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I Série - Número 9

Quarta-feira, 4 de Novembro de 1981

DIÁRIO da Assembleia da República

II LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1981-1982)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 3 DE NOVEMBRO DE 1981

Presidente: Exmo. Sr. Francisco Manuel Lopes Vieira de Oliveira Dias

Secretários: Exmos. Srs. Reinaldo Alberto Ramos Gomes
Vítor Manuel Brás
Maria José Paulo Sampaio
José Manuel Maia Nunes de Almeida

SUMÁRIO. - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 15 minutos.

Antes da ordem do dia. - Deu-se conta da apresentação de requerimentos.
Foram aprovados os n.ºs 96 e 97 do Diário.
Em declaração política, o Sr. Deputado Dorilo Seruca (UEDS) referiu-se à eventual desnacionalização da empresa Pescrul - Sociedade de Pesca de Crustáceos. Respondeu no fim a pedidos de esclarecimento e a um protesto dos Srs. Deputados Carlos Espadinha (PCP), Cunha Dias (PSD), Gomes Fernandes (PS) e Luis Saias (PS).
Também em declaração política, o Sr. Deputado Octávio Teixeira (PCP) criticou a recente medida do Governo de cortes de crédito para a habitação. Respondeu depois a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Manuel dos Santos (PS), Gomes Fernandes (PS) e Portugal da Fonseca (PSD).
Ainda em declaração política, o Sr. Deputado Luís Saias (PS) teceu críticas à acção que os Governos da AD vêm desenvolvendo no sector das pescas.
O Sr. Deputado José Manuel Mendes (PCP) chamou a atenção para a situação em que se encontra a Escola de Sá de Miranda, em Braga.
O Sr. Deputado Roleira Marinho (PSD) salientou a urgência que existe em tornar mais funcionais e menos burocratizadas as fronteiras.
O Sr. Deputado José Luís Nunes (PS) protestou contra a cedência, por parte da Câmara Municipal do Porto, da Casa do Infante para promoção de um livro do Dr. Franco Nogueira. Solicitou ainda, ao Ministério da Administração Interna, informações acerca de um processo disciplinar instaurado a Olímpio Magalhães, vereador da Assembleia Municipal do Porto.
O Sr. Deputado Magalhães Mota (ASDI) solicitou ao Sr. Presidente da Assembleia que diligencie no sentido de os prazos constitucionais e legais de entrega, na Assembleia da República, das propostas de lei do Plano e Orçamento para 1982 e das Contas Gerais do Estado do ano transacto sejam cumpridos.
O Sr. Deputado Mário Tomé (UDP) protestou pelo facto de ter sido retirado subsídio ao semanário Em Marcha.
O Sr. Deputado Armando Oliveira (CDS) corroborou a intervenção do Sr. Deputado José Manuel Mendes relativo à Escola de Sá de Miranda, em Braga, tendo ainda procedido à leitura de um requerimento nesse sentido formulado ao Sr. Ministro da Educação e Universidades.
O Sr. Deputado Borges de Carvalho (PPM) protestou pelo facto de um postal provindo de Espanha, alusivo ao próximo Campeonato do Mundo de Futebol, figurar o mapa da Península Ibérica sem qualquer fronteira e com um boneco a tapar as cidades de Lisboa e Porto.

Ordem do dia. - O Sr. Deputado José Manuel Mendes (PCP) procedeu à apresentação do projecto de lei n.º 255/II - Direitos dos autores portugueses, respondendo no fim a pedidos de esclarecimento e a um protesto dos Srs. Deputados Natália Correia (PSD), António Reis (PS) e Valdemar Alves (PSD).
Após ter sido lido pelo Sr. Deputado Jorge Lemos (PCP), foi aprovado um relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos sobre substituição de deputados de vários partidos.
Iniciou-se a discussão dos pedidos de sujeição a ratificação do Decreto-Lei n.º 454/80, de 9 de Outubro, (ratificações n.ºs 2/II e 8/II), e do Decreto-Lei n.º 238/81, de 10 de Agosto (ratificações n.ºs 100/II e 101/II), todos apresentados pelo PCP e pelo PS e relativos ao Código Cooperativo.
Participaram no debate, a diverso título, além do Sr. Secretário de Estado do Fomento Cooperativo, os Srs Deputados Eduardo Pereira (PS), Carreira Marques (PCP), Araújo dos Santos (PSD), Almeida Santos (PS) e Herberto Goulart (MDP/CDE).
Finalmente, o Sr. Presidente encerrou a sessão às 20 horas.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 15 minutos.

Estavam presente os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD)

Adérito Manuel Soares Campos.
Afonso de Sousa F. de Moura Guedes.
Álvaro Barros Marques Figueiredo.

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Álvaro Roque Bissaia Barreto.
Américo Abreu Dias.
Anacleto Silva Baptista.
António Augusto Lacerda de Queiroz.
António Duarte e Duarte Chagas.
António Maria de O. Ourique Mendes.
António Roleira Marinho.
António Vilar Ribeiro.
Arménio dos Santos.
Bernardino da Costa Pereira.
Carlos Mattos Chaves de Macedo.
Casimiro Pires.
Cecília Pita Catarino.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Daniel Cunha Dias.
Fernando Alfredo Moutinho Garcez.
Fernando José F. Fleming de Oliveira.
Fernando José Sequeira Roriz.
Fernando Manuel Cardote B. Mesquita.
Fernando dos Reis Condesso.
Henrique Alberto Nascimento Rodrigues.
Jaime Adalberto Simões Ramos.
Jaime Carlos Marta Soares.
João Manuel Coutinho Sá Fernandes.
Joaquim Manuel Cabrita Neto.
José Augusto Ferreira de Campos.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Luís Figueiredo Lopes.
José Manuel Pinheiro Barradas.
José Mário de Lemos Damião.
Leonel Santa Rita Pires.
Luís António Martins.
Manuel António Araújo dos Santos.
Manuel António Lopes Ribeiro.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Maria Moreira.
Manuel Maria Portugal da Fonseca.
Manuel Pereira.
Maria da Glória Rodrigues Duarte.
Maria Manuela Dias Moreira.
Mário Dias Lopes.
Nuno Aires Rodrigues dos Santos.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rui Alberto Barradas do Amaral.
Valdemar Cardoso Alves.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.

Partido Socialista (PS)

Adelino Teixeira de Carvalho.
Alberto Marques Antunes.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
António Chaves Medeiros.
António Duarte Arnaut.
António Cândido Miranda Macedo.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Fernandes da Fonseca.
António Fernando Marques R. Reis.
António Francisco B. Sousa Gomes.
António Gonçalves Janeiro.
António José Sanches Esteves.
António Magalhães da Silva.
Aquilino Ribeiro Machado.
Armando dos Santos Lopes.
Beatriz Cal Brandão.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Fausto Sacramento Marques.
Fernando Verdasca Vieira.
Francisco de Almeida Salgado Zenha.
Francisco Manuel Marcelo Curto.
Guilherme Gomes dos Santos.
João Francisco Ludovico da Costa.
Joaquim José Catanho de Menezes.
Joaquim Sousa Gomes Carneiro.
Jorge Fernando Branco Sampaio.
José Gomes Fernandes.
José Luís Amaral Nunes.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís Manuel César Nunes de Almeida.
Luís Manuel dos Santos Silva Patrão.
Luís Silvério Gonçalves Saias.
Manuel Alfredo Tito de Morais.
Manuel António dos Santos.
Manuel Francisco da Costa,
Manuel Laranjeira Vaz.
Manuel da Mata de Cáceres.
Mário Manuel Cal Brandão.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.
Teófilo Carvalho dos Santos.
Vergílio Fernando M. Rodrigues.
Vítor Manuel Brás.
Victor Manuel Ribeiro Constâncio.

Centro Democrático Social (CDS)

Adriano José Alves Moreira.
Adriano Vasco da Fonseca Rodrigues.
António Jacinto Martins Canaverde.
António Mendes de Carvalho.
Armando Domingos L. Ribeiro Oliveira.
Carlos Martins Robalo.
Daniel Fernandes Domingues.
Emílio Leitão Paulo.
Francisco G. Cavaleiro de Ferreira.
Francisco Manuel L. V. Oliveira Dias.
Francisco Manuel de Menezes Falcão.
Henrique Manuel Soares Cruz.
João Gomes de Abreu de Lima.
João José M. Pulido de Almeida.
João Lopes Porto.
José Augusto Gama.
José Eduardo F. de Sanches Osório.
José Manuel Rodrigues Casqueiro.
José Miguel N. Anacoreta Correia.
Luísa Maria Freire Vaz Raposo.
Manuel Eugénio Cavaleiro Brandão.
Maria José Paulo Sampaio.
Rui António Pacheco Mendes.
Rui Eduardo Rodrigues Pena.

Partido Comunista Português (PCP)

Álvaro Augusto Veiga de Oliveira.
Álvaro Favas Brasileiro.
António Anselmo Aníbal.
António Dias Lourenço da Silva.
António José de Almeida Silva Graça.
António da Silva Mota.
Carlos Alberto do Carmo C. Espadinha.
Custódio Jacinto Gingão.
Ercília Carreira Talhadas.

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Francisco Miguel Duarte.
Georgete de Oliveira Ferreira.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
Joaquim António Miranda da Silva.
Jorge Manuel Abreu de Lemos.
Jorge Manuel Lampreia Patrício.
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel da C. Carreira Marques.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Rodrigues Vitoriano.
Josefina Maria Andrade.
Lino Carvalho de Lima.
Manuel Rogério de Sousa Brito.
Maria Ilda Costa Figueiredo.
Mariana Grou Lanita da Silva.
Octávio Augusto Teixeira.
Zita Maria de Seabra Roseiro.

Partido Popular Monárquico (PPM)

António José Borges G. de Carvalho.
António de Sausa Lara.
Jorge Victor Portugal da Silveira.
Henrique Barrilaro Ruas.
Luís Filipe Ottolini Bebiano Coimbra.

Acção Social-Democrata Independente (ASDI)

Joaquim Jorge de Magalhães S. da Mota.
Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho.

União da Esquerda para a Democracia Socialista (UEDS)

Dorilo Jaime Seruca Inácio.
António Manuel C. Ferreira Vitorino.
António Poppe Lopes Cardoso.
Maria Teresa Dória Santa Clara Gomes.

Movimento Democrático Português (MDP/CDE)

Herberto de Castro Goulart da Silva.

União Democrática Popular (UDP)

Mário António Baptista Tomé.

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Dou a palavra ao Sr. Secretário para proceder à leitura do expediente.

O Sr. Secretário (Vítor Brás): - Na última reunião foram apresentados os seguintes requerimentos: ao Governo (2), formulados pelo Sr. Deputado Octávio Teixeira; ao Ministério da Habitação, Obra Públicas e Transportes (2), formulados pelo Sr. Deputado Nunes de Almeida; ao Governo formulado pelas Sr.ªs Deputadas Ercília Talhadas e Mariana Lanita da Silva; aos Ministérios da Justiça e da Reforma Administrativa, formulado .pelo Sr. Deputado Magalhães Mota; ao Governo e ao Ministério do Trabalho (2), formulados pela Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estão em aprovação os n.ºs 96 e 97 do Diário. Há alguma objecção?

Pausa.

Como não há, consideram-se aprovados. Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Dorilo Seruca.

O Sr. Dorilo Seruca (UEDS): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Foi pela UEDS apresentado no dia 9 de Junho um requerimento dirigido à Secretaria de Estado das Pescas, solicitando informação urgente sobre a situação criada à empresa nacionalizada PESCRUL - Sociedade de Pesca de Crustáceos, pelo despacho do Sr. Secretário de Estado de 5 de Maio, que instruía a comissão de gestão da empresa para que informasse sobre a eventualidade da sua venda a duas empresas de Aveiro, o que contraria frontal e «inexplicavelmente» o artigo 83.º da Constituição:
A resposta a este requerimento conhecemo-la através do Despacho n.º 73/81, de 13 de Julho, que não deixa sombra de dúvidas quanto à disposição de privatizar a empresa.
No preâmbulo desse despacho refere-se que (e passo a citar) «[...] A PESCRUL é uma empresa de pequena dimensão, no âmbito do sector público, embora com implantação considerável no meio piscatório do Algarve». E, prossegue, «[...] considerando o interesse em esta empresa se desenvolver pelos seus próprios meios, sem estar na dependência directa do Estado».
No mesmo despacho, são avançadas duas propostas para a venda do património da empresa:

1.º Venda total da empresa ao pessoal, incluindo os elementos da comissão de gestão;
2.º Caso a primeira proposta não seja possível, deverá a comissão de gestão, juntamente com um administrador liquidatário nomeado pelo Secretário de Estado, analisar, no prazo de 60 dias, a possibilidade de economia mista.

Tivemos conhecimento de que em dois plenários já realizados, os trabalhadores repudiaram qualquer hipótese de desnacionalização da empresa, recusando, portanto, qualquer daquelas duas propostas.
Toda esta situação não nos é, desde há muito, alheia por conhecermos vários indícios da predeterminação dos governos de direita em inviabilizar a empresa.
Um desses indícios é o Despacho n.º 47/79 de 31 de Maio, do governo Mota Pinto, que limita para 7 o número de licenças para o arrasto de crustáceos, sabendo-se que a PESCRUL possuía a totalidade das licenças em número de 10. Outro dos sintomas daquelas intenções foi ter-se permitido a venda de 3 navios para a pesca de longline, embora com a promessa de que seria promovida a imediata substituição das mesmas por igual número de embarcações a construir em estaleiros nacionais.
Mas mais uma vez ficou-se pelas promessas, nada indicando que elas se cumprirão, fazendo com que a empresa se veja, há cerca de 2 anos, desfalcada de três das suas melhores unidades.
Também o afretamento do Cidade de Faro, que era o seu maior navio, deixou a PESCRUL em sérias dificuldades, ficando a sua frota reduzida a 7 unidades operacionais, uma em precária recuperação e outra, construída nos estaleiros; da Figueira da Foz, imo-

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bilizada há vários anos, aguardando que apareça alguém que se interesse pela sua aquisição.
É de notar também que foi a partir da nacionalização que a PESCRUL iniciou a sua recuperação, diminuindo drasticamente os prejuízos e passando mesmo a registar lucros a partir de 1979, o que terá muito que ver com as limitações à captura de crustáceos, imposta aos Espanhóis pelo acordo assinado naquele ano, e que resultou na protecção dos recursos e na consequente renovação dos stocks.
Por estas e outras razões que a seguir se referem, não podemos concordar com algumas das declarações do Sr. Comandante Cabido Ataíde, em recente debate televisivo com o Dr. António Feu, onde foi, entre outras coisas, afirmado o seguinte:

1.º Que os pescadores portugueses não têm experiência ou desconhecem a pesca de crustáceos;
2.º Que Portugal não dispõe de barcos adequados nem mercado para o lagostim;
3.º Que se não forem os Espanhóis a apanhá-lo, o lagostim morrerá naturalmente por haver uma capacidade de captura de 1950 t/ano:
4.º Que o recente acordo de pescas com a Espanha foi bom para Portugal por ter beneficiado os pequenos armadores artesanais de Tavira e Vila Real de Santo António, dando-lhes a possibilidade de poderem hoje regressar, sem receio, aos pesqueiros tradicionais a leste do Guadiana. Esta mesma opinião é corroborada pela Associação dos Armadores do Guadiana, Associação que nós bem conhecemos e para cuja criação demos o nosso contributo, por se tratar efectivamente de uma organização de pequenos proprietários artesanais.

Ora nós, Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados, desejaríamos rebater aqui, ponto por ponto, estas posições defendidas pelo comandante Ataíde:
1.º Como já foi referido, a PESCRUL é uma empresa especializada no arrasto de crustáceos, designadamente o lagostim, tendo os seus mestres e pescadores profundos conhecimentos práticos desta actividade;
2.º Portugal possui, como se viu, barcos adequados para aquele tipo de pesca, pois foi para esse fim que foram concebidos os navios da PESCRUL.
Se não são em número ideal, a responsabilidade não cabe a esta empresa, mas sim a quem lhes limita o número de licenças, preferindo atribuí-las a armadores privados, como aconteceu recentemente, incluindo embarcações imobilizadas, como é o caso, por exemplo, da traineira Luís Jorge, que se encontra a apodrecer há vários anos na doca de Vila Real de Santo António, nunca tendo pescado no País, e que também obteve uma daquelas licenças. Por outro lado, estamos plenamente convictos da existência de um potencial mercado nacional para o lagostim.
3.º Segundo um recente estudo de uma especialista da Faculdade de Ciências de Lisboa, Dr.ª Margarida Miranda da Costa, a capacidade de captura daquela espécie que permite assegurar os stocks é de 800 t/ano e não de 1950 como sustenta o director do INIP. Diz-nos ainda esta especialista que a maturidade sexual dos lagostins atinge-se ao fim de 4 ou 5 anos, não havendo portanto, o perigo de eles «morrerem naturalmente» se não forem os Espanhóis a capturá-lo, havendo, deste modo, tempo suficiente para apetrechar convenientemente a nossa frota.
4.º Quanto ao acordo de pescas com a Espanha, o Sr. Comandante Ataíde confundiu ou não se apercebeu de duas realidades bem diferentes. Em primeiro lugar, para salvaguardar os interesses dos pescadores de Vila Real, Tavira Cabanas e Santa Luzia, não teria sido necessário ir tão longe nas nossas cedências porque, como é sabido, as juntas fronteiriças de Ayamonte e Vila Real de Santo António já haviam chegado a um acordo de troca recíproca dos pesqueiros tradicionais. Isto é, nós podíamos ir pescar a leste do Guadiana se as pequenas embarcações artesanais de Ayamonte e ilha Cristina poderiam pescar na nossa costa, do Guadiana até ao meridiano da Torre de Aire. Não se trata, portanto, de criticar o acordo no que ele efectivamente trouxe de vantajoso para os pescadores daquela zona. Trata-se sim, em segundo lugar, de reconhecer que a problemática levantada é muito mais vasta, não podendo a questão ser equacionada em termos quantitativos, isto é, tantas embarcações para um lado e tantas para o outro, mas sim qualitativamente, como o próprio Comandante Ataíde reconheceu. É que as nossas embarcações, praticando artes pacíficas, como o tresmalho, o cerco e o alcatruz, não podem ser comparadas às embarcações espanholas que praticam a arte mais depredadora que existe: o arrasto, além de possuírem uma tonelagem de arqueação bruta e capacidade de carga substancialmente superiores.
Ora estes arrastões, fainando no Barlavento algarvio, inclusive na reserva de cria e engorda, colocam seriamente em risco os recursos desta zona, provocando o pânico nos também pequenos armadores artesanais que se vêem perante o risco iminente da extinção das espécies que lhes garantem a subsistência, para além dos outros danos já referidos.
No mesmo debate, também o Dr. António Feu, não nos pareceu à altura de uma pessoa conhecedora destas questões, uma vez que pareceu ter ignorado as realidades aqui expostas, mostrando-se apenas interessado em defender as aspirações da sua própria Associação.
Do mesmo modo, o nosso colega e camarada Dr. Luís Saias, em entrevista concedida a um matutino publicado no passado domingo, pareceu-nos incompleto nos seus pontos de vista, nomeadamente na análise que faz sobre a captura de tunídeos nas subáreas da ZEE das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira.
O Dr. Luís Saias sabe tão bem como nós que o atum e similares não nascem e vivem num determinado local e que passam por aquelas águas por imperativos do próprio ciclo biológico.
Para concluir, achamos que é justo referir e sublinhar a preocupação demonstrada pelo Sr. Comandante Cabido Ataíde em proteger os pescadores artesanais, dando-lhe o nosso total apoio e empenhamento nesse sentido, fazendo sinceros votos para

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que o Governo venha finalmente a ter em consideração o lugar que eles efectivamente ocupam no sector.
A UEDS tem conhecimento de que existe já um plano para as pescas, cujo teor nem nós, e, estamos convencidos, nenhum dos Srs. Deputados, conhece.
Mas de boas intenções estamos nós fartos. É necessário e imperioso passar aos actos. É preciso que se não repita o quadro que tem caracterizado os sucessivos governos. Improvisam-se planos ou ... planeiam-se improvisos que, invariavelmente, têm perecido em qualquer canto obseuro de uma qualquer gaveta.
E quais têm sido os resultados das improvisações? cada vez maiores cedências a outros países; aumento da inquietação e desespero dos nossos pescadores; diminuição da produtividade; envelhecimento inexorável e morte da nossa frota.
E tudo isto porquê?
Por negligência? Por desinteresse? Por incapacidade?
Não sabemos responder!
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: A UEDS espera, embora com justificadas reservas, que este país, cuja história tem sublimado, através dos séculos, a raça dos seus heróicos marinheiros, possa um dia, de cabeça erguida, competir com os outros, no mínimo de igual para igual, sem ter de passar pela situação vergonhosa de ver o seu vasto território marítimo impunemente invadido.

Aplausos da UEDS e do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, inscreveram-se os Srs. Deputados Carlos Espadinha, Cunha Dias, Gomes Fernandes e Luís Saias.
Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Espadinha.

O Sr. Carlos Espadinha (PCP): - Sr. Deputado Dorilo Seruca, ouvi com bastante atenção a sua declaração política e devo dizer-lhe que estou plenamente de acordo com ela. Contudo, gostaria de lhe colocar duas questões.
Reparei que está ao comente do que o Dr. António Feu disse através dos órgãos de informação e queria perguntar-lhe se achou que a intenção do Dr. António Feu, em todas as suas intervenções, era no sentido de alertar para o mal que existe da não licença pelos sucessivos governos quanto à nossa frota para a apanha de crustáceos.
Disse também o Sr. Deputado que a salvação da empresa PESCRUL tinha sido a sua nacionalização. No entanto, não disse, talvez por falta de tempo, que a mesma empresa no ano de 1980 teve um saldo positivo da ordem dos 17000 contos. O governo AD, que já se debruçou sobre o sector da pesca, designadamente o da pesca nacionalizada, deveria ter em conta que os trabalhadores da PESCRUL já mostraram serem capazes de levantar a empresa o de, inclusivamente, até este momento, colocar mais unidades no mar e, com isso, reduzir o esforço espanhol de pesca, nas nossas águas.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Dorilo Seruca, deseja responder já ou no fim?

O Sr. Dorilo Seruca (UEDS): - Respondo no fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Nesse caso, tem a palavra o Sr. Deputado Cunha Dias.

O Sr. Cunha Dias (PSD): - Sr. Deputado Dorilo Seruca, ouvi com muita atenção a sua declaração política. Sei que V. Ex.ª é um especialista nestes assuntos de pesca e, sem querer propriamente entrar na especialidade dos problemas que acabou de abordar, gostaria de lhe formular uma pergunta muito simples.
Diz V. Ex.ª, por um lado, que não necessitaríamos de ir tão longe nas nossas cedências, mas, por outro, diz que não critica o acordo de pescas. Porque também tenho falado com os pescadores, sobretudo com os pescadores artesanal da área de Tavira e de Vila Real de Santo António, além de outros, sei que o acordo de pescas recentemente feito os satisfez bastante e, nesse sentido, pergunto-lhe se já alguma vez nos anteriores governos foi feito algum acordo mais vantajoso do que o que ultimamente conseguimos efectuar com a Espanha.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Gomes Fernandes.

O Sr. Gomes Fernandes (PS): - Sr. Deputado Dorilo Seruca, gostaria de referir a pertinência da sua intervenção sobre a temática que abordou.
Na verdade, a acordo de pescas: luso-espanhol, no meu entender e no entender da minha bancada, que já solicitou o protocolo correspondente a ele, não é um acordo vantajoso para Portugal. Bem pelo contrário, consideramos mesmo que é um acordo desvantajoso. No entanto, pelas referências que V. Ex.ª fez à intervenção na televisão do Sr. Comandante Cabido Ataíde, a que assisti, fiquei com a ideia - e era esse o pedido de esclarecimento que lhe, formulava - de que fez essas referências em termos condenatórios pelos termos em que essa intervenção se fez, na medida em que denotou uma profunda irresponsabilidade pela - delapidação das nossas riquezas naturais e dos nossos valores ecológicos e ambientais, de que o Sr. Comandante tem responsabilidades.
Na verdade, o Sr. Comandante pronunciou-se em termos que deixam pouco a desejar quanto à preocupação de defender esses valores e de garantir equilíbrios ambientais e ecológicos que são fundamentais para a sobrevivência dos nossos ecossistemas e do nosso futuro.

O Sr. Presidente: - Ainda para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Saias.

O Sr. Luís Saias (PS): - Sr. Deputado Dorilo Seruca, dentro de momentos irei fazer uma intervenção também sobre as pescas e que abordará temas próximos daqueles que abordou.
Contudo, V. Ex.ª referiu uma entrevista que eu teria dado a um matutino. Gostaria de lhe perguntar qual é esse matutino e quando é que essa entrevista foi dada, porque não tenho ideia, pelo menos, de essa entrevista ter sido recentemente publicada.
Por outro lado, o Sr. Deputado deixou pairar no ar a ideia de que o recente acordo de pescas feito

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entre Portugal e a Espanha não seria um mau acordo. Gostaria de saber se considera que esse acordo trouxe vantagens apenas para a zona de Vila Real de Santo António ou se considera que o acordo é possível sob o ponto global nacional.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado Dorilo Seruca.

O Sr. Dorilo Seruca (UEDS): - Quanto ao primeiro pedido de esclarecimento, formulado pelo Sr. Deputado António Espadinha, não o compreendi bem.

O Sr. António Espadinha (PCP): - Se me der licença, repito o pedido de esclarecimento.

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. António Espadinha (PCP): - Perguntei-lhe se, em relação às últimas declarações feitas pelo Dr. António Feu perante os órgãos de informação, designadamente no debate com o comandante Cabido Ataíde, V. Ex.ª notou que o Dr. António Feu se tinha debruçado sobre a questão de os sucessivos governos proibirem as licenças a dar aos barcos da nossa frota para a pesca dos crustáceos.

O Orador: -.Que eu tenha, ouvido, devo dizer-lhe que não, Sr. Deputado.
Diz também o Sr. Deputado António Espadinha que eu não tinha referido que teria havido um saldo positivo na PESCRUL a partir de 1979. Devo dizer-lhe que na minha declaração política referi isso. Disse, nomeadamente, que, a partir das nacionalizações, tinha havido uma recuperação e que a partir de 1979, depois de terem sido protegidas as limitações impostas aos Espanhóis, a empresa PESCRUL passou a ter lucros. Não falei em números, porque pensei que eles não eram 'necessários.
Diz o Sr. Deputado Cunha Dias que eu não critico o acordo de pescas feito recentemente. Devo dizer que o critico, só que não o critico num todo.
Quando me referi ao que o Sr. Deputado Luís Saias proferiu numa entrevista dada a um matutino, eu disse que concordo com aquilo que é defendido no recente acordo no que diz respeito à captura de tunídeos. Não disse, no entanto, que concordava com o acordo.
Perguntou-me também o Sr. Deputado Cunha Dias se já tinha havido algum acordo mais vantajoso do que o recentemente feito. A este respeito, digo-lhe que não houve qualquer acordo, nem mais, nem menos vantajoso. Houve, sim, outros acordos, nomeadamente acordos pontuais fronteiriços, que englobaram todas as necessidades da zona do Sotavento Algarvio. Aliás, isso também foi referido na minha intervenção.
Quanto ao Sr. Deputado Gomes Fernandes considerar que coloquei a minha intervenção em termos condenatórios, devo dizer que não é disso que se trata. Coloquei a minha intervenção em termos meramente críticos e técnicos.
É evidente que concordamos com a protecção - é isso que nos preocupa - dos nossos recursos, e é isso que está posto em causa no recente acordo.
Diz o Sr. Deputado Luís Saias que não teve conhecimento de uma entrevista que deu a um matutino.

O Sr. Luís Saias (PS): - Agora já sei!

O Orador: - Devo dizer-lhe que a entrevista foi publicada no Portugal Hoje no passado domingo.
Parece-me que as suas posições são incompletas por uma razão muito simples: é que, quando nós dizemos que o recente acordo de pescas prejudica as zonas autónomas dos Açores e da Madeira, devemos pensar que, por exemplo, as espécies similares do atum não vivem nem nascem nessa zona, passam por ali. E uma coisa é certa: nós não temos capacidade de captura para o atum e similares.
Neste momento temos que apetrechar a nossa frota, e era preciso que isso fosse dito nessa entrevista. Por isso, considero incompletas as declarações do Sr. Deputado Luís Saias.
O recente acordo serve no que diz respeito à captura de tunídeos, mas isto não quer dizer que Portugal fique de braços cruzados e não apetreche a sua frota para a captura dos tunídeos. O Sr. Deputado Luís Saias sabe tão bem como eu, porque é um técnico, que muito respeitos que neste momento não temos uma frota atuneira capaz de capturar convenientemente os stocks que temos de atum.
Por outro lado, também lhe digo que neste acordo - e aí estamos absolutamente de acordo - foi feito um mau negócio.

O Sr. Cunha Dias (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para fazer um protesto.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Cunha Dias (PSD): - Sr., Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Deputado e meu amigo Dorilo Seruca acaba de dizer que o recente acordo é igual aos outros acordos, que, praticamente, é a mesma coisa. No entanto, na sua intervenção não foi bem isso o que disse.
Lembro-lhe que na ano passado, aquando de um acordo feito durante uns breves meses do governo de Sá Carneiro, V. Ex.ª e forças próximas de V. Ex.ª confrontaram-nos dizendo que tínhamos vendido a costa aos Espanhóis. Agora não dizem nada. Então é porque o recente acordo é bom, com certeza.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para contraprotestar tem a palavra o Sr. Deputado Dorilo Seruca.

O Sr. Dorilo Seruca (UEDS):- Sr. Deputado Cunha Dias, eu não disse que o recente acordo era igual aos outros. O que eu disse foi que o recente acordo, naquilo que traz de vantajoso para os pescadores da zona que referiu, não é nem mais nem menos do que este acordo. Considero, portanto, que não era necessário ter-se ido tão longe nas cedências feitas aos Espanhóis para conseguir garantir a subsistência, para garantir a pesca naquela zona.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

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O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Milhares de portugueses interrogam-se neste momento angustiadamente sobre a forma de enfrentar a difícil situação que lhes foi criada pelo súbito corte do crédito com que contavam para a resolução dos seus problemas habitacionais.
É, infelizmente, o tema do dia em toda a parte: na imprensa, nos transportes públicos, onde quer que os Portugueses discutam as suas dificuldades.
Às proporções dramáticas que o problema da habitação assume somam-se agora restrições que ameaçam pôr cobro, de um dia para o outro, a contratos há muito firmados, a compromissos inadiáveis, a projectos de vida envolvendo milhares de famílias.

Vozes do PCP; - Muito bem!

O Orador: - Num dos problemas unanimemente considerado como um dos mais graves do País, o governo AD toma uma medida que, leva a atingir proporções de gravidade imprevisível, o que já era suficientemente grave, causando justa, e generalizada indignação.
Que governo, é este que não só é incapaz de resolver um único dos problemas que afectam os Portugueses, como os agrava a todos?!
Sr. Presidente, Srs. Deputado: As medidas restritivas agora adoptadas no campo habitacional inserem-se no quadro de uma! política geral de restrição ao crédito.
A política monetária prosseguida nos três últimos meses reveste o carácter de um real e gravoso atentado contra a economia nacional.
Não satisfeito com as elevadas taxas de juro e com a discriminação dessas taxas, favorecendo os utentes do crédito com grande poder económico, isto é, favorecendo o grande capital, o governo AD enveredou decididamente pela via de fontes restrições quantitativas à concessão de crédito.
Pese embora a tentativa despudorada do Governo de ocultar a realidade, a demonstrada falta de coragem de assumir publicamente a responsabilidade - da sua política e dos seus actos, os factos e os números desnudam a situação de facto: no último trimestre, os limites de crédito evoluíram à taxa nominal de 14,4% ao ano, ou seja, evoluíram a uma taxa real negativa da ordem dos 6 %.
Sem capacidade para, no quadro democrático-constitucional, proceder à alteração da estrutura económica, por forma a corrigir os problemas estruturais da balança de pagamentos, o governo AD lança-se numa desenfreada fuga para a frente.
Após terem conduzido a economia do País para o abismo, com défice externo previsivelmente não inferior a 2000 milhões de dólares, com uma taxa de crescimento do produto que é a mais baixa dos últimos 6 anos, com uma taxa de inflação novamente na casa das duas dezenas, a AD e o seu governo apresentam-se desorientados e assustados. Incapazes de elaborarem t executarem uma solução para a crise, a AD e o seu governo Imitam-se a copiar as comprovadamente desastrosas políticas dos seus mentores Thatcher e Reagan: uma política monetária cegamente restritiva.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - A cegueira dessa política e dos seus autores é evidente. As restrições ao crédito não incidem apenas ou prioritariamente sobre as actividades especulativas ou sobre os consumos supérfluos. As restrições ao crédito fazem-se sentir sobretudo na actividade das pequenas e médias empresas e em sectores de actividade prioritários.
O que se passa com o crédito à aquisição de habitação e com o crédito predial em geral, nomeadamente no âmbito da Caixa Geral de Depósitos, responsável por mais de 80% deste tipo de crédito, é um escandaloso exemplo da política monetária - restritiva do governo AD.

Aplausos do PCP e de alguns deputados do PS.

Talvez mais cedo do que se poderia prever, o Governo veio mostrar a mais completa e despudorada demagogia do Primeiro-Ministro, quando na apresentação do seu programa realçou a habitação como a prioridade das prioridades do seu governo.
Para promover a sua prioridade das prioridades, e até ao momento, o Governo apenas tomou duas medidas: extinção do Furado de Fomento da Habitação, sem a sua substituição simultânea por qualquer estrutura eu organismo que coordene a execução da política habitacional do Governo, e a prática suspensão do crédito predial. E com tais medidas e claro que a habitação não é promovida. Pode ser promovida a especulação dos promotores imobiliários e dos grandes proprietários urbanos. Não é certamente promovida a solução dos problemas habitacionais do povo português.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Muito bem!

O Orador: - A suspensão do crédito predial, desde o crédito à aquisição de habitação própria ao crédito para fomento da construção, não só virá aumentar o défice habitacional, como acarretará prejuízos directos e imediatos a milhares de promitentes - compradores e a muitos construtores. Os promitentes - compradores, os milhares de pessoas que haviam já assinado contratos de promessa de compra, desembolando cada um dezenas ou centenas de contos de «sinal», na perspectiva de obtenção de crédito, nos termos legais, não só são defraudados nas suas expectativas, como correm o risco real de perderem os «sinais» adiantados, bem como o de verem substancialmente agravados os preços inicialmente acordados para as cavas que pretendiam adquirir.
Os construtores virados exclusiva ou principalmente para a construção de habitação ver-se-ão em muitos casos impossibilitados de satisfazerem os seus compromissos, pois não receberão os valores programados com a venda de habitações e, simultaneamente, vêem suspenso o crédito ao fomento da construção.
Nestes últimos dias chegaram já à Assembleia da República os. protestos e reclamações fundamentados de centenas de cidadãos lesados por estas medidas.
Os grandes construtores civis, aqueles cuja actividade principal se consubstancia na execução de obras públicas não habitacionais, esses poderão prorrogar a imobilização do capital, embolsar os «sinais de entrada» e aumentar os preços das poucas habitações que constróem, arrecadando lucros suplementares e especulativos.

Vozes do PCP: - Muito bem!

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O Orador: - E, se as restrições ao crédito para aquisição de habitação própria são extremamente gravosas nos seus efeitos, os processos utilizados na sua consumação, sob a orientação ou com o conhecimento do Governo, são manifestamente inadmissíveis e caracterizadores da moral política da AD.
Por um lado, a prorrogação artificial das diversas fases dos processos, aumentando os períodos entre a apresentação do pedido e a concessão do crédito de 6 meses para cerca de um ano, e a ultrapassagem dos prazos de validade dos registos notariais.
Por outro lado, não fazendo qualquer destrinça entre crédito para primeira habitação e crédito para habitações secundárias ou de férias, bem como não privilegiando as habitações secundárias ou de férias, bem como não privilegiando as habitações de preços menos elevados, o que permitiria satisfazer maior número de pessoas. E é assim que, já depois das restrições, se assiste à escandalosa concessão de créditos para habitação de preços unitário da ordem dos 10000 contos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quando se limita a promoção da habitação pelo Estado, quando se dificulta o acesso ao financiamento às cooperativas de habitação económica, quando se recusam às autarquias os recursos necessários à construção de habitações, quando se suspende ou limita o crédito à aquisição de habitação própria, quando se adultera o processo de formação dos, preços das habitações, está definida uma política de habitação, em que o desperdício de recursos, o não incentivo à normalização dos processos de construção, o aumento especulativo dos preços, constituem o sustentáculo dos, interesses dos especuladores imobiliários e dos grandes proprietários urbanos.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Contra o direito dos Portugueses à habitação.
É esta, comprovadamente, a política habitacional da AD.
Há dias o inefável Ministro da Administração Interna dizia no tom que lhe é peculiar: os Portugueses têm de optar entre frigoríficos e habitação!

Risos do PCP.

É puro dislate, que traduz bem a irresponsabilidade e a leviandade com que os governantes da AD encaram problemas gravíssimos do povo português!

Aplausos do PCP e de alguns deputados do PS.

Os Portugueses têm de optar, sim, mas é entre um governo democrático que defenda os seus interesses e este governo AD, que espezinha os seus mais elementares direitos, degrada a economia nacional e favorece a especulação.

A Sr.ª Ercília Talhadas (PCP): - Muito bem!

O Orador - Esta opção por uma nova maioria e por um novo governo vem-na fazendo todos os dias número crescente de portugueses e tem que ter no mais curto prazo confirmação institucional em eleições antecipadas, que mais do que nunca se tornam necessárias.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, inscreveram-se os Srs. Deputados Manuel dos Santos, Gomes Fernandes e Portugal da Fonseca.
Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel dos Santos.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr. Deputado Octávio Teixeira, meu ilustre colega, desejo, em primeiro lugar, felicitá-lo, por ter tido a coragem e a oportunidade de trazer aqui a esta Assembleia estie problema, que é, efectivamente, um problema real dos Portugueses.
Numa altura em que se pretende que os Portugueses não conheçam a situação real financeira e económica deste país, numa altura em que se constróem factos políticos com a intenção de ocultar aos Portugueses a real - e verdadeira situação financeira do País, é importante que os deputados tragam aqui questões concretas - eu fá-lo-ei na devida oportunidade, porque há muitas outras questões para levantar -, é importante que se faça o que V. Ex.ª aqui fez, trazendo aqui uma questão importante e grave da situação dos Portugueses e grave relativamente à situação financeira e económica portuguesa.
O Sr. Deputado referiu que as restrições de crédito à habitação não são senão uma medida, digamos assim, sectorial. Inserem-se numa política global de restrição de crédito, e todos sabemos, ou pelo menos os economistas sabem-no, que se inserem numa filosofia global monetarista, uma filosofia que é aquela que informa o actual governo, como, aliás, informava os governos anteriores, os governos de base AD.
V. Ex.ª também sabe, Sr. Deputado, que neste momento as políticas monetaristas encontram-se condenadas em todos os países e têm produzido resultados concretos catastróficos para as populações em todos os países onde estão a ser aplicadas. Particularmente, o caso da Inglaterra é evidente e o americano, a muito curto prazo, virá demonstrar que também essa evidência é relativamente clara para todos.
Sendo assim, perguntava: por que é que o Governo Português, conhecidos os resultados catastróficos deste tipo de política para a população dos países onde é aplicada, tendo teoricamente como base uma base social-democrata, insiste em aplicar receitas desta natureza, insiste em aplicar receitas que são naturalmente conservadoras, são receitas contra a população mais desfavorecida? Terá V. Ex.ª uma explicação para este fenómeno?
Terá V. Ex.ª uma explicação para o fenómeno de neste momento, estando nós com mais de 15 dias decorridos sobre o prazo em que, constitucionalmente, devia ter sido apresentado a esta Assembleia da República o Orçamento Geral do Estado e o plano anual para 1982, estando com mais de 15 dias decorridos sobre esse prazo e tendo o Governo prometido que iria cumprir os prazos da apresentação destes diplomas, que são fundamentais para o futuro próximo da população portuguesa, ainda os não ter apresentado?
Saberá V. Ex.ª explicar-nos por que é, para lá daquilo que corre pelos jornais - e nem sempre é o mais certo, não porque os jornalistas mintam, mas porque

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nem sempre lhes dão as informações concretas -, por exemplo, a oposição ainda não foi minimamente informada sobre as regras que informam o Orçamento Geral do Estado, sobre as regras que, no fundo, vão caracterizar e delimitar a acção prática dos Portugueses no próximo ano?

Aplausos do PS e de alguns deputados do PCP.

O Sr. Presidente: - Para .pedir esclarecimentos tem a palavra o Sr. Deputado Gomes Fernandes.

O Sr. Gomes Fernandes (PS): - Sr. Deputado Octávio Teixeira, para além de secundar as palavras iniciais do meu camarada Manuel dos Santos, queria referir, a propósito da sua intervenção, o facto importante de o Governo ter escolhido como uma das suas quatro prioridades fundamentais o problema da habitação, não porque o problema não seja importante e não necessite de uma estratégia de ataque em força e frontal, mas porque o Governo não tinha, à partida, capacidade, pela sua filosofia e pela sua compleição técnica no sector, para atacar este problema.
Penso que o Sr. Deputado Octávio Teixeira «abriu a parada» numa discussão que há-de ir longe, neste Plenário e fora dele, sobre este problema e penso, só por isso, que a sua intervenção merece uma referência elogiosa.
Quanto às questões do crédito à habitação e quanto à crise que neste momento já começou a gerar-se e até a generalizar-se no sector da construção civil, por um mecanismo psicológico de desmobilização dos sectores mais produtivos no âmbito da habitação, nomeadamente o sector cooperativo, que tinha uma dinâmica importante, a quem neste momento, praticamente, partiram as pernas, por essa desmobilização, pela paragem de obras, pela extinção do Fundo de Fomento da Habitação, sem haver uma alternativa mínima à vista, o Governo neste momento criou já uma real crise no sector da construção civil, pela qual - é bom que fique claro - terá de assumir integralmente a responsabilidade.
O mês de Outubro, na construção civil, é um mês significativo, e o Governo não deu atenção a isso e certamente terá de dar algumas explicações e terá, sobretudo, de arcar com as responsabilidades que esta crise irá originar no sector da construção civil.
Quanto à questão das cooperativas de habitação, que o Sr. Deputado Octávio Teixeira referiu, mas não com a intensidade que, penso, o problema merece, é grave a situação destas mesmas cooperativas e é fundamentalmente grave que, do ponto de vista político, se esteja, como se diz em gíria, a tirar o tapete a uma das iniciativas mais válidas depois do 25 de Abril e que neste momento caminham a passos largos, não digo para a extinção, porque as cooperativas não irão acabar, mas para perigos muitos maus, para um futuro de médio prazo muito difícil.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Por outro lado, o Sr. Deputado não referiu um aspecto importante da política de habitação do Governo que os Portugueses ainda não sentiram mas do qual neste momento já começam a ter consciência e a ficar amedrontados: é o problema das rendas de casa.
O único objectivo fundamental da política de habitação do Governo é o de fazer um sistemático aumento das rendas de casa antigas, que vai ser um fenómeno terrivelmente agravador da inflação e da já difícil situação e qualidade de vida dos Portugueses.
Gostaria, pois, de saber se esta não referência foi por lapso ou se foi porque o Sr. Deputado não pretendeu pintar, digamos assim, de uma vez só o negrume deste quadro de uma forma integral.

Aplausos do PS. da UEDS e de alguns deputados do PCP.

O Sr. Presidente: - Ainda para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Portugal da Fonseca.

O Sr. Portugal da Fonseca (PSD): - Sr. Deputado Octávio Teixeira, ouvi com atenção a sua declaração política e queria dizer-lhe que o problema da habitação em Portugal é sério e o governo da Aliança Democrática não está desatento. No entanto, como V. Ex.ª também reconhece, o problema é extraordinariamente difícil.
A capacidade do Governo para resolver o défice habitacional em Portugal é diminuta, há que arranjar alternativas, alternativas essas que têm que ser da iniciativa privada, como V. Ex.ª bem sabe.

Vozes do PCP: - Vê-se, vê-se!

O Orador: - Para que a iniciativa privada actue neste país é necessário que o investimento seja minimamente rentável. Para isso é também necessário que se criem condições de dinamização dessa mesma actividade produtiva.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - É .um espanto!

O Orador: - Também sabemos, e estamos absolutamente conscientes, de que grande número, se não a maioria, de portugueses não terá capacidade para pagar a habitação a preços absolutamente compensativos dos investimentos privados. Para isso, com certeza, o governo da Aliança Democrática irá desenvolver acções em condições de rectificar essas situações.
O Sr. Deputado Octávio Teixeira também sabe perfeitamente que o crédito à habitação está novamente a ser reestudado e, nesse sentido, está para ser publicado um novo decreto no sentido da criação de crédito à habitação. Isso será o que vai fundamentar a nova lei do crédito para aquisição de habitação própria.
Quanto à restrição do crédito, creio que o Governo não estabeleceu às instituições monetárias plafonds específicos para esta ou aquela actividade. Estabeleceu, sim, plafonds de crédito que se aplicam, na generalidade, para todos os pedidos de empréstimo.
Sendo assim, as instituições de crédito são livres para estabelecerem os plafonds e distribuí-los por quem lhes pede esse crédito.

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Segundo julgo saber, também a Caixa Geral de Depósitos não restringiu todas as espécies de crédito à habitação. Restringiu, sim, por prioridades. Uma prioridade da Caixa Geral de Depósitos, que não sei em que é que se baseia, foi a do crédito aos pedidos de aquisição de habitação dos inquilinos relativamente aos seus senhorios.
Segundo ouvi dizer e li na imprensa, a Caixa Geral de Depósitos continua a distribuir crédito para a aquisição de habitação própria ...

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - É mentira!

O Orador: - ... e para construção de habitação própria sem restrições, salvo a terceira modalidade que foquei.
De qualquer maneira, queria perguntar-lhe qual será mais pernicioso para o trabalhador por conta de outrem e para as pequenas economias: uma restrição de crédito conjuntural ou uma inflação galopante, que lhe consumirá todos os seus rendimentos e todo o seu poder de compra?

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Começarei por responder ao Sr. Deputado Manuel dos Santos.
Antes de mais, Sr. Deputado, gostaria de lhe dizer que o facto de eu ter trazido a esta Câmara o gravoso problema da habitação não mostra - embora eu entenda a intenção das suas palavras - qualquer espécie de coragem. Nós, para trazermos à Assembleia da República os reais problemas da população portuguesa, com toda a sinceridade, não precisamos de nos encher de qualquer espécie de coragem. É, esse o nosso papel diário, é esse o nosso objectivo, é essa a nossa missão.

Uma voz do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Sobre a questão da criação dos factos políticos, é evidente, Sr. Deputado, que este governo, desde que assumiu o poder, tem, pura e simplesmente, tentado criar factos políticos mais ou menos artificiais para esconder as reais questões em que o País se debate, o caos para onde está a lançar o País e a grave situação económica e financeira que afecta o País e todos os trabalhadores, que afecta, desde já, todos os portugueses. Aliás, não é desconhecido desta Câmara que o actual governo criou um cargo especial para um secretário de Estado pura e simplesmente destinado a criar factos políticos, factos políticos que não têm nada a ver com a realidade deste país, apenas têm a ver com a tentativa de lançar um manto sobre os problemas gravosos que a realidade deste país apresenta.
Sobre o problema da política monetarista e o porquê de este governo não ter em consideração os fracassos que essa política tem registado em todo o mundo, eu julgo, Sr. Deputado, que há aqui duas razões fundamentais. Por um lado, uma razão, digamos, política de, contra tudo e contra todos, o Governo pretender, essencialmente, prosseguir os passos dos seus mentores externos, como eu referi na minha intervenção. Seguir, nomeadamente, os passos da Sr.ª Thatcher e do Sr. Reagan. O Sr. Reagan e a Sr.ª Thatcher fazem isto, nós teremos de o fazer. É mal feito? Não interessa. Nós teremos de o fazer. São eles os nossos mentores, teremos de os seguir, quer em termos de política interna, quer em termos de política externa.
Mas há outra razão que o Sr. Deputado conhece tão bem como eu: é que toda esta política monetarista, ao fim e ao cabo, permite a acumulação de lucros especulativos em meia dúzia de capitalistas num sector muito restrito do grande capital, sector esse ao qual a AD está subordinada, sector esse que colocou a AD no Governo, no objectivo de prosseguir esses interesses.
Finalmente, sobre a questão da não apresentação do OGE e do Plano. Sr. Deputado, após a data limite da apresentação desses dois importantes documentos à Assembleia da República sem que aos deputados e à Assembleia da República tenha sido dada qualquer explicação, o que me parece que há aí a retirar de essencial é, por um lado, a manifesta incompetência e incapacidade deste governo e de todos os governos AD e, por outro lado, o seu total desprezo pelas regras, constitucionais e pelo respeito que merece o orgão de soberania que é a Assembleia da República.

Uma voz do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Em relação ao Sr. Deputado Gomes Fernandes gostaria, muito sinteticamente, de lhe dizer que não foi minha preocupação trazer aqui, numa intervenção cujo limite máximo de tempo seria de 10 minutos, todo o problema da habitação. Era absolutamente impossível. Não procurei, por conseguinte, aprofundar todos os aspectos, nem sequer referir-me a todos eles. Julgo que brevemente teremos oportunidade de os aprofundar totalmente. Pareceu-me importante trazer neste momento à Assembleia da República aqueles aspectos que, pelo menos em termos de população pública, se tornaram mais evidentes e mais gravosos.
É evidente que o Sr. Deputado referiu alguns outros aspectos, nomeadamente o problema dos senhorios, da aquisição da habitação arrendada, etc. O problema da falta de apoio financeiro às cooperativas de habitação e às autarquias locais tem de ser substancialmente aprofundado. Simplesmente - e fará, com certeza, a justiça de reconhecer - não era possível fazê-lo em apenas 1O minutos.
O Sr. Deputado Portugal da Fonseca começou por afirmar que o Governo não está, de forma alguma, desatento aos problemas da habitação. Eu não tenho a mínima dúvida sobre isso, Sr. Deputado. O Governo está atento ao problema da habitação. Está tão atento que, depois de aniquilar o Fundo de Fomento da Habitação sem o substituir, corta o crédito à habitação. Ele está atento, mas, sim, numa perspectiva que é contrária aos interesses da população portuguesa, em relação ao seu direito de ter uma habitação condigna. .

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Refere depois o Sr. Deputado que, como eu saberei, o problema da habitação tem de ser resolvido pela iniciativa privada. Ó Sr. Deputado

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aí estamos completamente em desacordo em relação àquilo que eu sei. De modo algum considero que o problema da habitação possa ser resolvido, essencialmente, com base na iniciativa privada. Antes pelo contrário, a iniciativa privada já nos deu, pelo menos, 50 anos de experiência para demonstrar aquilo que vale no campo da habitação. O facto de se deixar o problema da habitação nas mãos da iniciativa privada durante 50 anos conduziu a que o fascismo nos legasse centenas de milhares de barracas e muitas mais centenas de milhares de faltas de habitação e serviu para que eu saiba aquilo que a iniciativa privada, pode ou não fazer no campo da habitação.
Mas, mesmo segundo o seu ponto de vista, o Sr. Deputado Portugal da Fonseca é capaz de me explicar que raio de apoio à iniciativa privada para resolver o problema da habitação é este que leva o Governo a cortar o crédito para aquisição de habitação e a cortar o crédito à promoção da construção para a habitação? Não tem nada a ver com qualquer intenção de resolver o problema habitacional, Sr. Deputado. Não vale a pena tentar iludir-se ou tentar cobrir-se com a «chave» de iniciativa privada, porque, neste caso, nem a iniciativa privada lhe vale.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP) - Muito bem!

O Orador: - Quanto à questão de o Sr. Deputado dizer que a responsabilidade do Governo resulta apenas das restrições do crédito a nível global, e não em termos de restrições a nível sectorial, vamos analisar isso sob dois aspectos. Primeiro, o corte em restrições substanciais, como eu referi, nos últimos três meses é uma restrição que se consubstancia num crescimento do crédito de seis pontos negativos em termos reais. A limitação do crédito global de modo algum pode resolver não só o problema da habitação como qualquer problema deste país. Não e reduzindo o crédito, travando a actividade económica que o Governo vai resolver qualquer problema.
Por outro lado, as restrições ao crédito sectorial, se não são directamente da responsabilidade do Governo, são-no na medida em que o Governo é responsável pelos conselhos de gestão que coloca à frente das instituições de crédito. O Governo sabe perfeitamente - digo-lhe, o Governo sabe por escrito - que a Caixa Geral de Depósitos, para cumprir os limites que lhe foram estabelecidos pelo Banco de Portugal, por instruções do Governo, informou, por escrito, que teria da cortar no crédito à habitação, e isso não foi impossibilitado pelo Governo, antes pelo contrário. O Governo incentivou, pelo menos não se opôs, a que fosse feito o corte no crédito à habitação. E o crédito à habitação que foi cortado não foi apenas o crédito para aquisição de habitação arrendada, foi todo o crédito predial. O crédito para uma nova habitação foi reduzido em 50 % em relação ao volume dos últimos tempos. O crédito para a promoção da construção pelos construtores civis foi igualmente reduzido e foi-o substancialmente.
Por isso, Sr. Deputado, a responsabilidade cabe, por inteirinho e de uma forma insofismável, ao seu governo, ao governo da AD, afinal a toda a AD.

Aplausos do PCP.

O Sr. Portugal da Fonseca (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Portugal da Fonseca pede a palavra para um protesto?

O Sr. Portugal da Fonseca (PSD):- É, sim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - O período de antes da ordem do dia está a terminar. Tomaremos nota da sua pretensão para usar da palavra na próxima sessão.
Está inscrito ainda para uma declaração política o Partido Socialista, penso que por intermédio do Sr. Deputado Luís Saias. º
O período de antes da ordem do dia está a terminar, mas eu vou dar a palavra ao Sr. Deputado Luís Saias, no entendimento, porém, de que, ultrapassado esse limite, os pedidos de esclarecimento ou outras intervenções serão anotadas e ficarão para amanhã.
Entretanto, entrou na Mesa um requerimento subscrito pelo Sr. Deputado Jerónimo de Sousa e mais outros dez Srs. Deputados do Partido Comunista requerendo o prolongamento do período de antes da ordem do dia, nos termos do artigo 84.º, isto é, com a possibilidade de que use da palavra um deputado de cada partido por 5 minutos.
Antes de dar a palavra ao Sr. Deputado Luís Saias, e se me dá licença, vou submeter a votação este requerimento de prolongamento do período de antes da ordem do dia apresentado pelo Partido Comunista Português.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Presidente: - Fica então entendido que o Sr. Luís Saias vai produzir a sua declaração política. A seguir, a Mesa anotará eventuais pedidos de palavra respeitantes à sua intervenção e entraremos depois na fase dos períodos de 5 minutos atribuídos a cada partido.

O Sr. Moura Guedes (PSD): - Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. Moura Guedes (PSD): - Sr. Presidente, uma vez que houve prorrogação do período de antes da ordem do dia e encontrando-se inscrito para usar da palavra para um protesto o meu colega Portugal da Fonseca, parece-me que seria lógico que o fizesse.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, lógico será, mas não é regimental. A não ser que o Sr. Deputado Portugal da Fonseca queira utilizar os 5 minutos do seu partido para esse efeito. Entretanto, compreenderá que, nessas circunstâncias, o Sr. Deputado do Partido Comunista só poderá responder ao protesto na próxima sessão.

O Sr. Moura Guedes (PSD): - De qualquer maneira, solicitaria que fossem utilizados os 5 minutos para esse efeito, mas, com o princípio da imediação em relação à intervenção, que para esse efeito lhe fosse desde já concedida a palavra.

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O Sr. Presidente: - Peço desculpa, Sr. Deputado, mas, de facto, dentro da sequência regimental vamos passar à declaração política.

O Sr. Moura Guedes (PSD): - Com certeza, Sr. Presidente. Aceito perfeitamente o critério de V. Ex.ª, mas pediria que depois fosse dada a palavra ao meu companheiro de bancada.

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Sr. Presidente, sem querer fazer perder tempo, naturalmente que o PSD, cabendo-lhe os 5 minutos, fará o uso que entender desse tempo.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Presidente, é só para dizer a V. Ex.ª que, em nome do meu grupo parlamentar, pretendo usar da palavra nos 5 minutos de prorrogação do período de antes da ordem do dia.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, imediatamente depois de declaração política do Sr. Deputado Luís Saias, a Mesa procederá às inscrições para aproveitamento por cada partido desse período de 5 minutos.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Saias.

O Sr. Luís Saias (PS): - Sr. Pressente, Srs. Deputados: A acção que os governos da AD vêm desenvolvendo no sector das pescas é desastrosa para os interesses nacionais.
De facto, a falta de competência e a inércia já evidenciadas na gestão do sector justificam as, maiores preocupações sobre o presente e o futuro das nossas pescas.
O Partido Socialista, que tem seguido com a maior atenção a actuação do Governo nesta área, entende ser chegado o momento de chamar a atenção desta Assembleia e do povo português para a ruinosa administração das pescas feita pela AD e de advertir o Governo das responsabilidades históricas que vem assumindo ao descurar e capitular na defesa dos interesses pesqueiros nacionais.
Este governo não tem nem prossegue uma política de desenvolvimento e progresso do sector; este governo não promove a favor dos Portugueses as grandes potencialidade;; pesqueiras com que a natureza nos dotou.
Este governo faz, sim, uma política de destruição das empresas nacionalizadas de pesca, de capitulação perante os poderosos interesses pesqueiros da Espanha, de abandono da nossa presença em águas sob jurisdição alheia, de inércia perante as grandes questões que as pescas portuguesas suscitam na actualidade.
Uma das ideias que parece atormentar o Sr. Secretario de Estado das Pescas é a de desnacionalizar as empresas nacionalizadas do sector.
Como se sabe, pelo Decreto-Lei n.º 572/76, de 20 de Julho, foram directamente nacionalizadas diversas empresas de pesca, entre as quais a SNAPA - Sociedade Nacional dos Armadores da Pesca de Arrasto e a PESCRUL - Sociedade de Pesca de Crustáceos.
Acentue-se que estas duas empresas foram, como se disse, directamente nacionalizadas pelo citado decreto-lei e o artigo 83.º da Constituição declara irreversíveis todas as nacionalizações efectuadas depois do 25 de Abril, só admitindo a passagem ao sector privado das pequenas e médias empresas indirectamente nacionalizadas fora dos sectores básicos da economia.

Assim sendo, é inquestionável que seria inconstitucional desnacionalizar aquelas empresas - a SNAPA e a PESCRUL- porque elas foram directamente nacionalizadas e essas nacionalizações são irreversíveis.
Não obstante isso, e quanto à SNAPA, foi publicado, em 11 de Junho do ano corrente, um caderno de encargos para o afretamento com obrigação de venda de 19 navios, sendo 17 da SNAPA e 2 da Companhia Portuguesa de Pesca (CPP).
O cuidado jurídico posto no assunto foi ao ponto de expressamente se declarar que as quantias pagas pelo afretamento dos navios seriam consideradas sinal e princípio de pagamento.
Por outras palavras: o Sr. Secretário de Estado das Pescas, por este processo de afretamento e venda dos navios da SNAPA, tentou desnacionalizar a empresa, esvaziando-a do seu activo e dos seus instrumentos de trabalho, que são os seus navios.
Neste domínio, a actuação do Sr. Secretário de Estado das Pescas é, portanto, inconstitucional, o que é obviamente grave da parte de um membro do Governo.

O Sr. António Arnaut (PS): - Muito bem!

O Orador: - Onde, porém, a psicose destruidora do sector nacionalizado atinge as raias do paroxismo é no caso da PESCRUL, já hoje aqui citado.
Tudo ia, agora, de modo satisfatório na PESCRUL, cem um lucro de mais de 17000 contos em 1980.
Mas eis senão quando dois senhores de Aveiro, sem que se descortine o porquê da oportunidade, resolvem dirigir um requerimento, datado de 28 de Abril de 1981 e entrado na Secretaria de Estado das Pescas em 30/do mesmo mês, ao Sr. Secretário de Estado das Pescas em que se propõem, nada mais nada menos, do que adquirir (comprar) a PESCRUL!
Atente-se neste facto estranho: dois cidadãos, sem nenhuma razão especial, resolvem propor a compra de uma empresa nacionalizada. É na verdade espantoso!
Mas, mais espantoso ainda é que o Sr. Secretário de Estado das Pescas, em vez de rechaçar de imediato a impossível pretensão, fez, logo em 7 do mês seguinte (Maio, um despacho em que diz «À PESCRUL para informar».
Mas informar o quê? O que é que podia a administração da PESCRUL informar sobre uma pretensão ilegal? Mais, inconstitucional?
Então o Sr. Secretário de Estado das Pescas não sabia (e até parece que ainda não sabe) que as empresas directamente nacionalizadas não se vendem?

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A verdade é que este extravagante despacho do Sr. Secretário de Estado das Pescas teve a merecida resposta em plenário de emergência dos trabalhadores da PESCRUL, realizado em 15 do dito mês de Maio, em quo estes votaram contra a venda da empresa.
O Sr. Secretário de Estado das Pescas, porém, não desarmou, o que aliás é característico das suas ideias fixas.
Como o expediente dos tais dois senhores de Aveiro não resultou, o Sr. Secretário de Estado das Pescas fez novo despacho, o Despacho n.º 73/81, de 13 de Julho, em que abre o seu jogo, que é mesmo o de desnacionalizar a PESCRUL da qualquer jeito.
Nesse inqualificável despacho, o Sr. Secretário de Estado das Pescas determina que a comissão de gestão desenvolva propostas "para a venda do património da empresa" & nomeia mesmo um novo administrador para "desenvolver" a coisa. Uma espécie de liquidatário da massa nacionalizada.
É conhecida a onda de indignação que este despacho do Sr. Secretário de Estado das Pescas provocou, até na própria Assembleia Municipal de Olhão, que, em sua reunião de 25 de Setembro de 1981, repudiou, ,por unanimidade, a atitude do Governo.
Mas, de todas, a melhor resposta à tentativa inconstitucional do Sr. Secretário de Estado das Pescas foi a que lhe deram de novo os próprios trabalhadores da PESCRUL.
De facto, em 122 respostas ao inquérito feito pela administração da empresa aos trabalhadores no seguimento do referido Despacho n.º 73/81 sobre o destino da PESCRUL, 114, ou seja 93% declararam que pretendem que ela continue nacionalizada!
Isto foi dado a conhecer ao Sr. Secretário de Estado das Pescas na última sexta-feira, salvo erro.
E é este o ponto em que as coisas estão.
Que mais irá inventar o Sr. Secretário de Estado das Pescas para desnacionalizar a PESCRUL?
É do conhecimento geral que em 24 de Setembro do ano corrente foi assinado em Madrid pelo Secretário de Estado das Pescas de Portugal e o Subsecretário de Estado das Pescas de Espanha, um protocolo adicional, que aprovou um novo plano de pescas entre Portugal e a Espanha, válido, em princípio, até à entrada de um dos dois países na CEE.
O texto integral deste protocolo e do plano de pescas anexo ainda não foi dado> a conhecer ao País na sua integralidade.
Eu próprio solicitei esses documentos em requerimento dirigido ao Sr. Presidente desta Assembleia em 12 de Outubro passado, sem resultado, todavia, até hoje.
Sabe-se, porem, já o suficiente para se ter como certo e seguro" que ó Sr. Secretário de Estado das Pescas mais uma vez comprometeu, não defendeu, prejudicou os interesses pesqueiros nacionais.
Seria por ingenuidade, seria por desinteresse, seria por incompetência? Não sei.
O PS já aqui disse, pela minha voz, em 15 de Setembro passado, durante a discussão do Programa do VIII Governo que censurava a AD por manter à frente da Secretaría de Estado das Pescas uma personalidade que já havia dado sobejas provas de falta de capacidade para o cargo.
O PS renova agora essa censura, com mais veemência, porque entretanto a incompetência do Sr. Secretário de Estado das Pescas trouxe prejuízos enormes e irreparáveis ao País.

Aplausos do PS, da UEDS e de alguns deputados do PCP.

Entretanto, assumiu a Presidência o Sr. Vice-Presidente Amândio Anes de Azevedo.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, presumo que para pedidos de esclarecimento pediram a palavra os Srs. Deputados Cunha Dias, Portugal da Silveira. Faria dos Santos e Carlos Espadinha. De acordo com o que estava combinado, estes Srs. Deputados ficam com a palavra reservada para o período de antes da ordem do dia da próxima sessão.
De acordo com o que foi deliberado, entramos imediatamente no período da prorrogação do período de antes da ordem do dia.

Tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A situação da mais extrema gravidade a que o governo AD conduziu o nosso país, designadamente no que respeita às áreas da educação e do ensino, está bem à vista de todos e colhe, por exemplo, no distrito de Braga uma moldura inquietante.
Vejamos, a título de ilustração, o que se passa na Escola de Sá de Miranda, em Braga, frequentada por mais de 3000 alunos, oriundos, em boa parte, das localidades rurais que bordejam a cidade.
Não obstante as insistentes solicitações do conselho directivo, a Direcção-Geral do Pessoal, anexa à Direcção-Geral do Ensino Secundário, não procedeu à nomeação dos funcionários previstos para os Serviços de Acção Social Escolar. Ou melhor: nomeou, em tempos, para o desempenho daquelas tarefas (dantes cometidas a elementos recrutados no quadro geral de adidos ou entre os docentes primários sem colocação), uma senhora que se encontrava já a fazer o estágio pedagógico e uma outra -pasme-se!- que se ausentara, há uns três anos, para o Brasil. Quer dizer: este ministério, incompetente sobre os incompetentes, do qual, como da AD, tudo há a esperar - sobretudo o pior- acabará nomeando, por este andar, às cegas e galhardamente, para lugares de responsabilidade, mortos, reformados ou inválidos. A verdade é que chega já a indicar uma mesma pessoa para dois cargos completamente distintos, dependentes ambos de um mesmo departamento oficial.
Pelo facto de não poder aquela Escola contar com um só funcionário dos SASE estão impossibilitadas as iniciativas e actos administrativos que se prendem com os subsídios de alimentação, estada, transporte e livros, bem como o funcionamento da cantina e do bar, com enorme prejuízo para os estudantes da periferia que, avançando uma resposta primeira, começaram a faltar em massa às aulas, principalmente às da tarde. Não só não têm garantida a refeição (e refira-se, de passagem, que naquele estabelecimento são servidas, em regra, 350 refeições diárias ao almoço) como lhes não são prestados os outros auxílios económicos, sem os quais as famílias são incapazes de suportar as despesas com a educação dos seus filhos.

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Os cursos nocturnos, apesar de haver professores e estarem ultimados os horários, não podem, neste quadro, ter início, tanto mais que acrescem ainda as incidências da falta de pessoal auxiliar de apoio e administrativo, escasso para assegurar a cobertura dos 3 turnos (manhã, tarde e noite), designadamente no que respeita à vigilância.
Bem se vê, Sr. Presidente, Srs. Deputados, por esta amostragem não exaustiva, o conteúdo de classe do Governo: na Escola - de Sá de Miranda, como em muitas outras, do Norte a Sul do País, os custos da política da AD recaem sobre os mais desfavorecidos: são os alunos originários dos estratos laboriosos dos campos e das fábricas são os trabalhadores-estudantes, quem sofre na carne as consequências de uma administração do Estado ao serviço dos interesses das castas e camadas possidentes mais reaccionárias.
É de tal modo inaceitável o que se está a verificar que a própria insuspeita associação de estudantes daquela Escola, em sintonia com a posição dos alunos assumida em reunião geral ontem realizada, vai no sentido de exigir medidas imediatas, não poupando o Ministério a severas críticas e propondo-se a greve, a curto prazo, se a normalidade não for obtida.
Perante um quadro de tal gravidade, o Ministério da Educação responde com o seu olímpico distanciamento autocrático, ou com o silêncio, entrecortado de roufenhas apóstrofes, demonstrador da mais redonda e pedestre das incompetências. Tão má como a incapacidade para resolver os problemas públicos é, porém, a talassa política que a acoberta. Este governo é o único responsável por quanto, dramaticamente, se passa na Escola de Sá de Miranda, como em múltiplos estabelecimentos de ensino, por quanto vier a ocorrer num futuro mais ou menos próximo.
Este governo degrada a máquina administrativa, bloqueia e desprestigia o sistema educativo, piora aviltantemente a vida colectiva. Será caso para dizer, como Eça de Queiroz, que só não cai porque não é um edifício, mas terá de sair com benzina, porque é uma nódoa. O que importa, contudo, é que, de uma maneira ou de outra, não permaneça no Poder por mais tempo e seja substituído por um executivo bem diferente, transformador e apto, com uma política democrática, capaz de avivar perduradouramente as esperanças de Abril.

Aplausos do PCP.

Sr. Presidente, por impossibilidade de ler a minha intervenção na íntegra, solicito a V. Ex.ª que a mesma seja publicada no Diário da Assembleia da República.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado pede para ser publicado no Diário da Assembleia da República. integralmente, o texto da intervenção que acaba de fazer, porque não teve tempo de o ler. Creio que isto se insere numa orientação já atrás definida, pelo que o seu pedido será aceite.

Tem a palavra o Sr. Deputado Roleira Marinho.

O Sr. Roleira Marinho (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os problemas regionais e autárquicos "ao os mais diversos, ultrapassando muitas vezes as questões de delimitação de competências quer de ordem investimental e financeira ou de ordem coordenativa de actuações.
Muitos problemas se colocam aos autarcas, que, para satisfazerem as necessidades e os anseios das respectivas populações, têm de solicitar a interferência do poder central, mas sempre sem subserviência ou penhor de qualquer sorte!...
É nesse sentido que, interpretando a vontade e o querer, diria mesmo a exigência, de algumas câmaras do meu distrito - Viana do Castelo - ergo nesta Assembleia a minha voz chamando a atenção do Governo para a urgência que existe em tornar mais funcionais e menos burocratizadas as fronteiras. Durante as épocas altas do turismo, Valença ou São Gregório (no conselho de Melgaço) "atulham-se", é o termo mais correcto, de veículos, as estradas ficam bloqueadas, os turistas "boquiabertos" e os residentes desesperados pela imagem negativa que o espectáculo causa.
Impõe-se criar condições para o descongestionamento do trânsito, e não bastará, no caso de Valença, que o mesmo se processe em duas faixas - uma de veículos ligeiros e outra de veículos pesados (camiões TIR) -, até porque a actual ponte não facilitará essas condições e o parque da alfândega é exíguo, tornando-se, portanto, necessário criar um "parque TIR de fronteira", o que, por certo, será fácil de conseguir em terrenos situados dentro de um raio de 10 km da fronteira, até com o apoio das respectivas câmaras municipais.
E porque não a instalação de uma ponte provisória em Valença? Acaso os serviços de engenharia do exército não estariam em condições de contribuir para esta solução, enquanto se aguarda que o Governo defina, com urgência, qual o ponto tecnicamente mais aconselhável para o lançamento da nova ponte sobre o rio Minho, e que as populações tanto anseiam?
Mas para que a fronteira de Valença se torne mais operacional e mais atractiva para os nossos visitantes é também urgente abrir concurso para os trabalhos de regularização, rectificação e alargamento da Estrada Nacional n.º 301, entre Valença e Melgaço (São Gregório), criando a esta fronteira as condições desejadas para surgir como alternativa a Valença, e dando-lhe a dignidade merecida no conjunto dos diversos postos alfandegários, com os inerentes e necessários despachos de mercadorias!...
Melhorados os acessos rodoviários a São Gregório muito do trânsito hoje efectuado por Valença preferiria aquela fronteira, aliás situada em local paradisíaco e a merecer outro aproveitamento.
Também será de encarar seriamente a melhoria das fronteiras fluviais de Caminha, de Monção e do Peso (Melgaço) que servem número significativo de utentes, nomeadamente os residentes em cada um dos concelhos e os turistas que nessas localidades de sonho passam as respectivas férias.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em matéria de fronteiras sitas no distrito de Viana do Castelo, não poderia deixar de referir velhas pretensões de reabertura de postos que situações políticas anormais então vividas em Espanha e também em Portugal levaram ao encerramento: refiro-me à fronteira da Madalena, no concelho de Ponte da Barca, e de Vila Nova de Cerveira - Goyan!... que deveriam, pelo menos, funcionar como "pontos de passagem turística".

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As câmaras municipais já expuseram ao Governo a sua pretensão e o Sr. Governador Civil apoiou essas iniciativas. O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros afirmou-nos, em tempos, que é do maior interesse para Portugal a mais larga cobertura do País de fronteiras em funcionamento, mas que tal não depende só da vontade nacional.
É certo que temos de obter o acordo da Espanha, mas se existe a vontade expressa dos povos que, de ambos os lados, habitam as zonas de fronteira, não será legítimo satisfazer esses anseios?
Ao governo formulei, por requerimento, algumas questões sobre as duas fronteiras em causa, aos. quais ainda não recebi resposta.
As câmaras municipais e as populações que vivem o dia a dia das dificuldades fronteiriças, as quais não representam mais do que a impossibilidade de escoar o volume de tráfego aí convergente, pese embora a eficiência e o empenho dos funcionários alfandegários e da guarda-fiscal, a quem cabe o controle alfandegário, aguardam que as suas pretensões sejam satisfeitas, de modo a atenuarem o seu isolamento e a tornaram as suas terras mais conhecidas, servindo melhor o turismo e a economia nacional. Do Governo esperam a actuação concernente à concretização de tão justos anseios.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Nunes.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Muito brevemente, na minha qualidade de deputado pelo distrito do Porto, desejava levantar dois problemas.
O primeiro problema está ligado à cedência da Casa do Infante, para que o Dr. Alberto de Franco Nogueira faça a promoção de um seu livro, que completa ou pretende completar a história de Portugal, de Damião Peres, sobre o período da ditadura fascista.
O signatário considera, e sempre considerou, que o período que vai desde o 28 de Maio até ao 25 de Abril se deve chamar correctamente ditadura fascista e não utiliza os habituais eufemismos do antigo regime, o regime deposto, etc.
O Infante D. Henrique é uma das maiores figuras da nossa história. A Casa do Infante é a casa onde se diz que nasceu o Infante D. Henrique e deveria estar aberta a projectos de ordem cultural e não, pura e simplesmente, à promoção comercial de obras de apologética da ditadura salazarista-marcelista.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Acresce que a tomada de decisão pela Câmara Municipal do Porto se define em dois momentos: há um momento em que toma a posição correcta de não efectuar a cedência e há um momento em que, na ausência do vereador Artur Andrade, conhecido democrata e representante do PSD na Assembleia Municipal do Porto, pura e simplesmente, volta atrás e decide ceder, a Alberto de Franco Nogueira e à editora que representa, a Casa do Infante, para a promoção comercial de uma sua obra.
Isto é uma bofetada na cara de todos os democratas e de todos os antifascistas portugueses.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Isto é um acto contra a cultura, isto é uma provocação a todos os títulos, isto tem, sobre si próprio, o ferrete de uma decisão tomada à revelia do orgão que efectivamente devia decidir sobre a matéria, isto é, em todos os momentos e em todos os aspectos, uma bofetada nos intelectuais portugueses que estiveram na primeira fila da luta antifascista.

Vozes do PS e do PCP: - Muito bem!

O Orador: - É isto só que é necessário dizer. E é necessário dizer isto não porque o Dr. Alberto de Franco Nogueira não vá apresentar ou promover a obra de que é autor, mas porque há coisas que não devem ficar no silêncio, porque o silêncio é, efectivamente, a cumplicidade. E nós não somos cúmplices e há certas atitudes e certas coisas em relação às quais é necessário dar um murro na mesa e dizer, simplesmente: basta!
O segundo problema que quero levantar diz respeito também à Câmara Municipal do Porto.
Qualquer homem tem o direito de ter as opiniões que quiser, mas um democrata tem o dever de defender que os seus adversários políticos possam exprimir livremente as suas opiniões.
Noticiaram os jornais do Porto que o representante do PSD junto à Câmara Municipal do Porto, Sr. Olímpio de Magalhães, tinha sido vítima de um processo disciplinar da sua entidade patronal, por motivo de votos e de opiniões que tinha desenvolvido junto dessa Assembleia Municipal e por virtude de uma apreciação que teria feito quanto à gestão da companhia seguradora em que se encontra integrado junto do então Primeiro-Ministro, Sr. Sá Carneiro.
Isto é de uma gravidade tal - a formação de lobbies e a pressão directa sobre mandatários do povo no exercício das suas funções -, que no breve tempo que me resta vou ler o requerimento que acabo de fazer no exercício dos meus poderes regimentais.

Requerimento

Exmo. Sr. Presidente da Assembleia da República:

No uso dos poderes regimentais, requeremos as seguintes informações a obter junto de S. Excelência o Ministro da Administração Interna:

1.º É exacta a notícia veiculada por alguns jornais do Porto, segundo a qual o representante do PSD junto da Assembleia Municipal do Porto, Sr. Olímpio Magalhães, seria objecto de um processo disciplinar por parte da entidade patronal - uma companhia de seguros?

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2.º É exacto que tal processo resulta da actividade do referido representante na Assembleia Municipal do Porto e da posição tomada junto do então Primeiro-Ministro, Dr. Sá Carneiro, no que se refere à gestão da companhia seguradora de que é empregado?
3.º Sendo afirmativa a resposta, qual a posição do Governo perante um processo disciplinar levantado com o único fito de impedir o referido representante de exercer os seus direitos de cidadão e de munícipe?

Os Deputados do PS: José Luís Nunes - José Gomes Fernandes.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: São suficientemente graves estes factos para que este requerimento e esta intervenção tenham sido feitos. Aguardarei serenamente a resposta do Governo, mas se o Governo não responder eu responderei alguma coisa.

Aplausos do PS, do PCP, da UEDS e do Sr. Deputado Sanches Osório (CDS).

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota.

O Sr. Magalhães Moía (ASDI): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Oportunamente, e ainda há poucos momentos, o Sr. Deputado Manuel dos Santos, do Partido Socialista, focou aqui o problema do atraso no envio pelo Governo do Plano e do Orçamento para 1982. Direi, entretanto, que o problema é mais grave, porque também neste momento o Governo não deu cumprimento ao artigo 22.º da Lei n.º 64/77 e não enviou à Assembleia da República as Contas Gerais do Estado do ano transacto, o prazo terminava no dia 31 de Outubro, o prazo terminou e o Governo não cumpriu!
Devo dizer que tinha tomado a tempo a precaução de perguntar ao Governo em que estado estavam as contas e se podia ou não cumprir este preceito constitucional e habilitar a Assembleia a que o cumprisse. Respondeu-me o Governo a um requerimento feito - a resposta consta do Diário da Assembleia da República, a p. 1034 -, dizendo-me, isto em Março de 1981, que estava a diligenciar no sentido de ter as contas prontas. Pelos vistos não teve.
O que me leva a fazer esta intervenção é que neste momento parece que as próprias contas públicas de 1979 ainda não foram recebidas na Assembleia da República. Não sabemos em que data serão enviadas as contas públicas de 1980, e o esclarecimento do modo como foi dirigido o País, no plano económico e financeiro, durante o ano de 1980 é indispensável para que se julgue bem das restrições que, parece, vão ser impostas em relação ao novo Orçamento Geral do Estado.
Nós precisamos de saber como fomos administrados economicamente durante o ano de 1980. Isso pressupõe o julgamento das contas públicas.
Peço, portanto, a V. Ex.ª, Sr. Presidente, que diligencie junto do Governo para que os prazos constitucionais e legais sejam cumpridos.
Era só!

Aplausos da ASDI, do PS e da UEDS.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, procurarei dar conhecimento ao Sr. Presidente da Assembleia da República da solicitação contida na parte final da intervenção do Sr. Deputado Magalhães Mota, para que ele possa fazer quanto está ao seu alcance no sentido do que acaba de ser requerido.
Também para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Na opinião da União Democrática Popular é notória a insensibilidade - chamemos-lhe assim! - da grande maioria dos órgãos de informação estatizados para a publicação de notícias, de factos e das próprias posições do deputado da UDP, partido representado neste Parlamento.
Mas, embora discordemos disso e achemos que nos devia ser dado outro tratamento, podemos passar agora por cima disso.
Aquilo que me faz falar hoje é um atentado contra a liberdade de informação e, fundamentalmente, um atentado contra um órgão de informação que tem pautado a sua intervenção na defesa intransigente do 25 de Abril, no ataque claro e frontal ao governo da AD e no apoio, nomeadamente, às posições do deputado da União Democrática Popular.
Trata-se do semanário Em Marcha, trata-se de um jornal, como eu já disse, que faz da sua linha de acção a defesa intransigente do 25 de Abril, defesa essa que - claro! - não se compadece com a conciliação com o regime do 25 de Novembro.
Foi por isso que, consideramos nós, o director de informação, há meses, cortou o subsídio ao jornal Em Marcha, e cortou-o sem qualquer dado objectivo que permitisse esse corte, o que se reveste de grande gravidade e demonstra clara perseguição política ao referido jornal.
Depois de o próprio secretário de Estado ter revogado esse despacho a situação de facto mantém-se e o subsídio continua sem ser atribuído, não permitindo - que o jornal ,possa, de uma forma mais eficaz, continuar a trabalhar em defesa dos ideais de Abril, apesar da o continuar a fazer rodeado de todas as dificuldades mas apoiado na massa dos seus leitores.
Aliás, é tanto mais de protestar contra esta situação intolerável quanto é certo que os subsídios continuam a ser dados a todos os outros jornais, nomeadamente a jornais fascistas, a jornais obscurantistas, a jornais que só dizem mentiras descaradas, que toda a gente -até aqueles que o lêem- reconhece como tal, como é o caso, nomeadamente, do jornal que é muito lido nas bancadas da AD, o jornal O Dia,...

A Sr.ª Natália Correia (PSD): - Não é, não! E olhe que eu não o leio!...

O Orador: - ...que é a linha pura do obscurantismo, que é efectivamente a sinfonia do mais des-

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carado fascismo, que é o amalgamar de posições contra o 25 de Abril, contra a democracia, contra o progresso.
Aproveitei, pois, estes 5 minutos de que dispunha para me referir a esta situação que é intolerável e mostrar como funciona o ciclo vicioso deste «pluralismo democrático», em que aqueles que à partida têm mais dificuldades para se afirmar vêem aumentadas essas dificuldades, digamos que em progressão aritmética.
Isto não pode continuar. Por isso a UDP lavra aqui o seu protesto e considera que os deputados democratas deveriam também ter em consideração este facto e exigir do Governo, e designadamente da secretaria de Estado competente uma outra atitude de forma a que o subsídio ao jornal Em Marcha seja reposto.

O Sr. Presidente: - Também para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Armando de Oliveira, que dispõe de 5 minutos.

O Sr. Armando de Oliveira (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não estava prevista esta minha intervenção, dado que não prevíamos a disposição destes 5 minutos regimentais.
Há pouco o Sr. Deputado José Manuel Mendes teve oportunidade de focar um problema que, nesta altura, no concelho de Braga a todos nós preocupa e .que é o que se passa com a acção escolar do Liceu de Sá de Miranda, em Braga. Ora, eu pretendo dar conhecimento à Câmara que nós, os três deputados da bancada do CDS eleitos pelos distrito de Braga, também já havíamos tomado posição através de um requerimento em que solicitávamos ao Sr. Ministro da Educação e Universidades que nos informasse sobrei a situação e quais os dados que possui sobre este assunto. Dado que dispomos destes 5 minutos passo a ler o referido requerimento:

Requerimento

Exmo. Sr. Presidente da Assembleia da República:

Os deputados abaixo assinados; Armando de Oliveira, Henrique de Moraes e Mendes Carvalho, tiveram conhecimento, através dos órgãos de comunicação social, da situação insólita em que se encontra a acção social escolar da Escola Secundária de Sá de Miranda, em Braga. Esta situação foi-lhes posteriormente confirmada por um ofício datado de 30 de Outubro de 1981 e remetido pelo presidente do conselho directivo, de que juntam fotocópia, bem como outra documentação que o mesmo trazia anexa (fazendo parte integrante deste requerimento).
Por estas razões, vêm os referidos deputados requerer urgentemente a V. Ex.ª, nos termos regimentais, que através do Ministério da Educação e dias Universidades nos informe do seguinte:

1) Quais os motivos ou razões que levaram o Sr. Director-Geral de Pessoal desse Ministério a não dar a atenção devida aos ofícios que, num total de 12, lhe foram remetidos desde 1 de Agosto de 1980 até 23 de Outubro de 1981?
2) Se esse Ministério tem conhecimento da gravidade da situação e das possíveis consequências para alunos, professores e pana toda a Escola Secundária de Sá de Miranda?
3) Finalmente, quando e que providências vai tomar esse Ministério, através da sua Direcção-Geral de Pessoal, para pôr fim a semelhante estado de coisas, que nada dignificam o Ministério de V. Ex.ª e o estado democrático que todos queremos construir?

Palácio de São Bento, 3 de Novembro de 1981.
- Os Deputados do CDS, Armando de Oliveira
- Henrique de Moraes - Mendes Carvalho.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Embora não nos tenha sido possível inteirar de toda a problemática, até porque os órgãos de comunicação social só no passado sábado abordaram este assunto, estamos certos de que, conjugando os esforços de todos, tentaremos resolver este problema.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Borges de Carvalho.

O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Aproveito estes 5 minutos decorrentes da prorrogação do período de antes da ordem do dia para trazer à presença de todos VV. Ex.ªs um assunto que, julgo, será passível do acordo de todos.
Acaba de me chegar às mãos um postal vindo de Espanha com a informação de que se trata da reprodução do cartaz oficial do Campeonato do Mundo de Futebol.
Poderei mostrá-lo aos Srs. Deputados, uma vez que o tenho aqui. Diz: «Espanha 82», e o mapa de Espanha que nele está representado compreende toda a Península Ibérica, sem qualquer fronteira. Mais ainda: o boneco da bola está posto - julgo que intencionalmente - de forma a tapar as cidades de Lisboa e Porto, únicas importantes cidades da Península que não vêm aqui citadas.
Mas mais: neste postal encontra-se claramente definida a fronteira do Principado de Andorra. Trata-se, portanto, de algo que, a ser efectivamente oficial, merece o nosso protesto unânime.

Aplausos do PPM. do PSD. do PS e do CDS.

Por este motivo, Sr. Presidente, o meu grupo parlamentar crê interpretar os sentimentos unânimes desta Câmara se solicitar a V. Ex.ª que mande averiguar se de facto se trata de um cartaz oficial e não de uma iniciativa isolada de qualquer editora e, caso seja facto, que esta Câmara solicite ao Governo que proteste junto do Governo Espanhol, bem como o Parlamento português, em si, se dirija oficialmente às Cortes de Espanha formulando o mesmo protesto.

Aplausos do PPM, do PSD, do PS e do CDS.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, multiplicam-se os pedidos ao Presidente da Assembleia da República para tomar iniciativas que, em boa verdade, pertencem aos Srs. Deputados. Por isso, creio poder converter esse pedido numa solicitação para que o problema seja posto na Conferência dos Presidentes dos Grupos Parlamentares, e desse facto darei conhecimento ao Sr. Presidente da Assembleia da República.
Sr. Deputado Veiga de Oliveira, pode informar a Mesa das razões por que pediu a palavra?

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Sr. Presidente, uma vez que hoje não posso usar da palavra sobre a intervenção que acaba de ser produzida pelo Sr. Deputado Borges de Carvalho, peço para ficar inscrito para a próxima sessão.

O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, chegados ao fim do período de antes da ordem do dia, vamos dar início ao período da ordem do dia, começado pela apresentação do projecto de lei n.º 255/II, apresentado pelo Partido Comunista Português.
Para o efeito, concedo a palavra ao Sr. Deputado José Manuel Mendes.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A actividade intelectual é, seguramente, das raras que não estão ainda abrangidas pelos esquemas gerais da Segurança Social. Tal facto, em si mesmo revelador de uma injustiça, não pode sequer justificar-se com a especificidade do labor artístico, com a autonomia relativa do processo criador, face a outras estruturas de produção ou invocando os escolhos daí derivados para levar a cabo um estatuto adequado.
Com efeito, ao menosprezo de que era alvo no tempo do fascismo (justamente porque assumiu, na esmagadora maioria dos casos, a indocilidade e a luta) veio }untar-se, após Abril, a inércia que mantém o escritor português desabrigado de qualquer pauta de assistência social. Não colhe os benefícios mínimos, mas, como vem sendo notado, é sujeito ao pagamento de impostos sobre os seus direitos de autor. Não inscreve no seu bilhete de identidade como profissão o facto de ser escritor (coisa que uma tradição obscurantista visava associar a epítetos de marginalidade), mas dele se diz, em pomposas ocasiões, ter honrado a Pátria com a obra que prodigalizou entre euforias e tormentos. A imagem do pobre louco, farroupilha deambulante e nefelibata, meandrando por sóis e luas o seu ideal acordado, essa gravura tocada de romantismo canhestro e comiseração pacóvia, passou à história. E já ninguém hoje ousa proclamar sentenças que o reaccionarismo mais tridentino consagrou. Quem, por exemplo, se arrogará a defesa da tese segundo a qual a opressão e o sofrimento aguçam o engenho?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Bela é a Guernica, de Picasso. Bela, comovente, lúcida, humaníssima. Mas nós preferimos a mais extrema beleza de não haver Guernicas, perpetradas pelos sórdidos interesses de minorias belicistas; preferimos a liberdade, espaço e tempo da mais funda das apetências criativas, mesmo que não recusemos, como não recusámos no passado, incendiar a arte com as achas da reivindicação social quando a catástrofe da opressão e da injustiça se abate sobre os povos, sempre que se imponha projectar a esperança e antecipar futuros desconstrangidos.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Ao escritor, ao artista, ao homem livre que é, não pode negar-se, no Portugal de Abril, um quadro de condições que facilitem e estimulem a sua acção, que dignifiquem o seu ofício. Não na perspectiva de apoiar propósitos privados para uso e fruição, em círculo onanístico, de uns quantos. Sim, com o espírito rigoroso que de nós devemos exigir, compreendendo que o trabalho intelectual enriquece o património do povo, transgride códigos inovando a linguagem, vitaliza a língua que nos religa aos homens e às coisas, alarga a expressão multidireccional da nossa literatura e, assim agindo, configura também a grandeza da Pátria.
Por isso, urge tomar medidas concretas no sentido de conferir a maior dignidade aos autores, para o que se levará em conta a singularidade de cada sector da actividade artística. Entre outras iniciativas imediatas importa promover a difusão do livro e do produto artístico, definir uma audaciosa política de divulgação e intervenção cultural, deflacionar os preços em termos do necessário crescimento do poder aquisitivo dos Portugueses. Ora, passados mais de sete anos sobre o eclodir da Revolução, não se vislumbra ainda qualquer vontade política concreta para dar resposta ao problema. Bem pelo contrário: nada se fez para que fossem pagos aos autores os direitos decorrentes da sua participação em depoimentos, entrevistas e outras formas de colaboração na rádio e na TV, onde, além do mais, bem pouco se apercebe a sua presença, o que é corolário da comunicação social sectária e medíocre que o poder AD acoberta. Pior: assiste-se, nas escolas, ao boicote frontal a obras e textos de escritores de renome, hoje quase completamente arredados do convívio com os jovens estudantes por acção e graça de uma política revanchista e desumanizante. Septar os fios de contacto entre os autores da nossa literatura viva e os alunos dos estabelecimentos de ensino, nos seus vários graus, é levar por diante um grave atentado ao espírito educacional e cultural no novo país democrático. O Governo é responsável por tal prática, e nós não deixaremos de vigorosamente combatê-la.
É, pois, imperioso, Sr. Presidente, Srs. Deputados, não adiar por mais tempo as soluções que nos incumbem. Ao apresentar hoje, nesta Câmara, o projecto de lei n.º 255/II, sobre o direito dos autores portugueses à segurança social, o Partido Comunista Português visa, da forma mais veemente, dar o seu contributo para o amplo debate, do qual sairá, está seguro, um importantíssimo avanço na formulação de uma larga pauta de normas tendentes a valorizar e dignificar as actividades intelectuais. Na verdade, a iniciativa legislativa que aqui trazemos à apreciação da Assembleia representa um esforço considerável de clarificação temática e dispositiva. Não se trata de um articulado verde, estabelecido, no afã de mostrar serviço, sobre o joelho movediço da irreflexão; constitui,

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bem diferentemente, uma peça que se sujeitou a longo amadurecimento, que resulta de inúmeras trocas de impressões no seio das organizações pertinentes do nosso partido e com destacadas personalidades da vida cultural portuguesa, que acolheu sugestões e se foi decantando em função de um pensar colectivo. Ao ser entregue, em Setembro último, na Mesa da Assembleia da República, contava já com a experiência e o empenho de numerosos intelectuais, sobretudo escritores.
Que pretende o PCP com este projecto de lei?
É fundamental adiantar, desde já, alguns esclarecimentos quanto ao seu objecto e a filosofia que o molda.
Em primeiro lugar, não obstante aspectos abordados anteriormente e relativos a outras áreas sobre as quais cremos ser essencial ponderar, o nosso projecto de diploma situa-se tão-só na esfera da protecção social aos autores, aquela que, de feição mais gritante, apelava à intervenção do Estado. Não se cura aqui de resolver outras relevantes questões. Apenas esta, e basilar: adequar aos escritores e artistas os esquemas gerais da Previdência, numa óptica que não incentiva a consignação de privilégios (que entendemos inaceitáveis), mas não se exime a conter as respostas precisas à aludida especificidade do seu labor. Informou-se o texto de uma visão equânime, sem esquecer a injunção de fazer jus às exigências mais agudas, ainda por satisfazer, da situação geral dos trabalhadores e, em particular, de camadas sociais especialmente desfavorecidas: os. reformados, os deficientes. Teve-se em apreço, numa legislação irretroactiva, o enquadramento dos autores que no pretérito foram mais agravados. Isto é: olhando para o futuro, regulando para o futuro, não se iludiram os problemas presentes que se revestiam de premência» a que era injusto não corresponder.
Pelo presente projecto ficam os escritores e os autores cobertos pelas pensões de velhice e invalidez, pelo abono de família, pelo subsídio de doença, maternidade e morte, sendo-lhes permitida, sem prejuízo do limite máximo legalmente fixado, a cumulação de prestações. Em sede de disposições transitórias atribuem-se pensões de sobrevivência aos cônjuges sobrevivos dos autores falecidos antes de cumprido o período mínimo de inscrição, em termos que claramente se enunciam. Prescrevem-se, no capítulo III, as fontes de financiamento, preconizando-se uma contribuição mensal dos autores igual a 9,5 % do duodécimo dos direitos de autor auferidos no ano anterior, não podendo, todavia, ser inferior ao montante que se obteria pela aplicação da mesma percentagem ao salário mínimo nacional. Caberá ao Orçamento Geral do Estado, nos termos constitucionais, a cobertura dos défices que possam resultar da execução da lei, até ao nível que decorreria da aplicação do regime geral da segurança social, sendo a parte restante suportada pelo fundo de auxílio aos autores, cuja existência e impreterível. O regime estabelecido no presente diploma será, finalmente, gerido pelos centros regionais de segurança social e pela Caixa Nacional de Pensões, em conta especial e com contabilidade autónoma.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: As hipóteses legislativas que submetemos à consideração desta Câmara são, como é bom de ver, idóneas e justas. O quadro
que acabo de delinear, em traços gerais, é expressivo da clara atitude que presidiu à nossa proposta: uma ecoacionação ponderada do problema, um espírito construtivo e não sectário, um aturado estudo dos mecanismos a adoptar. Estamos, portanto, abertos à discussão, certos de que dela surgirão achegas positivas que poderão conduzir a uma melhoria pontual do que aqui se desenha. Não nos anima, num país em que se tem feito política (e má política) com a cultura, o menor propósito estritamente partidário. Não podemos, em consonância, deixar de estranhar que se perfilhe, por parte do Ministério da Cultura, a intenção de fazer aprovar, sob a forma de decreto-lei, sem prévio debate neste Plenário e nas comissões próprias da Assembleia, um diploma com o mesmo objecto, sendo certo, como é óbvio, que o nosso projecto de lei era já conhecido e discutido ao tempo em que se iniciaram os trabalhos no âmbito daquele departamento do Estado.

Vozes do (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Pela nossa parte, não prescindiremos da análise, à luz do dia, da problemática em causa, até porque pensamos que só assim, em zona de algum melindre temático-jurídico, se atingirá uma solução a contento. Por isso, terá de se exigir, de acordo com as próprias praxes desta Câmara, que o Governo submeta à apreciação dos deputados a sua proposta legislativa.
E urge que não seja de outro modo. Não basta, Sr. Presidente e Srs. Deputados, orar aqui, em pleno coração deste orgão de soberania, a memória e a obra dos que vão morrendo, acenando, com sentidas ou ocasionais palavras, a flâmula da imortalidade para o seu dedicado laborar. É preciso que o novo Portugal democrático cuide dos seus escritores e artistas enquanto vivos, enquanto capazes de intervir e criar, de lavrar a crítica e o sonho, o desafio e a verdade que nos ajudam a transformar a circunstância, projectando, para além do chão das sombras, o sol da justiça e de um mundo melhor.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - É preciso estarmos à altura do que se nos dirige e nos apela. Ficamos certos de que, pesem embora as dificuldades e os embaraços, este Parlamento, onde tão forte ressoa a voz de Abril, não recuará ante o repto e dará expressão cabal ao que o reclama. Os escritores e os artistas portugueses, Sr. Presidente e Srs. Deputados, têm, a partir de hoje, os olhos vigilantes e interessados postos em nós. Não os embaciaremos, espero, com a delonga escusada ou a demagogia estéril.

Aplausos do PCP, do PS e da UEDS.

O Sr. Presidente:- Srs. Deputados, está aberto o período de inscrições para pedidos de esclarecimento ao Sr. Deputado José Manuel Mendes.

Pausa.

Inscreveram-se os Srs. Deputados Natália Correia, António Reis e Valdemar Alves. Tem a palavra a Sr.ª Deputada Natália Correia.

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A Sr.ª Natália Correia (PSD): - Sr. Deputado José Manuel Mendes: Estava o desvalido autor da mais desértica das discriminações em matéria de segurança social quando sobre ele - em boa hora!- desaba um cortejo de oferendas.

Risos do PSD e do CDS.

Digo isto sem ironia... Digo-o com muita satisfação, porque nós próprios, PSD, elaborávamos um projecto de lei sobre a segurança social dos autores quando o Sr. Ministro da Cultura, no debate do Programa do Governo, nos anunciou que programava idênticas legislação. Ficámos contentes porque, em assunto em que os autores sofrem de tal desvalimento, não interessa quem resolve, o que interessa é que se resolva!

O Sr. Rui Perna (CDS): - Muito bem!

A Oradora: - Com efeito, foi criada uma comissão pelo Ministério da Cultura para elaborar um projecto de decreto para regulamentar, no âmbito dos autores, a Portaria n.º 115/77, de 9 de Março, que, como todos sabemos, não produziu os efeitos esperados.
Satisfaz-nos saber que essa comissão foi integrada por entidades representativas dos autores, como sejam o presidente da Associação Portuguesa de Escritores, j presidente da Sociedade Portuguesa de Escritora e da Sociedade Nacional de Belas-Artes. Temos aqui a promessa de que foi abrangida a gama dos diferentes géneros da criação literária e artística. É uma promessa, e estamos realmente convencidos de que teremos aqui uma hipótese de solução.
O Partido Comunista apresenta-nos agora um projecto de lei sobre o direito dos autores à segurança social. Muito bem! É um projecto que tem uma intenção justa, como o Sr. Deputado José Manuel Mendes sublinhou, e esperamos que, dada a natureza cultural desse projecto de lei, a Comissão de Cultura seja ouvida.
Todavia, e para já, ocorre observar que, e repito, sendo justo este projecto, me parece ele ser um pouco restritivo, na medida em que se limita ao esquema do escritor.
Finalmente, o que nos cabe dizer, e muito concretamente em defesa dos autores, é que esperamos que a fome que deu em fartura não se volva em fartura que dá em fome.

Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o. Sr. Deputado António Reis.

O Sr. António Reis (PS): - Sr. Deputado José Manuel Mendes, a iniciativa da apresentação pelo Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português deste projecto de lei é, sem dúvida, oportuna e vem, de certo modo, provar que, em relação a matérias como esta, a estabilidade parlamentar tem virtualidades que a instabilidade governamental de modo algum pode ter.
Efectivamente, vêm-se sucedendo os governos; qualquer deles, que eu saiba, tentou atacar este problema; os governos caem e os projectos jazem nas gavetas.
De modo que é útil que a Assembleia da República procure, de uma vez por todas, ultrapassar esta fatalidade da instabilidade governamental e ser ela a patrocinar um projecto de lei sobre esta matéria.
Do mesmo modo estou de acordo com o Sr. Deputado em que qualquer iniciativa do Governo neste campo deveria igualmente passar por uma apreciação pela Assembleia da República.
Farei agora algumas, poucas, observações em relação ao presente projecto de lei. Em primeiro lugar, todos sabemos que a definição do escritor e do autor é um assunto de extremo melindre, e a solução apresentada neste projecto de lei não me parece ser a mais feliz.
Definir o escritor apenas pelo número de obras publicadas é manifestamente insuficiente, sem se entrar em linha de conta com outros critérios, nomeadamente de natureza qualitativa, sem entrar também em linha de conta com as diferentes categorias e situações em que se encontra o escritor na vida social - e creio que o projecto de lei distingue apenas entre os escritores que fazem da sua actividade literária a sua actividade preferencial e quase exclusiva e aqueles1 escritores que a fazem paralelamente a uma outra actividade profissional.
Em segundo lugar, quero chamar-lhe a atenção para o seguinte, Sr. Deputado: o facto de a média dos direitos de autor recebidos ser aqui apresentada como a base das percentagens a estabelecer para a atribuição dos diferentes subsídios pode criar situações de injustiça relativa, na medida em que não se tem em linha de conta o' facto de haver escritores com menor audiência pública que poderão ter obra de superior qualidade literária e virem a ser assim manifestamente prejudicados em relação a autores que podem até ser promovidos por técnica de marketing que outras editoras não têm à sua disposição.

A Sr. Natália Correia (PSD): - Exacto!

O Orador: - Em terceiro lugar, chamo a sua atenção para o facto de neste diploma se fazer uma referência ao Fundo de Auxílio aos Autores, como sendo um fundo que iria subsidiar também este esquema de segurança social. Ora, é sabido que o governo da Aliança Democrática tem em vigor um decreto-lei, cujas emendas não foram ratificadas por esta Assembleia por oposição dos partidos da Aliança Democrática e em que não se prevê que esse Fundo de Auxílio a Autores tenha esse destino: o de subvencionar o esquema de segurança social. E eu pergunto-lhe: como poderemos vir a ultrapassar esta situação?
Eram estas as breves observações que lhe queria colocar, Sr. Deputado José Manuel Mendes.

O Sr. Presidente: - Para pedidos de esclarecimento, tem ainda a palavra o Sr. Deputado Valdemar Alves.

O Sr. Valdemar Alves (PSD): - Sr. Deputado José Manuel Mendes, como V. Ex.ª sabe, um dos piores males da segurança social portuguesa são precisamente os inúmeros regimes especiais vigentes, com todo o cortejo de assimetrias, de desajustamentos, de

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dificuldades de aplicação e até de injustiças que acarretam.
Este projecto de lei, ora apresentado, vem, pois, criar mais um regime especial, com todos os inconvenientes apontados.
Assim, formular-lhe-ei 3 perguntas.
Não lhe parece, Sr. Deputado, que este projecto de lei vem contrariar o estatuído no artigo 63.º, n.º 2, da Constituição, onde se; estabelece a incumbência de o Estado organizar, coordenar e subsidiar um sistema de segurança social unificado e descentralizado?
Conhece o Sr. Deputado a Portaria n.º 115/77, de 9 de Março, que regula a inscrição na segurança social dos trabalhadores independentes. Não lhe parece que a situação dos escritores poderá perfeitamente integrar-se nesta portaria, bastando, para tanto, a publicação de um decreto regulamentar que especifique todas as condições de acesso à segurança social não só dos escritores, como de todas as outras pessoas: pintores:, escultores, enfim, as mais diversas categorias de artistas e intelectuais independentes?
Não lhe ,parece também, Sr. Deputado, que o presente projecto de lei acaba por ser discriminatório para as diversas categorias de intelectuais nele não abrangidas, pois só aos escritores se refere?

E, para já, Sr. Deputado, eram estas as questões que lhe queria pôr.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Niza, V. Ex.ª pediu a palavra para que efeito?

O Sr. José Niza (PS): - Sr. Presidente, talvez regimentalmente não me seja muito fácil explicar-lhe, mas penso que se trata de uma questão relacionada com a Mesa; portanto, peço a palavra no sentido de uma interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. José Niza (PS): - Sr. Presidente, este projecto de lei foi distribuído à 4.ª Comissão, a Comissão de Saúde e Segurança. Social. Mas já através desta apresentação e dos pedidos de esclarecimento que lhe foram formulados ficou patente que a Comissão de Cultura poderá e deverá ter em relação a este projecto de lei uma participação activa. Por isso, como presidente da Comissão de Saúde e Segurança Social, eu desejo anunciar à Mesa - e julgo que com isto não ultrapasso a distribuição anteriormente feita - que na reunião de amanhã vou propor à 4.ª Comissão que a Comissão de Cultura seja também chamada a trabalhar nesta matéria, uma vez que, por um lado, é uma questão que tem a ver com a segurança social e, por outro, tem a ver também com a Comissão de Cultura.
Portanto, era esta a iniciativa, que me parece útil, que eu queria anunciar à Mesa e à Câmara.

O Sr. Presidente: - Muito obrigado, Sr. Deputado.
A Câmara fica informada da sua intenção.
Para responder aos pedidos de esclarecimento que lhe foram formulados, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Congratulo-me, antes de mais, pelo interesse que suscitou, através das diferentes intervenções, a apresentação que, em nome do meu partido, aqui fiz do projecto de lei relativo à protecção social dos autores.
Com efeito, trata-se de uma iniciativa que merecia desta Câmara esse acolhimento, ainda que relativo, porquanto, tal como disse já, é alguma coisa de extremamente relevante e pana cuja confecção o contributo de todos é, sem dúvida, precioso.
As questões que me foram colocadas abordam áreas diferentes do mesmo projecto de diploma e ir-lhes-ei responder justamente pela ordem das interpelações.
A Sr.ª Deputada Natália Correia referiu: um aspecto ao qual sou particularmente, sensível e com o qual estou de inteiro acordo. O que interessa fundamentalmente é que se resolva, 'e não que se olhe a quem resolve.
Por isso, na intervenção que fiz sublinhei o carácter profundamente aberto do texto ora apresentado e o diálogo que o PCP considera essencial e que deseja ver estabelecido no seio das comissões a que este diploma irá baixar.
O facto de ter sido elaborado pelo Ministério da Cultura um diploma com o mesmo objectivo deste projecto não merece, da nossa parte, qualquer espécie de reserva ou de crítica. É um direito que assiste ao Ministério, é uma iniciativa louvável.
Que para a feitura desse mesmo diploma se tenha procurado ouvir a Associação Portuguesa de Escritores, a Sociedade Portuguesa de Autores e a Sociedade Nacional de Belas-Artes é igualmente positivo, e posso dizer, pública e abertamente, que o nosso projecto também contou com a prestimosa colaboração dessas entidades.
Aquilo que não merece o nosso acolhimento e a que me opus é algo de diverso: é a circunstância de o Governo, podendo e devendo submeter, sob a forma de proposta de lei, o seu texto legislativo à apreciação desta Câmara, pensar em aprová-lo sob a forma de decreto-lei, subtraindo-o, assim ao debate enriquecedor e fundamental que aqui deverá realizar-se.
Essa tentativa não terá nunca o nosso apoio, contará com a nossa mais frontal rejeição e, por isso mesmo, desde já anunciamos a nossa inequívoca atitude.
De qualquer modo, Sr.ª Deputada Natália Correia, estamos seguros de que o debate que irá produzir-se receberá o contributo não apenas das diferentes bancadas desta Casa, mas também o dos próprios interessados, cujo direito de audiência não negamos, antes pelo contrário: incentivamos.
Referiu o Sr. Deputado António Reis algumas dúvidas que se lhe tinham colocado após a leitura deste projecto de lei. Cabe-me dizer-lhe que, na realidade, tocou na ferida de alguns dos problemas nodais que importa considerar em sede legislativa nesta matéria.
Com efeito, como definir um escritor? Por um critério puramente quantitativista, atomístico, por um critério qualitativista ou pela interpenetração destes dois elementos?
Depois de muita reflexão, depois de muito ponderado estudo, chegámos à solução que consta da parte introdutória do texto que submetemos à apreciação

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dos Srs. Deputados, o que não quer dizer que tenhamos a consciência de que esta é a única solução justa, o que quer dizer - e agora pela via positiva - que é possível o enriquecimento e, eventualmente, a alteração da solução que encontrámos.
É evidente que há escritores; que não têm 3 obras publicadas e cujo mérito é inegável, cujo contributo e decisivo para a nossa literatura; e há, pelo contrário, autores com l obra eventualmente quilométrica cuja importância é extremamente relativa, para não dizer escassa. Estas são, pois, questões que deveremos abordar e estudar com toda a profundidade.
Outro tanto direi relativamente ao problema que me foi colocado sobre aquilo que de nocivo pode advir da aplicação do critério das bases de percentagem aos direitos de autor auferidos pelos artistas e escritores que constituem o objecto deste texto.
Trata-se, sem dúvida, de uma possibilidade negativa e pode-se cometer qualquer injustiça relativa neste domínio. Mas mais uma vez, afirmo o que, pelo debate a que procederemos, estes aspectos serão seguramente corrigidos com vantagem.
Relativamente ao Fundo de Auxílio aos Autores pensamos que o facto de estar em vigor um diploma do tempo do governo Sá Carneiro - que veio a esta Câmara e não mereceu dela o melhor acolhimento, depois de ter merecido unanimidade, quanto às alterações introduzidas, na Comissão de Cultura - não obsta a que igual iniciativa possa vir a ser assumida, e por outro lado, também não obsta a que, pela nossa parte, não devamos assumir a iniciativa legislativa, em termos de consignar ao Fundo de Auxílio aos Autores a incumbência específica de ele conter verbas que possam afectar-se aos fins previstos neste diploma.
O Sr. Deputado Valdemar Alves levantou algumas questões no âmbito da assistência social e, antes de mais, dir-lhe-ei alguma coisa que é não apenas pertinente, mas absolutamente indispensável: este projecto de lei não visa exclusivamente os escritores. Ele tem um articulado que, no seu conjunto - e isto está claramente expresso nos dispositivos finais -, pode ser alargado a todos os autores, qualquer que seja a sua proveniência; pois não se dirige somente aos autores que referiu, mas a muitos outros.
Nós sabemos que a qualidade de autor não é facilmente taxável. Não podemos dizer que autor é só este, aquele ou aquele outro, pois há inúmeras possibilidades de delinear a figura de autor para a atribuição dos benefícios contidos neste diploma.
O nosso projecto não é mais do que uma norma padrão, que reenvia para a competência do Governo - que estará já fornecido de todos os dados essenciais -, a competência sob a forma de decreto-lei e de acordo com o espírito desenvolvido nesta Câmara, tanto quanto possível por consenso, de alargar a outras figuras de autor aquilo que nele mais especificamente se estipula e estabelece para os autores escritores.
Perguntou-me também o Sr. Deputado se este projecto de lei viola o artigo 63.º, n.º 2, da Constituição da República. Creio francamente que não, uma vez que ele não configura um regime especial e apenas atende, isso sim, nem poderia ser de outro modo, às especificidades concretas do labor de escritor e do labor artístico em geral, razão pela qual - e passo já a responder à terceira questão que me colocou, porque o tempo é escasso - não favorece qualquer discriminação. Nem sequer seria fácil aplicar o quadro da portaria de comerciantes e industriais aos autores.
Por um lado, não é possível colocar um escritor ao lado de um comerciante ou de um industrial, pela própria inconvergência do móbile das matérias em apreço e, desde logo, porque, enquanto estes são beneficiários da segurança social através das suas próprias contribuições industriais, os escritores são-no apenas em função dos seus direitos de autor. Há matérias específica, aleatória, neste domínio, que de maneira nenhuma pode ser compaginável ou sobreponível àquilo que se passa com os comerciantes e industriais.
Por outro lado, há também que respeitar e salvaguardar a tal singularidade que a arte para si mesma reserva, sem que isso possa constituir, de algum modo, um regime especial ou qualquer outra sorte de privilégio.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Sr.ª Natália Correia (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr.ª Deputada?

A Sr.ª Natália Correia (PSD) - Para um protesto, digamos assim, Sr. Presidente. Obrigatoriamente para um protesto.

O Sr. Presidente: - Se a Sr.ª Deputada pretende protestar, faça favor. Mas é mesmo para um protesto que deseja usar da palavra, Sr.ª Deputada?

A Sr.ª Natália Correia (PSD): - É, sim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor.

A Sr.ª Natália Correia (PSD): - Sr. Deputado José Manuel Mendes, eu queria explicar que o silêncio que fiz sobre a possibilidade por si proposta de o diploma governamental ser apreciado por esta Assembleia de nenhuma forma correspondia a uma rejeição dessa proposta. O Sr. Deputado passou em branco o ditado português "quem cala, consente".
Mas queria ainda dizer algumas palavras acerca da .definição de autor a partir da produção mínima de 3 obras. Quanto a esta questão, estou de acordo com o Sr. Deputado António Reis te lembro-lhe que, sendo Cesário Verde autor de uma só obra, ele estaria fora do esquema de definição de autor adoptado no projecto de leu do Partido Comunista.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Pede a palavra para contraprotestar, não é verdade, Sr. Deputado?

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sim, Sr. Presidente, da forma mais cordial, como é óbvio.

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Congratulo-me com a explicitação que a Sr.ª Deputada Natália Cor-

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reja acaba de fazer no sentido de que de modo nenhum visou obstruir o projecto de lei que aqui apresentámos, embora isso para mim já fosse implícito. Aproveito este ensejo para me regozijar também com a informação dada pelo nosso colega José Niza relativamente à baixa à Comissão á& Cultura deste projecto de lei, que, até ao momento, estava apenas na dependência da Comissão de Saúde e segurança Social. Na Comissão de Cultura, como já foi referido por todos nós, teremos muito gosto em receber este diploma e em nos debruçarmos sobre ele em termos de atingirmos os melhores resultados possíveis.

O Sr. Presidente: - Para proceder à leitura de um relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - É do seguinte teor o relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos:

Em reunião realizada no dia 3 de Novembro de 1981, pelas 14 horas e 30 minutos, foram apreciadas as seguintes substituições de Deputados:

1) Solicitada pelo Partido Socialista:

António Emílio Teixeira Lopes (círculo eleitoral do Porto) por Manuel Laranjeira Vaz (esta substituição é pedida para o período de l a 14 de Novembro corrente, inclusive);

2) Solicitadas pelo Partido do Centro Democrático Social:

José Girão Pereira (círculo eleitoral de Aveiro) por Carlos Eduardo Oliveira e Sousa (esta substituição é pedida para o período de 2 a 27 de Novembro corrente, inclusive);

Luís Aníbal de Sá de Azevedo Coutinho (círculo eleitoral do Porto) por Manuel Eugénio Pimentel Cavaleiro Brandão (esta substituição é pedida por um período não superior a um mês, a partir do próximo dia 4 de Novembro corrente, inclusive);

3) Solicitada pelo Partido Comunista Português:

José Ernesto Ildefonso Leão d'Oliveira (círculo eleitoral de Évora) por António José Monteiro Vidigal Amaro (esta substituição é pedida por um período não superior a seis meses, a partir do passado dia l de Novembro corrente, inclusive);

4) Solicitada pelo Movimento Democrático Português:

Raul Fernandes de Morais e Castro (círculo eleitoral do Porto) por António Monteiro de Almeida Taborda (esta substituição é pedida por um período não superior a seis meses).

Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha, verificou-se que os substitutos indicados são realmente os candidatos não eleitos que devem ser chamados ao exercício de funções, considerando a ordem de precedência das respectivas listas eleitorais apresentadas a sufrágio pelos aludidos partidos nos concernentes círculos eleitorais.
Foram observados todos os preceitos regimentais e legais aplicáveis.
Finalmente a Comissão entende proferir o seguinte parecer:

As substituições em causa são de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.

O presente relatório foi aprovado por maioria com a abstenção do deputado da União Democrática Popular.

A Comissão: Secretário, José Manuel Maia Nunes de Almeida (PCP) - António Duarte e Chagas (PSD) - Cristóvão Guerreiro Norte (PSD) - Mário Marques Ferreira Maduro (PSD) - Nicolau Gregório de Freitas (PSD) - Valdemar Cardoso Alves (PSD) - Armando dos Santos Lopes (PS) - Alfredo Pinto da Silva (PS) - Francisco Cavaleiro Ferreira (CDS) - Álvaro Augusto Veiga de Oliveira (PCP) - Jorge Manuel Abreu de Lemos (PCP) - Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho (ASDI) - António Manuel de Carvalho F. Vitorino (UEDS) - Mário António Baptista Tomé (UDP).

O Sr. Presidente: - Vamos proceder à votação do relatório e parecer que acaba de ser lido.

Submetido à votação, foi aprovado com votos a favor do PSD. do PS, do CDS, do PCP, do PPM. da ASDI. da UEDS e do M DP/CDE e com a abstenção da UDP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a reunião vai ser interrompida para o intervalo regimental. O seu reinicio será às 18 horas e 5 minutos.
Está suspensa a sessão.

Eram 17 horas e 35 minutos.

O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão.

Eram 18 horas e 20 minutos.

Neste momento, tomou assento na bancada do Governo o Sr. Secretário de Estado do Fomento Cooperativo (Bento Gonçalves).

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, no primeiro ponto da segunda parte da ordem do dia de hoje constam os pedidos de sujeição a ratificação n.ºs 2/II e 8/II, do Decreto-Lei n.º 454/80, de 9 de Outubro, que aprova o Código Cooperativo, apresentados, respectivamente, pelo PCP e pelo PS.
Todavia, existem na Mesa mais dois pedidos de sujeição a ratificação, n.ºs 100/II e 101/II, apresentados também pelo PCP e pelo PS, relativos ao
Decreto-Lei n.º 238/81, que introduziu alterações ao Decreto-Lei n.º 454/80.

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Embora estes pedidos de sujeição a ratificação não constem da ordem do dia de hoje, aprece-me que interpretarei fielmente o sentido da conferência dos Presidentes dos Grupos Parlamentares, referindo que a discussão que hoje vamos realizar diz respeito aos pedidos de sujeição a ratificação que incidiram sobre o Decreto-Lei n.º 454/80 e sobre o Decreto-Lei n.º 238/81. Se não houver qualquer oposição, assim se fará.

Pausa.

Vamos, portanto, iniciar a discussão dos pedidos de sujeição a ratificação dos decretos-lei n.º 454/80 e 238/81.
Tem a palavra o Sr. Deputado Eduardo Pereira.

O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quando, em meados de Abril de 1980, o Partido Socialista agendou para a sessão da Assembleia da República de 9 de Maio o debate do seu projecto de lei n.º 433/I, precipitava, sem o saber, a apresentação pela AD de um "código" que não serve os interesses do movimento cooperativo.
Admitia, então, o Partido Socialista que a maioria ou o Governo inscrevessem para debate um projecto ou uma proposta de lei baseado no estudo elaborado pelo INSCOOP. O depósito de tal diploma teria permitido uma discussão alargada na Assembleia da República, o que, envolvendo também o projecto de lei n.º 378/I, do PCP, só poderia contribuir para a qualidade da versão final que viesse a ser aprovada com o apoio da maioria.
Como outras eram as ideias do Governo e da sua maioria, estes não só não apresentaram qualquer projecto de diploma, como ainda dispuseram a ordem de trabalhos desse dia de forma a que a discussão do nosos projecto de lei fosse indicada o mais tarde possível - cerca das 19 horas, numa sessão que foi encerrada às 20 horas e 20 minutos -, impedindo assim que o debate se concluísse, o que lhes permitiu por um lado, reservar a sua posição e, por outro, ficarem com as mãos livres para mais tarde apresentarem um pedido de autorização legislativa.
Já então era claro que as cooperativas viriam a ter, mas por decreto, o código que mais conviesse ao Governo e à sua maioria.
Para o conseguir, o Sr. Ministro Adjunto do Primeiro-Ministro do VI Governo, Dr. Pinto Balsemão, actuando nos bastidores da Assembleia da República, mandou retirar da circulação o "Anteprojecto do Código Coperativo Português", publicado no n.º 4 do Boletim Informativo do Sector Cooperativo, editado pelo INSCOOP em Março de 1980, e encomendou aos adjuntos do seu gabinete uma outra versão, de que nos ocupamos hoje e cuja ratificação solicitámos.
O Sr. Dr. Pinto Balsemão fazia, assim, desaparecer um anteprojecto que tinha sido encomendado, em 23 de Outubro de 1978, por despacho do III Governo, e sobre o qual ele próprio vinha trabalhando desde que o VI Governo entrara em funções.
A primeira versão deste anteprojecto datava de Novembro de 1979 e, depois dessa data, tinham-se realizado, durante 18 meses, diversas reuniões para as afinações finais.
Da sua comissão de relacção fez parte o D. Bento Gonçalves, actual Secretário de Estado do Fomento Cooperativo, na altura em representação da FENACAM, Federação Nacional das Caixas de Crédito Agrícola.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Este Decreto-Lei n.º 454/80, de 9 de Outubro, o actual Código Cooperativo, lei fundamental do movimento, foi cozinhado num canto escondido, e seguramente sem sol, de um gabinete de adjuntos do actual
Primeiro-Ministro; foi, como o anterior, mexido e remexido pelo actual Secretário de Estado do Fomento Cooperativo, foi promulgado sem que dele fosse dado conhecimento prévio às cooperativas e deve ser hoje o único código cooperativo do mundo que foi imposto por decreto-lei.
Este decreto-lei entra hoje na Assembleia da República e sobe ao Plenário meio envergonhado, não com a preocupação de sossegar o coro de protestos que o movimento vem há um ano a levantar contra ele, não porque a maioria queria dar satisfação aos partidos da oposição, que, desde o final de 1980, vem solicitando a sua ratificação, mas porque o Governo se viu obrigado a introduzir as primeiras 45 modificações nos seus 100 artigos, embora não tenha feito mais do que modificar alguns aspectos formais do diploma, algumas vezes para pior.
No entanto, é bom que fique claro que todas as meias verdades demagógicas que têm vindo a ser utilizadas pela maioria e pelo Governo e os gritos desesperados do Sr. Ministro Adjunto do Primeiro-Ministro do VI Governo, neste hemiciclo, quando da discussão das Grandes Opções do Plano para 1980 - apenas quero dizer que o Partido Socialista esteve em dois Governos e não apresentou o Código Cooperativo. Nós estamos há quatro meses no Governo e vamos apresentá-lo "[...]" - escondem muito mal as verdadeiras razões do secretismo de que se revestiu a sua preparação e não desculpam o modelo pouco cooperativo que esteve na sua origem.
Com efeito, apesar da urgência da elaboração, podia o diploma ter sido trazido a esta Assembleia para ser discutido pelos representantes do povo português, com o que se evitava os pedidos da sua ratificação e se lhe conferia uma dignidade que só possuem as leis saídas desta Casa.
Nunca pela nossa parte considerámos que estivéssemos confrontados num despique cooperativo com a AD. Podem os actuais responsáveis por este decreto-lei por-se em bicos de pés que não conseguirão chegar onde chegou a luta de século e meio dos socialistas na defesa dos princípios coperativos, nem superam o esforço por estes feito para engrandecimento deste sector económico.
O Partido Socialista considera o desenvolvimento do cooperativismo em Portugal como uma opção política básica e quer deixar aqui e agora muito claro que não desistirá desta luta, entre outras, pelas seguintes razões: porque é necessário que o movimento cooperativo tenha um papel de relevo na organização do planeamento da economia; porque é imprescindível contar com a sua ajuda para resolver os grandes problemas que desde sempre afectam rendeiros e parceiros, pequenos e médios agricultores, principalmente nas zonas minifundiárias; porque é importante que se continue a processar uma reforma

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agrária justa e equilibrada; porque o movimento pode e deve contribuir para que se supere a crise habitacional; porque as cooperativas podem contribuir para minorar o desemprego; porque este sector muito podia fazer para travar e disciplinar a anarquia que reina em certos circuitos comerciais, onde a fraude e a espeulação atingem proporções alarmantes a que urge pôr cobro.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Um código cooperativo aplica-se as cooperativas e ao seu federalismo. É esse o seu âmbito normal quando entendidas como associações de pessoas que operam actividades sócio-económicas e culturais - é esta a sua definição -, dispostas a projectar o cooperativismo integral ou polivalente através de organizações económicas conformes às aspirações profundas dos trabalhadores, que são os seus objectivos finais.
Este Código, cuja ratificação foi solicitada, define mal um âmbito,
apresenta-nos uma definição confusa de cooperativa, não aponta objectivos com os quais o movimento se possa identificar. A natureza jurídica, as finalidades e o âmbito territorial do federalismo cooperativo não foram adequadamente tratados neste Código.
Com efeito, sem negar que as cooperativas sejam pessoas colectivas, convém não esquecer que elas são, antes do mais, associações de pessoas que pretendem a eliminação do intermediarismo dos circuitos e do lucro que visam promover a elevação do nível material, social e cultural dos consumidores, projectar o cooperativismo integral ou polivalente e transformar-se em organizações económicas conformes às aspirações profundas dos trabalhadores.
Ora, a este Código começa logo por lhe faltar o calor das cooperativas, a sua colaboração. Como já tivemos ocasião de o afirmar, este Código "está possuído do frio próprio de uma sala de adjuntos de um gabinete ministerial". Até o preâmbulo deste diploma é estranho. Está trocado, foi escrito, como todos o sabemos, para outro articulado.
É evidente para todos os cooperadores que este Código foi concebido como um capítulo do direito das sociedades comerciais. Se nesta Casa alguém tem dúvidas, que se debruce sobre os artigos 1.º, 8.º e 94.º
As cooperativas, de acordo com os artigos 10.º e 19.º que regulam os aspectos formais do seu processo de fundação são aceites mas não apoiadas. Uma prova material de constituição, isto é, o exame dos pressupostos sócio-económicos de constituição das cooperativas, avaliações da possibilidade de sucesso das novas cooperativas nas circunstâncias que as rodeiam, não estão previstas.
De acordo com os artigos 16.º e 91.º a 93.º, é suficiente, para o registo de uma cooperativa, averiguar-se da legitimidade da sua fundação.
Nós entendemos que se deve fazer mais pelas cooperativas e assim o propusemos.
A nossa proposta é para uma ajuda esclarecida e esclarecedora. Não aos paternalismos, mas não também aos artigos 95.º a 97.º, que regulam as "atribuições do INSCOOP", "os actos da comunicação obrigatória" e a "dissolução das cooperativas".
É inadmissível que se ameacem as cooperativas que não enviem ao INSCOOP os elementos da sua constituição, as alterações aos seus estatutos ou os relatórios e contas anuais, com a redução ou a supressão do apoio técnico e financeiro que lhes esteja a ser prestado por determinadas entidades estatais.
Que esquecidas se encontram as Cartas do Terceiro Homem, de António Sérgio:

Cooperativismo estadual é uma contradição nos termos.
Cooperativismo e estadualismo são dois conceitos que se repelem. O manter-se de todo voluntário e livre; o excluir e repelir a inferência do Estado de maneira pleníssima, radical e tersa é rasgo que faz parte da própria ideia cêntrica, da essência e natureza das várias instituições cooperativas. Todo o cooperativismo é por natureza antiestatal. Mas desponta aí uma intervenção do Estado, deixa o cooperativismo de verdadeiramente existir. Pode o Estado dar - auxílio ao progresso das cooperativas, pela benevolência, pelo ensino, pela legislação ou pelo crédito: mas não há-de ter neles o mais pequenino mundo, não há-de nunca obrigar um cidadão qualquer a aderir às fórmulas do seu sistema."

Por outro lado, a ciência cooperativa moderna aconselha a que se proceda ao exame material periódico da contabilidade das cooperativas por técnicos com formação específica para o efeito. O actual Código é omisso em relação a este ponto.
Ainda no que se refere ao acompanhamento e à gestão das cooperativas, alertamos a Câmara para o facto de este Código apontar para a não reeleição dos titulares dos vários órgãos. Esta regra, que visa possibilitar ao maior número de cooperadores a participação directa na gestão da cooperativa exige também, o que nem sempre é possível, bons e competentes corpos gerentes em quantidade apreciável.
Consideramos que a alteração por nós proposta satisfaria os dois princípios em litígio.

ste Código prevê, na alínea d) do artigo 79.º, a arbitragem para os conflitos entre cooperativas, mas nada diz quanto à arbitragem interna nas cooperativas. Na nossa proposta defendemos a arbitragem interna para os conflitos que não envolvam actos puníveis por lei ordinária ou que caiam no foro do direito do trabalho.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Para finalizar gostaria de chamar a vossa atenção para alguns aspectos ainda mais graves do que estes que apontei.
Refiro-me à matéria tratada nos artigos 45.º, 49.º e 50.º - quórum e votação -, 28.º - títulos de investimento -, 13.º, 33.º e 62.º a 66.º - responsabilidade dos cooperadores e dos titulares, 20.º a 26.º - capital social- e 2.º - operações com terceiros.
Este conjunto de artigos está redigido de tal forma que muitos não resistirão à tentação de formar no seio cooperativo empresas características do sector privado da economia que, encobertas pelo manto cooperativo, se dediquem a actividades que se encontram reservadas ao sector público.
Com efeito, os artigos respeitante ao quórum em reuniões adiadas de uma hora e aos votos por correspondência e por representação só servem para possibilitar o domínio das cooperativas por algumas minorias activas e para afastar a generalidade dos coope-

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radores de actos tão importantes para a vida das cooperativas como podem ser as assembleias gerais.
Mas, se a estas Cooperativas) se possibilitar também a participação financeira por parte de não membros, os quais podem assistir às assembleias gerais, embora sem voto, então estamos também a permitir que estes não membros influenciem sobre a gestão dos negócios das cooperativas e imponham os seus interesses particulares.
Este Código, através dos artigos citados anteriormente, rege cooperativas com responsabilidade limitada, ilimitada ou ainda limitada em relação a uns e ilimitada quanto a outros.
A forma mista, consagrada no artigo 33.º, de membros com responsabilidade limitada e outros com responsabilidade ilimitada, dentro da mesma cooperativa, estabelece duas classes de cooperadores.
Não se conhece em todo o mundo disposição semelhante, que inauguraria o sistema de cooperativa em comandita. Pergunta-se: com que fim foi então metido este preceito no Código português?
Outro caso que brada alto é o da forma como os directores são isentos de responsabilidade, quando se tenham "oposto oportunamente" dos actos dos outros directores e dos gerentes; são também isentos os que não tenham participado na deliberação.
A AD não entendeu ainda que, embora a cooperativa seja também uma empresa, ela é, sobretudo, uma associação de pessoas que devem trabalhar e decidir em conjunto.
For último, a conjugação das possibilidades criadas de forma a possibilitar a existência de cooperativas com reduzido número de sócios - mínimo de 10 -, sem limites do capital subscrito por cada sócio, com a possibilidade do estabelecimento de jóias - até 1/20 do capital cooperativo - e sem que a participação dos trabalhadores das cooperativas como sócios esteja assegurada, poderá apresentar graves inconvenientes ao sector e ao movimento.
Para finalizar: o artigo 2.º permite às cooperativas a realização suplementar de operações com terceiros, sem nos dar explicações mais pormenorizadas que permitam conhecer o pensamento do legislador. Esquecimento?
As disposições que exigem que o capital mínimo de subscrição deva passar para um sexto do salário mínimo nacional e a obrigatoriedade de que as cooperativas existentes actualizem urgentemente os seus estatutos de acordo com este Código, são claras: podem levar ao desaparecimento de um grande número de Cooperativas.
Aqui, o legislador estava mais atento!
Sr. Presidente, Srs. Deputados: "Tenho o sentimento de que o movimento que as autoridades se esforçam por erigir parte de bases erradas, sacrificando-se a educação à rentabilidade, o esforço de imaginação e de desenvolvimento à organização dirigida, o trabalho paciente e penoso ao automatismo, esquecendo que o seu papel é o de ajudar a fazer e não de fazer, nem de dirigir o que se faz."
Assim se pronunciava em 1952 o grande impulsionador do cooperativismo senegalês Mamadou Dia acerca do movimento do seu país.
"Intervir, sim, indo ao encontro das aspirações do próprio movimento, das suas reclamações mais instantes, dos seus pedidos expressos de incitamento e apoio.
Não interferir, porém, isto é, não perturbar o processo normal da livre tomada de decisões e responsabilidades, que é próprio e até típico de um movimento tão caracteristicamente popular e democrático como este deve sempre ser."
Desta forma alertava o Prof. Henrique de Barros os governantes no acto de tomada de posse do conselho coordenador do INSCOOP, em 11 de Outubro de 1977.
É lamentável que os "mentores" deste Código, que o Governo se esforça por erigir em bases erradas, não dêem ouvidos a estas vozes da razão e continuem a alimentar desejos de interferir onde só deviam intervir.
Consideramos que ainda é possível não comprometer os esforços que desde 1975 se vêm desenvolvendo em prol de um movimento prestigiado e independente, se o Governo e a maioria que o suporta quiserem acolher as contribuições, que depositámos na Mesa e com as quais pretendemos substituir, aditar ou eliminar alguns dos artigos do Código.
O conjunto das várias propostas, o diploma de base, o Decreto-Lei n.º 454/80, e o que alterou, o Decreto-Lei n.º 238/81, deviam baixar à comissão respectiva para serem reanalisados e com eles se dar corpo ao Código que o movimento exige desta Assembleia da República.

Aplausos do PS e da UEDS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carreira Marques.

O Sr. Carreira Marques (PCP):- Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vários meses passaram sobre a nossa iniciativa de pedirmos a ratificação do Decreto-Lei n.º 454/80 e não só se mantêm as (reservas e as críticas que determinaram aquele nosso procedimento como se avolumaram outros elementos negativos que fazem aumentar a nossa preocupação.
As nossas críticas remontam à fase de elaboração do código que o governo de então repentinamente decidiu chamar a si, numa pressa nunca suficientemente explicada, quando é sabido que muitos elementos da comissão de elaboração do Código Cooperativo haviam já manifestado interesse em reapreciar algumas das formulações já aprovadas por as considerarem, umas, tecnicamente incorrectas, outras, manifestamente desajustadas à realidade cooperativa do nosso país.
O Governo preferiu então desrespeitar o trabalho e a vontade da comissão, sacrificando-se à tentação eleitoralista de, em vésperas de eleições, aparecer com o Código aprovado, mascarando-se de grande amigo e defensor das cooperativas, quando o que na realidade, aconteceu foi a verificação da sua inadequação em vários preceitos; a constatação de que se tratava de obra feita sobre os joelhos, tão grosseiras eram os erros técnicos e a relutância do movimento cooperativo em aceitar um diploma que não correspondia às suas legitimas aspirações pela razão simples de o Governo ter feito "orelhas moucas" às várias propostas que haviam sido apresentadas por várias estruturas representantivas do sector como se pode comprovar pelas dezenas de sugestões existentes nas gavetas desta Assembleia da República.

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Tudo indica que o Governo quis homenagear o velho aforismo das cadelas apressadas.
E tanto assim foi que -, de imediato, o próprio Governo reconheceu a necessidade de proceder a alterações. Só que, e ainda desta vez, o Executivo se fechou na sua arrogância, não organizando o indispensável processo de consinta, pública nem contemplando propostas que, mesmo assim, lhe foram remetidas por organizações cooperativas.
O resultado desta intransigência em legislar de costas voltadas para os verdadeiros interessados está bem claro em, vários artigos do Código que se mostram pouco apropriados e que, por esse facto, poderão impedir o livre desenvolvimento do movimento cooperativo e mesmo desvirtuá-lo de princípios universalmente aceites.
Mas tratar-se-á de mera casualidade ou simples inadvertência? Claro que não! Convém recordar que no projecto de revisão constitucional da AD a máscara do amor às Cooperativas: cai de vez e percebe-se claramente que há quem nos partidos governamentais pretenda a supressão da regra da observância dos princípios cooperativos constantes do actual n.º 2 do artigo 84.º da Constituição, da República Portuguesa. Com efeito, e desse modo, ficaria aberta a possibilidade a qualquer empresa com fins lucrativos de se integrar postiçamente no sector cooperativo só para usufruir dos vários benefícios -nomeadamente (fiscais e financeiros - que são exclusivos dias verdadeiras cooperativas. A Constituição veda, e bem, tal integração, estabelecendo que a gestão dos bens cooperativos não pode - deixar de se reger pelos princípios cooperativos.
É a esta mesma luz que consideramos o artigo 5.º do Código quando admite a formação de cooperativas mistas em termos tais que, a manter-se a actual formulação, não representaria a junção dos esforços públicos e cooperativos mas tão-só a criação de possibilidades legais de grandes empresários ou grandes empresas virem a constituir-se em falsas cooperativas. Tal disposição, se não for alterada, poderá ter as mais graves consequências no futuro do movimento cooperativo.
No que se refere ao articulado que define a organização das cooperativas é notória a preocupação do Governo em espartilhar o sector cooperativo,
criando-lhe tantas restrições ao longo da excessiva regulamentação que toda a dinâmica e livre criatividade dos cooperadores e das cooperativas ficaria praticamente estrangulada. É o que se passa, por exemplo, com a regulamentação paira a formação de uniões, federações e confederações, onde mais uma vez se não tem em conta as realidades e a rica experiência dó sector.
O sector cooperativo em Portugal, pelas razões sobejamente conhecidas, não tem uma dinâmica estabilizada nem homogénea para que se possa ter a veleidade de lhe pretender estabelecer normas rígidas e cristalizadas. Em nossa opinião, melhor avisados andaremos todos se nos decidirmos por normas gerais de organização, deixando a cada ramo a possibilidade de, estatutariamente, definir - o que em pormenor melhor se coaduna com a sua realidade e experiência.
Vejamos um outro aspecto que demonstra bem o mal disfarçado afogadilho que presidiu à aprovação do Código. Trata-se do problema da legislação complementar que, embora já tenha sido aprovada em Conselho de Ministros, ainda não - foi publicada e nem todos os ramos foram objecto de legislação específica. Estamos a dois meses do fim do ano e o Código, na sua actual redacção, obriga as cooperativas a adequarem-se-lhe até 31 de Dezembro sem que tenham ainda conhecimento da legislação paira cada ramo. É verdadeiramente absurdo e seguramente as cooperativas terão imensa dificuldade em fazê-lo. Realista será pois alterar o artigo 99.º do Código, concedendo às cooperativas de qualquer grau um prazo justo a contar da publicação da legislação complementar para cada ramo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em momentos anteriores já tivemos ocasião de afirmar que dispúnhamos de basais de trabalho suficientes para que o Código Cooperativo fosse aqui amplamente discutido e aprovado. E hoje, por maioria de razão, o reafirmamos.
Existe todo o trabalho elaborado pela comissão que funcionou no Inscoop e que era constituída por cooperativistas, por juristas e por elementos de sectores governamentais; existem variadíssimas propostas e sugestões de várias estruturas do movimento cooperativo; existe a subcomissão de cooperativismo da Assembleia da República que sempre se declarou aberta ao diálogo com todos os interessados. Temos, pois, reunidas condições mínimas para encontrar as formas e) as soluções mais adequadas pana que este Código se possa transformar num instrumento dia clarificação e dignificação do sector cooperativo.
O movimento cooperativo tem óbvias razões para estar preocupado. Os múltiplos exemplos de estrangulamento de créditos e financiamentos, de dificuldades burocráticas, de tentativas! de destruição e inviabilização, de faltas de apoio, etc., não são de molde a que os cooperativistas mostrem confiança neste governo. Existem mesmo sérias preocupações pelos índices de, sob formas subtis, se estar a ressuscitar o velho alvará para as cooperativas agrícolas e - preocupante 6 também a prática da aplicação da legislação revogada - nomeadamente as cooperativas agrícolas - obrigando, como aconteceu recentemente, os tribunais a recusarem tal aplicação.
Não basta, pois, trazer os bolsos cheios de discursos que, neste domínio, quase sempre ocultam a olímpica ignorância da realidade cooperativa portuguesa e muitas vezes traduzem a desconfiança e o modo dessa mesma realidade.
Permito-me citar - uma situação bastante generalizada - que só persiste porque o Governo faz discursos contraditórios e não se decide a tomar um conjunto bastante simples às duas medidas - e que coloca em vários riscos, até de extinção, muitas cooperativas.
Refiro-me às contribuições para o Fundo de Desemprego. Alguns membros do Governo mostram não querer compreender a diferença entre uma empresa que visa fins lucrativos e uma cooperativa, a diferença entre a situação dos trabalhadores daquelas empresas e os cooperadores, e as cooperativas de produção continuam obrigadas a pagar as contribuições da parte patronal e da parte do pessoal ao Fundo de Desemprego.
Este procedimento é tanto mais absurdo se nos lembrarmos que as cerca de 3500 cooperativas existentes em Portugal são responsáveis pela manutenção de cerca de 100 000 postos de trabalho - que sem

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elas provavelmente não existiriam - e são, se calhar por isso, oneradas em 30000 contos por ano para o Fundo ,de Desemprego.
Há cooperativas, como é o caso das cooperativas de construção civil de Alpiarça, que a serem obrigados a tal pagamento, terão de encerrar as saias portas e lançar no desemprego mais de 100 cooperadores.
Será muito difícil isentar as cooperativas e os seus sócios trabalhadores dessa absurda contribuição e amnistiar as dívidas em atraso ou, no último dos últimos casos, estudar formas de recebimento dessas dívidas sem juros nem mulitas, concedendo às cooperativas empréstimos sem jures paira esse fim específico?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Conscientes da importância de um Código para o futuro das cooperativas no nosso país, iramos apresentar na Mesa um conjunto de propostas que visam contribuir para o melhorar e simplificar e declaramo-nos totalmente disponíveis para considerar discutir todas as outras propostas que eventualmente venham a ser apresentadas

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Araújo dos Santos.

O Sr. Araújo dos Santos (PSD): - Sr. Presidente, Sn. Deputados: Com a devida vénia, permitimo-nos citar o Exmo. Sr. Presidente da Assembleia Constituinte Prof. Henrique de Barros, quando na qualidade de Ministro de Estado do I Governo Constitucional conferiu posse em 1 de Setembro de 1976 à Comissão de Estudo do Projecto de Apoio e Fomento ao Sector Cooperativo.
Entre outros, produziu, então, no seu discurso, as seguintes afirmações:
A realidade cooperativa portuguesa carece de um estudo aprofundado, ou antes de uma série de estudos concretos, a realizar por quem conheça bem a ideologia e o fenómeno cooperativos a nível mundial. Numerosos são os campos de estudo com interesse para a teoria e a prática cooperativas. Todos deverão ser contemplados, mas creio bem que assume particular urgência, no caso português, o que diz respeito à legislação, já que a actual ou peca pela inexistência, como acontece relativamente à cooperação de consumo, que ainda se regula pelas obsoletas disposições do Código Comercial, ou assume características de descabido intervencionismo, como sucede no caso da cooperação agrícola sujeita a exigências legais que a Constituição da República não admite.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O mundo cooperativo português, coarctado nos seus objectivos e princípios ao longo de dezenas de anos, nu iça perdera a esperança de ver rebentado o colete de forças impeditivo do seu desenvolvimento.

Uma voz do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Daí que tivesse aplaudido as afirmações atrás citadas, como já o fizera vivamente quando da elevação dos princípios cooperativos à dignidade de texto constitucional.
É que o sector cooperativo revia-se aí, nos seus princípios fundamentais, ao ser considerado na sua função social como um dos sectores fundamentais da organização económica ao serviço do progresso e bem-estar do povo português.
Cinco tangos anos decorreram desde então, encontrando-se hoje este Parlamento confrontado com o pedido de ratificação do Decreto-Lei n.º 454/80, que criou o Código Cooperativo. Código Cooperativo tantas vezes reclamado.
Srs. Deputados, antes de emitirmos a posição que assumiremos face a tal pedido de ratificação seja-nos permitido relembrar, aos que teimam em deixar cair, no esquecimento, factos importantes, que lhes não convém, preocupando-se, apenas, no gastar do tempo em permanentes campanhas eleitoralistas, que a emissão de um juízo correcto nesta questão exige que se saiba minimamente, não apenas como foram e por quem foram gastos todos estes anos até ao aparecimento da iniciativa legislativa do VI Governo Constitucional (primeiro da AD), mas também quem durante este período de tempo, como noutras questões da vida nacional, apenas enche a boca de princípios e os foi repetindo sistematicamente ao povo português.
É preciso que se saiba quem foi ou não capaz de ultrapassar afirmações teóricas assumindo a vontade política de prosseguir, na prática, os objectivos firmemente queridos ao movimento cooperativo e consignados no texto constitucional.
E desde 1976 ao VI Governo Constítucional (primeiro da AD) passaram, dois governos socialistas (I e II) três governos presidenciais (III, IV e v).
Só assim, a nosso ver, se pode tecer, com isenção, juízo do mérito ou demérito da iniciativa legislativa da governação da AD sobre o Código Cooperativo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Um ano após a tomada de posse do conselho coordenador do Inscoop, que se dera em 11 de Outubro de 1977, e já decorridos mais de dois anos sobre a investidura da Comissão de Estudo do Projecto de Apoio e Fomento ao Sector Cooperativo, ocorrida em l de Setembro de 1976, constituiu-se, finalmente, por despacho governamental de 23 de Outubro de 1978 a Comissão encarregada da "elaboração de um projecto de código do cooperativismo português".
Comissão a funcionar na dependência do Instituto António Sérgio e constituída pelo seu presidente, por três juristas designados pelo respectivo conselho directivo e ainda "três representantes das cooperativas indicadas pelos organismos federativos e pró-federativos de âmbito nacional existentes".
Conforme se pode verificar em boletim do Inscoop, a audição foi alargada a todos os ramos do sector cooperativo, tendo-se mantido aquele Instituto "em consulta permanente com todas as estruturas, federativas e pró-federativas de âmbito nacional".
Dos trabalhos dessa Comissão resultou um anteprojecto do Código Cooperativo divulgado, em Março de 1980, por vários meios, entre os quais o Boletim, n.º 4, do Inscoop.
Divulgação alargada a todas as cooperativas e efectuada para recolha de sugestões que pudessem contribuir para a melhoria do seu conteúdo.

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Nessa altura já o então Ministro Adjunto, hoje Primeiro-Ministro Dr. Pinto Balsemão, interpretando as legítimas pretensões de todos os cooperativistas proclamava a urgência em ser dotado rapidamente o movimento cooperativo do seu código e dos meios complementares que lhe permitissem, sem intromissão, o seu crescimento e fortalecimento.
O que veio de facto a acontecer pelo Decreto-Lei n.º 354/80, de 9 de Outubro, e de que agora se pede ratificação.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Deste meu sucinto recordar dos factos ressalta algo de fundamental para a decisão que o PSD vai tomar sobre esta matéria.
De facto:

O Código Cooperativo tem na sua génese a marca bem evidente e participativa dos cooperativistas portugueses;
O Código Cooperativo tem na sua elaboração a marca insuspeita de uma comissão nomeada em 1978 e que trabalhou em obediência a competências definidas por esta Assembleia no âmbito do Instituto António Sérgio;
O Código Cooperativo tem no seu decretar a marca evidente de quem proclamando os princípios e conferindo-lhe a soía verdadeira importância entende que não basta ao povo português apenas o afirmar, ainda que repetidas vezes, desses mesmos princípios, mas é necessário ir mais longe, legislando e pondo em prática todas as implicações dessa legislação.

Foi isso que, quer queiram quer não, a governação da Aliança Democrática fez, neste sector, também com determinação e coragem em consonância com os ideais e objectivos dos dois milhões e meio de cooperantes portugueses.
Fê-lo também com o sentido de que a prática é boa conselheira, não se fechando por isso às suas lições.
Daí que em novo decreto-lei, o n.º 238/81, se tenham promovido algumas alterações ao texto inicial, todas elas visando melhorar e simplificar a constituição de cooperativas sem quebra de sua dignificação e do seu objectivo fundamental.

Vozes do PSP: - Muito bem!

O Orador: - Promover e fortalecer a movimento cooperativo em ordem ao bem-estar das populações.
Por acordo parlamentar também este decreto-lei está hoje a ratificação.
Por tudo isto, porque finalmente se vê realizado um dos objectivos fundamentais do mundo cooperativo, de resto já requeridos, e, muito bem, pelos cooperativistas hoje conhecidos por «sergianos», quando em 1955 à volta desse grande vulto que foi e será para todos nós uma lição e entre os quais se encontrava e encontra o Sr. Secretário de Estado Bento Gonçalves, pela homenagem que a eles e a todos os que em condições extraordinariamente difíceis lutaram para o engrandecimento do movimento cooperativo, por todo o trabalho de participação dos cooperativistas na elaboração dos anteprojectos e fornecimento de sugestões, o PSD não pode assumir outra atitude que não seja ratificar o decreto-lei em apreço.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Uma última afirmação me permito fazer: dizer claramente que as propostas de alteração, embora merecendo toda a nossa dedicação, estudo e respeito, apenas serão por nós aceites na medida em que reconhecidamente vierem a contribuir para a melhoria de um texto que pelos atributos atrás referidos consideramos perfeitamente apoiável.

Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carreira Marques, para pedir esclarecimentos.

O Sr. Carreira Marques (PCP) - O Sr. Deputado Araújo dos Santos, entre várias coisas, referiu que o Código Cooperativo tem a marca dos cooperativistas que, nomeadamente, trabalharam no INSCOOP. O Sr. Deputado deve saber que esses cooperativistas, a certo altura e após o Governo de então ter extinguido de supetão a comissão, manifestaram intenção, e já o haviam feito, de reapreciar algumas das formulações que então estavam aprovadas. É conhecido que esses cooperativistas tinham opiniões diferentes, já nessa altura, opiniões essas que não foram entretanto acolhidas por este Código. Como pode então Sr. Deputado afirmar que este Código tem a marca dos cooperativistas?

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Na parte final da sua intervenção, o Sr. Deputado diz que o Grupo Parlamentar do PSD aceitará somente as propostas; que se reconheceram como contributo para uma melhoria do texto, etc.
Queria perguntar se o Sr. Deputado e o PSD estão na disposição de, na subcomissão de cooperativismo, aceitar a participação daqueles que de facto podem dar a esta subcomissão uma melhor achega, no sentido de contribuir para que o Código seja um instrumento, como eu disse na minha intervenção, de clarificação e dignificação do sector cooperativo. Tito é, poder ouvir as suas opiniões, as suas críticas, as suas sugestões e aceitar ou não as suas propostas. Há isto que queria saber, porque, a não ser assim, percebe-se mal essa ideia de que o Código tem a marca dos cooperativistas. Para nós não tem, mas a resposta a estas perguntas permitirá esclarecer.

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Araújo dos Santos para responder, se desejar.

O Sr. Araújo dos Santos (PSD): - Sr. Presidente, se houver mais pedidos de esclarecimento, responderei a todos no fim.

O Sr. Presidente: - Então tem a palavra o Sr. Deputado Eduardo Pereira, para pedir esclarecimentos.

O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Sr. Deputado, a minha primeira pergunta diz respeito à forma como este Código aparece junto do movimento cooperativo.

É ou não verdade que este Código aparece decretado e não é discutido .nem pelas estruturas do movi-

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mento cooperativo nem pelos representantes do povo nesta Casa? Repito, é ou não verdade que o Governo decreta um código, único no mundo a ser promulgado por decreto-lei, e o impõe ao movimento cooperativo?
É ou não verdade que o Código que foi tratado em anteprojecto no INSCOOP não é, de forma nenhuma, o que acabou por ser decretado? Se o Sr. Deputado tiver dúvidas sobre isso, podemos compará-lo, artigo a artigo.
É ou não verdade que, passadas algumas semanas dos vários meses que o PSD e o seu governo tinham proposto para análise nas estruturas cooperativas, o projecto foi retirado de circulação e foi discutido em Conselho de Ministros o novo anteprojecto, tendo sido promulgado sem que disso fosse dado sequer conhecimento aos participantes no antigo anteprojecto e às estruturas normais e representativas do movimento cooperativo português?
É ou não verdade que foi o III Governo Constitucional, portanto o primeiro governo presidencial, que nomeou a comissão que se dedicou ao estudo do primeiro anteprojecto do Código com a ideia de ser depois trazido a esta Assembleia para discussão?
É ou não verdade que foi indicado um dia para discussão desse Código na Assembleia e que o PSD, criando dificuldades, não o permitiu, pois estava já preparado, à data, um pedido de autorização legislativa?
São estas algumas das primeiras perguntas que queria fazer-lhe.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Araújo dos Santos, para responder às questões que lhe foram postas.

O Sr. Araújo dos Santos (PSD): - Começo por responder ao Sr. Deputado Carreira Marques.
Quando o Sr. Deputado pergunta se este Código contém a marca dos cooperativistas portugueses, como eu disse na minha intervenção, a resposta a dar-lhe é afirmativa. Isso resulta do meu discurso e não pode inferir-se que o Código Cooperativo não coincide na sua totalidade com aquilo que é o anteprojecto, para se retirar valor a esta minha afirmação. Não é necessário haver coincidência total para haver a marca indesmentível dos cooperativistas.
Relativamente às propostas que vierem a ser feitas, e de que já temos conhecimento, como também disse na minha intervenção, elas serão analisadas atentamente e aprovadas, na medida em que vierem a contribuir para uma melhoria do actual clausulado, já que a governação da Aliança Democrática e os deputados do PSD e da maioria não aceitam isto como dogmas, como verdades indesmentíveis, e aceitarão todos os contributos que sirvam para o melhorar.
Respondendo ao Sr. Deputado Eduardo Pereira, devo dizer-lhe que fiquei um tanto admirado com o que disse e vou recordar-lhe um facto.
É ou não verdade que, por exemplo, a criação do INSCOOP resultou de um decreto governamental do I Governo constitucional? Por que é que um assunto dessa natureza, de transcendente importância, que é o iniciar de todo o movimento que leva ao actual Código Cooperativo, não é também uma criação desta Assembleia e é o I Governo constitucional, governo socialista, que cria esse mesmo INSCOOP?
Porquê então esta admiração, já que o processo seguido, relativamente ao Código Cooperativo é o mesmo? Os deputados deste Parlamento também pediram a ratificação desse decreto-lei e ela veio a ser concedida por unanimidade. E aqui se faz um primeiro apelo no sentido de que as bancadas da oposição tenham a mesma liberdade de espírito que tiveram na altura os grupos parlamentares que hoje são maioria, para também construtivamente virem a dar o seu voto favorável ao clausulado final do Código Cooperativo.

Vozes do PSD : - Muito bem!

O Orador: - Quanto ao facto de o Código tratado em anteprojecto ser ou não diferente do actual, devo dizer-lhe que de facto o clausulado não coincide a 100%, mas também lhe recordo uma afirmação do Prof. Henrique de Barros, quando dizia que o poder legislativo assentava nesta Assembleia e no Governo.
O Sr. Deputado sabe perfeitamente, pois decerto, leu o Boletim n.º 4 do INSCOOP, que aquilo que afirmei é o que literalmente lá se diz. De resto, as minhas afirmações são transcrições do editorial desse boletim.
Diz o Sr. Deputado que foi o III Governo constitucional, o primeiro governo presidencial, que nomeou essa comissão. Isso é verdade e eu também o disse na minha intervenção. O que é lamentável é que, existindo antes desse governo dói» governos socialistas - e o governo socialista proclama-se, em todas as situações, como primeiro defensor e motor do cooperativismo - não tivessem feito aquilo que o III Governo constitucional e a governação da Aliança Democrática fizeram. Isso é que, neste momento, desejaríamos aplaudir,...

O Sr. Manuel da Costa (PS): - Eu quero ... aplaudir!!...

O Orador: - ... mas, de facto, os governos socialistas não o fizeram.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Eduardo Pereira, para um protesto.

O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Quero protestar em relação a algumas das afirmações do Sr. Deputado Araújo dos Santos.
Disse o Sr. Deputado que existe alguma coincidência, não coincidência a 100%, entre este Código e o anteprojecto.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Coincidência, no essencial!...

O Orador: - É verdade. Existe coincidência em 4 % ou 5 % e talvez tenham sido escritos pela mesma máquina, mas não existe, mais coincidência nenhuma entre o código que foi trabalhado em anteprojecto por essa comissão e o código que, como já disse e repito, foi fabricado no Gabinete do então Ministro Adjunto.

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Outro motivo de protesto é o facto de me parecer que o Sr. Deputado não entendeu a grande diferença que existe, e na verdade é motivo de protesto, entre um Código Cooperativo, lei fundamental do movimento, e a criação de uma repartição de Estado onde se tratam alguns problemas ligados às cooperativas. O INSCOOP é uma direcção-geral especializada e este Código é algo de muito sério que deveria fazer corar os cooperativistas do PSD por o terem feito fora desta Casa.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador. - É ainda motivo de protesto o facto de o Sr. Deputado ter lamentado que tivesse sido o III Governo a fazê-lo. O I Governo preparou todas as estruturas de possível apoio e acompanhamento ao movimento cooperativo. O II Governo Constitucional estava a preparar o lançamento do Código, como ele deve ser feito, por consulta alargada. E foi a sua saída da área do poder que levou o III Governo, com tudo encaminhado para o fazer, a nomear a comissão. O que um governo socialista não faria era pôr-se em bicos de pés para, 3 meses antes das eleições, promulgar um código com ganhos eleitorais e com tão graves inconvenientes para o movimento cooperativo.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Araújo dos Santos, para um contraprotesto.

O Sr. Araújo dos Santos (PSD): - O Sr. Deputado Eduardo Pereira acaba, mais uma vez, de acusar o governo da Aliança Democrática de ter procurado fins eleitoralistas com o anúncio e, portanto, o decretar do Código Cooperativo. Mas o que é que proeurou o Partido Socialista, sem qualquer audição, com os projectos de lei que apresentou nesta Assembleia e que quis discutir mal soube que a intenção do Governo era, de facto, promulgar um código cooperativo? Suponho que foram os projectos de lei n.ºs 433 ou 378, já que um é do Partido Comunista e outro é do Partido Socialista. Onde é que está também o eleitoralismo? É por parte daqueles que, sem audição do movimento cooperativo, trazem uma proposta de dei a esta Assembleia ou de um governo que, após audição e 18 meses de trabalho, anuncia que vai promulgar um código cooperativo?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - E agora respondo a todas estas questões, quer às do PCP, quer às do PS, com uma transcrição de uma intervenção do Sr. Deputado Almeida Santos aquando da discussão do projecto de lei que acabei de referir:

Que, porém, 4 anos volvidos sobre a promulgação da Constituição da República, que liberaliza a constituição de cooperativas e o seu fomento, continuemos sem um instrumento de regulamentação jurídico claro, adequado e simples, eis o que dificilmente encontrará perdão.
Resta-nos a consolação de que em anteriores tentativas se foi, com singulares frequência e presteza, até ao anteprojecto. De bons propósitos não temos, propriamente, padecido. Neste mesmo momento, o Instituto António Sérgio toca e retoca mais um desses bem-intencionados projectos. Tolhe-o, porém, de o dar pronto uma outra característica muito nossa: a de não sermos capazes de conciliar em doses convenientes o pragmatismo e o ideal da perfeição.
Ao inacabado chamamos imperfeito. E, na insatisfeita procura do óptimo, vamos alegremente tolerando o péssimo. Mais: vamos, quase sem dar por isso e sem que aparentemente ninguém se choque, consentindo uma flagrantíssima inconstitucionalidade por omissão.
A governação da Aliança Democrática respondeu afirmativamente a esta intervenção do Sr. Deputado, criando de facto o Código Cooperativo.

Aplausos do PSD. da CDS e do PPM.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Para que efeito pede a palavra, Sr. Deputado?

O Sr. Almeida Santos (PS): - Para um protesto, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente:- Sr. Deputado, lamento muito, mas o seu partido já protestou.

O Sr. Almeida Santos (PS) - Então queria defender-me, Sr. Presidente, se me der esse direito.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o Sr. Deputado Eduardo Pereira fez um protesto em relação a uma intervenção do Sr. Deputado Araújo dos Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, fui pessoalmente referido pelo Sr. Deputado Araújo dos Santos.

O Sr. Presidente: - Sendo um direito de defesa pessoal, tem V. Ex.ª a palavra.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Deputado Araújo dos Santos, as minhas afirmações que aqui foram reproduzidas são na verdade referidas ao projecto do INSCOOP, e não necessariamente ao projecto que viria a ser o do Governo. Não havia outro na altura. Mas o que quero significar é que, em meu entender, continua a não existir o diploma de regulamentação do cooperativismo que o país precisa. Fazer aquilo que o Governo fez é fácil. Foi, pois, fazer um diploma apressado, que não merece o nome de código, que só deslustra o actual Primeiro-Ministro quando ele consentiu que fosse chamado o «Código Balsemão». Não vejo por que é que poderia imputar-se-lhe a paternidade de um projecto que é tão mau! Acho que foi uma malfeitoria em relação ao actual Primeiro-Ministro e continuamos a necessitar de um verdadeiro Código Cooperativo, porque esse não pode ser feito à pressa. O nosso projecto era, apesar de tudo, mais perfeito tecnicamente, embora porventura menos ambicioso. Não lhe chá-

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mámos código, porque não poderíamos chamar código àquilo que projectámos. Pela mesma razão, não deveria o Governo ter consentido em chamar código àquilo de que foi autor. Continuamos a precisar de uma regulamentação para o regime cooperativo em Portugal e não temos essa regulamentação. O remendo que foi feito é um mau remendo e acho que na verdade não há nenhuma razão para o Governo se vangloriar daquilo que fez.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Araújo dos Santos, para responder.

O Sr. Araújo dos Santos (PSD): - Peço desculpa ao Sr. Deputado Almeida Santos, mas tenho que dizer-lhe que, pela leitura do Diário da Assembleia da República, isto passou-se em 9 de Maio de 1980 e trata-se de afirmações produz das aquando da discussão dos projectos de lei n.ºs 433 e 378. Não sabia, porque nunca foi afirmado, que de facto o Partido Socialista tinha copiado um anteprojecto que ainda não estava acabado e o Sr. Deputado diz, inclusivamente: «neste momento retoca-se mais uma vez no Instituto António Sérgio [...]» Portanto, contrariamente à afirmação produzida, não é sobre o documento do Instituto António Sérgio que incidia o clausulado do Partido Socialista, mas é sobre o projecto de lei do Partido Socialista. Quanto ao restante discutiremos depois em sede de especialidade.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, peço de novo a palavra para direito de defesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Deputado Araújo dos Santos, fui um dos autores do projecto, não copiei coisa nenhuma, não sou um plagiador. Em criação legislativa não há plágio e acho que quando se copia alguma coisa que deve ser copiada isso não merece censura. De qualquer modo, o nosso projecto de lei não é cópia de coisa nenhuma, é bastante autónomo, tem algumas originalidades, de que nos orgulhamos, e foi pena que não tivesse passado da aprovação na generalidade. Teria evitado alguns erros que foram cometidos no Código - como se lhe chama - que veio a ser proposto pelo Governo.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Araújo dos Santos.

O Sr. Araújo dos Santos (PSD): - Sr. Deputado Almeida Santos, não o acusei de ter copiado o que quer que fosse, não disse isso. Respondi, referindo-me a uma intervenção do seu colega de bancada que dizia que este decreto era o anteprojecto do Instituto António Sérgio. Longe de mim produzir qualquer afirmação minimamente ofensiva que fosse para com o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra para uma intervenção o Sr. Deputado Herberto Goulart.

O Sr. Herberto Goulart {MDP/CDE): - Sr. Presidente e Srs. Deputados: Estamos a apreciar um pedido de ratificação a um diploma com mm ano de atraso em relação à data em que entrou e naturalmente que esta situação não será vista com simpatia pelos milhares de cidadãos envolvidos ou interessados no movimento cooperativo português. Pensamos mesmo que a situação seria outra se outro tivesse sido o processo final de preparação do Decreto-Lei n.º 454/80, datado de Outubro. Isto é, se no processo que levou à aprovação do Código Cooperativo tivesse havido uma correcta audição e uma participação continuada do movimento cooperativo, talvez o diploma então produzido não tivesse necessidade de ser chamado a esta Assembleia para ratificação.
Mas o Governo teve então pressa em oferecer às cooperativas o «seu» Código, que se media obviamente pela sua elaboração com alguma antecedência em relação ao dia 5 de Outubro de 1980. Por isso teve de fazer obra apressada no caso, significando especialmente obra insuficientemente participada, e as consequências estão à vista e, no fundo, estão de acordo com o aforismo «depressa e bem não há quem».
De facto, alguns meses após a publicação do Código Cooperativo, em Agosto deste ano, o Decreto-Lei n.º 238/81 teve que alterar mais de 40 artigos, e não, contrariamente ao que aqui já foi referido, no sentido da introdução de melhorias em relação ao diploma anterior. E agora, bem poucos meses após, também constataremos com certeza que esta Assembleia, mesmo que venha a pronunciar-se pela ratificação do Código, não deixará) de reconhecer a necessidade de lhe introduzir grandes alterações e estas, sim, no sentido de introduzir correcções e melhorias.
Seja como for, e mesmo não estando concluída a preparação da legislação complementar para todos os ramos do sector cooperativo, há que considerar a existência deste Código Cooperativo, susceptível agora de lhe introduzir melhorias como um acto positivo.
O 25 de Abril deu possibilidade de um amplo desenvolvimento à realidade económica e social que é o cooperativismo, levando à criação de muitas novas cooperativas, ao aperecimento mesmo de cooperativas em novos ramos e a um movimento cooperativo fortemente participado e largamente democrático.
O sector cooperativo, que hoje se encontra constitucionalmente reconhecido, valorizado e protegido, corresponde a uma dinâmica própria e a uma realidade pujante, que não podiam continuar a ser reguladas pelas desactualizadas normas do Código Comercial de 1888, essencialmente remissivas para as regras aplicáveis às sociedade anónimas, e por um conjunto de disposições legais, na sua maioria dispersas, sobre diversos aspectos parcelares.
Julgamos, pois, poder afirmar-se que esta publicação de um conjunto sistematizado de preceitos legais de enquadramento cooperativo é, apesar de tudo, um acontecimento que não pode deixar de ser visto, com relevância, especialmente pelo sector cooperativo.
O Código não deixa de contemplar,, com alguma objectividade, a realidade cooperativa actual mas,

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quanto a nós, traz claras violações aos princípios cooperativos fundamentais.
Consideramos ainda que algumas matérias estão tratadas em termos de criarem às cooperativas dificuldades no seu funcionamento, por virem com um peso de excessiva burocracia.
Julgamos que é possível expurgar tais vícios deste Código Cooperativo, neste processo de ratificação, e nesse sentido são algumas das propostas de alteração que o MDP/CDE há pouco entregou na Mesa.
A nosso ver o Código é excessivamente regulamentador. Pela nossa parte deixaríamos bastante mais liberdade ao poder estatutário das organizações cooperativas. Algumas das nossas propostas de alteração vão nesse sentido, sem que, no entanto, representem uma inflexão significativa daquele característica excessivamente reguladora que o Código tem e que nesta perspectiva continuaria a ter. Áreas há em que o Código parece excessivamente pesado e burocrático. Por exemplo, todo o sistema de convocatórias das assembleias gerais, sem abrir a alternativa a processos mais expeditos, nomeadamente em cooperativas radicadas em localidades onde praticamente toda a gente se conhece e é contactável pessoalmente. É, de facto, quase uma violência impor a publicação em jornais que poderão nem ser desse distrito, mas do distrito ao lado. Isto é, sem qualquer significado em termos de publicidade da realização da assembleia geral.
Também a exigência de um quorum para a realização das assembleias gerais, sem abrir a perspectiva de que elas possam ter que se realizar em segunda convocatória, para aquém desse quorum, não nos parece ser uma boa solução.
A exigência do reconhecimento notarial, se é compreensível como regra geral de defesa - digamos mais de defesa de terceiros que não propriamente dos cooperadores -, parece-nos excessiva, até pelas características e particularidades que o movimento cooperador tem e por esta situação, de perfeita possibilidade de reconhecimento da validade de uma carta feita por um cooperador às ordens da cooperativa, ser excessivamente burocrática e dispendiosa. Parece-nos que esta perspectiva é válida não só, como dizia, para os votos por correspondência, mas igualmente para o voto por representação.
Algumas das nossas outras propostas de alteração vão no sentido de se corrigirem situações - e não abordamos todos os aspectos neste campo, mas apenas alguns - que consideramos em desacordo com os princípios cooperativistas.
Assim, propomos a eliminação de tudo quanto se refere a remunerações na base do critério de detenção da partes do capital social das cooperativas e, em particular, a distribuição de uma percentagem de excedente nessa base.
Contrariamos também que possam participar nas assembleias gerais - o órgão onde por excelência se expressa a vontade dos cooperadores, - elementos não associados que disponham de créditos sobre as cooperativas, decorrentes, por exemplo, da aquisição de títulos de investimento.
Este preceito - e referimo-nos em concreto ao n.º 3 do artigo 28.º do Código - expressa, inclusivamente, um preconceito contra as cooperativas, assim como que um atestado de menoridade, sendo profundamente discriminatório até em relação às normas que
regem as sociedades comerciais. Para além de reservas que colocamos quanto às regras fortemente limitadoras da possibilidade de constituição de federações e confederações, entendemos não poder aceitar-se que fique consignada a limitação da criação ide uniões de, cooperativas apenas a cooperativas do mesmo ramo do sector cooperativo. Tal limitação não só impediria a existência de uniões polivalentes, que no âmbito regional podem significar reais estruturas de impulsionamento da actividade cooperativa, como impediria que dos laços de complementaridade, elas fossem importantes Instrumentos de fomento económico regional. Além disto, em nosso entender, tal limitação contraria ainda o preceito constitucional (artigo 84.º) do livre agrupamento das cooperativas em uniões, federações e confederações.
Finalmente, supomos indispensável rever com realismo o prazo limite para que os actuais estatutos das cooperativas sejam postos em conformidade com o novo código que venha a ser aprovado. O novo prazo estabelecido pelo Decreto-Lei n.º 238/81 - isto é, final do ano em curso - é manifestamente impraticável. Julgamos mesmo, dado o atraso na publicação da legislação complementar para os vários ramos do sector cooperativo, ser inconveniente a substituição daquele prazo por um novo prazo determinado por data fixa.
Pensamos que para cada ramo se devia estabelecer um prazo suficientemente amplo, contado a partir da data de promulgação da respectiva legislação complementar. E dizemos suficientemente amplo, porque há que ter em conta que muitas cooperativas desejarão aproveitar esta oportunidade para proceder a outras actualizações dos seus estatutos e que elas em geral se têm mantido numa atitude de expectativa, dada a incerteza resultante do atraso da discussão deste pedido de ratificação e das incidências que decorrerão das próprias legislações complementares.
Esperamos que o movimento cooperativo saiba tirar todo o proveito do avanço legislativo que o Código Cooperativo - que, reafirmo, desejamos ver largamente melhorado depois deste debate -, não deixará de representar para lodo o movimento cooperativo.
Esperamos ainda que neste processo de ratificação saibamos acolher sem preconceitos as críticas e sugestões do próprio movimento cooperativo, as quais radicam na sua longa experiência e na sua vontade determinada de contribuir para uma melhor justiça social no nosso país.

Aplausos do PCP e do Sr. Deputado Eduardo Pereira (PS).

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, neste momento não há na Mesa qualquer inscrição para debate. Se nenhum dos Srs. Deputados pretende inscrever-se concederia a palavra ao Sr. Secretário de Estado do Fomento Cooperativo para uma intervenção.

Pausa.

Tem V. Ex.ª a palavra, Sr. Secretário de Estado.

O Sr. Secretário de Estado do Fomento Cooperativo (Bento Gonçalves): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A minha intervenção será muito rápida, porque penso que a grande maioria das questões aqui colocadas são mais de natureza política do que técnica. Vivi a feitura deste Código e, afirmo-o catego-

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ricamente, que continuo a pensar que o Governo apenas publicou um código feito pelos cooperativistas, pois as alterações que entretanto nele introduziu não foram opções do Governo, mas, sim, apenas o resultado das respostas às posições que a seu pedido foram feitas pelo movimento cooperativo.
Relativamente ao diploma que há pouco aqui se citou, do Partido Socialista, gostaria que os Srs. Deputados cotejassem o actual Código Cooperativo com esse diploma, da autoria do Sr. Deputado Almeida Santos, e verificassem que ele serviu de base a muitos artigos consignados no Código e nas alterações aqui produzidas. Portanto, a intervenção do Sr. Deputado Eduardo Pereira não é mais do que um discurso em parte contra o seu próprio documento.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Gostaria também de solicitar aos Srs. Deputados que analisassem as três formulações, se não estou em erro, que o Partido Socialista apresentou como projecto a esta Câmara para um código cooperativo e tirassem daí a necessária ilação.
Em relação ao tão vilipendiado Instituto António Sérgio e a tudo quanto aqui foi dito sobre ele, como órgão de tutela, com os quais não concordo remeto-os para o primeiro diploma que o Partido Socialista apresentou nesta câmara e em que o Instituto António Sérgio era, de facto, e totalmente, um órgão de tutela do movimento cooperativo.
Quanto aos apoios ao cooperativismo gostaria de ir um bocadinho atrás.
Tenho a satisfação de dizer que o primeiro documento que apareceu em Conselho de Ministros sobre cooperativismo foi da autoria do então Ministro Magalhães Meta, no VI Governo Provisório. Isto ë, mais propriamente na última sessão do Conselho de Ministros do VI Governe Provisório foi elaborado um diploma para criar o que mais tarde se viria a chamar Instituto António Sérgio. E penso que o diploma que então se apresentou era bastante melhor do que o que depois veio a ser aprovado, o Decreto-Lei n.º 902. Esse diploma foi, de facto, decretado pelo I Governo Constitucional da responsabilidade do Partido Socialista, que depois esta Câmara, por unanimidade, veio a alterar profundamente, transformando-o de um instituto «público», que era um qualquer participação do movimento cooperativo, num instituto de natureza mista, onde este movimento está representado em paridade com o Governo.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Estas alterações foram produzidas nesta Câmara e acabaram por merecer aprovação por unanimidade.
Não vale a pena voltar a falar na génese do Código Cooperativo, porque o Sr. Deputado Araújo dos Santos, do Partido Social-Democrata, já fez aqui um resumo bastante preciso da evolução da feitura do Código. Devo dizer, no entanto, que as alterações que o anteprojecto do Código Cooperativo sofreu resultaram de uma melhor articulação- jurídica efectuada por um grupo de juristas que trabalhou, digamos assim, os princípios que os cooperativistas tinham decidido introduzir no Código Cooperativo. Este Código, letra a letra, palavra a palavra, conceito a conceito, foi o resultado de muitos debates à mesa das reuniões, durante 18 longos meses. E nele participaram não só a Comissão que faz parte do despacho conjunto, mas muitas outras federações e uniões algumas delas nem sequer estavam ainda constituídas e não passavam de meros secretariados que o Instituto António Sérgio resolveu chamar e bem à mesa das reuniões.
É evidente que temos de aceitar que na altura o movimento cooperativo não tinha, e infelizmente ainda hoje não tem, estruturas representativas bem dimensionadas para que os seus representantes tivessem a audição necessária à globalidade do movimento cooperativo. Por isso mesmo, entre Março e Setembro de 1980, através do Boletim, n.º 4, do Instituto António Sérgio, foi apresentado o documento a todas as cooperativas registadas que se conheciam em Portugal, para que enviassem as suas críticas e sugestões, As respostas foram depois trabalhadas assim como os dois projectes de diplomas que aqui há pouco se referiram do Partido Socialista, e que foram objecto de análise por esta Câmara em Maio.
Nomeadamente, as estruturas das cooperativas de produção operária fizeram, através dos seus serviços jurídicos, uma proposta de texto completo do Código, documento que foi igualmente anexado ao grupo de trabalho e para aqui foi em parte vertido.
Neste sentido, penso que as alterações introduzidas reflectem as sugestões que as cooperativas formularam por não terem podido pronunciar-se inicialmente, enviaram após solicitação que lhes foi feita pelo Governo, que mostrou assim de forma evidente a vontade de contemplar os princípios por elas defendidos, melhorando e harmonizando o texto do Código Cooperativo.
Quanto aos tais 40 artigos de alterações que foram introduzidos pelo Decreto-Lei n.º 238/81 atrás referido, devo lembrar aos Srs. Deputados que alguns resultaram de uma lacuna, só mais tarde preenchida, e que foi a indevida utilização da palavra «mundo», nomeadamente «fundo de referva», «fundo de formação da cooperativa», etc. Como tinha entretanto saído o diploma que aprovou o POC, Plano Oficial de Contabilidade, e em que a terminologia usada foi a de «reservas» e não «fundos», pode-se ver que a grande maioria das alterações introduzidas ao Código Cooperativo consistiu apenas na substituição da expressão «fundos» por «reservas», para adequar o código do diploma que aprovou o POC, no mentido de se verificar uma uniformidade, uma vez que esse diploma é obrigatório e imperativo para todos os sectores de propriedade, incluindo, portanto, o sector cooperativo.

Uma voz do PSD: - E muito bem!

O Orador: - Efectivamente, em sede de princípios, o Código Cooperativo precisou a alínea g) do artigo 3.º, limitando o juro, visto que o conceito de juro limitado ao capital é um princípio cooperativo e no primeira versão do Código, embora esse fosse o espírito do legislador, ele não tinha ficado preciso. Portanto, a alteração precisou esse princípio.
A alteração do artigo 4.º, com a introdução da figura da régie cooperativa, foi efectuada por consi-

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derarmos que esta «espécie» de cooperativas é extremamente importante para o sector cooperativo. É importante permitir a criação das chamadas cooperativas mistas constituídas pela associação do Estado, das autarquias, de cooperativas e pelos próprios utentes. Isto é universalmente co>nih'ecido. Penso que também em Portugal em alguns sectores, nomeadamente, agro-industrial possam com vantagem utilizar esta forma de cooperativa dando um grande impulso ao sector cooperativo.
É «vidente que a alteração ao artigo 7.º vai no sentido de contemplar uma associação que não se poderia evitar: pois já tinha sido permitido, a caves do Decreto-Lei n.º 575/72, que as cooperativas se associassem com empresas de fins lucrativos, pelo que não se podia agora como o presente Código inviabilizar estas unidades que já existiam juridicamente. Foi, portanto, no sentido de dar esta possibilidade que se introduziu esta alteração ao artigo 7.º
Quanto à outra parte da constituição de cooperativas, como se justificava, penso que por um lapso, pois não era esse o espírito do 'legislador, as cooperativas podiam constituir-se por um instrumento particular ou por escritura pública. Ora, no diploma n.º 454/80 a contribuição por instrumento particular tinha de ter a presença do notário na assembleia de fundadores. (Verifique-se que e termo «assembleia de fundadores» resultou da proposta do Partido Socialista.) Foi, pois, recuperada para o Código. Todo esse mecanismo foi vertido para o Código e, desde já, afirmo quo estou perfeitamente de acordo com ele.
Simplesmente, pretendeu-se que no escrito particular estabelecido nessa tal assembleia não fosse necessária a presença do notário, e, em sua substituição', as pessoas que assinam a acta - e a escritura devem efectivamente fazer o reconhecimento das suas assinaturas. É apenas isso que hoje se exige para que uma cooperativa se possa constituir por escrito particular, sem a presença do notário. Bastará, portanto, depositar depois os respectivos estatutos no notário e no conservador para quo ela passe a ter existência legal.
Relativamente aos artigos 20.º e 21.º sobre os limites do capital, o primeiro diploma referia um sexto do salário mínimo, mas isso implicava, contabilisticamente, um grande problema para as cooperativas: pois sempre que o salário mínimo fosse alterado tinha que se fazer uma subscrição nova de capital com todos os mecanismos de contabilidade correspondentes. Fixou-se então em 1500$ o capital mínimo, que correspondia a um sexto do salário mínimo na altura, evitando-se assim às cooperativas as alterações sempre que o salário mínimo fosse elevado. As pessoas que têm conhecimentos de contabilidade sabem, com certeza, quão trabalhoso é fazer isto e, portanto, havia que aliviar a contabilidade das cooperativas dessa trabalho.
O capital mínimo para a constituição de uma cooperativa passou a ser ide 50000S, número que resulta também do preceito que já existia e que foi vertido para números 'fixas.
Quanto ao alargamento da realização dos títulos de capital, que era de 18 meses e que se entendeu dever passar para 5 anos, esta foi uma das muitas alterações solicitadas pelas próprias cooperativas que pediram, portanto, que se dilatasse o prazo para que os seus sócios realizassem o capital subscrito em falta.
Por outro lado, a criação dos títulos de investimento é um desejo do movimento cooperativo. Os Srs. Deputados se lerem todas as actas das reuniões sobre o código verificarão esse desejo dos representantes das cooperativas. Perguntavam eles por que é que nós não podemos ter acesso ao capital nas condições que mais nos interessam? Dêem-nos mecanismos idênticos aos das empresas dos outros sectores de propriedade. Nós podemos pedir aos nossos associados capital, podendo pedi-lo com juros ou sem juros.
Foi para satisfazer essa pretensão que se criaram os títulos de investimento e chamo a vossa atenção para o artigo 28.º que diz que só se os estatutos e assembleia geral determinarem, é que as pessoas não iodas subscritores dos títulos poderão participar na assembleia geral. Diz o código expressamente:
As Cooperativas podem emitir títulos de investimento [...] desde que haja deliberação da assembleia geral nesse sentido, que fixará a taxa de juro e as demais condições de emissão.
Portanto, os títulos de investimento são uma espécie de obrigações das Cooperativas. Se as cooperativas quiserem podem fazer uma emissão de títulos de investimento e só os atribuir entre os seus associados, que em vez de pagarem até 24% de juros à banca pagarão apenas o que a assembleia geral da cooperativa fixar como taxa de juro assim como definirá as regras de amortização.
É evidente que só nestes termos haverá estranhos nas assembleias gerais das cooperativas e, portanto, não vejo em que é que isso fere os princípios cooperativos. No meu entender, isto é reforçar a independência financeira das próprias cooperativas.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador - O tão contestado juro limitado ao capital referido pelo Sr. Deputado Carreira Marques como justificativo de ignorância sobre o sector cooperativo? Lamento-me discordar pois penso que não se trata de ignorância, Sr. Deputado, porque, por exemplo, o juro limitado ao capital, o l ai tecto de 30% no máximo dos excedentes, é um facto que hoje existe nos estatutos de muitas cooperativas formadas depois do 25 de Abril, isto é, quando se diz que o juro limitado ao capital é por exemplo de 9 %, mas se a aplicação desses 9 % somarem mais do que 30 % do total do excedente ter-se-á que atribuir uma taxa menor que os 9 %. E a prova disso é que o diploma que concede isenções fiscais às cooperativas só as concede se o juro não ultrapassar metade da taxa de desconto do Banco de Portugal, o que quer dizer que neste momento o juro máximo que o Estado permite para a concessão de isenção fiscal nas cooperativas é de 9%.
Portanto, as cooperativas não podem distribuir os seus excedentes líquidos, todos como excedentes ao capital. Os estatutos podem até determinar, que não haverá remunerações ao capital, havendo-o este excedente nunca poderá ultrapassar o tecto de 30 % do valor máximo dos excedentes totais da cooperativa.

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Os estatutos devem assim dizer que, individualmente, a percentagem não poderá ultrapassar 5 %, 6 %, 7 % ou 10% do capital subscrito ou realizado pela cooperativa.
Parece-me assim que os Srs. Deputados do PCP e MDP/CDE estão a fazer confusão ao pensar que é de 30 % a taxa a aplicar sobre o capital, trata-se, sim, do máximo de 30%, dos excedentes totais sobrando, portanto, 70 % que serão distribuídos na proporção da participação económica dos sócios na vida da cooperativa como bónus.
Penso, pois, que este Código serve, de facto, os interesses do movimento cooperativo e foi feito pelos representantes das cooperativas através de longas discussões. Quando se diz que é o único Código do mundo, a ser feito sem audição do movimento, devo dizer-me, Sr. Deputado Eduardo Pereira, que conheço algumas leis sobre cooperativas, noutros países, mas não tenho conhecimento de códigos cooperativos que tomam feitos somente pelos governos. O Sr. Deputado Eduardo Pereira está talvez a lembrar-se do código das jornadas de Braga. Esse, sim, era para ser imposto ao movimento cooperativo, pois as jornadas cie Braga tinham muito pouca representatividade. Tratava-se de uma espécie de cópia da lei cooperativa alemã, que se pretendia impor. Todas as pessoas ligadas ao movimento cooperativo, logo naquela altura, se pronunciaram contra o projecto. Tenho aqui comigo o seu texto. Esteve 'também na mesa das reuniões dos representantes, das cooperativas, aquando da feitura do código - cooperativo. Dele não aproveitaram muito, embora, como é evidente, o tivessem em consideração.
Pouco mais tenho a dizer e remeto para o preâmbulo do Código Cooperativo, uma vez que estão aí feitas as justificações do ponto de vista histórica e da necessidade do movimento. Poderia trazer para o Plenário muitos dossiers, com muitas cartas, da maioria do movimento cooperativo que está de acordo com este Código. Os cooperativistas que estão no movimento cooperativo, como cooperativistas e não numa perspectiva político-partidária estão efectivamente de acordo com este Código Cooperativo
Com efeito ele é uma inovação no nosso direito, embora possa ter algumas imperfeições. Não sou jurista e, portanto, não posso emitir um juízo qualificado. Tenho, no entanto, ouvido- alguns juristas dizer que ele é pobre do ponto de vista jurídico. Mas não são também pobres os cooperativistas?
Quer dizer, há que conciliar a característica popular dos membros das cooperativas e foi isso que o legislador e os juristas que trabalharam estas opções de fundo tentaram fazer, adoptando uma linguagem que fosse acessível à maioria do povo que se filia nas cooperativas, cuja formação do ponto do vista jurídico não é muito evoluída. Trata-se, pois, de um documento para ser. utilizado pelo povo, com características populares.
Penso que os juristas que deram conteúdo às afirmações e princípios dos cooperadores o fizeram numa linguagem que é, de facto, acessível e que permite aos dirigentes das cooperativas e aos cooperadores entendê-lo devidamente e aplicá-lo. Ora, isso resulta até das posições que muitos cooperadores têm tomado em colóquios em que tenho participado.
Ainda quanto aos actos de comunicação obrigatória, chamo a vossa atenção para o facto, de relativamente às atribuições cometidas ao Instituto António Sérgio ter sido banido tudo quanto ali estava de tutela, para ficar apenas que o Instituto tem de- zelar pelo cumprimento dos princípios cooperativos. E é este conceito que está consignado no artigo 96.º e que diz o seguinte:

As cooperativas devem enviar ao Instituto duplicados referentes aos actos de constituição ou de alteração dos estatutos devidamente registados, bem como os relatórios e contas anuais, após terem sido aprovados pela respectiva assembleia geral da cooperativa.

E se as cooperativas não enviarem esses documentos? O Estado poderá então cancelar ou suspender o apodo técnico e Financeiro. Outra coisa não poderá fazer, porque é evidente que do ponto de vista jurídico as cooperativas são livres de se constituírem e o instituto não se pode intrometer nessa matéria. Agora o que o Estado pode e, na falta do cumprimento destes preceitos suspender o auxílio técnico e financeiro.
O mesmo poderia dizer quanto à Lei n.º 737-A, que foi aplicada pelo Sr. Deputado Eduardo Pereira, quando Ministro da Habitação, e que tem um artigo que vai precisamente no sentido idêntico. Se as cooperativas de habitação não cumprirem as determinações daquela lei o Estado pode suspender-lhes o auxílio técnico e financeiro.

Entretanto, reassumiu a Presidência o Sr. Presidente Francisco Oliveira Dias.

O Sr. Presidente: - Sr. Secretário de Estado, terminou o tempo de que dispunha.

O Orador: - Sr. Presidente, estou a terminar. Pedia-lhe o favor de me conceder mais alguns segundos para completar o meu raciocínio.

O Sr. Presidente: - Apenas alguns segundos, Sr. Secretário de Estado.

O Orador: - Quero apenas referir o artigo 97.º, para completar a minha intervenção. Tenho pena de não ter tempo para responder às questões todas que me foram colocadas.
Diz o artigo- 97.º do Código Cooperativo que o Instituto deverá requerer, junto do tribunal territorial competente, a dissolução das cooperativas ... e ... etc. Portanto, não há qualquer aspecto administrativo, o Instituto deverá apenas requerer essa dissolução. Segundo a alínea a) deste artigo, quando a cooperativa não respeitar no seu funcionamento os princípios: cooperativos. Este é um preceito constitucional e assim as cooperativas têm de respeitar os princípios cooperativos.
Na alínea b) do mesmo artigo diz-se que essa dissolução será requerida quando o objecto real não coincidir com o objecto expresso no acto de constituição ou nos estatutos.
Igualmente [alínea c)] quando utilizar sistematicamente meios ilícitos para a prossecução do seu

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objecto. E ainda [alínea d)] quando recorrem à forma de cooperativa para indevidamente beneficiarem das isenções fiscais.
Penso que isto é o mínimo que o Instituto poderá fazer na defesa dos princípios que aliás o próprio Partido Socialista propôs nos seus projectos. A utilização da palavra «cooperativa» poderá ser abusivamente utilizada se não se exercer este procedimento cautelar.
Assim, só uma verdadeira cooperativa poderá usar o termo cooperativa. É isto que o Instituto deverá regular cumprindo portanto o princípio constitucional do artigo 84.º

Aplausos do PSD. do CDS e do PPM.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, inscreveram-se para pedir esclarecimentos os Srs. Deputados Gomes dos Santos, Carreira Marques, Eduardo Pereira, Herberto Goulart e José Luís Nunes.
Manifestamente não há tempo para todos estes pedidos de esclarecimento, uma vez que faltam 5 minutos para a hora regimental. Não sei se será preferível deixarmos os pedidos de esclarecimento e as respostas do Sr. Secretário de Estado para a próxima reunião plenária.

O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Faça favor. Sr. Deputado.

O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Quero fazer a seguinte sugestão: suponho que com um prolongamento de meia hora dos trabalhos conseguíamos votar o presente diploma.

Vozes de protesto de alguns deputados.

O Sr. Presidente: - Parece não haver consenso a esse respeito, Sr Deputado. Em todo o caso se pretende apresentar um requerimento nesse sentido, faça favor.
No entanto, como não há consenso, penso que o melhor será ficarem inscritos para pedir esclarecimentos os Srs. Deputados que já referi.

O Sr. Secretário de Estado do Fomento Cooperativo (Bento Gonçalves): - Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Secretário de Estado.

O Sr. Secretário de Estado do Fomento Cooperativo (Bento Gonçalves): - De facto estou a ver que não há consenso mas para mim seria óptimo se pudéssemos estabelecer um acordo, na medida em que tenho o dia de quinta-feira totalmente ocupado, com uma agenda muito sobrecarregada de assuntos de imensa responsabilidade.
A Assembleia tem prioridade, como é evidente, mas pedia que se de facto fosse possível acabássemos agora, pois isso seria para mim muito útil. No entanto, como já referi, é evidente que o parlamento tem prioridade sobre qualquer outra agenda.

O Sr. Moura Guedes (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tenha a bondade, Sr. Deputado.

O Sr. Moura Guedes (PSD): - Sr. Presidente, tenho muita pena de não podermos dar satisfação ao desejo do Sr. Secretário de Estado, mas temos às 9 horas uma reunião extraordinariamente importante em que o meu grupo parlamentar não pode deixar de estar presente e. portanto, é-nos completamente impossível anuir ao prolongamento desta sessão.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - É apenas pana fazer um pequeno comentário.
Desta vez nós poderemos ser acusados de tudo, menos de fazer obstrução à actividade do Governo e à do Sr. Secretário de Estado em particular.

Risos.

O Sr. Presidente: - Certamente, Sr. Deputado.

Srs. Deputados, cumpre-me informar que deu entrada na Mesa o projecto de lei n.º 262/11, sobre a prevenção do alcoolismo, subscrito pelos Srs. Deputados Dias de Carvalho e Jorge Miranda, da ASDI, que foi admitido e baixa à 4.ª Comissão.
A nossa próxima reunião terá lugar na quinta--feira, dia 5, às 15 horas, e, segundo o consenso da Câmara, a ordem do dia é constituída pelas seguintes ratificações: n.ºs 2/II e 8/II relativas ao Decreto-Lei n.º 454/80, de 9 de Outubro, que aprova o Código Cooperativo; n.ºs 100/II e 101/II relativas ao Decreto-Lei n.º 238/81, bem como pelas restantes ratificações que se encontravam já agendadas para hoje.
A Conferência dos Presidentes dos Grupos Parlamentares, como previsto,
realizar-se-à amanhã, quarta-feira, às 10 horas e 30 minutos.

Está encerrada a sessão.

Eram 20 horas.

Texto integral da Intervenção do Deputado José Manuel Mendes (PCP) no período de antes da ordem do dia:
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A situação da mais extrema gravidade a que o governo AD conduziu o nosso país, designadamente no que respeita às áreas da educação e do ensino, está bem à vista de todos e colhe, por exemplo, no distrito de Braga, uma moldura inquietante.
Com efeito, em matéria de precariedades, ali se depara com um pouco de tudo: escolas que não funcionam ainda, aguardando a conclusão de obras e equipamentos que se exigia estivessem há muito em estado que não inviabilizasse as aulas; alunos por matricular, ou por colocar, no concelho de Guimarães, por carências insuperáveis de espaço, enquanto se anuncia

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que, no próximo ano, será encerrada uma escola preparatória; turmas sobrelotadas, nos diferentes graus de ensino, por incapacidade de resposta das instalações existentes, atingindo números que, por si sós, denunciam a falência pedagógica de um sistema; vagas de professores por preencher, nomeadamente no ensino primário, com todas as implicações que daí decorrem; manutenção e agravamento dos, regimes duplos, triplos e até quádruplos; uma zona de calamidade, em suma, que o executivo Balsemão/Freitas do Amaral e o ministério Vítor Crespo vão tornando, dia após dia, mais brutal. Percorrer as escolas e promover um levantamento, ainda que sumário, das suas; múltiplas insuficiências e deficiências é, na realidade, empreender, de modo amargo e preocupado, uma autêntica peregrinatio ad loca injecta (perdoe-se o latinismo, tão alheio aos meus hábitos, mas, no caso concreto, tão singularmente expressivo).
Vejamos, a título de ilustração, o que se passa na Escola de Sá de Miranda, em Braga, frequentada por mais de 3000 alunos, oriundos, em boa parte, das localidades rurais que bordejam a cidade.
Não obstante as insistentes solicitações do conselho directivo, a Direcção-Geral do Pessoal, anexa à Direcção-Geral do Ensino Secundário, não procedeu à nomeação dos funcionários previstos para os serviços de acção social escolar. Ou melhor: nomeou, em tempos, para o desempenho daquelas tarefas (dantes cometidas a elementos recrutados no quadro geral de adidos ou entre os docentes primários sem colocação), uma senhora que se encontrava já a fazer o estágio pedagógico e uma outra - pasme-se! - que se ausentara, há uns três anos, para o Brasil. Quer dizer: este ministério, incompetente sobre os incompetentes, do qual, como da AD, tudo há a esperar - sobretudo o pior - acabará nomeando, por ene andar, às cegas e galhardamente, para lugares de responsabilidade, mortos, reformados ou inválidos. A verdade é que chega já a indicar uma mesma pessoa para dois cargos completamente distintos, dependentes ambos de um mesmo departamento oficial.
Pelo facto de não poder aquela Escola contar com um só funcionário dos SASE estão impossibilitadas as iniciativas e actos administrativos que se prendem com os subsídios de alimentação, estada, transporte e livros, bem como o funcionamento da cantina e do bar, com enorme prejuízo para os estudantes da periferia que, avançando uma resposta primeira, começaram a faltar em massa às aulas, principalmente às da tarde. Não só não têm garantida a refeição (e refira-se, de passagem, que naquele estabelecimento são servidas, em regra, 350 refeições diárias ao almoço) como lhes não são prestados os outros auxílios económicos, sem os quais as famílias são incapazes de suportar as despesas com a educação dos seus filhos.
Os cursos nocturnos, apesar de haver professores e estarem ultimados os horários, não podem, neste quadro, ter início, tanto mais que acrescem ainda as incidências da falta de pessoal auxiliar de apoio e administrativo, escasso para assegurar a cobertura dos 3 turnos (manhã, tarde e noite), designadamente no que respeita à vigilância.
Bem se vê, Sr. Presidente, Srs. Deputados, por esta amostragem não exaustiva, o conteúdo de classe do Governo: na Escola de Sá de Miranda, como em muitas outras, de Norte a Sul do País, os custos da política da AD recaem sobre os mais desfavorecidos: são os alunos originários dos estratos laboriosos dos campos e das fábricas, são os trabalhadores-estudantes quem sofre na carne as consequências de uma administração do Estado ao serviço dos interesses das castas e camadas possidentes mais reaccionárias.
É de tal modo inaceitável o que se está a verificar que a própria insuspeita associação de estudantes daquela Escola, em sintonia com a posição dos alunos, assumida em reunião geral ontem realizada, vai no sentido de exigir medidas imediatas, não poupando o Ministério a severas criticas e propondo-se a greve, a curto prazo, se a normalidade não for obtida. Esta atitude, pesem embora as suas especificidades, coonesta a do conselho pedagógico que, por unanimidade, deliberou, esclarecendo a opinião pública, encarar a hipótese de suspender o funcionamento dos próprios cursos diurnos, se, entretanto, o actual estado de coisas não for positivamente alterado. Por seu turno, o corpo docente definiu Idêntico posicionamento, manifestando a sua crescente inquietação.
Perante um quadro de tal gravidade, o Ministério da Educação responde com o seu olímpico distanciamento autocrático, ou com o silêncio, entrecortado de roufenhas apóstrofes, demonstrador da mais redonda e pedestre das incompetências. Tão má como a incapacidade para resolver os problemas públicos é, porém, a talassa política que a acoberta. Este governo é o único responsável por quanto, dramaticamente, se passa na Escola de Sá de Miranda, como em múltiplos estabelecimentos de ensino, por quanto vier a ocorrer num futuro mais ou menos próximo. Este governo degrada a máquina administrativa, bloqueia e desprestigia o sistema educativo, piora aviltantemente a vida colectiva. Será caso para dizer, como Eça de Queiroz, que só não cai porque não é um edifício, mas terá de sair com benzina, porque é uma nódoa. O que importa, contudo, é que, de uma mane TB ou de outra, não permaneça no Poder por mais tempo e seja substituído por um executivo bem diferente, transformador e apto, com uma política democrática, capaz de avivar perduradouramente as esperanças de Abril.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD)

Alberto Augusto Faria dos Santos.
Amândio Anes de Azevedo.
Amélia Cavaleiro M. de Andrade Azevedo.
Armando Lopes Correia Costa.
Arménio Jerónimo Martins Matias.
Carlos Manuel Pereira Pinho.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Eleutério Manuel Alves.
Fernando José da Costa.
Fernando Manuel Cardoso Ferreira.
Francisco de Sousa Tavares.
João Evangelista Rocha Almeida.
João Vasco da Luz Botelho Paiva.
Joaquim Pinto.
Leonardo Eugénio R. Ribeiro Almeida.
Manuel da Costa Andrade.

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Mania Helena do Rego Salema Roseta.
Maria Margarida do R. da C. S. M. Ribeiro.
Marília Dulce Coelho Pires D. Raimundo.
Mário Marques Ferreira Maduro.
Natália de Oliveira Correia.
Nicolau Gregório de Freitas.
Pedro Miguel Santana Lopes.
Virgílio António Pinto Nunes.

Partido Socialista (PS)

Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alfredo Pinto da Silva.
António de Almeida Santos.
António Manuel de Oliveira Guterres.
Avelino Ferreira Loureiro Zenha.
Carlos Manuel N. Costa Candal.
Fernando Torres Marinho.
Leonel Sousa Fadigas.
Manuel Trindade Reis.
Maria Teresa V. Bastos Ramos Ambrósio.
Mário Alberto Lopes Soares.

Centro Democrático Social (CDS)

Adalberto Neiva de Oliveira.
Alberto Henriques Coimbra.
Carlos Alberto Rosa.
Emídio Ferrão da Costa Pinheiro.
Henrique José C. M. Pereira de Moraes.
João da Silva Mendes Morgado.
Luís Carlos Calheiros V. Sampaio.
Luís Filipe Paes Beiroco.
Manuel António de Almeida Vasconcelos.
Mário Gaioso Henriques.
Narana Sinai Coissoró.
Rogério Ferreira Monção Leão.
Victor Afonso Pinto da Cruz.

Partido Comunista Português (PCP)

António José M. Vidigal Amaro.
Carlos Alfredo de Brito.
Domingos Abrantes Ferreira.
Fernando de Almeida Sousa Marques.
Joaquim Gomes dos Santos.
Manuel Correia Lopes.
Maria Alda Barbosa Nogueira.
Maria Odete dos Santos.
Octávio Floriano Rodrigues Pato.
Vital Martins Moreira.

Partido Popular Monárquico (PPM)

António Cardoso Moniz.

Acção Social-Democrata Independente (ASDI)

Fernando Dias de Carvalho.
Jorge Manuel M. Loureiro de Miranda.

Movimento Democrático Português (MDP/CDE)

António Monteiro de A. Taborda.

Faltaram à sessão os seguintes Sr s. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD)

Amadeu Afonso Rodrigues dos Santos.
António José B. Cardoso e Cunha.
Germano Lopes Caminho.
José de Vargas Bulcão.
Manuel Ribeiro Arruda.
Maria Adelaide S. de Almeida e Paiva.
Mário Júlio Montalvão Machado.

Partido Socialista (PS)

Alfredo José Somera Simões Barroso.
António José Vieira de Freitas.
Bento Elísio de Azevedo.
Carlos Cardoso Lage.
Edmundo Pedro.
Jaime José Matos da Gama.
João Alfredo Félix Vieira Lima.
Júlio Filipe de Almeida Carrapato.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Rui Fernando Pereira Mateus.

Centro Democrático Social (CDS)

Alexandre Correia de Carvalho Reigoto.
Álvaro Manuel M. Brandão Estevão.
Américo Maria Coelho Gomes de Sá.
Carlos Eduardo O. Silva.
Eugénio Maria Anacoreta Correia.
João António de Morais Leitão.
José Alberto de Faria Xerez.
Paulo Oliveira Ascenção.
Ruy Garcia de Oliveira.

Partido Comunista Português (PCP)

Álvaro Barreirinhas Cunhal.
Armando Teixeira da Silva.
Jorge do Carmo da Silva Leite.

OS REDACTORES DE 1.ª CLASSE, Ana Maria Marques da Cruz - José Diogo.

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IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA

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