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I Série - Número 8 Sábado, 19 de Janeiro de 1980

DIÁRIO da Assembleia da República

I LEGISLATURA 4.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1979-1980)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 18 DE JANEIRO DE 1980

Presidente: Exmo. Sr. Leonardo Eugênio Ramos Ribeiro de Almeida
Secretários: Exmos. Srs. Manuel Henriques Pires Fontoura Bento
Elísio de Azevedo
José Manuel Mala Nunes de Almeida
Manuel Baeta Neves

SUMÁRIO. - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas e 50 minutos.
Foi discutida e aprovada uma moção de confiança ao Governo por este apresentada, tendo intervido no debate, além do Sr. Primeiro-Ministro (Sá Carneiro), que o abriu e encerrou, os Srs. Deputados Cavaleiro Brandão (CDS), Borges de Carvalho (PPM), Luís Catarino (MDP/CDE), Mário Tomé (UDP), Adão e Silva (Indep.), Sousa Tavares (Indep.), Ourique Mendes (PSD), Leal Loureiro (CDS), Vital Moreira (PCP), Salgado Zenha (PS) e Helena Roseta (PSD).
Em pedidos de esclarecimento, protestos ou contraprotestos, usaram ainda da palavra os Srs. Deputados Carlos Brito (PCP), Luís Catarina (MDP/CDE), Veiga de Olheira (PCP), Castro Caldas (PSD), Carlos Macedo (PSD), Raul Rego (PS), Pedro Roseta (PSD), Godinho de Matos (Indep.), Vital Moreira (PCP), o Luís Coimbra (PPM).
Após a votação da moção de confiança, produziram declarações de voto os Srs. Deputados Mário Tomé (UDP), Helena Cidade Moura (MDP/CDE), Ferreira do Amaral (PPM), Rui Pena (CDS), Alda Nogueira (PCP), Carlos Lage (PS) e Moura Guedes (PSD).
A seguir a um dos intervalos da sessão o Sr. Presidente saudou uma representação da Assembleia da República da Coreia do Sul presente na Tribuna do Corpo Diplomático e que fora recebido momentos antes por uma delegação parlamentar, tendo a Câmara aplaudido a representação sul-coreana.

O Sr. Presidente encerrou a sessão às 20 horas e 45 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada. Eram 10 horas e 25 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderem os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD)

Álvaro Barros M. de Figueiredo.
Amândio Anes de Azevedo.
Amélia Cavaleiro M. de A. de Azevedo.
Américo Abreu Dias.
António Augusto Lacerda de Queiroz.
António Duarte e Duarte Chagas.
António José Ribeiro Carneiro.
António José dos Santos M. da Salva.
António Maria Pereira.
António Maria de O. Ourique Mendes.
Armando Adão e Silva.
Armando António Correia.
Arménio dos Santos.
Carlos Encarnação.
Carlos Manuel Pereira de Pinho.
Carlos Matos Chaves de Macedo.
Cecília Pita Catarino.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Eleutério Manuel Alves.
Fernando José Sequeira Roriz.
Fernando Monteiro do Amaral.
Fernando Raimundo Rodrigues.
Germano Lopes Cantinho.
Germano da Silva Domingos.
Henrique Alberto F. do N. Rodrigues.
Jaime Adalberto Simões Ramos.
João Aurélio Dias Mendes.
João Luís Malato Correia.
João Vasco da Luz Botelho de Paiva.
Joaquim Manuel Cabrita Neto.
Joaquim Marques Gaspar Mendes.
Jorge Rook de Lima.
José da Assunção Marques.
José Baptista Pires Nunes.
José Henrique Cardoso.

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José Manuel Cochofel da Silva.
José Theodoro da Silva.
Júlio de Lemes de Castro Caldas.
Leonardo Eugênio R. Ribeiro de Almeida.
Manuel António Araújo dos Santos.
Manuel António Lopes Ribeiro.
Manuel Henriques Pires Fontoura.
Manuel Maria Moreira.
Manuel Maria Portugal da Fonseca.
Manuel Pereira.
Maria Adelaide Santos de Almeida Paiva.
Maria Helena do Rego da C. Salema Roseta.
Marília Dulce C. P. Morgado Raimundo.
Mário Dias Lopes.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Mário Martins Adegas.
Miguel Camolas Pacheco.
Natália de Oliveira Correia.
Nicolau Gregário de Freitas.
Nuno Aires Rodrigues dos Santos.
Pedro Manuel da Cruz Roseta.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rui Alberto Barradas do Amaral.
Valdemar Cardoso Alves.

Partido Socialista (PS)

Aderno Teixeira de Carvalho.
Agostinho de Jesus Domingues.
Albano Pereira da Cunha Pina.
António de Almeida Santos.
António Cândido de Miranda de Macedo.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Duarte Arnaut.
António Fernando Marques R. Reis.
António José Vieira de Freitas.
Armando Filipe Cerejeira P. Bacelar.
Beatriz M. de Almeida Cal Brandão.
Bento Elísio de Azevedo.
Carlos A. da Costa Sousa.
Carlos Cardoso Lage.
Edmundo Pedro.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Fernando Alves de Almeida Miranda.
Francisco Igrejas Caeiro.
Francisco Manual Marcelo M. Curto.
Frederico A. F. Handel de Oliveira.
Guilherme Gomes dos Santos.
Herculano Rocha.
Herculano Rodrigues Piras.
Joaquim José Catanho de Meneses.
Júlio Augusto M. de Montalvão Machado.
Luís Silvério Gonçalves Salas.
Manuel Francisco da Costa.
Manuel Joaquim de M. P. Tavares Santos.
Maria Emília de Melo Moreira da Silva.
Victor Manuel Gomes Vasques.

Partido Comunista Português (PCP)

Álvaro Augusto Veiga de Oliveira.
Álvaro Favas Brasileiro.
Angelo Matos Mendes Veloso.
António Joaquim Gervásio.
António Marques Pedrosa.
António da Salva Mota.
Carlos Alberto do C. da Costa Espadinha.
Gados Alfredo de Brito.
Carlos Campos Rodrigues da Costa.
Dinis Fernandes Miranda.
Ercília Carneira Pimenta Talhadas.
Fernando Freitas Rodrigues.
Francisco Miguel Duarte.
Hélder Simão Pinheiro.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
João António Gonçalves do Amaral.
Joaquim António Miranda da Silva.
Joaquim Victor Baptista G. de Sá.
Jorge do Carmo da Silva Leite.
José António Veríssimo Silva.
José Manuel Aranha Figueiredo.
José Manuel da Costa C. Marques.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Rodrigues Vitoriano.
Josefina Maria Andrade.
Maria Alda Barbosa Nogueira.
Maria lida da Costa Figueiredo.
Marino B. de Vasconcelos B. Vicente.
Rosa Maria Reis A. Brandão Represas.
Vítor Henrique Louro de Sá.
Vital Martins Moreira.
Zita Maria de Seabra Roseiro

Centro Democrático Social (CDS)

Adriano Vasco cia Fonseca Rodrigues.
Alexandre Correia de Carvalho Reigoto.
António Ferreira Pereira de Melo.
Artur Fernandes.
Carlos Alberto Faria de Almeida.
Domingos da Silva Pereira.
Eduardo Leal Loureiro.
Emídio Ferrão da Costa Pinheiro.
Henrique José C. de Meneses P. Moraes.
Henrique Manuel Soares Cruz.
João Daniel Marques Mendes.
João Gomes de Abreu de Lima.
João José Magalhães F. Pulido de Almeida.
Joaquim António F. Pinto de Castelo Branco.
José Eduardo Fernandes Sanches Osório.
Luís Gomes Moreno.
Manuel Baeta Neves.
Maria Tabita L. F. Mendes Soares.
Narana Sinai Coissoró.
Pedro António J. B. Pestana Vasconcelos.
Rui Eduardo F. Rodrigues Pena.
Vítor Afonso Pinto da Cruz.

Partido Popular Monárquico (PPM)

António José Borges G. de Carvalho.
Augusto Martins Ferreira do Amaral.
Gonçalo Pereira Ribeiro Teles. Henrique.
José Barrilaro F. Ruas.
Luís Filipe Ottoline Bebiano Coimbra.

Movimento Democrático Português (MDP/CDE)

Helena Tâmega Cidade Moura.
Luís Manuel A. de Campos Catarino.

União Democrática Popular (UDP)

Mário António Batista Tomé.

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O Sr. Presidente: - Responderam à chamada 152 Srs. Deputados. Temos quorum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 10 horas e 50 minutos. Entretanto tomaram lugar, na bancada do Governo o Sr. Primeiro-Ministro e os Ministros.
O Sr. Presidente:- Srs. Deputados, como sabem, a ordem e trabalhos de hoje é a discussão e votação da moção de confiança apresentada peio Governo.
Vai ser lido o texto de moção.

Foi lido. É o seguinte:

Exmo. Sr. Presidente da Assembleia da República:

Excelência:

Considerando que, nos termos do n.º 1 do artigo 185.º da Constituição da República Portuguesa, o «Governo é o órgão de condução da política geral do País & o órgão superior da administração pública»;
Considerando que na opinião do Governo não deve bastar que uma maioria parlamentar tenha recusado' a aprovação de uma ou várias moções de rejeição do Programa do Governo, demonstrando assim, implicitamente, a .sua concordância com o conteúdo deste;
Considerando, portanto, que nessa ordem de ideias importa também que a Assembleia da República atribua positivamente a sua confiança ao Governo e reconheça expressamente que ele tem as condições necessárias para executar as medidas políticas e legislativas constantes do seu Programa;
Nos termos do artigo 196.º da Constituição da República Portuguesa ei do artigo 199.º do Regimento dia Assembleia dá República, venho requerer? ai V. Ex.ª se digne informar a Assembleia da República de que o Governo deliberou solicitar a aprovação de um voto de confiança sobre o seguinte assunto relevante de interesse nacional:

Considera a Assembleia da República que o Governo merece a sua confiança e tem as condições necessárias para executar, de forma cabal, o Programa que acaba da passar na Assembleia, por força da rejeição das moções apresentadas pelos Grupos Parlamentares dó Partido Socialista e do Partido Comunista?
Dada a relevância deste assunto de manifesto interesse nacional, mais requeira a V. Ex.ª se digne considerar a urgência da sua apreciação, para todos os efeitos constitucionais e regimentais.
Aproveito parai apresentar a V. Ex.ª os melhores cumprimentos e os protestos da minha melhor consideração.

De V. Ex.ª, muito atentamente, Francisco Sá Carneiro.

O Sr. Presidente: - Na reunião dos grupos parlamentares o em consenso estabelecido também com o Governo, ficou assente que o timing desta discussão, será o seguinte: o Governo disporá de um total de cinquenta minutos, que repartira como entender por duas intervenções, uma que fará em seguida para justificação do pedido de moção dês confiança; o Partido Socialista e o Partido Comunista disporão de quarenta minutos cada um, o Partido Social-Democrata e o Centro Democrático Social disporão de trinta minutos cada um, o Partido Popular Monárquico, o MDP/CDE ç a UDP disporão de quinze minutos cada um e, no seu conjunto, os Srs. Deputados independentes disporão também de quinze minutos. O debate será encerrado por uma nova intervenção do Governo, que usará, nesta intervenção, o tempo que faltar entre o que gastar na primeira intervenção e os cinquenta minutos totais que lhe foram atribuídos.

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Sr. Presidente, para evitar qualquer hipótese de confusão, eu desejava esclarecer que o Governo pode fazer o número de intervenções que quiser e tem sempre o privilégio de. utilizar os minutos que lhe restarem para encerrar o debate.
O Sr. Presidente disse que o Governo tinha direito a duas intervenções, mas o Governa tem direito a fazer as que quiser e pode sempre usar os minutos que lhe restarem para encerrar o debate.

O Sr. Presidente: - Ontem tinha ficado apontada esta ideia, porque o calendário, tal como estava organizado, apenas previa uma intervenção e o Sr. Ministro Adjunto do Primeiro-Ministro invocou o artigo 197.º do Regimento a fim de utilizar o direito de encerrar o debate, tendo sido este esquema que ficou apontado.
Em todo o caso, aceito e registo a sua informação, que é muito útil, e, portanto, ficará como traço definidor da intervenção do Governo.
Devo ainda acrescentar que, depois da votação da moção de confiança, cada partido dispõe de dez minutos para efeitos de declaração de voto.
Tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro (Sá Carneiro): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: No debate que ontem terminou, as oposições procuraram demonstrar que o Programa do Governo implicava o desrespeito pela Constituição, implicava, na sua execução, a alteração do regime democrático. Procuraram ainda demonstrar que este Programa não satisfazia o artigo 191.º da Constituição. Procuraram provar e fazer aprovar tudo isto nesta Assembleia.
A Assembleia, não aprovando as moções de rejeição, afastou as teses das oposições.; Vem hoje aqui o Governo, depois; dei o seu Programa ter passado, pedir a esta Câmara que, pela positiva, expressando a sua confiança, acolha a tese contrária àquela que as oposições não conseguiram fazer vingar.
Do ponto de vista jurídico-constitucional, é não apenas a correspondência do Programa ao artigo 191.º da Constituição, mas também o primeiro acto me-

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diante, o qual o Governo pretende responder politicamente perante esta Assembleia nos termos do artigo 193.º dai mesma Constituição.
Pelas razões constantes da moção de confiança pedida, que acabou de ser lida, entende o Governo que aquilo que será de facto a sua investidura pela positiva, pela aprovação da moção da confiança, reforça a posição do Governo. Torna-o, perante o País, senhor de um poder agora, acolhido pela confiança expressa desta, Assembleia, poder esse que assim confirmado, peia positiva, é necessário para que não fiquem dúvidas que o Governo na sua composição, na sua capacidade e no seu Programa corresponde à decisão do eleitorado no dia 2 de Dezembro.
A vós, Srs. Deputados da maioria, pede o Governo que, desempenhando o mandato que receberam dos eleitores, expressando o prolongamento da vontade dos eleitores, digam nesta Câmara e perante e País que é este o Governo que o acro do dia 2 de Dezembro escolheu, que é este o Governo que a Nação, através desse acto, acolheu.

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Mas não se trata apenas desta posição jurídico-constitucional e das suas implicações políticas, já de si importantes.
No debate ontem terminado a relação estabelecia-se sobretudo entoe o Governo e

Os Srs. Amândio de Azevedo e Pedro Roseta (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Entendemos que uma das causas da incapacidade governativa até agora demonstrada foi esta falta de unidade dentro os membros do Governo - na sua actuação política e queremos deixar bem claro que ela existe entre nós, mas que existe também, para além do Governo, convosco, Srs. Deputados da maioria.
Não é apenas, portanto, uma confiança que vos pedimos. Este acto tem também o sentido de uma confiança que vos expressamos - nós, Governo, a vós, Deputados da maioria -, confiança na vossa coesão, ma vossa determinação para cumprir um Programa que o eleitorado acolheu, confiança, de resto, bem merecida pela actuação dias bancadas da maioria no debate parlamentar que ontem terminou.
Desenganem-se aqueles que querem apostar naquilo que chamam «efemeridade» da nossa maioria. Desenganem-se aqueles que procuram, desde logo, com algumas «piscadelas de olho», ontem evidentes - incuráveis esses métodos! - fomentar tensões dentro da nossa maioria. E nossa maioria lhe chamo porque de facto o é.
Experiência inédita aqui esta relação de confiança recíproca, de solidariedade mútua, entre um Governo e uma maioria que o apoia, na base de um Programa comum que os Portugueses acolheram e fizeram seu, trazendo aqui esta verdadeira maioria nacional, como ontem aqui tive ocasião de dizer.
O Governo define, com certeza, a sua política e por ela é responsável designadamente aqui no Parlamento. Mas o Governo sente e tem a necessidade
- e tem-na também o País - de na sua acção política funcionar não apenas apoiado, mas integrado nas iniciativas e na política aqui desenvolvida pela maioria parlamentar.

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Muito bem!

O Orador:- Podereis sempre, ao recusardes-nos a vossa confiança, agora ou quando a questão for suscitada, substituir este Governo. É isso a representatividade democrática. É através de vós e da vossa confiança - da sua manutenção ou retirada -, que se estabelece a relação entre o Governo e o eleitorado. Ela não é uma relação imediata, mas uma relação que vós, Deputados da maioria, mediais. Vós responsáveis, acima, de tudo, perante o eleitorado. E nós, Governo, perante vós.
É nesta relação clara e solidária que aqui se que deixar bem expressa com o pedido de confiança que marca a investidura parlamentar positiva do Governo que actuaremos. E, nesse sentido, discordo de uma expressão aqui empregue por um Deputado da maioria; discordância que, no fundo, significa concordância com o que se quis dizer, mas que a expressão podia talvez deturpar. O Governo não pede à maioria que seja sua «muleta», nem ela disso seria capaz. E porquê? Porque se o Governo fosse coxo a maioria não lhe servirá certamente de muleta e diria, muito claramente, que o queria substituir.

O Sr. Angelo Correia (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Mas não foi esse, é evidente, o sentido da expressão a que me refiro. Apenas quis, deixar claras as relações entre vós, maioria parlamentar, e nós, Governo. Não haverá, estou convencido, necessidade de («muletas», porque nem vós nem nós seremos coxos no caminho que o eleitorado nos impôs e que trilharemos sempre com firmeza, com sobriedade e com eficácia. Assim o impõe, «pito, a responsabilidade, diferente na sua execução mas com a mesma raiz na sua assunção, que vós Deputados da maioria, e nós, Governo, seu prolongamento no executivo, assumimos perante um eleitorado que em nós confiou.

O Sr. Fernando Amaral (PSD): - Muito bem!

O Orador: - E aí está, no fundo, a confiança essencial que aqui se discute: a manifestação ao Governo da confiança do eleitorado, que está nas vossas mãos pelo voto livre e democrático do dia 2 de Dezembro.

Aplausos da maioria parlamentar.

O Sr. Presidente: - Algum dos Srs. Deputados pretende usar da palavra para pedir esclarecimentos ao Governo?

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O Sr. Carlos Brito (PCP): - Peço a palavra para pedir esclarecimentos, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a, palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente.

Srs. Deputados: Acabámos de ouvir a explicação dada pela voz autorizada do Primeiro-Ministro relativamente às razões que tiveram o Governo a apresentar, tão prematura e inesperadamente, uma moção de confiança.
Ficou-nos a ideia, aliás bastante explícita, de que não se trata propriamente, no pensamento do Governo, de solicitar essa confiança à Assembleia da República como órgão de Soberania. Daquilo que o Primeiro-Ministro acaba, dê dizer fica dará a ideia que se trata de um negócio em família, um negócio na família da AD...

Risos do PS e do PCP.

...e portanto por razões internas da AD, ao que parece, é excluída a participação e a intervenção da Assembleia da República.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - O PCP também queria dar ao Governo a sua confiança?

O Orador: - Apesar da forma um tanto rude como os partidos da oposição são arredados do debate, da discussão e apreciação da moção de confiança, ainda assim permita-me colocar-lhe a seguinte questão: não entenderá o Governo que esta prova, que pretende ser de força, poderá ser bem compreendida como uma prova de fraqueza?
Depois de passado o Programa do Governo, o simples facto de este sentir a necessidade de solicitar um voto de confiança à sua maioria...

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - À maioria da Câmara!

O Orador: - ... não poderá significar que o próprio Governo não se sente em cabal posição de executar o Programa que foi aprovado por essa maioria?
Não decorre do que acaba de dizer que é legítima a dúvida, ao contrário do que o Sr. Primeiro-Ministro afirmou, sobre a confiança do Governo na sua maioria?
E não será isso também uma forma de, à outrance, o Governo forçar a expressão de um apoio que pode ser hesitante?
Risos da maioria parlamentar.
Não será uma forma de forçar a consciência de cada Deputado da maioria, de todos e de cada um, amarrando-os.

Risos da maioria parlamentar.

O Sr. António Lacerda (PSD): - Olhe que não!

Uma voz do CDS: - Veja lá se a APU faz isso!

O Orador: -... a uma política que foi aqui gravemente contestada e que certamente deixou dúvidas e interrogações no espirito de muitos Deputados, mesmo daqueles que rejeitaram as moções de rejeição?

O Sr. Angelo Correia (PSD): - Amarrado é com argolas - isso é com V. Ex.ª.

O Orador: - Não só, pode ser com cordas de nylon, com processos mais sofisticados.
Mas esta pergunta é realmente crucial: será que o Governo, que, segundo os preceitos e todas as normas constitucionais, está agora em plenas condições de governar, manifestadas as duas confianças exigidas pela Constituição, está, num acto de força, a pressionara consciência dos próprios Deputados da sua maioria?

Risos da maioria parlamentar.

A Sr.ª Amélia de Azevedo (PSD): - Esteja descansado!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Catarino, também para pedir esclarecimentos.

O Sr Luís Catarino (MDP/CDE): - Sr. Primeiro-Ministro: Recebemos com algum espanto a vossa solicitação de uma moção de confiança e percebemos perfeitamente o sentido das palavras que V. Ex.ª acabou de proferir.
Todavia, e independentemente de algumas questões que serão postas na intervenção a fazer por este partido, desejava pôr-lhe já algumas questões.
Ontem disse V. Ex.ª, numa réplica directa a um partido da aposição, que o Governo, passado nesta Assembleia, assumiria toda a plena legitimidade e a plena competência para tomar todas as iniciativas legislativas, pois era disso que na altura se tratava, no sentido de alterar, ou mesmo revogar, a Lei Eleitoral. E chamava-nos V. Ex.ª a atenção para o facto de que a oposição devia observar o princípio do respeito pelo funcionamento das instituições democráticas e invocava para o Governo a plena legitimidade e competência para todos os actos do seu leque institucional, pela simples razão de o Programa do Governo passar nesta Assembleia.
Se é assim, se realmente o funcionamento da instituição que é a Assembleia da República garantia isso ao Governo, por que é que o Governo hoje pede um voto de confiança da Assembleia da República?
V. Ex.ª e os membros deste Governo foram nomeados pelo Presidente da República e sabemos que a instalação da legitimidade do Governo pertence a um acto do Presidente da República. Pergunta-se: não será o Governo sensível a um eventual desmerecimento do acto de nomeação do Presidente da República pelo simples pedido.; de um voto de confiança a evita Assembleia? Não é V. Ex.ª sensível a um eventual risco de atrito entre poderes do Estado, nomeadamente entre o Presidente da República e o Governo de V. Ex.ª ou mesmo entre o Presidente da República e esta Assembleia da República?
São estas as questões, que me parecem de uma importância gravíssima, que nós desejamos ver esclarecidas.

O Sr. Presidente: - Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Oliveira.

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O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Sr. Presidente, Si í. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro: Não vou repetir o que já foi dito, pois dou o assunto por esgotado, mas queria fazer-lhe a seguinte pergunta: se, como é evidente pela -, suas próprias palavras, o problema de confiança é mais interno à Aliança do que entre Governo e esta Assembleia, se o problema da confiança é uma questão que tem que ver com a interpretação de expressões como «muleta» e «piscadelas de olho» que eu aliás não tinha notado -, pergunto. Sr. Primeiro-Ministro, se não acha excessivo transformar e seja Assembleia numa sala de reunião em que se reúne; o Governo e a sua maioria, embora usa reunião seja perfeitamente legítima, para tratar de questões que são vossas e nas quais nós não podem;) nem tão-pouco desejamos intervir. De qualquer modo, não acha excessivo fazer funcionar um órgão de Soberania para resolver questões que afinal são entre a maioria e o seu Governo?

Vozes do PS: - Muito bem!

Vozes do PSD: - Não apoiado!

O Sr. Castro Caldas (PSD): - Peço a palavra. Sr Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Castro Caldas.

O Sr. Castro Caldas (PSD): - Queria apenas prestar um curto esclarecimento às perguntas feitas pelos Sn. Deputados Carlos Brito e Veiga de Oliveira, porquanto, se bem entendi, se sentiam excluídos do da moção de confiança...

O Sr. Raul Rego (PS): - Afinal sempre há muletas!

O Orador: -... e portanto o facto de não poderem participai no debate era a razão do afastamento da Câmara deste problema.
Tenho imensa pena que seja este o sentimento da vossa bancada, porque da nossa bancada não gostaríamos, de forma nenhuma, de ver os Srs. Deputados Carlos Brito e Veiga de Oliveira excluídos deste debate, antes gostaríamos que eles interviessem. e votassem connosco a moção de confiança, porque isso significava, não que teríamos vencido, mas que leríamos convencido.

Aplausos do PSD.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Desejo apenas fazer um muito breve esclarecimento; em primeiro lugar para fazer notar que não é curial que, havendo da nossa parte perguntas dirigidas ao Primeiro Ministro, um Deputado da maioria se interponha, um tanto abusivamente, nesta relação de pergunta e resposta que se esperava ter com o Governo.
Creio que o Sr. Deputado Castro Caldas agravou as coisas e até pode ter deixado a sensação de estar com receio de que o Primeiro-Ministro não respondesse à altura.

Aplausos do PC P e risos gerais.

O Sr. Castro Caldas (PSD): - Peço a palavra,

Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tenha a bondade.

O Sr. Castro Caldas (PSD): - É apenas também para um curto esclarecimento.
Esta bancada está a usar o seu tempo e o nosso grupo parlamentar está aqui para isso mesmo.

O Sr. Presidente: - Peço o favor de não estabelecerem diálogo.

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Com certeza.

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Estamos na fase, anunciada pelo Sr. Presidente, de perguntas ao Governo - como aliás já fizemos na discussão do Programa e nesta fase não cabem esclarecimentos das bancadas. As bancadas da maioria daqui a pouco podem dar os esclarecimentos que quiserem, mas neste momento, se não têm perguntas a fazer, podem estar as perguntas da oposição.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Há mais algum Deputado que tenha esclarecimentos a pedir ao Sr. Primeiro-Ministro?

Pausa.

O Sr. Primeiro-Ministro deseja usar do direito de resposta?

O Sr. Primeiro-Ministro: - Sim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem então a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: - Devo dizer que não me comoveu a solicitude, a preocupação, quase angústia, manifestada pelo Sr. Deputado Carlos Brito, pela consciência dos Deputados da maioria parlamentar. Não me comoveu porque, se o fez como figura de retórica parlamentar, não' a posso, com toda a franqueza, achar sincera, depois do debate aqui travado ontem, depois das posições que a maioria ontem aqui claramente expressou.

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Mas esse é um problema que o Sr. Deputado põe ao Governo! O Sr. Deputado insurge-se porque a maioria fala, mas esse problema, afinal, parece que devia ter sido posto à maioria para ela responder, se é que ela «pode» responder.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Se é que ela pode responder!...

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O Orador: - Mas falemos das questões postas.
Perguntou o Sr. Debutado se este pedido de confiança traduziria força ou fraqueza. Eu diria que traduz as duas coisas, fraqueza e força: a fraqueza da oposição, a força da maioria e do Governo.

Aplausos da maioria parlamentar.

Fraqueza da oposição ontem aqui bem demonstrada, força da maioria que hoje certamente aqui será confirmada e que já ontem não deixou dúvidas a ninguém, a não ser, parece, ao Sr. Deputado que pediu o esclarecimento. Mas ?e teve ou tem dúvidas, porque contesta então a apresentação da moção de confiança? Teria ela, só por si, este efeito benéfico de esclarecer as dúvidas expressas pelo Sr. Deputado Carlos Brito.

O Sr. Amândio de Azevedo (PSD': - Muito bem!

O Orador: - Uma pergunta, que é comum aos Srs. Deputados Carlos Brito e Veiga de Oliveira, pode resumir-se a isto: é esta uma questão entre o Governo e a sua maioria ou é uma questão entre o Governo o Parlamento?
É evidente, Srs. Deputados, que é uma questão entre o Governo e o Parlamento - é o que deriva da Constituição que VV. Ex.ª nunca esquecem. É, pois, uma questão entre o Executivo e o Parlamento, posta sem sofismas e sem hipocrisia, porque seria um sofisma e uma hipocrisia se eu. em nome do Governo, depois do encerramento do debate de ontem, tivesse solicitado um voto de confiança às oposições.
Mas é evidente que, para além do formalismo, temos de atender à realidade das coisas, embora, para mim, se explique o defeito de análise traduzido nessas perguntas pela pouca prática existente e demonstrada, especialmente pela bancada do PCP, de votos de confiança, de governos majoritários e desta prática parlamentar, claramente europeia e por isso com certeza mal compreendida por essa bancada, onde se forma relação clara entre um Governo e a maioria que o apoia.
É, pois, aqui no Parlamento que se discute a relação entre dois Órgãos de Soberania e isso nunca podia ser, nem é, uma questão cê família. A não ser que se pense na família portuguesa, na família democrática e, dentro desse quadro, na relação entre estes Órgãos de Soberania que são o Governo e o Parlamento.

Vozes do PSD e do CUS: - Muito bem!

O Orador: - É evidente também que o debate parlamentar dos últimos dias e o comportamento da maioria, aos quais me referi nas palavras iniciais, não deixaram dúvidas a ninguém. Veiemos se este debate permitirá esclarecer algumas dúvidas que podem ter ficado devido a votações não totalmente coincidentes das oposições. Será também uma vantagem da apresentação da moção de confiança.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Perguntou o Sr. Deputado Luís Catarino: então não há plena legitimidade? Não falei eu ontem, nas minhas palavras de encerramento do debate, em plena legitimidade e competência do Governo para executar todas as reformas? Sim, mas não me referi apenas à simples passagem do Programa do Governo. É que desde o início do debate, que ontem terminou, o Governo anunciou a sua decisão de solicitar à Câmara um voto de confiança e só por questões de interpretação regimental, com a aceitação do Governo, a discussão e votação se fez em duas fases. Mas, como disse há pouco, com este voto de hoje, que será uma afirmação pela positiva, ficará mais clara e exuberantemente provada a autoridade que o Governo tem, pela sua ligação com o eleitorado aqui representado, para proceder a todas as transformações constantes do seu Programa.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A última questão, com uma aparência de maior gravidade e delicadeza, resume-se a isto, abreviando as palavras do Sr. Deputado Luís Catarino: mas não poderá o Sr. Presidente da República considerar um acto quase afrontoso este pedido de confiança? Não poderá daí nascer um atrito entre D Governo e o Presidente da República e, quiçá entre o próprio Parlamento e o Presidente da República?
Ê evidente que não. Ao interpreta-se assim este acto político, parece-me que se quer afinal criar todo um envolvimento, toda uma imagem que, em lugar de afastar riscos de afrontamento que tantos dizem, os podem agravar.

O Sr. Emídio Pinheiro (CDS): - Muito bem!

O Orador: - Não é uma intenção que lhe impute, Er. Deputado, é uma conclusão objectiva que tiro da sua pergunta, do que da significa.
Mas vamos ao fundo da questão. Ê normal e natural que, quando um Governo está ligado ao eleitorado por uma maioria que e apoia, o Presidente da República se sinta legitimado para conservar um certo distanciamento em relação ao Governo. Quando os governos não item maioria, o Presidente da República é mais solidário com eles, no sentido de estar mais próximo deles, visto que repousam essencialmente na sua confiança - assim sucedeu no passado -, e disso depende também a extensão dos pó deres presidenciais. Quando o Governo está apoiado numa maioria, como vinquei, de resto, claramente perante ó Sr. Presidente da República no meu discurso de posse, é nessa legitimidade que. essencialmente se apoda o Governo, sem quebra da sua responsabilidade política, que nos termos constitucionais existe, perante o Presidente da República.
E como e Governo traçará sempre um caminho claro e nunca procurará iludir as questões, não vale a pena iludir aquilo que foi patente perante todos os portugueses no discurso de investidura presidencial de Governo. Houve de facto um certo distanciamento do Presidente da República em relação a este Governo, distanciamento que, pelas razões que expus, considero perfeitamente normal. Normal, é pois, este acto de confiança que o Governo pede à Assembleia, especialmente à sua maioria, como é evidente.
Estou seguro de que, ao contrário do que parece reafirmar o Sr. Deputado que pediu o esclarecimento, um o Governo nem o Presidente da República interpretaram desse modo o pedido de confiança e o

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voto que daqui sairá. Nem ele pode ser fundadamente interpretado de acordo com o receia do Sr. Deputado, por qualquer outra interpretação análoga quer de factos políticos, quer das normas constitucionais. Estamos perfeitamente à vontade, porque sempre pusemos as coisas muito claramente a todos os Órgãos de Soberania envolvidos nas perguntes.
Poderá ainda ter este acto a vantagem de esclarecer que o artigo 191.º da Constituição, de que fadou inicialmente o Conselho da Revolução e de que falou em seguida o Partido Comunista Português, é, no meu cumprimento, fiscalizado por esta Câmara. Foi focalizado ontem por uma decisão de não rejeição. Será fiscalizado hoje, pela positiva quando a maioria disser, como espero, que esse artigo 191.º da Constituição cuja fiscalização, repito, apenas compete ao Parlamento - foi cumprido.

Aplausos da maioria parlamentar.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Ainda, e sob a forma da uma breve observação, vou insistir na interrogações que fiz inicialmente e serei o mais breve possível.
Em primeiro lugar, registo que muito a custo, muito a custe, muito a custo, o Sr. Primeiro-Ministro acaba por conceder o benefício da dúvida às dúvida? da oposição sobre o sentido e sobre o resultado do voto de confiança que suscita.
Pela nossa pane, diremos que o processo ainda agora começou, mas que é notório que na breve lua-de-mel entre o Governo e a maioria parlamentar já há sintomas de incompatibilidade de génios. Não consideramos que isso seja o essencial, mas são notórios esses sintomas.
Para nós o essencial é que as promessas de carácter sócia] do Governo se vão esvaziar, ficando a nu o osso da sua política, uma política de confrontação e de conflito, e é por disso que este Governo não Hera via longa, é por isso que este Governo cairá e será substituído por um governo verdadeiramente democrático que realize uma política de acordo com o artigo 191.º da Constituição.

Aplausos do PCP e risos da maioria parlamentar.

O Sr. Primeiro-Ministro: - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: - Se me é permitido dar um esclarecimento complementar em relação às muitas palavras, eu diria que aquelas que o Sr. Deputado Carlos Brito acabou de pronunciar, no seguimento do debate que ontem terminou, demonstram porque é que o Governo de modo nenhum quer que o Partido Comunista tenha quaisquer dúvidas. É que o Governo, no fundo, quer também deixar bem claro que não pretende de modo algum associar o Partido Comunista ao outro partido da oposição à confiança que aqui é pedida à Câmara. Não lha 'pedimos nem a queremos.

Aplausos da maioria parlamentar.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Macedo.

O Sr. Carlos Macedo (PSD): - Sr. Presidente, pedi a palavra para dar um esclarecimento á Assembleia.
Através do pedido de voto de confiança, o Governo não pretende pressionar as consciências dos Deputados. É estranho que se coloque à questão nesta base. E porquê? Porque a única pressão que cada Deputado da maioria sente é a pressão do seu eleitorado, é a pressão do sentido do voto que nos elegeu. Não estamos submetidos a qualquer outro tipo de pressão, ao contrário de alguns sectores da oposição.

Aplausos da maioria parlamentar.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - É uma voz!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, encerrada esta fase de pedidos de esclarecimento à intervenção do Sr. Primeiro-Ministro, abre-se o debate sobre a moção de confiança.
Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Cavaleiro Brandão.

O Sr. Cavaleiro Brandão (CDS): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Sr. Vice-Primeiro-Ministro, Srs. Ministros, Srs. Deputados: Entrei e sentei-me, pela primeira vez, nesta Câmara ainda há poucos dias. Fi-lo com o respeito que necessariamente deverá merecer-me uma instituição onde pode considerar-se assumida a representação dos interesses do País através da presença eleita das sensibilidades políticas dominantes a nível nacional.
Porém, e sem prejuízo do respeito que também possam merecem individualmente os Srs. Deputados, devo confessar o embaraço e até o certo desencanto com que assisti aos trabalhos que nesta Assembleia e estiveram desenvolvendo, sob o propósito de apreciação e discussão do Programa do Governo.
De facto, se um programa é, por definição um projecto organizado e integrado de acção - como aliás era o caso - para um certo período de tempo futuro, a verdade é que raramente se falou de futuro, raramente se falou de acção, raramente se falou de projecto.
A oposição não cumpriu o seu papel de contradita e mostrou-se incapaz de dialogar sobre como vão ser governados os Portugueses, antes se apresentando exclusivamente preocupada com miudezas do seu exclusivo interesse partidário.
A oposição exibiu aliás a manutenção de um posicionamento político inteiramente desfasado do tempo real da história portuguesa, entretida em complicadas e imaginosas confabulações, prisioneira dos seus problemas internos e enredada nas suas próprias contradições. É óbvio que não entendeu ainda o significado do 2 de Dezembro, nem sequer o sentido essencial do processo social que está em curso e de que a Aliança Democrática é mera afloração e formal estruturação política.

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Assim, o Partido Socialista não se mostrou capaz de ultrapassar o que acabará por definir uma vocação inelutável de autodestruição, amarrado às glórias da unidade antifascista e dos velhos tempos da 1.º República, temeroso do seu próprio revisionismo, enternecido e encantado pela indolente suavidade da falta de rumo certo e da ambiguidade institucionalizada. Está fechado num espaço que se vai reduzindo e progressivamente. Vive, no entanto, preocupadíssimo com a situação da engenheira Pintasilgo e a respeito do exacto local de pernoita do nosso embaixador em Moscovo. Vai-se enrodilhando uma doentia necessidade de velar pelo que fez e de explicar o que não fez. Encontra-se assim absorvido na defesa do que foi mera administração em período intercalar de transição - sem entender que só agora o Pio da História nacional está a ser verdadeiramente retomado. O Partido Socialista vai-se perdendo e dissolvendo no enredo da pequena história e assim se vai desatrelando do comboio imparável da nossa vida colectiva, incapaz de assomar à janela para ver que Portugal está em marcha e já aponta para onde quer ir.
De forma menos entristecida, mas mais raivosa e, por isso, mais flagrantemente impotente, também o Partido Comunista não consegue alcançar o que se está passando. Limitou-se aqui à já tradicional solidariedade com a violência estalinista e com o terror dos tanques soviéticos, entrincheirando-se sob a bandeira rota das «sagradas conquistas». Aliás, em termos ca renovada e mais acentuada miopia política, volta agora a entretecer-se com o espantalho do comunismo - sem compreender que o comunismo defendido pelo partido está já há muito desmistificados pelo povo português, está inteiramente desfasado do fluxo de progressão da nossa sociedade e, como tal, não representa para nós um adversário que especialmente nos preocupo e, muito menos, possa ser o nosso principal adversário.

Risos do PCP.

Em face de tão desastroso, como eventualmente perigoso, desentrosamento dos Partidos Socialista e Comunista valerá a pena tentar explicar aqui - mais uma vez - para que a oposição possa ganhar em valor e utilidade para o País e para o sistema, o que está, de facto, a passar-se e o que vai desenvolver-se em Portugal.
Para tanto, deveremos talvez começar por deixar recordado que o poder político apenas poderá subsistir com carácter precário e sob uma qualquer espécie de ditadura ou outra forma mais ou menos provisória. de ilusionismo político, no caso de carecer de verdadeira identificação com o fluir dos interesses e da mais profundas motivações dos governados. Isto que dizer que a dissolução do poder e a desagregação cê qualquer regime se desenvolvem na justa medida em que um e outro se vão afastando do pulsar natural das populações, das suas tradições, da sua vontade e do seu destino.

O Sr. Rui Pena (CDS): - Muito bem!

O Orador: - Por isso se tem dito que o «Estado Novo» de Salazar e de Caetano já há muito deixara de ser um regime político, no sentido institucional e dinâmico da expressão, definhados e anquilosado pelo decurso do tempo, incapaz de viabilizar o projecto colectivo que; é o sentido da marcha do povo português ao longo dos tempos. Morreu sem chama nem fé, em estado de completo depauperamento ideológico, nas trincheiras vazias de um pobre, velho e primário anticomunismo.
Mas quanto nos serve para explicar que o velho regime apenas foi amortalhado no 25 de Abril, já morto e arrefecido de há muito tempo, serve também para fazer compreender à oposição que os resultados de 2 de Dezembro significam mais com que uma mera lotação na ocupação de. um poder organizado e estruturado em moldes de previsível estabilidade histórica.
Só a cuidadosa ponderação do processo de progressiva, mas inexorável, libertação do povo português, nos permitirá prescrutar o verdadeiro sentido da marcha da nossa história.
Não deve, por isso, iludir-se a oposição socialista e comunista. O período que nomeou entre o 25 de Abril e o 2 de Dezembro foi mero intervalo e transição, durante o qual a Nação foi despertando de ura longe sono, em que a sua vontade havia esmorecido sob a falsa segurança de um sistema autoritário e em degradante situação de deseducarão e incultura políticas. Nessas circunstâncias, um povo estremunhado e mal acordado foi presa fácil da iniciativa comunista-gonçalvista, dó terror físico e psicológico e do efeito de surpresa de que a esquerda então se serviu para ocupar e devastar o País.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Excedeu-se, porém. Beliscou o urso adormecido e o imenso corpo nacional começou então a erguer-se e a agigantar-se, deixando o estaco de letargia em que mergulhara, para levantar a oposição heróica e definitiva aos tanques com que, política el animosamente o Partido. Comunista havia arrasado Portugal.
Dessa vez - parecei que pela última - ainda o Partido Socialista percebeu a onda que se levantava, tendo sabido associar-se ao movimento que a espontaneidade popular tinha já tornado irreversível.
O Partido Comunista começou, por seu lado, a falar de anticomunismo e deixou-se cair no 25 de Novembro.
Com a vitória das forças democráticas, e ao contrário do que podia esperar-se, ocorreu nessa altura um certo refluxo e o processo de libertação estacionou num patamar de ambiguidade e de indefinição.
E é a partir daí que os socialistas perdem o passo estugado com que colectivamente Portugal quer avançar. Novos ricos embriagados no Poder, deixaram-se engordar à mesa do orçamento à medida que definhavam na sua capacidade de representação nacional. Antigos críticos das teses vanguardistas, passam ou passaram - contudo eles próprios a querer comandar o povo, em vez de se deixarem guiar pelos seus verdadeiros interesses e sentimentos.
Na verdade a sociedade civil vai-se mobilizando crescentemente em direcção a um projecto de vida e de organização do Estado que cada vez mais se distancia definitivamente dos velhos mitos em que os partidos da oposição permanecem alapados.

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Por isso quisemos preveni-los da necessidade de compreenderem o significado do 2 de Dezembro e da avalanche inovadora e criadora que o País está desejando e que as novas gerações de portugueses estão desencadeando, sobretudo, para que alcançando-o, possam vir a assumir, em democracia, um papel de oposição com algum sentido e utilidade.
Por isso também, devemos alertá-los para que não mearem a vitória da Aliança Democrática como um acidente de percurso ou um produto efémero da iniciativa voluntarista de alguns dirigentes políticos.
Por isso, ainda, quisemos avisá-los para que se não enganem sobre a força que nos impulsiona e para que se não deixem iludir, imaginando-nos ainda em espírito de reacção, ideologicamente imobilizados em qualquer sob espécie de anticomunismo.
Mais: devemos informá-los solenemente de que já faltámos das trincheiras, que a nossa lógica é a lógica da vitória, a nossa coerência é a coerência de um programa sufragado pelo povo português. Isso significa que deixámos de ser antítese num processo conduzido por outros e passámos a ser o vector de um processo histórico cuia dinâmica falta do pulsar da reacção e se alimentará na contestação e da animação que uma oposição nacional lhe possa oferecer.
Isto quer dizer também, Srs. Deputados, que a Aliança Democrática não é acalentai convergência de interesses partidários em vista da conquista formal do Poder. Ela e sobretudo a esperança que se solta de todo o recente processo de libertação e autonomização da sociedade civil, em ordem à criação e consolidação das condições necessárias à sua reorganização e à sua conveniente estruturação.

Aplausos do CDS e de alguns Deputados do PSD.

Enquanto tal tarefa não estivei concluída, exigirão os Portugueses dos dirigentes políticos que compreendam e adiram ou venham a aderir, a tal projecto que u não deixem em meio e que logrem levá-lo a cabo.
O voto de confiança que aqui está em causa e que vai receber o apeio das forças reunidas na Aliança Democrática representa assim, de melhor forma e do modo mais adequado, a reafirmação clara e positiva de uma vontade autónoma ao serviço de um projecto colectivo de renovação e reconstrução nacionais, em perfeita e unívoca sintonia com o voto popular que nos elegeu.

O Sr. Rui Pena (CDS): - Muito bem!

O. Orador: - Assim, os Deputados eleitos sob a Aliança Democrática e que militam no CDS desejam reafirmar solene e formalmente a expressão da sua confiança e a força do mandato de que dispõe o Governo para agir em conformidade com o Programa que aqui ontem foi aprovado, em nome e em representação do povo que já antes o havia ratificado nas eleições de 2 de Dezembro.

Aplausos do CDS e de alguns Deputados do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos tem a palavra o Sr. Deputado Raul Rego.

O Sr. Raul Rego (PS): - O Sr. Deputado disse que o 2 de Dezembro foi uma mera afloração. Pode dizer-me então o que e que está por detrás da Aliança Democrática?

Risos do CDS.

Disse-nos ainda que a vida nacional está a ser retomada depois de ter dito que tinha sido interrompida a marcha da nossa história. Pode dizer-nos também quando é que foi interrompida essa marcha da história do povo português, se foi no 28 de Maio, se foi no 25 de Abril?

Aplausos do PS e de alguns Deputados do PCP.

O Sr. Presidente: - Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - O Sr. Deputado Cavaleiro Brandão fez uma afirmação de grande relevância para este debate e que entronca perfeitamente naquilo que há pouco tínhamos dito.
Diz o Sr. Deputado que o Partido Socialista não é o perigo, que o PCP também não é o perigo. Certamente também não considera perigo o PPM e os Reformadores. Será que no seu pensamento o perigo é PSD?

Risos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Cavaleiro Brandão, no uso de seu direito de resposta.

0 O Sr. Cavaleiro Brandão (CDS): - O tipo de questões colocadas podia talvez não justificar uma resposta. Em lodo o caso, e por razões de respeito para com a Câmara, penso que valerá a pena lembrar ao Sr. Deputado Raul Rego, que provavelmente terá dificuldade em entender o que se está passando...

Vozes do CDS: - Muito bem!

Risos do PS.

O Orador: - ..., que, por detrás da Aliança Democrática, está o povo, está voto popular.

Aplausos do CDS.

Penso efectivamente que o decurso natural da nossa história foi violentado quando, em termos antidemocráticos e antinacionais, abandonámos, fora de qualquer expressão sistemática, organizada e democrática da vontade dessas populações, as populações da Guiné, de Angola, de Moçambique, e Timor e de S. Tomé e Príncipe.

Aplausos do CDS. Vozes do PS: - Ah!!!

O Orador: - Penso que, efectivamente, o curso natural da nossa história foi abusivamente violentado quando no dia 11 de Março o povo português foi enganado, quando o próprio Partido Socialista se sentiu ultrapassado.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Entretanto, quero dizer ao Sr. Deputado Carlos Brito fundamentalmente o seguinte...

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O Sr. Carlos Brito (PCP): - Diga com franqueza!

O Orador: -...aquilo que poderá representar, menos um perigo para a Aliança Democrática, e talvez mais um perigo para o próprio povo português, é tudo quanto tentei demonstrar, ou seja, o distanciamento da oposição em relação ao sistema e ao regime que o povo quer construir e estruturar...

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - ..., é a incapacidade da oposição, global m ente considerada, para ajudar nessa mesma construção, é vermos que a oposição é dinamizada por um partido que aqui tem desempenhado nos últimos dias mais a função de representação de interesses exteriores do que o papel de quem descia servir o povo português. Esse é que é o perigo.

Aplausos do CDS e de algum Deputados do PSD.

O Sr. Vital Moreira (PCP): - Finalmente o fascismo quimicamente puro aqui na Assembleia!

O Sr. Presidente: - Têm a palavra o Sr. Deputado Raul Rego.

O Sr. Raul Rego (PS): - Eu queria ainda perguntar ao ilustre Deputado, que parece mergulhar já muito fundo e ter também mais idade do que parece, se o voto popular só se manifestou nas últimas eleições, se o voto manifestado nas outras eleições não tem tanto valor como teve em 2 de Dezembro.
Em segundo lugar, queria perguntar ao ilustre Deputado se as populações das nossas ex-colónias foram violentadas quando se lhes reconheceu o direito à autodeterminação ou quando quiseram deixar de ser submetidas a uma guerra injusta.

Aplausos do PS.

O Sr. Luís Moreno (CDS): - Foram antes e depois!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Cavaleiro Brandão.

O Sr. Cavaleiro Brandão (CDS): - Não foi posto em causa o sentido do voto das eleições que antecederam as de 2 de Dezembro, pelo que carece de qualquer sentido uma primeira questão levantada peio Sr. Deputado Raul Rego.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Como é óbvio e como resulta expressamente de tudo quanto disse, o que está em causa e o que ficou em dívida para com as populações da Guiné, Angola, Moçambique, S. Tomé e Príncipe e Timor foi justamente o não lhes termos dado oportunidade de se autodeterminarem, de autodeterminarem por si próprias o sentido em que queriam caminhar, de exprimirem peta sua própria voz os termos e as condições em que queriam constituir a sua própria constituição.

Aplausos do CDS e de alguns Deputados do PSD.

O Sr. Raul Rego (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Raul Rego (PS): - Para uma observação, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. Raul Rego (PS): - Se a essas populações não lhes foi dada a oportunidade de se autodeterminarem, não foram os democratas portugueses, não foram os democratas do 25 de Abril os culpados; foram os políticos de antes do 25 de Abril, comunidade proveta que o Sr. Deputado deve conhecer melhor do que eu.
Eu e muitos camaradas meus desta bancada, como o meu camarada Zenha, estivemos presos por que a autodeterminação para as colónias em 1961.

Vozes do PS: - Muito tem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a Mesa reconhece à Câmara os mais largos direitos de pedirem os esclarecimentos que entenderem aos oradores que sucessivamente vão fazendo as suas intervenções. Mas, em benefício do tempo de que dispomos, e que é pouco, agradecia que os pedidos de esclarecimento fossem fé os todos de uma vez, a fim de depois evitamos o estabelecimento de um certo diálogo entre o Sr. Deputado que faz a intervenção o que o interroga.
Segue-se no uso da palavra, paira uma intervenção, o Sr. Deputado Borges de Carvalho.

O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros ao Governo, Srs. Deputados: Chefiado por dois dos seus líderes, o Governo da Aliança Democrática viu ontem aprovado por esta Câmara o seu programa.
Porquê, hoje, uma moção de confiança? Para quê um moção de confiança?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Eu próprio estava tentado a achar, quando tal moção foi anunciada, que se trataria de uma repetição inútil, de uma discussão sem sentido.
A forma, porém, como as oposições conduziram o debate, chegando ao ponto de tentar negar às bancadas da maioria o direito de defender o seu Governo, vai justificar plenamente esta discussão. Pretendeu-se, na verdade, negar à maioria a sua natureza de maioria real e efectiva nesta Casa, como se ela alguma vez tivesse tentado cercear os direitos as oposições.
A forma mais suave como se adjectivaram as instituições legislativas deste Governo consubstancia-se na e subtil e doce do Sr. Deputado Mário Soares quando disse que elas o renunciavam «um certo confronto institucional».
Confronto institucional porquê?
Será que a oposição ainda não entendeu que a maioria mudou, mas mudou mesmo? Será que a oposição ainda não percebeu que, se houve mudança, foi precisamente porque a AD prometeu ao povo a lei-quadro do referendo, as alterações à Lei Eleitoral e outras

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medidas aqui largamente apodadas de inconstitucionais? Então quer a oposição que a AD falte às suas promessas?
Esta maioria, Sr. Presidente e Srs. Deputados, é de hoje, não de ontem.
Se outras instâncias do Poder não quiserem perceber esta realidade e vierem a opor-se àquelas medirias que o povo português já sancionou claramente cem o seu voto, serão esses Órgãos de Soberania a provocar, de forma antidemocrática e anti parlamento, o confronto institucional e não o Governo da Aliança Democrática. É preciso que isto fique claro, desde já.
Foi o Governo da Aliança Democrática acusado e tentar perpetuar-se no Poder através de alterações à Lei Eleitoral. Porém, a necessidade de fazer alterações à Lei Eleitoral é de há muito defendida pelos partidos da Aliança Democrática, e desde sempre pelo PPM. Se a AD não tivesse ganho as eleições teria proposto na mesma essas alterações. Diria então o Sr. Deputado Mário Soares que era para perpetuar do Partida Socialista? Chegou-se ao ponto de defender e distrito, fórmula napoleónica e jacobina de divisão administrativa, feita para centralizar o Poder, aferindo as suas qualidades porque tem já 150 anos!
Registamos com agrado e alegria a simpatia com que o PS encara as instituições com mais de cento e cinquenta anos!
Classificou-se ainda o problema da divisão administrativa do território como questão circunstancial e de somenos importância, já que se trataria tão-só de uma pequena questão de desajustamento do distrito às realidades geográficas e sociais. E aqui, Sr. Presidente, Srs. Deputados, o relação virasse contra o feiticeiro!... Não são as conveniências eleitorais da AD que determinam as aliterações à lei, mas sim as conveniências eleitorais do PS e do PC que determinariam que ela não fosse alterada!
A discussão aqui havida, Sr. Presidente, Srs. Deputados, não foi a discussão de um programa de Governo, foi o permanente ataque às intenções desse Governo, a priori consideradas como inconstitucionais.
Sr. fosse verdade toda essa colossal inconstitucionalidade, se fosse verdade que um programa democrático de um Governo democrático, maioritário, legítimo, saído de uma câmara cristalina, e regularmente electa podia ser inconstitucional, então seus senhores, inconstitucional e subversiva seria a Constituição e não um Programa de Governo.
É que, para cada uma das oposições, o único programa constitucional seria o seu!
Nem toda a gente tem bom perder, mas há que abuse!
É-se socialista porque se é livre.
É-se democrata-cristão, social-democrata, republicano ou monárquico porque se é livre. Não o contrário.
Não aceitamos que quem quer que seja, seja socialista por imperativo constitucional, porque isso, meus senhores é a negação da liberdade é da democracia.
Mas a liberdade, Sr. Presidente e Srs. Deputados, é o valor e a razão primeira do nosso estar na política.
E quando vemos neste hemiciclo homens que consideramos como democratas, condenarem o referendo como antidemocrático e inconstitucional, perguntamos a nós próprios por onde andam os seus conceitos de democracia r de liberdade. O referendo, como recurso que é à democracia directa, representa institucionalmente o complemento indispensável da democracia formal. A oposição, porém, apesar de bem conhecer esta realidade, em vez de considerar como uma grave lacuna a sua ausência do texto constitucional, procura, por absurdo, à luz das ideias democráticas, considerá-lo como inconstitucional. Mais uma vez, Sr. Presidente e Srs. Deputados, é preciso que se diga que, se fosse verdade que a luz da Constituição o referendo é inconstitucional, então a Constituição é que era inconstitucional e não o referendo. Há princípios da moral e do direito que estão para além de qualquer Constituição.
O Poder mudou de mãos em Portugal. Das mãos do Partido Socialista e do Partido Comunista para as mãos da Aliança Democrática.
Disse, o Partido Socialista que anda há muito afastado do Poder, isto para alijar responsabilidades que são suas. Ficou, porém, ontem, aqui demonstrado à saciedade, quando dal frenética ovação à bancada socialista à ex-Primeiro-Ministro e ex-Embaixadora D. Maria de Lurdes Pintasilgo, que o Partido Socialista só deixou, efectivamente,, o Poder quando aquela senhora se demitiu.
O Governo que aqui hoje apresenta uma moção de confiança e, além de tudo mais, o fim do ideologismo vazio de uma esquerda que não se encontra a própria e a recusa frontal da direita clássica do reaccionarismo acéfalo, do saudosismo fascista e do imobilismo acrítico.
Sr. Presidente, Srs, Deputados: Muito para além da contestação do Programa deste Governo, o que aqui se contestou foi a autoridade' democrática que o voto lhe conferiu, foi o próprio princípio da soberania popular, foi o inalienável direito de, os Portugueses se governarem a si próprios, foi a noção de liberdade.
Per isso esta moção de confiança era indispensável, como confirmação inequívoca da força da soberania do povo.
Por isso não nos contentamos com recusar-lhe o voto desfavorável, mas com a mesma lógica e com igual vigor, daremos o nosso voto positivo: para que o Governo obtenha a confiança desta Câmara.

O Sr. Presidente: - Também para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís» Catarino.

O Sr. Luís Catarino (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Ministros: O Governo, logo que encerrado o debate de apreciação do seu Programa, vem solicitar, pressurosamente, um voto de confiança à Assembleia da República.
Estranho gesto político este de um Governo que tão recatadamente se tem arrogado da sua legitimidade e da sua capacidade plena para governar.
Demais, como é sabido que a finalidade própria do processo da moção de confiança é da apreciação de

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actuação governamental do Executivo, e não a sua legitimação para governar.
A legitimidade foi-lhe conferida pela não aprovação das moções de rejeição apresentadas nesta Assembleia, tal como decerto ninguém duvidaria, mormente se teve a possibilidade de ouvir, ontem, neste hemiciclo, o Sr. Primeiro-Ministro.
O presente requerimento do Governo é, manifestamente, o uso impróprio e mesmo abusivo de um processo destinado a outra finalidade.
Mas, neste caso, nem muito interessará a esta Assembleia saber se o Governo usou ou não, com propriedade, esta ou aquela norma constitucional.
Interessa é saber qual a significação política do seu gesto; quais as suas razões e objectivos políticos que se pretendem alcançar.
Quanto às razões, não é o Governo convincente, no seu requerimento e nas suas explicações já dadas no Plenário, e, quanto aos fins, parece de seu vezo resguardar-se.
As considerações que sustentam o requerimento do Governo são contraditórias e insuficientes.
Sabemos do poder discricionário do Governo para requerer a votação de uma moção de confiança e, portanto, da impossibilidade de se discutirem e julgarem os seus fundamentos.
Mas, como o problema é político, vale a pena deixar um apontamento. O de salientar que o Governo não explica, nem mesmo no plano formal, as razões de não bastarem, para a sua legitimação, o facto de a Assembleia da República ter recusado as moções de rejeição e porque é assim necessário que este órgão lhe preste confiança de forma expressa.
Na realidade, Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo, tudo isto tem a ver com coisas de coerência política e receamos que também vá do entendimento que, da instituição do poder político, terá o Governo.
Isto para já não falar no seu desejo de consolidar, num acto formal e simbólico que deseja, a maioria da sua base política. Tal gesto, sabe-o o Governo, não era suficiente nunca para lhe entregar o «país real»...
Ontem o Sr. Primeiro-Ministro, aqui. afirmou que não curava de responder a perguntas dos partidos que, antes da discussão, haviam decidido apresentar moções de rejeição.
Foi um gesto menos dialogante do Sr. Primeiro-Ministro que, para lá do resto, assenta no juízo do Governo que, mesmo no acto importante da discussão do seu Programa, a sua legitimidade pode estar fora da Assembleia da República.
Se é assim, por que pede, hoje o voto desta Assembleia?
Ontem, o Sr. Primeiro-Ministro, aqui, afirmou, em réplica directa a um dos partidos da oposição, e enfaticamente, que passado o Programa, no processo de debate, o Governo assumir-se-ia em toda a sua competência e legitimidade para governar, para propor alterações à Lei Eleitoral, para promover a aprovação da lei-quadro do referendo, em resumo, para tomar todas as iniciativas legislativas que cabem no seu estatuto político.
Advertiu mesmo o Sr. Primeiro-Ministro que n oposição devia à democracia a obrigação de respeitar o funcionamento normal das suas instituições e, vincadamente, excluiu quaisquer dúvidas acerca do respeito que por tal funcionamento tinha o Governo.
A derrota das moções de rejeição legitimavam o Governo e o Governo governava. Era o funcionamento das instituições democráticas e o seu respeito.
Mas veio hoje, contraditoriamente, o Governo pedir o voto desta Assembleia para se legitimar e para ter a certeza de que tem condições para governar.
Há que pôr, claramente, agora a oposição ao Governo a questão sobre se ele aceita ou não o funcionamento das instituições democráticas. É ele, agora, que deverá responder.
O Sr. Primeiro-Ministro e o Sr. Vice-Primeiro-Ministro, durante o debate, deram conta de decisões tomadas pelo Governo, antes mesmo de ser apresentado o seu Programa à Assembleia.
Informaram como era, aliás, do conhecimento do País e do estrangeiro da tomada de posições de grande importância política.
Também o Governo haverá de explicar o que pensa da sua legitimidade na prática desses actos e da validade dos mesmos.
Será que nós, Deputados, vamos ver o Governo, antes de encerrar-se a discussão, a formular algum pedido adicional de declaração de efeitos retroactivos da aprovação da moção de confiança?!
Ou considera o Governo que, nestes actos, não actuou como «órgão superior da Administração Púbica», ou mesmo que não foram praticados actos no âmbito «da. política geral do País»?
Isto tem a ver, como dizíamos, com coisas de coerência política. É evidente!
Mas terá a ver ainda, como referimos também, com o entendimento que ele tem da organização política do Estado.
Para a vida democrática do País é absolutamente necessário o equilíbrio entre os órgãos de- Soberania.
É essencial que eles ajam mo quadro estrito da Constituição e da lei, guardem entre si rigorosamente os limites dia sua competência e, dentro dela não ponham em causa a origem do seu poder.
Se o fizerem, é grave. Discutem-se a si próprios, discutem os outros órgãos do poder, dissolvem as instituições e no fim vão pôr em causa a titularidade originaria do poder político.
O Primeiro-Ministro e os Ministros deste Governo foram nomeados pelo Presidente da República. Ficaram perante ele, responsáveis politicamente e sujeitos ao contrário do que acabou de afirmar o Sr. Primeiro-Ministro, interpelando artigo 191.º da Constituição, a controle da constitucionalidade prevista, a favor do Conselho da Revolução no artigo 146.º da Constituição e a favor do próprio Presidente da República, no artigo 139.º da mesma Lei Fundamental.
Não é necessária, todavia, qualquer iniciativa de outro órgão para legitimar o Governo, nomeadamente através da atribuição expressa da confiança desta Assembleia.
O MDP/CDE, ciente do melindre que a situação possa assumir, deixa bem claro que votará contra a moção de confiança, na preocupação, entrei outras, da estabilidade das instituições, do prestígio dos Órgãos de Soberania e dia defesa do Estado de direito democrático.

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O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Apresentou o Governo a esta Assembleia o pedido de aprovação de uma moção de confiança que agora se debate. Nos termos estritos da Constituição não necessitava o Governo de se dar ao trabalho, poupando à Câmara uma discussão cujo resultado é conhecido de amtemão.
Mas a UDP admite que não seja por simples exibicionismo ou apego à retórica parlamentar que ó Governo tema esta iniciativa.
Em primeiro lugar, o Governo procura uma imagem de autenticidade democrática que a sua origem, perfil dos seus elementos e o seu Programa não podem garantir ao povo português. É esta má consciência que o Governo tem de si próprio uma das razões que o leva a apresentar a moção de confiança, simulando praticar o jogo democrático num terreno que em garantido como seu, pelo menos por enquanto.
Mas não é esta a única razão.
O debate do Programa governamental revelou, por detrás da sintonia esperada das bancadas da maioria, nervosismo e desorientação provocados pela disputa interna e pela intriga que mina já as fileiras da AD.

Vozes do PSD: - Olhe que não!

O Orador: - As imposições públicas do Deputado Lucas Pires, como representante da reacção mais radical, e os seus reptos a Sá Carneiro aquando da atribuição de lugares do Governo, os confrontos entre Reformadores e CDS aquando da atribuição da Presidência desta Assembleia, os ressentimentos daqueles que não se viram contemplados no bolo, tiveram aqui no debate a sua expressão e continuidade.

Protestos do PSD.

Sá Carneiro e Freitas do Amaral procuraram apresentar-se perante o eleitorado como pondo de parte a;; suas divergências partidárias e as suas ambições pessoais e de grupo, em nome, segundo diziam e repetiam, do «interesse nacional». Porém a realidade é bem diferente. A Aliança da direita soma a incompetência e as suas ideias retrógradas, a falta de coesão e o mínimo de homogeneidade que lhe permitam governar sem constantes sobressaltos de ruptura.

Vozes do PSD: - Não apoiado!

O Orador: - É esta a segunda ordem de razões que davam o Governo a apresentar a moção de confiança. Procura esconder as fissuras e as querelas internas que se verificam na maioria que o apoia e ganhar a respeitabilidade que não pode merecer. Sá Carneiro submete os. descontentes a uma prova de força, querendo afirmar que este Governo não é «um dos possíveis Governos da Aliança» mas é o Governo da Aliança, por vontade e força do seu chefe. Também aqui admitimos que os «aliancistas» menos submisso? terão de esperar melhor oportunidade para dizer da justiça a que se julgam com direito. Por enquanto, nas presentes circunstâncias, nem o rei ousaria pôr em causa o chefe todo poderoso.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Governo solicita a confiança desta Câmara para valer como testemunho da vontade popular que pretende representar. Mas que confiança pode merecer o Governo que apresentou um Programa que, nunca, será de mais repeti-lo, traduz uma feroz e revanchista ofensiva contra os interesses dos trabalhadores e do povo?

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - É falso.

O Orador: - Que confiança pode merecer o Governo que anuncia a revisão do Serviço Nacional de Saúde e a Lei Eleitoral, esta segundo parâmetros que certamente reduzirão o sufrágio democrático a fartas eleitorais marcelistas? Que confiança pode merecer um Governo que ameaça destruir a Reforma Agrária, as nacionalizações e até as próprias liberdades? Que confiança pode merecer um Governo que pela boca do seu chefe não tem quaisquer hesitações em colocar a Base das Lages ao serviço dos imperialistas americanos para atacarem o povo do Irão, arrastando Portugal para um conflito de imprevisíveis proporções e consequências?

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - É ridículo!

O Orador: - Que confiança merece um Governo cuja ineficácia e incompetência prolongam a miséria e sofrimento do povo aos Açores dramaticamente atingido pela catástrofe do sismo? Que confiança quer um Governo que hipócrita e demagogicamente protesta contra a agressão russa ao Afeganistão e esconde e cala as agressões dos imperialistas americanos sobre o povo afegão e a luta renhida entre as superpotências para controle de zonas de influência e domínio que ameaça a liberdade dos povos e põe «m perigo a paz mundial? Que confiança quer o Governo que pela impunidade se torna cúmplice das arruaças fascistas que se registam em algumas escolas, como no Liceu de Oeiras? E que confiança quer ter o Governo que fica mudo e quieto quando o nosso país e o Santuário de Fátima se tornam palcos da propaganda do nazi Blas Pinar, violando frontalmente a lei e a Constituição?
É evidente que este Governo não pode merecer a confiança do povo.
Terá, pelo certo, a confiança da direita que constitui a maioria desta Assembleia, dos monopólios, dos agrários e dos sectores mais reaccionários do imperialismo mundial. Mas dos trabalhadores e do povo português nunca a terá!
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A UDP não tem quaisquer dúvidas de que a maioria de direita votará favoravelmente a moção apresentada. Mas o povo, lá fora, discutirá e levará avante moções de conteúdo bem diferente e com muita mais força do que esta que estamos a discutir.
Não serão apenas os trabalhadores que votaram contra a Aliança mas a estes juntar-se-ão aqueles que se deixaram enganar pelas suas promessas demagógicas, que hoje já foram totalmente esquecidas e que verão, já estão a ver, que se deixaram ir no conto do vigário da AD.
A todos esses trabalhadores, qualquer que seja o seu partido político, a UDP incansavelmente chamará

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a combater este Governo tal como fizeram ao Governo Mota Pinto.
A Unidade Popular construída sem descriminações na luta do dia-a-dia e tendo por base o combate a este Governo que viola a Constituição e ameaça o 25 de Abril, é a alternativa revolucionária que as massas trabalhadoras seguirão, mais tarde ou mais cedo. Esta é a certeza que nos anima. Este Governo e tudo o que representa, a política que aqui apresentou, serão derrotados e o 25 de Abril sairá vitorioso.

O Sr. Presidente: - Tem agora a palavra o Sr. Deputado Adão e Silva.

O Sr. Adão e Silva (Indep.): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro e Srs. Ministros: Prevendo a não presença nesta Assembleia do meu companheiro de bancada que tem por missão ser o porta voz para a apreciação do Programa do Governo alinhavei aqui à pressa estas despretensiosas linhas que propiciam uma intervenção rápida, mas indispensável para se clarificarem ideias e dúvidas injustificadamente postas pelas bancadas do Partido Comunista e da UDP.
Privado está, Srs. Deputados, que foi criterioso e constitucionalmente bem justificado o pedido de confiança feito pelo Governo. Criterioso para, de uma vez por todas, ficar claramente assente, designadamente pelo que respeita ao Grupe dos Independentes Reformadores, que estes dão o seu apoio ao Governo, para que governe responsável e democraticamente o País e confiam plenamente em que este vai trabalhar afincadamente em favor dos Portugueses, resolvendo os graves problemas que se encontram em aberto em todos os campos da actividade nacional, por outros governos os não terem resolvido e algumas vezes nem mesmo os terem enfrentado.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Como estão confiantes, também, em que por imperioso se vai mudar Portugal, contribuindo-se assim para o progresso do País e, o que mais importa, para o bem-estar do povo, com o inteiro respeito que o Governo terá pelo prestígio e a segurança da democracia parlamentar que o povo português escolheu como sistema político a caminho de uma Europa livre e democrática e de um Mundo que se quer livre e socialmente justo.

Aplausos da maioria parlamentar.

Constitucionalmente justificado, nos termos frontalmente postos pelo Sr. Primeiro-Ministro, porque o Governo tem jus a obter a confiança firme da maioria em que se apoia, e não só, porque também as outras forcas políticas representantes do povo podem vir a decidir atribuir-lhe essa mesma confiança em razão de verificarem que o Governo está em condições de cumprir a palavra dada e de governar o País.
Os Reformadores, e nem tanto seria necessário, no inteiro respeito pelo acordo firmado com o PSD, reafirmam, pois, aqui a sua vontade de colaborarem nesta Câmara no sentido d.e contribuírem para que o Governo governe, na certeza de que os Reformadores actuarão livre e lealmente, ao intervirem na discussão e na feitura das leis, em tudo o que não esteja limitado por aquele feliz e sério acordo, isso sem que, em qualquer momento, se esvaziarem do sentido de esquerda democrática e reformista que determinará sempre a sua actuação parlamentar.

Aplausos da maioria parlamentar.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a Mesa não tem inscrições neste momento. Pergunto aos Srs. Deputados se alguém deseja inscrever-se.

O Sr. Sousa Tavares (Indep.): - Peço a palavra, Si. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça o favor.

O Sr. Sousa Tavares (Indep.): - Sr. Presidente, a intervenção dos partidos tem de ser pela mesma ordem de ontem?

O Sr. Presidente: - Em princípio é pela ordem crescente de representação, como ficou estabelecido.

O Sr. Sousa Tavares (Indep.): - Então é agora a vez dos Deputados Reformadores intervirem.

O Sr. Presidente: - Faça o favor, Sr. Deputado.

O Sr. Sousa Tavares (Indep.): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Ministros: Os Reformadores são e sempre foram homens de esquerda: sacrificaram muitos deles grande parte da »ida na luta pela liberdade e pela justiça social contra a prepotência do Estado conservador e anti-democrata. Que não haja em ninguém a ideia fácil de que jamais verão capazes de negar o ideal porque sempre lutaram. Connosco não há equívocos nem pressões sociais, nem clientelas secretas. Não pretendemos ter o monopólio das perseguições e da revolta, mas conhecemos bem a violência do poder e da polícia, o silêncio mortal imposto à liberdade de pensar e também conhecemos a secreta esperança das madrugadas em que esperávamos armados a hora do sinal que nunca chegava, porque outros se negavam no momento da acção. Era o em que grande parte dos ardentes revolucionários de hoje, no pensamento e na palavra dos quais a nulidade da ideia se junta à capacidade leviana do insulto, eram colaboradores directos de homens que em si mesmo personificavam o culto da força e a arrogância do poder fascista.

Aplausos da maioria parlamentar.

O impudor assenta no desconhecimento do povo e na memória breve dos homens. A democracia, o amor à liberdade, é pois para nós, mais do que um tropo verbal ou uma nova farda vestida em 74, uma forma de estar e de ser, no inundo e inválida, que foi sonho, escolha consciente, sacrifício largamente consentido, e é hoje razão colectiva e individual de existir.
Ao votarmos i confiança no Governo da Aliança Democrática, selamos com esse voto um pacto de esperança e de promessa. Não é um pacto de abdicação ou de renúncia, pelo contrário ele é para nós um caminho conscientemente aberto para a criação

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de um mundo novo, de uma sociedade liberta de fantasmas e de uma realização efectiva de um país mais livre, mais desalienado e mais justo. Não acreditamos no imobilismo das ideias nem na permanência dogmática das motivações revolucionárias. E por isso julgamos que os avatares socialistas do século XIX não são neste final do século XX modelos válidos de libertação do homem, mas sim fórmulas de construção He um novo Estado prepotente e tirânico.

O Sr. Amândio de Azevedo (PSD): - Muito bem!

O Orador: - A história regista impiedosamente inumeráveis casos de obsolescência das ideias revolucionárias. Assim, enquanto no século XV a construção da monarquia centralizada assente mo direito romano e no direito soberano do príncipe era o motivo de acção revolucionária capaz de libertar o povo da prepotência feudal, dois séculos 'depois era a luta contra a monarquia absoluta que se transformava no novo ideal da realização da liberdade na Europa. Mas fora também à sombra dos castelos e dos conventos feudais que, fora possível reconstruir um mundo dilacerado pelo cruzamento incessante das hordas bárbara, mergulhando na noite total da insegurança e da inexistência do direito.
Da mesma forma a luta pela liberdade no século VXIII rasgou todas as amarras com unitárias do homem, locais e profissionais, e abriu, o caminho à explosão capitalista, à degradação inimaginável das massas proletárias e, por teso, no século XIX a luta pela libertação do homem de novo se inverteu e ergueu a bandeira contra o individualismo e contra o liberalismo selvagem. O aparecimento dos primeiros sindicatos foi considerado como um ataque à democracia e o ideal socialista transformou-se, então, no grande motivo de libertação, no novo avatar do destino revolucionarão da humanidade.
Hoje, a realização do Estado socialista, é apenas uma imensa teoria de esperanças traídas de violências organizadas, de sujeição das massas por uma classe privilegiada e dirigente. Como escreveu Eduardo Lourenço, a denúncia dos Gulags é um facto maior e dominante da década de 70. Os «novos filósofos» representam apenas o fim de uma ortodoxia do pensamento revolucionário de libertação e o ocaso intelectual do marxismo desenha-se no horizonte de todo o mundo de cultura livre, enquanto se afirma em cada hora a vocação imperialista da grande nação que traz consigo a herança fatal de nunca ter conhecido a liberdade.

Uma voz do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Por que havemos de aceitar, nós, o povo mais antigo da Europa, como unidade política de Estado e como unidade cultural de língua e de Literatura, nós que antes de mais ninguém e como na sua tese de licenciatura recordou Mário Soares, fizemos na Europa revoluções de filosofia democrática, como a Revolução de 1640 e a Revolução de 1385, quando ninguém ainda afirmara além de Tomás de Aquino a vontade do povo contra o direito hereditário do príncipe, porque havemos nós, Portugueses, de aceitar que o sentido revolucionário de libertação 55 insere ainda no mito despedaçado do colectivismo de Estado e da criação de uma classe de burocracia dirigente?
Chegou, quer o Partido Socialista esteja ainda, ou não apto para o compreender, o momento cultural em que se inverterá de, novo o ideal de esquerda, ou seja, o ideal de libertação da humanidade. Um novo humanismo surge como motivo de luta e de esperança que não 55 alimenta de ideologias do passado, mas sim dos problemas evidentes do futuro. Nesse humanismo inserem-se as conquistas que ao longo dos séculos o homem europeu foi escrevendo no livro apaixonante que é a história da libertação: a limitação jurídica dos poderes do Estado, o direito soberano e constitucional do povo, a igualdade perante a lei, a garantia e protecção dos direitos da pessoa humana, a liberdade do trabalho, a liberdade de pensamento, o direito à, educação, à segurança, à saúde, o direito político dos cidadãos, o direito fundamental de crítica e de substituição dos governos. É esse soberbo património judaico-cristão e greco-romano que constitui o nosso orgulho e a raiz essencial da nova civilização e da nossa cultura. Nada podemos ter a ver com n sentido oriental do Estado-Moloch ou com a realização helegiana da liberdade ido homem através da liberdade do Estado. Vinte e cinco séculos de lenta e difícil criação de direito, de afirmação da dignidade individual contra a força do poder, são uma herança indestrutível. Sempre essa herança renasceu sobre a morte dois tiranos, sobre as cinzas do Império Romano, das invasões dos bárbaros, da prepotência feudal, do direito divino dos reis, o terror de Napoleão ou de Hitler, de Metternich ou de Savonarola, de Salazar ou de Franco.
Nesse humanismo inscreve-se agora a luta do homem pela sua própria sobrevivência, pela sobrevivência do mundo contra o desenvolvimento tecnocrático, contra a destruição da Natureza, contra o esgotamento dos recursos naturais, contra a economia abstracta, contra o assassinato irracional da terra em que vivemos. Nele se encontra já inscrito a herança enorme do próprio socialismo: a responsabilidade do Estado por todos e cada um dos homens; a sua obrigação de garantir a vida, a dignidade, a caía, o pão, a liberdade e o trabalho. Nunca mais poderemos aceitar a responsabilidade do Estado, a gratuitidade da luta sócia) em que o homem seja vítima do homem.
Mas não aceitamos que a fórmula colectiva da produção se inscreva também no ideal sempre crescente da libertação do homem. É pesado de mais o património de crimes e de sujeições, de ataques à uberdade e à felicidade concreta dos homens, que «sã exigência mito tem deixado como rasto de destruição e de mentira. O fascínio que em redor da apropriação colectiva dos meios de produção se tem alimentado como esperança messiânica da humanidade não tem fundamentação histórica nem razão científica de credibilidade. Funciona como uma espécie de postulado cultural adquirido, uma exigência religiosa que não se discute, porque da sua discussão poderia nascer a destruição do mito. À sua roda criou-se mesmo uma espécie de auréola de ortodoxia religiosa. uma força dogmática contra a qual só se pode erguer a heresia pecadora. Para tomar o mito

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colectivista em realidade não se hesita em pôr em jogo todo o património de valor e conquistas que atrás referimos e que constituem um motivo de orgulho de uma civilização e de uma cultura. O caso português é um exemplo flagrante desta forma de, abdicação de pensamento. Se para o Partido Comunista o colectivismo é a própria razão de ser, sem o qual não poderia sequer ter existência intelectual ou política, para o Partido Socialista representa uma espécie de brasão de família, um motivo sentimental de amor ou de reverência, que torna suspeito qualquer varão que não o queira respeitar.
Sabe e soube o bem por experiência governamental o próprio PS que na base do descalabro da economia portuguesa e da crise que continuamos a viver S3 situa como causa essencial e central a «noite das nacionalizações» de 12 de Marco de 1975. Não é possível negar como o não foi possível ao Dr. Vítor Constando o descalabro monumental dos serviços públicos então nacionalizados; descalabro vergonhoso na satisfação das necessidades nacionais, descalabro financeiro para o erário público e espantosa hipoteca lançada sobre a economia familiar dos Portugueses. Não é possível negar que actividades altamente lucrativas, muitas delas escandalosamente lucrativas à sombra dia ausência de concorrência e do proteccionismo do Estado fascista, e de que. o Estado se apropriou sem pagar até hoje um centavo de indemnização, deixaram imediatamente de ser fonte de lucros para se transformarem em fonte de prejuízos nacionalmente insuportáveis. Nada disto e muito mais é impossível negar perante a linguagem fria dos números e dos resultados à vista. E no entanto continua a falar-se de «conquistas» sem que jamais se especifique em que consistiu a conquista e quem lucrou com ela.

Aplausos da maioria parlamentar.

Ê preciso saber se em nome de um mito, hoje culturalmente insubsistente e desfeito, devem os Portugueses ficar condenados para sempre «à modéstia do nosso viver» - como queria Oliveira Salazar. Julgo que o caso do sector público em Portugal é o mais escandaloso caso de luta de uma ideologia contra os interesses de um povo. Ficou aliás demonstrado neste debate, que pouco ou nada interessa à oposição uma discussão económica do problema, pois sempre se coloca como princípio que se trata de conquistas irreversíveis do povo e como tal constitui um crime pô-las em dúvida. Poderíamos resumir todo o debate do Programa do Governo em matéria económica por parte da oposição com a seguinte frase: «o povo deve pagar o socialismo e o governo tem obrigação de obrigar o povo a pagar».

Aplausos da maioria parlamentar.

Devemos, por isso, continuar a pagar as nacionalizações, a Reforma Agrária, as intervenções, as empresas em autogestão e até as indirectamente nacionalizadas. Parece aceite definitivamente a ideia já há dois anos expendida pelo secretário-geral do PCP da intangibilidade das formações económicas.
Mais do que isso, pretende-se que o Governo aceite como tabu toda e qualquer dislate que em nome do mito ideológico se tenha pretendido erigir como lei.
Recordámos aqui há dois dias o inesquecível camarada Augusto e o seu maravilhoso sistema de seguros sociais que constitui a honra do Diário do Governo de 1921.
Ao darmos a nossa confiança ao Governo, damo-la para que, por um lado, seja derrubada a trincheira ideológica que separa o realismo político e o bem-estar dos Portugueses, da capacidade de administração dos fracos recursos nacionais.
E damos essa confiança baseados na certeza de que a intenção séria deste Governo ultrapassa o derrube dessa barreira ideológica, para se poder construir com os fracos recursos nacionais uma era diferente de felicidade e bem-estar para os Portugueses em que as suas carências fundamentais de pão, de trabalho, de casa e de saúde possam ser satisfeitas para que .tenhamos uni futuro melhor do que aquele que até aqui temos vivido.

Aplausos da maioria parlamentar.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como não há, por enquanto, mais nenhuma inscrição, se a, Assembleia não se opõe, vamos interromper aqui a sessão para o intervalo para o almoço. Recomeçaremos às 15 horas.

Eram 12 horas e 40 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.

Eram 15 horas e 20 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como a Assembleia já está informada, seremos hoje visitados por uma delegação de Deputados da República da Coreia do Sul. Em virtude de essa representação, que vem acompanhada pelo respectivo embaixador, chegar ao Palácio de S. Bento às 17 horas, a sessão será interrompida para o intervalo no final da intervenção que vier a terminar mais próximo dessa hora. Na verdade, a necessidade de estar às 17 hortas em ponto a receber o Sr. Embaixador e a delegação de Deputados da Coreia do Sul não pode colidir com a interrupção de qualquer intervenção que estivesse a ser feita. Era esta a prevenção que desejava fazer antes de conceder a palavra ao orador que se segue.

Tem a palavra o Sr. Deputado Ourique Mendes.

O Sr. Ourique Mendes (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Deputados: A uns quantos dias da reabertura desta Câmara, e após as eleições do dia 2 de Dezembro, os sete Deputados sociais-democratas das Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores não querem deixar de em momento tão importante e significativo, qual seja o da votação de uma moção de confiança ao Governo novo que Portugal tem - pronunciar do alto desta tribuna algumas palavras que reputam do maior interesse e significado.
Coube-me a tarefa de falar em nome daquelas parcelas que, após 25 de Abril, apareceram como novas figuras jurídicas perfeitamente personalizadas no conjunto do território nacional, sem prejuízo da sua identificação com esse território.
A palavra que agora uso também «m nome desses Deputados encetará um conjunto de actuações e participações vivas que queremos frequentes e regulares

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nesta Câmara, já porque essa personalidade é real, já porque uma experiência governativa de três anos estável e coerente nos dois arquipélagos - experiência plena de esperanças, reforçada e renovada na sua confiança em Dezembro passado e assente em inegáveis sucessos da aplicação dó regime constitucional a tal nos dão o direito e a obrigação de presenças assíduas e cooperantes.

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Na realidade, mal pareceria, quer ao Governo, quer aos partidos que formam a maioria democrática e que o apoiam, quer até mesmo à própria oposição, mal pareceria, dizíamos, que do nosso conjunto insular social-democrata não fossem tecidas pelos seus Deputados algumas considerações.
Srs. Deputados: A partir de 1976 as Regiões Autónomas dos Açores e dia Madeira possuem as suas próprias instituições legislativas e executivas que, sendo novas e inéditas numa existência histórica *de quinhentos anos, nem por isso (mau grado as obstruções levantadas por governos nacionais que felizmente já passaram) se deixaram perder nos caminhos estiolados e tortuosos que Portugal trilhou: com Governos socialistas que alguma coisa poderiam e deveriam ter aprendido no que concerne à acção governativa, no que concerne à paz e harmonia dos: povos, no que concerne à tranquilidade de espírito das gentes, mesmo quando se é atingido por calamidades que jamais qualquer sistema ou qualquer Governo poderiam evitar.
Assim é que, aquando da trombas de água e consequentes enxurradas e desabamentos acontecidos na ilha da Madeira em Janeiro de 1979 -cujo auxílio logo prometido pelo Governo da República então em exercício ainda hoje se não concretizou- ou agora e infelizmente na tragédia sísmica mais horrorosa ainda que atingiu profundissimamente as populações das ilhas de S. Jorge, Graciosa e Terceira, nos Açores, puderam os respectivos Governos regionais, plenos de vitalidade, ocorrer de imediato aos funestas acontecimentos, encetando rodo um conjunto de acções e traçando uma política específica que jugulou e controlará no mais curto espaço de tempo os efeitos negativos - morais, materiais e humanos decorrentes daquelas catástrofes.
Nestes dias de debate do Programa do Governo ouvimos dizer repetidamente por parte da oposição que a maioria que apoia tal Governo é escassa.
Na verdade - mal foram conhecidos os resultados das eleições de 2 de Dezembro -, um Deputado do Partido Socialista afirmava pressurosamente à imprensa que a AD não detinha a maioria enquanto os sete Deputados sociais-democratas das Regiões Autónomas não fizessem uma «profissão de fé» e de união a essa mesma AD.
Mas não tinham que fazer! E não tinham nem têm que a fazer pela simples razão de que a Aliança se apresentou, onde os partidos que a integram entenderam conveniente apresentar-se como tal. E ao fazê-la não embargaram, pensamos, a sua individualidade e personalidade partidárias.
Ora, se nas regiões autónomas a larga posição dos sociais-democratas, por um lado, em nada justificava a Aliança, por outro (a ter sido feita), poderia correr o risco de desvirtuar os compromissos que os governos regionais sociais-democratas apresentaram ao seu eleitorado e que vigorarão num e noutro arquipélago agora ainda com bases sociais mais reforçadas até às próximas eleições.
Além do mais (e será este o aspecto mais importante a focar), não eram as regiões autónomas que necessitavam de mudança.

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Com efeito, os seus Governos têm sido e são estáveis no percorrer do caminho que os povos madeirense e açoriano escolheram.

Vozes do PSD:- Muito bem!

O Orador: - Ao contrário do que naquelas regiões autónomas se verifica, Portugal continental é que urgentemente necessitava de mudar...

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - ... sob pena de cada vez mais se anti-politicamente e de se tornar, também cada vez mais, um país adiado.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Doa a quem doer e certamente doera -, as experiências governativas dos Açores e Madeira, o seu .peso e efeitos prático e psicológico no eleitorado do continente no que respeita a um exemplo de dignidade política, paz e harmonia nas comunidades governadas há três anos com a coerência e estabilidade necessárias à condução dos negócios públicos, são realidades que ninguém pode ignorar, ainda mesmo aqueles que estão ávidos de demolir por qualquer forma e feitio tais experiências políticas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Finalmente temos em Portugal um Governo que - estamos em crer - apoiará, com verdade e vontade a autonomia das ilhas atlânticas, longe ainda de se concretizar nas suas formas mais acabadas e que agora nos são garantidas de forma inequívoca. É certo que as referências feitas no Programa do Governo às regiões autónomas não são particularmente alargadas, nem entram em especiais detalhes.
Não é isso que importa porém. O Programa - disse-se repetidas vezes - foi elaborado; com intencional sintetismo e economia de palavras, mas assinala as necessárias condições para que, numa troca de vontades feitas dei rectas intenções, & autonomia das regiões insulares cada vez mais se consolide e afirme como uma> realidade que só poderá redundar «no aprofundamento da unidade e solidariedade nacionais», como muito bem notou o Sr. Primeiro-Ministro nas palavras que proferiu no início dos debates sobre o Programa do seu Governo.

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Primeiro-Ministro: É certo que gostaríamos de ter ouvido nessas palavras uma referência mais concreta e um reconhecimento mais específico da importância eleitoral que as regiões auto-

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nomas representaram no todo nacional. Mas nem por isso deixamos; de confiar nas mais límpidas intenções do seu Governo no que respeita às regiões autónomas. A nossa confiança ao Governo é dada, pois, sem preconceitos e espécie alguma, embora com natural e compreensível expectativa.
Para terminar, sejamos permitido uma vez mais tornar à catástrofe que se abateu sobre algumas das ilhas dos Açores para fazer ressaltar - não apenas o imediato apoio que o actual Governo da República também desde logo iniciou, mas ainda e todo aquele movimento sincero de solidariedade nacional e internacional que nos tem confortado e que são um estímulo necessário, ao Governo Regional dos Açores que soube tomar, desde a primeira hora, as medidas que nos seus tempos próprios e possíveis vão normalizando a vida das gentes vitimadas e a fisionomia dos centros atingidos.
Não passe em branco, todavia, o aproveitamento político a que aliás o Sr. Primeiro-Ministro já se referiu - que tem sido feito à custa de uma ocorrência tão dramática e tão grave. Na «verdade, certas forcas políticas e determinados agrupamentos ao serviço dessas forcas, querendo superar a mais que manifesta maneira obtida nas regiões, ou, querendo outras, sublimar o trauma (provocado peão seu falhanço deitara têm à viva força e por todos os meios - dos mais claros aos mais subtis -, pretendido colorir essa solidariedade que se queria impoluta, despartidarizada, sincera, sentida como coisa própria e não como um veículo para obtenção de dividendos a colher nas situações emocionais justificadas pela calamidade.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Só que as populações açorianas estão perfeitamente - como aliás sempre aconteceu - alertadas e atentas em relação a essas atitudes e falseadas boas intenções.
Sr. Primeiro-Ministro: Pedida que foi nesta Câmara a confiança no Governo a que V. Ex.ª preside, os Deputados sociais-democratas das Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores confirmam o que atrás disseram, assegurando-lhe tal confiança.

Aplausos da maioria parlamentar.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, segundo a ordem estabelecida para os nossos trabalhos, seguir-se-ia o Sr. Deputado da UDP, que creio não estar presente.

Sendo assim, pergunto ao MDP/CDE se deseja fazer neste momento alguma intervenção.

O Sr. Luís Catarino (MDP/CDE): - Sr. Presidente, não temos nenhuma intervenção preparada para de imediato, o que não significa que não reservemos o nosso tempo para melhor oportunidade.

O Sr. Presidente: - O PPM deseja intervir já?

O Sr. Ferreira do Amaral (PPM): - Sr. Presidente, o PPM já fez uma intervenção da parte da manhã e, embora tenha ficado algum tempo disponível, não pensa fazer qualquer outra intervenção de imediato. Parece-me ter sido esta a combinação havida entre os diversos partidos.

O Sr. Presidente: - A combinação havida era no sentido de se fazerem as intervenções de acordo com a representatividade crescente.

O Sr. Ferreira do Amaral (PPM): - Mas não foi a ordem seguida no período da manhã, penso.

O Sr. Presidente: - Apenas fiz a pergunta porque, como o PPM ainda dispõe de tempo, poderia desejar fazer mais alguma intervenção.
O CDS deseja intervir já?

O Sr. Rui Pena (CDS): - Sr. Presidente, salvo melhor opinião, o CDS cumpriu aquilo que havia sido estabelecido na reunião de ontem efectuada no Gabinete de V. Ex.ª o CDS apresentou-se e foi o primeiro a usar da palavra neste debate.
Sendo assim, reservamos a última intervenção para uma melhor oportunidade.

O Sr. Presidente: - Acontece que estamos a chegar ao momento das últimas intervenções. O Partido Socialista tem algum orador inscrito?

O Sr. Salgado Zenha (PS): - Sr. Presidente, o nosso entendimento é o seguinte: o PS fará apenas uma intervenção. Como tal e segundo o entendimento que se fixou, o último partido a usar da palavra será o PSD e o PS usará da palavra imediatamente antes do PSD.
O que se passar até esse momento não nos interessa. O que o PS não admitirá é que, com a reserva de tempo, se façam intervenções depois da nossa. O único partido que pode fazer intervenções depois da nossa é o PSD.
Por outro lado, o tempo de intervenção pode ser utilizado sem ser por via do discurso, mas também através de perguntas, de esclarecimentos, etc.
Creio ser esta a forma que mais corresponde ao consenso a que se chegou. Se porventura os grupos parlamentares querem modificar o seu ponto de vista, estaremos abertos. Contudo, foi aquele o entendimento a que se chegou.

O Sr. Presidente: - Em todo o caso, antes mesmo de ter perguntado ao PS, deveria ter perguntado ao PCP.

O Sr. Rui Pena (CDS): - Peço a palavra» Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. Rui Pena (CDS): - Sr. Presidente, embora não compreendendo o sistema que leva, num debate de tanto interesse como este da moção de confiança, a que os partidos falem segundo ordens de precedência, que não admitimos, o CDS usará da palavra de imediato, através do Sr. Deputado Leal Loureiro.

O Sr. Presidente: - Muito obrigado, Sr. Deputado. Sendo assim, tem a palavra o Sr. Deputado Leal Loureiro.

O Sr. Leal Loureiro (CDS): - Sr. Presidente. Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Ministros, Srs. Deputados: Ao ser-me dada oportunidade para falar pela pri-

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ineira vez da maior tribuna política portuguesa, sinto-me naturalmente honrado. Daqui o sincero cumprimento que dirijo a todos os representantes do povo português.
Terminou ontem o debate à volta do Programa apresentado pelo Governo constituído após a vitória alcançada pela Aliança Democrática nas umas em 2 de Dezembro último. E terminou de forma concludente e incisiva com a reprovação de duas moções de rejeição apresentadas por partidos da oposição. Já se calculava que isto ia acontecer. Quiseram os partidos oposicionistas vincar bem a sua posição e ser coerentes com a luta que haviam travado contra a Aliança Democrática.
Usaram de um direito que lhes assiste, mas o povo português não deixará de levar em conta esta tentativa falhada de ganharem nas cadeiras de S. Bento o que perderam nas umas em todo o País.

O Sr. Rui Pena (CDS): - Muito bem!

O Orador: - Ficou assim o Governo em condições de levar por diante o seu Programa com a certeza de quem o apoia e de quem o hostiliza.
Durante as numerosas e ramalhosas críticas feitas pelas aposições, variadas foram as que mais pareceram tiros de fisga do que argumentos políticos ou técnicos. E por estranho que pareça, as agressões verbais já pouco ferem os nossos ouvidos, tal é a insensibilização que tem feito desenvolver o seu uso imoderado.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Mais uma vez comunistas e socialistas, mas mais os primeiros, pretenderam falar em nome de todos os humildes e de todos os trabalhadores do nosso país.
Não posso deixar de vincar aqui que não têm direito de o fazer e que sobretudo é mentira quando o fazem.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - As humildes e trabalhadoras populações do Centro e do Norte de Portugal, muito mais humildes e trabalhadoras do que aquelas que dão força à esquerda comunista portuguesa, votam predominantemente na Aliança Democrática.

Aplausos do CDS, do PSD e do PPM.

Alegram-se os partidos da oposição e os órgãos de comunicação seus servidores por verificarem que aqui ou ali o bloco da Aliança Democrática não é monolítico e tentam empolar pequenas divergências de opinião. Como se num conjunto de quatro forcas políticas que se entendem e colaboram nos grandes objectivos nacionais fosse exigível, ou sequer desejável, um único tom de voz ou de pensamento.

Vozes do CDS, do PSD e do PPM: - Muito bem!

O Orador: - Alegram-se por pouco, senhores da oposição. Nas vossas fileiras são bem visíveis os sinais de divergência. O Partido Socialista é palco de várias representações. Até no monolítico Partido Comunista são detectáveis, por mais que as escondam, manifestações de atitudes diferentes perante actuações pontuais, pelo menos, nesta Assembleia.

Risos do PCP.

Foi, por exemplo, notório o mal-estar dalguns Deputados comunistas, nomeadamente da primeira bancada e com satisfação o aponto), aquando da destemperada intervenção do recalcado e quase patológico Deputado Sr. Aboim Inglês na noite de anteontem.

Aplausos do CDS e protestos do PCP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, se porventura houver algum motivo, na alocução do Sr. Deputado interveniente, para formular um protesto, peco-vos o favor de o fazerem no final da intervenção.

O Sr. Vital Moreira (PCP): - Já houve! Já houve motivo, Sr. Presidente.

Protestos do CDS.

O Sr. Vital Moreira (PCP): - Peço a palavra para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

Vozes do CDS: - Neste momento não pode.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado Vital Moreira.

O Sr. Vital Moreira (PCP): - Sr. Presidente, regimentalmente o Presidente da Assembleia tem o dever oficioso de impedir que um Deputado seja referido em termos que não são, de modo algum, correctos, como acaba de ser feito em relação ao meu camarada Aboim Inglês. Esse é um dever oficioso da Mesa.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Aboim Inglês, ou qualquer outro Sr. Deputado, poderá fazer no final da intervenção do Sr. Deputado Leal Loureiro o protesto que ao caso caiba. O que parece ser melhor para a disciplina deste Plenário é seguir-se o curso normal dá intervenção e, sem prejuízo de apartes ou semelhantes, no final elaborarem os Srs. Deputados os protestos que entenderem fazer.
Tenha a bondade de prosseguir, Sr. Deputado Leal Loureiro.

O Orador: - Foram, no entanto, claramente diferentes na substância, mas sobretudo no estilo da linguagem, as intervenções do Partido Socialista e do Movimento Democrático Português, por um lado, e do Partido Comunista Português, pelo outro.
As dos Deputados socialistas e do MDP caracterizaram-se por uma aceitável moderação dos termos; as da bancada comunista caracterizaram-se pela violência verbal e pelo repetitivo matraquear de afirmações fantasiosas e criadoras de fantasmas terríficos geradas, em seu entender, no ventre da Aliança Democrática. Parece que o Partido Comunista tem uns tantos dom-quichotes e que lhe estão faltando uns tantos sanchos-panças para equilibrarem.

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A Sr.ª Ercília Talhadas (PCP): - Está-se a ver ao espelho!

O Orador: - Já ninguém acredita que os comunistas comem criancinhas.

Uma voz do PCP: - Mas você acreditou!

O Orador: - Quererão os comunistas agora fazer crer que os homens e mulheres da Aliança Democrática vão começar a comer os duríssimos comunistas?

Risos.

Uma voz do PCP: - Não tinhas dentes para isso.

O Orador: - Não fazemos isso, nem no sentido figurado. Tratá-los-emos como portugueses de pleno direito, salvo se eles tentarem usar a foice para nos agredirem em vez de com ela ceifarem o trigo; salvo se eles tentarem usar o martelo nas nossas cabeças em vez de o usarem como ferramenta utilíssima que é; salvo se a estrela que os orienta os levar a trocar os interesses da nossa Pátria pelos interesses de qualquer imperialismo expansionista.
Também, Srs. Deputados socialistas, vos queria dizer alguma coisa mais. Tenho desde há muitos anos amigos e colaboradores entre os vosso;. Pena tenho que algumas, raras vezes, essa colaboração tenha sido prejudicada por querelas ideológicas de pouco sentido prático.
Mas tenho talvez mais pena que algumas actuações menos felizes da vossa parte estejam a engrossar as hostes comunistas. É que eles, os comunistas, são os vossos e os nossos mais perigosos adversários. Bem o sabeis, teórica e praticamente. E sabeis também que muitos dos receios que proclamais da actuação da Aliança Democrática não passam de receios menores.

A Sr.ª Ercília de Melo (PS): - Maiores, maiores!

Q Orador: - Eles, os comunistas, não entendem o vosso socialismo em liberdade, ou, por outra, não entendem a liberdade no socialismo, não querem qualquer liberdade se não aquela que lhes permite tirá-la aos outros. Mas como os chefes e quadros comunistas têm acima deles outros chefes e outros quadros, acabam por não ter qualquer liberdade.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A moção de confiança posta hoje à discussão e votação nesta Assembleia a pedido do Governo, que ontem viu passar o seu Programa, não será mais do que a conveniente proclamação aqui .nesta Casa, e por intermédio de nós, Deputados, por todo o País, da confiança que nele deposita todo o povo português que nos elegeu. Confiança que nele deposita e esperança que nele tem numa mudança para uma vida melhor. Mudança para melhor sem ter de passar, como acontece nas revoluções, por uma fase negativa de agitação e de destruição.
Mudança que é indiscutivelmente a consolidação dos autênticos progressos humanos, sociais e políticos tornados possíveis pela Revolução de 25 de Abril. Mudança a caminho da definitivo institucionalização da democracia pluralista e europeia. Mudança para um nível superior de bem-estar, apesar de nela se incluírem grupos e grupúsculo políticos de índole antidemocrática que viverão no corpo social da Nação sem o ferirem profundamente. Temos esperança - somos pessoas de fé - que a tendência totalitária desses grupos se irá atenuando com o tempo. Para tal contribuirá a índole geralmente cordata do nosso povo e a sã convivência dos candidatos a ditadores com a prática democrática da maioria.
Eventualmente até poderão aquelas forças minoritárias virem a ser um elemento útil no equilíbrio da «ecologia política» nacional.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A presença, no Governo da Aliança Democrática, dos chefes indiscutíveis dos dois maiores partidos que o compõem - o Dr. Sá Carneiro e o Prof. Freitas do Amaral - dão-nos a garantia objectiva de que o seu empenhamento na condução da orientação e da administração do Estado vai ser total.
Dá-nos a garantia de que este Governo vai cumprir o que foi prometido e programado, garante-nos que ele vai ter o apoio de todos os sectores e classes do povo português.
Temos até razão para supor que haja muita gente que tem andado ligada à actual oposição, mas sem carácter sectário, que aguarda com expectativa favorável o desenvolvimento da política da Aliança Democrática.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: -- Pontos extremamente importantes, discutíveis e discutidos, como a independência, a verticalidade e o pragmatismo do Governo, a nova orientação da política externa, a política financeira e económica, o relacionamento do sector público e do sector privado, a Reforma Agrária e a agricultura em geral, a saúde e segurança social, a justiça e a educação, as relações de trabalho e a comunicação social, a regionalização do Poder, a Constituição, o seu cumprimento e a sua revisão, etc., foram devidamente esclarecidos pelo Governo quando o não estavam suficientemente no Programa ou o não foram nos debates.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, informo-o de que apenas dispõe de mais um minuto.

O Orador: - E mais e melhor poderia ter decorrido o esclarecimento se não fosse o tempo perdido em debates de forte carga emocional e ideológica, a que o nosso temperamento latino, adoçado por uma europeização e por uma universalização seculares, é atreito e amante.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Afirmou-se que, nos termos da Constituição, seria dispensável a apresentação da moção de confiança.
De certa forma poderíamos aceitar a posição: o Governo está já plenamente investido a partir da derrota das duas moções de rejeição.
É, no entanto, natural e importante que a maioria parlamentar afirme livremente e frontalmente o seu apoio ao Governo, ao seu Programa e à competência e plena legitimidade para o executar.
Isto dadas as «dúvidas» que o PCP e outros levantaram a essa legitimidade face ao artigo 191.º da Constituição.

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Fica assim justificado o interesse nacional deste debate.
Confiamos que o Governo e a maioria parlamentar colaborem estreitamente na construção de uma sociedade mais justa e mais feliz.
Nestes termos, considera o meu grupo parlamentar que o Governo merece a sua confiança e tem as condições necessárias para executar, de forma cabal, o Programa que acaba de passar na Assembleia.

Aplausos do CDS.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Mário Tomé, no ordenamento que tinha sido atribuído aos partidos, tem agora V. Ex.ª a palavra, uma vez que há pouco se encontrava ausente.

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Sr. Presidente, eu usei da palavra de manhã.

O Sr. Presidente: - Mas, como dispõe ainda de sete minutos, não sei se pretendi usar deles ou não.

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Agora não Sr. Presidente, muito obrigado.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado

Vital Moreira.

O Sr. Vital Moreira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A intervenção inicial do Primeiro-Ministro não chegou para clarificar totalmente uma dúvida que neste momento assalta muitos portugueses: a que vem este debate? A que propósito requereu o Governo uma moção de confiança, imediatamente aipos ter passado a prova constitucional da não rejeição do seu Programa? Estas perguntas são legítimas.
Na verdade, em termos constitucionais, nada exige esta prova suplementar. No nosso sistema de governo, este não carece de um apoio positivo de uma maioria parlamentar, nem precisa de uma investidura parlar mentor mediante uma moção de confiança. Para mais, este Governo tem à partida um apoio parlamentar maioritário. Foi constituído na base de uma coligação partidária que se apresentou ao eleitorado como candidata ao governo e que saiu das eleições com a pretendida maioria. Não existe assim a justificação que poderia haver no caso de um governo minoritário que quisesse testar o seu apoio para além das margens do próprio partido governamental. Também não ocorre aqui nenhuma das outras circunstâncias que normalmente costumam justificar moções de confiança: o Governo só agora está em plenitude de funções, mal começou a governar, não se coloca qualquer questão de «contagem de forças ou de renovação de imagem desgastada pela usura do tempo.
Não havendo, pois, qualquer necessidade constitucional, nem qualquer justificação de índole político, o que é que explica este pedido de voto de confiança? Será apenas uma manifestação de exuberância, de o Governo poder dar-se ao luxo e gabar-se de que, ao contrário de qualquer governo anterior, tem um Programa aprovado e não apenas não rejeitado? Confessemos que, apesar de este Governo não ser propriamente caracterizado pela modéstia ou pela moderação, se trata, apesar de tudo, de uma débil justificação. Será então para mostrar urbi et arbi que tem, em 250, 128 Deputados que constituem uma maioria activa de apoio? Mas quem o duvida? Que se saiba, os resultados eleitorais não foram impugnados. Ou será que a maioria governamental duvida, à partida, de si mesma e que e Governo, como já aqui notou justamente um Deputado, inicia o mandato sob o signo da desconfiança nas suas próprias forças? Será que o Governo procura, através deste expediente, amarrar os seus Deputados ao Programa e, desse modo, tornar estável e sólido, à força, aquilo que teme não ser consistente?
A explicação tem naturalmente, pés para andar. Não se ignora a relativa heterogeneidade que compõe o cartel das forcas governamentais. Embora já tenham sido decididas as quotas de entrada de capital de cada uma, ainda não se ultimou a distribuição de cargos dirigentes e sobretudo não estão definidas as regras de distribuição de lucros, se os houver, e das perdas, na melhor das hipóteses.
Mas, apesar de plausível, esta explicação não parece ser suficiente para uma operação de tio grande alcance. Precisamos ir mais longe.
Se atentarmos no texto da moção, não será difícil atingir mate fundo os propósitos do Governo. Ele pede aos seus Deputados, como foi esclarecido deixo Sr. Primeiro-Ministro, o reconhecimento expresso e o compromisso explícito em como ele, Governo, tem as condições necessárias para executar, de forma cabal, o seu Programa. Frisei propositadamente a expressão «de forma cabal», que aliás está explicitamente destacada no próprio texto do Governo. O Governo não Sr. limita, pois, a pedir uma declaração genérica de confiança, um compromisso expresso sobre um princípio político particular ou sobre um ponto político concreto. Não: pede a confiança para a execução, de forma cabal, isto é, integral e completa, do Programa, de todo o Programa, em conjunto e em cada uma das suas partes. O significado disto torna-se evidente: primeiro, procura legitimar-se a depuração que foi efectuada no Programa do Governo daquelas promessas que figuravam no programa eleitoral e se perderam pelo caminho...

A Sr.ª Helena Roseta (PSD): - Falso!

O Orador: - ...depois, tenta-se comprometer a Assembleia, da República, enquanto tal, nos projectos e propostos de ruptura institucional contidos no Programa, numa espécie de cobertura e de pré-votação do programa legislativo do Governo; terceiro, elimina-se à partida qualquer veleidade de afirmação de autonomia por parte dei qualquer dos grupos componentes da maioria governamental, designadamente dos não representados no Governo. Haveremos de confessar que três coelhos de uma cajadada não é má caçada.
Mas não ficam por aqui os propósitos da moção de confiança. Verifiquemos que o primeiro considerando do texto apresentado pelo Governo contém a citação de uma fórmula constitucional que, pela sua evidência e superfluidade, parece insólita. Que significado poderá ter, na realidade, a citação, à cabeça, da afirmação de que o Governo é o «órgão de condução da política geral do País»? Acabei de citar o texto da

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Constituição. Não pareça ser difícil descortinar a motivação e o propósito. Mediante a moção de confiança, o Governo, muito simplesmente, procura munir-se de uma arma de arremesso político contra outro ou outros Órgãos de Soberania que o Governo prevê poder vir a ter de afrontar com a execução do seu Programa e do seu projecto político, designadamente com as suas propostas de subversão constitucional. Invocando a confiança de uma Assembleia recém-eleita, o Governo prepara-se para enfrentar, em posição de força, reivindicando um domínio reservado quanto à condução política do País, outros Órgãos de Soberania que, entretanto, constitucionalmente são chamados a participar ou a intervir, por variadas formas, nesse mesmo domínio.
Trata-se de uma parada de monta. Vejamos o que a pode justificar, que necessidade tem o Governo de tão grande desafio.
A questão está no cerne da própria, natureza deste Governo, das suas contradições e da sua debilidade originária. A demonstração de força que esta moção de confiança pretende ser não consegue esconder que se trata de uma aventureira tentativa de engenharia parlamentar para colmatar a sua debilidade congénita, a escassez da sua maioria parlamentar, a parte não alcançada na pretendida vitória eleitoral.
Na verdade, a AD propôs-se e conseguiu obter uma maioria parlamentar que lhe possibilitasse ser governo. É-o. Mas propôs-se também transformar as eleições num plebiscito sobre a Constituição, a Reforma Agrária, as nacionalizações, enfim sabre o modelo de sociedade: e o regime que resultou, da Revolução. Não conseguiu: ganhar este plebiscito. Porque se para ser governo basta ter mais Deputados, para se ganhar um plebiscito ou um referendo é preciso ter mais votos. Não os teve: a sua proposta de obter um «não» ao regime constitucional, uma maioria de portugueses continuou a dizer «sim» à Constituição e ao regime democrático-constitucional.

Aplausos do PCP e do MDP.

A moção de confiança é, pois, um expediente artificial para tentar recuperar aquilo que jogou e perdeu nas eleições, mas é óbvio que nenhuma arte de prestidigitação parlamentar fará sair da cartola da maioria mais coelhos do que aqueles que já lá estão. Aquilo que a AD não conseguiu obter na votação do passado dia 2 não pode sair daquilo que obteve ei que aqui está: obteve apenas uma maioria de Deputados que a autoriza a governar mas não a executar aquilo que tentou plebiscitar.
Nenhum voto de confiança pode pôr o Governo a coberto da Constituição, nenhuma moção de confiança pode ser interpretada como pré-aprovação do Programa legislativo do Governo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Governo vai certamente obter, a confiança que pede aos seus Deputados. Mas isso nada lhe acrescentará em legitimidade constitucional ou, política. Trata-se de uma pura e simples tautologia. Os Deputados dos partidos governamentais apoiam o seu Governo, que naturalmente não seria o seu Governo se não tivesse o seu apoio. De resto, num sistema como o nosso, quando o Governo assenta numa maioria parlamentar predeterminada, não existe verdadeiramente separação entre o Governo e a Assembleia, em termos tais que se estabeleça uma relação bilateral entre entidades diferentes. O que há na realidade é uma separação entre o Governo e a oposição, entre os partidos do Governo e os partidos de oposição. Quando os dedos estão lançados à partida, como; aqui, o pedido cê confiança do Governo à Assembleia é o mesmo que as forças governamentais pedirem confiança a si mesmas. Tê-la-ão com certeza. É um negócio de família. Estranho é que nele pretendam envolver os partidos da oposição. Estranho e abusivo. A Assembleia da República enquanto tal deveria ser poupada a esta devassa ...

Risos do PSD.

... da privacidade da Aliança Democrática, que, aliás, pode correr o risco de ser acoimada da greve atentado a uns dos mais elementares direitos do homem.

Risos da maioria parlamentar.

Mas, com a moção de confiança, o Governo não alarga da um milímetro a sua base eleitoral - que é minoritária. Não aumenta de um grama o peso da sua base social - que é insuficiente. Não altera a imagem que de si deu na discussão do Programa do Governo - que foi baça. Não deixará de infringir o artigo 191.º da Constituição nem as suas propostas deixarão de ser inconstitucionais. Num Estado constitucional, nenhuma maioria parlamentar pode sobrepor-se à Constituição.
A partir da votação da moção de confiança que outorga a si mesmo, o Governo item certamente o apoio da maioria dos seus Deputados, mas continuará a não ter o apoio dá maioria dos portugueses que confiaram nos partidos ora na oposição.
O Governo tem certamente a confiança das organizações do grande capital, das centrais do patronato, da CIP e da CAP, que lha prestaram desde o início, mas continuará, por isso mesmo, com a desconfiança e a oposição dos trabalhadores, dos rendeiros, dos camponeses e das suas organizações.

Vozes do PSD: - Não é verdade!

O Orador: - O Governo tem certamente a confiança dos senhores do dinheiro e da terra, dos bafejados pela fortuna, dos herdeiros de privilégios ou dos que os procuram ...

O Sr. Lacerda de Queirós (PSD): - Não é verdade!

O Orador: -... mas continuará a ter a desconfiança, por isso mesmo, de largas massas populares, dos explorados, dos deserdados, daqueles à custa de quem se erguem as desigualdades e alçam as oligarquias.
O Governo tem certamente a confiança da direcção da Ordem dos Médicos; mas continuará, por isso mesmo, a ter a desconfiança de todos aqueles, médicos ou cidadãos em geral, para quem o Serviço Nacional de Saúde constitui um anseio O uma profunda aspiração de realização profissional, de libertação da doença e da miséria.
O Governo tem certamente a confiança de toda a direita, incluindo a direita radical, sentada e que fala aqui ou actuando lá fora; mas por isso mesmo tem a

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desconfiança de todos os homens e mulheres de esquerda t de todos os democratas que não levam a sua complacência democrática ao ponto de ocuparem o mesmo barco em que viajam, em posições de timoneiros, inequívocos representantes foi ultramontanismo de um passado não muito longínquo.

Aplausos do PCP e do MDP.

O Sr. Herculano Pires (PS): - Muito bem!

O Orador: - Enfim, o Governo tem certamente a confiança de tudo o que em Portugal significa o passado, do Portugal das castas, da aristocracia do dinheiro e do poder, dos domínios senhoriais, dos privilégios monárquicos, das elites autoproclamados. ...

Vozes do PS: - Falso!

O Orador: - ... da tradição trauliteira e autoritária, mas por isso mesmo tem a desconfiança de largas massas populares, do Portugal plebeu, republicano e antifascista, de tradição democrática, progressista e resistente a todas as ditaduras.

Aplausos do PCP e de alguns Deputados do PS.

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Deixa-te de asneiras!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Começa da pior maneira o Governo PSD/CDS. Põe a nu, na sua natureza profunda, a dimensão da tentação totalitária que o parece animar, a exuberante manifestação de carência de um mínimo sentido de responsabilidade e dignidade do Estado, a afirmação nua e crua do seu projecto de subversão do regime, a evidente hegemonia: ideológica de direita radical no campo da maioria governamental e a escandalosa ligação orgânica aos interesses dos grandes grupos económicos e financeiros.

O Sr. Bento Gonçalves (PSD): - Aos interesses dos trabalhadores!

O Orador: - Comecemos pela votação totalitária. São já numerosas as suas expressões: quer no tratamento da oposição, quer na concepção do papel do Governo. Quanto ao primeiro, basta citar o anunciado propósito de monopolizar as presidências das comissões .parlamentares, em violação flagrante de uma regra parlamentar de que beneficiaram os partidos ora governamentais na anterior Assembleia e a concepção do papel da oposição que decorre das palavras do Primeiro-Ministro e, inclusivamente, dó modo como ontem se permitiu, com uma sobranceria quase sem limites, tentar amesquinhar a participação da oposição no debate do Programa do Governo.

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Que foi má, que foi má.

O Orador: - Quanto ao segundo aspecto, basta referir a concepção englobante da área de competência do Governo, tendente a confundir o Governo com o Estado, o propósito de expropriar o Presidente da República de qualquer papel ou intervenção no domínio da política externa.

A Sr.ª Natália Correia (PSD): - Olá!

O Orador: - Isto para não referir a proposta, adiantada por um conspícuo Deputado de um dos partidos governamentais, de nomear comissários políticos para as empresas públicas e de transformar os embaixadores portugueses -que são representantes do Estado- em governadores civis, que são representantes do Governo.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Mas essa tentação totalitária assumiu foros de vesânia quando .pela voz de Deputados da maioria parlamentar se foi ao ponto de acusar um dos partidos da oposição como «partido do estrangeiro» e «inimigo do interior». Estas expressões, para quem tem alguma memória política, vêm carregadas de significado histórico e transportam lúgubres presságios políticos. Na verdade, foi em nome da acusação de «partido do estrangeiro» e de «inimigos do interior» que em Portugal os homens da Reforma foram queimados pela Inquisição, os liberais foram massacrados pelo miguelismo, os republicanos foram acossados pela oligarquia monárquica, e as organizações operárias, os partidos e os antifascistas foram dissolvidos, presos e torturados, assassinados e exilados pelo salazarismo. O mecanismo é sempre o mesmo, os resultados também e o síndroma fascista permanece.

Aplausos do PCP, do MDP e de alguns Deputados do PS.

A identificação do poder, isto é, do Governo com a Nação e a transformação dos adversários em anti-nação é a mais visceral expressão de propensão ditatorial e repressiva de todas as formas de dominação oligárquica em Portugal.

A Sr.ª Helena Roseta (PSD): - Está a delirar!

O Orador: - Que alguns Deputados da maioria não tenham conseguido conter-se e evitado que tenha vindo ao de cima a sua herança ideológica, eis o que não pode ser deixado sem um veemente protesto e repúdio. Mas deve ser sobretudo motivo de meditação: é que não bastam cinco anos para esquecer que as forças económicas, sociais e ideológicas que apoiar em e fizeram o salazarismo são hoje parte integrante e importante se não dominante, é de perguntar agora da base de apoio deste Governo e desta maioria!

Vozes do PSD: - Falso! Não apoiado!

O Orador: - Não são menos evidentes os sintomas de falta de sentido de dignidade e de responsabilidade da função do Estado. Dirigentes políticos que nos últimos três anos acusaram governantes de se comportarem como meros dirigentes partidários, em funções de Estado, incorrem, uma vez no Poder, em atitudes tanto ou mais graves do que aquelas que

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denunciaram. Que dizer do sentido de responsabilidade e de dignidade de sentido de Estado de um Primeiro-Ministro que se permite, como ontem aqui ocorreu, tratar de modo deliberadamente displicente a oposição, em que não faltaram laivos de sobranceria chocarreira? Quer dizer do sentido de responsabilidade de um Governo que não consegue comprovar-se com o Primeiro-Ministro do Governo anterior sem sequer procurar evitar dar a impressão de estar motivado sobretudo e apenas, por propósitos de vindicativo acerto de contais? Que dizer de um Governo que não consegue evitar que a sua primeira nota diplomática não se distinga daquilo que seria, quando muito, um razoável panfleto partidário?
São igualmente notórios os sintomas de captura da hegemonia ideológica dentro do campo governamental por parte dos sectores mais direitistas e reaccionários do cartel das forças que o constituem. E se isso é evidente no discurso governamental bastando comparar os discursos ideologicamente, um tanto despojados dos Ministros da área económica e social com o discurso radicalmente carregado do Vice-Primeiro-Ministro -, mais notório isso se torna no campo parlamentar da direita. E ao ver ontem nesta Sala o fascínio com que a generalidade dos Deputados da maioria aplaudiu e aderiu ao discurso mais ultramontano alguma vez aqui proferido, parece lícito perguntar se esse discurso, cujas implicações explícitas e implícitas não podem ser aqui ignoradas, e que hoje aqui foram, aliás, repetidas de forma menos cândida, traduz a filosofia política da maioria governamental e de cada um daqueles que a constituem.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - É que não são apenas certas alianças que comprometem. Em certas circunstâncias, os aplausos também. Ou será que roo cartel das direitos há uma implícita divisão de trabalho e de contribuições, uns a fornecer os técnicos e os gestores, outros a fornecer os ideólogos, uns a fornecer a mão-de-obra e outros a fornecer os empresários?!

A Sr.ª Helena Roseta (PSD): - Não passa sem a sebenta!

O Orador: - Se alguma coisa resultou clarificada do debate do Programa do Governo e, que, também, está por detrás desta moção de confiança é o desenhar de contornos mais nítidos do projecto de subversão institucional do Governo, consubstanciado designadamente nos projectos de revisão da Lei Eleitoral e da lei-quadro do referendo. Vale a pena meditar um pouco sobre o tema.
Parece óbvio e não foi desmentido que as alterações á Lei Eleitoral visam directamente infringir o principio da proporcionalidade, de modo a, por via de uma engenharia na construção dos círculos eleitorais, garantir a continuidade da maioria parlamentar da direita mesmo que esta passasse a ser, como certamente passará, ainda mais minoritária- do que já é no voto popular. Mas, mesmo que não fosse assim, como evitar a sensação de que a maioria quer alterar as regras do jogo, com as quais ganhou, porque teme perder com essas regras a próxima jogada?

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - É como se um jogador, depois de ter ganho uma partida com a consciência de que foi por um bambúrrio, com todos os santos e acólitos a ajudar, se recusasse a dar a desforra ao adversário com o mesmo baralho e pretendesse trocar de baralho em que previamente viciasse umas cartas para poder continuar a ganhar.

Aplausos do PCP, do MDP e de alguns Deputados do PS.

O caso da lei do referendo é igualmente exemplar, não tanto pela proposta em si mesma, mas sim agora também p Ia justificação que lhe foi dada, segundo a qual' o referendo seria constitucionalmente legítimo, pela simples razão de que ele não é proibido pela Constituição e, logo, por aquilo que não sendo proibido teria de ser permitido. Não importa aqui gastar argumentos sequer para provar que a premissa é falsa e que o referendo não está efectivamente previsto pela Constituição. Em todo o caso, na argumentação expendida emerge não apenas um propósito de subversão da Constituição por meios inconstitucionais, mas também -e é sobretudo isso para que importa agora chamar a atenção - a negação da própria ideia de Constituição.

A Sr.ª Helena Roseta (PSD): - Não apoiado!

O Orador: - Na verdade, a Constituição e a ideia de Constituição nasceram precisamente para limitar o Estado absoluto, para dizer aquilo que ele podia fazer. Estado constitucional é aquele em que os seus órgãos só podem actuar nas formas prescritas pela Constituição. A justificação governamental implica, pura e simplesmente, a dissolução e a expropriação do próprio conceito e ideia de Constituição.
Mas o caso da Lei Eleitoral e da lei-quadro do referendo é bastante mais intrigante. Creio que o Governo, e a maioria que o apoia, não são ingénuos ao político de supor que tais leis possam passar no controle preventivo da constitucionalidade. Quase certamente são leis que não virão à luz do dia. Por que faz então a maioria tanta questão em fazê-las aprovar (tanto mais que em relação à lei do referendo que irmã não pretender recorrer a ela antes das próximas eleições)? Será apenas para criar então um sério conflito institucional entre a Assembleia da República e outros Órgãos de Soberania? Ou será que estes propósitos visam mais longe, visam criar uma reserva de actuação para, no caso mais que provável de fracasso governativo deste governo, poder vir a pré-fixar que não pode governar porque o não deixaram, por culpa da Constituição, por culpa do Conselho da Revolução e do Presidente da República (além, naturalmente, do PCP e da «ameaça russa»)? Será que, lá mais para o Verão, já próximo das eleições, vamos assistir a mais um dos dramáticos e bem encenados golpes de teatro a que o Primeiro-Ministro já habituou os Portugueses? Eis uma questão que vale a pena meditar.

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Em quarto lugar, a credibilidade do Governo e da maioria saem bastante feridos deste debate. Que dizer de uma maioria que na passagem do programa eleitoral para o Programa efectivo do Governo deixou cair algumas das mais 'bombásticas promessas eleitorais e que certamente levaram para a AD muitos milhares de votos? O Primeiro-Ministro ontem tentou ridicularizar esta acusação dizendo que criticamos o Programa, por um lado, por não conter algumas promessas eleitorais e, por outro lado, que o criticamos por conter algumas outras. O jogo de palavras pode ser brilhante, mas não é de modo algum convincente. É que as promessas que foram esquecidas foram aquelas que levaram muita gente a acreditar em perspectivas de melhoria de vida com um Governo da AD, enquanto aquelas que ficaram são as que se destinam a subverter o regime. Isto apenas prova que tínhamos razão desde o início: que a mudança que a direita prometia não era a mudança de política para a melhoria das condições de vida dos Portugueses, mas sim a mudança institucional, não era a mudança de política, mas sim a mudança e regime.

Aplausos do PCP, do MDP e de alguns Deputados do PS.

As propostas de alargamento do abono de família, das pensões, do mínimo vital, essas ficaram pelo caminho. O referendo, a bei Eleitoral, essas não ficaram. Os Portugueses hão-de julgar. Mas de resto, que credibilidade ande ter uma maioria governamental que propagandeou aos quatro ventos que durante os últimos três anos não tinha tido qualquer responsabilidade no Governo que os governos tinham sido da maioria de esquerda, do PS do PCP, que tinham sido governos incompetentes e que agora apresenta neste elenco governativo, alguns nas mesmas pastas, nada menos do que 15 (quinze) Ministros e Secretários de Estado em anteriores Governos, contando apenas os governos posteriores à Constituição, isto é os governos dos últimos três anos?! Que credibilidade há-de merecer um Governo de partidos que apoiaram, estimularam e exigiram uma determinada política económica durante estes últimos três anos e agora vêm chorar sobre os seus nefastos efeitos, imputando-os ao PS que a realizou com o seu apoio e beneplácito, e ao PCP, que foi o único que sempre se lhe opôs? Que credibilidade pode oferecer um Governo que se recusa obstinadamente a tomar posição sobre uma questão das mais candentes da política actual como as rendas de casa, com o ridículo argumento de que estando a questão pendente na Assembleia da República o Governo fará o que esta decidir? (argumento ridículo já que a Assembleia da República decidirá o que a maioria governamental, isto é, o Governo decidir). E se este argumento colhesse aqui, então não valia a 'pena apresentar Programa de Governo, o Governo chegada aqui e diria: meus senhores, faremos aquilo que vocês decidirem.
Por último não poderia ser mais flagrante a confissão de enfeudamento deste Governo a interesses de classe bem marcados, a sua vinculação orgânica e
umbilical às organizações do grande patronato e de outros interesses corporativos ou oligárquicos.

O Sr. Lacerda de Queirós (PSD): - Não apoiado!

O Orador: - Basta reparar na composição do Governo: a CAP está no MAP, a CIP na Economia e na Indústria, a Ordem dos Médicos na Saúde. Se houvesse porventura o ministério dos cultos, aí estaria o bispo do Funchal, porventura acolitado pelo Sr. Sullyman Vally Mamede.

A Sr.ª Helena Roseta (PSD): - Respeite as convicções religiosas, por favor!

Risos e aplausos do PCP, do MDP e de alguns Deputados do PS.

O Orador: - Isto não é um Governo, é um conjunto de sucursais. Tal como na política externa, não há na composição do Governo o mínimo vestígio de não alinhamento. Está integral e completamente alinhado. E tal como na política externa deixámos de «e satélite para passarmos a «e mero reboque, também na sua composição o Governo é um conjunto de reboques de interesses de classe. Este Governo não é um Governo - é um atrelado.

Risos do PCP, do MDP e do PS.

Enfim, e por tudo isto e por tudo o mais que já foi dito, este Governo só pode ter da nossa parte a mais total e decidida não confiança. E tal como nós, não dão qualquer confiança a este Governo todos aqueles, incluindo cada vez mais muitos que votaram na AD, que de boa fé queiram analisar o que é e o que se propõe este Governo.

A Sr.ª Helena Roseta (PSD): - Essa agora!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Governo pode sair daqui parte na confiança que dá a si mesmo. Por nossa parte saímos daqui mais reforçados na nossa oposição, mais determinados na nossa luta, mais confiantes na derrota não muito longínqua deste Governo da direita.
Este Governo não vai ser o início de nada. Vai ser o fim de uma ilusão - a ilusão de que é possível ter ao mesmo tempo um regime democrático e a instauração do poder económico e político das classes possidentes e do domínio dos grandes grupos financeiros. Não durará muito tempo para que este Governo de direita dê lugar a um governo democrático, capaz de realizar a Constituição e o 25 de Abril.

O Sr. Anacoreta Correia (COS:) - Querias, querias!...

O Orador: - As forças democrático-constitucionais são mais fortes e também, como se viu nas eleições, mais numerosas. E não tardarão a ser engrossadas - já estão a sê-lo neste momento -, por todos os decepcionados, os desiludidos, os desenganados pela política deste Governo do PPD e do CDS.
O 25 de Abril e o regime democrático-constitucional vão ser certamente sujeitos a dura provação. Hão-de resistir e sair retemperados e revigorados.

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Por um acaso do calendário celebra-se hoje na Marinha Grande, e noutros locais do País, o 18 de Janeiro, uma das jornadas da resistência popular e operária a todas as tentativas de liquidação e restrição dos direitos dos trabalhadores em Portugal.
Em certo sentido este Governo de direita pode ser uma vacina, um gerador de anticorpos suficientemente poderosos, para depois do restabelecimento imunizar definitivamente contra os vírus do regresso ao passado.
Hoje o Governo da direita sai daqui com a confiança dos seus cento e vinte e oito Deputados. Daqui a nove meses, se lá chegar, terá a desconfiança de milhões de portugueses. Nisso confiamos. Para isso lutamos.

Aplausos do PCP, do MDP e de alguns Deputados do PS.

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para um protesto.

O Sr. Presidente: - Tenha a bondade.

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vou fazer um breve protesto, mas não posso começar sem deixar de estranhar este discurso, porque julgava que este Sr. Deputado não precisava de fazer discursos radicais para se impor no interior do seu partido...

Risos do PCP.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Isto não é um protesto.

O Orador: - ... mesmo com os encantadores aplausos de quase metade dos Deputados socialistas.

Risos do PS.

Parece-me que no fundo começa por revelar que nós temos razão numa crítica que fizemos aqui - ele também tem medo da gerontocracia que o domina.

O Sr. Angelo Correia (PSD): - Muito bem!

Risos da maioria parlamentar.

O Orador: - Mas protesto sobretudo porque mais uma vez este Sr. Deputado quer dar lições de democracia à maioria do próprio povo português que aqui está representado.

Aplausos da maioria parlamentar e risos do PCP.

Protesto também porque este Sr. Deputado se arvorou agora a si próprio em historiador. Mas a história para ele pára em determinado momento, ao que parece, o que é estranho naqueles que costumam falar do futuro que cantam e das forças do progresso.
Esqueceu-se do ano de 1975, esqueceu-se de que o povo português sentiu, embora não na sua totalidade, o terror comunista, e que os trabalhadores em que fala sentiram também um pouco a opressão da classe burocrática que em seu nome tudo possui, tudo oprime, tudo liquida e que, efectivamente, fez reinar no mundo, a seguir à escravidão hitleriana, a pior das escravidões.

Aplausos da maioria parlamentar e protestos, do PCP.

O Sr. Deputado, com a sua raiva disfarçada, não esconde que é o PCP que sai ferido deste debate. Não atingiu qualquer dos seus objectivos. As suas intervenções foram fracas, desconexas, parcelares.

Risos do PCP.

Nada provaram, a não ser a sua impotência, a sua incompetência, a sua fidelidade à política externa da União Soviética.
Os trabalhadores que nos ouviram sabem, e já o mostraram pelo voto, quem defende os seus interesses. Continuem a falar em nome dos vossos 18 %, porque daí certamente que não irão passar muito.

Aplausos da maioria parlamentar.

Protesto, finalmente, contra um Deputado que agora, em nome de uma super legalidade, esquece as ilegalidades cometidas pelo seu partido. Esquece que, à revelia da vontade popular, foram feitas, em Portugal, transformações não ratificadas pelo sufrágio. Esquece que houve, e o seu partido talvez não seja alheio a isso, pressões de rua sobre governos diversos, antes e depois da aprovação da Constituição. Esquece que o Programa do Movimento das Forças Armadas não foi cumprido porque, efectivamente, o povo, em muitos campos, não SP pôde expressar, por culpa em grande parte do seu partido.
Esquece também que o povo votou agora na mudança. E nós temos, e isso é que vos faz raiva, o que vocês não tinham quando foram Poder em Portugal; temos a vontade popular. O seu discurso é o discurso da raiva contra a soberania do povo.

Aplausos da maioria parlamentar e protestos do PCP.

Mas protesto igualmente porque o Sr. Deputado Vital Moreira nem sequer respeitou as convicções religiosas de maiorias e minorias da população portuguesa, sejam elas católicas ou muçulmanas. Isto não pode ser motivo de gozo aqui, ainda que venha da parte de um partido que se diz ateu. E não posso deixar de lavrar aí o meu veemente protesto contra o desrespeito pelas convicções do povo português, povo universalista e respeitador das convicções religiosas.

Aplausos da maioria parlamentar.

E, finalmente, este é o discurso com um refúgio num futuro mítico próprio da ilusão daqueles que ainda andam à espera, desde o século passado, da época de paz e de abundância colectivista que nunca ninguém viu. Este é o discurso do fim dos mitos, do fim da ilusão colectivista, de que os trabalhadores estão fartos e repudiaram já - e repudiarão cada vez mais.
Nós queremos um futuro livre e europeu e não podemos consentir - isto da nossa parte, outros dirão p que quiserem que alguns que não conseguem, nem nunca conseguiram, nem nunca conseguirão, metade mais um por cento dos sufrágios de um povo, se arroguem o direito de falar em nome desse povo.
Estamos fartos de megalomanias. Estamos fartos deste delírio, que é no fundo também e de certo modo, e tenham coragem de o dizer, o reconhecimento da derrota. De certo modo tenho pena de vós, porque este discurso é uma autocrítica.

Aplausos da maioria parlamentar e risos do PCP.

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O Sr. Castro Caldas (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para um protesto.

O Sr. Presidente: - Tenha a bondade.

O Sr. Castro Caldas (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vou formular um muito curto protesto pessoal dirigido à intervenção do Sr. Deputado Vital Moreira.
Reconheço e admiro a disciplina escolástica de raciocínio do Sr. Deputado Vital Moreira. Reconheço e compreendo o poder agressivo que em determinado momento as palavras contêm. Sei o sentido, que se encontra implícito em determinado número de expressões e de frases, num contexto duma tradição e dum peso históricos. Sei efectivamente que se a menção que V. Ex.ª me dirigiu no seu discurso...

O Sr. Vital Moreira (PCP): - Não citei ninguém.

O Orador: - ... foi proferida nesta Casa foi porque também da vossa bancada saíram palavras de um conteúdo e de um peso histórico preciso, com a mesma dimensão, isso significa que não posso deixar de trazer a esta Câmara uma palavra de tomada de consciência sobre os mecanismos que a bancada do Partido Comunista desencadeou em Portugal e a atenção que todos os democratas têm que ter para esse fenómeno. Para isso estamos nesta bancada. E para isso aqui estamos também para reconhecer que dentro da disciplina escolástica de raciocínio do Sr. Deputado Vital Moreira saiu uma desconfiança em relação à instituição parlamentar. Saiu uma desconfiança notória e evidente, porque quando um governo recebe o voto de confiança de um Parlamento recebe-o de um parlamento em que VV. Ex.ªs também estão sentados.

Aplausos da maioria parlamentar.

O Sr. Godinho de Matos (Indep.): - Sr. Presidente, peço a palavra para um protesto relativo à intervenção do Sr. Deputado Vital Moreira.

O Sr. Presidente: - Tenha a bondade.

O Sr. Godinho de Matos (Indep.): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nós, Deputados independentes Reformadores,...

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Ex-socialistas.

O Orador: - ...protestamos contra o facto de o Sr. Deputado Vital Moreira se ter referido a uma dominante na ideologia da Aliança Democrática, apresentando essa dominante como sendo reaccionária.
Pela nossa parte cumpre-nos dizer que a Aliança Democrática não tem nenhuma ideologia oficial própria e que existem na Aliança Democrática, como é natural em coligações, diferentes formas de pensar, diferentes formas de pulsar e também diversas ideologias.
Fazemos este protesto para que o Sr. Deputado Vir tal Moreira passe a ter mais em consideração a realidade política do que é uma coligação e não substitua a realidade pela confusão que vai no seu espírito.

Aplausos da maioria parlamentar.

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Não sabe o que é pluralismo.

O Sr. Vital Moreira (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tenha a bondade.

O Sr. Vital Moreira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Confesso que não consigo reprimir e impressão que me assaltou já várias vezes, quando ouço o tom, os gestos, a postura de alguns Deputados do PPD...

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Olha quem fala!

O Orador: - ... ao fazerem intervenções da bancada, de que estamos perante a exibição de candidatos a actores perante produtores.

Risos do PCP e do PS.

O Sr. Fernando Costa (PSD): - Olha quem fala!

O Orador: - Também não deixou de me assaltar esta dúvida: é que eu julguei que o facto de o Sr. Deputado Pedro Roseta pertencer agora a uma maioria parlamentar, que faz dele um dos apoiantes do Governo, lhe teria feito sentir que a falta do sentido do ridículo é a coisa pior de que pode estar possuído um Deputado.

Vozes do PSD: - Olha quem fala!

O Orador: - O Sr. Deputado Pedro Roseta, infelizmente, parece que ainda não entrou na sua nova veste. Desejo que o faça o mais rapidamente possível porque, a repetir muitas vezes intervenções deste estilo, é provável que a hilariedade seja a resposta mais consentânea ao tipo de considerações, de entoações e de inflexões que vêm nas suas palavras.
Lamento desiludi-lo, Sr. Deputado Pedro Roseta, mas a AD não representa a maioria dos portugueses.

A Sr.ª Helena Roseta (PSD): - Então representa o quê?!...

O Orador: - A AD teve menos 350 000 votos do que os partidos que aqui estão nas bancadas da oposição.
O Sr. Deputado Pedro Roseta pode invocar uma maioria de Deputados, que ninguém lhe contesta, a legitimidade parlamentar para governar, que ninguém lhe contesta, mas o que não pode invocar é que tem o apoio de mais de metade dos portugueses, que não tem. É óbvio.

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Onde é que está a democracia representativa? Isto não é a democracia soviética!

O Orador: - Em relação ao terror de 1975, devo dizer-lhe, Sr. Deputado, que - embora tenhamos sofrido tanto ao longo de tanto tempo que verdadeiramente até temos um certo pendor para esquecer - nós não o esquecemos. Nos centros de trabalho assaltados, queimados, destruídos, nos militantes feridos

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c monos a tiro, nos automóveis e casas destruídas à bomba, nós sabemos o que foi o temor em 1975 - e também conhecemos alguns dos que participaram nesse terror.

Aplausos do PCP.

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Foram vocês!

O Orador: - Quanto a transformações não ratificadas pela vontade popular, queria fazer aqui uma pequena revolução, digo revelação...

Vozes da maioria parlamentar: - Ah!...

O Orador: - Vai ser uma revolução na cabeça de alguns dos Deputados caloiros, lá isso vai.

Aplausos do PCP.

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Presunção e água benta ...

O Orador: - Convido os Srs. Deputados a lerem os artigos da Constituição sobre organização económica ...

A Sr.ª Helena Roseta (PSD): - Não estamos numa aula!

O Orador: - ... e depois fixarem esta informação: o PSD votou todos e cada um desses artigos - repito, todos e cada um desses artigos -, sem um voto contra e sem uma abstenção.

A Sr.ª Helena Roseta (PSD): - E as declarações de voto?

O Orador: - A Constituição da República foi aprovada pelo PSD, então ainda PPD, juntamente com o PS, o PCP, o MDP/CDS e a UDP.

A Sr.ª Helena: Roseta (PSD): - Mas não é eterna!

O Orador: - E alguns dias antes da aprovação da Constituição, o secretário-geral do PPD, agora Primeiro-Ministro, declarou, num comício da Juventude Social-Democrata, que a Constituição era social-democrata e por isso a iam aprovar.

A Sr.ª Helena Roseta (PSD): - Não disse tal.

O Orador: - Faço mais uma pequena reflexão, que talvez seja uma boa sugestão de passatempo para este fim-de-semana: leiam novamente o programa eleitoral da AD e depois leiam o programa do vosso partido e se, porventura, conseguirem encontrar alguma coincidência, eu comprometo-me a dar um prémio a cada um.

Vozes do PSD: - Não é preciso.

O Orador: - Pode ser um rebuçado para adoçar a boca.

Risos do PCP, do MDP/CDE e do PS.

Eis uma boa sugestão de passatempo para os Deputados da AD, se é que o programa do PSD ainda se encontra disponível.

A Sr.ª Helena Roseta (PSD): - E em prática!

O Orador: - Então leiam-no por exemplo era política externa, por exemplo em matéria económica, e depois comparem com o Programa do Governo. É uma boa sugestão.

Protestos do maioria parlamentar.

Vem isto a, propósito de transformações não sufragadas pela vontade popular.
Quanto a convicções religiosas, pois é exactamente o meu respeito pelas convicções religiosas de todos e cada um que me levou a citar dois casos notórios de utilização abusiva e de manipulação de convicções religiosas para fins políticos.

A Sr.ª Helena Roseta (PSD): - Essa agora!

O Orador: - O caso do bispo da Madeira e o caso do Sr. Suleiman Vally Mamede.

A Sr.ª Helena Roseta (PSD): - Tenha juízo!

O Sr. Pedro Roseta ((PSD): - Fale na Pintasilgo!

O Orador: - E isto, quando me é proposto por um Sr. Deputado de um partido que beneficiou, como certamente ninguém ignora, da utilização que em muitos sítios do nosso país foi feita, por alguns ministros da Igreja Católica, das convicções religiosas para carrear o voto para a AD, é caso para dizer: haja um mínimo de decência, Sr. Deputado.

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Do que é que está a falar?!

O Orador: - Quanto ao Sr. Deputado Castro Caldas, devo reconhecer-lhe o tom serena e o reconhecimento de que eu tinha algum motivo, pelo menos da sua parte certamente quero crer que não mo reconhecerá todo, mas não virá daí uma ao Munido - de que tinha alguma razão para eu e outros como eu nos sentirmos magoados, atingidos, com certo tipo de referências históricas, que histórica, política e psicologicamente fazem parte; de uma síndroma, (política muito característica.
Quanto à outra questão que me pôs o voto de confiança do Parlamento -, devo remetê-lo para as palavras do Primeiro-Ministro. Ele não pediu o voto de confiança dos Deputados da Assembleia. Pediu o voto de confiança dos Deputados do Governo. Os Deputados do Governo encarregarão de o dar. Nós não nos sentimos vinculados, sequer formalmente ou institucionalmente, a um voto de confiança de que expressamente somos excluídos, em que nem sequer somos chamados a participar com o voto, qualquer que ele seja.
Quanto ao Sr. Deputado Nuno Godinho de Matos, há um equívoco na forma que utilizou. Eu não disse que a dominante ideológica no discurso da Aliança da maioria governamental era uma dominante reaccionária. As palavras que eu disse foram expressamente estas: «É notória a captura, da hegemonia ideológica dentro da maneira governamental, nomeadamente aqui no Parlamento, por parte dos sectores mais direitistas e reaccionários dessa maioria.»

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado já terminou o seu tempo. Peço-lhe que seja breve.

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O Orador: - Foi isso que eu disse. Portanto, há um equívoco na transcrição que fez. Creio que posto nestes termos não poderá certamente deixar de me reconhecer que, depois de ouvir o discurso que ouvimos ontem, e que me dispenso «de referir, ou o que ouvimos hoje de manhã, de um dos chamados jovens da nova direita, que só pode ser nova para quem não sabe o que ela era em 1930...

Risos.

... eu não posso deixar de reconhecer isto. £ a questão é esta: o discurso de ontem foi aplaudido pela generalidade dos Deputados da maioria governamental. E por isso a pergunta mantém-se: é esse o discurso político e ideológico da maioria? É esse o discurso, como parece ser, porque foi o mais pedido, o mais consistente, o miais insistente, talvez o único dos discursos ideológicos que a maioria governamental aqui trouxe?
Se quisesse terminar com algum cinismo, poderia dizer que em certos momentos desta discussão e da observação deste Governo e desta maioria me ocorreu perguntar se não estaríamos dez amos depois a assistir, em parte pelo menos, ao reencontro do marcelismo tecnocrático com o salazarismo ideológico.

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - E com o Estaline!

O Orador: - É porventura um tanto cínica a pergunta, mas cada um, no entanto, que enfie as respectivas vestes.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Aviso a bancada do PCP de que o seu tempo está esgotado.

O Sr. Luís Coimbra (PPM): - Sr. Presidente, peço a palavra para um pequeno protesto.

O Sr. Presidente: - Tenha a bondade.

O Sr. Luís Coimbra (PPM): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Temos estado a ouvir da parte do Sr. Deputado Vital Moreira acusações permanentes à Aliança Democrática de tentar subverter o regime, a Constituição, a própria soberania popular.

O Sr. Vital Moreira (PCP): - É verdade!

O Orador: - Estas acusações fazem-me lembrar outras situações em que eu pessoalmente e o meu partido fomos acusados de ser agentes subversivos antes do 25 de Abril.
Quero dizer ao Sr. Deputado Vital Moreira, muito claramente, que os militantes do meu partido passaram pelas cadeias da PIDE antes do 25 de Abril, participaram em muitas das revoluções em que vocês não participaram...

Aplausos da maioria parlamentar.

...estiveram, depois do 25 de Abril, nas masmorras do Sr. Corvacho, alguns deles encostados à parede com a ameaça de serem fuzilados, e que acima de tudo não aceitamos nunca tições democráticas vindas da bancada do Partido Comunista.

Aplausos da maioria parlamentar.

O Sr. Vital Moreira (PCP): - Faz mal, Sr. Deputado. Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Tem V. Ex.ª a palavra, mas seja muito breve.

O Sr. Vital Moreira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Devo dizer ao Sr. Deputado que acaba de intervir que se sentiu deslocadamente atingido por críticas que só podiam ser dirigidas a quem eram dirigidas, não obviamente ao Sr. Deputado.
Quanto a mão receber lições, é mau, porque talvez enriquecesse de algum modo a sua concepção democrática...

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Ah! É a melhor da tarde!

O Orador: -... pela experiência de quem desde 1921 e muitas vezes sozinho, lutou pela democracia.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Quanto à questão da Constituição, vou ler um texto de três linhas: «Depois da vitória da AD nas últimas eleições, é possível dizer-se que a Constituição está na oposição. Está em curso, pois, tem de estar, um típico processo de revisão, o qual na sua essência consiste em observar as fornias para alterar conteúdos constitucionais.» (sic)
Fiz uma citação do Deputado Lucas Pires, artigo ao jornal O Diabo, em 15 de Janeiro de 1980.

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - O que é que isso tem?

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, faltam neste momento quinze minutos para as 17 horas e, como sabem, temos o compromisso de receber às 17 horas em ponto a delegação de Deputados da República da Coreia do Sul.
Justamente porque não quero correr o risco de ter de interromper alguma intervenção que agora se iniciasse, vou antecipar o intervalo e suspender a sessão.
Pedia aos Srs. Vice-Presidentes e aos Srs. Deputados que quiserem ter a amabilidade de colaborar na recepção à delegação sul-coreana o favor de se encaminharem para o meu Gabinete.

Está suspensa a sessão.

Eram 16 horas e 45 minutos.

O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão.

Eram 17 horas e 30 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, chegou neste momento à tribuna do corpo diplomático a representação Sul-Coreana de visita à Assembleia da República.

Aplausos gerais.

Sr. Embaixador da Coreia do Sul, Srs. Deputados da Assembleia da República da Coreia do Sul: No meu nome pessoal e em nome de todos os Deputados desta Câmara, tenho a honra do repetir a V. Ex.ª os

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cumprimentos de boas-vindas que há pouco tive o prazer de lhe endereçar, renovo a manifestação do prazer e da honra que representa para a Câmara a vossa visita e em nome da Assembleia da República Portuguesa saúdo VV. Ex.ªs, testemunhando-lhes a alegria e o gosto dê os ter entre nós.

Aplausos gerais.

Srs. Deputados, como os membros do Governo ainda não se encontram na Sala, vamos aguardar mais alguns momentos.
Sr. Deputado José Tengarrinha, o seu grupo parlamentar tem alguma intervenção a fazer?

O Sr. José Tengarrinha (MDP): - Não, Sr. Presidente, faremos unicamente a nossa declaração de voto.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. 'Deputado Salgado Zenha, visto que, pelo que está convencionado, é a altura de o* Partido Socialista fazer a sua intervenção.

O Sr. Salgado Zenha (PS): - Sr. Presidente, obedeço às suas ordens, mas afigura-se-me que não estando o Governo presente não será muito curial iniciar a minha intervenção.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, estava unicamente a esclarecer a ordenação das intervenções e peço a V. Ex.ª o favor de acreditar que nunca lhe darei ordens.

O Sr. Salgado Zenha (PS): - Sr. Presidente, eu é que aceito as ordens de V. Ex.ª.

Risos gerais.

O Sr. Presidente: - Fico-lhe grato, Sr. Deputado, mas em qualquer caso não lhas darei, far-lhe-ei sempre muito gratas e afectuosas: sugestões.

O Sr. Luís Catarino (MDP/CDE): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Catarino (MDP/CDE): - Sr. Presidente, o meu partido, ao contrário do que afirmou anteriormente, desejaria utilizar os minutos de intervenção que ainda lhe restam para colocar algumas questões ao Governo.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado, uma vez que o Governo já se encontra presente.

O Sr. Luís Catarino (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Si. Primeiro-Ministro, Srs. Ministros: No aproveitamento dos escassos minutos que faltam para a utilização do tempo de intervenção concedido ao MDP/CDE, queria, em nome, do meu partido, deixar sublinhadas duas ideias que correspondem a preocupações que nós, logo no início do debate do Programa do Governo, comunicámos neste Plenário, ideias que realmente se corporizaram no decurso da discussão aqui feita.
Na manhã de. hoje tivemos a oportunidade de adiantar que se nos afigurava que a atitude do Governo, ao solicitar e eventualmente obter desta Câmara a
aprovação de uma moção de confiança iria, por alargamento da expressão política parlamentar da estrutura do nosso Governo e da nossa economia política, necessariamente ter de confrontar-se, ou correr o risco, com áreas de outros poderes, nomeadamente com a área do poder pertencente ao Presidente da República que nomeou este Governo e perante o qual é politicamente responsável. Essa preocupação que alinhámos no início do debate consubstanciou-se no decurso da discussão, por isso queremos deixar a ideia sublinhada.
Outra ideia que tínhamos, não só de hoje mas da discussão do Programa do Governo, é a dei que, de alguma maneira, o Programa do Governo aponta para um ataque, se; não frontal, nalguns pontos, pelo menos violento, às normas constitucionais fundamentais que dominam alguns sectores da nossa vida política e da nossa estrutura económica. A afirmação de que, cumprindo, ainda que formalmente, o artigo 191.º da Constituição da República Portuguesa, o Governo fica liberto, no seu horizonte de actuação governativa, de todos os mecanismos de controle, mesmo da anti-constitucionalidade da sua acção, é uma visão errada e é uma visão que define de uma maneira inquietante o propósito deste Governo de não fazer grande respeito de normas fundamentais da nossa lei constitucional.
São estas, Sr. Primeiro-Ministro, as ideias mestras que neste momento o MDP/CDE quer deixar bem sublinhadas e bem vincadas no encerramento do debate desta moção de confiança.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Salgado Zenha.

O Sr. Salgado Zenha (PS): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros ao Governo, Srs. Deputados: O Partido Socialista pensa que! este debate sobre a moção de confiança não tem fundamento constitucional. Verifica-se do seu decurso que é uma mera repetição do debate sobre o Programa de Governo efectuado nos últimos dias. O Governo quer exibir a «sua» maioria tão querida, pois exiba-a e nós vamos debater a moção de confiança. Portanto, o Partido Socialista, sejam quais forem as perguntas que o Governo peça ou não peça à oposição isso não nos preocupa muito -, deve expor, segundo a Constituição, o seu ponto de vista sobre a moção de confiança apresentada pelo Governo.
Poderá merecer este Governo a confiança do Partido Socialista? É evidente que não e ninguém, com certeza, esperaria outra resposta senão esta.
E por que a não merece? É fácil de explicar. Este Governo não merece a confiança da oposição socialista porque é um Governo da direita. Apoiado por uma coligação eleitoral, na qual toda a direita portuguesa votou desde o MIRN ao PSD -, o seu objectivo essencial é governar de acordo com os interesses dessa direita.
O PS não contesta a legitimidade deste Governo, como é evidente, enquanto não for destituído do exercício das suas funções pelos meios constitucionais. Quer dizer: ou porque o Parlamento o faça cair ou porque o Chefe do Estado o venha a exonerar. Até lá, este Governo tem legitimidade para governar. Mais do que isso, tem a obrigação de governar Pois que governe. É essa a sua função e obrigação. O Governo deve, por isso, assumir-se como Governo e

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obrigado a governar - enquanto não lhe for retirada a legitimidade pelos meios constitucionais. Julgamos até que a coligação governamental deverá encontrar em si própria a coragem necessária para se assumir como Governo e governar. E não estar já a preparar no seu espirito uma retirada estratégica com a auto-demissão das suas responsabilidades, tão do agrado de alguns dos seus leaders, alegando supostas dificuldades internas no seio da coligação ou fomentando, como já começou a fazer, um ambiente agressivo contra outros órgãos de soberania, para depois lhes imputar a responsabilidade dos seus próprios desacatos e da sua retirada.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Pois que o Governo governe e tenha a coragem de governar.

Antes de 14 de Outubro deste ano, nos termos constitucionais, terão de realizar-se novas eleições parlamentares. Pois bem, o povo julgará então os resultados da actuação do Governo da direita. Governou bem, governou mal? O povo julgará. E só haverá democracia se a vontade do povo se exprimir pelo mesmo processo que deu a vitória à AD. Haverá uma manifesta deslealdade antidemocrática se uma coligação eleita para governar durante nove meses se preocupar não em governar mas antes em tentar falsear antecipadamente a próxima consulta eleitoral através da manipulação situacionista das leis eleitorais.

Vozes do PS: - Muito bem!

Vozes do PSD: - Muito mal!

O Orador: - Durante o período eleitoral a AD desencadeou uma campanha aberta contra o 25 de Abril. Segundo a lógica sistemática da AD, tudo correu bem em Portugal até ao 25 de Abril.
Com o 25 de Abril e depois do 25 de Abril tudo passou a correr mal!

Vozes do PS: - Muito bem!

Vozes da maioria parlamentar: - Não apoiado!

O Orador: - Apoiado! - se me permitem responder às vossas simpáticas vozes ...

Aplausos do PS.

O Partido Socialista admite à situação que seja oposição à oposição, não fazemos qualquer dificuldade à vossa oposição.

Risos do PS.

O Sr. Sousa Tavares (Indep.): - Dr. Salgado Zenha é inteligente de mais para precisar de dizer mentiras!

O Orador: - Sr. Deputado Sousa Tavares, seja agressivo mas não no Parlamento, porque esses termos não são aceitáveis segundo a nossa ética parlamentar. O Sr. é um Deputado recente, mas deve habituar-se a seguir a ética parlamentar.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, peco-lhes o favor de não estabelecerem diálogo.

O Orador: - Sr. Presidente, não resisto à sedução cias perguntas dos meus oposicionistas.

Risos e aplausos do PS.

A AD prometeu que se, em resultado das eleições fosse Governo, tudo passaria a ser um mar de rosas: a inflação desceria substancialmente, o emprego e o investimento aumentariam, os impostos diminuiriam, o déficit orça mental seria reduzido, passaria a haver uma casa para todos, etc., etc.
Pois bem, a AD deverá cumprir as suas promessas. E vai fazê-lo? É evidente que não, pois que as suas promessas não passaram de mera manobra demagógica para chegar ao Governo. Uma vez lá chegado, as promessas são esquecidas pela AD, a qual passará a utilizar as manobras equilibristas da direita para se sustentar na corda bamba da demagogia: apelará para o interesse nacional, a eficácia e a operacionalidade e até contra o regime constitucional, agitará campanhas histéricas relacionadas com, a política externa. Fará tudo isto, mas não cumprira as suas promessas.
E já começou a proceder assim. Nós, socialistas, condenamos a intervenção soviética no Afeganistão, e por isso merecem o nosso apoio o protesto efectuado pelo Governo, bem como as posições assumidas pela nossa diplomada a este respeito nas Nações Unidas. Todavia, não podemos deixar de criticar a especulação para uso interno que o Governo imediatamente montou com expedientes de mau trato. Foi ridícula e megalómana essa caricata iniciativa de chamar a Lisboa o nosso embaixador em Moscovo, que por acaso até estava nessa altura em Lisboa.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Não é verdade! Isso já foi explicado!

O Orador: - Como despropositada e inaceitável a «leoa pérfida de, em aproveitamento deste acontecimento, se tentar diminuir o Chefe do Estado na nota oficiosa então publicada, por forma descortês e desrespeitosa, como se ele pudesse ser transformado no marechal Carmona da direita portuguesa.

Aplausos do PS.

Esta ideia paranóica de que o anti-sovietismo deve ser a tónica obsessiva da nossa política externa foi uma ideia cara a Salazar, mas então, como agora, só redundará no disparate. Já passaram os tempos em que a direita governava contra o povo e procurava desviar as atenções dos Portugueses dos nossos problemas internos, preconizando santas cruzadas contra os Infiéis. O tempo das guerras religiosas já passou. Não haverá mais inquisições em Portugal. Portugal mão é nem nunca será um país comunista. Mas a nossa política externa, integrada na defesa dos valores comuns da Europa democrática e da NATO a que pertencemos, não podará, por osso mesmo, ser uma reedição mais actualizada daquela que outrora defendiam Franco e Salazar.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Aliás, a mania da perseguição é apanágio dos fracos e dos intolerantes. Uma política democrática e patriótica deve assentar na considera-

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cão exacta dos interesses nacionais, na fede complexa das flutuantes relações de força do Mundo, e não fixar-se em dogmas cuja aplicação cega e doentia levarão com certeza à lesão dos interesses do povo português.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Muito bem!

O Orador: - Outro sintoma do espírito provinciano e persecutório deste Governo é a sua atitude mesquinha e antidemocrática para com a nossa embaixadora na UNESCO, Maria de Lurdes Pintasilgo, Primeira-Ministra do Governo anterior.

Aplausos do PS e protestos da maioria parlamentar.

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - É uma paixão obsessiva!

O Orador: - Quero, em primeiro lugar, tributar a minha homenagem a essa mulher generosa e sensível, exemplo de virtude, de princípios democráticos e de amor petos pobres.

Aplausos do PS e MDP e risos da maioria portar mentor.

A direita detesta-a como se vê nesta Assembleia - mas o povo português tê-la-á sempre presente em espírito, com ternura e carinho.

Aplausos do PS e risos da maioria parlamentar.

O Sr. Sousa Tavares (Indep.): - Mas que espantosa paixão!

O Orador: - Mas seja qual for o juízo que o Governo possa ter a seu respeito, a atitude mesquinha e persecutória desde já esboçada contra ela só condena quem a toma e engrandece quem dela. é alvo.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Outra amostra de que o Governo da AD desde já se furta ao cumprimento das suas promessas demagógicas durante a campanha eleitoral resulta das declarações feitas nesta Câmara pele Sr. Ministro das Finanças, Dr. Cavaco e Silva.

O Sr. Anacoreta Correia (CDS): - Estes também estão a ficar com a cassette!

O Orador: - Durante a campanha eleitoral, a AD prometeu uma redução substanciai! da inflação. Só após a realização das eleições de 2 de Dezembro apareceu na imprensa uma prudente declaração de um dos estrategas da AD e actual membro do Governo, Dr. Vasco Pulido Valente, na qual se precisou já depois de conhecida a vitória eleitoral da AD - que a inflação seria reduzida paira 10% a 15%. Porém, o Sr. Ministro das Finanças, nas suas declarações nesta Assembleia apontou para uma taxa de inflação de 20%, o que comparado com os 24% do último ano não se pode dizer que seja uma redução substancial. Porém, acrescentou logo que dada a crise do petróleo e os aumentos de preço daí derivados nem isso podia garantir. Circunstância curiosa do debate, parlamentar, o Sr. Ministro do Comércio, Sr. Basílio Horta, conhecedor qualificado da matéria, pois já ocupou a mesma pasta no II Governo Constitucional, e sobre o qual recaem especiais responsabilidades neste domínio, não interveio no debate. Já todos sabemos o que vai acontecer. As promessas eleitoralistas não vão ser cumpridas. E como o Ministro das Finanças é PSD e o Ministro do Comércio é CDS, o PSD vai dizer que a culpa é do CDS e o CDS vai dizer que a culpa é do PSD.

Risos do PS.

E nós, socialistas, e nós portugueses, em quem devemos acreditar: no CDS ou no PSD?

Uma voz do CDS: - No Zenha!

O Orador: - A resposta é simples: nem num, nem noutro.

Vozes da maioria parlamentar: - Na AD!

Ne Programa do Governo da AD não se explica nem de perto nem de longe como é que este Governo tenciona efectivar as promessas efectuadas durante a campanha eleitoral.
Através dele perpassam dois objectivos obsessivos, repetidos em todos os tons e lamirés que o Governo da AD se proporá alcançar custe o que custar: a reconstituição dos grandes grupos económico-financeiros e a desestabiilização institucional do regime democrático e constitucional. Ora, a conseguir-se o que a AD pretende, a condição do povo português não melhorará, piorará.
A AD durante a campanha eleitoral prometeu o céu na terra. E agora o que é que o Governo da AD irá dar ao povo português: o céu, o purgatório ou o inferno? Dentro em breve se saberá, mas não será difícil antecipar.
Os grandes grupos económicos controlam a vida económica de vários países ocidentais, que sofrem a crise económica internacional de modo mais intenso ainda do que nós. Reconstituí-los em Portugal é andar para trás, não é andar para a frente. Submeter de novo o poder político à suserania dos grandes grupos financeiros seria um empobrecimento da nossa democracia, não uma sua valorização. Desestabilizar institucionalmente o regime através de leis que visem a instaurar entre nós um cesarismo plebiscitário acopulado a um sistema eleitoral situacionista, isto é talhado para impor a aceitação do Governo vigente e não para permitir a livre escolha do eleitorado, como até agora aconteceu, seria retornar a uma forma de marcelismo actualizado, que o povo português de forma nenhuma aceitará.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - A direita portuguesa tem falado muito depois do 25 de Abril em crise de identidade nacional. Ora não existe nenhuma crise de identidade nacional. Pelo contrário, o 25 de Abril reafirmou-a e consolidou-a, como sempre acontece quando o povo avoca a si a orientação do seu próprio destino.

Aplausos do PS.

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Existe, sim, entre Largos sectores da direita - e não só! - uma crise de identidade democrática. Para a direita portuguesa, sempre afagada e amimada por Salazar, viver em democracia é algo que se lhe afigura contra natura. Daí que ela - que nunca soube o que é a democracia procure desesperadamente um modelo que lhe permita um situacionismo de direita com uma fachada liberal. Para alcançar esse deseje, ela lá vai de Seca para Meca, ou de Suárez para Chirac, à procura de qualquer écharpe europeia que esconda os seus desejos miguelistas. Naturalmente que não se trata de regressar ao fascismo, salvo para os mais extremistas ou nervosos que também os há dentro da AD - ainda hoje os ouvimos aqui -, mas sim de voltar a dançar os tangos do passado ao compasso dos ritmos neste momento mais em voga lá fora.
Avisemos desde já a AD. Para além da desafinação, vai ser difícil. Não há zarzuelas à espanhola nem valsas à francesa que possam servir de cura à crise de identidade democrática. Nós, socialistas, não sofremos de nenhuma crise de identidade democrática e muito menos de crise de identidade nacional.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Só partidária!

O Orador: - Lutar pela democracia e por Portugal, sob a bandeira da Constituição e do 25 de Abril, é este o nosso compasso. E para a AD não haverá outro remédio senão .habituar-se a ele! E desde já repetimos à AD o que dissemos há bem poucos anos a Vasco Gonçalves e a Rosa Coutinho: não se peça a nós, socialistas, que deixemos de ser o que somos para passarmos a ser aquilo que os outros desejariam que nós fôssemos.

Aplausos do PS.

Se nós, socialistas, não sofremos de nenhuma crise de identidade nacional nem de identidade democrática, também não sofremos de uma crise de identidade partidária. E mesmo que dela sofrêssemos, cá a resolveríamos sem necessitar da ajuda de outros partidos.
A AD é que, neste momento, se tem de afirmar como Governo. Prometeu o céu na terra. Pois então, cumpra. Vai inaugurar um novo estilo de Governo, rápido, eficaz, operacional, que resolverá os problemas concretos dos Portugueses. Já ouvimos as palavras. Aguardamos as obras...
Quer acelerar a adesão à CEE. Pois então acelere-a e explique-nos como.
Resumindo, eis a nossa resposta ao Governo neste debate: pois bem, mostre aquilo que é capaz, siga consigo e não abandone a meio caminho.
Claro que na sua actividade o Governo da AD terá de contar, naturalmente, com a oposição socialista. E pela razão óbvia de que em democracia não há Governo sem oposição. Portanto, definamos desde já as grandes linhas da nossa actuação. O PS não fará ao Governo dá AD a oposição trauliteira e demagógica que a AD - e nomeadamente o PSD - fez aos dois Governos Constitucionais presididos por Mário Soares.

Vozes do PSD: - Não é verdade!

O Orador: - Nós socialistas, sabemos que a partir de fins de 1973 (ou até talvez desde antes!) o mundo mergulhou numa crise económica muito grave, que persiste e tudo leva a crer que se agravará nos tempos mais próximos.
Essa crise, embora tenha deflagrado de modo menos espectacular do que o grande Krack de 1929, é ainda mais grave, por certos aspectos estruturais que a tornarão provavelmente mais prolongada. Um dos grandes vectores da sua dinâmica é minar e alterar o próprio sistema vigente de comércio internacional que representa o suporte mais profundo de toda a organização económica mundial presente.
A crise do petróleo, a crise do sistema monetário internacional, a alteração vertiginosa dos preços internacionais dos produtos, alterando de um dia para o outro os velhos equilíbrios nacionais, a fome sofrida por dois terços da Humanidade, conflitos político-militares da mais variada ordem, a corrida aos armamentos, sem excepção dos atómicos, a subida em flecha do preço do ouro - tudo isso são fenómenos que tornam explosivo e de consequências imprevisíveis o desenlace desta crise. De qualquer modo, o seu parto não se fará sem dor!
Nós, socialistas, pensamos que, mesmo nesta conjuntura económica internacional recessiva, é possível praticar em Portugal uma política de desenvolvimento e progresso social que resolva os problemas dos Portugueses, uma vez que já foi debelado o grave déficit externo que nos afectava, graças à actuação dos Governos Constitucionais presididos por Mário Soares. Foi, de resto, o que aconteceu na grande recessão mundial dos anos 30, nos países governados pelos partidos sociais-democratas escandinavos, em que a crise internacional serviu de estímulo ao engrandecimento nacional. Mas essa política de desenvolvimento nacional em épocas de crise mundial não é possível sem estabilidade institucional e ainda sem a solidariedade nacional fundada na liberdade e na justiça social. Ou seja, numa maior igualdade entre os cidadãos, estimulada por reformas sucessivas tendentes a irmanar cada vez mais os Portugueses numa comunidade real, rejeitando à partida a ideia restauracionista de velhas ou novas feudalidades. Não há desenvolvimento sem reformas. Isto implica que se se não destruam reformas já efectuadas por contra-reformas e se progrida sucessivamente através de novas reformas para um futuro melhor.
Daí que nas medidas governativas que o Governo queira pôr em prática para melhorar a sorte dos Portugueses ou debelar as consequências negativas entre nós da crise económica mundial a AD deverá contar da nossa parte com um exame casuístico das soluções propostas. E nunca ouvirá da nossa parte os argumentos demagógicos e irresponsáveis que o PS, quando governou, ouviu da direita - e nomeadamente do PSD -, tais como o de que a crise do petróleo não existe e outros quejandos.
Será, contudo, inaceitável que o Governo venha agora dizer-nos que ignorava a verdadeira situação económico-financeira, seja ela nacional ou internacional. Trata-se, na sua grande maioria, do conhecimento de todos, mesmo não especialistas.

O Sr. Sousa Tavares (Indep.): - Mas, segundo a sua querida Pintasilgo, era tudo óptimo.

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O Orador: - Já todo o mundo sabia que os preços do .petróleo iriam ser de novo aumentados no começo deste ano. Aliás, este aumento dos preços do petróleo é uma constante da cena internacional. Já o Governo de Marcelo Caetano a teve de enfrentar, o que não deixou de contribuir para acelerar a sua queda. Além disso, vários membros do Governo transitaram de Governos anteriores. Outros, além de serem abalizados técnicos, ocuparam funções de grande responsabilidade em organismos oficiais - é o caso, por exemplo, do Sr. Ministro das Finanças.
Porque prometeram então o que sabiam não poder cumprir? Assuma, portanto, o Governo a sua identidade e a sua responsabilidade face ao povo - não fuja nem se esquive pela porta das traseiras!
Por isso, o Partido Socialista analisará segundo um critério casuístico as futuras medidas governativas que vierem a ser propostas e analisá-las-á pelos seus merecimentos próprios, em qualquer parti-pris.
Mas se a AD quiser ser uma coligação situacionista e anticonstitucional, se pretender alterar a estrutura institucional do regime democrático e constitucional, se tentar desestabilizar ou desrespeitar os outros Órgãos de Soberania -sejam eles quais forem-, pois então não valerá a pena sequer consultar-nos, já sabe que pode contar com a nossa oposição sistemática à partida.

Aplausos do PS.

Por força da nossa Constituição, ainda este ano terão de realizar-se as eleições para a Assembleia da República com poderes de revisão constitucional. Ora a AD não pode violar esse dispositivo constitucional, esvaziando-o manhosamente de conteúdo concreto, revendo agora através de uma maioria simples o que só pode rever amanhã através de uma maioria qualificada. Nem tão-pouco pode impor, através de leis eleitorais fabricadas ad hoc, que as eleições de amanhã sejam a mera realização dos seus desejos e não a livre escolha do povo português. Pois bem, que a AD governe, mas com a nossa desconfiança. É democrático e ninguém pode estranhar isso. No momento oportuno, o povo decidirá.
E já ficaram livres de mim.

Aplausos e risos do PS.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado da UDP deseja fazer alguma intervenção?

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Reservo a palavra para a minha declaração de voto.

O Sr. Presidente: - Com certeza. Tem então a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Helena Roseta.

A Sr.ª Helena Roseta (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Tomo a palavra, em nome dos sociais-democratas, num debate que se reveste de um especial significado.
Ao apresentar nesta Câmara uma moção de confiança, no início do seu mandato, quis o Governo que ficassem bem claras, perante os Portugueses, as posições dos que aqui estão. E com esta atitude introduziu o Governo uma inovação importante: a de exigir, não apenas a não rejeição do seu Programa, mas, sim, o apoie expresso e activo da maioria parlamentar. Não se trata apenas ou sequer de uma questão entre a maioria e o Governo, trata-se, bem pelo contrário, de demonstrar publicamente e de permitir que doravante o Governo e a Assembleia da República funcionem solidariamente, sem riscos de crises contínuas como as que assistimos nas anteriores sessões legislativas, em que a ausência de uma maioria estável provocou em três anos a rejeição do Programa de um Governo e a queda sucessiva de três executivos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - É que não basta ter uma maioria contra para garantir a estabilidade política: é necessário ter uma maioria a favor, e é disso que hoje se trata na votação desta moção de confiança.

Aplausos da maioria parlamentar.

A maioria da Aliança Democrática e das forças que a integram não é uma maioria efémera ou conjuntural, como aqui foi afirmado pelas oposições. É uma maioria que resulta de contratos políticos duradouros, firmados e tornados públicos antes do acto eleitoral. Não é uma maioria feita ao sabor das conveniências do momento, ou ao acaso das necessidades de qualquer votação, como sucedeu muitas vezes no tempo dos Governos de base socialista. É uma maioria que se propôs como objectivo construir em Portugal um novo poder político, com base numa nova maioria parlamentar e num projecto comum de revisão constitucional, como consta, quer do acordo entre o PSD, o CDS e o PPM quer ao acordo entre o PSD e o Grupo do Manifesto Reformador.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Com estes acordos, começámos uma nova era política em Portugal: a era da cooperação democrática, em que es entender mentos partidários, claros e públicos, são mais importantes que as querelas, em que as forças neles empenhadas têm consciência de que aquilo que as une é mais importante do que aquilo que as separa, porque nós sabemos que a crise nacional é demasiado grave e exige que púnhamos os interesses nacionais acima dos nossos legítimos interesses partidários.

Aplausos dá maioria parlamentar.

Mas deve ficar claro, Srs. Deputados das Oposições, que esta nova era apenas começou. A não rejeição do Programa do Governo e a aprovação da moção de confiança que hoje terá certamente lugar são apenas o começo de uma caminhada de mudança. As forças componentes da Aliança Democrática alcançaram o seu primeiro objectivo político: o de conseguir, nesta Câmara, uma- maioria de lugares, e o de, a partir dela, constituir um Governo maioritário. Mas não esqueçamos os acordos que firmámos e nem esquecemos o caminho que temos à nossa frente.
Sabemos que dentro de meses terão lugar novas eleições legislativas, de que resultará um nova Assembleia da República com poderes constituintes. É com vista a essa nova etapa que apresentaremos ao povo português, antes do próximo acto eleitoral, um projecto comum de revisão constitucional. Não esquecemos também que ainda este ano se efectuarão as eleições para a Presidência da República. Estamos convencidos de que, no sistema constitucional vigente,

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não basta assegurar um contrato político entre o Governo e a maioria parlamentar que o apoia: é necessário que haja também um contrato político claro, tornado público antes das eleições, entre o futuro Presidente da República e a maioria que o vier a eleger.

Aplausos do PSD e do CDS.

Só assim evitaremos o conflito, até aqui mais ou menos- latente, entre os diversos Órgãos de Soberania.
Fomos aqui acusados de tomarmos atitudes agressivas em relação a outros Órgãos de Soberania. Não nos parece que o problema possa aí estar, até porque foi bem claro no inicio do mandato deste Governo que a agressividade não partiu do Governo nem dos membros das nossas bancadas.

O Sr. Luís Moreno (CDS): - Muito bem!

A Oradora: - O que queremos, porém, afirmar é que se não houver um contrato político entre a futura maioria presidencial e o Presidente da República, se não houver um contrato político entre o Governo e a maioria parlamentar, nesta terra ninguém se entende e não será possível consolidar uma democracia plena, come nós desejamos.

Aplausos da maioria parlamentar.

Acusam-nos os Srs. Deputados da oposição de estarmos a propor (c) a desejar demasiadas mudanças em tão pouco tempo. Esquecem, porventura, que há meses ainda davam aqui o seu apoio ao Programa de um Governo de cem dias, que se propunha mudar muito mais e até criar uma «nova ordem» internacional?

Risos da maioria parlamentar.

Pretendiam os Srs. Deputados que a maioria da Aliança Democrática se comportasse como uma força imobilista, que conservasse tudo como está? Desiludam-se. Assumimo-nos como força de mudança e não desistimos. Mas que fique, porém, bem claro que a mudança que defendemos nada tem a ver com um certo passado próximo nem com o passado anterior ao 25 de Abril.

Vozes do PSD è do CDS: - Muito bem!

A Oradora: - Pretendemos um País aberto, moderno e europeu.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Pretendemos pôr termo ao período de transição em que nos encontramos, e entrar numa democracia plena, sem tutelas militares, a partir de 1980.

A Sr.ª Natália Correia (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - Entendemos que o povo português, nos sucessivos actos eleitorais decorridos desde; 1975, deu provas de maturidade bastantes que dispensam a permanência dessa ou de qualquer outra tutela. Aqueles que nos acusam de querer regressar ao passado são afinal, dentro desta Câmara, os defensores de um
projecto de sociedade caduca, de uma ideologia ultrapassada e de uma classe política conservadora.

Vozes do PSD e do CDS: - Muito bem!

A Oradora: - Discursos como o que aqui ontem proferiu o Dr. Cunhal não se ouvem na Europa há algumas dezenas de anos.

Aplausos da maioria parlamentar.

Eu tenho apenas 32 anos ff pareceu-me estar a ouvir uma peça de arquivo.

Risos do PSD.

O que esses discursos pretendem, na verdade, não é defender o progresso nem o futuro deste país mas, sim, eternizar as limitações que o PREC impôs à democracia portuguesa. Mas nós estamos seguros e convictos de que o povo português saberá libertar-se, pelo seu voto, dessas peias que ainda tem.

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Recordamos os objectivos inscritos nos acordos que estão na base da Aliança Democrática e da maioria parlamentar que apoia o Governo, cabe-nos agora perguntar: por que damos a confiança a este Governo?
Em primeiro lugar, porque foi esse o compromisso que assumimos perante os eleitores - o de apoiar aqui um Governo majoritário, e é o que estamos a fazer. Em segundo lugar, por querermos expressar publicamente ao Governo a confiança que nele depositam aqueles que em nós votaram e que aguardam de todos nós, seus representantes, que, estejamos à altura da nova esperança que em Portugal desabrochou com a constituição da Aliança Democrática.
Por fim, apoiamos este Governo porque concordamos com o Programa que apresentou e porque os membros que o compõem, designadamente o Primeiro-Ministro, merecem o nosso apoio e solidariedade política.

O Sr. Angelo Correia (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - Apoiamos o Governo porque concordamos com a perspectiva em que ele se coloca, no sentido de preferir a resolução dos problemas concretos dos Portugueses à discussão ideológica, de dar cumprimento às promessas eleitorais com coerência e determinação, de trabalhar sem descanso para que os Portugueses vivam melhor e para que haja menos injustiças entre classes, profissões, regiões ou grupos etários, sejam essas injustiças velhas de décadas ou sejam fruto dos anos mais recentes.
Quero aqui fazer um pequeno aparte. Somos acusados pela oposição, quando fazemos aqui as nossas propostas, de estarmos a querer subverter a ordem nacional. Mas se as não fazemos acusam-nos de não estarmos a cumprir o nosso programa eleitoral.
Tirem daqui os Portugueses a conclusão que entenderem.
Os ingredientes básicos do discurso político são o bom senso e a má fé. Nós preferimos o bom senso, os outros que fiquem com a má fé.

Aplausos da maioria parlamentar.

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Apoiamos o Governo porque concordamos com a política externa aqui apresentada pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros. A clarificação da nossa política de alianças, a profunda e concreta aposta europeia, a resistência ao expansionismo agressivo da União Soviética e a defesa intransigente da independência nacional são coordenadas fundamentais do projecta que defendemos. E não é demais salientar o empenho com que o Governo falou na Europa, sem tibiezas nem complexos, com a plena consciência do que é esse o único projecto de futuro viável que podemos propor a uma nação velha de oito séculos, que) durante cinco viveu voltada para o mar e que se vê agora praticamente reduzida às suas fronteiras iniciais. É o modelo de sociedade livre, aberto e criativo das democracias europeias que queremos ver plenamente instaurado em Portugal.

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - Rejeitamos os modelos colectivistas e terceiro-mundistas que nos quiseram impor, que nada têm a ver com a nossa história, com a nossa cultura, nem com os desejos da maioria dos portugueses. Mas a Europa que defendemos não é uma Europa estática, ou de meros interesses comerciais: defendemos, sim, a Europa das regiões, a Europa do pluralismo das origens culturais, a Europa em que os países e as zonas de periferia, até aqui marginais, deverão ter uma voz activa.

O Sr. Bento Gonçalves (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - Pela nossa parte, sociais-democratas, temos o orgulho de ser, já, nessa Europa do futuro, um exemplo vivo de uma experiência automática avançada e original: a experiência dos Açores e da Madeira, a que o Conselho da Europa manifestou, no ano passado, a sua inteira solidariedade.

Aplausos da maioria parlamentar.

Apoiamos ainda o Governo porque concordamos com a política económica que se propõe desenvolver. Não podemos mais viver de demagogia e de irresponsabilidade. E isso já foi dito aqui, antes de mim, por outras pessoas. Mas ninguém deveria, aliás, esquecer os números aqui trazidos pelo Ministro das Finanças e pelo Primeiro-Ministro, durante o debate do Programa do Governo. Eu dou apenas um exemplo: Com os 3300 contos de prejuízo diário da comunicação social estatizada poderíamos construir em Portugal mais duas habitações por dia.
Há qualquer coisa de profundamente errado neste sistema económico, em que os que trabalham e têm iniciativa são penalizados e os que não arriscam são beneficiados. Este é um sistema que favorece a estagnação, que vive da burocracia, que alimenta a corrupção e o mercado negro simultaneamente com o desemprego e a inflação, que consegue afinal conjugar os defeitos dos sistemas capitalistas e socialistas, que é demasiado nacionalizado para que haja uma economia livre mas que; é demasiado desorganizado para que haja uma economia dirigida. Pode ser cate um sistema económico muito original e constitucional - o que ele não é certamente é viável, e pretender eternizá-lo ë pretender a ruína do País, a proletarização os Portugueses e a transformação de Portugal num Estado de mão estendida, incapaz de assegurar por si próprio o futuro das novas gerações.

Aplausos da maioria parlamentar.

Apoiamos ainda o Governo porque concordamos com a política social contida no seu Programa. Os dinheiros públicos são limitados e temos a clara consciência, como ontem salientou o Primeiro-Ministro, de que não é .possível, ao mesmo tempo, sustentar um sector público excessivo e deficitário e encontrar as verbas mínimas necessárias para que o direito à saúde, à segurança social, ao ensino e à habitação não sejam palavras vãs. Concordamos com a política aqui preconizada pelo Ministro dos Assuntos Sociais, uma política em que a justiça social sobreleve a ideologia, em que os que podem paguem pelos que não podem, em que idosos e pensionistas recebam pensões mais elevadas a não sejam sempre os últimos nas preocupações dos sucessivos Governos.

O Sr. Bento Gonçalves (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - Concordamos com as linhas de actuação apresentadas pelo Ministro da Educação, aliás, de forma de tal modo precisa e brilhante que nem os principais partidos da oposição conseguiram levantar-lhe qualquer espécie de objecção.

O Sr. Salgado Zenha (PS): - Foi por falta de tempo.

A Oradora: - Seja. A verdade é que não o fizeram. Mas, Sr. Deputado Salgado Zenha, se os Srs. não conseguiram administrar o vosso tempo não sei como conseguiriam administrar este país.

Aplausos da maioria parlamentar.

Concordamos também com as soluções defendidas pelas bancadas da maioria quanto à necessidade de dar prioridade ao ordenamento do território, à defesa do património cultural, dos recursos e do ambiente, sem o que Portugal se arrisca a destruir irremediavelmente aquilo de que todos precisamos para sobreviver e manter a sua identidade nacional.

Aplausos da maioria parlamentar.

Concordamos com uma política da habitação em que a iniciativa privada, individual ou cooperativa, tenha um papel decisivo, em que o pragmatismo sobreleve o clientelismo, em que o direito à casa própria seja reconhecido e estimulado e em que os interesses dos inquilinos e dos senhorios sejam tidos em conta segundo critérios justos. Concordamos finalmente com uma política de descentralização decisiva, em que as câmaras municipais tenham recursos e poderes para dar resposta às necessidades imediatas da população.
É porque concordamos com tudo isto, que aqui foi deixado claramente expresso pelos membros do Governo e pelas bancadas da maioria, que estamos hoje em condições de manifestar a nossa confiança ao VI Governo.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Foi criticada por todos as oposições a intenção, anunciada pelo Go-

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verno na sequência dos compromissos eleitorais assumidos pela Aliança Democrática, de aqui apresentar uma lei-quadro do referendo e uma proposta da revisão da lei eleitoral.
Foi dito que a lei-quadro do referendo seria inconstitucional e que serra mesmo muito arriscado para a democracia apresentá-la como sugeriram o Partido Socialista e o Partido Comunista. O Primeiro-Ministro já ontem respondeu a tais objecções. Por mim limito-me a afirmar que me não espanta, nesta matéria, a posição do Partido Comunista. É um partido tão profundamente afastado da democracia representativa que chegámos ao cúmulo de ouvir o Or. Cunhal falar aqui em «eleições antidemocráticas». E não sei se ele acha democráticas as eleições da União Soviética com o partido único e sem liberdade de imprensa? Mas isso é lá com ele.

Aplausos da maioria parlamentar.

Admira-me, porém, a posição do Partido Socialista nesta matéria. Recordo que o Partido Socialista, na Constituinte, votou contra a qualificação; da República como «Estado de direito» com o argumento de que estávamos num período de transição. O PS não quer agora apoiar uma lei-quadro do referendo porquê? Por que pretende manter-nos indefinidamente «em transição»? O PS, afinal, quer ou não a permanência da tutela militar sobre a soberania popular?

O Sr. Angelo Correia (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - O PS, afinal, reconhece ou não que a soberania pertence ao povo e só a ele? O PS, afinal, entende que é o povo que dita a Constituição, ou acha antes que é a Constituição que deve ser imposta ao povo? Valem mais os pactos com o MFA, que a consulta popular? Como pode o 'PS invocar a anti-democraticidade de um acto que consiste apenas em perguntar aos eleitores aquilo que pretendem? Prefere o PS que o povo português determine, pelo seu voto, o sistema económico e social em que quer viver, ou acha que a Assembleia do MFA do dia 12 de Março de 1975 representa para a eternidade os interesses de um povo que não foi ouvido nem achado ou mesmo dos trabalhadores, de que sempre fala mas que eu saiba não estavam lá?

Aplausos da maioria parlamentar.

Outro dos fantasmas agitados pela oposição foi, como já referi, a revisão da Lei Eleitoral, a seu tempo faremos aqui o respectivo debate, mas não queria desde já deixar de fazer alguns reparos acerca do tema da «proporcionalidade».
Mas que proporcionalidade existe, com a actual Lei Eleitoral, entre o direito concedido a 3 milhões de emigrantes para eleger 4 deputados, e o direito dos 10 milhões de residentes para eleger 246?

Vozes do CDS: - Muito bem!

A Oradora:- Bem sei que a percentagem do recenseamento não atinge, nos emigrantes, os 5%. Mas pergunto, que fizeram os Governos anteriores para promover um esclarecimento cabal junto dos imigrantes quanto ao recenseamento eleitoral?

Vozes do PSD e do CDS: - Muito bem!

A Oradora: - De resto, que estímulo pode ter um português residente no estrangeiro para se recensear, quando lhe não é concedido o direito de votar para eleger o Presidente da República, quando a, sua possibilidade de influenciar, nas decisões nacionais é ínfima, quando! apenas se lembram dele para que mande remessas, para que construa casas e para que apareça nas festas que os Srs. Conselheiros da Revolução se vão entretanto a organizar?

Aplausos da maioria parlamentar.

Julgamos que também aqui terá de haver uma profunda mudança, uma profunda reforma até de mentalidade. De resto, as forças que integram a Aliança Democrática têm, do povo português, uma visão bem distinta da que vingou nos cinco anos precedentes. Entendemos que a maior riqueza do nosso país é o seu povo, a sua cultura e a sua língua. E não contestaremos políticas avessas à difusão e promoção da cultura e da língua portuguesas.

Aplausos da maioria parlamentar.

Acreditamos que será pela cultura e pela língua vivas aqui e nas comunidades de emigrantes que manteremos acesa no mundo a presença de um pequeno povo, capaz de grandes feitos, a que nos orgulhamos, todos nós, de pertencer.
Por todas estas razões, queremos manifestar ao Governo a nossa confiança, em nome da bancada social-democrata e em nome de todos os sociais-democratas que contribuíram para a vitória da Aliança Democrática, e par conseguinte para a existência desta maioria, para a constituição deste Governo e paxá que fosse Sá Carneiro o seu Primeiro-Ministro.
Não ignoramos que a hora é de responsabilidade. O País tom os olhos postos mesta maioria e neste Governo. Houve já demasiadas desilusões para que este Governo possa conter o risco de defraudar as grandes expectativas que a Aliança Democrática suscitou entre os portugueses.

O Sr. Bento Gonçalves (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - Sabemos que não poderá fazer-se tudo num dia, mas esperamos de todos vós, Srs. Membros do Governo, dedicação, competência e generosidade. Não vos esqueçais que tendes por trás cerca de dois milhões e seiscentos mil portuguesa. Não vos esqueçais que a juventude foi a grande força motriz da nossa vitória eleitoral...

Aplausos da maioria parlamentar.

...e que é para um futuro melhor que à juventude é devido que tereis de trabalhar. Não necessário desgaste ou a eventual impopularidade das medidas que tiverdes de tomar.
A experiência dos Governos sociais-democratas dos Açores e Ida Madeira é a melhor prova de que não é por se estar no Governo que se perde a confiança dos eleitores.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Quando se governa bem, o que sucede é até o contrário.

Aplausos da maioria parlamentar.

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Por último, permitam-me que dirija uma palavra especial de confiança, apoio e solidariedade ao Sr. Primeiro-Ministro que, por decisão do Conselho Nacional do meu Partido, deixou de desempenhar as suas tarefas partidárias para assumir em plenitude as funções governamentais que actualmente detém e de que o Partido Social-Democrata se orgulha.
Concordamos com o princípio de que os partidos devem apoiar o Governo, mas que o Governo não deve nem pode servir-se do Poder paira apoiar os partidos, ao contrário do que até agora sucedeu.

Aplausos da maioria parlamentar.

Concordamos com a forma como o Governo participou nestes debates, não se envolvendo nas questões político-partidárias e dedicando as soías intervenções às questões de fundo da política interna e da política externa.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: por tudo isto nós, sociais-democratas, confiamos no Governo da Aliança Democrática e no seu Primeiro-Ministro. Estou certa de que o Primeiro-Ministro e o nosso Governo podem também confiar na bancada e mo Partido Social-Democrata.

Aplausos da maioria parlamentar.

O Sr. 'Presidente: - Tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro, para o discurso final.

Aplausos da maioria parlamentar quando o Sr. Primeiro-Ministro se dirigia para a tribuna.

O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A moção de confiança que o Governo pediu à Câmara (incomodou e provocou a reacção... da oposição.

Risos do PSD e do CDS.

E a oposição fê-lo em termos tais que revestiu alguns aspectos de inegável humor.
O Governo, hoje como sempre, tem o princípio de não se situar no debatei ideológico, no debate político-partidário. Mas aprecia o estilo parlamentar. E, na medida em que isso lhe é possível, pratica-o.
Esta moção de confiança é uma oportunidade para o exercício dessa intervenção e desse estilo parlamentares.
O que disse então aqui a oposição?
A bancada comunista, de manhã, dizia que o Governo, ao dirigi-se à Câmara, ignorava as oposições. A bancada comunista, à tarde, diz que o Governo, pedindo a confiança à Câmara, procurava envolver nesse processo as oposições.
Processo dialéctico interno, sem dúvida, que ainda não encontrou a sua expressão de síntese na intervenção do Sr. Deputado Votai Moreira.

Risos do PSD.

O Sr. Vital Moreira (PCP): - Esperteza saloia!

O Orador: - Esperteza saloia, quiçá, a de se citar aqui um título imaginem, por um Deputado do Partido Comunista, o Sr. Deputado Vital Moreira de Jean-François Rével: A Tentação Totalitária.

Aplausos da maioria parlamentar.

Olhando para a dimensão da batucada comunista, apetecia-me dizer, apondo uni outro título: «Small is beautiful»!

Mas não é.

Risos e aplausos da maioria parlamentar. O Sr. Vital Moreira (PCP): - Esta à vista!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Disse a oposição que, com este pedido de confiança, o Governo procurava alargar a sua expressão parlamentar. É verdade. Com este pedido de confiança o Governo alarga no sentido de consolidar, e plenamente manifestar, a sua expressão parlamentar, num duplo aspecto: o da sua ligação preferencial ao Parlamento e o da expressão dará da maioria que o apoia.
Quais os pecados» apontados pela oposição?
O primeiro, dizendo-nos que, (marcando a sua preferência pela ligação ao Parlamento, o Governo desencadeava, ou ameaçava desencadear, um conflito institucional com o Sr. Presidente da República.
Nada mais falso, nada mais tendencioso. De facto, não foi o Presidente da República que escolheu a maioria e o Governo da Aliança Democrática - e disso teve plena consciência no seu discurso de posse do Governo. Foram os portugueses.
O Sr. Presidente da República fez uma designação e deu uma posse mercê de uma escolha eleitoral, não mercê de uma escolha própria, ao contrário do que aconteceu noutros governos, até daqueles que, sendo partidários, não tinham a maioria mas apenas a maior das minorias. Por isso se tiveram de acolher especialmente à designação presidencial.
Nós não. É com o Parlamento, porque, como disse de manhã, é essa a mediação que temos com os eleitores, com os quais queremos especialmente relacionar-nos.
Mas é grave, então, o posicionamento do Governo em relação ao Sr. Presidente da República?
Direi que talvez. E só talvez porque não me cabe a mim pronunciar-me. Direi também que talvez, porque talvez de facto lhe não agrade o que aqui hoje se passou, em que, a propósito de uma deturpação do sentido dessa moção, os partidos da oposição - todos e não apenas o Partido Comunista, mas sim o PC, o MDP e o PS - se perfilaram atrás do Sr. Presidente da República e tentaram utilizá-lo para o jogar contra a maioria parlamentar e contra o Governo.
Isto, sim, é censurável e merece reprovação.

Aplausos da maioria parlamentar e protestos do PS.

Não fomos nós que, com este pedido de confiança, forjámos qualquer arma de arremesso, mas as oposições, uníssonas, que tentaram forjá-la através de uma deturpação.
Oposições uníssonas, infelizmente, porque esta moção de confiança também revelou esse uníssono em questões sérias. Não foi, é manifesto, às bancadas da maioria que se dirigiu o Sr. Deputado Vital Moreira

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mas, no fundo e em especial, à bancada ido Partido Socialista, onde fez, pelos vistos, pelo menos de momento, os seus estragos, a julgar pelos aplausos que
recebeu...

Mais, mais fundo do que isto, focou claro no debate que ontem terminou e no que agora vai terminar que, num ponto, o Partido Socialista se meu também nas suas posições parlamentares, àquelas já [tradicionais do Partido Comunista -listo foi salientado já e é bom que se vinque - quanto a ponto fundamental da estratégia revolucionária do PC, da estratégia revolucionária imobilista, direi: é a manutenção dos limites das formações económicas. Pois também aqui foi total, infelizmente, a solidariedade entre as bancadas da oposição. E infelizmente, porque não interessa, como se revela na nossa História e na experiência política, à defesa dos interesses dos trabalhadores, esse imobilismo.

O Sr. Theodoro da Silva (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Porque para os trabalhadores, como para todos os cidadãos, o principal não é saber se o Estado é proprietário dos meios de produção. O principal é a liberdade que se lhes garanta, designadamente no aspecto reivindicativo, no aspecto de greve, no aspecto da reivindicação de melhores conduções de vida, mola das reformas que a igualdade impõe e que é o que a estatização dos medos de produção abafa.
Não foi por não haver estatização dos medos de produção que os trabalhadores e os cidadãos foram oprimidos antes do 25 de Abril, em Portugal, foi por não haver liberdade, nem direito è greve.
Não é por na União Soviética e nos países ditos socialistas haver estatização completa dos medos de produção e de troca que os trabalhadores são oprimidos. É por não haver liberdade, designadamente de expressão e de greve; como não é por no Chile não haver sector estatizado que os trabalhadores « os cidadãos são oprimidos, é por também não haver liberdade e direito à greve.

Aplausos da maioria parlamentar.

E são estas realidades elementares, bem expostas de resto, aqui hoje, de manhã, na intervenção do Sr. Deputado Sousa Tavares, que o PS quer ignorar, às quais fecha os olhos.
Aliás, Sr. Presidente e Srs. Deputados, nem sequer na política internacional o Partido Socialista sé dessolidarizou totalmente do Partido Comunista.
Nós, quando estávamos na oposição e quando foi posta a questão da Europa, dissemos logo, sem condições, sem objecções, sem reticências, que sim, que era fundamental para Portugal.
Porém, hoje, quando estamos no Poder e falamos da Europa, logo o PS coloca restrições, põe objecções, intenta fazer processos de intenção ...

Vozes do PSD: - Apoiado! Protestos do PS.

O Orador: -..., intenta, como ficou provado nas intervenções que aqui foram feitas sobre a política internacional e sobre a questão europeia, chamar à
colação questões que aqui não deviam estar em causa, tais como a Europa dos interesses e a Europa dos trabalhadores.

Aplausos da maioria parlamentar.

Não o fizemos nós quando aqui apoiámos a vossa opção europeia. E mesmo em matéria tão grave, nacional e internacionalmente tão importante como a condenação da invasão do Afeganistão pelas tropas da União Soviética, também aí o PS não se limita a dizer que sim. Diz logo um «sim, mas..., pensando em embaixadores e em chamadas, pondo aí as suas reticências, inventando megalomanias para se desculpar das reticências que não tem coragem de opor abertamente neste caso.

Aplausos da maioria parlamentar e protestos do PS.

Inventando e deturpando porque, quando aqui, a uma pergunta da bancada socialista, o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros respondeu claramente que não era verdade que quando foi chamado a Lisboa o embaixador português em Moscovo este estivesse em Lisboa, ou tivesse sido impedido de ir, ouvimos hoje aqui repetir desta tribuna a mesma afirmação falsa, e já desmentida, sem oposição do próprio PS.

Aplausos da maioria parlamentar.

Dominou o debate, pela parte das oposições, a preocupação pelos problemas reais do País? Não.
Ainda hoje aqui ouvimos. Falámos dos problemas reais nas várias intervenções que foram feitas, no debate ontem terminado, designadamente da saúde, da educação, dos assuntos sociais. Falei ontem aqui de problemas concretos, de números. O que respondeu a oposição em face destes problemas concretos? Expressou a sua preocupação pela situação da engenheira Maria de Lurdes Pintasilgo!...

Uma voz do PS: - Que cinismo!

O Orador: - Não estamos tão preocupados com isso como com os verdadeiros e concretos problemas dos Portugueses e que aqui foram escamoteados pela preocupação, ontem expressa, de fazer regressar a Sr.ª Embaixadora à «sua» embaixada, no dizer do PS.
Os nossos problemas não são esses, os nossos problema são os problemas dos Portugueses. E nada em contrário do que aqui dissemos foi de facto afirmado, a não ser, como há pouco ouvimos dizer, que a crise do petróleo já a tinha o PS, que a tivemos sempre.
Vejamos. Vejamos a realidade dos números, em complemento daqueles que ontem aqui citei.
Em 1976 o barril de petróleo custava 11 dólares e meio, sendo o total das importações, em Portugal, de 20 milhões e meio de contos. Em 1977 a tal crise que já existia, e que no dizer do PS afligia o seu Governo, cifrava-se nestes números: preço do barril, 12 dólares e meio, total das importações 28 milhões de contos.
Ontem citei os números das importações do ano passado e deste ano. Este ano, como aqui disse, as importações andarão entre 120 a 140 milhões de contos.

O Sr. Filipe Madeira (PS): - Ou mais!

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O Orador: - Aqui têm, Srs. Deputados, sem sofismas, os números da vossa crise e da crise energética actual do País.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Um outro ponto aqui aflorado, já que estamos a falar em Governos da responsabilidade do Partido Socialista, foi a invocação feita da bancada comunista de que o PSD tinha sido sempre solidário com as políticas do Governo socialista, enquanto o PC tinha sido seu frontal opositor, Recordemos apenas dois pequenos factores.

O Plano foi votado em 1976, com 69 votos contra do PSD, 2 do PS e 1 da UDP. O PC absteve-se. Em 1977 o PSD voltou a votar contra o Plano, mas o PC absteve-se.
O PSD fez duas interpelações aos Governos socialistas, ou melhor, ao I Governo. O PC não fez nenhuma, e não tenho notícia não me teria certamente escapado - de nenhuma moção de censura aqui apresentada pelo Partido Comunista contra o T Governo socialista.
Importa, com esta singeleza, desmistificar afirmações com as quais se procura envenenar a posição dos partidos face às suas responsabilidades anteriores e, talvez, no próprio quadro da Aliança Democrática.
Todavia, como se falou aqui da Reforma Agrária, continuo a falar; em números da Reforma Agrária.
É que, de facto, sempre que as oposições tentam levar os problemas para o campo ideológico, o Governo dir-lhes-á que está preocupado com o preço da intervenção do azeite, que está preocupado com o preço de intervenção do vinho, que está preocupado com o aumento das pensões, que está preocupado com ao escolas d o ensino, que está preocupado com a repressão da especulação e que, já tomou até valias providências.
Não vale a pena, nem deve o Governo, em nome da fidelidade que lhe compete manter à resolução dos problemas dos Portugueses, entrar nesse debate ideológico.
Por isso, como a Reforma Agrária foi aqui mais uma vez referida, eu completo os números de ontem - que eram, como se recordam, do crédito de emergência atribuído à zona ida intervenção da Reforma Agrária, 8 868 000 contos, enquanto para o resto do País havia de crédito atribuído 3 815 000 contos - dizendo que a zona da Reforma Agrária representa 15% apenas do produto agrícola bruto nacional e 12% do emprego nacional da agricultura. Com estes dados melhor se entenderão aqueles números. E se pensarmos nas quantidades, por estimativa, de cortiça, cuja venda pelas UCPs não foi registada no IPF, como é da lei, então teremos que, ao longo dos anos de 1977, 1978 e 1979, essa verba é de 1 milhão de contos.
É bom que não se esqueçam estes números quando se quer apresentar os problemas numa mera perspectiva ideológica, porque, de facto, não é com ideologias que se resolvem as carências básicas dos Portugueses. É com acções concretas, é com justiça social que não tem sido praticada, por se ter dado a preferência aos debates e às palavras de ideologia, enquanto a condição de vida cios Portugueses se degrada.
É esse processo que este Governo e a Aliança Democrática inverterão. É essa mudança que, compete, desde! já, com coragem, realizar. Ë isso que faremos, porque, ao contrário do desejo mais uma vez hoje aqui manifestado pelas oposições, não são elas que ditam as «giras ao Governo, nem a sua política, nem lhe criarão quaisquer complexos.
Percebam elas os problemas do País e saibam elas, eu pelo menos uma delas, perante a gravidade da situação nacional e internacional, apoiar aquelas soluções que são verdadeiramente nacionais e que nada têm de partidárias.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Infelizmente, os debates ontem concluídos e os hoje realizados não apontam nada nesse sentido.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Falou-se também aqui em maioria e fomos dito que tínhamos apenas a maioria dos lugares no Parlamento. Já hoje se não falou mais - como ontem tinha sucedido - em maioria nacional e, em maioria parlamentar. Parece que as oposições aceitam agora, finalmente, que esta maioria parlamentar é uma verdadeira maioria nacional.

O Sr. Vital Moreira (PCP): - Essa é boa!

O Orador: - Mas ouviu-se das bancadas das oposições dizer que, embora tenhamos a maioria dos lugares, tínhamos menos votos do que das. Isso foi dito pelo Partido Comunista, sem oposição do Partido Socialista.
Que quer isto dizer, se nós temos bastantes mais votos do que o Partido Socialista e Demos muitos mais votos do que o Partido Comunista? Que eu saiba, pelo menos expressamente, os dois partidos ainda não resolveram somar os seus votos e agir de acordo a permitir-lhes dizer que têm mais votos, como aqui foi dito durante o debate realizado nos dias passados e hoje. pelo PC, sem a oposição do PS.

Aplausos da maioria parlamentar.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Aproximamo-nos do final do debate. Duas notas finais apenas.
Uma outra vantagem deste debate e deste voto de confiança, que as bancadas da maioria já disseram dar ao Governo, foi deixar bem claro que a maioria da Aliança Democrática e seu Governo se) articulou com as maiorias regionais sociais-democratas e instituições de Governo das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira.

Aplausos da maioria parlamentar.

Igualmente: ficou claro da intervenção do Deputado do PSD pelos Açores que, de facto, desta vez, os órgãos regionais, confrontados com um cataclismo, tinham tido, não apenas promessas do Governo, mas uma acção imediata, concreta e realizada, o que permitiu ao Governo Regional fazer face a uma situação dramática, com o apoio do Governo da República, do Governo da Aliança Democrática.

Aplausos da maioria parlamentar.

Assim é e assim continuará a ser.
Q Governo assume totalmente o seu Programa, mas não assume as deturpações que as oposições tentaram fazer do programa eleitoral do Governo da Aliança Democrática.

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Basta invocar uma. Falou-se aqui de promessas de descida de inflação, quando o que, muito concretamente, consta do Programa do Governo é reduzir, a «médio prazo», a inflação portuguesa para os níveis europeus de inflação.
Só não vê isto quem não quer, quem de facto quer arranjar todas as razões, todos os pretextos, para fazer uma oposição sistemática que diz não fazer. Atitudes, de resto, aqui bem exemplificadas no primeiro dia do debato, que recordo.
Num dado momento um Deputado socialista disse: «Apoiaremos o que estiver bem, criticaremos o que estiver mal.» No momento seguinte, um outro Deputado socialista disse: «Rejeitamos tudo, porque o Programa está todo mal».
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Governo agradece a confiança que foi expressa, as palavras que aqui lhe foram dirigidas. Procurará não desmerecê-las na sua acção. Mas, a esta Câmara compete fiscalizar a acção do Governo. Estamos certos de que, dentro desta Casa, a maioria da Aliança Democrática não deixará de fiscalizar, de estimular, de ser exigente em relação à acção do Governo.
É esta acção dinâmica que aqui hoje é consolidada, solenemente com a atribuição de um voto de confiança, que é .uma confiança exigente. Confiança - como disse de manhã - que é uma interacção recíproca, entre a maioria que confia no seu Governo e o Governo que confia na maioria que o apoia, para que ambos possam corresponder à confiança que, em nós todos, depositaram os Portugueses.
Sr. Presidente, Sus. Deputados: O Governo honrara-se do voto de confiança que, de harmonia com as declarações aqui já prestadas, lhe vai ser dado nesta votação.

Aplausos da maioria parlamentar, com os seus Deputados todos de pé.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, declaro encerrado o debate sobre a moção de confiança apresentada pelo Governo.
Segue-se o intervalo regimental de trinta minutos.

Antes, porém, tem a palavra o Sr. Deputado Amândio de Azevedo.

O Sr. Amândio de Azevedo (PSD): - Pedi a palavra para lembrar a V. Ex.ª que, por consenso dos grupos parlamentares, se aceitou a redução deste intervalo para quinze minutos.

O Sr. Presidente: - Agradeço a informação, Sr. Deputado. Só que ela ainda não me linha chegado.

Tem a palavra o Sr. Deputado Salgado Zenha,

O Sr. Salgado Zenha (PS): - Da nossa parte, Sr. Presidente, iria propor que não 'houvesse intervalo. Contudo, como há um partido que não prescinde de, ficaria assente que o intervalo não excederia os quinze minutos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Era só paira dizer quê tínhamos anuído à proposta de redução do intervalo para quinze minutos, mas não aceitaríamos que fosse reduzido mais do que isso, porque assim planificámos o nosso trabalho no Grupo Parlamentar.

O Sr. Presidente: - Certamente, Sr. Deputado.

Está suspensa a sessão por quinze minutos. Eram 19 horas e 5 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.

Era 19 horas e 20 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos proceder à votação da moção de confiança apresentada pelo Governo a esta Assembleia.

Submetida à votação, foi aprovada, com 128 votos a favor do PSD (75), do CDS (43), do PPM (5) e dos Deputados independentes (S) - e 113 votos contra - do PS (65), do PCP (44), da MDP (3) e da UDP (1).

O resultado da votação foi aplaudido, de pé, pela maioria parlamentar.

O Sr. Presidente:- Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Sr. Presidente, Sr. Deputados, Srs. Membros do Governo: A UDP, ao votar favoravelmente as duas moções de rejeição do Governo, que ontem foram apresentadas, já formalizou expressamente a sua atitude de total oposição desenvolvida, aliás, durante o debate. Oposição a um Programa que significa o aumento da miséria, da opressão e de maior submissão ao imperialismo.
Nenhuma confiança nos pode merecer tal Governo nem tal Programa. As intenções da AD e do seu Governo ficaram amplamente demonstradas durante os dois dias de debate do seu Programa.
A grande burguesia portuguesa socorre-se do grande capitalismo internacional, do imperialismo económico, financeiro e militar para impor ao nosso povo, aos trabalhadores, os ritmos de exploração necessários para a resolução da sua própria crise. Precisa do apoio dos grandes senhores dia Europa e dos EUA paira se impor aos trabalhadores. Precisa do aparelho militar da NATO para forçar a submissão do nosso povo.
Assim, a taxa de exploração dos trabalhadores vai aumentar, a opressão cresce e refira-se em intensidade e na multiplicidade dos meios.
A qualidade de vida do nosso povo posta em causa globalmente pelo próprio sistema de exploração capitalista que a AD e o Governo procura perpetuar. As próprias preocupações ecológicas, proclamadas por alguns sectores da direita, são inconsequentes na medida em que não têm em conta, não podem ter, que a destruição do ambiente é uma consequência não do progresso técnico, não do desenvolvimento, não da industrialização, mas da forma como esse progresso técnico, esse desenvolvimento, essa industrialização, são obtidos e postas a funcionar.

O Sr. Luís Coimbra (PPM): - Essa é que é boa!

O Orador: - É a própria anarquia da produção capitalista, o carácter de rapina do seu funciona-

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mento, a competição, a concorrência, a ganância por cada vez maiores lucros, que tornam o desenvolvimento das forças produtivas num factor de destruição e morte e não numa via de bem-estar e felicidade para os povos, numa verdadeira mudança da sua qualidade de vida.
Como, pois, clamar por um ambiente são, onde o homem possa viver harmoniosamente com a natureza se o que impõe a localização, necessidade e modo de funcionamento de uma fábrica é a necessidade de garantir maiores lucros na exploração da mão-de-obra? Como impedir a poluição nuclear se aos grandes construtores de centrais interessa vende-las e pô-las em funcionamento e dispõem, ainda por cima, de meios de chantagem e pressão política, económica e militar para imporem os seus produtos? E se esses meios de chantagem e pressão são aceites por aqueles mesmos que esboçam timidamente a sua oposição à poluição?

O Sr. Luís Coimbra (PPM): - Grande confusão!

O Orador: - Com a entrada para a CEE, onde há 7 milhões de desempregados, três vezes mais que em 1970 e onde todos os anos centenas de milhares de agricultores são obrigados a abandonar as suas terras, dizem os capitalistas portugueses que vão melhorar as condições da nossa economia. Se eles próprios só pensam e faiam em competitividade e agressividade, em concorrência, esperam poder competir comi os grandes trusts e multinacionais europeus? Pensam, talvez, ingenuamente, que quem vai impor as condições serão os capitalistas portugueses à economia concentrada e dominante dos monopólios? Ou sabem que pana isso têm de aceitar a lógica da concentração capitalista e assim vão destruir e riscar do mapa milhares de pequenas empresas e vão ficar mesmo assim submetidos ao que os grandes monopólios lhes vão impor?
Os pequenos e médios empresários que têm ilusões na AD ficarão liquidados e desaparecerão do mapa, tornando-se dês próprios servidores e criados dos grandes senhores da indústria e do comércio. E o desaparecimento de tantas e tantas pequenas e médias empresas provocará o aumento assustador do número de desempregados.
A pauperização da classe operária e dos trabalhadores é uma consequência inevitável do capitalismo. O aumento dos lucros dos grandes monopólios, que é uma constante, haja ou não crise, leva permanentemente à deterioração das condições de vida dos trabalhadores. Não tenhamos ilusões. É o que a vida demonstra todos os dias em Portugal e em todo o mundo.
Todas as promessas da AO e do Governo servem apenas para tentar tornar mais submissos os trabalhadores à sua própria miséria. Mesmo que os senhores da AD quisessem não poderiam fugir àquela lei objectiva do capitalismo.
E se nos vierem dizer que os trabalhadores vivem melhor agora que há dezenas de anos, do que no século passado por via do desenvolvimento capitalista, nós dizemos que é mentira.
Se aumentou a diversificação do consumo e até a própria quantidade do consumo, também aumentaram muito mais as necessidades concretas dos trabalhadores porque aumentaram os custos da reprodução social do trabalho. As qualificações necessárias são maiores, a especialização é maior, o desgaste físico, moral e psicológico é maior. Tudo aumentou para servir a besta capitalista e não nos venham falar em moral e em família. A moral do capitalismo que os senhores da AD e do Governo seguem e utilizam para submeter ideológica, política e economicamente os trabalhadores nem eles próprios a respeitam. A degradação dos seus próprios mitos morais é uma evidência por toda essa Europa e por todo o chamado mundo civilizado.
Por outro lado, o respeito das liberdades individuais também é chão que já deu uvas. Isso correspondia a uma fase do capitalismo liberal, da livre concorrência. Na época dos monopólios é imposta, sob a capa das liberdades individuais e dos direitos do homem, uma monstruosa ditadura sobre as massas populares e exploradas. Só têm (liberdade aqueles mesmos que têm nas suas mãos as grandes alavancas da produção monopolista e dos negócios.
Já nada pára as grandes multinacionais na sua concorrência desvairada. E, se preciso for, como aconteceu no Brasil, os remédios tornam-se instrumentos de morte por sabotagem de um qualquer outro concorrente. É esta a moral do capitalismo. É também a moral da pornografia arvorada em indústria e que serve de alimento às perversões de uma burguesia frustada na sua falsa respeitabilidade.
E é a dita defesa da família fomentando uma indústria autêntica de prostituição, forçando os trabalhadores a viverem em «ilhas» e barracas, expulsando-os de suas casas, arrancando-os ao cultivo das suas terras pela necessidade do emparcelamento. É a destruição da cultura popular, das tradições vivas do nosso povo. É a importação da cultura alienante dos grandes centros imperialistas, obrigando ao definhamento da nossa própria cultura.

O capitalismo está podre! Podres são os projectos e: as propostas da AD e do Governo. Nada os poderá salvar.
Mas os grandes crimes, destruição, guerras, mortes, miséria, corrupção, agressão, violação das consciências irão continuar enquanto os povos, os trabalhadores, os operários não tomarem nas suas mãos o poder político. O poder político que irá agarrar nas grandes concentrações capitalistas da indústria, do comércio, dos transportes e dar-lhe o verdadeiro e único sentido das coisas que são feitas e manuseadas pelos trabalhadores, a serem postas ao seu inteiro serviço, ao serviço do povo, ao serviço de toda a sociedade e não serem meros instrumentos de lucro.
O capitalismo também está prenhe de socialismo. É ele próprio que, organizando socialmente a produção, torna fatal a exigência da sua apropriação social. Mas para isso é necessário que aqueles que tudo fazem para impedir a marcha da História sejam desapossados, expropriados e que as fontes de bens passem para as mãos daqueles que os produzem.
Os povos de todo o mundo levantam-se contra a exploração. E já nem aqueles que usam os ideais dos trabalhadores para servirem de travão à sua luta pelo socialismo conseguem impedi-lo. Basta olharmos à nessa volta.
O mundo está em ebulição e a grande burguesia está angustiada, está em pânico. Não sabe o que fazer. Ou melhor, no seu desespero só tem uma alternativa:

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aumentar ainda mais a exploração, os lucros fabulosos e convertê-los em instrumentos de podei e opressão, transformando-os em corrupção, depravação e acentuar a sua própria desagregação.
Os trabalhadores de todo o mundo, os trabalhadores portugueses, numa grande força de unidade popular, têm uma oportunidade de se levantar em luta, imparavelmente, e tomar conta daquilo que é seu; têm oportunidade de impor à sociedade a justiça de quem trabalha, a sua moral nova e do futuro, salvar o mundo do holocausto para onde todas as AD's de todo o mundo os estão a levar. Os trabalhadores só têm confiança nas suas próprias forças.
Por isso total desconfiança ao Governo AD, ao Governo de direita, ao Governo de miséria para os trabalhadores!
Neste momento assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Martins Canaverde.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura.

A Sr.ª Helena Cidade Moura (MDP/CDE): - Sr. Presidente da Assembleia dá República, Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo: No primeiro considerando do voto de confiança, apresentado pelo Governo a esta Assembleia da República, é referido apenas o n.º 1 do artigo 185.º da nossa Constituição da República Portuguesa.
Da totalidade desse artigo, o Governo retirou apenas e parágrafo que refere formalmente as suas funções: «Ó Governo é órgão de condução da política geral e o órgão superior da Administração Pública.
É, porém, no segundo parágrafo desse mesmo artigo que o Governo entendeu coerentemente, não ter direito a citar, que se encontra a fundamentação dos seus deveres e o objectivo das suas acções.
Diz o n.º 2 do citado artigo 185.º: «O Governo define e executa a sua política com respeito pela Constituição, por forma a corresponder aos objectivos da democracia e da construção do socialismo.»
Tal como no seu Programa, o Governo escolhe o formalismo, mas não revela a essência e os objectivos das suas acções. Esta omissão é suficientemente expressiva das intenções do Governo, da sua forma de agir, da paisagem interior que o seu estilo denuncia.
O MDP/CDE não lê a Constituição parágrafo sim, parágrafo não. O MDP/CDE cumpre integralmente a Constituição, porque ela é a Lei Fundamental da Nação e porque defendemos a legalidade democrática.
O MDP/CDE nega a validade do sofisma retórico, defende a verdade, a coerência, as relações democráticas, que, o mesmo é dizer, as relações francas e leais entre os partidos e os seus eleitores, entre o executivo e o povo português.
Por isso não tememos, Sr. Primeiro-Ministro, citar poetas no nosso discurso político. Temos até alegria em o poder fazer, porque o nosso discurso se identifica com a vida e o nosso saber é de experiências feito.
Uma longa experiência de luta e de trabalho permanente, em todas as frentes e em todos os campos de actividade, antes e depois do 25 de Abril, ao serviço da libertação e da melhoria de condições de vida fazem com que as metas que o MDP/CDE se propõe se encontrem, precisamente, naquele parágrafo que o Governo não tem autoridade para citar.
Os nossos objectivos humanos e políticos são precisamente aqueles que estão explicitados no parágrafo omitido, isto é: lutar pelo cumprimento da Constituição, pela democracia, pela construção do socialismo».
Em consequência, o MDP/CDE negou ao Governo o seu voto de confiança.
A proposta desta moção de confiança é, de resto, em si, como já foi dito, para nós, condenável!
Com este voto apriorístico, o Governo quis sublinhar a valorização gratuita do espírito especulativo, contra o espírito de observação e de análise, obrigando os Deputados a um acto de confiança num Governo que ainda não governou.
É bem a reposição da cega confiança nos chefes que leva à paralisia do espírito crítico e da vontade de transformação e de progresso!
É o caminho inverso da democracia, é o retomo ao clima que gera frases, como aquelas que nos princípios do século passado, em reacção ao pensamento liberal, clamavam: «longe de nós o funesto vicio de pensar».
O MDP/CDE defende, peio contrário, o pensar mesmo livre, a inteligência crítica e dinâmica, a responsabilização individual.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Ferreira do Amaral, para uma declaração de voto.

O Sr. Ferreira do Amaral (PPM): - Sr. Presidente, Srs. Membros do 'Governo, Srs. Deputados: Votámos a favor da moção de confiança pelas seguintes razões: no que respeita aos fundamentos substanciais:

1) Como dissemos já, interpretamos o voto com que foram mandatados os Deputados eleitos nas listas da Aliança Democrática, como um voto plenamente consciente e interessado na formação de uma maioria parlamentar estável e coerente, que pusesse termo à crise política na prossecução do programa eleitoral comum e na viabilização de uni executivo decorrente de um dado apoio do parlamento.
O nosso voto favorável ao Governo começa por ser, pois, o respeito por compromissos voluntária e gostosamente assumidos e peia vontade do povo português;

2) Também, como já assinalámos, entendemos que o Governo, quer em si mesmo, quer pelo Programa que aqui apresentou e defendeu, nos reforça a confiança em que saberá levar a cabo as espinhosas tarefas que lhe incumbe e atingir os objectivos que os partidos coligados, bem como o movimento dos Reformadores, e, depois, o eleitorado, claramente marcaram;
3) Esta nossa posição não é, pois, uma mera atitude de expectativa ou de condescendência, para com o Governo, que nos levasse a rejeitar a sua rejeição, mas sim um solidário empenhamento, pelo apoio positivo, no seu sucesso.

No tocante ao processo, em sim, da moção de confiança:

1) Consideramos altamente positiva, salutar e visceralmente democrática e respeitadora da Assembleia,

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a decisão governamental de se submeter liminarmente por esta forma, ao veredicto positivo dos representantes do povo:

2) Entendemos que a moção é inteiramente constitucional e que, se é ilícito distinguir quantitativamente a legitimidade dos Governos, muito mais legítimo e democrático é aquele que obtém a confiança do Parlamento do que aquele que se limita a não ter a sua desconfiança;
3) Esclarecemos bem que o nosso voto é livre como sempre fomos e seremos livres em todas as opções que fizemos ou fizermos, pois a nossa moral não é de sujeição de conformismo, ou de fins, mas de meios, de liberdade e de serviço. Procuramos actuar como julgamos que deve ser. E para nós, aqui, o que deve ser é depositarmos nas mãos do Governo, com amizade e esperança, a plena confiança que nos pediu.

Aplausos da maioria parlamentar.

O Sr. Presidente: - Também para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Pena.

O Sr. Rui Pena (CDS): - Sr. Presidente. Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do CDS votou favoravelmente a moção de confiança apresentada pelo Governo. Cada um de nós, Deputados eleitos pelo CDS, quis transmitir, por acto consciente e de vontade própria, livremente determinado, o mandato o e confiança que os portugueses que em nós votaram, outorgam neste momento ao Governo.
Fizemo-lo de vontade própria e livre, pois podemos fazê-lo, ao contrário de outros.
Fizemo-lo com consciência, porque entendemos que é este o Governo em que a maioria efectiva de Portugal votou no dia 2 de Dezembro.
Fizemo-lo determinadamente, com o convencimento de que o Programa do Governo respondei à vontade de mudança que se generalizou no nosso pais e de que a Aliança Democrática se fez eco.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Aliás, s actuação do Governo, neste particular, tem confirmado amplamente a expectativa.
O Governo merece, pois, a confiança do CDS e tem, em nosso entender, as condições necessárias para executar, de forma cabal, o Programa que passou nesta Assembleia.
Fica, pois, à partida ainda mais responsabilizado, perante este Parlamento e perante os Portugueses.

Importa dizê-lo aqui.

A moção de confiança apresentada pelo Governo é um gesto de ultrapassagem de uma dimensão insuficientemente democrática da nossa Constituição.
A Constituição foi feita para permitir governos minoritários. Esta moção de confiança constitui, em nosso entender, e por isso a aplaudimos, um acto de rebeldia política, que não sendo embora contra a letra expressa da Constituição, é contra o espírito insuficientemente democrático do processo d0 investidura do Governo que nela está previsto.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Foi ao abrigo desse processo que se permitiu ao Partido Socialista formar o I Governo Constitucional declaradamente minoritário.
Foi pelas malhas desse processo que puderam passar os governos presidenciais dos últimos meses.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - A manter-se por mais tempo tal situação, cedo se verificaria um divórcio entre a Assembleia da República e o País, mas este não era; dos males, o pior. É que a este, um outro se, seguiria: o divorcio entre o País e a democracia, ou o que, dito em palavras mais duras, equivaleria ao fim da democracia em Portugal.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - O CDS, ao votar esta moção de confiança, quis ainda mostrar ao Governo o seu apoio, mas de uma forma específica, directa e positiva.
Não nos bastava ter votado contra as iniciativas do PS e do PCP traduzidas nas suas moções de rejeição.
Nós gomos dos que gostamos dei votar por e não contra. Quisemos votar por algo de positivo e não pela negativa.

Aplausos do CDS e do PSD.

Nós também fomos eleitos por alguma coisa e devemos traduzir isso mesmo sempre nesta Casa.

Fizemo-lo ao votar esta moção de confiança.

Nós, Deputados do CDS, também sempre afirmámos que para nós a oposição em democracia é tão importante como o Governo. E este princípio que tem constituído regra na nossa convivência política não pode, nem devei, ser posto em causa por qualquer passagem de discurso ou protesto mais veemente.
Nós temos e mantemos hoje pela oposição democrática os mesmos respeitos e consideração que desejámos para nós quando fomos oposição. Nós não esquecemos que fomos oposição.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - E o Governo mostrou idêntica vontade política ao aplicar, pela primeira vez, o Estatuto da Oposição que tivemos a honra de propor e que esta Assembleia aprovou. É no âmbito desse mesmo estatuto que este debate devia ter sido considerado e não foi. Não foi, naturalmente por culpa das próprias oposições que não alcançaram o seu, significado ou não souberam ser oposição.
A oposição, reiteramos aqui a nossa maneira de ver, é necessária ao País e ao Governo.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - É necessário ao País para manter o sentido da democracia pluralista que o anima.
É necessária ao Governo, porque será para ele desafio e estímulo.
Voto por que assim seja e que a oposição democrática saiba estimular o Governo pelo menos tanto quanto a maioria da Aliança Democrática, como aqui já referi, o pretende estimular.

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Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os resultados eleitorais do passado dia 2 de Dezembro, não podemos esquecê-lo, são a última expressão da vontade popular.
É este um outro facto que ao votarmos a moção de confiança quisemos sublinhar.
E fazemo-lo não só parai que esta Câmara o entenda, mas para que outros Órgãos de Soberania não deixem também de o entender.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Deve ser compreendido designadamente pelo Presidente da República e pelo Conselho da Revolução, já que a eleição do primeiro e a constituição do segundo se fizeram muito anteriormente a esta data.
Portugal caminha, o País move-se, por mais que se façam ouvir nesta Assembleia vozes pré-copernicianas.
Amanhã haverá porventura outras expressões eleitorais, como no passado houve.
Nós, CDS, saberemos respeitar sempre a vontade popular, com alegria, se nos voltar a dar a confiança, como esperamos, e sem raiva, se porventura nos rejeitar.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Mas a expressão actual é esta: a maioria está aqui nas bancadas da Aliança Democrática. Somos maioria e sentimo-nos de acordo com a vontade popular.

Aplausos da maioria parlamentar.

Não abdicamos da maioria que o povo nos concedeu e não nos intimidados com o exercício do poder democrático que ela nos permite.
Não abdicamos, nós nem o Governo.
Não nos intimidamos, nós nem o Governo.
O Governo e maioria são solidários. Foi isto que também quisemos demonstrar hoje e aqui.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Portugal confronta-se com graves problemas internos. O mundo, neste dealbar da década de 80, sente-se inseguro a um ponto que talvez não tenha paralelo desde a 2.ª Guerra Mundial.
Não podemos estar perante essa incerteza e perante a insegurança que ameaça a paz da Humanidade, como d avestruz com a cabeça debaixo da areia.
As oposições viram neste debate meros fantasmas. Temos todos de descer à realidade e trabalhar para superar as incertezas e os perigos, para bem de Portugal.
Falou-se aqui muito de ideologia. Fizeram-no, sobretudo, os ultramontanos do ideologismo: aqueles que defendem uma ideologia totalitária.

A Sr.ª Natália Correia (PSD): - Muito bem!

O Orador: - A Aliança Democrática não tem nenhuma ideologia desse tipo. Para nós, o importante são os princípios, sobretudo os direitos fundamentais - esses mesmos que a ideologia soviética todos os dias oprime e subjuga.
Felizmente, do terror comunista de 1975 só nos ficou o terror verbal. Mas se não fomos impressionados pelo terror físico, muito menos o seremos pelo terror verbal.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador. - Neste debate foi manifesta a força da Aliança Democrática. A Aliança Democrática venceu uma vez mais.
E não deixou também de ser transparente o pluralismo das posições dos partidos e dos Deputados que nela se coligaram.
Sempre fomos contra a unicidade.

Vozes do CDS e do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Não temos, por isso, qualquer pejo, e cremos até, pelo contrário, ter sido bem positivo o facto de termos deixado transparecer, através deste debate, as expressões das várias tendências políticas que integram a Aliança Democrática.
A tentativa de dividir a maioria e o Governo e de os enfraquecer psicologicamente foi o principal objectivo da oposição. Queremos que se saiba da nossa parte que será em vão. O pluralismo da maioria só servirá para uma coisa - apenas para confundir a oposição.
Quanto ao resto, estamos unidos e continuaremos unidos, tanto como na moção popular de 2 de Dezembro.
Durante a campanha eleitoral nós fizemos questão de que os símbolos dos nossos partidos figurassem lado a lado, a assinalar as contribuições que todos demos para um programa eleitoral comum.

A Sr.ª Helena Roseta (PSD): - Muito bem!

O Orador: - O Programa do Governo reflecte-o naturalmente, e por isso lhe damos a nossa confiança. É um Programa comum e, portanto, também o nosso Programa.

A Sr.ª Helena Roseta (PSD): - Muito bem!

O Orador: - E se as palmas comprometem, como disse aqui há pouco o Sr. Deputado Vital Moreira, que devemos nós dizer dos silêncios e omissões?

Aplausos da maioria parlamentar.

Cremos que o silêncio daquele Sr. Deputado acerca do atentado perpetrado pela União Soviética contra o povo afegão é, esse sim, bem mais esclarecedor.

Aplausos da maioria parlamentar.

Sr. Primeiro-Ministro, o CDS quer aqui, e pela minha voz, manifestar a V. Ex.ª e ao seu Governo a sua total confiança.
Continue a governar para bem dos Portugueses e de Portugal.

Aplausos da maioria parlamentar.

O Sr. Presidente: - Ainda para uma declaração de voto, tem a palavra a Sr.ª Deputada Alda Nogueira.

A Sr.ª Alda Nogueira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A discussão da moção de confiança apresentada à Assembleia da República por este Go-

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verno permitiu que alguns dos intervenientes nessa discussão fizessem aqui afirmações com manifestos fins políticos.
Quero-me referir a duas das afirmações acabadas de proferir há pouco pelo Sr. Primeiro-Ministro: a primeira respeita ao crédito de emergência, ou melhor, ao número referente ao crédito de emergência concedido na zona da Reforma Agrária.
O Sr. Primeiro-Ministro misturou na mesma cifra, no mesmo número, o crédito respeitante ao que foi concedido às UCPs e cooperativas com o crédito que foi concedido ao sector privado dessa mesma zona da Reforma Agrária.
A segunda afirmação respeita ao sentido das votações do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português a propósito das Leis do Plano para 1976 e 1977.
Disse o Sr. Primeiro-Ministro que o Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português se tinha abstido na votação dessas duas leis.
A verdade é que não foi votada nesta Assembleia da República qualquer Lei do Plano para 1976, e nas Leis do Plano para os anos que se seguiram o Grupo Parlamentar do PCP absteve-se na Lei do Plano para 1977 por considerar que se tratava de um Plano razoável - e votou contra as Leis do Plano para 1978 e 1979.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Também aqui os fins manifestamente políticos são por de mais evidentes para ser necessário sublinhá-los.

Aplausos do PCP.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português acaba de votar contra a moção de confiança apresentada pelo Governo à Assembleia da República. O nosso voto é coerente com a nossa atitude firme de oposição que aqui tivemos ocasião de definir, amplamente, em relação ao Programa do Governo e à sua previsível actuação no decurso deste debate.
O que motiva o Governo a suscitar a moção da confiança, escassas horas após ter feito passar na Assembleia da República o seu Programa, é a própria natureza inconstitucional das medidas que ousou propor e pretende aplicar.
Por isso mesmo, esta moção de confiança não é tanto uma prova de força: é mais uma prova de fraqueza.
A moção de confiança prenuncia as dificuldades que este Governo vai experimentar, para fazer vingar um projecto inconstitucional de destruição do regime democrático português e das suas principais conquistas.
Para o Governo, a expressão formal da confiança parlamentar dos partidos que o apoiam surge como uma espécie de «elixir de robustez» que, fazendo da fraqueza força, lhe permitirá enfrentar a resistência que a sua actuação vai seguramente suscitar entre os trabalhadores e as massas populares.
Estamos certos de que um amplo movimento de resistência se levantará contra as tentativas de criar uma situação de facto inconstitucional e destruir a Constituição e o regime democrático. Não deixarão de suscitar a firme oposição 'popular, os esforços para levar à prática o plano governamental de liquidação inconstitucional das nacionalizações, da Reforma Agrária, de todas as grandes transformações democráticas alcançadas após o 25 de Abril.
Contra esta política de restauração do poder do grande capital e dos latifundiários, de degradação das condições de vida da maioria dos portugueses e de submissão ao imperialismo, os trabalhadores, as massas populares, saberão assumir a defesa da Constituição, da estabilidade e reforço do regime democrático, dos direitos e liberdades dos cidadãos e da melhoria das condições de vida.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Lutam e lutarão pela dinamização da economia portuguesa na base do respeito pelos limites das formações económicas existentes, por um ensino e cultura ao serviço do povo, por unia política externa de independência e soberania nacionais, de diversificação das relações externas e de amizade e cooperação com todos os povos do Mundo.
Na luta por estes objectivos, se desenvolverá a oposição popular a este Governo e se preparará a alternativa para o substituir, antes ou aquando das eleições de 1980.

Aplausos do PCP e do M DP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para uma declaração de voto, o Sr. Deputado Carlos Lage.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Governo, mal tinham cessado os aplausos das suas bancadas à derrota das moções de rejeição do seu Programa, resolveu submeter esta Assembleia a uma prova insólita, apresentando uma moção de confiança contra a qual o PS acaba de votar e que foi totalmente inútil e redundante, atento o resultado da votação da moção de rejeição.
Aliás, o Sr. Primeiro-Ministro solicitou a confiança não à Assembleia mas aos Deputados da Aliança, corrido estes, imediatamente, atentos, veneradores e obrigados, a dizer, mais uma vez, que estavam com ele e apoiavam incondicionalmente o Governo.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador? - No entanto, o tom e o estilo com que os diversos representantes da maioria reiteraram a sua profissão de fé no Governo, já nos levantam perplexidades, uma vez que o discurso neo-salazarista e unionista de certos Deputados do CDS deixou perpassar sobre esta Câmara reminiscências do passado e acordou fantasmas que, pelos vistos, poderão transformar-se em força ameaçadora.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Estás a sonhar!

O Orador: - O apelo do Primeiro-Ministro à sua maioria, tendo as aposições como espectadores e esta Assembleia como palco, reveste-se de forte desrespeito, sujeitando-nos aos jogos internos da Aliança.
Além deste teste à coesão dos seus apoiantes, terá este acto de dupla confirmação do Governo alguma utilidade real para o Governo e o País?

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Sentir-se-á assim o Governo mais encorajado para partir ao assalto do sector nacionalizado da economia, restaurar a banca privada e restabelecer os grandes grupos capitalistas?

O Sr. Bento Gonçalves (PSD): - Lá que seja o PCP a falar assim está bem, mas o PS...

O Orador: - Ficará com mais determinação para oferecer aos latifundiários mais terra e aos agricultores maior miséria?
Sentir-se-á mais habilitado a manipular artificiosamente a Lei Eleitoral, com vista a perpetuar-«e no poder?
Ficará mais animado para desafiar o Presidente da República?
Aumentará a sua audácia para novas investidas diplomáticas em cruzada aparentemente desproporcionada às suas forcas?

A Sr.ª Helena Roseta (PSD): - Deve ter-se enganado no discurso,

O Orador: - Ou estaremos perante um acto inútil ou um simples bluff?
Podia o Governo ter poupado a esta Assembleia tal perda de tempo e começado já a cumprir a directriz que o Sr. Primeiro-Ministro diz ter traçado para a sua acção, e que se resume em trabalhar sem perda de tempo.
Não podemos julgar o Governo pela sua acção, como é por definição constitucional, o objecto da moção de confiança. Apenas o podemos julgar pelo seu Programa vago e demagógico, pelo tom desbotado da sua intervenção neste Plenário e pelo histórico gesto de mandar regressar o embaixador em Moscovo e de reter em Portugal a embaixadora na UNESCO.
Fizeram os partidos da coligação que sustenta o Governo uma campanha sob o lema da mudança.
Só podemos prever que a mudança que querem efectuar é para trás, é inverter um processo profundo de 'mudanças, posterior ao 25 de Abril, como poucos na nossa História. Processo de mudança favorável à liberdade e à igualdade que este Governo pretende contrariar, uma vez que a pobreza do País e muitas dificuldades de percurso não terão permitido que se enraizasse em todos os corações.
Este Governo não é nacional e não partidário como tantos dirigentes da coligação afirmam: ele, mais do que qualquer outro, é uma coligação de interesses pessoais e de classe contra o interesse público.

Risos do PSD.

Não nos admiraremos, no entanto, que certos Deputados nos garantam, dentro de algum tempo, que quem é contra o Governo é contra Deus, contra á Pátria e contra a família.

Risos do PSD.

O Sr. Amândio de Azevedo (PSD): - Nunca me enganaste!...

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Alertámos também, no curso do debate sobre o Programa do Governo, para os riscos de ruptura institucional que várias medidas anunciadas no Programa de Governo implicavam.
As nossas apreensões não se dissiparam, mas infelizmente agravaram-se.
Esse é, pois, mais um motivo para termos votado contra a moção de confiança que, neste caso, é uma espécie de veredicto ex ante pronunciado sobre a provável execução do referido Programa - e não sobre uma fase mais ou menos longa da sua execução, como seria normal e desejável.
Confiar neste Governo?
Em breve os Portugueses terão oportunidade de confirmar as previsões do PS.

A Sr.ª Helena Roseta (PSD): - Essa agora!

O Orador: - Em breve, muitos dos eleitores experimentarão o desencanto e perceberão que não tinham razões para confiar no Governo desta direita que se chama AD neste Inverno de 1980, em que o povo vai perder, mas a esperança permanece.
Os trabalhadores, as donas de casa, os reformados, depois deste Governo aplicar a sua política durante um período de tempo suficiente, só terão razões para se afastar da AD, das suas promessas e dos seus políticos.
Estará, então, a chegar o tempo em que, face ao conteúdo deste Programa e ao espírito de retaliação com que irá ser aplicado; face ao mais que provável agravamento do nível de vida do povo e ao agudizar da crise económica e social, será imperativo para o PS derrotar, nas eleições, esta maioria parlamentar e substituir este Governo da direita.

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Já parece o PC!

O Orador: - Imperativo de que o Partido Socialista se desempenhará nos próximos meses, tendo em vista uma nova constelação política, um programa de acção" em harmonia com os interesses nacionais e populares e uma correcta perspectiva do nosso futuro.
O Partido Socialista manteve-se deliberadamente à margem deste debate inútil, por considerar que mais interessante do que pedir a confiança do cheque em branco para um Governo que parece desconfiar de si próprio, seria um gesto de coragem política pedir esta confiança quando o País já tivesse a experiência viva da acção governamental. Desafiamos o Governo a fazê-lo.
Esperamos que dentro de alguns meses o Governo apresente nova moção de confiança. Talvez nessa altura o Sr. Primeiro-Ministro esteja nesta Câmara menos triunfalista e dogmático. E, sobretudo, esperamos que não continue a deturpar e caricaturar as posições do PS como fez, por exemplo, ao afirmar que tínhamos reticências na nossa condenação da invasão do Afeganistão pela União Soviética.

O Sr. Amândio de Azevedo (PSD): - E não é verdade?

O Orador: - Diz o Sr. Primeiro-Ministro que o que retém o seu interesse é a resolução dos problemas concretos; se assim for cá estamos para discutir todas as soluções e apreciá-las-emos qualitativamente em função do nosso projecto de sociedade. Mas o Sr. Pri-

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meiro-Ministro usou uma linguagem de grande carga ideológica e agressividade que, se se poderá compreender num líder da oposição, não se compadece com as responsabilidades de um Primeiro-Ministro obrigado a dialogar com a oposição e com o País.

Terminamos com unia palavra de serenidade e esperança.

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Ah!... Nada serenos!

O Orador: - A democracia portuguesa já é bastante sólida para suportar rudes embates e para proporcionar aos Portugueses as condições de mudarem efectivamente a sua vida, de harmonia com os ideais de justiça social e de liberdade de que o PS continuará mais do que ninguém a ser o mais fiel depositário.

O Sr. Rui Pena (CDS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado.

O Sr. Rui Pena (CDS): - É para lavrar um muito breve protesto, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. Rui Pena (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero protestar, de uma forma muito simples mas também muito veemente, contra a expressão usada desnecessariamente pelo Sr. Deputado do Partido Socialista, fazendo coincidir o discurso político da nossa bancada, da bancada do CDS, com outros tipos de discurso político, ditatorial e antidemocrático.
Não o admitimos. Já o dissemos no passado com a suficiente veemência, voltamos a repeti-lo hoje e consideram-nos injuriados e ofendidos, tanto mais quanto essa injúria provém da bancada socialista. Creio que os Deputados socialistas têm, através do nosso passado, quer na Constituinte quer na Assembleia da República, razões de sobejo para acreditar nos nossos mais vivos protestos democráticos.
E não quero sequer lembrar ao Partido Socialista quando nos deu as mãos e fizemos a coligação que levou ao efémero II Governo Constitucional. Isso é mais uma razão para nos sentirmos injuriados quando e sempre que ouvimos essas palavras da boca de um Deputado socialista.

Aplausos do CDS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lage.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pedi a palavra, como é óbvio, para contraprotestar.
Compreendo o protesto do Sr. Deputado Rui Pema, faço-lhe a justiça, como a muitos outros Deputados do CDS, e que são fiéis às liberdades e partidários da democracia. No entanto, há vozes da sua bancada que eu tenho o direito de classificar, relativamente ao discurso político que fazem e aos pressupostos ideológicos do mesmo - e refiro-me concretamente a um ouvido ontem e a outro ouvido hoje -, como tendo um carácter neo-salazarista e sendo contrários à filosofia, à Vivência, aos métodos, aos objectivos e à maneira de ser dos democratas.

Aplausos do PS

Vozes do CDS: - Não apoiado!

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem também a palavra o Sr. Deputado Moura Guedes.

O Sr. Moura Guedes (PSD): - Sr. Presidente, permita-me V. Ex.ª que antes Ide. iniciar a minha declaração de 'voto eu preste um brevíssimo esclarecimento à Sr.ª Deputada Alda Nogueira, reafirmando o sentido das votações do PCP em relação às leis do Plano de 1976 e de 1977, aqui referidas peio Sr. Primeiro
-Ministro através de dados que forneceu a esta Câmara e que são inteiramente exactos.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Não pode ser! O Sr. Deputado dá-me avenca?

O Orador: - Se a Sr.ª Deputada tem alguma dúvida a este respeito desejava convida-la a consultar os respectivos Diários das Sessões, que a esclarecerão completamente.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, eu gostava de usar da palavra apenas para esclarecer este assunto.

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Já está tudo esclarecido.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, como V. Ex.ª sabe, isso só pode acontecer se o orador não se opuser.

O Orador: - Sr. Presidente, se V. Ex.ª autoriza eu não tenho nenhuma coisa a opor.

O Sr. Presidente: - Então, faça favor, Sr. Deputado Carlos Briito.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É apenas para esclarecer que não há Lei do Plano para 1976. Em 1976, como sabem, a Assembleia da República só começou a funcionar em 2 de Junho e não havia Lei do Plano. O Orçamento para esse ano foi o Orçamento elaborado pelo VI Governo Provisório. Houve depois o Plano para 1977 aprovado em finais de 1976 e esse teve a nossa abstenção - adias era um Plano a :nosso ver razoável, mas que nunca foi cumprido, já que foi todo ele desfeito com as medidas de 25 de Fevereiro de 1977.
Ora bem, o Plano de 1978 é o Plano do Governo PS/CDS e contra esse nós votámos. E depois o Plano de 1979 é o Plano do Governo Mota Pinto contra o qual votámos também. Portanto, há um equívoco. O Sr. Primeiro-Ministro está mal informado e não há nenhuma dificuldade em reconhecer isso, porque historicamente os dados são estes que aqui acabo de expor e qualquer verificação do Diário da Assembleia da República - verificação que nós tivemos o cuidado de fazer no intervalo, muito embora tivéssemos bem de memória como as coisas se passaram - comprovará o que acabamos de dizer.
Muito obrigado pela interrupção. Sr. Deputado Moura Guedes.

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O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Não é exacto.

Sr. Moura Guedes (PSD): - Não me vou envolver, evidentemente, numa discussão sobre esta matéria, de qualquer modo recomendo ao Sr. Deputado Carlos Brito a salutar leitura do Diário das Sessões, pois penso que o esclarecerá.
Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Deputados, Srs. Ministros: Com o debate e votação do Programa do Governo, que ornem encerrámos, e com a votação da moção de confiança no Executivo que estai Assembleia acaba e aprovar, a democracia portuguesa dobrou um cabo decisivo do seu percurso. Um cabo a que, chamaríamos «das tormentas», se a vossa atenção se fixasse predominantemente na rota acidentada que ficou' para trás, toda ela varrida pelos ventos selvagens de anti-história e peias vagas da violência ideológica e empapada da névoa pegajosa das indefinições e da falta, de coragem para decidir e actuar, no domínio da prática política quotidiana. Um cabo a que chamaremos antes «da Boa Esperança», uma vez que os nossos olhos se viram sobretudo para os horizontes largos e lavados que se rasgam a Portugal, pelo; facto de, termos sabido dobrar serenamente esse promontório em paz e em liberdade, com inteiro respeito pela democracia e pelas suas instituições.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Para trás ficou a anarquia, a improvisação, as combinações de corredor, a indefinição dos objectivos e dos projectos, a demagogia, o empolamento ideológico, o verbalismo e a ineficácia.
Para a frente, acreditamos que o País irá encontrar os espaços novos da inovação e a racionalidade do sentido nacional, da estabilidade das instituições, da correspondência sempre real e sempre renovada entrei a vontade: do povo português e as grandes linhas políticas que hão-de presidir às acções do Executivo.
Para trás fica o mundo confuso e caótico de uma busca mal orientada de: caminhos, que, não excluindo porventura a generosidade intenções e patriotismo por parte de muitos, exemplifica de maneira dramática a impossibilidade real de se governar um país sem a estabilidade e a coerência de um projecto nacional, claro; e sem ambiguidades e sem a existência do suporte simultâneo de uma maioria estável e decidida, que o apoie, sem reticências nem flutuações.
Portugal tem esse projecto e tem essa maioria. É isto, sobretudo, que a Assembleia da República pode dizer aos Portugueses ao encerrarmos a sequência, destes importantes debates.
A esperança que os Portugueses mostraram ter neste Governo, que inequivocamente escolheram através de eleições legislativas largamente participadas, transforma-se agora na confiança claramente expressa pela maioria dos legítimos representantes do povo, o que quer dizer, em termos de democracia, pelo próprio povo português.

Uma voz do PSD: - Muito bem!

O Orador - Esta passagem da esperança à confiança - o a esperança num projecto de governação do País, à confiança num Governo real, que se apresenta, em carne e osso, ao Parlamento'- é a passagem, dinâmica da potencialidade ao acto, da aspiração ao empenhamento, da fluidez do desejar à consistência do querer. É importante que o Governo no seu conjunto e cada um dos seus membros de per si partam para a dura batalha do ressurgimento nacional, em que vão empenhar-se, munidos deste depósito de confiança fonte de energia e de entusiasmo na acção, confirmação renovada e actual da sua força democrática e do seu carácter nacional indiscutível.
Facto corrente e frequente na vida parlamentar da Europa democrática o pedido liminar de confiança por parte do Governo, ao- iniciar as suas í unções, bem se entende que seja ininteligível para o Partido Comunista Português, conhecida como é a dificuldade que os comunistas têm sempre, aqui e em toda a parte, em adaptar-se aos mecanismos e às regras de convivência das sociedades democráticas pluralistas, que na sua estreita, dogmática e formalista visão do mundo não são capazes de entender.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - já é mais difícil explicar a estranheza manifestada pela bancada de um partido democrático, como é o Partido Socialista, não se vislumbrando outra razão para isso que não seja a de ainda se encontrarem sobre os efeitos do traumatismo psicológico de não terem visto aprovada a recente moção de rejeição do Governo, que apresentaram a esta Assembleia.
Em relação a estas últimas cremos e fazemos votos para que se trate de atitude passageira, sem duração nem significado especial, reveladora de um simples estado de espírito negativo que saberão ultrapassar.
Se o voto de confiança, pedido pelo Governo ao Parlamento, tem, segundo cremos, este sentido fundamental, tem, simultaneamente, aquele outro de manifestação de confiança do Governo no órgão democrático de soberania que é a Assembleia da República, na maioria parlamentar.
Também somos sensíveis ao significado deste gesto, que ainda mais abre e reforça os canais de uma permanente comunicação, os dois sentidos, entre Governo e Assembleia Legislativa, comunicação essa que consideramos não apenas desejável mas verdadeiramente é impensável ao fortalecimento da nossa democracia e ao saudável funcionamento dos seus órgãos num clima de responsabilidade recíproca.
O Partido Social-Democrata votou favoravelmente como é óbvio, a sua confiança no Governo. Pensamos que este é o Governo certo para este preciso momento da vida nacional.

O Sr. Guerreiro Norte (PSD): - Muito bem!

O Orador: - E confiamos nele.
Confiamos nele, como capaz de defender a democracia política e as suas instituições e de .realizai a democracia económica, social e cultural sem o qual a primeira seria expressão esvaziaria de conteúdo.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Confiamos nele por sabermos que será o Governo capaz de enfrentar os grandes desafios

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da recuperação económica «nacional, com larga acentuação do papel fundamental da iniciativa privada, sem permitir, porém, que o poder económico deixe de estar subordinado ao poder político, em termos nacionais, exigência imperativa da miais elementar defesa dos cidadãos e da própria salvaguarda da democracia tal como nós a entendemos.

Aplausos da maioria parlamentar.

Confiamos nele porque acreditamos que será um Governo permanentemente atento aos agudos problemas sociais com que Portugal se defronta -problemas de emprego, de habitação, de saúde, de assistência e de ensino -, privilegiando e defendendo sempre, em todas as circunstâncias e sem hesitações, os direitos e a situação dos mais fracos e dos mais desprivilegiados.
Confiamos nele porque mão temos dúvida de que será o Governo capaz de uma corajosa e profunda reinvenção do seu próprio aparelho administrativo, abandonando a caduca e intolerável expressão tradicional de um Estado bonapartista, centralizador e perdulário, para se transformar num Estado moderno aberto à participação e ao renovo de todas as suas estruturas e comportamentos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Confiamos nele por sabermos que será um Governo decididamente virado para essa dimensão essencial de democracia que é o poder local e regional, atento, sem paternalismo, às necessidades das populações, fomentando sempre não o controle destas mas a sua autonomia, esteio da sociedade plenamente democrática que queremos criar e que será talvez a expressão mais profundamente nova da mudança que Portugal escolheu como seu futuro.
Confiamos neste Governo, finalmente, porque ele significa a Europa, mão apenas em termos, aliás fundamentais, de bem-estar e de segurança, estabilidade e de futuro para os Portugueses, mas também com regresso urgente às raízes profundas da nossa verdade cultural, da nossa história e da nossa autenticidade nacional, do nosso caminho como povo que urge retomar depois de um longo hiato de quase meio século de isolamento ou de desorientada indefinição de rumos colectivos.
Por estas razões, e sem a menor hesitação, votámos favoravelmente a mossa confiança no Governo. Nesta hora de júbilo em que, fortalecido com o voto de confiança do parlamento, o Executivo se vai virar para a acção, o Partido Social-Democrata quer dirigir-me, ma pessoa do Sr. Primeiro-Ministro, a miais viva saudação, afirmando-lhe que o Governo poderá contar com o apoio das bancadas sociais-democratas em todos os passos da grande obra de recuperação da dignidade nacional em que vai empenhar-se a bem de Portugal, dos portugueses, da liberdade, da democracia e da independência ocasional.

Aplausos da maioria parlamentar.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, na próxima semana haverá apenas duas reuniões: uma na quarta-feira, dia 23, pelas 15 horas, que terá período de antes da ordem do dia e cuja ordem de trabalhos e a eleição da delegação da Assembleia da República ao Conselho da Europa, e outra na quinta-feira, pelas 10 horas.

Está encerrada a sessão. Eram 20 horas e 35 minutos.

Deputados que entraram durante a sessão:

Partido Social-Democrata (PSD)

Afonso de Sousa F. de .Moura Guedes.
Alcino Cabral Barreto.
António Alberto Correia Cabecinha.
Dinah Serrão Alhandra.
Fernando José da Costa.
Fernando Manuel A. Cardoso Ferreira.
Francisco José de Sousa Tavares.
João António Sousa Domingues.
João Baptista Machado.
José Adriano Gago Vitorino.
José Angelo Ferreira Correia.
José Bento Gonçalves.
José Manuel Medeiros Ferreira.
José Manuel Meneres Sampaio Pimentel.
José Mania ida Silva.
Luís António Martins.
Manuel Luís Fernandes Malaquias.
Maria Manuela Simões Saraiva.
Muno Maria Monteiro Godinho de Matos.
Pelágio E. de A. Matos Lopes de Madureira.

Partido Socialista (PS)

Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Marques Antunes.
Alberto Rodrigues Ferreira Gamboa.
Amadeu da silva Cruz.
António Chaves Medeiros.
António Fernandes da Fonseca.
António Francisco Barroso Sousa Gomes.
António José Sanches Esteves.
António Manuel Maldonado Gonelha.
António Manuel de Oliveira Guterres.
Aquilino Ribeiro Machado.
Armando dos Santos Lopes.
Avelino Ferreira Loureiro Zenha.
Fernando Luís de Almeida T. Marinho.
Francisco de A. Salgado Zenha.
Francisco Cardoso P. de Oliveira.
Gualter Viriato Nunes Basílio.
João Alfredo Félix Vieira Lima.
João Cardona Gomes Cravinho.
João Joaquim Gomes.
Joaquim Sousa Gomes Carneiro.
Jorge Fernando Branco Sampaio.
José Gomes Fernandes.
José Luís do Amarai Numes.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
José Maximiano de A. Almeida Leitão.
José Maria Parente Mendes Godinho.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Luís Abílio Conceição Cacito.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Manuel Alegre de Melo Duarte.

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Manuel Alfredo Tito de Morais.
Manuel António dos Santos.
Maria de Jesus Simões Barroso Soares.
Maria Teresa V. Bastos Ramos Ambrósio.
Mário Alberto Nobre Lopes Soares.
Raul de Assunção Pimenta Rego.
Rodolfo Alexandrino Susano Crespo.
Rui Fernando; Pereira Mateus.
Teófilo Carvalho dos Santos.
Victor Manuel Ribeiro Contando.

Partido Comunista Português (PCP)

Álvaro Barreirinhas Cunhal.
António Dias Lourenço da Silva.
Carlos Alberto do Vale G. Carvalhas.
Carlos H. Saavedra de Aboim Inglez.
Domingos Abrantes Ferreira.
Fernando de Almeida Sousa Marques.
Jaime dos Santos Serra.
Joaquim Gomes dos Santos.
Jorge Manuel Abreu de Lemos.
José Ernesto I. Leão de Oliveira.
Lino Carvalho de Lima.
Octávio Floriano Rodrigues Pato.

Centro- Democrático Social (CDS)

Adalberto Neiva de Oliveira.
Américo Maria Coelho Gomes de Sá.
António Martins Canaverde.
Emídio Leitão Paulo.
Eugênio Maria Anacoreta Correia.
Francisco António Lucas Pires.
Francisco Gonçalves C. de Ferreira.
Francisco Manuel Lopes V. O. Dias.
João da Silva Mendes Morgado.
Joaquim Rocha dos Santos.
José Augusto Gama.
José Manuel Macedo Pereira.
José Manuel Rodrigues Casqueiro.
Luís Carlos C. Veloso de Sampaio.
Luís Eduardo da Silva Barbosa.
Luís Filipe Pais Beiroco.
Manuel António de A. e Vasconcelos.
Manuel Eugênio P. Cavaleiro Brandão.
Maria José Paulo Sampaio.
Nuno Kruz Abecasis.
Ruy Garcia de Oliveira.

Movimento Democrático Português (MDP/CDE)

José Manuel Marques do C. M. Tengarrinha.

Deputados que faltaram à sessão:

Partido Socialista (PS)

Carlos Manuel Natividade da C. Candal.
Jaime José Matos da Gama.
Manuel José Bragança Tender.

O REDACTOR PRINCIPAL, Manuel Adolfo de Vasconcelos.

PREÇO DESTE NÚMERO 52$00

IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA

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