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I Série - Número 92 Quinta-feira, 9 de Julho de 1981
DIÁRIO da Assembleia da República
II LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1980-1981)
SESSÃO SUPLEMENTAR
REUNIÃO PLENÁRIA DE 8 DE JULHO DE 1981
Presidente: Exmo. Sr. Leonardo Eugénio Ramos Ribeiro de Almeida
Secretários: Exmos. Srs. Reinaldo Alberto Ramos Gomes
Bento Elísio de Azevedo Maria José Paulo Sampaio
>p>José Manuel Maia Nunes de Almeida
SUMÁRIO. - Prosseguiu o debate da proposta de lei n.º 55/II, que concede ao Governo autorização legislativa para alterar os regimes de comercialização de cereais e ramas de açúcar, intervindo, a diverso título, além dos Srs. Ministros de Estado Adjunto do Primeiro-Ministro (Basílio Horta) e da Agricultura e Pescas (Cardoso e Cunha), os Srs. Deputados Lopes Cardoso (UEDS), Sousa Marques (PCP), Octávio Teixeira (PCP), Mário Tomé (UDP), José LuÍs Nunes (PS), António Campos (PS), Magalhães Mota (ASDI), Rogério de Brito (PCP), Carlos Lage (PS), Ilda Figueiredo (PCP), José Vitorino (PSD), Manuel da Costa (PS), Mário Lopes (PSD), Castro Caldas (PSD), Carlos Brito (PCP), LuÍs Coimbra (PPM), Sousa Tavares (PSD), José Vitoriano (PCP), Borges de Carvalho (PPM), António Vitorino (UEDS), Luís Beiroco (CDS), Soares Cruz (CDS), Moura Guedes (PSD) e Rui Pena (CDS).
Entretanto, foi solicitada pelos Srs. Deputados Carlos Brito (PCP) e Carlos Lage (PS), respectivamente em nome do Grupo Parlamentar do PCP e dos grupos parlamentares que integram a FRS, a constituição de uma Comissão Eventual de inquérito sobre o processo de liberalização do comércio de cereais, ramas de açúcar e oleaginosas.
Depois de lidos pelos Srs. Deputados António Moniz (PPM), Nicolau de Freitas (PSD) e Sousa Marques (PCP), foram aprovados três relatórios da Comissão de Regimento e Mandatos sobre substituição de deputados do CDS e do PS e deu-se conta da entrada da proposta de lei n.º 56/II, que aprova, para adesão, o protocolo de acordo para importação de objectos de carácter educativo, cientifico e cultural.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 21 horas e 15 minutos.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 10 horas e 40 minutos.
Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PSD)
Adérito Manuel Soares Campos.
Afonso de Sousa F. de Moura Quedes.
Alberto Augusto Faria dos Santos.
Álvaro Barros Marques Figueiredo.
Amândio Anes de Azevedo.
Amadeu Afonso Rodrigues dos Santos.
Amélia Cavaleiro M. de Andrade Azevedo.
Américo Abreu Dias.
António Duarte e Duarte Chagas
António Roleira Marinho.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
António Vilar Ribeiro.
Armando Lopes Correia Costa.
Arménio Jerónimo Martins Matias.
Bernardino da Costa Pereira.
Carlos Manuel Pereira Pinho.
Cipriano Rodrigues Martins.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Eleutério Manuel Alves.
Fernando José Sequeira Roriz.
Fernando Manuel Cardoso Ferreira.
Jaime Adalberto Simões Ramos.
João Afonso Gonçalves.
João Aurélio Dias Mendes.
João Evangelista Rocha de Almeida.
João Manuel Coutinho Sá Fernandes.
João Vasco da Luz Botelho Paiva.
Joaquim Pinto.
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José Adriano Gago Vitorino.
José Manuel Pinheiro Barradas.
José Mário de Lemos Damião.
José Theodoro de Jesus da Silva.
Júlio de Lemos Castro Caldas.
Leonardo Eugénio R. Ribeiro de Almeida.
Leonel Santa Rita Pires.
Luís António Martins.
Luís Fernando C. Nandim de Carvalho.
Manuel António Araújo dos Santos.
Manuel António Lopes Ribeiro.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Maria Portugal da Fonseca.
Manuel Ribeiro Arruda.
Manuel João Vaz Freixo.
Maria da Glória Rodrigues Duarte.
Mário Dias Lopes.
Mário Ferreira Bastos Raposo.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Mário Marques Ferreira Maduro.
Natália de Oliveira Correia.
Nicolau Gregório de Freitas.
Nuno Aires Rodrigues dos Santos.
Pedro Manuel da Cruz Roseta.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Valdemar Cardoso Alves.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio António Pinto Nunes.
Partido Socialista (PS)
Adelino Teixeira de Carvalho.
Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Marques Antunes.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
António de Almeida Santos.
António Cândido Miranda Macedo.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Fernandes da Fonseca.
António Francisco B. Sousa Gomes.
António Gonçalves Janeiro.
António Magalhães da Silva.
Armando dos Santos Lopes.
Avelino Ferreira Loureiro Zenha.
Beatriz Cal Brandão.
Bento Elísio de Azevedo.
Carlos Cardoso Lage.
Fausto Sacramento Marques.
Fernando Verdasca Vieira.
Francisco Manuel Marcelo Curto.
Guilherme Gomes dos Santos.
Jaime José Matos da Gama.
João Cardona Gomes Cravinho.
João Francisco Ludovico da Costa.
Joaquim José Catanho de Menezes.
José Gomes Fernandes.
José Luís Amaral Nunes.
Júlio Filipe de Almeida Carrapato.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís Manuel dos Santos Silva Patrão.
Luís Silvério Gonçalves Saias.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel Alfredo Tito de Morais.
Manuel Francisco da Costa.
Manuel da Mata de Cáceres.
Manuel Trindade Reis.
Mário Manuel Cal Brandão.
Raul d'Assunção Pimenta Rego.
Teófilo Carvalho dos Santos.
Victor Manuel Ribeiro Constando.
Centro Democrático Social (CDS)
Adalberto Neiva de Oliveira.
Alberto Henriques Coimbra.
Alexandre Correia de Carvalho Reigoto.
Álvaro Manuel M. Brandão Estêvão.
António José Tomás Gomes de Pinho.
António Mendes de Carvalho.
Armando Domingos L. Ribeiro de Oliveira
Daniel Fernandes Domingues.
Emídio Ferrão da Costa Pinheiro.
Emílio Leitão Paulo.
Francisco António Lucas Pires.
Francisco G. Cavaleiro de Ferreira
Francisco Manuel L. V. de Oliveira Dia.
Francisco Manuel de Menezes Falcão.
Henrique Manuel Soares Cruz.
Isilda da Silva Barata.
João Gomes de Abreu de Lima.
João José M. Ferreira Pulido de Almeida.
João da Silva Mendes Morgado.
José Eduardo F. de Sanches Osório.
José Manuel Rodrigues Casqueiro.
Luís Filipe Paes Beiroco.
Manuel António de Almeida Vasconcelos.
Manuel Eugénio P. Cavaleiro Brandão.
Maria José Paulo Sampaio.
Mário Gaioso Henriques.
Narana Sinai Coissoró.
Rogério Ferreira Monção Leão.
Partido Comunista Português (PCP)
Álvaro Augusto Veiga de Oliveira.
Álvaro Favas Brasileiro.
António Anselmo Aníbal.
António José M. Vidigal Amaro.
António da Silva Mota.
Armando Teixeira da Silva.
Carlos Alberto do Carmo da C. Espadinha.
Carlos Alfredo de Brito.
Custódio Jacinto Gingão.
Custódio Silva Ferreira.
Ercília Carreira Talhadas.
Fernando de Almeida Sousa Marques.
Francisco Miguel Duarte.
Georgete Ferreira de Oliveira.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
Jorge Manuel Abreu de Lemos.
Jorge Manuel Lampreia Patrício.
José Fernando V. Cabral Pinto.
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel da C. Carreira Marques.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Rodrigues Vitoriano.
Josefina Maria Andrade.
Lino Carvalho de Lima.
Manuel Correia Lopes.
Manuel Rogério de Sousa Brito.
Maria Alda Barbosa Nogueira.
Maria Ilda Costa Figueiredo.
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Mariana Grou Lanita da Silva.
Octávio Augusto Teixeira.
Zita Maria de Seabra Roseiro.
Partido Popular Monárquico (PPM)
António Cardoso Moniz.
António José Borges G. de Carvalho.
Gonçalo Pereira Ribeiro Teles.
Henrique Barrilaro Ruas.
Acção Social-Democrata Independente (ASDI)
Joaquim Jorge de Magalhães S. da Mota.
Jorge Manuel M. Loureiro de Miranda.
Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho.
Manuel Tílman.
União da Esquerda para a Democracia Socialista (UEDS)
António Manuel de C. Ferreira Vitorino.
António Poppe Lopes Cardoso.
António César Gouveia de Oliveira
Movimento Democrático Português (MDP/CDE)
Herberto de Castro Goulart da Silva.
União Democrática Popular (UDP)
Mário António Baptista Tomé.
ntretanto, tomaram assento na bancada do Governo os Srs. Ministro de Estado Adjunto do Primeiro-Ministro (Basílio Horta), da Agricultura e Pescas (Cardoso e Cunha) e do Comércio e Turismo (Vaz Pinto) e os Srs. Secretários de Estado Adjunto do Ministro de Estado Adjunto do Primeiro-Ministro (França e Silva), da Transformação e Mercados (Morais Figo) e do Comércio (Walter Marques).
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, convoco os presidentes dos grupos parlamentares para uma reunião às 11 horas.
Tem a palavra o Sr. Ministro de Estado Adjunto do Primeiro-Ministro, para responder aos pedidos de esclarecimento que ontem lhe foram colocados. Como V. Ex.ª sabe, regimentalmente dispõe de quarenta e cinco minutos para o efeito.
O Sr. Ministro de Estado Adjunto do Primeiro-Ministro (Basílio Horta): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vou tentar responder a uma parte das questões que foram ontem colocadas, ficando a resposta a outras a cargo dos Srs. Ministros da Agricultura e Pescas e do Comércio e Turismo, em intervenções que farão posteriormente.
No que respeita às questões ontem postas ao Governo, há três que são de natureza geral. A primeira prende-se com a estranheza manifestada pela oposição em relação ao novo regime que o Governo propõe, a segunda tem a ver com as normas da concorrência e a terceira, ainda, com problemas relacionados com a sobrevivência da EPAC e a garantia dos postos de trabalho dos seus trabalhadores. Vamos tentar enquadrar desde já estas três ordens genéricas de questões.
Quanto à primeira, o Governo espanta-se que a oposição tenha encarado este novo regime como se de uma verdadeira revolução se tratasse, como se o regime preconizado por este governo não vigorasse praticamente em nenhum país do Mundo, principalmente daquele mundo do qual, política e sociologicamente, estamos mais perto, como se este regime que aqui apresentámos fosse uma verdadeira heresia, enfim, como se a nossa proposta em tudo fosse desconforme com os sistemas que vigoram noutros países.
Quero começar por informar a Câmara de que neste momento só têm o mesmo regime de comercialização de cereais que Portugal, ou seja, o monopólio de Estado neste sector através de uma empresa pública, os seguintes países: Egipto, Ilhas Maurícias, Madagáscar, Sri Lanka, Coreia do Norte, Vietname, China, Argélia, Tunísia, Marrocos, Síria, Jordânia, Irão, Líbano, Líbia, Camarões, Mali, Guiné, Nigéria, Angola, Hungria, Polónia, Checoslováquia, União Soviética, Roménia e Bulgária.
São estes os nossos companheiros no actual regime de comercialização de cereais.
Uma voz do PCP: - Bons companheiros!
O Orador: - Pergunto à Assembleia, não só à maioria, mas, nomeadamente, a um largo sector da oposição, se são estes os países que, em matéria de comercialização, se sente à vontade para copiar ou se pensa que aqui em Portugal se deve manter o sistema que eles há muito têm nas suas próprias ordens internas.
Por aquilo que conheço de um largo sector desta Assembleia, sou levado a crer que não é esse o entendimento geral.
Penso que não são estes os companheiros ou os exemplos a seguir por Portugal, que é um país voltado à Europa e que, política e sociologicamente, deseja um estádio maior de desenvolvimento e uma democracia mais avançada. Não interessa, pois, a Portugal ter como parceiros países que não estão ainda efectivamente num estádio de subdesenvolvimento político e económico manifesto, e penso que não vale a pena avançar com outros argumentos.
O regime aqui apresentado pelo Governo é inovador e visa modernizar Portugal no que diz respeito à economia nacional, não sendo de todo um regime que visa manter um sistema anacrónico, só hoje copiado por países que ainda não evoluíram como o nosso.
O segundo aspecto tem a ver com as normas de concorrência, e vou abordar dois pontos em relação a esta questão. Em primeiro lugar, em relação ao comércio de ramas de açúcar, constam expressamente do diploma e das suas linhas gerais as normas de concorrência, que num caso estão já expressas e no outro está consignada a intenção de o Governo as respeitar. Assim teria de ser, na medida em que o Governo não poderia liberalizar sem garantir minimamente a transparência do mercado e sem que houvesse uma moralização assegurada por via legislativa. Mas, para além disso, já elaborámos uma lei de concorrência, que está neste momento a ser analisada pelos parceiros sociais e que será discutida no mais curto espaço de tempo nesta Assembleia. O Governo tem pronta essa lei sobre as normas
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gerais que enformarão a concorrência nos diversos sectores e que, como já disse, será presente e discutida no mais curto espaço de tempo.
Finalmente, no que respeita à garantia dos postos de trabalho da EPAC, o Governo repete aquilo que ontem aqui afirmou: ninguém será prejudicado nos seus legítimos direitos por força do novo sistema.
Foi aqui perguntado como é que o Governo garante esta afirmação. Em primeiro lugar, a EPAC manterá as funções de organismos de intervenção, pelo que essas funções, que até agora tem vindo a desempenhar, não serão alteradas; em segundo lugar, a EPAC concorrerá com outras empresas na comercialização dos cereais.
E, se é verdade, como aqui ontem foi afirmado, que a EPAC compra bem nos mercados externos, então todos temos de nos regozijar, em vez que, relativamente à concorrência, a EPAC parte de uma posição óptima em relação aos seus concorrentes.
Se a EPAC comprar bem e melhor que os outros concorrentes, é óbvio que ganhará mais dinheiro, podendo assim ter melhores condições, e com isso regozija-se o Governo e certamente também esta Assembleia, e o facto de comprar melhor é mais um argumento para a EPAC não ter medo da concorrência, na medida em que, se comprar bem e abaixo da cotação, melhor colocada estará para fazer face à concorrência das outras empresas.
Por outro lado, não podemos, de forma nenhuma, pensar que a produção interna de trigo se situará sempre na ordem das 200000 t, como tem acontecido nos últimos tempos. Temos, aliás, fundadas esperanças de que a acção do Governo, o próprio trabalho dos agricultores e o estímulo que a concorrência vai introduzir na comercialização dos seus produtos façam aumentar a produção. E então a EPAC terá para trabalhar não as 200 000 t, mas manifestamente uma quantidade muito superior, quantidade essa que já tivemos num passado recente, mesmo sem uma modernização acentuada da agricultura e mesmo sem um estímulo acrescido ao trabalho dos agricultores.
A prestação de serviços que ontem aqui foquei foi objecto de várias críticas, algumas contundentes, de diversos deputados, Devo dizer que, se a EPAC está a construir um dos melhores silos da Europa sob tecnologia portuguesa, que é o silo da Trafaria, onde foram investidos 6 milhões de contos, esta é, realmente, uma possibilidade de a EPAC poder vender os seus serviços. E podem perguntar: mas vender a quem? É óbvio que venderá a quem lhe pagar. Não temos de ter quaisquer problemas se são multinacionais ou empresas nacionais que querem comprar. A EPAC venderá a quem lhe pagar.
Se o investimento continua aliás, foi o Governo quem o desbloqueou -, penso que ele é o sinal de que a EPAC é uma empresa para sobreviver. Não se faz um investimento de 6 milhões de contos numa empresa que vai morrer ou cuja sobrevivência está em risco.
Estas foram as questões de ordem geral que me permiti abordar genericamente. De seguida, responderei, questão por questão, aos diversos pedidos de esclarecimento que foram colocados por alguns Srs. Deputados.
Começo por responder ao Sr. Deputado José Vitorino que me pôs duas questões fundamentais: a primeira a de saber se é intenção do Governo melhorar o texto do decreto-lei, e a segunda se as alterações eram impostas, pela Comunidade Económica Europeia.
Quero reafirmar ao Sr. Deputado que o Governo, ao vir a esta Assembleia apresentar uma proposta de lei, está sempre aberto a colher as boas sugestões que os deputados lhe façam. O Governo acredita na virtualidade do diálogo institucional e que a Assembleia está aqui não para destruir, mas para melhorar. Estamos aqui a tratar de assuntos de muita importância para o País, e o Governo não tem facciosismos; o Governo não tem o monopólio da verdade, assim como a oposição também não o tem, e está numa posição de diálogo, de abertura, e mesmo numa posição de humildade em relação àquilo que possa ser corrigido para bem do nosso país.
Esta é a nossa posição, neste como noutros diplomas. Agora, o Governo está também numa posição de grande firmeza no que respeita aos princípios políticos inerentes ao diploma. A oposição não pode querer, porque não seria "lícito, que o Governo governasse de acordo com os princípios da oposição. O Governo está a governar de acordo com o seu programa e não com o programa da oposição. O Governo está a governar porque foi legitimado pelo voto da maioria dos Portugueses, e nessa medida há que ser firme em relação aos princípios do programa, e sê-lo-á.
Quanto ao regime e na que respeita a correcções que eventualmente o Governo não tivesse visto, devo dizer que a abertura é total, estamos aqui para melhorar e para trabalhar em conjunto.
Em segundo lugar pergunta se as alterações são impostas pela CEE. Respondo-lhe claramente que estas alterações relativas à liberalização do comércio dos cereais não foram, de forma nenhuma, impostas pela CEE. Já tive ocasião de o dizer numa intervenção que fiz nesta Assembleia a propósito do sector privado. Portanto, é um facto que não é a adesão à CEE que nos impõe estas alterações. Fazê-mo-las em obediência ao nosso programa e à nossa ideologia, em inteira dependência, e não porque outras entidades exteriores nos imponham seja o que for, imposições essas que, aliás, o Governo não aceitaria.
No entanto, como o irão explicar os Srs. Ministros da Agricultura e Pescas e do Comércio e Turismo, é óbvio que, se queremos uma adesão consciente e plena, o desenrolar do sistema dos cereais é uma peça fundamental. Mas esta é uma explicação de natureza técnica que, como disse, será fornecida mais tarde. No aspecto fundamental, a resposta é clara: nós fazemos estas alterações porque vamos cumprir o nosso programa portanto, a responsabilidade desta iniciativa é do Governo e da sua maioria, é puramente nossa, e como tal a assumimos.
O Sr. José Vitorino (PSD): - Muito bem!
O Orador: - O Sr. Deputado Lopes Cardoso, por quem tenho o maior respeito e por cujas qualidades parlamentares tenho a maior admiração, desiludiu-se com a minha exposição. Lamento que assim tivesse acontecido, Sr. Deputado.
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Com efeito, o Governo apresenta-se aqui através de um conjunto dos seus membros e, consequentemente, não era minha intenção esgotar logo na apresentação da proposta de lei todos os aspectos que se relacionam com a presente autorização legislativa e com o regime que lhe está subjacente. A minha intenção foi a de levantar as grandes questões, nomeadamente o porquê deste pedido de autorização legislativa, quais os motivos que levaram o Governo a pedir esta autorização e, consequentemente, equacionar o problema de uma forma genérica. Certamente, a parte concreta do regime proposto será explicitada. Ò Governo veio aqui precisamente para fazer as exposições e dar as explicações que julgarem necessárias para o correcto entendimento pela Assembleia do regime que agora propõe.
O Sr. Deputado Lopes Cardoso frisou, mais de ima vez, a questão do porquê deste pedido de autorização legislativa. Volto a dizer que há dois motivos fundamentais para essa solicitação e o primeiro é, sem dúvida, de ordem política. O Governo e a sua maioria não podem nem devem subordinar a sua acção às decisões do Conselho da Revolução. Que haja partidos nesta Assembleia que sigam o Conselho da Revolução por razões de ordem política, é lá com eles. Agora o Governo não tem de seguir o Conselho da Revolução. O Governo tem o seu próprio programa e o seu timing para concretizar a sua política, não podendo andar a reboque do timing dos outros, principalmente quando a concepção dos outros órgãos de soberania, em tantos domínios como este, se afasta da concepção do Governo e da sua maioria.
Portanto, a primeira explicação é de ordem política. Já tive ocasião de dizer que não aceitamos os argumentos do Conselho da Revolução no que respeita à inconstitucionalidade orgânica e, não os aceitando, não podemos subordinar o nosso timing de intervenção neste domínio, atrasando irremediavelmente um conjunto de medidas que entendíamos que deveriam ser aprovadas - e note-se que eu não disse que entendia que o regime deveria entrar desde já em vigor - no mais curto espaço de tempo.
A segunda razão que levou o Governo a pedir esta autorização legislativa como, aliás, terei ocasião de voltar a dizer, mas adianto desde já algumas palavras é o facto de o Governo entender como importante que até IS de Setembro o futuro regime da comercialização esteja definido de uma maneira clara, porque só assim poderá atempadamente estabelecer à lavoura os preços de intervenção em relação aos diversos cereais.
Se isso não acontecesse e se depois de 15 de Setembro se mantivesse a incerteza quanto ao novo regime de comercialização do trigo, é óbvio que toda a acção do Governo sofreria atrasos e incertezas que não se coadunam com a necessária regularidade que o Governo tem de imprimir à sua política e a necessária antecipação que tem de imprimir às suas acções nesse domínio.
O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Posso interrompê-lo, Sr. Ministro?
O Orador: - Tenha a bondade, Sr. Deputado.
O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Muito obrigado, Sr. Ministro.
A questão que desejo colocar-lhe é esta: admitindo todas essas razões, elas não explicam que o Governo, que de há muito tinha essa intenção e sabia dos prazos com que se defrontava, não tenha, desde o início, escolhido outra via, em vez de ter procurado legislar por decreto-lei, na minha opinião exorbitando das suas funções e das suas competências, recusando o debate nesta Assembleia. Por que é que o Governo não tomou, desde o início, a iniciativa de trazer aqui uma proposta de lei sobre esta matéria, atempadamente, dentro das concepções do calendário do próprio Governo?
O Orador: - Sr. Deputado, tenho muito gosto em lhe explicar mais uma vez o seguinte: este foi um diploma que teve uma elaboração extremamente longa, porque a matéria que está em causa, como o Sr. Deputado bem sabe, é melindrosa, é complexa e não deveria ser feita de forma leviana, do pé para a mão. Há um ano e meio que este diploma está a ser trabalhado. Foram ouvidas todas as associações, quer de agricultores quer de industriais, e, dentro das associações dos industriais, mesmo aquelas que não perfilhavam deste ponto de vista. Mesmo dentro do Governo, o debate foi longo, profundo, e foi necessário ter um conjunto largo de reuniões que era incompatível com a pressa que o Sr. Deputado Lopes Cardoso exprimiu na sua intervenção. Logo, o que aconteceu foi que não havia materialmente tempo de o ter feito antes.
Por outro lado, nós entendíamos, e continuamos a entender, que é da competência do Governo legislar nesta matéria por decreto-lei, e este é o nosso entendimento jurídico. Mas ainda mais: apesar de esse ser o nosso entendimento, o Governo não se queria furtar ao debate perante a Assembleia. A oposição teria sempre, ou a maioria, se assim o entendesse, a possibilidade de utilizar o instituto da ratificação, que traria a debate nesta Assembleia o próprio decreto-lei, e. nós teríamos ocasião, nessa altura, de debater o diploma, aliás como estamos agora a fazer e como, se calhar, teremos de fazer novamente quando a Assembleia, se assim o entender, o sujeitar a debate.
Assim, a nossa intenção não foi a de nos furtarmos ao contacto com esta Assembleia; trata-se apenas de uma questão de celeridade. Por outro lado, actuamos neste sentido por ser nosso o entendimento jurídico-constitucional de que tínhamos poder para legislar por decreto-lei.
A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - A pressa é tanta, Sr. Ministro.
O Orador: - A pressa foi realmente a de um ano e meio de debate e a possibilidade de se passar mais um ano na incerteza quanto à fixação de preços dos produtos agrícolas.
A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Aqui é a primeira vez que se debate este assunto!
Vozes do PSD e do CDS: - A Sr.ª Deputada é que é muito nova!
O Orador: - O Sr. Deputado Lopes Cardoso levantou também as questões de qual seria o destino da
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EPAC e como garantia o Governo os postos de trabalho. Penso já ter respondido a estas questões na parte genérica da minha intervenção, mas gostaria de aditar ainda um outro aspecto. Penso que os trabalhadores da EPAC não devem ter medo do futuro. Eles só devem ter medo do futuro se quiserem manter um presente que se mostra manifestamente incompatível com as necessidades do País e se não tiverem eles próprios a coragem de arriscar e de tentarem inovar e modernizar, com a garantia que o Governo lhes dá se manterem os postos de trabalho. Aliás, não há memória de funcionários ou agentes do Estado terem alguma vez sido despedidos ou de terem os seus postos de trabalho sido postos em causa.
O Sr. Manuel da Costa (PS): - Eles não são funcionários do Estado!
O Orador: - Eu disse funcionários ou agentes, Sr. Deputado.
Penso que não seria este o Governo que iria pôr esse princípio em causa. Mas, para além disso, o Governo está convicto de que a EPAC pode ter um alargamento das suas actividades e que pode ser uma empresa concorrencial e extremamente útil ao progresso do País. E, nessa altura, é óbvio que não apenas as garantias de trabalho serão robustecidas, como ainda as próprias condições de trabalho serão melhoradas. É esta a intenção do Governo e é para aí que o Governo parte.
Ora, não é com sistemas semelhantes àqueles países que há pouco anunciei que se garante o trabalho, melhor salário e melhores regalias. É na Europa que essas regalias e esses melhores salários são garantidos. E, se não, queiram comparar o que é hoje o salário de qualquer trabalhador em França com o de um trabalhador na Polónia. Comparem para onde emigram os nossos trabalhadores: se é para a Polónia ou para a Checoslováquia ou se é para a França e para a Alemanha. Comparem e não continuem a enganar os trabalhadores, que é o que os senhores têm feito até agora.
Aplausos do PSD.
Protestos do PCP.
Estava a responder a um aparte da vossa bancada, e não a outra coisa.
Protestos do PCP.
Estou a ser correcto para com os senhores, mas os senhores continuam a ter apartes incorrectas para com o Governo.
O Sr. José Vitorino (PSD): - Aliás, como sempre!
O Orador: - Nós não estamos aqui para sermos insultados pelos senhores. Não temos medo dessa bancada, estamos num diálogo correcto e queremos que ele assim se mantenha.
Protestos do PCP.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Nós também não admitimos que o Governo aqui venha insultar.
O Sr. Sousa Marques (PCP): - Sr. Ministro, dá-me licença que o interrompa?
O Orador - Tenha a bondade, Sr. Deputado.
O Sr. Sousa Marques (PCP): - Muito obrigado, Sr. Ministro, por me permitir esta interrupção, mas pretendia apenas fazer uma breve referência.
Estamos aqui para discutir o problema da EPAC, ouvimos com atenção as palavras do Sr. Ministro e estamos a ouvir com algum sentido crítico, como é natural, algumas das afirmações com as quais não estamos de acordo. Ora, é curioso notar e com certeza que o Sr. Ministro o fez que a primeira vez que recebeu aplausos da bancada da AD foi quando o Sr. Ministro recorreu a uma argumentação gasta, velha, ...
Vozes do CDS: - Actual!
O Sr. Sousa Marques (PCP): - ... a um tipo de argumentação anticomunista, que não tem nada a ver com esta discussão que queremos ter aqui. Pela nossa parte, estamos inteiramente à sua disposição para discutir o problema da Polónia ou outro qualquer problema no sítio adequado, mas, Sr. Ministro, não venha com argumentos desse teor para receber aplausos da AD e para eventualmente, provocar, a ira, provavelmente justificada, por parte da nossa bancada.
Vozes do PCP: - Muito bem!
Vozes do CDS: - Ira?
O Orador: - Sr. Deputado, dir-lhe-ei apenas duas coisas: em primeiro lugar, é minha intenção e é meu hábito ter sempre debates correctos, mesmo com quem não pensa como eu. Agora, também não é meu hábito tolerar apartes que não são correctos, porque não tenho essa obrigação. E foi nesse sentido, respondendo a vários apartes que não se me afiguram correctos em relação ao que estava a dizer, que citei estes exemplos.
O Sr. Amândio de Azevedo (PSD): - É perfeitamente legítimo!
O Orador: - E, já agora, permita-me que lhe diga que me admiro por o PCP tomar tanto a peito problemas que são de outros países, que são de outras entidades, uma vez que eu nem sequer me referi ao Partido Comunista.
Vozes do PCP: - Não é isso!
O Orador: - Parece que, no fim de contas, a vossa única reacção é excessiva, uma vez que nem sequer me referi ao Partido Comunista, a não ser que a identidade seja excessivamente visível.
Em relação a outras perguntas que me foram colocadas e cujo debate interessa aclarar, o Sr. Deputado António Janeiro, do Partido Socialista, iniciou o tipo de argumentação de que a nova legislação serve o grande capital, permitindo «negociatas».
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Quero encetar este tema dizendo o seguinte: o Governo não entende nem aceita que a oposição tenha o monopólio da seriedade. Não temos lições a receber de seriedade da oposição. Temos os nossos princípios e estamos aqui para os discutir. E, se há fundamentos ou factos concretos em que se alicerçam essas afirmações, aqui estamos nós para os conhecer e rebater. Agora, afirmações desta natureza, em termos genéricos não suportados em factos e em argumentos, são apenas afirmações globais que temos de rejeitar também liminarmente, uma vez que, como já disse, não recebemos lições de seriedade da oposição nem lhe reconhecemos o monopólio de serem as pessoas sérias deste país.
Entretamo, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente José Vitoriano.
O Sr. Presidente: — Sr. Ministro Basílio Horta, desculpe interrompê-lo mas quero recordar aos Srs. Presidentes dos Grupos Parlamentares que está convocada uma reunião para as 11 horas com o Sr. Presidente da Assembleia da República.
Tenha a bondade de continuar, Sr. Ministro.
O Orador: — Quanto ao problema da inexistência de regras de concorrência, que foi focado, penso que esta questão também já foi esclarecida.
Afirmou ainda o Sr. Deputado que esta legislação será a coveira das pequenas e médias empresas. Quero dizer-lhe, em relação a este argumento, que havia 36 000 empresas no sector das ramas e, neste momento, com o actual sistema, já só há 4000, ou seja, só com o actual sistema houve uma diminuição de 36 000 para 4000, essas, sim, pequenas e médias empresas. E, quanto às pequenas e médias empresas, industriais e pequenos e médios agricultores, penso que não há motivo para haver qualquer preocupação. Uma pequena ou média empresa industrial que não queira comprar o seu cereal numa empresa privada poderá continuar a comprar à EPAC, que tem o dever de garantir o abastecimento e que, portanto, continuará a fornecer essas empresas que se lhe dirijam para comprar o seu cereal.
Em segundo lugar, em relação aos pequenos agricultores que não querem vender o seu cereal à concorrência, podem continuar a vendê-lo à EPAC e ao preço a que vendiam actualmente. A EPAC compra a 14$. Se os agricultores tiverem um preço superior a 14$, vendem à concorrência; se não tiverem, continuam a entregar à EPAC, e, consequentemente, não vejo em que é que a situação piora. Mais ainda: se tiverem a capacidade de se associarem e de aumentarem e unirem a sua oferta, é óbvio que podem, manifestamente, ter melhores preços num mercado livre.
Parece-me evidente que não há a possibilidade de prejuízo para esses pequenos e médios agentes económicos. Pelo contrário, há a possibilidade de partirem de um plafond e de melhorarem consileravel-mente o preço dos seus produtos, se forem agricultores, ou de manterem o preço de aquisição, se forem industriais.
Portanto, não pensamos que o regime proposto seja coveiro de pequenas e médias empresas. Pelo contrário, no nossa óptica, entendemos que ele é um estímulo ao associativismo e à capacidade de uma intervenção mais clara e mais eficaz em termos de concorrência.
O Partido Comunista Português continua a falar no cumprimento de compromissos para com o grande capital e diz mesmo que o Governo se «está nas tintas» para os interesses das PMEs moageiras. Penso oue em relação a este último aspecto, já demonstrei que não está: de 36 000 empresas que existiam, hoje só há 4000, e essa diminuição, embora não me conste que alguém tenha protestado contra isso, verificou-se no último regime.
Em relação às PMEs, tendo a EPAC a obrigatoriedade de lhes garantir o fornecimento, não vejo por que é que se diz que o regime proposto vai acabar com as PMEs industriais do sector da moagem? Se elas querem comprar à EPAC, continuam a fazê-lo, e, se a EPAC compra mais barato no mercado externo, pode até vender mais barato a esses moageiros. Certamente que não irão comprar a outras empresas se a EPAC tiver a possibilidade de vender mais barato.
Por outro lado, enquanto se mantiverem fixos os preços do pão e do cereal que é fornecido à moagem, então o risco ainda será menor, uma vez que todo o cereal tem necessariamente o mesmo preço de fornecimento.
A Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo perguntou se os trabalhadores da EPAC foram ouvidos em relação ao novo sistema. Devo dizer-lhe que sim, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): — Mas não ligaram nenhuma ao que eles disseram!
O Orador: — O Governo é obrigado a ouvir os trabalhadores da EPAC, mas não é obrigado a seguir o que eles dizem.
A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): — Esse é que é o descaramento!
O Orador: — Os trabalhadores da EPAC foram ouvidos, não foram seguidos no parecer que deram. Ë um facto. Mas foram ouvidos, de acordo com aquilo que a lei manda.
Quanto ao descaramento do Governo, ao referir a prestação de serviços pela EPAC, de que a Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo falou, devo dizer-lhe, com todo o respeito que me merece, que descaramento, neste campo, é a sua ignorância. Essa é que é uma ignorância descarada, na medida em que, se a EPAC está a investir 6 milhões de contos no silo da Trafaria, é óbvio que vai vender serviços. Vende-os a quem lhos pagar, como eu há pouco dizia, e, portanto, pode mesmo vender às multinacionais. Não sei se a Sr.ª Deputada queria que a EPAC apenas vendesse serviços àquelas multinacionais que eventualmente o Partido Comunista não critica ...
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): — Não seja provocador!
O Orador: — Ainda em relação a este aspecto, e quanto às ligações ao grande capital, que a Sr.ª Deputada também focou por diversas vezes, quero dizer o seguinte: o Governo está aqui para debater esta
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matéria, está tranquilo nos seus argumentos e não se importa de discutir hoje o comércio de cereais, como amanhã o comércio das oleaginosas ou o do peixe congelado e falar de todas as empresas multinacionais que aí se movem. Está, portanto, à vontade para discutir, tanto neste sector como noutros, tudo aquilo que se prenda com estas matérias.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): — Os senhores querem acabar com o sector nacionalizado, mas vai-lhes custar!
O Orador: — O Sr. Deputado Octávio Teixeira fez uma pergunta concreta: como poderá uma só empresa prestar três tipos distintos de actividades?
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): — Posso interrompê-lo, Sr. Ministro?
O Orador: — Com certeza, Sr. Deputado.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): — É que a pergunta não foi essa. O que perguntei foi como é que uma empresa que presta esses três tipos de serviços que o Sr. Ministro referiu pode entrar em concorrência efectiva e real com outras empresas que apenas têm a actividade comercial propriamente dita.
O Orador: — Mas é q,ue esses três tipos de actividades correspondem a três divisões internas dentro da empresa e, portanto, correspondem a três formas de acção dentro da empresa que são autonomizadas. Portanto, se houver três escritas — se me permite a expressão —, há três entidades autónomas a funcionar dentro de uma só empresa. Repare que, por exemplo, a General Motors ou a Fiat têm muito mais divisões e exercem uma actividade muito maior, e este facto não quer dizer que a própria empresa não concorra com outras.
Neste caso, trata-se de três sectores diferentes que têm autonomia e, portanto, há a possibilidade de actuarem independentemente, pelo que podem, por exemplo, obter lucros na parte concorrencial e não ter lucros naquela parte em que é realizada uma intervenção de natureza pública.
Portanto, penso que este é um aspecto de organização interna da empresa e penso que não é assim tão difícil como isso organizar a empresa por forma a ter os três tipos de actividades.
O Sr. Deputado Octávio Teixeira perguntou ainda qual o motivo por que a percentagem de mercado interno para duas de importação não consta expressamente do diploma. Sr. Deputado, a resposta é esta: porque este ano é necessário estabelecer esta percentagem, mas, se para o ano a produção nacional for maior, é necessariamente menor a percentagem que se importa. Portanto, esta é uma percentagem conjuntural, que se justifica num ano como este, mas que amanhã pode mudar. Se amanhã tivermos uma produção interna de 800 000 t ou 900 000 t — e espe-ramos que assim aconteça —, é óbvio que só teremos de importar 100000 t. Não se justifica que a percentagem entre aquilo que se compra no mercado interno e o que se importa se mantenha numa percentagem de um para dois, porque então estaríamos a importar aquilo de que não necessitávamos.
Portanto, quando fixamos esta percentagem, ela tem em vista a relação entre o consumo e a importação. Não vamos importar o que não necessitamos, mas apenas aquilo que é necessário para o nosso consumo interno. Donde a percentagem ser fixada anualmente, por portaria dos ministros respectivos, e não ter de constar expressamente do decreto-lei.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): — Dá-me licença que o interrompa de novo, Sr. Ministro?
O Orador: — Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): — É que a minha pergunta incluía mais uma questão, que é a seguinte: na presente proposta não aparece essa relação, mas, mais do que isso, não está consagrada a obrigatoriedade de. para a importação, se ter de realizar a compra no mercado interno, porque no diploma está apenas a expressão «poderá exigir-se». E, se eu agora seguisse o raciocínio que o Sr. Ministro Basílio Horta acabou de expor, teria de chegar a esta conclusão: não aparece porque o Governo prevê a hipótese de não haver produção nacional absolutamente nenhuma e, por conseguinte, não há que estabelecer a obrigatoriedade. Seguindo a sua linha de raciocínio agora exposta, teria de chegar a esta conclusão.
O Orador: — Tem razão nesse seu argumento, Sr. Deputado Òctávio Teixeira, mas não foi esse o ponto de partida do Governo. Quando o Governo diz «poderá exigir-se», é no sentido de flexibilizar o sistema, isto é, não ficar desde logo vinculado no decreto-lei um sistema que amanhã pode não ser necessário à economia nacional. Mas penso que essa é uma objecção que será tida em conta.
O Sr. Deputado Luís Coimbra, do PPM — e tenho pena que não se encontre aqui presente neste momento —, colocou um conjunto de questões, algumas das quais serão respondidas com natureza puramente departamental pêlos Srs. Ministros da Agricultura e Pescas e do Comércio e Turismo, No entanto, pôs uma questão que gostaria de esclarecer imediatamente.
Diz o Sr. Deputado Luís Coimbra que o diploma só se refere ao trigo. Ora, gostaria de esclarecer que o diploma não se refere apenas ao trigo. O que acontece é que, especificamente em relação ao trigo, se estipula desde já um regime, dizendo-se que o Governo pode alargar esse regime a outros cereais. Isso não significa, portanto, que venha a haver um regime diferente para os outros cereais. O regime é aquele que neste momento não se generalizou para os outros cereais, porque não quisemos fazer de uma vez só um novo regime em matéria tão melindrosa, por uma questão de prudência e para testar qual será a reacção do mercado e da economia nacional a esta primeira medida do Governo. É, portanto, esta a razão por que esta matéria não se prende, com efeito, com a delimitação de sectores, e, ainda que assim fosse, não consta que o sector da comercialização dos cereais estivesse vedado à iniciativa privada.
Aliás, quanto à inconstitucionalidade material, quero dizer que ela nunca se colocou e passo a citar os textos da Comissão Constitucional que o dizem
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claramente e donde se infere esse sentido. A Comissão Constitucional refere, e este é o aspecto fulcral deste parecer, a p. 5, o seguinte:
Cremos que o único problema de constitucionalidade que se pode pôr é justamente o referente à inconstitucionalidade orgânica.
E à frente esclarece este seu pensamento dizendo:
Isto quer dizer que o Governo, para poder legislar nesta matéria da intervenção do processo económico, tem de estar munido de uma autorização da Assembleia da República.
É esta autorização que agora é solicitada.
O Sr. Deputado Carlos Brito perguntou, muito concretamente, que faz correr o Governo no caso da EPAC? Podia responder nos mesmos termos: o que faz correr o Governo, no caso da EPAC, é cumprir o seu programa, tal como o que faz correr o Partido Comunista, no caso da EPAC e noutros, é manter o regime de monopólios.
Portanto, o que faz correr o Governo é cumprir o seu programa, é efectivamente levar à prática um programa que foi votado maioritariamente pelo eleitorado do nosso país. Consequentemente, o que faz correr o Governo é estabelecer um regime consentâneo com aquilo que no programa eleitoral do Governo foi oferecido ao eleitorado e que ele maioritariamente escolheu.
Quanto à referência de que se pode ser levado a constatar que a AD coloca as instituições democráticas ao serviço dos grandes moageiros, já em relação às PMEs argumentei no sentido de demonstrar que assim não era. Esta como outras afirmações de natureza genérica feitas pelo Partido Comunista, algumas mesmo repetitivas, não sendo alicerçadas nem suportadas em nenhum facto, não merecem qualquer tipo de esclarecimento.
O Sr. Deputado do Partido Socialista Carlos Lage disse que o Governo tem uma lamentável coerência, porque é realmente com base nessa coerência que tenta transferir para o sector privado o património que até aqui pertencia ao Estado. E esta é uma lamentável coerência para o Sr. Deputado, mas para nós não é. É realmente a nossa coerência.
E mais: suponho que, mesmo para o Partido Socialista, por aquilo que foi a sua prática governativa e até é a sua prática política, não é tão lamentável como o Sr. Deputado afirmou neste debate. Com efeito, num país como o nosso, em que há tantas carências de infra-estruturas sociais em vários domínios, como o da educação, da saúde, da formação, dos transportes, das comunicações, e competindo ao Estado o dever de garantir às populações essas infra-estruturas, pergunto como é que o Sr. Deputado compagina esse dever, que é do Governo, que é do Estado, com o dever de ser um bom empresário, de cumprir escrupulosamente as suas obrigações em termos de capital para com as empresas públicas, enfim, de rentabilizar o património que está ao seu cargo.
Quando temos um Orçamento Geral como o nosso, quando o País tem carências de toda a natureza, será exigível e útil para as populações que o Governo continue a ser um mau empresário, quando a iniciativa privada poderia gerir até melhor esse tipo de empreendimentos, podendo, dessa maneira, o Governo utilizar essas verbas em domínios tão úteis como sejam melhorar os sistemas de educação e da saúde ou construir estradas, escolas e hospitais? Será que é exigível que se continuem a gastar milhões de contos em investimentos que poderiam ser feitos por outrem, subtraindo assim ao conforto e às justas aspirações da população as prestações de serviços, essas, sim, da competência do Governo?
Com efeito, para nós, é muito mais importante cumprirmos as nossas missões e obrigações sociais do que mantermos um sector empresarial do Estado em que muitas vezes o próprio Estado não pode cumprir com as suas obrigações de Estado-empresário ou de Estado-padrão. Este é o grande dilema, e, em tudo aquilo que não se prenda com a independência nacional e com situações de mercado onde a concorrência possa funcionar, o Governo aí, sem dúvida, opta por essas verbas serem aplicadas em benefícios sociais das populações do que em prejuízo das mesmas.
A Sr.ª Ercília Talhadas (PCP): - E a Constituição, Sr. Ministro?
O Orador: - Não queremos a igualdade por baixo, mas sim que as verbas do Estado, que são de todos, sejam aplicadas primordialmente em favor de quem mais necessite do próprio funcionamento do Estado e dessas instituições. É isso que estamos a fazer, é, portanto, esta a nossa coerência, que é a coerência da maioria, Sr. Deputado Carlos Lage.
O Sr. Deputado da UDP, Mário Tomé, afirma que a liberalização contraria o artigo 110.º da Constituição. Permito-me discordar do Sr. Deputado, pois penso que não contraria essa disposição, uma vez que o artigo 110.º da Constituição o que diz é que o Governo é obrigado a controlar o comércio externo, nomeadamente criando empresas públicas ou outros tipos de empresas. A única forma de controlar o comércio externo não é manter monopólios, pois há outras formas muito melhores de o controlar. O Governo não prescinde desse controle, fá-lo-á, mas não, especificamente, através da manutenção do monopólio do trigo.
O Sr. Mário Tomé (UDP): - Dá-me licença, Sr. Ministro?
O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Mário Tomé (UDP): - Como é que o Governo controla o mercado externo se abre mão da EPAC, que é o instrumento, por excelência, para o controle desse comércio externo no que respeita aos cereais?
O Orador: - Quero dizer-lhe que o Governo poderá exercer esse controle por duas vias: em primeiro lugar, é sempre o Governo quem autoriza as importações. Estas não se realizam de uma maneira liberta, é sempre o Governo quem tem de as autorizar. Em segundo lugar, há efectivamente a obrigatoriedade de só se fazerem importações no limite em que a produção interna não sirva para satisfazer as neces-
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sidades de consumo. Logo, há um controle do comércio externo: nós não importaremos, através desse sistema, o que não necessitarmos.
Mais: se a EPAC concorre e compra aos melhores preços, é óbvio que fornecerá precisamente por essa razão. Portanto, logo aí há um controle da concorrência. É que, na nossa óptica, muitas vezes o controle pela concorrência faz-se melhor pela via administrativa.
Esta é, realmente, a nossa óptica, e estamos em crer que, além de tudo,- ela está conforme corri a Constituição.
A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - A EPAC comprava melhor porque o fazia em grandes quantidades, e isso não vai acontecer com este sistema!
O Orador: - Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo, ouvi o seu aparte e não resisto em responder-lhe.
A Sr.ª Deputada disse que a EPAC comprava em grandes quantidades e que daqui em diante não o poderá fazer, devido ao novo sistema.
A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - É precisamente isso que os senhores não querem que aconteça!
O Orador: - Não, Sr.ª Deputada. O que está em causa com o sistema proposto a entrar em vigor são 3 % do. comércio de cereais. E a Sr.ª Deputada está a pôr o problema como se se tratasse de 95 %. São apenas 3 % do comércio de cereais. A EPAC pode continuar a comprar em grandes quantidades, mesmo depois de o sistema estar implementado, na medida em que haverá sempre um grande conjunto de pequenos e médios industriais que querem continuar com a EPAC, e esta tem a obrigação de os fornecer.
Quem é que fornece a EPAC hoje senão as grandes multinacionais? A Sr.ª Deputada não ignora que estão a trabalhar em Portugal, com os órgãos de coordenação económica, 20 grandes multinacionais, e é evidente que elas também hoje têm os seus lucros. Portanto, isso não é nada que este governo esteja a criar.
O Sr. José Luís Nunes (PS): - Posso interrompê-lo, Sr. Ministro?
O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Ministro Basílio Horta, penso que tenho alguma coisa a dizer acerca desta matéria.
Penso que em determinados momentos o interesse nacional deve prevalecer sobre os interesses dos partidos, das maiorias ou estritamente partidários, etc. Gostaria de dizer a V. Ex.ª que segui este problema da EPAC através das comunicações e do trabalho que era realizado pelo Grupo Parlamentar do Partido Socialista, e as críticas estão à vista, pelo que não vale a pena repeti-las nem debruçarmo-nos sobre elas, na medida em que foram e vão continuar a ser feitas por pessoas com muito maior competência do que eu nesta matéria.
O único testemunho que quero trazer aqui, sob palavra de honra, porque, como V. Ex.ª sabe, não tenho por hábito usar da mentira ou da calúnia, é o seguinte: é que nos últimos dois ou três dias tenho sido constantemente procurado por pessoas que defendem a liberalização da EPAC, que a consideram importante e que se definem ou são publicamente conhecidas nos seus locais de trabalho como pessoas da AD e que dizem que a maneira como os senhores querem resolver este problema é, pura e simplesmente, um escândalo. Disseram ainda que este sistema vai contra todos os interesses que é possível imaginar, que não corresponde nem à vontade da AD nem à do Governo nem ao interesse do País e que é, pura e simplesmente, o resultado de um conjunto de lobbies nacionais e internacionais, com nomes devidamente identificados, que a determinada altura me deram.
Ao fazer esta declaração, não quero atacar o Governo nem a maioria, mas apenas trazer-lhes alguns factos de que os senhores podem não ter conhecimento - e acredito que não tenham - e que nestes dois últimos dias me puseram os cabelos em pé. As pessoas com quem tive a ocasião de contactar sobre este assunto - num dos casos procuraram-me até por razões de ordem familiar, para me falar e sensibilizar quanto a este problema - são pessoas que o Sr. Ministro também conhece ou pode conhecer e que me traçaram um quadro tão negro disto tudo que entendi que devia trazer aqui este testemunho.
Por que não reflectir novamente e por que não arranjar qualquer outra solução que não caia nos riscos terríveis que me passam a vida a sublinhar pessoas que conhecem o assunto? A- expressão sempre usada foi: «isto é o fim».
Agora, os Srs. Ministros actuarão como quiserem, porque o meu dever, que era tentar apelar para a reflexão e para um determinado espírito de abertura em relação a esta matéria, está feito.
O Orador: - Sr. Deputado José Luís Nunes, agradeço-lhe a informação que me traz. Podia responder-lhe, se quisesse utilizar esse argumento, dizendo que várias pessoas do seu partido defendem o sistema que nós agora propomos.
O Sr. José Luís Nunes (PS): - É verdade! Um deles foi um antigo socialista!
O Orador: - Portanto, nós poderiamos colocar a questão nestes termos e não avançávamos, mas não é assim que pretendemos debater este problema.
O Governo está aqui para esclarecer e não o podia fazer a todas as pessoas, mesmo àquelas que pertencem à sua base de apoio. Apresentámos aqui um projecto de decreto-lei com as linhas mestras a que vai obedecer a nova comercialização dos cereais. Vamos ver as críticas que aqui vão surgir e a forma como nós lhes respondemos. Estamos certos de que essas preocupações que o Sr. Deputado José Luís Nunes aqui transmitiu não têm razão de ser. Mas o Governo está aqui para esclarecer as dúvidas que forem levantadas e as questões que forem postas. O Sr. Deputado José Luís Nunes também não ignora que a mudança, e principalmente em Portugal, não se faz sem custo. O Sr. Deputado não ignora que, quando se quer mexer alguma coisa em Portugal, cai normalmente tudo sobre quem o quer fazer. Há pouco não estava presente quando eu citei os
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países que têm o mesmo sistema que nós, mas esse é um sistema que não serve para Portugal, e a nossa intenção è a de realmente mudar o sistema. E estamos certos de que o novo sistema não só não piora aquele que existe, em termos de fraude e de fugas, como pode melhorá-lo substancialmente.
Ë esta a nossa intenção e é por isso que estamos aqui fazendo funcionar as instituições democráticas, no sentido de ouvir as críticas e prestar os devidos esclarecimentos. Estão aqui presentes os Ministros directamente interessados nesta matéria, e este é o local próprio para o debatermos, uma vez que é o órgão mais importante e representativo da democracia (está aqui o povo português representado); portanto, aqui estamos nós, sem esconder nada, a dar os esclarecimentos necessários.
Se, em relação ao diploma em questão, algumas pessoas da AD têm essa interpretação, faço votos para que, quando este debate acabar, ela possa ser corrigida.
O Sr. Deputado António Campos começou por referir que este sistema não defende os interesses dos produtores. Pergunto-lhe se pensa que defender os interesses dos produtores é o facto de haver apenas uma entidade única a comprar trigo. Ou seja, se houver concorrência entre várias entidades e aparecerem no mercado interno várias entidades a comprar e o Governo mantiver, mesmo assim, um preço de garantia, não será isto uma melhor defesa dos interesses dos produtores?
Na nossa opinião, esta é uma melhor defesa dos interesses dos produtores. Se houver concorrência, se houver preços diferenciados, de acordo com a própria qualidade do cereal, que estimule o agricultor a melhorar a qualidade das suas sementes e que, por consequência, possibilite uma oferta melhor em qualidade, é óbvio que isto é muito mais estimulante do que se houver apenas uma entidade que compra sempre ao mesmo preço e que está sozinha no mercado.
Aliás, é certamente por essa razão que a maioria dos agricultores apoia este novo sistema, porque ele vai proporcionar à lavoura preços superiores a médio prazo. Coisa diferente será assegurar que este aumento de preços à lavoura não seja temporário isso é fundamental que se assegure e corresponda, efectivamente, ao funcionamento do sistema e não apenas a um período da sua execução, que seja um aumento de preços saudavelmente firmado numa concorrência e num aumento da procura em relação à oferta do sector primário. Ora, se assim acontecer, não tenho dúvidas de que vai aumentar o preço a que é pago e cereal neste momento e a lavoura vai melhorar a sua qualidade, aliás como acontece nos países da Comunidade Económica Europeia.
O Sr. António Campos (PS): - Posso interrompê-lo, Sr. Ministro?
O Orador: - Com certeza, Sr, Deputado.
O Sr. António Campos (PS): - Muito obrigado pela sua gentileza em me proporcionar uma oportunidade para discordar das suas afirmações.
Quando lhe digo que os agricultores são prejudicados, é claro que o são. Como é que o Sr. Ministro vai pôr em concorrência agricultores cujas produções variam entre os 4000 e os 5000 quilos por hectare com agricultores portugueses que têm uma produção de 1200 quilos por hectare.
Para mim, a liberalização da importação leva também à liberalização de preços a prazo. O Sr. Ministro sabe que hoje não tem qualquer hipótese de colocar essa concorrência frontal, a não ser que passe a utilizar só para a produção de cereais os bairros do Alentejo. Mas, nessa altura, ao contrário daquilo que o Sr. Ministro há pouco dizia, de que poderia haver aumento de produção, ficará registado neste debate que ela não irá ultrapassar as 160000 t, porque corresponde aos solos que temos neste momento e que podem concorrer com esse sistema. Isto é uma opção grave, porque não foi dada outra opção e nem sequer há tempo para dá-la aos pequenos e médios agricultores, principalmente aos do Sul do País. E se neste momento eles estão de acordo, certamente que, a curto prazo, estarão frontalmente em desacordo com este sistema, a não ser que a política de subsídios se mantenha, mas, nessa altura, irá para o bolso dos moageiros, e nunca para o dos produtores.
O Orador: - Sr. Deputado, em relação a esse aspecto, eu esclareço-o.
Em primeiro lugar, os pequenos produtores, que têm uma produção reduzida e não rentável, por força da sua pequena dimensão, não podem e não devem continuar com explorações que não são rentáveis. Têm de ser estimulados e associarem-se e a conseguirem níveis de produção dimensionados para serem rentáveis em relação à sua própria produção. E não apenas em relação ao trigo! Quando se fala em cereais, não se refere apenas o trigo; fala-se em milho, em sorgo, em oleaginosas. Trata-se, pois, de redimensionar esse tipo de oferta agrícola. Os pequenos agricultores têm de ser estimulados a redimensionarem e a rentabilizarem a sua capacidade de intervenção no mercado. Com a aproximação da Europa que o seu próprio partido apoia -, não é útil manter esses agricultores numa situação que, a curto ou médio prazo, lhes vai trazer os maiores prejuízos ou vai dar ao Estado um encargo que ele não pode suportar. A inovação e a mudança têm de passar também por aí.
Por outro lado, o Sr. Deputado sabe que há sempre um preço de garantia. Com efeito, esses agricultores poderão sempre entregar o seu cereal à EPAC através de um preço de garantia, que será fixado. Até à liberalização plena vai ainda um longuíssimo espaço de tempo. Haverá sempre essa garantia do fornecimento de cereais à EPAC que esses agricultores possuírem.
Digo-lhe também que o sistema de agora só funciona para o trigo, como lhe acabei de dizer. Mas os cereais não são apenas o trigo. Há todo um outro conjunto que também deve fazer parte deste sistema.
Finalmente, em relação aos grandes produtores, dir-lhe-ei, no que respeita à concorrência, que os importadores são efectivamente penalizados. Institui-se o sistema dos prélévements. Logo, há uma penalização em relação à importação, continuando manifestamente a haver a protecção da oferta interna. Consequentemente, essa protecção tem de ser aproveitada este ano no sentido de se melhorarem quer as condições de exploração quer, principalmente, as condições de comercialização.
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Este é um passo nesse sentido. Deve-se, pois, estimular a nossa intenção, isto é, que esse associativismo e faça e que essa capacidade de comercialização se realize finalmente.
O Sr. Deputado fez-me ontem uma pergunta, à qual lhe vou responder, pelo respeito que me merece. Perguntou-me se eu negociei ...
O Sr. António Campos (PS): - Desculpe que o interrompa, mas a pergunta não se dirigia a V. Ex.ª, Sr. Ministro.
O Orador: - Desculpe, Sr. Deputado. É que, realmente, de cereais apenas conheço o pão que tomo ao pequeno-almoço.
De qualquer forma, o Sr. Deputado sabe bem que este novo regime de cereais aqui apresentado respeita a um conjunto de interesses, todos eles ouvidos. Foram ouvidas as associações de agricultores e de industriais. Portanto, houve uma grande amplitude de audiência. O Governo não fez este regime no segredo dos gabinetes, mas, antes, elaborou este projecto através de uma ampla audiência. É evidente que todos os interessados tiveram conhecimento das intenções do Governo pois tiveram ocasião de as discutir, e, pelo contrário, não fez nenhum acordo prévio com qualquer empresa sobre este assunto.
O Sr. António Campos (PS): - Dá-me licença, Sr. Ministro.
O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. António Campos (PS): - Sr. Ministro, agradeço-lhe a gentileza que me está a dar de podermos entrar num diálogo directo.
Sr. Ministro, coloquei-lhe, frontalmente, uma outra questão. Organizaram-se antes duas empresas e há só três beneficiários desta situação: a Portugal e Colónias, a Triunfo e a Dreyfus. Isto resulta do facto de todas elas se terem organizado antes de o diploma aparecer publicamente, para que pudessem invadir imediatamente o mercado. É conhecido também que estas três empresas podem representar 70% do mercado nacional. Assim, perante a afirmação do Sr. Ministro de que esta proposta defendia os interesses nacionais, perguntei se isto defendia, de facto, os interesses nacionais ou se defendia os interesses de apenas três grupos, ou seja, a Portugal e Colónias, a Triunfo e a Dreyfus.
Acrescentei também que o processo não me parecia muito límpido. Na verdade, o diploma estabelece, por exemplo, a possibilidade de futuramente haver quotas de importação de cereais em relação à recolha interna. Sabe-se também que, a seguir a esta liberalização, virá a liberalização do milho e que as duas únicas empresas que são moageiras, mas que, simultaneamente, tem fábricas de rações, são a Portugal e Colónias e a Triunfo. Por estas razões, eu diria ao Sr. Ministro que o processo é muito pouco limpo e que demonstra um processo que não serve os interesses nacionais, mas sim os interesses de dois grupos nacionais e de uma grande multinacional. Foi apenas isto que eu quis dizer ao Sr. Ministro, com a garantia de que este processo já se iniciou há um ano e meio e que o primeiro protocolo entre a Portugal e Colónias, a Triunfo e a Dreyfus foi feito no dia 31 de Maio de 1980, quando ninguém tinha sido ouvido e quando isto estava apenas nos segredos dos deuses. É claro que este processo não pode ser limpo.
O Orador: - Sr. Deputado António Campos, vou dizer-lhe duas coisas.
Em primeiro lugar, entendo que pode haver três tipos de discussões: as discussões culturais, que se prendem com as ideias; as discussões burguesas, que se prendem com os factos, e as discussões medíocres, que se prendem com as pessoas, tanto singulares como colectivas. Eu não gostaria de entrar neste terceiro tipo de discussão. Em relação às outras duas, com certeza que se devem fazer.
Perguntar-lhe-ia: qual a razão que impede outras empresas de se associarem? Que impede outros grupos dê se associarem? Que impede, constitucional e legalmente, a concorrência nesse sector?
O Sr. Rogério de Brito (PCP): - Só ele é que sabe!
O Orador: - Parece-me que o Sr. Deputado está a levantar o problema como se o Governo dissesse que apenas se podem associar a Portugal e Colónias, a Dreyfus, a Intergrain e mais ninguém. Mas que impede a possibilidade de outras empresas se associarem?
Além disso, será que é só em Portugal que se passa isso e que há todos esses riscos frisados pelo Sr. Deputado, como o que se passa na Áustria, na Suíça, na França, na Espanha, etc? Ou só são sérios os indivíduos dos Camarões, da Guiné, de Madagáscar? Apenas esses é que são sérios? Tendo um sistema igual a este, todos os outros são desonestos e traem os interesses nacionais? Como é que o Sr. Deputado responde a estas perguntas?
Como o meu tempo está quase a acabar passaria à frente e terminaria respondendo aos Srs. Deputados Castro Caldas e Magalhães Mota, pedindo desculpa a este último, porque, há 'pouco, não respondi a uma pergunta que me dirigiu, que respeita a este problema dos protocolos da Lusograin e da Intergrain.
Quanto ao Sr. Deputado Castro Caldas, devo dizer-lhe que o Governo já tem preparada uma lei da concorrência.
Quanto ao que o Sr. Deputado Magalhães Mota me perguntou, acontece que estas sociedades, quando se constituíram, foram objecto de parecer do Instituto de Investimento Estrangeiro. Não há nenhuma proibição de comercializar internamente qualquer cereal, com excepção do trigo. Há, sim um comércio interno de cereais aberto, com a ressalva referida ...
O Sr. Presidente: - Acabou o seu tempo; Sr. Ministro.
O Orador: - Sr. Presidente, pedia-lhe que me concedesse mais um minuto, para que possa responder a esta pergunta.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Ministro.
O Orador: - Muito obrigado, Sr. Presidente. Como dizia, não há qualquer limitação no mercado interno, a não ser no que respeita ao trigo. Em
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relação ao mercado externo, pode haver limitações e só é livre a importação de sementes de cereais. Consequentemente, o pacto social destas empresas não está em desconformidade com a lei.
Por outro lado, o Governo entende que é muito melhor controlar a acção das empresas. Neste caso, sim, é que o Governo tem de actuar, se a acção dessas empresas se fizer à margem da lei ou contra ela. O Sr. Deputado pode estar certo de que o Governo não deixará de o fazer.
Aplausos do PSD do CDS e do PPM.
O Sr. José Vitorino (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?
O Sr. José Vitorino (PSD): - É para formular um protesto em relação à intervenção de há pouco do Sr. Deputado Luis Nunes.
O Sr. Presidente: - Como neste momento o Sr. Deputado José Luís Nunes não se encontra na Sala, agradecia que aguardasse o seu regresso.
O Sr. José Vitorino (PSD): - Com certeza, Sr. Presidente.
O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?
O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - É para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Sr. Presidente, creio que precisamos, sob pena de nos arrastarmos indefinidamente na discussão, de disciplinar este debate. Apreciei quer a tolerância do Sr. Presidente quer a do Sr. Ministro, consentindo diversas interrupções, algumas das quais constituíram verdadeiras intervenções no meio do debate. Sob pena de prejudicarmos os oradores inscritos, creio que teremos necessariamente de regularizar os tempos de intervenção no debate e respeitá-los escrupulosamente para que a ordem das inscrições possa também ser respeitada e para que cada um de nós possa usar da palavra, se disso se tratar e quando entender conveniente. Deve haver, pois, uma ordem prévia e um regulamento de debate.
O Sr. Presidente: - Estou de acordo consigo, Sr. Deputado Magalhães Mota. A conferência dos líderes dos grupos parlamentares está reunida, suponho que para esse efeito. Entretanto, quanto à tolerância, devo dizer que não é da Mesa que dependem as autorizações para as interrupções, mas, sim, de quem está a intervir - no caso, o Sr. Ministro. Tem-se em conta também que, desde há algum tempo, é norma que, quando há uma interrupção, o tempo dessa interrupção é descontado no tempo do orador colocando-se o semáforo em sinal de intermitência.
Há algumas inscrições para protestos. Em primeiro lugar, tem a palavra o Sr. Deputado Rogério de Brito.
O Sr. Rogério de Brito (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Antes de iniciar o meu protesto, desejava fazer uma pergunta ao Sr. Ministro. Para isso, gostaria que me descontassem no tempo...
O Sr. Presidente: - Desculpe-me interrompê-lo, Sr. Deputado, mas agora não pode fazer perguntas.
O Sr. Rogério de Brito (PCP): - Está certo, Sr. Presidente.
A questão é simples. Eu fiz um conjunto de cerca de 14 ou 15 perguntas ao Governo e não me foi dada uma única resposta. Curiosamente, disseram-me que não tinha havido tempo. Mas, ao contrário dessa justificação, diria que o Governo não me respondeu porque eu não teci meras considerações, mas apenas coloquei questões muito concretas. Deve ter sido por essa razão que as respostas não foram dadas. Talvez fossem comprometedoras de mais. É a vantagem de se ser muito objectivo!
Uma voz do PSD: - Ah!
O Orador: - Passando adiante, iria perguntar duas ou três questões, se tiver tempo para isso.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, lamento interrompê-lo novamente mas repito-lhe que não pode formular perguntas. Pode protestar da maneira que entender mas não pode fazer perguntas para obter respostas, a não ser que seja sob a forma de protesto.
O Sr. Ministro de Estado Adjunto do Primeiro-Ministro (Basílio Horta): -Dá-me licença, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Ministro.
O Sr. Ministro de Estado Adjunto do Primeiro-Ministro (Basílio Horta): - Há pouco, pedi ao Sr. Deputado Rogério de Brito que me deixasse interrompê-lo para lhe dar um esclarecimento. Apenas quero dizer que as perguntas do Sr. Deputado vão ser integralmente respondidas pelos Srs. Ministros da Agricultura e Pescas e do Comércio e Turismo. Efectivamente, a minha exposição não esgotou todas as perguntas que foram feitas.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra. Sr. Deputado Rogério de Brito.
O Sr. Rogério de Brito (PCP): - Muito obrigado, Sr. Ministro.
Continuando, gostaria de colocar uma questão que não foi abordada e que diz respeito à afirmação do Sr. Ministro de que a concorrência vai permitir a melhoria inclusivamente dos preços à produção.
Em primeiro lugar, considera-se no próprio diploma que se praticam preços artificiais no nosso país, preços que, portanto, estão claramente acima dos preços dos mercados internacionais. Como é então possível, neste sistema de liberalização, vir a melhorar os preços à produção interna?
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Além disso, o Sr. Ministro disse que o novo sistema não vai piorar a situação, inclusive em termos de fraude e de fugas. Eu não coloco a questão nesse pé, ou seja, se vai ou não piorar. O que eu pergunto é se o Sr. Ministro pode afirmar que o actual regime tem permitido fraudes e fugas na EPAC, porque só assim se pode entender que não vai piorar. Nesse caso, subentende-se que há fraudes e fugas.
A segunda questão tem a ver com os preços de intervenção e com o calendário de campanha. Já não terei tempo de a colocar devidamente, porque o meu tempo está a terminar, mas diria que há uma certa desarticulação entre a garantia do preço de intervenção antecipado à campanha e o próprio calendário de cada campanha. Isto é, a campanha de comercialização do trigo decorre de 1 de Junho a 30 de Junho e depois diz-se que o preço de intervenção será estabelecido durante toda a campanha de comercialização. Isso significa que o preço de intervenção é estipulado para a campanha que está a decorrer, e não propriamente para a campanha que se segue.
O Sr. Presidente: - O Sr. Ministro quer responder isoladamente a cada protesto ou prefere dar a resposta a todos em conjunto?
O Sr. Ministro de Estado Adjunto do Primeiro-Ministro (Basílio Horta: - Sr. Presidente, este tipo de perguntas será respondido na intervenção do Sr. Ministro da Agricultura e Pescas. Penso que não se deve maçar agora a Câmara a fim de se obterem respostas que poderão ser obtidas na intervenção que o Sr. Ministro da Agricultura e Pescas irá fazer. Se o Sr. Presidente mo permitir, responderei a perguntas que entenda responder e que não estão contempladas nas outras duas intervenções que vão ser feitas por membros do Governo.
O Sr. Presidente: - Mas, de qualquer forma, o Sr. Ministro responde no fim a todos os protestos conjuntamente?
O Sr. Ministro de Estado Adjunto do Primeiro-Ministro (Basílio Horta): - Sim, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lage.
O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, prescindo em benefício do ritmo dos trabalhos e para que os partidos possam fazer as intervenções que. têm programadas.
O Sr. Presidente: - Então, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Ministro de Estado Adjunto do Primeiro- Ministro, pelas suas exposições de ontem e de hoje, estou convencido que V. Ex.ª não leu ainda totalmente o projecto de decreto-lei que vem a acompanhar a proposta de lei de autorização legislativa, nomeadamente no que se refere á futura estrutura da EPAC. Ontem referi-lhe que uma das funções não está prevista e que a outra o está apenas em termos transitórios. Mas não é isso que eu agora quero referir.
Quero, sim, colocar três questões que o Sr. Ministro levantou, isto é, os problemas da transferência do mercado, da concorrência e da lei da defesa da concorrência.
O Sr. Ministro chega à conclusão que as normas genéricas que constam do projecto de decreto-lei sobre a concorrência não defendem nada e, por isso, o Governo sente a necessidade de vir a apresentar a esta Assembleia uma lei de defesa da concorrência.
No entanto, gostaria de lhe chamar a atenção para o seguinte: existe uma lei aprovada por esta Assembleia da República em que se exige que, simultânea, anterior ou previamente, sejam definidas as normas de concorrência e asseguradas as condições objectivas de acesso ao mercado. Ora, o PPM pode «engolir elefantes» e outros animais que tais, mas a Assembleia, no seu todo, não o pode fazer.
Em relação à questão da compra no mercado externo, a EPAC compra bem e o Sr. Ministro diz que poderá continuar a fazê-lo e, por conseguinte, em concorrência, a bater os outros. Mas o Sr. Ministro esquece-se, ou tenta esquecer-se, de uma pequena questão. É que o mercado mundial de cereais é controlado, quase totalmente, por cinco grandes multinacionais, das quais pelo menos três estão interessadas em intervir em Portugal. A partir do momento em que entrem em Portugal, é evidente que essas multinacionais não vão vender cereais no mercado à EPAC.
Em relação a uma terceira questão, que trata do problema do silo e dos 6 milhões de contos, o Sr. Ministro veio desfazer a primeira argumentação de que a EPAC, com um investimento destes, não é uma empresa para «morrer»; vai, antes «viver» alugando os silos, etc. Mas depois refere que a realização de investimentos, que poderiam ser feitos por outros, não compete ao sector público e, assim, ao Estado. O Estado deve apenas prestar serviços. Isto é, os 6 milhões de contos só, foram investidos porque às empresas multinacionais não lhes interessa empatar e imobilizarem 6 milhões de contos...
Esgotado o tempo de que o orador dispunha, foi-lhe cortada a palavra pelo controle automático do tempo.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Ministro de Estado Adjunto do Primeiro-Ministro.
O Sr. Ministro de Estado Adjunto do Primeiro-Ministro: - Sr. Deputado, no que respeita à leitura do decreto-lei, devo dizer-lhe que o li várias vezes, embora talvez o tenha interpretado de maneira diferente da do Sr. Deputado, o que é perfeitamente normal.
Entretanto, o que lhe quero dizer é que este decreto-lei visa a comercialização dos cereais e não tem nada a ver com a EPAC. Neste momento, e face' a este diploma, não é lícito fazer a confusão entre a comercialização dos cereais, que consta deste decreto-lei, e o futuro da EPAC. Outros diplomas se seguirão e a intenção do Governo, várias vezes politicamente manifestada nesta Assembleia, é esta quo acabei de referir. Portanto, não constava, nada sobre a EPAC no decreto-lei, mas apenas sobre a comer-
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cialização dos cereais. É sobre isso que o decreto-lei se refere.
Quanto ao problema das normas de concorrência, direi que a lei que o PPM aprovou nesta Assembleia, que tem o nosso acordo, será cumprida e respeitada. Há normas de concorrência específicas para o sector dos cereais e a lei da concorrência, que vai ser discutida e aprovada nesta Assembleia, é uma lei genérica, à qual se terão que subordinar todas as normas de concorrência sectoriais. Porém, esta lei não é incompatível com as normas de concorrência agora fixadas. Para além das normas de concorrência para o sector dos cereais, que consta deste diploma em obediência à lei aprovada por esta Assembleia, haverá uma lei de concorrência genérica, que será discutida e aprovada e que respeita a todos os sectores comerciais e não apenas ao sector da comercialização do trigo.
No âmbito do mercado mundial e em relação às três empresas interessadas em Portugal, devo dizer-lhe, Sr. Deputado, que essas empresas já estavam em Portugal, e V. Ex.ª sabe-o muito bem. Quando comprava os cereais, a EPAC comprava-os a estas empresas. Não é este decreto-lei que abre essa possibilidade.
Quando o Sr. Deputado diz que há cinco empresas que dominam o comércio dos cereais, subentende-se, obviamente, que era a essas empresas que a EPAC comprava os respectivos cereais. Quando a EPAC comprava no mercado mundial, não comprava a estas empresas? Estas empresas não têm agentes em Portugal? Não funcionam com escritórios abertos em Portugal? É evidente que sim! Parece-me que não há novidade neste diploma em relação a esta situação. Ela já existia manifestamente.
Finalmente, no que respeita aos silos portuários, é óbvio que, se há um exemplo onde o Estado tem a obrigação de investir, é nos referidos silos. Isso é que tem a ver com o abastecimento público. E esses 6 milhões de contos são bem investidos pelo Estado. Ninguém poderia fazer esse tipo de investimento, em termos de dever político, a não ser o Estado. Os 6 milhões de contos destinam-se ao abastecimento público e estão perfeitamente de acordo...
Esgotado o tempo de que o orador dispunha, foi-lhe cortada a palavra pelo controle automático do tempo.
O Sr. Presidente: - Para um protesto, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo.
A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Inicio o meu protesto pela questão dos trabalhadores. O Sr. Ministro disse que os trabalhadores e as suas organizações foram ouvidos acerca deste diploma. Ora, isso é uma pura mentira! Os trabalhadores nunca foram ouvidos sobre este diploma.
Uma voz do PCP: - Muito bem!
A Oradora: - Foram ouvidos, sim, apenas sobre duas alíneas do Estatuto da EPAC. E, acerca desse assunto, as organizações de trabalhadores opuseram-se contra a posição manifestada pelo Governo. Mas sobre o decreto-lei em apreço não foram ouvidas.
Gostaria também de me pronunciar sobre a questão que ontem aqui coloquei de saber quais as medidas concretas que iam ser apontadas pelo Governo para garantir, de facto, os postos de trabalho e outros direitos dos trabalhadores, a fim de dar resposta à luta que têm vindo a desenvolver pela defesa dos seus direitos. O Sr. Ministro nada disse, nada apontou. Continua apenas a reafirmar princípios gerais, palavras que só exprimem demagogia e que nada representam.
Em relação à questão da prestação de serviços da EPAC apontada pelo Sr. Ministro, a única coisa em que os Srs. estão interessados é em dar o máximo possível às grandes multinacionais e à família de alguns dos Srs. Ministros deste Governo. Teremos oportunidade ainda hoje de falar mais sobre este assunto.
Quanto a ouvir os trabalhadores, os Srs. não os ouvem, mas ouvem as multinacionais, os grandes industriais e os grandes moageiros. Depois, seguem as suas orientações e os interesses das vossas próprias famílias, porque o que aqui está em causa é um negócio de mais de 40 milhões de contos e um lucro superior a 10 milhões de contos por ano, que, assim, será passado directamente para os bolsos das grandes multinacionais, da vossa família e de meia dúzia de grandes industriais, que dominam ou pretendem dominar este sector.
Aplausos do PCP e do MDP/CDE.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Ministro de Estado Adjunto do Primeiro-Ministro, para responder.
O Sr. Ministro de Estado Adjunto do Primeiro-Ministro (Basílio Horta): - Em primeiro lugar, direi que quem mente é a Sr.ª Deputada.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - É costume dela!
O Orador: - A comissão de trabalhadores da EPAC foi ouvida ao abrigo do ofício n.º 754/81. Se quiser, cedo-lhe uma cópia a fim de que V. Ex.ª veja que não tinha razão nas suas afirmações. Os trabalhadores foram ouvidos acerca da alteração das alíneas a) e b) do artigo n.º 5 do Estatuto da EPAC. É só isso que está em causa neste decreto-lei. Não há mais nada em causa e, logo, não tinham que ser ouvidos sobre mais nada, a não ser no que respeita ao que consta deste decreto-lei. A resposta que veio será também enviada à Sr.ª Deputada. Portanto, os trabalhadores foram efectivamente ouvidos, aliás, ao contrário do que faria o Partido Comunista se fosse Governo. Nesse caso, certamente que os trabalhadores da EPAC não seriam ouvidos.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Não são sérios! Mal ele diz uma graçola batem logo palmas!
O Orador - A Sr.ª Deputada referiu também famílias da AD e de ministros, fazendo um «trocadilho». Quanto a isso, se a Sr.ª Deputada entender que assim é e se, na consciência do seu partido, assim for, direi que a Sr.ª Deputada, perante um preceito
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de dignidade política, só tem uma coisa a fazer: é convencer o seu grupo parlamentar e apresentar uma moção de desconfiança ao Governo.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
Nesse caso, sim, a Sr.ª Deputada e o seu partido não devem deixar de apresentar uma moção de desconfiança ao Governo se não, não lhe consinto que ofenda pessoas que não pode e não deve ofender, a não ser pela via política.
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Fá-lo-emos como entendermos!
A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr.» Deputada?
A Sr.» Ilda Figueiredo (PCP): - Sr. Presidente, desejo usar da palavra ao abrigo do direito de defesa.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - O Sr. Ministro disse que quem tinha mentido era eu, mas o que o Sr. Ministro disse a seguir foi apenas reafirmar exactamente aquilo que eu tinha dito, ou seja, sobre o documento que aparece junto da proposta de lei da autorização legislativa e sobre o decreto-lei que o Governo já tinha aprovado e que foi declarado e muito bem - inconstitucional.
Os trabalhadores da EPAC não foram ouvidos. O Sr. Ministro acabou agora de reafirmar isso.
Uma voz do PCP: - Muito bem!
A Oradora: - O Sr. Ministro disse agora que os trabalhadores apenas foram ouvidos sobre duas alíneas do Estatuto da EPAC. Só sobre isso!
O Sr. Ministro de Estado Adjunto do Primeiro-Ministro (Basílio Horta): - E é isso que está em causa!
A Oradora: - Para o Sr. Ministro nada mais está em causa em relação aos trabalhadores, mas o que está em causa neste diploma não é só isso, mas, sim, muitíssimo mais. Os partidos da oposição já aqui o referiram e irão continuar a fazê-lo. Se V. Ex.ª ainda não percebeu isso e se ainda não leu atentamente o documento que está junto, então nós aconselhamos a que o leia bem e depois o discuti-lo-emos melhor.
Em relação à moção de desconfiança, Sr. Ministro, não consideramos que o Governo tenha o direito de mandar na oposição. A oposição e o meu partido, em especial, farão aquilo que muito bem entenderem. E não são as suas ameaças que nos impedirão de continuar...
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - É só barulho!
A Oradora: - ...ª denunciar a grande negociata que envolve ministros deste Governo e as suas famílias. Dar-lhe-ei os nomes, ainda hoje, de alguns desses Srs. Ministros.
Aplausos do PCP e MDP/CDE.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Provocadora!
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Não gostam de ouvir as verdades!
Protestos do PSD, do CDS e do PPM.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro.
O Sr. Ministro de Estado Adjunto do Primeiro-Ministro (Basílio Horta): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Sr.ª Deputada fez uma afirmação clara e o Governo espera que, no decorrer do debate, apareçam as provas concludentes dessas afirmações. Se isso não acontecer, como manifestamente não vai suceder, o Governo terá de chegar a duas conclusões.
Em primeiro lugar, o Governo concluirá que a Sr.ª Deputada se escuda atrás de uma imunidade parlamentar para denegrir o bom nome de cidadãos portugueses. Isso é próprio de si. Eventualmente, o Governo não aceita esse tipo de intervenções e acha que é um acto de cobardia clara o que a Sr.ª Deputada acabou de fazer nesta Assembleia.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
Em segundo lugar, e no que respeita à moção de desconfiança, a Sr.ª Deputada é a responsável perante o seu eleitorado, mesmo sendo minoritário, de não pôr a moção de desconfiança perante um Governo que tem todos esses defeitos referidos pela Sr.ª Deputada. Eu não fiz ameaças e sei perfeitamente que não tenho o direito de aconselhar a oposição e muito menos o seu partido. Mas queria perguntar-lhe apenas como é que V. Ex.ª responde perante o País de fazer essas afirmações nesta Assembleia e não as consubstanciar numa moção de desconfiança. Na verdade, a Sr.ª não tem confiança no que acaba de dizer, porque sabe que se trata de uma profunda mentira o que acaba de afirmar.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - É caluniadora profissional!
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, desculpe, mas não lhe posso dar a palavra.
Já lhe dei a palavra para intervir ao abrigo do direito de defesa, agora não lha posso voltar a dar.
A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Faça favor.
A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Sr. Presidente, o Sr. Ministro acaba de tecer algumas considerações acerca da minha pessoa, pondo em causa a minha dignidade pessoal. São altamente injuriosas...
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O Sr. Presidente: - Desculpe interrompê-la, a Sr.ª Deputada já fez uma intervenção ao abrigo do direito de defesa. Não posso continuar a dar-lhe a palavra...
A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Sr. Presidente, queria acabar de interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Faça favor.
A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Sr. Presidente, o Sr. Ministro acaba de fazer afirmações altamente injuriosas e caluniosas contra a minha pessoa. Creio que a Mesa não pode aceitar que isto aconteça por parte de um representante governamental, de um ministro, em relação a um deputado, seja ele quem for.
O Sr. José Vitorino {PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?
O Sr. José Vitorino (PSD): - É para fazer um protesto, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. José Vitorino (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como deputado do PSD e pertencendo à maioria que apoia o Governo, não posso deixar de protestar veementemente por aquilo que acabou de ser dito pela Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo e que já ...
O Sr. Presidente: - Desculpe que o interrompa, mas o Sr. Deputado apenas pode fazer protestos em relação à intervenção do Sr. Deputado José Luís Nunes, conforme anunciou há pouco. Em relação â Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo, o Sr. Deputado não pode responder. A Sr.ª Deputada não o agrediu nem se referiu ao seu partido. Além disso, o Sr. Ministro respondeu-lhe, pelo que não há necessidade de mais respostas. Assim, não lhe posso dar a palavra, tal como o fiz em relação à Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo.
O Sr. José Vitorino (PSD): - Sr. Presidente, só quero dizer que, ao fazer a afirmação que fez, a Sr.ª Deputada «enxovalhou» o nome desta Assembleia.
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Isto não pode ser, Sr. Deputado! Dois pesos e duas medidas?
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não dou a palavra a mais ninguém que se queira referir à intervenção da Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo.
Por lapso, não foi anunciada ontem a entrada na Mesa da proposta de lei n.º 56/II, que aprova para adesão o protocolo de acordo para importação de objectos de carácter educativo, científico e cultural.
O Sr. José Luís Nunes (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?
O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Presidente, foi há pouco anunciado pelo Sr. Deputado José Vitorino que desejava fazer um protesto ...
O Sr. Presidente: - Mas o Sr. Deputado José Vitorino não fez o referido protesto.
O Sr. José Luís Nunes (PS): - Dá-me licença, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: - Faça favor.
O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Deputado José Vitorino, fiz alguma coisa que motivasse a sua reacção?
O Sr. Presidente: - Compreendo as suas palavras, Sr. Deputado, Mas o Sr. Deputado José Vitorino não fez o protesto.
O Sr. José Luís Nunes (PS): - Mas, Sr. Presidente ...
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, quem esta a dirigir os trabalhos sou eu. Faça favor de acabar o seu pensamento mas desde já lhe digo que não lhe dou a palavra para uma intervenção.
O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Presidente, a minha ideia é a seguinte: o Sr. Deputado José Vitorino anunciou que ia fazer um protesto em relação a uma intervenção que eu tinha feito. Na altura em que isso aconteceu, eu tinha sido chamado ao telefone e ausentei-me da Sala. Voltei imediatamente e aguardei o protesto. E, como não gosto nem ninguém gosta que estas coisas fiquem no ar, eu iria perguntar ao Sr. Deputado José Vitorino...
O Sr. Presidente: - Desculpe, Sr. Deputado, mas não o pode fazer.
Srs. Deputados, há várias inscrições para intervenções. Entretanto, inscreveram-se os Srs. Ministros Cardoso e Cunha e Vaz Pinto, para intervenções que incluem respostas a alguns pedidos de esclarecimentos aqui colocados. No entender da Mesa, haveria vantagem para o debate em que os Srs. Ministros interviessem antes, mas é evidente que isso só se fará se não houver objecção por parte da Câmara.
O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Faça favor.
O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, é para dizer que nós temos exactamente o entendimento inverso da Mesa. Penso que, no interesse do Governo, dos deputados e do próprio debate, será preferível que intervenham os deputados em primeiro lugar, o que permitirá inclusivamente ao Governo dar as respostas que entender a essas intervenções. Parece-me bastante mais curial que se respeitem as inscrições tal como foram estabelecidas.
O Sr. Ministro de Estado Adjunto do Primeiro-Ministro (Basílio Horta): - Dá-me licença, Sr. Presidente?
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O Sr. Presidente: - Concedo a palavra ao Sr. Ministro, mas informo-o de que, uma vez que não há consenso, terá de se seguir a ordem das inscrições.
O Sr. Ministro de Estado Adjunto do Primeiro-Ministro (Basílio Horta): - Sr. Presidente, é só para dizer que nós concordamos com a interpretação do Sr. Deputado Lopes Cardoso. Ê mais útil para o Governo responder no fim. A nossa inscrição' foi feita sem prejuízo de uma intervenção final, mas, desta maneira, poderemos poupar tempo e responder de uma só vez.
O Sr. Presidente: - Nesse caso, tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso para uma intervenção.
O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Governo, de forma, no mínimo, precipitada, veio, com o apoio solícito da maioria, impor a reunião do Plenário da Assembleia em sessão extraordinária, para apreciar e votar um pedido de autorização legislativa. Pedido que, aprovado, lhe permitirá legislar à revelia da oposição e da opinião pública, como vem sendo hábito, sobre matéria cuja importância económica e social não carece de demonstração.
Diga-se apenas que nela estão envolvidos produtos destinados a satisfazer necessidades básicas da população e valores da ordem dos muitos milhões de contos.
Estima-se que o comércio dos bens em causa - cereais e ramas de açúcar - atingirá este ano montantes próximos dos 50 milhões de contos, dos quais mais de 35 milhões corresponderão ao valor dos cereais importados que ocupam, nas nossas estatísticas do comércio externo, o segundo lugar.
Por outro lado, vale a pena recordar que a EPAC, cuja existência se coloca agora em causa, é a maior empresa comercial do País e a segunda no conjunto de todas as empresas portuguesas.
Mas estas indicações, se registam a dimensão financeira do problema, não traduzem, por si sós, uma outra faceta, não menos importante: o seu significado económico e social.
Significado económico porque, como recorda o preâmbulo do projecto de decreto-lei anexo ao pedido de autorização legislativa - e cito - «os cereais, trigo e seus derivados ocupam a maior parcela da superfície agrícola útil nacional e constituem [...] um agregado de valor económico determinante para a agricultura e para a economia portuguesa».
Significado social porque, como disse já, estão em causa bens de primeira necessidade, em relação aos quais são particularmente graves e escandalosas as práticas especulativas.
Mais não houvesse e bastariam os factos que na sua singeleza aqui se anotaram para justificar um outro comportamento por parte do Governo e da maioria.
Mais não houvesse e o que ficou dito deveria ser suficiente para que o Governo e a maioria não tivessem procurado impedir, antes tivessem propiciado, um debate parlamentar aprofundado, a partir de um projecto ou de uma proposta de lei trazida a esta Assembleia em condições de ser amplamente discutida.
E tudo a pretexto de quê? Da urgência em rever o actual regime cerealífero, dizem-nos. Mas urgência porquê? Em nome de quê? Em benefício de quem?
Se são inconsistentes os argumentos aduzidos em favor do regime de comércio de cereais e ramas de açúcar agora proposto, os que se avançam para explicar a urgência imposta à Assembleia são caricatos e vazios.
Necessidade de adaptação do mercado nacional às regras em vigor na CEE?
Mas porquê e em quê, essa necessidade, a existir, comportaria a urgência que o Governo reclama?
Quando se sabe que o processo de adesão à CEE está longe do seu termo e que uma vez concluído se lhe seguirá um período longo de transição, o argumento dificilmente mereceria como resposta mais do que um sorriso, não fora o facto de mal se descortinarem, por detrás dele, as razões autênticas que porventura explicam a precipitação do Governo.
O Sr. António Vitorino (UEDS): - Muito bem!
O Orador: - Necessidade de criar um regime susceptível de incentivar a produção agrícola?
Também aqui e mesmo dando de barato que o Governo tenha razão nas suas críticas ao regime actual- se não vislumbra o que possa justificar a implementação apressada de um novo sistema, em plena campanha cerealífera.
O que faz então o Governo, frustrada a sua pretensão de exorbitar das competências próprias, vir de afogadilho a esta Assembleia, cumprir o que para ele não passará de uma formalidade incómoda, certo que está do voto de uma maioria comprovadamente dócil? Porquê tanta pressa? Porquê tanta precipitação?
É verdade que as grandes multinacionais que espreitam o bolo da importação de cereais (mais de 35 milhões de contos) se impacientam (veja-se a escritura de constituição da Lusograin, associando duas grandes multinacionais e um ex-administrador da EPAC, publicada há exactamente cinco dias). Mas será isso motivo para que o Governo se impaciente também?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: As razões que terão levado o Governo, primeiro a legislar ultrapassando as suas competências, depois a reclamar da Assembleia da República uma autorização legislativa imediata não são transparentes. E o mínimo que estaríamos no direito de exigir do Governo, quando estão em jogo bens que tocam a qualidade de vida das classes mais desfavorecidas e valores que ascendem a muitos milhões de contos, é que fosse transparente nos seus propósitos e claro nas suas razões.
Sr. Presidente. Srs. Deputados. Dir-me-ão que mais importante que o processo adoptado é o regime que, através dele, se pretende agora instituir. Será verdade. Mas é verdade também que ao processo não serão alheias as flagrantes contradições entre os objectivos que se proclamam e os instrumentos cuja implementação se anuncia.
Os mecanismos que se pretendem instituir não servem os propósitos que se assumem.
Os resultados previsíveis não são os que se anunciam, mas porventura bem diferentes, quando não simplesmente contraditórios.
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Porque é pouco o tempo de que disponho, limitar-me-ei a abordar a comercialização dos cereais, deixando a outros companheiros da bancada da FRS o encargo de se ocuparem dos problemas do comércio do açúcar em ramas.
Argumenta-se com frequência que a existência de um preço único tem constituído um travão à melhoria da qualidade dos produtos, ligando-se abusivamente essa situação ao facto de do mercado de cereais não ser um mercado livre. Tal ligação carece manifestamente de sentido. O preço único não decorre do estatuto de exclusividade de que goza o Estado, através da EPAC, mas de uma escolha política, e nada impede, no regime actual, a definição de preços diferenciados em função da qualidade.
Quanto aos incentivos à produção que resultariam das regras que agora se pretendem definir não é difícil apercebermo-nos que o novo sistema não terá - na melhor das hipóteses qualquer repercussão nos preços pagos ao produtor nacional, que continuará, na generalidade, a ver a sua produção remunerada ao preço de intervenção. E, sendo assim, não se vislumbra onde possam residir os decantados estímulos ao desenvolvimento da cerealicultura que o novo regime comportaria.
Mal se percebe, na verdade, em que circunstâncias os compradores terão interesse em adquirir trigo nacional que não sejam circunstâncias de clara degradação dos preços no mercado interno.
Dispondo sempre de trigo ao preço limiar de importação, ainda que o preço mundial lhe seja superior, por via do mecanismo dos direitos reguladores, só recorrerá ao mercado nacional quando o preço de intervenção for fixado a valores muito abaixo do preço limiar. Isto é, se lhe for possível adquirir trigo no mercado nacional a preços que o compensem dos encargos resultantes de ter de fazer apelo a uma oferta dispersa, que o obrigará a uma multiplicação de contratos e a custos de comercialização mais elevados e sem margens garantidas.
Que o sistema proposto está longe de constituir um incentivo para a agricultura nacional, um processo de permitir como se pretende no preâmbulo do diploma, que «o dinamismo da procura global» possa exercer um efeito benéfico no desenvolvimento da produção, confessa-o implicitamente o Governo ao introduzir o mecanismo da obrigatoriedade de compra de trigo nacional para concessão de licenças de importação!
Mas nem essa precaução constituirá um dispositivo eficiente de protecção da produção nacional. O sistema de fazer depender as licenças de importação da prova documental de aquisição de trigo nacional terá como único efeito - ou pelo menos como efeito mais evidente - introduzir em Portugal um fenómeno que fez época no Brasil: o do chamado «trigo de papel».
As multinacionais actuando no Brasil, colocadas, sob o mesmo pretexto de protecção da produção nacional, perante mecanismo idêntico, resolveram a situação adquirindo a produtores ou pseudoprodutores facturas de compra de cereal o famoso «trigo de papel» - que lhes permitiam especular livremente no mercado internacional.
Aliás, ao admitir-se que o importador possa requerer que os direitos reguladores lhe sejam fixados na data em que solicite o certificado de importação, e não na data efectiva de transacção, abre-se uma porta mais à especulação no mercado mundial de cereais.
O regime proposto coloca o Estado (de momento a EPAC, no futuro o anunciado organismo de intervenção) na obrigação de garantir um preço e manter as estruturas necessárias à intervenção, reduzindo-lhe substancialmente os recursos de que hoje pode dispor como resultado da sua posição de exclusivo no comércio e importação de trigo. Cria-se um mecanismo em que todos os ónus e riscos recaem sobre o Estado, enquanto as empresas privadas, a quem é aberto o mercado, têm os seus riscos cobertos pelo mecanismo dos direitos reguladores. Numa palavra: todos os riscos para o Estado, todos os benefícios para o comércio privado.
E que se pretende fazer da EPAC? Mante-la como organismo de intervenção e empresa pública de comercialização em concorrência com o sector privado? Mante-la apenas como empresa de comercialização, criando-se paralelamente um organismo de intervenção? Quais serão as infra-estruturas de intervenção deste organismo? As da EPAC? Como rentabilizar essas infra-estruturas eliminando-se a possibilidade de serem usadas simultaneamente como estruturas de comercialização e intervenção? São questões, para que se não encontra resposta.
E quanto custará ao Estado o novo regime cerealífero?
Quais serão os critérios a que obedecerá a fixação ao preço de intervenção? Pretender-se-á, com ele, remunerar apenas os custos de produção das explorações com mais elevados índices de rentabilidade, ou, como vem acontecendo, cobrir uma zona de custos que abranja a maioria dos produtores? A primeira hipótese significará a ruína da quase totalidade dos produtores de trigo; na segunda, o preço de intervenção não poderá ser repercutido integralmente sobre o consumidor, terá de ser um preço claramente subsidiado.
Como se pagará esse subsídio? Que mecanismos garantirão que não será, como em muitos outros casos, desviado do seu destinatário teórico?
Quando se define o preço «indicativo» como preço «desejável» no mercado de consumo é lícito perguntar: «Desejável» em que óptica? Na óptica do produtor?
Isto é, o preço «desejável» deverá ser um preço que cubra os custos de produção acrescidos dos custos de comercialização? Sendo assim, que zona de custos de produção? Na óptica do consumidor? Neste caso, tratar-se-á de cobrir apenas a zona de custos de produção mais baixos, ou de aceitar que esse preço «desejável» seja um preço subsidiado?
É, afinal, o mesmo problema que se levanta em relação ao preço de intervenção, problema que têm a ver com aspectos decisivos da política cerealífera e o qual gostaríamos que fosse dada resposta.
Quanto à liberdade de iniciativa dos produtores, a liberalização proposta só em teoria deixa aberto o caminho para que possam alargar a sua actividade aos domínios da comercialização e transformação do trigo.
O Sr. António Vitorino (UEDS): - Muito bem!
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O Orador - Na melhor das hipóteses substituir-se-á o mercado monopsónico por um mercado oligopsónico, dominado pelas grandes empresas de transformação, associadas, por sua vez, às multinacionais fio sector onde os produtores não terão qualquer capacidade de penetração.
E aqui se encontra, aliás, a primeira resposta àqueles que, arvorados serodiamente em paladinos da luta antimonopolista, confundem, o significado de um monopólio estatal numa zona chave da economia com monopólios privados e se dispõem a eliminar um monopólio do Estado (que poderia e deveria funcionar, como instrumento essencial da política agrícola, até mesmo na perspectiva de adesão ao mercado comum) em favor de monopólios privados ou, pelo menos, de oligopólios que dominarão o mercado.
O Sr. César de Oliveira (UEDS): - Muito bem!
O Orador: - Que assim «era não sou eu apenas quem o diz. É alguém que, seguramente, sabe do que tala, o antigo vice-presidente da EPAC, hoje sócio da multinacional Dreyfus, na recém-criada Lusograin, quando escreveu, em comunicação ao seminário da Associação dos Industriais de Moagem, que o mercado de cereais liberalizado em Portugal seria e passo a citar - «tendo em conta os dados disponíveis, um mercado correspondendo a um cenário onde, à partida, se perfilarão três a quatro fornecedores de dimensão internacional em conjunto com três agrupamentos de compradores industriais».
É este, afinal, o mercado livre, concorrencial e aberto aos produtores com que o Governo nos acena!
Quando lhe escasseiam outros argumentos o Governo tem a sua arma de reserva, o argumento definitivo: é necessário adaptar o nosso regime cerealífero ao regime em vigor na CEE.
O Sr. José Vitorino (PSD): - Ninguém disse isso?
O Orador: - Não me atardarei neste ponto. Dele se ocupará o meu camarada António Vitorino. Direi apenas que se a proclamada incompatibilidade entre a EPAC, monopólio do Estado, e a adesão à CEE está longe de demonstrada, o nosso ponto de vista é que de qualquer modo essa adesão exige ao menos, por um longo perigo, mecanismos de protecção às explorações agrícolas incompatíveis com o sistema de comercialização agora proposto e indispensáveis à sua progressiva modernização.
O Sr. António Vitorino (UEDS): - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não queria terminar sem uma referência breve que seja - ao que o Governo anuncia em matéria de normas de concorrência, poderes atribuídos aos Ministros e regras a respeitar nas próximas campanhas.
Se as normas de concorrência enunciadas pelo Governo têm um carácter tão comprovadamente platónico, que dispensam que sobre elas nos atardemos, onde os autores do projecto de lei se ultrapassaram a si próprios, foi sem dúvida na definição de poderes que concedem aos Ministros das Finanças e Plano, da Agricultura e Pescas e do Comércio e Turismo.
Para- além de lhes ser remetida a faculdade de estabelecerem, por mero despacho, a constituição, atribuições e competências da comissão consultiva, e de lhe ser concedida competência para por portaria, estenderem a outros cereais e sementes as regras que o decreto-lei estabelece para o trigo, é-lhes atribuída ainda competência para «em caso de justificadas dificuldades resultantes da aplicação do novo sistema de comercialização, ou na ocorrência de perturbações graves no mercado nacional que ponham em perigo o abastecimento público» determinarem, por portaria conjunta, («medidas adequadas ao restabelecimento do equilíbrio do mercado, suspendendo, se for caso disso, total ou parcialmente, pelo prazo que entenderem necessário, a execução das normas constantes do presente decreto-lei»!
Legislar por decretos-leis foi o modo privilegiado de legislar introduzido pelo Dr. Oliveira Salazar. Parece agora procurar-se uma nova prática: a de legislar por despachos e portarias!
Perdoar-me-ão a ousadia de leigo, mas aqui a constitucionalidade do dispositivo parece-me, no mínimo duvidosa, a inutilidade de todo o articulado evidente, sujeito que fica ao arbítrio de três ministros e a ausência de conteúdo efectivo da autorização legislativa incontroversa.
Afinal, por artes e mágicas de um simples artigo retoma-se o que terá sido a intenção primeira do Governo, ou pelo menos dos Ministros em causa, de obterem autorização para liberalizarem o comércio de todos os cereais por simples portaria. Numa palavra, o que se pretende agora, por obra e graça do artigo 20.º é, pura e simplesmente, um cheque em branco desta Assembleia, dado já não ao Governo mas a três Ministros.
Sr. Presidente, Srs. Deputados. A verdade é que os motivos de espanto são tantos, para quem percorra o projecto de decreto-lei com que o Governo pretendeu enquadrar o pedido de autorização legislativa, que o seu enunciado desses motivos de espanto não caberia no tempo que regimentalmente me é atribuído.
O Governo que proclama bem alto a sua intenção de liberalizar o mercado de cereais e de permitir aos produtores o acesso a esse mercado, esse mesmo Governo propõe-se limitar na próxima campanha o direito de aquisição de trigo nacional (aquisição que condicionará posteriormente a importação) à EPAC e aos industriais de moagem de trigo. Assim se abre o mercado aos produtores e se defendem os interesses dos pequenos moageiros!
Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o que o Governo aqui vem realmente propor é, pura e simplesmente, a entrega do mercado de cereais, não à iniciativa privada, mas à voracidade das multinacionais e dos grandes moageiros.
O Sr. Manuel da Costa (PS): - Muito bem!
O Orador - Em nome da defesa, dos seus interesses, e da sua liberdade de iniciativa condenam-se cos (cerealicultores (e antes de todos os pequenos e médios, que constituem a esmagadora maioria) à ruina, condenam-se os pequenos e médios industriais à falência e entregam-se os consumidores nas mãos dos grandes industriais e do grande comércio.
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O Sr. António Vitorino (UEDS): - Muito bem!
O Orador: - Por tudo isto que foi dito e pelo muito que haveria ainda a dizer, Sr. Presidente e Srs. Deputados, votaremos contra o pedido de autorização legislativa.
Aplausos do PS, do PCP, da ASDI, da UEDS e do MDP/CDE.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota para uma intervenção.
O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Creio que o facto de este debate ter sido iniciado através de um recurso sobre a admissibilidade do pedido de autorização legislativa de algum modo terá correspondido a uma expectativa desta Assembleia no sentido de melhor conhecer o conteúdo e alcance do pedido de autorização formulado.
Se assim é, e uma vez que alguns pedidos de esclarecimento aguardam ainda resposta, centrarei a minha intervenção exclusivamente em alguns aspectos da proposta de autorização legislativa. Não abordarei a questão da compatibilidade do pedido de autorização e da necessidade desse mesmo pedido com a problemática da adesão às comunidades europeias. O Governo afastou-a explicitamente do debate.
Eu não seria tão rígido nesse aspecto. Creio que é uma exigência das comunidades europeias de algum modo resultante, não do artigo 37.º, como tem sido dito, mas da disciplina concorrencial da CEE que algumas disposições sejam tomadas neste sentido. Mas, como digo, não me deterei neste aspecto. Terei, no entanto, que abordar, de algum modo pela rama, um outro aspecto que me parece ter alguma importância. É o aspecto do modelo de sociedade e de economia subjacente a este tipo de autorização. Não deixa de ser curioso encontrar numa guerrilha da AD em relação ao Estado, que eu melhor diria numa guerrilha contra o Estado providência -popularizada sob o slogan da libertação da sociedade civil -, a força ideológica dos chamados novos economistas.
Não é por acaso que Lepage aparece em tradução portuguesa e não é por acaso que algumas das suas ideias aparecem franca e claramente assumidas num projecto global que é o da AD. A ideia de que o mercado e a livre concorrência asseguram automaticamente a identidade entre interesse particular e interesse geral é velha. Também não é nova a tese da racionalidade do comportamento económico que implica ausência de tutela estadual. Só é novidade, nos tais chamados novos economistas, a extensão deste tipo de filosofia a todo o comportamento humano. E não deixa também de ser curioso reproduzir exactamente o pensamento do Sr. Lepage (refiro-me a um artigo publicado no n.º 6 da Direction et Gestion, de 1978), que diz:
Se, como afirma o postulado da teoria económica, o homem é racional e determina habitualmente as suas escolhas em função do que para ele é mais vantajoso quando se trata de comprar um automóvel, uma máquina de lavar ou fazer um investimento produtivo, não há razão para pensar que se comportará de maneira fundamentalmente diferente quando o seu problema é votar uma lei, eleger um deputado, escolher um cônjuge, ter filhos, planificar a sua educação, fazer caridade ou ainda saber se vai ou não actuar legalmente.
Nem deixa de ser curioso assinalar ainda que no mesmo artigo se fala na necessidade de integrar nas leis de mercado tudo quanto é agora objecto de prestação estatal e assim se diz, por exemplo, que a segurança social deve ser substituída por um seguro voluntário, livre, que o ensino deve ser adquirido por cada um de maneira que pare a procura da educação quando o seu preço não seja rentável para o adquirente, que o desperdício dos recursos público;, é consequência da gratuitidade e que é preciso criai um estado, não de bem-estar, mas um estado de vontade de trabalhar.
Creio que este modelo ideológico é de facto um modelo bem presente, e até a semelhança de algumas propostas é tão evidente que dispensa comentários no modelo da AD.
Só que nesta sociedade não há lugar,, para algumas coisas, e para algumas coisas que nós pensamos serem importantes. Este tipo de sociedade, sociedade neoliberal, se quiserem, nós sabemos dolorosamente o que significa. Os próprios defensores da economia liberal souberam, e de há muito tempo, que lhes era preciso também o poder e um poder inclusivamente não exercido oficialmente, do qual se retiravam proveitos mas se não exerciam as responsabilidades. O conluio política negócios passa por aí e é com certeza uma aliança sem honra mas com proveito.
Vozes do PS, da ASDI e da UEDS: - Muito bem!
Uma voz do PSD: - Muito mal!
O Orador - As intervenções para obtenção de subsídios, as pressões exercidas para obter encomendas públicas, a acção das sociedades comerciais sobre as tarifas aduaneiras, são tudo exemplos de uma história recente e conhecida. Sem nada a pedir nem a esperar do Estado, em teoria, afinal transformam-se os governos em instrumentos menos para alargar o campo e os beneficiários da liberdade que para defender situações adquiridas em nome da liberdade.
O Sr. César de Oliveira (UEDS): - Muito bem!
O Orador: - É isto que está presente nesta proposta e eu não gostaria de escamotear este aspecto que é essencial ao debate. Mas, entrando directamente na fundação da proposta e no seu confronto com a realidade, há toda uma série de questões, questões importantes e sérias, que precisam de ser resolvidas e equacionadas, ao menos.
Como justifica o Governo o seu pedido de autorização legislativa? Já não falo da urgência que foi ontem objecto de um pedido de esclarecimento que formulei e a que aguardo resposta, mas esta proposta cria aumento de investimento? Que tipo de aumento de investimento? Em que sectores? Que postos de trabalho? Cria melhores preços? Para quem? A favor de quem?
Vozes do PS - Muito bem!
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O Orador: - Como é que se resolve o apoio à agricultura através deste esquema?
O Sr. Luís Filipe Madeira (PS): - Não se resolve!
O Orador: - É como há bocado se deixava pressuposto, explicando-se que, como boa parte dos nossos agricultores não têm condições para produzir em termos competitivos, pura e simplesmente devem sujeitar-se às leis do mercado e, como tal, abandonarem a sua profissão? E então que tipo de custos sociais para esta transformação? Que tipo de mercado é este, afinal, em que os resultados obtidos se contarão provavelmente pelo número de vítimas? É esse o resultado score a atingir? A concorrência corrige excessos - dir-se-á. E então significa isto que as condições em que trabalha a EPAC, e que todos sabemos serem condições distorcidas, vão ser introduzidas na concorrência? Quer dizer que, para todos estarem em pé de igualdade, as dívidas à EPAC vão ser repartidas pelos novos interventores no mercado? Que os custos dos atrasos do Fundo de Abastecimentos, perante a EPAC, vão ser repartidos pelos outros concorrentes do mercado? Que os outros novos interventores no mercado vão receber o pessoal dos antigos grémios e da antiga organização corporativa com que a EPAC foi forçada a trabalhar e que aumentam necessariamente os seus custos de laboração?
Vozes da UEDS e do Sr. Manuel da Costa (PS): - Muito bem!
O Orador: - É assim que a concorrência vai ser estabelecida em pé de igualdade? Ou, pelo contrário, a EPAC manterá, porque terá de manter, a sua pesada estrutura, os encargos resultantes de muitas deficiências pelas quais muitos anos são responsáveis e os outros poderão beneficiar de uma situação que nenhum destes inconvenientes oferece? Mas essa é concorrência igual, Srs. Membros do Governo?
E, depois, os postos de trabalho e as margens da EPAC: que garantia? Como é que podem coincidir, sob a mesma forma jurídica, um organismo de intervenção e uma sociedade comercial a competir com outras no mercado? Então a disciplina de intervenção e a função fiscalizadora é compatível com o facto de ser-se o próprio actuante no mercado?
Aplausos do PS, da ASDI e da UEDS.
Esse tipo de disposições serão, elas sim, compatíveis com a própria legislação da CEE, organismo de intervenção e empresa concorrencial? A isso é que de certeza poderemos responder muito claramente, dizendo que não é compatível com os tratados da CEE.
E o silo da Trafaria e a venda de serviços?
Como sabemos, a EPAC e os seus antecessores suportaram as consequências da indecisão de sucessivos governos em relação à falta de instalações portuárias e à falta de construção de um silo adequado. Não sei os números actuais mas posso dizer que em 1976 este custo seria à volta de 600000 contos/ano. Pergunto: e agora como vai ser? Como vão ser repercutidos os encargos desse silo? Só por taxas de aluguer do referido silo? Mas então a EPAC vai conseguir ter no mercado uma situação que impeça que se pratiquem condições diferentes de armazenagem e que constitua a favor dela uma situação monopolista em relação aos meios de armazenagem e então estaríamos a cair nos mesmos defeitos que agora dizem pretender evitar? E se as margens de comercialização da EPAC que já vimos ontem que comprava bem - são altas, porque a EPAC também suportou um prejuízo de indemnização com as sementes, porque a EPAC tem pessoal a mais com certeza, porque a EPAC tem muitos defeitos, e não seremos nós a negá-los, se tudo isto é assim, como é que a EPAC pode concorrer no mercado em pé de igualdade com os outros que, como há pouco disse, não sofrem dos mesmos custos, nem dos mesmos encargos, nem das mesmas despesas com pessoal?
O Sr. António Vitorino (UEDS) e o Sr. Manuel da Costa (PS): - Muito bem!
O Orador: - Como é que esta concorrência é assegurada em pé de equilíbrio? E como é que as regras da concorrência vão ser respeitadas e controladas se, inclusivamente, elas são definidas de forma extremamente vaga, não concretizada* e com todo um esquema que não está equacionado para essa mesma defesa da concorrência?
Um caso típico é o modo como se constitui a empresa Lusograin. Quando se considera como há pouco fez o Sr. Ministro de Estado, com o argumento que invocou - que o objecto da empresa é possível e esse objecto, segundo o artigo S.º, é a realização de operações ligadas à importação, exportação, e comércio de cereais -, o mínimo que podemos dizer é que o Instituto de Investimento Estrangeiro e o Governo, não tiveram a precaução elementar de fazer reduzir este objecto àquilo que era possível e que, como o Sr. Ministro disse, era exclusivamente a importação e exportação de sementes.
Podemos, portanto, dizer que foi por incúria do Governo e do Instituto que este objecto se alargou de tal modo que se transformou num objecto legalmente impossível por contender com o objecto de organismos públicos que à data da escritura tinham esta actividade como exclusiva.
O Sr. António Vitorino (UEDS): - Muito bem!
O Orador: - É uma das coisas para as quais será importante o esclarecimento governamental. Mas, porque o tempo escasseia, gostaria de lembrar que não estamos infelizmente perante uma questão nova, sequer, na história da economia portuguesa. Recordaria legislação dos últimos tempos da monarquia, de acordo com a qual se proeurou implementar um sistema de protecção à produção de trigo, um estudo provavelmente considerado insuspeito como é o estudo do Professor Salazar sobre o trigo, que curiosamente explicava que a protecção do Estado se transformou em milhares de contos gastos, em que o consumidor sofreu uma enorme elevação de preços para que à sua sombra pudesse criar-se e fortalecer-se uma cultura de trigo sem condições de vida independente e muito menos desafogada. Gostaria de referir que esse estudo conclui dizendo que o interesse nacional exige ainda por muito tempo que se conceda à cultura do trigo
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o benefício de a conservar alheia ao embate da concorrência dos trigos exóticos e que foram estas disposições que fizeram com que se acabasse com o monopólio das moagens e que se estabelecesse uma estrutura tendente a acabar com o monopólio que agora receamos que, de algum modo, venha a reconstituir-se. £ digo que receio de algum modo que venha a reconstituir-se porque, apesar das escassas colheitas, da colheita de 1978, a EPAC adquiriu menos de 200000 toneladas de produção de trigo nacional e a indústria de espoadas limitou-se a consumir 50000 toneladas, se os meus números são exactos, um quarto da produção nacional.
Transitaram stocks para 1980 e a Associação dos Industriais de Moagens recusou-se este ano já a receber trigo de produção nacional. Pergunto se é este futuro que também o diploma teve em causa e se efectivamente o que se pretende é, através de importação de trigos naturalmente de melhor qualidade, eliminar de vez a produção de trigo em território nacional.
Por último, porque estou no minuto final, não gostaria de deixar de abordar o caso do açúcar, em que as disposições governamentais são ainda mais vagas e em que, portanto, nós teremos que perguntar-nos muito seriamente se aquilo que está em causa é, pura e simplesmente, a transferência para as actuais refinarias do comércio externo do açúcar ou se, pelo contrário, há qualquer nova disposição que então poderá pôr em causa a capacidade industrial instalada. Em qualquer das situações, perguntaria também ao Sr. Ministro da Agricultura, como vamos quanto à cultura da beterraba sacarina.
Aplausos do PS, do PCP, da ASDI, da UEDS e do MDP/CDE.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Moniz para proceder à leitura de um relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos.
O Sr. António Moniz (PPM):
Comissão de Regimento e Mandatos Relatório e parecer
Em reunião realizada no dia 8 de Julho de 1981, pelas 10 horas e 30 minutos, foram apreciadas as seguintes substituições de deputados solicitadas pelo Partido do Centro Democrático Social:
José Duarte de Almeida Ribeiro e Castro (círculo eleitoral de Lisboa), por José Alberto de Faria Xerez. Esta substituição é pedida por um dia (8 de Julho corrente).
Luísa Maria Freire Cabral Vaz Raposo (círculo eleitoral de Lisboa), por Paulo de Oliveira Ascensão. Esta substituição é pedida por um dia (8 de Julho corrente).
Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha, verificou-se que os substitutos indicados são realmente os candidatos não eleitos que devem ser chamados ao exercício de funções, considerando a ordem de precedência das respectivas listas eleitorais apresentadas a sufrágio pelo aludido partido nos concernentes círculos eleitorais.
Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis.
Finalmente, a Comissão entende proferir o seguinte parecer:
As substituições em causa são de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.
O presente relatório foi aprovado por maioria, com a abstenção do deputado da União, Democrática Popular.
Presidente, Mário Júlio Montalvão Machado (PSD) - Vice-Presidente, António Cândido Miranda Macedo (PS) - Secretário, Alexandre Correia de Carvalho Reigoto (CDS) - Secretário, José Manuel Maia Nunes de Almeida (PCP) - António Duarte e Duarte Chagas (PSD) - Cristóvão Guerreiro Norte (PSD) - Valdemar Cardoso Alves (PSD) - Bento Elísio de Azevedo (PS) - Maria José Paulo Sampaio (CDS) - Jorge Manuel Abreu de Lemos (PCP) - Fernando de Almeida Sousa Marques (PCP) - António Cardoso Moniz (PPM) - Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho (ASDI) - António Manuel de Carvalho F. Vitorino (UEDS) - Mário António Baptista Tomé (UDP).
O Sr. Presidente: - Vamos proceder à votação do referido relatório e parecer.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade (não se encontrando presentes a UDP e o MDP/CDE).
Tem a palavra, para um intervenção, o Sr. Deputado Manuel da Costa.
O Sr. Manuel da Costa (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Voltamos hoje aqui para nos pronunciarmos sobre um pedido de autorização legislativa, que, sob a forma de proposta de lei, diz o Governo,/pretender alterar os regimes de comercialização de cereais e de ramas de açúcar.
Depois de tomarmos conhecimento da expressada relutância do então Primeiro-Ministro Sá Carneiro à primeira arremetida, sobre tal matéria, «recusando substituir um monopólio estatal (EPAC) por outro privado», e depois de sabermos que Pinto Balsemão chumbou sucessivamente os primeiros projectos que lhe foram presentes, por neles se visar, de imediato, o desmantelamento da EPAC através da partilha sucessiva, da sua estrutura patrimonial, a soldo de negociata mais que evidente, não nos resta outra alternativa que não seja a de considerar tal medida a mais grave e talvez mesmo a mais escandalosa de todas quantas os governos AD, até hoje, tomaram.
É que, quando se pretende liberalizar o comércio de um sector, com a importância do dos cereais, sem se fazer anteceder essa medida da existência de uma lei quadro da concorrência, todas as» suspeições são
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legítimas e daí a autoridade, que nos assiste, não só para pôr em causa a legitimidade de tal medida como, e muito principalmente, a honorabilidade dos processos em presença.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - A pressa é tanta mas a ganância ainda deve ser maior, que o Sr. Ministro Cardoso e Cunha, já convicto de que o diploma então aprovado pelo Governo, e hoje aqui anunciado como a publicar no uso da autorização legislativa, ia ser promulgado, que disse em entrevista ao Jornal de Notícias, do dia 29 de Junho, que a decisão da liberalização do comércio de cereais não o era pelo facto de se tornar exigência da nossa adesão à CEE, porque (diz o Sr. Ministro) «se o não fosse, ela [a liberalização] efectuar-se-ia na mesma por minha vontade expressa, e, a seguir, vão as oleaginosas». Entretanto, o negócio deve ter soprado em forma de «outros interesses» e vá de meter primeiro o das ramas de açúcar.
Portanto, quem sabe da poda é o Sr. Ministro Cardoso e Cunha; daí que, senhores do governo e da maioria AD, preparem-se para o ter à perna dentro de dias.
Risos do PS e da UEDS.
É que ele sabe, como ninguém, que a importação de cereais, bem como a de oleaginosas, que são matérias-primas básicas fundamentais para o abastecimento da população, e que até agora eram exclusivo da intervenção do Estado, comportam um negócio anual da ordem dos mais de 50 milhões de contos. É, depois do petróleo, o negócio que maior volume movimenta em termos de transacção-importação. É a política do «depressa... que tenho pressa»!
Estará o Governo, na sua globalidade, e muito principalmente o seu Primeiro-Ministro, cientes da gravidade, que a apressada e precipitada decisão vai trazer à sociedade civil? Ou será que ainda não decorreu o tempo suficiente para que a direita nacional se liberte do trauma que a Revolução de Abril lhe provocou, ao ponto de em tudo e em todos verem situações e propósitos estatizantes e colectivistas?
Na apresentação do Programa, na discussão do Orçamento e do Plano, veio aqui este governo tocar repetidamente o disco da chamada «libertação da sociedade civil». Hoje já transformado em cassette tocam a moda do chamado «pretexto da entrada na CEE».
Que se tenha a coragem suficiente para se assumirem desígnios e propósitos, afirmando-se tal e qual se é: defensores de um sistema de economia capitalista com raros laivos de liberal, ao serviço de uma burguesia, que, no seu devido tempo histórico, nem sequer foi capaz de assumir essa condução.
Vozes do PS e da UEDS: - Muito bem!
O Orador: - Agora vir a público com a panaceia da CEE é não só atitude de hipocrisia política como a demonstração de grande fraqueza de argumentos ou, pior do que isso, uma afirmação de má consciência.
Mas admitamos que fosse exigência de entrada na CEE! Nós perguntaríamos quantos anos vai demorar essa entrada e quantos mais serão necessários para completar o imprescindível período de adaptação à integração total? Oito, nove ou mesmo dez anos para as produções e situações mais desadaptadas!
Mas não é! É que a política agrícola comum não é apenas o regulamento base e os regulamentos de aplicação. É também as regras da concorrência, artigos 85.º e 94.º do Tratado de Roma, a que os países se obrigam e se recomenda publiquem ainda antes de entrarem no Mercado Comum, como aconteceu com a generalidade dos países europeus antes de se associarem.
Este país, que acontece ter neste momento um governo mais «papista que o Papa», diz que não senhor, que basta acompanhar o diploma das chamadas «normas de concorrência» (artigos 11.º e 12.º), onde nada do que é proibido é quantificado, mas onde não escasseiam os adjectivos intimidatórios e as alíneas dos chamados «designadamente» para culminar com a ameaça de multas no artigo 13.º
Os grandes industriais moageiros e as multinacionais do sector devem estar a rebolar-se de gozo com os «piropos», que estas normas de concorrência lhes oferecem. Se não, o que significaria o protocolo firmado já em 31 de Maio de 1980 entre um grupo de moageiros liderado pela Portugal e Colónias e Fábricas Triunfo (esta, que ultimamente tem seguido uma prática concentracionista, através da compra da Bolachas Vilar, Moagem de Abrantes, Nova Vouga, Moagem de Os Leões) e importantíssima empresa francesa Dreyfus, com o seu empório multinacional instalado nos Estado Unidos da América, sabendo-se que esse protocolo obriga à constituição de uma sociedade em Portugal - a Intergrain, que se propõe ocupar mais de 60% do mercado nacional?
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: É preciso que os objectivos da liberalização sejam tornados claros e públicos, e não tímidos, como hoje e ontem o Sr. Ministro de Estado aqui os apresentou para que nem aqui os colegas do PPM possam ficar incomodados com a situação que se venha a criar. Até porque já não há animal maior que o elefante. Há é 40 milhões de contos de negócio, cujos lucros reverteriam para o Fundo de Abastecimento, se a EPAC fosse a única negociadora, e que agora passam a estar à mercê de «quem» os agarrar.
O Sr. César de Oliveira (UEDS): - Muito bem!
O Orador - E como o que interessa aos tubarões não é o mercado nacional, mas e só a intervenção neste, enquanto as licenças de importação estiverem dependentes dos quantitativos adquiridos à produção nacional, veja-se o que já este ano aconteceu no Ribatejo, onde a procura ultrapassou, pelas entidades privadas, as 40000 toneladas, quando a produção normal nesta área não vai além das 20000. Então e a BPAC, que, como todos os bem comportados, é sempre o último a saber, quando lhe dessem instruções para intervir e concorrer no mercado, que é que ia fazer? O Sr. Ministro Cardoso e Cunha é que sabe: depressa ... que tenho pressa! E a pressa é tanta que até confunde empresa pública, com serviço público ...
Vozes do PS: - Muito bem!
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O Orador: - ...afirmando aos órgãos dos trabalhadores da EPAC que, para o caso de dificuldades financeiras da empresa, os trabalhadores passariam a ser pagos através do OGE.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Membros do Governo; A questão, como quase todas as medidas de fundo deste governo, não tem a transparência que lhe querem fazer dar, porque, se assim fossa, tornava-se facilmente rebatível todo o tipo de argumentação que na defesa da liberalização do comércio de cereais é enunciada. Já quanto às ramas de açúcar não nos é apresentada uma frase sequer sobre os fundamentos e os propósitos de tal liberalização, mas, a fazer fé na filosofia subjacente à actividade deste governo, é de nos arrepiarmos face a tal proposta, dadas as implicações daí resultantes, agora para o comércio do açúcar, amanhã para o comércio do álcool.
O Governo deve deixar ficar claro se o que pretende é acautelar os interesses da iniciativa privada na sua globalidade ou se está vocacionado para favorecer um determinado núcleo económico que, a não ser impedido por manifesta vontade política, só pelo seu potencial financeiro, virá, a curto ou a médio prazo, a substituir-se à EPAC, revertendo para esse núcleo (já prefigurado em termos de protocolo para mais de 60 % do comércio) toda a estrutura cerealífera existente, incluindo o agora em construção Silo-Terminal da Trafaria (um dos mais importantes entrepostos cerealíferos da Europa e do Mundo) que o governo de Sá Carneiro determinara se construísse, pensamos que com o intuito de dissuadir os passarões que já tinham ameaçado com este tipo de liberalização. Ele sabia de quem estava rodeado e as pressões a que estavam sujeitos, por isso ousou esse investimento de cerca de 5 milhões de contos para com isso reforçar a estrutura de apoio de uma empresa (a EPAC) que todos sabem ser o único gigante com dimensão suficiente para concorrer quer nos mercados nacionais, quer internacionais, desde que, como empresa pública, lhe seja garantida a autonomia jurídica, patrimonial e financeira, e não como o diploma em anexo à proposta de lei n.º 55 deixa já transparecer, o de estar o futuro da EPAC nas mãos de uma tal comissão de gestão e consultiva.
Não, nós não concederemos nenhuma autorização a este governo para legislar sobre esta matéria, porque já sabemos como é que ele o ia fazer (veja-se o decreto-lei aprovado em Conselho de Ministros no dia 9 de Maio de 1981). E lá diz o adágio popular: «Tão ladrão é o que vai à vinha como o que fica à porta.»
O Governo vem dizer-nos, na sua proposta de lei, que o objectivo é «obter, a curto prazo, formas desbloqueantes e incentivadoras da produção primária nacional», para no decreto-lei concluir que é «necessário harmonizar progressivamente as regras de funcionamento do mercado nacional dos cereais com as utilizadas na CEE, à qual Portugal solicitou a adesão [...]», afirmando, mais adiante, que todas esses alterações se devem operar cede um modo prudente e progressivo que não comprometa a sua evolução e a receptividade dos produtores agrícolas, seus principais destinatários [...]»
Diga-se que, se pela boca morresse o peixe, já não tínhamos este governo há um ror de tempo. Fala em «modo prudente e progressivo» e vá d& tentar fazer publicar o diploma nas vésperas do início da campanha cerealífera, que se iniciava no dia 1 de Julho, sem que a lavoura estivesse minimamente informada do que se estava a passar. Deste governo é de recear mais das intenções do que dos propósitos.
Quanto ao tão apregoado benefício para a produção das medidas liberalizantes, é ilusão que não colhe. Isso só poderia ser argumentado se antes o Ministério da Agricultura e Pescas tivesse definido uma política agrícola de aproveitamento de recursos naturais com o fomento de novos cultivares em sistema de profunda reconversão cultural com o tal incremento das modernas tecnologias de produção. Ou pensa o Sr. Ministro que é com o salve-se quem puder ou com o acenar da cenoura que passamos da cepa torta dos poucos mais de mil quilos por hectare de trigo para nos aproximarmos dos mais de quatro mil, em média, nos países da CEE?
O nosso trigo é de fraca qualidade e, assim, este governo vai tornar-se responsável, a médio prazo, pela falta de interesse comercial desse mesmo trigo, já que o negócio está nas importações e quanto mais se importar mais se ganha, e essa é a única vocação de quem negoceia.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Este governo vai ser também historicamente responsável pela liquidação da produção cerealífera em Portugal. Afirma-se que a adesão à CEE obriga a pôr fim ao exclusivo comercial detido por qualquer empresa. É falso. Quanto ao comércio interno, não há impedimento legal na Comunidade quanto à existência de empresas com a exclusividade de mercado. É natural que alguns parceiros europeus não gostem muito dessas situações, mas o facto é que tiveram que aceitar a entrada da Grã-Bretanha com a sua Milk Marketing Board (organização estatal de recolha de leite) e a Itália com os exclusivos para o álcool e o tabaco e a França para o tabaco.
Os senhores do Governo não sabem, com certeza, o que significa uma negociação.
Vozes da UEDS: - Muito bem!
O Orador: - E já agora lembrar-lhes-ei que a prioridade das prioridades quanto à adesão à CEE para o sector agrícola é a alteração das estruturas físicas e humanas, a modernização da produção, o rejuvenescimento dos empresários, a formação profissional e não, já e só, a melhoria do sistema comercial.
Já quanto ao comércio externo, há de facto exigências comunitárias quanto à perda do exclusivo, mas essa obrigatoriedade não significa a abertura ao estabelecimento em Portugal de empresas de comercialização externa. Daí uma boa razão para reforçar o património e o poderio da EPAC de modo a ela poder concorrer e competir com os grandes empórios estrangeiros.
Mas, se tudo isto apenas visa «modernizar» e «actualizar», como temos ouvido dizer aos senhores da AD, que nos garantam aqui e para sempre que a EPAC não é visada hoje, nem desmantelada amanhã, e que os trabalhadores dessa empresa não tem que se preocupar com o seu futuro, sabendo
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eles, de forma consciente, que o futuro deles será sempre o que for o futuro da empresa.
O Sr. José Vitorino (PSD): - Isso já foi dito!
O Orador: - É que eles, melhor do que ninguém, por até agora serem os únicos a conhecer os meandros de tal actividade, - têm denunciado, e voltam a fazê-lo no seu último comunicado, que o diploma, ao retirar à EPAC determinadas funções, vai «abrir a porta a um escândalo económico de consequências e montantes imprevisíveis, já que não é possível, no presente, fazer-se o controle da produção; possibilitar fraudes a partir da apresentação de falsas facturas e aquisição de trigo que declara em quantidades superiores às realmente transaccionadas».
A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Muito bem!
O Orador: - E eles hoje estão aqui, porque é aqui o local próprio para que esta discussão se faça de forma totalmente transparente, e porque pensam ainda ser possível que o dinheiro não compre, pelo menos, as consciências das pessoas, já que, como também referem no seu comunicado, «é enorme a fraude que o. Governo e o MAP preparam através de uma liberalização impensada e extemporânea sem que os meios de controle e intervenção tenham sido previamente cuidados».
A EPAC é uma empresa pública com os seus próprios estatutos, a coexistir num país de economia mista (vide Constituição da República Portuguesa de 1976) onde as leis são para se cumprir. Não pode é o Sr. Ministro da Agricultura e Pescas por mero expediente legislativo, alterar esses mesmos estatutos. Se lhe retira o exclusivo em nome da abertura à actividade privada, não pode depois pretender ver desenvolvida essa actividade privada à custa do património ou da falência provocada dessa empresa.
Cristo correria do templo, com tal gente. Cristo vivo, na sua época como na de hoje, não toleraria vendilhões, mesmo que alguns fizessem parte da sua própria comitiva, e expulsá-los-ia sem dó nem piedade.
Uma mensagem ao Sr. Primeiro-Ministro, que não está presente: Sr. Primeiro-Ministro, veja se consegue ter mais pressa do que os tais da «depressa ... que tenho pressa».
A história será, para todos, implacável no seu julgamento próximo. E não voltem cá com a história da CEE, senão terei que pedir ao Presidente François Mitterrand para que venha aqui dizer o mesmo que disse há dias no Luxemburgo acerca do futuro da Comunidade.
Aplausos do PS, do PCP e da UEDS.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, convoca-se para as 15 horas uma rápida reunião dos presidentes dos grupos parlamentares.
Está suspensa a sessão até às 15 horas.
Eram 13 horas.
Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente Leonardo Ribeiro de Almeida.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.
Eram 15 horas e 25 minutos.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Mário Lopes tinha-se inscrito para solicitar um esclarecimento ao Sr. Deputado Manuel da Costa, mas dado aquele Sr. Deputado não estar presente, dou de seguida a palavra à Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo, para uma intervenção.
Antes, porém, gostaria de lembrar aos Srs. Deputados a reunião dos líderes dos grupos parlamentares a efectuar agora no meu gabinete. Dadas essas circunstâncias, solicitava ao Sr. Vice-Presidente José Vitoriano o favor de assumir a Presidência.
A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Sr. Presidente, queria interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Tenha a bondade.
A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Sr. Presidente, os membros do Governo ainda não se encontram presentes, pelo que não queria começar a minha intervenção sem que essa presença se efectuasse.
O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, vou solicitar, imediatamente, aos serviços de apoio que peçam aos Srs. Membros do Governo o favor de aqui comparecerem, pelo que peço a V. Ex.ª o favor de aguardar um pouco para que possa, então, dar início à sua intervenção.
A Sr.ª Ilda Figueiredo ('PCP): - Muito obrigada, Sr. Presidente.
Pausa.
Neste momento reassumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Sr. José Vitoriano.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo.
A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: A coligação governamental convocou esta sessão suplementar da Assembleia da República para conceder ao Governo autorização para liquidar a AGAA e a EPAC.
Convocou, mas não se preparou para o debate. O Sr. Ministro de Estado, que não está presente e é pena embaraçaria menos o Governo e a AD se tivesse estado calado. E os restantes membros do Governo vão ter de dar tratos à imaginação para emendar-lhe a mão...
Uma voz do PCP: - Muito bem!
A Oradora: - O debate até agora travado confirma que o Governo pretende esconder a esta Assembleia e ao País as sinistras responsabilidades, cumplicidades e complacência que rodeiam esta operação escandalosa com que o Governo pretende entregar de mão beijada um importante sector da nossa economia a um punhado de grandes moageiros e latifundiários - às multinacionais a ele associadas.
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Uma voz do PCP: - Muito bem!
A Oradora: - Tudo isto confirma que a AD tem dois pesos e duas medidas na definição do objecto dos debates desta Assembleia. Quando se trata de servir os interesses do grande patronato, quando se trata de prejudicar e destruir o sector público, a AD agenda. Quando se trata de defender direitos e interesses de trabalhadores e do povo a AD não agenda.
Uma voz do PCP: - É uma vergonha!
A Oradora: - Impediu a inclusão do regime dos contratos a prazo e da ratificação do decreto-lei sobre a situação salarial dos trabalhadores da função pública, prejudicando centenas de milhares de trabalhadores.
Impediu a revogação dos aumentos das taxas dos serviços médico-sociais.
Impediu a discussão e a votação das iniciativas legislativas referentes à criação de freguesias e à lei orgânica dos tribunais administrativos e fiscais.
Ao escândalo que representa a obstrução ao debate de todas estas e muitas outras importantes matérias, a coligação governamental soma, porém, o escândalo dos escândalos que é a proposta n.º 55/II.
Uma voz do PCP: - Muito bem!
A Oradora: - A proposta é inconstitucional, como largamente demonstrámos nas alegações com que o Grupo Parlamentar do PCP fundamentou a impugnação oportunamente apresentada.
Posto perante os argumentos, perguntas, protestos e pedidos de esclarecimento dos deputados, que fez o porta-voz do Governo?
Abrindo com acenos a uma correcção do desgraçado aborto legislativo que o Governo aqui trouxe, o Ministro de Estado Basílio Horta rapidamente passou do tom açucarado para a mais descabelada incontinência provocatória e para o insulto arrogante a todos os deputados que, aqui, ousaram pôr em causa a sórdida negociata.
Uma voz do PCP: - Muito bem!
Uma voz do PSD: - Isso já estava escrito?
A Oradora: - O Governo não se dá ao trabalho ou não ousa ou não pode informar a Assembleia sobre os meandros da trapaça. Lendo o espantoso e vaguíssimo articulado que enviou aos deputados percebe-se um pouco melhor porquê.
O segredo é de tal forma a alma deste negócio que há quem pretenda que esta Assembleia autorize o Governo a autorizar por decreto que três ministros autorizem por portaria a entrega da comercialização dos cereais a um punhado de grandes moageiros. E que os mesmos três ministros legislem sobre todas estas matérias através de simples despacho, a pretexto de solucionarem dúvidas ou integrarem lacunas. E que possam suspender na parte ou no todo o regime aprovado pelo Conselho de Ministros com autorização da Assembleia!!!
É completamente inédito um tal despautério e é caso para perguntar o que restaria da Assembleia da República, o que restaria do Governo, se fossem uma e outro substituídos no exercício das suas competências por uma qualquer fracção ministerial, atolada em sórdidas negociatas que mancham o prestígio das instituições.
Vozes do PCP: - Muito bem!
A Oradora: - Só o procedimento adoptado bastaria para fundamentar a inconstitucionalidade escandalosa da proposta do Governo.
Mas importa atentar na gravidade do que está em jogo. O que leva o Governo a insistir e forcejar poucos dias depois de ver soçobrada a sua tentativa de legislar, por si, em matéria que em exclusivo cabe à Assembleia da República?
Trata-se de liquidar a EPAC. Mas porquê? E quais as consequências dessa medida inconstitucional? Por que é que essa medida não consumada durante o governo Sá Carneiro/Freitas do Amaral é agora trazida a esta Assembleia pela mão do Ministro Cardoso e Cunha no governo de Pinto Balsemão?
Vozes do PCP: - Muito bem!
A Oradora: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A EPAC é a segunda maior empresa pública do País em volume de negócios, envolvendo mais de 40 milhões de contos, que garante o abastecimento do País em cereais, quer através do escoamento integral da produção nacional, quer da importação de cereais estrangeiros. Por outro lado, a EPAC fornece à lavoura as sementes de que necessita e garante aos agricultores o escoamento da sua produção e a fixação prévia dos preços de produção.
A empresa desempenha igualmente um importante papel na economia nacional ao garantir a distribuição de matéria-prima à indústria de cereais (moagens, fábrica de rações, etc.), evitando assim a intervenção nefasta dos grandes intermediários e especuladores.
Assim compreendem-se melhor as razões da cobiça dos grandes capitalistas e agrários, das multinacionais, sobretudo americanas, associadas a grupos de industriais moageiros portugueses. É que o mercado de cereais vale dezenas de milhões de contos, por ano: em 1981 só as importações do trigo, milho e sorgo ultrapassarão os 40 milhões de contos. Por isso mesmo, as importações são a parte mais cobiçada pela Lusograin - Dreyfus, pela Nabisco, pela dezena de industriais da moagem que recentemente criaram a AIM (Associação dos Industriais de Moagem). É que aí está a fonte fundamental dos cerca dos 10 milhões de contos de lucros por ano com que se esperam vir a abotoar as multinacionais do sector e a pequena família dos grandes industriais da moagem.
Quer da proposta governamental, quer do discurso e respostas do Sr. Ministro Basílio Horta se conclui que não existe qualquer segura garantia sobre o futuro da EPAC após o período de transição. Nada! A proposta diz uma coisa, o Ministro diz outra! A única questão que ficou clara, essa sim, foi que as intenções do governo Balsemão são colocar os armazéns e os silos da EPAC ao serviço das multinacionais cerealíferas que pretendem instalar-se em Portugal aliadas à família do punhado de gran-
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dês industriais moageiros que pretendem dominar o sector. Razão tem os 2000 trabalhadores da EPAC para estarem preocupados com o seu futuro. Eis o que obriga este Governo, ou alguns em nome dele, a tal frenesim legislativo que logo no mesmo dia da declaração de inconstitucionalidade do decreto-lei de desmantelamento da EPAC pelo órgão constitucional competente para o efeito, apresenta na Assembleia da República um pedido de autorização legislativa para alterar o regime de comercialização de cereais e de ramas de açúcar. E, foi tal a pressa, que o Governo até se «esqueceu» de juntar ao pedido de autorização legislativa as justificações quanto à alteração do regime de comercialização de ramas de açúcar.
E se a causa é má, piores são os argumentos. Falsos uns, hipócritas outros, inconcludentes todos. Tratar-se-ia de liberalizar - diz o Governo. Mas do que se trata de facto é de abrir às multinacionais do ramo dos cereais que esperam pela liberalização para dividirem entre si o mercado. Aliás, quando se obriga os industriais da moagem a depositarem num chamado organismo de intervenção uma caução, de 2000 contos, o Governo não está a pensar em qualquer liberalização, porque, como diz a Associação dos Industriais de Moagens de Ramas e Espoadas de Milho e Centeio que abrange 4500 industriais do sector, a indústria de moagem de ramas é constituída por pequenas e médias empresas de fracos recursos económicos que não têm qualquer capacidade (de concorrência com as grandes multinacionais.
Daí concluírem que esta acção governamental terá como consequência a destruição destas indústrias pequenas e médias.
Um segundo argumento é a adesão à CEE. Mas é, fraco véu para a sórdida negociata. Não só a eventual adesão está longe dos horizontes mais próximos, como o Tratado de Roma não proíbe a existência de organismos públicos de coordenação económica do tipo da EPAC ou da AG AA a exemplo, aliás, do que existe nalguns países da CEE, nomeadamente na Grã-Bretanha com a organização estatal inglesa de recolha de leite que trabalha em regime de total exclusividade. Bem avisados andarão aqueles deputados da AD que publicamente vão sugerindo que se abandone tal argumento nas justificações da AD, sob o riso de esse argumento se virar contra eles próprios.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O controle do comércio de cereais pelo Estado proporciona vantagens múltiplas, pois permite que, através da venda de cereais a preços perfeitamente conhecidos (e que podem ser, objecto de bonificações) às indústrias de moagens e rações se possa fixar uma grande, série de preços de produtos de largo consumo (pão, massas, bolachas, carnes, leite/ovos, etc.), evitando assim lucros anormais aos industriais e criadores de gado, com os consequentes benefícios para milhões de consumidores. Por outro lado, sendo a EPAC a única entidade pública compradora, pode comprar a preços mais vantajosos do que os do mercado internacional, o que permite ganhos para a economia nacional e para os consumidores.
E ao Sr. Ministro Basílio Horta queria dizer quê a EPAC não é intermediária das multinacionais em Portugal.
Mas para os que pretendem envolver esta Assembleia nesta inconstitucional operação nada disto importa. Para eles o que está em jogo é contemplar as exigências das multinacionais do sector que pretendem apoderar-se de cerca de 70% do mercado, ficando com as importações e a parte do mercado interno que lhes interessar, deixando para a EPAC as migalhas do seu banquete.
Se hoje a importação não põe em causa a produção nacional e aos agricultores estão assegurados preços de garantia e o escoamento da produção, com o desmantelamento da EPAC e a colocação do seu espólio ao serviço das multinacionais a quem o Governo pretende entregar a importação de cereais, seria posta em causa a produção nacional que na prática ficaria sujeita, à concorrência externa. Ou seja, os milhares de produtores de cereais seriam lançados nas mãos dos grandes grupos, sem nenhuma garantia de preços e escoamento da produção e o abastecimento aos pequenos moageiros e à população ficaria sujeita às flutuações do mercado e à vontade dos importadores com as consequentes irregularidades no abastecimento e na qualidade, conduzindo assim a uma maior anarquia e irracionalidade nos circuitos comerciais e nas actividades, económicas em geral.
A seguir viria o agravamento da balança comercial, o aumento dos preços dos cereais e de todos os produtos derivados quer para os pequenos industriais, quer para os consumidores, em benefício apenas dos grandes importadores, comerciantes, intermediários, ou seja da Dreyfus-Lusograin, de uma dezena de industriais da moagem e dos familiares de alguns ministros deste Governo AD/Balsemão.
Com este escândalo sem precedentes a AD visa destruir a EPAC para a entregar a amigalhaços e empresas estrangeiras, prejudicando os agricultores portugueses, os pequenos moageiros, os cerca dos 2000 trabalhadores da EPAC que vêem os seus postos de trabalho seriamente ameaçados e por isso aqui estão no desenvolvimento da sua luta contra tais escândalos governamentais.
Vozes do PCP: - Muito bem!
A Oradora: - Com as negociatas que o Governo AD prepara através do. desmantelamento da EPAC perderia a economia nacional pela diminuição da produção cerealífera e pelos lucros que iriam parar às algibeiras de meia dúzia de tubarões. Perderiam todos os portugueses, pagando mais caro o pão e todos os derivados das farinhas, vendo comprometida a regularidade do abastecimento e a qualidade dos produtos.
Contra esta operação criminosa chegam a esta Assembleia as vozes dos produtores agrícolas lesados, os protestos dos moageiros que antevêem a ruína, as petições dos trabalhadores cujo futuro é posto em causa, um colossal protesto popular.
Mas chegam também as descabeladas e inconstitucionais propostas de mm pequeno grupo de moageiros, latifundiários e multinacionais Da cadeia obscura que estes movem conhecem-se nomes (Luso-grain/Dreyfus, Contiluso/Continental...) e conhecem-se homens de mão (Pais de Sousa, Silva Carvalho, Mexia Leitão, Rogério Martins) e parentes de ministros corruptos...
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Para todos estes, a Assembleia deveria limitar-se a dar, de olhos fechados, ao Governo, um cheque em branco. E o Conselho de Ministros deveria limitar-se a pô-lo nas mãos de três ministros que lhe aporiam os cifrões que entendessem, quando entendessem, como entendessem. Mesmo para uma República das Bananas tal aviltamento do Conselho de Ministros e do Primeiro-Ministro seria intolerável!
Vozes do PCP: - Muito bem!
A Oradora: - É esta opção degradante e inconstitucional que surge aqui proposta com invocação do Governo da República.
O Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português votará, decididamente contra esta operação criminosa. Porque o voto a favor, Sr. Presidente e Srs. Deputados, significa uma e uma só coisa: o caucionamento, a viabilização e promoção da corrupção, do compadrio e de negociatas infames! A demissão imediata de quem as pretende praticar - eis a sanção necessária!
Vozes do PCP: - Muito bem!
A Oradora: - Ver-se-á agora quem, além de não sancionar os promotores do escândalo, pretende, nesta Assembleia, dar-lhes o prémio escandaloso que ambicionam...
Aplausos do PCP e do MDP/CDE.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Mário Lopes, para um pedido de esclarecimento ou para um protesto.
O Sr. Mário Lopes (PSD): - Infelizmente, Sr. Presidente, é para solicitar um esclarecimento à Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo.
A linguagem utilizada pela Sr.ª Deputada, que não é nem mais nem menos do que um corolário da cassette do Partido Comunista Português é, em minha consciência, de verdadeiro português e de uma pessoa que prima pela dignidade, e que estou aqui no Parlamento hoje sem saber se serei digno ou indigno de aqui estar - e isto perante todas as afirmações feitas pela Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo - é, dizia eu, de indignificação deste Parlamento.
Parece que o Parlamento português precisa de ser dignificado e não é com as suas palavras que o pode dignificar, Sr.ª Deputada.
Isso dá uma má imagem ao povo português do que aqui se passa.
A Sr.ª Alda Nogueira (PCP): - A verdadeira imagem!
O Orador: - A Sr.ª Deputada tem documentos, tem uma proposta de lei, e era nessa proposta de lei que se devia debruçar.
A Sr.ª Deputada fez acusações e já foi dito há pouco que por estar debaixo de uma imunidade as pode afirmar, mas estou certo que lá fora, se a Sr.ª Deputada fosse uma cidadã vulgar, não as utilizaria porque teria medo das consequências que daí poderiam advir.
Fala em negociatas. Diz que os ministros, o Governo, estão metidos em negociatas.
A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Se estão!
O Orador: - Fala nos trabalhadores da EPAC. Os senhores estão sempre com os «trabalhadores» na boca mas não os defendem - esta é uma verdade e os próprios trabalhadores já rejeitaram o vosso projecto várias vezes. E não falo só nos trabalhadores da EPAC. Falo nos trabalhadores em geral porque nós não temos milhões de latifundiários em Portugal.
É isto que quero dizer à Sr.ª Deputada, pois até aqui falava nos moageiros e, agora, invoca também os latifundiários. Onde estão os latifundiários metidos no assunto?
A Sr.ª Deputada, na sua intervenção, não se debruçou concretamente sobre a proposta de lei em causa. Fez a demagogia do Partido Comunista, esquecendo-se de que muitos produtores foram prejudicados quando os senhores tiveram, em 1975, o controle de todas as empresas públicas provocando que algumas pessoas tivessem que ir praticamente para a falência, porque a EPAC, por intermédio do seu conselho de gestão, retinha nos seus cofres o pagamento do trigo que lhe era entregue.
A Sr.ª Deputada esquece-se disso, porventura? Esquece-se daquilo que se passou no Governo de Vasco Gonçalves, o qual era apoiado pelo Partido Comunista?
É por isto, Sr.ª Deputada, que eu quero protestar contra a sua demagogia, contra a sua intervenção, que não é dignificadora de um parlamentar, mas antes uma intervenção desculpe, mas tenho que o dizer de uma pessoa que não tem qualquer preparação política para a fazer.
Vozes do PSD: - Muito bem!
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
O Sr. Ministro de Estado Adjunto do Primeiro-Ministro {Basílio Horta): - Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Ministro?
O Sr. Ministro de Estado Adjunto do Primeiro-Ministro (Basílio Horta): - Sr. Presidente, se me autoriza é para formular um protesto.
O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, desculpe, mas vou ter que dar de imediato a palavra à Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo que deseja desde já, contraprotestar em relação ao Sr. Deputado Mário Lopes. O Sr. Ministro falará de seguida, se não se importa.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo.
A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Sr. Deputado Mário Lopes, com toda a calma, direi que quem precisam de ser dignificados é esta Assembleia, são, de facto, os deputados desta Assembleia. É o povo português que exige, para sua própria dignificação, que este governo se vá embora o mais urgentemente possível.
Aplausos do PCP.
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O Sr. Mário Lopes (PSD): - O povo português não vos quer!
A Oradora: - É que este governo está perfeitamente atolado num escândalo que em qualquer país, mesmo social-democrata, levaria à demissão dos ministros que nele estão envolvidos.
O Sr. José Vitorino (PSD): - É incrível!
A Orador: -Se o Sr. Deputado não conhece bem a questão eu conheço.
Se não leu bem o documento que os senhores juntaram a esta proposta governamental faça-o nós temo-lo e conhecemo-lo, e já hoje de manhã o demonstrámos, aqui, ao Sr. Ministro que, aliás, não foi capaz de nos responder a algumas questões que levantámos.
Mas queria perguntar, então, se o Sr. Ministro Cardoso e Cunha conhece ou não o Sr. Venâncio Guimarães, agente de empresas estrangeiras do comércio de cereais;
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Conhece bem!
A Oradora: - se conhece, por exemplo, o Sr. Fernando Mexia Leitão, administrador da Triunfo, grande empresa moageira, que detém posições dominantes, por exemplo na Vilares, na Moagem de Abrantes, na Sociedade Industrial Aliança, na Nova Vouga, na Fábrica Os Leões, estando a Triunfo ligada à multinacional americana Nabisco, com quem, aliás, já existem negociações, tendo essa empresa americana acabado de constituir em Portugal a Contiluso e tendo também celebrado há pouco um protocolo com a empresa Portugal e Colónias.
Gostava ainda que o Sr. Ministro Cardoso e Cunha dissesse algo sobre isto -e que informasse a Câmara das grandes negociatas que envolvem alguns seus familiares relativamente a este escândalo.
Se depois quiser mais pormenores, posso-lhos dar.
Aplausos do PCP.
O Sr. António Moniz (PPM): - Eu também conheço o Dr. Álvaro Cunhal e não sou comunista.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Ministro de Estado, para protestar.
O Sr. Ministro de Estado Adjunto do Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao vir a esta Assembleia, ao abrigo de um seu direito constitucional, o Governo não esperava encontrar do Partido Comunista nenhuma compreensão nem nenhum apoio às teses que aqui vinha apresentar.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Mas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, seja-me lícito dizer que o Governo, democraticamente eleito...
Vozes do PCP: - Não foi nada! Nós é que fomos!
O Orador - O Governo não foi eleito por uma maioria?
Protestos do PCP.
O Orador: - Sr. Presidente, daqui se conclui que o Partido Comunista continua a não saber o que é a democracia, e é isso que o Governo não admite.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
Vozes do PCP: - O Governo não é eleito é nomeado!
O Orador: - Dizia eu, Sr. Presidente, que o Governo não esperava ser insultado por um sector desta Assembleia, da forma sórdida, baixa, antidemocrática, como o tem sido até agora.
Vozes do PSD e do CDS: - Muito bem!
O Orador: - Quando um membro deste governo é insultado, é todo o Governo que é insultado, é a maioria que é insultada com ele.
A Sr.ª Deputada do Partido Comunista veio aqui apresentar calúnias sem uma única sustentação, dizendo o que ouve dizer, eventualmente no seu partido, eventualmente esse sim, habituado a negociatas sórdidas.
Vozes do PSD e do CDS: - Muito bem!
O Orador: - O Governo está aqui para responder a provas, para responder a factos, não está aqui para ser insultado.
É, Sr. Presidente, não é lícito a nenhum governo ser insultado em democracia, como este governo o tem sido, hoje e aqui, pela bancada do Partido Comunista.
Não temos culpa que o Partido Comunista seja um partido repudiado por todos, desde o Presidente da República até ao Partido Socialista.
Risos do PCP.
Não venha, junto ao Governo, insultar, de tudo aquilo que pode, um conjunto de ministros que aqui vêm nos termos do seu direito, apresentar um projecto claro, um projecto que pode e deve ser discutido, mas um projecto que não merece, porque o Governo o não permite, que continue a ser insultado. Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Governo presta todos os esclarecimentos que a Câmara entender necessários, sem rebuços, mas não permite que nenhum dos seus membros seja insultado, porque é todo o Governo que o é, como tem acontecido.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?
O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Com a preocupação de dignificar ...
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, desculpe que o interrompa mas acontece que há deputados que se inscreveram antes, de forma que só lhe darei a palavra na altura devida.
Admiti que queria interpelar a Mesa e por isso é que lhe perguntei para que efeito é que desejava usar da palavra.
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O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, não quero ultrapassar pessoas que se encontram inscritas.
O Sr. Presidente: - Muito obrigado. Tem a palavra a Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo para contraprotestar em relação ao protesto do Sr. Ministro.
A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Sr. Ministro, afinal quem é que aqui insultou um membro do Governo?
Será que o Sr. Ministro já considera que são insultos perguntas sobre ligações de empresas, umas entre as outras, perguntas sobre que ligações existem entre algumas pessoas, cujos nomes disse há pouco, e membros deste governo em relação a multinacionais? Isto são calúnias, Sr. Ministro?
O Sr. António Vitorino (PSD): - Santa ingenuidade!
A Oradora: - Então se são calúnias, por que é que os senhores não desmentem aqui com factos, com provas documentais, o que se passa? Que negociações é que existem em relação a estas multinacionais? Por que é que os senhores não trazem aqui todo esse processo? Por que é que os senhores não demonstram perante os deputados a realidade das negociações que existem de todos os acordos que estão feitos? Por que é que o não fazem? Só assim o Sr. Ministro poderá demonstrar que é mentira o que eu disse?
Agora dizer que é mentira, só por dizer, creio que a sua palavra de homem é tão importante como a minha de mulher. E quanto a isso não pode haver diferenças.
Aplausos do PCP.
Queria, ainda, dizer-lhe, em relação à representatividade do Partido Comunista Português, que o que nós aqui estamos a defender o fazemos com o apoio de mais de l milhão de portugueses que votaram em nós e que o Sr. Ministro acabou de insultar. Ainda há pouco fez insultos e calúnias perante o povo que votou em nós.
Aplausos do PCP.
Queria ainda dizer-lhe, Sr. Ministro, que é tamanha a sua ideia totalitária...
Risos do PSD
... que já diz que o Governo é deito.
O Governo no nosso país não é eleito, Sr. Ministro. Quem são eleitos são os Deputados desta Assembleia.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - O Governo, por enquanto, apenas tem o apoio da maioria governamental desta Assembleia, mais nada.
Ponha travões ao seu espírito totalitário e contente-se com o apoio que a maioria parlamentar lhe dá, por enquanto.
Aplausos do PCP.
O Sr. José Vitorino (PSD): - Acha pouco?
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Castro Caldas.
O Sr. Castro Caldas (PSD): - Sr. Presidente, é para fazer um protesto.
Tenho ouvido com imensa paciência a intervenção da Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo e devo dizer que grande parte das afirmações que a Sr.ª Deputada tem feito nesta matéria são tecnicamente incorrectas, e tentaria demonstrá-lo na intervenção que irei fazer subsequentemente.
A intervenção que a Sr.ª Deputada acaba de fazer é uma intervenção que me obriga a fazer um protesto, porque a Sr.ª Deputada veio dizer a um Parlamento, que tem como obrigação fiscalizar a actividade de um governo, que existem sórdidas negociatas. E quando um deputado diz num Parlamento que existem sórdidas negociatas, demonstra-o, sob pena de ser mentiroso.
Protestos do PCP.
Por favor, deixem-me continuar.
As sórdidas negociatas de que a Sr.ª Deputada fala referem-se a relações de parentesco do Sr. Ministro da Agricultura com accionistas de empresas do sector.
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Casualidades!
O Orador: - Que eu saiba isso não são sórdidas negociatas, mas antes relações de parentesco.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Mais ou menos!
O Orador - Que as relações de parentesco podem dar azo a imputações, do estilo das que o PCP tem feito, é evidente que o deram ao longo da história do parlamentarismo português.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - É o caso concreto!
O Orador: - Peço números! Peço provas! Peço documentos!
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Não me diga!
O Orador: - Não têm?
Inclusivamente, venho dizer mais: sou administrador da Companhia Industrial de Portugal e Colónias...
Vozes do PCP: - Também?
O Orador: - ...que é uma empresa propriedade do Estado.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Gerida por alguém nomeado pela AD!
O Orador: - Gerida por administradores que têm como missão zelar pelo património que lhes está confiado.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Queriam!
O Orador: - E a Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo acabou de dizer aqui que a Companhia Industrial de Portugal e Colónias tinha entrado numa sórdida negociata com a empresa Contiluso. Prove-o, Sr.ª Deputada!
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O Sr. Carlos Brito (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, era para fazer um protesto em nome do Grupo Parlamentar do PCP.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, neste momento, V. Ex.ª só tem o direito de usar da figura de contraprotesto, e em nome da Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, não compreendo, porque é que a intervenção da minha camarada Ilda Figueiredo dá lugar a dois protestos da bancada do PSD e porque é que a bancada do PCP não pode fazer dois contraprotestos em relação ao protesto do Sr. Deputado Castro Caldas. Portanto, entendo que tenho direito a fazer um contraprotesto em nome do Grupo Parlamentar do PCP e que a minha camarada Ilda Figueiredo tem o direito de fazer ,a seguir um protesto em seu nome pessoal.
O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Carlos Lage, deseja interpelar a Mesa?
O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, exijo que se cumpra a ordem das inscrições e, por conseguinte, pretendo que me seja dada a palavra.
O Sr. Presidente: - Um momento, Sr. Deputado.
O Sr. Deputado Carlos Brito também aguardará a sua vez.
A Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo deseja contraprotestar?
A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Desejo sim, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Então faça favor.
A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Deputado Castro Caldas acaba de trazer aqui à Assembleia talvez mais alguns dados para a compreensão deste problema.
De qualquer forma, não acusei aqui - e queria dizê-lo -, que a Companhia Industrial de Portugal e Colónias estava metida na sórdida negociata. Disse, sim, que a Portugal e Colónias tinha assinado um acordo, ou um protocolo, com a Triunfo de quem é administrador o cunhado do Sr. Ministro Cardoso e Cunha, Sr. Fernando Mexia Leitão. Foi isso, apenas, que eu disse e não que isso era uma sórdida negociata. O Sr. Deputado é que considerou que isso era uma sórdida negociata. Foi o Sr. Deputado quem utilizou o termo.
Aplausos do PCP e protestos do PSD, do CDS e do PPM.
Queria ainda dizer-lhe, e já o disse há pouco ao Sr. Ministro, que cabe ao Governo trazer aqui todas as provas, todos os documentos, todos os protocolos,
todos os acordos que envolvem o escândalo da EPAC. É ao Governo que cabe trazer isso, não a um partido da oposição.
Um partido da oposição limita-se, neste caso, a trazer para a mesa da discussão os problemas que conhece, as questões a que tem acesso, as negociatas que estão em curso, e apenas isso. É ao Governo quem cumpre demonstrar que acordos é que estão a ser feitos; e até agora, como o Sr. Deputado sabe, o Governo nada trouxe, nada disse! A única afirmação de «sórdida negociata» nesta história toda foi do Sr. Deputado Castro Caldas.
O Sr. Mário Lopes (PSD): - A Sr.ª Deputada é que falou em negociatas.
A Oradora: - Queria ainda dizer-lhe que, em relação às informações técnicas erradas que o Sr. Deputado disse que eu trouxe para aqui, o Sr. Deputado se limitou a dizer que eram afirmações técnicas erradas, mas não demonstrou uma única e eu gostaria de discutir consigo, em termos técnicos, essas «informações técnicas erradas» que eu para aqui trouxe. Ou será que os senhores querem fazer crer que a vossa palavra, aqui, vale mais do que a minha? Não vale, Sr. Deputado. Creio que hão. É igual. Só com provas, é que poderemos discutir.
O Sr. Castro Caldas (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Faça favor.
O Sr. Castro Caldas (PSD): - Sr. Presidente, desejava saber qual a minha posição na lista de inscrições para poder responder à Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado está inscrito em segunda posição. Tem agora a palavra o Sr. Deputado Luís Coimbra.
O Sr. Luís Coimbra (PPM): - É para um pedido de esclarecimento, Sr. Presidente. De facto, não faço um protesto porque julgo que as insinuações da Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo são de tal maneira vergonhosas que não vale a pena fazê-lo.
O meu pedido de esclarecimento é muito simples.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Desta vez vai engolir uma baleia, não?
O Orador: - Cresça e apareça, Sr. Deputado.
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Hoje está com grande cabedal!
O Orador: - A Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo não apresentou provas de qualquer corrupção ou de qualquer negociata; limitou-se a apresentar relações de parentesco.
O meu pedido de esclarecimento é no sentido de perguntar à Sr.ª Deputada se pelo facto de o secretário-geral do seu partido ter relações próximas de parentesco com alguns fascistas conhecidos de Portugal e de, inclusivamente, o facto de algumas herdades de latifundiários parentes próximos do Sr. Secre-
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tário-Geral não terem sido ocupadas em 1975, se isso significa, por maioria de razão, que o vosso secretário-geral é fascista.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
Uma voz do PCP: - Está cada vez mais de rastos!
O Sr. Luís Coimbra (PPM): - Se for necessário eu rastejo.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Você é fraquito!
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo.
A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Os Srs. Deputados da AD já estão a perder a calma, ó Sr. Deputado Luís Coimbra tenha calma porque este problema é demasiado importante.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Dá-me licença, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: - O Sr. Carlos Brito reparou que já há pouco o Sr. Deputado Carlos Lage interpelou a Mesa porque queria intervir na sua vez. Portanto, o Sr. Deputado Carlos Brito intervirá após serem colocados todos os pedidos de esclarecimento à Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, quero interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Faça favor.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, o meu grupo parlamentar foi gravemente atacado pelo Governo.
Protestos do PSD, do CDS e do PPM.
E eu entendo que o Sr. Presidente devia reconhecer a minha qualidade de Presidente do Grupo Parlamentar do PCP para poder responder ao Governo.
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Muito bem!
O Orador: - E creio que isso me é devido.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado, ainda não lhe dei a palavra porque houve protestos de Srs. Deputados inscritos antes do Sr. Deputado.
Assim, Sr. Deputado só lhe concederei a palavra quando chegar a sua vez.
Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo, faz favor de continuar no uso da palavra.
A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Estava eu a dizer que o Sr. Deputado Luís Coimbra começa a perder a calma e não é caso para isso. A menos que a sua digestão, depois de engolir tantos elefantes e agora os silos da EPAC, comece a ser muito difícil.
Risos do PSD, do CDS e do PPM.
Mas em queria dizer que os senhores, quando lhes faltam os argumentos, recorrem sempre às calúnias baixas e à única arma que sabem utilizar, que é a anticomunista.
Uma voz do PSD: - A senhora é que fez calúnias!
A Oradora: - Foi o- que o Sr. Deputado fez. Recorreu às afirmações anticomunistas, à cassette habitual, à qual os senhores já nos habituaram...
Protestos do PSD.
... e referiu, mais uma vez, afirmações falsas - como esta de parentesco do secretário-geral do meu partido- que são, para além do mais, absolutamente falsas.
Vozes do PSD: - Falsas?
A Oradora: - Mas que demonstram, apenas, a vossa incompetência em discutir, tecnicamente este problema, em apresentarem provas daquilo que nós aqui afirmámos, e demonstrarem que o que nós dissemos é incorrecto, porque vocês sabem que é verdade, e a única coisa que vos resta neste momento, para responderem às nossas questões é recorrerem ao anticomunismo mais baixo e mais primário.
É só isso que se está aqui a passar neste momento. E é pena, porque o problema da EPAC é um problema demasiado importante para os Portugueses, para os trabalhadores da EPAC, para os moageiros, para a economia nacional, e é pena que não seja discutida nesses termos pelos Srs. Deputados da AD. É só isso que lastimo.
O Sr. Presidente: - Para protestar, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Coimbra.
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Vai falar o «baixinho»!
O Sr. Luis Coimbra (PPM): - Protesto porque a Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo afirmou que eu fiz uma declaração anticomunista. Ora, nem sequer falei em comunismo, apenas fiz, muito claramente, com toda a calma, um pedido de esclarecimento.
E tenho que fazer este protesto por duas ordens de razões. Em primeiro lugar, toda a Câmara ouviu aqui mais uma cassette do Partido Comunista, o que já no ano passado acontecia - é a corrupção, é o Governo antidemocrático, é o Governo sem apoio popular, etc., etc. É a cassette do costume, a que já estamos habituados.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - É a realidade!
O Orador: - Estamos calmíssimos e habituadíssimos a ouvir essas questões, mas o resultado nas eleições é sempre os 15 %, percentagem essa agora tendencialmente decrescente. Mas não é esse o pormenor que mais me preocupa.
De facto, pedi esclarecimentos sobre se de facto havia provas concretas, com números, pois estamos interessados nelas. Sr.ª Deputada, ponha aqui na mesa os números que nós estamos interessados neles.
Como vê, fiz-lhe uma pergunta muito concreta que não tem nada a ver com o anticomunismo. Pelo
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facto de haver relações de parentesco próximas entre o Dr. Álvaro Cunhal e grandes fascistas, grandes latifundiários e grandes agrários, perguntei se ele, por esse facto, é um grande agrário, um grande fascista e um grande latifundiário.
Vozes do PCP: - Quais? Quem?
O Orador: - É?
Pausa.
Fiquei a saber que o Dr. Álvaro Cunhal é fascista. Não me surpreende.
O Sr. António Mota (PCP): - Onde chega a baixeza do rei!
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Não seja palerma. Quem?
O Sr. Presidente: - Para contraprotestar, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo.
A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - De facto, o Sr. Deputado Luís Coimbra já nos habituou aqui tantas vezes a dar o dito por não dito, e basta lembrar-nos do que se passou com as torres do Tejo. O Sr. Deputado veio aqui e afirmou que o Sr. Presidente da Câmara de Lisboa, eng.º Krus Abecasis; já lhe tinha dito que não iam ser construídas nenhumas torres, mas agora, afinal, a torre vai ser construída.
Protestos do PSD.
Sr. Deputado Luís Coimbra, certamente a única coisa que lhe vai servir é engoli-la ou então continuar a fazer protestos anticomunistas como aquele que ainda há pouco acabou de fazer.
Já só isso é que o Sr. Deputado sabe e pode continuar a fazer nesta Assembleia.
A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Muito bem!
A Oradora: - Quanto às provas, creio que não é preciso dizer-lhes de novo as ligações que existem entre elementos das grandes empresas moageiras, dos grandes industriais em Portugal, e as multinacionais já aqui referidas várias vezes e membros deste Governo.
A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Muito bem!
A Oradora: - Nós afirmámos isso e volto-o a repetir quantas vezes o Sr. Deputado quiser. Tenho informações de tudo isto e desafio os senhores a trazerem aqui os acordos e os protocolos que provem o contrário disto que eu estou a dizer. Tragam-nos cá.
Aplausos do PCP.
O Sr. Mário Lopes (PSD): - Traga a Sr.ª Deputada.
O Sr. Luís Coimbra (PPM): - Peço, á palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Luís Coimbra, ao abrigo de que disposição regimental pretende usar da palavra?
O Sr. Luís Coimbra (PPM): - Ao abrigo do direito de defesa, Sr. Presidente, porque a Sr.ª Deputada está-me a ofender.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra.
O Sr. Luís Coimbra (PPM): - Queria esclarecer a Câmara, em particular a Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo, de que não haverá torres do Tejo,...
A Sr.ª Zita. Seabra (PCP): - É mentira!
O Orador: - ...de que não haverá centrais nucleares em Portugal nem florestação maciça e industrial de eucaliptos. Ainda hoje vai entrar nesta Assembleia um projecto de lei do PPM em relação a essas» medidas, e ainda não houve uma única medida que o PPM tivesse defendido até ao fim que não tivesse sido cumprida, porque a nossa palavra é uma palavra de honra.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - É falso.
O Orador: - O que vocês queriam é que fosse construída uma torre do tejo para haver grave crise política na AD, para haver lugar a essas situações porque os senhores nunca ligaram nenhuma ao urbanismo de Lisboa nem de parte nenhuma. O urbanismo do programa do Partido Comunista Português é uma vergonha.
Uma voz do CDS: - Muito bem!
O Orador: - Portanto, não estejam agora armados em ambientalistas, defendendo posições defendidas pelo nosso partido de há longa data, para virem agora aqui fazer chicana parlamentar.
Aplausos do PPM e do PSD.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Dá-me licença, Sr. Presidente? Desejava interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Faça favor.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Em resposta ao Sr. Ministro de Estado Adjunto do Primeiro-Ministro, quero anunciar que o meu grupo parlamentar vai accionar os mecanismos parlamentares para promover um inquérito parlamentar ao Governo, nesta matéria.
Aplausos do PCP, do PSD do CDS, do PPM e dos membros do Governo.
O Sr. António Vitorino (UEDS): - Isso é baixo!
O Orador: - Creio, Sr. Presidente, que esta era razão bastante para me ter dado a palavra há mais tempo.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lage.
O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não prescindo do uso da palavra porque o Sr. Deputado Carlos Brito, percebendo claramente o que é que o Partido Socialista pretendia, usou de um método, enfim, pouco adequado, face à ética parla-
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mentar, para se antecipar a uma óbvia iniciativa dos grupos parlamentares que integram a FRS.
Vozes do PS e da UEDS: - Muito bem!
O Sr. António Vitorino (UEDS): - É baixo.
Risos do PSD, do CDS e do PPM.
O Orador: - De facto, Sr. Presidente, eu tinha razão em insistir no respeito absoluto e total pela ordem de inscrições, e por isso mesmo considero que esta foi uma fórmula hábil, mas não muito sofisticada nem muito requintada, de o Sr. Deputado Carlos Brito e o Partido Comunista procurarem estar sempre à frente, numa sofreguidão que não vale a pena, porque não é por aí que se conseguem os objectivos políticos mais vastos.
Vozes do PS e. da UEDS: - Muito bem!
Risos do PSD.
O Sr. Presidente: - Um momento, Sr. Deputado.
O Sr. Carlos Lage (PS): - Eu pretendo continuar no uso da palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - É para saber se o Sr. Deputado pretende fazer um protesto ou um pedido de esclarecimento.
O Sr. Carlos Lage (PS): - É para um pedido de esclarecimento ou para o que o Sr. Presidente pretender, desde que continue no uso da palavra.
O Sr. Presidente: - Faça favor.
O Sr. Carlos Lage (PS): - Atendendo ao tipo de debate que se está aqui a travar, às insinuações e imputações que estão aqui a ser levantadas, ao pairar de dúvidas e de suspeições sobre actos do Governo e da Administração, e aos aspectos altamente duvidosos de muitas das operações que envolvem a liberalização do comércio de cereais da EPAC, os grupos parlamentares que constituem a FRS, preocupados com a dignidade das instituições, com a possibilidade de salvaguarda da honra, também, do Governo e desta Assembleia, têm já elaborado o pedido de constituição de uma comissão parlamentar de inquérito para que esta possa, em perfeita liberdade, utilizando todos os poderes que esta Assembleia lhe pode conferir, averiguar da verdade ou não verdade das afirmações e das acusações que aqui têm sido feitas.
Esse pedido de inquérito está formulado nos seguintes termos:
Considerando a importância e o peso da EPAC na economia nacional, bem demonstradas pelo valor de quase 40 milhões de contos que as suas operações comerciais envolvem;
Considerando a falta de ponderação, as vicissitudes várias que todo o acidentado processo de liberalização do comércio dos cereais (exclusivo da EPAC) vem conhecendo, causando a maior confusão e perplexidade na opinião pública, que levou ao ponto de um partido da coligação - o PPM - apresentar um projecto de lei destinado a evitar que com o programado desmantelamento das empresas estatais de comércio, como a EPAC e a AGA, se constituíssem, imediatamente, monopólios privados dominados por empresas multinacionais;
Considerando aspectos menos claros de todo o processo, em que as pressões de grupos de interesse, designadamente os grandes moageiros, desempenharam papel de monta, apontando no sentido de que o Estado não ficou imune, como devia, a essas pressões e exigências;
Considerando ainda que se verificam singulares coincidências entre pessoas colocadas nos centros de decisão do Governo e nos interesses privados que beneficiarão da operação EPAC, e que numa sociedade democrática não é legítimo que essas dúvidas subsistam, para salvaguarda da considera* cão e respeito devido às pessoas e instituições;
Os Grupos Parlamentares do PS, ASDI e UEDS, integrantes da FRS, nos termos e para os efeitos dos artigos 218.º e seguintes do Regimento da Assembleia da República, requerem, com os fundamentos sumariamente descritos, a realização de um inquérito parlamentar com vista a apreciar os actos do Governo e da Administração relativos ao processo, sua preparação e difusão prévia, de actos legislativos de liberalização do comércio dos cereais, ramas de açúcar e oleaginosas.
Aplausos do PS, da ASDI e da UEDS.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Carlos Lage há pouco acusava o Sr. Deputado Carlos Brito, e eu não digo que sem razão, de ter utilizado uma fornia capciosa, para ter dito o que disse. Afinal, o Sr. Deputado Carlos Lage não fez menos, porque o que aqui estava em causa era uma intervenção da Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo, que só poderia dar lugar a pedidos de esclarecimento ou protestos.
O Sr. António Vitorino (UEDS): - Sr. Presidente, respeite as inscrições e não faça considerações.
O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Só se pede o respeito pelas inscrições!
O Sr. Presidente: - Só um momento, Srs. Deputados.
O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Dá-me licença, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: - Não pode, Sr. Deputado. Há outros Srs. Deputados que se inscreveram antes.
O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - O Sr. Presidente não considera oportuno dar-me a palavra para que outros usem dela antes de mim, tal como aconteceu com o meu companheiro de bancada da FRS Carlos Lage?
Este equívoco só foi possível, Sr. Presidente, porque o Sr. Presidente se recusou a dar a palavra na altura devida, ao Sr. Deputado Carlos Lage, dando a palavra a outros deputados antes de a ter dado a ele, como competia.
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Este protesto fica aqui lavrado, goste o Sr. Presidente ou não, e tire daí o Sr. Presidente as conclusões que quiser. Ficou dito, Sr. Presidente.
Aplausos da UEDS, do PSD, do PS e da ASDI.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, tenho estado a dar a palavra pela ordem das inscrições, que são anotadas pelos Srs. Secretários da Mesa. Nem sequer sou eu que anoto as inscrições.
Há pouco, o Sr. Deputado Carlos Brito quis protestar em relação a uma intervenção da bancada do PSD e o Sr. Deputado Carlos Lage protestou por isso. De facto, não dei a palavra ao Sr. Deputado Carlos Brito e continuei á dar a palavra pela ordem das inscrições. Simplesmente, depois, o Sr. Deputado Carlos Brito pediu a palavra para interpelar a Mesa e nessa altura avançou com o pedido de inquérito parlamentar.
O mesmo fez agora o Sr. Deputado Lopes Cardoso e eu não lhe pude cortar a palavra.
Neste momento estão inscritos os Srs. Deputados José Vitorino, Carlos Brito, Octávio Teixeira, o Sr. Ministro de Estado Adjunto do Primeiro-Ministro, e ainda os Srs. Deputados Lopes Cardoso e Magalhães Mota. É esta a ordem das inscrições relativas à intervenção da Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo, e por ela irei dar a palavra.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Dá-me licença, Sr. Presidente? Desejo interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Faça favor.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, fui directa e pessoalmente posto em causa na intervenção do Sr. Deputado Carlos Lage, em termos que considero ofensivos para a minha honra. Pergunto ao Sr. Presidente se tenho ou não o direito de protestar;
Protestos do PSD.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados e Srs. Membros do Governo: O Grupo Parlamentar do PCP, considerando o desafio que foi lançado pelo Sr. Ministro de Estado Adjunto do Primeiro-Ministro na parte da manhã da sessão de hoje, relativamente à faculdade que tinha para apresentar uma moção de censura, entendeu que não estava esgotada esta figura regimental que estamos praticando, isto é, o debate da autorização legislativa. E permite-se retirar deste debate todas as conclusões, incluindo as que já reuniu para considerar oportuno accionar os mecanismos parlamentares convenientes para promover ao Governo um inquérito parlamentar na matéria em discussão.
É perfeitamente lógico que fosse esta a resposta do Grupo Parlamentar do PCP. Não compreendo porque é que os Srs. Deputados da FRS não compreendam que assim seja e se interpuseram entre uma discussão do Governo com o Grupo Parlamentar do PCP, entre as ofensas e desafio que o Governo lançou ao Grupo Parlamentar do PCP e o direito de resposta que este grupo parlamentar tinha em relação ao Governo.
A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Muito bem!
O Sr. António Vitorino (UEDS): - É preciso lata!
O Orador: - Ora, se esta era a intenção do Grupo Parlamentar do PCP, e fazendo eu, como presidente de grupo parlamentar, várias tentativas para que o Sr. Presidente me desse a palavra para poder responder ao Governo, e não tendo o Sr. Presidente feito isso, tive que chamar a atenção da Câmara para a questão de fundo que queria colocar, que iria superar as pequenas discussões que aqui estavam a ser feitas.
A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Muito bem!
O Sr. António Vitorino (UEDS): - Não compreende. É preciso ter lata! Isso é uma deturpação.
O Orador - E respondendo aos membros do Governo e a alguns deputados da maioria, quero dizer que nós não insultamos nem chamamos nomes ao Governo, chamamos nomes a esta operação.
Não pomos em causa a portugalidade do Sr. Deputado Mário Lopes. O que pomos em causa é a genuidade, a democraticidade da operação que o Governo aqui trouxe, e é sobre isso que temos o direito de intervir, de denunciar e de accionar todos os mecanismos para se promover o inquérito parlamentar, com mais ou menos provas.
O Sr. Castro Caldas (PSD): - Apresente provas!
O Orador: - Não estamos num tribunal, Sr. Deputado. Estamos no Parlamento.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - E no Parlamento os grandes e1 os pequenos partidos usam os meios regimentais, os meios constitucionais, para controlar e fiscalizar o Governo. É isso a democracia, Sr. Deputado Castro Caldas.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Para contraprotestar, tem palavra o Sr. Deputado Carlos Lage.
O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Praticamente nem era necessário que eu contraprotestasse porque toda a Câmara percebeu que o Sr. Deputado Carlos Brito usou o expediente de uma interpelação à Mesa ',para se antecipar ao meu pedido de uso da palavra, porque foi óbvio que percebeu que os grupos parlamentares que integram a FRS se preparavam para apresentar um pedido de formação de uma comissão parlamentar de inquérito.
Se assim não fosse, o Sr. Reputado Carlos Brito esperava a sua vez para formular esse mesmo pedido.
Foi numa interpelação à Mesa, onde naturalmente cabia a formulação desse pedido, que o fez. Foi
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precipitado o que o Sr. Deputado Carlos Brito fez. E óbvio, e não vale a pena insistir.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Dá-me licença?
O Orador: - Faça favor.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - O Sr. Deputado há-de reconhecer que tendo sido ao PCP que foi lançado, pelo Sr. Ministro de Estado Adjunto do Primeiro-Ministro, o desafio ao PCP competia responder.
O Orador: - Esperava pela sua vez, Sr. Deputado Carlos Brito, como é evidente.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - O Sr. Deputado Carlos Lage, o Sr. Deputado não costuma ser regimentalista quando se trata de questões de fundo. Por que o é agora? O que é que o transformou?
Protestos.
O Orador: - Sr. Deputado Carlos Brito, não deturpe as situações.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - A golpaça é sua, mas nós apoiamos o vosso pedido de inquérito...
Protestos do PS, da ASDI e da UEDS.
O Sr. António Vitorino (UEDS): - Não é preciso!
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Consideramo-lo uma iniciativa positiva e vamos apoiá-la. Mas a nós é que competia responder ao Governo.
Protestos do PS, da ASDI e da UEDS.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, peço ordem.
O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, não quero, aqui entrar numa ridícula competição de quem é que pensou primeiro - ou quem tinha já a iniciativa pré parada - em apresentar na Mesa o pedido de comissão parlamentar de inquérito. É óbvio que eram os grupos parlamentares que integram a FRS, até porque já o tínhamos escrito, a partir do momento que o debate enveredou por um caminho em que isso nos parecia ser imprescindível.
Portanto, a intervenção do Sr. Deputado Carlos Brito insisto foi, realmente, uma intervenção que lesou a lealdade parlamentar, a qual deve presidir às nossas relações e aos nossos actos.
Aplausos do PS, da ASDI e da UEDS.
O Sr. Sousa Tavares (PSD): - Dá-me licença, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vou dar a palavra pela ordem das inscrições.
O Sr. Sousa Tavares (PSD): - Sr. Presidente, quero interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra.
Assembleia, porque a alternativa democrática que a oposição está oferecendo com a sua bulha de namorados não é digna deste Parlamento.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
Nós queremos que a continuação dos trabalhos se possa processar sob a sua direcção, de forma que possa ser útil aos trabalhos da Nação e do Parlamento.
A bulha a que nós estamos assistindo, a que eu já chamei bulha de namorados, não me parece digna deste Parlamento.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
O Sr. Castro Caldas (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?
O Sr. Castro Caldas (PSD): - Sr. Presidente, é para exercer o direito de defesa pessoal, já que o Sr. Deputado Carlos Brito, na sua última intervenção, se dirigiu a mim, pessoalmente, de dedo apontado.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra por dois minutos, Sr. Deputado.
O Sr. Castro Caldas (PSD): - Muito simplesmente, quando o Sr. Deputado Carlos Brito diz que eu não tenho o direito de pedir provas, porque isto não é nenhum tribunal, respondo que tenho todo o direito de pedir provas a qualquer cidadão que faz uma acusação para que depois possa ter o direito, no caso das provas não serem apresentadas de lhe chamai mentiroso.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Carlos Brito.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Respondendo também ao Sr. Deputado Carlos Lage, mas primeiro ao Sr. Deputado Castro Caldas, devo dizer que nós não temos medo das provas. O Sr. Deputado é que julgava que estava num tribunal.
O Sr. Castro Caldas (PSD): - É a minha profissão.
O Orador: - Talvez porque apareceu aqui repentinamente como advogado de uma causa.
O Sr. Castro Caldas (PSD): - Julgo que sim.
O Orador: - Julgava que estava no tribunal e não está.
O debate parlamentar tem as suas fases, os seus momentos. Como vê, não temos medo das provas. Tanto assim que nos decidimos pelo pedido de um inquérito parlamentar. É porque temos provas.
O Sr. Castro Caldas (PSD): - Decidimos, não, vamos decidir!
O Sr. Sousa Tavares (PSD): - Peço ao Sr. Presidente que mantenha uma ordem democrática nesta
O Orador: - Quanto ao Sr. Deputado Carlos Lage, na verdade, não quero responder à parte final da
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sua intervenção e quero repetir que do nosso lado há todo o apoio à iniciativa da FRS, o que não significa que nós não continuemos com a nossa própria iniciativa, mas apoiamos a ^iniciativa da FRS.
Em todo o caso, continuamos a reivindicar para nós o direito de respondermos ao Governo, para o que fomos desafiados.
E aproveito para dizer que o Governo nos desatou a apresentar uma moção de censura, quando é sabido que o Governo da AD, no ano passado, não consentiu que uma moção de censura apresentada pelo Grupo Parlamentar do PCP em tempo oportuno fosse discutida.
Relativamente ao Sr. Deputado que acabou de chegar, o Sr. Deputado Sousa Tavares, quero, dizer que como o Sr. Deputado não tem cá estado as suas palavras têm o merecimento que têm, são palavras de um homem que passa por aqui e que diz umas bocas.
Aplausos do PCP.
O Sr. José Vitorino (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?
O Sr. José Vitorino (PSD): - Para protestar e interpelar a Mesa, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Então faça primeiro a interpelação à Mesa, Sr. Deputado.
Entretanto, reassume a Presidência o Sr. Presidente Leonardo Ribeiro de Almeida.
O Sr. José Vitorino (PSD): - Naturalmente que - apesar de o Sr. Presidente da Assembleia estar neste momento a reassumir o seu lugar na Mesa - o Grupo Parlamentar do Partido Social-Democrata quer manifestar, da forma mais veemente, o seu protesto pela forma indigna e desprestigiante como o debate se tem estado a processar nesta Assembleia, e não pode tolerar nem permitir que se continue a desrespeitar, de forma quase escandalosa, o Regimento, e simultaneamente, sem que a Mesa diga uma palavra que possa pôr travão à linguagem desbragada e às acusações - é quase um tribunal popular que aqui se tem constituído - que têm estado a ser dirigidas a um governo saído de uma Assembleia democrática.
A Mesa não diz nada, a Mesa não põe um travão a isto, a Mesa contribui para o desrespeito e para o desprestígio de órgãos democraticamente eleitos. Mas não é a maioria que se desrespeita e que se está a denegrir, é esta oposição, que não é capaz de oferecer mais nada ao País que não seja este triste espectáculo da calúnia e da demência mental.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, é evidente que a Mesa acaba de ser interpelada pelo Sr. Deputado José Vitorino, em circunstâncias que são peculiares, qual é a de se ter acabado de dar a substituição do Sr. Vice-Presidente José Vitoriano, que vinha exercendo a Presidência enquanto eu me encontrava na reunião dos grupos parlamentares.
Peço e espero de VV. Ex.ªs que este debate/que todos VV. Ex.ªs têm também considerado como; de extrema importância, sem prejuízo da firmeza que cada um de VV. Ex.ªs deve e pode ter na sustentação dos seus pontos de vista, seja conduzido com a serenidade, a calma e a cordura de processos e, designadamente, de linguagem, que se tornam verdadeiramente indispensáveis paras a serena ponderarão de um diploma a que VV. Ex.ªs atribuem essa mesma importância.
Não podia, neste momento, o Sr. Deputado José Vitorino ir mais longe na interpelação que fez à Mesa.
O Sr. Deputado estava também inscrito para um protesto?
O Sr. José Vitorino (PSD): - Prescindo, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - O Sr Deputado Octávio Teixeira deseja usar da palavra para que efeito?
Vozes do PSD: - Para um insulto.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, antes de mais gostaria de informar que não admito que os Srs. Deputados da AD digam que eu vou fazer um insulto.
O Sr Presidente: - Desculpe, Sr. Deputado, mas, antes de mais, V. Ex.ª responderá à minha pergunta. A maneira como V. Ex.ª começou a falar tomou, desde logo, o ar de um protesto. Em todo o caso, a Mesa fez-lhe uma pergunta, e tê-lo com toda a deferência, no sentido de o Sr. Deputado a informar qual o objecto para que pedia a palavra. O Sr. Deputado terá a bondade de me informar, serenamente, qual o fim para que pede a palavra, que com certeza lhe será dada a seguir.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Com certeza, Sr. Presidente. Não foi contra o Sr. Presidente que eu levantei a minha voz. Respondo-lhe directamente que pedi a palavra para um protesto em relação às declarações e afirmações do Sr. Deputado Luis Coimbra.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, tem V. Ex.ª palavra. Dispõe do tempo regimental de cinco minutos.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Antes disso, é para que o Sr. Presidente fique bem esclarecido sobre o começo da minha intervenção, digo-lhe que não admito que qualquer Sr. Deputado, a qualquer bancada que seja, nomeadamente da AD, responda por mim a uma interpelação do Sr. Presidente dizendo que o meu pedido de palavra era para proferir insultos.
Vozes do PSD: - É o costume!
O Orador: - O protesto que gostaria de fazer é sobre o pedido que o Sr. Deputado Luís Coimbra fez para que o Partido Comunista apresentasse números para comprovar a falsidade ou a corrupção que está a envolver todo este processo.
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Sobre esse assunto gostaria, pois, de protestar no sentido de lhe dizer que essa pergunta deve ser feita aos membros do Governo aqui presentes e posso até auxiliá-lo nesse sentido -, para se saber quais as razões que levam ao pedido de criação de uma sociedade, a sociedade Lusograin, por parte da Dryfus em Portugal, a firma que ao fim do terceiro ano dominará 22 % do mercado de comercialização de cereais.
Pergunte aos seus ministros, Sr. Deputado, com que base é que a Lusograin pode fazer estas afirmações e quais são os acordos que estão por trás disto, pois as diversas multinacionais ligadas a grandes interesses capitalistas no nosso país reivindicam para si 80 % do mercado de comercialização de cereais, deixando à EPAC apenas 20% do mercado, isto é, apenas a comercialização dos cereais de produção nacional.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Luís Coimbra, se V. Ex.ª tem alguma coisa a dizer em relação ao protesto do Sr. Deputado Octávio Teixeira fá-lo-á em lermos de contraprotesto, dirigindo-se à Mesa e a mais ninguém.
V. Ex.ª deseja intervir em termos de contraprotesto?
O Sr. Luís Coimbra (PPM): - Sr. Presidente, não percebi se o Sr. Deputado Octávio Teixeira se referiu 001 não a mim.
Risos do PCP.
É que quando se fazem acusações devem apresentar-se provas...
O Sr. Presidente: - Desculpar-me-á, Sr. Deputado Luís Coimbra, mas quero saber se deseja contraprotestar.
O Orador: - Acho que não vale a pena, Sr. Presidente.
Risos do PCP.
O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado.
O Sr. Ministro de Estado Adjunto do Primeiro-Ministro tinha pedido há pouco a palavra. Poder-me-á dizer para que efeito?
O Sr. Ministro de Estado Adjunto do Primeiro-Ministro (Basílio Horta): - Sr. Presidente, se V. Ex.ª consentir, peço a palavra para fazer um protesto.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Ministro.
O Sr. Ministro de Estado Adjunto do Primeiro-Ministro (Basílio Horta): - Sr. Presidente e Srs. Deputados: O Governo congratula-se vivamente pelo pedido de inquérito parlamentar feito pelo Partido Comunista.
Se o Partido Comunista tivesse começado por fazer este pedido talvez se evitassem muitos insultos que hoje aqui foram proferidos. Insultos, esses, Sr. Presidente, que não atingem apenas os políticos, atingem os homens que têm um nome, uma família e que necessitam de responder, não hoje mas amanhã, pelo seu nome e pelos seus actos.
Protestos do PCP.
Por isso, o Governo congratula-se com o inquérito aqui pedido. Mas também se congratulará quando os resultados negativos desse inquérito vierem ao conhecimento da opinião pública. Que o Partido Comunista se responsabilize por mais esta mentira que perante o País aqui afirma.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Finalmente, o Sr. Deputado Carlos Brito disse que não queria ofender o Governo. Ainda bem que o disse, porque as expressões utilizadas, desde «sórdidas negociatas» a «operações criminosas», são expressões ...
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Ministro, dá-me licença que o interrompa?
O Orador - Sr. Deputado Carlos Brito, pode interromper-me desde que o tempo que vai gastar seja descontado no seu tempo.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Ministro, serei ainda mais claro. Porque V. Ex.ª nos acusou de termos insultado o Governo, direi que o que eu há pouco disse foi que nós não tínhamos insultado o Governo; nós caracterizámos, insultámos até - se preferir a expressão - esta operação, não o Governo. Quanto à operação, a essa sim, chamamos-lhe nomes.
O Orador: - Registo, Sr. Deputado, essa sua mudança de posição.
Risos do CDS.
Para terminar, quero apenas dizer que, quando o nome do Sr. Ministro Cardoso e Cunha é aqui atacado, sob que pretexto for - e nós estamos aqui para discutir um regime económico e não o parentesco de ninguém é todo o Governo em uníssono e solidariamente que é atacado.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Lopes Cardoso, V. Ex.ª tinha também pedido a palavra. Para que efeito?
O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, prescindo da palavra porque, mais uma vez, ela me é dada tão depois de eu a ter pedido, tendo sido dada com precedência a tantos outros deputados que intervieram, que perdeu a oportunidade.
Faço, no entanto, um apelo para que se respeite minimamente e haja um mínimo de atenção para a ordem de inscrições.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Lopes Cardoso, a Mesa procura, com a maior acuidade e atenção, registar os pedidos de palavra de VV, Ex.ªs Só que o seu pedido de palavra ocorreu num momento que,
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pelo que vejo e posso constatar, foi de um certo calor na discussão que vinha travando-se. Bem pode acontecer que às vezes se cometa um erro.
Neste caso concreto, a sua inscrição foi registada lego que apercebida pela Mesa, tendo ficado inscrito imediatamente a seguir ao pedido de, palavra do Sr. Ministro de Estado Adjunto do Primeiro-Ministro.
O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, dá-me licença que use da palavra?
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, uma vez que prescinde, não sei para que pede a palavra.
O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, não sei se é regimental - não queria estar a abusar -, mas gostaria de dar um esclarecimento. É que esse período de calor a que o Sr. Presidente se referiu resultou - e por isso faço um apelo à Mesa - do facto de a Mesa não ter respeitado a ordem das inscrições e ter dado arbitrariamente a palavra. Gostaria, pois, de sublinhar esta questão, não deixando de fazer um apelo para que se respeite a ordem das inscrições.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, agradeço o seu apelo.
Peço a VV. Ex.ªs, Srs. Deputados que, como contribuição poderosíssima para que se possa conduzir os trabalhos nos termos invocados pelo Sr. Deputado Lopes Cardoso, desejo esse de que a Mesa partilha, quando pedirem a palavra porque se usa a forma de levantar o braço, sem estar agora a discutir se essa é a melhor, chegando-se ao ponto de alguns Srs. Deputados pedirem a palavra não para si próprios mas para um companheiro de bancada -, se assegurem de que a Mesa tomou nota. Gostaria que as coisas corressem com aquela normalidade que permite não haver o entrecruzar de intervenções com protestos e com pedidos de esclarecimento.
Sr. Deputado Magalhães Mota, V. Ex.ª tinha pedido a palavra para que efeito?
O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Era para fazer uma interpelação à Mesa, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Sr. Presidente, na altura em que pedi a palavra não era V. Ex.ª que estava a presidir aos trabalhos, no entanto gostaria que a Mesa - e mais do que uma interpelação, faço um apelo- respeitasse rigorosamente a ordem das inscrições.
Vozes do PSD: - Outra vez?
O Orador: - A Mesa não dispõe de nenhum critério que a habilite a distinguir se o pedido de inscrição de um deputado é para pedir esclarecimentos, fazer um protesto ou outra coisa qualquer.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Como tal, a Mesa não pode nem deve substituir-se ao desejo dos próprios deputados e atropelar a ordem das inscrições, caindo naquilo que poderá ser facilmente entendido como um favoritismo de dar a palavra a uns deputados antes de outros.
Creio que se assim tivesse acontecido não teria ocorrido o incidente de há pouco e que a Mesa deverá, de ora em diante, respeitar rigorosamente a ordem das inscrições, porque não sabe - repito - para quo é que o deputado se inscreveu antes que o mesmo diga para que o fez. Penso também que, em relação aos vários pedidos de interrupção que são feitos, deveria ser contado o tempo, quer o de quem interrompe quer o do interlocutor, e que o debate siga as suas regras sob pena de o mesmo ser completamente subvertido e de ser afinal prejudicado quem procura cumprir as regras democráticas de um debate.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, agradeço-lhe o apelo. Como V. Ex.ª pode compreender e certamente todos compreenderão- a forma como se têm procurado conduzir os trabalhos deste Plenário pode dar a um observador menos atento ou a um espectador mais apaixonado a ideia de que uma outra decisão da Mesa pode sugerir a ideia de favoritismo.
Tenho, em todo o caso, a certeza de que no espírito de V. Ex.ª, Sr. Deputado Magalhães Mota, assim como no de qualquer deputado, seja de que bancada for, mesmo que essa ideia, por um movimento instintivo de sensibilidade, surja ao seu espírito, não resiste com certeza a dois momentos de raciocínio sereno. Nem sequer é uma homenagem é o reconhecimento de um facto que a Mesa tem o direito de exigir incondicionalmente a todos VV. Ex.ªs.
O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?
O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Para dizer, Sr. Presidente, que é precisamente no espírito das palavras de V. Ex.ª, e para que nenhuma suspeição reste, que o meu apelo foi feito.
O Sr. Presidente: - Foi também nesse sentido que o entendi, Sr. Deputado.
O Sr. José Vitoriano (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Vitorino, peco-lhe o favor de acreditar que quando me referi à maneira de como os trabalhos eram conduzidos pela Mesa, não me referia pessoalmente a mim. Referia-me a mim e a todos os Srs. Vice-Presidentes que me substituem.
O Sr. José Vitoriano (PCP): - Não é isso que está em causa, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Então tem V. Ex.ª a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. José Vitoriano (PCP): - Sr. Presidente, é que houve aqui referências a uma actuação discriminatória da Mesa.
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Quem na altura em que se situa esta acusação, digamos assim, presidia aos trabalhos era eu próprio.
Logo, quem actuou discriminatoriamente, no critério do Sr. Deputado que disse tal frase, evidentemente que fui eu, como Presidente da Mesa em exercício.
Já há pouco tive oportunidade de explicar que rigorosamente fui dando a palavra pela ordem das inscrições. Aliás, nem sequer é o Presidente que anota as inscrições mas sim os Srs. Secretários da Mesa.
Devo dizer que, embora pense que se possam usar dois critérios, tenho usado o critério de quando um deputado pede a palavra para protestar contra uma intervenção que acaba de ser feita, lhe conceder a palavra imediatamente para fazer esse protesto visto ele ser relativo a uma intervenção acabada de fazer que não tem nada a ver com a intervenção de fundo que deu origem a todo um debate.
Neste caso, quando o Sr. Deputado Carlos Brito pediu a palavra, eu nem sequer lha dei e fui-a dando por ordem das inscrições. Aconteceu que, a dado momento, o Sr. Deputado Carlos Brito pediu a palavra para interpelar a Mesa e nessa interpelação colocou algumas questões que deram origem a todo este aquecimento.
Considero profundamente injusto acusarem-me, não directamente, mas está implícito - e acho injusto acusarem não só a mim, mas também a qualquer outro presidente em exercício - , de conduzir os trabalhos discriminatoriamente.
Naturalmente que cometo erros mas desafio o mais competente Sr. Deputado a dizer que não comete erros em qualquer aspecto da sua vida. Naturalmente que os cometo, tendo-os cometido e continuarei a cometê-los. Isso é uma coisa mas outra é actuar com a ideia pré-concebida de fazer discriminações, e é em relação a este último aspecto que considero ter sido alvo de uma acusação profundamente injusta.
Aplausos do PCP, do PSD, do CDS, do PPM, do MDP/CDE e de alguns deputados do PS.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, ouvi com muita atenção a intervenção feita pelo Sr. Deputado Magalhães Mota e receio que se esteja a fazer à pressa um novo Regimento.
Pergunto: as interpelações à Mesa não tem prioridade sobre os demais pedidos de palavra? A minha opinião é a de que têm prioridade. É isso que consta do nosso Regimento.
Foi pois no uso de uma interpelação à Mesa que entendi dever colocar à Mesa e à Assembleia questões que eram urgentes serem colocadas, uma vez que não me era dada a palavra para responder ao Governo, e era ao Governo que entendíamos dever responder.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, antes de passarmos adiante, cumpre-me comunicar-lhes o seguinte: em Conferência dos Presidentes dos Grupos Parlamentares assentou-se e discutiu-se o problema do tempo com que estamos confrontados para a discussão dos dois pontos agendados na ordem do dia e que são objecto das duas sessões plenárias marcadas em Comissão Permanente. Chegou-se, nessa reunião, à conclusão unânime de que a Comissão Permanente convocou esta Assembleia com o objectivo de apreciar a proposta de lei em debate e a proposta e o projecto de lei, do PS, sobre a delimitação das actuações da administração central, regional e local em matéria de investimentos.
Nessas circunstâncias, entendeu-se também que a Assembleia era plenamente soberana e competente para, sem alterar a ordem do dia - respeitando-a na íntegra- e face à falta de tempo com que estamos confrontados, marcar uma sessão que funcionará amanhã.
Entendeu-se, porém, que a deliberação dos presidentes dos grupos parlamentares devia ser formalmente sancionada e portanto ratificada por uma deliberação do Plenário. É isto que se submete desde já à votação da Assembleia.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, não há possibilidade, antes de se proceder à votação, de cada grupo parlamentar definir a sua posição perante o Plenário?
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, na Conferência dos Presidentes dos Grupos Parlamentares estabeleceu-se o consenso de que votaríamos em Plenário esta deliberação, e esta necessidade de votar é apenas para formalizar e ratificar, pela competência única e soberana do Plenário, a decisão nesse sentido. Foi isso que ficou assente na Conferência dos Presidentes dos Grupos Parlamentares.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, a nossa posição não é bem essa. Nós entendemos que o Plenário é legítimo para fazer a convocação da uma nova sessão suplementar para amanhã e aceitamos o pró-juízo de todos os prazos regimentais. No entanto, em termos políticos, a nossa posição sobre a convocação da sessão para amanhã não é no sentido de a apoiar com um voto positivo.
O Sr. Presidente: - Desculpe, Sr. Deputado, mas o consenso foi estabelecido na Conferência dos Presidentes dos Grupos Parlamentares que convoquei e que se realizou na manhã, de hoje.
O Orador: - Sr. Presidente, a nossa posição é a de que entendemos que, constitucionalmente, é legítimo que o Plenário convoque uma sessão para amanhã.
O Sr. Presidente: - É isso mesmo, Sr. Deputado.
O Orador: - Mas o nosso voto político não é positivo. Por isso terei de o explicar.
Se o Sr. Presidente me permitir que explique a posição do nosso voto antes de procedermos à votação, será tudo muito mais claro. Senão explicarei depois em declaração de voto.
O Sr. Presidente: - Então se V. Ex.ª quiser desde já usar da palavra, faça favor. Dispõe de três minutos.
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O Sr Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Entendemos que o Plenário tem legitimidade para fazer a convocação de uma nova sessão suplementar para amanhã e, pela nossa parte, prescindimos de todos os prazos. Esta nossa atitude resulta da interpretaçâo que agora fazemos da Constituição e do Regimento, muito embora não tenha sido até agora essa a praxe da Assembleia da República. Entretanto, relativamente à convocação de uma sessão plenária para amanhã, não queremos impedir que tal aconteça. Por isso, não votamos a favor, nem contra; vamo-nos abster porque pensamos que essa é uma forma de reparar a forma desorganizada como tem estado a funcionar a Assembleia da República por responsabilidade da AD ...
Vozes do PSD: - O Sr. Deputado! ...
O Orador: -..., por responsabilidade da maioria. Já em Maio passado, dadas as matérias pendentes, preconizámos a necessidade de a sessão legislativa se prolongar e a AD não quis. Agora estamos a ver, que isso era necessário, que era absolutamente imprescindível. Também não podemos concordar que esta.
matéria tenha sido inscrita, que outra matéria seja inscrita para amanhã e que entretanto tenham sido preteridas matérias que gozavam de prioridade regimental, como, por exemplo, as novas tabelas da função pública, os contratos a prazo, ...
Vozes do PSD: - Outra vez? Isso é cassette!
O Orador: - ... os tribunais administrativos.
Não podemos, pois, concordar que tudo isso tenha sido preterido em nome dos interesses da AD para se discutir um conjunto de questões que não são, do nosso ponto de vista, as que mais interessam ao País. Neste termos, a nossa posição é a de abstenção. Este episódio é também uma ilustração do que é a AD a conduzir os trabalhos da Assembleia da República. A AD não serve no Governo, assim como também não serve, como maioria, na condução dos trabalhos da Assembleia da República pois conduz permanentemente a estas situações. Lamentamos esse facto.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, recordo que na Conferência dos Presidentes dos Grupos Parlamentares que regimentalmente convoquei e na qual se estabeleceu consenso, no sentido que esta palavra implica de decisão unânime, ...
Uma voz do PSD: - Muito bem!
O Orador: ... a deliberação foi a seguinte: o Plenário convocará, excepcionalmente e sem estabelecer precedente no que diz respeito a não haver período de antes da ordem do dia, uma nova sessão para amanhã, dia 9, com início às 10 horas e com o encerramento quando terminarmos de discutir os pontos agendados.
O Sr. Sousa Marques (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr, Sousa Marques (PCP): - Sr. Presidente, é só para esclarecer que fui eu o representante do Grupo Parlamentar do PCP na Conferência dos Presidentes dos Grupos Parlamentares e que não só nessa reunião a que o Sr. Presidente se refere, como na reunião que acabámos de realizar ainda há pouco, reunião presidida também pelo Sr. Presidente da Assembleia de República, referi expressamente que não inviabilizaríamos a realização da sessão de amanhã - referi isso expressamente e que, portanto, não seria por nossa culpa que essa reunião não se faria, mas que o nosso compromisso não excedia estes exactos limites que referi quer na reunião desta manhã, quer na reunião desta tarde, quer ainda agora aqui no Plenário, perante o Sr. Presidente e todos os Srs. Depurados.
O Sr. Presidente: - A distinção é subtil, Sr. Deputado. Não foi nesse sentido que a Mesa a interpretou. Considero, em todo o caso, e para não perdermos mais tempo, desnecessário estarmos aqui a discutir o valor das afirmações de cada um de VV. Ex.ªs Sr. Deputado Magalhães Mota, tinha pedido a palavra?
O Sr. Magalhães Meta (ASDI): - Sr. Presidente, penso que se poderia passar de imediato à votação visto que quando pedi a palavra era para abordar outro assunto que não este e o mesmo não perderá a oportunidade se for abordado depois.
O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Sr. Presidente, peço muita desculpa mas queria interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
« O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Sr. Presidente, compreendo perfeitamente que V. Ex.ª tenha tido a delicadeza de não responder ao Sr. Deputado Sousa Marques aquilo que possivelmente ele não gostaria de ouvir.
Acabo de vir de uma reunião dos presidentes dos grupos parlamentares onde o Sr. Deputado Sousa Marques passou a reunião inteira a dizer que a discussão deste problema devia passar para amanhã e agora vem para aqui dizer que não concorda com a reunião de amanhã. Isto ultrapassa um pouco a capacidade de compreensão do meu partido. Não se pode andar num sítio a dizer uma coisa e vir depois para o Plenário desmentir-se a si próprio. Isto é de mais, pelo que não estou disposto a deixar passá-lo em claro.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Borges de Carvalho, peço-lhe o favor de não eternizar esta situação.
O Sr. Sousa Marques (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Sousa Marques, V. Ex.ª já definiu a sua posição. Vamos votar imediatamente e não vamos discutir mais o que se passou aqui ou acolá.
O Sr. Sousa Marques (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra.
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O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Sousa Marques, tenha paciência, mas vamos proceder de imediato à votação, porque temos ainda muito trabalho à nossa frente.
O Sr. Sousa Marques (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Para que efeito deseja usar da palavra, Sr. Deputado Sousa Marques?
O Sr. Sousa Marques (PCP): - Sr. Presidente, fui ofendido pessoalmente pelas palavras do Sr. Deputado Borges de Carvalho.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado. Dispõe de dois minutos.
O Sr. Sousa Marques (PCP): - Obrigado, Sr. Presidenta.
O culpado deste incidente não posso ser eu nem posso ser acusado de o ser. Naturalmente que o culpado deste incidente é o deputado que ofende, é o deputado que deturpa.
Na Conferência dos Presidentes dos Grupos Parlamentares discutimos duas coisas completamente diferentes. Uma, é a que diz respeito à matéria que vai ser imediatamente votada e que ficou finalmente esclarecida depois da intervenção do Sr. Presidente e de uma ligeiríssima correcção que eu próprio fiz. A outra, diz respeito ao debate que está em curso nesta Assembleia sobre o qual manifestámos, aliás como todos os outros grupos parlamentares, a nossa opinião, e o Sr. Deputado Borges de Carvalho, por uma razão que prescindo de classificar mais do que mesquinha, vem aqui trazer uma questão que não tem nada a ver com a matéria que se estava para votar.
É perante estes métodos é perante estes processos, é perante esta forma de confundir não só os deputados desta Assembleia mas até a própria opinião pública que acompanha estes trabalhos que protesto veementemente.
O Sr. Roleira Marinho (PSD): - Não é confundir, é esclarecer!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Sousa Marques, a Mesa entende a sua intervenção como um contraprotesto ou como um uso do direito de defesa se quiser -, mas não como um protesto, porque não resulta daí o direito de mais ninguém usar da palavra.
O Sr. Deputado Sousa Marques falou em termos de opinião pública. Parece-me oportuno perder mais um minuto para que se diga e espero ao menos aí ter a concordância de todos VV. Ex.ªs que somos os representantes de um povo que vive em democracia. Saibam as pessoas que este tipo de discussão, o calor que às vezes aqui se encontra que, a olhos menos prevenidos e a gente menos treinada na prática da democracia, pode parecer indisciplina e falta de operacionalidade, é o custo glorioso da liberdade, é o preço da democracia. Se assim não for, é a paz dos cemitérios, é a ausência completa de liberdade.
Aplausos do PSD, do PS, do CDS, do PCP, do PPM da ASDI e da UEDS.
O Sr. Presidente: - Como disse, impõe-se que este Plenário ratifique, por voto soberano, a deliberação de convocar uma sessão plenária para amanhã.
Vamos então votar a deliberação da Comissão Permanente para a realização, amanhã, de uma sessão plenária.
Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD, do PS, do CDS, do PPM, da ASDI e da UEDS e com as abstenções do PCP, do MDP/CDE e da UDP.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, deste modo, convoco para amanhã, às 10 horas, uma sessão plenária na qual, sem que constitua precedente e a título excepcional, não haverá período de antes da ordem do dia.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.
O Sr. António Vitorino (UEDS): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Como já foi referido pelo meu colega de bancada Lopes Cardoso, cabe-me apreciar as implicações da presente proposta de lei de autorização legislativa face à possível adesão de Portugal ao Mercado Comum.
O Governo explicitou claramente, pela voz do Sr. Ministro de Estado Basílio Horta, que a «liberalização» da comercialização de cereais não foi apresentada pela Comissão das Comunidades Europeias como uma questão essencial em função da possível entrada de Portugal para o Mercado Comum.Com efeito, que tenhamos conhecimento, o parecer apresentado pela Comissão das Comunidades ao Conselho de Ministros sobre o pedido de adesão de Portugal refere tal matéria, ao contrário do que se verifica com o equivalente parecer dado pela mesma entidade sobre o pedido de adesão da Espanha, referindo-se neste último documento que citei, e taxativamente, os casos dos monopólios do tabaco em folha e manufacturado e o do petróleo bruto e dos produtos petrolíferos. Cumpre, pois, registar que nunca os negociadores da CEE atribuíram relevo marcado a esta temática, a ponto de ela nem figurar no parecer inicial da Comissão referente à nossa adesão. As razões determinantes deste pedido de autorização legislativa situam-se, pois, no estrito plano do cumprimento do programa governativo, segundo disse o Sr. Ministro do Estado, e o Governo apenas aduz a latere a problemática da compatibilização destes mecanismos com a prática da concorrência vigente na CEE, mais ao jeito de consideração suplementar.
Esta atitude do Sr. Ministro de Estado, assumida perante a Câmara, não deixa de contrastar com a nota justificativa que nos foi endereçada pelo Ministério do Comércio e Turismo, onde se afirma a clara prevalência das imposições da CEE quanto à liberalização do regime de comercialização do açúcar e do álcool, quando é sabido que apenas ó álcool foi objecto de referência expressa do parecer da Comissão das Comunidades Europeias sobre o nosso pedido de adesão.
O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Muito bem!
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O Orador: - Por outro lado, não deixa de ser preocupante a ligeireza com que o Governo, em função deste pedido de autorização legislativa e da alteração do Estatuto da AGA, que o Sr. Ministro do Comércio promete ter em carteira, interpreta o disposto no artigo 37.º do Tratado de Roma e a interpretação que faz das próprias disposições comunitárias sobre concorrência em geral.
Importa recordar aqui os termos cautelosos em que os próprios fundadores da Comunidade Económica Europeia redigiram o preceito do Tratado de Roma, nomeadamente quando se referem a um período de transição tendente à adaptação dos monopólios comerciais dos Estados membros aos ditames da livre circulação de mercadorias, por um lado, e, por outro, à aplicação do princípio da não discriminação sobre que assenta o edifício comunitário. Aos países da Comunidade levou cerca de vinte anos a definir uma política de adaptação dos seus mercados internos ao regime previsto no artigo 37.º. O Governo nem precisa de noventa dias!
Com efeito, ao longo destes últimos vinte anos, a interpretação e aplicação do artigo 37.º tem sus: citado diversas dificuldades e quer a Comissão, quer o Tribunal da Justiça das Comunidades têm dado sobejas provas de que estas matérias devem ser objecto de decisões ponderadas e sobretudo adaptadas no tempo e à conjuntura económica concreta.
A interpretação no sentido mais radical do mecanismo previsto no artigo 37.º do Tratado de Roma, no sentido da supressão de todos os monopólios estaduais de comercialização que usufruam de uma posição que se possa considerar de abuso de posição dominante - e não são apenas monopólios que tenham uma posição dominante, mas monopólios que tenham uma posição de abuso de posição dominante - quer por parte da Comissão traduzidas em recomendações formuladas aos Estados membros, e apenas recomendações, quer em termos de decisões do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias é extremamente recente.
Com efeito, só nas sentenças posteriores a 1976 é que o Tribunal de Justiça se tem pronunciado no sentido da imposição da adaptação dos monopólios de comercialização às regras de concorrência em vigor nas comunidades, nomeadamente ao abrigo do artigo 37 % do Tratado de Roma. Para quem conheça a experiência da integração europeia vigente no âmbito da CEE sabe que recomendações da Comissão e que jurisprudência do Tribunal de Justiça apenas com cinco anos de vigência não se pode considerar como matéria suficientemente sedimentada no quadro comunitário.
O Sr. Carlos Lage (PS): - Muito bem!
O Orador: - A adicionar à natureza recente desta jurisprudência importa sublinhar, por um lado, o reconhecido melindre político que reveste este tipo de imposições para os Estados membros a ponto de se poderem citar ainda diversos exemplos actuais em França, na Grã-Bretanha, na Itália de situações de monopólios de comercialização estaduais, consentidos tacticamente pelas instituições comunitárias.
Mas para além dos condicionalismos complexos e difíceis que envolve a própria aplicação do artigo 37.º, não nos podemos esquecer que, no caso vertente, trata-se de proceder à aplicação das regras atinentes à política de concorrência da CEE a um domínio particularmente sensível e melindroso no quadro comunitário, como seja o dos produtos agrícolas.
É que, ao tratarmos de produtos agrícolas, em função do próprio Tratado de Roma, teremos de fazer apelo sobretudo ao regime especial previsto nos artigos 38.º e seguintes, que contêm disposições específicas tendendo à transformação das organizações nacionais de mercado em organizações de mercado comunitárias.
Como é entendimento maioritário da doutrina, os casos referentes a produtos agrícolas não estarão, em princípio, abrangidos pelo disposto no artigo 37.º, conclusão para que, aliás, a própria interpretação do parágrafo 4 deste mesmo artigo. Neste contexto torna-se evidente que a definição das regras referentes à política da concorrência no quadro comunitário no concernente aos produtos agrícolas depende menos do disposto do artigo 37.º, mas mais e sobretudo da sua compatibilização com a política agrícola comum em termos integrados, o que só é possível verdadeiramente fazer em termos plenos quando Portugal usufruir do estatuto de Estado membro e não no quadro actual de negociação da adesão. Parece-nos, pois, que o Governo se- assume mais papista do que o próprio Papa. E provavelmente, subjacente a esta iniciativa legislativa, não há nada de santificado e várias coisas cheiram a esturro.
Sr. Presidente, Sr.ª e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Das considerações atrás expendidas resulta com maior evidência a perplexidade que nos causa a ânsia deste governo em adaptar num curto espaço de tempo, os mecanismos de comercialização dos cereais a uma dada interpretação que, ainda por cima, reputamos parcial quer das posições do Tratado de Roma no que diz respeito ao artigo 37.º, quer da política de concorrência no seu conjunto.
Com a presente autorização legislativa o Governo vem-nos dizer sem margem para dúvida que, num domínio tão melindroso no quadro da CEE e em matéria tão sensível para a agricultura portuguesa e para a economia nacional - veja-se, por exemplo, o caso da relevância que tem a liberalização do preço do milho que, ao determinar por incorporação, o preço das "rações para o gado, não deixará de se reflectir nos aumentos do preço da carne e do leite, por exemplo, que são matérias extremamente sensíveis no quadro comunitário e que nunca foram objecto de disposições de natureza mecanicista - com a presente autorização legislativa, dizia eu, o Governo vem-nos dizer, e é preciso que assuma essa responsabilidade perante a Câmara, que abdica voluntariamente da definição de um período de transição suficientemente adaptado às condições objectivas da nossa situação económica. Período de transição que, como explicita a própria letra do artigo 37.º, garanta uma adaptação progressiva e segura dos mecanismos de comercialização naquelas áreas em que existem monopólios nacionais com carácter comercial que desfrutem de um abuso de posição dominante.
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Trata-se, pois, entre nós e o Governo, de uma divergência assente num juízo de oportunidade política, por um lado os Srs. Membros do Governo apressam-se, nós seríamos mais prudentes e mais cautelosos nesta matéria -, e, por outro lado, separa-nos do Governo uma divergência quanto à própria lógica das negociações com a Comissão das Comunidades Europeias. Numa jogada de antecipação, o Governo pretende assimilar as regras de concorrência vigentes nas comunidades, abdicando voluntária e cordatamente de um período de transição pragmático e realista. Com esta atitude, o Governo não salvaguarda as posições dos agentes económicos nacionais, sejam públicos, sejam privados, face à voragem moageira dos grandes empórios multinacionais.
Esta ânsia frenética do Governo em liberalizar o regime de comercialização dos cereais não pode ter como álibi as disposições do Tratado de Roma ou a adaptação da ordem jurídica interna ao acquis comunitário. As explicações, para esta pressa, como já foi sublinhado pelo meu camarada Lopes Cardoso e por outros colegas da bancada da FRS, os Srs. Deputados Magalhães Mota e Manuel da Costa, terão de ser encontradas noutros domínios e na defesa de outros interesses que não os interesses nacionais.
Não poderão por isso contar com a nossa conivência para mercandejar com o interesse nacional.
Aplausos da UEDS e do PS.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Magalhães Mota, cumpre à Mesa pedir-lhe desculpa porque V. Ex.ª tinha há pouco pedido a palavra. Na altura apercebi-me do facto mas depois, inadvertidamente, não lha concedi.
O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Com certeza, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - No entanto, Sr. Deputado Magalhães Mota, gostaria que me dissesse para que efeito é que V. Ex.ª pede a palavra, É para se pronunciar em relação à intervenção que acabou de ser feita pelo Sr. Deputado António Vitorino, ou por alguma outra questão?
O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Sr. Presidente, pedi a palavra há já bastante tempo com o fim de dar uma resposta quer à intervenção do Sr. Deputado José Vitorino, quer à do Sr. Deputado Carlos Brito.
O Sr. Presidente: - Estão inscritos para formular pedidos de esclarecimento ao Sr. Deputado António Vitorino os Srs. Deputados Mário Lopes e Luís Beiroco.
No entanto, com a autorização que, suponho, estes dois Srs. Deputados darão, vou conceder de imediato a palavra ao Sr. Deputado Magalhães Mota, na certeza de que V. Ex.ª usará dela sem reabrir a discussão que depois motivou a intervenção do Sr. Deputado José Vitoriano.
O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Longe de mim pôr em causa a atitude ou a isenção com que o Sr. Deputado José Vitoriano exerceu a presidência da Mesa.
O sentido da minha intervenção, e daí a necessidade deste esclarecimento, era o de, pelo facto de a Mesa não respeitar rigorosamente a ordem das inscrições, isso poder ser objecto de qualquer suspeição. Portanto, pretendi intervir no sentido de evitar, e não no sentido de imputar, qualquer acusação - longe de mim fazê-lo ao modo como o Sr. Deputado José Vitoriano dirigiu os trabalhos.
Era, pois, esta explicação que me senti no dever de dar. Tive muito gosto em a fazer, ainda que tivesse sido nesta altura.
O Sr. Presidente: - Tem agora a palavra o Sr. Deputado Mário Lopes.
O Sr. Mário Lopes (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ouvi a intervenção do Sr. Deputado António Vitorino, na qual refere que este novo regime de comercialização dos cereais tinha como ponto principal, ou, mais concretamente, como vector apontado para a Europa, a nossa entrada no Mercado Comum.
É evidente que ainda estamos distantes dessa entrada no Mercado Comum. Mas, na minha concepção, parece-me que não será desaconselhável - e por conseguinte perfilho perfeitamente a intenção do Governo criar mecanismos que possam desde já começar a proceder a adaptações, tanto no que diz respeito ao sector produtivo como no que diz respeito ao sector da transformação.
Por conseguinte, parece-me que o Sr. Deputado António Vitorino fugiu um bocadinho do que está apenso ao pedido de autorização legislativa. É-lhe apresentado um projecto de decreto-lei em que são definidas regras concretas para a comercialização de cereais, em que vão dar-se os primeiros passos e, por conseguinte, se vai criando uma mentalização de como, no futuro, poderemos entrar no Mercado Comum sem ter um colapso tão produtivo como um colapso de mercado.
Gostaria de perguntar ao Sr. Deputado António Vitorino se o diploma que está apenso ao pedido de autorização legislativa não é o suficiente para demonstrar que, capciosamente, não está nada encoberto, como se tem vindo a denunciar durante o debate. Parece-me, Sr. Deputado, que no projecto de decreto-lei está expresso que o Governo apresenta normas de concorrência. Também aí é definido que o regime de comercialização de cereais se vai processar este ano num determinado prisma, é demonstrado como é que vão ser feitas as quotas de importação. Portanto, Sr. Deputado, parece-me que não há mais nada a opor neste aspecto.
Assim, gostaria que me informasse se o Sr. Deputado concorda ou não com as normas de concorrência que aqui estão expressas.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Beiroco.
O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Sr. Deputado António Vitorino ouvi com muita atenção a sua intervenção. Compreendi perfeitamente as posições que, num plano jurídico, assumiu quanto à interpretação de alguns artigos do Tratado de Roma, pois não há dúvida de que encontram um certo apoio na doutrina.
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No entanto, a questão que gostaria de lhe colocar é a seguinte: se é certo que o artigo 37.º do Tratado de Roma faz depender a reorganização de certos monopólios comerciais do fim do período de transição, o Sr. Deputado sabe perfeitamente -pelo menos nessa matéria sabe tanto como eu, se não souber mais que a posição portuguesa quanto ao dossier de agricultura - isto é, reportando-me a um relatório que foi divulgado pela Comissão Parlamentar de Integração Europeia e pelo grupos parlamentares em Junho de 1980, pela então Secretaria de Estado da Integração Europeia não fazia depender, neste caso, de nenhum período transitório a aceitação de Portugal do pleno funcionamento dos mecanismos comunitários.
Ora, é evidente que posso admitir que se possa discutir a estratégia que o Governo Português tem seguido na negociação. Contudo, sabemos perfeitamente que os períodos transitórios são diversos, conforme os sectores, e sabemos também que o pedir períodos transitórios muito longos, em muitos sectores, enfraquece globalmente a posição de Portugal.
Portanto, gostaria de saber se o Sr. Deputado considera que, casuisticamente e perante este caso concreto, se pode discutir a inoportunidade desta iniciativa legislativa do Governo sem se ter em conta á estratégia global da negociação. Isto é, se realmente o Governo, por razões da economia da sua posição negocial, não tenciona pedir aqui um período de transição - penso que neste caso é perfeitamente oportuna esta iniciativa legislativa - uma vez que o facto de pôr em funcionamento os novos mecanismos do mercado dos cereais vai demorar algum tempo. Portanto, não será nas vésperas da adesão que será possível implementar todo esse sistema.
O Sr Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino, que dispõe regimentalmente de 6 minutos.
O Sr. António Vitorino (UEDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Mário Lopes: Queria responder sinteticamente ao seu pedido de esclarecimento no seguinte sentido: é claro que o regime previsto no projecto de decreto-lei apresentado em anexo pelo Governo é a opção que este Governo tem da assimilação na ordem jurídica interna das regras da concorrência vigentes na Comunidade Económica Europeia. Não vou agora descer ao pormenor de lhe dizer quais dessas regras, em meu entender, são plenamente compatíveis com o ordenamento jurídico comunitário e quais são aquelas que podem ser passíveis de crítica.
Na minha intervenção, onde pus o acento tónico não era tanto sobre as virtualidades ou sobre os defeitos do projecto de decreto-lei em função do regime de concorrência vigente na Comunidade Económica Europeia, mas sim num estádio prévio que tem a ver com o facto de neste momento e na minha perspectiva - mesmo para quem defenda a adesão plena ao Mercado Comum - não me parecer ser um domínio onde se justifique uma tomada de posição tão precipitada por parte do Governo no sentido de admitir desde já na ordem jurídica interna a plena vigência das regras de concorrência vigentes na Comunidade Económica Europeia, tendo em linha de conta e aqui faço a transição para a resposta ao Sr. Deputado Luís Beiroco o seguinte aspecto é que se há algum domínio de questões onde me parece plenamente justificado que em termos de estratégia de negociação a parte portuguesa faça sentir a necessidade de obter períodos de transição longos é no domínio da agricultura.
Ora, não me parece que seja possível defender coerentemente a obtenção de um período de transição nos vários sectores da agricultura sem considerar também o sector da comercialização dos cereais, porque não se trata de um qualquer sector do domínio agrícola, mas sim de um sector fundamental.
Nesse sentido, o Sr. Deputado Luís Beiroco - que, aliás, é um especialista que eu muito aprecio em matéria de integração europeia não pode deixar de reconhecer que a questão dos cereais está intimamente ligada com o entendimento que a parte negociadora portuguesa faz da política agrícola comum, no seu conjunto.
Ora, se tivermos em linha de conta que o último relatório da Comissão das Comunidades Europeias, no exercício do célebre mandato de 30 de Maio, introduz algumas alterações ao regime comunitário, exactamente no domínio da fixação do regime dos preços dos cereais, pergunto-me se as regras previstas no projecto de decreto-lei não correm já, neste momento, o risco de serem contrárias às disposições comunitárias que vierem a sair do trabalho que a Comissão das Comunidades Europeias está neste momento a fazer com vista a reformular o sistema da fixação dos preços dos cereais em função da nova óptica com que foi encarada a política agrícola comum após a aprovação, pelo Parlamento Europeu, do célebre Relatório PLUMB.
Portanto, há aqui uma divergência de natureza política quanto à oportunidade e quanto à estratégia de negociação.
Como o Sr. Deputado Luís Beiroco referiu, e muito bem, o facto de a posição negocial portuguesa que foi divulgada à Comissão de Integração Europeia em Junho do corrente ano - não prever que para este domínio houvesse um período de transição, é, em meu entender, um erro da parte negocial portuguesa, porque este era um dos domínios onde se justificava que Portugal tivesse garantido um período de transição.
Reconheço que o Sr. Deputado tem razão num ponto, pois é óbvio que os períodos de transição são difíceis para os países aderentes. Isso é um facto. Portanto, em termos de técnica negocial é preciso dosear os pedidos de períodos de transição.
No entanto, não podemos deixar de reconhecer que, dada debilidade estrutural da economia portuguesa, no seu conjunto, mas especificamente no sector agrícola - provavelmente no sector dos cereais que é um sector de verdadeira ramificação porque a evolução dos preços no sector cerealífero influi na evolução dos preços de outros sectores não apenas de natureza agrícola, como por exemplo, na agro-pecuária -, havia uma razão suficientemente onerosa, suficientemente pesada, da parte negocial portuguesa para ter exigido um período de transição.
Não me parece correcto que se venha a argumentar que porque Portugal não pediu um período de transição agora o melhor é adaptar rapidamente o mercado interno às regras de concorrência comuni-
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tária. Não, o dossier de agricultura não está encerrado. Pelo contrário, está ainda numa fase difícil, onde ainda é possível repensar as atitudes negociais assumidas pela parte portuguesa. Nesse sentido, penso que, em termos de estratégia de negociação, reforçaria a nossa posição o facto de se rever a posição sobre essa matéria.
Finalmente, direi que a divergência que existe sobre esta matéria é de oportunidade política mas tem a ver com a concepção política que cada força tem sobre o funcionamento económico interno. O Sr. Deputado Magalhães Mota já sublinhou nesta Câmara, com raro brilhantismo, onde é que de facto estão os pontos de clivagem. E, em nosso entender, esta medida está inserida numa lógica de leitura hiperliberalista das próprias disposições comunitárias, das próprias disposições do Mercado Comum.
Ora, não é essa a leitura que fazemos do Tratado de Roma, não é essa a leitura que fazemos da Constituição da República Portuguesa, não é a essa a leitura que fazemos do sistema económico nacional.
Vozes da UEDS, do PS e do Sr. Deputado Magalhães Mota (ASDI): - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está inscrito para uma intervenção o Sr. Deputado Castro Caldas. Contudo, como estamos a cinco minutos da hora a que normalmente se faz o nosso intervalo regimental, antecipo-o de cinco minutos, o que, obviamente, implica também que se antecipe de cinco minutos o recomeço dos trabalhos.
Está suspensa a sessão por trinta minutos.
Eram 17 horas e 25 minutos.
O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão. Eram 18 horas e 5 minutos.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Castro Caldas.
O Sr. Castro Caldas (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Solicitou-me a direcção do meu grupo parlamentar o regresso à Assembleia para intervir neste debate. Se por momentos hesitei em fazê-lo, por várias razões atenta a celeuma em torno do tema, decidi-me afinal a comparecer; os meus eleitores serão os juízes da recta intenção que me move ao depor agora, pelo que aos costumes começarei por dizer que desempenho presentemente as funções de administrador na Companhia Industrial de Portugal e Colónias S. A. R. L., sociedade em que o sector público detém participação maioritária na estrutura do capital, e que está directamente interessada no processo de modificação do regime cerealífero. Falo, pois, com algum conhecimento de causa, sem que, porém, o interesse me impeça de defender um novo regime jurídico porque entendo ser ele o mais conveniente para os interesses da produção, dai indústria, do consumo e do País.
Em relação à acusação que o Sr. Deputado Carlos Brito há pouco me atirou, dizendo que eu estava neste debate como advogado, devo dizer que ser advogado é a minha arte, dela me honro e deponho com conhecimento de causa, convicto, de que é justa a causa que vou defender.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador - Dito isto, que me parecia questão prévia importante, entro no âmago do debate e referir-me-ei tão-somente à questão cerealífera, relembrando um pouco da história.
No presente século, a questão cerealífera portuguesa permaneceu sempre acesa, sempre em crise, no centro de permanentes polémicas e convulsões sociais, entre debates parlamentares, intervenções militares, proteccionismo do Estado, mitos, demagogia e tutelas de interesses particulares.
Já a 14 de Abril de 1920, numa interpelação parlamentar dirigida ao Ministério da Agricultura, se acusava a panificação de defraudar o consumo pela utilização das possibilidades que a existência de dois tipos de farinha, relacionada com a de dois tipos de pão, proporcionava.
Cunha Leal, intervindo nesse famoso debate, denunciava os abusos lucrativos das moagens, denunciando igualmente os erros da política do pão barato, depois apelidado de «pão político».
Este debate candente era acompanhado na imprensa e sobretudo no jornal O Século, que dava eco à contundente intervenção parlamentar de Cunha Leal: «[...] pretendo que se cortem a um polvo que tudo quer absorver na sociedade portuguesa alguns dos seus tentáculos. De facto, a guerra permitiu, com o auxílio da fraude, reunir nas mãos da moagem capitais disponíveis enormes. A pouco e pouco, os moageiros começaram a alargar o seu campo de operações. Eles são hoje os senhores, entre outras coisas, do seguinte: moagem, panificação, indústria de bolacha, fabrico de massas, energia hidráulica, minas de carvão, metalurgia, indústria de fiação etc. O seu poder tornou-se estranho, compraram jornais políticos e não políticos, e manobram assim, à vontade, a consciência pública». Isto dizia Cunha Leal.
Ao aludir-se, no decurso do debate, à estranha paralisia que atacava uma comissão parlamentar de inquérito ao extinto Ministério dos Abastecimentos, estabeleceu-se tumulto com evacuação das galerias e demitiu-se o presidente da dita comissão, o deputado Vaz Guedes. A pressão política obrigou o governo a legislar durante o debate no sentido de unificar um único tipo de pão, fixando o diagrama das farinhas e de sêmeas e o preço de fornecimento dos trigos às moagens.
No final do debate, o deputado socialista Ladislau Batalha, podia concluir amargamente que, a final de tudo, o pão ficava mais caro e pior. E disse: «a interpelação acerca do pão degenerou nas usuais diatribes sobre o Ministério dos Abastecimentos. De tipo duplo passou-se ao tipo único, e o público, que julgava que o Parlamento estava tratando dos seus interesses, viu, afinal, que o tipo único significava pão mais caro e pior». Salazar, nessa época, em Coimbra, analisava catedraticamente a crise das subsistências e preparava meticulosamente o seu projecto político.
Estava difundida a imagem do escândalo das moagens, da impotência do regime e do Parlamento, e criadas as condições psicológicas para a acção das espadas.
Era imperioso libertar a Nação da tutela estrangeira, das tradings ricas e poderosas, que, conluiadas com os «moageiros ladrões», davam origem a pão
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cada vez mais caro e de pior qualidade. A opinião pública estava mobilizada e seria posta ao serviço da «ideologia nova».
Sectorialmente ela consistia em produzir trigo nacional.
As espadas encontraram o executor após o 28 de Maio e o coronel Linhares de Lima lançou a famosa «Campanha do Trigo». Campanha que consistiu, sem dúvida, numa formidável movimentação de massas capazes de fazer inveja ao PCP, com recurso a novas técnicas importadas, sobretudo de Itália fascista, utilizando um vasto parque de máquinas obtido com as indemnizações de guerra alemãs, recebendo suporte teórico da generalidade dos agrónomos portugueses e mobilizando milhares de ceareiros que, agarrados à rábica dos arados, desbravaram montados até locais de inacreditável acesso na serra algarvia.
Só a voz corajosa e solitária de Azevedo Gomes se levantou para advertir dos calamitosos resultados de desertificação e da degradação do fundo de fertilidade dos solos.
Mas que importava a voz de um homem do «passado» da «balbúrdia democrática», se o resultado da campanha era, nesse ano fatídico de 1929, um enorme aumento da produção? Ninguém estava preparado para isso. Não havia silos, nem celeiros. A ditadura pretendeu impor à indústria o recebimento do excesso de produção. A indústria protestava e continuava a reclamar autorizações para importar trigos exóticos para lotar a sua farinha. Mas, para o coronel Linhares de Lima não havia resultados negativos. As dificuldades eram criadas pelo maogeiro especulador, que persistia em querer auferir lucros no comércio da importação e recusava a evidência da obra da Revolução Nacional que a propaganda glorificava. Era necessário criar um novo mito. O mito do Estado protector da lavoura.
E assim nasceu a Federação Nacional dos Produtores de Trigo, criada pelo Decreto-Lei n.º 22 871, de Julho de 1933- Estabelecia-se a sindicalização obrigatória dos produtores e impunha-se-lhe uma direcção superior do Estado, considerada legítima e justificável, porquanto a vida do produtor de trigo estava, pela sua natureza, intimamente ligada à vida do próprio trigo, e este não tinha liberdade: vivia ao abrigo de uma legislação proteccionista inteiramente condicionada pela intervenção do Estado. Este o preâmbulo do decreto criador da Federação Nacional dos Produtores de Trigo.
Este intervencionismo estatal conduz o sistema à criação da Federação Nacional dos Industriais de Moagem, em Julho de 1934, e do Instituto Nacional do Pão, em Agosto de 1936.
O sistema funcionava então com alguma lógica intrínseca, interligando os organismos de intervenção económica, que eram ao tempo, as comissões reguladoras, podendo alguns alegar em seu favor que os interesses tinham alguma representação e que os preços apareciam controlados, após salutar dosagem de compromisso.
Porém, em 1972 é introduzida no sistema uma monstruosa alteração.
É criado o Instituto dos Cereais, ao qual foram atribuídas as funções coordenadoras e disciplinadoras da produção, transformação e comercialização de cereais, sementes forraginosas, farinhas, sêmolas, pão e produtos afins, massas alimentícias, bolachas e biscoitos e, em geral, produtos e subprodutos das indústrias transformadoras alimentares dos sectores coordenados.
Ao Instituto foram ainda incumbidas funções de assegurar o abastecimento, e ainda orientar a produção, bem como pronunciar-se sobre o regime de condicionamento industrial.
E ainda propor preços e condições de venda dos produtos; e importar cereais nas quantidades necessárias ao abastecimento; e ainda lhe são cominadas, mais tarde, funções de coordenação, disciplina e intervenção económica da extinta Federação Nacional das Industrias de Moagem e dos Grémios de Panificação e do Arroz.
Estava criado, e de pé, finalmente, um sistema integrado de corporativismo de Estado de tipo fascista, que a revolução socialista de 25 de Abril de 1974 não só deixou incólume como adoptou como filho seu. Les beaux esprits se rencontrent.
Pelo Decreto-Lei n.º 673/76, de 4 de Agosto, o Instituto foi cindido em duas empresas públicas: a EPAC e o ICEP.
À EPAC ficou incumbida a competência do Instituto quanto à área comercial e ao ICEP ficaram cometidas atribuições de carácter técnico.
Porém, o Decreto-Lei n.º 551/77, de 31 de Dezembro, veio a extinguir o ICEP, sendo as suas funções transferidas para o Instituto de Qualidade Alimentar e para a Direcção-Geral das Indústrias Alimentares.
Este calvário histórico, que se impunha relembrar para um correcto diagnóstico da realidade, leva-nos a constatar que o sistema jurídico económico de comércio de cereais, cuja paternidade remonta às espadas de 28 de Maio, tem hoje como continuadores e defensores algumas das espadas de 25 de Abril, assim como os crentes nos modelos de economia planificada de controle de Estado, onde a crise de subsistências grassa endemicamente, fruto dos erros acumulados, dos modelos colectivistas de produção agrícola e de comercialização.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - A ignorância é livre!
O Orador: - Ocorre igualmente constatar que Portugal ombreia presentemente o seu sistema de comércio de cereais com o Egipto, as Ilhas Maurícias, o Madagáscar, o Sri Lanka, a Coreia do Norte, o Vietname, a China, a Argélia, a Tunísia, o Marrocos, a Síria, a Jordânia, o Irão, o Líbano, o lémene do Norte, o Aden, a Líbia, os Camarões, o Mali, a Guiné, a Nigéria, a Angola, a Hungria, a Polónia, a Checoslováquia, a URSS, a Roménia e a Bulgária.
O Sr. Sousa Marques (PCP): - E o Afeganistão, também não?
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Olhe que Madagáscar não é um país, é apenas uma ilha!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, peco-vos o favor de se manterem em silêncio para que qualquer de VV. Ex.ªs que esteja no uso da palavra o possa
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fazer com o mínimo de condições de ser ouvido por todos, porque depois têm oportunidade de intervir segundo as diversas formas regimentais.
Sr. Deputado Castro Caldas, desculpe-me a interrupção e tenha a bondade de continuar.
O Orador: - Ora, qualquer cidadão medianamente atento sabe que o Estado nunca foi bom comerciante e que os seus agentes, os funcionários, estão usualmente obrigados a múltiplos condicionamentos de organização pública, rotinando a sua actuação.
Os funcionários estão submetidos a controles políticos e submetidos a um emaranhado complexo de regulamentos. Um funcionário, antes de adoptar uma decisão, aguarda despacho e múltiplas autorizações que cubram a sua responsabilidade para evitar eventuais processos disciplinares e que dotem o seu comportamento da transparência que proteja a sua honestidade de funcionário.
Normalmente esta actividade de funcionário desenvolve-se numa selva burocrática, governamental e política, onde as decisões se atrasam perigosamente, deixando fugir oportunidades negociais. Ora, em matéria de cereais os mercados internacionais apresentam preços altamente variáveis, que se alteram por vezes de hora a hora, sensíveis a factores conjunturais da mais diversa natureza. Para operar com eficácia nas bolsas internacionais é necessário ter um aparelho informativo altamente sofisticado e capacidade de decisão imediata.
Assim, é natural que a EPAC não possa ser dotada destes atributos e que, em consequência, se torne presa fácil e apetecível das tão famosas «tradings mundiais».
Dois exemplos bastarão: em 1980, a EPAC adquiriu predominantemente trigos exóticos nos Estados Unidos, apesar de, por vezes, terem ocorrido preços mais baixos na zona da Comunidade Económica Europeia de 1$ por quilograma.
Sempre que no mercado internacional é conhecida a intenção de compra da EPAC sobem as cotações na Bolsa de Chicago.
Por outro lado, o monopólio intermediário da EPAC constitui um encargo suplementar na formação dos preços das farinhas, encargo que atinge somas incalculáveis e que, segundo algumas estimativas, poderão atingir o valor de 1600$ por tonelada de cereal transaccionado, o que corresponde a um custo sobre o preço global anual do volume de mercado de cereal de cerca de 2 milhões de contos, que poderiam ser retirados ao preço no consumidor, ou, melhor ainda, ser subsidiados à produção nacional.
O actual sistema de comercialização monopolista, como dizia recentemente o presidente da Associação dos Industriais de Moagem, transforma a moagem em jogo de azar. Com um pouco de sorte, o próximo graneleiro a chegar à fábrica poderá ter sido carregado no silo e na célula correcta e recolhido, numa hora feliz, o pequeno extracto de cereal que apresenta razoáveis características panificáveis.
Mas quantas toneladas de trigos forrageiros sem teor de glúten aceitável são, por força da lei, aceites pela EPAC e expedidos para a indústria?
E do lado da produção agrícola podemos constatar como é injusta e distorcida a formação de preços por via de portaria uniforme para todas as
regiões, sem qualquer intervenção dos produtores associativamente organizados, que se acham sem incentivos à modernização cultural e à diversificação de espécies cerealíferas, factor essencial de um homogéneo desenvolvimento agrário.
Como estamos longe do Regulamento n.° 1360/78, da CEE, que institui o regime de encorajamento à formação de agrupamentos de produtores e suas uniões e que define o regime jurídico dos agrupamentos de produtores, de organizações de produção, de valorização de produtores agrícolas; como estamos longe do Regulamento n.° 376/70, da Comissão da CEE, que fixa os procedimentos e condições de venda dos cereais na posse dos organismos de intervenção, e do Regulamento n.° 193/75, que regulamenta o regime de trocas com terceiros países; como estamos longe dos regimes de licenciamento à importação da CEE e do regime de pré-fixação do pre-levement e do caucionamento dos certificados de exportação definidos nos Regulamentos n.º 837/ 72, 193/75 e 2745/75, da Comissão; como estamos longe da sofisticada regulamentação comunitária da gestão de stocks estratégicos: como poderemos falar com seriedade de adesão à CEE, quando estão por efectuar trabalhos essenciais que permitam utilizar os esquemas comunitários de subsidiação à produção (ao contrário do avanço que a Espanha já leva neste domínio)?
A defesa do actual regime cerealífero é o retrato da miséria que lavra nos nossos campos. A defesa do actual regime cerealífero é a responsabilização pela manutenção do latifúndio e da cultura extensiva, da desertificação das comunidades camponesas e da destruição do fundo de fertilidade dos solos.
A defesa do actual regime cerealífero é uma inepta defesa de herdeiros do coronel Linhares de Lima.
Estamos, de facto, ainda no limiar da Reforma Agrária, desconhecendo que falar hoje em cereal, em Portugal, tem de querer dizer forragens e grão, tem de querer dizer tão ao norte como ao sul. Falar em pão é esquecer a velha polémica do «pão política» de «1.ª» e de «2.ª», é falar em mistura de cereais panificáveis, é falar em diversificação de qualidades de pão -pão regional, pão escuro, pão integral, pão de centeio, pão com frutos secos, broas de milho, broas de centeio, etc. - É falar da revivificação das pequenas moagens tradicionais movidas a energias renováveis, e dinamizadoras de pequenos mercados regionais, é falar em multiplicidade de preços no mercado, onde devem existir variedades mais cotadas e diversificação de aplicações de cereais panificáveis, que venham, a prazo, atenuar a extrema dependência de Portugal face aos mercados de trigos rijos e exóticos que não podemos produzir.
O latifúndio morrerá pela diversificação cultural, pela liberalização dos preços num mercado aberto, comum e controlado.
Como podem os defensores do actual regime monopolista esquecer que a crise de subsistências está directamente ligada à crise da energia e que o aumento dos custos de energia significa permanente aumento dos custos de transporte e manipulação? Porquê a existência de um intermediário monopolista onerador de custos de manipulação e transporte? Regionalizar é acima de tudo o imperativo. O apro-
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visionamento directo pela indústria permitirá, economia de custos de transformação, assim como dotará a indústria de acréscimo de qualidade, factor essencial à sua competitividade externa.
Sr. Presidente, da parte da manhã houve outros deputados que usaram, pelo menos, mais cinco minutos para as. suas intervenções. Assim, eu pedia a V. Ex.ª que aceitasse que eu terminasse a última folha da minha intervenção.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado; na reunião dos grupos parlamentares foi estabelecido o limite de quinze minutos para cada intervenção, sem prejuízo do regime anteriormente usado. Nestas circunstâncias, e porque se trata de um consenso estabelecido na reunião dos grupos parlamentares, V. Ex.ª só poderá ler a última página da sua intervenção se houver consenso na Assembleia para tal fim.
O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: - Faça favor.
O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, pedi a palavra para dizer que pela nossa parte há acordo estabelecido para que o Sr. Deputado Castro Caldas termine a sua intervenção, até porque na reunião dos grupos parlamentares nós defendemos que se continuasse a aplicar o Regimento, isto é, que numa primeira intervenção o deputado tenha vinte minutos para usar da palavra e que numa segunda intervenção tenha dez minutos. Pensamos que este foi o critério com que se começou e deverá ser o critério com que se termina.
O Sr. Presidente: - Não, Sr. Deputado. Não é esse o entendimento que a Mesa deu ao que se estabeleceu na Conferência dos Grupos Parlamentares.
O Sr. Lopes Cardoso (UEDS):-Sr. Presidente, estou a dizer qual é a posição que transmitimos na Conferência dos Grupos Parlamentares.
Pensamos que não há deputados da parte da manhã e deputados da parte da tarde, nem direitos da parte da manhã que são alterados a seguir à hora do almoço.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, na Conferência dos Grupos Parlamentares abordou-se a possibilidade de uma fixação de limites de tempo em vinte minutos regimentais para cada intervenção na generalidade, quinze minutos para a primeira intervenção de cada partido e dez minutos para as seguintes intervenções do mesmo partido.
Por oposição do Sr. Deputado Sousa Marques ficou estabelecido que não se aceitaria a redução do tempo para 10 minutos, mas ficou assente que se manteriam os quinze minutos como limite novo, sem prejuízo das intervenções anteriores. Não foi isso, Sr. Deputado Sousa Marques? .
O Sr. Sousa Marques (PCP): - Sr. Presidente, de facto ficou acordado por consenso que o tempo limite das intervenções seria de quinze minutos e que todos nós faríamos um esforço ,no sentido de falar até menos tempo do esses quinze minutos.
Contudo, parece-me que a intervenção do Sr. Deputado Castro Caldas não vai demorar muito tempo a acabar. Pela nossa parte não nos opomos a ouvir toda a intervenção do Sr. Deputado Castro Caldas.
No entanto, também terá de haver alguma flexibilidade em relação a qualquer outra intervenção quê venha a seguir a esta, de modo a estarmos todos em plano de igualdade.
O Sr. Castro Caldas (PSD): - Sr. Presidente, dá-me licença?
O Sr. Presidente: - Faça favor.
O Sr. Castro Caldas (PSD): -Sr. Presidente, prescindirei do tempo que pedi a mais para acabar a minha intervenção. Se me for feito algum pedido de esclarecimento tentarei transmitir as ideias contidas no final da intervenção.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, posso dizer-lhe que neste momento já se encontram inscritos cinco Srs. Deputados para solicitarem esclarecimentos, o que, seguramente, lhe vai dar tempo para o fazer.
Portanto, V. Ex.ª respeitará o tempo que tem disponível para a sua intervenção. É esse o critério que fica definido pela Mesa.
Faça favor de continuar, Sr. Deputado.
O Sr. Castro Caldas (PSD): - Como é possível os defensores do actual regime cerealífero não se aperceberem da oportunidade histórica que a crise do modelo energético proporcional a Portugal e ao porto de Lisboa? Como é possível que não antevejam o papel histórico da EPAC, que pode desempenhar ...
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
O Sr. Presidente: - Terminou o seu tempo, Sr. Deputado.
Além dos Srs. Deputados que já estão inscritos para formular pedidos de esclarecimento, há mais alguém que pretende pedir a palavra para esse fim?
Pausa.
Para que não haja problemas quanto às inscrições e à concessão de palavra, direi que se inscreveram os Srs. Deputados António Vitorino, Rogério de Brito, Ilda Figueiredo, Octávio Teixeira, Borges de Carvalho, Sousa Marques, Magalhães Mota, Manuel da Costa e António Campos.
Tem pois a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.
O Sr. António Vitorino (UEDS)-Sr. Deputado Castro Caldas, V. Ex.ª fez uma intervenção justificando, dentro da lógica da sua filosofia política e económica, o apoio que a sua bancada dá a esta proposta de lei.
Naturalmente que, no curto espaço de tempo destinado ao pedido de esclarecimento, não vou entrar em discussão sobre essa matéria. No entanto, vou apenas pedir-lhe um esclarecimento: parece-me de mau gosto a referência ou a equiparação que o Sr. Deputado fez entre as espadas do 28 de Maio e as espadas do 25 de Abril. Há certas afirmações que, por reve-
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larem uma certa sagesse d'esprít. não deixam, contudo, de revelar algumas intenções menos adequadas a um Parlamento como o nosso.
E isto porque, se o Sr. Deputado nos vem aqui dizer que o regime cerealífero criado pelo Professor Oliveira Salazar foi aquele que - as palavras são suas- «a revolução socialista do 25 de Abril manteve intacto», gostaria de recordar ao Sr. Deputado Castro Caldas que foi o seu partido, o Partido Popular Democrático, que, durante um determinado período, não tão curto como isso, depois do 25 de Abril, teve responsabilidades no Ministério do Comércio e Turismo.
Risos do PSD, do CDS e do PPM.
Srs. Deputados, eu sei que o Sr. Deputado Magalhães Mota é que foi Ministro do Comércio e Turismo. Mas, se calhar, os Srs. Deputados vêm agora dizer-me que, na altura em que o Sr. Deputado Magalhães Mota era Ministro do Comércio e Turismo, o Partido Popular Democrático não concordava com a sua política!? Isso seria um descaramento.
Nesse sentido, acabaria o meu pedido de esclarecimento dizendo que o Partido Popular Democrático, através do seu militante e dirigente nacional eleito em congresso, Magalhães Mota, que foi Ministro do Comércio e Turismo, teve responsabilidades nesse Ministério. E, se o Sr. Deputado Castro Caldas pretende imputar às forças socialistas responsabilidades quanto à manutenção do regime cerealífero, conviria que nos dissesse se essa afirmação também corresponde a uma autocrítica à atitude dos sociais-democratas portugueses em relação às questões cerealíferas, nomeadamente no período pós-25 de Abril de 1974.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Castro Caldas, V. Ex.ª pretende responder imediatamente a seguir a cada pedido de esclarecimento que lhe for formulado ou responde no final a todos em conjunto?
O Sr. Castro Caldas (PSD): - Posso responder já, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Então, faça favor.
O Sr. Castro Caldas (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Apraz-me referir que a intervenção do Sr. 'Deputado António Vitorino foi altamente qualificada e esclarecedora de muitos problemas que nós aqui debatemos. Contudo, gostaria de voltar a muitos dos pontos que introduziu neste debate.
No entanto, o Sr. Deputado António Vitorino faz-me um pedido de esclarecimento que devia ter sido feito ao Sr. Deputado Magalhães Mota. Aliás, julgo que é público e notório que algumas divergências me separaram, no Partido Popular Democrático, do Or. Magalhães Mota, divergências essas que foram evidenciadas no Congresso de Aveiro. Espero que um dia o Dr. Magalhães Mota o possa esclarecer...
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Rogério de Brito.
O Sr. Rogério de Brito (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Já que o Sr. Deputado Castro Caldas falou em espadas, eu diria que realmente ele
esgrimiu bastante bem as palavras, o que não quer dizer que no seu conteúdo tenha sido preciso na maioria das questões, independentemente do historial que fez.
Quando o Sr. Deputado refere, na sua intervenção, os países que têm um regime de comercialização dos cereais semelhante ao nosso, devo dizer que aí o Sr. Deputado não tem em conta certas questões que se têm que colocar, como sejam os graus de auto-aprovisionamento, a dependência de bens alimentares, o próprio domínio das economias avançado pelas multinacionais na grande parte dos países. Convém não esquecer o domínio das multinacionais que até chegam ao ponto de, num mundo onde ainda morrem milhares de milhares de pessoas à fome, se darem ao luxo de destruir produções para impor as suas regras de jogo nos mercados. O Sr. Deputado reconhece, com certeza, que isto é um facto.
Avançaria ainda a ideia de que equiparar a EPAC e comprometer o 25 de Abril com uma estrutura corporativista fascista é falsa. O Sr. Deputado sabe que o estatuto não é cumprido, a responsabilidade cabe exclusivamente ao Governo.
Por outro lado ainda, o Sr. Deputado pôs em questão o problema da qualidade das farinhas'. Queria dizer-lhe -e estou certo de que o Sr. Deputado não me vai desmentir - que as composições das farinhas loteadas pela EPAC -e que são na base dos trigos americanos com uma percentagem de 30%, no máximo, de cereal nacional - são claramente superiores na qualidade às exigências da CEE. É verdade ou não é, Sr. Deputado?
Também gostei muito da relação que V. Ex.ª estabeleceu entre o regime dos cereais -'6 certamente não era regime dos cereais que V. Ex.ª queria dizer, mas, sim, regime de comercialização dos cereais, visto ser isso de que estamos a tratar - com os regimes de exploração da terra e com a estrutura económico-
- agrícola das explorações. O Sr. Deputado será um bom advogado, mas não sei se será um bom economista agrário ou um bom técnico agrícola, porque, senão, não faria essa afirmação. E desculpe-me o termo, mas isso denota ignorância da problemática dos cereais e de outras questões deste país relativas à agricultura.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Castro Caldas, se desejar responder já a este pedido de esclarecimento.
O Sr. Castro Caldas (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: De facto não pretendo ser nem um técnico agrário nem um especialista de economia agrária, e gosto de receber lições de quem me saiba ensinar, porque as pessoas existem para aprender.
Se eu utilizei a expressão «espécies cerealíferas», fi-lo num sentido impróprio. Não me queria referir a cultivares, mas, sim, a espécies cerealíferas, porque entendo que o regime cerealífero não é um problema específico 'de comercialização, é, sim, um problema de diversas espécies de cereal panificável. Portanto, entronca no debate da comercialização a questão da diversidade de cereais panificáveis, designadamente centeios, e também o problema da diversidade de preços no mercado de cereais panificáveis de várias
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qualidades. Ora, o Sr. Deputado não me vai desmentir nisso.
Quando V. Ex.ª me pergunta se a lotação da EPAC é uma lotação correcta, o que eu lhe posso dar é a experiência adquirida. Quantas vezes dentro dos silos dos moageiros se encontram cereais sem teor de glúten fornecido pela EPAC e que não são panificáveis. A explicação é simples: é que a valoração do cereal com o actual regime cerealífero é feita com base no específico, e não com base no glúten nem com o teor proteico.
Do ponto de vista dos industriais, é evidente que lhes impede - a eles, industriais, transformadores e panificadores de produtos e subprodutos alimentares - de fabricar produtos de qualidade que tem de ser competitivos nos mercados externos. Portanto, tudo isto está ligado e entronca no mesmo problema.
Entrando na imputação que fiz à val d'oiseau do facto de as economias de modelo central planificado serem hoje carenciadas de cereal, também lhe dou um dado histórico que é interessante: uma das multinacionais - e devo dizer que, de facto, nesta matéria, o mercado internacional é oligopólico e, portanto, com a EPAC ou sem a EPAC, não é isso que altera a oligopolia do mercado - mais atacadas neste debate, como, por exemplo a Dreyfus, constituiu-se durante o século XIX como importadora de cereal da Ucrânia para abastecer a Inglaterra.
Portanto, durante o século XIX as economias dos países de Leste tinham um fluxo de cereal contrário ao de hoje.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Presidente: -Tem a palavra a Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo.
A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Deputado Castro Caldas fez uma intervenção que foi, pelo menos, ambígua para não dizer provocatória perante a Revolução de 25 de Abril,
Vozes do PSD: - Ah!
A Oradora: - Mas eu não quero fazer um protesto, Sr. Deputado, quero apenas colocar algumas questões em relação à sua intervenção.
Risos do PSD.
Uma voz do PCP: - Dois pesos, duas medidas. Agora já "pairam".
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, pedia a VV. Ex.ªs o favor de não estabelecerem diálogo, para que as intervenções decorressem com a serenidade que, felizmente, temos estado a verificar.
Tenha a bondade de continuar, Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo.
A Oradora: - Queria dizer ao Sr. Deputado Castro Caldas - pois parece que ele não sabe - que a EPAC não tem influência na fixação dos preços dos cereais, pois, se os preços são baixos e se não existe uma subsidiação como deveria ser em relação à produção, o problema é do MAP. Portanto, deve esclarecer-se bem com o MAP, pois, ao que creio, ele poderá dar uma melhor informação em relação às críticas que teceu sobre a EPAC.
Queria ainda dizer-lhe que, se a EPAC tem alguns defeitos, pois é provável que os tenha, pois é uma empresa pública, e que tem na sua administração elementos que foram nomeados pelo governo do Sr. Deputado. Portanto, exija ao seu Governo que nomeie pessoas competentes, se é que considera que as que lá se encontram não o são.
Por outro lado, queria ainda dizer-lhe que a EPAC não é, de facto, o organismo passivo, burocrático e insensível que o Sr. Deputado pretendeu aqui colocar.
E mais, vou dar-lhe alguns números sobre as importações de produtos, pois tenho-os aqui num documento que certamente o Sr. Deputado também tem e que diz o seguinte: "no ano de 1980, o preço médio de compra pela EPAC foi, em dólares por tonelada, em relação ao trigo mole, de cerca de 167,95 e, em relação ao milho, de 121,83, enquanto que o preço médio de venda no mercado internacional foi, em relação ao trigo, de 162,17 e, em relação ao milho, de 123,96.
Queria ainda dizer-lhe, por exemplo, que se importaram pela EPAC mais de 2 milhões de toneladas de milho a estes preços. Aqui estará a base, por exemplo, se o Sr. Deputado me quiser dizer qual é a factura do desmantelamento da EPAC que a economia nacional vai ter que pagar. Gostada que o Sr. Deputado dissesse qual é essa factura, porque já ontem perguntei isso ao Sr. Ministro Basílio Horta e ele ainda não respondeu, e há, de facto, uma factura muitíssimo elevada que resulta de fazer estas contas - não sei se o Sr. Deputado já as fez, mas, se assim é, gostaria que esclarecesse esse ponto.
Em relação às multinacionais, queria ainda dizer-lhe que a EPAC não é, de facto, um simples intermediário entre as multinacionais e as indústrias de moagem. Por exemplo, no ano passado, a maior parte das compras que a EPAC fez no mercado internacional foi na bolsa de mercadorias, e não directamente às multinacionais.
Já que o Sr. Deputado Castro Caldas disse que era administrador da Companhia Industrial de Portugal e Colónias, gostaria que esclarecesse o número de empresas que as pequenas empresas moageiras ...
O Sr. Presidente: - Acabou o seu tempo, Sr.ª Deputada.
Tem a palavra o Sr. Deputado Castro Caldas para responder.
O Sr. Castro Caldas (PSD): - Sr. Presidente, gostaria de responder, ainda que o tempo me seja limitado, à série de questões que a Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo me pôs.
Lamento que a Sr.ª Deputada diga que sou ignorante, mas o facto é que ela não sabe como funciona uma bolsa de cereais nem o que é um broker.
Por outro lado, gostaria de saber, uma vez que diz que a EPAC não compra os cereais ao oligopólio internacional do mercado de trigo, se a EPAC compra por licitação de uma forma diferente em mercado aberto e onde o faz.
Outra coisa que gostaria também de lhe dizer é que não percebi a história da factura que se paga pelo desmantelamento da EPAC e devo dizer-lhe que
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no teor da minha intervenção, se definia inclusivamente, qual era o papel histórico que neste momento está destinado à EPAC. Para a esclarecer, vou ler-lhe a parte da minha intervenção, que não tive tempo de finalizar, onde dizia: «Como é que é possível não compreender o papel histórico da EPAC, que pode desempenhar, como organismo de comercialização e de intervenção dos stocks de segurança acessíveis ao preço indicativo quer aos industriais, quer aos importadores, quer aos grossistas, quer a exportadores transcontinentais? Como é possível que os defensores do actual regime cerealífero não antevejam a função geoestratégica do porto de Lisboa nesta matéria e a função dos terminais portuários da EPAC como instrumento de abastecimento do Mediterrâneo e dos países de Leste carenciados de cereal transcontinental?».
Por certo que nem tudo o que vem a seguir serão caminhos do jardim de delícias. Gostaria de ter tempo para debater essa questão, porque, efectivamente, o mercado introduz variações complexas e sofisticadas e o Sr. Deputado Vitorino há pouco abordou algumas delas. A discussão que hoje nos traz aqui não é em turno da EPAC nem é a de saber se, efectivamente, a EPAC tem ou não responsabilidade na formação dos preços. A discussão que me preocupa é a de todo o regime cerealífero, e a discussão do regime cerealífero é não só o regime de comercialização mas também o regime de formação de preços. O que digo é que os mecanismos da CEE são mecanismos sofisticados que hão-de permitir a introdução da diversificação cultural que liberta a miséria da nossa cultura cerealífera. Só isso, Sr.ª Deputada.
Aplausos do PSD e do PPM.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Deputado, perante a sua incursão histórica, fiquei sinceramente desiludido na medida em que, depois de anunciar ser
- o que eu sinceramente desconhecia - gestor da Portugal e Colónias, julguei que pudesse vir aqui lançar luz sobre todo o problema que está subjacente a esta proposta de lei, uma vez que a Portugal e Colónias, como sabe, está altamente interessada nesta questão.
Para além de algumas gaffes que cometeu em matéria de geografia política, gostaria de lhe deixar, desde já, uma pergunta: perante a afirmação que fez há pouco numa resposta a uma questão de um deputado, gostava de saber se o Sr. Deputado sabe, por acaso, qual é o maior produtor mundial de trigo.
Mas vejamos aquilo que nos interessa. Disse o Sr. Deputado que a EPAC não tem capacidade para intervir atempadamente nos mercados mundiais, etc. Se isso é assim, Sr. Deputado, a quem cabe a responsabilidade? Apenas ao Governo? Apenas ao Ministério da tutela, que eventualmente estará a burocratizar a organização e a capacidade de actuação da EPAC? Não, a culpa não é do regime exclusivo da EPAC!
Em relação à questão que o Sr. Deputado avançou sobre o incentivo ao agrupamento de produtores agrícolas, punha concretamente esta questão: qual o articulado que vem anexo à proposta de lei que incentiva o agrupamento de agricultores?
Relativamente à gestão de aprovisionamentos de segurança, penso, Sr. Deputado, que, ao defender aqui a chamada liberalização do comércio de cereais, o próprio Governo, defensor da tal liberalização e da chamada economia de mercado, não tem necessidade de criar um organismo de intervenção que tenha por objectivo essencial assegurar um normal abastecimento do mercado. Quer dizer que não tem confiança que as forças da chamada economia de mercado garantam esse abastecimento.
Sobre a questão do esquema de subsidiação aos produtores, gostaria que o Sr. Deputado, se de facto sabe, nos informasse quais serão as consequências para os produtores portugueses da eventual entrada de Portugal na CEE, em termos dos actuais preços de intervenção na CEE e actuais preços de intervenção em Portugal.
Uma última questão que eu gostaria de lhe colocar era a seguinte: porquê durante a sua intervenção apenas se referiu, salvo erro, à Federação dos Industriais de Moagens e não às posições assumidas publicamente pela Associação dos Industriais de Moagem de Ramas e Espoadas de Milho e Centeio, que representa cerca de 4500 industriais.
Sobre a questão dos critérios de valorização das diversas categorias de cereal, o Sr. Deputado terá de reconhecer que ela pode ser feita existindo o exclusivo na EPAC. É um problema do Ministério da tutela, que nada tem a ver com a chamada liberalização do mercado de cereais.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Castro Caldas para responder.
O Sr. Castro Caldas (PSD): - Sr. Deputado Octávio Teixeira fez-me muitas perguntas a que eu gostava de responder. Mas, como é óbvio, não vou responder às provocações que me dirigiu no domínio da geografia económica e da minha eventual ignorância nessa matéria. Confesso que, efectivamente, a minha formação não é a de um economista agrário.
O que lhe posso dizer, em relação à gestão dos stocks estratégicos, é que é evidente que nenhum país pode, neste momento, subscrever, na iminência de inclusivamente poder existir roturas nos modelos de trocas de transacções internacionais, uma política de total liberalização. Tem de haver mecanismos de segurança e de controle. Ninguém pode subscrever um mercado totalmente liberto, sem mecanismos de controle e de gestão de segurança de stocks. Portanto, isso está no articulado da lei.
Quando o Sr. Deputado me pergunta se constam ou não do articulado de lei os incentivos à formação de associações de produtores, devo dizer-lhe que não está no articulado da lei, mas que eu digo a esta Câmara aquilo que entendo ser necessário, pois estou aqui em representação dos meus eleitores. Devo dizer-lhe que pode ser discutido nesta matéria se esses organismos devem ser organismos incentivados pelo Estado ou se o que se deve é criar condições para que eles surjam, naturalmente, com a força e a intervenção social capaz de defender eficazmente as suas posições no conflito de interesses no mercado em Portugal. O Sr. Deputado sabe bem que existem cooperativas leiteiras que dispõem de uma capacidade de intervenção no mercado de que não dispunham há cinco anos atrás.
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É evidente que o Governo deve compreender que este novo esquema de liberalização em mercado controlado funcione atenuando e amortecendo as naturais consequências negativas que possa trazer para a produção o confronto com a capacidade produtiva tecnologicamente mais adaptada, que funcione como um incentivo e um apoio a esse tipo de organização. E eu defendo isso, Sr. Deputado - não tenho vergonha de o dizer -, porque este é o esquema comunitário e é o esquema de defesa das comunidades deprimidas dentro da Europa. Este é o esquema que diferencia as zonas ricas das zonas pobres, é o esquema que defende a Europa do Sul dentro de um grande mercado, é o esquema a que nos teremos de adaptar e é evidente que temos de fazer trabalhos para definir, geograficamente, quais são as nossas regiões deprimidas que devem entrar nos esquemas de subsidiação da Europa comunitária.
Esses são trabalhos que devem ser feitos. Não sei se estão ou não feitos, mas sei que em Espanha se trabalha activamente nesse domínio. Sei que isso é essencial, porque, numericamente, são classes que vão estar confrontadas com um desafio que, provavelmente, é superior às suas capacidades e é preciso defender essas classes de produtores, o que só se pode fazer através do associativismo.
Sr. Deputado, penso ter exprimido correctamente aquilo que entendo dever ser justo e que um parlamento, ao fazer um debate como este, tem obrigação de facultar ao Governo a conflitualidade de posições e de opiniões, porque é dessa dialéctica de confronto que podem sair posições de síntese que auxiliem o País a resolver um problema gravíssimo como é o problema do modelo de trocas do cereal.
O Sr. Moura Guedes (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Portugal é um país que está na fronteira da riqueza e da miséria. A nossa agricultura está numa fase tão deprimida, tão atrasada tecnologicamente, tão desgraçada, os nossos camponeses auferem ritmos de vida...
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
O Sr. Presidente: - Terminou o seu tempo, Sr. Deputado.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Para que efeito?
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - É para um protesto, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Faça favor.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Um brevíssimo protesto que até poderá permitir que o Sr. Deputado acabe de expor a sua ideia.
O protesto cinge-se a isto: o argumento do incentivo ao agrupamento dos produtores é um argumento que foi utilizado pelo Sr. Deputado na defesa do projecto que estamos aqui a discutir, é um argumento que é utilizado pelo próprio Governo no preâmbulo da proposta de lei e, como o Sr. Deputado reconhece, a proposta de lei não traz de facto, nenhum clausulado para incentivar esse agrupamento de produtores. É aí que está a questão. Utiliza-se o argumento, mas a proposta de lei é omissa em relação a isso. É essa a questão que eu levantei e é a essa questão que eu gostaria que o Sr. Deputado respondesse.
Já agora, para terminar, e aproveitando os dois minutos, as referências que eu fiz à geografia política não tinham a intenção da provocação, porque, de facto, o Sr. Deputado chama país a Madagáscar quando o país Madagáscar não existe. O que existe é o país Malgache. Por conseguinte, não há um problema de provocação mas apenas um problema de pôr os pontos nos «ii».
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Castro Caldas para contraprotestar.
O Sr. Castro Caldas (PSD): - Sr. Deputado, com efeito, vai-se dando uma certa elegância ao debate através de protestos e contraprotestos, até para que alguma luz possa nascer deste debate.
Corrijo a expressão país Madagáscar para país Malgache. Reconheço que foi um erro, mas, se calhar, foi assim que eu aprendi em geografia.
Mas o que eu quero dizer é o seguinte: entendo que é essencial legislar sobre duas matérias complementares ao regime de modificação da política de comercialização de cereais. Uma delas é uma lei quadro de regulamentação de concorrência, que introduza a legislação comunitária em matéria de concorrência. É essencial que exista uma lei quadro da concorrência, não só para a actividade agrícola mas porque de facto, este regime económico vive num regime quase igual àquele em que viveriam os Estados Unidos antes da Lei de Taft, suponho eu que em 1919, sem lei reguladora da concorrência. É essencial introduzir os esquemas comunitários de incentivação à formação de organismos de defesa dos produtores. Eu entendo que isso é necessário, mas não é necessário que esteja neste articulado. É necessário, sim, que exista um conjunto articulado de normas que adaptem o País para a modernidade. É esta a minha posição. Escusa de estar neste articulado, é necessário é que sejam produzidos esses instrumentos legislativos.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Borges de Carvalho.
O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Castro Caldas: Esteja-se ou não de acordo com a intervenção de V. Ex.ª, seja-se ou não sensível aos seus argumentos, o facto é que a sua intervenção, aliás como a do Sr. Deputado António Vitorino, da UEDS, trouxe a este debate elementos preciosos e contribuiu não só para a qualidade do debate como para lhe tirar um pouco aquele sentido, por vezes demasiadamente apaixonado, de que se tem revestido.
O Sr. Moura Guedes (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Para esclarecimento completo do meu grupo parlamentar, agradecia ao Sr. Deputado que utilizasse o tempo que a minha intervenção ora lhe confere para acabar de ler a sua intervenção.
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O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Castro Caldas.
O Sr. Castro Caldas (PSD): - Agradeço a simpatia do Sr. Deputado Borges de Carvalho em me permitir ler as páginas finais da minha intervenção, o que eventualmente poderá vir a desiludir os meus adversários políticos. Mas, já que o convite me é feito, vou terminar de ler a minha intervenção.
Antes porém, devo fazer a advertência de que o articulado proposto pelo Governo contempla normas jurídicas que regulamentam a concorrência e o combate às inevitáveis tendências para a formação de cartéis, acordos de empresas e práticas concertadas que tenham como objectivo ou por efeito impedir, restringir ou falsear o jogo da concorrência. Esta é a expressão correcta do Acordo de Roma, e julgo que este é que deve ser o feixe de normas que devem ficar completadas na lei que regulamenta a concorrência.
Não quero deixar de fazer também a advertência de que o novo regime cerealífero poderá acarretar aumento de preços, de bens de consumo de origem cerealífera importada, em razão quer do aumento do custo das importações - pela valorização do dólar -, quer pela introdução do sistema fiscal da TVA, quer pelo fim da subsidiação indiscriminada que tem de ser um objectivo essencial da política económica. O subsídio tem de ser à produção.
Pôr fim à subsidiação indiscriminada é enterrar definitivamente a polémica do «pão político» dos anos vinte, é impedir que cereal importado possa ser desviado para componentes de rações para animais.
O mercado em regime de concorrência se encarregará, a médio prazo, de repor os preços aos níveis da realidade e as capitações de consumo ao nível das reais necessidades.
Poderemos então antever uma sociedade homogénea e programada que Alain Touraine profecia.
E termino com uma expressão feliz de um mestre da minha existência:
Se assim for, as forças da Natureza presentes no ambiente rural bem podem ser a revelação de uma agricultura que seja, de facto, o alicerce da vida colectiva, em que o problema agrário se não identifique somente com o jogo dos interesses privados, nem com o clamor das paixões sectárias.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Sousa Marques, para solicitar esclarecimentos.
O Sr. Sousa Marques (PCP): - Sr. Deputado Castro Caldas, não sei se o senhor conhece o sentido da expressão popular «dourar a pílula». Nenhuma outra intervenção feita durante este debate se adequa mais a esta expressão popular do que a sua. O Sr. Deputado veio fazer invocações históricas e até o fez com ar sério. Veio comparar o nascimento do fascismo em Portugal com o perigo que a democracia portuguesa corre se este pedido de autorização legislativa do Governo não passar aqui na Assembleia da República e uma vez mais, repito, conseguiu dizer isso sem se rir. Parece que estava a acreditar naquilo que estava a dizer.
Agora que ouvimos, finalmente, o fim da sua intervenção, fica-nos uma pergunta a bailar na inteligência. Qual é, para o Sr. Deputado, o futuro da EPAC? Qual o futuro dos trabalhadores da EPAC? Faço-lhe esta pergunta por uma razão, entre outras, muito concreta. É que o Sr. Deputado, talvez distraído, disse, numa resposta que deu a uma pergunta de um amarada meu, que a discussão que o preocupa não é em torno da EPAC, mas sim em torno de um regime cerealífero, etc.
De facto, nós ficamos a saber, pela boca do Sr. Deputado Castro Caldas, que também ele, aliás como o seu Governo, se está nas tintas para o futuro da EPAC e para o futuro dos seus 2000 trabalhadores; não considera importante que 90% dos trabalhadores da EPAC tenham aderido a uma luta porque viam em perigo não só e apenas os seus postos de trabalho e os seus direitos e interesses como trabalhadores dessa empresa, como também o próprio futuro da empresa; está-se nas tintas para a opinião e para as preocupações manifestadas pelo próprio conselho de gerência da EPAC, que também se manifestou preocupado com estas medidas do Governo, e, portanto, passando por cima disso, o Sr. Deputado preocupa-se com a questão do fascismo, faz paralelismos com o fascismo e vem dizer que o que quer discutir aqui é a questão do regime cerealífero.
Com certeza que o Sr. Deputado também recebeu a posição da Associação dos Industriais de Moagem de Ramas e Espoadas de Milho e Centeio. Eles chamam a atenção para os gravíssimos inconvenientes que resultarão para o povo português, para a lavoura nacional e para os 4500 industriais de moagem de ramas e espoadas de milho e centeio, se estas medidas que o Governo anuncia forem aplicadas. Mas o Sr. Deputado, naturalmente, também não quer discutir isto. Também não está interessado em discutir isto, como não está interessado em discutir o futuro da EPAC e dos seus trabalhadores.
Pegava ainda neste documento para, afinal de contas, levantar um pouco da ponta do véu que encobriu a sua «intervenção histórica». Diz este documento:
Só deste modo, perante as medidas que eles propõem e enquanto a indústria que representamos não se encontra devidamente apetrechada, será possível às moagens de ramas e espoadas de milho e centeio manterem-se em actividade sem serem engolidas pelo desmesurado apetite da grande moagem de trigo.
Que desmesurado apetite tem o Sr. Deputado! Que desmesurado apetite tem o Governo que o Sr. Deputado apoia! Que desmesurado... que o Sr. Deputado apoia! Que desmesurado ...
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Acabou o seu tempo, Sr. Deputado.
Tem a palavra o Sr. Deputado Castro Caldas, para responder.
O Sr. Castro Caldas (PSD): - Sr. Deputado, eu poderia não responder a provocações, ...
O Sr. Moura Guedes (PSD): - Muito bem!
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O Orador -... pois, de facto, considero que a sua intervenção é uma provocação.
Quando fiz a análise histórica, fi-la de acordo com aquilo que considero a interpretação correcta dos factos.
Mas o que quero dizer ao Sr. Deputado é que me preocupam muito mais os milhões de consumidores de pão e de trigo neste país e as centenas de milhares de produtores agrícolas, e admira-me que um homem socialista assuma neste debate uma defesa corporativista dos trabalhadores da EPAC.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Onde já vai a imaginação.
O Orador. - Esse é que é o verdadeiro problema. Quando eu digo que é mais grave o problema do regime cerealífero da formação dos preços, da diferenciação de cultivares e da diversificação de cereais panificáveis, é porque isso é que diz directamente respeito aos consumidores, à produção e ao fundo de fertilidade dos solos. Por isso é que me preocupam muito mais esses milhares de pequenos trabalhadores que poderão ser destruídos num combate como este, e por isso é que me parece que tem de ser discutido o problema dessas vastíssimas camadas da população.
Por isso, o problema dos trabalhadores da EPAC é um problema de somenos importância, até porque o próprio Governo já disse que não serão postos em causa os postos de trabalho dos trabalhadores da EPAC. E, se o Sr. Deputado tivesse ouvido com atenção a minha intervenção, teria ouvido que eu disse, que é preciso talento, é preciso coragem e é preciso imaginação, porque efectivamente, a EPAC pode desempenhar hoje no comércio internacional transcontinental de cereal para o Mediterrâneo uni papel determinante, e o porto de Lisboa pode ser um ponto tão importante como o porto de Roterdão no comércio de cereais transcontinentais. Aí está o papel da EPAC.
Os Srs. Deputados não podem esquecer a realidade que é o mercado internacional de cereais, um mercado oligopólio, e a única maneira de fugir ao controle dos mercados oligopólicos é diversificar a produção de cereais alternativos panificáveis.
O Sr. Moura Guedes (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Eu não me importo de comer pão de centeio e broa, porque toda a vida os agricultores o comeram.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
O Sr. Sousa Marques (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Para que efeito?
O Sr. Sousa Marques (PCP): - Para um protesto.
O Sr. Presidente: - Faça favor.
O Sr. Sousa Marques (PCP): - Já conhecíamos o desmesurado apetite do Sr. Deputado, que, aliás, ele confirmou por omissão. A partir deste momento,
passamos a saber que o Sr. Deputado é também mestre em utilizar a palavra «cínica». É mestre em utilizar argumentos que aparentemente são correctos e em preparar as condições para criar os problemas que o Sr. Deputado diz que não quer criar. O Governo vem aqui dizer que não está em causa o futuro dos trabalhadores da EPAC. Passa assim um atestado de menoridade mental a 2000 trabalhadores ou, se quiser, à enorme maioria dos trabalhadores da EPAC. Eles são menores, não percebem nada disso, não sabem do que são os seus postos de trabalho, não conhecem a sua empresa; quem sabe disto é o Sr. Deputado, que é administrador de outra empresa, são os Ministros, que são pessoas próximas de outros administradores, de outras empresas e de outros interesses; os Srs. Deputados é que sabem tudo, os trabalhadores, os comunistas, não sabem nada.
A nossa posição é bem diferente, Sr. Deputado. Não é por haver monopólios no mundo imperialista que nós queremos aqui monopólios em Portugal. Não é por haver determinados regimes de comercialização ao nível do mundo imperialista que nós queremos ver afogada a nossa produção e ver afogados os nossos consumidores. Não é por tudo isso, não é por haver capitalismo nos outros países com que o Sr. Deputado sonha, que nós deixamos de ser socialistas ou comunistas, que nós deixamos de lutar pelo socialismo, de que o Sr. Deputado não gosta. A gente sabe que o Sr. Deputado não gosta, mas há-de comer.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Castro Caldas, para contraprotestar.
O Sr. Castro Caldas (PSD): - Obviamente que tenho de fazer um contraprotesto, e tenho de o fazer porque estou disponível para discutir com o Sr. Deputado Sousa Marques os problemas com uma certa seriedade.
O Sr. Deputado Sousa Marques, em estilo de revide, chama-me cínico, o que, de certa maneira, me honraria, porque isso é uma escola filosófica grega, o que só prova que eu tenho uma boa preparação filosófica para utilizar esses mecanismos de raciocínio.
O Sr. Sousa Marques (PCP): - O Sr. Deputado é que se vê grego daqui a um bocado.
O Orador: - Muito abrigado, Sr. Deputado.
O que lhe devo dizer é que, de facto, os seus argumentos, que trouxe com pouca seriedade, não rebatem aquilo que considero essencial, que é a introdução no mercado da panificação de 14 variedades de cereais panificáveis. Isto é que é essencial. Isto é que é a modernização. Isto é que é o futuro.
Não me pergunte se eu sou contra o socialismo ou não.
O Sr. Sousa Marques (PCP): - O Sr. Deputado é que falou nisso!
O Orador: - Eu não sei se muitas das teses que a sua bancada perfilha são teses socialistas. Julgo que hoje o Mundo estará a vingar certos socialistas que os senhores fuzilaram.
Risos do PSD e do PPM.
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Mas regressaria ao debate, que me parece essencial. O Sr. Deputado Sousa Marques entende que o actual regime cerealífero impede a morte das pequenas moagens de espoadas. Sabe o Sr. Deputado Sousa Marques quantas dessas moagens morrem por ano com o actual regime cerealífero?
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota.
O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Breves pedidos de esclarecimento os meus, até porque, infelizmente e por defeito meu, não pude ouvir toda a exposição do Sr. Deputado Castro Caldas. Em todo o caso, pareceu-me que estava a fazer um estudo histórico sobre o problema dos cereais e, como tal, pareceu-me estranho que, ao comparar, numa comparação que aqui já foi justamente taxada de infeliz, as espadas do 28 de Maio às espadas do 25 de Abril, tenha ignorado o que era o monopólio das moagens antes do 28 de Maio.
Gostaria de lhe perguntar se o paralelismo também é esse. O Sr. Deputado pretende reconstituir esse monopólio?
Mas gostaria de introduzir um tom mais sério neste debate e, como tal, passo às questões que gostaria de lhe levantar.
Quanto ao problema dos stocks de segurança, como o Sr. Deputado não ignora, o problema da manutenção de um stock de segurança é um problema de rentabilidade extremamente difícil, até porque um stock de segurança é, por natureza, de rentabilidade aleatória e é colocado no mercado de acordo com os condicionalismos do próprio mercado. Pergunto: é aí que entra a rentabilidade futura da EPAC?
Em segundo lugar, estou de acordo com algumas das coisas que disse sobre o regime de comercialização, mas pergunto-lhe se ignora, por exemplo, o relatório do Decreto-Lei n.º 22 871, de 24 de Julho de 1933, que criou a Federação Nacional de Produtores de Trigo...
O Sr. Castro Caldas (PSD): - Citei-o no meu discurso.
O Orador: - Sim, mas para explicar que, por a importação de trigos exóticos ser mais fácil para a indústria, foi necessário criar uma organização paraestatal.
Em terceiro lugar, o Sr. Deputado, quando estabelece uma confusão - que eu julgo que terá sido confusão, mas gostava que a rectificasse - entre organismos de coordenação económica e organismos corporativos não ignora, certamente, a diferença entre uns e outros, nem ignora, certamente, que após o 25 de Abril o antigo Instituto dos Cereais foi transformado numa empresa pública.
Por último, gostaria de lhe perguntar se sabe, uma vez que citou vários exemplos estrangeiros em relação a organismos sobre o comércio de cereais, como é que funciona o mercado federal alemão em relação aos cereais, como é que funciona na Bélgica o chamado «Fond Agricole», como é que funciona no Luxemburgo o mesmo tipo de organização, como é que em França funciona o ONIC, como é que na Holanda se processam as intervenções no mercado quanto a cereais e como é o caso italiano. São seis ou sete exemplos, todos da Europa do Mercado Comum, e, inclusivamente, seria útil que na sua digressão histórica nos contasse como foi feita a transição destes organismos para organismos, agora, de intervenção, nos puros termos comunitários.
Aplausos da ASDI, do PS e da UEDS.
O Sr. Presidente: - Antes de dar a palavra ao Sr. Deputado Castro Caldas, queria pedir ao Sr. Deputado Nunes Rodrigues dos Santos o favor de me substituir por uns momentos.
Tem a palavra o Sr. Deputado Castro Caldas.
Assumiu a presidência o Sr. Deputado Nuno Rodrigues dos Santos.
O Sr. Castro Caldas (PSD): - Graças a Deus que me encontro permanentemente em divergência com o Sr. Deputado Magalhães Mota desde há muito tempo. Portanto, os frutos da controvérsia com o Sr. Deputado datam de há longo tempo.
O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?
O Orador: - Sr. Deputado, eu estou no uso da palavra.
O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Era só para dizer que estou muito feliz por essas divergências, depois de ter ouvido o seu discurso.
O Orador: - Eu nunca fui Ministro do Comércio e, portanto, não tenho responsabilidade nenhuma nessa estrutura. O que devo dizer ao Sr. Deputado Magalhães Mota é que foi uma pena que ele não tivesse ouvido o meu discurso todo, porque, se o tivesse feito, teria visto que eu comecei precisamente pelo monopólio das moagens. Conheço bem isso, e historicamente é muito interessante verificar que uma das únicas vezes em que foi aplicada em Portugal uma lei anticartel foi precisamente para desmantelar o monopólio das moagens. Se o Sr. Deputado quiser, eu conto-lhe a história, que é muito interessante, até esteticamente.
Uma vez que o Sr. Deputado me pediu para eu ler, ou transcrever, o preâmbulo do Decreto-Lei n.º 22 871, fá-lo-ei referindo que o fiz no meu discurso:
Estabelecia-se a sindicalização obrigatória dos produtores e impunha-se-lhe uma direcção superior do Estado, considerada legítima e justificável, porquanto a vida do produtor de trigo estava, pela sua natureza, intimamente ligada à vida do próprio trigo, e este não tinha liberdade, vivia ao abrigo de uma legislação proteccionista, inteiramente condicionada pela intervenção do Estado.
Quando há pouco vi o Dr. Magalhães Mota abrir um livro e falar na reflexão que o Doutor Salazar escreveu sobre o trigo e sobre a análise do trigo, estava à espera que ele abrisse um outro ensaio, muito mais esclarecedor e muito mais interessante para o nosso debate, que se chama «A crise das subsistências», que vem publicado no volume n.º 4 do Boletim da Biblioteca da Faculdade de Direito de Coimbra.
O Sr. Carlos Lage (PS): - Que erudito!
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O Orador: - É interessante verificar que, nesse estudo, o Prof. Doutor Oliveira Salazar meditava com bastante seriedade sobre estes problemas e defendeu uma teoria de liberalização que, quando se encontrou no Poder, não aplicou. E não aplicou, assumindo na estrutura do corporativismo português o modelo da campana del grano moussoliniana. Portanto, as origens daquilo que os senhores hoje defendem da estrutura de comercialização cerealífera encontra-se num discurso de Moussolini que começa assim: «Questa la guerra que noi preferiamo [...]»
Risos e aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
Aliás, o coronel Linhares de Lima não inventou nada, ele limitou-se, na altura, a importar os esquemas italianos e a experiência adquirida na chamada «Reforma Agrária do Fiume». Portanto, se, de facto, pretende debater historicamente comigo essas questões, que considero interessantes, até porque o fascismo italiano oferece lugar a amplas meditações, assim como o fascismo português, dir-lhe-ei que também gostaria de discutir esses assuntos consigo.
O que eu não posso aceitar é que o Sr. Deputado Magalhães Mota me venha dizer o que disse sobre o Instituto dos Cereais, que recebeu funções de organismos de coordenação, que recebeu funções de federações corporativas, que recebeu tudo em 1972, no chamado «consulado caetanista», o que, para mim, é também interessante diagnosticar politicamente das razões por que o terá feito, talvez porque a Federação Nacional dos Produtores de Trigo na altura fosse um grupo de pressão incómodo para a chamada «liberalização caetanista». Talvez o Sr. Deputado encontre aí algumas das explicações para o «monstro» que era o Instituto dos Cereais.
Esta é a explicação histórica que gostaria...
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
O Sr. Presidente: - Terminou o seu tempo, Sr. Deputado.
O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Para que efeito?
O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - É para um protesto.
O Sr. Presidente: - Faça favor.
O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Quero fazer um curtíssimo protesto, que é a forma regimental à minha disposição.
Não queria deixar que o Sr. Deputado Castro Caldas perdesse a oportunidade, por falta de tempo, de explicar quais são os organismos de intervenção em matéria de cereais existentes na CEE e quais são as suas ligações com o fascismo italiano, com o discurso de Moussolini e com outras matérias em que é especialista.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Castro Caldas.
O Sr. Castro Caldas (PSD): - Sr. Deputado, quando desconheço, tenho a humildade de confessar que desconheço. Eu não sou um especialista de integração europeia. Se o fosse, falaria daquilo que sei, mas, como o Sr. Deputado Magalhães Mota tem à sua frente os textos - tenho alguns dentro da minha pasta que poderei ler, não sei de cor e não gosto de afirmar coisas que não sei e, portanto, humildemente confesso, que não sei -, poderia esclarecer a Assembleia.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel da Costa.
O Sr. Manuel da Costa (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Senti alguma curiosidade em ouvir a intervenção do Sr. Deputado Castro Caldas, dado que, hoje de manhã, em conversa informal e amistosa, ele me terá dito, após a minha intervenção, que gostosamente, da parte da tarde, me iria demonstrar que eu não tinha razão nos argumentos que invoquei.
Por falta de disponibilidade momentânea, não pude assistir ao início da sua intervenção, o que lamento, mas houve algumas partes da sua intervenção que me levantam algumas objecções.
E mais: nos esclarecimentos que prestou aos outros colegas que intervieram foi mais explícito e, ao mesmo tempo, comprometeu-se um pouco mais com as suas preocupações, algumas idênticas às minhas.
Mas quero referir-lhe inicialmente a questão que pôs quando diz que o Estado é mau negociador. O Estado pode ser considerado uma entidade abstracta, mas o Governo, que tem a responsabilidade de dirigir esse Estado, não pode argumentar nestes termos. Senão, quem é que vai ou quem é que foi e quem é que irá negociar com o FMI? Quem é que vai negociar a adesão à CEE? Se é mau negociador, então, terá, com certeza, de pedir a alguém que, por si, faça essa negociação.
Penso que isso corresponde também a uma certa confusão que faz de empresa pública, de repartição pública e até de serviço público, porque parece-me querer confundir o funcionário de uma empresa pública com o simples funcionário público. Diz que esse funcionário está limitado nas suas decisões porque está sempre dependente de quem decide acima de si. Pergunto-lhe se entende que uma empresa pública deve ter autonomia, tanto jurídica como patrimonial, como financeira. E, se assim for, entende que, mesmo assim, o funcionário dessa empresa está limitado nas suas decisões? Eu penso que o problema passa efectivamente por aí. É se a empresa pública é, na verdade, uma entidade com autonomia suficiente para que os seus funcionários estejam à vontade nos actos que realizam, fundamentalmente aqui, na questão de negociação.
Quando diz que o Governo se dispõe a apresentar uma lei quadro da concorrência -e o Governo diz que sim, que apresenta -, então como é que depois vai lá encaixar as normas de concorrência que já acompanham este diploma? Não acha que, efectivamente, essa lei de concorrência devia anteceder a elaboração deste diploma?
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Castro Caldas, para responder.
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O Sr. Castro Caldas (PSD): - Com todo o gosto, apesar de estar a monopolizar a constante intervenção, eu devo dizer que partilho sentidamente das preocupações que o meu colega socialista aqui manifestou na defesa de interesses de agricultores, e sei que isso é uma preocupação que ele tem sentido e que é uma preocupação que tem de estar directamente ligada a todos os quadrantes políticos nesta Assembleia. Nisso estamos solidários, e sabe, por conversas que temos tido nesta matéria, que assim é também comigo.
No tocante à minha preocupação em relação às regras da concorrência, quero reafirmar-lhe que entendo que o constante do artigo 85.º do Tratado de Roma, que define as regras da concorrência aplicáveis às empresas, é o conceito mais formalmente bem elaborado que existe na definição do que são práticas de monopólio e de cartel e que, portanto, ele deve ser recebido na ordem interna jurídica portuguesa.
Entendo que o articulado da lei que prevê a regulamentação de infracções às normas da concorrência, que se encontra no articulado do Governo, não colide nem contende, de forma alguma, com a formulação, que no meu entender é mais correcta, do artigo 85.º do Tratado de Roma. Isto, para lhe responder, aquilo que eu considero como essencial à formação das regras da concorrência. Uma economia não pode funcionar sem uma lei da concorrência, pois é um elemento essencial.
No tocante à crítica que eu faço aos funcionários, Sr. Deputado, sejamos realistas. Qual a liberdade e a responsabilidade de um gestor público neste país? Quantos governos não puseram e não tiraram gestores públicos? Como podem as decisões de um gestor público ser ditadas única e exclusivamente por aquilo que considera como correcto e necessário à gestão na sua empresa, sem ter sempre atrás de si...
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: -... o temor de a sua actividade poder vir a ser julgada de maneira diferente?
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Campos.
O Sr. António Campos (PS): - Sr. Deputado Castro Caldas, gostei de ouvir a resenha histórica que fez, no entanto, fiquei preocupado com algumas omissões. Omitiu a história do Augusto de Castro, e eu gostaria de saber quem é que, dentro da maioria, quer desempenhar o papel do Augusto de Castro e qual é o jornal em lançamento para a defesa dos interesses dos moageiros. Porque passou em falso essa parte e como gostei da resenha histórica que fez, pedia-lhe que a desenvolvesse.
Mas vamos a questões mais sérias. O Sr. Deputado defendeu que era preciso reconverter o sector agrário, ao contrário do que disse hoje o Sr. Ministro de Estado, quando pretendeu fazer crer aos parlamentares que esta lei podia incentivar a produção cerealífera, o que não é verdade, porque ela vai, de facto, fazer baixar rapidamente a produção de cereais. Devo dizer-lhe que concordo que é preciso reconverter o sector agrário, e as forragens têm nisso um papel importante como alternativa, aliás como os cereais secundários.
Mas eu queria perguntar ao Sr. Deputado se pensa que primeiro se liquidam os produtos e depois se reconverte o sector. No fim de contas, é essa a filosofia subjacente à intervenção que o Sr. Deputado acabou de fazer.
Outra questão é a seguinte: o Sr. Deputado anunciou-nos que estava na Portugal e Colónias e, portanto, está dentro dos convénios. Ora, nós estamos desejosos para saber alguma coisa sobre eles, e o Sr. Deputado é dos homens melhor colocados neste hemiciclo para nos dar conhecimento dos convénios existentes entre a Portugal e Colónias, a Triunfo e as multinacionais. Ficaria grato ao Sr. Deputado se nos desse alguns esclarecimentos sobre a forma como foram feitos esses convénios em Maio de 1980, muito antes de sair legislação sobre esta matéria, que só agora está a ser discutida.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Castro Caldas.
O Sr. Castro Caldas (PSD): - É evidente que eu esperava que o Sr. Deputado António Campos me pusesse estas três ordens de questões, mas temo que o tempo de que disponho para lhe responder não seja suficiente. No entanto, se quiser, dou-lhe a informação em particular, no caso de d meu tempo terminar antes de eu concluir.
No tocante ao Dr. Augusto de Castro, devo dizer-lhe que, de facto, o monopólio dos moageiros em 1920 comprou o Diário de Notícias exactamente porque não suportou a campanha que João Pereira da Rosa fazia em O Século.
Mas nunca ninguém conseguiu comprar João Pereira da Rosa, e isto é um ponto de vista que legitima a liberdade de expressão, a concorrência e a diversidade de opiniões, que foi essencial para João Pereira da Rosa continuar a denunciar o escândalo das moagens.
O Sr. Sousa Marques (PCP): - E para o Diário de Notícias também, assim como para o Augusto de Castro e para o fascismo. Nós compreendemos!
O Orador: - Isto apenas para explicar como foi adquirido o Diário de Notícias, e espero que compreendam por que é que os industriais de moagem compraram esse jornal, como compraram cerca de 72 padarias em Lisboa.
Quanto ao segundo ponto que focou, se existe diversidade de opiniões nesse domínio, a minha convicção é a seguinte: de facto, aos industriais de moagem são necessários trigos rijos e exóticos, que Portugal não produz. O território português não tem aptidão, na generalidade da sua área cerealífera, para produzir estes tipos de trigos que interessam à indústria. Isto é certo, Sr. Deputado, como é certo que a única maneira que os cultivadores e o País têm de romper o bloqueio do oligopólio internacional - porque realmente se trata de um oligopólio internacional - é diversificar os cereais pani-
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ficáveis, o que significa cultivar terrenos que não são aptos à cultura de trigo com outros tipos de culturas cerealíferas.
Quando eu falo em diversidade de cereais panificáveis, não falo em diversidade de cultivares, mas sim em diversidade de cereais panificáveis. E referi o trigo forrageiro porque ele é também essencial à diversificação do aprovisionamento proteico do povo português, pois é necessário que o povo português passe a comer proteína animal, alimentada por outros tipos de forragens, que não seja dependente da importação de milho pago com dólares.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - É este o cerne da questão cerealífera, é este o cerne da revolução que é preciso fazer para destruir o latifúndio, porque ele não será destruído se isto não se fizer. Quando me pôs este problema, eu pensei no problema do ovo e da galinha. É preciso começar-se por algum lado, porque o que está não está certo, Sr. Deputado!
Aplausos do PSD, do PPM e de alguns deputados do CDS.
Não tenho tempo para expor os protocolos, mas, visto a Câmara estar altamente interessada na matéria de protocolos, vou adiantar alguma coisa.
É evidente que a formulação do programa eleitoral da Aliança Democrática fará antever aos intervenientes no mercado a possibilidade da liberalização, e todos esses intervenientes, quer sejam industriais, quer sejam grossistas, quer sejam importadores, quer sejam representantes do mercado oligólico...
O Sr. Presidente: - Acabou o seu tempo, Sr. Deputado.
O Sr. António Campos (PS): - Peço a palavra, para um protesto, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado. Dispõe de dois minutos.
O Sr. António Campos (PS): - Sr. Deputado, desculpar-me-á, mas a figura de protesto é a única figura regimental ao abrigo da qual eu posso usar da palavra agora, não só para lhe dar tempo para acabar de responder, mas também para lhe pôr mais duas questões.
Coloquei-lhe a questão de saber qual era o candidato da AD para ocupar o lugar do Augusto de Castro. Gostaria que nos dissesse isso na sua resenha histórica, actualizando-a.
Quanto a João Pereira da Rosa, que foi um homem que participou na organização do golpe do 28 de Maio, não estou muito interessado nessa questão.
Mas, realmente, o que eu queria que referisse era a parte que diz respeito ao convénio, que, para mim, é a parte mais importante de tudo o que referiu, e o meu protesto é apenas no sentido de arranjar tempo para o Sr. Deputado explicar a esta Câmara como é que, tendo sido feito esse convénio com tanta antecipação, ele coincide com o diploma que está em discussão.
Este diploma só dá garantias aos moageiros; foram só os moageiros que, em 1980, fizeram esse convénio - e, como sabe, há outros cereais, que, aliás, são até em maior número, como é o caso do milho - e só os moageiros é que se organizaram, em 1980, vindo agora este diploma para responder a esses interesses.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Castro Caldas.
O Sr. Castro Caldas (PSD): - Devo dizer-lhe que a primeira questão que me voltou a colocar se trata de uma magna questão e eu temo que ela fique mal explicada com o pouco tempo de que disponho. Mas vou tentar ser sucinto.
Se o Sr. Deputado António Campos me imputa a mim a candidatura a sucessor de Augusto de Castro, desde já lhe digo que não sou candidato ao lugar, ainda que os meios de comunicação oficiais hoje não sejam os escritos, mas os áudio-visuais.
Pergunta-me o Sr. Deputado por que é que só os moageiros fizeram convénios. É muito simples: porque os moageiros são, de facto, a fracção mais antiga do capital nacional com capacidade de organização. Sobreviveram a muitas crises e, portanto, têm uma capacidade de resistência e de organização que não se compadece com os pobres dos produtores. E, quando lhe transmito o teor das minhas preocupações no tocante à organização da produção, essas preocupações são sinceras, porque essa gente precisa de apoio do Estado, essa gente precisa de ver os seus legítimos interesses acautelados num mercado que é violento.
Os moageiros fizeram convénios com importadores. Os importadores já operavam em Portugal, e operavam até de uma maneira muito simples: não pagando contribuição industrial, apenas tinham pois um escritório e um telex, dando as ordens de compra quando sabiam que a EPAC era compradora. O negócio é muito mais lucrativo, ninguém sabe os seus montantes ninguém sabe os montantes dos seus cash-flows nem os montantes dos lucros que auferiam com essas transacções.
Portanto, conhecendo a mecânica de operar de um broker-trader internacional, devo dizer que prefiro mais o esquema do telex e do estanco na esquina de uma escada do que o instrumento notarial publicado no Diário da República que permite aos Srs. Deputados virem aqui discutir sobre os montantes de capital empatados.
Esta é que é a realidade. Os grandes traders internacionais já cá estão desde 1911 e desde então sempre operaram, e esse é que é o problema.
O facto de existir um operador exclusivo, como é o caso da EPAC, que adquire a sua produção aos brokers - e no caso da EPAC nem um só broker tinha em Chicago, adquiriu os cereais às pessoas quê tinham um telex em Lisboa -, torna a EPAC um instrumento vulnerável na mão desses operadores, que têm sistemas de informação computadorizados, altamente sofisticados, que dominam o mercado do schipment e sabem quando vem o petroleiro ...
Aplausos do PSD, do PPM e de alguns deputados do CDS.
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O Sr. Presidente: - Esgotou o seu tempo, Sr. Deputado.
Antes de dar a palavra ao orador que se segue na ordem das inscrições, dou a palavra ao Sr. Deputado Lopes Cardoso, para fazer um ponto de ordem à Mesa, segundo creio.
O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, não se trata propriamente de fazer um ponto de ordem à Mesa, mas sim para comunicar à Câmara, se o Sr. Presidente mo permitir, que os grupos parlamentares que integram a FRS irão entregar na Mesa o requerimento para que seja colocado ao Plenário o pedido de convocação de uma reunião da Assembleia, em sessão extraordinária, na próxima terça-feira, para apreciação do pedido de inquérito que foi esta tarde apresentado pelos mesmos grupos parlamentares.
O Sr. Sousa Marques (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?
O Sr. Sousa Marques (PCP): - Para uma breve interpelação à Mesa, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Faça favor.
O Sr. Sousa Marques (PCP): - Nos apoiamos esta iniciativa dos partidos que integram a FRS e também nós apresentaremos um pedido de inquérito parlamentar nesta Assembleia.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não tenho qualquer observação de fundo a fazer relativamente ao que acaba de ser comunicado, mas, sobre aspectos formais, a Mesa entende dever ponderar este problema, e, como já está estabelecido que amanhã haverá reunião, ele será ponderado por todos nós, eventualmente na Conferência dos Presidentes dos Grupos Parlamentares.
em a palavra o Sr. Deputado Nicolau de Freitas, para proceder à leitura de um relatório da Comissão de Regimento e Mandatos.
O Sr. Nicolau de Freitas (PSD): - É do seguinte teor:
Comissão de Regimento e Mandatos
Relatório e parecer
Em reunião realizada no dia 8 de Julho de 1981, pelas 16 horas e 30 minutos, foram apreciadas os seguintes substituições de deputados solicitadas pelo Partido Socialista:
Parcídio Matos Summavielle Soares (círculo eleitoral de Braga) por António Magalhães da Silva (esta substituição é pedida por mais um período, até ao próximo dia 13 de Outubro, inclusive);
Francisco Soares Mesquita Machado (círculo eleitoral de Braga) por Vergílio Fernando Marques Rodrigues (esta substituição é pedida por mais um período, até ao próximo dia 13 de Outubro, inclusive).
Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha, verificou-se que os substitutos indicados são realmente os candidatos não eleitos que devem ser chamados ao exercício de funções, considerando a ordem de precedência da respectiva lista eleitoral apresentada a sufrágio pelo aludido partido no concernente círculo eleitoral.
Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis.
Finalmente, a Comissão entende proferir o seguinte parecer:
As substituições em causa são de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.
O presente relatório foi aprovado por maioria, com a abstenção do deputado da União Democrática Popular.
A Comissão: Presidente, Mário Júlio Montalvão Machado (PSD) - Vice-Presidente, António Cândido Miranda Macedo (PS) - Secretário, José Manuel Maia Nunes de Almeida (PCP) - António Duarte e Duarte Chagas (PSD) - Mário Marques Ferreira Maduro (PSD) - Nicolau Gregório de Freitas (PSD) - Valdemar Cardoso Alves (PSD) - Armando dos Santos Lopes (PS) - João Alfredo Félix Vieira Lima (PS) - Bento Elísio de Azevedo (PS) - Maria José Paulo Sampaio (CDS) - Jorge Manuel Abreu de Lemos (PCP) - Fernando de Almeida Sousa Marques (PCP) - António Cardoso Moniz (PPM) - Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho (ASDI) - Mário António Baptista Tomé (UDP).
O Sr. Presidente: - Vamos votar o relatório que acaba de ser lido.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade (registando-se a ausência da UDP).
O Sr. Presidente: - Antes de dar a palavra ao orador que se segue, o Sr. Deputado Soares Cruz, a solicitação do Sr. Presidente da Comissão de Revisão Constitucional, informa os Srs. Deputados que integram a mesma Comissão que a Mesa da Comissão está convocada para segunda-feira, às 17 horas, e que está convocado o seu plenário para terça-feira, às 10 horas.
Informo também que fica desconvocada a reunião de amanhã, dia 9, da mesma Comissão e que esta convocatória é feita sem prejuízo das reuniões normais que se efectuarão quarta-feira e quinta-feira conforme consenso do plenário da Comissão. Este o pedido do Sr. Presidente da Comissão de Revisão Constitucional que fica transmitido.
O Sr. Sousa Marques (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?
O Sr. Sousa Marques (PCP): - Sr. Presidente, a culpa deve ser minha mas eu não percebi o que o
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Sr. Presidente anunciou. A Mesa da Comissão vai funcionar segunda-feira e, terça-feira? Desculpe, Sr. Presidente, mas eu não percebi.
O Sr. Presidente: - Não, Sr. Deputado. Para segunda-feira, às 17 horas, está apenas convocada a Mesa da Comissão e para terça-feira, às 10 horas, está convocado o seu plenário.
O Sr. Sousa Marques (PCP): - Sr. Presidente ...
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, V. Ex.ª discutirá isso noutra altura, agora vamos continuar com a nossa ordem de trabalhos porque não é no Plenário que se discutem as convocatórias das comissões.
Acabei de transmitir o que me foi pedido e portanto não tenho mais nada a dizer. V. Ex.ª terá a bondade de falar com o Sr. Deputado Borges de Carvalho - que é o presidente da Comissão em causa - e discutir com ele esse assunto.
Tem a palavra o Sr. Deputado Soares Cruz para uma intervenção.
O Sr. Soares Cruz (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Antes de produzir a intervenção que tenho entre mãos gostaria de informar a Câmara que ela é da total responsabilidade do meu colega de bancada engenheiro Carvalho Cardoso que só não a produz porque foi acometido de doença súbita ontem ao fim da tarde e, portanto, no seu impedimento físico, fá-lo-ei com muito gosto. No entanto, gostaria de sublinhar que quer eu pessoalmente quer a bancada do CDS, subscrevemos inteiramente todas as ideias nela contidas.
O Sr. Soares Cruz (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Traz o Governo a esta Assembleia uma proposta de lei pela qual pretende ficar autorizado a alterar os regimes de comercialização de cereais e de ramas de açúcar, eliminando a situação de exclusivo vigente para esses produtos.
Não podia o Governo tomar outra atitude, atendendo ao parecer da Comissão Constitucional, sancionado pela Conselho da Revolução, de considerar o decreto-lei sobre essa matéria, oportunamente aprovado em Conselho de Ministros, ferido de inconstitucionalidade orgânica, aliás o único problema de constitucionalidade que foi possível detectar nesse diploma.
É obrigação do Governo e da maioria parlamentar que o apoia tudo. fazerem para que os seus programas, quer do Governo quer da Aliança Democrática, sejam cumpridos sem hesitações dentro dos prazos neles previstos e enquadrados nas grandes opções do Plano oportunamente aprovadas.
Ora, consta desses documentos a clara decisão de aumentar a participação e responsabilização dos vários sectores económicos nacionais nos mercados dos produtos agora em causa e de obter, a curto prazo, formas desbloqueastes e incentivadoras da produção primária nacional.
Mesmo sem ter em conta os factos decorrentes da próxima adesão de Portugal à Comunidade Económica Europeia, existe um alargado consenso nos partidos democráticos representados nesta Assembleia de que os monopólios, sejam de Estado sejam de índole privada, não deverão ser consentidos, face aos seus reconhecidos e perniciosos defeitos.
Não vemos, por isso, qualquer justificação para que o nosso país se mantenha, por mais tempo, incluído no reduzido grupo de países em que a importação de cereais é monopólio estatal. Nesse grupo restam apenas os países do Leste Europeu de economia centralizada e alguns do chamado Terceiro Mundo. Nenhum dos países do mundo ocidental, sejam os seus governos de direita, do centro ou de esquerda, admite tais monopólios e todos fazem funcionar normalmente os mecanismos da economia de mercado.
É evidente que o arranque de um processo de liberalização de mercado não se faz sem alguns riscos, nomeadamente o da substituição de um monopólio por outro de sinal contrário ou por alguns oligopólios.
Resta saber se se irão tomar todas as providências para minimizar, até aos limites do possível, todos os riscos previsíveis.
Estamos em crer que sim, até porque o diploma que o Governo se propõe aprovar sofreu já os aperfeiçoamentos que a intensa participação de todos os interessados, em boa hora empreendida, lhe permitiu introduzir.
Analisemos rapidamente alguns desses riscos e vejamos como os combater.
O risco da substituição de um monopólio por um ou mais oligopólios tem que ser considerado afastado, não só porque o Governo fará acompanhar ou preceder as medidas de liberalização do comércio por regras e normas de efectiva defesa da concorrência, mas também porque instalará uma comissão de gestão do mercado de cereais que vigiará todos os abusos que uma ou mais empresas queiram empreender. E não temos dúvidas que o processo irá ser acompanhado atentamente por todos nós, deputados, o que será muito facilitado por ele se ir implantar de forma lenta e gradual.
Julgo que o temor, ainda prevalecente, de destruição da EPAC, uma das mais poderosas e capazes empresas públicas, e do perigo de desemprego de alguns dos seus 2000 trabalhadores, já não tem razão de ser. A tripla missão que lhe é agora outorgada, de organismo de intervenção, de empresa prestadora de serviços e de empresa comercial em plena concorrência com quaisquer outras, garante-lhe uma actividade e uma projecção que, apoiadas na especialização dos seus quadros e na capacidade dos seus restantes trabalhadores, a guindarão com facilidade a posição invejável e imbatível.
Penso até que a sua missão de prestação de serviços no domínio do aluguer das suas instalações tenderá a reduzir-se, dado que elas são, desde já, insuficientes para o abastecimento do País, pelo que as empresas que se vierem a criar terão fatalmente de investir na construção das suas próprias infra-estruturas, quer portuárias, quer de armazenagem, quer industriais, porque as da EPAC acabarão por ter de ser exclusivamente só para ela.
O principal objectivo da liberalização que se quer iniciar é, como já foi referido, o de incentivar a produção nacional.
Todos sabemos quão elevado é o défice da nossa produção de cereais. Em 1980 importámos 800 000 t de trigo e 2 milhões de toneladas de milho, o que adicionado às quantidades de sorgo, arroz, centeio, cevada e sementes montou a cerca de 40 milhões de contos.
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Pretende-se que o novo regime de comercialização promova a produção, quer do ponto de vista quantitativo quer do qualitativo, através da melhoria dos preços oferecidos ao produtor.
Mas é sobejamente conhecido que, neste caso específico, não se alcançarão os objectivos desejados pela mera via dos preços, impondo-se forte apoio dos serviços do MAP. Designadamente, salientam-se as seguintes acções: importação imediata das sementes de melhores variedades já testadas e ainda não em multiplicação; aceleração do estudo de novas variedades, cuja qualidade seja aferida pelos padrões da CEE e sua multiplicação para cedência aos agricultores; difusão das tecnologias de produção mais adequadas, nomeadamente através da introdução de um autêntico seguro de colheitas que garanta um mínimo de rendimento por hectare; intenso apoio ao associativismo dos cerealicultores no domínio da comercialização para que não fiquem na dependência exclusiva dos grossistas intermediários; combate à tendência que porventura possa surgir para, por força de melhores preços ocasionais, alargar de novo a cultura do trigo a solos impróprios para ela.
O novo regime de comercialização de cereais que se pretende implantar não é nem poderá ser ainda o de total liberalização do mercado porque, dado que ainda se mantém uma política de subsídios ao pão, não existirá a desejada transparência daquele.
Começar-se-á, pois, por uma partilha do mercado, caminhando-se, a pouco e pouco, para a liberalização plena. Por um lado, até é bom que assim aconteça para gradualmente se poderem ir adaptando todas as estruturas sem sobressaltos de maior e com minimização dos riscos. Aliás, previa-se que no primeiro ano apenas 3,5 % dos cereais consumidos fossem comercializados fora do sistema actual.
Mas a própria entrada em vigor do novo regime, já com a campanha de 1980-1981 em marcha, irá dar ainda mais tempo mesmo para as primeiras adaptações, dado que nada já se poderá reportar, obviamente, a l de Julho de 1981, e não poderá haver interrupção das operações em curso.
Uma das preocupações de alguns dos críticos do sistema reside na possibilidade de fraudes para dupla ou múltipla recolha de subsídios ou de falseamento de tempos para maximização de subsídios ou minimização de prélèvements. Julgo que todos esses tipos de abusos são sobejamente conhecidos nos países da CEE onde se têm criado as formas adequadas de os combater. Não haverá mais a fazer, pois, do que conhecer essas formas e de as pôr em actuação desde a primeira hora. Jamais um sistema se deixou de montar por risco de fraudes, quando estas podem ser combatidas com relativa facilidade.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: De forma muito sucinta referi alguns problemas que a liberalização do mercado de cereais irá levantar e que preocupam muitos de nós e tentei apontar algumas modalidades pelas quais, em meu entender, eles poderão ser torneados. Mesmo que nem todos o sejam de forma integral, penso que as vantagens de introdução do novo regime de comercialização de cereais, quer para os produtores quer para os consumidores, irão superar largamente as possíveis desvantagens.
Porque estamos seguros disso, porque acreditamos na capacidade de realização do Governo, porque este não pode deixar de cumprir o programa que elaborou e a que se devotou, e porque os superiores interesses nacionais assim o exigem, depois de se terem tomado todas as cautelas aconselháveis, o Grupo Parlamentar do CDS irá votar favoravelmente a proposta de lei n.º 55/II, que concede ao Governo autorização legislativa para alterar os regimes de comercialização de cereais e de ramas de açúcar.
Aplausos do CDS, do PPM e de alguns deputados do PSD.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos inscreveram-se os Srs. Deputados Lopes Cardoso e Octávio Teixeira.
Tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso. Dispõe de três minutos.
O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Começo por lamentar muito sinceramente que o Sr. Engenheiro Carvalho Cardoso não possa estar aqui presente para participar neste debate e também muito sinceramente peço aos seus colegas de bancada que lhe transmitam os meus votos de rápidas melhoras.
Isto coloca-me numa situação um pouco falsa porque, no fundo, estou a levantar questões na ausência do autor do texto que nos foi aqui comunicado. Porém, por outro lado, este facto também não pode impedir que o debate prossiga.
No entanto, vou-me limitar a uma única questão, embora tivesse muitas outras a pôr.
Diz-se a certa altura que o principal objectivo do novo regime cerealífero é o de incentivar a produção. Creio ter trazido aqui algumas achegas no sentido de demonstrar exactamente o contrário e creio também que já outros deputados se pronunciaram nesse sentido. Assim, perguntaria aos Srs. Deputados da bancada .do CDS, uma vez que não está cá o autor do texto que nos foi lido, o seguinte: em quê, como e porquê se pode afirmar que este regime é incentivador da produção agrícola?
E não me venham falar em toda a série de medidas que podem ser entendidas como incentivadoras da produção agrícola e que são enumeradas na intervenção que nos foi lida e que, obviamente, nada têm a ver com o regime que agora é proposto.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Soares Cruz, deseja responder já ou responde no final às duas interpelações?
O Sr. Soares Cruz (CDS): - Respondo no final, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Então tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Deputado Soares Cruz, sou também obrigado a pôr-lhe algumas perguntas embora a intervenção que acabou de ler não seja sua. Vou tentar ser o mais possível sucinto e concreto para não lhe criar muitos engulhos nas respostas.
Pôr-lhe-ei três questões muito concretas. O Sr. Deputado referiu que houve uma intensa participação de
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todos os interessados na elaboração do projecto que nos foi apresentado e eu queria saber, concretamente, quais as organizações da lavoura e quais as associações de moagem que foram consultadas para a elaboração deste decreto.
Referiu ainda que as empresas que vierem a intervir no mercado de comercialização de cereais terão de construir as suas próprias infra-estruturas, nomeadamente as portuárias. Sr. Deputado, perante a afirmação do Sr. Ministro de Estado proferida esta manhã relativa ao silo em construção na Trafaria e dos 6 milhões que se gastarão nesse silo, eu gostaria de pôr a seguinte questão: o CDS está contra a posição assumida esta manhã pelo Sr. Ministro de Estado em relação a esse caso concreto da utilização dos silos, nomeadamente dos silos portuários?
A determinada altura o Sr. Deputado referiu que se previa que no primeiro ano apenas 3,5 % dos cereais fossem comercializados fora do circuito normal - portanto, fora do circuito que neste momento pertence à EPAC - e esta afirmação foi ligada com algumas considerações feitas sobre o problema da repartição do mercado. A questão que gostaria de lhe colocar - e eu não sei se a referiu, mas se a referiu passou-me - era a seguinte: quem é que previa, que estudo ou que acordo é que previa que no primeiro ano apenas fossem comercializados fora do circuito normal 3,5 % dos cereais e onde é que se considerava essa repartição do mercado no futuro?
O Sr. Presidente: - Tem a palavra p Sr. Deputado Soares Cruz para responder aos pedidos de esclarecimento. Dispõe de seis minutos.
O Sr. Soares Cruz (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pelas razões que aqui invoquei antes de iniciar a leitura da minha intervenção, as minhas respostas não devem satisfazer convenientemente até porque não tive oportunidade de estudar os dossiers como gostaria para poder satisfazer dúvidas. No entanto, posso responder a algumas das questões que me foram postas.
Em relação à pergunta que o Sr. Deputado Octávio Teixeira me fez relativamente às organizações de lavoura que foram consultadas direi que é evidente que foram consultadas as organizações de lavoura conhecidas, as associações de agricultores etc.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Quais? Há muitas!
O Orador: - Quanto à construção das infra-estruturas é evidente - e isso foi referido na minha intervenção - que as infra-estruturas hoje existentes não chegam para as necessidades actuais e é evidente também - tudo leva a crer - que essas necessidades vão exigir a criação de novas infra-estruturas. E uma vez criadas novas entidades, que vão, de algum modo, intervir na comercialização dos cereais, é a elas que compete criar essas infra-estruturas porque as vão servir.
O Sr. Presidente: - Sr. Ministro Cardoso e Cunha, segundo a ordem de inscrições segue-se V. Ex.ª no uso da palavra. Pedia-lhe que informasse a Mesa sobre o tempo que V. Ex.ª necessita para fazer a sua intervenção.
O Sr. Ministro da Agricultura e Pescas (Cardoso e Cunha): - Sr. Presidente, penso que meia hora será suficiente.
O Sr. Presidente: - Então tenho de colocar o problema à Câmara porque V. Ex.ª não tem materialmente tempo para produzir a sua intervenção hoje visto que estamos a doze minutos do encerramento da sessão.
Srs. Deputados, há alguma objecção a que se encerrem agora os nossos trabalhos, continuando o debate amanhã às 10 horas com a intervenção do primeiro orador inscrito? Ou então, em vez de falar imediatamente o Sr. Ministro, poderá falar o orador que está inscrito a seguir a fim de aproveitarmos o tempo que ainda nos resta.
O Sr. Moura Guedes (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tenha a bondade.
O Sr. Moura Guedes (PSD): - Sr. Presidente, se o Sr. Ministro usasse agora da palavra far-se-ia apenas um pequeníssimo prolongamento pelo que eu sugeria que lhe fosse dada a palavra e que suspendêssemos os trabalhos em seguida para os reatarmos amanhã às 10 horas. No fundo, isso traduzia-se apenas num prolongamento de dez ou quinze minutos.
O Sr. Presidente: - Só vejo um problema no que o Sr. Deputado propõe: o Sr. Ministro anunciou que a sua intervenção levaria cerca de meia hora mas, regimentalmente, uma intervenção não pode ter mais de quinze minutos.
O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Faça favor.
O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Sr. Presidente, não vemos qualquer inconveniente em que o Governo use numa só intervenção o tempo total a que teria direito, ou seja, que some numa única intervenção o tempo a que teria direito para as duas, dado que pode usar da palavra duas vezes.
O Sr. Rui Pena (CDS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Faça favor.
O Sr. Rui Pena (CDS): - Sr. Presidente, era só para afirmar que me parecia de toda a conveniência ouvir ainda hoje o Sr. Ministro da Agricultura e Pescas e, portanto, queria fazer minhas as considerações do Sr. Deputado Magalhães Mota nesse sentido.
O Sr. Sousa Marques (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tenha a bondade, Sr. Deputado.
O Sr. Sousa Marques (PCP): - Sr. Presidente, estamos postos perante mais uma situação complicada porque, de facto, as intervenções não devem ultrapas-
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sar quinze minutos, mas nós não nos oporemos à interpretação bastante lata do Regimento feita pelo Sr. Deputado Magalhães Mota. Porém, cria-se aqui um problema que não é apenas nosso mas também do Governo.
Supuhamos que o Sr. Ministro fala meia hora e que há cinco ou dez deputados que lhe querem pedir esclarecimentos. Naturalmente que esses deputados terão todo o direito - pela importância da intervenção do Sr. Ministro da Agricultura, que o Sr. Deputado Rui Pena sublinhou - de fazer ouvir hoje as suas perguntas e nós teremos todos o direito de ouvir ainda hoje as respostas do Sr. Ministro a essas perguntas.
E com um mecanismo deste tipo, Sr. Presidente e Srs. Deputados, temo que nós não só ultrapassemos o limite das 20 horas que estava estabelecido por consenso mas também o limite das 21 horas que, também por consenso, tínhamos estabelecido para uma situação perfeitamente excepcional. É que se acontecer como aconteceu relativamente à intervenção do Sr. Ministro de Estado - só com as perguntas gastaram-se quarenta e cinco minutos e com as respostas outros quarenta e cinco minutos - nós não estaremos aqui apenas mais meia hora para ouvir o Sr. Ministro mas duas horas para ouvir a intervenção do Sr. Ministro, as perguntas que lhe forem feitas e as respectivas respostas.
O Sr. Presidente: - Se VV. Ex.ªs me permitem, penso que o que estaria no espírito dos proponentes das sugestões que foram ouvidas, tal como a Mesa as entende, era que o Sr. Ministro usaria da palavra ainda hoje e os Sr. Deputados que pretendessem fazer pedidos de esclarecimento poderiam inscrever-se imediatamente a seguir formulando-os apenas amanhã, logo após a abertura da sessão.
Creio que daí não se segue que o Sr. Ministro tenha de ser interpelado e que responda ainda hoje porque então iríamos prolongar a sessão para além de todos os limites convenientes.
Mas, Srs. Deputados, não vejo necessidade de estarmos a perder tempo com mais uma discussão processual.
VV. Ex.ªs estão ou não de acordo que o Sr. Ministro use da palavra juntando numa só intervenção o tempo que tem para duas?
O Sr. Sousa Marques (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Sousa Marques (PCP): - Sr. Presidente, não quero estar a atrasar os trabalhos da Assembleia, pelo que vou tentar ser rapidíssimo.
Para nós esta não é apenas uma questão processual; temos de ter em conta o Regimento desta Assembleia, temos de ter em conta os compromissos que assumidos na reunião dos lideres dos grupos parlamentares.
Se o Sr. Ministro falasse até às 20 horas nenhum de nós podia exigir fazer ouvir a sua voz depois dessa hora. Mas o Sr. Ministro anunciou uma intervenção de meia hora que ultrapassaria um compromisso feito na reunião dos grupos parlamentares e, a partir daí, por razões processuais, para além das razões políticas
que nós invocamos, exigimos que a voz dos deputados comunistas se faça ouvir depois da intervenção do Sr. Ministro.
Se outros deputados prescindem, isso não é connosco. Nós não prescindimos de fazer perguntas ao Sr. Ministro e de ouvir as suas respostas.
O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tenha a bondade, Sr. Deputado.
O Sr. Lopes Cardoso (UEDS):- Sr. Presidente, queria apenas dizer que, pela nossa parte, não nos oporemos a qualquer solução que for adoptada, com uma reserva apenas: se o Sr. Ministro da Agricultura usar hoje da palavra nós entendemos que nos deve ser dado o direito de lhe colocarmos também hoje as questões que entendermos.
Mas não seria preferível terminarmos agora os nossos trabalhos de hoje e o Sr. Ministro da Agricultura intervir amanhã no início da sessão?
Esta é a nossa sugestão, embora, pela nossa parte, aceitemos qualquer solução que for adoptada apenas com a reserva que referi, ou seja, se o Sr. Ministro fizer a sua intervenção hoje nós deveremos fazer, também hoje, os pedidos de esclarecimento que entendermos.
O Sr. Manuel da Costa (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tenha a bondade, Sr. Deputado.
O Sr. Manuel da Costa (PS): - Sr. Presidente, nós pensamos que o melhor é encontrarmos rapidamente uma saída para esta situação porque cada um a adiantar uma alternativa não resolve nada.
Não pomos qualquer objecção a que o Sr. Ministro fale hoje e que as perguntas se façam amanhã, mas também não pomos qualquer objecção a que hoje se façam as perguntas e que as respostas só sejam dadas amanhã. Pretendemos apenas que se encontre de imediato uma solução para sairmos desta situação de impasse.
O Sr. Presidente: - Pois é, já se gastaram sete minutos apenas a discutir-se o que se há-de fazer.
O Sr. Moura Guedes (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Faça favor.
O Sr. Moura Guedes (PSD): - Era apenas para dizer, muito rapidamente, que me parece razoável o ponto de vista de que se o Sr. Ministro falar ainda hoje - e nós entendemos que deve falar - também a oposição deve ter o direito de formular hoje as suas perguntas.
Assim, eu sugeria - porque penso que isto é absolutamente realizável até às 21 horas - que seja dada a palavra ao Sr. Ministro e que em seguida seja dada a palavra aos Srs. Deputados que se inscreverem para
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formularem as suas perguntas, tudo isto com o horizonte das 21 horas. Se porventura o Sr. Ministro não tivesse tempo para responder a todas as perguntas, elas seriam respondidas amanhã, de manhã.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, ponho só um problema a V. Ex.ªs que é o seguinte: desde que se inscreva o mesmo número de Srs. Deputados que se inscreveu para solicitar pedidos de esclarecimento ao Sr. Ministro de Estado, não vejo qualquer possibilidade de, no período de uma hora, o Sr. Ministro falar durante meia hora e os deputados pedirem esclarecimentos durante quarenta e cinco minutos.
Estamos a perder tempo ...
O Sr. Moura Guedes (PSD): - Sr. Presidente, se V. Ex.ª me permite, sugeria que o Sr. Ministro falasse durante a meia hora que solicitou e que fossem feitos pedidos de esclarecimento até às 21 horas. A essa hora a sessão seria encerrada e se houvesse ainda um ou dois deputados que pretendessem pedir esclarecimentos, formulá-los-iam amanhã de manhã e em seguida o Governo responderia a todas as perguntas.
O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Faça favor.
O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Sr. Presidente, eu secundo a proposta do Sr. Deputado Moura Guedes e insistia para que se pusesse imediatamente à consideração da Assembleia a aceitação das propostas que foram feitas.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, importa-se de repetir que a Mesa não teve ocasião de se aperceber da parte final da sua intervenção.
O Orador - Sr. Presidente, creio que estamos perante duas opções: a primeira seria o encerramento imediato dos trabalhos que recomeçariam amanhã às 10 horas; a segunda - e uma vez que julgo que todos estão de acordo que não há tempo até às 21 horas para o Sr. Ministro produzir a sua intervenção, para se fazerem os pedidos de esclarecimento e para o Sr. Ministro responder - a de que se prolongasse a sessão até às 21 horas, hora em que se suspenderiam os nossos trabalhos.
O Sr. Presidente: - Creio que esta situação está ultrapassada, pois acaba de dar entrada na Mesa um requerimento, subscrito por dez Srs. Deputados do CDS, que é do seguinte teor: «os deputados abaixo assinados requerem o prolongamento da sessão para além da hora regimental até termo da intervenção do Sr. Ministro da Agricultura e das perguntas que lhe vierem a ser formuladas».
O Sr. Sousa Marques (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Faça favor.
O Sr. Sousa Marques (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esse requerimento não pode ser aceite se o prazo que está aí indicado ultrapassar as 21 horas porque esse limite faz parte de um acordo prévio, faz parte de um consenso.
Nós aceitamos esse requerimento se for aí incluído o limite das 21, horas e, nesse sentido, apoiamos a sugestão do Sr. Deputado Moura Guedes.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, nós aceitamos o limite das 21 horas.
O Sr. Presidente: - Há portanto consenso em prolongarmos os nossos trabalhos até às 21 horas.
Tem a palavra o Sr. Ministro da Agricultura e Pescas.
O Sr. Ministro da Agricultura e Pescas (Cardoso e Cunha): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Permitam-me uma breve introdução adjectiva.
Estou neste lugar, perante vós, por dois factos. O primeiro facto por ter sido eleito, por duas vezes consecutivas, deputado a esta Câmara e, em segundo lugar, por, também, em dois Governos consecutivos ter sido encarregue - sem que para isso tivesse contribuído com qualquer esforço pessoal - das responsabilidades da pasta da Agricultura e Pescas.
Ouvi hoje, aqui na Câmara, falar muito de honra e dignidade. Para meu gosto, falou-se de mais. Tenho a convicção de que são valores que devem ser mais vividos do que falados.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - De qualquer forma, quero, de uma forma muito clara, dar o apoio - que na altura tive ocasião de expressar - à proposta que veio da oposição para que as acusações pessoais que aqui me foram feitas sejam sujeitas a inquérito parlamentar com a condição de se responsabilizar os seus autores caso os resultados provem ser difamatórios.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
É minha obrigação agradecer ao Sr. Ministro de Estado a clara cobertura que em nome do Governo me deu. Gostaria de lha devolver em qualquer altura que dela necessite e relembro o prazer que tive, o ano passado, em dar essa mesma cobertura ao Dr. Sá Carneiro, então sujeito a uma campanha de idêntico teor.
Espero e penso que me perdoarão se claramente aqui também expressar que quando qualquer dos membros do agrupamento político da coligação em que me integro - e que personifica um projecto político claro no uso das atribuições que esse projecto político lhes atribui pessoalmente - tiver necessidade da minha solidariedade, quero deixar bem claro que fica desde já expressa e antecipadamente consignada. Essa é a única forma, no meu fraco entender, de introduzir nos trabalhos que o povo português nos responsabilizou, a disciplina, a responsabilidade, o reflexa e a resposta à liderança de que tanto se fala. Peço à Câmara que, durante o decurso do inquérito parlamentar hoje aqui requerido, não deixe de ouvir todas as dezenas de técnicos de vários ministérios que durante ano e meio trabalharam na elaboração deste diploma. Exijo que sejam ouvidos um por um e que sejam pessoalmente inquiridos sobre se alguma vez,
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ca minha parte, de alguns secretários de Estado ou de algum outro membro do Governo receberam indicações tendentes a desvirtuar, a inflectir ou a orientar o projecto na base de protecções a qualquer interesse menos legítimo.
O Sr. Moura Guedes (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Considero a intervenção do Sr. Deputado Castro Caldas um modelo inteligente, activo e útil de suporte político.
As considerações genéricas que teceu de compreensão pela proposta de lei que o Governo aqui apresenta - compreensão também pelas circunstâncias que rodeiam o aspecto algo anormal desta sessão - corresponderam a uma grande simplificação do meu trabalho e quero reconhecer-lhe, muito expressamente, o meu acordo com o que disse, o meu agradecimento e o agradecimento do Governo, porque em apoios há que distinguir aqueles que são realmente úteis dos que, infelizmente, são apenas perda de tempo.
Estou de acordo com o Sr. Deputado Castro Caldas quando diz que, viciosamente, hoje perpassou por esta Sala a ideia de que estávamos a discutir o Estatuto da EPAC. Estamos de facto a discutir algo muito mais vasto de que a EPAC é parte importante mas não única.
Estamos a discutir a problemática geral dos cercãos em Portugal e não posso deixar de me referir aos 2000 trabalhadores da EPAC, a quem também quero, aqui, exprimir o respeito pela persistência, quanto mais não seja da sua luta, se bem que por vezes ela tenha disferido alguns golpes abaixo da cintura, persistência essa que é uma forma de afirmação democrática que o Ministério da Agricultura e Pescas, como tive ocasião de lhes expressar pessoalmente, também admira.
Curiosamente, todas as acusações, toda a campanha que interesses divergentes de vários quadrantes políticos, mais ou menos extremados, fizeram à posição do Governo, tiveram sempre o cuidado de reflectir incidências comerciais.
Tanto mais curioso é este facto que o projecto que nasceu em Janeiro do ano passado no Ministério da Agricultura e Pescas - muito antes de Maio, como referiu o Sr. Deputado António Campos e que é fruto de um processo lateral que o Ministério não controla - teve por objectivo fins eminentemente agrícolas, e é nessa perspectiva que o Ministério da Agricultura e Pescas o defendeu em Conselho de Ministros com a consciência da dificuldade da tarefa, dos interesses que naturalmente geria, de quanto custa em Portugal ou noutro país como o nosso mudar qualquer sistema de forma radical.
Uma voz do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Gostaria de dizer que considero infeliz a expressão vulgarizada de «liberalização do mercado de cereais». Eu próprio a terei empregue algumas vezes e gostaria de afirmar que o sistema que preconizamos e que defendemos se ajusta nitidamente a um sistema liberal.
O Sr. Moura Guedes (PSD): - Muito bem!
O Orador: - E ele está em consonância com o sistema da Comunidade Económica Europeia que, curiosamente, é seguido por países que não pertencem a essa comunidade mas esse princípio de intervenção activa das estruturas sociais em defesa da estrutura produtiva não pode, de forma nenhuma, considerar-se um sistema liberal.
O Sr. Moura Guedes (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Preferia chamar-lhe, simplesmente, novo regime de condicionamento do mercado de cereais, ou qualquer coisa equivalente.
É evidente que as críticas - e refiro-me às críticas substantivas que hoje aqui foram feitas por parte de vários quadrantes - são facilmente compreensíveis se as integrarmos em projectos ideológicos e em correntes de opinião. Pouparíamos muito tempo se considerássemos, à partida, que o projecto político em que se insere a proposta do Governo se distancia, logicamente, de projectos políticos, por exemplo, do Partido Comunista Português, o qual, certamente, o Ministro da Agricultura e Pescas não tem a mais longínqua esperança de os converter à sua posição.
O Sr. Sousa Marques (PCP): - Ainda bem! Ficamos muito satisfeitos, Sr. Ministro.
O Orador: - Ainda bem! Estamos de acordo.
Penso que foi suficientemente expresso durante o debate que o sistema actual não é defensável. É verdade, como diz o Sr. Deputado Lopes Cardoso, que algumas das medidas que neste momento temos em vista poderiam ter sido tomadas no velho sistema. Mas não o foram.
Existem circunstâncias de ordem histórica que não podem deixar de ser consideradas e é impressionante a análise das estatísticas, quer da produção, quer da importação de cereais, ao longo dos últimos anos.
O sistema monopolista de Estado, bem caracterizado com os seus antecedentes históricos, hoje e nesta Sala, não teve sequer, de facto, a dinâmica possível de permitir que uma elevada concentração da procura tivesse fisicamente alguma reacção sobre a oferta.
Uma voz do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Essa situação ultrapassa a vontade dos homens. Os sistemas têm energias próprias e presumo que na política é necessário contar com essas energias para facilitar o trabalho social que, naturalmente, custa esforço e custa dinheiro.
Pela abolia total do sistema transformador as fábricas transformadoras de cereais têm todo o interesse em laborar cereais importados, pois são de melhor qualidade e são-lhes fornecidos ao mesmo preço que o cereal nacional de má qualidade. Por que razão haveriam elas de pôr qualquer parte da sua energia ao serviço de um sistema do qual só irão colher aspectos negativos?
Curiosamente, o próprio Governo tem - é interessante assinalar isto - interesses directos na manutenção do sistema. Com efeito, fica mais barato, a curto prazo, o Fundo de Abastecimento suportar esquemas de importação liberal ou liberalizante de cereais mundiais do que preparar esquemas de incentivação da produção nacional.
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Por outro lado, a enorme distorção nas utilizações, provocada pelo artificialismo dos preços quer da matéria-prima quer dos produtos derivados, provocou incríveis crimes económicos, permitindo que a indústria de transformação laborasse a níveis de produtividade baixíssimos com elevadas perdas de cereal, que naturalmente contabilizava ao valor incentivado e bonificado que o sistema lhe fornecia.
Contrariamente a esta perspectiva, o sistema que tentamos preconizar baseia-se fundamentalmente numa clara transparência e num desenrolar de um processo económico que tenda a aproximar os produtos dos seus valores reais. Valores reais que estão em correlação não só com o seu conteúdo energético como com o seu custo de produção de forma a responsabilizar, efectivamente, todos os intervenientes de uma cadeia complexa daquilo que manuseiam, do quanto lhes custa e qual a obrigação social a tirarem desses produtos. Essa valorização real tem, naturalmente, efeitos induzidos, quer na produção, quer na transformação, que valorizamos dentro do nosso processo político, dentro do sistema que preconizamos.
Relativamente ao estímulo à qualidade, resultante de uma diferenciação de preços - considerado aqui, para lá da regra semelhante ou induzida pela política agrícola comum que tende a penalizar os cereais importados à custa de direitos pré-elevatórios -, há que ver, ainda, que a resolução do problema da falta de qualidade panificável da maior parte dos nossos trigos só poderá ser resolvida na base de uma valorização inferior dessa mesma matéria que permita despertar na indústria transformadora um interesse diferencial que permita utilizar a energia própria do sistema das pequenas moagens, racionalmente distribuídas no território com menos exigências tecnológicas, que podem, naturalmente, resolver o problema que até agora as administrações da EPAC, com a tutela do nosso governo e com as tutelas dos governos que nos antecederam, não foram capazes de resolver.
Outro ponto importante é a consideração de que os países se distinguem pela sua eficiência agrícola, claramente na duração do período de comercialização dos cereais. Com efeito, os países atrasados, de vergonhosos índices de produtividade como o nosso, tendem a concentrar a comercialização do cereal nos primeiros dias da campanha.
O agricultor não tem qualquer estrutura de conservação ou de transporte, não tem suporte financeiro, está afogado em compromissos, e enforca o seu cereal ao preço estatal, no primeiro dia que lhe for possível. Contrariamente, os países válidos agrícolamente, estendem, naturalmente, a campanha de comercialização por vários meses, porque as estruturas da produção, não só estão equipadas com investimentos fixos de armazenagem e de transporte, como existem, quer capacidades financeiras próprias, quer esquemas de crédito incentivadores dessa mesma realidade.
É evidente que essa situação se não pode realizar num dia, mas temos que trabalhar rapidamente nesse sentido. A alternativa que se põe em Portugal é unicamente esta: ou o Estado mantém a estatização do sistema e tem que ir buscar aos recursos escassos de que não dispõe o dinheiro suficiente para investir milhões de contos através da EPAC em estruturas adicionais de armazenagem e de transporte interior, ou tem que contar com a energia própria do sistema diversificado, ultrapassando essa dificuldade e racionalizando o sistema de transportes, hoje concentradíssimo numa curtíssima época do ano.
Não poderemos considerar estas circunstâncias independentes de um esquema de aproximação às comunidades europeias, se bem que, como hoje ficou bem expresso pelo Sr. Ministro de Estado - embora me pareça que ele não foi bem compreendido -, a decisão de fazermos agora essas alterações nada tem que ver com pressões das comunidades. E a razão principal de discordância, relativamente ao deputado António Vitorino, é que nós acreditamos que o novo sistema é melhor que o anterior e que, portanto, na nossa óptica, ele deveria ter sido posto a funcionar não nesta campanha, mas na passada, não só para ganhar tempo de rodagem do sistema como, fundamentalmente, para ganhar capacidade de alteração e a energia própria de que acreditamos ele possa dar ao sistema global.
Vozes do CDS: - Muito bem!
O Orador: - É necessário passar a raciocinar em termos de cereais em Portugal em valores globais e não simplesmente em valores de trigo.
O Sr. Deputado Castro Caldas - foi bem claro quando referia os outros cereais panificáveis - a tradição portuguesa do consumo de alguns desses cereais que se vai perdendo é perfeitamente evidente - mas gostaria de complementar a posição que ele aqui tomou, evidenciando que, para nós, produzir cereais forrageiros é milho a menos que importamos, e o que conta, fundamentalmente, é ultrapassar a posição negativa de 35 milhões de contos de importação.
Se esse dinheiro da importação corresponde a trigo, a milho, a aveias ou cevadas; é, em termos económicos, relativamente indiferente.
A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Ó Sr. Ministro, isso é o cúmulo!
O Orador: - O sistema que preconizamos e que, por razões que conhecem, atingiu esta fase de autorização legislativa tem em si próprio esquemas de controle que não inventámos, que obtivemos de países onde funcionam há anos, e que tendem, naturalmente, a obstar fraudes e desvios do sistema, que a realizarem-se não seriam, naturalmente, com o beneplácito do Governo. Os governos pagam preços políticos elevadíssimos quando essas circunstâncias acontecem e têm a obrigação, perante si próprios, pela simples consideração da sua própria sobrevivência eleitoral, de prover mecanismos correctores que em vez de penalizar evitem esses problemas.
Curiosamente, ninguém hoje falou aqui ainda de um ponto que é a chave de todo o sistema, e que praticamente cala, de uma vez por todas, qualquer tentativa viciosa de algum agente económico neste mercado, com ou sem o beneplácito do Governo.
Recordo aos Srs. Deputados que sejam menos familiares destes processos que o sistema engloba, uma penalização de todo o cereal importado por uma taxa aduaneira criada ad hoc e incluída, já este
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ano cuidadosamente, no Orçamento Geral do Estado. Por essa taxa, todo o cereal importado é penalizado, e essa taxa é calculada não sobre a declaração de venda ou de compra do agente importador, mas sobre um número produzido por uma entidade acima de toda a suspeita, que são as Comunidades Económicas em Bruxelas, e que será, diariamente, transmitido em código - porque o conhecimento antecipado desses números pode ter oscilações nas próprias bolsas de cereais pela entidade credenciada do Governo Português que o comunicará à alfândega. E a partir desse valor é que serão calculados os direitos reguladores.
Chamo-lhes, portanto, a atenção, de que qualquer agente deste circuito que pretenda - como talvez a EPAC, inconscientemente, porventura, terá feito - passar uma compra acima do preço, que é a melhor oferta desse dia, será imediatamente penalizado porque o direito regulador é calculado, não sobre o valor que ele declarou mas sobre o valor que corporiza, à margem de qualquer suspeita, mesmo de qualquer inquérito parlamentar, a melhor opção de compra desse dia.
Esta situação é tão clara para quem está metido no sistema que, já há muito tempo que os técnicos com quem tenho tido o prazer de trabalhar ao longo de meses neste projecto ultrapassaram esta possibilidade de fraude, e não falam nela há muito tempo.
Tem-nos sim, preocupado com a possibilidade de contenção dos outros desvios do sistema, o qual naturalmente tem desvios, como o actual também tem.
Seria ideal que este sistema arrancasse numa altura em que o desenrolar de todo o esquema económico permitisse já ter eliminado os subsídios necessários à manutenção do preço aos consumidores dos produtos derivados.
Esses números não são da responsabilidade do Ministério da Agricultura e Pescas, têm a ver com princípios de contenção do índice do custo de vida, têm a ver com o Ministério das Finanças e do Plano, do Ministério do Comércio e Turismo e com o Ministério da Agricultura e Pescas, naturalmente, numa posição unicamente passiva do sistema.
Além das normas de concorrência já aqui sobejamente referidas, queria também significar que a presença da EPAC no sistema comercial, como agente activo dessa comercialização, permitindo, através da tutela do Governo, uma intervenção e um conhecimento directo do problema do dia-a-dia desses mercados, é em si própria também resposta adequada a muitas das dúvidas. A seu tempo, quando começarmos a tratar dos problemas pontuais aqui levantados, far-lhes-ei, certamente, referência.
Tenho aqui mais ou menos arrumadas por grupos políticos as dúvidas levantadas pelos Srs. Deputados. Algumas permito-me considerar respondidas já pelo debate e às outras darei informações complementares.
Gostaria, no entanto, de fazer duas observações prévias.
A primeira corresponde à facilidade, eu diria à irresponsabilidade, com que foram ontem introduzidos na Assembleia alguns números correspondentes a informações um pouco estranhas sobre os preços médios de compra da EPAC e preços médios dos mercados mundiais do ano passado. Penso que numa óptica de luta
política poderá ser aceitável que partes interessadas tenham dado informações capciosas. No entanto, a responsabilidade dos vossos cargos não admite que sejam mastigados, deglutidos e devolvidos números que, além de serem fantasiosos, são absolutamente impossíveis e não têm qualquer senso.
A informação que correu refere os preços médios de compra pela EPAC em 1980 e compara-os com idênticos valores para preços médios de venda no mercado internacional. É preciso não ter a mais longínqua ideia do que é um cereal, do que é a comercialização de uma cereal, como o preço varia com o porto de embarque, com as condições de pagamento, com as condições de frete, com situações variáveis dia a dia, para poder significar que alguém no mundo possa ter acesso ao valor médio mundial de compras num determinado ano.
Este número não tem qualquer significado. Mas ainda que o tivesse, ainda que estes números fossem possíveis, o facto de o valor médio de compra da EPAC ser inferior ao da média mundial não significaria que a EPAC tinha comprado bem, porque ela poderia ter comprado nos dias da baixa, isto é, mal comprado, e ainda assim ela teria valores médios inferiores.
Se isto fosse possível - e tenhamos o senso de reconhecer as nossas próprias capacidades -, a EPAC teria à sua disposição o mercado mundial de cereais, e veríamos qualquer dia à porta da EPAC bichas de multinacionais para a comprarem, porque assim, ela compraria melhor do que essas multinacionais.
Esta situação é tão incrível que adianto uma outra referência: ainda no ano passado durante o meu mandato no Ministério da Agricultura e Pescas, houve a necessidade, para preparar uma intervenção do Sr. Primeiro-Ministro, de se saber os preços médios de aquisição de 1980, preços esses que se encontram comigo e que me foram fornecidos pela administração da EPAC. Esses preços são francamente superiores aos valores indicados num papel apócrifo e sem assinatura, mas que tão facilmente foi recebido e utilizado como matéria importante de discussão num debate desta gravidade.
A segunda reflexão tem a ver com a dinâmica da adesão e a situação da oportunidade política e operacional que agora tentamos pôr em funcionamento. O Sr. Deputado António Vitorino, da UEDS, fez uma brilhante intervenção mostrando um conhecimento invejável da situação. Apesar de claramente denotar uma óptima política radicalmente oposta à do Governo, teve o cuidado de assinalar que, a partir da altura em que Portugal venha a ser Estado membro, não poderá manter sistemas de monopólios de comercialização interna ou externa de cereais.
Curiosamente, o Sr. Deputado Manuel da Costa também referiu que, pelo menos, a Inglaterra teria obtido algumas derrogações desse princípio. Chamo a atenção da Câmara e dele próprio de que dos exemplos que referiu não constavam os cereais.
Com efeito, respectivamente nos artigos 40.º e 44.º do Tratado de Adesão do Reino Unido e da Grécia exprime-se claramente a necessidade ...
O Sr. Presidente: - Desculpe interrompê-lo, Sr. Ministro. É só para lhe comunicar que dos trinta minu-
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tos que lhe foram concedidos, V. Ex.ª já utilizou vinte e sete, restando-lhe apenas três minutos
O Orador: - Paciência, Sr. Presidente. Submeter-me-ei à disciplina da Câmara.
Como ía dizendo, é necessário que na data da adesão, que poderemos conjecturar ser em 1983 ou 1984 - não quero entrar nesse debate -, o novo sistema, que ninguém nos impôs antes, esteja a funcionar. Como já tive ocasião de dizer, na minha perspectiva, na perspectiva do Ministério da Agricultura e Pescas e no da equipa de técnicos que com o Ministério trabalharam essa situação deveria ter sido feita há mais tempo, porque acreditamos que ela tem suficientes interesses e energias e, por isso, merece o nosso apoio
O que faz correr o Governo - é a pergunta principal do Partido Comunista - é simplesmente a consciência de que, quando há dificuldades operacionais, temos naturalmente que as resolver, pois em Portugal costuma verificar-se a tentativa e a tentação óbvia, atávica de adiar esses problemas.
Em agricultura, adiar o problema um mês significa adiar um ano e, ainda que sem enormes dificuldades operacionais e ainda que suportando alguns custos políticos de algumas pequenas injustiças parciais, eu entendia que, apesar de a discussão e o estudo deste trabalho nos terem levado muito para lá da data que inicialmente prevíramos, ainda havia possibilidade, virtualidade e interesse de ele entrar em funcionamento na presente campanha.
Um incidente político de inconstitucionalidade que surpreendeu não, naturalmente, o Ministério da Agricultura e Pescas, que não tem especialidade na matéria, mas os próprios juristas do Conselho de Ministros, impediu que isso se fizesse.
O Ministério da Agricultura quer no entanto aqui dizer, de uma forma muito clara, que, deixando abertas as opções operacionais para o que acontecerá este ano na campanha em função da data em que este diploma eventualmente vier a ser. promulgado, lhe é na sua estratégia e na sua planificação fundamental que o diploma seja aprovado a tempo de, fundamentalmente, podermos cumprir a obrigação constitucional e o do nosso programa apresentando o sistema comercial da próxima campanha aos agricultores antes das suas opções de sementeira. Agora é que é importante, porque é agora que o novo sistema, em detrimento das produções tradicionais e em incremento das produções alternativas, faz responsabilizar essa opção de sementeira, contrariamente à posição anterior de «mana vai com as outras», de seguir fundamentalmente esquemas anteriores.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estou no fim do meu tempo. Se tiver ocasião, durante as perguntas que me forem feitas, presumo que haverá oportunidade de tocar em pontos que ainda não tivessem sido aflorados. Durante a sessão de amanhã, estarei - se tal me for permitido - às ordens para continuar a intervenção.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
O Sr Rui Pena (CDS): - Sr. Presidente, peço a palavra para, nos termos regimentais, requerer em nome do meu grupo parlamentar a interrupção da sessão por cinco minutos.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Rui Pena, o requerimento é regimental e terá de ser deferido.
Contudo, antes de suspender a sessão, gostaria apenas de informar a Câmara de que se encontram inscritos para solicitar esclarecimento os Srs. Deputados Lopes Cardoso, Sousa Marques, Rogério de Brito, Ilda Figueiredo, Rui Pena, Octávio Teixeira, Teixeira da Silva, Manuel da Costa, António Campos e Magalhães Mota.
O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Lopes Cardoso, foi requerida a suspensão da sessão e, como sabe, este requerimento tem preferência sobre qualquer outro. Mas para que efeito pede a palavra, Sr. Deputado?
O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, a minha intervenção está relacionada com o pedido de interrupção da sessão.
Se o CDS não se importar de adiar a interrupção da sessão por dois minutos, gostaria de interpelar a Mesa. Devo dizer desde já que não pretendo opor-me ao requerimento do CDS, até porque ele é regimental.
Na verdade, gostaria de solicitar consenso para que o tempo da interrupção a que se irá proceder dentro de momentos acresça ao limite das 21 horas que foi fixado.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador - Caso contrário, serei forçado...
Vozes do PSD e do CDS: - Certamente que assim será!
O Orador: - Bem, se há esse consenso, não direi mais nada.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está suspensa a sessão por cinco minutos.
Eram 20 horas e 32 minutos.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.
Eram 20 horas e 47 minutos.
O Sr. Presidente: - Para proceder à leitura de um relatório da Comissão de Regimento e Mandatos, tem a palavra o Sr Deputado Sousa Marques.
O Sr. Sousa Marques (PCP):
Comissão de Regimento e Mandatos
Relatório e parecer
Em reunião realizada no dia 8 de Julho de 1981, pelas 19 horas, foram apreciadas as seguintes substituições de deputados, solicitadas, pelo Partido do Centro Democrático Social:
João Lopes Porto (círculo eleitoral do Porto) por Valentim Tiago Lanhas Alves Lopes (esta substituição é pedida para o próximo dia 9 de Julho corrente);
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Luísa Maria Freire Cabral Vaz Raposo (círculo eleitoral de Lisboa) por Vítor Afonso Pinto da Cruz (esta substituição é pedida para o próximo dia 9 de Julho corrente);
José Duarte de Almeida Ribeiro e Castro (círculo eleitoral de Lisboa) por Paulo de Oliveira Ascensão (esta substituição é pedida para o próximo dia 9 de Julho corrente);
José Vicente de Jesus Carvalho Cardoso (círculo eleitoral de Lisboa) por Francisco Magro dos Reis (esta substituição é pedida para o próximo dia 9 de Julho corrente);
Adalberto Manuel da Fonseca Neiva de Oliveira (círculo eleitoral do Porto) por Joaquina Rosa da Costa (esta substituição é pedida para o próximo dia 9 de Julho corrente).
Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha, verificou-se que os substitutos indicados são realmente os candidatos não eleitos que devem ser chamados ao exercício de funções, considerando a ordem de precedência das respectivas listas eleitorais apresentadas a sufrágio pelo aludido partido nos concernentes círculos eleitorais.
Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis.
Finalmente, a Comissão entende proferir o seguinte parecer:
As substituições em causa são de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.
O presente relatório foi aprovado por maioria, com a abstenção do deputado da União Democrática Popular.
Secretário, José Manuel Maia Nunes de Almeida (PCP) - António Duarte e Duarte Chagas, (PSD) - Nicolau Gregório de Freitas (PSD) - Valdemar Cardoso Alves (PSD) - Armando dos Santos Lopes (PS) - Bento Elísio de Azevedo (PS) - Manuel de A. de Almeida e Vasconcelos (CDS) - Maria José Paulo Sampaio (CDS) - Francisco Cavaleiro Ferreira (CDS) - Rui Eduardo Ferreira Rodrigues Pena (CDS) - Jorge Manuel Abreu de Lemos (PCP) - Fernando de Almeida Sousa Marques (PCP) - António Cardoso Moniz (PPM) - Mário António Baptista Tomé (UDP).
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vai proceder-se à votação do relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos que acaba de ser lido.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade (registando-se a ausência da UDP).
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.
O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Ministro da Agricultura e Pescas, são tantas as questões que gostaria de lhe colocar - umas novas e outras que seriam uma reposição, pois foram levantadas na minha intervenção e ficaram sem resposta - que não vou ter tempo suficiente para o fazer. Como tal, ficarão algumas por colocar.
Disse o Sr. Ministro que a maior parte das pessoas que intervieram no debate se detiveram mais em aspectos comerciais do que nos aspectos relacionados com a agricultura. Devo dizer-lhe que esse reparo é particularmente justo no caso da intervenção do Sr. Ministro, que, em 90% do que disse, se ocupou dos aspectos comerciais.
Por outro lado, penso que essa acusação não é justa em relação à minha intervenção. Se o Sr. Ministro tiver ocasião de a reler com um pouco mais de cuidado, verá que os problemas agrícolas são aí colocados e ficaram, aliás, sem resposta.
Mas volto a colocar-lhe, Sr. Ministro, algumas dessas questões.
Em que medida, como e porquê o regime agora instituído é um regime que incentiva a produção cerealífera em Portugal ou que contribui para a modernização da agricultura portuguesa? Como vão ser fixados os preços e em que óptica? Como serão atribuídos os subsídios, até porque ainda há subsídios a atribuir? A quem serão atribuídos e com que garantias? Como é que o Sr. Ministro explica a necessidade de introduzir a obrigatoriedade de compra de trigo nacional num sistema que, por si próprio, conterá as virtualidades de transportar ao nível da produção a dinâmica global da procura? Creio ser esta a expressão do intróito do projecto de decreto-lei.
Nenhuma destas perguntas obteve resposta. Certamente que na óptica do Governo este é o melhor sistema, nem nos passaria pela cabeça outra coisa qual seja a de que o Governo viesse aqui propor um sistema que na sua óptica fosse o pior ou o menos mau. Mas, o que ficou por demonstrar é a razão de este sistema ser melhor, bem como qual é a óptica do Governo.
Visto que o tempo de que dispunha está a terminar, vou colocar-lhe uma outra questão. O Sr. Ministro falou nos direitos reguladores, dizendo que eles eram um instrumento para penalizar os importadores. Ora, esses direitos reguladores são fixados a partir de uma cotação média calculada por um organismo internacional. Logo a seguir, o Sr. Ministro vem afirmar que ninguém neste mundo pode saber qual é a cotação média durante os 365 dias do ano.
Ora, se ninguém poderá saber qual é a cotação média, como é que se poderá saber a cotação no dia que vai servir de base à fixação dos direitos reguladores?
Gostaria ainda de saber quais são os aspectos negativos para a moagem, do novo regime, já que parece que todos eles são negativos.
Como lhe disse, Sr. Ministro, muito fica por perguntar, mas a culpa não é minha, mas dos escassos três minutos de que pude dispor, e não irei recorrei a artifícios para lhe colocar as outras questões. Terei ocasião de intervir no debate e, nessa altura, colocar-lhe-ei essas questões.
O Sr. Presidente: - Sr. Ministro da Agricultura e Pescas, V. Ex.ª pretende responder de imediato ao Sr. Deputado Lopes Cardoso ou prefere responder a todos os interpelantes em conjunto no final.
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O Sr. Ministro da Agricultura e Pescas (Cardoso e Cunha): - Sr. Presidente, fiquei sem saber se deverei responder ainda hoje a todas as perguntas que me irão ser colocadas ou se poderei responder na sessão de amanhã.
O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, eu penso que não haverá materialmente tempo para serem feitas hoje todas as perguntas, uma vez que, mesmo com a prorrogação da sessão por escassos minutos - de acordo com a proposta feita pelo Sr. Deputado Lopes Cardoso, que obteve consenso da Câmara -, a verdade é que vamos prolongar a sessão apenas até às 21 horas e 15 minutos. Ora, eu penso que não haverá sequer tempo para se fazerem todos os pedidos de esclarecimento, que são 11, e apenas foi feito um pedido de esclarecimento, restando 10, que levarão regimentalmente trinta minutos a serem formulados.
Sendo assim, V. Ex.ª não será interpelado ainda hoje por todos os interpelantes.
O Sr. Ministro da Agricultura e Pescas (Cardoso e Cunha): - Sr. Presidente, se V. Ex.ª me dá licença e se o Sr. Deputado Lopes Cardoso me permitir, gostaria de aproveitar a primeira oportunidade que tenho de usar da palavra após a minha intervenção para sanar um eventual incidente que não era minha intenção provocar.
Fui informado de que as minhas palavras - ditas de improviso e sob alguma emoção - teriam sensibilizado o CDS e o PPM. Ora, com a maior das frontalidades e honestidade, quero pedir desculpa dessa situação. Não tenho a menor intenção de criar brechas dentro de uma aliança que refuto dever ser unida. Portanto, peço a esses dois partidos que me relevem de qualquer sensibilidade que lhes possa ter causado.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Mas o que é que eu tenho a ver com os amuos do CDS e do PPM?
Protestos do PSD, do CDS e do PPM.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, muitas de VV. Ex.ªs têm usado do direito de defesa para dar explicação. Uma vez que se atribui aos membros do Governo a possibilidade de o fazerem do mesmo modo, a Mesa não só concorda com o uso que o Sr. Ministro da Agricultura e Pescas fez da palavra para desfazer um mal entendido - do qual a Mesa nem se tinha apercebido - como não contará o tempo utilizado no tempo de resposta aos pedidos de esclarecimento.
O Sr. Sousa Marques (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Tenha a bondade, Sr. Deputado.
O Sr. Sousa Marques (PCP): - Sr. Presidente, quando começámos a ouvir o Sr. Ministro, pensámos que ele iria responder às perguntas que o Sr. Deputado Lopes Cardoso fez.
Por outro lado, não seríamos nós a opormo-nos a esse procedimento do Sr. Ministro. Ele tinha liberdade para responder apenas no final de todos os
pedidos de esclarecimento ou para responder individualmente a cada interpelante.
Simplesmente, o Sr. Ministro vem para aqui lavar a roupa suja da AD ...
Protestos do PSD, do CDS e do PPM.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado ...
O Sr. Sousa Marques (PCP): - Sr. Presidente, pedi a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, sempre que V. Ex.ª, ou qualquer outro Sr. Deputado, for, com toda a urbanidade, interrompido por mim, peço-lhe o favor de ter em conta que a minha interrupção é sempre motivo para ser acatada pelos Srs. Deputados.
V. Ex.ª não pode insistir em continuar a falar no momento em que eu o interrompo. É o mínimo de deferência que eu posso exigir e pedir, tanto quanto é certo que eu próprio ao interromper VV. Ex.ªs, o faço sempre solicitando o favor do vosso consentimento.
Sr. Deputado, V. Ex.ª pediu a palavra para interpelar a Mesa e, como tal, tenha a bondade de se dirigir directamente à Mesa e não fazer, por esse caminho, e servindo-se da figura de interpelação à Mesa, uma apreciação a um comportamento de outro interveniente no debate seja ele ministro ou deputado, até porque a Mesa já o sancionou e disse que o tinha autorizado.
Tenha a bondade de interpelar a Mesa, Sr. Deputado.
O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Chazinho é o que o Sr. Deputado precisa!
O Sr. Sousa Marques (PCP): - Quando o Sr. Presidente me interrompeu, eu estava no uso da palavra e não autorizei que o Sr. Presidente me tivesse interrompido.
Protestos do PSD, do CDS e do PPM.
O Sr. Presidente: - O que faltava era que o Presidente da Mesa precisasse de autorização para interromper um Sr. Deputado. É regimental, Sr. Deputado!
O Sr. Sousa Marques (PCP): - Em segundo lugar, gostava de saber - e era esta a interpelação à Mesa que eu queria fazer, mas que anteriormente tinha de fundamentar - como é que pode ser classificada uma infracção ao debate parlamentar que se está aqui a seguir e ao Regimento desta Assembleia por parte de um membro do Governo, numa altura em que nós, por consenso, assentámos uma forma de chegar, pelo menos, ao fim da sessão de hoje.
Eu gostava de saber o que é que a Mesa tem a dizer em relação a isto.
O Sr. Presidente: - O que já disse, Sr. Deputado.
O Sr. Ministro revelou imediatamente pelas suas palavras - já o disse e repito - o propósito de dar uma explicação. É uma prática que todos os intervenientes de debate nesta Câmara têm usado com a perfeita concordância da Mesa. Desde que me aper-
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cebi de que era esse o objecto da intervenção do Sr. Ministro - já disse e repito muito claramente - não só concordo e acho que é um direito de qualquer de VV. Ex.ªs dar uma explicação - o Regimento prevê o pedido de palavra para explicações - como não descontei ao Sr. Ministro o tempo que gastou nesta sua intervenção, no interesse não só dele mas dos elementos desta câmara, pelo que ficará, portanto, com os minutos a que regimentalmente tem direito para responder aos pedidos de esclarecimento que lhe vão ser feitos.
Registarei que a interpelação de V. Ex.ª à Mesa e o diálogo que se travou entre o Sr. Deputado e a Mesa gastou muito mais tempo do que a intervenção do Sr. Ministro.
Sr. Ministro, o esclarecimento que lhe posso dar é este: V. Ex.ª tanto pode responder a cada interpelação e a cada pedido de esclarecimento imediatamente a seguir como pode reservar-se para responder globalmente.
Tenha o Sr. Ministro a bondade de escolher a fórmula que pretende usar e de informar de pronto a Mesa para saber se lhe devo dar a palavra para responder ao Sr. Deputado Lopes Cardoso ou se devem continuar os pedidos de esclarecimento, sendo-lhe dada a palavra só no fim para responder.
O Sr. Ministro da Agricultura e Pescas (Cardoso e Cunha): - Responderei no fim, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Muito obrigado, Sr. Ministro. Tem a palavra o Sr. Deputado Sousa Marques.
O Sr. Sousa Marques (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro da Agricultura e Pescas: Quando o CDS pediu cinco minutos de intervalo, nós não sabíamos exactamente para que era. Agora, com todas estas explicações, ficámos a saber para que foi e ficámos esclarecidos acerca das manobras que se fazem às escuras, também aqui, nesta Assembleia.
Protestos do PSD, do CDS e do PPM.
Srs. Deputados, se estão incomodados, isso é lá convosco. Não têm é o direito de fazer essa barulheira enquanto estou a falar.
Protestos do PSD, do CDS e do PPM.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, por favor não estabeleçam diálogo e não perturbem o uso da palavra pelo orador.
Tem a bondade de continuar, Sr. Deputado.
O Sr. Sousa Marques (PCP): - O Sr. Ministro iniciou a sua intervenção referindo o inquérito parlamentar e a possibilidade de os deputados desta Assembleia decidirem realizar inquéritos parlamentares de uma forma perfeitamente inaceitável para o meu grupo parlamentar.
De facto, o Sr. Ministro vem condicionar o inquérito parlamentar, vem pressionar os deputados, vem fazer ameaças aos deputados. Inclusivamente, vem, por essa forma, transmitir um recado aos deputados da maioria, que, até então e até agora, continuam calados, em matéria de inquérito parlamentar.
E nós, porque não temos memória fraca, recordamos aquela célebre cena que se passou aqui nesta Assembleia, em que, perante a proposta de inquérito parlamentar feita por um deputado da oposição, um Sr. Ministro, também de um governo AD, disse que defendia, que estava de acordo que seria ele próprio até a propor esse inquérito parlamentar, para, algumas horas depois, ou uns dias mais tarde, a maioria da AD inviabilizar esse inquérito parlamentar aqui na Assembleia da República.
Nós também estamos recordados de que, quando aqui foram propostos inquéritos parlamentares sobre a comunicação social, a AD disse que não estava de acordo com aqueles, mas ia propor outros. E não houve nem aqueles nem outros.
Portanto, a minha primeira pergunta, já que de perguntas se trata, Sr. Ministro, é a seguinte: qual o seu conceito de inquérito parlamentar? O Sr. Ministro pensa que pode exigir aos deputados, no uso de um direito constitucional e regimental, que oiçam este ou aquele, que oiçam os seus amigos ou os seus inimigos? O Sr. Ministro não está aqui para exigir coisa alguma. E, se esta é a sua concepção de funcionamento democrático, de funcionamento das instituições, está muito enganado. O Sr. Ministro está aqui para justificar as propostas do Governo, para responder àquilo que for perguntado, não está aqui para fazer exigências aos deputados, para fazer ameaças aos deputados, para limitar o poder de intervenção política dos deputados.
Era esta a questão que gostava de lhe colocar e espero, Sr. Ministro, que, durante a noite, se tiver dez minutos para meditar sobre estas questões, pense bem no que está por detrás da sua atitude, pense bem qual o substrato político que está por detrás da sua mentalidade, pense bem no que foi, durante muitos anos nesta Assembleia, haver um conjunto de deputados subordinados a ministros que também olhavam para eles como o Sr. Ministro hoje e aqui olhou para nós.
Aplausos do PCP.
O Sr. Roleira Marinho (PSD): - Quanto à matéria, nada!
O Sr. Ministro da Agricultura e Pescas (Cardoso e Cunha): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Ministro?
O Sr. Ministro da Agricultura e Pescas (Cardoso e Cunha): - Para um protesto, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Faça favor.
O Sr. Ministro da Agricultura e Pescas (Cardoso e Cunha): - Estamos visivelmente em processos inquinados, Sr. Deputado Sousa Marques.
O Sr. Deputado tem todo o direito de interpretar as minhas palavras como entender, mas não tem o direito de as interpretar por mim.
O inquérito parlamentar foi proposto pela sua bancada e pela bancada da FRS. Aceito-o em plenitude, não direi outra coisa nos próximos dias, esta insinuação não me atinge nem me atingirá. Compete, naturalmente, aos órgãos da maioria parlamentar fazerem o tratamento parlamentar dessa sugestão que entenderem.
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Fiz a exigência que fiz por uma questão de honra. Penso que os Srs. Deputados não podem ser insensíveis a problemas dessa natureza e é fundamental que eu dê, antecipadamente, justificações e orientações para que a comissão de inquérito que venha a ser nomeada não tenha qualquer dúvida em verificar os actos que se passaram no Ministério da Agricultura e Pescas durante este longo processo e se certifique de que de forma nenhuma, o inquinei.
Aplausos do PSD. do CDS e do PPM.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Sousa Marques para contraprotestar.
O Sr. Sousa. Marquei (PCP): - O Sr. Ministro começou bem, mas acabou mal. O Sr. Ministro começou bem quando de facto reconheceu alguma razão no nosso protesto. De facto, o Sr. Ministro, na sua intervenção, exigiu determinado número de coisas. E mais: disse que punha como condição à realização desse inquérito um determinado número de factos e.
Vozes do PSD: - Não é verdade!
O Orador: - Claro! Claro que os senhores têm os ouvidos diferentes dos meus.
O Sr Presidente: - Srs. Deputados, tenham a bondade de não estabelecer diálogo.
O Sr. Ângelo Correia (PSD): - O Sr. Deputado está poluído mentalmente!
O Orador: - Claro que os Srs: Deputados tem os ouvidos e os olhos diferentes dos meus. Eu já sei!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, façam o favor de não estabelecer diálogo.
Tenho repetidamente chamado a atenção de VV. Ex.ªs Srs. Deputados, que, se regimentalmente existe o direito de qualquer um Sr. Deputado fazer um aparte, isso não pode significar a permanente interrupção de quem está no uso da palavra. É desnecessário definir o que se entende por um aparte, porque VV. Ex.ªs sabem-no tão bem ou melhor do que eu.
Peço-lhes o favor, Srs. Deputados, de ouvirem com serenidade o Sr. Deputado que está no uso da palavra. VV. Ex.ªs, depois ou quando entenderem, responderão pela forma que regimentalmente for utilizável e que considerem adequada.
Queira ter a bondade descontinuar, Sr. Deputado.
O Orador: - Muito obrigado, Sr. Presidente.
Eu estava a dizer que, de facto, os Srs. Deputados da maioria têm ouvidos diferentes dos meus. É verdade e não vale a pena zangarmo-nos por causa disso.
Mas o Diário da Assembleia da República vai trazer apenas uma coisa ou aquilo que os Srs. Deputados ouviram ou aquilo que nós ouvimos. E, perante essa questão, nós estamos perfeitamente à vontade, e gostaria que os Srs. Deputados estivessem igualmente à vontade como nós.
Estava eu a dizer que o Sr. Ministro, durante este protesto, começou bem e acabou mal. De facto, começou recuando um pouco em relação às posições que tinha assumido na sua intervenção. Mas, acabou mal quando disse que dava orientações, que se sentia no direito de dar orientações ao trabalho da comissão de inquérito que, pelos vistos, vai ser constituída.
Ora, esta afirmação do Sr. Ministro repõe exactamente nos mesmos termos o pedido de esclarecimento que nós tínhamos feito.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Rogério de Brito. Dispõe V. Ex.ª de 3 minutos.
O Sr. Rogério de Brito (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Quase que estava para me penitenciar de hoje de manhã me ter sentido melindrado pelo facto de não ter obtido resposta a questões muito concretas que coloquei no primeiro dia deste debate. O Sr. Ministro de Estado disse que essas respostas iriam ser dadas pelo Sr. Ministro da Agricultura ...
Sr. Presidente, vou parar uns momentos e aguardo que o Governo esteja em condições de me escutar.
Agradecia que me descontasse o tempo que já gastei porque o Governo ainda não ouviu nada do que eu disse.
O Sr. Presidente: - Peço aos Srs. Deputados que estão junto à banca do Governo o favor de permitirem que o Sr Ministro da Agricultura e Pescas possa prestar atenção ao que está a dizer o Sr. Deputado Rogério de Brito.
Tenha a bondade de continuar, Sr. Deputado.
O Orador: - Sr. Presidente, agradecia que não me fosse contado o tempo que gastei até agora porque nada do que eu disse foi ouvido.
O Sr. Presidente: - Tenha a bondade de continuar, Sr. Deputado.
Não vamos suscitar questões pois não vejo motivo nenhum para alargar os tempos regimentais. São tantas as vezes que VV. Ex.ªs se interpelam uns aos outros e que isto acontece!
Peço-lhe o favor de continuar a expor a questão de fundo que pretende ver esclarecida.
O Orador: - Vou voltar ao princípio. Dizia eu que hoje estava na disposição de me penitenciar por me ter sentido melindrado pelo facto de não ter sido dada resposta às questões concretas que tinha colocado ontem.
O Sr. Ministro de Estado disse que isso seria remetido para o Sr. Ministro da Agricultura e Pescas e, infelizmente, tenho de chegar à conclusão de que o não foi porque, na generalidade, as questões que eu coloquei não foram respondidas. Tenho esperança de que o venham a ser posteriormente.
No entanto, gostaria de abordar outra questão que é a seguinte: o Sr. Ministro da Agricultura disse que as Questões colocadas estavam essencialmente relacionadas com aspectos comerciais e que os aspectos relacionados com a agricultura não tinham sido focados.
Ora, acontece exactamente que as questões que eu coloquei ontem foram quase todas relativas à agricultura. Portanto, alguém colocou questões sobre a agricultura que ainda não tiveram resposta.
Outra questão prende-se com o facto de o Sr. Ministro ter falado sobre a abolia total do sistema transformador, estabelecendo uma relação com o regime
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cerealífero. Perguntaria se mais do que o regime cerealífero não terá sido o condicionamento industrial que pesou na abolia do sector transformador.
De alguma forma terá também sido estabelecido um paralelo entre os baixos níveis de produtividade cerealífera e o regime cerealífero e eu queria colocar outra questão: em relação a todas aquelas culturas que não estão subordinadas a qualquer regime restritivo, por que é que as produtividades são também extremamente baixas?
Outra questão que eu lhe queria pôr tem a ver com o estímulo à qualidade e com outra questão a que o Sr. Ministro ainda não deu resposta: o problema dos preços artificiais. Como é que se pode aliciar o agricultor dizendo que vai ter melhores preços quando se parte do pressuposto de que os actuais preços são artificiais porque excedem largamente os próprios preços do mercado internacional?
Referiu ainda o Sr. Ministro que ou o Estado investe em armazenagem e transporte ou conta com um sistema diversificado. Uma outra questão que eu gostaria de ver respondida prende-se com esta afirmação, porque eu ontem perguntei exactamente o seguinte: o que é que está previsto, em termos de código de investimento, que obrigue as multinacionais que aqui se vão implantar a não ter mais do que duas ou três salas para o negócio e a investirem em infra-estruturas? Ou como é que elas vão usar as infra-estruturas da EPAC?
Quanto à taxa aduaneira diz-se que todo o cereal é penalizado e eu gostaria de perguntar se só o Sr. Ministro é que sabe. É que há muitas formas de fugir a essas penalizações ou pelo menos de as minimizar grandemente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo. Dispõe de 3 minutos.
A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Na intervenção que o Sr. Ministro acabou de fazer há pouco e nomeadamente nas respostas que deu ao meu camarada Sousa Marques, o Sr. Ministro mostrou claramente, aliás, a exemplo do que aconteceu hoje com o Sr. Ministro Basílio Horta - que também o Sr. Ministro tem uma concepção totalitária do Estado deste país.
Senão vejamos: nós levantámos aqui uma série de problemas em relação à EPAC, em relação ao problema da comercialização dos cereais, em relação à AGA, em relação a todo este processo que estamos aqui a discutir e sobre isso o Sr. Ministro não disse nada. Limitou-se a fazer ameaças, exigências e ataques, quer aos deputados quer aos próprios trabalhadores da EPAC.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. José Vitorino (PSD): - Só visto!
A Oradora: - Por exemplo, em relação ao estatuto da empresa, é interessante analisar uma questão que o Sr. Ministro da Agricultura agora trouxe. De manhã o Sr. Ministro Basílio Horta dizia, quando eu falei do problema dos trabalhadores, que o que estava em causa era o estatuto da empresa e agora o Sr. Ministro da Agricultura diz que não é o estatuto da empresa que está em causa mas sim outro problema, muito mais vasto. Aliás, eu estou de acordo consigo: é um problema muito mais vasto que está em causa, mas eu quero apenas fazer notar a vossa divergência de critérios e de análise, o vosso não conhecimento do problema que estamos aqui a discutir.
Vozes do PCP: - Muito bem!
Risos do PSD.
A Oradora: - Em relação à questão da CEE queria referir o seguinte: o Sr. Ministro disse que não há pressões das comunidades em relação a este problema. Claro que nós já sabíamos que não havia pressões das comunidades! Nós já sabíamos que com esta invocação da CEE se pretende apenas trazer aqui o problema, para se servirem da CEE, para, entretanto - e mesmo contra as regras de concorrência da CEE -, se abotoarem com uns largos milhões de contos.
Essa é certamente uma das razões por que está previsto um carácter transitório no diploma e até a possibilidade de o decreto-lei que provavelmente vier a ser publicado poder, em qualquer momento, ser alterado porque vocês sabem que isto é mesmo contra as próprias regras da CEE!
Em relação aos preços médios dos cereais, eu queria dizer que o Sr. Ministro mostrou uma ignorância total e um farisaísmo completo!
O Sr. Ministro sabe que é possível comparar internacionalmente preços. Sabe que isso é possível e sabe também que os preços que aqui referimos são os preços utilizados e calculados internacionalmente e calculados também na empresa.
O Sr. Ministro sabe isso -se não sabe fica a saber -,...
Protestos do PSD.
... sabe que, internacionalmente, preços FOB podem ser comparados! Mas se não sabe é bom que tome nota e que se esclareça para, na próxima vez que aqui vier, não fazer afirmações incorrectas ou pelo menos de um puro farisaísmo apenas visando enganar as pessoas, apenas visando desviar a atenção dos deputados das questões essenciais.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, são 21 horas e 16 minutos, pelo que atingimos o limite de tempo estabelecido para o prolongamento da nossa sessão de hoje. A sessão de amanhã terá o seu início às 10 horas.
Está encerrada a sessão. Eram 21 horas e 16 minutos.
Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PSD)
António Maria de O. Ourique Mendes.
Arménio dos Santos
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Fernando José da Costa.
Fernando José F. Fleming d'Oliveira.
Fernando dos Reis Condesso.
Francisco de Sousa Tavares.
José Ângelo Ferreira Correia.
José Augusto de Oliveira Baptista.
José de Vargas Bulcão.
Manuel Maria Moreira.
Maria Helena do Rego C. Salema Roseta.
Maria Margarida do R. da C S. M. Ribeiro.
Marília Dulce Coelho Pires D. Raimundo.
Pedro Miguel Santana Lopes.
Partido Socialista (PS)
António Fernando Marques R. Reis.
António José Sanches Esteves.
António Manuel de Oliveira Guterres.
Aquilino Ribeiro Machado.
Carlos Manuel N. Costa Candal.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Fernando Torres Marinho.
Francisco de Almeida Salgado Zenha.
João Alfredo Félix Vieira Lima.
Joaquim Sousa Gomes Carneiro.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Luís Manuel César Nunes de Almeida.
Vergílio Fernando M: Rodrigues.
Vítor Manuel Brás.
Centro Democrático Social (CDS)
Alfredo Albano de C. Azevedo Soares.
António Jacinto Martins Canaverde.
Diogo Pinto Freitas do Amaral.
João Lopes Porto.
José Alberto de Faria Xerez.
José Augusto Gama.
José Girão Pereira.
José Vicente de J. Carvalho Cardoso.
Luís Carlos Calheiros V. Sampaio.
Rui Eduardo Ferreira Rodrigues Pena.
Ruy Garcia de Oliveira.
Paulo de Oliveira Ascensão.
Partido Comunista Português (PCP)
Maria Odete dos Santos.
Vital Martins Moreira.
Partido Popular Monárquico (PPM)
António Sousa Lara.
Luís Filipe Ottolini Bebiano Coimbra.
Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados do Partido Social-Democrata (PSD)
António Augusto Lacerda de Queiroz.
Cecília Pita Catarino.
Dinah Serrão Alhandra.
Fernando Manuel Cardote B. Mesquita.
Joaquim Manuel Cabrita Neto.
José Augusto Santos da Silva Marques.
Maria Adelaide S. de Almeida e Paiva.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Rui Alberto Barradas do Amaral.
Partido Socialista (PS)
Alfredo José Somara Simões Barroso.
Alfredo Pinto da Silva.
António Duarte Arnaut.
António Azevedo Gomes.
António Emílio Teixeira Lopes.
António José Vieira de Freitas.
António Manuel Maldonado Gonelha.
Jorge Fernando Branco Sampaio.
Manuel dos Santos.
Maria Teresa V. Bastos R. Ambrósio.
Mário Alberto Lopes Soares.
Rui Fernando Pereira Mateus
Centro Democrático Social (CDS)
Adriano José Alves Moreira.
Adriano Vasco da Fonseca Rodrigues.
Américo Maria Coelho Gomes de Sá.
Eugénio Maria Anacoreta Correia.
Henrique José C. M. Pereira de Moraes.
João Cantinho M. Figueiras de Andrade.
Partido Comunista Português (PCP)
Álvaro Barreirinhas Cunhal.
António José de Almeida Silva Graça.
Domingos Abrantes Ferreira.
Joaquim António Miranda da Silva.
Joaquim Gomes dos Santos.
Octávio Floriano Rodrigues Pato.
União de Esquerda para a Democracia Socialista (UEDS)
Maria Teresa Dória Santa Clara Gomes.
Movimento Democrático Português (MDP/CDE)
Helena Cidade Moura.
O REDACTOR DE 1.ª CLASSE, Ana Maria Marques da Cruz.
PREÇO DESTE NUMERO 76$00
IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA