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I Série-Número 38
Quarta-feira, 11 de Março de 1981
DIÁRIO da Assembleia da República
II LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1980-1981)
REUNIÃO PLENÁRIA DE 10 DE MARÇO DE 1981
Presidente: Exmo. Sr. Leonardo Eugénio Remos Ribeiro de Almeida
Secretários: Exmos. Srs.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes 
Alfredo Pinto da Silva 
António Mendes de Carvalho 
José Manuel Maia Nunes de Almeida
SUMÁRI0. - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão à 15 horas e 35 minutos.
Antes da ordem do dia. - Deu-se conta do expediente e da apresentação de requerimentos.
Em declaração política, o Sr. Deputado Jorge Miranda (ASDI) teceu diversas considerações em defesa da língua portuguesa.
Em declarações políticas, as Sr.ªs Deputadas Marília Raimundo (PSD), Helena Cidade Moura (MDP/CDE), Teresa Ambrósio (PS), Josefina Andrade (PCP), Teresa Santa Clara Gomes (UEDS) e Isilda Barata (CDS) evocaram o Dia Internacional da Mulher, focando diversos problemas com que se debatem as mulheres portuguesas.
Igualmente em declaração política, o Sr. Deputado Campos Gondim (PPM) falou sobre os problemas que afligem os agricultores do Noroeste do País.
Ainda em declaração política, o Sr. Deputado Mário Tome (UDP) referiu-se ao 11 de Março e chamou à atenção para o novo julgamento a que vão ser submetidos três soldados do RALIS.
Ordem do dia. - O Sr. Deputado Rui Pena (CDS) fez uma Intervenção sobre o relatório da UDP.
Iniciou-se a discussão do inquérito n.º 3/II - Feira de Belém, requerido pela ASDI. Intervieram no debate, a diverso título, os Srs. Deputados Vilhena de Carvaho (ASDI), Azevedo Soares (CDS), Aquilino Ribeiro Machado (PS), Borges de Carvalho (PPM), Jorge Miranda (ASDI), Anselmo Aníbal (PCP), Veiga de Oliveira (PCP) e Gomes de Pinho (CDS).
O Sr. Presidente, depois de ter anunciado a entrada na Mesa de diversos diplomas, encerrou a sessão às 20 horas.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 15 horas e 20 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PSD)
Adérito Manuel Soares Campos.
Afonso de Sousa F. de Moura Guedes.
Alberto Augusto Faria dos Santos.
Álvaro Barros Marques Figueiredo.
Américo Abreu Dias.
António Duarte e Duarte Chagas.
António Maria de O. Ourique Mendes.
António Roleira Marinho.
António Vilar Ribeiro.
Armando Lopes Correia Costa.
Arménio Jerónimo Martins Matias.
Cecília Pita Catarino.
Cipriano Rodrigues Martins.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Fernando Manuel A. Cardoso Ferreira.
Fernando Manuel Cardote Barbosa Mesquita.
Fernando dos Reis Condesso.
João Aurélio Dias Mendes.
João Evangelista Rocha de Almeida.
João Manuel Coutinho Sá Fernandes.
João Vasco da Luz Botelho Paiva.
Joaquim Manuel Cabrita Neto.
Joaquim Pinto.
José Augusto de Oliveira Baptista.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José Manuel Pinheiro Barradas.
José Theodoro da Silva.
José de Vargas Bulcão.
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Júlio de Lemos Castro Caldas.
Leonardo Eugénio R. Ribeiro de Almeida.
Leonel Santa Rita Pires.
Luis Fernando C. Nandim de Carvalho.
Manuel António Araújo dos Santos.
Manuel António Lopes Ribeiro.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Maria Moreira.
Manuel Maria Portugal da Fonseca.
Manuel João Vaz Freixo.
Maria Adelaide S. de Almeida Paiva.
Maria da Glória Rodrigues Duarte.
Maria Helena do Rêgo C. Salema Roseta.
Maria Margarida do R. da C. S. M. Ribeiro.
Marília Dulce Coelho Pires D. Raimundo.
Mário Dias Lopes.
Natália de Oliveira Correia.
Nuno Aires Rodrigues dos Santos.
Pedro Manuel da Cruz Roseta.
Pedro Miguel Santana Lopes.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Valdemar Cardoso Alves.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio António Pinto Nunes.
Partido Socialista (PS)
Adelino Teixeira de Carvalho.
Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Marques Antunes.
Alfredo José Somera Simões Barroso.
Alfredo Pinto da Silva.
António Duarte Arnaut.
António Carlos Ribeiro Campos.
António José Voeira de Freitas.
António Manuel Maldonado Gonelha.
Aquilino Ribeiro Machado.
Avelino Ferreira Loureiro Zenha.
Beatriz Cal Brandão.
Fausto Sacramento Marques.
Fernando Verdasca Vieira.
Francisco Manuel Marcelo Curto.
Guilherme Gomes dos Santos.
Jaime José Matos da Gama.
Joaquim Sousa Gomes Carneiro.
Júlio Filipe da Almeida Carapato.
Luis Manuel César Nunes de Almeida.
Luís Manuel dos Santos Silva Patrão.
Luís Silvério Gonçalves Saias.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel Alfredo Tito de Morais.
Manuel Francisco da Costa.
Manuel Trindade Reis.
Maria Teresa V. Bastos Ramos Ambrósio.
Mário Manuel Cal Brandão.
Raul d'Assunção Pimenta Rego.
Rui Fernando Pereira Mateus.
Teófilo Carvalho dos Santos.
Virgílio Fernando Marques Rodrigues.
Centro Democrático Social (CDS)
Adalberto Neiva de Oliveira 
Adriano José Alves Moreira. 
Adriano Vasco da Fonseca Rodrigues. 
Alberto Henriques Coimbra. 
Alexandre Correia de Carvalho Reigoto. 
Alfredo Albano de C. Azevedo Soares.
Álvaro Manuel M. Brandão Estêvão
António Jacinto Martins Canaverde.
António José Tomás Gomes de Pinho.
António Mendes de Carvalho.
Carlos Alberto Rosa.
Daniel Fernandes Domingues.
Emídio Ferrão da Costa Pinheiro.
Eugénio Maria Nunes Anacoreta Correia.
Francisco G. Cavaleiro de Ferreira.
Francisco Manuel L. V. de Oliveira Dias.
Francisco Manuel de Menezes Falcão.
Henrique José C. M. Pereira de Moraes.
Henrique Manuel Soares Cruz.
Isilda da Silva Barata.
João Cantinho M. Figueiras de Andrade.
João José M. Ferreira Pulido de Almeida.
José Augusto Gama.
José Carlos Barbosa Macedo.
José Duarte de Almeida Ribeiro e Castro.
José Eduardo F. de Sanches Osório.
José Vicente de J. Carvalho Cardoso.
Luís Carlos C. Veloso Sampaio.
Luís Filipe Paes Beiroco.
Luísa Maria Freire C. Vaz Raposo.
Manuel Eugénio P. Cavaleiro Brandão.
Mário Gaioso Henriques.
Rogério Ferreira Monção Leão.
Ruy Garcia de Oliveira.
Partido Comunista Português (PCP)
Álvaro Augusto Veiga de Oliveira.
António Anselmo Aníbal.
António José de Almeida Silva Graça.
António José Monteiro Vidigal Amaro.
António da Silva Mota.
Carlos Alberto do Carmo da C. Espadinha.
Carlos Alfredo de Brito.
Custódio Jacinto Gingão.
Domingos Abrantes Ferreira.
Ercília Carreira Pimenta Talhadas.
Fernando de Almeida Sousa Marques.
Francisco Miguel Duarte.
Georgete Ferreira de Oliveira.
Jerónimo de Carvalho de Sousa.
Joaquim Miranda da Silva.
Jorge Manuel Abreu de Lemos.
Jorge Manuel Lampreia Patrício.
José Fernando V. Cabral Pinto.
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Rodrigues Vitoriano.
Josefina Maria Andrade.
Lino Carvalho de Lima.
Manuel Rogério Brito.
Maria Alda Barbosa Nogueira.
Maria Ilda Costa Figueiredo.
Maria Odete Santos.
Mariana Grou Lanita da Silva.
Octávio Augusto Teixeira.
Partido Popular Monárquico (PPM)
Amadeu Domingues Ribeiro de Sá Menezes. 
António José Borges Gonçalves de Carvalho. 
Eurico de Campos Gondim. 
Gonçalo Pereira Ribeiro Teles.
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Jorge Victor M. Portugal da Silveira. 
Luís Filipe Ottolini Bebiano Coimbra.
Acção Social-Democrata Independente (ASDI)
Joaquim Jorge de Magalhães S. da Mota 
Jorge Manuel M. Loureiro de Miranda. 
Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho.
União da Esquerda para a Democracia Socialista (UEDS)
António Manuel C. Ferreira Vitorino. 
António Poppe Lopes Cardoso. 
António César Gouveia de Oliveira. 
Maria Teresa Santa Clara Gomes.
Movimento Democrático Português (MDP/CDE)
Herberto de Castro Goulart da Silva. 
Helena Tâmega Cidade Moura.
União Democrática Popular (UDP)
Mário António Baptista Tomé.
O Sr. Presidente: - Responderam à chamada 164 Srs. Deputados. 
Temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 15 horas e 35 minutos.
ANTES DA ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, cumpre informar a Câmara que, por lapso na elaboração da agenda da reunião plenária de hoje, foi omitida, na primeira parte do período da ordem do dia, a menção da discussão de um inquérito requerido pela ASDI sobre a Feira de Belém, que deve ser considerado como constituindo o n.º 3-A, isto é, virá antes da intervenção do Sr. Deputado Rui Pena que consta da agenda que foi distribuída.
Também na segunda parte do período da ordem do dia foram omitidas as declarações de voto sobre a ratificação n.º 28/II, que deve ser considerada como constituindo o n.º 5-A dessa mesma segunda parte.
Vai proceder-se, de seguida, à leitura do expediente.
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Exposição
Exposição de funcionários do extinto Grémio da Lavoura do Planalto de Manica e Sofala reclamando contra o facto de não terem sido integrados no quadro geral de adidos e solicitando a resolução do seu problema ao abrigo do Decreto-Lei n.º 482/72, à semelhança do adoptado para os ex-funcionários dos grémios da lavoura de Portugal.
Cartas
Carta de Agostinho da Costa, emigrante na Alemanha, expondo vários problemas com que os emigrantes se debatem, nomeadamente no que respeita ao ensino, transportes, direito de voto e transferência de divisas, solicitando sejam tomadas medidas tendentes a minorar as dificuldades existentes.
De Fernando Moura, Carlos Simeão, João Cleto Craveiro e João Bento Soares, residentes, respectivamente, em Bruxelas, Lisboa e Funchal, congratulando-se com o teor do projecto de lei n.º 440/I, da autoria do Sr. Deputado Ângelo Correia e solicitando que o mesmo seja aprovado urgentemente.
De António Luís do Amaral Cordeiro da Cunha, residente em Viana do Castelo, informando que interpôs recurso ao Sr. Auditor Administrativo de Lisboa, a fim de ser anulada a deliberação tomada pela Câmara Municipal do Cartaxo, que recusou a sua nomeação para o preenchimento da vaga de chefe de secretaria daquela autarquia
Ofícios
Ofício da Câmara Municipal do Peso da Régua a remeter uma proposta da Associação da Defesa do Património de Sintra, aprovada em reunião de 16 de Fevereiro de 1981.
Da comissão de trabalhadores da Caixa de Previdência e Abono de Família do Comércio do Distrito de Lisboa a enviar fotocópia de uma exposição do pessoal auxiliar daqueles serviços protestando contra o teor do n.º 3 do artigo 6.º e n.º 1 do artigo 98.º da Portaria n.º 193/79, respeitante aos seus horários de trabalho.
Do Sindicato dos Trabalhadores de Seguros do Sul e Ilhas a remeter fotocópia de telegrama enviado ao Exmo. Sr. Ministro dos Assuntos Sociais e à Secretaria de Estado da Saúde respeitante às taxas moderadoras dos Serviços Médico-Sociais.
Do Tesoureiro da Câmara Municipal de Espinho rogando que sejam tomadas medidas tendentes a sanar as anomalias existentes entre os trabalhadores da Administração Loca) e os seus colegas da Fazenda Pública.
O Sr. Presidente: - Agora, o Sr. Secretário vai dar conta dos requerimentos apresentados.
O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - Na última sessão foram apresentados os seguintes requerimentos: a diversos Ministérios e Secretarias de Estado, formulados pelo Sr. Deputado Magalhães Mota; ao Ministério do Comércio e Turismo, formulado pelo Sr. Deputado Rui Pena; aos Ministérios do Trabalho, das Finanças e do Plano e da Indústria e Energia, formulados pela Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo; ao Ministério da Agricultura e Pescas, formulados pelos Srs. Deputados Vilhena de Carvalho, António Campos e Carlos Alberto Espadinha, respectivamente; ao Ministério dos Assuntos Sociais, formulado pelo Sr. Deputado António Mota.
O Sr. Presidente: - A Mesa informa os Srs. Deputados de que neste momento todos os partidos estão inscritos para fazer declarações políticas. Além disso, para lá dos votos apresentados na sessão anterior e dos quais os Srs. Deputados já têm conhecimento, deram também entrada na Mesa dois votos de congratulação, um apresentado pelo Grupo Parlamentar do PSD e o outro pelo Grupo Parlamentar do PS.
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pela atribuição ao poeta Miguel Torga do Prémio Montaigne.
Regimentalmente, como VV. Ex.ªs sabem, têm prioridade as declarações políticas, pelo que dou a palavra ao Sr. Deputado Jorge Miranda.
O Sr. Jorge Miranda (ASDI): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A língua portuguesa é factor essencial de individualidade do povo português (ou, mais, amplamente e aqui com todo o rigor, da Nação Portuguesa como comunidade histórica de. cultura). Mas, muito para além disso, é a língua oficial de seis outros Estados e aí elemento de coesão, talvez ainda mais determinante de que em Portugal; a língua materna de números grupos espalhados pelo mundo; a língua irmã do galego, se não a mesma língua; uma das quatro ou cinco línguas internacionais da actualidade.
Justifica-se, pois, que lhe dediquemos uma pausa de reflexão - não por qualquer tipo de nacionalismo político, somente por imperativo de dignidade nacional, por afirmação de cultura, por vontade de pôr ao serviço de uma humanidade solidária as contribuições específicas das populações que se exprimem em Português. Porque a língua, nossa pátria, é também uma participação na civilização do universal.
Justifica-se que lhe prestemos atenção, porque a língua permanece enquanto mudam as conjunturas das nossas divergências; porque a língua portuguesa enfrenta desafios e problemas, assim como virtualidades sem paralelo noutras épocas; porque esses desafios, problemas e virtualidades requerem medidas de acção a inferir num projecto humanístico e transformador que não se degradem ao nível dos interesses materiais, nem se acanhem ao horizonte de aldeia.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nos breves minutos que se seguem vou aludir sumariamente às questões que me parecem mais importantes e que são: as deficiências de ensino da língua portuguesa, a degradação do seu liso .nos meios de comunicação social, e por toda a parte, a crise do livro e a ausência de uma política eficaz de penetração do livro e da cultura portuguesa no estrangeiro, a preservação da língua entre os emigrantes e nas comunidades com laços históricos com Portugal, o estatuto da língua portuguesa na perspectiva da integração Tia CEE, o indispensável apoio à salvaguarda da língua e da cultura galegas, a cooperação com os novos países africanos, a promoção do português como língua internacional.
O primeiro e mais premente problema vem a ser o do ensino ou da aprendizagem da língua nas condições da civilização moderna - uma civilização técnica, com prevalência de medos audio-visuais, uma civilização de massas e planetarizada. Não é fácil, nestas condições, ensinar e aprender. O caminho a percorrer passa pela renovação dos programas e dos métodos, pela sua correspondência com os interesses vocacionais, regionais e sociais, pelo ensino à distância e de forma flexível e atraente, pela intensificação da escolaridade, por um programa -nacional de leitura com utilização plena de bibliotecas e de todos os recursos disponíveis.
Trata-se, de muito mais do que de qualquer homenagem a glórias passadistas. Trata-se, quanto aos jovens e quanto àqueles que, por causas económicas e sociais só agora podem estudar, do acesso às fontes da nossa cultura e do domínio da palavra e da escrita para comunicação mais directa e mais escorreita.
Contudo, o ambiente que nos circunda, está a ser invadido por estrangeirismo» e a sofrer uma crescente colonização. Não me refiro a brasileirismos, que, esses, são parte integrante da língua portuguesa. Refiro-me à vaga de outras línguas, «m especial do inglês. E não o digo por atitude política ou porque desconheça a importância da língua inglesa. Digo-o porque se tem caído em não poucos excessos de subalternização e de provincianismo.
Como não entender, com efeito, de outra forma o quase monopólio da rádio e da televisão por produções estrangeiras? Como não entender assam a generalização de denominação de estabelecimentos e até de empresas públicas, como no lamentável nome TAP-Air Portugal? Como não interpretar de outra forma a não tradução de designações e de nomes técnicos? Como não entender assim a subserviência perante estrangeiros em Portugal, sem grande empenho de levar a língua e as literaturas de expressão portuguesa até milhões de turistas que nos visitam? Como não interpretar assim o facto espantoso de Ministros portugueses, falando em público em Portugal, em representação do Estado português, usarem outras línguas que não a portuguesa?
Tudo isto tem por causas uma gritante insensibilidade aos valores culturais e a fraqueza da nossa organização colectiva. Tudo isto só poderá ser vencido a tira vês da revitalização da cultura portuguesa.
Terceiro grande problema é o do livro português. Não admira que conheça, de há muito, dificuldades num pais com tão elevada taxa de analfabetos e semi-analfabetos e sem uma efectiva promoção da educação permanente. Aumentar o número de leitores potenciais equivale a atenuá-los. Por outro lado, muito há que exigir ao Instituto Português do Livro, de modo a justificar a sua existência.
Mas o problema do livro português no exterior tem de se enquadrar no ângulo da difusão da cultura portuguesa no mundo
O Sr. Portugal da Silveira (PPM): - Muito bem!
O Orador: - Ora, sob este aspecto, quase só há os leitorados junto de certas Universidades e falta todo um planeamento semelhante ao de outros países. Nem se têm aproveitado alguns eventos: basta pensar no que poderiam representar, por exemplo, as comemorações do IV centenário de Camões!
A vastidão e a dispersão dos emigrantes portugueses permitem a presença da língua portuguesa em dezenas de Estados e territórios. Porém, na sua enorme maioria com educação elementar e imersos em mares de línguas estranhas, o português que conservam e transmitem acaba por se tornar de fraca consistência. Justo é reconhecer que alguma coisa se tem feito. Muito mais terá de ser feito na convergência da acção cultural externa e do reforço da ligação dos emigrantes com a mãe-pátria: assim, a melhoria das condições dos professores portugueses no estrangeiro, o estímulo a realizações culturais dos próprios emigrantes, a concessão de bolsas de estudo, a revisão ponderada (sem intuitos eleitoralistas) da legislação de cidadania, etc.
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Em -plano semelhante hão-de situar-se os esforços por manter viva a língua portuguesa em Macau.
E o mesmo poderia dizer-se quanto a Timor, se não fosse a prioridade absoluta a conceder aos socorros humanitários e ao empenho pela efectivação da autodeterminação do seu povo.
Tão-pouco se esqueça a necessidade de preservar e valorizar o uso da língua portuguesa em comunidades com laços históricos com Portugal e que poderão desempenhar um relevante papel nos contactos entre diferentes áreas civilizacionais e económicas, com recíprocas vantagens. Estou a pensar especialmente em Goa.
Portugal vai aderir às comunidades europeias. É uma opção de modernização do País e de consolidação da Democracia; tem de ser também uma opção de independência nacional, na medida em que seja garantida a igualdade de participação nas instâncias de decisão europeias. Ora, essa igualdade há-de começar pelo respeito da língua portuguesa como língua oficial e de trabalho das comunidades a par das dos demais Estados. E dos Portugueses deverão invocar o direito de falar português, onde quer que se encontrem, sem complexos de interioridade.
Mas esse reconhecimento acarreta, para nós, responsabilidades e custos. Não lhe fugiremos.
Ainda na Europa, cabe lembrar uma realidade a que não podemos continuar indiferentes e que toca as nossas raízes: a Galiza. Arredada qualquer suposição de interferência política, o que, para nós, deve contar no seu processo autonómico é restituir o galego à sua dimensão de idioma de milhões de cidadãos espanhóis. E se o galego florescer tanto mais (como demonstrou Rodrigues Lopes) quanto mais se aproximar do português, também este, por meio dele, poderá enriquecer-se e aumentar a sua projecção europeia.
Relevo muito particular em toda esta matéria há-de ocupar a cooperação com os novos países africanos, um dos vectores basilares da nossa política externa e do nosso posicionamento no mundo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tais são alguns aspectos da complexa situação actual da língua portuguesa, ao mesmo «tempo preocupante e fascinante, com graves riscos e com grandes potencialidades.
Coloquei problemas, adiantei sugestões, não trouxe soluções predeterminadas. Não vim em espírito de cruzada; pretendi vir com realismo e sentido do futuro. Não vim em nome de qualquer ideologia; procurei voltar-me para a identidade, que é a nossa, e para um bem que pertence a muitos mais do que a nós.
Esses problemas não relevam ou não relevam apenas do Estado. O Governo poderá e deverá agir perante eles, mas no fundo o destino de um língua depende da comunidade, dos que a falam e dos que nela pensam; depende da consciência que eles tenham de que, com a língua, é a sua própria personalidade que cresce ou que diminui.
Uma língua é sempre tão forte que resiste a todas as opressões e tão fraca que cede perante a passividade, o comodismo e a preguiça.
Que todos os portugueses tenham ou adquiram a consciência do que vale a língua, eis o voto que resta formular. E, permitam-me esperar, Srs. Deputados, que nós nesta Assembleia representativa, demos o exemplo e mostramos que deles e dela não desmerecemos.
Aplausos da ASDI, do PSD, do PS, do CDS, do PCP, do PPM, da UEDS e do MDP/CDE
A Sr.ª Natália Correia (PSD): - Peço a palavra. Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr.ª Deputada?
A Sr.ª Natália Correia (PSD): - Sr. Presidente, gostaria de me pronunciar, a título de esclarecimento - jamais de protesto, é evidente -, sobre a intervenção do Sr. Deputado Jorge Miranda.
O Sr. Presidente: - Então faça favor de usar da palavra, Sr.ª Deputada. Dispõe de 3 minutos.
A Sr.ª Natália Correia (PSD): - Sr. Presidente, para não prejudicar os trabalhos de hoje, visto o período de antes da ordem do dia já estar muito sobrecarregado, preferia ficar inscrita para a próxima sessão.
O Sr. Presidente: - Nesse caso a Sr.ª Deputada fica inscrita para uma intervenção, visto não poder fazer uma declaração política porque o seu partido só tem direito a fazer uma por semana. Se houver oportunidade de fazer uma intervenção no período de antes da ordem do dia, fica devidamente inscrita, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Natália Correia (PSD): - Não era bem uma intervenção que eu desejava fazer, Sr. Presidente. Gostaria de dizer apenas uma palavras sobre o assunto abordado pelo Sr. Deputado Jorge Miranda.
O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, disporá então no máximo de 10 minutos quando houver oportunidade, porque hoje, ou tem esclarecimentos a pedir ao Sr. Deputado Jorge Miranda ou não lhe poderei dar a palavra. Tenho muita pena porque antevejo que a sua intervenção seria, com toda a certeza, de congratulação com a intervenção há pouco produzida pelo Sr. Deputado Jorge Miranda.
A Sr.ª Natália Correia (PSD): - Sr. Presidente, reservo a minha concordância com o Sr. Deputado Jorge Miranda para uma intervenção que espero brevemente fazer nesta Câmara.
O Sr. Presidente: - Ficará inscrita, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Natália Correia (PSD): - Mas não na próxima quinta-feira, Sr. Presidente, porque então a intervenção terá de ser mais de fundo.
O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, em a palavra a Sr.ª Deputada Marília Raimundo.
A Sr.ª Marília Raimundo (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Consideramos muito importantes os problemas relativos às mulheres que neste país constituem uma maioria e, tendo-se comemorado no passado dia oito o Dia Internacional da Mulher, não pó-
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demos deixar de trazer a este Plenário algumas considerações.
Através dos séculos a mulher foi relegada para um plano secundário. Era-lhe, no geral, vedado o acesso à cultura e considerada incapaz de realizar qualquer trabalho que não fosse o caseiro, sendo assim considerada praticamente pouco mais que um animal doméstico. Chegou mesmo a discutir-se no Concílio de Latrão se a mulher teria alma!
Claro que já não estamos messes tempos e apraz-me salientar que a mulher, apesar de iodos os condicionalismos a que tem estado sujeita, tem desenvolvido uma enorme luta e dado provas da sua inteligência, cultura e capacidade de ascender a qualquer carreira tal como o homem.
Desejo hoje saudar todas as mulheres portuguesas pelo papel importantíssimo que têm desempenhado no sentido da sua emancipação e promoção social de modo a serem suprimidas todas as discriminações, injustiças e preconceitos a que têm sido sujeitas. Não posso também deixar de lembrar aqui a luta que as mulheres portuguesas levaram a cabo pela conquista e consolidação da democracia em Portugal.
O Sr. Guerreiro Norte (PSD): - Muito bem!
A Oradora: - Nós, mulheres sociais-democratas, temos plena consciência da importância histórica, cultural, social e política da mulher na sociedade portuguesa, numa constante de contributos particularmente afirmados numa função de esteio dessa sociedade sempre que ela foi abalada e conheceu momentos de crise. 
Para nós, o que está em causa acima de tudo é a preservação da dignidade da mulher como ser humano.
O Sr. Guerreiro Norte (PSD): - Muito bem!
A Oradora: - Assim, a defesa dos direitos da mulher é indissociável da defesa dos direitos humanos. Queremos tornar claro que, para nós, a mulher não precisa de recusar e combater aquilo que constitui a sua natureza específica para poder realizar-se integralmente nas sociedades em que se (insere.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A mulher portuguesa sentiu que se lhe abria uma outra era com a Revolução de 25 de Abril, que lhe trouxe perspectivas novas - novas concepções sociais, políticas e ideológicas surgiram que vieram dar esperança à maioria das mulheres portuguesas e incentivar a luta que vinham desenvolvendo pela sua emancipação e contra as discriminações de que se sentiam vítimas.
O Sr. Guerreiro Norte (PSD): - Muito bem!
A Oradora: - A Constituição de 1976 trouxe-lhes ainda mais alento, pois viram finalmente consagrada na lei a plena igualdade do homem e da mulher em todos os campos: na família, no trabalho, na sociedade. Mas essa igualdade não pode, do nosso ponto de vista, traduzir-se apenas em aspectos jurídicos - tem de trazer à mulher uma promoção social e económica.
Como sociais-democratas temos por lema a defesa de uma sociedade mais justa. E é na perspectiva da luta contra as desigualdades que encaramos a situação da mulher na sociedade. Não pretendemos que essa luta seja encarada como uma luta contra os homens; a nossa visão é de complementaridade do papel dos dois sexos no mundo.
Vozes do PSD: - Muito bem!
A Oradora: - Queremos hoje lembrar aqui que as mulheres constituem mais de metade da sociedade portuguesa; elas devem assumir integralmente a sua condição de pessoa humana, na perspectiva da sua mundividência própria, inseridas numa sociedade equilibrada em que a responsabilidade social é partilhada igualmente pelo homem e pela mulher.
Vozes do PSD: - Muito bem!
A Oradora: - Por outro lado, reclamamo-nos de uma concepção humanista e não aceitamos que a mulher seja olhada como simples objecto, seja para a usar como força de trabalho, máquina de reprodução da espécie ou para efeitos de propaganda comercial. Esta visão é considerada por nós uma nova alienação da mulher no século XX, que assim se tornaria instrumento de ideologias pretensamente libertadores, mas cuja prática se tem revelado totalitária.
Encaramos a mulher como pessoa - igual ao homem em dignidade, direitos e oportunidades. Rejeitamos as visões massificadoras inerentes à sociedade moderna de consumo, que nega à mulher dignificação, realização individual, social e profissional.
O Sr. Guerreiro Norte (PSD): - Muito bem!
A Oradora: - Ao comemorar o Dia Internacional da Mulher queremos pôr em destaque o facto de considerarmos que cabe hoje à mulher um papel decisivo na restauração dos valores nacionais e na criação e transmissão do património moral, religioso e espiritual do povo português de que sempre foi salvaguarda e transmissora, na sua condição de mãe e inerente qualidade de educadora. Queremos também chamar a atenção para o papel essencial da família na sociedade e paira o seu valor insubstituível na plena formação e desenvolvimento da pessoa humana. Não podemos ainda deixar de lembrar todas as mulheres deste país, de norte a sul - mais sacrificadas e quantas vezes ainda humilhadas e conservadas no obcurantismo - como as donas de casa que executam todos os trabalhos caseiros e «esticam» o orçamento familiar, bem como as camponesas que trabalham sol a sol, gastando a sua juventude e a sua força em trabalhos pesados e ainda todas as mulheres dos emigrantes que aqui em Portugal amealham todo o dinheiro que lhes é enviado - privando-se muitas vezes do essencial - para poderem comprar terras e construir habitação para os filhos. Para elas vai toda a nossa admiração!
Vozes do PSD: - Muito bem!
A Oradora: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Apesar da igualdade de direitos e oportunidades estar em princípio, como se disse consagrada na legislação portuguesa ela é ainda apenas uma proclamação de princípios ou uma declaração de boas intenções. Na realidade existe ainda um abismo entre o que está legislado e os factos do dia-a-dia: as mulheres continuam a ser vítimas de discriminações de vária ordem.
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Natali, ao dirigir-se à comissão ad hoc para os direitos da mulher no Parlamento Europeu, sublinhou o papel da mulher na Comunidade Europeia a que Portugal prentende aderir e salientou que chegámos a um momento privilegiado em que há uma consciência «de direito e de facto», no sentido de criar as condições que permitam dar um salto qualitativo na maneira de encarar o lugar da mulher na sociedade. Esta coincidência é de direito, visto que desde há anos que os princípios de igualdade estão consagrados nas leis e de factos porque as mulheres, tomando a consciência das discriminações de vária ordem de que são vítimas, se vêm organizando dei modo a ter na sociedade o lugar que é o seu enquanto cidadãos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não podemos deixar de fazer uma chamada de atenção para os seguintes dados:
A taxa de actividade feminista situa-se na ordem dos 20 % a 25 %, embora com tendência a aumentar, pois foram tomadas medidas de protecção legal do trabalho feminino e a crise económica fez com que este se tornasse um elemento essencial para o equilíbrio do orçamento familiar.
O trabalho das mulheres concentra-se principalmente na agricultura e seguidamente no sector terciário. Neste elas ocupam a maior parte dos empregos em escritórios, serviços domésticos, no comércio e no ensino.
A taxa de desemprego é mais elevada do que a média nacional, embora não haja números exactos, visto para isso ser necessário dispor de dados inexistentes que Incluíssem o número de mulheres em busca do primeiro emprego.
As discriminações salariais ainda existem, ficando para trás a vontade anti-discriminatória marcada pelas leis, sendo no entanto de acentuar a sua diminuição nas actividades não agrícolas.
Pelo exposto, parece claro que a conquista da independência económica terá de continuar a constituir rios anos futuros o tema central da luta de um grande número de mulheres.
E de salientar que o acesso das mulheres à educação a todos os níveis transpôs barreiras ancestrais e constitui um facto maior da sua libertação e preparação para a vida profissional. O número de jovens do sexo feminino que frequentam as Universidades aumentou consideravelmente nos últimos anos, o que é sinal encorajador, embora muitas continuem a frequentar cursos de letras.
O número de mulheres nos lugares do poder político e diminuto. Apesar de se terem registado progressos depois de que as mulheres alcançaram o direito de voto, de elegibilidade e de igualdade perante a lei, os homens continuaram a ter o monopólio do poder político.
Em Portugal, neste momento, há 3 mulheres que desempenham funções de Secretários de Estado, uma Subsecretária de Estado e 24 deputadas em 250. A nível do poder local o número de mulheres é ainda mais reduzido.
Torna-se portanto necessário desenvolver muito esforço para que esta situação melhore. Sem dúvida que a entrada de Portugal para a Comunidade Europeia poderá vir a dar a este esforço um impulso irreversível.
O Sr. Pedro, Roseta (PSD): - Muito bem!
A Oradora: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não posso deixar de saudar de uma forma especial todos aqueles e aquelas que continuam a desenvolver esforços para que cessem todas as discriminações e injustiças que ainda existem relativamente às mulheres, pois apesar de a igualdade estar consagrada na Constituição, apesar de termos sido um dos raros países ocidentais onde uma mulher, chegou ía primeiro ministro, apesar de Portugal ter ratificado, no ano transacto, a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres o grau de sensibilização para esta temática é reduzido.
Torna-se cada vez mais necessário uma reforma de mentalidades; é preciso sensibilizar as próprias mulheres elevá-las a participar directamente em acções que lhes dizem respeito.
Talvez nesta Assembleia e em muitos outros locais haja quem pense que celebrações como esta do Dia Internacional da Mulher nada resolvem. Talvez haja mesmo quem pense que nem deveria existir o Dia Internacional da Mulher - uns porque acham que todos os dias do ano deveriam ser utilizados na luta pelo fim das desigualdades que ainda afectam a maioria das mulheres; outros para quem a existência de um dia para este efeito já é uma forma de discriminação, uma vez que não há nenhum dia internacional do homem ...
Vozes do PSD: - Muito bem!
A Oradora: - Mas a verdade é que ele tem uma função importante: a de chamar a atenção para os problemas da mulher, que são múltiplos. Para os resolver, a legislação só por si não chega. É necessário que se verifiquei uma mudança de atitudes, que surjam novas formas de pensar e de agir. Isto conduzirá não só à modificação da situação real da mulher nas sociedades, mas trará também uma certa harmonia e equilíbrio - que tanta falta fazem no perturbado mundo em que vivemos - e talvez ainda uma certa dose de felicidade!
Assim, a mulher assumir-se-á integralmente como mulher com todos os direitos e deveres que lhe são inerentes, com uma vocação diferente da do homem, mas igual a ele no plano da dignidade dos direitos, das oportunidades e da lei. Assim, verificar-se-á também uma melhoria das relações humanas e homem e mulher conseguirão, juntos, construir um mundo diferente, feito de equilíbrio, de justiça e de paz!
Aplausos do PSD, do PS, do CDS, do PPM, da ASDI, da UEDS e do MDP/CDE.
O Sr. Presidente: - Igualmente para uma declaração política, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura.
A Sr.ª Helena Cidade Moura (MDP/CDE):-Sr. Presidente, Srs. Deputados: Antes de iniciar a declaração política, queria dirigir-me ao único grupo parlamentar que não tem mulheres nesta Assembleia da República - a ASDI - para lhe agradecer e demonstrar o nosso profundo acordo e gratidão pelo assunto da declaração política que escolheram para o dia de hoje.
Entramos este ano na segunda parte da década destinada pelas Nações Unidas ao levantamento, ao estudo e à resolução dos problemas da mulher.
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Poucos países terão, nestes últimos cinco anos que passaram, mais trabalho a mostrar nas reuniões internacionais. Foram, na verdade, notáveis as vitórias legislativas na conquista da igualdade de direitos.
Para além de uma lei geral extremamente progressista, a Constituição da República Portuguesa marca, de facto, sem rodeios, os direitos da mulher no campo social, profissional e jurídico, surgiram também as alterações ao Código Civil que consagram um estatuto de liberdade e de igualdade, não só face ao homem, mas também nas relações internas do grupo familiar.
Assim nos foi possível verificar, no ano passado, que a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres era um documento pacífico, já que a nossa legislação o ultrapassara.
Estas conquistas rápidas e espectaculares definem o universo de luta, o potencial de esforço com que a mulher construiu-a sua própria libertação durante o fascismo.
Historicamente, as grandes alterações sociais da vida portuguesa são marcadas por uma imagem feminina que representa, para além do enquadramento sucessivo dos factos históricos, a resistência popular, a força do povo que transporta ao longo das vicissitudes dos tempos, a imagem da Pátria.
É a padeira de Aljubarrota que com a própria pá do forno mata sete castelhanos, representando a força que, contra os conluios de salão, personaliza a independência de Portugal.
É a Maria da Fonte que, nas guerras do pé descalço, se ergue como a imagem do progresso, da nova ordem social, trazida até à luz da história pela vanguarda popular.
É Catarina Eufémia que, distante ainda do mito e da lenda, com o seu sangue recente agarrado à palma das nossas mãos, simboliza a luta da mulher antifascista, exactamente no local e no cenário onde essa luta foi mais forte, mais organizada; lá mesmo onde a injustiça, a fome, o desperdício dos bens humanos, a posse inútil e abusiva da terra se espelhava na aterradora solidão do Alentejo, marcando o perfil tenebroso do fascismo.
A Sr.ª Alda Nogueira (PCP): - Muito bem!
A Oradora: - A mulher portuguesa foi na luta antifascista, irmã daquelas que em África pegaram em armas contra os colonizadores e o MDP/CDE recorda-as fraternalmente porque também hoje com elas partilha da sua luta pela independência, pela paz e pela democratização completa do seu país. - Evocando a heróica libertação mundial da mulher, a que nos obriga o dia de hoje, o MDP/CDE presta comovida homenagem àquelas que sofrem no seu próprio corpo a fome e a fome de seus filhos e regam a terra da América Latina com o seu próprio sangue e o sangue dos seus filhos.
A Sr.ª Alda Nogueira (PCP!: - Muito bem!
A Oradora: - Àquelas que pela sua coragem e força, sem limites, enfrentam os ataques diabólicos do desesperado capitalismo internacional, e vincando o ideal de liberdade e mantendo viva a imagem esfacelada de pátria, voltam às aldeias arrasadas pelo pró-
prio governo tendo como única fonte de esperança um filho esquelético agarrado ao peito.
A luta pela sobrevivência da democracia, pela salvaguarda dos caminhos iniciados no 25 de Abril é uma luta em que a mulher portuguesa se tem empenhado, ao lado do homem, no novo contexto de liberdade que lhe dá mais amplo campo de acção.
A luta pela qualidade de vida, pela criação de relações democráticas, pela justiça, pela igualdade, pela participação ampla dos oprimidos tem, como um dos seus centros, a mulher. É em torno dela que mais se agudizam os problemas porque é ela que mais facilmente espelha e sofre as consequências da falta de habitação, saneamento básico, água e electricidade, falta de protecção pré-natal, de falta de creches, de escolas, de centros de animação de tempos lavres e de terceira idade, da falta de profissionalização, de estabilidade e dignidade do trabalho, de falta de um ambiente culturalmente verdadeiro, da falta de clareza nos valores sociais.
Compenetradas no cumprimento das suas tarefas classificadas de humildes na divisão tecnocrata do trabalho, única que alguns entendem, a mulher portuguesa mantém um potencial de luta persistente e quotidiano que lhe permite encontrar cada dia formas de organização cada vez mais válidas e mais diversificadas tanto no campo das tarefas específicas como no campo da luta política directa e global.
Nas zonas mais reaccionárias onde as liberdades de Abril não chegaram, as mulheres continuam a ser grandes factores de resistência e também nas zonas onde a luta hoje se agudiza, quer no campo, quer nas cidades, elas são as primeiras a enfrentar a ilegalidade, mesmo quando violenta, e a lutarem contra os portões fechados das fábricas.
E mesmo aquelas que vivem dominadas por valores anti-sociais que o obscurantismo, o caciquismo, o analfabetismo não deixam alterar, vão-se libertando a pouco e pouco.
Sem a efectivação, porém, da democracia social e económica, as conquistas legislativas, obtidas pela luta das mulheres portuguesas são como livros fechados e o seu potencial de luta empenha-se em acções que não deveriam já ter sentido no Portugal democrático.
A mulher como companheira do homem na luta pela liberdade, pelo pão e pela paz, assume uma enorme dignidade, uma enorme consciência política e um enorme grau de liberdade.
Há dias nesta Assembleia da República um trabalhador explicava da seguinte forma a situação de desemprego numa UCP.
Nós temos a certeza de não sermos justos, mas uma mulher no campo aguenta menos trabalhos do que o homem e em casa rende mais do que o homem, por isso a gente combina com as nossas camaradas irem elas para o desemprego primeiro do que os homens [...] mas não é justo!
Eventualmente várias interpretações rodearão este facto. Para nós MDP/CDE, entendemos que assumir, equacionar correctamente um facto real é a maior prova da liberdade que um homem e uma mulher podem dar e que estes trabalhadores dão um exemplo claro de que este Governo, negando-se a criar condições democráticas de existência, esvazia de con-
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teúdo as palavras que ele próprio usa, e inutiliza as leis que deveriam obrigar as suas acções governamentais.
Vozes do PCP: - Muito bem!
A Oradora: - O exercício dos direitos da mulher depende hoje não de leis mas da política económica do Governo e dos valores sociais que o mesmo governo vincula, do espaço dado à educação, aos serviços de saúde e à política de habitação. A liberdade da mulher está directamente relacionada com a situação democrática existente e é na luta pelas situações pontuais de justiça que se tem afirmado a sua libertação.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Comemorando a luta das operárias têxteis de Nova Iorque, como ponto de arranque da luta organizada, o MDP/CDE lembra a batalha travada no sector têxtil em Portugal, tanto no passado, como no presente, desejando por isso, ao saudar as deputadas da Assembleia da República, destacar, entre elas, aquela que simboliza a luta neste sector e que com uma vida inteira dedicada à libertação do nosso povo, dez anos privada da liberdade, sendo a primeira mulher a evadir-se das cadeias fascistas, é hoje aqui com serenidade uma mensagem de amor e de esperança. O MDP/CDE lembra e saúda também as mulheres que trabalham nesta Assembleia da República.
Aplausos do MDP/CDE, do PCP, da UEDS; da UDP, de alguns deputados do PS e do Sr. Deputado Jorge Miranda (ASDI).
O Sr. Presidente: - Também para uma declaração política, tem a palavra a Sr.ª Deputada Josefina Andrade.
O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra a Sr.ª Deputada Josefina Andrade.
A Sr.ª Josefina Andrade (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Comemorou-se no passado dia 8 o Dia Internacional da Mulher. Ao virmos aqui hoje falar desta data, não o fazemos apenas por uma questão de rotina ou simplesmente para assinalar.
Pertencemos a um dos grupos parlamentares cujos deputados, aqui ou fora daqui, no 8 de Março ou não, têm levantado, discutido e proposto soluções para os múltiplos e graves problemas com que se debatem as mulheres portuguesas, em especial as mulheres trabalhadoras.
Em Portugal, quase sete anos após a Revolução de 25 de Abril, cabe perguntar: que foi feito, e que futuro para a mulher? É um facto e é importante que a Constituição da República consagre, em vários dos seus artigos, os direitos da mulher mãe, trabalhadora e cidadã. Como é igualmente importante que, a partir da Lei Fundamental, existam aprovadas pela Assembleia da República algumas leis regulamentando o exercício dos direitos da mulher a vários níveis - trabalho, família, saúde, etc.
É verdade que, na prática e no dia-a-dia, estes direitos tão duramente conquistados não têm sido sempre respeitados, agravando-se a falta de cumprimento dos mesmos por parte dos patrões nas empresas, dos agrários nos campos e até do próprio MAP na zona da Reforma Agrária.
A partir dos governos «AD», é o desemprego a aumentar, a discriminação salarial cada vez mais acentuada, os contratos a prazo, a não igualdade de direito de promoção a lugares de chefia nas empresas, os despedimentos sem justa causa, cujas principais vítimas são as mulheres. E não é o palavreado demagógico, à boa maneira do antigamente, da Sr.ª Secretaría de Estado da Família, na rádio e na TV, que consegue convencer as mulheres portuguesas de que esse seria o caminho que as levaria a uma vida mais digna para si e para os seus.
As mulheres portuguesas sabem, hoje melhor que antes, que não é com a política dos governos «AD» que os seus direitos irão ser respeitados neste país. E sabem lutar contra essa política. Basta recordar, por exemplo, a luta das mulheres da Standard Eléctrica contra o despedimento que o Governo lhes pretende impor e a luta de milhares e milhares de operárias têxteis e de vestuário contra a repressão, o uso indiscriminado dos contratos a prazo, o encerramento das empresas e o desemprego, como na Sociedade Industrial de Gouveia, na Silac, Raiontex e tantas outras. As mulheres trabalhadoras em especial e todas as mulheres em geral sabem que, depois do 25 de Abril, o 8 de Março de 1981 é, até aqui, o Dia Internacional da Mulher que foi comemorado em condições mais difíceis e duras.
É o desemprego já referido, são os preços a subir, os salários, ordenados, pensões e reformas bem longe de acompanharem a subida dos preços, a assistência médica cada vez mais cara e em piores condições e o ensino a todos os níveis pior, tudo isto consequência da política dos governos «AD», dirigida toda ela contra os interesses dos trabalhadores, dos camponeses e de outras camadas sociais. E no momento em que a «AD», a todo o custo, pretende a revisão constitucional à sua maneira, é bom que a mesma «AD» fique a saber que as mulheres democratas do nosso país não consentirão que os seus direitos sejam diminuídos com tal revisão.
Vozes do PCP: - Muito bem!
A Oradora: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sou de uma zona do País onde a seguir ao 25 de Abril o desemprego feminino desapareceu, as jornas das mulheres subiram substancialmente, melhorou o nível de vida das famílias rurais e camponesas, foram criadas creches e infantários nos quais entraram os filhos dos trabalhadores pela primeira vez, lares para a terceira idade, casas de convívio para os jovens, etc.
E aqui foram beneficiadas, antes do mais, as mulheres. Srs. Deputados, é fácil compreender que me refiro à grande conquista que foi para o povo português a Reforma Agrária. Esta realidade social que a Reforma Agrária trouxe ao campo foi possível com a grande vontade e participação das mulheres.
Hoje, que comemoramos o Dia Internacional da Mulher, uma saudação muito especial queremos fazer às mulheres da Reforma Agrária, pela luta verdadeiramente heróica que têm travado. Mas a todas as outras mulheres, que nos campos ou nas fábricas sofrem as consequências da política da «AD» e vêem um futuro cada vez mais negro para os seus filhos, nós queremos saudar e enviar uma palavra de confiança, de que no nosso país será possível, em breve, encontrar
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a unidade dos democratas capaz de levar a uma alternativa ao governo da «AD».
Só assim os problemas específicos das mulheres portuguesas e os problemas gerais do povo e do País poderão ter solução.
O 8 de Março é para nós, mulheres comunistas, um dia de festa e confraternização, mas também de luta e de unidade.
Aplausos do PCP e do MDP/CDE.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estamos a dez minutos do termo do período de antes da ordem do dia. A seguir irá usar da palavra o Sr. Deputado Campos Gondim, e as restantes intervenções ficarão para ...
O Sr. António Arnaut (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, parece-me desnecessária a sua intervenção.
É praxe estabelecida que enquanto há declarações políticas a produzir se prorrogue o período de antes da ordem do dia. a fim de se concluírem essas declarações.
O Sr. Azevedo Soares (CDS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Faça favor.
O Sr. Azevedo Soares (CDS): - Sr. Presidente, pedi a palavra no sentido de interpelar a Mesa.
Julgo que a praxe estabelecida, pelo menos na sessão legislativa anterior, foi-o exactamente em sentido contrário àquele que foi anunciada por V. Ex.ª. Recordo mesmo que na anterior sessão legislativa, em discussões sobre esta matéria, fez vencimento nesta Câmara que o direito a proferir uma declaração política, consignado no Regimento, está Imitado pela duração do próprio período de antes da ordem do dia, que é, rigorosamente, de sessenta minutos.
No entanto, dado que previsivelmente todas as declarações políticas se referirão ao mesmo tema, pela nossa parte não queremos cercear a um tema desta natureza a possiblidade de manifestação de todos os grupos parlamentares. Mas que fique claro que a praxe é precisamente a de que as declarações políticas não poderão ultrapassar um período de uma hora.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, é provável que a invocação que V. Ex.ª fez corresponda a uma realidade que, neste momento, a Mesa - ou, pelo menos, o Presidente- não pode assegurar que seja assim, porque não tem presente a praxe da sessão legislativa anterior, a que o Sr. Deputado se referiu. Em todo o caso, já me pronunciei no sentido que referi e que determinou a intervenção de V. Ex.ª
Parece-me, portanto, que o que tenho a fazer neste momento é manter a decisão tomada boa ou má. Em todo o caso, agradeço a contribuição que me deu.
E, como desde já convoco uma reunião dos líderes dos grupos parlamentares para o intervalo, dado que tenho vários problemas a pôr, sugeria que este assunto fosse lá debatido e que sobre ele se fixasse uma orientação, que permanecesse para o futuro
Se isso merecesse a concordância de V. Ex.ª, até porque também se não opôs a que, na previsão de que o tema fosse o mesmo para todos os grupos parlamentares, se produzissem essas declarações políticas, manterei a orientação que defini, e na conferência dos presidentes dos grupos parlamentares decidiremos sobre uma orientação futura.
Aliás, partilho da opinião de V. Ex.ª de que não deveremos prejudicar o período especificamente legislativo das tarefas da Câmara.
O Sr. António Arnaut (PS): - Peço a palavra. Sr. Presidente.
O Sr Presidente: - Faça favor.
O Sr. António Arnaut (PS): - Sr. Presidente, pedi a palavra para, em breves palavras, dizer que o Partido Socialista concorda inteiramente com a jurisprudência que V. Ex.ª anunciou, mas acontece que relativamente à reunião de hoje se dá um caso particular. É que esta é a única reunião desta semana em que há período de antes da ordem do dia, visto que as reuniões de quinta-feira e sexta-feira estão reservadas para uma interpelação ao Governo.
Sendo assam, o direito regimental de os partidos produzirem uma intervenção política por semana não pode ser precludido por quaisquer outras normas.
O Sr. Presidente: - Essa é uma interpretação regimental. Não entrarei agora na discussão desse ponto, que me parece académico e que poderia não ser líquido. Prevalece a orientação que já defini - não gosto de, graciosamente, voltar atrás com decisões tomadas -, é essa que se seguirá, e na conferência dos presidentes dos grupos parlamentares debater-se-á o assunto.
Tem, portanto, a palavra o Sr. Deputado Campos Gondim para uma declaração política.
O Sr. Campos Gondim (PPM):-Sr. Presidente. Sr.ªs e Srs. Deputados: É para mim extremamente honroso fazer a minha primeira intervenção nesta Assembleia na mesma sessão em que o Sr. Deputado Jorge Miranda proferiu uma declaração política em defesa da língua e da cultura portuguesas, uma defesa tão brilhante e tão calorosa.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Partido Popular Monárquico tem desde sempre polarizado o seu interesse sobre a problemática agrícola do nosso país. Factores internos - como os ainda há dias apontados pelo Ministro da Agricultura e referentes ao muito reduzido crescimento do produto agrícola bruto pela baixa produtividade do sector agrícola e pela elevada percentagem de população activa blocada por esse sector - tornam esses problemas largamente merecedores da atenção, não só do homem comum, como, e sobretudo, do legislador e do governante. 
Por maiores razões, a nossa prevista entrada para a CEE - onde a agricultura constitui o fulcro dos maiores debates e das mais ásperas fricções - determina mais pesadamente tal atenção, mesmo &e contarmos com miraculosos regimes de excepção.
É comum afirmar-se, com certa liberdade estatística, que a agricultura portuguesa só produz metade dos géneros alimentares de que dispomos. A relação pró-
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dução-consumo é extremamente defeituosa entre nós (grosseiramente 1 unidade de trabalho para 4 consumidores), sobretudo quando comparada com a verificada em alguns dos países da CEE (Dinamarca, 1 para 100; Alemanha Federal, 1 para 34; e França, 1 para 28), países que nem por virem a ser nossos parceiros deixarão de ser nossos concorrentes...
Adentro de um critério dimensional, os 4 000 000 ha de terra agricultável disponíveis no nosso país repartem-se por duas regiões fisiograficamente distintas (divididas pelas manchas aluviais do centro do País): a de sequeiro, de explorações de grande dimensão, de reduzidas cargas humana e .pecuária, com baixas disponibilidades de água, dispondo de solos providos de reduzidos níveis de fertilidade, de baixa intensividade de exploração e em certa parte em vias de desertificação, tomada a palavra no estrito sentido pedológico; a de regadio, com caracterização totalmente distinta - íamos dizer oposta, que se pode esquematicamente definir pelo alinhamento das seguintes determinantes: explorações de reduzida superfície, por vezes patologicamente diminuta, com elevadas cargas humana e pecuária, com largas disponibilidades de água, com solos providos de bom fundo de fertilidade e onde à conservação do solo são dados razoáveis cuidados.
Importa fazer aqui uma referência ao «minifúndio» e muito em especial à agricultura do Noroeste português.
Torna-se necessário fazer uma mais clara definição do meio sócio-económico no Nordeste rural para melhor aceitação da sua problemática.
Em primeiro lugar existem, um pouco por todo o País e em todos os sectores, noções defeituosas sobre a estruturação da agricultura do minifúndio e do Noroeste em -particular. A exploração da terra é feita por agricultores directos ou por agricultores rendeiros, num e noutro caso numa organização quase sempre do tipo familiar e de entre-ajuda - no bom e são espírito comunal, tão grato ao Partido Popular Monárquico. E mesmo no caso das relações senhorio-caseiro existem sempre bases sólidas de associação de interesses, que não têm, como alguns querem fazer acreditar, o carácter feudalista em que, dramática e demagogicamente, desejam ver o empresário-rendeiro como mero escravo da gleba.
Outro tema muito versado pelos leigos nestas coisas do Noroeste português é o do absentismo. Isto quando, e na verdade, o absentismo não tem expressão significativa no Noroeste, onde o proprietário da terra só muito raramente não intervém na gestão, no investimento e na tomada de decisões e de riscos.
Ainda, e para fechar estas primeiras considerações, importa esclarecer que o trabalhador rural não é no Noroeste aquele ser escravizado, mal pago, oprimido e famélico. À partida, o trabalhador rural estrito é unidade de uma franja social já praticamente inexistente. Na maioria dos casos possui a sua leira de terra, produz a sua pipa de vinho, aufere salário idêntico ao operário industrial e, mesmo a despeito do actual nível de desemprego, os seus braços são calorosamente disputados e correctamente remunerados.
E a verdade desta situação está bem patente nos magros resultados de -certos esforços angariadores e arregimentadores...
Com a caracterização acima e sumariamente definida, a agricultura, a lavoura do Noroeste, vem, no entanto, marcando determinadas tendências, que espelham a sua actual situação.
Assim, verifica-se um substancial aumento da percentagem de explorações de conta própria, quer por aquisição da terra pelos caseiros, quer pela passagem a exploração directa por parte do proprietário, foi abandono ou desinteresse dos caseiros.
A falta de caseiros vai-se acentuando cada vez mais, não só por muitos rendeiros adquirirem a terra onde trabalharam, mas, e sobretudo, pelo progressivo «envelhecimento» da população agrícola activa, determinado por factores de todos conhecidos - idade avançada, êxodo para actividades exteriores ao sector, emigração, busca de promoção social e profissional, etc.
Pelas mesmas razões, a escassez de mão-de-obra agrícola vai-se agravando de ano para ano, sendo já frequentes as propriedades abandonadas ou imperfeitamente granjeadas, pela razão a que o lavrador chama «falta de povo».
Esta carência veio fundamentar uma reconversão cultural que, se não é a mais conveniente e rentável, é, pelo menos, a disponível para fazer face à falta de braços. Reconversão cultural, que vem determinando um crescimento do sector pecuário e das culturas pratenses e, em menor escala, da floresta.
Foi ainda esta carência - e não um real desejo ou uma real consciência da necessidade de evoluir - que em grande parte determinou o crescimento do índice de mecanização e uma ainda mais falsa imagem de prosperidade de capacidade de investimento, que na realidade não existem. Importa sublinhar bem, e aqui, que foi a falta de mão-de-obra que impôs a máquina, e não esta que tornou inútil aquela.
Os factores acima esquematicamente apontados (tiveram e têm uma real determinância na problemática do minifúndio. Porém, é exactamente a extrema pequenez média da exploração agrícola, agravada ainda por uma quase geral pulverização parcelar, que cria todo o pesado feixe de problemas que o Partido Popular Monárquico se propõe estudar, planificar e propor medidas convenientes.
O Sr. Portugal da Silveira (PPM): - Muito bem!
O Orador: - Na verdade é o carácter minifundiário da exploração média que impede o crescimento do índice de mecanização em moldes funcionais e economicamente rentáveis. Pode dizer-se, por exemplo, que uma parte considerável dos tractores que vemos nas estradas do Noroeste não tem uma utilização que justifique e remunere o investimento, o que é ainda agravado pelo estado dos caminhos e pela ausência de uma conveniente rede de assistência mecânica. A pulverização da terra impede ou limita severamente as obras de interesse comum, como é o caso das obras de rega, e enxugo, vias de circulação, etc. É também essa reduzida dimensão que multiplica as serventias e as caminhos, as levadas de água, as pequenas obras de rega, sempre em prejuízo da área agricultável disponível. É ainda a pequenez da exploração que cria graves problemas de ordenamento do trabalho. Mesmo atendendo à intensividade da exploração da terra e ao denso regime de policultura, a distribuição no tempo das tarefas determina profundas variações do volume de mão-de-obra absorvido, com
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apontas» em determinadas épocas do ano podas e vindimas, colheitas dos fenos, etc.), opostas a outras de baixa ocupação. Não é raro que uma exploração agrícola utilize normalmente e apenas duas unidades de trabalho, passando a exigir oito ou dez nalguns períodos do ano agrícola.
A capacidade de investimento do agricultor do Noroeste é outro factor que tem sido mal sopesado pelos observadores casuais e mesmo por aqueles que teriam o dever de dispor de um melhor julgamento. Na verdade, aquela capacidade é muito diminuta e, quando existe, é normalmente mal encaminhada. O lavrador que junta algum dinheiro normalmente não investe nos bens de que já dispunha, criando benfeitorias; procura, isso sim, adquirir mais terra, num desejo ancestral e telúrico, que implicam a aceitação de ser a terra o bem mais estável e permanente ...
Dir-se-á que existem já dispositivos creditícios ao serviço da lavoura. Porém, só os que directamente lidam com tais problemas saberão reconhecer complexidades dos caminhos que conduzem - a esse crédito e quanto «custa» o dinheiro (bonificado ou não) e o tempo que leva a chegar e os temidos riscos das hipotecas...
O agricultor, alguém o disse, é, por definição, o «animal fiscal», constante objectivo de impostos, contribuições, relaxes, licenças, multas. Mas, como se isso não bastasse, os canais a montante e a jusante, os que lhe vendem e os que lhe compram, parece também quererem torná-lo no «animal comercial», inerme e sem defesa, presa fácil de todas as ganâncias e de todas as especulações, irmão esquecido do operário da fábrica, do médico, do tecelão e do deputado.
O Sr. Portugal da Silveira (PPM): - Muito bem!
O Orador - Sr. Presidente, Sr.ª e Srs. Deputados: O Partido Popular Monárquico, reconhecendo as prioridades na linha do interesse nacional, considera urgente a disponibilidade de legislação que promova e encorage, de forma palpável e prática, todas as expressões de associativismo agrícola, que melhore, simplifique e embarateça o crédito à lavoura, a médio e longo prazo, que estruture e amplie o ensino agrícola, a todos os níveis e em moldes adaptados a cada região, que controle, discipline e moralize os canais de escoamento e de abastecimento da lavoura e que crie dispositivos de intervenção ágeis e eficazes.
O agricultor, se sofre a tragédia de uma calamidade, encontra-se só. Mas, se vier um ano de fartura, se se vislumbrar uma oportunidade de o lavrador meter mais uma vaca ao estábulo ou mercar um par de socos para o mais pequeno dos filhos ou consertar uma ramada caída há tantos anos, então logo virá a intervenção, a contenção de preços e a importação. Porque essa parece ser a verdadeira função do agricultor- sustentar os outros ...
Aplausos do PPM, do PSD, do CDS e do Sr. Deputado Jorge Miranda (ASDI).
O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Teresa Ambrósio, também para unia declaração política.
A Sr.ª Teresa Ambrósio (PS): - Em nome do meu grupo parlamentar, quero associar-me à data da comemoração do Dia Internacional da Mulher, não com considerações teóricas, mas com a apresentação de uma medida, isto é, de um projecto de lei, que, pensamos, vai ao encontro daquilo que muitas mulheres esperam de nós.
É, pois, este projecto de lei sobre a participação das mulheres nas assembleia municipais e na vida autárquica que hoje, em nome do meu grupo parlamentar - assinado também por deputados da UEDS e da ASDI, tornando-se assim uma proposta da FRS -, faço presente à Mesa desta Assembleia.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É tempo de sobre a problemática da condição feminina falarmos menos e agirmos mais, até porque, não estando em causa o princípio da igualdade de qualquer cidadão, homem ou mulher, perante a lei, o discurso político nesta área tem de ser transferido do mero campo de um juradicionismo estreito, com que se colmatam os escrúpulos, se não a hipocrisia, da constatação dos atropelos diários que aquele princípio sofre, para uma actuação empenhada que ponha progressivamente tal igualdade em prática.
Na continuação de muitas medidas que os governos socialistas e o Parlamento tomaram em prol da promoção dos estatutos e da condição de vida das mulheres, tomamos hoje uma iniciativa legislativa no campo específico das responsabilidades públicas e políticas das mulheres do nosso país. Não porque desprezemos a exigência de uma política global que, nomeadamente, cubra os graves problemas do desemprego, das condições de trabalho, da flexibilidade de horários das mulheres, bem como de uma política de apoio à família, à maternidade consciente e responsável, à resolução da escandalosa carência de habitação e de equipamentos colectivos, sem o que não haverá melhoria das condições de vida das mulheres nem da sociedade em geral. Disto já hoje aqui muito se falou.
Mas estamos igualmente cientes de que uma política global deste âmbito - venha ela de qualquer que seja o Ministério - e as reformas progressivas que acarreta têm de ter como suporte o próprio empenhamento das mulheres e a sua consciencialização do papel que desempenham no transformar da sociedade. Empenhamento e consciencialização que a própria sociedade e os partidos políticos, por resistência de mentalidades e de hábitos culturais, nem sempre fomentam como deveriam fazer.
Nós, socialistas, somos daqueles que acreditamos que o acesso das mulheres à vida activa, às responsabilidades públicas, lhes dá acrescidas possibilidades de se assumirem plenamente como pessoas, como cidadãs, e, inclusive, lhes abre perspectivas ao exercício dignificante da função da maternidade e à criação de relações interpessoais mais humanas e solidárias.
Pelo contrário, temos bem consciência de que as tarefas domésticas ou domesticantes desmobilizam e impedem a ascenção das mulheres às responsabilidades cívicas e políticas, donde se espera um contributo positivo para a criação de uma nova sociedade, de que é já bem patente o fruto dos movimentos femininos nas sociedades industriais em crise. É escusado dizer que, mesmo na ou caminhando para a Europa, a actual ou a do futuro, muito há a modificar na vida portuguesa neste campo. E é por este motivo que o meu partido apresenta hoje, tendo em vista o futuro acto eleitoral para as autarquias, um projecto de lei
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sobre a participação das mulheres na vida autárquica. Dele, ainda que. não se trate agora de fazer a sua apresentação, falaremos um pouco mais.
A Constituição da República Portuguesa assegura perante a lei a igualdade de todos os cidadãos, sem distinção de raça, de origem, de sexo ou de religião.
O estabelecimento jurídico deste princípio de igualdade, nomeadamente no que respeita à igualdade dos sexos, embora unanimemente aceite, depara, porém, com inúmeros obstáculos, a diversos níveis e de vária ordem. Estes obstáculos exigem análise, reflexão e vontade política para tomar medidas que tendam progressivamente à sua eliminação.
Hoje, após o 25 de Abril, é já possível a muitas mulheres participarem na vida autárquica, como a forma mais evidente do interesse que elas, como cidadãs, têm demonstrado pela vida política, e cuja participação nos actos eleitorais, para um país tão narcotizado pelo antigo regime e que desenvolveu hábitos e valores atávicos, é extremamente significativo do seu desejo de empenhamento político.
Porém, e lamentavelmente, embora os dados estatísticos oficiais não nos forneçam elementos seguros sobre a representatividade efectiva das mulheres nestes órgãos autárquicos, nomeadamente nas assembleias municipais, órgãos de decisão fundamentais da vida dos municípios, sabemos que a sua representação está muito longe de ser próxima da percentagem de mais de 50% de mulheres no corpo eleitoral. Basta, por exemplo, lembrar que nas últimas eleições autárquicas de 1979 de entre 305 presidentes de câmaras municipais do continente e ilhas apenas se contam duas mulheres.
Ouvi ainda no domingo, dia realmente consagrado à comemoração das mulheres, falar em taxa de 2 % de participação feminina nas câmaras e de 1,5% nas juntas de freguesia. Não sei a fonte oficial de tais dados e pergunto-me mesmo se se referem a mulheres eleitas, oficialmente representativas, ou a muitas daquelas que por dedicação - a eterna virtude feminina que tanta gente deseja perpetuar - vão executando tarefas de apoio aos órgãos autárquicos.
Seja como for, tais factos não são para se dizerem e esquecerem. E demonstram que mesmo com boas leis que defendam princípios as mentalidades não mudam.
É, pois, evidente que haverá que legislar também tendo em vista velar pela igualdade, ou, se se quiser, pela criação de condições que promovam a igualdade de oportunidade progressiva para ambos os sexos, não relegando, de acordo com hábitos tradicionais, a capacidade e a dedicação das mulheres à causa pública para ía exclusiva execução de tarefas, se não menores, pelo menos, de inferior grau de responsabilidade política.
Neste sentido e, repito, visando encorajar o papel que as mulheres exercem e devem exercer cada vez mais na vida política em geral e, especificamente, na vida das autarquias, apresentamos um projecto de lei que introduz alterações no quadro jurídico actual do processo eleitoral autárquico no sentido de se observar uma quota de 80 % como participação máxima de qualquer dos sexos em todas as listas de candidatos por partidos ou coligações para as assembleias municipais, assegurando-se uma distribuição adequada na ordem de precedência dos candidatos propostos no total das listas.
Este método de limitação de quotas pode ser discutível em si, mas, tal como em outros países, tem servido de processo de promoção de uma nova mentalidade mais aberta à participação das mulheres na vida pública e é hoje muito utilizado ao nível de organizações laborais, organismos internacionais e organizações políticas. Importa até mencionar que uma lei com o mesmo alcance acaba de ser aprovada pelo Parlamento francês em Novembro último, projecto de lei, aliás, apresentado pelo próprio Governo e que mereceu a aprovação de todos os grupos parlamentares. Hoje, Sr. Presidente e Srs. Deputados, nós, socialistas, começamos pela vida autárquica, onde o contributo das mulheres, mais perto do quotidiano, é imprescindível e se revela da maior competência. Será, no entanto, uma 1.ª fase de encorajamento para maiores voos para que as mulheres ajudem a transformar a vida política em algo de real e humano, que não é exclusivamente masculino, nem sobretudo ideal, nem palavroso, nem agressivo, mas expressão simples, clara, da sociedade de que todos nós fazemos parte, homens e mulheres.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Conhecemos todos os argumentos que contra esta lei se levantarão, pois eles já constituem dossiers históricos de outros países onde passos semelhantes têm vindo a ser tomados. É uma lei - dizem - anticonstitucional, discriminatória, privilegiante ou que abre perigosos precedentes. Não é, e demonstraremos na devida altura que não ó nada disso, restando-nos a esperança de que a civilidade, o respeito profundo pelos direitos de todos os cidadãos na sua diversidade, vão sendo uma maneira de ser no dia a dia, mesmo nos partidos mais conservadores (como foi o caso do comportamento altamente civilizado e notável destes partidos ainda há poucos dias no Parlamento Europeu, aquando da aprovação das resoluções relativamente a alguns problemas legislativos e candentes, nomeadamente relativos à segurança, às condições de trabalho e ao aborto, de que sofrem as mulheres no contexto da CEE).
Este projecto de lei é apenas, portanto, e somente, um passo transitório, uma base mínima de partida, que permita criar, repetimos, a igualdade de oportunidades para as mulheres ascenderem (contrariando pressupostos históricos, sociológicos e culturais obsoletos) às suas responsabilidades políticas até que algum dia possamos definitivamente constatar a riqueza que advém do confronto, em igualdade, da diversidade de todos os cidadãos e, assim, possamos criar um novo futuro, uma nova civilização, uma dinâmica cultural, que é condição de humanização e riqueza de todos os homens.
Aplausos do PS, do PCP, da ASDI, da UEDS, do MDP/CDE e de alguns deputados do PSD.
O Sr. Presidente: - Para uma declaração política tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.
O Sr. Mário Tomé (UDP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Enquanto três soldados do Ralis foram presos e como já aqui denunciou a UDP, condenados sem provas e de novo se vão sentar no banco dos réus, sendo-lhes ilegal e inconstitucionalmente recusada a reintegração nos seus empregos e àqueles que atacaram o Ralis, mataram o soldado Luís e fugiram para o estrangeiro com material de guerra nada
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aconteceu, a não ser o terem sido reintegrados, pagos generosamente os retroactivos, promovidos, tendo mesmo o próprio general Spínola sido ameaçado com a imposição das estrelas de marechal, um grupo de democratas, na intenção de homenagear o exemplo do soldado Luís e de comemorar a vitória popular sobre o golpe fascista do 11 de Março, solicitou ao Comando da Região Militar de Lisboa autorização para amanhã se deslocar ao Ralis e aí depositar um ramo de flores na lápide evocativa da morte do soldado Luís.
Segundo me foi dado saber, a autorização foi concedida nas seguintes condições: três elementos da comissão chegam à porta do Ralis, onde são recebidos por um oficial superior, que recebe o ramo de flores e o irá colocar na lápide.
Na situação que hoje se vive no nosso país, não é de excluir a hipótese de que tal oficial superior possa ser um dos golpistas do 11 de Março ou, pelo menos, de que nessa data tenha estado em espírito com os golpistas, por falta de coragem ou de oportunidade para colaborar activamente.
Devemos perguntar-nos -por que razão um grupo de democratas não pode entrar numa unidade militar para simbolicamente homenagear quantos defenderam com a vida as liberdades ameaçadas.
Esta solicitação dirigida ao comandante da Região Militar de Lisboa, praticamente, coincidiu com o repúdio unânime que todas as forças políticas e órgãos de soberania opuseram à intentona recentemente fracassada no país vizinho. Mas coincide também com factos e situações que não são tranquilizadores quanto ao futuro das liberdades democráticas conquistadas com o 25 de Abril. Coincide, por um lado, com as diversas tentativas para apresentar como heróis nacionais os golpistas do 11 de Março e, por outro lado, com a campanha para apresentar como criminosos e marginais os soldados do Ralis que resistiram ao ataque contra-revolucionário.
Justamente para que não caia no esquecimento o significado do 11 de Março, o papel que uns e outros desempenharam, a identidade dos Tejeros e Milhans dei Bosch portugueses, justamente para cumprir com um dever de rigor histórico, que constitui, simultânea» mente, um alerta contra as maquinações antidemocráticas do presente, a nível nacional e peninsular!
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quando em 11 de Março de 1975, há seis anos, a intentona contra-revolucionária sofreu uma clamorosa derrota, face à resposta firme do Ralis, apoiado pelos soldados e militares democratas de todo o País e pela decisiva acção das massas populares, deu-se um. salto qualitativo no processo revolucionário português.
O desenvolvimento das lutas do movimento popular contra a sabotagem económica, contra o desemprego, pela unidade sindical, pelo controle e vigilância dos trabalhadores sobre a gestão das empresas, sobre a banca, a denúncia das fraudes e movimentações escuras do capital, recrudesceu energicamente após a derrota em 11 de Março das forças imperialistas e monopolistas, consumada na fuga para o estrangeiro de alguns dos seus lacaios de serviço nas forças armadas, e levou às nacionalizações dos monopólios e da banca, ao reconhecimento das ocupações no Alentejo.
A actuação demagógica dos governos provisórios, cuja missão consistia em dar saída às ilusões e ambições reformistas assentes na formação de um sector capitalista de Estado e fazer a ligação entre os países imperialistas e as ex-colónias portuguesas, conseguiu condicionar e desviar o ímpeto popular, no qual se apoiara para derrotar, efemeramente, as ameaças dos sectores monopolistas e latifundiários, que, depois de voltarem à carga em 11 de Março, se organizavam placidamente, a coberto da disputa do aparelho de Estado entre os partidos reformistas.
As massas populares, dispostas à luta e em luta, encontraram-se desorientadas entre os apelos ao socialismo democrático feitos por quem se aliou despudoradamente aos sectores mais reaccionários e as garantias de que se estava em transição para o socialismo, enquanto o imperialismo continuava a fazer o que muito bem lhe apetecia, continuando a fechar empresas e a despedir operários, e os camponeses, principalmente os do Norte do País, estavam mais do que nunca nas mãos dos intermediários parasitas.
A classe operária e os assalariados rurais, manietados pelas ilusões no MFA e nos governos provisórios, que, reconhecendo a gravidade da situação, especialmente do Norte do País, lhes faziam constantes apelos para serem mais realistas e ponderarem na situação e, assim, construírem a unidade com sectores da média burguesia e em volta das forças armadas como garante da democracia!, enquanto colaboravam com o governo, baixando as suas reivindicações revolucionárias e «irrealistas», ao mesmo tempo que se isolavam do campesinato, que necessitava mais de um efectivo impulso revolucionário para se libertar dos donos das quintas, dos grandes rendeiros, dos parasitas e intermediários, dos caciques rurais e menos de dinamização cultural pequeno-burguesa, iam permitindo o desenvolvimento da contra-revolução e preparavam-se, sem o saberem, para, de etapa em etapa, de ilusão em ilusão, esperarem pela aplicação razoável da lei Barreto, consentirem em comer pior para defenderem as nacionalizadas, olharem embevecidos para Lurdes Pintasilgo, esperarem que Eanes demitisse Sá Carneiro, esperarem pelas eleições para obviarem aos despedimentos e à repressão nas empresas, rezarem pela maioria de esquerda antes que a GNR desse todas as terras aos latifundiários, até chegarem ao «milagre» de terem na Presidência outra vez Eanes e quase, quase, uma maioria democrática nesta Assembleia da República, bastando talvez que alguns CDS se passem para o PSD, alguns PSD se passem para o PS e, quem sabe, algum PS para o PCP.
Para a UDP hão-de passar-se os trabalhadores quando deixarem de acreditar nestas cantigas.
Vozes do CDS: - Querias! ...
O Orador - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Se hoje ainda a direita não liquidou totalmente o 25 de Abril, devêmo-lo ao impulso criado pelo movimento popular com a derrota em 11 de Março dos golpistas reaccionários, civis e militares, e que levou, por imposição dos trabalhadores, às nacionalizações, a receberem 61 % do rendimento nacional, à aceitação da ocupação das casas criminosamente devolutas e da ocupação dos latifúndios, criando-se condições de avanço para novas conquistas.
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Se, por outro lado, hoje se chegou ao ponto de se poderem apontar como objectivos de «interesse» para os trabalhadores a «democratização» do 25 de Novembro, a revisão «por consenso» da Constituição da República forjada com o povo nas ruas, a aceitação de 52 % do rendimento nacional para os trabalhadores e até o contrato social; se a defesa da Reforma Agrária já se reduz a manifestações, lamentando o desemprego provocado pelo roubo violento de milhares de hectares aos trabalhadores desde que a lei Barreto alargou o buraco dos 50 000 pontos («pacto agrário» dos então três maiores partidos portugueses: uma verdadeira «maioria democrática»); se Pinto Balsemão, apoiado pela «AD», pode governar, a caminho da CEE, de mãos dadas com Eanes, apoiado pelo PS e pelo PCP - a maioria democrática continua a impor-se -, sob o olhar paternal da NATO, devêmo-lo à armadilha reformista que meteu o povo nas baias que levaram ao 25 de Novembro, não permitindo o aprofundamento revolucionário da vitória alcançada em 11 de Março. Os efeitos nefastos dessa armadilha fazem-se sentir hoje com maior evidência na divisão dos trabalhadores e nos dias negros que se aproximam, porque só com o socialismo - que os trabalhadores exigiram em 1975 e no qual começaram a descrer pela política conciliatória e antipopular que em seu nome foi realizada - as causas da exploração miséria e repressão serão eliminadas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A luta que se trava é económica, política. 
Cada luta económica deve transformar-se em luta política. Por isso, a UDP aponta para a unificação das lutas, para a resistência ao governo AD e seu desmascaramento, para levar aos trabalhadores a consciência de que é preciso derrubá-lo e de que devem ser eles próprios, pela sua luta, a fazê-lo. A luta económica e política deve ter em si um forte factor de transformação ideológica para os trabalhadores se furtarem à alienação da ideologia reformista e dominante.
Por isso, a UDP lhes diz para não darem ouvidos às vozes que condenam manifestações como a da construção civil em S. Bento e pretendem convencê-los de que aqui, na Assembleia da República, se podem resolver os seus problemas. A UDP condena o sentido reformista que foi dado à vitória do 11 de Março, mas aponta o exemplo de luta popular e revolucionária que ela desencadeou.
Aponta para a luta sem tréguas contra o capitalismo, dizendo que o desenvolvimento capitalista no mundo de hoje é forçosamente reaccionário e já se faz à custa de inúmeros sofrimentos e sacrifícios para as massas trabalhadoras.
Por isso, o Governo prefere seguir as leis inventadas para preservação do seu próprio sistema, em vez de dar todo o apoio, sem condições nem hesitações, aos camponeses arruinados pela geada, pela seca, às vítimas do terramoto dos Açores, como já aconteceu também em relação às vítimas das inundações e da geada negra do Algarve. Considera até que muitas das situações de ruína dos pequenos agricultores vêm facilitar a reestruturação da agricultura exigida para a entrada na CEE.
Foi também por essa mesma razão que o Governo e os organismos oficiais esperaram nove meses -e mesmo assim pressionados pela luta dos trabalhadores - para encerrar parte da Estação Agronómica de Oeiras, onde se verifica a existência de grave doença profissional ainda não convenientemente diagnosticada.
Por isso também, o Governo não impõe a readmissão dos despedidos da Standard, nem resolve a situação da Messa, tal como não resolve o problema das pescas, nem da marinha mercante, e aprofunda a destruição da Reforma Agrária e tenta liquidar as nacionalizadas.
Por isso, os trabalhadores de O Século continuam sem verem a sua situação definitivamente resolvida e os contratos a prazo continuam a fazer vítimas nos que são despedidos e nos que se desgastam na angústia de o virem a ser, para salvar os exploradores capitalistas à custa de quem tudo faz.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: SÓ os revolucionários podem tirar as devidas lições do 11 de Março, porque são os únicos que apenas têm compromissos com os trabalhadores e com o povo. E uma das lições a tirar é esta: a economia pode e deve ser controlada pelos trabalhadores. Só assim estará ao seu serviço e acabará a exploração.
Para que assim aconteça é preciso que os trabalhadores conquistem o poder político, e para tal há que derrotar, seguindo a sua política independente e sem hesitações nem conciliações, quem se oponha à luta e ao seu desenvolvimento para atingir aquele objectivo.
Para conquistar o poder político só com luta firme em todos os campos, solidária, permanente, com a consciência de que, se há crise profunda do capitalismo, é preciso aproveitá-la para acabar com ele, e não para lhe atirar bóias que o salvem, e de que os capitalistas, esses, não estão em crise e é preciso acabar com a sua engorda, que atira com as consequências da crise do sistema para cima das costas dos operários, camponeses e demais trabalhadores.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O 11 de Março mostrou que é possível melhorar as condições de vida dos trabalhadores se estes lutarem valentemente para liquidarem as estruturas da exploração.
Mas também mostra que, se essa luta não for decididamente levada até ao fim, o que nos espera é a degradação contínua das condições de vida, a limitação das liberdades, a repressão e mesmo o golpe militar.
Aos trabalhadores portugueses compete tirar as lições da sua experiência e levantarem-se de novo para derrotar a direita e o seu governo.
Para uma e outra coisa podem contar com o apoio e a abnegação da UDP.
Durante esta intervenção assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Martins Canaverde.
O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra a Sr.ª Deputada Teresa Santa Clara Gomes.
A Sr.ª Teresa Santa Clara Gomes (UEDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados:
Misto de festa e de luta, a data de 8 de Março surge-nos carregada de pesadas ambiguidades.
Se é certo que ti evocação da revolta das trabalhadoras novaiorquinas, em 1857, é, de algum modo, um anúncio simbólico da libertação de todas as mu-
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lheres e, como tal, uma festa de solidariedade universal, não é menos certo que essa evocação não se faz sem uma aguda consciência dos jugos e opressões que ainda hoje pesam sobre a esmagadora maioria das mulheres do mundo, o que, necessariamente, converte a jornada de festa em jornada de luta.
É, pois, com sentimentos múltiplos que junto a minha voz à das oradoras que me precederam, para daqui saudar as mulheres do meu país e as mulheres de todo o mundo.
Nas que se mostram conscientes de que a solidariedade entre as mulheres é hoje uma força social irresistível e propõem pôr essa força ao serviço da libertação de todos os discriminados, saúdo a coragem e a determinação.
Nas que, tendo conquistado a igualdade de acesso, têm a ousadia de ser diferentes e se empenham na destruição de modelos caducos e na proposta de novas formas de vida e de organização social, saúdo a iniciativa e a imaginação.
Mas que, subjugadas pelo peso das discriminações de que são vítimas no dia a dia, lutam prioritariamente pela conquista de condições mínimas de trabalho e de vida, saúdo a capacidade de risco e a tenacidade no combate.
Mas a ambiguidade que atravessa esta comemoração não se faz sentir apenas ao nível da diversidade das «causas» que mobilizam as mulheres do nosso tempo.
É uma ambiguidade genérica, quase diria omnipresente.
Presente na contradição entre os direitos formais que lhes são reconhecidos e as situações de discriminação a que fazem face no seu dia a dia.
Presente na desproporção incompreensível entre as responsabilidades que, de facto, assumem na manutenção dos aspectos fundamentais da vida social (família, educação, trabalho, produção alimentar, cuidados primários de saúde) e as mitigadas tarefas funcionais que lhes são reconhecidas.
Presente no absurdo da própria situação em que hoje, aqui, nos encontramos: num país em que mais de metade do eleitorado é constituído por mulheres, são apenas cerca de 8 % as deputadas presentes neste hemiciclo!
O Sr. César Oliveira (UEDS): - Muito bem!
A Oradora: - Uma sociedade onde são quotidianos os atropelos à dignidade humana de milhares e milhares de cidadãs, torna-se necessário um pretexto como a comemoração do 8 de Março para colectivamente darmos voz à denúncia de um dos mais flagrantes obstáculos à nossa vivência democrática.
O Sr. César Oliveira (UEDS): - Muito bem!
A Oradora: - É certo que o puro formalismo das leis pode, nesta como noutras circunstâncias, servir-nos de álibi tranquilizador. Não encontramos nós suficiente matéria de regozijo nos avanços feitos pela «causa» das mulheres, no piano estritamente jurídico, depois o 25 de Abril? Se não há mais mulheres a participar activamente nas instituições políticas - pensarão muitos bons democratas -, é porque elas «não souberam impor-se pelo seu mérito», porque «não
foram capazes de vencer na competição», porque «são, afinal, o sexo fraco... e a política é matéria reservada aos fortes e aos competentes»!
Os que assim pensam têm certamente razão em olhar com benevolência (misto de paternalismo e de ironia) a evocação que hoje aqui fazemos do Dia Internacional da Mulher. Como mecanismo compensatório, ela funciona a gosto de todos os quadrantes políticos... (Não seremos, aliás, todos unânimes em confirmar o princípio da plena igualdade entre os sexos na próxima revisão constitucional?)
Só que a plena igualdade (como a «democracia plena», que certas bancadas tanto gostam de evocar...) não se conquista apenas através de mecanismos formais.
A Sr.ª Alda Nogueira (PCP): - Muito bem!
A Oradora: - Conquista-se, sim, através da criação de condições para que os obstáculos à igualdade, onde quer que eles se situem - na esfera política ou na esfera económica, na esfera social ou na esfera cultural -, sejam efectiva e eficazmente destruídos.
Vozes da UEDS, do PS e do PCP: - Muito bem!
A Oradora: - Conquista-se, para as mulheres, através da melhoria dos salários e das condições de trabalho, através da multiplicação dos equipamentos de apoio doméstico e de apoio no cuidados dos filhos,...
A Sr." Alda Nogueira (PCP): - uito bem!
A Oradora: - ... através de um acesso realista aos meios de educação e de cultura através de uma comunicação social voltada para o quotidiano, e não para os pequenos fait-divers da cena política, através da criação de espaços de convívio onde a expressão «tempos livres» possa finalmente entrar no vocabulário das mulheres,...
A Sr.ª Alda Nogueira (PCP): - Muito bem!
A Oradora: - ... através de uma intervenção efectiva nos centros e instituições de decisão política, a nível local, regional e nacional.
O Sr. António Vitorino (UEDS): - Muito bem!
A Oradora: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Mais do que palavras, precisamos de propostas concretas que tornem viável a passagem da teoria à prática, dos princípios à realidade.
É nesse sentido que, em meu nome pessoal e em nome do Grupo Parlamentar da UEDS, subscrevo e apoio o projecto de lei hoje aqui apresentado pela deputada Teresa Ambrósio.
Está em causa a criação de um mecanismo não já meramente intencional mas operacional, no sentido de corrigir as graves desigualdades existentes entre homens e mulheres em matéria de intervenção política.
O Sr. Carlos Lage (PS): - Muito bem!
A Oradora: - Trata-se, é certo, de uma simples norma processual, mas são, por vezes, pequenos pró-
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cessos como este que chamam a atenção para o cerne das questões, quebrando preconceitos ancestrais e abrindo caminho a transformações mais profundas.
Vozes da UEDS: - Muito bem!
A Oradora: - O mecanismo proposto - estabelecimento de uma quota máxima na participação de um só sexo nas listas para as eleições autárquicas - não deverá, aliás, deixar de ser encarado como um mecanismo transitório. A sua vida será curta, esperamo-lo. Não nos faltará pressa em o abolir logo que a prática revele que o seu objectivo foi atingido e a sua existência se tornou, portanto, desnecessária...
Com um mínimo de 20 % de autarcas mulheres, os municípios terão ocasião de exemplificar, para o conjunto das instituições políticas do País, o que de novo as mulheres poderão trazer à prática política portuguesa. Se o País se mostra hoje cansado de discursos vazios e de promessas não cumpridas, é porque a decisão política se distanciou do quotidiano da vida das populações. Ora ninguém, como as mulheres, pode colmatar esse fosso. Ninguém, como elas, pode trazer a vida para a política e a política para a vida.
O Sr. António Vitorino (UEDS): - Muito bem!
A Oradora: - E não se evoquem Srs. Deputados, os argumentos fáceis que atrás denunciei. O mérito e a capacidade das mulheres estão por de mais provados. O que falta são condições objectivas que lhes permitam ultrapassar o alheamento secular a que foram votadas.
Se tiver dado um pequeno passo nessa direcção, a evocação que hoje fazemos do Dia Internacional da Mulher terá valido a pena.
Aplausos da UEDS, do PS, de alguns deputados do PCP, da ASDI e do MDP/CDE.
O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isilda Barata.
A Sr.ª Isilda Barata (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ocorreu no dia 8 de Março o Dia Internacional da Mulher e o CDS não podia deixar de prestar homenagem a todas as mulheres, em geral, e, em especial, à mulher portuguesa, que ao longo da nossa história e nos momentos mais decisivos teve sempre o seu papel relevante.
Fada do lar nos momentos de acalmia ou intrépida guerreira nas ocasiões de crise, ela é a filha, esposa e mãe dedicada e querida e a conselheira sensata e audaz, com que se pode aberta e completamente contar.
Merece por isso uma grande homenagem, e para isso talvez se denunciasse aqui todas as inegáveis injustiças sociais de que por vezes ainda é vítima, mas prefiro falar do seu verdadeiro papel na sociedade, que, bem desempenhado, contribui para a sua correcção. Parece absurdo esclarecer o seu verdadeiro papel, porque, no tempo que corre, ela já alcançou uma posição relevante, que jamais conseguiu. Mas a mulher está em foco, e é precisamente porque todos os olhares se voltam para ela que vale a pena ressaltar a sua verdadeira posição.
Há quem aceite, sem ponderação nem espírito crítico, a imagem da mulher que lhe é fornecida pelas telas de cinema e de televisão, pela imprensa sensacionalista, pela propaganda publicitária, pelas teorias pseudo-científicas e pseudo filosóficas de certa literatura em voga e não é raro que, por influências destes meios, se encontre hoje em discussões calorosas de «grupos intelectuais» ou nos debates de colóquios e congressos quem vá defendendo, por insensatez, snobismo ou convicção, que a mulher é exactamente igual ao homem.
À volta desta ideia se formam grupos, movimentos ditos «feministas», e muito se tem dito e escrito.
A mulher, embora com os direitos que assistem ao homem, é diferente dele, precisamente porque foram criados para se completarem. Para haver equilíbrio pessoal e no mundo, nem o homem pode efeminar-se nem a mulher masculinizar-se. Homem e mulher foram criados e estão concebidos para serem um casal, e não para viverem lado a lado em linhas paralelas.
Nem o homem é superior à mulher nem a mulher ao homem. São diferentes, para se completarem. E quando um ao outro se negam a si próprios e buscam um outro «eu», surge o desequilíbrio, a insatisfação, o desencanto perante si próprio e perante a vida.
Não pomos em dúvida que nós mulheres, devemos ocupar na sociedade um lugar a par do homem, assim o exigem os nossos direitos como pessoas, como cidadãs e também o progresso da humanidade; neste plano cremos que não há motivo algum para discriminação.
Todavia, a razão mais profunda desta presença não está na igualdade dos sexos, mas na sua equivalência, homem e mulher não são iguais por natureza, simplesmente equivalem-se, e é nesta correspondência de valores que deve assentar uma justa defesa da sua posição na sociedade.
Homem e mulher devem participar, cada qual na sua natureza e condição, na construção do mundo. A ambos é exigido um contributo de colaboração, uma acção complementar insubstituível - porque não são iguais -, repito, mas por valerem o mesmo e estarem comprometidos numa tarefa comum.
No nosso tempo a mulher conseguiu praticamente o acesso a todas as carreiras e funções que durante séculos estiveram reservadas ao homem. Mas há ainda quem defenda a existência de zonas diferenciadas para a actividade do homem e da mulher, como se tal separatismo fosse possível e desejável numa sociedade cujo progresso depende da reunião de esforços e da partilha comum das responsabilidades, em todos os sectores da vida.
É possível que esta posição, sustentada tanto por homens como por mulheres, se explique, em parte, por despeito ou saudosismo, mas, sobretudo, por se verificar que muitas mulheres, não estando preparadas para as responsabilidades que tiveram de assumir, principalmente depois das duas guerras mundiais, nem sempre souberam desempenhar as funções que lhes confiaram, sem prejuízo da sua feminilidade e da sua influência como mulheres.
O Sr. Neiva de Oliveira (CDS): - Muito bem!
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A Oradora: - A este facto alude Gustavo Carção, com certa amargura, ao apresentar magistralmente a missão da mulher no mundo: «Elas vieram ao nosso encontro, mas o seu concurso tem sido apenas numérico, quantitativo, mecânico, vieram ao nosso encontro como pessoas, como braços, como cabeças, mas não vieram como mulheres. O coro de vozes engrossou, mas não se tornou mais harmonioso. O conjunto de gestos multiplicou-se, mas não se tornou mais ordenado. Vieram ao nosso encontro para fazer as mesmas coisas. Com os mesmos gestos.»
A verdade é que sempre que a mulher fez o mesmo que o homem «com os mesmos gestos», isto é, sem imprimir a sua marca de mulher, ela torna-se ridiculamente imitadora, a sua acção fica empobrecida, porque não pode dar à sociedade o que não tem e recusa-lhe o que ela pode dar. Nem é na identificação com o homem que a mulher se realiza. Ao buscar uma identidade, que não é a sua, há uma destruição de si própria, uma fuga à possibilidade do ser feliz, uma recusa a estar no lugar e na função que lhe são destinados. E é por isso que os movimentos feministas fracassam. Eles negam à mulher a possibilidade de ser mulher. Querem fazer dela um híbrido «homem-mulher-máquina», que não chega a ser coisa nenhuma, apenas instrumento de produção.
Cria-se, consequentemente, um clima de reivindicação apoiado numa igualdade niveladora, que é negada pela própria Natureza, e estabelece-se um sistema de competição, que a mulher e o homem fomentam e que a ambos prejudica: a mulher, que não se sente compreendida e tenta a todo o custo defender os seus interesses; o homem, que está demasiadamente vinculado ao passado e não quer perder o seu monopólio.
Ora, o problema da promoção da mulher e do progresso da sociedade não pode ser resolvido em termos de competição: exige, antes, que o homem e a mulher, dentro e fora do lar, realizem uma verdadeira obra de cooperação, dando a cada um, na originalidade do seu ser, aquilo que lhe é específico, em ordem ao bem comum.
Vozes do CDS: - Muito bem!
A Oradora: - Naturalmente que da parte da mulher há todo um esforço de conhecimento próprio, e de valorização a realizar para que possa dar testemunho dos valores que dignifiquem a pessoa, afirmar-se pela competência, participar eficientemente com o homem nas tarefas que reclamam a presença de ambos, saber dialogar e colaborar numa autêntica convergência de interesses. Enfim, o feminismo do século XIX abriu caminhos pela competição, mas a promoção da mulher do século XX só será possível pela cooperação, cooperando numa sociedade mais justa e fraterna, cooperando numa autêntica dignificação da mulher, tal como é consagrado no estatuto da mãe de família, que torna a vida da mulher trabalhadora mais humana, harmonizando, os seus deveres profissionais com os deveres de mãe de família, cooperando também na defesa e respeito pela vida, desde a sua concepção até à morte.
Como democrata-cristã, responsável diante de Deus pelo futuro do nosso país, ao comemorar-se o dia internacional da Mulher, lembro a esta Assembleia que, com o seu Poder Legislativo, tenha sempre em conta a sua dignificação, contribuindo assim para uma sociedade mais justa.
Exige-o a liberdade responsável e a honra da mulher; exige-o a sociedade; exige-o a Pátria.
Aplausos do CDS, do PSD e do PPM.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, fazemos agora o intervalo regimental.
Antes, informo que se vai realizar uma reunião de representantes dos grupos parlamentares.
Está suspensa a sessão.
Eram 17 horas e 25 minutos.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.
Eram 18 horas e 15 minutos.
ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, entramos agora no período da ordem do dia.
Para uma intervenção sobre o relatório da UIP, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Pena.
O Sr. Rui Pena (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: No termo do mandato do conselho directivo do grupo português da UIP - União Interparlamentar -, impõe-se ao presidente fazer um balanço da actividade desenvolvida e avançar alguns subsídios para um programa futuro. Esta comunicação justifica-se não só para sensibilizar os Srs. Deputados ao espírito da UIP - e assim poderem mais activamente participar no grupo português-, mas também para tornar conhecidas da opinião pública nacional as principais conclusões da 67.ª Conferência Interparlamentar que se realizou em Berlim, RDA, de 16 a 24 de Setembro de 1980. Razões diversas, em que avultam os acontecimentos políticos que vivemos no último trimestre do ano passado e nos primeiros meses do corrente ano, protelaram esta iniciativa. Oxalá pressione os grupos parlamentares do PS e do PSD a acordarem sobre os termos e a data da eleição do novo conselho directivo que o calendário de trabalhos previsto para o ano em curso, e muito especialmente a sessão da Primavera em Manila, de 20 a 25 de Abril, e os compromissos assumidos com outros grupos nacionais, designadamente o de Espanha, tornam muito urgente.
Participante interessado e crítico do grupo português nos anos anteriores, procurei modificar o ritmo dos seus trabalhos e. dar-lhes maior objectividade e eficiência, sem ofender os estatutos, sem nunca perder de vista os objectivos da UIP e sem deixar de aplicar, na medida do possível, a regra do consenso. Aliás, penso que a política internacional é política de Estado e deve ser emancipada das posições particulares e particularizadas dos partidos. Nem por ser associar cão livre de deputados, homens livres, eleitos livremente, e, não associação de parlamentos ou de Estados, a UIP deixa de responsabilizar os seus membros pela política dos seus países, pressupondo a sua influência decisiva na condução dessa mesma política. Não faz sentido - e é questão a decidir na revisão estatutária que a nossa experiência de quase cinco anos já permite -, não faz sentido que os votos do
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grupo português se dividam em questões tão importantes como as da guerra e da paz, da segurança, do desarmamento, dos direitos do homem e da cooperação internacional.
Como não faz sentido que, entre nós, não seja o voto maioritário, que é democrático, a distinguir entre agressores e agredidos, entre militaristas e pacifistas, entre colonialistas e explorados, ou entre quem é pelas liberdades e quem as nega sistematicamente. Sem prejuízo de uma ainda mais ampla discussão interna, no nosso âmbito, sem prejuízo de todas as nossas divergências político-ideológicas, sem prejuízo de necessariamente se ter de assumir um certo compromisso em termos de generalidade e vaguidade - próprios da linguagem internacional -, creio devermos passar a adoptar um sentido único nas nossas votações nas instâncias internacionais. Falamos por Portugal e não em nome e por cada uma das tendências políticas em que se precipita a esperança e a vontade política dos Portugueses. Creio que é um assunto sobre o qual teremos de nos pôr de acordo no futuro.
Esta mesma concepção explica e justifica que tem de haver entre Parlamento e Governo numa actuação conjugada, no estrito respeito das competências de cada órgão, mas pressupondo informação e apoio recíproco. Neste particular, as relações entre o conselho directivo do grupo português da UIP e o Ministério dos Negócios Estrangeiros foram modelares no VI Governo. Não só o Ministro como as próprias missões diplomáticas, por indicação deste, estiveram sempre prontos a colaborar, a fornecer dados, a explicar as posições defendidas em cada caso pelo Governo, dentro das grandes opções programáticas por nós aprovadas quando da sua investidura parlamentar.
O mesmo devo dizer das nossas relações com o Presidente da Assembleia da República e com os serviços desta Casa. Algo haverá a afinar e melhorar, mas no essencial tudo se tem processado normalmente. Não obstante, se quisermos dar ao grupo português da UIP maiores relevância e competência, temos de lhe assegurar infra-estruturas humana e financeira adequadas. Não podemos esquecer que um dos objectivos da UIP é o aperfeiçoamento dos parlamentos e do trabalho parlamentar. Nesta hora que para todos nós é de reflexão sobre o nosso trabalho parlamentar, muito podemos aproveitar da experiência da União Interparlamentar e da alta valia técnica dos seus peritos.
Ensaiámos no último ano um contacto mais estreito com a comunicação social. Não obtivemos grande êxito, mas, apesar de tudo, conseguimos que pela primeira vez a nossa missão em Berlim e os trabalhos da 67.º Conferência Interparlamentar tivessem sido acompanhados por um jornalista da Anop. Não se verificou assim o que de outras vezes sucedera reproduzirem jornais nacionais comentários e artigos de jornalistas e jornais estrangeiros sobre as actividades da União Interparlamentar. Muito há a fazer ainda para uma maior e mais efectiva sensibilização da nossa opinião pública, através de artigos, conferências, entrevistas, divulgação dos trabalhos e das resoluções tomadas. É uma tarefa urgente a que o novo conselho directivo a eleger deverá dedicar a maior atenção.
Tendo sido acordado na Conferência de Viena de 19788 reforçar os contactos bilaterais entre os parlamentares dos diversos países, demos execução ao protocolo de intenção que assinámos com o grupo espanhol, e que anunciei na minha comunicação de 4 de Junho de 1980, com vista à constituição de um grupo interparlamentar luso-espanhol.
Espero que ainda este mês haja uma reunião, aqui em Lisboa, para discussão final dos estatutos. De qualquer modo, devo dizer que os nossos amigos Espanhóis já por mais de uma vez solicitaram a nossa cooperação. Nesta hora grave da vida parlamentar da Espanha democrática, temos o dever de nos, empenhar numa acção comum com vista ao reforço e desenvolvimento das instituições representativas dos nossos dois países, bem como da consolidação do regime democrático. Do mesmo modo, e de acordo com uma orientação tomada pelo conselho directivo, iniciámos contactos com os grupos nacionais de Moçambique e do Brasil. Entre as primeiras prioridades contam-se os contactos com os parlamentares dos restantes países de expressão portuguesa, e especialmente com Cabo Verde. Seria para todos nós motivo de orgulho e grande honra, apadrinhar a entrada na UIP, para já, dos parlamentares cabo-verdianos e ulteriormente dos da Guiné, Angola e S. Tomé.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Após a eleição do conselho directivo do grupo português, vai fazer um ano, participámos na reunião da Primavera, em Oslo, na 4.ª Conferência para a Segurança Europeia, em Bruxelas, e na 67.ª Conferência Interparlamentar, em Berlim, no final do Verão. Importa assinalar - e faço-o com isenção- a participação activa dos parlamentares portugueses nestas diversas conferências e o nível das suas diversas intrevenções. O prestígio alcançado permite já contactos valiosos que muito interessarão para um melhor conhecimento e relacionamento desta Assembleia e de Portugal com esses países amigos.
Na véspera da 67.» Conferência Interparlamentar participámos nos trabalhos da 127.ª sessão do Conselho Interparlamentar, órgão executivo da UIP. Entre outras tarefas importantes, como as de verificar e garantir que cada representação nacional representa legitimamente o respectivo povo - e o ano passado viram suspensa a sua filiação grupos nacionais como os da Turquia, Bolívia, Nigéria e Suriname -, desejo sublinhar a denúncia e resolução dos casos de violação dos direitos do homem quanto a colegas nossos parlamentares. Foram relatados e objecto de resoluções oitenta e oito casos de nove países: Argentina, Barhein, Bolívia, Chile, Guatemala, Indonésia, Libéria, Singapura e Uruguai. A democracia é também solidariedade - a solidariedade com todas as vítimas da prepotência, do abuso, da discricionariedade, do poder pelo poder, quer as vítimas sejam camponeses, operários, agricultores, empresários, sindicalistas ou até deputados.
Profundamente preocupada pela degradação da situação internacional que ameaça a paz e segurança mundiais, a Conferência Interparlamentar realizada em Berlim recomendou o reforço do processo da détente, a necessidade de concluir com urgência acordos internacionais no domínio do controle das armas e do desarmamento e, em particular, a melhoria do sistema da não proliferação de armas nucleares. No
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âmbito desta resolução foi particularmente discutido o parágrafo 4, que «insiste peia aplicação da resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas, de 14 de Janeiro de 1980, pedindo a retirada imediata, incondicional e total das tropas estrangeiras do Afeganistão, a fim de permitir ao povo afegã decidir por si próprio da torna do seu governo e de escolher o seu sistema económico, político e social, sem ingerência, subversão ou qualquer coacção do exterior...» e que «convida, consequentemente, a União Soviética a retirar as suas tropas do território afegã no mais curto espaço».
Ao votar esta moção, Portugal, por intermédio dos parlamentares presentes, dividiu os seus votos, oferecendo dez votos a favor e dois votos negativos, facto que ilustra e sublinha as minhas considerações iniciais. Esta mesma resolução condenou ainda a agressão israelita contra o território libanês e a ocupação de territórios árabes por parte daquele Estado, a agressão da Turquia contra Chipre, Estado soberano e não alinhado, e o recrudescimento das actividades militares da África do Sul. Neste domínio, o único sinal positivo e estimulante foi o anúncio da intenção manifestada por alguns países, e secundada por muitos, de convocar no quadro da CSCE uma conferência internacional sobre a détente militar e o desarmamento na Europa, «com vista a tomar medidas eficazes para fazer baixar o grau de confrontação militar e de promover o desarmamento no continente europeu».
Quanto à questão do Médio Oriente e ao problema palestiniano, a 67." Conferência recordou todas as resoluções anteriores da União Interparlamentar e reafirmou que toda a solução justa e duradoura do problema deve ser fundada no reconhecimento do «direito dos Palestinianos à autodeterminação, à independência e à soberania nacionais e ao estabelecimento do seu Estado». Reconhece ainda a importância da questão de Jerusalém e o papel que na sua solução devem desempenhar todas as partes interessadas, de forma a garantir a toda a gente a liberdade de acesso aos lugares santos. Convida todos os parlamentos e todos os parlamentares a denunciarem toda a política de força nesta região, a condenarem todos os procedimentos contrários ao direito das gentes e às regras internacionais e a tomarem medidas para forçar Israel a aplicar as resoluções das Nações Unidas sobre o Médio Oriente, a fim de naquela parte do Mundo se instalar um clima de paz e da confiança.
A Conferência pronunciou-se ainda sobre a urgente necessidade de manter a região do golfo e o oceano Indico afastados nos conflitos internacionais e de as preservar enquanto zonas de paz, apelando aos Governos do Iraque e do Irão para que ponham termo ao conflito armado e resolvam o seu diferendo por meios pacíficos.
A resolução sobre o problema dos refugiados, designadamente nos seus aspectos jurídicos e humanitários foi aprovada por unanimidade. Solicita aos parlamentos que intervenham junto dos respectivos governos no sentido de se respeitarem as regras elementares de protecção das pessoas em desgraça, de aumentarem as ofertas de acolhimento para refugiados e pessoas deslocadas, facilitarem a reunião de famílias, estabelecerem procedimentos administrativos mais simples visando o direito de asilo e a aquisição do estatuto de refugiado e de promoverem a integração dos refugiados que não optaram pelo repatriamento, na vida social e política do país de acolhimento.
Debruçou-se ainda a Conferência sobre as medidas a tomar com o objectivo de tornar efectiva a descolonização, através do pleno exercício do direito dos povos à autodeterminação. Esta resolução tem para nós um significado especial, na medida em que recorda a Resolução n.º 34/40, adoptada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, que reafirma o direito inalienável do povo de Timor Leste à autodeterminação e pede à Indonésia que respeite as resoluções internacionais e permita aos Timorenses exercerem livremente esse direito fundamental. Congratulando-se com alguns progressos já alcançados no domínio da descolonização, convida uma vez mais todos os Parlamentos a contribuírem activamente para a eliminação de todas as formas de colonialismo e de racismo e a adoptarem leis de protecção da integridade cultural das minorias étnicas, resolvendo proclamar o ano em curso como o Ano Internacional da Descolonização, tendo em vista celebrar condignadamente o 20.º aniversário da adopção pelas Nações Unidas, em 14 de Dezembro de 1960, da Declaração sobre a Descolonização.
Alarmado pelo número crescente de actos de terrorismo visando as missões diplomáticas e o seu pessoal, e em especial a tomada de reténs, a Conferência alertou todo os Estados para agirem solidariamente para que se ponha fim a tais violações e, nesse sentido, para procederem à assinatura ou ratificação da convenção internacional, adoptada pela ONU em 1979, contra este nefando crime do direito das gentes.
Não posso deixar de destacar a resolução que a 67.ª Conferência da União Interparlamentar tomou quanto à criação da Universidade para a Paz, da iniciativa da Costa Rica, convidando todos os parlamentares a conceder-lhe não só o apoio moral, que bem merece, como, inclusivamente, apoio material.
Finalmente, no que se refere ao apoio ao programa do 3.º Decénio das Nações Unidas para o Desenvolvimento, nos seus aspectos económicos, sociais, educativos, científicos, culturais e ecológicos, e não obstante as reservas de alguns países, a Conferência sublinhou a necessidade imperiosa de transformações radicais das estruturas da economia mundial e das relações económicas internacionais no respeito estrito dos .princípios da igualdade dos direitos, da independência e da soberania nacionais e do interesse mútuo, e recomendou e convidou os parlamentos e os parlamentares de todos os países a empenharem-se activamente na melhoria das condições de vida da Humanidade.
Sr. Presidente, Srs. Deputados. A esperança que depositamos e continuamos a depositar na União Interparlamentar não é gorada. Fazendo um balanço objectivo sobre o conjunto destas resoluções e recordando os depoimentos que ouvi em Berlim, como tinha ouvido noutras capitais do Mundo, a centenas de parlamentares de dezenas de países, quero deixar aqui o meu depoimento de que a grande maioria dos povos, como nós, Portugueses, deseja sinceramente a paz e a melhoria das condições de vida de todos os homens.
E não é nos parlamentos nem através dos parlamentares que se declara a guerra.
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É uma nota, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que nós parlamentares constituintes devemos reter.
Aplausos do CDS, do PSD, do PPM e da ASDI.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos iniciar agora a discussão do inquérito n.º 3/II - Feira de Belém, requerido pela ASDI.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Vilhena de Carvalho.
O Sr. Vilhena de Carvalho (ASDI): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O inquérito parlamentar requerido pelo grupo de deputados da Acção Social-Democrata Independente, já em 17 de Dezembro de 1980, visa a averiguação do comportamento da Secretaría de Estado da Cultura e da Câmara Municipal de Lisboa sobre o qiue vem sendo conhecido por o «Caso da Feira de Belém».
Esta iniciativa tem, claramente, cobertura constitucional e legal.
De facto, cabem à Assembleia da República, nos termos do artigo 165.º, alínea a), da Constituição, funções de fiscalização que consistem, além do mais, em vigiar pelo cumprimento da própria Constituição e das leis e apreciar os actos do Governo e da Administração.
Estas funções de fiscalização são exercidas, como é sabido, por diversos meios e, entre eles, através dos inquéritos parlamentares, para os quais a Constituição também prevê que se constituam as competentes comissões eventuais.
Por outro lado, a Lei n.º 43/77, de 18 de Junho, que resultou de uma iniciativa legislativa do PSD, desenvolvendo os já citados preceitos constitucionais, assinala aos inquéritos parlamentares a função de vigilância pelo cumprimento da Constituição e das leis e a apreciação dos actos do Governo e da Administração.
Quer na Constituição, quer na referida Lei n.º 43/77, emprega-se a palavra «Administração» em sentido amplo, sem qualquer qualificativo ou restrição, pelo que deverá entender-se como abrangendo tanto a Administração Central como a Administração Local.
O presente inquérito tem, assim, perfeito enquadramento constitucional e legal, quer quando se dirige à averiguação do comportamento da Secretaria de Estado da Cultura, quer quando igualmente se dirige, e talvez sobretudo, ao comportamento da Câmara Municipal de Lisboa, no chamado «Caso da Feira de Belém».
Aqui chegados, não cometeremos o pecado de imaginar, quanto mais de dizer, que os Srs. Deputados ignoram quer o significado histórico, quer a beleza arquitectónica do Mosteiro dos Jerónimos e do Palácio de Belém.
O descobrimento da índia, feito de que tanto e justamente nos orgulhamos, tem dois monumentos que o assinalam e perpetuam: Os Lusíadas e os Jerónimos.
Quem os não respeitar, quem os maltratar, torna-se réu de um juízo de condenação de todo um povo que nos seus artistas e expressões culturais se revê: merece esse severo juízo de condenação, sim, e não apenas um inquérito parlamentar.
Pois a verdade é que, com projectos ou sem eles, construídos por chamados ou apenas acolhidos, no interior de um cercado de arame a lembrar tenebrosas vedações, erguem-se nos terrenos situados entre as Praças do Império e a de Afonso de Albuquerque, umas dezenas de barracas e barracões, as mais delas de futuros comes-e-bebes, que, a contrastarem com os nomes históricos do lugar, dão pelos reclames de O Treta, A Sapateira, A Varanda do Luís, A Adega dos Parras, o Pipocas e o Papillon, entre outros.
Risos.
A cor histórica é dada pelo Cantinho da índia, pela Tasca dos Mouros e pelo Cantinho do Brasil...
Tudo em estilo «o improvisado é o melhor»... . Tudo isto é a chamada «Feira de Belém».
Tudo, ali, nas barbas dos Jerónimos...
A pouco mais de 20 m do cercado da «Feira», no Beco do Chão Salgado, acha-se implantado um padrão, de cerca de 6 m de altura, do século XVIII, que tem na base uma inscrição que não resistimos à tentação de transcrever.
Diz assim:
Aqui foram as casas arrasadas e salgadas de José Mascarenhas, exautorado das honras de duque de Aveiro, e Oeiras, e condenado por sentença proferida da Suprema Junta da Inconfidência, em 12 de Janeiro de 1759, justiçado como um dos chefes do bárbaro e execrando desacato que na noite de 3 de Setembro de 1758 se havia cumulado contra a real e sagrada pessoa de El-Rei Nosso Senhor, D. José.
Neste terreno infame se não poderá edificar em tempo algum.
A citação que fizemos nada tem a ver com a defesa do património cultural a artístico que aqui nos ocupa. Mas é um parêntese para referir como, por outras justiceiras razões, o marquês de Pombal ordenara que, no local, nada se edificasse.
A verdade é que tudo quanto foi autorizado a ser construído, tudo a que se fechou complacentemente os olhos, ocorreu na zona de protecção legal do Mosteiro dos Jerónimos e do Palácio de Belém.
O Mosteiro dos Jerónimos foi legalmente classificado como monumento nacional pelos Decretos de 10 de Janeiro de 1907 e 16 de Junho de 1910, tendo sido definida a sua zona de protecção por portaria do Ministério da Educação Nacional de 25 de Fevereiro de 1960, publicada no Diário do Governo de 16 de Março do mesmo ano.
Por sua vez, o Palácio Nacional de Belém foi classificado como monumento nacional pelo Decreto n.º 47 508, de 24 de Janeiro de 1967, tendo sido fixado o perímetro da respectiva zona de protecção por portaria do Ministério da Educação de 5 de Agosto de 1967, publicada no Diário do Governo em 31 do mesmo mês e ano.
A Câmara Municipal de Lisboa não pode invocar a ignorância destas disposições legais nem aquelas que tomaram dependente de autorização dia Secretaria de Estado da Cultura qualquer intervenção a operar numa zona de protecção de imóvel classificado como monumento nacional.
Por sua vez, tendo-se iniciado as obras na «Feira» em meados do ano de 1980, é incerta e mal conhe-
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e ida quer a forma, quer o tempo de actuação, no caso, da Secretaria de Estado da Cultura.
E tanto bastaria referir para que ficasse logo justificado que esta Assembleia, pela via requerida do inquérito parlamentar, proceda a uma rigorosa indagação sobre os comportamentos assumidos por aquelas entidades, seja por acção, seja por omissão, mas sempre com menosprezo dos preceitos da lei que lhes competia responsavelmente acatar e por cujo cumprimento cabe à Assembleia da República vigiar.
A verdade, porém, é que muitos outros pontos subsistem na obscuridade, como havíamos assinalado no pedido do presente inquérito parlamentar.
De facto, podendo concluir-se do comunicado emitido publicamente pela Câmara Municipal de Lisboa, em 30 de Outubro de 1980, que o projecto inicial, ía Junta de Freguesia de Belém, mereceu apoio daquela Câmara e que o mesmo teria sido posteriormente alterado, é lícito perguntar e é preciso que se saiba: se a Câmara Municipal, ao conceder o seu apoio, se pronunciou sobre um projecto concreto e se teve ou não a preocupação de conseguir que ele fosse objecto de precisões, caso a versão apreciada se revelasse demasiado vaga ou, de qualquer modo insuficiente; quais as alterações verificadas em relação ao projecto inicial; se, na aprovação do projecto, foram ou não observadas todas as formalidades legais; quais as razões determinantes do embargo decretado, o âmbito do mesmo e se foi ou não precedido da intervenção da Secretaria de Estado da Cultura, nomeadamente através do Instituto Português do Património Cultural e se os feirantes foram alguma vez e em caso afirmativo quando, notificados para suspenderem os trabalhos de modo a evitar maiores prejuízos.
A leviandade com que parece ter-se conduzido em todo este processo a Câmara Municipal de Lisboa não pode deixar de assinalar-se, por muito que nos pese, sendo tanto mais para estranhar quanto é certo que o seu presidente, no programa da sua candidatura aquando das últimas eleições para as autarquias, fazia incluir, como medida importante que viria a tomar se fosse eleito, a «valorização da zona de Belém, com recuperação e aproveitamento da sua área monumental, museus e edifícios característicos».
Ao que assistimos, afinal, é a uma grosseira e grotesca desvalorização de uma parte importante do nosso património cultural que, cabendo embora a todos preservar e defender, não foi respeitado por entidades que, responsavelmente, tinham estrita obrigação legal de o fazer.
A «Feira de Belém», ofendendo a envolvente natural do núcleo urbano e o equilíbrio histórico e arquitectónico da zona de Belém contraria, também, para além dos valores culturais e das disposições legais que referimos, várias recomendações de âmbito internacional, entre as quais se podem citar as que se contêm nas decisões da acta final da Conferência Geral da UNESCO realizada em Nairobi de 26 de Outubro a 30 de Novembro de 1976, documento este rubricado pelo Governo Português.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ninguém ousa pôr hoje em causa que a incarnação do passado no património arquitectónico constitui uma ambientação indispensável ao equilíbrio e ao desenvolvimento do homem.
Os homens do nosso tempo, quando não pervertidos por populismos anarquizantes, sentem instintivamente o preço deste património.
É uma parte essencial da memória dos homens de hoje e, na falta da sua transmissão às gerações futuras, incólume e conservado, é todo um povo que vê comprometida a durabilidade da cultura que o define e lhe dá perenidade.
Mas, se estamos certos disso, não podemos ser tolerantes em relação aos atentados a valores tão essenciais como os do património cultural.
O pedido do presente inquérito parlamentar insere-se na preocupação de preservar esses valores.
A Assembleia da República, autorizando-o, não se demitirá das funções de fiscalização dos actos e omissões do Governo e da Administração.
Fará o que se impõe pelos homens de hoje e pelas gerações do futuro.
Aplausos da ASDI, DO PS, do PCP, da UEDS e do UDP/CDE.
O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Azevedo Soares.
O Sr. Azevedo Soares (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Julgo ser um sentimento comum a todos os deputados desta Câmara uma preocupação grande sobre o que se passa numa área cujas obras ou construções são objecto deste pedido de inquérito.
Efectivamente, quem como eu passa todos os dias na zona de Belém tem de chegar à conclusão que, de facto Belém se está a transformar numa grande barraca. Simplesmente, a questão deve ser destrinçada e é evidente que quem como eu - até quando saio daqui da Assembleia - passa lá à noite vê que às vezes, pela calada da noite, se vão colocando mais umas pedras e se vão procurando fazer mais algumas construções nesse projecto.
As questões que eu queria colocar ao Sr. Deputado Vilhena de Carvalho são as seguintes: este pedido de inquérito foi formulado em Dezembro de 1980, numa altura em que talvez por lapso regimental não utilizaram a figura a que nos vêm habituando do requerimento. Mas, Sr. Deputado, se nessa altura, ainda sobre os efeitos das recentes eleições, se poderia admitir um certo empolamento dessa questão, procurando eventualmente retirar alguns efeitos políticos dos próprios actos eleitorais, não acha que agora, três meses depois e sem que durante este tempo a ASDI tenha manifestado grande preocupação na discussão desse pedido de inquérito, já é descabido?
Portanto, o Sr. Deputado não acha que terá havido - desculpe que lho diga - alguma ingenuidade ao aceitar trazer a este Plenário um pedido de inquérito, para além das questões de fundo que nos levam a rejeitá-lo?
Já não é a primeira intervenção que aqui se faz sobre problemas de poder local, que quando atinentes à sua filosofia, aos seus princípios gerais, à sua autonomia e à sua liberdade, têm razão de ser nesta Câmara. Contudo, quando essas intervenções provocam não só movimentações dos próprios deputados mas além do mais querem trazer aqui aspectos específicos, concretos, individualizados e personalizados dessas mesmas questões - direi mesmo todo esse processo
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de verdadeira construção clandestina de um poder local da Assembleia da República - pergunto se não terá havido ingenuidade por parte da ASDI ao aceitar dar cobertura a esse processo de construção clandestina que outros aqui querem fazer do Poder Local.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Vilhena de Carvalho, se assim o desejar.
O Sr. Vilhena de Carvalho (ASDI): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ainda bem que o Sr. Deputado Azevedo Soares está de acordo comigo quando considera que a Feira de Belém é uma barracada e quando nos dá o testemunho de que passando pelo local, sobretudo pela calada da noite, se dá conta de que se vão pondo amiúdas vezes mais algumas pedras na «barraca», aumentando-a, alargando-a. Eu próprio também lhe posso dar o testemunho de que ainda ontem, em pleno dia, assisti a obras de construção civil no recinto da Feira de Belém.
Portanto, esse facto bastaria para, efectivamente, tornar actual e oportuno o inquérito que hoje subiu à apreciação deste Plenário. Se esta subida não teve -lugar há mais tempo não pode de maneira nenhuma atribuir-se esse facto à ASDI, que apresentou o seu requerimento em 17 de Dezembro passado e por virtude dos condicionalismos de agenda, que o Sr. Deputado Avezedo Soares bem conhece - até porque costuma assistir assiduamente a reuniões dos líderes dos grupos parlamentares -, sabe de antemão que, se houve atraso na agenda deste inquérito parlamentar, isso não se fica a dever a qualquer descuido por parte da ASDI.
Não se trata de ingenuidade da ASDI a posição que assume neste inquérito parlamentar. Antes perguntaria ao Sr. Deputado se da sua parte não se tratará de ingenuidade ao querer cobrir situações que, efectivamente, classificou de «barracadas».
Portanto, lembro ao Sr. Deputado que na minha intervenção tive o cuidado de não personalizar as questões contrariamente ao que quis insinuar. A questão foi posta em relação à averiguação dos comportamentos, nomeadamente da Câmara Municipal de Lisboa em relação à qual não personalizámos responsabilidades. Dá-me a ideia de que no espírito do Sr. Deputado Azevedo Soares estaria eventualmente a figura do principal responsável, o presidente da Câmara. Não foi isso o que esteve no objectivo da nossa intervenção.
Por outro lado, também não personalizámos ninguém em relação ao sector da cultura. Falámos da Secretaria de Estado da Cultura e penso que este inquérito é importante, inclusivamente para se saber em definitivo se a Secretaria de Estado da Cultura está ou não neste caso - e eu adianto-lhe o meu ponto de vista - de mãos limpas, porque, e ainda em meu critério, quem não estará de mãos muito limpas - e isto para usar a expressão do próprio - serão os responsáveis da Câmara de Lisboa.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Aquilino Ribeiro Machado.
O Sr. Aquilino Ribeiro Machado (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Secundamos a proposta de constituição de uma comissão de inquérito para apurar as circunstâncias em que se verificou a construção das barracas que presentemente se situam na proximidade da Rua de Vieira Portuense entre a Praça do Império e a Praça de Afonso de Albuquerque, na medida em que grandes perplexidades nos assaltam ao espírito neste momento.
Temos conhecimento de um comunicado publicado pela Câmara Municipal de Lisboa, em 30 de Outubro do ano transacto, que, face a diligências levadas a efeito pela Secretaria de Estado da Cultura através do Instituto do Património Cultural, estabelecia que aquelas construções ficavam sujeitas ao embargo imediato. E também se estabelecia nesse comunicado que a Câmara mandaria proceder ao encerramento do recinto da Feira de Belém a partir de 1 de Novembro com a consequente proibição do desenvolvimento na sua área de quaisquer actividades comerciais.
Estas foram, por conseguinte, as medidas tomadas para pôr cobro a uma situação de escândalo público que se estava a verificar, na medida em que também muitas das diligências que porventura terão sido accionadas através da Secretaria de Estado resultaram de uma exposição feita por moradores do local que protestavam contra o atropelo. Mas, não obstante as diligências da Secretaria de Estado, não obstante a resolução da Câmara, a Feira de Belém continua a funcionar nalguns dos pavilhões que já estão feitos, este encerramento não se verificou e soubemos agora que algumas construções prosseguem pela calada da noite.
Há aqui, efectivamente, um fenómeno de diluição de responsabilidade e de diluição de poder para levar por diante as resoluções oportunamente tomadas. Este assunto exige que, efectivamente, se faça um inquérito e entendemos que ele é salutar na medida em que revela a preocupação desta Assembleia para qualquer acto lesivo do património cultural que é um bem comum. Como tal, qualquer cidadão se pode sentir agravado e poderá recorrer aos meios que a lei lhe assiste para que esse reparo seja feito ao património.
No entanto, também temos conhecimento de que a Feira de Belém resultou de um acordo estabelecido entre o presidente da Câmara Municipal de Lisboa e o presidente da Junta de Freguesia de Belém. Esse acordo visava promover a feitura de uma feira sob os auspícios da Junta de Freguesia de Belém com o propósito de constituir receita que lhe permitisse construir ou manter, não sei bem, um centro de infância e terceira idade.
Qualquer destas decisões, quer ao nível da Câmara Municipal de Lisboa, quer ao nível da Junta de Freguesia de Belém, foram actos individualizados e de responsabilidade plena dos respectivos presidentes. E, tanto quanto tenho conhecimento, quer a Junta de Freguesia de Belém, quer a Câmara Municipal de Lisboa, não foram ouvidas como orgão colectivo nesta decisão. Porventura não teriam de o ser, mas quando se fala em posições tomadas pela Câmara Municipal de Lisboa é conveniente fazer um distinguo. E sobretudo fazer um distinguo na medida em que nós, deputados, que somos também cumulativamente vereadores da Câmara Municipal de Lisboa, ao tomarmos conhecimento de que no local ia ser feita uma feira, levantámos o problema para que
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nos fosse esclarecido se essa feira era temporária, de curta duração, ou se era uma feira cujo prazo de existência podia protelar-se para 1982, como já na altura se suspeitava.
Foi-nos respondido pelo presidente da Câmara que a feira seria até 1982, ao que nós obtemperámos que uma feira cujo prazo de existência cessaria contratualmente no termo do mandato da actual Câmara seria um presente envenenado a qualquer administração municipal que lhe sucedesse, na medida em que seria obrigada a tomar de duas uma decisão, qualquer delas impopular: ou confirmar que a feira terminaria, acabando com a expectativa de continuidade de alguns dos feirantes que naturalmente ali faziam receita e forma de vida, ou manter a feira com o desagrado da população e das pessoas que não encontram naquele local vocação para semelhante tipo de ocupação.
Efectivamente, foi-nos dito que a feira seria até 1982, mas que se revesteria de algumas vantagens significativas para a população, vantagens essas que adviriam da existência no recinto da feira de alguns elementos destinados ao recreio da população, actividades de ocupação de tempos livres e actividades desportivas. Actividades desportivas num recinto tão pequeno parecia um pouco abstruso, mas foi-nos dito isto e, tanto quanto averiguámos, essas actividades desportivas de tipo semicomercial seriam uma pista de skate, talvez um pavilhão polidesportrvo, etc.
De qualquer forma, o presidente da Junta de Freguesia de Belém, à revelia da Assembleia de Freguesia, entregou a gestão do espaço, cuja concessão lhe foi delegada, a uma firma comercial, a firma «Lança Moreira», e foi essa firma que começou a fazer contratos com os vários candidatos ao aproveitamento do terreno. Por/esta via, segundo informações que nos chegaram, a Junta de Freguesia arrecadou uma verba que roça a ordem dos 4000 contos, verba essa que se encontra ainda retida, sem aplicação, mas que correspondeu à confirmação por parte dos candidatos a feirantes de um compromisso. Aos feirantes foi assegurado que poderiam construir e na construção se lançaram confiadamente. Levantámos problemas quando verificámos que a cerca da feira se apresentava vedada superiormente com rede de arame farpado - o que numa altura pré-eleitoral em que se falava muito do campo de S. Nicolau provocou algumas mofas -, pois estranhámos ser necessário ter tamanhos cuidados defensivos em relação a uma zona de recreio. Mas a nossa observação não foi acolhida e quando verificámos que a feira progredia com o ar anárquico e com o tipo de aproveitamento que hoje infelizmente demonstra pensámos que era altura de levantar o problema e de manifestarmos a nossa profunda discordância pelo que estava a acontecer.
Foi-nos garantido que iria ser feito um projecto de conformação da feira, que esse projecto seria apresentado oportunamente aos vereadores da Câmara Municipal, coisa que não chegou a acontecer. Por diligências do Instituto do Património Cultural, estas sucessivas transformações da feira não passariam de um arranjo que seria fazer para dar melhor aparência às construções que estavam em curso, condicionando a utilização de certos materiais e o tipo de implantação para a feira ter o aspecto e as características de uma feira que ali teria existido noutros tempos e que se procurava que fosse a reprodução
de uma feira do século XVIII. Nós não sabemos o que seja uma feira do século XVIII, a iconografia sobre a matéria creio que é praticamente inexistente, mas, enfim, era um artifício sobre o qual se procurava justificar o que estava a ser feito. É claro que uma feira do século XVIII também não seria praticável, a não ser que se tivesse uma de feira do século XVIII à maneira dos cortejos históricos do Leitão de Barros.
Risos do PS e do PCP.
Os feirantes evidentemente que se não meteram nisso porque lhes cheirou a talha barroca, a dourados e a outras coisas que iriam encarecer suficientemente as suas lojas.
Risos.
Daí que caindo o embargo por imposição da Secretaria de Estado da Cultura, se falou numa compensação a dar aos feirantes - e aqui há um problema humano, e um problema grave a resolver -, atribuindo-lhes zonas de animação que a Câmara Municipal iria promover a partir de Junho deste ano para as festas da cidade, nomeadamente onde eles poderiam fazer a reimplantação, uma vez que ali não era possível continuarem a sua actividade. Depois disso houve uma nova metamorfose porque a Secretaria de Estado da Cultura, empenhada na realização da Exposição Europeia de Arte e História que se realizará dentro de dois anos, entendeu que naquele local haveria cabimento para um centro de acolhimento. Procurou dizer-se aos feirantes que algumas das suas instalações seriam «aproveitadas para esse centro de acolhimento e aqueles que ia tinham feito as obras seriam indemnizados em correspondência. Ora, um centro de acolhimento com aquelas barracas também não cabe na cabeça de ninguém e isto era lançar poeira nos olhos das pessoas. Pessoas essas que, apesar de tudo, não estão tão cegas quanto isso e não desistem de reivindicar o direito que lhes assiste de encontrar uma compensação que terá de ser oportunamente dirimida, para saber a quem caberá prestá-la, mas que representa a satisfação de um compromisso tacitamente tomado pela Câmara Municipal que - não obstante os avisos feitos publicamente, os avisos feitos nas sessões municipais- deixou prosseguir a obra sem nenhuma intervenção, aceitando portanto tacitamente o que se estava a passar e depois vem dizer que as obras eram clandestinas e que não tinha de intervir - argumento especioso - só porque o Estado também era proprietário daquele terreno, através do Ministério das Finanças, e o Estado também não tinha intervindo. Por conseguinte, há aqui um alijar da água do capote que me parece extraordinariamente chocante. E neste jogo de empurra de responsabilidades, a situação mantém-se e é gravosa porque é de escândalo público. Aquele conjunto de barracas não pode continuar, na zona extremamente sensível em que se situa, sem que seja tomada uma decisão que passará necessariamente por fazer desaparecer aquele amontoado de tijolos e de chapas de zinco e oportunamente encontrar uma solução que compense aqueles que ali investiram os seus capitais e que ali pensaram encontrar uma forma de subsistência.
Aplausos do PS, da UEDS, da ASDI, do PCP e do MDP/CDE.
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O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Azevedo Soares.
O Sr. Azevedo Soares (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Há pouco ouvimos, de certo modo, a intervenção da companhia de comando e serviços - desculpem, Srs. Deputados, esta minha linguagem militar, mas talvez por ser membro da Comissão de Defesa, ela me seja um pouco cara - agora ouvimos, eventualmente, a infantaria e mesmo antes de ouvir a artilharia ...
O Sr. Silva Graça (PCP): - Pesada!
O Orador: - Pesada, V. Ex.ª se pesará conforme entender!
Mesmo antes de ouvir a artilharia, dizia eu, julgo que é necessário tornar mais claro o meu pedido de esclarecimento de há pouco porque agora já não é apenas o Sr. Deputado Vilhena de Carvalho que levanta uma questão que, a meu ver, não tem qualquer cabimento nesta Câmara é já um Sr. Deputado, simultaneamente vereador da Câmara Municipal de Lisboa, que está de certo modo em relatos de coisas passadas na Câmara cuja possibilidade pessoal de contestar, como Deputado, não é possível, a não ser que se suspenda esta discussão para fazer um requerimento à Câmara Municipal para ser esclarecido. Não estaremos, Sr. Deputado, a transferir para a Assembleia da República a discussão de uma matéria do âmbito da Câmara Municipal de Lisboa, que tendo aí sido largamente debatida não obteve qualquer vitória, e só porque não foi possível aí transformar o problema da Feira de Belém naquilo que a oposição pretendia. Através de sucessivas metamorfoses da Feira de Belém, começando por atacar de uma forma, quando se resolvia o problema subjacente a esse ataque, e abrindo nova frente de ataque, isto é, procurando conquistar - e aí ouviremos a seguir a artilharia e veremos se assim não é -, procurando fazer desta questão apenas um facto político, procurando apenas com isso atacar uma Câmara que os Srs. Deputados sabem ter uma capacidade, um dinamismo e uma possibilidade de resolução de muitos e sérios problemas de Lisboa que quando da presidência de V. Ex.ª foi manifestamente incapaz.
Aplausos do CDS, do PSD e do PPM,
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Aquilino Ribeiro Machado, se desejar responder, faça favor.
O Sr. Aquilino Ribeiro Machado (PS): - Bom, eu não vou responder na linguagem clausewitziana do Sr. Deputado Azevedo Soares, não me interessa considerar estratégias militares, não é isso que está em causa. O que está em causa é a existência daquilo que o Sr. Deputado dificilmente poderá deixar de classificar, como eu, de escândalo público depois de ter falado em barracada.
Ora bem, se nós, através da Câmara Municipal de Lisboa -e este é o meu caso pessoal e aqui invocado só a esse título-, verificámos que houve um bloqueamento que conduziu à situação que actualmente, repito, classifico de escândalo público e o Sr. Deputado de barracada, alguma coisa terá de ser feita através de outros meios para resolver a situação. E isto porque a paisagem urbana, a cultura de uma cidade, o respeito pelo seu património, são bens comuns que não cabe apenas à Câmara Municipal de Lisboa defender mas a todos nós. Sem ,ter tido - nessa sua linguagem militar- qualquer interferência ou intervenção no processo de apresentação desta proposta de constituição de uma comissão de inquérito, não posso - agora que a oportunidade se levanta - deixar de manifestar aquilo que sobre o assunto penso.
O Sr. Carlos Lage (PS): - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Borges de Carvalho.
O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Sr. Presidente e Srs. Deputados: O já celebre caso da Feira de Belém constitui na realidade uma situação deveras preocupante e Julgamos ter havido uma série de erros em cadeia, cometidos seja pela Câmara Municipal, seja pela Junta de Freguesia, seja devida a distracções de entidades que deveriam, em princípio, estar mais atentas a esses problemas. Aliás, em Lisboa, o caso da Feira de Belém não é o único a preocupar-nos. Inquieta-nos, por exemplo -e não só de agora mas de há muito -, a salvaguarda e defesa da imagem de ruas históricas como a de S. Bento, a de S. José, a Lapa. Preocupe-nos também, o Paço do Lumiar, a zona do Castelo, etc. De facto a Câmara Municipal de Lisboa terá que adoptar, a nosso ver, uma atitude absolutamente clara ou senão correremos o risco de que o património cultural possa vir a baquear frente aos especuladores urbanos ou àqueles que eventualmente os representem.
A destruição da imagem de Lisboa começa de facto com a destruição da sua silhueta, da leitura das suas colinas e da sua própria relação com o Tejo. Inquietam-nos também muitos edifícios em construção e outros que se diz estarem projectados e que nada têm a ver com a habitação, o equipamento social ou a cultura da cidade.
Posto isto, e voltando ao caso da Feira de Belém, que é agravado não só pela circunstância em si de ser uma coisa feia como por se situar na zona de protecção de um monumento nacional da importância dos Jerónimos e na vizinhança do renque de casas seiscentistas da área, o meu partido levantou o problema em sede própria. Na Assembleia Municipal de Lisboa, o assunto foi falado e largamente discutido. Não quereria, por falsa modéstia, dizer que por causa disso, mas também por causa disso,, a Câmara Municipal de Lisboa, tomou a atitude correcta de embargar as obras, tomou a atitude correcta de atender ao próprio parecer da comissão ad hoc do Instituto Português do Património Cultural e, estamos certos, atenderá ao restante desse parecer que implica a demolição das construções ali feitas. Parece-nos que nesta altura se está, finalmente, a obviar ao problema, pois há da parte da Câmara Municipal de Lisboa esta atitude extremamente positiva que é a de reconsiderar sobre os seus próprios erros e embargar uma obra que, seja a culpa de quem quer que seja, era mal feita. Reconhecer isso, embargá-la e destruí-la, quando estamos perante este facto extremamente positivo à luz de quaisquer princípios, mormente os democráticos, é precisamente nesta altura, que um partido
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da oposição vem aqui requerer um inquérito parlamentar. Qual é o efeito, qual é a eficácia de um inquérito parlamentar neste momento? Atrever-me-ia a dizer que é nulo. E permitam-me, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que faça aqui um paralelo.
Quando o nosso partido sentiu que a cidade ía ser lesada no seu património cultural pela destruição - hoje já efectiva - do parque da Fundação Gulbenkian, Prémio Valmor, valor global incontestável Já cidade, tomou então atitudes prévias que pudessem obstar a essa destruição.
No entanto, é sabida a reacção tomada por esta Câmara. Inclusivamente o Sr. Deputado Aquilino Ribeiro Machado, que é agora tão pressuroso em relação ao património cultural da cidade, esteve-se nessa altura pura e simplesmente marimbando - perdoe-me a expressão - para o parque da Gulbenkian.
Portanto, a diferença de atitudes é que é aquilo que, quanto a nós, se pode retirar deste debate. Esta Câmara deve tomar atitudes preventivas que permitam evitar que se cometam erros, seja por quem for - a Câmara Municipal de Lisboa em Belém, ou Câmara Municipal de Setúbal em Azeitão, através da destruição do jardim do Palácio da Bacalhoa com a construção de uma fábrica metalúrgica dentro da sua área de protecção -, sem preconceitos partidários. Ou procuramos prevenir ou procuramos a posteriori ir fazer inquéritos para deitar as culpas para cima dos nossos adversários políticos.
Nós, PPM, alinhamos na luta contra todas as intervenções que possam ofender o património cultural, mas não alinhamos na política de se promoverem inquéritos parlamentares, que não servem senão para se fazer entraves, como é o caso do presente, sem terem qualquer significado no plano da eficácia ou no plano da defesa do património cultural.
Aplausos ao PPM, do PSD e do CDS.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Aquilino Ribeiro Machado.
O Sr. Aquilino Ribeiro Machado (PS): - Sr. Presidente, vou formular um protesto e um pedido de esclarecimento relativamente à intervenção do Sr. Deputado que acabou de falar.
Protesto porque o Sr. Deputado ou não estava premente ou ouviu mal as considerações que tive oportunidade de fazer quando o assunto da instalação de um Museu de Arte Moderna no jardim da Gulbenkian foi levantado nesta Assembleia. Nessa altura tive ocasião de manifestar a minha pena e de lamentar a situação que se estava a criar, o que vinha em consonância com as preocupações que o PPM sobre a mesma matéria expendia.
Devo dizer que nessa altura votámos favoravelmente -tanto quanto me recordo- uma recomendação ao Governo para que este tomasse uma iniciativa junto da Gulbenkian e da Câmara Municipal de Lisboa para resolver uma situação que então estava no princípio. Governo que Sr. Deputado, se esteve borrifando para essa recomendação, não tendo feito nada.
VOTOS do PS: - Muito bem!
O Orador: - O museu está em construção avançada. Não se pode dizer que seja extremamente grave o que se passou, mas de algum modo algo de importante se perdeu.
A pergunta que lhe queria colocar resulta de facto de o Sr. Deputado ter dito que este inquérito era inoportuno, agora que estavam a ser tomadas medidas. Mas, «agora que estão a ser tomadas medidas» poderá ser a palavra mais adequada quando o embargo data de há quase cinco meses, quando - já aqui se disse - as obras continuam e quando - já aqui se afirmou também - algumas das suas instalações estão em pleno funcionamento? Há aqui qualquer coisa, Sr. Deputado, que está em manifesta dissonância com o começo das suas afirmações.
Contudo, tenho verificado e reconhecido que as vossas intenções nestas matérias são bastante generosas, louváveis, mas são também muita vezes palavras grossas, para actos poucos grossos ou mesmo muito finos.
Ora, é isso o que eu lamento.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Miranda.
O Sr. Jorge Miranda (ASDI): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ouvi com à maior atenção a intervenção do Sr. Deputado Borges de Carvalho que, a meu ver, teve o mérito de colocar a questão da Feira de Belém na perspectiva mais ampla dais depredações e dos atentados que vêm sendo cometidos contra o património cultural, histórico e artístico da cidade de Lisboa, que não é uma cidade qualquer mas a capital de Portugal e aquela onde se encontram os principais monumentos portugueses.
Portanto, penso que a intervenção do Sr. Deputado Borges de Carvalho teve o mérito de mostrar que este episódio da Feira de Belém não é um único episódio, não é o único caso. Eu até me atreveria a pensar que se este fosse o único ou o menos importante, pois talvez não valesse a pena que a Assembleia se viesse a ocupar dele. Mas ele interessa-nos não por aquilo que é em si mas por aquilo que representa de grave, de atitude contra a cultura, de atitude contra a nossa identidade nacional, de falta de respeito por aquilo que somos através de câmaras municipais, um pouco por esse País fora que, por qualquer motivo - que agora não vou apreciar -, não têm tido devido cuidado de defender e, pelo contrário, gravemente vulneram aquilo que temos e que, infelizmente, não é muito, mas muito pouco.
Gostaria de colocar ao Sr. Deputado Borges de Carvalho a seguinte questão: O Sr. Deputado disse que seria legítima uma intervenção preventiva, tal como foi legítima a intervenção preventiva do PPM aquando da construção do museu no parque da Fundação Gulbenkian, pois que nessa altura o PPM, embora frustradamente, alertou a consciência cultural portuguesa para o problema e - não o disse, mas eu suponho - foi pena que o PPM não tivesse alertado de forma suficiente.
Assim, pareceu-me depreender que para o Sr. Deputado Borges de Carvalho seria legítimo e útil que se levantasse o problema antes do facto, mas que não seria útil ou que seria mesmo tardio levantar agora o problema.
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Ora, Sr. Deputado, pergunto-lhe: a função de fiscalização que a Assembleia da República tem quanto ao cumprimento da Constituição e da lei e, nomeadamente, a função de fiscalização do artigo 78.º da Constituição, que manda «preservar» o património cultural, não será uma função que deve precisamente ser exercida a todo o tempo e com maior acuidade quando haja violações do .património cultural do que antes de essas mesmas violações existirem? Será que a função de fiscalização é uma função puramente preventiva? Será que ela não deve ser também uma função a exercer e a posteriori, até para evitar que atentados como aquele que representa a Feira de Belém venham a repetir-se no futuro?
Tivemos o caso do jardim da Fundação Gulbenkian, temos agora o caso da Feira de Belém, qualquer dia deitam abaixo o Mosteiro dos Jerónimos e nós nada faremos.
Vozes do PS: - Muito bem! Vozes do PSD: - Eh!
O Sr. Presidente: - Para responder ao protesto e aos pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Borges de Carvalho.
O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quanto ao primeiro Sr. Deputado que me interpelou, ouvi atentamente - e penso que bem - as suas declarações. Aliás, se foi a expressão que sei que motivou o protesto de VV. Ex.ªs, apresento-lhes ais manhas desculpas pela expressão utilizada.
No entanto, da altura em que se discutiu aqui o caso relativo ao jardim da Gulbenkian conservo mais no meu espírito o resultado final das votações aqui havidas do que propriamente os discursos que foram pronunciados. Permita-me, Sr. Deputado, que faça esta distinção.
O facto é que a (resolução que previa que o jardim fosse conservado na sua imagem naquela altura - e espero não estar enganado - foi votada favoravelmente exclusivamente pelo meu partido.
Disse ainda o Sr. Deputado que o embargo das obras já foi há cinco meses e ainda não se viram medidas concretas. O Sr. Deputado tem razão. No entanto, como é conhecimento geral, há a alegação de direitos adquiridos e há a alegação de verbas investidas Ora, julgo não faltar à verdade se me arriscar a dizer que a oposição - e talvez não só - iria aqui defender os direitos ofendidos e hipoteticamente conquistados pelas pessoas que lá investiram, no caso de a Câmara Municipal de Lisboa proceder à destruição, tomando em linha de conta essas verbas despendidas e os direitos adquiridos.
Portanto, penso que não é (inquietante a demora verificada. Como tal, a minha argumentação neste aspecto mantém-se.
Por outro lado, devo dizer-lhe que em relação ao inquérito - e respondo também ao Sr. Deputado Jorge Miranda- nós esperamos que este debate, os alertas que aqui foram dados e a determinação de esta Câmara defender o património cultural deve servir de susto suficiente. Esperemos que o debate sirva também para acelerar as medidas que a Câmara Municipal de Lisboa não deixará de tomar.
O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Quanto ao que o Sr. Deputado Jorge Miranda disse, é evidente que quanto à parte preambular estou cem por cento de acordo. Há apenas uma pequena diferença quanto à classificação que o Sr. Deputado deu ao inquérito, que disse ser legítimo. Pois ele é de facto legítimo. Aliás, todos os inquéritos que esta Câmara possa levantar são legítimos, quando tenham um mínimo de base e um mínimo de justificação.
No entanto, chamei a atenção de VV. Ex.ªs na minha intervenção para a nossa preocupação com a utilidade e a eficácia do inquérito. Como tal, não foi a legitimidade do inquérito que eu contestei mas sim a sua utilidade.
Creio que com isto respondo à sua dúvida. É evidente que o Sr. Deputado Jorge Miranda alega que é necessário o apuramento de responsabilidades. Mas, se os eventuais responsáveis fazem - digamos assim - o refluxo das suas próprias medidas e obviam às consequências daquilo que motivaram, julgo que será um pouco malhar em ferro frio o facto de fazermos o inquérito parlamentar.
Vozes do PPM e do PSD: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Anselmo Aníbal.
O Sr. Anselmo Aníbal (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nós temos particularmente presentes as oito questões formuladas no ponto 5 do texto do requerimento de inquérito parlamentar sobre aquilo que vem sendo conhecido como o caso da Feira de Belém.
São questões correctas, são questões pertinentes, irrecusáveis, legítimas e úteis. E emprego esta tripla adjectivação com o intuito de responder às indicações que vieram das bancadas do CDS e do PPM.
Já tivemos ocasião, nesta Assembleia, de analisar a situação de agravo e de atentado a que foram sujeitos, nos últimos meses, monumentos nacionais, que não são lisboetas, mas são de facto monumentos nacionais, embora sediados na cidade de Lisboa. Foram de facto aqui abordados problemas de atentados a monumentos nacionais que se passam sempre, como é evidente, no espaço do Município e que são atentados inequívocos ou à traça e instalações dos monumentos ou à zona de protecção, temas sobre os quais há legislação e regulamentação próprias.
O problema da chamada Feira de Belém, que aparece agora - e bem - no Plenário da Assembleia da República, traduz, na sua aparente modéstia, um pouco daquilo que representa um conjunto de atitudes de acção e de omissão da Administração, do Governo e da autarquia local respectiva, dignas de serem analisadas, como prevêem, aliás, o Regimento desta Assembleia, no artigo 248.º, e a Lei n.º 43/77.
Estamos perante um atentado que conspurca uma zona de protecção de monumentos nacionais e sobre o qual nos são possíveis algumas previsões.
À revelia de qualquer gestão digna desse nome, de uma forma leviana e permissiva, num terreno confinante com a Avenida da índia, entre as Praças do Império e de Afonso de Albuquerque, na zona de protecção de monumentos nacionais, a Administração Local - sem qualquer protocolo de referência -
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permite a construção de uma qualquer feira, porque se trata de uma feira sem qualquer projecto. A Junta de Freguesia inicia este processo em Junho, anuncia-o à Câmara em 3 de Junho de 1980, numa carta de dezoito linhas, que eu convidava os Srs. Deputados do PPM e do CDS que já intervieram a ler com atenção. Aparece essa carta de dezoito linhas, apresentada à Câmara Municipal de Lisboa, com a pretensão de fazer uma feira portuguesa do século XVIII, como aqui foi referido pelo Sr. Deputado Aquilino Ribeiro Machado Apresenta-se aí uma planta em que se divide um espaço em doze referências, apresenta-se um alçado da portaria em que aparece indistintamente um «beba coca-eola» misturado com uma folcloreira temática de mar e caravelas, talvez para indicar o século XVIII, e apresenta-se uma planta dos eixos viários de Belém. Esta tripla peça constitui o projecto da Feira de Belém e, a partir de 3 de Junho, assim se vai fazendo através de uma acção de omissão da Administração Central e da autárquica municipal. Não houve projecto, não houve qualquer consulta a ninguém, a Câmara actua naquela circunstância como se nada fosse. Ou seja, há um esquema de actuação que, no mínimo que se pode considerar, mesmo que não sejamos pela adjectivação prematura, é leviano e permissivo.
Esta actuação acontece assim até Agosto. Em 28 de Agosto, o Instituto Português do Património Cultural (IPPC), naturalmente alertado, porque entretanto outras estruturas populares e eleitos já tinham levantado a questão, aparece e diz - já o escândalo é tão grande, já as construções subiram tanto, já as coisas estão tão presentes que é impossível que o silêncio seja a alma do negócio- que «as características paisagísticas, urbanas e arquitectónicas do empreendimento projectado, ilegalmente em curso, são incompatíveis com a enorme sensibilidade da zona em causa», já que «qualquer intervenção nesta zona deverá sempre acautelar a presença e as relações entre os distintos elementos que a compõem, desde o conjunto urbano à Igreja de Santa Maria de Belém, à Praça de Afonso de Albuquerque e ao Palácio de Belém». Junta-se um parecer da comissão ad hoc criada no IPPC - estamos em actos da Administração e do Governo, estamos naquilo que cai na alçada de artigo 218.º do Regimento, estamos no texto daquilo que foi votado como Lei n.º 43/79 -, que diz, em 28 de Agosto, que se promova «a imediata demolição de todos os elementos construídos ou iniciados no local, cabendo à Câmara Municipal de Lisboa, cujo procedimento ilegal e apressada avaliação dos bens culturais afectados, frustrou legitimas expectativas dos futuros utentes da Feira» e que se «procure solução de alternativa para a iniciativa». Quem diz que isto é ilegal, apressado é um organismo do Estado, mas fá-lo por uma forma indevida e incorrecta. A ver vamos; se este parecer é de 28 de Agosto de 1980, perante ele a Câmara não se sente impulsionada - naturalmente pela preparação das eleições ou pela época estival ou pelo conjunto destes factores ou ainda pela omissão ou pelas descaradas «indicações globais» que não tinham sido pedidas - a tomar uma posição firme e, a 3 de Setembro, responde, como um menino apanhado em falta, que, por inadvertência, não usou os procedimentos que a lei determina, pretendendo desculpar-se para que tudo continue na mesma. Mas, entretanto, não tema qualquer outra medida e as construções vão crescendo e os meses em que mais construções se fazem são os de Setembro e Outubro. A Junta de Freguesia de Belém, a 4 de Outubro, manda convites -um dia antes das eleições de 5 de Outubro - para a inauguração da Feira, desenvolvendo-se, entretanto, protestos por parte das forças populares e dos membros eleitos; não estamos no silêncio que a Câmara do executivo AD pretenderia. E esse silenciamento, que os senhores pretendiam, não é conseguido, porque, entretanto, a denúncia até cresce de volume e a tal ponto que, numa carta de Outubro de 1980, mais uma estrutura de defesa do património salienta aquilo que já foi aqui afirmado pelo Sr. Deputado Vilhena de Carvalho na sua intervenção. Sublinha-se ao o carácter nacional do património afectado, que tal feira ofende a «envolvente natural do núcleo urbano de Belém, alterando a sua coesão, equilíbrio histórico e arquitectónico, o que, para além do mais, contraria as alíneas a) e b) do capítulo e das decisões da Conferência Geral da UNESCO, realizada em Nairobi, de 26 de Outubro a 30 de Novembro de 1976, documento que foi rubricado pelo Governo Portuguesa.
Esta actuação leviana, apressada e permissiva leva a Câmara num volte-face, numa tentativa de salvar a face perante o avolumar das indicações contrárias, a embargar as obras em 30 de Outubro, permitindo que, entretanto, se façam à vontade todas as construções, talvez até acelerando as últimas e encerrando o recinto com a consequente proibição de desenvolvimento de quaisquer actividades comerciais. Já aqui foi dito como foi esse encerramento e de que forma. Não tendo havido projecto formal da chamada Feira, como se poderá falar, a não ser para enxotar a água do capote, como se fala no tal comunicado de Outubro de 1980, que o «projecto inicial foi objecto de profundas alterações»? Isto pura e simplesmente é mentira. Não tendo havido contactos com o IPPC a não ser por iniciativa deste, levado pela pressão popular e de numerosos autarcas, como se poderá falar, sem ser por falsa justificação de menino apanhado em flagrante, de «sequência de contactos com os departamentos competentes da Secretaria de Estado da Cultura? Isto é mentira. Sendo o ofício do IPPC de 28 de Agosto, como se poderá salientar que o parecer desfavorável foi recebido em finais do mês de Setembro? Talvez pelo carimbo de 18 de Setembro, que foi aposto na Câmara.
Queria sublinhar, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que estamos perante um facto e uma forma de actuação, que podem ser postos entre parêntesis, porque haverá outros assuntos, que, na sua modéstia, revelam bem a forma leviana e permissiva - para repetir os dois adjectivos que escolhi para classificar a actuação do executivo AD da Câmara Municipal de Lisboa, do Governo e da Administração neste assunto - que lesa gravemente uma série de terceiros, como a população, a freguesia e os próprios feirantes - os feirantes que, entretanto, têm título de reserva de locação com as Produções Lança Moreira, que são promovidas a mandatários da Junta de Freguesia de Belém, que adjudicam o espaço da Feira, feirantes esses que, entretanto, põem lá as
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suas economias e os seus haveres e a quem depois se embarga a obra, com polícia à porta no dia 3 de Novembro.
Isto faz-se? A primeira Câmara do País faz isto devido a uma política feita nos joelhos, fedia de uma forma apressada e incorrecta.
O Sr. Silva Graça (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Isto é, sim, uma actuação improvisada, leviana e permissiva, de que depois procuram sair de qualquer maneira. E uma das saídas é a XVIII Exposição Europeia de Arte que se vai realizar em Belém e que já tem restaurantes prontos, quando essa exposição se vai fazer em 1983. Outra das saídas é a dos tribunais, para os quais os feirantes estão a levar a Câmara Municipal de Lisboa, que vai certamente levar a indemnizações por parte da Administração Local e Central.
Tudo isto, Sr. Presidente, Srs. Deputados, resultante de uma actuação típica de improviso, leviandade, permissividade, de mentira e demagogia. Há meses, o Grupo Parlamentar do PCP fez um requerimento sobre este assunto. Até hoje, nenhuma informação veio, em claríssimo desrespeito pela Assembleia da República. A administração AD de Lisboa e o Governo continuam a não responder a questões sobre atitudes afrontosas que tomam em relação ao património nacional. Vamos acompanhar o inquérito que a ASDI aqui apresentou, vamos ver a reacção das entidades inquiridas, vamos procurar esclarecer ainda mais o povo português do que se passa com o património nacional na capital do nosso país.
Aplausos do PCP, do MDP/CDE e de alguns deputados do PS.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para fazer pedidos de esclarecimento, o Sr. Deputado Borges de Carvalho.
O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Tomámos nota, com agrado, da forma minuciosa e meticulosa como o Sr. Deputado do Partido Comunista quis dedicar-se a este assunto. Folgamos que assim seja e que de facto o Partido Comunista tome a peito a defesa destes problemas. Não deixa também de ser motivo menos esperado o facto de o Partido Comunista, como aliás tinha previsto na resposta que dei ao Sr. Deputado Jorge Miranda, vir já aqui defender os interesses dos feirantes.
Portanto, no seguimento das boas intenções aqui reveladas pela bancada do Partido Comunista, nós com certeza que vamos assistir aqui a iniciativa do mesmo partido quanto a pedidos de inquérito, por exemplo, à Câmara Municipal de Setúbal por causa das construções frente ao Jardim da Bacalhoa, à Câmara Municipal do Couço sobre a destruição da Igreja de Santo António e sobre o paradeiro das grades classificadas dessa mesma Igreja, à Câmara Municipal de Sesimbra sobre a especulação urbana que arruína o perfil e a paisagem de Sesimbra.
E, se não assistirmos a isto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, teremos de concluir que o Partido Comunista, para esses casos, não utiliza os direitos e as prorrogativas desta Assembleia, teremos de concluir que o Partido Comunista acha muito bem inquéritos quando são contra os executivos AD, mas não lhe interessam inquéritos nenhuns que eventualmente possam ferir executivos do PC.
Vozes do CDS: - Muito bem!
O Orador: - Era esta a pergunta: vão ou não os senhores apresentar esses pedidos de inquérito e outros que a intervenção do Sr. Deputado parece sugerir?
Aplausos do PPM, do PSD e do CDS.
O Sr. Gomes de Pinho (CDS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Gomes de Pinho, V. Ex.ª deseja usar da palavra também para pedir esclarecimentos?
O Sr. Gomes de Pinho (CDS): - Não, Sr. Presidente é para uma intervenção.
O Sr. Presidente: - Então para responder, se o desejar tem a palavra o Sr. Deputado Anselmo Aníbal.
O Sr. Anselmo Aníbal (PCP): - É apenas para uma breve resposta, Sr. Presidente.
Estamos a discutir este inquérito, não estamos a discutir outros inquéritos.
Risos do PSD, do CDS e do PPM.
Esses outros inquéritos, se se vierem a realizar, serão discutidos na altura oportuna e não temos medo de os apresentar, se os seus motivos forem tão graves como aqueles que acabaram de ser enunciados.
Dedicamo-nos a estes assuntos e a outros e uma análise pormenorizada, como a que fizemos, será também feita em relação a outros assuntos. Esteja descansado, Sr. Deputado do PPM.
Aplausos do PCP e do MDP/CDE.
O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Peço a palavra. Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?
O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Para dar uma informação ao Sr. Deputado Anselmo Aníbal, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Faça favor.
O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - É que, no caso da igreja seiscentista do Couço, no nosso ponto de vista, será ineficaz um inquérito, uma vez que já está um urinol onde estava a igreja.
O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado.
O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Para fazer um protesto em nome do meu grupo parlamentar, Sr. Presidente.
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O Sr. Presidente: - Faça favor.
O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - O Sr. Deputado do PPM não conseguiu ter graça desta vez. Teve-a há pouco quando, depois de fazer uma intervenção, a todos os títulos curiosa, a respeito da defesa do património nacional, acabou fazendo um looping - quase quebrava a espinha -, manifestando-se ao lado da maioria que estava em causa. Mas desta vez não teve graça!
O Sr. Deputado fez sobretudo aquilo que não devia, porque V. Ex.ª está do lado da maioria e vem aqui fazer acusações graves, lançar suspeitas - e porventura a calúnia-, quando pode pedir um inquérito. Peça-o, tem a maioria, nem precisa do nosso voto.
Aplausos do PCP e do MDP/CDE.
Quando quiser fazer outras habilidades - e já verificámos que tem jeito para fazer o looping -, experimente melhor o passo.
Aplausos do PCP.
O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado? Para contraprotestar?
O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Sim, Sr. Presidente, é para fazer um contraprotesto muito curto.
O Sr. Presidente: - Faça favor.
O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Em primeiro lugar, queria dizer ao Sr. Deputado Veiga de Oliveira que, salvo o devido respeito, interpretou mal as minhas palavras, pois eu não quis fazer graça, falei muito a sério.
Em segundo lugar, e isto vem no seguimento da minha intervenção, nós guiamo-nos, nesta coisa de inquéritos, por uma economia muito grande de meios e por critérios de eficácia e, portanto, não valerá a pena tomarmos a iniciativa desses inquéritos quando os factos estão consumados. Mas os senhores, que apoiam um inquérito a posteriori, que façam também esses!
Vozes do CDS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Gomes de Pinho.
O Sr. Gomes de Pinho (CDS): -Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como vereador com responsabilidades executivas da Câmara Municipal de Lisboa, que e uma das entidades visadas no presente pedido de inquérito parlamentar, tinha decidido não intervir. E tinha-o feito sobretudo por evidentes razões de ética política, por entender que isso não se coadunava com o respeito pela independência desta Assembleia e por coerência com o conceito que defendo de autonomia do Poder Local.
Mas as intervenções que aqui foram proferidas - ou pelo menos algumas delas - acerca do problema da Feira de Belém e a necessidade de, acima de tudo, - mesmo acima das convicções de cada um - repor a verdade em relação a alguns aspectos fundamentais, levam-me a pôr à disposição desta Assembleia um conjunto de dados de facto, e só esses, que entendo que são úteis para a sua deliberação e que foram recolhidos por mim ao longo deste processo para minha reflexão pessoal.
Propositadamente não tirarei deles qualquer conclusão; esta Assembleia certamente o fará. Mas devo aqui referir que na Câmara Municipal de Lisboa, como sabem alguns dos Srs. Deputados que dela são também vereadores, se defenderão sempre os valores fundamentais da herança cultural histórica da nossa cidade, que queremos que seja uma comunidade tão dinâmica a construir o futuro como a preservar os marcos evocativos do seu passado.
Vozes do CDS: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Há dez factos fundamentais que me parece deverem ser referidos para, com rigor e isenção, se poder ajuizar dos antecedentes, dais características e das consequências do que se convencionou chamar Feira de Belém, bem como da natureza da intervenção e das responsabilidades da Câmara Municipal de Lisboa. Passarei, pois, a enumerá-los:
Primeiro: O local em causa tem sido frequentemente utilizado para a realização de exposições e feiras, a última das quais se realizou em 1979, dedicada ao Ano Internacional da Criança, sem qualquer intervenção conhecida das autoridades responsáveis pelo património cultural. Em Maio de 1980 ainda nele se espalhavam os restos dos pavilhões utilizados e de alguns carroceis, por entre a vegetação selvagem, e esse local era utilizado para a prática da prostituição e do homossexualismo, que a polícia se considerava impotente para reprimir.
Segundo: Em 16 de Junho de 1980, a Junta de Freguesia de Belém anunciou à Câmara a iniciativa de realizar uma feira evocativa da Feira de Belém do século XIX, que nesse local se realizara, projecto esse que teria as seguintes características: ocupação (temporária, sazona] e precária do espaço, feita com base em contrato a celebrar entre aquela Junta e os interessados por um período de quatro meses, em 1980, com possibilidade de concessão «de direito de preferência na reserva, por igual período, em 1981 e 1982».
Com os rendimentos obtidos propunha-se a Junta de Freguesia construir equipamento social na freguesia, designadamente uma creche, um jardim-escola e uma casa para a terceira idade.
Terceiro: Na base do projecto apresentado, a Câmara Municipal de Lisboa concedeu apoios diversos, como faz habitualmente perante iniciativas semelhantes que, dadas as suas características, não tinha que licenciar nem autorizar, salvo no que respeita à ocupação do espaço, em parte de sua propriedade.
Quarto: À medida que o processo se desenvolvia, a Câmara Municipal de Lisboa foi-se apercebendo da existência de graves distorções ao projecto inicial - designadamente quanto à sua compatibilidade com a zona histórica em que se situava, quanto à densidade e natureza das construções -, que comprometiam gravemente a sua execução.
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A Câmara Municipal de Lisboa foi a primeira entidade a reagir, em 20 de Agosto de 1980, ao propor a nomeação de um técnico para «garantir a observância das normas legais existentes».
Quinto: Só oito dias depois o Instituto Português do Património Cultural se interessou pelo problema, e na sequência de um seu ofício fez-se uma reunião com a participação de representantes desse Instituto, do chefe de Gabinete do Sr. Secretário de Estado da Cultura & do presidente da Junta de Freguesia, em que foi decidido...
O Sr. Silva Graça (PCP): - Era isso mesmo! ...
O Orador: - Quer interromper, Sr. Deputado?
O Sr. Silva Graça (PCP}: - Não, não.
O Orador: - Como ia dizendo, nessa reunião foi decidido remeter um conjunto de elementos, para análise, ao Instituto Português do Património Cultura); suspender, através da Junta de Freguesia e até decisão da Secretaria de Estado da Cultura, as construções então em curso.
Em ofício recebido em 22 de Setembro, a comissão ad hoc do Instituto Português do Património cultural recomenda a demolição de todos os elementos construídos e oferece a sua colaboração para o estudo do problema.
Sexto: Em 29 de Setembro, a Câmara Municipal de Lisboa aceita a oferta e designa um técnico para, em colaboração com o Instituto, estudar uma solução paisagística integrada. Nunca foi possível contar com a colaboração do Instituto porque este nem sequer chegou a designar o seu representante. Os técnicos da Câmara elaboraram vários relatórios, tendo-se concluído, face ao reiterado incumprimento do projecto inicial, das deliberações da reunião em que havia sido determinada a paralisação das obras e das medidas correctivas entretanto propostas - e a propósito cito de um relatório «a feira é hoje uma galera de interesses cujos cavalos tomaram o freio nos dentes» - pela indispensabilidade do embargo e do imediato encerramento do recinto.
Sétimo: Foi o que a Câmara Municipal de Lisboa fez, em 30 de Outubro, tendo sido designada uma comissão para propor um projecto de recuperação da zona de modo a garantir a sua fruição pelos moradores e visitantes, com respeito pelas normas legais em vigor e pelas exigências da defesa dos valores históricos e arquitectónicos.
Oitavo: Em 14 de Novembro, o presidente da Câmara de Lisboa e o Secretário de Estado da Cultura acordam na criação, no local, de um centro de recepção da XVII Exposição Europeia de Arte, procurando nessa solução, considerar os problemas sociais entretanto criados.
A partir daí iniciou-se o trabalho de elaboração de um anteprojecto de organização daquele espaço, o qual, posteriormente, veio a ser objecto de um contrato celebrado entre o comissariado para aquela exposição e uma equipa de conhecidos arquitectos, paisagistas, etc., e cuja execução se encontra neste momento em curso.
Nono: A Câmara Municipal de Lisboa nada tem a ver nem no plano jurídico, nem no plano moral, nem no plano político, com a situação dos utilizadores do espaço, cujos direitos e deveres emergem de um contrato assinado com a Junta e no qual a Câmara não teve qualquer intervenção. No entanto, a Câmara não se alheou nunca desta situação e dos problemas sociais dela emergentes.
Por várias vezes o presidente da Câmara de Lisboa deu a conhecer que estão em curso diligências com vista à sua inserção eu outros espaços de diversão da cidade, bem como nas áreas para equipamento turístico a criar, previsivelmente, no próprio local, de acordo com o projecto em curso.
Décimo: Foi a consideração da parte legítima desses interesses -e muitos há que não são legítimos, é bom que não se esqueça, e permito-me salientar que mesmo após o embargo publicamente decretado pela Câmara continuou a haver inscrições de pessoas interessadas em ocupar aquele espaço. Pengunta-se: com que objectivo?
Vozes do CDS: - Muito bem!
O Orador: - Mas, como eu dizia, foi a consideração da parte legítima desses interesses que levou ao retardamento do início das demolições, que se farão logo que o estudo em curso forneça uma ideia aproximada do tipo de ocupação que será adoptado - o que tudo indica que está para acontecer muito em breve-, em simultâneo com a criação de condições que permitam, na medida do possível, a transferência das pessoas cuja situação mereça ser considerada.
Esta foi, Sr. Presidente e Srs. Deputados, a intervenção da Câmara Municipal de Lisboa neste processo. O caso da Feira de Belém é exemplarmente lamentável? Ninguém e contesta A intervenção da Câmara Municipal de Lisboa foi correcta? O povo de Lisboa o dirá. Nós aceitaremos, serenamente, esse juízo.
Aplausos do CDS.
O Sr. Presidente: - Estão inscritos, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Aquilino Ribeiro Machado e Silva Graça.
Entretanto atingimos a hora regimental e esses pedidos de esclarecimento serão feitos oportunamente numa próxima sessão.
Deram entrada na Mesa os seguintes diplomas: projecto de lei n.º 158/II, apresentado pelo Partido Socialista, sobre a criação da freguesia de S. Pedro no concelho da Figueira da Foz, que baixa à 16.ª Comissão; projecto de lei n.º 159/II, apresentado pelo Partido Socialista, pela UEDS e pela ASDI, sobre a participação das mulheres nas assembleias municipais, que baixa igualmente à 16.ª Comissão; projecto de lei n.º 160/II, apresentado pela ASDI, sobre a demarcação das zonas regionais da produção de queijo e à criação da zona demarcada do queijo da serra, que baixa à 11.ª Comissão; projecto de lei n.º 161/11, apresentado pela ASDI, sobre a defesa do consumidor, que baixa à 2.ª Comissão; e, finalmente, o projecto de lei n.º 162/II, apresentado pela ASDI, sobre a demarcação da zona dos vinhos de Pinhel, que baixa à 11.ª Comissão.
Como sabem, Srs. Deputados, a próxima reunião terá lugar na próxima Quinta-feira, e a sua ordem de
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trabalhos será a interpelação ao Governo sobre as consequências da seca.
Está encerrada a reunião. Eram 20 horas.
Deputados que entraram durante a sessão:
Partido Social-Democrata (PSD)
Amândio Anes de Azevedo.
Amadeu Afonso Rodrigues dos Santos.
António Augusto Ramos.
António Sérgio Barbosa de Azevedo
Arménio dos Santos.
Bernardino da Costa Pereira.
Carlos Manuel Pereira Pinho.
Dinah Serrão Alhandra.
Eleutério Manuel Alves.
Fernando José da Costa.
Fernando José Sequeira Roriz.
Jaime Adalberto Simões Ramos.
João Afonso Gonçalves.
José Adriano Gago Vitorino.
José Ângelo Ferreira Correia.
José Mário de Lemos Damião.
Luís António Martins.
Manuel Ferreira Martins.
Mário Ferreira Bastos Raposo.
Mário Marques Ferreira Maduro.
Nicolau Gregório de Freitas.
Rui Alberto Barradas do Amaral.
Partido Socialista (PS)
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
António Fernando Marques Ribeiro Reis.
António Francisco Barroso Sousa Gomes.
António Gonçalves Janeiro.
ntónio José Sanches Esteves.
António Magalhães da Silva.
António Manuel de Oliveira Guterres.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Manuel Natividade Costa Candal.
Fernando Torres Marinho.
Francisco de Almeida Salgado Zenha.
João Alfredo Félix Vieira Lima.
João Cardona Gomes Cravinho.
João Francisco Ludovico da Costa.
José Luís Ferreira Araújo.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Manuel da Mata de Cáceres.
Manuel dos Santos.
Victor Manuel Ribeiro Constâncio.
Centro Democrático Social (CDS)
Américo Maria Coelho Gomes de Sá. 
Emílio Leitão Paulo. 
Francisco António Lucas ires.
João Gomes de Abreu de Lima.
José Girão Pereira.
Manuel A. de Almeida de A. Vasconcelos.
Rui Eduardo Ferreira Rodrigues Pena.
Partido Comunista Português (PCP)
Álvaro Favas Brasileiro.
António Dias Lourenço da Silva.
Joaquim Gomes dos Santos.
José Manuel da Costa Carreira Marques.
Octávio Floriano Rodrigues Pato.
Zita Maria de Seabra Roseiro.
Deputados que faltaram à sessão:
Partido Social-Democrata (PSD)
Amélia Cavaleiro M. de Andrade Azevedo.
António Augusto Lacerda de Queiroz.
Fernando José F. Fleming d'Oliveira.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel Ribeiro Arruda.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Partido Socialista (PS)
António de Almeida Santos. 
António Azevedo Gomes. 
António Cândido Miranda Macedo. 
António Emídio Teixeira Lopes. 
Armando dos Santos Lopes. 
Bento Elísio de Azevedo. 
Eduardo Ribeiro Pereira. 
Joaquim José Catanho Menezes. 
Jorge Fernando Branco Sampaio. 
José Gomes Fernandes. 
José Luís Amaral Nunes. 
Mário Alberto Lopes Soares. 
Victor Manuel Brás.
Centro Democrático Social (CDS)
Diogo Pinto Freitas do Amaral. 
João Lopes Porto. 
João da Silva Mendes Morgado. 
José Manuel Rodrigues Casqueiro. 
Maria José Paulo Sampaio.
Partido Comunista Português (PCP)
Álvaro Barreirinhas Cunhal. 
Armando Teixeira da Silva. 
Manuel Correia Lopes. 
Vital Martins Moreira.
Acção Social-Democrata Independente (ASDI)
António Luciano P. Sousa Franco.
O REDACTOR DE 1.ª CLASSE, Armindo Augusto Afonso.
PREÇO DESTE NÚMERO 32$00
IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA