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I Série - Número 61
Sexta-Feira, 8 de Maio de 1981
DIÁRIO da Assembleia da República
II LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1980-1981)
REUNIÃO PLENÁRIA DE 7 DE MAIO DE 1981
Presidente: Ex.mo Sr. José Rodrigues Vitoriano
Secretários: Ex.mos Srs. Cecília Pita Catarino
Alfredo Pinto da Silva
António Mendes de Carvalho
José Manuel Maia Nunes de Almeida
SUMARIO. -O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 15 minutos.
Antes da Ordem do dia. -Foi dado conta do expediente, bem como da apresentação e respostas a requerimentos.
O Sr. Deputado Gomes Carneiro (PS) fez um protesto relativo a uma notícia publicada pelo jornal Correio da Manhã, bem como em relação ao relato feito pela imprensa diária da interpelação parlamentar sobre a saúde. A este propósito, a conferência dos presidentes dos grupos parlamentares, reunida durante o intervalo regimental, viria a aprovar uma carta, a endereçar ao Sr. Director daquele jornal, protestando contra a referida noticia.
Em declaração política, e Sr. Deputado Mario Tomé (UDP) referiu-se a problemas de política geral, quer nacional, quer internacional.
Em declaração política, o Sr. Deputado Mário Raposo (PSD) aludiu a questões relacionadas com a revisão constitucional. Respondem no fim a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados António Vitorino (UEDS), Jorge Miranda (ASDI) e João Lima (PS).
Foram discutidos e votados em separado dois votos de pesar pela morte de Bobby Sanas, apresentados um pela UEDS, que foi rejeitado, e outro conjuntamente pelo PSD, pelo CDS e pelo PPM, tendo este sido aprovado. Intervieram no debate, a diverso título (intervenções, pedidos de esclarecimento, protestos e contraprotestos). Os Srs. Deputados João Lima (PS), Luís Coimbra (PPM), Magalhães Mot
a (ASDI), Helena Cidade Moura (MDP/CDE), Mário Tomé (UDP), Ribeiro e Castro (CDS), Costa Andrade (PSD), Manuel Mendes (PCP), Lopes Cardoso (UEDS), Borges de Carvalho (PPM), Oliveira Dias (CDS), e Pedro Roseta (PSD).
Ordem do dia. - o Sr. Deputado Duarte Chagas (PSD) procedeu à leitura de um relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos sobre substituição de um deputado do PSD, o qual foi aprovado.
Procedeu-se à continuação do debate do projecto de lei n.º 169/II, apresentado pelo PCP, sobre a Lei da Radiodifusão, tendo sido rejeitado na generalidade. Intervieram no debate, a diverso titulo, os Srs. Deputados Ribeiro e Castro (CDS), Manuel Mendes (PCP), Nandim de Carvalho (PSD), Teresa Santa Clara Gomes (UEDS), Jorge Lemos (PCP)- Arons de Carvalho (PS), Helena Cidade Moura (MDP/CDE).
Armando de Oliveira (CDS), Jorge Miranda (ASDI), Odete Santos (PCP) e Barrilaro Ruas (PPM).
Foi ainda discutido e votado na generalidade, tendo sido aprovado, o texto alternativo, apresentado pela Comissão de Administração Interna e Poder Local, aos projectos de lei n.º 134/II, do PS -remunerações dos titulares dos cargos municipais - 192/II, do PCP -direitos dos membros das juntas de freguesia- e 203/II, do PSD -remunerações e abonos dos eleitos locais. Intervieram no debate os Srs. Deputados Sousa Gomes (PS), Silva Marques (PSD), Anselmo Aníbal (PCP), Abreu Lima (CDS), Borges de Carvalho (PPM) e Veiga de Oliveira (PCP).
O Sr. Presidente, depois de anunciar a apresentação de um projecto de lei, encerrou a sessão às 20 horas e 55 minutos.
O Sr. Presidente:-Temos quórum.
Está aberta a sessão.
Eram 15 horas e 15 minutos.
ANTES DA ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: - Estão em aprovação os n.ºs 44 e 45 do Diário.
Pausa.
Não havendo, qualquer oposição, consideram-se aprovados.
Vai ser lido o expediente.
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Cartas
De Serafim Paulo Vaz de Sousa e Silva, residente em Queluz Ocidental, expondo a sua actual situação, enviando o seu curriculum e pedindo a todos
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os Srs. Deputados a possível colaboração na resolução do problema em apreço.
Do conservador do Registo Predial de Loulé, enviando fotocópia de despacho proferido num processo judicial, na qualidade de juiz substituto, de harmonia com uma lacuna existente, no seu entender, no Decreto-Lei n.º 348/80, de 3 de Setembro.
De Manuel Carneiro, residente em Pombal, que, na qualidade de simples trabalhador, resolveu analisar e apresentar sugestões relativamente a vários aspectos da vida nacional, nomeadamente no que diz respeito a policiamento e efectivação de professores, passando pela assistência social, ensino, greves, pensões de reforma, etc.
Exposição ;
De António da Graça Vital e outros, com vários considerandos e terminando por solicitar o ingresso dos signatários na Caixa de Pensões de Reforma de 1927.
Ofícios
Da Comissão de Trabalhadores da Companhia Portuguesa de Pescas, S.A.R.L., com sede no Olho de Boi, em Almada, enviando o texto da moção aprovada em concentração levada a efeito junto à sede da Companhia no passado dia 22 de Abril.
Da Assembleia de Freguesia de S.. Domingos dê Benfica, enviando o texto da moção aprovada em sessão de 23 de Abril, em que reclamam a anulação urgente da Portaria n.º 256/81, que diz respeito ao horário das farmácias.
Da Câmara Municipal de Coimbra, transcrevendo uma moção aprovada em reunião de 26 de Abril findo, solicitando á melhor atenção das entidades competentes, com vista a preservar uma velha instituição da Academia de Coimbra, que são os locais de alojamento dos estudantes, denominados por «repúblicas».
Da Câmara Municipal de Alcanena e da Junta de Freguesia de Santa Clara, em Coimbra, rejeitando a forma como foram atribuídas as verbas para as autarquias no OGE de 1981 e erigindo o cumprimento integral da Lei das Finanças Locais.
Da Assembleia- de Freguesia de Carnaxide, enviando moção aprovada na sua última sessão em 31 de Março transacto, manifestando-se contra toda e qualquer hipótese de- permissão da instalação de armamento nuclear em Portugal.
Telegrama
Do Comité Nacional do Bloco-H Armagh, de Dublin, convidando todos os membros do Parlamento para o funeral de Bobby Sands, como demonstração de solidariedade e protecção ao processo democrático.
O Sr. Presidente: - A Sr.ª Secretária vai proceder à leitura dos requerimentos apresentados.
A Sr.ª Secretária (Cecília Catarino): -Nas últimas sessões foram apresentados os seguintes requerimentos: sessão do dia 30 de Abril - à Presidência do Conselho de Ministros, ao Governo, a diversos Ministérios, à Radiotelevisão Portuguesa e à Câmara Municipal de Lisboa (14), formulados pelo Sr. Deputado Vilhena de Carvalho; ao Governo, formulado peto Sr. Deputado Reinaldo Gomes; ao Governo (6), formulados pelo Sr. Deputado Dias de Carvalho; ao Governo Regional da Madeira e à Câmara Municipal do Funchal, formulados pelos Srs. Deputados Silva Graça e Zita Seabra; a diversos ministérios e à Secretaria de Estado da Cultura (6), formulados pelo Sr. Deputado Gomes dos Santos; ao Ministério da Habitação e Obras Públicas, formulado pelos Srs. Deputados Herberto Goulart e António Esteves, respectivamente; ao Ministério das Finanças e do Plano, formulado pelo Sr. Deputado Manuel dos Santos; ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, formulado pelo Sr. Deputado Fernando Cardote; ao Ministério da Habitação e Obras Públicas e à Secretaria de Estado da Comunicação Social, formulados pelo Sr. Deputado Cantinho de Andrade; aos Ministérios da Agricultura e Pescas e do Comércio e Turismo, formulado pela Sr.ª Deputada lida Figueiredo; sessão dó dia S de Maio - aos Ministérios da Agricultura e Pescas, das Finanças e do Plano e da Qualidade de Vida e à Secretaria de Estado da Comunicação Social, formulados pelo Sr. Deputado Magalhães Mota; sessão do dia 6 de Maio - ao Ministro de Estado Adjunto do Primeiro-Ministro e a diversos ministérios (4), formulados pelo Sr. Deputado Octávio Teixeira; ao Governo, a diversos ministérios o secretarias de Estado (11), formulados pelo Sr. Deputado Magalhães Mota; aos Ministérios da Qualidade de Vida e da Habitação e Obras Públicas, formulados pelo Sr. Deputado Fernando Cardote; ao Ministério dos Assuntos Sociais, formulado pelo Sr. Deputado Pinto da Silva; ao Ministério da Habitação e Obras Públicas e à Secretaria de Estado do Ambiente, formulados pelo Sr. Deputado António Moniz; ao Ministério da Administração Interna, formulado pelo Sr. Deputado Vilhena de Carvalho.
Foram recebidas as seguintes respostas a requerimentos apresentados pelos Srs, Deputados Magalhães Mota, nas sessões de 25 de Novembro de 1980 e de 10, 12, 13 e 17 de Fevereiro, Isilda Barata, na sessão de 21 de Janeiro, Jaime Gama, José Vitorino e António Vitorino, na sessão de 12 de Fevereiro, Vieira de Freitas, na sessão de 13 de Fevereiro, Adelino de Carvalho, na sessão de 19 de Fevereiro, Vilar Ribeiro, na sessão de 19 de Fevereiro, e Jorge Lemos, na sessão de 27 de Fevereiro.
O Sr. Presidente: - Inscreveram-se para produzir declarações políticas a UDP e o PSD.
O Sr. Gomes Carneiro (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Faça favor.
O Sr. Gomes Carneiro (PS): -Sr. Presidente, trata-se de uma questão bem simples e ao mesmo tempo bem complexa.
Nos dois dias que antecederam o dia de hoje processou-se nesta Assembleia da República um debate extraordinariamente importante para a orientação política no domínio da saúde, o que diz respeito a todos os Portugueses.
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Acontece que o relato que foi feito, através da imprensa diária, sobre aquilo que aqui se passou não e, de forma nenhuma, digno desta Casa, não é digno daquilo que aqui se passou e é, até, desprestigiante para um órgão de soberania com a responsabilidade que tem a Assembleia da República.
Neste sentido, Sr. Presidente, interpelo a Mesa sobre a seguinte questão: pergunto se a Mesa tomou conhecimento e acompanhou o relato que a imprensa deu sobre aquilo que aqui se passou, que vai ao ponto de um jornal -Correio da Manhã- publicar uma fotografia com a Camará vazia, durante o intervalo, dizendo que o debate não tinha tido a participação dos deputados.
Como V. Ex.ª sabe, este foi um dos debates mais participados que se processaram nesta Câmara. Nós não podemos, pois, aceitar coisas desta natureza.
Aplausos do PS, do PSD, do PCP. do PPM. da. ASDI, da UEDS e de alguns deputados do CDS.
É evidente que não negamos a independência que devem ter os órgãos da comunicação social, mas essa: independência não significa que, da parte deles, haja menosprezo pelas instituições legítimas de representação do povo português e que defraudem a opinião pública mentindo -é o termo que tenho de utilizar- ao povo português que dizem servir.
Vozes do PS - Muito bem!
O Orador: - O relato é tendencioso e aviltante, é uma tentativa de denegrir aquilo que aqui se passou e o interesse que para o povo português o mesmo debate tinha. É uma forma, como já disse, de desprestigiar este órgão de soberania.
Queria, portanto, Sr. Presidente, e neste sentido solicitar se a Mesa não poderia, na reunião dos presidentes dos grupos parlamentares, tomar uma decisão que defenda o prestigio que a Assembleia da República merece, para bem de todos nós e para bem de todos os Portugueses.
Aplausos do PS, do PSD, do PCP. do PPM, da ASDI, da UEDS e de alguns deputados do CDS.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, convoco para o intervalo desta sessão uma reunião de líderes de todos os grupos parlamentares para analisarmos este problema e tomarmos as iniciativas que se nos ponham como oportunas.
Vozes do PS - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé para uma declaração política.
O Sr. Mário Tomé (UDP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Perante o aprofundamento da crise do capitalismo mundial, perante a incapacidade das burguesias instaladas no poder para lhe dar resposta, perante o agravar das condições de vida dos trabalhadores, a quem só o progresso técnico e científico já nada vai dizendo, dois fenómenos opostos se têm desenvolvido a par, polarizando a nossa época e, em especial, estes últimos anos numa dinâmica que não dá mostras de abrandar. Antes, pelo contrário, se acelera cada dia que passa.
Por um lado, o crescer incessante e irresistível da luta dos povos colonizados ou neocolonizados, a luta dos operários e trabalhadores em geral na defesa dos seus interesses primários e fundamentais, que se reflecte na consciência democrática da pluralidade dos cidadãos, mobilizando-os e impulsionando-os para acção aos mais diversos níveis.
Por outro lado, a crescente tentativa de fascização dos aparelhos de Estado das democracias ocidentais; a multiplicação do reforço das formas e métodos de repressão; o aparecimento cada vez maior de grupos neofascistas; o combate ideológico dirigido pelas centrais imperialistas, desenterrando e tentando ressuscitar as velhas ideias, conceitos, mitos e morais do passado, à sombra dos quais ergueram o seu domínio; o acentuar do poder das multinacionais e do imperialismo no interior dos vários países; o crescer da rivalidade entre as superpotências fazendo aumentar os riscos de guerra mundial e nuclear, ao mesmo tempo que conjugam esforços no sentido de dificultar e impedir a real libertação dos povos e o desenvolvimento revolucionário das lutas da classe operária e dos trabalhadores, para poderem garantir a salvação do sistema capitalista e do domínio imperialista.
O futuro da Humanidade está dependente do resultado desta luta imensa que fervilha por todo o lado, que explode aqui e ali com mais violência, que se impõe no quotidiano mais pacato, por mais que pessoas, grupos sociais, correntes culturais e científicas ou organizações políticas dominantes pretendam escamoteá-la, encobri-la, fomentar a indiferença, a conciliação, a distracção, a ignorância, por mais que apelem ao individualismo, à resignação ou à cobardia.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, desculpe-me interrompê-lo, mas era para pedir â Câmara o favor de se manter em silêncio.
Os Srs. Deputados não são obrigados a ouvir o que o Sr. Deputado está a dizer, mas têm o dever de não impedir que o ouçam os que eventualmente estão interessados.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Portugal, com o 25 de Abril, tornou-se centro das atenções de todo o Mundo, mas, principalmente, alargou o campo democrático mundial, reforçou a capacidade de luta dos povos, desenvolveu experiências novas de luta operária e popular, deu reais contributos para a emancipação dos trabalhadores. E, curiosamente, na altura em que todos eram pródigos em dizer que Portugal havia conquistado o direito de pertencer à Europa foi exactamente quando a Europa institucionalizada iniciou, em coordenação com os seus amigos americanos, um violento processo de rejeição e chantagem que não quisera pôr em prática durante os longos anos de ditadura fascista.
É que se torna mais eficaz e menos perigoso aceitar refugiados e exilados políticos do que tolerar uma verdadeira mudança de regime em que o desenvolvimento da luta popular ponha em causa o sistema estrutural a que pertencia o próprio fascismo e sirva de exemplo para os outros trabalhadores.
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Correspondendo de forma exemplar e interessada, as burguesias reaccionárias e liberal do nosso país, prepararam as condições para que a Europa do capital nos pudesse aceitar. È atacaram o 25 de Abril, preparam-se para fazer dele apenas uma data histórica e inofensiva, deixando ;de pé apenas aquilo que faltava ao fascismo para poder ser totalmente aceite na Europa: a aceitação integral do direito burguês moderno, que permite defender a classe dirigente, reprimir o povo e os trabalhadores, mas em nome do Estado de Direito e da democracia ocidental.
A Europa a que a AD quer aderir, expoente máximo da cultura e da democracia burguesas, a Europa que, por sua vez, olha para a Inglaterra como a mais madura e consolidada das democracias, consente e apoia a Turquia dá ditadura militar e a colonização da Irlanda.
A Europa da CEE e da NATO rebenta pelas costuras, olha para as suas ex-colónias com remorsos de as ter perdido e engendra novas formas de domínio, alarga a sua influência à Europa de Leste e o seu apoio aos governos como o da Polónia, para que a crise política provocada pela luta dos operários polacos se resolva sem sobressaltos, ou seja, se resolva, à custa dos próprios operários, ao mesmo tempo que apresenta a Polónia como exemplo para atacar o socialismo que lá não existe.
A pouco e pouco foge a velhas alegações ideológicas e políticas, associadas a ama prática cada vez mais vincadamente reaccionária, que permita a eliminação das liberdades consentidas enquanto persista a ilusão de que o espectro das crises do capitalismos tinha sido afastado e os operários iam colaborar ordeiramente nos superlucros das multinacionais, satisfeitos com um talão pomposo que lhes dizia também eles participarem dos lucros e da gestão, também eles donos, afinal do verdadeiro «capitalismo socialista», liquidada de uma vez por todas a chata contradição entre o capital e o trabalho.
Enfim, um verdadeiro enterro de Marx, bom rapaz, mas desactualizado e .que armou em profeta em terra e tempo alheios, não sabendo que nos países civilizados e ocidentais os operários passariam a viver cada vez melhor, enquanto os empresários, fartos de sofrer com as preocupações, passariam a ser as vítimas da nova sociedade; morrendo como tordos com enfarto de miocárdio.
Mas, afinal, os operários não querem colaborar, são mal agradecidos, rasgam os talões, não lhes chega a comparticipação nos lucros nem as garantias de que as crises são cíclicas e que, se eles ajudarem, o capitalismo pode sair desta. E põem-se a protestar, metem-se em greves, e os próprios sonsos dos camponeses já chateiam, e de que maneira!
Portanto, já que não têm coração e tentam afundar ainda mais o capitalismo que existe para eles poderem ter o seu salário, há que pô-los na ordem, é preciso garantir a segurança para a reprodução do sistema, para salvar esses monumentos do génio ocidental que são as multinacionais, pondo os trabalhadores - que são muitos mais - a pagar a crise.
O Direito dá as garantias para que assim se faça, as leis são para se cumprir, os polícias, os anjos - da - guarda.
O nosso pequeno mas azougado País, também ele assolado pela crise, precisa a todo o custo de entrar para essa Europa que, com o seu peso e o seu prestígio, garantirá o sossego dos nossos capitalistas.
Por isso, quando Portugal acedeu ao Conselho da Europa, recomeçou-se a longa tradição dos refugiados políticos portugueses, gente que pusera em causa a harmonia do sistema e o direito de Estado.
A 4 de Novembro de 1976, promulgada a Constituição e eleito Eanes, após a institucionalização do Estado de direito, o Alto-Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados reconheceu a um capitão de Abril, Álvaro Fernandes, o estatuto de refugiado político nos termos da Convenção de Genebra de 1951.
Votado ao ostracismo pelo Poder do seu País, o 25 de Abril entrava oficialmente na galeria internacional dos perseguidos e refugiados.
Regressado a Portugal, convicto de que Abril não será. vencido, o poder novembrista, fazendo tábua raza da Convenção de Genebra; encarcerará o capitão Fernandes na Trafaria e depois em Caxias. Com a lei da amnistia a ser votada, liberta-o. Mas, sem sequer o amnistiar, expulsa-o do Exército, como fez a mais nove militares de Abril.
Em geral, o poder saído do 25 de Novembro tem-se definido segundo duas coordenadas, que não podem viver uma sem a outra.
O ataque do 25 de Abril e repressão sobre aqueles que o fizeram e o assumiram como o povo o entendia e, a procura de protecção contra os trabalhadores, no exterior, à custa da submissão dos interesses políticos, económicos, sociais e democráticos do nosso povo.
A AD, mais recente etapa desse processo involutivo, é, naturalmente, o mais significativo exemplo do caracter reaccionário do poder novembrista.
Por isso, quando as consciências democráticas de todo o Mundo vibram de raiva pelo bárbaro assassinato de Bobby Sands e se levantam em solidariedade com a luta heróica e secular do povo irlandês contra o domínio colonial da Inglaterra, a AD, traindo os sentimentos democráticos do povo português, traindo a longa luta do nosso povo contra a repressão, a exploração e o colonialismo, prefere tornar-se cúmplice da Sr.ª Thatcher e do seu governo, submete-se uma vez mais ao velho imperialismo que Portugal tão bem conhece e apoia os interesses das grandes potências contra a liberdade dos povos.
Mas a atitude do governo AD, sendo um apoio ao domínio colonial inglês na Irlanda, não é apenas isso.
Ela significa, alias em concomitância com outros Estados e partidos, nomeadamente os trabalhistas ingleses responsáveis pela actual lei contra a qual se batem os heróicos presos irlandeses, o cerrar de fileiras em defesa do poder do estado capitalista, que se exerce à custa de repressão e liquidação das liberdades, numa altura em que o efectivo exercício das liberdades pelos cidadãos conduzirá fatalmente ao desmoronar do Estado reaccionário, cuja missão é perpetuar a exploração capitalista.
Cortada a palavra ao orador pelo controle automático.
O Sr. Presidente:- Sr. Deputado, já terminou o seu tempo.
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O Orador: - Estou quase a acabar, Sr. Presidente.
Aliás, dado que há pouco fui interrompido,, pedia mais algum tempo para terminar a minha intervenção.
Vozes do PSD: - Já acabou! Já acabou!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, vou-lhe conceder o tempo necessário para acabar a sua intervenção.
Protestos do PSD, do CDS e do PPM.
O Orador: - Mas é em vão que a Sra. Thatcher e a AD persistem num caminho condenado pela história. A luta do povo irlandês reforça-se e os combatentes da liberdade são cada vez mais. A solidariedade dos povos e dos democratas de todo o Mundo, nomeadamente da Inglaterra e do seu fiel amigo, os Estados Unidos da América, surge revigorada.
A solidariedade dos democratas portugueses ficou bem expressa na concentração da semana passada, apesar do boicote do governo civil AD, e, em especial, na manifestação de ontem, que reuniu muitos milhares de pessoas.
E escusa o embaixador de Sua Magestade de reafirmar que o assassinato de Bobby Sands foi legal, que a tortura e o assassinato do povo irlandês é legal e que os soldados ingleses na Irlanda são legais.
Não é isso que impedirá a luta e a vitória do povo irlandês - nem a luta e a vitória do povo português, que também conhece essa espécie dê legalidades.
A luta de Bobby Sands e dos seus companheiros, a luta do povo irlandês, também contribui para o isolamento do governo da AD e para a elevação da consciência democrática e revolucionária do nosso povo, mostrando como os interesses dos explorados e oprimidos de todo o Mundo se integram numa mesma e gigantesca luta. Afinal Marx sempre tinha razão!
A Europa dos trabalhadores será edificada em luta contra a Europa reaccionária dos monopólios, da CEE e dos pactos militares.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, eu concedi ao Sr. Deputado Mário Tomé o tempo indispensável para acabar a sua declaração política, assim como farei com qualquer outro Sr. Deputado cuja intervenção possa exceder em alguns segundos o tempo regimental.
O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Para que efeito?
O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Sr. Presidente, queria apenas que fique registado que nos opomos ao precedente e que esperamos não se volte a repetir em circunstância alguma.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
O Sr. Presidente: -Há pouco o Sr. Deputado não me deixou concluir o meu pensamento.
Pretendia ainda dizer que este facto não deve ser tomado como um exemplo, como um processo a seguir, porque senão não servem de nada as medidas que se tomam de forma a disciplinar as intervenções.
O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Sr. Presidente, de qualquer forma não podemos deixar de considerar a decisão da Mesa como uma discriminação em relação a todos os Srs. Deputados que já foram interrompidos pelos semáforos.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, não se trata de uma discriminação. Ainda ontem, por exemplo, o Sr. Presidente da Assembleia concedeu tolerâncias a alguns Srs. Deputados.
Aliás, esta tolerância que agora concedi já tem sido concedida noutras alturas. Somente eu penso que, na verdade, isto não pode continuar a ser um processo a praticar. Como tal, os Srs. Deputados têm de limitar as suas intervenções ao tempo, de que realmente dispõem.
O Sr. Ribeiro e Castro (CDS): - Peço a palavra,
O Sr. Presidente: - Faça favor.
O Sr. Ribeiro e Castro (CDS):-Sr. Presidente, queria juntar-me às duas bancadas que já protestaram pela abertura deste precedente.
De facto, não faz sentido que se introduza o sistema dos semáforos para que ele seja sistematicamente violado por intervenção da Mesa, embora com intuitos que nós compreendemos.
O episódio que o Sr. Presidente referiu ter-se passado na sessão ide ontem verificou-se num contexto diferente e foi justificado pelo Sr. Presidente da Assembleia da República pela natureza do debate em curso, advertindo que, hoje mesmo, regressados os nossos trabalhos à normalidade, o sistema entraria, impreterivelmente, de novo em vigor.
A continuarmos assim todos os Srs. Deputados, na vigência do sistema da tolerância, continuarão sempre a solicitar mais tempo à Mesa para concluírem as suas intervenções.
O Sr. Presidente: - Creio que os Srs. Deputados exageram a gravidade desta situação. Apenas concedi mais meio minuto ao Sr. Deputado Mário Tomé porque não desliguei os semáforos quando o orador foi interrompido. Geralmente, quando isso acontece, desliga-se a luz verde do semáforo, ficando um sinal de intermitência. Mas, desta vez, isso não foi feito.
O Sr. João Morgado (CDS): - Foi, foi, Sr. Presidente.
O Sr. Mário Tomé (UDP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Ó Sr. Deputado, não vamos agora fazer deste caso um debate...
O Sr. Mário Tomé (UDP): - Peço desculpa, Sr. Presidente, ma» é só para dizer o seguinte: o que
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se está a passar só vem dar peso à minha declaração política. Com efeito, os Srs. Deputados que tanto respeitam aquela maquinazinha, que são os semáforos - contra a qual a UDP sempre protestou - não respeitam o direito de um deputado falar e de se fazer ouvir.
O que está em causa,, é que eu fui interrompido enquanto proferia a minha declaração política, pelo que tive de voltar aras, tendo perdido tempo.
O sistema dos semáforos está errado desde o, princípio porque um deputado não é uma máquina.
Risos do PSD.
O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tenha a bondade, Sr. Deputado, mas peco-lhe o favor de ser muito rápido.
O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Sr. Presidente, para evitar toda a confusão que se gerou, eu gostaria que ficasse claro -e a Mesa que o desminta se assim não for- que não foi: concedido nenhum tempo a mais ao Sr. Deputado da UDP. O que aconteceu foi que durante a interrupção que lhe foi feita não foi desligado o semáforo, pelo que apenas foi compensado em meio minuto, talvez, até, tempo inferior .ao da interrupção.
O Sr. João Morgado (CDS): - Foi desligado, sim senhor!
O Orador - Isto é que se passou e é isto que foi escondido por quem interveio a respeito dó assunto.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Raposo.
O Sr. Mário Raposo (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Está decorrido metade do prazo previsto no n.º 2 do artigo 288.º da Constituição para a apresentação de novos projectos de revisão constitucional.
Tudo deverá apontar para que, ainda este mês, criada, nos termos regimentais, uma comissão eventual, se iniciem os trabalhos de reformulação da lei fundamental.
Porque é este Parlamento a sede própria e natural da tarefa á cumprir - tarefa que vale como uma responsabilidade e um desafio que a democracia propõe -, entende o Partido Social-Democrata, uma vez mais, situá-la como tema de reflexão.
Ao fazê-lo não tem a pretensão de se arvorar em consciência prévia dos partidos da oposição; mas não esquece, por certo, e tem legitimidade para assim proceder, que da política nunca será dissociável uma decisiva componente de dignificado pragmatismo e que ela se esvai quando pensada como mero exercício de ideologia, que secundariza os homens vivos e concretos, nas suas necessidades imediatas - e nas suas pequenas e grandes verdades e aspirações. Ora esse pragmatismo preconiza uma perspectiva consensual quanto â revisão da Constituição. Sem um consenso o processo ficará bloqueado, e um dia nos interrogaremos e nos interrogarão, no sempre implícito juízo da história, por não termos querido ou sabido dar a este país uma constituição que seja, finalmente, a constituição de todos os Portugueses.
Vozes do. PSD: - Muito bem!
O Orador: - O projecto da Aliança Democrática é já um esforço, sereno e realístico, para a solução consensual. Por isso abdicou, nalgumas áreas, de um perfeccionismo formal ou metodológico. Provinda de uma circunstância de grave perturbação, a Constituição é perturbada por um excesso de palavras. Só que seleccionar com unilateral rigidez as que estão a mais quase que alteraria de raiz a sua estrutura e concepção e o entrechoque de critérios de selecção dificultaria a flexibilidade do compromisso possível.
De qualquer modo, sem incorrer neste apego de perfeccionismo, a Aliança Democrática não acederá em manter na Constituição os seus dogmatismos inaceitáveis. Não poderá deixar de tudo fazer para que o Estado e a sociedade se definam, no futuro, no plano das actuações programáticas, a partir da vontade real e actualizada do povo português, disponivelmente decorrente de eleições livres.
Será esse o seu ponto de honra, já que nele joga a sua própria coerência e o respeito que deve ao povo português e à sua liberdade de espírito.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: No actual texto, justificou a Constituição que o insuspeito Prof. Mário Murteira dissesse, meses após a sua feitura, que «ninguém duvida de que os mesmos deputados reunidos em 1976 teriam elaborado uma constituição diferente». Cerca de um ano depois outros imputariam a esta Assembleia da República o pecado de se ter tornado «constituinte», modificando a Constituição «através da própria mecânica parlamentar da aprovação das leis».
É essa precariedade, especialmente agudizada nalguns aspectos da lei fundamental, que a Aliança Democrática se empenha em convalidar, convertendo-a no estatuto de uma mais estimulante convivência entre os Portugueses e na definitiva pedra de toque de uma democracia política humanamente enriquecida pela efectiva observância de todos os direitos sociais, económicos e culturais. Aliás, ninguém de recta intenção porá em dúvida que a Constituição ao querer amarrar o futuro, em demasia se hipotecou ao seu pequeno e contingente passado.
Vozes do PSD:: - Muito bem!
O Orador: - Por assim ser, não é sem algum receio que tememos que logo nos preceitos que serão como que o pórtico da Constituição obstinadamente se queira continuar a dizer que o destino fatal do Estado é o de assegurar a «transição para o socialismo», pressupondo-se, como eu próprio sublinhei em Outubro de 1976, «que todos os Portugueses terão obrigação de ser socialistas». A lei fundamental terá, como é óbvio, de comportar que, pelos mecanismos da alternância, haja governos de sinal socialista. Mas não poderá, por certo, impor como ditadura normativa, o socialismo.
Socialismo que, bem vistas as coisas, nunca se chegou a saber qual fosse.
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Recolhido como outorga manu militari, ele foi destinado a ser regido sob a tutela ou caução do MFA da fase revolucionaria. Desta só resta, no plano do Estado, a Constituição, nos seus preceitos e preconceitos ideológicos e... o Conselho da Revolução. Este ainda agora, como que in articulo mortis, praticou a «graça» (na acepção de acto majestático, claro está...) de reabsorver os que em 25 de Novembro de 1975 intentaram em definitivo destruir a liberdade em Portugal.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Mas a Aliança Democrática sinceramente espera que os seus temores se revelem infundados e que o Partido Socialista e, mais amplamente, a Frente Republicana e Socialista não ouça os cantos de sereia do socialismo «à portuguesa». Sinceramente espera que o Partido Socialista permita que, uma vez por todas, o País se abra, institucionalmente, â liberdade plena, à esperança e à responsabilidade das suas próprias opções.
Vozes do PSD e do CDS: - Muito bem!
O Orador - A esse «acordo de regime» fez apelo o presidente do Partido Social-Democrata nessa espantosa afirmação de força cívica que foi a manifestação do passado dia 4. É esse, na verdade, o «acordo de regime» - de regime constitucional, entenda-se - que a Aliança Democrática firmemente pretende, na inalterada coesão dos partidos que a integram e na sempre renovada coerência das suas coordenadas comuns.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Na Constituição Espanhola foi feita a explícita consagração de uma economia de mercado e de livre empresa, sem a discrepância do PSOE e do PCE.
É hoje entendimento unânime na República Federal da Alemanha ser esse o modelo económico subjacente à estrutura constitucional. E aí, como em parte alguma da Europa Ocidental, ninguém porá em dúvida que o liberalismo incontrolado não regressará mais e que a economia de mercado não poderá deixar, de se compatibilizar com a concretização da democracia económica e social.
Esqueçamos, pois, as palavras da Constituição, no seu hemisfério demagógico, e encaremos os actos que conduzam a uma sucessão de reformas que respeitem o valor da pessoa humana, na sua dimensão ética e perene, e os justos interesses de todos os homens e mulheres que são a sua perfiguração imediata.
Esse o desejável ponto de encontro -que para nós é, como acentuei, um ponto de honra - dos partidos democráticos. Outros partidos, de diferente índole e de diferente inserção na geografia ideológica, reclamarão quo com isso se consumará uma ruptura no ordenamento da Constituição - da Constituição que começaram por não querer e que agora mitificam.
Não se tratará, convictamente o dizemos, de uma ruptura - mas de uma normalização.
O Sr Pedro Roseta (PSD): - Muito bem!
O Orador - De uma normalização que a vida, que sobreleva as páginas dos compêndios e a propaganda dos slogans, se encarregou já de apontar como inaceitável, na sua indestrutível vocação para intuir e modelar o que as pessoas querem. Mas mesmo enquanto ruptura - os conceitos, porque plurissignificativos, são sempre manejáveis -, ainda assim a quereríamos, porque saudável e necessária.
Referiu algures Felipe González que uma constituição de concórdia se funda sobretudo numa ruptura e na superação de um passado. Ruptura que não será traumática porque ninguém a quererá traumática, ruptura com qualquer sistema que pressuponha autoritarismo.
O condicionalismo em que González se situava não coincidiria, em perfeita simetria, com o que nós vivemos; os contextos históricos nunca coincidem na sua factualidade embora ciclicamente se repitam no seu sentido essencial.
Mas, como em Espanha, há que remover uma certa forma de autoritarismo.
No nosso caso será o autoritarismo da própria Constituição, que tapa os horizontes de esperança por que o País, na sua exigente autenticidade, vem ansiando.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
O Sr, Presidente: - Para pedidos de esclarecimento, tem a palavra, em primeiro lugar, o Sr. Deputado António Vitorino.
O Sr. António Vitorino (UEDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Mário Raposo: Irei fazer um rápido 'pedido de esclarecimento dividindo-o em três pontos, digamos assim.
A primeira é quase não um pedido de esclarecimento, mas para corroborar o início da sua- intervenção. Também o Grupo Parlamentar da UEDS pensa que é na sede parlamentar que devem ser encontrados os pontos de diálogo e de consenso através dos quais se respeitem os mecanismos constitucionais que impõem a revisão constitucional.
Nesse sentido, esperamos que não haja interferências externas ao processo de revisão constitucional por parte de outros órgãos de soberania, sejam eles o Presidente da República ou o Governo.
O Sr. Pedro Roseta (PSD): Ou o Conselho da Revolução!
O Orador: - Em segundo lugar, gostaria de perguntar ao Sr. Deputado Mário Raposo se acabou de defender a .construção de uma constituição sem programa, isto é, uma constituição bacteriologicamente pura, asséptica, neutra, quase que diria uma constituição que em relação ao futuro se apresentará estéril. Ou, pelo contrário, devo inferir da sua intervenção que preconiza a construção de uma nova constituição, em que o programa, que a actual Constituição consagra seja substituído por outro?
Nesse caso sempre cumpriria recordar as palavras do líder do Partido Social-Democrata, Dr. Francisco Sá Carneiro, que considerou esta Constituição como a Constituição mais social-democrata de todas as constituições europeias.
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Cumpre, pois, perguntar-se o Partido Social-Democrata pretende fazer da Constituição de 1976, banindo dela os seus elementos sociais-democratas, o que o PSD já fez a si próprio, isto é, banir do seu próprio programa os princípios sociais-democratas.
Protestos do PSD.
Esta é a minha opinião, Srs. Deputados. Podem discordar dela, mas apenas lhes peço que a respeitem.
Terceira e última questão: não deixa de ser significativo que o Sr. Deputado Mário Raposo tenha considerado o acto majestático do .Conselho da Revolução como um acto meramente unilateral - esqueceu-se eventualmente de referir que não foram reintegrados apenas militares implicados nos actos do 25 de Novembro, mas também militares implicados no acto de 11 de Março. Não foi um acto de graça. Foi sim, em meu entender, um acto de justiça.
E sempre restará anotar que o Sr. Deputado Mário Raposo acabou de explicar ao PPM porque é que o PPM deve gostar do Conselho da Revolução: é porque é uma instituição monárquica.
O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Uma ova! Uma ova é que é!
Risos.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Miranda, uma vez que o Sr. Deputado Mário Raposo expressou o desejo de responder no fim a todos os pedidos de esclarecimento.
O Sr. Jorge Miranda (ASDI): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ouvi com toda a atenção que em geral me merece o tema da revisão constitucional e, mais em particular, por ser tratado por uma pessoa que tanto considero, como o Sr. Deputado Mário Raposo. Tal como disse, ouvi a declaração política proferida acerca da problemática da revisão constitucional, agora que está desencadeado o processo, uma vez que durante este mês terão de ser apresentados os projectos de revisão constitucional.
Ouvi com toda a atenção e em grande parte com toda- a concordância, nomeadamente quando o Sr. Deputado Mário Raposo se referiu à necessidade de consenso constitucional para termos uma constituição à medida dos Portugueses, à medida de Portugal. Também concordei quando disse que era importante não haver ruptura, pois aquilo que interessa é a normalização.
Contudo, algumas das expressões, algumas das afirmações aduzidas pelo Sr. Deputado Mário Raposo levantaram-me algumas dúvidas acerca desses propósitos, em termos objectivos, de consenso, de normalização e de não ruptura.
O Sr. Deputado Mário Raposo referiu-se a consenso. Contudo, é óbvio para quem tenha lido com atenção o projecto de revisão apresentado pelos deputados da Aliança Democrática que nesse projecto há largas e importantes zonas em que claramente hão se pretende o consenso, mas, muito pelo contrário, se pretende o afrontamento.
O Sr. Pedro Roseta (PSD): - É falso!
O Orador: - Estou a pensar, por exemplo, naquilo que diz respeito aos meios de comunicação social estatizados.
A Constituição hoje tem preceitos que. em minha opinião não têm sido suficiente. Mas, mesmo assim, tem preceitos para garantir a isenção e o pluralismo dos meios de comunicação social estatizada, designadamente através dos conselhos de informação.
Contudo, o projecto da Aliança Democrática, em vez de reforçar esses instrumentos, em vez de colmatar as deficiências que existem, pura e simplesmente remete para a lei.
Pergunto se numa fase de institucionalização da vida democrática, em que é essencial a garantia da liberdade de expressão e do pluralismo através da comunicação social estatizada, isso corresponde a ,uma vontade de consenso.
Também a respeito de não ruptura e de normalização, mesmo sem entrar na questão complexa do valor dos limites materiais, não deixarei de referir que o projecto da Aliança Democrática pura e simplesmente não respeita três dos limites materiais: o que diz respeito à inconstitucionalidade por comissão, o que diz respeito à participação...
Cortada a palavra ao orador pelo controle automático.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Lima, também para pedir esclarecimentos.
O Sr. João Lima (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Na intervenção que há pouco fez, o Sr. Deputado Mário Raposo falou, com alguma ênfase, sobre a conveniência de formação de um acordo de regime , com o Partido Socialista no que respeita à revisão constitucional. Falou também na prova de vitalidade democrática que se verificou e se concretizou mias últimas reuniões públicas e comícios dia AD, nomeadamente o último comício do Campo Pequeno.
Sobre isso, quero perguntar singelamente ao Sr. Deputado Manto Raposo se - na sua opinião, e na do seu partido - tem algum cabimento nesse acordo de regime que acha desejável fazer-se com o Partido Socialista o slogan «Eanes para a Sibéria».
Risos do PS, do ASDI e do UEDS.
Vozes do PS: - E esta?
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Raposo.
O Sr. Mário Raposo (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Responderei muito brevemente, em primeiro lugar ao Sr. Deputado António Vitorino, dado que foi o primeiro interpelante.
A sua primeira observação foi feita quanto à sede natural da revisão constitucional. Ora, é evidente que esta é a sede parlamentar. Pessoalmente sempre sustentei essa opinião e foi sempre essa a ideia dó meu partido.
Há, de facto, subjacente à vida portuguesa, tradicionalmente, um certo antiparlamentarismo que tem várias aflorações, entre as quais aquela de que tomámos há pouco conhecimento, isto é, a da fotografia publicada no Correio da Manhã...
Vozes do PSD: - Muito bem!
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O Orador: - ...e que tomo apenas como significativa de uma certa predisposição para subestimar a foça. e a presença do Parlamento na vida democrática do País.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - É evidente que temos de recusar essa tentação, que é no fundo uma tentação insidiosamente pré-totalitária, e devemos afirmar a soberania parlamentar.
Ê óbvio que é nesta sede que se deve debater a revisão constitucional, transparentemente e com toda a abertura, de forma que o povo português possa sucessivamente ir tendo conhecimento daquilo que se passa. Tudo à sua vista e não à sua revelia como com a actual Constituição em parte se passou.
Quanto à questão da interferência dia outros órgãos de soberania na revisão constitucional, é evidente que o Partido Social-Democrata recusa a interferência de qualquer órgão de soberania que não esta Assembleia da República e isso pelas razões que já aduzi.
É também evidente que hoje não se pode admitir uma constituição asséptica, unia constituição quimicamente pura. O homem hoje é paute, o homem hoje participa. Ora, quem participa tem de ser paute, quem participa propende a ter uma carga afectiva e um horizonte utópico. E um horizonte utópico inculca logo a ideia de um projecto de um programa, de uma perspectiva. E a Constituição não é apenas um conjunto de palavras, tem de ser também, uni símbolo e a verdade: de um povo. É nessa medida que a Constituição se tem de assumir como um programa, só que não pode ser um programa' político partidário, tem de ser um programa nacional.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - É isso que a Aliança Democrática pretende que ela seja e é nessa medida que lhe pretende retirar a carga negativa que possui.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
Devo entender, no entanto, que se dá até o caso de o Sr. Deputado António Vitorino e eu próprio estiarmos quase que em coincidência, segundo inferi das suas palavras, neste aspecto.
Em penúltimo lugar, repudio as referências que fez à supressão pelo PSD da sua própria coerência programática. Os partidos têm de ter uma ideologia, têm de assumir uma perspectiva. E o corpo programático do Partido Social-Democrata é idêntico àquele que foi constituído há sete anos. À nossa coerência, Srs. Deputados, ninguém poderá fazer qualquer restrição.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - É evidente que não há qualquer alteração ao programa do Partido Social-Democrata. Só que, como partido dignificadamente pragmático que é, necessariamente se adequará a uma circunstancia que hoje é diferente da que ocorria em 1974.
Vozes dó PSD: - Muito bem!
O Orador: - Finalmente, a referência que fiz ao acto de «graça» e que de facto fez com que, «gracejando» o Sr. Deputado António Vitorino tivesse trazido à colação o PPM, por ser um acto por mim qualificado de «majestático», é evidente que o invoquei como um acto de soberania. Soberania é «majestade» no sentido de império, no sentido de força, de domínio.
No entanto discordo, pelo menos no sector que diz respeito às pessoas que aqui refere, da atitude tomada pelo Conselho de Revolução. Este, a meu ver, e ao que se vê no seu próprio dele entender, é um órgão espúrio dentro de um contexto jurídico-constitucional normalizado.
Portanto, quanto ao Sr. Deputado António Vitorino suponho ter enfrentado os pontos que enunciou.
O Sr. César Oliveira (UEDS): - Não, não, Sr. Deputado.
O Orador: - Quanto ao Sr. Deputado Jorge Miranda, devo dizer, no que se reporta ao consenso constitucional, que o termo consenso etimologicamente significa consonância, concordância de sentimentos. Este é, no fundo, o sentimento que nos deve unir nesta Assembleia. E é esse o acordo de regime que queremos.
Trata-se, portanto, do sentimento da verdade democrática, das bases da democracia que permitem a natural alternância. De resto eu recordo - e o Sr. Deputado Jorge Miranda sabe-o melhor do que eu-que na Suécia e noutros países se operou uma profunda mutação nas estruturas económicas, na definição económica do país sem se ter mexido na Constituição. Essa, nem sequer toma posição em relação a qualquer modelo económico.
Não há possibilidade de se inserir numa constituição um modelo económico totalitário se queremos uma constituição de sinal democrático. Esse é,, de facto, o mais substancial reparo que o Partido Social-Democrata faz à actual Constituição. Essa é - como referi há pouco - a pedra de toque da convolação da actual Constituição para um modelo normalizado e democrático.
O conceito de ruptura, como referi, 6 um conceito polissémico, é um conceito plurissignificativo, não se pode dizer sem contestação o que é ruptura e o que não é ruptura.
Entendo apenas que deve haver ruptura com tudo o que não está certo. Se entendermos que esse 6 o significado de ruptura então saibamos assumi-la. Tenhamos a coragem, perante o País e perante nós próprios, de assumir uma ruptura que sabemos estar em sintonia com aquilo para que apontam o sentimento e o interesse nacionais.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - O Sr. Deputado Jorge Miranda, constitucionalista que todos admiramos, encontrou no projecto de lei de constituição apresentado pela Aliança Democrática uma só pedra de escândalo, que foi o problema da desconstitucionalização dos conselhos de informação. Eu, pessoalmente, e tive ocasião de incidentalmente abordar esse aspecto, entendo que a Constituição devia ficar muito mais «enxuta», que o imperativo ascético a que se referem alguns constitucionalistas deveria estar muito mais presente no refazer da nossa Constituição. Mas, também como
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referi, entendo que isso poderia ser uni ponto de colisão. E assim o PSD entende que a concepção estrutural da Constituição se deve manter.
Isso não significa que determinadas matérias não devam ser consideradas como não integrando matéria constitutionis. Não são lealmente matéria com dignidade constitucional e, portanto, devem ser remetidas para a lei ordinária.
Também o Sr. Deputado Jorge Miranda sabe melhor do que eu que é grande mérito qualquer constituição ser flexível. A elasticidade, a virtualidade de adaptação é por vezes preferível a uma remissão sistemática para a lei ordinária. O que releva é que possa a todo o tempo ser adequada à realidade constitucional.
Portanto não há qualquer ruptura neste aspecto. Há apenas uma tomada de posição perfeitamente normal e lógica.
Finalmente, quanto ao acordo de regime referido pelo Sr. Deputado João Lima, já respondi. O acordo de regime é o acordo de regime democrático, é o acordo de regime quanto a uma democracia que, assumindo-se na plena liberdade, assumindo-se na plena disponibilidade e responsabilidade, permita a alternância. Que permita, em síntese, que em cada momento o povo possa fazer um aggiornamento, uma actualização da sua vontade, daquilo que exprime, daquilo que sente.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, conforme me informa o Sr. Secretário e embora já esteja ultrapassado o tempo normal do período de antes da ordem do dia, vamos discutir e votar os dois votos presentes na Mesa sobre a morte de Bobby Sands.
O Sr. José Vitorino (PSD): - Sr. Presidente, se me permite e antes de entrarmos nessa matéria, gostaria de dizer ò seguinte: foi com V. Exa. no desempenho da presidência da Mesa que pedi que fosse adiada a formulação de algumas perguntas que tinha para fazer ao Sr. Deputado Carlos- Brito a propósito de uma intervenção por ele aqui produzida relativamente a questões do Algarve, dado que ele na altura estava para a Espanha.
Hoje; por uni motivo ou por outro, também não está presente.
Apesar de tudo e embora a distância que nos separa já da intervenção seja grande, peço novamente a sua anuência, se assim o entender, para formular as tais perguntas quando o Sr. Deputado Carlos Brito estiver presente.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, V. Exa. está inscrito e portanto na próxima sessão plenária em que e Sr. Deputado Carlos Brito estiver presente poderá fazer as tais perguntas.
Neste momento vamos então discutir e votar os dois votos sobre a morte de Bobby Sands, apresentados um pela UEDS e outro pelos partidos que integram a Aliança Democrática.
O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, se me permite, requeira que os dois votos sejam discutidos e votados separadamente.
O Sr. Presidente: - Assim se fará, Sr. Deputado.
Vamos então proceder à leitura do voto subscrito pela UEDS que foi o primeiro a dar entrada na Mesa.
Foi lido. É o seguinte:
Voto de pesar
A morte de Bobby Sands, deputado ao Parlamento britânico e preso político, evidencia a necessidade urgente de serem criados os mecanismos que façam respeitar integralmente os direitos humanos.
A Assembleia da República exprime o seu pesar pela trágica morte do Deputado Bobby Sands e apela ao Governo Britânico para que desenvolva todas as acções no sentido de evitar que situações como a de Bobby Sands venham a repetir-se.
O Grupo Parlamentar da UEDS: Lopes Cardoso - César Oliveira - Octávio Cunha.
O Sr. Presidente: - Está em discussão.
Pausa.
Tem a palavra o Sr. Deputado João Lima.
O Sr. João Lima (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A posição que o Grupo Parlamentar do Partido Socialista vem tomando acerca desta problemática, desta penosa situação que se vive na Irlanda do Norte, tem sido suficientemente clara e a sua interpretação não sofre de qualquer ambiguidade.
Nós levantamos aqui o problema de que não nos : queríamos ingerir nos negócios internos de outro país e que a nossa posição, de maneira nenhuma, queria significar sequer qualquer espécie de apoio político a atitudes ou a manifestações políticas que se verifiquem neste momento na Irlanda, nomeadamente no problema do IRA e no da greve da fome de alguns militantes deste movimento político.
Quisemos dizer, isso sim, que para nós é inestimável o valor que a vida das pessoas representa. Quisemos dizer, sim, que a circunstância de um homem oferecer o valor inestimável que é a sua vida a um holocausto, a uma ideia, a uma causa, cria aos outros homens a obrigação de reflexão sobre a sua própria atitude. Não caímos em atitudes fáceis de dizer que são terroristas, que são bandidos, que são .assim ou que são assado.
São homens e vidas que estão em causa. Por isso, também não compreendemos de maneira alguma as intervenções que a Embaixada Britânica fez por escrito e oralmente junto de alguns parlamentares portugueses que, livremente e no uso do seu múnus e do seu cargo de deputado eleito pelo povo português, fizeram declarações referindo-se a essa mesma situação que atrás se descreveu.
A Embaixada Britânica não item poderes nem prerrogativas de dar informações aos deputados portugueses, porque eles próprios sabem-se informar, porque eles próprios já não são tutelados por nenhum império britânico ou qualquer outro ...
Aplausos do PS, do PSD, do PCP, da ASDI, da UEDS, do MDP/CDE e da UDP.
... e têm discernimento para eles próprios avaliarem as situações.
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Os deputados, portugueses e os deputados do Partido Socialista que assumiram esta atitude também não tomaram em consideração os contravalores de atitudes passivas que se podem repercutir ou nas negociações bilaterais Estado a Estado, ou na comercialização dos têxteis ou de outro qualquer produto, nem sequer na solidariedade político-partidária que possa existir ente as forças políticas que estão no momento no poder.
Tomaríamos a mesma atitude se o Governo Inglês fosse constituído pelas forças trabalhistas. Não é uma questão política que está em causa. É uma questão ética e nessas questões não se podem fazer nenhumas concessões a valores essenciais que defendemos.
Nós não podemos ser tentados a justificar tudo com a palavra mágica que hoje é o terrorismo.
Lembramo-nos, por exemplo, de quantas vezes os ingleses chamavam terroristas ao movimento dos «Mau-mau» e de quantas vezes o Presidente Jomo Kennyata entrou na Corte Britânica de Sua Majestade.
Todas essas situações são situações que têm uma .avaliação e unia análise política - pois terão! -, mas o que está aqui em causa é de facto o problema ético posto aos homens, crentes ou ateus, que acreditam no valor e na abnegação humana, que entendem que a vida continua a ser um bem precioso e que lealmente não se podem deixar morrer homens que acreditam nos seus ideais, tendo em consideração argumentos de circunstância que passam e que cedem perante a perenidade desse valor estável que é a vida.
Assim, lastimando a situação que existe hoje na Irlanda do Norte, mais uma vez nos declaramos contra todas as atitudes ou omissões que permitem que a vida de jovens, a vida de abnegados homens que acreditam em ideais puros, possa ser desperdiçada sem uma palavra de reflexão, sem uma palavra de análise, sem uma palavra de solidariedade humana, que ultrapassa a solidariedade política.
Por isso, damos o nosso apoio com força, com fervor, ao voto de pesar apresentado peia UEDS, tal como damos a nossa solidariedade humana a todos os homens que têm ia dignidade que Bobby Sands e os seus companheiros tiveram.
Aplausos do PS. do PCP, da ASDI, da UEDS e do MDP/CDE.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Coimbra.
O Sr. Luís Coimbra. (PPM): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pensamos que este voto de pesar apresentado pela UEDS, independentemente de determinados considerandos, de fundo e da nossa manifestação de pesar pela morte de Robert Sands, o que aliás é também motivo de um voto que irá ser discutido de seguida, enferma de vários erros.
De facto, há alguns erros de forma, há outros de fundo e há algumas questões que julgo importante serem aqui levantadas.
Em primeiro lugar, há de facto pequenos erros de forma que poderiam ter sido evitados se tivessem sido motivo de uma leitura mais correcta do voto. Por exemplo, Robert Senda foi deputado eleito ao Parlamento britânico e não um deputado ao Parlamento britânico, visto que não chegou a tomar posse.
Risos do PCP e da UEDS.
O Sr. António Vitorino (UEDS): Isso chega para votarem contra!
O Orador: - Por outro lado, considera-se implícita e explicitamente no voto que Robert Sands era um preso político. Mas, não foi esse o caso até à sua morte, julgo eu, pelo menos; assim não foi reconhecido nas leis vigentes quer na Irlanda do Norte quer na Grã-Bretanha.
Temos dúvidas em relação ao apelo que se faz ao Governo Britânico. Pensamos que se trata de uma clara ingerência num assunto que só diz respeito à Grã-Bretanha.
De facto, apelar-se ao Governo Britânico, e apenas a ele é partidarizar o voto da UEDS, é criticar o Governo Britânico, quando a UEDS sabe perfeitamente que o estatuto ao abrigo do qual foram presos e estão presos os militantes do IRA foi criado por um governo trabalhista e tem o apoio actual dos três principais partidos do Parlamento britânico. Não se trata, pois, apenas de uma decisão do actual Governo Britânico, é também uma decisão do Parlamento.
Dizer-se que se apela ao Governo Britânico é aliás, quanto mais não seja, uma ingerência nos assuntos de outro país. Se esta Assembleia fosse o conselho da Europa ou o Parlamento Europeu talvez eventualmente se pudesse considerar uma recomendação dessas.
O Sr. António Vitorino: (UEDS): - Essa é boa!
O Orador: - Julgo que essa recomendação...
O Sr. António Vitorino (UEDS): - Não é uma recomendação, é um apelo.
O Orador: - ...é tão inaceitável como é inaceitável, de facto, receberem-se recomendações da Embaixada Britânica para os deputados que subscreveram determinador abaixo-assinados.
Penso igualmente que há que fazer aqui uma reflexão sobre o que seria a Irlanda do Norte. Independentemente da nossa posição de fundo quanto ao problema da Irlanda do Norte vis-à-vis a Grã-Bretanha e a própria República da Irlanda, o que não seria, sem um esforço concertado e sem se recorrer ao diálogo, o banho de sangue multiplicado por muitas vezes, caso as soluções não sejam apenas com o recurso às armas por parte a parte.
Por estes motivos, o Grupo Parlamentar do PPM irá votar contra o voto de pesar apresentado pela UEDS.
Aplausos do PPM.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota.
O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em sessão de 17 de Dezembro do ano findo, a Assembleia da República votou, por unanimidade, um voto em relação à situação em que se
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encontravam várias presos na Irlanda. Nessa votação unânime tivemos ocasião de dizer que votámos porque entendemos que a condenação da violação dos direitos do homem não pode ter restrições, sejam elas processuais ou invocadas como possíveis confusões de ingerência em relação a atitudes de Estados soberanos.
Não é isso que está em causa. O que deploramos são os abusos do poder por todo o mundo, seja na Europa, na América, na África e na Ásia. E fazemo-lo sem limitação ou sem fronteiras.
O Sr. João Lima (PS): - Muito bem!
O Orador: - Fazemo-lo hoje com a mesma autoridade com que em relação a outros locais do mundo condenaremos idênticas violações.
O Sr. César Oliveira (UEDS): - Muito bem!
O Orador - O voto que está em causa não é, do nosso ponto de vista, nenhuma posição em relação a mais do que uma situação concreta de violação dos direitos do homem, que se saldou tragicamente pela morte de um deputado eleito livremente. Nós não confundimos um governo autoritário com um governo democrático. Entendemos que o Governo Inglês merece da Câmara o mesmo respeito que nos merecem todos os governos democráticos, mas pensamos que também os deputados livremente eleitos pôr esta Câmara devem merecer do Governo Inglês e dos seus representantes o mesmo respeito com que nós respeitamos essas autoridades.
Vozes do PS e da UEDS: - Muito bem!
O Orador-Não admitimos, portanto - e nós é que não admitiremos -, qualquer forma de ingerência, seja ela feita através de uma chamada do embaixador português na Grã-Bretanha, sem que o Governo reaja eficazmente a essa chamada...
Vozes do PS e da UEDS: - Muito bem!
O Orador: - ... nem as cartas que o Sr. Embaixador da Grã-Bretanha em Lisboa resolva dirigir a deputados.
Vozes do PS é da UEDS: - Muito bem!
O Orador: - E repetiria, como em 17 de Dezembro, aliás recordando uma greve de fome feita por Mounier,. quando preso pelo regime de Vichi. Antigamente, as pessoas lançavam-se para baixo, da carruagem real. É extremamente importante que, no nosso tempo, seja preciso recorrer de novo a extremos, que se dê mais atenção a um homem que pode perder a vida do que a um homem a quem se tiram, ao mesmo tempo, os meios de vida, a liberdade e a honra.
Por isso, votámos em 17 de Dezembro, por isso apoiamos agora o voto da UEDS.
Aplausos da ASDI, do PS, da UEDS e do MDP/CDE.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sra. Deputada Helena Cidade Moura.
A Sra. Helena Cidade Moura (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Será dia de luto e, sobretudo, dia de renovada luta para todos os democratas, para todos os homens livres e, diria ainda, para todos os católicos aquele dia em que Bobby Sands entrega à causa já antiga do seu povo o último instante de uma vida inteira dedicada à liberdade de viver e à dignidade de poder existir.
Referimos no 25 de Abril que Bobby Sands era um símbolo da busca que o homem prossegue no sentido da libertação existencial; hoje, a sua morte dá-nos a medida da profundidade e da convicção dessa luta.
O mundo inteiro treme quando à morte se confere um sentido colectivo. A morte de Bobby Sands é um dies irae para às forças retrógradas, conservadoras, enregeladas em princípios fossilizados e ela é uma aleluia para os que acreditam no esforço do homem e na glória da sua capacidade de dedicação total a uma causa colectiva.
Para além de um povo que o elegeu e lhe conferiu 'a dignidade de seu próprio representante, Bobby Sands tem uma mãe que não só o ama, mas que o respeita profundamente como homem e como mártir.
Também naquela mulher a grandeza da vida vence a morte e a grandeza do amor vence a própria dor. Essa mãe de um homem a quem o Governo Inglês não dá o direito a estatuto de preso político concedeu ao seu filho o estatuto de mártir, de herói da liberdade e da resistência, de símbolo de luta do seu povo.
Vozes do PCP: - Muito bem!
A Oradora: - Ao perguntarem-lhe se não queria que o seu filho fosse alimentado quando entrasse em estado de coma, respondeu simplesmente que amava o seu filho como qualquer mãe,- mas que ele tinha de decidir e «nós temos de respeitar a sua decisão».
É a dignidade da vida, a dignidade da morte que se ergue perante a mediocridade dos conluios políticos servidos por frases despojadas de sentido, e verdades feitas de palavras vazias.
Ouçamos estas, por exemplo, autenticadas, e que nos permitimos não revelar a procedência:
No que respeita à decisão do Sr. Bobby Sands de entrar em greve da fome, gostaria de referir que a política adoptada pelo Governo Britânico não prevê a alimentação dos prisioneiros pela força. Infelizmente, portanto, o Governo não tem qualquer possibilidade de impedir a morte do Sr. Sands, se ele estiver de facto decidido a morrer.
Sands estava de facto decidido a morrer e morreu, melhor seria dizer: estava decidido a vencer e venceu.
Vozes do MDP/CDE e do PCP: - Muito bem!
A Oradora: - O povo português sentiu, entendeu a vida e a morte de Bobby Sands e os presos de delito comum da Irlanda, que a Inglaterra tenta há séculos explicar, continuam hoje a não ser entendidos pelos Portugueses.
Há cem anos em 1880 Eça de Queirós dedicou à luta e ao povo irlandês páginas que o MDP/CDE
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evoca aqui hoje nesta Assembleia, com o sentido da solidariedade e em homenagem ao povo de Bobby Sands.
Escreveu Eça de Queirós:
Outra história melancólica é a da Irlanda. Quem não conhece as queixas seculares da Irlanda, da Verde Erin, terra de bardos e terra de santos, onde uma plebe conquistada, resto nobre de raça céltica, esmagada por um feudalismo agrário, vivendo em buracos como os servos góticos, vai desesperadamente disputando à une, à rocha, ao pântano, magras tiras de terra, onde cultiva em lágrimas a batata? Todo o mundo sabe isto - e desgraçadamente, esta Irlanda de poema e de novela é...
O Sr. Presidente, eu acredito que os Srs. Deputados não gostem da prosa de Eça de Queirós, mas eu gostava de silêncio...
O Sr. Presidente: - A Sra. Deputada tem razão na observação que faz. Eu peço aos Srs. Deputados o favor de fazerem um pouco mais de silencio para que a Sra. Deputada se possa fazer ouvir.
Uma voz do CDS: - É que é uma chatice!
A Oradora: - Muito obrigada, Sr. Presidente. Continua Eça de Queirós:
Todo o mundo sabe isto - e, desgraçadamente, esta Irlanda de poema e de novela é, em parte, verdadeira: além dos poucos distritos onde a agricultura é rica como em qualquer dos ubérrimos condados ingleses, além de Cork ou Belfast, que têm uma indústria forte, a Irlanda permanece o país da miséria [...]
[...] Os males da Irlanda, muito antigos, muito complexos, provêm sobretudo do sistema semifeudal da propriedade.
[...] Os proprietários, lordes ingleses ou escoceses, sempre ausentes das terras, não admitindo a despesa de um shilling para as melhorar; estão em Paris, estão em Londres, comendo pêssegos em Janeiro, e jogando pelos clubes o whist, a libra, o tento: os seus procuradores e agentes, criaturas vorazes, sem ligação com o solo nem com a raça, forçados a remeter incessantemente dinheiro a Suas Senhorias, interessados em conservar a procuradoria, caem sobre o rendeiro, levantam-lhe a renda, forçam-no á vendas desastrosas, enlaçam-no na usura, tributam-no feudalmente, apertam-no com desespero como a um limão meio seco, até que ele verta num gemido o último penny [...]
A Inglaterra, então como agora, Srs. Deputados, pronuncia-se em linguagem desumana e fria, esquisóide e pomposa, citamos ainda Eça de Queirós!
O jornal Standard, o venerável Stander, tinha há dias uma frase adorável: «Se, como é de temer, a Irlanda vier a esquecer-se do que deve a si e à Inglaterra!, é doloroso pensar que, no próximo Inverno, para manter a integridade do império, a santidade da lei e a inviolabilidade da propriedade, nós teremos de ir, com o coração negro de dor, mas a espada firme na mão, levar à Irlanda, à ilha irmã, à ilha bem-amada, uma necessária exterminação.»
Hoje, o estilo é menos adorável, mas a necessária exterminação parece continuar no horizonte deste país...
Cortada a palavra à oradora pelo controle automático.
O Sr. Presidente: - Terminou o tempo de que dispunha, Sra. Deputada.
A Oradora: - Sr. Presidente, peço mais alguns momentos para terminar a minha intervenção.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sra. Deputada.
Protestos do PSD, do CDS e do PPM.
A Oradora: - Obrigada, por me deixa: r continuar, Sr. Presidente. A luta pela libertação é uma marcha irreversível e, por isso, traz a incoerência, a insegurança e a desagregação...
Protestos do PSD, do CDS e do PPM.
Aplausos do MDP/CDB, do PS, do PCP, da ASDI e da UEDS.
O Sr. Presidente: - Bom, parece que, apesar de tudo, sou excessivamente tolerante...
O Sr. Mário Raposo (PSD): - Dá-me licença?
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Mário Raposo (PSD): - É para interpelar a Mesa sobre um ponto, Sr. Presidente.
Eu concordo inteiramente com a disciplina que os meus colegas de bancada pretendem que seja observada nesta Assembleia. Devo apenas observar, pela minha parte, que a Sra. Deputada foi interrompida a certa altura e que esse tempo não foi descontado.
O Sr. Presidente: - O tempo durante o qual a Sra. Deputada foi interrompida foi descontado. Entretanto, a Sra. Deputada estava a três ou quatro linhas para terminar a intervenção, por isso eu lhe concedi a palavra por mais alguns segundos.
Protestos do PSD, do CDS e do PPM.
A Sra. Helena Cidade Moura (MDP/CDE): - Dá-me licença, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: - Faça favor.
A Sra. Helena Cidade Moura (MDP/CDE): - Eu desejava fazer um esclarecimento, Sr. Presidente.
Vozes do CDS: - Não pode.
A Oradora: - Eu queria explicar à Câmara a razão por que me senti à vontade para pedir mais meio minuto para terminar a minha intervenção. É que, dado o barulho em que os Srs. Deputados estão sem-
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pré, e não apenas relativamente a este assunto - que, enfim, possivelmente lhes pesa por alguma razão -, e dada a perda de tempo e o aumento de esforço a que é obrigado cada deputado, verificam-se as noticias que depois saem cá para fora desta Assembleia.
Uma voz do PSD: - Isto é o que faltava: um deputado a dizer mal dos outros!
Protestos do PSD, do CDS e do PPM.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.
O Sr. Mário Tomé (UDP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, a UDP vai votar favoravelmente o voto apresentado pela UEDS.
A posição da UDP em relação quer ao assassinato de Bobby Sands quer à luta do povo irlandês contra o colonialismo britânico é conhecida. Já tive hoje oportunidade de fazer uma intervenção política na qual, mais uma vez, a ela me referi. Na manifestação de ontem, onde estiveram milhares de pessoas, bastantes milhares de pessoas, foi lido um poema de Brecht que dizia assim:
O homem que luta um dia é bom. O homem que luta vários anos é melhor. O homem que luta toda a vida é melhor ainda. Os homens que dão a sua vida pela luta saio os indispensáveis.
Bobby Sands era um dos homens indispensáveis, como são, aliás, todos os seus companheiros que estão neste momento também em risco de perderem a sua vida pela luta do seu povo. E por isso que a UDP não pode deixar passar em claro e de lamentar que se pretenda dar um apoio, tal como algumas forças políticas pretendem dar, puramente humanista a Bobby Sands e aos seus companheiros. E que uma coisa não está desligada da outra. Os assassinatos, as violações aos direitos das pessoas não são independentes da política dominante, da política que se pratica. É isto que a UDP não pode deixar de escamotear, é isto que a UDP deixou bem claro na sua declaração política feita há' pouco. A violação dos direitos do homem é feita pelas políticas que pretendem manter os estados de exploração sobre os homens.
E isto que tem que ficar claro. Porque falar dos direitos humanos, falar dos direitos do homem, todos falam...
Foi até Cárter quem lançou o slogan, enquanto os Estados Unidos apoiavam todas as ditaduras, desde que isso lhes convenha e convenha aos monopólios e às multinacionais que fazem posto de comando na América do Norte.
Portanto, para a UDP a questão de Bobby Sands e dos seus companheiros está intimamente ligada à luta pela liberdade do povo irlandês, está intimamente ligada à luta contra a política colonialista e agressiva da Grã-Bretanha, representada neste momento pela Sra. Tatcher. Mas também não podemos deixar em claro que a lei contra a qual lutam, como eu há bocado disse, os presos políticos irlandeses é uma lei elaborada quando os trabalhistas estavam no Governo. É o sistema capitalista que reforça a repressão sobre os trabalhadores, sob a ânsia de liberdade dos povos. É contra isto que a UDP se insurge e é contra isto que a UDP apoia a luta do povo irlandês e dos heróicos soldados republicanos que se batem pela liberdade.
O Sr. Ribeira e Castro (COS): Dá-me licença, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?
O Sr. Ribeiro e Castro O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado. O Sr. Ribeiro e Castro (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sem prejuízo do pesar e do respeito pelo Sr. Deputado Robert Sands, eu gostava de perguntar ao Sr. Deputado Mário Tomé o seguinte: o Sr. Deputado falou de assassinato de Robert Sands; em que é que se fundamenta para usar a palavra assassinato? O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé. O Sr. Mário Tomé (UDP): - Sr. Deputado Ribeiro e Castro, acho lamentável ter que explicar, mas por outro lado, compreendo, dada a vossa posição em relação a este assunto: ele é assassinado pelo Governo colonialista inglês, na medida em que, nem em termos humanos sequer - já não falo nos tais termos políticos, que eu gosto de frisar - consente dar o estatuto justo e reivindicado não só por Bobby Sands mas por todo o povo inglês, e permite que a luta desse patriota vá até à morte. Quero dizer: ele não morreu por acaso ou porque gostasse de morrer. É tão assassinato como é assassinato a polícia de choque espancar até à morte um manifestante na rua. É tudo isso. O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Mas você matou muitos em África. Você não sabe de nada. O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Dá-me licença, Sr. Presidente? O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado? O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - É para interpelar a Mesa, Sr. Presidente. O Sr. Presidente: - Faça favor. O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - É para chamar a atenção da Mesa, que concedeu indevidamente a palavra ao Sr. Deputado Ribeiro é Castro. Como o Sr. Presidente sabe, no debate dos votos, não há pedidos de esclarecimento.
No entanto, devo dizer-lhe que concordo com a decisão da Mesa, porque não tenho o entendimento do Regimento que parecem ter as bancadas da maioria. Só que a maioria tem esse entendimento unilateralmente. Quando se trata de um deputado da oposição falar mais trinta segundos, soam os tampos das carteiras das bancada da maioria. Quando é a maio-
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ria a abusar do Regimento, isso é perfeitamente pacífico e normal.
Aplausos da UEDS do MDP/CDE e de alguns deputados do PS.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Dá-me licença?
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Lopes Cardoso: Eu queria dizer que outro dia fiz uma declaração de voto e que foi da sua bancada que se pediram esclarecimentos e se fez um protesto. Nesse dia o mesmo Presidente que está hoje na Mesa disse que não havia nada no Regimento que proibisse um deputado de pedir esclarecimentos e fazer protestos contra uma declaração de voto.
Duas medidas, dois pesos não lhe ficam bem a si, ficam bem aos deputados do seu grupo parlamentar.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.
O Sn Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Entende o PSD que os acontecimentos que culminaram com a morte do jovem deputado. Bobby Sands são complexos de mais paira nos permitirem a ligeireza de uma valorização linear que seria necessariamente reducionista ou simplista.
Assumiram uma densidade grande de mais para nos permitirmos ceder à tentação fácil da sua instrumentalização ou da sua contabilização numa qualquer mesquinha contabilidade político-eleitoral interna.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - E são, por outro lado, tão inquietantes e tão provocantes que não se compadecem com a hipocrisia de quartos, com as mãos tintas de sacrifícios feitos nos, altares do Gulag, rasgam as vestes de indignação, ...
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: -... como se de súbito tivessem encontrado a estrada de Damasco dos direitos do homem.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador. - Perante um caso como o de Bobby Sands, são todas as categorias da razão e da axiologia política que fazem crise. Porque nele conflituam abertamente - e porventura de forma irreconciliável - as exigências: contraditórias de valores igualmente soberanos ou, pelo menos, de difícil hierarquização.
Terá de ser assim, pelo menos, para quem se disponha a encarar o caso com toda a abertura de espirito e a vontade de vencer a paixão.
Terá de ser assim para que não tem à mão a cartinha do maniqueísmo que permite a estigmatização fácil dos bons e maus sacrifícios dos direitos do homem, dos bons e maus imperialismos, dos bons Afeganistãos e dos maus Vietnames dos bons Sands e dos maus Pallacks, dos bons e dos genocídios materiais e culturais.
Como terá de ser assim para quem não sinta a vocação política dos abutres, sempre dispostos a alimentar-se politicamente de cadáveres.
Neste contexto são, Sr. Presidente e Srs. Deputados, bem poucas as certezas que à primeira vista nos oferece uma reflexão serena sobre o caso. Mas a elas nos agarramos com todas as forcas da alma.
Em primeiro lugar, a certeza do profundo respeito que nos merece a coragem de quem - no início da vida e na plenitude da esperança - leva até ao fim o empenhamento existencial numa causa que era a sua. O respeito pararreligioso que nos merece uma figura que, de forma irresistível, nos evoca uma figura de Antígona, que, desde os alvores da nossa civilização, se pérfida no horizonte cultural e moral como um desafio e como uma acusação, com a diferença evidente que separa uma figura arrancada da teogonia mitológica e uma figura arrancada à carne do nosso quotidiano.
Em segundo lugar, a certeza inabalável na nossa firme recusa da acção violenta como forma humanamente intolerável de prossecução de objectivos políticos, ...
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - ...por mais nobres que estes se afigurem. Recusa tanto mais veemente quanto mais indiscriminada e cega for a vidência e quanto mais ela se fizer à custa do holocausto gratuito e absurdo de inocentes. Recusa que não pode obviamente deixar de estender-se a acções como as que ocorreram na madrugada de ornem em Lisboa, que só podem contribuir para alimentar a espiral da violência, do ódio e da intolerância.
Em terceiro lugar, a certeza nos ensinamentos da história, segundo a qual nunca se perderam os sacrifícios em favor das causas justas. Temos para nós que o - futuro será da democracia e da tolerância; que triunfarão em definitivo sobre todas as formas de violência estrutural mais ou menos larvada, mais ou menos sólida; sobre todas as formas de opressão das minorias nacionais, étnicas, políticas ou religiosas, sobre todas as formas de assegurar o império, sobre as botas cardadas, os panzers, o genocídio e a ditadura.
Por estas razões, Sr. Presidente e Srs. Deputados, e porque delas decorrem algumas divergências não despiciendas entre estas razões e o voto apresentado pela UEDS, nós não poderemos subscrever esse voto, apresentando um voto próprio, que será a seu. tempo votado.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
O Sr. Presidente: - Como não há mais pedidos de inscrição, passamos de imediato à votação do voto de pesar apresentado peia UEDS.
Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD, do CDS e do PPM e os votos a favor da UEDS, do PS, do PCP, da ASDI, MDP/CDE e da UDP.
O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Mendes.
O Sr. Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Começo por me solidarizar com as
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palavras que há pouco foram pronunciadas relativamente à canta que foi endereçada a alguns membros desta Câmara e a nós também pela Embaixada da Grã-Bretanha e cuja indignidade nunca será de mais aqui referir e repudiar.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Por outro lado, entendemos que não há qualquer ingerência nos assuntos políticos da Grã-Bretanha ao tomarmos a posição de votar favoravelmente este voto apresentado pela UEDS, até porque o texto constitucional, no seu artigo 7.º e nos seus números 2 e 3, claramente permite que tenhamos nesta sede uma. palavra expressiva e específica. Foi aqui dito que Bobby Sands não chegou a ser deputado. Efectivamente não chegou a ser deputado porque foi impedido de o ser pela tirania, mascarada ou não, pela autocracia da Sr.ª Thatcher na Grã-Bretanha.
Vozes do PSD: - Não apoiado!
O Orador: - E não chegou, também, a ser deputado porque esse mesmo regime o levou, aos 27 anos de idade, a ver exaurir-se-lhe a vida em luta pela vida.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador - Bobby Sands, de certo modo, morreu vivo porque um homem projecta-se pelos seus actos solidários para além da morte. Neste caso concreto assim se vê: projecta-se por uma memória dinâmica, e não apenas, ou nunca, no caso concreto, pelo egoísmo e pelas atitudes políticas que fazem com que as pessoas vivam uma existência incoexistente.
Nós estamos profundamente solidários com a luta do povo irlandês. Quaisquer que sejam as divergências quê tenhamos, relativamente aos métodos de luta utilizados por Bobby Sands e pelos seus companheiros, entendemos que as. razões de humanidade associadas às de uma visão política emancipadora e verdadeiramente libertadora nos impõem a mágoa, o sofrimento, a solidariedade humana, mas também, e profundamente, a solidariedade política, porque Bobby Sands foi um deputado eleito que o Governo da Sra. Thatcher não pretendeu nem deixou que acabasse por exercer o seu mandato.
Nós entendemos que alguma coisa de essencial se perde quando morre um revolucionário. Estamos com ele. Há uma velha canção norte-amerícana que diz: «A resposta, amigo, será dada pelo vento...»
Cortada a palavra ao orador pelo controle automático.
Aplausos do PCP, do MDP/CDE e da UEDS.
O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Ribeiro e Castro.
O Sr. Ribeiro e Castro (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Falo muito brevemente para dizer que não votámos favoravelmente o voto apresentado pela UEDS por considerarmos que ele tem nalguns pontos uma apreciação parcial e isolada deste caso. Consideramos que o nosso voto produz uma avaliação global e mais correcta da situação. Nessa medida o apresentamos e nessa medida o votaremos.
O Sr. Presidente: - Também para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.
O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Eu quase me atreveria a dizer que a declaração de voto da UEDS ou, se quiserem, as razões do voto da UEDS foram já melhor talvez do que eu o farei, expressas pela própria maioria. Expressas na longa intervenção do Sr. Deputado Costa Andrade, que conduziria na sua lógica a uma votação favorável ao voto da UEDS, mas que conclui evocando divergências que não foi capaz de referir nem de indicar concretamente.
Está nas declarações do Sr. Deputado do CDS, que refere alguns aspectos do nosso voto que não mereceriam o seu acordo, mas que foi incapaz de concretamente apontar quais.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Vamos fazê-lo!
O Orador - Está nas declarações do Sr. Deputado Luís Coimbra, do PPM, que ultrapassou os limites. Mas eu compreendo a sua posição e não a invejo: é difícil defender o indefensável, é difícil estarmos contra aquilo que, se calhar, profundamente pensamos.
Apresentou três argumentos: primeiro, porque se referia a um deputado eleito e não a um deputado. Está aqui uma subtileza que o Sr. Deputado Costa Andrade não alcançou, visto que se referiu também ao deputado Bobby Sands. Depois, referiu-se ao problema do estatuto político e, depois, à ingerência nos assuntos internos da Grã-Bretanha, porque havia um apelo as autoridades da, Grã-Bretanha, esquecendo, Sr. Deputado, que em 17 de Dezembro votou um voto e disse na sua declaração de voto que não podia deixar de o fazer, na qual dizia, expressamente, que os presos da Irlanda têm direito ao estatuto de preso político e onde apelava, para as autoridades britânicas. A contradição é flagrante.
De facto, quando se põe acima dos princípios a defesa de razões de Estado ou solidariedades de Governo, sem sequer ter a coragem de assumir essas razões de Estado ou essas solidariedades de Governo, cai-se nessas posições.
Nós nunca pusemos nem poremos as razões de Estado, as solidariedades, sejam elas quais forem, acima da defesa dos direitos do homem, daquilo que são os princípios fundamentais, pelos quais sempre nos batemos e continuaremos a bater.
Aplausos da UEDS, do PS, da ASDI, do MDP/CDE e de alguns deputados do PCP.
O Sr. Luís Coimbra (PPM): - Dá-me licença, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: - Para que efeito?
O Sr. Luís Coimbra (PPM): - Para protestar, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Faça favor.
O Sr. Luís Coimbra (PPM): - É para esclarecer o seguinte: em relação ao voto de 17 de Dezembro,
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sobre a questão dos presos políticos na Irlanda, ou dos presos do IRA na Irlanda, o Sr. Deputado Lopes Cardoso poderia ter referido que eu disse igualmente na minha declaração de voto que o sentido do nosso voto não poderia ser considerado como uma ingerência nos assuntos da Grã-Bretanha, e muito menos acusar a Grã-Bretanha, país respeitador das liberdades e um dos principais lutadores dos direitos humanos do mundo.
Não tenho aqui essa declaração de voto, mas foi nesse sentido que eu disse que o meu grupo parlamentar, nessa altura, tinha votado favoravelmente.
O Sr. Presidente: - Para um contraprotesto, tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.
O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - É para mostrar então agora a muito maior perplexidade da minha parte, ao ouvir o Sr. Deputado Luís Coimbra dizer que o facto de um voto da UEDS apelar para o Governo britânico constituía uma ingerência insanável, quando é que no voto que ele votou se apelava para as autoridades britânicas.
Em 17 de Dezembro apelar para as autoridades britânicas não continha ingerência. Hoje apelar para o Governo Britânico é uma ingerência!
Talvez se nós tivéssemos apelado para a rainha de Inglaterra deixasse de ser uma ingerência, mas isso é um problema do Sr. Deputado Luís Coimbra, não é meu.
Vozes da UEDS, do PS e do MDP/CDE: - Muito bem!
O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr: Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Sr. Presidente, eu não quis falar antes de o Sr. Deputado Lopes Cardoso usar da palavra para que não fosse interpretado como se eu não quisesse que ele usasse da palavra. No entanto, devo chamar a atenção de V. Exa. para o facto de o exercício do direito de defesa não dar direito a contraprotesto.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, essa é uma questão que creio não estar definida no Regimento, mas a verdade é que sempre assim tem acontecido. Contudo, eu hoje estou um pouco como o árbitro que arbitrou há dias o Sporting-Benfica.
Risos.
Srs. Deputados, vai ser lido um voto de pesar apresentado pelos Srs. Deputados que formam a Aliança Democrática.
Foi lido. É o seguinte:
Voto de pesar
Na sequência da morte trágica do deputado eleito Robert Sands, a Assembleia da República:
1) Exprime o seu pesar pelo facto ocorrido, lamenta todos os sofrimentos e
vítimas da violência na Irlanda do Norte e formula o desejo de que sejam desenvolvidas acções no sentido de evitar a repetição de situações como esta e de terminar o clima violento existente no Ulster;
2) Reprova os actos terroristas que, conexos com esta situação, se vêm verificando em vários pontos do Mundo, nomeadamente o que ocorreu em Lisboa em instalações da comunidade britânica.
Palácio de S. Bento, 6 de Maio de 1981. - Pelo Grupo Parlamentar do PSD, Pedro Roseta. - Pelo Grupo Parlamentar do CDS, Oliveira Dias. - Pelo Grupo Parlamentar do PPM, Borges de Carvalho.
O Sr. Presidente: - Está em discussão.
Tem a palavra o Sr. Deputado Ribeiro e Castro.
O Sr. Ribeiro e Castro (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O voto de pesar que apresentámos traduz, a nosso ver, ao contrário quer do voto apresentado pela UEDS, quer de outros que anteriormente foram apresentados nesta Assembleia, uma avaliação correcta e global daquilo que se passa na Irlanda do Norte e uma tomada de posição adequada desta Assembleia da República.
Em primeiro lugar, exprimindo o seu pesar puro e autêntico pela morte do deputado eleito Robert Sands e o respeito pela vida humana. Trata-se de uma morte, que, todavia, não pode apagar nem fazer esquecer todas as outras vítimas que não escolheram nem o momento nem o modo de darem a sua vida, assim como as inúmeras vítimas que em diversos sectores e ocasiões o clima de violência que se arrasta em redor da Irlanda do Norte já tem provocado.
A morte trágica do deputado eleito Robert Sands não nos pode fazer esquecer essas vítimas. Pelo contrário, aviva-nos a memória, e a elas também nós prestamos a nossa sentida homenagem.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Muito bem!
O Orador: - Devemos também formular um desejo no sentido de serem desenvolvidas acções para que acabem situações como estas. Desejo esse que não pode ser dirigido apenas ao Governo Britânico, mas tornado assim objecto de uma condenação implícita e desajustada desta Assembleia e dirigido como se fosse o principal, o predominante e o único responsável desta situação.
Não é isso o que se passa. Esse apelo, que é justo e legítimo, deve ser dirigido indiscriminadamente a todas as pessoas e a todas as entidades envolvidas neste caso extremamente delicado da Irlanda do Norte para que cesse o clima de violência e terminem todos os actos que fazem perder vidas e causam tonto sofrimento a tanta gente no coração da Europa livre e democrática.
Portanto, é esse o apelo que nós dirigimos a todas as pessoas e àqueles que noutras ocasiões provocaram verdadeiros atentados contra o direito à vida.
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Por último, não podemos deixar de reprovar os actos terroristas que, conexos com a situação da Irlanda do Norte, se praticam em diversos pontos do Mundo de que recentemente tivemos o exemplo em Lisboa.
O terrorismo é uma ameaça sobre - uma sociedade civilizada, é um perigo que pende sobre as nossas sociedade e que pode fazer gangrenar o próprio tecido da sociedade democrática. Contra ele temos de erguer a nossa voz e que emitir a nossa firme reprovação.
Aplausos do CDS, do PSD e do PPM.
O Sr. Pressente: - Tem a palavra o Sr, Deputado Costa Andrade.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaria de justificar a nossa posição quanto ao voto que apresentámos e que seguidamente vamos votar.
Começo por dizer que não me parecem inteiramente procedentes os argumentos utilizados pelo Sr. Deputado Lopes Cardoso - que muito respeito - no que diz respeito à minha intervenção. Toda ela foi uma intervenção, nomeadamente, antinómica - de uma situação quase de aporia, de dificuldade e de conflito de valores. Portanto, toda a minha intervenção se situa aí, onde não era fácil nem tão linear apontar para uma conclusão, como o Sr. Deputado Lopes Cardoso diz que se deduzia.
Por outro lado, também ficou mais ou menos claro na nossa intervenção que reputamos o voto de pesar da UEDS, que tem aspectos com que concordamos, de incompleto. O voto da UEDS esconde, em parte, o outro 'lado da lua. Há as vitimas que não foram aqui contempladas e, nesta Câmara e com o peso moral que queremos dar aos nossos votos, não podemos deixar de abarcar coisas em toda a sua plenitude. São direitos humanos que estão em causa, mas todos os direitos humanos que estão em causa;...
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - ... e também, com igualdade de razões, os direitos das vítimas dos actos de violência - ao que consta são cerca de 2000 pessoas - que foram vítimas na Irlanda do Norte.
O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Muito bem!
O Orador - Pelo menos, não foi mostrado com rigor que num documento com a responsabilidade de um voto desta Câmara se possa falar sem mais de preso político, sendo certo que, à luz dos nossos direitos fundamentais, quanto às relações com as classificações desta figura, quando contendo relações entre Estados, nos devemos pautar pelas nossas próprias qualificações. Portanto, não é seguro, peio menos, não, foi demonstrado, que todos estes actos se pudessem, sem mais, classificar de crimes políticos.
Pelo menos, uma coisa é segura: à luz do direito britânico, portanto à luz do direito definido pelo parlamento por deputados conservadores e por deputados trabalhistas, este acto tinha deixado de ser considerado um crime político. Não recusamos que a luta de Robert Sands e o seu próprio holocausto foram uma luta política, uma luta em reivindicação de um estatuto político. Contudo, só de ânimo teve podíamos aceitar que aqui se falasse mais de preso político.
O Sr. Deputado Lopes Cardoso acusou-nos de falarmos em deputado Robert Sands, e não em deputado eleito. Isso era redundante, Sr. Deputado...
O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Dá-me licença que o interrompa?
O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - A questão não é minha, mas sim da maioria. O Sr. Deputado Luís Coimbra é que achava que falar em deputado eleito era um dos crimes de que o vosso voto era passível.
O Orador: - O ocorrido com a bomba em Lisboa parece-nos que, num. caso como este, faz parte do processo. Este processo não pode silenciar esse incidente. Também por essas razões, preferimos o nosso voto de pesar, pois em relação ao seu conteúdo temos certezas. É, pois, em nome dessas certezas que votamos e, em nosso entender, só podemos dar o peso moral desta Câmara em relação a coisas de que tenhamos certezas. Quanto ao voto de pesar da UEDS, ficaram-nos algumas dúvidas e, por isso, não o podíamos aprovar.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Lima.
O Sr. João Lima (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Aliança Democrática quis lavar a sua cera com a apresentação deste voto de pesar. Mas, realmente, não o conseguiu, porque há nódoas que não saem.
Realmente, é uma má maneira de ultrapassar o próprio buraco em que se sentiu caída, com contradições de sentimentos e de valores - foi aqui há pouco afirmado isso por um Sr. Deputado das bancadas da maioria- exprimindo agora o pesar por uma circunstância que há bocado não lhe merecia pesar.
O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Os termos eram diferentes!
O Orador: - Gostaria de referir que, embora nós sejamos contra a violência, não aceitamos que as violências praticadas pelas autoridades em nome do Estado sejam um bem e que os actos de violência praticado por cidadãos em sua defesa sejam um terrorismo sistemático. É uma linguagem que não é do nosso tempo, é uma linguagem retrógrada e é uma linguagem que não se pode aceitar.
Dissemos há pouco que defendíamos os valores da vida sem ambiguidades. Dissemo-lo claramente, sem que com isso quiséssemos dar apoio político, seja a quem for.
Srs. Deputados, há um ponto em que concordamos: também somos contra a bomba que rebentou em Lisboa. Contudo, não caímos no ridículo de dizer que esse facto seja justificativo para a omissão verificada há um bocado pela AD e agora para a apresentação deste voto, que é de mera hipocrisia política, acima de tudo do ponto de vista ético e moral
Aplausos do PS.
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O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Mendes.
O Sr. Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O sentido do nosso voto relativamente ao voto de pesar que está agora em apreciação resulta de um aspecto essencial: é a circunstância de nele se manifestar expressamente o pesar pela morte de Robert Sands.
Apesar de toda a carga de que este voto de pesar está envolto, não poderíamos deixar de tomar uma posição que respeitasse, no mínimo, este aspecto de haver um acordo relativamente ao pesar que acabo de referir.
É claro que não podemos, de modo algum, votar favoravelmente este voto de pesar, porque este pesar não basta e porque constitui, para além do mais, um desrespeito à própria memória de Robert Sands a circunstância de aparecer neste texto o seu nome honrado envolvido de todo um alo perfeitamente críptico e desviado da própria realidade que foi a sua luta, luta essa travada contra o colonialismo britânico no Ulster e que, a não ser considerado, teria, inevitavelmente, como consequência aquilo que já aqui foi dito, ou seja a atitude de vir a assumir-se farisaicamente o apoio a uma personalidade, desenraizando-se esse apoio dos ingredientes de que a vida humana o revestiu.
A luta travada por Robert Sands durante os 66 dias que teve de cativeiro vai repercutir-se como há pouco eu dizia, quando fazia a declaração de voto relativamente ao voto de pesar apresentado pela UEDS. Com efeito, a luta dos povos sabe honrar os seus heróis, sabe prolongar, e não esquecer aqueles que, em momentos de extrema dificuldade, são capazes de levar até à ruptura e até ao sacrifício da própria vida a luta pelos direitos humanos e pela liberdade. Direitos humanos e liberdade com os quais o governo da Sra. Thatcher enche bastante farisaicamente a boca, mas que, na prática do quotidiano, se vêem permanentemente espezinhados, tal como aqui se acaba de comprovar.
Aparecer agora um voto de pesar que dissocie essa ideia do pesar de todo o contexto, político que envolveu a vida, a luta e a memória de Robert Sands é, a nosso ver, um acto perfeitamente inaceitável. Por isso, teremos de tomar uma votação conforme.
Há pouco, quando me foi retirada a palavra por excesso de tempo, eu dizia que há uma velha canção americana...
Vozes, do PSD, do CDS e do PPM: - Ah!
O Orador: - É obvio que os senhores não gostam, não é Sr. Deputado Pedro Roseta? O Sr. Deputado parece que está muito incomodado com isso.
Há uma velha canção americana que diz exactamente o seguinte: «A resposta será dada pelo vento.» Srs. Deputados da maioria, que, farisaicamente, aqui vêm apresentar este voto de pesar, o vento da história sopra sempre no sentido do devir.
Por isso, tomamos a posição de nos abstermos em relação ao vosso voto de pesar, repudiando toda a filosofia que o envolve.
Aplausos PCP e do MDP/CDE.
O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Vá dizer isso lá para os lados do Leste!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.
O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vamos votar favoravelmente o voto , apresentado pelo PSD, pelo CDS e pelo PPM. Fazemo-lo numa linha de coerência com a posição anteriormente assumida.
Em nosso entender, não se pode votar contra o voto de pesar da UEDS e votar favoravelmente este voto de pesar, a menos que ele seja apenas uma nuvem de fumo - para não utilizar outra expressão mais dura- para esconder as razões profundas e autênticas que estão por detrás; do voto negativo em relação ao voto apresentado pela UEDS.
O Sr. Deputado Costa Andrade disse que o PSD só votava quando tinha certezas absolutas, mas o PSD muda de certezas absolutas com uma grande rapidez. Talvez isto abra perspectivas àqueles que sonham com novas maiorias com o PSD. Não é o meu caso, mas esta mudança e esta versatilidade talvez abram perspectivas para essas pessoas.
Na verdade, aquilo que hoje não é uma certeza absoluta era em 17 de Setembro seguramente uma certeza absoluta, quando o Sr. Deputado Costa Andrade dizia que o PS votava por .razões óbvias a tal moção em que se dizia, «tais cidadãos a quem vem sendo negado o estatuto de presos políticos a que têm direito». Em 17 de Dezembro era uma certeza absoluta que os presos políticos na Irlanda tinham o direito a estatuto de presos políticos.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?
O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Costa Andrade (PSD): -Sr. Deputado, gostaria só de lhe perguntar se não ficou aclarado na minha intervenção que dávamos razão à luta pela reivindicação do estatuto de preso político. Juridicamente - não tenho culpa de ser jurista -, uma coisa é afirmar que se estava perante presos políticos, com o que não concordamos, e outra coisa é apoiar a luta de alguém que luta pelo estatuto de preso político. Portanto, não há incoerência nenhuma; é o meu modo de ver.
O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Ele não percebeu isso!
O Orador - Não vou, nem me atreveria, pois seria o sapateiro a subir acima da chinela, entrar na discussão de subtileza jurídica do Sr. Deputado Costa Andrade.
Contudo, o que no voto aprovado em 17 de Setembro se diz é a afirmação e o reconhecimento por esta Assembleia do estatuto de preso político...
O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Isso é mistificação pura!
O Orador: - Desculpe, Sr. Deputado, mas isto para o cidadão comum em relação ao jurista, é o que aqui está, e eu agora sou o cidadão comum em rela-
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cão ao jurista notável que o Sr. Deputado Costa Andrade é.
E vamos votar também favoravelmente em relação ao segundo ponto da vossa moção. Nós condenamos todos os actos de terrorismo e, consequentemente, condenámos o acto praticado. É evidente que a condenação não poderia surgir no nosso voto, pois ele foi apresentado a esta Assembleia quando ainda o lamentável acto de terrorismo praticado em Lisboa nas últimas horas não tinha tido lugar. Daí que não o pudéssemos ter contemplado, mas é óbvio que o condenámos. Contudo, Sr. Deputado, isso não é argumento para se não ter votado favoravelmente o voto proposto pela UEDS. Podia-se ter proposto o aditamento ou ter-se feito um voto em separado, que contaria, como conta este, com o nosso apoio.
Mais uma vez, Sr. Deputado, o que aqui ficou claro é que, por um lado, há aqueles que, como nós põem a defesa dos direitos humanos acima de quaisquer interesses, solidariedades e razões, e há aqueles que, no fundo, condenam sistematicamente a existência de dois pesos e duas medidas, conforme as razões e solidariedades diversas do respeito pelos princípios fundamentais que possam estar em causa, e, perante um facto concreto, agem exactamente desta maneira è põem acima desses direitos fundamentais as suas próprias solidariedades, aquilo que eles entendem ser razão, de Estado.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.
O Sr. Mário Tomé (UDP): - Sr. Presidente Srs. Deputados: A memória das pessoas é bastante curta...
Vozes do PSD: - É! É!
O Orador: - ...e eu vou ler...
Vozes do PSD: - É melhor, é! A memória é curta!
O Orador: - ... o voto apresentado pela UDP relativamente a Robert Sands, que a AD votou contra e que, pelos vistos, hoje não votaria, segundo as alegações que aqui foram apresentadas. Nesse voto não se fala nem em presos políticos nem sequer se apela ao Governo. Portanto, não há qualquer ingerência. E isto porque a UDP - e foi aqui dito - tinha em conta, fundamentalmente, a vida de Robert Sands, e não a manipulação política; a UDP não manipula nada politicamente, pois tem a sua política com toda a coerência.
Risos do CDS, do PSD t do PPM.
O voto é do seguinte teor:
O patriota inglês Robert Sands -ninguém aqui da AD lhe negou, aparentemente, o estatuto de patriota -, eleito há duas semanas para o parlamento inglês, considerando que se encontra em perigo de vida após 58 dias de greve de fome, que encetou como forma de luta contra as condições da sua detenção, a Assembleia da República, reunida em Plenário, decide:
Manifestar a sua mais séria preocupação pela situação de Robert Sands e exprime
a vontade de que tudo seja feito para salvar a sua vida, respeitando o sufrágio popular e os direitos que lhe são inerentes, como cidadão e como deputado.
O Sr. Oliveira Dias (CDS): - Dá-me licença que o interrompa?
O Orador: - Faça favor.
O Sr. Oliveira Dias (CDS): - Era só para dizer ao Sr. Deputado que Robert Sands devia ter dado um salto na tumba se tivesse notícias de lhe ouvir chamar «patriota inglês».
Risos do CDS.
O Orador. - Peço desculpa, mas foi uma deficiência de leitura.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Nem sabe o que diz!
O Orador - Mas a questão fundamental é efectivamente esta. Isto desmascara claramente as intenções da AD.
Por outro lado, o voto da AD aponta uma condenação, sistemática daquilo a que ela chama «terrorismo». A UDP condena o acto bombista em Lisboa,, mas não chama «terrorismo» a tudo aquilo a que os senhores chamam, e confere legitimidade aos povos e aos cidadãos das várias partes do Mundo quando não lhes resta outro recurso para responderem á violência, que os Estados tantas vezes fazem recair sobre eles.
Portanto, por estas duas razões bem claras, a UDP votará contra o voto de pesar apresentado pela AD.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota.
O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O meu grupo parlamentar vai votar favoravelmente os dois pontos deste voto de pesar. Fazemo-lo com perfeita coerência e com perfeita consciência. Quando se põe o problema de respeitar a vida de um homem que foi capaz de morrer pela causa em que acreditava, não seremos nós a invocar razões processuais, a distinguir se os deputados são ou não eleitos - e reparo que a designação de «deputado eleito» figura também no intróito deste voto de pesar -, para evitarmos afirmar com clareza e com frontalidade o nosso respeito pelos homens que foram capazes de morrer por aquilo em que acreditavam.
Por isso, nós votaremos a favor deste voto de pesar. Votá-lo-emos também na medida em que ele terá sido clarificado pela intervenção de um deputado de um dos grupos parlamentares proponentes.
Na verdade, a fórmula de simples expressão de um desejo seria extremamente vaga e insuficiente se não se tivesse reclamado que a expressão desse desejo era também apresentada perante o próprio Governo Inglês. É uma clarificação que foi extremamente útil e nós concordamos com ela.
Gostaria também de dizer neste momento, em que, pela nossa parte, como sempre, é óbvia a repro-
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vação dos actos terroristas - e, como tal, o que aconteceu em Lisboa em instalações da comunidade : britânica-, o que já em outra ocasião tive oportunidade de referir e que 6 o reflexo de André Malraux na Condição Humana: «Uma vida nada vale, mas nada vale uma vida.»
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, visto não haver mais inscrições para usar da palavra, vamos passar à votação deste voto de pesar apresentado peio PSD, pelo CDS e pelo PPM.
Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD. do PS. do CDS, do PPM. da ASDI. da UEDS, do MDP/CDE, com votos contra da UDP e com a abstenção do PCP.
O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto tem a palavra a Sra. Deputada Helena Cidade Moura.
A Sra. Helena Cidade Moura (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O MDP/CDE quis contribuir para que nesta Câmara fosse aprovado um voto de pesar sobre a morte de Robert Sands. De facto, o que se passou na Irlanda do Norte foi a morte de Robert Sands e assim nós o entendemos.
Qualquer que seja a análise da causalidade dos factos - e remeto-me ao final da intervenção que não pude ler há pouco -, a luta pela libertação é uma marcha irreversível e, por isso, traz a incoerência, a insegurança e a desagregação àqueles que a ela se opõem, tal como se viu nesta Assembleia.
O MDP/CDE saúda em Robert Sands a luta dos povos oprimidos e, na mãe de Sands, a certeza da verdade e a dignidade de um sofrimento.
Aplausos do MDP/CDE e do PCP.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Roseta, para uma declaração de voto.
O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Queria dizer muito simplesmente, dentro do tempo regimental, que, apesar de o debate já ir longo e não podermos esquecer que temos trabalhos urgentes, há direitos de um partido -que até nem é o nosso, é um partido da oposição - que tom de ser respeitados e não podem ser preteridos por discussões infindáveis.
Não quero deixar de dizer que nos congratulamos por todas as forças democráticas terem votado favoravelmente o nosso voto. Isso demonstra que, para além das palavras que foram ditas, se reconheceram as razões dos nossos fundamentos, nomeadamente apresentados pelo meu colega Costa Andrade. Afinal, ao contrário do que disse o Sr. Deputado João Lima, não era o nosso voto que era imoral e hipócrita. Não. quero qualificar os outros, mas devo dizer-lhe que ser parcial, isso é que é imoral.
Falar em direitos humanos, esquecendo que também muitas outras vítimas inocentes - também poderia ter sido em Lisboa se a explosão tivesse ocorrido a outra hora -, mesmo na Irlanda e em outras lugares tiveram o seu direito à vida coarctado contra sua vontade, e algumas, na infância, por actos que, motivados por uma razão justa, no entanto, violaram direitos fundamentais da pessoa humana. Portanto, o voto da UEDS era efectivamente incompleto e parcial -era parcelar até se se não quiser usar a palavra parcial-, não era global, não dava uma imagem da realidade. Portanto, a nosso ver, aquele voto não prestigiava esta Câmara.
Era, pois, um voto sectorial e, por isso, foi votado só por uni sector. Isso não aconteceu com o nosso, que era um voto, como se viu por esta votação, que contemplava uma realidade global que não podia esquecer o que se passou em Lisboa. Porque ai de nós se olhássemos para o que se passa na casa dos outros e não olhássemos para a nossa. Seria pôr em causa a nossa missão.
Finalmente, até quase diria - se acreditasse nisso - que ouvimos, pela primeira vez, o PCP falar em direitos humanos e em liberdade. Mas é evidente que nós não acreditamos nessa conversão por uma intervenção ocasional e única do deputado que a proferiu. Evidentemente que o que passou é que o PCP usa essa linguagem, como aliás estava subjacente nas palavras do Sr. Deputado Lopes Cardoso, quando lhe convém, mas esquece-se que em muitos outros países do mundo há violações muito graves de direitos humanos. Houve também pessoas que se imolaram pela fome ou pelo fogo e desses o PCP, obviamente, não fala. Eu queria dizer-lhes que isso é que é efectivamente, inadmissível, isso é que é parcelar. Mas não vamos, por isso, passar aqui a vida a fazer votos sobre o que se passa seja na Polónia, na União Soviética ou em países no Terceiro Mundo. Não o fazemos porque entendemos que a Câmara não se prestigia se se arvorar definitivamente em tribunal dos direitos humanos de todos os povos do mundo. Para isso há a Assembleia do Conselho da Europa, para isso há mecanismos internacionais. Não é a Assembleia portuguesa que deve fazê-lo e é por isso que o PSD não o fará, embora, se se começasse a esmiuçar nos países de que, os senhores gostam, tivéssemos muito a dizer. No entanto, congratulação--nos com a aprovação do nosso voto.
Aplausos do PSD.
A Sra. Helena Cidade Moura (MDP/CDE): - Dá-me licença, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sra. Deputada?
A Sra. Helena Cidade Moura (MDP/CDE): - É para fazer um protesto, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Bom, Srs. Deputados, há dias deixa palavra para um protesto em relação a uma declaração de voto. Eu penso que um protesto tem sempre lugar, mas isso foi contestado. Continuo a dar a palavra para um protesto e, ao contrário do que disse há pouco um Sr. Deputado, hão foi para um pedido de esclarecimento, mas para um protesto em relação a uma declaração de voto que eu dei a palavra? Isso foi contestado pelo CDS, mas no Regimento não está nada expresso. Por conseguinte, eu continuo a dar a palavra para um protesto, embora tenha dúvidas.
Tem assim a palavra a Sra. Deputada Helena Cidade Moura.
Ê evidente que o Sr. Deputado em relação ao qual é feito o protesto pode depois contraprotestar se assim o entender.
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A Sra. Helena Cidade Moura (MDP/CDE): - Eu penso que é muito simples o meu protesto.
Gostaria apenas de lembrar ao Sr. Deputado Pedro Roseta que ele tem o direito de fazer as declarações de voto que quiser, fazer as interpretações que quiser da sua posição de voto. Não pode é permitir-se fazer as interpretações das declarações de voto dos outros partidos. A declaração de voto do MDP/CDE foi feita e é 'precisamente esse o sentido do nosso voto.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Pedro Roseta, se desejar contraprotestar, faça favor.
O Sr. Pedro Roseta (PSD):- Eu queria só dizer que, evidentemente, não me referi ao MDP/CDE. Estão lá tão longe e são tão poucos que até os tinha esquecido. Desculpem, a culpa talvez seja minha. De facto, não me referi na minha intervenção ao MDP. Julgo, pois, que este protesto, como aliás muitas vezes acontece, não tinha razão de ser.
Não vou entrar em mais debates, porque julgo que o debate já excedeu o tempo que lhe deveria ter sido dedicado e também por culpa dos partidos da oposição, que obrigaram, no fundo, a dois debates quando se poderia ter resumido a um só. Não quero, pois, arrastá-lo mais. Este protesto, como já disse, não tem razão de ser e eu nada mais direi.
ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, chegámos ao fim do período de antes da ordem do dia. Tem a palavra para proceder à leitura de um relatório da Comissão de Regimento e Mandatos, o Sr. Deputado Duarte Chagas.
O Sr. Duarte Chagas (PSD): -
Comissão de Regimento e Mandatos
Rotatório o parecer
Em reunião realizada no dia 7 de Maio de 1981, pelas 14 horas e 30 minutos, foi apreciada a seguinte substituição de deputados, solicitada pelo Partido Social-Democrata:
Germano. Lopes Cantinho (círculo eleitoral de Viana do Castelo), por Eduardo Manuel Lourenço de Sousa. Esta substituição é pedida por um período não superior a um mês.
Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha, verificou-se que o substituto indicado é reallmente o candidato não eleito que deve ser chamado ao exercício de funções, considerando a ordem de precedência de respectiva feita eleitoral apresentada a sufrágio pelo aludido " partido no concernente orçado eleitoral.
Foram observados todos os preceitos regimentais e legais aplicáveis.
Finalmente, a Comissão entende proferir o seguinte parecer:
À substituição em causa é de admitir, unia vez que se encontram verificados os requisitos legais.
O presente relatório foi aprovado por maioria, comi a abstenção do deputado da União Democrática Popular.
A Comissão: Vice-Presidente, António Cândido Miranda Macedo (PS) - Secretário, Alexandre Correia de Carvalho Reigoto (COS) - Secretário, José Manuel Maia Nunes de Almeida (PCP) - António Duarte e Duarte Chagas (PSD) - Cristóvão Guerreiro Norte (PSD) - Nicolau Gregário de Freitas (PSD) - Valdemar Cardoso Alves (PSD) - Armando dos Santos Lopes (PS) - João Alfredo Félix Vieira Lima (PS) - Bento Elísio de Azevedo (PS) - Álvaro Augusto Veiga de Oliveira (PCP) - Jorge Manuel Abreu de Lemos (PCP) - António Cardoso Moniz (PPM) - Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho (ASDI) - António Manuel de Carvalho F. Vitorino (UEDS) - Helena Tâmega Cidade Moura (MDP) - Mário António Baptista Tomé (UDP).
O Sr. Presidente: - Vamos proceder à votação do relatório e parecer, da Comissão de Regimento e Mandatos.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência da UDP.
O Sr. Presidente: - Está suspensa a sessão ate às 18 horas.
Eram. 17 horas e 30 minutos.
Ó Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão.
Eram 18 horas e 20 minutos.
O Sr. Presidente: - Continuação do debate do projecto de lei n.º 169/11, apresentado pelo PCP, sobre a lei dá radiodifusão.
Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Ribeiro e Castro. ,
O Sr. Ribeiro e Castro (CDS):-^Sr. Presidente, Srs. Deputados: O sentido geral que do texto do projecto de lei da .radiodifusão do PCP pode retirar-se - nomeadamente, das suas disposições gerais- torna-o incompatível com o nosso próprio pensamento e determina-nos um voto no sentido da sua rejeição.
Em primeiro lugar, é a extensão do seu âmbito ao território de Macau que se nos afigura inadequada, 'face. às características específicas do território e ao regime específico que justamente por isso, aí deverá existir. E, por outro lado, o que consideramos mais grave, é uma estatização da radiodifusão que, a nosso ver, resulta do conjunto do projecto e em particular do seu artigo 2.º, ao considerar a radiodifusão como «um serviço público da exclusiva responsabilidade do Estado», abrindo o «exercício da actividade da radiodifusão» a empresas privadas e cooperativas apenas em situação de precariedade, em regime de autorização temporária por um decreto-lei a fazer.
De resto, esta simples característica toma a nosso ver, inconstitucional como já se verificou no passado, o projecto de lei do Partido Comunista, sendo essa em rigor - a de inconstitucionalidade - a natureza de uma limitação tão grave de direitos que a Constituição consagra livres, que a Constituição não reserva
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ao Estado e que, por conseguinte a lei não pode de algum, modo restringir, limitar ou eliminar.
É curioso, na verdade; como um partido que tanto nos tem habituado a falar, em relação à Constituição, de «contra-revolução legislativa» aqui nos dê, por sua própria iniciativa, um exemplo grave disso mesmo, pelas consequências que decorreriam de uma tão inconcebível e inaceitável eliminação de liberdades e garantias consagradas constitucionalmente.
Não nos surpreende que seja assim numa iniciativa do PCP, dada a sua tradição colectivista e estatizadora e a dificuldade manifesta com que compreende a liberdade dos meios de comunicação social - mas, por isso mesmo, incluindo a liberdade da sua Constituição, nos opomos e rejeitamos o projecto, condenando a sua orientação.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A aprovação deste projecto de lei comportaria consequências graves para a vida da Rádio Renascença e de outras emissoras não estatais. E isto é suficiente para que condenemos o projecto e o afastemos.
Na verdade, diz o artigo 2.º que a radiodifusão é da exclusiva responsabilidade do 'Estado e um serviço público objecto de actividade da RDP. E, quanto às emissoras não estatais, o mesmo artigo dispõe que só poderão vir a ser autorizadas mediante um decreto-lei - que não existe - em condições, a definir através de uma lei da Assembleia da República (que tão-pouco existe).
Ou seja, entre a aprovação deste projecto de lei e a aprovação de uma outra lei que viesse a fixar as tais condições de autorização e do decreto-lei - revestido de controversa natureza regulamentar - que viesse a autorizá-las de facto e só temporariamente - as emissoras não estatais, nomeadamente a Rádio Renascença, ficariam numa situação totalmente precária, com um futuro crítico e uma expansão inviabilizada, como a disposição transitória do artigo 50.º bem atesta.
Não nos surpreende mais este ataque do PCP dirigido contra as emissoras não estatais. Mas a Constituição não permite semelhante atentado às liberdades constitucionais dos cidadãos, nem o nosso próprio pensamento sobre a matéria pode permitir-nos dar-lhe passagem.
No caso específico da Rádio Renascença, vale o artigo 41.º, n.º 4, da Constituição, incluindo expressamente, entre a liberdade de consciência, de religião , e de culto, o direito à «utilização de meios de comunicação social próprios». Direito definitivo e não precário, direito definitivo e não temporariamente autorizado por qualquer via administrativa. E, por outro lado, em geral, o artigo 38.º da Constituição não consente uma tão severa, estatizadora e colectivista orientação legal em matéria de radiodifusão.
Na verdade, no conjunto de meios de. comunicação social, apenas a televisão é objecto constitucional de uma reserva de titularidade - que, aliás, mesmo no caso da televisão, .se afecta entidades privadas, não afecta sequer directamente entidades cooperativas.
Nenhuma reserva existe, por seu turno, no domínio da imprensa e da radiodifusão e não pode, nem deve, portanto, a lei, sob pena de ofensa à Constituição e de atentado à liberdade dos cidadãos, dispor de outro, modo em sentido fortemente restritivo.
De resto, na falta de disposição constitucional específica, pode considerar-se e defender-se que á radiodifusão se aplique regime semelhante ao previsto para a imprensa, ou seja, de que, nos termos da Constituição, a fundação de empresas emissoras é livre, não estando dependente de «autorização administrativa, caução ou habilitação previas». E, embora a circunstância de o espaço hertziano ser um bem escasso e de o número de frequências disponíveis ser reduzido justifique algum tipo de condicionamento natural quanto à sua utilização, o facto é que, mesmo sob pretextos técnicos (e muito menos políticos, como parece ser o caso), não se pode nunca ir tão longe, nesse condicionamento e na fixação do regime concreto, que se contrarie ou 'invalide totalmente a garantia constitucional de liberdade, que é inequívoca nesta área.
E isto quer para as emissoras já existentes, em que sobressai a Rádio Renascença, quer, para o futuro, para todas as emissoras não estatais que queiram validamente constituir-se, em termos definitivos e não apenas precários, porque são definitivas as liberdades consagradas na Constituição e não apenas temporárias, administrativamente condicionadas.
Sr. Presidente; Srs. Deputados: Este projecto de lei tem, sem dúvida, uma orientação, a nosso ver, incorrecta, inaceitável e inconstitucional, partindo de uma concepção viciosa e algo «controleira» da comunicação social e, em particular, da radiodifusão.
Não só pelos aspectos já referidos, no seu regime geral, mas também por outros em que a mesma concepção ressalta, como é o caso, para não ser exaustivo, dos artigos 3.º (fins de radiodifusão) e 17.º (direito de antena), quando os olhamos assim impostos também a emissoras não estatais nos mesmos termos, e ainda do artigo 4.º, que erege o Governo em «polícia» do sector, em condições que, se são já controversas quanto às próprias emissoras estatais, são totalmente inadmissíveis quando aplicadas a emissoras privadas ou cooperativas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Para nós, é ponto assente que, na legislação deste sector, como noutros domínios, se alguns limites importa estabelecer, eles deverão ser impostos justamente ao Estado, e não a entidades não estatais, ao contrário do que sucede neste projecto, ao contrário do que é a orientação prevalecente neste projecto.
Até para que, neste sector específico de radiodifusão, uma situação de quase monopólio estatal do uso do espaço hertziano, face ao reduzido número de frequências disponíveis em Portugal, não venha a afectar na prática aquilo que a Constituição quis livre, como sucederá, para o futuro se, dentro de determinadas condições, a lei não fixar ao Estado a obrigação de libertar em favor de outras entidades o uso e a utilização de frequências radiofónicas de que hoje dispõe em excesso nos canais afectos à emissora pública.
Uma questão relevante, que também importará a seu tempo ponderar e resolver oportunamente quando aqui viermos a debater por certo, de novo e a aprovar enfim a lei da radiodifusão, o que certamente poderemos fazer em breve, nomeadamente na sequência de um iniciativa no quadro da Aliança Democrática e do Governo, que aliás já foi referida oeste debate.
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É certo que já se tardou demasiado tempo, aqui, e que o vazio legislativo mesta área é profundamente inconveniente. Mas a verdade também é que esse vazio não pode ser pretexto para aprovar uma lei que, consideramos incorrecta e injusta.
A verdade é que mais vale não haver ainda lei a aprovar uma lei má e injusta. E esta lei - a lei que resultaria do projecto de lei do PCP, hoje em debate - não seria apenas má. Seria péssima e inconstitucional.
Aplausos do CDS, do PSD e do PPM.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Mendes, para uma intervenção.
O Sr. Manuel Mendes (PCP):-Sr. Presidente, Srs. Deputados: A apresentação, por parte do Grupo Parlamentando PCP, do projecto de lei n.º 169/11, da radiodifusão, corresponde a uma necessidade fundamental, entre outras já aqui apontadas pelo meu camarada Jorge Lemos: pôr cobro, tanto quanto possível, ao regime de> puro arbítrio e à cadeia de tropelias a que vem assistindo-se no quotidiano da RDP.
É certo que este projecto de lei visa outras metas, desde a criação do quadro jurídico em- que deve inserir-se a actividade da rádio no nosso país à criação de instrumentos que assegurem a democraticidade do funcionamento dos órgãos internos das empresas de comunicação social, a objectividade, o pluralismo e a qualidade da informação, a disciplina normativa da existência de estações privadas, a melhoria substancial da rede que permitirá superar incipiências de
toda a ordem. Mas, justamente porque o panorama que se nos depara na RDP é grave, não se estranhará que nele sinalizemos o campo de degradação sobre, o qual uma lei - que se não endeusa nem quer portadora de toda ia redenção, mas que, sobretudo, se não desvaloriza - pode e deve ter uma intervenção rectificadora essencial.
Com efeito, é já hoje quase unânime o reconhecimento, pelo menos por parte dos que não perderam definitivamente o bom senso político, do estado de verdadeira lei da selva em que vive aquela empresa pública, não dotada ainda do seu estatuto nem de uma lei como a que agora se propõe a esta Assembleia.
O Conselho de Informação chegou mesmo, sem qualquer oposição no seu seio, a reclamar a demissão da actual comissão administrativa, por, muito justamente, a ter considerado incapaz de assegurar, nos diversos planos da sua interferência, a legalidade democrática, uma vez que ela, colocando-se à revelia da lei, fomentava toda, a espécie de atropelos. Não obstante, a comissão administrativa mantém-se em funções. Porquê? Porque o Governo AD, de que é servil agente, se enquistou em si mesmo e nem ao mal-estar que se avoluma na maioria face a problemas como este, dá ouvidos. Porque prefere a autocracia de uma pretensa auto-suficiência ao esclarecido diálogo com quem a contesta. Ou ignorará, porventura, o Governo a série de fundadas e comprovadas acusações de que vem sendo alvo o funcionamento da RDP?
O Executivo sabe ou não sabe, por exemplo, que há naquela empresa jornalistas que durante cerca de um ano foram afastados de qualquer actividade concreta, tendo sido agora chamados à produção apenas de cinco minutos semanais, enquanto se contrataram a prazo cinco dezenas de autênticos comissários políticos, sem qualquer experiência nem qualificação para o exercício do jornalismo radiofónico?
O Governo sabe. Ouve e faz ouvidos de mercador. Porque a sua filosofia não é a de ouvir, dar ouvidos ao que é razoável, justo, ressaltante aos olhos; é a de fazer com que o povo ouça, até à náusea, a sua propaganda, imposta à comunicação social estatizada de modo sistemático e sem pudor.
Sabe ou não sabe a administração Balsemão que a comissão administrativa da RDP nomeia e desnomeia, a seu bel-talent, jornalistas e não jornalistas para cargos de chefia, sem ter em consideração critérios mínimos de natureza profissional, sem ouvir o conselho de redacção (como a lei estabelece), no mais frontal desplante perante as normas de uma sociedade democrática como aquieta em que vivemos?
Sabe ou não que um dos argumentos com que a comissão administrativa da RDP pretextava a legitimidade da contratação a prazo, que advoga como boa e eficaz medida, era o de que, com esses novos funcionários da empresa, esta veria diminuir os montantes das horas extraordinárias? E sabe ou não que, segundo os números da própria comissão administrativa, no decurso de um ano, entre Janeiro de 1980 e Janeiro de 1981, foram gastos mais 740 000$ em horas extraordinárias?
O Governo sabe, certamente, que assim é. Mas finge ignorar. Ou privilegia e incentiva unia leitura adulterada dos factos. Porque a sua política é a da inverdade a dos meios que justificam os fins, a do beneplácito à venalidade, ao arbítrio, à incompetência. Quando tudo, mas tudo, aponta o clima generalizado de degradação e reclama medidas urgentes no sentido da reposição da legalidade ou de melhoria substancial do produto radiofónico, o Governo investe-se na patusca figura do Dr. Pangloss e, anatematizando quem se lhe opõe, proclama, em tom mielífluo e sorridente; que, graças à sua acção, vivemos no mais belo dos munidos ... E não basta uma voz discordante no conjunto para validar qualquer ilação de sinal contrário. De nada valem as promessas, as medidas pontuais positivas, os despachos rectificadores, se eles não são cumpridos. De nada valem as palavras de ruptura, mais ou menos ténue, com o passado se o Governo no seu todo, se não compromete na mudança que não quer e se serve do seu Secretário de Estado da Comunicação Social para dizer violinos, fazendo, depois, na prática, accionar as picaretas dá compressão e da continuidade miguelista.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Entretanto, os conselhos de redacção e de informação, os jornalistas, as pessoas sérias do sector, os portugueses, não narcotizados pela banha da cobra do discurso do Poder, acusam: a informação fornecida pela RDP, particularmente no que respeita à antena 1, é orientada por exclusivos critérios partidários, ao serviço da AD; manipula, distorce, pratica a intriga e a insídia, nutre-se da rotina, viola as regras do pluralismo e da honestidade deontológica; a falta de oim mínimo de qualidade é tal que se ridiculariza, um tanto por toda a parte, o seu produto diário, apresentado por locutores muitas vezes impreparados, sem qualquer lastro cultural, que lêem textos em que cam-
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peia o dislate, a pesporrência, quando não mesmo a mais crassa ignorância; não existe qualquer arremedo de conferências de redacção, visando, criticamente, a superação de insuficiências, a correcção de erros, a planificação de um adequado labor colectivo.
Acusam ainda: a informação transforma-se no registo do corrupio das visitas, futuras visitas, passadas visitas, anúncios, declarações, notas, conferências de imprensa, comunicações, entrevistas de ministros, secretários e subsecretários de Estado, dirigentes, ex-dirigentes, contradirigentes e futuros dirigentes dos partidos da AD; no obscurecimento, distorção ou supressão de referências às actividades dos partidos da oposição e às organizações sindicais e populares; na manipulação sistemática tendente à ingerência na vida interna dos partidos democráticos, em apologia de tendências, sectores e personalidades determinados, com denegrição correlativa de quem se lhes opõe; na difusão sistemática e diversificada dos grandes temas das campanhas reaccionárias de desvalorização da paz e segurança internacionais, de hostilidade e desinformação em torno da realidade dos novos países africanos e de propaganda do racismo e do apartheid (ainda há dias, por exemplo, no jornal das 13 horas se pôde ouvir, durante quase dez minutos, a mais delirante apologia do regime sul-africano, cuja fantochada eleitoral foi exaltada e dignificada).
E, como se já não bastasse o facto de ser a imprensa reaccionária a seguir de base à elaboração dos noticiários radiodifundidos, para culminar toda esta girândola de anacronismos, concede-se agora tempo de antena a «bem seleccionados» jornais de direita, como é o caso da Antena 1/Tempo e da Antena 1/Expresso. E que dizer da venda de tempo de antena a uma entidade estrangeira por parte da RDP sul, que os próprios deputados da AD parecem condenar?
Quando na RDP se ouve falar da ocorrência de um «acidente de viação em pleno Pacifico» ou do «ministro soviético dos Estados Unidos», para só referir dois exemplos conhecidos, ninguém pensa que os automóveis, à semelhança de certos animais, se tenham tomado anfíbios ou que, na cena política internacional, a administração americana, após reconhecimento do que há insustentável na sua permanente política de agressão e ameaça à paz, tenha decidido incorporar um ministro soviético especialmente vocacionado para a defesa dos trabalhadores e a eliminação da exploração capitalista no seu país.
Vozes do PCP: - Muito bem!
Risos do PSD e do PPM.
O Orador:-Mas pensa-se, isso sim, que estamos em Portugal, a AD é Governo e esta é a sua imagem de marca: a mais cabal desfaçatez e a mais redonda mediocridade.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador - É ou não verdade que, ao desconsiderar a experiência profissional e a qualidade provada, colocando na prateleira alguns jornalistas de reconhecido mérito para os substituir por gente sem qualquer habilitação específica, ou mesmo genérica, se promove a degradação da rádio e se criam condições para uma atmosfera de trabalho desresponsabilizado, sem chama nem empenhamento? Ou será que tudo isto se resolve através da indigitação inflacionária de chefes, subchefes, coordenadores, particularmente notória desde Março de 1980, num surto burocratizante, confrangedor e inoperativo, numa bizarra escalada de promoção da inqualificação e do nepotismo, tanto mais grave quanto é certo que alguns desses chefes foram recrutados fora da empresa para ascenderem, sem mais, a tais postos de direcção?
Não, Sr. Presidente, Srs. Deputados: por este caminho, a AD não chegará a dar-nos o céu, que impantemente promete. Antes visa atolar-nos, também por medo da comunicação social estatizada, na lama da sua própria menoridade. Em vão, todavia. Estamos despertos e não deixaremos de denunciar a ilegalidade, exigindo a radical modificação do estado de coisas que se conhece.
Perguntamos ainda: o Governo sabe ou não sabe que a comissão administrativa da RDP, numa clara atitude de afrontamento à Secretaria de Estado da Comunicação Social, torneou, violando o seu espírito indiscutível, a determinação da cessação dos contratos a prazo através do recurso à figura jurídica do contrato de prestação de serviços, ainda mais insustentável porque dele emerge um vínculo extremamente frágil entre o trabalhador e a empresa?
Sabe ou não que a comissão administrativa da RDP tomou a irrita resolução de eliminar um projecto de formação profissional longa, e, minuciosamente elaborado pela anterior Direcção de Informação com a participação dos jornalistas, em troca de coisa nenhuma, assim reafirmando o seu próprio obscurantizador e o mais nítido divórcio relativamente às exigências de uma rádio democrática e meritória?
Conhece ou não conhece o executivo AD/Balsemão toda a vasta cadeia de actos censórios na RDP? De atropelos à Lei de Imprensa, às leis em geral, à Constituição da República? De discriminação e perseguição de trabalhadores? Ouve ou não os protestos constantes dos destinatários do produto que os seus homens de mão confeccionam, sobretudo na antena 1, com todos os condimentos manipulados e provocatórios, cobrindo de ridículo a imagem de uma rádio onde não faltam profissionais zelosos e competentes?
O Governo não ignora a verdade de quanto afirmamos. O Sr. Secretário de Estado da Comunicação Social o confirmou publicamente, sem deixar margem para grandes ambiguidades, reconhecendo, na oportunidade, a urgência do restabelecimento da legalidade democrática na RDP.
Tal restabelecimento, porém, para que se não corra e risco de se ficar por intenções platónicas, reclama medidas enérgicas e imediatas. Urge pôr termo à permanente interferência da comissão administrativa na feitura dos noticiários e no conteúdo das próprias notícias; a todas as práticas de censura e adulteração dos factos; à produção de uma informação em que se não distingue o evento do comentário com o qual se intenta a distorção, o falseamento, o aproveitamento partidário; a um jornalismo radiofónico
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técnico e deontologicamente coxo; à marginalização de profissionais de alto e não regateado gabarito. Urge acabar com o ataque ao pluralismo a que, quotidianamente, se assiste; com a promoção dos inaptos; com o estilo talassa e arrogante; com certas formas de maneirismo piroso e passadista; com a corrupção, o compadrio, á prepotência. Urge que a Direcção de Informação não veja, como vem acontecendo, os seus poderes coarctados; que se respeitem os direitos do conselho de redacção e dos trabalhadores, que se não tripudie impunemente sobre as leis democráticas e a Constituição da República. Urge o reequilibro financeiro, uma vez que a situação actual, agravada de modo brutal por uma gestão inepta e enredade em obscuridades, não pode manter-se. A menos que o Governo, apostado na destruição da comunicação social estatizada, avolume o coro habitual de intrigas e calúnias contra o sector público, formando e dando de bandeja os argumentos que as forças reprivatizadoras apontam no sentido do combate às normas constitucionas e às conquistas de Abril.
Por outro lado, importa assegurar o exercício do direito de resposta e do direito de antena aos cidadãos e grupos sociais; aprovar numa lei quadro do sector privado da radiodifusão, de molde a impedir a legislação avulsa, casuística, à revelia desta Assembleia, como a que facultou o aumento de potência ao Rádio Clube do Centro ou permitiu o funcionamento, em frequência modulada, a Rádio Altitude, segundo se diz, sem que sejam públicos os critérios que subjazeram a tais concessões; importa elaborar o estatuto da Empresa Pública Radiodifusão Portuguesa, tão breve quanto possível, assim criando as condições para uma vida nova, qualitativamente mais rica e democrática. Importa, pois, pôr fim ao estatuto de excepção da RDP; definir um regime jurídico adequado aos trabalhadores, com correcção das anomalias existentes; respeitar os direitos dos jornalistas, das suas organizações e estruturas; demitir, em perfeita consonância com as exigências generalizadas dos órgãos eleitos pelos trabalhadores e do povo português, utente do produto radiofónico, a comissão administrativa, que só pode manter-se à custa da inoperância ou da conivência do Governo.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Importa finalmente, e para já, aprovar, nesta Câmara, o projecto de lei que discutimos hoje. É ele um texto normativo claro e amadurecido, que contempla, sob uma perspectiva constitucional, as exigências fundamentais que a prática demonstrou carecidas de adequada resposta; um diploma sério e responsável com o qual o Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português vem, uma vez mais, contribuir para a institucionalização, cada vez mais ampla e mais profunda, da democracia no nosso país. Sem estas disposições legais não poderá o Sr. Secretário de Estado da Comunicação Social, pesem embora as suas preocupações justas, levar a caibo a proclamada tarefa de normalizar, dinamizar e qualificar a vida interna da RDP, dignificando a sua actividade e aprimorando a sua produção diária. É que, por muito positivas que as suas declarações de intenções se revelem, só na prática as avaliaremos. Ao pretender dotar o Governo, tão relapso em matéria de iniciativa legislativa em áreas essenciais como esta, dos instrumentos indispensáveis à reposição da legalidade na RDP e à disciplina democrática de outras zonas da difusão radiofónica, estamos seguros de que é este o meio idóneo. O tempo urge. Para que se repare o mal feito já é tarde. Mas estão sempre em condições de arrepiar caminho, Srs. Deputados da maioria, e, uma vez ao menos, asseverarem, através do voto, que, de facto, não pactuam com a imoralidade e com o arbítrio. Os actos comprometem os homens, e não se pode por muito tempo ludibriar consciências adormecidas ou ingénuas. O PCP oferece-lhes, com este projecto de lei, a possibilidade de um encontro com os actos justos que honram quem os pratica.
Vozes do PCP:-Muito bem!
O Orador: - A ver vamos se persistem na cegueira que os colocará sobre a garganta de um abismo donde não há regresso nem memória amena.
Aplausos do PCP, do MDP/CDE, da UEDS e de alguns deputados do PS.
O Sr. Presidente:-Tem a palavra o Sr. Deputado Nandim de Carvalho, não sei se para pedir esclarecimentos ou fazer um protesto.
O Sr. Nandim de Carvalho (PSD): - O Sr. Presidente adivinhou! É, de facto, para um protesto.
O Sr. Presidente: - Só podia ser uma das duas coisas. Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Nandim de Carvalho (PSD): - Estes quase vinte minutos, longamente e penosamente gastos pelo Sr. Deputado do Partido Comunista, merecem um protesto, porque 99,9 % do tempo gasto foi com a situação na RDP - situação obviamente vista pelos seus olhos.
Ora, o que estamos a discutir aqui é uma lei quadro da radiodifusão. Foram aqui feitas afirmações, quer pela minha bancada, quer pela bancada do CDS, que não foram sequer afloradas, quanto mais rebatidas.
Sendo assim, o protesto visa denunciar e consagrar no Diário da Assembleia da República que, de facto, se perdeu tempo. E perdeu-se tempo, porque o objectivo último do PCP, como foi demonstrado, não é fazer uma lei da radiodifusão: é tentar espartilhar, é tentar ocupar, é tentar recuperar a RDP de antes do 25 de Novembro.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Manuel Mendes, tem a palavra para contraprotestar.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Começo por registar, com muito agrado, que o protesto do Sr. Deputado Nandim de Carvalho não negou uma única das situações que aqui apontei, relativamente à anacrónica vida interna da RDP.
O Sr. Nandim de Carvalho (PSD):-Não é isso que está em causa!
O Orador: - Estou em condições de dizer neste momento ao Sr. Deputado Nandim de Carvalho alguma coisa ainda muito mais importante.
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Já aquando da apresentação deste projecta de lei, o Sr. Nandim de Carvalho proferiu aqui determinadas expressões que considero perfeitamente ofensivas da dignidade de um deputado nesta Câmara. Quero dizer-lhe, peremptória e claramente, que não estou na disposição de aturar quaisquer das suas diatribes e que de modo algum darei resposta às suas provocações.
Aplausos do PCP.
Relativamente à questão de fundo apresentada pelo protesto um pouco onírico do Sr. Deputado Nandim de Carvalho, queria dizer que, tal como decorreu da minha intervenção e como expressamente fiz questão em afirmar, o quadro que aqui apresentei era apenas a situação de fundo de algo de concreto que permitia a esta Câmara aquilatar da urgência, da oportunidade e da justeza do projecto de lei que aqui apresentámos e que foi oportuna e brilhantemente defendido por um meu camarada de bancada.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Mas uma última nota ainda. Ouvi o Sr. Deputado Nandim de Carvalho com toda a atenção, na última sessão em que esta questão foi debatida, dizer que por três ou quatro razões não daria o seu apoio a este projecto de lei do Partido Comunista Português. Queria lembrar-lhe que essas três ou quatro razões eram -e são- perfeitamente possíveis de ser incorporadas por este projecto, não obstante as divergências que nos separam, desde que tivesse havido da sua parte o mínimo de vontade política em colaborar com as iniciativas da oposição, em lugar de haver aquilo que mais unia vez aqui demonstra: o espírito de sistemática obstrução e oposição a tudo quanto aqui chega vindo das bancadas da oposição.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Ribeiro e Castro pede a palavra para que efeito?
O Sr. Ribeiro e Castro (CDS): - É para interrogar a Mesa, Sr. Presidente.
Gostava de saber se poderia fazer um protesto contra as últimas palavras do Sr. Deputado do Partido Comunista.
O Sr. Presidente: - Não pode, Sr. Deputado. Tem a palavra a Sr.ª Deputada Teresa Santa Clara Gomes, para uma intervenção.
A Sr.ª Teresa Santa Clara Gomes (UEDS):- Sr. Presidente, Srs. Deputados: A discussão do projecto de lei da radiodifusão, apresentado pelo Deputado Jorge Lemos e outros do PCP, pouco mais é, infelizmente para todos nós e para o povo português, que aqui representamos, que um mero exercício de retórica.
Condenado o diploma, à partida -e independentemente dos seus méritos ou deméritos -, pelos cegos critérios de uma maioria que só a si mesma e ao seu governo reconhece (pelo menos na prática) direito de iniciativa legislativa, a discussão esvazia-se de conteúdo operacional.
O Sr. César Oliveira (UEDS): - Muito bem!
A Oradora: - Resta-nos insistir, apesar de tudo, em alguns princípios e pressupostos de carácter geral, aplicáveis a este ou a futuros projectos ou propostas de lei relativos à radiodifusão. Na certeza de que as palavras da oposição - dessa «minoríssima minoria», como generosamente (!) lhe chamou o Sr. Deputado Nandim de Carvalho na sua intervenção da passada quinta-feira - nem por caírem no saco roto da «maioríssima maioria» perdem valor ou significado político.
Vozes da UEDS e do PS: - Muito bem!
A Oradora: - Pela pouca (ou nenhuma) eficácia deste, como de tantos outros debates aqui travados, responderão perante o povo português, os Srs. Deputados da Aliança Democrática.
Vozes da UEDS, do PS, do PCP e do MDP/
CDE: - Muito bem!
A Oradora: - A primeira questão que, face a apresentação do. projecto de lei da radiodifusão, se me oferece sublinhar é a da autonomia da rádio como meio ou veículo específico de comunicação social.
Com efeito, é hoje opinião correntemente aceite que a lógica e a ética da comunicação oral, escrita ou visual não são necessariamente as mesmas.
Não nos iludam os discursos moralistas, falando da «objectividade» e da «neutralidade» dos meios de comunicação! O que é preto no branco na linguagem escrita pode tornar-se cinzento através da voz com que é dito ou mudar redondamente de cor através da Imagem com que é contradito.
Vozes da UEDS e do PS: - Muito bem!
A Oradora: - Na rádio, é o meio auditivo usado que veicula fundamentalmente a mensagem. (O laço afectivo que nos prenda à voz do locutor é, por vezes, tão importante como o conteúdo que ele nos transmite...)
Saibamos, pôr isso, reconhecer a autonomia do media auditivo, autonomia que terá de traduzir-se por uma total independência, sem subordinação a qualquer outro meio de comunicação social.
Daí que se não compreenda que uma lei da radiodifusão venha a ficar, ou a permanecer, de algum modo «pendurada» na Lei de Imprensa.
O Sr. Nandim de Carvalho (PSD): - Muito bem!
A Oradora: - Se a Lei de Imprensa tem, e muito justamente, um estatuto de lei quadro, globalmente, é preciso que a Lei da Rádio igualmente o tenha.
O Sr. Nandim de Carvalho (PSD): - Muito bem!
A Oradora: - Não dignifica a rádio estabelecer, como o faz o n.º 4 do artigo 1.º do projecto do PCP, que sem tudo o que não estiver especialmente previsto na presente lei e for compatível com a natureza da radiodifusão observar-se-á o disposto na Lei de Imprensa».
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É preciso que a Lei da Rádio cubra, extensivamente, matéria relativa ao direito a informar e a ser informado, ao estatuto dos profissionais da radiodifusão, às funções e atribuições específicas dos vários órgãos que integram as empresas do sector. Em todos estes domínios, a simples transposição para a rádio dos princípios aplicados à imprensa pode resultar desajustada e, em alguns casos, mesmo arbitrária.
O Sr. Nandim de Carvalho (PSD): - Muito bem!
A Oradora: - Façamos uma lei da rádio à altura da importância que, enquanto órgão de_ comunicação de maior penetração na população portuguesa, unanimemente lhe atribuímos. Só assim a radiodifusão verá reconhecida pela lei a especificidade que lhe é própria e a dignidade que lhe é devida.
O segundo ponto para o qual queria chamar a atenção desta Câmara, refere-se à especificidade do sector da informação no conjunto da actividade da radiodifusão.
O projecto de lei apresentado pelo PCP é, nesta matéria, evasivo.
O Sr. Nandim de Carvalho (PSD): - Muito bem!
A Oradora: - Define-se genericamente, no n.º 2 do artigo 5.º, o âmbito do direito à informação através da rádio. Mas nada se precisa sobre os modos como. essa informação deverá processar-se.
O Sr. Nandim de Carvalho (PSD): - Muito bem!
A Oradora: - Ora, todos sabemos que um dos pontos nevrálgicos dos meios de comunicação social (e, neste caso, de forma particular da rádio) é a questão de se saber quem define a política de informação: a administração das empresas ou o. director da informação?
É preciso que se clarifiquem, de uma vez por todas, as atribuições e as funções das Direcções de Informação. Enquanto a ambiguidade se mantiver, todos os atropelos são possíveis.
O Sr. Nandim de Carvalho (PSD): -Muito bem!
A Oradora: - E, uma vez mais, não basta remater para a Lei de Imprensa, como quadro de referência genérica de recurso. É preciso que a Lei da Radiodifusão inclua preceitos claros e inequívocos sobre a esfera de competência das Direcções de Informação, enquanto órgãos autónomos, responsáveis últimos pela orientação e supervisão de toda a política de informação.
Se o artigo 13.º do projecto do PCP é tão claro na definição das competências da Direcção de Programas, por que deixar em branco as competências do sector da informação?
O Sr. Nandim de Carvalho (PSD):-Muito bem!
A Oradora: - Eis, pois, Srs. Deputados, duas breves e construtivas sugestões sobre uma matéria cuja análise a consciência democrática desta Câmara não deveria adiar nem mais um dia. Recusar o projecto de lei do PCP é, uma vez mais, protelar uma resposta urgente: A resposta á legítima aspiração de
todos os portugueses a uma informação mais livre, mais isenta, mais conforme com o espírito da Constituição.
Por nossa parte, recusamo-nos a remeter para o Executivo o que a esta Assembleia cabe legislar. Votaremos a favor.
Aplausos da UEDS, do PS, do PCP, da ASDI e do MDP/CDE.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nandim de Carvalho.
O Sr. Nandim de Carvalho (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ouvi com muito interesse esta intervenção e tive ocasião de ao longo dela a corroborar com o meu apoiado.
De facto, há dois pontos essenciais que a Sr.ª Deputada referiu que eu, com certeza com menos felicidade, também apontei na minha. intervenção e que são críticas acerbas ao projecto do PCP. Simplesmente, enquanto a Sr.ª Deputada entende que as reservas que tem a vão levar, provavelmente, a votar a favor, eu entendo que devo votar contra, porque além dessas duas questões muitas há, designadamente a inconstitucionalidade do projecto, que me levam a votar contra.
Isto não é propriamente uma pergunta, é um esclarecimento à Câmara que estou a fazer e queria ainda dar um outro, que acho indispensável.
Diz a Sr.ª Deputada que a Assembleia não deve cruzar os braços e deixar de votar um assunto que é dela e não do Governo, dando com isso a entender que é o Governo que vai legislar. Era este ponto que. queria rectificar. O Governo não vai legislar, mas o que vai fazer é apresentar uma proposta de lei à Assembleia, como anunciei, e que está a ser elaborada por um gruvo de trabalho em que têm assento vários interessados. Na Assembleia vai-se processar, como é normal, a discussão ampla, como um caso destes exige, com a participação de todos os agrupamentos políticos aqui representados e depois a Assembleia ou vota essa proposta ou apresenta um texto alternativo, em resultado da introdução das emendas que entender, o que irá constituir finalmente uma lei.
Portanto, Sr.ª Deputada, cumprimento-a pela sua intervenção e pergunto-lhe só se depois de tudo isto não acha que era melhor votar contra o projecto de lei do PCP que de facto foi feito à trouxe-mouxe.
O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada Teresa Santa Clara Gomes, há mais pedidos de esclarecimento. Prefere responder já ou no fim?
A Sr.ª Teresa Santa Clara Gomes (UEDS): -Prefiro responder já.
Gostava de dizer, em primeiro lugar, ao Sn Deputado Nandim de Carvalho que agradeço as suas palavras, que revelam de facto uma abertura de espírito que é rara na sua bancada.
Queria, simultaneamente, dizer-lhe que as criticas que faço e que o Sr. Deputado confirma não são, de fornia nenhuma, impeditivas a que o projecto seja debatido em comissão, seja devidamente corrigido, acrescentado e alterado, se possível, visto que é esse ó trabalho que enquanto deputados nos com-
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pete fazer. O que as palavras do Sr. Deputado vêm, quanto a mim, confirmar é a perspectiva do seu partido, segundo a qual só quando a iniciativa vem da sua bancada é que os projectos são considerados como dignos de serem apreciados pela Assembleia.
Devo dizer que pelo meu tempo de permanência nesta Câmara, se fizer um esforço, tenho de contar pelos dedos -e não chega a uma mão- o número de iniciativas parlamentares, já não digo só iniciativas legislativas, que tenham sido tomadas pela oposição e que tenham merecido, sequer, a consideração da maioria.
Portanto, o que está, quanto a mim, em causa não são os méritos ou deméritos do diploma -sou. suficientemente objectiva para reconhecer que não é um diploma perfeito e os próprios deputados do PCP, creio eu, serão capazes de o reconhecer-, porque a matéria em causa, sejamos honestos em o reconhecer, seria passível de acerto, de correcção, de modificação se para isso estivessem dispostos os deputados da maioria.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Queria fazer uma curta explicação ...
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, é um pedido de esclarecimento, certamente...
O Orador: - É de certa maneira um pedido de esclarecimento, mas é precedido de uma explicação.
Ouvi com todo o interesse a intervenção da colega da UEDS que de facto trouxe pontos importantes para o debate.
Acho que devo uma explicação à Câmara do porquê de não ter desenvolvido no nosso projecto todo o sector ligado à informação radiofónica. Consideramos que a Lei de Imprensa e legislação posteriormente aprovada consagram um conjunto de normativos, que garantem, no fundamental, uma segurança democrática, mas estamos abertos -já o dissemos e repetimos-, na discussão na especialidade a todas as propostas nesse sentido.
Mas infelizmente não vamos ter a oportunidade, pelo que se está a ver, de discutir na especialidade este nosso projecto de lei. É pena, pois seria uma boa maneira de pela parte da maioria, que vota sistematicamente contra tudo o que a oposição traz a esta Câmara,...
Vozes do PSD: - É falso.
O Orador - Não é falso, é verdade!
O Sr. Amândio de Azevedo (PSD): - Quem sabe somos nós, não é o senhor!
O Orador - Isto para tirar, mais uma vez, a ilação que quando a oposição tenta trazer para aqui um debate sério e importante -digamos que pode haver razões para pensar que as soluções consagradas não são as melhores e estamos abertos a discutir isso- a maioria não é capaz de aceitar o debate e refugiar-se só na força dos votos para esmagar quaisquer tipo de iniciativas.
Portanto, terminava -para justificar o meu pedido de esclarecimento- perguntando se a Sr.ª Deputada está ou não de acordo com estas minhas considerações.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Teresa Santa Clara Gomes.
A Sr.ª Teresa Santa Clara Gomes (UEDS): - Queria, de facto, corroborar com as afirmações que foram feitas pelo Sr. Deputado Jorge Lemos.
Tive a sensação que da parte da maioria estava a haver, de algum modo, uma reacção contra o que estava a ser dito, no sentido de afirmarem que era falso que a maioria desse sistematicamente a impressão à Câmara, com algumas excepções que virão eventualmente confirmar a regra, de que todas as iniciativas da oposição são votadas à partida como sendo matéria que não deva merecer consideração da Câmara. Ora, acabamos de ter um exemplo ainda hoje com a votação de dois votos que poderiam perfeitamente ter sido trabalhados, fundidos, apreciados cada um com a validade dos pontos que tinha, ter havido sugestões de mudança e ter-se chegado a uma votação que fosse mais unânime.
A impressão que tenho é que há um bloqueamento sistemático às iniciativas que são tomadas a partir das bancadas da oposição. Se isto não corresponde à verdade, gostaria que algum dos Srs. Deputados me desse exemplos de iniciativas tomadas por alguns dos partidos da oposição que tenham merecido a aprovação e a consideração devida por parte dos partidos da maioria.
Vozes do PS, do PCP e da UEDS: -Muito bem!
O Sr. Amândio de Azevedo (PSD): - Fique-se com a sua palavra, Sr.ª Deputada.
O Sr. César Oliveira: - Dê lá um exemplo, Sr. Deputado!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Ribeiro e Castro.
O Sr. Ribeiro e Castro (CDS): -Sr.ª Deputada Teresa Santa Clara Gomes, sem prejuízo de partilhar de algumas considerações, gostaria fazer um brevíssimo protesto relativamente a este tema que tem sido debatido, sobre se a maioria asfixia ou não asfixia a iniciativa legislativa da oposição e de o repudiar com veemência.
Em primeiro lugar, gostava de dizer que é falso que este projecto de lei não tenha merecido a consideração da Câmara. Está a merecê-la no debate da generalidade que aqui estamos a fazer e é pena que o Partido Comunista Português, que é o autor da iniciativa, em lugar de favorecer o debate objectivo da matéria do projecto e das críticas que aqui lhe foram feitas, quer na intervenção do Sr. Deputado Nandim de Carvalho, quer na minha própria, contestando-as e justificando o seu ponto de vista, continuou no rol de acusações gratuitas ao Governo e à maioria governamental.
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De resto, julgo que seria positivo que numa matéria desta natureza o debate parlamentar se pudesse fazer, como de resto foi possível fazê-lo no passado, em termos de consenso. E a Sr.ª Deputada, como os deputados do Partido Comunista, sabem bem que não está em causa na nossa rejeição do projecto nem a garantia do pluralismo, da insenção informativa, de direitos que resultam da própria Constituição, e que nós estamos dispostos, queremos e achamos importante que tais pontos sejam desenvolvidos e concretizados na legislação deste sector.
O que está em causa são outras questões que suscitámos aqui e para as quais ainda não tivemos uma única resposta.
Por outro lado, gostaria de perguntar, e é uma dúvida que suscito, se não é o próprio Partido Comunista que está interessado em que nesta matéria não exista colaboração.
Desde logo, o próprio preâmbulo do projecto de lei é manifestamente ofensivo do Governo e da maioria governamental. É dirigido para agredir a maioria e não é, naturalmente, um projecto de lei que tem estes pressupostos que pode contar com a boa colaboração e a boa vontade de uma maioria. Lança acusações perfeitamente gratuitas, como «a ofensiva governamental no sector», «rol de manipulações» ou «escandaloso rol de atropelos», esquecendo as responsabilidades que o PCP teve, nomeadamente em 1975, praticando de facto um extenso e escandaloso rol de atropelos e de violações continuadas dos direitos elementares dos cidadãos, que o fez na emissora estatal, que o fez ocupando constantemente outras emissoras, procurando consolidar o seu poderio na rádio e asfixiar os direitos das pessoas. Em certa medida, o projecto de lei do PCP continua essa lógica. Isto porque é um projecto de estatização da rádio e continua, ainda que de uma maneira mais branda e mais moderada, esse processo.
Por outro lado, não quero deixar de dizer que este é um debate na generalidade. Trata-se de debater filosofias e orientações gerais. Concordamos com alguns dos dispositivos deste diploma, que são comuns à legislação do sector e que o devem ser, mas discordamos da filosofia estatizadora, colectivista e controleira mesmo que inspira o projecto de lei do PCP.
Aplausos do CDS, do PSD e do PPM.
O Sr. Presidente: - Se a Sr.ª Deputada Teresa Santa Clara Gomes desejar responder, tem a palavra.
A Sr.ª Teresa Santa Clara Gomes (UEDS): - A intervenção do Sr. Deputado Ribeiro e Castro não me foi dirigida, mas substancialmente dirigida ao Partido Comunista Português.
No entanto, gostava apenas de registar que ao repto que tinha lançado, no sentido de me serem enunciados quais os diplomas da oposição que teriam merecido o apoio das bancadas da maioria, não tive qualquer resposta em relação a esse ponto. Portanto, registo que, apesar da minha interpelação directa, a resposta não me foi dada.
Gostava, também, de insistir sobre uni ponto que referi brevemente ma minha intervenção e que é o facto de a maioria pretender que seja o Governo a apresentar a esta Câmara uma proposta de lei, em vez de ser a própria maioria a apresentara-se nos um projecto de lei, de acordo com as suas perspectivas, que é já em si uma forma de esvaziar a capacidade legislativa desta Câmara. O Governo é o Executivo, cabe-nos fundamentalmente a nós o fabrico das leis e não vejo por que razão deveremos ficar todos á espera dessa prometida proposta de lei que, segundo os deputados da maioria, o Governo nos vai apresentar.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Jorge Lemos pede a palavra pana que efeito?
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, creio que tenho o direito de contraprotestar, apesar do protesto não ter sido dirigido às minhas palavras, mas já que foi atacada a minha bancada e foram postas intenções a um determinado projecto ...
O Sr. Presidente: - Bom, o Sr. Deputado não pode fazer nenhum contraprotesto em relação ao protesto feito pelo Sr. Deputado Ribeiro e Castro, salvo se se considera, a si ou ao seu partido ofendido, caso em que pode utilizar o direito de defesa. É a única figura regimental que poderá utilizar.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Exacto, Sr. Presidente, O Sr. Presidente: -Sendo assim, dou-lhe a palavra.
O Sr. Jorge Lemos (PCP):-Sr. Presidente. Srs. Deputados: Foi aqui dito que o projecto de lei do Partido Comunista Português era um projecto estatizante e que tinha por objectivo impedir a actividade de estações de rádio privadas.
Penso que se este projecto de lei pode ser acusado de qualquer coisa é precisamente do contrário. E isto por duas razões fundamentais.
Em primeiro lugar, porque não toca um milímetro que seja nas condições em que funcionam actualmente as estações de rádio privadas, aliás, garante essa actividade. Se os colegas lerem todo o projecto - e certamente o terão feito- vêem no artigo 53.º que são garantidos os direitos das entidades privadas que neste momento gozam da utilização do espaço fónico.
Em segundo lugar, é também garantido às entidades privadas o direito de acesso à Radiodifusão em termos de lei da Assembleia da República. Ou seja, as estações privadas terão, definido por lei, o seu estatuto de actuação e isto dar-lhes-á muito mais garantias do que um qualquer arbítrio de um qualquer governo.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador:-E é isso que o nosso projecto pretende contemplar: é impedir que por lá estar neste momento o Governo da AD se conceda aumento de potência a uma determinada estação ou se conceda a abertura de emissores a uma determinada corrente ideológica prejudicando outras.
O nosso objectivo é, de facto, que se criem mecanismos em que haja rigorosamente definido o esquema em que podem actuar as empresas privadas de radiodifusão no nosso país. Não tem nada a ver com as intempéries verbais com que os Srs. Deputados da maioria tentam qualificar este projecto.
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Aliás, esta é uma maneira - que já não cola, que já não pega -, face à incapacidade de argumentação, de arranjar um motivo qualquer para rejeitar um projecto da oposição. Mas o povo português, como os. deputados da oposição, já está consciente disso. No entanto, e ainda assim, o debate que aqui fizemos já contribuiu alguma coisa para se ver que, de facto, não são apenas as palavras que são ditas aos microfones da rádio, aos microfones da televisão, é a própria actuação dos deputados da maioria - a sua fuga, a sua vontade política de dizerem não a legislação democrática para o sector - que justifica a sua própria existência.
Aplausos do PCP.
O Sr. Ribeiro e Castro (ODS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Ribeiro e Castro.
O Sr. Ribeiro e Castro (CDS): - É apenas para uma breve resposta ao Sr. Deputado Jorge Lemos.
Mas, em primeiro lugar, eu gostava de registar que há pouco eu pedi justamente a palavra para protestar em relação a uma intervenção do Sr. Deputado José Manuel Mendes e esse direito não me foi reconhecido e agora, pêlos vistos, ...
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, dá-me licença?
O Orador - Com certeza, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Há pouco, o Sr. Deputado pediu para protestar em relação a um contraprotesto e não invocou o direito de defesa, que é a única figura sob a qual poderia intervir se tivesse considerado que o seu partido ou o Sr. Deputado pessoalmente tinha sido ofendido.
O Orador - Peço perdão, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - É claro que a questão de se sentir ou não ofendido tem uma grande amplitude... Mas, queira continuar.
O Orador - Em relação à intervenção do Sr. Deputado Jorge Lemos eu gostaria de rebater alguns pontos, nomeadamente as acusações de intempéries verbais.
As acusações e as críticas que fizemos ao projecto de lei do PCP são reais e resultam do seu texto. De resto, há uma curiosa contradição, pois os Srs. Deputados do Partido Comunista dizem que esta iniciativa se destina a evitar legislação casuística, mas o próprio texto é um exemplo de legislação casuística: regula umas coisas e depois diz que, quanto a outras, há-de ser uma nova lei da Assembleia que as regulará, um novo decreto-lei - talvez mesmo mais uns decretos-leis. Ou seja, este texto aponta justamente para uma legislação casuística.
Por outro lado, o sentido geral que se retira do projecto de lei é um sentido estatizador até pelo facto de se definir a radiodifusão como serviço público da exclusiva responsabilidade do Estado, e por se dizer que o Governo fiscaliza toda a actividade da radiodifusão, o que é de um controleirismo absurdo quando se aplica a emissoras não estatais, pois mesmo nas emissoras estatais é longamente controverso. Quanto à regulamentação da actividade privada de radiodifusão o projecto do PCP não diz nada; reserva-se para uma lei que poderá existir e, portanto, coloca essas emissoras - que resultam de um direito constitucional, embora fortemente limitado e restringido- numa situação de precariedade que é totalmente inadmissível e insustentável.
Vozes do CDS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra para uma intervenção o Sr. Deputado Arons de Carvalho.
O Sr. Arons de Carvalho (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sete anos passados sobre a Revolução de Abril que nos deu a liberdade da informação, ainda não existe qualquer lei que regulamente a forma como ela é exercida através da radiodifusão. A este facto paradoxal não podem ser atribuídos todos os atrasos e limitações de que sofre a rádio portuguesa, mas ele é pelo menos gritantemente contraditório com os objectivos libertadores do 25 de Abril, cujo aniversário ainda há poucos dias aqui comemorámos.
Importa agora pouco atribuir as culpas por este facto. Elas teriam de ser repartidas por vários órgãos de soberania e por um número não menor de forças políticas. Interessa antes concluir que a necessidade de uma lei da radiodifusão deverá obrigar esta Assembleia a um reforço no sentido da convergência de posições sobre esta matéria.
Em todo o caso, o PS congratula-se pelo facto de a Assembleia poder vir a debater três projectos de lei da radiodifusão. Depois de ser anunciada a oportuna apresentação de um projecto socialista, o PCP entregou na Mesa da Assembleia o articulado que está hoje agendado. Em breve, debateremos o texto dó PS, que a Mesa da Assembleia recebeu em 19 de Março passado, e certamente uma proposta de lei governamental já anunciada pelo titular da pasta da Qualidade de Vida.
O projecto de lei n.º 169/II, do PCP, respeita nos seus traços gerais o articulado já anteriormente debatido por esta Assembleia a propósito da discussão do projecto n.º 219/I, do PS, de 9 de Março de 1979, e contempla os principais aspectos da regulamentação da actividade da radiodifusão: titularidade e natureza, fins da radiodifusão, princípios fundamentais a que deve obedecer a programação, publicidade, direitos de autor, de antena e de resposta, formas de responsabilidade, disposições gerais e processuais, isenções fiscais, etc.
O primeiro aspecto citado -a titularidade e natureza da actividade da radiodifusão- é hoje um dos aspectos mais polémicos dá legislação sobre a rádio, pelo que sobre ela importa fazer alguns comentários.
O projecto de lei agora em discussão encara a radiodifusão como um serviço público de responsabilidade exclusiva do Estado, que, no entanto, pode ser objecto de autorização de exploração a empresas não públicas e do Estado.
A existência de monopólios estatais, de concessões a uma única empresa controlada pelo Estado ou de empresas públicas que em exclusivo exercem a acti-
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vidade da radiodifusão têm não apenas raízes históricas relacionadas com o próprio poder do Estado com a escassez de frequências e com a indisciplina hertziana verificada nos anos 20, como se alicerça ainda modernamente no princípio de que o Estado não deve alienar a responsabilidade de organizar o acesso das populações ao exercício da liberdade de radiodifusão.
Assim, organizando ele próprio empresas de radiodifusão, estabelecendo regras restritas para a concessão única ou, como mais frequentemente acontece, organizando empresas ou estabelecimentos públicos, garante condições de equidade aos cidadãos perante os órgãos de comunicação. Não é assim permitida a utilização de um património nacional em benefício dê terceiros, situação geradora de desigualdade dos cidadãos e que beneficia os detentores do poder económico, já que são estes os únicos com capacidade financeira para poder organizar estações de radiodifusão de âmbito nacional e que, por outro lado, não é infinito o número de estações que podem tecnicamente existir è menor será ainda o das que poderão cobrir integralmente o País.
É certo que a argumentação de carácter técnico esbateu-se com a possibilidade, oferecida a partir dos anos 50 pelo FM, de existirem numerosas estações emissoras, mas os argumentos de natureza política, baseados na igualdade do direito à informação, continuam incontestavelmente válidos.
A rádio como serviço público significa que a liberdade de radiodifusão pertence ao conjunto da sociedade e, por essa via, a cada cidadão. Deste modo, as empresas públicas, os institutos de direito público da radiodifusão, tal como deveriam ser entendidos, não são empresas estatais nem privadas, mas antes equidistantes dos interesses dos governos e dos interesses privados, independentes dos dois e apenas controlados pelo conjunto da sociedade. É o caso das Rundfunk alemães ocidentais, empresas independentes, não lucrativas, não comerciais, não governamentais e de cobertura nacional.
O reconhecimento legal de que a radiodifusão é um serviço público da exclusiva responsabilidade do Estado, que pode ser objecto de autorização de exploração a empresas não públicas, está hoje aliás generalizado na Europa Ocidental.
Existem empresas públicas ou concessionárias do Estado em países como a França, Suíça, Áustria, República Federal da Alemanha, Bélgica, Grã-Bretanha, Dinamarca, Noruega, Suécia, Finlândia, Itália, Irlanda, Países Baixos e Portugal.
As excepções são poucas e aliás por motivos bem determinados: Andorra, Luxemburgo e Mónaco, onde a existência de estações privadas -Rádio Andorra, Rádio Tele-Luxemburgo, Europa-1, Rádio Monte Cario- é devida fundamentalmente às exíguas dimensões territoriais daqueles Estados e à impossibilidade prática de ser o Estado a organizar e financiar estações de rádio e de televisão.
Grã-Bretanha, onde a rádio comercial local - ILR-Independent Local Radio- que coexiste com a empresa pública BBC, é organizada por uma outra empresa pública -a Independent Broadcasting Authority- que controla e fiscaliza as concessões a entidades privadas. Em Itália, onde embora reconhecendo o monopólio da RAI no plano nacional, o Tribunal Constitucional autorizou em 1976 a emissão livre em modulação de frequência de emissoras que se podem classificar de «rádios locais». Em Espanha, onde a existência de rádios privados que se constituem em cadeias, como a Cadena SER, tem a sua origem no franquismo embora um decreto tivesse colocado a radiodifusão sobre a tutela real. Finalmente, em Portugal, onde a nacionalização da rádio não abrangeu a Rádio Renascença, por razões que se prendem, nomeadamente, com a Concordata, nem duas estações locais, na altura, sem grande significado: a Rádio Altitude e a Emissora das Beiras, bem como as pequenas estações emissoras das ilhas.
O serviço de radiodifusão encarado como serviço público de exclusiva responsabilidade do Estado, embora podendo ser objecto de concessão em condições
a definir, forma que respeita a Convenção Europeia cios Direitos do Homem, é pois mais consentânea com a liberdade da radiodifusão, desde que evidentemente as entidades que exerçam essa actividade respeitem os direitos e as liberdades fundamentais e tenham uma programação e informação de conteúdo pluralista. É, aliás, nesse sentido que posso anunciar que o Grupo Parlamentar do Partido Socialista apresentará oportunamente a esta Assembleia um projecto de estatuto da empresa pública Radiodifusão Portuguesa.
São decorrentes deste princípio, segundo o qual a radiodifusão deve ser entendida como serviço público, muitas outras disposições que nos parecem correctas: os fins a que deve obedecer a actividade da radiodifusão como sejam os da necessidade de defender os valores culturais do País, o de contribuir para à promoção do progresso social e para o reforço do conhecimento e da projecção do nosso país no mundo e as regras fundamentais que devem servir de base à orientação da programação.
São igualmente imperativos legais, por essa via, a obrigatoriedade de transmissão gratuita e na integra de mensagens, notas, comunicados ou avisos de órgãos de soberania, a defesa da língua portuguesa, a existência de percentagens mínimas de música de autores portugueses, já aliás objecto de um projecto do deputado José Niza e a criação de uma fonoteca nacional e de um museu nacional da rádio.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A aprovação de uma lei da rádio provocará certamente diversas modificações relevantes no exercício de actividade da radiodifusão. Uma delas será, desejavelmente, no capítulo da publicidade.
O projecto de lei do PCP permite a publicidade na radiodifusão com duração não superior a dez minutos por cada hora de emissão e por canal, desde que ela seja assinalada através de indicativo inequívoco. Por outro lado, é interdita «a publicidade oculta, indirecta ou dolosa e em geral a que utilize fórmulas que possam induzir em erro sobre a qualidade dos bens ou serviços anunciados e ainda a publicidade de produtos nocivos à saúde, como tal qualificados por decreto-lei, e de objectos ou meios de conteúdo pornográfico ou obsceno, bem como o aproveitamento publicitário por forma instrumentalizada, da idade, do sexo e de ideologias ou crenças religiosas».
Se estas disposições, constantes nos artigos 9.º e 10.º do projecto, vierem a ser aprovadas e cumpridas com eficácia, algo mudará no panorama da publicidade radiofónica, mas muito ficará ainda por fazer.
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Terminarão, assim, os programas patrocinados, onde a publicidade não está assinalada e se confunde com o conteúdo do programa e em que se aliena um bem público - o tempo de antena - a favor de terceiros e sem nenhuma subordinação ao interesse público ou aos fins a que se deve destinar a radiodifusão, cessando assim uma das mais graves formas de dependência perante a publicidade.
Os programas onde só se ouvem e promovem discos da casa editora x ou y, ou em que os prémios de determinado concurso são oferecidos pela livraria z sem qualquer indicativo de publicidade terão naturalmente os seus dias contados. É um avanço considerável sobre a situação actual, nomeadamente se considerarmos que a pratica recente da comissão administrativa da RDP era até, conforme foi denunciado no respectivo Conselho de Informação, a de celebrar contratos secretos estipulando expressamente que as referências comerciais deveriam ser feitas de forma que o ouvinte não se apercebesse de que se tratava de publicidade. Isso sucedeu em relação, pelo menos, a determinada marca de tractores, de uma forma que sendo aplicado o disposto no projecto de Lei actual haveria lugar a uma multa até 200 000$. Se este facto não fizer corar de vergonha a actual comissão administrativa, que a impeça pelo menos de ser reincidente nesta matéria ...
No entanto, Srs. Deputados, há que reconhecer que se o disposto em matéria de publicidade é um avanço, muito há ainda que percorrer neste domínio. O disposto nos projectos do PCP e do PS obedece a um critério que se confessa ser bem mais liberal do que em outros países.
Comece-se por salientar que na Suécia, na RAI italiana, em França, na Dinamarca, na BBC britânica, na Bélgica, na Suíça, na Noruega e na Irlanda a publicidade radiofónica é interdita. Na República Federal da Alemanha, onde existem nove estações públicas de rádio e televisão, só o 3.º canal de cada uma dessas estações está autorizado a transmitir publicidade. Na Finlândia só um dos dois canais pode fazê-lo.
Em Portugal, infelizmente, nada obsta a que haja publicidade em todos os canais da RDP. Desde há alguns meses, a própria RDP-1 tem publicidade, com tabelas e critérios aliás desconhecidos, situação chocante a que o PS tentará pôr cobro aquando da próxima apresentação de um projecto de estatuto para a RDP.
Mas outras regras existem na legislação estrangeira sobre a matéria que importa referir: a publicidade é sempre claramente diferenciada do conteúdo da programação. Os locutores de noticiários ou de programas não podem «emprestar» a sua voz para a publicidade; não há publicidade aos domingos e feriados; não é permitido reservar espaço de emissão para a transmissão; as encomendas de anúncios não são concretizadas se não for conhecida a identidade do anunciante, nem a natureza dos seus produtos ou serviços, etc.
Regras como estas, comuns na regulamentação de actividade publicitária em países da Europa onde nos queremos integrar, dão bom a dimensão do caminho que ainda há que percorrer neste domínio, mesmo se se não quiser atingir a perfeição, não dos relógios, mas da publicidade suíça, país onde, por exemplo na televisão, é proibido comparar preços de produtos ou fazer alusão às possibilidades de pagamento a prazo e ainda onde os anúncios são difundidos no máximo em quatro blocos publicitários, sendo, por outro lado, cada anúncio projectado no máximo quarenta vezes.
Não é, no entanto, apenas de uma lei que a rádio portuguesa necessita. A modernização das estruturas, das instalações e também das próprias mentalidades, que a visita recente do Conselho de Informação à RDP pode comprovar ser urgente, são factores não menos decisivos para a modificação da radiodifusão no nosso país.
Um deputado da maioria disse há dias numa reunião da Comissão Parlamentar de Comunicação Social «ser aviltante a mediocridade na programação e na informação da RDP». Penso que ninguém contestará o acerto desta declaração. Resta saber se também a maioria considera que uma lei da rádio, com os traços gerais da que hoje discutimos e mesmo com correcções que se entende necessário introduzir, é a melhor forma de se encetar esse caminho para uma rádio compatível com um país europeu e democrático.
Aplausos do PS, do PCP, da UEDS e do MDP/CDE.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura.
A Sr.ª Helena Cidade Moura (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: No mundo imenso e complexo da comunicação social, a rádio representa um poderoso meio colectivo de informação, de cultura, de diálogo.
É patente para trabalhadores da rádio e ouvintes o carácter intimista da mensagem radiofónica e o seu potencial participativo.
Parecia assim que uma forte coordenada cultural devia animar a discussão de uma lei da rádio. Estranhamente, um partido com a responsabilidade do PSD deu o exemplo, logo na primeira discussão, durante a apresentação do projecto de lei, de como se pode criar um contexto de anticultura, de falso funcionalismo, de superficialidade e mesmo de certa irresponsabilidade à volta da discussão de uma matéria que respeita a sensibilidade de um mundo colectivo.
E permitimo-nos pensar que é a percepção desse mundo colectivo, criado pela teia das relações que se geram entre os profissionais da rádio, eles próprios e os seus ouvintes participantes que atemorizam os governantes AD, porque no que toca a interacções sociais as leis sofrem de esvaziamento se não representam a realidade.
Desconhecendo ainda a acção do actual Ministro da Qualidade de Vida e do Secretário de Estado da Comunicação Social - e quase está esgotado o tempo que normalmente damos para avaliar da vantagem das boas intenções-, a verdade é que a passagem dos últimos secretários de Estado marcou de uma forma perigosamente negativa a Radiodifusão Portuguesa.
Não sabemos se a comissão administrativa da RDP - seguindo o brilhantismo profissional do Dr. Proença de Carvalho - terá também concluído que a rádio, à imagem da televisão, não tem assim tanta influência como isso.
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Para nós, MDP/CDE, pensamos que uma lei da rádio tem de possibilitar não só a dinamização cultural de um tão importante meio de comunicação, como é importante que ela contribua para a estabilização da democracia, para a tão querida libertação da sociedade civil que os actuais governantes transformaram num chavão de discutível conteúdo.
Neste momento, e no contexto social de hoje, a lei da rádio terá de activamente impedir a desestabilização da democracia, a repressão, manipulação e tentativas de mistificação da tal sociedade civil.
Os valores que a rádio vincula têm a ver com o poder político na medida em que ele é mais ou menos democrático, isto é, na medida em que ele interfere mais ou menos nas opções dos cidadãos e tem a ver com a qualidade dos profissionais e com as suas condições de trabalho.
Tudo isto passa, evidentemente, pelos objectivos de independência da rádio face ao poder político e ao poder económico.
Quanto ao primeiro nível de independência da rádio do poder político, pensamos que o projecto de lei apresentado pelo PCP remete questões demasiado importantes para a Lei de Imprensa. É o caso, por exemplo, da existência do estatuto e competência da Direcção de Informação, bem como a existência, funcionamento e competência dos conselhos de redacção, que não é referido neste projecto.
Nós entenderíamos que a lei da rádio deveria definir claramente a existência destes órgãos.
A alternativa parece-nos urgente: ou a Lei de Imprensa é revista e contempla no seu articulado o jornalismo radiofónico ou a lei da rádio inscreve os princípios da Lei de Imprensa aplicáveis aos áudio-visuais.
Em todo o caso, o projecto de lei apresentado pelo PCP seria uma boa fase de trabalho se este Governo estivesse minimamente interessado em repor a legalidade e a qualidade na radiodifusão. Mas este Governo prefere confundir a difundir, e só isso explica o amontoado de ilegalidades e a desorganização patente, mesmo aos ouvidos do público.
O pluralismo de que a AD se reclama não é compatível com o medo e com o não assumir das contradições internas. A acção cultural requer qualidade humana, estética, intelectual, diálogo, [...] de participação, capacidade de escolha, só possíveis num contexto legal e profissionalmente correcto.
Quanto à independência do poder económico que o projecto de lei agora em apreciação se propõe defender, com a recente concessão desregulada do tempo de antena na rádio do Algarve foi dada uma prova de que é urgente tal legislação.
A não ser que também, neste campo, a lei sejam apenas as decisões da AD adaptadas às várias circunstâncias ...
A verdade é que a AD movesse cada vez mais numa zona marcada, entre a selectividade e a anticultura, e isto em todos os campos.
Na rádio muitos portugueses sofrem essa maléfica área de influência - o exemplo do canal 2 é significativo. Breves momentos de repouso e de enriquecimento cultural ficaram a ser reserva daqueles que, tendo rádio FM, vivem em zona geográfica FM. O simples lisboeta com o seu transístor dê cabeceira foi excluído!
Mas o universo dos governantes AD não coincide com o universo dos Portugueses, é-lhe apenas secante, e não só porque uma pequena parte coincide...!
O MDP/CDE votará favoravelmente o projecto de lei do PCP e deseja que a sua baixa à comissão desbloqueie tanto trabalho desta Assembleia, que enche já não só os arquivos partidários, mas até mesmo os arquivos históricos deste Parlamento.
Aplausos do PCP e da UEDS.
Neste momento assumiu a presidência o Sr. Presidente Leonardo Ribeiro de Almeida.
O Sr. Presidente: - Creio que não há mais inscrições...
Pausa.
Há ainda um orador inscrito, o Sr. Deputado Barrilaro Ruas.
O Sr. Barrilaro Ruas (PPM): -Eu preferia reservar-me para a declaração de voto.
O Sr. Presidente:-Perfeitamente, Sr. Deputado.
Em todo o caso, e porque se aproxima a hora regimental de encerramento dos nossos trabalhos, é de toda a vantagem informar desde já a Câmara de que se encontra na Mesa um requerimento solicitando a prorrogação dos trabalhos parlamentares até à votação do projecto de lei n.º 134/11, sobre remunerações dos titulares dos cargos municipais.
Vamos votar o requerimento.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.
O Sr. Presidente: - Antes de procedermos à votação do projecto de lei sobre a lei da radiodifusão, presentemente em análise, permito-me interromper este ponto e peço a atenção da Câmara, porque a questão que vou abordar foi há pouco objecto de generalizada atenção de VV. Ex.ª
Tenho a informar que na conferência dos presidentes dos grupos parlamentares, que se realizou na sequência da interpelação que teve por objecto a notícia, o título e a legenda de uma fotografia, que ilustrava essa mesma notícia, publicada no jornal Correio da Manhã, de hoje, se aprovou por unanimidade o teor da seguinte carta a endereçar ao Sr. Director daquele jornal:
Ex.mo Sr. Director do Jornal Correio da Manhã - LISBOA:
1 - O jornal que V. Ex.ª dirige publicou no seu número de hoje uma fotografia que representa a quase totalidade do hemiciclo da Assembleia da República praticamente vazio (vê-se apenas uma Sr.ª Deputada) e com a seguinte legenda: «O Parlamento teve ontem momentos em que o hemiciclo estava praticamente vazio.»
2 - A fotografia em causa «ilustrava» notícia sobre a sessão do Plenário realizada no passado dia 6 e subordinada ao titulo «Parlamento iniciou a sessão com doze por cento dos seus deputados».
3 - A conferência dos grupos parlamentares com assento na Assembleia, por delegação do
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Plenário, decidiu unanimemente que tal notícia e tal fotografia, traduzindo factos falsos, carecem de formal desmentido.
4 - Na verdade, a Assembleia da República , iniciou os seus trabalhos na manhã do passado dia 6 com a presença de deputados em número superior a 84, ou seja, um terço dos deputados que a constituem, e que constitui o mínimo regimentalmente estabelecido para o Plenário funcionar em período da ordem do dia.
De resto, os membros da Mesa verificaram a existência desse quorum no momento que precedeu a abertura da sessão.
5 - Por outro lado, a própria fotografia, em si mesma, demonstra a falsidade da legenda que lhe foi aposta pelas seguintes razões:
a) Por um lado, no dia 6 de Maio corrente não estiveram em qualquer momento nas galerias da Assembleia da República quaisquer máquinas da RTP, que, no entanto, surgem na fotografia;
b) Por outro lado, porque desde o dia 21 de Abril findo que se encontra permanentemente colocado um semáforo de contagem de tempo sobre a porta central de acesso ao Plenário, semáforo esse que na fotografia não aparece.
Portanto, é redondamente falsa a identificação da fotografia com a sessão do dia 6 de Maio, porque ela própria, pelos elementos que contém, demonstra à saciedade que foi necessariamente tomada em data anterior a 21 de Abril.
6 - Acresce que a mesma fotografia não corresponde, nem pode corresponder, a momento de efectivo trabalho do Plenário, tudo nela evidenciando que foi obtida durante um intervalo regimental.
7- Ao desmentirem a notícia, o seu título e a legenda da fotografia, os partidos com assento na Assembleia da República lamentam unanimemente a sua falsa e tendenciosa publicação.
Esperando de V. Ex.ª a integral publicação desta carta, que lhe envio em nome e por vontade unânime de todos os partidos que integram a Assembleia da República, subscrevo-me.
Srs. Deputados, no discurso que tive a honra de proferir nesta Casa no passado dia 25 de Abril referi-me expressamente ao facto de que, de sectores claramente antidemocráticos, vão surgindo aqui e ali frechas que são lançadas contra o Parlamento porque se sabe perfeitamente que, sejam quais forem as estruturas do Estado, é por um parlamento livre, pluralista, digno na sua própria natureza, que passa e se define a existência da democracia.
Aplausos do PSD, do PS, do CDS, do PCP, do PPM, da ASDI, da UEDS e do MDP/CDE.
Nenhum de nós tem o direito de fazer processos de intenção. Não vou dizer que integro numa campanha, que acabo de qualificar como antidemocrática, o acontecimento que nesta carta se censura. Mas se nos não é lícito presumir tal aconteça, mais difícil se torna presumir o contrário e, a partir daqui, é ao Correio da Manhã, é a todos os jornais que eventualmente nos ataquem por esta forma, que fica o ónus de nos demonstrarem, a nós e à Pátria que representamos, que a sua intenção era outra.
Aplausos do PSD, do PS, do CDS, do PCP. do PPM, da ASDI, da UEDS e do MDP/CDE.
Srs. Deputados, continuaremos serenamente os nossos trabalhos, e se porventura em qualquer momento a serenidade não for total ainda aí estaremos a trabalhar e a ser fiéis às nossas convicções. Portanto, vamos retomar os nossos trabalhos onde os interrompemos para que esta carta fosse lida.
Srs. Deputados, vamos votar, na generalidade, o projecto de lei n.º 169/11 (lei da radiodifusão).
Submetido à votação, foi rejeitado, com votos a favor do PS, do PCP, da UEDS, do MDP/CDE e da UDP, votos contra do PSD, do CDS e do PPM e com a abstenção da ASDI.
O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Armando de Oliveira.
O Sr. Armando de Oliveira (CDS):-Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pelas razões expostas na intervenção que fizemos há pouco, o Grupo Parlamentar do CDS votou contra o projecto de lei n.º 169/II, sobre a lei da radiodifusão, da iniciativa do PCP.
Em primeiro lugar, não podemos de nenhum modo aceitar a estatização, ainda que mitigada, da rádio, preparando mais uma situação de monopólio da lavra e tanto ao gosto do PCP.
Em segundo lugar, consideramos que o regime legal da radiodifusão não pode restringir e muito menos eliminar direitos que a Constituição consagra.
Em terceiro lugar, entendemos que a lei da radiodifusão, sem prejuízo de valores que legalmente devem ser reconhecidos, não pode intrometer-se de modo exagerado no funcionamento e na liberdade de programação e organização das emissoras não estatais.
Em quarto lugar, não podemos aceitar que ao Governo incumba a fiscalização do sector, quer no que toca à emissora estatizada, quer sobretudo no que se refere às emissoras privadas e cooperativas, o que seria de todo inadmissível.
Entretanto, levantou-se um burburinho na Sala.
O Sr. Presidente: - Desculpe-me, interrompê-lo Sr. Deputado Armando de Oliveira.
O Srs. Deputados, tenham a bondade de tomar os vossos lugares, pois encontra-se um colega vosso no uso da palavra.
O Orador - Obrigado, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Um momento, Sr. Deputado. V. Ex.ª não continuará a sua declaração de voto enquanto á Câmara não apresentar as condições necessárias para o bom e efectivo funcionamento do Plenário.
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Pedia, pois, mais uma vez, aos Srs. Deputados o favor de tomarem os vossos lugares, está um colega vosso a falar.
Tenha a bondade de continuar, Sr. Deputado.
O Orador: - Em quanto lugar, não concordamos com a extensão a Macau do âmbito de aplicação deste diploma, dadas as características específicas do território e o regime específico que aí deveria existir.
Em suma, somos favoráveis a uma regulamentação de sentido profundamente diverso do que ressalta deste projecto, em ordem a limitar a intervenção do Estado, e nunca a consagrá-la de modo absoluto, estatizando a radiodifusão.
O Sr. Presidente: - Desculpe-me interrompê-lo mais uma vez, Sr. Deputado Armando de Oliveira, mas pretendia pôr à consideração da Câmara um problema que me acaba de ser levantado. Não sei se V. Ex.ª estaria de acordo, mas submeteria isso ao seu critério, podendo o Sr. Deputado acabar de produzir a sua declaração de voto até ao fim.
Por sugestão do Sr. Deputado Veiga de Oliveira, e se houvesse consenso neste ponto, VV. Ex.ªs enviariam as declarações de voto, na hipótese de as terem escritas, para a Mesa para publicação no Diário e, a benefício do tempo que vamos ultrapassar em relação ao que normalmente usamos, entraríamos imediatamente na discussão do projecto de lei n.º 134/II, que constitui o ponto seguinte da agenda de trabalhos.
O Orador: - Sr. Presidente, pela minha parte, falta apenas meio minuto, nem tanto, para acabar a minha declaração de voto. Mas, se todos os grupos parlamentares estiverem de acordo, acedo à sua sugestão e a declaração de voto será enviada para a Mesa para ser então transcrita no Diário.
O Sr. Presidente: - Perfeitamente, Sr. Deputado. Estão todos os grupos parlamentares de acordo?
O Sr. Jorge Miranda (ASDI): - Nós não concordamos, Sr. Presidente.
O Sr. Armando de Oliveira (CDS): - Sr. Presidente, o CDS só concordará com a sugestão apresentada se houver consenso. Caso contrário, terminarei a minha declaração de voto.
O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado. Estou precisamente a ver se há consenso.
O Sr. Jorge Miranda (ASDI):-Sr. Presidente, dá-me licença?
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Jorge Miranda (ASDI): -Sr. Presidente, nós não interviemos durante o debate, pelo que gostaríamos de ler a nossa declaração de voto, que é curta. Sugeria que quem estivesse interessado em ler a declaração de voto leria e quem não estivesse interessado então enviaria para a Mesa para ser transcrita no Diário. Mas nós não prescindiríamos do direito de fazer uma declaração de voto.
O Sr. Narana Coissoró (CDS):-Então, nós também não!
O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): -Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem V. Ex.ª a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Veiga de Oiliveira (PCP):-Sr. Presidente, pedi a palavra só para recordar os termos em que propus à Mesa que não se fizessem, neste momento, as declarações de voto - e naturalmente o Sr. Presidente até, digamos indo mais longe e com boa vontade, adiantou alguma coisa. O que me parece é que devíamos agora fazer, pelo menos, o que temos feito dezenas de vezes, e que é não proceder, hoje, à leitura das declarações. E depois deixar ao critério de cada um: quem quiser enviar por escrito, pois que envie, e quem quiser ler, que leia na primeira oportunidade que haja. Esta tem sido uma prática da Assembleia, que se tem revelado perfeitamente eficaz, e foi isto que sugeri.
O Sr. Presidente: - Tem o Sr. Deputado Veiga de Oliveira razão, pois tinha-me posto a hipótese como tal e eu é que lhe acrescentei a segunda ideia, que foi a que referi aos Srs. Deputados, omitindo a dele. Peco-lhe, por isso, desculpa, Sr. Deputado, mas, como calcula, não foi intencional.
Aceitaria o Sr. Deputado Jorge Miranda que as declarações de voto se produzissem num outro momento?
O Sr. Jorge Miranda (ASDI): - Num outro momento, com certeza, Sr. Presidente. Mas nós queríamos fazê-la oralmente aqui na Assembleia, na medida em que não interviemos durante o debate.
O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado.
Então assentaríamos nisto: o Sr. Deputado do CDS que já iniciou a leitura da sua declaração de voto acabaria de a produzir e as restantes ficariam para
uma outra altura.
O Sr. Jorge Miranda (ASDI): - Dá-me licença, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente:-Com certeza, Sr. Deputado
O Sr. Jorge Miranda (ASDI):-Sr. Presidente, se fosse possível eu ler a minha declaração de voto, que demora apenas dois ou três minutos, confesso que isso me agradaria mais.
O Sr, Veigade Oliveira (PCP):-Assim não pode ser!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, então vamos continuar com as declarações de voto que entenderem e trabalharemos até à hora que desejarem.
Aplausos de alguns deputados do CDS.
Sr. Deputado Armando de Oliveira, tenha a bondade de continuar e, mais uma vez, peco-lhe desculpa por o ter interrompido.
O Orador - É nesse sentido que nos [...] a trabalhar porfiadamente para, no mais breve prazo,
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em iniciativa no quadro da Aliança Democrática, permitir caminhar para o termo do vazio legislativo que ainda subsiste nesta área. E é nesse sentido também que, com o nosso voto negativo de há pouco, repudiamos veementemente uma vez mais a concepção estatizadora, "controleira" e colectivista da comunicação social e da radiodifusão que ressaltava do projecto do Partido Comunista.
Aplausos do CDS, de alguns deputados do PSD e do PPM.
O Sr. Presidente: - Também para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Miranda.
O Sr. Jorge Miranda (ASDI): - Sr. Presidente, Srs. Deputados; Os Deputados do Grupo Parlamentar
da Acção Social-Democrata Independente abstiveram-se relativamente ao projecto de lei n.º 169/II, do PCP, porque sem deixarem de reconhecer utilidade na iniciativa, entendem que ele é insuficiente e que contém mesmo preceitos inaceitáveis.
Já vem sendo tempo de o País ser dotado de uma lei de radiodifusão. Isto tanto mais quanto é certo que a Assembleia da República tem de assumir plenamente as suas responsabilidades, sem estar à espera ou à mercê das propostas de lei do Governo para exercer à sua função primordial, a função legislativa. Por este motivo e por encontrarmos também soluções interessantes no projecto, pela nossa parte não o inviabilizamos.
Mas não poderíamos aprovar um texto com tão graves lacunas como o agora votado e que, ao mesmo tempo, contém, explícita ou implicitamente, não menos graves riscos da perspectiva - que é a nossa - de respeito do sistema de direitos, liberdades e garantias consignadas na Constituição.
Entre as lacunas basta lembrar o diferir para lei ulterior do regime do exercício da actividade da radiodifusão por empresas não pertencentes ao sector público; a não regulamentação do direito das confissões religiosas previstas no artigo 41.º, n.º 4, da lei fundamental, de utilização de meios de comunicação social próprios para o prosseguimento das suas actividades; o não alargamento do direito de antena, designadamente a confissões religiosas e organizações culturais; a não extensão do Conselho de Imprensa à rádio oficial, a não regulamentação de direito de antena nas regiões autónomas; a não regulamentação ainda da actividade publicitária na rádio.
Por outro lado, e reiterando uma posição que eu próprio, noutra altura perante texto semelhante, tinha adoptado, achamos que os artigos 2.º e 53.º do projecto põe em causa a liberdade de comunicação social - porquanto o Estado não tem a faculdade de conceder ou não conceder o exercício da actividade radiodifusiva; o Estado possui, sim - e tem de possuir - a faculdade de regulamentar o acesso à radiodifusão e pode fazê-lo segundo o regime de concessão ou outro, mas não em termos de eventual dependência de uma opção negativa do legislado ordinário. Assim como põe em causa essa liberdade o artigo 48.º, n.º 2, ao admitir um regime de isenções fiscais que pode ser discriminatório.
Finalmente os artigos 12.º e 17.º do projecto de lei afectam o referido direito das confissões religiosas de disporem de meios de comunicação social próprios,
por poderem atingir a orientação e a identidade que cada confissão religiosa queira imprimir às estações emissoras a seu cargo.
Coerentemente, pois, não votamos a favor.
Coerentemente estamos disponíveis para trabalhar no sentido de uma lei de radiodifusão, em tudo armónica com a letra e o espírito da Constituição, ou seja, uma lei ao serviço da democracia pluralista, da identidade cultural portuguesa e do progresso social.
O Sr. Presidente: - Igualmente para uma declaração de voto, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Se não o soubéssemos já focaríamos a saber pelas intervenções da bancada da maioria que o motivo fundamental que levou os deputados da AD a votar contra o projecto de lei n.º 169/II é a alegada "inoportunidade política" - isto efectivamente encontra-se a p. 155 de uma intervenção do Sr. Deputado do PSD.
Ficaríamos a saber, se disso não estivéssemos esclarecidos há muito, que a AD acha inoportuno aprovar um diploma que, entre outras matérias, consagra o direito de réplica política dos partidos da oposição, de acordo, aliás, com o disposto na Lei n.º 59/77, de 5 de Agosto.
O povo português ficará assim a saber, se não o sabe já, que a AD acha inoportuno politicamente que os partidos da oposição possam usar os emissores da radiodifusão para esclarecer a opinião pública, rebatendo afirmações governamentais.
Acha inoportuno politicamente que os partidos da oposição utilizam os microfones da rádio para afirmar, por exemplo, que ao contrário do que diz o Sr. Ministro dos Assuntos Sociais, em saúde tudo vai mal.
Quer dizer, ao fim e ao cabo, que a AD julga inopostuno que o povo seja esclarecido, pretendendo que a este chegue apenas a voz do dono.
Há cerca de dois anos disse-se aqui, aquando da discussão de um outro projecto de lei, e disse-o um deputado da maioria, que a empresa estatizada deveria conter as opiniões do Estado e que não deveria ser governamentalizada. E acrescentou-se que assim deveria ser por vivermos, num Estado pluralista e democrático e não num Estado monolítico e totalitário.
Ficaríamos agora a saber, se não o soubéssemos já, que passados dois anos a AD, em relação à radiodifusão, entende que é inoportuno politicamente desgovernamentalizar os emissores radiofónicos. Que é inoportuno que o Estado seja pluralista e democrático. Que é oportuno para a AD que o Estado seja monolítico e totalitário. Já o sabíamos.
O Sr. Amândio de Azevedo (PSD):- Ó diabo!
A Oradora: - A face da AD surge sempre atrás da máscara.
O Sr. Amândio de Azevedo (PSD): - Isso é compromisso histórico!
A Oradora: - Espreita e surge quando nela se adivinha o desespero, de se ver em queda. Quando à custa de ilegalidades, de atropelos constitucionais, de
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arbitrariedades; estende a mão em busca do poleiro. À custa, neste caso, da liberdade de informação e propaganda.
Podemos concluir que para a AD o projecto é inoportuno porque neste preciso momento político o povo recomeça a despertar e redescobre a verdadeira face da maioria.
É esse o motivo de inoportunidade política confessada pela AD no debate que a levou a rejeitar o projecto de lei. É não quaisquer inconstitucionalidades rejeitadas no parecer n.º 28/79 da Comissão Constitucional. E não uma inventada inconstitucionalidade resultante de uma errada leitura do artigo 32.º, n.ºs 4 e 5, da Constituição da República.
Deu-se ainda a entender que era inoportuno o projecto, porque o Governo tinha uma proposta de lei em preparação.
Corre-se, assim, o risco de ver paralisada a iniciativa legislativa da Assembleia, porque o Governo vela. Mas em má hora.
Não venha afirmar-se que por esta ou aquela deficiência do projecto se votou contra o mesmo, pois na discussão na especialidade nele bem se poderiam introduzir aperfeiçoamentos, e suprir lacunas.
Fica por demais claro que a AD utiliza esta argumentação como pretexto, mas a verdade é outra. A AD recusou-o porque, em primeiro lugar, recusa e recusará todos os projectos que venham da oposição; e, em segundo lugar, porque a AD é avessa à dotação do regime democrático, de leis democráticas, que impeçam e acabem com o despudor de manipulação e controle de que nos dias de hoje se serve para controlar a comunicação social.
Apresentámos e votámos favoravelmente o projecto de lei por razões constitucionais que impõem que a Assembleia da República estabeleça o regime dos meios de comunicação social. Por razões políticas que tornam urgente o fim de: ilegalidades e arbitrariedades. Que tornam urgente o fim do monopólio da AD na radiodifusão, exercido através dos seus gestores que controlam ideologicamente, censuram e asseguram ao Governo uma prática obscurantista a nível de informação radiofónica. Precisamente na rádio que, como se diz na exposição de motivos do projecto de lei, é de reconhecida capacidade de penetração numa população geográfica e culturalmente dispersa, com elevadíssima taxa de analfabetismo e reduzida capacidade e hábitos de leitura, e que, por isso mesmo, exerce um papel, preponderante junto das populações.
Por estas razões, que afinal se resumem em duas palavras, a Constituição e a democracia, apresentámos e votámos favoravelmente o projecto, de lei n.º 169/II.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Ainda para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Barrilaro Ruas.
O Sr. Barrilaro Ruas (PPM):-Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PPM votou contra o projecto de lei n.º 169/II, apresentado por deputados do Partido Comunista Português, por uma razão de fundo. Apesar de considerar que neste projecto de lei existem algumas disposições que poderiam perfeitamente passar para uma lei necessária, não apenas oportuna mas direi urgente, a filosofia geral deste projecto de lei é contrária -parece-nos a nós- ao próprio espírito da actual Constituição da República Portuguesa.
Efectivamente, a filosofia que enforma este projecto de lei está expressa praticamente, logo de entrada, no artigo 2.º, quando afirma que a radiodifusão constitui um serviço público de exclusiva responsabilidade do Estado. O n.º 3 deste mesmo artigo e o artigo 53.º mal podem temperar a importância negativa - se posso exprimir-me assim - desta doutrina com que logo de chofre se entra no projecto de lei.
A Constituição tem um espírito no que se refere às liberdades e garantias e esse espírito é contrariado pontualmente -cremos nós- por esta disposição geral que abre o projecto de lei do Partido Comunista Português.
Efectivamente, a Constituição, num plano muito geral, garante direitos e liberdades que vêm expressos desde o artigo 36.º, 43.º, 45.º, 46.º, 47.º, 57.º; 70.º e outros e garante, num âmbito mais específico, a liberdade de expressão e de informação no artigo 37.º desdobrado, como todos temos presente, em liberdade de exprimir o pensamento -pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio - e liberdade de obter informações.
Igualmente neste âmbito específico garante, a liberdade de imprensa no artigo 38.º com a única excepção, não evidentemente exemplificativa, da Televisão que aparece citada no artigo 6.º E, ainda neste âmbito específico, garante finalmente a liberdade de consciência e religião no artigo 41.º, com expressa utilização, no seu n.º 4 de meios de comunicação social próprios para o prosseguimento das suas actividades, o que, aliais, não deve continuar -pensamos nós - limitado à Igreja Católica, através dia Rádio Renascença, mas estender-se a outras confissões religiosas.
É deste (princípio constitucional, desta principiologia ou filosofia constitucional, que importaria partir para a regulamentação e o estudo necessário do uso do direito de radiodifusão que, até por razões de ordem técnica -diríamos quase científica- e de convivência internacional, como várias vezes aqui oportunamente tem sido recordado, é com certeza necessária, em termos legais. Simplesmente, é a partir de um princípio totalmente oposto àquele que preside ao projecto de lei n.º 169/II que importa perspectivar esta questão.
O PPM podia evidentemente ter pensado que seria melhor reservar para a comissão respectiva o estudo na especialidade destas questões. Entendemos, no entanto, como já tem sido outras vezes dito, quer pela oposição, quer pela maioria, que o espírito que preside a um projecto de lei deve ser respeitado e não é correcto que, pelo menos no seu conjunto, a comissão venha a deturpar, a violar a filosofia subjacente ou expressa num projecto de lei apresentado por qualquer grupo parlamentar.
Por isso, o PPM votou contra em plena consciência.
Aplausos do PPM, do PSD e do CDS.
O Sr. Presidente: - Como não há mais declarações de voto, está encerrado o debate em relação a este ponto da ordem do dia.
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Entramos de seguida na discussão do projecto de lei n.º 134/II - Remunerações dos titulares dos cargos municipais.
Não sei se os Srs. Deputados dispensam a leitura do relatório e parecer da Comissão de Administração Interna e Poder Local que já foi distribuído?
O Sr. Sousa Gomes (PS): - Dispensamos sim, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Perfeitamente. Tem, então, a palavra o Sr. Deputado Sousa Gomes, para uma intervenção.
O Sr. Sousa Gomes (PS) -Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em Janeiro deste ano o Grupo Parlamentar do Partido Socialista tomou uma iniciativa legislativa respeitante à remuneração dos titulares de cargos municipais. Esta iniciativa foi objecto de apreciação na Comissão de Poder Local e Administração Interna, no âmbito da qual obteve o consenso necessário para subir ao Plenário. Já depois desse primeiro consenso elaborado, quer o Grupo Parlamentar do PCP, quer o Grupo Parlamentar do PSD, entenderam produzir também iniciativas que abarcavam a mesma matéria do Partido Socialista.
Foi possível, apesar de tudo num curto espaço de tempo, no âmbito da comissão, elaborar um projecto alternativo que acaba de ser entregue na Mesa e cujo parecer o relatório da comissão foi dispensado da sua leitura aqui em Plenário.
Pensamos que, no entanto, cada grupo parlamentar terá necessidade em justificar as razões por que foi possível esse consenso e explicar também alguns dos pontos que nos impedem de, pelo menos, na especialidade dar o nosso acordo à sua totalidade.
Sobre esta matéria, portanto, o meu grupo parlamentar julga importante relevar, antes de mais, os antecedentes e a razão da importância e a urgência deste projecto de lei.
Como se sabe, Sr. Presidente e Srs. Deputados, depois de um longo período de existência de poder autárquico sem legitimidade democrática em Portugal, com a Constituição de 1976 vimos consagrados não só nomes que estruturam o poder popular, mas também o próprio poder local. E este poder local, independente do poder central, isto é, do Estado, é consagrado na nossa Constituição de uma forma que reputamos, sem qualquer sombra de dúvida, não só de progressista e avançada, mas também como representando a força que a nossa própria visão dos acontecimentos do 25 de Abril traduziu no sentido de devolver às populações, de devolver ao povo, a capacidade de, a nível das comunidades locais, poderem organizar-se e eleger os seus representantes, os seus legítimos dirigentes, de terem autonomia administrativa e financeira e de poderem gerir por si próprios os seus interesses.
Ora bem, não foi apenas a consagração constitucional que deu ao poder local em Portugal um papel de relevo e de importância extraordinária para o futuro da construção democrática. Nós sempre defendemos - e queremos hoje também aqui relevar - que não pensamos que haja possibilidade de existir em Portugal uma democracia fecunda, uma democracia forte, uma democracia com futuro sem que ela se baseie na existência de um poder local forte, de um poder local capaz, de um poder local que dê resposta à satisfação das necessidades das populações que lhe interessam.
Esse poder local que, mercê da Constituição e da legislação que esta própria Assembleia já produziu, dispõe hoje de competências e dispõe também de uma lei das finanças locais que lhe dá autonomia financeira e precisa de ser capaz de prosseguir o trabalho já iniciado no sentido de conseguir consagrar uma estrutura administrativa e um estrutura de gestão municipal capaz de dar resposta, ao nível que se requer, dos problemas que se têm de resolver.
Os Srs. Deputados sabem que em 1974 a dotação global de despesas correntes e de capital dos municípios era 3,7 milhões. Hoje, em 1981, os municípios dispõem de cerca de 40 milhões dia contos para dispêndios correntes e de capital. Se se manteve uma discreta posição de cerca de 10 % de dinheiros públicos postos à disposição dos municípios, a verdade é que o montante absoluto dos dispêndios a cargo dos municípios é hoje muito elevado, equivale aos ministérios de maior vulto financeiro e corresponde também, por outro lado, a uma situação estrutural diferente.
até ao ano de 1973 os 3,7 milhões de contos que eram consagrados aos municípios eram, em grande parte, geridos por Lisboa, visto que uma parte significativa deste montante era atribuído a título de comparticipação. Hoje, mercê da Lei das Finanças Locais, os 40 milhões atribuídos aos municípios são gastos sobre a direcção e sobre a responsabilidade dos eleitos locais.
Ora, estes eleitos locais viram as suas responsabilidades acrescidas, viram a sua capacidade de gestão aumentada, sendo hoje responsáveis por verdadeiros níveis de gestão que são comparáveis já a médias e grandes empresas. Se há municípios que têm orçamentos de algumas dezenas de milhares de contos, a maioria caminha hoje para ter orçamentos, no mínimo, de uma centena de milhares de contos. Vários municípios, cerca de de uma dezena, têm já orçamentos que excedem os 500 000 contos e, por exemplo, o Município de Lisboa tem o seu orçamento para 1981 orçamentado em cerca de 4 milhões de contos.
Não se trata, portanto, de ignorar aqui a necessidade de dotar a administração tocai de responsáveis à altura de gerir as responsabilidades que lhe foram consagradas. Trata-se de conseguir também, para a gestão autárquica, gestores capazes de cumprir este papel.
Se é preciso, a nosso ver, levar mais longe do que a uma simples reforma dos vencimentos autárquicos municipais, se é preciso prever, a curto prazo, uma verdadeira reforma da administração local, julgamos que é imperativo e urgente que não se pode adiar, por mais tempo, uma primeira revisão que consagre um nível mínimo aceitável de remuneração dos eleitos locais. Trata-se, portanto, como disse, não só de consagrar, a nível de remuneração, um quantitativo que seja capaz de corresponder à responsabilidade que é pedida aos eleitos locais, como também de dignificar a sua função, de prestar um mínimo de justiça no próprio nível de responsabilidade que lhe consagramos.
Por este conjunto de razões, o projecto de lei que o Partido Socialista apresentou e que visava, sobretudo, a alteração das remunerações dos titulares dos
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cargos municipais, penso que temi urgência, que tem uma necessidade imperiosa de merecer o consenso, e a aprovação desta Câmara.
Entenderam outros grupos parlamentares aproveitar a oportunidade - e, a nosso ver, bem- para alargar o âmbito desta iniciativa para a cobertura de alguns direitos ligados às juntas de freguesia e também, eventualmente, ao pagamento de senhas de presença das assembleias municipais e assembleias de freguesia.
Se ,demos o nosso apoio, se demos o nosso consenso à aprovação, na generalidade, do projecto alternativo entregue na Mesa e cuja apreciação aceitamos que seja feita em substituição do nosso próprio projecto, gostaríamos, no entanto, de tornar claro que essa aprovação na generalidade não impede de referir dois ou três aspectos que, na especialidade, não podem merecer o nosso acordo.
Dizem respeito; em primeiro lugar, ao problema do pagamento de senhas de presença nas assembleia municipais e nas assembleias de freguesia. Nós julgamos que seria, porventura, possível, num futuro próximo, fazer uma alteração à gratuita idade consegrada na Lei n.º 79/77 a essas funções, funções que têm, evidentemente, um carácter eminentemente cívico e político, pois é mais do que o desempenho de funções de ocupação profissional. Pensamos, no entanto, que neste momento, dado o elevado montante de dezenas de milhares de contos que terão de ser consagrados ao pagamento dessas senhas de presença e dado ainda a necessidade de equacionar, de forma mais precisa e correcta, as consequências financeiras dessas senhas de presença, que não deveria ser ainda consagrada qualquer remuneração pela presença nas assembleias municipais e muito menos nas assembleias de freguesia.
Julgamos mesmo e vemos com dificuldade que, não tendo este ano sido possível o Governo fazer aprovar, aqui, uma lei de finanças locais que desse integral aplicação à Lei n.º 1/79, vão ser desviadas dezenas de milhares de contos para pagamento destas senhas, quando tantas necessidades há ainda por satisfazer em todos os municípios.
Pensamos também que o pagamento ou, pelo menos, a compensação para os encargos decorrentes do exercício da responsabilidade assumida pelos direitos locais nas juntas de freguesia, devia merecer uma ponderação um pouco mais criteriosa. Esse mesmo facto dizêmo-lo no preâmbulo do nosso projecto de lei.
Pensamos que a cobertura proposta na comissão é um primeiro passo - e por isso votaremos favoravelmente -, mas queremos dizer que não nos satisfaz e que, em oportunidade própria, terá de se voltar a esta matéria e consagrar então algumas disposições complementares que dêem tratamento de equidade e satisfação mais plena à remuneração que, a nosso ver, dará vida ao exercício das funções de direcção das juntas de freguesia.
Existem ainda na espedialidade algumas outras observações que reservamos paira uma ulterior intervenção ou paira o debate na especialidade.
Termino, dizendo que a Assembleia dia República, se quiser prestar justiça ao trabalho que os eleitos locais vêm desempenhando, correspondendo ao mandato que, por eleição directa, lhes foi conferido, prestam não apenas um elementar direito de justiça de consagrar um direito - que é devido - de maior justiça e de maior equidade a esses eleitos locais, sobretudo àqueles que desempenham funções na administração municipal. Mas fará mais: fará chamar a atenção da Administração em geral do Pais, de todos os outros eleitos, dos próprios eleitores, para a responsabilidade que pesa sobre os eleitos municipais, para aqueles que são chamados, sobretudo nos executivos municipais a despenderem, de forma criteriosa, de forma justa e de forma satisfatória, os dinheiros públicos.
Se, em Portugal, a administração municipal é apenas ainda responsável piar cerca de 10% dos dinheiros públicos, não é esse o destino que está reservado ao poder local. Por toda a Europa, a administração municipal é já hoje responsável por dispêndios que oscilam entre 30 % a 60 % dos montantes das verbas públicas. Ora, para tornarmos apta a nossa administração municipal para o exercício pleno, capaz, adequado e responsável das suas funções, é preciso não só dignificar, como, sobretudo, considerar os direitos necessários de remuneração para o exercício desses cargos.
A Assembleia, ao aprovar a alternativa que, em substituição do projecto de lei do Grupo Paramentar do Partido Socialista, a Comissão de Administração Interna e Poder Local apresentou, ao aprovar - repito- na generalidade, esse projecto de lei, julgamos nós, presta um bom trabalho e um bom serviço à democracia, em gerai e também um particular serviço, necessário e justo, a favor dos eleitos locais, em quem todo o País terá de depositar, no futuro, grandes esperanças na resolução, sobretudo, dos problemas que dizem respeito às comunidades locais.
Aplausos do PS e da ASDI.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente. Srs. Deputados: Desejo realçar que, no âmbito da Comissão Permanente de Administração Interna e Poder Local e da Subcomissão, constituída para a matéria em debate (remunerações e abonos dos eleitos locais), os partidos souberam sobrepor às suas posições divergentes iniciais o interesse das autarquias locais, da sua dignificação e reforço - e este é um dos objectivos maiores da mudança democrática da sociedade portuguesa.
A iniciativa parlamentar coube, em primeiro lugar, ao PS. Posteriormente, o PCP veio com um projecto de lei contemplando os membros dos órgãos das freguesias.
Finalmente, o PSD apresentou, também, um projecto sobre a matéria. Não para poder dizer que também apresentou o seu. Mas porque qualquer dos outros dois não se afiguravam os mais válidos e adequados, de forma a responder às distorções da situação presente e aos objectivos acima referidos de dignificação e reforço do poder local.
Uma voz do PSD: - Muito bem!
O Orador - O projecto do PS apenas contemplava os titulares dos cargos municipais, e nem todos, pois continuava a excluir quer os membros das assembleias municipais, quer os órgãos das freguesias.
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O projecto do PCP veio contemplar os membros das juntas de freguesia -e agora de forma excessiva, a nosso ver, pois propunha a criação de funções a tempo inteiro-, esquecendo também os membros das respectivas assembleias. O projecto do PSD veio, sobretudo, introduzir um princípio fundamental: o de que todos aqueles que exercem funções em órgãos autárquicos devem merecer a mesma dignidade de tratamento e o reconhecimento de que não há diferença de natureza nas suas funções, porque uma e outra resultam dessa qualidade sagrada e nobre do edifício ou do sistema democrático, que é a figura do cidadão livremente eleito, seja grande ou pequena a comunidade que o eleger.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - E depois, sim, dentro do quadro geral deste princípio, estabelecer as diferenças ajustadas às situações materiais concretas, resultantes de múltiplos factores, desde a grandeza das responsabilidades de gestão até aos condicionantes de carácter meramente territorial ou populacional.
Neste sentido e diferentemente do projecto do PS, não poderíamos deixar de contemplar no nosso projecto os membros das assembleias municipais e os dos órgãos das freguesias.
Aparantemente, deveríamos acolher a proposta do PCP de criar a função de membro da junta de freguesia a tempo inteiro. Mas a nossa filosofia política não é a do PCP nem, por consequência, os nossos objectivos.
Por um lado, o que se poderia justificar ontem, pode deixar de ser válido hoje. Por outro lado, a consolidação da democracia, assim como a do poder local, não é sinónimo de fraccionamento até à molécula dos conjuntos funcionais em que deve assentar a sociedade e por extensão, a democracia.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador - Porque aqui não se trataria de consolidação real, mas antes de desagregação. E, em vez de se caminhar para a afirmação da democracia e do poder local, caminhar-se-ia, isso sim, para o seu descrédito, embora sob o fogo de artifício ou a nuvem de fumo das palavras e das juras solenes.
aí que não nos pareça válido favorecer a criação de autênticas subcâmaras ou de subequipas de gestão, quando a tendência geral, por imperativo de coordenação e rentabilidade da enormidade crescente dos meios financeiros e técnicos investidos e utilizados, é no sentido contrário: o da fusão de autarquias, onde se justifique - o que não é incompatível com a criação de novas autarquias-, também onde se justifique - ou o da sua associação. E basta consultar a estatística dos diferentes países da Europa democrática onde se confirma a tendência referida.
Ao mesmo tempo, estar-se-ía a privilegiar alguns casos em detrimento da maioria esmagadora dos eleitos das freguesias do País.
E, se há situações onde a organização autárquica já não corresponde, pela evolução e crescimento entretanto verificados, à realidade social, então cabe proceder às diligências pertinentes ao seu ajustamento. Mas de forma nenhuma recorrendo a expedientes cujas consequências não são úteis, mesmo parcelarmente, e apenas conduziriam a criar um fosso de injustiças relativas no seio dos eleitos das freguesias.
O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Concluindo: somos pela afirmação da democracia e do poder local e, por isso, pela dignificação do eleito, independentemente da grandeza da sua comunidade. Somos pela consolidação da democracia e do poder local, pelo seu prestígio e, portanto, eficácia, e por isso nos opomos à desagregação, por sistema, porque ela é o seu contrário. Somos pela renovação e modernização da sociedade portuguesa e, por isso, defendemos que novas autarquias, freguesias ou concelhos, devem ser criados, assim como constituídas, apoiadas e incentivadas as associações intermunicipais, de forma a que a organização administrativa em vez de representar um entrave à evolução da sociedade portuguesa, seja antes sua expressão e motor.
O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Muito bem!
O Orador -A este propósito, lembrarei que já deu entrada nesta Assembleia uma proposta de lei do governo Pinto Balsemão que visa criar o quadro e incentivo para o associativismo intermunicipal e um projecto de lei, assinado por deputados do PSD, CDS e PPM, que tem os mesmos objectivos no concermente ao associativismo municipal, nacional e regional, que seja expressão e garante dos interesses do poder local e, ao mesmo tempo, interlocutor interno e externo, válido, representativo e acreditado.
O PSD tem sido, e continuará a ser, um combatente e um obreiro intransigente da descentralização e do poder local.
Mas num país em que uma longa tradição e prática pública e administrativa é exactamente no sentido contrário, sabemos que se trata de uma tarefa não só dificílima como também prolongada. Seria estultícia querer ou pretender realizá-la sozinhos.
Contamos com a vontade do Governo, contamos com a vontade da coligação governamental. Mas é preciso também que, neste esforço histórico, e sem abdicação dos seus princípios e posicionamento próprios, inclusive o de oposição, até graças e em consequência deles mesmos, todos os partidos democráticos tomem tal tarefa como obra comum, e não como pomo de clivagens à busca de resultados imediatistas, em detrimento daquilo que todos eles desejam construir para ficar e durar, e não para utilizar e destruir ou, em linguagem mais filosófica, superar: a democracia.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
O Sr. Prsiente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Anselmo Aníbal.
O Sr. Anselmo Aníbal (PCP):-Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do PCP apresentou, recentemente, nesta Assembleia, o projecto de lei n.º 192/II, sobre os direitos dos membros das juntas de freguesia. A matéria não estava, aliás, contemplada no projecto de lei n.º 134/11, do PS, que já tinha dado entrada na Assembleia
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Considerámos que a realidade das freguesias exigia a adopção de medidas diversas daquelas que, por omissão, nem sequer eram referidas no diploma apresentado pelo PS. Sublinhámos, aliás, na apresentação do nosso projecto de ler que o conjunto das nossas propostas reflectia, além do que era, e é, o nosso pensamento - testado, aliás, pela prática da vida autárquica-, reflectia, dizia, o pensamento de várias freguesias reunidas, de vários quadrantes políticos- se se quiser a expressão-, em 7 e 8 de Março. Foram as freguesias de Carnaxide, no Município de Oeiras, da Cova da Piedade, no Município de Almada, de Paranhos, no Município do Porto, de Odivelas, no Município de Loures, e de Santa Maria dos Olivais, no Município de Lisboa. Propunha esse texto, assinado conjuntamente por estas cinco freguesias, que "os membros das juntas de freguesia fossem dispensados da comparência, ao emprego ou ao serviço até quarenta horas mensais". Sublinhava-se também, que, "nas freguesias, com o número de eleitores acima de 10 000, podem os presidentes das juntas de freguesia estar a tempo inteiro".
Daí que tenhamos mantido, no seio da 16.º Comissão, a propósito do projecto de lei n.º 134/II e da matéria contemplada pelos projectos de lei n.ºs 192/II e 203/II, posições, designadamente em relação às juntas de freguesia, que fazem parte de um txto conjunto desta Comissão, mas que são alternativas a outros textos e que terão que ser votados na especialidade. Apresentámos essas alternativas, designadamente propondo -aliás, na sequência daquilo que acabo de ler - que os membros das juntas de freguesia fossem dispensados da comparência aos serviços ou empregos até quarenta horas mensais e que, em freguesias com o número de eleitores superior a 5000, a autarquia tivesse, pelo menos, um eleito a tempo inteiro e que as freguesias com mais de 20 000 eleitores tivessem eleitores a tempo inteiro.
Esta alternativa sobe agora ao Plenário, e pusemos bem claro na Comissão - e pomos bem claro no Plenário - que não abdicamos de aqui o ver votado, em alternativa.
É preciso que fique bem claro, de forma responsável, correcta e em permanência, quem defende a totalidade das soluções consagradas a uma estrutura constitucional do poder local, na prática do dia-a-dia, também nas freguesias.
Ainda lembramos -e este é um ponto de análise que na discussão na especialidade certamente reentrará - que existem 36 freguesias, no total de 4042, que têm mais de 20000 eleitores: 20 freguesias no Município de Lisboa, 9 no Município do Porto, 4 no Município de Setúbal, 1 no Município de Coimbra, 1 no Município de Faro e 1 no Município de Évora.
Estas freguesias - 36, volto, a dizer, no total de 4042, com mais de 20 000 eleitores-, que têm, certamente, problemas diversos da grande maioria, que têm problemas de resposta às populações, que têm problemas de ligação às outras autarquias que vivem na mesma circunscrição territorial, têm necessidade de eleitos a tempo inteiro.
Em relação ao texto global, que tem em conta - volto a reiterar- os projectos de lei n.ºs 134/II, 192/II e 203/II, a posição do Grupo Parlamentar do PCP -anunciamo-la desde já- é uma posição de abstenção em relação ao articulado em geral, apresentando, entretanto, alternativas a votar em relação a textos de pertinentes artigos ou número de artigos. A posição insere-se numa apreciação crítica que vem já da Lei 44/77 e da Lei n.º 57/79, que seriam agora revogadas, com o texto da Comissão, texto esse que substitui o projecto de lei n.º 134/II. Essa abstenção continua a afirmar a nossa discordância em relação a soluções que constituem a matriz onde se inserem, na parte dos cargos municipais, alguns dos aspectos do presente dploma. Adopta-se um critério de classificações vindo do Código Administrativo, adopção pura e simples desse articulado; discriminam-se vencimentos de eleitos de autarquias em função da adopção de tais critérios, facto que, como já dissemos, aliás, em sede de subcomissão, não encontra justificação séria e suficiente em diferenças de empenhamento e em diferenças de níveis de responsabilidade.
Sublinhamos, entretanto, que os valores remuneratórios - como já foi aqui frisado - vão ter influência no conjunto dos 305 municípios e que esta decisão acaba, afinal, por dar renovada expressão à reiterada denúncia que o Grupo Parlamentar do PCP tem feito à aplicação da Lei das Finanças Locais.
Uma voz do PCP: - Muito bem!
O Orador - Em cerca de 400 milhões de contos de despesas públicas, o governo da AD conseguiu encontrar 34 milhões de contos, isto é, 18 % desses cerca de 400 milhões de contos, ratificando os deputados do PSD, do CDS e do PPM aquilo que várias vezes salientámos como uma fraude no valor de transferências, que é para é cima de 30 milhões de contos.
Estas indicações globais assinalam, pois, a posição que já anunciamos, traduzem a posição crítica global e acentuam a importância da votação, na especialidade, dos 18 artigos que compõem o projecto substitutivo do projecto de lei n.º 134/II.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Abreu Lima.
O Sr. Abreu Lima (CDS): -Sr. Presidente Srs. Deputados: Antes de tudo, congratulo-me, especialmente até pela circunstância de ter sido coordenador da Subcomissão, com o mais total e completo entendimento e boa vontade de todos os partidos que constituíam esta Subcomissão para se arranjar um texto que pudesse vir ao Plenário e que trouxesse a maior dimensão possível de consenso nesta matéria. Queda aqui alegrar-me, queria aqui satisfazer-me com esta boa vontade que houve por parte de todos os partidos - sem excepção-, em conseguir-se este texto de base que servisse a uma votação, tão ampla e tão consensual quanto possível, sobre esta matéria.
Não posso, de modo algum, deixar de viver e de sentir, de uma maneira muito viva e muito particular este problema pelo facto de eu ser um autarca. Sou presidente de uma Câmara e vejo neste diploma em discussão e nas alterações que lhe foram introduzidas o reconhecimento daquilo que devem vir a ser, sobretudo, as Câmaras Municipais e os autarcas que as compõem.
De facto, cada vem mais, cada ano que passa, e estou convencido de que dentro em breve, através da
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aprovação que venha a ser feita nesta Casa do diploma sobre a delimitação e coordenação das competências entre a administração central, regional e local, para efeitos de investimento, ...
O Sr. Pedro Roseta (PSD): - É pena não estar cá a Sr. Deputada Santo Clara Gomes!
O Orado: -... as câmaras passam a ter, clara, definitiva e definidamente, competências mais vastas, mais amplas e mais diversificadas do que aquelas que item hoje. E às que hoje têm já afogam, já saturam e já mortificam muito os autarcas, sobretudo os Presidentes das Câmaras e os vereadores, a tempo inteiro, pela satisfação desças necesidades que já hoje depõem na suas mãos.
É, pois, necessário que se encontrem à frente, sobretudo das Câmaras Municipais, pessoas com competência para poder resolver, da melhor maneira, o mais economicamente possível e com a maior extensão, todas as necessidades das populações locais.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador - Não há dúvida nenhuma de que as câmaras têm que principiar - no meu entender - a funcionar como verdadeiras empresas. Não é possível que os autarcas ignorem os planeamentos a médio prazo, não é possível que, sistematicamente, resolvam situações pontuais, não podem deixar de ter uma visão mais ampla não só do que interessa ao conselho mas do que abrange e do que se reflecte -também nos concelhos vizinhos. Isto não pode ser só resolvido pela boa vontade dos autarcas.
É necessário que haja gente competente à frente das autarquias.
E não tenhamos ilusões. Se não se remuneram convenientemente os principais responsáveis do poder municipal, haveremos de, sistematicamente, cair em situações de remendo e em situações que nem sempre serão ás melhores para a solução das necessidades das populações locais.
Portanto, tenho de necessariamente me satisfazer e congratular com as propostas contidas neste texto e que têm um largo consenso dos partidos aqui presentes.
Estou convencido de que este reconhecimento da retribuição que deve ser devida aos autarcas municipais irá proporcionar que a grande maioria das Câmaras decote país possa dispor de pessoas à altura das suas necessidades. Por isso, em nome do meu partido dou inteiro apoio a este projecto de lei.
O projecto de lei não se limita, única e simplesmente, a tratar da remuneração do Poder Local, de âmbito ou de característica municipal. Ele contempla também os órgãos autárquicos das freguesias e, embora isso não seja uma retribuição do seu trabalho, é uma compensação, é a cobertura dos prejuízos que esses autarcas sofrem pelo tempo que dedicam às necessidades das populações que estão sob a sua esfera de acção e dos problemas das suas autarquias.
As freguesias do concelho de que sou presidente são pequenas -a maior tem 3500 almas e item freguecias com 200 almas-, e suponho que nenhuma delas tem um escriturário ou uma pessoa que trate dos seus problemas, que são os autarcas e que nas situações mais primárias têm que resolver aqueles expedientes indispensáveis da vida das autarquias das freguesias.
Portanto, parece-me justo, parece-me acertado que as verbas, subsídios e compensações propostas neste projecto sejam atribuídas a esses autarcas das freguesias, o que representa alguma compensação paios prejuízos que sofrem...
Estou inteiramente à vontade para dizer isto parque o meu concelho vai financeiramente suportar uma pesada verba que são estas importâncias previstas neste projecto de lei cara os presidentes de junta de freguesia, para secretários e para tesoureiros.
O que afirmei é tudo quanto posso exprimir de satisfação por ver corrigida esta deficiência que já há muito tempo se fazia sentir e que era necessário actualizar. Sobretudo pela criação da possibilidade de as autarquias, sobretudo as câmaras municipais, poderem ter à sua frente aqueles gestores municipais que as necessidades impõem que tenham. Não há dúvida nenhuma de que as carências que existem nos concelhos ou nos municípios ainda são de fazer corar as pessoas, tanto no sector da habitação como no sector rodoviário e das comunicações, como no da saúde, como no da distribuição de águas, como na carência praticamente total de esgotos, como na possibilidade de que devem passar a ter de criar incentivos de investimento de empresas, de curto a médio prazo, para a fixação das pessoas mais graduadas nas respectivas regiões para não se dar a fuga sistemática da população, da emigração não só para o estrangeiro, mas sobretudo para a capital do País e para as capitais de distrito.
É necessário principiar a aprender a ter nos nossos concelhos aquelas pessoas que de lá são os mais aptos, os mais hábeis, os melhores para o desenvolvimento do País, em todas! as regiões e que não seja só à beira-mar e nas capitais de distrito.
Suponho que isto poderá ser um incentivo paira que doravante, com uma ampliação das finanças locais, com uma definição das competências, o poder local passe a ser alguma coisa de válido e sobretudo de útil para as populações que serve.
Portanto, o meu partido irá votar favoravelmente, tanto na generalidade como na especialidade, este projecto de lei.
Aplausos do CDS, do PSD e do PPM.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Borges de Carvalho.
O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Congratulamo-nos não só com o conteúdo das disposições que com certeza aqui vamos aprovar não só pelo seu conteúdo como pelo espírito que à sua volta foi possível formar.
Julgo haver, de facto, em toda a Câmara, um consenso notável não só da parte daqueles que tomaram a iniciativa como dos outros grupos parlamentares que, de uma ou de outra forma, a ela vão aderir.
No entanto e sem prejuízo da nossa posição de voto, o meu partido não pode deixar aqui de colocar uma posição de princípio. É a de que à descentralização corresponde responsabilização e que,a nosso ver, estas remunerações deveriam, em boa doutrina, ser determinadas pelas assembleias municipais em cada município.
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Esta é uma posição de princípio e não podemos deixar de considerar que o facto de ser a Assembleia da República a legislar sobre este assunto é uma reminiscência centralista e que, embora o sentido do que aqui vamos aprovar seja positivo, não deixa de ser para nós motivo de desagrado o facto de não serem os próprios, municípios a resolverem estes assuntos.
De qualquer forma, reservamo-nos o direito de voltar a esta questão noutra ocasião.
Aplausos do PPM, do PSD e do CDS.
O Sr. Presidente: - Como não há mais oradores inscritos, vamos votar.
O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente:- Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Veiga de Oliveira (PCP):-Sr. Presidente, é só para que fique dano que vamos votar um texto de substituição que só foi possível porque ninguém se pôs a que ele existisse e que substituiu os três projectos de lei apresentados pelo PS, pelo PCP e pelo PSD sobre o assunto.
O Sr. Presidente:- Agradeço o seu esclarecimento, Sr. Deputado. Claro que a votação irá recair sobre o texto que contém todas as alternativas, e com as alternativas que contem, parque há várias disposições que são repetidas até com o mesmo número, dado corresponderem a uma alternativa que na especialidade terá ou não a preferência, da Câmara nos diferentes termos em que se põe.
O Sr. Sousa Gomes (PS): - Peço a palavra,
O Sr. Presidente: - Faça favor.
O Sr. Sousa Gomes (PS): - Sr. Presidente, queria só confirmar que vamos votar o texto elaborado em alternativa no âmbito da 16.º Comissão e que substitui o projecto de lei n.º 134/II, por nós apresentado.
Portanto, nós retiramos o nosso projecto para dar lugar à votação do texto alternativo.
O Sr. Presidente:-Sr. Deputado, a Mesa entende que o projecto de lei do PS fica retirado só na medida em que não transitaram para o projecto síntese - chamemos-lhe assim - algumas disposições do vosso projecto inicial, que se mantém como alternativa.
O Sr. Silva Marques (PSD): -Peço a palavra.
O Sr. Presidente: - Faça favor.
O Sr. Silva Marques (PSD): -Sr. Presidente, creio que regimentalmente o texto aí substituição não retiraria automaticamente o projecto de lei agendado na ordem do dia e que, regimentalmente, eles seriam discutidos em conjunto e votados sucessivamente.
É por isso que me parece útil a intervenção de há pouco por parte do PS retirando o seu projecto, porque, se não, regimentalmente, nós seríamos obrigados a votá-los sucessivamente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Oliveira.
O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): -Sr. Presidente, entendo que vale a pena perdermos mais dois minutos para esclarecer o que estamos a votar.
Lembro aqui que só têm poder para apresentar projectos de lei os deputados, pelo que as comissões parlamentares não o têm. Portanto, o texto ou o projecto de substituição não foi apresentado na Mesa, não tem data de entrada, não foi admitido e, obviamente, não pode ser votado, excepto se todos e cada um dos Srs. Deputados estiverem de acordo em que seja votado. Esta a primeira questão.
A segunda questão é a da que não é só o projecto de lei do PS que é subsumido neste texto de substituição. É também o projecto de lei do PSD e o do PCP. Só com este entendimento é que todos e cada um dos Srs. Deputados vão votar o texto.
Se é assim, podemos passar à votação sem perda de mais tempo, mas, se outra coisa é que não isto, então teremos de ver o que é que vamos votar.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, se me permite, efectivamente é exacta a declaração do Sr. Deputado Veiga de Oliveira, mas, há pouco, o que eu quis pôr em realce foi que também tinha sido útil a intervenção do Sr. Deputado Sousa Gomes.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, uma vez que está perfeitamente definida a realidade que iremos votar, vamos fazê-lo de imediato, isto é, vamos votar, na generalidade, o texto alternativo obtido por consenso em sede da 16.ª Comissão em relação ao projecto de lei n.º 134/II -remunerações dos titulares dos cargos municipais- e aos outros dois projectos de lei sobre o mesmo assunto apresentados pelo PSD e pelo PCP.
Subetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD, do PS, do CDS, do PPM, da ASDI e da UEDS e a abstenção do PCP (registando-se a ausência do MDP/CDE e da UDP).
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, segue-se agora o período regimental das declarações de voto.
O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Sr. Presidente, se me dá licença, sugerimos que a produção das declarações de voto fique para a próxima sessão plenária ou até que sejam entregues por escrito na Mesa.
O Sr. Presidente: - Então qual é o consenso? É que sejam entregues por escrito ou que sejam produzidas oralmente na próxima sessão?
O Sr. Sousa Gomes (PS): - Sr. Presidente, penso que existe consenso entre os grupos parlamentares no sentido de prosseguir a discussão e aprovação, na especialidade, deste texto no início da próxima ordem de trabalhos e de só no final serem produzidas as declarações de voto.
O Sr. Presidente: - Nesse caso, fica assim definido que as declarações de voto serão apenas uma em relação às duas votações.
Pausa.
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Informo que deu entrada na Mesa o projecto de lei n.º 210/II - criação da Freguesia de Matas, no concelho de Vila Nova de Ourem (renovação do projecto de lei n.º 429/I)-, apresentado pelo PS.
A próxima sessão plenária será na terça-feira, dia 12, às 15 horas.
Está encerrada a sessão.
Eram 20 horas e 55 minutos.
Compareceram à sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PSD)
Adérito Manuel Soares Campos.
Afonso de Sousa F. de Moura Guedes.
Alberto Augusto Faria dos Santos.
Álvaro Barros Marques Figueiredo.
Amândio Anes de Azevedo.
Amadeu Afonso Rodrigues dos Santos.
Amélia Cavaleiro M. de Andrade Azevedo.
António Augusto Lacerda de Queiroz.
António Duarte e Duarte Chagas.
António Maria de O. Ourique Mendes.
António Roleira Marinho.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
António Vilar Ribeiro.
Armando Lopes Correia Costa.
Arménio Jerónimo Martins Matias.
Arménio dos Santos.
Carlos Manuel Pereira Pinho.
Cecília Pita Catarino.
Cipriano Rodrigues Martins.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Dinah Serrão Alhandra.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Eduardo Manuel Lourenço de Sousa.
Eleutério Manuel Alves.
Fernando José da Costa.
Fernando José F. Fleming d'Oliveira.
Francisco Mendes da Costa.
Fernando José Sequeira Roriz.
Fernando Manuel Cardote Barbosa Mesquita.
Fernando dos Reis Condesso.
Jaime Adalberto Simões Ramos.
João Afonso Gonçalves.
João Aurélio Dias Mendes.
João Evangelista Rocha de Almeida.
João Manuel Coutinho Sá Fernandes.
João Vasco da Luz Botelho Paiva.
Joaquim Manuel Cabrita Neto.
Joaquim Pinto.
José Adriano Gago Vitorino.
José Augusto de Oliveira Baptista.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José Manuel Pinheiro Barradas.
José Mário de Lemos Damião.
José Theodoro de Jesus da Silva.
José de Vargas Bulcão.
Leonardo Eugênio R. Ribeiro de Almeida.
Leonel Santa Rita Pires.
Luís António Martins.
Luís Fernando C. Nandim de Carvalho.
Manuel António Araújo dos Santos.
Manuel António Lopes Ribeiro.
Manuel da Costa Andrade,
Manuel Ferreira Martins.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Maria Moreira.
Manuel Maria Portugal da Fonseca.
Manuel Ribeiro Arruda.
Manuel João Vaz Freixo.
Maria da Glória Rodrigues Duarte.
Maria Helena do Rego C. Salema Roseta.
Maria Margarida do R. da C. S. M. Ribeiro.
Marília Dulce Coelho Pires D. Raimundo.
Mário Ferreira Bastos Raposo,
Mário Júlio Montalvão Machado.
Mário Marques Ferreira Maduro.
Natália de Oliveira Correia.
Nicolau Gregório de Freitas.
Nuno Aires Rodrigues dos Santos.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Manuel da Cruz Roseta.
Pedro Miguel Santana Lopes.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Valdemar Cardoso Alves.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Partido Socialista (PS)
Adelino Teixeira de Carvalho.
Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Marques Antunes.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Alfredo José Somera Simões Barroso.
Alfredo Pinto da Silva.
António de Almeida Santos.
António Duarte Arnaut.
António Cândido Miranda Macedo.
António Emílio Teixeira Lopes.
António Fernando Marques Ribeiro Reis.
António Francisco Barroso Sousa Gomes.
António José Sanches Esteves.
António José Vieira de Freitas.
António Magalhães da Silva.
António Manuel de Oliveira Guterres.
Aquilino Ribeiro Machado.
Armando dos Santos Lopes.
Avelino Ferreira Loureiro Zenha.
Beatriz Cal Brandão.
Bento Elísio de Azevedo.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Manuel Natividade Costa Candal.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Fausto Sacramento Marques.
Fernando Torres Marinho.
Fernando Verdasca Vieira.
Francisco de Almeida Salgado Zenha.
Francisco Manuel Marcelo Curto.
Guilherme Gomes dos Santos.
João Alfredo Félix Vieira Lima.
João Cardona Gomes Cravinho.
João Francisco Ludovico da Costa.
Joaquim Sousa Gomes Carneiro.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
Júlio Filipe de Almeida Carrapato.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís Manuel César Nunes de Almeida.
Luís Manuel dos Santos Sirva Patrão.
Luís Silvério Gonçalves Saias.
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Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel Alfredo Tito de Morais.
Manuel Francisco da Costa.
Manuel da Mata de Cáceres.
Manuel dos Santos.
Manuel Trindade Reis.
Mário Manuel Cal Brandão.
Raul d'Assunção Pimenta Rego.
Teófilo Carvalho dos Santos.
Virgílio Fernando Marques Rodrigues.
Vítor Manuel Brás.
Victor Manuel Ribeiro Constâncio.
Centro Democrático Social (CDS)
Adalberto Neiva de Oliveira.
Adriano José Alves Moreira.
Alberto Henriques Coimbra.
Alexandre Correia de Carvalho Reigoto.
Alfredo Albano de C. Azevedo Soares.
Álvaro Manuel M. Brandão Estêvão.
António Jacinto Martins Canaverde.
António Mendes de Carvalho.
Armando Domingos L. Ribeiro de Oliveira.
Carlos Oliveira e Sousa.
Daniel Fernandes Domingues.
Emídio Ferrão da Costa Pinheiro.
Emílio Leitão Paulo.
Eugênio Maria Nunes Anacoreta Correia.
Francisco António Lucas Pires.
Francisco G. Cavaleiro de Ferreira.
Francisco Manuel L. V. de Oliveira Dias.
Francisco Manuel de Menezes Falcão.
Henrique José C. M. Pereira de Moraes.
Henrique Manuel Soares Cruz,
Isilda da Silva Barata.
João Cantinho M. Figueiras de Andrade.
João Gomes de Abreu de Lima.
João José M. Ferreira Pulido de Almeida.
João Lopes Porto.
João da Silva Mendes Morgado.
José Alberto de Faria Xerez.
José Augusto Gama.
José Duarte de Almeida Ribeiro e Castro.
José Eduardo F. de Sanches Osório.
José Vicente de J. Carvalho Cardoso.
Luísa Maria Freire C. Vaz Raposo.
Luís Carlos Calheiros Veloso Sampaio.
Luís Filipe Paes Beiroco.
Manuel A. dê Almeida de A. Vasconcelos.
Maria José Paulo Sampaio.
Narana Sinai Coissoró.
Rogério Ferreira Monção Leão.
Rui Eduardo Ferreira Rodrigues Pena.
Rui Biscaia Telo Gonçalves.
Partido Comunista Português (PCP)
Álvaro Augusto Veiga de Oliveira.
Álvaro Favas Brasileiro.
António Anselmo Aníbal.
António José de Almeida Silva Graça.
António José Monteiro Vidigal Amaro.
António da Silva Mota.
Armando Teixeira da Silva.
Carlos Alberto do Carmo da C. Espadinha.
Ercília Carreira Pimenta Talhadas.
Fernando de Almeida Sousa Marques.
Francisco Miguel Duarte.
Georgete Ferreira de Oliveira.
Jerónimo de Carvalho de Sousa.
Joaquim António Miranda da Silva.
Jorge Manuel Abreu de Lemos.
Jorge Manuel Lampreia Patrício.
José Fernando V. Cabral Pinto.
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel da Costa Carreira Marques.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Rodrigues Vitoriano.
Josefina Maria Andrade.
Lino Carvalho de Lima.
Manuel Correia Lopes.
Manuel Rogério de Sousa Brito.
Maria Alda Barbosa Nogueira.
Maria Ilda Costa Figueiredo.
Maria Odete dos Santos.
Mariana Grou Lanita da Silva.
Octávio Augusto Teixeira.
Vital Martins Moreira.
Zita Maria de Seabra Roseiro.
Partido Popular Monárquico (PPM)
António Cardoso Moniz.
António José Borges Gonçalves de Carvalho.
Henrique Barrilaro Ruas.
José Victor M. Portugal da Silveira.
Luís Filipe Ottolinii Bebiano Coimbra.
Acção Social-Democrata Independente (ASDI)
Fernando Dias de Carvalho.
Joaquim Jorge de Magalhães S. da Mota.
Jorge Manuel M. Loureiro de Miranda.
Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho.
União da Esquerda para a Democracia Socialista (UEDS)
António Manuel de C. Ferreira Vitorino.
António Poppe Lopes Cardoso.
António César Gouveia de Oliveira.
Maria Teresa Dória Santa Clara Gomes.
Movimento Democrático Português (MDP/CDE)
Helena Cidade Moura.
Herberto de Castro Goulart da Silva.
União Democrática Popular (UDP)
Mário António Baptista Tomé.
Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PSD)
Américo Abreu Dias.
Bernardino da Costa Pereira.
Francisco de Sousa Tavares.
José Angelo Ferreira Correia.
Maria Adelaide S. de Almeida e Paiva.
Mário Dias Lopes.
Rui Alberto Barradas do Amaral.
Virgílio António Pinto Nunes.
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Partido Socialista (PS)
António Azevedo Gomes.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Gonçalves Janeiro.
António Manuel Maldonado Gonelha.
Jaime José Matos da Gama.
Joaquim José Catanho de Menezes.
Jorge Fernando Branco Sampaio.
José Gomes Fernandes.
José Luís Amaral Nunes.
José Luís Ferreira Araújo.
Maria Teresa V. Bastos Ramos Ambrósio.
Mário Alberto Lopes Soares.
Rui Fernando Pereira Mateus.
Centro Democrático Social (CDS)
Adriano Vasco da Fonseca Rodrigues.
Américo Maria Coelho Gomes de Sá.
Diogo Pinto Freitas do Amaral.
Manuel Eugénio Pimentel Cavaleiro Brandão.
Mário Gaioso Henriques.
Ruy Garcia de Oliveira.
Partido Comunista Português (PCP)
Álvaro Barreirinhas Cunhal.
António Dias Lourenço da Silva.
Carlos Alfredo de Brito.
Domingos Abrantes Ferreira.
Joaquim Gomes dos Santos.
José Ernesto Ildefonso Leão de Oliveira.
Octávio Floriano Rodrigues Pato.
Partido Popular Monárquico (PPM)
Gonçalo Pereira Ribeiro Telles.
O REDACTOR DE 1.ª CLASSE, Carlos Pinto da Cruz.
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PREÇO DESTE NÚMERO 48$00
IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA