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I Série-Número 19

Quarta-feira, 21 de Janeiro de 1981

DIÁRIO da Assembleia da República

II LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1980-1981)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 20 DE JANEIRO DE 1981

Presidente: Exmo. Sr. Leonardo Eugénio Ramos Ribeiro de Almeida

Secretários: Exmos. Srs.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes
Alfredo Pinto da Silva
Maria José Paulo Sampaio
José Manuel Maia Nunes de Almeida

SUMARIO. - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas e 55 minutos.
Teve início a discussão do Programa do Governo do VII Governo Constitucional, fazendo intervenções, além dos Srs. Ministros de Estado Adjunto do Primeiro-Ministro (Basílio Horta), das Finanças e do Plano (Morais Leitão), dos Assuntos Sociais (Carlos Macedo) e dos Negócios Estrangeiros (André Gonçalves Pereira), os Srs. Deputados Almeida Santos (PS), José Gama (CDS). Natália Correia (PSD). Octávio Teixeira (PCP), António Arnaut (PS), Herberto Goulart (MDP/CDE), Mário Tomé (UDP), Teresa Santa Clara Gomes, Azevedo Soares (CDS), Ângelo Correia (PSD), Jerónimo de Sousa (PCP), Helena Cidade Moura (MDP/CDE), Maria Alda Nogueira (PCP), Barrilaro Ruas (PPM), Jorge Miranda(ASDI) e Nandim de Carvalho (PSD).
Usaram também da palavra, a diverso título, os Srs. Deputados Amândio de Azevedo (PSD), Borges de Carvalho (PPM), Salgado Zenha (PS), António Reis (PS), Helena Roseta (PSD), José Vitorino (PSD), Carlos Brito(PCP), Ilda Figueiredo (PCP), Lopes Cardoso (UEDS), Veiga de Oliveira (PCP), Mário Tomé (UDP), Jaime Ramos (PSD), Oliveira Dias (CDS), António Arnaut (PS), Teresa Ambrósio(PS). José Ernesto de Oliveira (PCP), Zita Seabra (PCP), Vitor Constâncio (PS), Azevedo Soares (CDS), Natália Correia (PSD), Jorge Sampaio (PS), César Oliveira (UEDS), a alguns dos quais os oradores responderam.

Foi aprovado um relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos sobre substituição de Deputados do PSD.
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 21 horas e 15 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Eram 10 horas e 15 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD)
Álvaro Barros Marques Figueiredo.
Amândio Anes de Azevedo.
Amadeu Afonso Rodrigues dos Santos.
Amélia Cavaleiro M. de Andrade Azevedo.
António Augusto Ramos.
António Maria de O. Ourique Mendes.
Arménio Jerónimo Martins Matias.
Arménio dos Santos.
Bernardino da Costa Pereira.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Fernando Manuel A. Cardoso Ferreira.
Fernando Manuel Cardoso Barbosa Mesquita.
Jaime Carlos Marta Soares.
João Evangelista Rocha de Almeida.
João Manuel Coutinho Sá Fernandes.
Joaquim Manuel Cabrita Neto.
Joaquim Pinto.
José Adriano Gago Vitorino.
José Angelo Ferreira Correia.
José Augusto Santos da Silva Marques.
Leonardo Eugênio R. Ribeiro de Almeida.
Leonel Santa Rita Pires.
Luís António Martins.
Manuel António Lopes Ribeiro.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel Maria Moreira.
Manuel Maria Portugal da Fonseca.
Manuel Ribeiro Arruda.
Manuel Vaz Freixo.
Maria da Glória Rodrigues Duarte.
Mário Dias Lopes.

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Nuno Aires Rodrigues dos Santos.
Pedro Manuel da Cruz Roseta.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rui Alberto Barradas do Amaral.
Virgílio António Pinto Nunes.

Partido Socialista (PS)
Adelino Teixeira de Carvalho.
Alberto Marques Antunes.
Alfredo Barroso.
Alfredo Pinto da Silva
António Duarte Arnaut.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Marques Ribeiro Reis.
Armando dos Santos Lopes.
Carlos Cardoso Lage.
Eduardo Ribeiro Pereira.
João Cardona Gomes Cravinho.
Joaquim José Catanho Menezes.
Jorge Fernando Branco Sampaio.
Luis Silvério Gonçalves Saias.
Manuel Francisco da Costa.
Maria Teresa V. Bastos Ramos Ambrósio.
Raul d'Assunção Pimenta Rego.
Rui Fernando Pereira Mateus.
Teófilo Carvalho dos Santos.
Victor Brás.

Centro Democrático Social (CDS)
Alberto Henriques Coimbra.
Alexandre Correia de Carvalho Reigoto.
Alfredo Albano de C. Azevedo Soares.
António José Tomás Gomes de Pinho.
António Mendes de Carvalho.
Armando Domingos D. Ribeiro de Oliveira.
Daniel Fernandes Domingues.
Emídio Ferrão da Costa Pinheiro.
Emílio Leitão Paulo.
Francisco Manuel L. V. de Oliveira Dias.
João José M. Ferreira Pulido Almeida.
José Augusto Gama.
Luís Filipe Paes Beiroco.
Luisa Maria Freire C. Vaz Raposo.
Maria José Paulo Sampaio.
Narana Sinai Coissoró.

Partido Comunista Português (PCP)
Álvaro Augusto Veiga de Oliveira.
Anselmo Aníbal.
António José de Almeida Silva Graça.
António da Silva Mota.
Carlos Alberto do Carmo da C. Espadinha.
Carlos Alfredo Brito.
Custódio Jacinto Gingão.
Fernando de Almeida Sousa Marques.
Francisco Miguel Duarte.
Georgete Ferreira de Oliveira.
Joaquim Miranda da Silva.
Joaquim Victor Gomes de Sá.
Jorge Manuel Abreu de Lemos.
Jorge Patrício.
José Manuel da Costa Carreira Marques.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Rodrigues Vitoriano.
Manuel Lopes.
Maria Ilda Costa Figueiredo.
Mariana Grou Lanita da Silva.
Octávio Augusto Teixeira.
Zita Maria de Seabra Roseiro.

Partido Popular Monárquico (PPM)
António Borges de Carvalho.
António Cardoso Moniz.
Gonçalo Pereira Ribeiro Telles.
Henrique Barrilaro Ruas.
Jorge Victor M. Portugal da Silveira.
Maria José Pontes de Gouveia.

Acção Social-Democrata Independente (ASDI).
Jorge Manuel M. Loureiro de Miranda.
Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho.

União da Esquerda para a Democracia Socialista (UEDS)
César Oliveira.

Movimento Democrático Português (MDP/CDE)
Herberto de Castro Goulart da Silva.
Helena Tâmega Cidade Moura.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 105 Srs. Deputados.
Temos quorum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 10 horas e 50 minuto».

O Sr. Presidente: - Vamos iniciar o debate do Programa do VII Governo Constitucional.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Arnaut.

O Sr. António Arnaut (PS): - Sr. Presidente, é apenas para informar V. Exa. e a Câmara de que me inscrevi para produzir uma intervenção sobre o problema da saúde. Todavia, como não chegou ainda o Sr. Ministro dos Assuntos Sociais, eu pedia a V. Exa. vénia para aguardar a chegada do titular da pasta para então poder intervir nessa matéria.

O Sr. Presidente: - Portanto, V. Exa. prescinde por agora, do uso da palavra.
Não há oradores inscritos e, por ordem decrescente dos partidos, não estando presente a UDP, pergunto ao MDP/CDE se deseja intervir.

O Sr. Herberto Goulart (MDP/CDE): - Sr. Presidente, na verdade, poderíamos, em princípio, fazer agora a nossa primeira intervenção. Simplesmente chamo a atenção da Mesa - e isto não é de maneira nenhuma uma interpelação à Mesa, é um simples chamar de atenção, e o Sr. Presidente actuará como entender - para o facto de terem sido feitas na sessão anterior, se não me falha a memória, 127 perguntas ao Governo em relação às quais as respostas permitirão arrumar, de um modo ou de outro, as intervenções dos vários partidos, e particularmente dos partidos da oposição. Deste modo, atrevia-me a sugerir ao Sr. Presidente que perguntasse ao Governo se queria, abordar em primeiro lugar algumas das questões que foram levantadas, uma vez que o Sr. Primeiro-Ministro considerou que era inoportuno responder à maioria dessas questões na Sexta-feira passada.

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O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, como V. Exa. sabe, a Mesa cumprirá as regras estabelecidas para o debate. No entanto, creio que a questão que pôs está ultrapassada, uma vez que o Sr, Ministro de Estado Adjunto do Primeiro-Ministro pediu a palavra.
Tem V. Exa. a palavra, Sr. Ministro.

O Sr. Ministro de Estado Adjunto do Primeiro-Ministro (Basílio Horta): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Era apenas para esclarecer o Sr. Deputado do MDP/CDE de que algumas das perguntas feitas foram respondidas oportunamente na intervenção do Sr. Primeiro-Ministro e outras sê-lo-ão à medida que o debate decorrer.
A última intervenção proferida nesta Câmara na passada sexta-feira foi feita pelo Sr. Primeiro-Ministro; logo, o Governo aguarda que os Srs. Deputados façam as suas intervenções.

O Sr. Almeida Santos(PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Se o Sr. Deputado Almeida Santos me permitisse, eu gostaria de fazer uma pequena observação.
Era conveniente, para a Mesa poder conduzir os trabalhos com um mínimo de eficácia, que os Srs. Deputados que pretendem usar da palavra disso dessem conhecimento a Mesa, porque assim esta procuraria providenciar quanto à presença dos Membros do Governo que os Srs. Deputados tivessem interesse em que estivessem presentes para os escutar.
Muito obrigado, Sr. Deputado Almeida Santos. Tem V. Exa. a palavra.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro e Srs. Membros do Governo: Preso de momento a outra ordem de preocupações, poisei no Programa do Governo com o sem-cuidado com que uma abelha daltónica poisaria num cardo, julgando tratar-se de uma flor. Infelizmente um cardo!
Sou, de meu natural, céptico em matéria de programas de governo. E considero tanto mais grave o risco de acreditar neles quanto maior se vai tornando a especialização dos sucessivos governos para produzirem programas que são autênticos instrumentos de colectivo aprazimento. Cada um menos imaginativo de que o precedente, todos se reconduzem, no essencial, ao Programa do I Governo, esse original por força das circunstâncias.
Não há, de facto, programas de governo inteiramente maus. E felizes são os povos cujos governos adreguem cumprir dez por cento daquilo que prometem!
Há dias um gentil amigo ofereceu-me um ensaio da sua autoria em que defende a tese de que a literatura portuguesa não produziu utopias. É para mim ponto assente que esse amigo não leu nenhum programa de governo!...
O que mais me preocupa nesta nova versão do mesmo e único programa é a novidade, agora levada ao requinte, de tudo prometer em abstracto e de nada elucidar em concreto.

O Sr. António Arnaut (PS): - Muito bem!

O Orador - Eis um Governo pletórico de intenções, nem sempre boas, que não se compromete no enunciado objectivo de acções ou medidas. E não é que a nossa Constituição exige que do Programa do Governo constem medidas políticas e legislativas, e não votos pios ou intenções veementes?
É essa a nota mais saliente desta nova utopia: responder com uma pródiga definição de objectivos à expectativa de uma pragmática informação de medidas.
Para além disso, o jargão do costume - a «correcção das assimetrias regionais» a «macrocefalia das grandes cidades», o «primado da pessoa», etc. - e o lançamento de novos chavões que ameaçam fazer carreira - a «libertação da sociedade civil» e, contraditoriamente, já sem ressaibos marxistas, a «libertação do próprio Estado».
Temos, pois, um Governo caracterizadamente «libertador».
O País, em seu dizer, «foi abalado, em anos recentes, por um processo revolucionário convulsivo e doloroso, imposto por minorias vanguardistas, que o colocou à beira de um regime totalitário». Mas, com a formação da AD e as suas vitórias eleitorais, «o Pais entrou definitivamente na nova fase, por que ansiava, de Governos sólidos e estáveis».

O Sr. Amândio de Azevedo (PSD): - Muito bem!

O Orador - É ainda «fruto da revolução - lê-se também-a situação da economia portuguesa atingida pelo endeusamento do Estado em 1975». Dai que haja que «libertar o Estado do peso da gestão de numerosas actividades» e que meter ombros ao «estabelecimento definitivo de uma democracia plena».
Muito enganado tenho andado eu!
Pois não é que supunha, cá na minha, que o 25 de Abril tinha sido o fim, não o princípio ou a causa de um regime totalitário?

Uma voz do PS: - Muito bem!

O Orador: - Que o 25 de Abril, e o consequente processo político, não tinha sido, em termos de relatividade, nem caracterizadamente convulsivo, nem particularmente doloroso? Que governos sólidos e estáveis, apesar de odiosos, eram os anteriores a 25 de Abril?
Que o verdadeiro e sistemático endeusamento do Estado ocorreu até ao 25 de Abril, não após ele?
Que não havia confusão possível entre os fugazes acidentes do percurso revolucionário posterior a Abril e o semi-secular percurso sem acidentes do anterior regime?
Que não tinham sido as forças políticas apoiantes do actual Governo quem fez o 25 de Abril?
Que libertadores fomos nós, os da oposição de hoje, durante o meio século em que tudo estava por libertar?

O Sr. César Oliveira (UEDS): - Muito bem!

O Orador - Que, se alguém foi libertador após o 25 de Abril, fomos de novo e fundamentalmente nós, os socialistas, sem desprimor para a saudável reacção popular que o Programa do Governo justa mas exclusivamente exalta?

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Que este Governo e as forças políticas que o apoiam nos devem a liberdade de poderem agora arvorar-se um pretensos campeões da paz, da democracia e da europeização do País?

O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Muito bem!

O Orador: - Que este Governo e as forças políticas que o apoiam não são libertadores de coisa alguma, entre outras razões porque são e apoiam o Governo livre de um povo livre, não sendo senão ridícula a pretensão de se pedir aos Portugueses que esqueçam que em vão exigiram a liberdade e a democracia de muitos - não todos, felizmente - dos que hoje se arvoram em campeões delas, esses, sim, esquecidos dos odiosos contrários de que foram suporte?
Não é que não seja motivo de satisfação ver que o espírito do 25 de Abril venceu por dentro alguns que, antes e depois de Abril, foram seus acérrimos inimigos. Mas reconheça-se que não seriam o Programa do actual Governe o melhor viático, nem este parlamento o melhor lugar, nem esta oposição o melhor destinatário para a tentativa de os partidos da AD e o seu Governo lançarem de si mesmos a imagem de libertadores de um povo já liberto, das garras de um Estado que é de direito e dos bloqueios antidemocráticos de uma Constituição que é democrática e centrada na defesa dos Direitos do Homem.
Pois não vêem o Governo e os seus apoiantes que o ataque explícito e implícito à Revolução de Abril, mas em qualquer caso sistemático, que este Programa é, contém em si mesmo um ataque à própria fonte da liberdade e da democracia de que gozamos, ou seja, uma contradição nos próprios termos?
Tenho para mim que a AD e o seu Governo serão tanto mais aceites como genuinamente democratas quanto menos falarem nisso e mais viverem e agirem como os que naturalmente o são. Dizerem-nos a nós que estão aí para realizar a democracia plena é - ressalve-se-me a franqueza - um complexo de culpa ou provocação.
Teríamos então de pôr-nos de acordo sobre o que seja democracia plena. Em nosso entender, ela só será plena se for democracia sem reservas, não apenas na sua dimensão política, mas também na sua dimensão económica e social. E não é esta visão globalizante a que decorre deste Programa, mais voltado para a eliminação dos «constrangimentos à economia do mercado», para o «favorecimento da iniciativa privada» e para o apagamento do sector público do que para a sincera defesa dos trabalhadores e a realização de uma efectiva «justiça social, não compatível com o pendor neoliberal de muitos dos objectivos preconizados. Isto sem prejuízo de o Governo, ao elaborar o seu Programa, ter jogado empenhadamente à defesa.
Um exemplo: numa matéria tão sensível como a delimitação entre o sector público e o sector privado, n Governo fica-se por informar-nos de que abrirá «a este sector e ao sector cooperativo o acesso às diversas actividades que nada justifica estarem excluídas de um regime, concorrencial».
Quais as actividades que, no entender do Governo, nada justifica que estejam excluídas da concorrência? Isso, o Governo não disse. Mas foi dizendo que, no
seu entender, «a democracia só é autêntica e progressiva quando as liberdades cívicas incluem a liberdade de iniciativa económica».
Sem restrições? Assim parece, pois que lhe chama liberdade!
Se juntarmos a isto as referências a uma «estatização desmesurada e o anúncio de uma «cautelosa política de alienações por compensação com títulos de dívida pública, em ordem a atenuar as dificuldades financeiras do Estado, que, simultaneamente, não consegue gerir razoavelmente todo um enorme património, de que em parte não necessita para o exercício das suas funções constitucionais», obteremos um quadro aproximado do que se visa com a proclamada libertação da sociedade civil.
Não satisfeito em substituir o enunciado de medidas concretas por objectivos abstractos, de difícil refutação, não raro no Programa de Governo se recorre a uma linguagem esotérica, de vacuidades subtilmente procurada, que mais o afasta do preenchimento da sua finalidade constitucional.
Sirva de exemplo, sem desdouro, o Programa para a reforma administrativa. O que se deve fazer - diz-se aí - «passa pela aderência ao concreto de uma cultura normativa em que da parte do agente da Administração Pública haja uma nova consciência do papel que lhe cabe no desenvolvimento, se saiba identificar o sistema cliente, se avalie do prejuízo da inconsecução de objectivos [...] etc.».
Refere-se, de seguida, «o valor crescente do conhecimento, a relevância da indução sobre os excessos de racionalismo da dedução», enunciam-se algumas «linhas de força» e é tudo.
Fica-se assim com um gosto na boca a água destilada ou, como diz o nosso povo, um «ar de quem não matou porco»!
Em matéria de comunicação social, o Programa pouco diz, e nada de novo. À excepção de uma ameaça preocupante: a promessa de extinção das empresas jornalísticas estatizadas que venham a revelar-se incapazes de subsistir por si próprias, isto é, de todas elas.
Assim, pois, o actual Governo nega compreensão e valor ao serviço público prestado pelas empresas jornalísticas pertencentes ao Estado ou a entidades dele dependentes, passando a encará-las de um ângulo friamente mercantil: ou se tornam auto-suficientes ou morrem. Não é fácil? É claro que não faltarão maledicentes a insinuar que esse «jornalicídio» - aliás sem correspondência na anunciada atitude perante a RTP, a RDP e a ANOP - oculta mais um ataque ao sector público empresarial e mais um passo, no sentido do regresso sem excepções ao jornalismo de grupo financeiro, esse mecenato do cifrão que rói por dentro a liberdade de imprensa.
Quero, por último, registar uma honrosa excepção à fuga sistemática ao enunciado de medidas. Refiro-me à parte do Programa que diz respeito à cultura. Aí, dir-se-ia que estamos na Grécia de Péricles. Desde três novos museus, um novo edifício da Torre do Tombo e a ampliação do equipamento cultural, passando pela criação de uma Companhia Nacional de Ópera, pela criação de uma rede de bibliotecas populares, pela edição de uma discoteca básica, pela publicação de obras fundamentais, pelo apoio à produção de filmes portugueses, ao teatro, a bandas, filarmó-

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nicas, coros de amadores e ranchos folclóricos, até à comemoração de todos os centenários de vultos marcantes da cultura portuguesa que caiam na legislatura - tudo isto sem sair do principal -, o Programa é largo no prometer.
Fica-nos uma infinita curiosidade pelo futuro diálogo entre o Secretário de Estado da Cultura e o Ministro das Finanças, sobre o leito de Procustes do Orçamento Geral do Estado.
Finalizando, que já tarda: um Programa de Governo que, em matéria de objectivos, é digna da firma de um Thomas Morus, mas que, quanto a medidas, é árido como um deserto, esquivo como um campeão de esgrima e seco como um cardo!

Aplausos do PS, da ASDI e da UEDS

O Sr. Amândio de Azeredo (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem V. Exa. a palavra, Sr. Deputado Amândio de Azevedo.

O Sr. Amândio de Azevedo (PSD): - Sr. Presidente Srs. Deputado: Gostaria de fazer algumas perguntas ao Sr. Deputado Almeida Santos, que foi pródigo em críticas contra o Programa do Governo, também elas abstractas, e nos pontos em que as concretizou penso que errou clarissimamente o seu alvo.
E é exactamente em relação a algumas afirmações que me pareceram mais chocantes que eu gostaria de fazer algumas perguntas ao Sr. Deputado Almeida Santos.
A primeira pergunta é a seguinte: está o Sr. Deputado convencido que o 25 de Abril foi o fim e não a causa de um regime totalitário?
Sr. Deputado Almeida Santos, foi ou não verdade que depois do 25 de Abril o nosso país correu riscos seriíssimos de cair numa nova ditadura bem mais difícil de derrubar do que aquela a que o 25 de Abril pôs termo?
O Sr. Deputado acusou o Programa do Governo de contraditório. Mas não será o Sr. Deputado Almeida Santos ainda mais contraditório quando afirma que foi o Partido Socialista o libertador da ameaça de ditadura que pairou sobre nós depois do 25 de Abril?
Ainda a este propósito, gostaria de lhe perguntar se não considera uma injustiça flagrante, um erro e até mesmo uma ofensa às outras forças políticas - concretamente ao então PPD -, o Partido Socialista querer continuar a amar-se em libertador do povo português e em defensor da democracia. Algum dia os socialistas estiveram sozinhos na luta pela democracia? Não foi exacto que, se por força das circunstâncias - e isso não é mérito que se deva reivindicar - num primeiro período o Partido Socialista teve o papel mais importante na defesa da democracia, num segundo momento - que eu situo na constituição do V Governo Provisório -, se se quiser respeitar a verdade, a liderança do processo contra a ameaça de ditadura foi feita pelo Partido Popular Democrático a partir do Norte do País onde estava, e está ainda, mais implantado do que o Partido Socialista?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador. - Sr. Deputado Almeida Santos, essencialmente eram estas as perguntas que lhe queria fazer, além de querer ainda perguntar-lhe, embora não saiba se vale a pena, onde é que este Governo é um ataque à liberdade onde: é que este Programa do Governo e as forcas políticas que o apoiam discordam do Sr. Deputado no sentido de que a democracia para ser plena, além dos requisitos que nós temos exigido, tem de o ser não só no domínio político, como também no domínio económico e no domínio social? Creio que quanto a isto estamos todos de acordo, já o afirmámos milhantas vezes e reafirmamo-lo quantas vezes for necessário. Para nós a democracia não se esgota no campo político, tem de abranger necessariamente o campo económico e social. E lembro-lhe uma vez mais que nenhum Governo levou tão longe a democracia social como o Governo da Aliança Democrática presidido pelo Dr. Sá Carneiro, cuja política vai ser continuada por este.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Peço a palavra Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem V. Exa. a palavra. Sr. Deputado Borges de Carvalho.

O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Deputado Almeida Santos honrou-nos com mais um discurso dos que lhe são habituais que também o honram muito como orador. Simplesmente, se o Sr. Deputado Almeida Santos é um grande jurista e um grande orador, não sabe muito de botânica e acabou o seu discurso dizendo que o cardo era seco. Ora os cardos têm seiva, têm água e têm uma grande capacidade de ir buscar água ao solo.

Risos.

O nosso cardo, Sr. Deputado, tem uma seiva muito particular: a sua seiva são os votos maioritários do povo português que votou nesta maioria e neste Governo.

Vozes do PSD e do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Temos também que nos congratular pelo facto de o Sr. Deputado não se ter picado no cardo, o que era um risco que todos nós queríamos evitar.
A intervenção do Sr. Deputado Almeida Santos vem na linha da intervenção de ontem do presidente do seu grupo parlamentar, Sr. Deputado Salgado Zenha.

Vozes do PS: - Ontem?!

O Orador: - Ontem em relação aos dias úteis. Mas, como eu ia dizendo, a intervenção do Sr. Deputado Almeida Santos vem na linha da intervenção do Sr. Deputado Salgado Zenha, que procurou ver as mais tenebrosas e cavilosas intenções neste Programa de Governo. Já o Sr. Deputado Salgado Zenha onde

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[...] se falava em reforço do poder civil da governamentalização do regime, onde se falava em democracia lia autoritarismo e onde se falava em libertação da sociedade civil lia uma coisa bastante grave, que é 4 confrontação entre o poder civil e o poder militar.
Portanto, veio aqui o PS ressuscitar uma velha querela e eu diria mesmo - embora talvez seja grave de mais - tentar mais uma vez instrumentalizar os militares, mas agora contra a Aliança Democrática.
O Sr. Deputado Salgado Zenha ontem também não se eximiu a procurar cavar um fosso entre o Presidente da República e o Governo da Aliança Democrática, já que talvez não veja sem inquietação as intenções de cooperação institucional entre estes dois órgãos do Poder.
Hoje o Sr. Deputado Almeida Santos regressa ao mesmo tipo de argumentação, dizendo-nos, primeiro, que outras actividades não lhe tinham permitido uma leitura profunda do Programa e tecendo depois as mais judiciosas considerações sobre o mesmo, o que muito nos diz sobre o aproveitamento do tempo do Sr. Deputado.
Acha estranho o Sr. Deputado Almeida Santos que o Governo da AD defenda a libertação da sociedade civil, mas lembro que há longos anos, mesmo antes do 25 de Abril, o Partido Socialista falava em libertação da sociedade civil. E falava nessa libertação não propriamente e só no sentido de uma restauração das liberdades públicas, mas sim no sentido de uma libertação da sociedade civil contra o gigantismo do Estado, quer ele se revelasse por formas económicas, quer se revelasse através da burocracia ou através de quaisquer outras formas e agora, quando o Governo tia AD fala nessa libertação, o Partido Socialista interpreta isso como uma tentativa de autocracia, uma tentativa da governamentalização, o fim da democracia em Portugal.
De facto, até agora, este Programa de Governo tem sido apenas discutido em termos ou da [...] Partido Comunista...

Risos do PCP.

... ou dás flores de retórica do Partido Socialista ou ainda dos sofismas -perdoe-me a expressão - do Sr. Deputado Almeida Santos.
Portanto, è isto que se antepõe, à clara declaração de intenções verdadeiramente democráticas e libertadoras do Governo da Aliança Democrática.
Aplausos do Sr. Deputado do PPM Portugal do Silveira.

O Sr. César de Oliveira (UBDS): - São poucos aplausos para uma intervenção tão profunda!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Almeida Santos, tem a palavra para responder, se assim o desejar.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Muito me honraram as considerações tecidas à volta da minha pobre comunicação, que infelizmente não tive tempo para a fazer mais profunda. Mas devo dizer, Sr. Deputado Borges de Carvalho, que li o Programa e aquilo que eu disse não corresponde rigorosamente à verdade. Efectivar mente comecei por debicar nele, mas depois de todo com atenção.
O Sr. Deputado Amândio de Azevedo disse, que eu fiz críticas abstractas, mas a verdade é que não se pode criticar em concreto um. Programa que é todo ele uma abstracção.
É fácil dizer coisas agradáveis em matéria de objectivos, de metas, mas o que a Constituição exige e o que nos queríamos1 eram: factos, eram medidas, e isso o Programa não contém.
Penso para mim que, na verdade, é difícil negar que há o quer que seja de ridículo no facto de este Governo nos atirar à cara com a preocupação, a pretensão ou a tónica de que é um Governo libertador, quando afinai de contas este não faz mais do que abrir uma porta que já está aberta. Nós estamos libertos e a Constituição é democrática.
De facto, houve momentos posteriores ao 25 de Abril em que a liberdade correu risco, e se alguém se destacou na nobre defesa da liberdade, como já se tinha destacado antes do 25 de Abril, fomos nós, e não abdicamos desse nosso mérito. Simplesmente, não fomos nós que o dissemos - e podíamos tê-lo dito com toda a pertinência num programa nosso é o actual Governo que o vem dizer contra nós, o que não podemos deixar de estranhar.
Eu não disse que o Governo fez um ataque à liberdade. Disse que o Governo fala muito em liberdade, fala muito em coisas agradáveis, mas não nos dia como é que tenciona concretizar essas coisas agradáveis.
Nós estamos à. vontade porque fomos, talvez, até hoje, o único partido que, quando esteve no Governo, teve a coragem de apresentar um programa de austeridade, concretizou, essa austeridade e assumiu o desgaste político consequente dela. Fomos patriotas, uma vez mais, no Governo, como tínhamos sido fora dele.
O Sr. Deputado Borges de Carvalho não me fez nenhuma pergunta. Na verdade:, eu. não sei muita botânica, mas tenho para mim que os cardos são secos. Fique o Sr. Deputado do seu partido com u frescura dos cardos; que nós ficaremos com a frescura de outras flores.

Risos.

Não fui eu que ressuscitei uma velha querela, pois ela existe, foi o Programa do Governo que: a ressuscitou, agredindo-nos da maneira como o fez e por outro lado, não falemos em sofismas nem em flórea de retórica, porque tudo isso é o Programa, não a minha pobre e modesta intervenção.

O Sr. César de Oliveira (UEDS): - Muito bem!

O Sr. Salgado Zenha (PS): - Peço a palavra para um protesto, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Salgado Zenha.

O Sr. Salgado Zenha (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Protesto visto que o Sr. Deputado do PPM, talvez por a minha intervenção ter sido feita não ontem, mas há já vários dias, me atribuiu várias afirmações que não fiz.
Eu não disse, por exemplo, que o presente Governo queria desencadear um confronto entre o poder civil [...]

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e o poder militar. O que eu disse foi que o Governo, no seu Programa, e até através de algumas intervenções do Sr. Primeiro-Ministro, se apresentou como se fosse ele o único representante do poder civil.
Em meu entender, não há um poder civil em Portugal, há um poder democrático que é exercido pelo Presidente da República - que, pelo facto de ser militar, não deixa de exercer um poder civil, visto que ele foi eleito como cidadão e não como militar - e que é exercido também pela Assembleia da República, tanto pelos partidos que nela têm a maioria como pêlos partidos que nela estão em minoria.
O Governo apresenta-se como se fosse, por assim dizer, pelo facto de desfrutar de uma maioria absoluta no Parlamento, um poder absoluto. Ora maioria absoluta não significa poder absoluto. Os partidos minoritários gozam de poderes reais, e não consentiremos que estes sejam limitados nem reduzidos, e o Governo exerce realmente um poder democrático, mas apenas uma parte do poder democrático limitado pêlos outros órgãos de soberania, que são, neste caso, o Presidente da República e a Assembleia da República, incluindo os partidos que nela não têm a maioria. Foi isto que eu quis dizer e talvez por deficiência minha não tenha sido bem entendido.
Aliás, o facto de se dizer que não é democrático um órgão de soberania que não é eleito levar-nos-ia à conclusão de que os tribunais em Portugal têm de ser eleitos. E a afirmação de que só são democráticos os órgãos de soberania eleitos, na boca de um deputado monárquico como é o Sr. Deputado Borges de Carvalho, levar-nos-ia à conclusão, mais grave ainda, de que todas as monarquias são antidemocráticas.
Bem, mas eu não direi tanto, direi apenas que o que é fundamental numa democracia é que os poderes essenciais derivem a sua legitimidade de eleições - como, aliás, consta da Declaração Universal dos Direitos do Homem -, embora se admita que haja outros órgãos de soberania que não sejam eleitos, como os tribunais em Portugal e as monarquias constitucionais, onde as houver.
Devo dizer que não sou monárquico, sou republicano, mas se eu vivesse em Espanha ou na Inglaterra, apesar de republicano, não me repugnaria cooperar no regime monárquico, desde que as minhas convicções e os meus direitos fossem respeitados.
É portanto uma concepção real da democracia aquela que invoquei contra uma concepção absolutista e presunçosa como foi aquela que o Governo apresentou e invocou, com os aplausos dos monárquicos que agora reivindicam a eleição como a única fonte de legitimidade democrática, esquecendo-se que, pelo menos na Europa actual, não há nenhum rei que seja eleito, nem me conste que haja em breve em Portugal qualquer rei que venha a ser eleito.

Aplausos do PS e do Sr. Deputado da UEDS César de Oliveira.

O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Borges de Carvalho, tem V. Exa. a palavra.

O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - É para um curto contraprotesto, Sr. Presidente.
Quanto à última parte do protesto do Sr. Deputado Salgado Zenha, é evidente que a rejeito liminarmente, sem necessidade de comentários.
O Sr. Deputado começou por referir que não tinha dito que este Programa do Governo poderia vir a suscitar um confronto institucional, mas também não foi isso que eu disse. O que eu disse foi que o Sr. Deputado, na sexta-feira, tinha procurado descobrir essa intenção onde ela não existia, tinha procurado cavar esse fosso. Foi o Sr. Deputado que teve essa ideia, não foi o Governo. Portanto, houve aí uma má interpretação daquilo que eu disse.
Quanto à segunda parte do seu protesto, relativamente às considerações que o Sr. Deputado teceu acerca do poder civil, é evidente que a maioria não tem o monopólio do poder e é evidente também que estou de acordo consigo. No entanto, devo dizer-lhe, explicou-se muito melhor hoje do que na sexta-feira passada.

O Sr. Salgado Zenha (PS): - Ajudado por si!

O Orador: - Sempre às ordens, Sr. Deputado.
De qualquer modo, o que eu contesto, continuo a dizer, é que seja possível descobrir no Programa do Governo as intenções maquiavélicas que V. Exa. descobre. Mas é claro que a imaginação é livre e a imaginação de V. Exa. é tão livre como a minha.
Mas, Sr. Deputado, há uma parte do seu protesto cuja origem eu desconheço, porque eu não disse na minha intervenção de há pouco que só os poderes eleitos eram democráticos e não sei realmente onde é que o Sr. Deputado foi buscar essa afirmação que eu não fiz.

O Sr. Salgado Zenha (PS): - Disse-o o Sr. Primeiro-Ministro há dias.

O Orador: - Por último, não queria deixar passar a oportunidade de lhe agradecer os elogios que proferiu em relação às monarquias democráticas que são, de facto - e nas suas próprias palavras - um exemplo de democracia, onde não lhe desgostaria viver caso não fosse português.

O Sr. Salgado Zenha (PS):- Só algumas.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Amândio de Azevedo.

O Sr. Amândio de Azevedo (PSD):-Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaria de fazer uma breve consideração sobre uma afirmação do Sr. Deputado Salgado Zenha -que, aliás, já não é a primeira vez que é feita aqui nesta Assembleia -, pois não posso deixar passar em claro a tentativa de justificação de órgãos políticos não eleitos, que eu considero serem qualquer coisa de impensável numa democracia.
O Sr. Deputado Salgado Zenha pretende, no fundo, e indirectamente, justificar o Conselho da Revolução dizendo que os tribunais também não são eleitos.
Sr. Deputado Salgado Zenha, os tribunais são um órgão de soberania, mas estão sujeitos ao critério da legalidade, não têm qualquer poder político, obede-

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(...) cem à lei e aplicam-na e não têm critérios discricionários para fazer qualquer avaliação de interesses nas decisões que proferem, ao passo que outros órgãos, como u Conselho da Revolução, têm tido poderes políticos, até para violar a Constituição e impedir a publicação de leis que são perfeitamente conformes com ela. Creio que este é um aspecto importante e penso sinceramente que não se deve permitir que passem em claro afirmações destas, que podem criar ideias profundamente erradas na mente das pessoas que acompanham o desenrolar dos debates na Assembleia da República. É este o esclarecimento que eu queria fazer.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Salgando Zenha

O Sr. Salgado Zenha (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É apenas para dar um esclarecimento.
Nas minhas palavras não houve, nem de longe nem de perto, qualquer alusão ao Conselho da Revolução,
O Sr. primeiro-ministro na sua intervenção, que foi trazida à colação, como se costuma dizer nos tribunais, para este debate pelo Sr. Deputado Borges de Carvalho, fez referência, creio eu, ao Presidente da República, e, em meu entender, depreendeu-se da sua intervenção que este era um poder militar pelo facto de ele ser um militar, e reivindicou para o Governo toda a competência em matéria militar.
Creio que no Programa do Governo consta que ao Governo, como poder democrático, competem, em matéria militar, todos os poderes de direcção e gestão, o que, em meu entender, é ilegítimo, visto que o Presidente da República é um poder mais democrático ainda do que o Governo, pois foi directamente eleito pelo povo português para exercer várias funções, entre as quais o comando supremo das forças armadas.
Há pouco não abordei o problema do Conselho da Revolução, mas devo dizer que o Conselho da Revolução1 é um órgão plenamente democrático, na medida em que os partidos com assento na Assembleia Constituinte - o CDS, o PSD (então PPD), o PS e o PCP, que representavam na altura, salvo erro, 99% da Assembleia Constituinte - aceitaram e fizeram incluir na Constituição um preceito em que lhe reconhecem legitimidade como órgão de soberania. Portanto foi o povo português que lhe conferiu a legitimidade democrática dentro de um sector muito limitado que é a competência político-legislativa em matéria militar e, nessa medida, ele é inteiramente democrático. Se o PSD (então PPD) se arrependeu de ter votado essa competência na Assembleia Constituinte de 1975, terá de fazer a autocrítica do seu comportamento e dizer que se enganou ou então dizer que estava com .medo e votou porque receava algo, ou qualquer coisa no género. Enquanto o PSD não fizer a autocrítica do seu comportamento, esse órgão tem a legitimidade democrática que lhe foi dada pela Assembleia Constituinte.
O Partido Socialista não se arrepende do seu comportamento e entende que o Conselho da Revolução exerceu uma função útil no sentido de viabilizar e consolidar a democracia. E se o compromisso do Partido Socialista de respeitar a existência de um órgão de soberania com uma competência limitada chegou ao seu termo, com a mesma serenidade com que votámos a favor da existência de um Conselho da Revolução com poderes limitados, vamos extinguir esse órgão e fazer a distribuição da sua competência pela fórmula que se entender mais adequada, com a cooperação de todos os partidos e todos os deputados existentes.
Mas eu não compreendo muito bem a atitude que o PSD está a tomar. Quer dizer, o PSD diz: em 1975 tomei uma atitude antidemocrática, mas não faz nenhuma autocrítica ao seu comportamento em 1975 e isto para mim é incompreensível.
O mimetismo político, no sentido de se tomarem atitudes hoje que amanhã se desdizem, só tem um único destino, que é a ditadura. E a consequência e a lógica das nossas atitudes políticas consiste em nós não renegarmos u nosso passado nem os nossos comportamentos, porque, votando, em 1976, a favor da existência de um Conselho da Revolução na Assembleia Constituinte, nós votámos a favor da democracia. É este o nosso conceito.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Amândio de Azevedo.

O Sr. Amândio de Azevedo (PSD): - É apenas para um brevíssimo esclarecimento complementar ao Sr. Deputado Salgado Zenha.
Nós não renegamos o nosso voto de 1975 nem nunca o renegámos. O Conselho da Revolução foi aceite como órgão de transição num momento em que se entendia que não havia condições para consolidar a democracia política sem uma eventual participação dos militares. Portanto está aqui automaticamente expressa a ideia de que o Conselho da Revolução é um órgão espúrio no regime democrático que, evidentemente, deve acabar.
Actualmente nos não contestamos a existência do Conselho dá Revolução, nos termos da Constituição. Mas, Sr. Deputado Salgado Zenha, o fim, para que o Conselho da Revolução foi constituído e aceite está a ser claramente ultrapassado por ele próprio, porque o regime está a funcionar normalmente e agora o Conselho da Revolução, em vez de ser um elemento de ajuda paira a consolidação do regime democrático, está sendo um elemento de perturbação. É talvez aqui que está a diferença entre nós.

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Salgado Zenha.

O Sr. Salgado Zenha (PS): - É apenas para um esclarecimento, Sr. Presidente.
Os socialistas em Espanha votaram a favor da monarquia, não porque seja um órgão espúrio - até porque os socialistas espanhóis são republicanos -, mas porque entenderam que a monarquia constitucional é neste momento indispensável à existência da democracia em Espanha, tendo sido também esta a razão por que nós votámos a favor do Conselho da Revolução.

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Não há que insultar o Conselho da Revolução, não há que nos arrependermos dos nossos comportamentos. Verifica-se, portanto, que o PSD tem um dilema ou reconhece que em 1975 foi cobarde e não teve a coragem de se afirmar na sua própria identidade ou então assume a sua posição e diz que votou a favor do Conselho da Revolução porque o considerava necessário e que agora vota contra porque já não o considera como tal. É também esta a nossa atitude.
Agora querer fazer a ocultação de uma realidade como aquela que o PSD pretende ocultar é que não leva a lado nenhum. Talvez o Governo tenha melhor sorte que os raciocínios do Sr. Deputado Amândio de Azevedo, mas duvido que tal aconteça.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Gama.

O Sr. José Gama (CDS): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados: Consumir a discussão do Programa do Governo sem falar em emigração poderia levar a opinião pública a julgar que a consideramos coisa menor e sem acesso, portanto, à voz alta desta Assembleia. Não o entende assim, ontem como hoje, a maioria em homenagem aos cerca de 3 milhões de emigrantes que levaram o Dr. Francisco de Sá Carneiro a chamar a este país mais uma nação populacional que territorial.
Desbravando dificuldades com machados de coragem, erguendo padrões novos de lusitanidade, os emigrantes portugueses têm sido, mundo fora, os embaixadores permanentes da língua, da cultura e da civilização portuguesas. Não é de hoje este fenómeno. Séculos fora, a partir dos Descobrimentos, é este êxodo permanente uma dolorosa constante histórica, com a agravante de o emigrante português partir não por sobrar mas por sofrer, como diferia Eça de Queirós.
Nos últimos catorze anos emigraram só para França mais de meio milhão de indocumentados e nos anos que se sucederam à Revolução este número atingiu os 230 000. São milhões, Sr. Presidente e Srs. Deputados, estes embaixadores a que o Estado não paga vencimentos nem instala em embaixadas e cujas credenciais são a garantia, de um trabalho feito de seriedade e honradez.
E só não entende o seu significado quem nunca passou por exemplo, em pleno coração da África Negra, os pontões do colégio português de Kinshasa, onde centenas de portugueses estudam nesta língua em que nos entendemos, ou quem, mais abaixo, na África do Sul, nunca pisou o soalho de uma escola primária das muitas que nasceram agarradas aos clubes e igrejas portuguesas que as alimentam e acarinham.

O Sr. César de Oliveira (UEDS): - Que poeta!

O Orador: - O mal do senhor é não ter poesia dentro de si e é por isso que é muito duro. Só assim o não entende quem nunca entrou, nas beneficências de Buenos Aires ou do Brasil imenso, sendo as de S. Paulo e do Rio de Janeiro consideradas dos maiores hospitais privados na América Latina.
Nos decantes gabinetes de leitura ou. nos densos bairros de Boleita ou Calendária, em Caracas, o português que aí ainda é o mesmo na sua autenticidade, na sua indefectível ligação às coisas de Portugal. Só assim o não entende quem nunca espreitou as amarras da frota piscatória de New Bedfòrd, a maior dos Estados Unidos, onde a maioria dos barcos tem nomes iguais aos das embarcações da nossa terra, ou quem nunca olhou as pautas de um dias mais belas Universidades do pós-guerra, a Southeastern Massachusets University, semeada de centenas de apelidos portugueses; só assim o não entende quem. não teve o privilégio de se misturar com os 50000 portugueses que, no último 10 de Junho, fizeram da Ferry St. de Ntewark uma rua de Portugal. São os portugueses a levar com eles bocados do Portugal donde partiram, são os portugueses a darem razão a Josué de Castro quando dizia que o emigrante português leva com ele o espírito e a historiai da geografia.
Nesta Assembleia, a maioria, uma vez mais, terce armas pêlos emigrantes na linha do programa iniciado com o primeiro Governo da Aliança e tem razão para continuar. O recado que os emigrantes mandaram à Aliança é um estímulo para prosseguir. No «resto do mundo» a votação foi cerca de 85% e na Europa o PS esteve em risco de perder o seu deputado. Maus que arranjos de palavras vale aquilo que o anterior Governo fez pelos emigrantes para avalizar a confiança no actual.
O apoio ao ensino do português no estrangeiro foi largamente ampliado e esta ajuda vai continuar. Por injusto e discriminatório desceu ao cesto das velharias um diploma dia engenheira Lurdes Pintasilgo que limitava a menos de 5% es vagas da Universidade para os emigrantes estudantes quando, ao mesmo tempo, se não estabelecia qualquer limite ao ingresso dos naturais dos países dê expressão oficial portuguesa, que nem por teso, fique claro, deixamos de saudar. _ _ ____
Há dois anos ingressaram na Universidade 36 emigrantes estudantes e no ano em curso esse número subiu paira 261, veja-se a diferença.

Uma voz do CDS: - Muito bem!

O Orador: - No domínio aduaneiro iniciou-se um regime novo para importação dos automóveis dos emigrantes convertendo-o, em vários aspectos, no mais avançado dos países europeus com tradições no campo da emigração.
Não se compreende também que não sejam criadas facilidades novas no recenseamento, pois muitos milhares de portugueses vivem em países onde, infelizmente, não temos consulados, e saudamos com alegria, na revisão do projecto de revisão constitucional da AD, a decapitação do preceito que proíbe os emigrantes de votarem nas eleições presidenciais.
A exemplo de vários países entre os quais a França, a Itália, para o Parlamento Europeu, a Jugoslávia e a Colômbia é imperioso que os emigrantes votem nos consulados porque é demasiadamente oneroso e frágil o voto por correspondência.
Desta vez, tem que passar nesta Assembleia o diploma sobre a dupla nacionalidade, a exemplo de vários, países, o último dos quais a Turquia, há dois meses (...)

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apenas, será dada luz verde à lei da dupla nacionalidade.
Mas o ponto alto será atingido com a realização do Congresso das Comunidades. Não entrando em linha de conta com a inflação a verba que se vai gastar será sensivelmente de metade da soma prevista para o anterior Congresso que o não foi. Haverá emigrantes na comissão organizadora que não havia; os congressistas serão todos eleitos democraticamente e não o eram no anterior; será presidido pelo reitor da Universidade Clássica de Lisboa, e não por um conselheiro do Conselho da Revolução, este a viver os seus últimos dias.
O Congresso das Comunidades é o rebaptismo nas águas da nossa cultura universalista, é a estação de boas-vindas aos caminheiros desta Nação peregrina, como lhe chamou o Prof. Adriano Moreira, é o regresso à árvore velha, às origens de que um dia partiu sem vontade de partir.
É o advento do tempo novo que se deseja para os homens da emigração - com projectos que se trazem, pistas que se adivinham, soluções que se avançam - que irão dizer também os seus queixumes. Chamar de anões, por exemplo, àqueles que sanearam Camões dos livros por onde aprendiam o português, em jeito de tentativa de genocídio da nossa cultura universalista.
Mas será também o Congresso das Comunidades uma afirmação de democracia.
Para a Aliança Democrática a democracia não é uma mera citação académica, de rotina, a que se deita mão para maquilhar os discursos, que se ergue mecanicamente como uma bandeira, antes corresponde a uma vivência diária perfilada pelo respeito profundo pela vontade do povo donde emana.
O CDS sempre defendeu a vinda apenas e tão-só de congressistas eleitos pelas comunidades respectivas. E porque o dizemos aqui? Para que fique claro que nos demarcamos profundamente do relatório do tenente-coronel Vítor Alves que previa a vinda de 25 % dos congressistas nomeados pela sua mão.
Se o presidente deste Congresso reservasse para si este direito quão ensurdecedor seria o barulho das bancadas das o posições! Chamar-lhe-iam o congresso dos amigos da AD para não repetir, por pudor, outras palavras mais despidas de elegância.
É que essas vozes, que tanto dizem clamar por justiça e coerência, somem-se como por encanto, metem no saco as guitarras e os versos do protesto quando julgam os actos daqueles que se acolhem aos seus adros ideológicos.
Presidentes de clubes, missionários, outras personalidades em que as comunidades se revejam, virão aqui por vontade da democracia.
Antes de terminar, Sr. Presidente e Srs. Deputados, quero aqui formular dois apelos a este Governo: sob pena de fazermos o jogo da injustiça não podemos continuar insensíveis aos que na emigração envelhecem angustiados olhando os anos da terceira idade. São muitos milhares. São todos aqueles que vivem em países com os quais não temos acordos de emigração. É urgente explicitar com um sentido dê profunda justiça o Decreto Regulamentar n.° 7/80, de 3 de Abril. Só assim acabará por cumprir-se a justiça, só assim nos olharemos pela moderna Europa, nomeadamente a vizinha Espanha. O outro apelo tem a ver
com o anunciado cancelamento dos voos da TAP para Boston e Montreal. No ano do Congresso das Comunidades, na hora de encurtar distâncias, de nos aproximarmos delas, Portugal que na Nova Inglaterra e no Quebeque começava a bordo dos aviões da TAP vai ficar muito mais longe! Se o Sr. Ministro dos Transportes lhes não acode, virão menos portugueses, sem eles menos riqueza humana, chegarão menos divisas, com eles ficará a inquietação por um castigo imerecido quando é certo que muitas outras carreiras dão prejuízo e não têm no seu destino terras povoadas de emigrantes como o são Boston e Montreal. Sr. Ministro, em nome dos emigrantes, a que não ouvimos as vozes, porque estão longe, nem o martelar dos slogans e a festa dos cartazes, sem tempo para uns e para outros porque trabalham, peco-lhe se digne mandar rever todo este processo, sob pena de se cometer uma injustiça irreparável.
Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Neste ano, por excelência, da emigração, ano do Congresso e do Conselho das Comunidades, mais que os pinhões e os bolos-reis presidenciais, mais que a evocação soluçada por altura dos dias festivos do calendário, mais que as palmas, os vivas, o andar aos ombros, o folclore louvaminheiro, quando o computador soma o envio das remessas, mais que as flores e o incenso dos discursos em tempo de eleições, os emigrantes querem definitivamente ser considerados portugueses iguais aos outros. Na altura da revisão constitucional, das leis do recenseamento e eleitoral, a maioria escutará com atenção as vozes das oposições e verá, então, se deu efeito o aviso que os emigrantes lhes mandaram nas últimas eleições. É que já é tempo de ser dia. Já é tempo,
cidadãos ...
Aplausos do CDS, do PSD c do PPM.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Natália Correia.

A Sr.ª Natália Correia (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro e Srs. Membros do Governo: Apraz-nos aplaudir a coragem com que o novo titular da SEC faz honra à natureza do seu cargo propondo-se assumi-lo em respeitosa conformidade com a visão que é devida à cultura. Coragem porque não será fácil, em tempos ainda inquinados de politocracia, definir-se da tribuna de um Executivo como irresponsável toda a acção política que não tenha como fundamento a cultura. Nesta se exprime o espírito da polis que, se não for bem interpretado pêlos governantes, os condena, em prazo mais ou menos curto, a serem olhados como ocupantes e não como mediadores naturais dessa mensagem comum.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo: O programa cultura] do Governo denota uma grande sensibilidade à função matricial da cultura, estimando-a não na contemplação estática da sua herança, mas redescobrindo-a no movimento da sua originalidade criadora. Assim, assinalamos com agrado que a nova SEC venha desmaterializar e desacademizar o conceito de património, alargando-o a outros valores espirituais, históricos e estéticos que, aumentados peia criação cultural, são o húmus do património a haver.

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Muito bem!

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A Oradora: - É inerente a esta elevada noção cultural a defesa que se faz no programa da liberdade necessária à actividade criadora. Eis a regra de ouro , da cultura que o novo Secretário de Estado da Cultura explana numa notável entrevista em que afirma não aferir valores por direitas e esquerdas, mas pela sua integridade cultural.

O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Muito bem!

A Oradora: - Tal é a plurivisualidade que está presente no Programa, porque na cultura rasgam-se os cem olhos de Argos que titilam vigilantes às manobras dos que nela não respeitam a alma da polis. E ai desses que, concebendo-a univisualmente, criam o monstruoso Polifemo que a aventura do espírito simbolizada em Ulisses acaba por cegar como o Odisseu fez ao medonho Ciclope.
Também são de louvar os objectivos interdepartamentais que se depreendem do Programa agora apresentado. A reforçar este empenho recordamos o peso que certos sectores têm na difusão da cultura, nomeadamente o do turismo que, articulado com o reportório cultural, é um veículo privilegiado para a sua conservação, difusão e incremento.
Igualmente formulamos votos para uma eficiente coordenação com a Secretaria de Estado da Juventude e Educação. Através dessa conjugação de intenções as camadas mais jovens poderão beneficiar de um alargamento de horizontes culturais de que estão dramaticamente carecidas.
Desejaríamos ainda que, no programada articulação da SEC com os meios de comunicação social, não se confinasse apenas aquela Secretaria a difundir a cultura portuguesa, como se lê no ponto 4, em programas de sua iniciativa na RDP e na RTP. Recomenda-se uma cooperação mais intensa e profunda, de forma a satisfazer uma modernidade que propõe um concerto entre a cultura e os media.
O resultado frutuoso desse encontro será o seguinte: os media beneficiariam, com o apoio da cultura, de uma elevação de conteúdo e de linguagem, o que se torna exigível dada a sua grande influência sobre a sociedade. Por sua vez, a cultura fruiria da ampla difusão que os media oferecem. Mas, se esta recomendação for ambiciosa, vai uma mais modesta, contudo indispensável: colabore ao menos a SEC com os audiovisuais num sistema de defesa da nossa língua que na RTP e na RDP vai sendo martirizada com vexações gramaticais que nos arrepiam.

Vozes do CDS - Muito bem!

A Oradora: - Finalmente lembramos que as artes plásticas, ainda que contempladas no Programa, deviam merecer mais relevante estatuto, pelo que propomos que lhes sejam facultados outros estímulos além dos consagrados no Programa, designadamente nas Obras Públicas, através de encomendas que devem ser obtidas através de um entendimento da SEC com aquele Ministério.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo: Estas considerações vão no sentido de mais valorizar um Programa cujos princípios e directrizes merecem a nossa inteira solidariedade. E ainda mais se torna- credor do nosso apoio quando, no ponto 3, implicitamente denuncia os humilhantes meios materiais que são postos à sua disposição. Isto só o faz, em cargo desta responsabilidade, quem para o desempenhar honestamente não desconhece que a cultura é o ponto de honra da Nação e, como tal, não devem estar os seus interesses sujeitos à almoeda das penúrias orçamentais. O 0,26% que o último orçamento reservou à cultura é cifra negra que não pode ser repetida. Esperamos que na reformulação orçamental que ocorrerá em virtude da nova orgânica ministerial a cultura seja dotada com as verbas indispensáveis à dignidade da sua fulcral importância nacional. Não esqueça o Governo que é a luz dos olhos da Nação. Os cem olhos de Argos, repito, julgadores dos actos políticos. Não queiram os governantes serem réus nesse juízo final das suas acções.

Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Reis.

O Sr. António Reis (PS): - Sr.ª Deputada Natália Correia, parece, através do Programa que o Governo nos apresenta em matéria de política cultural, pressentir-se um certo arrependimento por parte do Governo - ainda quê não muito explicitamente - em relação à prática cultural do primeiro governo da Aliança Democrática. Será que tenho razão quando deduzo esta afirmação da leitura do capítulo referente à política cultural?
A segunda questão que gostaria de lhe colocar é a seguinte: parece-me que da leitura deste Programa ressalta, apesar de existir um catálogo de nobres intenções que partilhamos em grande número e apesar de uma renovação na linguagem que me parece de bom augúrio - para já julgo que é de toda a justiça conceder a esse respeito um certo benefício da dúvida -, uma certa atitude elitista, que se traduz, por exemplo, na tónica que se coloca na importância a dar à difusão das obras e valores da cultura nacional em detrimento de uma outra tónica, que para nós, socialistas, é extremamente importante; relativa ao apoio a conceder ao associativismo cultural de base como instrumento privilegiado de uma criação cultural livre e espontânea. Considera por isso a Sr.ª Deputada Natália Correia que à prática deste Governo em matéria de política cultural será mais determinada pela preocupação elitista de difundir obras e valores da cultura numa linha que vai do topo para a base e não a de privilegiar e estimular a criação cultural através do associativismo cultural de base numa linha inversa?
Última questão: considera a Sr.ª Deputada Natália Correia que a política cultural de um Governo se determinará apenas pelas actividades constantes do catálogo de intenções de uma Secretaria de Estado da Cultura ou que está para além disso e deve enformar toda a política global, por um lado, e determinadas políticas sectoriais, nomeadamente no campo da educação e da comunicação social, por outro. Concretamente: será possível uma política cultural ditada por todas as nobres intenções que lemos neste Programa e ouvimos na intervenção da Sr.ª Deputada

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Natália Correia com uma comunicação social estatizada na rádio e na televisão que não privilegia nem dá suficiente atenção a uma programação cultural de qualidade? Quer dizer àquilo que se prepara no âmbito da comissão administrativa da Radiodifusão Portuguesa em relação ao 2.º programa da RDP? Que dizer em relação à actual programação cultural da Radiotelevisão Portuguesa?

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Natália Correia.

A Sr.ª Natália Correia (PSD): - A primeira pergunta, Sr. Deputado António Reis, foi feita no sentido de saber se o meu entusiasmo se pode traduzir como um acto de arrependimento perante a política ila anterior SEC. É isso que quis dizer?

O Sr. António Reis (PS): - Sim, Sr.ª Deputada.

A Oradora: - Bem, não sei se é, mas se é, ainda bem. Penso que cada Secretário de. Estado de cada Governo terá a sua noção de política cultural, e eu conngratulo-me pelo facto de este Secretário de Estado apresentar os méritos que eu ali da tribuna enalteci - não me arrependo de dizer a palavra «enalteci» - e pelo facto de isto acontecer neste Governo. Se é um acto de arrependimento ou não, não importa. Penso que há um motivo para estarmos contentes dentro daquele princípio que nos tem orientado nesta Assembleia e que se pode traduzir no seguinte: em cultura devemos abater as bandeiras partidárias e encontramo-nos, porque, como afirmei, a cultura é a mensagem comum do País. Portanto estou comente e o Sr. Deputado António Reis tem obrigação para o estar também e, se for honesto, é capaz de o dizer ao microfone.

Rios.

Às vezes fico muito contente quando ouço, por exemplo, o meu querido colega deputado Almeida Santos fazer discursos num português tão maravilhoso que, confesso, tenho que fazei um esforço muito grande pára não lhe dar palmais.

Risos.

Aplausos do Sr. Deputado do PS Almeida Santos

Em relação ao problema do elitismo, devo dizer-lhe que não vejo nenhum aspecto elitista neste Programa. É evidente que a cultura portuguesa terá de ser difundida num acordo feito com todas as estruturas de base, porque é delas afinal, que dimana.
Esse conceito de elitismo não o vou explorar, porque o tempo é curto e porque cada vez menos me interessa fazer essa divisão. A cultura é um todo que recebe de todas as suas estruturas, superestruturas e infra-estruturas a sua força e espírito. Aliás há uma defesa tão grande da arte popular neste Programa que não estou a ver uma tónica elitista.
Estou de acordo com o Sr. Deputado António Reis quando diz que deve haver uma maior aproximação entre os meios de comunicação social e a cultura. É lastimável a falta de nível cultural, semântico e sintático-cultural, em sentido lato, que se verifica nos nossos meios de comunicação social. Tenho muita esperança que os dois novos Secretários de Estado se queiram entender no sentido de aos microfones e nos écrans da televisão o português e a cultura portuguesa aparecem muito mais bem servidos do que estão a ser. Creio que isso está na intenção deste Secretário de Estado da Cultura, mas, se assim não for, cá estamos nós, deputados, paira ver se será assim, e para lho lembrar oportunamente. É essa a nossa missão.

Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: O Programa do Governo, bem como as intervenções do Primeiro-Ministro na sessão da sua apresentação, mostra que, embora alterando alguns métodos e estilos, os objectivos fundamentais do Governo e da AD permanecem inalteráveis, procurando fazer tábua rasa do profundo significado político, da derrota sofrida pela AD nas eleições de 7 de Dezembro. E se isto é visível em todo o Programa, é marcadamente claro no que respeita à política económica e financeira. A estratégia económica expressa no Programa é clara. A culpa da situação de crise é atribuída à Revolução, as nacionalizações e a Reforma Agrária são responsáveis pelo florescimento do alegado «capitalismo selvagem», pelo contrabando e especulação e até pela fraude e evasão fiscais, enquanto os trabalhadores são responsabilizados pela deterioração das suas próprias condições de vida. De um tal diagnóstico, forte e inequivocamente reaccionário, que verte todo o ódio da AD ao 25 de Abril e às forças do trabalho, resulta o objectivo último do Governo: a reposição da situação anterior à Revolução, isto é, a subjugação dos trabalhadores e a restauração dos grupos monopolistas, a que agora se chama de «libertação da sociedade civil». A prossecução deste objectivo fundamental do Governo passa pela destruição do sector nacionalizado da economia, pela ameaça aos trabalhadores com a miséria, o desemprego, e repressão, bem como pela tentativa de desviar os trabalhadores da defesa dos seus interesses fundamentais, acenando-lhes com a cenoura da participação nos lucros e no capital das empresais públicas, abrando simultaneamente o caminho à reprivatização destas, alegando a hão discriminação entre trabalhadores e empresários! Mas o Governo sabe que as conquistas da Revolução criaram profundes raízes nas camadas trabalhadoras, que não será fácil destruí-las abertamente. Daí que o Programa apresente toda a estratégia como uma exigência do desenvolvimento económico que, para o Governo, só seria possível com a integração de Portugal na CEE. E, assim, o Governo Balsemão, na linha do Governo Sá Carneiro, apresenta a adesão à CEE como «a primeira prioridade na actuação do Governo», como um «imperativo histórico e político». Apenas a meta da adesão em Janeiro de 1983 foi abandonada, por impossibilidade evidente de, com um mínimo de credibilidade, se poder sustentar por mais tempo o leit motiv incansavelmente brandido pelo anterior titular do Ministério dos Negócios Estrangeiros.
A identidade dos objectivos globais da política económica dos governos Balsemão e Sá Carneiro é evi-

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dente. Mas avultam agora dificuldades adicionais: o governo Balsemão tem que fazer pagar aos Portugueses a factura da política eleiçoeira do Governo anterior, crescem de intensidade as exigências de saque imediato por parte dos grupos económicos e, enfim, vê-se enjeitado por figuras gradas do sector económico do anterior Governo, responsável pela definição daquela política.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: As causas do aprofundamento da crise económica são inversas às que o Programa. A crise persiste por que a política prosseguida é contrária às novas realidades, às profundas transformações estruturais que resultaram da Revolução de Abril. Quatro anos de aplicação da política do FMI não só não resolveram qualquer dos grandes problemas da economia nacional como os agravaram. Continuam a verificar-se elevadas taxas de inflação, o desemprego aumentou, a dívida externa cresce, a expansão da produção é diminuta, o défice comercial é cada vez maior, espelhando a degradação crescente da estrutura produtiva nacional.
As deficiências e insuficiências da estrutura produtiva, como a dependência tecnológica e a fraca densidade da malha industrial, só seriam agravadas com a eventual adesão à CEE, que igualmente provocaria a redução da produção, o aumento do desemprego e dos défices externos. Ó Programa refere a necessidade de «melhorar a informação destinada ao público em geral, com vista a alargar o debate, que se considera da maior importância, sobre a questão da adesão». Mas que debate pretende afinal o Governo se desde já afirma a adesão como primeira prioridade da sua actuação e estabelece que «as políticas globais e sectoriais, bem como as iniciativa» jurídicas, devem ser formuladas e concretizadas tendo sempre presente o objectivo ultimo da integração de Portugal nas comunidades europeias»? Mais do que nunca o discurso do Primeiro-Ministro deixou claro que os objectivos da integração são fundamentalmente políticos.
Já não é possível ocultar que a adesão, a concretizar-se, e como o PCP sempre tem afirmado, teria efeitos desastrosos para a economia portuguesa e, nomeadamente, para os agricultores e para os pequenos e médios empresários.
É oportuno recordar a este respeito que em Novembro passado um grupo de 119 banqueiros estrangeiros afirmou que «continuavam a não estar convencidos que Portugal soubesse as razões pelas quais se quer tornar membro da CEE» e que, há cinco dias, o presidente da Comissão da CEE afirmou que «tanto em Espanha como em Portugal as pessoas não se dão conta dos problemas que a adesão vai colocar a esses países».
O facto de o PCP ser o único partido que até ao momento discutiu pública e abertamente a questão da adesão à CEE e o único que fez publicar os estudos e as conclusões a que chegou dá-nos autoridade para exigir que o Governo informe cabalmente o povo português sobre a evolução e situação das negociações, sobre todos os estudos sectoriais e globais já realizados e sobre as consequências políticas, institucionais, económicas e sociais que de tais estudos resultam para a hipótese da adesão de Portugal.
Também sobre a pretensa opção desenvolvimentista, as belas frases do Programa procuram ocultar os reais propósitos; do Governo. Não há desenvolvimento
económico sem que se dinamizem os sectores básicos da economia, sem que se criem condições objectivas para consolidar e desenvolver as pequenas e médias empresas e explorações e para que se adense a malha industrial. Não há desenvolvimento económico se a política financeira não estiver definida para esse objectivo. Ora, o que o Programa revela é que o Governo está firmemente apostado em estrangular e destruir os sectores nacionalizados, isto é os sectores básicos da economia. Os meios de que se pretende servir para atingir esse objectivo são a redução dos investimentos, políticas de preços e de crédito discriminatórias, venda de empresas ou sua troca por títulos de indemnização, redução ou eliminação de compensações indemnizatórias. O que o Governo perspectiva, sob a capa da modernização, é a destruição de milhares de pequenas e médias empresas e explorações agrícolas, sem capacidade tecnológica e condições de produtividade capazes de competir com a concorrência externa. Significativamente, em todo o Programa nem uma só medida de apoio às PME's e aos pequenos agricultores é concretizada. O Programa, de facto, inviabiliza o adensamento racional das relações interindustriais, impede o desenvolvimento harmónico da estrutura produtiva do País. Ao manter as elevadas taxas de juro e os limites de crédito, ao retrair o mercado interno, o Governo está afinal a dificultar o investimento e o desenvolvimento.
A proclamada política de desenvolvimento não é de facto uma política de aumento da produção nacional, mas apenas um pretexto para abrir ao grande capital sectores que lhe estão constitucionalmente vedados. A questão real não está na participação da iniciativa privada no desenvolvimento económico. Quer nos chamados sectores tradicionais, quer na própria perspectiva do adensamento da malha industrial, são inúmeras as possibilidades que se oferecem ao investimento privado. A questão de fundo pára o Governo é, porém, outra. É a entrega ao grande capital dos sectores básicos que lhe garantam domínio da economia, é a restauração dos grupos financeiros, dos seus poderes e privilégios. Por isso o actual Governo insiste na revisão da delimitação entre os sectores público e privado, por três vezes declarada inconstitucional durante o governo de Sá Carneiro. Por isso, pastas ministeriais estratégicas, como as das Finanças, Indústria e Obras Públicas, foram entregues ao CDS, e este partido nelas colocou pessoas ligadas a António Champalimaud e à família Mello.
O primeiro acto de gestão do Ministro das Finanças, ontem à noite conhecido, foi a obscura entrega ao Grupo Quina da Banque Franco-Portugaise, com papel importante na captação de remessas de emigrantes. É um primeiro escândalo!
Mas os grupos económicos planeiam já a distribuição entre si das empresas do sector empresarial do Estado, procurando recuperar as suas antigas posições em sectores básicos e nos mais lucrativos. E consideram insuficiente a troca de títulos de indemnização por empresas. Pressionam, exigem que o Governo complete o pagamento das ditas indemnizações em dinheiro e... já! Pouco ou nada os preocupa que tal pagamento viesse a lançar as finanças públicas e do País no caos. A factura foi assinada, pela AD e os barões do capital, tal como os latifundiáriois da CAP, não estão com disposição de conceder novas moratórias. Essa será, aliás, a razão fundamental por que

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a AD atrasou por cinco meses a apresentação do OGE nesta Assembleia.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O desenvolvimento económico do País não necessita de mais bancos, mais companhias de seguros, mais empresas cimenteiras ou siderúrgicas. As que existem são suficientes. Apenas necessitam que o Governo as não boicote, lhes não impeça os investimentos, lhes não reduza discriminatoriamente o crédito. Necessitam que o planeamento seja uma realidade, que os planos deixem de ser meros exercícios académicos em que todas as manipulações são permitidas. O aumento da produção nacional não será conseguido com este Governo, como o não foi com o anterior. A taxa de expansão do produto interno extagnou em 1980, tal como sucedeu com a formação bruta do capital fixo, construção excluída. Mas, apesar disso, o Governo anterior aumentou o défice da balança de transacções correntes de 34 para 800 milhões de dólares e elevou a dívida externa do Pais para próximo dos 400 milhões de contos. A perigosa concentração do comércio externo foi agravada, aumentando a dependência em relação às potências imperialistas. Estes e outros gravosos resultados da política económica do Governo anterior se pretendem agora escamotear. Pretende a AD encobrir esta realidade com o manto diáfano do fantasioso combate à inflação.
A verdade, porém, é que o combate às causas estruturais da inflação não foi feito, nem o será pelo actual Governo, porque isso significaria combater os interesses do capital. A relativa contenção do ritmo de crescimento do índice de preços no consumir ficou a dever-se, funda mentalmente, à deterioração dos preços pagos aos agricultores e ao congelamento dos preços das empresas públicas, também da se inserindo, ao fim e ao cabo, na estratégia de recuperação capitalista. Mas as pressões inflacionistas ai continuam, artificialmente contidas, prontas a explodir a todo o momento. Os inumeráveis e elevados aumentos de preços verificados nos últimos trinta dias, sendo já fortemente gravosos para o nível de vida das populações, são ainda a ponta do iceberg da pesada factura que o governo Sá Carneiro legou ao povo português. As lutais intestinas entre diferentes posições tácticas eventualmente existentes no seio da AO poderão adiar por mais algum tempo o seu aparecimento, mas não evitarão que a breve trecho ele surja completamente à tona da água.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A experiência revelou já o fracasso de uma política assente nos pressupostos que o Governo expõe no seu Programa. Não é fugindo para a frente, como o faz este Governo, que os problemas se resolverão. É reconhecendo as novas realidades decorrentes da Revolução de Abril, fazendo assentar nelas uma nova política, o que exige um governo democrático. E para isso, Srs. Deputados e Srs. Ministros, não será certamente necessário aguardar quatro anos!
Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para formulai um protesto, a Sr.ª Deputada Helena Roseta.

A Sr.ª Helena Roseta (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Queria fazer um protesto em relação à intervenção que acabo de ouvir vinda da bancada
do Partido Comunista, nomeadamente acerca da adesão de Portugal ao Mercado Comum.
Realço cinco pontos.
Em primeiro lugar, pareceu-me ouvir das palavras do Sr. Deputado comunista uma crítica acerba ao facto de o Governo da Aliança Democrática tomar como objectivo prioritário da sua política exactamente a adesão de Portugal ao Mercado Comum. Não repara o Sr. Deputado que entra numa contradição com b seu próprio discurso? Se é o Sr. Deputado que diz que Portugal não está em condições de fazer uma adesão imediata ao Mercado Comum, não pode objectar com o facto de, existindo uma decisão sobre essa adesão, ter o Governo como prioridade preparar essa mesma adesão.

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - Mas o meu protesto, neste primeiro ponto, não era sobre este assunto, mas sim sobre a circunstância de não ter sido a Aliança Democrática decidir para Portugal o caminho da adesão ao Mercado Comum. Essa decisão é anterior à existência da Aliança Democrática, as primeiras negociações foram efectuadas pelo primeiro governo socialista, com o apoio de vários partidos deste hemiciclo, entre os quais nos incluímos. Portanto o Sr. Deputado esquecesse que a adesão não é uma invenção da Aliança Democrática, nem do Governo de Pinto Balsemão, nem do Governo de Sá Carneiro, é uma decisão tomada democraticamente por uma larga maioria dos representantes desta Assembleia e nós não fazemos mais do que continuá-la e dinamizá-la, facto que era absolutamente imprescindível.
O segundo protesto que faço é quase desnecessário. Acho espantoso que o Partido Comunista chame em abono da sua tese o argumento de que um grupo de banqueiros internacionais levanta dificuldades à adesão de Portugal ao Mercado Comum, dizendo que Portugal não tem consciência dos problemas que isso acarreta. Passo a registar que o Partido Comunista foi aqui hoje porta-voz dos banqueiros internacionais, facto que não me admira. Registo com gosto!

Risos e aplausos do PSD, do CDS e do PPM.

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Boa piada!

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Vendidos ao capitalismo!

A Oradora: - O terceiro protesto refere-se às declarações do presidente da Comissão das Comunidades. Quanto a essas declarações, devo dizer que o Partido Comunista citou aqui apenas uma parte. Como é seu hábito, o Partido Comunista, quer nas declarações que fez aqui, quer nas que produz através da imprensa que lhe é afecta, normalmente só reproduz a parte das coisas que lhe interessa. O que o presidente das Comunidades referiu acerca da adesão de Portugal e da Espanha relaciona-se com dificuldades internas da Comunidade Económica Europeia que terão de ser resolvidas e que terão repercussões na adesão de novos países. Não está na mão de Portugal resolver as actuais dificuldades internas do Mercado Comum. Temos perfeita consciência de que elas existem. Aliás já várias vezes temos dito aqui na Assem-

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bleia da República que a Europa que nós queremos não é a Europa actual, tal como o Mercado Comum a tem feito desenvolver, porque na Europa actual há ainda muitas injustiças, e o que nos interessa é uma Europa onde não haja periferia e centro, onde não haja desigualdades crescentes. E é por isso que compreendemos que o Mercado Comum, que tem consciência dessas desigualdades, queira provocar algumas alterações na sua estrutura interna que lhe permitam fazer face a esse problema. Lamentamos, ou por outra, registamos, que o Partido Comunista tenha omitido, como sempre, o problema das dificuldades internas do Mercado Comum, como se elas não existissem e como se a situação de Portugal fosse determinante na nossa adesão. A adesão é uma negociação. Há duas partes, ambas com os seus problemas, e é do decurso do embate entre estas duas posições que resultará a decisão para o nosso caso.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Quarto ponto: o Sr. Deputado disse que o Governo da Aliança Democrática, citando o nosso primeiro governo, nada tinha feito em matéria de informação, que não informava os Portugueses acerca da situação das negociações. Isto é rigorosamente falso. Aqui tenho que fazer um protesto bastante veemente. O Governo de Sá Carneiro foi o primeiro que prestou informações públicas acerca do estado das negociações - tenho aqui presente o relatório da Secretaria de Estado da Integração Europeia - e devo dizer-lhe que foi o primeiro governo que se deu ao trabalho de fazer um relatório completo e minucioso acerca do estado das negociações, distribuindo-o por todos os partidos e pela opinião pública. Portanto o que o Sr. Deputado disse é falso. Fizemos um grande esforço no Governo anterior para prestar o máximo de informação disponível, é um esforço que vai continuar a ser feito, e, portanto, o Sr. Deputado não tem razão naquilo que diz.
Finalmente, um último ponto - com ele termino o meu protesto: para o Partido Comunista a integração europeia é uma espécie de apocalipse. Compreendo a vossa posição. Não vos interessa em nenhuma circunstância que Portugal adira a um bloco internacional superior, interessa-vos que Portugal continuo nesta situação de parente pobre, interessa-vos que Portugal não se desenvolvo, interessa-vos que a estrutura da indústria, do comércio e da agricultura portuguesa se mantenha como está, porque é a única forma de os senhores terem os votos que têm. No dia em que este país for mais desenvolvido, mais evoluído, no dia em que entrarmos no Mercado Comum, no dia em que a nossa indústria e o nosso comércio puderem fazer frente e concorrer com a indústria e o comércio europeus, no dia em que a nossa agricultura puder trabalhar em moldes modernos e normais para o fim do século XX na Europa, nesse dia o Partido Comunista terá a expressão que tem noutros países da Europa, os senhores perdem a posição que têm neste Parlamento e neste país. É por isso que hão vos interessa a nossa adesão, querem manter o País na menoridade. Para nós é a única solução e a oportunidade de este país se modernizar e seria antipatriótico fecharmos os olhos a essa oportunidade. O que os senhores queriam era colocar-nos na órbita do expansionismo soviético ou do Terceiro Mundo.
Nós não queremos andar para trás, nós queremos entrar para a Europa, que é o que o povo português deseja, mesmo que o Partido Comunista não o queira. Recordo-vos que o Dr. Cunhal também não queria que houvesse em Portugal uma democracia parlamentar, mas no entanto ela existe e está criada e é por causa dela que os senhores estão aqui e têm a oportunidade de dizer aquilo que acabaram de dizer.

Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Merecia um Ministério! Realmente uma Secretaria de Estado era pouco!

O Sr. Presidente: - Tem V. Ex.ª a palavra, Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr.ª Deputada Helena Roseta, pelas suas últimas palavras, podemos concluir que ainda iremos ouvir nesta Câmara os deputados da AO dizerem que países como, por exemplo, a Suécia ou a Áustria estão na órbita de Moscovo, já que não aderem à CEE.

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Não me diga que é social-democrata!

O Orador. - Mas, como não é isso que agora me interessa abordar, gostaria de lhe recordar que a nossa crítica à eventual adesão de Portugal à CEE é precisamente sobre a questão do desenvolvimento económico. É que o desenvolvimento económico do Pau é possível fora do contexto de uma integração na CEE e já não será possível dentro da CEE.

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Essa agora!

O Orador: - No contexto de uma integração na CEE, tal como temos afirmado e provado - coisa que os senhores nunca fizeram, pois nunca contrabateram em termos de mostrarem os estudos e as conclusões que daí decorrem -, essa Europa já três velocidades, ou a duas, se quiser do centro e da periferia, existirá sempre, e nós nunca pertenceremos ao centro. Seremos sempre, e cada vez mais, países mais subdesenvolvidos.
Sobre a questão da informação, gostaria de dizer-lhe, Sr.ª Deputada, muito rapidamente, porque o tempo do meu partido é curto para este debate, que a informação que foi prestada - e a Sr.ª Deputada, que tem o dossier na sua mão, sabe-o perfeitamente não é nada. Esse dossier que referiu não diz nada sobre quaisquer eventuais resultados de uma eventual adesão à CEE. As consequências não estão aí contidas. Apenas se faz um pequeno léxico de passos dados no sentido das negociações, nada mais. Aquilo que exigimos é que sejam apresentados os estudos e as conclusões a que esses estudos chegaram sobre as diversas consequências para o povo português e para o País.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Muito bem!

O Orador - Finalmente, porque tentou colocar o Partido Comunista como porta-voz dos banqueiros, o exemplo que lhe dei, tal como o do Presidente da CEE, é pura e simplesmente para mostrar que a poli-

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além do desenvolvimento económico do Pais, é desmistificar a pretensão de fundo da AD, que é a obtenção do guarda-chuva político dentro da CEE.

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Que tristeza!

O Orador. - Olhando para si ainda mais triste fico, Sr. Deputado!

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Vê-se bem que perderam muitos deputados! Mas vão perder mais! Os senhores já estão podres!

O Orador. - Em relação ao Sr. Deputado José Vitorino, gostaria de lhe dizer que está enganado e que foi muito infeliz. Os resultados conhecidos sobre a inflação e sobre o investimento não são nada abonatórios para o Governo.
Sobre os resultados da inflação tive há pouco oportunidade de os explicar na minha intervenção e, se o Sr. Deputado não compreendeu, terá oportunidade de a ler e de amadurecer as suas ideias. Não vou agora perder tempo nessa matéria.
Sobre a questão do investimento, tenho a dizer-lhe que os elementos que existem neste momento apontam no sentido que o investimento, excluída a construção, não cresceu em 1980.
Sobre a questão da moralidade, do PCP, tenho a dizer-lhe que o PCP tem moralidade para fazer aquilo que faz e para dizer aquilo que diz.

O Sr. Amândio de Azevedo (PSD): - Lá isso tem, Sr. Deputado!

O Orador: - O PCP só não tem moralidade para fazer coisas como, por exemplo, a entrega dos recursos pesqueiros do Algarve à UCD espanhola. Para isso não temos moral.

Aplausos do PCP, do MDP/CDE e de alguns deputados do PS.

O Sr. Amândio de Azevedo (PSD): - Só os entregam à Rússia!

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Prove, prove!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro das Finanças e do Plano.

O Sr. Ministro das Finanças e do Plano (Morais Leitão): - Sr. Presidente,
Srs. Deputados: Ao intervir pela primeira vez na discussão do Programa do Governo, e também na II Legislatura desta Assembleia, começo por saudar
VV. Ex.ªs e augurar a todos um trabalho cada vez mais profícuo em benefício do nosso país e do povo que a todos nos elegeu.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador - Da minha parte contareis sempre com um esforço continuado de cumprimento dos meus deveres funcionais, com a permanente disponibilidade para uma leal colaboração democrática e com a profunda crença de que só o pluralismo, nas opiniões, nas iniciativas e nos poderes, poderá conduzir Portugal aos níveis de progresso que todos lhe ambicionamos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Subo a esta tribuna dentro desse espírito. Não para repetir, quanto à política económica e financeira, o que se encontra escrito, com suficiente precisão, no Programa do Governo. Nem para encher os ouvidos desta Casa com números, com quantidades ou com fórmulas matemáticas. Mas para vos transmitir os princípios fundamentais a que, no entendimento do Governo, devem obedecer as respostas que, nos próximos quatro anos, têm de ser dadas aos problemas concretos de Portugal e dos Portugueses.
Mais do que ouvir falar em crise económica internacional, que existe, é grave e é recessiva; mais do que ouvir discutir as inter-relações entre as taxas de inflação, as taxas de juro e as taxas de câmbio internacionais, as mulheres e os homens da nossa terra aguardam dos seus políticos respostas sérias, soluções eficazes e resultados palpáveis para os problemas concretos que mais os afligem.
O custo de vida, a obtenção do primeiro emprego, a segurança no emprego já alcançado, a habitação condigna, a saúde e a reforma asseguradas. São também essas as preocupações fundamentais do Governo.
Foi por elas e para elas que o Programa foi concebido e foi redigido.
É para resolver tais problemas concretos, e não para importar ideologias ou para impor modelos teóricos, que o Governo vai trabalhar e vai lutar.

Vozes do PSD e do PPM: - Muito bem!

O Orador: - Por adoptar tal orientação de base, o primeiro grande objectivo que o Governo assume, no plano económico e financeiro, é o de acelerar nos próximos quatro anos o crescimento da economia c da riqueza nacionais.
Procurar-se-á que o produto cresça no quadriénio a uma taxa média superior à dos últimos anos e à média dos países da OCDE, de modo a aproximar o nível e a qualidade de vida dos Portugueses dos índices que se verificam nos países ocidentais.
Este é um objectivo fundamental da política do Governo. Mas atenção! O caminho para o alcançar é muito estreito, está cheio de precipícios e impõe rigorosas normas de segurança.
Em primeiro lugar, porque o nosso país tem uma economia aberta muito sensível à conjuntura internacional, principalmente à europeia. Daí que o nosso desenvolvimento tenha de ser realizado com base na racionalidade, na eficiência e na competitividade, únicos fundamentos válidos de uma economia concorrencial. E daí também que tenha de se abandonar de vez a fase infantil da nossa economia, em que a racionalidade é alcunhada de tecnocracia e em que aos agentes políticos e aos decisores económicos se louvam apenas as promessas fáceis é os compromissos agradáveis, ainda que socialmente injustificados.

Vozes do PSD e do PPM: - Muito bem!

O Orador: - Não poderemos continuar a investir alegremente no que não é rentável; como não podemos manter um sistema económico em que a responsabilidade dos agentes, e particularmente do Estado, é uma palavra vã.

Vozes do PSD: - Muito bem!

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liça que têm seguido, nomeadamente no ano de 1980, sobre todo o contexto de adesão à CEE é uma política de completa falsidade. Os próprios banqueiros estrangeiros, que não estão conotados com o Partido Comunista Português - é o caso do próprio Sr. Thorn, que não está conotado com o Partido Comunista Português -, chamam a atenção para as dificuldades que os senhores no nosso país dizem não existir. É contra isto que protestamos.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - É falso!

A Sr.ª Helena Roseta (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Helena Roseta (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É obviamente falso que a Aliança Democrática alguma vez tenha dito que não existiam dificuldades. Nós não temos é medo de as encarar nem as escondemos.
É completamente falso o que o Sr. Deputado está a dizer. Nós temos dito sempre em todos os nossos discursos, quer em discursos eleitorais, quer em discursos em período não eleitoral, que o País tem de se preparar para a adesão ao Mercado Comum, que essa adesão vai implicar grandes alterações nas estruturas do País, inclusivamente falamos à juventude nessa perspectiva de mudança e de renovação.
Só há uma pequena diferençai: nós não olhamos para trás, não estamos agarrados a modelos ultrapassados, não somos conservadores neste ponto, e os senhores, neste ponto, são profundamente reaccionários.
Aquilo que pretendem è tudo como está ou pior ainda. Não terão, da nossa parte, essa atitude.

Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.

Sr. José Vitorino (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. José Vitorino (PSD): -Para fazer um protesto, Sr. Presidente.

O Sr. Sousa Marques (PCP): - É melhor não se meter nisto! É a proposto do marisco no Algarve?!

O Sr. Presidente: - Tem V. Ex.ª a palavra. Sr. Deputado José Vitorino.

O Sr. José Vitorino (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É evidente que nada muda, no discurso do Partido Comunista: a crise persiste, as medidas são sempre inadequadas, tudo está pior.

A Sr.ª Alda Nogueira (PCP): - Infelizmente!

O Orador: - A demonstração de que isso é falso está à vista em termos de resultados, já em finais de 1980, quanto à inflação, quanto a investimento, quanto a desemprego, quanto a melhorias no aspecto social.
Mas a questão de fundo é esta: o Partido Comunista não tem moral...

Risos do PCP.

... nem tem o direito de vir aqui dizer seja o que for sobre esta matéria, porque, ainda, mal o Governo está a tomar posse, permite-se vir dizer à opinião pública que o Governo não tem legitimidade para governar durante quatro anos. E permite-se pôr a sua correia de transmissão, a Intersindical, a dizer que vão começar as mobilizações, que vão começar as confrontações, que vai começar o combate contra o Governo. Isto é, o objectivo do Partido Comunista é demasiado claro: é o de derrubar, é o de destruir. E, quando esse objectivo é claro, não pode vir aqui, com palavras fáceis, dizer que quer construir e discutir num plano sério, as medidas paia resolver a crise portuguesa.
Por outro lado, falou o Sr. Deputado Octávio Teixeira nas taxas de juro. O Sr. Deputado sabe que, na verdade, essas taxas de juro não estão baixas. O Sr. Deputado sabe tão bem como eu e como todos os economistas que há que estabelecer um justo equilíbrio entre a taxa- de juro que permite a poupança, que permite a recolha das poupanças e a sua canalização para investimentos, retirando-as do consumo que ira provocar o- aumento da inflação, e taxas de juro que permitam investimentos selectivos, e não indiscriminados.
O Sr. Deputado deve saber isso, mas, porque não quer a recuperação económica nos moldes democráticos e nos moldes europeus, então protesta, dizendo que tudo é mau. O Sr. Deputado pode estar certo de que a nossa democracia, a democracia do Partido Social-Democrata, a democracia do Governo da Aliança Democrática é a democracia do 25 de Abril democrático e jamais a democracia do 25 de Abril revolucionário ou a democracia do 11 de Março comunista.

Aplausos do PSD e do PPM.

O Sr. Sousa Marques (PCP): - É uma pena este deputado não ser Ministro dias Finanças!

O Sr. Presidente: - Tem agora a palavra o Sr. Deputado Octavão Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Muito rapidamente, gostada de dar unia- pequena resposta! ao contraprotesto da
Sr.ª Deputada Helena Roseta.
É falso que a AD tenha abertado o povo português sobre as reais consequências dai adesão ao Mercado Comum. Nunca o fez, nunca fez clara para com os agricultores, nunca foi clara para com a maioria dos empresários deste país. Os grandes empresários com quem a AD tem discutido o assunto têm-se mostrado nos últimos tempos bastante menos receptivos a essa adesão, nomeadamente nos moldes em que a AD o pretende fazer.

A Sr.ª Helena Roseta (PSD): - Insiste na defesa dos banqueiros!

O Orador: - Além do mais o PCP não è conservador nesta matéria, O que o PCP pretende, para

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O Orador: - Em segundo lugar, da própria abertura da economia ao exterior e das suas características estruturais resulta uma tão forte relação entre o crescimento do produto e as necessidades de importação de energia e de bens de equipamento que não será admissível uma expansão exagerada ou descontrolada, sob pena de graves tensões no plano da balança de pagamentos.
Não pode melhorar-se o nível de vida da actual geração activa hipotecando ao estrangeiro o futuro dos nossos filhos; como não pode por ambições irrealistas voltar a cair-se a prazo na situação que conduziu à generalizada redução do poder de compra dos trabalhadores e às medidas restritivas que tiveram de ser adoptadas em 1977 e 1978.
Crescimento sim, mas cauteloso, moderado e realista, de modo a criar condições, e é este o segundo objectivo, para que na segunda metade da década de 80 se possa iniciar uma tendência decrescente no déficit da balança de transacções correntes.
Em terceiro lugar, o caminho duro e estreito que se nos depara para melhorarmos o nível de vida dos Portugueses só será percorrido, sem quedas perigosas, se o ambicionado crescimento for de boa qualidade, particularmente no plano da inflação e do emprego. _Quer isto dizer que o desejado crescimento do produto e a ambicionada melhoria do nível médio de vida não poderá alcançar-se com aumentos exagerados dos rendimentos disponíveis, nem pelo crescimento incontrolado dos consumos, nem por excessiva rigidez no plano do emprego.
Representa, com efeito, verdade universal mas convém repeti-la para uma maior consciência de todos a afirmação de que a permanente alta dos preços do petróleo e a crescente aceleração dos custos das outras matérias-primas constituem verdadeiros impostos lançados pêlos países produtores sobre o rendimento dos países consumidores.
É assim que cada 14 milhões de contos de aumento no custo do petróleo de que necessitamos representa a perda de l % no rendimento nacional dos Portugueses. E é assim também que se pode concluir que o aumento do custo da factura de petróleo que Portugal terá de pagar em 1981, aumento que se estima ser de 110 para 150 milhões de contos, representa por si uma perda de 3 % no nosso rendimento nacional.
£ essa quebra, se quisermos manter ou melhorar - como queremos - o nosso nível de vida colectivo, só poderá ser compensada por aumento idêntico ou superior da produtividade global da economia. Caso contrário, o aumento do custo dos factores determinará agravamento do déficit externo, aceleração da inflação, e. cairemos no resultado contrário ao que se pretende atingir - diminuiria o poder de compra dos salários e o nível das famílias.
O aumento da produtividade, a melhoria da eficiência e dos resultados dos diversos factores de produção nacional constitui assim o pilar fundamental do milagre económico que nós todos portugueses também temos que realizar no nosso país.

Vozes do PSD: -Muito bem!

O Orador: - Dai a importância que lhe é dada no Programa do Governo e daí os incentivos que se lançarão e os combates que temo de se travar contra os seus mais graves impedimentos. Daí também o objectivo de um crescimento realista e moderado da massa salarial que ligue os aumentos do poder de compra a ganhos de produtividade e o simultâneo objectivo de contenção da inflação ao nível de 16 % em 1981 e o da sua redução nos anos subsequentes, até atingir a média dos países da CEE.
Aqui chegado, seja-me permitido um parêntesis. É difícil, é doloroso mesmo, falar em redução da taxa de inflação anual no momento em que tantos preços estão aumentando.
A água, a electricidade, outros bens e serviços essenciais. Estamos na época em que a evolução dos custos nacionais e internacionais obriga a medidas de alteração de muitos preços.
Mas o povo português sabe, e assim já sucedeu em Fevereiro e Março de 1980, que o facto de alguns preços aumentarem e de aumentarem a tempo e na medida do necessário acaba por garantir a sua estabilidade nos meses seguintes e acaba, afinal, por redundar numa taxa de inflação anual inferior ao valor nominal daqueles aumentos.

Vozes do PSD, do CDS e do PPM: - Muito bem!

O Orador: - O que importa, e isso demonstrou em 1980, não é que haja ou não aumentos de alguns preços. Tem de os haver. O que importa é que não se afecte a confiança das pessoais, que não se volte à psicose da inflação e não se regresse aos tempos em que as antecipações de consumo eram a regra e também a causa de pressões exageradas sobre a oferta. Havia uma grande componente psicológica entre as causas da inflação exagerada dos anos de 1977, 1978 e 1979.
E neste campo o problema não é só do Governo. É de nós todos. É da própria oposição, a qual, contraditoriamente, tão apostada tem estado em anunciar a ressaca, em apostar no reacender da inflação, anunciando-a, e com isso propiciando-a pelas antecipações especulativas que cria.

Aplausos do PSD. do CDS e do PPM.

Mas a oposição é, felizmente, a minoria. O Governo está seguro nos seus objectivos, está determinado na vontade de conter os preços e de combater a especulação e está, portanto, confiante que o objectivo que se propõe será alcançado, e assim será garantido o poder de compra dos rendimentos dos Portugueses, com a actuante colaboração dos diversos parceiros sociais.
Querer o contrário, ou apostar no contrário, é um crime contra as classes mais desfavorecidas, é um atentado aos pensionistas e a todos os titulares de rendimentos fixos.

Vozes do PSD, do CDS e do PPM: - Muito bem!

O Orador: - Mas, voltando ao objectivo expansão da economia e melhoria do nível de vida, cabe agora vincar que a qualidade do crescimento que se deseja alcançar tem outro pilar fundamental na redução do desemprego e no combate ao subemprego.

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Tal objectivo está directamente dependente da política de investimento, do fomento da poupança dos particulares e da política de incentivos à reestruturação das actividades produtivas que o Governo anuncia no seu Programa.
Também aqui as orientações de base são claras.
Em primeiro lugar, a de que o progresso do nosso país depende exclusivamente .de nós próprios, dos empresários, dos trabalhadores e dos investidores nacionais.
Não podemos continuar a pedir aos estrangeiros e a aguardar que eles venham investir e arriscar entre nós os seus capitais e a sua tecnologia enquanto que nós, portugueses, nos entretemos a fazer depósitos a prazo para receber juros alguns meses depois.

Vozes do PSD, do CDS e do PPM: -Muito bem! Vozes do PCP:-Quem?!

O Orador - Em segundo lugar, o Governo está consciente de que, em matéria de investimentos, os agentes não se movem por ordem das autoridades, nem por afirmações voluntaristas de políticos mais ou menos idealistas. As pessoas investem por critérios de racionalidade e segundo o que cada um julga mais conveniente para os seus próprios interesses.
Daí que o problema do investimento em Portugal, tantas vezes tentado e nunca conseguido, a não ser nos últimos meses, implique regras de jogo claras e próprias de uma economia concorrrencial, suponha a consolidação e o desenvolvimento dos sistemas de incentivos recentemente lançados e, principalmente, pressuponha a reactivação e a diversificação do mercado financeiro, de modo a tornar atractivo e seguro para as famílias portuguesas arriscar as suas poupanças no progresso económico do seu próprio país.

O Sr. Amândio de Azevedo (PSD): - Muito bem!

O Orador. - Em terceiro lugar, os próprios trabalhadores portugueses já adquiriram duramente a experiência de quanto é contrário aos seus próprios interesses uma excessiva rigidez no plano do emprego, feita de decisões sem a menor racionalidade económica e da consequente persistência de formas de produção eu de tipos de empresas que, não tendo a menor viabilidade, arrastam a insegurança e afectam o clima de confiança indispensável à criação de novos postos de trabalho.
A desejada segurança no emprego é valor por que o Governo lutará e se empenhará, mas não pode significar a manutenção indefinida, à custa de todos, de empresas completamente falidas e sem possibilidade de sobrevivência.

Vozes do PSD, do CDS e do PPM: - Muito bem!

O Orador - Mais do que manter situações de subemprego contrárias aos indispensáveis ganhos de produtividade, importa ao Governo auxiliar a reestruturação de vários sectores da actividade económica nacional e, assim, incentivar a criação de postos de trabalho que substituam outros e acabem com situações obsoletas.
Com tais orientações fundamentais, procurar-se-á aumentar decisivamente os investimentos, como variável fundamental do crescimento que se pretende alcançar. E adaptar-se-á a economia portuguesa às condicionantes concorrenciais da adesão à CEE.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Antes de concluir esta intervenção, forçadamente limitada pelo tempo concedido ao Governo, seja-me ainda permitido pedir a atenção desta Câmara para os aspectos fundamentais de outro sector essencial da política económica e financeira que o Governo vai executar. Refiro-me à política orçamental e à intervenção do Estado na economia.
Por razões de ideologia colectivista, para alguns, ou por altitudes voluntaristas, próprias dos românticos que desprezam o conceito de "possibilidade", o Estado Português transformou-se nos últimos anos num Esta-do-patrão, gestor e produtor, concorrente e limitativo, em muitos domínios, das iniciativas dos seus próprios cidadãos.
A discussão à volta de tal situação vem-se agravando, defendendo uns que o sector estatizado não é excessivo e não impede a adesão à CEE, berrando outros que a intervenção do Estado ainda deveria ser maior, como panaceia de todos os males.
O que interessa para o Governo não são as discussões teóricas; o que interessa é encontrar para a dimensão e para a qualidade da intervenção do Estado a resposta concreta que melhor satisfação ás necessidades e os problemas do País:
O primeiro pressuposto de que se parte reside na verdade bem conhecida de que ninguém pode ser juiz em causa própria, pelo que deve ser evitada ou limitada a intervenção onde ao Estado sejam exigíveis especiais responsabilidades de regulação de interesses e de julgamento, nomeadamente nos sectores em que domine a concorrência.
O segundo pressuposto de que partimos é o de que a justiça social que ao Estado compete, antes de mais, assegurar, de modo a garantir uma efectiva igualdade de oportunidades, impõe que na distribuição dos recursos nacionais especial prioridade seja dada satisfação das necessidades sociais básicas, com prejuízo, se necessário, das actividades produtivas, comerciais ou de simples gestão, para as quais se inclina contraditoriamente o apetite de poder dos burocratas.

Vozes do PSD, do CDS e do PPM: - Muito bem!

O Orador -O terceiro e último pressuposto, que comandara as decisões do Governo, é o de que o Estado Português está absorvendo anualmente um volume global de recursos nacionais superior ao admissível face às necessidades de expansão da economia e desproporcionado aos serviços que presta aos seus cidadãos. .
Com efeito, incluindo as receitas fiscais arrecadadas, o défice orçamental e outros elementos, o custo global efectivo do Estado é estimado em cerca de 40 % do produto interno bruto, o que significa que nos primeiros cinco meses de cada ano os Portugueses trabalham só para o Estado.
Os excessos das despesas públicas são pagos pêlos cidadãos, não apenas com os impostos vulgarmente conhecidos como tal, mas também pêlos outros verdadeiros impostos que são a inflação que geram, a perda de divisas e consequentes restrições que deter(...)

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minam, o menor investimento e o subsequente nível de vida inferior que acarretarão.
Daí que, além de controlar e tentar diminuir o défice orçamental, o Governo se sinta na obrigação de conter o crescimento do sector público e de controlar e reduzir as despesas públicas, sem o que, estejamos disso certos, não passarão do papel os apontados objectivos fundamentais de crescimento da economia e de melhoria do nível de vida dos Portugueses.
É neste campo das despesas públicas que vai medir--se a capacidade e a responsabilidade da classe política portuguesa. Se é fácil fazer promessas, se é agradável e popular, querer fazer tudo, sejam quais forem as possibilidades e as prioridades dó País, será trágico para todos nós se ao fim dos próximos quatro anos o Estado tiver impedido, com os seus gastos, o investimento e o consumo privados que serão indispensáveis ao progresso material dos Portugueses.
Não podemos, Sr. Presidente e Srs. Deputados, continuar a manifestar o princípio da unidade orçamental com imputação ao Orçamento Geral do Estado de todas as despesas e com a repartição das receitas por destinatários diversos. Como não podemos continuar a querer fazer tudo o que cada um de nós sonha, à custa do Orçamento Geral do Estado, o que o mesmo é dizer à custa do dinheiro do povo.

O Sr. Amândio de Azevedo (PSD): - Muito bem!

O Orador: - A contenção e controle das despesas públicas terá ainda um outro objectivo essencial - o do combate à corrupção, à improdutividade e à imoralidade que reinam em muitos sectores da Administração Pública.

Vozes do PSD e do CDS: - Muito bem!

O Orador - O anterior Governo lançou uma campanha de combate à evasão e às fraudes fiscais. Essa campanha deu resultados, contribuiu para uma maior justiça fiscal, e como tal será continuada, aprofundada e intensificada.

Aplausos do PSD. do CDS e do PPM.

A especulação e a fuga aos impostos não contarão com a menor contemporização, nem se esmorecerá o combate que lhes vem sendo dado.
Mas, simultaneamente, é altura de o Estado olhar também para si próprio e corrigir drasticamente as deseconomias, as ilegalidades e porquê não dizê-lo também, corrupções que grassam em muitos serviços públicos.

Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.

Em nome da pressa de tudo fazer e de tudo gerir, infiltrou-se na Administração Pública todo um vírus de não prestação de contas e de ausência de fiscalização atempada dos procedimentos. O papel do Tribunal de Contas foi definhando e são frequentes as tentativas de dispensa do seu visto; a Inspecção da Contabilidade Pública deixou de inspeccionar as serviços de outros Ministérios e as actividades inspectivas passaram a ser olhadas com aversão.
Nada disto pode continuar. Tudo isto vai mudar.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: -Os serviços públicos têm de dar o exemplo da produtividade e de integridade; o Tribunal de Contas será fortalecido; as inspecções da contabilidade pública já ontem recomeçaram. A Administração Pública vai ingressar nos caminhos da moralidade e da seriedade dos processos, que são, aliás, o apanágio pessoal de uma grande maioria dos seus servidores.
Prestigiar a função pública não vai ser esconder as faltas e a corrupção; mas vai ser punir os faltosos para prestígio de todos os que cumprem dedicadamente os seus deveres.

Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.

E assim, Sr. Presidente e Srs. Deputados, com uma Administração Pública austera, íntegra e eficiente, com uma gestão das despesas públicas rigorosa e contida nos seus justos limites e com uma política de incentivos ao investimento e aos ganhos de produtividade, o Governo trabalhará para mudar a sociedade portuguesa e para alcançar, no fim do seu mandato, os níveis de progresso económico e social a que os Portugueses há tanto aspiram.
Aplausos, de pé, do PSD, do CDS e do PPM.

O Sr. Presidente:-Srs. Deputados, estão inscritos para pedir esclarecimentos ao
Sr. Ministro das Finanças e do Plano os Srs. Deputados Carlos Brito, lida Figueiredo, Vítor Constâncio, Lopes Cardoso, Veiga de Oliveira e Mário Tomé, pela ordem que acabo de referir.
Porque faltam menos de cinco minutos para terminar o tempo regimental dos trabalhos da parte da manhã, aproveitaremos este tempo para o Sr. Deputado Sousa Marques ler um relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos sobre a substituição de deputados.

O Sr. Sousa Marques (PCP): -É do seguinte teor o relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos:
Em reunião realizada no dia 20 de Janeiro de 1980, pelas 9 horas e 30 minutos, foram apreciadas as seguintes substituições de Deputados:
Partido Social-Democrata:
Determinada por força da alínea c) do artigo 4.° do Regimento a substituição de José Manuel Menezes Sampaio Pimentel (círculo eleitoral de Lisboa) por Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Determinada por força da alínea c) do artigo 4.° do Regimento a substituição de Henrique Alberto Freitas do Nascimento Rodrigues (círculo eleitoral de Lisboa) por Arménio Jerónimo Martins Matas.
2 - Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha, verificou-se que os substitutos indicados são realmente os candidatos não eleitos que devem ser chamados ao exercício de funções, considerando a ordem de precedên(...)

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cia da respectiva lista eleitoral apresentada a sufrágio pelo aludido partido no concernente círculo eleitoral.

3 - Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis.

4- Finalmente, a Comissão entende proferir o seguinte parecer:
As substituições em causa são de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.

5 - O presente relatório foi aprovado por maioria, com a abstenção do deputado da União Democrática Popular,

A Comissão: Secretário, Alexandre Correia de Carvalho Reigoto (CDS); Secretário, José Manuel Maia Nunes de Almeida (PCP) - Armando dos Santos Lopes (PS) -João Alfredo Félix Vieira Lima (PS) - Alfredo Pinto da Silva (PS) - António Jacinto Martins Canaverde (CDS) -Maria José Paulo Sampaio (CDS)- Narana Sinai Coissorô (CDS) - Rui Eduardo Ferreira Rodrigues Pena (CDS> - Álvaro Augusto Veiga de Oliveira (PCP) - Fernando de Almeida Sousa Marques (PCP) - Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho (ASDI) - Helena Tâmega Cidade Moura (MDP)-Mário António Baptista Tomé (UDP).

O Sr. Presidente: - Se nenhum dos Srs. Deputados desejar usar da palavra sobre o relatório que acaba de ser lido, vamos proceder à sua imediata votação.
Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD, do PS, do CDS, do PCP, do PPM, da ASDI da UEDS e do MDP/CDE e a abstenção da UDP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, os nossos trabalhos recomeçam às 15 horas em ponto. Está suspensa a sessão.
Eram 13 horas.

O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão. Eram 15 horas e 10 minutos.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se para .pedir esclarecimentos ao Sr. Ministro das Finanças e do Plano vários Srs. Deputados a quem, de seguida, vou dar a palavra, por ordem de inscrição na Mesa.
Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Ministro das Finanças e do Plano, à sua intervenção, que ouvi com a maior atenção, e o estudo do Programa do Governo suscitam-me algumas interrogações que lhe vou colocar para que, uma vez esclarecidas, possam beneficiar o debate que travamos.
A primeira traduz da minha parte uma grande surpresa. Fiquei, na verdade, surpreendido ao ler no Programa do Governo que este irá adiar a apresentação do Orçamento Geral do Estado até 15 de Março.
Tratando-se de um Governo que, pelo menos, afirma manter as orientações e as opções fundamentais do anterior não me parece explicável que se decida por um adiamento tão prolongado relativamente à apresentação do Orçamento, que deveria ter sido feito em Novembro e discutido em Setembro. Temos, aliás, a notícia de que o Orçamento estava pronto por pane do anter.br Governo, pelo que pergunto: o que 6 que se passa? São tão grandes as divergências em relação à política financeira, em relação à política orçamental do anterior Governo? São tão profundas as divergências de V. Ex.ª em relação às do ex-Ministro Cavaco Silva, para que isso aconteça? Creio que o País beneficiara das explicações que o Sr. Ministro quiser dar a este propósito.
Outra questão que queria colocar é a seguinte: das considerações do Programa do Governo e das alegações de V. Ex. depreendo que não está no horizonte do Governo baixar a taxa de juro. É assim, Sr. Ministro?
Também das considerações do Programa do Governo e das alegações do Sr. Ministro retiro a conclusão de que o Governo vai manter a desvalorização deslizante do escudo. É assim?
Finalmente, devo dizer também, Sr. Ministro, que foi com surpresa que não ouvi- da sua parte nenhuma referência a um caso gravíssimo ocorrido ontem na capital do País, no Hospital de S. José. Na verdade, a paralisação do pessoal dê enfermagem _do Banco do Hospital de S. José, que invocou a falta de recursos para poder cuidar dos doentes a seu cargo, e dadas as situações dramáticas que foram anunciadas,, incluindo a morte de doentes por falta de recursos, pensava eu que isso seria objecto de um esclarecimento por parte do Governo e, certamente, pela voz do primeiro membro do Governo que interviesse hoje no debate.
A Assembleia da República e o País inteiro mereciam essa explicação por parte do Governo. O facto de essa explicação não ter aparecido revela, a meu ver, uma grande insensibilidade do Governo em relação a um problema tão grave para õ nosso país, para o nosso povo e quê alarma a opinião pública. Gostaria, pois, que o Sr. Ministro nos explicasse o que é que se passou e quais as razões que levaram a esta situação, que aponta para uma verdadeira rotura do sistema hospitalar.

Vozes do PCP! - Mudo

O Sr. Presidente: -Tem a palavra a Sr. Deputada lida Figueiredo.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Ministro das Finanças e do Plano afirmou há bocado, na sua exposição, que não é possível um aumento imediato dos rendimentos disponíveis. Gostaria que o Sr. Ministro esclarecesse como vai, então, melhorar as condições de vida dos trabalhadores e como vai, por outro lado, aumentar a participação dos trabalhadores no rendimento nacional se considera que os salários não devem aumentar mais do que os preços.
Ainda outra questão: o Sr. Ministro afirmou que é contrária aos interesses dos trabalhadores uma excessiva rigidez no emprego. Considerando, como o Sr. Ministro sabe, que há neste país, seguramente,

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cerca de 400 000 desempregados, não seria ao desemprego que o Sr. Ministro se queria referir?

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado inscrito a seguir para pedir esclarecimentos ao Sr. Ministro das Finanças e do Plano é o Sr. Deputado Vítor Constando, que ainda não se encontra presente.
Se este Sr. Deputado não chegar até ao final do período dos pedidos de esclarecimento que ainda há para formular, ser-lhe-á dada depois a palavra para fazer o seu próprio pedido.
Tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Ministro das Finanças e do Plano entendeu, na sua intervenção, sublinhar que o Governo está mais preocupado com respostas concretas do que com os grandes debates teóricos. Dentro dessa linha, vou colocar ao Sr. Ministro das Finanças e do Plano uma questão muito concreta que, aliás, se integra também numa das observações feitas pelo Sr. Ministro quando chamou a atenção para os aspectos tentaculares que assumiria no nosso país a burocracia estatal e o peso excessivo que ela representa para a nossa economia.
Acontece que temos vindo a assistir, ao longo dos tempos e, nomeadamente, ao longo do último ano, a uma clara subutilização e marginalização do funcionalismo público, daquilo que é o aparelho e a máquina estatal, para se recorrer a máquinas e a apoios técnicos vindos do sector privado com uma nítida e clara marginalização dos técnicos do aparelho de Estado e do funcionalismo público.
Em relação ao que acabei de dizer citar-lhe-ia um exemplo muito concreto, um dos vários exemplos que se poderiam avançar e, se me permite, ler-lhe-ia, inclusivamente, o despacho omitindo, obviamente, porque não é isso que está em causa, quer o nome da empresa a que esse despacho se refere quer o do técnico nele envolvido.
Trata-se de um despacho do Ministério da Agricultura e Pescas, com o acordo do Ministério das Finanças e do Plano, que requisita a uma empresa privada um técnico pelo período de um ano a fim de exercer funções de apoio técnico neste Ministério - leia-se no Ministério da Agricultura e Pescas -, incluindo o de dirigir e coordenar o projecto de povoamento florestal com direito ao abono, por pane deste Ministério, da remuneração mensal correspondente à categoria de director-geral.
A pergunta que aqui fica é se, de facto, dispondo o Ministério da Agricultura e Pescas neste momento de cerca de 18 000 funcionários - e vale a pena também aqui registar que entre 1976 e actualmente houve um crescimento de cerca de 12 000 para 18 000 funcionários, cerca de 50 % do número de funcionários -, dispondo também de duas direcções-gerais no domínio das florestas, se se justifica ou se é prática que corresponda à melhor utilização dos meios ao dispor do Estado o recurso ao sector privado e a requisição de técnicos fora do aparelho do Estado para desenvolver trabalhos deste tipo. Diga-se também em abono da verdade que este despacho não é da responsabilidade do actual Ministro - é de 17 de Dezembro.
O que eu gostaria, pois, de perguntar ao Sr. Ministro é se a prática que está por detrás desta e de outras atitudes do mesmo tipo continuará a nortear a acção deste Governo e a acção do Ministério das Finanças e do Plano, nomeadamente no que diz respeito à utilização dos recursos disponíveis no sector estatal.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Oliveira.

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Sr. Ministro das Finanças e do Plano, lamento não ter muito tempo para lhe colocar algumas perguntas que consideraria úteis para o esclarecimento do seu discurso. Aliás, o seu discurso é desde logo novo, comparado com os dos anteriores Ministros das Finanças. O seu é muito mais ágil, não vem incomodar-nos com números, mas fez uma boa quantidade de promessas que certamente não pensa cumprir.

Uma voz do PSD: - Essa é boa!

O Orador - A pergunta que lhe quero colocar é muito concreta e muito curta. O Sr. Ministro disse que, normalmente, um dos grandes problemas é o dos preços do petróleo - e, nesse caso, até falou de verbas, comparando 110 milhões de contos com, salvo erro, 150 milhões. E a pergunta é esta: qual foi, em termos reais, o aumento do preço do petróleo? E se o houve, Sr. Ministro, que parte desse aumento é que não recaiu sobre a economia dos países mais desenvolvidos e consumidores de petróleo, tendo, pelo contrário, remetido a favor dessas economias através das multinacionais que dominam o mercado mundial de petróleo?
Se o houve - e eu sei que não houve neste último ano -, o Sr. Ministro quererá responder e explicar por que é que se passou de 110 para 150 milhões de contos?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro das Finanças e do Plano: Em primeiro lugar, queria assinalar aquilo que considero uma perfeita provocação em relação aos países e aos povos produtores de petróleo quando se diz que o aumento dos preços de petróleo é como que um imposto lançado sobre os países consumidores.
Como o Sr. Ministro sabe muito bem, esses países mais não fazem do que tentar diminuir a verdadeira espoliação de que são vítimas por parte das multinacionais de petróleo. E o Sr. Ministro também sabe muito bem que, em relação ao aumento dos preços do petróleo, imediatamente essas grandes companhias o fazem repercutir nos seus próprios lucros e não porque paguem melhor aos milhares e milhares de trabalhadores que netas trabalham.
As grandes multinacionais americanas, à frente das quais, nos lucros auferidos anualmente, estão as grandes companhias de petróleo, aumentaram de 1978 para 1979 os seus lucros em 14 mil milhões de dólares, isto é, aumentaram-nos 12,7%. Está aí, talvez, a explicação do aumento dos preços do petróleo.
O nosso povo diz que "com a verdade me enganas". Eu aplicaria esta expressão popular para dizer que o

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Sr. Ministro disse, e muito bem, que a inflação é um imposto lançado sobre os trabalhadores. Mas por que razão é assim? Não será pela razão de que com a inflação os grandes monopólios e os grandes capitalistas metem ao bolso ainda mais do que "a mais-valia" do que normalmente metem uma parte do valor da força de trabalho dado que os salários, quando aumentam, aumentam sempre muito diferidos no tempo em relação ao aumento dos produtos de que necessitam para que se reproduza essa força de trabalho?
É por isso que o Governo aponta como uma das soluções para resolver a questão da inflação o aumento da produtividade. Isso não vai resolver o problema da inflação; isso vai é aumentar ainda mais a taxa de exploração dos grandes capitalistas; vai aumentar a intensidade do ritmo de trabalho; vai aumentar as conduções para o desemprego porque este está relacionado com o tamanho total da força de trabalho e a produtividade; vai, aumentar a desqualificação de muitos operários que serão passados, digamos assim, compulsivamente à reserva; vai aumentar as doenças de trabalho; vai aumentar a morte prematura de muitos operários; vai aumentar os acidentes de trabalho, porque para se aumentar a produtividade não há lugar para se melhorarem as condições de trabalho e impedir os acidentes; vão aumentar os contratos a prazo, isto é, o Governo dizendo que luta contra a inflação e falando no aumento da produtividade está, ao mesmo tempo que desvia as verbas orçamentais para incentivar as empresas capitalistas, verbas essas que devia dedicar ao apoio social aos trabalhadores, a criar condições para o aumento da sobreexploração dos trabalhadores.
Queria, pois, perguntar ao Sr. Ministro se concorda com o que acabei de dizer.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro das Finanças e do Plano.

O Sr. Ministro das Finanças e do Plano: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Deputado Carlos Brito perguntou se o Governo adiou a apresentação do Orçamento Geral do Estado e se isso significa divergências com a política do anterior Ministro das Finanças. Respondo dizendo que não há divergências com o anterior Ministro e que o Orçamento Geral do Estado terá de vir a esta Assembleia acompanhado das Grandes Opções do Plano para 1981 e a médio prazo, de 1981 a 1984, e posso adiantar-lhe que essas Grandes Opções estão praticamente prontas. Nos dias 5 ou 6 de Fevereiro serão remetidas ao Conselho Nacional do Plano e em função dos trabalhos do Conselho Nacional do Plano o Governo terá de receber o parecer do mesmo Conselho, aprovará esse parecer e o Orçamento por volta, calculo eu, do dia 23 de Fevereiro...

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Ministro?

O Orador: - Ó Sr. Deputado, mas essa intervenção conta no seu tempo ou no meu?

O Sr. Carlos Brito (PGP): - Vou ser muito breve.

O Orador: - Então conta no seu! ...

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Mas como o Sr. Ministro tem muito tempo, eu talvez possa contar no seu...

Risos.

O Orador. - Ó Sr. Deputado mas estão a dizer-me que também tenho pouco tempo.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Então conta no meu.

A questão era esta, Sr. Ministro: o Governo anterior - que nós temos designado por Governo Sá Carneiro/Freitas do Amaral- anunciava que iria em breve apresentar o Orçamento e, naturalmente, também apresentaria na mesma altura as Grandes Opções do Plano para 1981. Por aquilo que o Sr. Ministro acaba de dizer parece que, então, esse Governo não teria prontas as Grandes Opções do Plano para 1981 ou, se as tinha prontas, o Governo actual - o Governo AD/Pinto Balsemão, como nós agora o designamos - está em desacordo com elas.

O Orador - Ó Sr. Deputado, embora haja uma passagem de testemunho no Governo, na base de apoio que é Aliança Democrática, é evidente que um plano a médio prazo, onde se apresentam metas para este país, para crescimento e melhoria do nível de vida, não é um documento que se reveja em cinco ou oito dias.
Portanto, estou a dar conta ao Sr. Deputado dos prazos que honestamente me comprometo a cumprir: até 23 de Fevereiro, será discutido o parecer do Conselho Nacional do Plano, de modo que por volta dessa data serão enviadas a esta Assembleia as Grandes Opções do Plano a médio prazo, as Grandes Opções do Plano para este ano e a Lei do Orçamento Geral do Estado para este ano. O prazo de 15 de Março é um prazo cautelar, é o prazo máximo dentro do qual o Governo se compromete a apresentar a esta Assembleia estes documentos, que são essenciais para o funcionamento da nossa Administração Pública e para a eficiência que dela pretendemos. Perguntou ainda ao Sr. Deputado Carlos Brito se não está no horizonte do Governo baixar as Taxas de juro. Ora este problema das taxas de juro depende de intervariáveis que vão desde as taxas de juro internacionais às taxas de câmbio, às taxas de inflação e à posição aberta, que citei no meu discurso, da economia portuguesa.
O Governo baixará ou aumentará as taxas de juro consoante for de maior interesse para a economia portuguesa em cada momento. Não faremos da política da taxa de juro um fenómeno político, mas antes um factor de apoio à poupança das famílias, à poupança dos emigrantes e ao progresso da nossa economia.
"Não está no horizonte do Governo alterar a política de câmbios?", perguntou-me ainda o Sr. Deputado Carlos Brito. Quanto a isto tenho a dizer que a política de câmbios vai ser consolidada, como se diz no Programa do Governo, em termos de se acabar com o círculo vicioso inflação-desvalorização. A política de câmbios tem que assentar no princípio de que só os países de moeda forte têm resistido à crise económica internacional; a política de câmbios tem que assentar no princípio de que não é através

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de uma desvalorização do escudo que se fazem exportações, sem prejuízo de com ela ter de se assegurar a competitividade externa da indústria portuguesa.
O Sr. Deputado Carlos Brito falou-me ainda no problema dos enfermeiros do Honpòtad de S. José Com saudade eu poderia responder-lhe, mas creio que c Sr. Ministro dos Assuntos Sociais fará hoje uma intervenção nesta Assembleia em que dará a resposta e os esclarecimentos necessários.
A Sr.' Deputada lida Figueiredo, salvo erro, afirmou que eu teria dito que não é possível o aumento imediato dos rendimentos disponíveis e que o aumento dos salários só com um aumento de produtividade se poderia alcançar. Ora, salvo o devido respeito, não é isso que está escrito no meu discurso.
A Sr.ª lida Figueiredo (PCP): - Permite-me que o interrompa, Sr. Ministro?
O Orador: - Só se a interrupção descontar no seu tempo, Sr/ Deputada...
Risos.
O Sr. César Oliveira (UEDS): - Contabilista... .
A Sr.ª lida Figueiredo (PCP): - Sr. Ministro, o que eu perguntei, para além dessa afirmação que V. Ex.ª fez, foi como é que pensa aumentar a participação dos, trabalhadores no rendimento nacional se considera que os salários não devem aumentar mais do que os preços. Este é o princípio que está no Programa do Governo distribuído a esta Assembleia.
O Orador - O que está no Programa de Governo, Sr.ª Deputada, é que os aumentos dos salários devem HgaT-ss ao aumento previsto dia- taxa de inflação e devem redundar para os trabalhadores os ganhos de produtividade da economia; o que está no Programa do Governo é que sem aumento da produtividade não haverá progrenx> do País; o que está no Programa do Governo é que é no aumento de produtividade que todos nós temo: que encontrar a melhoria do nos?o nível de vida e não em aumentos nominais que foram história no passado e cujos resultados os trabalhadores deste país já viram.
Vozes do PSD: - Muito bem!
A Sr/ lida Figueiredo (PCP): -Deve ler de novo o Programa do Governo, porque não é isso que lá vem!
O Orador - A Sr* Deputada perguntou ainda como é possível o aumento da produtividade sem ser à custa da redução db desemprego. Sobre esta questão quero dizer à Sr.* Deputada que infelizmente atingimos no nosso país sinais de improdutividade graves...
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Ao nível do Ministro.
Risos do PCP.
O Orador: - Por exemplo, no ano passado, houve, pagos pela segurança social, 60 milhões de dias de
doença neste país, o que representa quinze dias de doença per capita. Creio que não há nenhum país na Europa onde se tenha atingido tais níveis; creio até poder dizer, e a Assembleia bem o sabe, que se não fizermos um esforço colectivo no sentido de aumentar a eficiência, não apenas no trabalho mas nos factores de produção, do capital, da velocidade de circulação da moeda, não haverá capacidade de resistência aos aumentos dos custos de petróleo.
O Sr. Deputado Lopes Cardoso referiu-me uni caso concreto que pode ser exemplar: a mania que há em requisitar a outrem a possibilidade de aproveitar o próprio serviço para o aumento de produtividade.
Credo poder d|!zer-lhe sinceramente que a vontade deste Governo não é criar grandes gabinetes ministeriais, não é criar gmndes sectores de adjuntos, mas sim trabalhar com os serviços. Procurámos trabalhar com os serviços no último Governo e vamos procurar derenvolver a produtiiváüade dos serviços na Administração Pública.
O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Minisflrp?
O Orador-Com certeza; Sr. Deputado, mas o tempo é descontado no do sou partido.
O Sr. César Oliveira (UEDS): -Olhe o tempo, olhe o tempo...
O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - É claro, Sr. Ministro. Já agora, se me permite, quero formular um voto: faço votos de que V. Ex.ª no desempenho das suas funções de Ministro das Finanças manifeste o mesmo rigor no controle das despesas públicas que está a manifestar no uso do tempo do Governo!
Risos.
Posto isto, a questão para que queria chamar a sua atenção é que não se trata aqui de requisitar técnicos para os gabinetes ministeriais, princípio que, de resto, acho .perfeitamente legítimo na medida em que o gabinete ministerial tem uma dimensão de confiança política que pode justificar essa posição. Aqui trata-se de requisitar técnicos para o desempenho de funções normalíssimas da Administração Púbuica, que entram no quadro das funções normais a desempenhar pêlos técnicos da Administração Pública, que são marginalizados em benefícios de técnicos requieiitados, não se sabe porquê, ao sector privado. Não foi exactamente o problema dos gabinetes ministeriais que pretendi abordar.
Vozes da UED& - Muito bem!
O Orador: - Sr. Deputado, resta-me dizer que estou de acordo consigo. Estou de acordo que se aproveite ao máximo a Administração Pública e onde haja maus servidores é preferível afastámos.
O Sr. Deputado Veiga de Oliveira fez-me unia pergunta muito concreta no sentido de saber qual foi, em (termos reais, o aumento do preço do petróleo. Ora eu não pus o aumento do preço do petróleo em termos internacionais; não discuti qual a relação paia os países produtores da desvalorização do dólar

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em relação ao aumento do preço do petróleo. O que posso dizer é que em termos portugueses, e foi nesses que coloquei o problema, o aumento do preço do petróleo representou em seis anos um aumento de 800%. Na nossa balança de transacções correntes, no nosso défice comercial, o preço do petróleo passou de 6% em 1973 para 50% do défice em 1979. Creio que é enganarmo-nos a todos se continuamos a afirmar que o aumento do preço do petróleo nenhuma relevância tem na economia portuguesa.

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Ninguém disse isso.

O Orador: - Portanto, creio que estes números são mais do que suficientes.
Em termos de Portugal e dos Portugueses, o aumento do preço do petróleo foi real, afectou e afectará, se não tomarmos medidas, gravemente a economia portuguesa.
Por seu lado, o Sr. Deputado Mário Tomé afirmou que a produtividade levará à exploração crescente do trabalho. Eu não defendo o aumento da produtividade à custa só dos trabalhadores; aumentar a produtividade é aumentar a eficiência e a organização do trabalho na economia...

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Para quê?

O Orador - No ano de 1980 ficou demonstrado que os aumentos de produtividade alcançados foram realmente em benefício da classe trabalhadora. Porque, Sr. Deputado, por muito que a oposição queira ou não, pela primeira vez, em 1980 os salários reais aumentaram e foi nos salários que se traduziu a maioria do aumento da produtividade.

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Não aumentaram, apenas desceram menos.

O Orador: - Só um ponto final nas respostas às intervenções que não me foram postas em concreto mas que tenho o gosto de dar a esta Câmara. É que foi aqui por várias vezes repetida uma acusação ao Ministro das Finanças por este ter tomado ontem um acto de gestão, pela primeira vez favorável a um capitalista do antigamente.
Foi aqui acusado o Ministro das Finanças de ter deixado o Banque Franco-Portugaise d'Outre-Mer passar para as mãos de um capitalista - Miguel Quina - vindo de outro capitalista - Manuel BuIhosa. Eu quero apresentar a esta Câmara as oito razões que determinaram esse despacho, para que da minha parte, e com a abertura de colaboração democrática que vos prometi no início, o assunto fique esclarecido, ou seja, sujeito claramente às vossas opiniões.
Em primeiro lugar, desde 1975 que a posição maioritária no Banque Franco-Portugaise d'Outre-Mer, que pertencia ao Sr. Manuel Bulhosa, vinha sendo oferecida repetidamente ao Banco Nacional Ultramarino, possuidor de 34% do capital.
Nunca os anteriores governos, desde 1975, autorizaram que essa compra fosse feita a mais do que 175 francos por acção. Neste momento a oferta apresentada era de 325 francos por acção. A primeira razão do indeferimento era de que o Governo Português não se pode misturar em manobras especulativas.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Em segundo lugar, não vejo bem qual é a diferença para esta Câmara entre uma posição de um capitalista maioritário num banco e a posição de um outro. Francamente, não vejo qual é a diferença entre uma situação em que a maioria das acções do banco pertence ao Sr. Manuel Bulhosa, ou outra em que as mesmas pertencem a qualquer outro capitalista!...
O Banco Nacional Ultramarino tem a sua posição e mantê-la-á.
Em terceiro lugar, o Banco de Portugal, autoridade monetária com competência exclusiva em matéria de investimentos directos estrangeiros, desaconselhou a operação por considerá-la por valor especulativo.
Em quarto lugar, a actividade e a rentabilidade desse banco dependem exclusivamente dos acordos de cooperação e de transferências que mantém, não com o Banco Nacional Ultramarino mas com quatro bancos portugueses.
Esses acordos de revisão eram leoninos e vão ser alterados em termos de levar a remuneração desse banco francês para o que é médico no mercado francês.

Vozes do CDS - Muito bem!

O Orador. - Em quinto lugar não existiam no Banque Franco-Portugaise trabalhadores do Banco Nacional Ultramarino e, antes pelo contrário, à posição do conselho de gestão do Banco Nacional Ultramarino era a de que para tomar conta daquele banco teria que despedir pelo menos cem dos trabalhadores lá existentes.

O Sr. Soares Cruz (CDS): - Muito bem!

O Orador - Em sexto lugar, o Banco Nacional Ultramarino possui aquilo que em França se chama uma minorité de blocage, ou seja, não pode haver decisões fundamentais na vida do banco, não pode haver alterações estatutárias, não pode haver alterações de cotações do banco sem o consentimento do Banco Nacional Ultramarino.
Em sétimo lugar, a reestruturação da banca portuguesa não passa pela dispersão de "banquetas" pelas praças europeias, não passa pela expansão das nossas nacionalizações para a Europa. Ao contrário, passa pela criação de dimensões de escala, no dimensionamento adequado e de uma presença efectiva nas praças europeias dos nossos bancos.

Vozes do PSD e do CDS: - Muito bem!

O Orador. - Em oitavo lugar, está assegurada a remessa dos emigrantes para Portugal. O Banque Franco-Portugaise d'Outre-Mer representa apenas um quinto desses valores e as remessas dos emigrantes, Srs. Deputados, não são feitas em função do banco que lhes serve de instrumento mas sim em função da confiança que tenham na economia portu-

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guesa, da credibilidade que lhes revelem os políticos no desenvolvimento económico português.

Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Então vão baixar!...

Risos do PCP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a circunstância de o Sr. Deputado Vítor Constâncio não estar presente, pela própria forma como os tempos foram estabelecidos, não invalidará que em qualquer altura ele formule as perguntas que entender ao Sr. Ministro das Finanças e do Plano.
Agora, para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Arnaut.

O Sr. António Arnaut (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro e Srs. Membros do Governo: Após um ano de governo da AD, como vai a saúde em Portugal?
A resposta, fria e contundente, está nesta reportagem, num dos maiores hospitais de Lisboa - Lisboa, a capital - feita ontem mesmo e de que vou ler alguns passos. (Cito o Diário de Lisboa):

Vozes do PSD, do CDS e do PPM: - Ah! ...

O Orador - "[...] Esta manhã, cerca das 9 horas e 30 minutos, perto de uma centena de doentes, muitos deles idosos e visivelmente mal, aglomeravam-se num dos corredores dos serviços de urgência, em macas. Segundo a equipa de enfermagem, algumas das macas em que os doentes se encontravam eram ainda as dos bombeiros que os haviam transportado, por falta de macas do hospital.
[...] Desde o Verão passado que o volume de doentes que aqui aflui é cada vez maior e os enfermeiros têm vindo a informar a comissão de gestão de que não podem aguentar esta situação. Hoje não aguentaram mesmo. E ainda que o quisessem fazer, não tinham material nem outros recursos para tratar os doentes.
[...] Duas razões nos foram apontadas pelo conselho de representantes e delegados sindicais dos trabalhadores de enfermagem dos Hospitais Civis de Lisboa para esta situação inacreditável: ausência do Serviço Nacional de Saúde e exagerada demora média dos doentes.
[...] Calculamos que a partir do próximo mês, o contingente de doentes que aqui vem parar aumente, visto que, como a partir do dia l de Fevereiro os custos dos cuidados médicos vão aumentar, as pessoas mais carecidas acorrem aqui, onde não pagam nada. Não pagam em dinheiro mas às vezes pagam com a vida.
[...] Outros casos: um doente que veio de uma unidade hospitalar de Setúbal para S. José, daqui teve que voltar para Setúbal, e vice-versa. Três vezes fez o trajecto. À quarta, morreu. Outro veio algures de fora de Lisboa, foi remetido para Santarém, voltou a São José e, finalmente, foi hospitalizado em Coimbra."
O Partido Socialista, que fez aprovar nesta Assembleia a Lei do Serviço Nacional de Saúde, não pode ficar indiferente a tão dramática situação. Tomará, por isso, as medidas adequadas para exigir do Governo a solução deste e de outros casos gritantes, podendo oportunamente fazer uma interpelação ao Governo sobre a política de saúde. Para já, Sr. Presidente, vou fazer chegar à Mesa o requerimento que passo a ler. Requerimento ao Ministério dos Assuntos Sociais:

Os órgãos de comunicação social - dos jornais à Televisão - deram ontem conta da dramática situação em que se encontra o Hospital de S. José, em Lisboa, designadamente, o seu banco de urgência, onde a carência de recursos e a degradação dos serviços, pese embora a dedicação do pessoal, atingiram limites intoleráveis, que agravam desumanamente o sofrimento dos doentes e põem em sério risco a sua própria vida (cf. Diário de Lisboa, de 19 de Janeiro de 1981).
É previsível, segundo declarações de responsáveis da comissão coordenadora dos Hospitais Civis, que a situação se deteriore, ainda mais, a partir de l de Fevereiro, data em que entram em vigor os aumentos e as novas taxas dos Serviços Médico-Sociais.
A situação é, infelizmente, comum a muitos estabelecimentos de saúde.
Requeiro, assim, no exercício do meu mandato de deputado, e nos termos do artigo 159.°, alínea b), da Constituição, que o Governo me informe, com urgência, por intermédio do MAS, qual a situação real do Hospital de S. José, designadamente quanto às suas carências materiais e humanas, e quais as medidas que pensa tomar para debelar tão vergonhosa situação.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Que diz, porém, o Programa do Governo, no capítulo da saúde? Para além das habituais tiradas enfáticas e de alguns remoques partidários...

Uma voz do PSD: - Olha quem fala!

O Orador -... as suas ideias fundamentais podem resumir-se nos seguintes pontos:
A acusação de ser a saúde uma "bandeira política", e daí a consequente necessidade de a libertar de "unitarismos e dogmas sectários que colidem com o principio da alternância do Executivo".
Arremetida contra a medicina social e contra as experiências ditas "estatizantes", e daí a negação da "demagógica divisão entre a medicina pública e privada".
Como consequência lógica, a promessa de revisão dá Lei do Serviço Nacional de Saúde, na base da chamada "medicina convencionada".
Revogação do princípio da gratuitidade, salvo para certos "estratos populacionais desfavorecidos", com o fundamento de que o "igualitarismo gera maior injustiça" (sic).
Não nos admiram tais propósitos.
Bismarck, ao estabelecer o primeiro sistema de assistência médica que se conhece, não desdenharia subscrever este programa. É natural. A AD governa

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para os ricos, não governa para a maioria do povo português.

Vozes do PS: -Muito bem!

Vozes do PSD e do CDS: - Não apoiado!

O Orador: - A AD visiona uma sociedade classista, de consumo, onde a saúde é uma qualquer mercadoria sujeita à lei da oferta e da procura. Se os ricos têm os melhores automóveis e as melhores casas, por que razão não hão-de ter os melhores cuidados de saúde?

Vozes do PS e da UEDS: - Muito bem!

O Orador: - A lógica da direita é a defesa dos seus privilégios de classe, não é o bem-estar da comunidade, a justiça social. Que importa que Portugal tenha os índices sanitários mais baixos da Europa e que ainda haja portugueses que sofrem e morrem por falta de meios ou de assistência médica?!

O Sr. Soares Cruz (CDS): - Isso é o Diário de Lisboa?

O Orador - Vejamos, porém, cada um dos pontos em apreço.
O SNS não é uma bandeira política, É um imperativo moral e constitucional, uma esperança de Abril. É uma ideia-força, e tão forte e generosa, tão profundamente anseada pelo povo, que a própria AD é obrigada a aceitá-la, embora subreptícia ou claramente se proponha destruí-la.
Como imperativo nacional e patriótico, o SNS não deve ser partidarizado. A forma de o conseguir não é trazer à discussão elementos conflituosos, como faz o Governo, mas construí-lo serenamente, sem dogmas nem preconceitos, em perfeita fidelidade à norma constitucional que o impõe. A plataforma de entendimento entre todos os democratas é a Constituição da República. Ao pôr em causa a lei do SNS, aprovada nesta Assembleia, a AD põe em causa a própria Constituição e resvala -ela sim - para o sectarismo.
A lei em vigor não é estatizante. Socializar a medicina, como manda a Constituição, não é estatizar a saúde, no sentido de incumbir ao Estado, exclusivamente, a prestação de cuidados de saúde, Socializar significa aqui a obrigação social do Estado em garantir aos cidadãos, através dos serviços públicos, a protecção da saúde, de forma geral, universal e gratuita.
A medicina privada, não é proibida. Pode exercer-se em termos liberais e actuar, em caso de necessidade, como complementar dos serviços do Estado. O problema fulcral não reside, aliás, na estatização mas sim no planeamento global, no financiamento único, na gestão integrada e no vínculo público dos profissionais.
Sendo a saúde um direito fundamental; ao Estado caberá, em cumprimento da conrespectiva obrigação social, assegurar o exercício efectivo desse direito, como acontece, por exemplo, na educação, onde também existe ensino privado, mas em que todos têm igual acesso aos estabelecimentos públicos.
A medicina convencionada, como ideia base do Serviço Nacional de Saúde, não pode ser aceite no actual contexto constitucional. A medicina convencionada é a medicina liberal paga pelo Estado. Pode convir aos barões da medicina, mas não interessa ao povo nem à generalidade da classe médica. Não assegura a cobertura sanitária do País, não garante uma carreira médica estável, não cobre as actividades de prevenção dá doença, não permite a planificação global e é financeiramente incomportável.

Vozes do PS:- Muito bem!

O Orador: - Este último aspecto não é despiciendo. Recentes estudos do MAS apresentam-nos uma estimativa da ordem dos 60 milhões de contos -Só no sector curativo-, mais 20 milhões do que o orçamento da SES do ano passado! A experiência da Madeira, onde o sistema foi introduzido há dois anos, aponta para aumentos da ordem dos 100 %. Também na Alemanha, onde vigora um tipo semelhante, se verificam nos últimos anos aumentos de mais de 200%.
O actual Governo quer reincidir no erro. Seria imperdoável se não fosse trágico. Não se caminha para o futuro de marcha-atrás!

O Sr. Manuel da Costa (PS): - Muito bem!

O Orador. - Talvez por esta visão mercantilista é que o Governo se propõe revogar o princípio da gratuitidade, buscando novas receitas para fazer face à voragem das verbas... Se teimar em tal medida, além de cometer uma tremenda injustiça violará frontalmente a Constituição. Mas, estou certo, não o conseguirá, pois o artigo 64.° da Lei Fundamental não será alterado.

Vozes do PS -Muito bem!

O Orador: - O princípio da gratuitidade é uma condição essencial da igualdade dos cidadãos perante a doença, e mesmo as taxas moderadoras, que admitimos, devem funcionar não como fonte de rendimento mas como garantia da universalidade e generalidade do acesso, na medida em que limitam a procura desnecessária e tornam os serviços mais livres para os que efectivamente precisam de a eles recorrer.

O Sr. José Ernesto de Oliveira (PCP): - Muito bem!

O Sr. Amândio de Azevedo (PSD): - Ora aí está!

O Orador- Por isso condeno vigorosamente as recentes subidas e criação de novas taxas dos SMS - subidas que vão de 100% a 500%. Tal subida, sem qualquer contrapartida da melhoria dos serviços e inspirada numa filosofia empresarial, mostra bem o cariz antipopular deste Governo. Mais uma vez são as classes trabalhadoras que vão pagar a incompetência e o destino do poder burguês!

Vozes do PSD: - Não apoiado!

Risos do PS.

O Orador: - Sr. Presidente: O Programa do Governo indica também alguns objectivos prioritá-

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rios. Despojado esse capítulo da retórica governamental, vejamos o que se alega pretender:
Cobertura do País em cuidados primários. - Afirmação vaga e não fundamentada. A cobertura sanitária e eficaz do território só pode fazer-se com a criação de carreiras nacionais para todos os trabalhadores da saúde, o que pressupõe a aplicação da Lei n.° 56/79. A medicina convencionada mantém os médicos nos teus consultórios das grandes cidades e não os leva a fixarem-se na periferia, como o demontra a recente - e falhada - tentativa da Secretaria de Estado da Saúde/Ordem dos Médicos. É preciso, pois, definir urgentemente as carreiras de saúde, em termos de satisfação dos legítimos interesses dos utentes e dos profissionais. É preciso cobrir a periferia, sem demora, de agentes sanitários, para acudir às chocantes carências do país real que não é a linha de Cascais nem os salões lisboetas. Onde está a escola deve estar o posto de saúde, onde vai o cobrador de impostos deve ir o médico, onde vai o fiscal da Intendência deve ir o enfermeiro...
É isto que a AD não quer. A AD joga na completa degradação dos serviços públicos para proteger a medicina privada. De facto, não se pode servir a dois senhores: quem está ao lado da classe dominante, não está ao lado do povo.

Vozes do PS: - Muito bem!

Vozes do PSD: - Não apoiado!

O Orador: - Melhoria progressiva da actividade hospitalar. - Se a demagogia pagasse imposto estou certo de que o Sr. Ministro das Finanças não estaria tão preocupado! Como quer o ilustre médico que é o Dr. Carlos Macedo combater a degradação existente sem pôr em funcionamento as unidades concelhias e os hospitais distritais, onde sobram instalações e falta pessoal? E como vai preencher esses lugares sem criar a tal carreira nacional no âmbito do SNS, única forma de levar os profissionais para a periferia? Sabe o Sr. Ministro que o distrito de Aveiro, por exemplo, é o distrito do litoral -e já não falo nas regiões do interior - onde há menos médicos residentes e taxas mais elevadas de prescrição médica, e isto porque é servido por elevada percentagem de clínicos de torna-viagem, que residem no Porto ou em Coimbra?

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - A acção do Governo da AD está à vista. Por curiosa coincidência, e como disse no início, ainda ontem os jornais e a televisão deram uma amostra trágica da situação: «Urgência de S. José torna-se beco sem saída - Enfermeiros já não sabem o que fazer a doentes» (A Capital). «Pessoal de enfermagem parou por falta de recursos» (Diário de Lisboa). Sem comentários, Sr. Ministro! Ou quererá o Sr. Ministro fazer alguns comentários?

O Sr. António Lacerda (PSD): - O Portugal Hoje não disse nada?

O Orador: - Nesta problemática se enxerta o financiamento da saúde:
O Governo diz que vai reformular o sistema de financiamento. Como pensa fazê-lo? Instituindo um seguro-saúde e aumentando ou criando novas taxas? Os escandalosos aumentos que vão vigorar a partir de l de Fevereiro já se enquadram nesse objectivo, sendo certo que só em consultas dos SMS o Estado arrecada mais 500 mil contos?! Será por isso que, ao que me consta de boa fonte, o orçamento da saúde para o ano corrente terá apenas o aumento de 7%, quando a inflação rondou os 17%, o que significa uma redução real de 7%, e sendo certo que o orçamento de 1980 foi deficitário em mais de 5 milhões de contos? Com tão drástica diminuição de verbas e aumento das tabelas da medicina convencionada, como sucedeu recentemente com os radiologistas e analistas privados, como vai o Sr. Ministro melhorar os serviços? E como conseguirá pôr em funcionamento hospitais já concluídos, como os de Chaves e Viana do Castelo e abrir novos Centros de Saúde, já terminados, de Ribeira de Pena, Celorico de Basto, Grândola e Oeiras?
Srs .Deputados: A História faz-se de pequenos e grandes acontecimentos, de avanços e recuos, urdidos na teia invisível do devir colectivo, a que os poetas
e revolucionários gostam de chamar a marcha irreversível para a libertação do homem de todas as formas de opressão - o socialismo democrático. No conjunto das profundas transformações sociais que urge realizar para se atingir o limiar dessa sociedade do futuro, avulta o Serviço Nacional de Saúde. Quando um dia se fizer a história do SNS ver-se-á uma mancha negra correspondente ao tempo de Governo da AD, um tempo de paragem da esperança de milhões de trabalhadores e reformados pobres, um tempo viscoso e rude no coração de todos os democratas progressistas de Portugal.

O Sr. José Ernesto de Oliveira (PCP): - Muito bem!

O Orador - Mas ninguém poderá evitar que a história se cumpra e que a marcha interrompida seja retomada. O PS e a FRS têm um projecto sério, justo e patriótico. Chegará o dia da vitória. Como costuma dizer o meu camarada Salgado Zenha, só é derrotado quem desistir de lutar. Nós não desistiremos!

Aplausos do PS, do PCP, da ASDI, do MDP/CDE e da UEDS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, julgo que para um esclarecimento, o Sr. Ministro de Estado Adjunto do Primeiro-Ministro.

O Sr. Ministro de Estado Adjunto do Primeiro-Ministro (Basílio Horta): - Sr. Presidente, o Governo solicita a V. Exa. que a intervenção do Sr. Ministro dos Assuntos Sociais possa vir a ter lugar imediatamente a seguir, portanto com a alteração da ordem pela qual os oradores estavam inscritos.

O Sr. Presidente: - Dado que a intervenção do Sr. Deputado António Arnaut se dirigiu essencialmente ao Sr. Ministro dos Assuntos Sociais, e embora haja outras inscrições que, em boa lógica, deveriam seguir-se, parece realmente curial que o Sr. Ministro

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possa responder imediatamente, sem prejuízo das inscrições para pedidos de esclarecimento ao Sr. Deputado António Arnaut.

O Sr. Vital Moreira (PCP): - Curial porquê?

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, se me permite, o argumento «curial» não me convence. Em todo o caso pedi a palavra para, do lado do meu grupo parlamentar, dar o acordo para que o Sr. Ministro dos Assuntos Sociais antecedesse os nossos oradores inscritos.
Era essa a intenção e creio que, por acordo e pela relevância que as questões ligadas à saúde têm no dia de hoje, pelos factos que há pouco salientei e pelas perguntas que dirigi ao Sr. Ministro das Finanças e do Plano, estamos de acordo em que o Sr. Ministro dos Assuntos Sociais fale já. Estamos interessados em ouvir e ... em replicar.

O Sr. Presidente: - Há alguma oposição?

Pausa.

Não havendo, vou ainda antes de conceder a palavra ao Sr. Ministro dos Assuntos Sociais, concedê-la aos Srs. Deputados que pretendem pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado António Arnaut.
Assim, tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Ramos.

O Sr. Jaime Ramos (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: De facto o que pretendo fazer é um pequeno protesto relativamente à intervenção do Sr. Deputado António Arnaut.
Na primeira vez que li o Programa do Governo compreendi logo que o Sr. Deputado António Arnaut teria que fazer aqui uma intervenção, compreendi a sua frustração, compreendi que quem se arroga sempre a paternidade da Lei do Serviço Nacional de Saúde teria que vir aqui sublinhar a sua capacidade para assumir os erros que pretendeu cometer no campo, da saúde em Portugal.
Só que os médicos, os técnicos de saúde e a população, nos anteriores actos eleitorais demonstraram ao Sr. Deputado e ao seu partido que não lhe reconhecem a paternidade e que nem sequer querem a herança que lhes pretendeu deixar no campo da saúde.

Vozes do PSD: - Muito bem!

Protestos do PS.

O Orador: - Procurarei, nas observações que fizer, não usar aquele estilo de «barra» que o Sr. Deputado António Arnaut pretendeu usar, porque entendo que a saúde é um assunto extremamente importante, que hão se pode abordar com estilos que podem ser utilizados para defender outras causas, isto é, sem a ética de saber de que lado é que está o bem ou o mal, sem se procurar saber de que lado é que pode estar ou não a justiça. A saúde é um assunto que toca a todos nós, a todos os portugueses, por isso - repito - não vou utilizar aqui a linguagem comicieira para tentar pôr alguns deputados de pé...

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Porém, gostava de referir alguns pontos da sua intervenção.
Relativamente à sua questão «como vai a saúde em Portugal?», é evidente que não vai bem, Sr. Deputado, mas o problema também não é de hoje. Aliás, durante 1980 melhoraram-se muitas coisas e é óbvio que o Governo não podia resolver num ano todos os problemas relativos aos hospitais, às camas, aos técnicos que são necessários para este país, hão podia resolver todos os males que os outros Governos, os outros regimes legaram aos Portugueses. O que é certo é que aceleraram, muitas soluções, tendo-se melhorado em muitos aspectos.
Recordo, Sr. Deputado, e isto embora representemos todo o País, o que aconteceu no seu distrito - o de Coimbra - em que nos tempos, por exemplo dos governos socialistas o facto de não ter avançado a construção do hospital, universitário da cidade, o não ter avançado os Centros de Saúde de Vila Nova de Poiares e o de Miranda do Corvo, para os quais potências estrangeiras tinham dado dinheiro, se deveu à incapacidade de acção.

Vozes do PS: - É falso!

Vozes do PSD: - É verdade!

O Orador: - E foi com o VI Governo que se aceleraram essas construções, que tinham parado quando, V. Ex.ª, Sr. Deputado António Arnaut, era Ministro dos assuntos Sociais.
Por outro lado, Sr. Deputado, compreendo o seu medo e a sua posição contrária à afirmação do Programa do Governo de que «igualdade implica mais justiça».
É evidente, Sr. Deputado. Há pessoas que defendem que os serviços de saúde devem ser gratuitos para todas as pessoas, e eu, por exemplo, entendo que nós que até vencemos pela letra A, devemos pagar alguma coisa, ao contrário das pessoas desfavorecidas que vivem com salários mínimos e que, esses sim, não devem pagar nada pelos cuidados de saúde.
Nós, que temos dinheiro, devemos pagar os cuidados médicos, porque a saúde custa já per capita à maosa trabalhadora do País mais de 40 mil escudos por ano. O Sr. Deputado falou depois nos barões da medicina e sobre isto devo dizer-lhe que eles são muito poucos.

O Sr. José Ernesto de Oliveira (PCP): - Mas existem!

O Orador: - O que há é médicos jovens que têm medo de não terem futuro, porque vêem que a saúde é sempre analisada por pessoas que a usam demagogicamente, que agarram nela como bandeira.
A grande maioria dos médicos: portugueses que se aproximam dos 25 mil, são jovens que estão no início da sua carreira e que exigem, como disse o Sr. Deputado e aí estamos de acordo, que o Serviço Nacional de Saúde deve ser construído serenamente e sem dogmas, o que não se faz lendo aqui excertos de jornais

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que embora agarrem a verdade a extrapolam com fins demagógicos.
Portanto, entendo que não é desse modo que se resolve o problema da saúde dos Portugueses e o dos jovens técnicos de saúde.

Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.

O Sr. Vital Moreira (PCP):Este concerteza é candidato a barão...

Risos do PS.

O Orador: - Em relação às subidas das taxas moderadoras, penso que o Sr. Deputado não leu o despacho da Secretaria de Estado da Saúde, isto porque, como V. Ex.ª sabe, a todos os reformados, mulheres grávidas e crianças foi reconhecida a gratuidade dos cuidados médicos.
Por fim pretendo sublinhar a afirmação -para mim a mais correcta em toda a intervenção do Sr. Deputado- de que todos nós devemos ajudar a construir o Serviço Nacional de Saúde, serenamente e sem dogmatismos, a bem de todos os portugueses.

Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.

O Sr. Presidente: - Também para pedir esclarecimentos, tem a (palavra o Sr. Deputado Oliveira Dias.

O Sr. Oliveira Dias (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Eu quase que prescendia do uso da palavra, uma vez que naturalmente o Sr. Ministro dos Assuntos Sociais desejará confrontar os pontos de vista do Governo com as afirmações do Sr. Deputado António Arnaut.
Em todo o caso e sem ir ao pormenor das suas observações, quero pedir a atenção do Sr. Deputado António Arnaut para dois ou três pontos que me parecem fundamentais.

O Sr. Deputado António Arnaut diz, repetindo, aliás, uma expressão do Governo com a qual parece estar de acordo, que o Serviço Nacional de Saúde não deve ser uma bandeira política. Eu perfilho inteiramente esse ponto de vista, mas, com toda a estima que tenho e mantenho por si, devo dizer que se o Serviço Nacional de Saúde se transformou numa grande polémica política, e isso, em grande parte, é devido ao Sr. Deputado António Arnaut e ao Partido Socialista.

Aplausos do CDS, do PSD e do PPM.

Além disso, também é abusivo da sua parte dizer que o povo quer o desenvolvimento da Lei do Serviço Nacional de Saúde, aprovada há dois anos. O que o povo quer são cuidados de saúde na oportunidade em que deles carece, com a qualidade e a diferenciação necessárias.
Que a Lei, de que, enfim, foi em grande parte autor, seja a única- maneira técnica ou política de propiciar aos Portugueses os cuidados de saúde que os Portugueses merecem, desejem e de que efectivamente carecem, permita-me, Sr. Deputado, que eu considere mais do que duvidoso e que continue a negar o seu ponto de vista extremamente unilateral, segundo o qual só do desenvolvimento dessa lei é que pode advir uma melhoria dos cuidados de saúde para a população portuguesa.

Vozes do CDS - Muito bem!

O Orador -O Sr. Deputado António Arnaut disse mais algumas injustiças. A situação do serviço de urgência do Banco de S. José é grave, é, e seria necessário saber porque é que as coisas estão assim, mas isso passaria por coisas em que o Sr. Deputado não repara como sejam as causas dessa superlotação do Banco de S. José.
Em todo o caso o Sr. Deputado, ao dizer sem restrições que as pessoas pagam com a vida por recorrerem ao Banco de S. José, comete uma enorme injustiça em relação a profissionais que se esforçam e que atingiram e desenvolvem medicina de muito boa qualidade, e que têm salvo muitas vidas em circunstâncias extremamente difíceis, de que o Sr. Deputado porventura não terá consciência.

O Sr. António Arnaut (PS):-Isso não está em causa!

O Orador - Peço desculpa, mas está em causa, quando são. feitas afirmações deste género que penso que é indispensável serem corrigidas.
Não é a dedicação, é também mais do que a dedicação: é o esforço e é a competência.

O Sr. António Arnaut (PS): - Não está em causa a dedicação dos técnicos da saúde, porque essa eu ressalvei.

O Orador: - Por outro lado, o Sr. Deputado António Arnaut continua a ser unilateral ao falar dos aumentos de custo dos serviços de saúde em Portugal e, por exemplo, na República Federal da Alemanha.
Aproveito a ocasião para lhe perguntar, segundo as suas informações, quais foram os aumentos de custo médios por ano com o Serviço Nacional de Saúde inglês, que o Sr. Deputado e eu admiramos.
Finalmente, o Sr. Deputado fala em planeamento sanitário mas não sabe o que isso é ...

Risos do CDS e do PSD.

... desculpe mas não sabe.
V. Ex.ª tem uma visão extremamente superficial dos problemas que isso levanta e nem sequer repara que ao falar na necessidade de que as pessoas sejam acolhidas e atendidas em serviços de urgência, na sequência das reportagens dos jornais, está a não reparar que isso é muito mais caro do que o atendimento em serviços periféricos, que põe em causa, que põe em dúvida como recurso, a não ser segundo a perspectiva da sua lei, e V. Ex.ª deveria ter, a meu ver, a objectividade necessária para considerar que ela é discutível, como todas as leis, que o seu modelo é discutível, como todos os modelos.

Aplausos do CDS, do PSD e do PPM.

O Sr. Presidente: - Uma vez que o Sr. Deputado António Arnaut manifestou o desejo de responder no fim de todos os pedidos de esclarecimento, tem a palavra
o Sr. Deputado Borges de Carvalho.

O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Sr. Presidente, pedi a palavra não tanto para pedir esclarecimentos mas mais para formular um protesto.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Partindo de problemas reais do povo português e de diferenças naturais

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de opinião que existem entre o Partido Socialista e a Aliança Democrática em relação ao Serviço Nacional de Saúde, o Sr. Deputado António Arnaut aproveita para fazer mais uma diatribe - num tipo de linguagem que nem sequer é muito próprio do partido do Sr. Deputado - de carácter meramente ideológico...

O Sr. Carlos Lage (PS) - Não apoiado!

O Orador: - ... acusando a AD de ser uma horrorosa e terrível hidra que vai encher os bolsos dos capitalistas em detrimento das classes trabalhadoras e de outras coisas que julguei que já podiam ter passado da linguagem desta Câmara.
Portanto, protesto contra o aproveitamento que o Sr. Deputado António Arnaut faz de problemas reais do povo português para fazer nesta Câmara um discurso eleitoral, partidário, ideológico e demagógico.

Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.

O Sr. Sousa Marques (PCP): - Agora têm tido mais palmas do que na parte da manhã...

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Arnaut para responder.

O Sr. António Arnaut (PS): - Sr. Presidente, a bancada da AD colocou-me algumas perguntas, mas, como vai agora falar o Sr. Ministro dos Assuntos Sociais, que certamente fará algumas considerações, e usando o critério há pouco seguido pela Mesa, reservo-me para essa oportunidade para então responder a todos os pedidos de esclarecimento que me foram colocados por Deputados da AD.

Vozes do PS e do PCP - Muito bem!

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Registamos que não respondeu a nada!

Vozes do PS: - Tenha calma, que já vai responder!

O Sr. Presidente: - Então tem a palavra o Sr. Ministro dos Assuntos Sociais.

O Sr. Ministro dos Assuntos Sociais (Carlos Macedo): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Reservarei para o período de perguntas e respostas todas as questões que aqui me foram colocadas e, nesse momento, darei os esclarecimentos devidos. Em todo o caso, gostaria de dizer que, se, de facto, a demagogia pagasse imposto, o Sr. Deputado António Arnaut era um grande contribuinte.

Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.

Vozes do PS: - Não apoiado!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A política que irá ser desenvolvida pelo Ministério dos Assuntos Sociais assenta em dois princípios fundamentais: obedece a um Governo de legislatura e não aceita a participação e a responsabilidade exclusivas do Estado na solução dos problemas sociais dependentes da sua esfera de acção.
Analisando com a objectividade e determinação políticas as experiências estatizantes vividas entre nós e em muitos outros países, facilmente se conclui que o Estado não só não resolveu as deficiências existentes como criou factores de agravamento nos campos económico e social.
A concepção do Estado-Previdência revelou-se hão só incomportável economicamente como também frenadora de inúmeras capacidades de resposta dos indivíduos e das comunidades, como são exemplos dignificantes os movimentos espontâneos de solidariedade social existentes entre nós, tais como as ligas dos amigos dos hospitais e a Misericórdias.
Os países que mantêm esquemas de saúde e segurança social dependentes da exclusividade e bondade dos seus orçamentos gerais do Estado encontram-se confrontados com uma dupla e grave realidade: ou limitam acentuadamente os mecanismos, de acesso aos serviços prestadores de cuidados, ou reduzem significativamente o nível de qualidade dos mesmos, sob pena de, na década em que nos situamos, os gastos se tornarem incomportáveis para os respectivos orçamentos gerais do Estado.
Por outro lado, a excessiva intromissão do Estado na área do privado reveste-se não só de medidas lesivas da liberdade e criatividade de cada cidadão como da diminuição da responsabilidade participativa de cada um nos interesses e nos recursos da sociedade em que se encontra inserido.

Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador. - Por último, acresce ainda que, sendo a integração europeia uma realidade para Portugal dentro de dois a três anos, dificilmente se compreenderá como poderemos adoptar soluções para os nossos problemas de fundo, que são contrários ao espírito, à prática generalizada e à corrente tendencial da Europa das Comunidades no sentido que venho defendendo.
Semelhante posição não pretende nem preconiza que o Estado se demita das suas funções de garante dos direitos e princípio que entendo ser meu dever expor claramente perante esta Assembleia, sob pena de insistirmos em conceitos e modelos que não só não nos resolvem as nossas questões fundamentais, nos sectores da saúde e segurança social, como nos limitam na procura das soluções justas e viáveis para o País que somos e queremos melhorar.
Dentro das coordenadas que acabo de traçar, poderei garantir que o Ministério dos Assuntos Sociais, e de acordo com a política global do Governo, tudo fará para que o quadriénio em que vamos entrar seja não apenas a afirmação e concretização da política da Aliança Democrática mas fundamentalmente a resposta necessária e urgente às reformas sectoriais de fundo que se impõem para o bem-estar e o progresso de todos os portugueses.
Assim, no campo da saúde, sector onde mais gravosamente se fazem sentir as nossas deficiências organizativas e de gestão, a adopção de rápidas medidas concatenadas dentro de um enquadramento legal coerente, no sentido de dar cumprimento à criação de um serviço nacional de saúde, e não a uma simples justa posição de serviços, instituições e estabelecimentos, surge entre as primeiras prioridades, pois, caso em contrário, entraremos em colapso financeiro e estrutural.

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Em paralelo, teremos de equacionar o nosso sistema de saúde de acordo com a realidade nacional, logo procurando a melhor articulação possível entre os sectores estatal e privado, tendo, por isso, em conta os seguintes grandes princípios:

1) Aproveitamento tão completo quanto possível das estruturas existentes;
2) Coordenação, integração e regionalização dos serviços;
3) Gestão dos recursos humanos e sua distribuição equilibrada a nível de todo o território nacional, tendo em atenção os necessários e legítimos aperfeiçoamentos das diferentes carreiras profissionais;
4) Reformulação do sistema de financiamento dos serviços de saúde.

Desenvolvendo cada um dos princípios mencionados, diria que o nosso país carece mais de utilizar em pleno as suas estruturas de saúde do que de novas unidades,...

O Sr. Amândio de Azevedo (PSD): - Muito bem!

O Orador: - ... quer a nível de cuidados diferenciados quer de primários, salvo alguns casos com especial incidência no sector dos hospitais centrais. Urge tirar, nos próximos anos, o máximo de rentabilidade dos nossos hospitais e centros de saúde, para que, numa segunda fase e em obediência à carta sanitária e aos respectivos planos directores, se construam novas unidades de acordo com os nossos recursos económico-financeiros e humanos.
Possuímos hospitais e centros de saúde, em termos de instalações e equipamentos, que em nada os torna inferiores aos existentes na Europa, só que se encontram muitos deles altamente deficitários em pessoal técnico, administrativo e geral.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Este é um dos grandes desafios que se coloca ao Ministério dos Assuntos Sociais e perante o qual adoptaremos as correctas e justas medidas, mesmo que para tal tenhamos de abrir uma luta política sectorial que irá desagradar a alguns extractos sócio-profissionais. Mas se, assim o Ministério dos Assuntos Sociais vai proceder, sem hesitações, também de igual modo não aceitará, só porque é mais simples e fácil, que qualquer extracto sócio-profissional da saúde seja o alvo expiatório de um sociedade ou de elementos da classe política que não querem ou não podem entender que certos problemas sectoriais não se limitam a encontrar respostas a seu nível, pois são também o resultado de um conjunto de assimetrias sócio-regionais, e não apenas dos caprichos, dos interesses ou conveniências de alguns.

O Sr. Azevedo Soares (CDS): - Muito bem!

O Orador: - No tocante à coordenação, integração e regionalização dos serviços de saúde, diria, de forma muito sintética, para além do que estas palavras já por si significam, que o Ministério dos Assuntos Sociais progressivamente irá desencadeando os necessários mecanismos para que as suas principais funções sejam essencialmente técnico-normativas, logo, obedecendo ao moderno conceito de que a gestão deve ser centralizada para o planeamento e a supervisão e descentralizada nos aspectos executivo e operacional, de forma a que a maioria dos problemas possa ser resolvida a nível local em consonância com as grandes directrizes nacionais.
Manteremos a aprofundaremos com as Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira todo um conjunto de ligações que lhes permitam, sem quebra da sua autonomia, encontrar no Ministério dos Assuntos Sociais o constante apoio político e técnico que necessitarem.
No que refere à gestão dos recursos humanos, merece realce, para além de algumas questões já atrás mencionadas, o problema grave da excessiva acumulação de alguns sectores profissionais que levantam não apenas dificuldades de cobertura ao nível da chamada periferia mas também dificuldades de manutenção de um bom nível técnico pós-graduado.
Por outro lado, as duplicações de cargos ou funções, a permanência de excessivas horas extraordinárias, quando em muitos serviços não se cumprem os tempos normais de trabalho, obrigam o Ministério dos Assuntos Sociais a adoptar medidas de correcção para que semelhantes situações desapareçam dos hábitos de muitos, profissionais...
O Ministério dos Assuntos Sociais compromete-se a proporcionar carreiras e esquemas de trabalho consentâneos com a liberdade de escolha pessoal, a dignidade profissional e os legítimos interesses materiais, mas exigirá, em contrapartida, o desempenho [...] das funções de cada um, pois é sua preocupação o prestígio sectorial e o interesse nacional.
Por último, gostaria de aflorar algumas questões que se prendem com o financiamento dos serviços de saúde.
É verdade universal que a gratuitidade total e generalizada de qualquer sistema de saúde conduz a um aumento da procura (consumo) de serviços, de forma brusca e acentuada, que nunca se acompanha de idêntico aumento de recursos, pelo que surge, em breve, o agravamento progressivo das dificuldades em obter cuidados, sobretudo médicos, na extensão em que são realmente desejados.
Impõe a seriedade política e o realismo da nossa capacidade económico-financeira que, de uma vez por todas, se diga claramente que, se queremos cuidados de saúde de bom nível técnico e de qualidade, temos de os pagar, e não demagogicamente nos refugiar no Orçamento Geral do Estado e exigir ao Estado que nos substitua.
Não é atitude correcta e viável no tocante aos fins desejáveis, e sobretudo porque estamos a trocar a justiça social por um igualitarismo arcaico que fez história e movimentou políticos e massas humanas nos anos 40.
Esta é outra das grandes questões ou opções que se nos colocam, e não serão os argumentos constitucionais, políticos de ocasião ou partidários que nos resolverão com justiça, serenidade e modernidade os graves problemas da saúde em Portugal

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A dotação de verbas do Orçamento Geral do Estado, que neste momento já ultrapassa

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largamente os 40 milhões de contos, o que corresponde a um pesado encargo, não satisfaz as reais necessidades do sector da saúde. Por outro lado, continuarmos a prestar gratuitamente os diferentes cuidados de saúde a todos os portugueses, independentemente da sua condição sócio-económica, afigura-se-me um factor de desequilíbrio e injustiça sociais.
A introdução de novas taxas moderadoras não constitui uma verdadeira fonte de financiamento, mas apenas e só um factor de correcção e controle quanto ao abuso de consumo de cuidados de saúde.
Há que introduzir, por isso, novos esquemas de financiamento para além do Orçamento Geral do Estado, já por diversas vezes referidos, que consistirão essencialmente num seguro-saúde, escalonado, de acordo com os rendimentos mensais de cada agregado familiar, excluindo todos aqueles que se situam nas chamadas classes desfavorecidas.
Semelhante sistema polivalente de financiamento proporcionará não só os necessários recursos como também e fundamentalmente introduzirá a noção básica de uma verdadeira comparticipação com todos os direitos e deveres tornados conscientes e ponderados a nível pessoal e comunitário.
Em síntese, os grandes objectivos no sector da saúde, numa primeira fase, serão os seguintes:

Transformação radical do ambulatório, mediante acções que levarão em breve ao desaparecimento dos Serviços Médico-Sociais e sua integração nos cuidados primários, tendo como reflexo essencial a aceleração na criação do médico generalista, elemento fundamental na saúde das comunidades, e a reestruturação dos hospitais naquele sector;
Concomitantemente, incidência de todo o esforço do Ministério na coluna dos hospitais distritais, tendo em vista não só o descongestionamento dos centrais como a descentralização de parte do pessoal da saúde.

Para tanto, torna-se imperioso estudar processos de comparticipação e empenhamento mais esforçado das autarquias no tocante à criação ou melhoria dos respectivos equipamentos sociais de forma a que os técnicos de saúde possam radicar-se sem grandes dificuldades na periferia.
Uma palavra breve merecem-me aqui também alguns dos problemas com que se debatem os hospitais centrais.
Urge que estes sejam restituídos à sua dignidade institucional, o que, em grande parte, passa pela sua plena responsabilidade no financiamento de exploração que lhes for dotado em função do valor dos serviços prestados, calculado por custos base fixados anualmente e que tenderão a constituir custos padrão, e, por outro lado, pela sua autonomia, que terá de ser extensiva à capacidade de escolha dos seus quadros, livre de interferências exteriores, embora sujeita às regras mínimas de orientação a nível nacional.
Todo o edifício estrutural da saúde só poderá encontrar capacidade de resposta às solicitações que diariamente lhe chegam se o preenchimento dos seus quadros obedecer à existência de carreiras dignas e de clara opção, para os seus profissionais, sendo de realçar com muita acuidade as diferentes carreiras
médicas e as de enfermagem. Merecerá de igual modo cuidado muito especial a formação dos técnicos paramédicos.
Finalmente, não gostaria de terminar estes meus considerandos respeitantes à saúde sem referir mais uma vez o enorme esforço, já iniciado no anterior Governo, no tocante à gestão dos recursos humanos e à informática, matérias sem as quais qualquer programa; plano ou medida sectorial se tornarão impossível de equacionar em termos correctos, objectivos e prospectivos.
Não me deterei tão pormenorizadamente em matéria de segurança social, não por considerar de somenos importância este sector, mas porque entendi ser, neste momento, essencial traçar com maior realce as grandes linhas da saúde, uma vez que sobre ela impedem esforços mais volumosos em virtude da gravidade da situação. Como também porque podemos constatar, com agrado, que novos e realistas caminhos já foram lançados no sentido de permitir à segurança social corresponder com maior justiça, eficácia e prontidão às necessidades criadas pelas situações de carência.
As principais linhas orientadoras estão claramente expostas no Programa do Governo, merecendo, no entanto, destaque para a política sectorial o compromisso na aprovação de uma lei de bases da segurança social, de forma a criar um dispositivo que defina clara e definitivamente a estruturação orgânica do sector e um sistema de protecção sensível às efectivas necessidades dos Portugueses e orientado pelos princípios de equidade e justiça sociais. Lei essa que, não esquecendo a urgência de criação de um sistema de segurança social unificado e descentralizado de igual modo promoverá toda a capacidade criadora da sociedade civil por intermédio das suas diferentes instituições de solidariedade social.
Serão também acções relevantes da nossa política todo um conjunto de diligências no sentido de, gradualmente, os diversos esquemas especiais, designadamente o dos rurais, se aproximarem do regime geral, tal como a actualização periódica do valor das diferentes prestações.

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Teremos, em suma, uma política de segurança social continuadora da grande viragem conseguida pelo VI Governo Constitucional, que acentuados benefícios introduziu na nossa sociedade, sobretudo nas áreas de maior carência.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Muito mais há com certeza que fazer e nunca triunfalmente consideraremos a nossa tarefa concluída, mas também nunca prometeremos o que de facto não pudermos fazer.

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Outros falarão por nós, enquanto, dentro dos condicionalismos dos nossos recursos, formos sempre aqueles que concretizam projectos, impõem novos ritmos e, principalmente, implementam as mais razoáveis e possíveis políticas sociais.
Reata-me concluir esta já longa exposição,...

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O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Demasiado!

O Sr. José Ernesto de Oliveira (PCP): - Longa e excessiva!

O Orador: - ...com uma palavra muito significativa no tocante à política da família.
Tendo sido o primeiro Governo da Aliança Democrática quem lançou as bases para uma verdadeira política da família, de forma a que o Estado na sua qualidade de garante passasse a ter os mecanismos legais para, numa acção de complementaridade, socorrer, promover e dinamizar a unidade biológica em que ausenta toda a sociedade que se pretende mais humanizada e mais rica, não pretendemos transferi! para o Estado a responsabilidade, as incumbências e a vitalidade do agregado familiar, mas tão-só contribuir para mais uma plataforma de convergência entre o Estado e, a sociedade civil, de fornia a que as situações de carência familiar, que requerem um esforço [...], possam encontrar resposta mais rapada e eficaz.
Se todos ou a maior parte de nós reconhecemos na família a estrutura básica indispensável para o equilíbrio e manutenção da comunidade, então também teremos que ser os impulsionadores de uma nova política social mães ampla, porque não se destinará apenas ao [...] isolado, mas também ao ambiente que lhe dará razão de ser, ao meio que, de forma mais marcada, lhe estruturará a sua personalidade e à unidade social por onde passa a história e o progresso ou os elementos da sua desagregação.
Termino com uma palavra de reconhecimento e louvor pelo trabalho desenvolvido pelo meu antecessor, sem o qual não poderia encarar com algum alívio as: dificuldades que me esperam...

Risos do PCP.

...na concretização da política sectorial a que me comprometo.

Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Ainaut.

O Sr. António Arnaut (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputados: Ouvimos o Sr. Ministro dos Assuntos Sociais nons panuriens. O tempo de que o meu partido [...] é muito reduzido, mas em todo caso ainda me dá para fazer algumas breves considerações em resposta aos pedidos de esclarecimento que me foram dirigidos.
Claro que o projecto social do PS não se identifica com o projecto social da AD, e por isso não admira que, haja grandes divergências na concepção de um serviço nacional de saúde: para nós, o objecto, o destinatário e a medida do SN S é o homem, enquanto para a AD o proprietário do SNS é o médico.

Vozes do PSD: - É falso!

O Orador: - O que pretendem é um serviço nacional de medicina ou um serviço nacional de doença, enquanto nós queremos um serviço nacional de saúde e, como disse há pouco, a construir-se serenamente e sem dogmas. Entendemos que, com a Constituição na mão e todos reunidos à volta de uma mesa, com a franqueza de quem tem a conferência - aqueles que a tiverem - de representarmos os interesses do povo português e de quem sabe que há milhões de portugueses que não têm acesso aos cuidados de saúde, essa é que deve ser a plataforma de todos os democratas.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Amândio de Azevedo (PSD): - A Bíblia!

Risos do PSD.

O Sr. José Nisa (PS): - É a Bíblia, é!

O Orador: - De resto, não compreendo como é que o PSD e o CDS votaram por unanimidade. o artigo 64.° da [...], que impõe ao Estado a criação de um serviço nacional de saúde universal, geral e gratuito, e agora vêm pôr em causa essa grande conquista da Revolução, e não o compreendo ainda mais por ter vindo da parte daqueles que se afirmam de sociais-democratas.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. César de Oliveira (UEDS): - Muito bem!

O Orador: - Por isso, meus senhores, enquanto pensarem assim não há conciliação possível.

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - E o que é que o PS fez no Governo?

O Sr. Salgado Zenha (PS): - Não faça o mal e a caramunha!

O Orador: - A AD está há um ano no Governo e pela primeira vez houve uma ruptura
num banco de urgência de um grande hospital de Lisboa, e não sei que mais admirar: se o drama em si ou se a indiferença [...] demonstrada em relação a tal assunto pelo Sr. Ministro dos Assuntos Sociais e pela maioria que o apoia.

Vozes do PS: - Muito bem!

Vozes do PSD: - Oh!

O Orador: - Aliás, o Sr. Ministro não respondeu a nenhuma das perguntas que lhe coloquei, mas isso não importa, pois o País já está esclarecido e com o decorrer do tempo ainda mais esclarecido ficará.

O Sr. Manuel Maria Moreira (PSD): - E já votou!

O Orador. - Quanto a demagogia, Sr. Dr. Carlos Macedo, o Sr. Ministro mostrou que fala de cátedra e ainda por cima não paga imposto.

Risos.

No I Governo da Aliança Democrática o Ministro dos Assuntos Sociais preocupou-«e quase exclusivamente com a segurança social; o que se compreendia, pode havia dações à vista. O problema da saúde foi [...]

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deixado para um representante da Ordem dos Médicos, que, par acaso, era proprietário de uma das grandes clínicas particulares de Lisboa.
Neste Governo, e pela intervenção do Sr. Ministro Carlos Macedo, que e o primeiro médico a ocupar o cargo, parece que os problemas socais não lhe interessam, pois passou por eles - e não vou dizer a expressão popular - com grande velocidade, talvez porque não há eleições a vista. E, afinal, o que importa a AD os milhões de reformados pobres, os que vivem miseravelmente com pensões desgraçadas?!

Risos do PSD, do CDS e do PPM.

Vozes do PSD: - O Sr. Deputado!

O Orador: - Os Srs. Deputados riem-se. Como não se estão a rir de mim, porque isso seria uma descortesia que o Presidente da Assembleia não consentiria, estão a rir-se do povo português.

Aplausos do PS.

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Estamo-nos a rir de si Sr. Deputado!

O Orador: - Para terminar gostaria de formular duas perguntas, antes do que direi, francamente, em nome do Partido Socialista, que se o Governo fizer alguma coisa de bom pela saúde do povo terá, certamente, o apoio e a colaboração dos socialistas nesse sentido.
Não somos dogmáticos e o que nos preocupa, e daí talvez a frustração que um deputado do PSD me apontou e que em parte existe e que e a frustração de quem luta há muitos anos pela emancipação do homem, pela libertação do homem e dos trabalhadores de todas as formas de opressão. E não há maior opressão do que a daquele que precisa de se curar e não o pode fazer; não ha maior opressão do que a do fraco que se quer libertar, e não há maior fraco do que o doente.
Mas os senhores não sabem disto porque nunca viveram na vossa carne nem sentiram na vossa consciência o drama da gente humilde que faz bichas à porta das Caixas, que mete cunhas para ser atendida nos hospitais e que as vezes tem de vender ou hipotecar uma leira que herdou dos seus pais para se curar das suas doenças.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Isto é o pais real. Os Srs. Deputados podem-se rir, mas o ultimo a rir será o que ri melhor.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - As duas perguntas ao Sr. Ministro dos Assumes Sociais são as seguintes: o que pensa o Sr. Ministro da carreira de clínico geral? O anterior Secretário de Estado da Saúde parturejou em conúbio com a Ordem dos Médicos um aborto jurídico - visto que era uma portaria sem valor legal - criando, ornamentando ou configurando uma carreira de clínico geral. Dava-se-lhe uma letra modesta de vencimento para acudir ao metabolismo basal e para o
meter no engodo da subsistência e dazia-se-lhes: «Vai para a província porque tens campo livre para fazeres medicina.»
Isso não resultou e provocou uma grande repulsa por parte da classe médica. E como aqui se falou em eleições da classe médica, embora não venha ao caso, mas já que foi chamado a colação, devo dizer que o único sítio onde a esquerda democrática se apresentou a concorrer as eleições da Ordem dos Médicos foi em Coimbra, onde ganhou e foi com o apoio da classe médica.
Não é isso que está em causa, mas sim o futuro de milhares e milhares de jovens médicos que vêem o seu futuro sombrio pela insegurança da política deste Governo.

Vozes do PS e do PCP: - Muito bem!

O Orador - Portanto, Sr Ministro dos Assuntos Sociais, qual é a ideia de V. Exa. sobre a carreira de clínica geral? Deixar como está ou reformular? Qual e também a ideia do Sr. Ministro em relação ao serviço médico à periferia, visto que consta que vai ser suprimido e que, com tantes insuficiências, trouxe alguma esperança a muitos portugueses que pela primeira vez puderam ver um médico na sua aldeia?
Fiz-lhe uma pergunta concreta que era a de saber se o Orçamento vai ser reduzido em termos reais em 10%, mas V. Exa. não respondeu. O Orçamento do ano passado era da ordem dos 40 milhões de contos e houve um défice de 5 milhões e há 4 milhões de dívidas aos fornecedores.
Sr. Ministro Morais Leitão, aproveito a ocasião para o cumprimentar e desejar muitas felicidades no cargo que V. Exa. ocupa. Tive o gosto de conversar algumas vezes sobre problemas referentes à saúde durante o mandato do Sr. Ministro, asseguro-lhe que estes são elementos reais que me foram fornecidos e não podem ser desmentidos, e certamente que não me obrigara a apresentar alguns documentos que aqui tenho porque V. Ex.ª também os conhece.
Era isto que eu tinha para dizer e não pouso continuar, pois o tempo não o permite.

Aplausos do PS, do PCP, do MDP/CDE, da UEDS e da ASDI.

O Sr. Presidente: - O Sr. Ministro dos Assuntos Sociais pretende responder já ou reserva-se para o final de outros pedidos de esclarecimento que lhe vão ser formulados?

O Sr. Ministro dos Assuntos Sociais: - Reservo-me para o fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra a Sra. Deputada Teresa Ambrósio.

A Sr.ª Teresa Ambrósio (PS): - Sr. Ministro dos Assuntos Sociais, antes de colocar algumas questões relativas ao Ministério de V. Exa., gostaria de começar por dizer que lamento profundamente ouvir o Sr. Ministro - por quem tenho uma grande consideração - confundir demagogia com a sensibilidade

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política, com a injustiça que se faz aos grupos mais desfavorecidos, e que é uma forma de defesa do incómodo e da má consciência que criam sempre revelações da miséria e das tragédias que afectam o povo português.

O Sr. António Arnaut (PS): - Muito bem!

O Orador: - O que o meu camarada António Arnaut trouxe neste momento a esta Assembleia, e com a linguagem que lhe é própria, é precisamente a tragédia e a miséria que afecta grande parte do povo português e que não tem nada a ver com a palavra «demagogia» que V. Exa. usou.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador - Contudo, as minhas perguntas não se referem à saúde - para isso tenho outros camaradas que mais sabem desse assunta do que eu -, mas sim a algo que pela primeira vez tenho ocasião de perguntar e que é sobre o pelouro da protecção da família. Na realidade, não obstante existir uma Secretaria de Estado da Família, é com certa perplexidade que vejo no Programa do Governo serem atribuídas a esse pelouro umas meras e escassas catorze linhas incompletas que nada dizem - referem apenas que visam proteger e a melhorar o quadro da vida da família.
Ora como é que V. Exa. acha - na grande perspectiva de renovação da sociedade civil e na grande perspectiva da melhoria da qualidade de vida que impregna a todo o momento o Programa deste Governo e que tenta assim, de certa maneira, lançar poeira sobre os olhos de quem aqui está e dos Portugueses, pois realmente continuam a existir problemas muito graves para resolver - que se vai resolver esta melhoria da situação da vida da família com esta enumeração de participação activa na vida das famílias da comunidade, da promoção da família em ordem à função social, do acesso a uma habitação, etc., quando nada, mas mesmo nada diz, nem neste capítulo nem nos outros, sobre a melhoria, uma certa reformulação das condições de trabalho dos membros da família; quando nada se fala sobre o emprego e as condições de emprego, nomeadamente das mães; quando nada se fala sobre o alargamento dos equipamentos colectivos; quando nada se fala nem aflora sobre medidas no sentido da informação e da ajuda ao planeamento familiar.
V. Exa., Sr. Ministro, poder-me-á explicar realmente o que significam estas catorze meras linhas - ainda por cima com muitos parágrafos -, nomeadamente no que diz respeito à legislação moderna que a AD vai fazer agora ao serviço da família? Será que isto pretende dizer revisão do actual direito familiar? E como é que isto se integra na tal acção governamental e interdisciplinar, na tal acção de estimulação da qualidade de vida? Penso que a qualidade de vida não diz apenas respeito ao Ministério da Qualidade de Vida ...
Como é que realmente o Sr. Ministro, com estas medidas, pode afirmar que vai fazer uma política de família realista a caminho da integração desta célula social dentro da sociedade civil? Ou será, Sr. Ministro e desculpe que lhe diga, que este capítulo não passa de um raminho de salsa com que se pretende decorar o
Governo, ou então não passa de um equilíbrio de forças partidárias que no fundo criou uma série de Secretarias de Estado, mais para colocar determinadas pessoas do que propriamente para funcionarem? Ou não será, Sr. Ministro, este capítulo, este pelouro e esta Secretaria de Estado a expressão de uma demagogia que era bom que não viesse mais aqui até nós?

Aplausos do PS, do PCP, da ASDI e da UEDS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Ernesto de Oliveira.

O Sr. José Ernesto de Oliveira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro dos Assuntos Sociais: Ouvimos e, intervenção de V. Exa., temos o seu Programa, e, para além das generalidades, ficamos a ouvir novamente generalidades. Mas porque com generalidades ninguém melhora, queríamos fazer-lhe aqui algumas perguntas concretas, que exigem respostas concretas e que o povo português espera.
Sr. Ministro dos Assuntos Sociais, ouvimos-lhe dizer que uma discrepância entre a continuidade do regime de gratuitidade leva a um excessivo consumo das consultas médicas e talvez por isso, o Sr. Ministro apoia as novas medidas tomadas pelo seu predecessor no sentido das novas taxas que foram impostas aos serviços médio-sociais.
O Sr. Ministro tem consciência, todavia, de que as novas taxas de utilização dos serviços médico-sociais vêm colocar gravíssimos problemas às já de si superlotadas e degradadas consultas hospitalares? O Sr. Ministro como médico dos Hospitais Civis de Lisboa sabe o que representará o facto de continuarem a existir consultas gratuitas nos hospitais, enquanto nos serviços médico-sociais uma vulgar consulta de clinica geral poderá rondar as duas ou três centenas de escudos? O Sr. Ministro sabe o que é que isto vai representar para a saúde do povo português?
Por outro lado, ouvimos também gabar uma vez mais o nível da nossa medicina hospitalar, a chamada «medicina de ponta». Temos, efectivamente alguns serviços e hospitais bem apetrechados técnica e humanamente, mas gostaria de colocar a seguinte questão: no fascismo, particularmente durante o regime de Salazar, foi construído o Hospital de Santa Maria, que também foi vangloriado como sendo o maior hospital da Europa. Nessa altura poder-se-ia pensar que assim estavam resolvidos os problemas do povo português, mas o Sr. Ministro, como técnico de saúde que é, sabe - e se não sabe é bom que se informe - que ao mesmo tempo que Portugal se pode gabar de que tem essa medicina de ponta - que também nos regozijamos - tem a maior taxa de mortalidade infantil da Europa, a níveis que se aproximam dos povos do Terceiro Mundo.
Que o Sr. Ex-Ministro dos Assuntos Sociais tenha dito que os cuidados primários são um atraso de vida, não lhe levamos a mal, pois para além das preocupações com os seguros e com o futebol não lhe conhecíamos preocupações com a saúde. Mas que o Sr. Ministro dos Assuntos Sociais, Dr. Carlos Macedo, resolva introduzir no seu discurso uma afirmação deste tipo, não lhe podemos admitir!
Para além disso, Sr. Presidente e Srs. Deputados, a política de segurança social desenvolvida pela «AD» e seu Governo tem sido largamente propagandeada

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como um dos seus mais eloquentes feitos. Todo o foguetório propagandístico gira em torno dos últimos aumentos de pensões e reformas, mesmo assim muito inferiores aos que os reformados e pensionistas têm direito e que as organizações representativas MURPI e MAPRU há muito reivindicam.
Estava-se num ano de eleições e tudo servia ao comité eleitoral da «AD», também conhecido como VI Governo para ganhar votos.
Mas as eleições passaram! Agora é preciso pagar a factura da festa e dos foguetes! Os magros aumentos já desapareceram na voragem do brutal agravamento do custo de vida com que os portugueses são brindados diariamente desde 7 de Dezembro. E sem eleições no horizonte próximo, foram de novo os reformados lançados para o esquecimento desta «AD» e seu Governo. Neste Programa não se encontra nada a não ser generalidades que nem por isso são mais animadoras.
Reforço do sector privado a que se chama eufemisticamente «fortalecimento da sociedade civil» - nem a saúde e a segurança social escapam ao novo chavão da AD - no meio de um emaranhado de lugares-comuns que já não enganam é tudo o que «AD» tem para oferecer aos reformados deste pais.
Mas o outono da vida dos trabalhadores portugueses sabe que continuará a contar com a intervenção activa do PCP, que não deixará de lutar, aqui e lá fora, para que o direito a uma vida digna dos reformados não seja apenas uma mera preocupação eleitoralista mas uma realidade efectiva.
Outro dos ciclópicos feitos de que a «AD» tanto se pavoneia é a chamada recuperação das dívidas do grande patronato à Previdência. Até Agosto de 1980, últimos dados estatísticos publicados, as dívidas à Previdência tinham aumentado 3 milhões de contos em relação ao ano anterior à média mensal de cerca de 600 000 contos. Depois disso não há estatísticas. Há as declarações do Sr. Secretário de Estado - que por sinal continuou a ser o mesmo -, garantindo em Setembro a cobrança de mais 7 milhões de contos de dívidas em atraso. Como foi isto, Sr. Ministro? Sem que tenhamos dado nota pelas bichas de grandes patrões à porta das caixas de previdência para pagarem aquilo que há muito devem, como foi isso possível? Simples. Os grandes empresários, mediante letras bancárias, transferiram para a banca nacionalizada parte das dívidas que tinham à Previdência. E com esta acrobacia contabilística pode-se fazer demagogia eleitoral e até ganhar eleições, mas agravou-se ainda mais a situação de descalabro financeiro da segurança social, enquanto os grandes patrões continuam a lesar o Estado e com ele todos os trabalhadores portugueses, que sempre descontaram para uma previdência que eles pagam.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não fica por aqui a factura eleitoral da «AD». Pela sua mão recebeu a saúde do povo português novo atentado. Para cuidados de saúde prestados pelos serviços médico-sociais, unanimemente reconhecidos como muito deficientes, vão, a partir do próximo dia l de Fevereiro, os trabalhadores portugueses e suas famílias pagar aquilo a que já tinham pago, e que certamente muitos já teriam pago e agora não vão poder suportar. O Governo da «AD» elevou de 5$ para 25$ a senha de consulta (aumento de 400%); a visita, domiciliária passou de 25$ para 100$ (aumento de 300%), nos SAP, a consulta passa para 50$. Os meios auxiliares de diagnóstico, que eram gratuitos, passam a ser pagos e bem pagos: 20$ por cada análise laboratorial, 50$ por cada radiografia, 100$ por cada exame anatomopatológico, e outro tanto por cada requisição da radioterapia ou de medicina física de reabilitação. Isto é, uma vulgar consulta e exames consequentes que até aqui custavam 5$, passam a custar algumas centenas! Por outro lado, ignoram-se - contrariamente àquilo que o Sr. Ministro há pouco afirmou - nos sectores isentados os desempregados, os deficientes e as crianças com mais de l ano.
Que linda forma da «AD» e seu Governo comemorar o Ano Internacional do Deficiente e de cumprir o que prometeu no Ano Internacional da Criança.
Tudo isto está disfarçadamente contido no Programa deste Governo. É esta brutalidade que o Sr. Ministro chama participação de comunidade nos gastos da saúde de acordo com as suas capacidades económicas, à luz da necessidade de moderação no consumo dos serviços médico-sociais. Que hipócrita argumento!
Mas quem já pagou os maus serviços de saúde que assistem os trabalhadores portugueses e suas famílias? Não foram esses mesmos trabalhadores com os seus descontos mensais e a tributação fiscal a que estão obrigados? E vão pagar de novo? É essa a lógica da política, da «AD» e seu Governo.
Mas que moderação vai existir na procura dos serviços médico-sociais? Serão os menos carenciados economicamente que deixarão de lá ir? Não, Sr. Ministro e Srs. Membros do Governo. Quem vai deixar de poder recorrer às consultas das caixas de previdência são precisamente os mais pobres e por isso mesmo os mais carenciados. O que assim fazem não é moderar a procura, é seleccionar a clientela!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - E contrariamente a tudo o que apregoam, o povo portugês vai saber que com este Governo ainda será maus doloroso ser-se pobre e doente em Portugal.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo; Srs. Deputados: No dia 11 de Julho de 1980 dizia - e com alguma mágoa lamento o facto de o Sr. Ministro não ser já Ministro desta pasta - o então Ministro dos Assuntos Sociais a esta Assembleia «Com a implantação dos SAP, resolveram-se em grande parte os problemas da urgência nos hospitais centrais.» .
Ontem, 19 de Janeiro de 1961 o pessoal de enfermagem do Banco do Hospital de S. José paralisou a sua actividade normal apenas atendendo casos manifestamente urgentes revela quão difícil é sustentar a afirmação que o Sr. Ministro aqui fez. A responsabilidade pelo caos a que chegaram atribuem-na à não aplicação do serviço nacional de saúde, nomeadamente a inexistência de uma eficaz rede de cuidados primários. O que já era mau agora é caótico. Com isso mais sofrem os doentes e os profissionais que aí trabalham. Isso desmente a Sr. Ministro, mas que importância tem isso para a «AD» se as eleições já passaram. No mesmo dia 11 de Junho de 1980 garan-

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(...) o mesmo Ministro dos Assuntos Socais, agora Ministro das Finanças: «A abertura e execução do concurso nacional permitirá colocar quinhentos especialistas nos hospitais distritais até final de Setembro.»
Os meses passaram. As eleições passaram. Até hoje os especialistas não chegaram. No Programa do anterior Governo inscreveu-se como objectivo prioritário: «O aperfeiçoamento das carreiras dos profissionais de saúde.» Que foi feito? Nada! E a .prova não poderia ver melhor. No Programa do actual Governo lê-se igualmente como objectivo prioritário: «O aperfeiçoamento das carreiras dos profissionais de saúde.» Nem mais nem menos uma linha, uma vírgula, uma esperança. A mesma generalidade a tentar disfarçar a mesma orientação política. Na indefinição de carreiras dignas vai-se empurrando milhares e milhares de jovens médicos para as formas privada e convencionada do exercício da profissão, única alternativa que lhe resta.
No Programa deste Governo, como princípio geral orientador em matéria de saúde lê-se: «Organizar progressivamente o serviço nacional de saúde de acordo com os princípios que enformam uma sociedade democrática e pluralista.» Mas porque estamos numa sociedade democrática e pluralista não é digno dessa mesma sociedade um Governo que como o vosso se nega e subverte o cumprimento de uma lei desta Assembleia com o argumento único de que não a cumpre porque não concorda com ela.

Aplausos do PCP.

O Governo e a sua maioria que tenham a coragem de aqui trazer uma nova lei do serviço nacional de saúde, mas enquanto o não fizerem são obrigados ao cumprimento da que existe. A unidade dos democratas que aqui a construíram e dos homens e mulheres que de norte a sul deste país a aclamaram, não permitirá que ela aqui seja calcada. Finalmente, um dia encontrar-nos-emos na estrada larga que leva ao futuro, e ombro a ombro com todos os que sonham Abril dessa bandeira que é um verdadeiro serviço nacional de saúde faremos um realidade.
Mas isso não será com a «AD», e muito menos com os seus Governos.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Amândio de Azevedo (PSD): - Será com o Deputado Arnaut.

O Sr. Presidente: - Ainda para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra
a Sra. Deputada Zita Seabra.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Sr. Ministro dos Assuntos Sociais: Não percebi muito bem, depois de ouvir a sua intervenção, por que razão fez questão em falar depois do Sr. Deputado António Arnaut, porque, na verdade V. Exa disse tão pouco e nada de concreto que tenho a ideia de que ela poderia ter sido feito ontem, anteontem, amanhã ou há um ano, até tinha a sensação de que já tinha ouvido algures essa intervenção do Sr. Ministro. Por isso, coloco-lhe algumas questões concretas depois das que já foram levantadas sobre a saúde pelo meu camarada José Ernesto Oliveira.
Em matéria de segurança social, tem sido uma das glórias da AD o vangloriar-se da recuperação das dívidas do patronato à Previdência - falam em 5 milhões, 7 milhões, 12 milhões, enfim, já ouvi os mais variados números. Gostava então de saber, Sr. Ministro, qual é o montante da actual dívida do patronato à Previdência e às instituições bancárias por conta da dívida da Previdência? Por que razões não há estatísticas desde Agosto e todos os esforços que o meu grupo parlamentar e eu pessoalmente temos feito para obter as estatísticas da segurança social - tendo entrado em contacto directo pelo telefone, por cana, através de um funcionário do nosso grupo parlamentar, com o Instituto de Gestão Financeira para fornecer esses dados- são inúteis e não conseguimos obter nenhuma estatística a partir de Agosto, isto é, a partir da data em que a AD passou a dizer que tinha recuperado as dívidas.
Sr. Ministro, durante o debate do Programa do Governo está V. Exa disposto a fornecer à oposição, particularmente ao PCP, as contas da segurança social para verificarmos esta recuperação das dívidas?
Sr. Ministro, até Agosto - que são as últimas estatísticas que por nosso lado temos aqui disponíveis - as dívidas à Previdência vinham a agravar-se numa média de 600000 contos por mês; em Setembro a AD anunciou na Televisão que t ir ha recuperado 7,5 milhões de contos, mas não vimos bichas de patrões a pagar as dívidas.

O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Outra vez?

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Viu? Viu?

A Oradora: - Parece que o Sr. Deputado Angelo Correia viu os patrões a pagar as dívidas a correr! Se calhar até pagou algumas ...

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Deve ser confusão, Sra. Deputada, porque o Sr. Deputado Angelo Correia não se encontra aqui no Plenário!

A Oradora: - Portanto, gostaria de saber quanto é que foi pago de dívidas pelo patronato durante o mês de Setembro por conta das dívidas à Previdência?
Uma última pergunta relaciona-se com a questão da gestão da segurança social! Simultaneamente com o desaparecimento das estatísticas e por força da legislação feita pelo anterior Governo, nomeadamente pelo actual Ministro das Finanças, estão a desaparecer os representantes do movimento sindical que controlam as contas da segurança social! Um decreto-lei da semana passada afasta, e não tem outro objectivo senão afastar, o movimento sindical do controle e da fiscalização - que é uma imposição constitucional - da Caixa Nacional de Pensões.
Será que o Sr. Ministro vai rectificar esta inconstencionalidade ou como manda a Constituição e como é líquido em qualquer democracia, até nas europeias que os Srs. Deputados da AD tanto elogiam vau assegurar que os trabalhadores terão direito a controlar e a fiscalizar o dinheiro que mensalmente descontam para a Previdência, para a segurança social?
O Sr. Ministro também se referiu a que as taxas agora pagas para a saúde são justas - porque vêm moderar a frequência. Gostada de lhe perguntar quem

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é que é moderado por estas taxas, Sr. Ministro. Há alguém da família dos Srs. Ministros que deixe de ir ao médico por ter de pagar uma taxa de 100$ ou de 20$?
Há pouco um Sr. Deputado das bancadas da AD referia-se às crianças, mas elas só estão isentas até aos 12 meses de vida. E depois?
Estamos no Ano Internacional do Dificiente, e a primeira prenda que a AD lhes dá é exactamente a de passarem a pagar uma taxa quando vão a uma consulta ao médico. Sr. Ministro, quem é que é moderado por estas taxas que foram agora lançadas pela AD como prémio depois das eleições, depois da demagogia eleitoral, como factura, agora que não estamos com eleições à vista?

Aplauso do PCP do MDP/CDE e do Sr. Deputado do PS, António Arnaut.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Prescindo, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Como não há mais pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Ministro dos Assuntos Sociais.

O Sr. Ministro dos Assuntos Sociais: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Antes de procurar esclarecer o mais rapidamente possível, informam-me de que tenho apenas dois minutos para o fazer. Por isso, irei seleccionar as questões que aqui foram postas com seriedade aquelas que são de facto mais preocupantes, e não responder a discursos políticos.
Quanto ao problema das taxas moderadoras: é curioso que foi pela primeira vez mandado fazer um estudo pelo Sr. Dr. António Arnaut, quando era Ministro, e que no V Governo Constitucional foi lançado de facto um preçário para que elas pudessem ser aumentadas. Estou de acordo com as taxas moderadoras e, aliás, cumpro aqui a Lei n.° 56/79, aprovada pela Assembleia, que diz que é necessária a existência de taxas moderadoras. É a lei do chamado Serviço Nacional de Saúde que o diz.

O Sr. António Arnaut (PS): - Não é o chamado, Sr. Ministro, é o Serviço Nacional de Saúde!
É uma lei democrática!

O Orador: - A Lei n.° 56/79, do Serviço Nacional de Saúde, prevê a existência de taxas moderadoras. Mas para serem moderadoras têm de ter uma determinada força monetária, porque senão não são moderadoras! Não é com preços que todos nós sabemos - em termos de material, de pessoal e de equipamentos - terem aumentado brutalmente nos últimos anos, com preços de taxas moderadoras de 5$, 10$ e 10$ por consulta que nós poderemos moderar o acesso exagerado aos cuidados de saúde.
Quanto ao Serviço Nacional de Saúde, diz o Sr. Deputado que a AD quer a saúde para os médicos e o PS a quer para o povo. Sr. Deputado, é de facto altura de começarmos a discutir isto com objectividade. Não é quando se aplica determinado tipo de princípios que não põem em causa o Serviço Nacional de Saúde na sua estruturação, mas que apenas apontam para uma realidade que é o seu financiamento e que o Sr. Deputado sabe muitíssimo bem que é hoje uma preocupação a nível mundial, especialmente na Europa, onde nós estamos inseridos não é com orçamentos altamente débeis que podemos fazer face à saúde que pretendemos. Eu disse-o na minha intervenção e, ao contrário do que aqui foi afirmado - de que foi vaga -, não foi vaga. Eu disse claramente três coisas: não à estatização total, mudar ou reformular o sistema de financiamento e procurar criar mecanismos que levem a uma cobertura efectiva da chamada «periferia». Se isto é vago e se isto é discutir um serviço nacional de saúde que pretende liquidar os cuidados de saúde para o povo, então pergunto com que base de seriedade é que estamos a discutir.
Quanto ao problema da carreira de generalista, é evidente que é uma preocupação prioritária, sempre foi. Antes de o Sr. Deputado se preocupar com estes assuntos já eu me preocupava extraordinariamente com tais problemas. E quero dizer-lhe que é uma prioridade do meu ministério reformular a carreira de generalista, porque consideramos ser um dos aspectos fundamentais para fazer face às carências em termos de cuidados de saúde na periferia.
Por último, é evidente que, quando esta carreira de generalista estiver montada o serviço médico à periferia - e fui eu que o criei, como sabe, em 1975...

O Sr. José Ernesto de Oliveira (PCP): - É um criador!

O Orador. - ...desaparecerá, porque não tem necessidade de existir uma coisa que é embrionária e precária e que serviu apenas para fazer frente a determinadas necessidades numa altura em que medidas de fundo não eram possíveis.
Quanto ao artigo 64.º da Constituição fala em gratuitidade, mas não diz é que de facto ela tenha de ser extensiva a todos os que tenham condições económicas ...

O Sr. António Arnaut (PS): - Oh, Sr. Ministro!

O Orador: - ... e que pagam exactamente a mesma coisa que aqueles que são os chamados «desfavorecidos».
Por outro lado, chamo a atenção para a Lei n.° 56/79, que no seu artigo 7.° diz que, em princípio será gratuito, e isto já quer dizer muito. Eu estou muito mais preocupado em introduzir mecanismos de justiça social do que de facto, repito, igualitarismos que não levam a parte nenhuma.
Nós sabemos que o problema do financiamento é um dos mais importantes com que hoje se debatem todos os sistemas de saúde e andamos nós aqui com uma bandeira de gratuitidade, já ultrapassada, e a cometer injustiças, porque quem tem rendimentos de 50 contos por mês não é justo que pague o mesmo que aqueles que nada têm.

Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.

Vozes do PCP: - O que é que o senhor faz então?

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O Orador: - Quanto ao problema do Hospital de S. José, conheço talvez melhor do que o Sr. Deputado o problema dos bancos de urgência, nomeadamente o de S. José, onde trabalhei durante dezoito anos.
É curioso que ontem tenha havido um afluxo exagerado de doentes, que noutras alturas também já houve, só que não se tirou toda a especulação jornalística desse afluxo, que é normal, que é cíclico, num serviço de urgência.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Se o Sr. Deputado conhecesse serviços de urgência, sabia que isto é normal. Mas, mesmo assim, vou explicar-lhe rapidamente o que deve ser o problema da urgência.
É evidente que, enquanto não tivermos hospitais distritais e os serviços de urgência periféricos a trabalhar em condições, estaremos sujeitos a estes afluxos repentinos, que transtornam as estruturas hospitalares a nível central. É um problema global, não é apenas um problema do Hospital de S. José.
Queria também dizer que o próprio director do Hospital esclareceu ontem na televisão, que foi propositadamente perguntar-lhe o que passava, esta questão. O problema foi resolvido e está neste momento normalizado. Os doentes foram evacuados, não para voltarem daqui a dois dias, como dizem os jornais, mas para hospitais, nomeadamente para o Hospital de Pulido Valente e para Hospital Egas Moniz, que como sabe, são dois hospitais centrais existentes em Lisboa.
Iria, para finalizar, responder a algumas questões no tocante à segurança social e depois lá irei, em último lugar, à questão da família, se tiver tempo...
Risos do PCP.
... e porque o Sr. Deputado do PCP que antecedeu a Sr.» Deputada Zita Seabra não fez perguntas, fez uma intervenção política.
É curioso mas já no ano passado aqui foi preocupação p problema das dívidas à Previdência. Foi o primeiro governo que conseguiu uma recuperação de cerca de 12 milhões de contos, sendo cerca de 5700 contos em letras a descontar. E foi por causa dessa recuperação, Sra. Deputada Zita Seabra, que conseguimos aumentar as prestações de segurança social em todos os regimes, seja o especial, seja o geral, e todo o tipo de prestações de segurança social.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - É falso!

O Orador - Se não fosse possível isso, não poderíamos ter feito face a uma política demagógica do V Governo, que aumentou as pensões sociais, as pensões de reforma, não havendo recursos financeiros para o fazer,...

Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.

...ia foi o VI Governo, o Governo da Aliança Democrática, que conseguiu fazer face a essas obrigações através, exactamente, dessas dívidas em mora.

O Sr. César Oliveira (UEDS): - Não apoiado!

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Quanto?

O Orador - Em relação â gestão, acontece que a legislação da gestão, nomeadamente a Lei n.° 549/77 e a Lei n.° 55/78, não é legislação, que eu saiba, da Aliança Democrática, é legislação desta Assembleia, foi legislação do II Governo Constitucional.
Sra. Deputada Teresa Ambrósia, muito obrigado pelas suas palavras. É evidente que o Programa é (...) no tocante à família, mas, estando, como está, a Sra. Deputada dentro desses problemas, sabe que essas grandes linhas englobam um determinado número de tarefas que irão ser implementadas ao longo dos quatro anos de governo que temos à nossa frente. Porque a família é um sector que, em termos de representação ao nível do Estado, iniciou pela primeira vez a sua caminhada com o VI Governo constitucional, nós estamos com uma (preocupação de base, que é auxiliar, criar mecanismos (...), conforme se diz no Programa) ma-s ao mesmo tempo temos a cautela de não nos intrometermos demasiado, de não nos substituirmos à família através de mecanismos de ardem estatal. Foi esta a nossa preocupação, e por isso muitas das medidas que temos para implementar requerem grandes cuidados, porque senão a certa altura, com a tendência para levar determinadas missões de ajuda à família, estamos a substituir um agregado que é fundamental e maus uma vez o Estado providencia a entrar por elas adentro, a substituí-las, o que eu considero errado.
A política de desemprego, a política de habitação dimensionada aos esquemas familiares, o problema da mulher, uma lei-quadro da família e toda uma outra série de medidas serão equacionados e os que tiverem de ser discutidos nesta Assembleia e os que puderem ser promulgados a nível de governo sê-lo-ão e tara conhecimento deles no devido tempo.
Muito obrigado pelas vossas intervenções e pelo (interesse que manifestaram pela minha intervenção, pois, da contrário, não daria origem a um, debate tão caloroso como ao que acabei de assistir.

Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Herberto Goulart para uma intervenção.

O Sr. Herberto Goulart (MDP/CDE - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Ministros: O Programa que o VII Governo apresentou a esta Assembleia está longe de conter uma sistematização de medidas objectivas coerentemente articuladas para responder com realismo às principiais questões que o Pais enfrenta.
Muitos dos objectivos globais e sectoriais, cuja quantificação é anunciada para as Grandes Opções do Plano, não têm suporte sequer numa lógica de actuação que possa levar a concluir-se haver perspectivas dia sua concretização.
Acresce que este Governo se afirma como continuador da orientação política do VI Governo.
Assim sendo, como conciliar objectivos ou propó-s5ío.5 agora enunciados com os processos e a prática governativa anteriores?
Que credibilidade pode ter a pretensão de promover «uma justiça- social, que implica emprego estável e participação adequada dos trabalhadores na vida, nos resultados e na propriedade das empresas», quando (...)

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[...] o Governo anterior, de que este se reclama continuador, tem impedido a posse dos gestores representantes dos trabalhadores nas empresas do sector público empresarial, não cumpre, ou o faz apenas formalmente, os deveres dê consulta dos trabalhadores expressamente consignados na lei, permite que delegados sindicais sejam despedidos sem justa causa, fecha os olhos à aplicação ilegal de contratos de trabalho a prazo?
Que seriedade poetem ter as afirmações acerca de uma «comunicação social colocada ao serviço da verdade e da cultura, sem tutelas ideológicas nem dependências económicas, livre das arbitrariedades do poder político», bem como os «inequívocos esforços que o Governo desenvolverá paca assegurar rigorosa isenção e pluralismo nos órgãos de comunicação social estatizados», quando a actuação que veio sendo seguida é a da instrumentalização pelo Governo daqueles órgãos, da manipulação da informação, da desculturizacão dos programas, do menosprezo dos conselhos de informação, do desrespeito pala existência e direitos dos conselhos de redacção?
Como acreditar que o Governo está interessado em «consolidar o espírito de tolerância e de respeito pela liberdade alheia» ou que o anima «o propósito de contribuir para a normalidade e estabilidade política e institucional», quando a ausência de um espírito dialogante, visível na última sessão legislativa desta Assembleia, os actos de autoritarismo e prepotência do Poder, a aplicação de um doma de [...] entre órgãos de soberania, têm sido regra de que as forcas que integram a AD constituíram Governo?
Que garantias de «respeito da Constituição, quer do texto actuai, quer do que resultar da revisão» citei, de memória, palavras do Sr. primeiro-ministro no passado dia 16), dá um governo que se apresenta como continuador de uma política de regulares tentativas de violação da lei fundamental do País e cujo programa, agora apresentado, é já em si um afrontamento ao texto constitucional?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Poderia continuar, se o tempo me permitisse, com muitos outros exemplos de propósitos enunciados no Programa, aparentemente generosos e que correspondem a aspirações da maioria dos portugueses, cuja prossecução na prática não estará contida no projecto deste Governo e dias forças suas apoiantes.
O Governo sabe que não pode usar uma linguagem da verdade transparente, apesar da afirmação em contrário fedia no seu Programa.
O Governo sabe que, se expusesse com clareza os seus verdadeiros objectivos, sem os rodear de um véu de propósitos obscurecedores, e que, se indicasse com precisão e rigor as medidas que desejaria concretizar, depondo-as de uma linguagem dialogante de duplo sentido, não poderia ocultar a profundidade das alterações, que pretende introduzir na sociedade portuguesa. Tais alterações e as suas consequências, quando apresentadas sem sofismas, encontrariam forte animosidade da opinião pública..., e quem sabe se não trariam perturbações na composição da maioria parlamentar.
As forças e os interesses que o actual Governo representa não abdicam dos seus objectivos de domínio do País e de reconquista das situações de privilégio que o 25 de Abril lhes furtou. Se é um facto que o respeito das regras democráticas se lhes impõe com maus força, em consequência dos resultados das eleições presidenciais, não deixaram tais forcas e interesses de continuar a pugnar pela destruição de quanto os impeça de alcançar os seus objectivos.
A AD não desiste do seu projecto de alterar o regime económico-social que a Constituição da República configurai, independentemente da cobertura legal que para tal tenha... ou não tenha!
O Programa em discussão é uma evidente demonstração do que acabo de afirmar. O Programa reflecte uma vontade determinada alterar profundamente o actual quadro definidor dia sociedade portuguesa. E não se trata de reformar, não se trata de mudar no sentido do progresso e de futuro. Trata-se de restaurar no sentido do passado. Trata-se de apontar pata uma outra sociedade, evoluindo ao contrário da história recente e da lógica dois interesses nacionais, uma sociedade de submissão à exploração do capital privado nacional e internacional, dentro de um modelo económico subvertido pelo domínio dos grandes interesses privados.
Uma tal tentativa de inflexão no curso normal e constitucional do evoluir económico do nosso país assenta na subordinação de todas as orientações de política económica social à futura integração na CEE e à tónica de reprivatização da economia (na linguagem do Programa «a defesa e estímulo da iniciativa privada como verdadeiro motor do progresso económico e social»), com os seus corolários d« defesa intransigente de uma economia de mercado e a integração de todas as formações económicas em esquemas de livre concorrência.
É uma política de liquidação do sector público produtivo no papel que a Constituição lhe destina, restringindo-o à área dos investimentos sociais, às indústrias de base (onde a crise mundial não justificar que o capital privado aí arrisque) e às infra-estruturas necessárias ao funcionamento dos empreendimentos privados.
Tomemos os dois pressupostos condicionadores das opções de base do Governo em matéria de política económica.
Quanto à CEE, a ideia mestra e que uma futura adesão é condicionante das políticas globais e sectoriais, bem como das iniciativas legislativas em matéria económica e social.
O Governo usa a ideia da adesão para forjar aqui argumentos a favor da sua política restauracionista, nunca para tirar os necessários corolários económicos; sociais e políticos de uma futura adesão à CEE. A adesão, para o Governo, é muito mais condicionante do que na realidade o seria ou o poderia ser. A adesão à CEE teria de ser aquilo que os órgãos de soberania nacionais tivessem como vontade política de negociar, como salvaguarda dos interesses, nacionais devidamente comprovada e dos nossos princípios constitucionais, o que não é compatível com o direito comunitário;
Quanto à reprivatização de toda a economia, o que se pretende não é a viabilização da iniciativa privada, não é o apoio às pequenas e médias empresas industriais, comerciais e agrícolas, não é a ajuda para que as empresas portuguesas se defendam no nosso pequeno mercado interno da concorrência poderosa (...)

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(...) dos produtos estrangeiros ou o estímulo para que conquistem posições num mercado eventualmente alargado.
O que se pretende é entregar ao grande capital nacional, associado ou subordinado ao capital estrangeiro, o domínio dos sectores decisivos e lucrativos da economia.
As nacionalizações são irreversíveis? Abram-se à iniciativa privada os respectivos sectores de actividade, sabotem-se por dentro as empresas públicas, através dos gestores da confiança do Governo - daqueles gestores públicos que fazem gala em se manifestarem hostis ao sector empresarial do Estado -, controlem-se ou congelem-se os preços daquelas, estimule-se no sector de actividade a criação de grandes empresas privadas bem apetrechadas, impeça-se a reestruturação e modernização das EPs... e acabar-se-á, no mínimo, por entregar as empresas públicas aos cuidados de gestão do sector privado.
Há participações ou nacionalizações indirectas em sectores ou empresas de alta rentabilidade? Cedam-se aos apetites dos antigos monopolistas, liberte-se, na linguagem do Programa, ao Estado do peso da gestão de numerosas actividades», pratique-se uma «cautelosa política de alienações, porque o Estado não consegue gerir razoavelmente o seu enorme património», esqueça-se o certificado de incompetência que o Governo a si próprio passa, mas proíbam-se as empresas públicas de se desenvolverem em actividades complementares propiciadoras de uma maior racionalidade económica..., porque iniciativa... só pode ter a iniciativa privada!
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Que credibilidade pode ter um governo que alicerça uma política em tão falaciosos pressupostos?
Que credibiladde pode ter uma política económica que deu as suas provas em tantos anos do anterior regime?
Durante décadas, em condições incomparavelmente mais favoráveis, dispondo de meios operativos que hoje não encontrará - porque é conveniente recordar que houve o 25 de Abril-, a oligarquia financeira mostrou a mais completa incapacidade para fomentar a economia e assegurar o progresso social. Atirou Portugal para a cauda do desenvolvimento europeu ... e tinha um imenso império colonial!
Nas condições concretas do Portugal de hoje, mesmo numa perspectiva de adesão à CEE, especialmente em tal perspectiva, o dinamizador da actividade económica, o instrumento essencial para assegurar o crescimento económico e o progresso social, tem de localizar-se no vasto sector público produtivo, procurando conferir-lhe a capacidade e maleabilidade necessárias à sua função motora e incentivadora do desenvolvimento harmónico, racional, programado e coordenado. É preciso defender esta posição e não assumimo-nos numa discussão teórica, pois resulta da própria experiência portuguesa.
O sector empresarial do Estado não é um limitador da iniciativa privada; pode antes de ser um seu potenciador e cooperante: como parceiro para a repartição de riscos ou no aproveitamento de potencialidades humanas e materiais; como elemento para dar efectividade à planificação económica; como directo instrumento no potenciar do desenvolvimento regional; como agente na moralização de actividades em que a
economia do mercado e a falta de escrúpulos mais comummente levam à especulação.
Reafirmamos o que dissemos no dia da apresentação do Programa do Governo.
Ao Governo cabe governar no respeito pala Constituição e não podendo por isso -sob pena de se esvaziar de autoridade e de legitimidade - subtrair-se à defesa e desenvolvimento do sector público empresarial, na prossecução do planeamento económico c social, na dinamização da iniciativa e do capital privados e na oposição à exploração, à especulação e à degradação da ética nas relações entre os homens como agentes económicos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em novas intervenções ao longo deste debate o MDP/CDE apreciará as políticas sectoriais, onde não se coibirá de falar em alternativas, como agora o fizemos.
Mas desde já condenamos o travejamento mestre do Programa do Governo em matéria de política económica, porque representa:
Um afrontamento à Constituição da República;
Um projecto de reconstituição do poderio económico da antiga classe dominante;
Uma incapacidade para assegurar o crescimento económico e o progresso social.
Aplausos do MDP/CDE, do PS, do PCP e da UEDS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, suspendo a sessão por trinta minutos para a realização do intervalo regimental. Convoco para de imediato uma reunião dos (...) parlamentares. Peço ao Sr. Deputado António Amante o favor de me substituir após o intervalo.
Está suspensa a sessão.

Eram 17 horas e 25 minutos.

Após o intervalo assumiu a presidência o Sr. Vice--Presidente António Arnaut.

O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão. Eram 18 horas.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, neste momento o tempo disponível para os intervenientes no presente debate é o seguinte: Governo 5 minutou; PSD, 35 minutos e 30 segundos; PS, 13 minutes; CDS, 11 minutos; PCP, 10 minutos; PPM, 12 minutos e 30 segundos; ASDI, 20 minutos, o tempo total, porque atida não interveio; UEDS, 16 minutos; MDP/CDE, 8 minutos, e UDP, 11 minutos.
Os oradores inscritos são os seguintes Srs. Deputados Mário Tomé, Teresa Santa Clara Gomes, Vítor Conotando, Azevedo Soares, Angelo Correia, Jorge Lemos, Helena Cidade Moura, Maria Alda Nogueira e Barrilaro Ruas.
Tem a palavra o Sr. Deputado Vítor Constâncio paira pedir esclarecimentos ao Sr. Ministro das Finanças e do Plano, que acaba de chegar.

O Sr. Victor Constando (PS): - Agradeço ao Sr. Ministro das Finanças a clareza de alguns princípios que enunciou, que, em parte, esclarecem o carácter um pouco vago do Programa do Governo sobre as prioridades que o mesmo pretende adoptar em matéria de política económica.

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Apesar da clareza, começo per um ponto que é um pedido de esclarecimento adicional: qual é o exacto sentido que tem a sua expressão, a propósito da necessidade de um crescimento de boa qualidade, de não existir uma excessiva regidez mo plano do emprego? Refere-se isto a uma alteração das leis do trabalho, nomeadamente a lei dos despedimentos, e das leis que neste momento protegem a segurança do emprego dos trabalhadores?
O segundo ponto é uma correcção. Diz o Sr. Ministro que o aumento dos preços do petróleo representa um imposto lançado pelos países produtores sobre os países consumidores. E de facto assim é, pois funciona como uma espécie de imposto indirecto que no plano interno dos países consumidores se percute aios preços, aumentando a inflação. Mas disse também o Sr. Ministro que isso representava um empobrecimento dos países consumidores, e uma diminuição do seu rendimento real global, tirando daí conclusões no plano da austeridade e dos sacrifícios que necessariamente- decorrem pura esses países desse aumento, do preço do petróleo. Todavia esta segunda parte não é exactamente assim, visto que a diminuição do rendimento real dos países consumidores se dá quando existe aquilo a que se chama a deterioração dos termos e troca, isto é, quando o preço das exportações desses países consumidores cresce de uma forma inferior ao preço daquilo que importam. Só nessa medida é que há uma diminuição do rendimento real dos países consumidores.
Muitos países, sobretudo os mais desenvolvidos, conseguiram, na sequência da crise do petróleo, aumentar os, preces das suas exportações de antigos manufacturados, com isso compensando ao fim de algum tempo o aumento do preço das importações. Portanto, na ausência de um desfasamento entre aumento de preço de impetrações e aumento de preço de exportações, não há diminuição do rendimento real global de unia economia e é por isso quê se esse imposto indirecto - tem efeitos no plano da inflação, não tem necessariamente efeitos na diminuição da riqueza disponível dos países consumidores. E, se trato este ponto um pouco técnico, digamos, ao pormenor é apenas para não permitir ao Governo tirar do problema da factura do petróleo consequências justificativas no plano de novos sacrifícios ou nova austeridade, no sentido de dizer que, diminuindo o rendimento real da economia, - este sacrifício deve ser redistribuído por toda a população. Não é necessariamente assim; por ser assim nos anos em que de facto há deterioração dos termos de troca, como houve, por exemplo o ano passado, mas não é necessariamente assim, nem o é sobretudo na exacta medida em que aumentam os preços do petróleo. Há que contar sempre com o aumento dos preços das exportações do próprio país.
O terceiro ponto é sobre o Estado e o papel do Estado, tema central do Programa deste Governo, sobre o qual terei ocasião de me alongar um pouco mais amanhã na minha intervenção. Estou facilmente de acorde, com a necessidade de uma carta contenção de desperdício nas despesas públicas e reconheço até as dificuldades estantes neste momento no plano das finanças públicas, que aconselham certa prudência na sua expansão e todos os esforços no sentido de evitar desperdícios e de conter o crescimento desnecessário de certas despesas públicas. As finanças públicas neste momento assim o exigem.
Não ergo, porém, esta questão conjuntural digamos que em filosofia geral, para aplicação em todos os momentos e sobretudo como princípio ideológico de redução do papel do estado na economia. Sito o Sr. Ministro que o Estado hoje em Portugal é já demasiado grande no seu papel interventor e que, em particular, (...) recursos que representariam 40% do produto nacional, o que significada que os cidadãos trabalhariam um certo número de meses para o Estado. Confesso não encontrar exacto fundamenta para esta afirmação visto que, em termos de recursos retirados aos cidadãos sob forma de impostos, a pressão fiscal em Portugal é da ordem dos 27% do produto nacional, e não dos 40 % que aparentemente menciona, e, dê resto, essa pressão fiscal, em termos relativos, é das mais baixas da Europa, o quis não deixa de dignificar que o peco do Estado em Portugal é bem menor do que em outras economias da Europa Ocidental.
Também no plano das despesas, referiu que as despesas públicas em excesso, causando défice orçamental, são geradoras de inflação. Não, estou de acordo em tese geral; é de resto, um pouco antiquado pensar-se o défice-orçamental isoladamente nas suas consequências sobre a inflação, nomeadamente sem ter em conta o comportamento de outras variáveis na economia. O que importar para a existência ou não de precisões inflacionistas é o comportamento de todos os componentes da chamada procura final: consumo público, consumo privado, investimento público, privado, etc. e não apenas aquilo que se passa ao nível do orçamento do Estado isoladamente.
Há Também que salientar que certo tipo de despesas, sobretudo de capital e de investimento, que o Estado faz são despesas reprodutivas, exactamente da mesma natureza das despesas de investimento que sejam feitas por agentes privados, e não só, por natureza, necessariamente inflaccionistas, mesmo quando conduzem a défices.
Senão veja-se no ano passado o défice global do Orçamento Geral do Estado foi de ordem dos 10% do produto nacional e nem por isso se deixou de assistir a uma desaceleração da inflação. Portanto a afirmação em tese geral releva sobretudo de um certo preconceito quanto ao papel do Estado e de uma atitude sistemática de defender a redução desse mesmo papel na economia e na vida num país como o nosso, em que o Estado não tem a dimensão que tem noutros países e em que existem muitos problemas sociais e outros requerem essa mesma intervenção.
Finalmente, um último ponto sobre inflação e salários. O Sr. Ministro acusou. de cento modo a oposição de, ao sublinhar a aceleração recente dos preços, contribuir para um alimentar dias expectativas inflacionistas dos cidadãos e com isso contribuir ela própria paira o agravamento da inflação em Portugal e fez um apelo ao comportamento responsável da oposição nesta matéria. Bem, a este propósito, quero dizer que o que conta mais são as realidades do que propriamente a sua explicitação pública por parte de quem quer que seja. Porque tive ocasião de recentemente pôr em evidência, que o objectivo da aparente redução da taxa de inflação que o Governo apresenta (...)

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(...) para este ano -16%- tem implícita uma forte aceleração dos preços a partir de agora e ao longo do ano de 81, senti-me, de certo modo, com a sua afirmação, no pelourinho público como responsável eventual pelo agravamento da inflação este ano em Portugal. Penso que não é de facto assim, até porque cabe aos cidadãos e à oposição também explicitar aquilo que é óbvio e aquilo que os cidadãos sentem elas próprios. A aceleração recente dos preços é algo que não passa despercebida a ninguém e não é essa exportação que pode criar qualquer desencadear das expectativas inflacionistas. Se o problema existe, é da culpa exclusiva do anterior Governo, que utilizou, um controle apertado e, em grande parte, artificial dos preços e do adiamento de muitos aumentos de preços que o Governo há muito sabia serem inevitáveis, o que só agora veio a fazer-se. Por causa desse adiamento e desse controle artificial, conseguiu-se o ano passado induzir a inflação mais do que teria sido possível em condições normais, mas dizem os livros que em situações semelhantes, quando se acaba com esse controle artificial, há sempre um disparar dos preços e um reacender das expectativas inflacionistas, e isso é independente de qualquer explicitação que qualquer economista ou que a oposição posa fazer. É bem, portanto, deixarmos as culpas cem quem as teve, com quem, por razões eleitorais, conduziu o ano passado uma política transitória que não era susceptível de conduzir a resultados sólidos.
Também ainda neste domínio disse o Sr. Ministro que o objectivo do Governo era um (...) moderado e realista dou calados que ligasse a sua evolução à evolução da produtividade. Sublinho, no entanto, que no próprio Programa do Governo não se respeita este princípio, na medida em que se diz que o Governo fixará como norma imperativa para os aumentos salariais no sector público um nível idêntico aquele que é apontado para a inflação, ou sejam 16% (...) significa que os salários nesse sector - que, aliás, o Governo aconselha que se respeitem também nos restantes sectores da economia - não acompanharão o aumento da produtividade. A produtividade, deverá crescer em Portugal no próximo ano em 3% ou 4%, o que depende do crescimento do produto, e para que os salários acompanhassem a evolução da produtividade em termos reate teriam de crescer ao nível da inflação mais o crescimento previsto para a produtividade, ou sejam mais 3% ou 4%. Só desse modo é que não se agravaria a repartição funcional do rendimento.
Contudo, se os salários se continuarem a acompanhar o aumento: da inflação, e facto de o produto e a produtividade aumentarem 3% ou 4%, significa que nesse ano se vai deteriorar a repartição funcional do rendimento em detrimento dos rendimentos do trabalho. O Governo centradiz-se no seu próprio Programa, não cumpre sequer ente princípio de aumento dos salários de acordo com a evolução dia produtividade e contribuirá, assim, para o agravamento da repartição funcional do rendimento.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Ministro das Finanças e do Plano para responder.

O Sr. Ministro das Finanças e do Plano: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: As questões colocadas pelo Sr. Deputado Vítor Constando são profundas.
Ora, como o Governo dispõe apenas de cinco minutos, reservar-me-ei para responder amanhã, a fim de permitir que o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, que se encontra inscrito, use da palavra.

O Sr. Sousa Marques (PGP): -Como não sabe responder, vai estudar em casa!

Risos do PCP e do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: O Programa do Governo apresentado nesta Assembleia e o discurso do primeiro-ministro assentam em duas ou três ideias fundamentais que, desenvolvidas e aplicadas, conduzem o País para a desgraça e condenam os trabalhadores a uma vida de maiores privações.
Não é preciso imaginar ou inventar, vivemos cinquenta anos de fascismo, de exploração desenfreada, que criou e acentuou misérias que os governos pós-25 de Abril não quiseram ou não puderam eliminar por força dos compromissos que mantiveram com o «grande capital nacional e estrangeiro; e hoje depois de um ano de AD no Governo, apesar da demagogia sobre êxitos que o povo não reconhece, a situação não melhorou e em alguns casos até muito se agravou. Se ao falar dos sucessos do Governo anterior se pretende homenagear aquele que foi o seu principal responsável, a UDP só tem a lembrar que se Sá Carneiro cumprisse a sua palavra, hoje não estaria aqui, já que o povo não elegeu para Presidente o candidato fascista lançado e promovido .pela AD.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Mário Tomé desculpe-me interrompê-lo, mas nos termos do Regimento advirto-o de que não deve usar expressões injuriosas.
Queira continuar, Sr. Deputado.

Vozes do PSD e do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, a expressão que utilizei só é injuriosa paio comportamento a que se dedicam as pessoas que assim são classificadas, isto é, o termo fascista tem um significado histórico e poético muito claro.
Sendo assim, não retiro a expressão que usei em relação ao candidato promovido pela AD.

Vozes do PSD: - Você é que é fascista! Protestos do PSD, CDS e PPM.

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: A UDP, em intervenções anteriores, denunciou as medidas e propostas pelo anterior Governo como contrárias aos interesses, necessidades e aspirações do povo português. Nada temos a retirar de tais declarações, que tomamos como ponto de partida para analisar e denunciar o Programa em debate. O povo e particularmente as camadas mais pobres e exploradas, que conhecem os índices económicos pelas privações a que são obrigadas, não têm hoje, depois da factura apresentada com os recentes aumentos do custo de vida, a ideia e a (...)

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(...) imagem que a maioria procura dar do VI Governo. E, se procurarem o referencial da prova em contrário nos resultados eleitorais de 5 de Outubro, então falemos no 7 de Dezembro, em que a neutralização parcial do aparelho propagandístico montado pela AD nos órgãos da Comunicação Social foi suficiente para levar à derrota o projecto golpista de que Soares Carneiro era portador e que hoje por vias diferentes é retomado pelo Executivo de Pinto Balsemão.
De facto, se a Constituição dá à maioria parlamentar a legitimidade de constituir Governo, essa legitimidade não decorre da vontade do povo que, inequivocamente, votou contra as propostas da AD na ultima oportunidade em que foi solicitado a pronunciar-se.
E a coerência como componente da dignidade democrática, que pêlos vistos a maioria não tem, seria suficiente para abdicar da constituição deste Governo, assumindo plenamente as consequências da derrota da sua estratégia golpista referendaria. A simples presença do Governo aqui nesta Câmara constituiu uma atitude descarada de quem é insensível à expressão da vontade popular e que, portanto, se regista, mas constitui também um equívico, fraqueza ou conivência de quem o consente, como é o caso do Presidente da República, atitude que não podemos deixar de repudiar.
Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: No Programa e no discurso do Governo fala-se em «democracia plena», na «libertação da sociedade civil do Estado» e, num derramar de demagogia, apela-se à colaboração das forças de oposição. Definamo-nos de uma vez por todas, clarifiquem-se os campos, para que cada um de nós assuma as responsabilidades dos actos próprios perante o povo que nos elegeu.
Para a UDP a democracia plena será alcançada quando deixarem de existir parasitas e exploradores do trabalho alheio, quando forem eliminados os privilégios e as desigualdades sociais, quando forem destruídos os monopólios e as teias sinuosas do grande capital nacional e internacional, quando deixar de existir o sistema de opressão que amarra pela violência cada cidadão às decisões do poder minoritário que é o estado capitalista. Ora, este Governo, na senda do anterior, reforçará o capital e o seu aparelho repressivo, nomeadamente o das forças armadas sobre os cidadãos, orienta-se na destruição do 25 de Abril, (...) privilégios e acentua a miséria. Está no caminho oposto à via libertadora da democracia plena que o povo alcançará quando em Portugal se instaurar o regime de república popular por que a UDP luta. Ao contrário do que deu a entender o primeiro-ministro e se faz eco no Programa, não existe «sociedade ao lado do Estado», como pretenderam alguns teóricos burgueses do século passado. Aliás, quem lesse O Novíssimo Príncipe, de autoria de um ex-ministro salazarista e que hoje ocupa um lugar nesta Assembleia, pensaria que tais noções tinham caído em desuso, mesmo na ideologia das camadas mais reaccionárias da burguesia. Enganámo-nos, pois o Governo remexeu no caixote do lixo da história ë pretende modificar a natureza do «Estado que oprime a sociedade civil». O Estado capitalista, qualquer que seja a fornia da sua organização e de que o Governo é uma ipeca, constituiu uma arma nas mãos dos exploradores e dos seus agentes para oprimir o povo, os trabalhadores, e assim perpetuar os seus privilégios.
Há uma clara identificação entre os políticos burgueses e os capitalistas -«hoje ministro, amanhã banqueiro; hoje banqueiro, amanhã ministro», dizia Lenine - e, portanto, para estes não será necessário lançar a cruzada da «libertação da sociedade civil do Estado».
Mas erraríamos se disséssemos que esta expressão, que começa a ser tão vulgar no discurso do Governo e da AD, não contém qualquer significado. Sabe-se que como fruto cio processo revolucionário -«convulsivo», «doloroso», imposto por__«minorias vanguardistas», segundo os queixumes do Governo-o Estado dotem o controle e a propriedade de importantes sectores económicos Libertar a «sociedade civil» é abrir esse canal á iniciativa privada, aos empresários capitalistas; violando assim o estipulado constitucionalmente. É evidente que o capital privado não está interessado em todas as empresas nacionalizadas, há sectores, como a CP por exemplo, que os capitalistas não os querem, simplesmente porque pela natureza dos serviços que produzem não dão lucros; ou exigem investimentos não compensados a curto prazo, mas que pêlos sectores fundamentais que abrangem permitem aos capitalistas pôr o Estado a financiar a estrutura em que assenta a recomposição das suas actividades privadas.
Então essas ficam -«na mão do Estado. Mas aquelas que podem dar rendimento imediato ao capitai privado, essas pretendem-se desnacionalizá-las, para garantir aos capitalistas a liberdade de roubar o suor e o sangue de quem trabalha - Hoje, já não basta aos grandes empresários capitalistas controlar a generalidade das empresas nacionalizadas através do Estado; querem-nas suas, colhendo em directo os lucros produzidos. É para isto que sustentam a AD.
Quere-se libertar a sociedade civil do Estado? Liberdade tem-se os presos antifascistas do caso PRP, cujo julgamento constitui uma farsa dos Tribunais do Estado burguês. Acabem-se com os desmandos das polícias do Estado que, dia a dia e hora a hora espancam: os trabalhadores e aprovam os revolucionários. Acabe-se com a manipulação na comunicação social. Medidas destas, que de facto são incompatíveis com os interesses da classe que este Estado defende, é que poderiam dar algum conteúdo à demagogia da «liberdade da sociedade civil» de que este Governo faz bandeira.
Quanto às relações entre o Governo e oposição, a UDP continuará a conduta política que sempre teve frente à direita. Este Governo não contará com a nossa colaboração seja no que for. Chamaremos a acções de protesto os trabalhadores e o povo que sofre os efeitos da política reaccionária que este Programa apresenta. Não seremos colaboradores com os inimigos de quem trabalha e denunciamos aqueles que entendem a oposição apenas como compasso de espera da sua vez para voltar ao poder, de acordo com aquilo que chamam o «saudável princípio de alternância de poder». Essa não será a oposição da UDP, seremos frontais e abertos, como aliás sempre temos sido, contra aqueles que não defendem os interesses do nosso povo.
Srs. Deputados: O Governo da AD, que hoje aqui se apresenta arrogante e com um Programa, clara- (...)

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(...) mente reaccionário, não irá, pelo certo, encontrar pela frente a passividade e a resignação dos trabalhadores. É que não há demagogia que resista à crise interna e externa do capita is mo. Essa crise vai-se abater brutalmente sobre os ombros das massas populares. Está já a abater-se por esse mundo fora, nomeadamente no «paraíso» da CEE. Então o verniz de Balsemão e da AD estalará fragorosamente. Então o ajuste de contas entre a AD e os trabalhadores far-se-á com a. vitória de quem trabalha e de quem produz.
É na luta da classe operária, dos trabalhadores, dos democratas e antifascistas que a UDP encontra a solução para a actual situação.
Este Governo irá ser confrontado, desmascarado, encurralado pêlos trabalhadores na sua unidade e na sua luta.
E aqueles que aqui se proclamam de oposição que o demonstrem claramente através das suas posições, mas sobretudo pela sua prática junto aos trabalhadores.
Apesar dos ataques desenfreados da AD, as conquistas de Abril são ainda trincheiras em que a UDP se coloca ao lado dos trabalhadores para barrar o passo à política deste Governo, rasgando o caminho do Portugal livre, independente, próspero e socialista.
Contra a revisão reaccionária da Constituição que a AD pretende, a UDP defende a manutenção dos direitos dos trabalhadores nela consagrados. A UDP defenderá, aqui no Parlamento, a Constituição, mas é sobretudo num grande movimento de opinião pública, contra a .revisão reaccionária, que parta dos locais de trabalho e imponha a este Parlamento o sentir e as exigências dos trabalhadores, que essa defesa será feita. É porque defender a Constituição não é um mero exercício de retórica parlamentar, mas sim, fundamentalmente, defender as conquistas nela consignadas!
Pela defesa da Reforma Agrada, defendendo as cooperativas e UCPs dos ataques da GNR e do Governo. Pela defesa do direito dos trabalhadores alentejanos ao trabalho.
Contra a demagogia pseudo-reformista da AD, a UDP levanta bem alto a luta pela melhoria radical das condições de vida dos trabalhadores, contra o aumenta dos bens de primeira necessidade e da habitação, por aumentos de salários acima da taxa de Mação, contra os contratos a prazo e os despedimentos, contra o aumento do horário e ritmo de trabalho. Contra qualquer contrato social que entregará os trabalhadores de mãos amarradas nas mandíbulas vorazes dos capitalistas.
Defender as nacionalizadas da entrega aos monopólis privados passa em primeiro lugar por defender os interesses concretos e imediatos doe trabalhadores que neste sector trabalham e colocar nas suas mãos a sua própria defesa.
Contra a informatização da sociedade portuguesa pretendida pela AD, a UDP levanta bem alto a defesa das liberdades.
As Liberdades sindicais, a democratização da comunicação social, o direito à greve, contra a fascinação do ensino, a exigência dá demissão imediata dos chefes militares comprometidos nas manobras das pastas de Soares Carneiro, a aplicação da Lei da Amnistia e a reintegração dos militares de Abril, a libertação de Isabel do Carmo, Carlos Antunes e os outros antifascistas presos e o impedimento de criar novas polícias políticas.
À política de venda do nosso país ao estrangeiro por parte da AD, a UDP opõe uma efectiva política de independência nacional.
Contra a mimosa entrada de Portugal na CEE.
Contra o aumento da presença de militares estrangeiros na nossa pátria e pela saída de Portugal da NATO, a UDP aponta o caminho de nos apoiarmos no enorme potencial humano e material dos nossos próprios recursos energéticos, (...), marítimos e agrícolas, desenvolvendo a economia de acordo com os interesses dos trabalhadores, tão claramente demonstrado em 74/75 e que levou a uma indesmentível melhoria das suas condições de valia, libertando-nos assim do falso desenvolvimento que só nos dá aumento da dependência económica, política e militar em relação ao estrangeiro e consequente mal-estar para os trabalhadores e a hipoteca da (independência nacional.
É ente o caminho que a UDP indica aos trabalhadores e a todos os democratas e antifascistas. É nas mãos da classe operária, dos camponeses, do povo trabalhador de Portugal que nós colocamos a esperança e a certeza deste caminho, deito árdua luta e da vitória que, mais tarde ou mais cedo, vamos alcançar sobre as forças reaccionárias.
Com os trabalhadores, com as suas lutas, em oposição radical e frontal à AD, as estará a UDP nas primeiras fuás do combate que será duro, mas que será vitorioso.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Mário Tomé excedeu em dois minuto:; e meio o tempo de que dispunha. A Mesa não o quis interromper, mas esse tempo ser-lhe-á descontado na sessão de amanhã, tal como ficou acordado entre os diversos grupos parlamentares.
Também para uma intervenção, tem a palavra a Sra. Deputada Teresa Santa Cara Gomes.

A Sr.ª Teresa Santa Clara Gomes (UEDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Intrínseca ao conceito de libertação, tal como historicamente tem sido entendido por todos os povos e grupos sociais, é a noção de que «ninguém liberta ninguém»: ou os grupos sociais oprimidos tomam na mão o seu destino e traçam eles, por si mesmos, o caminho da sua libertação, ou os que - de cima ou de fora - se arvoram em libertadores acabam por desmascarar-se como novos opressores.
Vem isto a propósito da «missão que o Governo se impõe» - estou a citar o Sr. Primeiro-Ministro - de «libertar a sociedade civil da tutela abusiva do Estado». «O Governo lutará pela libertação da sociedade civil», diz o Sr. Primeiro-Ministro na página 17 do discurso da apresentação do Programa do Governo. E a mensagem fica a ecoar em vários tons e em vários momentos do seu discurso, dando-nos do Governo a que preside o Dr. Pinto Balsemão a imagem de um grupo de salvadores messiânicos, prontos a atacar generosa e aguerridamente, em prol da libertação dos pobres oprimidos, que somos todos nós!
Ao «endeusamento do Estado» que o Programa do Governo atribui a períodos passados da nossa revo- (...)

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(...) lução, substitui-se agora o endeusamento da sociedade civil.
De acordo, Sr. Primeiro-Ministro, em promovei condições para que se libertem as energias criadoras do povo português. Nada nos é mais caro e nisso estamos profunda e entusiasticamente empenhados. Dispensamos é a tutela do Governo na liderança de um processo que é intrínseca e exclusivamente da própria sociedade civil. Os grupos sociais vivos e activos em Portugal não esperarão pelas «cartas de alforria» do VII Governo para continuarem a conquistar o espaço que é o seu na sociedade portuguesa. Os dinamismos da sociedade civil estão em marcha. Ao Governo caberá apenas acompanhar e apoiar esse processo. Qualquer proteccionismo nesta matéria, por mais desinteressado e idealista que pareça, não é senão uma subtil imposição de novas tutelas de que, por sua vez, a sociedade civil haverá que libertar-se.
O que se passa com a noção de «libertação da sociedade civil» passa-se, aliás, com outros dos chamados «pressupostos nacionais» que inspiram todo o Programa do Governo. Aparentemente, estaríamos perante grandes princípios democráticos congregadores de todos os Portugueses: «garantir a democracia», «modernizar a sociedade», «promover a justiça social è a qualidade de vida»... (Quem ousará manifestar-se contra tais propósitos?!)
Basta, porém, levantar, mesmo ao de leve, o verniz que cobre a pintura para nos darmos conta de que estamos perante opções que nada têm de pacífico nem de unificador. Se não, vejamos:
Refere o Programa do Governo, no subcapítulo I, a necessidade da «completa democratização das instituições».
Pensaríamos talvez, gostosamente, que aí se continham aspectos fundamentais da sociedade civil, no seu tecido vivo, na sua dinâmica participativa. Em vez disso, encontramo-nos, uma vez mais, perante um dos grandes chavões eleitorais da coligação no poder: a noção de que a «democracia plena» se conquista
- se não por magia, pelo menos por um automatismo qualquer- pela pura e simples abolição das chamadas «tutelas militares»!
Se a «completa democratização das instituições» significasse a igualdade de oportunidades para todos os Portugueses, a participação de todos os cidadãos na definição das finalidades locais, regionais e nacionais, a democratização dos meios e instrumentos da acção cultural, não teríamos certamente nada a opor-lhe.
Infelizmente, tal não parece ser o entendimento do actual Governo. Para ele a democracia atingirá a plenitude com a eliminação da cena política daqueles que os constituintes consagraram -a justo título - e para um período de transição, como garantes do espírito do 25 de Abril. Ao que o formalismo democrático pode chegar!
Quanto a nós, é à luz das condições históricas portuguesas e da letra da Constituição que a plenitude da democracia pode ser julgada e não segundo conceitos parciais e abstractos desenraizados da história no seu desenrolar factual.
No entendimento da democracia tal como decorre da Constituição, a participação dos cidadãos na vida pública, para ser «plena», terá de verificar-se por
duas vias: «directamente» e «por intermédio de representantes livremente eleitos».
Consolidados que estão os mecanismos que asseguram às eleições dos representantes dos cidadãos a todos os níveis do exercício do poder político, perguntamo-nos:
Como pensa o Governo contribuir para que os órgãos que representam os eleitores possam exercer os seus poderes com maior eficácia e funcionalidade?
Pensa o Governo apoiar, através dos meios que tem ao seu alcance, as múltiplas iniciativas de base que veiculam a participação directa dos cidadãos na vida cívica e política? Se sim, como?
E quem são, afinal para o Governo os interlocutores sociais democraticamente acreditados? Na página 33 do Programa confundem-se os «agentes económicos» com os «parceiros, sociais», reduzindo gravemente o âmbito destes. É essa confusão acidental ou intencional?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Entendei o Governo que lhe cabe, como opção de fundo, «modernizar a sociedade portuguesa». Importa, pois, perguntar que «modernização» será essa: a simples e necessária substituição de estruturas ancilosadas porforinas actualizadas de gestão e funcionamento? Ou muito para além disso, o ajustamento da sociedade portuguesa a um modelo (...)», de organização económica social e cultural?
O Sr. Primeiro-Ministro, no seu discurso, não deixou qualquer lugar: para equívocos ao referir-se liminarmente ao «país arcaico» que somos. Surpreende-nos é que o VII Governo fale de «modernização» nos mesmos termos em que o fazem os países do Terceiro Mundo. (Quem não está lembrado da grande campanha de modernização promovida pelo xá Reza Pahlevi, no Irão, ou das quatro modernizações com que Mão Tsé-Tung pretendeu retirar a China do isolamento ancestral em que durante séculos viverá?) E não se pense que, ao levantar esta questão, estamos a entrar num debate meramente formal, simples questão de termos que não vale a pena perder tempo em aprofundar. O que está em jogo é uma questão de fundo que toca a diferença radical entre o projecto de sociedade da coligação no poder e o nosso projecto.
A palavra «modernização», quando apresentada como objectivo de uma política global, tem hoje um sentido inequívoco. Significa, para o país a que é aplicada, a rejeição daquilo que hoje se chama um modelo de desenvolvimento endógeno, concebido a partir da matriz cultural que identifica um povo. O desenvolvimento pensado de dentro para fora não pode nunca ser entendido como uma simples recuperação de «atraso», nem muito menos um «avanço no sentido de padrões de vida» alheios, como o diz sem pudor o programa do VII Governo.
O fracasso de duas décadas de desenvolvimento das Nações Unidas, a incapacidade das sucessivas sessões da UNCTAD para conseguir uma plataforma mínima de solidariedade contratual entre os países ricos e os países pobres aí estão, como factos reais e iniludíveis, a provarem à evidência que o desenvolvimento, hoje, não .pode já ser concebido como uma corrida para atingir os níveis do crescimento económico dos países (...)

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(...)industrializados. Só na riqueza e na especificidade das realidades sociais que são as suas pode cada país encontrar as vias próprias para um acréscimo de bem--estar de toda a população.
É certo que o Programa do Governo afirma que a modernização da ciência e da tecnologia se fará no respeito de «plena utilização dos recursos» nacionais dos «equilíbrios ecológicos e humanos» e de uma «investigação posta ao serviço do País». Apoiado. Mas não se pense que essa declaração de intenções anula a filosofia subjacente às opções «modernizadoras» que, sobretudo no plano económico, o Governo se propõe levar a cabo.
«Os processos de modernização têm uma tendência intrínseca, nos diversos contextos históricos, a provocar a alienação da mão-de-obra, a atomização da sociedade, a burocratização da autoridade e da cultura», diz um dos autores do estudo sobre «Cultura e Comunicação» publicado no número de Março último da revista Cultures, editada pela UNESCO.
É de facto assim. A modernização, entendida como o apanhar de um comboio que há muito nos ultrapassou, é, afinal, o caminho mais curto para a dependência económica e, através dela, para a dependência cultural e política. O País vê assim comprometida não só a sua vida interna mas também a sua possibilidade de contribuir para o estabelecimento de relações mais justas e mais equitativas entre os povos. Porque a nossa visão de desenvolvimento e de justiça é universal e porque nos preocupa o lugar de cada país, mesmo pequeno como o nosso, no concerto da solidariedade entre os povos, não podemos deixar de sentir uma acrescida responsabilidade na denúncia e na rejeição do modelo de crescimento que o Programa do Governo nos propõe.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Se temos que melhorar a nossa produção, se temos que revitalizar a organização da nossa vida económica, não o podemos fazer respondendo ao «desafio da integração na Europa» com a cópia de modelos que a própria Europa já não usa.
Rejeitamos, assim, frontalmente, a política de subordinação, dependência e aniquilamento a prazo da nossa autonomia cultural e política que a modernização europeizante do País, entendida como um fim em si mesma, necessariamente acarreta.

O Sr. César Oliveira (UEDS): - Muito bem!

A Oradora: - Em nosso entender, a integração europeia é uma negociação para a entrada num mercado e, como tal, deve ser reduzida às suas verdadeiras dimensões. Ampliá-la para outros níveis e convertê-la em grande projecto norteador de toda a dinâmica nacional é desvirtuar o sentido da caminhada e reduzir-nos a simples instrumentos de um campo de influências onde a decisão caberá, necessariamente, a outros.
Ao fazermos esta crítica cujos contornos julgo ter precisado suficientemente-, não pretendemos, de modo algum, subestimar a importância de uma necessária reforma das estruturas do aparelho do Estado, nem tão-pouco a urgência de, com os outros povos europeus, encontrarmos perspectivas de futuro para o espaço geopolítico em que nos situamos.
Apoiamos, sem qualquer dúvida, as medidas preconizadas pelo Governo no sentido da melhoria da gestão pública, dia «simplificação dos circuitos», da «eliminação das sobreposições» e da «redução dó número de intervenções».
Apoiamos as reformas de estruturas que visam uma melhor rentabilidade dos nossos recursos e uma mais inteligente utilização dos meios de que dispomos (como é o caso das técnicas de análise sistemática a aplicar à reforma da Administração Pública - técnicas que o .Governo enuncia, mas a. que, infelizmente, não dá qualquer conteúdo).
Apoiamos, como já aqui tivemos ocasião de dizer quando da discussão da moção de confiança apresentada pelo VI Governo a está Assembleia, todos os esforços que nos conduzam à - interacção dinâmica com todos os países europeus, que, como nós, desejam que a Europa não se instale num modelo de desenvolvimento adquirido, mas antes seja capaz de se recriar em patamares sempre novos de procura.

Aplausos da UEDS e da ASDI

O que não apoiamos - ou melhor, o que frontalmente recusamos - é a confissão entre a modernidade e o desenvolvimento, entre o figurino feito e o modelo a fazer, entre uma Europa pronto-a-vestir e uma Europa a construir por todos.
O nosso modelo é um modelo de sociedade civil autolibertada, de democracia plenamente participada, de desenvolvimento dinamizado de dentro para fora.
Por isso, subscrevemos a moção de rejeição apresentada a esta Câmara pela Frente Republicana e Socialista.

Aplausos da UEDS, do PS, da ASDI e do MDP/CDE

O Sr. Presidente: - Verifico que na galeria se encontram pessoas vestindo camisas com letras cuja colocação permite a leitura de uma frase, porventura reivindicativa ou exclamativa. - Penso que se trata de uma manifestação pacífica, normal, mas que não tem cabimento nesta Assembleia.
Assim, peço às pessoas que ostentam essas camisas o favor de as despirem ou de vestirem os casacos que tinham por cima delas, visto que inicialmente essas letras não eram visíveis, ou o favor de se retirarem. O que se pode ler nessas camisas é a face «Massa, que futuro?» É certo que a pergunta pode ser feita, mas não aqui e agora.

O PS, O PCP, a ASDI, a UEDS e o MDP/CDE aplaudiram os manifestantes, que vestiam os seus casacos.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, não pretendo pedir esclarecimentos
à Sr.ª Deputada que acabou de intervir, mas reservo a palavra para depois de serem pedidos e respondidos os esclarecimentos.

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O Sr. Presidente: - Ficará inscrito, Sr. Deputado. Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Azevedo Soares.

O Sr. Azevedo Soares (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Antes de tecer alguns comentários à intervenção da Sr.ª Deputada Teresa Santa Clara Gomes gostaria de registar, porque não quero levar o facto ao nível do protesto: que após o Sr. Presidente ter referido que esta Assembleia não era lugar para manifestações, ainda que pacíficas, tenha sido na própria Assembleia que a manifestação se tenha verificado e sem ser por forma pacífica ou, pelo menos, fez-se...

Protestos do PS, do PCP. da UEDS e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Queira continuar, Sr. Deputado.

O Orador: - Os Srs. Deputados já estão mais pacíficos?

O Sr. Álvaro Brasileiro (PCP): - O Sr. Deputado é que está agitadíssimo!

O Orador: - Sr.ª Deputada Teresa Santa Clara Gomes: V. Exa. começou a sua intervenção mais preocupada com a forma do que com a substância, esquecendo-se das implicações que ela viria a ter momentos depois. Na verdade, a Sra. Deputada começou por dizer que «ninguém Liberta ninguém» o que «os que se apresentam como libertadores serão os futuros opressores».
Eu nada teria a opor a isto se a meio da sua intervenção a Sra. Deputada não viesse defender, por forma quase clara, o Conselho da Revolução. Mas quem c que foi o fenómeno libertador no 25 de Abril? Será que se pode considerar o MFA, que se arvora em autor da libertação do povo português, como tendo sido depois o opressor do povo português? Mais: o Conselho da Revolução não é o continuador desse MFA opressor? Ou será que a fase da opressão se deve esquecer para que apenas o MFA libertador possa aparecer consagrado nessa perspectiva?
Por outro lado, e este é o segundo comentário que eu gostaria de fazer, a Sra. Deputada impressiona-se muito com o facto de o Governo se propor libertar a sociedade civil. No entanto, esquece-se que esse...
O orador faz pausa, enquanto o Sr. Deputado César Oliveira troca impressões com
a Sr.ª Deputada Teresa Santa Clara Gomes.

A Sr.ª Ercília Talhadas (PCP): - Perdeu-se?

O Orador: - Não me perdi. Estou apenas à espera que o Sr. Deputado César Oliveira preste os últimos esclarecimentos à Sra. Deputada Teresa Santa Clara Gomes...

Risos do CDS, do PSD e do PPM.

O Sr. César Oliveira (UEDS): - Não me queira tirar a liberdade de dar esclarecimentos e de me movimentar nesta Assembleia...

O Orador: - Com certeza, Sr. Deputado, mas eu também tenho a liberdade de querer ver respondidos os meus pedidos de esclarecimento.
Como estava a dizer, a Sra. Deputada esquece-se de que a AD assentava essencialmente a sua proposta eleitoral precisamente na libertação da sociedade civil. É natural que a Sr.ª Deputada, que tanto advoga soluções Libertadoras numa mística terceiro-mundista ou, pelo menos, eivada de sentido terceiro-mundista, não possa reconhecer às próprias forças políticas que integram a AD que tenham colocado a sua tónica política precisamente nesse sentido, contra um Estado que, esse sim, assumia características opressoras, quanto mais não seja pela quantidade de intervenção que tem na esfera individual de cada um.
Era este o segundo comentário que queria fazer, até porque o Governo tem não só o direito como o dever de prosseguir uma política conducente à libertação da sociedade civil. Foi para isso que fomos eleitos e foi para isso que escolhemos este Governo. Assim, não nos impressionarão as suas insinuações de que o Governo, ao libertar a sociedade civil, está a fazê-lo sem que ninguém para tal lhe tenha passado mandato.
Temos um mandato para essa libertação e executá-lo-emos, pelo menos, até 1984.

Aplausos do CDS.

O Sr. Presidente: - Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sra. Deputada Natalina Correia.

A Sr. Natalina Correia (PSDV - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Sra. Deputada Teresa Santa Clara Gomes atribuiu ao Governo a pretensão de assumir messianicamente o papel de libertador da sociedade civil. É evidente que são as forças criadoras da sociedade que libertam essa sociedade civil. Ora, eu não vejo em que é que se pode ver uma atitude oposta a este princípio no Programa do Governo.
Mas o que o Governo se propõe é apoiar essas forças criadoras.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Mais ainda: um governo que se desresponsabilize deste projecto é que é um governo de valor absolutamente nulo.

Vozes do PSD:-Muito bem!

A Oradora: - Quanto ao facto de o Governo pretender modernizar a sociedade portuguesa, pois modernizar é actualizar, tal como quiseram os homens da geração de 70 ao falarem em modernização. E nem por isso eles pensaram alguma vez em sacrificar a cultura portuguesa!
Ora, eu creio que essa cultura portuguesa, essa realidade cultural portuguesa, que convém ser defendida acima de tudo, está defendida no Programa do Governo.

Aplausos do PSD e do PPM.

O Sr. Presidente: - Informo a Sra. Deputada Teresa Santa Clara Gomes de que dispõe apenas de dois (...)

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(...) minutos para responder aos pedidos de esclarecimento que lhe foram solicitados. Se nas suas respostas ultrapassar esse tempo, o excedente ser-lhe-á descontado no tempo de amanhã do seu grupo parlamentar. Tem V. Exa a palavra, Sr.ª Deputada.

A Sra. Teresa Santa Clara Gomes (UEDS): Sr. Presidente, Srs. Deputados: Permutam-me que comece por responder às questões que foram levantadas, relativamente, à sociedade civil, visto que elas foram abordadas pêlos dois deputados interpelantes.
Creio que não está em causa a legitimidade da defesa da libertação da sociedade civil. Eu referi-me explícita e textualmente a duas expressões usadas pelo Sr. Primeiro-Ministro no seu discurso de apresentação do Governo, onde se diz -e volto a repetir- que o Governo impõe-se a missão de libertar a sociedade civil da tutela abusiva do Estado. Usa-se a expressão «a missão que o Governo se impõe de libertar...» e, portanto, está implícito que quem liberta é o Governo. Foi contra esta expressão que me levantei.
Em segundo lugar, referi uma segunda expressão usada na página 17 do Programa do Governo, onde se diz que «o Governo lutará pela libertação da sociedade civil». Foi nesse sentido que eu disse que a sociedade civil tem meios, tem força, tem energia e tem dinamismo para ser ela própria a lutar pela sua libertação e que, portanto, não espera que seja o Governo, a libertá-la. «Que o Governo crie condições para a libertação das energias criadoras do povo português» - repeti esta frase do Sr. Primeiro-Ministro para apoiá-la e dizer que estou plenamente sintonizada com ela.
No que se refere à questão da modernização, também referida pêlos dois deputados interpelantes, direi apenas que o termo «modernização» tem um sentido técnico, e foi nesse sentido que fiz a minha crítica. Evidentemente, se tomarmos modernização como sinónimo de actualização, pois então estarei de acordo - como estive, aliás, em outros passos da minha intervenção - em reconhecer que numerosos sectores da vida nacional precisam de ser modernizados, no sentido de serem lubrificados e actualizados. Mas quando se equaciona modernização e desenvolvimento estamos a entrar noutro terreno. Neste caso estar-mos a dizer que o desenvolvimento é entendido segundo um modelo modernizador, de cópia de alguns países que consideramos modernos e que serão aqueles por que se nortearão os nossos padrões.
Foi nesse sentido que referi e critiquei a utilização do termo «modernização» e o seu conteúdo. Mais do que isso - não é só uma questão formal -, critiquei o conteúdo implícito dado ao modelo de desenvolvimento de cópia europeizante que o Governo nos propõe.
Quanto à alusão feita ao Conselho da Revolução, não me parece que eu tenha feito qualquer defesa desse órgão de soberania, que não precisa, de modo algum, de ser defendido por mim. Apenas disse que lamentava que a plena democracia fosse equacionada com a libertação de tutelas militares. Creio que, para além deste aspecto formal, teremos de continuar a lutar no nosso país pela consolidação da democracia a muitos outros níveis, que vão desde a participação
de base dos cidadãos à forma mais eficaz que é o facto de nós funcionarmos nesta Assembleia.
Portanto, foi em relação à utilização do termo «democracia plena» equacionada com a libertação das tutelas militares que eu me referi ao Conselho da Revolução, e a nada mais do que isso.

Aplausos da UEDS, do PS. da ASDI e do MDP/CDE.

A Sra. Teresa Ambrósio (PS): - Sr. Presidente: Queria fazer um protesto em relação à declaração do Sr. Deputado Azevedo Soares a propósito das palmas do Partido Socialista.
Não obstante respeitarmos e compreendermos que não podia ser outra a atitude do Sr. Presidente da Mesa da Assembleia da República relativamente aos trabalhadores da Messa aqui presentes, não queremos deixar de demonstrar que somos solidários com a luta desses trabalhadores e que até admiramos a sua expressão reivindicativa democrática e o seu civismo ao acatarem imediatamente a posição do Sr. Presidente.

Aplausos do PS, do PCP. da UEDS. da ASDI e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Azevedo Soares.

O Sr. Azevedo Soares (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É só para registar que, embora e novamente pacificamente, a manifestação- continua.

Protestos do PS e do PCP

O Sr. Presidente: - É evidente que estas intervenções contam nos tempos dos partidos. Tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Obviamente, Sr. Presidente, não quis intervir há bocado para não cortar o debate que estava a ser travado em torno da intervenção da Sra. Deputada Teresa Santa Clara Gomes.
Faço-o agora para lhe dizer, Sr. Presidente, que, embora compreenda perfeitamente a atitude que assumiu há pouco, chamando a atenção das galerias, não queria deixar que as coisas caíssem em saco roto. Ora, como estamos no debate do Programa do Governo, temos aqui o Governo e este tem oportunidade de se pronunciar, queria fazer minha uma questão aqui levantada, queria pôr ao Governo - e o Governo responderá quando considerar oportuno- esta questão muito simples: Messa, que futuro?
O Sr. Deputado Azevedo Soares dirá que a manifestação continua, mas continua a ser uma manifestação pacífica.

Aplausos do PS, do PCP, da UEDS, da ASDI e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sra. Deputada Natália Correia.

A Sr.ª Natália Correia (PSD): - Cheguei a ter a esperança de vislumbrar, gostosamente, certos traços anarco-socialistas na Sra. Deputada Teresa Santa Cara Gomes. Estou decepcionada, pois isso levar-me-ia a

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(...) ter uma forte simpatia por ela. Fui-o na minha juventude, mas hoje, já não tenho idade paia o ser...

Risos.

Vozes do PCP: - É pena!

O Sr. César Oliveira (UEDS): - Se fosse só uma questão de idade...

A Oradora: - Pois não, é de classe...
Mas a Sra. Deputada devia congratular-se precisamente por termos um Governo que pretende fazer modernização quando se esforça por colaborar com as forças que querem libertar a sociedade civil do Estado, porque isso é que é modernizar. A tendência é cada vez maus sociedade civil e cada vez menos Estado, pois assim chegamos à modernização.
Estou muito desiludida porque a Sra. Deputada não está contente com o princípio defendido pelo Governo. E suspeito uma coisa terrível: é que pela primeira vez talvez eu tenha de gostar de um governo, o que não me apetecia nada!

Aplausos do PSD e do PPM. Risos do PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Teresa Santa, Clara Gomes.

A Sr.ª Teresa Santa dará Gomes (UEDS): - Só queria voltar a dizer - não sei se a Sr.ª Deputada Natália Correia tem conhecimento disso - que creio ter sido uma das primeiras pessoas que em Portugal usou a expressão «sociedade civil».
Portanto, não tenho nada contra a libertação da sociedade civil, lutarei consigo e com todos os membros do Governo e da Aliança Democrática que estiverem, como eu, interessados na verdadeira libertação da sociedade civil. O que dispenso é que essa libertação nos seja ditada por um governo, pois sou capaz de a assumir na minhas próprias mãos.

A Sr.ª Natália Correia (PSD): - Não vai ser assim.

O Sr. José Vitorino (PSD): - O Governo ajuda!

O Sr. César Oliveira (UEDS): - Especialmente a sua...

O Sr. Presidente: - Tem a palavra para uma intervenção o Sr. Deputado Azevedo Soares.

O Sr. Azevedo Soares (CDS): - Sr. Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro e Srs. Ministros, Srs. Deputados: Pela sétima vez em pouco mais de quatro anos, está esta Assembleia a discutir um programa de Governo. Pela primeira vez, no entanto, sabe estar a fazê-lo para o período de uma legislatura.
Agitação na sala.

O Sr. Presidente: - Chamo a atenção dos Srs. Deputados para a oração do nosso colega.

Risos.

O Orador - E isto por uma razão simples. Aos cinco primeiros governos faltava condições políticas de permanência, nem tinham na primeira linha das suas preocupações a necessidade de estabilidade governativa. Encararam o poder como coisa sua e entenderam a política como mera relação de pessoas e forças políticas. O VI Governo, pela própria natureza das coisas, foi um governo para dez meses. Mas neste curto espaço de tempo, mercê da lucidez e coragem de Francisco Sá Carneiro e da noção de Estado e visão do interesse nacional que, em conjunto com Freitas do Amaral, souberam inteligentemente manter, nesse curto espaço de tempo deram uma nova dimensão a política, entendida esta como acção, contínua e usaram o poder no respeito escrupuloso do mandato popular que lhes fora conferido.
Por isso, a maioria saiu reforçada das eleições de 5 de Outubro. Não apenas no número de deputados eleitos em listas da Aliança Democrática, mas reforçada na certeza de ter interpretado correctamente.» vontade popular:
Não cedendo às pressões dos que (...) se instalaram no aparelho do Estado nem sendo sensível ao desquilate dós que só agora aceitaram a crua realidade de terem sido democraticamente afastados do Poder Executivo, o Governo anterior criou as condições necessárias para que a democracia não seja apenas um jogo de palácios; matame tem escolha consciente dos caminhos a seguir e a gestão participada, - mas firme, da coisa pública.
Foi neste quadro de confiança, mas também de responsabilidade, que se formou o Governo cujo programa estamos a discutir. Governo que, por ser da Aliança Democrática, há-de corresponder ao sentido - e intenção de voto dia. maioria do povo português e ter no seu Primeiro-Ministro a garantia da fidelidade - ao projecto de governo com que nos apresentamos ao eleitorado.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ultrapassado é longo período de sucessivos actos eleitorais é nítida uma certa distensão na cena política Portuguesa terminada
(...) a guerra, da e oposição democrática parlamentar preparam-se para viver com serenidade e período da actual legislatura.
Distinção e serenidade que não podem deixar de ter em conta dois aspectos principais.
Em primeiro lugar, atenção e firmeza permanente face à acção daqueles que, pela sua prática e por concepção própria, tem da democracia um entendimento diverso. Atenção ainda em relação a todos aqueles que, por hábito ou convicção, tendem a desvalorizar o papel que, em democracia, cumpre aos partidos desempenhar.
Em segundo lugar, é necessário que as relações entre a maioria e a oposição democrática assentem, por um lado, no debate frontal das questões de governo e que, por outro, tenham em vista a procura de soluções consensuais para as grandes questões do Estado e da Nação. O mérito de tais soluções não pode, porém, confinar-se à beleza ou à bondade dos métodos utilizados, isto é, o consenso não pode traduzir-se na negação dos contrários, o que necessariamente conduziria a novos impasses no presente e não a verdadeiras soluções de futuro.

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Propor e procurar o consenso para grandes questões nacionais não pode significar para uns a tentativa de inviabilizar as soluções alheias nem para outros a disponibilidade total para abandonar posições próprias. Neste quadro, respeitando-nos mutuamente como maioria e oposição, será possível conferir maior solidez ao sistema, mais eficácia às decisões, melhores condições ao desenvolvimento futuro. E não se confunda, por fim, o consenso desejável nas soluções adoptadas com impossíveis ou não desejáveis consensos políticos a que faltaria identidade sociológica e unidade cultural.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Portugal vai aderir, no decurso desta legislatura, ao Mercado Comum. Questão prioritária da política externa a nossa adesão terá o significado de um avanço no curso normal da nossa história.
Serão novos caminhos de uma mesma identidade, é o mesmo espírito e a mesma natureza. Um povo não regride, ou avança ou morre. E nesse avanço, o sentido pode ser diferente; o ponto de partida nunca será mais o mesmo. É por isso que olharmos para a parte que somos do passado nos impede de vermos a Nação inteirai que continuaremos a ser no futuro. É por isso que iremos para a Europa não nos limitando a ter a Europa connosco. E não se diga que o sonho ou utopia encarar desta forma o problema. Limitada a nossa força estatégica a nível mundial nem por isso deixamos de dispor de uma influência determinante numa área geopolítica decisiva para a segurança do mundo ocidental. Por outro lado, a nossa cultura, o sentido universalista da nossa presença no mundo e a experiência política e social dos últimos anos poderão em muito contribuir para a construção de 'uma nova Europa. Temos assim o direito, e por isso o dever de intervir activa e corajosamente na cena política internacional. É esta a nossa dimensão exacta.
E num tempo em que as questões do desenvolvimento parecem ceder a prioridade às questões da segurança, estas colocam-se na primeira linha dos vectores da política nacional, que ao Governo exclusivamente compete definir e executar. E se outros motivos recentes não o aconselhassem, isso bastaria para reafirmar que, num Estado democrático, só ao Governo compete a função de direcção e gestão das forças armadas. Não é este o momento para abordai em profundidade as questões da segurança interna e externa. Mas há dois aspectos ou, se se quiser, dois pressupostos focados no Programa do Governo que merecem ser realçados: a estabilidade institucional, política e social e a autoridade do Estado.
É inegável que após a fase mais conturbada da Revolução uma das aspirações mais fortes do povo português era a criação de um clima geral de estabilidade e por isso respondeu afirmativamente à proposta de mudança da Aliança Democrática. A esta-bi1 idade não é, porém, um fim em si mesmo, sob pena de ser sinónimo de estagnação. Fazendo parte do projecto global da Aliança Democrática, a estabilidade é elemento do desenvolvimento político e condição do desenvolvimento económico e social. A mudança, essa é a perspectiva dinâmica do projecto e não poderá ser interrompida ou desvirtuada em holocausto à estabilidade.
Mudança, desde logo, ao nível do Executivo, E aqui temos um governo da Aliança Democrática decidido a governar, porque assenta numa sólida maioria parlamentar e capaz de governar porque apenas terá de pautar a sua acção pelo interesse nacional. A autoridade do Estado não é ela também um fim em si mesmo, só pena de se transformar em autoritarismo, mas é indispensável num duplo sentido. Por um lado, a democracia pluralista só se reforça, só existe mesmo, se o Estado for capaz de realizar as tarefas que lhe são cometidas, assim como as liberdades fundamentais só serão respeitadas se não houver hesitações na punição dos que constantemente atentam contra elas, apesar de se apresentarem, tantas vezes, como os seus mais lídimos e amplos defensores. Daí a necessidade de um Estado forte. Mas a autoridade do Estado é ainda necessária para que a libertação da sociedade não se traduza em anarquia ou destruição do próprio Estado. É certo que a Aliança Democrática é, antes do mais, a tradução política de um fenómeno gerado na própria sociedade. Fenómeno de rejeição do Estado burocrata, totalitário e asfixiante. Libertar a sociedade impõe, assim, a reorganização do Estado.
Ora, para além da questão essencial da revisão da Constituição a reorganização do Estado implica a alteração de leis fundamentais como a lei da nacionalidade e a lei eleitoral, por forma a respeitar, sem reticências ou desvios de ocasião, .o fundamento humano da Nação e a permitir uma mais correcta e interessada participação de todos os Portugueses na gestão da coisa pública. Implica igualmente, uma reforma profunda de toda a Administração Pública, a descentralização rápida, mas realista, do Estado, o reforço da autonomia dos Açores e da Madeira no duplo sentido de poder regional e de unidade do Estado.
É rico e ambicioso o Programa do Governo na parte respeitante à justiça. E ainda bem que assim é, pois é na reformação, sem complexos, do nosso sistema jurídico que poderemos levar o Estado ao encontro do modelo de sociedade que preconizamos. A estes aspectos se refere o Programa do Governo e estou certo de que da sua execução resultará em 1984 um Portugal efectivamente mudado.
Mudado estará também Portugal no que se refere à situação económico-social. Cortando com os preconceitos estatistas e com a demagogia socializante, o Governo anterior mostrou ser possível desenvolver uma política reformista que conduza à melhoria do nível de vida de todos os portugueses.
Numa linha de continuidade, já aqui referida pelo Sr. Primeiro-Ministro, o Governo mostra-se firmemente decidido a reorganizar à nossa vida económica, criando uma verdadeira economia de liberdade e conduzindo com rigor uma política de contenção dos preços, de moralização da actividade dos agentes económicos e do Estado, á correcção das injustiças fiscais e de manutenção ou mesmo melhoria dos salários reais. Mas agora, porque se trata de um programa para quatro anos, o Governo na área económica assume uma perspectiva política e propõe-se adoptar critérios de racionalidade económica, não apenas para evitar ou contrariar os efeitos de uma política económica errada mas procurando atacar as causas da crise. Assim, e apenas a titulo de exemplo, no combate à inflação não se tem em vista apenas a contenção dos preços, mas antes se procura no (...)

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(...)aumento da produtividade a melhor arma desse combate. Na política de investimentos não se aceita o Estado messias antes se acredita na criatividade individual e se fomenta a confiança dos agentes económicos privados. No plano económico estamos, assim, decidida e inteligentemente a caminho da Europa.
No plano social, o rigor com que é encarado o problema da habitação e das infra-estruturas sociais, a coragem política com que é quantificado o objectivo de duzentos mil fogos a construir nos próximos quatro anos e a visão realista, corajosa e progressiva com que é encarado o problema da saúde são algumas das razões da esperança que nos anima.
É na área económico-social que o desafio que nos é lançado nos tempos mais próximos é mais duro, por isso mesmo, mais aliciante. É aí também que mais urgente se revela a necessidade de realizar o nosso ideal de progresso e de justiça social.
E porque está em causa o cumprimento de promessas feitas, maioria parlamentar e Governo serão uma força só na prossecução de tais objectivos. Para tanto, conta o Governo com o apoio da maioria parlamentar e dos partidos que a integram, como conta a maioria com a capacidade, a competência e a determinação do Governo. É, pois, uma tarefa que é de todos e à qual ninguém poderá ou deverá eximir-se. Tarefa que, por ser de todos, implica total participação na formação das decisões, por forma a não permitir dúvidas ou resistências à sua execução.
A realidade política é hoje diferente, mas nada é irremediável, principalmente em democracia. E se as condições políticas e pessoais se alteraram, não é com uma visão mítica ou sucessória que melhor se mantém a fidelidade a um projecto como não é tentando desacreditar os instrumentos da sua realização que se mantém a coerência. A dúvida, quando não o cepticismo, é o primeiro passo para novas e diferentes certezas. E são precisamente aqueles que, mostrando-se mais fiéis aos princípios, acabarão por pô-los em causa ao duvidarem e até contestarem os meios.
O projecto da Aliança Democrática vale em si mesmo, para além dos circunstancialismos e das pessoas. porque corresponde ao único consenso cultural e social maioritário possível. É no respeito deste consenso e no empenhamento na realização daquele projecto que a coerência se mantém.
Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo: Contam VV. Exas com o apoio político de uma maioria parlamentar alargada, sólida e estável. Mas porque o projecto da Aliança Democrática não se circunscreve a um projecto de governo, pese embora ser elemento essencial, o nosso apoio reflectir-se-á também na acção parlamentar naquilo que ela contém de diálogo crítico e produção legislativa, no exercício do poder local e na acção partidária. Todos somes, assim e onde quer que nos encontremos, garantia da fidelidade ao projecto global da Aliança Democrática e é nesta óptica que deverá ser entendida da nossa disponibilidade e julgado o nosso empenhamento.
Termino como em Dezembro afirmei nesta Assembleia: o nosso apoio ao Governo existe na exacta medida da nossa fidelidade ao projecto. E porque esta
é total aquele não sofre quaisquer reticências. Assim nos impõe a vontade daqueles que nos elegeram.

Aplausos do CDS, do PSD e do PPM.

O Sr. Presidente: - Acaba de dar entrada na Mesa um projecto de lei sobre a amnistia, apresentado pelo CDS, que foi recebido e despachado para a 2.a Comissão.
Tem a palavra para uma intervenção, o Sr. Deputado Angelo Correia.

O Sr. Angelo Correia (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Encontramo-nos a discutir o Programa do VII Governo Constitucional.
Governo da AD, tal como o anterior, mas ainda de maior relevo e expressão. Governo que sucede ao do malogrado e saudoso Dr. Sá Carneiro, líder incontestado, que em vida foi invectivado por alguns, parte dos quais após a sua morte, fizeram a justiça de o considerarem como ele era. Exemplo flagrante para os que hoje lhe sucedem, para que não se deixem intimidar com adjectivos e epítetos com que eventualmente sejam etiquetados. A história far-se-á um dia, tal como já se está hoje a fazer com Francisco Sá Carneiro.
Antes mesmo da formação deste Governo, certos órgãos de opinião pública que habitualmente lhe são hostis primaram em conceder-lhe benefícios de dúvida, relativamente aos seus próprios propósitos, em querer vê-lo com súbitas colorações, e até a configurá-lo nos seus objectivos e programa como diferente do anterior governo da AD. Dir-se-ia que essa imprensa de oposição queria pressurosamente redescobrir ou até fazer recriar uma nova AD dentro da AD. Mais lassa, menos firme, mais ténue, enfim mais próxima dos desígnios dia oposição. Tal atitude, feita numa base de aparente simpatia e bonomia para o Governo Pinto Balsemão, não representava objectivamente senão um processo de lhe criar dificuldades adicionais. Os nossos adversários ou inimigos sabem, e bem, que este governo durará quatro anos, na exacta medida em que se mantiver a coesão interna da coligação política que o legitima e apoia. Então, tudo o que se faça para minar internamente a confiança na AD contribui para debilitar ou até inviabilizar o seu governo.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A essa luz, as referências elogiosas feitas ao Primeiro-Ministro ou ao seu governo não foram senão fórmulas usadas por alguns para mostrar a sua satisfação pelo desaparecimento de dois dos mais destacados dirigentes da AD, para o que não tiveram a coragem frontal de o fazer ou, em alternativa, o envio de um apresente envenenados, destinado a eventual consumo interno dos aparelhos políticos e eleitorado das forcas integradas da AD. Tratou-se de fazer aquilo que sem êxito tinham tentado no início de 1980, ou seja, dividir a AD. Aquela manobra falhou. Esta também já falhou.
As moções de rejeição ao Programa do Governo presentes são, aliás, a sua tradução e representam a primeira vitória política do Governo neste debate.

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Mostram que no presente a AD existe, não é destrutível, e alguns reajustamentos têm de ser rapidamente feitos em certos discursos, perante o seu próprio eleitorado, e daí a necessidade de o afirmarem por via da moção de rejeição.
Poderá o Governo averbar ainda uma segunda vitória política neste debate se se verificarem sentidos de votação diferentes dos vários partidos da oposição face às moções de rejeição que deram entrada na Mesa. Se tal ocorrer, reforçar-se-á algo que é já uma certeza desde há muito no espaço político nacional: não existem alternativas de governo plausíveis à AD. Ou o País é governável por nós, ou ninguém o poderá fazer em termos de estabilidade e permanência mínimas.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Esta dupla situação, ou seja, a de uma credibilidade política acrescida por parte da AD e a ausência de uma alternativa viável no presente, permite-nos encarar o futuro com alguma tranquilidade, mas nunca com um cruzar de braços. Bem pelo contrário. Portugal precisa da realização do projecto traduzido no actual Programa do Governo. Não faltaremos a essa chamada da história.

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Muito bem!

O Orador:-Sr. - Presidente, Srs. Deputados: No início da década de 80, propõe a AD ao País um esforço e um empenho conjuntos, centrados na democratização e na modernização da sociedade portuguesa. Fá-lo através do concurso cooperante e interligado da sua participação nos vários órgãos de soberania onde exerce o poder democrático. Fâ-lo pois, e per consequência, numa profunda convergência de acções e propósitos do Governo e da maioria parlamentar que ò apoia. Fá-lo não porque sinta que disso vai ter monopólio, mas antes porque se quer comprometer com a iniciativa. Que será naturalmente uma iniciativa de todos os democratas. O compromisso é, pois evidente. Compromisso na democratização, exercida, contudo, em âmbitos diversos. Pelo Governo, quando este tornar ainda mais concreta a justiça social, permitir aumentos nos rendimentos pessoais, promover a diminuição das assimetrias ha distribuição do rendimento pessoal e funcional, minorar as desigualdades regionais, combater a alta do custo de vida, apoiar os mais carenciados.
Ao realizar estas e outras acções, que o seu Programa evidencia, o Governo permitirá a obtenção de condições económicas e sociais que tornam mais viável e sentida a democracia política. O empenho do governo da AD nestes objectivos constitui: um poderoso incentivo à consolidação da democracia.
Compromisso do Grupo Parlamentar do PSD não só no apoio a acções legislativas que tenham em vista aquele fim, mas sobretudo na acção de revisão da Constituição. Ao actual texto constitucional faltam alguns traços de democracia. Tem os elementos democráticos que o momento em que foi feita e os que antecederam o permitiram. Não tem nem mais nem menos do que esses. Mas não tem todos. As restrições que se tiveram de colocar à aplicação da Declaração dos Direitos do Homem são disso um exemplo. As relações entre as forças armadas e o poder político são outro. Tudo faremos para que, perante essas ou outras limitações à democracia, possamos encontrar as fórmulas que melhor a permitam realizar, tendo em conta as próprias exigências que a Constituição impõe para a sua revisão.
Nesse aspecto pomos uma particular ênfase nas relações entre o poder político e as forças armadas. A situação vigente não tem qualquer forma de defesa em termos de democracia, a não ser a que resulta da sua consagração no actual texto constitucional. O facto de o PC dizer que não se opõe à continuação por mais quatro anos do Conselho da Revolução apenas reforça ainda mais a nossa tese. O statu quo é nocivo para a sociedade civil e para a sociedade militar. Mantém uma separação que não é nem correcta nem adequada. Separa o que não é separável, já que as forças armadas partem do povo para o servir. São prestadores de um serviço nacional concebido numa óptica global e integrada, que é a defesa nacional, onde, aliás, constituem instrumento indispensável. Essa separação apenas significa que não existe unidade de comando, direcção e concepção na política de Estado. A continuação desse estado de coisas traduzir-se-ia na política de o. Estado Português se desarmar a si próprio. Dir-se-ia que nos encontramos a prosseguir mais uma política de debilidade nacional, em detrimento de uma verdadeira política de defesa nacional. Paralelamente, essa separação constitui processo potenciador de tensões e desconfianças, o que conflitui com a estabilidade democrática. Mais uma razão, pois, para que a Assembleia da República no momento da revisão da Constituição encontre os mecanismos necessários à realização da democracia nesse campo.
O Programa do Governo aponta nesta matéria para linhas positivas e claras de actuação, que merecem o nosso apoio e que naturalmente terão desenvolvimentos e traduções nos planos constitucional e legislativo.
As relações entre as forças armadas e o poder político sempre foram tema altamente sensível e pertinente na sociedade .portuguesa. CLPSD tem vindo desde 1977 a tentar equacioná-lo e traduzi-lo publicamente, procurando um diálogo com todas às forças políticas nele interessadas. Reafirmamos, por isso, não só a disponibilidade para esse diálogo, como ainda o voto de que tal tema não deva nunca constitui sede para a consolidação de contrapoderes ao nível do Estado, ou como pretexto para o prolongamento das lutas políticas interpartidárias.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - É aspecto demasiado sensível, que requer tratamento prudente e, como tal, uma necessidade de consenso democrático para a sua concretização.
Como mero elemento de reflexão pessoal e, como tal, não vinculativo à força política que represento, sem que com isso não deixe de ter cabimento numa óptica Social-Democrata, julgo que quatro pontos prin- (...)

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(...) cipais poderiam nortear a abordagem do problema:
1.º As grandes opções sobre a política de defesa nacional devem ter um carácter permanente na sociedade. Daí a necessidade da criação de um órgão próprio onde tenham assento o Presidente da República, o Governo e os actuais Chefes dos estados-maiores, como decididores no seu âmbito, face à actual legislação, e que tenha por missão a preparação das linhas de força estratégicas, sobre as quais o Governo define e propõe a sua política de defesa nacional. As grandes opções seriam, pois, analisadas e preparadas nesse órgão, que poderia ser designado por «Conselho Superior de Defesa Nacional».
2.° Competiria ao Governo a propositura da política de defesa nacional, no âmbito do programa de Governo, à Assembleia da República e, após a aprovação desta, a direcção completa das Forças Armadas. As acções legislativas referentes à política de defesa nacional e que não sejam do domínio reservado da Assembleia da República poderiam ser discutidas em qualquer momento, no âmbito dessa mesma Assembleia.
3.° À Assembleia competiria não só a definição dos objectivei da defesa nacional, como também a discussão e decisão sobre a política de defesa inserta no programa de governo, como ainda a legislação nas áreas de seu domínio reservado, mormente o quadro geral de organização da defesa nacional, seus deveres e legislação que no sector contenda com direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.
4.° As decisões de política de defesa nacional seriam tomadas por dois tipos de órgãos distintos, conforme a natureza dessas decisões: as de política global de defesa, a um órgão restrito do próprio Governo, com a presença da mais alta hierarquia militar; as de política militar de defesa, a um órgão de composição predominantemente militar, com a presença do Ministro responsável pela defesa nacional.
Esta proposta, que em seu devido tempo poderá ser traduzida noutros planos, não representa mais do que o meu empenho pessoal na consolidação do regime democrático e até uma disponibilidade para o lançamento de uma pista possível, seguramente criticável e alterável, mas que, se acompanhada por outras iniciativas individuais ou grupais, ajudará à discussão.
Consolidação da democracia, um dos objectivos maiores da governação e da acção parlamentar da AD, mas também modernização da sociedade portuguesa.
Modernização não para firmar novas dependências e tutelas excessivas, modernização não para trilhar caminhos que noutros países já mostraram os seus limites c se encontram esgotados, mas modernização que contemple uma reorganização do Estado, uma dinamização do papel dos grupos e de cidadãos nu procura e feitura do seu próprio destino, na alteração do aparelho produtivo. Modernização, ao fim e ao cabo, permissiva da inovação. Modernização não no sentido de cópia, mas de criação própria.
Somo pois, ainda, uma sociedade em vias de desenvolvimento. O salto qualitativo e quantitativo para estádios superiores só pode ser dado pela assunção de um espírito e de um estilo modernizadores.
Em vários capítulos do Programa do Governo esses traços são bem claros, mormente no papel que a produtividade terá no futuro do progresso do País.
A crise internacional, o encarecimento de equipamentos e matérias-primas obriga a que Portugal encontre pela via de uma crescente produtividade a necessária compensação a tais desvantagens e o processo de ainda alcançarmos acréscimos de rendimento. A referência à produtividade não é feita em termos de mera produtividade do trabalho, mas antes às formas de organização de produção, dos factores, do conteúdo tecnológico mais adequado a uma realidade mais moderna, o mesmo se diga, a uma realidade europeizante.
Não se trata, pois, de um apelo maciço às maiores acumulações de capital ou ao factor trabalho, mas sobretudo a uma crescente incorporação de técnicas e métodos mais perfeitos, em termos de organização e de tecnologia, nos processos de produção e de distribuição. Não que aqueles factores tenham perdido a sua importância, apenas que a maior responsabilidade pela modernização já não lhes pertence. Esse é o desafio que se coloca ao País e que o Sr. Ministro das Finanças lucidamente diagnosticou. Ou os vários agentes económicos incluindo o Estado, se instituem como agentes de mudança e de incorporação de modernidade, ou a sociedade portuguesa estiolará. Tal é só possível em sociedades abertas e competitivas. Abertas à inovação, ao estímulo, ao exemplo. Competitivas na integração das acções de modernização e na sua remuneração, premiando quem as realiza, em detrimento de quem as impeça.
Competitividade que é a condição que permite à competência. Competitividade dentro dos vários sectores onde tal é desejável e possível. Entre empresas públicas, privadas ou cooperativas. Trata-se, pois, de as defender, e não de as destruir. Destruir-se-iam, sim, se um dia entrássemos na Comunidade Económica Europeia com alguns dos actuais pressupostos proteccionistas que se manifestam em alguns sectores. Não têm, pois, razão, quer o Sr. Deputado Almeida Santos, quer o Sr. Deputado Octávio Teixeira, ao falarem da não defesa do sector público. A nossa aposta é a de criarmos condições para que vinguem, mas nunca para mantermos situações de falsa prosperidade, de falsa estabilidade, que a curto prazo a podre cem e aniquilam, quando confrontadas com outros espaços, outras condições, outras tecnologias.
É por isso que situações monopolistas públicas ou privadas são em geral habitualmente hostis à modernização. Dela não precisam para a manutenção de privilégios. Dela não podem esperar senão um desafio à sua própria existência.
O Programa do Governo apresenta-se, pois, como reformista, e não como conservador. Explicita que as necessárias infusões de modernização não partem dos aparelhos político-burocráticos, mas de todos os níveis de sociedade.
Nesse preciso sentido se pode falar de libertação da sociedade civil, através do consequente exercício da responsabilização e da inovação. Esta e a modernização andam de mãos dadas, no sector público, privado ou cooperativo. Esta última implica a noção do risco, que por sua vez determina um prémio ou uma penalização.
Os pressupostos que enumerei e que se encontram no Programa do Governo têm cabimento se os agentes económicos e sociais sentirem realizadas três condições: estabilidade política, definição das regras do (...)

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(...) jogo e ordenamento jurídico permissivo à modernização.
O governo da AD vai assegurar a estabilidade. Vai apresentar à Assembleia da República o Plano de Médio Prazo, que, em conjunto com as reformulações ou inovações legislativas que o seu Programa consagra, tornará claras as regras do jogo. Falta apenas o quadro institucional adequado, que poderá ser alcançado aquando da revisão da Constituição. É bem evidente a importância desse facto paira a obtenção dos dois grandes objectivos a que o Governo se propõe: promover a democratização e a modernização da mocidade portuguesa.
Em síntese, o quadro de motivações que permite a modernização através de várias políticas, em particular a de investimento, pode ser encontrado a breve prazo.
A expressão «milagre português» terá talvez aí o seu cabimento, não tanto em termos de crescimento espectacular, mas sobretudo superior ao que se irá verificar na zona político-económica onde nos inserir-mos. A expressão atrás referida afere também do nosso empenho e do nosso esforço na construção do País.
Mas ainda estamos em vias de desenvolvimento nas zonas da periferia. Mostra-o a escassa fracção que afectamos ao investimento. Aumentá-la é imperioso, até para que um dia possamos sentir a periferia como um passado, e não como um presente. Também nisto não somos conservadores, como afinal é e se revela o Sr. Deputado Octávio Teixeira.
Para tal deslocamento urge alterar razões institucionais e psicológicas, interdição de investir privadamente em domínios vedados, ausência de legislação regulamentadora noutras áreas, critérios excessivamente (...) na formulação da política de enquadramento 4o crédito, mecanismos burocratizantes e complicados, grau excessivamente limitado de automatismo nas dechões, atraso no pagamento de indemnizações, ausência de um verdadeiro mercado financeiro. São várias, das razões de natureza institucional que no plano interno o Governo aponta como causas e que afirma ir ultrapassar. Tem aí o nosso pleno apoio.
O investidor é em geral penalizado face ao agente aforrador. Penalizado no risco que corre, no tratamento fiscal, que o cobre mais completamente que a este último, na burocracia que tem de vencer. Dir-se-á que estamos a privilegiar o investimento e os seus agentes promotores. Estamos de facto, e fazemo-lo em nome de todos os cidadãos, pois só com um esforço acrescido nessa área resolveremos o problema do desemprego, o Estado encontrará os rendimentos que lhe permitirão fazer face a uma política social avançada e os próprios trabalhadores da empresa partilharão os efeitos positivos do empreendimento. Não defender esta perspectiva é regressarmos à economia semiclandestina, às formas de mercado negro, ao privilégio da comercialização sobre a transformação, à fuga ao Fisco, aos circuitos paralelos, às formas primárias do «salve-se quem puder» ou, se quiser-mos, ao quase «capitalismo selvagem». Rejeitamos essas formas.
Vivemos hoje em normalidade. É, pois, normal a exigência de legalidade e de responsabilidade. Saudamos por isso o conteúdo da política económica global que o Programa do Governo encerra. Ela decorre de um modelo que há muito perfilhamos e que traz consigo o remédio certo para a sociedade portuguesa.
Sr. Presidente, Sus. Deputados: Vários decursos que ocorreram nesta Assembleia durante a vigência do VI Governo tornaram claras as dificuldades, para não dizer a debilidade, das propostas e dos discursos das oposições.
Este ano a situação parece manter-se, tenham-se em conta alguns discursos introdutórios. Do PS, por exemplo, não se pode dizer que tenha formulado (...) de fundo, discordâncias com o modelo, alternativas claras de gestão. Foram dúvidas, sobretudo sobre a razoabilidade de se alcançarem objectivos quantificados pelo anterior Governo. Se se deveriam acrescentar mais alguns pontos à inflação, ou menos alguns pontos ao acréscimo do poder de. compra real. Críticas quantitativas, mas não de qualidade, o que significa a aceitação tácita, que não expressa, é .certo, do modelo perfilhado pela AD. Tem sido e vidente a indisponibilidade do PS para a formulação de uma proposta alternativa para o futuro. Dar «talvez que a sua crítica- ou seja pontual e quantitativa, ou seja quimérica, ansiosa, perante uma subversão do quadro democrático que nos imputa, mas que não chega a ver concretizada. Ao oscilar entre o zero e infinito, o PS mostra que não tem medo da alternativa. À crítica quantitativa esconde a sua incapacidade em formular uma crítica qualitativa. Quanto mais satírica e poética a crítica, quanto mais fundada na dúvida de obtenção do? objectivos, mais afinal o modelo da AD como o modelo, aceite pelo PS.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador - Isso tem sido uma vitória para o Governo da AD, mas não representa algo de desejável. O confronto entre modelos, entre apostas para o futuro, é o cerne da disputa democrática. Esperamos que este ano nos traga inovações. Bem o esperamos, e para isso temos agora e teremos no futuro oportunidades várias de o constatar. Se o não fizer-mos: reconheceremos então que o PS terá naturais dificuldades em dizer ao País que aceita o modelo que a AD propõe.
Só que isso o debilitará ainda mais. Aí entronca a acção do Partido Comunista. As suas críticas foram e são sempre duras, no decurso, no slogan, na assunção do seu dogma. Quanto mais violentas na palavra, mais vazias no conteúdo. O Partido Comunista invectiva a AD, sem dizer o que quer em concreto para Portugal. Não que o desconheça, mas porque o não pode fazer.

A Sra. Alda Nogueira (PCP): - Isso não é verdade!

O Orador. - A defesa das economias do Leste Europeu seria com certeza um «iro que nem os seus militantes lhe perdoariam, já que é nesses próprios países que tal sistema é posto em causa. É, aliás, natural que o clamor do PC venha a aumentar. Precisa de fazê-lo quando perde força quantitativa e espaço de manobra.

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Apoiado!

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O Orador: - Sabe que são quase impossíveis as suas hipóteses de exercício do poder democrático em Portugal. Não tem uma política credível de alianças, nunca esteve envolvido num programa comum de governação com o PS ou outras forças da autodesignada esquerda, sozinho não tem força para chegar ao Poder. Ou lhe. resta sempre a tentação revolucionária, ou apanha a carruagem tendente a privilegiar algo que possa emergir como contrapoder no quadro institucional. Talvez isso explique atitudes políticas últimas do próprio Partido Comunista.
Basta diminuir os riscos de proletarização ou frustração de algumas camadas sociais, como o fez o V Governo, e imediatamente a força numérica do PC diminui. Razões externas diminuem-lhe ainda mais a manobra táctica. A que solidariedade revolucionária com potências de modelos homólogos aos que perfilha fá-lo sentir na carne as dores de situações internacionais difíceis. Mais do que com qualquer partido comunista europeu de país ocidental, no PC projectam-se algumas questões de política externa dos países do Pacto de Varsóvia. Como pode, por exemplo, o PC recusar o apoio à resistência da guerrilha alega, invocando-se o artigo 7.° da Constituição? Como pode, por exemplo, deixar de estar ao lado dos trabalhadores polacos que lutam por melhores condições de vida?
A dupla solidariedade do PC, por um lado, à doutrina e, por outro, à relação interpartidária externa lançam-no nos próximos anos num amplo debate interno, que será surdo, que talvez não transpareça para o exterior, mas que nem .por isso o não vai deixar de debilitar muito.
O PC não vai, pois, ser um risco para o governo da AD, mesmo que para isso muito tenha de clamar.

Protestos do PCP.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tem este Governo dois tipos de oposição: uma que tem um modelo alternativo, mas que o escamoteia e o silencia; outra que o não tem, mas que o não pode reconhecer. É com essas realidades díspares que o Governo e a maioria parlamentar vão lidar. Vão fazê-lo no pressuposto de que é necessário mais democracia e maior modernização. Vai o Governo actuar no seu âmbito próprio, a bem de todos nós e também da oposição.
Dr. Francisco Pinto Balsemão, Primeiro-Ministro do governo da AD: a sua missão não é fácil, mas a luta que há muitos anos, mesmo antes do 25 de Abril, vem travando pela democracia, a importância, o relevo e o mérito das suas actuações no passado, as suas inteligência e sensibilidade e o respeito por uma obra iniciada e que agora continua, são penhor e certeza para nós, que o vamos apoiar, que a sua pessoa e o seu governo são os adequados ao espírito e ao estilo da continuação da mudança nos destinos do País.
A nossa solidariedade, o nosso empenho, o nosso esforço, serão garantias para o povo português de que até 1984 Portugal manterá a sua rota de esperança, de dignidade e de progresso.

Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente José Vitoriano.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jerónimo de Sousa, para uma intervenção.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: No seu programa, que pretende ser a estagnação na continuidade da política de Sá Carneiro/Freitas do Amaral, o governo «AD»/Pinto Balsemão faz abundantes referências ao sector empresarial do Estado. Nesta obsessão programática é vertido todo o ódio da «AD» aos trabalhadores, às nacionalizações e à Revolução de Abril, escondendo-se atrás da proclamada «libertação da sociedade civil» para abrir as portas aos grupos monopolistas, o que implicaria a destruição do sector nacionalizado da economia.
Os meios de que se pretende servir para atingir esse objectivo passam pela redução de investimentos, política de preços e de créditos discriminatórios, da venda de empresas ou a sua troca por títulos de indemnização. A repressão e a violação dos direitos e interesses dos trabalhadores deste sector são também um meta da «AD».
Das afirmações do Sr. Primeiro-Ministro sobre o sector público e nacionalizado houve uma que nos ficou no ouvido. Dizia que era necessário libertar as capacidades criadoras do povo português. Pego-lhe na palavra, Sr. Primeiro-Ministro. É ou não verdade que o Governo não aceita as propostas e soluções apresentadas pêlos trabalhadores e pelas suas organizações de classe visando a viabilização das empresas?!
A Lei n.° 46/79, aprovada nesta Assembleia, reconhece aos trabalhadores o direito de elegerem representantes seus para os órgãos de gestão das empresas do sector empresarial do Estado. Cerca de SOO 000 trabalhadores fizeram-no, elegendo, nos termos da lei, dezenas de representantes. Até hoje os trabalhadores eleitos foram impedidos de entrar em funções devido à proibição ilegal e arbitrária do governo «AD», impedindo assim a participação criadora dos trabalhadores na gestão das empresas, públicas, nacionalizadas ou participadas pelo Estado. Das duas uma, ou o Sr. Primeiro-Ministro esteve a fazer demagogia, ou então para si e para a «AD» povo português é apenas o grande patronato, arredando as classes trabalhadoras dessa participação e até dos seus direitos legais e constitucionais, ao mesmo tempo que acena com & cenoura da participação no capital e lucros os EPs (abrindo caminho à sua reprivatização).
Outro aspecto grave que ressalta no programa «AD» é a imposição inequívoca de um tecto salarial de 16 % para os trabalhadores do sector empresarial do Estado. No capítulo da política económica global, na página 20, o Governo considera imperativo para o sector público que a evolução da massa salarial st fique pelo limite da inflação prevista para 1981. A manobra é tosca, mas perigosa. O Sr. Primeiro--Ministro jura por todos os santinhos que a inflação não vai ultrapassar os 16%. Nenhum governo competente faria tal afirmação redundante, tendo em conta que existem factores internos e externos que podem alterar até as boas intenções (se ás houvesse). Mas o que se pretende, afinal, é impedir que os trabalhadores reivindiquem mais do que isso, degradando assim as suas condições de vida.
Em Março do ano passado o então Primeiro-Ministro, Sá Carneiro, anunciou um tecto salarial. A luta (...)

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(...) dos trabalhadores fez recuar Sá Carneiro e o seu governo. Será pela luta que os trabalhadores farão recuar também o governo «AD»/Pinto Balsemão.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador. - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Partido Comunista Português tem sustentado a tese de que a melhoria cias condições de vida dos trabalhadores e do nosso povo, assim como a resolução dos grandes problemas nacionais, passa pela defesa e manutenção das grandes transformações democráticas alcançadas no campo social, económico e político depois do 25 de Abril. Não entende assim o governo da «AD».
Por isso, para além dos propósitos anunciados no Programa, assiste-se hoje a uma ofensiva generalizada contra o sector empresarial do Estado e contra os trabalhadores que ali trabalham. Vale a pena denunciar aqui a chamada «competência» da «AD» neste campo.
Na RN (Rodoviária Nacional) o acordo de saneamento económico-financeiro tem sido sistematicamente violado pelo Governo. Por exemplo, em 1930, e de acordo com ele, com base em cálculos feitos pelo conselho de gerência, a RN devia ter recebido 1,8 milhões de contos de indemnizações compensatórias. De forma arbitrária e sem qualquer justificação técnica, o Governo atribui apenas 415000 contos, que é menos de metade do recebido por esta empresa em 1979. Para além dos problemas que irão atectar a empresa e o público utente, mais uma vez serão os trabalhadores a pagar a factura da «AD». Na Transtejo, uma proposta de acordo de saneamento económico-financeiro está na gaveta dos Ministérios há :á três anos. Na TAP, apesar de o acordo económico-financeiro ter sido assinado em 16 de Novembro de 1980 o Governo recusa-se a cumprir a alínea c) do n.° 2 do seu artigo 3.°, o que significa para esta empresa um prejuízo avaliado em mais de 1,8 milhões de centos. Na CP, a situação é semelhante.
Na Covirra os gestores da «AD», em nome da propalada austeridade, que aqui ouvimos constantemente, a primeira coisa que fizeram foi comprar viaturas e mobiliário luxuosos para uso exclusivo, enquanto negoceiam com a multinacional Saint Goban a possibilidade da montagem do sistema flot, que, a médio prazo, vai permitir o estrangulamento da Covina nacionalizada e consequentes despedimentos. em massa.
Na Setenave, a empresa é declarada em situação económica difícil e impede-se a compra da estação de desgasificação da Mitrena, com os prejuízos resultantes para esta empresa nacionalizada e em benefício da Lisnave.
Nas empresas participadas, onde o Estado detém capital determinante ou preponderante, assiste-se ao desmembramento dê alguns sectores mais rentáveis e ao arrastamento dos processos de viabilização e investimento, como acontece na Sorefame e na Utic. Pela sua actualidade, fecho esta série de; exemplos com o caso da Messa, onde 1400 trabalhadores chegam sempre ao fim do mês com o credo na boca, à espera de não receberem salários ou verem a empresa encerrada por falência. Ao fim de tanta promessa continua a não haver investimentos à produção e a existir um claro estrangulamento financeiro provocado pela má gestão. Propositadamente, o Governo demite-se da sua quota de responsabilidade. Hoje os trabalhadores perguntam: Messa que futuro? Isto provoca a irritação daqueles que talvez preferissem ler: Messa encerrada por falência -1400 trabalhadores no desemprego.
Se em todas estas situações pudesse haver algum humor, eu diria, como constantemente aqui repete e Sr. Deputado Pedro Roseta, que a «AD» faz o mal e a caramunha.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Essa paga direitos!

O Orador. - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os trabalhadores percebem cada vez mais que a defesa das nacionalizações passa necessariamente pela defesa dos seus interesses e direitos. Que elas são parte integrante dos valores de Abril.
A «AD» vai tentar destruir esta grande conquista. Mas, tal como em 7 de Dezembro se provou, o 25 de Abril, as nacionalizações, a Reforma Agrária e c controle de (gestão têm raízes profundas no coração dos trabalhadores portugueses. Eles saberão lutar para vencer os desígnios de quem como este governo e com este programa bem gostaria (e não conseguirá) de fazer recuar á história dê o progresso.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura,

A Sra. Helena Odete Moura. (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: O programa que o actual governo propõe a esta Assembleia, no que se refere à comunicação social e à cultura, é lido por nós hoje com tristeza e certa apreensão e teria merecido, no tempo de Eça de Queirós, aquelas, palmas, de retórica que o escritor refere como mal nacional.
Ouçamos:

A vitalidade, a expansão, a diversificação e a transparência da comunicação social; por indicarem um acréscimo de informação dentro de uma comunidade, autonomizam-se de simples óptica quantificada do progresso e podem inserir-se com toda a propriedade na área dos aspectos qualitativos do bem-estar social.

Não temos a pretensão de perceber tudo, mas gostaríamos de entender, pelo menos, o que significa «acréscimo de informação»! Este estilo revela uma confusa paisagem interior e a incapacidade de assumir a trave mestra de uma ideia, posição intelectual esta totalmente avessa à comunicação social válida.
E, no entanto, o problema da comunicação social é teoricamente simples: trata-se apenas de enviar mensagens de verdade, correctamente elaboradas, respeitando o jornalista, que as emite, e o público, que as recebe. Criar condições para que isto seja um facto é a função do Governo.
Para que a mensagem seja verdadeira e correctamente elaborada é necessário, em primeiro lugar, que (...)

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(...)o pluralismo da informação seja um dado adquirido pelo Governo, não só por ser preceito constitucional, mas porque «lê é elemento fundamental do estabelecimento das relações democráticas, de hábitos culturais e de diálogo; em segundo lugar, é também necessária e urgente a criação de um centro de jornalismo aberto, útil e acolhedor, com uma biblioteca, uma sala de conferências e espectáculos, um parque gráfico e uma boa escola pública de jornalismo que substitua as esporádicas aulas envergonhadas numa cave ou dispersas pêlos cursinhos particulares abertos à frequência dos privilegiados.
Jornalistas há que idealizam este centro no velho edifício de O Século. O MDP/CDE apoia vivamente esta ideia e entende que ela, ou equivalente, deve ser urgentemente realizada, para que se criem condições que permitam que os problemas da comunicação social sejam equacionados ao nível a que devem sê-lo.
Alínea importante deste programa é, pois, aquela em que o Governo se obriga, nos termos constitucionais, a rigorosa isenção e pluralismo. Isto terá de significar que o Governo vai, finalmente, respeitar e fazer respeitar os conselhos de informação, os conselhos de imprensa e os conselhos de redacção. Se tal se verificar, o MDP/CDE aplaudirá com satisfação. Permitimo-nos, no entanto, uma enorme descrença, baseados na política do governo anterior, que este governo diz prosseguir, baseados no total vazio das linhas programáticas e sobretudo baseados na mentalidade governamental, de que é exemplo paradigmático o caso do presidente da RTP.
Entendemos que Proença de Carvalho, assumindo o cargo de presidente da RTP para eleger Soares Carneiro, tudo fez para o .conseguir; só que a tarefa que lhe foi distribuída era difícil: mostrando e louvando em demasia uma imagem que repugnava ao comum dos cidadãos, acabou por prejudicar a eleição do candidato da AD.
Proença de Carvalho não cumpriu a missão - demitiu-se. É um comportamento muito estranho no contexto da tal sociedade civil liberta, atributo supremo deste governo, comportamento que denuncia uma forma de conceber o cargo de presidente da RTP impensável em democracia e que apresenta até algumas tonalidades fascinantes.
Mas mais grave do que estes estranhíssimos mecanismos interiores é o aspecto que o facto revestiu perante o povo português. O Dr. Proença de Carvalho pretendeu compensar-se, louvando-se, de uma forma exibicionista, na sua pureza democrática, julgando-a incompatível com a eleição de um Presidente da República que recolhe 56,4% dos votos dos Portugueses, e a sua alma atormentada só sossega com o penhor da palavra de um destacado dirigente político da sua confiança, que lhe assegura haver, afinal, democracia!
Como pode o Dr. Pinto Balsemão dar cobertura a tal história! Os histerismos provenientes do cruzadismo provinciano, iniciado pelo outro governo, não podem ser aceites pela personalidade do actual Primeiro-Ministro.
Apesar de sermos oposição, compreendemos os interesses imediatos que a maioria governamental tem na conservação da AD, mas o MDP/CDE tudo fará para que a defesa desses interesses transitórios não afundem a democracia e não nos tornem pasto das chamas purificadoras da extrema direita obsoleta, ignorante, caceteira e obscurantista.
O MDP/CDE entende que qualquer credibilidade do Governo em matéria de comunicação social passa pela substituição imediata de Proença de Carvalho; passa pela substituição imediata da comissão administrativa da RDP, de acordo com recente recomendação unânime do seu conselho de informação; passa pela reintegração imediata dos trabalhadores da comunicação social; passa por uma política de competências e de repescagem dos técnicos que foram para a prateleira, para que sejam assegurados um mínimo de justiça, uma certa qualidade à comunicação social e um certo repouso ao público, massacrado já por quarenta e oito anos de fascismo!
Quanto ao sector da cultura, o Programa não é mais animador. É fácil entender-se, ao ler este programa, que o Governo não tivesse tido capacidade para criar um ministério da cultura. Ele não tem uma política de cultura. Tal como aconteceu no anterior governo, este executivo assume, face à cultura, uma posição anticultural, intelectualista e elitista. Se a cultura aparecesse, por milagre, no meio deste programa de acção, acontecia-lhe como ao tocador de flauta que estragava com a sua música o congresso de musicologia.
A definição de cultura da actual Secretaria de Estado, pesada de intelectualismos, faz-nos temer que este departamento tenha veleidades de se considerar como um organismo oficial «criador de cultura», e não como um mero gestor, administrador e estimulador das mais variadas manifestações e acções culturais a todos os níveis é na generalidade das regiões portuguesas, onde só uma política de real descentralização cultural, a da fixação local dos agentes culturais, poderá dar frutos.
A cultura não é o produto do ócio e do lazer, mas dos momentos criativos de trabalho. A cultura não se cola em cima da vida, não é a arte de bem escrever e de bem falar; a cultura é uma actividade transformadora.
Reduzir a cultura das classes trabalhadoras ao artesanato e ao folclore é ver o mundo numa perspectiva de bilhete postal! Da mesma forma que reduzir o conceito de criação cultural a uma expressão individualista de relação do homem com o amor, a vida e a morte é desconhecer a presença inevitável da humanidade que qualquer expressão cultural transporta.
Os artistas, Srs. Ministros, não precisam de que o Estado lhes encomende as obras, precisam, sim, que o Estado as compre, que crie organismos de divulgação e difusão, que subsidie as matérias-primas: o papel, as tintas, as telas, os materiais de escultura, guarda-roupas, cenários, filmes, instalações e o próprio barro que é preciso transportar, etc.
Ao Governo cabe humildemente ter sensibilidade, amor e respeito pela obra de arte, agir sem preconceitos estéticos ou ideológicos, com a certeza de que a cultura centralizada e estatal é a cultura asfixiante que paralisa a criação artística, que baixa a criatividade de um povo e que pode instalar um clima de autocensura, obrigando cada artista a ter de permanentemente resolver o dilema: ou venda da obra de (...)

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(...) arte ou a liberdade de expressão. Este é de novo o mesmo caminho do desespero dos governantes da cultura, já que não conseguirão governamentalizá-la. O Programa do Governo não menciona formas institucionais de acção, colaboração ou participação, nem mesmo o Instituto Português do Livro, já criado. Ele próprio se encarregará de tudo, principio e fim da cultura.
O Governo Francês, em vez deste espírito tarefeiro e intrometido que define este novo executivo, limita-se a inscrever no seu orçamento uma rubrica destinada à exportação de bens culturais, dando à cultura francesa a dimensão universal que este governo paternalista nega à cultura portuguesa. Face a este programa, esperamos com curiosidade o nosso OGE de 1981.
De salientar o pouco realce dado à defesa do património cultural levado a cabo pelas próprias populações, no teimoso desconhecimento de que o povo não só é herdeiro do património cultural, como a personagem activa do futuro.
Quanto à emigração portuguesa, ela é vista de uma forma paternalista, como receptáculo de encomendas - exposições, conferências, etc., no desconhecimento de que es núcleos de emigrantes necessitam sobretudo de expressar e de culturalmente viver a sua experiência de trabalhadores emigrantes no estrangeiro.
Foi assim que este ano, para festejar Eça de Queirós, foram de avião cozinheiros e iguarias e se pagou uma fortuna por simples ovos escalfados em S. Paulo, no Brasil. A política cultural do governo anterior transcende a imaginação de Eça de Queirós!
Em relação à política de intercâmbio e cooperação cultural com os países de expressão portuguesa, e apesar de o Programa falar, com grande agrado nosso, na língua portuguesa, não está explicito como se concretizará essa cooperação e se de facto o privilégio da identidade da língua merece a criação de estruturas destinadas especificamente a incrementar essas relações, que nada têm a ver com relações diplomáticas de governos com governos, mas são antes relações de fraternidade entre os povos.
Que diremos da boa vontade em comemorar centenários, passado que foi em branco o centenário de Camões? Resta-nos esperar!
Este programa prenuncia novo desastre na Secretaria de Estado da Cultura. Esta incompetência para definir uma política cultural válida, alimentada na dinâmica do povo, revela a incapacidade deste governo para governar democraticamente.
A democracia, Srs. Ministros, parafraseando Frei António das Chagas, tem de andar metida no coração, não é um guizo ao pescoço para ajudar a percorrer de forma mais amena e simpática, de braço dado com a direita antidemocrática, os caminhos que levam à ditadura. A democracia é, antes de tudo, uma escolha do estatuto social que cada um está disposta a assumir, face às suas relações com a sociedade, e é, em consequência, uma organização social.
Não se pode criar democracia ao serviço de interesses antidemocráticos.

Aplausos do MDP/CDE, do PS e da ÜEDS.

O Sr. Presidente: - A pedido do Governo, dou agora a palavra ao Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, que tem dentro de momentos um compromisso de Estada

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem V. Exa a palavra.

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - O Sr. Presidente, depende do compromisso... E, se V. Ex.ª me diz que é um compromisso inadiável, nós poderemos até considerar, mas já é a segunda vez que é alterada a ordem de inscrição sem consulta prévia a quem devia ter sido ouvido, que são os grupos parlamentares. Simplesmente, o Governo pede à Mesa a alteração da ordem de menções e a Mesa altera!
Não pode ser assim, Sr. Presidente. Se os grupos parlamentares se não opuserem e houver de facto o compromisso alegado -se foi alegado, é porque há um compromisso que obriga o Sr. Ministro a ausentar-se rapidamente -, pois não nos opomos. Mas não pôde é ser assim. O Governo pede à Mesa, não diz
nada a ninguém, essa Mesa altera. Isso é que é inaceitável

O Sr. Presidente: - Ponho à consideração dos grupos parlamentares se sim ou não autorizam o Sr. Ministro dos Negócio Estrangeiros a intervir já.

Pausa.

Como ninguém se manifesta, não há oposição.

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Já agora pedia ao Sr. Ministro que dissesse se vai falar por muito tempo ou por pouco tempo...

Risos.

O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros

(André Gonçalves Pereira): - Não muito, Sr. Deputado.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros.

O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Principiante nestas tarefas parlamentares, como nas governamentais, muito folgo em que, por intervenção do Sr. Deputado Veiga de Oliveira, a Assembleia tenha, ainda que quase tacitamente, exprimido o desejo de me ouvir.
O que tenho a dizer é muito breve, porque é muito largo o mundo e muito curto o tempo que prometi usar. E por isso direi apenas que os Srs. Deputados verificaram já que não há grandes alterações no programa de política externa deste Governo em relação ao anterior.
Não que não se tenha consciência de que se trata desta vez de um programa de legislatura, concebido dentro de uma perspectiva de quatro anos, em que se alcançarão muitas das metas que no Programa anterior estavam apenas enunciadas.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Tanto também não!

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O Orador: - Mas, porque a opinião do Governo é a de que a condução da política externa pelo anterior executivo se revelou eficaz e dignificante do país...

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Muito bem!

O Orador: -...direi que, em minha opinião, isso não se deveu apenas ao talento dos homens, que existiu. E aproveito para evocar a sentida memória de Francisco Sá Carneiro e também para prestar homenagem à gestão que no Ministério dos Negócios Estrangeiros fez o meu antecessor e querido amigo Diogo Freitas do Amaral.

Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.

Gestão que pude seguir do exterior, e, agora, que tenho estado a apreciá-la do interior, verifico que fez uma gestão dinâmica, coerente, firme e profundamente pensada, o que torna difícil igualá-la, mas torna ainda mais apaixonante o desafio de a melhorar.
Fundamentalmente, a política externa do Governo terá de se exprimir por uma única voz - refiro-me à política nacional. Não, que, naturalmente, as vozes da oposição não tenham toda a legitimidade para se fazerem ouvir no exterior; mas, perante os nossos amigos e os nossos adversários, c indispensável que haja uma voz única a exprimir a política externa do Estado, e essa voz é constitucionalmente a do Governo - e será normalmente a do Primeiro-Ministro ou a minha.
É indispensável que os nossos amigos e os nossos adversários saibam aquilo com que podem contar. E falo em amigos e adversários, porque não temos neste momento inimigos. Temos ideologias que consideramos inaceitáveis para a família política em que nos queremos integrar, mas Portugal não está em conflito aberto com nenhum Estado do mundo.

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Temos divergências pontuais graves com alguns Estados, a mais grave de todas com a Indonésia quanto ao destino de Timor-Leste, mas não estamos em conflito com nenhum país do mundo.

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Muito bem!

O Orador: - E aproveito para chamar a atenção daqueles a quem estes assuntos particularmente interessam de que, embora se esteja num momento de tensão internacional particularmente grave per acontecimentos emotivos que todos conhecem, Portugal não tem nesse agravamento de tensões qualquer interesse, nem obviamente é da iniciativa portuguesa esse agravamento. Pelo contrário, as várias acções sobre a sociedade civil, de que hoje já se falou largamente, incluindo também a pacificação da sociedade civil, tal como o Sr. Primeiro-Ministro referiu no discurso de posse, exigem também a paz internacional.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Onde está ela?!

O Orador: - Não há ainda, minha senhora, mas V. Exa certamente saberá em tempo.

Risos.

Não temos assim qualquer interesse no alargamento das tensões internacionais; simplesmente verificamos como um dado que se estão a formar condições para um maior afrontamento.
As acções militares desenvolvidas o ano passado pela União-Soviética com a persistência da ocupação militar do Afeganistão; o facto de sabermos - e todos os dias chegam informações sobre isso a V. Exa - que o dispositivo militar soviético está, desde há três meses, preparado para intervir no Polónia quando o entender necessário; o facto de ter tomado posse há cerca de duas horas uma nova Administração americana, cuja compromisso eleitoral é o aumento do poderio militar - são razões que levam a um agravamento objectivo dás tensões.
Este facto não deixa de recordar que, no final da 2.a Guerra Mundial, quando se iniciou o período dá «guerra fria», perante uma ameaça da hegemonia soviética que nessa altura se desenhou, a cooperação que pôde estabelecer-se no mundo ocidental abrangeu e ultrapassou muito as fronteiras da actual coligação governamental, porque, na Europa desse tempo, sociais-democratas, socialistas cristãos-democratas e liberais deram-se as mãos em vários tipos de alianças. A situação será hoje tão ou mais ou menos grave conforme a afirmação que cada um faça dele. Mas isso faz com que certos reforços de aliança se dêem naturalmente.
Na perspectiva portuguesa, as' prioridades de acção externa do Estado são no futuro aquelas que foram definidas no discurso de posse do Sr. Primeiro-Ministro e também, simultaneamente, nos dois discursos que é Sr. Presidente da República teve recentemente ocasião de proferir: a fidelidade à aliança da NATO - embora possa haver discordância entre o Governo e a oposição democrática sobre ó que significa exactamente esta fidelidade - e a adesão à Comunidade Económica Europeia.
Penso que estas linhas de força abrangem em si um consenso que talvez exceda um pouco os limites da Aliança Democrática, nomeadamente no que se refere às acções a empreender para a adesão ao Mercado Comum Europeu no mais breve espaço de tempo possível. Nesse ponto a nossa previsão coincide com a do Presidente Thorn, de que à adesão se fará quer durante o mandato do Presidente Thorn, quer durante o mandato do presente Governo, e possivelmente muito antes do fim de qualquer deles. Contamos com a força da oposição democrática para essa Europa, com o peso do Partido Socialista, cujo patriotismo não nega o auxílio à Pátria nos momentos de necessidade (e também o não tem negado quando são as liberdades quis estão em causa) a história do PS demonstra-o interna e externamente.

A Sra. Zita Seabra (PCP): - A AD é que não!

O Orador: - No seu tempo, minha senhora. Só para dizer teso, ofereço-lhe o meu.

Risos.

Muito brevemente, porque o tempo não permite que me alongue, direi que serão prosseguidas estas unhas de força. Noutra ocasião terei talvez possibilidade de me referir com maior vagar à integração (...)

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(...)europeia e às acções de cooperação com os Estados de expressão oficial portuguesa, que são também uma das prioridades da acção da política externa deste Governo.
Por ora, apenas direi o seguinte: encontramo-nos numa hora. extremamente difícil de tensões na vida internacional. Portugal tem o seu papel a desempenhar no contexto internacional, Portugal é fiel às alianças que assume para que o& seus aliados sejam também fiéis com elas, o mundo pode contar com a palavra do Governo Português - e só exprimem legitimamente a posição de Portugal no mundo aqueles órgãos de soberania que resultam inequivocamente, directa ou indirectamente, de sufrágio popular.

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Muito bem!

O Orador: - O veredicto sobre a acção do Governo, que envolverá também um veredicto sobre a política externa, será dado pelo povo dentro de quatro anos.

A Sra. Zita Seabra (PCP): - No seu devido tempo.

O Orador: - Mas a este primeiro exame - e confesso que desabituado já de estar nos exames na posição de examinando, estava um pouco receoso, e continuo, em virtude das perguntas que não deixarão de ser feitas-, nos termos da Constituição, submete-se o Governo com o maior gosto, pois essa é a regra da democracia.

Aplausos do PSD. do CDS e do PPM.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Sampaio.

O Sr. Jorge Sampaio (PS): - Sr. Ministro, V. Exa pode estar, preso eu, gratificado, porque não lhe irei perguntar qual é a dimensão do Governo no que respeita à libertação da sociedade civil internacional. Já tivemos a nossa conta quanto a libertação da sociedade civil no interior e a experiência de V. Ex.ª será penhor suficiente para que dessa pecha libertadora internacional nos poupe, pelo menos a esta Assembleia e também ao País.
Todavia, se como V. Exa referiu na sua intervenção a posição do Partido Socialista, atrevo-me a formular algumas questões, também limitadas pelo tempo, tal como aconteceu a V. Exa, e aproveito para solicitar ao Governo que a utilidade deste debate sobre as questões internacionais não se confine a «um debate puramente de passagem, mas, como está em causa o destino colectivo do Estado e dos portugueses, que ao menos tenhamos sobre ele uma vivência permanente e aprofundada.

O Sr. Gomes Carneiro (PS): - Muito bem!

O Orador: - Que acções, portanto, Sr. Ministro, desencadeará o Governo para, no quadro dos nossos compromissos tradicionais, promover ou apoiar iniciativas que no quadro multilateral e no plano bilateral, considerando a situação presente que V. Exa caracterizou, facilitem um eficaz desanuviamento e que, por outro lado, possam favorecer quer medidas de desarmamento controlado quer novas formas de cooperação internacional? O Programa do Governo, por outro lado, afirma
- deve tratar-se de simples lapso, que V. Exa, atento professor de Direito, já corrigiu - que vamos aderir convictamente a esse espaço de liberdade, de democracia e de pluralismo que é a Europa. Há aqui um manifesto equívoco, resultante talvez de uma concepção mercantil da comunidade; aquilo a que vamos aderir de facto é às Comunidades Europeias, não à Europa, a que há muito pertencemos. Será indispensável que este equívoco não perdure, sob pena da amputação da nossa identidade e da nossa capacidade de participar na construção europeia e, sobretudo, na construção da Europa alargada.
Como agora também nos é oferecida, com grande primor estilístico, a frase de que a política, externa será prosseguida sem subserviências nem arrogâncias - e será tarefa dos historiadores saber a quem se destinava este conjunto de frases extremamente importante no Programa (fl. 52)- e dizendo-se também, nesse mesmo Programa, quê á adesão dê Portugal à Comunicada Económica Europeia não será feita de qualquer forma e a qualquer preço - V. Exa leu atentamente o debate que em torno desta questão aqui, se passou a propósito da discussão e votação da moção de confiança-, tem ó Governo para o próximo futuro, e considerando-as circunstâncias apontadas e outras que também referiu na sua intervenção, alguma nova estratégia paira ás negociações? Se sim, qual e quais as suas grandes linhas?
Por outro lado, sendo evidente que na Comunidade Económica Europeia se processa um profundo debate interno sobre o sentido e alcance da sua reestruturação, que fatalmente atingirá qualquer novo candidato, pretende o Governo inserir na sua postura negociai a tomada de posição sobre essa reestruturação ou, em qualquer caso, que posição tem o Governo sobre os problemas que nessa sede se colocam e sobre as consequências que essa reestruturação trará?
No quadro da salvaguarda dos nossos interesses reais e profundos, pode o Governo esclarecer em que sentido pretende, se pretende, contribuir, quer em benefício do País, quer em benefício da Europa alargada, como elemento estabilizador quer dos conflitos internacionais quer dos desequilíbrios regionais existentes, ou seja, para efeitos da protecção real dos interesses políticos, económicos e culturais do País, qual é a capacidade de iniciativa autónoma que o Governo reivindica para si na área internacional, e quais ao iniciativas de desbloqueio dos conflitos e das desigualdades que pretenderá accionar?
Finalmente, que significado tem (p. 52 do Programa) e que novas responsabilidades disso decorrerão para o País a solidariedade explicitada com o reforço da Aliança Atlântica, formulação que é efectivamente nova neste Programa por contraposição com o Programa anterior?
O tema do relacionamento com os países de expressão oficial portuguesa desaparece, pelo menos em termos de análise sistemática, do capítulo das opções fundamentais do Governo. Houve, de facto, em termos de análise sistemática, uma mudança de posicionamento deste capítulo, que no Programa anterior era configurado nas grandes opções da política (...)

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externa? Terá isso algum significado? Se não tem, que política vai na prática seguir-se? Que instrumentos fundamentalmente se vão pôr ao serviço dessa política?

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, há mais pedidos de esclarecimento. Deseja responder já ou no fim?

O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros: - Respondo no fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Então tem a palavra o Sr. Deputado César Oliveira.

O Sr. César Oliveira (UEDS) - Sr. Ministro, ouvi V. Exa com muita atenção; porém, houve uma passagem da sua intervenção que não percebi muito bem. É sobre essa passagem e sobre um outro ponto que lhe colocarei duas questões muito rápidas, porque c meu tempo é curto e o de V. Exa também.
A primeira questão é a seguinte: disse V. Exa que Portugal não estava directamente envolvido em nenhum dos conflitos existentes actualmente. Quer isto dizer que poderemos extrair as lógicas consequências em relação à frase citada pelo Sr. Deputado Jorge Sampaio - «da (...) e da arrogância» -, ou reja, se o facto de Portugal não estar envolvido em nenhum conflito poderá contribuir para um progresso no mentido de uma maior independência em relação aos Estados Unidos, per exemplo, que não se vislumbrou no executivo anterior?
A outra quentão é a seguinte: diz se V. Exa que a União Soviética tem preparado há três meses um dispositivo militar para a invasão da Polónia. Pode o Sr. Ministre adiantar-nos mais alguma coisa do que a simples enunciação da frase pode permitir?

O Sr. Presidente: - Como mais nenhum Sr. Deputado se inscreveu para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Ministro dos Negocies Estrangeiros para responder.

O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros: - Infelizmente terei de ser muito breve.
Ao Sr. Deputado Jorge Sampaio direi que não confundo a geografia com a política e, portanto, obviamente, a Europa a que nos referimos é a Europa política e o Sr. Deputado compreendeu-o perfeitamente. E dispunha certamente de mais tempo do que eu.
Quanto à adesão à CEE e à posição que viremos a tomar quanto à reestruturação que se venha a operar, não temos qualquer posição prévia em relação a essa ré estruturação, tentaremos seguir o que se passar no interior das comunidades. Como o Sr. Deputado (...) não temos meios directos para intervir nessa reestruturação, apenas estamos atentos a tudo o que se passa a esse respeito.
Quanto ao sentido que eu quis atribuir ao reforço da Aliança Atlântica, que efectivamente não aparecia nestes termos no Programa anterior - e não espanta que haja alguma diferença entre os programas, mas o facto de não haver muita diferença algum trabalho terá preocupado ao Sr. Deputado Jorge Sampaio-, direi que é apenas um reflexo da situação existente. As iniciativas para esse reforço dão-se durante os últimos meses deste ano e era a isso concretamente que me referia.
Quanto ao Sr. Deputado César Oliveira, direi que desta vez fui eu que não o compreendi. Perguntou o Sr. Deputado se o facto de Portugal não estar em conflito tinha alguma coisa que ver com subserviência ou arrogância.

O Sr. César Oliveira (UEDS): - Posso interrompê-lo, Sr. Ministro?

O Orador: - Lamento muito, Sr. Deputado, mas o tempo que disponho é curtíssimo.
Quanto à subserviência não sou especialista, e apenas tenho a dizer-lhe que já o ano passado, tanto quanto tenho conhecimento, Portugal não enleve em conflito aberto com nenhum país, quer militar, quer paramilitar. Portanto, não vejo como é que V. Exa pode fazer uma relação com esta circunstância e qualquer outra afirmação que surja do Governo.
Finalmente, quanto ao diapositivo militar da União Soviética, digo, cem toda a sinceridade, que não tenho informações, à disposição de V. Exa senão aquelas a que o Sr. Deputado terá igualmente acesso por outra via.

Risos.

Portanto, V. Exa terá a possibilidade de confrontarmos em conjunto, talvez fora desta Assembleia, as nossas informações.

Risos e aplausos do PSD, do CDS e do PPM.

O Sr. Gomes Carneiro (PS): - Chumbou, chumbou desta vez!

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem V. Ex.ª a palavra.

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Ó Sr. Presidente, eu desejaria saber se o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros realmente vai retirar-se, porque tem, como disse, um compromisso de Estado. Não quero pô-lo fora de tecto, tenho muito gosto em ouvi-lo, mostra uma grande agilidade, é um grande deputado, embora o não seja, aliás, suponho que até talvez seja.

Risos.

É que nós temos duas intervenções possíveis neste momento: uma justamente: sobre a matéria de que o Sr. Ministro é responsável e outra sobre matéria diversa.
Se o Sr. Ministro fica, nós faríamos agora a intervenção ligada à matéria de que
o Sr. Ministro é responsável. É só por isso que eu perguntava se ele fica.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros.
O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros: - Sr. Presidente, já indiquei que efectivamente tinha um compromisso, mas, por* outro lado, também disse que a minha intervenção foi curta, e suponho que foi. Se a intervenção do Sr. Deputado Veiga de Oliveira também for curta, prolongarei por algum tempo a minha (...)

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(...)permanência nesta Cara, onde venho pela primeira vez e cem a maior honra.

O Sr. Presidente: - Então tem a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Alda Nogueira.

Sra. Alda Nogueira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: O que no Programa do Governo se diz, no que respeita à política externa portuguesa, levanta muitas e graves preocupações, quer quanto à independência de tal política, quer quanto à segurança, à paz e à vida dos cidadãos portugueses.
Ainda que com roupagem literária diferente, com linguagem mais branda e macia, a exemplo do que o Sr. Ministro dos .Negócios Estrangeiros agora aqui nos deu, o Programa aponta clara e incisivamente para o agravamento da submissão de Portugal aos planos elitistas do imperialismo, no seguimento do que o governo Sá Carneiro/Freitas do Amaral defendeu e praticou, - o que, aliás, foi referido pelo Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros - com sérios prejuízos económicos, políticos e culturais para o. País.
Em vez de uma política externa de diversificação das nossas relações para que a Constituição aponta, aí temos a primeira prioridade da integração plena de Portugal na CEE (que pêlos vistos não tem nada de prioridade para um dos grandes do clube dos monopólios dos 10 dos 34 países da Europa, que ainda há dias a atirava para os anos 85, dizendo, ao mesmo tempo, que os Portugueses ainda não tinham percebido afinal a «alhada» em que se iriam meter com a integração no Mercado Comum).
E como se pode, depois disto, assistir ao ridículo de responsáveis da «AD» continuarem a falar da integração da CEE em 1983, e os meios de comunicação social, por eles dominados e manipulados, difundirem mais esta mentira?
Mas não é só «mais força a caminho da integração na CEE» que o Programa reclama -o que significaria, sob pretexto da «adaptação», a liquidação de facto das nacionalizações, da Reforma Agrária, das conquistas de Abril, eu se a um verdadeiro acto subversivo centra o regime democrático português. É também, e ao mesmo tempo, o reforço da participação «completa e activa» de Portugal na NATO, que se defende no Programa.
Atrelando cada vez mais o País ao carro de guerra do imperialismo, o que este governo anuncia é a integração de Portugal na política de corrida aos armamentos com todas as desastrosas consequências para a economia nacional e para os interesses do nosso povo, com o sacrifício do seu já baixo nível de vida, pois como se sabe é o povo, são os trabalhadores, quem paga sempre os custos da corrida aos armamentos. Com esta política não se serve, ao contrário do que se afirma no Programa, os interesses económicos do País, bem pelo contrário se atingem seriamente tais interesses.
E também não serve os interesses políticos do País e antes os atinge seriamente, uma política externa que amarra ainda mais Portugal aos interessas e planos dos círculos mais reaccionários dos Estados Unidos. Mais. Houve recentes afirmações de membros do Governo anterior relacionadas com o armazenamento de armas nucleares em Portugal e com localização de novas bases militares, incluindo porta-aviões para transportes de armas nucleares.
O Programa do Governo nada diz sobre este assunto e o governo «AD» também ainda não o esclareceu. Cabe aqui perguntar: o que há sobre tais afirmações que a concretizarem-se poriam em perigo a vida de todos os cidadãos deste país?
Em vez de uma política externa de paz e de boas relações com todos os povos, que a Constituição defende, em vez de uma política que se traduziria em consequências benéficas para a nossa economia, e para a melhoria em geral da vida dos cidadãos, a política externa deste governo «AD», pelo que se diz e pelo que não se diz no seu Programa, é uma política cheia de perigos reais para a economia, a segurança e a vida dos cidadãos portugueses.

O Sr. Lacerda de Queirós (PSD): - Não apoiado!

A Oradora: - Por tudo o que acabámos de expor rejeitamos frontalmente este Programa. Ao fazê-lo estamos com o povo português que tem dito não à corrida aos armamentos, não às armas nucleares em Portugal e que tem manifestado das mais diversas formas o seu amor à paz e às boas relações com todos os povos do Mundo.
Defesa da paz e relações com todos os povos do mundo -eis o que os homens e mulheres da nossa terra querem ver respeitado e considerado em actos e não apenas em palavras.
Só um governo, democrático respeitará e defenderá tais princípios na sua política externa.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Também para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Barrilaro Ruas.

O Sr. Barrilaro Ruas (PPM): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Talvez eu possa dizer que foi o Sr. Deputado Almeida Santos quem mais adequadamente caracterizou o programa cultural do Governo Pinto Balsemão, quando o viu sob o signo de Tomás Moro. Não seria possível melhor louvor para um projecto de cultura, nem mais séria dúvida lançada sobre um propósito de governação. Mas, já que estamos numa época em que ã utopia se tornou realizável - ou, pelo menos, a ilha se fez arquipélago e o arquipélago promete ser continente -, creio que nenhum nome mais vivo que o desse «homem para a eternidade», poderia marcar o campo imenso da cultura e emprestar a sua luz para dar à educação um sentido humanístico integral, em que cabem certamente, mas são arrumados no seu lugar próprio, todos os aspectos tecnológicos e economistas que, muito à primeira vista, dominam a pedagogia e a didáctica. Por isso gostaria de retomar as belas palavras que a Sra. Deplorada Natália Correia dedicou a esse programa de profunda visão e rasgado horizonte, que repõe na esfera política o mundo dos valores universais e portugueses que raramente, ao longo da nossa história, acharam que, em fórmulas tão claras, os reinventasse. E eu diria que é bastante a intenção cultural inserida neste Programa para justificar, por parte de todo o humanista, um olhar de simpatia para o (...)

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Governo que nestes dias se oferece ao juízo da representação nacional.
É também a presença deste programa cultural (em que houve a coragem de falar uma linguagem sobriamente filosófica - que me facilita (se é que me não dificulta) a análise do programa de educação e ensino.
Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro: Como há cerca de um ano, posso ter o gosto de louvar a manifesta competência que presidiu u elaboração desta parte do Programa do Governo. Em todo ele é visível o cuidado de não perder uma a ocasião de modernizar a tecnologia, a ciência, a educação, de articular com as estruturas sócio-económicas as sócio-culturais, de preparar infra-estruturas de abrir caminho â formação das pessoas e HO serviço das comunidades, de criar entre nós, com poucos meios e muita imaginação (como foi sempre habitual nos Portugueses), o equivalente, ou pelo menos o homólogo ou o análogo, do que outros porém mais fartos conseguem edificar.
Quando vemos que o décimo e mais recente membro do Mercado Comum Europeu - que é também o mais pobre - tem quase o dobro do nosso rendimento per capita, não podemos deixar desconhecer uma certa grandeza e uma certa audácia na atitude cem que procuramos, nós portugueses, seguir deveras os modeles europeus, ao mesmo tempo que não renunciamos àquele papel essencial do nosso ser colectivo que se levou a difundir por toda a Terra a última palavra da civilização quando éramos doze ou quinze centenas de milhares de almas, e ainda os outros povos citavam quase todos à espera do despertar da modernidade.
Quem quer que leia com alguma atenção o programa apresentado pelo Sr. Ministro Vítor Pereira Crespo há-de encontrar nele indícios seguros da vocação nacional para participar da mais alta experiência universal nos domínios da ciência, da técnica e da pedagogia. Alguém poderá observar que essa mesma tensão para as coisas perfeitas leva por vezes ao sacrifício de certos valores. E não será de todo escusado, penso eu, formular o voto de que nem este nem qualquer governo português algum dia se limite a considerar o ensino particular e o cooperativo «na perspectiva da sua função social educativa)). O ensino (sobretudo quando é feito sinónimo de educação.) nunca vale apenas pela função que lhe cabe num tudo social. Como algures diz o próprio Programa, a educação é, antes de tudo, uma obra de realização da pessoa humana. Mas também é verdade que a formação, o crescimento interior do homem é inteiramente impossível fora da comunidade.
Por isso devemos louvar os autores do Programa quando se propõem: criar, ou ajudar a criar, um ambiente social e cultural adequados à infância e à juventude: reintegrar na sociedade os menores delinquentes: assegurar a formação profissional, também para dinamização da economia; abater barreiras sociais (que não são apenas financeiras, mas poderosamente- culturais), para que todas as camadas tenham acesso à escola de qualquer grau; lançar, ou relançar, a educação pré-escolar: levar a sociedade - mais pela persuasão e pela criação de condições apropriadas do que pela contenção - a cumprir a já cangada lei da obrigatoriedade escolar; reforçar, sistematizar, alargar
o apoio médico-social e psico-pedagógico aos alunos; dar cumprimento (em medida e nos termos a definir pelo Conselho Nacional) ao Plano Nacional de Alfabetização e Educação de Base; concluir os estudos necessários e dispor dos meios suficientes para oferecer aos numerosíssimos deficientes uma educação especial que os dignifique e dignifique a sociedade de que são parte: completar - e utilizar sensatamente - as instalações e equipamentos escolares: garantir (na medida em que o Estado o pode fazer) a segurança e a estabilidade da classe docente; rever prudentemente o sistema de gestão das escolas, assegurando-lhe a democraticidade e a eficácia; reestruturar a educação física nas escolas, tendo em conta, e em vista, a função que lhe cabe na sociedade: cuidar da formação de professores; alargar e aperfeiçoar o ensino nocturno, ao serviço do trabalhador-estudante; abrir ao poder local e aos sindicatos (sobretudo a estes, de entre os chamados «parceiros sociais») mais larga participação no processo educativo; compensar o sistema do numerus clausus com uma vasta rede de ensino superior profissional, mas dando a muito deste ensino o lugar que de direito lhe pertence dentro das universidades, como é, por exemplo, a justíssima pretensão da Contabilidade, tão intensa e extensamente estudada pelos organismos competentes e à qual esta Assembleia da República, ao terminar a legislatura anterior, por unanimidade concedeu aval.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Será possível tudo isto? Será utópico programá-lo? Seja o que for que se pense acerca do conjunto destas iniciativas e destas providências - e fiquei bem longe de tocar em todas - há coisas que são desde já evidentes, e a que se não pode negar significado político: o Governo não foge às suas responsabilidades; o Governo tem consciência de que tudo isto deve ser contemplado numa lei de bases do sistema educativo; a comunidade tem o direito e o dever de corresponder a estes desafios com uma atitude reflexiva e critica, sem renunciar ao mínimo ponto do que lhe cabe - porque (ao menos em Portugal) antes do Estado, existia a Nação, e nenhum governo pode substituir-se às pessoas, às famílias, às comunidades de vizinhança, de trabalho e de cultura -, quando se trata de determinar o futuro do povo.
D£ entre todos os problemas decisivos para o futuro do povo português, nenhum mais que o da educação. E as fontes primárias da obra educativa são as pessoas, as famílias e as comunidades.

Aplausos do PPM, do PSD e do CDS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Miranda.
O Sr. Jorge (...) (ASDI): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo: Nesta intervenção tratarei de alguns problemas institucionais suscitados pelo Programa do Governo e pelo propósito nele posto em foco de «libertação da sociedade civil».
Pela sua importância, começarei pela revisão constitucional. O Governo refere-se-lhe com relativa contenção, reconhecendo que ela compete exclusivamente à Assembleia da República. Não foge, porém, a algumas incursões menos felizes que não podem ficar sem reparo.

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Assim, quando insiste, mais de uma vez em três ou quatro parágrafos, naquilo que denomina «advento da democracia plena», numa adjectivarão sempre perigosa, sem dar o justo valor no caminho para a institucionalização da democracia que percorremos desde 1976 e parecendo esquecer que. porventura pela primeira vez em Portugal, nos cinco anos de vigência da Constituição houve eleições livres com sufrágio universal, acesso da oposição ao Poder por via de eleições e descentralização democrática a nível regional e local.

O Sr. César Oliveira í UEDS): - Muito bem!

O Orador: - Assim. quando fala em «dotar o País com uma Lei Fundamental», o que dir-se-á incular que se cuida de uma Constituição nova e não de uma revisão constitucional verdadeira e própria, uma revisão que, decerto, terá de ser larga e profunda, mas que não para pôr em causa o conteúdo essencial da Constituição de 1976. cem o qual se encontra comprometido o maior partido do Governo.

O Sr. César Oliveira (UEDS): - Muito bem!

O Orador: - Em contrapartida, comparando o presente Programa com o Programa do Governo que o antecedeu, e de que se pretende continuador, ressalta uma neta positiva.
No Programa do VI Governo previa-se a apresentação de propostas para a elaboração do regime jurídico do referendo, como processo (dizia-se) de «consulta ao eleitorado sobre questões fundamentais da vida colectiva ou da organização do Estado». Porém, no Programa do VII Governo, tal não se prevê.
Esperemos, pois, que o Governo se tenha convencido de que não haverá modificações constitucionais senão a partir desta Assembleia e no quadro da Constituição. Esperemos, pois, que as forças que o apoiam tirem idêntica conclusão e deixem de acenar com o referendo ou com mitos semelhantes. Esperemos, pois, que te dos nos aqui saibamos realizar a revisão sem dramatismos nem dogmatismos, com bom senso e espirito de concórdia.
Sr. Presidente. Srs. Deputados. Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo: Já foi dito no debate, mas carece de ser repelido, que o Programa se apresenta extremamente generoso em grandes objectivos, mas se revela não menos extremamente avaro em medidas adequadas á sua consecução ou, pelo menos, em medidas suficientemente concretizadas para serem cabalmente avaliadas - o que. se não frustra o alcance específico de artigo 191.º da Constituição, frustra as nossas expectativas, tanto mais que o Governo se afirma um governo de legislatura.
Passa-se isto também no domínio das instituições políticas e administrativas, em áreas como a reforma administrativa, o Poder Locai, a legislação eleitoral e dos partidos políticos, a defesa nacional, a participação das populações no ordenamento do território e na conservação do ambiente, enfim, na comunicação social. Não custa demonstrá-lo.
Quanto à reforma administrativa, multiplicam-se as expressões, todas elas escolhidas com muito apuro; «desafio da mudança» e alinhas de força»; «aderência
ao concreto de uma cultura normativa»; «sistema cliente»; «aparelho de Ensino moderno, europeu»; «denodo nas decisões a tomar»; «mecanismos de base de captação e integração de recursos humanos»; «sistematizar e projectar as estruturas horizontais»; «produto social resultante da actividade administrativa»; «criação e implementação de estruturas por objectives», etc., Apreendeu-se, aparentemente, a linguagem da tecnocracia. Não se encontra sumariada uma só providência legislativa que torne patente o significado dessas expressões e que desvende em que termos e em que tempo o novo Ministério vai actuar. Como e para quando, por exemplo, a proposta de lei de regime e âmbito da função pública e a proposta de lei de bases da reforma administrativa?
Quanto ao Poder Local, avança-se um pouco mais, é justo admitir. Não tanto, todavia, que fiquemos a saber como se encara a regionalização do continente, em especial come se encara o problema da instituição das regiões administrativas; como se encara o reforço da participação directa dos cidadãos na vida democrática, tendo em conta nomeadamente, as organizações populares de base territorial- as quais, livres dos vícios de 1975, merecem ser dotadas de lei idónea em vez de votadas ao desprezo: ou como ainda se encara o alargamento das atribuições municipais.
Quanto á legislação eleitoral é de presumir que perdura a intenção de preparar um código, de que há algum tempo se tem falado. Que reformulações se desejam introduzir, eis o que o Programa não entremostra. E o mesmo se acrescente a respeito da matéria do: partidos políticos. Por nós, queremos frisar, num e noutro caso, que nunca aceitaremos alterações que, directa ou indirectamente, diminuam os princípios essenciais consagrados desde 1974. Somente aceitaremos alterações da ordem técnica ou outras, vindas da experiência, que garantam melhor autenticidade democrática.

Vezes da ASDI, do PS e da UEDS: - Muito bem!

O Orador: - Na área da defesa nacional, ò Programa assenta numa concepção global e integradora - que subscrevemos - e distingue correctamente duas fases, antes e depois da revisão constitucional. Contudo, praticamente nada concretiza e não contempla medidas legislativas inadiáveis como a nova lei de serviço militar e o estatuto dos objectores de consciência.

O Sr. César Oliveira (UEDS): - Muito bem!

O Orador: - Cabe perguntar que pensamento tem o Governe nessas matérias. Estará de acordo connosco quando entendemos que as forças armadas têm de ser estruturadas na base do serviço militar obrigatório, por imposição de democracia contra quaisquer veleidades pretorianas? Estará de acordo connosco quando defendemos o direito à objecção de consciência como corolário do reconhecimento constitucional e ético da liberdade de convicções?
Ainda neste campo, o Governo aspira pela «devolução da orientação política das forças armadas ao poder civil democraticamente escolhido pelo povo»; «cabendo ao Governo a função de direcção e gestão das forças armadas».

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Devem evitar-se equívocos acerca destas frases. Em primeiro lugar, na vigência da Constituição de 1976, em momento algum possuíram as forças armadas um autónomo poder de orientação política, em momento algum constituíram um poder em si; se. têm lido uma gestão separada da do Governo - e que deve acabar- nunca deixaram de estar subordinadas aos órgãos de soberania competentes (conforme prescreve o artigo 274.°, n.º 3) - ao Presidente da República (comandante supremo e Presidente do Conselho da Revolução), ao Conselho da Revolução (que é órgão político, e não órgão corporativo) e ã Assembleia da República e ao Governo (no tocante ao seu regime financeiro). Em segundo lugar, subordinação das forças armadas ao poder democrático não equivale, num sistema de separação e interdependência de poderei, típico do constitucionalismo ocidental, a subordinação exclusiva ao Governo: não equivale e não pode equivaler, até para não se repetirem na década de 80 acontecimentos como os da década de 20 no nosso país.

O Sr. César Oliveira (UEDS): - Muito bem!

O Orador: - Outro aspecto com relevância no plano das instituições vem a ser o do ordenamento do território e do ambiente. E queremos saudar a explícita consideração, no Programa, tanto do papel do Poder Local quanto dia participação das populações e das suas livres associações na formação das decisões, «mantendo-as informada- sobre os seus pressupostos». Entretanto, mais uma vez, gostaríamos de conhecer a maneira como o Governo se propôs levar a cabo este desiderato.
Não contestamos a colocação da comunicação social «ao serviço da qualidade de vida». Ficamos apenas a aguardar que «inequívoco»; esforços» irá o Governo desenvolver para assegurar «rigorosa isenção e pluralismo» aos órgãos de comunicação social (....). Todas as apreensões são legítimas. Que garantias viremos a ter? Para quando um estatuto dos gestores e dos directoras desses órgãos que lhes assegure um mandato por período certo, sem sujeição a destituição discricionária? Para quando uma lei da radiodifusão? Para quando o diálogo franco com os jornalistas? É preciso, Sr. Primeiro-Ministro e Srs. Membros do Governo, que se lembra que a comunicação social não releva só do foro do Governo; que não pode ser degradada á meia ordem administrativa; que contende com direitos dos mais preciosos e com o respeito devido à dignidade da pessoa humana, a qual não pode ser objecto de manipulação de nenhuma espécie; que é questão de regime, pois a formação da vontade popular é condicionada sempre pela comunicação social que existe; que é questão essencial da revisão constitucional a empreender, sobre a qual esta Assembleia tem o dever de decidir.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. primeiro-ministro, Srs. Membro; do Governo: Antes de terminar, uma brevíssima reflexão sobre o desígnio o quase (...), do Governo de «libertação da sociedade civil».
É um propósito ambíguo, pode querer dizer muito ou pouco; não deverá ser, para poder realizar-se, um lema de propaganda fácil; só poderá ter alguma validade com realismo, conhecimento do Pais que somos e vontade firme de o fazer progredir.
Libertação da sociedade civil, não. se com esta locução se quer afastar o Estado e as outras pessoas colectiva- públicas das suas responsabilidades na efectivação dos direitos económicos, sociais e culturais, desprotegendo aqueles que exigem uma intervenção contra poderes sociais maus fortes; não, se se quer uma economia que repouse na lógica do crescimento, do investimento e do lucro; não, se, privilegiando o sector privado, se corrói o sector público e assim um dos princípios de uma economia pluralista, também ela garantia, com a democracia pluralista, da liberdade humana; não, se sociedade civil se identifica com certas zonas económicas e ideológica?, em vez de se abrir a toda a variedade de expressões sociais, de grupos e da interesses.
Libertação da sociedade, civil, sim, se se pretende uma redução do peso excessivo da Administração estadual, convencendo-nos de que os problemas do Pau não se resolvem por se criar mais um Ministério (ao contrário, aliás, do que sucede, neste Governo com 16 Ministérios e dezenas de Secretaria de Estado). Libertação, sim, se se apela para a iniciativa e a criatividade das forças profundas do povo português, em particular, hoje, em face de problemas como o da preservação do património cultural da língua portuguesa, a defesa do ambiente, a protecção do consumidor, a energia, a educação, de adultos, o serviço nacional de saúde; Libertação dm, se se visa eliminar definitivamente, das mentalidades os resquícios do centralismo, de corporativismo e de colectivismo.
Também nós propugnamos pela libertação da sociedade civil através da complementação da democracia representativa pela democracia participativa e através da democratização económica, social e cultural.
Também nós a propugnamos, mau a partir, dela, e não a partir do Estado. Também nós a propugnamos no aperfeiçoamento e na depuração do 25 de Abril e da
Constituição, e não contra o 25 de Abril a Constituição.

O Sr. César Oliveira (UEDS): - Muito bem!

O Orador: - Também nós a propugnamos não como um fim, mas como um meio para a libertação do homem para que haja um Portugal mais humano para todos os portugueses:
Infelizmente, contudo, não é ainda com este Programa de Governo que se caminhará resolutamente para tal libertação. Por isso, e: porque o Programa é insuficiente quanto às necessidades básicas da população e à exigência de justiça social, incluindo - como se lê na moção de rejeição apresentada pela Frente Republicana e Socialista a garantia do direito ao trabalho, a melhoria da qualidade de vida, uma melhor distribuição de rendimentos, a maior participação dos trabalhadores na vida económica, a menor dependência do exterior dos desequilíbrios regionais, não o poderemos apoiar.
Este Governo não terá o nosso voto.

Aplausos da ASDI, do PS e da UEDS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Amândio de Azevedo para pedir esclarecimentos.

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O Sr. Amândio de Azevedo (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sr. Deputado Jorge Miranda, queria apenas referir um aspecto ligeirissimo da sua intervenção. Diz o Sr. Deputado que não se pode rever toda a Constituição e que só têm de salvaguardar algumas normas essenciais - não disse quais -, porque de outra maneira, teríamos uma Constituição nova e não uma Constituição revista.
Ora a questão é a seguinte: como é que no quadro da defesa de um formalismo e positivismo, jurídico, que não permite aceitar actualmente a possibilidade de recurso ao referendo, embora o aceite em tese geral, o Sr. Deputado Jorge Miranda justifica outros limites além daqueles que estão consagrados no artigo 290.° da Constituição?
O Sr. Presidente: Sr. Deputado Jorge Miranda, há mais deputados inscritos para pedir esclarecimentos. Prefere responder- imediatamente ao Sr. Deputado Amândio de Azevedo ou no final dos pedidos de esclarecimento?

O Sr. Jorge Miranda (ASDI): - No fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Então, tem a palavra o Sr. Deputado Azevedo Soares.

O Sr. Azevedo Soares (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Trata-se de uma questão relacionada com as afirmações que o Sr. Deputado Jorge Miranda produziu acerca da defesa nacional.

O Sr. Deputado Jorge Miranda admirou-se do actual Governo não conter no seu Programa, logo na primeira fase, a apresentação de uma lei do serviço militar e de uma lei de objectores de consciência. É evidente a lógica da posição do Governo: se o governo anterior as apresentou foi porque apresentou simultaneamente a lei de organização da defesa nacional e porque nessa altura tinha ainda sentido fazer a apresentação desse conjunto de leis, mesmo antes de se proceder à revisão constitucional.
Mas, sendo esta uma área tão dura e drasticamente afectada na Constituição, é evidente que não faria sentido submeter a esta Câmara uma lei de organização da defesa nacional quando nesta mesma legislatura e, com toda a probabilidade, nesta I Sessão Legislativa iremos proceder à revisão constitucional. E mais como a lei do serviço militar deve, numa pura lógica de sequência legislativa, obedecer aos princípios determinados na lei da Organização da defesa nacional, o mesmo se passando com a lei do objectar de consciência em relação â lei do serviço multar, é perfeitamente lógica a posição do Governo.
Um segundo aspecto que referiu - e que é, quanto a mim, mais grave - foi o de querer minimizar a existência real de um poder militar subtraído aos órgãos de soberania democraticamente eleitos. E não é o facto de o Presidente do Conselho da Revolução ser simultaneamente Presidente da República e a Constituição lhe atribuir as funções de comandante supremo das forças armadas que pode, em nenhum ponto da Constituição, de qualquer forma, delimitar o seu conteúdo. Não é esse simples facto que poderá conferir qualquer espécie de ligação ou de vasos
comunicantes entre poder militar e poder civil democraticamente eleito.
O facto é que o comando e, a direcção das forças armadas estão totalmente subtraídos ao poder executivo e ao poder legislativo; o tacto é que a direcção e gestão das forças armadas estão totalmente subtraídas ao poder executivo e ao poder legislativo; o facto é que a legislação militar é da competência dê um órgão que V. Exa considera ofensivo chamar de corporativo mas em relação ao qual não deixarei de recordar que é apenas constituído por militares, uns em função do seu cargo e outros designados pêlos respectivos ramos. Mas mesmo nestes últimos o próprio Conselho da Revolução foi adoptar como critério, no seu regimento interno, não a designação por um critério qualquer dos respectivos ramos mas sim per uma autodesignação anterior à própria entrada na Constituição em vigor.
Sr. Deputado Jorge Miranda, se isto é um poder militar que não tem grande dose de autonomia, então não sei onde poderemos encontrar poder militar mais autónomo e com maior possibilidade de intervenção e de condução da sua própria gestão, direcção e comando!...

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Miranda para responder, se assim o entender.

O Sr. Jorge Miranda (ASDH: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Começarei por responder ã pergunta de Sr. Deputado Amândio de Azevedo e, ao contrário do que ele supunha, é extremamente fácil responder-lhe. É que eu nunca disse que era através do artigo 290.° da Constituição que estavam constituídos es limites materiais da revisão constitucional, nem nunca os defendi por estarem consagrados nesse artigo. Há aqui um equívoco porque o artigo 290.° limita-se a declarar alguns, não todos, aliás, dos princípios...

O Sr. Amândio de Azevedo (PSD): - Então onde estão os outros?

O Orador: - O artigo 290.º limita-se a declarar e não a constituir alguns desses princípios. Remeto-o por exemplo para o Dr. Afonso Rodrigues Queiró que, num estudo que com certeza já leu, trata deste problema. Portanto, repito, o artigo 290.º da Constituição limita-se a declarar e não a constituir princípios fundamentais da Constituição.
O artigo 290.º poderia até não existir e esta Assembleia, na minha opinião, pode perfeitamente revogário.

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - E apesar disso haveria limites materiais da revisão constitucional, porque toda e qualquer Constituição tem princípios fundamentais que esses sim, são CT limites materiais. São eles que definem a Constituição em sentido material, que se exprime, em cada momento histórico, através de um Constituição em sentido formal.
O artigo 290.º é uma garantia mas não mais do que uma garantia de limites materiais. E até lhe digo mais; há limites materiais mais importantes do que (...)

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(...) alguns dos que estão consagrados no artigo 290.°, como por exemplo, e principio da igualdade ou o princípio da integridade do território nacional. Com certeza que todos nós nesta Câmara acharemos que estes principies que agora referi valem mais do que alguns dos princípios consagrados no artigo 290.º Certamente que quando se fizer a revisão constitucional nós não iremos pôr em causa nem o princípio da igualdade nem o da integridade do território nacional, mas poderemos continuar a debater esta questão numa conversa posterior.
A questão do referendo é outra e é completamente diferente, até porque não tem que ver com o conteúdo da Constituição.

O Sr. Amândio de Azevedo (PSD): - É o método!

O Orador: - Exactamente, Sr. Deputado. A questão do referendo tem que ver com e método.

O Sr. Amândio de Azevedo (PSD): - É a teoria da interpretação que muda consoante os interesses...

O Orador: - Bom, penso que a afirmação que o Sr. Deputado Amândio de Azevedo fez quanto aos interesses não me diz respeito porque eu nunca defendi o referendo ...

O Sr. Amândio de Azevedo (PSD): - Foi um aparte!

O Orador: - Bom, gostaria, em todo o caso, que não houvesse equívocos.
Relativamente ao referendo trata-se de uma questão de método. E a questão é esta: saber se uma revisão constitucional deve corresponder a uma maioria mais firme ou se deve corresponder a uma mera maioria de ocasião. E se tivéssemos tempo indicar-lhe-á também alguns elementos de direito comparado que iriam em abono da tese que subscrevo.

Risos do PCP.

É perfeitamente possível, pôr revisão constitucional, introduzir referendo que, se se viesse a fazer - e depois de 7 de Dezembro não se fazer seria não uma revisão constitucional, mas uma Constituição nova. E se ela viesse a fazer-se, eu, como observador da realidade constitucional, concluiria se haveria ou não efectividade dessa nova Constituição. Mas situando-me na perspectiva da Constituição de 2 de Abril de 1976, Constituição à sombra da qual todos nós fomos eleitos deputados, não é possível o referendo que, a realizar-se, seria um golpe de Estado.
Mas, Sr. Deputado Amândio de Azevedo, julgo que esta questão acerca do referendo é uma questão puramente académica e nós estamos numa Câmara política.

O Sr. César Oliveira (UEDS): - Muito bem!

O Sr. Amândio de Azevedo (PSD): - Não é, não.

O Orador: - Quanto ao Sr. Deputado Azevedo Soares, gostei muito de ouvir a suas observações. Devo dizer, no encanto, que quanto à lei do serviço militar poderei admitir uma certa dependência em relação à lei de organização da defesa nacional, mas não uma dependência tal que impossibilitasse a publicação de uma nova lei. Trata-se de matéria que, antes de mais, tem que ver cem o. direitos e os deveres dos cidadãos e só complementarmente com a organização da defesa nacional.
Trata-se também, de certa maneira, de saber aquilo que eu há pouco perguntava ao Governo: se é o serviço militar obrigatório que determina a defesa nacional eu se é uma qualquer defesa nacional, não baleada no serviço militar obrigatório, que vai determinar a lei do serviço militar?

O Sr. Gomes Carneiro (PS): - Muito bem!

O Orador: - De certa maneira, o Governo não considerando esta matéria no seu programa está a responder, e de certa forma a inculcar, que a defesa nacional em Portugal não vai basear-se no serviço militar obrigatório. Eu espero que isso não se verifique.

O Sr. Azevedo Soares (CDS): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

O Orador: - Certamente, Sr. Deputado.

O Sr. Azevedo Soares (CDS): - Não quero competir com V. Exa no conhecimento exaustivo da Constituição, mas lembre-lhe que serviço militar obrigatório consta da Constituição. Portanto, qualquer lei de organização da defesa nacional terá que respeitar o serviço militar obrigatório. Quer dizer: que não é um elemento determinante da lei de organização da defesa nacional, mas um elemento condicionante da lei do serviço militar.

O Orador: - Mas o Sr. Deputado Azevedo Soares é que considera que, apesar disso, a lei do serviço militar obrigatória tem de vir depois, eu entendo que podaria vir antes.
Por outro lado, não sabemos se na revisão constitucional não poderia dar-se eventualmente uma modificação d'essa norma que, quanto a mim, não é limite material.
No que diz respeito à objecção de consciência, tenha a dizer-lhe que, embora tenha muito que ver com a defesa nacional e com o serviço militar obrigatório, esta questão, em primeiro lugar; não se restringe à matéria da defesa nacional e do serviço militar obrigatório e, em segundo lugar, mesmo com a actual lei do serviço militar obrigatório, o cumprimento da Constituição imporia a publicação dessa lei. E aliás preste justiça ao actual governo e ao governo anterior porque já a Constituição tem cinco anos de vigência ainda não surgiu o estatuto dos objectores de consciência. Essa é uma deficiência que recai de pleno não apenas sobre esta Assembleia como também sobre as duas assembleias anteriores e sobre os governe: que se sucederam no poder e que não tiveram a vontade política suficiente para avançar com uma lei a respeito da objecção de consciência.
Finalmente, o que V. Exa disse quanto ao Conselho da Revolução é uma interpretação sua e não minha. Acrescentarei apenas que a prova mais cabal de que o Conselho da Revolução não é um órgão corporativo é a de que ele representa não as forças armadas (...)

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mas o Movimento das Forças Armadas. A sua legitimidade não vem, e nunca veio em nenhum momento, de uma qualquer eleição dentre das forcas armadas e por isso é que ao contrário do que alguns defenderam nunca se fez mal eleição. Portanto, a sua legitimidade vem apenas de remontar ao movimento que fez e 25 de abril

O Sr. Cal Brandão (PS): - Muito bem!

O Orador: - Apenas isso.

Aplausos da ASDI, do PS e da UEDS.

O Sr. Presidente: Srs. Deputados, neste momento dispõem de tempo os seguintes partidos: PSD - 4 minutes: CDS - 6 minutos, e o PPM - 2,5 minutos. Caso não haja objecções.. a Mesa daria agora r« palavra apenas a estes punidos, no caso de desejarem utilizar os tempos que referi.

Pausa.

Tem a palavra o Sr. Deputado Nandim de Carvalho.

O Sr. Nandim de Carvalho (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Cabe-me intervir sobre o capítulo do Programa do Governo relativo aos emigrantes. E neste momento creio que é de saudar a intenção expressa do Programa do Governo em querer executar uma política a fundo para a emigração. É necessário que se sublinhe este ponto porque uma política de emigração tem de incluir três ou quatro direitos básicos dos emigrantes.
O primeiro direito básico dos emigrantes é, precisamente, o direito â emigração, o que levará a que o Governo Português desenvolva todas as actividades necessárias para que se abatam as barreiras â emigração nos países em que ela. neste momento, está interdita.
Inclui também uma política para a emigração a consignação do direito à estadia dos emigrantes nos países em que se encontram a trabalhar, este direito à estadia dos emigrantes provoca, por parte do Governo, uma atitude atenta na negociação dos acordos bilateriais e outras formas de cooperação com esses países para que o emigrante, no estrangeiro, não possa ser considerado cidadão de segunda face aos outros concidadãos desse pais e tenha todos os direitos humanos, sindicais, profissionais, associativos, como, aliás, decorre da sua
condição de ser humano.

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Há ainda um outro direito que importa ter em atenção que é o direito de regresso. Não há política de emigração se não for contemplado o direito de regresse do emigrante, ou seja. se. desde este momento, o Governo Português não acautelar os aspectos decorrentes do regresso definitivo que vão fazer com que se implementem políticas sectoriais relativamente à integração sociológica do emigrante à sua integração profissionais e também, isto pai só extremamente importante à integração das economias que vão vir conjuntamente com o regresso definitivo do emigrante e que são totalmente diferentes dos conceitos de economias motivadas pelas remessas periódicas enquanto o emigrante está no estrangeiro.
Mas um ponto ainda imporia ter em conta na definição de uma política de emigração. É o direito a cidadania do emigrante português, ou seja. o direito que o emigrante tem de preservar os seus direitos político como cidadão português que é.
Neste momento temos que pôr de parte o conceito saudosista de emigrante -o emigrante já não é uma bandeira da saudade - e temos também que pôr de parte o conceito de que o emigrante ê uma bandeja de remessas. O emigrante ê um ser humano, sendo um ser humano é um ser político e, sendo um ser humano e político português, tem que ter direitos face ao contexto dá sociedade portuguesa.

Vezes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Entra aqui um problema muito discutido que é o direito do voto do emigrante para as eleições presidenciais e a representação dos emigrantes na Assembleia da República. Estou convencido de que todas as forças políticas presentes neste hemiciclo que de facto se interessam pêlos interesses dos emigrantes, não pelas remessas, não pela saudade mas pêlos seus interesses de cidadãos, não poderão deixar de reconhecer que um emigrante recenseado ê um cidadão político de pleno. Portanto, rejeitar o direito de os emigrantes recenseados elegerem o Presidente da República é querer que o Presidente da República não seja Presidente de todos os portugueses, mas que seja apenas eleito por pane dos portugueses.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Não há slogan que valha a realidade dos factos. E a realidade dos factos é que os emigrantes, por decisão desta Assembleia, sofrem de uma capiris diminuio.
É absolutamente necessário que os deputados desta Assembleia, eleitos pêlos emigrantes recenseados -, existam em proporção com os votos do cidadão do continente.

O Sr. Lacerda Queirós (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Mais haveria para dizer. Espero que no decorrer da discussão de amanhã outros aspectos integradores de uma política de emigração possam ser verbalizados per esta bancada que, desde sempre, os tem defendido.

Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.

O Sr. Presidente: - Como tanto o CDS como o PPM não desejam utilizar c tempo que lhes resta, informo que os tempos disponíveis para amanhã são os seguintes: Governo - 69 minutos: PSD - 65 minutos: PS - 56,5 minutes: CDS - 45 minutos: PCP - 44,5 minutos: PPM -20 minutos: ASDÍ - 18 minutos: UEDS -16 minutos; MDP/CDE - 17,5 minutos e UDP - 12,5 minutos.
Srs. Deputados, os trabalhos de amanhã têm início às l6 horas.
Está encerrada a sessão.

Eram 21 horas e 15 minutos.

Página 629

21 DE JANEIRO DE 1981 629

Deputados que entraram durante a sessão:

Partido Social-Democrata (PSD)

Adérito Mário Soares Campos.
Afonso de Sousa F. de Marrã Guedes.
Alberto Augusto Faria dos Sumo.
Amónio Alberto Corroía Cabecinha..
António Augusto Lacerda de Queirós.
António Duarte e Duarte Chagas.
Amónio Roleira Marinho.
António Vilar Ribeiro.
Armando Costa.
Carlos Manuel Pereira Pinho.
Cipriano Rodrigues Martins.
Cristóvão Guerreiro Norte.
(...) Manuel Alves.
Fernando José da Costa.
Fernando José F. Fleming d'Oliveira.
Fernando dos Reis Condesso.
Jaime Adalberto Simões Ramos.
João Aio n só Gonçalves.
João Aurélio Dias Mendes.
José Augusto de Oliveira Baptista.
J o s L- Manuel Pinheiro Barradas.
José Mário de Lemos Damião
José Theudoro da Silva.
José de Vargas Bulcão.
Luís Fernando C. Nandim de Carvalho.
Manuel Amónio Araújo dos Santos.
Maria Adelaide S. de Almeida Paiva.
Mu ria Helena do Rego C. Salema Roseta.
Maria Margarida da R. da Costa Salema M. Ribelvo.
Manila Dulce Coelho Pires M. Raimundo.
Mário Marques Ferreira Maduro.
Natália de Oliveira Correia.
Nicolau Gregório de Freitas.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Miguel Santana Lopes.
Valdemar Cardoso Alves.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.

Partido Socialista (PS)

Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
António de Almeida Santos.
Amónio Azevedo Gomes.
António José Sanches Esteves.
António Magalhães da Silva.
Amónio Manuel de Oliveira Guterres.
Amónio Janeiro.
António José Vieira de Freitas.
António de Sousa Gomes.
António Manuel Maldonado Gonelha
Aquilino Ribeiro Machado.
Avelino Ferreira Loureiro Zenha.
Beatriz Cal Brandão.
(...) Elísio de Azevedo.
Círios Manuel Natividade Costa Candal.
Torres Marinho.
de Almeida Salgado Zenha.
Francisco Manuel Marcelo Curto.
Guilherme Gomes dos Santos.
Jaime José Matos da Gama.
João Alfredo Felix Vieira Lima.
João Francisco Ludovico da Costa.
Joaquim Sousa Gomes Carneiro.
José Gomes Fernandes.
José Manuel Nisa Antunes Mendes.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís Nunes de Almeida.
Luís Patrão.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel Alfredo Tilo de Morais.
Manuel José Bragança Tender.
Manuel da Mata de Cáceres.
Manuel dos Santos.
Manuel Trindade Reis.
Mário Alberto Lopes Soares.
Mário Manuel Cal Brandão.
Virgílio Fernando Marques Rodrigues.
Victor Manuel Ribeiro Constâncio.

Centro Democrático Social (CDS)

Adalberto Neiva de Oliveira.
Adriano José Alves Moreira.
Adriano Vasco da Fonseca Rodrigues.
Álvaro Manuel M. Brandão Estevão.
Américo Maria Coelho Gomes de Sá.
António Jacinto Martins Canaverde.
Diogo Pinto Freitas do Amaral.
Francisco António Lucas Pires.
Francisco G. Cavaleiro de Ferreira.
Francisco Manuel de Menezes Falcão.
Henrique Manuel Soares Cruz.
Isilda da Silva Barata.
João Caminho M. Figueiras de Andrade.
José Duarte de Almeida Ribeiro o Castro
José Eduardo F. de Sanches Osório.
José Vicente de J. Carvalho Cardoso.
José Manuel Rodrigues Casqueiro.
Luís Carlos C. Veloso Sampaio.
Manuel A. de Almeida de A. Vasconcelos.
Manuel Eugênio P. Cavaleiro Brandão.
Mário Gaioso Henriques.
Rogério Ferreira Monção Leão.
Rui Eduardo Ferreira Rodrigues Pena.

Partido Comunista Português (PCP)

Álvaro Favas Brasileiro.
António Dias Lourenço da Silva.
Domingos Abrantes Ferreira.
Ercília Carreira Pimenta Talhadas.
Jerónimo de Carvalho Sousa.
Joaquim Gomes dos Santos.
José Ernesto I. Leão de Oliveira.
José fina Maria Andrade.
Lino Carvalho Lima.
Manuel Rogério Brito.
Maria Alda Barbosa Nogueira.
Maria Odete Santos.
Vital Martins Moreira.

União da Esquerda para a Democracia Socialista
(UEDS)
António Poppe Lopes Cardoso.
Maria Teresa Santa Clara Gomes.

União Democrática Popular (UDP)

Mário António Baptista Tomé.

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630 I SÉRIE - NÚMERO 19

Deputados que faltaram à sessão.

Partido Social-Democrata (PSD)

Américo Abreu Dias.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
Cecília Pita Catarino.
Fernando José Sequeira Roriz.
João Vasco da Luz Botelho Paiva.
Júlio Lemos Castro Caldas.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Mário Júlio Montalvão Machado.

Partido Socialista (PS)

António Cândido Miranda Macedo.
António Fernandes da Fonseca.
António Teixeira Lopes.
Fausto Sacramento Marques.
José Luís Amaral Nunes.
Júlio Almeida Carrapato.

Centro Democrático Social (CDS)

Eugênio Maria Nunes Anacoreta Correia.
Henrique José C. M. Pereira de Moraes.
João Gomes de Abreu de Lima.
João Lopes Porto.
João da Silva Mendes Morgado.
José Girão Pereira.
Ruy Garcia de Oliveira.

Partido Comunista Português (PCP)

Álvaro Barreirinhas Cunhal.
Armando Teixeira da Silva.
Jorge do Carmo da Silva Leite.
Octávio Floriano Rodrigues Pato.

Acção Social-Democrata Independente (ASDI)

António Luciano P. Sousa Franco.
Joaquim Jorge de Magalhães S. da Mota.

União da Esquerda para a Democracia Socialista (UEDS)

António Manuel C. Ferreira Vitorino.

O REDACTOR PRINCIPAL, Manuel Adolfo de Vasconcelos.

PREÇO DESTE NÚMERO 72$00

IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA

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