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l Série-Número 95
Quarta-feira, 17 de Setembro de 1981
DIÁRIO da Assembleia da República
II LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1980-1981)
SESSÃO SUPLEMENTAR
REUNIÃO PLENÁRIA DE 16 DE SETEMBRO DE 1981
Presidente: Ex.mo Sr. Leonardo Eugénio Ramos Ribeiro de Almeida
Secretários: Ex.mos Srs.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes
Alfredo Pinto da Silva
Maria José Paulo Sampaio
José Manuel Maia Nunes de Almeida
SUMARIO. - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas e 20 minutos.
Iniciou-se a discussão do Programa do VIII Governo Constitucional, fazendo intervenções, além dos Srs. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa (Freitas do Amaral), Ministro de Estado da Qualidade de Vida (Ribeiro Teles), dos Negócios Estrangeiros (André Gonçalves Pereira) e da Cultura e Ciência (Lucas Pires), os Srs. Deputados António Janeiro (PS), Lino Lima (PCP), José Alberto Xerez (CDS), Armando Lopes (PS), Octávio Teixeira (PCP), Vieira de Freitas (PS), Octávio Cunha (UEDS), Barrilaro Ruas (PPM), António Reis (PS), Helena Cidade Moura (MDP/CDE), Oliveira Martins (ASDI), Mário Tomé (UDP), Natália Correia (PSD), João Morgado (CDS), Azevedo Gomes (PS), Arménio Santos (PSD), José Tengarrinha (MDP/CDE), Alda Nogueira (PCP), Fernandes da Fonseca (PS), Sousa Lara (PPM), Álvaro Brasileiro (PCP), Jorge Miranda (ASDI), Carlos Rosa (CDS), Luís Saias (PS), Cardoso Ferreira (PSD), Soares Cruz (CDS), Roleira Marinho (PSD) e Faria dos Santos (PSD).
A diverso título, usaram também da palavra os Srs. Deputados Silva Marques (PSD), Leonel Santa Rita (PSD), Borges de Carvalho (PPM), Oliveira Dias (CDS), Carlos Robalo (CDS), César de Oliveira (UEDS), Lopes Cardoso (UEDS), Carlos Brito (PCP), José Luís Nunes (PS), Sousa Marques (PCP), Mário Tomé (UDP), Amadeu dos Santos (PSD), Fernando Cardote (PSD), Santana Lopes (PSD), Gomes Fernandes (PS), António Campos (PS), Mário Lopes (PSD), Narana Coissoró (CDS), Sousa Tavares (PSD), Jorge Sampaio (PS), Alda Nogueira (PCP), Portugal da Silveira (PPM), Oliveira Dias (CDS), Luis Coimbra (PPM), Meneses Falcão (CDS), José Manuel Mendes (PCP), Almeida Santos (PS), Veiga de Oliveira (PCP) e Ludovico Costa (PS).
No decurso dos trabalhos foram lidos pelos Srs. Deputados Vilhena de Carvalho (ASDI) e Valdemar Alves (PSD), respectivamente, dois relatórios e pareceres da Comissão de Regimento e Mandatos sobre substituição de vários deputados, que a Assembleia aprovou.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 2 horas e 25 minutos do dia seguinte.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 10 horas e 20 minutos.
Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PSD)
Adérito Manuel Soares Campos.
Alberto Augusto Faria aos Santos.
Álvaro Barros Marques Figueiredo.
Álvaro Roque Bissaia Barreto.
Anacleto Silva Baptista.
Amadeu Afonso Rodrigues dos Santos.
Américo Abreu Dias.
António Duarte e Duarte Chagas.
António Roleira Marinho.
António Vilar Ribeiro.
Armando Lopes Correia Costa.
Arménio Jerónimo Martins Matias.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Daniel Cunha Dias.
Fernando José F. Fleming d'Oliveira.
Fernando José Sequeira Roriz.
Fernando Manuel Cardote B. Mesquita.
Fernando dos Reis Condesso.
Fernando Manuel Cardoso Ferreira.
Jaime Adalberto Simões Ramos.
João Aurélio Dias Mendes.
João Evangelista Rocha de Almeida.
João Manuel Coutinho Sá Fernandes.
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João Vasco da Luz Botelho Paiva.
Joaquim Pinto.
José Augusto Ferreira de Campos.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José Luís Figueiredo Lopes.
José Manuel Pinheiro Barradas.
José Mário de Lemos Damião.
José de Vargas Bulcão.
Leonardo Eugénio R. Ribeiro de Almeida.
Leonel Santa Rita Pires.
Luís António Martins.
Manuel António Araújo dos Santos.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Maria Moreira.
Manuel Maria Portugal da Fonseca.
Manuel Pereira.
Manuel Ribeiro Arruda.
Maria da Glória Rodrigues Duarte.
Maria Helena do Rego C. Salema Roseta.
Maria Manuela Dias Moreira.
Marília Dulce Coelho Pires D. Raimundo.
Mário Dias Lopes.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Nicolau Gregório de Freitas.
Nuno Aires Rodrigues dos Santos.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Miguel Santana Lopes.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Valdemar Cardoso Alves.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio António Pinto Nunes.
Partido Socialista (PS)
Adelino Teixeira de Carvalho. Alberto Marques Antunes.
Alfredo Pinto da Silva. António de Almeida Santos.
António Azevedo Gomes.
António Cândido Miranda Macedo.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Fernandes da Fonseca.
António Fernando Marques R. Reis.
António Gonçalves Janeiro.
António José Vieira de Freitas.
António Manuel Maldonado Gonelha.
Armando dos Santos Lopes.
Beatriz Cal Brandão.
Bento Elísio de Azevedo.
Carlos Cardoso Lage.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Fausto Sacramento Marques.
Fernando Verdasca Vieira.
Francisco Manuel Marcelo Curto.
Guilherme Gomes dos Santos.
Jaime José Matos da Gama.
João Alfredo Félix Vieira Lima.
João Francisco Ludovico da Costa.
Joaquim José Catanho de Menezes.
Joaquim Sousa Gomes Carneiro.
José Gomes Fernandes.
João Francisco Miranda Calha.
Luís Manuel César Nunes de Almeida.
Luís Manuel dos Santos Silva Patrão.
Luís Silvério Gonçalves Saias.
Manuel Alfredo Tito de Morais.
Manuel Francisco da Costa. Manuel Larangeira Vaz.
Manuel da Mata de Cáceres.
Manuel Trindade Reis.
Mário Manuel Cal Brandão.
Raul d'Assunção Pimenta Rego.
Rui Fernando Pereira Mateus.
Teófilo Carvalho dos Santos.
Vergílio Fernando M. Rodrigues.
Victor Manuel Ribeiro Constâncio.
Centro Democrático Social (CDS)
Adriano José Alves Moreira.
Adriano Vasco da Fonseca Rodrigues.
Alexandre Correia de Carvalho Reigoto.
Álvaro Manuel M. Brandão Estêvão.
António Mendes de Carvalho.
Armando Domingos L. Ribeiro Oliveira.
Carlos Martins Robalo.
Daniel Fernandes Domingues.
Emídio Ferrão da Costa Pinheiro.
Emílio Leitão Paulo.
Francisco Manuel L. V. Oliveira Dias.
Francisco Manuel de Menezes Falcão.
Henrique Manuel Soares Cruz.
João Gomes de Abreu de Lima.
João José M. Ferreira Pulido de Almeida.
José Alberto Faria Xerez.
José Eduardo F. de Sanches Osório.
Luís Filipe Paes Beiroco.
Luísa Maria Freire C. Vaz Raposo.
Manuel António de Almeida de A. Vasconcelos.
Manuel Eugênio P. Cavaleiro Brandão.
Maria José Paulo Sampaio.
Mário Gaioso Henriques.
Narana Sinai Coissoró.
Paulo Oliveira Ascenção.
Rogério Ferreira Monção Leão.
Rui António Pacheco Mendes.
Victor Afonso Pinto da Cruz.
Partido Comunista Português (PCP)
Álvaro Augusto Veiga de Oliveira.
Álvaro Favas Brasileiro.
António Anselmo Aníbal.
António da Silva Mota.
Carlos Alberto do Carmo C. Espadinha.
Carlos Alfredo de Brito.
Custódio Jacinto Gingão.
Fernando de Almeida Sousa Marques.
Francisco Miguel Duarte.
Georgete de Oliveira Ferreira.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
Jorge Manuel Abreu de Lemos.
Jorge Manuel Lampreia Patrício.
José Ernesto Leão d'Oliveira.
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel da C. Carreira Marques.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Rodrigues Vitoriano.
Josefina Maria Andrade.
Lino Carvalho de Lima.
Manuel Correia Lopes.
Manuel Rogério de Sousa Brito.
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Maria Ilda Costa Figueiredo.
Mariana Grou Lanita da Silva.
Octávio Augusto Teixeira.
Osvaldo Alberto R. Sarmento e Castro.
Zita Maria de Seabra Roseiro.
Partido Popular Monárquico (PPM)
António Cardoso Moniz.
António José Borges G. de Carvalho.
António Sousa Lura.
Jorge Victor Portugal da Silveira.
Henrique Barrílaro Ruas.
Luís Filipe Ottolini Bebiano Coimbra.
Acção Social-Democrata Independente (ASDI)
Jorge Manuel M. Loureiro de Miranda.
Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho.
Manuel Tílman.
Guilherme de Oliveira Martins.
União da Esquerda para a Democracia Socialista (UEDS)
António César Gouveia de Oliveira.
António Poppe Lopes Cardoso.
Maria Teresa Dória Santa Clara Gomes.
Octávio Ribeiro da Cunha.
Movimento Democrático Português (MDP/CDE)
Helena Cidade Moura.
José Manuel Tengarrinha.
União Democrática Popular (UDP)
Mário António Baptista Tomé.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, há que fazer ler um relatório e parecer da Comissão de Regimento" e Mandatos.
Assim, dou a palavra, para esse efeito, ao Sr. Deputado Vilhena de Carvalho.
O Sr. Vilhena de Carvalho (ASDI): - o relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos é do seguinte teor:
Em reunião realizada no dia 16 de Setembro de 1981, pelas 9 horas e 30 minutos, foram apreciadas as seguintes substituições:
1) Solicitadas pelo Partido Social-Democrata:
António Correia Cabecinha (círculo eleitoral de Lisboa) por Arménio Jerónimo Martins Matias (esta substituição é pedida por um período não superior a seis meses, a partir do passado dia 14 do corrente mês de Setembro);
Mário Martins Adegas (círculo eleitoral de Aveiro) por José Augusto Ferreira de Campos (esta substituição é pedida por um período não superior a seis meses, a partir do passado dia 4 do corrente mês de Setembro).
2) Solicitada pelo Partido Socialista:
António Emílio Teixeira Lopes (círculo eleitoral do Porto) por Manuel Laranjeira Vaz (esta substituição é pedida a partir de 14 de Setembro corrente e até ao próximo dia 31 de Outubro, inclusive).
3) Solicitada pelo Partido da Acção Social-Democrata Independente:
Joaquim Jorge Magalhães Saraiva da Mota (círculo eleitoral de Santarém), por Guilherme de Oliveira Martins [esta substituição é pedida por dois dias (16 e 17 de Setembro corrente, inclusive)].
Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha, verificou-se que os substitutos indicados são realmente os candidatos não eleitos que devem ser chamados ao exercício de funções, considerando a ordem de precedência das respectivas listas eleitorais apresentadas a sufrágio pêlos aludidos partidos nos concernentes círculos eleitorais.
Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis.
Finalmente, a Comissão entende proferir o seguinte parecer:
As substituições em causa são de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.
O presente relatório foi aprovado por maioria, com a abstenção do deputado da União Democrática Popular.
A Comissão: Presidente, Mário Júlio Montalvão Machado (PSD) - Vice-Presidente, António Cândido Miranda Macedo (PS) - Secretário, José Manuel M aia Nunes de Almeida (PCP) - Valdemar Cardoso Alves (PSD) - Armando dos Santos Lopes (PS) - Bento Elisio de Azevedo (PS) - Alfredo Pinto da Silva (PS) - Maria José Paulo Sampaio (CDS) - Álvaro Augusto Veiga de Oliveira. (PCP) - Jorge Manuel Abreu de Lemos (PCP) - António Cardoso Moniz (PPM) - Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho (ASDI) - Helena Tâmega Cidade Moura (MDP) - Mário António Baptista Tomé (UDP).
O Sr. Presidente: - Vamos votar o relatório e parecer que acaba de ser lido.
Submetido à votação, foi a provado por unanimidade.
O Sr. Presidente: - Na votação que acabámos de fazer não participou o Sr. Deputado da UDP, por não estar presente na Sala.
Entramos de seguida na ordem do dia e que é o debate do Programa do VIII Governo.
Há já na Mesa numerosas inscrições. O primeiro Sr. Deputado inscrito e a quem dou a palavra é o Sr. Deputado António Janeiro.
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O Sr. António Janeiro (PS): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro e Srs. Deputados: Não podemos separar a análise do Programa de Governo aqui em discussão da acção governativa da AD nos últimos meses, pois que se nos afigura que o primeiro não é mais que a consequência lógica da segunda. Na verdade, não se torna difícil antever o futuro próximo, se tivermos em conta o facto de este Governo não ser mais que uma fotocópia do anterior, com um ou outro retoque que o prefigura mais à direita.
Os trabalhadores não se deixam iludir pela mudança de governo, a qual pretende ser uma cortina de fumo para a verdadeira crise do País, originada pelas insuficiências governativas de uma AD incapaz de superar as suas próprias contradições, incapaz de levar à prática as promessas feitas ao eleitorado.
Tentou o Governo AD iludir a situação real pela omissão, pelo malabarismo político, pela demagogia. Más a verdade é que os trabalhadores, o povo em geral, até os próprios apoiantes da AD, já não se podiam deixar enganar por palavras, quando a realidade se lhes afigurava como demasiado dura e penosa.
E foi precisamente no campo laborai que mais depressa se tomou consciência da fraude governativa em que se tornou a AD. Ao reiterado anúncio do diálogo contrapunham-se as medidas unilaterais, administrativas, ditatoriais, o desprezo pelas legítimas estruturas representativas dos trabalhadores. Às juradas promessas de melhoria do nível de vida opôs-se um desenfreado aumento do custo de vida, que está na origem da dramática baixa do poder de compra dos Portugueses; à garantia de que não seria fixado um tecto salarial mandou-a o Governo às urtigas e inventou uma ilusória taxa de inflação, que foi aproveitada pelo patronato, público e privado, para tecto salarial. Enfim, o Governo tentou, por todos os meios, anestesiar os trabalhadores, de forma a diminuir-lhes o poder reivindicativo.
Mas a realidade era (e é) demasiado dura para que pudesse ou possa ser iludida por demagógicas declarações de intenções. E, por isso, num desesperado malabarismo, o Governe tentou virar á opinião pública contra os trabalhadores, ao acusá-los, de forma directa ou indirecta, de serem culpados da crise económica e social que o País atravessa. Mas também neste campo falhou. É que a situação do País degradou-se a tal ponto que todos sentem que estão a ser enganados, que estão a ser apoiados nas promessas que lhes fizeram.
A verdade é que este novo Governo AD já, antes de o ser dava o triste espectáculo de não saber o que quer, de não estar de acordo quanto à melhor forma de explorar os trabalhadores. Vejam-se as declarações, avulsas feitas por destacados elementos da AD no que respeita à futura actuação do mundo laborai. Deste as claras ameaças de uma acção legislativa contrária aos interesses e aos inegáveis direitos dos trabalhadores até ao velado aviso de que são precisos mais sacrifícios, o que quer dizer mais, trabalho e menos dinheiro, passando pela certeza quase certa de uma liberalização dos despedimentos, de tudo temos ouvido e lido.
Não são acusações no ar as que fazemos. Não somos, nem queremos ser, oposição pela oposição.
Não fomos eleitos para destruir, mas para construir.
Por isso, a nossa indignação. Por isso, a nossa luta contra quem tenta enganar os trabalhadores, manipulando os números estatísticos, desrespeitando as leis em vigor, traindo o seu abnegado esforço e indesmentível sacrifício.
A verdade é que a variação real dos salários contratuais é de tendência negativa, em virtude do subterfúgio de dilatar os prazos de vigência dos instrumentos de contratação colectiva, de forma contraria ao estipulado na lei.
A verdade é que o custo de vida para o português médio subiu muito para além dos aumentos salariais mais altos, mercê da subida em flecha dos produtos e serviços de primeira necessidade, nomeadamente a alimentação, os transportes, a habitação e a saúde.
A verdade é que o Governo AD impôs um tecto salarial de 16 %, ao inventar uma inflação do mesmo montante, o que originou um aumento da conflitualidade nas negociações entre as entidades patronais e os sindicatos.
A verdade é que o Governo AD levantou graves limitações à contratação colectiva, negando ou limitando o direito à livre negociação na função pública e nas empresas públicas.
A verdade é que, perante a complacência do Governo AD e o seu mau exemplo, os trabalhadores portugueses deparam cada vez mais com uma situação de real retrocesso, chegando mesmo a viver situações que ultrapassam, na sua gravidade, as que viveram no tempo de ditadura, particularmente no que se refere à intransigência, á intolerância e irresponsabilidade das entidades patronais, que querem, por todos os meios, transformar em mais-valia o suor dos trabalhadores, os sacrifícios do povo.
O Sr. Manuel da Costa (PS): - Muito bem!
O Orador: - Se tudo- isto se passou com um Ministro do Trabalho que dizia defender o «diálogo social alargado», o que poderão os trabalhadores esperar quando o Primeiro Ministro em Julho dizia defender o contrato social e já não o f az em Setembro e quando o actual Ministro do Trabalho, ainda antes de o ser, preconizava alterações legislativas consentâneas com o 24 de Abril, mas jamais possíveis no Portugal democrático do 25 de Abril?
O Sr. Manuel da Costa (PS): - Muito bem!
O Orador: - Mas de uma coisa o Governo e a AD poderão estar certos: Hoje em Portugal, como em qualquer outro país democrático, não se pode governar contra quem produz a riqueza. E, se a receita a utilizar for a repressão, os trabalhadores portugueses, que souberam, estoicamente, resistir à prepotência fascista, saberão opor-se aos que pretendem agravar as suas condições de vida e de trabalho.
Por tudo o que consta no Programa do Governo, bem como pelas palavras do Primeiro-Ministro na sua apresentação, tempos mais negros ainda se avizinham, contrários ao cor-de-rosa da «mudança» prometida pela AD.
Realce, no entanto, a coerência da actual maioria, pois que a mudança continua, mas sempre para pior.
Aplausos do PS.
Entretanto assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente José Vitoriano.
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O Sr. Presidente: - Para fazer pedidos de esclarecimentos tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.
O Sr. Silva Marques (PSD): Sr. Deputado António Janeiro, não vou entrar na discussão económica das questões que o Sr. Deputado abordou, mas não resisto a colocar-lhe uma questão acerca da lógica do seu discurso.
Disse o Sr. Deputado que a Aliança Democrática espoliou os trabalhadores dos seus direitos e que se prepara, evidentemente, para levar a espoliação a um ponto muito mais vasto. Disse também o Sr. Deputado que não sabe o que é que a Aliança Democrática quer nesse domínio. O que significa, se a minha interpretação é boa, que a Aliança Democrática não agiu nesse domínio, pois que de ourto modo V. Ex.ª decerto saberia o que ela quer. Pergunto-lhe então como é que ela espoliou.
O Sr. Presidente: - Tem ainda a palavra para pedir esclarecimentos o Sr. Deputado Leonel Santa Rita.
O Sr. Leonel Santa Rita (PSD): -Queria protestar contra o rol de banalidades que
o Sr. Deputado António Janeiro aqui trouxe e ao mesmo tempo fazer uma pergunta.
A Pergunta é a seguinte: será que, efectivamente o PS não se lembrará de que durante o mandato do seu governo se serviu e abusou das normas administrativas, e não das normas de negociação, nos contratos de trabalho?
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para responder, o Sr. Deputado António Janeiro.
O Sr. António Janeiro (PS): - Queria dizer muito rapidamente, já que tenho pouco tempo, que me limitei a analisar o passado do anterior governo AD e este considero-o uma fotocópia dos anteriores.
Se os Srs. Deputados não vêem e não sentem o baixo nível de vida que os Portugueses estão a sentir e que está a índices de 1973, não estão cá neste país.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção tem a palavra o Sr. Deputado Lino Lima.
O Sr. Uno Lima (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Ministros, Srs. Deputados: Depois de tudo quanto vimos e ouvimos durante a crise do anterior governo, a formalidade que agora estamos aqui a cumprir, por imperativo constitucional, é demasiado penosa para quem respeite o povo, que nos elegeu, e o regime democrático e norteie a acção política pêlos ditames do bem público. Durante dias a fio, muitos dos que aqui estão sentados nas bancadas do Governo e da maioria AD achincalharam-se uns aos outros. Achincalharam sobretudo o Primeiro-Ministro, Sr. Pinto Balsemão - cuja designação e Programa de Governo tinham aprovado tempo antes, concedendo-lhe expressamente a sua confiança -, passando a considerá-lo incompetente e incapaz para o desempenho do cargo.
Mas agora aqui os temos hoje - os mesmos ... - a aplaudir a competência e a capacidade do mesmo Sr. Pinto Balsemão, a apoiar o seu governo, a tecer loas ao seu Programa e a votar-lhe a sua confiança!!!
Estas voltas e reviravoltas assumem aspectos de insinceridade política, de chicana, que ferem os sentimentos dos cidadãos, abastardam a actividade política e degradam o regime.
Vozes do PCP: -Muito bem!
O Orador. - O povo aprecia, comenta e pergunta-se: para que serve discutir este governo, que, mais cara menos cara, é como o anterior, e este programa, que, mais rodriguinho menos rodriguinho, é como o anterior? E para quanto tempo este governo e este programa? Sim, para quanto tempo? Ê que, Srs. Deputados, toda a gente espera - o Governo, a AD, o povo em geral- que não passarão muitos meses sem de novo se assistir à «serração da velha» dentro do Governo, dos partidos da maioria, da AD, apesar da «alteração substancial» que o Sr. Pinto Balsemão considera ter-se verificado no Governo, por agora nos aparecer aqui crucificado entre o Sr. Freitas do Amaral e o Sr. Ribeiro Teles.
Risos.
As ambições, as manobras sujas, os golpes baixos, que tiveram o seu papel nesta crise, vão repetir-se, não tardará muito. Já disso há sintomas e a procissão só vai no adro. Mas no futuro próximo, repetindo o passado recente, isso não será, como agora não foi, a causa determinante da queda deste governo.
O que o fará cair dentro de pouco tempo é a crise económica, social e política resultante da actuação da AD no Governo e na Assembleia da República, do seu plano de destruir o regime democrático consagrado na Constituição, nomeadamente a Reforma Agrária, o sector nacionalizado e os direitos dos trabalhadores, do seu projecto de querer atirar para cima dos trabalhadores com a responsabilidade da crise e de os fazer pagar o preço dela. Este governo não resolverá nenhum dos problemas com que se defronta o povo e o País. Irá agravá-los, e isso provocará, evidentemente, a decidida resistência dos trabalhadores, dos seus organismos de classe, e das organizações políticas e cívicas que com eles se identificam.
Vozes do PCP: -Muito bem!
O Orador: - O que vai derrubar este governo é a acção das massas populares indignadas pelas condições de vida cada vez mais apertadas a que o Governo as vai sujeitar, quer por virtude da sua política de classe, quer pelas imposições do FMI. No tempo em que o Sr. João Salgueiro, agora Ministro das Finanças e do Plano, estava integrado no Ministério do Marcelo Caetano era relativamente fácil alterar a lei dos despedimentos. Com um telefonema para a PIDE conseguia-se desarticular ou impedir a acção concertada dos trabalhadores na defesa dos seus direitos. Mas depois do 25 de Abril e da instauração do regime democrático os trabalhadores não só estão organizados profissional e politicamente, como têm uma consciência de classe e uma consciência política que sabem pôr ao serviço dos seus interesses e dos seus direitos.
Vozes do PCP:-Muito bem!
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O Orador: - Esta consciência é, para além da sua organização, uma realidade objectiva, uma autêntica força material implantada na sociedade portuguesa, que não se modifica por decretos.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador - E, se o Sr. Ministro pensa que a resolução dos nossos problemas económicos e financeiros não tem nada a ver com aquela realidade objectiva e passa ao afrontamento com os trabalhadores, vai ter de certeza muitos amargos de boca.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador- Muito em breve olhará para a sua pasta ministerial com o enorme desejo de a atirar pela janela fora e de se pôr a andar... É que, além do mais, os trabalhadores deste país não são aquele «enxame -repare-se, enxame - de parasitas que sugam o suor e o esforço daqueles que teimam em fazer do nosso país uma comunidade desenvolvida», como disse, tal e qual, o Sr. Primeiro-Ministro no seu discurso de apresentação do Programa. Está gravado e consta a p. 46 do respectivo exemplar distribuído pelos serviços.
É lamentável que o Sr. Pinto Balsemão, depois de o meu camarada Veiga de Oliveira ter posto em evidência esta sua fala, pretenda negá-la e faça tentativas para a engolir. Não há «enxames de parasitas» entre os trabalhadores portugueses....
Risos do PSD.
... e não é por esta via que se conseguirá mobilizá-los para as tarefas de construção económica.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Manuel Moreira (PSD): -Não leu tudo!
O Orador: - Não é por esta, nem pela alteração da lei da greve, alteração que o Sr. Primeiro-Ministro também anunciou (pese embora a opinião às avessas do Ministro do Trabalho) por estas palavras textuais, que também não podem ser negadas, porque estão gravadas e constam a p. 45 do aludido discurso, onde se declara ser «também cada vez mais necessário rever a correspondente legislação (a da greve), por forma a que seja um instrumento de luta sem manipulação partidária».
O Sr. Borges de Carvalho (PPM) - Muito bem!
O Orador-É a conhecida reclamação da CIP, aliás sem novidade. Sempre que o grande capital e os seus governos pretendem limitar ou destruir o direito à greve, invocam o espantalho da greve manipulada, da greve política, Srs. Ministros e Srs. Deputados da AD. Não é limitando os direitos dos trabalhadores, não é atirando a responsabilidade da crise para cima dos seus ombros, nem querendo que sejam eles e a generalidade do povo a pagar o seu preço, que se resolverá a crise económica, social e política que a AD e os seus governos agravaram escandalosamente.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Por isso, os comunistas dizem que a não resolverão, que tudo irá caminhar para pior, que a mesma política conduzirá aos mesmos resultados já vistos. E, por isso, dentro em breve, os Ministros começarão a zangar-se uns com os outros, os partidos da AD a responsabilizar-se uns aos outros, os seus aderentes a resmungar e a protestar e os próceres a enxovalhar-se, a dar o dito por não dito, num charivari indecoroso igual àquele a que o País assistiu em Agosto, embasbacado com o saco de gatos assanhados em que deu a tão cantada ((maioria estável e coerente».
Aplausos do PCP, do M DP/CDE e do Deputado João Cravinho (PS).
Sr. Presidente, Srs. Ministros, Srs. Deputados: O novo governo será como o anterior. Retomará o projecto de subverter o regime democrático saído do 25 de Abril, através da revisão da Constituição, cujo projecto foi derrotado na sua forma inicial em 7 de Dezembro, mas que a AD adaptou às novas circunstâncias. Já não se trata de, por via referendaria, mudar tudo e de caras. Agora pretende-se atingir resultados idênticos pôr via enviesada, mudando só p possível, ou seja, mudando aquilo que as convergências encontradas entre o seu projecto e o da FRS podem consentir. Daí o seu namora ao PS e a proposta que faz de um pacto de regime. Fundamentalmente, para além de quererem reduzir o Presidente da República a um corta-fitas e dominar as chefias militares, a AD e o seu Governo pretendem que os mecanismos de controle da constitucionalidade das leis sejam estabelecidos e regulados em condições que não garantam uma actuação susceptível de defender o regime democrático constitucional. Se esse controle for frouxo e permissivo, a AD -com o desplante que a sua prática já mostrou-, enquanto dispuser da maioria na Assembleia da República, alterará, através da lei ordinária, o sistema económico e o regime das liberdades instituídas na Constituição. Fará a sua revisão depois da revisão...
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: -. Sr. Presidente, Srs. Ministros, Srs. Deputados: Os males que a AD tem provocado ao povo e ao País, e com este governo continuará a provocar, fazem-nos lamentar que se tivesse perdido a oportunidade da queda do primeiro governo Balsemão para procurar uma outra solução governativa e, se esta não fosse encontrada, para consultar o povo português através de eleições gerais. Deixou-se passar o momento próprio de dotar Portugal de um governo democrático e uma política democrática, que é a única forma de vencer a profunda crise económica, política e social que tantos sacrifícios e perigos nos está a causar. Disso não será responsável o PCP, que, frontalmente, rejeita este governo e o seu Programa e que continuará a lutar para o derrubar. Mais cedo do que tarde chegará a hora em que as forças populares, os trabalhadores e os democratas farão substituir este governo por outro que realize os ideais de liberdade e felicidade inscritos na bandeira do 25 de Abril.
Aplausos do PCP e do MDP/CDE.
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O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos tem a palavra o Sr. Deputado Borges de Carvalho.
O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A intervenção do Sr. Deputado do PCP, foi, na sua substância, mais uma intervenção de cassete, a que já estamos habituados, e não merece quaisquer comentários.
Há, no entanto, algumas afirmações que saltam das entrelinhas e das linhas da intervenção do Sr. Deputado e me merecem duas ou três observações.
Começa V. Ex.ª por afirmar que a discussão do Programa do Governo é para si uma formalidade penosa. Temos de registar esta escapadela de sinceridade de V. Ex.ª É evidente que para o Sr. Deputado a discussão do Programa do Governo, a própria realidade de um parlamento pluralista e democrático, é uma realidade e formalidade penosa.
Aplausos do PPM, do PSD e do CDS.
Também o desgosto com que V. Ex.ª se refere às voltas e reviravoltas dos processos não é mais que o seu desgosto perante o desenrolar, por vezes não inteiramente pacífico, do processo democrático, já que o Sr. Deputado e o seu partido estão apenas preparados para entenderem governos unanimistas de longa e ditatorial duração, mas não estão preparados para compreenderem a circunstância do processo democrático pluralista português.
Vozes do PPM e do PSD: - Muito bem! Risos do PCP.
O Orador: -Mais uma observação ainda, Sr. Deputado, e esta faço-a ao mesmo tempo que lhe faço também um convite.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Olá, já faz convites!
O Orador:-Disse o Sr. Deputado que o Sr. primeiro-ministro estava crucificado entre o Dr. Freitas do Amaral e o arquitecto Ribeiro Teles. Não são, evidentemente, V. Ex.ª e o seu partido quem mais autoridade tem para utilizar nesta Casa imagens bíblicas.
Risos do PCP.
Com certeza não é V. Ex.ª, cujas posições são conhecidas, que tem o direito de aqui vir falar nisso. Portanto, convido-o a retirar esta imagem,...
O Sr. Sousa Marques (PCP): - Parece a Madalena a chorar!
O Orador- ...porque, se a AD não compara o Sr. Primeiro-Ministro a Jesus Cristo, também não pode admitir que V. Exª equipare os Srs. Ministros de Estado àqueles que foram crucificados com Nosso Senhor Jesus Cristo no Gólgota.
Convido, portanto, V. Ex.ª a retirar esta imagem e a considerar-se incompetente para a aplicar.
Risos do PCP.
Há ainda outra realidade que V. Ex. não consegue compreender: é que esta maioria AD, que tem compromissos políticos livremente assumidos entre os três partidos, esteja aqui mais uma vez firme e coesa, perante o espanto, o desgosto e o desespero de V. Ex. e do seu partido.
Aplausos do PPM. do PSD e do CDS.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Lino Lima, estão ainda inscritos para lhe pedirem esclarecimentos vários Srs. Deputados. Prefere responder já ou no fim?
O Sr. Uno Lima (PCP): - No fim.
O Sr. Presidente:-Tem então a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.
O Sr. Silva Marques (PSD>: - O Sr. Deputado Lino Lima fez uma intervenção que é típica da sua bancada. Ela vale pela abstracção e mesmo aí é susceptível de discussão, mas, para além disso, ela não vale mais nada.
A abstracção do discurso do Sr. Deputado Lino Lima, quando submetido, à experiência de o pôr em contacto com a realidade, evapora-se.
O Sr. Sousa Marques (PCP): - Explique lá como é que se evapora uma intervenção...
O Orador: -O Sr. Deputado disse que os trabalhadores portugueses estão mais conscientes. É exacto. Que têm mais sentido dos seus direitos, das suas aspirações e da justiça que lhes cabe no nosso país.
É exacto. O PCD tem dado um forte contributo nesse sentido.
Vozes do PCP: - Não é exacto!
O Orador. - Esperemos que essa consciência seja cada vez maior.
É por isso, Sr. Deputado, que eu, que concordo com as afirmações genéricas que fez, sobretudo relativamente ao crescente movimento da consciência de classe, lhe pergunto: considera V. Ex.ª que o jornalista Júlio Pinto, neste momento suspenso para despedimento pela empresa jornalística O Diário, que creio que está politicamente ligada ao Partido Comunista - para não entrar num domínio que não me diz respeito e que é o de saber se há ligação orgânica ou financeira -, está inserido no crescente movimento de classe dos trabalhadores portugueses?
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
O Sr. Sousa Marques (PCP): - Mas que grande imaginação!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Oliveira Dias.
O Sr. Oliveira Dias (CDS):-Sr. Deputado Lino Lima, deixaria de lado as suas manifestações de humor, que todos conhecemos e até certo ponto apreciamos, para lhe pôr uma questão que me parece séria.
O Sr. Deputado, em dois passos do seu discurso, diz que. as massas populares hão-de derrubar este governo. E depois repete nó final mais ou menos a
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mesma coisa. Perguntava ao Sr. Debutado como é que enquadra esse mecanismo de derrube do Governo: no quadro constitucional vigente. Isto é, está o Partido Comunista aqui, neste debate, a preconizar um golpe anticonstitucional ou está o Partido Comunista a anunciar aqui que vai pressionar a única entidade que fora desta Assembleia tem capacidade para demitir o Primeiro-Ministro e que é o Presidente da República? Vai tentar o Partido Comunista pressionar o Presidente da República até esse ponto? É, se a hipótese é essa, pergunto porquê e até que ponto essa estratégia é do conhecimento público, designadamente do conhecimento do Sr. Presidente da República.
Aplausos do CDS, do PSD e do PPM.
Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente, Leonardo Ribeiro de Almeida.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Robalo.
O Sr. Carlos Robalo (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Permitam-me que, nesta primeira breve intervenção e depois de duas sessões legislativas ausente deste Parlamento, apresente, extensivos a todos, os meus melhores cumprimentos. E naturalmente me felicito por ter entrado neste Parlamento ouvindo uma intervenção do Sr Deputado Lino Lima, único deputado com espírito, de humor na bancada do Partido Comunista, já que p humor não faz propriamente parte da mesma bancada. De facto, é agradável ver alguém tratar temas profundos humoristicamente, porque só assim poderiam ser abordados. È mais: com um sorriso, não comandado. Naturalmente que só com humor se podem, de facto, discutir problemas de democraticidade entre a bancada do Partido Comunista e o governo chefiado pelo Sr. Dr. Pinto Balsemão.
Limitando-me a estes dois intervenientes no processo, penso que só o Dr. Pinto Balsemão tem legitimidade política e moral para se definir como defensor da democracia, até porque este não é o objectivo do Partido Comunista, é, sim, um roubo semântico do Partido Comunista. Isto porque jamais ,o Partido Comunista praticou a democracia onde atingiu o Poder e jamais o Partido Comunista atingiu o Poder por meios democráticos.
Portanto, o Sr. Primeiro-Ministro conta aqui corri a certeza de que, de facto, ao discutir a democracia, V. Ex.ª é, efectivamente, um democrata que, se pode apresentar como tal ao povo português, até porque o Partido Comunista, para se assumir a ele mesmo, devia assumir-se como ditadura do proletariado, e não como democracia.
O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Não diga despautérios.
O Orador: - E, se quiséssemos exemplos, bastava recordar, de facto, 1975; bastaria recordar que, se este Parlamento conseguiu fazer uma constituição, não deixou, no entanto, de passar por um cerco. E também não valeria a pena recordar que o Sr. Secretário-Geral do Partido Comunista chamou a este Parlamento o circo de S. Bento.
Vozes do PCP: - Isso é falso-!
O Orador: - Não sei se estaria: reservado para o Partido Comunista o papel dos leões. Acredito que sim. O que é certo é que para os democratas isto é a sede privilegiada da democracia.
Mas, como o Sr. Deputado Lino Lima falou em democraticidade, falou na organização profissional dos trabalhadores, falou na alteração da lei da greve, falou no direito à greve, falou em eleições gerais, faço-lhe o desafio de levar o seu grupo parlamentar a votar favoravelmente um voto felicitando o Solidariedade quando este exige o direito à greve, quando, requer o direito à informação, quando essa organização dos trabalhadores defende eleições livres. Pergunto-lhe também se está na disposição de aprovar um voto criticando a URSS pela descarada interferência na vida interna da Polónia, na vida e liberdade dos trabalhadores polacos.
A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Estamos a discutir os problemas dos Portugueses ou os problemas da Polónia?
O Orador: - No caso de o Partido Comunista aceitar este desafio que lhe faço, propunha que fosse o Sr. Deputado Lino Lima, como deputado e jurista brilhante que é, a elaborar esses mesmos votos. Terão, com certeza, o nosso apoio.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Olhe que se calhar não têm!
O Orador: - É desejável que o cariz intemacionalista do Partido Comunista se manifeste nas zonas onde os comunistas detêm o Poder, coarctando as liberdades.
Aplausos do CDS, do PSD e ao PPM.
O Sr. Presidente:-Tem agora â palavra o Sr. Deputado Lino Lima para responder, se o desejar.
O Sr. Lino Lima (PCP):-Sr. Presidente, Srs. Deputados: Foi interessante ver como é que o meu discurso provocou intervenções dos partidos da maioria. Seria natural que, perante as acusações, as afirmações que referi, os Srs. Deputados interpelantes dissessem alguma coisa de concreto sobre a vida política do nosso país nos últimos tempos, sobre a crise do anterior governo e a constituição deste. Não, sobre isso não disseram uma palavra.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Borges de Carvalho (PPM): -A cassete já não tem resposta.
O Orador: - É evidente que a não disseram, porque d não podiam dizer. E falaram porque tinham de falar, porque parecia mal à maioria ficar calada depois do meu discurso.
Aplausos do PCP.
Quero dizer, respondendo em conjunto aos Srs. Deputados que me interpelaram, que, se , os Srs. Deputados entendem que democracia é aquilo a que assistimos no mês de Agosto - às chantagens, dos golpes baixos, ao achincalhamento mútuo a que
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os senhores procederam às golpadas, às combinações de corredor-, declaramos, francamente e frontalmente, que para nós isso não é democracia. Para nós isso é uma pouca vergonha.
Aplausos do PCP e do MUP/CDE.
E é por dessa pouca vergonha ter resultado este governo que eu disse aos Srs. Deputados que esta discussão do Programa do Governo assumia os aspectos de uma formalidade penosa. Sim, Srs. Deputados, nós não fomos eleitos para discutir um programa como o anterior, um ministério como o anterior, um ministério que resulta da queda de um outro só porque os senhores se desentenderam, se achincalharam e não se tratam, apesar de serem aliados, com a decência e com a dignidade dos simples amigos.
Aplausos do PCP.
Finalmente, quero dizer muito em especial ao Sr. Deputado Oliveira Dias que quando afirmei que as massas .populares é que derrubarão este governo fi-lo com toda a clareza. Naturalmente que o Sr. Deputado Oliveira Dias, e por isso não o critico, tem outros esquemas de pensamento e outros esquemas políticos que não são os meus e naturalmente daí deriva a sua dificuldade em penetrá-los. Mas, quando dizemos que as massas populares é que derrubarão este governo, queremos dizer, temo-lo dito e reafirmado constantemente, que é o povo, usando dos seus direitos, dás liberdades e garantias que estão consignadas na Constituição, que protestará, que se manifestará, que mostrará o seu desagrado a este governo e que, consequentemente, fará com que dentro em breve assistamos ao mesmo espectáculo a que assistimos em Agosto.
O Sr. Oliveira Dias (CDS): - Posso interromper, Sr. Deputado?
O Orador: - Faça favor.
O Sr. Oliveira Dias (CDS): - O que desejava é que ò Sr. Deputado Lino Lima explicasse, concreta e sucintamente, qual é o mecanismo constitucional através do qual isso se processa.
O Orador: - Sr. Deputado Oliveira Dias, parece incrível que me faça essa pergunta, quando tem perante si um Primeiro-Ministro que, tendo a confiança do Presidente da República e desta Assembleia, se baldou, deu o fora, se demitiu.
Risos.
Perguntaria, pois, ao Sr. Deputado onde estão aqui os normativos constitucionais que conduziram a esta solução.
Aplausos do PCP, da UEDS do MDP/CDE e de alguns deputados do PS.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.
O Sr. Silva Marques (PSD):-Sr. Deputado Lino Lima, quer V. Ex.ª responder concretamente à questão concreta que lhe coloquei?
O Sr. Lino Lima (PCP): - Não quero, Sr. Deputado, porque não respondo a provocações.
Aplausos do PCP e risos do PSD, do CDS e do PPM.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Borges de Carvalho.
O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Apenas uma pequena observação, Sr. Presidente e Srs. Deputados.
Mais uma vez, e no seguimento daquilo que eu tinha dito, o Sr. Deputado Lino Lima veio chamar às contingências do processo democrático pouca vergonha. Quero lembrar-lhe que foi por observações deste género e por pensamentos deste tipo que caiu a 1.ª República e que o 28 de Maio teve lugar em Portugal. Objectivamente, o facto de chamar ao processo democrático pouca vergonha não é mais do que um passo para o 28 de Maio.
Aplausos do PPM, do PSD e do CDS.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Lino Lima.
O Sr. Uno Lima (PCP): - Só quero dizer ao Sr. Deputado, uma vez mais, que, se pensa que as porcarias que os senhores fizeram uns com os outros são democracia, está muito enganado. Não é assim que alguém de recto sentido entende a democracia e muito menos o povo português.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção tem a palavra o Sr. Deputado José Alberto Xerez.
O Sr. José Alberto Xerez (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como é sabido, as carências habitacionais) do nosso país são extremamente elevadas, e embora não existam elementos exactos sobre a sua dimensão, estima-se que o défice habitacional se situe à volta dos 600000 fogos.
A verificação deste défice e a existência de um tão elevado nível de carências é fonte de sofrimento para muitos portugueses, e constitui, portanto, um verdadeiro problema de dimensão nacional que urge resolver. A manutenção desta situação é na realidade, incompatível com a primeira prioridade, a prosseguir por um estado moderno e democrático, que é a de procurar assegurar, de forma permanente, o bem--estar dos cidadãos, num ambiente institucionalizado de justiça social.
Dentro desta óptica, a satisfação das necessidades de habitação das famílias portuguesas é um elemento vital para a consecução desse bem-estar, e daí que deva ser considerada como objectivo fundamentai a atingir pelo nosso país.
Mas se a habitação é importante quando perspectivada no domínio do consumo, da satisfação das necessidades sociais e do bem-estar dos Portugueses, tem também um papel relevante no actual contexto sócio-ecònómico do nosso país, quando equacionada do ponto de vista da dinamização do investimento, da produção ^e do emprego.
Tudo aponta, assim, no sentido de se dever considerar a resolução do problema habitacional como
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Um dos objectivos prioritários do nosso país nos próximos anos. Neste aspecto apraz-nos verificar que o presente Programa do Governo coloca o problema com toda a exactidão ao considerar «a promoção de uma política de. habitação que corrija carências e desigualdades entre os Portugueses» como uma das preocupações essenciais da sua actividade.
Por outro lado, podemos constatar que a política de habitação que se encontra definida no presente Programa do Governo constitui o lógico desenvolvimento dos princípios programáticos constantes do Programa Eleitoral da Aliança Democrática e se integra dentro dos parâmetros do modelo de política habitacional que tem vindo a ser empenhadamente edificado pêlos governos da Aliança Democrática.
É, pois, essa análise globalizada da política de habitação da Aliança Democrática que passaremos a fazer de imediato.
Em primeiro lugar, há que considerar que a satisfação das necessidades existentes não poderá ser resolvida a curto prazo; ao invés, a solução da actual situação só poderá ser minimamente atingida num horizonte de longo prazo, digamos que durante a próxima década, pelo que o objectivo prioritário no sector de habitação deverá ser o de proporcionar, num horizonte temporal de dez anos, uma habitação condigna para cada família portuguesa e a um preço compatível com os respectivos orçamentos familiares.
Em termos práticos, a realização deste objectivo passa, por um lado, pela elevação da produção e da oferta de habitações para um nível de, pelo menos, 50 000 fogos por ano, e, por outro lado, pela criação de condições de solvência aos agregados familiares, por forma a que o nível da procura efectiva de habitações se equilibre, tanto quanto possível, com o, da oferta esperada.
No sentido de se alcançarem os objectivos atrás citados, tem vindo a ser concebido um modelo de intervenção em termos de política habitacional, cujas medidas constitutivas, para além de se encontrarem claramente enunciadas no presente Programa do Governo, já começaram a ser pragmatizadas em diversos diplomas legais.
No entanto, antes de particularizarmos as principais vertentes do modelo proposto, convirá enunciar algumas das condicionantes que conformaram a sua elaboração.
Assim, como primeira condicionante, temos o facto de Portugal se confrontar com uma significativa escassez de recursos, pelo que os meios financeiros existentes devem ser distribuídos segundo critérios de acentuada eficácia, que permitam optimizar os resultados obtidos.
Do exposto decorre logicamente que não é possível adoptar no nosso país esquemas mais ou menos cegos de acesso à habitação, que degeneram numa subsidiação universal e generalizada de todos os agregados familiares, acabando inevitavelmente por se traduzir em custos sociais incomportáveis para o Orçamento Geral do Estado.
A segunda condicionante a ter em conta é a de que a satisfação das necessidades de habitação na actual conjuntura do nosso pais passa essencialmente pela aquisição de habitação própria, já que as vicissitudes sofridas em tempos recentes ao nível dos mecanismos de formação da poupança e do investimento imobiliário dificultam a possibilidade de o mercado de arrendamento poder vir a assumir a curto prazo um dinamismo suficiente para resolver uma parte substancial do problema.
A opção habitação própria não significa, contudo, que deva ser exclusiva com a subsequente eliminação de outras modalidades de acesso à habitação, designadamente o arrendamento.
Ao invés, admite-se que se deve caminhar progressivamente para uma diversificação do tipo de oferta, mas trata-se de um processo muito gradual e lento, intimamente relacionado com o aumento de dinamismo do nosso sistema económico e com a reconstrução, em termos modernos e eficazes, dos seus principais mecanismos de funcionamento.
Referidas as principais condicionantes do modelo, interessa agora enunciar os seus parâmetros essenciais.
Assim, a viabilização do nível de procura habitacional adequado será promovida através de um sistema de crédito à aquisição de habitação própria; designado por poupança - habitação, que já se encontra, aliás, consagrado em diploma legal.
Através deste sistema pretende-se, em primeiro lugar, que os encargos resultantes com a aquisição de habitação constituam uma componente estável e suportável pêlos orçamentos familiares, ò que levou, a considerar como prestação global de reembolso adequada, 25 % do rendimento anual bruto desses agregados.
Por outro lado, este sistema de crédito à aquisição de habitação foi construído no sentido de gerar custos sociais mínimos para o Orçamento Geral do Estado, sem prejuízo de tentar alargar o acesso da grande maioria das famílias portuguesas a essa modalidade de habitação.
De acordo com os parâmetros actualmente definidos, podem beneficiar desse sistema os agregados familiares cujo rendimento anual bruto esteja situado entre os 280 e os 1200 contos, embora- cálculos existentes indiquem que ainda é possível diminuir o limite - inferior, sem grandes prejuízos para a solvabilidade global do sistema.
Conclui-se, assim, que apenas uma franja da população portuguesa, aquela cujo rendimento anual bruto seja inferior a 280 contos, não tem acesso directo ao esquema em análise; de acordo com as estimativas existentes, essa franja não deverá exceder, contudo, 15 °/o a 20 % da totalidade dos agregados familiares existentes no nosso país.
Ora, é precisamente ao nível deste extracto populacional que mais se deve fazer sentir o apoio do Estado, incluindo a administração central e local, sem prejuízo da comparticipação que outras entidades públicas, privadas e cooperativas também possam dar para a resolução dos problemas de habitação das famílias mais pobres. Para estes agregados familiares insolventes, que não têm quaisquer possibilidades de reembolsar os empréstimos resultantes do sistema de poupança - habitação, encontra-se concebido um esquema específico, que se passa a referir.
Todas as entidades vocacionadas para a resolução do problema dos insolventes, e em especial as autarquias locais e uma instituição a criar pelo Estado, designada por Fundação Nacional de Habitação Só-
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cial, terão acesso a um regime de financiamento semelhante ao da
poupança - habitação, mas com isenção da constituição de depósitos. Os fogos adquiridos por essas entidades serão, subsequentemente, arrendados aos agregados familiares insolventes, com um encargo, em termos de renda, que não deverá ultrapassar 20 % dos rendimentos anuais brutos desses agregados.
Analisados os aspectos mais relevantes do modelo na óptica da procura, explicitam-se seguidamente as principais componentes a considerar do lado da oferta.
Em primeiro lugar, há que garantir um fluxo de financiamentos que de uma forma regular e contínua permita assegurar a construção do volume de 50000 fogos definido como objectivo anual. Essa cobertura deverá ser essencialmente garantida através do sistema bancário, dado que o Orçamento Geral do Estado atingiu um défice demasiado elevado e se revela, portanto, pouco apto para poder suportar os esforços de investimento que há que efectuar no domínio da habitação.
Neste sentido, encontra-se elaborado um projecto de diploma legal que define o regime dos chamados «contratos de promoção imobiliária social», através do qual as instituições de crédito proporcionarão os financiamentos necessários à cobertura dos custos de construção das habitações. Trata-se de um instrumento contratual em que se fazem intervir a entidade promotora do empreendimento público, privada ou cooperativa, a instituição de credito financiadora e o Fundo de Fomento da Habitação, ou as câmaras municipais em sua substituição, como entidades coordenadoras. Os empreendimentos a promover ao abrigo destes contratos deverão, como se referiu, ter financiamento garantido, estando ainda o sistema concebido no sentido de o preço de venda das habitações se dever integrar nos parâmetros previstos no sistema de poupança - habitação, de modo a poderem beneficiar automaticamente deste tipo de financiamento na fase de aquisição.
Por outro lado, um outro instrumento importante, também já com projecto de diploma legal elaborado, e que já foi, aliás, submetido a autorização! legislativa da Assembleia da República, destina-se a proporcionar uma oferta de solos abundante, bem como a intensificar o ritmo de urbanização, o que se
traduzirá globalmente no acréscimo do volume de fogos a colocar anualmente no mercado, e na diminuição do preço de venda das habitações.
Esta é, em síntese, a estrutura coerente da política e do modelo de política habitacional decorrente do programa da Aliança Democrática e consagrado no actual Programa do Governo.
Para além dos referidos, outros aspectos existem no domínio da habitação que são importantes e que deverão ser progressivamente desenvolvidos - o Programa dó Governo faz referência a alguns deles, designadamente o combate à construção clandestina, a dinamização do mercado de arrendamentos, a dinamização de esquemas de investimento imobiliário, através da formação das sociedades de investimentos, e a conservação e recuperação do parque habitacional existente.
Na realidade, a política habitacional não deve ser rígida e imutável, mas deve-se ir adaptando gradualmente às novas condições que foram eventualmente
surgindo, e neste sentido a introdução e diversificação dos instrumentos é de toda a utilidade.
Podemos assim dizer que no domínio da habitação existe um forte empenhamento do Governo em considerar este sector como prioritário, existem uma política e um! modelo de intervenção, existem, pois, os pressupostos fundamentais para que este anseio de dar uma habitação condigna a cada português possa ser uma realidade, um futuro não muito distante.
Aplausos do CDS, do PSD e do PPM.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Armando Lopes.
O Sr. Armando Lopes (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro, Sr. Ministro da Justiça ... -perdão, parece que a Justiça está ausente deste Governo: Na discussão do Programa do VIII Governo proponho-me (fazer uma apreciação crítica da actividade que pretende desenvolver o Ministério da Justiça, e, como o ministro é o mesmo, da actividade que desenvolveu o mesmo Ministério no governo anterior.
Não se trata de uma apreciação teórica in abstratu. mas de uma análise bem concreta no fim de cerca de nove meses -que é normalmente o período de gestação... -, período a que se pode acrescentar, sem qualquer dificuldade, mais o de 12 meses do governo anterior, também da AD.
Temos assim um largo período de 21 meses de actividade legislativa e intervenção na vida social que é suficientemente longo para se ajuizar da actividade de uma política num sector importante da vida social. 22 meses duraram os governos socialistas e foram sujeitos às mais violentas críticas.
Daí que para tempo igual a legitimidade das críticas seja igual.
No domínio da criação legislativa é sabido que foram os governos socialistas que se lançaram resolutamente, na elaboração de novos textos legislativos indispensáveis à modernização do sistema vigente. O Programa do VII Governo assim o reconheceu, e fácil lhe seria, naturalmente, prosseguir no caminho desbravado. E, efectivamente, o governo que autocaiu apresentou um vasto programa, a que não soube, porém, dar efectividade prática. ,
Assim, quanto ao Código Civil, propôs-se fazer a sua alteração parcial, rever o direito de família e o direito das coisas complementarizar o Código com legislação avulsa.
Nem fez a alteração parcial do Código Civil, nem reviu o direito de família, nem reviu o direito das coisas - e ainda falta averiguar em que sentido faria essas revisões. A própria revisão do direito de família é sintomática: a sua revisão foi feita depois da Constituição de 1976, após aturados estudos de conceituados professores de Direito. A anunciada revisão só pode querer dizer que se pretende alterar o que foi feito - o que é mau sintoma. E, quanto à complementarização do Código o VII Governo não apresentou significativa legislação avulsa. O programa do VIII Governo, repondo toda esta problemática, é a confissão do que se fez sobre esta matéria: nada.
Quanto ao direito comercial, apesar de se afirmar que se vai fazer a sua reforma e que tudo está na forja, a AD ficou-se no mundo das intenções. Nem
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tão-pouco apresentou a nova; lei das sociedades por quotas, sobre a qual há anos que se trabalha não obstante à sua apresentação ter sido anunciada pelo Governo. Quanto a resultados práticos em 21 meses, nada.
Quanto ao direito criminal, apregoou-se a publicação do novo Código Penal, cuja elaboração se encontrava feita. Mas também por aí o VII Governo se ficou pelas intenções. Diz-se no actual Programa que encontra concluído o «anteprojecto», do Código Penal. Ainda não é o «projecto». E como este se encontra praticamente esboçado há muito, tempo esta linguagem eufemística quer significar que ainda não se passou do esboço... e que tudo está na mesma.
Os governos da AD, o VI e o VII Governos, avisaram que diriam legislar frutuosamente no domínio do chamado «ilícito das bagatelas» e, nada fizeram. Em lugar disso agravou-se severamente a punição de certos ilícitos criminais típicos,- o que não foi certamente uma bagatela, mas um acto de acentuada gravidade. Gravidade não só em face do nosso tolerante sistema penal, que em 130 anos de vigência permitiu uma vida social que não nos; tem envergonhado no conceito das nações civilizadas, como até da brandura das penas em geral previstas, no projecto do novo Código Penal. Esta severidade, está até em desacordo com a agora prometida «humanização das penas.»
Quanto aos Códigos de Processo Penal e de Processo Civil, também se prometeram reformas profundas, que ainda não apareceram. E talvez bem; dada á amostra das alterações que entretanto foram propostas e aprovadas pela maioria, da AD, bastante agressivas para os direitos e garantias dos cidadãos.
Também se prometeu a reformulação da Lei, da Assistência Judiciária, como agora se promete, com o objectivo declarado de garantir a protecção júri; dica das classes mais desfavorecidas. Só que os interesses da AD não estavam naturalmente, voltados para essas classes, mas para as classes mais favorecidas, e a Lei não apareceu .... naturalmente
E se do domínio de criação legislativa nos voltarmos para o da intervenção do Ministério da Justiça na vida da sociedade, que vemos nós?
Os partidos que hoje integram a AD, e as forcas que os apoiam, esfalfaram-se a gritar que os governos socialistas não sabiam combater a criminalidade e que esta grassava por obra e graça desses mesmos governos.
Pois bem. Hoje aceita-se, até nos jornais da direita, que a criminalidade vem. aumentando e com ela a insegurança dos cidadãos.
O comandante da Polícia de Segurança-Pública queixa-se do aumento significativo dos crimes de desrespeito pelas autoridades.
A população prisional está longe de ter diminuído. Os crimes graves, como os de homicídio, roubo, violação, fogo posto, repetem-se com- uma cadência acentuada. O povo vai-se habituando a eles, como se adapta às pragas que o atacam, e aos poucos até já nem dá por elas. Será esta a melhoria para a segurança social que nos trouxe a AD?
Do mesmo modo o uso da droga vem aumentando consideravelmente, em particular nas escolas e entre os jovens em geral. Os jornais vêm revelando este aumento, absolutamente indisfarçáveL.
Hoje já não existe a explicação do regresso em massa das populações que vieram, das antigas colónias!
Apesar disso, o uso da droga aumenta, perante a passividade do Governo; .... não obstante a promessa, constante, do. Programa, do VII Governo, de ir lutar contra a situação de permissividade do uso da droga.
Nesse aspecto se revela como eram injustas as críticas, feitas antes e como é censurável a quieta modorra dos governos da AD.
Uma das críticas mais persistentes dos partidos da AD aos governos socialistas ,foi a da insuficiência do número de juizes! E tal era a intensidade, da crítica que elas foram retomadas como uma das linhas programáticas do VI Governo.
Pois bem. No fim de 21, meses de gestão dos competentes governos da AD, que nos têm governado, continua a não haver juizes, nem para acudir às comarcas existentes, nem para a criação de novo? juízos que se revelaram' absolutamente indispensáveis, quer pelo aumento do número de processos, quer pela Acumulação quê uma certa desorganização não permitiu evitar. E continuaram nos três governos sucessivos da AD as promessas: agora «aponta-se», isto é, atira-se o palpite de talvez para os fins de 1982 a crise estar superada. Só que, ainda e sempre, a boceta de Pandora não é destes governos. Mas ao lado dos tribunais de competência genérica há os tribunais de trabalho, absolutamente bloqueados com processos, como o próprio Programa do Governo reconhece. Até quando esta situação?. Afirma-se, enfaticamente, que se iniciou um planeamento científico para tornar possível o funcionamento normal da administração judiciária.
Daqui resulta, como consequência primeira, o reconhecimento de que se não resolveu o problema do funcionamento normal dos tribunais. E, por outro lado, um planeamento científico, com á revisão do ordenamento judiciário do território e a racionalização dos recursos humanos e dos equipamentos, é tarefa que demora anos, podemos como Dante, perder as esperanças: os governos da AD já nem sequer escondem que não resolverão a crise dos tribunais.
Por último, e ainda quanto aos tribunais, não queremos deixar de acentuar que o desencanto lavra entre os magistrados quanto; aos ordenados que auferem e que se encontram completamente desactualizados por virtude da cavalgada dos preços que afinal á AD não soube evitar. Ordenados que até em certos casos o Governo permite que sejam inferiores aos dos funcionários judicieis que servem nos mesmos tribunais. São estes os frutos da política que os competentes
governos da AD nos deram. Este governo não faz mais do que continuar os governos anteriores da AD. Em tempo oportuno o País julgará.
Aplausos do PS, da ASDI e da UEDS.
O sr. Presidente:-.Tem a palavra o Sr. vice-primeiro-ministro e Ministro da Defesa.
O Sr. vice-primeiro-ministro e Ministro da Defesa Nacional (Freitas do Amaral): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Está neste, momento diante ,de vós, para, discussão do seu programa, o terceiro governo
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da Aliança Democrática - o VIII Governo Constitucional.
Nasceu este governo das soluções encontradas para a crise política que atravessámos recentemente e reúne, a meu ver, todas as condições de representatividade, autoridade e eficácia necessárias para assegurar aos Portugueses a segurança e a estabilidade por que legitimamente anseiam e em que deliberadamente votaram.
Á Aliança Democrática propôs ao eleitorado um contrato de legislatura, válido por quatro anos, e a maioria dos eleitores aceitou a proposta e fechou connosco o contrato. Compete-nos, pois, cumpri-lo escrupulosamente e honrar o mandato inequívoco que nos foi confiado.
É para afirmar solenemente a nossa determinação de continuar a aceitar e a assumir todas as responsabilidades que dele decorrem que aqui estamos. E foi para mostrar que o apoio público e claro da maioria do eleitorado -e da maioria parlamentar que a representa- nos é essencial para o cumprimento das tarefas que nos cabe desempenhar que solicitámos, segundo a praxe iniciada pela AD, a confiança da Assembleia da República.
Temos plena consciência das dificuldades que importará enfrentar e dos inúmeros problemas que cumprirá resolver. Mas, inspirados no forte exemplo de Francisco Sá Carneiro e de Adelino Amaro da Costa, não hesitámos, nem voltaremos a cara. A missão dos políticos não consiste em governar apenas quando as condições são favoráveis, consiste, sim, em governar quando as eleições lhes conferem o encargo de o fazer, ainda que as circunstâncias pareçam adversas à partida. Camões dizia que «é fraqueza desistir, da coisa começada»: nós não vamos desistir, nem fugiremos às nossas responsabilidades.
Aliás, a ninguém é lícito antecipar sobre os resultados das eleições legislativas de 1984 e o mandato de quatro anos que o povo português nos confiou não pode ser encurtado por causa de sondagens à opinião pública ou por efeito de eleições -residenciais ou autárquicas- que constitucionnlmente nada têm a ver com a duração do Parlamento ou com a sobrevivência dos governos.
O Sr. Portugal da Silveira (PPM): - Muito bem!
O Orador: - Recomecemos, pois, o nosso trabalho e deixemos definitivamente para trás a era da instabilidade e da incerteza. O povo português está cansado de crises. O interesse nacional exige a paz nos espíritos, a serenidade nas instituições, a continuidade na governação. Corresponder a esse anseio profundo será, assim, a nossa primeira preocupação.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É certamente na próxima sessão legislativa que terá lugar, na Assembleia da República, a revisão constitucional - outras das grandes prioridades nacionais que a Aliança Democrática sempre definiu como tal e hoje, mais do que nunca, como tal considera.
Vozes do CDS - Muito bem!
O Orador - Não compete, obviamente, ao Governo participar no processo da revisão constitucional, que pertence exclusivamente a esta Assembleia. Mas o Governo não pode, naturalmente, desinteressar-se da revisão da Constituição, e terá, pelo menos, de manifestar por três formas o seu interesse no processo: primeiro, acompanhando a sua evolução com a maior atenção; depois, dispondo-se a fornecer aos Srs. Deputados todos os elementos de informação que porventura lhe sejam requeridos nos termos regimentais; e, enfim, preparando todas as acções e todos os projectos de diplomas legais que previsivelmente se tornarão necessários logo após a votação da lei de revisão constitucional.
Vozes do CDS e do PSD: -Muito bem!
O Orador: - É o caso, por exemplo, do que se passa com determinados serviços e organismos, alguns de natureza não militar, que funcionam junto do Conselho da Revolução - e sobre cujo destino importará providenciar a tempo e horas.
Será também o caso da necessidade de começar desde já a preparar a lei que regulará a organização e o funcionamento do tribunal constitucional, que previsivelmente será criado. E é o que se passa, também, com as questões da defesa nacional e da organização das forças armadas, de que passarei agora a ocupar-me em mais pormenor.
Basta ler de relance os preceitos relativos aos órgãos de soberania e às forças armadas propostos nos diversos projectos de revisão constitucional -e, nomeadamente, nos projectos apresentados pela Aliança Democrática e da Frente Republicana e Socialista - para se avaliar do grande impacto que inevitavelmente terá sobre a organização da defesa nacional a aprovação da lei de revisão constitucional.
Afigura-se existir hoje uma larga maioria favorável à ideia da necessidade imperiosa de fazer cessar o período de transição previsto para quatro anos em 1976 e de, consequentemente, estabelecer através da revisão constitucional o sistema normal em democracia - que é a subordinação das forças armadas ao poder político civil, livremente escolhido pelo povo em eleições.
Só que a lei constitucional não poderá, decerto, resolver todos os problemas e prever todas as soluções, nomeadamente de carácter organizativo, que a subordinação das forças armadas ao poder civil necessariamente há-de implicar.
Assim, o Governo propõe-se preparar - em simultâneo com o desonrolar da revisão constitucional - um conjunto de projectos de diplomas legais relativos à defesa nacional, de tal forma que lhe seja possível transformá-los, quando a revisão constitucional ficar pronta, em proposta de lei a enviar imediatamente à Assembleia da República, em decretos-leis ou decretos regulamentares a submeter à promulgação do Presidente da República ou noutros tipos de diploma.
Em especial, o Governo compromete-se a preparar - como consta do seu Programa - e a apresentar no momento devido os seguintes diplomas:
Proposta de lei de organização da defesa nacional;
Proposta de lei sobre serviço militar; Proposta de lei sobre objectores de consciência; Lei Orgânica do Ministério da Defesa Nacional.
Quanto às duas primeiras -defesa nacional e serviço militar-, os trabalhos estão adiantados, existem várias versões que foram sendo sucessivamente
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aperfeiçoadas, em colaboração estreita com as forças armadas, e em que tiveram participação decisiva os meus antecessores na pasta da Defesa Nacional. Resta agora aguardar que a Assembleia da República, em sede de revisão constitucional, defina os traços essenciais do edifício, para que o Governo conclua as duas propostas de lei e as envie a esta Câmara, o que tenciona fazer imediatamente a seguir à conclusão da revisão constitucional.
Acrescentarei que o Governo pensa pedir prioridade e urgência para o processamento destas propostas de lei, uma vez que elas são, por natureza, complementares da lei de revisão constitucional e não pode haver entre uma e outras qualquer prolongado hiato legislativo,. sob pena de uma inadmissível paralisação da vida administrativa e financeira das forças armadas.
Quanto à proposta de lei sobre objectores de consciência, atendendo a que nenhum projecto de revisão constitucional propõe a eliminação da figura jurídica do objector de consciência, tenciona o Governo destacá-la do conjunto de diplomas acima enumerados e enviá-la a esta Assembleia ainda antes de concluída a revisão constitucional.
Por último, a Lei Orgânica do Ministério da Defesa Nacional será de uma necessidade evidente a partir do momento em que se operar a transição decorrente da revisão constitucional. Nela serão tratados e resolvidos problemas organizativos de carácter jurídico, administrativo e financeiro, tais como -e a enumeração é meramente exemplificativa - as atribuições do Ministério da Defesa Nacional; a opção pela sua estruturação ou não em secretarias de estado; os mecanismos de desconcentração e delegação de poderes a adoptar na organização vertical do Ministério; a forma e o valor jurídico dos actos administrativos a praticar pelo Governo e pelas chefias militares na gestão das forças armadas; o regime e as modalidades de controle financeiro a adoptar no âmbito da defesa nacional, etc., etc.
Também este diploma não poderá, obviamente, ser publicado senão depois da revisão constitucional. Mas seria totalmente irrealista só começar a pensar nele após a conclusão dessa revisão.
Há, pois, que ultimar e concluir os anteprojectos de todos estes textos legais - e essa será a minha principal tarefa nos meses que se seguem. Espero poder terminá-la até ao fim do ano corrente, de modo a que, definida a posição do Governo, possamos a partir de Janeiro efectuar o necessário e desejável diálogo com a oposição e, noutro plano, com as forças armadas.
A transição a que me tenho vindo a referir envolve uma revisão constitucional complexa e uma vasta legislação complementar de inegável delicadeza, para além de se traduzir ela própria num difícil processo que alterará por certo pontos essenciais do sistema de Governo e do equilíbrio de poderes vigente desde 1974. Apesar de estar em causa a chegada à meta da plena democratização do regime, ou talvez por isso mesmo, o caminho a percorrer não é fácil nem isento de eventuais dificuldades de vária ordem.
Seja, porém, como for, o Governo está disposto a ir em frente, sem temores nem tibiezas, com a firme determinação de não se deixar envolver em conflitos desnecessários, antes procurando solucionar pela concertação as várias questões que houver que decidir.
Pela parte que me toca, quero aqui declarar que tudo farei para facilitar o mais possível a transição necessária, nos termos em que a Assembleia da República a definir.
Considero que essa transição deverá processar-se em total serenidade, deve ser estudada com profundidade e tem de ser efectuada com dignidade, coerência e harmonia.
Como resulta do que! afirmei até aqui, o Governo não tentará nem proporá a antecipação da revisão constitucional por via legislativa. O Governo espera, por isso, dos restantes órgãos dê soberania, e em especial do Conselho da Revolução, que adoptem em relação ao mesmo assunto precisamente a mesma atitude.
Vozes do CDS: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Por mais importância que revista -e reveste-r a fase da revisão constitucional em que nos encontramos e, bem assim, a da legislação complementar que logo a seguir será necessário elaborar, não podemos ignorar ou menosprezar a importância, também enorme, que terá em, termos de defesa nacional a fase seguinte, isto é, a fase dei democracia plena em que as forças armadas, findo o período de transição, ficarão subordinadas ao poder civil, conforme se prometia logo em 25 de Abril de 1974 no próprio Programa do MFA.
Nessa segunda fase pode considerar-se natural, face ,aos projectos de revisão constitucional já apresentados, que, seja qual for a exacta distribuição das competências do Conselho da Revolução pêlos outros órgãos de soberania em matéria militar, haverá com certeza um acréscimo da competência e das
responsabilidades do Governo no tocante à problemática da defesa nacional.
O facto nada tem de anómalo porque é assim que se passam as coisas em todos os países, incluindo naqueles cujo sistema de governo é do tipo presidencialista puro.
Nestes termos, e , uma vez que o mandato do VIII Governo Constitucional irá decerto além do período da revisão constitucional...
O Sr. Sousa Marques (PGP): - Irá?
O Orador: - Irá, sim. ... impõe-se uma explicação à Assembleia da República, no âmbito do presente debate, sobre o pensamento do Governo em matérias sobre as quais será provavelmente chamado a actuar após a revisão constitucional.
Em primeiro lugar, o Governo julga importante esclarecer que tem da defesa nacional uma noção global, e não apenas uma concepção restrita ao vector militar. Com efeito, embora a componente militar seja a mais significativa e aquela que lhe imprime uma tonalidade específica, não seria possível nem teria qualquer êxito uma política de defesa nacional que não englobasse, numa visão integral, os aspectos da defesa militar, da segurança nacional, da política externa, da defesa económica, da investigação científica,
da capacidade industrial e tecnológica, da evolução demográfica, da preservação da nossa identidade cultural, da formação da juventude, etc.
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É por isso que o Governo entende - como o fizeram, de resto, os governos anteriores, desde o I Governo Constitucional - que a defesa nacional tem de ser encarada numa perspectiva global e que todos os ministérios, em maior ou menor medida, hão-de participar na definição e execução da política de defesa.
Por outro lado, tem sido notada por vários observadores a falta em Portugal de uma doutrina de defesa nacional, talvez porque desde 1974 se verifica uma divisão profunda de competências entre órgãos de soberania em matéria de defesa nacional.
O Sr. Sousa Marques (PCP): - Antes é que era bom!
O Orador: - Entende o Governo, no entanto, que talvez haja entre os Portugueses uma sintonia bem maior do que à primeira vista se poderia pensar quanto à doutrina da defesa nacional. A matéria não pertence exclusivamente ao Governo, nem sequer aos órgãos da soberania, porque é de tal forma intrinsecamente nacional que tem de ser elaborada em termos amplos por civis e militares, no Estado e na sociedade civil, nas universidades como nos institutos superiores militares, nos partidos políticos como nas associações e fundações especializadas.
Neste momento afigura-se haver já vários aspectos que podem ser tomados como pontos firmes de uma doutrina portuguesa de defesa nacional - quer porque constam, muitos deles, de disposições constitucionais que nenhum projecto de revisão põe em causa, quer porque sobre eles se verifica coincidência de posições dos três maiores partidos portugueses, quer ainda porque correspondem quase todos aos grandes objectivos nacionais, tal como têm vindo a ser definidos nos institutos civis e militares que se têm ocupado da matéria. O Governo, pelo seu lado, não tem qualquer dúvida ou receio em proclamar desde já a sua opinião e fá-lo, sinteticamente, nos dez pontos seguintes:
1.° Portugal é um estado independente e o primeiro dever da comunidade nacional é assegurar por todos os meios a garantia da sua independência;
2.° A defesa de Portugal contra qualquer ameaça externa compete essencialmente aos Portugueses e só secundariamente aos aliados;
3.° É imperativo categórico da nossa independência, da nossa soberania plena e da dignidade nacional que Portugal possua as suas próprias forças armadas e que estas sejam constituídas exclusivamente por portugueses;
4.° As forças armadas portuguesas têm como missão fundamental garantir a independência nacional, a unidade do Estado e a integridade do território. Quaisquer outras missões, nomeadamente a colaboração no desenvolvimento económico e social, são positivas, mas têm carácter acessório;
5.° As forças armadas estão comprometidas na defesa da democracia, garantem a liberdade de funcionamento das instituições
democráticas e são rigorosamente partidárias;
6.° As forças armadas devem obediência aos órgãos de soberania competentes, nos termos da Constituição e das leis;
7.° A organização das forças armadas é única para todo o território nacional;
8.° A defesa da Pátria é dever fundamental de todos os Portugueses e o serviço militar é geral, pessoal e obrigatório, nos termos da lei;
9.° A segurança nacional não é compatível, nas circunstâncias actuais, com qualquer estatuto de neutralidade e exige que, além de garantir a defesa de Portugal, as forças armadas portuguesas participem, no âmbito da Aliança Atlântica, no sistema de segurança colectiva da área geopolítica a que pertencemos;
10.° A legislação básica da defesa nacional, porque assume natureza quase constitucional e não convém que fique sujeita a alterações exclusivamente motivadas pelo funcionamento normal da alternância do poder, deverá ser elaborada com base num largo consenso democrático e, sempre que possível, por maioria alargada da Assembleia da República.
Esta é a opinião do Governo sobre o que poderia ser a doutrina portuguesa de defesa nacional. Mas muitas outras vozes se podem e devem exprimir sobre a matéria: o Governo terá o maior gosto em as ouvir.
Vozes do PSD, do CUS e do PPM: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Para além da legislação constitucional e ordinária da defesa nacional, para além de uma política global de defesa nacional e para além de uma doutrina de defesa nacional, sempre será necessário assegurar nos melhores termos a direcção e a gestão das forças armadas.
As opções políticas, legislativas e financeiras hão-de caber, por definição, ao poder político, através dos órgãos de soberania que a Constituição e as leis considerarem em cada caso competentes. Mas é evidente que à instituição militar deverá sempre ficar reservado um apreciável grau de autonomia interna, quer por razões decorrentes de uma orientação genérica favorável à desconcentração de poderes, quer por razões especificamente atinentes à natureza peculiar das forças armadas. Esse grau de autonomia interna não pode deixar de estar relacionado com a necessidade imperiosa de não fazer política com as forças armadas.
Nenhum governo pode promover, nem consentir que seja promovida, a instrumentalização das forças armadas. A triste experiência de 1975 foi suficientemente elucidativa e não deixou dúvidas a ninguém. As forças armadas devem ser defendidas na sua dignidade e respeitadas no seu desejo, que é também o da Nação, de não serem palco de ambições pessoais, nem teatro de manobras partidárias, nem instrumento de conflitos que lhes não dizem respeito.
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Nessas condições, e uma vez concluída a revisão constitucional e aprovada a legislação básica de defesa nacional, o poder político deverá definir claramente as missões atribuídas às forças armadas e, em função desta definição, promover a apresentação pelas forças armadas de propostas fundamentadas quanto à sua reestruturação, por. um lado, e por outro, quanto aos meios considerados necessários em efectivos, em material e em recursos financeiros- para o desempenho eficiente das tarefas decorrentes daquelas missões.
Ponto essencial em toda esta actividade de redefinição e reorganização das forças armadas terá de ser, compreensivelmente, o do planeamento. Durante muito tempo praticou-se em Portugal o sistema da aquisição de material dispendioso, que não só era adquirido sem enquadramento em qualquer plano global, como muitas vezes não podia sequer ser adequadamente mantido e utilizado por falta de
infra-estruturas ou de pessoal devidamente instruído.
Este vício português vem de há muito e reflecte, também aqui, a nossa grande dificuldade em definir objectivos, mante-los e planear em relação a eles. Há que modificar tal estado de coisas. Sei, aliás, que neste momento as forças armadas estão já a caminhar neste sentido. Haverá que prosseguir e insistir nele. Pois a verdade é que, se a inexistência de forças armadas teria custos políticos e financeiros inaceitáveis para a Nação, esta não pode, por outro lado, despender importâncias avultadas com as suas forças armadas que se hão traduzam num rendimento elevado, isto é, na eficiente capacidade de as forças armadas realizarem as missões que o poder político lhes confia em nome do interesses nacional.
É nesta óptica que será prosseguido o programa de reequipamento das forças armadas, que terá de ser encarada a valorização da condição militar e que deverá ser intensificado o esforço de racionalização da gestão e de controle da eficiência dos serviços e organismos militares.
Sr. Presidente, Srs. Depurados: Para que a defesa nacional seja o que tem de ser isto é, um sistema apto a funcionar em qualquer momento, a fim de assegurar a independência nacional, a unidade do Estado e a integridade do território- é necessário, por último, que se verifiquem mais três condições, para além das já citadas anteriormente. São elas:
Uma noção clara da ameaça principal;
Uma vontade firme de defesa;
Umas forças armadas prestigiadas e seguras da sua capacidade.
Primeiro, uma noção clara da ameaça principal. Em termos genéricos, ou se acredita na existência de uma ameaça soviética sobre ò mundo ocidental -e nesse caso considera-se que é vital para este que essa ameaça seja enfrentada e reduzida - ou, pelo contrário, se acredita que isso não corresponde à realidade, que o crescente poderio soviético é apenas o inerente ao estatuto de uma superpotência que o seu expansionismo é sobretudo resultante do aproveitamento ocasional, de oportunidades que vão surgindo, e que por consequência não existe da parte da União Soviética o desejo e a determinação de uma hegemonia global em termos mundiais.
O Governo não hesita em declarar que a sua análise da situação estratégica internacional corresponde á primeira destas concepções.
Vozes do CDS:.-Muito bem!
O Orador: -- Daí a nossa presença e participação acrescidas na NATO, o Governo está firmemente convicto de que a defesa dos interesses nacionais supremo guia da sua política - implica uma esclarecida contribuição para a defesa, da Europa e do Atlântico em que nos integramos.
Uma voz do PCP: -Lá vêm os Russos; os maus!
O Orador -Em segundo lugar, é necessário haver na comunidade nacional uma vontade firme de defesa;
Dado que a capacidade de defesa depende não apenas de homens e de meios, mas também de uma vontade colectiva, torna-se evidente que, por maiores recursos humanos e materiais que se mobilizem, eles nunca serão suficientes o não existir em grau elevado a vontade e a determinação de se defender.
E esta depende, por sua vez, do estado moral e material da Nação. Para ser uma realidade política capaz de se impor a si mesma e a terceiros, a Nação tem de possuir um ideal colectivo, ter consciência da sua unidade, praticar a solidariedade entre os seus membros, defender com brio a sua história e a sua identidade, preservar o seu património cultural e natural, manter o culto dos seus heróis, dos seus santos e dos seus artistas, modernizar o seu aparelho produtivo, lutar pelo fortalecimento da sua economia, das suas finanças, da sua moeda, combater as desigualdades, promover a justiça social, o progresso, a educação dos seus filhos, abrir-se às grandes ideias e correntes do seu tempo, desenvolver a amizade e a cooperação com os outros povos, participar da vida da sociedade internacional, estreitar os laços morais, culturais e materiais que a ligam às comunidades portuguesas espalhadas pelo Mundo.
Tudo isto são tarefas com influência decisiva sobre a defesa nacional. É, em suma, todo o programa de um governo; é, afinal, todo o Programa do Governo da Aliança Democrática.
Vozes do CDS- Muito bem!
O Orador: -Por último, Sr. Presidente e Srs. Deputados, umas forças armadas prestigiadas e seguras da sua capacidade. O Governo avalia bem e deseja reconhecer publicamente o grande esforço desenvolvido pelas forcas armadas nos últimos anos para se reencontrarem com a sua tradição, com os seus ideais, com a sua disciplina. O Governo não consentirá que por atitudes claramente imputáveis ao poder político, como sucedeu antes do 25 de Abril, ou a grupos minoritários e antidemocráticos, como, aconteceu antes do 25 de Novembro, sejam assacadas responsabilidade às forças armadas ou à instituição militar.
Vozes do PSD, do CDS e do PPM: - Muito bem!
O Orador: - Afirmou um dia o grande Mouzinho de Albuquerque que Portugal é obra de soldados. E, de facto, a nossa história é indissociavelmente a his-
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tória das nossas forças armadas. Portugal nasceu num campo de batalha e forjou o seu território pela força da espada; mais tarde, expandiu-se pelo mundo tinteiro através da sua marinha; já neste século, foi o primeiro a atravessar o Atlântico Sul a bordo de uma aeronave. E não podemos nunca esquecer que, há sete anos, foram o Exército, a Armada e a Força Aérea que nos abriram as portas da liberdade e da democracia.
O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Muito bem!
O Orador -Temos razões de sobra para olharmos com a maior admiração, respeito e gratidão para as nossas forças armadas. Portugal orgulha-se dos serviços que as suas forcas armadas - comando, estados-maiores, quadros e tropas que lhe prestaram ao longo da sua história multissecular. O Governo tem a maior satisfação em o afirmar, sem qualquer reserva, do alto desta tribuna.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, estão inscritos os Srs. Deputados César de Oliveira, Lopes Cardoso, Carlos Brito, José Luís Nunes, Sousa Marques, Mário Tomé, José Tengarrinha e Amadeu dos Santos.
Tem a palavra o Sr. Deputado César de Oliveira.
O Sr. César de Oliveira (UEDS): -Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Vice-Primeiro-Ministro: Ouvi com atenção a sua exposição ...
O Sr. Narana Colssoró (CDS): - Não fez mais do que o seu dever!
O Orador: -... e a primeira audição, porventura defeituosa, visto que não tive oportunidade de ler o seu discurso, sugere-me algumas questões, que vou passar a expor.
A exemplo d'o que anteontem disse aqui o meu camarada Almeida Santos, do Partido Socialista. V. Ex.ª no seu discurso limita-se também a um «deverá», a um «estudará», «ultimará», «legislará», «aprontará», etc. Ou seja, ao fim e ao cabo, V. Ex.ª limita-se a enunciar um catálogo de coisas que o Governo vai fazer, quando, nessa matéria, o importante seria desde já adiantar o conteúdo desse catálogo de iniciativas e os meios que hão-de permitir ou não a concretização desses objectivos.
Na verdade, V. Ex.ª descobriu os dez pontos que são já a posição do Governo e eu direi que essa é uma descoberta que me impressiona. E impressiona-me porque julgo que o comum dos cidadãos portugueses já os tinha descoberto há muito tempo e, francamente, esperava mais de V. Ex.ª na descoberta de algumas coisas essenciais, que não nove lugares-comuns e um décimo ponto que tem alguma controvérsia.
Por outro lado, V. Ex.ª parece ignorar que nesta Câmara existem já para apreciação dentro em breve diplomas relativos aos objectores de consciência. O Governo tem ou não em conta esses diplomas e o seu conteúdo, ou o Governo pretende, pura e simplesmente, ignorar o esforço legislativo dos partidos da oposição que os apresentaram?
Portanto, gostaria que V. Ex.ª adiantasse mais alguma coisa sobre o conteúdo das medidas que o Governo vai tomar relativamente à defesa nacional e às forças armadas, ainda que compreenda que tenha que enunciar esse conteúdo de um modo genérico, porque os dez pontos a que V. Ex.ª se referiu são para mim, creio que para todos os deputados, manifestamente insuficientes, porque, de facto, referem-se a nove lugares-comuns e a um último ponto sobre a NATO que para esta Câmara é uma verdade elementar, embora posse haver várias interpretações sobre ele.
Finalmente, gostaria também de saber o que pensa V. Ex.ª sobre os projectos do objector de consciência já apresentados aqui nesta Câmara.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.
O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro, ...perdão, Sr. Vice-Primeiro-Ministro - o Sr. Vice-Primeiro-Ministro desculpar-me-á o lapso, pois ele é compreensível depois do tom do seu discurso: Gostaria de lhe colocar uma questão muito concreta, questão essa que espero tenha melhor destino do que as que coloquei na segunda-feira ao Sr. Primeiro-Ministro. De facto, o Sr. Primeiro-Ministro parece não gostar de perguntas, a ponto tal que repreendeu, mesmo em tom de mestre-escola, o Sr. Deputado Almeida Santos por ele lhe ter feito perguntas, esquecido ele, o Sr. Primeiro-Ministro, ou ignorando ele, o Sr. Primeiro-Ministro, que constitucional e regimentalmente estávamos aqui exactamente para fazer perguntas.
Ora, a pergunta que gostaria de lhe colocar não tem directamente a ver com a sua intervenção, Sr. Vice-Primeiro-Ministro, penso que tem indirectamente a ver, é algo que reputo de importante, e aproveito a sua presença aqui e a do Governo para a colocar. É a seguinte: têm vindo com frequência a público - nomeadamente em órgãos de comunicação social que devem merecer ao Governo respeito pela sua idoneidade- acusações mais ou menos fundamentadas sobre a existência de tráfico de armas, via Lisboa, para a África do Sul e, segundo o que tem sido publicamente afirmado, com a clara conivência de autoridades deste país, dado que sem essa conivência o trafico não poderia ser possível e nem Governo nem as autoridades deste país não podem segundo tem sido afirmado- ignorar qual o trajecto dos barcos portadores desse contrabando.
Assim, gostaria de saber que medidas pensa o Governo tomar no sentido de esclarecer esta situação, de informar a opinião pública sobre ela e de avaliar o que realmente existe de positivo e de concreto nesta matéria. Ora, vindo a confirmar-se as acusações que foram feitas e que, tanto quanto seja do meu conhecimento, não foram até agora desmentidas, quais as medidas que o Governo pretende tomar nesse capítulo?
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, Sr. Vice-
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-Primeiro-Ministro: Gostaria de lhe pedir alguns esclarecimentos, deixando a contestação para uma posterior intervenção.
Assim, vou começar por fazer referência a algo que me surpreendeu e que não ouso apresentar-lhe como pedido de esclarecimento, mas, de qualquer maneira, são interrogações que mo faço a mim próprio em voz alta. Não percebi por que é que o Sr. Vice-Primeiro-Ministro começou a sua intervenção dizendo que está neste momento diante de vós o Governo, etc., etc. Bem, nós estamos aqui desde
segunda-feira, o Programa do Governo foi apresentado na segunda-feira e nesse mesmo dia é que era o momento de dizer: «está aqui neste momento perante vós o Governo.»
Risos.
Porquê este tom tão solene que a hierarquia governamental não justifica? Por que não disse o Sr. Vice-Primeiro-Ministro «continua diante de vós o Governo»? Ou, de outra maneira ainda: «está de novo diante de vós o Governo?» Portanto, esta é uma interrogação que não consigo deixar de me colocar.
O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Que tristeza!
O Orador: - Passando aos pedidos de esclarecimento, o primeiro é relacionado com ai questão do contrato. O Sr. Vice-Primeiro-Ministro reconhece o grande e estrondoso fracasso da AiD nas Presidenciais, reconhece reveses da AD nas eleições autárquicas intercalares e reconhece o sentido claro das sondagens-portanto, contrário à AD. Mas, apesar de tudo isso, diz que o contrato se mantém-é um contrato por quatro anos. Portanto, a pergunta que gostaria de lhe colocar é a seguinte: quem é que julga da vigência do contrato?
Pergunto também se não é legítimo colocar a questão de que a AD rompeu o contrato. Rompeu-o fazendo uma política contrária àquilo que prometeu ao eleitorado: prometeu melhores dias e dá dias cada vez piores; prometeu resolver os problemas da habitação, da saúde e do ensino, mas não resolve coisa nenhuma e agrava cada vez mais as condições de vida do nosso povo. Rompeu-a com a última crise governamental: tinha prometido ao eleitorado estabilidade, mas deu-lhe instabilidade, conflitos, guerrilha interna dentro da própria AD, dentro da própria coligação governamental
Sr. Vice-Primeiro-Mdnistro, V. Ex.ª assumiu um contrato perante o povo português que foi o de não fazer parte de governos enquanto o general Ramalho Eanes fossei Presidente da República. Portanto, V. Ex.ª assumiu esse contrato com o eleitorado, fez essa declaração solene, e agora rompeu a promessa. Quem lho consentiu? Isso não é romper o contrato?
Creio que esta questão tem que se colocar legitimamente e que não basta terem passado dez meses sobre as suas declarações e sobre o seu compromisso
- dez meses esses que ainda por cima foram de seca- para lavar esse compromisso assumido com o povo português.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Portanto creio que há razões para considerar que o contrato foi rompido pela própria
AD e que a geografia política do País está modificada e o que se impõe é substituir a AD no Governo. Mas o Sr. Vice-Primeiro-Ministro responderá a isso.
Finalmente, gostaria de lhe colocar muito rapidamente duas questões porque o nosso tempo é muito pouco. A primeira é relativa à filosofia da defesa nacional que V. Ex.ª aqui trouxe e, mais do que isso, às actuações do Governo que também anunciou. O Sr. Vice-Primeiro-Ministro garantiu que o Governo aguardará serenamente a revisão constitucional para só depois fazer chegar à Assembleia da República as propostas de lei ou legislar, conforme os casos, em matéria da defesa nacional. V. Ex.ª assumiu o compromisso de que não se antecipará à revisão constitucional para tomar estas iniciativas, pediu aos demais órgãos de soberania que colaborem numa transição serena para um novo regime. Mas esta panóplia de diplomas que o Governo anuncia e os argumentos que está carreando em defesa deles não podem ser apelidados legitimamente de uma grande campanha de agitação que o Governo está a fazer a favor dos seus pontos de vista, dos pontos de vista da AD, e, logo à partida, rompendo o compromisso que quer assumir com os órgãos de soberania?
Uma outra pergunta refere-se à filosofia da defesa nacional. Tudo o que V. Ex.ª disse pode-se traduzir, ao fim e ao cabo, no seguinte: há um ponto de referência fundamental para a nossa política de defesa nacional - é o perigo russo.
Assim, gostaria de saber se, ao definir a política de defesa nacional nestes termos, não estará o Governo a envolver cada vez mais o nosso país na política de blocos e, neste sentido, a contrariar a filosofia do artigo 7." da Constituição, que põe como princípio para os Portugueses que estes trabalhem no sentido do desmantelamento dos blocos militares. Portanto, não estará o Governo a romper um contrato, um compromisso, que foi estabelecido pêlos constituintes quando aprovaram a Constituição?
Creio que a questão dos contratos, dos compromissos, é uma questão grave que se pode colocar a este governo e que este governo e a AD estão a romper os compromissos assumidos com o povo português.
Finalmente, gostaria de me associar à pergunta que foi formulada pelo Sr. Deputado Lopes Cardoso relativamente à venda de armas à África do Sul e perguntar quais são as medidas que o Governo tenciona tomar e quais as iniciativas que estão em prática para averiguar o que se passa e para impedir que se continue a passar.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. 'Deputado José Luís Nunes.
O Sr. José Luís Nunes (PS):-Sr. Vice-Primeiro--Ministro: Gostaria de focar alguns pontos relacionados com o discurso que V. Ex.ª acaba de pronunciar, isto sem, em análise posterior, renunciar ao direito de crítica a que faço jus pela minha qualidade de deputado.
Antes de mais nada, gostaria de fazer uma breve nota: ninguém contesta o papel das forças armadas portuguesas na conquista e na formação de Portugal. No entanto, seria bom que V. Ex.ª, que é um homem
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cuja cultura universitária o leva a conhecer estas coisas, quando falasse nas forças armadas não se esquecesse de se referir também aos outros elementos, aos outros portugueses, que também tornaram possível a existência de Portugal como um Estado independente. Refiro-me a certas figuras do povo português, tais como ò alfaiate Fernão Vasques, como a revolta do Manuelinho de Évora, como o povo do Porto, que soube resistir às forças das divisões do general francês Loison. Também é importante referir estas coisas, para que se não julgue que o nosso país nasceu de geração espontânea, o que não é o caso.
Dito isto, desejava colocar-lhe algumas questões. V. Ex.ª disse que a legislação base da defesa nacional deverá ser elaborada na base de um amplo consenso democrático. Cabe-me aplaudir com ambas as mãos essa declaração, mas, simplesmente, para que ela não fique sob forma verbal ou verbosa, pergunta-se: quando, como, de que forma e em que âmbito?
V. Ex.ª declarou que, entre outras coisas, a Nação tem que possuir um exército, umas forças armadas. Isso é um facto que ninguém põe em causa. No entanto desejava que V. Ex.ª explicasse a esta Câmara como concilia a defesa da necessidade desse exército, e, sobretudo, do serviço militar obrigatório, com as declarações do órgão juvenil de uma das componentes que apoiam a AD, a JSD, que pura e simplesmente pede o fim do serviço militar obrigatório para Portugal.
Vozes do PS, da ASDI e da UEDS - Muito bem!
O Orador: - Desejava também que o Sr. Vice-Primeiro-Ministro me respondesse ao seguinte: falou V. Ex.ª na triste experiência de 1975, de manipulação das forças armadas por forças políticas. Nós acompanhá-lo-íamos com tanto mais certeza nesta afirmação se V. Ex.ª não se esquecesse de sublinhar que a manipulação das forças armadas pelas forças políticas atingiu o seu grau máximo durante os quarenta e cinco anos de regime do fascismo no nosso país.
Vozes do PS:-Muito bem!
O Orador: - E é necessário dizer e sublinhar que em 1975 fez-se uma pálida tentativa, comparada com aquelas que a antecederam.
Vozes do PS:- Muito bem!
O Orador -V. Ex.ª disse que era necessário ter uma noção clara da ameaça principal e uma participação acrescida na NATO. Não tenho dúvida nenhuma em acompanhar V. Ex.ª nessa definição clara de ameaça principal e na defesa de uma posição acrescida na NATO. Eu próprio me tenho batido para que Portugal tenha uma posição clara e evidente na NATO. Mas Portugal só pode ter uma posição na NATO se dentro das estruturas da NATO tiver uma posição nacional e não der a ideia de que em cada momento se determina pêlos interesses imediatos do Governo Norte-Americano. Dito de outra fornia: prestando embora homenagem sinceríssima às qualidades de ministro e de homem de Estado do Sr. Engenheiro Adelino Amaro da Costa, não pode deixar de se sublinhar que foi durante a sua gestão - a muitos títulos, certamente, louvável - como Ministro da Defesa que foram feitas declarações gravíssimas sobre a entrada de Portugal na NATO. E é na sequência dessas declarações que actualmente a Espanha aparece a reivindicar um comando conjunto.
É, pois, necessário que se diga que a nossa presença na NATO é a presença de Portugal na NATO e não a presença da NATO em Portugal. Esta fórmula é absolutamente essencial para a compreensão da nossa actuação nesta matéria.
Por fim, desejaria dizer-lhe que talvez a mais importante das suas afirmações está no início do seu discurso. Falou o Sr. Vice-Primeiro-Ministro no conceito amplo de defesa nacional. Em todas as perguntas que lhe foram colocadas isto passou em branco, e não devia ter passado. Nós defendemos um conceito amplo de defesa nacional, por esta constatação evidente: é que todas as actividades humanas implicam também um acto de defesa. Se é isso que se quer dizer, não há dúvida nenhuma de que está certo. Se se quer dizer que a defesa nacional não compete somente às forças armadas, compete à economia, às finanças, à política externa, isso é absolutamente exacto, e não seria da nossa bancada que se faria a mínima crítica.
Simplesmente, não é isso que V. Ex.ª diz no Programa do Governo. V. Ex.ª, Sr. Vice-Primeiro-Ministro, diz uma coisa diferente. A partir desta constatação real, V. Ex.ª pretende concentrar - e espero que o seu esclarecimento me diga que me enganei - num Superministério da Defesa todos os aspectos de segurança nacional que incumbem claramente a todos os restantes ministérios. Quer dizer que, nessa base, o Ministério da Defesa não seria só o Ministério das Forças Armadas: seria o Ministério das Forças Armadas, mas seria também o Ministério da Defesa do Trabalho, o Ministério da Defesa da Indústria, o Ministério da Defesa da Economia, o Ministério da Defesa das Finanças, confundindo-se assim um conceito de defesa com os conceitos de regime de segurança, tão em voga na América do Sul.
Sei, Sr. Vice-Primeiro-Ministro, quanta diferença existe entre V. Ex.ª e um qualquer general Pinochet. E por saber essa diferença é1 que penso que V. Ex.ª não pode utilizar os mesmos conceitos de defesa que são utilizados pelo general Pinochet.
O Sr. Presidente: - Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Sousa Marques.
O Sr. Sousa Marques (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Independentemente de o meu grupo parlamentar voltar a abordar estas questões, gostaria de colocar algumas breves questões ao Sr. Vice-Primeiro-Ministro.
O Sr. Vice-Primeiro-Ministro acredita na ameaça russa. É legítimo acreditar nessa ameaça, assim como é legítimo que outros não acreditem na sua possibilidade ou existência. O Sr. Vice-Primeiro-Ministro pretende envolver cada vez mais Portugal na política de blocos, política essa contra a qual nós nos manifestamos.
Face a esta questão, gostaria de lhe perguntar quem é que afinal defende o alargamento da NATO com a entrada da Espanha, o alargamento de mano-
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bras que ultrapassam inclusivamente a sua área geográfica, quem é que põe em risco a segurança europeia, quem é que fala em provocar uma guerra nuclear limitada à Europa, quem é que pretende desequilibrar, o equilíbrio estratégico global geralmente reconhecido, acelerando ainda mais a corrida quantitativa e qualitativa aos armamentos, quem é que pretende agravar os já perigosíssimos focos de tensão existentes em diversos pontos do mundo, quem é que declara solenemente que pretende ter a iniciativa em eventual conflito armado generalizado.
Concretamente, V. Ex.ª pode acreditar nisto ou naquilo e eu posso acreditar exactamente no contrário, até porque ambos temos essa liberdade. Mas o que é que o Sr. Vice-Primeiro-Ministro pensa de alguém que diz o seguinte: «nós faremos tudo o que for necessário para aumentar o potencial de guerra da América e obter a superioridade sobre a União Soviética»? Não se trata, portanto, de obter igualdade, mas sim a superioridade sobre a União Soviética. Isto foi dito pelo seu colega Secretário da Defesa Gaspar Weinberger, membro do Governo dos Estados Unidos da América. O que é que o Sr. Vice-Primeiro-Ministro pensa desta afirmação e da gravidade dela? O Sr. Vice-Primeiro-Ministro pensa que é assim, envolvendo cada vez mais o, nosso país e o nosso povo numa política deste tipo, que se resolvem os problemas do nosso país, bem como os problemas de todos os povos do mundo?
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr., Presidente: - Ainda para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.
O Sr. Mário Tomé (UDP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Vice-Primeiro-Ministro: A minha intervenção,: independentemente de outras que farei à volta deste tema, destina-se a evidenciar uma discordância e um embevecimento.
A discordância é a seguinte: a UDP está totalmente em desacordo com a posição aqui expressa, e não só pelo Sr. Vice-Primeiro-Ministro, em relação às forças armadas.
O Sr. Borges de Carvalho (PPM): Ainda bem!
O Orador: - Esta nossa posição é muito clara porque as forças armadas portuguesas nunca assumiram e ainda menos de uma forma clara - os interesses do povo que as pagava e as fornecia de homens para a guerra.
Vozes do CDS: - Isso é uma autocrítica!
O Orador: - As forças armadas portuguesas, durante grande pane da nossa história, não existiam, uma vez que não se estava no tempo das forças armadas nacionais.
O Sr. Portugal da Silveira,(PPM):-Era assim como o direito romano!
O Orador: - Grande parte da nossa gesta e da própria independência e luta contra os Mouros -e mesmo daí para diante - não era determinada por
quaisquer forças, armadas. V. Ex.ª sabe isso perfeitamente. Quando se começaram a formar as forcas armadas, elas ficaram desde logo debaixo da tutela do poder político, foram, postas a funcionar já nessa altura, tal como agora, por generais estrangeiros, desde, o conde de Lippe, Wellington, etc.. Quando V. Ex.ª afirma que foram as forças armadas que fizeram, o 25 de Abril, está a dizer uma mentira total e monstruosa. Isso serve precisamente para que hoje se esteja nesta situação e para que o nosso povo pense que tem umas forças armadas que não são aquilo que ele pensa. Como os Srs. Deputados sabem, o 25 de Abril foi feito contra as próprias forças armadas enquanto instituição, enquanto hierarquia, enquanto corpo dentro ,da Nação. O -25 de Abril foi feito por alguns capitães apoiados pela grande maioria dos oficiais e sargentos milicianos e pela
esmagadora maioria dos soldados, que já anteriormente - ainda antes de o capitães terem pensado nisso- tinham demonstrado,- pela sua luta, que era a luta do povo português a que eles pertenciam, que o único caminho era o derrubamento do regime fascista e o fim da guerra colonial.
Daí o total desacordo da UDP em relação a essas palavras, que só servem os interesses de quem as profere-se os interesses políticos e partidários que estão por trás.
Quanto ao embevecimento, a UDP, está deveras embevecida pelo facto de certas forças políticas, que desde o 25 de Novembro e depois de estarem no poder têm atentado de todas as formas contra a Constituição, reclamando a sua revisão mas não esperando por ela, liquidando as conquistas de Abril, atacando os trabalhadores em questões fundamentalmente protegidas pela própria Constituição, estarem agora de uma forma tão simpática e comovente à espera da revisão constitucional para entrar neste assunto. Isto tem de servir para alertar os Portugueses, os democratas e os patriotas. E isto acontece por que razão? Porque desde o 25 de Abril, e fundamentalmente desde o 25 de Novembro, nunca foi necessário que as forças da direita se lançassem sobre a questão das forças armadas e da defesa, tal como se lançaram nas questões do trabalho e noutros problemas políticos do nosso país. E isto foi assim porquê?, Porque p braço secular, da NATO lá estava a garantir a continuidade e o empenhamento de Portugal com a política, imperialista, a garantir que nenhuma transformação fundamental aconteceria no campo da defesa.
É por isso que VV. Ex.ªs esperaram com tanta calma, com tanta suavidade e com tanta simpatia, de fornia a que surgisse a revisão constitucional antes de se debruçarem nos problemas da defesa nacional. É esta a questão fundamental e quê nos mostra também que o período de transição também não foi assim tão mau. Na verdade, o período de transição foi um período de transição de um período revolucionário do 25 de Abril, não para o socialismo, mas sim um período de transição lenta, suave, de acordo convosco, para a AD, para a direita, para o controle total do nosso país pelo grande capitalismo e pelo imperialismo. Este é que foi o período de transição.
O Sr.. João Morgado (CDS):-Tenha calma!
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O Orador - Tudo isto é claro como água, Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Srs. Deputados.
Finalmente, apenas duas questões em relação as afirmações de V. Ex.ª
A primeira é a seguinte: como coaduna V. Ex.ª a perspectiva do conceito amplo de defesa, em que todas as fibras do País estão comprometidas, desde a economia à indústria, etc., com a situação em que se encontra o nosso país, em que a nossa economia é determinada do exterior pelo FMI, em que a nossa indústria é controlada pelas multinacionais? Como é que V. Ex.ª coaduna uma coisa e outra? Ou será que a nossa defesa é apenas em relação a alguns, mesmo numa altura em que não está estabelecido nenhum conflito, havendo apenas ameaças que V. Ex.ª atribui a um lado e outros atribuem a outro lado? Como é que V. Ex.ª explica isso se não está desencadeado nenhum conflito? Como é que toda a nossa economia, todo o nosso país, toda a nossa política e as próprias forças armadas são totalmente comandadas e controladas do exterior? Que defesa é esta? Quem quer V. Ex.ª defender e contra quem? Não quererá V. Ex.ª defender apenas os interesses do Governo e dos que se escondem por detrás dele, tudo de acordo com os interesses dos potências que mandam no nosso país e contra os trabalhadores?
Mas, se assim for, os trabalhadores dirão que isso é uma traição ao nosso país. Os únicos capazes de defenderem o País são os trabalhadores, tal como sempre o demonstraram, e não as forças armadas, que VV. Ex.ªs sempre manipularam e querem continuar a manipular. Não há forças armadas que não sejam manipuladas, porque, quer haja Conselho da Revolução quer não haja, as forças armadas estão submetidas ao poder político da classe dominante.
Estas são questões demasiado graves para que se permita que passem sem a devida explosão...
Uma voz do PSD: - Outra vez bombas?!
O Orador: - ...de quem pensa no nosso país em termos de patriotismo, de interesses populares. Estas questões não podem passar em branco.
O Sr. César de Oliveira (UEDS): -Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?
O Sr. César de Oliveira (UEDS): -Para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente:-Tenha a bondade, Sr. Deputado.
O Sr. César de Oliveira (UEDS): -Sr. Presidente, acabei de ler com curiosidade e atenção e lista dos oradores inscritos.
Ora, eu gostaria que V. Ex.ª me confirmasse, caso fosse possível, se entre os vinte e quatro oradores inscritos não há engano, uma vez que é estranho não haver oradores inscritos por parte do PSD.
Vozes do PSD: - Que piada!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado César de Oliveira, a Mesa não pode fazer a distribuição das listas de oradores com a correspondência de tempo que seja momentânea em relação às inscrições.
Essa lista foi distribuída em determinado momento desta sessão da manhã. Ora, posso informá-lo de que neste momento essa lista já está desactualizada. Com efeito, já há deputados do PSD que se inscreveram, bem como oradores de outros partidos.
Portanto, embora a Mesa não tenha que fazer apreciações sobre a ordem por que os Srs. Deputados se inscrevem, poderá, contudo, providenciar pela distribuição imediata da lista actualizada.
O Sr. Silva Marques (PSD): -Peço a palavra para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente:-Tenha a bondade, Sr. Deputado.
O Sr. Silva Marques (PSD): -Sr. Presidente, creio que, tal como o Sr. Presidente acabou de resumir, se devem pura e simplesmente aplicar as regras que foram estabelecidas em reunião havida para o eleito entre os líderes dos grupos parlamentares. O Sr. Deputado César de Oliveira não está ao corrente dessas regras que V. Ex.ª acaba de resumir.
Eu gostaria apenas de lembrar um aspecto: trata-se dó princípio da alternância. Portanto, se nós estamos inscritos no fim da lista, reconhecemos que todos os outros que estão antes deverão falar, em termos de alternância, até que chegue a nossa vez.
O Sr. Presidente: -Sr. Deputado Silva Marques, é evidente que os termos regimentais aplicáveis, acrescidos daqueles que foram estabelecidos por consenso na reunião dos líderes dos grupos parlamentares, serão cumpridos pela Mesa. Para além da interpelação formal, o valor que tem a figura da interpelação do Sr. Deputado César de Oliveira à Mesa -que dizia respeito menos à Mesa do que a qualquer outro ponto desta Sala- será interpretado por qualquer de VV. Ex.ªs pelo valor político; que escapa à possibilidade de interpelação da Mesa.
Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Tengarrinha.
O Sr. José Manuel Tengarrinha (MDP/GDE): - Sr. Vice-Primeiro-Ministro, é com alguma surpresa que o vejo sentado nessa bancada. V. Ex.ª, que hoje se apresenta nesta Assembleia da República na qualidade de Vice-Primeiro-Ministro, poder que lhe veio das mãos do Dr. Pinto Balsemão e do general Ramalho Eanes, acolheu esses dois actos com bastante satisfação e por certo profundamente sensibilizado, uma vez que eles estiveram exactamente de acordo com as suas anteriores e fogosas posições.
Risos do MDP/CDE e do PCP.
Gostaria de lhe colocar questões em apenas dois planos.
O primeiro plano é de generalidades e mais respeitante ao período de transição constitucional e que é dado como uma prioridade no campo da defesa. Ora, eu pergunto, uma vez que ,V. Ex.ª afirmou há pouco que nenhum governo pode permitir a instrumentalização das forças armadas - princípio com o qual pessoalmente estou inteiramente de acordo -, se os projectos de revisão constitucional não conduzirão ainda
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a uma governamentalização e a uma necessária e inevitável partidarização das forças armadas.
Relacionada com esta questão, gostaria de saber se a unificação dos poderes militares supremos numa entidade igualmente legitimada pelo voto não poderia evitar - tivemos um exemplo bem flagrante disso ha pouco tempo em Espanha - situações graves para a sobrevivência da democracia.
As três questões muito concretas que agora lhe queria colocar, com o desejo sincero de ser esclarecido e de ver clarificada a posição do Governo sobre estas questões momentosas para o País -e elas são omissas no Programa do Governo, bem como na intervenção do Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa Nacional -, são as seguintes: Haverá instalação de bases militares estrangeiras em Portugal, atendendo ao grande relevo que no Programa e nas suas próprias palavras é dado às relações com a NATO e atendendo ainda às recentes declarações do Joseph Luns em Bruxelas, segundo as quais os governantes portugueses teriam certamente o bom senso de não aceitar que bases militares pudessem vir a ser colocadas em Portugal?
A segunda pergunta é sobre a instalação de armas nucleares em Portugal. Como V. Ex.ª sabe, este é um dos problemas momentosos para o nosso país e para a Europa neste momento, sendo até motivo de um dos mais amplos movimentos de protesto que em todo o mundo se desenvolve e que atingiu também no nosso país grandes proporções. Ora, este problema não mereceu referência, uma linha que fosse, no Programa do Governo ou na sua intervenção.
Por outro lado, como é que o Governo encara a possibilidade de aproveitamento de partes do território nacional como ponto de passagem para a agressão a
povos com quem nós desejamos manter e desenvolver relações comerciais e culturais?
O Sr. Presidente: - Finalmente, tem a palavra para pedir esclarecimentos o Sr. Deputado Amadeu dos Santos.
O Sr. Amadeu dos Santos (PSD): -Sr. Presidente, Srs. Deputados: A minha interpelação vai mais no seguimento da afirmação do Sr. Deputado José Luís Nunes - pessoa por quem tenho o maior respeito, ou não fosse meu conterrâneo- segundo a qual a JSD defendia a abolição da obrigatoriedade do serviço militar. Ora, isto não é verdade. A JSD não preconiza isso, mas apenas que essa obrigatoriedade não esteja em termos constitucionais, ou seja, que não exista na Constituição e, como tal, seja transferida para a lei ordinária vigente no País. É isto o que preconiza a JSD, o que é muito diferente daquilo que o Sr. Deputado José Luís Nunes afirmou.
O Sr. Presidente: - Para responder aos pedidos de .esclarecimento, tem a palavra o Sr. Vice-Primeiro-Ministro.
O Sr. Vice-Primeiro-Ministro è Ministro da Defesa Nacional (Freitas do Amaral):- Sr. Presidente, Srs. Deputados: Por razões de tempo e também razões de organização do debate, não irei responder a perguntas que tenham a ver com o problema da crise política atravessada nos últimos tempos e que já foram ou virão a ser respondidas por outras pessoas. Também não vou responder a perguntas sobre problemas como, designadamente, o que foi posto pelo Sr. Deputado Tengarrinha e que tem que ver com a revisão constitucional e com os projectos de revisão constitucional da Aliança Democrática, sobre os quais Governo não tem de se pronunciar. Tão-pouco irei responder a questões cuja resposta é do âmbito do Ministério dos Negócios Estrangeiros e que melhor serão respondidas pelo Sr; Ministro dos Negócios Estrangeiros se lhe forem colocadas essas questões.
Portanto concentrar-me-ei naquelas perguntas que me dizem directamente respeito.
Em relação a estas, começarei por dizer- ao Sr. Deputado César de Oliveira que o Programa do Governo tem ó grau de pormenorização que o Governo entende necessário e possível neste momento. Não poderia ir mais longe quanto ao conteúdo das principais leis de defesa nacional, até porque, como consta do Programa e eu disse no meu discurso, só depois de a revisão constitucional estar concluída é que poderemos saber como construir em substância essas propostas
O Sr. Deputado estranhou que os dez pontos sobre doutrina de defesa nacional que enumerei fossem de grande consenso nacional. Penso que, pelo contrário, é essa a sua grande vantagem. Congratulo-me pelo facto de mesmo da sua boca e em representação do seu partido haver um reconhecimento de que esses pontos são pacíficos, e consensuais no nosso país. Era isso ó que eu pretendia atingir. Congratulo-me por o ter conseguido.
Vozes da CDS -Muito bem!
O Orador: - Quanto ao projecto dos objectores de consciência, não ignoro que há outras opiniões, designadamente a posição da UEDS. Elas serão naturalmente tidas em conta. A UEDS hão estranhará certamente que o Governo tenha, por seu lado, a sua posição e que pretenda submetê-la a esta Câmara.
Dirijo-me agora ao Sr. Deputado Lopes Cardoso, a quem não me enganarei chamando-lhe, artificialmente, presidente da FRS.
Risos do PSD, do CDS e do PPM.
Passo de imediato a responder à pergunta que me colocou, respeitante ao tráfico de armas.
Essa questão foi colocada por um jornal diário e foi oficialmente respondida pelo Governo, através do Ministério dos Negócios Estrangeiros, em comunicado que ali foi publicado. Portanto, limito-me a dizer ao Sr. Deputado que é falso que haja, com conhecimento ou conivência do Governo, qualquer tráfico de armas em relação à África do Sul. A África do Sul é, aliás, neste momento o único país em relação ao qual há um embargo oficial decretado pelo Governo Português quanto à exportação ou ao trânsito de armas para esse país. Se algum caso houver de tráfico, através de Lisboa ou outro ponto do território nacional, em relação à África do Sul, é manifestamente ilegal, é fraudulento. Ora, o Governo não têm qualquer conhecimento dele e, se algum cidadão dês-
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te país tiver conhecimento de um caso desses, tem a obrigação de o denunciar à Policia Judiciaria.
Vozes do PSD, do CDS e do PPM: - Muito bem!
O Orador: - O Governo intensificará naturalmente o controle da situação pêlos meios que tem à sua disposição.
Dirigir-me-ia agora ao Sr. Deputado Carlos Brito para lhe dizer, em primeiro lugar, que não tem de estranhar o início do meu discurso. O Sr. Deputado estranhou que eu tivesse dito exactamente a mesma coisa que há dois dias foi aqui dito pelo Sr. Primeiro--Ministro. Quero dizer-lhe que, por mais esforços que o PCP faça, eu direi exactamente o mesmo que o Sr. Primeiro-Ministro.
Risos do PSD. do CDS e do PPM.
Relativamente à questão que me colocou segundo a qual anunciar desde já, em matéria de defesa nacional os diplomas que o Governo entende serem necessários e que precisa de começar a preparar para os apresentar a seguir à revisão constitucional é no seu entender, uma campanha de propaganda a favor do ponto de vista do Governo, devo dizer-lhe que não é assim, Sr. Deputado. É apenas praticar um acto responsável de bom governo e boa administração. Irresponsável e má administração seria que o Governo só desse pela necessidade dessa legislação depois de a revisão constitucional estar concluída e ter entrado em vigor, criando, nesse caso, sim, um hiato grave no funcionamento das forças armadas.
Vozes do CDS: - Muito bem!
O Orador: - Responderei agora em simultâneo às perguntas do Sr. Deputado Carlos Brito e do seu colega de bancada Sousa Marques, que, embora diferentes, coincidem no seu sentido principal.
Congratulo-me, devo dizer desde já, pelo grande progresso que noto na bancada do PCP ao ter ouvido pela primeira vez da boca de um deputado do PCP a afirmação de que é legítimo acreditar na ameaça russa.
O Sr. Sousa Marques (PCP):-Eu não disse isso.
O Orador: - O Sr. Deputado disse que era legítimo acreditar na ameaça russa, tal como era legítimo acreditar noutras ameaças de sinal contrário. Nesse ponto, Sr. Deputado, estamos de acordo. Na verdade, é perfeitamente legítimo acreditar na ameaça russa.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
Quero dizer, muito em resumo, Sr. Deputado, que não valerá a pena perder muito tempo sobre isso. O Sr. Deputado terá as convicções que tiver, nós temos as nossas e o Governo tem a sua.
O Governo acredita na ameaça russa. O Governo entende que a ameaça russa tem crescido nos últimos tempos. Dir-lhe-ei apenas três pontos muito rápidos: em primeiro lugar, essa ameaça tem crescido pela actuação política da União Soviética, como é exemplo o caso do Afeganistão; essa ameaça tem crescido pelo aumento enorme do armamento soviético e do Pacto de Varsóvia, que é hoje bem superior, como todos o reconhecem, ao armamento da Aliança Atlântica. Basta dizer que a URSS continua a instalar na Europa de Leste 16 mísseis SS-20 por semana e dirigidos contra a Europa. Ocidental.
O Sr. Sousa Marques (PCP): - É falso!
O Orador. - Isto é aumento da ameaça soviética, Sr. Deputado.
Por último, e para terminar - não direi mais sobre este assunto porque não é preciso-, digo-lhe que não há da parte de nenhum exército de nenhum país da Aliança Atlântica quaisquer manobras militares destinadas a intimidar um congresso de sindicatos livres.
Aplausos do PSD. do CDS. do PPM. da ASDI e de alguns deputados do PS.
Muito rapidamente, respondendo a uma pergunta do Sr. Deputado José Manuel Tengarrinha, direi que não há, nem tencionamos que venha a haver, bases militares estrangeiras em território português. O que há são bases portuguesas onde concedemos facilidades a aliados nossos. Por nós, tencionamos manter essa posição.
Por último, uma breve palavra em relação à incrível intervenção do Sr. Deputado Mário Tomé.
Quero dizer apenas, em relação a essa intervenção, que tudo quanto o Sr. Deputado disse, nomeadamente sobre as forças armadas portuguesas, é falso. Ergo o meu protesto vigoroso contra a sua diatribe lançada contra as forças armadas portuguesas, ainda por cima lançado por quem, pelo seu comportamento enquanto foi militar, não tem autoridade moral para o fazer.
Aplausos do PSD. do CDS e do PPM.
Quero também afirmar, em nome pessoal e em nome do Governo, que condeno o sentido profundamente antidemocrático, antipatriótico e antiportuguês das declarações irresponsáveis do Sr. Deputado Mário Tomé.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.
O Sr. Mário Tomé (UDP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Eis uma boa forma de fugir com o rabo à seringa.
Risos do PSD, do CDS e do PPM.
Coloquei ao Sr. Vice-Primeiro-Ministro questões fulcrais e fundamentais em relação não apenas às forças armadas como em relação à defesa do nosso país. Ora, o Sr. Vice-Primeiro-Ministro apenas soube dizer que era incrível, que era uma diatribe contra as forças armadas e que era antidemocrático.
Para já quero dizer ao Sr. Vice-Primeiro-Ministro que nunca rejeitei a minha situação como oficial do Exército, nem antes nem depois do 25 de Abril. Aliás, quero perguntar ao Sr. Vice-Primeiro-Ministro, o que é que V. Ex.ª andava a fazer senão a impor, com os seus correligionários da política do
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tempo do fascismo, que eu e outros como eu nos andássemos a bater contra povos irmãos em África.
Risos do PSD, do CDS e do PPM.
Foi exactamente por ter percebido isso que sé fez o 25 de Abril com o povo português e que hoje uma parcela desse povo me pôs aqui para que eu não deixe passar, seja de que modo for, as suas posições, essas, sim, antipatrióticas, antidemocráticas e que tendem claramente para conduzir o nosso povo e o nosso país para tempos que pensávamos terem acabado com o 25 de Abril.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado José Lufe Nunes tinha pedido a palavra?
O Sr. José Luís Nunes (PS): -(Prescindo, Sr. Presidente.
O Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa Nacional (Freitas do Amaral): - Sr. Presidente, eu tinha-me esquecido de responder ao Sr. Deputado José Luís Nunes. Peço desculpa e responder-lhe-ei de imediato.
O Sr. Presidente: - Tenha a bondade, Sr. Vice-Primeiro-Ministro.
O Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa Nacional (Freitas do Amaral):.- Sr. Presidente, Srs. Deputados: Antes de responder ao Sr. Deputado José Luís Nunes gostaria de dizer que o Sr., Deputado Mário Tomé usa o seu tempo como quiser. Eu é que não perco mais tempo do Governo com o Sr. Deputado.
Vozes do CDS - Muito bem!
O Orador: - Quanto ao Sr. Deputado José Luís Nunes,, queria dizer-lhe o seguinte: é e vidente que nem eu nem ninguém esquece a participação de outros elementos, para além das forças armadas, na formação e desenvolvimento da história de Portugal. Em todo o caso, fazendo um discurso essencialmente centrado nos problemas de defesa, não me competia estar aqui a desenvolver e referir de passagem esses outros elementos, em que incluo, tal como V. Ex.ª, o povo português e as suas figuras, bem como incluo também a Igreja Católica, de que V. Ex.ª se esqueceu.
Congratulo-me por ter ouvido da sua boca a ideia de que concorda com a procura de um amplo consenso democrático em matéria de legislação básica de defesa nacional.
O Sr. Deputado perguntou-me quando. Responder-lhe-ei, como no meu discurso, ou seja, penso que à partir de Janeiro. Perguntou-me também como e de que forma. Pois, basicamente, de duas maneiras é de duas formas: por um lado, da Assembleia da República, através nomeadamente da Comissão- de Defesa e, por outro lado, em contactos directos com os partidos da oposição, ao abrigo do Estatuto da Oposição, que insistimos em querer, manter e aplicar. O Sr. Deputado talvez não tenha reparado, mas eu falei no meu discurso expressamente: na manipulação política que existiu com as forças armadas antes do 25 de Abril. Falei nisso até antes de ter falado na triste experiência de 1975.
Relativamente ao problema da NATO, queria dizer-lhe, com todo o respeito que tenho pela sua opinião, que não considero que seja verdadeiro que V. Ex.ª possa dizer que foi devido à actuação do Ministro da Defesa Amaro da Costa que a Espanha se atreveu agora a pedir um comando conjunto. Isto não é verdade em si mesmo e vê-se bem que não é verdade porque a Espanha não pede um comando conjunto nem um comando unificado na Península.
O Sr. José Luís Nunes (PS): - Dá-me licença que o interrompa?
O Orador: - Faça favor.
O Sr. José Luís Nunes (PS): - Eu não disse que foi assim devido à actuação do Ministro Amaro da Costa. O que eu disse foi que, em parte, determinadas declarações que foram feitas na altura, no sentido de que Portugal está encantado e dará todo o apoio à entrada da Espanha na NATO, abriram o caminho para esconder a complexidade profunda das relações que vão levantar-se quando a Espanha entrar na NATO e a necessidade de evidenciar de uma forma determinada os interesses nacionais nessa matéria.
Na altura, tive ocasião de tomar aqui na Assembleia da República uma posição muito breve e de escrever um artigo num jornal em que dizia singularmente o seguinte: o problema da entrada da Espanha na NATO é um problema que diz respeito aos Espanhóis através das suas estruturas democráticas. A nós compete-nos congratularmo-nos com a vinda de um novo aliado, mas sobretudo defender os nossos interesses dentro da NATO, que são importantes e conhecidos de VV. Ex.ªs
O Orador - Sr. Deputado José Luís Nunes, penso que essa sua posição já é menos errada, mas ainda não é certa, em minha opinião. Não vi nunca nada nas afirmações do Ministro Amaro da Costa que pudesse levar a Espanha ou quem quer que fosse a encarar o problema dessa maneira. O que ele fez foi uma declaração de princípio favorável à entrada da Espanha na NATO, que mantemos. Mas desde essa altura houve esforços diplomáticos intensos no sentido de colocar essa questão como deve ser colocada, pêlos canais apropriados. Por último, queria dizer-lhe que o Sr. Deputado se equivocou. Eu não tenho uma noção excessiva ou distorcida da concepção ampla de defesa. Penso que temos a mesma noção e eu congratulo-me por isso. Também não penso que o Ministério da Defesa Nacional deva ser um superministério que abarque tudo aquilo que em outras áreas tem a ver com a defesa. O que eu disse, e está escrito no Programa, é que a noção ampla de defesa nacional implica que todos os ministérios, em maior ou menor grau, participem na definição ou na execução da política global de defesa. Se assim é, isso significa que são esses ministérios e não o Ministério da Defesa Nacional, que são responsáveis por essa matéria.
Não tenha o Sr. Deputado qualquer dúvida. As minhas concepções sobre defesa e sobre tudo o mais não coincidem com as do general Pinochet, nem
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sequer nesse ponto particular. Se alguma vez tivermos concepção coincidente, ele é que está errado.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
O Sr. Presidente: -Para fazer a leitura deu m relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos, tem a palavra o Sr. Deputado Valdemar Alves.
O Sr. Valdemar Alves (PSD): - É do seguinte teor o relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos:
Em reunião realizada no dia 16 de Setembro de 1981, pelas 11 horas, foram apreciadas as seguintes substituições de deputados:
1) Solicitada pelo Partido Social-Democrata:
Júlio de Lemos Castro Caldas (círculo eleitoral de Viana do Castelo) por Germano Lopes Cantinho (esta substituição é pedida por um período não superior a três meses).
2) Solicitadas pelo Partido do Centro Democrático Social:
João Lopes Porto (círculo eleitoral do Porto) por Valentim Tiago Lanhas Alves Lopes (esta substituição é pedida para o período de 16 a 18 de Setembro corrente, inclusive);
Américo Maria Coelho Gomes de Sá (círculo eleitoral do Porto) por
Valdemiro de Pinho Brandão [esta substituição é pedida por dois dias (16 e 17 de Setembro corrente, inclusive)] .
Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha, verificou-se que os substitutos indicados são realmente os candidatos não eleitos que devem ser chamados ao exercício de funções, considerando a ordem de precedência das respectivas listas eleitorais apresentadas a sufrágio pêlos aludidos partidos nos concernentes círculos eleitorais.
Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis.
Finalmente a Comissão entende proferir o seguinte parecer:
As substituições em causa são de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.
O presente relatório foi aprovado por maioria, com a abstenção do deputado da União Democrática Popular.
(Seguem-se as assinaturas)
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vai proceder-se à votação do relatório e parecer que acaba de ser lido.
Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD, do PS, do CDS, do PCP, do PPM, da ASDI, da UEDS e do MDP/CDE, registando-se a ausência da UDP.
O Sr. Presidente; - Sr. Deputado Octávio Teixeira, o orador seguinte é V. Ex.ª. Poderá o Sr. Deputado informar a Mesa de quanto tempo necessita para proferir a sua intervenção?
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Cerca de dez minutos, Sr. Presidente.
O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Peço a palavra para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Veiga de Oliveira (POP): - Sr. Presidente, conforme, V. Ex.ª anunciou há pouco, já há várias inscrições de deputados do PSD. O meu camarada Octávio Teixeira será o segundo orador do PCP a intervir no debate desta manhã. Ora eu noto que após imensas inscrições há no final nada mais nada menos do que cinco oradores do PSD.
Se bem entendi o que foi dito há pouco, dever-se-ia aplicar a regra da alternância. Assim, sugerimos que neste momento, em vez de intervir o segundo orador do PCP, intervenha um deputado do PSD e, então, voltaríamos nós a intervir.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tenha a bondade, Sr. Deputado.
O Sr. Silva Marques (PSD):- Efectivamente, as regras que acordámos de forma eficaz entre toíjos são aquelas que foram agora invocadas pelo PCP. Portanto a regra da alternância poderia ser agora aplicada.
Simplesmente não compreendo porque é que o PCP há-de propor um privilégio na aplicação desta regra ao PSD, visto que antes dos seus oradores está o PPM, o MDP/CDE -partido em relação ao qual não quereríamos passar à frente de modo algum.
Contudo, se os Srs. Deputados fazem tanta questão em nos oferecer esse privilégio, também não ternos razão alguma para não intervirmos.
O Sr. Presidente:-Srs. Deputados, o que é certo é que com a votação do relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos e com este incidente está praticamente impossibilitado o aproveitamento dos dez minutos de que dispúnhamos para a intervenção do Sr. Deputado Octávio Teixeira.
Sendo assim, encerramos aqui os nossos trabalhos.
Antes, porém, quer aos membros do Governo, quer aos Srs. Deputados, lembro que o cumprimento do calendário estabelecido na reunião dos grupos parlamentares depende de um começo pontual dos nossos trabalhos. É para não comprimir a hora do intervalo que suspendo a sessão até às 15 horas.
Está suspensa a sessão.
Eram 12 horas e 55 minutos.
O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão.
Eram 15, horas e 30 minutos.
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O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: A AD arrastou o País para uma situação económica e financeira de tal forma grave que se assiste hoje a este espectáculo insólito: a AD pede ajuda a todos para atenuar responsabilidades e ocultar resultados.
É significativo que no pacto de regime que propôs solenemente ao PS na segunda-feira o Primeiro-Ministro tenha incluído a economia, apelando à necessidade de «unir as mãos» para enfrentar a grave situação económica...
Mas não é verdade que este governo assume expressamente a continuidade do percurso seguido pelo anterior? Ao fazê-lo, o recauchutado governo Balsemão assume o prosseguimento de uma política falhada. Os resultados estão à vista:
Decrescimento da produção agrícola em 5 %, da pesca descarregada em mais de 4 % e da produção industrial em 1,4 % só no 1.° trimestre do ano;
Desaceleração, da ordem dos 40 %, no investimento, consumo e produção;
Aceleração da inflação, que atingirá níveis não inferiores a 19 %;
Degradação do poder de compra; aumento do desemprego, atingindo já, mesmo pêlos incompletos números oficiais os 350 000;
Redução do crédito e aumento das taxas de juro;
Decrescimento das exportações e aumento das importações e dos défices e dívida externos. Nos dois anos de governos AD, e a preços actuais, o défice acumulado da balança de transações atingirá cerca de 200 milhões de contos, e a dívida externa foi acrescida de 270 milhões de contos.
Nesta corrida para o descalabro, o planeamento da economia foi levado a extremos de degradação.
Em Setembro de 1981 quando se iniciou o debate do programa de mais um Governo AD, ainda não havia plano para o ano que está a acabar: só ontem foi publicado no Diário da República com a data de l de Agosto. As grandes opções do Plano aprovadas em Abril foram alteradas à revelia da AR, substituindo veleidades desenvolvimentistas por uma política de contracção.
O segundo governo Balsemão assume, ainda com mais vigor e desespero que o seu antecessor, uma política económica que pretende assentar o desenvolvimento em dois pés de barro: a prioridade absoluta para as exportações e a predominância do investimento privado.
O investimento do grande capital interno ou externo que, exclusivamente depende de interesses particulares dos grupos económicos que nada têm à ver com a consideração dos interesses nacionais.
As exportações que, em resultado da política de afunilamento dos países de destino, dependem fundamentalmente do maior ou menor grau de crise dos poucos países capitalistas para onde exportamos.
Ao afirmar textualmente que «o período de recessão económica internacional que actualmente se atravessa oferece precisamente a oportunidade adequada para a formulação, concepção e lançamento de uma acção desta envergadura» no domínio das exportações, o próprio Primeiro-Ministro não só confirmou no seu discurso que a exportação depende de factores exógenos, salientando involuntariamente, que uma política assente, prioritariamente sobre as exportações agrava a vulnerabilidade da economia nacional, como deixa clarear que o governo AD não tem qualquer solução para a crise que o País atravessa, limitando-se a aguardar sebastianicamente que ela desapareça por si.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Mas não desaparece, Sr. Primeiro-Ministro.
A crise económica e financeira em que os dois anteriores governos AD atolaram o País tem de ser enérgica e rapidamente combatida. Mas não será combatida, antes se alimentará; com a política monetarista, completamente inadequada à situação real, que o Governo pretende prosseguir, agora sob a orientação e o controle directo, estrito e acrescido do FMI.
Política inadequada' e contrária à situação real, porquanto considera erradamente que o desequilíbrio da nossa balança de pagamentos é, essencialmente, um fenómeno monetário resultante de um desajustamento conjuntural de preços e custos relativos ou de um sobreconsumo, quando na verdade resulta fundamentalmente de desequilíbrios estruturais do sistema produtivo.
Daí que essa política não só não corrigirá as causas reais dos desequilíbrios externos como as agudizará, bem como agravará a desigualdade na distribuição do rendimento e o desemprego.
Nos próximos meses, enquanto a AD estiver no Governo, o investimento produtivo sofrerá uma desaceleração ainda mais acentuada que a registada desde o 2.° semestre de 1980. E isto em resultado da limitação do crédito bancário e do aumento das taxas de juro, da política de redução do consumo e da produção. Menos investimento também em consequência da política de limitação administrativa das acções de investimento do sector público da economia, seja pelo corte puro e simples, seja por medidas dilatórias de pretensas novas revisões dos grandes projectos, seja pela. discriminação no crédito.
Por estas vias, procurará o governo AD atribuir artificialmente ao sector privado a predominância do investimento e esconder esta realidade indesmentível: o sector público é o mais dinâmico e impulsionador da economia, como o mostra, por exemplo, o facto de em 1980 o investimento das empresas públicas ter crescido 14,7 %, não ultrapassando o do sector privado os 8,4 %.
A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Mas o sector empresarial do Estado será ainda objecto de outros e brutais ataques.. O actual governo acelerará a degradação económica e financeira de muitas empresas, dificultando a celebração de acordos de saneamento económico-financeiro, reduzindo as indemnizações compensatórias por prestação de serviços públicos, praticando uma política de preços discriminatória.
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Continuará a entrega ao sector capitalista de sectores rentáveis das empresas públicas, no quadro de uma campanha de autêntico boicote ao SEE ensaiado e promovido pelo Governo e solicitamente executado e prosseguido por muitos dos actuais gestores públicos (se pretende criar condições de mais eficácia e autonomia às EPs, Sr. Ministro das Finanças, como diz no Programa, comece por demitir os gestores incompetentes e apostados no descalabro económico do sector público e os comissários políticos de que falava o actual Ministro Lucas Pires, e promova a imediata tomada de posse dos gestores eleitos pêlos trabalhadores)!
Aplausos do PCP.
Com o actual governo AD, a venda de empresas com a comparticipação de capitais públicos sofrerá um novo impulso, com prejuízo de milhões de contos para o Estado e o povo português, subavaliando o valor real das empresas e sobrevalorizando em cerca de dez vezes o valor real dos títulos de indemnização aos ex-monopolistas pela autorização da sua mobilização ao valor nominal. Isto é, será multiplicada a prática recente do BPA de entregar empresas a Cupertino de Miranda e Afonso de Magalhães, a troco de títulos sobreavaliados...
Não abandonando a batalha em torno da delimitação de sectores, o Governo prosseguirá, por formas enviesadas e ao arrepio da legalidade constitucional, a efectiva abertura do sector bancário ao grande capital, quer com a transformação das sociedades de investimento em autênticos bancos, quer proseguindo a escandalosa escalada de autorizações governamentais para a abertura de escritórios de representação de bancos estrangeiros em Portugal, tendo-se já chegado ao cúmulo do despudor com o anúncio, no último fim de semana, de alguns bancos nacionalizados, mais uma vez liderados pelo BPA, concederem um empréstimo de 20 milhões de dólares a um banco estrangeiro... para que este possa abrir um escritório em Portugal.
Vozes do PCP: - É uma vergonha!
O Orador: - No plano da política fiscal e orçamental, o segundo Governo Balsemão cumprirá, por um lado, as determinações do FMI, reduzindo as despesas reais com investimento público, com a educação, com a habitação e com a saúde, e, por outro . lado, procurará dar plena satisfação às mais recentes reivindicações da CIP, reduzindo a progressividade dos impostos e reduzindo as taxas dos impostos sobre os lucros ou, mais sub-repticiamente, alargando o âmbito das deduções para determinação da matéria colectável, das empresas do grupo A.
E tudo isto com a falsa argumentação da necessidade de não desmotivar pêlos impostos o trabalho e o investimento, ou dos efeitos inflacionistas do défice orçamental, pretendendo esconder que as despesas de investimento reprodutivo do Estado, tal como as do sector privado, não geram inflação, e que mesmo o défice corrente, num contexto de redução do consumo privado, do investimento e das exportações, poderá ter um efeito positivo na produção.
E, enquanto por um lado pretende reduzir o défice orçamental pela diminuição real de despesas essenciais, por outro lado o Governo alargará esse mesmo défice pelo aumento de «incentivos» e isenções fiscais ao sector capitalista pela completa ineficácia do tão apregoado combate à fraude e evasão fiscais e pelo pagamento de chorudas indemnizações aos ex-monopolistas e agrários.
No âmbito da política monetária e cambial o Programa do Governo assume uma inusitada generalidade e opacidade acerca, nomeadamente, de novos instrumentos, regimes e tipos de mercado que se pretendem introduzir no sistema, embora pareça que o Ministro das Finanças e do Plano, conhecido pelas suas apetências por modelos asiáticos, acolheu a proposta do ex-presidente da Câmara de Comércio Americana em Lisboa, de transformar Portugal na Singapura da Europa.
Mas há aspectos essenciais que desde já se tornam claros. Prosseguirá a contracção dos limites de crédito, que só no mês de Agosto implicou uma redução relativa da ordem dos 40 milhões de contos e que no mês de Setembro implica já, em alguns bancos, a diminuição absoluta do crédito concedido com todos os efeitos nefastos daí decorrentes para a grande maioria dos comerciantes, industriais e agricultores.
O Governo ameaça ainda com um novo aumento no futuro próximo das taxas de juro, com eventual alargamento do âmbito de discricionariedade dos bancos no nível das taxas a aplicar, promovendo assim condições objectivas para o aumento do compadrio e da corrupção na concessão de crédito.
No que respeita à chamada política de rendimentos e preços, e como a experiência de 1977 bem o mostra, o aprofundamento da política monetarista conduzirá a breve trecho à escalada dos preços, à degradação das condições de vida da população, à redução dos salários reais e ao aumento acelerado dos lucros, nomeadamente os dos barões exportadores.
A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): -Muito bem!
O Orador: - Isto é, enquanto aos trabalhadores exigirá mais e mais austeridade e maiores aumentos de produtividade, e aos pequenos e médios industriais, comerciantes e agricultores promete dificuldades e degradação do nível de vida, o Governo oferece ao grande patronato crescimento acelerado dos seus lucros.
Os astronómicos défices externos e o preocupante nível da dívida externa a que conduziu a política dos governos da AD irão ser agravados com a política de liberalização das importações (implícita na redução do comércio externo apenas à exportação), com a limitação drástica do crédito interno e com novo incremento da desvalorização do escudo, por via administrativa ou deixando-o flutuar no mercado.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Esta é a política da AD.
Tal política não serve o Portugal de Abril.
Tal política não é alternativa no Portugal democrático e para o desenvolvimento económico e social que Abril possibilitou.
A recuperação e desenvolvimento económicos de que o País necessita só pode ser realizado com uma política de independência, de defesa intransigente do nível de vida do povo português, da expansão econó-
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mica assente nas transformações consagradas na Constituição. Só esta política poderá contar com o, apoio e mobilização dos trabalhadores.
Uma política pelo desenvolvimento, contra a exploração.
Aplausos do PCP e do MDP/CDE.
O Sr. Presidente: -Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Cardote.
O Sr. Fernando Cardote (PSD):-Sr. Presidente, Srs. Deputados: É mais um curto comentário do que um pedido de esclarecimento, porque através de múltiplas intervenções feitas nesta Câmara já estamos perfeitamente esclarecidos sobre o pensamento económico e sobre as coordenadas do Sr. Deputado Octávio Teixeira.
O Sr. Deputado Octávio Teixeira, com a cor dos óculos que lhe é habitual vê trevas è negrumes em tudo o que diz respeito à AD.
O Sr. Deputado Octávio Teixeira faz sempre, umas intervenções - como de resto seria- natural dá sua bancada- catastróficas em relação aos propósitos ,e realizações da Aliança Democrática no campo económico.
O Sr. Deputado Octávio Teixeira nem sequer toma. em conta as condições adversas ë á relatividade das actuações económicas da Aliança Democrática e escamoteia isso completamente, desinserindo-as de uni contexto internacional onde nós não podemos deixar de nos mover, porque somos uma economia aberta.
O Sr. Deputado Octávio Teixeira tem o mesmo ponto de vista sobre a Aliança Democrática e sobre a sua política que o Sr. Deputado Veiga de Oliveira, que aliás, numa manifestação muito infeliz, numa terminologia algo despropositada e introduzindo aqui um novo vocabulário, qualificou anteontem como sinistra a Aliança Democrática.
Sr. Deputado, não posso deixar de protestar contra essa qualificação e só posso atribuí-la, tratando-se de um parlamentar brilhante e de inegáveis méritos como é o Sr. Deputado Veiga de Oliveira, a um dia menos feliz.
De facto o Sr. Deputado Veiga de Oliveira anteontem teve uma intervenção frouxa. Foi frouxa até na voz, pois até lhe foi pedido por várias vezes que falasse mais alto.
Risos.
Talvez lhe tenha escapado a boca para o termo sinistra:
Tal termo, Sr. Deputado Veiga de Oliveira, poderia querer dizer de esquerda, e na sua óptica já estamos habituados a que a Aliança Democrática seja reaccionária e tudo quanto há de mais à direita. Portanto não foi esse O sentido com que empregou o termo, mas no sentido em que naturalmente é associado a pensamentos tenebrosos de violência e morte. Ora o Sr. Deputado Veiga de Oliveira nunca ouviu responsáveis da Aliança Democrática fazer ameaças de quebrar os dentes aos seus adversários políticos...
Uma voz do PSD: - Muito bem!
O Orador: - ...e - agora não me dirijo a V. Ex.ª, mas a um Sr. Deputado que está ausente, nunca ouviu responsáveis da AD ameaçar mandar os seus adversários políticos para o Campo Pequeno para os fuzilar.
Aplausos do PSD.
Também nunca se viu que os responsáveis políticos da Aliança Democrática alguma vez tenham sido objecto de inquéritos sobre a prática de pretensas sevícias.
Era este curto apontamento que eu queria deixar aqui expresso.
O Sr. Custódio Gingão (PCP): -É só poeira!
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Tal como o Sr. Deputado está esclarecido sobre o meu pensamento, eu estou-o completamente sobre-a prática da AD. Apontei apenas a realidade da situação económica portuguesa, comprovada com números oficiais. Se essa situação é catastrófica, tal se deve apenas, aos governos AD.
Aplausos do PCP e do MDP/CDE.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Oliveira.
O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Suponho que ontem, por deficiência, que não por má fé, do serviço de som, o meu discurso aqui na Assembleia foi mal ouvido.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - O Diário de Lisboa disse que foi empastelado.
O Orador: - Sr. Deputado, quando encontrar a jornalista que fez a afirmação felicitá-la-ei, porque de facto foi empastelado.
Mas quanto à expressão sinistra devo esclarecer o Sr. Deputado que eu disse que sinistra era a acção do anterior Governo, e isso tem, de facto, um só significado. Não é de esquerda infelizmente, é de ultradireita, Sr. Deputado.
Vozes do PCP:-Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para uma .intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Vieira de Freitas.
O Sr. Vieira de Freitas. (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Um dos erros mais clamorosos na formação do VIII Governo Constitucional foi ter reconduzido o Prof. Vítor Crespo na pasta da Educação, erro cujos reflexos negativos se estão a fazer sentir a nível do ensino secundário e superior e que há-de avolumar-se no decurso do tempo.
O Sr. César de Oliveira (UEDS):-Muito bem!
O Orador: - Contestado no interior da própria AD, o Sr. Ministro da Educação teimou em. repetir sistematicamente as fórmulas de uma política educacional cujos frutos amargos os jovens estão a colher.
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O descontentamento generaliza-se nos vários departamentos do Ministério, devido à falta de apoio eficaz, de uma orgânica estruturada dos serviços, devidamente descentralizadora. Bastaria debruçar-nos sobre a profissionalização em exercício, para avaliarmos quão deficiente tem sido o apoio, a funcionalidade dos estágios nas escolas do ensino secundário. Os compromissos assumidos não foram cumpridos nem foram respeitados os prazos estabelecidos da legislação e respectiva regulamentação.
As reclamações insistentes de muitas escolas, a desorientação dos orientadores de estágio, as más condições no equipamento escolar, tudo isto e muito mais abate-se sobre o Ministério e direcções-gerais. Quantas vezes sem uma resposta esclarecedora, sem uma orientação definida! As deficiências estruturais com que se debatia o 12.° ano, desde o seu arranque, foram apontadas a devido tempo pelo Partido Socialista na Assembleia da República, foram adiantadas sugestões que o Sr. Ministro não quis aceitar. Perante o descalabro deste ano lectivo quais as perspectivas para o ano escolar que se aproxima?
Basta o mínimo de sentido das realidades para nos apercebermos que o horizonte não é animador e que a inquietação e a perplexidade vai de novo pairar sobre milhares de jovens e de professores que desconhecem o caminho certo, a orientação mais segura. As reprovações em massa no 12.° ano constituem um aviso, um sinal de alerta que parecem não ter afectado o Sr. Ministro da Educação, que torna a repetir de forma ainda mais vaga o que dissera no Programa do VII Governo.
O Sr. Luís Patrão (PS):-Muito bem!
O Orador: -Da presente situação fez-se eco o Sindicato dos Professores da Grande Lisboa, que em comunicado recente denuncia o fracasso do 12.° ano e o que nos espera nos próximos anos.
Por outro lado, o crescimento da população escolar não beneficiou das promessas demagógicas da AD: quando prometia instalações escolares que ao fim e ao cabo não surgiram. Por exemplo, na área de Lisboa há 10 000 estudantes sem instalações disponíveis estes os dados fornecidos pelo respectivo Sindicato):
E que dizer, Sr. Presidente e Srs. Deputados, da moribunda lei de bases do ensino que se pretende ressuscitar neste Programa do Governo? Sobre ela já formulámos na devida altura aqui nesta Câmara e com a profundidade exigida, as nossas críticas. O Partido Socialista apresentou um projecto alternativo, projecto democrático tendo em atenção os factores condicionantes da sociedade portuguesa. A lei de bases que a AD propõe ao País não serve o País real, não se integra no contexto social em que vivemos, não respeita as diferenças que atingem as classes sociais.
O Sr. Luís Patrão (PS): - Muito bem!
O Orador-Procura um nivelamento social, sem determinar os meios e os objectivos a alcançar. Não tem em linha de conta as carências do País nos sectores fundamentais da economia, que apontam para o progresso e bem-estar. O sistema de bases do ensino do Sr. Professor Vítor Crespo destina-se a um país ideal, feito à sua imagem e semelhança. Por este caminho, a economia não progride, a democratização não se consolida. Nem sequer a especificidade concreta das regiões, nem os interesses imediatos da população que fazem da escola um elemento propulsor, merecem uma palavra no Programa do Governo.
No Programa do VIII Governo torna-se a rever os currículo dos nove primeiros anos de escolaridade e do 12.° ano. Mas não se apontam soluções, pois, o Sr. Ministro limita-se, uma vez mais, a nomear um grupo de trabalho para rever os currículo; isto quer dizer que tudo fica na mesma: desorientação, falta de coordenação dos estágios, etc., etc. Como se fosse uma grande novidade «será criado o conselho nacional de educação» para pôr em prática a regionalização. Paradoxalmente esse conselho nacional passará a sei mais um órgão centralizador composto por uns tantos elementos que recebem queixas e esquecem-nas no fundo das gavetas. A burocracia continua a ser ainda uma das pedras da nossa vida administrativa e o Ministério da Educação mantém-se emperrado sem dar solução aos ingentes problemas que preocupam o sector. Não é com medidas de cúpula que se vão extirpar os vícios burocráticos, nem a carreira de administração escolar contribuirá muito para atenuá-la. Está, sim, por fazer uma pedagogia dos valores democráticos que pressupõem descentralização, eficácia e sentido pragmático das realidades conjunturais.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Se a educação tem alguma influência na ordem social de todas as sociedades, muito mais influência terá numa sociedade democrática. Mais influência em função das situações históricas específicas, bem como da inteligência e criatividade dos educadores e educandos. Não se pode olhar a educação como um todo indefinido, mas como um todo diferenciado, profundamente marcado por factores de carácter social e económico. Por isso a descentralização tem de processar-se com u maior urgência, sem prejudicar, com é óbvio, uma coordenação de serviços, devidamente planificados no sentido da melhor eficácia; os erros cometidos poderão aproveitar se forem corrigidos a tempo, por forma a servirem no futuro de frutuosa experiência. Mas também é verdade que a escola não pode servir de cobaia aos processos de tipo experimental cujas vicissitudes são nefastas para a população escolar do País, como em parte tem decorrido o processo educativo no Portugal pós-25 de Abril.
As questões que o Partido Socialista formula ao Sr. Ministro da Educação fundamentam-se nestes pontos essenciais:
1.° De que forma vai o Sr. Ministro analisar a recisão dos currículo do secundário unificado e do 12.° ano?
2.° Que medidas concretas vai tomar o Ministério com vista à regionalização, além da criação do conselho nacional de educação?
3.° Que medidas vão ser tomadas, neste caso, em colaboração com o Ministério da Habitação e Equipamento Social, em face das graves carências no domínio das instalações escolares?
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Não pode este governo falar de reformismo social sem lançar as tra-
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ves mestras do ensino, verdadeiramente democrático, em que participem todos os cidadãos.
O Sr. Carlos Lage (PS): - Muito bem!
O Orador -Constitui, aliás, um princípio da Constituição, de extrema importância na vivência e consolidação do regime democrático. Só deste modo será possível construir um Portugal renovado, um Portugal fiel aos princípios do 25 de Abril. A democratização política e social do regime tem de contar com uma lei de bases de educação, verdadeiramente democrática, impregnada do espírito constitucional, do espírito inovador e renovador que tem de se implantar nas instituições, no homem novo que pretendemos deixar aos nossos filhos.
Aplausos do PS, da ASDI, da UEDS e do MDP/ CDE.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Leonel Santa Rita.
O Sr. Leonel Santa Rita (PSD): - Tenho a impressão de que o Sr. Deputado Vieira de Freitas está a fazer uma crítica à actuação do Partido Socialista quando governo, quando se refere a que em Lisboa hão há escolas para 10 000 alunos. Quero recordar ao Sr. Deputado que a única escola grande que foi construída em Lisboa, a escola de Benfica, teve o seu início em 1976 e acabou este ano. Portanto tenho a impressão de que, se há críticas a fazer quanto à ocupação de alunos no distrito de Lisboa, toda a responsabilidade cabe inteiramente ao Partido Socialista, que não começou as obras no devido tempo.
Era só essa crítica que eu queria fazer.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Vieira de Freitas.
O Sr. Vieira de Freitas (PS): -A crítica que o Sr. Deputado acaba de fazer vem na sequência de muitas outras que visam inculpar o Partido Socialista de ter cometido determinados erros nos governos anteriores.
Ora, mesmo que houvesse alguns erros, com os condicionalismos com que nós governámos e nas circunstâncias em que p fizemos, é de admitir que houvesse algumas falhas e alguns erros.
O Sr. Amadeu dos Santos (PSD): - E agora não é?!
Risos do PSD, do CDS e do PPM.
O Orador: - Mas os erros que a AD está a cometer não desculpam os erros que, o Partido Socialista cometeu.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Eu quero aplaudir!
O Orador: - Muito obrigado pêlos- aplausos, mas o que acabei de dizer é de justiça e é: uma verdade que qualquer partido terá de prestar contas ao País. E a AD já as está a prestar, terá mesmo de prestar contas bem pesadas.
Por conseguinte, Sr. Deputado, eu acho que a sua objecção não foi pertinente.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Cunha.
O Sr- Octávio Cunha (UEDS): -Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Ministros: Breve recado aos Srs. do Governo sobre a violência. É sabido que para tornar incompreensível aos menos atentos a realidade basta envolvê-la numa linguagem tecnicista que esconda a essência do que no fundo se pretende. Foi esta a técnica utilizada pelo Sr. Primeiro-Ministro.
O vosso Programa de governo, meus senhores, é um Programa que pode vir a ser gerador de violência.
D. Quixota tinha razão: todas as formas de autoridade impostas directa ou indirectamente pela força devem ser combatidas.
As declarações de princípios deste novo velho governo, a violência expressa em alguns dos seus propósitos, as, ameaças mais ou menos veladas, o encobrimento sistemátimo de negócios obscuros com organizações económicas internacionais, são muito preocupantes para a maioria do povo português.
A verdade é que esta superfarsa surrealista a que se tem assistido nos últimos meses seria divertida se não fosse perigosa, já que as declarações dos Srs. Ministros não prometem nada de bom para quem já tem dificuldades em sobreviver ao cada vez mais difícil quotidiano.
Ora se a violência física, ou mesmo verbal, nos preocupa, bem mais nos preocupa a escalada que pressentimos prepar-se para a violência institucionalizada.
Nós não esquecemos que foi essa a prática dos anos do salazarismo-marcelismo, e ao vê-los alinhados na sessão inaugural, à nossa frente, Srs. Ministros, temos a impressão incomoda de os reconhecer de qualquer parte. Talvez de uma certa semelhança com fotografias oficiais do princípio dos anos 70.
Srs. Ministros e Srs. Deputados: A violência institucionalizada diz sempre apoiar-se na vontade da maioria, maioria tantas vezes conseguida pela exploração da ignorância e da falta de cultura, pela coacção ou mais sofisticadamente pela manipulação dos mass media, em particular da televisão, em que os senhores têm sido peritos.
A vossa violência é a violência dos bem pensantes solidamente, agarrados aos seus templos, às suas medalhas, às suas mercadorias, essa violência que se ignora a si própria e se crê permanentemente justificada e que na sua essência é profundamente contrária à evolução da Humanidade.
O Programa do Governo agora- apresentado, as modificações de fachada introduzidas no elenco governamental, não são suficientes para modificar para melhor a evolução da situação vivida nos últimos tempos. Iremos assim assistir nos meses que se seguem às vossas já habituais cenas de antropofagia política, que levarão inexoravelmente à queda deste governo, à dissolução desta Assembleia, e esperamos nós, a novas eleições livres.
A nossa tolerância democrática não poderá continuar a ser tão grande que cheguemos ao ponto de exclamar: perdoar-lhes que eles não sabem o que fazem!
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Porque efectivamente os senhores sabem muito bem o que fazem e fazem-no com premeditação.
Tiveram uma maioria confortável que seguramente já não têm, porque a conseguiram à custa de promessas não cumpridas. Tiveram toda a liberdade para formar um governo que pôde governar em condições que nenhum anteriormente tinha tido, e não conseguiram sequer conservar o que de positivo tinha sido feito até ao fim da governação socialista.
Somos assim levados a crer, porque não acredita mós na vossa ingenuidade, que es vossos objectivos eram precisamente os que alcançam o descalabro económico, a confusão, o aumento do desemprego.
E que a direita sabe e nisso se empenha que é das situações de caos que nasce o poder das minorias ditas esclarecidas.
Devemos dizer, para não sermos injustos, que com alguma dificuldade é certo, mas sinceramente ainda descobrimos entre vós alguns democratas de ontem e talvez ainda de hoje, e é a esses que nos dirigimos para que dentro do partido que deve ser ainda nesta altura o maior dos partidos do Governo se esforcem para que não seja institucionalizada a violência, para que não renasça o poder das minorias dominadoras.
É de facto para nós preocupante verificar como pouco a pouco a gestão do poder vai caindo nas mãos das antigas hierarquias retrógradas s violentas que o tinham perdido em Abril pela força do povo.
Uma voz do CDS: - É falso!
O Orador: - Quando se sabe, pela simples leitura da história das civilizações, que homens se matam entre si para estabelecerem domínios absurdos ou para conservarem um poder bem mais breve que a vida, é-se tentado a concluir que as doenças mais perigosas para a sociedade não são o cancro ou a fome: mas sim o sentido das hierarquias, de todas as hierarquias que se restabelecem não através de critérios de competência e responsabilidade colectiva, mas pela violência.
Vemos preocupados, manifestada nas intenções deste governo, a vontade de reforçar o autoritarismo do Estado, particularmente nos sectores económicos e do trabalho.
Tudo parece, pois, organizar-se no sentido de bloquear, proibir e desnaturar a necessária subversão pela imaginação que nos levaria enfim por caminhos mais solidários, colectivamente responsáveis e seguramente criadores de mais felicidade para todo o povo português.
Mas o que se constata? Um clima de confusionismo ideológico imposto por forças várias de que os senhores da maioria não são os únicos, mas são seguramente os principais responsáveis.
Tal clima tem sido agravado por um debate político onde a escolha continua reduzida a uma alternativa simplista: ou a defesa, acérrima daquilo que se convencionou chamar economia do mercado ou daquilo que é economia centralizada. Isto quando é actualmente mais que evidente o falhanço de qualquer uma destas opções.
A manter-se este bloqueamento ideológico e a mantermo-nos, nós socialistas, numa posição de expectativa ou até de conciliação com forças conservadoras, arriscamo-nos a contribuir para tornar por muito mais tempo ainda impossível a intervenção dos cidadãos na escolha voluntária de outro futuro. Na reinvenção do seu próprio futuro, E isso não nos será perdoado. Estaremos a criar condições para o abstencionismo tão favorável à instalação de regimes totalitários.
Sr. Primeiro-Ministro, não é com a reedição corrigida do programa anterior que o Governo vai libertar a criatividade e a imaginação do nosso povo e permitir o desenvolvimento do instituto de solidariedade nacional que permite modificar as actuais e graves desigualdades sociais e ser motor de trabalho e responsabilidade voluntariamente assumidos pelo povo. O presente programa não faz mais do que passar à prática a conhecida frase: «É preciso que alguma coisa mude para que tudo fique na mesma.»
Sr. Primeiro-Ministro, este Programa é perigoso. Dizemos-lhe, preocupados, nós que não somos adeptos da violência, que este Programa pode ser gerador de violência.
Aplausos da UEDS, do PS, da ASDI e do MDP/ CDE.
O Sr. Presidente: -Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Santana Lopes.
O Sr. Santana Lopes (PSD): - Não posso deixar de manifestar a minha surpresa por voltar a ouvir um estilo de discurso que, embora num país ainda não plenamente democratizado, nos habituámos a ouvir na época do carnaval gonçalvista.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!
O Orador - Voltamos aqui a ouvir falar, e isso é que talvez seja perigoso, Sr. Presidente e Srs. Deputados, na ignorância do povo, na sua falta de cultura e que seriam os mal-intencionados senhores da AD que conseguiram fazer esse mesmo povo cair num logro.
Não é essa a história desde o 25 de Abril neste país, Sr. Deputado. A história desde o 25 de Abril neste país é que quem andou durante uns tempos a lançar campanhas de esclarecimento baseadas no pressuposto de que o povo era ignorante levou, em eleições livres, a devida resposta desse mesmo povo.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
Julgávamos, Sr. Deputado, que era uma linguagem já ultrapassada, mas infelizmente vemos que assim não é. Sabemos que a UEDS se costuma irritar muito com este estilo de comentário, mas à mulher de César não chega ser honesta, é preciso parecê-lo -isto não é com o Sr. Deputado César de Oliveira.
Risos.
Como ia dizendo, a UEDS costuma irritar-se quando nós falamos das suas estranhas convergências com o Partido Comunista, mas eu anotei no seu discurso, Sr. Deputado, que também exteriorizou o seu desejo de dissolução da Assembleia e de eleições antecipadas. Essa é a tese que o Partido Comunista tem andado a bradar aos quatro ventos sem ninguém o ouvir. E talvez não seja conveniente que a UEDS passe também a bradar para não ser ouvida. É escusado vir novamente acenar com o fantasma da violência por parte da AD. A AD, como qualquer coligação,
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como qualquer força política, pode cometer erros. No entanto tem trabalhado, e continuará a trabalhar, com o máximo de seriedade e de competência que lhe :seja possível e sem recorrer à violência, que foi apanágio de governos anteriores, que, não os da AD.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!
O Orador:-E é bem sintomático o exemplo de zonas que politicamente têm sido particularmente melindrosas no nosso país e nas quais ocorreram confrontações físicas é mesmo mortes. Mas elas ocorreram durante o período de governos afectos às bancadas da oposição e que nada tinham ã ver com. as bancadas da actual maioria.
O Sr. Silva Marques (PSD): -Muito bem!
O Orador:-No período do governo da Aliança Democrática não tenho conhecimento de mortes e confrontações físicas devidas à governação da AD.
Estamos a dar um exemplo a este país de como é possível trabalhar segundo os nossos princípios, com diálogo, com calma e serenidade, em paz e em democracia. Oxalá .pudessem ser capazes de fazer o mesmo.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
O Sr. Presidente: - Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Borges de Carvalho.
O Sr. Borges de Carvalho (PPM): -Sr. Presidente, Srs. Deputados, as minhas, primeiras palavras são para saudar, a presença entre nós do jovem deputado aqui hoje chegado da «união socialista para a esquerda da democracia», ...
Risos.
... que vem de facto trazer a este Plenário uma linguagem nova a que o seu partido até agora não nos tinha habitado. Estamos de facto habitados da parte
dos Srs. Deputados da sua bancada a uma linguagem parlamentar agressiva, por vezes, mas dentro de limites que V. Ex.ª ultrapassou largamente - não sabemos se com mandato para isso, se na ânsia de pessoalmente se afirmar aqui como jovem intelectual da nossa: praça.
Risos
V. Ex.ª talvez por ser um intelectual, criticou uma alegada linguagem tecnicista do Governo, tecendo considerações perfeitamente hecatômbicas sobre o seu Programa: os negócios obscuros, a violência física e verbal, que a breve trecho se transformará na terrível violência, institucionalizada.
Pasmai, Srs. Deputados, e tremei! Tremei, porque isto é um perigo!
O Sr. César de Oliveira (UEDS):- Grande actor! Tem o curso do Conservatório!
O Orador - V. Ex.ª citou declarações de princípio de D. Quixote. E aqui, Sr. Deputado, eu faço um apelo às suas convicções socialistas: se é tão socialista
como disse ser, deveria citar o Sancho Pança e não o D. Quixote.
Aplausos do PPM. do PSD e do CDS.
E eu pergunto a mim próprio, Sr. Deputado, se não estará V. Ex.ª a esgrimir com os seus próprios fantasmas de violência, se, não estará V. Ex.ª a ver-se ao espelho ou a ver dentro de si próprio alguma violência que deseje e a atirá-la à cara dos outros, nalgum complexo freudiano que não me cabe comentar.
Risos.
Ou estará V. Ex.ª a sonhar com ladrões? Ou estará V. Ex.ª a fazer a festa e a deitar os foguetes?
Risos.
Para terminar, só uma palavra, Sr. Deputado. A desagradável surpresa que para todo este Plenário constituiu a sua intervenção não pode deixar de suscitar-nos uma consideração: o Sr. Deputado vem aqui recusar-nos a sua tolerância. Acho muito bem. Mas, para que essa recusa de tolerância tenha democraticamente efeito e para exercer depois a intolerância, terá V. Ex.ª que conquistar primeiro os votos do povo português.
Aplausos do PPM, do PSD e do CDS.
O Sr. Presidente: -Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.
O Sr. Silva Marques (PSD): - É só para fazer duas perguntas ao Sr. Deputado Octávio Cunha. E as minhas perguntas, no fundo, vão ter lugar porque serão implicitamente um, apelo ao rigor; intelectual, que aliás creio que o Sr. Deputado tentou exibir e que eu admito se tenha verificado. De qualquer modo, da minha perspectiva, é bastante. insuficiente esse rigor, e daí as minhas duas perguntas que são implicitamente, repito, um apelo a esse mesmo rigor.
Sr. Deputado, V. Ex.ª criticou o Governo fundamentalmente na base dos seus pressentimentos, palavra que utilizou diversas vezes. E na sequência desses pressentimentos criticou o Governo relativamente às perspectivas do que iria acontecer.
Eu pergunto, Sr. Deputado, se acha que em rigor deverá ser essa a base da análise das propostas governativas.
Repare, se nós utilizarmos como base os pressentimentos e a perigosidade, então deveremos ter no nosso espírito, como medida fundamental para precaver consequências nefastas, as medidas de segurança. Estará no espírito de V.Ex.ª essa ideia como forma de precaver o que de mau existirá na sociedade portuguesa?
Repare, eu não quero, de fornia nenhuma, comparar a sua postura intelectual, com outras posturas e sobretudo com outras práticas. Mas, baseando-se V. Ex.ª no pressentimento e na previsão apocalíptica, inevitavelmente tem no seu espírito, como solução, a medida de segurança - preventiva, evidentemente.
A outra questão: V. Ex.ª disse isso não enquanto constatação de facto. Disse apenas que iria haver maior violência. Nem sequer disse que havia maior violência, o que seria já razoável em termos dê rigor intelectual. Disse que iria haver maior violência.
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Sr. Deputado, acha que, no caso de essa violência ser grande, a poderá analisar em termos de rigor político e intelectual sem fazer uma referência comparativa àquele outro período em que também houve violência? Creio que aceitará que houve violência, que haverá violência.
Infelizmente, antes de atingirmos o estádio perfeito da Humanidade, a violência será um fenómeno sociológico, mas as nossas intervenções só têm interesse em termos de rigor de apreciação dos factos. Daí a minha questão. Acha que efectivamente a violência política-é sobretudo dessa que se trata-o preocupa relativamente ao período em que esta Assembleia foi cercada?
Sr. Deputado, se V. Ex.ª apreciar este governo sem ser em termos reais, isto é, inserindo a sua intervenção no relativismo das coisas, do País em que vive, daquilo que ele foi ontem, daquilo que é hoje, a sua intervenção peca por total falta de rigor, e sobretudo fica apenas o pior que ela tem, o facto de viver de pressentimentos. E as pessoas que vivem de pressentimentos têm também na sua cabeça normalmente - se calhar não é o seu caso - a contrapartida relativa: as medidas de segurança.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Cunha.
O Sr. Octávio Cunha (UEDS): - Chegamos à conclusão, depois destas intervenções, que de facto a minha intervenção foi incómoda para os senhores. Fez-lhes mal, provavelmente, sentir aquilo que eu pressinto.
Os primeiros dois Srs. Deputados que falaram aconselho-os vivamente a consultarem um médico dos ouvidos, porque ou estiveram desatentos ou não ouviram. Isto na melhor das hipóteses, porque a outra hipótese é não terem percebido. E, se não percebem, efectivamente talvez não seja a hora, nem o momento, nem o sítio de lhes explicar o que é a violência institucionalizada.
O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - O senhor é um intelectual, nós, pelos vistos, somos parvos! Assim, como havíamos de perceber?!
O Orador: - Os senhores não percebem efectivamente o que se pretende dizer quando se fala de violência institucionalizada, da violência que os Srs. Deputados finalmente praticaram - muitos de vocês, não todos, como tive o cuidado de dizer.
O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Cuidado com a língua! Olhe que a gente chateia-se.
O Sr. Sousa Marques (PCP): - Parece um palhaço. É o bobo da corte.
O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Olha quem fala!
O Orador. - Continuo a constatar que este aspecto da nossa vida política é um aspecto preocupante - e foi essa preocupação que nós aqui viemos trazer. Tivemos o cuidado de lhes dizer que não somos adeptos da violência e o Sr. Deputado bem o sabe, até porque nós lutámos juntos em tempos contra a violência institucionalizada, e com certeza esperamos, e estou convencido de que o Sr. Deputado também espera, não voltar a ter de lutar contra a violência institucionalizada, porque essa violência é bem mais preocupante do que a violência física imediata ou do que a violência verbal.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Dá-me licença que o interrompa?
O Orador: - Faça favor.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Eu não me recordava do Sr. Deputado, de qualquer modo é um prazer reencontrá-lo aqui.
A questão que eu lhe ponho é a seguinte: considera V. Ex.ª que a violência política neste momento é superior à violência política do período em que a Assembleia Constituinte foi cercada?
O Orador:-Sobre a violência política bem sabe que podemos discutir muito tempo, bem sabe que estamos os dois de acordo contra a violência, seja ela qual for, venha ela donde vier. O Sr. Deputado, se tinha os ouvidos desobstruídos e a mente aberta, coisa que, infelizmente, os outros dois Srs. Deputados não têm, deve ter percebido que de facto não somos adeptos da violência institucionalizada. Nós estamos contra as medidas de segurança e lutaremos toda a nossa vida contra elas venham donde vierem, sejam elas em que época forem. Seja em 1960, em 1970, em 1975, no século XXI, nós estaremos ao seu lado, se o senhor quiser, a lutar contra a violência institucionalizada.
Aplausos da UEDS e do PS.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, eu desejo protestar, contando a intervenção no tempo atribuído ao meu grupo parlamentar.
O Sr. Presidente: - É o que está estabelecido. Tem V. Ex.ª a palavra.
O Sr. Silva Marques (PSD): -Não há nada que mais provoque a minha intervenção do que uma certa falta de rigor. Não é o facto de se pertencer a um partido diferente, de se ter uma ideologia diferente, de se proceder diferentemente. Isso é a coisa mais natural que qualquer democrata pode encarar. É o caso da nossa bancada.
Mas porque é que a nossa bancada volta ao assunto dando uma importância a este acontecimento imprevisto e do qual não havia pressentimento da nossa parte? Precisamente por necessidade de respeito pêlos outros deputados.
Sr. Deputado, repare no seguinte: V. Ex.ª disse que o senhor e eu somos contra a violência. É uma frase abstracta que está desprovida de todo o rigor. Porque, repare, nós somos contra a violência e pela violência e eu explico-lhe já porquê. O Sr. Deputado diz que é e quis dizer que nós somos contra a violência institucionalizada. É precisamente o contrário, Sr. Deputado. A sua frase é um absurdo. Nós somos pela violência institucionalizada. Nós somos pela exis-
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tência da lei,- nós somos pelos instrumentos coercitivos dessa lei. E isso é violência institucionalizada. Nós somos contra a violência do Verão quente de 1975, precisamente porque ela não era institucionalizada e felizmente que não se institucionalizou, caso contrário decerto não estaríamos aqui.
O Sr. Lopes Cardoso (UBDS): - Se estivesse institucionalizada, já estava a favor!?
O Orador: - Não, Sr. Deputado, não queira dar a volta às coisas, porque seria fácil se pudesse destruir a tese adversária com essa facilidade. Por isso, Sr. Deputado Octávio Cunha, a questão é esta: é saber se hoje nós estamos ou não num grau mais avançado da institucionalização da democracia, que por isso mesmo é violência, mas violência da lei. Por mim, penso que estamos. È mais, penso que a Aliança Democrática deu um contributo decisivo para isso, isto é, para a institucionalização da democracia no nosso país, porque a Aliança Democrática conseguiu uma pedra fundamental para esse processo, carreando para ele uma maioria de governo. E salvo os espíritos que privilegiam no Estado a desorganização, nós não podemos, ter esperança de que a democracia se institucionalize no nosso país com instabilidade, com a permanente queda em interrupções, com a falta de coerência governativa e, se esse processo tem sido difícil, se esse processo não está acabado, se esse processo precisa do esforço da Aliança Democrática e - permita-se-me a esperança - de todos os democratas do País, inclusivamente os da oposição, eu direi - talvez excedendo-me, na medida em que desejo reforçar aquilo que eu julgo certo-, com o grande e -permita-se-me a classificação - decisivo contributo da Aliança Democrática. E, se a história também é feita de pessoas, uma das razões decisivas por que Francisco Sá Carneiro ficará na história da democracia em Portugal é porque ele foi um dos obreiros - permitam-me que diga, o obreiro principal, porque não foi só ele, quer na área do Partido Social-Democrata, quer na área do campo político que constitui a Aliança Democrática -, mas, repito, permitam-me que o classifique, sem dúvidas, como o obreiro principal É por isso que ele ficará na história, porque ele carreou para o processo da construção da democracia no nosso país uma das pedras fundamentais: a criação de uma maioria de governo estável e coerente.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
O Sr. Presidente: - Tem V. Ex.ª a palavra, Sr. Deputado Octávio Cunha.
O Sr. Octávio Cunha (UEDS): -Sobre os pressentimentos quero dizer que eles não são tão vagos como isso, eles prefiguram-se no discurso do Sr. Primeiro-
-Ministro e, como já disse, igualmente nas declarações vindas a público do actual Ministro do Trabalho. £ a violência contra os trabalhadores, violência que gera violência, que queremos ver afastada. Nós gostaríamos muito, Sr. Deputado Silva Marques, que a Aliança Democrática tivesse governado com eficácia, com rigor, com estabilidade. Teríamos apreciado bastante esse aspecto. Mas o que é que nós vimos? Vimos confusão e instabilidade dentro da Aliança Democrática e na sua governação.
Gostaríamos efectivamente que o Governo anterior tivesse sido eficaz e que não tivesse sido necessário refazer um governo e refazer um programa. Gostaríamos que de facto com a governação anterior o Governo tivesse levado o nosso povo por melhores caminhos, caminhos de mais abundância, tanto em coisas daquelas que se comem como em coisas daquelas que se sentem.
Infelizmente não foi isso que aconteceu, e tanto é assim que o Governo aqui está com um novo programa inteirinho e nem sequer se deu ao cuidado - o que teria sido talvez mais correcto, já que é uma preocupação sua e também minha - de ser mais rigoroso no sentido de corrigir os erros que foram praticados na anterior gestão, propondo correcções daquilo que não foi possível fazer ou que não foi capaz de fazer, explicar-nos por que é que não foi possível ou não foi capaz de o fazer, e talvez nós, oposição, até entendêssemos, porque, de facto, em nós existe a tal tolerância democrática de que lhe falei.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Barrilaro Ruas.
O Sr. Barrilharo Ruas (PPM):-Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs Deputados: Alguém poderá dizer, comparando os espaços atribuídos no Programa do Governo à educação e à cultura, que a educação continua a ser (ou volta a ser?) a parente pobre ou a enjeitada...
Por mim, observarei que, em menus de dois anos, é esta a terceira vez que o mesmo Ministro tem de apresentar à apreciação parlamentar um programa de estrutura e acção educativas. Com a agravante, que funciona a seu favor, de que o Sr. Prof. Vítor Crespo tenta há anos trazer a esta Assembleia uma proposta de lei de bases do sistema educativo - e as circunstâncias políticas têm servido de obstáculo ao seu bom propósito.
Assim, ninguém poderá estranhar creio eu, que o programa de educação e universidades - enquanto não vier de novo a esta Câmara a proposta de lei quadro - se limita a generalidades aqui e além concretizadas em pormenores de algum significado.
Até lá, porém, a análise dos pontos programáticos que constam das pp. 143 a 148 do volume provisório do Programa parece justificar da minha parte, em nome do PPM, alguns pedidos de esclarecimento que pretendia dirigir ao Sr. Ministro da Educação, que neste momento não se encontra presente. Lamento que S. Ex.ª não pudesse ter sido avisado de que eu neste momento procuraria interpelá-lo sobre estas matérias, aliás no melhor espírito de colaboração, com a sua indesmentida e inteligente boa vontade de servidor dos propósitos educativos do Estado.
Primeira: por que manter apenas «o ritmo de crescimento da educação pré-escolar»? Não será possível acelerá-lo?
Segunda: como se dará o reforço e a expansão do ensino superior politécnico? Procurará o Governo respeitar e fomentar, também neste campo, aquela justa autonomia que se propõe defender nas universidades? Mais concretamente: será, enfim, possível a alguns institutos superiores, com tradição e vocação
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cientifica indiscutíveis, cumprir em pleno essa vocação, responsavelmente afirmada ao menos desde 1975?
Terceira: em que sentido será feita (está já a ser feita, segundo anuncia o Programa) a revisão dos conteúdos e estrutura sequencial dos currículo dos nove primeiros anos de escolaridade?
Quarta: a proposta revisão dos currículo dos anos 10.° a 12.° de escolaridade, «com o desenvolvimento da via profissionalizante», não seria melhor servida se, já nos nove anos anteriores, se iniciasse de algum modo essa profissionalização? Penso especialmente na necessidade regional e nacional - e também, noutra perspectiva, pedagógica, cultural e económica - de dar desde muito cedo à mocidade do mundo rural a preparação adequada, que lhe permita, sem quebra de dignidade social, fixar-se no seu meio, e não ser sugada pela grande cidade ou pelo mundo supercapitalista que comanda a emigração. Já por várias vezes o PPM tem insistido neste ponto. Apenas o acentuo.
Quinta: em que sentido se fará «a redefinição das estruturas de gestão» das escolas?
Sexta: que «regionalização»? O Programa oscila entre duas palavras: «descentralização» e «regionalização». E receio que o conceito de que se trata seja, em rigor, o de mera descentralização dos serviços do Ministério. Não serei eu quem negue a necessidade de tal descentralização. Mas a forte palavra «regionalização» promete muito mais do que isso. E é sobretudo de regionalização que carecemos. Reconheçamos, no entanto, que a figura constitucional da região não está (no continente) claramente formalizada nem minimamente concretizada -e não é ao Ministro da Educação, nem sequer ao Governo, no seu conjunto, que tal definição compete. Desejemos, apesar disso, que no plano da educação e do ensino alguns passos vão sendo dados a favor da criatividade do poder local, expressão política do homem como pessoa e comunidade. Talvez nenhum outro sector tenha mais vocação para que essa criatividade e essa liberdade se revelem e se desenvolvam plenamente.
Sétima: finalmente, como vai o Ministério da Educação dar resposta válida ao novo desafio que acaba de aceitar ao mudar de nome, passando a integrar neste as universidades? Como se dará a justa solução ao aparente conflito aberto no próprio momento em que, para o reforço da autonomia universitária, as universidades passam a figurar no título de um membro do Governo?
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro, Sr. Ministro da Educação: De novo me cumpriu representar o meu partido na análise dos aspectos educacionais do Programa do Governo da Aliança Democrática. Faço votos para que as linhas mestras das opções definidas por V. Ex.ª, Sr. Prof. Vítor Pereira Crespo, possam ser postas em prática. Creio, sinceramente, que esses propósitos, nascidos de estudo sério e de capacidade política, têm relação directa com o bem comum dos Portugueses. E espero que da perfeita articulação entre este Ministério e o novo Ministério da Cultura e da Coordenação Científica resultem para o povo e a terra, para a Pátria e a Nação que não desistimos de ser, serviços cada dia mais concretos, mais profundos, mais decisivos. Digo-o pensando também nas comunidades portuguesas dispersas pelo Mundo e, em especial, naquelas que mais sofrem por estarem esquecidas da Mãe-Pátria, como esse indomável povo de Timor, que continua à espera da resposta portuguesa aos seus anseios de cultura, de instrução e de vida.
Aplausos do PPM, do PSD e do CDS.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro de Estado e da Qualidade de Vida.
O Sr. Ministro de Estado e da Qualidade de Vida
(Ribeiro Teles): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao participar pela primeira vez num governo da Aliança Democrática, saúdo todos os Srs. Deputados e esta Assembleia, representante da universalidade dos cidadãos e garantia maior da continuidade do regime democrático.
Vimos para o Governo conscientes das dificuldades que Portugal atravessa, do muito que há a fazer, a modificar, a construir de raiz ou a não perder.
Governantes e governados, somos desde há muitos séculos, acima de tudo, uma comunidade e uma pátria com profundas raízes culturais e históricas. Não podemos, por isso, em caso algum - por mais divergentes que sejam as propostas de organização da sociedade apresentadas pelas diferentes forças e partidos políticos-, deixar de nortear a nossa actuação individual ou colectiva pela exaltação da liberdade dos cidadãos, da independência nacional e da justiça social.
O Sr. Borges de Carvalho (PPM) -Muito bem!
O Orador: - O desafio de mudar Portugal para melhor exige o empenhamento de todos os portugueses e, em particular, da maioria parlamentar em que estamos apoiados.
Mas exige igualmente, por parte dos governantes, espírito inovador, capacidade de realização, sacrifício e devoção à causa pública.
A execução integral do programa da AD é uma tarefa difícil, mas possível. Difícil, pela crise económica internacional a que fatalmente estamos sujeitos. Difícil, porque os modelos de crescimento económico postos em prática por outros países noutras épocas não encontram em Portugal os pressupostos em que se desenvolveram. O capital e o trabalho deixaram de ser os únicos parâmetros em equação. Hoje, o custo da energia e das matérias-primas, a informação a todos os níveis e a cultura, são premissas tão importantes e fundamentais como aquelas.
O crescimento pelo crescimento, como forma dogmática e simplista de criar mais e mais riqueza económica, não pode ter nos nossos dias outro significado que não seja a espiral dos preços, o desemprego, o agravamento dos custos do capital e da dependência externa, o recurso à importação indiscriminada de tecnologias, os financiamentos usurários destinados à concretização de projectos industriais pseudomiraculosos, em que apenas alguns colhem hoje benefícios imediatos, enquanto a comunidade suporta os prejuízos do futuro.
Vozes do PPM: - Muito bem!
O Orador: - Uma política de mero crescimento económico, como conteúdo do desenvolvimento, é
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hoje posta em prática tão-só nos Estados totalitários e em sociedades norteadas amoralmente pelo egoísmo individual ou* a prepotência de oligarquias económicas. O crescimento económico, pelo contrário, deve ser encarado como um instrumento adaptável as circunstâncias espaciais e temporais, ao serviço do desenvolvimento real da sociedade, visto numa óptica de utilidade, social, de potencialidades produtivas e. da permanência de valores culturais.
Mudar Portugal significa, pois, e antes de mais, rejeitar o falso progresso que tem comprometido o trabalho dos Portugueses e conduzido à destruição sistemática do nosso território naquilo que ele tem de mais valioso: a capacidade de sustentar a vida humana em termos de dignidade e de justiça e de nele continuar a desenvolver-se uma cultura com raízes ancestrais. O novo modelo que a Aliança Democrática propõe, e que já começou á ser posto em prática, nalguns sectores, pêlos governos AD, tem agora de afirmar-se e concretizar-se, entre outros aspectos, através de uma política integrada de regionalização, de aproveitamento de todos os recursos nacionais, de moralização da vida económica e do trabalho dos Portugueses e de valorização do papel da juventude.
O desenvolvimento deverá, realizar-se a partir dos recursos humanos e naturais das regiões é através dá melhoria ou transformação racional dos sistemas regionais de produção. Será, assim, o desenvolvimento do povo e da terra, ao serviço da cultura, e não o desenvolvimento do Estado, traduzido no simples crescimento económico e da burocracia, cujo resultado é sempre a massificação das pessoas, a degradação da cultura, o agravamento dos desequilíbrios regionais, a pobreza de muitos e a riqueza de poucos, o fim das particularidades e da liberdade da vida local e regional a favor da monstruosidade do Estado.
A autonomia administrativa e financeira das autarquias e das regiões só poderá concretizar-se e ter êxito devidamente articulada com políticas locais e regionais de desenvolvimento integrado.
São, de facto, medidas prioritárias da acção do Governo aquelas que permitam a eliminação gradual das diferenças abissais existentes, quanto às condições de vida essenciais, entre muitas regiões do interior e algumas do litoral, entre algumas cidades e muitas aldeias, entre o mundo urbano, em insegura e desnorteada expansão, e o mundo rural, em forçada degradação.
Para que estes objectivos prioritários resultem, o Governo vai iniciar, quanto antes, a implantação de infra-estruturas básicas nas regiões mais atrasadas e pôr em prática uma política racional de regionalização e diversificação das fontes de energia. A construção de pequenas barragens, que se vai iniciar a curto prazo, constitui uma das medidas importantes com vista à valorização regional. Aquelas infra-estruturas permitirão um desenvolvimento industrial realizado principalmente com base em pequenas e médias empresas (porque são aquelas que permitem criar mais postos de trabalho, diversificados, e melhor distribuídos), que têm enorme interesse como fomento das nossas exportações, pela sua grande capacidade e flexibilidade neste campo, e que poderão constituir formas de canalização para a região das poupanças exteriores dos emigrantes, através de instrumentos próprios, devidamente descentralizados. Permitirão também essas infra-estruturas a realização de uma política agrícola finalmente virada para o bem-estar do mundo, rural e para a produção de alimentos, de que tanto carecemos. Com a recente aprovação da lei quadro que possibilita - sem tornar obrigatória - a associação de municípios, propiciou-se o desenvolvimento institucional necessário para, que se .ultrapassem os obstáculos originados pela. inexistência do nível regional e pela preponderância do individualismo municipal.
O Sr. Silva Marques (PSD):-Muito bem!
O Orador:-Dentro desta ordem de ideias, o Governo vai estabelecer um quadro legal que defina o aperfeiçoamento dos mecanismos e infra-estruturas de apoio científico e técnico que conduzam à realização de planos integrados de desenvolvimento, compatibilizando o livre ordenamento do espaço regional com as políticas globais do planeamento.
Além do mais, sem esquecer a concepção unitária do Estado, mas avançando no sentido, do reforço do poder local como expressão política da criatividade das pessoas e das comunidades, desenvolver-se-ão mecanismos definidores das relações claras e precisas entre os vários níveis de planeamento (nacional, regional e municipal).
A realização de planos integrados de desenvolvimento a esses diferentes níveis criará hábitos ,de actuação municipal e regional consertada entre municípios vizinhos.
Há que ter em conta, porém, que a dimensão (territorial e demográfica) aos, municípios do País dificulta muitas vezes a rentabilidade de vários investimentos. O Governo procurará, portanto, criar as condições necessárias à superação - das dificuldades estruturais actualmente existentes, com a elaboração de planos globais que sirvam, vários municípios e assegurem uma cooperação técnica e financeira que os apoie.
As estruturas já criadas ou a completar serão o suporte de novos sistemas de apoio técnico e científico, e de sensibilização à problemática do ordenamento.
Neste domínio, afectar-se-ão recursos humanos e materiais indispensáveis ao fomento de acções de informação técnica e à definição de áreas de intervenção prioritária. Aproveitar-se-ão os departamentos vocacionais para a formação de, quadros no âmbito dos Ministérios competentes e promover-se-ão junto das autarquias esquemas de participação activa que permitam a correcta e pragmática avaliação do ordenamento do seu território.
Estamos certos de que será a vontade organizada das comunidades, representadas pelos seus órgãos autárquicos, que tornará viável a regionalização. O Governo tudo fará para que não faltem os instrumentos jurídicos e o apoio científico e técnico para que essa vontade se torne realidade.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A política do ordenamento do território, indispensável, como vimos, à concretização da regionalização do País, estará também intimamente relacionada com uma estratégia integrada de gestão racional dos recursos naturais e, muito em especial, dos recursos hídricos. A água, como
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bem insubstituível de consumo humano, como factor fundamental de aumento da produção agrícola e recurso indispensável à expansão industrial, exige o controle da sua qualidade e a optimização regional da sua utilização. A criação de uma orgânica institucional eficaz para a política integrada da água é uma das preocupações do Governo.
A necessidade, cada vez mais imperiosa, de defesa dos solos de aptidão agrícola e da sua protecção e valorização será contemplada pelo Governo como condição primordial de uma política de salvaguarda e valorização da ruralidade e do ambiente e de aumento da produção agrícola.
A imperiosa necessidade que o Governo tem de melhorar a produção e racionalizar o consumo dentro de uma política de austeridade não impedirá, porém que por todo o País o desporto e o turismo, bem como a ocupação cultural dos tempos livres, se desenvolvam.
As nossas paisagens e conjuntos históricos, para além do importante papel social e económico que desempenham, são fundamentais como afirmação da nossa cultura.
Sem eles não é possível a existência de um espaço cultural e o desenvolvimento do recreio no sentido mais amplo do termo.
Uma política de «qualidade de vida» não pode separar-se da necessária moralização da vida nacional, bem como da indispensável racionalização do consumo, nem pode alhear-se da justiça nem esquecer a difícil situação económica de muitas famílias portuguesas e de regiões interiores.
Moralizar a Administração Pública e as actividades económicas, corrigir os desequilíbrios do consumo e condicionar ao interesse nacional a procura de bens, constitui, pelo contrário, caminhar no sentido de uma maior justiça social e de uma maior igualdade entre os Portugueses e é o complemento indispensável de uma necessária política de austeridade. O realização de fortunas fáceis á custa de actividades ilegais ou mesmo criminosas a permeabilidade do Estado a manobras e actividades que permitem a existência de sectores económicos clandestinos e marginais, será um combate diário do Governo.
Vozes do PSD, do CDS e do PPM: - Muito bem!
O Orador: - O absentismo fraudulento, o desleixo de alguns médicos na facilidade com que concedem as baixas por doença, os açambarcadores, os empresários que vivem da sobrefacturação das importações e do escandaloso mercado negro dos brds vão ser implacavelmente combatidos,...
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
... porque constituem graves ofensas aos portugueses honestos e a todos os que querem trabalhar.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Mudar Portugal é difícil, mas é possível.
É tendo em conta o respeito pelas regras da democracia e os propósitos atrás expressos que a minha participação no Governo, bem como a dos restantes membros do PPM, representa um empenhamento inequívoco neste executivo, no presente e no futuro da Aliança Democrática.
Vozes do PPM: - Muito bem!
O Orador - E deste modo continuaremos a dar o melhor das nossas forças, única e exclusivamente ao serviço dos Portugueses.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Gomes Fernandes, para pedir esclarecimentos.
O Sr. Gomes Fernandes (PS):-Sr. Ministro de Estado e da Qualidade de Vida, muito rápida e sumariamente, gostaria antes de mais, de dizer que ouvi com muita atenção as palavras do Sr. Ministro, que, como é habitual, pela sua qualidade pessoal e técnica, foram de alguma qualidade, direi mesmo de relativa qualidade.
Ao referir o modelo da AD, falou na questão da juventude, pelo que gostaria de saber se isso se compatibiliza com a ausência no Programa do Governo de qualquer referência ao primeiro emprego, o que, como sabe, é um problema para a juventude.
Por outro lado, referiu-se à expansão desordenada do mundo urbano, referência com a qual obviamente estamos de acordo. E, nesse sentido, gostaria de saber se situações como, por exemplo, a das Torres do Tejo, que se mantêm no ar, e similares -porque, infelizmente, esta não é a única situação no País, há outras, embora esta seja a mais próxima - terão alguma viabilidade.
O Sr. Ministro falou também na diversificação de pequenas barragens, com o que estamos de acordo. Mas gostaria de ser esclarecido no sentido de saber que implicação é que esta alteração política vai trazer ao nível da energia, concretamente ao nível da EDP, que é, como toda a gente sabe, praticamente um Estado dentro do Estado Português.
Ainda relativamente aos planos integrados de desenvolvimento, mais concretamente em relação à articulação entre municípios, que, como referiu, por vezes se faz com dificuldade, gostaria de saber quais os níveis de intervenção dos municípios e do Governo para que não surjam planos integrados que, na realidade, continuem a ser decididos em Lisboa, não podendo sobre eles os municípios dizer uma única palavra.
Eram apenas essas questões que lhe pretendia colocar, uma vez que o meu partido irá oportunamente fazer uma intervenção sobre a mesma matéria.
O Sr. Presidente: - Igualmente para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Campos.
O Sr. António Campos (PS):- Sr. Ministro, ouvi com bastante atenção a sua intervenção e tenho duas perguntas que gostaria de lhe fazer.
Que semelhança há entre a intervenção que o Sr. Ministro Ribeiro Teles acabou de fazer e o Programa do Governo? É que, de facto, penso que não há nenhuma semelhança, a não ser que pudéssemos estar já a ouvir o programa do governo da AD, e nessa altura dir-lhe-ei que evoluiu bastante. Ou será que nos trouxe aqui uma orientação para o próximo congresso do PPM?
O Sr. Presidente: - Sr. Ministro de Estado, tem V. Ex.ª a palavra para responder, se assim o entender.
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O Sr. Ministro de Estado e da Qualidade de Vida:
- Em relação às perguntas do Sr. Deputado Gomes Fernandes, nomeadamente sobre os problemas da juventude, devo dizer que, como é evidente, é uma preocupação do Governo resolver os problemas do emprego. E já o próprio Sr. Primeiro-Ministro se referiu a esse aspecto na sua intervenção, assim como sobre ele ainda se irá pronunciar o Sr. Ministro dó Trabalho. No que, me compete aqui dizer, apenas posso, acentuar que á resolução dos problemas da juventude é uma preocupação constante de qualquer : política de qualidade de vida e de cultura: E não vou perder mais tempo com esse aspecto.
O Sr. Deputado Gomes Fernandes levantou ainda o problema da caótica situação que o País atravessa em questões de urbanização. Ora, o Sr. Deputado sabe perfeitamente, tão bem como eu, como vem de longe e quais as causas dessa situação, mas posso desde já afirmar-lhe, que não vai ver torres nenhumas no Tejo e que ficada dever ao VIII Governo da Aliança Democrática o facto de esses mamarrachos não virem a existir ao lado da Torre de Belém.
Quanto à questão da diversificação de pequenas barragens, é evidente que elas têm, como sabe, um efeito polivalente de desenvolvimento regional. São obras que servem para a agricultura, tanto para regadios dos terrenos de melhor aptidão que servem de produtos frescos ás povoações mais próximas como também para uma agricultura mais intensiva e, o que agora se torna muito importante, ainda para o fornecimento de água a povoações.
Hoje em dia, para transportar energia não podemos construir permanentemente cabos, condutas, canos e esgotos por lodo o lado e tornar o espaço português num emaranhado de uma situação em relação à qual apenas determinados técnicos tiram proveito, com prejuízo para toda a qualidade de vida e para as populações de todas as regiões do País.
Referiu ainda o Sr. Deputado que a EDP é um Estado dentro do Estado. Ora, como sabe, sou contra os Estados dentro do Estado e contra o monopólio de qualquer empresa, seja ela qual for, e por isso apoio a diversificação. Porque essas pequenas barragens, inclusivamente se tivermos em consideração que podem fornecer, por condutas de água enterradas, água a pressão, poderão ter um efeito muito benéfico até na diversificação das fontes de energia.
É evidente que a articulação entre os municípios para planos integrados tem sido difícil, mas julgo que, uma vez posta em funcionamento a lei que permita á associação dos municípios, ela se tornará mais fácil. Julgo que estes planos integrados não podem ser elaborados no Terreiro do Paço, mas nos municípios, na associação dos municípios e com o apoio científico e técnico do Governo, mas apenas e só com este apoio: É por isso que no meu discurso me referi à liberdade regional de ordenamento do território, porque isso compete aos que vivem nas regiões, e não aos tecnocratas ou pseudotécnicos que vivem no Terreiro do Paço.
Vozes do PPM: - Muito bem!
O Orador: - O Sr. Deputado António Campos, igualmente do Partido Socialista, diz que não há semelhança entre o Programa do Governo e o meu discurso. Eu julgo que há toda. Agora é preciso ver o que é um programa e o que é um discurso.
É evidente que não quis vir aqui repetir o Programa do Governo, e podia tê-lo feito em relação às áreas a que o meu discurso mais se referiu, mas pensei ser melhor dar uma explicação mais cabal, embora talvez um pouco curta, não só para não perdemos tempo, mas também para tirarmos melhor proveito em relação a todos os problemas nacionais que nos afectam e que temos de aqui passar em revista.
Aplausos do PSD do CDS e do PPM.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Reis, para uma intervenção.
O Sr. Silva Marques(PSD): - Dá-me licença, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: - Pede a palavra para que efeito, Sr. Deputado.
O Sr. Silva Marques (PSD):-É para interpelar a Mesa sobre o processo como estão a decorrer os trabalhos, porque creio que se está a gerar exactamente li situação contrária àquela que se pretendeu gerar na parte da manhã. Isto é, ficou assente o princípio da alternância. O Grupo Parlamentar do PSD inscreveu os seus deputados depois de todos os outros, seguro de que estava assente o princípio da alternância. Isto significa que, aplicando esse princípio, ainda não falou nenhum deputado do MDP/CDE.
O Sr. Presidente: - V. Ex.ª permite-me que me antecipe?
O Orador: - Com certeza, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Eu diria a V. Ex.ª o seguinte: é perfeitamente exacto que houve uma inscrição de Srs. Deputados do PSD e, pela forma como as coisas se dispuseram, ficaram inscritos-posso dizer-lho concretamente- em sistema e contiguidade seis Srs. Deputados do seu partido, e, por essa razão, estava já no meu espírito colocar o problema aos Srs. Deputados. Porque esse princípio da alternância deve ser respeitado, mas, no entanto, não há critérios que indiquem a sua fixação quando a ordem de inscrições colide com a aplicação prática desse mesmo princípio, era meu propósito, e assim o anuncio desde já - estamos, aliás, a vinte minutos do intervalo regimental -, convocar uma breve reunião de representantes dos grupos parlamentares durante o intervalo regimental, que farei às 17 horas e 30 minutos, onde considerando as inscrições tal como estão feitas, pela ordem em que cronologicamente os Srs. Deputados se foram inscrevendo, se pudesse, em todo o caso, estabelecer uma conciliação, por consenso, entre essa mesma ordem e o respeito do princípio da alternância.
Se não houver objecção, darei agora a palavra ao Sr. Deputado António Reis, tal como já estava decidido pela Mesa, e nessa conferência dos presidentes dos grupos parlamentares organizaremos então os trabalhos com respeito pela sua observação.
Está de acordo, Sr. Deputado Silva Marques?
O Sr. Silva Marques (PSD): - Com certeza, Sr. Presidente.
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O Sr. Presidente: - Então, ficam desde já V. Ex.ª e todas as direcções dos grupos parlamentares convocados para uma reunião dos presidentes dos grupos parlamentares a realizar às 17 horas e 30 minutos.
O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Dá-me licença, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: - Há alguma oposição, Sr. Deputado?
O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Sr. Presidente, tenho ideia de que não será necessária a reunião, porque a Mesa tendo em conta a regra da alternância e aqueles que já falaram, vai intercalar os Srs. Deputados do PSD para que eles não sejam privilegiados, ficando para o fim não só da sessão de hoje como da de amanhã. E penso que não é precisa uma reunião para assentarmos neste pressuposto. Temo mesmo que uma reunião venha a dificultar este procedimento, que é tão simples.
Por outro lado, eu, assim como todos os outros representantes dos grupos parlamentares, tenho necessidade de um intervalo e o Sr. Presidente também.
O Sr. Presidente: - Eu, como V. Ex.ª sabe, estou sempre disponível nos intervalos. Mas, em todo o caso, mantenho a ideia da troca de impressões em breve reunião dos presidentes dos grupos parlamentares e V. Ex.ª pode ficar tranquilo que não lhe prejudicarei a sua meia hora de descanso. Mantenho, portanto, essa convocação.
Sr. Deputado António Reis, tem V. Ex.ª a palavra.
O Sr. António Reis (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O programa do terceiro governo AD procura ser particularmente ambicioso e algo inovador em matéria de política cultural. De súbito, a Aliança Democrática parece descobrir a cultura não já como matéria adjacente, mas como «perspectiva de toda a actividade pública e do Governo em particular». Aparentemente por isso, a promove a Ministério.
Uma primeira e dramática conclusão nos surge de imediato. Ao afirmar o propósito de «uma nova orgânica para uma nova política», este governo confessa afinal que a orgânica e a política cultural do governo Sá Carneiro e do primeiro governo Balsemão estavam erradas. Mais: reconhece que em vinte meses de governação, a AD menosprezou os nobres objectivos que hoje proclama como urgentes e essenciais; reconhece, em suma, que em vinte meses de governação a AD não foi capaz de delinear e de pôr em prática uma verdadeira política cultural.
Quais, de facto, as linhas orientadoras da AD neste domínio tão sensível da vida do País?
A desconfiança e a hostilidade em relação ao mundo da criação artística e da animação cultural que caracterizaram o governo de Sá Carneiro, durante a gestão arrogante e exibicionista do até há pouco assessor do actual Primeiro-Ministro? Ou o elitismo subjectivista do primeiro governo Balsemão, cujo Secretário de Estado da Cultura começava a revelar uma perigosa tendência para subordinar a política' cultural aos seus pessoalíssimos e discutíveis gostos estéticos, procurando arvorar-se numa espécie de consumidor cultural n.º l deste país?
E qual o seu método de actuação? O autoritarismo resmungão de um ou a ingenuidade simplórica do outro?
A ingenuidade simpática de Braz Teixeira, se é certo que permitiu alijar a carga incómoda da péssima imagem do seu antecessor, forneceu, por outro lado, condições propícias à irrupção dessa escandalosa negociata da Tobis, já oportunamente denunciada pelo semanário Expresso e em sucessivos requerimentos que fiz ao Governo. Escandalosamente também, não se dignou o ex-Secretário de Estado da Cultura responder aos meus requerimentos ou esclarecer a opinião pública.
A AD deu-se mal com a extrema fogosidade do responsável pela cultura no seu primeiro governo. Mas, pelos vistos, ia morrendo de anemia com a extrema discrição do responsável pela cultura do seu segundo governo, que nem sequer se procurou defender das gravíssimas acusações que sobre ele pendem no caso Tobis. Procura agora um terceiro fôlego.
Será que Lucas Pires terá melhor sorte que os seus antecessores? E que da negação da negação da política cultural do governo Sá Carneiro surgirá enfim a desejada síntese tranquilizadora?
Permitam-nos que duvidemos. Não que as dezasseis páginas do Programa do Governo a esta matéria consagradas não venham recheadas de nobilíssimos propósitos e tentadoras medidas.
Mas o modo como este Ministério da Cultura e Coordenação Científica foi gerado, na sequência da recente crise da Aliança Democrática, qual passe de mágica a amainar novas tempestades, para já não falar nas bem mesquinhas preocupações dominantes de quem efectivamente conduz o Governo, torna-me bastante céptico.
Tudo indica que a principal e determinante razão que levou o Governo a anunciar o seu salto qualitativo nesta matéria nada tem a ver com o arrependimento por práticas anteriores, aliado a um súbito acesso de iluminismo cultural que o tivesse acometido para felicidade dos Portugueses.
O Sr. Carlos Lage (PS): - Muito bem!
O Orador: - Tem, sim, muito mais a ver com a necessidade de criar uma esfera de compensação para os fracassos e dificuldades cada vez mais visíveis e previsíveis em que se vai enredando o projecto conservador da AD. Tem, sim, muito mais a ver com a necessidade de amarrar à barca do naufrágio uma inteligência porventura demasiado incómoda. Não é a consideração pelo valor intrínseco da cultura que determinou, pois, a modificação ora anunciada. Em tais circunstâncias, restará à cultura o papel de instrumento de prestígio, não de fim iluminador como ingenuamente se pretende. E a política cultural que se anuncia será, bem entendido, mais manobra de diversão do que efectivo leme orientador. As eventuais medidas mais ou menos espectaculares que se vierem a tomar serão a máscara doirada de uma política global podre no seu âmago.
Curiosamente, o capítulo em apreço do Programa parece pressentir este perigo quando insiste numa concepção de cultura ligada a todos os aspectos da dinâmica social e numa orgânica ministerial de vocação horizontal em relação as restantes áreas de acção
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pública. Dir-se-ia que tendo o Ministro sido apanhado à má-fila para este governo, por evidentes razões políticas, procura agora de certo modo precaver-se quanto à mais que óbvia tentativa de instrumentalização do seu nome e do seu Ministério. Instrumentalizado ou instrumentalizado, perspectivado ou perspectivador, eis a questão que lhe está de ora avante posta.
Não deixará, por isso, de ser curioso acompanhar os termos em que se irá desenrolar a dialéctica entre este governo, decididamente mais interessado em negócios do que em cultura, e o novel Ministério tão cheio de pretensões coordenadoras e globalizantes. Será que às conhecidas linhas de fractura interna que logo à partida o Governo procurou incorporar teremos de juntar desde já mais esta?
Para já, tem o novo Ministro uma excelente oportunidade de testar a sua efectiva força política precisamente com o caso Tobis. Terá ou não coragem para levar até às últimas consequências o esclarecimento que já ordenou ao processo que conduziu à alteração do pacto social da Tobis, com a consequente perda da posição maioritária do Instituto Português de Cinema? Que medidas virá a tomar para corrigir as ilegalidades cometidas e evitar que se consume o projecto especulativo do grupo privado do Dr. Sousa Brito, que não dá quaisquer garantias de investimentos sérios, procurando antes servir-se das facilidades do IPC, na melhor tradição do capitalismo parasitário português?
O segundo teste chama-se RTP. Como conciliar, de facto, tão ambicioso programa cultural com uma televisão que tem provado situar-se nos antípodas do que ora se deseja? Uma televisão que diariamente atenta contra o consenso cultural, sabota a participação e anestesia a criação.
O Sr. Carlos Lage (PS): - Muito bem!
O Orador: - Ou julgar-se-á possível uma nova política cultural com esta decrépita RTP?
O terceiro teste chama-se RDP 2. Estará ou não o novo Ministro disposto a seguir o parecer aprovado por unanimidade pela Comissão de Cultura desta Assembleia, em que se recomenda a anulação da disparatada medida de desafectação dos emissores de onda média ao actual programa 2, que privou largas camadas da população da audição do único posto radiofónico caracterizado por exigente padrão de qualidade cultural?
O quarto teste chama-se Orçamento Geral do Estado. Em ano se FMI, que poderá a cultura esperar de melhor que a habitual esmola?
Seja como for, não é com um governo para quem ((democratizar» é sinónimo de «manipular», «desenvolver» sinónimo de «fazer negociatas» e «reformar» sinónimo de «remendar», que será possível levar à prática um autêntico projecto cultural. Este não é a simples soma de um conjunto de medidas pontuais, por mais aliciantes e conciliastes que se pretendam. Um projecto cultural é antes uma maneira radicalmente nova de encarar a sociedade, o homem, a natureza e a sua transformação, capaz de mobilizar as energias criativas de um povo, traçar-lhe, um destino digno de ser vivido. Não é um derivativo, é um englobante. Não é um enxerto tardio num programa e num governo cujos frutos estão irremediavelmente podres, é antes a raiz e a seiva de um outro programa, de um outro governo e de uma outra prática.
Aplausos do PS, da ASDI. da UEDS e de alguns deputados do PCP.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura.
A Sr.ª Helena Cidade Moura (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: A realidade não consente combates voluntaristas.
O tecido social é demasiado complexo e vivo para ceder a acções que lhe são impostas e para aculturar acções que lhe são estranhas.
A política educativa da AD de que o actual Ministro, três vezes nomeado, parece ser o representante perfeito, é um desses actos que o tecido social não absorve. Política contraditória, cheia de birras, de zonas obscuras, de faltas de senso, ela é bem a expressão do modelo errado e desconexo que a AD quer impor ao nosso país.
Essa política até agora passada na intimidade do seu Ministro, rejeitada nas escolas por uma oposição generalizada e debilmente defendida aqui nesta Assembleia, a maior parte das vezes por frases balbuciadas, vindas apenas das bancadas do PSD, acaba de ser consagrada pelo Sr. Primeiro-Ministro através de um discurso de recorte pedagógico e sociológico de conteúdo surpreendente!
De facto, muito dificilmente alguns professores, sendo mesmo da AD e só porque são professores -, teriam o mínimo entendimento do discurso sócio-pedagógico do Sr. Dr. Balsemão.
A sociedade é aqui analisada como se estivesse exposta numa montra de uma rua adormecida e os seus* valores sociais como roupa de defunto guardada numa velha cómoda de família, sem uso, sem desgaste, sem transformação.
Não é este o mundo do Dr. Balsemão, mas é este o mundo que o Dr. Balsemão nos atribui.
Só duas questões para exemplificar o entendimento que o Sr. Primeiro-Ministro nos oferece do cómodo mundo estático no qual nos contempla, por exemplo, «o empolamento do valor formal do grau ou diploma conseguido».
Perguntamos: num país com um terço de analfabetos, com um limitadíssimo mercado de trabalho, com elites que se conservam ainda hoje hereditárias graças à escola e a relações de produção obsoletas, como seria possível que o diploma não fosse privilegiado?
Outro exemplo: o Sr. Primeiro-Ministro fala-nos de conflito de gerações na escola entre professores e alunos!
Desconhecemos qual o sentido deste dado para o diagnóstico do Sr. Primeiro-Ministro, que de resto não está expresso.
A escola deixa de ser uma zona de conflito, quando nela se instala a relação pedagógica. Mas para isso não há que pôr os alunos da mesma idade dos mestres! Quando os professores e alunos assumem as contradições, que provêm, a maior pane das vezes, de pertencerem a classes sociais diferentes, de
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falarem linguagens diferentes e de desempenharem papéis sociais diferentes, os conflitos não têm lugar.
Mas tudo isto não é uma fatalidade geológica, é uma situação interdependente do contexto social, da estabilidade de cada um, do emprego, da segurança social, da saúde, da habitação, da dinâmica de participação dos indivíduos na sociedade. Não há homens fortes com inter-relações sociais débeis.
Não existem escolas de paredes estanques. Escola e sociedade interpenetram-se.
Mesmo que, por absurdo, a política educativa da AD fosse coerente e ajustada, sempre a escola teria piorado; porque a política global da AD é socialmente discriminatória e porque estão a ser arruinadas as condições de vida de todos aqueles que trabalham. Para além de tudo, o voluntarismo, a incompetência, a incapacidade de olhar o concreto bloqueiam os mecanismos de participação.
Os milhares de professores que trabalham a sério neste país deveriam ter merecido a este governo, muito em especial agora ao Sr. Primeiro-Ministro, mais consideração e maior reflexão.
Passamos mais uma vez à análise do Programa do Governo, em nome desses milhares de professores e técnicos de educação e dos trabalhadores portugueses que voltaram, como antes do 25 de Abril, a abrir com dificuldade as portas das escolas tornadas agora de novo demasiado pesadas.
Surpreende-nos que do VI para o VIII Governo tenham desaparecido promessas em domínios que os Portugueses, com razão, consideram prioritárias, sem que entretanto em tais domínios se tivesse vislumbrado qualquer realização significativa.
Exemplificando:
Escrevia-se no Programa do VI Governo que cabe a este «promover o direito à [...] formação profissional». Embora a maneira imprecisa e surperficial como a AD sempre trata a gravíssima questão da formação profissional não justificasse grande esperança nos resultados do seu empenhamento nesta matéria, não se encontra explicação para que tão aflitiva prioridade tenha desaparecido entre o VI e o VIII governos.
É certo que nas modificações de estrutura prometidas no actual programa se lê que se fará «[...] o desenvolvimento da via profissionalizante ao nível do ensino secundário complementar». Será que para o Sr. Ministro o desenvolvimento da falhada tentativa de ensino profissionalizante ao nível do 12.° ano é tudo quanto este país requer como formação profissional? Ou será que os VI e VII Governos já realizaram nesta matéria tudo o que havia a fazer para satisfação dos anseios da juventude portuguesa? No Programa do VIII Governo faz-se uma profunda, pertinente, oportuna e sem dúvida feliz afirmação: «não pode, nem cabe (à escola) responder a todos os anseios da juventude». Todavia é inevitável que a juventude portuguesa pergunte com alguma e bem justificada angústia, mas afinal a quem cabe a promoção, coordenação e regulamentação da formação profissional?
Escrevia-se também no Programa do VI Governo «[...] como é da norma democrática, o Governo promoverá Vim amplo debate público em torno desse projecto fundamental (lei quadro do sistema educativo) [...]». Ora no Programa do VIII Governo escreve-se «[...] na sequência da apresentação de uma proposta de lei de bases na vigência do VI Governo, da recolha de críticas e sugestões já publicadas e tendo em contai pareceres, trabalhos e estudos, será apresentada à Assembleia da República uma nova proposta, de lei de bases do sistema educativo». Isto significa que, na opinião do actual governo, apenas falta ordenar os papéis e fazer funcionar o voto mecânico da sua maioria, ou pretende-se finalmente uma discussão nacional?
O VIII Governo ignora que, entretanto, foram apresentados nesta Assembleia três projectos de lei sobre as bases do sistema educativo. O governo ignora que nunca se realizou qualquer discussão da matéria à escala nacional; que apenas se publicou uma recolha desordenada de pareceres sobre a sua primeira proposta. O Governo ignora que é opinião generalizada nas escolas e entre os professores que a proposta do VI Governo não foi discutida adequada e extensamente, tendo-se apenas feito uma vaga e aleatória colheita de opiniões.
Ainda menos foram discutidos os projectos de lei apresentados por três partidos desta Assembleia (e diga-se de passagem qualquer deles objectivamente com uma envergadura e um conteúdo bem mais suscitadores de reflexão do que a proposta do VI Governo).
Cabe à Assembleia da República promover a discussão destes projectos. Estamos- certos, esta Assembleia assim fará. Todavia é significativo - embora lamentável - que o VIII Governo se programe ignorando esta realidade.
Ou acontecerá que de degradação: em degradação, o que era «norma democrática» para o VI Governo já o não é para o VIII?
Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: A democracia não é um formalismo e não é por mera atitude formal que, exigimos, no cumprimento do nosso devei, a discussão pública da lei de bases do sistema educativo. Não é possível realizar uma reforma do sistema educativo sem uma ampla contribuição dos profissionais de educação, e se isso fosse possível, não seria desejável.
Não deixa também de causar espanto que a irradicação do analfabetismo, objectivo expressamente destacado no Programa do VI Governo tenha desaparecido no Programa do VIII. Pensa realmente o Sr. Ministro que em relação aos analfabetos pouco mais há a fazer do que deixá-los morrer analfabetos?
O Sr. Ministro considera erradamente desprezível o lastro social que representam os analfabetos de mais de 45 anos. É muito importante a sua influência negativa na dinâmica social.
Para além de considerações que respeitam o direito de qualquer ser humano à melhoria das suas condições de vida, o que obrigatoriamente deverá ser preocupação de um governante democrata, a verdade é que, sendo o analfabetismo sobretudo um condicionamento social, a aprendizagem não se mede em anos, mas em capacidade do domínio do meio ambiente. Logo que mesmo quanto a eficiência pedagógica, a sua atitude é errada.
O Sr. Ministro demonstrou, de facto, no programa da RTP, em que se comemorava o- Dia Internacional
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da Alfabetização, um profundo desconhecimento da matéria: do fenómeno em si do analfabetismo .e da forma de o combater.
Não se lhe pedia que dominasse o assunto mas, já que se quis substituir no écran da TV aqueles que alfabetizam - e até teria sido útil se o fizesse com conhecimento de causa - deveria ter consultado os técnicos competentes do seu Ministério:
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O ensino superior politécnico é referido em várias passagens do Programa do VIII Governo: será «reforçado», será «expandido», continuará a ser «implantado». São intenções a que certamente daremos o nosso aplauso depois sobretudo de nos ser justificado onde, no sistema geral do ensino, se deve situar, com precisão, o ensino politécnico superior; quais são as habilitações prévias que realmente deve exigir; que ligações têm com as outras parcelas do sistema de ensino; a que funções se destinam os seus diplomas.
Gostaríamos de conhecer o ensino superior politécnico para além das suas comissões instaladoras!
É para nós, porém, inteiramente inadequado e gravemente prejudicial que no ensino superior sé distingam apenas escolas universitárias e escolas politécnicas superiores. O Ministério da Educação continua a ignorar que há muitas escolas não integradas em universidades que, com a mais justa razão, recusam o rótulo de politécnicos superiores.
Entende o Sr. Ministro que a riquíssima diversidade de cursos, escolas e títulos profissionais com que, por todo o mundo, o ensino pós-secundário responde às infindavelmente diversificadas solicitações das sociedades em transformação, cabe em classificação tão rígida e tão pobre?
Ignora V. Ex.ª que essa inexplicável insistência em restringir o ensino terciário a duas categorias tão limitadoras da necessária diversidade está a matar escolas que bem preciso era fossem revivificadas, a paralisar iniciativas, a desmotivar candidatos, a desanimar professores?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Diz ainda o Programa que «será concretizado o Plano Nacional de Educação de Adultos incrementando-se as actividades culturais, artísticas e dos tempos livres». Por que não se inclui a formação e reconversão profissional? Terão os adultos de ir frequentar a via profissionalizante do 12.° ano? Ou remete-se para o Ministério do Trabalho toda a necessidade de preparação teórica do aluno adulto? No mesmo parágrafo do Programa promete-se que será reforçado o apoio aos alunos nos domínios da orientação escolar e profissional. A que alunos se refere o Programa? Aos adultos aos quais , precisamente o Ministério- não oferece concretamente nenhuma formação profissional?
O Programa garante que um dos objectivos fundamentais, da acção do Governo será a «expansão quantitativa» do sistema educativo. O objectivo é importante e urgente: o Ministério da Educação já inaugurou o regime quádruplo nas escolas primárias, talvez porque desde o primeiro governo da AD não, se construíram senão um número dígito de escolas primárias, apesar de o Sr. Primeiro-Ministro dizer na sua teorização ser deficientíssima a rede escolar; fala-se também em estender o regime de monodocência aos 5.° e 6.° anos de escolaridade. Sem pormos em dúvida a intenção do Governo de «expandir quantitativamente»
o sistema educativo, pode o Sr. Ministro dizer-nos como se compatibilizam estes factos?
Para termos finalmente um dado concreto, pedíamos que nos informasse em que sentido vai evoluir a percentagem do OGE consagrado à educação?
A descoordenação dos objectivos, a falta de correspondência entre o que se promete e o pouco que se realiza, a insistência sempre dos mesmos esquemas mesmo quando já se demonstrou, sem réplica, que são inadequados, a falta de criatividade e de confiança, sugerem que na AD há um pensamento nuclear, dissonante face à realidade e à necessidade do País. Por isso a AD agarra-se a fórmulas vazias de conteúdo e a meias verdades, actua desligada do concreto e quando tudo falha faz funcionar a sua maioria mecânica, aqui na Assembleia da República.
Aqui e ali afloram afirmações que causam perplexidade como quando escreve «a liberdade de opções conduz ao reforço do ensino particular e cooperativo». Conduz à liberdade, aqueles que têm 4000$ ou 5000$ por mês para pagar a Universidade Livre, por exemplo! É esta a liberdade que á AD preconiza?
Com as universidades afuniladas cada vez mais, a AD escreve «com a implantação já iniciada do ensino superior politécnico, que continuará até 1985, criar-se-ão condições para um mais correcto desenvolvimento tecnológico do País» em que modelo de desenvolvimento tecnológico se estará a pensar para o fazer depender do ensino politécnico? Será o das cadeias de montagem que proliferam em Singapura, em Hong-Kong e na Coreia do Sul? Ou onde escreveu «desenvolvimento tecnológico», a AD queria significar apenas «rendibilidade dos investimentos»?
Singular é o mundo de confusão em que vive o Ministério da Educação, por alcunha chamado agora das Universidades.
Qual a razão desta mudança de nome do Ministério da Educação e Ciência para Ministério da Educação e das Universidades? Não estamos em desacordo com a criação de um Ministério da Ciência, mas porque na AD tudo é vago e misterioso ficamos sem nenhuma ideia sobre o sentido da modificação agora efectuada.
E como os frades a quem tiraram a salsa do arroz, temos também nós razões para nos interrogar, que significado terá mais esta nova mudança?
Será que se pretende tirar a investigação científica e mesmo as ciências das universidades, será que a universidade nada tem a ver com a educação ou pretende-se apenas securizar o Sr. Ministro dando-lhe o cognome de Ministro das Universidades, já que a Cultura e a Ciência passaram a formar novo Ministério.
A verdade é que no momento em que tanto se fala em importação de tecnologia estrangeira deveria ter merecido ao Governo maior reflexão e maior clareza esta movimentação institucional.
A importação de tecnologia, a demonstrar-se necessária, exige uma elevação da capacidade científica nacional para que haja estruturas capazes de absorverem os benefícios que nos são fornecidos!
Para nós, o desenvolvimento tecnológico e científico faz-se através da actividade de quem é capaz de fazer avançar as tecnologias e a ciência.
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Aqui reside o interesse social do cultivo da ciência e da investigação aplicada.
Esta actividade de busca e de superação é o elo privilegiado entre a universidade e o mundo que a rodeia e que a informa.
Sem esse constante desafio da realidade perante a crescente falta de matérias-primas, a urgente necessidade de planeamento e de aproveitamento dos esforços, as universidades, como todo o mundo do trabalho e do pensamento secam, paralisam e Portugal passaria a ser um armazém de operários com uma antecâmara de bacharéis destinados às relações públicas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Este país continua pobre e explorado e é heróico o esforço dos trabalhadores portugueses. Por isso precisamos e merecemos um sistema de educação bem melhor do que aquele que a AD pode oferecer. De facto é urgente que alguma coisa mude.
Aplausos do MDP/CDE, do PS. do PCP e da UEDS.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, antes de interromper a sessão para o intervalo regimental, a Mesa anuncia desde já que deu entrada a ratificação n.º 94/II, subscrita pelo Sr. Deputado José Vitoriano e outros, do PCP, e que tem por objecto o Decreto-Lei n.º 211/81, de 13 de Julho, que reestruturou as direcções do distrito escolar e das delegações escolares.
Srs. Deputados, convoco mais uma vez os presidentes dos grupos parlamentares para uma muito rápida reunião a realizar-se na sala de reuniões do Conselho de Ministros.
Está suspensa a sessão por trinta minutos.
Eram 17 horas e 35 minutos.
Depois do intervalo, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente José Vitoriano.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.
Eram 18 horas e 25 minutos.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Oliveira Martins.
O Sr. Oliveira Martins (ASDI): - Sr. Presidente, Srs. Ministros, Srs. Deputados: Começaria por citar uma frase de Unamuno que penso ser oportuna neste momento:
Os que vivem no mundo, na história, apegados ao presente momento histórico, sacudidos pelas vagas do mar onde se agitam como náufragos, não acreditam em nada senão nas tempestades e cataclismos seguidos das bonanças; mas acreditam que a vida pode interromper-se e renovar-se.
Fala-se muito em projecto cultural, e é até positivo que isso aconteça, só que a maior parte das vezes há um equívoco essencial na colocação do problema e na formulação desse objectivo.
Pensa-se que a cultura pode ser dirigível ou manipulável e que a relação entre esta e a política deve fazer-se com predomínio das questões do poder e com
o numa obstai circunspecto e altivo dos grupos, dos barões, das teias que se tecem à volta desse Estado-providência que é adulado por quase todos, na esperança de que haja dele benesses ou tão-só uma protecção minimamente segura ... Só que a cultura não é concebível de modo fecundo e democrático como uma realidade que intencionalmente se fabrique de cima ou que sirva para ostentar no escudo de um qualquer profissional como trofeu ou símbolo heróico. Não há, pois, políticas do espírito, pois que o espírito ou é livre e permanentemente imperfeito, ou deixa de sê-lo, entre a opressão das bainhas estreitas de qualquer tribunal do gosto ou dos bons costumes, ou do juízo «político» do que é ou não é oportuno.
A cultura é quase por definição inoportuna, porque fluente e imprevisível, por isso é anterior a própria política -ou melhor, a sua mudança deve influenciar e motivar as transformações a operar no domínio político. Daí que nenhum governo possa ter a ilusão de fazer a cultura à sua imagem e semelhança porque fazê-lo será sempre destruir, limitar e oprimir a própria criatividade da sociedade, das pessoas concretas, e ... dos intelectuais e artistas.
Não haja, pois, ilusões e não se pense que podemos ser salvos por um ministério, por uma burocracia ou por um exército de especialistas feitos para comandar a cultura - sobretudo quando há a vaga suspeita de que o departamento governativo respectivo, agora promovido, foi-o mais por conveniências conjunturais do que por uma profunda consciência da necessidade de um determinado modelo organizativo.
Deixado pelo caminho o slogan da libertação da sociedade civil - que nunca se soube bem o que significava, o que terá motivado o seu esquecimento neste programa estamos agora perante uma nova máxima emblemática, o reformismo social, que parcialmente aparece ligado por este governo ao equacionamento do tema cultural. Estamos, assim, perante a consciência, essa positiva e correcta, de que a política não pode alhear-se dos fenómenos culturais. Todavia isso não basta.
Todos sabemos que as «boas intenções», as «palavras bonitas» de quase nada valem se não existir a aguda consciência de que os problemas da cultura só podem ser resolvidos e de que o projecto cultural só deixará de ser um mito quando existir a humildade e a capacidade crítica para reconhecer que, por exemplo, o membro do governo que sobraça a pasta da Cultura deve ser não um director de consciência, mas um obreiro ao lado de todos os outros que anonimamente ou na ribalta criam, inovam e tornam a vida humana mais significante, mais solidária e mais autêntica.
Vozes da ASDI e da UEDS - Muito bem!
O Orador: - Entende-se assim mal que em Portugal, em 1981, tantas sejam as incompreensões para com essa perspectiva de relação entre o político e o cultural, que em muitas circunstâncias foi afirmada com coragem numa acção nem sempre isenta de erros, o que é humano e erros houve, e vários do Secretário de Estado da Cultura cessante, cujo afastamento só pode ser compreensível como querendo porventura significar um juízo negativo para com
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aquilo que foi positivo no desassombro ou na incomodidade, e na colocação frontal dos problemas que, de alguma forma foram apanágio da acção do Dr. Brás Teixeira, a quem não deixámos de aplaudir sempre que esteve ao lado da cultura e da criatividade, contra a não cultura ou contra a pseudocultura. Ou quererá antes significar o juízo negativo por aquilo que se fez de menos correcto?
Hoje tememos o regresso às discussões bizantinas da identidade ou não identidade nacional - o que francamente nos deve preocupar muito menos do que a descoberta dos caminhos concretos para que o País possa encontrar-se e afirmar-se, como idiossincrasia, como particularidade, como encruzilhada de destinos e projectos, de sentidos e de existências. Daí que a reflexão do homem e o reconhecimento das suas próprias limitações deva servir de base à criação de novas relações sociais e humanas na perspectiva, porventura, da sociedade pós-industrial que se desenha e adivinha, c
Mas terá sentido falar nestes termos quando outras questões preocupam o nosso quotidiano, quando a balança de pagamentos, ou o Orçamento Geral do Estado, ou sector público produtivo, ou a necessidade de investimentos nos levam a falar aqui muito menos das questões essenciais e mais do que é imediato - e compreensível mente preocupante? A nosso ver sim. Desde que não nos refugie-mos em arquétipos ou mitos para perdermos de vista o concreto. Pois que o concreto só se muda se aprendermos a recriá-lo e se deixarmos a lógica rígida do optimismo industrialista de 1800 ou a ilusão ficcionista de qualquer antecipação esquecida do homem.
Sr. Presidente, Srs. Ministros, Srs. Deputados: Não basta, pois, falar de projecto cultural, do mesmo modo que é insuficiente fazer dos temas culturais flor de botoeira de qualquer política. Mas existe a consciência generalizada de que é de bom-tom apresentar a jovialidade daquilo que para alguns não deve passar de planta de estufa, para se não tornar demasiado incómoda ... £ aí está justamente o essencial da questão.
Que dizer, assim, do programa do Ministério da Cultura e Coordenação Científica que nos é presente? Representará ele uma perspectiva viva e enriquecedora para o nosso futuro colectivo? Estamos perante que concepção cultural?
Não se espere de nós, porém, aqui qualquer catilinária anticentralista a este propósito. A situação que temos é conhecida, nenhum político parece propor-se operar, por passe de mágica, a alteração qualitativa do que temos. Existe, por isso, a consciência de que se torna fundamental ultrapassar esse estado de coisas com esforço e capacidade crítica - o que não se resume aos domínios meramente sectoriais, antes exigindo uma política global, que não tem sido prosseguida entre nós.
Ressalvado este pressuposto e lugar-comum, vejamos que existe no Programa do Governo uma enumeração de questões e de propósitos que seriam de esperar e que representam o retomar daquilo que vem sendo feito - a tal ponto que o novo Ministério se propõe organizar a 17.º Exposição Europeia de Arte, como se se tratasse de uma iniciativa sua, do mesmo modo que se fala na necessidade de definição dos objectivos da nossa diplomacia cultural, demonstrando o vazio significativo deixado, após a prestigiosa acção da Sr.ª Embaixadora Maria de Lourdes Pintasilgo na UNESCO.
O Sr. César de Oliveira (UEDS): - Muito bem!
O Orador: - Também não é nesse enunciado que nos surgem novidades ou motivos de extensas considerações, o que já não acontece com a justificação «da nova orgânica para uma nova política». Não se compreende aí por que razão de fundo o terceiro governo da AD descobriu que «a perspectiva cultural deve ser uma perspectiva de toda a actividade pública e do Governo em particular», quando a nossa memória recorda como bem presentes as críticas feitas à estrutura do V Governo Constitucional e a destruição sistemática e minuciosa da sua obra organizativa que agora, pelo menos em parte, procura ser retomada. Tudo isto é estranho, é injustificável, e não permite que possamos dar credibilidade à «magnífica)) afirmação de que este é um «ponto alto de um processo que é o oposto ao da censura cultural e ao do dogmatismo cultural e ideológico» propósito correcto e são, naturalmente.
Pode tratar-se, deste modo, ao mesmo tempo de um nariz de cera e de uma manifestação de má consciência, de quem sabe por experiência própria, que a cultura não é compatível com campanhas maniqueístas ou com a tentativa restauracionista ou de regresso em que apoiantes deste governo embarcaram num passado bem recente...
No plano da organização cabe salientar ainda, por um lado, que, com a criação do Ministério da Educação e das Universidades (nome pomposo, mas incorrectamente adoptado, denunciando tardia e desajustada influência de além-fronteiras), se vê com dificuldade que as universidades possam surgir como autênticos centros de investigação e pesquisa cientificas. Dir-se-á, porém, que cabe ao novo Ministério da Cultura apenas a coordenação científica, o que não é resposta satisfatória, porque todos sabemos quais as dificuldades com que nos vimos deparando no plano universitário, e que tenderão- a agravar-se sem uma articulação efectiva entre a política científica a nível geral e a nível das universidades em especial. Aliás, o extremamente parco programa de educação que apenas reserva seis - repito - seis linhas às universidades e à sua autonomia (apesar da mudança de designação) em nada nos responde às lacunas e dúvidas deixadas na parte relativa ao Ministério da Cultura, o que é para já um mau indício de falta de articulação e de menos correcta concepção.
Ora isto não pode deixar de ser considerado como extremamente preocupante num momento em que a universidade portuguesa atravessa uma encruzilhada decisiva na qual se defrontam de novo as velhas concepções da escola superior fechada (com as trágicas tradições que possui entre nós de terem encerrado as suas portas a muitos dos maiores expoentes
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da nossa cultura) e as perspectivas abertas ao presente e ao futuro, como instrumento activo de ensino, de cultura e de desenvolvimento económico e social. A perplexidade face à concepção do Ministério da Cultura - encarado talvez de certo modo como suplemento da alma do Governo, ou como criador de «marketing político» (que se nota no estilo do respectivo capítulo do Programa) do que como um autêntico Ministério com dignidade e peso comparável aos restantes - torna-se ainda mais nítida quando verificamos que, enquanto no anterior governo o departamento da cultura havia sido um dos paladinos do bom senso contra os atentados lesa-património cultural e artístico levados a efeito ou tratados sob a orientação, por exemplo, do Sr. Engenheiro Nuno Abecasis, é hoje um dos íntimos colaboradores do presidente da Câmara de Lisboa que se senta na cadeira de Secretário de Estado ... da Cultura. A presença do Dr. Gomes de Pinho (apoiante das obras do Castelo de São Jorge, dos projectos das torres do Tejo ou as de Benfica, do luna parque, etc., etc.) e o afastamento do Dr. Brás Teixeira não são, deste modo, de bom augúrio. E se dúvidas existem leia-se o depoimento repassado de frustração do Secretário de Estado cessante num quinzenário cultural ontem mesmo saído a lume ...
Não desejaremos, porém, trazer aqui nenhuma série de ataques ad hominem, razão pela qual nos limitaremos a aguardar serenamente a acção de alguém, como o Dr. Gomes de Pinho, que tem um passado que merece as nossas maiores reservas na área de que se vai ocupar... Daí a nossa particular atenção.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Perante tudo isto fica-nos a dúvida essencial sobre o que significa a «procura do consenso cultural» proposto pelo Governo, ou sobre o que se entende por «melhor identificação de uma imagem e de uma personalidade culturais portuguesas», ou sobre o que seja a cultura como um «bem soberano por excelência». A memória, a sensibilidade e a inteligência definem, deste modo, neste programa um triângulo um pouco diáfano e esfumado que domina um texto ambicioso - temos de o reconhecer - que o Governo aqui apresenta, o qual, porém, não possui uma coerência intrínseca que nos permita colhermos à partida uma imagem nítida da necessária orientação.
A ausência de uma filosofia de conjunto harmónica e coerente projecta-se, aliás, de modo mais claro no programa cultural, onde se propõe desde «comemorar os acontecimentos mais relevantes da nossa história» a «organizar, em colaboração com os órgãos de comunicação social do Estado, o funcionamento de um verdadeiro direito de antena da actividade cultural» ... Isto passando pelo guia cultural do País ou pelo passe cultural...
Só que todos sabemos o que tem sido o funcionamento dos critérios de pluralismo em alguns órgãos de informação públicos (e neste ponto remeteria para o que aqui foi dito pelo meu colega da bancada da Frente Republicana e Socialista, deputado António Reis), do mesmo modo que sabemos que o guia cultural do País não é possível sem inventário artístico, histórico e patrimonial, que, como se sabe, não existe senão em pequeníssima parte ... Talvez pudesse ficar a comemoração dos acontecimentos mais relevantes da nossa história... Resta saber como? Para quê? Com quem?
Felizmente que a cultura portuguesa não espera por ministérios ou por burocracias. Continua a criar livremente, apesar de tudo e se necessário contra tudo... Ela ficará e nós passaremos... Daí que não valha a pena dramatizarmos, até porque como disse Camões:
Casos, opiniões, natureza e uso
Fazem que nos pareça desta vida
Que não há nela mais que o que parece
Talvez valha a pena então a «psicanálise mítica e crítica» que continuamos a adiar, recusando-nos... Decerto, porém, de nada valerá continuarmos a discutir o acessório ou a repetir incessantemente os lugares-comuns ou palavras ocas, apenas para queimar o tempo cronometrado que quiçá estejamos perdendo, se não soubermos ter da democracia e da vida democrática a perspectiva mais prática e essencial de procurarmos resolver aã questões em vez de as levantar falsas e ilusórias. Alexandre O'Neil falou em «Portugal - meu remorso de todos nós» ... Mas haverá remorso? ... Ou apenas má consciência?
A prova está por fazer. Não façamos juízos precipitados. Por isso se justifica a nossa melhor atenção para o que se irá passar.
Aplausos da ASDI, do PS, da UEDS e ao MDP/CDE.
Durante esta intervenção, reassumiu a presidência o Sr. Presidente Leonardo Ribeiro de Almeida.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Natália Correia.
A Sr.ª Natália Correia (PSD): -Sr. Presidente, será antes uma pergunta.
Sr. Deputado Oliveira Martins, vejo com agrado que a promoção da cultura a Ministério é a vedeta deste governo. E ainda bem que assim acontece. É que finalmente há um governo que tem como vedeta uma senhora tão formosa!
Contudo, não compreendo que se interprete a promoção da cultura a Ministério como consequência de uma situação conjuntural. Aliás, mesmo que compreenda, pergunto: a cultura vale ou não vale por si, seja qual for a determinante que a promove? É isto o que está em causa e é nesta perspectiva que se têm de concentrar as nossas exigências culturais. Tê-las-emos, com certeza.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Oliveira Martins.
O Sr. Oliveira Martins (ASDI): - Sr. Presidente, serei extremamente breve. Queria apenas corroborar inteiramente a afirmação da Sr.ª Deputada Natália Correia com a qual, naturalmente, estou de acordo.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Se falei no problema da elevação da cultura a Ministério não foi para pôr em causa esse facto que, só por si, é positivo. Foi apenas para manifestar uma preocupação, ...
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A Sr.ª Natália Correia (PSD): - Aliás, legítima!
O Orador: -... que é legítima, preocupação essa que naturalmente, como expressei no final da minha intervenção, é sobretudo positiva e olha essencialmente o futuro e as obras feitas.
A Sr.ª Natália Correia (PSD): -Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.
O Sr. Luís Coimbra (PPM):- É para falar sobre cultura?!!
O Sr. Mário Tomé (UDP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo. Sem falar propriamente de cultura, talvez eu consiga que alguém chegue à conclusão de que falar de cultura não é falar de qualquer cultura, nem ela própria, vale de qualquer maneira, para além da determinante que a promove.
Vozes do CDS - Olhe que não!
O Orador - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo. Na sua intervenção de resposta às questões colocadas pelos partidos, o Sr. Primeiro-Ministro não respondeu a unia única das perguntas feitas pela UDP. A sua intervenção foi palavreado oco, feita para enganar, e não para responder.
Uma voz do PSD: -Que é isso de palavreado?!!
O Orador: - O que dá bem a ideia da inutilidade deste debate, nesta Assembleia cada vez mais transformada em, objecto de adorno de que o povo nada de bom tem visto. Aos trabalhadores, mais que as palavras, interessam os actos do governo AD. É por esses que deve responder o Sr. Primeiro-Ministro.
Vamos, pois, ao que interessa.
O Governo coloca como grande prioridade, a revisão da Constituição. Uma das suas primeiras, preocupações foi propor prazos mais rápidos, indo ao ponto de apontar o 25 de Abril de 1982 para á entrada em vigor da Constituição reaccionária que quer ver aprovada - o que, na realidade, é uma provocação ao 25 de Abril e ao povo português.
O Governo e a AD falam da actual Constituição como se ela fosse a responsável por todos os males do nosso povo.. Mas qual é a realidade que se esconde por detrás do palavreado do Sr. Primeiro-Ministro?
É que os grandes capitalistas querem os bancos, os seguros e os sectores básicos da economia, mas a Constituição não lho permite. A Constituição defende muitos importantes direitos dos trabalhadores, mas os capitalistas, querem passar a ter o direito de usar o, chicote e a vergasta para obrigarem os trabalhadores a trabalhar mais horas, transformar o trabalho num inferno, acabar com as greves, despedir à vontade e em massa.
Os grandes agrários capitalistas querem a grande maioria da terra nas suas mãos, à custa da destruição da Reforma Agrária e da desgraça dos pequenos e médios agricultores, mas a Constituição não lho permite.
A AD quer a concentração do poder político nas suas mãos, colocar bem a pata sobre as forças armadas para as lançar contra o povo, mas a Constituição coloca-lhe; algumas dificuldades.
Não é uma revisão em nome dos interesses do povo. É uma revisão em nome dos interesses do lucro dos grandes capitalistas. É este o real significado da «saga» de que o Sr. Primeiro-Ministro fala, isto é, uma autêntica chaga para os trabalhadores.
Ponto assente: o lucro máximo para os capitalistas, eis a divisa da AD e do seu governo. Para os trabalhadores mais desemprego, menos salário, mais horas de trabalho, mais repressão, menos direitos. Mas diz-nos o Governo: descansem que é para vosso bem. Quando os capitalistas tiverem enchido bem os bolsos, então sempre cairão, algumas migalhas para os trabalhadores. É para isto que a AD quer a revisão da Constituição.
Toda a governação AD tem. sido contra a Constituição. É o paradoxo desta República, cada vez mais das bananas: a AD, que não respeita minimamente a lei, proclama-se o arauto da legalidade! No entanto, é caso para dizer: quem está a mais é á AD, e não a Constituição.
Mas a AD, para rever a Constituição, tem de contar com o PS e com o PCP. Também eles estão de acordo com a revisão e dispostos a negociá-la com os inimigos da Constituição. Com bonitas palavras, dizem: defendemos a Constituição. Mas, logo a seguir, encontram-se os três à esquina para rever a Constituição contra os trabalhadores e o 25 de Abril.
Para a UDP só pode haver uma atitude face à Constituição: defendê-la. E hoje defender a Constituição é lutar pela sua aplicação e contra a sua revisão, seja ela qual for. Não porque pensemos que é a Constituição ideal, mas porque consagra conquistas e direitos fundamentais dos trabalhadores e coloca reais obstáculos à reconstituição dos monopólios e .dos latifúndios.
Mas, se a Assembleia da República renega a defesa da Constituição, então serão os democratas, os antifascistas, os trabalhadores deste país a tomar essa defesa nas suas mãos. E aqueles que aqui levantam a pesada pedra da revisão para a lançar contra os trabalhadores tenham cuidado que pode ser que ela caia em cima da sua própria cabeça. Pela nossa parte, não nos pouparemos a esforços para que isso aconteça. Este governo propõe-se recuperar e desenvolver a economia. Convenhamos que, como slogan, não está mal. Mas, também aqui, deixemos as palavras e vamos ao concreto. Já no anterior governo, Pinto Balsemão prometeu mundos e fundos, fixou metas mirabolantes. Passados poucos meses, foi obrigado a desdizer-se completamente. Hoje, para dar à ideia de que agora é que vai, coloca, o Sr. João Salgueiro à frente da economia, envolve-o numa auréola quase lendária, e manda para casa o Sr. Morais Leitão, porque, segundo a OCDE, caiu na asneira de ser demasiado optimista.
A Sr.ª Natália Correia (PSD) - Já gosta do Morais Leitão?!
O Orador: - Toda a política económica do Governo se pode reduzir a três letras: FMI - Fundo Monetário Internacional. Por que não explica o Governo quem é este sinistro personagem que há vários anos
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nos entra pela casa adentro para a pilhar? Pois, já que o Governo o não diz, nós não podemos escondê-lo aos trabalhadores: O FMI é um organismo dos monopólios e do imperialismo, criado para salvar as burguesias em apuros. Foi para isso que Mário Soares o chamou quando foi governo. É para isso que Pinto Balsemão o chama hoje. Em troca do empréstimo de centenas de milhões de contos para salvar a burguesia portuguesa, o FMI faz-se pagar bem. Mas quem paga é o povo.
O FMI exige, antes de mais, ser ele a ditar a política que vai ser seguida no nosso país. Ao Governo deixa a tarefa de envolver essa política sangrenta em bonito papel de celofane para melhor enganar o povo. Ao Governo deixa o papel de carrasco dos trabalhadores para a aplicar. Pêlos vistos, o Sr. Deputado Nascimento Rodrigues, anterior Ministro do Trabalho, não quis ser carrasco - preferiu ser apenas ajudante.
Risos do PSD e do CDS.
Dirão alguns que o deputado Mário Tomé está a exagerar. Vejamos então o que exige o FMI:
Uma voz do PSD: - Quem é que pensa uma coisa dessas?!
O Orador - Exige que seja revista a lei dos despedimentos para que os patrões possam despedir ainda mais - e «com justa causa», acrescenta o Sr. Ministro do Trabalho Queirós Martins; exige que seja revista a lei da greve e permitido o lock out para poder usar contra os trabalhadores todos os meios repressivos, se ousarem defender os seus interesses; exige que seja revisto o regime de férias, faltas e feriados para impor novas horas de trabalho, despedir à vontade e fazer imperar o terror nas empresas; exige que seja revista a legislação sobre as comissões de trabalhadores e associações sindicais para impedir os trabalhadores de organizarem a sua defesa, despedir os delegados sindicais, impor a lei da rolha; exige que seja travado o ritmo de crescimento da economia e decretados novos aumentos de preços dos bens essenciais para que seja o povo a pagar; exige as melhores condições para que os capitalistas estrangeiros possam explorar a nossa mão-de-obra barata, poluir o País, saquear as nossas riquezas.
São estas algumas das exigências do FMI. Mas o Governo recebe-o de braços abertos, nem que para isso tenha de vender o País, hipotecar a nossa independência. Estamos de acordo com o Sr. Ministro João Salgueiro quando diz que «viver a crédito é perder a independência ... É isso que faz o Governo, seguindo a já velha tradição da burguesia portuguesa, que sempre foi dependente e nunca teve um projecto próprio. É assim a burguesia: para sobreviver não tem pátria -vende-se; não tem rosto- mascara-se. O lucro máximo é a sua lei máxima: quando não o pode ter democraticamente, então reprime, «institucionaliza a violência», como disse há bocado um Sr. Deputado do PSD - e é por aqui que, passo a passo, se chega ao fascismo.
Até há pouco tempo a AD e o seu governo proclamavam: CEE à vista! Mais um pouco e teremos os nossos problemas resolvidos. Falavam então no início de 1983.
Agora dizem: vai levar mais tempo, há que preparar as condições para a entrada no Mercado Comum. À primeira vista parece razoável. Mas que se passa de facto? Passa-se que os industriais têxteis começaram a bater o pé e agora é a CIP, o estado-maior dos grandes tubarões, que bate o pé. E o Governo, então, obedece à voz do dono e apressa-se a enviar o Sr. Cruz Vilaça para falar com a CIP para lhe garantir: estamos às ordens!
Mas por que não coloca o Governo à discussão pública esta questão? Porque teme que o povo compreenda que a nossa entrada na CEE significa mais miséria e dependência para os trabalhadores e o País.
Vamos mais longe: que o Governo coloque publicamente o conteúdo dos acordos que pretende celebrar com o FMI e faça distribuir publicamente as actas das conversações.
Com a política económica deste governo vão-se agravar como nunca as condições de vida dos trabalhadores e do povo: vão diminuir os salários reais, vai aumentar o custo de vida, vão aumentar os despedimentos e o desemprego, vão aumentar os preços dos factores de produção para a agricultura. Em suma: o povo e o País vão continuar a andar para trás.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: A profunda crise que atravessa o nosso país é consequência da política antipopular dos vários (des)governos que até aqui tivemos e é igualmente o preço que estamos a pagar pela submissão do País ao imperialismo, também ele em profunda crise. Não é uma crise de superfície ou conjuntural. É uma crise profunda. Quando parece que chegou a sua recuperação, aí está ela de novo ainda mais grave. Os governos sucedem-se, mas a crise continua. Os grandes teóricos da economia burguesa fazem previsões que falham, propõem soluções que nada solucionam e tudo complicam.
Mas a UDP afirma: existe uma solução. Ela não passa pelo FMI nem pela CEE: passa pelos trabalhadores portugueses, passa pelo nosso país. A UDP tem um programa de ataque às raízes da crise, capaz de promover o desenvolvimento, a justiça social e o bem-estar e assente na defesa da Constituição e das liberdades, em medidas de democratização efectiva da vida nacional e na abertura de um verdadeiro caminho de independência nacional.
Este programa propõe, entre outras, as seguintes medidas: redução drástica das despesas com as forças militares e policiais e com a burocracia estatal, nomeadamente recusando aos deputados e altos funcionários estatais os escandalosos privilégios actualmente aprovados; lançamento de impostos fortemente progressivos sobre as grandes fortunas, impedir a fuga aos impostos por parte dos grandes capitalistas e agrários para aplicação das medidas de justiça social e libertar os trabalhadores da carga dos impostos, além de se não pagarem as indemnizações aos grandes capitalistas; congelamento dos preços dos géneros de primeira necessidade, reprimindo os especuladores, açambarcadores e intermediários parasitas; actualização do salário mínimo e das pensões, recusando o sistema de prémios e a generalização do subsídio de desemprego; proibição e anulação dos despedimentos colectivos, proibição dos contratos a prazo e passagem a efectivos dos contratados, combate ao desemprego através da redução do horário de tra-
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balho e de programas de desenvolvimento local e regional; medidas de emergência que respondam à situação de calamidade na agricultura, medidas essas: que apontaremos amanhã aqui, como já lá fizemos fora; aproveitamento integral dos recursos nacionais, dinamizando. o sector nacionalizado, ao serviço do povo, impedindo a sua entrega total ou parcial aos capitalistas; orientar a produção para satisfazer, as necessidades internas do País; tomar medidas fiscais e financeiras. adequadas para salvar da ruína as, pequenas empresas e impedir a ruína de sectores fundamentais da economia, vítimas da concorrência do grande capital e dos monopólios estrangeiros.
São estas algumas das medidas que a UDP propõe como solução para a crise.
O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Já chega!
O Orador: - Por esta solução vai lutar juntamente com os trabalhadores. Da AD nada de bom há a esperar. Contra ela os trabalhadores lutarão cada vez mais por um país próspero, livre e independente. Lá estaremos.
O Sr. Presidente: -Sr. Deputado Mário Tomé, na intervenção que V. Ex.ª acabou de fazer não só consumiu todo o tempo que estava pré visto para hoje, como consumiu também quatro minutos, que, segundo o estabelecido, serão descontados no seu tempo de amanhã.
O Sr. Mário Tomé (UDP): - Muito obrigado, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Natália Correia.
A Sr.ª Natália Correia (PSD): - Sr; Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados:
Fixo-me numa antinomia que me é sugerida pelo Programa de um Governo ,que, tendo, bem haja!, como ponto mais alto a proposta cultural, não esconde os apertos económicos com que irá confrontar-se. Essa antinomia é: o verbo e a verba.
Explico-me.
A solução da crise reclama que sejam pedidos sacrifícios aos Portugueses. Mas essas privações terão de ser justificadas pela causa nacional que encontra a sua expressão mais íntegra e perfeita, na cultura.
Surge esta, assim, como um pólo de grande relevo na acção governamental. A cultura como persuasora dos fins nacionais de medidas, penosas que, sem essa superioridade de objectivos, serão motivo de desânimo moral e de enervamentos sociais.
Vozes do PSD:_- Muito bem!
A Oradora:-• Para apaziguar tais tensões, não perdeu viço a lição de Hesíodo, segundo a qual os governantes se faziam acompanhar das musas que lhes inspiravam a palavra persuasiva; só ela capaz de, restabelecer, a paz social. É esta palavra - geradora de, harmonia que deve constituir o atractivo preponderante de um governo cuja árdua tarefa económica não dispensa, o apelo a uma espinhosa austeridade.
Mas - eis a antinomia - não esqueçamos a velha contraposição entre o verbo e a verba, recordando, que, na lógica, moderna da álgida razão do número, sempre os decretos orçamentais logram sobrepor-se à palavra. E logo cabe recear o seguinte: louvavelmente foi o sector cultural do Governo elevado a Ministério. Mas, se as consequências deste progresso forem meramente estruturais, privadas de dotação que viabilize, o duplo alcance cultural da iniciativa, teme-se que o Ministério da Cultura :e Coordenação Científica fique convertido numa gaiola dourada para o seu titular. Tal injustiça não poderá ser feita aos projectos que com agrado vemos consignados, no programa cultural deste Executivo.
Começo por louvar a sua filosofia que subentende o princípio inalienável de que a cultura é feita por todos, sendo-lhe repulsiva a discriminação tanto quanto lhe é congénito o alor libertário.
Regista-se com agrado a programada desburocratização da cultura, considerando que a burocracia é inimiga letal da imaginação e esta é o sopro que anima a cultura.
Uma voz do CDS: - Muito bem!
A Oradora: -Também nos anima a criação de uma linha de crédito para investigamentos culturais e científicos.
Igualmente aplaudimos o melhoramento da informação cultural que, .sobretudo no sector do património, se vem tornando calamitosa ao ponto de certos museus negarem acesso a peças para a sua divulgação! cultural. Disto dou testemunho.
Finalmente, a criação de um estatuto dos trabalhos artístico e científico e, sobretudo, de um regime da segurança social da actividade criadora, projecto este que estava a ser elaborado pelo PSD, dão uma resposta satisfatória à óptica cultural da social-democracia em que incisivamente nos situamos sem contemplações para com equívocos que possam turvar, esta imagem.
Vozes do PSD: -Muito bem!
A Oradora:-Estes desígnios alentam-nos a acreditar na determinação do titular da pasta, cujo brilhante perfil intelectual nisso o compromete, em recusar a velha cirurgia castradora da verba que corta as asas ao verbo.
Porque - e agora dirijo-me ao Primeiro-Ministro, que com verdade realçou estarmos nós na retaguarda económica da Europa - porque, dizia eu, se tal atraso nos. é pertinaz pecha mesmo quando senhores do ouro e da pimenta já a corda do défice nos apertava a garganta, seja ao menos de vanguarda a nossa integração no espaço cultural europeu.
Para isso não faltam valores num país que sempre mais primou pela radiante excelência do verbo do que pela atilada mas iria gestão da verba.
Aplausos do PSD, do PS, do CDS, do PPM, da ASDI e da UEDS.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra O Sr. Deputado João Morgado.
Q Sr. João Morgado (CDS): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Deputados: A actuação da
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Administração Pública em Portugal encontra-se de há muito carecida de profundas reformas.
Disso se fizeram eco os programas dos dois últimos governos constitucionais e disso se fez eco também o programa ora em debate.
De estranhar seria que tal não tivesse acontecido: todavia, da leitura dos textos do Programa do VIII Governo Constitucional ressalta a forte vontade política do Executivo no sentido de atingir gradualmente os objectivos prosseguidos, sendo de realçar que, também nesta área, foram definidas acções prioritárias a desenvolver e metas prioritárias a atingir.
É evidente que tais acções vão repercutir-se praticamente no seio de todos os ministérios, secretarias de estado e organismos dependentes, por via indirecta na própria administração autárquica.
Daí a importância que revestem os trabalhos a realizar e a coragem revelada pelo Executivo ao meter-lhes ombros, com a amplitude e profundidade que vem referida, aliás na sequência da acção desenvolvida pêlos VI e VII Governos Constitucionais.
Diga-se desde já, no entanto, que o horizonte da reforma, global e integrada da Administração Pública não se situa no curto ou médio prazo, antes surge no longo prazo de vinte ou trinta anos, devendo abranger, para além da administração central e locai, outras áreas em que o Estado presta serviço aos particulares.
Todo o cidadão português tem sido mais ou menos corroído, desde o nascimento à morte, pela ferrugem que emperra a intrincada máquina administrativa do Estado.
O Sr. César de Oliveira (UEDS): - Essa frase é conhecida!
O Orador: - São conhecidas as peias burocráticas de toda a ordem que rodeiam, condicionam, retardam e por vezes impedem a prática de actos em que são partes o Estado e os particulares.
É público e notório o sentimento de subordinação, de humildade, quando não de subserviência, que a generalidade dos utentes dos serviços públicos exibe nos seus contactos com os funcionários administrativos, sentimento esse em grande parte determinado pelo receio infundado de que o agente acrescente aos incómodos previstos outros incómodos suplementares a que sujeitará o cidadão.
E por de mais evidente a desnecessidade de certas formalidades que leis obsoletas ainda prescrevem.
Ninguém ignora que os particulares perdem por ano milhares de horas de trabalho em bichas intermináveis para cumprir as obrigações administrativas que o Estado lhes impõe ou para se munirem de uma simples licença que os habilite à realização de trabalho de interesse económico, social e outros que por vezes ultrapassam a esfera própria do utente.
Todos conhecemos as dificuldades e até os encargos que os cidadãos pouco instruídos deste país, e são a maioria, têm de satisfazer para conseguir o preenchimento de um simples impresso, a formulação de um requerimento escrito, nos quais por vezes não vislumbram a mínima utilidade.
Sofrem, pois, os cidadãos profundo desgaste no seu relacionamento com a administração central e local.
Todavia, e não obstante os factos apontados serem do conhecimento geral, não tem beneficiado de alterações sensíveis o status quo do funcionamento dos serviços públicos, de modo a aliviar progressivamente a carga administrativa que pesa sobre o cidadão, quantas vezes já derreado sob o peso dos seus próprios problemas e do seu trabalho quotidiano.
Por outro lado, são por de mais conhecidas as condições em que os funcionários públicos são obrigados a desenvolver o seu trabalho.
Abundam por esse país as repartições públicas instaladas em autênticos pardieiros, equipadoas com móveis desconjuntados e localizadas em sítios impróprios.
O Estatuto da Função Pública é uma velha manta de retalhos, cuja primeira peça, parcialmente em vigor, é uma lei de 1913, é sobre a qual se foram amontoando sucessivos diplomas, cada um deles contemplando matéria nova ou revogando parcialmente os anteriores.
Só 20 % das dotações orçamentais para a Administração Pública se destinam à aquisição do material, já que os restantes 80%, num montante de 140 milhões de contos, são absorvidos pêlos vencimentos e outros abonos pagos ao pessoal.
E é este, em linhas muito gerais, o quadro actual da Administração Pública em Portugal.
Vei o VIII Governo Constitucional, como se disse, meter ombros à ingente e delicada tarefa de o reformar, continuando e aproveitando os trabalhos realizados pêlos dois executivos que o precederam.
Propõe-se fazê-lo pela forma que enuncia no n.° 2 do capítulo 1.° do Programa.
Entretanto, na óptica do meu partido, a reforma não poderá deixar de contemplar, no desenvolvimento do que vem enunciado com carácter prioritário, alguns aspectos muito concretos, com vista à dignificação da função pública, à racionalização de efectivos, ao rejuvenescimento e compressão dos quadros de pessoal, à desburocratização e à descentralização administrativas.
Sem pretender ser exaustivo, dada a exiguidade de tempo de que disponho, não poderei deixar de referir que a dignificação da função pública terá de passar necessariamente, além do mais, pela organização da lei de bases da função pública, onde sejam recolhidas e sistematizadas matérias contidas nos vários diplomas em vigor e onde seja definido o regime de matérias actualmente despidas de regulamentação capaz, como seja o regime de férias, faltas e licenças de pessoal e o controle da situação de doença, tantas vezes invocada por absentistas cobertas do tradicional atestado médico.
Haverá também essa dignificação que ter em conta o restabelecimento da obrigatoriedade de concursos de provas práticas para recrutamento e promoção de funcionários, a responsabilização de chefias dotadas de autoridade e a regulamentação do exercício dos direitos sindicais e do direito à greve.
A par de tais medidas de ordem legislativa, carecem alguns sectores da Administração Pública, particularmente no interior do País, de instalações funcionais e condições sem luxos desnecessários, mas com condições mínimas de espaço e equipamento para acomodação de público utente e do pessoal ali em serviço.
Para a racionalização dos efectivos haverá de ter em conta que é extremamente excessivo o número de 400 000 agentes que actualmente trabalham na administração central e local. Tal efectivo evidencia que
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em cada dez trabalhadores portugueses um é funcionário público.
Haverá, pois, que detectar as áreas excedentárias e criar uma reserva pessoal a deslocar para áreas que eventualmente venham a revelar-se carecidas.
Terá de ser eliminada a macrocefalia do distrito de Lisboa, onde trabalham um em cada três agentes da administração. O rejuvenescimento e a compressão dos quadros do pessoal poderá ser obtida, através do, abaixamento geral e progressivo da idade de aposentação, seguida da eliminação de lugares excedentários dos titulares aposentados.
Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Deputados: A próxima adesão de Portugal à Comunidade Económica Europeia e o incremento que vai sofrer o, processo de regionalização do País não se compadecem com a manutenção por mais tempo dos padrões actuais da nossa Administração Pública. A reforma administrativa deve, pois, ser. implementada. O CDS dá o seu inteiro apoio às medidas programadas, pelo VIII Governo Constitucional nesta matéria, desejaria que tais medidas fossem completadas, dentro das possibilidades orçamentais, com as medidas que propõe e está certo de que umas e outras contribuirão decisivamente para a realização do grande objectivo que o Executivo pretende atingir - a construção de um Portugal diferente.
Aplausos do CDS, do PSD e do PPM.
A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Na função pública também há enxames de parasitas?!.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Azevedo Gomes.
O Sr. Azevedo Gomes (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro e Srs. Ministros: Continuam a arder em proporções gigantescas ás matas do País produtoras de lenho e de resina.
De factor ecológico de ocorrência normal, o fogo na floresta passou a constituir, após a Revolução de Abril, um factor de catástrofe nacional criminosamente manejado por agentes ao serviço de grandes interesses económicos e, porventura, de forças políticas visceralmente, antidemocráticas e, assim, interessadas em criar dificuldades de toda a espécie à nossa ainda jovem democracia pluralista.
Vozes do PS - Muito bem!
O Orador: - Não contabilizando o período de tempo em que os socialistas estiveram no Poder, as matas das Regiões Centro e Norte ardem desde 1974 à razão de uns 50 000 ha/ano, isto é, a um ritmo cinco vezes superior ao verificado, por exemplo, no período de 1968-1973: 10 000 ha para 50 000 ha, eis a diferença!
Não obstante a grande catástrofe de 1975, medida pela devastação de mais de 80 000 ha do nosso património florestal, os socialistas foram capazes de conter os incêndios a níveis próximos da normalidade, e, assim, durante a respectiva presença no Executivo, a média anual não superou os 16 000 ha. Estabilização política, pacificação social, recriação da esperança e da credibilidade na democracia, recuperação económica, acompanhadas de medidas contra a saída
para o estrangeiro de grandes partidas de madeira redonda, foram, sem dúvida, razões principais do sucesso com que os socialistas se houveram a propósito.
Em confronto, o que têm oferecido ao País nesta matéria a AD e seus governos a não ser o deixar correr o marfim em benefício de grandes interesses económicos com fortes raízes no estrangeiro e do negócio sem escrúpulos, limitando-se a falar na defesa contra os incêndios florestais e a conceder certos estímulos aos bombeiros, que pelo território fora correm atrás do fogo posto e lutam denodadamente pela sua extinção?
E, entretanto, vão saindo continuamente pelas fronteiras do País partidas imensas de madeira redonda, vendida pêlos negociantes ao estrangeiro a preços bem mais interessantes do que os praticados pela nossa indústria, muito embora compradas à lavoura a preços reduzidos. Seria bem melhor que o Governo informasse os Portugueses deste facto e lhe pusesse cobro, em vez de ir à televisão um director-geral dizer ao País que os negociantes de madeira nada têm a ver com a calamidade que desabou sobre um dos nossos recursos mais valiosos...
Vozes do PS - Muito bem!
O Orador: - ... como seria igualmente muito esclarecedor se fôssemos informados sobre a percentagem do total da pasta produzida em Espanha que é laborada à custa da nossa matéria-prima.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Por outro lado, criaram-se com os fogos as condições desejadas pelas indústrias de celulose consumidoras de lenho de eucalipto com vista ao cumprimento dos seus programas de instalação de eucaliptais em centenas de milhares de hectares nas faixas litoral e média das Regiões Centro e Norte: está já aberto o caminho, ali mesmo onde era mais apetecido, à criação de tais povoamentos industriais, destinados exclusivamente a produzir rolaria para as celuloses.
Acresce que a devastação do pinhal bravo pelo fogo serve também a ideia desastrosa, que já anda subtilmente a germinar, de transformar o nosso património florestal, quanto possível num produtor de rolaria para as celuloses, visando obter pasta para uma Europa desenvolvida, dela muito carenciada, e cujos países não estão dispostos, nem muito nem pouco, a sacrificar as suas florestas à produção exclusiva ou principal de material lenhoso de baixo valor, como é a rolaria para tais indústrias, à custa da produção de madeira valiosa para as utilizações nobres, da criação de bens associados e da prestação dos numerosos e importantíssimos serviços prestados pelas florestas às respectivas populações.
O Sr. Manuel Alegre (PS): - Muito bem!
O Orador: - Não se viu nos programas dos anteriores governos AD nem na sua prática, como se não enxerga no programa em discussão, qualquer disposição efectiva de resolver estes problemas de fundo que o País enfrenta. É assim lícita a dúvida sobre
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se os governos da AD podem ou não podem fugir a uma actuação que satisfaça uma clientela sem rosto, sem credo e sem balizas.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Como se já não bastassem os incêndios, contribui ainda para comprometer o futuro a comprovada incompetência dos governos da AD no âmbito do fomento da arborização nos terrenos marginais e submarginais para a cultura agrícola, isto é, da expansão do património florestal ali onde se justifica ou impõe com carácter de necessidade urgente.
Apesar de os socialistas haverem traçado as directrizes e criado condições para a concretização de vastos programas anuais de uma florestação devidamente planeada, os governos da AD deram-se ao luxo de as desbaratar. Em consequência, foi perdida a aceleração imprimida pêlos socialistas, ao duplicarem a execução anual levada a cabo pêlos serviços específicos do Estado entre 1970 e 1973, ou ao triplicarem a correspondente ao período de 1974-1976. Em 1980, ou melhor na época de florestação de Junho de 1980 a Junho de 1981, os governos AD voltaram ao ritmo do antigamente: e, por muito paradoxal que pareça, já entrou em vigor o contrato com o Banco Mundial, de resto de iniciativa socialista, para a concretização de um amplo quinquenal de florestação.
No âmbito florestal a incompetência dos governos da AD tem sido flagrante, não nos dando o programa em discussão qualquer garantia de mudança. Ao governo que agora se apresenta à prova parlamentar pergunto:
Que medidas vai tomar para acabar com as causas reais dos actuais incêndios florestais de origem criminosa?
Que política de florestação assume e que medidas irá tomar para a levar à prática?
Qual o sentido da promessa feita pelo Sr. Primeiro-Ministro na apresentação do Programa de que o Governo irá proceder à regulamentação do arrendamento florestal?
Aplausos do PS, da ASDI e da UEDS.
O Sr. Presidente: - Inscreveram-se para solicitar esclarecimentos ao orador que acabou de intervir os Srs. Deputados Borges de Carvalho, Mário Lopes, Narana Coissoró e Sousa Tavares.
Tem a palavra o Sr. Deputado Borges de Carvalho.
O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Sr. Deputado Azevedo Gomes, obviamente que nos associamos às inquietações expressas por V. Exa. quanto aos incêndios que têm devastado vastas áreas do País.
Infelizmente, não temos tempo para neste debate fazermos uma intervenção profunda sobre este assunto e que a intervenção de V. Exa. merecia como resposta, mas devemos confessar que, na generalidade, a doutrina exposta por V. Exa. merece da nossa parte a mais radical das oposições.
Os incêndios deste ano, cabe-me recordar, foram, em parte, causados por intuitos criminosos. No entanto, os dados de que dispomos, que são aqueles que a Polícia Judiciária fornece, levam-nos a crer que os incêndios de origem criminosa não terão sido mais do que 10 %-11 % do total dos incêndios verificados.
Colocava de seguida uma pergunta a V. Exa. será que os incêndios e a sua intensidade têm realmente origem nessa enorme cabala de que se fala ou se verificam, embora existindo esses intuitos criminosos, porque o ordenamento florestal do País a isso conduz inevitavelmente?
De facto, pelo País fora existem culturas estremes e intensivas de resinosas, que em climas mediterrânicos ardem pela simples razão de que têm de arder e que, inevitavelmente, ardem em anos secos e, ainda por cima, se encontram feitas ininterruptamente por hectares e hectares. Não pensa V. Exa. que a razão fundamental da enorme quantidade de hectares ardidos está, precisamente, na maneira como essa florestação foi feita?
Não pensa também V. Exa. que seria legítimo, perante a sua argumentação de que no tempo dos governos socialistas não houve incêndios e agora há, nós podermos pensar que então são os socialistas que põem os incêndios porque estão na oposição?
Protestos do PS.
É evidente que não vou fazer esta consideração, è evidente que não está, nem de perto nem de longe, no meu espírito - e sosseguem-se as bancadas do Partido Socialista a esse respeito - fazer uma afirmação desse teor. Mas o Sr. Deputado Azevedo Gomes ignorou manifestamente as condições climatéricas que, felizmente, se verificaram nesse ano, assim como no ano de 1975.
Portanto, a questão fundamental em causa é a do ordenamento florestal. Nós conhecemos os planos florestais do PS, somos contra eles e agora não temos tempo para falar mais pormenorizadamente do assunto.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Mário Lopes.
O Sr. Mário Lopes (PSD): - Ouvi com muita atenção a intervenção do Sr. Deputado Azevedo Gomes e devo dizer que a sua preocupação é também a minha.
Não há dúvida nenhuma de que, se nós pensarmos em termos da Europa, veremos que a Europa é deficitária em madeira, que pode custar muitos milhões de unidades de conta.
Entretanto, o Sr. Deputado Azevedo Gomes fez uma afirmação com a qual não estou de acordo: que em 1975 tinham ardido, salvo erro, 88 000 ha de floresta. E disse logo a seguir que durante a vigência dos governos do Partido Socialista as áreas ardidas foram mais diminutas, atirando com um número - peço-lhe que me emende, se estiver errado - na casa dos 16000 ha.
Ora, isso não é uma realidade se atendermos a que em 1976 arderam 49 000 ha de floresta. Em 1980, durante a vigência do governo da Aliança Democrática, arderam 29 000 ha, não só de floresta, mas contando também com a parte de mato, que V. Exa. também terá de equacionar. Há muitas manchas de floresta que têm mato que ardeu juntamente com os resinosos.
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Não sou um defensor das celuloses, mas defendo a manufactura da madeira, pelo facto de podermos ficar com o valor acrescentado em Portugal. E pergunto, ao Sr. Deputado Azevedo Gomes, que foi Secretário de Estado das Florestas, o que fez para dinamização da indústria de serração de madeira, para a exportação das unidades que estavam já a ser formadas antes, do 25 de Abril e que foram paralisadas para o aproveitamento de partículas.
Posso fornecer-lhe números da Direcção-Geral dos Serviços Florestais, da qual V. Exa. é funcionário: em 1975 foram para a celulose 1430 st de madeira, em 1976 foram 1270 st e em 1977 foram 1400 st, enquanto para serração foram 2500 st em 1975, 2550 st em 1976 e 2600 st em 1977. Logicamente, parece-lhe que o fogo não é lançado na medida em que a madeira tenha o caminho das celuloses...
Gostava que o Sr. Deputado, objectivamente, me dissesse qual a razão por que faz a acusação de que a Aliança Democrática não fez a prevenção da defesa contra o fogo, quando V. Exa. sabe que no ano passado foi aprovada nesta Assembleia uma lei de defesa e protecção de fogos florestais que não foi posta em execução porque o Partido Comunista pediu a sua ratificação, que só foi feita este ano. É evidente que reconheço que há deficiências e há ,que haver conjugação dos vários ministérios relacionados com esse problema. Por conseguinte, já no tempo em que o Sr. Deputado foi Secretário de Estado das Florestas não houve nem continua a haver uma secretaria de Estado específica para a defesa da floresta, pelo que ela continuará arder.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.
O Sr. Narana Coissoró (CDS) - Sr. Deputado Azevedo Gomes, naturalmente que o CDS não deixa de compartilhar das suas preocupações quanto à vaga de incêndios que têm vindo a assolar o País desde há muitos anos.
Naturalmente que encaramos este problema, não como um problema partidário; mas como um problema de património nacional, aquele que, portanto, ultrapassa as fronteiras ideológicas dos partidos para todas as forças democráticas encontrarem uma solução para a preservação desta riqueza nacional.
Simplesmente, sucede que, ao indicar números, V. Exa., talvez por equívoco ou talvez para colocar o problema do património nacional, não no interesse
nacional, mas no interesse partidário, referiu mal os números das áreas incendiadas ou áreas queimadas durante a governação socialista.
Os meus colegas de bancada forneceram-me três números, que passo a referir, perguntando a V. Exa. se estarão certos ou se são os meus colegas que estarão equivocados.
Diz V. Exa. que durante a governação socialista a média dos incêndios de áreas queimadas foi de 16 000 ha, mas dizem os meus colegas que em 1976 arderam 20 709 ha, em 1977 12 360 ha e em 1978 68 165 ha, para não falar em 1979, em que baixou para 48 060 há.
Gostaria, pois, de perguntar ao Sr. Deputado Azevedo Gomes se, efectivamente, há um equívoco da nossa parte ou se haverá equívoco por parte de V. Exa.
O Sr. Presidente: - Há pouco pediram a palavra os Srs. Deputados António Campos e João Cravinho e perguntava para que efeito.
O Sr. António Campos (PS):- É para um protesto em relação às palavras há pouco proferidas pelo Sr. Deputado Borges de Carvalho.
O Sr. Presidente: - E o Sr. Deputado João Cravinho.
O Sr. João Cravinho (PS): - É para o mesmo efeito, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Nesse caso, os Srs. Deputados usarão da palavra, depois das respostas do Sr. Deputado Azevedo Gomes às perguntas que lhe foram formuladas. Tem a palavra o Sr. Deputado Sousa Tavares.
O Sr. Sousa Tavares (PSD): - Ouvi, como não podia deixar de ouvir - aliás, também tenho expresso a minha preocupação a esse respeito - com o maior interesse as palavras proferidas pelo Sr. Professor Azevedo Gomes, sobretudo as relativas aos incêndios das florestas.
Neste como noutros casos dá vida nacional as pedradas atiram-se de bancada em bancada sem que ninguém compreenda que a responsabilidade é colectiva e vem de trás.
Há muito tempo que se tem vindo a destruir e a desaparecer a guarda florestal; há muito tempo que tem vindo a ser destruído todo o trabalho de roçagagem dos matos; há muito tempo que a florestação do País é feita num sentido completamente errado, pois, em vez de se procurar reconstituir as florestas naturais intrínsicas ao País e que não são tão susceptíveis de incêndio, tem-se acentuado, sempre e só, a preocupação industrializante da florestação, através da plantação de coníferas, e através da plantação de eucaliptos.
Uma voz do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Portanto, parece-me um aproveitamento político é indevido trazer para aqui, no momento de discussão do programa de um governo nascente, o problema do incêndio das florestas que se tem vindo a acentuar com uma gravidade de que, infelizmente, só os jornais se fazem eco há, pelo menos, sete ou oito anos ou mais neste país. Parece-me um aproveitamento infeliz.
Devo dizer que em muitos casos considero que a política socialista dos anos de 1976, 1977 e 1978 merece da parte de nos portugueses, pelo menos da minha parte, alguns aspectos de gratidão. Sem dúvida que o reconheço alegremente, o que sempre farei com a imparcialidade que me caracteriza. Mas não é com certeza no domínio da política florestal nem em qualquer domínio da política agrícola.
Pelo contrário, lembro-me bem de ter sido com o governo socialista no Poder que tive de levantar o meu grito intenso em defesa da floresta portuguesa, que estava a ser destruída não só por incêndios, como
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também por outros motivos puramente de aproveitamento económico do momento.
Por isso, não me parece justo, de forma alguma, que o Sr. Professor Azevedo Gomes venha assacar à AD as responsabilidades que herdou e que com certeza tem, e a minha esperaça é que seja consciente delas e as procupre emendar para o futuro, o que até aqui nenhum governo da Revolução fez.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado do Gomes para responder.
O Sr. Presidente: - Tem a pá Azevedo Gomes para responder.
O Sr. Azevedo Gomes (PS): - Tenho para as perguntas que me foram feitas, que foram muitas e diversas, um tempo muito reduzido. Vou, pois, responder em globo àquilo que considero mais essencial.
Em primeiro lugar, a questão de querer atribuir o surto de fogo catastrófico que depois do 25 de Abril, e tirando os dois anos de governação socialista, tem atingido as nossas florestas a causas intrínsecas da própria floresta significaria que num ínfimo lapso de tempo a floresta portuguesa tinha mudado ou tinha mudado o clima.
E o caso é que antes do 25 de Abril a média era de 10 000 ha que ardiam por ano e depois do 25 de Abril, tirando os dois anos de governação socialista, essa média passou a andar à volta de 50 000 ha, ou seja cinco vezes mais. Não mudou a floresta, não mudou o clima.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - O número de 16 000 ha ardidos, em média, por ano para os dois anos de governação socialista está certo: foram 20000 ha em 1976 e 12 000 ha em 1977. A responsabilidade dos incêndios em 1978 já não cabe aos socialistas, que deixaram de ser governo em Junho desse ano.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): No tempo dos incêndios!
O Orador. - Quanto a saber se a floresta portuguesa está convenientemente estruturada e se não precisa de alterações profundas, devo dizer que a esse respeito tenho opiniões vincadas de que tem de haver grandes alterações, e o VIII Governo, se quiser, encontra nos arquivos do ex-MAP muitas directrizes - notas de serviço, por exemplo - para os serviços que me estavam adstritos, que demonstram bem qual a política florestal que os socialistas seguiram quando estiveram no governo.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador. - Por outro lado, a informação prestada pelo Sr. Deputado Mário Lopes de que sou funcionário dos serviços florestais não é exacta. Eu sou professor universitário.
Em relação ao Sr. Deputado Sousa Tavares: as questões que pus manisfestam preocupação, e fi-lo, acima de tudo, para chamar a atenção do Governo para a necessidade imperiosa de cortar rapidamente as causas principais que levam ao fogo posto. E vou adiantar um número - não tenho a certeza dele, mas talvez seja conveniente que o Governo o verifique: 20 % da pasta produzida em Espanha tem origem na matéria-prima que sai pelas nossas fronteiras. Ora, este número, a ser exacto, é preocupante.
O Sr. Deputado Sousa Tavares quis relacionar a minha intervenção com o que se passou em algumas propriedades do Sul do País quando os socialistas estiveram no governo e procuraram actuar no sentido de normalizar situações que estavam, de facto, a ser incorrectamente conduzidas.
Penso, assim ter respondido ao essencial das perguntas que me foram colocadas.
Aplausos do PS, da ASDI e da UEDS.
O Sr. Presidente: - Tem agora a palavra o Sr. Deputado António Campos para protestar.
O Sr. António Campos (PS): - Sou testemunha pessoal do que vou dizer porque nestas férias tive o cuidado de ir visitar a zona que mais ardeu em Portugal, tendo sido acompanhado por alguns comandantes dos bombeiros e até por um Sr. Deputado que também se encontra nesta Câmara.
Como sabem, o distrito a que pertenço - o distrito de Coimbra - é uma das maiores manchas florestais da Europa, tendo eu tido a possibilidade de ir de terra em terra com os comandantes dos bombeiros e falando com as pessoas, e é muito claro que a AD tem fortes culpas por incapacidade de actuar na questão dos incêndios. Por exemplo, em Arganil os serviços florestais tiveram, até ao final do mês de Agosto, um auto-tanque, com capacidade de 4000 l de água, parado por falta de pneus.
Durante este ano e o ano passado não se fez qualquer limpeza nas matas florestais. Por outro lado, a AD tem imensas responsabilidades em relação aos incêndios, porque não deixou passar nesta Câmara um diploma que possibilitaria, pelo menos uma grande diminuição dos incêndios criminosos. Falo do diploma que o Partido Comunista apresentou nesta Câmara - que nós apoiámos -, que possibilitava criarem-se parques para comercialização das madeidas ardidas, contra o qual a AD votou.
Ora, caros Srs. Deputados, é preciso que cada um assuma as suas responsabilidades.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Nós assumimos as nossas.
O Orador - Nós assumimos as responsabilidades dos erros que cometemos, mas os senhores têm que assumir a responsabilidade de o País estar a arder mais do que seria normal com um governo normal.
Aplausos do PS, da ASDI, da UEDS e do PCP.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Borges de Carvalho para contraprotestar.
O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Sr. Presidente, vou fazê-lo muito brevemente para não ocupar o meu tempo.
Queria dizer que nas primeiras palavras proferidas pelo Sr. Deputado António Campos está realmente a razão da minha inquietação, ou seja, quando o Sr. Deputado diz que no distrito de Coimbra existe
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uma das maiores manchas florestais da Europa. Creio que toda a minha dúvida e a pergunta que coloquei ao Sr. Deputado Azevedo Gomes se baseiam neste facto: o que é para nós grave é que no distrito de Coimbra haja uma das maiores manchas florestais da Europa!
Risos do PS, do PCP e da UEDS.
Quanto ao resto, eximo-me de responder, porque é muito natural que tenha havido um auto-tanque que não tinha pneus, tal como no tempo do governo do Partido Socialista também havia muitas coisas, que não corriam bem.
As medidas foram tomadas pelo governo da Aliança Democrática, etc., etc. Mas o tempo é curto e não valerá a pena responder a mais.
Risos do PS e do PCP.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr: Deputado Jorge Sampaio também para um protesto.
O Sr. Jorge Sampaio (PS): - Sr. Presidente, não uso da palavra para louvar a habilidade do Sr. Deputado Borges de Carvalho em matéria de florestação nem, evidentemente, a expectativa criada nesta Câmara quanto às futuras culturas na mancha de Coimbra até à fronteira do outro lado - esperamos ver projectos, do PPM relativamente à cultura de alface, por exemplo, que certamente será menos susceptível, de lhe ser pegado o fogo.
Risos do PS e do PCP.
...mas sim para protestar relativamente à intervenção do Sr. Deputado, que, além de ilustre deputado do PPM, é ecologista, jurista, presidente da Comissão, para a Revisão Constitucional e advogado, penso eu, que disse a esta Câmara, perante, o Sr. Ministro da Justiça, que de 10% a 11% dos incêndios são de origem criminosa.
Com base em que fundamentos, Sr. Deputado? Com informações da Polícia Judiciária? Em processos que estão em segredo de justiça? Em julgamentos sobre os incêndios que não foram efectuados; e cuja, origem se não sabe?
Aplausos do PS, da ASDI, da UEDS e do MDP/CDE.
Como é que é possível nesta Câmara dar uma informação deste tipo sobre matéria de tanta gravidade, em que estão em causa interesses e direitos dos mais fundamentais?
E por isso que faço o meu protesto, na esperança de que para a próxima se aguarde o desenrolar daquilo, que é a libertação da sociedade civil e do reformismo social, por onde necesariamente passará, não negando aquilo que é o caso julgado e só depois deste nos pronunciando.
Aplausos do PS, da ASDI, da UEDS, do MDP/ CDE e de alguns deputados do PCP.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Borges de Carvalho.
O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - A primeira parte, do protesto do Sr. Deputado Jorge Sampaio só vem confirmar os meus receios acerca da doutrina do Partido Socialista em matéria de florestação em Portugal.
Quanto à segunda parte, disse eu que eram informações que a Polícia Judiciária tinha dado através dos jornais. Não tenho qualquer pejo em utilizar as informações dadas em conferência de imprensa por elementos da Polícia Judiciária, que são as únicas de que dispomos.
Se V. Exa. dispõe de outras ou se está à espera para daqui a cinco anos dispor de algumas informações, o problema é seu.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção tem a palavra o Sr. Deputado Arménio Santos.
O Sr. Arménio Santos (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Estamos a discutir o Programa do VIII Governo Constitucional, que bem poderá representar um passo mais no caminho da institucionalização da democracia-política no nosso país, base indispensável para os avanços estruturais necessários à promoção da democracia económica, social e cultural.
Numa sociedade livre e moderna, europeia e ocidental, coma a defendida pela Aliança Democrática e a quem o povo português tem manifestado a sua, adesão de forma inequívoca, o trabalho tem de assumir um papel de grande relevância, porque não pode ser visto como mero objecto da economia, mas antes deve ser investido da dignidade social que legitimamente lhe cabe. Isto porque é no trabalho e na estabilidade que o deve envolver que reside a expressão mais nobre da realização do homem, a forma pela qual se manifesta a sua capacidade criadora e se avalia a sua participação e contributo para a sociedade em que está inserido.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Ora, apesar da gravidade da situação económico-financeira em que o País se encontra, crise que não é apenas sua, mas abrange todos os restantes países, mesmo, os mais industrializados, que não pode ser ignorada por quem quer que seja e a todos exige sacrifícios, é justo reconhecer aqui que o Programa do VIII Governo respeita integralmente os direitos essenciais dos trabalhadores portugueses.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
Não obstante o verbalismo e a demagogia utilizados pelas oposições, o Programa do VIII Governo dignifica a função social do trabalho.
Risos da Sr.ª Deputada do PCP Ilda Figueiredo.
É no sentido da realização desse objectivo que ao Governo se impõe, como dever patriótico, promover um processo dê desenvolvimento, equilibrado e constante, que não poderá assentar, e que de facto, não assenta, na repressão, social dos trabalhadores, quer no domínio dos salários, quer do emprego, destinado a assegurar a modernização da nossa econo-
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mia e do País, em ordem a gerar emprego e a proporcionar mais progresso e maior justiça social.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Para tanto, espera-se do Governo uma política de rendimentos e preços que tenha em conta não só a manutenção intransigente do poder de compra das famílias portuguesas, mas também o seu gradual melhoramento, de acordo com a evolução das condições económicas do País. Ou seja, o VIII Governo deverá prosseguir uma política de benefício das condições de vida dos Portugueses, e é bom que se afirme aqui, para lembrar aqueles que teimam em não reconhecer publicamente aquilo que em privado vão aceitando, que só a governação da Aliança Democrática foi capaz de aumentar o poder real de compra das famílias portuguesas após o 25 de Abril.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
Protestos do PCP.
Tal como no domínio das estruturas orgânicas do Ministério do Trabalho, exige-se do Governo que actue também na dinamização dos serviços, sobretudo de inspecção do trabalho e de higiene e segurança no trabalho, e seja simplificado o processo de formalização das convenções colectivas de trabalho, em ordem a torná-la mais expedita e mais conforme aos interesses sociais dos trabalhadores portugueses.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Ninguém desconhece que a maioria dos diplomas que constituem a estrutura técnico-jurídica das relações de trabalho se encontra avulsa e severamente mutilada e que requer uma urgente actualização e ordenamento, por forma a tornar a sua utilização mais acessível e operativa.
Todos sabemos que no executivo anterior já se promoveram esforços muito sérios no sentido de, através de um diálogo alargado e directo com os vários parceiros sociais, se constituir uma comissão [...] para reflectir sobre a renovação da legislação laborai. O processo de revisão da legislação laborai está, portanto, em curso desde o governo anterior. Este mesmo compromisso foi assumido pela AD no seu programa eleitoral. Porquê então as especulações que as opocisões vêm promovendo em torno deste facto?
Queremos, no entanto, deixar bem claro que a revisão da legislação laborai que eventualmente venha a ter lugar deverá processar-se sempre por processos democráticos, no escrupuloso respeito pela participação, e audição dos parceiros sociais interessados, nos termos das normas constitucionais e legais vigentes, e a esta Câmara deverá caber sempre a decisão final.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Se tais medidas se justificarem, deverão ser entendidas, concebidas e efectivadas como um contributo indispensável para a necessária e urgente recuperação económica e modernidade do País, para um melhor equilíbrio das relações sociais, e não para prejudicar os trabalhadores ou para satisfazer
sectores retrógrados que ainda se destacam no nosso meio, independentemente do seu quadrante ideológico.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Desiludam-se, pois, aqueles que pensam que eventuais alterações à legislação laborai significarão o regresso a situações de privilégio. Bom será que aqueles que assim pensam exercitem uma mudança de mentalidades, mais adequadas à época em que vivemos e onde a competência profissional, a dedicação e a criatividade sejam de facto valores essenciais de todos os gestores e empregadores nacionais.
E, como argumento que esperamos definitivo, queremos muito claramente afirmar que, sendo as leis de aplicação geral e constituindo os sociais-democratas componente essencial do mundo laborai, não aceitariam por bem leis que, por igual, os afectariam.
Não nos demitimos nem nos demitiremos dessa .responsabilidade e, porque sabemos que o VIII Governo Constitucional tem no seu horizonte e no seu programa a preocupação essencial de responder aos problemas reais do País, e nestes estão as questões enquadradas na componente laborai, expressamos-lhe a nossa confiança, a nossa solidariedade e o nosso apoio activo.
Aplausos do PSD. do CDS e do PPM.
O Sr. Presidente: - Para solicitar esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado César de Oliveira.
O Sr. César de Oliveira (UEDS): - Ouvi com atenção a intervenção do Sr. Deputado Arménio Santos e gostaria de lhe colocar três questões bem simples.
Primeira: qual vai ser a atitude concreta do seu partido quando na Comissão de Trabalho se proceder à análise dos projectos de lei apresentados pelo PS e pela UEDS de alteração à lei dos contratos a prazo, aprovada por esta Assembleia?
Segunda questão: qual a posição do seu partido, no caso concreto, da sua bancada e de si próprio em relação às declarações do presidente da CIP, Ferraz da Costa, quando pôs como exigência para o investimento, etc., a revisão do poder dos delegados sindicais e das comissões de trabalhadores nas empresas? Qual a sua posição concreta, dado aquela ter sido retomada pelo Dr. Pinto Balsemão na última intervenção que fez neste Plenário?
Em terceiro lugar, devo confessar-lhe que me importa pouco o programa de governo, porque, de facto, não haveria nenhum programa de governo que dissesse que ia piorar a vida dos trabalhadores, que ia reduzir o poder de compra. O que me interessa é a prática do programa de governo em função do próprio programa.
E eu perguntava-lhe, concretamente, qual a sua posição em relação aos casos da Standard Eléctrica, da Audio Magnéticai das Caldas da Rainha, da Messa e de milhares de casos gritantes, em relação aos quais os próprios tribunais têm dado razão aos trabalhadores, continuando o Governo - a AD está no Governo há dezanove meses! - a fazer ouvidos de mercador a essas reinvindicações.
De boas palavras está o Inferno cheio!...
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O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Arménio Santos, para responder.
O Sr. Arménio Santos (PSD): - Sr. Deputado César de Oliveira, estamos a discutir o Programa do Governo, pelo que, suponho, me deveria remeter às questões que me colocou que nele se encontram enquadradas.
De qualquer forma, relativamente à posição que tomarei na Comissão de Trabalho sobre os vários projectos de lei existentes sobre a lei dos despedimentos, é óbvio que na devida altura os analisaremos e também no momento adequado, tomaremos a nossa posição. Neste momento não poderei responder porque, devo confessar-lhe, ainda nem sequer essa questão foi tratada em termos de comissão pelo meu grupo parlamentar.
Relativamente a afirmações do Sr. Presidente da CIP, que exigia redução de poderes dos delegados, sindicais, a minha posição é frontal.
O Sr. César de Oliveira (UEDS): - Registo!
O Orador: - Quanto às afirmações proferidas pelo Sr. Primeiro-Ministro, penso que já na altura tiveram a correcção adequada, em, que foi reafirmado o elevado respeito que o trabalho e os trabalhadores têm na pessoa do Sr. Primeiro-Ministro.
A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Então o Sr. Primeiro-Ministro não sabe o que está a dizer?
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Que grande trabalhador!
Protestos do PSD.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, antes de continuarmos o debate, desejava levantar dois pontos.
O primeiro é que, segundo informação chegada, à Mesa e face ao tempo que ainda está para ser utilizado pelos Srs. Deputados de todas as bancadas, se assentou numa suspensão dos trabalhos pelo período de hora e meia, aproximadamente, a partir das 20 horas e 30 minutos.
Entretanto, da bancada do Governo, - não sei se chegou a haver algum contacto com as bancadas do PS e do PCP, - chegou-me o seguinte pedido: imediatamente a seguir estavam inscritos os Srs. Deputados Álvaro Brasileiro e Fernandes da Fonseca e depois o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, que, por razões de emergência que, inclusivamente, o obrigam a sair amanhã de Portugal, interviria já, pelo que perguntaria se não há inconveniente em que use da palavra antes das duas outras inscrições.
Creio ter sido nestes termos que o problema foi posto, não é verdade Sr. Ministro?
O Sr. Ministro Adjunto do Primeiro-Ministro (Fernando do Amaral): - Exacto, Sr. Presidente.
O Sr. César de Oliveira (UEDS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Faça favor.
O Sr. César de Oliveira (UEDS): - Sr. Presidente, é para perguntar à Mesa se o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, após a sua intervenção, continua na Sala ...
O Sr. Presidente: - Sr Deputado, a Sr. Ministro poderá, com certeza, esclarecê-lo melhor do que eu, que apenas sei o que me foi comunicado, ou seja, da urgência que o Sr. Ministro tinha em se ausentar. Se essa ausência é definitiva ou não, o Sr. Ministro poderá depois esclarecer esse ponto.
O Sr. Sousa Marques (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente,
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Sousa Marques (PCP): - Sr. Presidente, não vemos inconveniente em que haja essa antecipação dá intervenção do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, mas pensamos - e é uma interpelação à Mesa - que imediatamente a seguir deverá usar da palavra um deputado comunista, segundo a ordem de inscrições que está na Mesa.
O Sr. Presidente: - Exactamente, Sr. Deputado. Simplesmente, falará logo em seguida, se a Mesa, imediatamente após a intervenção do Sr. Ministro e segundo o consenso que já anunciei, não suspender os trabalhos. De qualquer modo, será o primeiro orador a falar depois de retomarmos os nossos trabalhos.
Tem V. Exa. a palavra Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros.
O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros (André Gonçalves Pereira): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, os meus agradecimentos pela benevolência com que VV. Exas. quiseram ouvir-me.
Há pouco foi dito, em relação ao meu muito distinto colega de Governo, que talvez a intervenção dele não tivesse grande ligação com o que estava no Programa do Governo. Suponho que, em relação àquela intervenção, talvez não fosse inteiramente fundada essa observação, mas, provavelmente, sê-lo-á quanto à minha, porque não tenciono vir aqui repetir o Programa do Governo, que foi oportunamente distribuído e que, além do mais, pouca diferença tem em relação ao programa anterior.
Assim, queria apenas fazer algumas considerações sobre o sentido profundo que o Governo atribui à sua actuação em política externa, sobre as repercussões que pensa encontrar na sociedade portuguesa e em outros sectores da comunidade internacional.
Penso, aliás, que a minha intervenção será pouco polémica. A política externa não é certamente um dos elementos mais polémicos no diálogo político neste país porque as grandes linhas que norteiam a actuação do Governo - tais como a permanência na NATO e o desejo de adesão à Comunidade Económica Europeia - são certamente comuns, embora com elementos pontuais de divergência, quer à oposição democrática quer ao governo da Aliança Democrática. E este governo só tem encontrado críticas, nomeadamente quanto à actuação dos responsáveis pela política externa, por um lado, nas bancadas do Partido Comunista, do MDP/CDE e da UDP, como é natural, e, por outro lado, noutro sector de opinião, igualmente imobilista, que não está representado nestas bancadas porque os votos que os saudosistas do século XVIII receberam não chegaram sequer para ter aqui um deputado.
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O Sr. Sousa Marques (PCP): - Está enganado, Sr. Ministro! Há cá deputados desses!
O Orador: - Desculpe. Certamente que V. Exa. os conhecerá melhor do que eu ...
Aplausos e risos do PSD, do CDS e do PPM.
Efectivamente, a acção do Ministério dos Negócios Estrangeiros, para além de muitas divergências pontuais que tem havido, quer no seio da Aliança Democrática, quer no seio da oposição democrática, tem-se defrontado com dois tipos de objecções: por um lado, a imprensa afecta ao Partido Comunista Português tem feito a honra de me insultar com alguma frequência - bem sei que não sou, nesse ponto, um caso único nesta Casa, longe disso ... - e um jornalista de O Diário disse, inclusivamente, que as minhas intervenções eram ditadas por telex de Washington. Estão os Srs. Deputados a ver, falando eu aparentemente de improviso, o trabalhão que me dá estar a decorar, palavra por palavra, a mensagem, que hoje de manhã me chegou! ...
Risos do PSD, do CDS, e do PPM.
Foi certamente um excesso de zelo do redactor de O Diário, mas espero que pelo menos ele não tenha problemas quanto à estabilidade do seu vínculo laboral!
Aplausos e risos do PSD, do CDS e do PPM.
Por outro lado, outras franjas de opinião têm-me atribuído uma certa miopia terceiro-mundista, nomeadamente no que se refere a certas declarações sobre problemas africanos.
Eu queria dizer que, no que se refere à miopia, é uma triste realidade. Mas eu vejo perfeitamente com óculos e não preciso de óculos para pensar...
Risos do PSD, do CDS e do PPM.
Assim, queria explicar muito rapidamente que, do ponto de vista de quem tem, sob a direcção do Primeiro-Ministro, a principal responsabilidade da política externa portuguesa, não há contradição entre algumas das grandes opções que o Programa do Governo traça.
Não há contradição, por exemplo, entre a estreita adesão à NATO e o alinhamento pelo Ocidente nas questões leste-oeste que opõem as superpotências, mas nesse entendimento também não explica, a meu ver, a problemática de outras regiões do Mundo.
As superpotências têm tendência para explicar em termos de rivalidades de poder leste-oeste todos os problemas do Mundo, inclusivamente aqueles que se põem na América Latina ou no continente africano. Não é esse o entendimento do Governo de que faço parte. Sem termos a pretensão de mudar a opinião de outros mais poderosos e melhor informados, julgamos que não há incompatibilidade, e é por isso que, por exemplo, em relação a problemas que recentemente se têm passado em África, nós temos tomado posições diversas do principal elemento da Aliança Atlântica, e isso não nos perturba.
É total a nossa solidariedade com a Aliança Atlântica no campo das relações leste-oeste, mas noutros campos, naqueles que são afectados pelo
diálogo norte-sul, nós determinamos as nossas posições com um exame frio e analítico dos factos e tendo em vista o que consideramos serem os interesses portugueses.
Tenho sido por vezes acusado de menosprezar interesses dos portugueses na África do Sul e devo esclarecer que efectivamente não é assim. Esses portugueses são um elemento essencial das comunidades portuguesas situadas no Mundo, merecem todos o respeito do Governo - como, aliás, todos os demais portugueses espalhados pelo Mundo -, e essa é uma das razões pelas quais Portugal se absteve ontem na Assembleia Geral das Nações Unidas, numa resolução que pedia a interrupção de qualquer tipo de relações com a África do Sul.
Não há, pois, qualquer incompatibilidade dentro destes vários pontos de vista.
Eu esperava - sem ter a ambição de recolher um aplauso tão amplo como teve há pouco a Sr.ª Deputada Natália Correia, por razões com as quais não espero competir -,...
A Sr.ª Natália Correia (PSD): - Muito obrigada!
O Orador: - ... que a política externa que tem vindo a ser desenvolvida por este governo transbordasse um pouco, no seu apoio, os limites, mesmo assim amplos e confortáveis, da Aliança Democrática, porque, efectivamente, o Governo precisa do auxílio da oposição democrática para as negociações complexas que têm vindo a desenvolver-se.
A acção de política externa não é, por definição', uma acção espectacular.
Há poucos dias, um distinto Sr. Deputado do Partido Socialista, o Sr. Deputado Rui Mateus, que estava presente até há pouco, deu um entrevista a um jornal da oposição de direita - o que se compreende muito bem, porque nós também tentamos trabalhar no terreno do adversário ... -, em que, entre outras coisas, disse que a acção do Ministério dos Negócios Estrangeiros, nomeadamente deste ministro, mal se via.
É dos elogios que mais fundo me têm calado, e só tenho pena que o Sr. Deputado não esteja aqui presente. Mas terei certamente outra ocasião para lhe transmitir isto.
Efectivamente, a função da política externa portuguesa não é mostrar-se. Há uma larga parte da acção diplomática que é, por natureza, de carácter reservado e que não aparece muito aos olhos do público.
Essa é, certamente, uma das razões pelas quais o Estatuto da Oposição prevê que, em matéria de política estrangeira e de política de defesa, o Governo, por ocasião da redacção do Programa do Governo, comuniquei as suas intenções e ouça as sugestões da oposição quanto a este ponto em conferências reservadas, em que tive a honra de participar sob a presidência do Sr. Vice-Primeiro Ministro e Ministro da Defesa, e tenho o prazer de ver aqui nas bancadas vários dos elementos da oposição que comigo partilharam essas conversas.
Há muito da actividade política externa portuguesa que não aparece todos os dias e que não temos empenho em pôr em relevo. Vou dar um exemplo: ainda há poucos momentos, o Sr. Deputado Barrilaro Ruas citou aqui o caso de Timor. Este é um caso de
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que o Governo não é o principal responsável constitucional. Pelo artigo 307.° da Constituição, incumbe ao Presidente da República, assistido pelo Conselho da Revolução, e ao Governo o tomar determinadas medidas, para garantir a independência-do povo-de Timor Leste.
Devo -sublinhar que este aspecto não é descurado pela diplomacia portuguesa, embora, como disse, o Governo não seja o principal responsável, nos termos constitucionais. Mas certamente que os Srs. Deputados compreenderão. que numa sessão pública eu não possa vir relevar determinados contactos que, por, natureza, para virem a ter algum êxito, têm de ser mantidos sob reserva. No entanto, aceito inteirar mente vir a ser julgado posteriormente pêlos resultados — que nunca serão inteiramente aqueles que queríamos — que eventualmente possam ser obtidos. A acção do Ministério dos Negócios Estrangeiros decorre, pois, em clima de perfeita normalidade. Não é desejo dos responsáveis pelas relações exteriores ocupar mais tempo do que o necessário as atenções, quer do público, quer desta Câmara, embora agradeça mais uma vez a oportunidade que me é dada e aproveito para dizer ao Sr. Deputado César de Oliveira que, se a Mesa não interromper a sessão imediatamente a seguir a eu acabar a minha intervenção,estarei a disposição para responder às suas questões, pois, uma das razões que me levaram a pedir a antecipacão da minha intervenção foi á dê poder estar disponível para responder a questões.
Mas, fundamentalmente, a política externa portuguesa tenta estabelecer as condições de segurança da comunidade portuguesa em sént.do muito amplo segurança esta que não é apenas uma segurança militar, é uma segurança de defesa.
Nós temos problemas de defesa nas zonas mediterrânica, europeia e atlântica. Não temos problemas específicos de defesa noutros continentes, naturalmente, mas temos problemas de segurança em sentido muito amplo.
Faz parte da segurança do povo português a sua capacidade de auto-sustentação faz parte, em sentido muito amplo, a conquista de novos mercados, a reducão das importações e, o consequente aumento das exportações. Esta não é, evidentemente, urna tarefa exclusiva do Ministério dos Negócios Estrangeiros, e partilhada com outros departamentos que terão até a responsabilidade principal, mas, muitas vezes, o mero estabelecimento de relações faz com que a atmosfera se situe em termos mais apreciáveis.
Assim, por exemplo, não houve qualquer problema no abastecimento energético, e os Srs. Deputados recordar-se-ão de que este era um dos problemas que muito preocupava, e legitimamente, as várias bancadas e o próprio Governo quando aqui nos reunimos pela última vez ,que foi para ^niim a primeira deste tipo de sessões.
É certo que não foi apenas por mérito nosso. Obviamente que as circunstâncias energéticas mundiais mudaram, mas foram também estabelecidos os contactos suficientes — por exemplo, no mundo árabe— para que não tivéssemos qualquer problema de abastecimento petrolífero. Queria ainda dizer que certamente há muitos aspectos controversos na política externa mas tenho a impressão de que são controversos apenas entre determinados grupos sociais que aliás, estão aqui por direito próprio e que não partilham de uma determinada concepção do Mundo e que, por outro lado, há uma-larga zona de convergência entre o governo da Aliança Democrática e a oposição democrática. Aliás, se assim não fosse, o período de perguntas a que passo imediatamente a submeter-me serviria para o demonstrar.
Mais uma vez agradeço a amabilidade com que me foi facultada a palavra. Sr. Presidente e Srs. Deputados, muito obrigado.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
O Sr. Presidente:—Pediram a palavra os Sra Deputados Jorge Sampaio, José Tengarrinha, Mário Tomé e Alda Nogueira. Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Sampaio.
O Sr. Jorge Sampaio (PS): —Sr. Ministro, digamos que o destino é assim mesmo V. Ex.ª tem sempre o destino de falar pelas 8 horas da noite, tem sempre um compromisso inadiável, e o fluxo admirável da sua exposição, que, digamos, não é ligeira em termos de conceitos mas, ligeira em termos de tom, não permite, por falta de tempo, por falta de resistência psíquica de todos nós, que haja, de facto, um verdadeiro debate sobre política externa, que nos parece inteiramente útil e justificado.
Mas felizmente, pelo menos o tom jocoso de V. Ex.ª conseguiu dissipar o tom carregado de ameaças do Sr. Ministro da Defesa, e podemos encerrar esta sessão com uma certa bonomia e uma certa esperança de que, afinal de contas, isto da sociedade internacional e das grandes questões não é tão carregado de ameaças pronto isso porque o pragmatismo de V. Ex.ª conseguirá ultrapassar estas arestas profundas e gravíssimas que para o Sr. Ministro da Defesa se levanta por toda a parte. É um problema de solidariedade governamental, é (eu ficaria, por aqui, se não ficasse, como dizem Os franceses, sur ma faim, e por isso sou tentado a fazer duas ou três brevíssimas perguntas, sem perder também o tom ligeiro que V. Ex.ª imprimiu ao debate, que é, no fundo, da responsabilidade de V. Ex.ª, porque o que está em causa é o seu programa, não é o nosso. A questão mais perplexa de tudo isso é que, se cotejarmos os Programas do VI, do VII e do VIII Governos Constitucionais, deparamos com a aparição, no Programa do VII Governo de uma expressão extremamente importante, da autoria de V. Ex.ª, segundo a qual,, no quadro da Aliança Atlântica ,e no quadro da postura internacional de Portugal, essa se faria sem subserviências, que a dignidade do País não permite, nem arrogâncias, que a sua dimensão não consente. E de resto, V. Ex.ª fez um jocoso e admirável comentário, ao Programa do VII Governo, relativo à presença de:sua expressão, que depois retomou numa entrevista ao Diário de Notícias, mas no Programa do Governo, sendo V. Ex.ª o mesmo Ministro, esta expressão caiu, e é evidente que a interrogação tem de se pôr, por que é que caiu esta expressão tão importante sobre, digamos, á nossa capacidade
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autonómica de decisão em matéria de prestígio e independência nacional?
Também desapareceu outra expressão, em meu entender de menos importância hoje, em que se referia que não se devia subestimar a importância que revestia o contencioso económico e financeiro que ainda subsiste, escuso de dizer com quem.
Eu louvo o facto de este problema se ter encerrado, evidentemente - e é pena que não esteja cá o engenheiro Bissaia Barreto, nosso novo companheiro de bancada, embora do outro lado, bem entendido -, só me congratulo com isso. E não foi encerrado mais cedo porque os. componentes da maioria nunca o possibilitaram, mas é de louvar que o tenham encerrado.
No entanto, encerraram-no à revelia total desta Câmara e à revelia de qualquer esclarecimento público. Era útil que esse esclarecimento fosse dado, mas é evidente que também pode ter havido um esclarecimento em reuniões reservadas, e eu aceito isso perfeitamente.
Mas falta também no Programa outra expressão do Programa do VII Governo Constitucional, referente ao empenho que a diplomacia portuguesa iria pôr na sua actividade em todas as instâncias das agências internacionais do sistema das Nações Unidas.
Esta expressão não aparece neste programa. Por que será que terá desaparecido? Apesar de não estarmos já no Conselho de Segurança das Nações Unidas, nem por isso, evidentemente, a nossa posição deixa de ser uma posição importante, e, portanto, qual é a estratégia para a nossa intervenção no sistema das organizações das Nações Unidas?
E, finalmente, Sr. Ministro - tinha muitas mais perguntas a fazer, mas não quero perturbar o tom libérrimo que V. Ex. quis emprestar a este debate -, qual é, de facto, para além do pragmatismo de que V. Exa. se reivindica, e muito bem, o conceito estratégico de Portugal no Mundo? Qual é o conceito estratégico da diplomacia portuguesa na sociedade internacional de hoje? Não vimos responder a isto no Programa do Governo, e, nesta questão, pragmatismo não chega!
O Sr. César de Oliveira (UEDS): - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Tengarrinha.
O Sr. José Tengarrinha (MDP/CDE): - Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, começo por pôr sérias reservas ao que acaba de dizer quanto a haver uma larga zona de convergência entre o Governo e a oposição. Pelo menos, pela nossa parte, queremos afirmar-lhe que essa convergência, no fundamental, não existe.
Nós apreciámos também o tom que o Sr. Ministro usou, mas quero dizer-lhe que não o seguiremos, embora, naturalmente, prefiramos esse tom ao tom que o seu antecessor usou durante a intervenção a que a Assembleia assistiu, porque ao menos o Sr. Ministro não veio aqui com elmo, com couraça e com lança, numa cruzada contra os infiéis...já é uma vantagem!
O capítulo do Programa do VIII Governo relativo aos negócios estrangeiros constitui, como foi dito já, praticamente uma repetição do capítulo correspondente do Programa do VII Governo, apesar de a situação política internacional apresentar alterações de relevo sobretudo no agravamento das tensões, agravamento esse que em nossa opinião devia justificar uma reanálise da nossa política externa.
E não se pode admitir que o Governo tenha deixado de ser sensível a tal agravamento, já que ele apenas segue uma nova fase do mesmo percurso do anterior. Na verdade, só no debate do programado governo anterior o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiro aludiu a esse agravamento, que ligou, de certo modo, ao aumento do poderio militar, a que se comprometera eleitoralmente a actual Administração Americana.
Não se justificaria, assim, que o Governo indicasse mais concretamente quais as iniciativas que tenciosa promover ou apoiar no sentido de facilitar o desanuviamento? Ou poder-se-á concluir - ao ver desaparecer do Programa do Governo as referências à intenção de agir «sem subserviência, que a dignidade do País não permite», nem «arrogâncias, que a aua dimensão não consente», que é sua intenção continuar a ceder perante as pressões externas e prosseguir o reforço da política de blocos, tão largamente referida ao tratar, no sector da defesa nacional, da participação na Aliança Atlântica?
Terá o Governo esquecido o artigo 7.° da Constituição?
Além disso, permito-me lembrar que há pouco o Sr. Vice-Primeiro Ministro e Ministro da Defesa remeteu para o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros duas ou três perguntas que eu lhe tinha formulado.
E não se descortina a mesma tendência para ceder no campo da política internacional na redacção dada aos parágrafos dedicados ao acaso Timor»? Como explicar, de outro modo, que onde em Janeiro de 1981 se escreveu que as posições assumidas no ano anterior seriam continuadas e reforçadas se afirme agora que, neste caso, «a acção será desenvolvida nos Planos bilaterais e multilateral, com as precauções que a delicadeza do assunto exige»?
Em Janeiro de 1981 escrevia-se que o Governo lançaria uma intensa política de protecção e apoio aos emigrantes no estrangeiro e seus descendentes. Fala-se em prosseguir essa política.
Não haverá aqui uma gralha que convenha corrigir? Não queria o Governo escrever mais uma vez lançar? Se não é assim, poderá o Governo concretizar o que fez o governo anterior no que vai decorrido de 1981 para se entender claramente o que se vai prosseguir? Do que chegou aos ouvidos de todos nós através das reuniões em que participaram os nossos emigrantes nada parece ter sido feito. Será intenção prosseguir em nada fazer?
Por último, uma nota sobre o Tribunal do Mar, cuja localização no nosso país seria muito honrosa para nós de acordo com as nossas tradições, e que não foi instalado em Portugal. Porquê?
Quem muito se bateu, como se sabe, por esse projecto foi Mário Ruivo, autoridade mundialmente reconhecida hoje a ocupar o importante cargo de
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director do Departamento Oceanográfico da UNESCO e infelizmente saneado do nosso país.
Sabe-se que os Estados Unidos da América fizeram pressão para que o Tribunal não viesse para Portugal. Em que medida essa pressão dos EUA, que prevaleceu, se relaciona com o seu reconhecido interesse pela exploração das importantes riquezas minerais dos fundos dos oceanos?
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.
O Sr. Mário Tomé (UDP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros: Já esgotei o meu tempo de hoje, já entrei no tempo de amanhã, e, portanto, vou ser muito rápido.
Assim, vou fazer apenas duas perguntas ao Sr. Ministro. A primeira é se a ingerência dos Estados Unidos em Angola, quer através de agrupamentos fantoches, quer através de agrupamentos de outro tipo, se insere na rivalidade das superpotências ou no diálogo Norte/Sul, e, do mesmo modo, se o apoio dos Estados Unidos à invasão de Timor Leste pela Indonésia se insere na rivalidade entre as superpotências: ou no diálogo Norte/Sul.
Ainda em relação a Timor Leste, gostaria de saber qual é a posição que o Governo vai tomar na Assembleia Geral da ONU, que vai debater esse problema: o Governo vai finalmente reconhecer a RDTL e a Fretelin como passo fundamental para a libertação do povo de Timor? E o Sr. Ministro não quis dizer com quem vai dialogar, mas deixo aqui a pergunta: é com a RDTL, com o Governo da República Democrática de Timor Leste, que se estão a fazer esses contactos, ou é com o governo fascista da Indonésia?
O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Alda Nogueira.
A Sr.ª Alda Nogueira (PGP): - Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, queria apenas informar que a bancada do Partido Comunista Português tem várias perguntas a formular e vários, problemas a colocar no campo da política externa mas tem-nos arrumados sob a forma de intervenção, que irei produzir a seguir, e o problema que o Sr. Ministro acaba de r colocar da necessidade da sua saída antes do intervalo vai impossibilitar que ouça a nossa intervenção, que será feita logo que haja oportunidade.
Era apenas esta informação que eu queria dar.
O Sr. Presidente: - Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, tem V. Exa. a palavra para responder aos pedidos de esclarecimento que lhe foram feitos.
O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros: - Muito obrigado, Sr. Presidente.
O Sr. Deputado Jorge Sampaio quis demonstrar à Assembleia que eu não era o único a utilizar um tom jocoso, cuja paternidade, no entanto, me atribuiu.
O Sr. Deputado pretendeu que haveria uma questão perplexa. Penso, que quem está perplexo é o Sr. Deputado, porque as questões não são nem estão perplexas. Perplexo não é um verbo, e se o Sr. Deputado está perplexo - é referiu aqui uma série de circunstâncias - por o Programa do Governo não repetir textualmente as expressões do programa anterior, devo esclarecê-lo de que se tratou, de uma varíeté d'auteur, para citar também uma frase estrangeira que o possa satisfazer...
Risos.
Quer dizer, a política externa portuguesa não conhece alterações fundamentais, sobretudo desde Janeiro para cá. Houve a preocupação de aligeirar, um pouco o texto, mas o conservantismo obstinado do Sr. Deputado Jorge Sampaio leva-o a que esteja extremamente preocupado com a omissão de frases do programa anterior.
De resto, a substituição de frases do programa anterior por frases que o Sr. Deputado e eu conviremos que são dê uma banalidade mais ou menos equivalente, se eu disser que a responsabilidade, de ambas é minha, não tem qualquer significado político.
Quanto à única objecção de fundo que me fez de não se reflectir no Programa do Governo qual a concepção estratégica do papel de Portugal no Mundo, suponho que não é inteiramente assim e a resposta a essa pergunta está contida na parte da política geral, em que também há referências à posição de Portugal no Mundo. O Sr. Deputado poderá verificar isto pelo exame tão atento que fez do actual e dos anteriores programas do Governo.
Sr. Deputado Tengarrinha, V. Exa. tem toda a razão quando diz que não há convergências entre o partido que V. Exa. representa e o Governo quanto a este ponto. Eu também não disse que houvesse convergências com o MDP/CDE e até fico muito grato por V. Exa. ter salientado que não há, mas também creio que ninguém pensaria que houvesse.
Risos do PSD, do CDS e do PPM.
Perguntou V. Exa. se nós continuaríamos a ceder a pressões externas. V. Exa. será mais especialista do que eu nessa matéria,...
Risos do PSD, do CDS e do PPM.
...mas devo dizer-lhe que o Governo se guia pelos seus próprios interesses, pelos interesses de Portugal, que, evidentemente, postulam arranjos com uma ou outra potência em determinados casos, não havendo assim alinhamento em relação a .qualquer superpotência.
Isto será talvez uma novidade para V. Exa., mas é com muito prazer que lha dou!
Risos do PSD, do CDS e do PPM.
Quanto à sede do Tribunal do Mar, Sr. Deputado Tengarrinha, compreendo perfeitamente a sua defesa do curriculum - suponho que de um seu correligionário, não sei se é filiado no partido de V. Exa. de um ilustre biólogo, pelo qual tenho a maior, consideração como cientista, mas em minha opinião, as questões de individualidades não tiveram, nada a ver com o resultado negativo da votação sobre o Tribunal do Mar.
Embora a Alemanha não seja uma potência predominantemente marítima, tem uma tonelagem de, marinha, mercante cerca de 22 vezes superior à por-
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portuguesa, e evidentemente que o governo da Aliança Democrática - não só, por certo, através do Ministério dos Negócios Estrangeiros- espera recuperar esse atraso... Mas, neste momento, a Alemanha é uma grande potência, sem ser uma superpotência, e Portugal perdeu honradamente esta batalha, mas já tem ganho outras e não temos nada que nos envergonhar.
Quanto ao Sr. Deputado da UDP, em primeiro lugar, queria agradecer-lhe o tom cordato que utilizou, caso quase único até agora, e fico-lhe muito grato.
Risos do PSD. do CDS e do PPM.
E, com a mesma cordialidade direi a V. Ex. o seguinte: estamos efectivamente a negociar em relação a Timor Leste, e, se eu tivesse querido dizer com quem, não seria necessária a pergunta do Sr. Deputado Mário Tomé.
Salientei que há questões que são reservadas e que não cabem aqui, por se tratar de uma sessão pública. No entanto, o assunto foi referido, no cumprimento do estatuto da oposição, a representantes da UDP - o Sr. Deputado não estava presente - e aí tivemos ocasião de ter uma troca de informações mais alargada. Assim, eu pediria a V. Ex.ª que consultasse as bases.
Risos.
Sr.a Deputada Alda Nogueira, lamento imenso não ouvir a sua intervenção, mas, como está a ver, eu não saio antes do intervalo, Tenho, efectivamente, um compromisso, mas, como sabemos, as políticas não são dos homens e há nas bancadas do Governo pessoas perfeitamente prontas para responderem à intervenção de fundo que V. Ex. fará.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
O Sr. Mário Tomé (UDP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Mário Tomé (UDP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro: Desejava apenas dizer ao Sr. Ministro que quando fiz a pergunta a que se referiu -talvez não tenha sido suficientemente explícito-, no fundo, tinha uma intenção menos cordata do que a que o Sr. Ministro me atribuiu.
Risos.
Efectivamente, queria deixar claro ao povo deste país que é muito mais fácil ao Governo Português negociar a questão de Timor Leste -e já o fez - com o governo fascista da Indonésia do que com a República Democrática de Timor Leste, que se recusa sistematicamente a reconhecer.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Ministro.
O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros: - Realmente não supunha que o Sr. Deputado da UDP cedesse tão facilmente a uma provocação tão simples.
Risos do PSD. do CDS e do PPM.
Mas, enfim, já que V. Ex.ª fez essa afirmação, devo dizer que ela é injuriosa e não sou um dos seus antigos subordinados nem estou aqui para responder a injúrias.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
A Sr. Ilda Figueiredo (PCP):-Está aqui para fazer palhaçadas!
O Sr. Sousa Marques (PCP): -.Peço a palavra para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Faça favor.
O Sr. Sousa Marques (PCP): - A intervenção da minha camarada Alda Nogueira refere-se a questões de política externa e dura aproximadamente sete a oito minutos.
Assim, nós interpelávamos a Mesa -e através da Mesa interpelávamos todos os deputados desta Assembleia- no sentido de ainda antes do intervalo e aproveitando aqui a presença do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros se admitir a possibilidade de a minha camarada Alda Nogueira poder fazer agora a sua intervenção.
Muito obrigado, Sr. Presidente, pela sua atenção.
A Sr. Zita Seabra (PCP): - Uma intervenção a sério. Não é uma palhaçada!
O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros: - Dá-me licença, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: - Tenha a bondade, Sr. Ministro.
O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros:-Sr. Presidente, sou um novato nestas coisas, mas sei que caber a V. Ex. a condução dos trabalhos. No entanto, dada a brevidade do tempo que foi anunciado que a Sr. Deputada necessitaria para conduzir a sua intervenção, terei o maior gosto em ouvir e, se possível, responder às observações feitas, se for esse o entendimento de V. Ex.
O Sr. Presidente: - Fica esclarecido que a V. Ex. é materialmente possível continuar, na Sala e, portanto, pergunto aos grupos parlamentares, que tinham estabelecido um consenso no sentido de se interromper os trabalhos, as 20 horas e 30 minutos, se estão de acordo em que essa intervenção seja feita de imediato para que o Sr. Ministro possa responder, sendo o intervalo logo em seguida.
Pausa.
Não há qualquer objecção e a Mesa não vê qualquer problema... embora, se é possível uma nota de humor, possa dizer a W. Ex. que, depois de tantas horas debaixo de tão poderosos projectores, dentro de pouco tempo confessaremos tudo!...
Risos.
Tem a palavra a Sr. Deputada Alda Nogueira.
A Sr. Alda Nogueira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs.
Deputados: O Programa reconhecer a existencial do agravamento da
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tensão internacional e aponta como primeiro objectivo «servir os interesses económicos, políticos e culturais de Portugal». Não diz, porém, uma palavra sobre a intensificação da corrida aos armamentos, que está na raiz do agravamento da tensão internacional; não diz uma palavra sobre qual a contribuição de Portugal para o desanuviamento e para o desarmamento. A única medida que propõe para a política externa porguesa é a de «se solidarizar com as tentativas de reforço da Aliança Atlântica» - isto contra o artigo 7.° da Constituição da República, que defende a dissolução, e não o reforço, dos blocos militares.
Esta é a resposta deste governo às imposições do Governo dos Estados Unidos para o aumento dos orçamentos militares dos países da NATO, para o alargamento das acções militares e manobras da NATO a regiões fora da zona da própria NATO e para as tentativas da inclusão da Espanha na NATO. Tudo isso visa, como é óbvio, o reforço deste bloco militar, por que se batem os falcões da administração Reagan.
Sabe-se, entretanto, que há países membros da NATO que não só não têm aumentado os seus orçamentos militares, como exigem os dirigentes - americanos - é o caso da Inglaterra, por exemplo -, como se têm recusado a participar, em manobras da NATO como as que estão actualmente em curso e que se alargam até ao Atlântico Sul - é o caso da Holanda -, por considerarem que tais manobras têm lugar em regiões fora da zona da própria NATO e que graves consequências disto podem advir.
Vozes do PCP: - Muito bem!
A Oradora: - Não é esta a posição do governo da AD bem ao contrário, com todos os prejuízos vários que destas manobras para o país resultam necessariamente, perturbando a vida dos cidadãos, prejudicando economicamente o país, como sucede. actualmente com os pescadores e populações da Costa de Caparica!
A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Muito bem!
A Oradora: - Sabe-se também que estas manobras têm a ver com a concepção geoestratégica da política dos círculos mais belicistas americanos contra a luta libertadora dos povos em diversas regiões do globo, nomeadamente na América Latina, África Austral e Ocidental.
Vozes do PCP: - Muito, bem!
A Oradora: - Mas recorde-se ainda a propósito de manobras da NATO que se tornou já verdade consagrada que elas sempre surgem em Portugal ou nas costas portuguesas quando o nosso país passa por crises políticas e, em especial, quando a reacção está em apuros.
Risos do PSD.
O que revela a declaração aqui feita no primeiro dia pelo Primeiro-Ministro de apoio do Governo à entrada de Espanha na NATO, quando, a verificar-se tal entrada se romperia o equipíbrio existente, constituindo, isto mais um factor de agravamento da situação internacional?
Uma voz do PCP: - Muito bem!
A Oradora: - Aliás, a conversa fiada do Governo nos últimos tempos a propósito do comando ibérico apenas tem servido para cobrir a hipótese - dada assim como adquirida - da presença da Espanha na NATO.
Vários dirigentes políticos governamentais socialistas, sociais-democratas e até cristãos-democratás de países da NATO, sob pressão da opinião pública dos seus países, têm-se pronunciado aberta e repetidamente por negociações entre os Estados Unidos e a URSS sobre as armas nucleares, contra à instalação de mísseis na Europa, contra a bomba de neutrões na base das últimas propostas da União Soviética para tais negociações.
Os países nórdicos trabalham, como se sabe, para que o Norte da Europa seja declarado zona desnuclearizada. E ainda recentemente o Parlamento holandês aprovou por maioria uma moção contra a instalação de mísseis nucleares americanos no seu território.
Recentemente, também, numa reunião da Internacional Socialista tomaram posição contra a bomba de neutrões os Partidos Socialistas dos Países Escandinavos, da Bélgica, da Holanda, e do Luxemburgo. Também a Juventude Social-Democrata Alemã e o Partido Social-Democrata da Holanda se pronunciaram contra a instalação de mísseis americanos nos seus territórios.
Da política dos governos da AD, que este governo AD/Balsemão/Freitas do Amaral se propõe prosseguir, e intensificar, tudo o que se conhece são declarações que vão até à admissão da possibilidade da instalação, de armas nucleares americanas em Portugal, que assim se tornaria um alvo inevitável e que podem ser destruído em poucos minutos.
Uma voz do CDS - Por quem?
A Oradora: - Que tem a dizer sobre isto o actual governo, já que o Programa é completamente omisso neste aspecto?
Sendo certo que alguns barcos americanos que se encontram nas nossas águas, participando nas actuais manobras da NATO, têm capacidade para instalação e transporte de armas nucleares, sabe ou procurou ao menos o Governo saber se nesses barcos, que se encontram ,entre nos, existem ou não armas nucleares?
A verdade é que a conhecida prática governativa da AD se vem traduzindo na crescente submissão e enfeudamento aos interesses e à política do imperialismo, através de um profundo envolvimento do Estado Português na política de ameaça à paz e nos planos belicistas definidos pela NATO é pela administração Reagan, comprometendo o território e a segurança de Portugal.
Vozes do PCP: - Muito bem!
A Oradora: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Governo gaba-se no seu programa do ponto alto que atravessam as relações com a República Popular de Angola, a República Popular de Moçambique, com a Guiné-Bissau, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe e afirma que Portugal manterá e aprofundará essas relações,
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Ora, este governo não só dá guarida a inimigos declarados do povo angolano, como coloca os meios de comunicação social estatizados - como a TV - ao serviço de tais indivíduos, como ainda sucedeu recentemente com um elemento da UNITA.
São mais do que equívocas - e até posso dizer que o Sr. Ministro não as deu ainda - as respostas do Governo às perguntas que aqui foram feitas sobre o tráfico de armas para a África do Sul.
Que medidas pensa o Governo tomar para ajudar a República Popular de Angola a rechaçar a ofensiva racista sul-africana, numa palavra, para isolar internacionalmente o regime ilegal e criminoso do aporteid que a Constituição da República condena?
Como explica o governo da AD a larga propaganda da RTP à manifestação que há dias teve lugar em Lisboa contra o Governo de Cabo Verde?
Entretanto, apenas uma pequena nota: quererá o Governo, ao preconizar «a execução de um programa de exportação tecnológica e de estímulo ao investimento estrangeiro», ressuscitar a teoria infeliz do pivô de Freitas do Amaral, cujas consequências seria inevitavelmente agravar o fosso já existente entre os países atrasados e os países desenvolvidos?
Uma voz do PCP: - Muito bem!
A Oradora: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sobre a emigração e os múltiplos problemas que afligem os emigrantes, o programa limita-se a um rol de promessas da AD, já conhecidas, mas nunca cumpridas. Os emigrantes sabem, pela sua própria experência, o que são na prática estas promessas demagógicas da AD. Entretanto, é de sublinhar, que o problema tão importante como o dos transportes em épocas de férias, cujas deficiências foram ainda recentemente mais um pesadelo para os emigrantes de visita a Portugal, não é sequer referido no Programa.
A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Muito bem!
A Oradora: - E para terminar, Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados, porque é contra os interesses nacionais, porque põe em perigo a paz e segurança nacional, pelo descontentamento crescente que provoca nas massas populares, a política externa deste governo AD será mais um facto que acelerará a sua queda.
Aplausos do PCP e do MDP/CDE.
O Sr. Presidente: - Antes de dar a palavra ao Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, dá-la-ei aos Srs. Deputados Portugal da Silveira e Santana Lopes, que a solicitaram creio para pedir esclarecimentos.
Tem a palavra o Sr. Deputado Portugal da Silveira.
O Sr. Portugal da Silveira (PPM): - Queria apenas fazer uma muito breve
observação e pedir uma informação à Sr.ª Deputada Alda Nogueira.
A Sr.ª Deputada parece bem informada sobre as posições que têm sido assumidas por diversos partidos acerca da instalação de armamento nuclear nos seus respectivos países e, para completar essa informação, perguntar-lhe-ia se sabe qual terá sido a posição tomada pelo Partido Liberal da Hungria, pelo Partido Democrata-Cristão da Checoslováquia, pelo Partido Conservador da Alemanha Democrática, pelo Partido Social-Democrata da Bulgária, ou mesmo até qual terá sido a posição tomada nesta matéria pelo Partido Ecologista da União Soviética?
Risos do PSD. do CDS e do PPM.
O Sr. Sousa Marques (PCP): - Vocês riem-se destas parvoíces!
Risos.
São umas criancinhas, precisam de ir para a caminha!
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Quer a chucha?!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Santana Lopes.
O Sr. Santana Lopes (PSD): - Sr. Presidente, embora estejamos já perto do intervalo, entendi que a intervenção da Sr.ª Deputada Alda Nogueira não poderia passar sem um breve registo, que não é mais do que uma lamentação por se verem representantes do povo português com um tão profundo alinhamento por teses de uma potência estrangeira.
E acho que é preciso ter muita desfaçatez para vir classificar um governo da Aliança Democrática com os chavões já conhecidos, depois de se ouvir a intervenção do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros rotulada de pragmática, de submissa e de servil em relação a outra qualquer potência, quando ele ...
A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Aos Estados Unidos!
O Orador: - E concretamente em relação aos Estados Unidos, Sr.ª Deputada!
Como ia dizendo, quando este governo tem demonstrado na prática a sua independência em casos vitais no mundo de hoje, mesmo em relação às posições das potências suas aliadas da NATO...
A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Diga um! Diga um caso!
O Orador: - Temos o caso da invasão da República Popular de Angola!
Mas, como estava a dizer, quando os senhores vêm aqui trazer, aqui traduzir, ipsis verbis, a linguagem do Pravda ou dos órgãos de comunicação social soviéticos!
É preciso um pouco mais de discrição, Srs. Deputados! E ela não existe ao ponto de a Sr.ª Deputada Alda Nogueira dizer que as negociações sobre o desanuviamento e sobre o desarmamento deviam ser feitas com base - espante-se! - nas propostas da União Soviética!
Sra. Deputada, é com base nas propostas de Portugal - e eu colaborarei naquilo em que puder colaborar -, e não nas propostas da União Soviética! Um pouco mais de discrição, Sr.ª Deputada ...
E já agora, quando fala da presença da esquadra da NATO em Portugal nos momentos de crise política, passando a ironia, devo dizer-lhe que, se assim
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fosse, a esquadra da NATO estaria quase sempre cá, porque Portugal, de alguns anos a esta parte, tem vivido quase sempre em crise política.
Mas gostaria de lhe perguntar, vendo os contingentes, vendo as unidades relativas, a cada um dos casos, qual é a posição da Sr.ª Deputada - e não sei se considerará o que se passa na Polónia como uma, crise política, uma manobrada CIA... - quanto às manobras do Pacto de Varsóvia, sem cumprimento dos Acordos de Helsínquia em termos de contingentes, inteiramente provocatórias do povo polaco, que já muita vez manifestou a sua hostilidade em relação a elas.
Aplausos do PSD e do CDS e do PPM.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros.
O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros: - Queria dizer apenas o seguinte, no tom que posso: ouvi a exposição da Sr.ª Deputada Alda Nogueira, que contém exactamente as posições que são conhecidas do Partido Comunista-Português, em que há uma perfeita coincidência com as posições da União Soviética. Já foi por mim exposta a posição do Governo Português e não está aqui nenhum representante de outra potência.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
O Sr. António Mota (PCP): - É este o tom do estrangeirado!
Neste momento, o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros retira-se do hemiciclo.
O Sr. Presidente: - A Sr.ª Deputada Alda Nogueira deseja ainda responder, às interpelações, de que foi objecto?
A Sr.ª Alda Nogueira (PCP): - Muito brevemente, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Alda Nogueira (PCP): - É apenas para dizer, Sr. Presidente, Srs. Deputados e Sr. Ministro - que se vai retirando - , que o tom jacoso e ligeiro aqui usado a propósito da grave situação internacional que se atravessa e da posição para que a política dos governos AD vem conduzindo o nosso país não consegue diminuir a gravidade dessa situação. E simplesmente uma provocação, pode ser uma manobra de diversão, mas não resulta.
A situação é suficientemente grave em si para poder ser anulada por dichotes e linguagem que, enfim, tem muito pouco a ver com a discussão dos problemas da vida ou da morte dos cidadãos, que é a ameaça que paira sobre Portugal e sobre a humanidade se, na realidade o problema do desanuviamento não for resolvido na base da negociação. E já a propósito, lembro que eu não disse que nós propúnhamos negociações na base de propostas da URSS, Sr. Deputado Santana Lopes.
O Sr. Santana Lopes (PSD): - Disse, disse!
A Oradora: - O que eu disse é que havia dirigentes políticos - e remeto-o para a minha intervenção, para concluir o resto - que defendem isso.
Vozes do PCP: - Muito bem!
A Oradora: - Recomendo que para outra vez escute melhor quando se está a intervir.
Aplausos do PCP e do MDP/CDE.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Sousa Tavares pede a palavra ainda sobre este ponto?
O Sr. Sousa Tavares (PSD): Sr. Presidente, é para um protesto.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Sonsa Tavares (PSD): - As palavras da Sr.ª Deputada Alda Nogueira, referindo-se à gravidade de uma situação política internacional em relação a Portugal, que não parece visível - pelo menos aos olhos de um observador mesmo atento -, em vésperas de uma calamidade e ameaçando inclusivamente de extermínio os cidadãos portugueses, contém em si uma ameaça espantosa.
Vozes do PSD; do CDS e do PPM: - Muito bem!
O Orador: - Uma ameaça que, gostaria de saber com que autoridade a faz é donde vem, porque realmente é muito sério, num Parlamento de Portugal, que um deputado se levante para ameaçar os seus cidadãos de um extermínio, falando, numa situação internacional gravíssima para nós, que não conhecemos qual é, sem dissecar essa situação e sem explicitar qual é essa ameaça e donde lhe vem a autoridade para a fazer. Queríamos saber.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
Protestos do PCP.
Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr.ª Deputada Alda Nogueira.
A Sr.ª Alda Nogueira (PCP). - Vou ser breve, Sr. Presidente.
A ameaça, chama-se bomba de neutrões. A ameaça vem de facto, da política externa que a AD vem conduzindo com os seus governos.
Aplausos do PCP e do MDP/CDE.
Risos do PSD, do CDS e do PPM.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, interrompemos a sessão agora e retomaremos os nossos trabalhos às 22 horas e 30 minutos.
Está suspensa a sessão.
Eram 20 horas e 55 minutos.
O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão.
Eram 23 horas.
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Srs. Deputados, antes de dar a palavra ao Sr. Deputado que imediatamente se segue na ordem das inscrições, afigura-se à Mesa vantajoso informar a Câmara dos tempos ainda disponíveis para a sessão de hoje.
O Governo dispõe de treze minutos, o PSD de quarenta e um minutos e meio, o PS de dezassete minutos e meio, o CDS de trinta minutos, o PCP de catorze minutos, o PPM de cinco minutos, a ASDI de cinco minutos e meio, a UEDS de cinco minutos e o MDP/CDE de um minuto.
Pelo que acabo de indicar a W. Ex., a sessão de hoje, para cumprimento dos. tempos previstos, durará ainda, a partir de agora, pelo menos algum tempo, não muito, mas que excederá as duas horas.
Tem a palavra o Sr. Deputado Fernandes da Fonseca, para uma intervenção.
O Sr. Fernandes da Fonseca (PS) - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Deputados: Do discurso de abertura do Sr. Primeiro-Ministro e da apreciação do Programa do Governo em que aquele mesmo discurso se reflecte, todos sabemos qiue o problema fundamental que levou à autofagia do VII Governo e, consequentemente, à formação do VIII, é, evidentemente, um. problema económico.
Da forma como esse problema for equacionado e resolvido dependerá, em boa parte, o futuro deste país e, talvez, a nossa própria independência nacional.
Trata-se, pois, de um macro problema, sobre o qual se pronunciarão camaradas meus com competência, técnica na matéria.
Pela minha parte, sinto-lhe as graves consequências, como acontece com os milhões de cidadãos deste país.
Mas, para além dos aspectos técnicos, importa afirmar que a macro estrutura económica de qualquer sociedade, para poder tornar essa mesma sociedade mais feliz, terá de estar interligada, de forma indissolúvel, às infra-estruturas que a compõem. E, dessas, adquirem papel do maior relevo, na promoção social dos cidadãos, a educação e a saúde, a segurança social, a habitação e o trabalho.
Efectivamente, não basta ter um orçamento equilibrado ou mesmo um superavit na balança de pagamentos para que o povo de um país navegue num mar de felicidade. Toda a gente sabe que os Emirados Árabes têm os maiores rendimentos per capita do Mundo e, no entanto, os seus cidadãos não são os que gozam, entre os vários povos, da melhor qualidade de vida ou da justiça social mais equitativa.
Quer isto dizer que, para que um determinado povo possa ascender a um certo bem-estar, tem necessidade de que lhe sejam respeitados os direitos humanos hoje consagrados e de que lhe sejam criadas condições de progressiva promoção social.
Ora, um desses direitos fundamentais é justamente o que se concentra no conceito de saúde, que, de acordo com a sua definição universal, deve corresponder ao bem-estar físico, mental e social do cidadão.
Todos nós temos consciência, porque é uma verdade por de mais óbvia, que nunca tivemos em Portugal boa saúde.
Mas é também uma constatação do nosso quotidiano que casa mesma saúde vem degradando-se a olhos vistos e, talvez, de uma forma irreversível, nos últimos dois anos. Basta, para isso, prestar um pouco
de atenção às notícias que, diariamente, vêm sendo veiculadas pela comunicação social e até pelo curto noticiário da rubrica da TV intitulada "País País". Por aí se fica a fazer imediatamente uma ideia do que é o caos do nosso funcionamento hospitalar, do que é o processamento da nossa assistência ao nível dos Serviços Médico-Sociais (já extintos no papel) e do que são as nossas condições de saúde à periferia.
E porquê esta degradação da saúde em Portugal?
Muito simplesmente porque, apesar dos gastos terem vindo a aumentar (são já hoje duplos dos de 1978), a visão dos responsáveis tem sido totalmente anacrónica, não tendo existido nestes últimos dois anos, e não existe, evidentemente, neste Programa do Governo, um projecto de adequada racionalização desses gastos e, portanto, uma filosofia de saúde para o nosso país.
Há uns quatro anos atrás, o II Governo Constitucional, da responsabilidade do Partido Socialista, defendia a ideia de que o Estado Português tinha a obrigatoriedade de assegurar, gratuitamente ou quase, cuidados de saúde de boa qualidade a todos os seus cidadãos. A partir da aceitação de um tal princípio, concebeu o governo socialista uma lei de bases gerais de um serviço nacional de saúde, a instaurar em Portugal por fases, lei essa que foi aprovada nesta Assembleia em Maio de 1979.
Uma das consequências imediatas dessa aprovação e da futura regulamentação da respectiva lei seria a de que o Estado se tornaria o empregador mais ou menos obrigatório da maior parte dos médicos portugueses e de um número muito substancial de outros técnicos paramédicos e da saúde. Essa situação comportava, necessariamente, uma correcta definição das carreiras de todos esses técnicos e a elaboração de um estatuto da carreira médica como uma hierarquização dignificante e uma previdência social adequada.
Concomitantemente com a elaboração do projecto de um serviço nacional de saúde, que integraria e unificaria todos os serviços médicos e que teria como característica fundamental a universalidade dos cuidados a prestar, havia, obviamente, que diligenciar para que a qualidade desses cuidados fosse realmente a melhor e para que os conflitos resultantes da possibilidade de existirem técnicos desempregados fossem reduzidos ao mínimo.
Tomaram-se, para isso e, previamente, algumas providências ao nível do funcionamento das faculdades de medicina, tendo o Ministério da Educação aumentado o número nacional dessas faculdades de três para cinco e decretado medidas drásticas, quanto ao seu acesso e frequência, com a instauração de apertados numerus clausus.
Para corresponder certamente a esta melhoria de condições do curriculum escolar, também a Ordem dos Médicos, compenetrada, por sua vez, das responsabilidades que lhe cabem no que respeita à boa qualidade dos cuidados de saúde, aumentou, de forma evidente, as exigências de preparação profissional e de obtenção de títulos de especialidade.
Do ponto de vista estrutural, uma vez regulamentada a lei de Bases, pretendia-se avançar com a implantação ou expansão dos centros de saúde e com a reorganização das estruturas hospitalares em quatro distritos piloto á periferia e previa-se, a curto
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prazo, a elaboração e aprovação de uma lei sobre o sistema de cuidados primários. A experiência de outros países mais bem apetrechados tem demonstrado quê a maior ou menor em ciência das instituições de saúde depende, efectivamente, da qualidade e proporcionalidade dos seus quadros técnicos, bem assim como da distribuição; interligação e racionalização das respectivas estruturas entre as zonas centrais e a periferia.
- A lei de Bases do - SNS constituía, assim, um projecto com cabeça, tronco e membros; que partindo de um princípio em que se aceitava a obrigatoriedade do Estado como responsável pela saúde dos seus cidadãos, se pretendia levar à prática uma tal obrigatoriedade, através de um sistema de prioridades. Era, pois, um projecto com uma filosofia de base.
Temos dito várias vezes, e apraz-nos repeti-lo,- que quem, como nós, viva os problemas da saúde de dentro, facilmente reconhece quanto são extraordinariamente complexos e susceptíveis de controvérsia os seus aspectos filosóficos de base.
Mas, para além desta controvérsia, e rio mundo das realidades concretas, está o direito fundamental de 10 milhões de portugueses, para quem, no dizer recente de um dos dirigentes da Ordem dos Médicos, "ficar doente neste país é uma trágica aventura".
Ora, há cerca de uns 20 meses para cá, a AD instalou-se no poder, legitimamente, é certo, e entendeu mudar a agulha de rumo do projecto de SNS anteriormente aprovado nesta Assembleia, ao mesmo tempo que procedia à mudança do modelo sócio-político da nossa sociedade.
De acordo com essa alteração, que este Programa vem agora confirmar, os Portugueses já não têm direito, na sua totalidade, a sei viços- de saúde gratuitos ou quase e o Estado tão-pouco tem a obrigatoriedade de colocar todos os médicos e técnicos de saúde ao seu serviço.
A comunidade, diz o Programa, deverá ser chamada a participar nos gastos com a saúde. Quem quiser boa saúde paga-a, afirmava, ainda há- pouco, o ex-Ministro Carlos Macedo. Paga a em Portugal, na Espanha ou na Inglaterra, acrescentamos nós.
Na sequência destes novos, princípios e desta nova orientação político-social, á AD não só não regulamentou as bases de um serviço nacional de saúde, como foi mais longe, e as revogou. E destruiu também sistematicamente todas as iniciativas que pudessem, de algum modo, levar à construção de quaisquer outras bases de um serviço nacional de saúde de características nacionais universalizadas, como aconteceu com a revogação dos Decretos-Leis n. 530/79, e 85/79, referentes à institucionalização de cuidados primários.
Foi sobretudo impressionante constatar a votação negativa da AD, neste Parlamento, no passado mês de Junho, quando aqui se discutia e, a oposição pretendia fazer aprovar, um projecto de lei sobre "cuidados primários de saúde".
Como então foi afirmado por vários Srs. Deputados, "a institucionalização de cuidados primários constitui um sistema prioritário em qualquer serviço de saúde, independentemente da sua filosofia de base". E constitui-o, sobretudo, se esse sistema se propõe, como era o caso, ser o primeiro escalão
de uma organização eficiente de cuidados primários e diferenciados de saúde que conduza à estruturação de um serviço nacional de saúde descentralizado e democrático.
A Sr. Ilda Figueiredo (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Não se trata, portanto, para a AD, de aceitar, ou não a -institucionalização de certos princípios, básicos do funcionamento; da saúde que são genéricos e que foram já levados à prática em todos os países desenvolvidos: e em: muitos dos que se encontram em desenvolvimento. Trata-se, - sim, da não abdicação de certos pressupostos políticos,- mesmo - que as sua manutenção ponha em causa, de uma forma flagrante, um direito fundamental dos cidadãos, ó direito à saúde e a possibilidade de o cumprir de uma forma democrática por parte do Estado.
E então, que reformulação e que alternativas propõe-se AD para resolver os grandes problemas da saúde em Portugal? A AD, muito pura e simplesmente, reavivou- a velha polémica e os velhos conceitos da medicina pública e da medicina privada, a que acrescentou, com a colaboração da Ordem dos Médicos, o de medicina convencionada; anunciou, no papel, a extinção dos Serviços Médico-Sociais e a criação de um instituto nacional de saúde, com prioridade do preenchimento dos seus quadros de serviço à periferia; finalmente, estabeleceu o princípio pomposo de que o Estado não será o empregador obrigatório dê todos os profissionais dos diferentes extractos, mas apenas dos que necessite e onde a gradual evolução dos cuidados de saúde o imponha. É realmente um tanto confrangedor constatar a falta de capacidade organizativa e a falta de criatividade de toda esta actuação e destas propostas da AD no sector da saúde.
Vejamos porquê, reexaminando muito rapidamente os pontos fulcrais da problemática apontada:
1.° O VII Governo e a maioria parlamentar AD destruíram a Lei de Bases do não que esta Assembleia havia anteriormente aprovado.
2.° Com esta actuação eliminou-se a obrigatoriedade, do Estado de prestar cuidados de saúde a todos os cidadãos e de contratar a maioria dos médicos portugueses para esses cuidados ao mesmo tempo que se restabeleceu o princípio teórico de, que a licenciatura em Medicina representa a porta de saída paia várias modalidades profissionais da clínica, nomeadamente a medicina pública; a medicina livre e a medicina convencionada.
3.° Nestas circunstâncias, o Estado (e neste caso, o VIII Governo), sendo o detentor da medicina pública, coloca-se na situação, como já tem sido afirmado pêlos seus responsáveis, de só se sentir obrigado a contratar os médicos que quiser, quando quiser e para onde quiser. Todavia, a destruição da Lei de Bases do SNS não conduziu à eliminação dos demais pressupostos e condicionalismos que á sua futura regulamentação e necessária eficiência haviam determinado, como sejam o aumento do numero de faculdades de medicina e os respectivos números clausus,
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a obrigatoriedade de uma preparação profissional pós-graduada demasiado exaustiva e o aumento de exigências por parte da Ordem dos. Médicos quanto à obtenção de títulos profissionais.
5.° A persistência desses condicionalismos para acesso dos médicos à clínica livre e à chamada medicina convencionada é moral e constitucionalmente discutível e constitui, sem dúvida, uma ofensa grave à idoneidade do Ministério da Educação e das faculdades de medicina, cuja missão é a de preparar e diplomar profissionais da saúde para esses fins.
6.° Nessa mesma Linha de ideias, a não aceitação, por parte da Ordem dos Médicos, dos títulos profissionais hospitalares, para o exercício da clínica e das especialidades no campo da medicina livre e da medicina convencionada, constitui, por sua vez, uma dupla ofensa à idoneidade dos Ministérios da Educação e dos Assuntos Sociais.
7.° A contratação, por parte do Governo, de apenas alguns médicos, numa estrutura social em que esse mesmo Governo controla inteiramente o número de médicos a formar e a sua qualidade profissional, constitui, em nosso entender, uma prepotência do Estado, que conduzirá, a breve trecho, a uma elevada taxa de desemprego na classe.
8.° Essa prepotência aparece ainda extraordinariamente agravada quando constatamos que essa mesma contratação parcial se faz numa base proletarizante de "assalariado", a 170$ a hora, em relação a uma profissão e a uma classe que são um misto de ciência e de arte e cujo espírito de dedicação e de sacrifício não sofre confronto com qualquer outra.
9.° A ausência de uma política coerente de saúde e a não existência de uma filosofia de base, ao nível deste sector, acabaram por criar inúmeros e extensos conflitos nesta área, com grave desagregação das estruturas sanitárias existentes, desemprego médico em perspectiva e consequente falência técnica do MAS, apressada já com a demissão de directores-gerais e de técnicos qualificados.
Vozes do PS:-Muito bem!
O Orador: - Admitimos, para concluir, já que o Programa é omisso em aspectos concretos, que a AD e o VIII Governo pensem que, a um país incendiado, traficado de novo pela droga, com 25 % de analfabetos, com 10 % de deficientes, com 5 % de alcoólicos e com IS % de reformados, ter boa ou má saúde pouco mais dá.
A essa indiferença, se ela existe, e aqui fica a pergunta aos responsáveis pela saúde no VIII Governo Constitucional, diremos que não pensam assim os socialistas e que continuaremos a desenvolver a nossa luta por um serviço nacional de saúde digno e equitativo, para que ficar doente neste país deixe de ser realmente "uma trágica aventura".
Aplausos do PS. da ASD1, da UEDS. do PCP e do MDP/CDE.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Cardoso Ferreira.
O Sr. Cardoso Ferreira (PSD): - Sr. Presidente, quero fazer um protesto quanto às palavras do Sr. Deputado Fernandes da Fonseca referentes a afirmações que o Sr. Dr. Carlos Macedo teria produzido aqui e que foram perfeitamente desenquadradas do contexto em que foram proferidas.
O que o Dr. Carlos Macedo, como Ministro dos Assuntos Sociais, aqui disse foi que quem queria saúde e a podia efectivamente pagar devia fazê-lo para que outros que não pudessem tivessem acesso a medicina gratuita.
Vozes do PCP: - Essa agora!
O Orador: - Convém, portanto, não entrarmos em afirmações demagógicas e situar as afirmações no real contexto em que foram produzidas, para não terem efeitos cujo intuito não esteve na ideia do Sr. Ministro.
Por outro lado, queria salientar como objecto do meu protesto que é essa a questão essencial, e é o porque o governo da Aliança Democrática optou por um modelo diferente de serviço nacional de saúde. O modelo que os senhores propunham, e fizeram aprovar nesta Câmara quando tinham a maioria, era exactamente aquele em que todos, quer tivessem possibilidades, quer não, teriam direito e acesso a uma medicina gratuita.
Nós entendemos que devemos privilegiar aqueles que não têm meios, obrigando a pagar os que os têm, criando uma situação de verdadeira justiça social.
Uma voz do CDS:- Muito bem!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Oliveira Dias.
O Sr. Oliveira Dias (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Eu queria perguntar duas ou três coisas muito simples ao Sr. Deputado Fernandes da Fonseca, na sequência de afirmações que produziu e que eu ouvi, naturalmente, com o respeito que me merecem as suas opiniões, pelo valor que têm. Em todo o caso, queria perguntar-lhe quem é que politizou a saúde em Portugal;...
Risos do PCP.
...quem é que criou ou empolou conflitos e interesses de classes antagónicas entre médicos e doentes...
O Sr. Carlos Brito (PCP): - A Ordem dos Médicos!
O Orador:- ... e eventualmente entre médicos e outros agentes da saúde ...
Vozes do PCP: - A Ordem dos Médicos!
O Orador: - ...quem é que defendeu aqui na Assembleia essas posições.
Vozes do PCP: - A AD A Ordem dos Médicos!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, é figura regimental o direito de fazerem apartes, mas transformar
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esse direito numa contínua interrupção ao Sr. Deputado é que já transcende o espírito e a letra do próprio Regimento. Peco-vos o favor de terem isto em conta.
Queira fazer o favor de continuar, Sr. Deputado.
O Sr. Narana Coissoró (CDS):- É a sabotagem regimental!
O Orador: - Sr. Presidente, não me. incomodam nada as vozes dos Srs. Deputados do Partido Comunista. Simplesmente penso que o Sr. Deputado Fernandes da Fonseca não precisa de1 ponto,...
Risos do CDS.
Sobretudo dos Srs. Deputados ali presentes e em relação a esta matéria, em que é especialista!
Risos do CDS e do PSD.
A Sr. Natália Correia (PSD): - Apoiado!
O Sr. Narana Còisoró (CDS): - É a técnica da sabotagem!
O Orador:-Queria também perguntar ao Sr. Deputado Fernandes da Fonseca, que defendeu o projecto aqui derrotado de cuidados primários de saúde, em qual dos países do Mundo é que o Estado tem, como aqui se pretendia criar, o monopólio dos cuidados primários de saúde, em que países conhece quê ò Estado seja, como parece defender -ou talvez eu não tenha entendido bem-, o único empregador de todos os médicos.
Penso que estas questões, efectivamente, não devem ser analisadas artificialmente. Muito do que está de mal deve-se a isso mesmo, contra o que sempre me tenho manifestado, mas para melhor entendimento das nossas posições agradecia-lhe estes esclarecimentos.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Fernandes da Fonseca para responder.
O Sr. Fernandes da. Fonseca (PS): -Sr. Presidente, se V. Ex.ª me permite, utilizarei primeiro a figura de contraprotesto para responder ao Sr.1 Deputado que formulou o protesto.
Disse o Sr. Deputado que as palavras que aqui atribui ao Sr. ex-Ministro Carlos Macedo hão eram correctas. Admito perfeitamente que não tenha entendido bem a frase do Dr. Carlos Macedo, mas a ideia que me ficou foi essa. O que apreendi das explicações e intervenções que o Sr. Dr. Carlos Macedo fez, não só aqui na Assembleia como na Televisão e em entrevistas que deu para os jornais, era de que quem quer saúde paga-a!
De resto, penso que este assunto não vale mais comentários, na medida em que. o Sr. Dr. Carlos Macedo, ainda como Ministro da Saúde, quando aqui foi interrogado sobre que política adoptava, virou as costas à Assembleia e não deu qualquer resposta!
Vozes do PS e da UEDS: - Muito bem!
O Orador - Quanto às perguntas do Sr. Dr. Oliveira. Dias, queria dizer que tenho uma grande satisfação em responder porque lhe retribuo a maior estima, como sabe. De resto, aproveito para dizer que se alguma satisfação e algum lucro, no sentido afectivo, eu colhi com o desvio das minhas actividades profissionais e universitárias, vindo para esta Assembleia, foi justamente o convívio que aqui tenho tido é que esta Assembleia me tem permitido com grandes amigos, entre os quais o Sr. Dr. Oliveira Dias, com quem posso justamente dialogar e manter uma amizade por cima das divergências políticas.
A Sr. Natália Correia (PSD) e o Sr. Portugal da Silveira (PPM): -Muito bem!
O Orador: - Em relação às suas perguntas, Sr. Dr. Oliveira Dias, estamos, justamente por virtude dessas divergências políticas em desacordo.
Penso que o Partido Socialista não politizou a saúde, o Partido Socialista tinha uma política de saúde, como aqui afirmei, e toda a minha intervenção está. impregnada dessa defesa de uma política de saúde coerente, uma política de saúde que realmente não era transversal, mas longitudinal. E o Sr. Dr. Oliveira Dias sabe muito bem que há uma diferença profunda entre transversal e longitudinal! Quer dizer, era uma política de saúde a ia longe, com prioridades, com fases, com distritos piloto, etc. Por conseguinte! não considero que tenha sido o Partido Socialista quem politizou a saúde, mas justamente a AD, anulando um serviço nacional de saúde, um projecto, uma lei que poderia ser modificada. É isso que lamento profundamente. Talvez até o Sr. Dr. Oliveira Dias também lamente.
Quanto, ao monopólio dos cuidados primários, pois não há monopólio em nenhum país. Admito que até na própria Inglaterra não há monopólio dos cuidados primários, embora estejam a cargo do Estado. Mas é evidente que existe medicina livre e muitos dos nossos cidadãos vão a Inglaterra tratar-se, vão pagar cuidados primários e outros aos médicos ingleses.
Na realidade, penso que se trata de discutir se há ou não monopólio do Estado, mas sim de admitir ou não a prestação de cuidados primários de saúde a todos os cidadãos. Este é que é o princípio fundamental que é, naturalmente
O Sr. Oliveira Dias (CDS): -Dá-me licença, Sr. Deputado?
O Orador - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Oliveira Dias (CDS): - Mas aí penso que estamos perfeitamente de acordo.
O que não podemos aceitar -como figurava naquele projecto e tive oportunidade de aqui esclarecer - é que se atribua competência exclusiva aos centros estatais de saúde para observação primária dos doentes. Isso é que eu não penso que tenha justificação nem viabilidade prática. Quanto ao resto, estamos de acordo.
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O Orador: - Não se trata disso, Sr. Deputado Oliveira Dias. Trata-se de ser o Estado ou não o responsável.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, com a intervenção que a Sr. Deputada Alda Nogueira fez há pouco, inserindo-se no contexto do debate que incidiu sobre política externa, com a presença do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, entendeu a Mesa que estava de imediato substituída a intervenção do Sr. Deputado Álvaro Brasileiro, que inicialmente tinha cedido, com o Sr. Deputado Fernandes da Fonseca, a prioridade ao Sr. Ministro para intervir.
Tem, portanto, neste momento a palavra, pela ordem das inscrições, o Sr. Deputado Sousa Lara.
O Sr. Sousa Lara (PPM): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro e demais membros do Governo, Srs. Deputados: É-nos particularmente grato referir o cuidado e a profundidade de tratamento dedicado pelo Governo ao sector da cultura. Mais do que um país pobre, Portugal é um país de recursos mal aproveitados, e desta situação não se libertou ainda, entre tantos outros, o domínio a que se convencionou chamar da cultura.
Assim, e como pressuposto essencial de uma política global e consequente de reformismo social em que o Governo se empenha, é de aplaudir a elevação da Secretaria de Estado da Cultura a Ministério, tendo esta vocação horizontal em relação à generalidade dos serviços públicos. Afiguram-se assim dois níveis de possível vantagem: um de cariz técnico, pela coordenação funcional geral que pode permitir, outro político, pelo padrão de humanismo e de ética que pode conferir à acção pública.
Dentro desta ordem de ideias compreendemos a definição como primeiro dos objectivos principais no quadro da cultura, a procura de um consenso cultural com base na liberdade no pluralismo e com vista a uma identificação da imagem e personalidade nacionais. Apoiamos o louvável propósito, cientes de que o fenómeno da omnipresença das ideologias no seio da nossa sociedade política poderá vir a constituir entraves à acção governativa que, por ser responsável, se quer eficaz.
O vasto leque de medidas propostas pelo Governo é ambicioso, mas é, também, exequível. Cumpre-nos, assim e para já, felicitar os responsáveis governamentais pela sua apresentação.
Entendemos oportuno, agora, alertar o Governo para alguns pormenores e enfoques que pensamos úteis, com vista ao bom cumprimento dos propósitos que nos animam. Em primeiro lugar, e em paralelo com a fundamental' acção do Governo Central, deverão ser estimuladas e apoiadas acções múltiplas, concertadas e paralelas de iniciativa autárquica e privada.
A selecção das iniciativas concretas a empreender envolve, mais tarde ou mais cedo, a adopção de critérios políticos que há que assumir com coragem e com 'abertura. É fundamental tipificar e punir severamente os crimes contra o património cultural, mas há toda uma educação para a cultura que é necessário
empreender e incentivar, sem a qual correm o risco de se tornarem oficiais e abstractas as medidas de política cultural mais bem-intencionadas. O que mantém o património cultural nas sociedades mais atrasadas é o> conservadorismo dominante e o subdesenvolvimento tecnológico. Numa sociedade que se deseja reformista e progressiva, a defesa desse património funda-se na educação. É necessário divulgar a todos os níveis, desde os responsáveis pelas decisões até à infância, o interesse, a originalidade e a utilidade polifacetada do património cultural, quer o de carácter espiritual, quer o de âmbito material. Cumpre aqui aos poderes públicos rentabilizar ao nível máximo possível esse património, designadamente através de acções concertadas com a orgânica do turismo, ou pela viabilização económica de certas actividades artesanais e de valores patrimoniais.
No esforço de divulgação e educação culturais são particularmente oportunas as medidas de inventariação e registo pluriforme do nosso vasto espólio neste domínio, as quais, do mesmo modo, não poderão ser cabalmente desempenhadas sem a colaboração das autarquias, de associações culturais privadas e de particulares. Cabe, ainda, lembrar em todos os sentidos o grande património arquivístico que existe disperso e desconhecido por esse país fora, jazendo em parte incógnito nos arquivos distritais (que, por falta de verbas e de pessoal preparado, não oferecem condições satisfatórias de consulta) ou nos arquivos de interesse histórico, detidos por entidades privadas, e que, por falta de arrolamento, tão frequentemente são desmantelados e vendidos a retalho, já para não falar nos largos metros cúbicos de documentação que existe, sabe Deus em que circunstâncias, em arquivos históricos nacionais. Entendemos ser pertinente sugerir a utilização dos modernos métodos de informática no tratamento de toda a correspondente informação, sem a qual a referida rede de arquivos perde grande parte do seu sentido e do seu fundamental papel na continuação da cultura portuguesa.
Notamos, finalmente e com vivo agrado, o desejo que o Governo manifesta de manter activa a presença da língua e da cultura portuguesas fora das nossas fronteiras políticas e, em especial, junto das comunidades que dispersamos pelo Mundo.
Poderá o Governo estar certo da nossa sempre pronta colaboração na prossecução dos objectivos que a si próprios se impôs, designadamente no domínio da cultura.
Com a lealdade que tem caracterizado a nossa actuação como parceiros na Aliança Democrática, não fugiremos à intervenção, sempre que oportuna, na defesa das propostas ora apresentadas e nas de âmbito mais genérico constantes do programa da AD.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Álvaro Brasileiro.
O Sr. Álvaro Brasileiro (PCP): - Antes de mais, há que esclarecer o Sr. Deputado Mário Lopes quanto a uma afirmação de há pouco em relação aos pedidos, de ratificação: é que os pedidos de ratificação não suspendem a execução da lei, con-
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trariamente ao que o Sr. Deputado Mário Lopes tinha afirmado.
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Não percebe ...
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Ministros, Srs. Deputados: Os incêndios florestais assumiram no presente ano proporções calamitosas de graves consequências económicas- e sociais.
O património florestal consumido pelas chamas atingiu mais de 50 000 ha. É elevado o número de mortos e feridos, casas e culturas destruídas, gado morto, etc.
E o Governo; incapaz de encarar de frente a questão, multiplica as desculpas.
O ano, particularmente seco, fazia prever enormes riscos, mas as proporções assumidas resultaram em grande parte da incúria e do boicote' do Governo e da AD,
Em Fevereiro, o Sr. Primeiro-Ministro Pinto Balsemão afirmou que iriam ser tomadas medidas de reforço para a prevenção, detecção e combate aos fogos.
Na prática as medidas fundamentais não. foram adoptadas. A AD, que já anteriormente havia rejeitado o projecto de lei do Grupo Parlamentar do PCP sobre a defesa da floresta, contra os incêndios, boicotou mais uma vez a resolução do problema, quando durante a ratificação pedida pelo PCP do Decreto-Lei n.° 327/80 e rejeitou outras medidas necessárias.
A AD disse não. à atribuição de subsídios para suportar os custos de .aquisição e uso de equipamento de detenção e combate aos incêndios. A AD recusou a garantia legal de compensação de eventuais perdas de salários de pessoal empenhado no combate aos incêndios. Rejeitada foi igualmente a nossa proposta que impunha a formação de corpos especiais de vigilantes de incêndios. Por outro lado, não foi sequer apreciado o projecto do PCP visando a reestruturação da comercialização de madeiras. Agora, o boicote do Governo AD verifica-se perante a necessidade de promover a extracção de emergência de cerca de 3 000 000 st de madeira. O Governo limitou-se a garantir aos madeireiros que as empresas de celulose e serrações pagarão a madeira queimada ao preço da madeira verde. Garantiu aos madeireiros, mas não informou devidamente os produtores florestais, que acabam não só por ser vítimas dos fogos como .da especulação e negócios escabrosos.
Contudo, o Governo podia e devia ter cumprido a lei, que, por iniciativa da oposição, passou a comprometer o Estado, em conjugação com os produtores, a promover a instalação de parques de emergência para a recepção das madeiras ardidas e a facilitar por todos os meios a respectiva tiragem e comercialização. «Depois da casa arrombada trancas na porta» é o ditado que bem se pode aplicar a este governo da AD quando vem agora prometer medidas que o anterior governo Balsemão também prometeu, que em certos casos já são lei e a AD nunca cumpriu! Basta de palavras, senhores do Governo! São realmente necessárias medidas imediatas, nomeadamente as tendentes a apoiar os sinistrados (medidas que podem ir desde a insenção da contribuição predial rústica até a atribuição de subsídios para a limpeza das matas, para reflorestação para o repovoamento a efectuar pêlos próprios produtores, etc., etc., etc.).
É necessário garantir mesmo o corte e escoamento das madeiras ardidas e impedir que os produtores florestais tenham de vender ao desbarato e por tuia e meia as suas madeiras a grandes intermediários sem escrúpulos, que já estão a explorar as incertezas e dúvidas resultantes da desinformação e da incapacidade deste governo.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Para o próximo ano há que começar desde já a tomar medidas de fundo:
Levar à prática as conclusões dos estudos científicos sobre os incêndios florestais e elaborar os que faltem;
Técnicos especializados em incêndios florestais? Há que formá-los rapidamente;
Os bombeiros deverão ter meios de especialização e serem devidamente apetrechados;
E - coimo é possível haver condenação, organização e planificação, quando os próprios responsáveis do Serviço Nacional de Protecção Civil reconhecem não disporem nem de pessoal, nem de estruturas que lhes permitam assumir as responsabilidades que em tal matéria lhes são cometidas pela lei. Há que criá-las!...
É necessário tomar iniciativas eficazes de apoio e, fomento ao associativismo dos produtos florestais;
É preciso aplicar efectivamente à lei dos baldios, de outra forma teremos populações desmotivadas para o combate aos fogos; É indispensável não perder tempo na criação de uma adequada e devidamente instalada rede de vigias, com suficiente e preparado pessoal para os postos fixos e patrulhas ambulatórias; .. É necessário equipar capazmente os guardas florestais e aumentar o seu número; É necessário garantir a reflorestação, mas é intolerável a demagogia do Governo todo facilidades que promete fazer tudo já, quando sabe bem que não tem viveiros bastantes. Esqueceu-se de os fazer a tempo e horas.
Por outro lado, a Assembleia da República não pode ficar alheia a toda esta tarefa. Por isso mesmo o PCP proporá a constituição, no mais curto prazo, de uma comissão eventual da Assembleia da República que, em tempo útil, estude aprofundamente e proponha ao Plenário um verdadeiro código da floresta e outras medidas necessárias para a completa salvaguarda da floresta portuguesa.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Não pode admitir-se que continuem a ser devorados pelas chamas milhares de hectares
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do património florestal do País. Não pode tolerar-se que se continue a contar unicamente com o esforço abnegado (que muitas vezes custa a própria vida) dos soldados da paz e das populações.
A responsabilidade da não adopção a tempo das medidas necessárias recairá por completo sobre a AD e o seu governo.
Aplausos do PCP e do MDP/CDE.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Coimbra.
O Sr. Luís Coimbra (PPM): - Ouvi com muita atenção a intervenção do Sr. Deputado Álvaro Brasileiro, e considerando que grande parte da matéria que versou se relaciona com uma decisão do Conselho de Ministros da semana passada que foi tornada pública não só pelo anúncio das resoluções desse Conselho de Ministros como também por uma intervenção do Sr. Ministro da Agricultura e Comércio, Dr. Basílio Horta, na televisão -, perguntaria se o Sr. Deputado Álvaro Brasileiro vem agora à pressa aderir ao programa de reflorestação e da nova política florestal da AD.
Vozes do PPM e do PSD: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Naturalmente que o Sr. Deputado Álvaro Brasileiro se reserva o direito de responder no final das interpelações sucessivas de que vai ser objecto.
Tem a palavra o Sr. Deputado Mário Lopes.
O Sr. Mário Lopes (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É evidente que eu não poderia ficar calado - embora o tempo de que o meu grupo parlamentar dispõe neste momento seja relativamente escasso- ao desafio feito pelo Sr. Deputado Álvaro Brasileiro. Conhecia o Sr. Deputado Álvaro Brasileiro como homem com conhecimento de culturas arvenses, não com conhecimento de cultura florestal. Enfim, cada um toca aquilo que quer e cada um toca aquilo que lhe mandam tocar ...
Risos.
Queria dizer ao Sr. Deputado que no tempo em que o senhor e o seu partido indigitaram para Ministro da Agricultura e Pescas o Sr. Engenheiro Oliveira Baptista arderam no País cerca de 88 000 ha. Isto foi, mais concretamente, em 197S.
É evidente que o senhor tinha na Secretaria de Estado da Reestruturação Agrária um homem que eu considero um técnico brilhante, porque é, não o considerando como político, o engenheiro Vítor Louro. Considero-o um técnico brilhante, capaz de equacionar os problemas florestais na devida dimensão.
O Sr. Sousa Marques (PCP): - Incendiário não é!
O Orador: - V. Exa. falou em postos de vigia, V. Exa. falou em combate e prevenção de fogos, V. Ex.ª falou naquilo que a Aliança Democrática não fez. Pergunto à bancada do Partido Comunista o que é que fez quanto a combate a fogos em 1975 e nos anos que se seguiram, nos anos em que dominaram, inclusivamente, toda a problemática governamental.
Risos do PCP.
Nada. Arderam 88000 ha e não fizeram postos de vigia, não fizeram campos de aviação.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Ardeu tudo!
Orador: - Aquilo que o governo da Aliança Democrática fez foi instalar campos de aviação de combate a fogos nas zonas onde não haja influência de nevoeiros, e os senhores não tiveram coragem de mudar o campo da aviação da Lousa para outras zonas. Como o Sr. Deputado sabe ou certamente não saberá -, o campo da Lousa não é um campo de aviação eficaz para o combate a incêndios porque tem nevoeiros até demasiado tarde e, por conseguinte, os aviões só podem levantar depois do meio-dia. É isso que é necessário o senhor dizer.
Fala o Sr. Deputado nos soldados da paz, mas o que é que o Partido Comunista deu aos soldados da paz no tempo em que foi governo? Nada. Nem um helicóptero lhes deu para fazerem o helitransporte para combate aos fogos logo de início. Não o fizeram.
Eu fui um dos que mais combateram o vosso projecto de lei e sentia-me vexado se não dissesse aqui publicamente -para que o público e o eleitorado saiba- que o vosso projecto de lei é um projecto de protecção de fogos, e de prevenção, mas tinha subentendida uma perspectiva de nacionalização da floresta privada. Sabe disso perfeitamente e nós temos que admitir que a floresta privada, neste momento, atinge 1,3 da unidade de superfície. Talvez o Sr. Deputado Álvaro Brasileiro e o seu grupo parlamentar queiram também nacionalizar aquelas pequenas propriedades.
Vozes do PSD e do CDS: - Muito bem!
O Orador: - Além do mais, queixa-se o Sr. Deputado de que a madeira está a ser encaminhada para os intermediários. O que é que fez o Ministro Oliveira Baptista? O que é que fez o Secretário de Estado do V Governo Provisório? O que é que fizeram os outros governos para que a madeira não fosse canalizada para os intermidiários?
A Portucel, que é uma empresa nacionalizada ao serviço dos trabalhadores, neste momento não recebe madeira. Qual é a canalização? V. Exa. sabe que uma madeira ardida tem três meses para ser cortada, para não perder o seu valor real e efectivo, para poder ser exportada? V. Exa. sabe qual é o valor acrescentado; da madeira acima de 18 cm? Era a isto, Sr. Deputado, que eu queria que respondesse.
Em termos de valor acrescentado, em termos de trabalho que é o que os senhores defendem, segundo dizem -, quanto é que custa l m3 de madeira?
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Que grande maravilha! ...
O Sr. Sousa Marques (PCP): - Este deputado vale 1,3...
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O Sr. Presidente. - Tem a palavra o Sr. Deputado Menezes Falcão.
O Sr. Menezes Falcão (CDS): - Sr. Presidente e Srs. Deputados; Eu pedi a palavra, não para fazer uma dissertação sobre um problema que me parece particularmente grave e importante, pois estamos em presença de uma calamidade nacional - isso levar-nos-ia muito longe porque a análise deste problema merece uma reflexão muito profunda, merece que se citem calmamente conhecimentos profundos de ataque a incêndios, e não é a hora propicia para fazer uma análise desta natureza -, mas, de qualquer modo, comungo das preocupações do Sr. Deputado Álvaro Brasileiro,, que falou com a legitimidade de um português.
O Sr. Deputado Álvaro Brasileiro citou vários factos, todos de. natureza negativa, e acusou o Governo. Aliás, já não é a primeira vez que isso acontece hoje na Assembleia. Já várias pessoas entenderam que deviam acusar o Governo por todas as calamidades nacionais...
Vozes do CDS: - É da Festa do Avante!
O Orador - ...o que parece estar a predominar nesta Assembleia e, salvo o devido respeito, me parece errado.
De qualquer forma, «prestei muita atenção às considerações do Sr. Deputado, em busca daquilo que para mim seria uma sugestão no sentido de trazer um contributo válido para o tal estudo que todos nós devemos fazer oportunamente. E das sugestões que efectivamente surgiram das palavras do Sr. Deputado houve, uma que me prendeu particularmente a atenção, e é precisamente essa que determina esta minha pergunta concreta: o Sr. Deputado preconiza que sejam atribuídos subsídios aos proprietários dos pinhais para que se proceda à limpeza das matas e eu pergunto se isso não seria a mesma coisa que conceder-lhes subsídios para a cava da vinha ou para a monda do arroz.
O Sr. César de Oliveira (UEDS): - Uma grande profundidade!
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Álvaro Brasileiro.
O Sr. Álvaro Brasileiro (PCP): - Gostaria de poder responder pormenorizadamente às perguntas formuladas pêlos três Srs. Deputados. No entanto, levando em conta os limites de tempo, terei de dar uma só. resposta.
Quando o Sr. Deputado Luís Coimbra afirma, por exemplo, que o meu partido está a aderir às linhas programáticas apresentadas agora pelo Governo AD, devo dizer-lhe que essas medidas, por muito que sejam apresentadas ao povo português e especialmente aos que foram mais prejudicados com o problema dos fogos, a AD não as irá cumprir porque não tem capacidade para isso e a sua negligência será a mesma que até ao actual momento.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Bruxo!
O Orador - Quanto ao Sr. Deputada Mário Lopes, a verdade é que o senhor é um técnico e eu não lhe retiro essa qualidade.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Não se nota.
O Orador: - Mas digo-lhe, com franqueza, que não é só a teoria que vai resolver os problemas da nossa agricultura. Os agricultores estariam desgraçados se enveredassem apenas pela teoria.
As suas afirmações são de uma baixeza tal, Sr. Deputado, que, com franqueza, digo-lhe que não esperava isso de si.
Aplausos do PCP.
- É verdade que não conheço os problemas da floresta, mas, embora não os possa apresentar tecnicamente, sinto-os na carne. Ao lado dos agricultores sinistrados ajudei a combater os fogos, a seu lado sofri aquilo que alguns deputados da AD não foram capazes. E deviam ter estado lá.
Aplausos do PCP.
Quero dizer-lhe mais, Sr. Deputado Mário Lopes: o senhor sabe perfeitamente que o meu partido se bateu nessa matéria apresentando projectos de leis. E faço lembrar-lhe que numa reunião da Comissão de Agricultura e Pescas, em que esteve presente o então Sr. Ministro da Agricultura e estavam representadas pessoas ligadas aos bombeiros, pessoas, portanto, de grande responsabilidade, foram- até elogiadas algumas das propostas que figuravam nosso projecto de lei.
Foi depois, na votação, que o Sr. Deputado Mário Lopes e outros entenderam passar por cima do consenso a que se tinha chegado e melhorar o decreto-
lei da AD.
O que acontece, Sr. Deputado, é que, por negligência ou incúria, o Sr. Deputado Mário Lopes foi aquele que mais se bateu para que o pedido de ratificação do Partido Comunista Português fosse rechaçado.
Por isso, Sr. Deputado, afirmo mais uma vez que não são apenas os técnicos que hão-de resolver os problemas. Não acredite nisso. A teoria e a prática é que resolvem os problemas, é na luta e no viver com os agricultores nestas zonas sinistradas que isso se consegue.
Aplausos do PCP e do MDP/CDE.
O Orador - Não pode pensar, só porque é técnico e porque eu sou camponês, que o senhor é mais do que eu. Sr. Deputado Mário Lopes, tire isso da cabeça, porque se o pensa é errado.
Quanto à afirmação do Sr. Deputado Menezes Falcão sobre o problema das madeiras em relação aos subsídios aos proprietários, eu quando falo no subsídio aos proprietários refiro-me aos das zonas atingidas pêlos fogos. Foi esta a afirmação que fiz.
Aplausos do PCP e do MDP/CDE.
O Sr. Mário Lopes (PSD): - Sr. Presidente, eu desejo protestar. Embora não quisesse usar essa figura regimental, terei de o fazer neste momento.
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O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Mário Lopes (PSD): - É evidente que não pus em causa a idoneidade prática do Sr. Deputado Álvaro Brasileiro. Acho que é um homem prático, com quem tenho tido conversas particulares, nas quais, eu como técnico e ele como prático, temos chegado, até, a acertar agulhas em determinados pontos de vista. Não é isso que quero dizer. Aliás, não quero menosprezar ninguém. Aqui não sou um técnico, sou um deputado, tal como V. Ex.ª, Sr. Álvaro Brasileiro, é um técnico, tal como o Sr. Engenheiro Veiga de Oliveira é um técnico e um produtor de vinhos. E na produção de vinhos também sou capaz de discutir com o Sr. Deputado Veiga de Oliveira ...
Risos.
O Sr. Sousa Tavares (PSD): - Como produtor e como consumidor ...
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Olhe que não!
O Orador: - É evidente, Sr. Deputado, que não está aqui a teoria, nem está aqui a prática. É evidente que eu não sou já um jovem que me leve pela teoria, também tenho o sentido prático das coisas, e V. Ex.ª sabe isso perfeitamente. Tenho tido o sentido prático, na verdadeira acepção, do que é a floresta, o sentido prático e técnico
E V. Ex.ª tem tido a oportunidade de se aperceber disso - se não tem tido uma venda nos olhos que não o deixe ver aquilo que é necessário e possível fazer em termos técnicos. Eu alio a técnica à prática. Admito a prática como uma técnica. E é isso, talvez, que o senhor não admite, em sentido contrário.
Além do mais, quero dizer que o senhor falou em reflorestação, mas conhece, possivelmente, o programa de reflorestação do VII Governo, que se vai prolongar no VIII Governo.
O senhor sabe qual é a reflorestação do Fundo de Fomento Florestal? O senhor e o seu colega de bancada sabem que o Fundo de Fomento Florestal neste momento procede à reflorestação das zonas ardidas?
O Sr. Rogério de Brito (PCP): - Não tem programa, é falso.
O Orador: - Isso que o senhor está a dizer é uma falsidade. E posso-o desmentir amanhã. O Sr. Deputado tem de admitir a minha argumentação e combater-me com elementos, números e provas. Eu provo que no concelho de Oleiros, que é uma zona crítica, está a ser feita a florestação de 700 ha por intermédio do Fundo de Fomento Florestal.
Quanto às medidas preconizadas pelo Sr. Ministro, de então, da Agricultura e Pescas, não foram traídas na Comissão de Agricultura. Houve, sim, um ajuste de medidas que pudessem equacionar melhor o problema.
O Sr. Deputado Álvaro Brasileiro sabe que havia no seio da Comissão a conjugação de três Ministérios (Ministério da Administração Interna, por intermédio do Serviço Nacional de Bombeiros, Ministério da Agricultura e Pescas, por intermédio da Direcção-Geral do Ordenamento Florestal, e Ministério da Defesa, por intermédio do Gabinete de Protecção Civil). Era isto que era necessário equacionar e não fomos nós que o impedimos. E como o Sr. Deputado falou dá a impressão de que os elementos da AD é que não são capazes de resolver os problemas dos fogos.
Vozes do PCP: - É verdade! É verdade!
O Orador: - Também lhe posso dizer, desde já, que em 1975 os senhores do Partido Comunista não foram capazes de resolver os problemas de 88 000 ha de floresta ardida.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
O Sr. Presidente: - Para um contraprotesto, tem a palavra o Sr. Deputado Álvaro Brasileiro.
O Sr. Álvaro Brasileiro (PCP): - Quanto às últimas afirmações do Sr. Deputado Mário Lopes, não lhe vou responder, porque são tão ridículas e de uma baixeza tal que não me merece a pena ir atrás dessa provocação.
No entanto, quero chamar a atenção do Sr. Deputado Mário Lopes de que escusa gritar para a Televisão, porque os bombeiros e as populações sabem perfeitamente o que é que a AD fez agora durante o tempo que os incêndios lavraram nas suas terras e nas suas zonas.
Não houve, de maneira nenhuma, ajudas da AD. Por essa razão, escusa de gritar para a Televisão, porque os agricultores, os bombeiros e as populações sabem perfeitamente aquilo que a AD fez e continua a fazer.
Não acredito que a AD seja capaz de solucionar o problema porque é incompetente e não tem, de maneira nenhuma, condições de levar para a frente
aquilo que diz aqui em palavras. As palavras parecem uma coisa e a prática é outra, Sr. Deputado Mário Lopes.
Aplausos do PCP.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Dá-me a palavra, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?
O Sr. Silva Marques (PSD): - É para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Faça favor.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Poderá a Mesa, neste momento, fornecer aos grupos parlamentares o ponto da situação relativamente aos tempos disponíveis?
O Sr. Presidente: - Com muito gosto, Sr. Deputado.
São os seguintes: Governo, 13 minutos; PSD, 32 minutos e 30 segundos; PS, 2 minutos e 30 segundos; CDS, 27 minutos; PCP, 3 minutos; PPM, excedeu em 1 minuto o tempo previsto para hoje; a ASDI e a UEDS dispõe, respectivamente, de 5 minutos e 30
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segundos e de 5 minutos, e o MDP/CDE e a UDP excederam os seus tempos, respectivamente, em 1 minuto e em 5 minutos e 30 segundos.
Tem agora a palavra o Sr. Deputado Jorge Miranda para uma intervenção.
O Sr. Jorge Miranda (ASDI): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo: Uma das quatro prioridades apontadas no Programa do Governo é «o arranque de uma política de regionalização» enquanto «objectivo fundamental», frisou aqui o Primeiro-Ministro, «que, para além de constituir imperativo constitucional, é uma exigência de desenvolvimento do País e de correcção de desigualdades pessoais, sectoriais e geográficas que caracterizam a sociedade portuguesa».
Por nós, naturalmente, estamos de acordo com tal prioridade e com tal objectivo. Coerentes com a nossa ideia de democracia e com a nossa imagem de Portugal, sempre temos defendido a regionalização insular e continental, certos do que ela envolve de liberdade e igualdade entre todos os cidadãos onde quer que residam e convictos de que a unidade essencial do País passa pela diversidade e pela vitalidade das regiões. Neste sentido nos temos pronunciado desde a elaboração do primeiro programa social-democrata e desde a Assembleia Constituinte e orgulhamo-nos de que seja a Constituição de 1976, que nunca renegámos, a matriz básica da regionalização portuguesa.
Vozes do PS e do MDP/CDE: - Muito bem!
O Orador: - Mas, Srs. Deputados e Srs. Membros do Governo, não bastam os intuitos generosos, nem as justas e belas e eloquentes palavras. Importam, ainda e sobretudo, os meios propostos pata atingir as metas; importa a linha de acção que se defina para lhes dar efectivação; importa a concepção inspiradora das directrizes práticas a adoptar. É através do conhecimento desses meios, dessa linha de acção e dessa concepção que, ao cabo e ao resto, se há-de avaliar o sentido real da política submetida à apreciação do Parlamento.
Infelizmente, são tão escassas as medidas inseridas no texto do Programa do Governo e no discurso de apresentação do Primeiro-Ministro, tanto em silêncio ficam questões fundamentais, tão fluídos se revelam o modo e o tempo de concretização acenados que legítimas são as dúvidas sobre o alcance da prioridade escolhida e sobre a possibilidade de se vir a obter qualquer mudança.
Em primeiro lugar, se a regionalização é um processo global e complexo, em que tem de avultar a específica relevância do planeamento regional e se a regionalização do continente (porque a dos arquipélagos atlânticos é um facto irreversível) ganhará em aparecer ligada à desconcentração de serviços periféricos da administração do Estado, nem por isso ela pode deixar de se identificar, antes de mais, com a emergência das regiões e pode deixar de assentar na ponderação de uma adequada divisão regional. Só é verdadeira regionalização a expressa em autarquias regionais, só obedece ao comando constitucional a que seja obra de descentralização, só é democrática a que se torne veículo de participação multiplicada e não expediente de tecnocracia.
Ora, apesar de se chamar á atenção para a «importância condicionante» da criação das regiões administrativas e de se falar numa «lei quadro de regionalização, não se salientam suficientemente as regiões dentro do processo previsto, não se destrinça com rigor o seu papel em face da administração local do Estado, não se estabelecem as balizas e os limites da desconcentração (que pode revelar-se, aliás, uma forma diferente de centralização), não se contempla a articulação das novas autarquias com as já existentes, não parece haver bem consciência de que a autarquia regional é um complemento e uma garantia das autonomias municipais. Dir-se-ia e como sucede no projecto de revisão constitucional da Aliança Democrática a propósito do artigo 6.º da Constituição
que a regionalização pode ser cindida do poder local.
Em segundo lugar, o Programa do Governo aparece, de todo em todo, omisso acerca do número, da extensão e do recortar das futuras regiões continentais. Circunscreve-se a uma referência, ao chamado Livro Branco da Regionalização, publicado pelo VI Governo Constitucional, o qual, embora valioso, é demasiado teórico e não indica a via a percorrer para chegar às regiões.
Não ignoramos a delicadeza do problema por razões óbvias e apreciamos o desejo manifestado de aprofundamento da discussão que, aqui e ali, se vai travando sobre o assunto. No entanto, tão pouco pode o Governo ignorar que esta é uma questão prévia - até da desconcentração regional (que, e muito bem, se almeja ligada a uma divisão uniforme do território correspondente à região). E tão pouco pode o Governo eximir-se a alvitrar pistas de solução ou a cuidar dos vários tipos de regiões possíveis.
De que regiões se cura então? De regiões equivalentes aos actuais distritos (o que, sem dúvida, frustraria a inovação constitucional das regiões?). De regiões construídas a partir de agrupamentos de distritos ou, ao invés, de regiões feitas ao arrepio das silhuetas distritais? De regiões correspondentes às províncias históricas (Minho, Trás-os-Montes, Beira , Estremadura, Alentejo e Algarve) ou de regiões traçadas ex novo (como as que constam dos documentos elaborados pelo I e pelo VI Governos Provisórios em 1974 e 1976, respectivamente?). De regiões longitudinais homogéneas ou de regiões transversais (litoral-interior) heterogéneas? E como conjugar a organização autárquica própria das grandes zonas urbanas ou metropolitanas (a respeito das quais o Governo nada diz) com as regiões em que venham a ficar compreendidas ou de que venham a ser limítrofes?
Em minha opinião, a divisão regional deve ser evolutiva, realista e flexível, como se escreve no citado Livro Branco. Contudo, ao contrário do que lá ainda se aduz, não julgo conveniente avançar de regiões relativamente grandes e diversificadas para regiões menores; as tradições, as realidades locais, os interesses dos residentes, as próprias dificuldades da empresa antes recomendam que se parta de regiões relativamente pequenas para depois se pensar em cinco ou seis regiões de dimensão europeia e económica e socialmente viáveis a longo prazo (até na perspectiva da Europa das regiões).
Conexo com este ponto depara-se outro: o da intervenção das populações na formação das regiões.
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Por força do artigo 256.º, n.º 3, da Constituição, a instituição concreta de cada região dependerá do voto favorável da maioria das assembleias municipais que representem a maior parte da população da área regional. Simplesmente, como bem se compreende, este preceito tem de ser entendido como um mínimo e não como um máximo, pois as assembleias municipais e outros órgãos autárquicos não podem ficar arredados de nenhuma fase do processo, nem - noutro plano - marginalizadas devem ficar as associações regionalistas (a que se devem tão ricas contribuições sobre toda esta problemática).
As regiões não deverão surgir de cima para baixo; terão de surgir, sim, em resultado de um diálogo franco, esclarecido e fecundo entre o Poder Central e as instituições locais.
Esse diálogo institucional não está, porém, contemplado no Programa do Governo. Apenas aí se alude ao referendo, sem se definir o seu objecto e sem se prevenir que, conquanto desejável e com plena razão de ser (conforme nós temos sustentado há muito), o referendo local, também ele, só pode verificar-se após a revisão constitucional.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Ministros: Fazendo estas observações críticas, procuramos aproveitar o presente debate para, longe da banalidade dos ataques de ocasião e de posição, reflectir construtivamente sobre problema não conjuntural como é o da regionalização, sobre problema de regime e não somente de Governo, sobre problema de cultura cívica tanto quanto de poder.
É tempo de abandonar as mentalidades centralizadoras, mas é também tempo de fugir aos chavões condenatórios estafados com que, não raro, as mesmas mentalidades iludem ou se iludem; é tempo de a pretensa classe política lisboeta ir ao encontro da província, mas é também tempo de acabar o culto do provincianismo e do provincialismo.
É tempo das regiões, mas é sempre tempo de lembrar que, mais forte do que a condição de minhoto e madeirense, açoriano ou beirão, é e deve ser a qualidade de português que a todos nos une. A regionalização não pode servir egoísmos, feudalismos ou novos clientelismos partidários. A necessária, possível e urgente regionalização só o será no âmbito de uma maior solidariedade nacional.
Aplausos da ASDI, do PSD, do PS, do CDS, do PPM, da UEDS e do MDP/CDE.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Jorge Miranda, na intervenção que acabou de fazer não só consumiu completamente o tempo atribuído ao seu partido como ainda o excedeu em 5 minutos e 30 segundos, que ficam obviamente submetidos ao regime estabelecido.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, quando pedi a palavra era realmente para pedir esclarecimentos, mas, se V. Ex.ª me permite, relembrava a regra estabelecida na reunião dos presidentes dos grupos parlamentares no sentido de que as antecipações de tempo seriam aceitáveis desde que não constituíssem uma incompatibilidade com a razoabilidade e já não digo com a rigidez do horário previsto. Creio que a adaptação do horário significará duas horas, na medida em que a visão inicial era a de se terminar às 21 horas e 30 minutos.
Mas já que passámos a trabalhar com a meta das duas horas, creio que esse princípio deveria ser aplicado de forma não rígida, e julgo que estarmos a entrar um pouco no dia de amanhã é estarmos a antecipar-nos, é verdade, embora prolongando erradamente esta hora.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Silva Marques, há dezassete minutos que o início dos trabalhos foi ontem, portanto não estamos em amanhã mas sim em hoje.
Risos.
E a Mesa para não entrar em problemas discutíveis de critério que possa favorecer este ou aquele Sr. Deputado, e porque não tem realmente motivo para dizer que três minutos está bem e quatro minutos já está mal, prefere usar o rigor do critério estabelecido nas reuniões dos presidentes dos grupos parlamentares.
É muito louvável a sugestão, de V. Ex.ª, mas a Mesa, em todo o caso, prefere continuar com o processo que até aqui usou e que, em certo sentido, já constitui precedente. De contrário, teríamos inclusivamente de rever os tempos de outros Srs. Deputados que já foram apontados como repercutindo-se no tempo de amanhã.
Neste sentido, e embora seja muito louvável a sua posição, a Mesa prefere a uniformidade de critério que tem seguido até aqui, embora possa admitir que talvez não seja o melhor.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, aliás, a minha intervenção era no exercício de um direito meu que tinha uma outra finalidade: pôr em evidência o justo equilíbrio com que a Mesa dirige os trabalhos.
O Sr. Presidente: - Agradeço-lhe imenso as suas palavras, Sr. Deputado.
Tem então V. Ex.ª a palavra para pedir esclarecimentos.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ouvi com a possível atenção a intervenção do Sr. Deputado Jorge Miranda. Não quereria dizer-vos da retrospectiva que vivi: fui estudante de Direito e senti-me um pouco de novo nesse tempo. Mas voltando rapidamente à actualidade, queria muito simplesmente perguntar ao Sr. Deputado Jorge Miranda como é que, considerando ele a regionalização uma questão tão importante como é e pedindo ele uma reflexão sobre a mesma exactamente porque pensa que ela é importante, é histórica - e não vamos resolver imediatamente, pois o que interessa é saber se vamos atacar depressa esse aspecto como objectivo fundamental -, pode ficar surpreendido com o facto de no Programa do Governo não se encontrar desde já concretizado o contorno, o recorte e o funcionamento da região. Acha o Sr. Deputado que o Governo deveria precipitar-se, quando o próprio Sr. Deputado Jorge Miranda faz apelo à reflexão?
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E repare apenas no seguinte: o Sr. Deputado na sua intervenção mostrou bem, por um lado, a sua preocupação de coerência com o ponto de partida, isto é, com uma questão que é fundamental, é histórica e, ao mesmo tempo, a preocupação de pôr em causa o Governo. Simplesmente, os problemas são demasiado grandes para que nós, possamos fazer brilharetes tão facilmente.
Sr. Deputado Jorge Miranda, numa das poucas passagens do seu discurso em que tentou fazer sugestões construtivas viu-se obrigado à utilização desta terminologia: «regiões grandes e menores» e depois, três ou quatro frases a seguir, «relativamente pequenas».
Risos do CDS.
Poderá V. Ex.ª definir-me o que é que entende por regiões maiores, menores e relativamente pequenas?
Finalmente, V. Ex.ª fez referência ao provincianismo, dizendo que é necessário combatê-lo. Sem dúvida! Eu só me pergunto neste momento quem são os provincianos, se, são os de Lisboa ou os da província?
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
A Sr.ª Natália Correia (PSD): - Em Lisboa há mais provincianos!
O Sr. Presidente: - Igualmente para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Sousa Tavares.
O Sr. Sousa Tavares (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Jorge Miranda: - As minhas felicitações por ter abordado um dos pontos do Programa do Governo com maior interesse e de o ter situado em termos culturais, procurando salientar perante esta Câmara a gravidade da problemática da regionalização. Penso que a regionalização é um assunto em que todos nós caminhamos um pouco de olhos vendados.
Temos uma experiência perdida de regionalização de praticamente há dois séculos, desde o centralismo pombalino, e, sobretudo, desde as leis de Mouzinho da Silveira e a partir daí, portanto, é uma tradição perdida. Ressuscitar, essa tradição, torná-la possível, é um ensaio e um desafio político que só com a colaboração de todos os políticos pensantes deste país se poderá fazer. Tem V. a Ex.ª toda a razão quando diz que a problemática se situa perante o Estado e
perante as autarquias.
Julga que a região, talvez no seu princípio, deve brotar da vida das autarquias e da autenticidade dessa vida municipal para se poder, através dela, começar a pensar na regionalização. Ora, isso toca evidentemente em várias ideias que tenho sobre a municipalização e sobre as autarquias, que são do conhecimento público e não me importo nada de recordar nesta Câmara.
Penso que em, grande parte, o principio de independência das autarquias está falseado pela obrigação de apresentação de listas partidárias para a eleição dos corpos autárquicos. Nada se adiantará enquanto os partidos não consciencializarem que é preciso que o concelho ressuscite na sua pureza da tradição nacional, na sua independência, que o município faz parte da sociedade civil...
O Sr. Sousa Marques (PCP): - Havia de fazer parte da sociedade militar!
O Orador: - ..., que não é um órgão do Estado e que, portanto, deve surgir com integral independência em face dos partidos e do Estado.
Quanto a mim, a região é diferente. Penso que na região terá de haver um mínimo de desconcentração dos poderes do Estado. Ao conceber aquilo que pode vir a ser uma região futura temos de pensar que, de certa maneira, tem de haver um desmembramento regional de certos poderes de decisão do Estado. É esta distinção que me parece não ter sido feita em teoria e não temos leis que a sustentem. Ora, na revisão constitucional apenas poderemos esboçar talvez dois princípios, um dos quais dê possibilidade à reflexão desta Câmara e dos próprios partidos para que amanhã se venha a instituir a autonomia concelhia como eu a concebo. Que isso não fique vedado na Constituição, porque, se não se criar desde já a possibilidade de liberdade de eleição dos corpos autárquicos, pelo menos que a Constituição a venha a permitir em resolução futura desta Assembleia. Porque penso que a verdade caminhará nos espíritos e serão os próprios partidos, que compreenderão amanhã que não há regionalização, que não há verdadeiras autarquias enquanto elas dependerem dos partidos, na medida em que essa é uma forma de centralização como outra qualquer.
Portanto, se esse principio base vier a ser aceite, penso que podemos caminhar num futuro próximo para uma regionalização. De contrário, estaremos apenas a criar degraus da administração do Estado - directa ou indirectamente, são apenas degraus da administração do Estado. Para que o princípio da regionalização viva na sua inteira verdade é preciso que ele venha a corresponder a uma desconcentração das poderes do Estado que os municípios não são nem devem ser. O município é essencialmente destinado à vida concelhia, à vida municipal, à vida da pequena municipalidade concelhia.
Por outro lado, na ideia de região já há todo um complexo de poderes económicos, de determinação geográfica, de ordenamento dos solos, de política de desenvolvimento que tem de existir através dessas regiões e que, por isso, representam também, e já, um pensamento do Estado.
Portanto, por estas razões, parece-me profundamente diferenciada a ideia de região da ideia municipal. Não é, de maneira nenhuma, um simples conjunto de municípios que se aglutina para criar novos poderes. A região tem de nascer de um diálogo entre o Estado e os municípios e, acima de tudo, de uma vontade do Estado de desconcentrar o Poder Central da decisão. Por isso acompanho o Prof. Jorge Miranda na iniciativa louvável de encetar aqui nesta Assembleia uma reflexão sobre o problema da regionalização e da municipalização.
Finalmente, queria só acrescentar uma coisa: é que ao apresentar este plano do Governo se deu uma profunda revolução, que talvez não tenha sido sentida por todos, na ideia de regionalização tal como ela tem sido apresentada até aqui. Abandonamos, de certa
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maneira, aquela mística das regiões-plano e estamos a sentir uma humanização da ideia de regionalização totalmente diferente, mais verdadeira, mais arreigada
na realidade nacional e não apenas filha de concepções geométricas de planificação.
Eram estas considerações que se me oferecia fazer, e ainda bem que o Sr. Deputado Jorge Miranda as suscitou com a sua intervenção.
Aplausos do PSD, do CDS, do PPM e da ASDI.
O Sr Presidente: - Tem a palavra para responder, se assim o desejar, Sr. Deputado Jorge Miranda
O Sr. Jorge Miranda (ASDI): - Sr. Presidente, gostaria de solicitar a confirmação do tempo que já se repercute no tempo atribuído ao meu partido para o debate de amanhã.
O Sr. Presidente: - Os Srs. Deputados da sua bancada, no conjunto, excederam já em cinco minutos e trinta segundos o tempo que lhes foi atribuído para o debate desta sessão.
O Sr. Jorge Miranda (ASDI): - Muito obrigado, Sr. Presidente.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como podem calcular, terei de responder o mais sumariamente possível às questões que foram levantadas.
Quanto ao Sr. Deputado Silva Marques: começaria por lhe dizer que não acusei o Governo de não ir suficientemente depressa. Não pretendi fazer uma crítica ao Governo a esse respeito.
A minha crítica ao Governo assentou em três pontos fundamentais. Primeiro, a não perfeita distinção - eu não disse confusão sequer - entre desconcentração de serviços, da Administração Central do Estado, e que pode ser uma nova forma de centralização, e descentralização regional, que essa só pode ser feita através da criação de autarquias regionais.
A segunda crítica residiu no seguinte: considerei lamentável que neste Programa de Governo praticamente nem uma palavra se diga a respeito daquilo que considero ser a questão prévia da divisão regional.
Em terceiro lugar, relativamente à participação das populações, também no meu entender, o Programa do Governo não é suficientemente preciso acerca do modo como as populações vão intervir na criação, no surgir das regiões administrativas.
Foram essas, e apenas essas, as críticas que fiz ao Programa do Governo.
Ainda o Sr. Deputado Sousa Marques solicitou-me que explicitasse o que entendia sobre regiões maiores e regiões menores. Sr. Deputado, as expressões que citei constam do Livro Branco da Regionalização, publicado pelo VI Governo Constitucional, e que repito, considero documento valioso de trabalho a acrescentar aos documentos preparados pelo I Governo Provisório e pelo VI Governo Provisório. São expressões que constam desse livro e é óbvio que todos nós poderemos interpretar o maior e o menor em vários sentidos.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Posso interrompê-lo, Deputado?
O Orador: - Com certeza, Sr. Deputado.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, solicitava que o tempo desta minha intervenção fosse descontado no tempo atribuído à minha bancada.
Sr. Deputado Jorge Miranda, pelos vistos, em matéria de críticas, neste momento o confronto não é grande, e queria perguntar se V. Ex.ª considera ou não significativo que seja este o primeiro Governo que toma como objectivo fundamental da selecção de objectivo fundamentais a regionalização.
O Orador: - Eu disse-o, Sr. Deputado Silva Marques.
O Sr. Silva, Marques (PSD): - Não, Sr. Deputado.
O Orador: - Mas, se não o disse, torno-o claro neste momento. É importante que o Governo adopte como uma das suas quatro prioridades a regionalização.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Simplesmente, é pena que, tendo adoptado essa prioridade, depois não proponha meios e medidas capazes, na minha opinião pessoal, de dar efectivação, de dar concretização, de dar realização cabal a essa prioridade.
Estamos de acordo quanto à escolha de prioridade. As três críticas que fiz são relativas à metodologia, aos meios, à forma, ao tempo e ao modo de tornar efectiva essa prioridade.
A terceira pergunta que me fez diz respeito à concepção de provincianismo. Como eu não sou de Lisboa mas da província, estou perfeitamente à vontade. Agora, o que devo dizer é que tenho visto nos últimos tempos um grande provincianismo de gente de fora de Lisboa contra Lisboa, o que, a meu ver, é perfeitamente errado. O nosso país é feito pelas regiões e por Lisboa, que não é propriamente uma região, pois diz respeito a todos nós, a todo o Portugal. Não há uma dialéctica da oposição Lisboa-regiões, o nosso país tem de resultar do enlace, da compreensão e da conjugação entre Lisboa e as regiões, isto é, a província no seu sentido mais amplo. Eu, que sou minhoto, julgo estar perfeitamente à vontade a esse respeito.
Quanto ao Sr. Deputado Sousa Tavares, agradeço as palavras que me dirigiu e tenho imensa pena de neste momento não poder alongar as minhas considerações sobre a temática que desenvolveu, pelo que me limitarei a dois pontos.
Em primeiro lugar, divirjo do Sr. Deputado quando entende que a problemática das autarquias locais em geral tem a ver com a sociedade civil ou que as autarquias locais se reconduzem à sociedade civil. Na minha opinião, isso não acontece e, embora pudesse ser desejável, é contra a realidade. As autarquias locais, bem ou mal, estão ligadas ao Estado, têm a ver com o poder político, embora possam e devam ser um veículo de comunicação entre o poder político e a sociedade civil, mas não pertencem à sociedade civil. Não façamos, na minha opinião, esse erro que seria o de transformar os nossos desejos em realidade.
Em segundo lugar, estou inteiramente de acordo com o Sr. Deputado Sousa Tavares quando defendo - e há muito que defendo - a ideia de que as can-
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didaturas para os órgãos das autarquias locais não devem ser exclusivamente reservadas aos partidos políticos. E sinto-me perfeitamente à vontade nesse campo porque gostaria de lembrar ao Sr. Deputado Sousa Tavares e a esta Câmara que o único projecto de lei de revisão constitucional em que expressamente se consignava o princípio da possibilidade genérica de os cidadãos, independentemente dos partidos, poderem apresentar candidaturas para os órgãos das autarquias locais era o da Acção Social Democrata Independente, que posteriormente veio a ser retirado.
O Sr. Presidente:- Para uma intervenção tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Rosa.
O Sr. Carlos Rosa (CDS): - Sr. Presidente, Sr. Ministros, Srs. Deputados: Um programa de governo nunca poderá ser um simples conjunto de medidas dispersas ou desgarradas, exaustivamente enunciadas, qual lista de carências a solucionar ou inventário de tarefas a cumprir.
Um programa de governo é, acima de tudo, um projecto de acção, um enunciado de grandes objectivos a levar a cabo, uma manifestação de vontade determinada de implantar ou aperfeiçoar um modelo, um sistema, uma filosofia de vida em comunidade.
Pensamos que o documento posto à consideração desta Assembleia tem, efectivamente, as características de um verdadeiro programa de governo.
E isto porque nele encontramos as condições atrás referidas, sem necessidade de procurar esconder, atrás de uma pormenorização fastidiosa, como outras vezes aqui se tem visto, a falta de sistema ou a incoerência ou incompatibilidade das medidas parcelares anunciadas.
O programa apresentado a esta Assembleia tem atrás de si toda a força vital resultante de traduzir a procura de um projecto de sociedade, de um modelo de vida que desde sempre temos defendido e cujo, anúncio nos trouxe, democrática e linearmente, às cadeiras do Poder: o projecto e o modelo da Aliança Democrática, duas vezes sancionados pelo voto popular, sentidos pela maioria do povo português e que havemos de implantar com toda a justiça e toda a firmeza, mau-grado todos os esforços que de uma ou outra sede são feitos pelos nossos opositores políticos.
Temos confiança no nosso modelo, temos confiança na nossa capacidade para o implantar, temos confiança no bom senso do povo português para nos ajudar e para nos julgar imparcial e objectivamente.
Se nos debruçarmos sobre os aspectos de política económico-financeira geral constantes do Programa - e é fundamentalmente para esses que vão dirigir-se as minhas considerações posteriores -, não pode temos deixar de salientar que também aí surge claro o modelo que pretendemos e é patente a coerência dos objectivos programados com o dos restantes sectores do Programa, o que, de resto, não será de estranhar.
Isto porque, sendo os factores económicos e financeiros condicionantes de toda a estrutura social e por ela condicionados, somente através de um sistema coerente e integrado de toda essa estrutura se podem alcançar globalmente e na especialidade os objectivos visados.
Mas, por outro lado, porque o modelo que pretendemos é viável, necessário e honesto, como tal, terá de ser erguido, tendo em consideração todos os parâmetros essenciais.
Assim é que todas as quatro prioridades que surgem como objectivos fundamentais da futura acção governamental terão de assentar, como, aliás, se encontra previsto, além de outros, em factores de natureza económico-financeira. Assim, por exemplo:
A política de habitação passa pelo aumento da produção, em condições economicamente viáveis, de materiais de construção e pela criação de fontes de financiamento para a aquisição de casa própria;
O aumento das exportações passa pelo aumento da produtividade e pelos apoios financeiros aos exportadores;
O aumento da produção agrícola passa pela melhor organização dos mercados e pela criação de formas de crédito ajustadas;
Toda a economia nacional somente terá a ganhar com uma regionalização inteligente e efectiva, acompanhada de instrumentos de financiamento capazes de a ajudar a concretizar, nomeadamente as sociedades de desenvolvimento regional.
O progresso de Portugal, como nação independente de direito e de facto, depende de uma economia saudável, de esquemas financeiros maleáveis e correctos.
Pô-los a funcionar, com a possível brevidade e eficiência, são alguns dos grandes objectivos do Programa do Governo, que merecem o nosso inteiro
aplauso.
Mas objectivos a alcançar, tendo em atenção que nos encontramos em situação profundamente difícil, que nos impõe formas de actuação realistas e pragmáticas.
Dentro do espírito de clareza e honestidade que são timbre da Aliança Democrática, os tempos modernos não podem ser tempos de engano e de demagogia.
Há que falar com verdade e reconhecer:
Que, por virtude das transformações do nosso sistema económico ocorridos após o 25 de Abril, algumas delas motivadas por decisões irresponsáveis, como certas nacionalizações decretadas sem um mínimo de reflexão, aquele sistema económico entrou em profunda crise de contra-sensos e de desequilíbrios estruturais;
Que a gestão de determinados sectores e empresas foi feita, nos períodos revolucionário e pós-revolucionário, segundo critérios meramente políticos e sem, um mínimo de tecnicismo, entregue tantas vezes a gestores que apenas tinham de currículo as suas tendências partidárias;
Que é extremamente difícil a conjuntura económico-financeira, quer no campo interno, quer no campo internacional [vejam-se, por exemplo, os problemas derivados da seca (a qual, penso, ninguém imputar à responsabilidade do Governo) e da evolução do mercado cambial];
Que muitas medidas terão de ser tomadas para refazer os equilíbrios e combater o sentido
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negativo daquela conjuntura, mas que essas medidas terão de ser programadas não a curto prazo e sim, pelo menos, a médio prazo, mas cujos efeitos não serão sensíveis tão rapidamente como desejaríamos;
Que neste momento difícil alguns sacrifícios terão de ser feitos por cada um em prol da comunidade, mas que esses sacrifícios se capitalizarão em benefícios sensíveis oportunamente.
A análise dos aspectos de natureza económico-financeira do Programa do VIII Governo Constitucional poderia ser, só por si, fundamento para discussão durante todo o tempo previsto para este debate.
Mas, como tal é impossível, limitar-me-ei a acentuar alguns dos muitos aspectos que são de considerar altamente positivos no seu conteúdo.
Não se pode distribuir riqueza sem se criar riqueza.
E a riqueza nasce, em grande parte, da produção. Tem-se falado muito, e em muitas circunstâncias, da batalha da produção. Mas pouco se tem visto, salvo honrosas excepções, para a concretizar.
É esse um dos grandes objectivos do Governo, e bem de salientar, tanto mais que o que se pretende - o Programa é expresso nesse sentido - é que sejam encontrados ganhos de produtividade por meios não repressivos, antes motivando-se todos os intervenientes no processo produtivo para a sua participação na obtenção desses ganhos, dos empresários aos gestores e responsáveis, mas sobretudo a população trabalhadora em geral. A motivação desta é fundamental para se ganhar não uma batalha, mas uma guerra, através de uma adesão consciente ao reconhecimento dos perigos da actual situação e ao projecto de reconversão e de modernização deste Portugal virado para a sua vocação europeia actual.
Nunca será por de mais repetir que, se se conseguir que o País produza cada vez mais e em melhores condições, mais viáveis serão o apoio às pequenas e médias empresas agrícolas, comerciais e industriais, a satisfação das necessidades básicas das populações, a implementação de uma política fiscal justa e equilibrada, o aumento substancial das exportações, com a consequente diminuição do saldo negativo da balança de pagamentos, uma política de salários favorável aos trabalhadores, a redução das taxas de inflação, uma política de investimentos solidamente alicerçada.
Outra das preocupações salutares do Programa é a de fomentar e disciplinar os investimentos públicos e privados. Diversas linhas de força nesse sentido ressaltam de alguns dos respectivos capítulos: a definição de zonas de investimento prioritário, a confiança na iniciativa empresarial privada e cooperativa, a revisão dos sistemas de incentivo ao investimento, como forma de apoio às pequenas e médias empresas, a mobilização, para efeitos de investimento, dos títulos representativos das indemnizações devidas pelas nacionalizações e expropriações, a utilização do investimento estrangeiro, devidamente acompanhado, a alteração das formas de investimento das empresas do sector empresarial do Estado, a dinamização e o robustecimento dos mercados de apitais, com a necessária captação da poupança pública e privada para os sectores e empresas de efectivo. interesse nacional, um melhor aproveitamento das muitas formas de instituição parabancária.
Um último aspecto deste enunciado exemplificativo que se entende dever referir corresponde ao melhor aproveitamento, que se pretende implantar com efectividade, dos recursos financeiros públicos. Traduz-se esta intenção programática em diversas partes do documento em discussão.
Os recursos financeiros são forçosamente limitados e há que aproveitá-los e geri-los pela melhor forma. Propõe-se, assim, o Governo limitar as despesas do sector público, mas, o que é muito mais importante, racionalizá-las e aferi-las à luz da sua reprodutividade. Só quem conhece ao menos um pouco por dentro a Administração Pública poderá compreender o universo de problemas que esta intenção abrange e o quanto de economias poderão ser feitas por esta via. Desmitificar e desburocratizar procedimentos, só por si, permitirão tornar disponíveis recursos para aplicação em programas de inegável interesse social.
Mas isto não será tudo. O estabelecimento de controle efectivo de gestão nas empresas públicas e nas demais do sector empresarial do Estado, as actividades de formação de quadros dessas empresas ou da administração central e local, a melhoria dos sistemas de lançamento, liquidação e cobrança das receitas públicas, são outros exemplos, e muito significativos, do que se pode fazer neste campo e do que o Governo se propõe fazer.
O VIII Governo Constitucional apresenta-se à Assembleia da República como um governo dotado de grande estabilidade e de um projecto que é comum ao da maioria da Assembleia.
Vai certamente ser-lhe dada luz verde para executar esse projecto. E vai executá-lo, mau grado as incompetências e os boicotes que irá encontrar em muitos serviços, instituições e empresas, em que a democracia, o espírito de bem servir, a capacidade técnica, a motivação e a isenção política ainda não entraram.
Vencer esses e outros inimigos não faz parte expressamente dos objectivos inseridos no Programa. Fá-lo-á, porém, certamente da intenção diária dos nossos governantes, em cuja mão e inteligência está agora depositada grande parte do destino desta nossa terra.
É um desafio que lhes é lançado, o de levarem a bom termo a política global de mudança em que encontra empenhada a Aliança Democrática e nela o partido que nesta Assembleia represento.
Mais do que o Programa, com o qual concordamos e merece o nosso aplauso, importa agora a confiança que neles temos para o executarem.
Será essa palavra de confiança na grande força interior do nosso projecto político a última palavra da minha intervenção.
Projecto político que prometemos realizar.
Projecto político que vamos realizar.
Aplausos do CDS, do PSD e do PPM.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção tem a palavra o Sr. Deputado Luís Saias.
O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, peço a palavra para dar uma informação à Mesa.
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O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, se a Mesa estiver de acordo e os partidos o aceitarem, na sequência daquilo que já aqui foi feito anteriormente, dado que a UEDS dispõe neste momento de 5 minutos e o Partido Socialista apenas de 2 minutos, nós cederíamos o nosso tempo ao Partido Socialista.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Deputado, os tempos são individuais e intransmissíveis ...
Risos.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Lopes Cardoso, tanto quanto recordo da Conferência dos Presidentes dos Grupos Parlamentares, não ficou prevista a
hipótese de cedência de tempos entre os grupos parlamentares.
Creio, portanto, que só por consenso de todos VV. Ex.as é que tal poderá ser estabelecido. Em todo o caso, agradecia que me ajudassem, porque, ao fazer esta afirmação, não estou inteiramente seguro, pois não me recordo de na reunião ter sido aflorada essa hipótese.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, há pouco tinha-me colocado em posição de pretender usar da palavra, mas V. Ex.ª já adiantou a maior parte daquilo que eu estava para dizer.
Queria apenas dizer que, na situação concreta, neste momento, julgo que da nossa parte deve haver liberalismo para esta transacção.
De qualquer modo, espero que amanhã sejamos todos menos liberais ...
Uma voz do PCP: - A burguesia é liberal ...
O Orador: - A burguesia é liberal, da nossa parte não há surpresa. Mas a burguesia, se quiser defender o status, também não pode ser ilimitadamente liberal, porque senão o status vai abaixo!
Risos.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente...
O Sr. Presidente: - Um momento, Sr. Deputado Almeida Santos.
Srs. Deputados, visto não haver oposição, fica estabelecido que se aceita a concessão de tempo que a EUDS faz ao Partido Socialista.
Faça favor de usar da palavra, Sr. Deputado Almeida Santos.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, era só para agradecer não só a liberalidade, tanto mais que é pura e simples, não é condicional nem remuneratóría, como também o liberalismo, apesar de o Santo Papa ter condenado o capitalismo liberal!
Risos.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Nós somos sociais-democratas!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, mesmo com o tempo, que já vai longo, ameniza sempre um pouco as circunstâncias um bocadinho de jogos florais ...
Tem V. Ex.ª a palavra, Sr. Deputado Luís Saias, que passa agora a beneficiar do tempo que foi cedido pela UEDS, embora em qualquer caso o pudesse sempre utilizar.
O Sr. Luís Saias (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Ministros: Incumbe-me a honra de mais uma vez expor o ponto de vista do Partido Socialista sobre o Programa do Governo para as pescas.
Não são significativas as diferenças existentes entre os Programas do VII e do VIII Governos em relação às pescas: a mesma falta de capacidade para compreender e assumir a importância das pescarias no contexto nacional, a mesma falta de audácia nos objectivos e acções programadas.
O Programa do VIII Governo é, na realidade, um programa mesquinho, sem o mínimo de dignidade que um documento desta natureza deve ter. É um programa traçado ao nível da ignorância dos problemas em jogo, da falta de compreensão da sua real dimensão. É um programa de amanuense, não é de governo, e muito menos de governo de mudança.
Um mau programa, portanto. Mau, como medida da capacidade e da vontade do Governo, mau para o País.
De facto, o programa apresentado a esta Assembleia não responde minimamente às necessidades da política pesqueira de que o País necessita e os interessados reclamam.
No Programa enunciam-se algumas requentadas intenções. Mas não se alinham medidas eficazes.
O Programa devia prever as acções necessárias para vencer a crise instalada no sector, para proceder à ocupação efectiva da nossa ZEE, para preparar, a entrada de Portugal para a CEE, para viabilizar o acesso dos navios de pesca portugueses aos pesqueiros sob jurisdição alheia. Nada disto consta com suficiência e coerência deste repetitivo programa de governo. No que respeita às estruturas governativas do sector, ao invés da há muito necessária autonomização das pescas, agravou-se a sua dissolução num superministério de equívocos. E, se as pescas andavam mal apendiculadas ao Ministério da Agricultura, pior ficaram agora no tal superministério.
É do domínio público a paralisia de que padeceu a Secretaria de Estado das Pescas no VII Governo.
O que mais irá acontecer agora no VIII Governo, com o mesmo titular na Secretaria de Estado e o Ministro, ainda que dotado, com mais o «biscate» do comércio às costas?
Aliás, o que no Programa causa alarme não são os lugares-comuns que mão caridosa lá pôs. O que alarma é o rol enorme das omissões que se notam.
Não há uma palavra sobre planeamento pesqueiro, que é fundamental para o ressurgimento das pescas nacionais.
Fala-se vagamente no Programa em «ir adaptando as nossas estruturas aos esquemas utilizados na CEE»,
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mas não se discriminam as acções concretas para atingir esse objectivo.
Silêncio absoluto faz o Programa sobre a necessária reestruturação do subsector da pesca da sardinha, onde se continua a limitar voluntariamente as capturas ou a deitar peixe ao mar, para em seguida ou ao mesmo tempo se importar sardinha congelada de pior qualidade.
O Sr. César de Oliveira (UEDS): - Muito bem!
O Orador: - O Programa pôs uma pedra sobre o cancro da comercialização do pescado, onde se instalou a mais desenfreada especulação.
Em contrapartida, a AD prepara a liquidação das empresas nacionalizadas da pesca, pondo em venda os navios da SNAPA e da PESCRUL..., para começar...
Também em contrapartida da sua incapacidade, a AD revela uma deslocada agressividade e desprezo pelos pescadores artesanais, como o comprovam os recentes casos de Quarteira, Portimão, Vila Real de Santo António e Caparica.
O VII Governo da AD, fez com a Espanha o ruinoso acordo do 2 de Março de 1981, cujo texto, em português, até mal traduzido do espanhol está, e que se manterá em vigor até ao fim do mês corrente.
Irá agora o VIII Governo, com o mesmo Sr. Secretário de Estado das Pescas, homologar a continuação da «limpeza» das nossas águas pelos espanhóis? E até quando? Até à indeterminada data da entrada de Portugal ou da Espanha para a CEE, como se anuncia? Receamos muito que esse Sr. Secretário de Estado das Pescas, que negociou de modo tão ingénuo com os espanhóis, esteja a meter o País numa camisa-de-onze-varas nas negociações de adesão à CEE.
Há que concluir: criticamos a AD, por apresentar um programa de governo indigno do momento histórico que as pescas nacionais atravessam e das nossas tradições pesqueiras, censuramos a AD, por manter á frente da Secretaria de Estado das Pescas uma personalidade que já deu sobejas provas de falta de capacidade para a cargo.
Por tudo isto, e pelo muito que haveria a dizer, mas a limitação de tempo não mo permite, os socialistas não votarão a favor deste programa.
Aplausos do PS, da ASDI e da UEDS.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção tem a palavra o Sr. Ministro da Cultura e da Coordenação Científica.
O Sr. Ministro da Cultura e Coordenação Científica (Lucas Pires): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A elevação dos sectores da cultura e da coordenação científica a Ministério traduz uma diferença de natureza, e não apenas uma diferença de grau, em relação à situação anterior e é, por si só, a primeira forma ou etapa de realização de um programa nestas áreas.
Esperamos que esta conquista seja hoje, e desta vez, uma conquista irreversível. Desejo, pessoalmente, que ela, por si mesma, incite as ideias a falar em voz mais alta e se torne uma conquista comum do mundo cultural e da cultura portuguesa. Na verdade, fala-se muito da criação de factos. Mas será de criar factos ou de criar ideias que o País mais precisa? O excesso de factos e a carência de ideias não serão o mais perigoso sinal de desastre? Não será a ditadura o próprio regime em que só há factos? Não será até por isso que dela se diz ser a factum?
Por tudo isto, a criação de um ministério da cultura e da coordenação científica não poderia deixar de aspirar a ser um bem para as ideias e para os homens de ideias ...
Vozes do PSD, do CDS e do PPM: - Muito bem!
O Orador: - ...todas as ideias e para todos os homens de ideias em relação aos quais não se pretende ser senão um equipamento e um pivô de acção conjunta.
Num país a recriar-se ou, pelo menos, a reposicionar-se no Mundo isto não é apenas importante. Julga que pode ser vital! É que, no confronto com o pré-25 de Abril, um ministério da cultura e da coordenação científica só pode querer significar o contrário do silêncio, da censura e do dogmatismo cultural. Mas, mais do que isso, tem de significar a luta por uma cultura afirmativa, activa e própria. Luta, não por acção directa, mas por alargamento do campo de expressão cultural dos Portugueses.
Por sua vez, na trajectória da revolução democrática do 25 de Abril, a criação do novo Ministério há-de traduzir também a longa marcha que nos permitiu passar e sair do idealismo barato, importado e cego para as ideias mais claras e próprias sobre nós próprias como país,...
O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!
O Orador: - ... há-de traduzir a longa marcha que nos permitiu passar dos pensamentos feitos com bandeira e pregão até ao pensar livre e real do País, ao pensar na primeira pessoa individual e na primeira pessoa colectiva. A dignidade e a grandeza da cultura provêm de que ela se gera directamente do País e através dele e não é apenas a sombra mendiga de uma luta originariamente política, travada no interior do Estado.
Não me quero esquecer, porém, nesta altura de quanto este percurso deve aos deputados que nesta Assembleia têm batalhado pela cultura, aos sucessivos titulares da Secretaria de Estado da Cultura e aos próprios serviços da Secretaria de Estado da Cultura, os quais, de uma maneira ou outra, sempre tiveram a exigência cultural como horizonte e paixão. Este é, de facto, dos domínios que mais podem merecer uma paixão, como bem o provou o último titular da Secretaria de Estado da Cultura, Dr. Brás Teixeira.
Vozes do PSD, do CDS e do PPM: - Muito bem!
O Orador: - Trata-se, aliás, de uma paixão crescente por toda a parte. Aqui mesmo, neste parlamento, nunca se tinha visto um tão amplo e vasto debate cultural. E, mal abertas as portas do meu jovem Ministério, descobri, de uma assentada, que nesse mesmo mês receberia entre nós nada menos do que o Sr. Ministro da Cultura do Oman, o Sr. Ministro das Artes da Grã-Bretanha, o Sr. Ministro do Multiculturalismo do Canadá e, um pouco mais tarde, o Sr. Ministro da Cultura da Áustria.
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claro que isto se deve sobretudo à compreensão da importância destas relações por parte do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros. Mas não será também verdade que é uma nova era de preocupações culturais que se está a abrir? Quando é que
houve tantos ministros da cultura por toda a parte e porquê? Porquê agora que se começa a falar de uma Europa cultural, ganhando a dianteira sobre a própria Europa económica?
A Sr.ª Natália Correia (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Talvez a explicação resida nisto: sem querer ser ético ou profético, o Mundo está cada vez mais entre um renascimento cultural e uma hecatombe militar ou económica.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Assistimos já hoje às pequenas hecatombes económicas e militares, mas assistimos também já hoje aos pequenos renascimentos culturais. É por isso que o futuro optimista da história passa, mais do que nunca, pela cultura e pela ciência. Talvez mais do que pela política e pela economia.
A Sr.ª Natália Correia (PSD): - Com certeza!
O Orador: - É por isso que a cultura não é hoje mais serva da economia e da política, e esse é também o facto que a criação dos vários ministérios da cultura também revela.
É nesse horizonte da ciência e da cultura que se projecta a esperança; é nos outros horizontes que se projectam as dificuldades e as catástrofes.
Entre nós, aliás, a criação do Ministério da Cultura e da Coordenação Científica tem uma companhia sintomática: é a extinção, pela primeira vez, do departamento governativo próprio e autónomo para a informação. Neste paralelo há um sinal revelador que não pode deixar de dizer que, objectivamente, a própria informação e comunicação social deverá ser, mais a partir de agora, uma questão de cultura, como, aliás, já deveria, resultar do n.º 3 do artigo 73.º da actual Constituição Política.
O Poder já não quer mais embrulhar o País no seu jornal, e os jornais, todos, poderão ser mais uma expressão viva, quotidiana e realista da própria cultura em movimento.
A tarefa não está ainda acabada mesmo neste plano. Mas há desde já condições para pugnar com esperança por uma melhoria da consciência pública em relação aos problemas da cultura e da ciência, por uma participação de ambas em todo o planeamento político e económico do Estado e por uma maior comparticipação e empenhamento de todos os aspectos e instituições da vida social, de todas as zonas do País e de todos os estratos sociais no desenvolvimento cultural e científico do País.
É, desta vez, uma procura a fazer de baixo para cima, e não de cima para baixo. É, porém, uma procura vital, mais do que, simplesmente, a da lâmpada de Aladino ou a da candeia do Diógenes. Mas com a consciência de que, enquanto não encontrarmos essa nova luz, ainda que venhamos a estar ricos, continuaremos a estar às escuras.
A verdade é que as sociedades da cultura e da ciência são as sociedades modernas e as sociedades do futuro. É esse talvez até, por enquanto, o único modo de definir a sociedade pós-industrial. O seu caminho será longo e pode ser que mais entre nós do que entre alguns dos nossos parceiros. Mas é aqui, é nessa área, que melhor poderemos recuperar o atraso dos nossos relógios e é por aí que passará hoje a própria história, toda a mudança e toda a renovação da sociedade.
Vozes do CDS: - Muito bem!
O Orador - Sr. Presidente, Srs. Deputados: As questões são muitas, e queria aqui apenas citar aquelas que correspondem a um mínimo de exigência.
Em primeiro lugar, o orçamento. Se a cultura e a ciência são os bens mais valiosos, é estranho que sejam os mais pobres e os mais mal vestidos. A cultura tem 0,26 % do Orçamento. Precisamos de atingir o 1 % no médio prazo. É um objectivo comum a qualquer governo, tanto ao actual como aos seguintes, é um objectivo genérico hoje na Europa. E na ciência os números hoje são igualmente aterradores: gastamos cerca de 0,3 % quando as Nações Unidas recomendam 0,6 % para países menos desenvolvidos. Gastamos nisto um terço do que a Grécia gasta. É certo que vamos fazendo flores, mas quem esperará fazer o «milagre das rosas» ao contrário nestes domínios? A este propósito, talvez se possa evocar a história do próprio Brecht ao chegar à República Democrática Alemã. Quando lhe perguntaram do que é que precisava mais, ele respondeu: «Dinheiro». E a seguir retorquiram: «E a seguir?» Ele respondeu: «Mais dinheiro».
Não podemos sequer ignorar que a pletora dos ministérios da cultura é também, à sua maneira, o recíproco da escassez dos mecenas privados. E o dinheiro e as estruturas são, portanto, um elemento fundamental da política a desenvolver.
Em segundo lugar, as instalações e os equipamentos.
A cultura tem um problema de habitação. Por isso é que lhe é difícil respirar o oxigénio da cultura. Não sei, por exemplo, como é que no meu ministério da cultura, onde as pessoas estão apinhadas por vários departamentos, se pode respirar ou sentir o sopro inspirador da cultura. Onde não há um pequeno teatro, onde não há um pequeno auditório musical, como é que pode, passar por aí a inspiração e o sopro da cultura?
O próprio Ministério da Cultura não pode deixar de ser um equipamento cultural, e não o é. É também por isto que temos uma cultura que arde, em vez de termos uma cultura que queime. É também por isto que falta o espaço em que todos nos entendamos, por excelência: o espaço da cultura. Infelizmente, até agora a cultura tem ficado com o que sobra.
No fundo, pensa-se nos bancos, mas não se pensa em criar fundações. Permitir-me-ia mesmo perguntar se não seria terrivelmente simbólico obrigar as multinacionais que se instalam entre nós a pagar algum tributo à cultura portuguesa.
A Sr.ª Natália Correia (PSD): - Apoiado!
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O Orador: - Penso sobretudo - e isto é o mais importante neste aspecto - que falta o grande fórum da cultura democrática. Não é verdade que falta ainda o próprio emblema físico-cultural do 25 de Abril? Não é verdade que toda a revolução democrática aspira a ter a sua própria agora? Cada um terá o seu Alto da Ajuda, mas o que é que já temos todos nós juntos como cultura que somos?
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Muito bem!
O Orador: - Será possível que, todos, em todos os planos, tenhamos a grandeza suficiente para compreender isto?
Em terceiro lugar, a formação, o estatuto e a segurança das gentes da cultura e da ciência. Não pensamos que os artistas só solitários, angustiados e esfarrapados podem ser criadores. Daí, por exemplo, a necessidade já posta em marcha de um regime de previdência social. Não se trata só de evitar a proletarização intelectual, não se trata só de evitar que os intelectuais e os artistas passem fome, não se trata só de obter o pão da cultura!; trata-se de alterar o estatuto marginalizado da inteligência, que obriga, ora, a ser cortesã, ora, a ser mendiga, ora, a ser alheia a tudo isto. Não se pode conceber que, por falta de estatuto próprio, o artista não possa exercer uma série de funções no campo da arte. Ou será que Fernando Pessoa tinha as habilitações requeridas para orientar um arquivo literário? Mas temos também de dar mais possibilidades de cá dentro preparar e ajudar a formar verdadeiras escolas portuguesas nos vários domínios da arte e da cultura.
Em quarto lugar, a segurança e a reanimação do património. Devo dizer, a este propósito, que tenho desde já em meu poder o inventário de todas as obras que arderam na Galeria de Arte Moderna e que, a certa altura, se julgou não ser possível, apesar de tudo, citar. Foi-me hoje mesmo entregue, após despacho que proferi a seguir à minha entrada no Ministério. Afinal, foi possível fazer esse inventário. Afinal, queremos que seja possível fazer o inventário de todo o País, da própria obra de arte que, no seu conjunto, é também o nosso país.
Esperemos ao menos que, como o sacrifício de Joana d'Arc, o incêndio da Galeria de Arte Moderna tenha virtudes redentoras em relação às insuficiências actuais. Mas é claro que, se não se for mais longe, o património cultural continuará a arder como uma labareda, se tal não começar com o próprio Ministério, em relação ao qual já sabemos que seriam precisas obras no valor de 18 000 contos para que os bombeiros pudessem garantir condições mínimas de segurança.
O autoconhecimento do País, a identificação dos bens e valores comuns e a crença na originalidade da cultura portuguesa passam por este empenho em tornar presente o nosso passado. A própria busca desta história nova, aberta com o 25 de Abril, impõe que o passado tenha uma base assente e sólida. Neste plano, e para começar, é que é preciso organizar a nova distribuição das responsabilidades quanto ao património entre o Estado e as autarquias, entre o Estado e as instituições sociais ou a iniciativa particular, e reorganizar os próprios serviços públicos do Estado que tratam deste problema. Decisão que já começámos a implementar.
É preciso fazer do património um bem comum e vivo, e não apenas o sótão da quinta que herdámos.
Em quinto lugar, as grandes infra-estruturas legislativas e administrativas.
O mecanismo da cultura começou a funcionar com o 25 de Abril e é um dos que poderia ainda ser um mecanismo exemplar. É preciso fundar um ministério, sistematizar projectos e acções e erguer uma unidade de objectivos e estruturas. Na prática, é necessário, pois, privilegiar a acção legislativa, as acções de coordenação e os objectivos de longo prazo. Se não for assim, a Secretaria de Estado da Cultura, que já foi reorganizada sete vezes, virá ainda a ser reorganizada mais sete e nunca chegará a estar reorganizada.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: a ciência é um problema específico, em relação ao qual é necessário um triplo esforço de conceptualização, primeiro, de coordenação e de impulso, depois. A sua ligação à cultura poderá ser, objectivamente, o remédio para uma história cultural como a nossa, que, mal ou bem, foi sempre mais uma história cultural literária do que uma história cultural científica.
A área da ciência é uma zona quase virgem de definição e de debate político alargado entre nós. Por isso, o primeiro objectivo a prosseguir deverá ser o de interessar na formulação da política científica todas as zonas activas da sociedade - desde os sindicatos às empresas, passando, naturalmente, pelas universidades -, e não apenas os cientistas. É uma pecha tradicional já denunciada por Basílio Telles a incapacidade conceptológica do País, e é por aí que devemos começar, tendo a consciência de que é fundamental este esforço e de que temos de definir apara o longo prazo os grandes objectivos gerais.
Em segundo lugar, destacaria a necessidade de entrosar a investigação com a mudança social e os novos problemas sociais e humanos. A interrogação do homem hoje é sobretudo uma interrogação perante os sistemas políticos e económicos. Interrogação que os políticos não resolvem, mesmo com grandes discursos políticos, interrogação perante uma sociedade e um meio em mudança, interrogações que hão-te ser respondidas também no plano das ciências sociais e humanas. São também as necessidades concretas do povo português, cuja satisfação a política da ciência há-de ter em conta.
A ciência portuguesa deve corresponder à procura de soluções e práticas operacionais para a sociedade portuguesa de hoje e não corresponder a qualquer teologia abstracta de ciência ou apetites puramente pessoais de investigação científica. Como dizia recentemente o Ministro da Ciência francês, «a investigação é feita pelos investigadores mas não é feita para os investigadores». A investigação é feita para os homens e esta sociedade concreta! Temos de dar um sentido útil à investigação a fazer em Portugal!
Um terceiro objectivo vital é o do reforço dos equipamentos logísticos para acabar com o sistema de investigação artesanal que temos entre nós, facilitando, inclusive, a criação de regimes especiais de crédito e importação de bens de equipamento científico.
Tudo isto implica, por sua vez, uma maior ligação da ciência ao planeamento, tudo isto implica uma
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maior comunicação e circulação de projectos científicos à volta, talvez, de grandes objectivos nacionais, tudo isto implica, por sua vez, o apoio e estímulo à inovação nas empresas e a mecanismos de exportação de tecnologia intermédia e puma maior mobilização de recursos humanos. Também aqui temos 3 investigadores para 10 000 habitantes, quando a Grécia já ia há dois anos nos 5 investigadores para 10 000 habitantes.
É em todos estes planos que devemos ainda terem conta, em primeiro lugar, uma vocação científica específica, por exemplo, em matérias como a cartografia e a história dos descobrimentos e, porventura, a oceanografia, que poderiam incitar-nos a sermos um grande centro mundial em estudos desse género; em segundo lugar, a necessidade de integrar os grandes projectos europeus e mundiais, pois é evidente que a Europa em construção é também uma Europa científica e a Europa em que nos queremos integrar é sobretudo um grande continente de professores e investigadores; em terceira lugar, a necessidade de interessar pelo país os nossos homens de ciência que trabalham no estrangeiro e que representam talvez a nossa forma mais custosa e mais dolorosa de emigração.
Em suma, é preciso que a investigação não seja mais uma pura forma de realização pessoal, mas que, seja uma força colectiva do País. preciso que a investigação não seja apenas um conjunto variado de pessoas, de ilhas institucionais dispersas e um complemento de outras actividades e às vezes apenas e só de outras remunerações.
É preciso, pois, fazer a primeira pedra de um espírito e de uma construção que teremos de comunicar e ampliar cada vez mais. E não haverá hoje nenhuma força que seja mais forte do que a que poderemos granjear para Portugal desta maneira.
Por aí passam a civilização, a democratização e a modernização de que se reclamam todas as forças políticas de progresso. Passa pela ciência uma actualização, inclusive, do próprio sentido descobridor dos Portugueses...
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Dir-se-á que, como resulta do Programa, se trata de um conjunto muito ambicioso de propósitos. Mas é, sem dúvida, este o domínio onde mais temos para defender e onde mais temos para conquistar.
Em matéria cultural, julgo, aliás, que só se pode ser ambicioso. Estamos aqui perante o que é mais geral e comum e perante o que diz respeito à própria permanência do País. É só aqui, em matéria da cultura, que Portugal continua a ser mais vasto do que a sua geografia. De resto, a qualidade e até a grandeza são uns dos grandes apanágios da obra cultural.
O epifenómeno não é a cultura, o epifenómeno é o poder. Poderemos ter várias ideologias de poder, mas temos uma só cultura.
A resolução dos nossos próprios problemas políticos passa, pois, pela redescoberta de um consenso cultural para aquém e para além das disputas ideológicas de que, aliás, muitos estão cansados.
Julgo, por exemplo, que um grande festival de música, que, aliás, falta entre nós, poderia ser, de novo uma obra de reconciliação e renascimento mais importante do que muitas acções políticas ou económicas. Quem não acreditará que a pedra filosofal para os nossos engulhos só pode ser uma grande obra cultural, inclusive com alguma concretização física?
Tal obra só poderá ser feita, porém, com sentido do comum, com seriedade e com verdade. A ciência e a cultura exprimem o mais vasto sentido do comum e a mais objectiva procura de verdade. E é por isso que, se é preciso mais dinheiro, será também preciso mais rigor; quer intelectual, quer moral. A moral, a própria moral cívica, é, pois, um pilar da obra cultural a erguer. Se conseguirmos esse nível de consciência, talvez até possa haver milagres, apesar das dificuldades económicas. Não o das rosas, mas, por exemplo, como o das torres do Tejo, hoje anunciado pelo presidente da Câmara Municipal de Lisboa. E pergunto: e se sobre ó chão das ex-futuras torres do Tejo fosse agora, ou amanhã, possível erguer o grande atelier cultural do País?
Não tenho nenhuma ingenuidade ao dizer isto, embora aceite que se trate de optimismo. Sei que é difícil ser ministro na zona onde a crítica é a
própria vocação e a liberdade o próprio método. Sei também que a cultura não se «ministra» e que não é um ministro que fará a cultura ou lhe dará tudo o que falta. Há quem diga também que, além do dinheiro, lhe faltará o tempo e que há no meio disto tudo demasiada gente «ausente» ou alheia, em termos de estado de espírito. Aliás, também aqui a batalha parece ainda ser mais a da repartição
do que a da criação.
Muito pode faltar - é certo -, mas não espero desfalecer nestes propósitos e estou neles empenhado com a consciência do que deve ser um ministério da cultura num país a caminho de novecentos anos de cultura, mas que tem hoje outra vez um desafio de novo inteiro e global para resolver.
Sabemos que, no caso do Ministério da Cultura, este juramento perante o País, que é a assunção de qualquer responsabilidade de governo, esse juramento é também ao mesmo tempo um juramento estendido no tempo a todas as gerações no máximo do passado e no máximo do futuro que temos. Assumo com essa plena responsabilidade, com a consciência de que num país como o nosso, tão vasto no tempo e na acção cultural, sobre tantos aspectos ele próprio uma obra de arte, a tendência pode ser para a mera passividade, a resignação ou a contemplação cultural.
Mas é também verdade que as novas gerações querem redescobrir culturalmente o seu país, querem redescobrí-lo a palmo e com esforço e que a nossa paz cívica depende cada vez mais de uma compreensão cultural de quem somos. É preciso fazer vir à tona uma certa ideia comum sobre quem somos. É que só um país consciente e cioso da sua força cultural comum pode sentir a segurança indispensável ao progresso.
São estes, com sinceridade, os nossos propósitos e as nossas esperanças!
Aplausos do PSD, do PS, do CDS, do PPM, da ASDI e da UEDS.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado César de Oliveira.
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O Sr. César de Oliveira (UEDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O meu partido, antes de o Sr. Ministro da Cultura e Ciência intervir, cedeu o tempo de que ainda dispunha ao Partido Socialista. Vou, pois, gastar tempo do meu partido reservado para amanhã, porque não previa ser obrigado a gastá-lo hoje.
Inicialmente, devo dizer que lamento uma coisa: é que o Sr. Ministro da Cultura e Ciência tinha proferido a sua intervenção à 1 hora e 20 minutos, porque ela merecia ter sido proferida mais cedo, pois já nem sequer há tempo para a discutirmos.
Passaria a fazer uma citação ou a parafrasear um poeta da bancada do Partido Socialista, dizendo que «há homens ou ministros capazes duma flor onde as flores não nascem». E, comungando de muitas coisas que o Sr. Ministro disse, permita-me uma dúvida: a de que não lhe vai ser possível realizar todos os seus propósitos exactamente porque no Governo onde V. Ex.ª está integrado as flores não nascerão com a facilidade com que o Sr. Ministro aqui, nesta Sala, muito galhardamente e com brilho, pôde fazer erguer uma flor.
O Sr. Portugal da Silveira (PPM): - Muito bem!
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Não apoiado!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Ministro da Cultura e Ciência: Ouvi com muita atenção, e não sem uma ponta de apreço, a sua intervenção.
No entanto, nós, comunistas, aferimos da actividade de um Governo pela sua prática política, global e sectorialmente considerada.
Não quer isto dizer que depreciemos a enunciação programática, sem dúvida importante. Todavia, sabe-se tem sido fácil à AD governar com promessas e palavras, urdindo com elas um tecido em geral manipulador, que intenta confundir, torcer e iludir as massas populares em proveito de uns poucos.
Tem-lhe sido fácil sinalizar ardorosamente, aliciadoramente até, horizontes de acção que sabe não atingir; nem muitas vezes visa sequer a encurtar as distâncias que nos separam de tais horizontes.
Por isso, Sr. Ministro, impõe-se-nos confrontá-lo com a realidade do Governo que integra, da maioria de que emana, do projecto que serve. Não é legitimo esquecer que o actual Executivo é, na essência, o mesmo dos últimos nove meses, tempo completo de uma gestação atravessada de desastres, que, em todos os sectores, agravaram pesadamente a vida do nosso povo.
Daí que, e não recolocando questões já aqui avançadas pelo Sr. Deputado António Reis, às quais me associo, lhe dirija muito sucintamente algumas outras.
Como compatibiliza o Sr. Ministro as proclamações do seu programa, e agora do seu discurso, no sentido do pluralismo, da abertura, do consenso, da defesa do património, da história e das tradições culturais portuguesas, com os sistemáticos atentados que a tais valores têm sido movidos, por exemplo pala Câmara Municipal de Lisboa, com destaque para o seu pombalino e palaciano presidente?
Isto, concretizando quer no que toca à projectada construção das mal celebradas Torres do Tejo, agora postergadas, a acreditar no que dizem os vespertinos de hoje, quer no impedimento inqualificável da realização, no Casalinho da Ajuda, da festa do Avante, seguramente a maior iniciativa cultural do nosso país?
Risos do PSD, do CDS e do PPM.
Vozes do PCP: - Que ignorância!
O Orador: - Qual a posição que vai assumir, na esfera da sua competência, e enquanto personalidade municiada com capacidade justificativa, face ao saneamento recente, no âmbito da Embaixada de Portugal na Áustria, dessa figura prestigiada e invulgarmente dotada da nossa cultura viva que é o maestro António Vitorino de Almeida?
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Estas as perguntas que lhe formulo, Sr. Ministro, sem prejuízo de ulteriormente regressar ao tema.
Ficamos, desde já e entretanto, atentos à sua prática governativa e àquilo que vier a fazer no ministério de que é titular.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Sousa Tavares.
O Sr. Sousa Tavares (PSD): - Sr. Ministro Lucas Pires, foi com o maior prazer e até com a maior alegria que ouvi as suas palavras. Raramente se ouvem palavras dirigidas à cultura portuguesa.
Queria apenas colocar-lhe dois problemas, que são dois perigos nacionais com uma tradição muito grande.
Um é o de o Estado ter a preocupação de criar a cultura. A cultura não tem que ver com o Estado, tem que manter a sua liberdade em face do Estado. Portanto, toda a ideia de que o Estado possa dar origem à cultura ou ser ele a criá-la ou a protegê-la demasiadamente parece-me possivelmente errada.
Outro é o obstáculo profundo das organizações de mediocridade nacional. Essas organizações pesam há séculos sobre o destino da pátria. São elas que fizeram que, aquando da Revolução do 25 de Abril, um homem como Jorge de Sena tivesse vindo a Portugal e não tivesse cá lugar para poder morrer, tendo ido de novo embora para o exílio, com o desgosto de não ter lugar na sua pátria porque a mediocridade organizada e tutelada pelo Estado lhe fechou as portas.
É esse espirito que é preciso combater e romper se se quiser fazer uma obra cultural em Portugal. É acabar com a proscrição sistemática daquilo que sempre tem mais valor, daquilo que fez com que os poetas de segunda ordem vivessem na Corte e Camões morresse na miséria, a pedir esmola. E isso continua a ser presente em Portugal, infelizmente, nos nossos dias e em todos os aspectos da vida cultural portuguesa.
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É preciso não esquecermos, em atenção ao que eu disse, que tivemos um ministro que interpretava o papel do Estado perante a cultura - e era um ministro inteligente - dizendo que o Estado era o tribunal do gosto.
Ai de nós se voltarmos a essas concepções. Sei que não será consigo que elas voltarão, Sr. Ministro, mas é preciso que, de uma vez para, sempre, isso se desenraíze da alma portuguesa.
O Estado não é o tribunal do gosto. O tribunal do gosto são os homens criadores, somos todos nós que nascemos com um sonho ou, com possibilidade de sentir alegria ou de sentir a beleza. E isso é uma coisa que jamais o Estado poderá criar. O Estado tem, de consentir, tem de fazer com que isso viva e exista e que o valor se afirme e encontre lugar neste país onde normalmente é sempre proscrito porque os medíocres só podem viver com a proscrição normal dos homens de valor.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM e do Sr. Deputado do PS António Reis.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, o Sr. Deputado António Reis.
O Sr. António Reis (PS): - Sr. Ministro da Cultura e Ciência: Não me seria difícil acompanha-lo na generalidade dos propósitos que aqui expendeu, tanto mais que V. Ex.ª adoptou aqui o tom muito mais de um homem da cultura do que propriamente o de um homem do poder e tanto mais que o Sr. Ministro apresentou aqui mais uma carta reivindicativa junto do poder a que, apesar de tudo, pertence e, por isso mesmo, através desse tom encontrou uma plataforma de fácil consenso com todos os homens que se preocupam com o desenvolvimento cultural deste país.
Mas queria apenas, Sr. Ministro, deixar-lhe aqui a sensação com que fiquei ao ouvir o seu discurso. Não é este o momento oportuno para voltar a colocar-lhe perguntas, quiçá difíceis, quiçá impertinentes, que expendi ao longo da minha intervenção nesta Assembleia, a que a prática concreta do seu Governo e do seu ministério terá de, mais cedo ou mais tarde, vir a dar resposta.
E a sensação com que de facto fiquei foi a de que o seu discurso e o seu programa, as posições que aqui expendeu; têm toda a semelhança ou todo o sabor a uma espécie de meteorito provindo de um outro planeta que, de repente, aterra no planeta VIII Governo, 3.º da Aliança Democrática.
E o meu reveio, Sr. Ministro, é que os habitantes desse planeta VIII Governo, 3.º da Aliança Democrática, façam como habitualmente se faz aos meteoritos: olham-no com um misto da curiosidade, de interesse, como algo de exótico que lhes aparece pela frente e depois metem-no numa redoma de vidro!
Aplausos do PS, da ASDI, da UEDS e da Sr.ª Deputada do PSD Natália Correia.
A Sr.ª Natália Correis (PSD): - Que engraçado!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Ministro da Cultura e Ciência para responder.
O Sr. Ministro da Cultura e Ciências: - Terei de ser breve, porque já estou a gastar tempo do meu colega seguinte. Em todo o caso, queria responder
sucintamente a todas as questões que me foram postas.
Sr. Deputado César de Oliveira, agradeço as palavras que proferiu acerca do meu discurso e perguntar-lhe-ia o seguinte: se a flor não está neste Governo,
onde é que está a flor?
Penso que, apesar de tudo, este é um problema importante e, em qualquer caso, é evidente que este é um Governo de formação democrática, constituído por homens livres, competentes e cultos e, sinceramente, é um Governo em relação ao qual me parecem ser abusivas quaisquer referências sobre intenções menos limpas ou mais autoritárias de qualquer tipo.
É, portanto, um Governo civilizado, que se formou pelas regras normais do mecanismo democrático, e contestá-lo nos termos em que me pareceu, apesar de tudo, fazê-lo, no fundo, pode ser correr o risco de contestar o próprio funcionamento dos mecanismos democráticos.
Quanto às observações sobre o meu excesso de optimismo, julgo que sempre procurei, sem ser utópico, pôr na minha intervenção política algum optimismo, uma certo luta contra o catastrofismo e a ideia, nomeadamente no campo da cultura, em que à situação é tão má, de que tudo o que fizermos é muito, ainda por cima com a consciência de que o único problema não é o do dinheiro na cultura e de que se preste muita atenção a uma coisa que é a importância da própria palavra e da própria obra cultural.
Recordo-me de que, durante o debate televisivo entre Mitterrand e Giscard d'Estaing, a certa altura Giscard disse a Mitterrand: «O senhor não tem senão o ministério da palavra.» E, apesar de tudo, Mitterrand, nessa circunstância, transportava consigo a consciência colectiva capaz de arrebatar toda a França no seu conjunto.
Sempre investi no património que, apesar de tudo, me parece ser um dos mais importantes, ou pelo menos o mais insuspeito, que é o da palavra. E situei sempre nesse terreno grande parte da minha acção, àquilo a que eu poderia chamar o poder da razão contra a razão do poder, aproveitando aqui para, de algum modo, responder ou comentar a intervenção do Sr. Deputado Sousa Tavares.
Não quero, com a acção do Ministério da Cultura, devastar mais o País politicamente, mas justamente evitar que o País seja mais devastado politicamente. Por isso, num país que, apesar de tudo, me parece precisar de um ponto de referência cultural, de que, aliás, esta Assembleia hoje foi já expoente porque nunca vi aqui serem proferidas tantas intervenções sobre a cultura, em nenhuma circunstância pretendi que o programa fosse ele próprio já de algum modo uma obra de cultura no sentido de viabilizar, através da palavra, um certo número de conceitos apesar de tudo inéditos e que podem fazer o seu curso como o direito de antena da cultura - suponhamos.
Penso que tudo isso terá de ser concretizado algum tanto por nós todos. É evidente que a cultura deste país passa peto comportamento desta Assembleia, talvez até mais do que por outra coisa, talvez até
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mais do que pela acção do Ministério da Cultura e Ciência e talvez até sobre isso tivesse de ser eu a fazer perguntas aos Srs. Deputados.
Portanto, no fundo, esta é exemplarmente, uma obra colectiva, mas eu não depreciaria tanto o ministério da palavra. Não levarei tão longe essa depreciação quanto a levou o ex-presidente da França no debate com o actual presidente da França ...
Há, no entanto, uma coisa em relação à palavra que em todo o caso direi: é que nunca trairei a minha palavra. E justamente penso que o testemunho de independência que pude dar até hoje o poderei prosseguir, ainda que, naturalmente, num quadro de solidariedade política que é o da Aliança Democrática, em relação à qual, aliás, julgo ter responsabilidades históricas de formação.
Foi-me perguntado pelo Sr. Deputado José Manuel Mendes o que é que eu pensava em relação à obra do engenheiro Nuno Abecasis. Ser-me-ia fácil dizer que não me debrucei sobre essa obra, sobre esses propósitos, simplesmente parece-me que em relação ao presidente da Câmara Municipal de Lisboa, a quem seria mais difícil entre todos tomar a resolução que foi tomada, seria da parte de quem quer que seja pelo menos injusto fazer a mínima observação crítica em termos culturais em relação à Câmara Municipal de Lisboa.
Uma voz do CDS: - Muito bem!
O Orador: - Julgo, aliás, que a função da Câmara não é a de, em primeiro lugar, vincular a cultura. A função do Ministério da Cultura é, sim, a de defender os bens da cultura em primeiro lugar. Prometo ser um advogado da cultura em primeiro lugar, mas reconheço que a função do engenheiro Nuno Abecasis não é a de, em primeiro lugar, promover a cultura em Lisboa ou no País.
Uma voz do PCP: - Que não a destrua...
O Orador: - É, naturalmente, uma exigência que os intelectuais lhe podem fazer; é um conselho que, benignamente, enfim, eu próprio lhe posso fazer, mas a função do presidente da Câmara Municipal de Lisboa não é, em primeiro lugar, essa.
Relativamente ao maestro António Vitorino de Almeida, direi que não sou o primeiro-ministro, esta questão não me diz respeito nem tenho de me responsabilizar por era. Em termos culturais, limito-me a reafirmar sobre este ponto os meus propósitos de pluralismo sem discriminações.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Ramos.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?
O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, pretendíamos fazer uma substituição: que em vez do Sr. Deputado Jaime Ramos usasse da palavra o Sr. Deputado Cardoso Ferreira.
O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado.
Tem a palavra o Sr. Deputado Cardoso Ferreira para uma intervenção.
O Sr. Presidente: - Não sei se com o movimento que vejo na Sala alguns Srs. Deputados se dispõem a sair. De qualquer modo, aviso desde já que os nossos trabalhos de amanhã recomeçarão às 10 horas, conforme ficou estabelecido, e pedia a todos o sacrifício de, apesar dos nossos trabalhos de hoje terminarem à hora a que vão terminar, nem por isso deixarem de estar presentes amanhã à hora regimental.
Faltam ainda cinco intervenções e é claro que o que acabei de anunciar é sem prejuízo dessas intervenções.
Tem a palavra o Sr. Deputado Cardoso Ferreira.
O Sr. Cardoso Ferreira (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: É a habitação um bem social fundamental, cuja obtenção, agravada nos últimos anos por inabilidade ou rigidez programática de governos anteriores aos da Aliança Democrática, tem constituído uma das principais preocupações dos Portugueses, com destaque para as camadas jovens e os de mais fracos recursos económicos.
Por isso este Governo, na sequência dos esforços já iniciados no VI e VII Governos, seleccionou como uma das prioridades a satisfação dessa necessidade básica, para tal propondo medidas adequadas.
Agitação na Sala.
O Sr. Presidente: - Um momento, Sr. Deputado.
Srs. Deputados, eu peço a VV. Ex.as o favor de manterem na Sala o mínimo de tranquilidade e de silêncio que permita que o debate continue. Sei perfeitamente quanto ele tem sido fatigante para todos nós, mas nem por isso deixo de lhes pedir este sacrifício - que nem sequer é pequeno - e sobretudo a preocupação de assegurarem o mínimo de presenças que permita a continuação dos nossos trabalhos.
Tenha a bondade de continuar, Sr. Deputado.
O Orador: - Convém, contudo, começar por referir, para que fique claro, que deverá competir ao Estado, sem prejuízo dos compromissos já assumidos, não a construção directa da habitação, cujos resultados mesmo com as melhores condições e máxima vontade política se têm revelado manifestamente insuficientes, mas a criação de condições que possibilitem aos diversos interessados meios e incentivos que levem ao progressivo aumento da oferta, aproximando-a dos níveis de necessidade, retirando o ónus directo do Orçamento Geral do Estado.
Neste sentido de esforço conjunto vale a afirmação no Programa do Governo da produção de 50 000 fogos como meta a atingir brevemente. Competirá, portanto, ao Estado, bem como às autarquias locais, desviando-se da concepção providencial ineficaz e incomportável do ponto de vista orçamental, actuar nos domínios legislativos, normativo e fiscalizador, suportar as classes de fraquíssimos recursos, ordenar e infra-estruturar o território.
Estes os grandes vectores de política habitacional que o VIII Governo prosseguirá.
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No domínio legislativo torna-se imperiosa a revisão do regime de sucessão e preferência no arrendamento para que, conjuntamente com figuras como nomeadamente os contratos de duração convencionada e de permuta de arrendamento, seja possível criar a mobilidade necessária num mercado de habitação de quase total rigidez.
A bonificação de construção normalizada, com controle de componentes de custos, é outra das medidas que no domínio normativo irão actuar positivamente nos mecanismos da oferta. Também não serão esquecidos os mecanismos de correcção a introduzir no sistema, e aqui as condições a criar no domínio fiscalizador, para que uma permanente adequação às alterações de estatuto económico-financeiro possa garantir a prossecução da justiça social.
Quanto aos sectores da população cujos fraquíssimos recursos não lhes permitem, apesar dos mecanismos em funcionamento, o acesso à habitação, a eles o Governo estará particularmente atento, subsidiando o Estado, directamente, a família carente.
O ordenamento geral e municipal do território numa perspectiva integrada das infra-estruturas sociais, em condições de aceitação voluntária, será tarefa igualmente cometida ao Estado e às autarquias como meio de correcção das assimetrias regionais de desenvolvimento.
Para nós, sociais-democratas, a solução do problema da habitação em Portugal não passa exclusivamente pela aquisição de habitação própria, quer individualmente, quer através de instituições cooperativas. Sendo de facto um dos processos de satisfação da necessidade habitacional, é preciso que tenhamos consciência de que não é fórmula que projectada no médio e longo prazo resolva o problema sem encargos crescentes e incomportáveis para o OGE. No entanto, entende o Governo neste âmbito incrementar no futuro próximo a aquisição de habitação por parte dos inquilinos, nomeadamente a bancos, seguradoras e instituições de previdência, incentivando através de facilidades fiscais o reinvestimento na produção de novas habitações. Também a autoconstrução será incentivada mas com projectos normalizados e fomentando a oferta de solos infra-estruturados.
Muitas têm sido as vozes que acusam o Governo de enjeitar as cooperativas prejudicando assim gravemente a resolução global do problema da habitação. Convém por isso dizer, em abono da verdade, que, independentemente de no quadro da oferta de habitação representarem as cooperativas uma pequena percentagem, ninguém como o PSD defendeu e defende o movimento cooperativo tendo o VI Governo tomado medidas de fomento que pretensos paladinos quando no poder nunca lograram levar a cabo.
Continuará o Governo no respeito dos compromissos assumidos a dotar as cooperativas dos financiamentos necessários para a conclusão de fogos já lançados, ajustando, no entanto, com elas o lançamento de novos fogos no sistema de habitações de custos controlados. Assim se fortalecerá o movimento cooperativo livre de finalidades que não sejam a realização de necessidades sociais por parte dos sectores mais carenciados da população.
No domínio da luta e prevenção do clandestino cujas proporções no nosso país são verdadeiramente trágicas pela ausência por vezes total de infra-estruturas básicas para a realização das quais o Estado terá de despender milhões de contos, tenciona o VIII Governo, sem necessidade de nacionalização ou municipalização, proporcionar uma oferta crescente de solos urbanizados e providos de infra-estruturas necessárias e solos urbanizáveis para além de acções que simplifiquem os processos de regulamentação urbanística e legalização das construções.
Finalmente, aponta-se para uma lei quadro a apresentar oportunamente a esta Assembleia da República, em que serão enunciados os princípios genéricos de política habitacional, numa perspectiva social da habitação e não na de habitação social, como por vezes acontece ser encarada.
Sintetizando, pode dizer-se que no Programa do Governo para o sector da habitação se reconhecem três grandes linhas de actuação: aligeirar o Orçamento Geral do Estado orientando a acção do Estado para o campo do apoio técnico e financeiro, desenvolvendo novas fontes de financiamento e, proporcionando maior flexibilidade ao mercado.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Consagrou o eleitorado no projecto da Aliança Democrática uma solução governativa cuja estabilidade a maioria parlamentar e o Presidente da República expressamente garantem. Nesse sentido, a certeza de que ò Grupo Parlamentar do Partido Social-Democrata ao manifestar a sua confiança e apoio ao VIII Governo, designadamente quanto às medidas propostas no seu Programa para o sector da habitação, salvaguarda os interesses nacionais e consolida a democracia.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Soares Cruz.
O Sr. Soares Cruz (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Ao analisarmos o Programa do Governo, no capítulo que aborda a problemática agrícola, uma linha de força fundamental se nota o aumento dos níveis de auto-aprovisionamento.
Consciente da necessidade imperiosa de encarar sob este prisma a solução de um dos mais graves problemas nacionais, começaria por fazer uma breve reflexão em relação a aspectos que a condicionam.
É à terra imputada uma importante função social.
Apesar da proliferação de variadíssimas teses, em tempos ainda não muito recuados, não se deu um único passo positivo no sentido de alcançar o objectivo final, isto é, a libertação digna de todos os portugueses que diariamente labutam na terra.
Antes pelo contrário, a ideia de que os trabalhadores rurais são os eternos explorados obteve a sua plenitude nos anos de 1975-1976, época em que os campos foram implacavelmente invadidos pelo totalitarismo e pela demagogia.
Apenas em 1980 foi possível começar a modificar o panorama agrícola português, em especial no que diz respeito ao Sul do País, quando se iniciou o programa agrícola da Aliança Democrática, em que pela primeira vez a terra foi distribuída a quem realmente a trabalha, procurando-se transformar o pequeno e médio agricultor em empresário agrícola, dando à sua
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empresa uma dimensão verdadeiramente concorrencial.
Estamos conscientes do muito que há a fazer, tendo também plena consciência de que o nosso Programa poderá em breve fazer com que os agricultores ocupem o lugar de honra que lhes pertence por direito, vindo a contribuir de forma significativa para o desenvolvimento económico nacional.
Para tal, é imprescindível que as explorações possuam uma dimensão correcta, em que seja considerada a capacidade de uso do solo e em que seja tida em conta a criatividade do empresário.
Têm estes conceitos particular acuidade na zona de intervenção da Reforma Agrária, onde, antes de mais, é imperioso desmantelar o poder político-partidário ainda existente, fomentando a livre associação dos homens que trabalham a terra e a tornam produtiva.
Ainda na zona de intervenção da Reforma Agrária se torna necessário e urgente combater o absentismo, não só em relação aos antigos proprietários da terra, mas também em relação aos novos, o que quer dizer que a nossa atenção se deve dirigir indistintamente aos reservatórios e às unidades colectivas de produção.
Não pode mais ser possível contemporizar com empresários, colectivos ou singulares, que não se disponham a retirar do seu capital o máximo de rendimento possível.
Só assim se poderão criar condições que contribuam paia o surgimento de uma classe média agrícola, de modo a acabar, de uma vez por todas, com a crónica antimonia social e a libertar os agricultores da sua histórica condição de explorados.
Dever-se-ão, manter as distribuições de terras a trabalhadores rurais e a seareiros, tendo, no entanto, em conta os necessários reajustamentos provenientes da revisão da Lei de Bases Gerais da Reforma Agrária, distribuições essas que devem contemplar parcelas de terreno correctamente dimensionadas e ser acompanhadas de uma política der crédito racional, de modo que seja tida em conta, essencial se não mesmo exclusivamente, a capacidade de iniciativa do novo empresário, procurando promover o mais intimamente possível a ligação do homem à terra. Os créditos a estabelecer deverão ser contemplados com juros bonificados em função da situação económica dos eventuais beneficiários.
Não nos esqueçamos, porém, que Portugal agrícola não tem como fronteira o Tejo, muito pelo contrário, ele estende-se até às terras do Alto Minho e lameiros de Trás-os-Montes.
A norte problemas bastantes diferentes nos surgem e para os quais as soluções não serão tão fáceis quanto desejaríamos. Estamos convictos de que alguns passos deverão ser executados, em especial no que concerne á reestruturação fundiária da propriedade, procurando promover o emparcelamento, de modo que as empresas venham a possuir uma conveniente dimensão económica e, consequentemente, um maior poder competitivo.
Após estas breves referências à estrutura fundiária da empresa agrícola, julgamos ser de, todo o interesse sublinhar alguns aspectos contados no, programa agrícola do Governo e que, pela sua importância, contribuirão para, para uma melhoria efectiva da vida dos agricultores.
Assim:
A tentativa de um conveniente ordenamento cultural e florestal, de modo que as várias espécies passam ser instaladas em solos vocacionados para a sua produção. Para que este objectivo seja alcançado é urgente que se, completem a carta de solos e a carta agrícola, para o que apenas falta cobrir cerca de 30 % do território nacional;
A afixação dos preços dos produtos agrícolas e dos factores de produção no início, de cada campanha, de modo que os agricultores possam programar a sua actividade e promover com um mínimo de segurança os seus investimentos;
A implementação de medidas tendentes a radicar a juventude à terra, para o que será de toda a conveniência rever a legislação já existente e melhorá-la no que diz respeito aos incentivos postos à disposição dos jovens agricultores, quer sob o ponto de vista económico, quer em contribuições para a sua formação técnica;
A intervenção actuante para moralização e regularização dos circuitos comerciais, impedindo assim que agentes estranhos à produção possam ser os grandes beneficiários.
Muitos outros aspectos poderiam ser aqui focados, mas a limitação de tempo impede-nos de fazer uma desejada análise exaustiva. Estamos cientes de que eles serão devidamente notados pelo povo português, não deixando de reconhecer quem cumpre o que promete, e que em 1984 mais uma vez nos concederá o seu aval.
O CDS não pode deixar de sei congratular ainda com o facto de o Programa do Governo incluir, entre os objectivos globais da política agrícola, «a organização dos mercados agrícolas, orientando-os na perspectiva da política agrícola comum», bens como «o ajustamento do sistema de preços nacionais à política de preços da CEE e ao sistema de preferência comunitária».
É sabido que é no sector agrícola que mais se fará sentir o impacte da adesão, sobretudo um país como Portugal; com solos pobres, atraso tecnológico e rima estrutura fundiária que dificulta a criação de empresas agrícolas bem dimensionadas - como, aliás, já atrás havíamos referido -, dotadas de rentabilidade económica. Importa, por isso mesmo, caminhar desde já no sentido de adaptar as estruturas produtivas e de comercialização, a fim de evitar que a adesão provoque custos sociais elevados.
Nos termos do artigo 39.º do Tratado de Roma, a política agrícola tem como objectivos:
Aumentar a produtividade da agricultura;
Assegurar um nível de vida equitativo à população agrícola;
Estabilizar os mercados;
Garantir a segurança dos abastecimentos;
Assegurar preços razoáveis aos consumidores.
Estes são objectivos a que aderimos, sem reticências no plano substancial, e é, pois, dentro destes parâmetros que se deve mover a política do nosso governo da Aliança Democrática, designadamente em matéria de preços.
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Não é possível pretender aumentar a produtividade do sector e fomentar o progresso técnico com uma política de preços que apenas se preocupe com o combate à inflação. Os rendimentos dos agricultores têm de ser melhorados, já que, de outra forma, não haverá progresso e sem este não ocorrerá a diminuição da dependência externa, que constitui uma das maiores vulnerabilidades da economia nacional:
Vão longe os tempos em que era possível financiar o desenvolvimento económico à custa dos agricultores. Esse processo teve a sua época e encontra-se esgotado. A baixa produtividade da agricultura nacional e a extrema rigidez da oferta de produtos agrícolas constituem hoje, porventura, o maior bloqueamento ao desenvolvimento económico. Só o rápido crescimento da produção pode evitar que qualquer relançamento da procura tenha imediatos reflexos no agravamento do défice externo, como afinal sucedeu em 1980 e o recente estudo da OCDE sobre a economia portuguesa amplamente reconhece.
É nesta perspectiva que tem que se reconhecer que a função do Ministério da Agricultura, Comércio e Pescas tem um real significado, permitindo uma visão integrada da política de preços, de modo a orientar a produção e o consumo.
Não têm, pois, razão os que pensam que os agricultores veriam os seus interesses melhor defendidos na orgânica do Governo que tradicionalmente separava a agricultura e o comércio. Só, aliás, numa visão corporativista se poderia imaginar que, em Conselho de Ministros, o Ministro da Agricultura defendia os interesses dos agricultores, enquanto o Ministro do Comércio tinha por missão lutar pelos interesses dos comerciantes e dos consumidores.
Num governo que considera o aumento da produção agrícola como uma das quatro prioridades da acção governativa, justifica-se plenamente a concentração de ambos os poderes no ministro responsável pelo sector, ainda que Portugal não fosse candidato à adesão.
Também aqui, como noutras áreas, as adaptações estruturais resultam não, de qualquer imposição externa, mas da vontade política da maioria e do Governo de caminhar pela senda reformista que constitui a base programática da Aliança Democrática.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do CDS espera que o espírito de mudança se instale duradouramente na agricultura portuguesa, a bem do desenvolvimento económico nacional e da melhoria das condições e da qualidade de vida das populações do mundo rural.
Aplausos do CDS, do PSD, e do PPM.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr. Deputado Jaime Ramos.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, o Deputado Jaime Ramos não se encontra presente e, portanto, falará o deputado do PSD que está imediatamente a seguir na ordem de inscrição.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Roleira Marinho.
O Sr. Roleira Marinho (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Ministros e Srs. Deputados: O partido congratula-se pelo facto de uma das prioridades deste governo ser a regionalização, ou seja, dotar o poder local do travejamento necessário à prossecução dos seus fins - a realização mais dinâmica, mais rápida e mais eficiente das exigências das populações.
A regionalização é uma aposta no futuro e na capacidade dos autarcas e é, ao mesmo tempo, uma decisão, corajosa do poder central, porque não é fácil largar mão daquilo de que se dispõe, para depositar noutrém a responsabilidade e a acção, esvaziando a sua própria área de actuação!...(o que ninguém fez antes do governo da Aliança Democrática, nem tão pouco foi apontado como directivo principal).
Tanto mais de louvar são os propósitos do Governo ao apostar na regionalização, quando no Programa agora em apreço se prevê a auscultação, tão lata quanto possível, da vontade do todo nacional, ao contrário daquilo que referiu o Sr. Deputado Prof. Jorge Miranda, e a própria maioria da Aliança Democrática também nesta Assembleia já deu provas do seu interesse em que esta questão do poder local merecesse o maior consenso, quando nos últimos dias da legislatura se dispôs a requerer a suspensão da discussão do diploma que delimita a área dos investimentos entre o poder central e o poder regional e local, dado que, quando caminhávamos para a votação, questões de pormenor impediam a aproximação de pontos de vista.
A regionalização de que se fala no programa do Governo é, estamos certos disso, muito mais do que uma boa intenção, é a certeza de que as comunidades locais, agora num âmbito finais alargado, disporão de meios de decisão, técnicos e financeiros, que, numa política global, tornarão possível a correcção, das desigualdades flagrantes entre o litoral e o interior, entre as grandes cidades e as pequenas comunidades. Já não falaremos tanto de desconcentração de serviços, mas mais de delegação de competências.
A esta Assembleia caberá muita da responsabilidade do êxito da regionalização, pois o regime jurídico, que há-de enquadrar a mesma terá, por imperativo constitucional, de ser aqui votado.
A disponibilidade do Partido Social-Democrata para tal aqui fica expressa, decerto em sintonia com os outros partidos da maioria, oxalá as oposições se disponham a contribuir para a concretização deste velho sonho de quem, longe dos centros de decisão, se sentia como o parente pobre na distribuição da fatia que, por direito e também por justiça, lhe pertence.
Assenta na regionalização a construção de um Portugal diferente, a cimentação da democracia e o trazer para a política daqueles que, de algum modo, se mostram indiferentes, por entenderem que tal assunto não lhes diz respeito, porém, quando os órgãos electivos e representativos a nível regional, por mais próximos e decerto com capacidade de resposta mais pronta à vontade das populações locais, então conseguiremos dar mãos entre todos e relançar a confiança que depositámos neste governo, que é o governo que o povo português escolheu.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Dá-me licença, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente:- Para que efeito, Sr. Deputado?
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O Sr. Silva Marques (PSD): - O menu grupo parlamentar ainda dispõe de tempo e eu pedia ao Sr. Presidente que me dissesse exactamente qual, porque pretenderíamos - se V. Ex.ª aceitasse e os restantes grupos parlamentares - que esse tempo fosse posto em compensação do tempo excessivamente utilizado pelo Governo.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado portanto quer significar, que pretende ceder o tempo sobrante do seu partido ao Governo.
O Orador: - Exactamente.
O Sr. Presidente: - Essa cedência é com prejuízo da intervenção do Sr. Deputado que ia falar de seguida ou é o saldo que resultar da intervenção?
O Orador - Não, Sr. Presidente, é o saldo do tempo que temos a nosso crédito neste momento.
Quanto ao momento em que falará o meu colega Faria dos Santos, o grupo parlamentar decidirá. O que eu queria neste momento era procurar atribuir o nosso tempo...
O Sr. Presidente: - Já percebi, Sr. Deputado. Neste momento o PSD tem onze minutos que ainda não utilizou e o problema todo está em saber se há consenso em que esse tempo, de que o PSD prescinde nesta sessão, transite em benefício do tempo do Governo. Para que o Governo use dele ainda hoje, ou para que fique como crédito para amanhã?
O Orador: - Não, Sr. Presidente, para que o débito do Governo não seja tão grande amanhã, visto que o Governo está em débito.
O Sr. Presidente: - O problema é, pois, a questão de saber se os partidos estão na disposição de formar consenso neste ponto.
Como perceberam já, seria desnecessário explicar, mas, para meu próprio beneficio, procurarei clarificar melhor.
A ideia do Sr. Deputado Silva Marques é de prescindir do uso dos onze minutos de que dispõe o seu grupo parlamentar hoje, para beneficiar o Governo amanhã.
Há alguma oposição?
O Sr. Almeida Santos (PS): - Dá-me licença, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, custa-me muito não ser elegante para quem o foi comigo. Só que me parece que as duas situações não são paralelas.
Que os grupos parlamentares troquem tempo entre si parece-me mais normal do que os grupos parlamentares cederem tempo ao Governo. Apesar de tudo, se o Governo disser amanhã que para acabar uma intervenção precisa de algum tempo, não muito, que possa ser-lhe cedido por qualquer grupo parlamentar, da oposição ou não, acho isso normal. Mas que se faça uma contabilização prévia por forma que o Governo receba os saldos não utilizados pelos partidos que o apoiam, sinceramente, parece-me que está fora do nosso esquema e da cordialidade que se tem estabelecido em pequenas quantidades entre os vários grupos parlamentares.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr. Deputado Veiga de Oliveira.
O Sr. Veiga de Olheira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nós temos sido o mais abertos possível a esta troca de tempos e têmo-lo feito quer entre grupos parlamentares, que - salvo erro, já desde a última vez - mesmo consentindo que fosse cedido tempo ao Governo.
A questão que se coloca neste momento não é ainda a de ceder tempo ao Governo - nós nem sabemos se o Governo precisará do tempo amanhã -, é, sim, de transferir tempo não utilizado hoje para amanhã. 15so é que nós nunca fizemos com ninguém. É, por interposta figura, o saldo deve/haver. 15so são contas que todos nós conhecemos muito bem.
O Governo já gastou mais tempo do que devia, isto é, gastou o tempo de amanhã. O senhor quer desde já compensar hoje o tempo que nem sabe sequer se será preciso amanhã.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Deputado, o que eu pretendo é que o tempo em que o Governo falou ultrapassando o seu limite de hoje seja descontado nos onze minutos que ainda temos. Portanto, o Governo falou hoje, não está a utilizar tempo de amanhã, nem está a transferir contas. O que eu pretendo é que se admita que aqueles onze minutos que temos sejam considerados como onze minutos em que o Governo falou hoje.
O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Sr. Deputado, eu percebi muito bem, desde o inicio da sua exposição, mesmo quando parecia que era difícil percebê-lo. Eu percebi muito bem o que é que o Sr. Deputado queria: Não é um problema de incompreensão.
Parece-me que seria razoável que nós adoptássemos este critério: ceder tempos, sim, justificando-se. Ainda há pouco foi cedido ao PS, porque ele o ia utilizar hoje. Repare: ia utilizá-lo hoje. O Governo utilizou-o hoje, já utilizou o seu tempo de amanhã, e a questão que se põe, e pôr-se-á amanhã, é, se o Governo amanhã precisa de onze minutos, que é aquilo que o Sr. Deputado quer ceder, para acabar uma intervenção, ou para dar respostas - como já temos feito, mesmo sem que ninguém lho ceda, temos aceite que ele use, com alguma magnanimidade, de
mais algum tempo para responder, quando é caso disso, ou para acabar qualquer coisa que esteja a dizer -, se isso será possível.
Tem-se praticado sempre isto, mesmo quando são governos aos quais nós nos opomos de maneira total, como é o caso. Mas não é isso que está em causa. Não há aqui nenhuma gentileza política, é simplesmente uma questão de processo e de seguirmos o que temos feito sem nenhuma dificuldade. 15to é, amanhã, se o Governo precisar, no fim, de onze minutos para acabar qualquer assunto ...
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O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Veiga de Oliveira, desculpe interromper, mas poderei fazer-lhe uma pergunta?
O Orador: - Com certeza, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Coma são 2 horas e 10 minutos da manhã, se VV. Ex.as, depois desta falta de consenso, quisessem, em todo o caso, confiar no senso de justiça da Mesa para completar qualquer tempo que possa eventualmente faltar amanhã, podíamos ir avançando com os trabalhos. O consenso não está formado, não é possível deferir a sua pretensão, há um certo consenso para que isso, se faça por outra via processual, e, dado o adiantado da hora, eu reclamava um voto de confiança de VV. Ex.as e o problema resolver-se-á airosamente amanhã, com
certeza.
O Sr. Deputado Faria dos Santos faz apesar de tudo, a sua intervenção?
O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem, Sr. Presidente. O Sr. Deputado fará a sua intervenção.
O Sr. Presidente: - Tem então a palavra o Sr. Deputado Faria dos Santos.
O Sr. Faria dos Santos (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Não quero começar esta minha apreciação do programa governamental das pescas sem manifestar o meu profundo desacordo pela apreciação aqui feita pelo Sr. Deputado socialista Luís Saias, especialmente quando classifica de ignorante o actual Secretário de Estado das Pescas. Lamento tal atitude e mais ainda lamento que entre o escol de deputados que existem na bancada do Partido Socialista tão tenha ainda sido, possível encontrar alguém que saiba um pouco mais do muito pouco que o deputado Luís Saias sabe sobre pescas.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Em relação ao Programa do VII Governo, este novo programa que agora nos é apresentado revela uma sensível melhoria de estruturação, uma realista análise da situação, bem como uma inteligente definição dos objectivos essenciais a alcançar e das linhas de acção política que devem enquadrar a acção do Governo neste sector, tendo em vista o alcance a médio prazo daqueles objectivos.
Não há dúvida de que a manutenção no Governo do actual Secretário de Estado das Pescas foi uma medida acertada. Debutante neste sector no início do corrente ano, a experiência adquirida, aliada ao seu dinamismo e inteligência, permitiu-lhe equacionar os reais problemas do sector e gizar uma estratégia de actuação que conduzirá à superação dos mais importantes pontos de estrangulamento.
Relançar a produção e adaptar as estruturas não são tarefas de curto prazo. Nas pescas como na agricultura, os horizontes temporais situam-se sempre a médio e a longo prazo. Não se constróem barcos, não se prepara pessoal competente, não se adaptam ou desenvolvem portos nem se alteram tradições de tra-
balho em pouco tempo. Se os governantes da Aliança Democrática, querem apresentar em 1984 um sector pesqueiro merecedor da nossa dimensão marítima, há que, desde já, acelerar o passo, começando por estruturar a Secretaria de Estado das Pescas, promulgar a legislação indispensável e activar as acções que visem os objectivos enunciados.
Reestruturar a Secretaria de Estado das Pescas passa por chamar ao seu seio organismos que se encontram menos bem localizados na estrutura administrativa do Estado, pela redefinição da função destes mesmos organismos, e pela definição de funções e áreas de responsabilidade. de alguns outros. Assim:
1 - Onde situar a Direcção-Geral do Pessoal de Mar e quais as suas principais funções? Será que lhe competirá rever o anquilosado Regulamento de Inscrição Marítima e definir um actualizado modelo de carreiras e de lotações?
2 - Qual a melhor localização da Inspecção-Geral de Navios? Vai continuar como organismo centralizador e burocrático de toda a construção e reparação naval? Vai continuar como organismo centralizador e emperrante da segurança no mar? Vai realmente abrir-se e ser o organismo de apoio às novas construções e grandes reparações, associando simultaneamente a função de organismo actualizante de toda a legislação caduca existente no sector?
3 - O Instituto Nacional de Investigação das Pescas vai assumir, como deve, o papel de impulsionador da agricultura, do conhecimento dos nossos recursos marinhos, de conselheiro indispensável nas nossas negociações com a Espanha e, futuramente, com a CEE? Será que o facto de o Secretário de Investigação de Estado, das Pescas passar a trabalhar nas actuais instalações do Instituto Nacional das Pescas revela a vontade do Sr. Secretário de Estado deixar de ser «um homem do Terreiro do Paço»?
Vamos, na realidade, regionalizar este Instituto Nacional através da dignificação de centros pesqueiros? Será que o centro pesqueiro de Aveiro vai ser pioneiro na ligação da investigação das pescas à universidade?
4 - Vai ser implementado o diálogo com a Armada e, em especial, com a sua Direcção-Geral do Serviço de Fomento Marítimo? Como dialogar com o Instituto Hidrográfico e colocá-lo em sintonia com o esforço de investigação e cartografia que, designadamente, as pescas portuguesas exigem?
Estes alguns dos temas de reflexão sobre a reestruturação da Secretaria de Estado das Pescas. Se corajosamente ela for empreendida elevada a seu termo, poderemos desde já vaticinar que estamos a abrir um caminho longo para a criação do futuro Ministério das Pescas e Reservas Marítimas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: No campo da produção, há, que avançar na melhoria dos métodos de pescas, na criação de uma frota capaz de operar na nossa Zona Económica Exclusiva, no apoio à formação de empresas mistas para pescarem nas águas dos países em que se constituam, na melhor negociação das cotas de pesca, na obtenção de acordos de pesca com os países de expressão oficial portuguesa e em tantos outros sectores que ã natureza desta curta intervenção não permite aqui enunciar.
Todavia, tal como em qualquer navio, o factor essencial do êxito da sua missão não depende apenas do
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avanço tecnológico dos equipamentos que embarca, mas, fundamentalmente, do nível de preparação dos homens que constituem as suas tripulações. Nestas condições, há que fazer um enorme esforço no campo da instrução e preparação do futuro pescador português. Com uma única escola de pesca, funcionando nos moldes em que funciona, não será possível avançar no usufruto das tecnologias mais avançadas da pesca e obter os índices que toda a Nação espera e exige.
Mas aproveitar a Zona Exclusiva e utilizar pesqueiros de nações amigas, através de acordos e de empresas mistas, implica a utilização de navios de elevada tecnologia e, portanto, de pessoal altamente especializado nos novos equipamentos técnicos. Tal pessoal existe entre nós em número reduzido e há que criar as escolas e demais estruturas que permitam enviar navios a tais zonas, sem que, como já nos vamos habituando, verifiquemos o alarmante índice de acidentes marítimos a que nos últimos tempos temos assistido.
No sector da preparação de pessoal, há todo um trabalho importante por fazer. Pescar na Zona Económica Exclusiva implica um alto conhecimento da utilização das artes de cerco e da rede pelágica. Como sabemos, nesta última arte existem muito poucos especialistas em Portugal.
A pesca do atum, nos moldes modernos em que se irá efectuar e refiro o caso de uma empresa de Aveiro, implicará o embarque nas novas unidades pesqueiras de helicópteros. Aqui deixo uma simples pergunta: na base do que perceitua do velho Regulamento de Inscrição Marítima poderão as autoridades marítimas permitir o embarque de pilotos e mecânicos de aeronáutica? Quais as condições de segurança que tais autoridades serão obrigadas afazer cumprir?
Como acabo de expor, o aproveitamento da nossa Zona Económica Exclusiva impõe uma tecnologia e uma preparação do pessoal e disponibilidade de equipamento que importa adquirir, sob pena de continuarmos a ser possuidores de uma enorme área marítima que em grande parte desconhecemos e da qual não sabemos de uma enorme área marítima que em grande parte desconhecemos e da qual não sabemos ou não somos capazes de obter os recursos de que o povo carece.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: No campo da comercialização do pescado, há que reconhecer que nada se fez desde Abril de 1974. O velho sistema de lotas, com todas as evidentes carências e os grandes desvios de peixe quer daí decorrem, tem que ser revisto de imediato. Alegra-me saber que sei encontra quase pronta a legislação que dará uma nova face ao nosso arcaico sistema de comercialização de pescado fresco. Faço sinceros votos para que nela se não haja esquecido, facto de estar estreitamente relacionado o preço do peixe vendido na lota com o provento dos pescadores que o pescaram. Espero ainda que a cadeia de instalação de frio que obrigatoriamente constituirá equipamento complementar do sistema integrado de lotas seja construída, localizada e dimensionada na perspectiva de servir a produção, e não como desde 1974 se tem feito, especialmente nos governos anteriores à AD, no sentido de colocar ao dispor da comercialização instalações estatais alugadas a preços absolutamente, risíveis, constituindo ultraje ao dispêndio dos dinheiros públicos.
Finalmente, caberá ao VIII Governo Constitucional iniciar, no, mais curto espaço de tempo, a reorganização do sector de pesca artesanal. Regido por uma legislação absolutamente caduca e desajustada do meio social em que se insere, urge promover a sua revogação e a promulgação de regulamentação que lhe permite desenvolver-se. Neste aspecto, e como deputado eleito pelo círculo eleitoral de Aveiro, resta-me apelar de novo para a urgência da necessidade de revisão do Regulamento de Pesca e Apanha de Moliço na Ria de Aveiro.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Creio firmemente que o Governo que agora aqui se apresenta a expor o seu programa tem capacidade para poder resolver o profundos problemas estruturais que afectam há longos anos o sector da pesca nacional. Da bancada dos parlamentares do Partido Social-Democrata poderá este governo e o Sr. Secretário de Estado das Pescas, nele integrado, contar com a mais completa solidariedade e o apoio correspondente. Não deixaremos, porém, de manter aquele distanciamento crítico indispensável ao acicate e uma acção que se deseja eficiente, oportuna e esclarecida.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr Deputado Ludovico Costa.
O Sr. Ludovico Costa (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Deputado Faria dos Santos certamente, como disse no início da sua intervenção, tinha ouvido a intervenção do meu camarada Luís Saias. Não sei se o Sr. Deputado é novo cá no hemiciclo, mas há uma norma entre os deputados, que é a de não atacar um deputado, na sua ausência. O Sr. Deputado teve oportunidade de fazer as observações que quisesses ao Sr. Deputado Luís Saias, e não o fez na altura que nós julgamos que seria própria. Daí a razão do meu protesto.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Faria dos Santos, para contraprotestar.
O Sr. Faria dos Santos (PSD): - Sr. Deputado, sou, na verdade, relativamente novo neste hemiciclo, talvez tão novo como V. Ex.ª, dado que não o tenho visto cá, mas queria, sinceramente, declarar-lhe que, ao reservar para a minha intervenção sobre pescas a reparo que fiz ao epíteto que considerei pouco dignificante, com o que o Sr. Deputado Luís Saias classificou o actual Secretário de Estado das Pescas, esperava sinceramente que ele, como homem interessado nas pescas, estivesse a ouvir a minha intervenção. Fi-lo nessa convicção e desde logo lamento que o Sr. Deputado Luís Saias - que o senhor agora tão, fortemente defende - tenha chamado o epíteto que chamou ao Sr. Secretário de Estado das Pescas não estando ele presente.
Vozes do CDS: - Claro!
O Orador: - Penso que as atitudes são equitativas e nós devemos medir-nos todos pelos mesmos conceitos.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM
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Uma voz do CDS: - Então fazem uma coisa que condenam?
O Sr. Presidente: - Consequentemente, Srs. Deputados, chegámos ao termo dos tempos de trabalho fixados para hoje. Os nossos trabalhos recomeçarão logo às 10 horas.
Está encerrada a sessão.
Eram 2 horas e 25 minutos.
Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PSD)
António Maria de O. Ourique Mendes.
Arménio dos Santos.
Casimiro Pires.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Eleutério Manuel Alves.
Fernando José da Costa.
Francisco de Sousa Tavares.
Germano Lopes Cantinho.
Henrique Alberto Nascimento Rodrigues.
Manuel António Lopes Ribeiro.
Maria Margarida do R. da C. S. M. Ribeiro.
Natália de Oliveira Correia.
Rui Alberto Barradas do Amaral.
Partido Socialista (PS)
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Alfredo José Somera Simões Barroso.
António Magalhães da Silva.
Avelino Ferreira Loureiro Zenha.
Carlos Manuel N. Costa Candal.
Fernando Torres Marinho.
João Cartona Gomes Cravinho.
Jorge Fernando Branco Sampaio.
José Luís Amaral Nunes.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Mário Alberto Lopes Soares.
Vítor Manuel Brás.
Centro Democrático Social (CDS)
Adalberto Neiva de Oliveira.
Alberto Henriques Coimbra.
António Jacinto Martins Canaverde.
Carlos Alberto Rosa.
Eugénio Maria Anacoreta Correia.
Francisco G. Cavaleiro de Ferreira.
João António de Morais Leitão.
João da Silva Mendes Morgado.
José Augusto Gama.
José Girão Pereira.
José Manuel Rodrigues Casqueiro.
José Miguel N. Anacoreta Correia.
Luís Carlos Calheiros V. Sampaio.
Ruy Garcia de Oliveira.
Valdemiro de Pinho. Brandão.
Valentim Tiago Lenhas Alves Lopes.
Partido Comunista Português (PCP)
Álvaro Barreirinhas Cunhal.
António Dias Lourenço da Silva.
Domingos Abrantes Ferreira.
Ercilia Carreira Talhadas.
Maria Alda Barbosa Nogueira.
Maria Odete dos Santos.
Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PSD)
Afonso de Sousa F. de Moura Guedes.
Amândio Anes de Azevedo.
Amélia Cavaleiro M. de Andrade Azevedo.
António Augusto Lacerda de Queiroz.
Bernardino da Costa Pereira.
Carlos Manuel Pereira Pinho.
Carlos Mattos Chaves de Macedo.
Cecília Pita Catarino.
Joaquim Manuel Cabrita Neto.
Maria Adelaide S. de Almeida e Paiva.
Mário Ferreira Bastos Raposo.
Mário Marques Ferreira Maduro.
Pedro Manuel da Cruz Roseta.
Partido Socialista (PS)
Alberto Arons Braga de Carvalho.
António Duarte Arnaut.
António Francisco B. Sousa Gomes.
António José Sanches Esteves.
António Manuel de Oliveira Guterres.
Aquilino Ribeiro Machado.
Francisco de Almeida Salgado Zenha.
Júlio Filipe de Almeida Carrapato.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Maria Teresa V. Bastos Ramos Ambrósio.
Centro Democrático Social (CDS)
Henrique José C. M. Pereira de Moraes.
Rui Eduardo Rodrigues Pena.
Partido Comunista Português (PCP)
António José de Almeida Silva Graça.
Armando Teixeira da Silva.
Joaquim António Miranda da Silva.
Jorge do Carmo da Silva Leite.
Octávio Floriano Rodrigues Pato.
Vital Martins Moreira.
O CHEFE DE DIVISÃO DA REDACÇÃO, José Pinto.
O REDACTOR PRINCIPAL, Manuel Adolfo de Vasconcelos.
PREÇO DESTE NÚMERO 94$00
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