matéria e apoiará essas iniciativas, pedindo mesmo aos Srs. Deputados que introduzam as modificações necessárias para transferir os podereis legais relativos ao Dia das Comunidades e ao Congresso, dás Comunidades, da competência do Conselho da Revolução, ou de alguns dos seus membros, para a competência do Governo, donde nunca deviam ter saído.

Aplausos da AD.

Página 85

16 DE JANEIRO DE 1980

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nesta hora. dificil de agravamento da crise internacional, as minhas últimas palavras são de, esperança na possibilidade de manter sob contrôle os acontecimentos e de, assim se poder preservar o bem inestimável da paz. Portugal ainda tem esperança, Esperança no bom senso, no sentido das responsabilidades e no autodomínio dos políticos e governantes do Mundo. Esperança, sobretudo, na boa vontade dos homens. O Portugal, país cristão, não ignora que a Paz foi anunciada na terra aos homens do boa vontade.

Aplausos da AD.

Uma voz do PCP: - Amen!

O Sr. Presidente: -Tem a palavra o Sr. Deputado Salgado Zenha para pedir esclarecimentos.

O Sr. Salgado Zenha (PS): - Sr. vice-primeiro-ministro: Em primeiro lugar, queria apresentar-lhe as minhas saudações pelo facto de, pela primeira vez, ter usado da palavra como membro do Governo nesta Assembleia.
É com muito gosto que nós o vermos assumir responsabilidades governamentais depois de ter exercido as suas funções como Deputado, nesta Assembleia democrática e ainda por ser a pessoa com quem nos habituámos a ter relações de amizade, dentro da divergência que é própria de formações democráticas que perfilham pontos de vista diversos.
É dentro desta perspectiva que uso da palavra para lhe fazer algumas perguntas, que não são, evidentemente, nenhum acto de agressão, seja ela bélica ou integrada em qualquer bloco político ou ideológico, mas que são a assunção de cada formação política dentro, dos seus pontos de vista próprios, aceitando o sufrágio popular que representa uma consagração desse pluralismo democrático que se efectiva em todas as nossas posições políticas.
V. Ex.ª governa, o Partido Socialista é oposição, e, naturalmente, isso não implica que o sector da oposição, liderada pelo Partido Socialista, não tenha com o Governo relações de cooperação que, evidentemente, estarão dentro da nossa posição de oposição democrática, aliás já anunciada inequivocamente através da moção de rejeição apresentada pelo meu partido logo no início da discussão do Programa do Governo.
E, posto isto, que não é nenhum galhardete, mas é talvez uma forma de, tornar mais efectiva e mais eficaz a nossa oposição e ela será tanto mais eficaz quanto mais democrática for, queria apenas fazer ao Sr. Vice-Primeiro-Ministro duas perguntas, aliás muito breves, para esclarecer o sentido da sua intervenção.
Naturalmente que a sua declaração sobre política externa será analisada com mais detalhes noutras intervenções, mas o Sr. Vice-Primeiro-Ministro iniciou a sua intervenção com uma declaração so6re o problema abegão e dela se, pode depreender que tenha querido dar a esse acontecimento da política internacional uma certa dramaticidade.
Nós não negamos que o acontecimento é grave e que ele tem e terá repercussões sérias na política externa mundial, em toda a política internacional. O Partido Socialista condena a intervenção soviética no Afeganistão, o Partido Socialista concorda com a posição que o Governo tomou condenando essa intervenção, concorda também com a nota de protesto entregue pelo Governo ao embaixador soviético em Lisboa e concorda, de modo geral, com as intervenções que a nossa diplomacia tem tido nas Nações Unidas.
Não obstante, há dois pontos na posição política deste Governo, constantes de uma nota oficiosa não sei se a qualifico bem - que veio publicada nos jornais logo que o Governo iniciou as suas funções, que a nós nos mereceram alguma perplexidade e alguma dúvida.
0 primeiro ponto que gostaríamos de ver esclarecido foi o facto de o Governo ter chamado o nosso embaixador em Moscovo, que, segundo dizem os jornais, se encontrava em Lisboa nas vésperas da publicação dessa nota - não sei se o facto é exacto ou não, mas de qualquer maneira gostaria que o Sr. Vice-Primeiro-Ministro esclarecesse esse ponto, se ele foi enviado expressamente para Moscovo a fim do vir a ser chamado depois. Mas isso é um pormenor apenas e, de facto, não tenho meios de controlar se essa, afirmação feita por certos meios de comunicação social é ou não exacta, e portanto eu gostaria de ser esclarecido.
De qualquer modo, a nós, socialistas, afigurou-se-nos um pouco desproporcionado- esse acto de chamada do nosso embaixador em Moscovo - com a viagem prévia de Lisboa a Moscovo, ou não, pois esse pormenor é secundário, mas de qualquer modo eu gostaria que ele fosse esclarecido. No entanto, como eu ia dizendo, afigurou-se-nos o- acto da chamada do nosso embaixador desproporcionada por várias ordens de razões. A chamada de um embaixador num país estrangeiro é sempre um acto que implica um especial interesse do país que toma, essa atitude em consequência ou da sua oposição no cenário internacional ou dos interesses especiais que possui na zona onde os acontecimentos que deram origem a chamada se verificam e, portanto, tal acto denota que esse país tem interesses especiais a proteger nessa- zona.
Aliás, -tanto- quanto eu sei, os únicos países que tomaram atitudes análogas à de Portugal foram países que tinham interesses especiais q proteger nessa zona, ou em consequência do sou estatuto de potência internacional ou por quaisquer outros motivos dessa ordem.
Dada a oposição do nosso país, não nos parece que Portugal tenha interesses especiais a proteger na zona asiática e, mesmo quando, no, longínquo século XIX, no tempo da rainha Vitória, a Inglaterra invadiu o país abegão por meio de uma expedição militar --nessa altura ainda possuíamos o Estado Português da Índia não me consta que em Portugal, no regime monárquico, estivesse feito um acto análogo ...

Risos do PS

... mas, enfim, não estou a equiparar essas duas situações. No entanto, apenas dificilmente nós lobrigamos que haja da parte do Governo Português um interesse especial a proteger nessa zona.
Assim, afigura-se-nos que essa posição foi ditada a princípio mais por uma posição filosófica de anti-sovietismo generalizado, que é da responsabilidade do Sr. Vice-Primeiro-Ministro a qual foi seguida por

Página 86

86 I SÉRIE - NUMERO 5

muitos governos em Portugal, e não se me afigura que, no plano estrito da condução da política externa, esse acto seja racionalmente muito justificado.
O segundo ponto sobre o qual solicito um esclarecimento do Sr. Vice-Primeiro-Ministro refere-se. à alusão que nessa nota oficiosa se faz ao Chefe do Estado, ao Sr. Presidente da República.
Não vou discutir quais as relações existentes entre o Presidente, da República e o Governo em matéria de política externa - isso levar-nos-ia a uma discussão um pouco escolástica -, mas o que é certo é que o Presidente da República tem funções em matéria de política externa, é o chefe da nossa diplomacia, é, por assim dizer, o fiador dos tratados internacionais, visto que eles não são eficazes sem serem ratificados por ele, e, de qualquer maneira, os nossos diplomatas representam o Estado Português, do qual o Presidente da República é o Chefe, e não o Governo, pois este é transitório.
Mas, mesmo partindo do princípio de que o Governo pudesse tomar essa atitude, sem consultar primeiro o Sr. Presidente da República e concedo isto para fins de raciocínio, pois é polémica que não me interessa, afigurassem ser descortês para com o Sr. Presidente da República, até. mesmo prejudicial para o bom funcionamento do sistema democrático português, que nessa nota oficiosa se tenha dito que o Governo tomou essa decisão e se limitou a comunicá-la a posteriori ao Chefe do Estado.
Não me consta que em nenhuma democracia ocidental, nem sequer no sistema britânico, do qual o Sr. vice-primeiro-ministro é um grande admirador e até se tem ocupado nas suas lições universitárias em demonstrar que para si é o modelo britânico o modelo ideal de governo, embora me pareça que ainda não temos rei, ainda que alguns Deputados aqui presentes n pretendam...

Risos do PS.

... mas, como eu ia dizendo, não me parece que, o Governo Britânico. em qualquer nota oficiosa que publique, sobre um assunto de política externa, diga que se limitou a comunicar a decisão do Governo à rainha, como não me parece, também que em qualquer outro Estado republicano democrático ocidental se faça, nas relações internas, entre o Governo e o Presidente da República, o Chefe do Estado, strip-tease em notas oficiosas.

Risos.

Parece-me que esse strip-tease é, evidentemente, pouco respeitoso para com o Chefe do Estado e, se me permite, até ofende os meus sentimentos de democrata, mas não tenho que me pronunciar a esse respeito.
O Governo tomará as decisões que quiser, será responsável por essas decisões face ao Parlamento, mas não se me afigura que as suas concepções sobre qual o modo de relacionar a competência do Presidente da República, com o Governo em matéria de política externa devam ser pretexto para comentários depreciativos para em o Chefe do Estado.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: Sr. vice-primeiro-ministro, há mais oradores inscritos para pedidos de esclarecimento à intervenção que fez. Pedia-lhe o favor de informar a Mesa se pretende responder caso a caso ou se se reserva para uma resposta global.

O Sr. vice-primeiro-ministro: Pretendo responder no fim globalmente, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente:- Tem a palavra, também para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado António Guterres.

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Vice-Primeiro-Ministro, foi ponto importante da sua comunicação a opção clara do Governo pela integração europeia de Portugal. Penso- que este- é um bom momento para mostrar que o Partido Socialista foi talvez a primeira força política portuguesa a advogar, claramente e sem reservas, a adesão de Portugal às Comunidades Europeias e que foi durante a vigência de um governo socialista que pedido de adesão foi apresentado.
Poderia esta afirmação querer dizer que nada haveria da nossa parte a perguntar ao Governo a. este respeito e que estaríamos, portanto, inteiramente de acordo.
Penso, no entanto, que em matéria de tanto relevo para a vida nacional importaria fazer algumas considerações e procurar precisar o pensamento do Governo nesta matéria.
Há, de facto, diversas concepções acerca do que deve ser o caminho económico, social e político da Europa e há também diversas concepções sobre as consequências que para Portugal pode ter o processo da integração europeia, dependendo naturalmente da forma como serão conduzidas as negociações de adesão.
Quando o Governo socialista apresentou o pedido de adesão manifestou, com clareza, entre outras, uma preocupação e uma perspectiva.
A preocupação - que aliás está de acordo com uma frase do actual Programa do Governo, quando diz que « a política externa deve partir dos valores da Nação Portuguesa e do projecto de sociedade a realizar na ordem interna» - era a de salvaguardar. nas negociações para a adesão à Europa, o modelo económico e social consagrado na Constituição e que correspondia, em nosso entender, à forma de concretizar a democracia económica e social, que é indispensável. fazer associar à democracia política.
A perspectiva em que nos inseríamos era a de que Portugal deveria contribuir, no seu processo de adesão à Europa, para a transformação democrática e progressiva dessa mesma Europa, no sentido de ela vir a constituir uma verdadeira Europa dos trabalhadores

O Sr. António Arnaut (PS): - Muito bem!

O Orador: -Da leitura do Programa do Governo em diversas das suas partes fica-nos a preocupação, se não mesmo a suspeita, de que são outras nestas matérias a orientação e a filosofia do Governo.
Fica-nos a preocupação de saber se o Governo não procurará aproveitar a integração europeia como argumento ou alibi para realizar determinadas transformações na ordem interna para as quais não existam

Página 87

16 DE JANEIRO DE 1980 87

no consenso das forças políticas portuguesas, tal como se expressam nesta Assembleia, ou na realidade económica e social, tal como ela existe, para as quais não existam, dizia eu, condições internas. Ou seja, fica-nos a preocupação de saber se não haverá a intenção de utilizar o processo de integração europeia como argumento para procurar invalidar as transformações económicas e sociais positivas que, em Portugal se registaram na sequência do 25 de Abril, aquelas que foram orientadas no sentido de uma maior democracia económica e social e, naturalmente, não outras que eventualmente tenham ido contra esses princípios.
E, ainda no domínio das perspectivas do que virá a ser a Europa, fica-nos um pouco a preocupação de o Governo estar satisfeito com a Europa que temos, e portanto na sua acção política, quer nas negociações para a adesão quer, eventualmente, se for Governo quando Portugal for membro de parte inteira das Comunidades Europeias, poder estar resignado a uma Europa em que ainda hoje os grandes grupos económicos e as grandes empresas multinacionais impõem, de forma clara, a sua vontade aos parlamentos e aos Governos, afrontando, dessa forma, em tantas e tantas ocasiões relevantes, a vontade democrática expressa pelo voto popular.
Para além destas considerações genéricas, gostava de lhe pôr três perguntas concretas, que dizem respeito à defesa de interesses específicos de camadas sociais da nossa população profundamente interessadas no processo de integração europeia. E a primeira, como não podia deixar de ser. é relativa aos agricultores portugueses.
Creio que todos estaremos de acordo em que são os agricultores portugueses o sector da nossa população que mais será afectado pelo processo de integração europeia, positiva ou negativamente, dependendo da forma como essa integração se consuma, dependendo da forma como as negociações são conduzidas.
Este problema é particularmente grave para os sectores de produção agrícola em que coexistem simultaneamente baixas produtividade nas nossas explorações excedentes consideráveis de produção nos países da Comunidade. Para encurtar razões, é sobretudo este o caso da pecuária no norte e centro do país, a qual envolve muitas dezenas, se não mesmo centenas de milhar, de portugueses.
Por outro lado, sabe-se que mais de três quartos do orçamento das Comunidades Europeias é hoje afecto à política agrícola comum e é utilizado através do Fundo Europeu de Orientação e Garantia Agrícolas. Desse Fundo, como naturalmente o Governo sabe, e muito melhor do que eu, a parte afecta à garantia de preços é substancialmente superior à parte dos fundos que são destinados ao apoio directo aos agricultores para actividades de modernização e reestruturação.
Ora Portugal é um país longamente importador de produtos agrícolas, e, portanto, a aplicação directa do Fundo de Orientação e Garantia Agrícolas virá quase necessariamente a traduzir-se numa perda substancial de divisas para o nosso país.
Por outro lado, e tal como ele existe hoje, o Fundo de Orientação aplica-se caso a caso,, empresa a empresa, e exige por parte das empresas agrícolas uma capacidade de gestão e de projecto que infelizmente,

não existe na generalidade das empresas agrícolas portuguesas, quase todas elas de muito pequena dimensão, de natureza familiar, e em que há, ainda por cima, uma percentagem de analfabetos extremamente elevada à frente dessas pequenas explorações.
0 problema que se põe é, pois, o seguinte: a aplicação directa da política agrícola comum, sem adaptações, ao caso português virá trazer provavelmente graves prejuízos à situação dos nossos agricultores e, portanto, é preciso os negociadores portugueses tomarem uma atitude particularmente intensa nesta matéria. Que iniciativas vai o Governo propor neste domínio? Que alterações vai o Governo propor ao esquema financeiro da Comunidade que possam ter em conta os problemas de que falei? Que acções vai o Governo desencadear na ordem interna para poder minorar alguns dos aspectos que necessariamente serão negativos, mesmo que seja possível alterar, em Bruxelas, algumas das condicionantes da política agrícola comum, tal como ela actualmente se expressa?
A segunda questão diz respeito à liberdade de circulação dos trabalhadores. Portugal é um país que tem na Europa certamente mais de um milhão de emigrantes, Portugal é um país que tem hoje níveis de desemprego estrutural extremamente elevados no interior das suas fronteiras, e um dos problemas que levou a que fôssemos favoráveis à integração de Portugal no Mercado Comum foi precisamente a liberdade de circulação para os trabalhadores, que está consignada no Tratado de Roma.
Tem-se verificado, no entanto, que em processos de negociação para adesão de outros países, e particularmente, como ainda recentemente, no caso grego, a Comunidade impôs restrições bastante severas a essa liberdade de circulação durante um período de tempo relativamente longo. Gostaria de saber qual a posição do Governo Português a este respeito. Ou seja, relativamente às negociações portuguesas para a nossa adesão, vamos ou não no posição de reivindicar a liberdade de circulação desde o momento da adesão e qual a nossa estratégia negocial nesta matéria?
A terceira questão, dá respeito à relação entre a adesão de Portugal ao Mercado Comum e o intercâmbio com os países que constituiram no passado colónias do país.
Como é sabido, uma vez integrados na Europa, os Portugueses terão, que aceitar as regras de comércio externo da própria comunidade em relação a países terceiros. Alguns dos países que foram antigas colónias portuguesas adediram já à Convenção de Lomé e, portanto, o seu caso está salvaguardado nesse âmbito. Mas há outros que não aderiram à Convenção de Tomé e relação aos quais Portugal um hoje relações comerciais de carácter preferencial que não estão previstas no quadro da Comunidade.
A minha pergunta é a seguinte: quais as medidas que o Governo Português tenciona propor e que atitude terá nas negociações para que este problema possa ser resolvido e para que Portugal possa manter com esses países as mesmas relações económicas preferenciais que nos parece indispensável manter.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, igualmente para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado Jorge Sampaio.

Página 88

I SÉRIE-NÚMERO 5

O Sr. Jorge Sampaio (PS): - Sr. Vice-Primeiro-Ministro, V. Ex.ª definiu como um dos vectores fundamentais da nossa política externa, por um lado, a integração na Europa e, por outro, tal como parece depreender-se, o diálogo com a África, mais precisamente, na perspectiva de laços culturais, o diálogo com os países que foram, antigas colónias portuguesas.
No que respeita à integração na Europa, o que interessa sabor é se, para o Governo, a opção europeia é, a seu modo e de harmonia com as nossas possibilidades, também uma opção por uma Europa europeia, espaço geográfico decisivo para consolidar um novo e nesse caso qual projecto de sociedade internacional que Transforme o confronto entre os blocos num diálogo participado e universalista.
Tal como se depreende e se lê no Diário da Assembleia da República de 18 de Agosto de 1979, pág. 3760, a propósito dos fundamentos para as nossas alianças e para os princípios por que se deve para a nossa politíca externa, V. Ex.ª enumerou, os seguintes: «a visão comum do interesse do Ocidente, a adesão a uma determinada estratégia política e militar, a conscdência da necessidade da defesa peranite inimigos comuns, a pertença deliberada ao mesmo tipo de cultura e de civilização.»
Conhecidas a situação económica do País e a necessidade de apodo externo diversificado e de defesa da nossa autonomia no quadro dos nossos compromissos, as razões acima enunciadas, se contempladas por forma estática, agravarão a nossa dependência e transformar-nos-ão de agentes individualizados no concerto das nações que buscam a paz, o seu desenvolvimento e o seu progresso(> em meros seguidores disciplinados de uma polícia definida por outrem.
Por isso importa sermos esclarecidos sobre que posição pretende tomar o Governo no sentido de reforçar a nossa independência na interdependência, nomeadamente quanto às_ posições concretas que o Governo vai tomar sobre o desarmamento, quanto à próxima conferência de Segurança e Cooperação Europeias e quanto. às posições que pretende tomar em relação a todas as negociações económicas internacionais em curso sobre a transferência de tecnologias, ião decisivas para o nosso progresso e para a nossa independência.
Por outro lado, face à multidimensionalidade diversificada que se justifica para as nossas relações externas, sem prejuízo das condicionantes geopolíticas de base, que são vectores essenciais da reflexão estratégica portuguesa, qual é a posição que o Governo pretende tomar perante a generalizada aspiração a uma nova ordem internacional e, mais especificamente, perante as aspirações dos países produtores de matérias-primas de que Portugal carece, no quadro da transformação das relações internacionais contemporâneas, a caminho da paz, da equidade, igualdade soberana, independência e cooperação?
Quanto às relações em África, também referidas no seu discurso e no Programa do Governo, e, em especial, com os países que resultaram das nossas antigas colónias, pergunta-se: que passos pretende dar o Governo para concretizar e consolidar as potencialidades que tais laços nos oferecem? Quanto aos principais problemas africanos, qual é a posição do Governo? E no que respeita ao «contencioso, com as ex-colónias» - assim chamado no Programa do Governo- o que nos garante de facto que não se subestimará tal contencioso? Que pretende o Governo fazer para resolver, e em que ter-mos, esse contencioso, para além de o estudar e de propor soluções?
Por causas evidentes da necessidade de uma coordenação interministerial, imposta pelas características multidimensionais das relações internacionais contemporâneas, o Ministério dos Negócios Estrangeiros é um dos principais instrumentos de execução da nossa política externa, mas não será talvez o único. Que passos se pretende dar para assegurar a unidade da política externa que V. Ex.ª referiu no seu discurso e para a reforma dos serviços do Ministério que está referida no Programa do Governo?
Para finalizar, apenas mais uma questão: pretende o Governo compreender, apoiar e incentivar o reforço das relações externas dos mais variados grupos da vida portuguesa, tanto políticos, como sindicais, culturais ou económicos, e proceder a uma coordenação da representação externa de forma unificada?

O Sr. Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado João Lima.

O Sr. João Lima (PS): -Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro dos Negócios Estrangeiros: A despeito de V. Ex.ª já ter emprestado um sentido especial à questão da integração europeia do nosso país, que é aquele. que o Governo atribui a tal questão, o entendimento que me ficou da leitura do Programa do Governo, no que diz respeito à política externa, justifica, de certo modo, que insista na questão e que faça uma pergunta a V. Ex.ª.
No elenco das suas opções fundamentais em matéria de política externa o Governo não inclui nem sequer refere noutro lugar, salvo talvez no fugaz momento desta sessão, as relações com a Espanha, com o Brasil, com os países da América Latina e mesmo com os países árabes, como também não refere questões tão importantes para os pequenos países, como o nosso é, como a nova ordem económica internacional, o desarmamento, a cooperação e o desenvolvimento entre os povos e, enfim, as questões da própria autodeterminação e independência das nações sob dominação estrangeira.
Surge-nos então a pergunta: significará isto o retorno a um certo isolacionismo português, tornando-se o nosso país num automático seguidor das iniciativas e posições, quaisquer que elas sejam, de grandes potências, sem que a integração europeia se apresente como uma opção política global que extravase o carácter económico-financeiro de uma Europa que se quer transformar numa nova unidade política?
Por outro lado, e não retornando aos problemas de fundo que a questão afegã põe-nos concordamos com a condenação da atitude política da União Soviética em relação a esse país, embora nos permitamos a liberdade de sorrir perante a mise-en-scène que o Governo fez na sua actividade política, fica a pergunta, para nós importante, e mesmo bastante importante, porque se refere à prática, de como consegue o Governo conjugar o processo que usou, a par da sua actuação política em relação a esta questão nomeadamente o chamamento do embaixador de Portugal em Moscovo o a própria nota oficiosa que

Página 89

16 DE JANEIRO DE 1980

89

o Governo publicou e que me permito a liberdade de dizer que é mais papista que o Papa, com a ida da missão económica portuguesa a Moscovo para negociação de uma questão tão sensível e difícil como é a questão petrolífera e a questão da energia em Portugal.
Será que a atitude política em relação à União Soviética foi tão pouco global que não teve em consideração as suas várias facetas?
Ainda algumas perguntas muito directas.
O Governo anunciou no seu Programa a intenção de reorganizar o serviço diplomático. Pergunta-se então: vão manter-se a actual estrutura e funções do Conselho do Ministério dos Negócios Estrangeiros ei os critérios que até agora têm presidido à nomeação para os postos diplomáticos e consulares no estrangeiro do chamado. pessoal diplomático? Pensa o Governo nomear imediatamente um novo embaixador de Portugal para o Maputo, sem que tal fique dependente, do estudo do chamado contencioso económico e financeiro com a República Popular de Moçambique? Tenciona o Governo abrir ou não, a curto ou médio prazo, uma embaixada de Portugal em Israel, no seguimento de uma política coordenação segundo os interesses do chamado mundo ocidental?
Em relação à política da emigração e das comunidades, que V. Ex.ª não referiu nem caracterizou aqui nesta sessão da Assembleia da República, queria pôr-lhe algumas questões.
Pode-se sempre dizer que, justificando a sua intenção de modificar a actual Lei Eleitoral, o Governo, além do mais, pretendei conseguir a máxima capacidade, de expressão, da vontade popular e a mais ampla participação dos cidadãos portugueses radicados no, estrangeiro.
Até aqui estamos inteiramente. de acordo, Sr. Vice Primeiro-Ministro, mas pergunta-se: poderá isto significar a obrigatoriedade do recenseamento e/ou do voto dos emigrantes? Significará isto o aumento do número de Deputados representantes dos emigrantes, mesmo que estes não se recenseiem? Ou poderá significar a modificação dos actuais círculos eleitorais da emigração?
Estas perguntas têm um fundamento na sua formulação, pois vale sempre a pena prevenir alguma tentação ou alguma confusão entre, a fronteira da Atribuição dos direitos cívicos totais e absolutos a um grupo de, pessoas como os emigrantes e o seu actual exercício e a fronteira do campo em que utilizam tais posições, de ordem política, mais para defender interesses sectários do que os interesse dos próprios destinatários dos direitos. V. Ex.ª esclarecerá esta questão, na altura que achar própria.
No- seu Programa, o Governo afirma que «a ampliação e o, reforço das formas de participação política dos emigrantes portugueses serão prosseguidos» e, quanto a isto, estamos também em princípio, de acordo, mas significará isto que o Governo vai desde já regulamentar ei fazer executar a lei que criou as Comissões Consulares de Emigrantes?
Finalmente., queria perguntar a V. Ex.ª, Sr. Vice-Primeiro-Ministro, qual a perspectiva do Governo sobre o próximo Congresso das Comunidades Portuguesas e qual a sua participação na realização do mesmo.

O Sr. José Vitorino (PSD): - Que grande confusão!

O Orador. - V. Ex.ª já respondeu antecipadamente.
Mas, Sr. Vice-Primeiro-Ministro, em relação a esta questão, permita-me fazer uma rectificação, pois as atribuições consignadas nos diplomas legislativos que V. Ex.ª invocou sobre, a organização de comemorações ou. congressos não pertencem, em geral, ao Conselho da Revolução, mas esses decretos constituem um quadro jurídico que atribuem ao Sr. Presidente da República a iniciativa de certas nomeações para a organização dos mesmos. E, quanto a mim, esta atribuição ao Sr. Presidente da República tem o significado de, ser ele que, extremamente, representa a unidade, do Estado Português, e não vejo qualquer outra coisa e o Conselho da Revolução nada tom a ver com esta matéria.
Simplesmente, relativamente posição tomada pelo Governo, pedindo a ratificação desses decretos-leis e a transferência. para o Governo dos poderes que nesses decretos-leis não lhe são atribuídos, eu não queria ver isso como o Governo a defender a transformação do símbolo da unidade da Nação, o Sr. Presidente da República, no Governo actual.

O Sr. Presidente: - Como não há mais pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Vice-Primeiro-Ministro para responder.

O Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro dos Negócios Estrangeiros: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Da a exiguidade de tempo que é consentida para responder a todas as perguntas ;terei naturalmente de confinar-me a questões de orientação geral; não poderei sempre entrar na pormenorizarão da resposta a todas as questões e remeterei ainda a resposta de algumas delas para intervenções sectoriais que certamente se seguirão da parte do Governo, hoje e amanhã.
Quanto àquilo a que posso e devo responder agora, gostaria de começar por agradecer as palavras de gentileza. democrática que me foram dirigidas pelo Sr. Deputado Salgado Zenha, gostaria de as retribuir com igual sinceridade e estima e gostaria de lhe dizer que ainda bem que as fez porque esse é o papel da oposição,...

Vozes do PCP: - Só esse ?

O Orador- -...e eu relembraria agora aquilo que o Partido Socialista sempre disse quando esteve no Governo, de que em democracia é tão importante ser Governo como ser oposição, e ambas as funções, sendo diferentes, têm igual dignidade e igual utilidade.
Em relação ao problema do Afeganistão e a da reacção que face a ele o Governo tomou, o Sr. Deputado Salgado Zenha levantou dois problemas, o primeiro, relativo à chamada a Lisboa do Embaixador de Portugal em Moscovo.
Posso esclarecê-lo de que antes de determinar a chamada do Embaixador de Portugal em Moscovo, me certifiquei sobre se ele estava ainda em Lisboa ou não. Obviamente que, se estivesse, não teria sido enviado para Moscovo, nem sequer se teria deixado partir. Mas a verdade é que tinha partido na véspera,

Página 90

90 I SÉRIE - NUMERO 5

ou na antevéspera, e por conseguinte. foi necessário mandá-lo vir.
Não penso que a reacção, a essa medida tenha sido desproporcionada. Pelo contrário. Por um lado, e como disse no meu discurso, essa medida representa a forma normal em diplomacia. de se testemunhar publicamente o desagrado perante uma atitude política tomada por um terceiro país, Por outro lado, era intenção do Governo nesse momento tornada mais imperativa e urgente relativamente ao caso da União Soviética- proceder ao rechace global das relações de Portugal com os países do Pacto de Varsóvia e, naturalmente, nós não queríamos proceder a esse rechace global sem podermos ter em Lisboa para consultas o embaixador de Portugal em Moscovo. É, aliás, por essa razão que ele ainda cá se encontra e é intenção do Governo demorá-lo pelo menos até ao momento em que o rechace global da política de relações de Portugal com a União Soviética esteja terminado.
Nós não temos, naturalmente, nenhum interesse directo no Afeganistão, mas já temos um interesse específico em tudo quanto, possa passar-se nessa zona do Mundo, designadamente porque essa zona pode, pôr em causa o equilíbrio, e a paz mundiais - está já a contribuir para uma alteração qualitativa da situação internacional mundial e nessa medida, portanto, temos interesse nela. Por outro lado, é uma zona estrategicamente importante. em relação ao, problema, que nos toca a nós, como toca a todos, do abastecimento de matérias-primas e de, energia e por isso tudo quanto se passe nessa zona é do interesse de Portugal. Por outro lado ainda o este é talvez o ponto mais importante ou, pelo menos, igualmente importante, nós, lemos, e não queremos abdicar disso, um interesse genérico em -tudo aquilo que. tenha a ver com a paz e a segurança internacionais, por um lado, e, por outro lado., com a liberdade e a segurança da Europa Ocidental a que pertencemos.
E é nossa convicção, de que a União Soviética entrou neste momento numa nova etapa da sua ambição imperialista e, se não houver uma reacção firme da parte do mundo ocidental assumida por todos e, não apenas por um desses países, a União Soviética interpretará isso como uma luz verde para poder contentar a sua ambição expansionista e imperialista.
É preciso que a União Soviética saiba que terá pela sua frente uma barreira de firmeza e de vigor da parte do mundo ocidental, e só se o mundo ocidental for capaz, unido e em bloco, de demonstrar essa firmeza e esse vigor perante a União Soviética é que poderá poupar' o Mundo aos horrores de uma nova guerra.

Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.

Não somos, naturalmente, feridos de anti-sovietismo,...

Risos do PCP

mas: somos claramente, contra o expansionismo e o imperialismo de que a União Soviética vem dando provas, as mais duras, nos últimos tempos.

Vozes do PSD, do CDS e do PPM: - Muito bem!

O Orador: - Em segundo lugar, fez referência o Sr. Deputado ao problema de uma eventual descortesia do Governo para com o Sr. Presidente da República. Não foi essa a intenção do, Governo. Pelo contrário, a intenção foi a de um gesto de cortesia, que noutras circunstâncias não seria de facto necessário como disse o Sr. Deputado Salgado Zenha, mas que nos pareceu conveniente porque se tratava da primeira tomada de posição pública do Governo sobre um problema de política internacional fundamental. O Governo acabava de tomar posse, a oposição ou as aposições já tinha começado a explorar o problema de conflitos entre o Presidente da República e o Governo - ou melhor, entre o Governo e o Presidente da República, e o Governo, sem abdicar da sua responsabilidade e competência para tomar as decisões que lhe pertenciam nesta matéria, não quis que fossem deixadas dúvidas e quis acentuar, naquilo que lhe pareceu ser um gesto de cortesia, que o Sr. Presidente da República tinha sido posto ao corrente das decisões do Governo e não tinha sabido delas pelos jornais. Foi, pois, uma decisão de cortesia e não um gesto de descortesia.
Respondia agora às questões de orientação genérica postas pelo Sr. Deputado António Guterres, pedindo desde já desculpa de não lhe poder responder, por falta de tempo e também ainda por falta de alguns elementos de dosareis que não tenho ainda totalmente na minha mão, às perguntas concretas que fez, as quais todavia serão registadas para o efeito de serem respondidas noutras intervenções durante este debate. ou para o efeito de serem objecto do diálogo, que queremos manter com a Assembleia, tanto com a maioria como com a oposição, sobre a evolução do processo de negociações com a CEE.
Começou por dizer o Sr. Deputado António Guterres que o Partido Socialista foi a primeira força política a advogar a integração de Portugal na CEE. Suponho que não terá sido bem assim, pois creio que há outras forças políticas, designadamente da maioria, que nos seus programas de partido apontavam para esse objectivo antes de o Partido Socialista o ter adoptado.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: Mas é um facto que o Partido Socialista foi porque era Governo democrático, eleito o primeiro, como Governo, a tomar iniciativas concretas, e eu disse-o no meu discurso não sei se o Sr. Deputado António Guterres o ouviu, disse-o claramente e prestei até a homenagem que por esse facto é devida à iniciativa do Partido Socialista.
Realmente há diversas concepções acerca do que deve vir a ser a Europa, e não é de estranhar - ninguém em democracia poderá estranhar- que a concepção do Partido Socialista seja diferente da concepção da Aliança Democrática ou de cada um dos partidos que a integram. Naturalmente que aí há concepções diferentes de projecto social, de modelo económico, e isso não é de estranhar nem tem nada de extraordinário. È natural e, a meu ver, é positivo que assim seja.
Penso, todavia, que nós, cada qual nas suas posições, não devemos procurar que a Europa venha a ser uma Europa socialista ou uma Europa social-democrata ou uma Europa democrata-cristã. A Europa tem de ser fundamentalmente uma Europa democrática, e só nessa base todas as correntes, todos os projectos, todos os modelos de sociedade terão nela

Página 91

16 DE JANEIRO DE 1980 91

pleno cabimento em inteira liberdade. Essa é a nossa concepção da Europa.

Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.

Nós não pretendemos transformar o processo de integração europeia de Portugal num alibi para impor transformações internas de carácter económico e social, assim como também nunca concordámos que Governos anteriores transformassem as suas visões particulares do modelo económico e social que defendem num alibi para demorar e atrasar a necessária e desejável integração de Portugal na Europa.

Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.

Pelo contrário, nós sempre dissemos -e não é a primeira vez que o estamos a dizer -, quando éramos partidos da oposição, qual era o nosso modelo económico e social, quais eram as transformações que, por razões de respeito para com esse modelo, por um lado, mas também por razões de eficácia no ataque à crise económica portuguesa, por outro, em nossa opinião, deveriam ser introduzidas. Para nós, essas transformações, por razões puramente nacionais e portuguesas, são necessárias e, uma vez introduzidas para resolver problemas que são portugueses, facilitarão naturalmente, em nossa opinião. A integração do País no Mercado Comum.
Não vamos, portanto, fazer da integração de Portugal no Mercado Comum o alibi para introduzir as transformações internas necessárias; vamos promover as transformações internas necessárias e com isso colocar-nos-emos em melhor posição para fazer também nas melhores condições a integração de Portugal no Mercado Comum europeu.
Não estamos satisfeitos com a Europa que temos - naturalmente que não -, e as considerações que fiz sobre a necessidade de não restringir a concepção da Europa a um mero economicismo ou a uma mera economia de negócio ou a uma mera Europa comercial são a prova evidente de que não estamos satisfeitos com a Europa que temos e que, portanto, ao entrarmos para a Europa, seremos portadores também de um projecto de tentativa de transformação dessa Europa nalguma coisa de melhor do que aquilo existe actualmente.
No entanto, nós pensamos que a Europa tal como está é alguma coisa a que vale a pena aderir e de que vale a pena ser membro porque as suas potencialidades e virtualidades de transformação e de evolução qualitativa são muito grandes e é sem dúvida o espaço político onde maiores são essas potencialidades e onde mais vale a pena apostar para conseguir uma melhoria qualitativa com vista ao futuro.
Não partilhamos com o Partido Socialista a concepção de procurar fazer evoluir a Europa para a transformar naquilo a que o Partido Socialista por vezes tem chamado -mais na oposição do que no Governo- a Europa dos trabalhadores

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Porque para nós a' Europa, se tem de ser certamente a Europa dos trabalhadores, não pode ser apenas a Europa dos trabalhadores, não pode ser uma Europa classista, tem de ser uma Europa interclassista, onde todos os grupos, onde todas as classes, onde todos os interesses, possam ser harmonizados e compatibilizados, como já disse, num projecto verdadeiramente democrático, que é aquele para que apontamos e que desejamos.

Vozes do PSD, do CDS e do PPM: - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Deputado Jorge Sampaio ocupou-se depois de um outro aspecto que tem a ver com a Europa, e que eu de facto não abordei no meu discurso, que é o problema do papel da Europa unida do futuro no Mundo.
Também não se estranhará que a concepção deste Governo não coincida com a concepção preconizada pelo Sr. Deputado Jorge Sampaio, mas há um ponto, porventura, em que estaremos de acordo. É que nós queremos de facto, fazer da Europa uma Europa europeia, uma Europa que, precisamente pela sua unidade e pela sua consistência política, seja capaz de ter uma voz própria e autónoma no concerto das nações, que possa ser um polo de equilíbrio e de paz no Mundo e que possa contribuir de uma forma positiva para uma nova situação de estabilidade, de segurança, de paz e de liberdade no Mundo.
Não é verdade que nós estejamos a apontar para uma orientação que nos encaminhará para uma maior dependência. Pelo contrário, nós pensamos que a forma como melhor poderemos salvaguardar a nossa independência é a de seguir a orientação que preconizamos, e não estamos convencidos de que uma política externa com laivos de terceiro-mundismo ou de não alinhamento ou, pelo menos, de menor alinhamento dentro do grupo político e diplomático a que pertencemos seja a melhor forma de defender e consolidar a independência do nosso Somos naturalmente sensíveis às aspirações que se têm manifestado de toda a parte para encontrar melhores formas de organização da comunidade internacional, certamente uma nova ordem económica internacional, mas também uma nova justiça social e internacional. Não reduzamos as coisas apenas aos aspectos económicos, que, numa visão marxista, são normalmente os únicos privilegiados. Há problemas de justiça social e de cultura tanto ou mais importantes do que os problemas económicos na busca de novas formas superiores de organização da Comunidade internacional.
Quanto à posição de Portugal relativamente à Conferência de Segurança e Cooperação Europeia, Portugal, naturalmente, está interessado em que se possam dar passos positivos no sentido de reforçar a segurança e a cooperação na Europa, mas não posso deixar de revelar que, no entender do Governo, o recente agravamento da crise internacional provocado pela invasão do Afeganistão pela União Soviética veio trazer novas dificuldades, até há pouco inesperadas, na preparação da Conferência de Segurança e Cooperação Europeia em Madrid. É muito possível

Página 92

92 I SÉRIE - NÚMERO 5

que esta atitude da União Soviética tenha tornado bem mais difícil a realização, nas datas marcadas, dessa conferência e a prossecução dos objectivos que com ela se visavam atingir. Se isso acontecer, será, em nossa opinião, da inteira responsabilidade da União Soviética.
Quanto a África, já foi feita a afirmação dos princípios fundamentais a, que se subordina a orientação do Governo, e não penso que seja do âmbito e da natureza deste debate alongarmo-nos aqui na lista de medidas concretas e na revelação de todas as iniciativas que o Governo pensa tomar, até porque algumas delas, tratando-se de iniciativas diplomáticas, podem ser mais eficazes se forem primeiro preparadas no segredo das chancelarias. Aqui, sim, parece-me que não seria certamente do interesse da melhoria de relações com os países de expressão portuguesa que desde já pudéssemos revelar publicamente todas as iniciativas que pensamos tomar e que certamente mais e melhores resultados obterão se nós as conduzirmos pela forma habitual em diplomacia.
É certamente necessária uma coordenação ministerial em termos de política externa. Essa coordenação far-se-á nos termos gerais que o Governo estabeleceu para todos os aspectos de coordenação e não apenas para a política externa. Mas é óbvio que o facto de o Ministro dos Negócios Estrangeiros ser também Vice-Primeiro-Ministro facilita imediatamente tudo aquilo que, em termos de política externa, tenha a ver com necessidades de coordenação mais eficaz do trabalho governamental.
Pediria licença para não me alongar muito no problema da reorganização dos serviços do Ministério dos Negócios Estrangeiros, que é obviamente um tema que, por todas as razões, e até por inclinação profissional, me interessa muito e ao qual vou dedicar uma grande atenção. Gostaria apenas de sublinhar um ponto que não houve oportunidade de salientar no Programa do Governo, que se quis deliberadamente breve, e que é este: nós entendemos que a acção exterior dos serviços públicos portugueses em países estrangeiros não pode continuar a ser uma actuação descoordenada e temos a intenção de propor que a coordenação periférica de lodo sós serviços locais do Estado que actuam no exterior seja atribuída ao embaixador de Portugal em cada país. É um passo muito importante que alguns países têm dado e que eu penso que nós devemos dar rapidamente para assegurar a unidade e a coordenação da acção exterior do Estado Português.
Naturalmente que não temos preocupações açambarcadoras no que diz respeito à coordenação da actuação internacional de grupos sociais, culturais ou políticos que são independentes, que são privados e que, portanto, não devem ser submetidos à tutela do Estado.
Finalmente, e em relação às perguntas postas pelo Sr. Deputado João Lima, gostaria de começar por esclarecer que não vêm no Programa nem no meu discurso relações bilaterais nem com a Espanha nem com o Brasil nem com outros países porque foi orientação do Governo neste Programa, como aliás já no programa eleitoral da Aliança Democrática, não descer à pormenorizarão da citação de países individualizados. Isto porque aquilo que se tem verificado é que sempre que governos anteriores apresentam aqui programas onde fazem referências específicas a um certo número de países com os quais vão ter relações bilaterais privilegiadas aparecem sempre, e muito legitimamente, propostas para acrescentar outros países a essas listas, para já não falar nos possíveis melindres que poderia ter alguma involuntária omissão. Estabelecemos, portanto, princípios genéricos, sem concretizar países individualizados.
Houve depois algumas perguntas do Sr. Deputado João Lima que já obtiveram resposta nas respostas anteriores e quereria dizer que não vejo qualquer incompatibilidade entre a atitude que o Governo tomou relativamente ao Afeganistão e a ida de uma missão económica a Moscovo para discutir problemas de petróleo, porque a orientação do Governo é, em princípio, no sentido de rever as relações políticas existentes entre Portugal e a União Soviética, mas procurar não afectar as relações económicas e sociais que são do interesse mútuo e são sobretudo do interesse de Portugal, e é esse que a nós nos cumpre salvaguardar.
Quanto à questão da nomeação de um embaixador de Portugal no Maputo, é evidentemente intenção do Governo Português proceder, tão rapidamente quanto possível, a essa nomeação, mas aproveito para esclarecer que não é apenas a essa. A situação em que vim encontrar as embaixadas de Portugal no estrangeiro quando tomei posse do lugar de Ministro dos Negócios Estrangeiros foi a de que, neste momento, Portugal não tem embaixador num número bastante apreciável de países, e, por coincidência, países com os quais nós temos todo o interesse em ter as mais estreitas e permanentes relações, e portanto em relação aos quais é altamente negativo e prejudicial ter há tanto tempo embaixadas sem embaixador. Quero referir-me ao caso da Embaixada de Portugal no Maputo, quero referir-me ao caso da Embaixada de Portugal em Luanda, quero referir-me ao caso da Embaixada de Portugal em Bona, quero referir-me ao caso do Embaixador de Portugal em Madrid e quero referir-me ao caso da Embaixada de Portugal em Londres. Foram estes os principais casos de vacatura que vim encontrar e, naturalmente, o Governo, num movimento diplomático que vai promover imediatamente, procurará resolver todos esses problemas e os demais que «existirem.
Não quereria fugir à questão delicada que foi posta pelo Sr. Deputado João Lima quanto à Embaixada de Portugal em Israel, pedindo licença para lhe fazer notar que ele envolveu essa pergunta numa declaração, num comentário de que nós certamente iríamos seguir aí as exigências de não sei que países ou potências a cujas ordens estaríamos. Devo dizer-lhe que Portugal e o seu Governo não estão às ordens de potência nenhuma.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Portugal e o seu Governo, no uso da sua autoridade e independência, estão a defender, única e exclusivamente, mas intransigentemente, os interesses de Portugal. Devo dizer também que quem tomou a iniciativa, no plano diplomático, relativamente a Israel foi o Governo do Partido Socialista, com os problemas e dificuldades que se sabe, e devo dizer que a intenção do Governo relativamente à nomeação de um embaixador de Portugal em Israel

Página 93

16 DE JANEIRO DE 1980 93

é a de não fazer essa nomeação senão no momento - não sei se próximo, se longínquo - em que isso possa ser um factor, ainda que modesto, que contribua para a resolução definitiva e global do problema do conflito do Médio Oriente.

Vozes do PSD, do CDS e do PPM: - Muito bem!

O Orador: - Relativamente à Lei Eleitoral, quero dizer-lhe que a revisão desta vai ser estudada -não está ainda feita -, mas quereria acentuar que a eventual revisão dos círculos eleitorais e do número de Deputados por círculo é matéria expressamente deixada pela Constituição Portuguesa ao legislador ordinário e que, por conseguinte, a própria Constituição quis acentuar ao fazê-lo q>ue isso podia ser objecto de transformações votadas pela maioria parlamentar. Vão tem nada de estranho, não tem nada de contrário aos princípios do regime, não tem nada de contrário aos imperativos da Constituição, foi a própria Constituição que quis deixar essa matéria à liberdade de decisão do legislador ordinário.
Relativamente -e é a última questão- ao Congresso, das Comunidades Portuguesas, quero dizer-lhe que estou de acordo consigo, Sr. Deputado, quando entende que o Presidente da República, na Constituição Portuguesa, tem naturalmente uma função - que deve ser respeitada e, a meu ver, deve ser mantida - de representação externa do Estado e da Nação Portuguesa. Mas uma coisa é a representação externa, outra coisa é a condução da política externa. A função de representação pertence ao Presidente da República, a função de condução da política externa pertence ao Governo e este, como foi dito, assumi-la-á plenamente.
Relativamente ao Congresso das Comunidades Portuguesas, ninguém de entre nós teria certamente na mente negar ao Sr. Presidente da República a possibilidade de, na sua função de Chefe do Estado e de representação da Nação perante o exterior, ser com certeza o presidente, e porventura mesmo o presidente de honra do Congresso das Comunidades, mas com a mesma sinceridade lhe digo que não vejo que, no sistema constitucional português, que não é um sistema puramente presidencialista, deva pertencer ao Presidente da República a função de organizar congressos.

Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Macedo Pereira.

O Sr. Macedo Pereira (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro, Sr. Vice-Primeiro-Ministro, Srs. Ministros: Corolário muito importante da vitória da AD nas eleições intercalares para esta Assembleia, com a sua consequente maioria parlamentar, é a possibilidade de o actual Governo poder desenvolver toda uma actividade, verdadeiramente original depois de 25 da Abril de 1974, pautada pelos princípios que informam o seu Programa e assentes nas aspirações concretas de uma maioria do nosso povo, que deseja mudança face ao utopismo e às cartilhas internacionalistas que serviram de guia às forças que integravam a outra maioria de esquerda.
Estávamos fartos de tanta ambiguidade, por um lado, e contra-senso, por outro.

Risos do Sr. Deputado Sousa Marques (PCP).

Soluções nacionais e concretas para os problemas dos Portugueses, foi a tónica mais saliente a emergir do discurso do Sr. Primeiro-Ministro, cujo realismo já encontrou eco, aliás, por esse país fora.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Dissemos original para nos referirmos à actividade governamental, no duplo sentido de que ela está alicerçada numa maioria democrática não marxista e porque terá o privilégio de demonstrar aos Portugueses através da sua acção, pedagógica, por um lado, e firme, por outro, quanto tempo se perdeu já, desde a queda da oligarquia que dominou até 25 de Abril para construir um país novo, sem demagogias perante o estado a que a economia chegou, embora alguns, mesmo altamente responsáveis e tristes certamente com a vitória da AD, teimem em ver aguarelas cor-de-rosa no sombrio quadro dos nossos indicadores económicos.
Estamos com o realismo do Sr. Primeiro-Ministro e confiamos na eficácia e coerência interna do Governo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O meu Grupo Parlamentar lamenta os exageros com que são explorados factos internos da Aliança que integramos, perfeitamente desestabilizadores e característicos da «meia-política» em que jamais nos envolvemos nem deixaremos enredar e tão cara aos nossos adversários.
E porque as necessidades sócio-económicas dos Portugueses não se compadecem com essas ridículas especulações políticas, que apenas pretendem desviar a atenção do País dos difíceis problemas que este Governo tem. de enfrentar e resolver, qual herança dos pródigos anos de 1974 a 1976, não é de mais salientar, como o fez o Sr. Deputado Ângelo Correia, quanto trabalho há a empreender para travar a inflação e o desemprego e dinamizar o investimento.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A revisão constitucional a empreender na próxima legislatura é vital para a dinamização do Pais nos mais diversos sectores.
Para nos cingirmos apenas à problemática económico-financeira do Programa do Governo, refira-se que a medida preconizada sobre a aliteração à Lei da Delimitação do Sector Público e Privado merece especial reflexão e aplauso, pois se passamos adiante sobre a posição -mais do que repetida- do Partido Comunisita na matéria, sempre nos intrigámos sobre as razões que levaram o Partido Socialista a estar com a europa da CEE, por um lado, a com os comunistas, por outro, naquela famosa ratificação do decreto-lei sobre sociedades de investimentos em que o pouco que se aproveitava do diploma foi «derretido» pela voragem da maioria dei esquerda de então.
E se as «conquistas» do 11 de Março aí estão, com iodo o seu cortejo de amplos «efectis», quem não se recorda daquela lei proposta pelo Partido Socialista e frontalmente (é lógico) apadrinhada pelo PCP que impede a alienação de activos de empresas nacionalizadas que não seja feita através de decreto-lei, o que vedo a tornar exageradamente pesada a gestão dessas empresas. Dizemos pesada, conservadora, anti-económica e irracional. Perante os resultados de 2 de

Página 94

94 I SÉRIE - NÚMERO 5

Dezembro, os democratas do PS tiraram já, certamente, conclusões.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Ministros: Quem tivesse duvidas sobre a eficácia actual e futura do VI Governo constitucional, logo concluiria pelo realismo com que esta equipa iniciou o seu trabalho. Assim, e perante a crise internacional do petróleo, logo se tratou de equacionar as nossas necessidades para que não haja estrangulamentos no fornecimento de ramas, desenvolvendo acções concretas no campo internacional, e a que não foi certamente estranha a pronta actuação do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, Prof. Freitas do Amaral, que daqui respeitosamente saudamos.
O Programa do Governo reconhece que é sua tarefa imediata a preparação da proposta de lei do OGE para 1980.
Sobre a temática fiscal ei orçamental, teceremos em seguida algumas considerações.
Cientes de que algumas das questões que se nos levantam na análise do Programa serão devidamente esclarecidas pelo Sr. Ministro das Finanças, avançaremos desde já algumas reflexões, que, estamos certos, o Governo da AD terá em devida conta no desenvolvimento d& sua actividade.
Pensamos que para este Governo o sistema fiscal não será um mero instrumento de receita como no passado recente. Serão aplanadas paute das suas mais importantes distorções, para atenuar aquilo que no Programa se define como «nível e progressividade sucessivos das taxas legais de alguns impostos». De facto, a alta progressividade nas várias cédulas, contrariando o espírito da reforma fiscal de 1958/63, é importante desincentivo à poupança e ao investimento, levando ao absentismo e à emigração de quadros técnicos, num .pais tão carecido de tecnologia.
Tudo isto é tanto mais grave quanto 6 verdade que, enquanto se ia falando, recentemente, de «rumo ao socialismo» e «sua via original», era quem trabalha que mais sentia a pesada carga fiscal sobre os rendimentos do trabalho, por definição aqueles que mais benevolamente devem ser tratados no domínio fiscal.
Ao concordarmos com a afirmação feita no Programa (p. 22) da que «o sistema fiscal é um dos instrumentos mais importantes da política económica e social», atrevemo-nos a perguntar se já nos pode ser informado sobre as medidas que serão propostas na lei do Orçamento Geral do Estado para 1980, quando se refere «a redução do peso da tributação sobre os rendimentos do trabalho e pessoais».
Na nossa memória ainda estão bem vincados todos os, casos recentes de retroactividade de taxas, adicionais e aumentos dei taxas com que desde 1976 se tem brindado o contribuinte português.
Os objectivos constitucionais de atenuação de desequilíbrios sociais terão de ser prosseguidos sem que o sector privado seja estrangulado, pois ainda recentemente um ilustre e insuspeito mestre da Universidade de Coimbra concluía que «há uma larga incompatibilidade entre repartição igualitária e desenvolvimento», pois ao menor aforro segue-se decréscimo no investimento e menor esforço dedicado à produção.
Também aqui a Constituição terá de ser revista, e bem, embora seja aceitável a estrutura fiscal definida no seu Antigo 107.º sendo o utopismo igualitário algo a banir, por irrealista.
Curiosamente, desde 1976 nada se fez para cumprir o estipulado na constituição no domínio fiscal, tendo-se legislado sistematicamente contra o Art.º 107.º quer o Governo quer a Assembleia da República, criando novas taxas e novas incidências contra o padrão tributário definido no texto fundamental.
A atestar o que dissemos sobre revisão constitucional e reforma fiscal a empreender, registe-se que no texto da Constituição nem a sisa nem o imposto do selo são mencionados como realidades tributárias a acrescer aos quatro impostos aí definidos. Pensamos, muito sinceramente, que os dois anos referidos para a introdução do imposto único sobre o rendimento das pessoas físicas são um voto do Sr. Ministro das Finanças, melhor diríamos, um desejo, pois, mesmo em época de estabilidade, uma reforma fiscal de fundo, como a que urge empreender, é assunto delicado que passa por fases complexas, desde o estudo e observação das .realidades do País, montagem ou elaboração do sistema e, finalmente, a sua aplicação prática (criação de estruturas na administração fiscal e nos próprios contribuintes).
A tudo isto adicione-se a nossa integração no Mercado Comum para se ver o longo caminho a percorrer, pois são muitas as obrigações no domínio fiscal a que estamos sujeitos no espaço alargado da CEE, como é o caso da complexíssima tarefa do imposto sobre o valor acrescentado.
Louvável, pois, a intenção governamental de ultrapassar a estagnação em que se encontra o projecto, para usar uma linguagem do texto do Programa, parecendo-nos mesmo que seria de pensar a criação, por decreto-lei, de um verdadeiro instituto de política tributária, para acompanhar, centralizar e dinamizar, à semelhança do que se fez noutros países, tão delicada e enorme tarefa.
O meu Grupo Parlamentar tem o maior empenho em colaborar com o Governo, desde logo, da definição e estruturação legal de tal entidade.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Ministros: Se é o realismo aquilo que mais destacamos no Programa do Governo em discussão, não nos esquecemos que estamos a atravessar uma conjuntura económica pouco propícia à falta de interligação entre uma adequada política económica e social e a consequente que seja instrumento daquela, como bem salientava recentemente o relatório MEADE.
Porque outros mais conhecedores desses temas certamente a eles se irão referir, interessará saber, a título simplificativo, se o Governo vai repor ou não o imposto sobre a indústria agrícola e quais os incentivos concretos no domínio fiscal que espera adequar à revitalização da construção civil e consequente aquisição de habitação própria.
Perante a situação deficitária da grande maioria das empresas públicas, cada vez mais o contribuinte sente que está a financiar situações anómalas resultantes de diversos factores, em que por vezes urge destacar a incompetência da gestão. E por isso, se é correcta a luta contra a fraude e evasão fiscais, não é menos certo que em Portugal o sistema já atingiu níveis tão altos de tributação e de carga fiscal que o contribuinte se sente injustamente tributado e como que age em legítima defesa face ao estado a que as coisas chegaram.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Se ter uma leitura

Página 95

16 DE JANEIRO DE 1980 95

falhada é pior que ficarmos sem qualquer reforma, vale a pena tentarmos, e daqui louvamos as intenções da política governamental, ao mesmo tempo que desejamos bom sucesso ao Governo, muito designadamente à equipa das finanças.

Aplausos do CDS e de alguns deputados do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Ao abrir a apreciação do Programa do Governo por parte do Grupo Parlamentar do PCP, entendemos dever começar por sublinhar que, ao contrário do que seria de deduzir das homenagens e elogios à Assembleia da República feitos no princípio do discurso de apresentação do Programa, decorre das posteriores alegações do Primeiro-Ministro que o Governo procura condicionar e esvaziar de sentido este debate e reduzir a nada a discussão que a Assembleia da República, nos termos da Constituição, hoje inicia.

Vozes do PSD, do CDS e do PPM: - Não apoiado!

O Orador: - O Governo procede de três formas, todas orientadas para esse objectivo:

1.º Proclamando que recebeu um mandato inequívoco do eleitorado para realizar o Programa que aqui apresentou, isto é, no entender do Governo o Programa está passado e estamos aqui a perder tempo;
2.º Procurando, por isso mesmo, reduzir o debate à mera votação de uma moção de confiança;
3.º Deixando claro que o Governo se manterá surdo às críticas, objecções e observações que aqui venham a ser trazidas pelos partidos da oposição, com a alegação de que não realiza a política dos adversários, e não sabemos se mudo também, pois o Primeiro-Ministro já foi dizendo e repetindo que o Governo não se envolverá (ou não descerá, na expressão expontânea que utilizou) na problemática partidária.
Assim se revela o conteúdo da relação de tutela e de instrumentalização que o Governo assume perante esta Assembleia da República.
Não seria preciso mais para termos um evidente afloramento do pendor totalitário deste Governo, por muito que ^proclame o seu respeito pelo Estatuto da Oposição.

Vozes do PSD: - Não apoiado!

O Orador: - E isto, que seria grave tratando-se apenas da definição de uma nova política para o nosso país, é ainda mais grave porque, mais que uma mudança de política, o que o Programa do Governo comporta é um verdadeiro projecto de mudança do regime.

A Sr.ª Alda Nogueira (PCP): - Muito bem!

O Orador:- Em vez de apresentar um programa para governar de acordo com a Constituição e as leis, o Governo apresenta um plano de destruição do regime democrático consagrado na Constituição.

Vozes do PSD, do CDS e do PPM: - Não apoiado!

O Orador: - Temos aqui patente a confirmação dos perigos que a coligação eleitoral que lhe deu nascimento trazia no bojo e que por isso mesmo caracterizámos de «aliança reaccionária».
Nesta situação, torna-se imperioso que a Assembleia da República se dê conta e dê conta ao País das graves ameaças que o novo Governo faz pairar sobre a democracia portuguesa e sobre os interesses populares e nacionais, que faça uso das suas competências constitucionais de contrôle e fiscalização e que desde já forçe o debate político de que o Governo quer fugir.
A intervenção do Grupo Parlamentar do PCP na apreciação do Programa do Governo traduzirá estas preocupações dominantes.
Começamos por abordar três dos aspectos salientes do Programa deste Governo:

1.º A descarada demagogia programática;
2.º O plano de reestruturação aberta do poder económico e político do grande capital e dos latifundiários;
3.º O projecto sistemático de ruptura constitucional e institucional.

Em primeiro lugar, a demagogia programática:

A demagogia do programa eleitoral da AD (e que este Programa de Governo se encarrega de pôr a nu);
A demagogia do próprio Programa em apreciação;
A demagogia de um Governo que, teimando ainda em prometer bastante, vai adiantando que muito do que promete não tem consistência real, pode não ser cumprido.
Ninguém como a AD prometeu durante a campanha eleitoral. Entretanto, muitas das bandeiras eleitoralistas regressam agora a penates.
Assim, no domínio da habitação, a dita AD prometeu uma casa para todos, a construção anual do dobro de fogos, financiamentos para a compra de casa própria com amortizações numa percentagem razoável do rendimento familiar, fim dos bairros de lata.
Alguém consegue descobrir estas promessas neste Programa de Governo? Sumiram-se.
No domínio da segurança social prometeu a dita AD esquemas de protecção para as donas de casa, para os artistas, para os escritores; o reforço do abono de família e o seu alargamento aos trabalhadores rurais, a quem se prometia ainda assistência médica para familiares, protecção nas doenças profissionais e subsídios iguais aos do regime geral.
Alguém encontrou estas medidas no Programa de Governo submetido a esta Assembleia? Sumiram-se, e com elas desapareceu também a proclamada necessidade de definição de um rendimento mínimo vital a cobrir obrigatoriamente pelas pensões.
Desapareceram também, sem deixar rasto, o peixe à mesa de todos, as bolsas-salário prometidas aos jovens em busca de primeiro emprego, o aumento do número de bolsas de estudo, a duplicação dos jardins-de-infância, a semana inglesa para todos (ou, pelo menos, dia e meio de descanso) e a redução do poder tutelar do Governo em relação às autarquias locais.
Tais são alguns exemplos de recuos e omissões significativas.
Mas são contraditórios e demagógicos também os próprios objectivos de defesa do poder de compra, combate à inflação e ao desemprego e o fomento da expansão económica que o Programa de Governo ainda mantém.
Vejamos a política de preços.

Página 96

96 I SÉRIE - NÚMERO 5

O Governo começa por enterrar o «cabaz de compras» e anuncia o propósito de controlar os preços «de forma eficaz, desburocratizada e justa». Mas das medidas que adianta decorre uma liberalização ainda maior dos preços, tornando automáticos os seus aumentos e a diminuição dos produtos sujeitos a preços máximos. Ao mesmo tempo que acentua o recurso à importação e planeia o abandono aos grandes intermediários da aquisição e distribuição de géneros alimentares, até agora assegurada pelo Estado.
Com isto o Governo procura servir-se do contrôle dos mecanismos dos preços para realizar objectivos políticos demagógicos e, do mesmo passo, favorecer o esmagamento do pequeno e médio comércio e indústria e a concentração e centralização do capital.

O Sr. Lacerda de Queirós (PSD): - Não apoiado!

O Orador: - Por outro lado, que valor tem o compromisso do Governo de manter o poder de compra? Nenhum.
O Governo não define medidas sérias para o ataque à inflação.
Dá, sim, garantias para os aumentos dos lucros dos grandes capitalistas, não vai rever as taxas de juro e propõe-se intensificar a dependência externa do País.
Finalmente, anuncia o propósito de conter num colete de forças a contratação colectiva e de sujeitar todos os aumentos de salários à intensificação da exploração dos trabalhadores.
O combate à inflação acaba por ser pretexto para o anúncio de ameaças e medidas repressivas contra os trabalhadores. Fica bem à vista a natureza de classe do Governo.

O Sr. Lacerda de Queirós (PSD): - Não apoiado!

O Orador: - A proclamada política desenvolvimentista aparece no Programa mais como um pretexto para abrir à iniciativa privada sectores que lhe estão constitucionalmente vedados (com. a invocação do decantado argumento de que é preciso dar confiança ao investidor) do que como uma verdadeira política de aumento da produção nacional.
Aliás, o Governo, começando por sangrar-se em saúde, carreou pela boca do Primeiro-Ministro no acto de apresentação do Programa muito mais argumentos internos e externos (designadamente o agravamento da crise do mundo capitalista, de há muito previsível) para justificar à .partida a improbabilidade de atingir as suas promessas tanto no domínio do aumento da produção como no êxito do combate à inflação.
Se no diagnóstico da crise dá como certas causas e factores para que o PCP de há muito vem apontando, uma coisa procura o Governo ocultar: é que, por força do aumento das remessas dos emigrantes, das receitas do turismo, dos empréstimos e de outros factores externos, inicia o seu mandato numa situação financeira relativamente desafogada e liberta de preocupações prementes.
Disso se servirá o Governo, não para promover o desenvolvimento do País e o bem-estar dos Portugueses, mas para ir realizando alguns objectivos demagógicos, pois, como teve o cuidado de frisar o Primeiro-Ministro, «o Governo não ignora que muito cedo terá de sã submeter à prova eleitoral».

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - A demagogia eleitoralista vai ser (como se depreende do Programa) um traço característico da acção do Governo.
Mas o que este visa fundamentalmente concretizar é o plano de restauração do poder económico e político do grande capital e dos latifundiários.

Vozes do PSD: - Não apoiado!

O Orador: - O povo e o País sentem duramente as consequências da política de recuperação capitalista e de sujeição às imposições do Fundo Monetário Internacional. O Governo e os partidos que o compõem reconhecem essas consequências desastrosas.
No entanto, procuram alijar as suas graves responsabilidades nessa política e nos seus resultados e fazem delas um trampolim para lançarem um ataque destruidor às transformações democráticas realizadas pela Revolução Portuguesa - especialmente as nacionalizações e a Reforma Agrária.
Importa recordar, antes de tudo, que os actuais partidos do Governo saudaram e apoiaram as medidas do primeiro «pacote» como um «25 de Novembro económico». Têm responsabilidades nos resultados a que chegou a negociação dos acordos com o Fundo Monetário Internacional. Nunca se separaram das suas nefastas consequências, e mesmo agora, no Programa que apresentam à Assembleia da República, não lhe fazem um único reparo crítico (o que traduz, pelo menos, uma cumplicidade envergonhada).

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Os partidos da actual coligação governamental estiveram no Governo Mota Pinto.

Vozes do PCP: - Muito bem!

Vozes do PSD: - É falso!

O Orador: - Aprovaram-lhe o Programa há precisamente um ano, momento em que, segundo ar, palavras do Primeiro-Ministro, se, devia ter operado uma viragem na política seguida.
Mas a viragem que os partidos da aliança reaccionária queriam e querem não é a alteração da política que conduziu à estagnação e ao retrocesso da economia nacional. A «mudança» por que vêm trabalhando (e que se julgam agora em condições de concretizar) é o regresso ao passado, o restabelecimento dos grupos financeiros, dos seus poderes e privilégios.

Vozes do PCP: -Muito bem! Vozes do PSD: - Não apoiado!

O Orador: - O Programa do Governo não apresenta nenhuma autêntica viragem na política de dependência externa e das orientações que conduziram aos resultados desastrosos sobre que chora lágrimas de

Página 97

16 DE JANEIRO DE 1980 97

crocodilo. Procura, sim, levar essa política às últimas consequências.
A submissão ao imperialismo tornou-se uma obsessão, como há pouco ouvimos confirmada pela boca - do Sr. Vice-Primeiro-Ministro.

Aplausos do PCP.

O Governo proclama: «todas as políticas gerais £ sectoriais, bem como as iniciativas legislativas, deverão ser aferidas pelo objectivo último da integração na CEE.»
O Programa estabelece uma ofensiva sem precedentes contra a Reforma Agrária, com desrespeito total pelas mais estritas garantias constitucionais. Promete reservas, devoluções, regulamentações, tudo preparando um drástico agravamento do quadro legal (incluindo da própria lei Barreto) e definindo as medidas tendentes ao restabelecimento dos antigos latifundiários.
Quanto às nacionalizações, o Governo pretende fazer aprovar uma nova lei de delimitação de sectores que permita a entrega ao sector privado designadamente* da banca e dos seguros e dos campos de actividade económica que, por serem sectores básicos, garantem o domínio de qualquer economia. Por outro lado, propõe-se reformular a Lei das Indemnizações, por forma a permitir devolver aos capitalistas as empresas nacionalizadas como suposta forma de indemnização, que de facto significaria a anulação da nacionalização e a reposição da anterior situação, transformando as indemnizações em choruda recompensa aos antigos senhores exploradores e opressores do povo português.

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Não apoiado!

O Orador: - O Governo promete levar até às últimas consequências o ataque ao sector público, liquidando-o ou reduzindo-o às actividades que de todo em todo não interessam ao domínio do grande capital e melhor o servem quando mantidas como serviço público.
O sentido fundamental da política do Governo é também o do agravamento da exploração e opressão dos trabalhadores e a deterioração das condições de vida de todas as classes e camadas sociais de mais baixos rendimentos, designadamente os reformados, os pensionistas, os deficientes, os desempregados, etc.
Depois de reclamarem, propiciarem e aplaudirem uma política contrária às instituições democráticas, o que os partidos da coligação governamental agora pretendem não é a modificação dessa política, mas a modificação das instituições, para as colocarem ao serviço dessa política inconstitucional, antidemocrática e antinacional.

Aplausos do PCP.

Vozes do PSD: - Não apoiado!

O Orador: - Diga o Governo o que disser, o seu Programa deixa bem clara a existência de um projecto sistemático de ruptura constitucional e institucional.
Anuncia uma boa centena de diplomas legislativos que abarcam praticamente todos os domínios da vida nacional, implicando a revisão da legislação existente (incluindo a de mais recente aprovação).

O Sr. Amândio de Azevedo (PSD): - É a mudança!

O Orador: - Apresentam-se como particularmente graves e preocupantes os propósitos dei fazer aprovar uma lei-quadro do referendo (em flagrante desrespeito pelos artigos 3.º e, III.ª da Constituição); a revisão da lei eleitoral, tendo em vista a destruição dos mecanismos da representação proporcional e a eternização no poder das forças apoiantes do actual Governo; ai alteração da lei dos partidos (o que legitima a suspeita de tentativas de ingerência na sua actividade, interna); a revisão da legislação laboral (tentando repor o «pacote» Morta Pinto); a nova lei anti-sindical; a revisão da Lei do Serviço Nacional de Saudei; a revisão da Lei do Arrendamento Rural; a revisão das Leis da Rádio e dia Televisão.
Paralelamente, o Governo expressa a intenção de invocar contra a Constituição a legislação estrangeira, designadamente a dos países da CEE; generaliza as interpretações legais desconformes à Constituição (como no caso das regiões autónomas); vai erigir em critério da sua acção a inconstitucionalidade, tornando-a um facto assente e preparando a destruição completa da lei fundamental, através dei uma revisão inconstitucional.

A Sr.» Alda Nogueira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - O Governo que se apresenta com tal Programa foi designado em eleições intercalares, com um mandato limitado, como solução política para uma situação de impasse, para conclusão da legislatura. Dispõe de uma maioria parlamentar tangencial e1 não tem uma base social nem eleitoral maioritária.
Aqui mesmo na Assembleia da República o conjunto dos partidos que se opõem ao Governo representa mais de 350 mil portugueses do que o conjunto dos votantes dos partidos que sustentam o Governo.

Aplausos do PCP.

Este Governo deveria reiterar de tudo isso a conclusão de que não lhe cabe promover alterações políticas de fundo. E entretanto apresenta-se aqui com um Programa de, arrogante desafio à Constituição e afrontamento das instituições democráticas, que nenhum governo tem legitimidade para executar.
A um tal Governo o Órgão de Soberania que é a AR só pode reservar uma atitude: a rejeição.
Da parte do Grupo Parlamentar do PCP tê-la-á, quer pela apresentação da sua própria moção de rejeição que da votação positiva da que já foi apresentada.
Desta forma se concretizará aqui na AR a oposição firme que o PCP faz a este Governo, nos estritos limites do quadro constítucional, mas sem negligenciar nenhuma das formas legais de a pôr em prática.
Os propósitos antidemocráticos e anticonstitucionais que o Governo põe a claro no seu Programa tomam imperativo, como nunca, o entendimento e a unidade das forças democráticas para lhe barrar o caminho e para preparar a sua substituição.

Página 98

98 I SÉRIE - NÚMERO 5

O regime democrático consagrado na Constituição triunfará!

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Lucas Pires para pedir esclarecimentos.

O Sr. Lucas Pires (CDS): - Sr. Deputado Carlos Brito, muitas vezes, dado o facto de o Partido Comunista ser um partido relativamente isolado tanto dentro da Assembleia como fora dela ...

Risos do PCP.

...- isto é uma relativa homenagem ao próprio Partido Socialista -, ponho o problema de saber se é útil fazer perguntas ou dialogar com o Partido Comunista. No entanto, embora o Partido Comunista não aprenda normalmente nada, embora também não esqueça normalmente nada, tenho a impressão de que vale a pena, porque ele faz questão de insistir sempre nos mesmos temas, voltar a insistir também, da nossa parte, nalguns temas através de questões, neste caso postas ao Sr. Deputado Carlos Brito.
Em primeiro lugar, quando o Sr. Deputado diz que a maioria do Governo é escassa, desejava perguntar-lhe se pensa que, apesar de escassa, essa maioria poderá continuar a ser acrescentada por votos da oposição, como aconteceu na eleição do Sr. Presidente da Assembleia da República.

Risos do PSD, do CDS e do PPM.

Parece haver uma manifesta contradição no facto de o Sr. Deputado Carlos Brito dizer que o Governo veio para aqui numa posição arrogante, dizendo que afinal esta discussão não servia para nada, pois o Governo tinha passado mesmo antes de se apresentar nesta Assembleia. Assim, pergunto-lhe se é contra a constituição de maiorias, maiorias sólidas, maiorias coesas, capazes de governar e em que medida é que essa ideia de que o Governo está aqui a passar entre alas de Deputados é compatível com a repetida e persistente invocação de divisões no seio da maioria. Então acredita o PCP ou não que a maioria é uma força coesa, capaz de levar em ombros o seu Governo através desta Assembleia? Parece que o Sr. Deputado acaba, afinal, por confessar os receios de que esta maioria, apesar de não conhecer os métodos do centralismo democrático e as violências institucionais que esse método representa, seja uma maioria coesa, apesar da liberdade e da paz dessa coesão.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Então e o porta-voz?

O Orador: - Não é a primeira vez que vimos o PCP falar aqui de destruição do sistema constitucional O PCP falava dei destruição do sistema constitucional quando o Dr. Mário Soares era Primeiro-Ministro, falava aqui de destruição do sistema constitucional quando o Dr. Mota Pinto era Primeiro-Ministro, o PCP passa o tempo a invocar o fantasma da destruição do sistema constitucional, o que é uma desconfiança insuportável quanto ao seu cúmplice objectivo, pelo menos, que é o Conselho da Revolução. Pergunto-lhe se é ou não uma desconfiança em relação ao Conselho da Revolução, a esse tipo de forças armadas paralelas que o Partido Comunista sempre quis proteger e incentivar, e se depois da vitória da Aliança Democrática considera ou não que o sistema constitucional está, apesar de tudo, bastante vivo para poder dar a vitória à oposição. Pergunto ainda outra coisa quem foi que quis destruir a própria ideia de Constituição, a própria ideia, de sistema constitucional, que quis destruir a própria Assembleia Constituinte antes mesmo de existir um sistema constitucional?

O Sr. Vital Moreira (PCP): - Foram vocês!

O Sr. Amândio de Azevedo (PSD): - Está-se mesmo a ver!

O Orador: - O Sr. Deputado Carlos Brito fala de restauração monopolista e eu perguntar-lhe-ia: quais são os únicos monopólios existentes em Portugal? São ou não os monopólios criados no dia 11 de Março e mantidos pela protecção política do Partido Comunista e pelo jogo que o Partido Comunista dirige nessa direcção.

Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.

Quem quer manter os monopólios em Portugal? São aqueles que querem distribuir e redistribuir as terras do Alentejo, as 150 unidades colectivas que podiam ser 5000 unidades familiares? São esses? Ou são aqueles que querem manter os monopólios das unidades colectivas de produção? Qual é a única burguesia hoje em Portugal, a burguesia de capitalismo de Estado, senão aquela que foi criada e mantida pelo Partido Comunista Português?
O Partido Comunista Português ironiza sobre a pretensão da Aliança Democrática em resolver os problemas dos Portugueses, nomeadamente os problemas da habitação. Nós sabemos que o Partido Comunista não precisa de resolver os problemas da habitação, até porque parece que os. seus dirigentes não vivem em parte nenhuma, a acreditar nos jornais.

Risos.

O Sr. Vital Moreira (PCP): - Que baixeza!

O Orador - Mas nós queremos resolver os problemas da habitação dos Portugueses. Ora nós, que vivemos em sítios concretos, que vivemos em casas concretas, pensamos em necessidades concretas, em desejos e questões concretas, queremos resolver questões concretas. Simplesmente, quando o Sr. Deputado Carlos Brito invoca a modéstia do Programa do Governo, acha que se pode reconstruir em nove meses aquilo que foi destruído em cinco anos? Acha que a possibilidade de a classe média portuguesa se reproduzir e casar os seus filhos, de ter habitações condignas para todos, pode ser regenerada em nove meses? Nós não acreditamos em milagres económicos, e toda a gente sabe que os milagres económicos passaram, acreditamos que é possível fazer isso, mas com pertinácia e com confiança. E vamos fazê-lo com pertinácia e com tempo.
O Sr. Deputado Carlos Brito que não é licenciado em Direito, apesar de eu não negar a existência na vossa bancada de alguns doutores, empregou uma

Página 99

16 DE JANEIRO DE 1980 99

expressão que com certeza não tem o visto dos juristas da sua bancada. Essa expressão é a de que «há sectores que estão constitucionalmente vedados à iniciativa privada». Ora desejava que o Sr. Deputado me indicasse o artigo da Constituição em que são descritos e enumerados os sectores vedados à iniciativa privada.
Queria ainda colocar-lhe uma questão relacionada com aquilo que disse, de que a situação financeira agora é folgada. Há uma espécie de regresso à idade do ouro em Portugal. A crise alastra por todos os lados «como nódoa de azeite», diria um meu ex-professor de Finanças, mas em Portugal, não. Em Portugal a maioria de esquerda fez um paraíso, toda a gente sente isso e foi até por isso que a Aliança Democrática ganhou as eleições.

Risos do PSD, do CDS e do PPM.

Ora queria perguntar-lhe para quem é que a situação foi realmente folgada. Isto é, por outras palavras, quais foram realmente os filhos-família da «pesada herança» e do «grande empréstimo»? Suponho que é importante responder a esta pergunta.
O Sr. Deputado disse que os trabalhadores estão ameaçados. Mas perguntar-lhe-ia quem é que tem contribuído para que a quebra dos salários reais tenha sido feita pacificamente e sem protestos dos trabalhadores? Terá sido a Intersindical? Pelo menos parece que só podia ter sido a Intersindical. Para que é que tem servido a Intersindical senão para domesticar os trabalhadores.

Risos do PCP.

... perante a manifesta e clara queda dos salários reais em Portugal? Quem é que deu os 2 600000 votos à Aliança Democrática? Foram os capitalistas ou foram os trabalhadores, os trabalhadores que ainda esperam vencer a sua batalha contra a pobreza e contra o Partido Comunista, porque as duas batalhas são simultâneas?
O Sr. Deputado fala de submissão ao imperialismo e diz que isso mesmo se verificou agora durante a intervenção do Vice-Primeiro-Ministro. Pergunto-lhe: que submissão ao imperialismo é que se verificou? Foi a do Partido Comunista em relação à União Soviética ou foi a nossa? Quem cala consente e quem se calou aqui foi o Partido Comunista que não disse uma única palavra ante a invasão do Afeganistão pela União Soviética.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - O Partido Comunista é cúmplice pelo silêncio, porque quem cala consente, da invasão do Afeganistão pela União Soviética.

Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.

As coisas, aliás, são demasiado evidentes para precisarem de ser questionadas, mas o Partido Comunista insiste sempre nestas questões e suponho que é oportuno também fazer-lhe as perguntas que atrás coloquei.
Faria apenas uma última pergunta ao Sr. Deputado Carlos Brito, que com certeza, vai saber responder, pois o Partido Comunista tem sempre resposta para todas as questões, sabendo-se também que normalmente é sempre a mesma resposta.

Risos.

Em todo o caso, fazia-lhe uma última pergunta, esperançado nos restos de imaginação que pode ter um Deputado brilhante como o Deputado Carlos Brito.

Risos.

Essa última questão relaciona-se com o que o Sr. Deputado disse, de que o domínio dos sectores básicos garante o contrôle de qualquer economia. Proporia então a esta Assembleia uma adivinha face a este axioma definido pelo Sr. Deputado Carlos Brito: quem é que controla a economia portuguesa?

O Sr. Vital Moreira (PCP): - Os gestores do CDS!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Roseta.

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero começar por declarar que não vou fazer perguntas, porque já ouvi este discurso em qualquer parte, e se faço perguntas vou ter de o ouvir outra vez. E não quero isso.

Risos do PSD.

Uma voz do PCP: - Então cala a boca!

O Orador: - Quero só fazer um protesto, porque, como é hábito nesta Casa, os Deputados da bancada do Partido Comunista arrogam-se o monopólio da verdade, o monopólio da Constituição, o monopólio de muitas coisas - por exemplo, dos trabalhadores - e arrogam-se até o monopólio das qualificações dos outros e querem dar aos seus juízos ultra-subjectivos um tom objectivo que não têm nem podem ter.
Não posso deixar de protestar contra o facto de o PCP tentar conotar os outros como totalitários, tentando talvez ter muita experiência em projectos totalitários, ver nos outros aquilo que é ele próprio e que o povo português bem sentiu em 1975. Como é que um partido que se arroga grotescamente, ridiculamente, o direito de falar em nome de todas estas entidades acusa o Governo de arrogância? Será também uma autocrítica ou está-se a ver ao espelho da sua própria arrogância, da sua impertinência que roça, efectivamente as raias do ridículo?

O Sr. Lacerda de Queirós (PSD): - Muito bem!

O Sr. Vital Moreira (PCP): - O Pedro Roseta está em baixo de forma!

O Orador: - Depois, como já tive ocasião de dizer aqui por várias vezes, há um consenso, uma praxe estabelecida nesta Assembleia que leva os partidos, as coligações a tratarem-se entre si, pelo menos nos limites desta Câmara, pelas designações oficiais que estão consagradas. É uma regra de cortesia que nada custa a manter e que, se for quebrada por uns, poderá ser quebrada por todos e poderá levar à lei da selva neste Parlamento. É evidente que nada me repugna considerar a vossa aliança como uma aliança estalt-

Página 100

100 I SÉRIE - NÚMERO 5

nista ou outra coisa até pior. Agora gostaria que o Partido Comunista, e por isso também não posso deixar de protestar, mantivesse a praxe existente nesta Assembleia e se referisse aos outros partidos e à aliança que constituíram pela sua designação e nada mais.

O Sr. Lacerda de Queirós (PSD): - Muito bem!

O Orador: - O Partido Comunista fala em crise do mundo ocidental, a que chama capitalista. Não posso deixar de protestar contra a manipulação da verdade, porque quando a verdade é dita só em parte é, efectivamente, uma manipulação da verdade que se faz. O Partido Comunista ignora, por exemplo, a crise dos sistemas de capitalismo de Estado, a que chama comunistas ou socialistas, crise tal que são esses países que compram, por exemplo, os cereais para alimentar a suas populações aos países do mundo dito capitalista, e não o contrário, que eu saiba. O próprio expansionismo militar da União Soviética é, tal como aconteceu com outros expansionismos no passado, o reflexo evidente de uma crise do sistema, e o Partido Comunista ignora isso.

Risos do PCP.

Essa ignorância é ainda evidente quando vem falar, num processo de intenções, na deterioração das condições de vida que resultaria do Programa de Governo, isto quando está quantificada, quando está cientificamente determinada pelos especialistas a deterioração das condições de vida e a queda dos salários reais dos Portugueses nos últimos cinco anos. Nessa altura a Aliança Democrática não esteve no Poder. Quem é o responsável?

Vozes do PSD: - Muito bem!

Vozes do PCP: - Esteve, esteve!

A Sr.ª Alda Nogueira (PCP): - O PC é que não esteve Já!

O Orador: - O PCP é que tem estado muitas vezes e ainda agora, indirectamente, no último Governo...

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: -.... pelas atitudes e pelas doses de nomeações efectuadas.
Finalmente, o Partido Comunista ficou silencioso - e seria interessante saber, como já foi perguntado, se é a favor ou não da intervenção da União Soviética no Afeganistão como um cordeirinho, durante uns minutos, claro está, talvez para escamotear estas questões, durante o debate da política externa.
Mas gostava ainda de falar dos processos de ameigamento típicos do estalinismo que o Partido Comunista aqui veio fazer. O que têm realmente a ver os votos da UDP com os do PS, com os do PCP, com os MDP? O que é que têm estes projectos políticos de comum entre si? Será que estes partidos, se tivessem porventura um Deputado a mais, eram capazes, incluindo a UDP, de fazer um Governo e de governar o País? Esta é que é a questão, a qual tem de ser completada pela pergunta de se o Partido Comunista sabe que há muitos governos na Europa « nos países democráticos - falo de países não democráticos e não em países como a União Soviética e outros - que não têm, de forma nenhuma, uma percentagem semelhante à que a Aliança Democrática conseguiu nas últimas eleições e nunca ninguém se lembrou de pôr em dúvida a legitimidade da sua maioria parlamentar. Ou julga que é nos sistemas comunista - em que aí, sim, há o privilégio político de uma classe, da classe burocrática que é o Partido Comunista, que detém todo o poder do Estado e que em percentagem é muito inferior a 10% da população - que está a verdadeira democracia, onde não há sequer a possibilidade da alternância no Poder?

O Sr. Lacerda de Queirós (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Aí, sim, é que há o mundo dos privilégios, políticos, económicos, sociais e até culturais.

Aplausos do PSD. do CDS e do PPM.

Não me admira a colagem oportunista do PCP à moção de rejeição apresentada pelo Partido Socialista, talvez com ciúmes de se ter sentido ultrapassado.

Risos do PCP.

Mas quero terminar esta minha intervenção dizendo que, de uma vez por todas, o Partido Comunista não é proprietário da Constituição e das suas interpretações ...

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Vital Moreira (PCP): - Não é, não senhor!

O Orador: -.... não é o detentor da verdade exclusiva. O próprio Partido Comunista, é toam recordar aqui, aprovou na Assembleia que foi dissolvida diversas leis que foram declaradas inconstitucionais pelo Conselho da Revolução e pela Comissão Constitucional, leis que violam princípios fundamentais da Constituição, a maior parte das vezes contra o nosso voto, como aquela que violava, era talvez um aproach do sistema soviético, o princípio fundamental da separação dos poderes do Estado, e vem agora querer armar-se em defensor da legalidade e da constitucionalidade, isto numa democracia de tipo ocidental. Não brinquemos. A contradição está no Partido Comunista, está entre as suas actuações quando consegue influenciar a maioria. Agora não consegue, porque esta maioria nada tem a ver com as influências do Partido Comunista.

Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.

O Sr. Vital Moreira (PCP): - Assim perde, Sr. Deputado.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Carlos Brito, naturalmente que deseja responder, mas pondo-lhe o problema de que já atingimos as 13 horas, de que talvez fosse melhor que o Sr. Deputado respondesse na reabertura dos trabalhos, que recomeçarão às 15 horas.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Está certo, Sr. Presidente.

Página 101

16 DE JANEIRO DE 1980

O Sr. Presidente: - Entretanto o Sr. Deputado tratava de uma caracterização política que decorre
Sousa Tavares pediu a palavra. Posso saber para que lógica no contexto. Como tal, ela parece-me válida,
e.feà0 é ? nos termos em que a usei, e não como uma designa
-ção deformada do nome oficial de qualquer -par-

tido ou coligação.

O Sr. Sonsa Tavares (Indep.): - S. Presidente, que
ria apenas fazer um protesto.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, fará também esse
protesto no reinicio dos trabalhos.
O Sr. Sonsa Tavares (Indep.): - Está bem, Sr. Per
sidente.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está suspensa
a sessão.
Eram 13 horas e 5 minutos.
O Sr. Presidente: -Srs. Deputados, está reaberta a
sessão.

Eram 15 horas e 10 minutos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado
Sousa, Tavares.
O Sr. Sousa Tavares (Indep.): - Sr. Presidente,
Srs. Deputados: Pedi a palavra apenas para fazer
uma pequena observação ao Sr. Deputado Carlos
Brito, por quem tenho, aliás, uma grande conside-
ração há muitos anos.
Gostaria de lhe pedir, Sr. Deputado Carlos Brito,
que deixasse de. usar expressões como «aliança reac-
coifaria», uma vez que elas me obrigariam sempre
que me referisse ao Partido Comunista Português a
chamar-lhe «partido social-fascista ».
Para nós nos entendermos, tenho a impressão de
que seria de acabar com adjectivos insultuosos de
parte a parte.
Vozes da maioria parlamentar: - Muito bem!
O Sr. Vital Moreira (PCP): -Está ameaçador!
O Sr. Presidente: -Para responder aos pedidos de
esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos
Brito.
0 'Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente,
Srs. Deputados: Sinto-me muito honrado por ter sido
interpelado por um porta-voz do CDS, por um porta
-voz do PSD - no caso concreto o próprio presidente
do Grupo Parlamentar do PSD - e por um porta-voz
dos Deputados independentes. Todos eles são brilhan-
tes Deputados, uns já com provas dadas, e o debu-
tante Sr. Deputado Sousa Tavares, embora não as
tenha dado ainda, certamente que não desmerecerá
dos seus pares, muito embora esta sua primeira
intervenção no Plenário da Assembleia da República
não pareça ter sido muito oportuna, nem pelas razões
que invocou nem pela expressão que usou.
Aliás, respondendo também e desde já ao protesto
do Sr. Deputado Pedro Roseta, devo dizer que não
foi minha intenção como é patente no texto -
desfigurar a designação ou a denominação de qual
quer partido ou de qualquer coligação. Usei ma
expressão, creio que uma vez, explicando que se

O Sr. Amândio de Azevedo (-PSD): - Se continuar, irá ver a resposta.

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Foram muitas as perguntas que me foram feitas. Entretanto os Srs. Deputados que me interpelaram rivalizaram nas mesmas áreas e, como tal, esse facto facilita a minha exposição e a arrumação das questões que me colocaram.
0 primeiro ponto que gostaria de, abordar é o seguinte: dando-me conta de uma certa ansiedade que os Srs. Deputados manifestavam, julgava, que. se propunham fazer comigo um debate mais aprofundado do Programa do Governo, refutando as críticas que aqui trouxe em nome. do meu grupo parlamentar e do meu partido, dando explicações, aclarando eventuais dúvidas que tenha suscitado e, sobretudo, explicando, a questão essencial que foi colocada na minha intervenção.
Essa questão é a seguinte: por que é que neste Programa de Governo, a coligação governamental abandona tantas das suas mais rutilantes promessas eleitorais? Referi-me ao campo da habitação, e ao campo da segurança social, referi-me às promessas feitas aos jovens que procuram o primeiro emprego, aos agricultores deste país, etc. Esperava que o porta-voz do CDS e o porta-voz do PSD viessem explicar as razões d6ses recuos e dessas omissões programáticas. Contudo, não o fizeram e a explicação aqui trazida pelo Sr. Deputado Lucas Pires não é de modo algum, convincente. Segundo o Sr. Deputado Lucas Pires não se pode fazer tudo em nove meses. Isso é ,certo. Mas nós ;não, pusemos em questão que a coligação governamental e o Governo realizassem tudo, mas apenas aquilo que prometeram ao eleitorado.
O Sr. Primeiro-Ministro disse que o Governo possuía um mandato para realizar o seu Programa. Mas eu digo: não este Programa. 0 Programa com que a Aliança Democrática se apresentou ao eleitorado fica pelo caminho, ou seja, não é este que agora apresentou. Era esta questão que gostaríamos de ver explicada, visto que ainda o não foi.
Na verdade, quando a AD apresentou o seu Programa Eleitoral- para as eleições sabia por quanto tempo ia governar, sabia que se tratava de um Governo intercalar., de um Governo de conclusão de legislatura. Então. porque prometeu se sabia antecipadamente que não podia realizar? Esta era uma das questões cruciais.
Muitas das outras questões levantadas por mim podiam ser aclaradas. O Sr. Deputado Lucas Pires levantou outro problema, entrando inclusivamente em choque com o que foi reconhecido pelo Sr. Primeiro-Ministro. Na verdade, parece que o Sr. Deputado Lucas Pires não acredita que este Governo desfruta de uma sítuação financeira mais desafogada. Depois, numa atitude a que já estamos habituados, proeurou partir dessa nossa referência, dessa nossa constatação também reconhecida pelo Sr. Primeiro Ministro, embora de passagem, para fazer

Página 102

1 SÊRIE-NúMER0 5

acusações à nossa conduta passada. Em mat-6ria de preocupações neste domínio, ou seja, no domínio das finanças e da economia nacional, Sr. Deputado Lucas Pires, nós não temos dúvidas que o PCP tenha sido o ;primeiro partido, ainda em Novembro de. 1974, a chamar a atenção para as graves tensões que pesavam sobre a nossa balança de pagamentos.

O Sr. António Lacerda (PSD): -Quem diria!

O Orador: Nessa altura adiantámos a ideia de que entre a produção e o. consumo nacionais havia. um «buraco» de 50 milhões de contos 'e que esse facto haveria de se- traduzir, mais dia menos dia, em fortíssimas tensões sobre a balança de pagamentos. Desde essa altura que nos preocupamos em encontrar uma resposta e em trazer ao País a nossa contribuição, para se fazer face a essa situação. Sr. Deputado Lucas Pires, neste domínio existem documentos que comprovam a nossa atitude extremamente responsável nesta matéria.

Mas o tal debate de aprofundamento do Programa do Governo, que se podia fazer e que da nossa parte estávamos prontos para tal, não se fez. Mas não- por nossa culpa.
Os líderes dos partidos da coligação governamental preferiram outro caminho, ou seja, o caminho das insinuações algumas baixas, que. não fica bem a quem dele faz uso, como, por exemplo, o de que ninguém sabe onde moram os dirigentes do PCP. Enfim, que, certa imprensa brinque. com isso, que ironize. com isso, ainda se, pode admitir. Mas que um Deputado, aqui na, Assembleia da República, se. sirva desses meios e, desses instrumentos não me, parece admissível.
Também se, referiu, de passagem, o problema, dos velhos e dos novos monopólios, das velhas e das novas burguesias. Penso que o Sr. Deputado Lucas Pires, quanto aos meandros interiores da classe, está muito mais dentro do conhecimento deles do. que eu. Mas há uma, questão que o Sr. Deputado Lucas Pires sabe perfeitamente: é que os tais grupos financeiros, os tais monopólios, foram liquidados no processei da Revolução, portuguesa. Hoje, há esforços e não só os que constam deste Programa do Governo, mas outros que transparecem da vida- para os reconstituírem, aos mesmos ou a outros.
Nós pensamos que aqueles que hoje tomam a peito, como o Governo toma - e a prova é o seu Programa -, a reconstituirão desses grupos. não estão a defender verdadeiramente a iniciativa privada. Com efeito, a iniciativa, privada, de entre os sectores do capitalismo pequeno e médio, teve e tem ainda uma rara oportunidade de desabrochar e, de se desen-

volver. Essa oportunidade decorre da própria liqui-

dação dos monopólios.
Este. aspecto poderia traduzir-se
num grande desenvolvimento da economia nacional. Por ser assim, nós nunca o rejeitámos, bem pelo contrário, sempre o admitimos em todas as nossas posições programáticas. Portanto, não fiaremos aqui, nem o. temos feito em debates desta matéria, a guerra ao capitalismo. Pelo contrário, temos trazido aqui a defesa da pequena e, média indústria, do pequeno e médio comércio, e não apenas por palavras, mas através do formulações

muito concretas e de conteúdo programático rigoroso e cientifico.

O Sr. António Lacerda (PSD): - Quem diria!

O Orador: -Também neste aspecto não fomos longe. Na verdade não fomos além de, umas graças e de umas ironias mais ou menos brilhantes mas que não adiantam grande coisa para, responder aos problemas do povo português.

Outra atitude patente dos Deputados da coligação governamental é a de transferirem para o campo externo os debates sobro. os problemas nacionais. Esta pecha é antiga. Sempre, tivemos dificuldade em aprofundar, em debater, os verdadeiros e. grandes problemas nacionais, porque, ,% partir de certo momento, os Deputados do -PPD e do CDS fogem e, vão buscar questões internacionais para impedir esse debate e esse aprofundamento. Uma vez mais isso, aqui aconteceu.

O Sr. José Vitorino (PSD): -Olhe que não, olhe que não!

O Orador: -.Nós entendemos não fazer perguntas
ao Sr. Vice-Primeiro-Ministro quando ele aqui se refe
riu de manhã à política externa., Temos uma interven-
ção preparada para hoje e aí iremos fazer as nossas
considerações. Esta intervenção já estava planeada
antes de, sabermos que o Sr. Vico-Primeiro-Ministro
e Ministro dos Negócios Estrangeiros iria usar da
palavra. Como tal, era nossa intenção dar este trave
jamento ao, conjunto das nossas intervenções. Só por
isso não lhe fizemos perguntas. Aliás, em muitas dessas
matérias são conhecidas, e bem conhecidas, as nos
posições. Elas hoje, serão reafirmadas, designada
mente toda a questão que se refere à nossa integra
cão na Comunidade Económica Europeia.

h

O Sr. Amândio de Azevedo (PSD): - E ao Afeganistão?

O Orador: - Levantou-se aqui. a questão do Afeganistão. Nós não, respondemos a interrogatórios.

Aplausos do PCP e. risos da maioria parlamentar.

Como sabem, feliz ou infelizmente, dom matéria temos alguma experiência vivida.

Mas falou-se, do Afeganistão. 0 meu r>artido já anunciou que tomará posição nesta matéria.

O Sr. José Vitorino

O Orador: - Os Srs. Deputados não terão de esperar muito para o verificarem, pois o que. nós dizemos

O Sr. Narana Coissoró (CDS): -Já está dito!

O Orador: -... cumpre-se. Os Srs. Deputados sabem que- é assim.

Nós discordamos das atitudes tomadas nesta matéria pelo Governo, consideramo-las despropositadas. Aliás, já hoje aqui ouvimos referências a esse. despropósito e que, coincidem com a nossa opinião. Parece-me que nenhum outro país tomou atitudes tão drás-

Página 103

16 DE JANEIRO DE 1980

ticas como as que foram tomadas pelo actual Governo, em nome de Portugal.

O Sr. António Lacerda (PSD): -E a Itália?

O Orador: - A nossa opinião é a de que, além dos gestos, a própria análise t a própria apreciação que o Governo faz do problema do Afeganistão peca por gravíssimas omissões e isso é uma manifestação de manipulação. da opinião pública. Não há uma só referência à agressão imperialista de, que c> Afeganistão estava a ser vítima, a partir do Paquistão, das numerosas bases do Paquistão.

Risos da maioria parlamentar.

Quer dizer, não se faz nenhuma referência exacta, rigorosa. Nós teremos ocasião de dizer a data exacta em que forças soviéticas ' entraram no território do. Afeganistão. Esse aspecto virá a alterar completamente a tese, do golpe de Estado exógeno que foi referida hoje, de manhã.
Portanto, sobro, estas matérias não teremos difícil-
dada em tomar posição, e tomá-la-emos. Mas, como sabem, não corremos a foguetes, quer ^ em relação às grandes questões nacionais, quer em relação às questões internacionais. Tomamos como juízo da nossa conduta o juízo do povo português.º

O Sr. Pedro Roseta (PSD: -Estão entalados!

O Orador: -Sr. Presidente, Srs. Deputados: UM ponto muito. importante das questões que me foram levantadas refere-se à Constituição, ao seu cumprimento e à própria atitude do PCP em face dela.
Devo dizer ao Sr. Deputado Pedro Roseta, que, em boa verdade o PCP não, sei considera, nem nunca, se considerou, propriedade da Constituição. 0 que nós pretendemos e ambicionamos é que, todos os partidos e todas as forças políticas tenham perante a Constituição uma, atitude de respeito t, que os órgãos de Soberania sintam como um dever supremo cumprir a Constituição. É isso o que. nós desejamos. Como tal, não a chamamos mais a nós do que chamamos aos outros. Ela é de todos nós.
O Sr. Deputado Lucas Pires quis insinuar que nós tivemos uma atitude contra a ideia de Constituição. Como se sabe, isso é falso. Nós participámos activamente na sua elaboração, altura em que o Sr. Deputado Lucas Pires não era ainda parlamentar.

O Sr. Macedo Pereira (CDS): -Mas já sabia de Constituição.

O Orador: -Nessa altura o Sr. Deputado Lucas Pires arguia do, exterior. Nesta matéria, Sr. Deputado Lucas Pires, há sempre um ponto muito importante., que é o seguinte: 0 CDS votou contra a Constituição e não participou viva e entusiasticamente na sua elaboração.

Vozes do CDS: -Pois não, pois não.

O Sr. Amândio de Azevedo (PSD): - 0 cerco, da Assembleia Constituinte foi uma invenção da reacção.

O Orador: -E tanto que votou contra ela.
Diz o Sr. Deputado Lucas Pires que nós já afirmámos no passado que a Constituição estava --em perigo, que havia ameaças contra a Constituição e que essas ameaças se desenvolviam, etc. -É certo. Os ataques ao regime democrático-constitucional, toda a operação nessa direcção, não se iniciaram com este Governo. Eles vêm a desenvolver-se e afanosamente - pelas próprias forças que hoje constituem o Governo.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): -Foram elas que cercaram a Constituinte?!
e: -

0,5r. Aboim Inglês (PCP): = cale a boca. Estamos a tratar de coisas sérias.

O Orador., 7-Também lhe posso responder a esse problema, 3r. Deputado Narana Coissoró. Mas, se não se importar, gostava de completar o meu raciocínio respondendo às alegações do seu colega de . bancada.
Toda essa operação desenvolve-se e vem de. há muito tempo e não tem sido lograda ou, quanto Muito, só parcialmente tem sido lograda. Nós consideramos que há agora um ataque mais grave e mais sério. Condutores ataque não irá triunfar. Esse ataque, decorre da própria atitude que as figuras mais destacada da coligação governamental tomam em relação à Constituição.
Na questão que. me foi levantada pelo Sr. Depu-
tado Lucas Pires relativamente aos sectores vedados
da economia, devo dizer-lhe que não sendo eu
jurista; posso cometer algumas incorrecções de lin-
guagem. Mas quanto ao Sr. Deputado, que é jurista
e constitucionalista, parece-me que não é admissível
que tente fazer circular a ideia de que a Constituição
não estabelece sectores vedados à iniciativa privada.
E havendo, sectores que estão vedados à iniciativa
privada, esses devem ser logicamente- os sectores
básicos fundamentais, as próprias alavancas da direc-
ção da economia, como, por exemplo, a banca e os
seguros.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Dizia eu que este gravíssimo ataque que se, desenvolve contra- o regime democrático-constitucional é uma grande ameaça. Mas o que não - dizemos é que essa ameaça vai triunfar.
Dissemos aqui, que o conjunto dos partidos que estão contra o Governo, que estão em oposição ao Governo, teve nas eleições mais 350 000 votos do que tiveram os partidos da coligação governamental. Naturalmente que não dizemos isto para atirar com este número à cara dos partidos que formaram aquela coligação. Dizemo-lo para chamar a atenção para uma importante, realidade política. 15to * não significa que a maioria não seja legítima enquanto maioria parlamentar.

O Sr. Amândio de Azevedo (PSD): - Legítimo, era o Governo Pintasilgo?!

O Orador: -Nunca, aliás, dissemos outra coisa, tendo inclusivamente sido referida por nós a maioria parlamentar tangencial, que é o reconhecimento da existência de uma maioria parlamentar. 0 que não

Página 104

104

1 SÉRIE - NÚMERO 5

há é uma maioria no País, o que não há é uma base social maioritária. 15to é uma realidade política que o Governo não deve ignorar, pois este facto deve em democracia limitar obrigatoriamente a possibilidade de o Governo inovar profundamente o regime. Este facto deve, limitar o Governo em relação a opções de fundo. É isto o que nós dizemos.

O Sr. José Vitorino (PSD): -Pelo menos, pelo menos.

O Orador: -Mas este é apenas um lado da realidade. 0 outro lado, para o qual chamamos a atenção, é o daqueles que estão em oposição ao Governo, daqueles que estão em oposição à maioria governamental. Esta maioria do País é uma grande base de resistência para as tentativas de destruição do regime democrático-constitucional.
Na verdade, esta maioria pode travar 9 passo à concretização, de um plano de liquidação da Constituição e do regime democrático dentro dos limites da Constituição, como costumamos dizer, Em democracia, na nossa democracia...

O Sr. Moreira da Silva (PSD): -"Na vossa!

O Orador: - ..., as possibilidades de luta, para sensibilizar profundamente a opinião pública e o nosso povo, mostrando onde está o seu interesse, são ilimitadas.
É por isso que nós dizemos que o regime democrático-constitucional triunfará.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: -Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Coimbra.

O Sr. Luís Coimbra (PPM): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Permitam-me que, na qualidade de Deputado monárquico e pela primeira vez que uso da palavra nesta Assembleia, saúdo todos os restantes Deputados, Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Sr. Vice-Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: As palavras proferidas pelo Sr. Vice-Primeiro-Ministro na sua intervenção não podem deixar de merecer da nossa parte os maiores elogios.
Prometemos ao povo português durante a campanha eleitoral uma nova política externa e tê-la-emos de facto.
Urgente se tomava terminar com a política de ambiguidade e de «irresponsabilidade paralelas», muitas vezes sob a égide do Conselho da Revolução, e que caracterizaram de um modo geral a actuação de vários órgãos de Soberania nos últimos anos.
Portugal é um país europeu, de raiz cristã de vocação e cultura universalista.
Importa, pois, indo ao encontro desta maneira portuguesa de estar no Mundo - e que não, foi invenção de agora, mas tem raízes profundas na nossa história e no nosso povo, -, que mantenhamos relações íntimas com todos os países, iadepcndei1,touie-nte

das ideologias dominantes, dos seus estados de desenvolvimento, localização geográfica ou dos blocos, políticos ou militares a que pertençam, no respeito pelas soberanias de cada um. Mas, se este conceito básico que resulta da nossa maneira tradicional de estar no Mundo deve ser reforçado, não é menos verdade que a política externa portuguesa, por mais que custe à oposição, terá de assentar numa clara opção de prioridades e precisamente a começar, tal como o Sr. Primeiro-Ministro frisou, por uma clara acção diplomática muito querida para Portugal, em favor clã autodeterminação do povo timorense, que não esquecemos, quer aqui no, Vale do Jamor, quer em Timor,

Aplausos da maioria parlamentar.

No âmbito planetário, refiro-me ao estreitamento dos laços de amizade e cooperação com os países e, comunidade. de expressão, cultura ou raiz portuguesas, que não vai por certo ser realizada pela Governo nos :termos de indignidade nacional em que muitas vezes se processou.
Dentro de um contexto geopolítico e económico mais restrito e tal como foi frisado pelo Sr. Vice-Primeiro-Ministro, importa dar prioridade à nossa adesão à CEE e à continuação da nossa presença na NATO, medidas estas que têm merecido o aplauso da esmagadora maioria do povo português e dos principais partidos democráticos que aqui o representam nesta Assembleia.

Mas porque igualmente pensamos que a adesão de Portugal à CEE deve ser um acto colectivo conscientemente assumido por todos, importa reflectirmos um pouco sobre os possíveis inconvenientes dessa adesão. Desde já o Partido Popular Monárquico afirma claramente que não verá com bons olhos uma adesão incondicional à CEE, posta simplesmente por razões políticas, muito menos se perspectivarmos o nosso futuro em equações, balizas e metas que não tenham em vista os nossos próprios objectivos de desenvolvimento, as nossas realidades, os nossos interesses mais do que legítimos e as nossas características ímpares.
0 PPM não aceita, pois, que a nossa adesão implique necessariamente a adopção de todas as regras e orientações comuns aos Países dos Nove, que as próprias políticas globais e sectoriais sejam aferidas por países que estão em vias de atravessar rápidas transformações, possuidores de uma política agrícola comum que tarde em solucionar eficazmente os problemas do sector em alguns dos países membros, e uma política industrial que prima pela sua inexistência, enquadrando-se todos estes aspectos no espectro da nova recessão económica e o prolongamento da crise energética.

É um facto que, tal como a Europa dos Nove, Portugal também depende das importações de petróleo para cerca de 85 % das suas necessidades energéticas.
0 recurso sistemático às energias não renováveis, como o petróleo, o carvão ou o nuclear, a centralização progressiva dos sistemas de produção a elas inerente, conduziram os países desenvolvidos no Ocidente e no Leste a altos consumos energéticos, em termos de consumo industrial, em transportes, de agricultura até mesmo nos consumos domésticos tornando-se quase exclusivamente dependentes de energias não renováveis e em dificuldades enormes em ter-

Página 105

16 DE JANEIRO DE 1980

mos de reconversão industrial, nomeadamente nos sectores básicos de produção.

O Sr. António Lacerda (PSD): - Muito bem!

O Orador: -A Europa sabe hoje, como aliás os EUA também já o reconhecem, que não será mais possível no futuro manter certos padrões sociais e alguns índices tradicionais de consumo per capita se as suas economias se continuarem a desenvolver à custa do petróleo e destruir sistematicamente a capacidade de renovação dos recursos que, são renováveis.
Se é bem certo que lamentamos o não termos conseguido atingir nos anos 50 e 60 os mesmos estádios de desenvolvimento de outros, por culpa exclusiva da ditadura, também não é menos verdade, que as sociedades mais evoluídas pressentem quão penoso vai ser o terem em certa medida que mudar de hábitos adquiridos ao longo dos anos, muitos deles assentes no supérfluo e na sociedade de desperdício, situação que nada tem a ver com o bem-estar social ou com o progresso. É tarde de mais, Sr. Presidente, Srs. Deputados, para seguirmos os seus modelos de desenvolvimento.
É este um dos pontos que devemos ter presente ao lançarmo-nos num modelo, do desenvolvimento que nos possibilite a integração, que desejamos na CEE.
Em matéria de integração europeia e, implicitamente, em matéria de política energética, há que ter igualmente bem presente, que a abertura ao aproveitamento de novas energias não renováveis, principalmente tornadas competitivas em termos económicos pela alta contínua dos preços do petróleo, será um sucesso efémero para a Europa, já que mais importante que os custos em termos económicos nesta actual fase de desenvolvimento da sociedade! - impõe-se ter em conta o cada vez mais gravoso, custo energético, para obtenção dessa nova energia.
Segundo, aspecto a ter claramente em conta: o crescimento da produção e dos consumos de ou a partir de matérias-primas não renováveis tem limites físicos cada vez mais próximos,
0 crescimento não é infinito, é limitado. Ou sabemos vencer a crise energética reduzindo as 'nossas necessidades essenciais em petróleo, através do incentivo ao aproveitamento das energias alternativas renováveis ou de grande, abundância, ou seremos vencidos por ela, deixando para as gerações futuras um país fossilizado, e destruído. Energia 6 informação são duas questões que, terão, pois, de ser devidamente acauteladas para podermos colher benefícios da nossa futura adesão à CEE, tendo em vista que não podemos continuar a ser enganados como até aqui., sempre na miragem e, na voragem de conhecermos o último grito ou salto tecnológico, e em que cada vez a nossa capacidade de endogenização, é menor.
Mal iríamos se a nossa integração europeia significasse na prática, a migração para Portugal de todas as indústrias que se encontram em situação de crise financeira e de, futuro incerto, de elevados custos energéticos o fraca criação de postos de trabalho, como acontece com muitas delas nos sectores básicos dia produção.
Mal iríamos se o preço da nossa integração europeia fosse a transferência para Portugal de indústrias altamente poluentes ou de riscos potenciais graves

para o nosso povo e para o nosso território, que outros já não desejam ter em sua casa, mas que pela acção ou inacção de vastos sectores da actual oposição, a nível de, Governo e a nível sindical se começaram a instalar em Portugal nos últimos anos.

Aplausos da maioria parlamentar.

A nossa -política de desenvolvimento industrial tem de assentar nas pequenas e médias industrias, em especial nas de mão-de-obra intensiva, nas indústrias de reciclagem, que. tardam em arrancar em termos decisivos, na diversificação das produções, através do aproveitamento das nossas potencialidades, É tardo e, mais para procurarmos criar uma malha industrial mais coesa, construída à imagem e semelhança da Europa de hoje que. será amanhã, não nos podemos esquecer, a. Europa do passado.
0 velho continente é um comboio, em movimento permanente. Há que saber, porém, quando t como o vamos apanhar em andamento. E porque. a nossa adesão, total ainda será por certo morosa, importa que as nossas metas a médio o longo prazo não sejam os padrões europeus de hoje, nem muito menos as previsões megalómanas e mecanicistas que apontam para índices contínuos dei produção o consumo que nunca se virão a verificar na prática.
0 comboio chamado Mercado Comum o os indícios já começam a surgir- vai fazer agulha para outra. linha o não, seguirá certamente, o caminho do abismo, representado pelo escoamento dos recursos, ou para a sociedade totalitária, como alguns ainda crêem, onde; a penúria seria «superiormente» dirigida por uma pseudo-élite de «sábios» e «peritos» e que para o efeito tanto podemos usar roupagem castanha, como antigamente; ou vermelha, já que, os efeitos práticos seriam exactamente os mesmos para o comum dos cidadãos.

Vozes do -PP-M e do PSD: - Muito bem!

O Orador: No campo da agricultura devemos caminhar rapidamente. para um ordenamento do território nacional, baseado nas seguintes zonas de vocação agrária:
Áreas destinadas à agricultura mas intensiva, das quais dependerá a alimentação dos Portugueses, em especial aos já aglomerados nos grandes centros urbanos;
Áreas destinadas a uma agricultura menos intensiva, salvaguardando o valor cultural e; biológico das paisagens e conservando a indispensável vida natural;
Áreas destinadas a uma agricultura de recursos, à silvicultura ou à silvo-pastorícia em que a sua natureza ecologicamente marginal implica uma atitude de conservação.
Para além destas áreas de vocação agrária, há que definir racionalmente as áreas destinadas à expansão urbana, à industria e recuperar as áreas degradadas.

Página 106

106

Sem estas políticas não teremos qualquer vanitagem em aderir à CEE.

Vozes do PPM e do PSD:.-Muito, bem!

O Orador: -Há que modificar na prática a política de florestação industrial que temos seguido. 0 Programa do- Governo é bem claro nesse aspecto e com isso só nos temios que. regozijar, pois isso significa quo -com a nossa adesão à CEE Portugal não será transformado, numa exclusiva, fábrica de pasta de. pape.1 dá Europa, seja nas mãos do sector público, seja nas do sector privado,

Vozes de maioria parlamentar: -Muito bem!

O Orador: -Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não deixa de ser sintomático que, nenhum destes problemas quo aquii foram equacionados tenham ao menos sido. levantados durante este debate; pela oposição.

Por toda a Europa, os ecologistas e. os sectores mais conscientes da opinião, pública começam a virar costas a, rótulos estafados, tais como o da «Europa. dos trabalhador---s», feâa à custa da paluição e da centralização dos sistemas de produção, que os próprios trabalhadores começam a. mjeitar.

Vozes da maioria parlamentar: -Muito bem!

O Orador: - 0 -tempo de mudança que o Governo dá Aliança Dtmocrática representa. não pode, pois, deixar de ter em conta o evoluir para bons caminhos da síltuação, europeia. Exige-o o povo português, os quaso 2,5 milhões de portuguezs que apostam na AD e na integração na CEE.
Pela nossa parte, tudo, faremos para honrar os nossos compromissos.

Aplausos da maioria parlameritar.

O Sr. Presidente: --Para uma intervenção, tem a palavra, o Sr. Deputado José Tengarrinha.

O Sr. José Tengarrinha (MDP): -Sr. Presidente da Assembleia da República, Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Miffistro, Srs. Ministros: Fdi numa posição de expectativa crítica que começámos por encarar este Governo. Por um lado, não -podíamos esquecer, à partida, princípios programáticos que as forças políticas que o sustentam defenderam durante a campanfia eleitoral e de que discordamos; por outro lado, porém, não queríamos fazer sobre ele apressados juízos de interiçãw ou pessoais, preferindo substituir o afrontamento ideológico pelo racional e sereno juízo das suas propostas e actos concretos.
Foi com -essa atitude que, na utilização do tempo de-s.t.in,ido às pergunias ao Governo, nos re--cusámos a fazer discurso partidário e tentámos simplesmente esclarecer-nos sobre aspectos obseuros ou omissos do Programa, colocando uma série de questões muito concretas e, em nossa opinião, importantes para o entendimento das linhas gerais a que obedece o Programa. As conclusões que retiramos das respostas (e das omissões) do Governo nesse seu primeiro contacto com a Assembleia da República, bem como um

1 SÉRIE -NúMERO 5

estudo mais demorado do Programa vieram agravar as apreensões que tínhamos à partida.
Com efeito, se surpreende, à primeira vista, que um Governo que fez toda a campanha e coloca como seu primeiro propósito a «mudança» apresente um Programa tão pouco inovador ao nível das formulações gerais e na focagem dos problemas nacionais, não menos surpreendente é que silencie as metas que se propõe atingir no prosseguimento dos objectivos definidos. Surpreende, também, que um Governo que, se diz orientado, pelo esvilo pragmático mostre no seu Programa uma tão manifesta dificuldade em concretizar, sequ<_--r que='que' com='com' de='de' a='a' aborda.br='aborda.br' problemas='problemas' encarar='encarar' importantes='importantes' orientação='orientação' solução='solução' vai='vai'> Assim, com toda a propriedade, podemos dizer que «o Programa não, é em rigor um programa, mas um catálogo. Não é o Programa do que se vai fazer, mas o catálogo do que se gostaria de fazer. Não é uma lista das medidas possíveis, -é um rol das medidas desejáveis. Fica-se com a impressão de que o Governo pensa poder fazer tudo, não se fica a saber o que é que o Governo vai sacrificar. Onde estão as prioridades, onde a hierarquização dos objectivos? 0 Programa sofre em quase todos os capítulos de um excesso de vaguid'ade e de ambição».
Bem, esta é uma conclusão tão evidente que em nada surpreende. Mas já surpreenderá se soubermos que estas palavras críticas não são nossas mas, como já devem ter perctbido, da autoria de um dos responsáveis pela elaboração deste próprio Programa, o Vice-Primeiro-Ministro Freitas do Amaral, quando apreciava, na sessãa. de 5 de Agosto de 1976, o Programa do I Governo Constitucional. Infe-lizmente, talvez tenha sido esta forma de programar o único aspecto em que a coligação -no II Governo influenciou o Vice-Primeiro-Ministro.
Estamos muito, longe, porém, de encontrar no Programa uma sistematização de medidas objectivas para fazer frente às principais questões que o nosso país enfrenta. Vejamos, numa abordagem de pontos diversos, recolhidos ao longo do Programa, como o Governo se coloca em -frequentes situações à não caracterização ou não definição da prática governativa que pretende prosseguir. Assim, o Governo diz que se vai empenhar para que a taxa de inflação não ultrapasse os 2ffo (este é, aliás, reparem, o único dado numérico apontado no Programa).
No entanto, não se apresentam quaisquer medidas concretas a tomar no sentido de conter o crescimento da inflação naqueles limites, nem ao menos um esquema gebérico orientador, nem as opções básicas a tomar nesse sentido.
Quanto ao. aumento- da taxa de expansão da economia e redução do desemprego e relançamento do investimento que orientações e m-edidàs concretas se propõe o Governo tomar? E, funda mentalmente, como conseguirá conciliar esse objectivo com as orientações que estabelece em matéria de política fiscal e orçamental e de polífica monetária, fi-nanceira e cambial que apontam precisamente no sentido contrário - redução do deficit orçamental, contr61e da dívida externa (como?), expansão do crédito (em que termos e com que incidência nas taxas de juro e nos esquemas das bonificações?), cerceamento dos subsídios às empresas públicas, etc? E como encara

Página 107

16 DE JANEIRO DE 1980 107

o Governo a intervenção do FMI (sobre o qual não diz uma palavra) neste processo?
Quanto a atenuar as desigualdades na distribuição do rendimento, para além de afirmações muito gerais, do género de «assegurar uma maior equidade na distribuição dos rendimentos» e outras de cariz semelhante, que metas entende fixar para inverter a tendência decrescente dos rendimentos do trabalho no rendimento nacional?
No sector agrícola refere-se a revisão da Lei do Arrendamento Rural, mas nada se adianta quanto aos objectivos pretendidos com tal revisão. Projecta-se a elaboração de uma proposta de lei para alterações da Lei de Bases da Reforma Agrária, mas o Governo não identifica o sentido dessa alteração, salvo o repetir aqui, também, que o será «na perspectiva da integração europeia» e, como exemplo de mais uma contradição, falar na «continuação acelerada da regulamentação» e na «aplicação firme e equilibrada» da própria Lei que pretende alterar!
O Programa do Governo refere a revisão do enquadramento legal a que a indústria de construção civil se acha submetida, para assegurar o seu crescimento, racionalização e melhoria da qualidade de produção. Que medidas concretas pensa o Governo levar a cabo para conseguir estes resultados? Que legislação pretende rever ou estabelecer? Projecta o Governo elaborar planos de obras públicas e habitação que permitam garantir um mercado estável à indústria de construção?
O Programa afirma a necessidade de resolver o «problema da habitação», ficando-se por meros lugares comuns e vagas intenções: omite a importância do papel da iniciativa popular na resolução do problema habitacional; não refere acções complementares possíveis, como a autoconstrução; ignora a riqueza da experiência do processo SAAL e a necessidade de o valorizar, mobilizar e recuperar.
Quanto à saúde, projecta-se rever a Lei do Serviço Nacional de Saúde e organizar progressivamente o SNS de acordo com uma revisão. Mas em matéria de tanta importância nada é particularizado quanto ao sentido da pretendida revisão.
No capítulo da educação, para além de uma fugidia referência aos parceiros do processo de educação, o Programa não refere a acção dos docentes nem contempla numa única palavra a intervenção fundamental dos educadores.
Assim, o Programa situa-se numa fronteira equívoca e falsa: tendo em conta os escassos meses de governação, sem dúvida os pontos enunciados e as perspectivas a médio e longo prazo são excessivas e a ambição desmedida; mas se se quis proceder ao exame das principais questões nacionais, o Programa revela graves lacunas. Nunca sendo esclarecida esta alternativa, recorre o Programa ao uso frequente de expressões tão vagas como «melhoria das condições e qualidade de vida», «Portugal renovado», «realização da pessoa humana», num aproveitamento do legítimo estado de insatisfação de uma parte dos portugueses.
Quanto mais se aprofunda o Programa, porém, tanto mais firmemente se desenha a ideia de que sob aparência baça, pobre de imaginação e inovação, é este, afinal, o Governo que mostra uma ambição de mudança mais profunda; e a ideia de que o tom genérico e vago em que discorre nos princípios gerais oculta a profundidade da mudança que está implícita na lógica em que o Programa assenta. Assim, é um projecto de mudança que, não sendo apresentado com clareza, tenta evitar submeter-se em toda a sua verdadeira dimensão à apreciação e veredicto frontal desta Assembleia. É à luz destas preocupações centrais que examinaremos neste debate o Programa do Governo.
'Entre as grandes opções orientadoras deste Programa destacam-se, pelo seu peso determinante, as que se encontram justificadas por uma pretensa vocação europeia e atlântica de Portugal. Vocação europeia que aqui quer dizer Comunidade Económica Europeia; vocação atlântica que aqui quer dizer NATO. Em relação à CEE, o privilégio que lhe atribui é tão amplo que se diz por essa adesão deverem ser aferidas «todas as políticas globais e sectoriais, bem como as iniciativas legislativas». Há toda uma subordinação da política económica do Governo ao objectivo último da integração económica europeia. O Governo pretendo assumir a responsabilidade de compatibilizar a actividade económica nacional com . a da CEE: mudar a agricultura para se integrar na CEE; mudar a indústria para se integrar na CEE; mudar a pesca para se ajustar à CEE. Chega o Programa a afirmar que a nossa) integração nas comunidades europeias obriga a adaptar o nosso sistema de relações de trabalho ao dos países ocidentais.
Assim, contraditoriamente com o que se afirma sobre as motivações da nossa política externa, toda d mudança que propõe fundamenta-se e é motivada por força de modelos exteriores. A concretizar-se esta ligação cega às Comunidades Europeias resultariam como será desenvolvido noutra intervenção - perturbações e abalos graves na nossa estrutura económica. Mas o alcance desta orientação só poderá ser inteiramente compreendido à luz da opção fundamental que ordena todo o Programa: a alteração do equilíbrio actual entre as formações económicas existentes e que configuram o nosso sistema económico-social, tal como está definido na Constituição. Com efeito, o Programa constitui uma proposta de ruptura desse equilíbrio, na medida em que visa destruir o papel que actualmente tem ou deve ter o sector público empresarial, deslocando todas as suas preocupações para o sector privado. A consumar-se tal ruptura, graves seriam as perturbações económicas e sociais para a nosso país, e muito especialmente no domínio da larga estrutura das pequenas e médias empresas. Haverá ocasião de aprofundar este aspecto numa outra ocasião.
Entretanto, registe-se o que esta proposta contém de inconstitucionalidade, porque contrária ao artigo 89.º da Constituição da República que consagra o equilíbrio entre os três sectores de propriedade dos meios de produção. De resto, embora repetidas vezes dizendo não pretender sair do quadro constitucional, o Programa está eivado de um espírito contrário à Constituição, que ou emerge claramente em certas afirmações ou surge na sequência lógica de orientações preconizadas. Assim, entre outros exemplos, citemos que todo o Programa está orientado para favorecer uma economia de mercado e não uma economia planeada segundo os termos e os objectivos constitucionais, nomeadamente consignados no artigo 91.º As considerações que o Programa faz e a orientação que preconiza em relação à zona de intervenção da

Página 108

108 I SÉRIE - NÚMERO 5

Reforma Agrária, igualmente ameaçam a existência das formas de exploração colectiva previstas no artigo 97.º da Constituição, além de porem em causa todo o regime económico existente nessa zona.
Em relação à política externa, a abertura e a diversidade apontadas na Constituição não se ajustam também à parcialidade e estreiteza com que o Programa a defende, nomeadamente quanto aos laços especiais de amizade e cooperação que devemos manter com os países de língua portuguesa. Igualmente inconstitucional é a proposta do referendo, também defendida no discurso do Primeiro-Ministro com um frágil artifício jurídico.
São estes, entra outros, aspectos que mostram graves desajustes entre a Lei Fundamental e o Programa, que deveremos perspectivar nas suas consequências possíveis. A concretizarem-se estes objectivos, com efeito, a prática governativa acabaria por transformar consideravelmente a actual realidade portuguesa, deslocando-a para fora do quadro legal da Constituição. E, a partir daqui, tentaria criar condições para que a revisão constitucional parecesse inevitável e indispensável, de modo que a Lei Fundamental fosse ajustar-se então à nova realidade formada. Apresentando-se com tais intenções e objectivos programáticos, parece-nos difícil ver neste Governo o Governo da moderação e do entendimento que diz defender.
Alguns indícios preocupantes começam já a aflorar aqui ou além. Lembremo-nos da imagem ameaçadora de um Deputado da maioria quando há dias, desta tribuna, dizia, de dedo em riste e expressão carregada: «Havemos de nos entender!» E a ameaça daquele dedo espetado fazia crer que não seria pelas armas da razão que ele pretendia que nos entendêssemos.

O Sr. Nuno Abecasis (CDS): - Ena pá!

O Orador: - Lembremo-nos do discurso do Primeiro-Ministro ao afirmar a consciência que o Governo tinha de que era o Governo de Portugal, de todos os portugueses; afirmação tão óbvia que só se justificaria como sugestão para uma cadeia de raciocínios que conduziria ao «Pátria não se discute». Ou lembremo-nos ainda da afirmação aqui feita há dias de que a AD não era do PSD, nem do CDS, nem do PPM, mas do País, da Nação - o que foi sempre a fundamentação para os partidos únicos.

O Sr. Nuno Abecasis (CDS): - Está lindo!

O Orador: - índices preocupantes, sem dúvida, mas a que se opõe a esperança de que a expressão democrática do povo português nesta Assembleia não permita que vão além.
Iniciámos hoje o debate com o Governo sobre o Programa que se propõe cumprir durante os próximos meses. Desejamos sinceramente que os debates possam ajudar a clarificar os muitos pontos obseuros do Programa, por forma que todos possamos conhecer melhor as verdadeiras intenções (expressas ou não) do Governo.
No debate racional, na controvérsia viva, mas serena e reflectida, que aqui irá sendo feita, cremos será possível alcançar esse objectivo, mais ainda do que na simples leitura de um texto como o que nos foi apresentado. Assim já se verificou, no curto debate até agora efectuado. E estamos certos de que, no final, o balanço será positivo, contrariando os que, eventualmente, tendiam para a subalternização deste debate.

Aplausos do PCP e do MDP e de alguns assistentes nas galerias.

O Sr. Presidente: - Chamo a atenção das galerias de que não podem manifestar-se.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Em matéria de comunicação social este Governo de duzentos e oitenta dias iniciou o seu mandato intercalar com uma flagrante violação da Constituição da República e da lei ao sanear e nomear novos elementos para a administração da empresa pública Notícias-Capital à revelia e sem o parecer prévio do respectivo Conselho de Informação. Esta ilegalidade, praticada antes mesmo da apreciação do Programa por esta Assembleia, dá bem a tónica da política que este Governo pretende impor para o sector, política de contrôle e manipulação na esteira do Governo Mota Pinto, cuja actuação neste campo tanto aplaudiu - política que terá por objectivo dar cobertura a processos anti-constitucionais e ilegais para manutenção do poder.
Apesar do conjunto de generalidades e da total ausência de propostas concretas para a resolução dos graves problemas que existem na comunicação social em Portugal, este capítulo do Programa do Governo causa graves apreensões às forças democráticas:
Afirma ir pautar a sua actividade defendendo critérios de trabalho e competência, mas não dedica uma única palavra à situação ilegal em que se encontram trinta e seis profissionais competentes afastados da R DP e da RTP e que são abrangidos pela Lei da Amnistia;
Retoma a tese proposta de igualdade de tratamento dos órgãos de comunicação social públicos e privados, esquecendo e ignorando o importante papel, reconhecido constitucionalmente, que aos meios de comunicação social do Estado cabe para a defesa da liberdade de informação e do pluralismo democrático - é certamente a primeira paga pelos bons serviços prestados por toda a imprensa de direita ao longo da campanha eleitoral;
Ignora pura e simplesmente a existência dos conselhos de informação, órgãos constitucionalmente e legalmente previstos com a missão de garantir o pluralismo ideológico e a independência dos meios de comunicação social do Estado;
Afirma o desejo de rever leis aprovadas por esta Assembleia, designadamente a Lei da Televisão, certamente para impor, como na altura os partidos da direita o exigiram que, contrariamente ao que estabelece a Constituição, se abra a televisão à iniciativa privada;
Afirma de maneira clara o seu desejo de transformar a comunicação social do Estado em megafone e agência de publicidade do Governo, ignorando de maneira frontal as limitações que lhe são impostas

Página 109

16 DE JANEIRO DE 1980 109

pela Constituição e pela lei das notas oficiosas aprovada por esta Assembleia.

O Sr. João Morgado (CDS): - Não diga asneiras.

O Orador: - O mais espantoso neste caso é que os partidos que integram a aliança reaccionária votaram na altura a favor desta lei, mas... os tempos mudam, meus senhores! Não é?

Protestos da maioria parlamentar.

O Sr. Sonsa Tavares (Indep.): - Seu social-fascista, cale a bocal

O Orador: - E que dizer da iniciativa dos partidos do Governo de chamar à ratificação da Assembleia da República o decreto-lei que regulamenta a carteira profissional do jornalista, decreto que deu cumprimento à lei do estatuto do jornalista, lei que o fascismo não consentiu e pela qual desde sempre se bateram os profissionais do sector.
Muito mais haveria a dizer sobre os planos e intenções deste Governo reaccionário no campo da comunicação social, mas o tempo de que dispomos não permite que sobre ele nos alarguemos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Denunciando os intentos reaccionários deste Governo para o domínio da comunicação social...

O Sr. Sousa Tavares (Indep.): - Que menino tão bonito! Onde o teriam ido buscar?!

O Orador: - Sr. Deputado, peço-lhe que tenha calma, terá oportunidade de intervir, não, interrompa o meu discurso.

Protestos da maioria parlamentar.

O PCP alerta os trabalhadores do sector e as forças democráticas para a necessidade urgente de se unirem esforços no sentido de cortar o passo à direita, de defender a liberdade de expressão e a independência dos meios de comunicação social do Estado.
Manifestando a sua frontal oposição ao pior Governo que Portugal conheceu depois do 25 de Abril.

O Sr. Bento Gonçalves (PSD): - Não apoiado!

O Orador: - O PCP reafirma o seu propósito de lutar em defesa das liberdades de expressão, de informação e de imprensa conquistadas com o 25 de Abril e consagradas na Constituição da República.

Aplausos do PCP e de um assistente nas galerias. O Sr. Bento Gonçalves (PSD): -Não apoiado!

O Sr. Presidente: - Chamo a atenção das forças de segurança das galerias de que há um senhor na galeria da esquerda que insiste em manifestar-se. Se voltar a reincidir, convidem-no imediatamente a sair.
Tem a palavra o Sr. Ministro das Finanças e do Plano.

O Sr. Ministro das Finanças e do Plano (Cavaco e Silva): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A situação económica do País não é boa, e os Portugueses sabem--no bem.
Em 1979, a produção cresceu apenas cerca de 2,5%, o consumo privado estagnou, o investimento deve ter baixado 1 %, o desemprego agravou-se, a taxa de inflação atingiu cerca de 24 %, os salários reais baixaram, a degradação do meio ambiente não foi contida, as desigualdades na distribuição do rendimento acentuaram-se, a satisfação das necessidades sociais da população não melhorou.
A nível global, é o comportamento destas variáveis que determina o bem-estar presente e futuro dos Portugueses.
Constitui fraca consolação o facto de as últimas estimativas apontarem para um superavit (repito um superavit) da balança de transacções correntes de cerca de 100 milhões de dólares e para um superavit da balança de pagamentos superior a 1 bilião de dólares, ou o facto de, em resultado da subida do preço do ouro, as reservas cambiais brutas do Banco de Portugal, com o metal amarelo avaliado à cotação média dos últimos três meses, atingirem no fim de 1979 10,4 biliões de dólares.
A situação cambial de um país é apenas uma condicionante da política económica e social, que não pode, sem dúvida, deixar de estar presente na sua formulação, mas não se confunde com os objectivos primários que essa política deve prosseguir.
O Programa do Governo deixa bem claro que na formulação da política económica serão sempre tidos em consideração os condicionalismos impostos pela. necessidade de manter sob contrôle o deficit da balança de transacções correntes e a dívida externa, mas não confunde uma restrição com os objectivos que são de facto relevantes em termos de sociedade.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Importa recordar, como já o fez o Si. Primeiro-Ministro nesta Assembleia, na passada sexta-feira, que não foi neste início de 1980 que a situação financeira externa do País deixou de constituir condicionante apertada da política económica.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Tal já se verificava no início de 1979. Chegou mesmo a estar preparada uma carta de intenções para um novo acordo com o Fundo Monetário Internacional, que admitia um deficit para a balança de transacções correntes de 800 milhões de dólares, no período de Abril de 1979 a Março de 1980, e um deficit nulo para a balança global.
Como já referi, os resultados verificados em 1979 vão em sentido contrário, ao mesmo tempo que o crescimento da produção continuou a desacelerar, o investimento caiu, o desemprego aumentou, o poder de compra da maioria dos Portugueses continuou a baixar.
Isto evidencia bem como a ausência de uma situação cambial desfavorável não garante a obtenção de resultados positivos em termos de bem-estar presente ou futuro das populações, e como uma redução substancial do deficit das contas externas pode traduzir, do ponto de vista dos objectivos válidos de política

Página 110

110 I SÉRIE - NÚMERO 5

económica e social de um país uma situação tão errada como o agravamento desse deficit.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - E deve acrescentar-se que, se a política económica for correctamente analisada, o que requer a consideração não só da situação presente mas também a previsão dos desenvolvimentos futuros dos factores exógenos, nem pode afirmar-se que a situação financeira externa portuguesa se apresenta mais favorável em 1980 do seu em 1979.

O Sr. Bento Gonçalves (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Com efeito, as perspectivas de aumento do custo das nossas importações de petróleo neste início de 1980 são muito piores do que em 1979...

O Sr. Bento Gonçalves (PSD): - Muito bem!

O Orador: - ... podendo atingir cerca de 2,4 biliões de dólares, enquanto no ano que terminou foi de 1,2 biliões. Ao mesmo tempo, as previsões apontam para a queda do ritmo de expansão do comércio internacional para cerca de metade do registado no ano findo.
Por outro lado, as condições de acesso aos mercados financeiros externos apresentam-se bastante mais difíceis para 1980 do que o foram em 1979, em virtude do agravamento do deficit das contas externas dos principais países da OCDE e da crise do Irão.

O Sr. Bento Gonçalves (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Não é de facto correcto subestimar as incidências negativas sobre a economia portuguesa da conjuntura económica internacional desfavorável prevista para 1980. As previsões da OCDE apontam para uma forte recessão económica na zona, baixando a taxa de crescimento do produto de 3,25% em 1979 para apenas 1 % em 1980, registando os EUA uma queda de + 2% para - 1.25%. Convém recordar que cerca de 80 % das nossas exportações se dirigem para os países da OCDE.
Prevê ainda a OCDE um agravamento das pressões inflacionistas, principalmente em resultado do aumento do preço do petróleo, podendo o crescimento dos preços no consumidor ser superior em 2 pontos ao registado em 1979.
Sendo a economia portuguesa bastante aberta ao exterior e sendo grande o peso do petróleo nas nossas fontes de energia, tal não poderá deixar de afectar negativamente os preços no País.
Mas o Governo aceita o desafio de expandir a economia portuguesa e de baixar a taxa de aumento dos preços quando no mundo ocidental se verifica ura abrandamento significativo do crescimento económico e um agravamento da inflação.

O Sr. Lacerda de Queirós (PSD): - Muito bem!

O Orador: - O Governo empenhar-se-á em contrariar as previsões da OCDE, elaboradas em Novembro passado, de que o crescimento da produção em Portugal em 1980 será inferior ao de 1979 e de que a taxa de inflação será maior.

Vozes do PSD e do PPM: - Muito bem!

O Orador: - Uma análise correcta da situação económica portuguesa revela, sem margem para dúvida, que a situação cambial neste início de 1980 não é o resultado da prossecução de uma política económica adequada à resolução dos problemas do País. Gostaria realmente que me fosse demonstrado que um superavit da balança de transacções correntes de Portugal, em 1979, traduz uma política económica correcta.

Vozes do PSD e do PPM: - Muito bem!

O Orador: - A presente situação cambial é, pelo contrário, a consequência do falhanço da política económica seguida ou, melhor, da ausência de política económica no verdadeiro sentido do termo, e cujos reflexos negativos se farão sentir em 1980.

Aplausos da maioria parlamentar.

O investimento, condição necessária à resolução das deficiências estruturais da nossa economia, ao aproveitamento das potencialidades que nos abre a integração europeia, à redução da dependência externa e à criação de uma base sustentável de melhoria do bem-estar dos Portugueses, tem sido gravemente prejudicado.
A confiança do investidor privado foi seriamente atingida e deseurou-se a orientação do investimento no sector empresarial do Estado.
O programa apresentado deixa bem clara a importância que o Governo atribui ao relançamento do investimento e o papel crucial que atribui ao sector privado.

O Sr. Bento Gonçalves (PSD): - Muito bem!

O Orador: - A exclusividade do sector público em certas áreas de actividade deve ser encarada como excepcional e ter justificação nos critérios que aconselham a organização pública da produção em economias de mercado.
Reconhece-se também a importância de que se reveste o investimento do sector público, administrativo e empresarial, e nessa sentido ser-lhe-ão traçadas orientações consentâneas com os objectivos da política económica global.

O Sr. Amândio de Azevedo (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Mas o Governo não discriminará entre investimento público e investimento privado, tal como não discriminará entra investidor nacional e investidor estrangeiro.

Vozes da maioria parlamentar: - Muito bem!

O Orador: - Recebe o Governo um sector público empresarial em que se deixou enraizar a ineficiência, cujos custos os Portugueses suportam pela via dos aumentos não justificados dos preços dos bens e serviços que fornecem, dos subsídios que ultrapassam

Página 111

16 DE JANEIRO DE 1980 111

o interesse social da sua actividade, pelas dotações orçamentais para aumentos de capital e crédito bancário desviados para a cobertura de deficits correntes dei exploração.

Vozes da maioria parlamentar: - Muito bem!

O Orador: - Em 1979, o sector público empresarial recebeu do Orçamento subsídios e dotações para aumentos de capital estatutário no montante de 24,5 milhões de contos.
O crédito bancário a empresas públicas atinge presentemente cerca de 33 % do crédito total a empresas não financeiras e particulares.
Os prejuízos acumulados no período 1974/1979 por um conjunto de vinte e três empresas públicas, já excluídos os subsídios orçamentais concedidos, atingem cerca cê 33 milhões de contos; 25 milhões referem-se a empresas do sector dos transportes.
Por isso, não surpreende que o Governo se declare exigente e rigoroso para com as empresas públicas.

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Muito bem!

O Orador: - A inflação é um dos males mais graves que se deixou instalar na nossa economia e cujo desenvolvimento, consciente ou inconscientemente, se tem favorecido através de actuações que conduzem à aceleração das expectativas inflacionistas.
Não deve surpreender ninguém que alguma vez se tenha interrogado sobre as consequências económicas e sociais de taxas de inflação muito elevadas numa economia como a portuguesa, que o Governo se proponha abandonar a atitude de tolerância relativamente ao fenómeno e empenhar activamente no seu combate.

Vozes da maioria parlamentar: - Muito bem!

O Orador: - Está o Governo consciente das dificuldades que enfrenta neste domínio resultantes dos reflexos tem 1980 dos erros ou ausência de política económica que se tem verificado entre nós, do aumento acentuado do preço do petróleo, do agravamento da inflação internacional e da natureza estrutural de algumas das causas da inflação em Portugal, que só a médio prazo podem ser eliminadas. Mas, como já afirmei, o Governo aceita o desafio de encaminhar decisivamente: a economia portuguesa no sentido da aproximação progressiva nos níveis de inflação dos países da Europa Ocidental.

Vozes da maioria parlamentar: - Muito bem!

O Orador: - A situação grave das finanças públicas portuguesas já foi salientada várias vezes nesta Casa. As possibilidades de contrôle efectivo das despesas públicas encontram-se seriamente reduzidas, os subsídios não justificados a empresas públicas instalaram-se, as despesas de pessoal atingem mais de 80 % das despesas correntes do Estado em bens e serviços, a dívida pública, directa e garantida, atingia em Novembro passado 420 milhões de contos e os juros pagos em 1979 montaram a 28 milhões de contos.
O sistema fiscal apresenta graves distorções e a evasão e fraude faseais atingem proporções escandalosas. O nível e a progressividade dos impostos sobre os rendimentos do trabalho e pessoais são excessivos. Cinco anos de repetidas declarações de intenção de levar por diante os estudos referentes à reforma fiscal apenas conseguiram deixar os trabalhos em fase embrionária.
Perante esta situação, compreende-se que o Governo saliente no seu Programa a redução do peso dos impostos, a luta firme contra a evasão fiscal, o reforço do contrôle da expansão das despesas públicas, o combate à ineficiência na utilização dos dinheiros públicos.

Vozes do PSD: - Apoiado!

O Orador: - A integração europeia constitui uma das grandes opções da política do Governo e estará presente de modo particular na formulação da política económica.
Serão lançadas as bases para as necessárias alterações estruturais e modernizações que urge realizar na agricultura e na indústria para que possam ser devidamente: aproveitadas as potencialidades de desenvolvimento económico e social e melhoria do bem-estar dos Portugueses oferecidas pela integração nas Comunidades Europeias.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A situação de crise da economia portuguesa, que os resultados registados na balança de pagamentos não conseguem esconder, encontrará neste Governo uma política económica no sentido correcto do termo.
Os objectivos estão claramente definidos e os meios e orientações para a sua utilização estão especificados.
As medidas globais e sectoriais concretas serão escolhidas pela análise da sua incidência sobre os objectivos no contexto das provisões quanto ao comportamento dos factores exógenos, e na consideração das restrições relevantes.
A política económica do Governo não se caracterizará pela ausência de política, nem pela falta de firmeza da sua condução.

O Sr. Bento Gonçalves (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Exigem-no todos os portugueses para quem a austeridade é uma dura vivência quotidiana, impõem-no as gerações do futuro.

Aplausos da maioria parlamentar.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Carvalhas.

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Sr. Ministro, ouvi com atenção a sua exposição, bem como o diagnóstico que traçou da economia portuguesa, e registo que foi devido à política do Fundo Monetário Internacional e àquilo que se designou «a política dos pacotes» que se chegou à situação que descreveu. No entanto, gostaria de lhe recordar que foram o PSD e o CDS que aprovaram essa política, que a aplaudiram, que a pressionaram, e que inclusivamente alguns dos Ministros do actual Governo foram seus executores.
Já que falou da expansão da economia para 1980, gostaria de Mie perguntar qual a taxa de crescimento do produto interno bruto que prevê para este ano, ao menos uma quantificação.

Página 112

112 I SÉRIE - NÚMERO 5

Quanto a um conjunto de afirmações que fez, de que nós discordamos e pensamos que não as demonstrou nomeadamente em relação ao sector público, a resposta ficará para intervenções sectoriais do nosso grupo parlamentar.

O Sr. Presidente: - Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Sousa Gomes.

O Sr. Sousa Gomes (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro: Ouvimos com atenção a sua exposição e antes de mais queria também sublinhar um ponto que referiu na sua exposição.
Disse o Sr. Ministro que não defendia a política económica seguida no ano de 1979. Também a minha bancada não a defendeu. Ao longo de 1979, nos debates que se travaram nesta Assembleia, ficou perfeitamente definida a nossa oposição, mesmo o nosso desgosto, pelo caminho que o País teve de, percorrer, fruto de uma incapacidade de pegar nos problemas concretos da economia portuguesa e de os resolver. Até 1979 o grande cavalo-de-batalha era a existência de um deficit externo muito elevado. Em 1979, o País pôde, pela primeira vez, assistir a uma recuperação económica sensacional, mesmo do ponto de vista dos críticos externos, da nossa balança de pagamentos. E não obstante essa situação há um ponto em que, Sr. Ministro, concordamos com a sua exposição, não obstante a melhoria significativa da nossa balança de transacções com o exterior, tivemos em 1979 um ano de má política económica. Assistimos também neste ano à degradação do investimento público e privado.
Temos agora um Governo de maioria. Um Governo que se apresentou ao eleitorado fazendo num conjunto muito .vasto de promessas, de que há que destacar, sobretudo, a promessa de diminuir o volume dos impostos, diminuir o volume daquilo que o povo português tem sido obrigado a pagar com a austeridade que lhe foi pedida. No seu programa eleitoral, a Aliança Democrática propôs-se oferecer um conjunto de melhorias significativas. Quais são elas, além da diminuição de impostos? Não as vemos muito claras no Programa do Governo. Não as ouvimos de forma muito, explícita no discurso que o Sr. Ministro acaba de pronunciar, pelo contrário, assistimos a um discurso extremamente defensivo.
Reconhece o Sr. Ministro que a situação da balança económica com o exterior melhorou. Reconhece, como nós também o dissemos, que não obstante isso a política económica seguida em 1979 foi errada, que a situação económica não é brilhante. Mas onde está a mudança? Onde estão as alterações prometidas pela Aliança Democrática?
Diz o Sr. Ministro que, não obstante as dificuldades da economia com o exterior, teremos possibilidade de assistir, em 1980, a um crescimento do produto interno bruto, que iremos assistir a uma reanimação do investimento. Seremos os primeiros a apoiar a reanimação da actividade económica, nós próprios o anunciámos nas nossas propostas de governo, caso o PS tivesse a maioria. Não é aí que se situa: o nosso desacordo. O nosso desacordo situa-se, antes de mais nada, no facto de não se poder, perante o povo português, escamotear que há que estabelecer condicionantes, que há que tirar, perante essas condicionantes, algumas consequências que não são todas favoráveis.
A minha primeira pergunta é esta: acha o Governo que será possível conseguir aumentar o volume do investimento produtivo sem com isso evitar a deterioração da .nossa balança de pagamentos com o exterior? Nós «solvemos, em 1978, mercê da nossa política, essa condicionante, ou seja, a impossibilidade de levar longe demais, sem uma política de estabilização, a retoma do crescimento económico.
O Sr. Ministro reconhece que hoje não é a situação externa do País uma condicionante determinante. Então, em primeiro lugar, pergunto se aceita que se conseguirá o crescimento económico mais acelerado e o aumento do investimento sem que se volte a agravar de novo, em 1980 e nos anos seguintes, o nosso deficit com o exterior. Em segundo lugar, pergunto se acha o Governo que situar em_ 198.0, como se diz no seu Programa, a taxa de inflação ao nível de 20% é um objectivo suficiente para as promessas feitas ao eleitorado, ou seja, ainda mais precisamente, se concordar que a afirmação, hoje aqui feita, -"de que o Governo aceita o desafio de aproximar a taxa de inflação em Portugal da taxa de inflação europeia pode ser considerada satisfatória, quando essa aproximação se queda ao nível dos 20%.
São estas as minhas duas perguntas.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, também para pedir esclarecimento o Sr. Deputado Vital Moreira.

O Sr. Vital Moreira (PCP): - Sr. Ministro, no início da sua intervenção o Sr. Ministro deu uma imagem da actual situação económica do País reproduzindo alguns factos que são conhecidos relativamente à situação económica interna, no que respeita a desemprego, nível de inflação, ausência de investimento, crescimento do produto e revelou, por outro lado, alguns dados que ainda eram desconhecidos a nível oficial, mas que, no entanto, se presumia virem a revelar-se no que respeita ao saldo positivo com que se encerrou em 1979 não só a balança de pagamentos mas também a balança de transacções correntes. Mas o Sr. Ministro avançou daí para fazer uma crítica bastante dura em relação à política que teria sido seguida ao longo dos anos anteriores e que conduziu a esses resultados; só que não disse o principal: é que essa política, que, por um lado, levou à estagnação da economia, ao assalto selvagem ao poder de compra dos trabalhadores, ao desemprego e que levou, por outro lado, à diminuição dramática do deficit da balanço de pagamentos e transacções correntes, é produto de uma mesma matriz política, que teve o apoio, o incentivo e o estímulo dos partidos que actualmente constituem o Governo. É o produto dos «pacotes», do acordo com o Fundo Monetário Internacional aprovado aqui na Assembleia da República, no Governo, directa ou indirectamente, pelos partidos que actualmente constituem o Governo e até por alguns dos Ministros que novamente fazem parte do Governo.
O que provam os dados que o Ministro aqui veio trazer é que nós, PCP, tínhamos razão quando aqui em todas as circunstâncias dissemos que a política dos «pacotes» e a política do FMI, virada exclusivamente para a redução do deficit das transacções com o exterior, era uma política unilateral e era uma política injustificada, não só tendo em conta os objectivos que apontava, mas, sobretudo, porque não tinha

Página 113

16 DE JANEIRO DE 1980 113

em conta os efeitos dramáticos que ia ter a nível da economia, do crescimento, do investimento, do poder de compra e do emprego. Nós, na realidade, dissemos isso aqui sempre. E quem quiser fazer a história basta rever as discussões dos planos e dos orçamentos ao longo destes três anos para ver como nessa altura apontámos que as medidas acolhidas pelos sucessivos governos e respostas pelo FMI eram desproporcionadas em relação ao objectivo pretendido que era a diminuição do deficit de pagamentos com o exterior. E chegámos a esta situação: é que um país com uma economia de crescimento mais do que lento, com um desemprego bastante grande, com uma laxa de inflação colocada entre os 25 % e os 30 %, dá-se ao luxo de ter um volume significativo de saldo positivo na balança de transacções correntes. O que é que isto prova? Prova que as medidas do FMI eram na realidade excessivas e que foram apenas um pretexto, não tanto para realizar o objectivo que era a diminuição do deficit dos pagamentos com o exterior mas sim para retomar aqui, em Portugal, a acumulação capitalista através da diminuição do poder de compra dos trabalhadores, através do aumento do desemprego, através da diminuição do consumo privado. E que agora o Governo venha anunciar que vai fazer umas «flores» sobre a política que ele apoiou, que os partidos que o constituem apoiaram ao longo destes três anos, não pode deixar de considerar-se como o cúmulo da hipocrisia.

Aplausos do PCP.

Vozes do PSD: - Não apoiado!

O Orador: - Na verdade, anunciar agora, por exemplo, a diminuição dos impostos sobre o rendimento pessoal ou anunciar uma redução «drástica» da inflação para 20% (imaginem!...), quando - a ter em conta as promessas eleitorais - se imaginaria que iria ser reduzida, pura e simplesmente, a zero...

Risos da maioria parlamentar.

...ª anunciar uma retoma do investimento, são «flores» porventura fáceis de dar quando ao longo de três anos se estimulou, se apoiou, se dirigiu e se executou essa mesma política sobre cujos resultados catastróficos agora que choram lágrimas de crocodilo.

Aplausos do PCP.

O Sr. Bento Gonçalves (PSD): - Foi a maioria de esquerda que produziu esses resultados.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Salgado Zenha.

O Sr. Salgado Zenha (PS): - Sr. Ministro das Finanças, o meu camarada Vítor Constâncio desenvolverá numa intervenção à parte as considerações que mereceu o seu discurso. No entanto, eu gostaria de fazer-lhe duas perguntas para tornar mais fácil o nosso diálogo.
Um observador crítico da democracia parlamentar não poderia encontrar melhor exemplo de qual a mutação brusca e camaleónica da posição de um partido político, quando passa da oposição para o Governo, do que o caso presente, quanto às posições que o PSD tomou quando era oposição e das posições que o PSD, a que V. Ex.ª pertence - se não estou em erro toma enquanto Governo...
Na realidade, quando o PSD era oposição, nós fartámo-nos de ouvir nesta Assembleia, por exemplo, pela voz eloquente do Sr. Deputado Ângelo Correia e mais tarde pela voz do então Sr. Deputado Sá Carneiro, embora em estilo mais comedido - ou medido, consoante o adjectivo utilizado na sua última intervenção apresentou o deficit externo português como uma doença cancerosa que era preciso debelar imediatamente, sob pena, até, de se perder a independência nacional. Isto foram frases utilizadas em termos dramáticos em várias intervenções. Todos sabem que em consequência da política económica e financeira seguida pelos governos socialistas o deficit externo baixou de modo considerável. Salvo erro, em 1977 o deficit externo foi de 1,4 biliões de dólares; no ano passado será com certeza inferior a 300 milhões de dólares; e, no entanto, o Sr. Ministro das Finanças aparece-nos agora dizendo: bem, o deficit externo é um facto secundário, pouco relevante e portanto a redução do deficit externo que foi conseguida não tem validade - se é que eu bem entendi.
A primeira pergunta que faço é a seguinte: quando é que nós devemos acreditar no PSD, é quando ele está na oposição ou quando está no Governo?

Vozes do PSD: - Sempre!

O Orador: - E permita-me também que eu lhe faça uma crítica. O Sr. Ministro das Finanças invocou factos e utilizou alguns argumentos que não são do domínio público. Invocou, por exemplo, uma letra ou uma carta de intenções ou um certo projecto que não foi ultimado, quando cem certeza o seu conhecimento deve-o ao facto de exercer funções no Banco Emissor e ao facto até de ter pertencido à delegação portuguesa que negociou com o Fundo Monetário Internacional e não me parece que seja de boa ética utilizar argumentos e factos que os Deputados não podem controlar, visto que não desempenharam as mesmas funções que V. Ex.ª

O Sr. Bento Gonçalves (PSD): - Então fica em segredo!

O Orador - Não, pode utilizar os factos que são do domínio público. Não me parece que possa abusar do conhecimento que teve em consequência do exercício de determinadas funções.

Risos do PSD.

A crise do petróleo iniciou-se em fins de 1973. O aumento dos preços do petróleo é uma constante da vida económica. Praticamente todos os Governos depois do 25 de Abril, e até o Governo de Marcelo Caetano, tiveram de fazer frente a esse fenómeno. Quando o PS estava no Governo nós ouvimos várias críticas do PSD, como oposição. Por exemplo, o Sr. Deputado Sá Carneiro, que então liderava o PSD, afirmara que a crise do petróleo era um pretexto que 01 Governos PS utilizavam para esconder a sua incompetência, dando a entender que esse facto era irrelevante. No entanto, a crise do petróleo já existia

Página 114

114 I SÉRIE - NÚMERO 5

quando a Aliança Democrática fez a sua campanha eleitoral e, no entanto, fez várias promessas, que são rio conhecimento geral - não as relembro até porque algumas constam de emissões feitas pela televisão que eu não tive o gosto de poder ouvir, porque não sou particularmente assíduo a essas sessões retransmitidas pela T.V. Foram muitas as promessas: baixa de preços; combate à inflação; aumento de emprego e de investimento, etc. Contudo, no seu discurso, Sr. Ministro, a crise do petróleo, que data de há 7 anos, que é uma constante da vida económica internacional, é apresentada agora como um facto, digamos, muito pesado e muito grave que hipotecará a possibilidade de se realizarem essas promessas feitas. Eu pergunto: em quem devemos acreditar, é no PSD quando estava na aposição ou quando está no Governo?

O Sr. Lacerda de Queirós (PSD): - Sempre!

O Orador: - E não será a invocação das dificuldades do aumento do preço do petróleo um pretexto para o Governo também esconder a sua incompetência? Ou melhor, aquilo que o PSD disse em relação ao Governo PS, e que não se ajustava ao Governo PS, com certeza que se vai ajustar agora ao Governo PSD. A seu tempo nós veremos.

O Sr. Bento Gonçalves (PSD): - Acredite sempre no PSD!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Ângelo Correia.

O Sr. Ângelo Correia (PSD): - É para um protesto, Sr. Presidente.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Em primeiro lugar quereria protestar face às afirmações dos Deputados do Partido Comunista Sr. Carlos Carvalhas e Sr. Vital Moreira...

O Sr. Vital Moreira (PCP): - Deputado!

O Orador: - Eu disse os Deputados Srs. ... V. Ex.ª deve estar com mais atenção!

Risos do PSD e do CDS.

Eu desejaria protestar face ao conteúdo das afirmações de ambos os Srs. Deputados, relativamente à posição política que o Partido Social-Democrata tomou no devido momento em relação àquilo que é comummente designado por «políticas dos pacotes» dos governos socialistas. O Sr. Deputado Vital Moreira falou de hipocrisia política até - pasma-se! - lembrando a necessidade de se lerem e analisarem os debates sobre o Orçamento e o Plano. Pasme-se! O Sr. Deputado Vital Moreira falar de hipocrisia e ao mesmo tempo falar de votações sobre orçamentos e planos e não ler nesses mesmos debates de orçamentos e planos a posição do PSD. Com efeito, em 1977, aquando do chamado «primeiro pacote», quem é que pediu a interpelação nesta Assembleia da República sobre a matéria?

O Sr. Vital Moreira (PCP): - Para apoiar, para apoiar.

O Orador: - Ah, já se lembra agora?! Já se lembra!

Nós sabíamos que V. Ex.ª tinha memória curta, esta a comprová-lo agora. Há antídotos, há antídotos...

O Sr. Vital Moreira (PCP): - Essa é boa!

O Sr. Vítor Louro (PCP): - É o 25 de Novembro da economia portuguesa!

O Orador: - V. Ex.ª fala em 25 de Novembro?! V. Ex.ª tem coragem para falar nessas datas?!

Risos da maioria parlamentar.

V. Ex.ª está esquecido da «convergência» de que n Dr. Cunhal, seu Secretário-Geral, falou nessa altura? E V. Ex.ª tem coragem de falar nesse problema?! Eu se fosse a V. Ex.ª estava calado!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, é favor não estabelecerem diálogo e não se interromperem.

O Orador. - Sr. Presidente, eu lamento. Como V. Ex.ª compreende, não é da minha parte que o diálogo está a ser feito.

O Sr. Uno Lima (PCP): - Deixe-se disso!

O Orador: - Em 1977, Sr. Presidente e Srs. Deputados, foi o Partido Social-Democrata que, nesta Assembleia, pediu um debate nacional sobre esse mesmo «pacote».

Uma voz do PCP: - Para quê?

O Orador: - Julgo que isso consta dos diários. E se os Srs. Deputados não têm hipótese de os ler, nós mandá-los-emos vir dos serviços da Assembleia para vos facultar essa leitura. A posição crítica que o PSD estabeleceu em relação a esses «pacotes» é conhecida. Concretamente dissemos ires coisas sobre esses mesmos «pacotes». Primeiro: que algumas dessas medidas estavam certas; segundo: algumas eram incompletas; terceiro: outras eram inadequadas. Concretamente dissemos e apresentámos qual era o naipe de questões que devia ser complementado e qual era o naipe de questões que estava incompleto.
Mas mais claramente ainda em 1978, quando foi celebrado o acordo entre o Governo Português e ç Fundo Monetário Internacional, cujo conteúdo mais importante foi vertido, em termos legais, para a proposta de orçamento para 1978, a posição política que o PSD tomou nesta Assembleia foi de votar contra esse orçamento e votar contra as grandes opções do Plano para 1978 que delimitavam e traduziam, em termos políticos, esse mesmo acordo. Esquecei esta realidade política, isso sim é uma atitude hipócrita por parte do Partido Comunista Português.

Aplausos da maioria parlamentar.

Estamos, pois, a ver que em termos de hipocrisia nós temos ainda muito a aprender - talvez a única coisa a aprender com o Partido Comunista Português.

Vozes do PSD: - Muito bem!

Página 115

16 DE JANEIRO DE 1980 115

O Orador: - Aliás, a grande responsabilidade do não cumprimento nesse domínio, bem como noutros, foi claramente demonstrada e manifestada hoje pelo Sr. Ministro das Finanças ao referir o não cumprimento por parte do sector público em relação a muitos dos aspectos a ele reportados. Esquecer isso é uma segunda hipocrisia por parte de quem tão acrisoladamente defende à outrance o sector público português.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sr. Deputado Salgado Zenha, com o conhecimento financeiro profundo com que nos habituou neste país ...

Risos do PSD, CDS e PPM.

... - ainda bem que o Sr. Deputado Salgado Zenha falou no petróleo, lembra-nos sempre aquelas suas introduções, pelos caminhos do petróleo, tão célebres em 1976 dizia que esperaria que a inflação fosse reduzida a zero com o Governo da Aliança Democrática. Simultaneamente o Sr. Deputado Salgado Zenha perguntava: mas afinal em quem é que nós podemos acreditar, no PSD na oposição ou no PSD no Governo? Afinal não estará o Governo da AD a ter uma atitude camaleónica?
Ora, não houve nenhum momento, quer em termos cê programa eleitoral quar em termos de intervenções televisivas ou de rádio, em que a AD tivesse opinado isso. E realmente, Sr. Deputado Salgado Zenha, é uma perda nacional V. Ex.ª não assistir a essas intervenções, porque aprenderia alguma coisa mais, com certeza.

Risos do PSD.

É evidente que nunca a Aliança Democrática ou alguém a ela ligado prometeu uma inflação de zero. Se o fizéssemos estaríamos sim a cair em muitas das atitudes que o Sr. Deputado Salgado Zenha e o seu partido tomaram no passado. Lembro uma evidente - e isto relacionado com a intervenção do Deputado Sousa Gomes - quando no Programa do I Governo se prometia uma inflação a 15 % ou 17 % e os resultados foram 27%; são mais 10% apenas. Mas atitudes desse tipo são aquelas que o Governo da Aliança Democrática ou a campanha eleitoral da Aliança Democrática não toma. Ou seja, ter uma palavra na oposição e ter uma outra palavra no Governo, diferente da anterior.
Não foi prometida nunca uma inflação a zero. Se o Deputado Salgado Zenha tinha essa expectativa em relação à Aliança Democrática, talvez ele próprio. Houvesse votado na Aliança Democrática. Mas como o voto é secreto não perguntamos isso...

Risos da maioria parlamentar.

De qualquer das formas, para nós é evidente que reduzir a inflação em altura de crise internacional, com os determinantes financeiros que sobre Portugal recaem neste momento, seria um mérito, seria uma vantagem. A Aliança Democrática não tem um comportamento na oposição para passar a ter outro comportamento no Governo. A nossa linguagem, o nosso discurso, é o mesmo. E se o Sr. Deputado Salgado Zenha não entende é porque não ouve ou não quer ouvir.

Aplausos dá maioria parlamentar.

O Sr. Salgado Zenha (PS): - Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Salgado Zenha, a Mesa gostava de observar estritamente os horários.

O Sr. Salgado Zenha (PS): - O Sr. Deputado Ângelo Correia fez um protesto quanto à minha intervenção e eu queria fazer um contraprotesto, porquanto toda a intervenção do Si. Deputado Ângelo Correia, se eu bem entendi, se cifrou a esgrimir contra uma afirmação que eu não fiz.
Portanto quero contraprotestar quanto a esse facto, acho que tenho esse direito.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, são 17 horas em ponto, é o tempo previsto para o intervalo.

O Sr. Salgado Zenha (PS): - Sr. Presidente, eu pedi a palavra para um contraprotesto. Se V. Ex.ª me recusa deverá dizê-lo. Eu não prescindi de usar de palavra.

O Sr. Presidente: - Eu supunha que V. Ex.ª já tinha usado da palavra.

O Sr. Salgado Zenha (PS): - Não, V. Ex.ª perguntou-me, se não estou em erro, para que fim é que eu queria usar da palavra e eu esclareci que era para um contraprotesto.

O Sr. Presidente: - Suponho não me ter feito entender bem. Eu pus ao Sr. Deputado o problema de horas.

O Sr. Salgado Zenha (PS): - Serei muito breve, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Então faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Salgado Zenha (PS): - Eu queria só esclarecer o Sr. Deputado Angelo Correia de que reconheço a sua superioridade em matéria financeira. Toda a gente sabe que eu não sou um perito em matéria financeira. Até a minha mulher estranhou esse facto na altura em que, ocupei o Ministério das Finanças.

Risos gerais.

Este é um facto do domínio público. Mas suponho que, pelo facto de usarem dia palavra peritos em matéria financeira, como o Sr. Deputado Ângelo Correia ou o Sr. Ministro Cavaco e Silva, em democracia essa minha inferioridade cultural não deverá consistir um apartheid tão gravoso que eu nem sequer possa usar da palavra. Portanto, embora tímido, um pouco trémulo, perante a sabedoria, a ciência, a jactância e a eloquência do Sr. Deputado Ângelo Correia...,

Risos do PS.

... eu usarei da palavra.
Eu reconheço a sua superioridade financeira, a sua grande cultura...,

Risos do PS e PCP.

... seu espírito de ironia, a que eu não posso corresponder. Mas o Sr. Deputado Ângelo Correm não deveria esgrimir contra uma afirmação

Página 116

116 I SÉRIE - NÚMERO 5

que eu não fiz. Eu nunca afirmei que a Aliança Democrática teria prometido reduzir a inflação a zero. Nunca disse isso. O que eu disse é que a Aliança Democrática prometeu reduzir a inflação. Disse isto. Creio que li bem os programas e creio até quo ouvi bem a intervenção feita pelo Sr. Ministro das Finanças. Se eu não estou em erro - é um assunto que o Sr. Ministro pode esclarecer - nas intervenções da campanha eleitoral a Aliança Democrática ou as suas componentes não precisaram o quantitativo dessa redução. Se eu não estou em erro repito. Não me recordo que o tenha feito e portanto o público ficou com a ideia de que seria uma redução substancial. Mas pela primeira vez. Hoje o Sr. Ministro das Finanças precisou que a taxa de inflação, mercê da sua obra, será reduzida para 20%. Isto foi o que eu entendi. Naturalmente que eu aceito que o Sr. Deputado Ângelo Correia critique a minha inferioridade cultural, ironize sobre a superioridade de dotes que o tornam em relação à minha pobreza nessa matéria. Mas, e está seguro disso, não precisa de deturpar aquilo que eu disse.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Vital Moreira.

O Sr. Vital Moreira (PCP): - Sr. Presidente, é para um breve contraprotesto também.
O Sr. Deputado Ângelo Correia, a meu ver, somou à hipocrisia que eu entendi ver na justificação que o Governo deu na intervenção do Sr. Ministro das Finanças aquilo que infelizmente vai caracterizando o Sr. Deputado Ângelo Correia, somou-lhe também uma dose de insensatez.

O Sr. Bento Gonçalves (PSD): - Presunção e água benta!...

O Orador: - Na verdade, teve a ousadia de citar em abono de sua contradita, em relação àquilo que eu teria dito, a interpelação que o PSD em Março de 1977 aqui trouxe à Assembleia da República exactamente para apreciar o «segundo pacote» do Governo. É de facto curioso, porque aqueles que não têm memória curta sabem do fracasso rotundo e ridículo que foi essa interpelação é do facto de o tal interpelante vir aqui interpelar para acabar por apoiar.

Risos do PCP e do PS.

Eu tenho aqui o encerramento da interpelação. A voz é do Sr. Deputado Sá Carneiro. Diz assim na parte final:

«Certos partidos - referia-se obviamente ao PCP - criticam especialmente as medidas da nova política económica do Governo com que procuram corrigir-se algumas destas distorções. E criticam-nas porque as suas clientelas eleitorais e partidárias - refere-se aos trabalhadores - foram as principais beneficiadas com os aumentos salariais, que introduziram novos privilegiados no nosso país e que agravarem as desigualdades.
Estas medidas - as do «segundo pacote» - procuram introduzir uma correcção, é verdade. Mas é uma correcção que é ainda insuficiente. Isso ficou claro neste debate, é bom que isso tenha ficado claro.
E a seguir dizia o Sr. Deputado Sá Carneiro na interpelação acerca do «segundo pacote»:

Tratou-se de um debate em que o partido interpelante, PSD, cumpriu o seu dever, que era o de perguntar, de criticar, de definir a sua posição.

Depois diz:

Também não viemos para trazer apoio ao Governo nem para o derrubar, viemos, sim, para procurar esclarecer. E se do debate resultou, como felizmente sucedeu, um certo consenso, entre o interpelante PSD e Q Governo PS, podemos todos felicitar-nos, sem que ninguém se possa armar de triunfalismo.
Eis a «oposição» que o PSD f«z ao «segundo pacote» do I Governo Constitucional.

Aplausos do PCP.

Só queria terminar com mais uma pequena coisa, Sr. Presidente, é que o Governo não é composto apenas pelo PSD, é um Governo de coligação que tem como partidos parlamentares directos o PSD e o CDS. Mas, se o Sr. Deputado Ângelo Correia intervém em nome do PSD, eu tive a dita de não ser interpelado e contraditado por alguém do CDS, porque na verdade o CDS teria mais algumas dificuldades, pois o acordo com o FMI foi aprovado por um governo de que fazia parte o CDS.
Em todo o caso, a moralidade é esta: os resultados catastróficos para o País, para a economia e para os trabalhadores, analisados nas medidas que antecederam e que sucederam ao acordo com o FMI, traduzidos na desvalorização do escudo, na elevação das taxas de juro, na instauração do tecto salarial, na diminuição das garantias dos trabalhadores contra os despedimentos, na diminuição da capacidade de consumo privado, tudo isso foi resultado de uma política apoiada, estimulada e prosseguida por partidos que hoje constituem o Governo que embora lágrimas de crocodilo sobre esses resultados.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Ângelo Correia.

O Sr. Ângelo Correia (PSD): - É para dar esclarecimentos, Sr. Presidente.
Em relação ao Sr. Deputado Salgado Zenha, foi um lapso da minha parte ter referido que a questão do zero tinha sido referida por S. Ex.ª Foi efectivamente o Sr. Deputado Vital Moreira. Aliás, zero talvez se adequasse mais ao Sr. Deputado Vital Moreira e não propriamente ao Sr. Deputado Salgado Zenha.
Quanto a V. Ex.ª, Sr. Deputado, considerar-me um perito financeiro e de elevados conhecimentos, a afirmação é de V. Ex.ª, não partiu de qualquer posição minha nem tentativa de assim me impor.
O Sr. Deputado Vital Moreira referiu, na sua intervenção, passos da declaração do então Sr. Deputado Francisco Sá Carneiro, proferida desta mesma bancada relativamente à interpelação que o PSD requereu

Página 117

16 DE JANEIRO DE 1980 117

relativamente ao «primeiro pacote». Dessa mesma declaração do Sr. Deputado Sá Carneiro resultaram duas coisas muito claras primeiro, que em democracia - e daqui o nosso comportamento hoje, como apoiantes do Governo, tal como no passado qualquer Governo, seja ele qual for, da AD ou de outro qualquer, deve, acima de tudo, promover o esclarecimento, perante os eleitores portugueses, do conteúdo das medidas que toma. É nesse mesmo sentido que o próprio Programa do Governo e o discurso do Sr. Primeiro-Ministro apontam para a necessidade de esse mesmo Governo esclarecer a opinião pública, a todo o instante, sobre o conjunto de medidas que o Executivo toma.
A solicitação nessa altura de um partido da oposição - e relembro o discurso inicial do então laeder da bancada do PSD, António Barbosa de Melo - de uma interpelação ao Governo foi no sentido de esse conjunto de medidas ser claro e unívoco para a compreensão dos eleitores.

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Mas apoiaram.

O Orador: - O consenso que se estabeleceu nessa altura foi o consenso da necessidade do esclarecimento, que não o consenso face ao apoio, porque nessa altura a própria declaração do então Deputado Sr. Francisco Sá Carneiro, ao dizer «criticámos e achámos as medidas incompletas» retractou isso mesmo. Mais, o Sr. Deputado Vital Moreira não leu passagens do discurso do então Deputado Sr. Francisco Sá Carneiro, sobretudo quando este referiu um conjunto de 22 pontos que tinham ficado sem resposta nesse mesmo debate. O Sr. Deputado Vital Moreira lê metade, não lê a outra. Toma a nuvem por Juno. O Sr. Deputado Vital Moreira manipula o conteúdo das declarações políticas dos Deputados portugueses.

Aplausos da maioria parlamentar.

A posição que o PSD, Sr. Presidente e Srs. Deputados, tomou nessa altura -e falamos em nome do PSD, já que é o PSD o visado foi muito clara. Tão clara, em termos políticos, como foi em 1978, ou seja, votando contra o Orçamento e as grandes opções do Plano para 1978 que consignavam e traduziam, em termos económicos, financeiros e políticos, aquilo que era a «política dos pacotes».
Esta foi a nossa atitude real perante o povo português. Esta foi a atitude que o povo português entendeu. Por isso esteve de acordo connosco e este de acordo connosco, até ao voto que acabou de proferir há bem pouco tempo para que a Aliança Democrática fosse Governo em Portugal.

Aplausos da maioria parlamentar.

O Sr. Sousa Tavares (Indep.): - Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Sousa Tavares (Indep.): - Parece que esquecemos completamento a finalidade de discutir o Programa do Governo para discutir o Acordo com o FMI e nessa altura parece que os sujeitos da discussão deveriam ser outros. Aliás, eu tenho uma ideia - não era Deputado nessa altura dei que quando se pôs o acordo com o FMI, até o próprio PCP já não me lembro pela voz de quem, disse que nessa altura não conhecia alternativa para esse acordo. Deste modo, parecei que estamos aqui numa discussão perfeitamente bizantina.

Protestos do PCP.

Eu sei que isto é verdade, posso até encontrar a documentação necessária para isso. Talvez o Dr. Mário Soares se possa lembrar, mas creio que estamos numa discussão completamente inútil em relação ao actual Programa do Governo. Eu usarei da palavra extensamente, daqui a pouco tempo, s era só isto que queria dizer.

Aplausos da maioria parlamentar.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, são 17 horas e 10 minutos, vamos fazer um intervalo de trinta minutos. Está suspensa a sessão.
Eu pedia ao Sr. Deputado António Arnaut, o favor da assumir a presidência efectiva depois do intervalo, porque outras ocupações do serviço da Assembleia me impedem de estar no Plenário.

Eram 17 horas e 10 minutos.

Após o intervalo, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente, António Arnaut.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados e Srs. Membros do Governo, está reaberta a sessão.

Eram 18 horas.

O Sr. Presidente: - Antes de dar a palavra ao Sr. Ministro Cavaco e Silva, para responder às perguntas que lhe foram dirigidas, vou dar a palavra ao Sr. Deputado Pinto da Cruz para proceder à leitura de um relatório da Comissão de Regimento Mandatos.

O Sr. Pinto da Cruz (CDS):

COMISSÃO DE REGIMENTO E MANDATOS

Rotatório e parecer

Em reunião realizada no dia 15 de Janeiro de 1980 pelas 17 horas e 30 minutos, foram apreciadas as seguintes substituições de Deputados:

1 - Solicitada pelo Partido Social-Democrata:

António Pinto Basto Patrício Gouveia (círculo eleitoral de Lisboa), por Dinah Serrão Alhandra.
2 - Solicitada pelo Partido Socialista:

Manuel Branco Ferreira de Lima (círculo eleitoral de Santarém), por José Maria Parente Mendes Godinho. Esta suspensão é pedida por um período de seis meses.

Página 118

118 I SÉRIE - NÚMERO 5

3 - Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha, verificou-se que os substitutos indicados são real e actualmente os primeiros candidatos não eleitos ainda não solicitados na ordem de precedência da lista eleitoral de entre os apresentados a sufrágio pelos referidos partidos nos respectivos círculos eleitorais.
4 - Foram observados todos os preceitos regimentais e legais.
5 - Finalmente, a Comissão entende proferir o seguinte parecer:

As substituições em causa são de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.

A Comissão: Vice-Presidente, António Cândido Miranda Macedo (PS) - Secretário, José Manuel Maia Nunes de Almeida (PCP) - Secretário, Alexandre Correia de Carvalho Reigoto (CDS) - Fernando Monteiro do Amaral (PSD) - Cecília Pita Catarino (PSD) - Fernando José da Costa (PSD) - Nuno Maria Monteiro Godinho de Matos (Independente reformador) - Armando dos Santos Lopes (PS) - Bento Elísio de Azevedo (PS) - António José Sanches Esteves (PS) - Herculano Rodrigues Pires (PS) - Álvaro Augusto Veiga de Oliveira (PCP) - João António Gonçalves do Amaral (PCP) - Victor Afonso Pinto da Cruz (CDS) - Manuel António de Almeida de A. e Vasconcelos (CDS) - Augusto Martins Ferreira do Amaral (PPM) - Luís Manuel Alves de Campos Catarino (MDP/CDE) - Mário António Baptista Tomé (UDP).

O Sr. Presidente: - Não havendo qualquer objecção da Assembleia, considera-se aprovado o relatório e operadas as substituições em causa, pelo que os nossos colegas podem já tomar o seu lugar.
Tem a palavra o Sr. Ministro das Finanças e do Plano, Cavaco e Silva, informando-o de que, conforme me foi dito pelos Secretários da Mesa, o Governo já esgotou o seu tempo mas poderá imputá-lo no tempo que lhe está atribuído para amanhã.

Pausa.

Afinal, parece que o Sr. Ministro ainda não se encontra presente, pelo que aguardaremos mais algum tempo.

O Sr. Sousa Tavares (Indep.): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Sousa Tavares (Indep): - Pedi a palavra apenas para dizer que, de facto, cada vez chove mais na Sala.

O Sr. Presidente: - A sua declaração fica lavrada em acra para o$ devidos efeitos, Sr. Deputado.
Srs. Deputados, pedia o obséquio de mandarem informar o Governo de que a sessão já foi reaberta, aliás, com algum atraso.

Pausa.

Srs. Deputados, estamos a aguardar por alguns momentos, mas não me .parece curial que a Assembleia tenha os seus trabalhos suspensos. Se a demora persistir, daremos a palavra aos oradores inscritos na lista que se encontra na Mesa. O primeiro é o Sr. Deputado João Cravinho e depois o Sr. Deputado Mário Adegas.

Pausa.

Tem V. Ex.ª a palavra, Sr. Ministro Cavaco e Silva, para responder aos pedidos de esclarecimento.

O Sr. Ministro das Finanças e do Plano: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: Gostava de começar por esclarecer que não pretendi, na minha intervenção, fazer a história da política económica desde 1974 até 1979. Pareceu-me, no entanto, que era fundamental na discussão do Programa do Governo, na medida em que se enunciavam os objectivos para 1980 e se indicavam as orientações que iriam ser seguidas na utilização das diferentes políticas, fazer o enquadramento na situação actual da economia portuguesa.
É que, de facto, o Governo não parte de uma situação em que nada foi feito no passado recente. E aquilo que foi feito no passado recente não deixa também de influenciar o que vai acontecer no futuro. Por isso, pareceu-me muito conveniente dar a conhecer à Assembleia a minha interpretação da situação económica actual e, além disso, deixar bem claro o significado que atribuo a certas variações em determinadas variáveis.
As perguntas que me» foram feitas estão todas mais ou menos interligadas, pelo que não farei uma distinção precisa donde veio a pergunta, excepto no fim.
Foi-me perguntado, em relação à questão da inflação, se considero satisfatório o objectivo de que esta baixe para os 20 % e não ultrapasse esta percentagem. Penso que é realmente satisfatório, na medida em que a economia portuguesa tem estado situada a níveas de inflação muito elevados. Chegou-se a pensar que estaria situada a 25% mas, neste momento, certas circunstâncias levam a pensar que no ano de 1979 se verifique uma taxa de inflação de cerca de 24%.
Se for possível baixar a taxa de inflação para 20 % ou ainda para menos, penso que será realmente uni resultado muito satisfatório, principalmente tendo em atenção que a conjuntura económica internacional é bastante desfavorável neste aspecto.
E por falar em conjuntura económica internacional, ligo já esta minha resposta a uma outra .pergunta que me foi feita sobre se o problema do petróleo só agora teria surgido. Ora, eu referi aqui inúmeros muitos concretos, nomeadamente em 1979 a conta petrolífera foi de 1,2 biliões de dólares e para 1980 será o dobro, isto é, de 2,4 biliões de dólares.
Por outro lado, a subida do petróleo que se prevê para este ano é muito mais acentuada do que aquela que tem ocorrido em tempos anteriores. E por isso não surpreende que a própria OCDE, tomando esti-

Página 119

16 DE JANEIRO DE 1980 119

mativas feitas ainda em Novembro, quando se pensava que o aumento do petróleo era inferior àquele que neste momento se espera, tenha avançado para Portugal uma taxa de inflação de 26%. A OCDE prevê 26 % para Portugal e um agravamento de doas pontos nos outros países.
Como é que isso pode ser feito em Portugal? Para tentar esclarecer este ponto, e em relação a questões que já foram levantadas aqui no outro dia, o Governo de algum modo no seu Programa deixa claras as orientações quanto à utilização dos instrumentos para conseguir esse objectivo. Em primeiro lugar, e no domínio da política cambial, o Programa do Governo diz claramente que vai tentar sair do círculo vicioso da inflação desvalorização. Em segundo lugar, deixa também muito claro o esforço grande que vai ser feito no sentido de aumentar a produtividade. E é por isso que diz que será muito firme no sentido de levar as empresas públicas a absorverem parte do aumento dos custos internos por ganhos de produtividade e deixa também muito claro, na secção sobre política de rendimentos e preços, além de uma defesa da concorrência, um aperfeiçoamento dos mecanismos de contrôle dos preços, ao mesmo tempo que se fará um esforço para uma maior transparência na formação dos preços.
É de facto no domínio do relançamento do investimento que o Governo vai apostar, na medida em que pensa que estão criadas as condições para o investimento se expandir. No ano de 1978 a taxa de crescimento do investimento foi de 4 % em 1979 será negativa. Penso que esta é uma das situações mais graves em que a economia portuguesa se encontra. E é neste sentido que o Programa do Governo aponta claramente as linhas de orientação que vai seguir: O Governo vai criar condições para a relançamento do investimento no sector privado, apontando sectores que considera prioritários, como, por exemplo, o sector da construção civil Todos nós sabemos que este é um sector fundamental, na medida em que tem uma possibilidade de resposta mais rápida.
Portanto, o Governo utilizará os mecanismos de incentivos que lhe estão abertos na tentativa de relançar o investimento considera que existem condições políticas para que este se realize.
Mas o Governo aposta também no sector público, porque pensa que este é importante. Por isso eu deixei muito claro que o Governo não se inibirá de trajar orientações muito claras para que o investimento no sector público se concretize.
Foi-me feita a pergunta concreta de quanto ë que eu penso de expansão em relação ao PNB para 1980. Pois este ano esperasse uma taxa de expansão de 2,5%, mas eu disse, claramente, que seria possível atingir uma taxa superior. A OCDE prevê para Portugal uma taxa de expansão que será 0,75 % inferior à deste ano, isto é, 2,5 % menos 0,75 %. Portanto, a OCDE aposta para Portugal numa taxa de expansão do PNB à volta de 2 %.
Por sua vez, o Governo aposta em mais de 2,5 %. É sabido que em política económica existe sempre um elemento que em política económica existe sempre um elemento de incerteza, mas o objectivo do Governo é o de que essa taxa não seja inferior a 4 %.
Foi referido aqui o Fundo Monetário Internacional durante o debate, sem que muitas das vezes isso tivesse que ver com a minha intervenção. E eu quero dizer, muito claramente, que o Governo não vai deixar de dialogar com as instituições financeiras internacionais; dialogará e terá contactos porque faz paute do Fundo Monetário Internacional, tal como faz parte da OCDE e do Banco Mundial. Portanto, o Governo quer deixar muito claro que manterá os contactos com essas instituições, se é que não ficou já claro aquando da minha intervenção. E como é óbvio, e como se espera de qualquer Governo num país, vai) fazer todos os esforços para que nesses contactos nunca sejam postos em causa os objectivos que claramente define e que pretende firmemente atingir.
Quanto à questão de a balança de pagamentos afinal deixar ou não de ser um cancro da nossa economia, como o Sr. Deputado da bancada do PS referiu, tenho a dizer-lhe que não é esse o problema. O problema é que a balança de pagamentos, como eu referi muito claramente, é unia condicionante da política e o que não se pode é deixar que ela chegue a uma situação tal que passe de condicionante a objectivo. Aí é que está o problema.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - É que ela condiciona e o Governo disse muito claramente, e eu reafirmei, que nunca mais podemos chegar a uma situação em que de condicionante de objectivos válidos de uma sociedade ela passe a constituir, em si/própria, um objectivo. Todos nós sabemos que as pessoas não comem saldos da balanças de pagamentos nem reservas de ouro, mas o que é certo é que a balança de pagamentos condiciona a formação da política.
É intenção do Governo, e muito firmemente, não deixar que essa condicionante venha a erguer-se novamente em objectivo, impedindo, deste modo, a condução de uma política.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Por último, vou responder directamente ao Sr. Deputado Salgado Zenha, na medida em que ele referiu uma questão ética ao afirmar que eu rinha divulgado valores de uma carta de intenções que o Governo estava, no princípio do ano que passou, a tentar negociar com e Fundo Monetário Internacional. Os dados que eu referi foram o saldo da balança de pagamentos, que era um objectivo, a balança global e o saldo de transacções correntes.
Não sei se será considerado errado que um Ministro consulte os dossiers que tem no seu Ministério. Eu penso que não. E mesmo que isso fosse considerado errado do ponto de vista ético, isto é, que eu consultasse os dossiers que tenho no meu Ministério, onde se encontra a carta de intenções que estava esboçada - e este Parlamento sabe muito bem que ela não foi assinada por uma falta de actualização de preços por parte do Governo da altura - devo dizer que o Ministro das Finanças e do Plano da altura divulgou isto que mesmo eu aqui divulguei nesta Assembleia. Isto é, o Sr. Ministro das Finanças e do Plano da altura divulgou qual era o objectivo que se

Página 120

120 I SÉRIE - NÚMERO 5

pretendia alcançar no domínio dos variáveis da balança de transacções correntes e balança global.

Aplausos da maioria parlamentar.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Cravinho, para uma intervenção.

O Sr. João Cravinho (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro e Srs. Membros do Governo: Como é do conhecimento geral, o VI Governo tem à sua frente, na melhor das hipóteses, nove meses. Tem, portanto, os meses contados. É no âmbito deste horizonte temporal que ele terá de ser julgado. Nestas circunstâncias, seria de esperar que apresentasse um programa objectivo, um programa directo, constituído por medidas concretas dirigidas à resolução de problemas concretos devidamente identificados. O VI Governo escolheu caminho bem diverso, senão oposto. Se o VI Governo conhece os problemas que na realidade afectam o nível de vida da grande maioria da população .portuguesa e condicionam a satisfação das legítimas aspirações populares, a verdade é que passou totalmente à sua margem no programa que submeteu à apreciação da Assembleia da República, e através dela, ao julgamento do País. Com certeza que, desse modo, sofreram a sua primeira grande desilusão largos milhares de eleitores que acreditaram que um Governo da Aliança Democrática teria soluções positivas, e bem definidas, tão límpidas que não se envergonhasse de as trazer à luz do dia com a simplicidade e clareza necessárias para que todos as compreendêssemos e pudéssemos julgar.
Não é nada disso que se tira da leitura do Programa e das considerações }á produzidas a seu respeito por destacados advogados da coligação governamental. Não se vislumbra como pensa o Governo dar cumprimento às promessas de bem-estar para todos que, como por milagre, resultaria do seu assento nas cadeiras do Poder. O que se antevê claramente é que as benesses do VI Governo ficarão reservadas para alguns, na maior parte os mesmos de antigamente, enquanto a desilusão e o sacrifício recairão sobre quase todos, também um pouco como antigamente.

O Sr. Bento Gonçalves (PSD): - Não apoiado!

O Sr. Manuel da Costa (PS): - Apoiado!

O Orador: - A exposição do Sr. Ministro das Finanças e do Plano não conseguiu inverter a ilação que se extrai do Programa. E não terá sido certamente culpa da sua eloquência.
O VI Governo nunca poderia ter proposto uma linha política que se definisse rasgadamente por um projecto de solidariedade nacional assente na mobilização das energias populares através da participação democrática assumida até às suas últimas consequências nos planos político, económico e social. O VI Governo nunca poderia tê-lo feito, até porque essa não é a sua vontade. Obviamente, os governos de direita não se propõem um tal objectivo.

O Sr. José Vitorino (PSD): - É falso!

O Orador - Mas o VI Governo poderia, ao menos, ter compreendido as realidades políticas, económicas e sociais que moldam as aspirações do povo português no quadro institucional por ele livremente escolhido após o 25 de Abril. Se assim tivesse sucedido, o Programa apresentado pelo VI Governo teria sido bem diferente daquele que hoje estamos discutindo. O VI Governo não parece ter como objectivo primordial o desempenho das responsabilidades. de decisão, execução e vigilância exigidas pela boa orientação da coisa pública, tendo em vista a resolução de problemas concretos dentro do respeito das regras institucionais consagradas. Pela prova apresentada, o que se tem de concluir é que o objectivo primordial do VI Governo é a alteração de aspectos fundamentais do quadro institucional que lhe serviu de matriz para chegar ao Poder democraticamente, com toda a legitimidade para governar no sentido exacto do termo, mas sem qualquer espécie de mandato ou de legitimidade para subverter esse mesmo quadro institucional.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - A convivência democrática impõe a aceitação de regras de jogo que não poderão ser manipuladas ao sabor das conveniências de uma escassa e efémera maioria. Neste momento, e até à revisão constitucional de acordo com o próprio processo constitucional, não poderão de modo algum estar em causa os equilíbrios institucionais que a Constituição consagra.
Foi esta uma das razões políticas essenciais que levou o Partido Socialista a apresentar uma moção de rejeição e o relevo que cumpre dar a tão nefasta prioridade governamental, visivelmente fora do seu legítimo campo de acção, justifica que nesta intervenção da bancada socialista se lhe dedique expressa e detida referência.
A acrescentar a razão de tal peso, cumpre também pôr em evidência que fora do campo institucional, o VI Governo preferiu à assumpção das esperanças do Portugal de hoje, a complacência perante o revivalismo passadista de alguns mitos típicos da década que precedeu o 25 de Abril.
Com efeito, fora do campo institucional, o Programa apresentado pelo VI Governo é um misto de abundantes declarações genéricas, ou de circunstância, e de bem mais raras directrizes inteligíveis no plano da acção, umas e outras constantemente pontuadas ora por acenos de aprovação, ou mesmo por compromissos de promoção, dos mecanismos necessários à reconstrução dos grandes grupos económicos; ora por expressões de hostilidade à eventual consolidação do sector público de acordo como aproveitamento das potencialidades que encerra: ora, ainda, pontuadas por menção a entraves arbitrários à criação de condições que permitam a partilha efectiva da riqueza nacional em bases equitativas.
De tudo isto resulta com frequência um quadro confuso e difícil de avaliar quanto ao conteúdo de medidas que o Governo se propõe tomar, mas suficientemente perceptível no que toca às motivações e ou às consequências para que aponta o Programa. Para um Governo de nove meses, o Programa não prima, de facto, pela concretização e pela identificação explícita das suas medidas de política, tanto mais que repetidamente se confunde, porventura inocentemente, a parte com o todo e a causa com o efeito.

Página 121

16 DE JANEIRO DE 1980 121

Mas nem por isso se deixa de entender ao que poderá vir este Programa. Assim, por exemplo, procura-se inculcar a ideia de que o VI Governo será o campeão do sector privado. É evidente que o desenvolvimento da iniciativa privada socialmente útil é um objectivo de incontroverso interesse nacional. O Partido Socialista não regateará o seu aplauso aos Governos, a este Governo como a qualquer outro Governo democrático, que se proponham tal objectivo. É, porém, forçado a pôr sérias reservas ao entendimento que o VI Governo parece ter em tal matéria.
De facto, importa saber em primeiro lugar a quem se refere e o que tem em vista o VI Governo quando esboça a sua política de apoio à iniciativa privada. Apoio, afinal, a quem? É lógico que o apoio se deverá dirigir ao sector privado que efectivamente existe em Portugal. O sector privado que existe em Portugal é integrado, como se sabe, por dezenas de milhares de pequenas e médias empresas, a par de um número muito mais reduzido de grandes empresas, em situações muito diferenciadas, profundamente variáveis de ramo de actividade para ramo de actividade e de região para região. Devemos mesmo ir mais longe, reconhecendo que existe uma enorme variação até dentro de cada actividade e de cada região.
O sector privado em Portugal é um mundo muito heterogéneo de problemas a requerer solução urgente e de potencialidades a pedir estímulos e apoios específicos. Se alguma coisa tem de comum neste momento é a necessidade generalizada de planos de acção que possam levar ao interior de cada ramo o programa específico de cooperação interempresarial e de apoio governamental necessário à rápida modernização das empresas nacionais face às exigências da entrada na CEE. Que nos diz o VI Governo de positivo e de definido nesse campo? Dedica-lhe a atenção que a enorme dificuldade e a prioridade do problema exigem? Tem' o VI Governo uma política de promoção das pequenas e médias empresas? Se o VI Governo alguma vez se preocupou a fundo com a política de apoio às pequenas e médias empresas, guardou de Cornado o prudente silêncio. A não ser que se entenda que para exprimir uma política clara e bem definida de apoio às pequenas e médias empresas basta escrever como se faz na página 29 do Programa que «o Governo procurará potenciar o recurso a programas de assistência técnica e financeira, especialmente dirigidos às pequenas e médias empresas». Trata-se de uma generalidade que não convencerá sobretudo as pequenas e médias empresas.
Mas se o Governo é tão avaro de ideias no que toca às pequenas e médias empresas, que constituem a quase totalidade do sector privado que efectivamente existe em Portugal, e se, apesar disso, ainda se apresenta como o campeão da iniciativa privada, temos que perguntar de que privados se trata? E a que iniciativas espera o Governo prodigalizar a sua atenção? Não é difícil de perceber que o VI Governo labora no erro de identificar a promoção do sector privado em geral com o objectivo, bem mais restrito e particular, da criação de condições propícias a um certo número de empresários e empreendimentos, em associação com a querela artificial da delimitação do sector público e do sector privado e questões semelhantes.
A grande maioria dos empresários nacionais é totalmente alheia aos interesses veiculados desse modo.
Não está no seu pensamento, certamente, meterem--se a banqueiros, fazer uma grande ou pequena siderurgia ou lançar uma petroquímica. Os seus problemas são outros. O que eles pretendem é que, por exemplo, a Caixa Geral de Depósitos ou o Banco de Fomento apreciem os seus projectos sem demoras excessivas e apoiem a sua capacidade de iniciativa e de assumpção responsável do risco inerente. Não vejo que eles se sintam entusiasmados com a ideia de ver substituído o financiamento razoável do Banco de Fomento, da Caixa ou da banca comercial nacionalizada pelo antigo sistema de crédito incerto, ou de favor, do banco privativo de qualquer dos grandes grupos económicos. Neste campo, como em muitos outros, é abusivo falar dos interesses do sector privado, como se todos os empresários, actuais ou potenciais, tivessem exactamente o mesmo tipo de solidariedades e interesses.

O Sr. Mário Soares (PS): - Muito bem!

O Orador: - Aliás, isso mesmo se depreende do Programa do Governo que é vago e displicente em matéria tão complexa e importante como a política de apoio às pequenas e médias empresas que efectivamente existem, embora ignoradas pelo Governo, mas perfeitamente explícito e positivo em matéria que interessa fundamentalmente aos grandes grupos económicos em plena esperança de renascimento. Confundir os interesses destes com os interesses do País tem, sem dúvida, consequências perigosas que o Partido Socialista não pode deixar sem protesto inequívoco e que o eleitorado não deixará também de condenar. Por alguma razão se fez o 25 de Abril, Srs. Deputados da maioria.

Aplausos do PS e do MDP/CDE.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: A bondade dos critérios do Governo também não sai fortalecida quando se aprecia a visão que o Governo tem dos problemas de investimento. Chama-se a atenção, e no meu entender bem, para o facto de o investimento, designadamente a formação bruta de capital fixo, ter sofrido desaceleração em 1979. Porém, ao pretender conjugar esta questão, embora indirectamente, com a necessidade de promover a reconstituição dos mecanismos que estiveram na base do sistema económico prevalecente até à deposição do anterior regime, não se atende às razões reais que levaram à queda do investimento no ano transacto. A nebulosa questão da «confiança» - e aqui cabe perguntar, nas confiança em quê não é para aqui chamada nos termos em que o Programa a inculca.
De facto, a desaceleração do investimento tem razões muito menos subjectivas ou metafísicas. Como se sabe muito bem, essa foi uma das consequências da política económica seguida no ano transacto. Foi a política conjuntural, ao quebrar a procura efectiva e ao estabelecer dificuldades de financiamento do investimento, que causou a grande maioria dos atrasos ou abandonos temporários de projectos quer no sector público, quer no sector privado. A explicação é simples e do conhecimento corrente. Apesar disso, perpassa pelo Programa a noção de que a responsabilidade caberia, por um lado, ao sector público que não tem capacidade de conceber e lançar projectos adequados às nossas necessidades, e, por outro, à descon-

Página 122

122 I SÉRIE - NÚMERO 5

fiança do sector privado face ao modelo institucional em vigor. Ambas as implicações são perfeitamente descabidas.
No que. diz respeito ao sector público, o Banco Mundial, entidade que o Governo considerará certamente insuspeita e autorizada em matéria de avaliação de investimentos, examinou recentemente um conjunto de projectos que lhe foram apresentados pela Administração Portuguesa para efeitos de análise do seu interesse e viabilidade. A conclusão a que se chegou é a de que uma parte muito considerável dos projectos apresentados pelo sector público tem segura viabilidade económica, devendo ser incluídos com toda a certeza num programa de investimentos a médio prazo. Esses projectos totalizavam cerca de 375 milhões de contos, podendo atingir 440 milhões no caso de haver condições para financiar esquema mais ambicioso. Estes números, na sua singeleza, constituem desmentido cabal às atoardas de incapacidade de concepção de novos projectos e de falta de dinamismo que a direita constantemente imputa ao sector público.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - É evidente que nele existe capacidade e dinamismo, como também é evidente que muito sã poderá e deverá fazer para dar melhor aproveitamento a essa capacidade e a esse dinamismo, aperfeiçoando as iniciativas e apertando as malhas do contrôle da sua execução. Mas para isso é que o Governo 'foi empossado e não para dar curso à desincentivação dos trabalhadores do sector público e embaraçar as suas actividades, sejam de investimento ou de funcionamento corrente.
Espero que o Sr. Ministro das Finanças e do Plano venha a poder concretizar a sua promessa de apostar no investimento do sector público. Oxalá assim o deixem!
No que diz respeito ao sector privado, conduza o Governo a política económica no sentido expansionista que as circunstâncias impõe e abstenha-se de perder o tempo do País com a defesa do interesse particular, e verá que a iniciativa privada, aquela iniciativa privada que é independente dos favores governamentais, se manifestará com a confiança necessária e suficiente.
Um outro domínio onde a nebulosidade ou imprecisão de julgamento do Governo quanto ao papel do sector público se afigura bastante negativa é o do equilíbrio externo da .nossa economia. Espero que os esclarecimentos do Governo levantem as dúvidas que a direita tenta semear.
Portugal é unia pequena economia já profundamente aberta à concorrência internacional. Com a integração na CEE ainda mais se acentuará essa característica. Nestas condições, é evidente que o equilíbrio externo dependerá tanto da capacidade de exportar competitivamente como de manter uma presença nacional igualmente competitiva no próprio mercado interno. A internacionalização do mercado interno dimanou já inúmeras diferenças entre a promoção de substituições de informações e a promoção de exportações. Conotar a melhoria da nossa posição externa predominantemente com a promoção das exportações é um reflexo ideológico que a teoria económica não pode justificar. Quem o faz pensa, porventura, que desse modo se poderá pôr em relevo & oposição entre um sector público, de reduzido significado no plano da exportação, e um sector privado pletórico de capacidade concorrencial externa, responsável por 90 % das exportações. Trata-se de uma ilusão que bem poderia ter deixada à indigência dos seus fundamentos reais se não fossem as consequências que dela se pretende extrair. Trata-se de uma ilusão, em primeiro lugar, porque o sector público e o sector privado em Portugal se encontram estreitamente inter-relacionados no seu funcionamento e, portanto, nas suas condições de competitividade efectiva. O sector público e o sector privado fazem parte de um mesmo sistema e os defeitos e virtudes nacionais não são exclusivo nem de um nem de outro.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Em segundo lugar, porque mesmo no domínio das exportações a posição relativa do sector público tenderá a aumentar muito significativamente nos próximos dois ou três anos. De facto, só as exportações dos novos produtos químicos produzidos em Portugal' atingirão em 1981 mais de 12 milhões de contos, por força da entrada em exploração normal de novas unidades, algumas delas lançadas após o 25 de Abriu. A não ser que o VI Governo, ou outros de orientação semelhante, lhe levante obstáculos abusivos, o sector público empresarial poderá duplicar em breve o seu peso nas exportações nacionais.
Em terceiro e último lugar, trata-se de uma ilusão porque, num mercado aberto, os projectos públicos, ao substituir importações, pouparão também divisas equivalentes a dezenas de milhões de contos.
O que está em causa é se os projectos, tanto do sector público como do sector privado, em absoluta igualdade de apreciação, são ou não socialmente úteis. A questão de ganhar divisas na exportação, posta nos termos em que tem sido 'posta, é manifestamente unia questão espúria. O País precisa da iniciativa pública e da iniciativa privada, uma e outra subordinadas à realização dei objectivos de criação e de distribuição, de riqueza segundo os princípios constitucionais de soilidariedade nacional.
Assim, é igualmente espúria a oposição do público ao privado. O País não pode perder-se em falsos problemas.
A competência técnica de alguns membros do Governo, que gostosamente se reconhece, não foi suficiente para dar ao Programa do Governo uma orientação política rigorosa e coerente em todos estes aspectos. E isto porque a questão não é fundamentalmente técnica mas, sim, política. Por isso, entende o Partido Socialista chamar para ela a atenção desta Câmara e dizer muito claramente que nesta base não será possível ao VI Governo defender o seu pensamento perante o País.
De qualquer modo, o que consta do Programa chega para fundamentar ai nossa rejeição da filosofia de base que o enforma.
O VI Governo tem como prioritária a aliteração das instituições.

Página 123

16 DE JANEIRO DE 1980 123

O VI Governo não considera prioritária a resolução concreta dos problemas concretos que a grande maioria da população trabalhadora enfrenta.

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - É falso!

O Orador: - O Programa do Governo ignora a realidade do sector privado que existe, subalterniza a política das pequenas e medite empresas e concentra a sua atenção na reconstrução dos grandes grupos económicos.

O Sr. Vital Moreira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - O Programa do VI Governo parece hostilizar o sector público por uma questão de princípio.
O Programa do Governo revive o passado, ignora o presente e ensombra o futuro.

O Sr. Presidente: - Para solicitar esclarecimentos ao orador anterior acabam de se inscrever os Srs Deputados Ferreira do Amaral, Ângelo Correia, Lucas Pires e Luís Coimbra. Estão encerradas as inscrições para pedidos de esclarecimento.
Tem a palavra o Sr. Deputado Ferreira do Amaral.

O Sr. Ferreira do Amaral (PPM): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A primeira questão que queria colocar ao Sr. Deputado João Cravinho diz respeito à posição em que aparece nesta Assembleia da República, ou seja, se aparece na qualidade de Deputado ou na qualidade de defensor e representante do sector privado, como parece que resulta de todo o paternalismo com que acaba de encarar as pequenas e médias empresas deste país. Pequenas e médias empresas que não lhe passaram procuração para o efeito.

Aplausos da maioria parlamentar.

De resto o Sr. Deputado João Cravinho afirma que o sector privado é muito heterogéneo, que precisa de planos de acção, que precisa de cooperação e do apoio estatal; em suma, que o sector privado precisa de se tornar público, que precisa de depender basicamente da asa protectora do Estado. Ora isso revela transparentemente que o que está em causa não é, afinal, na cabeça do Sr. Deputado João Cravinho, a defesa do sector privado, mas sim uma forma de alargar a enorme extensão do sector público em Portugal.
Outra questão que gostaria de apresentar é a seguinte: onde é que o Sr. Deputado João Cravinho vê no Programa do Governo e nas intervenções que têm sido feitas alguns dos fantasmas que trouxe à Assembleia? Nomeadamente: onde é que leu que o Programa do Governo é dirigido no sentido da reconstituição dos grandes grupos económicos?

Risos do PS.

Onde é que verificou que o Programa do Governo é todo apontado no sentido de prejudicar os interesses das pequenas e médias empresas, portanto, em última análise, as empresas do sector privado? Onde obteve a (informação para poder afirmar que essas empresas estão ansiosas que o sector bancário, ou o sector de seguros, permaneça exclusivamente nas mãos do Estado?

O Sr. Gomes Carneiro (PS): - Ah..., é isso!

O Orador: - Outra série de perguntas que gostava de lhe formular é a seguinte: se é certo que é fundamental o desenvolvimento do sector público e a dinamização do mesmo, assim como a sua reorganização, será que as razões profundas da inoperância, que o próprio Deputado João Cravinho aqui nos trouxe, teriam sido inerentes a qualquer má vontade das instituições contra ele? Se assim é, é ou não verdade que até agora as instituições financeiras do País têm sido, e continuam a ser, apenas e exclusivamente dependentes do Estado? Se assim é, porque é que o sector público não arrancou com esses projectos? Não será, ao contrário do que afirma o Sr. Deputado João Cravinho, porque o que tem caracterizado o sector público em Portugal é a falta de dinamismo do sector, a que importa pôr termo? Ou será, por outro lado, que tais projectos a que se referiu, nomeadamente em matéria de indústrias químicas apodadas por bancos mundiais ou por outras instituições internacionais, não têm nada que ver com as realidades da economia portuguesa, nem com o bem-estar dos Portugueses, nem com o efectivo e harmónico desenvolvimento da economia portuguesa?
Tais projectos são, afinal, a continuação de uma política de degradação e delapidação dos recursos naturais e de um desenvolvimento errado da nossa estrutura económica.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Em vez de estarmos a apontar para o desenvolvimento de grandes empresas, completamente desenquadradas dos nossos próprios recursos, não seria preferível evitar que se gastassem milhões de contos a delapidar os recursos naturais existentes na zona de intervenção da Reforma Agrária, passando esta a ser uma Reforma Agrária autêntica, ao contrário do que tem sucedido até agora?

Aplausos da maioria parlamentar.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado João Cravinho, como sabe, pode responder a cada um dos seus interlocutores separadamente), ou pode responder no final a todos em conjunto...

O Sr. João Cravinho (PS): - Preferia responder imediatamente ao Sr. Deputado Ferreira do Amaral.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. João Cravinho (PS): - Sr. Deputado Ferreira do Amaral, não sou advogado de interesses, não se espante, pois, que não lhe possa apresentar procurações...

Vozes do PS e do Sr. Vital Moreira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Deputado, limitar-me-ei à matéria que tem que ver com o esclarecimento real dos problemas que interessam ao País.
No que diz respeito às pequenas e médias empresas, onde é que posso saber a política que o Governo pretende praticar em relação às mesmas? Não a posso ler no Programa, teria de a ler na mente dos membros do Governo ou na mente dos Srs. Deputados da

Página 124

124 I SÉRIE - NÚMERO 5

maioria parlamentar, só que não estamos aqui para aprovar «programas mentais».

Risos do PS.

Sr. Deputado Ferreira do Amaral, quanto à reconstituição dos grandes grupos económicos não há confissão explícita, tenhamos ao menos a decência e o pudor de não vir exigir confissões explícitas, mas tenhamos também a coragem de ler e de interpretar o que se diz no Programa do Governo, segundo o entendimento que qualquer de nós dá acerca do que este país permite, do que este país significa, do que este país implica. Logo no início, quando se traçam as linhas gerais da política económica e social do Governo, se relaciona de modo inequívoco, claro e até contíguo no texto o problema do relançamento do investimento com o problema da mobilização maciça das indemnizações.
Não sou contra o pagamento das indemnizações, pelo contrário quero dizer ao Sr. Deputado que entendo que há muito que se deveria ter começado a pagar as indemnizações e que há muito que se deveriam ter eliminado as peias burocráticas, políticas e de outra natureza que impediram e impedem muitos pequenos aforradores de as receber.

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - O PS não o fez e esteve no governo.

O Orador: - Digo isto com todo o à-vontade, mas também lhe quero dizer que não me deixo enganar, nem eu nem ninguém - será portanto inútil o seu esforço -, se me pretender explicar que a mobilização maciça das indemnizações e a sua canalização para sindicatos de interesses não vão implicar a reconstituição daqueles grupos económicas que estiveram impunes em Portugal até ao 25 de Abril, fazendo, e ditando a sua lei como V. Ex.ª sabe tão bem como eu. E sabe-o tão bem como eu porque em tempos tivemos ocasião de tratar de problemas que algo se relacionavam com isto, eu no meu gabinete da Administração Pública e V. Ex.ª como advogado de interesses legítimos, mas claros.
Portanto, Sr. Deputado, não me padece que seja assunto a discutir aqui, a não ser que lenha que apresentar a questão ao Governo se este fizer confissão explícita de que pretende reconstituir os grandes grupos económicos. O Governo não a fará, estou certo disso, mas se a fizer será tratado na sequência da sua própria afirmação. Mas não a fará!
Sr. Deputado, não sou eu que estou aqui a ser examinado, não sou eu que estou a ser aprovado, não é a bancada socialista que se propõe governar o País. V. Ex.ª tem que fazer as suas perguntas sobre a Petroquímica e sobre aquilo que entende serem os malefícios da Petroquímica a quem vai tomar as decisões concretas, ou seja, a sua bancada. Espero que defenda bem o seu ponto de vista, porque tenho a certeza de que será refutado. Espero, também, que venha a público explicar porque foi refutado e porque é que continua a defender os seus, pontos de vista, espero ler na imprensa, espero ver neste Parlamento, espero ver por todo o lado a voz do PPM - que neste caso me é uma voz simpática, ainda que por vezes não concorde com ela -, mas isso não o autoriza a tentar inverter o sentido real das responsabilidades e a dirigir à bancada da oposição as perguntas que cabem à bancada da própria maioria parlamentar e ao Governo que aqui está à sua frente. Sr. Deputado, agradecia que fizesse a pergunta a quem de direito.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Quanto ao problema da banca privada e da banca pública, devo dizer-lhe o seguinte: não sei se V. Ex.ª alguma vez teve o velho problema da letra - problema com que se debate a grande maioria dos pequenos e médios empresários -, ou seja, de seis em seis meses, de credo na boca, ir saber se de facto a letra era ou não renovada, ir saber se de facto a sua empresa estaria ou não no plano de incorporação, ou satelitização indirecta, de qualquer grande grupo. Isso sucedeu a muitos empresários, e se V. Ex.ª não tem da vida a experiência, não sou eu que lha vou dar.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Queria terminar voltando a afirmar o que cumpre fazer neste debate. O que cumpre fazer neste debate, Sr. Deputado, é esclarecer as precisas condições em que vamos ser governados, os precisos objectivos a que o Governo se propõe. Por isso julgo que é inútil, perfeitamente inútil, entrarmos em diálogo, que não esclarece as intenções do Governo. Se me pergunta a minha opinião sobre assuntos em que entendo que esta Câmara estará interessada e dentro da ordem do dia com todo o gosto lha darei -, se me pergunta a minha opinião sobre assuntos que não estão na ordem do dia, isto é, as minhas responsabilidades governamentais e devo dizer-lhe que não as tenho -, e não estando o assunto na ordem do dia, terei o maior gosto em conversar consigo em privado, ou até em público, mas fora da Assembleia. É necessário não fazer perder o tempo.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Igualmente para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Ângelo Correia.

O Sr. Ângelo Correia (PSD): - Sr. Deputado João Cravinho: Partiu o Sr. Deputado do pressuposto de que este Governo não tem base de apoio nacional para mobilizar energias ou para canalizar a vontade popular, e o Sr. Deputado João Cravinho disse que o Governo não a pode ter porque este é um Governo de direita. Mas como é isso possível se este Governo acaba de ganhar as eleições através de uma maioria parlamentar? Como é isso possível na exacta medida em que este é o primeiro governo que, depois da aprovação da Constituição da República, tem maioria nacional?!

Vozes da maioria parlamentar: - Muito bem!

Vozes do PS: - Isso é falso!

A Sr.ª Ercília Talhadas (PCP): - E o casamento PS/CDS?

O Orador: - Acredito que ao Partido Comunista Português lhe doa bastante esta questão, mas os números são os números.

Risos do PCP.

Página 125

16 DE JANEIRO DE 1980 125

O Sr. Deputado João Cravinho partiu de três pressupostos.
Primeiro pressuposto: que o Governo da Alcança Democrática baseava a sua acção na chamada subversão do quadro institucional. Gostaria que o Sr. Deputado citasse quais são as áreas, quais são os domínios relativamente aos quais o Programa de Governo da Aliança Democrática se propõe subverter a ordem institucional e gostaria de lhe perguntar se, pelo contrário, não está reafirmado a todo o instante que a capacidade deste Governo e a sua acção se vão exercer no estrito respeito do quadro constitucional existente. Ou seja, o Sr. Deputado João Cravinho parte de um pressuposto que é um fantasma para ele próprio, mas que assome como uma realidade.

Uma voz do PCP: - Adi que medo!

O Orador: - Não somos responsáveis pelos fantasmas do Sr. Deputado João Cravinho!
Segundo pressuposto: que este Governo seria um Governo de recuperação dos chamados grandes grupos económicos. É curiosa esta afirmação, porque me faz lembrar afirmações aqui feitas pelo Partido Comunista Português, na altura em que o Partido Socialista, então Governo, propôs a esta Câmara algumas leis fundamentais de estrutura do sistema económico, entre as quais, por exemplo, a Lei das Indemnizações. Propõe-se este Governo dar cumprimento e acelerar essas leis - leis propostas pelo Partido Socialista -, e é o Deputado João Cravinho, da bancada do Partido Socialista, que hoje em dia coloca a interrogação sobre a alteração do quatro institucional e) afirma que essas leis vão permitir a recuperação dos grandes grupos. Não estará o Deputado João Cravinho a fazer uma autocrítica ao comportamento passado do Partido Socialista, ou estará a ver mais uma vez fantasmas imputáveis ao seu próprio partido?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O Governo da Aliança Democrática não proeurou, nem procurará, fazer a recomposição dos chamados grupos monopolistas, por duas simples e elementares razões: a primeira, porque constitucionalmente isso lhe é vedado; a segunda, porque politicamente não é esse o ideário que norteia os partidos que integram a Aliança Democrática. Pelo contrário, a ideia é evitar situações monopolistas.
É curioso que alguns partidos em Portugal se refiram aos monopólios conotando-os em termos privados, esquecendo o monopólio em termos públicos, ou seja, para essas partidos é indiferente a situação de o monopólio ser público ou privado; para esses partidos não é esse o problema, o problema é ser monopólio privado. Ideia restritiva, ideia lateral, ideia limitativa.

O Sr. Macedo Pereira (CDS): - Muito bem!

Vozes do PS: - Isso é falso!

O Orador: - A terceira situação de equívoco de que partiu o Sr. Deputado João Cravinho foi considerar que do ponto de vista político os partidos que integram a Aliança Democrática pretendem o confronto entre o sector público e o sector privado. Não é verdade que assim seja, não é politicamente defensável que haja oposição entre esses sectores, em muitas áreas há complementariedade, em muitas áreas há necessidade de apoio mútuo. Quem levanta o fantasma da separação, da oposição, destes dois sectores é a sua intervenção e outras análogas, que, procurando defender a fortiori, procurando defendei à outrance, o sector público, mais não fazem do que limitar o sector privado.
O Sr. Deputado disse há pouco que havia um erro de análise de perspectiva no Programa do VI Governo, ou seja que o VI Governo considerava o sector. público incapaz de promover o desenvolvimento económico, e citou uma listagem de projectos entregues ao Banco Mundial. Quero lembrar ao Sr. Deputado três factos que são do seu completo - talvez mais tem que o meu conhecimento: em primeiro lugar, o investimento público e privado caiu nos últimos tempos, ou seja, se o investimento caiu há uma ausência de capacidade de projectos de o levar a cabo; segundo, o Sr. Deputado sabe que há inúmeras linhas de crédito estrangeiras para fomento e apoio a projectos de investimento que estão altamente subutilizadas -não lhe vou lembrar a linha do Banco Europeu de Investimentos - por incapacidade das autoridades portuguesas de apresentar projectos concretos, debilidade concreta do sector público português, em terceiro lugar, gostaria de acentuar que o Sr. Deputado, quando fala do projecto de Sines, do projecto da Petroquímica, no sentido de poderem vir a gerar daqui a alguns anos bastantes divisas em termos dei exportação, o faz referindo o «daqui a alguns anos», quando são projectos que foram começados antes do 25 de Abril, ou seja, foi o protelamento de determinadas decisões por parte de governos da exclusiva competência do seu partido, que impediu a aceleração, a promoção ei a realização desses mesmos projectos.

Vozes do PS: - É falso!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Daqui resultam duas perguntas. O Sr. Deputado João Cravinho critica a debilidade da política de investimentos e a sua ausência nos últimos tempos, critica o ano de 1979, mas essa é mais uma crítica que o Sr. Deputado está a fazer ao seu partido, já que um governo altamente responsável durante o ano de 1979 como foi o Governo da engenheira Lurdes Pintasilgo passou aqui com o apoio do seu partido e do Partido Comunista Português.

O Sr. Vital Moreira (PCP): - É falso!

O Orador: - É falso? Então não foi o voto do Partido Comunista e do Partido Socialista que deixou passar esse Governo?...

O Sr. Vital Moreira (PCP): - Não foi?

O Sr. Amândio de Azevedo (PSD): - A gente tem cada surpresa!

O Orador: - Segunda questão: o Sr. Deputado João Cravinho disse que a confiança podia ser um chavão. O Sr. Deputado sabe que a capacidade de levar a cabo projectos depende, acima de tudo, da expectativa que se tem em relação ao futuro, em relação à política económica que se vai seguir, da estabilidade das insti-

Página 126

126 I SÉRIE - NÚMERO 5

tuições, da estabilidade da política financeira, económica e laboral. Quem o diz não sou eu, disseco o Sr. Deputado, dizem-no as associações dos sectores económicos portugueses e faz parte do próprio cálculo económico da teoria económica. Por isso, quando coloca a questão da confiança dos, investidores, devo dizer-lhe que este Governo introduz, pela primeira vez, em Portugal o fenómeno da confiança, visto ser um Governo estável, e, ao contrário do que afirmou, esta maioria não é escassa nem efémera no entendimento dos partidos que integram a Aliança Democrática.

Vozes da maioria parlamentar: - Muito bem!

O Sr. Salgado Zenha (PS): - Presunção e água benta ...

O Orador: - Por essa razão, pergunto: não será pela ausência de uma política económica definida e clara, não será pela existência de políticas simultaneamente contraditórias, não seira pela ausência de política, que em Portugal não existiu um clima de confiança para esse sector privado?

O Sr. João Lima (PS): - Vai existir agora!

Uma voz do PCP: - Então os aplausos?

Risos do PS e do PCP.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado João Cravinho.

O Sr. João Cravinho (PS): - Se o Sr. Presidente permitir, preferia escutar as outras intervenções que foram anunciadas e responderia no fim.

O Sr. Presidente: - Tem então a palavra para pedir esclarecimentos o Sr. Deputado Lucas Pires.

O Sr. Lucas Pires (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Deputado João Cravinho sabe que não sou um economista e perdoar-me-á, portanto, que, partindo de um pressuposto diferente do da sua intervenção, lhe ponha algumas questões políticas.
De facto, há uma coisa paradoxal na sua intervenção, ou seja, a afirmação, o pressuposto, o axioma, presente em todo o discurso, de que a economia não tem nada a ver com a ideologia, que o Governo da Aliança Democrática vem fazer ideologia económica em vez de fazer política económica. Argumentos que me parecem contraditórios vindos de uma bancada. socialista.
Foi essa contradição que me feriu a atenção e que me suscita algumas questões bem concretas. De resto, pareceu-me que o seu discurso é, em primeiro lugar, um discurso de justificação, e não um discurso de contrição. O Sr. Deputado podia ter optado ou por um discurso de justificação, ou por um discurso de contrição, porque, como ex-Ministro da Indústria e Tecnologia, é um dos principais responsáveis pela maioria das nacionalizações que se fizeram em Portugal, nomeadamente no sector industrial. Podia ter optado por ter chegado à conclusão que tinha cometido um erro, simplesmente persistiu na ideia de que o erro era bom. De resto, é aquilo a que temos assistido em Portugal: para resolver os erros do socialismo, alarga-se o socialismo!
Queria, porém, perguntar ao Sr. Deputado João Cravinho o seguinte: sendo o Sr. Deputado tão contrário aos grupos económicos, porque é que teve um acesso de benevolência para com os grupos económicos estrangeiros? Terá sido um puro ajuste de contas com os grupos económicos nacionais?

Risos da maioria parlamentar.

Terá sido um acto de subserviência a formas de imperialismo estrangeiro? Será a procura de um acordo entre o sector público e as multinacionais? Será a procura de um acordo entre o MFA e o FMI?

Risos da maioria parlamentar.

Estará o Sr. Deputado a soldo de grupos económicos estrangeiros contra os grupos económicos nacionais?
Este assunto parece-me importante, porque, quando o Sr. Deputado acusa o meu colega do PPM de ser um advogado de interesses, eu pergunto-lhe o que será preferível: ser advogado de interesses nacionais, ou ser advogado de interesses estrangeiros?

Vozes da maioria parlamentar: - Muito bem!

O Orador: - Parece-me não ser muito lógico e sofrer alguma contestação neste terreno a seguinte questão: em Portugal trabalham cerca de quarenta empresas seguradoras estrangeiras. Pergunto ao Sr. Deputado se considera o sector dos seguros um sector nacionalizado.
Esta resposta é curial e é um documento vivo e comprovativo de como é que o Partido Socialista protegeu em Portugal os interesses económicos estrangeiros contra os interesses económicos nacionais.

Aplausos do CDS.

O Pautado Socialista chama capitalismo ao capitalismo nacional e socialismo ao supercapitalismo internacional. É isso e mais nada!

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Gostava, aliás, de perguntar ao Sr. Deputado João Cravinho o que é que é preferível: uma economia de números ou uma economia de pessoas? É preferível uma economia de números, que prefere gastar milhões a cobrir prejuízos de .empresas industriais insolventes, ou uma economia de pessoas, que prefere gastar milhões, que prefere ter dinheiro para fazer casas, hospitais e escolas?
É esta economia de pessoas que queremos defender contra a economia das abstracções, dos números, da ideologia e da revolução, que o Sr. Deputado João Cravinho aqui representa.

O Sr. Vital Moreira (PCP): - A economia de algumas pessoas!...

O Orador: - Queria perguntar ao Sr. Deputado João Cravinho se uma lei de separação do sector público e do sector privado é democrática ou corporativa. Isto porque aprendi que as leis de separações, as leis quo hierarquizam valores económicos, são leis proteccionistas, que querem dai ao sector público.

Página 127

16 DE JANEIRO DE 1980 127

a possibilidade de por exemplo, abrir falência. Tenho a certeza de que, quando fosse possível uma empresa pública falir, acabavam todas as empresas públicas em Portugal; tenho a certeza de que, se o Sr. Deputado João Cravinho distribuísse uma acção, com direito a dividendos, com direito a participar e a ser responsável pelas perdas, pelos trabalhadores de empresas nacionalizadas, não havia empresas nacionalizadas; tenho a certeza, portanto, de que esta lei da separação dos sectores não é senão uma lei proteccionista de uma certa classe parasitária instalada no poder, que não se quer salvar por si mas quer que a salvem com o dinheiro do «grande empréstimo», com o dinheiro da «pesada herança». É com isso que é preciso acabar!

Vozes da maioria parlamentar: - Muito bem!

O Orador: - Queria perguntar ao Sr. Deputado João Cravinho se a economia não é afinal um problema político, se a economia não é afinal um problema ideológico, se não é afinal um problema institucional, ou se, pelo contrário, a economia se resume a um problema macroeconómico de arranjos, aumentos, diminuições, taxas, experts, técnicas, a um problema corporativo também, no sentido profissional dos economistas. No meu entender, a economia diz respeito à vontade política do povo português e não a arranjos tecnocráticos de classes burocráticas que dominam as empresas públicas e o Banco de Portugal.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Permitia-me pedir ao Sr. Primeiro-Ministro e ao Sr. Ministro das Finanças que o primeiro trabalho a fazer fosse nomear comissários políticos para o Banco de Portugal e para as instituições que gerem a nossa economia, porque é isso que é necessário para desburocratizar e destruir a casta de empresários públicos burocratizados que aí se instalaram.

Aplausos da maioria parlamentar.

Fazer a política do Sr. Deputado João Cravinho é, em termos automobilísticos, o mesmo que conduzir em mínimos durante a noite.

Risos da maioria parlamentar.

Foi a política que o Partido Socialista fez até agora. Nós, que votámos contra a Constituição, sempre quisemos conduzir com máximos para ver ao longe e à distância. Dissemos em seu tempo que o problema não era apenas de deficti externo, era também um problema de política e de equilíbrio orçamental. Quando se acusa o CDS de ter aceite o acordo com o Fundo Monetário Internacional, respondemos que esse não era o principal problema; o acordo com o Fundo Monetário Internacional fixava plafonds que nos permitiam, dentro desses limites, exprimir uma vontade política que não foi correctamente definida e expressa. Essa vontade política e essa vontade económica não existiram, foi ai que esteve o falhanço e não no acordo em si.
No fundo, e em termos económicos, aquilo que se fez até agora foi, por parte do Partido Comunista durante o «gonçalvismo», aumentar brutalmente os salários sem produção de riqueza correspondente...

O Sr. Aboim Inglês (PCP): - E os pilotos da TAP?

O Orador: -.... por parte do Partido Socialista, reduzir brutalmente os salários reais de acordo com o FMI, sem que a isso correspondesse produção de riqueza.

Vozes do PS: - É falso!

O Orador: - O que nós queremos agora é aumentar a produção para depois poder distribuir, e não inverter as coisas. Não é distribuir «à bruta», como fazia o Partido Comunista, sem ter, como não é deixar de distribuir porque já >não há mais, como fazia o Partido Socialista.

Protestos do PCP.

O Partido Comunista tem um bocado de orelhas moucas para as verdades, peço-lhe para ter mais humildade para as ouvir.
Quando o Partido Socialista se refere, fala agora o Sr. Deputado João Cravinho, ao desprezo implícito na intervenção do Ministro das Finanças em relação às pequenas e médias empresas, quase me tenta a perguntar-lhe: porque é que até agora não fez nada pelas pequenas e médias empresas? Não fez nada inclusive com o pretexto burguês, invocado há pouco pelo Sr. Deputado António Guterres, que dizia que alguns dos empresários das nossas pequenas e médais empresas não podem ainda ir para a Europa porque são analfabetos...

O Sr. António Guterres (PS): - Não disse isso!

O Orador: - Isso é um argumento burguês, que julgava não poder vir de um partido como o Partido Socialista, que é contra a economia privada e que diz que os nossos empresários são deseducados e são proletários, no sentido cultural da palavra. São estes os argumentos daqueles que dizem falar em nome dos trabalhadores, daqueles que dizem falar em nome dos que falam por si e que se põem em pé pelos seus próprios meios.
Quando o Sr. Deputado João Cravinho fala das letras dos pequenos empresários, eu pergunto-lhe: porque é que eles têm de usar as letras e as empresas públicas não? Não será porque são eles que pagam os impostos com que se sustentam as empresas públicas?

Aplausos da maioria parlamentar.

É por isso que pensamos, ao contrário do que o Sr. Deputado diz, que a Aliança Democrática não vem subverter a ordem económica, vimos criar a ordem económica contra a desordem económica criada pelo Partido Comunista e pelo Partido Socialista.

Aplausos da maioria parlamentar.

Embora o Sr. Deputado João Cravinho afirme que o sector privado deve existir, reservo-lhe a área, como

Página 128

128 I SÉRIE - NÚMERO 5

magnanimidade do soberano socialista, da pequena e média empresa. A grande empresa não, essa é sector público. É isso que, no fundo, o Sr. Deputado João Cravinho quer, que a iniciativa privada sem limite aos 70000 pontos da Reforma Agrária, aos pequenos e médios deste país.

Protestos do PCP.

Temos outras ambições, porque não contamos com a bengala e a muleta, das multinacionais para reconstruir Portugal.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - E quando diz que as pequenas e médias empresas são importantes, pergunto-lhe se é ou não necessário lutar contra a discriminação de que são objecto, isto porque quem recebe subsídios são as empresas públicas, isto porque as empresas públicas quando precisam de adquirir material vão abrir concursos públicos ou vão pedir às outras empresas públicas que lhes forneçam o material a preços às vezes muito superiores. Pergunto: porque é que não abrem concursos públicos em que as empresas privadas possam concorrer e fornecer materiais a preços mais baratos? Porque é que não estamos num sistema de mercado?
É por tudo isto que me parece que temos outra ideia sobre isto. Há aqui uma alternativa, uma ordem económica deste lado, contra a desordem e os caos económico instalado, que não poderá ser subalternizado por problemas técnicos. Nós, Sr. Deputado, repito-o, não vimos subverter coisa nenhuma, vamos criar a ordem económica que não existe.

Aplausos da maioria parlamentar.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado António Guterres pede a palavra para que efeito?

O Sr. António Guterres (PS): - É para um curto protesto, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. António Guterres (PS): - Desejaria, muito sucintamente, protestar pela utilização abusiva que foi feita pelo Sr. Deputado Lucas Pires de palavras que não pronunciei na sessão, na parte da manhã.
O que eu disse foi apenas que a aplicação da parte do Fundo Europeu de Garantia e Orientação Agrícola destinada a Portugal era dificultada por ele, pelo facto de as aplicações desse Fundo se fazerem em empresa e pelo facto ainda de a grande maioria das empresas agrícolas portuguesas não terem uma estrutura técnica que facilite essa aplicação, citando o facto de grande parte desses empresários serem, infelizmente, analfabetos - e não foi durante os Governos socialistas que eles estiveram em idade escolar.
Gostaria apenas, a título de nota, de dizer que, em relação ao debate desta manhã, a intervenção do Sr. Deputado Lucas Pires nos permite, pelo menos, resolver um problema e uma dificuldade do Governo. É que, depois de tudo o que disse, em particular da sua ideia dos comissários políticos para as empresas, estou certo de que o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros não terá qualquer dificuldade em preencher o lugar de embaixador em Maputo.

Risos do PS e do PCP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Coimbra, também para um pedido de esclarecimento.

O Sr. Luís Coimbra (PPM): - Pretendo referir uma questão prévia e fazer dois pedidos de esclarecimento ao Sr. Deputado João Cravinho.
Embora não conhecendo pessoalmente o Sr. Deputado João Cravinho, devo dizer que - e discordando até de algumas das suas opções - tenho uma grande admiração pelas suas posições e que, até hoje, foram, inequivocamente, em detrimento do sector privado. Daí que eu faça este reparo em relação às preocupações manifestadas quanto às pequenas e médias empresas.
Devo dizer que, pela parte que toca ao PPM, tanto faz ser sector público como sector privado, desde o momento que o projecto tenha uma verdadeira validade social.

Risos do PS.

Utilidade social essa que não pode ser vista só na óptica tecnocrática do Sr. Deputado João Cravinho.
De facto, ao falar em utilidade social de determinados projectos do sector público, apenas referiu as vantagens, em termos de divisas, por exportações. Isto é totalmente falso, em termos de uma óptica moderna de desenvolvimento, até porque um projecto só tem utilidade social quando são realizados estudos prévios de impacte, e o Sr. Deputado João Cravinho sabe que até hoje esses estudos não foram realizados em Portugal, como condição prévia para a implantação de grandes projectos.
Passarei agora aos dois pedidos de esclarecimento.
Falou o Sr. Deputado João Cravinho em cerca de 370 milhões de contos em projectos que aguardam aprovação ou arranque. Talvez tenha faltado um eu outro projecto do Partido Socialista ou se tenha esquecido de pôr em prática os vindos ainda do Estado Novo, e que, efectivamente, foi o que sucedeu nos primórdios da política socialista, nos Governos anteriores. Porém, e voltando ao princípio, quanto a esses 370 milhões de contos, gostava de perguntar ao Sr. Deputado João Cravinho de que tipo de projectos é que se trata, porque suspeito que se vierem do sector público e da mentalidade de quem dirigiu este Governo, nomeadamente os socialistas, durante uma determinada fase, após o 25 de Abril, esses projectos são o exemplo mais acabado da transparência de tecnologia ultrapassadas da poluição para Portugal, o que contradiz frontalmente todas as posições retóricas e teóricas de diálogos Norte-Sul e de defesa do «Terceiro Mundo», que não têm contrapartida com a prática, em matéria de projectos de desenvolvimento do Partido Socialista.
Que projectos seriam esses, então?
E em relação aos 12 milhões de contos de produtos químicos que iremos em breve ou a médio prazo começar a exportar, gostaria de perguntar ao Sr. Deputado João Cravinho, que está certamente muito mais bem informado do que eu, se esses 12 milhões de contos se referirão, por exemplo, às exportações do com-

Página 129

16 DE JANEIRO DE 1980 129

plexo petroquímico de Estarreja, onde, pelas mãos do PS, com o beneplácito e a bênção do Partido Comunista, entrou, pela primeira vez, depois do 25 de Abril, uma multinacional, das maiores que existem no Mundo, para controlar totalmente um complexo petroquímico.
Serão as exportações, não as exportações mas o pagamento de importações já feitas, por exemplo, pela importação de matérias-primas para a Fisipe?
Serão as exportações do complexo petroquímico, da parte francesa e da parte que lhes toca na sua participação social na empresa Epsi?
Eram estas as perguntas que eu lhe tinha a fazer, Sr. Deputado João Cravinho.

Aplausos da maioria parlamentar.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Cravinho, para responder.

O Sr. João Cravinho (PS): - Sr. Presidente, são numerosíssimas as questões, na aparência. Poucas, porém, na realidade...

Risos do PS.

Procurarei, portanto, ser breve, como, certamente, esta Câmara apreciará.
Quanto ao Sr. Deputado Ângelo Correia, que vê fantasmas por todo o lado, espanto-me de o ver espantado com a seguinte pergunta: como é que um Governo de direita pode ganhar eleições?
Não lhe dou a resposta, certamente.

O Sr. Ângelo Correia (PSD): - O Sr. Deputado é que vê os fantasmas!...

O Orador: - O Sr. Deputado fez a pergunta, por isso estará interessado na resposta.
Estou, aliás, interessado em. dizer-lhe que, no dia em que o povo português - o que será brevemente - apreciar os resultados deste Governo, apreciará também a diferença entre promessas e realizações da direita...
E, nessa altura, perguntará o Sr. Deputado Ângelo Correia como é que um Governo de direita perde as eleições.
Também não lhe darei a resposta. Será o povo português a dar-lha.

Risos do PSD e do CDS.

Finalmente, Sr. Deputado Ângelo Correia, queria esclarecer que não disse que se tratava de uma maioria escassa, mas efémera. Disse que se tratava de uma maioria escassa e efémera. Vai uma grande diferença ...
No que diz respeito à subversão institucional, tenho apenas de remeter para a tão contestada, discutida e, segundo juristas que já foram do PSD, inconstitucional Lei do Referendo.

O Sr. Ângelo Correia (PSD): - O Sr. Deputado permite-me que o interrompa?

O Orador: - Desculpe, Sr. Deputado, não permitirei que me interrompa, para que haja uma certa ordem no debate.
Sr. Deputado Lucas Pires, não vejo contradição nas minhas posições, firmado sobretudo naquilo que eu não disse.
V. Ex.ª, porventura, não terá ouvido ou não terá retido que, quase na parte final da minha exposição, disse, textualmente, o seguinte: «A competência técnica - referia-me à competência de alguns membros do Governo- não conseguiu impedir a incoerência deste Programa.»
Porquê? Porque a questão não é fundamentalmente técnica, mas sim política.
Entende V. Ex.ª que tenho, por esta afirmação, uma posição tecnocrática, uma posição que separa a economia da ideologia. Pois não vejo em que base o poderá fazer...
Assim, não voltarei a este assunto, por razões que me parecem óbvias.
Diz ainda o Sr. Deputado Lucas Pires que a Lei da Separação do Sector Público e do Sector Privado é uma lei corporativa, se bem entendi. É uma lei que, porventura, a actual maioria quer derrubar.
Parece-me que essa lei foi, nesta Câmara, aprovada pelo PS e pelo PSD. Está aqui, portanto, em contradição com a sua própria maioria. Será, porventura, uma minoria da maioria, mas por razões que me parecem perfeitamente óbvias julgo que poderá melhor colher o fundamento da separação do sector público e do sector privado junto dos seus camaradas de coligação governamental.
A bancada socialista fica, evidentemente, à disposição, no caso de não ficar devidamente esclarecido. Mas a caridade, bem entendida, começa em casa. Pratiquemo-la.

Risos do PS.

Diz o Sr. Deputado Lucas Pires que eu, ao falar do sector privado, refiro apenas as pequenas e médias empresas. Não. Falei também das grandes empresas, expressamente.
Mais uma vez, dispenso-me de ler o texto para não tomar tempo, mas poderei remeter-lhe uma cópia, onde verificará que fiz uma referência expressa a grandes empresas que existem no sector privado. Além disso, mais entendo que o sector privado, lá por ser privado, não deve estar coibido de apresentar grandes empresas - bem pelo contrário. Bom será, segundo aquilo que for útil socialmente - é este o ponto-chave -, que as grandes e médias empresas cresçam, as grandes empresas apareçam no sector privado para defender o trabalho dos portugueses, para fornecer aquelas condições que podem, efectivamente, melhorar o bem-estar da produção portuguesa. Nada tenho contra a grande empresa privada. O que tenho, isso sim, é contra o contrôle do poder político pelo poder económico, é contra a monopolização das alavancas de comando deste país, no sentido político, pelo poder económico.
Se isso se faz, por intermédio de pequenas empresas, ou se for possível fazê-lo - e tecnicamente caminhamos para aí, através, por exemplo, da informática -, combaterei por isso exactamente da mesma maneira. Porque não combato nem grandes nem pequenas empresas, combato as consequências do domínio dos interesses privados sobre a coisa pública.

Vozes do PS: - Muito bem!

Página 130

130 I SÉRIE - NÚMERO 5

O Orador: - Sr. Deputado Luís Coimbra, agradeço as suas palavras. Devo dizer-lhe que escutei as posições que o PPM defendeu nesta Câmara, desde que o debate se iniciou, com grande simpatia. Discordo, é certo, de muitas delas, como também já disse. Simplesmente, abstive-me de fazer juízos que não estavam encerrados nas premissas ou nas afirmações aqui feitas. Não defendi nenhum projecto em particular. Referi apenas o testemunho do Banco Mundial, por me parecer que seria um testemunho que, por razões ideológicas, à atenção do Sr. Deputado Lucas Pires, e por razões de técnica económica, perfeitamente aceites pela maioria dos economistas, se não a totalidade dos economistas da bancada governamental, não seria uma fonte não controversa. Apenas por essa razão.
A maior parte dos projectos que lá estão incluídos são projectos que têm de ser discutidos publicamente, dado que tem havido numerosas posições contra eles.
Creia, Sr. Deputado, que, quando afirmei que determinados projectos devem ou não ser realizados, tenho procurado justificar isso com base em critérios que são económicos, mas também sociais. Suponho que o Sr. Deputado não me terá nenhuma vez apanhado com uma afirmação tecnocrática. Suponho que o Sr. Deputado, se tiver oportunidade de acompanhar as ocasiões em que intervim sobre a matéria, como funcionário público, me terá visto a defender a necessidade de aliar as consequências desses projectos no plano económico, no plano social e no plano ecológico.
Aliás, estarei por aí enquanto isso me parecer que é a racionalidade.
Suponho que o Sr. Deputado Angelo Correia se terá agitado por não lhe ter respondido a uma questão de grande importância. Trata-se do esclarecimento do jogo complicado do financiamento externo das fontes de recursos, do jogo das implicações de uma política de austeridade que, aparentemente, na ideia do Sr. Deputado Ângelo Correia, deixou a porta aberta aos empréstimos externos.
Gostaria de esclarecer que não terá sido assim. Mas, se me engano, aí está certamente uma inovação fundamental que o novo Governo não deixará de aproveitar em toda a sua extensão, conduzindo a uma nova revolução, neste caso económica.
Uma última palavra para o Sr. Deputado Ferreira do Amaral que não participou nesta última troca de impressões, mas o seu nome foi mencionado, se bem que indirectamente! Fez-se, pelo menos, uma referência à sua intervenção e a uma resposta minha.
Queria esclarecer a Câmara de que tenho a maior consideração pelo Sr. Deputado Ferreira do Amaral e não me atreveria, por absolutamente injusto, a fazer qualquer referência que fosse para ele desprimorosa. Pelo contrário, guardo do contacto que mantive com ele, ao longo de anos - esporadicamente, é certo -, uma excelente impressão.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Mário Adegas.

O Sr. Mário Adegas (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Será um lugar-comum afirmar ser mais fácil o discurso da oposição na apreciação do programa de qualquer Governo - desde logo também do Programa do VI Governo -, ainda que, como é o caso, se tenha como intenção principal tratar apenas de alguns aspectos da política económica global, balizando esta intervenção entre os compromissos eleitorais assumidos e as perspectivas de execução real do Programa, que tem de ser, ao mesmo tempo, a tradução da mensagem transmitida, a resposta aos anseios dos Portugueses que já votaram em nós e a esperança para muitos outros, para quem a governação tem de ser o exemplo e a solução concreta dos problemas que os afectam e afligem.
E se é certo que os principais desequilíbrios que afectam a economia portuguesa são antigos, resultantes de graves deficiências estruturais e com inúmeros defeitos de funcionamento, a verdade é que a situação económica se apresentou agravada por virtude de se ter pretendido destruir o deficiente sistema económico existente por um conjunto de medidas incompatíveis entre si, apoiadas por um poder político perverso e, em certos casos, também ele próprio indefinido.
Por isso, compreendo que, à medida que a situação política se foi clarificando, com enervante lentidão e só possível preserverança de uns poucos, embora com o apoio crescente da muitos, se tornou possível equacionar os verdadeiros problemas que afectam os Portugueses e de cuja solução depende o seu progresso material, hoje indispensável para um consequente progresso social e cultural, inequívoco anseio dos Portugueses de todas as idades e justificada aspiração da essa juventude.
Como quer que seja, tem de relembrar-se em todas as ocasiões, ainda que correndo o risco de alguma repetição, que muitos dos males da economia portuguesa são devidos a indesculpáveis erros oriundos do campo político por falta da indispensável e indesculpável democratização do País antes do 25 de Abril e, depois, pela coacção verificada em todos os sectores da vida nacional -, pois os trabalhadores e os empresários portugueses têm dado suficientes provas de maturidade desde que não sejam tolhidos nas suas capacidades normais.
Por isso consideramos pacífico e ajustado às realidades o diagnóstico de que o País se encontra confrontado com uma preocupante falta de ritmo da actividade económica, constatada por qualquer agente económico (trabalhador ou empresário), a que os indicadores económicos de conjuntura, normalmente utilizados e explicitados no Programa, apenas servem para confirmação da situação e para servir de adequado suporte técnico-político.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Com efeito, a conjuntura económica portuguesa continuava a evidenciar, no ano de 1979, evidentes e preocupantes desequilíbrios, mesmo que se queira registar a evolução positiva ocorrida com o deficit da balança de pagamentos, graças às medidas restritivas adoptadas em 1977 e 1978, com vista a evitar uma situação de quase ruptura que então se anunciava.
Mas mesmo que se quisesse pôr uma pedra sobre os comportamentos irresponsáveis (com participação de uns e toleração por muitos) que conduziram «alegremente» a economia portuguesa para a situação de

Página 131

16 DE JANEIRO DE 1980 131

crise profunda em que foi colocada, temos de relembrar as suas causas, pois as medidas restritivas adoptadas e consideradas inevitáveis podem e devem considerar-se um castigo imerecido e injusto, em especial por que suportadas pelos portugueses mais desfavorecidos, dos quais alguns, paradoxalmente, sustentam nas ruas, nos escritórios e nas fábricas as teses dos que pretendiam, através de uma desarticulação crescente, conduzir a actividade económica e a vida social a um ponto de ruptura propiciadora de soluções salvadoras, normalmente de cariz totalitário.
As medidas restritivas decorrentes da adopção de uma política de estabilização proporcionaram, como se sabe, a necessária redução e eliminação do deficit da balança de transacções correntes. Mas, sem tirar mérito aos efeitos positivos de tais medidas, consideramos desapropriado inscrever em plano de demasiada evidência a melhoria verificada, tanto mais que aqueles se encontraram interligados com aspectos muito negativos ou susceptíveis de dever ser considerados como exteriores ao nosso sistema económico, a saber: consequências negativas na quebra da procura interna, traduzida numa quase estagnação no consumo privado, queda acentuada e grave no investimento; precariedade de alguns dos seus resultados, por terem como única raiz a melhoria da competitividade externa, conseguida só pela política cambial adoptada e por uma certa moderação na subida dos custos unitários do trabalho, conduzindo a uma subida significativa, mas não estável, das exportações (uma vez que os acréscimos apenas traduziram a retoma das nossas próprias quotas em mercados tradicionais); ter beneficiado intensamente do aumento das remessas de emigrantes, devido ao aumento das taxas de juro dos depósitos a prazo e à maior estabilidade política existente no País; redução de stocks de produtos importados, devido às demoras na passagem de boletins de registo de importação e ao maior custo do dinheiro utilizado no financiamento de stocks, com eventual e mais do que previsível necessidade de intensa reposição nos períodos seguintes.
Por isso, consideramos mal justificado o realce que foi dado ou está a ser dado quando à existência de melhores condições para a revitalizarão da actividade económica, pressuposto indispensável para melhorar a qualidade de vida dos Portugueses. Em nossa opinião, essas melhores possibilidades, se existirem, e existem, deverão buscar suporte na clarificação política conseguida com as eleições intercalares e na competência e eficácia que este Governo demonstrar e de que o passado e a acção de V. Ex.ª, Sr. Primeiro-Ministro, é seguro garante.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Por tudo quanto ficou dito, parece-nos, pois, evidente que o Governo' pode contar com o inequívoco apoio político do Grupo Parlamentar do PSD, por duas ordens de razões: por convicção ideológica e por disciplina partidária, no duplo sentido dos compromissos assumidos no seio da Aliança Democrática e no cumprimento da mensagem contida no programa eleitoral, submetido ao veredicto popular...

Vozes do PSD e do CDS: - Muito bem!

O Orador: - ...pela absoluta concordância aos aspectos técnicos que caracterizam os objectivos enunciados no capítulo de política económica e social, há pouco aqui superiormente explanados pelo Sr. Ministro das Finanças e do Plano.
Com efeito, a intenção de impedir uma maior redução do poder de compra da maioria dos portugueses, mediante a fixação de uma taxa de crescimento dos preços em 20 % (descendo 4 pontos em relação à taxa actual), e visando, ainda, um objectivo mais ambicioso, ou seja, o de caminhar no sentido de fixar a taxa de inflação do nosso país num nível aproximado do verificado nos países da Europa Ocidental, merece o nosso inteiro aplauso.
Mas, ao considerar também insuficiente o crescimento da produção em 1979 (apenas de 2,5 %) e aflitiva a situação de desemprego, considerado em nível insuportável, o Governo identifica o trio das questões mais prementes da economia portuguesa.
Ao estabelecer as prioridades necessárias, privilegiando o relançamento do investimento, única forma de resolver os problemas estruturais que afectam a nossa economia, o Governo possibilitará, desta forma, que se criem, de facto, as indispensáveis e urgentes condições para a concretização da integração de Portugal no Mercado Comum e, do mesmo passo, para o fortalecimento das bases para a melhoria do bem-estar material dos Portugueses.
Por outro lado, a revitalização da economia é a única forma de transformai o discurso político de promessa na melhoria da satisfação das necessidades sociais, designadamente da saúde, habitação, educação, transportes e defesa do meio ambiente, em realizações autênticas, como resposta a uma situação de atraso em que nos encontramos.
Do mesmo modo, só uma economia estável e progressiva possibilitará que adequados planos de melhoria de pensões de reforma e invalidez tenham execução prática e convincentes aumentos, susceptíveis de diminuir as actuais preocupações de malhares de reformados e pensionistas.
Mas se um Programa do Governo que apoiamos é a base essencial donde emanam, todas as múltiplas acções concretas que expressam, ou tacitamente no mesmo estão contidas, não gostaríamos de, na parte finai desta intervenção, deixar de o acentuar- de forma muito especial.
Com efeito, as não temos dúvidas quanto ao indiscutível valor a definição política global e à clarificação do próprio sistema económico e das regras do seu funcionamento, ser-nos-á permitida uma reflexão sobre os especiais cuidados a ter, nas várias frentes e nos mais recônditos lugares onde a actividade económica tem expressão, no sentido de a mensagem se não perverter ou entrar em fase de perda de intensidade.
Porque é na gestão das empresas públicas, através de uma tutela técnica competente e politicamente bem esclarecida, no funcionamento eficaz da Administração Pública, na orientação e apoio de iniciativas válidas, nomeadamente do sector privado, que se vai decidir o êxito ou inêxito deste Governo.
Êxito seguro, como julgamos, por mérito, potencialidades e possibilidades do próprio Governo, mas êxito que também depende de todos os componentes dos grupos parlamentares apoiantes da nova maioria,

Página 132

132 I SÉRIE - NÚMERO 5

através de um trabalho disciplinado e sistemático, que, julgo, terão de ser uma agradável certeza na nossa ainda jovem democracia.
O Governo vai governar bem, terá, portanto, o nosso apoio. E terá a nossa permante colaboração para manter actualizada, da forma permanente, a adequada informação sobre as reacções às medidas que for tomando.
Para acelerar ou até para corrigir outras medidas necessárias, sempre para melhor defender o interesse geral dos Portugueses.

Aplausos da maioria parlamentar.

O Sr. Deputado: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Catarino.

O Sr. Luís Catarino (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Ministros: O primeiro juízo que se tira do Programa do Governo é, claramente, o da sua vacuidade, da sua imprecisão, da sua indefinição.
É um documento difuso, decerto, propositadamente difuso, demais quando se propõe ser o guião da mudança da sociedade portuguesa.
Aqui, precisava de indicar, com rigor, as metas a atingir e os meios a mobilizar.
O Programa Económico exigiria, pela sua própria área de tratamento, um cuidado apurado nesse sentido. Mas, na linha geral do que se sente ser uma atitude voluntária do Governo, também aí, não se avançou para além das fórmulas vagas e do enunciado de intenções.
É necessário que o Governo, num acto claro de responsabilizações perante o País, defina as suas posições quanto a algumas situações concretas e esclareça algumas graves contradições do seu Programa Económico.
O Governo critica o ritmo de crescimento económico e de investimento recentes, mas remete-se ao silêncio quanto às taxas que projecta. Silencia tudo o que se refere quanto aos níveis de desemprego, índices de repartição de rendimentos, taxas de crescimento de salários reais, e nada diz do que considera aceitável em matéria de deficits da balança de pagamentos e de transacções correntes; silencia o que pensa da satisfação das necessidades básicas, como a saúde, a educação, a habitação, os transportes, etc.
Afirma o Governo que vai reduzir os impostos, mas também nada adianta acerca dos mecanismos que vai usar para reforçar os meios financeiros do Estado e compensar, assim, o efeito da redução desses impostos; afirma o Governo que vai combater a evasão e a fraude fiscal, mas não indica que meios vai pôr em prática, nomeadamente para combater a fuga dos grandes rendimentos; promete diminuir o desemprego, apesar da crise internacional e do aumento populacional desta década, mas vai adiantando que tudo será limitado (vou transcrever), pela «difícil situação de crise a que se deixou chegar as finanças do País»; alinha as suas intenções sob a perspectiva de uma economia de mercado, mas promete controlar os preços e a inflação: presta o seu tributo à lei mas deixa por definir o que pensa da divisão entre o sector público e o sector privado, numa inquietante visão do que pode ser um ataque programado e violento à Constituição da República.
Há que denunciar, agora e nos actos da sua acção governativa futura, a recusa de o Governo assumir posições e responsabilidades concretas sobre pontos decisivos da política económica e mesmo sobre a própria estrutura económica do Estado.
Há que aprofundar, todavia, o que está no Programa Económico, quais as propostas concretas que existem e o seu significado e alcance político, que bem podem, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Ministros e Srs. Deputados, fazer entender o que falta e encontrar a sociedade subvertida da proposta política do Governo.
Tudo apresentado na sombra tutelar da Comunidade Económica Europeia!
O princípio é o de pautar todas as políticas globais e sectoriais, bem como as iniciativas legislativas, pela necessidade de integração na economia da Europa: muda-se a agricultura para entrar na CEE; ordena-se o sector das pescas para entrar na CEE; estimula-se a competitividade para sermos admitidos na CEE; repensa-se o estatuto de classe dos trabalhadores para nos admitirem na CEE; e traça-se um projecto grosseiro de liquidação do sector público da economia também para entrar, como se diz na CEE.
E tudo isto, Srs. Deputados, Srs. Ministros, como projecto nacional de um povo que se determinou a oferecer a sua verdadeira imagem e, por isso, se empenhou no projecto de entrada de Portugal na CEE!
E em nome também, como diz o Governo, da melhoria das condições e qualidade de vida, da mudança de um Portugal renovado, da realização da pessoa humana, da competência, da convivência e ainda da moderação.
Mas qual é a proposta? A proposta é mesmo a de outra sociedade; a de uma sociedade invertida no curso da sua história recente, a caminhar, agora, para a submissão à exploração do capital nacional e estrangeiro, na vida de um esquema económico subvertido pelo domínio dos grandes interesses privados.
Muito para além - o que é grave - das exigências de mudança que a entrada na Comunidade Europeia poderia implicar.
O MDP/CDE quer deixar bem claro que considera o sector privado da economia, consagrado na lei constitucional, como formação necessária ao desenvolvimento económico do País e ao progresso social do povo português.
Todavia, o sector privado não tem natureza homogénea e são diversos e até antagónicos os interesses que nele se reflectem.
O MDP/CDE considera, no estado actual da evolução da economia nacional, como instantemente necessário, o estímulo da iniciativa privada e o reforço dos meios operativos do sector, em ordem ao desenvolvimento das pequenas e médias empresas, como agentes produtores de riqueza e empregadores de mão-de-obra.
Mas não é disso que se trata no Programa do Governo. Do que se trata é da grande concentração de meios económicos nas mãos de grupos de capital nacional e estrangeiro, da recomposição de interesses apostados no retorno à exploração da mão-de-obra e dos recursos naturais do País; do que se trata é da acumulação do capital privado ao serviço de uma classe, afrontando o conceito de organização económica consagrado na Constituição, que definiu a empresa pública e cooperativa como sectores predominantes, e enquadrou as perspectivas da iniciativa privada na moldura dos fins prioritários.

Página 133

16 DE JANEIRO DE 1980 133

O que está em causa é. o sentido da alternativa ao sistema económico-social. Efectivamente, o Governo propõe-se reduzir o sector empresarial do Estado, limitando os aumentos de capital estatutário e das dotações orçamentais para subsidiar bens e serviços essenciais, congelando o aumento de preços de bens e serviços- concorrendo assim, também, para o aumento dos respectivos deficits de exploração -, fixando limites de crédito determinados pelo desenvolvimento privilegiado do sector privado.
Tudo isto, claro, em nome da aparente racionalização das decisões, meios e objectivos e da necessidade de evitar sobrecargas fiscais adicionais que incidem sobre amplos extractos de camadas trabalhadoras e da classe média, mas apontando o Governo para alguns efeitos imediatos - confrontar o sector público com o sector privado e criar condições de inviabilização das empresas públicas, reforçar a posição do grande capital e a sua base eleitoral nas classes médias, através da redução dos impostos sobre o rendimento do trabalho.
Para o MDP não está em causa uma maior equidade nesta matéria, mas julga que a solução correcta e conforme com os interesses reais de tais camadas seria combater a fraude e a evasão fiscais, rever o sistema de incentivos fiscais e a isenção de que gozam, indevidamente, algumas empresas.
Está em causa a repartição da carga fiscal sobre o capital e o trabalho e as suas consequências sobre os meios financeiros do Estado e não, como demagogicamente se inculca, um aligeiramento geral dos impostos, esquecendo-se até a promessa de redução do deficit orçamental.
Do Programa do Governo conclui-se, com nitidez, o propósito de abrir progressivamente mas com determinação à iniciativa privada dos sectores básicos da economia, incluindo-se a banca e os seguros, isto num desafio, arrogante às bases constitucionais do Estado.
Procura-se colocar, de novo, nas mãos do grande capital tais centros de acumulação de riqueza, de poupança nacional, proporcionando-lhes, primeira o contrôle sabre a economia nacional e, depois, fatalmente, sobre o poder político.
Sabido como é o peso da estrutura desses sectores, por que razão se vão criar novas estruturas paralelas e concorrentes?
Acaso se avaliou já o custo nacional de tal medida, em face da criação de novas estruturas libertas de todos os encargos inerentes às velhas organizações?
O que se pretende com o reforço da iniciativa privada, nomeadamente com a criação de novas estruturas da banca, não é viabilizar a iniciativa privada, no âmbito do equilíbrio do desenvolvimento económico, mas, apenas, entregar ao .grande capital privado o domínio de um sector decisivo da economia.
O que se pretende é negar as regras constitucionais da irreversibilidade das nacionalizações e da apropriação colectiva dos principais meios de produção, atacando as estruturas da banca e dos seguros e, assim, pondo em causa a estabilidade dos sistemas correspondentes.
O que se pretende é o reforço do sector capitalista da economia, em particular dos grandes grupos.
As vias são várias: o encorajamento e a constituição de bancos e empresas seguradoras peio sector privado, em associação com grupos internacionais; a mobilização das indemnizações em dinheiro e através da entrega de participações do Estado, as aliterações das bases da Reforma Agrária e das leis do trabalho.
O MDP/CDE admite que seja encarado o problema das indemnizações, na perspectiva da regularização da situação de pequenos e médios accionistas, nomeadamente dos que auferiam dividendos de subsistência e dai defesa do equilíbrio financeiro do Estado, mas denuncia o facto de, através da resolução de tal problema se atender contra os interesses da economia e do povo português.
Não deve admitir-se que, nesta questão, a mobilização dos direitos de indemnização ofereça à alta classe capitalista, de passado ainda recente, a reaquisição de uma capacidade concorrencial perdida e, simultaneamente, novo fôlego para disputar com o sector público da economia.
Tudo isto será tentado, como se disse, com a justificação da necessidade de incentivar a iniciativa privada, dinamizar o sector respectivo e desenvolver a economia do País.
Já se percebe o que é, para o Governo, o sector privado da economia.
Mas, mesmo, que o desenvolvimento económico do País e a defesa dos interesses das camadas maioritárias da população reclamassem a incentivação da iniciativa privada, haveria sempre de saber, em primeiro lugar, qual a verdadeira vocação do sector para essa tarefa e, depois, se era sempre necessário colocar em crise o sector público.
Quanto ao primeiro ponto, há que lembrar que, durante décadas, no regime fascista, os grandes grupos monopolistas, nacionais e estrangeiros, tiveram ao seu dispor meios operativos excepcionais, desde o domínio da banca até ao contrôle violento dos trabalhadores e sempre exibiram, lastimosamente, a mais completa incapacidade para fomentar uma rápida e positiva evolução da economia nacional.
Muitos deles revelaram para actividades meramente especulativas e mesmo fraudulentas, em especial nos. sectores de maior expansão, e a sua criação de riqueza baseou-se, essencialmente, na exploração da mão-de-obra barata.
Só excepcionalmente se formaram indústrias correctamente dimensionadas, eficientemente equipadas e competentemente geridas.
A crise capitalista, agravada em 1973, estava a criar uma situação económica de consequências imprevisíveis e que já se faziam sentir antes do 25 de Abril.
Perguntasse: serão estes mesmos grupos e pessoas capazes de uma actuação radicalmente diferente? Será que os grupos estrangeiros que, na generalidade dos casos, se moviam pela procura de ganhos fáceis e elevados se mostrarão agora capazes de se subordinarem a um plano que assenta na necessidade de ultrapassar os problemas da economia nacional?
Em época de prosperidade, a nível internacional, seguirão na onda, conseguindo, por fornia quase automática, alguma expansão. No tempo de crise, como o nosso, não saberão ou não quererão vencê-la e, assim, os seus efeitos vão multiplicar-se fatalmente.
Quanto ao segundo ponto, há que ponderar qual a verdadeira capacidade, afora) as suas características referidas, para o sector privado ser o segmento dinâmico da mossa economia.

Página 134

134 I SÉRIE - NÚMERO 5

Com a nossa actual estrutura, só o sector público, eficazmente dirigido e ajustado, poderá ser o motor de uma efectiva e rápida recuperação económica.
Só com referência ao sector público é possível estabelecer, desde já, um esquema suficiente, estruturado e realizável, que tenha em conta as características actuais da nossa situação e as vias pelas quais se deve iniciar o processo de recuperação económica.
A forma imperativa de indicação dos sectores a beneficiar do .investimento deve pertencer ao sector público, porque só ele poderá ordenar o sistema, no sentido de melhor utilização das riquezas nacionais, da absorção de mão-de-obra desempregada e do desenvolvimento dos sectores cooperativo e privado.
Mas, para além de tudo, nem seria necessário eliminar ou, reduzir a actividade do sector público, mesmo no referente à banca, para a iniciativa privada operar com segurança e eficácia.
Há que salientar que o funcionamento dinâmico dos sectores básicos da economia é sempre determinante de um funcionamento equilibrado do sector privado que, pelas razões já indicadas, não pode subsistir sem esse apoio.
Mesmo relativamente à banca nacionalizada, tão-pouco é necessária a sua reprivatização, inconstitucional, aliás, para apoiar e desenvolver formas de acção do sector privado. A banca, apesar de ter herdado uma estrutura velha e pouco ágil, está em condições de fácil apoio às iniciativas privadas.
Mesmo as exigências de adaptação da nossa economia à CEE, em tudo o que implica de adesão a uma economia de mercado, não exigiriam o afrontamento ao sector público que o Governo se propõe levar a cabo.
É elementar insistir no papel que o sector público pode desempenhar no potenciamento, por arrastamento, da economia, na sua globalidade, e, assim, do próprio sector privado.
Demais considerando que pode oferecer, através do «u enquadramento pelo Plano, como é de exigência constítucional, um quadro de referência, a prazo, que pode reduzir significativamente as condições de incerteza da actividade do empresário privado.
O sector público, funcionando de acordo com objectivos sociais, designadamente de emprego, raciona utilização de recursos nacionais, estabilidade de preços, contribui, decisivamente, para a própria viabilização e expansão do sector privado.
O propósito anunciado no Programa para o sector privado não é -isto torna-se evidente o investimento, a produção, o desenvolvimento da economia.
É, antes, a subversão do nosso sistema económico, no sentido da recomposição de grandes meios de riqueza na titularidade e gestão dos grupos monopolistas.
A tal subversão da nossa vida económica seguir-se-á a subversão da vida política, com graves ameaças à liberdade, à democracia e aos interesses legítimos do povo português.
O MDP/CDE denuncia o risco e responsabiliza o actual Governo e as forças políticas que o apoiam pelos danos que pode sofrer o Estado democrático.

Tenho dito.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Desejaria consultar a Assembleia sobre o seguinte: os tempos disponíveis para os partidos e para o Governo - se bem que o Governo e o PS tivessem já esgotado os tempos, podendo ainda usar da palavra, imputando o tempo despendido no período de amanhã - é de duas horas.
O Partido Socialista, não obstante ter já esgotado o seu tempo, como referi, ainda pretende fazer intervir um orador, pelo que é previsível que a sessão dure ainda cerca de duas a três horas.
Se a Assembleia não visse nenhum inconveniente, prosseguiríamos, sem interrupção dos trabalhos.
Era sobre este ponto que gostaria de ouvir, muito rapidamente, o Governo e cada um dos partidos. Se não houver oposição, como me parece ser o sentimento da Câmara, continuaremos ininterruptamente.
Tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Oliveira.

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Sr. Presidente, suponho que houve uma troca de opiniões entre os vários partidos e o Governo no sentido de se propor que não abdicássemos, apesar da importância da discussão do Programa do Governo, do jantar. Do nosso lado, é essa a ideia.

Risos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Pela minha parte e da parte dos meus colegas da Mesa aceitamos qualquer sugestão. De qualquer modo, penso que, se vier a haver uma interrupção, ela terá de ser de uma hora e meia a duas horas, o que levará o termo do debate de hoje para a 1 hora da manhã.
A alternativa? é a de se continuar até cerca das 23 horas, ou interromper, e, depois, prosseguir os trabalhos.
Tem a palavra o Sr. Deputado Castro Caldas.

O Sr. Castro Caldas (PSD): - Sr. Presidente, de uma curta reunião havida entre todos os partidos e os membros do Governo, existe o consenso de se fazer um intervalo muito curto, e não as duas horas que o Sr. Presidente refere.

O Sr. Presidente: - V. Ex.ª chama curto intervalo a que período de tempo?

O Sr. Castro Caldas (PSD): - A uma hora e meia, Sr. Presidente.

Risos gerais.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, dada a boa disposição da Câmara e havendo esse consenso, fica o compromisso de que o intervalo para jantar será rigorosamente de hora e meia. Pela parte da Mesa, garanto que, daqui a hora e meia, ela estará no seu lugar.
Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Roseta.

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Sr. Presidente, ia propor que se interrompesse a sessão só às 20 horas e 30 minutos, para reabrir às 10 horas, se não houvesse objecções.

O Sr. Presidente: - Certamente, Sr. Deputado. Aproveito o momento para informar a Câmara de que o Presidente da Assembleia da República me

Página 135

16 DE JANEIRO DE 1980 135

pediu para solicitar a comparência dos representantes dos grupos parlamentares no seu gabinete amanhã, às 9 horas e 30 minutos, para se tratar da recepção a uma delegação do Parlamento Sul-Coriano, em visita à nossa Assembleia, na próxima sexta-feira.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Sousa Tavares.

O Sr. Sousa Tavares (Indep.): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Ministros: É cem a maior honra e com o maior prazer que me dirijo pela primeira vez, desta tribuna em que me encontro, à Assembleia dos representantes do País.
Cabe-me, em nome dos reformadores, fazer uma breve apreciação ao Programa do Governo.
É evidente que não vou nesta minha intervenção focar todos os problemas que se inserem no Programa do Governo, nem vou desenvolver todos os nossos pontos de vista, que, por vezes e em alguns pormenores, não são inteiramente coincidentes.
Em todo o caso, devo dizer que considero este Programa do Governo o menos demagógico que até hoje me foi dado ler em todos os Programas dos Governos apresentados até agora a esta Assembleia da República.

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Muito bem!

O Orador: - O Programa, se não é inteiramente concreto, como aqui tem sido dito, é, pelo menos, um Programa de intenções concretas. E na forma sucinta como apresenta os problemas e na forma clara como manifesta as suas intenções, o Governo declara uma política que nós inteiramente subscrevemos: uma política que é feita da observação da realidade nacional, da sua problemática e da necessidade de acabar de vez com discussões estéreis sobre a constituição do Estado e do País e conseguir uma política real que diga qualquer coisa de real à população portuguesa.
É bom começarmos por examinar a situação económica e financeira do País. Sobre isto, tem-se ouvido aqui, hoje, uma longa discussão em que fundamentalmente vários pontos de vista, por vezes coincidentes e outras vezes opostos mesmo manifestados por bancadas opostas - , representam uma complicação intelectual por vezes difícil de destrinçar. Assim, para alguns partidos a situação económica é desgraçada. Parece que foi essa a posição tomada pelo PCP, que declarou que isso se devia ao pacto com o FMI, que e em tempos tinha combatido.
Da mesma maneira, os partidos da maioria governamental entendem, e penso que com uma certa razão, que não é brilhante a situação económica e financeira do País. O Partido Socialista parece que não tem exactamente essa noção e parece encontrar que houve sérias melhorias em vários elementos da nossa economia e da nossa situação financeira. Vale a pena, quanto a mim, fazer um relativo exame dos elementos positivos e dos elementos negativos da nossa situação económica e financeira.
Fala-se muito do equilíbrio relativo da balança de pagamentos correntes e da enorme revalorização das reservas de oiro. Ora, quanto a mim, essa situação representa uma situação apenas favorável sob o ponto de vista estritamente financeiro e não sob o ponto de vista económico.
Em primeiro lugar, dois dos elementos fundamentais que concorreram para a melhoria da balança de pagamentos correntes são elementos adjacentes a uma estrutura económica sã: refiro-me às remessas dos emigrantes e à extrema valorização das receitas turísticas, favorecida pela desvalorização deslizante do escudo. É de notar que ambos estes elementos dependem de circunstâncias exteriores que é difícil, se não impossível, ao Estado Português controlar. Nomeadamente, quanto à «caixa de Pandora» dos capitais da emigração é por de mais conhecido o seu carácter aleatório e dependente da sanidade de economias que, de certa mamara, se encontram neste momento em crise.
Da mesma forma, as receitas do turismo dependem, directa ou indirectamente, da prosperidade e do bem-estar das classes trabalhadores dos países de economia ocidental.
Por outro lado, a ameaça de uma enorme subida dos custos do petróleo, já aqui citada, pode no próximo ano modificar toda a estrutura favorável da balança de pagamentos. A agressividade através da desvalorização de certos produtos do comércio exportador deverá ter atingido o se o limite, pelo que não é de esperar novas melhorias substanciais na balança comercial.
Tudo concorre, pois, para, em face da fragilidade dai melhoria financeira, ser audacioso e falaz fadar de circunstâncias favoráveis à melhoria generalizada das condições de vida do povo português.
Apenas uma coisa é verdade: é que o enorme sofrimento consentido pelas classes trabalhadoras, nos últimos anos, e a aplicação de medidas restritivas, desde a redução efectiva do poder de compra dos salários até ao travão no desenvolvimento e no investimento criador, conseguiram reconstituir, em termos menos favoráveis, é certo, uma parte da situação financeira que a Revolução destruiu desde 1974 a 1976.
O enorme erro então cometido nesse triénio teve várias raízes e fundamentações: a demagogia, o idealismo económico-político de finalidade colectivista, o falso messianismo imponderadamente ligado à ideia socialista e à realidade do Estado.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A linha de actuação económica desde Abril de 1974, pelo menos até ao I Governo Constitucional, exerceu-se com duas dominantes: um aumento súbito dos salários nominais e do consumo generalizado e a destruição sistemática e improvisada das estruturas de produção para, sobre essa destruição, ser possível a montagem do Estado burocrata e produtor.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Quer se queira quer não, a síntese a política económica desde 1974 a 1976 obtém-se unicamente pela imagem de um alargamento idiota do consumo em face de uma diminuição grave e sensível da produção, financiado esse consumo pelas reservas financeiras do Estado.
Rapidamente chegámos à ruína financeira, a somar à pobreza produtiva de que já tínhamos o apanágio. O acto criminoso de um incitamento ao consumo,

Página 136

136 I SÉRIE - NÚMERO 5

ligado a uma paralisação ou mesmo a uma destruição parcial da produção, motivou com enorme percentagem a terrível crise económica em que a Nação ainda hoje se debate.
Recusa, e bem, o Governo actual a repetição do erro demagógico do início da Revolução. A melhoria do bem-estar do povo português só pode fundamentar-se num aumento da capacidade produtiva, desde a agricultura à indústria e desde o comércio ao sector dos serviços.

O Sr. Carlos Macedo (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Nenhuma ideologia pode substituir esse aumento da capacidade produtiva. Apenas o Estado poderá utilizar a situação financeira actual para relançar o investimento, diminuir a taxa de inflação e permitir o reequipamento industrial, que começa a ser obsoleto.
As empresas públicas têm sido, quer se queira quer não um dos grandes cancros da economia portuguesa. O saneamento do sector empresarial do Estado é a obrigação primeira de um Governo que pretenda empreender a restauração do País. Não vale a pena, como disse o Dr. João Cravinho, continuarmos a «discussão estéril de sector público ou de sector privado. O que vale a pena é verificarmos até que ponto o sector público tem sido uma mola negativa da nossa economia, tem provocado um abaixamento progressivo do nível de vida das classes trabalhadoras e tem impedido qualquer recuperação económica.

Vozes do PSD e do PPM: - Muito bem!

O Orador: - Se não se sanear o sector público não há recuperação possível da economia portuguesa.

Vozes do PSD e do Sr. Ferreira do Amaral (PPM): - Muito bem!

O Orador: - Sempre defendemos que uma política social só poderia ser empreendida através de um investimento público de carácter reprodutivo e pela intervenção do Estado em sectores cuja carência representam elementos terrivelmente negativos no quadro da produção nacional. Refiro-me em especial à agricultura, à habitação, à navegação e às pescas. Desde a primeira hora da Revolução que a minha voz se elevou ao lado de outras clamando que as grandes reservas financeiras do Estado Português fossem aplicadas na melhoria concreta da situação do povo português, através da contemplação destes quatro problemas fundamentais, acrescendo ainda os problemas fundamentais da saúde e da educação.

O Sr. Carlos Macedo (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Preferiu-se, pelo contrário, lançar as classes trabalhadoras na avidez de um consumo idiota baseado numa importação maciça de bens comerciais, financiados pelas reservas financeiras do Estado.

O Sr. Bento Gonçalves (PSD): - Muito bem!

O Orador: - A situação foi a de que hoje temos salários reais inferiores aos de 1973; mas temos, a par disso, um grande punhado de conquistas da Revolução.

Risos do PSD e do CDS.

Perante o problema da agricultura, da habitação, da navegação e das pescas, que seriam problemas de investimento rapidamente reprodutivo, considero que essas são as prioridades fundamentais de investimento económico e social de um Governo preocupado com a situação concreta do povo português.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador - É extraordinário que raramente se oiça falar nesta Sala, aquando das discussões dos Programas dos Governos, dos problemas da navegação e das pescas. O problema da navegação em Portugal cifra-se em milhões de contos de prejuízo anual em empresas completamente insalváveis e completamente inadministráveis e todo um sector de trabalho praticamente abandonado e praticamente incapaz de reproduzir qualquer espécie de riqueza. Ora, tanto esse serviço da navegação como o das pescas poderiam ser um elemento fundamental na produção portuguesa se tivessem qualquer pensamento económico de Governo a sustentá-los, o que até aqui não tem acontecido.

O Sr. Sanches Osório (CDS): - Muito bem!

O Orador: - Da mesma forma, a habitação. Se as reservas financeiras do Estado Português tivessem sido investidas em resolver o problema da habitação do povo português, certamente a nossa situação económica seria diferente, como seria diferente a situação de vida do povo português, que hoje em dia, em grande parte em mais de 25 % da população, não tem condições de habitação sequer dignas.
Pois não foi isso o que se fez. Lançou-se todo um somatório de imensas reservas financeiras na protecção ao consumo e na garantia de um consumo inadequado ao nível da riqueza produtiva do País, esquecendo as prioridades fundamentais do povo e, inclusivamente, as molas reais de desenvolvimento, que seriam um impulso extraordinário dado ao problema da habitação, como teria sido, igualmente, um impulso extraordinário dado ao desenvolvimento racional e produtivo da agricultura. Tudo isto foi ultrapassado por preocupações ideológicas que falsearam as verdadeiras soluções, as soluções concretas que o povo ambicionava, as soluções que o povo esperou dos políticos, que esperou da Revolução, e em que foi infelizmente e violentamente enganado.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Para nós, reformadores, impõe-se a selecção dos investimentos básicos. Nós não aceitamos que o Estado continue a investir dezenas e centenas de milhões de contos em investimentos de indústria básica perfeitamente discutíveis à luz da economia mundial no momento presente, sem capacidade de reprodução rápida no mercado de trabalho, absorvendo uma mão-de-obra restrita e de reprodutividade absolutamente discutível.

Vozes do PSD e do PPM: - Muito bem!

Página 137

16 DE JANEIRO DE 1980 137

O Orador: - Tem sido esses investimentos básicos a «menina-dos-olhos» de todos os Governos que se tem sucedido neste país. A megalomania das soluções tecnocratas e a megalomania de muitas das entidades que superintendem em diversos serviços do Estado e que, de Governo para Governo, seja qual for a sua índole desde os Governos fascistas passando pelos gonçalvistas, socialistas e até aos últimos Governos que nos governaram -, dominam em grande parte as soluções da Administração Pública em todos os seus campos. Esse império da tecnocracia a que há bocado alguém se referiu aqui, pela necessidade, talvez, de enviar comissários políticos para determinadas entidades da Administração Pública..., não chegarei a esse ponto mas direi que é preciso, com certeza, rever a fórmula como estamos a ser administrados e como estão a ser investidas as poucas reservas que o País possui e, inclusivamente, como, em grande parte, está a ser comprometida a possibilidade de um desenvolvimento harmónico e rápido, capaz de dar satisfação às necessidades urgentes do povo português.

Vozes do PSD e do PPM: - Muito bem!

O Orador: - Da mesma maneira, optamos claramente pela indústria transformadora contra a indústria básica. Somos partidários da multiplicação de indústrias transformadoras exigindo pouco investimento de capital, exigindo uma mão-de-obra intensiva, e, portanto, repudiamos a megalomania dos grandes planos num continente saturado de indústrias básicas, onde em grande parte das grandes nações, estão sendo abandonados alguns projectos de indústrias básicas e onde, apesar da nossa pobreza, Portugal é um dos pequenos países com maior percentagem de indústrias básicas. Cremos, portanto, que se atingiu o limite económico rentável da indústria básica em Portugal e que, pelo contrário, todo o esforço governamental deve incidir no sentido da multiplicação das pequenas indústrias transformadoras, que rapidamente poderão fornecer um mercado de mão-de-obra, multiplicar a riqueza nacional e favorecer a entrada de Portugal no Mercado Comum.
Queria referir-me também ao pensamento dos reformadores em matéria de indemnizações. Nós entendemos que na situação actual do Estado Português é difícil, a qualquer Governo, encarar o pagamento e a liquidação de indemnizações em espécie ou mesmo em empréstimo. Entendemos que deve ser ressuscitada a lei proposta por Artur Santos Silva, aquando da sua passagem pelo VI Governo Provisório e na altura em que o Ministro das Finanças era o Dr. Salgado Zenha, em que se propunha, tanto quanto possível, uma liquidação das indemnizações através dos direitos de investimento em empreendimentos de carácter económico útil para o Estado. Essa mesma lei foi mais tarde aqui liquidada pelo próprio partido que a tinha proposto, mas nós entendemos que esse problema deve ser reconsiderado, porque essa é a única maneira de, com justiça e com utilidade económica, fazer face ao grave problema das indemnizações que há cinco anos se arrasta sem solução.

Uma voz do PS: - É falso!

O Orador: - Pensamos que não é possível restaurar nem a Nação nem a economia portuguesas sem uma recuperação total dos serviços e da máquina do Estado; pensamos que a reforma administrativa e a reforma da burocracia estatal, o ressurgimento e a ressurreição de uma verdadeira carreira de serviço público, são imprescindíveis para se poder dotar o Estado daquela máquina de actuação que actualmente não possui. Hoje em dia toda a actuação do Estado esbarra, por sistema, em obstáculos de carácter burocrático, na incompetência generalizada e na falta de noção de sacerdócio do serviço público.
Entendemos, portanto, que é fundamental e prioritário, para qualquer tentativa de restauração do Estado Português, a restauração dos serviços públicos e da carreira burocrática em Portugal.
Pensamos, inclusivamente, que é preciso criar uma nova mentalidade no Estado. Não podemos continuar a ser subjugados pela mentalidade macroeconomista e a pensar que é só na equação dos grandes problemas, formulados abstractamente, que se pode encontrar a solução concreta dos problemas nacionais; pensamos que, pelo contrário, um governo e uma administração dinâmicos, todos os dias resolvendo os problemas concretos da Administração Pública, poderão ser muitíssimo mais eficientes do que todo o pensamento macroeconómico que, infelizmente, é sempre contraditório e tem sempre várias posições em contraste diante de si.
Somos finalmente partidários da iniciativa particular. Tem-se gerado nesta discussão um eterno equívoco acerca da constitucionalidade ou da inconstitucionalidade da posição que apela para a restauração da economia particular. Digamos que ao Partido Socialista cabe fundamentalmente a responsabilidade de, perante a Nação, vir a dirimir um sistema económico em que pretendemos viver.
Julguei eu, como julgámos muitos portugueses, que no dia em que tinha optado pela Europa essa opção tinha ficado clara. Penso que, de facto, ficou clara, mas infelizmente e constantemente na discussão, pelo menos para muitos elementos do Partido Socialista: normalmente a confusão gera-se de novo e há sempre uma saudade ou um apelo às fórmulas colectivistas da produção. É preciso que esse saudosismo ou esse sentimentalismo sejam de, uma vê? para sempre, definidos e clarificados.
Precisamos de um sistema económico claro; precisamos de, dentro das possibilidades que a Constituição nos oferece, lançar as bases de um investimento nacional, as bases de uma indústria transformadora a sério e as bases de uma riqueza multiplicada. Ora, o investimento, a indústria transformadora e a multiplicação da riqueza só se obterão pela iniciativa particular e nunca pelo motor do sector público da economia.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - O sector público da economia pode responder a determinadas necessidades básicas, pode inclusivamente ser até absolutamente necessária a intervenção do Estado em sectores que actualmente a não têm, mas cabe ao Estado uma missão supletiva. cabe sempre ao Estado uma missão de serviço nacional e cabe ao Estado não uma obrigação ideológica de nacionalizar sectores mas de pôr os sectores nacionalizados ao serviço do interesse nacional. Portanto,

Página 138

138 I SÉRIE - NÚMERO 5

não invertamos os termos: as coisas não são boas por serem nacionalizadas mas são nacionalizadas para serem boas.

O Sr. Ferreira do Amaral (PPM): - Muito bem!

O Orador: - Se não conseguem ser, não podem continuar a ser nacionalizadas.

Aplausos da maioria parlamentar.

Sabemos que esta hipoteca tem pesado na economia portuguesa nestes últimos cinco anos de uma forma lancinante e que continua por definir; sabemos que tem conduzido avarias derrotas governamentais; sabemos que tem conduzido a verdadeiros paradoxos mentais; sabemos que continua a ser indefinida doutrinariamente e a ser um problema essencialmente de carácter sentimental. Sabemos que no prazo, pelo menos, de um ou dois anos a definição deste problema é1 uma definição que tem que ter um carácter nacional, total, democraticamente encontrado e que temos que encontrar, de facto, um sistema económico que reúna o aplauso da maioria, mas da grande maioria, do povo português.

Vozes do PSD e do CDS: - Muito bem!

O Orador: - É a isso que penso que se dirige o esforço do actual Governo. Não é, de maneira nenhuma, em violar a Constituição mas é em ter compreendido que, sem ressurreição e sem incentivação do sector privado, não há possibilidade de restauração económica do País. É tarde demais, ao fim de cinco anos, para continuarmos a acreditar que é através do sector público e dos burocratas do mesmo sector que se pode restaurar e fazer a felicidade em Portugal.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Não acreditamos nisso e as classes trabalhadoras também em devido tempo, começarão a não acreditar, apesar de estarem demasiadamente mistificadas pelo social-colectivista.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Para terminar a minha intervenção, devo dizer que os reformadores estão essencialmente ao lado deste Programa do Governo, embora seja um Programa que, em muitas situações e em muitos casos, não atinge o concreto das nossas soluções, como seja em relação ao problema da habitação e ao problema da saúde, que nós quereríamos ver mais longe e mais explicitados. Inclusivamente defendemos uma nacionalização dos solos urbanos, defendemos a municipalização total dos planos de urbanização e entendemos que só .numa visão conjunta deste problema é possível resolver rapidamente o problema da habitação em Portugal. É preciso deslocar definitivamente das alfurjas camarárias o negócio dos planos de urbanização em que entram, e ao fim de cinco anos, depois de se pagar largamente toda uma teia de funcionários, uma pessoa consegue fazer um largo negócio de urbanização. É preciso, pois, que o negócio se desloque da urbanização para a construção, para as empresas industriais de construção, onde deve estar situado, e que devem ter sempre à sua disposição, postos pelas entidades públicas, terrenos devidamente urbanizados. Esse será o primeiro passo para resolver o problema da habitação em Portugal.

O Sr. Bento Gonçalves (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Este é um problema urgente. Penso que cabe ao actual Governo, nestes nove meses, lançar as bases da sua solução.
A gratidão que o povo português por ele terá será incomensurável, porque fartos de promessas andamos nós, Portugueses, e no dia em que for resolvido um problema como o da casa para cada um de nós e para os nossos filhos, esse Governo 'bem merecerá da Nação e terá justificado o seu acesso ao Poder e a sua continuação nesse mesmo Poder.

Aplausos da maioria parlamentar.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, informo que foram apresentados os seguintes pedidos de ratificação: do Sr. Deputado Rui Pena, relativamente ao Decreto-Lei n.º 513-Q/79, de 26 de Dezembro, que estabelece o regime jurídico das sociedades de advogados-ratificação n.º 174/I; da Sr.ª Deputada Maria Alda Nogueira, relativamente ao Decreto-Lei n.º 348/79, de 29 de Agosto, que cria o Conselho Nacional do Ensino Artístico - ratificação n.º 175/I; do Sr. Deputado Veiga de Oliveira, relativamente ao Decreto-Lei n.º 466/79, de 7 de Dezembro, que aplica à administração autárquica o regime dos Decretos-Leis n.º 191-C/79 e 191-F/79, respectivamente de 25 e 26 de Junho - ratificação n.º 176/I; e do Sr. Deputado Veiga de Oliveira, relativamente ao Decreto-Lei n.º 494/79, de 21 de Dezembro, que cria as Comissões de Coordenação Regional do Ministério da Administração Interna - ratificação n.º 177/I.
Srs. Deputados, os nossos trabalhos recomeçam às 22 horas e, nessa altura, darei a palavra ao Sr Deputado Jerónimo de Sousa, seguindo-se a Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura.

Estão suspensos os nossos trabalhos.

Eram 20 horas e 30 minutos.

O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão. Eram 22 horas e 20 minutos.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção tem a palavra o Sr. Deputado Jerónimo de Sousa.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Sr Presidente, Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro, Sr. Ministro da Administração Interna: No sector do trabalho, o Programa agora em debate é bem a imagem deste Governo, assim como daquilo que pensa e pretende fazer em relação aos direitos e conquistas dos trabalhadores portugueses.
Para além das generalidades e dos lugares-comuns que estão espalhados por quase todo este capítulo, a verdade é que sempre que o Governo fala de coisas. concretas as conclusões são profundamente preocupantes.
Uma coisa se pode afirmar desde já.

Página 139

16 DE JANEIRO DE 1980 139

Não é um Programa original! A sua fonte de inspiração e os objectivos a que se propõe assentam basicamente nas tentativas ou experiências legislativas desastrosas que foram acentuadas durante o consulado Mota Pinto.
Nas declarações de intenções que vão desde a democracia participada ao diálogo, que falam da independência das organizações dos trabalhadores até à resolução dos problemas das mulheres, dos deficientes, dos trabalhadores rurais, dos jovens, etc., o menos que se poderia dizer era que com estas declarações se procura esconder a demagogia de um Governo limitado no tempo e na base social que o apoia. É que quando o Programa aponta questões concretas, as generalidades e os lugares comuns desaparecem para pôr a claro a definição dos objectivos saudosistas que animam este Governo.
Mas já que se refere o diálogo, a democracia participada e a justiça social, é importante recordar que à frente dos Ministérios do Trabalho e da Indústria e Tecnologia estão neste momento as mesmas personalidades, como se vê muito «independentes», que ocuparam as referidas pastas no tempo do Governo Mota Pinto. Nesse tempo, o diálogo e a justiça social foram as cargas da GNR e PSP sobre es trabalhadores da Jacinto, da PREH, da Uniteca, da Tripla e da indústria do calçado a mando dos patrões e com a cobertura do MIT e do Ministério do Trabalho.
Quem desintervencionou à pressa a Corame, deixando 300 trabalhadores sem salário e levando a empresa praticamente à ruína? Quem assinou o parecer favorável ao despedimento de centenas de trabalhadores da multinacional ITT - Standard Eléctrica? Quem deu cumplicidade, ou, pelo menos, silenciou a repressão e os despedimentos na Molaflex, na Sorefame, Lusalite, Sugal, Fiação da Crestuma, Cabos Ávila, TLP e em tantas outras empresas? Quem propôs e aprovou um conjunto de leis antioperárias visando a liberalização dos despedimentos, o agravamento da situação dos trabalhadores em regime de contrato a prazo, a restrição de direitos e regalias como férias, feriados e falta?, o bloqueamento administrativo da contratação colectiva, etc.? Em que Governo e quais as personalidades que mais impuseram a degradação do poder de compra e dos baixos salários aos trabalhadores e ao povo português?
Os homens não mudaram e não mudaram as vontades e objectivos da política desses homens, objectivos è política que visam a repressão da liberdade sindical, o aumento da exploração e os lucros do grande patronato. Por isso, quando no Programa se lê que a legislação do trabalho se encontra dispersa, que lhe falta coerência, clareza e eficácia, propondo-se por isso a sua revisão parcial ou global, tudo indica que o Governo se prepara para retomar o pacote laboral de Mota Pinto atendendo às reivindicações inconstitucionais da CIP e do grande patronato.
Outra nota pouco original que aparece neste Programa é a criação de uma comissão de conciliação e arbitragem no âmbito do Ministério do Trabalho, já tentada pelo actual titular do respectivo Ministério, no tempo de Mota Pinto. É sabido que os resultados das tentativas de resolução por via de conciliação dos conflitos laborais não ultrapassam os 10% a 15%. Mesmo quando isso acontece, o trabalhador sai sempre prejudicado devido à desigualdade económica e social e ao tripartismo desequilibrado a favor do patronato.
Por que razão não procura antes o Governo dotar os Tribunais de Trabalho de instalações e meios condignos, assim como a formação de funcionários especializados e a nomeação de juízes que permitam o aceleramento dos processos?
Só que neste como noutros casos, falta ao Governo a vontade política para resolver os problemas dos trabalhadores. Esse Governo, naturalmente mais preocupado com a defesa dos interesses do grande patronato, manterá, por isso, uma máquina judicial mal apetrechada e pouco expedita, para por essa via, desincentivar o recurso aos tribunais e favorecer assim as violações patronais dos direitos e garantias dos trabalhadores.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Esta espécie de crivo que o Ministério do Trabalho pretende criar inscreve-se nesta linha e vai resultar na prática num ainda mais largo adiamento da resolução dos conflitos. Nem nos tempos do corporativismo fascista esta experiência resultou.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: curioso verificar que repetidamente se afirma a intenção do Governo em adaptar as nossas relações de trabalho às dos países da Europa Ocidental e às convenções e normas da Organização Internacional do Trabalho. No entanto, a única coisa que de concreto sobressai é que não haverá redução legal da duração de trabalho e que a única via que este Governo encontra para o aumento da produtividade é a das maiores cargas e ritmos de trabalho, ou seja, é a da maior exploração dos assalariados.
A concretizar-se a revisão da legislação que permita uma maior liberalização dos despedimentos, o agravamento das condições dos trabalhadores com contratos a prazo, assim como a restrição ao direito de férias, feriados e faltas, chega-se à conclusão que para este Governo, quando se trata de salários, horários de trabalho, regalias sociais, apoio aos reformados e desempregados, o exemplo dessa Europa e das convenções da OIT não serve. Querem antes a Europa dos monopólios e dos milhões de desempregados. Querem antes o fim do direito à greve, como está expresso na Constituição. Querem destruir o contrôle de gestão, limitar a liberdade sindical, querem liberalizar os despedimentos, aumentar a exploração sobre os trabalhadores e manter disponível um exército de mão-de-obra barata.

Vozes do PSD e do CDS: - Não apoiado!

O Orador: - Querem, enfim, em nome da Europa, destruir as conquistas dos trabalhadores e do povo português, alcançadas, materializadas e defendidas após o 25 de Abril.

Aplausos do PCP.

Para este Governo o modelo externo é tudo, desde que sirva o grande capital; os interesses dos trabalhadores são pouco ou nada. Para este Governo, o que conta não é a realidade portuguesa o que conta são as imposições dos modelos estrangeiros.

Vozes do PSD: - Não apoiado!

Página 140

140 I SÉRIE - NÚMERO 5

O Orador: - Não é por certo a falta de imaginação que explica uma tal obsessão pelo modelo europeu; o que a explica é a disposição política deste Governo para se submeter aos ditames da Europa monopolista.

O Sr Bento Gonçalves (PSD): - É preciso ter descaramento!

O Orador: - Digamos, por último, que a intenção por parte do Governo em apresentar a esta Assembleia propostas de revisão do regime jurídico vigente sobre associações sindicais é mais um factor de profunda preocupação para os trabalhadores e para as suas organizações representativas. Muitas foram as vezes em que nesta Assembleia os Grupos Parlamentares do PPD e do CDS apoiaram fortes restrições ao direito de greve e da liberdade sindical e grande foi o desespero dos partidos que aqui apoiam o Governo para tentar a não aprovação dai lei da protecção contra os despedimentos de dirigentes e delegados sindicais e de membros de comissões de trabalhadores.

Vozes do PCP: - Muito tem!

O Orador: - Porque nesta matéria os objectivos políticos do PPD e do CDS não mudaram, porque dispõem agora do seu Governo, há razões para que os trabalhadores se sintam ameaçados no direito à liberdade de organização sindical.

Vozes do PSD: - É falso!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Nos debates de outros programas, aqui, nesta Assembleia, muitas foram as vezes em que. os Deputados comunistas manifestaram as suas críticas, apresentaram propostas para a resolução da crise, denunciaram e deram o seu combate à política de submissão ao FMI e ao imperialismo, à recuperação capitalista e agrária praticada pelos Governos anteriores. Afirmámos nesses debates que qualquer Governo teria de governar com os trabalhadores e nunca contra eles, com as suas conquistas e direitos, no respeito pela Constituição e pela defesa do regime democrático. Não o fizeram e fracassaram. Não o fizeram e os problemas nacionais não se resolveram enquanto os trabalhadores viram piorar as suas condições de vida e de trabalho.
Hoje, mais uma vez, o PCP denuncia os objectivos de um Programa e de um Governo com ideias velhas que irão agravar as condições de vida dos trabalhadores e do povo português, que propõem como única mudança o ataque à Constituição e a destruição do regime democrático.

Vozes do PSD: - Não apoiado!

O Orador: - A luta dos trabalhadores portugueses pela melhoria das condições de vida e de trabalho foi cimentada nos duros tempos da ditadura fascista, foi reforçada depois do 25 de Abril e continuará para além deste Governo. Mas para além da luta reivindicativa eles ganham cada vez mais consciência de que a defesa do regime democrático e do projecto de vida que a Constituição da República aponta assumem neste momento o papel de tarefa prioritária face a um governo que pretende destruir as conquistas e os valores do 25 de Abril.
Lutando no concreto pelas suas mais sentidas reivindicações, os trabalhadores da indústria e dos serviços não esquecerão, no entanto, a solidariedade aos seus companheiros da Reforma Agrária, estarão na primeira linha da defesa das nacionalizações e do contrôle de gestão e saberão impedir que a Lei Fundamental seja pervertida por este Governo.

Aplausos do PCP.

O Partido Comunista Português, mantendo-se firme na oposição ao pior Governo depois do 25 de Abril, reafirma aos trabalhadores portugueses a sua confiança e a sua certeza de que com cies, e ao lado de outras forças democráticas, tudo fará para que não haja mais o retrocesso ao 24 de Abril.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Este Governo de ideias velhas, limitado no tempo e na sua base social de apoio, não conseguirá destruir as conquistas de Abril nem o regime democrático, porque contra ele terá a resistência e a luta das massas trabalhadoras e do povo português em geral disse.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura.

A Sr.ª Helena Cidade Moura (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Ministros: Em nome do MDP/CDE, fizemos, na 1." sessão de, apresentação do Programa deste Governo à Assembleia da República, algumas perguntas fundamentais que nos fornecessem um contexto lógico que nos permitisse uma análise crítica.
Não gostaríamos de ter lido as intenções, pelas quais outros se responsabilizam, e por outros enunciadas, à luz do nosso próprio quadro de objectivos.
As perguntas por nós feitas, ouvidas, num entendimento superficial, obtiveram apenas respostas formais, em nada elucidativas.
Preferíamos discordar, tendo entendido perfeitamente o nosso adversário, já que somos democratas e dialogantes.
Esse mesmo desejo de diálogo levou-nos agora a uma leitura minuciosa dos parágrafos consignados ao problema da educação, no esforço pedagógico de seriedade científica que o Programa pretende. Percorremos, em consequência, um deserto de intenções, onde as acções não estão explícitas e que se revelou um verdadeiro obstáculo às relações democráticas entre o Governo e o povo português, em matéria tão generalizada e tão larga participação social como é a educação.
De facto, o Programa, redigido sem respeitar as normas de uma linguagem correcta e clara, não enuncia os problemas prioritários a resolver, furta-se à quantificação dos problemas e à definição de metas a atingir.

Página 141

16 DE JANEIRO DE 1980 141

Entre o que se omite e restringindo-nos as questões fundamentais - não se aflora sequer o problema das verbas a utilizar nas despesas públicas com a educação. Dado importante para considerarmos a viabilidade das intenções apontadas e a consistência das políticas, se verificarmos, por exemplo, que em percentagem do produto nacional bruto as despesas de educação passaram de 1,9% em 1970 para 4,1% em 1975 e 4,5% em 1977, caindo depois para 2,5% com o orçamento do Governo Mota Pinto.
A intenção de promover o direito à educação, princípio constitucional, que o Programa refere, como se concretizará?
Portugal é o único país europeu com seis anos de obrigatoriedade escolar não cumprida. Não é precisa a taxa de efectivação dessa escolaridade, mas sabe-se que 20 % das crianças matriculadas não ultrapassam a 4.ª classe.
Será que se vão criar condições para a extinção do regime triplo no ensino primário e condições de homogeneidade no ensino básico, passando os 5.º e 6.º anos de escolaridade a uma única via de ensino directo, desaparecendo assim discriminações institucionais que acompanham as discriminações sócio-económicas?
Que apoio se vai conceder às famílias sem recursos financeiros para que estas possam prescindir do trabalho precoce das crianças, cumprindo a obrigatoriedade, mesmo onde ela é praticável?
Que apoio social escolar se vai conceder em transportes, alimentação, habitação para aqueles que vivem longe dos centros escolares? Qual vai ser a acção do IASE?
A aproximação de Portugal dos restantes países europeus, intenção expressa no Programa, implica o alargamento, em prazo curto, do período de obrigatoriedade escolar para nove anos.
Quais são, neste ponto, os objectivos do Governo?
Vai propor uma solução científica e democrática, uma escola única de nove anos. ou. pelo contrário, contra o princípio de igualdade de oportunidades que o Programa afirma, vai criar vias diversificadas a partir do 7.º ano de escolaridade, voltando à cediça, ineficaz e cara discriminação ensino liceal/ensino técnico?
Legislar sem efectivar como foi feito antes do 25 de Abril, é aumentar as desigualdades de oportunidade entre os Portugueses.
O aumento da escolaridade obrigatória trouxe exigências de graus académicos ao mercado de trabalho, e aqueles que vivem em zonas, e tantas são, em que as escolas são inexistentes ou insuficientes, só por esse facto são marginalizados.
A democracia exige verdade.
Quando o Programa fala em orientação educacional como meio de promover a igualdade de oportunidades, tem o Governo a consciência de que essa orientação se baseia no projecto de vida e na motivação social do indivíduo e que para isso é necessária uma base cultural mínima e a abertura de horizontes de participação social em que se inclui, como factor importante, a existência concreta de um mercado de trabalho diversificado?
A escola por si só não efectiva e princípio da igualdade de oportunidades.
A igualdade de oportunidades é um princípio fundamental, é um princípio constitucional, e, para além disso, é parte de um todo coerente, de um caminho
objectivado, é um marco da luta de todos os homens nas conquistas do essencial para a vida. Ê um princípio que nos exige o maior respeito, que não poderá ser formulado sectorialmente, superficialmente, sob pena de cairmos no farisaísmo.
Outro princípio fundamental que o Programa também formula como intenção é o da liberdade de ensino.
Como vai o Governo concretizá-lo?
Irá o Governo difundir uma rede escolar diversificada que possibilita a milhões de portugueses a escola livre que seja da sua escolha?
Quanto ao ensino superior, recusamo-nos a crer que os dois parágrafos a ele consagrados traduzem o essencial do pensamento dos responsáveis pelo sector: desejar que a orgânica institucional do ensino superior se actualize, que existam mecanismos de coordenação, é louvável, mas é verdadeiramente pouco.
Falar em cursos de pós-licenciatura sem uma palavra que os insira na discussão totalmente em aberto dos graus do ensino superior, é também frustrante! O numerus clausus, o ensino politécnico superior, a gestão das escolas, a reformulação dos currículos, os graus académicos, a adaptação às solicitações da produção, o equipamento dos laboratórios escolares são assuntos que o País desejaria certamente saber se preocupam o Governo.
A referência à investigação científica está redigida de forma ambígua, não ficando clara qual a estrutura administrativa que o Governo propõe para orientar e coordenar a investigação.
A importância do sector para o desenvolvimento do País e a multiplicidade de acções difíceis que é necessário promover e acompanhar justificariam bem uma Secretaria de Estado.
A criação no V Governo da Secretaria de Estado da Ciência foi certamente uma tentativa de dar resposta a esta necessidade.
Aumentar significativamente o rendimento dos gastos com a investigação é hoje a maior preocupação dos responsáveis pela política científica e técnica da maioria dos países, mesmo já fortemente industrializados, como a Bélgica, a Holanda, a Inglaterra e a França. Está o Governo consciente de que este é um ponto-chave para que a investigação possa estar à altura do desafio de inovação lançada à sociedade portuguesa, como o Programa louvavelmente afirma? Porque o não referiu então?
Outro ponto-chave é a ligação investigação-sistema de produção. Neste campo, a situação portuguesa é particularmente deplorável, salvo em áreas muito restritas.
Há que encontrar linguagem para que os dois sistemas comuniquem e áreas de comunicação estrategicamente bem situadas. Porque não referiu o Governo também este assunto?
E, finalmente, considera o Governo a investigação como um todo ou vai distinguir administrativamente investigação fundamental, investigação aplicada e desenvolvimento, cometendo-os a organismos diferentes?
Em todo o Programa referente à educação, importa assinalar, contudo, uma tendência implícita para minimizar, quase se poderia dizer para ignorar o papel fundamental do professor em todo o processo educativo. Um sistema educativo em que os grupos preferenciais sejam apenas a família e os alunos, corre o risco de não ser criativo e ser bastante ineficaz.

Página 142

142 I SÉRIE - NÚMERO 5

As condições de criatividade na escola nascem da sua dinâmica ligação ao meio. E neste contexto se insere a participação da família nas tarefas educativas, de tal modo que essa colaboração possa ser objectiva e não lance sobre a escola a angústia natural dos pais face ao futuro dos filhos. Os agentes directos, porém, da actividade na escola são os professores como todos os profissionais, é na escola que o professor realiza, no exercício da sua profissão, plenamente o seu natural desejo de intervenção social que Irá dar a totalidade da sua pessoa humana.
Se os pais e os alunos têm, segundo o Programa, direito à escolha dos modelos ideológicos que preferem, como se, omite esse direito quanto aos educadores?
Deverão os professores ser passivos, submissos, subordinados à escolha que para eles fizeram dos próprios valores culturais e ideológicos que eles terão de partilhar?
Não se pretende certamente com isso voltar ao tempo em que aos educadores se proibia (por meio de ordens de serviço e circulares) de tomar iniciativas, apesar de serem eliminados por via administrativa aqueles que eram suspeitos de não obedecerem a determinado modelo ideológico e a determinada cultura oficial?
Os professores, os educadores, terão, como todo e homem e toda a mulher, o direito à livre escolha ideológica e cultural. A sua acção educativa terá de ser vivida dentro dos princípios pedagógicos de respeito pelo correcto desenvolvimento da personalidade dos educandos e dos direitos humanos; mas o aluno será também habituado a respeitar a livre escolha do professor.
Este respeito mútuo que ajuda cada um a assumir-se tal como é serve de base a princípios educativos de que o Governo se reclama, tais como criatividade, liberdade, tolerância e eficácia.
Neste rejeitar a causa e desejar as consequências consiste uma das grandes contradições implícitas na vaguidade do Programa deste Governo.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, desculpe interrompê-la, mas é para chamar a atenção da Câmara, visto que me parece que a Sr.ª Deputada não está a ser escutada nas melhores condições, pelo menos aqui na Mesa mal conseguimos ouvi-la.

A Oradora: - Possivelmente porque o assunto não interesse a alguns Srs. Deputados.
Também os termos: restaurar, reconstruir, são de leitura difícil e não se entende a que época se referem.
A verdade é que com o 25 de Abril abriu-se também na educação uma nova dimensão que há que entender, remediar as muitas carências ainda existentes organizar, apetrechar e desenvolver, porquê a situação, sendo ainda muitíssimo precária, tem vindo a melhorar.
A relação, por exemplo, entre professores e alunos no ensino primário era em 1974 da ordem de l professor para quase 30 alunos a hoje (números de 1977/1978) é de l professor para 23 alunos.
Por outro lado; entre 1973/1974 e 1978/1979 quase duplicou a percentagem de professores com habilitação própria, apesar do recrutamento grande; que foi feito. Em 1973/1974, apenas 6000, na ordem dos 27 000, tinham habilitação própria; hoje, essa relação quase duplicou: em 43 000 professores, temos 20 000 professores diplomados.
O aumento de doutorados na Universidade Portuguesa foi espectacular nestes últimos cinco anos. Não é hoje possível estar a vida inteira à espera que e catedrático morra ou abra a cancela da licença para o assistentes prosseguir a sua carreira universitária.
Para além ao enorme aumento do número de professores doutorados, a libertação de cânones rígidos dos programas tradicionais e a aproximação das fontes vivas do conhecimento actual melhorou extremamente entre Í974 e hoje o nível científico e a actualização do ensino em muitas escolas superiores.
Não reconhecer o esforço feito em tantas escolas por tantos alunos e tantos professores é fazer uma análise insuficiente da realidade.
Bom teria sido que ao assumir as suas funções nova equipa ministerial não manifestasse, através de seu Programa, uma espécie de desconfiança apriorística em relação aos professores. São dezenas de milhares de homens e de mulheres com opções políticas e ideologias diversas que, embora mal pagos, mal considerados, em condições de trabalho em geral muito deficientes, continuam, na sua esmagadora maioria, a fazer o melhor que podem, assegurando, no meio das transformações sociais, um trabalho difícil, quotidiano e persistente.
É uma classe, profissional suficientemente ampla, respeitada nos seus sindicatos, com capacidade de diálogo e estatuto de intervenção reconhecida em toda a Europa e pela OCDE, mas não mencionada no Programa deste, Governo, que, no seu estilo cruzadista, se incapacita, para qualquer contacto com a realidade.
É esta, meus Senhores, uma parte das reflexões, compatível com o tempo que nos foi reservado, que e MDP/CDE desejaria enunciar sobre aquilo que no capítulo do Programa do Governo refere o sistema formal de ensino.

Aplausos do MDP e do PCP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Saias.

O Sr. Luís Saias (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Ë esta a primeira vez que na qualidade de Deputado me dirijo a esta Assembleia. Por isso, aproveito a ocasião para, publicamente, endereçar a V. Ex.ª, Sr. Presidente da Assembleia da República e a todos os Srs. Deputados, as minhas saudações.
Esta minha intervenção versará apenas sobre a parte do Programa do Governo que às Pescas se refere. De facto, o Partido Socialista pensa que as Pescas têm importância e especificidade suficientes para merecerem tratamento autónomo. Há hoje em Portugal a consciência do relevo que as pescas podem vir a ter no desenvolvimento da nossa economia, em que historicamente desempenharam sempre papel importante.
Aliás, a criação da Zona Económica Exclusiva das 200 milhas, oportunamente decretada por esta Assembleia, fez nascer esperanças legítimas e fundadas, mas que ainda não foram concretizadas. Ora, para que essas esperanças se concretizem, para que as pescas

Página 143

16 DE JANEIRO DE 1980 143

assumam o lugar que devem ter na economia nacional do futuro próximo, é necessário fazê-las sair da profunda crise em que se encontram e de que é sintoma evidente a alarmante degradação das capturas.
Acresce que as contínuas restrições no acesso dos nossos navios a pesqueiros tradicionais, sob jurisdição alheia, e a próxima entrada de, Portugal para a CEE são, entre outros, factores que tornam de extrema urgência traçar os rumos do futuro das nossas pescas.
Sem dúvida que, no que ao mar se refere, o facto mais importante da nossa época, a nível mundial, é o alargamento da jurisdição dos Estados ribeirinhos sobre largas faixas das zonas marítimas adjacentes aos seus territórios, e, a nível nacional, é a previsível integração de Portugal na CEE.
O impacte destes dois factos alargamento das jurisdições marítimas e entrada de Portugal para a CEE -, aliado às debilidades estruturais do sector, é de tal modo importante que «ao justificados os receios de que as nossas pescas sofrem um profundo colapso, irremediável no horizonte histórico previsível, se não houver da parte de quem governa a perfeita consciência da gravidade dos problemas em causa e a capacidade suficiente para planear e executar as medidas cautelares que se impõem.
Temos particular receio de que os negociadores por parte de Portugal às negociações de adesão à CEE ou não ponham o empenho preciso na defesa dos interesses pesqueiros nacionais ou tenham a tentação de se servir da nossa Zona Económica Exclusiva como moeda de troca para obter vantagens noutras áreas, num caso e noutro, por falta de sensibilidade ou falta de conhecimento dos problemas em causa.
Infelizmente o Programa apresentado pelo Governo não pressagia nada de bom. De facto, no que às pescas concerne, o Programa limita-se a enunciar um decálogo de acções que são outras tantas banalidades de circunstância.

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Não apoiado!

O Orador: - Numa apreciação global do Programa colhe-se a impressão de que o Governo não entendeu quer a importância das pescas no desenvolvimento económico do nosso país, quer a encruzilhada em que historicamente as nossas pescas se encontram confrontadas com o irreversível e generalizado alargamento das águas jurisdicionais, nossas e alheias, e com a adesão de Portugal à CEE. Aliás, ainda em apreciação global do Programa, o que alarma não é o que lá está. É sim o que lá falta e que por si só revela o descaso com que o sector é tratado no Programa do Governo.
Segundo parece, o Governo julga que é tudo como dantes. Na realidade, o Programa do Governo tem omissões verdadeiramente indesculpáveis.
Assim, e por exemplo, nada diz quanta ao planeamento no sector das pescas, quando é certo que é fundamental para o ressurgimento das pescas nacionais a criação urgente de mecanismos institucionais de elaboração e aperfeiçoamento permanente de planos pesqueiros de curto, médio e longo prazos.
Nós daríamos esta nossa modesta intervenção por bem recompensada se conseguíssemos, que mais não fosse, fazer aceitar pelos responsáveis pelo governo do sector que sem planeamento, cientificamente elaborado, não há futuro para as pescas nacionais.
Ocorre por isso perguntar ao Governo: pensa ou não o Governo criar os órgãos institucionais necessários ao planeamento do desenvolvimento pesqueiro nacional?
Outra grave lacuna do Programa do Governo é o «desconhecimento» das consequências para as pescas nacionais da nova e importante realidade que é a próxima adesão de Portugal à CEE, que já se perfila no horizonte.
Como é evidente, a adesão de Portugal à CEE tem repercussões profundas sobre todos os aspectos da política pesqueira portuguesa e põe um conjunto de problemas urgentes de importância fundamental, nomeadamente os suscitados pela abertura dos nossos mares às frotas comunitárias.
Ora, a realidade é que o Programa do Governo não aflora sequer a problemática da adesão de Portugal à CEE, nem nele se vislumbra qualquer medida que tenha em vista minimizar o impacte dessa adesão sobre os interesses pesqueiros nacionais.
Na realidade, a adesão de Portugal à CEE, que em termos globais se afigura desejável e vantajosa, suscita na área das pescas as mais graves preocupações, sobretudo se não se tomarem, desde já e com o tempo que nos resta, disposições adequadas à salvaguarda dos interesses nacionais, nomeadamente se não se proceder à ocupação da nossa Zona Económica Exclusiva com meios de pesca e de fiscalização adequados.
Pergunta-se, pois, ao Governo: pensa o Governo antecipar algumas medidas cautelares para defesa dos interesses pesqueiros nacionais face à próxima adesão de Portugal à CEE?
Diz o Governo no seu Programa que vai «fomentar o redimensionamento das frotas de pesca longínqua [...]», percebendo-se da referência a seguir feita aos «efectivos exagerados» que esse fomento se traduzirá na redução da frota.
Mas nada diz o Governo quanto às frotas de arrasto do alto e costeiro, como nada diz quanto à frota de cerco e à frota artesanal e também nada diz quanto à da pesca do atum.
Trata-se de lacunas graves, tanto mais quanto é certo que a pesca longínqua ocupa um lugar modesto no total das nossas capturas.
Pergunta-se, por isso, mais uma vez, ao Governo: quanto às frotas o que o Governo pensa fazer é unicamente «fomentar» a redução das frotas de pesca longínqua ou pensa fazer mais alguma coisa e, nesta hipótese, o quê quanto às frotas do alto, de arrasto costeiro, sardinheira, artesanal e da pesca do atum?
No Programa do Governo faz-se referência à articulação do Instituto Nacional de Investigação das Pescas com outros organismos estatais e ao estabelecimento de contacto permanente com outros Ministérios interessados na actividade piscatória.
Trata-se de referências pontuais, quando é certo que aquilo que realmente está em causa é a necessidade urgente da alteração do esquema institucional da administração pesqueira nacional, central e regional.
De facto, tendo em atenção a natureza integrada e a especificidade do sector, urge proceder à sua integração vertical e concentrar sob uma mesma direcção - a das pescas todos os organismos, hoje dispersos, que intervêm na administração do sector.

Página 144

144 I SERIE - NUMERO 5

nomeadamente os organismos de comercialização do pescado que continuam inexplicavelmente;, ao Ministério do Comércio e Turismo.
Face a isto, perguntam o Governo: o que pensa o Governo quanto ao esquema institucional vigente da administração pesqueira? Pensa apenas intensificar os contactos com outros Ministérios ou pensa concentrar nas pescas os organismos pesqueiros que andam dispersos por outros departamentos governamentais?
No Programa do Governo nenhuma referência específica se faz às Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira. Existe apenas a referência implícita contida na alusão à necessidade de "reconhecimento das potencialidades da nossa CEE". Fica-se, assim, sem saber o que pensa, ou não pensa o Governo relativamente às pescas nos Açores e Madeira.
Ora, na realidade é que é do mais elementar interesse nacional de Portugal que se faça o tratamento e gestão integrados, a nível nacional, dos recursos vivos marinhos de toda a Zona Económica Exclusiva portuguesa, incluindo, portanto, as subâreas dos Açores e Madeira. Em tais circunstâncias, pergunta-se: o que pensa o Governo quanto à gestão dos recursos vivos maninhos das subâreas dos Açores e Madeira?
Esta intervenção, Sr. Presidente, Srs. Deputados e Srs. Membros do Governo, já vai mais longa do que o tempo de que o meu Partido dispõe, aconselharia.
Não quero, porém, terminar sem aludir a outras grandes lacunas que o Programa do Governo contém na parte relativa às pescas e que justificarão outras tantas perguntas ao Governo. Assim, o Programa não se refere aos problemas do ensino das pescas, nem aos da formação e carneira profissional dos pescadores, nem aos da segurança social, nem, em geral, à promoção da melhoria das condições de vida dos pescadores.
O Programa também não se ocupa das medidas de apoio às pescas de actividades afins, como, por exemplo, a concessão de benefícios fiscais, de financiamentos bonificados, de preços para os combustíveis a preços também bonificados.
O Programa, por outro lado, omite as importantíssimas questões da agricultura e da defesa contra a poluição.
O Programa silenaia ainda os graves problemas da rede de frio de apoio às pescas, das infra-estruturas portuárias, nem fala da elaboração de protótipos das embarcações de futuro imediato.
O Programa esquivou-se a tocar no problema da comercialização do pescado, esse cancro que alimenta os grandes intermediários, verdadeiros peritos na especulação e no açambarcamento do peixe, perante a modorra dos serviços da fiscalização económica.
O Programa desconhece também a necessidade de revisão e actualização da nossa legislação pesqueira, em muitos pontos ultrapassada e caduca,
O Programa omite ainda a grave situação das empresas nacionalizadas do sector e a urgente necessidade de viabilizá-las económica e financeiramente.
O Programa não quis saber das múltiplas e crónicas carências das nossas estruturas administrativas que se ocupam das negações pesqueiras internacionais.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Do que a ,o de dizer resulta evidente, creio eu, que o Programe do Governo no que às pescas se refere não é apenas um Programa pobre, com carências óbvias. Mais do que isso: trata-se de um Programa da mais extrema indigência que não honra o Governo que o apresenta e que suscita as mais severas reservas sobre as capacidades ou sobre a incapacidade de quem o elaborou.
Resta-nos só a esperança de que o Governo não tenha tempo de acabar com o que resta das mal amparadas pescas nacionais.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento tem a palavra o Sr. Deputado José Vitorino.

O Sr. José Vitorino (PSD):- -Sr. Deputado Luís Saias, apreciei a exposição do Sr. Deputado, obviamente que o Governo se encarregará na altura própria de responder àquilo que entender por bem sobre as questões que o Sr. Deputado formulou.
Contudo, por minha parte tenho de registar desde já que o Partido Socialista, ao contrário do que nos acusava nu algumas horas, faz uma política no Governo, ou não faz, e faz outra na oposição.

O Sr. Manuel Moreira (PSD):-Muito bem!

O Orador. - Isto é, o Partido Socialista, através do Sr. Deputado Luís Saias, foi muito pródigo nas críticas, muito pródigo nos projectos, muito pródigo em apontar as lacunas, aliás em relação a um Programa que é genérico. E tem de se dizer desde já que convirá que todos os partidos da oposição que aqui estão tenham claro entendimento e percebam porque parece que não estão a perceber que

Vozes do PS - Estamos a perceber! Vozes do PSD: -Parece que não!

O Orador: - ...a apreciação dos projectos sectoriais não se mede nem se insere apenas no que aqui é apresentado nesta síntese de Programa do Governo. Mede-se pelo que aqui está escrito e por aquilo que cada Ministro, na altura própria da sua exposição, irá dizer com mais pormenor.

O Sr. Gualter Basílio (PS): -É o porta voz do Governo!

O Orador:- Também será importante que não especulem com aquilo que não tem razão de ser e sobre este assunto da pesca o problema é o mesmo.
O Partido Socialista, que tanta coisa apontou e referiu, esteve no Governo com um Secretário de Estado, com um Ministro, durante muitos e muitos meses, e todos aqui estamos e o País está para responder sobre aquilo que o Partido Socialista fez no sector das pescas.

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Ou não fez!

Página 145

145 16 DE JANEIRO DE 1980

O Orador - É preciso que se saiba, e que o PS o diga aqui e agora, o que fez em relação à reestruturação dos serviços da Secretaria de Estado das Pescas. E pode-se dizer que, embora muita gente fale na Secretaria de Estado das Pescas, fala-se em termos teóricos e em termos de reestruturação orgânica, e o não é facto é que em termos reais, em termos de servir o sector, a Secretaria de Estado das Pescas não existe, é zero.
Perguntar o que fez o Partido Socialista em termos de medidas concretas de reestruturação da frota, em termos de dar maior funcionalidade às lotas, em termos de licenciamento de novas embarcações, em tudo o mais, na rede de frio. Temos aí o Complexo de Matosinhos por acabar, esperamos que se acabe um dia, mas com a gestão socialista continuamos a meter água e o Complexo não congela nada, com certeza.

A Sr. Maria Emília de Melo (PS):- Que diabo, isso é grave!

O Orador: - Ê preciso que também se saiba o que fez o Partido Socialista em termos de estruturação das várias empresas nacionalizadas de distribuição, da Gelmar, da Frantarticas, do SAPP. É preciso que se saiba que medidas concretas tomou para coordenar ou para fazer a tal integração vertical - e aqui uma intervenção talvez complementar que possibilitasse uma distribuição do peixe desde a altura em que é pescado até às zonas do interior do País, até hoje não cobertas. É preciso também que diga o que fez em matéria de acordos internacionais a tempo para evitar algumas desgraças que estão bem à vista.
É, pois, preciso que tudo isto se diga. E com isto não quero dizer o que o Governo vai fazer. O Governo responderá por ele próprio e responderá com aquilo que fizer e for capaz de fazer nestes curtos meses que vai ter à sua frente. Mas o que é importante é que desde já não se entre na mistificação, e que o PS, que pouco ou nada fez no sector das pescas, tenha a coragem de assumir a sua responsabilidade. E não vou dizer que se tivesse vergonha, porque em política não se trata de vergonha mas sim de, em cada momento, cada um assumir as posições que deve assumir; mas um mínimo de idoneidade levaria a que o PS defendesse aqui com tanto vigor e não apontasse tanta crítica a um Programa que é genérico, quando teve tempo, quando teve meios e quando teve todas as possibilidades de fazer alguma coisa e nada fez por um sector tão necessitado e carecido.

Aplausos do PSD e do CDS.

O Sr. Presidente: -Sr. Deputado Luís Saias, ainda há mais dois pedidos de esclarecimento. O Sr. Deputado prefere responder já agora ou no final em conjunto a todos eles?

O Sr. Luís Saias (PS): - Posso responder já, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Então faça favor.

O Sr. Luís Saias (PS): - O Sr. Deputado José Vitorino está a confundir duas realidades perfeitamente distintas, está a procurar baralhar uma crítica ao Programa do Governo com aquilo que teria ou não teria feito um outro Governo.
A verdade 6 que das críticas que fiz ao Programa do Governo nem sequer uma só o Sr. Deputado José Vitorino tentou destruir. E devo dizer que as críticas que fiz ao Programa do Governo na área das Pescas me parecem extremamente benévolas. O Sr. Deputado diz que fiz muitas críticas, mas a verdade é que fui o mais doce que foi possível. O Programa que foi apresentado é primário, é um Programa feito sobre o joelho, é um Programa que envergonha qualquer pessoa que tenha um mínimo de conhecimento do sector das pescas. Esta é a realidade.

Aplausos do PS.

Vozes do PSD: - Não apoiado!

O Orador. - O Sr. Deputado José Vitorino perguntou o que é que o PS fez sobre a estruturação da SEP. Pois a verdade é que o PS, enquanto estive no Governo, fez tudo aquilo que o tempo lhe permitiu...

O Sr. Pedro Roseta (PSD): -Nada!

O Orador: - ... e, efectivamente, deixou prontos os diplomas orgânicos da Direcção-Geral, que é uma só, da Secretaria de Estado das Pescas, e dos dois institutos. Os diplomas orgânicos ficaram prontos e só não foram aprovados e publicados porque entretanto o Governo caiu.
O Sr. Deputado José Vitorino pergunta-me o que é que, fez o PS sobre a reestruturação das frotas. Vou, pois, contar-lhe um pequeno episódio que talvez ilustre aquilo que o PS tentou fazer e aquilo que o actual Secretário de Estado das Pescas - e que foi Secretário de Estado das Pescas depois do II Governo - fez: sendo obviamente necessário encontrar um protótipo mais avançado de uma embarcação sardinheira, uma traineira moderna para a pesca da sardinha, pois as que temos são iguais às que já tínhamos há cerca de cinquenta anos, o Secretário de Estado das Pescas do II Governo Constitucional contratou com um engenheiro naval a elaboração desse protótipo. Havia prazos para apresentar um anteprojecto, mais um mês ou dois para esse anteprojecto ser discutido pêlos serviços oficiais, etc. Penso que o total desses prazos eram cerca de oito ou nove meses. Pois o que acontece é que quando o II Governo Constitucional caiu e o Secretário de Estado das Pescas passou a ser o actual, este projecto foi suspenso, e um projecto que podíamos ter pronto em fins de 1978, princípios de 1979, ainda hoje não existe.
O Sr. Deputado José Vitorino perguntou também o que é que o PS fez em matéria de empresas nacionalizadas, e citou a Gelmar, a Frantarticas e o SAPP. Contudo, o Sr. Deputado ignora que estes três organismos estão na dependência do Ministério do Comércio, Ministério esse que no II Governo tinha como titular um ilustre membro do CDS.

Risos do PS e do PCP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, também para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado Oliveira Dias.

O Sr. Oliveira Dias (CDS): - Sr Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Luís Sais: Vou fazer-lhe duas ou três perguntas muito simples que se resumem em poucas palavras.

Página 146

146 I SERIE NUMERO 5

Sendo certo que esta manhã ouvimos, por parte da sua bancada, preocupações e reservas relativas à integração de Portugal na CEE, que é um objectivo primordial deste Governo e que tenderiam, pensei eu, no sentido de que o Governo fosse demasiado europeizante, o Sr. Deputado afirmou que o Programa do Governo ignora a adesão de Portugal à CEE. Eu quero crer que o Sr. Deputado se refere ao capítulo específico das pescas, mas de duas uma: entende o Sr. Deputado que o Governo deveria, no seu Programa, repetir em cada capítulo as suas opções fundamentais em matéria de política externa ou entende que afinal o Programa do Governo é "europeísta" de menos?
Em segundo lugar, o Sr. Deputado referiu-se em termos semelhantes aos problemas das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira e igual pergunta se pode colocar: entende afinal o Sr. Deputado Luís Saias, e entende o Partido Socialista, que o Programa do Governo se preocupa demasiado com as Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira ou entende, como pareceu agora dizer, que se preocupa de menos com os problemas dessas regiões?
Finalmente, a terceira questão: O Sr. Deputado, entre as várias omissões que apontou ao Programa neste sector e que certamente merecerão a consideração devida por parte do Governo, referiu-se ao problema da segurança social dos pescadores. Sobre isto eu queria perguntar ao Sr. Deputado e ao Partido Socialista se entendem que os pescadores devem ser abrangidos por um sistema de segurança social nacional ou se entendem que devem ter um regime de segurança social especial, neste último caso se mais se menos favorável que o regime geral, e, em qualquer das hipóteses, de que maneira.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para responder, o Sr. Deputado Luís Saias.

O Sr. Luís Saias (PS): - O Sr. Deputado Oliveira Dias fez-me três perguntas, a meu ver qualquer delas bastante pertinente.
No que diz respeito à adesão de Portugal à CEE, é evidente que quando eu disse que o Programa do Governo não aludia à problemática da adesão de Portugal à CEE queria referir-me apenas aos problemas das pescas, O Programa do Governo noutros sectores ou noutras áreas refere a adesão, aliás, o próprio Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros disse hoje aqui que essa era a primeira das prioridades do Governo.
Portanto não há no Programa do Governo omissão do problema; o que há é omissão do problema que tem uma especificidade muito própria no que diz respeito às pescas.
Eu há pouco acabei de dizer que em termos globais se afigura desejável e necessário que Portugal se integre na CEE, no entanto as pessoas que lidam com o sector das pescas têm a este respeito fundados receios ou apreensões quanto à adesão de Portugal à CEE
Esta questão daria muita conversa e embora aqui do lado me estejam a avisar de que o Partido Socialista já tem pouco tempo para intervir eu quero lembrar ainda ao Sr. Deputado o seguinte: quando Portugal se integrar plenamente na CEE evidentemente que o nosso território continuará a ser território português, no entanto as águas que hoje estão sob jurisdição portuguesa em princípio ficarão abertas às frotas da Comunidade. Isto quer dizer que a adesão de Portugal à CEE no que diz respeito aos interesses pesqueiros de Portugal tem problemas e dificuldades próprias e aquilo que nós dizemos, aquilo que o Partido Socialista diz não é que se ponham restrições especiais e diferentes relativamente ao problema pesqueiro; o Partido Socialista alerta é para o carácter especial e diferente dos problemas pesqueiros. Portanto chama daqui a atenção do Governo para que tenha um cuidado muito especial em relação a estes problemas. Foi essa a mancha como colocámos a questão, que aliás já havia sido colocada ao Governo anterior a este num simpósio sobre pescas que há pouco tempo se realizou.
Portanto o problema é apenas uma chamada de atenção para o Governo ter especial cuidado na discussão e no acerto destes problemas que receamos andem parados em más mãos -e esse é que é o problema...

O Sr. Bento Gonçalves (PSD): - A Europa já não está connosco!

O Orador: - O Sr. Deputado referiu também o problema dos Açores e da Madeira. É evidente que o Programa do Governo fala muito nas regiões autónomas; no entanto, em relação ao sector das pescas não emite uma única palavra. Ora o que está a acontecer neste momento é que as autoridades governativas das regiões autónomas põem dificuldades ao exercício da pesca por embarcações do continente.
É necessário defender os interesses pesqueiros dos Açores e da Madeira, mas é necessário também que sejam defendidos os interesses dos pescadores do continente nas águas sob jurisdição das autoridades dos. Açores e da Madeira. A balança não pode nem deve desequilibrar-se só para um lado.

Uma voz do PSD: - Isso é mentira!

O Orador: - O Sr. Deputado falou também de segurança social e pergunta-me se eu entendo que os pescadores devem ter um regime especial de segurança social. Sobre isto devo dizer-lhe que já hoje existe, em relação aos pescadores, um regime que é especial porque resulta exactamente da forma como eles exercem a sua actividade.
No entanto o que acontece é que eu não falei apenas em segurança social, falei também em qualidade de vida. Como o Sr. Deputado sabe existe apenas uma escola de pesca em Lisboa que tem vinte, trinta ou quarenta alunos portugueses, quando os pescadores são milhares.

O Sr. Oliveira Dias (CDS): - Sr. Deputado, se me permite, eu desejava mais concretamente perguntar-lhe se V. Ex. e o Partido Socialista entendem que os pescadores os devem encaminhar-se para um regime nacional de segurança ou se a sua segurança social deve ser assegurada por instituições mutualistas, como até agora tem acontecido.

O Sr. Luis Saias (PS): - Não tenho mais nenhuma resposta a dar, Sr. Deputado.

Página 147

16 DE JANEIRO DE 1980 147

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Coimbra também para pedir esclarecimentos.

O Sr. Luis Coimbra (PPM): - Sr. Deputado Luis Saias, irei apenas fazer-lhe dois - pedidos de esclarecimento, não propriamente pela parte das interrogações que faz ao Governo, porque nós pela nossa parte entendemos que é o Governo que lhes deve dar resposta, mas porque houve duas interrogações que nos ficaram de alguns pontos que focou.
O Sr. Deputado falou da situação alarmante da degradação das capturas e eu devo perguntar-lhe que fez o Partido Socialista enquanto Governo para proteger os nossos estuários de modo que o peixe não fugisse das nossas costas.

O Sr. Armando Correia (PSD): - Nada!

O Orador: - V. Ex.ª falou igualmente das águas territoriais dos Açores e da Madeira e eu pergunto que fez o Partido Socialista quando esteve no Governo para ratificar a Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies de Fauna e Flora em Perigo de Extinção e que aguarda ratificação por esta Assembleia desde 1974.

Vozes do PSD: - Nada!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra para responder, Sr. Deputado Luís Saias.

O Sr. Luís Saias» (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como o Partido Socialista não pode dispor de tempo para responder eu proponho que das duas uma: ou eu dou as explicações que o Sr. Deputado pede fora do tempo atribuído ao meu partido ou então não dou resposta nenhuma.

Risos do PSD.

O Sr. Carlos Laje (PS): - Aliás é o Governo que tem de dar respostas e não nós.

O Sr. Presidente: - Isso não é possível, Sr. Deputado Luís Saias. V. Ex.ª poderá prestá-los a título particular, se assim o entender.

Pausa.

O Sr. Deputado José Vitorino está de novo inscrito para usar da palavra. Poderá dizer-nos para que efeito?

O Sr. José Vitorino (PSD): - Prescindo, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Segundo informação do Sr. Secretário há mais um pedido de esclarecimento de um colega que não se inscreveu na altura própria mas a quem, dado o regime especial deste debate, concedo a palavra. É que, Sr. Deputado Ourique Mendes, os pedidos de esclarecimento têm de ser solicitados logo a seguir à intervenção que os provocou.
Tem então V. Ex.ª a palavra.

O Sr. Ourique Mendes (PSD): - Muito obrigado, Sr. Presidente.

Embora já tivesse havido algumas ocasiões em que eu, como representante dos Açores, me podia ter pronunciado nesta Assembleia, apenas agora me resolvi, perante aquilo que ouvi, a intervir.
Eu não sou de maneira nenhuma, nem quero ser, perito em assuntos de pesca, embora proceda das ilhas e devendo em principio estar vocacionado para isso. Porém ouvi aqui uma expressão do Sr. Deputado Luís Saias que não me agradou e por isso pedi a palavra. De facto a palavra «subáreas» e isto sem quaisquer complexos da nossa parte tem uma conotação desagradável... Além disso, a referência que há pouco fez de que os Governos das Regiões Autónomas proibiam, impediam ou dificultavam a presença de frotas pesqueiras nacionais em águas sob a jurisdição das regiões autónomas não é totalmente verdadeira. E isso porque 'para já eu desconfio que tenhamos capacidade para ir pescar «tão longe» pelo menos com a frota pesqueira organizada pelo Partido Socialista.

Risos do PSD.

Em segundo lugar, o Sr. Deputado Luís Saias sabe perfeitamente que as regiões autónomas tiveram e têm competência legislativa nesta matéria e há uma legislação específica sobre ela e embora eu não seja especialmente perito neste campo sei que acontece que essa legislação, dado que não temos uma plataforma continental, impede certo tipo de pesca. Ora, como essa mesma legislação regional não é respeitada, o Governo Regional, entendendo que deve defender as suas águas, embora não crie dificuldades pelo menos procura pôr os pontos nos is.

Aplausos do PSD e de alguns Deputados do CDS.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Luís Saias pretende contraprotestar?

O Sr. Luís Saias (PS): - Não, Sr. Presidente. Desejo apenas dar uma explicação ao Sr. Deputado Ourique Mendes: é que a expressão «subáreas» que lhe fez comichão no ouvido é a expressão que vem na lei aprovada pela Assembleia da República.

Risos do PS e do PCP.

O Sr. José Luis Nunes (PS): - Eles são ignorantes e mais nada!...

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Beiroco para uma intervenção.

O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: No momento em que tenho a honra de usar da palavra pela primeira vez nesta Câmara queria desejar uma saudação aos colegas Deputados de todas as bancadas e formular sinceros votos no sentido de que, para além das divergências que são naturais num debate político, com todos possa estabelecer e manter as melhores relações pessoais.

Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Sr. Vice-Primeiro-Ministro, Srs. Ministros e Secretários de Estado, Srs. Deputados: O Governo, cujo Programa estamos a debater, é o primeiro, na nossa história constitucional recente, a apresentar-se nesta Câmara seguro de dispor do apoio parlamentar de uma maioria estável

Página 148

148 I SÉRIE NUMERO 5

e coerente, facto político novo que importa sublinhar e do qual há que extrair as necessárias consequências.
Da estabilidade da maioria é penhor bastante o acordo de cooperação celebrado pelo PSD, pelo CDS e pelo PPM em 5 de Julho de 1979 e que é válido até ao termo da II Legislatura, isto é, até 1984.
Da sua coerência, ou seja, do facto de os partidos políticos, movimentos e personalidades que a integram estarem de acordo sobre as orientações políticas fundamentais, hão-de ser testemunha os debates nesta Câmara e a legislação que por ela vier a ser aprovada.
A oposição pode, pois, estar tranquila. Não há crise na maioria, como a imprensa que lhe é afecta procura fazer crer, recusando-se a admitir que o pluralismo seja compatível com a unidade. Á maioria rejeita e rejeitará todas as formas de monolitismo e de dogmatismo, e por isso a sua organização e o seu estilo de intervenção política hão-de assentar sempre na diversidade das contribuições de sociais democratas de democratas cristãos, de populares monárquicos e de reformadores, o que, para além de enriquecer o conteúdo das suas propostas aos Portugueses, constitui a melhor garantia do sucessivo alargamento da sua base de apoio. A unidade, que é exactamente o contrário da unicidade que tudo e todos procura uniformizar e medir pela mesma bitola, há-de sei alcançada, em cada momento, através de um diálogo franco e aberto que pondere as contribuições das diversas formações da maioria, permitindo atingir o necessário consenso democrático.
A unidade da maioria não resulta assim de mero facto de historicamente parecer estarmos condenados a entendermo-nos, mas antes de um empenhamento político sem reservas, bem como da exacta consciência do que está hoje em jogo em Portugal, das responsabilidades que voluntariamente assumimos perante o eleitorado e que não enjeitamos, do valor da Aliança Democrática como motor da regeneração e reconstrução nacionais.
São estes os parâmetros que balizarão a actuação do Grupo Parlamentar do CDS. Como no passado, defenderemos com firmeza os nossos pontos de vista e lutaremos com fé e entusiasmo pela adopção das soluções que preconizamos.
Fá-lo-emos, porém, sem quaisquer sectarismos, subordinando sempre os interesses partidários, por mais legítimos que se nos afigurem, aos interesses da maioria. E deste caminho, que livremente traçámos, não nos desviarão nem os ataques de uns nem as incompreensões de outros e àqueles que porventura nos apelidarem de conservadores haveremos de perguntar o que é ser-se conservador em Portugal neste limiar dos anos 80.
Serão conservadores aqueles que persistem em defender intransigentemente os interesses da Nação Portuguesa que nem por serem tradicionais deixam de ser permanentes?
Não serão antes conservadores os que, pelo contrário, se empenham em manter a todo o custo "a crise de indefinição, identidade e desorientação que o País vive desde 11 de Março de 1975"?
Ou então aqueles que, muito embora afirmam desejar mudar tudo, mais não pretendem que afinal tudo fique na mesma?
Pela nossa parte, estamos empenhados em contribuir para uma profunda mudança que inteiramente corresponda à esperança que a Aliança Democrática suscitou nos Portugueses.
Por isso ninguém certamente se admirará que o Grupo Parlamentar do CDS se congratule com o facto de a nota dominante do discurso do Sr. Primeiro Ministro, ao fazer a apresentação do Programa do Governo, ter sido exactamente o espírito de mudança que orientará a acção governetiva.
Mudança na tranquilidade e na paz, sem as rupturas e as desestabilizações em que a política portuguesa tem sido fértil, mas mudança.
Mudança conduzida com moderação, pois que só o poder político fraco é imoderado e o Governo da Aliança Democrática é ícone, porque tem a confiança da maioria dos portugueses, mas mudança.
Mudança que se há-de reflectir na forma de equacionar os principais problemas que afectam os cidadãos no seu viver quotidiano nos domínios da habitação, dos transportes, da saúde, do ensino e da segurança social e na procura de soluções capazes de assegurar um nível mais elevado de satisfação das necessidades colectivas e uma melhor qualidade de vida, sem prejuízo de se iniciar o caminho que conduza a médio prazo a um restabelecimento dos principais equilíbrios económicos e financeiros.
Mas mudança que deve também apontar para a reconstrução e reorganização do Estado, através não só da revisão constitucional a efectuar a partir das eleições legislativas do próximo Outono, mas também e desde já através da revisão de numerosa legislação e de novas iniciativas legislativas, sempre no respeito das instituições políticas e jurídicas que caracterizam o Estado de direito.
É neste sentido que os Deputados da minha bancada não podem deixar de aplaudir as decisões do Governo de submeter à apreciação desta Câmara uma proposta de lei quadro do referendo e de promover a revisão da Lei Eleitoral, aliás de acordo com o programa eleitoral do Governo da Aliança Democrática.
O referendo constitui um instrumento privilegiado de auscultação directa da vontade popular, permitindo que se conheça com precisão a opinião dos cidadãos sobre questões fundamentais da vida da comunidade ou da organização do Estado.
A história e o direito comparado ensinam-nos que há dois tipos fundamentais de referendo. O primeiro, que a doutrina denomina referendo constitucional, é um meio de aprovação de uma nova constituição ou um mecanismo de revisão constitucional e não é compatível com o espírito da nossa Lei Fundamental que regula minuciosamente o processo de revisão. O segundo, a que por comodidade de expressão se pode chamar referendo tout court, destina-se a determinar com rigor a posição do eleitorado face a uma questão política fundamental, através da resposta (sim ou não) a uma questão concreta que de forma simples e clara lhe é colocada. É o tipo de referendo previsto, por exemplo, na Constituição Francesa de 1958, que estatui no seu artigo 11.° que "o Presidente da República pode submeter a referendo os projectos de lei que digam respeito à organização dos poderes públicos, que comportem a aprovação de um acordo de comunidade, ou que autorizem a ratificação de um tratado que, sem ser contrário à Constituição, tenha incidências no funcionamento das instituições".
A proposta de lei quadro do referendo destina-se assim a consagrar na ordem jurídico, portuguesa um

Página 149

16 DE JANEIRO DE 1980 149

instituto semelhante, não parecendo que seja suficiente, como pretende a oposição, invocar o artigo 3.º da Constituição da República para sustentar a sua inconstitucionalidade.
Muito mais importante do que a questão prévia da constitucionalidade, será que a lei-quadro delimite com extremo cuidado o objecto do referendo e explicite detalhadamente não só quais os Órgãos de Soberania que terão a iniciativa do referendo, mas também as circunstâncias em que o podem fazer, descrevendo ainda com alguma minúcia todo o mecanismo do processo referendado, aspectos aliás a que o Governo está atento, como se depreende quer da exposição inicial do Sr. Primeiro-Ministro, quer das respostas que, em nome do Governo, teve oportunidade de dar às questões que, sobre a matéria, foram colocadas nesta Câmara.
O que verdadeiramente importa é encontrar a formulação jurídica susceptível de evitar que o referendo, expressão da soberania nacional, seja na prática utilizado para a ratificação de uma política ou da acção de um estadista, como por vezes aconteceu em França. Mas, uma vez alcançado esse objectivo, que haverá de ser atingido, graças à cooperação entre o Governo e a maioria parlamentar, o referendo será um instrumento poderoso ao serviço da reconciliação da sociedade civil com o Estado, que todos, na Aliança Democrática, estamos empenhados em promover e realizar.
De igual modo, não pode deixar de se considerar oportuna a iniciativa do Governo de promover a revisão da Lei Eleitoral.
No decurso das anteriores sessões legislativas, teve o Grupo Parlamentar do CDS oportunidade de apresentar um projecto de lei eleitoral, que continha numerosas soluções inovadoras, que, no entanto e de um modo geral, não fizeram então vencimento.
Foi o que aconteceu, em particular, ao restabelecimento do círculo eleitoral de Macau, que o referido projecto preconizava, bem como a uma mais equilibrada representação parlamentar dos emigrantes, que passaria a ser função do maior ou menor número de cidadãos não residentes recenseados, em vez do número fixo de Deputados, que a lei actualmente em vigor continua a consagrar.
O restabelecimento do círculo eleitoral de Macau não obedecia então como não obedece agora a qualquer intuito eleitoralista, sendo antes consequência da representação e defesa dos interesses do povo de Macau que o CDS tem prosseguido incansavelmente, ao abrigo do disposto no acordo que celebrou com a ADIM. Aliás só uma visão muito estreita do interesse nacional podei ver uma manobra eleitoralista no facto de Macau passar a ter um representante seu na Assembleia da República, como teve na Assembleia Constituinte. É que Macau, território sob Administração Portuguesa, tem hoje um valor simbólico que importa sublinhar e valorizar convenientemente.
Macau é, em torras da Ásia, um testemunho vivo da universalidade do homem português, uma janela do Ocidente aberta sobre o Oriente, uma encruzilhada de duas culturas e de duas civilizações, um exemplo de relações de boa vizinhança entre uma grande potência, como a República Popular da China, e um pequeno país, como Portugal, e, nesta medida, um caso ímpar na comunidade internacional.
Não foi este, porém, o entendimento da oposição que imediata menu- manifestou ao Governo o seu desacordo, sendo no entanto legítimo que esta Câmara se interrogue sobre se esse desacordo tem efectivamente por base uma alegada, mas não provada, violação de representação proporcional e dos princípios que naquele sistema asseguram a conversão dos votos em mandatos, ou se, na sua origem, não estará antes um certo complexo de culpa pela forma como foi fechado "o ciclo do Império" ou mesmo uma certa nostalgia por uma presença de Portugal no Mundo de que Macau é o derradeiro expoente.
Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Ministros e Secretários de Estado, Srs. Deputados: Ao finalizar a minha intervenção neste debate, não posso ainda deixar de manifestar ao Governo, em nome do Grupo Parlamentar do CDS, o nosso aplauso peia decisão que em boa hora tomou de, ao abrigo do disposto no artigo 196.° da Constituição, solicitar à Assembleia da República a aprovação de uma moção de confiança,
É certo que nada obrigava o Governo a fazê-lo, mas, talvez por isso mesmo, o facto adquiriu um relevo que importa sublinhar.
É que todo o normativo constitucional, no que respeita à formação do Governo e à sua investidura parlamentar, se encontra dominado, quer pela necessidade conjuntural de facilitar a formação de governos minoritários, quer ainda pelo espectro da I República, com a permanente instabilidade governativa e o crónico desentendimento das forças partidárias.
É neste contexto que a aprovação ca moção de confiança solicitada pelo Governo se reveste de transcendente significado, por representar uma resposta, e uma resposta vitoriosa, àquilo que parecia ser uma fatalidade histórica da democracia em Portugal.
O Governo da Aliança Democrática não vai passar nesta Câmara pelo simples facto de não existir uma maioria negativa de rejeição, como aconteceu a outros executivos que o antecederam, mas vai ser investido da confiança do povo português, que a maioria legitimamente representa.
Para nós, Deputados o CDS. a votação da moção de confiança significa também que assumimos, perante os portugueses que nos elegeram e que nas próximas eleições julgarão a nossa acção, um compromisso solene de que em todas as circunstâncias o Governo poderá contar com o nosso apoio traduzido num permanente espírito de colaboração e na preocupação constante dê, através das críticas e sugestões que entendermos formular, contribuirmos para que todas as esperanças que o povo português depositou na Aliança Democrática sejam inteiramente satisfeitas.

Aplausos da maioria parlamentar,

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Ernesto Oliveira.

O Sr. José Ernesto Oliveira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados:
O propósito da revisão da Lei de Bases do SNS é o que sobressai, de mais concreto, dentro das orientações gerais propostas pelo Governo em matéria de saúde.
Não nos surpreende que assim seja!

Página 150

150 I SÉRIE -NUMERO 5

Um Governo que representa interesses estranhos aos das classes economicamente mais débeis não poderia ser complacente com uma lei que é a esses mesmo que prioritariamente se destina e que por isso mereceu o apoio do PCP.
É, pois, na revisão da Lei n.° 56/79 e na sua posterior regulamentação que se vislumbra onde assenta a tónica do Programa do Governo nesta matéria.
As carências do povo português em matéria de saúde, são muitas e profundas. Constitui, no entanto, o debate público e nacional a questão do SNS e a posterior aprovação na Assembleia da República da respectiva lei, da base a partir da qual seria possível, a curto prazo, arrancar para a construção de uma realidade nova.
A aprovação da Lei de Bases do SNS, para o que o Grupo Parlamentar do PCP contribuiu decisivamente, foi para o povo português a chegada do 25 de Abril no campo da saúde.
A sua revisão, no sentido que não se aponta, mas que não é difícil de prever, não fará mais do que tentar colocá-la em dócil obediência aos interesses de uma muito restrita minoria, que sempre a combateu colocando os seus já antigos privilégios acima do bem-estar tão nosso povo.
Este intento poderá quase que por si só caracterizar um Programa, um Governo e os partidos que o apoiam e é apenas mais uma das provas claras de quais os interesses que este Governo defende e daquilo que dele há a esperar.
À parte da projectada revisão de Lei n.° 56/79 pouco mais há de transparente nas intenções do Governo de tal forma são vagos e genéricos os objectivos enunciados. Mas se bem que vagos e genéricos, nem por isso são menos esclarecedores da forma conservadora e reaccionária como se pretende trabalhar no campo da saúde.

Senão vejamos:

É hoje mundialmente reconhecido, e pela própria Organização Mundial de Saúde, que qualquer serviço nacional de saúde, seja ele de que tipo for, assenta na criação prioritária de uma rede de cuidados primários de saúde que, inserida nas comunidades locais, dê resposta efectiva às suas necessidades.
Ora, não contempla o Governo tão fundamental questão com uma única linha do seu Programa.
Prometer objectivos sem se esboçar no mínimo a criação de meios para os alcançar, é o que faz o Governo, e a isso se chama demagogia!
Mas nem só as populações têm razões sobejas para olharem com apreensão o futuro.
Também os profissionais da saúde não vêem dedicar uma única linha a questões tão importantes como a da humanização dos serviços, quer na perspectiva de quem neles trabalha, quer na dos utentes, ignorando-se assim as suas condições de trabalho muitas vezes degradantes.
Por outro lado, a também anunciada revisão da legislação, no que respeita à gestão democrática dos hospitais, poderá não querer dizer mais do que a ameaça de pôr fim à participação dos trabalhadores.
Não deverá ter sido por esquecimento que nada se diz quanto aos gravíssimos problemas das gerações médicas mais novas, que estimam em cerca de 7000 policlínicos de vários anos no fim de 1979, remetendo-se toda esta problemática para a imprecisão da tentativa de aperfeiçoamento das carreiras dos profissionais dê saudei. É esta a posição quê veia de acordo com a política da actual direcção da Ordem dos Médicos, directamente representada neste Governo e neste sector na pessoa de um seu dirigente, organismo esse que como solução para os graves problemas dos médicos jovens lhes aponta o país das maravilhas da medicina privada e convencionada, ao mesmo tempo que apoia restrições às carreiras hospitalares, hostiliza a nova carreira do clínico geral e subestima a de saúde pública.
Não deverá ser igualmente por esquecimento que nada se diz também no Programa do Governo quanto à política de medicamentos. Não será um Governo da AD que se preocupará em conter e disciplinar os lucro escandalosos das multinacionais farmacêuticas, privilegiando a indústria nacional e racionalizando o uso de medicamentos. Pelo contrário, a não inclusão no Programa do Governo, no âmbito da saúde, de qualquer referência a esta matéria só se entende à luz da protecção aos grandes interesses capitalistas, em detrimento do sofrimento de quantos após a travessia do autêntico mar de tormentas até terem direito a uma consulta médica se vêem incapazes de suportar os custos das terapêuticas instituídas.
O direito à saúde é hoje sentido profundamente pelo nosso povo e o SNS é já uma aspiração institucionalizada a que nem este Governo consegue fechar os olhos.
A tentativa de também aqui se fazer andar para trás as conquistas alcançadas, em particular a criação de um SNS universal, geral e gratuito, irá deparar seguramente com a forte e intransigente oposição das populações e da maioria dos trabalhadores da saúde, e que a esses tenebrosos intentos intransigentemente se oporão.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado Malato Correia.

O Sr. Malato Correia (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Neste momento eu não quero pronunciar-me sobre a política sectorial de saúde do Governo, pois espero melhor oportunidade para fazê-lo. No entanto, quero referir-me desde já a um problema que vem tratado no Programa do Governo, que vejo com o melhor agrado merecer a preocupação do Governo e que é a revisão e revogação da Lei do Serviço Nacional de Saúde.

Vozes do PS:- Não apoiado! Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - É evidente que o Serviço Nacional de Saúde está consagrado na Constituição e nós defendemos um serviço nacional de saúde.

Risos do PS e do PCP.

O Orador: - Os médicos já muito antes de o Partido Socialista se debruçar sobre o problema da saúde em Portugal, isto é, já em 1960 se debruçavam sobre a defesa das populações deste país, pretendendo um serviço nacional de saúde para Portugal.

Risos do PS e do PCP.

Página 151

16 DE JANEIRO DE 1980 151

Nós não estamos é de maneira nenhuma de acordo em que se considere que o único caminho para o serviço nacional de saúde seja o proposto pelo Partido Socialista. Se a Constituição nos disser que temos que atingir o Porto, isso não quer dizer que temos de ir só por uma estrada; há várias estradas para atingir o mesmo fim.

O Sr. Manuel da Costa (PS): - Os bolsos!

O Orador: - E exactamente o Partido Social-Democrata encontra outras vias para resolver o problema do Serviço Nacional de Saúde.
Também não aceitamos que o Sr. Deputado venha em defesa dos médicos. Agradecemos a intenção...

Risos do PS e do PCP

... mas os médicos sabem defender-se a são próprios e sabem também defender os interesses da população. Aliás, não percebo porque é que em discussão sobre matéria de saúde, por exemplo, o Sr. Deputado se preocupa tanto com a gestão democrática dos hospitais.
Neste momento existe uma gestão democrática dos hospitais proposta pelo Partido Socialista e eu pergunto s(c) com essa gestão democrática os hospitais estão a fornecer melhores cuidados de saúde do que antes.

Vozes do PSD: - Não!

O Orador: - Claro que não.
A gestão democrática faz tanta falta nos hospitais como faz falta nas outras empresas, mas não é a solução nem é indispensável para que os hospitais funcionem bem.
Ao ouvir falar de política de saúde julgava que o Sr. Deputado se ia preocupar com as más instalações dos Hospitais Civis de Lisboa, com o subaproveitamento dos hospitais distritais, com as carências dos hospitais concelhios, porque isso sim é necessário e urgente resolver.
Não era com a demagogia do Partido Comunista e do Partido Socialista quando nesta Câmara defenderam o Serviço Nacional de Saúde, que acabou por ser aprovado pela então maioria de esquerda, que o problema da saúde se ia resolver. Nem com esse Serviço Nacional de Saúde nem com a demagogia nele imposto.

O Sr. José Nisa (PS): - Não apoiado! Não é demagogia.

O Orador: - Há necessidade de cuidar urgentemente da saúde em Portugal, todos nós o sentimos, mas nunca aqui foram apontados os verdadeiros caminhos a seguir. Apontemos, pois, para factos concretos. Eu, por mim, aguardo que o Governo faça uma intervenção...

O Sr. José Nisa (PS): - Intervenção cirúrgica!

O Orador -..., se a fizer, sobre segurança social e saúde, para tomar uma posição. Todavia, devo dizer que discordo totalmente que o problema do
Serviço Nacional de Saúde e da assistência às populações passe pela «gestão democrática» dos hospitais. É ser-se muito pouco exigente, meus amigos.

Aplausos do PSD e do CDS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para responder. Sr. Deputado José Ernesto Oliveira.

O Sr. José Ernesto Oliveira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, quero dizer ao meu ilustre colega, pelos vistos médico também e Deputado, que penso que não só os médicos do PSD têm o direito, nesta Assembleia, de falar em termos de medicina. Também os médicos comunistas aqui, como lá fora, o têm.

O Sr. Amândio de Azevedo (PSD): - Nós julgávamos que eram todos operários!... O PCP está a ter muitos doutores...

O Orador: - Em segundo lugar, agradeço a intervenção do Sr. Deputado ao clarificar alguns pontos que não vêm bastantes claros no Programa do Governo. A principal clarificação foi, sem dúvida nenhuma, a de o Sr. Deputado dizer que o Partido Social-Democrata iria apresentar não tanto o pedido de revisão da Lei de Bases do Serviço Nacional de Saúde mas a «revogação - e cito - da Lei do Serviço Nacional de Saúde». Muito obrigado pelo esclarecimento.
Para terminar e não quero gastar muito tempo, porque o meu partido tem outras intervenções a fazer -, gostava de agradecer outro esclarecimento, que foi o de que realmente as nossas preocupações no que respeita à promessa de revisão da lei sobre a gestão democrática hospitalar pelos vistos se concretizam e temos razões profundas para estarmos preocupados com isso -nós e os trabalhadores da saúde em geral - porque também de acordo com aquilo que o Sr. Deputado disse essa revisão vai mesmo acabar, ou pelo menos vai tentar acabar, com a participação dos trabalhadores nessa gestão. É, aliás, uma medida de acordo com os interesses que o PPD defende, é uma medida de acordo com aquilo a que o Partido Social-Democrata em matéria d« saúde e em outras tem habituado os trabalhadores portugueses.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos para formular um protesto.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pareceu-me ter ouvido o Sr. Deputado Malato Correia dizer que a maioria de esquerda nesta Assembleia aprovou uma lei demagógica. Se não foram estas as palavras, penso que retive bem o sentido.
Eu queria só protestar porque, em eu entender, e penso que no entender da generalidade dos Deputados, ao que parece só com excepção do Sr. Deputado Malato Correia, a vontade do povo expressa pela maioria nesta Assembleia, qualquer que seja, nunca pode ser demagógica.

Vozes do PS: - Muito bem!

Página 152

152 I SÉRIE -NUMERO 5

O Sr. Presidente: -- Tem a palavra o Sr. Deputado Malato Correia, para contraprotestar.

O Sr. Malato Correis (PSD): - Sr. Presidente, direi apenas que uma lei pode ser aprovada e o seu conteúdo ser perfeitamente demagógico, isto porque o Serviço Nacional de Saúde proposto era perfeitamente contraproducente para as populações portuguesas e por isso era demagógico.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputados: Julguei que o problema era menos grave. Julguei que o Sr. Deputado não tinha consciência de que tinha ofendido esta Assembleia, mas nesse caso reforço o meu protesto pela reincidência nesta ofensa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Amândio de Azevedo.

O Sr. Amândio de Azevedo (PSD) - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pedi a palavra porque me parece que o Sr. Deputado Almeida Santos está a levar demasiado longe o despeito que deve merecer a todos a dignidade desta Assembleia da República.

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Demasiado?

O Orador: - Com certeza que não é nada que surpreenda que a maioria num momento qualquer possa aprovar leis que no seu conteúdo sejam efectivamente demagógicas. Isto não implica desrespeito absolutamente nenhum por esta Assembleia. E, infelizmente, a maioria de esquerda aprovou aqui muitas leis demagógicas, que não apenas a do Serviço Nacional de Saúde. Isto, evidentemente, com o devido respeito pela opinião contrária dessa mesma maioria de esquerda, que ao aprovar essas leis estava convencida de que aprovava as leis capazes de resolver de uma vez por todas as dificuldades sentidas pêlos Portugueses nos seus tratamentos hospitalares ou de outra natureza relacionados com a saúde.

Uma voz do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Não creio, portanto, que o Sr. Deputado Almeida Santos tenha a mínima razão em lavrar um protesto apenas porque de outra bancada se tem uma opinião diferente acerca de uma lei que foi aprovada na Assembleia da República.
Aliás, também chamaria a atenção para c facto de que Deputados da sua bancada já consideraram pelo menos certas passagens do Programa deste Governo como demagógicas...

Uma voz do PCP: - E bem!

O Orador: - ..., e que ao que eu saiba, o Governo é apoiado por uma maioria desta Assembleia, e creio que não se duvida que vai ser apoiado aqui por essa mesma maioria.
Não creio que haja razão para lavrar um protesto desta natureza. É uma opinião muito respeitável da minoria. Nós entedemos que não é assim, mas não nos sentimos ofendidos pôr essa qualificação.

Vozes do PSD - Muito bem!

O Sr. Presidente: -Tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros cia Governo: Tal como na campanha para as eleições intercalares de 2 de Dezembro, em que as forças políticas apoiantes deste Governo haviam prometido a resolução dos problemas mais sentidos pelo povo português, também agora, embora de forma pouco ousada e bastante mais vaga, os objectivos prioritários propostos dizem muito a largas camadas da população.
Prometer a redução da inflação em um quinto, o aumento do poder de compra dos trabalhadores e a redução do nível actual de desemprego, como é feito no Programa do Governo em discussão nesta Assembleia, representa de facto uma jogada política que os factos, disso estamos absolutamente certos, se encarregarão de desmascarar como enganadora e destinada a constituir uma nuvem de fumo para encobrir as reais e mais profundas intenções deste Governo. A própria leitura atenta do Programa permite seriar uma grande quantidade de propostas cujo desenvolvimento prático contraria claramente as bonitas intenções apresentadas como objectivos prioritários. O Governo promete combater eficazmente a inflação. No entanto, ao nível das medidas concretas apontadas é patente a sua preocupação em não beliscar sequer os interesses de parte importante da sua clientela constituída pêlos capitalistas, cujos ganhos escandalosos têm constituído grande factor de inflação nos últimos anos.
De facto, de acordo com o relatório de gerência do Banco de Portugal, relativo a 1978, o aumento dos ganhos dos capitalistas e a desvalorização do escudo foram responsáveis por mais de 70% do aumento do custo de vida no nosso país, tanto em 1977 como em 1978. Ora, o Governo não se propõe actuar em qualquer daqueles geradores de inflação nem tão pouco nos níveis elevadíssimos das taxas de juro, pelo contrário. O Governo aponta para a eliminação gradual do papel positivo que os organismos de coordenação económica poderiam desempenhar se devidamente reestruturados. Abrir o campo de actuação desses organismos à iniciativa privada vai representar o agravamento da já difícil situação de muitos pequenos e médios produtores, bem como o desprezo ainda maior pêlos interesses dos consumidores.
Por outro lado, o carácter genérico das referências às alterações dos mecanismos de fixação e controle dos preços, dos bens e serviços aponta para uma maior liberdade a conceder aos capitalistas na fixação dos mesmos, a qual não deixará de ser devidamente aproveitada em seu benefício exclusivo.
Ao reafirmar as suas intenções de garantir uma maior verdade e transparência na formação dos preços, o Governo pretende que sejam os capitalistas a estabelecer por si próprios os seus "preços de verdade".
A par da continuação de um ritmo elevado de inflação, os trabalhadores irão continuar a defrontar-se com a chantagem e boicote do patronato, agora ainda mais confiante, à mesa das negociações das contratações de trabalho.
Os aumentos salariais a serem relacionados, como aponta o Programa, com os ganhes de produtividade, exigirão, em muitos sectores produtivos, ritmos infer[...]

Página 153

16 DE JANEIRO DE 1980 153

na is de trabalho, sendo mesmo impossíveis de atingir noutros sectores mais directamente afectados peia crise capitalista interna e internacional. Ao prometer "lançar mão dos instrumentos legais ao seu dispor para impedir quaisquer comportamentos que condutam a aceleração do processo inflacionista" o Governo aponta claramente a necessidade de constituir com o patronato uma barreira contra os interesses dos trabalhadores em luta por melhores condições de vida do trabalho.
A melhoria do poder de compra das populações que o Governo promete exigiria aumentos salariais mínimos obrigatórios que pelo menos compensassem o aumento do custo de vida. E é por demais evidente não estar o Governo interessado em enveredar nesse sentido...
As linhas mestras de orientação governativa expressas no Programa apontam para o aumento do desemprego e nunca para a sua redução.
Com efeito, vai-se tornando cada vez mais claro que a reestruturação do aparelho produtivo português, com vista à preparação da economia para a integração europeia, vai originar um aumento acentuado do desemprego ainda mais agravado pelo contexto de crise geral em que mergulha o sistema capitalista à escala mundial.
Ora, aquela reestruturação capitalista da economia portuguesa constitui um dos eixos do Programa.
A reestruturação da agricultura do Norte e Centro do País aponta para a saída de largos milhares de trabalhadores que com o tempo de verão desapossados das suas terias.
A aplicação do acordo com o Banco Mundial, relativo ao crédito agrícola, estabelecido na vigência do Governo Mota Pinto, representará a liquidação da esmagadora maioria das UCP's e cooperativas e o aumento do desemprego no Alentejo e Ribatejo daí resultante.
A reestruturação da indústria e serviços com vista £ integração na CEE igualmente representará o acentuar das dificuldades ao grande número de pequenas e médias empresas que enxameiam o aparelho produtivo português, com o consequente aumento do caudal de desempregados.
De um modo geral, o reforço da iniciativa privada, subjacente a todo o Programa, passará, naturalmente, pela criação de condições ainda mais favoráveis aos despedimentos. As críticas do patronato à legislação em vigor nesse âmbito apontam nesse sentido.

Uma voz do CDS: - Uma tragédia!

O Orador: - Os contornos da política económica e financeira enunciados no Programa do Governo apontam claramente o reforço da iniciativa privada como a panaceia que minorará os sofrimentos da população trabalhadora e do povo em geral.
Pagar indemnizações aos grandes capitalistas e latifundiários, facilitar a uns o crédito que se nega a outros, bonificar taxas de juros para certos empreendimentos, facilitar os aumentos de preços sob o pretexto da necessidade, do realismo e da transparência, abrir aos interesses privados sectores produtivos antes reservados ao sector público, cortar créditos e reduzir os subsídios às empresas nacionalizadas, atacar os organismos de coordenação económica, deixando produtores e consumidores entregues ainda mais à voragem dos intermediários parasitas, alargar a seiva da concorrência capitalista não constituem, de factos linhas de orientação destinadas a diminuir o desemprego, a combater a inflação e a elevar o nível de bem-estar das populações. Pelo contrário, constituem factores fundamentais de uma política que visa a inflação desenfreada, o reforço ainda maior dos lucros da minoria dos capitalistas, o agravamento das condições de vida e a acentuação do desemprego.
De nada servirão os acenos demagógicos do aumento da fiscalização ou do combate aos ganhos especulativos, à fraude e evasão fiscal, se a política económica defendida nas acções a desenvolver é toda ela voltada, de facto, para o reforço do poder da patronato responsável por tudo isso.

O Sr. José Vitorino (PSD): - Ena pá!...

O Orador: - Finalmente cabe perguntar: onde se vislumbra a mudança prometida aos votantes da AD?
No que toca aos trabalhadores, as medidas apontadas neste Programa vêm na sequência de tudo o que de mau foi feito desde o 25 de Novembro, porém com ataques mais violentos e frontais à Reforma Agrária, às nacionalizações e à própria Constituição da República.

O Sr. Manuel Moreira (PSD):-Não apoiado!

O Orador: - A mudança que o Governo se propõe fazer será no sentido dei favorecer ainda mais os interesses minoritários do punhado de capitalistas e latifundiários, cujo poderio, abalado pelo 25 de Abril, vem sendo reconstituído1 à custa dos sacrifícios e do bem-estar na generalidade dos portugueses.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: As exigências do processo cê integração europeia já em marcha e que o Programa do Governo de AD, servidor dos interesses do imperialismo, pretende dar execução, levam à reconversão, por completo, da economia nacional, ao desmantelamento da sua estrutura, à sua absorção como uma secção auxiliar da Europa dos monopólios, o que implica no campo da educação a necessidade de formar uma mão-de-obra especializada em abundância, capaz de se adaptar às novas tecnologias, com quadros técnicos médios e um número restrito de quadros superiores, bem integrados na ideologia do mérito e da competência, capazes de seleccionar processos e técnicas e organizar a produção de acordo com as necessidades do mercado externo. Para isso precisa de controlar, cada vez mais, o aparelho escolar, de modo a reforçar a difusão da ideologia burguesa no seio ca juventude e obter cidadãos integrados e respeitadores dos valores fundamentais da sociedade burguesa, tais como a competição, o individualismo e a aceitação incondicional das ideias.
Ao contrário da que é afirmado, este Programa não responde às necessidades culturais e profissionais da população mas sim às imposições da integração europeia, de um modelo que aplicado já nos países da CEE mostrou bem em nada contribuir eficazmente para a melhoria das condições de vida e do nível cultural das populações.

Uma voz do CDS: - Que é baixo.

Página 154

154 I SÉRIE - NÚMERO 5

O Orador: - Não é certamente uma Europa onde milhares de jovens procuram o primeiro emprego, em que é uma realidade o desemprego crescente das populações adultas, onde o suicídio juvenil aumenta assustadoramente, que nos vai servir de padrão.

Uma voz do CDS: - É a Albânia!

O Orador: - Liquidando tudo o que de positivo se fez no ensino depois do 25 de Abril, impede-se assim que se construa no nosso país um ensino verdadeiramente democrático e patriótico.
Tudo isto é bem patente no Programa. Apregoando demagogicamente a aplicação do princípio da igualdade, de oportunidades, o Programa confere grande atenção ao desenvolvimento, apoio e incentivo ao ensino particular.
Será através do ensino particular que será dada, como diz o Programa, «especial atenção aos mais desprotegidos e carenciados, nas zonas rurais ou nas concentrações urbanas e suburbanas»? Será assim que «o princípio da igualdade e oportunidades» apregoado por este Governo será aplicado? Estamos firmemente convencidos de que não!
O ensino particular não é uma prova de liberdade de ensino mas sim uma peça importante na estratificação social.

O Sr. Macedo Pereira (CDS): - Não apoiado!

O Orador: - E qual vai ser a política deste Governo quanto à garantia do transporte escolar gratuito?
Se ainda persistissem dúvidas sobre o carácter retrogado e autoritário deste Governo, bastava ver o vigor com que o Programa pretende destruir aquilo que de progressista ainda se mantém no nosso ensino, como é o caso dos programas de História, Português e Estudos Sociais.
Contudo, o carácter autoritário deste Governo é ainda mais patente quando afirma que a normalização da vida escolar passa pela «restauração de um ambientei de competência e tolerância». Será que este Governo considera que após 25 de Abril de 1974 os professores têm por norma uma prática contrária?
Ou será no podre sistema fascista que o Governo vai procurar o padrão da tolerância e da competência?
E a propósito perguntamos: Que medidas vai este Governo adoptar para acabar com os desordeiros o com os bandos nazis nas escolas?
Srs. Deputados, os graves acontecimentos verificados no Liceu de Oeiras não podem ficar impunes.

O Sr. João Morgado (CDS): - Pois não!

O Orador: - Os democratas e os antifascistas não tolerarão a continuação das provocações nazis nem admitirão que as liberdades tão duramente alcançadas sejam espezinhadas por bandos de arruaceiros encorajados pela vitória eleitoral da AD.
A UDP apoia firmemente a luta dos estudantes nas suas escolas pela defesa das liberdades de associação e de expressão e garante-lhes que os trabalhadores e o povo não deixarão tombar os ideais do 25 de Abril.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Não é seguramente por acaso que, tratando-se de abordar o problema da defesa, o Programa do Governo não define o inimigo real, potencial ou futuro.
Desta forma, tenta o Executivo furtar-se a questões que, dada a sua natureza, lhe seriam deveras embaraçosas.
Assim, aceitando o conceito de defesa global e integrada, que objectivo nos aponta este Programa em matéria de defesa nacional?
Na verdade, este Programa aponta não para um único mas para um triplo objectivo, que importa tratar separadamente nas suas três partes: independência, integridade do território e segurança colectiva.
Sobre a independência em que sectores garante este Governo a independência nacional? No sector económico? No sector político?
Que dizer então das imposições políticas e económicas do Fundo Monetário Internacional? Que dizer da abertura, cada vez maior, das nossas fronteiras aos monopólios e trusts capitalistas da Europa, com todo o inevitável cortejo de falências de milhares de pequenas e médias empresas e do aumento da exploração e da miséria que vai provocar? Que dizer da liquidação da nossa cultura, das nossas tradições e dos nossos costumes provocada pela invasão da cultura estrangeira dos parceiros da «Europa connosco», para melhor submeterem, explorarem e oprimirem o nosso povo?
E qual a independência das nossas forças armadas sujeitas ao mando da Nato, bloco militar agressivo destinado a sujeitar, se tal for necessário, a própria CEE à vontade dos EUA?
Assim, dentro do conceito de defesa integrada que o próprio Governo perfilha, os Portugueses têm o inimigo adentro das suas fronteiras, impondo a sua vontade de mãos dadas com os vencedores do 25 de Novembro, porque o inimigo do nosso povo é quem lhe impõe mais exploração e opressão, mais miséria e sofrimento mesmo que esse inimigo «e introduza com a cumplicidade interesseira da grande burguesia nacional.
Que dirão os trabalhadores e o povo daqueles que introduzem na nossa pátria os seus verdadeiros e cruéis inimigos?
Srs. Deputados, quem não respeita a nossa integridade territorial? Os marroquinos? Os povos de Espanha? Os mongóis?
Na verdade, Sr. Presidente e Srs. Deputados, quem ocupa militarmente parcelas do nosso solo são os militares americanos e alemães! Quem impõe, perante a sorridente cumplicidade da grande burguesia nacional, da sua classe política e do Governo, a utilização daquelas parcelas do nosso território em benefício exclusivo dos seus interesses imperialistas e agressivos? Os americanos!
E se neste momento outras potências podem ameaçar a liberdade e a integridade da nossa pátria, esse perigo é agravado por estarmos integrados à força na chamada unidade geopolítica do mundo ocidental para defesa exclusiva dos americanos!
Malhas que a geopolítica tece, essa criação ardilosa dos imperialistas de todas as épocas para justificarem o seu domínio, o seu expansionismo e o seu hegemonismo agressivo.

Página 155

16 DE JANEIRO DE 1980 155

Mas, Srs. Deputados, o povo português e a Constituição da República nada têm a ver com esses conceitos pseudocientíficos que generais, e políticos gostosamente desenvolvem ao serviço da grande burguesia - ligada aos imperialistas americanos e europeus.
O nosso povo sente na carne, na sensibilidade, na cultura, a acção agressiva e violenta do seu inimigo e sabe reconhecê-lo. E, estamos certos, expulsá-lo-á.
Eis-nos, pois, no cerne da questão! É aqui que surge a segurança colectiva.
Na verdade, o que afecta a segurança dos trabalhadores e do povo?
É a subida aos preços, a baixa dos salários, os despedimentos, o aumento das rendas, os despejos, a vida nas barracas e nas «ilhas», os acidentes de trabalho provocados pelo aumento das carências e pela necessidade do aumento de produtividade, o abandono da terra por imposições do emparcelamento, a falência da empresa sabotada pelo patronato, a inviabilidade da cooperativa ou da unidade colectiva de produção pela extorsão ilegal de mais uma parcela, a falta de assistência médica e social, a reforma de miséria.
Mas se tudo isto é provocado pela exploração dos grandes capitalistas, pela rapina das multinacionais e pela lógica desvairada do capitalismo, bases da acção governativa do nosso preocupado Executivo, de que segurança afinal se trata?
Trata-se, efectivamente, da «Segurança» dos lucros das multinacionais e dos frutos americanos e europeus; da segurança do capitalismo; da segurança da exploração; da segurança deste Governo.
E, sejamos claros, quem põe em causa esta segurança? Quem põe em causa os grandes capitalistas, os seus lucros e a exploração dos trabalhadores senão os próprios trabalhadores e a sua vontade de caminharem para o socialismo? Quem ameaça essa jesuítica «segurança» senão a luta política e reivindicativa dos trabalhadores e das massas populares?
Por isso mesmo a Nato modificou na prática o n.º 4 do Tratado, e agora não se trata mais de colaborar na defesa da integridade política desses mesmos países.
Assim, a Nato aparece com o papel específico de aparelho de integração política supranacional, integrador e supervisor da repressão das massas populares.
Eis, pois, delimitados, os alvos dos maquinismos que a «segurança», mais defesa que a própria defesa, vai montar e aperfeiçoar: as massas populares e todo aqueles, democratas, antifascistas, socialistas e comunistas, que lutam contra a exploração, contra a alienação cultural, contra a miséria e contra a repressão pela emancipação dos trabalhadores e pelo socialismo.
Na verdade, Srs. Deputados, é a própria linguagem do Programa desta Governo que denuncia as suas reais intenções e propósitos ao anunciar que o MAI se encarregará de garantir «a contenção de actos subversivos».
E já temos a Polícia Judiciária, a Polícia de Intervenção, a Brigada Antiterrorista, as Forças de Operações Especiais da PSP, a GNR...
A «segurança colectiva» é, pois, o eufemismo coro que se define a defesa, integrada supranacionalmente, da exploração capitalista.
As forças armadas serão o última e o mais poderoso garante sob as ordens da Nato da integração política supranacional.
Assim, ressalta claramente a razão da expulsão, marginalização e preterição daqueles que, de entre os militares de Abril, lutam pela defesa da Constituição e pelo socialismo ou simplesmente se recusam a admitir uma pátria submetida a interesses estrangeiros.
É que eles não cabem no conceito de integração política da Nato nem no conceito de «defesa nacional» reivindicado pelas forças do 25 de Novembro e por este Governo.
Também a UDP defende uma concepção da política de defesa nacional global e integrada. Mas nós vamos até onde o Governo, por motivos óbvios, não quis ir e afirmamos: o inimigo está cá de mãos dadas com este Governo. Só o nosso povo -, os trabalhadores e as massas populares têm interesse em expulsar o inimigo, em defender a nossa pátria da invasão e da espoliação e em defender-se da exploração e da miséria.
Por isso as nossas perspectivas de defesa nacional assentam no seguinte:

Não entrar para a união europeia dos grandes capitalistas e dos monopólios, para o universo concentracionário que submete e escraviza - a CEE;

Acabar com a submissão as exigências económicas e políticas do Fundo Monetário Internacional, que fazem estiolar a nossa economia, aumentam a miséria de a repressão e engordam ainda, mais os grandes capitalistas nacionais e estrangeiros;
Fazer sair as forças militares americanas « alemães das bases do nosso território, recusando-nos a ser depósito de armamento nuclear ou de qualquer outro;
Abandonar a Nato e acabar com a submissão das nossas forças armadas aos generais americanos e aos seus planos agressivos;
Não nos sujeitarmos a ser «praia de desembarque» «testa de ponte» ou «posição de retardamento» da defesa dos EUA;
Exigir umas forças armadas democráticas garantes da defesa dos interesses populares e do 25 de Abril;
Tornar a Constituição da República um documento vivo, estudado e debatido dentro das forças armadas;
Integrar imediatamente os militares de Abril, os militares progressistas, democratas e antifascistas, pelo imediato cumprimento da lei da Amnistia.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José António Veríssimo.

O Sr. José António Veríssimo (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: A consolidação e reforço do poder local e da sua autonomia consagrada na Constituição - e em boa medida concretizada nas três primeiras sessões legislativas da Assembleia da República - exigem o desenvolvimento rápido de um conjunto de acções nos domínios legislativo e executivo.
Da parte desta Assembleia impõe-se o desbloqueamento muito urgente da lei de delimitação e coordenação da Administração Central 6 Local em matéria de investimentos.

Página 156

156 I SERIE - NÚMERO 5

Nesse sentido, o Grupo Parlamentar do PCP já solicitou formalmente ao Sr. Presidente da Assembleia da República a realização de uma conferência de representantes das forças aqui representadas, com vista à definição do processo adequado à aprovação final desse diploma fundamental para a concretização da autonomia do poder local e para a resolução dos problemas das populações.
Da parte do Governo e para cumprimento da Constituição e da lei impor-se-á dar integral cumprimento à Lei das Finanças Locais em 1980 e adaptar a organização e o funcionamento da Administração Central de modo a assegurar às autarquias locais o apoio técnico que a implementação da lei de delimitação dos investimentos do poder local reclama.
Porém, estranhamente, este Governo nem sequer fala desta última iniciativa legislativa no seu Programa, o que é intrigante.
Por outro lado, é legítimo que se reclame que o Governo diga perante esta Assembleia e o povo português que este ano se cumprirá integralmente a Lei das Finanças Locais.
Com efeito, todos sabemos que os partidos que apoiam este Governo votaram contra a sua aplicação integral em 1979, privando assim as autarquias de 15,2 milhões de contos.
Absurda e condenavelmente argumentaram então que as autarquias não estariam preparadas para a aplicação integral da lei e que, por se estar então quase a meio do ano, elas não disporiam do tempo necessário para essa aplicação integral em 1979.
Desta vez não vão poder certamente invocar estes argumentos, pois estamos agora no princípio do ano e as autarquias demonstraram, sem sombra de dúvida, estarem preparadas para aplicar integralmente a Lei das Finanças Locais.
Um aspecto que gostaríamos de sublinhar neste contexto é a necessidade de dar real expressão à descentralização para as freguesias. A Lei das Finanças Locais garante um mínimo de 5% quanto à participação das freguesias nas receitas que cabem aos municípios, nos termos da alínea a) do seu artigo 5.°
Sendo apenas um mínimo, podem os municípios ir além dele, consoante as condições locais, designadamente as necessidades. Poderemos hoje afirmar, de acordo com a nossa experiência, que as necessidades das freguesias requerem em geral verbas cerca de quatro vezes superiores a esse mínimo (isto é, da ordem dos 20%).
Desde que seja cumprida integralmente a Lei das Finanças Locais, tal é perfeitamente possível, havendo, inclusive já hoje, vários municípios de maioria APU que vão na prática bastante além do mínimo de 5%.
Quanto à delimitação dos investimentos do poder local lutaremos para que as populações possam Começar a colher os benefícios da entrada em vigor de tal lei ainda nos primeiros meses deste ano.
Exigimos igualmente que o Governo estabeleça rapidamente linhas de crédito bonificadas em favor das autarquias, como decorre da Lei das Finanças Locais, cuja regulamentação se impõe no imediato.
Também a este respeito o Programa deste Governo mantém um silencio intrigante, pelo que reclamamos que esclareça esta Assembleia sobre as suas intenções.
Revela-se igualmente urgente a completa substituição do que ainda resta do Código Administrativo de Marcelo Caetano. Porém, este Governo nada deixa claro sobre o assunto.
Atento às realidades e aspirações locais, o Partido Comunista Português tomou na anterior sessão legislativa, e continuará a tomar na presente, várias iniciativas tendentes à anulação substancial do Código Administrativo fascista e, bem assim, à revogação de diplomas do Governo Mota Pinto/PPD/CDS, eivados de centralismo e lesivos da autonomia do poder local.
Renovámos já, igualmente, as nossas iniciativas relativas à criação de 28 novas freguesias e da elevação de algumas valas a cidades.
Lutaremos com toda a energia, no quadro da Constituição, contra o Governo Sá Carneiro Freitas do Amaral, que tem a palavra descentralização na boca, mas o centralismo no coração e no pensamento.

O Sr. Manoel Moreira (PSD): - Isso é falso!

O Orador: - Tanto é assim, que enquanto o Programa da AO prometia demagogicamente, a p. 13, a "redução da intervenção tutelar do Governo" relativamente às autarquias locais, o Programa deste Governo foge a repetir essa afirmação concreta; em contrapartida, ameaça ingerir-se, através da sua pretensa e já tão estafada Reforma Administrativa, em matéria, entre outras, de serviços dos municípios, desprezando a autonomia que a este respeito deve ser reconhecida às assembleias e câmaras municipais. Por isso, face a este Governo centralizador e paternalista e à aliança dos partidos da direita, que são tanto mais centralizadores quanto mais estão enterrados no Governo, nós lutaremos tão convictamente contra quaisquer ameaças e atentados ao poder local do Portugal de Abril quanto convictamente cooperaremos nos órgãos das autarquias locais com todos os eleitos que queiram trabalhar para o bem-estar das populações.

Aplausos do PCP,

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, acabam de me informar que o Sr. Deputado José Manuel Casqueiro reserva a palavra para amanhã.

Sendo assim, a seguir à Sr.ª Deputada Natália Correia usará da palavra o Sr. Deputado João Amaral.

Tem a palavra a Sr.ª Deputada Natália Correia.

A Sr.ª Natália Correia (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Registo com particular agrado a tónica do discurso do Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro dos Negócios Estrangeiros na qual foi salientada a importância do fortalecimento da cultura europeia no reforço da defesa da civilização ocidental
É inevitável pô-la em consonância com o espírito de despolitização e de desoficialfcação que está presente no programa cultural do Governo. Apenas a concretização destes princípios requer toda a atenção do Governo para factos de índole dirigista que ocorreram em actos administrativos posteriores a 2 de Dezembro.
Cito dois exemplos flagrantes.

No Despacho n.° 204/79, de 20 de Dezembro, são tomadas em conta, para efeitos de prioridade na obtenção de subsídios ao ano económico de 1981,

Página 157

16 DE JANEIRO DE 1980 157

treze companhias de teatro contempladas com o subsídio máximo e duas com subsídio médio detentoras de subsídio em 1980. Quer dizer, o subsídio deixa de ser anual para ser bienal, verificando-se assim um intolerável dirigismo que invade o período de dois anos.
Este desaforo vem privilegiar esta- companhias com a ocupação do espaço teatral em desfavor de outras que vêem reduzida a oportunidade de serem contemplados os seus projectos.
Idêntico abuso foi cometido na política de cinema através do IPC. De acordo com o despacho de 21 de Dezembro, inculcaram-se seis longas metragens no plano de 1980 com a designação de "atenção prioritária". Para cúmulo e paradoxo, nesse despacho acrescenta-se: "Sem prejuízo da dotação prevista para esse ano de 1980 em relação a outros concorrentes." Mas como, se a verba destinada antecipadamente aos pré-seleccionados atinge um volume que substancialmente restringe a atribuição de outros subsídios? E come se isto não bastasse, um despacho de 26 de Dezembro faculta aos pré-seleccionados o levantamento imediato de 250 ou 100 contos, conforme as metragens.
Que é isto senão totalitarismo, que é isto senão unidireccionismo cultural dentro do mais primário atropelo de uma cultura de suporte democrático?

Vozes da maioria parlamentar: - Muito bem!

A Oradora: - É tempo de os Governos se aperceberem de que a crise cultural é a ferida aberta na identidade nacional e mesmo europeia. Uma hegemonia asfixiante do sector técnico-administratiyo está a devorar as reservas culturais da nossa civilização. Esta debilidade ética-intelectual é a porta que nós próprios abrimos ao expansionismo da ideologia do comunismo internacional.

Vozes da maioria parlamentar: Risos do PCP.

Muito bem!

A Oradora: - É verdade!

Aponta-se também como orientação de fundo do Programa cultural do Governo a defesa do património cultural. Subentende esta linha de acção que se reformule a legislação referente à defesa do património cultural, reforçando-se o regime de sanções aplicáveis à depredação dos bens patrimoniais.

Aplausos da maioria parlamentar.

É igualmente exigível a desburocratização da classificação dos monumentos que, enquanto aguardam serem classificados, carecem da defesa legal que a classificação lhes concede.
Sublinhei, a título de exemplo, uma outra prioridade das várias que não poderão ser esquecidas pelo Governo no quadro de valorização da cultura portuguesa. Considero este aspecto inerente ao projecto de reconstrução da sociedade portuguesa que deu, neste Parlamento, a maioria de mandatos à AD.

Aplausos da maioria parlamentar.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Amarai.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, ÒFS. Deputados, Srs. Membros do Governo: É tradição dos governos e das figuras políticas da direita utilizarem a expressão "Reforma Administrativa" para escamotearem e esconderem propósitos centralizadores e antidemocráticos e tentativas de atingir os direitos e interesses dos trabalhadores da função pública; trata-se de uma tradição te vem de longe, pelo menos dos tempos do citado marcelista e cujo facho tem sido "carinhiente" transportado peio Sr. Vice-Primeiro-Ministro, precisamente o responsável pelo sector na estrutura do Governo.
A Reforma Administrativa, tal como sucedeu no ÍI Governo, volta hoje a ser - e novamente por interposta figura do CDS - a fórmula concreta e a chave para a realização de um velho sonho de domínio centralizador de todos os sectores da Administração Pública portuguesa, nomeadamente -veja-se a p. 2 do Programa do Governo - da Administração Central do- Estado, dos institutos e fundos autónomos, da Previdência Social, dos órgãos e serviços periféricos e -pasme-se! - das próprias autarquias sociais. Não deixa de ser significativo, a este propósito, relembrar, como já fizemos aqui, que a "redução da intervenção tutelar do Governo", uma das prometidas orientações gerais do Programa Eleitoral da AD para o poder local, desaparece no Programa do Governo, isto enquanto se mantém e se" acentua como linha de orientação -para o Governo! - a reforma dos serviços autárquicos e, noutro plano, a reformulação do regime do governo municipal. Diga-se ainda de passagem que a tendência centralizadora, que assim se explicita, revelou-se desde logo no próprio modelo que o Governo escolheu para se auto-organizar, ao denegar aos Secretários de Estado qualquer competência própria atribuída por lei, passando-os para um regime centralista de receptores das competências que os Ministros entendam delegar-lhes.
A Reforma Administrativa é encarada no Programa do Governo, por um lado, como uma questão técnica - e tecnocratica - colocada (no quadro do objectivo da compressão da despesa pública) como um fim em si mesma; e, por outro lado, como um instrumento de poder político, que exigirá gestão moderna (e europeia...), controle eficaz e despartidarização (leia-se docilidade, submissão à orientação política dos partidos do Governo e, em última análise, caça às bruxas!).
As tarefas do Estado que deveriam enformar toda a Reforma Administrativa reduzem-se ao objectivo de promover o desenvolvimento, que só não é nebuloso porque ganha sentido com o conjunto de medidas propostas pelo Governo, que apontam para a intensificação da exploração e opressão dos trabalhadores e para a restauração do poder económico e político dos grandes grupos económicos e dos latifundiários.
No severo diagnostico que o Governo faz sobre a situação da Administração Pública portuguesa, para além da constatação cãs realidades óbvias, ressaltam as alusões à produtividade "baixa", aos custos "elevados", ao mau dimensionamento, "gestão obsoleta",
Sendo objectivos confessados do Governo combatei o déficit do Orçamento corrente e condicionar as melhorias da situação económica e social dos trabalhadores da função pública às disponibilidades orçamentais

Página 158

158 I SÉRIE - NÚMERO 5

tais e à política de combate à inflação em cujas causas salienta precisamente o aumento da despesa pública - as consequências são óbvias e ficam à vista: aumento do desemprego na função pública, acentuação do pendor hierarquizante e do vezo disciplinar, intensificação dos ritmos de trabalho, medidas parcas & insuficientes no plano económico e social. Claro que o estatuto pré-eleitoral, que o Governo terá certamente bem presente ao abordar questões como esta, o levará muitas vezes a conter-se ou ai acoçar a pílula...
Mas as ameaças ficam! E com elas permanecem também como significativas de uma política algumas das posições assumidas pelo PSD e CDS, por si próprios ou pela interposta pessoa do ex-Primeiro-Ministro Mota Pinto. Recordem-se as posições assumidas contra a greve dos trabalhadores da função pública em Março de 1978, quando o então Ministério da Reforma Administrativa era da responsabilidade de um dirigente do CDS por essa altura despartidarizado ... Recordem-se as posições - então e sucessivamente assumidas contra o direito à negociação por parte das associações sindicais representativas daqueles trabalhadores. Recorde-se o projecto de lei de liquidação do direito à greve, apresentado pelo PSD e apoiado pelo CDS; a resolução do Governo Mota Pinto considerando ilegítima a intervenção das comissões de trabalhadores na função pública; o decreto-lei do mesmo Governo, apoiado politicamente pelo PSD e pelo CDS, que considera a invocação da conveniência de serviço como fundamento suficiente para a prática de actos discricionários de transferência ou exoneração de trabalhadores da função pública; o artigo 6.º do decreto-lei motapintista, que aprova o Estatuto Disciplinar, e que permite ao competente Membro do Governo interpretar, ou seja, adaptar às conveniências as normas de um diploma que é da reserva dei competência legislativa desta Assembleia.
A Reforma Administrativa, tal como se desenha no Programa do Governo, tem afinal uma linha de continuidade já bem traçada. Não é uma reforma administrativa, é a continuidade da contra-Reforma Administrativa, executada precisamente pelos responsáveis da situação que aí se vive e visando aprofundar os seus traços negativos.
Da parte do Grupo Parlamentar do PCP, do mesmo passo que rejeitamos as posições do Governo, continuaremos nesta matéria a pautar a nossa actuação pela mesma linha de conduta que nos levou a representar quatro projectos de lei sobre justiça administrativa, entre os quais se inclui o projecto de lei sob o regime do processo administrativo não contencioso: por uma linha de conduta onde avulta o respeito integral pela Constituição da República e pelos princípios dela emergentes, nomeadamente os da gestão participada e da descentralização e desconcentração, pela defesa intransigente dos direitos e interesses dos trabalhadores da função pública, neles incluídos - é bom que isso seja hoje sublinhado - o direito à negociação das suas condições de trabalho, a liberdade sindical, o direito à greve, o exercício pleno dos direitos de acção sindical no local de trabalho, o direito à formação e actuação de comissões de trabalhadores - enfim, o seu direito & uma vida melhor, a lutarem por ela ombro a ombro com todos os outros trabalhadores e com todo o povo português.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, ia anunciar que os nossos colegas Castro Caldas e Aboim Inglês informaram que não usam hoje da palavra e que a reservam para amanhã.

O Sr. Amândio de Azevedo (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tenha a bondade.

O Sr. Amândio de Azevedo (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Já estamos habituados a que nas suas intervenções o Partido Comunista faça uma grande baralhada e no medo disso tudo vai metendo afirmações que não têm nada que ver com a realidade.

O Sr. Lacerda de Queirós (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Não pude reter tudo aquilo que foi disto, mas retive que foi imputada ao PSD uma posição contrária ao exercício do direito à greve por parte dos funcionários públicos e contrária à legitimidade da existência de comissões de trabalhadores na função pública. Para não ir mais longe, queria dizer que isso é redondamente falso. Se existe uma norma na lei da greve que reconhece expressamente o direito à greve m função pública, essa norma existe por proposta do PSD.

A Sr.ª Amélia de Azevedo (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Quando os professores determinaram o recurso à greve, o Governo Socialista, pela voz do seu Ministro Sottomayor Cardia, negou que eles tivessem o direito de recorrer à greve. Foi o Partido Social-Democrata quem nesta Assembleia da República levantou a sua voz em defesa exactamente desse, direito dos trabalhadores.

Aplausos do PSD.

No que respeita às comissões de trabalhadores, o Partido Social-Democrata, na elaboração da lei das comissões de trabalhadores, colaborou para que o problema fosse resolvido expressamente em ordem a considerar-se legítima a constituição de comissões de trabalhadores mesmo na função pública.
Gostaria que o Sr. Deputado ao Partido Comunista reconhecesse que foi longe de mais na sua tentativa de identificação do PSD com posições que ele nunca tomou, e lembro-lhe uma vez mais que o PSD nunca foi apoiante do Governo Mota Pinto, sendo até, em termos globais, dos partidos que mais críticas lhe dirigiu nesta Assembleia.

O Sr. Lacerda de Queirós (PSD): - Muito bem!

Risos do PCP.

O Orador: - Se o Sr. Deputado tiver dúvidas a esse respeito, faça o favor de consultar os Diários da Assembleia da República, porque eles transcrevem

Página 159

16 DE JANEIRO DE 1980 159

tudo o que aqui se passa e com certeza que transcrevem as críticas que em ponros capitais o PSD fez ao Governo Mota Pinto, em termos que puseram até em risco a unidade do partido.

O Sr. Jorge Leite (PCP): - Ora!

O Orador: - Portanto nada de mistificações, o PSD nunca apoiou o Governo Mota Pinto, variadíssimas vezes e em pontos capitais se pronunciou claramente contra o Governo Mota Pinto. Acusou, por exemplo, o Primeiro-Ministro Mota Pinto de pretender fomentar a cisão dentro do PSD.
E no que respeita ao direito à greve, o PSD reconhece esse direito em toda a sua extensão, naquilo em que ele é perfeitamente legítimo; o PCP é que só o reconhece enquanto não ascende ao Poder, porque uma vez que lá chegue o direito dos trabalhadores à greve como outros direitos ficam metidos na gaveta, como acontece nos países onde existem regimes como aqueles que o Partido Comunista defende.

Aplausos do PSD.

O Sr. Jorge Leite (PCP): - Isso já está gasto!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Passo de barato as considerações finais...

O Sr. Lacerda de Queirós (PSD): - Não passe, Sr. Deputado!

O Orador: - ...que são excrescentes e que não passam de uma linguagem habitual do PSD.
O que se passa muito concretamente em relação à questão que eu levantei nesta Assembleia, no que toca ao apoio que o PSD deu ao Governo Mota Pinto, pode-se verificar e configurar na posição que o PSD aqui assumiu quando se discutiu o problema do reconhecimento da actuação das comissões de trabalhadores. Aí o PSD não apoiou a proposta, que aqui foi apresentada, de condenação dessa posição.

O Sr. Amândio de Azevedo (PSD): - Não é verdade!

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Está escrito, vá buscar o Diário!

O Orador: - Está escrito no Diário, Sr. Deputado Amândio de Azevedo.
Quanto à questão do direito à greve, eu não disse que o PSD negava o direito à greve, o que disse e se prova também pelo Diário, concretamente através do projecto de lei que o PSD aqui apresentou...

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Está escrito no Diário!

O Orador: - ... é que o PSD pretendia esvaziar de conteúdo o exercício do direito à greve por parte dos trabalhadores da função pública e por isso esta Assembleia rejeitou o projecto de lei que ele aqui apresentou, que só foi apoiado pelo outro partido apoiante do Governo cujo Programa estamos a discutir.

Aplausos do PCP.

O Sr. Amândio de Azevedo (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tenha a bondade.

O Sr. Amândio de Azevedo (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados. É evidente que o PCP tem todo o direito de considerar que são excrescências quando se referem aqui verdades como punhos, que toda a gente conhece. Diga-me, Sr. Deputado, se os trabalhadores na União Soviética podem recorrer à greve, se podem fazer reivindicações, se há sindicatos livres. Diga-me isso tudo.

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Não vale a pena!

O Orador: - Diga-me também se em Portugal, no período em que o PCP teve aspirações a dominar o Poder, não tentou fazer o mesmo que acontece já nesses países, eliminando completamente as liberdades dos trabalhadores.

Protestos do PCP.

É uma história que todos conhecemos. Evidentemente que o PCP não o vai confessar, mas também não adianta porque toda a gente sabe que o PCP raramente diz aquilo que é verdade. Diz apenas as suas verdades que, infelizmente, a maior parte das vezes são precisamente o contrário da verdade.

O Sr. Lacerda de Queirós (PSD): - Muito bem!

O Orador: - No que respeita ao projecto de lei sobre o exercício do direito à greve na função pública, devo dizer-lhe apenas que não é nada exacto que ele se destinasse a esvaziar o conteúdo desse direito. Pelo contrário, destinava-se a dar concretização prática a esse direito, embora tendo em conta as circunstâncias particulares que se verificam no domínio da função pública...

O Sr. Jorge Leite (PCP): - Ah!

O Orador: -... que é um princípio universal em todos os países, porque há, evidentemente, interesses especiais a salvaguardar no domínio da função pública que porventura podem entrar em conflito com o pleno exercício do direito à greve por parte dos trabalhadores. O próprio PCP com certeza também não aceita o exercício do pleno direito à greve em todos os sectores da função pública, nomeadamente nas forças armadas ou noutros sectores onde esse exercício ponha gravemente em causa interesses vitais da nossa nacionalidade.

O Sr. Lacerda de Queirós (PSD): - Muito bem!

O Sr. João Amaral (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tenha a bondade.

Página 160

160 I SÉRIE - NÚMERO 5

O Sr. João Amaral (PCP): - O Sr. Deputado, de facto a conversa vai longa e a questão que discutíamos era simples: era a do direito à greve dos trabalhadores da função pública e o direito de os mesmos trabalhadores constituírem comissões de trabalhadores e exercerem através delas os direitos que lhes competem. Esta foi a questão que eu coloquei e é a esta questão que se exige uma resposta do PSD.
Quanto à sua argumentação em torno do sentido do projecto de lei do PSD sobre o direito à greve na função pública, não deixo de registar a curiosa contradição que existe na sua afirmação inicial de que tinha sido o PSD a introduzir na lei o pleno direito à greve dos trabalhadores da função pública quando comparada com esta sua última afirmação de que, afinal, é preciso regulamentar esse direito de acordo com as especiais condições em que vivem os trabalhadores da função pública.
É precisamente disso, Sr. Deputado, que eu acusei o Partido Social-Democrata: de querer, sob a capa das especiais condições, retirar aquilo que, talvez por razões conjunturais, até veio a votar favoravelmente quando se discutiu o direito à greve.

Aplausos do PCP.

O Sr. Amândio de Azevedo (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tenha a bondade.

O Sr. Amândio de Azevedo (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Só duas palavras. Já que é de factos que se trata ...

O Sr. Lacerda de Queirós (PSD): - E não só!

O Orador: - ..., quem apoiou e defendeu o direito à greve dos professores, que são funcionários públicos, foi o PSD. Acrescento agora que de facto quem tentou sabotar a greve dos professores foram os professores comunistas.

Vozes do PSD: - Muito bem!

Protestos do PCP.

O Sr. Aboim Inglês (PCP): - Como trabalhadores, têm o direito de dizer sim ou não à greve.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É só para dizer que são completamento falsas as afirmações do Sr. Deputado Amândio de Azevedo em relação à posição do PCP sobre a greve dos professores.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Lacerda de Queirós (PSD): - Não apoiado!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, creio que chegámos agora ao termo dos nossos trabalhos. Lembro que amanhã, às 9 horas e 30 minutos, haverá uma reunião dos presidentes dos grupos parlamentares com Presidente da Assembleia.
Desejo boa-noite a VV. Ex.ª.
Estão encerrados os trabalhos.
Era 1 hora.

Deputados que entraram durante a sessão:

Partido Social-Democrata (PSD)

Afonso de Sousa F. de Moura Guedes.
Alcino Cabral Barreto.
Amélia Cavaleiro M. de A. de Azevedo.
Américo Abreu Dias.
António José Ribeiro Carneiro.
António José dos Santos M. da Silva.
Armando António Correia.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Eleutério Manuel Alves.
Fernando José da Costa.
Fernando Raimundo Rodrigues.
Francisco José de Sousa Tavares.
Jaime Adalberto Simões Ramos.
João Baptista Machado.
João Vasco da Luz Botelho de Parva.
José Ângelo Ferreira Correia.
José Bento Gonçalves.
José Manuel Medeiros Ferreira.
José Manuel Meneres Sampaio Pimentel.
Júlio de Lemos de Castro Caldas.
Manuel António Araújo dos Santos.
Manuel António Lopes Ribeiro.
Mário Dias Lopes.
Nicolau Gregório de Freitas.
Nuno Maria Monteiro Godinho de Matos.
Rui Alberto Barradas do Amaral
Valdemar Cardoso Alves.

Partido Socialista (PS)

Albano Pereira da Cunha Pina.
Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Rodrigues Ferreira Camboa.
António Chaves Medeiros.
António Fernando Marques R. Reis.
António José Sanches Esteves.
António Manuel Maldonado Gonelha.
Armando dos Santos Lopes.
Avelino Ferreira Loureiro Zenha.
Beatriz M. de Almeida Cal Brandão.
Bento Elísio de Azevedo.
Carlos Manuel Natividade da C. Candal.
Fernando Alves de Almeida Miranda.
Fernando Luís de Almeida T. Marinho.
Francisco Manuel Marcelo M. Curto.
Gualter Viriato Nunes Basílio.
João Alfredo Félix Vieira Lima.
João Cardona Gomes Cravinho.
João Joaquim Gomes.
Joaquim Sousa Gomes Carneiro.
José Gomes Fernandes.
José Luís do Amaral Nunes.
José Manuel Niza Antunes Mendes.

Página 161

16 DE JANEIRO DE 1980 161

Júlio Francisco Miranda Calha.
Luís Abílio Conceição Cacito.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Manuel José Bragança Tender.
Maria Emília de Melo Moreira da Silva.
Maria de Jesus Simões Barroso Soares.
Maria Teresa V. Bastos Ramos Ambrósio.
Mário Alberto Nobre Lopes Soares.
Raúl de Assunção Pimenta Rêgo.
Rodolfo Alexandrino Susano Crespo.
Victor Manuel Ribeiro Constâncio.

Partido Comunista Português (PCP)

Álvaro Augusto Veiga de Oliveira.
Joaquim Gomes dos Santos.
Octávio Floriano Rodrigues Pato.
Vital Martins Moreira.

Centro Democrático Social (CDS)

António Martins Canaverde.
Carlos Alberto Faria de Almeida.
Domingos da Silva Pereira.
Eduardo Leal Loureiro.
Emílio Leitão Paulo.
Henrique José C. de Meneses P. Moraes.
João Daniel Marques Mendes.
Joaquim Rocha dos Santos.
Manuel Baeta Neves.
Narana Sinai Coissoró.
Nuno Krus Abecasis.

Partido Popular Monárquico (PPM)

António José Borges G. de Carvalho.

Deputados que faltaram à sessão:

Partido Social-Democrata (PSD)

António Duarte e Duarte Chagas.
António Pinto Basto P. Gouveia.
Fernando José Sequeira Roriz.
Fernando Manuel A. Cardoso Ferreira.
Germano Lopes Cantinho.
Jorge Rook de Lima. José Maria da Silva.
Mário Júlio Montalvão Machado.

Partido Socialista (PS)

António José Vieira de Freitas.
Francisco Cardoso P. de Oliveira.
Jaime José Matos da Gama.

Centro Democrático Social (CDS)

Eugénio Maria Anacoreta Correia.
João Gomes de Abreu de Lima.

O DIRECTOR DOS SERVIÇOS DE APOIO PARLAMENTAR, Januário Pinto.

Página 162

PREÇO DESTE NÚMERO 84$00

IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×