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I Série-Número 28 Quarta-feira, 16 de Dezembro de 1981
DIÁRIO da Assembleia da República
II LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1981-1982)
REUNIÃO PLENÁRIA DE 15 DE DEZEMBRO DE 1981
Presidente: Exmo. Sr. Francisco Manuel Lopes Vieira de Oliveira Dias
Secretários: Exmos. Srs. Valdemar Cardoso Alves
Vítor Manuel Brás
António Mendes de Carvalho
José Manuel Maia Nunes de Almeida
SUMÁRIO. - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 50 minutos.
Prosseguiu o debate, na generalidade, das propostas de lei n.ºs 73/II - Orçamento Geral do Estado para 1982 - e 76/II - As Grandes Opções do Plano para 1982 -, tendo intervindo a diverso titulo -intervenções, esclarecimentos e pedidos de esclarecimento, protestos e contraprotestos -, além dos Srs Ministros dos Assuntos Sociais (Luís Barbosa), da Indústria, Energia e Exportação (Baião Horta), das Obras Públicas e Transportes (Viana Baptista) e das Finanças e do Plano (João Salgueiro), os Srs. Deputados Sa Fernandes (PSD), António Arnaut (PS), Mário Tomé (UDP), Moura Guedes (PSD), José Gama (CDS), Zita Seabra (PCP), Luisa Raposo (CDS), Silva Graça (PCP), Helena Cidade Moura (MDP/CDE), César de Oliveira (UEDS), Carlos Robalo (CDS), Faria dos Santos e Álvaro Barreto (PSD), Luís Coimbra (PPM), João Morgado (CDS), António Vitorino (UEDS), Adriano Vasco Rodrigues (CDS), Jorge Lemos (PCP), Teresa Ambrósio e Gomes Fernandes (PS), lida Figueiredo (PCP), Portugal da Silveira (PPM), Rui Amaral (PSD), Sousa Marques (PCP). Vítor Constâncio (PS), José Alberto Xerez (CDS), Sousa Tavares (PSD), Rui Pena (CDS), Veiga de Oliveira (PCP), António Rebelo de Sousa (ASDI), Casimiro Pires (PSD), Oliveira e Sousa (CDS), Rogério Brito (PCP), António Campos (PS), Octávio Teixeira (PCP), Magalhães Mota (ASDI), Ferreira Guedes (UEDS), Herberto Goulart (MDP/CDE), Lopes Cardoso (UEDS), Carlos Brito (PCP), Manuel Pereira (PSD), Carlos Lage (PS) e António Moniz (PPM).
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 21 horas e 40 minutos.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quorum. Declaro aberta a sessão. Eram 10 horas e 50 minutos.
Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PSD)
Adérito Manuel Soares Campos.
Afonso de Sousa F. de Moura Guedes.
Alberto Augusto Faria dos Santos.
Álvaro Barros Marques Figueiredo.
Álvaro Roque Bissaia Barreto.
Amândio Anes de Azevedo.
Anacleto Silva Baptista.
António Augusto Lacerda de Queiroz.
António Roleira Marinho.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
António Vilar Ribeiro.
Armando Lopes Correia Costa.
Arménio Jerónimo Martins Matias.
Arménio dos Santos.
Casimiro Pires.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Daniel Cunha Dias.
Eleutério Manuel Alves.
Fernando Alfredo Moutinho Garcez,
Fernando José F. Fleming de Oliveira.
Fernando José Sequeira Roriz.
Fernando Manuel Cardote B. Mesquita.
Fernando dos Reis Condesso.
Fernando Manuel Cardoso Ferreira.
Henrique Alberto Nascimento Rodrigues.
Jaime Adalberto Simões Ramos.
João Evangelista Rocha Almeida.
João Manuel Coutinho Sá Fernandes.
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João Vasco da Luz Botelho Paiva.
Joaquim Manuel Cabrita Neto.
Joaquim Pinto.
José Augusto Ferreira de Campos.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Luís Figueiredo Lopes.
José Manuel Pinheiro Barradas.
José Mário de Lemos Damião.
Júlio Castro Caldas.
Leonel Santa Rita Pires.
Luís António Martins.
Manuel António Araújo dos Santos.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel Maria Moreira.
Manuel Maria Portugal da Fonseca.
Manuel Pereira.
Manuel Ribeiro Arruda.
Maria Adelaide S. de Almeida e Paiva.
Maria da Glória Rodrigues Duarte.
Maria Manuela Dias Moreira.
Mário Dias Lopes.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Natália de Oliveira Correia.
Nicolau Gregório de Freitas.
Nuno Aires Rodrigues dos Santos.
Rui Alberto Barradas de Amaral.
Valdemar Cardoso Alves.
Virgílio António Pinto Nunes.
Partido Socialista (PS)
Adelino Teixeira de Carvalho.
Alberto Marques Antunes.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Alfredo Pinto da Silva.
António de Almeida Santos.
António Chaves Medeiros.
António Duarte Arnaut.
António Cândido Miranda Macedo.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Fernandes da Fonseca.
António Fernando Marques R. Reis.
António Gonçalves Janeiro.
António José Sanches Esteves.
António José Vieira de Freitas.
António Manuel de Oliveira Guterres.
Aquilino Ribeiro Machado.
Armando dos Santos Lopes.
Beatriz Cal Brandão.
Bento Elísio de Azevedo.
Carlos Cardoso Lage.
Edmundo Pedro.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Fausto Sacramento Marques.
Fernando Verdasca Vieira.
Francisco de Almeida Salgado Zenha.
Francisco Manuel Marcelo Curto.
João Alfredo Félix Vieira Lima.
João Francisco Ludovico da Costa.
Joaquim José Catanho de Menezes.
José Gomes Fernandes.
Júlio Filipe de Almeida Carrapato.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Leonel Sousa Fadigas.
Luís Manuel César Nunes de Almeida.
Luís Manuel dos Santos Silva Patrão.
Luís Silvério Gonçalves Saias.
Manuel Alfredo Tito de Morais.
Manuel António dos Santos.
Manuel Francisco da Costa.
Manuel Trindade Reis.
Maria Teresa V. Bastos Ramos Ambrósia.
Mário Manuel Cal Brandão.
Raul d'Assunção Pimenta Rego.
Rui Fernando Pereira Mateus.
Teófilo Carvalho dos Santos.
Vítor Manuel Brás.
Vítor Manuel Ribeiro Constâncio.
Centro Democrático Social (CDS)
Adriano José Alves Moreira.
Adriano Vasco da Fonseca Rodrigues.
Alberto Henriques Coimbra.
Alexandre Correia de Carvalho Reigoto.
Álvaro Manuel M. Brandão Estêvão.
Américo Maria Coelho Gomes de Sá.
António Jacinto Martins Canaverde.
António Mendes de Carvalho.
Carlos Eduardo Oliveira e Sousa,
Carlos Martins Robalo.
Daniel Fernandes Domingues.
Emídio Ferrão da Costa Pinheiro.
Emílio Leitão Paulo.
Francisco G. Cavaleiro de Ferreira.
Francisco Manuel L. V. Oliveira Dias.
Francisco Manuel de Menezes Falcão.
Henrique Manuel Soares Cruz.
João Gomes de Abreu de Lima.
João José M. Pulido de Almeida.
João da Silva Mendes Morgado.
José Alberto Faria Xerez.
José Eduardo F. de Sanches Osório.
José Miguel N. Anacoreta Correia.
Luís Carlos Calheiros V. Sampaio.
Luís Filipe Paes Beiroco.
Luísa Maria Freire Vaz Raposo.
Manuel Afonso Almeida Pinto.
Manuel António de Almeida Vasconcelos.
Manuel Carlos Costa da Silva.
Maria José Paulo Sampaio.
Rui António Pacheco Mendes.
Rui Eduardo Rodrigues Pena.
Partido Comunista Português (PCP)
Álvaro Augusto Veiga de Oliveira.
Álvaro Favas Brasileiro.
António Anselmo Aníbal.
António José de Almeida Silva Graça.
António José M. Vidigal Amaro.
António da Silva Mota.
Carlos Alberto do Carmo C. Espadinha.
Carlos Alfredo de Brito.
Custódio Jacinto Gingão.
Domingos Abrantes Ferreira.
Ercília Carreira Talhadas.
Francisco Miguel Duarte.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
João Carlos Abrantes.
Jorge Manuel Abreu de Lemos.
Jorge Manuel Lampreia Patrício.
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel da C. Carreira Marques.
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José Manuel Maia Nunes de Almeida.
Josefina Maria Andrade.
Lino Carvalho de Lima.
Manuel Gaspar Cardoso Martins.
Manuel Rogério de Sousa Brito.
Maria Alda Barbosa Nogueira.
Maria lida Costa Figueiredo.
Maria Odete dos Santos.
Mariana Grou Lanita da Silva.
Octávio Augusto Teixeira.
Partido Popular Monárquico (PPM)
António Cardoso Moniz.
António José Borges G. de Carvalho.
Jorge Victor Portugal da Silveira.
Henrique Barrilaro Ruas.
Luís Filipe Ottolini Bebiano Coimbra.
Acção' Social-Democrata Independente (ASDI)
António Jorge Rebelo de Sousa.
Fernando Dias de Carvalho.
Joaquim Jorge de Magalhães S. da Mota.
Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho.
União da Esquerda para a Democracia Socialista (UEDS)
António Ferreira Guedes.
António Manuel C. Ferreira Vitorino.
António Poppe Lopes Cardoso.
Movimento Democrático Português (MDP/CDE)
Helena Cidade Moura.
Herberto de Castro Goulart da Silva.
União Democrática Popular (UDP) Mário António Baptista Tomé.
Entretanto tomaram assento na respectiva bancada os Srs. Membros do Governo,
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos iniciar os trabalhos de hoje segundo o horário que é do conhecimento de todos, aliás com um atraso de 50 minutos.
Tem a palavra o Sr. Deputado Sá Fernandes, para uma intervenção.
O Sr. Sá Fernandes (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Ministros, Srs. Deputados: Aquando da apresentação do Programa do Governo em Setembro passado tive oportunidade de referir quando a Região Autónoma da Madeira se congratulava com a intenção do Governo de prosseguir a política de reforço da autonomia e de desenvolvimento do Arquipélago. Formulei também uma pergunta cuja resposta ficou de ser dada nesta oportunidade - discussão e debate da proposta de lei do Orçamento Geral do Estado.
Ao ler o relatório introdutório da referida proposta de lei bem como as das Grandes Opções do Plano que não posso deixar de enaltecer, pela linguagem directa e simples e consequente invulgar clareza, fiquei ciente das realidades económicas e financeiras do nosso país. O quadro é sem dúvida deprimente e embora se proponham medidas que visam corrigir
tendências negativas e, por conseguinte, permitam alimentar uma esperança de recuperação a médio prazo, os sacrifícios que se impõem ao País preocupam sobremaneira as Regiões Autónomas, as quais ainda se encontram num estadão de desenvolvimento relativamente distante do Continente.
É com essa preocupação que se constata, como reflexo da situação descrita, a insuficiência da cobertura do seu défice. Com efeito, as populações sentirão que mais uma vez são chamadas a contribuir para o saneamento de uma situação económica e financeira que não provocaram e, mais uma vez, verão insatisfeitas carências de vária ordem. Na verdade, o aumento de 20 % em relação ao montante de 1981 com que o Orçamento Geral do Estado contempla a Região Autónoma da Madeira é insuficiente e, só no reconhecimento das dificuldades que se põem ao País e ao Governo, fosse ele qual fosse, nos conformamos com tal verba.
Por outro lado e esta é, quanto a mim, a oportunidade de o referir- a questão da cobertura do défice dos Orçamentos das Regiões Autónomas ou tem sido deficientemente explicada ou insuficientemente compreendida. Por isso, quer entre membros desta Assembleia quer na opinião pública em geral se tem gerado a ideia de que a cobertura dos défices constituem uma sobrecarga do Orçamento Geral do Estado, isto é, em linguagem mais simplista, que as Regiões Autónomas vivem à custa do Continente.
Convém, em vista disso, esclarecer que a cobertura do défice visa estabelecer o equacionamento das populações insulares com as continentais, adentro do mesmo espaço económico. Com este fim encontrou-se uma fórmula que define a comparticipação global do Orçamento Geral do Estado no financiamento dos défices dos orçamentos regionais e que foi objecto de despacho conjunto dos Ministros da República para os Açores e para a Madeira e os Ministros das Finanças e do Plano e dos transportes e Comunicações. Essa comparticipação é, de forma simplificada, resultante de uma capitação proporcional das despesas públicas do OGE, deduzidas as despesas de âmbito nacional e as receitas próprias lotais cobradas na respectiva Região e ainda uma compensação paga ao Tesouro em resultado, da cobrança de impostos. Deste modo, procura-se que as populações insulares e continentais estejam em condições idênticas face ao OGE.
No entanto, os madeirenses sabem que embora os impostos cobrados localmente sejam receitas da Região, as actividades bancárias e seguradora bem como as firmas ou sociedades sediadas no continente e com contabilidade integrada não pagam contribuições na Madeira. Sabem também que o défice da sua balança comercial é em mais de 70 % originado pelas compras ao Continente, constituindo um escoamento da produção nacional e uma fonte de receita fiscal, na medida em que o imposto de transacção é cobrado na origem, desviando-se assim dos cofres da Região. Conhecem também os seus potenciais financeiros e cambiais que são canalizados para o Continente e cuja administração, quer no mercado monetário interno quer nos mercados monetários internacionais, constituiriam uma fonte de receita muito apreciável, em função do volume do Orçamento Regional.
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Em suma, os madeirenses conhecem os potenciais económicos de que dispõem bem como a instabilidade e a precaridade dalguns. Por isso mesmo querem conscientemente sentir-se inseridos no todo do País e recusam a imagem que a nível do Continente se tenta criar, de que constituem um encargo para a Nação.
Quanto às medidas fiscais propostas no Orçamento Geral do Estado, a sua incidência na Região provocará um abaixamento do ritmo de desenvolvimento, um agravamento dos preços e uma quebra do investimento. Por isso, julgamos agora imprescindível, para minorar esses efeitos, que se atenda definitivamente às especificidades da sua economia, definindo uma política de crédito adequada, estabelecendo prioridades que se ajustem às possibilidades reais de desenvolvimento e permitindo também que a Região utilize os seus recursos próprios, em matéria de crédito interno e externo, na construção de infra-estruturas que permitam esse desenvolvimento.
Estamos confiantes em que desta vez o Governo da República não se limitará a estender às Regiões Autónomas uma política financeira concebida para o Continente, ignorando as suas especificidades bem evidentes. Por isso, e se assim for, valerão a pena os sacrifícios!
Aplausos do PSD e de alguns deputados do CDS.
O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Dá-me licença, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr. Presidente, pedia a V. Ex.ª que permitisse que o meu grupo parlamentar fizesse uma troca da minha intervenção com a intervenção do meu camarada e colega de bancada Deputado António Arnaut.
O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado. Tem, então, V. Ex.ª a palavra, Sr. Deputado António Arnaut.
O Sr. António Arnaut (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados e Srs. Membros do Governo, especialmente Sr. Ministro dos Assuntos Sociais: Não tive o prazer de ouvir ontem a intervenção serena, lúcida e corajosa do Sr. Deputado Moura Guedes, leader parlamentar do maior partido do Governo. Quero dizer-lhe que apreciei a sua sinceridade e as sugestões que faz ao Governo. Se as palavras da oposição quando critica a política de saúde não costumam, infelizmente, ser ouvidas, espero que as palavras do leader parlamentar do PSD sejam ao menos motivo de ponderação.
Aliás, se é o próprio PSD e vozes autorizadas da maioria que se levantam contra a desastrosa e catastrófica política da saúde, é porque não é só a saúde que está doente mas também o próprio Governa e a AD.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador. - Já há dias aqui denunciei a nefasta, ilegal e escandalosa acção do Governo no campo da saúde, culminando com as medidas recentemente
anunciadas pelo Ministro dós Assuntos Sociais: o pagamento directo pelos 'Utentes de 20 % do custo das prestações de saúde, a entrega dos hospitais concelhios às Misericórdias e o aumento do preço dos medicamentos, conjugado com a redução drástica da comparticipação do Estado.
Como prenda de Natal, a AD propõe-se castigar os doentes, obrigando-os a pagarem os erros da sua política. Em vez de melhorar os serviços para compensar a população mais desfavorecida dos pesados sacrifícios que lhe impõe -menos habitação, pior ensino, mais desemprego, alta do custo de vida- o Governo lança um imposto sobre os doentes, retomando e agravando o sistema existente no tempo de Salazar. Quem quiser saúde que a pague! Os doentes que paguem a crise - é a triste divisa deste Governo.
O Sr. Silva Graça (PCP): - É uma vergonha!
O Orador: - Contudo, é preciso dizê-lo, a crise no sector de saúde não resulta apenas da difícil situação económica do país, mas sobretudo da política deliberadamente destrutiva do sector público encetada e prosseguida pela AD e não apenas pelo actual Ministro dos Assuntos Sociais como se vai demonstrar.
A dolorosa realidade é esta: o orçamento previsional da saúde para 1981 cifra-se em 66 milhões de contos, mas a dotação consignada é apenas de 54 milhões, ou seja, um milhão de contos menos do que as despesas previstas para o ano corrente e 12 milhões menos do que as despesas previstas para 1981. O que, tendo em conta a inflação, corresponde a uma redução da ordem dos 30 % Esse dinheiro que falta, esses 12 milhões de contos quer o Governo, ou o Ministro dos Assuntos Sociais, ir buscar ao bolso dos doentes.
O Partido Socialista condena vigorosamente mais uma vez essa visão mercantilista da saúde o Sr. Deputado Moura Guedes chamou-lhe ontem a visão materialista - e declara solenemente que usará de todos os meios democráticos para evitar que se consume mais este atentado contra a saúde do povo e os trabalhadores portugueses. Antes de apresentar algumas soluções alternativas impõe-se denunciar, mais uma vez, essa política anti-social e verdadeiramente delapidadora dos governos da AD que conduziu à situação catastrófica em que nos encontramos.
Desde logo, o não cumprimento da Lei do Serviço Nacional de Saúde, ainda em vigor. Se a Lei tivesse sido cumprida teria levado à cobertura médica de todo o país, à reestruturação da rede de cuidados primários e à sua articulação com a de cuidados diferenciados, aumentando a eficiência dos serviços, rentabilizando os equipamentos e instalações e reduzindo os custos.
Em segundo lugar, o ataque deliberado ao sector público da saúde (como aconteceu, aliás, no sector económico), visando o seu desmantelamento, através da sua degradação progressiva e da transferência para o sector privado de actividades que poderiam ser prestadas pelo Estado. Talvez os Srs. Deputados não saibam mas chamo a atenção para este facto: mais de metade das radiografias e mais de 80 % das análises foram confiadas ao sector privado, que recebe cerca de 70% de todos os gastos em cuidados ambulatórios. E não contente com tanta «liberalidade» e
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sem se preocupar com o destino dos dinheiros públicos, que é o dinheiro de todos .nós, o Governo assinou, em meados de 1980, várias convenções com médicos e estabelecimentos privados que trouxeram aumentos de 56 % em análises clínicas, de 86 % em radiologia, de 193 % em fisioterapia e 233 % em hospitalização privada. O Secretário de Estado Paulo Mendo num ano elevou o internamento da hospitalização privada de 300$ para 1000$.
Em terceiro lugar, o escandaloso esbanjamento dos dinheiros públicos, quer no pagamento de indemnizações injustificadas às Misericórdias (1 200 000 contos), quer na atribuição posterior de rendas pela utilização dos hospitais nacionalizados (talvez os Srs, Deputados não saibam que a Misericórdia de Viseu recebe a renda mensal de 2000 contos, a de Viana do Castelo cerca de 1000 contos por mês e assim sucessivamente, quer na falta de controle dos gastos e da produtividade, quer no pagamento de horas extraordinárias - que em 1979 ascenderam a 1200 000 contos e no corrente ano - o Sr. Ministro o dirá - devem rondar os 2 milhões de contos! Contudo, os hospitais centrais têm quadros na ordem dos 2000 médicos e lá trabalham perto de 8000. Pergunto: com tantos médicos a mais como podem continuar a pagar-se estas horas extraordinárias?!
A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - É uma vergonha!
O Orador: - Em quarto lugar, a subutilização do equipamento, incluindo o de alta tecnologia, que trabalha, em regra, a um terço do seu rendimento, com grave prejuízo para o rápido atendimento dos doentes e enorme gravame para o orçamento da saúde. O subaproveitamento, por falta da definição das carreiras ;profissionais e de vontade política, das instalações periféricas, hospitais distritais, concelhios e centros de saúde, que poderiam respondera 90 % da procura de cuidados de saúde, em .termos mais eficientes e económicos e com grande vantagem e comodidade para os utentes.
Finalmente - e porque esta enumeração não é taxativa - a ausência de uma política de controle dos meios complementares de diagnóstico e do medicamento que racionalize e moralize o consumo sem prejuízo dos doentes.
A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Muito bem!
O Orador:- - Sr. Presidente e Meus Senhores: Apontei as principais causas do défice da saúde e creio que ficou bem claro que tal situação se deve, essencialmente, aos erros cometidos pelos sucessivos governos da direita e, pior do que isso, à sua deliberada política de destruição do Serviço Nacional de Saúde.
A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Como colmatar esse défice?
Uma filosofia liberal e monetarista tenderá a estabelecer barreiras à procura, quer através do sistema de co-pagamento, quer através de um seguro-saúde, quer através de novas taxas e impostos. Essa ,política, como há dias aqui denunciei, é atentatória dos interesses do povo português e é manifestamente inconstitucional.
Uma visão progressista ou humanista do problema procurará resolvê-lo actuando na estrutura do sistema, para o modificar, no sentido de poupar ao sacrificado .povo português - os que recorrem aos serviços de saúde do Estado- mais este ónus num sector tão importante para a sua segurança e bem-estar. Para isso - e se se puser de parte a transferência de verbas de outros sectores como ontem foi sugerido, e eu apoio, pelo Sr. Deputado Moura Guedes-- devem desenvolver-se as acções que visem eliminar ou reduzir os males apontados, iniciando a implementação do Serviço Nacional de Saúde, com especial incidência na rede de cuidados primários, adoptando regras correctas de gestão, descentralizando e responsabilizando os serviços, controlando a produtividade e os gastos e cortando, drasticamente, todas as despesas supérfluas.
Será necessário criar urgentemente as carreiras profissionais e colocar em pleno rendimento as unidades da província. Para além destas medidas de carácter geral e de gestão, impõe-se em primeiro lugar - e creio que o Sr. Ministro tomará nota- rentabilizar os equipamentos, responsabilizando os órgãos gestores e criando turnos de pessoal, o que permitirá transferir gradualmente para o Estado, em termos economicamente vantajosos, uma parte considerável de actividades entregues ao sector privado-lucrativo. Por exemplo, se os laboratórios de radiologia não estiverem cerca de 15 ou 16 horas encerrados por dia uma grande parte do serviço de radiologia que é feito nos estabelecimentos privados, poderá ser realizado nos estabelecimentos de Estado sem aumento de custo e com todas as vantagens para os utentes que não terão de esperar longos meses por uma radiografia ou por uma análise.
Segundo, aproveitar os recursos existentes, designadamente os hospitais distritais e concelhios, onde os cuidados prestados são mais baratos e mais acessíveis, abrindo imediatamente um concurso nacional e ,proibindo, a partir daí, a escandalosa superlotação médica nos Hospitais Centrais, improdutiva e extremamente onerosa parti o Estado.
Terceiro, interessar os próprios médicos, através do regime de tempo inteirei ou dedicação exclusiva, na produtividade dos serviços, estabelecendo incentivos e vencimentos adequados à sua função e responsabilidade. Acabar com o pluriemprego e com o pagamento de horas extraordinárias desnecessárias ,e outras conezias.
Finalmente, actuar na zona do medicamento e dos meios complementares de diagnóstico, racionalizando e moralizando os consumos; em paralelo com uma informação e formação para a saúde. Algumas das medidas que se impõem são .ª entrada em vigor do Formulário Nacional de Medicamentos pronto desde 1978, a criação de postos farmacêuticos nos Serviços Médicos Sociais para fornecimento de medicamentos avulsos essenciais e não propriamente mediante o recurso às farmácias conforme o Sr. Ministro ontem anunciou. Insisto, portanto, que a criação, como no Serviço Nacional de Saúde inglês, de postos farmacêuticos junto dos Serviços Médicos Sociais que teriam por função fornecer a primeira receita e, com certeza gratuitamente, os medicamentos essenciais, o estabelecimento de plafonds aos médicos,
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além do controle do receituário, são algumas das medidas que se impõem.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Ministros: Se as providências que são aqui enunciadas com mero espírito de colaboração num sector tão importante para o nosso povo - não forem bastantes, em vez de penalizar os doentes, fixando-lhes preços incomportáveis - e não taxas moderadoras, Sr. Ministro- e fazendo-os, assim, pagar a crise gerada pelos últimos governos, sugerimos então que se lance um imposto extraordinário em benefício da saúde. Mas esse imposto deve ser pago pelos que podem e não pelos que mais precisam que são os doentes.
Nunca um imposto sobre a doença, mas sim um imposto sobre as grandes fortunas e os grandes lucros e rendimentos e sobre o consumo de bens supérfluos, a começar pelos que são prejudiciais à saúde, como o tabaco e as bebidas alcoólicas.
O Sr. Eduardo. Pereira (PS): - Muito bem!
O Orador: - Não sei se o Sr. Ministro das Finanças e do Plano está presente, creio que sim, mas julgo que certamente (ponderará nestas sugestões.
O PS, a oposição parlamentar, o povo, as organizações sindicais e agora, como se vê, vozes autorizadas do maior partido da coligação, nomeadamente o Sr. Deputado Moura Guedes e também o Sr. Deputado Jaime Ramos, manifestaram-se contra esta política que é uma política anti-social e anti-Nação, porque o Governo falta descaradamente às suas próprias promessas, já não digo à Constituição e à Lei do Serviço Nacional de Saúde.
O Governo viola sistematicamente as leis e a Constituição.
O Governo tripudia com a vida e a saúde do povo.
Se o Governo não é capaz de' inverter ó sentido da sua marcha para o caos social e económico, que se vá embora.
O Serviço Nacional de Saúde não pode ser mais adiado.
O País não pode continuar adiado.
Por isso, também não pode ser adiado o esforço de todos os democratas para substituir - um governo reaccionário, incompetente e desacreditado por outro que, inspirado nos valores do 25 de Abril, corresponda às esperanças e às profundas ansiedades do nosso povo.
Aplausos do PS, do PCP, da ASDI e do MDP/CDE.
Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Amândio de Azevedo.
O Sr. Presidente:- Tem a palavra o Sr. Deputado Moura Guedes.
O Sr. Moura Guedes (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pedi a palavra :para prestar um esclarecimento que creio ser indispensável.
Agradecendo os cumprimentos que o Sr. Deputado António Arnaut me dirigiu, quero dizer que não aceito, de maneira nenhuma, algumas considerações por ele produzidas em comentário à minha intervenção de ontem. Designadamente esta: «Se é o próprio PSD que se levanta contra a política de saúde ...».
Ora, a minha intervenção tão foi, de maneira nenhuma, uma intervenção contra a política de saúde do Governo. Fiz algumas reflexões e critiquei alguns aspectos, mas a minha intervenção, que fiz em nome da minha bancada, é fundamental e inequivocamente de apoio geral ao Plano, ao orçamento e à política do Governo. E para salientar este aspecto recordaria a maneira como ela termina.
Além de vários passos em que esse apoio é inequivocamente afirmado, louvando-se a moralidade política que presidiu à elaboração destes textos - apenas recordo que as considerações a que o Sr. Arnaut se referiu ocupam uma de dez páginas - o sentido geral que resulta do próprio encerramento da minha intervenção é este: «Estamos certos de que o conseguirá...» - de que o Governo conseguirá manter essa confiança do povo português «... e que o voto favorável dos sociais-democratas nas propostas de lei do Plano e do Orçamento que o executivo trouxe até esta Assembleia é a indesmentível afirmação do nosso apoio à clareza da política do Governo e ao sentido nacional e patriótico que tem vindo a presidir à sua acção equilibrada, digna e eficiente».
Este é o sentido global tia minha intervenção, que não representa qualquer auto-crítica, nem qualquer passo atrás, que não estão na minha maneira de ser ...
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador:- ..., mas não gostaria que ela fosse desvirtuada. O sentido da intervenção desta bancada é a do claro apoio às Grandes Opções do Plano e ao Orçamento.
Todavia, pessoalmente, e penso que esta bancada assume a minha posição, nunca nos demitiremos de fazer a nossa reflexão crítica sobre um ou outro aspecto. E isto não pode ser tomado noutro sentido senão naquele que expressei. Não é possível tomar a árvore pela floresta. O exercício desse direito de crítica não significa que da nossa parte tenha havido a mínima tibieza ou dúvida quanto a este apoio que aqui queria claramente reafirmar.
Aliás, em todos os passos da minha intervenção não há uma única referência ao Sr. Ministro dos Assuntos Sociais, quer através da indicação dessa função quer através do seu próprio nome, nem estava nas minhas intenções fazer-lhe qualquer espécie de ataque e queria que isso ficasse aqui perfeitamente explícito.
Contudo, repito, não nos demitiremos de fazer reflexões conscientes e pensadas sobre um Plano e um Orçamento que são diplomas fundamentais para o futuro da vida .portuguesa. E isso é uma coisa que faço e continuarei a fazer em todas as circunstâncias enquanto for deputado.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente:- Igualmente para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Gama.
O Sr. José Cama (CDS):- Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados, dizia o Sr. Deputado António Arnaut que «se é a própria maioria que se atira contra o orçamento da saúde é porque
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alguma coisa vai mal». Ora, se estas palavras vieram para dividir, caíram em terreno árido, se estas palavras traziam a semente da cizânia nós respondemos-lhe com a semente do trigo, da unidade e da coesão. Dizia Goethe que o talento se forma no silêncio e o carácter nas tempestades da vida. O carácter da maioria também se forma e se solicita naquilo que os senhores entendem ter sido a pequena tempestade de ontem à noite. Estamos mais fortes, estamos mais coesos e mais unidos porquanto quando a oposição aponta com os desencontros nós respondemos com a semente do reencontro e da unidade.
Vozes do PCP: - Não nos faça rir!
O Orador: - Foi V. Ex.ª insensível às palavras do Sr. Ministro dos Assuntos Sociais quando ontem afirmou estar aberto às sugestões das oposições. Isto para V. Ex.ª nada significa. Não é a palavra da pedrada não é a pedrada de demagogia, não são as girândolas de palavras por atacado ou por avulso. «Estar aberto às sugestões das oposições» para si pouco significa.
Sr. Deputado António Arnaut, se há pessoas que se perfilam pela austeridade, pela seriedade, pelo bom senso, uma delas é o Sr. Ministro dos Assuntos Sociais e sabe Deus com que amargura não simplificou nem privilegiou tanto quanto queria a saúde.
A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Sinceramente, Sr. Deputado, há coisas que não se podem ouvir!
O Orador:-Sabe Deus com que tristeza o fez e que amargura lhe vai na alma.
A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Então que se vá embora!
O Orador: - O Sr. Ministro dos Assuntos Sociais ou a maioria só se irão embora quando o povo português entender e não quando as Sr.ªs Deputadas Zitas Seabras o entenderem.
Vozes do CDS e do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Porque é o povo que manda e não V. Ex.ª.
Aplausos do CDS e do PSD.
Quero agora fazer uma pergunta ao Sr. Deputado António Arnaut. Porque sei que esteve aqui ontem e que a sua membrana timpânica não requer conserto ...
O Sr. Luís Nunes de Almeida (PS): - E ainda bem, porque senão não tinha dinheiro para pagar!
O Orador: - .... ponho-lhe a seguinte questão: o Sr. Ministro disse que os mais pobres nada pagarão e que os portugueses pagarão de acordo com as suas posses.
Assim parece-me que o Sr. Deputado António Arnaut terá de pagar mais do que os trabalhadores portugueses, não é verdade, Sr. Deputado? Quero que me responda a esta questão, Sr. Deputado.
Aplausos do CDS.
O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Isso é um inquérito ao património!
O Sr. Presidente: - Sr. Ministro dos Assuntos Sociais, a Mesa anotou que V. Ex.ª há pouco pediu a palavra. Pode dizer-me para que efeito é?
O Sr. Ministro dos Assuntos Sociais (Luís Barbosa): - É para prestar um breve esclarecimento ao Sr. Deputado António Arnaut.
O Sr. Presidente: - Então, peco-lhe o favor de aguardar um momento.
Tem primeiro a palavra o Sr. Deputado António Arnaut, para responder aos pedidos de esclarecimento.
O Sr. António Arnaut (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Infelizmente o tempo disponível para o meu partido não me permite responder circunstancialmente às questões que me foram postas, bem como a outras questões que certamente se levantam, facto pelo qual peço desculpa. Mas uma análise mais aprofundada desta matéria ficará para muito breve quando o Partido Socialista requerer uma interpelação ao Governo sobre política de saúde.
Todos nós temos o direito de fazer das intervenções alheias a interpretações que bem entendemos, desde que essa interpretação se comporte no sentido literal da intervenção alheia. Foi isso que fiz. O Sr. Deputado Moura Guedes - cujo discurso não tive a felicidade de ouvir porque compromissos inadiáveis me impediram de estar presente ontem à noite nesta Assembleia, pois tive que participar e presidir a uma assembleia geral da Liga Portuguesa dos Direitos do Homem-, além do mais, disse esperar que até ao fim do debate o Governo alterasse o orçamento da saúde. Afirmou ainda que o direito à saúde é um direito fundamental e que a sua concretização não pode ser objecto de rateios de verbas numa perspectiva materialista que vivamente repudiamos.
Ora, se isto não é uma crítica ao orçamento da saúde, o Sr. Deputado Moura Guedes dará as explicações que entender internamente no seu partido, mas não ao povo português porque este compreendeu muito bem o sentido da sua intervenção.
Ao Sr. Deputado José Gama quero dizer o seguinte: o que o Sr. Ministro tem dito e proclamado aos quatro ventos, embora agora tente arrepiar, mas é tarde, o caminho indicado é o de que os doentes pagarão os cuidados da saúde. Por exemplo, uma consulta externa ficará em 400$ e com internamento num hospital central ficará em 600$. E nessa altura, a menos que se exigia o atestado de indigência como antigamente, todos pagarão, a não ser aquele grupo que o Sr. Ministro também referiu e que engloba as crianças até um ano de idade e os grandes inválidos. Mas isso não significa que cada um pagará de acordo com as suas posses.
A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - É uma vergonha!
O Orador: - A filosofia "do Governo é materialista como disse o Sr. Deputado Moura Guedes e essa filosofia que condenamos e continuaremos veemen-
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temente a condenar, esperando que o Governo não leve avante essa política.
Aplausos do PS, do PCP e da UEDS.
O Sr. Presidente: - Tem agora a palavra o Sr. Ministro dos Assuntos Sociais para prestar esclarecimentos.
O Sr. Ministro dos Assuntos Sociais: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não poderei responder ao Sr. Deputado António Arnaut tão longamente como desejaria porque o tempo do Governo está devidamente organizado e, portanto, tenho praticamente um minuto para poder responder.
Antes de mais, quero dizer o seguinte: O Sr. Deputado António Arnaut falou numa prenda de Natal que considerou terrível. Julgo que todos nós teremos que fazer um exame de consciência para saber se a prenda de Natal que vamos» dar este ano aos nossos filhos será esta: a de que estamos dispostos colectivamente a viver acima das possibilidades do País, a de que vamos continuar a endividar-nos e a hipotecar o nosso futuro.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. António Arnaut (PS): - Não é disso que se trata.
O Orador: - Se é esta a prenda que vamos dar aos nossos filhos e às gerações que vêm a seguir, então algo está errado no País. E é isso que o Governo neste momento se recusa a fazer.
O Sr. Mário Tomé (UDP): - Mas quem é que vive acima das possibilidades do País?
O Orador: - Possivelmente o Sr. Deputado.
O Sr. Mário Tomé (UDP): - Sim, eu vivo, mas a política do Governo não permite que os outros vivam!
O Sr. António Arnaut (PS): - Sr. Ministro, desculpe-me interrompê-lo, mas quero apenas perguntar-lhe qual é a sua opinião acerca das sugestões que indiquei.
O Orador: - Sr. Deputado António Arnaut, escusava de ter perguntado porque vou responder a esses aspectos precisamente a seguir.
Como V. Ex.ª bem salientou na reunião que fizemos na comissão parlamentar competente o debate no Plenário não é o mesmo da conversa que, com mais sossego e objectividade, podemos fazer nas comissões. Compreendo isso perfeitamente, aliás, a Sr." Deputada Zita Seabra também me avisou e eu disse que conhecia as regras do jogo e que as aceitava. É essa a regra da democracia parlamentar, é esse o jogo feito normalmente em termos de Plenário e de comissões parlamentares.
Em todo o caso, o que quero dizer é que todas as sugestões do Sr. Deputado António Arnaut foram considerada se analisadas durante a sessão que fizemos e V. Ex.ª sabe, tão bem como eu, que é meu objectivo combater todos os abusos que referiu e atacar todos esses problemas que citou. Desde já
posso afirmar que as suas sugestões serão consideradas até porque elas já estão a ser analisadas pelo Ministério. Aliás, na Comissão parlamentar de Segurança Social, Saúde e Família foi dito claramente que não poria o meu nome por baixo dos abusos que hoje estão a ser cometidos em matéria de saúde, sector que considero ser extremamente delicado e com uma importância social demasiada para que possamos permitir que esses abusos continuem.
E só peço ao Sr. Deputado António Arnaut e à bancada do Partido Socialista que me apoiem declaradamente nas medidas legislativas e outras que forçosamente terão de ser tomadas, e algumas terão de ser duras, para combater esses abusos. Começo, por exemplo, por referir um dos abusos mais evidentes, o das baixas fraudulentas. Afirmei ontem aqui que em 1980 se gastaram 60 milhões de dias de baixa e estou convencido de que deles' uma parte substancial foram baixas fraudulentas. Não é possível ao País suportar essa carga que vai necessariamente incidir sobre o Orçamento do Ministério dos Assuntos Sociais.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Esses números são falsos!
O Orador: - Ajudem-me nesse combate e então teremos com certeza que pedir aos utentes muito menos, bem como estou convencido de que obteremos melhores números.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - E o Sr. Ministro sabe que esses números são falsos!
O Orador: - Se o Sr. Deputado Carlos Brito sabe que são falsos talvez tenha alguma estatística feita directamente pelos baixistas fraudulentos.
Aplausos do PSD.
Eu apenas possuo a estatística do Ministério. V. Ex.ª talvez tenha melhores informações do que as minhas sobre baixas fraudulentas. Estas são as estatísticas que o Ministério me fornece.
Protestos do PCP.
Sr. Deputado António Arnaut, estou a responder-lhe porque o considero e devo dizer-lhe que, tendo ouvido nesta Assembleia várias intervenções suas sobre os problemas da saúde, penso que esta foi a mais branda de todas, o que sinceramente lhe agradeço. Isso significa que, de facto, não estamos tão desunidos dos objectivos que temos relativamente ao Serviço Nacional de Saúde.
O Sr. António Arnaut (PS): - Não me coloque mal, Sr. Ministro!
O Orador: - O seu tom parece-me ser bastante bom, porque naturalmente como deputado da oposição não poderia utilizar outro e compreendo isso perfeitamente.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
O Sr. António Arnaut (PS): - Não me comprometa, Sr. Ministro!
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A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente. É para protestar.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Zita Seabra ((PCP): - Então, num curto protesto, uma vez que o meu partido dispõe de pouco tempo, quero dizer-lhe, Sr. Ministro Luís Barbosa, que o número que utilizou relativamente às baixas não é verdadeiro. É que não se pode incluir nas baixas aquelas que resultam da maternidade porque esse é um conceito profundamente reaccionário.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Muito bem!
A Oradora: - Incluir os 3 meses de parto como uma baixa fraudulenta e usar esse número para impressionar os Portugueses, é profundamente reaccionário e é um ataque à família.
Aplausos do PCP e do MDP/CDE.
É um ataque à família e à maternidade, que devemos respeitar. E é bom que daqui para o futuro nunca mais qualquer pessoa ou qualquer Ministro inclua nos números de baixa as baixas por maternidade, que são um direito pela função social da maternidade que está estabelecido na Constituição.
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Muito bem!
A Oradora: - De maneira que não venha para aqui fazer demagogia porque nós não a aceitamos, Sr. Ministro.
Em segundo lugar, o que dissemos em Comissão foi que nessa sede apenas aceitávamos discutir os números. Não afirmamos uma coisa em Comissão e outra em Plenário, Sr. Ministro. O que dissemos foi que em Comissão nos limitaríamos a fazer perguntas muito curtas sobre os números para depois podermos ponderar as nossas posições políticas.
A terceira questão que pretendo colocar é esta: fala-se aqui que só quem puder 6 que pagará os internamentos. Ora, o Sr. Ministro disse na Comissão de Saúde, tal como referiu o Sr. Deputado Arnaut, que só não pagariam os medicamentos e internamentos. Para já, quanto aos medicamentos toda a gente paga um aumento de 140 %, uma vez que a comparticipação irá baixar em 25 %, e os internamentos e as urgências serão pagos, segundo o que o Sr. Ministro afirmou na Comissão de Segurança Social, Saúde e Família, por toda a gente, excepto os grandes inválidos e as crianças com menos de um ano e
Vozes do PCP: - Muito bem!
A Oradora: - Não podem, Sr. Ministro Luís Barbosa, até porque o salário mínimo nacional é de dez mil escudos. Portanto, não é com a adopção' destas medidas que se faz justiça e quanto a este aspecto apoio inteiramente, em nome do meu partido, aquilo
que o Sr. Deputado António Arnaut disse de que não é através de uma multa ou de um imposto de saúde que redistribuímos a riqueza nacional. Isso apenas poderá ser feito lançando um imposto para as grandes fortunas e nas indemnizações aos capitalistas. É por aí que se deve fazer justiça social e não através de uma multa aos doentes que não podem pagar.
Aplausos do PCP e de alguns deputados do PS.
A Sr.ª Luisa Raposo (COS): - Peço a palavra para protestar em relação às palavras da Sr.ª Deputada Zita Seabra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tenha a bondade, Sr.ª Deputada. Neste Regimento há uma liberdade muito grande.
A Sr.ª Luísa Raposo (CDS): - Sr.ª Deputada Zita Seabra, sinto-me profundamente indignada com o facto de se poder suspeitar que haja algum Membro deste Governo que não tome em consideração as faltas das mães portuguesas.
Vozes do PCP: - Estão aqui, Sr.ª Deputada!
A Oradora: - Não são falias, minha senhora. Não estão aí consideradas como faltas fraudulentas.
Talvez algumas mães dêem faltas exageradas e fraudulentas, admito essa hipótese, mas a maioria das mães portuguesas são mães honestas que defendem a saúde e que querem estar com os seus filhos.
A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Está aqui quem assim entendeu, Sr.ª Deputada!
A Oradora: - Portanto, não há nenhum Membro do Governo que possa pensar dessa forma como a Sr.ª Deputada Zita Seabra está a acusar.
Aplausos do CDS.
O Sr. Presidente: - A Sr.ª Deputada Zita Seabra pretende certamente usar de novo da palavra?
A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Quero apenas dizer duas palavras para esclarecer este ponto, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr.ª Deputada. Tem V. Ex.ª a palavra.
A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Sr.ª Deputada Luísa Raposo, no número que o Sr. Ministro dos Assuntos Sociais utilizou, de 60 milhões de baixas e eu tenho aqui as estatísticas -, estão incluídas todas as baixas por maternidade, isto é, estão incluídos os três meses a que uma mulher tem direito por gravidez.
Sr/Deputada Luísa Raposo, números são números e aritmética é aritmética, portanto, tomo as suas palavras como dirigidas ao Sr. Ministro dos Assuntos Sociais e não a mim.
Aplausos do PCP, do MDP/CDE e de alguns deputados do PS.
O Sr. José Gama (CDS): - Peço a palavra, Sr. Presidente. Ê também para um protesto.
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O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. José Gania (CDS): - A Sr.ª Deputada Zita Seabra ouviu o que não foi dito e leu o que não está escrito. O Sr. Ministro dos Assuntos Sociais disse que houve 60 milhões de baixas, muitas delas fraudulentas e, repito, muitas delas fraudulentas. Portanto, não disse que as baixas, em número de 60 milhões, eram todas fraudulentas.
Por outro lado, quando a Sr.» Deputada Zita Seabra fala num imposto sobre as grandes fortunas, pergunto-lhe se cum grano salis...
A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?
O Orador: - Faça favor de desabafar, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Não é para desabafar, Sr. Deputado.
Quero apenas dizer o seguinte: é que não se pode nunca considerar, porque esse é um conceito profundamente reaccionário, o direito a faltar que uma mulher tem por maternidade como uma baixa. Não se trata de uma baixa, Sr. Deputado José Gama, mas de um direito da mulher. Não se podem, pois, incluir nos 60 milhões de faltas as baixas por maternidade e não há nenhum país civilizado, capitalista ou socialista, que o faça; em todos se exclui a maternidade e a tuberculose.
O Orador: - Depois deste desabafo, estou convencido de que me vai deixar falar.
A Sr.ª Deputada Zita Seabra fala em conceitos reaccionários, palavra assaz frequente nessa bancada, e já por várias vezes olhei para as paredes desta Assembleia para ver se havia espelhos em frente da sua bancada. Devo dizer-lhe, pois, que não lhe consentimos essas insinuações de maneira nenhuma.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Não seja bacoco!
O Orador: - Falou V. Ex.ª nos impostos sobre as grandes fortunas. Pergunto-lhe se cum grano salis e de alguma maneira, quando o Sr. Ministro dos Assuntos Sociais diz que os mais pobres nada pagarão e que os outros pagarão de acordo com as suas posses, essa filosofia não está subjacente a esta afirmação.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Silva Graça.
O Sr. Silva Graça (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Este Orçamento Geral do Estado em matéria de habitação é um escândalo! Contrariando a demagogia eleiçoeira que a AD fez nas intercalares de 1979 e nas legislativas de 1980, ao prometer que todas as famílias teriam acesso à aquisição de casa própria, este OGE vem demonstrar a verdadeira face da AD, também neste domínio. «Uma casa para todos» era slogan que enchia a boca de dirigentes seus, com o objectivo de caçar votos que lhe possibilitassem o
controle antidemocrático e totalitário do aparelho do Estado. Uma vez conquistada a maioria parlamentar - que não a eleitoral logo a promessa foi atenuada, passando a AD a acenar, nos seus programas de Governo, com a construção de 50 mil fogos/ano - 40 mil pela iniciativa privada e 10 mil pela administração pública - número este altamente insuficiente face às carências e promessas e distorcido face ao país real. Como aliás já prevíamos nem esse número nem nada de semelhante foi atingido e muito menos actualmente poderá ser, face às diversas e recentes medidas tomadas contra o sector por este Governo.
De entre as medidas que contribuem cada vez mais para tornar praticamente impossível o acesso dos Portugueses a uma casa com o mínimo de condições de ambiente e habitabilidade, contam-se as restrições drásticas ao crédito, a não aplicação da Lei de Finanças Locais e os sucessivos OGE's de penúria para este sector fundamental. Basta lançar os olhos pelos dois últimos OGE's para ficarmos a saber como a «primeira das prioridades» -parafraseando o Sr. Primeiro-Ministro - é espezinhada por esta AD que só agrava as condições e a qualidade de vida do nosso povo, a começar por sector tão sensível como o da habitação.
O OGE do ano passado cativava para o Fundo de Fomento da Habitação - única estrutura estatal com capacidade de intervenção directa no sector - pouco mais de dois milhões de contos, verba que nem chegava para o pagamento dos juros da dívida acumulados. Começava, então, às claras, a asfixia financeira desta estrutura por forma a paralisá-la. O OGE para 1982 é ainda muito mais grave, ao reduzir drástica e brutalmente as verbas destinadas ao departamento de habitação do respectivo Ministério. O Orçamento para 82, no sector da habitação, é bem o espelho e o reflexo da política antipopular e reaccionária da AD, virada para o benefício de alguns e o agravamento das condições de vida da grande maioria dos portugueses. Exceptuando as construídas pelas autarquias, com este OGE nem uma nova habitação será construída pelo sector público.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Quanto às finanças locais, os diversos Governos AD já roubaram às autarquias mais de 100 milhões de contos em 3 anos, atingindo este ano (1982) o valor record de cerca de 45 milhões. Como podem os Municípios, face a este esbulho de verbas, inadmissível e ilegal, concluir os seus programas de habitação social próprios, lançar novos programas, apoiar as Cooperativas de Habitação Económica, fomentar a autoconstrução, expropriar terrenos, levar por diante os seus planos de urbanização, recuperar os clandestinos e a habitação envelhecida e degradada, etc.?
A tudo isto somam-se as recentes restrições drásticas ao crédito para a construção, recuperação, e muito em particular para a aquisição de casa própria. Mas até neste aspecto a marca da AD é inconfundível. Tratam-se de restrições selectivas, com um desavergonhado cunho de classe, ao cortar o crédito para aquisição de casa própria pelos inquilinos, man-
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contudo o crédito para a compra de vivendas de luxo, segunda habitação, escritórios, etc. Tudo isto a conduzir o sector a uma profunda crise, com falência das pequenas e médias empresas de construção civil e consequente desemprego.
Em simultaneidade com esta asfixia orçamental, conducente à rápida deterioração das condições de vida do nosso povo, tomam-se medidas estruturais no mesmo sentido, como é a extinção do Fundo de Fomento da Habitação garrotado de há muito, particularmente pelos Governos AD. A extinção do Fundo de Fomento da Habitação, reclamada em 1979 pelos grandes empresários com os mesmos argumentos que o Governo AD utilizou para o extinguir, é decidida sem haver nenhuma alternativa a este organismo e com o objectivo de abrir ainda mais ó caminho àqueles que fazem da habitação um chorudo negócio para encherem os bolsos à custa dos sacrifícios do nosso povo.
Culminando toda esta política, e como peça essencial da mesma, começou a AD a publicar o pacote da habitação, com o qual já vinha de há uns tempos para cá a ameaçar. Trata-se de um conjunto de diplomas integrados numa ofensiva global e brutal contra os direitos dos inquilinos. Daqui alertámos para a necessidade de, pôr um travão a esta verdadeira estratégia da aranha em termos de arrendamento urbano. O monstruoso Decreto-Lei n.º 148/81 é a primeira peça deste mecanismo infernal, objectivado para o aumento brutal - das rendas de casa, mesmo e a curto prazo, das rendas antigas.
Completam o pacote os diplomas saídos mais recentemente, em particular, o que permite a actualização anual dos arrendamentos dos estabelecimentos comerciais, industriais e outros, e o que destrói as regras de protecção dos direitos dos inquilinos na transmissão dos arrendamentos. Aliás, é o próprio Ministro que confessa que «a actualização geral das rendas por forma progressiva é inevitável».
A consumar-se esta política assistiríamos a despejos em massa por total incapacidade de pagamento de rendas naturalmente inacessíveis à grande maioria dos portugueses. É necessário dar ordem de despejo a este Governo antes que seja ele a despejar o povo português das suas casas.
Aplausos do PCP.
O desastre da AD em matéria de habitação é de tal ordem que o PCP não só chamou à ratificação em bloco todos os diplomas do pacote, como anunciou solenemente a realização de uma interpelação nesta matéria para que o Governo venha à Assembleia da República explicar as medidas já tomadas e as anunciadas para o sector.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Este OGE, cativando verbas insignificantes para diversos sectores fundamentais, a começar pelo da habitação, é um insulto ao nosso povo e uma provocação ao regime democrático. Não há nada para ninguém no tocante a casas e a outros bens e serviços essenciais. O povo português vê cada vez mais restringida a capacidade de acesso ao arrendamento ou à aquisição de uma habitação. Mas em contrapartida há muito para alguns que nunca ganharam santo dinheiro em tão pouco tempo.
Esta e outras políticas sectoriais, integradas num plano global de liquidação do regime democrático, conduzirá inexoravelmente à substituição deste Governo por um Governo democrático, com a AD afastada da área do poder, por forma a garantir-se a consolidação e o aprofundamento do regime consagrado constitucionalmente. É uma exigência patriótica. Assim acontecerá e bem mais cedo do que alguns responsáveis políticos possam pensar, para bem do nosso povo, dos seus direitos fundamentais, a começar apelo direito à habitação. Este OGE não serve. Este Governo não serve. É necessário substituí-lo rapidamente.
Aplausos do PCP e do MDP/CDE.
O Sr. Presidente: - Igualmente para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura.
A Sr.ª Helena Cidade Maura (MDP/CDE ): Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: lê-se nas Opções do Plano.
O lançamento do processo de regionalização do Continente constitui prioridade do Governo com os objectivos de consolidar a estrutura democrática do Estado, de incentivar a participação das populações na definição do seu próprio destino, de atenuar os desequilíbrios e assimetrias existentes, de promover a modernização das estruturas administrativas e de proporcionar condições favoráveis ao arranque para o desenvolvimento harmónico e integrado do País.
Esta opção exactamente como está expressa teria a adesão generalizada se a AI) se estreasse no poder e o MDP/CDE daria a tal intenção o seu apoio total. Hoje está, porém, verificado que a AD tem medo do ,poder local. O poder local é uma área muito sensível onde as linhas do Governo facilmente se denunciam. E o que sempre está em causa é a sociedade que os governos desejam criar.
Há entendimentos diferentes da sociedade a construir. E a sociedade da- AD não é uma sociedade que suporte estruturas de descentralização. Torna-se obrigatória a escolha entre um Estado centralizador, mesmo que desconcentrado e forte e um Estado democrático: descentralizado, aberto, participado que encontra a sua força nessa descentralização, nessa abertura e nessa participação.
Porque o Homem Novo não tem só direitos legais e abstractos mas tem a iniciativa, tem segurança, tem poder reivindicativo e poder decisório, é no exercício do poder local, no interesse pela sua terra e na luta pela aquisição de uma vida melhor para os seus e para aqueles que o rodeiam que o homem tem a experiência mais íntima do seu papel junto de uma comunidade.
Mas é também na junta de freguesia, na câmara municipal que mais homens e mais mulheres têm a possibilidade de empenhamento numa luta colectiva. É também aí que todos podemos distinguir através da experiência concreta, se aqueles que detêm o poder estão ao serviço do interesse das populações. 15to foi há muitos anos dito por Eça de Queiroz, que entendia que a participação cívica no
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poder local era uma forte experiência para a integração da política global e portanto extremamente útil não só para a participação local mas também para a defesa dos interesses nacionais mais gerais.
Por isso, a AD tem logicamente medo do poder local, a organização das populações permite um grau de consciencialização que torna mais difícil a acção arbitrária do poder central - porque descentralizar obriga a criar um poder com o qual o poder central tem que dialogar - porque diminui e chegará mesmo a fazer desaparecer a influência dos caciques, intermediários entre as necessidades da população e as benesses que lhe são concedidas pelo Governo, porque permite um desenvolvimento equilibrado de todo o país, onde cada cidadão sabe que, através da sua junta de freguesia e da própria participação, pode adquirir para o local onde vive as melhorias que se impõem.
A criação das Comissões Coordenadoras, Regionais, que não só permitem ao poder central a distribuição de verbas a seu belo prazer pelas autarquias, mas ainda dão a possibilidade de reter ou dar andamento aos projectos de forma a facilitar ou a dificultar o trabalho.
A verdadeira farsa da regionalização está patente nas dificuldades da lei de competências.
Podemos dizer que essa lei descentraliza apenas os custos, distribuindo-os pelas autarquias e cuida atentamente não da autonomia do poder local, mas pretende antes assegurar o controle do poder central sobre o poder local.
A lei permite converter os investimentos inter-municipais em simples subsídios e comparticipações, símbolos do mecanismos que durante tantos anos de fascismo limitaram a vida das regiões e dos indivíduos.
A AD tem medo do poder local, a dinâmica que ele gera não serve os interesses da sua política.
O Sr. Herberto Goulart (MDP/CDE): - Muito bem!
A Oradora: - A revisão constitucional, proposta pela AD nesta área, é bem a expressão de que existe incompatibilidade entre o poder local, que já hoje é um direito e uma prática adquiridos pelos cidadãos, e a política global da AD.
Evitando entrar em atitudes claras, a AD remete o legislar para a lei ordinária isto é desconstitucionaliza. Remete para o Governo a possibilidade de manipular, a seu belo prazer os órgãos e a actividade do poder local - aquilo que até hoje era matéria legislativa reservada à Assembleia da República, por se entender que o exercício do poder local, pertencendo aos direitos e garantias dos cidadãos, havia que conservar a sua independência do poder governamental.
A regionalização foi a arma que, bem à sua maneira, a AD encontrou para controlar o poder local. Estendendo os braços tentaculares do poder central até aos limites da inconstitucionalidade, avançando a sua guarda pretoriana pelas diversas regiões, o poder regional vai tentar matar o poder autárquico.
A AD tem dificuldade em encarar olhos nos olhos a realidade e é bem significativo o historial anedótico das tentativas legislativas sobre o poder local nesta Assembleia. Verdadeira história para adormecer crianças, cega-relhas do tipo «da navalha fez sardinha, da sardinha fez menino, ...»
E aqui devo abrir um parêntesis para dizer aos colegas que tenho o maior apreço pelo trabalho feito na Comissão de Administração Interna e Poder Local. A análise que faço, e que é verídica e objectiva, vem das contradições entre o poder central da AD e a realidade que os seus autarcas encontram depois na execução da mesma política.
Assim acontece, por exemplo, que o dossier do Conselho Nacional dos Municípios veio tantas vezes a Plenário no ano passado que no fim do ano mais parecia pertencer aos nossos vizinhos da Torre do Tombo.
E, recentemente, as Associações de Municípios já foram tantas vezes agendadas que estou até a pensar em encaderná-las - e isto depois de durante dois longos processos elas terem florescido apenas em autorizações legislativas lá .pelo mês de Junho quando florescem as autorizações legislativas nesta Câmara.
A AD não sabe dialogar com o poder local e por isso só através de estruturas regionais de controlo estatal a ligação entre o poder local e central se poderá fazer.
Manietando a vida local, através do corte de verbas, secando a fonte mesma da participação popular, através de falhadas propostas de alteração da Constituição, a AD compraz-se nas superestruturas ligadas directamente ao poder central.
A AD tenta criar um clima onde sobreviva a sua noção de Estado e possa assim assumir o estatuto de governante que os seus objectivos políticos e até a personalidade de alguns dos seus governantes requerem.
A prioridade à regionalização dada nestas Opções, vista à luz da nossa experiência e à luz da distribuição de verbas deste OGE e de toda a filosofia dele emanante, é uma farsa maquiavélica que corresponde, mais uma vez, a uma má avaliação política da AD.
Não chega a inteligência nebulosa e mal objectivada do Vice-Primeiro-Ministro Freitas do Amaral, nem a dinâmica exuberante e incontrolável do voluntarismo do Ministro Angelo Correia -, o povo é sereno, agarrado ao real e caminha definitivamente pelos caminhos que conquistou com a Revolução de Abril.
O poder local nasceu como dinâmica nacional nas mais controversas campanhas de dinamização cultural do MFA. Por nós, prestamos homenagem a esses homens que, de uma forma anárquica, não institucionalizada, como era normal nas circunstâncias de então, mas onde havia a marca da qualidade humana e a força da dinâmica social, se lançaram a entregar Portugal aos portugueses, objectivo bem distante das intenções das leis em discussão neste momento.
A verdade é que também nessa altura o Dr. Proença de Carvalho não era o dono da televisão portuguesa.
Aplausos do MDP/CDE, do PCP e da UEDS.
O Sr. Presidente: - Tem a :palavra o Sr. Deputado César de Oliveira.
O Sr. César de Oliveira.(UEDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Não me
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deterei na análise concreta do Plano e do OGE para 1982. Outros deputados da minha bancada e das bancadas de esquerda democrática já o fizeram com brilhantismo e eficácia política e, certamente, outros parlamentares procederão a uma análise rigorosa do significado e das implicações deste Plano e deste OGE. Mas não será apenas por esta razão, como adiante se verá, que preferi outra via para intervir neste debate.
O Plano e o OGE para 1982 são - como foi aqui sublinhado - a resultante exacta e implacável da política prosseguida pelo VI Governo Constitucional. Através da contenção imperativa dos preços, da manutenção artificiosa da inflação em níveis aparentemente razoáveis, da publicidade paga na RTP com o crédito PAR (que, pelos vistos, só existiu no pequeno «écran»), das indemnizações e dos subsídios demagógicos, dos aumentos das reformas e pensões, o VI Governo Constitucional conseguiu de facto ganhar as eleições legislativas de 1980, mas na sua prática radica a responsabilidade essencial pela situação dramática a que chegámos.
Chegou o momento de as portuguesas e os portugueses confrontarem as duras realidades do quotidiano que a AD lhes impõe por intermédio deste Plano e deste OGE e da sua prática política diária, com o triunfalismo do VI Governo, com a presporrência de uma autoproclamada eficácia e competência. Chegou o momento das terríveis e dolorosas comparações entre as promessas eleitorais e a avalanche repressiva e especulativa que a AD, por natureza intrínseca da sua filosofia política, transporta para o dia a dia do povo português.
Dirá o Governo - e já o disse - que na actual conjuntura económica, nacional e internacional, não há trinta e cinco soluções para a dramática situação económica do País. Na actual situação afirma o Governo- as soluções só podem ser estas ou soluções semelhantes a esta.
Não aceitarei pela minha parte, discutir no terreno que o Governo e a sua maioria nos pretendem impor. Isto é, não considero correcto discutir este Plano e este OGE como instrumentos isolados, seja das opções políticas de fundo que os animam, seja como instrumentos apenas e exclusivamente considerados em si próprios.
O Sr. João Morgado (CDS): - Tem de ir ao médico!
O Orador.- Sr. Deputado João Morgado, a si nunca lhe respondo, desde que soube umas coisas!
Risos.
E esta recusa funda-se, para além das razões invocadas no início da minha intervenção, em três vectores que julgo essenciais:
Este Plano e este OGE decorrem não apenas de uma dada conjuntura económica e climática, mas essencialmente eles são implicados pela filosofia política, pelas concepções, pela prática, pelos interesses clientelares e pelo modelo de sociedade da AD;
O monetarismo e as políticas económicas restritivas são hoje a prática corrente nos países onde imperam soluções políticas conservadoras e neoliberais, émulas das que a AD vem concretizando no nosso país. E pelo facto de o monetarismo e das políticas económicas restritivas serem «a moeda corrente» em boa parte, mas cada vez menor, dos países com os quais Portugal mantém relações económicas, a política económica da AD conduz, fatal e necessariamente, a um enorme «beco sem saída»;
Trata-se, e esta é porventura a razão fundamental, para a UEDS e creio .bem para toda a esquerda democrática, de contrapor à política económica da AD e ao seu projecto de sociedade - não medidas conjunturais alternativas, como se fossem outros, que não AD, que tivessem responsabilidades de Governo - as balizas fundamentais de um projecto político global e alternativo. Trata-se de contribuir, no nosso entender, para a construção de uma alternativa, seja no plano do projecto e das medidas concretas por ele implicadas, seja no plano político e social, ao modelo de sociedade que a AD vêm tentando impor aos portugueses, ao arrepio da Constituição da República, como ficou ontem à noite lapidarmente elucidada pelo Sr. Deputado Xerez do CDS. Trata-se, finalmente, de promover a transformação democrática e socialista da sociedade portuguesa numa óptica global e na perspectiva de uma sociedade autenticamente democrática que nada tem a ver com o projecto da AD ou do de qualquer dos partidos que a integram.
Não aceitamos, por estas três razões fundamentais, discutir de bondade ou maldade desta ou daquela medida conjuntural concreta. O Plano e o OGE de «salvação nacional» da AD são da exclusiva responsabilidade do seu Governo e da sua política restauracionista. Este Plano e este OGE são só da AD que, bem vistas as coisas e com um breve interregno de cem dias, detém o poder desde princípios de 1979, com o consulado do agora filho pródigo Mota Pinto. Este Plano e este OGE são só da AD e, por assim ser, são também um instrumento essencial n ara á destruição da máscara da eficácia, da competência e do especial e farisaico empenho na justiça social com que os técnicos de marketing político e os fazedores profissionais de «factos políticos» vinham tentando colorir o Sr Primeiro-Ministro e os seus prolixos, omnipresentes e gesticuladores Ministros e colaboradores.
O Sr. João Morgado (CDS): - Essa não percebi! Está pior!
O Orador: - Sr. Deputado João Morgado, aqui não há colónias penais!
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: No espírito do Governo creio que estará, subjacente a este Plano e a este OGE e sobretudo à sua prática governativa, a peregrina ideia de que é possível «apertar» em momentos que não comportam actos eleitorais decisivos, para «desapertar» nos momentos onde tudo se joga em eleições legislativas. Quando se presumem distantes actos eleitorais legislativos diminui-se o poder de compra, usam-se medidas restritivas, liberalizam-se os despedimentos dos trabalhadores, aumentam-se os preços dos medicamentos e da assistência médica. Quando se aproximam eleições legislativas promove-se um aparente bem-estar das populações,. aumentam-se subsídios e pensões e reformas, contem-se artificiosamente os
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preços e a inflação, inauguram-se fontanários e utiliza-se com « gestos liberais e moscovitas» (como diria o saudoso Eça de Queiroz) esse instrumento que é a RTP. O Governo, creio, está possuído desta quimera. Só que estamos em Portugal, em 1981, nestes 98 000 km" e não, por exemplo, na Inglaterra da Sr.ª Tatcher, que, pelos vistos, tem ao menos a virtude de trazer ao Sr. Primeiro-Ministro um pouco mais de felicidade. A teoria do «apertar para desapertar» conduz ao fim da democracia em Portugal.
Sem querer alongar-me neste domínio penso que, como está provado nos últimos cento e cinquenta anos da nossa história, as forças conservadoras e a direita portuguesa necessitaram sempre de instrumentos repressivos e de práticas proteccionistas e autoritárias para assegurarem a sobrevivência dos interesses e das clientelas de que foram serventuárias fiéis. Sufrágio censitário, proteccionismo, pautas aduaneiras, censura, caciquismo, recurso ao autoritarismo e ao militarismo, polícias políticas, exploração colonial, OGE's de «salvação nacional» são faces diversas que entroncam no mesmo denominador comum: ausência de democracia e liberdade, ditadura, redução dó Parlamento e das instituições democráticas a meras fachadas para consumo da Europa.
A democracia é, na verdade, possível em Portugal, mas a política económica e social deste Governo e o modelo de sociedade que pretende reconstruir conduzem, pela sua própria natureza e pelos mecanismos políticos que lhe estão totalmente associados, à criação de condições onde a liberdade, a democracia e o 25 de Abril não serão possíveis. O espectro do fim. terrível da 1.ª República aí está: a História quando se repete ou é farsa ou tragédia. A AD conduz de facto, à tragédia.
O Sr. Manuel da Costa (PS):. - Muito bem!
O Orador: - A democracia é possível em Portugal, se for também possível - e é - construir uma alternativa global à AD fundada num projecto político claro capaz de congregar, política e socialmente, a maioria dos portugueses.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Não me sobra o tempo para responder, cabal e detalhadamente, ao desafio que me impus a mim próprio ao longo desta intervenção: contrapor ao modelo de sociedade e ao projecto político da AD implicados neste Plano e neste OGE para 1982, as balizas fundamentais de uma alternativa democrática e socialista que, a exemplo do que aconteceu recentemente em França e na Grécia, poderá ser construída e concretizada em Portugal por todas as forças e individualidades que se reclamam do socialismo democrático.
Adiantarei algumas propostas que, espero, terei dentro em breve oportunidade de aprofundar:
Primeiro, rentabilização, eficácia e modernização do sector ,público, de modo à satisfação das necessidades básicas do povo português e à promoção do desenvolvimento global baseado no crescimento endógeno. Esta primeira opção implica, obviamente, a consideração dos sectores público, cooperativo e autogerido como pólos essenciais da recuperação económica e social do País, assim como exige incentivos a todas as formas de associativismo económico e
social. Todavia tal consideração obriga, também, a um efectivo apoio às PME, à mobilização dos trabalhadores e à concretização de uma autêntica planificação democrática da economia que harmonize os imperativos centrais com os interesses regionais e locais, que viabilize o sector privado como sector complementar dos sectores público, cooperativo e autogerido.
Segundo, defesa intransigente das liberdades públicas e da participação plena dos cidadãos, na vida política e administrativa, em todos os níveis e planos da sociedade portuguesa. Harmonização da democracia representativa - pedra angular do socialismo democrático e conquista histórica, desde 1789, dos trabalhadores e dos povos europeus com todas as formas de democracia de base, previstas, de resto, na Constituição da República Portuguesa. Garantir a intervenção - das diversas formas de organização dos trabalhadores na vida das empresas e em todos os sectores económicos e sociais que lhes digam imediatamente respeito, no quadro do pluralismo e da representatividade.
Terceiro, regionalização, descentralização e desconcentração do poder e da administração pública entendidas, não como panaceia miraculosa em ano de eleições autárquicas, mas como objectivos de uma meta mais vasta que é a de transformar definitivamente a máquina estatal centralizada e triturante construída pelo salazarismo, aproximando o poder do povo, concretizando a participação popular nas instituições. A regionalização, a descentralização e a desconcentração do poder assim entendidas, não poderão resultar - dos passes de mágica de um qualquer ministro da Administração Interna, por mais habilidoso que seja - e é -, mas do desenvolvimento apoiado do poder local, do respeito escrupuloso pelos interesses das populações e de estudos sérios e exaustivos que, ponderadamente e, em colaboração estreita com as instituições do poder local, conciliem o particular com o geral e harmonizem o específico no plano regional com interesses nacionais.
Quarto, política cultural dotada de meios financeiros adequados à promoção da criação cultural individual e colectiva, da imaginação popular e à máxima potencialização da possibilidade de exprimir, inventar e elaborar eis instrumentos que viabilizem a materialização das aspirações colectivas, seja no domínio cultural como na esfera do social. Esta política cultural recusa, obviamente, todo o tipo de dirigismo - mas não dispensa, antes exige, a dinamização do entusiasmo popular no esforço urgente e imprescindível de pensarmos (e repensarmos) colectivamente o que somos, quem somos e, sobretudo, o que queremos ser, como povo e como Pátria soberana, no futuro.
Quinto, política externa que contribua para a construção de uma Europa que seja sujeito activo da sua própria história, de uma Europa progressivamente cada vez mais dos trabalhadores e cada vez menos das multinacionais e que contribuindo ela própria para uma nova ordem económica internacional, propicie a Portugal a máxima diversificação nas relações económicas, políticas e culturais com outros povos e outros Estados, no quadro global do reforço da nossa capacidade de decisão soberana, sem subserviências.
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desnecessárias ou arrogâncias isolacionistas sem sentido.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Escasseia-me o tempo para aprofundar estas cinco balizas que a UEDS julga essenciais (a par de medidas concretas sectoriais indispensáveis) para a construção de uma alternativa a esta AD, a este Governo e ao projecto e modelo de sociedade que subvertendo a Constituição da República nos tem vindo a ser imposto. Dirão uns que sou ingénuo, outros que me faltam instrumentos e forças para realizar este projecto bem simples que é, afinal, o de querer transformar democraticamente a sociedade portuguesa nos termos do projecto consagrado na Constituição da República. Somos reincidente.; na coerência, somos reincidentes na coragem de sempre recomeçar; acreditamos no que pensamos e sentimos, acreditamos na capacidade criadora das massas populares, acreditamos na esquerda democrática que, em breve, substituirá este Governo e esta maioria.
Aplausos da UEDS, do PS e da ASDI.
O Sr. Presidente: - Pediram a palavra os Srs. Deputados Carlos Robalo, Faria dos Santos, Álvaro Barreto, Luís Coimbra e João Morgado.
Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Robalo.
O Sr. Carlos Robalo (CDS): - Sr. Deputado César de Oliveira, quero dizer-lhe que é normalmente com muito agrado e muitas vezes com interesse que o ouço. Naturalmente que hoje fiquei um tanto baralhado com a sua intervenção ...
O Sr. César de Oliveira (UEDS): - É natural!...
O Orador: - Sr. Deputado, eu ouvio-o calmamente.
Mas como ia dizendo, fiquei um tanto baralhado com a sua intervenção, porque não é de ,facto nem a inflação nem o problema orçamental o forte do Sr. Deputado. E daí ter ouvido falar da inflação em termos tais que tinham para a sua cosmética uns produtos de 4.º categoria.
Naturalmente que também ouvi o Sr. Deputado fazer uma certa relação Orçamento/eleições. E dentro desta relação fez V. Ex.ª certas ligações: eleições-Orçamento permissivo, não eleições-Orçamento restritivo. Também aqui me parece que houve uma certa confusão, até porque V. Ex.ª chamou a este Orçamento restritivo e pouco lhe faltou para lhe chamar de miséria, mas chamou-lhe .pelo menos instrumento de mudança. E era aqui que lhe queria fazer uma pergunta: entende o Sr. Deputado que as eleições para as autarquias locais têm a maior importância, a maior dignidade e o maior peso na consolidação democrática deste .país? No caso de ser assim como justifica V. Ex.ª um Orçamenta restritivo, senão chamando este Governo de sério, coerente e interessado predominantemente nos problemas que afligem o povo português? Assim, como consegue V. Ex.ª chamar outras coisas ao Governo, considerando sem importância, sem interesse, sem representarem nada as eleições das autarquias locais?
A razão da minha pergunta baseia-se, Sr. Deputado, no facto de o Orçamento que estamos a discutir - e isto queria lembrar-lho- é o Orçamento
Geral do Estado para 1982 e as autarquias locais têm eleições em 1982, perante um Orçamento restritivo.
Vozes do PCP: - Mas que, confusão!
O Orador:- Srs. Deputados, é natural que seja complexo, porque não tenho cassetes como os senhores.
Vozes do PCP: - Não tem é nada!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Faria dos Santos.
O Sr. Faria dos Santos (PSD): - Sr. Presidente, era só para um singelo protesto em relação a uma afirmação' que o Sr. Deputado César Oliveira fez.
Disse o Sr. Deputado que a expressão «um gesto liberal e moscovita» pertencia a Eça de Queiroz. A' expressão é na realidade de Fernando Pessoa no poema «Em linha recta».
É evidente que no tempo em que o poeta fez esta afirmação ainda não se tinha dado - e ele não poderia pensá-lo sequer - na invasão do Afeganistão.
Portanto, ao dizer «um gesto liberal e moscovita» nada tinha a ver com as novas realidades nacionais e mundiais.
O Sr. Presidente: - Tem a :palavra o Sr. Deputado Álvaro Barreto.
O Sr. Álvaro Barreto (PSD): - Era para fazer um protesto, .perante a afirmação feita pelo Sr. Deputado César de Oliveira, feita aliás já ontem por outros deputados da oposição, de que a situação económica em que o País se encontra neste momento se deve à política económica desenvolvida ao longo do ano de 1980.
Sr. Deputado, protesto veementemente contra essa afirmação pois a situação em que estamos hoje é devida, por um lado, à debilidade estrutural da economia portuguesa e, por outro lado, e em grande parte, devido aos erros e atropelos que foram cometidos neste país no período que se seguiu imediatamente a seguir ao 25 de Abril.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Isso é querer atirar para cima do Governo de Sá Carneiro culpas que ele não tem. Foi um Governo que cumpriu todas as promessas feitas - promessas feitas antes da sua entrada em funcionamento- e que adoptou uma política que foi correcta, tendo em atenção as condicionantes internacionais existentes nessa altura.
Portanto, protesto veementemente contra essa sua afirmação que não podia deixar passar em claro.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado. Luís Coimbra.
O Sr. Luís Coimbra (PPM): - Julgo que talvez pela primeira vez um deputado da oposição apresentou uma proposta de socialismo democrático ou de nova esquerda democrática - não sei quais foram exactamente os termos utilizados.
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Fundamentalmente o Sr. Deputado César Oliveira apresentou três grandes linhas de orientação para essa plataforma, e daí o meu pedido de esclarecimento. De entre elas avultaria o reforço das empresas públicas, a regionalização e o papel da cultura.
Ora fico um pouco perplexo, porque se comparamos quais foram os subsídios e o reforço da actividade das empresas públicas dos anteriores governos e dos governos da AD, diria que' o Sr. Deputado está a pôr na boca do tal socialismo democrático aquilo que a AD tem feito. De facto, os subsídios às empresas públicas entre 1978 e 1980 foram em média de 11 milhões de contos e este ano serão de cerca de 17 milhões de contos.
Quanto à regionalização, todos sabemos o que foi o centralismo, como foram estabelecidas as relações entre o poder central e o poder local. Daí até a resposta que foi dada nas eleições autárquicas de 1979 a todo esse centralismo, que já vinha de trás, que era uma herança de antes do 25 de Abril, mas que foi reforçado com a criação de delegações do Terreiro do Paço, como eram os Gabinetes de Apoio Técnico às Autarquias, durante o processo que se considerou de descentralização, mas que pouco ou nada tinha a ver com a regionalização.
Fico também perplexo por o Sr. Deputado levantar aqui o problema da cultura, pois quando da apresentação do Programa do Governo este ano essa questão teve o consenso unânime desta Casa.
De forma que, mais uma vez, o que me parece que o Sr. Deputado fez foi tentar erguer de novo no ar o balão da FRS. Só que ele foi ao ar uma vez e nunca mais conseguiu descer em terra e enfrentar as realidades.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Morgado.
O Sr. João Morgado(CDS): - É para um protesto, Sr. Presidente.
Não vou protestar pela intervenção feita pelo Sr. Deputado César Oliveira, ela não merece isso tão fraca é, tão inócua me pareceu.
Mas queria realmente protestar por uma frase que ele aqui ,proferiu, dizendo que não me respondia depois de saber certas coisas a meu respeito.
É evidente que não estou preocupado com as coisas que u Sr. Deputado César Oliveira sabe ou deixa de saber. O Sr. Deputado não deve saber grandes coisas, até pelo tipo de intervenção que aqui fez.
Estou .preocupado é com o espírito de devassa que' o Sr. Deputado aqui revelou. Quer dizer, o Sr. Deputado demonstrou que andou a fazer devassa sobre
vida privada de deputados aqui presentes e isso revela um espírito pidesco, um espírito de KGB que julguei que estivesse afastado do Parlamento português.
O Sr. António Vitorino (UEDS): - O senhor é inqualificável!
O Orador: - O Sr. Deputado António Vitorino, que está a servir de apoio ao Sr. Deputado César Oliveira, também talvez saiba as mesmas coisas, talvez use os mesmos processos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não poderia deixar de protestar por isso, mas tenho a impressão que o Sr. Deputado se quis referir ao facto de uma profissão que tive antes de vir para Portugal, profissão de que me honro e que tem a ver com o desempenho de funções que ainda hoje são desempenhadas no nosso país por pessoas por quem tenho o máximo respeito, por pessoas que me merecem a maior consideração.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o. Sr. Deputado César Oliveira, para responder.
O Sr. César de Oliveira (UEDS): - Sr. Deputado Carlos Robalo, a minha cosmética é a minha, V. Ex.ª tem todo o direito de estar baralhado e completamente perturbado com a minha intervenção. Leia-a, se a souber ler, o que acredito que sabe, e não ficará, no fim, baralhado com ela.
Respondo-lhe assim porque não tenho muito tempo.
Ao Sr. Deputado Álvaro Barreto quero dizer que ontem o Sr. Deputado Salgado Zenha demonstrou brilhantemente, exemplarmente e lapidarmente que V. Ex.a, mais uma vez, não teve razão nenhuma. Aliás isso é uma contumácia.
Risos.
Em relação ao Sr. Deputado Faria dos Santos, eu não afirmei «como disse Eça de Queirós», mas «como diria Eça de Queirós». Exactamente, pelo que me consta, Fernando Pessoa não escreveu nada sobre parlamentarismo e o grande crítico do parlamentarismo, sobretudo na «Campanha Alegre», foi o Eça de Queirós. Por isso eu disse «como diria o saudoso Eça de Queirós».
cr. Deputado Luís Coimbra, a resposta que dei ao Sr. Deputado Carlos Robalo aplica-se à questão que levantou. Leia a minha intervenção, agradeço-lhe a homenagem que me prestou, mas não fique tão perplexo porque se souber ler - e ao que consta os monárquicos tiveram algumas luzinhas de leitura parlamentar durante o constitucionalismo monárquico- ficará esclarecido.
Sr. Deputado João Morgado, a afirmação que fiz ali de cima foi exclusivamente esta: O Sr. Deputado foi Director de uma Colónia Penal em Angola e, por isso, não mais lhe respondo nesta Assembleia. Fui perseguido pela Pide, muitos deputados das bancadas da oposição foram também perseguidos e choca-me profundamente estar a par nesta Assembleia com o Sr. Deputado, que se orgulha de ter sido Director de uma Colónia Penal em Angola, no tempo do colonialismo, no tempo do fascismo, no tempo da guerra colonial.
Aplausos da UEDS e do PS.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Álvaro Barreto.
O Sr. Álvaro Barreto (PSD): -.Era apenas para dizer ao Sr. Deputado César de Oliveira que o facto de evocar o Sr. Deputado Salgado Zenha me deixa bastante sossegado, pois são bem conhecidos os altos conhecimentos de economia do Sr. Deputado Salgado Zenha ...
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
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O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado João Morgado, deseja intervir de novo?
O Sr. João Morgado (CDS): - Queria apenas esclarecer a Câmara de que as palavras do Sr. Deputado César de Oliveira não são inteiramente verdadeiras.
Não fui director de nenhuma Colónia Penal em Angola e muito menos de qualquer estabelecimento prisional que tivesse a ver com a Pide ou com a política.
Fui director de um estabelecimento prisional, como hoje há directores da Cadeia Central de Lisboa ou da Penitenciária de Alcoentre. E são pessoas, hoje como ontem, que me merecem inteiro respeito. Fui um técnico dos serviços prisionais, orgulho-me e tenho honra nisso e só o não sou agora porque as circunstâncias o não permitiram.
Não tem nada a ver, Sr. Deputado, a questão da Pide com a questão das colónias penais. Como sabe havia estabelecimentos aprisionais para presos políticos e havia estabelecimentos prisionais, como ainda hoje há, para presos de delito comum.
Fui director de um estabelecimento prisional de delito comum. Creio que nisso não há nenhum gravame e se é por isso que o Sr. Deputado deixa de me responder, digo-lhe que estou muito orgulhoso nisso e se critica esta função o Sr. Deputado é que não tem o direito de se sentar neste Parlamento.
Aplausos do CDS.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado César de Oliveira, deseja usar da palavra?
O Sr. César de Oliveira (UEDS): - Era só para dizer, Sr. Presidente, que o Sr. Deputado Tito de Morais esteve preso em Angola numa cadeia de delito comum e era preso político.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Robalo.
O Sr. Carlos Robalo (CDS): - Devo, dizer-lhe, Sr. Deputado César de Oliveira, que considero lamentável, para não dizer desonesto, mas claramente antidemocrático e não respeitador dos direitos humanos que V. Ex.ª utilize processos de intenção como acaba de fazer. E são processos de intenção, porque V. Ex.ª nada pode provar. É lamentável que seja V. Ex.ª a fazer uma confusão entre um estabelecimento penal de delito comum ou estabelecimentos especiais políticos.
Não caberia de facto na cultura de V. Ex.a, não cabe no humanismo nem na consciência que lhe reconheço, cabe sim numa falha sua. E só lamento que V. Ex.ª não tenha a capacidade de reconhecer que errou, porque só sairia engrandecido disso. Os homens manifestam-se também quando cometem os seus erros e V. Ex.ª acaba de cometer um erro grosseiro e lamentável e até de desrespeito total por este Parlamento, como sede .privilegiada da democracia. Quem, de facto, não respeitou a democracia nem este Parlamento foi o Sr. Deputado César de Oliveira.
Creia que é com grande mágoa que faço este protesto, porque V. Ex.ª me merece consideração e eu não queria diminuí-la.
O Sr. Presidente- - Tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.
O Sr. António Vitorino (UEDS): - Sr. Deputado Carlos Robalo, as afirmações que foram aqui proferidas pelo meu camarada César de Oliveira são afirmações que, em nosso entender, não põem em causa a dignidade deste Parlamento. São afirmações que só podem ser proferidas num Parlamento livre e nós não toleraremos que, ao acusarem-nos de fazermos processos de intenção, nos coarctem o direito de
emitir as nossas próprias opiniões.
Não pretendemos empolar este incidente, mas o que mão poderemos deixar passar em claro é que o Sr. Deputado Carlos Robalo queira fazer guerrilha psicológica em relação a um assunto que nos assiste: o inteiro direito de trazermos aqui, por coerência para com os nossos princípios, por coerência para com os ideais .por que nos batemos e por que sofremos durante tantos anos.
Aplausos da UEDS e do PS.
O Sr. Carlos Robalo (CDS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Sr . Deputado Carlos Robalo, gostaria que compreendesse que embora este regime seja especial parece que não servirá os interesses do povo português e. do Parlamento continuar indefinidamente, como uma bola de pingue-pongue, em protestos e contraprotestos.
Agradecia-lhe o favor de compreender que para o interesse de todos era preferível que se desse o assunto por encerrado. As posições de cada deputado já foram expressas e portanto continuaríamos o nosso debate sobre o Orçamento e o Plano.
Peço a sua compreensão, Sr. Deputado.
O Sr. Carlos Robalo (CDS): - Sr. Presidente, tenho pena mas não posso dar-lhe- a minha compreensão.
De facto, V. - Ex.ª faz uma leitura desta questão, e a minha é diferente. Penso, pois, que este problema necessita de ser esclarecido, até porque gerimos o nosso tempo como entendemos.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado se entende que deve usar dela.
O Sr. Carlos Robalo (CDS).: - Sr. Deputado António Vitorino, quero dizer-lhe que o quer ofende este Parlamento, o que ofende a democracia, o que ofende a dignidade, é tudo aquilo a que se possa chamar a mentira.
De facto foi uma afirmação não verdadeira aquela que foi feita pelo Sr. Deputado César de Oliveira e que foi esclarecida apelo Sr. Deputada João Morgado. Quero dizer-lhe ainda que não precisa ter receio, pois ninguém lhe quer tirar a voz. A única coisa que desejo é que V. Ex.ª também não queira tirar a voz aos outros.
O Sr. Presidente: . Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Adriano Vasco Rodrigues.
O Sr. Adriana Rodrigues (CDS): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Ministros, Srs. Deputados:
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Não é tarefa fácil planificar a educação, quer se trate de perspectivar a longo ou a médio prazo, quer de uma programação de acção imediata.
As dificuldades crescem ainda mais, quando o rendimento das nossas instituições .educativas é demasiado baixo para os custos do .investimento.
A educação actual é cara para o país e rende pouco.
Certamente se me- :perguntarem se acho demasiado os 69, 2 milhões de contos do Orçamento destinadas às necessidades educativas (os quais correspondem a uma taxa média de crescimento de 22,9 % valor superior à média de crescimento das despesas de 1981-1982, que se cifrou em 21,9 %, direi que. se desejaria vê-lo mais ampliado, pois as carências neste campo são muitas, e vêm de longe, friso este aspecto, especialmente em matéria de equipamentos e edifícios.
Porém, e apesar de tudo, confesso que este Orçamento num país como o nosso, que vive uma crise que se acentua desde há alguns anos, como já foi demonstrado, e que o condicionalismo internacional parece. querer agravar, representa um real e notável esforço por parte ,do VIII Governo, para dar cumprimento ao programa da Aliança Democrática, em matéria de educação e, política de juventude.
Reconhecemos que não é fácil quantificar em matéria de educação, onde forçosamente têm de ser feitas opções qualitativas, embora um orçamento seja essencialmente uma extensão quantitativa da educação.
É exactamente a análise global do nosso processo educativo que tem origem anterior à AD, o se mantém, que me leva a formular algumas perguntas, isto para evitar confusões de algumas bancadas, a emitir opiniões com sentido construtivo. e a fazer reparos dentro das responsabilidades, que não, enjeito, como deputado.
Sr. Presidente., Srs. Ministros, Srs. Deputados: Entendo que será possível melhorar este Orçamento, recreando a gestão do Ministério e reduzindo despesas desnecessárias. Mas só por si a redução de despesas .não significa uma boa medida económica. O que terá de ser melhorado é a produtividade do investimento. Nesse sentido apresento 14 pontos, que considero pertinentes:
1) Uma economia da educação passa pela; definição do sistema de ensino. Infelizmente, no nosso país, não temos um sistema de ensina coerente, pois o que existe, assemelha-nos a um país subdesenvolvido, como já aqui disse. Este sistema foi agravado pelo nefasto Decreto-Lei n.º 47 587, de 10 de Março de 1977, que transformou Portugal num vasto palco de experiências pedagógicas.
Eu pergunto: Quando haverá a coragem para acabar com esta loucura, que trata legalmente os alunos como cobaias? Quando terminará esta autofagia pedagógica, que destrói o ensino?
2) O número de reuniões impostas às escolas pela Portaria n.º 970/80 torna inviável o Projecto' Global de Formação, atrapalha o enquadramento e coordenação dos PIT's, dificulta a dinamização dos grupos, por vezes por falta de orientadores e o que é mais contraditório é que, tratando-se de um .país em permanente experiência escolar, o próprio INIC (Instituto Nacional de Investigação Científica) exclui a possibilidade dos .professores serem equiparados a bolseiros para investigarem em ciências da educação, o que nega à experiência a investigação necessária ...
3) Gostaria de perguntar ao Sr. Ministro da Educação e Universidades, se foi feito um levantamento das acções formativas e informativas dos PIDDAC's e avaliados os resultados obtidos, em termos quantitativos e qualitativos, de modo a justificar os vultosos investimentos de centenas de milhares de contos que anualmente absorvem?
4) Como se sabe, a maior rentabilidade de qualquer plano de investimento é condicionada e controlada pelos interesses imediatos, sentidos pelos que se pretendem beneficiar. Até. que ponto. este processo responde á, regionalização, à participação das autarquias e da família?
5)Pergunto ainda, quando será estabelecido um sistema de .ensino, em que deixe de haver a nível de secundário, 283 disciplinas e 630 programas? Isto é um delírio pedagógico ...
Tal sistema, com tolos os seus inconvenientes, agrava as despesas, pois cada técnico que intervém anualmente na revisão do programa ganha 4000$ - o que poderá não ser muito -, o que se traduz, no gasto de milhares de contos. Os programas deveriam ter maior estabilização, com base em investigações.
6) A variabilidade dos cursos de escola para escola, exige apetrechamentos diferentes. Ocorre, porém, que de ano para ano, na mesma localidade, algumas disciplinas mudam de escola, tornando o investimento inútil ou perdido, obrigando a novos gastos.
7) Não quero perguntar se a profissionalização em exercício, nos moldes em que funciona, é mais cara ou mais barata do que no sistema anterior. Como sabem esta profissionalização em exercício resulta de um decreto do Governo Pintasilgo. Pergunto se será mais 'eficiente?
Em termos de gastos acontece com frequência, na mesma localidade, e em escolas próximas, por vezes, uma em frente da outra, haver dois profissionalizandos, respectivamente um em cada escola. Estes são acompanhados cada um por seu delegado. Além dos gastos com gratificações e reduções de horas, estas agravam-se com as substituições de professores. Haveria benefício se os dois estivessem na mesma escola.
8) Um sorvedouro de dinheiro, que poderia ter melhor aplicação, é o que resulta do mau uso do artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 290/75, de 14 de Junho. Este artigo é necessário e não gostaríamos que fosse anulado, mas exige-se a sua moralização pelos abusos a que se presta, agravando os custos da educação, com substituições. Por mim, lamento a difícil posição dos membros da Junta Médica e há que encontrar soluções moralizantes que me não aparecem, em termos de justiça para os professores realmente doentes, resultantes da aplicação do Despacho Normativo n.º 326/81. Quantos professores há com redução de serviço? Dizem-me que uns milhares ... Fiz há dois anos a pergunta e ainda aguardo a resposta.
9) Um melhor aproveitamento das instalações com redução dos curricula, traduzir-se-ia numa maior economia monetária e rentabilidade pedagógica.
10) Quando se pensará num fundo de maneio que permita aos conselhos directivos intervir imediatamente nas obras de conservação e manutenção?
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As demoras burocráticas agravam os curtos resultados da deterioração.
11) Quando se fará a moralização dos serviços centrais, de modo a que deixem de andar a reboque das escolas? A rentabilidade e eficiência tem de começar com a optimização dos serviços, evitando atrasos, perdas de tempo, como aquelas a que os provincianismos chamam já o Lisboa time ... Atrasos graves verificaram-se ainda, recentemente, com todos os prejuízos da tardia afixação das notas do 12.º ano ...
12) Não desejo alongar-me muito, mas gostaria que fosse clarificada a Portaria n.º 15/51, de Janeiro, que fixa o quadro do pessoal auxiliar e administrativo e causa inquietação apor falta de critério uniforme.
13) Embora as vias profissionalizantes mereçam o nosso apoio, há quem as critique por frustrantes em relação ao acesso aos cursos superiores e à política de emprego.
O meu partido defende desde 1976, nesta Câmara, o ensino profissional.
Com surpresa ouvimos na passada semana a resposta do PCP, nesta Assembleia, de que defendia também o ensino profissional, o PCP a quem se atribui a responsabilidade da extinção do ensino técnico profissional, em 1975, o qual veio agravar o desemprego juvenil.
Quando teremos a coragem de avançar com o ensino profissional a nível médio?
Grande parte dos alunos que frequentam o 12.º ano, fazem-no e repetem-no por não terem para onde ir ...
Sr. Presidente, Srs. Ministros, Srs. Deputados: Entre o malthusianismo da reacção universitária, constituída pelo numerus clausus e o taylorismo tímido, do anunciado ensino politécnico, da via profissionalizante e das reclamadas escolas profissionais, situam-se os mais graves problemas da reforma do nosso ensino.
A crise da sociedade portuguesa na década de 70 assentou em três grandes movimentos de rebelião cultural: o da juventude, o da mulher e o da preocupação pela defesa do ambiente.
Estes movimentos encontraram uma esperança no Programa da Aliança Democrática, que prometeu à juventude um statu cultural diferenciado do tradicional paternalismo; à mulher uma dignificação na família e na sociedade, em contraste com o feminismo clássico e aberrante; ao ambiente, a defesa esclarecida e intransigente da Natureza.
A viabilidade deste Programa, Srs. Deputados, Srs. Ministros, assenta na educação e, por esse motivo, o nosso sistema escolar, caduco e contraditório, tem de ser remodelado, de modo a tornar rentável, em termos humanos, o profundo esforço financeiro que o País suporta na presente conjuntura, com a esperança que desejo não seja frustrante, de criarmos uma sociedade mais justa e mais fraterna.
Aplausos do CDS, do PSD e do PPM.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos inscreveram-se os Srs. Deputados Jorge Lemos, Teresa Ambrósio, Gomes Fernandes e Helena Cidade Moura.
Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos.
O Sr. Jorge. Lemos (PCP): - Sr. Deputado Adriano Vasco Rodrigues, uma primeira questão que gostaria ficasse clara era esta: o PCP defendeu na devida altura - e continua a defender - a unificação do ensino nos três anos imediatos ao ensino preparatório. Isto porque se considera que ao impor-se às crianças portuguesas, numa idade em que qualquer pedagogia que se tenha como certa vai no sentido de terem todas a mesma educação base, uma selecção entre liceus - e escolas técnicas se terá como resultante a própria selecção no sistema educativo, Quanto ao ensino profissional, este consta do nosso projecto de lei de bases do sistema educativo e sempre foi proposta do nosso partido.
Uma voz do PCP: - Muito bem!
O Orador: - É sabido que o CDS, particularmente o Sr. Deputado, não morre de amores pelo Sr. Ministro da Educação. Têm razão face à gerência ruinosa que o Sr. Ministro Vítor Crespo vem fazendo da Educação em Portugal. A sua intervenção, Sr. Deputado Adriano Vasco Rodrigues, é em si um libelo acusatório contra o Ministro da Educação, contra a sua política, contra a política, afinal, do Governo em que se insere.
Vozes do PSD: - Não apoiado!
O Orador: - O Sr. Deputado confundiu, no entanto, no início da sua intervenção, números e verbas, Confundiu despesas com o Ministério da Educação com despesas funcionais para a Educação. Ora o que se verifica, Sr. Deputado, é que, em termos funcionais, as despesas com a Educação têm uma redução que representa no OGE quase 4 %. Em relação ao Ministério da Educação é o próprio Governo que nos vem dizer, e cito o que consta da proposta de lei, p. 42: «A variação registada no Orçamento do Ministério da Educação e das Universidades (mais 12,5 milhões de contos) incide principalmente nas despesas de pessoal, que têm elevado peso no conjunto das respectivas despesas.»
Isto significa, claramente, que as verbas para as construções escolares, para a melhoria de qualidade do ensino, para as novas técnicas pedagógicas não existem, ou seja, que as promessas da AD vão continuar adiadas, afinal porque elas nunca foram mais do que demagogia eleiçoeira e barata.
Muito mais haveria para dizer, Sr. Deputado, mas o tempo que hoje temos, não no-lo permite. Termino dizendo que amanhã terei oportunidade de tecer algumas considerações sobre os aspectos mais negros deste escandaloso Orçamento que a AD quer impor ao povo português. .
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente:- Tem a palavra a Sr.- Deputada Teresa Ambrósio.
O Sr. Adriano Vasco Rodrigues (CDS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado pretende. responder de imediato?
O Sr. Adriano Vasco Rodrigues (CDS): - Posso responder a tudo em conjunto, Sr. Presidente. Gostaria,
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no entanto, de fazer já um protesto contra as afirmações agora proferidas.
O Sr. Presidente: - Então, tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Adriano Vasco Rodrigues (CDS): - Eu queria esclarecer esta Câmara, particularmente o Sr. Deputado Jorge Lemos, de que não me move nada de pessoal contra o Sr. Ministro Vítor Crespo. Daí que eu tenha de desmascarar a ilação que o Sr. Deputado para aqui tenta trazer com um sentido de intriga, isto nos mesmos termos em que, tendo votado na semana passada, numa reunião da CNAEBA, contra o voto de censura apresentado pelo seu partido contra o Sr. Ministro Vítor Crespo, eu critiquei nessa reunião da CNAEBA o modo como decorreu toda a exploração feita em torno de uma nomeação e segundo a qual - isto apareceu num jornal - eu haveria dito que o Sr. Ministro não procedera a uma nomeação por motivos políticos. Havia uma fita registada e na altura apresentei uma proposta à assembleia da CNAEBA para que fosse enviada ao Ministro a cópia da acta que ali havíamos discutido. É que eu fiz as minhas críticas em termos de processo e não de crítica pessoal, Nada me move -repito- contra o Sr. Ministro Vítor Crespo porque se assim fosse eu não me prestaria a vir aqui, em nome do meu partido e em meu nome pessoal, efectuar uma intervenção em matéria de Educação.
Vozes do CDS - Muito bem!
O Orador: - Estou contra o sistema educativo que temos, vindo já de longe, não tendo havido, até agora, a coragem de o corrigir. Digo isto não só dentro dos direitos que me assistem como deputado de um parlamento democrático, livre, mas também como membro da Aliança Democrática, em que me insiro e não por força de vozes que me fossem ordenadas para bater palmas ao Sr. Ministro, ou a A, B ou C, para negar os motivos que me levaram a integrar nessa aliança por amor à Democracia, à Verdade e à Liberdade.
Aplausos do CDS, do PSD e do PPM.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Apenas para .um curtíssimo contraprotesto, Sr. Presidente.
Em primeiro - lugar, quero que fique claro que o que foi votado na reunião da CNAEBA - e o Sr. Deputado sabe-o melhor do que eu - não foi um voto do PCP mas sim um voto resultante do trabalho de um grupo, expressamente criado para o efeito. Quero dizer-lhe ainda, Sr. Deputado, que o voto foi aprovado por esmagadora maioria dos representantes da CNAEBA, tal era a escandaleira da atitude do Governo em relação à não nomeação de um coordenador de uma comissão regional de alfabetização. Lembro as palavras que na altura lhe disse o meu camarada Rogério Fernandes: «0 Sr. Deputado Adriano Vasco Rodrigues votou respeitando a disciplina partidária mas certamente que contra a sua consciência.»
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Teresa Ambrósio.
A Sr.ª Teresa Ambrósio (PS): - Sr. Deputado Adriano Vasco Rodrigues, face à sua intervenção gostaria de lhe fazer quatro perguntas.
Primeira pergunta: o Sr. Deputado quer significar que o Governo da AD não está a cumprir, nomeadamente no que respeita ao sector da Educação, o seu Programa aqui apresentado e aprovado, isto é, um programa para expandir e regionalizar a Educação? O Sr. Deputado diz na sua intervenção, acrescentando aí o que nós já sabemos e temos denunciado, que para além de não cumprir o seu programa o Governo está ainda a fomentar a corrupção e o malthusianismo dentro do sistema escolar. É assim ou não é?
Vozes do PS: - Muito bem!
A Oradora: - Segunda pergunta: é evidente que o orçamento para a Educação não satisfaz a ninguém, que nenhum de nós sabe em que é aplicado, que nenhum deputado desta Assembleia sabe como são distribuídos os 69 milhões de contos na área dos investimentos. Pergunto, pois, ao Sr. Deputado por que não apoiou - e porque é que o CDS, que tem a presidência da Comissão de Educação, Ciência e Cultura, também não - todo o esforço feito por outros deputados no sentido de este ano se fazer como noutros anos, isto é, pedir ó mínimo de esclarecimentos quanto â aplicação destas verbas. Nós não sabemos o que é feito do PIDDAC ou do que quer que seja acerca destas verbas. Sabemos apenas que elas não chegam nem para melhorar o sistema escolar nem para corrigir as carências.
Terceira pergunta: o Sr. Deputado diz e muito bem - nisto estou sempre de acordo consigo- que não temos sistema de ensino, de educação, definido. Que fez o CDS para isso? Quando apresentou um projecto de lei? Porque é que o CDS não deixou que se discutissem aqui, nesta Assembleia, projectos de reforma do sistema educativo ...
Vozes do PS: - Muito bem!
A Oradora: - ..., projectos de definição de uma política educativa para o que havia e há um vasto consenso da opinião pública, que se pode apreciar pelas discussões havidas nas escolas, sindicatos e com a opinião pública? O CDS reprovou tal, não deixando sequer baixar à discussão pública, através da Comissão de Educação, Ciência e Cultura, o projecto de lei apresentado aqui pelo Partido Socialista. Que tem feito o CDS, após dois anos de governação integrado na AD, para permitir a definição de uma política educativa?
Vozes do PS: - Muito bem!
A Oradora:- Por último, Sr. Deputado., queria apenas dizer-lhe que não vale a pena criticar quando
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se está profundamente comprometido com o governo da AD, que não tem política educativa, que não sabe administrar a máquina escolar, que pratica o malthusianismo escolar a todos os níveis, que combate a democraticidade no ensino, que acentua as desigualdades dos portugueses face à Educação.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o, Sr. Deputado Gomes Fernandes.
O Sr. Gomes Fernandes (PS): - Sr. Deputado Adriano Rodrigues, na parte final da sua intervenção V. Ex." referiu três sectores característicos da crise da nossa sociedade, para a qual o governo da AD tem dado forte contribuição, no sentido de a acentuar. Referiu-se à juventude, à questão da mulher e às questões do ambiente e ecologia, entroncando isto com a falta de uma política de Educação que minimamente permita o ataque à crise nestes sectores.
Assim, queria ,perguntar-lhe se isto é demonstração, extensiva às áreas governamentais que enquadram estes sectores, de que o - projecto AD foi uma mistificação, uma promessa que não está a ser cumprida, resumido afinal a falta total de uma política de qualidade de vida, real e efectiva, para Portugal, sem perspectiva de presente ou futuro. Isto independentemente, como disse na altura da discussão do Programa do Governo, de existir uma andorinha que não chegou sequer a levantar voo, porque os corvos são cada vez mais e não o permitem.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Tem apalavra a Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura.
A Sr.ª Helena Cidade Moura (MDP/CDE): Sr. Deputado Adriano Vasco Rodrigues, ouvi com toda a atenção e interesse a sua intervenção e tenho muita ,pena que a AD tenha um regime de austeridade terrível com os tempos do MDP/CDE porque senão alongar-se-ia um pouco mais.
De tudo o que V. Ex.ª disse o que mais me interessou foi o seu desejo de investigação pedagógica, cuja falta, quanto a mim, está na base de muitas das nossas dificuldades. Há que dizer, no entanto, que há uma coisa que não custaria dinheiro, nem precisaria de vir no OGE, ou seja, as respostas aos requerimentos que fazemos ao Ministério :da Educação, um dos quais de Abril de 1981, diz o, seguinte: «Não tenho obtido resposta ao requerimento de 7 de Fevereiro de 1980 permitimo-nos reproduzir o seu conteúdo ao abrigo do disposto, «tal, tal», «Ao nível do .recrutamento e .formação de professores, a nível da necessária adequação e apetrechamento da rede escolar, a nível de transportes, de, bolsas de, estudo, de subsídios, de alimentação e de cuidados de saúde pública ... etc.». Este requerimento, indispensável para se ajuizar de como vai o sector da escolaridade obrigatória em Portugal, continua sem resposta e, que eu saiba, não é preciso verba do OGE para que a resposta tivesse sido dada.
É evidente, Sr. Deputado, que não quero pô-lo no banco dos réus. Aprecio muito a sua camaradagem de trabalho mas há, de facto, contradições em que as pessoas caem. As suas idas às escolas são sempre úteis, pelo bom diálogo que tem com os seus colegas professores, mas a sua actuação no Plenário é sempre frouxa pelos seus comprometimentos políticos, que respeito apesar de tudo.
O Sr. Luís Coimbra (PPM): - Olha quem fala!
A Oradora: - Há só uma coisa que lhe paço: face ao prestígio que tem na sua bancada, por força do bom trabalho que .faz nesta Assembleia, consiga que se permita que sejam postas à discussão, neste Plenário, os projectos de lei de bases do sistema educativo apresentados pela oposição. Que não se faça como se fez - excepção para o PS -, isto é, não admiti-las sequer à discussão. As pessoas partiram de um princípio, sete se disporem capazmente a analisar o que estava proposto - e. eu sinto-mo à vontade para dizer isto porque nem sequer estou a defender um projecto de lei subscrito pelo meu partido.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. :Deputado Adriano Vasco Rodrigues.
O Sr. Adriano Vasco Rodrigues(CDS): - Sr. Presidente, Srs. Ministros, Srs. Deputados: Em relação à intervenção do Sr. Deputado Jorge Lemos, temos defendido aqui nesta Assembleia. - e o mesmo se passa quer quanto ao Programa do CDS quer quanto ao programa da AD- o ensino unificado até ao 9.º Ano. O próprio Sr. Ministro abriu vias profissionalizante a partir do 9.º Ano. Tal ensino unificado faz parte de um prolongamento da escolaridade obrigatória, necessário para a Cultura deste País. Estamos, portanto, perfeitamente, de acordo acerca deste ponto de, vista. 4 nosso desacordo reside no facto de, havendo necessidade de corrigir as profundas divergências sociais e culturais que afectavam o ensino técnico profissional, se acabar com ele em vez de corrigirem tais divergências
Gostaria também de esclarecer que não me enganei na leitura que fiz do Orçamento. O Sr. Deputado ignora é que as verbas para as construções escolares não fazem, parte do Orçamento do Ministério da Educação e Universidades, mas sim, do Ministério da Habitação, Obras Públicas e Transportes.
O Sr. Jorge. Lemos (PCP): - Dá-me licença que o interrompa?
O Sr. Adriano Vasco, Rodrigues (CDS): - Só se V. Ex.ª utilizar o tempo do seu partido.
O Sr. Jorge Lemos (PCP):- Com certeza, Sr. Deputado.
Aliás é apenas para lhe perguntar se V. Ex.ª é capaz de me dizer qual é a verba orçamentada para as construções escolares no Ministério da Habitação, Obras Públicas e Transportes. Agradecia esta informação já que não a consegui encontrar no OGE.
O Orador: - Sr. Deputado, lamento mas não lha posso dar neste momento, já que me preocupei somente com a análise do Orçamento, que era o que me competia. Isso será, naturalmente, um problema a ser analisado pelos técnicos do meu grupo parlamentar
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que trabalham no sector das Obras Públicas. Portanto, não. tenho que lhe dar resposta.
O Sr. Silva Graça (PCP): - Ó, Sr. Deputado! Nem os senhores conhecem essas verbas? É .uma vergonha!
O Orador: - Quanto às perguntas que me foram feitas pela Sr.ª Deputada Teresa Ambrósio, por quem tenho muito apreço quero dizer-lhe que a minha função aqui, como Deputado, como de resto a função de qualquer um de nós, é a de zelar pelos interesses do povo .português e a de fazer pressão junto do Governo para que sejam cumpridos os .programas estabelecidos. Tenho, nesse sentido, tanta responsabilidade, ou mais, que a Sr.ª Deputada, já que para si o não cumprimento dos programas do Governo será um êxito, .uma perspectiva eleitoral, enquanto que para mim qualquer pressão junto do Sr. Ministro no sentido desse cumprimento é uma obrigação, com vista a defendera manutenção da AD e a realização do seu programa. Quando aqui faço intervenções não é com sentidos divisionistas, mas sim de manutenção da Aliança em que me integrei.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Quanto ao Orçamento e às verbas, pedi ao Sr. Ministro todos os esclarecimentos. Na Comissão de Educação requeremos a presença do Sr. Ministro, simplesmente., devido ao funcionamento constante do Plenário, nunca mais houve possibilidade de reunir essa Comissão.
Quanto à apresentação do projecto de lei subscrito pelo - Partido Socialista, antes de o mesmo ter sido votado, procurei a Sr.ª Deputada, com toda a lealdade e respeito que me merece o seu partido, que me merece a colaboração que temos tido na Comissão de Educação, pedindo-lhe para retirar esse projecto, pois para além de o considerarmos contraditório era fraco, tendo, por isso, de ser fatalmente reprovado. É que, além do mais, tal projecto de lei continha matérias que eram um foco de possíveis explorações., pelo seu próprio ridículo, já que os ataques feitos ao Sr. Ministro da Educação tinham como resposta, dentro do vosso projecto, remeter para o próprio Ministério a solução de todos aqueles itens, como na altura refen. Se nós tínhamos negado ao Governo uma autorização legislativa ,para impor a lei de bases do sistema educativo da AD, considerando que seria vantajoso para o. pais, a sua discussão democrática neste Parlamento, de modo nenhum podíamos, quer os meus colegas da bancada do PSD quer os da minha própria bancada, permitir que, como no projecto que V. Ex.ªs apresentavam, se remetesse. ao Governo a resposta a todos os sectores da Educação. V. Ex.ªs apenas formulavam um lamento nesse .projecto de lei.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Ao Sr. Deputado Gomes Fernandes direito que a AD tem apenas, ,dois anos de governo e que teremos ainda mais dois anos para viabilizar o nosso projecto. De qualquer forma, quero dizer-lhe que um projecto desta natureza não pode começar nem terminar com o governo da AD. É um projecto que, em democracia, terá de continuar com todos os governos.
A defesa do ambiente é hoje uma constante na vida dos povos e a nós o que nos interessa, ao governar, é que as medidas benéficas ,para o povo, venham de onde vierem, se perpetuem.
Quanto aos pedidos de esclarecimento que a Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura formulou, quero dizer-lhe que tal é da competência do Sr. Ministro da Educação ou do seu Ministério, os empates burocráticos, porque tenho, também eu, razões de queixa. É: que tenho igualmente formulado perguntas ao Ministério e até hoje não recebi qualquer resposta.
Naturalmente que a responsabilidade disto não será do Sr. Ministro já que as respostas estão condicionadas às informações que a sua equipa de trabalho lhe der. Portanto, esta é que funciona mal.
Quanto às discussões. dos :projectos de lei de reforma do sistema educativo é lógico que não tem sido o CDS a travá-las. Isso depende da agenda estabelecida .por consenso pelas direcções dos grupos parlamentares. Não vejo assim motivo para a crítica que V. Ex.ª fez, além de que V. Ex.ª tem a prerrogativa de solicitar a marcação de uma ordem de trabalhos e quando vier o vosso projecto cá estaremos para entrar na sua discussão.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a Mesa admite que com a próxima intervenção seja ultrapassada um pouco a hora prevista para a interrupção da reunião. No entanto, essa será uma forma de atenuarmos um pouco os atrasos que já se verificam nos nossos trabalhos. Assim concedo de imediato a palavra ao Sr. Ministro da Indústria para uma intervenção.
O Sr. Ministro da Indústria, Energia e Exportação (Baião Horta): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Neste debate sobre as propostas de lei do Orçamento Geral do Estado e das Grandes Opções do Plano para 1982, compete-me realçar perante V. Ex.ªs, os aspectos mais relevantes das políticas industrial, energética e de exportação.
Desde que assumi a responsabilidade do então Ministério da Indústria e Energia que me tenho preocupado em definir, as linhas fundamentais de orientação política para a resolução das deficiências estruturais e para o desenvolvimento das áreas sob minha responsabilidade de orientação iniciando sem demora a concretização respectiva.
Defini, assim sucessivamente as políticas industrial, tecnológica, energética e mais recentemente a de qualidade industrial para os próximos anos, procurando imprimir uma perspectiva de modernização e evolução permanente do nosso aparelho produtivo.
Aproveito a oportunidade deste debate parlamentar para, sem prejuízo de fazer um rápido ponto da situação relativamente ao desenvolvimento das acções no campo da indústria e da energia, conforme as orientações definidas, fechar o ciclo das intervenções programáticas a que me referi definindo perante V. Ex.ªs as orientações gerais da política de exportação que como se sabe, corresponde a uma das quatro prioridades do programa do Governo e tem expressão orçamental relevante.
Dividirei a minha exposição em três partes.
Em primeiro lugar, uma curta reflexão sobre o enquadramento das políticas industrial, energética
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e de exportação no quadro geral da nossa situação económica e financeira e das medidas explicitadas nas propostas de lei em discussão.
Em segundo lugar, um resumido ponto da situação da concretização das acções previstas nas políticas industrial, tecnológica e energética definidas durante os últimos meses.
Em terceiro lugar, a definição dos princípios fundamentais e das orientações da política de exportação que o Governo se propõe implementar a partir do próximo ano de 1982.
Abordemos a primeira parte.
As propostas de lei em discussão traçam com realismo um quadro sombrio da situação económica e financeira do nosso país, inserida num quadro igualmente sombrio da generalidade da cena internacional, propondo em consequência medidas correctivas dos diversos desequilíbrios existentes que de um modo geral são medidas desagradáveis pelo seu carácter restritivo e penalizante.
São indiscutivelmente no seu conjunto medidas de exigência, de rigor e de austeridade. Contudo, todos os períodos difíceis são também ricos em novas oportunidades e desafios, e os países que melhor souberem interpretar correcta e oportunamente a natureza profunda das situações de crise e daí concluir e concretizar com coragem o rumo das modificações a seguir, colherão dividendos gratificantes.
A situação de crise que hoje generalizadamente detectamos ë o afloramento conjuntural de transformações estruturais e conceptuais que os países que atingiram maior grau de desenvolvimento durante as últimas décadas estão a experimentar.
Ao observarmos as diferenças de desenvolvimento das diversas regiões do Mundo, facilmente concluímos que as transformações desta natureza serão uma característica intrínseca da evolução do mundo moderno e que a que hoje sentimos, não sendo a primeira, não será também certamente a última. Assim, a atitude realista e inteligente a adoptar perante tal tipo de situação terá de ser o desenvolvimento de uma dinâmica de ajustamento positivo que permita perspectivar as transformações estruturais e as suas consequências conjunturais, a que nos habituámos a chamar crises, não como fatalidades, mas como força motriz promotora de progresso, cujas potencialidades é necessário optimizar.
Não sendo as mudanças estruturais instantâneas, elas exigem um mínimo de tempo e de disponibilidade de recursos para a sua concepção e implementação o que implica automaticamente que se tenham de aplicar em simultâneo medidas de duas naturezas claramente diferentes: umas destinadas a «comprar o tempo» e evitar a degradação irreversível da situação existente; outras para utilizar esse tempo na implementação das transformações estruturais necessárias.
As primeiras, geralmente de carácter restritivo, seja de natureza financeira, seja de natureza comercial são indispensáveis para ganhar o tempo necessário para implementar as medidas do segundo tipo mas não resolvem o problema de fundo.
O Governo está perfeitamente consciente desta
realidade e ao apresentar perante V. Ex.ªs duas propostas de lei com uma tónica de austeridade fá-lo honesta e conscientemente porque simultaneamente, e com a rapidez que a natureza dos problemas permite as medidas de alteração estrutural estão já equacionadas e em curso de implementação em diversas áreas fundamentais. Não é portanto uma austeridade sem futuro mas uma austeridade para permitir aceitar e vencer o desafio do futuro e do progresso do nosso país.
A situação de dificuldade que hoje vivemos está portanto longe de ser uma situação singular ou sem solução; antes, como referi, é uma situação natural e com desafios fecundos de perspectivas de progresso de que o Governo está consciente e para os quais procurará mobilizar através da sua acção a vontade e iniciativa do povo português.
Penso ser oportuno afirmar que a hora é de austeridade mas é também de esperança consciente que está igualmente traduzida, como mais adiante exemplificarei com o caso específico da ,política de exportação.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Abordemos a segunda parte da minha exposição.
O ponto da situação da concretização das políticas industrial, tecnológica e energética é o seguinte:
Política industrial e tecnológica: estão terminados e começaram a ser divulgados a semana passada os estudos de base relativos aos diversos aspectos afectando a competitividade de todos os nossos sectores industriais com análises das vantagens comparativas actuais e potenciais na perspectiva da nossa adesão à Comunidade Económica Europeia. A nova proposta de lei de minas, e legislação sobre pedreiras e águas minerais privilegiando a criação do valor acrescentado nacional e tomando medidas incentivadoras de grandes capacidades de produção actualmente não activas, encontra-se em fase final de redacção, depois de ter sido submetida à apreciação pública. Está terminada a primeira parte do estudo profundo e objectivo da posição relativa da nossa situação tecnológica nos diversos sectores industriais e iniciada a identificação das áreas tecnológicas com possibilidades de autonomização futura.
Está iniciado o lançamento da marca de certificação de qualidade dos produtos industriais.
Foi intensificado de forma significativa o apoio, em todos os aspectos, à evolução tecnológica e de gestão das pequenas e médias empresas industriais.
Todos estes trabalhos realizados ao longo dos últimos meses ,permitiram já iniciar conscientemente a redacção do conjunto de instrumentos legislativos que virão a consagrar na lei as orientações e as prioridades já largamente expostas, com vista à introdução da indispensável dinâmica de ajustamento positivo.
Deste conjunto é peça central a nova lei de bases da indústria que dará entrada para discussão nesta Assembleia durante o primeiro trimestre de 1982.
Quanto à política energética - área da poupança de energia: a severa seca verificada durante o ano hidrológico de 1980/1981 e que ainda persiste apesar de alguma chuva que caiu nos últimos dias levou a lançar uma intensa campanha de poupança de energia eléctrica que tendo merecido um acolhimento excepcional de toda a população teve um êxito extremamente significativo. O aumento do consumo anual
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de energia eléctrica será assim : em 1981 inferior a 1 % em vez dos 8 % tradicionais dos últimos anos. Apesar disto, houve que recorrer à importação de cerca de 12 milhões de contos de energia eléctrica e a incorrer num gasto adicional de cerca de 6 milhões de contos por produção térmica adicional, relativamente a um ano hidrologicamente normal o resultado alcançado, com a acção desenvolvida, mostra bem o potencial de poupança existente pelo que as acções e apoios incentivadores da poupança de energia previstos na política energética serão prosseguidos.
Na área da produção, abastecimento e desenvolvimento e fontes energéticas nacionais: prosseguiram-se os investimentos previstos no plano de novos centros produtores de energia eléctrica da EDP; desencadeou-se o programa do aproveitamento das reservas nacionais de carvão que terá já alguma expressão em 1982; intensificou-se o esforço de prospecção de hidrocarbonetos nas zonas emersa e imersa do território nacional; desencadeou-se a identificação e avaliação dos pequenos aproveitamentos hídricos seja para fins puramente energéticos ou mistos, havendo fundadas esperanças que este programa venha a ter uma importância muito significativa.
As aquisições de ramas de petróleo em 1981 atingirão cerca de 2,2 biliões de dólares a um preço médio de cerca de 35,5 dólares por barril.
Em 1982 prevê-se, uma aquisição de cerca de 2 biliões de dólares, com um preço médio por barril de cerca de 34 dólares, tendo-se pela primeira vez
conseguido um contrato de fornecimento directo da Arábia Saudita.
O efeito da seca e a drástica alteração da cotação do dólar durante 1981 fizeram com que um ano que normalmente podia ter sido energeticamente favorável pela relativa estabilidade do mercado internacional do petróleo se tivesse de facto transformado num ano extremamente derove1 significativo peso negativo nas nossas contas com o exterior.
Em matéria de energia nuclear, deu-se cumprimento à política traçada nomeadamente no referente à vigorosa sistemática e persistente implementação dos acordos de controle e fiscalização das centrais espanholas fronteiriças e da intensificação de uma informação pública séria sobre o desenvolvimento deste problema. Iniciaram-se igualmente negociações, com empresas espanholas para explorar as possibilidades de associação em centrais.
Finalmente, a elaboração do plano energético nacional que tem sido um esforço continuado e colectivo de grande envergadura ansiou já na sua fase final. Estão definidos os cenários da procura dás diversas formas de energia e procedeu-se ao estudo de optimização da sua satisfação. Teremos pela primeira vez um plano energético nacional orientador da transformação dos nossos sistemas produtores e consumidores de energia durante o primeiro trimestre de 1982.
Este resumido ponto da situação ilustra em concreto as transformações profundas que me referi e em que me baseei para dar uma nota de esperança e de confiança relativamente à utilização do tempo ganho pela aplicação de medidas de austeridade.
Abordemos agora a política de exportação: A primeira será uma breve análise das características fundamentais da estrutura da nossa capacidade exportadora e do. seu posicionamento no contexto internacional, a segunda consistirá na definição dos princípios orientadores e dos objectivos de uma política de exportação dinâmica para os próximos anos, e em terceiro lugar tratarei da enumeração das medidas concretas de implementação imediata dessa política. Comecemos pela primeira parte.
As estruturas quantitativa e qualitativa das nossas necessidades de importação e da nossa capacidade de exportação apresentam-se, naturalmente, como um reflexo fiel das características dos diversos sectores da nossa economia, sendo evidente que uma política de exportação, para ser viável, não pode deixar de ser coerente em todos os deus aspectos com a política de desenvolvimento e orientação dos sectores produtivos os aspectos mais salientes da nossa situação de trocas de bens e serviços com o exterior pode caracterizar-se basicamente pela análise dos 4 aspectos seguintes: desequilíbrio da balança comercial, espectro qualitativo e quantitativo das nossas exportações, o valor acrescentado nacional e distribuirão por mercados.
Analisemos o desequilíbrio da balança comercial. Este desequilíbrio que ao longo dos anos é mais ou menos acentuado conforme a conjuntura internacional e os resultados da produção agrícola anual tem um carácter marcadamente estrutural pois a nossa balança comercial apresentou sempre saldos significativamente negativos.
A taxa de cobertura das importações pelas exportações, expressa em escudos correntes, que foi de cerca de 60% em 1973 foi-se degradando posteriormente, tendo sido cerca de 50% em 1974 e 1975, 42% em 1976, 41% em 1977, 46% em 1978, 53% em 1979, 50%em 1980 e não devendo este ano exceder cerca de 45%.
Em 1980 atingiu-se um défice da balança comercial de cerca de 200 milhões de contos, valor que atingirá em 1981 perto de 290 milhões de contos, basicamente devido à necessidade já referida de importações maciças de energia eléctrica ao reforço significativo das importações de produtos agrícolas, imposto pela seca, à revalorização do dólar, ao agravamento da situação económica internacional e, em particular, dos nossos principais parceiros comerciais, paralelamente à tendência para um aumento de proteccionismo, oculto ou declarado, e ao endurecimento da concorrência internacional.
No que se refere às razões de troca tem-se igualmente deteriorado, de tal forma que actualmente o volume de importações, financiado por cada unidade exportadora é somente de cerca de três quartos do que era em 1973.
A estrutura das nossas importações apresenta-se com características de difícil alteração a curto e médio prazo: 36% correspondem a bens alimentares e a energia; cerca de 58% são matérias-primas industriais, bens intermédios e de equipamento, e cerca de 6% são bens de consumo não alimentar.
A diminuição das grandes rubricas de importação passa portanto pelas alterações profundas da estrutura energética e industrial que estão em curso e a que já me referi, além, obviamente do fomento da
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produção agrícola que constitui aliás outra das prioridades definidas no Programa do Governo.
Vejamos agora um segundo aspecto da nossa situação, isto é, o espectro qualitativo e quantitativo das nossas exportações.
As nossas exportações apresentam uma percentagem muito elevada de produtos tradicionais.
Os sectores tradicionais - basicamente produtos agrícolas, minerais, químicos tradicionais, madeiras e derivados, têxteis, couro e calçado -, representavam 85% das nossas exportações em 1970, 82% em 1973, 79% em 1977, e 76% em 1980.
Referido a 1980, cerca de 61% das nossas tações totais distribuem-se somente por quatro secto-sectores - produtos agrícolas 13%, têxteis e vestuário 27%, madeiras e derivados 17 % e calçado 4%. Relativamente aos sectores não tradicionais, embora partindo de valores muito modestos, apresentam taxas de crescimento apreciáveis em alguns casos mesmo espectaculares, especialmente nos últimos dois anos.
Esta situação demonstra claramente a falta de capacidade inovadora e de autonomia tecnológica e portanto de criação de novas vantagens comparativas do nosso aparelho produtivo, reflexo da ausência de uma dinâmica própria que permita atenuar os efeitos negativos e potencial os positivos das variáveis exógenas sobre as quais não temos praticamente possibilidades de controle. Abordemos o terceiro aspecto: o valor acrescentado nacional das nossas exportações.
Apesar das conhecidas dificuldades das nossas estatísticas (os dados técnicos, económicos e comerciais do nosso comércio externo, além de qualidade insuficiente, na sua grande parte ainda não estão informatizados), é possível com rigor aceitável afirmar que 35 % das nossas exportações têm valor acrescentado inferior a 60 % e somente 15 % ultrapassa os 80 %.
Estes valores significam que, além de as nossas. exportações serem quantitativamente bastante modestas e insuficientes para as necessidades do País, quer em valor global, quer em valor unitário, somente cerca de dois terços delas ultrapassam os 60 % de valor acrescentado nacional, valor geralmente utilizado a nível internacional para conferir a origem.
Trata-se evidentemente de uma consequência clara de dois dos defeitos estruturais mais importantes do nosso sector industrial: o fraco aproveitamento das nossas matérias-primas e o fraco grau de autonomia tecnológica.
Abordemos a distribuição por mercados das nossas exportações.
Em 1980 cerca de 55 % das nossas exportações destinaram-se aos países da Comunidade Económica Europeia, 15 % aos da EFTA, 6 % aos Estados Unidos da América do Norte, 6 % aos países africanos de expressão portuguesa, 3 % à Espanha, 2 % aos países produtores de petróleo, 2 % aos países de economia planificada e os restantes 11 % dispersos por diversos países.
É de salientar o facto de as nossas exportações para os Estados Unidos da América do Norte continuarem a representar posição muito inferior à registada anteriormente a 1974 (actualmente estamos com uma quota de 45 % da de 1973) em contraste com a evolução apresentada pelos países africanos de expressão oficial portuguesa, em que é de destacar a espectacular recuperação de Angola, cujas compras a Portugal já a colocam, em 1981, como nosso 4.º principal cliente, devendo atingir cerca de 16 milhões de contos, isto é, cerca de triplo de 1979 e do sêxtuplo de 1978.
Por outro lado, e tomando como referência 1973, o nosso país perdeu durante o período de 1974 a 1977 quotas de mercado que no seu conjunto são avaliadas em cerca de 30 % tendo iniciado depois uma recuperação mas estando ainda cerca de 10 % abaixo do ano de referência.
No período 1973-1979 perdemos quotas de mercado, relativamente aos nossos principais competidores, de cerca de 30 % nos produtos agrícolas, igualmente cerca de 30 % nas exportações têxteis face aos países asiáticos recentemente industrializados e 15 % relativamente aos países da CEE, tendo, neste sector, obtido ganhos sensíveis face aos países da EFTA.
Feita esta descrição da nossa situação abordemos a definição dos princípios orientadores e dos objectivos da política de exportação a seguir.
Em primeiro lugar, considero importante referir que a situação descrita deve ser totalmente assumida com realismo, como ponto de partida, sem quaisquer complexos ou dúvidas sobre a nossa capacidade de a transformar profundamente em prazo adequado, isto é, ela deve ser tomada como um desafio à nossa capacidade de vencer as dificuldades e de conseguir criar condições favoráveis ao progresso económico e social do nosso país. Ela deve potenciar vontades e determinação e não derrotismos estéreis.
O Sr. Lemos Damião (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Os princípios fundamentais orientadores da política de exportação que permitam ultrapassar as deficiências apontadas e gerar a dinâmica de competitividade indispensável são os seguintes:
Primeiro - É às empresas públicas, privadas ou cooperativas e não ao Estado que compete construir um sector produtivo capaz de gerar com segurança e permanência um saldo cambial nas nossas trocas com o exterior.
Para isso é indispensável que as estruturas produtivas desenvolvam um esforço intenso e sistemático para aumentar a sua competitividade relativa nomeadamente através de melhorias da produtividade de todos os factores, de nível de qualidade e de capacidade inovadora.
Ao Estado compete assegurar as condições favoráveis de enquadramento político, social e financeiro e orientar, através de mecanismos adequados, o volume e qualidade desse esforço. Assim, o esforço de dinamização e correcção de deficiências estruturais das nossas exportações é antes de mais um desafio colectivo de transcendente importância nacional a assumir por todos os portugueses.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Segundo: Os apoios financeiros mu outros a conceder pelo Governo deverão ser concebidos obedecendo a critérios que induzam no sistema produtivo nacional uma dinâmica de evolução agressiva e inovadora.
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Nesta linha de pensamento a actuação do Governo na definição das políticas sectoriais produtivas e na concessão dos apoios à exportação procurará: premiar a criação de elevados gradientes de exportação, quer em valor global, quer em valor unitário; premiar o aumento do van nos produtos exportados; premiar a inovação tecnológica e comercial que conduza a novos produtos, à melhoria conceptual e qualitativa dos existentes e à conquista de novos mercados, ou seja, os mecanismos forjadores de novas vantagens comparativas para além das tradicionais; apoiar especialmente as actividades exportadoras no seu lançamento e, nó seu declínio, para facilitar a sua reconversão noutra actividade exportadora quando a inicial deixou de ser internacionalmente competitiva.
Estes princípios e a filosofia de que lhes serve de suporte terão de ser introduzidos tendo em conta os compromissos internacionais assumida pelo nosso país de forma gradual mas determinada mobilizando à sua volta a adesão de todas as estruturas produtivas e por isso foram já discutidos no âmbito do Conselho Nacional do Comércio Externo e objecto de reuniões de trabalho com as estruturas empresariais e com as duas centrais sindicais representativas dos trabalhadores. Após essas reuniões penso poder afirmar que existe significativo consenso sobre esta matéria essencial.
Embora a maturação dos resultados da sua aplicação não seja naturalmente atingida em 1982, considero importante que, para um vigoroso começo, se definam os seguintes objectivos concretos realisticamente ambiciosos a atingir no próximo ano: crescimento real das exportações de 7 %; aumento da taxa de cobertura das exportações pelas importações para um valor não inferior a 50 %.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador:- Estes objectivos globais serão atingidos através da concorrência dos seguintes sub-objectivos: crescimento real das exportações para a zona da OCDE de pelo menos 5 %; intensificação do ritmo de crescimento dos sectores exportadores não tradicionais que têm revelado recentemente vantagens comparativas significativas, com apreciável valor acrescentado nacional nomeadamente e sem ser exaustivo - cerâmica moderna e de qualidade, mobiliário, material de transporte, metalomecânica ligeira (máquinas e componentes), material eléctrico e electrónico, papel e artes gráficas, artigos ópticos, artesanato (2 milhões de contos em 1980), produtos farmacêuticos e serviços de engenharia; campanha intensa de reconquista das partes de mercado ainda não recuperadas nos USA e Canadá; intensificação da dinâmica de conquista dos mercados dos países africanos de expressão portuguesa, com especial relevo para Angola e Moçambique, países árabes e alguns países da América Latina; aproveitamento dó novo potencial exportador de algumas unidades industriais de dimensão significativa que passarão a laborar em 1982, nomeadamente as fábricas de petroquímica dos aromáticos e das olefinas; incentivação da concepção e lançamento de novos produtos de exportação para 1983 e anos seguintes.
Abordemos finalmente as medidas incentivadoras para implementação imediata da política de fomento de exportação traçada e do cumprimento dos objectivos definidos para 1982.
Em primeiro lugar, importa referir que existe já um sistema de incentivos à exportação constituído por um conjunto de instrumentos diversificados, semelhantes aos existentes na generalidade dos outros países e que consistem basicamente em incentivos fiscais de vária ordem; permissão do draubaque e da importação temporária; incentivos financeiros, como, por exemplo, a desvalorização deslizante do escudo, que se tem mantido, e bonificação das taxas de juro do crédito concedido à exportação; seguro de crédito à exportação; contratos de desenvolvimento à exportação; apoios à promoção comercial.
Apesar deste apreciável leque de apoios e do apreciável esforço financeiro que lhe está associado, comparável em dimensão e natureza ao de muitos outros países a realidade é que, mesmo descontando o efeito negativo e dificilmente dominável das variáveis exógenas, não temos conseguido o êxito necessário nas nossas exportações tendo-se mesmo deteriorado recentemente a situação em alguns aspectos, como já referi.
Basicamente, e para além das deficiências estruturais apontadas que dificultam a defesa da nossa competitividade no mercado internacional, isto deve-se em grande parte ao facto de os incentivos referidos serem concedidos através de processos burocraticamente pesadíssimos; terem um grau de selectividade muito reduzido; não premiarem claramente o dinamismo e as novas exportações; revelarem deficiente articulação com os objectivos e prioridades das políticas de desenvolvimento dos sectores produtivos; ignorarem praticamente a componente psicológica do orgulho e prestígio associada à condição de exportador dinâmico.
Assim para imprimir o arranque necessário ao processo acelerado de crescimento das exportações, o Governo propõe-se adoptar medidas dos 3 tipos seguintes:
Em primeiro lugar referirei o ajustamento do sistema de incentivos em vigor.
Tendo em atenção que o sistema sofreu revisões recentes em 1980 e 1981, ainda incompletamente testadas, os ajustamentos serão os seguintes:
Revisão dos métodos de processamento dos diversos incentivos no sentido de os simplificar, acelerar a concretização e clarificar através da junção em um só diploma, se possível, a legislação hoje demasiado dispersa; aumente; do grau de selectividade dos benefícios financeiros e fiscais existentes graduando-os de acordo com os princípios orientadores definidos; eliminação das dificuldades que no acesso ao actual sistema experimentam hoje os novos exportadores; estabelecimento, no âmbito do esquema de seguro à exportação existente, de uma apólice relativa ao seguro de riscos de câmbio; aumento da selectividade das acções promocionais; reforço significativo do apoio às negociações de contrapartidas pelas nossas importações privilegiando os reais acréscimos de exportação nas áreas prioritárias.
Em segundo lugar, os novos instrumentos de fomento das exportações. Assim: aumento em 0,25% da taxa de desvalorização deslizante do escudo, medida que sem distorções aumentará a competitividade
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das exportações; lançamento da «carta de exportador».
Trata-se aqui da concessão de uma credencial de carácter excepcional e validade limitada no tempo, garantindo a idoneidade comercial da empresa ou agrupamento de empresas em sectores a definir anualmente e que obedeçam a determinadas condições de actividade e desenvolvi montei de exportação de acordo com a orientação e prioridades definidas. O valor dos apoios adicionais a conceder através da «carta de exportador», que para 1982 se estimam em 500 mil contos, serão definidos anualmente por diploma legal, traduzirão os princípios orientadores e prioridades da .política de exportação e compreenderão basicamente: prioridade no acesso ao crédito à exportação; maiores bonificações nas taxais de juro, embora altamente selectivas; simplificação, até ao automatismo, em vários procedimentos burocráticos de exportação, importação temporária, draubaque e outras; outros benefícios que em cada ano se considerem necessários para atingir os objectivos pretendidos.
Referirei os apoios especiais ao aproveitamento total e desenvolvimento da capacidade nacional de exportação de bens e serviços.
Estes apoios incidirão basicamente em acordos ligados a benefícios adicionais apara o lançamento de novas empresas ou agrupamento de empresas na exportação; regulamentação e incentivação da criação de empresas comerciais especializardes no comercio externo vulgarmente designadas por empresas de trading internacional, com especial ênfase nas que visem potenciar a capacidade exportadora das pequenas e médias empresas industriais; incentivo à formação de agrupamentos entre empresas nacionais ou eventualmente também estrangeiras que, se complementem, de forma a facilitar a exportação de bens e serviços verticalmente integrados.
Análise do apoio d inovação tecnológica.
Assim benefícios selectivos incentivando a investigação e o desenvolvimento de novas técnicas e produtos coerentes com as políticas definidas, atenuando a cobertura dos riscos inerentes; instituição de prémios anuais e apoio técnico e financeiro à industrialização e sequente comercialização de invenções de cidadãos portugueses com impacto no desenvolvimento de novas tecnologias e exportação. Neste aspecto considero que puma das armas mais eficazes na competição internacional é a velocidade com que um país consegue passar das ideias à prática. Infelizmente todos os anos vemos invenções .portuguesas premiadas em certames internacionais e muito poucas ou nenhuma se transforma em actividade produtiva de impacto significativo. Esta medida iniciará a solução, desta deficiência e deposito grande esperança nos seus resultados mesmo a gamo prazo.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Acerca da melhoria. da informação sobre mercado externo tomaremos duas medidas indispensáveis: Lançamento, durante 1982 da informatização dos indicadores estatísticos e dados fundamentais relevantes na área do comércio externo, deficiência que actualmente causa sérias dificuldades ao trabalho de base; lançamento de um esquema de informação útil e atempada sobre oportunidades de mercado compreendendo emissão diária de informação [sobre] concursos internacionais, emissão semanal, com divulgação selectiva, sobre regulamentação de comércio externo e emissão mensal de um guia do exportador.
De salientar ainda uma campanha publicitária subordinada ao tema - 1982 ano da exportação.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Esta acção a lançar no início de 1982 terá os seguintes objectivos fundamentais: Sensibilizar e mobilizar o País para a importância vital para o nosso progresso do esforço exportadora que o Governo procura fomentar; divulgar claramente o enquadramento legal, o apoio e as orientações a seguir para quem quiser corresponder ao desafio; desenvolver o orgulho nacional de ser exportador e assim contribuir para a afirmação positiva do País na cena internacional;. promover a confiança do País- na capacidade e qualidade da sua produção incentivando ainda a preferência de compra dos produtos portugueses.
Finalmente o terceiro tipo de medidas, isto é, adaptação das estruturas da administração pública, relativamente à exportação.
A filosofia que presidirá a esta adaptação será no sentido da simplificação de processos e, dinamismo de acção, e implementação firme e determinada da política traçada. Neste contexto, dar-se-á prioridade absoluta à reformulação da filosofia do actuação e estrutura orgânica de fundo do fomento de exportação alterando-lhe a sina lei orgânica, que data de 1949 no sentido do lhe, incrementar a autonomia em todos os aspectos, a interpenetração com as estruturas empresariais exportadoras, unificar actividades hoje dispersas .por diversos organismos sectoriais, reforçar a sua implantação regional e adaptar a sua implantação internacional à ,filosofia de uma política de exportação dinâmica.
A implementação da política de exportação que acabei de expor e especialmente as medidas concretas que apontei implicam naturalmente um significativo aumento de encargos.
Assim, na proposta de lei do OGE para 1982 foi o Ministério da Indústria, Energia e Exportação dotado com verbas totalizando cerca de 2,7 milhões do contos para fazer face aos encargos respectivos.
Esta verba é quase 4 vezes a verba equivalente no OGE do 1981 e será utilizada com: o máximo rigor, fidelidade à política e critérios traçados tudo se fazendo para que os grandes objectivos definidos venham a ser de facto alcançados e as transformações profundas essenciais comecem a concretizar-se.
Não estamos portanto no campo das palavras ou das promessas sem cobertura mas na definição de acções com expressão adequada e séria na política orçamental que o Governo apresenta.
O Sr. Lemos Damião (PSD): --Muito bem!
O Orador:- Sr. Presidente, Srs. Deputados: Volto à primeira parte da minha exposição em que me referi ao facto de as duas propostas de lei em discussão terem uma tónica predominante de austeridade.
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Penso ter mostrado perante V. Ex.as o que está feito e o que se fará nas áreas sob minha responsabilidade governativa, para que tal austeridade tenha para o povo português um sentido, positivo e recompensador.
Procurei ser claro, objectivo, realista mas também ambiciosa na concepção e definição dos objectivos a alcançar e nas medidas a implementar.
Orgulho-me em ser ambicioso quando o que está em causa. é o progresso económica e social do povo português.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - O desafio da exportação é um dos vectores determinantes desse progresso. D Governo tem plena consciência que este desafio tem. de ser aceite e vencido e tudo fará .para mobilizar e potenciar a enorme capacidade e vontade de todos os portugueses para tal objectivo fundamental.
Tenho total confiança, de que tal será conseguido.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, na sequência da intervenção do Sr. Ministro da Indústria pediram a palavra as Srs. Deputados Ilda Figueiredo e Mário Tomé.
A sessão vai ser agora .interrompida e reiniciar-se-á às 15 horas. Trata-se de um pequeno sacrifício que permitirá terminar as trabalhos, como previsto, às 21 horas.
O Sr. Cardos Lage (PS): - Peço a palavra Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra Sr. Deputado.
O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, nós não estamos de acordo que a sessão se reinicie às 15 horas porque isso não é praticável, sendo frustrante para os 'deputados que aqui estiveram às 15 horas terem de aguardar meia hora até que os restares deputados cheguem para se iniciar a sessão. Sejamos realistas, marcando a sessão para as 15 fiaras e 30 minutos. Peço desculpa ao Sr. Presidente, a sua intenção é boa mas não vai ser praticável.
O Sr. Presidente: - O critério do Sr. Deputado é muito defensável mas é, certamente, b .menos prático. Será preferível, e permito-me não explicitar as razões, que a reunião fique marcada para as 15 horas. Peço a compreensão dos Srs. Deputados.
Está suspensa a sessão.
Eram 13 horas e 35 minutos.
Após o intervalo reassumiu a presidência o Sr. Presidente Oliveira Dias.
O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão.
Eram 15 horas e 30 minutos.
O Sr. Presidente: - Para formular podidos de esclarecimentos ao Sr. Ministro da Indústria, Energia e Exportação, tem a apalavra a Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo.
A Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo (PCP): - Na sua longa intervenção proferida há pouco, o Sr. Ministro não falou de questões importantíssimas para o desenvolvimento da nosso país, para as exportações e fundamentalmente, para a possibilidade de podermos diminuir a nossa dependência da estrangeiro, aumentando a produção nacional de produtos que hoje importamos.
Embora dispondo de muito pouco tempo, queria pôr-lhe algumas questões.
O Sr. Ministro, por exemplo, nada disse sobre se o Projecto do Alqueva vai finalmente ser concluído, tendo em conta que já, estão aí investidos mates da 1 100 000 contos e que a Resolução n.º 395/80, de 21 de Outubro, assinada pelo Primeiro-Ministro de então, Sá Carneiro, dizia claramente o seguinte:
Vê-se assim reforçado o interesse energético da empreendimento, como importante fonte de poupança de divisas, que de outro modo teriam de ser despendidas em importação de fontes energéticas.
Referia-se ao Projecto do Alqueva e dizia ainda:
A valia eléctrica pode assim, só par si, justificar a investimento da Barragem Central do Alqueva, admitindo que não tem sido, até agora, hipótese de cálculo que todos as caudais sejam afectados à produção de energia, com excepção, dos que, foram destinados ao abastecimento de água das populações.
Dizia depois:
Os Ministros das Finanças e do Plano, da Indústria e Energia e da Habitação e Obras Públicas promoverão a retomada dos trabalhos da construção da Barragem do Alqueva e a respectiva central hidroeléctrica.
Pergunto, pois, ao Sr. Ministro se já existe um protocolo em relação ao avanço do projecto do Alqueva e à sina conclusão, e que investimentos estão previstos para a sua conclusão.
A segunda questão é a seguinte: quanto à energia, por exemplo, a Sr. Ministro referiu a importação de 12 milhões de contos só de energia eléctrica durante este ano de 1981. Ora sabe ou não e Sr. Ministro que se poderia ser evitado a importação de uma boa parte dessa energia se os Governos da AD tivessem intervindo, para corrigir a evolução que as coisas estavam a tomar, no que diz respeita aos atrasas nas entradas de centros produtores que já estavam programados, quer nas centrais térmicas quer nas centrais hídricas, e também por o Governo. não ter tomado qualquer posição para corrigir a situação crónica. de indisponibilidades fortuitas que se verificaram, e que se verificam, em certas cendrais térmicas? Como o Sr. Ministro sabe, têm-se verificado bastantes, nomeadamente este ano.
A terceira questão refere-se ao PAIP (Plano de Aproveitamento Integrado das Pirites Alentejanas e do Ferro de Moncorvo).
Não sei se a espanto que o Sr. Ministro demonstrou significa que o assunto do PAIP está arrumado na gaveta, ou que o Sr. Ministro não .pensa levar por diante a sua entrada em funcionamento em grande,
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ou se, por outro lado, o Sr. Ministro está a pensar fazer a sua entrega à multinacional ANACONDA, permitindo-lhe assim o controle da nossa maior riqueza mineira, esquecendo-se que já estão investidos, apenas nas pirites alentejanas, mais de 700000 contos.
Para já, eram estas as perguntas que eu queria fazer-lhe.
O Sr. Presidente: - Tem a .palavra o. Sr. - Deputado Mário Tomé.
O Sr. Mário Tomé (UDP): - Sr. Ministro da Indústria, Energia e Exportação: o Sr. Ministro fez aqui um discurso muito grande, digamos que nos pregou uma grande seca e ao mesmo tempo uma inundação de dados sobre dados, com o fim de nos impressionar, o que, efectivamente, não conseguiu.
Em primeiro lugar, vou referir uma afirmação do Sr. Ministro que me deixou preocupado - outras houve que também me preocupam, mas esta é para começar.
O Sr. Ministro falou muito que o Governo estava empenhado na fiscalização e no controle das centrais atómicas de Espanha, etc. Disse depois que também havia um esforço no sentido de Portugal se associar na exploração de centrais atómicas. Ora, isto significa que, associando-se Portugal na exploração das centrais atómicas, não vai, com certeza, ter apenas uma parte nas centrais atómicas de Espanha que são tão más para o povo espanhol como outras aqui no nosso país serão para nós e também para o povo espanhol. Diais ou menos a médio prazo estaremos, no nosso país, definitivamente confrontados com as centrais nucleares.
Queria saber até que ponto isto é verdade.
Em relação à exploração dos hidrocarbonetos, interessa saber quem é que os vai explorar, ou seja, quem é que vai ter o controle dessa exploração.
E já agora a propósito de pirites. Como o Sr. Ministro sabe, foi tornada pública a descoberta de pirites junto de Castro Verde. Consta também - e parece que já há dados acerca disso - que são empresas francesas que estão preparadas para as explorar e que já estão a investir nesse sentido.
Depois queria saber qual é o papel da multinacional americana ANACONDA no meio disto tudo.
O Governo põe as exportações como ,factor fundamental do desenvolvimento da nossa indústria, da tecnologia e da economia. Para isso o Governo propõe-se criar todos os meios para que a exportação dê resultado, para que os exportadores consigam, efectivamente, progredir e .para que as exportações sejam - pelo menos na ideia do Governo não só o desafio - que o Sr. Ministro diz que enfrenta com coragem e ousadia- mas a concretização do desenvolvimento da nossa economia. Sr. Ministro, o que se impunha no nosso país era a produção de tudo aquilo de que o nosso povo é carenciado. Num país onde os objectivos fundamentais do Programa do Governo são a agricultura - agricultura praticamente desprezada neste Orçamento- esta orientação para as exportações significa, na nossa opinião, que o Governo não se quer confrontar, directamente, com as contradições da nossa própria sociedade.
O modelo exportador significa que haverá, permanentemente, a desculpa da situação internacional.
Por outro lado, o Sr. Ministro sabe muito bem que os sectores que têm estado à frente do sector exportador não têm, neste momento e a nível da CEE, capacidade .para exportar os seus produtos. Sabe e conhece perfeitamente a crise que existe a nível da CEE, nomeadamente nos têxteis, onde há despedimentos em massa, e esses despedimentos estão também a ser levados a cabo no nosso pais.
O Sr. Ministro quando fala na exportação, nos incentivos, nas taxas de juro, no crédito altamente selectivo, o que vai conseguir é, efectivamente, seleccionar. Vali pôr os - capitalistas e os exportadores a comerem-se uns aos outros, e quem vai sofrer com isso são os trabalhadores. Para isso o Sr. Ministro diz que cria as condições necessárias e essas condições necessárias estão ligadas, directamente, às próprias leis dos despedimentos que serão postas em prática para reconversão de empresas e para a concorrência entre elas, na tentativa de competir com o estrangeiro.
Com a lei que já está preparada vai dar-se uma concentração brutal do capital e a falência de centenas de empresas à custa do despedimento de centenas de milhares de trabalhadores. Este é o resultado do modelo exportador, que não corresponde aos interesses do povo português. O necessário é que se produzam os produtos fundamentais que o povo português tem de consumir, e eles não se produzem porque, mais uma vez, o Governo se verga ás imposições das multinacionais e do imperialismo, mais uma vez o Governo aceita aquilo que as multinacionais impõem, arranjando depois o derivativo da exportação, porque quando a exportação der os resultados catastróficos deste modelo exportador, o Governo pode dizer que a culpa não é nem sua nem do modelo exportador, mas sim da crise internacional. Este é o ponto fundamental.
O Sr. Ministro disse que em relação a esta sua perspectiva obteve o consenso das centrais sindicais. Ora, se isso é verdade, lamento profundamente que representantes dos trabalhadores tenham aceite entrar nesta mascarada, nesta golpaça, com a qual o nosso povo vagi sofrer muito. Vai haver milhares e milhares de desempregados e os preços dos produtos fundamentais vão continuar a subir devido a terem de ser importados e à desvalorização do escudo, que também é um dos parâmetros em que se apoia o Governo para incentivar a exportação.
Queria que o Sr. Ministro me respondesse em relação a isto.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Indústria
O Sr. Ministro da Indústria, Energia e Exportação: - Sr. Presidente, Srs, Deputados: Relativamente às questões levantadas pela Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo, do Partido Comunista, sobre o Projecto do Alqueva, refiro que, de facto, as decisões que foram tomadas têm tido o seu andamento normal, Recebi recentemente um relatório fazendo ó ponto da situação. A valia métrica está de facto avaliada e, como é do conhecimento geral, o problema que se põe, bem como a disponibilidade em termos de água
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necessária para o funcionamento dó projecto são objecto de negociações com a Espanha, uma vez que se trata de um rio internacional.
Relativamente ao problema das importações de energia e dos atrasos dos centros produtores posso proporcionar-lhe dados concretos, que aliás forneci quando foi a interpelação da seca - não vou agora repeti-los- onde se prova, claramente, que o Governo não atrasou, minimamente, nenhum investimento dós novos centros. produtores de energia, antes pelo contrário. E se alguns atrasos se têm verificado devem-se a situações de dificuldades empresariais a que o Governo é alheio.
Sobre o problema das pirites, como o Sr. Deputado Mário Tomé também levantou esse problema, gostava de ser muito claro e, em primeiro lugar, de desfazer um equívoco. Quando se fala em pirites muitas vezes confundem-se os jazigos tradicionais de pirites, que são minérios de enxofre, com pequenas quantidades de depósitos altamente ricos em metais não ferrosos que se descobriram posteriormente.
O Programa Integrado de Aproveitamento das Pirites foi iniciado e concebido antes do aparecimento destes segundos depósitos ricos, e é evidente que, não tendo em consideração essa situação, tinha uma filosofia que, resumidamente, consistia em antes de começarmos, de facto, a explorar e a tirar o benefício do minério rico investirmos 30 milhões de contos numa tecnologia que, sendo uma inovação internacional, era um investimento de rentabilidade verdadeiramente marginal.
A política do Governo é a de que a exploração de minérios ricos deve ser considerada como um centro do projecto de aproveitamento das pirites e não como seu acessório. E é essa mudança de orientação que nos pode, de facto, conduzir a sermos um exportador válido e economicamente rentável de metais não ferrosos. É o que se está a fazer, e não um bloqueamento do projecto das pirites.
Ainda sobre o problema da ANACONDA que também foi referido pelos dois Srs. Deputados, refiro que é um aspecto completamente exógeno ao Governo português. Existe uma empresa internacional que admite a hipótese de, entre várias localizações, fazer uma fábrica em Portugal, trazendo minérios para processar cá. É um problema completamente exógeno à nossa' orientação e, portanto, o projecto das pirites seguirá, independentemente dele, e depois se verá se eles mantêm ou não essa decisão.
O Sr. Deputado Mário Tomé fez algumas referências ao meu discurso, e eu não esperava outra coisa, porque, de facto, aceito perfeitamente que a minha intervenção seja muito difícil de perceber pela sua parte, já que as nossas concepções de sociedade e de objectivos são completamente diferentes. E por que o são a filosofia que o Sr. Deputado defende tem um deputado e a filosofia que eu defendo tem a maioria desta Câmara.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
Penso que todas as perguntas que fez sobre centrais nucleares e hidrocarbonetos estão definidas em acordos que estão publicados no Diário da República. Toda a legislação que diz respeito às prospecções de hidrocarbonetos está publicada e os direitos do Governo português e do País estão, nesse campo, perfeitamente precavidos.
Só uma última referência ao problema dos despedimentos.
Sr. Deputado Mário Tomé, a forma mais efectiva de defendermos os postos de trabalho no nosso país não é andarmos a dizer constantemente que temos de defendê-los, mas sim tomar as medidas concretas para que, através de uma política de ajustamento positivo - como eu disse na minha intervenção e possivelmente não percebeu -, se possa manter a produtividade da nossa indústria e o nosso aparelho produtivo. Esta é a única forma que interessa ao Governo português, e não andar a dizer balofamente que temos de defender os postos de trabalho. Isso não interessa.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Veja a MESSA!
O Sr. Presidente: - Para protestar, tem apalavra a Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo.
A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nas respostas ou nas não respostas que o Sr. Ministro deu às perguntas que lhe fiz, ficou claro o que é que o Sr. Ministro entende por ajustamento positivo da sua política, e ficou claro porque o Sr. Ministro defende o agravamento da nossa dependência perante o estrangeiro, o enfeudamento às multinacionais, nomeadamente quanto à exploração das nossas riquezas nacionais. Veja-se a resposta que V. Ex.ª deu em relação a ANACONDA, nomeadamente quanto ao avanço dos Projectos do Alqueva e das pirites alentejanas.
Se não vejamos - e daqui a pouco um camarada meu vai demonstrar-lho- em relação à energia, nós poderíamos em 1981 ter evitado importações de alguns milhões de contos se o Governo tivesse dado toda a atenção às possibilidades que temos de produção de energia.
Mas V. Ex.ª diz que se houve dificuldades empresariais não foi por culpa do Governo.
Mas então as empresas nacionalizadas não estão dependentes do Governo? A política industrial não é definida pelo Governo? Se não é, então, o que está o Sr. Ministro afazer no Governo? .
Vozes do PCP: - Muito bem!
Entretanto reassumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Amândio de Azevedo.
O Sr. Presidente:- Tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.
O Sr. Mário Tomé (UDP): - Sr. Ministro, realmente as nossas concepções de sociedade são radicalmente diferentes.
Vozes do PSD e do CDS- - Graças a Deus. Ainda bem!
O Orador:- Isso nota-se perfeitamente quando o deputado da UDP se encontra junto dos operários e dos trabalhadores e eles estão a levar porrada da GNR., a mando do Governo.
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Nota-se qual é o projecto de sociedade do Sr. Ministro e do seu Governo. Relaciona-se com a mitologia que se pretende imprimir ao povo português de que é necessário, nessa projecção futurista, começar por despedir milhares e milhares de trabalhadores e operários e dizer que no futuro, então, terão emprego.
Esta política pode servir ao Governo e ao seu projecto de sociedade, mas não, serve nem ao meu nem ao dos trabalhadores. E é por isso que há aqui hoje um deputado da UDP, mas virá altura em que a UDP será uma força que saberá dirigir o povo e que para o dirigir terá a adesão maioritária dos trabalhadores e operários, no sentido de fazerem a transformação radical desta sociedade, e não possa mais haver desculpas de modelos e projecções de futuro à custa da miséria dos trabalhadores. E hoje existem condições no nosso país para que isso não aconteça.
Se o projecto de sociedade for de acordo com a situação objectiva e concreta em que se encontra hoje a sociedade mundial há condições para que o povo não passe fome, não seja doente e tenha educação, desde que não se submetam aos ditames das multinacionais e do imperialismo. ,
O Sr. Ministro disse aqui que o problema da ANACONDA é exógeno. Quer dizer, a ANACONDA quer vir para o nosso país explorar a mão-de-obra barata com a ajuda do Governo, da GNR e das leis repressivas, e isto é exógeno, o Governo não tem nada com isto. É esta a vossa perspectiva de sociedade.
É essa a vossa perspectiva para estarem permanentemente a fazer o que as multinacionais querem, porque ganham com isso e porque sem isso não se aguentavam no poder. É por isso que tanta falta lhes faz o FMI, a CEE e as e «anacondas»: É isso que lhes dá o apoio político, económico e militar e, se for necessário, para manterem o povo na condição em que o querem manter permanentemente.
O Sr. Presidente: -.Tem a palavra o Sr. Ministro da Indústria.
O Sr. Ministro da Indústria, Energia e Exportação: - Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo, aceito que a minha intervenção tenha sido um pouco indigesta para a sua maneira de pensar, no entanto dir-lhe-ei o seguinte: leia-a com atenção e vai ver que a dependência que diz haver nela relativamente às multinacionais não é alinha de força dessa intervenção.
O Sr. Miguel Anacoreta (CDS): - Mande-os ler duas vezes.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo.
A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - É para dizer ao Sr. Ministro que quando fiz o protesto não me referi à sua intervenção de 40 minutos, referia-me sim à sua resposta às perguntas que lhe formulei. E ai o Sr. Ministro mostrou, de facto, as linhas de força do seu Ministério no enfeudamento às multinacionais. E volto a repetir: veja-se a resposta que deu em relação à ANACONDA, à energia e ao Alqueva.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Portugal da Silveira.
O Sr. Portugal da. Silveira (PPM): - Sr. Deputado Mário Tomé, creio bem que o Sr. Ministro da Indústria, Energia e Exportação sofre de um grave defeito: é excessivamente claro na forma como expõe as questões, e isso, parece que se torna, para certas bancadas, difícil de entender.
Ambos os Srs. Deputados falaram do Projecto do Alqueva e das pirites alentejanas. No que se refere à barragem do Alqueva é do conhecimento público que é fortemente provável que não haja água suficiente para a encher, quando o Governo toma todas as cautelas e não faz avançar um projecto de milhões sujeitos a ficarem em seco, vêm as bancadas da oposição exigir que se invista loucamente com dezenas de milhares de toneladas de cimento e de terra numa qualquer planície alentejana, num qualquer rio que provavelmente ficará seco.
No que se refere às pirites alentejanas, os. Srs. Deputados receberam, como eu recebi, uma comissão de trabalhadores mineiros de Aljustrel. Só que provavelmente sucedeu o terem ouvido meia dúzia de coisas no ar - é visível pelas vossas intervenções que assim foi - e não fazem, de facto, ideia nenhuma do que é o projecto da ANACONDA, que o Sr. Ministro muito bem definiu como um projecto exógeno, que nada, mas mesmo nada, tem que ver com as pirites alentejanas.
Parecem, também, completamente horrorizados com a ideia que lhes foi sugerida por esta comissão de trabalhadores, ou seja, o bloqueamento do projecto de desenvolvimento das pirites alentejanas.
Pois muito bem, o Sr. Ministro também foi suficientemente claro, não há nenhum bloqueamento, o que há é fazer em primeiro lugar ó aproveitamento dos filões mais ricos, e isso está a avançar a toda a força.
É evidente que o Sr. Deputado Mário Tomé também fica indignado por isso ser entregue a uma empresa francesa. Pois bem, também é do conhecimento público - porque são escrituras públicas de constituição da sociedade - que o Estado português tem 51 % nesse investimento e que só há uma empresa francesa porque foi ela que descobriu aqueles minérios.
O Sr. Jerónimo de Sisa (PCP): - Ah, descobriu?
O Orador: - Pois com certeza! E mais: há empresas estrangeiras que estão afazer prospecção, porque nós, de facto, não temos possibilidade de a fazer.
Esta é a realidade.
Agora, se quiserem fechar as nossas fronteiras - como parece que o Sr. Deputado Tomé fica muito satisfeito, apontando o exemplo da sua Albânia -, nós dizemos que não, que vivemos no mundo e não queremos fechar a nossa porta.
O Sr. Mário Tomé (UDP): - Não lhe respondo, porque não tenho tempo, Sr. Deputado Portugal da Silveira.
O Sr. Presidente: - Tem a, palavra o Sr. Deputado Veiga de Oliveira.
O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: As .propostas
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de lei do Plana e OGE para 1982, apresentadas pelo Governo AD/Balsemão/Amaral e aqui defendidas pelo superministro Sr. João Salgueiro, se viessem a ser efectivamente aplicadas, comportariam imensos sacrifícios, para o povo português, e muitas situações verdadeiramente dramáticas para centenas de famílias portuguesas.
Com um cento, jeito .de possidónio da velha escala, embora com roupagens de tecnocracia, mal vestidas, o que se nos .propõe cruamente é diminuir as despesas e. aumentar as receitas.
Com a frieza e a distância necessárias o Sr. Ministro diz-nos, em resumo: a crise capitalista abate-se sobre ;os nossos principais parceiras comerciais, a seca foi a maior dos últimos 120 anos, a política monetária da administração Reagan, em 1980-1981, revelou-se extremamente lesiva das nossos interesses, tudo tendo redundado na estagnação da nossa economia, no aumento da inflação e no agravamento incomportável da dívida externa. Acrescenta que erros (guando não manipulações) da política económica de 1980-1981, levaram ao aumenta exagerado da dívida interna, sublinhando que, em 1982, cerca de 2/3 da dívida a contrair se destina tão-só ao pagamento de juros e amortizações.
Sem cor, sem matizes, sem responsáveis nem vítimas, remata, concludente, que, face às misérias estruturais da economia portuguesa, tudo o que Testa é apertar o cinta.
Obviamente .º cinto e as cinturas não são todos iguais mas ninguém negará que: é mais fácil e serve melhor a clientela da AD sacar mil escudos por ano a cada um dos 10 milhões de portugueses do que 500 contos de impostos acrescidos a cada um dos 10000 tubarões, especuladores e gentalha similar que nadam em milhares de contos de lucros e rendimentos anuais, fugindo ao pagamento dos impostos ou não pagando mesmo imposta nenhum.
Vozes alo PCP: - Muito bem! .
O Orador. - Mas a sensibilidade e a farisaísmo tecnocrático vão mais longe. Aparentando estas grandes opções do Plano e o OGE para 1982 serem de mera contabilidade ou mesmos de simples gestão da falência, parecendo carecidas de objectivos económicos, sociais e políticos, eles são de facto os instrumentos :de recuperação capitalista e reaccionária que o Governo nos propõe para prosseguir embora em condições de crise internacional e nacional, a seu projecto de regresso, antidemocrático, antipopular e restauracionista.
Vozes do PCP- - Muito bem!
O Orador: - Vejamos alguns exemplos mais frisantes.
Liquida-se o Fundo de Fomento da Habitação. com o abandono total da intervenção do .Estado no sector e a sua entrega completa aos promotores e especuladores imobiliários.
Limita-se o crédito, desde logo mais caro, por forma a desencorajar a habitação económica própria, liquidar as cooperativas de habitação económica (CHE) e os programas de autoconstrução e recuperação da habitação degradada.
Diminui-se o poder de compra dos salários, estabelecendo tectos salariais inferiores ao aumento mais provável do índice dos .preços no consumidor. Mantém-se. ou aumenta-se o desemprego. Reduzem-se drasticamente as despesas com a saúde.(em termos reais), implicando o regresso ao paga-
mento, dos internamentos e dás urgências, e aos aumentos - desmesurados dos medicamentos.
Reduzem-se as prestações de segurança social, quer pelo, fundo de desemprego, quer pelos subsídios de doença. A propósito valerá a pena, com menos aritmética e com mais seriedade, comparar por exemplo, os alegados 60 milhões de dias de trabalho perdidos no ano passado, sem ter em conta, por exemplo, os dias perdidos pelas grávidas com a simples bonificação de. juros à exportação e ao investimento por parte do Banco de Portugal que, em 1980 atingiu os 4,5 milhões de contos, correspondentes a mais de 18 milhões de dias de trabalho, apropriados indebitamente pelos grandes capitalistas.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Em meio a tantas benesses para o capital e tantos sacrifícios para os trabalhadores espanta a falta de decoro político com que se propõe, no artigo 19.º alínea b), que «deverão ser tributados mais pesadamente os ganhos de natureza especulativa». Mais uma benfeitoria da AD - legalizem-se especuladores respeitáveis de todos os ramos! Basta inscreverem-se como contribuintes. E a taxa nem será muito pesada, provavelmente será mesmo inferior à da contribuição industrial.
Ulmo voz alo PCP: - Muito bem!
O Orador: - Para cumular tanta injustiça social e caracterizar ainda mais o seu vezo classista, todo este plano de rapina capitalista se insere num horizonte sombrio, sem perspectivas de desenvolvimento. e independência nacional, antes apontando para a falência e o desastre.
Uma voz do PCP: - Muito bem!
O orador: - Que planos de médio prazo?
Fala-se em aumentar a produção da nossa tão sacrificada e tripudiada agricultura. Pratica-se a destruição da Reforma Agrária. A liquidação dos rendeiros e - pequenos e médios agricultores pela instabilidade e pela manipulação dos ,preços dos factores de produção e .dos produtos da colheita. Aqui também, os créditos, as bonificações de juros, os subsídios, a$ indemnizações supostamente destinadas à produção e ao agricultor, acabam nos bolsos sem fundo dos intermediários e especuladores do suor alheio.
Uma voz do PCC - Muito bem!
O Orador: - Fala-se em revitalizar as empresas, nacionalizadas, mas vão-se matando à míngua de recursos para investimentos, visando claramente a sua destruição.
A lógica da direita e da reacção é inexorável: ou os monopólios recuperam integralmente o seu poder ou então esse poder deve ser destruído,. Custe ao
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bem-estar do povo português, custe à independência nacional. Para vós, o mundo, ou será vosso, ou não será!
Mais vejamos um pequeno exemplo.
Ano após ano, uma parcela elevadíssima do nosso défice externo (em 1980 essa parcela, foi de cerca de 25 milhões de contos), corresponde. a transportes, na sua maior ,parte marítimos, e seguros. O melhor de 25 milhões de contos ou cerca de 500 milhões de dólares que, investidos a 50 % anualmente, teriam dinamizado as nossas transportadoras, por acréscimo, a construção naval, a metalomecânica pesada, a siderurgia, para além idos efeitos benéficos e valiosos no mercado do trabalho e em toda a restante actividade económica. Entretanto, nada se faz para sanear e dinamizar a GNN e a CTM.
Abandonaram-se os grandes projectos com .pretextos variáveis e díspares ao longo dos anos, mas realmente sob o único e constante lema - o que não interessa ao, grande capital, não interessa à economia nacional.
Uma voz do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Nestes últimos meses a seca obrigou-nos á importação acrescida de 12 milhões de contos de energia eléctrica; entretanto, se a, centrais térmicas estivessem devidamente, mantidas, (o que ser investimentos não é possível), o défice líquido não teria ,passados de metade, isto é, ter-se-iam poupado 6 milhões de contos.
São os mesmos que recusam os investimentos da EDP designadamente para aproveitamentos hidroeléctricos e de fins múltiplos, que sonham com a compra de: uma central nuclear. Não porque pensem suprir o défice energético, não por ignorarem os eventuais e desnecessários riscos para o ambiente, mas, tão-só, porque sonham com os milhões de contos em luvas e comissões que haveria pare depositar na Suíça.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Como diz o ditado: Com que sonha o porco?
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Uma porcaria!
O Orador: -E que dizer .da morte lenta por afogamento a que condenaram a nossa frota pesqueira? S6 em 1980 importamos 4,3 milhões de contos de pescado. Mas a lógica, a vossa lógica, a lógica do grande capital é sempre a mesma e. inexorável. 4 que a vós não dê lucros, não interessa ao país.
O comércio externo é uma autêntica actividade selvagem. Sobre facturação, subfacturação, importações injustificadas ,por haver produtos similares nacionais, por vezes de melhor qualidade, mas cuja comercialização não permite os lucros especulativos e as manipulações cambiais, à mistura com a fuga de divisas, que são os grandes atractivos para os importadores e senhores do comércio por grosso.
Estes simples, mas concludentes exemplos, denunciam o vosso projecto.
Não fosse a limitação d.e temo poder-se-iam juntar dezenas de outros, falar do escândalo dos depósitos a prazo, (com dinheiros de conta alheia), das mobilizações das indemnizações por parte, dos ex-monopolistas que devem ao povo e ao país meio século de opressão e exploração. Poder-se-ia falar do escândalo do esbanjamento alardeado, das segundas e terceiras residências, dos carros de luxo, dos iates, dos gastos supérfluos de toda o tipo, da imoralidade das negociatas, da corrupção, da energia de reservas na zona da Reforma Agrária e de outros escândalos do MAP, da compra e venda de aviões ao desbarato, da Mirandela, da EPAC, dos pagamentos adiantados e de tantos outros já denunciados nesta Assembleia e em público.
Aplausos do PCP.
Se o riso .fizesse cairo Governo, este teria já caído com a gargalhada, amarga, embora, que a sua proposta para a participação das autarquias locais nas finanças públicas, encerra para o próximo ano.
Pasme-se. O governo da AD invoca-se, sério e honesto, porque, desta vez, admite expressamente que retirou às autarquias a parte que lhe competiria devida pelos juros da dívida pública. O restante do que realmente foi sonegado, cerca de 28 milhões de contos, não cabe na honestidade deste governo.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Bem se, compreendem os vossos objectivos: manter as autarquias locais à míngua de financiamento para, oportunamente, mais próximo das eleições, através dos sacos azuis tentar uma nova e gigantesca compra de votos.
O Sr. António Mota (PCP): -.Muito bem!
O Orador: - Tudo leva a mesma conclusão.
Não basta reprovar as Grandes Opções do Plano e o OGE. O que se torna urgente e inadiável é demitir este Governo da AD. O que se torna irretorquivelmente patriótico e democrático é dissolver esta Assembleia e dar de novo voz ao povo soberano para através de eleições democráticas recolocar em maioria os partidos que de facto a representam.
Aplausos do PCP.
O Sr. Lemos Damião (PSD): - Olhe que, não, Sr. Deputado!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Rui Amaral.
O Sr. Rui Amaral (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Numa discussão de propostas de lei tão relevantes para os portugueses não poderia o Partido Social-Democrata deixar de intervir no debate numa área de interesses - os interesses imediatos das classes trabalhadoras- atentos não apenas aos imperativos ideológicos como, sobretudo e muito pragmaticamente, tendo em vista uma panorâmica económica e financeira global extremamente pouco favorável.
Nós iremos ater-nos hoje sobre outros e não menos relevantes interesses - os de médio e longo prazo por se nos afigurar que o que está em causa é, sobre
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tudo, a análise de políticas económicas e financeiras de curto prazo que, sem deixarem de se inserir numa perspectiva mais vasta, têm inevitavelmente de sofrer por serem justamente de curto prazo os efeitos negativos das conjunturas internas e externas desfavoráveis.
E a primeira ideia força que a nosso ver importa reter, sem demagogia, mas por respeito para com o realismo e a coerência, é a de que a análise dos propósitos e dos projectos da política económica e financeira de um Governo no curto prazo não pode desinserir-se do médio prazo dentro do qual esse governo vai exercer os seus poderes. Aferir ou pretender aferir a política de um governo por um conjunto de medidas limitadas no tempo é injusto e é sobretudo técnica e mesmo politicamente incorrecto, qualquer que seja o juízo.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador:- Pela nossa parte, recusamo-nos a formular juízos globais sobre uma parcela temporal de uma política que também tem que ser avaliada pela sua globalidade. E é neste sentido que, uma vez mais, exerceremos a nossa missão de controle da actividade do Governo, sem nos deixarmos envolver nas tentativas de fazer um julgamento de um governo de quatro anos pelos resultados obtidos no seu primeiro ano de actividade.
Aplausos do PSD, do PPM e do Sr. Deputado Rogério Leão (CDS).
Não quer isto dizer, porém, que não nos importem a curto prazo as medidas que visem contrariar mais frontalmente os efeitos nefastos da conjuntura envolvente e por isso também não deixaremos de ajuizar da qualidade da adequação das medidas compensatórias de curto prazo mormente quando essas medidas possam envolver a não realização de expectativas legítimas ou mesmo meramente o seu diferimento temporal. Importa é ter presente um rigor de análise alheio às tentativas da oposição de pretender tomar a parte pelo todo e sobretudo de pretender assacar à Aliança Democrática e à sua governação responsabilidades que não são suas nem dos partidos que a constituem.
Vozes do CDS: - Muito bem!
O Orador: - Muito poucos contestarão seriamente hoje em dia que, para além dos problemas estruturais da economia portuguesa, que nenhum governo antes da Aliança Democrática foi sequer capaz de equacionar, a conjuntura externa e um ano climatérico excepcionalmente desfavorável são factores que seguramente hão-de repercutir-se negativamente no processo de melhoria das condições de vida dos trabalhadores que a Aliança Democrática finalmente iniciou em 1980.
O Sr. Lemos Damião (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Não está sequer em questão, repito, não está sequer em questão inverter o sentido dessa melhoria mesmo no curto prazo, ou seja, mesmo que quiséssemos considerar isoladamente em 1981 ou 1982, esquecendo que a AD governará por mérito democrático próprio até ao fim de 1984 com base no actual mandato.
E se isso não está em questão a afirmação vale, evidentemente, pelo conteúdo dos documentos legais que temos perante nós para apreciação. Se quisermos, e que outras palavras, a afirmação vale somente pelos resultados que, na perspectiva do Governo, hão-de obter-se ao longo do ano de 1982, tendo por base as opções políticas que o Governo irá pôr em prática ao longo desse mesmo ano. Não se trata também de criticar gratuita e demagogicamente o Governo pelo facto de em 1981 não terem sido atingidos objectivos essenciais inseridos nessa mesma linha das melhorias de condições de vida dos portugueses, designadamente dos trabalhadores. Os indicadores disponíveis, á agora, revelam-se, sem demagogia, que se ficou em 1981 aquém do que fora programado, mas revelam igualmente e de modo insofismável que não se deterioraram relativamente a 1980 os índices pelos quase se pauta a avaliação do nível de satisfação das necessidades individuais e colectivas dos portugueses. Pode afirmar-se que não se atingiram os objectivos de progresso programados mas já não se pode afirmar que a situação se deteriorou quer relativamente ao emprego, quer ao poder de compra, quer ao nível da satisfação das necessidades colectivas essenciais.
Pode, portanto, pretender averiguar-se qual o grau e competência técnica ou política que esteve por detrás desse incumprimento pontual. Para nós, existem razões extrema e penosamente objectivas, internas e externas, que mais do que justificam aquilo a que eu poderia chamar uma performance extremamente precária da economia portuguesa. Mas a severidade deste juízo é essencialmente legítima para quem como nós, PSD, somos suporte do Governo e garante, perante o povo que nos elegeu, dos compromissos que perante esse mesmo povo assumimos.
Aplausos do PSD.
Pela nossa parte, o Governo terá pecado por ter sido eventualmente tardio na revelação pública da gravidade dessas condicionantes que lhe são externas, permitindo que o nível de expectativas se tivessem mantido por tempo exagerado acima daquele que era realista prever. O Governo terá sido mais longamente optimista que o que deveria ter sido eventualmente nas nem por isso, repito, deixou que uma conjuntura extremamente desfavorável invertesse o sentido do progresso que é o sentido geral da governação iniciada em 1980.
Testemunhos insuspeitos, técnica e politicamente, revelam de forma inegável que, apesar de tudo, foi possível obter resultados que outros, em momentos de menor gravidade, não foram capazes de conseguir.
É por isso que para nós não é aceitável a crítica demolidora a 1981 só porque em 1981 não se conseguiram os notáveis progressos obtidos em 1980, e é por isso que, sem fugirmos ao juízo crítico, que nos recusamos a converter um debate sobre 1982 nutra julgamento de 1981.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - E é por isso também que não nos deixaremos arrastar na demagogia da oposição que dozes do
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pretender que assuntos programados para 1982 não serão atingidos ,porque já em 1981 aconteceu o mesmo.
Nós, PSD, e sobretudo os trabalhadores portugueses temos bem presente o que foram as promessas dos governos anteriores aos das AD, mormente os governos gonçalvistas e socialistas.
Nós, PSD, e sobretudo os trabalhadores, sentimos bem duramente quão ,pesada repressiva foi a mão dos Governos que se reclamam dos trabalhadores e sabemos igualmente, porque a nossa memória não precisa de ser tão longa, como se utilizaram mormente em 1976 e 1977 - medidas repressivas sobre o poder de compra de uma violência inusitada.
Aplausos do PSD.
Nós sabemos quem introduziu em Portugal tectos salariais, que a AD nunca praticou ...
Vozes do PSD. - Muito bem!
O Orador: - ..., do mesmo modo que sabemos quem restringiu os direitos à negociação colectiva livre e permitiu a degradação de estabilidade de emprego também através dos contratos a prazo. Nós sabemos ainda quem promoveu a inflação para valores que degradaram tremendamente o tecido social português, penalizando essencialmente os mais desfavorecidos. E a citação de exemplos tão significativos poderia ser mais longa e mais negra ainda.
É por isso que, tendo a Aliança Democrática rompido definitivamente com os aspectos mais negativos dessas tendências, não precisa nem está disposta a receber lições de ninguém nesta Câmara.
O Sr. Lemos Damião (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Em todos os debates sobre orçamentos e planos apresentados pelos Governos da AD se ouvirem as vozes dos que, para além da demagogia, pretendem demonstrar tecnicamente aquilo que é indemonstrável pelos factos. A Aliança Democrática vai prosseguir, contra secas e recessões internacionais de dimensão nunca atingida em últimos anos, uma política que vai continuar a garantir que a inflação não volte aos níveis de 1976 ou 1977, que o nível de emprego não se degrade e se promova, tanto quanto possível, que se pratique, dadas as limitações financeiras, uma política de benefícios sociais que embora mais selectiva seja, mas sempre em lavor dos mais desfavorecidos mesmo que para tanto os demais, aqueles que não precisam, possam ver diminuídas certas regalias.
A AD não prometeu a melhoria das condições de vida para os que já têm novas condições de vida. Prometeu e cumprirá uma política que garanta uma equidade social maior, mesmo que para tanto seja necessário que os que mais podem e têm possam sofrer restrições em face dos mais carecidos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Da análise dos documentos em agenda não resulta globalmente nada de diferente do que se afirmou nem a experiência recente permite que se duvide que as metas do progresso económico e social, modestas embora, não sejam atingidas.
Não me cabe discutir ou apreciar afirmações isoladas sectoriais de responsáveis políticos ou administrativos sobre as quais se tem pretendido construir todo um processo de intenções. Pela minha parte manter-me-ei atentamente a analisar resultados, previsões ou medidas aprovadas pelo Governo, indiferente a esse processo de intenções ou às suas determinantes.
Uma última palavra é devida relativamente aos trabalhadores que desempenham a sua actividade no sector público. Apesar de não terem confirmação, uma vez mais, certos augúrios lançados aqui e ali, não pode, porém, aceitar-se que os trabalhadores da função pública sejam, de algum modo, considerados á margem dos benefícios de que os demais trabalhadores usufruem.
Aplausos do PSD.
Não é possível que, atentas as dificuldades financeiras que são patentes, sejam os trabalhadores da função pública os que, mesmo que seja no curto prazo, possam ser dos mais desfavorecidos em matéria de política salarial.
A equidade impõe que, pelo menos ao nível de todo o sector público, as restrições salariais que 1982 irá impor tenham uma distribuição rigorosamente equitativa sob pena de se perder a força da sazão que resulta de igualdades de tratamento.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Se as limitações financeiras para 1982 impuserem que no sector público não seja possível conseguir a cobertura integral do nível da inflação, importa que tal decisão seja analisada e discutida com os representantes dos trabalhadores e que se procure obter o máximo consenso possível na adopção de medidas compensatórias de cubo e de médio prazo.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!
0 Orador. - Não será difícil fazer compreender aos trabalhadores que lhes são exigíveis em determinado momento sacrifícios que, estou certo, nunca negarão, ponto é que entendam esses sacrifícios e, sobretudo, que entendam que eles não são, nem inúteis nem socialmente injustas.
Vozes do FSD:- Muito bem!
O Orador:- As afirmações constantes do capitulo 1v sobre política de rendimentos e preços das Grandes Opções do Plano, mormente quanto no controle das margens de lucro e ao estabelecimento concertado, insisto, concertado de uma norma salarial compatível com uma evolução moderada dos salários reais constituem para nós, sociais-democratas, compromissos políticos que naturalmente consideramos como fundamentais.
Não fizemos a citação com o objectivo de recordar ao Governo aquilo que eventualmente terá sempre presente. Fizemo-la porque, para além das palavras proferidas e dos processos de intenção, o que nos importa é impedir que a opinião pública seja manipulada, que os trabalhadores sejam objecto de tentativas
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de manipulação com base em pressupostas não coincidentes com os compromissos solenes do Governo.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador. - Por isso também, Sr. Ministro das Finanças e do Plano e Srs. Ministros, confiamos em que o Governo continuará a cumprir o essencial daquilo que prometeu e cumprirá em 1982 aquilo que consta dos documentos em apreço e que elaborou com perfeito conhecimento da situação económica e financeira do País.
Aplausos do PSD, do .CDS e do PPM.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Sousa Marques.
O Sr. Sousa Marques (PCP): - Num breve minuto, uma pequena observação em relação às palavras vagas que acabámos de ouvir.
O Sr. Deputado do PSD afirma a sua convicção de que este governo cumprirá as promessas que foram anunciadas.
Manifestou-se atento aos resultados da política que está a ser desenvolvida .pela AD e, em relação às quatro grandes prioridades anunciadas pelo governo da AD, eu gostava de saber do Sr. Deputado o que é que se passa em relação à prioridade das prioridades: a habitação. O que é que se passa também em relação a uma das outras prioridades, a exportação, que diminuiu 3,5 % ? O que é que se passa em relação à outra prioridade, a agricultura, que diminuiu 5 % ? O que é que se passa em relação à regionalização, outra prioridade, em que em matéria de legislação e de outras iniciativas parece que resta ao Governo ter um ministro que parece mais um balão propagandístico, provavelmente a caminho de Macau ou de outro sítio qualquer.
Sr. Deputado do PSD: Uma coisa são promessas eleitorais, outra são resultados conseguidos!
Já estamos habituados às suas megalomanias mas, uma vez mais, o Sr. Deputado Rui Amaral vem aqui provar o que não se pode provar, vem aqui dizer o que não se pode dizer.
Depois de termos ouvido da sua boca tantos e tão grandes elogios às políticas de Cavaco e Silva e de Morais Leitão, o Sr. Deputado vem agora aqui dizer, como outros deputados já disseram, que finalmente temos o Governo sério e honesto, que finalmente temos o Plano e Orçamento que se impõem para a situação de crise. Isto é: antes os planos e orçamentos não eram nem sérios nem honestos, antes os Ministros das Finanças e do Plano eram demagogos e só agora temos o homem certo no sítio certo!
De facto, Sr. Deputado, a verdade e a história irão falar por si. Eu, por mim, limito-me a olhar com alguma comiseração para o seu olhar triste e melancólico.
O Sr. Lemos Damião (PSD): - Olhe que não. Está a ver mal!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Rui Amaral, para responder.
O Sr. Rui Amaral (PSD): - Sr. Deputado, não tenho aqui a possibilidade de ver qual a tonalidade do seu olhar mas as suas palavras pareceram-me com uma entoação pouco convincente. Aliás, não seria muito de admirar que isto acontecesse.
Quanto às questões que o Sr. Deputado do PCP me .põe a respeito do problema das prioridades, independentemente de lhe recomendar - se achar isso útil, já que entendeu dar-me a honra de formular questões sobre a minha intervenção- uma leitura da minha intervenção porque creio que, de facto, as suas considerações não têm a mais pequena expressão, eu gostaria de referir que não formulei aqui nenhum juízo, negativo ou positivo, a respeito dos anteriores governos da AD.
Penso que os anteriores governos da AD, dentro das limitações existentes, cumpriram o prometido e eu, que sou um dos deputados eleitos pela maioria do povo português, estou tranquilo quanto ao julgamento do povo português, quanto à actuação do Governo.
Mas eu gostaria de lhe lembrar que no meu discurso eu não tratei de problemas específicos como seja o da exportação ou da agricultura; tratei dos problemas que interessam fundamentalmente aos trabalhadores e procurei demonstrar aquilo que me parece que é perfeitamente insusceptível de contestação. É que, apesar das dificuldades todas, desde 1980 tem-se verificado uma melhoria - ainda que menos acentuada em 1981 - das condições de vida e de trabalho dos trabalhadores portugueses.
O Sr. Sousa Marques (PCP): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?
O Orador: - Faça favor.
O Sr. Sousa Marques (PCP): - Já agora eu gostava de referir um assunto sobre o qual o Sr. Deputado pode, pelo menos, falar com algum conhecimento. Refiro-me aos trabalhadores da função pública.
Acha que este governo cumpriu não só a regulamentação da Organização Internacional do Trabalho como até os próprios compromissos que assumiu perante os trabalhadores e o povo português?
Acha que este governo negociou o tecto salarial que acabou por impor? E o próprio Sr. Ministro Menéres Pimentel reconheceu que o impôs! ...
Acha que este governo, nesse campo, melhorou a situação dos trabalhadores?
Sr. Deputado, deixemo-nos de palavras cínicas e falemos verdade!
O Sr. Luís Coimbra (PPM): - A .melhoria dos trabalhadores é na Polónia!
O Orador: - Sr. Deputado, eu gostaria de reafirmar aquilo que afirmei aqui na minha intervenção a respeito da situação dos trabalhadores da função pública para 1982. tanto quanto eu sei, ela não está ainda definida e temos de nos debruçar, para além de .processos de intenção, sobre os documentos que o Governo apresentou e que eu citei expressamente na minha intervenção.
Em qualquer caso, Sr. Deputado, em Portugal os trabalhadores - quer os da função pública quer
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os do sector privado - não passarão a trabalhar nem 12 horas por dia, nem 6 dias por semana, nem passarão a ter somente um dia de férias por cada mês de trabalho!
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Victor Constâncio.
O Sr. Victor Constâncio (PS): - Sr. Presidente, Srs. Ministros, Srs. Deputados: Poderia limitar-me hoje a repetir a intervenção que aqui proferi em Setembro passado durante o debate sobre o Programa do Governo, Nele, identifiquei a responsabilidade da AD na crise económica que o País vive; critiquei o vosso modelo de desenvolvimento; recusei a vossa política de curto prazo e a precipitada negociação com o FMI.
Fi-lo, sem pose política nem demagogia ao contrário do que fizeram as oposições quando o PS era governo. Em finais de 1977, perante a maior crise financeira do País na sua história recente, o PSD emitia um comunicado público exigindo um crescimento económico de 6 % e o CDS defendia nesta Assembleia um crescimento de 5 %.
Permitam-me, ao contrário, que cite uma passagem do que disse aqui em Setembro último:
[...] a situação financeira é evidentemente grave, a previsão do défice de transacções correntes de 1,5 mil milhões de dólares, ou seja, mais de 7 alo do produto nacional - afinal verifica-se agora que os números são largamente superiores -, não é sustentável e é, assim, praticamente inevitável no curto prazo a adopção de uma política restritiva de ajustamento.
Não podia ter sido mais claro, mas acrescentava então:
Simplesmente, isto que é assim tecnicamente não representa nenhuma cobertura política ao que a AD vai fazer. Porque o que a AD vai fazer é o resultado daquilo que a AD já fez e têm que lhe ser pedidas as mais pesadas responsabilidades políticas pela situação em que colocou o País.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Porque a A:D é efectivamente culpada e não pode refugiar-se nas mistificações de que tudo se deve à crise internacional e à seca e de que a política de 1950 deixou de produzir efeitos em 31 de Dezembro, como se todos não soubéssemos da existência de desfasamentos temporais nos efeitos da política económica.
Vozes do PS - Muito bem!
O Orador: - A verdade é que a política económica do ano passado foi em grande parte a demagogia eleitoralista:
1.º Num ano em que a inflação foi de 16,6 pio, o crédito interno aumentou 25 % e a massa monetária 35 %;
2.º As transferências correntes do sector público, veículo principal das benesses eleitorais, aumentaram 52 aio; o consumo público cresceu 6 pio em termos reais; o défice orçamental foi oficialmente de 11 pio do produto nacional, mas foi efectivamente superior pelas razões que então refen.
Como parêntesis, permitam-me que, tendo ontem sido mencionado o agravamento do défice em 1978, recorde que nesse ano as transferências correntes subiram apenas 17 pio e as despesas de investimento público 75 pio enquanto o ano passado apenas 27 %.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - São afectivamente diferentes os nossos critérios;
3.º Política de repressão artificial da inflação, controlando rigidamente os preços, prejudicando os agricultores, revalorizando e afectando a competitividade das exportações.
Não era preciso ser advinho para prever os custos desta política que se iriam pagar após. as eleições, em termos de aceleração dos preços e e agravamento dos défices público e externo. Disse-mo na televisão ao Ministro das Finanças mas é natural que poucos então me tenham acreditado. Nem tudo foi obviamente negativo em 1980, mas a gestão económica foi imprudente, demagógica e insusceptível de fundar, em bases sólidas,. a recuperação económica.
Vozes do PS:- Muito bem!
O Orador. -.Se. 1980 foi o ano da demagogia, 1951 foi o ano da incoerência. A AD definiu ao longo do ano três políticas conjunturais diferentes e deixou agravar a crise para além de todos os limites do razoável. E, para além da seca que agravou o défice externo em 300 a 400 milhões de dólares, esse agravamento da crise não se explica pela situação internacional e do dólar.
Comparemos efectivamente a evolução da conjuntura em Portugal e nos países da OCDE, também eles afectados por aqueles dois factores.
As importações da OCDE desceram em 51 o mesmo que em 50, 1,25 %, enquanto o produto aumentava 1,25 pio em 51 e 1,3 pio em 50. Não se agravou assim, em média, a evolução do nosso principal mercado de exportação e apesar disso as nossas exportações de Janeiro a Agosto deste ano relativamente ao ano passado desceram cerca de 10 % em dólares e cerca de 7 em volume, constituindo Isso, aliás, o sinal mais preocupante da crise que afectou este ano a nossa economia. Por outro lado, as importações aumentaram 5 a 6 % em volume, contrariamente à evolução geral e acima do ritmo da actividade económica.
A inflação nos países da OCDE desceu, em média, de 11 % para 10 %, enquanto em Portugal subiu de 16,6 para cerca de 20 pio. O crescimento económico em 51 foi praticamente o mesmo que em 50 na OCRE, mas diminuiu em Portugal de 5,5 aio para 1,6 pio.
Em suma, temos que reconhecer objectivamente que a situação económica se deteriorou, em 1951, muito mais em Portugal do que era justificado pela crise internacional. Ninguém pode, pois, negar seriamente que a política dos Governos da AD agravou a crise nacional. Ou seja, a gestão económica da AD
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nos últimos dois anos, provou que a AD não é capaz de resolver os problemas nacionais.
Aplausos do PS, da ASDI, da UEDS e do MDP/CDE.
Vejamos, com efeito, sintética e quantitativamente, alguns indicadores dessa gestão, referentes às variáveis mais relevantes: o crescimento económico nos dois anos antes da AD - 1978 e 1979 - foi de 7,8 % em volume; nos dois anos da AD - 1980 e 1981 - foi pior, foi de 7,3 %.
A inflação no último trimestre de 1979 estava ao nível de 23 %; no último trimestre de 1981 é de 24 %.
A taxa de desemprego era no .fim de 1979, 8,1 %; é hoje de 8,8 %.
O défice orçamental continua o mesmo em percentagem do produto, mas a carga fiscal diminuiu de um .ponto de ,percentagem do produto nos dois anos antes da AD; nos dois anos da AD aumentou 5,2 pontos, e aumentará mais 2,1 pontos em 1982.
O défice acumulado da balança de transacções correntes nos dois anos antes da AD foi de 817 milhões de dólares; nos dois anos da AD foi 3 mil e 50 milhões de dólares.
A divida externa nos dois anos antes da AD aumentou 2,1 biliões de dólares; nos dois anos da AD aumentou 3,1 biliões de dólares.
O grau de cobertura das importações pelas exportações era de 53,2 % em 1979; neste ano da AD será de 48 %.
As exportações nos dois anos antes da AD aumentaram em volume 44 %; nos dois anos da AD aumentaram 1,5 %!
Será isto a mudança? É isto a autoproclamada competência da AD? São estes os frutos de quem arrogantemente em 1979 decretava a suposta incompetência dos seus antecessores? São estas as miríficas promessas de crescimento, de bem-estar, do Programa da AD em 1979?
Perante um país frustrado e acabrunhado na crise, o Sr. Primeiro-Ministro, em recentes afirmações públicas, promete agora apenas que seremos uma geração de austeridade. Disse-o em Setembro, repito-o agora: a AD enganou o País e não tem desculpa!
Aplausos do PS, da ASDI, da UEDS e do MDP/CDE.
Sr. Presidente, Srs. Ministros, Srs. Deputados: Perante a situação de crise financeira do País como delineou a AD a sua estratégia .política e económica?
Proeurou, primeiro, alarmar o País com o espectro dos défices e das dívidas projectadas inconsideradamente para o futuro, visando com isso obter cobertura para as medidas que pensa adoptar; silenciou o problema do desemprego; espera da chuva e da situação internacional a resolução do .problema da balança de pagamentos; concentra as atenções no défice orçamental; planeia impor uma diminuição dos salários reais; projecta a alteração de regras fundamentais do sistema económico, nomeadamente com a lei dos despedimentos lesando os direitos dos trabalhadores; consagra a incoerência das políticas estruturais para os diferentes sectores produtivos e nada diz sobre elas nas Grandes Opções do Plano Anual, ao mesmo tempo que parece adiar, sine die o Plano a Médio Prazo.
Comecemos por este último ponto. A AD já definiu este ano, com Ministros diferentes, duas políticas de habitação bem diversas. O mesmo aconteceu com a agricultura, como tivemos aqui ocasião de constatar, aliás, gostosamente, no debate do Programa do Governo. .Destruiu a Lei do Serviço Nacional de Saúde e não construiu nada, - nem nova lei, nem nova política positiva. Sobre a reforma fiscal profunda de que o País carece, nada fez em dois anos - anão ser criar agora novos pequenos impostos complicando ainda mais o sistema. Nada fez também de positivo ,para a reforma do sistema educativo - nem sequer a Lei de Bases.
Onde estão, ao fim de dois anos, as profundas reformas que prometia a AD no seu Programa de 1979?
O Sr. Carlos Lage (PS): --Muito bem!
O Orador:- É esta a coerência de um projecto para quatro anos?
Analisemos agora, mais de perto, a política conjuntural do Governo. Perante os problemas do desemprego, das necessidades do desenvolvimento, da balança de .pagamentos, da inflação, sabemos que não é possível em economia fazer milagres e resolver ou atacar simultaneamente com a mesma eficácia todos esses problemas.
Com um défice corrente de cerca de 9 % do produto na balança de pagamentos a primeira prioridade tem que ser dada, infelizmente, a este problema. Isso implica, num curto prazo, sacrificar alguma coisa no objectivo dó crescimento. Onde as prioridades do Governo começam a estar erradas, é quando pretende também obter resultados significativos na redução da inflação. Fixando um objectivo irrealista de passar de uma taxa média de cerca de 20 % em 1981 para 17 % em 1982.
Levado a sério, este objectivo poderá vir a comprometer ainda mais os dois primeiros pelas consequências que tem em vários domínios da política económica.
Vejamos, em primeiro lugar, porque é irrealista esse objectivo. Ponderemos os seguintes números: a inflação esteve em aceleração durante o ano e está neste último trimestre no nível de 24 %. Este é o ritmo instantâneo de que se partirá no início de 1982. Arbitrando o crescimento dós preços em Novembro e Dezembro de 1,5 % ao mês, pode facilmente calcular-se que para atingir em 1982 uma taxa média de 17 % em relação à média de 1981, os preços, crescendo regularmente ao longo do ano, teriam que subir durante 1982 apenas 11,9 %. Quem legitimamente pode acreditar nesta hipótese, quando se acaba de aumentar o ritmo da desvalorização, quando se reduzem drasticamente os subsídios orçamentais aos preços e quando se acaba com a política do cabaz de compras?
A gravidade de fixar um objectivo irrealista 3 taxa de inflação, na actual conjuntura, está nas consequências que isso tem na política salarial que ó Governo define e na política monetária de crescimento do credito que planeia adoptar.
Com a política do tecto salarial de 15 % ou 11 para os funcionários públicos ou de 17 % para os restantes trabalhadores, imposto através de um sistema de penalização fiscal que ainda ninguém percebeu
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como irá funcionar, o Governo visa arma redução totalmente inaceitável dos salários reais que além do mais contribuirá para frustrar o objectivo de crescimento.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Por outro lado, planear a política dos plafonds de crédito com base na hipótese da inflação a 17 % conduzirá a uma política de crédito demasiado restritiva que também afectará o crescimento e o desemprego.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador:- Será sobretudo desastroso se o Governo negociar nessa base com o FMI a política de crédito do próximo ano.
Rejeito claramente esta orientação que irá prejudicar o crescimento, o desemprego, a repartição de rendimentos.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador. - Sr. Presidente, Srs. Ministros, Srs. Deputados: Como já disse, a principal tónica do discurso do Governo é a preocupação com o défice orçamental, com a dívida pública e a dívida externa. A partir destes temas, proeurou alarmar o País e pintar o quadro negro da crise. Que o País teria funcionários públicos a mais e que a continuar assim teria que vir a fazer despedimentos importantes no. futuro. Não é assim. Com excepção do caso especial de Japão, somos o país da OCDE com menor percentagem do emprego total na Função Pública.
O mais grave, porém, foi o Governo ter começado a fazer projecções inconsideradas da dívida pública e externa, deixando que se perfilasse o espectro de eventual bancarrota, o sacrifício das gerações futuras com os nossos netos no ano 2000 a nascer logo com ruão sei quantos milhares de contos sobre os tenros ombros.
Esta questão levanta um importante problema político. É que estes temas têm sido aproveitados pela extrema-direita e pela direita antidemocrática para tentarem fazer o processo do regime democrático.
Vozes do PS. - Muito bem!
O Orador: - E lamentavelmente o Governo permitiu que isso tenha acontecido e nada fez para o corrigir e combater.
O Sr. Manuel da Costa (PS): - Muito bem!
O orador: - Atenção: não ponho em causa os pergaminhos democráticos do Governo e dos que o compõem. Acuso-o apenas de imprevidência ao ter deixado alastrar, sem um combate, os slogans demagógicos da extrema-direita para quem o 25 de Abril e a democracia seriam ó regime das dívidas que arruinam o País que, por laxismo, se teria transformado num país de preguiçosos que não querem trabalhar.
Aplausos do PS, da ASDI, da UEDS e do MDP/CDE.
Esse combate interessa a todos os democratas e a todos os partidos e por mim sinto que é necessário começar a travá-lo.
O alarmismo excessivo sobre a crise cria potencialmente na população um sentimento de frustração, de acabrunhamento, de desespero sobre a possibilidade de um futuro melhor, de alienação relativamente aos políticos e aos partidos, que pode ser um perigoso caldo de cultura em que germinem os inimigos da democracia. É preciso responder: são o 25 de Abril e a democracia os principais responsáveis galos défices e pele; crescimento das dívidas?
Existe o espectro da bancarrota, do aumento indefinido e sem controle das dívidas, pública e externa?
Está o País condenado, sem soluções que resolvam os problemas nacionais?
Respondo não a estas três questões.
Quanto à primeira recordo alguns factos, simples e conhecidos, mas que convém agora lembrar: o 25 de Abril teve a infelicidade de coincidir com uma
alteração radical das condições da economia mundial. Se as nossos termos de troca, que não controlamos, não se tivessem deteriorado 30 % nos primeiros anos, isto é, se os preços das nossas importações tivessem aumentado o mesmo que 'os dás nossas exportações de 1974 a 1978, o País não teria acumulado qualquer défice externo.
Todas os países não produtores ale petróleo entraram em défice desde 1974. O conjunto dos países da OCDE tiveram um excedente de 9 biliões de. dólares em 1973 e um défice de 26 biliões em 1974 e têm continuado desde então em défice. Não houve 25 de Abril nesses países.
Claro que erre próprios nos agravaram os problemas, como seja a generosa e substancial redistribuição de rendimentos de 1974 e 1975 que era insustentável manter e foi já, aliás, excessivamente corrigida.
Mas se o défice externo era - e é - inevitável se não quiséssemos diminuir drasticamente o nosso desenvolvimento, e nível de vida, tinha que ter contrapartidas internas: ou se endividavam mais os particulares, ou - as empresas ou o Estado, visto que os saldos dos quatro agentes têm que somar zero.
Como em muitos outros países, teve necessariamente que, ser o Estado, o que foi agravado, no nosso caso, pelas despesas inevitáveis da descolonização!
O défice público aguentou a procura interna, sustentou a economia, evitou um ajustamento demasiado súbito e drástico. Tem sido excessivo? Precisa de ser gradualmente reduzido? Sim. Mas não foram o 25 de Abril e a democracia os principais responsáveis de uma situação que partilhamos, em maior ou menor grau, com muitos outros países.
O Sr. Sousa Gomes (PS): - Muito bem!
O Orador: - Quanto á segunda questão, sabre os aspectos da insolvência do Estado e do País, é preciso distinguir entre a dívida pública interna e a dívida externa.
Quanto à dívida interna podem pôr-se três questões: existe risco da dívida crescer sem limite, crescendo também sem limite os encargos com os juros - da dívida, pondo assim em risco a insolvência do Estado? Existe um sacrifício real que se impõe às gera-
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ções futuras para .pagar essa dívida? A situação de défice público e de, aumento da dívida tens um, efeito de. impedir despesas de investimento ido sector produtivo?
Não tenho, infelizmente, tempo apara tratar estas questões com mais profundidade, donde o ter-me limitado a um breve apontamento.
Quanto à primeira questão, há que repudiar o alarmismo visto que os Estados dificilmente entram em insolvência e, por exemplo, aplicando o modelo de Domar sobre o peso, da dívida, pode mostrar-se que há .limites finitos, em hipóteses realistas, ao crescimento da relação entre a dívida e o produto nacional e dos encargos dos puros em percentagem do mesmo produto nacional.
Per outro lado, a dívida interna pode constituir sacrifício das gerações futuras não, por virtude dos impostos a pagar no futuro, que dão origem apenas a uma transferência, mas apenas se o endividamento, no presente, contribuir para reduzir agoira o investimento produtivo, transmitindo-se assim às gerações futuras um stock de capital produtivo inferior. Ora isto, em situação de desemprego de. recursos, é impossível que aconteça.
Quanto à dívida externa, importa reconhecer que o endividamento externo do país ainda não é excessivo. A dívida total tem .um quociente de 1,5 com as receitas das exportações de bens e serviços, o pais tem reservas de ouro e divisas que são superiores ao total da dívida, o que é uma situação internacionalmente rara e invejável, e, .tem acesso .fácil e normal ao mercado financeiro internacional.
Se queremos ter algum crescimento económico, teremos que continuar a ter défices externos, não podemos passar no futuro próximo a uma situação de excedentes. Importa é que sejam défices razoáveis em percentagem do produto nacional. Finalmente, quanto à terceira questão, sobre se existem ou não soluções que atenuem e resolvam com o tempo a crise do país.
Evidentemente que existem. O País tem recursos, tem capacidade de: trabalho, tem credito internacional. Importa é que tenha também as políticas económicas adequadas.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Já disse o suficiente sobre a gestão da AD para se aperceber que, neste ,ponto, penso que o País precisa de alternativas para que se convença que não está condenado, que existe realmente a possibilidade de um futuro melhor. Isso depende fundamentalmente da política de desenvolvimento a médio prazo que supere os nossos problemas estruturais.
Mas concentrando-me agora na política conjuntural que está aqui em debate com o Orçamento e Q Plano Anual, quero dizer que também neste domínio existem alternativas. Indicarei seguidamente alguns dos principais vectores de uma política alternativa, tal como a concebo para a presente conjuntura.. Claro que em economia não há ;milagres e muito menos a curto prazo e já referi de início que, no imediato, a margem de manobra é estrita.
Em primeiro lugar, a ;principal prioridade é o problema do défice externo, mas aqui acompanho em parte o Governo no seu relativo optimismo quanto à possibilidade de reduzir esse défice no próximo ano, baseado em :cinco !factores que não dependem sequer das políticas a adaptar por Portugal. Talvez até o Governo tenha exagerado o alarme quanto ao défice deste ano para melhor valorizar a redução que pode obter-se no próximo ano.
Em segundo lugar, .mesmo assim, para alcançar esse resultado, é necessário conter as nossas ambições de crescimento e estou por isso de acordo em que é difícil ultrapassar em 1982 a taxa projectada de 3 %.
Em ,terceiro lugar, penso que são necessárias medidas complementares dirigidas. à melhoria da balança dê pagamentos. Desde uma política agressiva de penetração em novos mercados de exportação, até ao aumento .temporário dá sobretaxa sobre as importações e a uma política cambial diferente, que tivesse há tempo desfeito de uma só vez a revalorização errada do ano passado, mantendo, por enquanto, o ritmo da desvalorização mensal, porque o aumento que se fez desta só dificulta a política de taxas de juro em virtude de aumentar o diferencial esperado da remuneração de capitais colocados no exterior. Porém, agora é tarde para seguir esta orientação.
Não haverá crescimento compatível com a redução do défice no :próximo ano se as exportações não crescerem mesmo os 7,5 % previstos e estes podem não resultar automaticamente do maior crescimento do comércio mundial, que se prevê seja apenas de 4 %.
Em quanto lugar, pelas razões que já expus, não perfilho o objectivo, de 17 % para a taxa de inflação, por ser irrealista e por poder prejudicar através das suas consequências na política salarial e na política monetária, o próprio objectivo daquele crescimento já de si modesto. Penso que era preferível partir de um objectivo de manutenção da taxa média de inflação. em 20 % e adequar-lhe devidamente aquelas políticas.
Em quinto lugar, em virtude do objectivo diferente de crescimento nominal do produto a política monetária de expansão do crédito seria, à partida, menos restritiva, fornecendo melhores possibilidades de financiamento do investimento.
Em sexto lugar, a política de rendimentos seria também completamente diferente. Desde logo, porque só a um governo diferente do actual que, como é público através de sucessivos comunicados, não tem o apoio dos agentes económicos, sindicais e empresariais seria possível negociar uma política global de preços e rendimentos que incluísse também a política fiscal e de segurança social. O objectivo recomendado para os salários seria superior a 20 % para assegurar algum crescimento dos salários reais de acordo com o aumento da produtividade real, devendo subir ligeiramente mais o salário mínimo nacional e consequentemente as prestações sociais que lhe estão associadas.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Em sétimo lugar, uma política orçamental diferente. Em vez de um objectivo de redução do défice de 11.% do produto nacional para 8,5 pio adoptaria uma redução menor para 9,5 %, o que representa a disponibilidade adicional de mais 17,5 milhões de contos. A isto se somaria uma receita
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adicional de cerca de 6 milhões resultante da sobretaxa.
Por outro lado, como a estimativa dos encargos com a dívida externa está sobre-avaliada em virtude de, segundo informação do Governo à Comissão de Economia, se ter considerado uma taxa de juro média de 18 % para o próximo ano, quando a mesma se situa já hoje em 13 %, poderia reduzir-se a despesas com aqueles encargos em cerca de 6 milhões de contos.
Isto tudo daria uma disponibilidade de cerca de 30 milhões de contos que seriam utilizados para reduzir alguns outros impostos, seja eliminando os p9quenos impostos especiais agora criados, reduzindo o impostos de selo, aumentando o limite de isenção do imposto profissional, por exemplo.
Do lado das despesas, isso daria para evitar o aumento substancial das taxas a pagar pelos medicamentos, para aumentar um pouco mais os funcionários públicos, para aumentar os investimentos no sector agrícola e para aumentar os prémios de emprego no âmbito de uma política mais activa que a actual no domínio das medidas diversas de fomento do emprego.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador:- Com isto respondo ao desafio do Deputado Carlos Robalo, desafio, aliás, injusto porque, como ele sabe, só estando no Governo se podem estudar, em concreto e com toda a informação, as medidas a adoptar para corresponder às prioridades e critérios de uma determinada orientação política. Fica, porém, a sugestão de um exemplo de como a política orçamental poderia ser diferente, sem deixar de ser ainda restritiva e sem se aumentar o consumo público.
Em oitavo lugar, recusaria, ao menos para já, as negociações com o FMI seguramente até prova cabal de que tios estaria dificultado o financiamento externo em bases comerciais normais, facto de que não existe o mínimo indício, bem pelo contrário. Já em Setembro expus aqui as minhas razões, embora reconheça que os governos da AI) foram já talvez, e infelizmente, longe demais para poderem agora recuar.
Finalmente e em nono lugar, teria que se proceder a uma alteração das políticas para a indústria e para a agricultura, alterando nomeadamente os esquemas de incentivos ao investimento que não se revelam actualmente adequados à alteração das estruturas produtivas no sentido de preparar a economia para a futura adesão à CEE.
Sr. Presidente, Srs. Ministros, Srs. Deputados: Ficou feita uma crítica à política da AD, ficou denunciado o perigo de alarmismo excessivo quanto à crise, ficaram definidas as grandes linhas de uma alternativa. Alternativa de que o país e a democracia estão carecidos.
Porque somos diferentes, temos soluções diferentes. Porque temos soluções, não temos medo de governar. O país precisa de uma nova esperança e começa a convencer-se de que hoje isso equivale a dizer que precisa de uma nova maioria e de um novo Governo. Há-de tê-los nas próximas eleições.
Aplausos do PS, da ASDI, da UEDS e do MDP/CDE.
O Sr. Presidente:- Srs. Deputados, na sequência desta intervenção, estão inscrito os Srs. Deputados, José Xerez, Sousa Marques, Luís Coimbra, Sousa Tavares e Álvaro Barreto.
Tem apalavra o Sr. Deputado José Xerez.
O Sr. José Xerez (CDS): - Em primeiro lugar, queria dar os meus ,parabéns ao Sr. Deputado Victor Constâncio pelo seu discurso.
De qualquer modo, já que ele falou na incoerência das políticas da AD, queria ,pôr em evidência a incoerência da política do .PS em 1978.
Vou ler uma passagem de uma brilhante intervenção - e digo-o sinceramente - .feita pelo Sr. Deputado Victor Constâncio durante o debate dos Programas do II Governo Constitucional.
E dizia ele:
Quais são os elementos principais da política macro-económica de curto prazo que integrarão, juntamente com outros elementos apontados, a política de estabilização para 1978?
Em ,primeiro lugar, uma política orçamental mais restritiva que estabilize o consumo público em .termos reais e, pela via fiscal, contribua também apara a contenção do rendimento disponível e, portanto, do consumo privado. Isto implica um ligeiro aumento da carga fiscal, uma redução' de subsídios e transferências e um esforço geral de controlo das despesas correntes.
Vou agora exemplificar o que efectivamente se passou.
Em relação ao esforço restritivo quanto ao Orçamento Geral do Estado, o que é que se passou? O défice corrente em 1977 representava menos 2,4 % do produto e em 1978 representava menos 4,8 %. O défice global em 1977 representavam menos 7,3 % e em 1978 representava menos 8,5 %.
Dizia o Sr. Deputado que era fundamental estabilizar o consumo público. o que se passou? A taxa de crescimento em volume do consumo público foi de 6 % enquanto o produto crescia 3,2.%.
Era necessário aumentar também, ainda que ligeiramente, a carga fiscal, segundo ó Sr. Deputado. E o que se passou? A carga fiscal, em relação ao produto, desceu de 14,6 % em 1977 para 14 % em 1978.
Era também necessário reduzir os subsídios mas o que é que se passou? De 1977 para 1978 os subsídios aumentaram de 3,3 % .para 4 % em relação ao produto.
Dever-se-ia controlar as despesas correntes mas o que é que se passou? De 1977 para 1978 as despesas correntes passaram de 18,4 % em relação ao produto para 20,6 %.
Parece-me que isto é a prova evidente de que a consistência do modelo que o Sr. Deputado apoiou não era total. E a diferença efectiva entre aquilo que nós dizemos e aquilo que o Sr. Deputado Victor Constâncio diz é que nós dizemos e tentamos fazer, tentamos aplicar, e o que os senhores disseram não foi verdade.
Aplausos do CDS e de alguns deputados do PSD.
' O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Sousa Marques.
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O Sr. Sousa Marques (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ouvimos, nesta Assembleia e durante este debate, o tom reaccionário e passadista - para não dizer fascista - da intervenção do CDS que, pela voz do Sr. Deputado José Aberto Xerez, ontem aqui foi proferida e em que se afirmou claramente que - independentemente deste Governo ou de qualquer outro - o que está em causa é o modelo económico e a necessidade de alterar este modelo económico. Isto é, para o Sr. Deputado José Alberto Xerez, mesmo com este Governo não se ultrapassa a crise económica no nosso país. Ouvimos as palavras do Presidente do Grupo Parlamentar do PSD, que criticou a política que tem vindo a ser apresentada pelo Governo, neste debate, nomeadamente no campo social. Ouvimos também, com toda a atenção, a intervenção do Sr. Deputado Victor Constâncio e depois de terem sido apresentadas propostas, repetidamente, quer nas intervenções dos Deputados comunistas quer nas intervenções de outros Deputados dos partidos da oposição, depois de tudo isto a única questão que lhe coloco, Sr. Deputado Victor Constâncio, é esta não se impõe acabar com esta política e com este Governo?
Basta fazer interpelações sobre a saúde, sobre a educação, sobre a habitação? Basta apresentar moções de censura? Basta ter em conta a queda do I governo AD/Sá Carneiro e a queda do II governo ADI Balsemão? Não se impõe o entendimento de todas as forças democráticas e de todos os democratas para acabar com esta política e com este Governo?
Vozes de protesto do PSD e do CDS
O Orador. - Perante o Plano anunciado pelo Governo, que de Plano pouco tem, perante este Orçamento de miséria, ...
Vozes de protesto do PSD e do CDS.
O Orador: - Sr. Presidente, não se, importa de descontar no tempo do meu partido as interrupções abusivas dos Srs. Deputados da AD?
O Sr. Presidente: --Sr. Deputado, faça favor de continuar.
O Orador: - Sr. Presidente, só continuo quando tiver condições para o fazer.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, com esta sua paragem está ainda a fazer perder mais tempo. Faça favor de continuar pois com certeza os seus colegas vão .permitir-lhe que continue no uso da palavra.
O Orador: - Obrigado, Sr. Presidente.
Dizia eu que se perante este Plano apresentado pelo Governo, que de Plano pouco tem, se perante este Orçamento de miséria, não há que acabar com a miséria e com a política de tal Governo?
Não considera o Sr. Deputado que o que está em perigo não é apenas esta ou aquela classe social, esta ou aquela força política mas sim o País, devido a esta política?
Não considera o Sr. Deputado que é preciso uma alternativa e que ela só é possível com outra política e outro Governo? Não considera que é urgente outra alternativa?
Sr. Deputado Victor Constâncio, a dúvida que aqui lhe deixo é esta: para quando as próximas eleições?
Naturalmente, todos temos confiança e esperança de que nas próximas eleições seja possível alterar tudo isto. Mas não entende o Sr. Deputado que é urgente que haja novas eleições?
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Coimbra.
O Sr. Luís Coimbra (PPM): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: As minhas primeiras palavras são de elogio ao Sr. Deputado Victor Constâncio que foi, de facto, um oásis nos ataques e nas críticas que a oposição tem feito, embora não menospreze muitas das intervenções do PS.
Mas, de, facto, grande parte das intervenções dos proponentes do bem-estar social e das amplas liberdades polacas, como é evidente, não nos atingem e, pelas afirmações do Sr. Deputado Victor Constâncio, também não atingem o PS.
Gostaria de salientar três pontos e começo por dizer que considero que a sua alternativa também é válida. Felizmente que, pela primeira vez, aparece uma pessoa a apresentar uma proposta alternativa válida, em termos económicos, propondo inclusivamente, para o curto prazo, outra taxa de inflação para o ano que vem.
Suponho que essa alternativa é tão válida como a proposta do Governo e aparece-me que, isso transpareceu das últimas palavras do Sr. Deputado Victor Constâncio que, além de aceitar algumas metas, foi ao ponto de, dizer que a situação não é tão alarmante como o Governo, eventualmente, procura fazer crer.
Depois da intervenção do Sr. Deputado Victor Constâncio sinto-me mais optisma do que antes de a ter ouvido.
Mas há duas questões que queria pôr-lhe muito concretamente, Sr. Deputado.
Penso que a Sr. Deputado Victor Constâncio escamoteou grande parte do enquadramento internacional em que vivemos este nano, para já .não falar no final do ano passado. .
Todos nós sabemos da .prática de políticas restritivas em matéria económica por parte dos nossos principais parceiros, todos sabemos o que foi a revalorização do dólar e todos sabemos também da revalorização do escudo. O Sr. Deputado Victor Constâncio não ignora que ias .nossas importações são praticamente todas feitas em dólares e que uma parte significativa das nossas exportações não é feita em dólares.
Penso que todos estes problemas foram um pouco escamoteadas na sua intervenção e estou convencido de que o Sr. Deputado sabe que eles também obrigaram à inflexão do Governo nos últimos 4 ou 5 meses.
Outra questão que o Sr. Deputado Victor Constâncio não frisou - e não sei até que ponto estará de acordo com ela ou não - é a questão das profundas reformas que a AD tinha prometido e que ainda não cumpriu.
É evidente que não as vou comparar com as profundas reformas que todos os Governos que antecederam a AD prometeram ao País e que não cumpriram em 4 anos de governo, e eu sei que o PS não esteve em .todos.
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De facto, todos os Governas anteriores aos da AD também exigiam profundas reformas, tiveram oportunidade de as fazer, não as fizeram e depois acabaram .por ser derrotados em duas eleições!
Mas para o cumprimento do programa da AD - que o Sr. Deputado Victor Constâncio conhece com certeza tão bem como eu - o Sr. Deputado sabe que sem a revisão constitucional, sem um consenso democrático, as profundas reformas a que a AD se propõe não são possíveis. 1á .uivemos várias proves, nos últimos dois anos, de que não é possível executar as reformas que u AD tenta pôr em prática sem a revisão constitucional porque muitas delas foram declaradas inconstitucionais ou foram vetadas pelo Presidente. da República.
Eram apenas estes os aspectos que queria salientar.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Sousa Tavares.
O Sr. Sousa Tavares (PSD): - Sr. Deputado Victor Constâncio, os meus cumprimentos. A sua intervenção correspondeu ao meu pedido de ontem, que foi no sentido a aposição ser capaz de, apresenta alternativas de carácter construtivo.
Portanto, Srs. Deputados, os meus cumprimentos porque pela primeira vez, nesta Câmara, se abandonou a demagogia para se tratar a sério dos problemas.
Em todo o caso, gostaria de fazer-lhe duas ou três perguntas embora, evidentemente, não me vá bater consigo nos campos técnicos nem discutira excelência da sua alternativa baseada numa inflação de 20 % melhor percentagem de 9,5 % - em vez de 8,5 % paga o endividamento, público em relação à produção nacional. Não vou de maneira nenhuma entrar nestes campos.
Assim, queria apenas perguntar-lhe o seguinte: é nu não verdade que os anal subsequentes à revolução -1974, 1975 e mesmo 1976 - corresponderam a uma total dissipação das reservas nacionais a favor do consumo sem que tenham sido investidas de modo a aumentar a produção e que a isso se deve, em grande parte, à crise interna com que hoje nos debatemos: Crise essa que não foi possível reparar, nem pelos governos socialistas nem pelos governos da AD, e talvez isso só seja possível a longo prazo, por um governo de salvação ,nacional.
O Sr. Deputado referiu, em determinada altura da sua intervenção, que temos reservas em ouro e divisas superiores à dívida externa. É verdade. Encara, ou poderia encarar, o Sr. Deputado, a solução, de vender 0 ouro, ou pelo menos aparte dele, para saldar a dívida externa e dar uma aparência completamente diferente à nassa situação financeira?
Acho este ponto muito importante e estaria de acordo com ele, pelo menos superficial e primariamente.
O Sr. Deputado quando falou das mudanças da política de crédito à indústria e à agricultura não foi extremamente, explícito e queria que, tanto. quanto possível, explicitasse exactamente o que é que entende par uma nova política de crédito à agricultura e à indústria.
Qual a política que entende dever ser seguida em relação à nossa indústria: a dos pequenos aproveitamentos com intensiva mão-de-obra e sem grande investimento de capital fixo ou, pelo contrário, devemos insistir em grandes planos de investimento de capital fixo e de pequeno aproveitamento, de mão-de-obra como, inefelizmen4e, foi a programação de grande parte dos nassas Governos até acerca de 2 anos.
Quanto ao que diz respeito a agricultura, queria saber qual a política de crédito que, o Sr. Deputado Victor Constâncio aconselharia.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Álvaro Barreto.
O Sr. Álvaro Barreto (PSD): - Sr. Deputado Victor Constâncio, já esta manhã tive ocasião de intervir relativamente a várias críticas que foram feitas à política económica dos Governos da Aliança Democrática.
Gostaria de retomar esse tema, uma vez que V. Ex." voltou a abordá-lo.
As políticas definem-se perante os parâmetros que condicionam a política económica que se prevê vir a existir nos próximos meses ou anos para a qual se está projectando.
Assim, gostaria de fazer-lhe cinco perguntas, cujas respostas gostaria de obter.
As perguntas são as seguintes: qual o aumento em dólares das importações de petróleo que o país teve em 1979 em 1980 e em 1981? Era ou não verdade que nos princípios de 1980 se previa que a retoma da economia mundial tivesse lugar ao longo do ano de 1981? Seria de prever em princípios de 1980 que a seca viria a assolar o nosso país, como se veio a verificar ao longo de 1981 ? Era de prever, em princípios de 1980, que o dólar viesse a ter a valorização que teve ao longo de 1981? É ou não verdade que, tendo apesar de tudo o escudo desvalorizado perante o dólar, as exportações portuguesas para os Estados Unidos da América baixaram em 1981 quando, simultaneamente, a valorização do escudo perante o franco francês se fez ao longo de 1981, tendo mesmo assim aumentado as exportações portuguesas para a França?
Estou certo de que, com a competência e honestidade com que V. Ex.ª aborda sempre todas as questões, as respostas que dará a estas minhas perguntas serão só por si justificações para as políticas económicas seguidas pelos Governos da Aliança Democrática.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Rui Pena.
O Sr. Rui Pena (CDS): - Sr. Presidente, peça a palavra para fazer um protesto.
Protesto, em primeiro lugar, quanto às palavras de carácter manifestamente injurioso, proferidas pelo Sr. Deputado Sousa Marques relativamente à bancada do CDS e, muito especialmente, a um membro do Grupo Parlamentar a que tenho a honra de presidir.
Vozes do CDS - Muito bem!
O Orador. - Não costumo dar atenção às injúrias provindas da Grupo Parlamentar do Partido Comunista
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e desta feita, como sempre, limito-me a requerer à Mesa que nos termos regimentais faça riscar do Diário da Assembleia da República os termos injuriosos aplicados por esse Sr. Deputado.
Uma voz do PCP: - Não faltava mais nada!
O Orador: - Cale-se.
O Sr. Sousa Marques (PCP): - Vocês agora também querem ser censores!!
O Orador: - Protesto, em segundo lugar, Sr. Presidente e Srs. Deputados, contra o clima que se está a instalar nesta Sala depois do discurso do Sr. Deputado Victor Constâncio. É que parece que o Sr. Deputado Victor Constâncio trouxe a esta Assembleia a solução, a panaceia universal para os males do nosso país!
Vozes do CDS: - Muito bem!
O Orador: - Isso não é verdade.
Vozes do PS: - Não apoiado! .
O Orador: - O Sr. Deputado Victor Constâncio não é a alternativa. A única alternativa política a este Governo é aquela que o povo português lhe der, nas próximas eleições.
Aplausos do CDS e de alguns deputados do PSD.
A alternativa numérica que o Sr. Deputado Victor Constâncio aqui nos trouxe apenas acabará, uma vez mais, por adiar o verdadeiro problema do nosso país, para dar aquilo a que costumamos chamar de comprimidos. de meros lenitivos que acalmam as dores, mas que não resolvem o mal.
Vozes do. CDS: - Muito bem!
O Orador: - Aquilo que pretendemos é resolver o mal que ataca o nosso país.
Vozes do PCP: - Com este Governo?!
O Orador: - Creio que só o Programa do Governo, só as nossas propostas de lei do Orçamento Geral do Estado e das Grandes Opções do Plano resolverão verdadeiramente as nossas doenças. Por isso é preciso dizer, de uma forma frontal, que neste momento apoiamos a única alternativa válida para o nosso país, ou seja, as alternativas constantes das propostas de lei do Orçamento e das Grandes Opções do Plano e do Programa do Governo.
Aplausos de alguns deputados do CDS e do PSD e protestos do PS e do PCP.
Uma Voz do PCP: - O Governo é a desgraça nacional!
O Sr. Sousa Marques (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para contraprotestar.
O Sr. Presidente: - Dar-lhe-ei a palavra depois de o Sr. Deputado Victor Constâncio ter oportunidade de responder aos pedidos de esclarecimento.
O Sr. Sousa Marques (PCP): - Sr. Presidente, desejo então interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Sousa Marques (-PCP): - Sr. Presidente. o Sr. Deputado Rui Pena acaba de fazer um protesto dirigido também às palavras que pronunciei.
O Sr. Presidente: - Exacto, Sr. Deputado.
O Orador:- Entendo que neste momento tenho o direito de contraprotestar imediatamente.
Vozes do PS e da UEDS: - Tem razão!
O Orador: - No entanto, entendo contraprotestar de uma forma completamente diferente daquela com que o Sr. Deputado Rui Pena protestou. É com serenidade que quero responder ao Sr. Deputado Rui Pena e peço à Mesa que me dê 30 segundos para o fazer.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Victor Constâncio, vê algum inconveniente em que o Sr. Deputado Sousa Marques contraproteste de imediato?
O Sr. Victor Constâncio (PS): - Não, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Nesse caso, tem a palavra o Sr. Deputado Sousa Marques.
O Sr. Sousa Marques (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Felizmente que todos nós tivemos oportunidade de ver que a última .intervenção do Sr. Deputado Rui Pena nem sequer foi aplaudida por toda a bancada do CDS.
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - É o desespero!
O Orador: - Isso significa que até no CDS há deputados que não estão de acordo em que neste país haja novamente censura, nem que os democratas sintam, de novo, sobre si o peso do lápis azul da censura a cortar a sua voz, a cortar as suas verdades.
Protestos do PSD e do CDS.
O Sr. Deputado Rui Pena pretende riscar do Diário da Assembleia da República aquilo que eu disse. Entende como ofensa eu ter dito que a intervenção de um seu colega - e eu não o atingi pessoalmente, mas referi directamente as ideias que foram transportadas nessa intervenção - era reaccionária e .passadista. Devo dizer que não lhe chamei o resto. Há pouco disse «para não dizer fascista».
Protestos do CDS.
Se o Sr. Deputado Rui .Pena estivesse aqui ontem à noite a ouvir a intervenção que o seu colega de bancada produziu, teria reparado que também ontem ó seu colega de bancada não chegou a ter os aplausos das bancadas da AD. É significativo pensar que alguma vez será possível neste país haver outra vez o lápis azul da censura fascista.
Aplausos do PCP e da UEDS e de alguns deputados do PS.
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16 DE DEZEMBRO DE 1981
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0 Sr. Rui Pena (CDS): - Sr. Presidente, peço a palavra. para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
0 Sr. Rui Pena (CDS): - Sr. Presidente, atenta a versão dos factos que dei e que considero ter sido ouvida por toda a gente, que o Sr. Deputado Sousa Marques chamou a um meu colega de bancada ou pelo .menos pretendeu apelidar as suas ideias de fascistas...
Vozes do 11P: - Não é verdade!
0 Sr. Sousa Marques (PCP): - É falso!
O Orador: - ..., pergunto à Mesa se, nos termos regimentais - e creio que os termos regimentais não são, de forma nenhuma, o lápis azul da censura e essa é outra injúria grave ...
Vazes do CDS: - Muito bem!
O Orador: -, ... que o Partido Comunista acaba de fazer não só ao CDS, mas a toda a Assembleia ...
Protestos do PCP .
... tomando em conta o que se passou a Mesa toma ou não as providências adequadas e regimentais.
0 Sr. Presidente:- Sr. Deputado Rui Pena, V. Ex.ª não invocou a norma regimental em que se apoia. A Mesa poderá considerar a questão, no entanto não lhe parece que seja urgente. Todavia tem muitas dúvidas que caiba nos seus poderes riscar do Diário da Assembleia da República aquilo que se passa em Plenário.
Aplausos do PS, do PCP e da UEDS.
O Sr. .9eróninlo de; Sousa (PCP): - A censura já acabou!
O Sr. Presidente: - Os Srs. Deputados são responsáveis pelas palavras que proferem, mas essa responsabilidade implica inclusivamente que essas palavras constem do Diário da Assembleia da República. A menos que haja razões muito sérias que neste momento a Mesa não está em condições de avaliar.
Vozes do PS e do PCP: - Muito bem!
0 Sr. Presidente: - Penso que o problema poderá ser devidamente considerado em tempo oportuno e não neste momento.
Para responder, se assim o desejar, aos pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Victor Constâncio.
O Sr. Victor Constâncio (PS): - Sr. .Presidente, Srs. Deputados: A minha bancada concede-me, apesar de tudo, cinco minutos, porque não temos mais tempo para responder às questões que me foram postas.
Muito telegraficamente, gostaria de tentar responder a todos os pedidos que me foram postos.
Agradeço ao Sr. Deputado José Alberto Xerez ter-me colocado as questões, porque elas constituem um elogia à política seguida em 1978.
Risos do PS,
Referiu o incumprimento de certos objectivos quanto à política orçamental. Nó entanto, lembro-me que na altura as críticas dirigiam-se ao facto de a política, que estava inicialmente .prevista, ser demasiado recessiva e ir conduzir nesse ano a um crescimento zero, a uma diminuição do investimento, etc. Apesar de o problema principal do País ser - aliás como é agora - o da balança de pagamentos, apesar de se ter conseguido, em 1978, - reduzir a metade o défice da balança de pagamentos, foi possível que nesse ano o investimento público aumentasse 75 % em termos nominais e 40 % em termos reais, que se incluísse nas despesas correntes os serviços de despesa com os Serviços Médico-Sociais.
Enfim, se tudo isso não fosse necessário ao longo desse ano, apesar disso, cumpriu-se o objectivo essencial da política: reduzir o défice. Isso prova que a política de 1978 não foi tão recessiva como por vezes tem sido acusada.
Quanto ao Sr. Deputado Luís Coimbra, não tenho uma resposta para lhe dar às questões ou comentários que fez. Agradeço-lhe no entanto tê-las feito. Seguramente conversaremos sobre isso fora deste Plenário.
Muito telegraficamente, quando o Sr. Deputado Sousa Tavares refere a dissipação das reservas, etc. e repito o que disse na minha intervenção- era inevitável em, 1974, em 1975 e em 1976 o País ter importantes défices na balança de pagamentos. Todos os países o tiveram e nós não o teríamos tido se não se tivessem deteriorado os termos de troca que não controlávamos.
É também um facto que os efeitos desses défices, em termos de futuro, foram de certo modo potenciados pelo facto de a redistribuirão de rendimento feita nesses anos ter conduzido a uma quebra da taxa da poupança interna e ter feito na altura, pelo menos em 1975, reduzir o investimento de forma importante. Esse foi um efeito negativo e adicional, mas que não é a explicação do défice.
0 Sr. Carlos Lage (PS): - Muito bem!
0 Orador: - Quanto à venda das reservas de ouro, discordo delas, aliás como desde sempre discordei. Vendeu-se algum ouro porque houve necessidade disso. Foi uma política acertada em utilizar, quando foi indispensável, o ouro como garantia e temo-lo hoje liberto' como património inestimável do nosso crédito internacional. Penso que deve continuar a respeitar-se a mesma política.
Como não tenho tempo de responder às outras questões colocadas pelo Sr. Deputado Sousa Tavares, a resposta ficará ,para uma próxima oportunidade.
Agradeço as questões levantadas pelo Sr. Deputado Álvaro Barreto.
Devo dizer-lhe que na minha intervenção referi que riem tudo foi negativo em 1980. Faço a justiça de pensar que - se os responsáveis da política em 1980 tivessem nessa altura imaginado que a situação internacional se iria agravar como efectivamente se
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agravou, e reconheço isso na minha intervenção -, e que iríamos ter o problema da seca e do dólar - não teriam adoptado, como é evidente, a mesma política.
É um facto incontroverso que quaisquer que fossem os parâmetros que na altura se podiam prever, mesmo os mais optimistas, seria sempre excessivo e em parte irresponsável, coisas como uma política de credito a 28 % com a inflação a 16 %, um aumento das transferências correntes de 52 % num ano. Coisas como essas seriam sempre irresponsáveis, excessivas e viradas para a demagogia eleitoralista. Foi isso que critiquei.
Como é evidente, respeito também os outros pontos que acabo de referir e que, penso, lhe dão satisfação, pelo menos parcial.
Quanto à desvalorização do escudo em relação ao dólar e de terem descido as exportações para o mercado dos Estados Unidos da América, devo dizer que tenho ouvido várias vezes essa questão, mas penso que o que importa, quando se consideram as nossas exportações para os mercados dos Estados Unidos da América, é saber o que é .que desvalorizaram os nossos concorrentes que também exportam para o mesmo mercado e não o que desvalorizámos em relação ao mercado dós Estados Unidos da América e à produção americana. Nós concorremos no mercado americano com outros países que para lá mandam exportações semelhantes às nossas e neste caso eles desvalorizaram mais do que nós em relação ao dólar.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Esse é que é o ponto relevante. Não há, a meu ver, nesse argumento nenhuma validade. De resto isso seria um raciocínio meramente baseado num ,país e num .mercado. Aliás, não se poder basear uma política cambial num raciocínio exclusivamente sobre casos particulares.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Em relação ao Sr. Deputado Sousa Marques, penso que disse o suficiente sobre as críticas à política do Governo e à necessidade de uma alternativa. No entanto, disse também o suficiente, para ser muito claro, que as alternativas, tais como as concebo, têm que ser construídas segundo os métodos democráticos e, neste momento, o único método democrático é através da realização de novas eleições.
Reconheço a legitimidade política do Governo para governar enquanto a maioria subsistir. Espero que os resultados negativos da política do Governo vão conduzindo o País a uma consciência e a um estado da opinião pública que leve a que consigamos, através de eleições, mudar esta maioria e este Governo.
O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Muito bem!
O Orador: - Não estou virado para nenhuma outra espécie de aventureirismo ou metodologia que não respeite as regras fundamentais do regime democrático.
Aplausos do PS, do PSD, do PPM, da ASDI, da UEDS e de alguns deputados do CDS.
Quanto à intervenção do Sr. Deputado Rui Pena, agradeço-lhe o tributo que a minha intervenção representa, pois ela é reveladora de um certo receio, porventura sem fundamento. Sempre foi evidente - não apenas agora - que temos soluções alternativas.
Aplausos do PS, da ASDI, da UEDS e do MDP/CDE.
O Sr. José Alberto Xerez (CDS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. José Alberto Xerez (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Deputado Victor Constâncio respondeu inteligentemente às minhas questões. Em todo o caso continuo a dizer que o que se verificou foi o incumprimento dos objectivos quanto à política orçamental. Não lhe falei só no aspecto das despesas correntes, mas nos subsídios, na carga fiscal, em vários outros aspectos dos quais V. Ex.ª não se pronunciou.
Refiro-lhe também o aspecto - este mais de pormenor - da possível elevação das sobretaxas de importação em que centrou grande parte das suas atenções.
O Sr. Vítor Constâncio (PS): - Foi só um bocadinho!
O Orador: - Mas importante, apesar de tudo.
Lembro-me que nessa altura V. Ex.ª aceitou, na Carta de Intenções, a redução das sobretaxas de 30 pio para 10 %, estando prevista a sua redução a zero. Não vejo como é que agora partilha um ponto de vista contrário e como é que concilia essa perspectiva com a nossa entrada no Mercado Comum.
Há ainda um outro aspecto importante: o do modelo económico. A nossa economia é uma economia de rigidez. Está concebida para crescer a 3 pio. O Sr. Deputado Victor Constâncio referiu-se a aspectos meramente conjunturais. O problema não é o de andar com a taxa de juro ou com a taxa de desvalorização para baixo e para cima. São as relações fundamentais da nossa economia que interessam ser alteradas.
Como o Sr. Deputado Victor Constâncio muito bem reconhece, o Partido Socialista não foi capaz de o fazer, a Aliança Democrática tenta, a todo o transe, fazê-la e a esquerda não o tem consentido. Esta é a realidade.
Aplausos do CDS.
O Sr. Sousa Marques (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Sousa Marques (PCP): - Sr. Deputado Victor Constâncio, muito rapidamente, devo dizer-lhe que reconheço que tem a clarividência suficiente para compreender que as minhas perguntas traziam em si propostas que se enquadram claramente no regime democrático-constitucional.
Aplausos do PCP.
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Eleições, sim. Eleições antecipadas são também constitucionais e enquadram-se no quadro constitucional. Aí estamos de acordo e falamos a mesma linguagem.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente, Srs. Deputados, depois de uma análise muito sumária das disposições regimentais relacionadas com o Diário da Assembleia da República verifico que o princípio fundamental é o de que a 1.º série do Diário da Assembleia da República:
a) Compreenderá o relato fiel, completo de tudo o que ocorrer em cada reunião plenária.
b) As gravações de cada reunião não podem ser eliminadas senão decorridas três reuniões subsequentes à distribuição do Diário e durante este período qualquer deputado poderá reclamar contra inexactidões e requerer a sua rectificação que será decidida pelo Presidente sob a informação dos competentes serviços.
Penso que, em princípio não cabe ao Presidente da Assembleia ordenar a supressão de qualquer expressão que tenha sido proferida no Plenário. Todavia, pedia ao Sr. Deputado Rui Pena, no caso de o entender por conveniente, que fizesse em concreto o pedido de supressão de expressões, pedido esse que será apreciado posteriormente na Conferência dos Presidentes dos Grupos Parlamentares ou na Reunião da Mesa da Assembleia da República.
O Sr. Rui Pena (CDS): - Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Rui Pena (CDS): - Sr. Presidente, não está em causa a utilização do lápis azul, como foi referido, mas pura e simplesmente entender que nesta Câmara deve ser usada - e assim tem sido entendido no passado - uma linguagem, entre as diversas forças parlamentares, compatível com o bom nome, a dignidade, o respeito e a honra das pessoas que aqui servem os altos interesses da Nação. É precisamente no sentido de salvaguardar essa dignidade, o bom nome e a honra que tem sido entendido nesta Câmara, através de uma prática que vem de longe - que eu me lembre vem já de há quatro anos a esta parte que expressões como fascista e outras de carácter injurioso sejam abolidas - do debate parlamentar. Foi precisamente para salientar este ponto e, consequentemente, para condenar. o emprego abusivo dessa expressão por parte de um deputado- que utilizei esta forma. E foi para chamar a atenção da, Mesa para este facto, visto que na devida altura não o corrigiu, devidamente.
Vozes do CDS- --Muito bem!
O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não vamos abrir uma discussão sobre este incidente. Mantenho a informação que dei à Câmara e qualquer sequência posterior acerca deste problema terá que ser resolvida em face da análise concreta dos relatos da sessão e no quadro da Conferência dos Presidentes dos Grupos Parlamentares ou da Mesa da Assembleia da
República.
Vozes do PS: .- Muito bem!
O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente:- Sr. Deputado, peço-lhe para não insistir na discussão deste incidente.
O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Sr. Presidente, gostaria só de dizer que da nossa parte a interpretação e a leitura que o Sr. Presidente fez do Regimento...
O Sr. Presidente:- Sr. Deputado Veiga de Oliveira, fazia-lhe notar que se calda grupo parlamentar vai pronunciar-se sobre este problema, corremos o risco de nos desviarmos da ordem de trabalhos estabelecida.
Penso que o mais correcto é que este problema seja analisado no local próprio e que continuemos as intervenções, como estava combinado.
Pedia a sua compreensão porque, se lhe concedo a palavra, é natural que todos os outros grupos parlamentares pretendem fazer o mesmo e não me parece que estejamos em face de um problema que deva ser debatido neste momento e aqui no Plenário da Assembleia da .República.
Peço-lhe desculpa, mas não me sinto em condições de conceder a palavra a qualquer deputado sobre este problema.
O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Sr. Presidente, peço apenas que, em relação ao meu grupo parlamentar que é interveniente como o CDS use da mesma complacência que tem usado para com o Sr. Deputada Rui Pena, deixando-o falar longamente a pretexto de interpelar a Mesa sobre este assunto.
Para que conste do Diário da Assembleia da República e para que todos oiçam, gostaria de dizer que é regra já discutida em concreto a respeito de expressões - essas verdadeiramente injuriosas de palavras grosseiras usadas mesmo no Plenário - que no Diário da Assembleia da República conste tudo o que aqui se diz.
O Sr. Deputado Rui Pena sabe que não há nenhuma regra que impeça de invocar a palavra «fascista».
Penso que em rigor nem sequer o Sr. Deputado Rui Pena deveria considerar que a designação de fascista, que aliás não foi utilizada pelo meu camarada Sousa Marques, é injuriosa.
Lembro-lhe que o CDS, com razão ou sem ela, tem defendido - e admito que o possa defender com alguma legitimidade - que os fascistas têm todo o direito de o serem, se quiserem, e até de - invocarem essa qualidade.
Aliás, o Sr. Deputado Rui Pena não está livre de, amanhã, ver entrar, eleito, um deputado que se invoque de fascista. Nessa altura perguntar-lhe-ia que sentido teria essa. proibição se. esse deputado invocasse essa condição.
Vozes do PCP - Muito bem!
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1036 I SÉRIE-NÚMERO 28
O Orador: - Penso que o Diário da Assembleia da República tem que ser fiel e o meu camarada Sousa Manques não chamou -e não quero discutir se o poderia ou não ter feito- fascista...
O Sr. Rui Pena (CDS): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?
O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Rui Pena (CDS): - Sr. Deputado, aceito as explicações e encerramos o incidente.
O Orador: - Com certeza, Sr. Deputado. ... mas, como ia dizendo, o meu camarada Sousa Marques não chamou fascista ao Sr. Deputado José Alberto Xerez.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está suspensa a reunião que reabrirá às 18 horas e 5 minutos.
Eram 17 horas e 35 minutos.
O Sr. Presidente: - Já com 15 minutos de atraso, declaro reaberta a reunião.
Eram 18 horas e 20 minutos.
O Sr. Presidente: - Não estando presente o Sr. Deputado Mário Tomé, concedo a palavra para uma intervenção ao Sr. Deputado António Rebelo de Sousa.
O Sr. António Rebelo de Sousa (ASDI): - Sr. Presidente da Assembleia da República, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Quando, há mais de ano e meio, vários dirigentes responsáveis da oposição democrática afirmaram que a política económica delineada pelo Governo da AD conduziria a um agravamento dos desequilíbrios externos, à não resolução do problema do desemprego e à indispensabilidade de, a médio prazo, se adoptar um modelo de estabilização, marcadamente contraccionista, muitos foram os que pretenderam ver nessas críticas sinais de demagogia e de radicalismo.
Todavia, e segundo as próprias Grandes Opções do Plano para 1982, depois de um ano de significativa expansão da actividade económica, o Produto Interno Bruto não deverá aumentar mais do que 1,6% em 1981, o investimento poderá, na melhor das hipóteses, sofrer um incremento de 6% as importações poderão ter aumentado de 5% e as exportações terão diminuído, em termos reais de, aproximadamente, 3,5%, facto que, nos últimos tempos, só encontra paralelo no ano de 1975.
E, por conseguinte, manifesto, hoje em dia, que a revalorização do escudo, em 1980, tendo tido um impacto, inegavelmente, positivo na taxa de inflação, através da influência que não deixou de apresentar na componente «expectativa» da inflação, contribuiu para a diminuição da competitividade das nossas exportações, a médio prazo, e, por isso mesmo, para o agravamento do défice da Balança de Transacções Correntes. Tal como noutros casos, o impacte negativo da revalorização do escudo na Balança de Transacções Correntes não se produziu de imediato, conseguindo-se, por outro lado e através de uma política de controle artificial dos preços, conter a inflação e dar a aparência de resolução dos problemas económicos do País, o que teve muito mais que ver com a obtenção de objectivos puramente eleitoralistas, do que com a execução de um modelo de estabilização económica conjuntural inserível numa estratégia coerente de crescimento, a médio e longo prazos.
O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Muito bem!
O Orador. - Hoje, as Grandes Opções do Plano para 1982 e a proposta de Lei do Orçamento Geral do Estado não são mais do que a confissão pública de incapacidade dos Governos da AD para solucionar os problemas económicos nacionais, apontando-se claramente, para a execução de um modelo contraccionista, sem que, todavia, se proceda a uma adequada hierarquização de objectivos e a uma razoável fundamentação analítica e chegando-se ao ponto de se preconizar a aplicação de medidas que entram, abertamente, em contradição com aspectos essenciais do «modelo económico» que a AD diz, desde sempre, defender.
De facto e em boa verdade, não se encontram suficientemente fundamentadas as previsões relativas às taxas de crescimento das exportações e das importações, para 1982, para além de não se compreender o optimismo atinente às perspectivas de expansão do sector exportador quando se admite, como hipótese de partida, um incremento da Formação Bruta de Capital Fixo de, apenas, 5,7 % e quando se considera dever ter presente que a retoma da actividade económica, por parte dos países da OCDE - nossos principais parceiros comerciais-, poderá demorar, ainda algum tempo, conforme, aliás, se refere, ainda recentemente, em estudo publicado no «Economic Outlook».
De acordo com as propostas de lei do Plano e do Orçamento Geral do Estado para 1982 aponta-se, na prática, para uma política tributária que poderá provocar dificuldades adicionais de tesouraria às empresas (designadamente às pequenas e médias unidades empresariais), nada se chegando a explicitar, de concreto, a respeito de matéria tão importante como o da concessão de incentivos fiscais e confundindo-se a racionalização do Sector Público com a pura e simples redução de subsídios às empresas públicas.
Por outro lado, não faz sentido dizer-se que se manterá o actual mecanismo de plafonds de crédito e que, simultaneamente, se dará redobrada atenção ao instrumento taxa de juro, já que a opção a realizar, nesta matéria, consistirá sempre em ou se preferir controlar a procura de moeda e o volume de massa monetária em circulação, através do sistema de plafonds - o que produzindo efeitos mais significativos, a curto prazo, poderá contribuir para o agravamento da rigidez da oferta interna, a médio e longo prazos, e por conseguinte para a agudização das causas estruturais da inflação, uma vez que as excessivas dificuldades na obtenção de crédito levarão, inevitavelmente, a sucessivas falências - ou, então, dar prioridade ao controlo da taxa de juro, correndo-se o risco do agravamento das condições existentes ao nível das estruturas de custos das empresas, mas evitando-se que o processo' decisório das instituições de crédito radi-
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que, fundamentalmente na questão das garantias e não tanto na questão da eficiência marginal do investimento.
Em boa verdade, vai sendo tempo de se desfazerem algumas ideias falsas, bem como certos equívocos.
Assim é, por exemplo, falsa a ideia de que a AD tem vindo a conseguir racionalizar as despesas públicas, desde que assumiu o Poder. As contas do Sector Público Administrativo apresentaram, em 1980, um saldo total negativo da ordem dos 131,1 milhões de contos, o que correspondeu a um acréscimo de 32,96 % e, por conseguinte, a um agravamento em termos reais. Os próprios resultados da Conta Geral do Estado sofreram um agravamento, em termos reais, o que não é, apenas, explicável pela inclusão no Orçamento Geral do Estado dos Serviços Médico-Sociais (que passaram a ser incluídos desde 1978) ou peia aplicação da Lei das Finanças Locais.
Paralelamente, não deixa de ser curioso que os mesmos que, em 1977 e em 1978, criticavam o forte peso da tributação indirecta nas receitas tributárias, apareçam, agora, a propor e a defender um OGE de acordo com o qual o peso relativo dos impostos indirectos nas receitas orçamentais continua a ser substancialmente superior ao dos impostos directos, com o que tal implica, inclusive, em termos de distorções na repartição do- rendimento e em matéria de justiça social.
Segundo a proposta de lei do Orçamento Geral do Estado, são criados três novos impostos, sem, cornudo, se ficar a saber quais os critérios objectivos a que deverá obedecer a aplicação de um imposto de 15 % sobre as despesas não essenciais das empresas e apresentando-se criticável a aplicação de uma nova sobretaxa às operações de crédito.
Propõe-se, ainda, o Governo alterar o Sistema Integrado de Incentivos ao Investimento (SIII) sem, contudo, explicitar a que critérios deverá obedecer essa mesma alteração, bem como introduzir um agravamento na Contribuição Industrial quando tal contraria o próprio objectivo de dinamização da actividade produtiva nacional, através do papel relevante a ser desempenhado pelo sector privado da economia.
Mas, para além da Contribuição Industrial, também as alterações previstas relativamente ao imposto de capitais poderão afectar negativamente o processo de formação de poupanças e os próprios movimentos do factor produtivo capital, sendo ainda certo que, em matéria de política de crédito, nada se diz, de concreto, a respeito dos critérios que deverão nortear uma maior selectividade do mesmo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O modelo de estabilização conjuntural subjacente às propostas de lei do Plano e do OGE é de tipo contraccionista, apontando para a prioridade à redução dos gastos públicos, em alguns sectores, ao controlo do volume de massa monetária em circulação pelo mecanismo dos plafonds de crédito, à diminuição da intervenção do Estado na economia e do investimento público, em termos reais, à atenuação do défice orçamental e à redinamização ulterior da economia pela via do incremento do investimento privado.
Sem se pretender pôr em causa a validade (pelo menos instrumental) de alguns dos aspectos atrás referidos» manda a verdade salientar que um modelo deste tipo se inspira, em larga medida, nas teses do supply side defendidas, hoje em dia, pela Administração Reagan. e pelos Governos conservadores inclusive o inglês, segundo as quais à contenção dos gastos públicos, de fornia mais ou menos indiscriminada, e ao afastamento do «instrumental» Keynesiano corresponderá um incremento do investimento privado, pela via da confiança dos agentes económicos e da acumulação de poupança em termos mais rápidos, dado que o próprio agravamento das desigualdades acarretaria um incremento da propensão média a poupar. O desemprego e os estrangulamentos estruturais acabariam por ser, naturalmente, solucionados pelo automatismo dos mecanismos reequilibradores de mercado e, assim, se libertaria, «para bem da comunidade nacional» a sociedade civil.
Acontece, todavia, que, ao pôr, praticamente, de parte uma política cujo acento tónico estivesse na definição de políticas de incentivo fiscal e na promoção de profundas reformas de estrutura, bem como a aplicação de uma política cambial que admitisse a possibilidade de se recorrer a uma ou duas desvalorizações bruscas do escudo, se está a apontar, necessariamente, para a inevitabilidade de uma redução dos salários reais. E isto porquê?
Porque a única forma de se evitar que o impacte da inflação interna nos preços de exportação) anule os possíveis efeitos positivos da desvalorização estaria ou no aumento da produtividade, ou na redução substancial da carga fiscal, ou na redução da taxa de juro (com a concessão de novas facilidades de crédito, a prazo), ou então na redução dos salários reais, sob pena de a estrutura de custos das empresas exportadoras não permitir assegurar um mínimo de competitividade externa.
O Sr. Vilhena de Carvalho (ASDI): - Muito bem!
O Orador: - Se a este quadro acrescentarmos o pagamento de impostos por parte dos funcionários públicos, a impossibilidade de atenuação significativa do desemprego a partir de um modelo de estabilização como o proposto pela AD, o perigo de um processo cumulativo de inflação-desvalorização-inflação, o agravamento das condições de rigidez da oferta interna por virtude da existência de crescentes dificuldades na obtenção de crédito e a incapacidade para se inverter a presente tendência ao nível do comércio externo sem um repensar do tipo de política cambial que tem vindo a ser aplicada, então temos explicada a derrota do projecto político e económico da direita para o nosso país.
O Sr. Silva Graça (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Perante estas críticas perguntar-se-á a esquerda democrática tem uma alternativa coerente e global a apresentar.
O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Não tem!
O Orador: - Em meu entender, tem. E essa alternativa passa, em primeiro lugar, pela elaboração e aprovação de uma lei quadro de incentivos fiscais às empresas e ao investimento reprodutivo, bem como pela admissibilidade de reformas estruturais que con-
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templem um melhor aproveitamento dos tempos livres e pela execução de uma política cambial mais conforme com o objectivo de incremento significativo e num curto espaço de tempo das nossas exportações.
Em segundo lugar, conviria proceder à aplicação de uma nova política de rendimentos e preços, admitindo-se a possibilidade de a parte do acréscimo salarial decorrente dos incrementos de produtividade e acima da inflação (considerada o custo de factores) só poder ser utilizada para certos fins específicos, para além de uma fracção do excedente líquido de exploração para os trabalhadores, os quais a incorporariam no próprio capital social das empresas em que estariam integrados.
Em terceiro lugar, a reorganização do Sector Público deveria passar pela constituição de sociedades Holding públicas que teriam, inclusive, a seu cargo a gestão de recursos humanos excedentários, a orientar, gradualmente, para os mais diversos sectores da actividade económica, depois de se garantir o acesso a cursos de reciclagem e de aperfeiçoamento profissional.
Em quarto lugar, procurar-se-ia dar nova importância à planificação democrática e sua compatibilização com a descentralização, na perspectiva de uma integração responsável na Comunidade Económica Europeia e não da identificação reducionista da Opção Europeia com a defesa do mais arcaico dos liberalismos económicos.
O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Muito bem!
O Orador: - Em quinto lugar, dar-se-ia prioridade ao controlo da taxa de juro e não tanto ao sistema de plafonds de crédito, alargando-se o leque de taxas de juro discriminadas ou selectivas e criando-se as condições propiciadoras à futura existência de um mercado de capitais dinâmico, através do qual se canalizam, de forma racional, as poupanças dos particulares para investimento reprodutivo.
Finalmente, executar-se-ia uma estratégia de crescimento que, aceitando numa primeira fase o agravamento dos desequilíbrios sectoriais e regionais, apontasse, numa fase ulterior, para um crescimento equilibrado compatível com a aplicação de modelos de estabilização, moderadamente expansionistas e conformes com a vontade de se ir caminhando, gradualmente, para a nossa integração numa Europa unida, forte e evoluída.
Vozes da ASDI: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É um equívoco pensar-se que este Orçamento mais não é do que «herança nacional» de que todos seríamos culpabilizáveis, havendo agora que escolher a solução menos má.
E é um equívoco porque se estamos perante uma «herança» quem a deixou ao presente Governo foi o anterior Executivo da AD com a sua política, em larga medida, demagógica e de sabor populista.
Vozes da ASDI: -Muito bem!
O Orador: - Ê um equívoco, ainda, pensar-se que as teses monetaristas são aplicáveis em países como o nosso, esquecendo-se as análises mais recentes sobre
países em vias de desenvolvimento dê autores como Alejandro, Anne Kruger ou Cline e apostando-se no reinstalar das condições propiciadoras das crises cíclicas que, no passado, fizeram grande parte da história dos factos económicos.
Esquece-se, a este propósito, aquilo que Gunnar Myrdal considera ser a ausência de uma total oposição entre a acumulação de poupanças e a expansão do consumo, atendendo-se, nomeadamente ao duplo efeito multiplicador - acelerador na esfera produtiva e à necessidade de se assegurar a passagem de uma fase de big-push para uma situação de crescimento auto-sustentado, em que os salários reais agrícolas e industriais não se apresentam sensivelmente diferentes e em que se reduz a uma margem insignificante o subemprego, completando-se o processo de transferência de mão-de-obra do sector tradicional para o moderno da economia.
E, finalmente, um erro pensar-se que um governo que não tem credibilidade para propor uma política de consenso, que não dispõe da autoridade que a guerra ou o inimigo externo emprestam em momentos particularmente críticos da vida dos povos, venha, agora, propor uma política que, para ser concretizável, sem confrontações sociais agudizadas e sem agravamentos incomportáveis de situações de injustiça, pressuporia sempre a abertura ao diálogo, à tolerância e o próprio consenso.
Vozes da ASDI e do PS: - Muito bem!
O Orador - Este Orçamento poderá ainda ser relativamente desculpado a um ministro das finanças que, à luz de critérios que lhe são exogenamente impostos, tem que aceitar uma situação de partida nada invejável. Mas, não pode ser, naturalmente, desculpado à Aliança Democrática.
E sendo as propostas do OGE e do Plano o maior acto de contrição possível por parte de quem, tendo' prometido ao povo português o paraíso, se prepara para lhe oferecer o inferno, não podemos nós, esquerda democrática, deixar de registar que aos conservadores, para além da própria intenção transformadora, tem faltado competência, eficácia e espírito empreendedor.
O Sr. António Vitorino (UEDS): - Muito bem!
O Orador: - Daí que só nos reste afirmar, cada vez mais, a nossa alternativa, por forma a que a vitória de um projecto que não se limite a ser de simples gestão da crise, mas que solucione a crise e que tenha na devida conta a componente social que serve de catalizador positivo da realização do ideal social-democrata, que o mesmo é dizer, socialista democrático, venha a ser, em breve, uma realidade.
Para nosso bem e para o bem do povo português.
Aplausos da ASDI, do PS e da UEDS.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Mário Tomé, na pressuposição de que motivos imperiosos o terão impedido de estar aqui presente na altura em que devia usar da palavra, a Mesa concede-lhe a palavra.
O Sr. Mário Tomé (UDP): - Sr. Presidente, às 18 horas eu estava aqui no Plenário. No entanto, tive
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umas coisas a fazer e pensando - como aliás é costume - que o intervalo se iria alargar, cheguei um pouco mais tarde.
De qualquer forma, peço desculpa de não estar presente na devida altura.
O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado, Não são necessárias explicações. Faça favor de usar da palavra.
O Sr. Mário Tomé (UDP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: As grandes opções do Plano para 1982, mais do que isso são uma tentativa de justificação do fracasso da política da AD. Para cobrir esta falência, o Governo diz que a culpa é da situação internacional e da seca. Ontem o Sr. Ministro João Salgueiro veio aqui repetir que, nos casos em que assim não aconteceu, á culpa é do 11 de Março de 1975 e suas consequências. Mas a UDP queria, repetir, mais uma vez, que a culpa é do 25 de Novembro, daqueles que o apoiaram e dos governos que se lhe seguiram de um modo muito particular dos Governos da AD.
De facto não foi o 11 de Março que chamou o FMI, que nos empurrou para a CEE; não foi o 11 de Março que agravou o desemprego e as condições de vida do povo português, tal como não foi o responsável pela restrição das liberdades e os ataques à Constituição. O que o 11 de Março fez foi abrir um caminho que, a ter sido prosseguido até às últimas consequências, levaria o País para uma situação radicalmente diferente daquela em que estamos hoje. Percebe-se que ataquem tanto o 11 de Março: é que ele abriu caminho para uma vida melhor para o povo, começou a pôr na ordem os capitalistas e agrários sabotadores, nacionalizou a banca, os seguros e outros sectores básicos da nossa economia. O 11 de Março significava serem vocês - os ricos - a pagar a crise e não o povo, como hoje acontece. Por isso têm toda a razão em lançar as culpas para o 11 de Março, que o mesmo é dizer, sobre o 25 de Abril, embora ainda não tenham coragem de o declarar. Se hoje o Governo pode aqui invocar a revalorização do dólar, o aumento das taxas de juro e as políticas restritivas dos países da OCDE como as principais condicionantes da situação da nossa economia é porque tem vindo a aumentar a nossa dependência face ao imperialismo e às grandes multinacionais, em vez de cuidar do desenvolvimento do nosso país para satisfazer as necessidades do povo. Ora quem escolheu o papel de lacaio do imperialismo foi o Governo, não foi o povo. Por isso o Governo nada tem que se queixar.
Disse ontem o Sr. Ministro João Salgueiro que ninguém em 1980 imaginava que uma crise internacional com esta envergadura se prolongasse até final de 1982. O Sr. Ministro tem má memória, pois desde há muito que a UDP tem vindo a afirmar que a actual crise do sistema capitalista mundial é muito diferente e muito mais profunda do que as anteriores. O seu carácter novo e prolongado deixa por isso perplexos os economistas burgueses que não têm soluções para a enfrentar - tal como o Sr. Ministro mostra que não tem. Ora a crise vai continuar, entre recessões e expansões cada vez mais frequentes, e, se há coisa que não se possa prever, é o seu fim. E o Governo e a burguesia vão continuar a ser incapazes de a resolver: mas à medida que ela se arrasta e agrava vão aumentando a repressão' sobre os trabalhadores, vão agravando as condições de vida do povo e vão endividando cada vez mais o País e submetendo-nos ainda mais aos ditames do imperialismo. De facto esta é a opção de fundo do Governo, como a UDP repetidamente tem denunciado.
Do ponto de vista interno, o Governo tudo faz depender das más condições climatéricas. E declara que nada fazia prever uma seca tão prolongada. Mas já em Janeiro passado a UDP propõe medidas urgentes para fazer face à situação que se começava a tornar grave. Em Fevereiro avançou com novas propostas e, finalmente, durante a discussão do programa do actual Governo, a UDP propôs a declaração do estado' de emergência na agricultura e um conjunto de medidas capazes de enfrentar a situação e de minorar as consequências do mau ano agrícola, em particular sobre os pequenos e médios agricultores e as UGP's e Cooperativas.
Ora o Governo foi assistindo, impassível ao agravar desta situação sem que tenha tomado qualquer medida.
Hoje o Governo vem reconhecer que a situação é grave. Seria de esperar que propusesse algumas medidas, mas não. De facto o Governo apenas reconhece esta situação não para tomar quaisquer medidas, mas para justificar a falência total da sua política. Mais uma vez pretende deitar poeira para os olhos, enquanto a situação nos campos se vai continuar a agravar e meia dúzia a enriquecer com a desgraça de centenas de milhar. De facto mesmo não chovendo, o Governo ainda consegue arranjar água para lavar as mãos - como Pilatos! É isso o que significa o anúncio de que vai tomar medidas lá para Janeiro.
Por isso o que se exige não é melhorar as opções que o Governo faz ou criticá-las parcelarmente. O que se exige são opções radicalmente diferentes. Estas opções devem ter como primeiro objectivo a satisfação das necessidades do povo e a eliminação da nossa dependência face ao imperialismo. Eliminar o desemprego, produzir para satisfazer as necessidades básicas do povo, desenvolver a habitação, dar ao povo saúde, educação e assistência social condignas, desenvolver as pescas e explorar os recursos naturais do nosso país, são estas as opções que é necessário fazer. Politicamente estas opções económicas pressupõem a defesa e desenvolvimento do sector nacionalizado e da reforma agrária e apoio à pequena e média produção camponesa e seguir uma política de efectiva democratização do País e de independência, nacional, fazendo os ricos pagar a crise que é o que o Governo não quer. O Governo quer que sejam os trabalhadores a pagá-la. Por isso as únicas soluções que encontra agravam cada vez mais a situação do povo e dos trabalhadores.
Perguntou ontem o Sr. Ministro João Salgueiro se alguém conhecia um único país que, nesta, situação internacional difícil, tenha tido melhores resultados que Portugal. Já que fez a pergunta eu queria responder-lhe.
Eu conheço: é a República Popular Socialista da Albânia...
Risos do PSD.
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... que acaba de aprovar o seu 7.º Plano Quinquenal. Aí não há crise, o povo trabalha para si próprio e não para os bolsos dê meia dúzia de capitalistas, nem para o imperialismo. A saúde e a educação são universais e gratuitas; não existe desemprego, nem o povo paga um único imposto. A habitação não constitui um problema e as rendas não ultrapassam dois dias de salário. E no entanto tem relações comerciais com 90 países e ainda há meses uma missão comercial portuguesa lá esteve e sabe perfeitamente a situação que lá encontrou. São estes e outros factos que a propaganda da AD e da burguesia não consegue desmentir.
É pois uma alternativa como esta, assente na ampla mobilização e participação populares que é preciso construir e pôr de pé. E o primeiro passo para o fazer hoje é o desenvolvimento das lutas dos trabalhadores: para impedir a aplicação das medidas reaccionárias que o Governo quer levar à prática e para derrubar este Governo. É por este caminho que a UDP pensa que se vai construindo a real alternativa à AD. Este Governo trata os trabalhadores e o povo a pontapé, mas engana-se se pensa que estes aceitarão ser escravos da recuperação do capital e das imposições do imperialismo; engana-se se pensa que os trabalhadores vão aceitar pacificamente a política do cacete que o Governo Lhes quer impor. A ela os trabalhadores reagirão também com o cacete de forma cada vez mais unificada a nível nacional.
É nesta luta que a UDP alicerça a sua convicção de que o Governo deve ser derrubado e será derrotado.
Uma voz do PSD: - O senhor é o embaixador da Albânia!
O Orador: - Vocês são é da América! A Albânia é um exemplo de independência nacional! Os reaccionários não entram na Albânia! ...
Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente Oliveira Dias.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, agradecia que o colóquio fosse interrompido.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministra da Habitação, Obras Públicas e Transportes.
O Sr. Ministro da Habitação, Obras Públicas e Transportes (Viana Baptista) : - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Procurarei resumir o mais possível a intervenção que desejava fazer no sentido de permitir que ainda hoje o Sr. Ministro das Finanças e do Plano também possa fazer uma intervenção.
No Programa do Governo a Habitação foi considerada como uma das quatro prioridades. Justificá-lo será completamente desnecessário por ser óbvia a sua importância no contexto social, no desenvolvimento da economia e ainda pela carência sentida, generalizadamente, em todo o País. A habitação tem constituído uma preocupação comum a todos os governos, enquanto que a metodologia para analisar o problema e as medidas adoptadas para tentar solucioná-lo têm variado, reflectindo, naturalmente, a orientação política de cada um dos Executivos. Em consequência das frequentes mudanças de governo, têm os portugueses assistido a sucessivas alterações da política habitacional, que têm gerado descontinuidades nos programas, descrença nos cidadãos carentes e crescente falta de confiança nos potenciais investidores; por outro lado, os programas habitacionais são, como todos sabem, fortemente dependentes das condições gerais da economia, designadamente da formação de. poupança e das disponibilidades de crédito, e a sua concretização repercute-se ao longo de vários anos. É assim que a adopção de novas medidas de política tem coexistido com a necessidade de dar continuidade a anteriores programas em curso, resultantes de orientações diferentes e em conjunturas económicas diversas.
Embora os aspectos técnicos e urbanísticos tenham uma importância indiscutível, será essencialmente através de medidas de correcção no ordenamento territorial que se poderá obter resultados a longo prazo. Entretanto, porém, impõe-se procurar responder às necessidades crescentes e urgentes, sendo essa resposta um problema essencialmente económico. É, pois, na criação de condições económicas adequadas que entendemos dever centrar-se o esforço do Governo no futuro próximo, e não consideramos possível, nem mesmo aceitável, que se tente reduzir a superação das carências a um esforço financeiro directo do Estado para a produção de habitações.
Será bom recordar aqui que o esforço financeiro do Estado terá sempre que suportar os investimentos não directamente reprodutivos associados à construção das infra-estruturas que deveriam permitir a transformação de um aglomerado de habitações num espaço de cidade habitável em termos de qualidade de vida; com efeito, as infra-estruturas de saneamento, as estruturas urbanas, os equipamentos sociais, etc., representam uma necessidade de absorção de capitais dificilmente superável pela iniciativa privada em quaisquer condições.
O acesso à habitação em condições economicamente compatíveis com o nível de rendimento das famílias passa, necessariamente, por um aumento substancial da oferta, que supere o nível da procura, efectivamente, continua a manifestar-se uma oferta aparentemente abundante de habitações a qual, contudo, é escandalosamente inadequada ao nível dos rendimentos da grande maioria das famílias portuguesas; os jornais e as agências continuam a anunciar casas para quem pode, mas não para quem precisa; só que, quem pode não precisa do esforço do Estado. Sendo o nível da procura real estimado num valor de 50 000 fogos por ano para o território continental, a hipótese de tentar a sua satisfação através do investimento directo pelo Estado significaria ter de multiplicar por duas vezes e meia a totalidade do esforço do investimento da Administração Central; ou, equacionando de forma diversa: se, eventualmente, optássemos por eliminar todos os investimentos em equipamentos sociais (incluindo construções escolares, hospitalares, redes viárias, saneamento básico, infra-estruturas portuárias, etc.), para aplicar os correspondentes meios financeiros, teoricamente libertados, exclusivamente na produção de habitações, não conseguiríamos mesmo assim produzir sequer metade do valor estimado para a procura. É evidente que uma tal transacção, em termos de proposta orçamental teórica, apenas tem valor exemplificativo para ilustrar, com algum realismo, a situação e justificar o absurdo que seria
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tentar encontrar a forma de inserir num orçamento, já por si muito rígido, a totalidade do suporte financeiro para uma tal solução, a menos que se considerasse aceitável fazer crescer o défice global em mais 75 milhões de contos.
A adopção de sistemas de promoção, baseados exclusivamente em esforço financeiro do Estado, ainda que diferido no tempo, mais não seria do que agravar situações de hipoteca do futuro, inaceitáveis também em termos de política orçamental.
É por este conjunto de razões, brevemente enunciadas, que entendemos .que o esforço financeiro do Estado deve ser reservado para suportar as bonificações e os subsídios para programas de promoção habitacional destinados a famílias de muito fraca solvência.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Reafirmando que a satisfação do direito à habitação implica, antes de mais, um aumento da oferta, o Governo considera essencial que o esforço financeiro do Estado conte com o empenho solidário das autarquias, e, acima de tudo, que se criem condições para motivar a mobilização de recursos públicos e privados a aplicar nas diversas modalidades. É neste sentido que já foram produzidos diversos diplomas legais, estando outros em preparação, com vista à aquisição de casa própria, ao suporte dos empreendimentos de cooperativas de habitação económica e, por fim, mas não o menos importante, à redinamização do mercado de arrendamento.
No domínio do crédito à habitação, procedeu-se à reformulação do sistema poupança-habitação, visando completá-lo e aperfeiçoá-lo, nomeadamente estendendo o seu regime às pessoas solteiras, viúvas, separadas e divorciadas, bem como permitindo a constituição de depósitos a favor de indivíduos desempregados com menos de 25 anos, através das pessoas a cujo cargo estiverem e ainda possibilitando-se o acesso directo aos empréstimos mediante o depósito, por uma só vez, da entrada. Estão também já apresentados ao Conselho de Ministros projectos de decreto-lei relativos ao financiamento, à construção do sector cooperativo, à aquisição de habitações pelos sócios das cooperativas em regime de propriedade individual, ao financiamento ao sector cooperativo no regime de propriedade colectiva, à venda das casas do Estado e da segurança social aos inquilinos, com reinvestimento em habitações de renda condicionada, à revisão do Código das Expropriações, à simplificação da constituição da propriedade horizontal, e ainda à regulamentação de empréstimos às Câmaras Municipais e outras entidades para construção ou aquisição de habitações para arrendamento a agregados familiares de fracos recursos.
Considerando-se também essencial aumentar a oferta de solos urbanizados, cuja carência é uma das causas principais da especulação, estão em preparação diplomas relativos à criação de áreas de desenvolvimento urbano prioritário e de construção prioritária com o objectivo de incentivar o lançamento de solos no mercado e de dissuadir a sua manutenção sem aproveitamento útil, bem como para combater a construção clandestina.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sendo a política de casa própria um objectivo desejável, temos que tornar claro que ela não deve constituir a solução única,
porquanto não parece possível, pelo menos, a curto e médio prazo, vir a criar condições para a sua extensão à totalidade das famílias, e ainda porque ela contraria objectivos de mobilidade que se consideram essenciais para o desenvolvimento regional. A análise das condicionantes económicas associadas aos diversos sistemas, revela que o crescimento do crédito para um programa intensivo de fomento da habitação gera, a médio prazo, situações incompatíveis com o desenvolvimento económico previsível. Entendemos, pois, ser essencial criar condições para a mobilização de recursos financeiros privados, designadamente para a renovação de um mercado de arrendamento em condições equitativas de justiça social e de segurança. Neste sentido, foram já aprovados gelo Governo diplomas relativos à limitação dos regimes de transmissões e .preferências nos arrendamentos, à actualização anual dos arrendamentos para comércio, indústria e profissões liberais,, bem como ao controle da mudança de finalidade dos fogos destinados à habitação. Preparam-se, entretanto, análises dos processos necessários à revisão das rendas antigas, actualmente congeladas, e que oportunamente tencionamos apresentar a esta Câmara, cuja solidariedade institucional reputamos essencial em matéria de tão grande impacto social.
Uma voz do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Temos ainda em preparação um conjunto de medidas visando a associação de esforços do Estado, das autarquias locais e dos sectores privado e cooperativo para a construção de habitações de custos controlados para arrendamento a agregados familiares de fracos recursos.
No plano orçamental, a proposta de lei, agora presente a esta Assembleia, reflecte em termos compatíveis com as limitações gerais do Orçamento. Com efeito, nas verbas orçamentadas para despesas de investimento e desenvolvimento é o Ministério da Habitação, Obras Públicas e Transportes aquele onde se verifica um maior crescimento - cerca de 37 % mais do que em 1981 -, e dentro deste é na verba destinada à Habitação que se verifica o maior aumento- 65 % mais do que em 1981. É de notar que, tendo-se conseguido manter as despesas de funcionamento corrente ao mesmo nível, o reforço relativo do sector da habitação implicou reduções severas em outros programas, designadamente no sector portuário. Não se julgou, porém, razoável nem possível reforçar ainda mais a posição privilegiada já referida, porquanto tal implicaria vir a cortar programas de grande importância, tais como são, por exemplo, os relativos às construções escolares, considerados essenciais para o cumprimento de opções há muito assumidas.
A concretização de acções para a superação das carências habitacionais exige a adopção de medidas que sejam, simultaneamente, eficazes, coerentes com as opções gerais da política do Governo, adequadas à conjuntura económica e realistas. O suporte financeiro directo pelo Orçamento Geral do Estado, como instrumento exclusivo para a construção de habitação, não é coerente com qualquer dos requisitos anteriores. Por outro lado, o recurso ao crédito bonificado e a longo prazo', único compatível com a previsível
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evolução dos rendimentos familiares, terá limites, naturalmente impostos pelo funcionamento da economia ao sistema de crédito; com efeito, será muito difícil admitir que o crédito para acesso à habitação cresça continuamente a uma taxa muito superior à do crescimento do crédito global. O crédito à construção a curto e médio prazo apresenta-se com possibilidades de crescimento moderado, embora superior à do crédito global, o que pela sua natureza temporal e de garantias reais não parece constituir, por ora, problema relevante; já o mesmo não acontece, necessariamente, no que concerne ao crédito de longo prazo e bonificado para o acesso à habitação; com efeito, uma projecção para os próximos cinco anos, tendo em conta a dinâmica dos programas já lançados e dos a lançar, mostra que a taxa de crescimento real para o crédito à construção se situará em valores iguais ao dobro da taxa de crescimento do crédito global, mas que o crédito de longo prazo, ao fim de cinco anos, teria triplicado em termos de peso relativo sobre o crédito global.
Um tal crescimento da afectação das disponibilidades de crédito global no sistema económico teria dramáticos e inevitáveis efeitos negativos sobre o desenvolvimento de outros sectores, cuja importância é também considerada prioritária, designadamente sobre a agricultura, o fomento da exportação, a formação do emprego associado a estas actividades e a própria conservação de um sector empresarial do Estado dimensionado na medida exacta da sua importância para a satisfação do bem público.
Estas circunstâncias mostram que, independentemente de uma vontade deliberada de conceder elevada prioridade ao crédito para o sector habitacional, a concretização de programas de oferta crescente exclusivamente baseados no crédito a longo prazo, só será possível em situação económica fortemente expansionista. É portanto necessário estabelecer prioridades para o crédito, devendo constituir factores de preferência o menor custo da construção para casa própria e o regime da sua utilização, designadamente para arrendamento em regime de rendas condicionadas.
A colocação de casas no mercado será incentivada, e nesse sentido a proposta de lei do Orçamento agora apresentada prevê no seu artigo 15.º rever a incidência, isenções e métodos de determinação da matéria colectável para a Contribuição Predial, no sentido de penalizar a detenção de habitações múltiplas sem contrato de arrendamento, e de beneficiar os contratos de arrendamento de rendas condicionadas, e ainda no sentido de tomar medidas legislativas para acelerar a inscrição dos prédios nas matrizes.
A importância do custo dos solos urbanizáveis no custo da construção, determinou que se propusessem alterações ao Imposto de Mais Valias, conforme se prevê do artigo 19.º, no sentido de rever a incidência, isenções, taxas, determinação de matéria colectável e garantias do contribuinte, tendo em vista a revisão' da actual tributação e abranger por esta os ganhos realizados respeitantes a imóveis de qualquer natureza e outros bens; visa-se, essencialmente, Srs. Deputados, tributar, de modo regressivo no tempo que medeia entre a aquisição e a alienação, de mudo a atingir, de forma muito pesada, os ganhos de natureza especulativa.
Também no artigo 40.º se prevê a adopção de outras medidas fiscais para a dinamização da utilização de solos urbanizáveis que estejam na posse de quaisquer entidades, incluindo a tributação destes terrenos, independentemente do destino da construção.
No artigo 20.º contempla-se a revisão do Código da Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações, o qual deverá proporcionar condições de benefício para as propriedades constituindo habitação de renda condicionada.
A possibilidade da adopção de outras medidas de incentivos fiscais é contemplada ainda no artigo 40.º no sentido de apoiar a construção e aquisição de habitações, devendo-se também aqui privilegiar as habitações de menor custo ou as destinadas a arrenda mento em regime de renda condicionada.
O reconhecimento da necessidade de dinamizar o investimento na habitação, promovendo as condições para uma crescente formação e captação de poupanças públicas e privadas, aliviando a pressão sobre o crédito, constituiu uma das razões para a inclusão na presente proposta de Lei do Orçamento das matérias constantes dos artigos 34.º, 35.º e 36.º. A revisão do regime fiscal para a locação financeira, bem como dos sistemas de incentivos ao investimento, alargando-os por forma a abranger o investimento imobiliário, permitirá criar condições para a constituição de sociedades, a partir das instituições de crédito nacionalizadas, com vocação e estrutura para liderar empreendimentos de fomento da habitação social. Pretende-se assim criar as condições estruturais e organizativas que permitam associar as pequenas e médias poupanças e ainda vir a atrair o investimento estrangeiro para uma actividade que é tão importante para a satisfação de carências sociais como para a manutenção de uma actividade económica de grande efeito multiplicador.
O estabelecimento de benefícios fiscais para as sociedades de desenvolvimento regional, seus sócios e subscritores de obrigações por elas emitidas, deverá permitir criar condições para empenhar diversas entidades no esforço global requerido para dotar as diferentes zonas do País com os equipamentos sociais necessários para um desenvolvimento harmónico; sendo certo que este desenvolvimento implica todo um conjunto de infra-estruturas necessárias à implantação de pólos de emprego, é evidente que elas não serão utilizáveis se a esse programa de desenvolvimento não estiver associada a criação de pólos habitacionais que permitam a mobilidade interna da população. É também neste sentido que reputamos essencial o empenho das autarquias.
Concluindo, Sr. Presidente e Srs. Deputados, considera o Governo que a superação das carências da habitação não pode, nem deve, ser baseada exclusivamente no esforço financeiro do Estado ...
O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!
O Orador. -...; para ela terão que convergir os esforços de todos os interessados no progresso autêntico do nosso país, e não aceitamos soluções que apenas adiem o pagamento de facturas para as próximas gerações. Aceitamos que nos proponham alternativas exequíveis, e por isso sujeitamos à apreciação desta Assembleia as principais linhas programáticas
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da política de habitação relacionadas directamente com a Lei Orçamental.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para pedir esclarecimentos ao Sr. Ministro, o Sr. Deputado Silva Graça.
O Sr. Silva Graça (PCP): - Sr. Ministro da Habitação, Obras Públicas e Transportes, o tempo que a bancada do meu grupo parlamentar dispõe é pouco, atendendo) à vontade que tenho de dizer-lhe tudo aquilo que gostaria. A sua intervenção foi tão demagógica, continha tanta falsidade em relação aos problemas concretos que se passam neste país e às medidas concretas que o vosso Governo toma, que ficou ao nível, para pior, da intervenção produzida ontem pelo Sr. Ministro da Administração Interna...
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - ...ficou, no entanto, ao nível do vosso Governo e da maioria - ainda maioria - parlamentar.
Vozes do PSD: - Não apoiado!
O Orador: - Gostava de fazer quatro perguntas ao Sr. Ministro.
Quanto existe no Orçamento Geral do Estado no bolo comum -intencionalmente posto no bolo comum - da «habitação e obras públicas» para o sector da habitação? A pergunta tem por objectivo verificar se os 65% são superiores...
A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Excluindo o que e para pagamento de juros...
O Orador - O Sr. Ministro sabe, que é excluindo o que é para pagamento de juros.
O Sr. Ministro disse que a percentagem iria ser 65 % superior ao investimento do ano passado que foi de 18 milhões de contos para além dos 2 milhões e 33 mil contos para o Fundo de Fomento) da Habitação.
Segunda questão: o Sr. Ministro há pouco menos de um mês, numa conferência de imprensa muito propagandeada nos vossos altifalantes da rádio e da TV, disse que 65 % - parece que gosta deste número - das famílias portuguesas não tinham capacidade de aforro para adquirir casa própria. Aí estamos de acordo e até diria que o número de famílias e superior. Face a este número o Sr. Ministro está de acordo com a promessa feita no Programa do Governo de construção de 50 - mil fogos/ano. Dessas 50 mil casas só mil seriam da administração pública visto que fez um grande apelo para que o grosso seja apoiado pelas autarquias locais, autarquias que são espoliadas de verbas pelo não cumprimento da Lei das 'Finanças Locais, autarquias que até neste momento, por medidas vossas, têm dificuldade de recurso ao crédito porque lhes retiraram a bonificação necessitando assim de o solicitar à taxa normal de juro a 20%. O Sr. Ministro acha que as autarquias, com um conjunto colossal de carências que este pais tem, têm condições para avançar para este número que, aliás, é já altamente insuficiente?
Terceira, questão: o Sr. Ministro logo à partida, talvez para se desculpar do que iria. dizer a seguir, falou que tem havido sucessivas alterações na, política habitacional Estamos de acordo, só que percebemos as alterações nas políticas sectoriais e globais quando há alterações de opções políticas. Por isso como é que o Sr. Ministro explica que dentro da própria AD, no mesmo ano e com o mesmo Primeiro-Ministro, haja um ministro que diga que ao que: é bom é a aquisição de casa própria pelas famílias portuguesas» e haja outro, que é o Sr. Ministro, que diz - logo a seguir e poucos meses depois - que ao que é bom é o arrendamento urbano e vamos dar capacidade às famílias portuguesas para pagar as rendas de casa». Como é que o Sr. Ministro concilia estas diferenças fundamentais e tudo isto com a vossa promessa eleitoral de 1979 e 1980 em que garantiam uma casa para cada família portuguesa? Disseram-nos isso na propaganda eleitoral, fizeram essa demagogia, ela é pública, todos nós o ouvimos, disseram-no por todo o lado.
Interpelámos o Governo sobre a política de habitação dado que é uma política criminosa face às carências dó povo português, aí teremos tempo para provar que tudo aquilo que o Sr. Ministro disse, da tribuna dia Assembleia da República, é completamente ao contrário daquilo que fazem todos os dias nos gabinetes através de despachos e de decretos-leis. A vossa política é exactamente oposta, não tem nada a ver com a realidade exterior, com aquilo que disse para os jornais, para os órgãos de comunicação social estatizados que controlam a bel-prazer.
Aplausos do PCP e da UEDS.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Ministro.
O Sr. Ministro da Habitação, Obras Públicas e Transportes: - Sr. Presidente, desejava saber se não há mais nenhuma interpelação.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Casimiro Pires pediu a palavra, pergunto-lhe se é para pedir esclarecimentos ao Sr. Ministro.
O Sr. Casimiro Pires (PSD): - Sr. Presidente, pedi a palavra para formular um protesto em relação a esta intervenção do Sr. Deputado Silva Graça.
O Sr. Sousa Marques (PCP): - Agora está armado em advogado!
A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - O Governo já não consegue defender-se sozinho?!
O Sr. Sousa Marques (PCP): - Isso é um atestado de incompetência ao Governo.
O Sr. Presidente: - O Sr. Ministro responderá nos termos que entender e após isso o Sr. Deputado poderá usar da palavra.
O Sr. Casimiro Pires (PSD): - De acordo, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Ministro da Habitação, Obras Públicas e Transportes.
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O Sr. Ministro da Habitação, Obras Públicas e Transportes: - Sr. Deputado Silva Graça gostaria de começar por dizer-lhe que aguardo com muita expectativa, e até a desejo, a interpelação que, segundo creio, vai ser feita ao Governo sobre política de habitação.
O Sr. Sousa Marques (PCP): - Já foi feita!
O Orador: - Nessa altura teremos tempo suficiente para discutir em pormenor todas as questões que enunciou e outras que na altura quiser colocar.
O Sr. Deputado sabe os números que estão no Orçamento, são 3 milhões 413 mil contos; enquanto que no ano passado foram 2 milhões e 70 má contos.
O Sr. Silva Graça (PCP): - Isso é para o Fundo de Fomento.
O Orador: - Para o Fundo de Fomento, sim.
Quanto à questão que referiu acerca das minhas declarações feitas numa conferência de imprensa, sobre a estimativa de 65 % das famílias portuguesas não terem condições económicas para o acesso à compra de casa própria dir-lhe-ia que isso é verdade. Disse-o e repito-o, é essa a estimativa que faço.
O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - E as contas de ordem?
O Orador: - O Sr. Deputado Veiga de Oliveira quer dizer alguma coisa?
O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - O Sr. Ministro citou a verba do Fundo de Fomento, pergunto-lhe se as contas de ordem não fazem parte da despesa pública? Só aí há uma diminuição de 8 milhões de contos,
O Orador: - Quanto aos 50 mil fogos, sempre dissemos que um dos nossos objectivos era conseguir que se construíssem 50 mil fogos, no entanto, nunca ninguém disse... e até gostava de saber como é que o Partido Comunista Português se propunha fazer o milagre de neste orçamento ou em qualquer outro conseguir fazer a promoção directa de 50 mil fogos...
O Sr. Silva Graça (PCP): - Eu não disse directa!
A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Vocês é que disseram!
O Sr. Sousa Marques (PCP): - Não tem vergonha!
O Orador: - Quanto aos empréstimos às câmaras municipais sabe perfeitamente que existe um decreto-lei, o 817, que permite o acesso ao crédito bonificado por parte dessas câmaras municipais.
O Sr. Deputado fez uma outra apreciação dizendo que teria havido alterações na política sectorial dentro da própria AD.
Sobre isso dir-lhe-ia que também concordo com a aquisição e era bom que isso acontecesse em relação ã maioria das famílias portuguesas, só que uma coisa é o que é bom, o que é desejável, e outra coisa é o que é possível.
Gostaria ainda de dizer ao Sn Deputado Silva Graça que os partidos que integram a Aliança Democrática são partidos democráticos onde as pessoas podem divergir, podem analisar em função da conjuntura, retomar pontos de vista e fazer a sua apreciação a todo o momento. Não são partidos dogmáticos, fechados e totalitários como aquele a que o Sr. Deputado pertence.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Sousa Marques (PCP): -Não diga asneiras! Nem sabe o que há-de dizer! ...
O Orador: - Finalmente e porque o tempo é mesmo escasso dir-lhe-ia o seguinte: se o Sr. Deputado Silva Graça tem alternativas exequíveis, faça o favor de as apresentar, pois terei muito gosto em considerá-las, só que não ouvi nas suas palavras qualquer proposta de alternativa.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
Protestos do PCP.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Casimira Pires.
O Sr. Casimiro Pires (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não poderei deixar passar sem um protesto esta intervenção do Sr. Deputado Silva Graça, sobretudo na parte em que se referiu ao grande objectivo do Programa da Aliança Democrática que era o de construir uma casa para cada família portuguesa. Esse era o grande objectivo, esse continua a ser o grande objectivo da Aliança Democrática e penso ser o grande objectivo de qualquer Governo deste país.
Uma voz do PCP: - Vê-se!
O Orador: - Não se consegue uma casa para cada português, com a política que o Partido Comunista enquanto teve responsabilidades no Governo, período em que houve uma diminuição de 42 mil habitações, construídas em 1974, para 29 mil em 1976.
Protestos do PCP.
Não é assim que se consegue uma casa para cada português.
O Sr. Sousa Marques (PCP): - No fascismo é que era bom!
O Orador. - É recuperando essa política de destruição ocorrida em 1974, 1975, 1976, como se tem vindo a fazer, a ponto de estarmos já a construir mais de 40 mil habitações/ano, que pode atingir-se a meta dos 50 mil e de uma casa para cada família portuguesa.
Protestos do PCP.
Repito: não é com uma política de destruição, como a do período de 1974 a 1976, e de diminuição do número de construções de 42 mil para 29 mil, que esse objectivo se consegue.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
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A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Quando há falta de argumentos recorre-se ao anticomunismo!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Oliveira e Sousa.
O Sr. Oliveira e Sousa (CDS): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Ao analisar as propostas do Governo sobre as Grandes Opções do Plano e o Orçamento Geral do Estado para 1982, nomeadamente enquanto da discussão na generalidade, o tratamento dos temas sectoriais deve integrar-se no carácter macroeconomia) e global dos textos em apreciação, ressaltando as linhas de força das estratégias de actuação e deixando para a fase de especialidade quantificações pormenorizadas e eventuais medidas ou propostas que delas decorram. É neste marco que nos propomos apreciar os objectivos e propostas avançadas no âmbito das obras públicas, habitação e transportes, tal como decorrem dos diplomas em discussão - nomeadamente as Grandes Opções do Plano - e, indo um pouco mais além, procurar identificar as políticas globais que o natural laconismo do texto não permitiu explicitar.
Os sectores da ocupação do solo urbano ou urbanizável, da construção e dos transportes definem o quadro ambiental de vida em que se integram a generalidade dos portugueses. O marco físico onde decorrem as diferentes actividades das pessoas, tem de ser considerado numa dimensão integrada, que englobe não apenas a habitação «de portas adentro» mas também os espaços adaptados a essas actividades - trabalho, compras, lazer, etc. - e os canais de comunicação entre eles, numa visão sistémica da interacção das diferentes variáveis ambientais entre si e com as populações que aí vivem.
Só com esta visão global se poderá avançar para uma «melhoria da qualidade de vida dos Portugueses», considerada pelo Governo, no seu programa, como objectivo último das políticas a desenvolver. Tal implica que as actuações territoriais, nomeadamente as mais consumidoras de solo - por ocupação directa ou por efeitos indirectos da sua actividade - sejam pautadas por planos de ordenamento do território que assegurem uma gestão integrada dos recursos naturais, nomeadamente daqueles que, pela sua escassez ou fragilidade, mais facilmente podem atingir situações irreparáveis. Implica ainda que esse ordenamento territorial decorra de um planeamento regionalizado - e regional - do desenvolvimento, ligado às circunstâncias concretas de cada espaço de análise, o qual, integrando-se em objectivos de âmbito mais gerar - nacional ou mesmo supranacional -, responda às necessidades e anseios das populações, na óptica de médio e longo prazo e maximize a utilidade social dos recursos materiais e humanos disponíveis, públicos e privados.
Vozes do CDS: - Muito bem!
O Orador: - Neste contexto surgem os investimentos em obras públicas, sejam as grandes infra-estruturas condicionantes do modelo espacial de ocupação do território, sejam as actuações, mais modestas mas não menos importantes, em equipamentos de uso frequente das populações.
Estes investimentos, na cota parte correspondente ao investimento directo do Estado - e que é a maior, a par com as autarquias - terão de ser programados segundo dois objectivos primordiais:
1.º Por um lado, dados os condicionamentos financeiros existentes a nível orçamental e consequente exigência .na sua aplicação, é fundamental a relação entre o custo de um projecto e seu benefício social, em que não se esqueça a avaliação dos impactos físicos ou sociais que, ainda que indirectamente, podem alterar substancialmente essa relação;
2.º Por outro lado, a função motora de um desenvolvimento regional harmonioso que as obras públicas podem comportar, beneficiando a acessibilidade a lugares mais distantes, melhorando o quadro ambiental de vida, construindo equipamentos públicos e, consequentemente, melhorando as condições de atracção de áreas menos desenvolvidas ou mais carenciadas.
Vozes do CDS: - Muito bem!
O Orador: - As actuações no sistema de infra-estruturas de transportes interurbanos, sejam rodoviários, ferroviários, portuários ou aeroportuários, onde o Estado, nos termos do Programa do Governo assume a função essencial de investidor, deverão reflectir as opções quanto ao modelo territorial de desenvolvimento, contribuindo para o atenuar das desigualdades espaciais existentes, corrigindo os «custos de interioridade» que limitam amplas árias do nosso território, incentivando o aproveitamento de potencialidades locais, em recursos naturais e humanos, e desta forma criando não só uma maior justiça distributiva em termos espaciais como também uma alternativa, a médio e longo prazo, à concentração no litoral e aos custos materiais e sociais de congestionamento das áreas metropolitanas.
Vozes do CDS: - Muito bem!
O Orador: - Mas a simples actuação nas infra-estruturas de comunicação e no sistema de transportes que nelas actuam, se desligadas de outras acções, poderia contribuir, paradoxalmente, para melhorar as condições de «fuga» das 'populações para as zonas de atracção tradicional, internas ou externas, pela abertura de melhores canais para esses fluxos migratórios. Por isso, e dentro dos objectivos antes enunciados para a programação das obras públicas do Estado, há que melhorar as condições de vida e criar atractivos económicos para a fixação das populações e o investimento privado nas áreas que, de acordo com o ordenamento do território antes referido» sejam mais aptas para tal.
Cabe aqui referir o papel fundamental do aproveitamento dos recursos hídricos, nas suas vertentes energética, agrícola e urbano-industrial, sem esquecer os impactes ambientais que actuações humanas podem ter, a montante ou jusante, sobre as águas interiores; e, em sequência natural, a necessidade de sistemas de saneamento, básico nas zonas de concentração urbana residencial, industrial, turística -
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cuja iniciativa e jurisdição cabe às autarquias, mas onde, pelo volume de recursos postos em jogo, se impõe uma actuação supletiva de apoio técnico e financeiro por parte da administração central.
Relativamente à habitação, uma das quatro prioridades enunciadas programaticamente pelo Governo, somos de opinião e a experiência dos últimos anos tem-no comprovado, que a promoção pública directa não pode responder às necessidades da procura. A resolução, a médio prazo, das carências de habitação passará, por um lado, pela atenuação de desequilíbrios espaciais que levam a que nas áreas metropolitanas e grandes cidades a falta de casas seja notória e, em zonas rurais e pequenas populações, abundem as vazias, pela migração dos seus proprietários; medidas de desenvolvimento regional, promoção rural e desconcentração urbana, poderão reduzir a acuidade do problema e evitarão o desperdício social do capital investido em casas abandonadas.
Vozes do CDS: - Muito bem!
O Orador: - E, por outro lado, haverá que mobilizar a iniciativa e a poupança privada, quer do lado dos futuros utentes, individual ou cooperativamente, quer dos promotores privados. Para tal fim, e nas próprias palavras das Grandes Opções do Plano, dado que «o sector da construção será aquele em que mais notória e rapidamente se faz sentir o reflexo no investimento» por variação das políticas de crédito, «há que lhe garantir tratamento de excepção», na concretização das várias vias alternativas enunciadas no programa do Governo.
Sr. Presidente, Srs. Ministros, Srs. Deputados: A apreciação dos textos das propostas; de lei do OGE e das Grandes Opções do Plano agora em discussão, nomeadamente o enunciado quanto a política de investimentos e a política regional mostram a preocupação havida com os problemas atrás enunciados, tais como o melhor aproveitamento dos recursos naturais, a atenuação das desigualdades regionais e a prossecução de uma política de desenvolvimento equilibrada das várias regiões, apoiada em planos integrados de ordenamento do território, aliás na execução do Programa do Governo oportunamente aprovado por esta Assembleia. Por este motivo, não pode a minha bancada deixar de aprovar-e de apoiar, criticamente quando necessário, construtivamente sempre, os diplomas propostos, no tocante ao sector do quadro físico de vida dos portugueses.
Aplausos do CDS, do PSD e do PPM.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rogério de Brito.
O Sr. Rogério de Brito (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Decorridos dois anos de governação AD, este governo vem à Assembleia da República para debater o Orçamento Geral do Estado, trazendo atrás de si o protesto e a indignação de milhares de agricultores e trabalhadores agrícolas face a unia política frontalmente contrária aos seus interesses e profundamente lesiva da economia nacional.
De nada valerá ao Governo procurar escamotear as responsabilidades da AD no agravamento acelerado dos factores da crise agrícola. Os resultados são por demais evidentes: deterioração crescente dos* já extremamente baixos padrões de vida dos meios rurais; agravamento das profundas assimetrias sócio-económicas; degradação dos recursos naturais e uma cada vez maior dependência agro-alimentar face ao exterior.
Estamos a três meses após o terceiro governo AD ter proclamado demagogicamente que o desenvolvimento da agricultura constituía uma das grandes prioridades da acção governativa, o OGE que apresenta esta Assembleia, diminui em termos reais as despesas com a agricultura - uma redução real de despesas de 48,6 % na classificação funcional das despesas e uma redução da ordem dos 7,3 % (em valores reais) nas despesas de investimento.
É esta a real prioridade que o Governo atribui ao sector agrícola. E face ao descalabro, agarra-se à seca - como se esta fosse a causa primeira e relevante da caótica situação do sector. Periodicamente anuncia medidas de combate à seca, que mais não são que a continuação das do anterior Governo, cuja precaridade e insuficiências estão demonstradas à saciedade. É como insistiu em dar apenas aspirinas para tratar o reumático crónico. A doença continua, evidentemente, sem cura.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Mas mesmo estes paleativos quando dados, têm-no sido regra geral, tarde e a más horas. É o caso do pagamento da batata e são os subsídios da castanha e do gasóleo que o Governo diz agora, e mais uma vez, que irá pagar, face a ondas de reclamações que a lavoura já vem fazendo sentir há vários meses.
Este é um aspecto da incapacidade dos governos AD numa área meramente conjuntural. Mas se a seca, Srs. Deputados, apenas veio agravar a já externa debilidade das estruturas económicas agrícolas e acrescentar o que já era evidente - as consequências da política de ruína para o sector que os sucessivos governos da AD têm executado.
Enquanto os factores de produção sobem de ritmo brutal, os preços pagos ao produtor baixam. Em contrapartida o consumidor paga cada vez mais caro; aumentam as rendas da terra, em benefício dos senhorios riscos absentistas; aumentam incessantemente os preços dos equipamentos agrícolas; crescem as dificuldades no escoamento dos produtos e* agrava-se o parasitismo nos circuitos de mercado, onde os grandes intermediários e armazenistas controlam, como querem, o movimento dos produtos e a formação dos preços. E tudo isto, enquanto o Governo papagueia o seu empenhamento no controle dos preços e no combate à especulação os resultados vêem-se: as madeiras apodrecem ou são vendidas a preços de desbarato; na iminência de novos aumentos de combustíveis começa-se a verificar açambarcamentos; o preço do leite, apesar dos substanciais aumentos no consumidor, continua congelado no produtor, agora com a ameaça de ser cortado o subsídio à produção; os preços de intervenção para a batata são inferiores aos do ano passado; os preços para a amêndoa são miseráveis; o aviltamento dos preços do gado chegou ao ponto de no produtor o porco já chegar a ser pago
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a 45$/kg, os leitões a 750$, vacas leiteiras a 27 contos, vitelos a 7 contos.
O preço de fardo da palha atinge já os 250$ e os 300$.
Continuando, Srs. Deputados, o crédito é cada vez mais restrito e mais caro, sendo evidente a discriminação de que os pequenos agricultores são vítimas a pretexto de não viabilidade das suas explorações.
O cooperativismo agrícola mais não é, para os governantes AD, que um instrumento de mera prestação de serviços básicos e de concentração local da produção cedendo toda a área a jusante da produção aos grandes industriais e comerciantes. As cooperativas agrícolas, votadas ao estrangulamento na teia dos circuitos de distribuição marginalizadas e sem capacidade para intervir na formação dos preços, só servem na óptica do Governo AD, para seguir a reboque do sector capitalista.
Tem dito o Governo que é indiscutível aumentar a produtividade e a produção agrícola. Tem-se afirmado o Governo apontado para o desenvolvimento da nossa agricultura. Mas como é possível compatibilizar estes objectivos com a sua política? É ou não verdade que com esta política se trava o necessário e inadiável crescimento do investimento económico e o avanço tecnológico?
É ou não verdade que com esta política se agrava ainda mais a já débil estrutura económica agrícola de centenas de milhares de explorações lançando na ruína milhares de agricultores? É ou não verdade que com esta política se provoca ainda uma maior redução dos consumos, afectando sobretudo as largas camadas da população de mais baixos rendimentos, em que se incluem as centenas de milhares de pequenos agricultores? É ou não verdade que com esta política se está acentuando a descapitalização do sector e o domínio do capitalismo selvagem sobre as estruturas do mercado, à custa do continuado e aprovado atraso da nossa agricultura da ruína de milhares de agricultores e da iníqua exploração das populações?
Mas a política dos Governos da AD é também uma política ao serviço dos interesses do capital externo. As celuloses constituem exemplo flagrante do que acabamos de dizer, os casos da CECBI e da CAIMA mostram o empenhamento do Governo em vencer sem olhar a meios nem a limitações legais e constitucionais. É de realçar a oposição legítima das comunidades dos baldios a um projecto de florestação sem qualquer política global de ordenamento, indispensável para o avaliar das incidências na estrutura económica-agrícola e para garantir a defesa da utilização múltipla da floresta e dos recursos hídricos.
Recursos hídricos que continuam a perder-se, por adiamento sucessivo de empreendimentos hidro-agrícclas vitais para a economia do País e desenvolvimento de uma agricultura progressiva, como se os projectos do Alqueva e do Barlavento e Sotavento algarvios, independentemente de pequenas mas múltiplas obras de represamento, cujos custos nem sequer são elevados.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Outra das componentes da política agrícola dos governos AD ou melhor dizendo, da política «antiagrícola» é o ataque à Reforma Agrária. Ataque que, depois do roubo destas terras, das culturas, das máquinas e dos gados que neste momento se processa sobretudo por via do
estrangulamento financeiro das UCPs/cooperativas o da subversão burocrática-administrativa; o saque de centenas de milhares de contos da cortiça das UCPs/cooperativas descapitalizando-as e ao próprio sector e financiando com eles os grandes agrários e as acções de destruição da Reforma Agrária; o não cumprimento das dezenas de acordos do Supremo Tribunal Administrativo transitado em julgado. Recordemos a este propósito que nesta mesma Assembleia o Governo comprometeu cumpri-las e a pretensão arbitrária de avaliação da viabilidade das UCPs/cooperativas através de inquéritos.
Com que fundamentos legais? Com que critérios avaliados por quem e como? Esta é mais uma acção do MACP profundamente inconstitucional.
Entretanto, milhares de hectares de terras ilegalmente devolvidas aos grandes agrários encontram-se em estado de subaproveitamento ou abandono. Perderam-se e perdem-se produções seja por não serem utilizadas seja por não serem colhidos como é o caso, por exemplo, das culturas forrageiras e da azeitona.
Em plena situação crítica de seca foram descarregadas criminosamente inúmeras barragens e outras embora em carga não foram utilizadas. Muitas destas barragens ou represas haviam sido construídas pelas UCPs/cooperativas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Este governo também se comprometeu em combater a corrupção. Que medidas foram tomadas neste sentido?
Citando, unicamente e a título de exemplo, as 18 reservas de um senhor que dá pelo nome de Prates Canelas é oportuno perguntar: que medidas tomou o Governo para lhas retirar e repor a legalidade?
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Este governo Balsemão II, Sr. Presidente e Srs. Deputados, afigura-se a um carro que roda sobre pneus recauchutados e com as lonas já apodrecidas. É um perigo público e como tal exige uma operação «constitucional» de stop, que o retire da circulação.
Aplausos do PCP e do MDP/CDE.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra para uma intervenção, o Sr. Deputado António Campos. O seu partido dispõe ainda de sete minutos.
O Sr. António Campos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Os Partidos que compõem a AD na oposição e nos últimos tempos no Governo, no papel e na palavra, sempre consideraram a agricultura como sector prioritário. A importância social do sector e o papel fundamental que pode desempenhar numa política de recuperação económica torna-se tão evidente que, pelo menos à afirmação, esses partidos não podem fugir. Só que as afirmações não transformam a realidade e a prática* assente na filosofia política da AD, toda ela, é impeditiva da recuperação e do desenvolvimento do sector. Dominado .por um imobilismo ancestral, violentamente denunciado no último quarto de século, voltou agora a encontrar nesta coligação um dos seus maiores defensores e melhores executantes.
Vir o Ministro da Agricultura, o Primeiro-Ministro ou o Ministro das Finanças propalar aos quatro ven-
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tos que o objectivo fundamental deste Governo é aumentar a produção agrícola, expõem-se a um ridículo humilhante e nem o mais leigo na matéria acredita.
Todos os analistas do sector compreenderam, menos os dirigentes da AD, que só uma política dinâmica, arrojada, transformadora, centralizada acima de tudo na alteração das actuais estruturas fundiárias, diminuindo as suas assimetrias; na formação empresarial, virada principalmente para os jovens; no melhoramento tecnológico dos padrões produtivos que o solo e o clima permitam; numa forte dinamização da capacidade de investimento, principalmente dirigida aos pequenos e médios agricultores; no lançamento de um plano nacional de optimização dos recursos naturais; na formação de uma política de preços, que tenha como prioridade o incentivo dos recursos naturais existentes; na organização dos mercados, tendo como exclusivo objectivo os interesses dos produtores e dos consumidores; na definição de uma política social rural, que elimine a agricultura de subsistência como forma de centenas de milhares de agricultores sobreviverem, poderá recuperar e modernizar o sector.
Infelizmente, para a economia nacional e para os agricultores, a AD no poder só aumentará as dificuldades da agricultura e atrasará ainda mais a sua recuperação.
Senão vejamos qual a sua actuação em relação aos pontos fundamentais anteriormente referidos: a política fundiária levada à prática aumenta ainda mais as suas assimetrias, pois é baseada na recuperação dos latifúndios, alguns já com milhares de hectares, num país onde 70 % dos agricultores dispõe de menos de 4 hectares; a formação empresarial foi totalmente paralisada e esquecidas todas as acções iniciadas com vista à criação de escolas para jovens empresários agrícolas; o melhoramento tecnológico, onde devia sobressair o apoio técnico, tendo como ponta de lança a Extensão Rural, está completamente parado. Técnicos impedidos de saírem para o campo, total ausência de programas de acção ou de definição da política produtiva, colocação de técnicos nos concelhos adiada e ainda homens colocados como dirigentes que declararam não acreditarem nos serviços que dirigem; a dinamização do investimento está parada e ao serviço exclusivo dos grandes senhores. Os rendeiros, os pequenos e médios agricultores, esses que representam quase 90 % do sector, cada vez têm menos acesso ao crédito. Burocratização/dificuldades, exigências de garantias, tudo ressurge com velocidade impressionante. A AD instala a velha política de tudo para quem mais tem, subserviência e nada mais para quem pouco ou nada tem; a optimização dos recursos continua adiada. Planos de rega atrasados cada vez mais em relação às programações existentes, como acontece no Mondego. Barragens construídas e cheias sem qualquer aproveitamento, como acontece em Vilarinho, florestação parada, pequenas barragens sempre adiadas, drenagem inexistente e os técnicos, que tanto custaram a especializar nos últimos anos, mudados de profissão, o programa de pastagens sempre referenciado, mas nunca ajudado; a política de preços é cada vez mais caraterizada por subsídios às importações de dezenas de milhões de contos, que impedem a dinamização do aproveitamento dos recursos nacional, lesam os interesses dos agricultores e da economia nacional. São exemplos o que acontece com os cereais e oleaginosas; a organização dos mercados continua pasto fácil para os grandes intermediários, principal base de apoio da AD. As cooperativas, os entrepostos cooperativos, as «Régies Cooperativas», a participação dos produtores e dos consumidores, as alterações aos organismos de ex-coordenação económica e a indústria transformadora agro-alimentar, tudo ligado entre si, na defesa da produção e do consumo foram sonhos que morreram pois tudo é paralisado, desincentivado, desorganizado, esquecido ou amordaçado. Quem produz e quem consome são espectadores revoltados contra este estado de coisas tão acarinhado pela AD. Os agricultores, esses, são as suas vítimas preferenciais; a política social é a mais anti-social levada a cabo até hoje no nosso país e que afecta especialmente o sector produtivo mais envelhecido que é a agricultura, onde a média de idades ultrapassa já os 58 anos. A subida descontrolada do nível de vida, ligada à perda de benefícios na saúde torna a situação insustentável. Hoje a reforma mensal dá para quatro dias de internamento e dá ao mundo rural o direito de morrerem sem poderem ter acesso a medicamentos.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, desculpe interrompê-lo mas era só para o prevenir que dispõe de cerca de 40 segundos e que a partir daí começará a descontar no tempo de que o seu partido dispõe par? a sessão de amanhã.
A não ser que, eventualmente, tenha cedência de tempo por parte de algum outro partido.
O Orador: - Sr. Presidente, conforme combinado a ASDI poder-me-á ceder um ou dois minutos. Ne entanto, devo dizer-lhe que a intervenção está a acabar.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, a opção é sua ou se desconta no tempo de amanhã ou consultamos o único «deputado da ASDI presente na Sala para saber se está de acordo.
Tem a palavra o Sr. Deputado Dias de Carvalho
O Sr. Dias de Carvalho (ASDI):-Sr. Presidente concedemos uns dois ou três minutos...
O Sr. Presidente: - Faça favor de continuar Sr. Deputado António Campos.
O Orador: - Esta situação mais atrasará a recuperação do sector, pois obrigará centenas de milhares de agricultores a agarrarem-se cada vez mais à agricultura de subsistência como única forma de sobreviverem. O redimensionamento do minifúndio é ume vez mais adiado.
Enfim, falar em aumento de produção com um: política de agravamento dos estrangulamentos o sector, são palavras para «inglês» ouvir e que ninguém, nem o Ministro mesmo acredita. Digo o Ministro porque o considero uma pessoa inteligente.
Só que esta situação não pode continuar por muito tempo. A recuperação económica exige a recuperação da agricultura. A integração económica europeu exige também essa política de profundas reforma para o sector, sem as quais seria um total suicídio.
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O Orçamento atribuído ao sector, sempre a diminuir, desde que a AD é governo, demonstra, que a prioridade é só no papel. Mas, direi muito sinceramente, para a política que executam é até demais o que gastam.
A responsabilidade que cai sobre os ombros da maioria é dupla. Digo dupla porque praticam uma política agrícola há um quarto de século que falha, mas teimam em continuá-la e teimam num momento em que os interesses de Portugal exigem, sem qualquer adiamento, uma agricultura em progresso acelerado.
Aplausos do PS, da UEDS e da ASDI.
O Sr. Presidente: — O Sr. Deputado só utilizou um minuto do tempo da ASDI. Tem a palavra o Sr. Deputado Mário Lopes.
O Sr. Mário Lopes (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pedi a palavra para dar uma informação à Câmara e para formular um protesto em relação às duas intervenções que foram feitas acerca da política agrícola. É evidente que a minha bancada leria de formular alguns considerandos sobre as intervenções dos Srs. Deputados Rogério de Brito e António Campos, mas em virtude de não ter para o fazer vou apresentar um protesto em nome do Grupo Parlamentar do Partido Social-Democrata pela forma demagógica como os Srs. Deputados fizeram as suas intervenções. Os Srs. Deputados fizeram intervenções fora do âmbito da discussão do Orçamento Geral do Estado devido a não se referirem a ele mas sim à política agrícola em geral, política essa que terei muito gosto em debater o mais brevemente possível neste Parlamento.
Vozes do PSD: — Muito bem!
O Sr. Sousa Marques (PCP): — À grande homem! Está cada vez mais magrinho, é a fominha da AD!
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Álvaro Barreto.
O Sr. Álvaro Barreto (PSD): — Sr. Presidente da Assembleia da República, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Sendo esta a primeira vez que me dirijo formalmente a esta Assembleia na minha qualidade de deputado gostaria de, em primeiro lugar, saudar na pessoa de V. Ex.ª, Sr Presidente, todos os senhores deputados que aqui representam as diversas forças políticas do nosso país e expressar o prazer e a honra que para mim representa o fazer parte desta Assembleia e o participar nos seus trabalhos.
Vozes do PSD: — Muito bem!
O Orador: — Iniciou-se, ontem, nesta Assembleia o debate das proposta de lei do Orçamento Geral do Estado e das Grandes Opções do Plano para 1982. Conforme teve ocasião de explicar claramente o Sr. Ministro de Estado das Finanças e do Plano os dois documentos em discussão foram elaborados tendo em atenção não só as graves dificuldades económicas que 'actualmente afectam toda a comunidade internacional mas também as difíceis condições internas
que em grande parte resultam do acumular de erros e atropelos cometidos nos anos que imediatamente se seguiram ao 25 de Abril.
É neste ambiente de dificuldades, quer internas quer externas, que o nosso país vai iniciar aquilo que se espera seja a fase final das, negociações para a nossa adesão à Europa e que o Governo espera, conforme nos indica num dos documentos apresentados, possam ficar concluídas durante o ano de 1982. Têm as negociações para a nossa adesão sofrido, nos últimos anos, algumas dificuldades, derivadas de problemas da própria Comunidade Económica Europeia e do processo da sua reestruturação interna, processo esse que ainda não se encontra terminado o que certamente condicionará o ritmo em que as negociações se irão processar ao longo de 1982.
Apesar dessas dificuldades parece-nos ainda realista a previsão feita pelo Governo de que a assinatura do tratado de adesão se possa fazer em 1982, opinião essa que é aliás partilhada pêlos altos responsáveis comunitários, como ainda recentemente pudemos constatar pelas afirmações feitas pelo Vice-Presidente da CEE, Dr. Lorenzo Natali, na reunião havida em Bruxelas com a Missão de empresários portugueses que aí se deslocou. Mas é bom que todos tenhamos a consciência que o nosso processo de adesão não se esgota com a assinatura de um tratado, mesmo face a períodos de transição ou de derrogação favoráveis, como estou certo serão obtidos pela delegação portuguesa. Na realidade de nada nos servirá obter sucesso nas negociações, se nos mantivermos estáticos como no passado. Se assim fosse, se nada for mudado em Portugal as próprias negociações não teriam sentido, porque de nada serve ter o tempo mas depois não ter a vontade de mudar.
Em nossa opinião é essa exactamente a chave para o sucesso da nossa adesão: a vontade de transformar este país e a capacidade de o realizar.
Assim é necessário e urgente continuar com determinação e segurança a transformação do País a todos os níveis e em todas as zonas, transformações que terão de ser feitas com cada vez maior convicção que essa transformação não só, é em si, o próprio projecto de adesão à CEE como também nos é exigido, conforme ontem aqui afirmou o Dr. João Salgueiro, em nome do progresso do País.
Portugal, organizado como está, vivendo como vive, mantendo instituições, leis e procedimentos incompatíveis com as necessidades actuais de progresso, que há muito se esgotaram a si mesmos, precisa de mudar. É aqui, que em nossa opinião se fecha o ciclo: por um fado aderir à, Europa por opção política, económica e institucional, por outro lado transformar e modernizar o País fazendo-o nas melhores condições, colhendo os benefícios da experiência do sucesso alheio aproveitando da solidariedade de uma associação.
Mas é bom que não nos iludamos. A implantação das indispensáveis alterações estruturais internas, necessárias para o bom êxito da nossa adesão não é, nem será, uma tarefa fácil e urge prossegui-la, como já disse, com toda a determinação.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Passados que são cerca de 5 anos sobre o início do nosso processo de negociação para a adesão à Europa penso ser importante interrogar-
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mo-nos se este já longo período tem sido eficientemente aproveitado para introduzir no nosso país as indispensáveis alterações estruturais que permitam acelerar a sua modernização de modo a melhor aproveitar as vantagens da nossa adesão à Europa?
A esta pergunta, gostaria de deixar claro que, em minha opinião muito mais se poderia já ter feito nesta área e que o processo de alterações estruturais internas se tem vindo a desenrolar com demasiada lentidão enfrentando as mais diversas dificuldades, que vão desde uma indesejável instabilidade governativa a duvidosas interpretações de inconstitucionalidade de importantes diplomas legislativos.
Estou certo que o actual Governo com um horizonte temporal de alguns anos e uma orgânica que permite uma harmoniosa articulação da função planeamento com as tarefas inerentes à integração europeia irá privilegiar e dinamizar todas as acções tendentes à modernização das nossas estruturas produtivas, o que não deixará de ser claramente reflectido não só no Plano para 1982, mas também no Plano a Médio Prazo, actualmente em preparação, o que não ucontece nos documentos agora em apreciação, que não são como aliás não podiam ser, muito detalhados. a respeito da programação das alterações internas a empreender ao longo de 1982.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Antes de terminar esta minha curta intervenção gostaria de fazer algumas breves considerações sobre as chamadas Ajudas de Pré-Adesão ou Plano de Acções Comuns cujo acordo assinado em Dezembro de 1980 prevê a comparticipação da CEE, sob a forma de dádivas e empréstimos a longo prazo, com juro bonificado, com cerca de 20 milhões de contos em projectos nacionais de carácter estrutural. Prevê a proposta do OGE apresentado pelo Governo a esta Assembleia no seu artigo 43.° a concessão de todo um conjunto de benefícios fiscais para a execução de projectos e programas integrados nesse plano de ajuda ao nosso país, proposta à qual gostaria de expressar aqui a minha total concordância.
Mas a par desta minha concordância não posso deixar de chamar a atenção para algumas dificuldade que têm sido encontradas pelo nosso país para a mobilização das verbas incluídas no referido Programa de Acções Comuns.
Assim é com preocupação que constatamos que o primeiro protocolo financeiro referente ao Programa de Acções Comuns para Pequenas e Médias Empresas é somente no valor de 700 mil contos, só será ass;nado cerca de l ano após a assinatura do referido acordo por dificuldades criadas por alguns países membros da Comunidade, que perante a crise económica que os afecta lançam mão de orientações nacio-nalísticas de tipo proteccionistas que não deixam de contrastar negativamente não só com afirmações políticas que, simultaneamente e quando lhes convém vão fazendo, de caloroso apoio à nossa integração na Europa, como também com o espírito de solidariedade que imana do Tratado de Roma. Ora perante esta atitude de alguns países da CEE parece-nos importante e para terminar esta minha intervenção fazer, uma vez mais, a evocação das palavras proferidas pelo Dr. Sá Carneiro, em Abril de 1980, em
Estrasburgo, que hoje são, em nossa opinião, mais actuais que nunca e onde disse:
A integração europeia de Portuga! significa que a solidariedade europeia deve funcionar para nos ajudar a reduzir o enorme fosso que do ponto de vista económico que hoje existe entre Portugal e os países da CEE. É pelo menos essa a nossa esperança pois, é bom que se diga que está fora de questão para nós que a adesão de Portugal ao Mercado Comum se faça em quaisquer condições e a qualquer preço. É que a nossa adesão à CEE tem que contribuir para pôr rapidamente Portugal no caminho do desenvolvimento.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Ministro das Finanças e do Plano. Informo V. Ex.ª que dispõe de sete minutos, eventualmente poderá ultrapassar esse tempo no decurso da sua intervenção à «custa» do tempo de que dispõe para a sessão de amanhã que, como sabe, é de 30 minutos.
Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Robalo.
O Sr. Carlos Robalo (CDS): — Sr. Presidente, o meu grupo parlamentar dispõe ainda de oito minutos, como não devemos intervir, se o Sr. Ministro estiver interessado poderá utilizar cinco dos nossos oito minutos sem prejudicar o tempo do Governo.
O Sr. Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Pereira.
O Sr. Manuel Pereira (PSD): — Sr. Presidente, dos sete minutos que ainda temos para a sessão de hoje cedemos cinco minutos ao Governo.
O Sr. Presidente: — Tem então a palavra o Sr. Ministro das Finanças e do Plano.
O Sr. Ministro das Finanças e do Plano (João Salgueiro): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Penso ser útil e correcto pelo respeito que devemos a esta Assembleia sumariar algumas respostas que me parecem necessárias em relação a várias intervenções de deputados de diversas bancadas. Não é possível referir-me e responder — apesar do acréscimo de tempo que me comunicam — a todas as perguntas embora me pareça útil fazer o ponto das intervenções uma vez que a sessão de amanhã se destina a temas gerais e fecho do debate na generalidade. Peço antecipadamente desculpa aos Srs. Deputados a quem não me referir, não o faço por menos consideração mas sim porque tive de seleccionar as intervenções, sem preocupações de ordem, de modo a tentar responder às bancadas da oposição.
O Sr. Deputado Lopes Cardoso levantou algumas observações. Com uma delas concordo inteiramente, quando diz que o quadro regimental da discussão do Orçamento não é realmente o melhor. Se for possível criar condições para uma discussão mais aprofundada será um facto muito positivo.
Quanto a outras três observações que seleccionei uma com que não posso concordar é quando diz que um aumento de produtividade de 3 % é igual a um
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cone da despesa. Isso não é assim. É que interessa introduzir nos serviços uma mentalidade de eficácia permanente, um aumento da produtividade não se traduz apenas num corte de despesas, vai traduzir-se necessariamente em alterações no funcionamento dos serviços e na reestruturação de vários departamentos como, aliás, tive oportunidade de o dizer.
Referiu o Sr. Deputado que o orçamento prevê em alguns sectores prioritários aumentos de despesa inferiores à média. Não é assim. O Sr. Deputado não fez bem as contas, os aumentos de despesa nos sectores prioritários são superiores à média, o que acontece é que não entrou em conta com os aumentos nesses sectores prioritários e daí ter chegado a um resultado diferente. Também é possível que na média não tenha descontado os juros da dívida pública e tenha considerado que a taxa média era a dos serviços, sem descontar os juros da dívida pública.
Uma quanta observação, ainda do Sr. Deputado Lopes Cardoso, refere a posição de que o equilíbrio das contas públicas é uma preocupação salazarista. Penso que isso não se pode dizer quando temos um défice da ordem dos 11 %. Quando referimos a necessidade de reduzir o défice foi no sentido de o aproximar de padrões mais aceitáveis em termos internacionais e do interesse do nosso povo.
Refiro-me agora a uma intervenção do Sr. Deputado Magalhães Mota. O Sr. Deputado manifesta uma preocupação optimista quanto às vantagens que o Plano teria para resolver a crise, e só me alegro que assim seja.
Trabalhei em planeamento ao longo destes últimos anos e sei que não posso partilhar o seu optimismo quando admite que o Plano resolveria algumas das dificuldades que temos agora. Em primeiro lugar, Sr. Deputado, é preciso vermos que as Grandes Opções do Plano não são o Plano, não foi esse o quadro que fixámos na sua elaboração, mas sim o quadro constitucional. Aliás, o Sr. Deputado Lopes Cardoso já se referira a isso quando disse que ao apreciarmos um orçamento e um plano de uma empresa é um plano que apreciamos e não as grandes opções de um plano que é sempre final.
O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Não foi isso que eu disse!
O Orador: - Em segundo lugar, Sr. Deputado Magalhães Mota, gostava de saber como é que em anos anteriores as Grandes Opções do Plano eram mais vivas do que estas - tenho a impressão que não eram ...
Em terceiro lugar, estas Opções foram apreciadas pelo Conselho Nacional do Plano em várias perspectivas, com representantes de vários pontos de vista, e devo dizer-lhe que o parecer emitido não é da índole a que se refere.
Quanto aos projectos do plano poderem ser eventualmente muito positivos para a nossa economia. É evidente que sim mas só se forem bem programadas, na economia de mercado há erros, como sabemos, na economia planeada também os há e o Sr. Deputado sabe que alguns dos principais projectos que temos são alguns dos quebra-cabeças para qualquer Governo. O Sr. Deputado faça as contas ao que significa o projecto de Sines ou o mais recente projecto da Petroquímica que só este ano vai dar origem a um prejuízo de 10 milhões de contos, e veja como alguns simples projectos podem representar quebras mais importantes para a nossa economia do que conjuntos de sectores de mercado na sua totalidade.
O Sr. Deputado Mário Tomé referiu a pressa que o Ministro das Finanças tem em negociar com o Fundo Monetário Internacional. Suponho, Sr. Deputado, que nada é menos verdade do que isso, não tem havido pressa nenhuma e devo dizer-lhe que o tema do FMI já não foi tão frequentemente suscitado durante o debate. Penso que soam a ridículo algumas das intervenções que aqui foram feitas aquando da discussão do Programa do Governo que demonstram desconhecimento acerca do que são normalmente esses prazos.
O Sr. Deputado Octávio Teixeira fez várias afirmações que não me parecem muito difíceis de justificar. Referiu-se, em primeiro lugar, que o Governo está numa situação de crise por causa da crise dos países capitalistas. Se isto não é ignorância é provincianismo. Há uma crise mundial e não só dos países capitalistas. Peço desculpa por não lhe fornecer mais elementos sobre o assunto mas falar de uma crise dos países capitalistas parece-me difícil de justificar em qualquer Assembleia. Há uma crise geral bastante mais profunda e temos de a assumir se não quisermos entrar em demagogia.
Em segundo lugar, referiu-se que há uma quebra dos investimentos do Plano ... Não há, Sr. Deputado. Há um crescimento de 25,6 % nos investimentos do Plano.
Em terceiro lugar, e aí parece-me despudor, o facto do Governo ir pagar 12 milhões de contos de indemnizações e juros por nacionalizações. Digo que me parece despudor porque não foi este Governo que nacionalizou nem foi este Governo que fez a lei das indemnizações. Se o Sr. Deputado ou a sua bancada quer propor alguma lei que altere a lei das indemnizações e das nacionalizações é aqui que o deve fazer
O Sr. Deputado referiu-se, também com alguma ligeireza, às várias versões que foram sendo apresentadas pelo anterior governo a propósito do Plano para 1981. Se os elementos, que tive possibilidade de compulsar, são correctos, a bancada do Partido Comunista sempre criticou o Governo por ser insuficientemente ambicioso na sua óptica de desenvolvimento e vir dizer depois que era excessivo, parece-me uma atitude apressada.»
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Não foi isso!
O Orador: - Pareceu-me ser, se não o disse peço desculpa.
O Sr. Deputado disse uma coisa que, se bem entendi me pareceu um tremendo disparate - mas já começo a estar complexado, salvo erro disse que a fiscalidade directa...
Protestos do PCP.
... aumentou em 1975 porque aumentou o rendimento dos trabalhadores. Ora, isto é um grande disparate, se o disse.
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O Sr. Octávio Teixeira (PCP): -´O Sr. Ministro afirma que eu disse?!
O Orador. - Eu ouvi, Sr. Deputado!
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Então ou ouviu mal ou não percebeu nada do que eu disse!
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Octávio Teixeira podei interromper o orador, desde que este o autorize, mas para isso era bom que utilizasse o microfone.
O Orador: - O Sr. Deputado Victor Constando apresentou, numa intervenção longa e muito recheada de números, uma crítica a governos anteriores e um conjunto de sugestões ao presente Governo.
Ao ouvir a sua intervenção, penso que percebi um pouco melhor por que é que a opinião pública, há meses atrás, num frente a frente do Sr. Deputado com o então Ministro das Finanças, ficou com a sensação de que a política era muito parecida, mais ou menos 1 %. Isto porque, realmente, o Sr. Deputado Vítor Constando tem uma política, que é a mesma nas grandes linhas e nas alterações que apresenta. Tem de fazer um grande esforço para utilizar números de unia forma apressada.
Resumamos onde estão, em primeiro lugar, as grandes diferenças. O Sr. Deputado concorda que é necessária unia política restritiva, este ano. Aliás, tinha de concordar porque essa é a política de todos os países industrializados.
Em segundo lugar, diz que concorda com as perspectivas de uma balança de pagamentos de 1,4 mil milhões de dólares pana o próximo ano. Essa é a perspectiva que o Governo fixou.
Mas diz o Sr. Deputado que não concorda com uma inflação de 17% e que preferia 20% - esta é a grande diferença - só que, desde logo, nas hipóteses que põe para a evolução de Novembro e Dezembro deste ano, arbitra 1,5% em cada mês, o que faz uma inflação de cerca de 18 % ao ano-não chega a 18,5%.
Se a evolução instantânea é tão superior porque é que arbitra para Novembro e Dezembro 1,5% ao mês?
Quanto ao Orçamento, o Sr. Deputado baseia-se, na sua alternativa para quase 30 milhões de contos, em algumas diferenças: na manutenção de uma sobretaxa que será difícil de justificar em termos de médio prazo quando as sobretaxas são, normalmente, de excepção e deviam ir-se adaptando a uma política de estabilidade; na hipótese de que os encargos da dívida pública externa sejam porventura mais baixos do que o Governo diz, e dizia o Sr. Deputado que se baseia no que se passou na Comissão de Economia, Finanças e Plano - e não foi o que se passou. O que lá se disse é que a estimativa de 97 milhões de contos pecava por defeito, se bem que pudesse haver juros menores na dívida externa, mas haveria mais na dívida interna. Portanto a previsão que lá está é equilibrada, não há nenhuma folga.
Depois sim - essa é uma alternativa- um aumento, do défice geral das contas do Estado de 15 milhões de contos. Essa é uma verdadeira alternativa.
Portanto, teremos uma inflação superior a 17% e um défice maior do que o que o Governo apresenta.
Mas por que é que digo que para isso é preciso um grande esforço de utilização dos números? O Sr. Deputado levou uma grande parte do seu tempo a comparar a gestão da AD, dos dois últimos anos, com a gestão dos anos anteriores, designadamente a de 1980 com a de 1981 dos dois governos da AD, e disse que a evolução do produto dos países da OCDE é praticamente idêntica em 1980 e em 1981.
De facto é, Sr. Deputado. Só que usou um número errado. É exacta para o total do OCDE - em 1980 terá sido de 1,3 o aumento do produto no conjunto dos países da OCDE e em 1981 de 1,25, que é quase o mesmo - mas o número mais correcto é o da OCDE da Europa, o único que tem alimentado as nossas exportações, que foi de 1,4 em 1980 e - 0,5 em 1981.
E se usasse o número da CEE, que é a pane do mundo mais dinâmica para onde as nossas exportações se têm dirigido, veria que foi de 1,2 em 1980 e - 1 em 1981. Não é nada de semelhante,
O Sr. Amândio de Azevedo (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Referiu também o Sr. Deputado Victor Constâncio que concede que a seca terá significado um prejuízo de 400 milhões de dólares para a nossa economia. E ficou por aí. Mas não terá havido outros prejuízos igualmente quantificáveis para a nossa economia no ano de 1981?
Como é que se pede escamotear o facto de que as nossas importações, que são da ordem dos 11 mil milhões de dólares, foram pagas para cima de 20 % mais caras em dólares? Uma grande parte das nossas exportações e do turbino é denominada em moedas europeias, que se desvalorizaram em relação ao dólar. Como é que isso pode ser escamoteado?
E as remessas dos emigrantes, de que mais de 75 % não são em dólares e que ficaram estagnadas em relação ao escudo? Também não virá daí algum prejuízo?
E a dívida externa - que é cerca de 10 mil milhões de dólares -, que se pagou mais caro pelo menos em 6 % em taxas de juro e o correspondente em taxa de câmbio do dólar?
Se os números são só apresentados na parte que convém, que é a da seca, e todas as outras estimativas não são feitas, para não explicar por que é que a balança de pagamentos é desfavorável em 1981, então os números servem para o que se quer.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
Referiu, também o Sr. Deputado Victor Constâncio que não temos excessos de funcionalismo público porque, tirando o Japão, não há mais nenhum país que tenha números tão baixos como os nossos.
Esses números foram apressadamente estudados. Sr. Deputado. A verdade é que nós não sabemos qual é o total do funcionalismo em Portugal: há vários números e nenhum deles coincide. E a esta estatística usada pelo Sr. Deputado é uma estatística que tanto quanto sei, não inclui na parte portuguesa nem as Forças Armadas nem serviços que estão incluídos em relação a outros países - caso da Suíça -, como os Caminhos de Ferro e os Correios.
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Comparar estatísticas sem ver isso é uma forma apressada de as utilizar.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
Falar de optimismo em relação às políticas que a AD seguiu em 1980 e até ao princípio de 1981, sem analisar o contexto em que essas políticas foram apresentadas, que foram discutidas nesta Câmara e sempre consideradas insuficientemente desenvolvi-mentistas, não me parece correcto.
O Sr. Deputado Victor Constâncio referiu, aliás, na altura, que no princípio de 1981 havia várias dessas coordenadas que não eram conhecidas da forma que hoje são, e essa é, para mim, a grande explicação.
Mas não podemos dizer isso num momento e na vez seguinte apresentar como alternativa uma política que se baseia em coordenadas diferentes.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
O Sr. Presidente: — Inscreveram-se para pedir esclarecimentos os Srs. Deputados António Rebelo de Sousa, Victor Constâncio, Octávio Teixeira e Magalhães Mota.
Informo o Sr. Deputado Victor Constâncio de que o seu partido já não dispõe de tempo.
O Sr. António Rebelo de Sousa (ASDI): — Sr. Presidente, nós concedemos um minuto do nosso tempo ao Partido Socialista.
Risos do PSD, do CDS e do PPM.
O Sr. Presidente: — Com certeza. Tem a palavra. Sr. Deputado.
O Sr. António Rebelo de Sousa (ASDI): — A primeira questão que queria colocar ao Sr. Ministro das Finanças é a seguinte: no seu entender, quais são os critérios em que assentou a definição de um objectivo de redução de aumento em 3 % da produtividade ao nível dos diversos departamentos ministeriais ?
Gostaria também de perguntar se o Sr. Ministro reconhece ou não, pois não cheguei a perceber, que houve um impacte negativo da revalorização do escudo na balança de transacções correntes. É verdade que houve uma revalorização do dólar no decorrer de 1981, mas também não é menos verdade que a deterioração da balança de transacções correntes já se deu em 1980. Portanto, não há aqui uma ligação directa entre a evolução da paridade do dólar e a deterioração da balança de transacções correntes.
Acontece até, como o Sr. Ministro sabe muito bem, que a política da Administração Reagan foi anunciada com antecedência, pelo que já era então do conhecimento da Aliança Democrática. E custa-me um bocado a crer que o Governo da Aliança Democrática não acreditasse na vitória de Reagan nas eleições presidenciais americanas.
Risos do PSD, do CDS e do PPM.
Mas gostei muito de saber que a posição da Aliança Democrática seria contrária à que acabei de enunciar.
Gostaria ainda de perguntar ao Sr. Ministro se reconhece ou não a inevitabilidade da redução dos salários reais, na medida em que a política cambial que tem vindo a ser adoptada, a continuar a sê-lo, iria necessariamente implicar que como única forma de se evitar o impacte negativo da inflação interna, no que diz respeito aos preços de exportação, se tivesse de recorrer ou ao aumento da produtividade ou, enfim, como solução de recurso, a uma redução dos salários reais. Isto, uma vez que também não acredito que seja possível diminuir a taxa de juros e, portanto, conseguir por este meio um impacte positivo na estrutura de custos das empresas.
Perguntava também ao Sr. Ministro qual, em seu entender, a hierarquização de objectivos a que presidem as Grandes Opções do Plano, uma vez que não ficaria a entender muito bem se, por exemplo, o Governo opta preferencialmente por uma política de contensão do défice da balança de transacções correntes e da redução da taxa de inflação ou se, pelo contrário, de atenuação do desemprego e de prioridade à expansão da actividade produtiva.
Gostaria que, muito concretamente, em relação a um tipo de opção que acabei de enunciar, o Sr. Ministro das Finanças dissesse o que é que entende ser a opção prioritária neste momento por parte do Governo.
Finalmente, perguntava-lhe se considera ou não que uma política de estabilização económica conjuntural que em primeiro lugar assentasse num objectivo de redução do défice da balança de transacções correntes para um montante da ordem de mil milhões e cem milhões de dólares e, simultaneamente, virado para a expansão significativa das exportações, ten-tando-se por esta via conter o défice da balança de transacções correntes com uma taxa de inflação relativamente superior àquela que é prevista pelo Governo, mas também com uma taxa de crescimento PIB superior — 3,5 % e 4 % —, se uma política deste tipo, mais assente numa política de incentivos fiscais do que propriamente na aplicação de medidas puramente monetárias, seria ou não uma alternativa possível em relação ao modelo de estabilização económica apresentado pelo Governo da AD, acompanhado, evidentemente, no que respeita ao campo das políticas monetárias, de uma preferência pelo controle de um instrumento de política monetária essencial que é a taxa de juro e não tanto pelo recurso, enfim, ao sistema de plafonds de crédito.
Estas as perguntas que queria colocar ao Sr. Ministro das Finanças e do Plano, e às quais gostaria de obter resposta, como é hábito, com a transparência que seria desejável para estas questões que julgo serem importantes para todos nós.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Victor Constâncio.
O Sr. Vitor Constâncio (PS): — Come apenas disponho de um minuto, e não tendo infelizmente ouvido a intervenção do Sr. Ministro das Finanças e do Plano, procurarei responder ao Sr. Ministro aquando do debate na especialidade, depois de devidamente informado sobre aquilo que acabou de dizer.
O Sr. Presidente: —Tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.
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O Sr. Octávio Teixeira (PCP): — Como só disponho de 60 segundos para esta intervenção, queria apenas dizer que, na medida em que teremos ainda oportunidade de voltar a outras questões, o Sr. Ministro não só não procurou ser transparente nas respostas que deu como não respondeu às questões de fundo que lhe foram colocadas.
Fez apenas uma intervenção para puxar o aplauso das bancadas da AD, tentando assim talvez uni-la um pouco mais do que ela está.
No entanto, gostaria de lhe dizer que a crise capitalista é exacta e real na medida em que, primeiro, se comparar as evoluções do produto nos principais países capitalistas e no resto do mundo, pelo menos comparando-os com os países socialistas verá que a diferença é bastante grande.
Em segundo lugar, dir-lhe-ia que as nossas relações económicas, que são aquelas que estão em causa e daí a transferência dessa crise para o nosso país, são feitas com os países capitalistas.
Vozes do PCP: — Muito bem!
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota. Dispõe de 4 minutos para o efeito.
O Sr. Magalhães Mota (ASDI): — Sr. Ministro das Finanças e do Plano, apenas três breves questões.
Quanto ao documento das Grandes Opções do Plano para 1982 o que eu disse, rigorosamente, e mantenho, foi que esse documento é de qualidade manifestamente inferior àquilo que seria legítimo esperar e exigir. A modéstia é sua, Sr. Ministro.
Relativamente a outro ponto concreto desse documento também gostaria de salientar que, nos rigorosos termos constitucionais, há uma parte do Plano que é imperativa. SÉ aquela que diz respeito ao sector público.
Daqui resulta necessariamente, quando se fala, também em termos constitucionais, que o Orçamento faz parte do Plano, ou que o integra, duas consequências: uma é a de que a expressão «Plano» pode ser entendida, até no aspecto estrito do Plano, já a lei e não apenas as Grandes Opções e, em segundo lugar, que há o reflexo necessário e directo e por isso é que o Plano é imperativo no Orçamento em relação àquilo que diz respeito ao sector público.
Assim sendo, creio que a crítica feita tem alguma pertinência e gostaria que me explicasse como é que, nas condições em que este Orçamento e estas Grandes Opções são discutidos, essa integração e esse carácter imperativo do sector público podem ser respeitados.
A terceira e última questão diz respeito a um elemento importante. Nós anotámos a dificuldade em que o Governo se sente para planear em matéria de Função Pública quando desconhece o número de funcionários públicos existentes.
Creio que este é um dado importante em falta e que seria desejável, até em termos de um bom exemplo para os gestores das empresas públicas, que rapidamente se conhecesse o número de funcionários de que o Estado português dispõe.
Mas os nossos problemas são de outra ordem. Em primeiro lugar, como vai o Sr. Ministro medir a produtividade e exigir um aumento de produtividade de um sector, desconhecendo um factor importante para essa medida, isto é, não conhecendo exactamente quantos funcionários existem?
Em segundo lugar, como é que se diz que o números de funcionários é excessivo? É por palpite? É um pressentimento? No fundo, como é que, de facto, há esta sensibilidade se não existem cálculos?
O Sr. Presidente: — Sr. Ministro, dispõe apenas de dois minutos para responder.
O Sr. Carlos Robalo (CDS): — Dá-me licença, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: — Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Carlos Robalo (CDS):— Sr. Pressente, o nosso grupo parlamentar dispõe ainda de quatro minutos que cede ao Sr. Ministro.
O Sr. Presidente: — Nesse caso dispõe de seis minutos, Sr. Ministro.
O Sr. Ministro das Finanças e do Plano: — Vou tentar não usar todo esse tempo.
Aliás — atendendo à ausência de há pouco do Sr. Deputado Victor Constâncio — tentarei resumir amanhã alguma coisa do que disse hoje.
O Sr. Deputado António Rebelo de Sousa queria saber como é que se vai conseguir o aumento de 3 % na produtividade. Suponho que, antes de mais, precisamos de uma concepção diferente, Sr. Deputado.
Como sabe, na Administração Pública tem sido tradicional seguir uma dicotomia entre a fase de aprovação do Orçamento e a fase de execução da despesa. Queríamos acabar com essa dicotomia.
Pensamos que deve haver mais preocupação ao longo do ano, na altura da execução das despesas, do que a que se verifica só na altura da aprovação dos Orçamentos. Gastar só porque tem cabimento, parece-nos absurdo. Mas isso implica alterações, muito substanciais, como é evidente, implica a criação de instrumentos necessários, a nível de cada ministério e que não vou resumir aqui.
Falou também na revalorização do escudo, que se deu em princípios de 1981, e na política Reagan, que foi bastante fora dessa época, e espamou-se que houvesse que introduzir alterações na política portuguesa, mas parece que não se espanta que tenha sido necessário introduzi-las na maior parte dos países europeus.
Realmente nós temos uma grande força mundial mas não a esse ponto...
Risos do CDS.
Não temos capacidade de influir quando outros países importantes da Europa tiveram de se ajustar às novas condições criadas.
Vozes do CDS: — Boa!
O Sr. António Rebelo de Sousa (ASDI): — Posso interrompê-lo Sr. Ministro?
O Orador: — Desde que não desconte no meu tempo, faça favor Sr. Deputado?
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O Sr. António Rebelo de Sousa (ASDI): - Sr. Ministro, desculpe voltar a insistir mas eu coloquei uma pergunta muito concreta: é se considera ou não que a revalorização do escudo em 1980 teve um impacte negativo na balança de transacções correntes e que isso mesmo motivou, já nesse ano, um défice de mil milhões de dólares.
O Orador: - Suponho que, neste momento, não estamos em condições de poder dizer isso. Podemos discuti-lo quando quiser, mas não o peidemos afirmar neste momento, por várias razões.
Em primeiro lugar, porque na altura em que o escudo foi revalorizado todas as instâncias diziam que tínhamos uma margem para revalorização. Em segundo lugar, porque ao longo de 1980, como o Sr. Deputado já disse, houve várias razões que podem explicar esse desequilíbrio, designadamente o aumento do investimento e o aumento do poder de compra da população. Portanto, não vamos concluir tão apressadamente da maneira como está a concluir.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Mas a preocupação que manifestou em relação aos salários reais, por enquanto, não tem qualquer fundamento. Os números para este ano não revelam isso. E se o Sr. Deputado fala em relação ao futuro, as metas do Governo não são essas. Discuti-las-emos na altura da sua execução, mas não está prevista nenhuma quebra do poder de compra.
Pergunta também o Sr. Deputado qual é a estratégia do Governo em relação à conjugação do défice da balança, inflação e desemprego e por qual é que o Governo opta.
Se a sua ideia é que se deva optar por uma delas, dir-lhe-ei que uma pessoa que conduz um automóvel opta pelo acelerador, pelo travão, pela embraiagem e pelo volante.
No conduzir da economia é evidente que há um trade off em todas estas variáveis, como sabe. Mas não vamos optar por uma delas. Há metas que estão quantificadas em relação às quais pode não haver acordo - por exemplo, o Sr. Deputado Victor Constâncio não concorda com a meta fixada para a inflação -, mas o que não pode haver é a opção de uma em relação às outras. Mas é indiscutível, neste momento, que a preocupação em relação a qualquer uma delas é fundada.
Não podemos assistir a um agravamento dos défices da balança de transacções correntes, não podemos assistir a um aumento da inflação sem tentar debelá-la. E evidentemente que não poderíamos assistir a um aumento das tensões para o desemprego se tal se viesse a verificar.
O Sr. Deputado perguntou também se não seria possível uma política que levasse a uma evolução da balança de transacções correntes de mil milhões de dólares no próximo ano baseada em instrumentos diferentes. Penso que não. Penso que o valor de 1,4 que temos projectado é realista, menos do que isso não me parece realista e muito menos se o elenco de medidas que fôssemos usar fosse mais restritivo do que esse que estamos a prever.
Já quanto à sugestão que faz de que a taxa de juro poderia ser uma alternativa em relação aos plafonds, considero ser uma matéria que poderíamos discutir.
No entanto, penso que agravar as taxas de juro em relação ao nível a que estão hoje seria mais negativo do que continuar a recorrer aos plafonds de crédito. O Sr. Deputado Octávio Teixeira voltou à hipótese da crise capitalista. Sá o Sr. Deputado quer dizer que há uma crise capitalista e que há uma crise socialista, aí não vamos discutir. Agora, se quer dizer que só há uma crise capitalista parece-me ser totalmente infundado.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Preocupe-se com a que nos afecta!
O Orador: - Sr. Deputado, isso parece-me despudor porque vindo da bancada donde vem e sendo o seu modelo um modelo socialista não pode estar a julgar-nos sem prestar contas do que é que o modelo socialista tem dado.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
Não fui eu que aqui falei, alguma vez, na crise do modelo socialista. Foi o Sr. Deputado que provocou esta discussão.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Não existe!
O Orador: - Se não existe, devem ser masoquistas para adoptarem as medidas que estão a adoptar.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
O Sr. Deputado Magalhães Mota referiu-se mais uma vez ao problema das Grandes Opções do Plano. Eu não me bato para que qualquer desses documentos seja inatacável e modelar. Não se trata disso. O que me pareceu é que na singeleza da expressão que o Sr. Deputado usou podia ficar implícito que este era de qualidade inferior aos de anos anteriores. Penso que não pode dizer isso.
Quanto à parte imperativa do Plano: as suas consequências estão contidas no Orçamento Geral do Estado. Isso é indiscutível. A minha observação foi no sentido de que me parece infundado que os mecanismos imperativos podem evitar os erros. Evitam um tipo de erros, mas facilitam outros. Temos de ser cautelosos, tanto a corrigir os mecanismos de mercado como os das decisões de planeamento mal fundadas.
Quanto aos funcionários públicos: o que eu disse é que, em relação à estatística que o Sr. Deputado Victor Constâncio usou quanto ao número total de funcionários públicos, nós não sabemos quantos são. Mas o conceito que o Sr. Deputado usou, se bem percebi, não se referia aos funcionários pagos pelo OGE mas sim à totalidade dos funcionários de um país, e esse é que não sabemos porque começamos por não saber o que está incluído nessa estatística. Em Portugal há três estatísticas, quanto ao número total de funcionalismo: o conceito de contas nacionais do INE, o conceito da ADSE e o conceito do Orçamento Geral do Estado.
Em relação ao do Orçamento Geral do Estado não tenha qualquer cuidado, Sr. Deputado, que nós sabemos quantos são e quanto representa a sua despesa. Por isso é que não será difícil que nas previsões que
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fizemos esse número lá esteja. Não há qualquer contradição.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Zita Seabra para uma intervenção.
A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não é por acaso que os problemas da saúde e segurança social têm sido um dos pontos quentes deste debate, mas não é de mais regressar ao assunto, tão desastroso ele é.
As medidas propostas assumem tal gravidade que vêm suscitando uma onda de indignação popular, apesar da cortina de silêncio da RTP.
Serão, se a proposta for aprovada,, anos de recuo de direitos alcançados tão duramente pelos portugueses! O Governo baixa em termos reais o Orçamento da Saúde em 12 milhões de contos, 5,2 dos quais nos hospitais. E levando ao absurdo uma orientação que sacrifica aqueles que são mais os carenciados, institui a «tabela da vergonha», que esta Assembleia não pode deixar passar porque ela significaria a mais desastrosa penalização de quem já é afectado pela doença. Mais ainda: tais medidas são incomportáveis para a larga maioria dos portugueses. Repito: incomportáveis.
Internamentos em hospital a 600$ por dia, urgências a 400$ cada, consultas externas a 300$, serviços que até aqui eram gratuitos, significam na prática a negação do direito à saúde.
Com estas medidas, o Governo confirma que está fora da lei e disposto a levar ao extremo a violação da Constituição.
Com estas medidas o Governo revela as mais caducas e reaccionárias concepções, espezinhando o mais elementar dos princípios de direito social: aquele que determina que as conquistas dos cidadãos em matéria de direitos sociais são irreversíveis, devendo ser progressivamente alargados e nunca restringidos (e muito menos supridos!).
É perfeitamente inaceitável que o Sr. Ministro dos Assuntos Sociais tenha o desplante de vir aqui afirmar, como ontem fez, que pela via da supressão da gratuitidade dos serviços da saúde «se promoverá a justiça social». Que hipocrisia!
Justiça social, para o Sr. Ministro do CDS, é pôr os doentes a pagar! E a pagar por uma tabela que lhes tiraria em 20 dias, 12 mil escudos, isto é, mais que o salário mínimo nacional!
Isto não pode ser! Uma criança em Portugal com mais de 1 ano de vida não pode ter de pagar 600$ por dia de internamento ou 400$ se precisa de ir a uma consulta de urgência, sob pena de um recuo de decénios na prestação de cuidados de saúde às crianças portuguesas.
O Sr. Ministro já não está a gerir a fortuna dos Mellos; está a gerir, para mal dos Portugueses, os recursos que, sendo nacionais, devem servir a saúde de todos. O Sr. Ministro sonha - como ontem aqui afirmei - pôr os hospitais a dar lucro, torná-los em empresas rentáveis, sonha pôr a saúde a cobrir o défice do Orçamento. Já sabíamos que eram estas as verdadeiras concepções e o modelo do CDS. Mas não são essas as concepções constitucionais e não se alterarão certamente pois a Constituição continuará a garantir o princípio da gratuitidade. Mas ao tentar impo-las, à revelia das normas democráticas, o CDS coloca-se à margem da legalidade. Mas importa que não arraste nesse caminho a Assembleia da República!
Ao contrário, o que é necessário e urgente para resolver os graves problemas que afectam o sector da saúde, tendo em vista a racionalização do sistema e um melhor aproveitamento dos recursos financeiros, humanos e técnicos, é incrementar um serviço nacional de saúde, como estabelece a lei aprovada por esta Assembleia (e que continua em vigor mas sem ser cumprida pelo Governo). É ainda, e como temos salientado numerosas vezes, criar uma rede de cuidados primários de saúde. Estes são os caminhos longamente traçados, discutidos e aprovados pela Assembleia da República e que colheram longo consenso. Nunca, mas nunca, a solução pode ser pôr o» doentes a pagar a cura como pretende o Ministro do CDS.
É também através de uma rede de cuidados primários de saúde, do incremento da educação para a saúde e do controle e redução dos lucros fabulosos das multinacionais de medicamentos que pode encontrar-se a solução da problemática do consumo de medicamentos, e nunca, nunca, deixando intactos os lucros das multinacionais à custa de um aumento de 140 % dos medicamentos para o utente.
A política de saúde é tão grave, que pouco tempo nos restará para abordar os problemas da segurança social. Bastaria, porém, dizer que é o mesmo Ministro que tem a pasta, para se imaginar o que vai pela Segurança Social.
Sendo certo que a taxa de inflação se situa à volta dos 20 %, as pensões de reforma para vigorar no ano de 1982 (até à véspera das eleições autárquicas) ficam 3 pontos abaixo (e o Governo falava em «manter e se possível melhorar o poder de compra dos reformados»!!!).
Entretanto, aos reformados rurais, a quem a AD assegurou que aproximaria do regime geral, diz agora que só não haverá aproximação, como será aumentada a diferenciação. Serão divididos em dois escalões com pensões diferentes, e com pensões que vigoraram este ano 14 meses em vez dos doze prometidos ...
Os princípios de segurança social subjacentes à proposta governamental significam um regresso à antiga Previdência. São altamente preocupantes as declarações do Ministro e de outros membros do Governo no sentido de fazer depender os benefícios fundamentalmente da contribuição esquecendo o princípio da solidariedade, fundamental em segurança social.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O lema deste Ministro dos Assuntos Sociais: «os doentes que paguem a crise» sintetiza o carácter antipopular, retrógrado e reaccionário desta política e mostra bem os interesses de classe que estes senhores servem, mas bem se pode dizer que tal lema lhe há-de servir de epitáfio.
Vozes do PCP: - Muito bem!
A Oradora: - Este Governo ousou vir pedir aos deputados eleitos pelo povo que sancionem e aprovem com o seu voto o mais drástico golpe que poderia ser dado contra a saúde e restantes direitos sociais daqueles que aqui representamos. Nós, comu-
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nistas, respeitamos o mandato que o novo trabalhador nos conferiu e rejeitamos frontalmente tal política de saúde, rejeitamos este Orçamento Geral do Estado. Mas dizemos mais: Quem ousa tentar tal política não pode continuar por mais tempo à frente do Governo de Portugal!
Aplausos do PCP e do MDP/CDE.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Ferreira Guedes.
O Sr. Ferreira Guedes (UEDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Aqueles que, como nós, assistiram e participaram na discussão das Grandes Opções do Plano para 1981, não puderam esquecer-se ainda, de que a definição dos grandes objectivos da política económica, então feita, a partir da construção de vários cenários, acabou por traduzir-se numa evolução que nem o cenário mais pessimista foi capaz de prever. Não se surpreenderiam portanto se, aquando da discussão das Grandes Opções do Plano para 1983, viessem a fazer idêntica constatação, caso à frente da governação deste país se encontrasse, ainda, a AD. As contradições internas existentes, contudo, no seu seio e até dos próprios partidos que a compõem, acabarão por evitar - disso estamos certos- que tal aconteça. E se essas contradições não forem, por si só, suficientes, sê-lo-á, com certeza, o combate sem tréguas que contra a política deste governo vai ser desencadeado pela esmagadora maioria dos trabalhadores deste país, independentemente do quadrante político em que se situem, através das suas associações de classe. E a prova disso é já a manifestação do passado dia 12, convocada pela CGTP-IN e suas estrutura regionais, e a posição que alguns sectores sindicais, claramente identificados com o PSD, acabam de assumir face à convocação de um dia de greve nacional pela UGT, por proposta dos sindicalistas conotados com o PS.
Todos começam a ter consciência de que só assim será possível evitar um verdadeiro desastre nacional, paradoxalmente fruto da política daqueles que se apresentam a esta Assembleia, neste momento, com um plano a que chamam de salvação nacional.
É que mantendo-se a maioria dos factores tidos como determinantes na evolução negativa operada, em 1981, na economia portuguesa e não se verificando, por outro lado, verdadeiras alterações qualitativas, relativamente à política do anterior governo, não se vê como possa ser possível e se possa pretender uma evolução económica sensivelmente diferente, a partir da aprovação do Plano em discussão.
E é por ter consciência de que assim é que o Governo, cujos interesses de classe se identificam claramente com os do capital nacional e internacional, tem preparado um conjunto de medidas, com o qual pretende fazer face à situação, atirando para as costas da maioria da população trabalhadora deste país o pesado fardo que a actual crise representa, crise que a partir do VI Governo Constitucional - e em grande parte devido à política demagógica e eleiçoeira por este desenvolvida - passou a assumir pró porções nunca anteriormente atingidas.
Estão entre estas medidas a pretendida fixação de um tecto salarial de 17 % a ser imposto às organizações sindicais para o ano de 1982, isto quando a
inflação em 1981 terá rondado os 25 %, como o reconheceu recentemente o ex-Ministro Silva Lopes. Mas mesmo que a inflação não fosse superior aos 18,5 % da estimativa mais que optimista do Governo, como compreender que este pretenda impor a fixação de um tecto salarial de apenas 17 % e que para muitos não pode ir além dos 15 % ?
Sem discutir já a constitucionalidade ou inconstitucionalidade de tal medida restritiva do direito ao exercício da contratação colectiva, reconhecido às associações sindicais, como é possível ao Governo adequar esse tecto salarial com a intenção manifestada no seu Programa, aprovado há pouco mais de dois meses, de «preservar o poder de compra da população, em particular dos seus estratos mais desfavorecidos»? Ou como adequar esse tecto salarial ao que vem expresso na p. 47 das Grandes Opções do Plano para 1982 e que reza assim: «a evolução dos salários reais dependerá dos ganhos da produtividade obtidos nas diferentes actividades»; ou, ainda a ideia expressa mais à frente, na p. 60, de que ao factor trabalho será assegurada uma participação nos ganhos da produtividade que vierem a ser conseguidos?
Com a fixação de um tecto salarial de 17 %, o Governo não só não prevê a participação do factor trabalho no aumento da produtividade como não prevê, mesmo, que os aumentos salariais sejam correspondentes à taxa de crescimento dos preços em 1981. E esta situação é tanto mais grave quanto é certo que o aumento da produtividade, com excepção do ano de 1975, tem sido uma constante em Portugal, depois do 25 de Abril, numa média compreendida entre os 2 % e 3 % ao ano; e quanto é certo, ainda, que o peso do factor trabalho, no rendimento nacional, não vai hoje além dos 55 % e que baixaria para os 46 %, ou seja, a valores só comparáveis aos verificados na década de 60, caso o tecto salarial que o Governo pretende impor viesse a ser aplicado. E quando assume tal posição, o Governo não ignora que os salários dos trabalhadores portugueses são os mais baixos da Europa: 1,76 dólares por salário/hora. Na Grécia, o salário/hora é de 2,81 dólares e na Espanha, é de 4,89 dólares; isto para não falarmos já da Suécia, onde o salário/hora é de 11,09 dólares.
Mas o Governo, Sr. Presidente, Srs, Deputados, pretende ir mesmo mais longe na diminuição do salário real dos trabalhadores. Para fazer face à dívida pública que os sucessivos e crescentes défices verificados nestes últimos anos atiraram para níveis nunca antes atingidos, pretende lançar sobre a população trabalhadora a responsabilidade do seu pagamento. Só assim poderá compreender-se o sentido das intenções expressas pelo Sr. Ministro dos Assuntos Sociais na sessão de encerramento do I Congresso Nacional das Farmácias, e que apontam para o agravamento do preço dos medicamentos, internamentos e serviços auxiliares de diagnóstico, a par da intenção de diminuir de 75 % para 60 % a comparticipação nos medicamentos nacionais e de 60 % para 40 % a comparticipação nos medicamentos estrangeiros. Por esta forma, espera o Governo arrecadar à sua parte à roda de 12 milhões de contos, mais.
Assim, quando seria de esperar a concessão de novas regalias, num sector tão importante como o da saúde, e a introdução de melhorias, particularmente
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na parte respeitante à assistência médica, internamento hospitalar e serviços auxiliares de diagnóstico, a população trabalhadora deste país o que vê é aumentados os custos da saúde, sem a menor contrapartida.
O ataque, porém, deste governo aos direitos e legítimos interesses dos trabalhadores vai mais longe ainda, Sr. Presidente, Srs. Deputados.
Senão vejamos.
Nas Grandes Opções do Plano para 1982, aqui em discussão, diz-se a p. 47: «O Governo reconhece prioridade ao objectivo de manutenção e defesa do nível de emprego actualmente existente e seu incremento em termos que não ignorem os necessários aumentos de produtividade e modernização das estruturas produtivas.»
Mas, afinal, quais são as medidas que o Governo da AD se propõe tomar confirmativas de reconhecimento da prioridade de tal objectivo?
Provavelmente as que constam da proposta de lei n.° 70/II apresentada há cerca de um mês a esta Assembleia, cujo objectivo é dar de mão beijada ao patronato e à CIP uma mais franca liberalização do despedimento, alargando o conceito de justa causa, de forma a caberem nele situações de despedimento que não têm como causa qualquer comportamento culposo do trabalhador, mas apenas razões económicas ligadas à estrutura da empresa.
Sabendo que a Constituição da República Portuguesa proíbe, no seu artigo 52.° alínea b), o despedimento sem justa causa, o Governo procura, por este modo, contornar tal proibição, esvaziando de conteúdo o próprio conceito de justa causa.
O Sr. César de Oliveira (UEDS): — Muito bem!
O Orador: — E tudo isto se passa, Sr. Presidente, Srs. Deputados, num país onde existe uma Constituição em que se diz: «Incumbe ao Estado, através da aplicação de planos de política económica e social, garantir o direito ao trabalho». Ora, o Governo, como se vê, em vez do direito aos trabalho o que garante é o desemprego. E assim, o número de 380 mil desempregados já hoje existentes em Portugal não tardaria a ver-se ampliado, se tal proposta de lei fosse aprovada e viesse a entrar em vigor.
O Sr. António Vitorino (UEDS): — Muito bem!
O Orador: — É nossa convicção, contudo, que tal não ocontecerá, e não tardará já é tempo em que o actual governo, minado pelas contradições internas e sem qualquer apoio 'popular, não veja outra saída que não seja pedir a sua demissão.
Então, estamos certos, se criarão as condições para que um novo governo surja com capacidade de se tornar na alternativa global e progressista que há-de abrir as portas à construção da sociedade nova, por que ambicionamos.
Consolidar a democracia operando a transição para o socialismo é a meta que lhe destinamos, Srs. Deputados.
Aplausos da UEDS, do MDP/CDE e de alguns deputados do PS e do PCP.
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Herberto Goulart.
O Sr. Herberto Goulart (MDP/CDE): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs, Membros do Governo: Da adesão à CEE pouco se tem falado, neste debate sobre as Grandes Opções do Plano e do OGE para 1982. Os parágrafos no capítulo final das Grandes Opções relativos à integração europeia traduzem as flutuações e hesitações que têm caracterizado a atitude do Governo quanto a esla matéria, nos últimos tempos.
Um simples apontamento, menos do que o assunto merece: Não deixa de ser contraditório concluir-se no documento em apreciação que é possível a assinatura do Tratado em 1982, depois de se ter afirmado que dossiers decisivos se encontram em aberto, que os Estados membros não encontraram ainda, no interior da CEE soluções para problemas cruciais, como a agricultura e as pescas, o orçamento, etc., e sendo também do conhecimento geral que o impasse deve prolongar-se por muitos meses mais.
Mas muito menos se entende que o plano decorrente das ajudas de pré-adesão, sucessivamente retardadas e com valor muito inferior ao inicialmente solicitado pelo Governo, seja apresentado nas Opções para 1982 como «um conjunto coerente de acções capazes de operar profundas transformações nas nossas estruturas... no curto espaço de tempo que antecede a adesão».
O Governo reconhece estas dificuldades e não confia nas suas próprias declarações, que visam apagá-las. Com isto estará ligado no quadro de orientações para fomento das exportações, a 2.ª fase posta na dinamização das exportações para África, em particular para os países de expressão oficiai portuguesa e para os mercados árabes. Extensão esta que o Sr. Ministro das Finanças e do Plano ontem alargou ao referir também os países socialistas, mas que hoje o Sr. Ministro da Indústria, por omissão, pareceu restringir.
De há muito que o MDP/CDE acentua a necessidade de se prosseguir uma política de diversificação das relações económicas externas do País, como pressuposto para a redução do défice da economia portuguesa. Temos repetidamente afirmado que com os países de expressão oficial portuguesa, se para tal houver vontade política bastante, existem potenciali-dades para uma intensa e crescente cooperação, sem que o País careça de ser intermediário de terceiros.
Nos países do chamado Terceiro Mundo, especialmente países árabes e africanos, podem colocar-se as nossas produções tradicionais, bem como produtos e serviços com maior grau de tecnologia incorporada, em troca das suas exportações normais, necessárias à nossa própria actividade económica.
Com os países socialistas pode generalizar-se um largo processo de trocas, facilitado pelo carácter planificado das respectivas economias, introduzindo portanto vantagens para o nosso próprio planeamento a curto e médio prazo. Além do mais, poderão negociar-se facilmente acordos de compensação, cuja prática poderá ser generalizada às relações com os países capitalistas.
Sem apreciar a contradição entre o desejo de aber-tura comercial e uma política externa governamental hostil a muitos dos países das áreas mundiais referidas, gostaria de afirmar que consideramos no entanto ilusório pensar que, tanto para as actividades do sector primário, como para a indústria transfor-
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madora, um aumento sustentado da produção nacional se possa fazer assentando prioritariamente no mercado de exportação. Tal opção só nos parece possível para países que disponham de vantagens ou aptidões muito particulares, o que não é o caso português, ou quando assente sobre a exploração da mão-de-obra.
Esta última constituía uma opção dos últimos Planos de Fomento, na lógica inerente ao processo político que o País então conhecia. Volta a ser uma opção presente nestas GOP's, uma opção base, como em intervenção de ontem acentuámos.
Se a nossa perspectiva, se se quiser, a nossa alternativa, é diferente, por basear-se igualmente na dinâmica do mercado interno, não significa que não consideremos, entre os prioritários, o objectivo de reduzir o défice externo, consubstanciado aliás, na pretensão das GOP's para 1982 de redução do défice da balança de transacções correntes.
Desprezando outros componentes, situemo-nos na questão das exportações e importações de bens e serviços.
Às primeiras dedica o Governo a atenção e as medidas que resultam de ser área considerada como eixo da sua estratégia económica para 1982. Mas quanto às importações e à necessária atenuação do ritmo do seu crescimento, mesmo, da sua redução, não há qualquer atitude determinada, voluntariosa, do Governo, neste sentido.
Não são avançadas medidas de restrição das importações desnecessárias ou supérfluas, nem se opta pelo objectivo no âmbito das opções prioritárias, de apoio a todas as formas de produção nacional que possam garantir a substituição de importações.
Dir-se-á que os esforços a desenvolver em tais campos não se exprimiriam em resultados relevantes.
Mas despreza-se o contributo de uma tal opção no combate ao desemprego, questão secundarizada pelas GOP para 1982. £ ilude-se que são concepções liberalizantes, que é uma opção ideológica por uma economia regulada apenas pelos mecanismos de trocas livres, que leva a que se não equacionem medidas administrativas, fiscais e outras, que contribuiriam para a redução das importações portuguesas.
O quadro das opções ideológicas em que o Governo se move reflecte-se, também, claramente no que respeita ao sector empresarial do Estado. Em nosso entender, o aparelho produtivo do sector público deve ser, tem de ser, o motor da dinamização da economia. Esta é, como é evidente, uma opção ideológica que assumimos.
O investimento ocorrido nos últimos anos assenta fundamentalmente no sector público da economia e no espírito de iniciativa de pequenos e médios empresários portugueses.
E não se venha dizer que tal acontece porque os grandes empresários privados aguardando a clarificação do quadro de funcionamento da economia portuguesa, a transferência das suas regras de jogo fundamentais e o fortalecimento dos mecanismos de mercado (para utilizar as expressões do Governo no seu Programa), porque largo campo está aberto, no quadro constitucional português, à imaginação, à iniciativa e ao espírito empreendedor do capital privado, se este quiser.
Centrar a dinâmica económica no sector empresarial do Estado, no seu envolvimento com outros sectores da propriedade social e na sua articulação com o sector da iniciativa privada, não é negar ou minimizar o papel desta última. É antes um suporte da dinamização também da iniciativa privada.
No próprio quadro da eventualidade da integração nas Comunidades Europeias, a capacidade de resistência do sector privado reforçar-se-ia com a dinamização do sector empresarial do Estado.
A filosofia do Governo é porém outra. As Grandes Opções do Plano e as respectivas repercussões orçamentais traduzem uma constante preocupação de minimizar o papel das empresas públicas e participadas, numa linha que aponta para uma meta muito clara: progressivamente, reter no sector público da economia e no conjunto das empresas em que o Estado pode actuar por via de participações de capital, apenas o que não interessa ao sector privado, por corresponder a actividades pela sua natureza deficitária ou de fraco índice de acumulação.
Efectuar uma revisão de fundo quanto aos critérios que têm comandado a concessão de apoio financeiro às empresas públicas, como o Governo anuncia, é certamente tarefa necessária. Só que tudo indicia, no desenvolvimento das políticas para 1982, que essa revisão se fará ao arrepio da consolidação e dinamização do sector.
No orçamento para 1982 a verba prevista para aumentos de capital estatutário de E.P.s é de 17 milhões de contos, quando no ano anterior fora de 18 milhões. Os subsídios às empresas, num total inferior aos subsídios compensatórios de que só as principais empresas de transporte careceriam, estão inscritos por uma verba de 11 milhões de contos, inferior em 3 milhões e meio à despesa efectiva de 1981.
Nas grandes linhas de orientação definidas para a política de investimentos nas empresas públicas é explicitada igualmente uma intenção restritiva que contrasta com o tom afirmativo e voluntarioso das orientações logo a seguir enunciadas quanto ao investimento no sector privado, preconizando-se que, para este, se melhorem e se articulem os incentivos e o encorajamento de projectos, cuja caracterização é correcta, mas que também se poderiam e deveriam situar no âmbito da consolidação e dinamização do sector público e participado.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O défice orçamental é outro dos grandes desequilíbrios que o Governo pretende congelar. Se o objectivo em si é de aplaudir também aqui assistimos a uma visão unilateral das propostas governamentais. O projecto constitucional obriga ao alargamento do papel do Estado na vida económica e social, implicando uma forte pressão para o aumento da despesa pública.
É pertinente que a contenção do défice orçamental se faça especialmente na óptica do défice corrente, condicionando o défice de capital ao valor social e reprodutivo dos empreendimentos projectados e a limites da dívida pública adequados à estabilização financeira.
A evolução verificada para o orçamento de 1982 é um progresso relativamente ao ano anterior, em que as tentativas de contenção do défice orçamental incidirem mais pesadamente sobre o défice de capital. No entanto, em nosso entender, a contenção do défice
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corrente não pode fazer-se em prejuízo do funcionamento do aparelho administrativo do Estado, nem da satisfação das necessidades sociais mais prementes.
Em sentido contrário aponta, porém, a política de austeridade que o Governo propõe para 1982.
E o Governo não encarou, pelos interesses que serve e defende, outras alternativas. Tomou quase como um dogma o nível elevado da carga fiscal, a partir de uma análise global das receitas fiscais. Mas o que é excessivamente elevado é o peso dos impostos indirectos, quando comparados com os impostos directos. E entre estes, é sabido que são extremamente permissivos, quando cotejadas internacionalmente, os impostos sobre o capital e os lucros.
O agravamento da fiscalidade incidindo sobre esta área, dentro de uma adequada progressividade, seria uma alternativa, obviamente não considerada pelo Governo, dada a sua opção por uma política de forçar a reacumulação privada.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: As exposições foram desafiadas a apresentar alternativas às proposta governamentais. Como se fosse possível rectificar, no sentido dos interesses do povo português, as GOP's e o OGE apresentadas pelo 3.º Governo da AD.
As alternativas de fundo possíveis resultam de opções diametralmente diferentes, como em vários campos defendemos nesta intervenção. Resultam da identificação com interesses sociais que não estão representados no Governo. Resultam de uma grande confiança na capacidade dos portugueses e na possibilidade de todas as camadas produtoras serem mobilizadas para um grande esforço de recuperação nacional. Resultam ainda da firma convicção de que só num governo profundamente identificado com o espírito de Abril será possível criar perspectivas de vencer a crise económica.
A verdadeira alternativa não é às Grandes Opções e ao OGE do VIII Governo. A verdadeira alternativa é ao próprio VIII Governo.
Aplausos do MDP/CDE e do PCP.
Durante esta intervenção assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Tito de Morais.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.
O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, pedi a palavra para interpelar a Mesa no sentido de solicitar a convocação de uma reunião dos líderes dos grupos parlamentares para amanhã pela razão que passo a justificar.
Acabo de ter conhecimento que a Radiotelevisão Portuguesa emitiu um comunicado que termina dizendo isto:
Lamenta-se o facto de a oposição, mostrando incompreensão pelas dificuldades técnicas que a ocorrência de três dias de greve originou na área da produção, se ter furtado ao estabelecimento de um consenso com a maioria e o Governo quanto à forma de divulgação dos trabalhos da Assembleia da República.
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Isto não corresponde de todo em todo à verdade, o que, aliás, não nos espanta, pois é uso costumeiro da Radiotelevisão Portuguesa deturpar os factos. Porque não corresponde à verdade, penso que a Assembleia da República não pode deixar passar em claro um comunicado deste teor.
É mais que evidente, para todos aqueles que assistiram ao decorrer das negociações que se não há transmissão, foi por obstrução clara e evidente dos responsáveis da Radiotelevisão Portuguesa.
Este comunicado é inadmissível, penso que há que tomar uma posição, e nesse sentido solicitava ao Sr. Presidente a convocação dos líderes dos grupos parlamentares para uma reunião amanhã. E peço apenas para amanhã, de manhã, pelo facto de neste momento não estarem presentes alguns dos deputados que intervieram directamente no processo e ser importante que participem na reunião.
Aplausos da UEDS, do PS, do PCP, da ASDI, do MDP/CDE e da UDP.
Ò Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?
O Sr. Carlos Brito (PCP):- Sr. Presidente, era também para interpelar a Mesa.
Associando-me à questão colocada pelo Sr. Deputado Lopes Cardoso - e porque participei (creio eu) em todas as negociações que se fizeram, quer na Assembleia da República entre os diferentes grupos parlamentares, quer entre os grupos parlamentares e o Governo, quer entre os grupos parlamentares, o Governo e a Televisão -, quero dizer que o que é dito neste comunicado (segundo informação que temos, a Televisão está agora a transmiti-lo e é do teor que foi referido pelo Sr. Deputado Lopes Cardoso) é uma completa falsidade.
Quem teria razão de queixa era a Assembleia da República - já não digo a oposição, mas a Assembleia da República. Não encontrámos - e também responsabilizamos o Governo por isso - nenhuma boa vontade, nenhum espírito de cooperação no sentido de se encontrar uma solução.
Nós, os partidos da oposição, procurámos por todas as formas, ontem até às 3 horas da madrugada, encontrar essa solução. Pouco antes dessa hora tive oportunidade de fazer uma proposta conjunta que apresentava uma solução para a questão da transmissão dos trabalhos parlamentares. Foram sempre levantadas dificuldades de toda a espécie. Quando se resolvia uma questão, surgia outra dificuldade.
De facto, havia uma péssima vontade de dar cobertura aos trabalhos parlamentares, o que se justificava.
Protestos do PSD, do CDS e do PPM.
Por tudo isto, Sr. Presidente, penso que importa que a Assembleia da República tome uma posição, e não se compreende que a Televisão esteja a atacar os partidos da oposição.
Vozes do PCP: - É um escândalo!
Vozes do PSD: - Isso é um discurso!
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O Sr. António Mota (PCP): - Qual discurso?
O Orador: - Isto é infame, isto é intolerável. A Assembleia da República tem de tomar posição.
Aplausos do PCP, do PS, da ASDI, da UEDS, do MDP/CDE e da UDP.
O Sr. Manuel Pereira (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para uma interpelação à Mesa.
O Sr. Presidente: - Tem V. Ex.ª a palavra.
O Sr. Manuel Pereira (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, nós não vemos obstáculos à proposta que foi feita no sentido de se fazer uma reunião de líderes amanhã. Mas o que não podemos aceitar é que se faça um discurso neste momento. Estamos numa fase de trabalhos e estão já a antecipar-nos aqui as razões que serão apresentadas amanhã na reunião dos líderes.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: - Tem V. Ex.ª a palavra, mas peco-lhe que seja breve.
O Sr. Carlos Lage (PS): - Serei muito breve, Sr. Presidente.
O nosso representante nesta discussão, deputado José Niza, não está presente, mas nós aderimos inteiramente à solicitação do Sr. Deputado Lopes Cardoso para se fazer amanhã de manhã uma reunião sobre esta tão importante matéria.
O Sr. Carlos Robalo (CDS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem V. Ex.ª a palavra.
O Sr. Carlos Robalo (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nós aderimos, naturalmente, à reunião dos líderes e gostaríamos de conhecer o comunicado da RTP, na sua totalidade, nessa reunião. Simultaneamente, lamentamos o aproveitamento que se faz, quando ainda não se conhece o que aconteceu.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não havendo oposição dos grupos parlamentares, fica então convocada uma reunião de líderes dos grupos parlamentares para amanhã de manhã. A hora será depois combinada pelo Sr. Presidente da Assembleia da República.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Coimbra.
O Sr. Luís Coimbra (PPM): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Porque o esquecimento prematuro de muitos factos têm sido uma característica constante de alguns deputados da oposição, iniciarei a minha intervenção procurando avivar a memória de alguns desses Srs. Deputados.
Antes do 1.º governo AD, o custo de vida tinha aumentado 24,2 %, só em 1979. Este número só era ultrapassado, nos 24 países da OCDE, pela Turquia e pela Islândia. Segundo o INE, os preços entre 1978 e 1979, quanto a alimentação e bebidas, tinha aumentado 56,6 %.
Apesar das condições económicas internacionais extremamente favoráveis, que conduziram ao equilíbrio do défice, convém recordar que, em 1979, 51,4 % dos trabalhadores auferia menos de dez contos por mês, e dos restantes 45,7 % auferiam entre 10 e 20 contos apenas. Muitas das E.P.ºs encontravam-se totalmente descapitalizadas. A política externa era uma montanha de ambiguidades. A regionalização inexistente. Apesar da grande manipulação da comunicação social e da oposição que enfrentávamos vinda de outros órgãos de soberania, a AD vencia, porém, as eleições intercalares.
Sá Carneiro e o Governo de tudo foram acusados. De «inimigos dos trabalhadores e da democracia», de pretendermos acabar com o sector público, tudo foi tentado. Porém, pela primeira vez em Portugal os rendimentos do trabalho eram superiores aos rendimentos do capital, e os salários tinham aumentado em termos reais.
O Sr. Carlos Espadinha (PCP): - Não diga anedotas!
O Orador: - O mandato popular que recebemos de novo nas eleições legislativas foi inequívoco e é em resposta a ele que temos de continuar, corrigindo eventuais erros de percurso, mas reiterando dia a dia a nossa vontade de corresponder à vontade da maioria do povo português.
O Sr. António Mota (PCP): - Ó santa hipocrisia!
O Orador: - Os nossos principais parceiros internacionais encontram-se numa situação de estagnação económica. A prática de políticas económicas restritivas na Europa, afecta igualmente a nossa economia.
A revalorização constante do dólar em relação ao escudo, a elevação das taxas de juro, vieram não só contribuir para o agravamento do nosso défice como também lembrar a muitos portugueses que os EUA estão, antes de mais, preocupados em salvaguardar os seus próprios interesses antes de quaisquer outros. A seca, a geada, a vaga de calor, em profundo reflexo nas importações de energia e alimentação, aliadas à acentuada quebra nas nossas exportações em virtude da estagnação da procura internacional e das questões relacionadas com o dólar vieram não só justificar o presente défice como vieram justificar a própria inflexão operada pelo Governo em Agosto deste ano, bem patente, aliás, no presente Orçamento e Plano para 1982.
Mas apesar de tudo, no 1.º semestre deste ano, para quem acusa a AD de ser «inimiga dos trabalhadores», é possível apontar alguns dados significativos em contrário. Os trabalhadores rurais viram os seus rendimentos aumentados em 31 %, os trabalhadores da indústria e da construção civil, por exemplo, auferiram aumentos superiores à taxa de inflação, para o período do primeiro semestre, repito.
Aliás, como pode o Governo ser acusado de pretender desmantelar o sector público, acusação já estafadamente repetida há mais de dois anos, se as dotações de capital, subsídios e indemnizações compensativas às E.P's contempladas no OGE em 1982 montam a cerca de 17 milhões de contos?
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Como pode o Governo, perante a conjuntura económica e financeira, ser constantemente acusado de roubar as autarquias, quando 35 % das despesas do capital do sector público administrativo são imputáveis à administração local?
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Os escolhos que a AD tem de enfrentar até 1984 são prioritariamente os de natureza económica e os de natureza constitucional.
São escolhos de natureza económica, como tão bem aqui foi exposto na intervenção quer do Sr. Ministro das Finanças e do Plano quer do próprio deputado Vítor Constando. Cabe aqui dizer que nestas duas informações, como diria a Sr.ª Deputada Natália Correia, embora em pólos políticos diferentes, o verbo e a verba andaram em sintonia.
São escolhos de ordem constitucional, porque sem uma revisão da actual Constituição que permita ao povo português uma escolha entre várias opções democráticas constitucionais, o descrédito do regime pode pôr em causa a própria liberdade.
Importa, pois, reforçar, em nosso entender, a coesão e coerência da AD, porque temos de cumprir o nosso programa, sem complexos de direita ou de esquerda, e sobretudo sem atendermos às piscadelas de olho de uma extrema-direita, permanentemente saudosista e ultrapassada, sempre à espreita de se poder aproveitar da AD.
Temos, sobretudo para além da nossa coragem em enfrentar os problemas económicos que são obstáculo ao nosso desenvolvimento, igualmente de saber ser intransigentes na denúncia, por exemplo, de greves claramente políticas que recentemente têm ocorrido, como foi o caso flagrante da RTP, em que uma greve se interrompe para dar cobertura à visita de um Presidente, que, por acaso ou por coincidência, é de esquerda e que, por acaso ou por coincidência, também trazia, segundo consta, no bolso a venda de uma central nuclearzita.
Mas já que falamos em comunicação social estatizada, importa igualmente, no respeito pela isenção e pelo pluralismo a que nos propusemos no nosso programa, ter em conta que continuamos a ter uma gerência da RTP que até se arroga em definidora dos tempos de debate parlamentar em carta enviada ao Presidente da Assembleia da República. Uma RTP que tudo faz para marginalizar, subtilmente, a figura do próprio Primeiro-Ministro e para colocar subservientes e obrigados alguns dos trabalhadores daquela empresa, sejam da esquerda ou da direita.
O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Muito bem!
O Orador: - Mas a manipulação e a arrogância não existem só na RTP, começam também a existir, em algumas horas do dia e da noite, na Radiodifusão Portuguesa, mais parecendo que regressamos aos tempos do gonçalvismo em alguns dos seus noticiários e em inúmeros dos seus programas.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: tal como afirmou o Sr. Primeiro-Ministro ainda bem recentemente, temos condições para que a Aliança Democrática não seja um simples contrato a prazo.
Pela nossa parte tudo faremos para que o PPM possa dar dia a dia um contributo cada vez maior na coerência e na coesão da AD, no apoio ao Governo, na vigilância do cumprimento do programa da AD ao serviço exclusivo da democracia e dos portugueses.
Aplausos do PPM, do PSD e do CDS.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé, que dispõe ainda de 8 minutos.
O Sr. Mário Tomé (UDP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Ao apresentar a esta Assembleia o seu programa, o actual governo fixou 4 prioridades da sua acção: a regionalização, a agricultura, a habitação e o aumento das exportações.
Hoje, passados à volta de três meses apenas, o Governo esquece tudo isso, dá o dito por não dito e das prioridades resta apenas uma: as exportações.
O Sr. Ministro João Salgueiro queixou-se aqui que o governo ainda não teve tempo, e que esses são problemas para resolver a prazo. Só que o Sr. Ministro esquece pelo menos duas coisas: é que a AD está no Governo e há dois anos que não propõe qualquer medida.
Abordarei apenas alguns aspectos dado o pouco tempo que me resta.
Quanto à regionalização, feita a análise das medidas do OGE e das intenções do Governo, é fácil concluir para onde aponta: Para a criação de miniterreiros do Paço centralizadores, onde as autarquias terão de ir esmolar subsídios.
Portanto, desregionalização efectiva; tirando a campanha de propaganda, nada fica.
Quanto à habitação, o Governo inverte totalmente os artigos 65.º e 82.º da Constituição ao dar a primazia ao sector privado, o grande responsável pelas carências do parque habitacional do País, secundariza o sector estatal e anula totalmente o sector cooperativo.
No domínio fiscal, promete a intenção de adoptar medidas adequadas à dinamização da utilização dos solos urbanizáveis ou seja, medidas favoráveis aos grandes especuladores. Se o Governo pretendesse, de facto, promover a criação de solo urbanizável criaria legislação para, por exemplo, facilitar a expropriação de terrenos por parte das autarquias locais.
Não concede qualquer verba ao Fundo de Fomento de Habitação (que entretanto extinguiu), nem sequer para liquidação dos compromissos assumidos, o que levará à asfixia das cooperativas de habitação económica, que terão de recorrer, se puderem, à banca em condições idênticas às da iniciativa privada.
A verba agora distribuída à habitação é, em valores reais, inferior à de 1979.
Se tivermos em conta as recentes medidas legislativas do governo sobre a habitação (venda das casas do Estado aos utentes, lei das rendas, etc.) teremos uma ideia clara da situação. E assim podemos concluir que o Governo acaba por querer transformar, de facto, o slogan eleitoralista «uma casa para cada português», em um outro, este sim real «uma barraca para cada trabalhador».
Vozes do CDS: - Está a falar muito bem!
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O Orador: - De facto resolver o problema da habitação é um dos anseios mais prementes das famílias trabalhadoras. E é um problema resolúvel.
O desenvolvimento da construção de habitações teria também efeitos altamente positivos quer nas indústrias que a servem a montante, como é o caso do ferro, dos cimentos, quer a jusante, como é o caso do mobiliário. Além disso estariam a ser criados muitos e muitos postos de trabalho, contribuindo fortemente para diminuir o desemprego. Mas porque se trata da resolução de problemas do povo, à custa da quebra dos lucros dos empresários privados, não está dentro dos objectivos do Governo resolvê-los.
Quanto à agricultura, os documentos do Governo preferem omitir quase totalmente esta questão. Até agora nada de sério fez o Governo nem a AD a não ser contra a Reforma Agrária e os pequenos e médios agricultores. E a tão falada campanha dos cereais acabou por redundar em mais um acto de pura propaganda. £ se é certo que a situação da agricultura não se resolve com medidas conjunturais, nem sequer estas o Governo as tem vindo a tomar.
A UDP repetidas vezes tem apresentado propostas que podem resolver a situação dos campos. Essa resolução passa pelo apoio à Reforma Agrária e pelo seu desenvolvimento, pelo apoio aos pequenos e médios agricultores e às suas associações, pelo incremento da produção agrícola e de novos produtos que hoje importamos totalmente, mas que é possível produzir em Portugal. Essa resolução passa por reprimir a especulação e o contrabando pelo congelamento dos preços dos factores de produção, pela fixação de preços justos para os produtos agrícolas subtraindo a sua comercialização às redes de intermediários parasitas.
Por último quanto às exportações, em nossa opinião esta não deve ser uma prioridade, que deve ser dada à produção para a satisfação do mercado interno e, consequentemente das principais necessidades do povo. Tal como o Governo coloca o problema não só o pretendido aumento das exportações esbarra com as restrições impostas pelos países da OCDE, como as que se realizarem não vão criar riqueza para o País mas para meia dúzia. Por isso a política do Governo de optimizar as exportações para resolver os problemas do défice da BTC não só é demagógico como está desinserido da realidade que ele tanto faz questão em destacar.
Mais uma vez, sobre esta questão, o que o Governo pretende essencialmente é lançar poeira para os olhos, para depois contestar e alterar os objectivos que ora aponta, na base da evolução da situação internacional.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Fica claro que o Governo abandonou mesmo os objectivos que se propôs atingir ao apresentar o seu programa. Por isso além de demagógico e incapaz, o Governo ainda é exímio na mentira e na burla.
Quando se trata de apresentar programas de governo ou de concorrer às eleições, promete mundos e fundos. Quando se trata do OGE e das Grandes Opções do Plano, então vira-se tudo ao contrário, dá-se o dito por não dito e justifica-se a política reaccionária e antipopular em nome da difícil situação conjuntural e adia-se a resolução dos problemas dizendo que se trata de problemas que exigem soluções a prazo..
Há dois anos que a AD vem apregoando esta orientação reaccionária e ela nada de bom tem trazido para o povo, porque os interesses deste são opostos aos da aliança reaccionária e do Governo. Por isso a luta dos trabalhadores e do povo pela defesa dos seus direitos e dos seus interesses é uma luta contra o Governo. Eles só poderão ser satisfeitos, antes de mais, com o desenvolvimento desta luta e a sua unificação até ao derrube do Governo AD, que permite a abertura de caminhos novos, caminhos trilhados depois do 25 de Abril, e não a sua substituição tíbia por outro governo igualmente gestor do 25 de Novembro e portanto antipopular seja ele de iniciativa presidencial, ou apoie-se ele no tão falado «bloco central» ou «democrático».
É pois pela luta do povo que o Governo deve cair.
É nessa luta que a UDP está empenhada. O Governo deve e vai ser derrubado.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Moniz, que dispõe de 11 minutos.
O Sr. António Moniz (PPM): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Para o comum cidadão, a discussão do Plano e do OGE é a constatação brutal e amarga de que toda a comunidade portuguesa terá que, nos próximos tempos, iniciar um esforço colectivo que permita a construção de um realista futuro de esperança.
Na verdade, desde o Norte ao Sul do País, todos se aperceberam já que o Portugal de amanhã depende da austeridade e da moralização que este Governo consiga imprimir à sua actividade, fundamentada no Plano e reflectida no Orçamento. E o despertar da consciência dos Portugueses para esse crucial problema que colectivamente nos afecta, foi a grande virtude deste Governo e o sintoma claro de que lhe não falta vontade política. Neste momento, a população sabe com o que conta pois o Governo pôs, lúcida e claramente, os pontos nos is.
A Portugal, catastroficamente, aconteceu o mesmo que às famílias em decadência que vão gastando alegremente o património até ao último tostão, mantendo as aparências para se enganarem a si próprias e encobrindo com o crédito que lhes resta a miséria que se avizinha. Para essas, o' futuro não interessa; egoisticamente vão declarando com o charme discreto e materialista que «ainda resta uma fatia de lombo», delapidando o que, tantas vezes, custou a amealhar a gerações e gerações no sacrifício, no suor e nas lágrimas.
E o comportamento político da nossa geração não é muito diferente do diagnosticado para essas famílias decadentes, em que os valores materiais se sobrepõem aos valores morais, prejudicando as necessidades fundamentais dos seus descendentes desculpando-se, numa primeira fase, com o fatalismo tão grato aos latinos e, posteriormente, com a revolta dos frustrados que não souberam parar a tempo e que com panaceias mais ou menos ideológicas cobiçam a riqueza dos que lutaram e amealharam o seu pé de meia.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Após o 25 de Abril a colectividade tem andado' a gastar mais do que lhe é permitido. Essa é a realidade nua e crua. Bem podemos desculpar-nos
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com a descolonização, com a agitação social, com a crise do petróleo, com a recessão económica internacional, com o efeito da revalorização do dólar. No fundo, e estafadas todas as desculpas, gastamos muito simplesmente o que não' temos e desbaratamos o que nos resta, sem nos passar pela cabeça que teremos que prejudicar o nosso nível de vida; egoisticamente continuamos a adiar sistematicamente a tomada de medidas necessárias pelo facto de serem impopulares e, imediatamente, prejudicarem interesses eleitorais.
Se alguma tentativa é politicamente balbuciada, logo é abafada pela demagogia fácil, pelos interesses sectoriais e pelo acicatar do desejo de consumo da colectividade. E nas críticas que então se ouvem, ninguém se lembra - a não ser com frases de pura retórica - de que a cultura, a saúde, a educação e a qualidade de vida são valores fundamentais que a actuação política deve ter como objectivo primordial. Nessas ocasiões esquecem-se que para conferir aos mais desprotegidos os bens essenciais é necessária uma política de austeridade, a moralização dos serviços e a tomada de medidas enérgicas que obriguem todos nós a produzir mais e a consumir menos. Mas, há sempre quem espere por um milagre e vá discutir o que se passa na casa do vizinho, confiando que, sem qualquer trabalho, lhe saia a sorte grande para resolver os próprios problemas.
E assim a barca nacional se vai afundando!!!
Este Governo, Sr. Presidente e Srs. Deputados, cumprindo as promessas feitas pela AD ao eleitorado e praticando uma política de coragem e de verdade, resolveu definitivamente fazer as contas, arrumar a casa, aumentar as receitas e reduzir as despesas.
Vozes do CDS: - Muito bem!
O Orador - A sua atitude certamente será compreendida pela comunidade e todos irão, colectivamente, colaborar na desejável recuperação económica, respondendo com o seu aval à firmeza dos responsáveis. Esta é a realidade que temos e fugir dessa mesma realidade, formulando críticas de ocasião, será mentirmos a nós próprios. Poderemos fazer as leituras que fizermos ao Plano e ao OGE agora em discussão; poderemos fazer múltiplas críticas à insuficiência dos meios postos neste ou naquele sector. Até há sempre uma comparação possível, quer com a situação económica existente antes do 25 de Abril, quer com a «gonçalvista», quer com as posteriores. Poderemos desfiar um rosário sem fim de medidas desacertadas que foram tomadas ou daquelas que deveriam ser tomadas. Poderemos natural e indefinidamente, com argumentos mais ou menos violentos, assacar culpas aos responsáveis em geral e a todos em particular. Mas, o fundo da questão ê bem diferente: temos de acabar com o círculo infernal da decadência que iniciámos há muito, se, na realidade, queremos continuar a merecer o respeito da nossa História e das gerações que nos sucederão.
A existência do défice corrente constitui um verdadeiro atentado ao princípio da solidariedade das gerações, onerando as vindouras com o peso brutal do excesso de consumo da nossa: Se continuarmos a desrespeitar este princípio; seremos, no futuro, apontados com desprezo pelos nossos filhos como a geração que lhes delapidou a esperança e a possibilidade de existirem como colectividade digna, próspera e independente. O Estado vai pagar 97 milhões de contos de juros da dívida pública, mais 37 milhões para a sua amortização. Para quê esgrimir e discutir o que se não tem e o que se não pode distribuir?!
Ou apenas se pretende manter as tensões inflacionistas provocadas por um défice que em parte será financiado por novas emissões de nota, aumentando-se a quantidade da moeda em circulação sem o incremento produtivo correspondente. E não pensem, com isto, que pretendemos que o desenvolvimento económico se deva cegamente sacrificar ao equilíbrio orçamental. Mas, o peso esmagador desse défice atingiu proporções alarmantes, sendo fundamental inverter o sentido da sua evolução.
Acredito que ninguém neste Parlamento com o mínimo de sensatez ousará exigir que o ciclo da decadência .continue e que o futuro das novas gerações seja irremediavelmente comprometido. O povo não nos perdoria.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O OGE e o Plano de sacrifícios que nos foram apresentados devem, sim, ser incentivos para a tomada de medidas enérgicas e pragmáticas que permitam o aumento de receitas e a redução drástica das despesas, não se tolerando por mais tempo o seu adiamento com a demagogia cómoda e com ficções literárias. Só atingindo aqueles objectivos poderemos, a curto prazo, satisfazer as necessidades da colectividade e resolver os problemas que afligem o Pais.
Vozes do CDS: - Certo!
O Orador: - Estamos perante um desafio. Cada um de nós como parte de uma identidade terá que fazer renascer em si próprio o Homem Novo que vença o fatalismo da decadência e tonifique o espírito de independência e de querer que recebemos de séculos de história.
Só assim a democracia se não perderá. Só assim os anseios da colectividade portuguesa serão satisfeitos.
Aplausos do PPM, do PSD e do CDS.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Com este Orçamento, o Ministro da Educação, esse Crespo ainda titular da Pasta, mais uma vez demonstra a sua total inépcia e incapacidade bem como a de toda a equipa em que se enquadra.
O peso das despesas com a Educação no total do Orçamento atingiu, em termos reais, os índices mais baixos nos últimos anos. Com este Orçamento descemos a níveis inferiores aos de 1970.
Por outro lado, o OGE que deveria ser claro é um total mistério. Os dados necessários à completa compreensão das verbas orçamentadas para os diferentes departamentos relacionados com a educação são totalmente negados à análise dos deputados e do povo português. O Ministro mostrando mais uma vez a sua
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alergia pelo contacto com os deputados e com a AR não compareceu a qualquer reunião da Comissão para explicitar as propostas governamentais, apesar de por várias vezes haver sido solicitado nesse sentido por deputados da oposição.
Este OGE para a educação não vai, pois, resolver um só dos problemas da educação. Vai agravá-los, E não se diga que são problemas do passado. A AD governa há dois anos e o facto é que, com a sua política, se tem vindo a agravar a enorme carência de salas de aula, a degradação e inadequação das instalações existentes, o aumento do custo dos livros e restante material escolar, o profundo desajustamento dos conteúdos e objectivos do ensino face às necessidades nacionais e às aspirações da juventude, a crescente selectividade no acesso à escola, as enormes taxas de insucesso escolar, o elevado número de jovens que se vêem forçados a abandonar prematuramente o sistema de ensino, para já não referir as atitudes de prepotência e discriminação política do Sr. Ministro da Educação.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - E é bom que se lembre ao Sr. Ministro, que por acaso até nem está presente que a AD tinha feito promessas e que pelo seu não cumprimento deve ser responsabilizada pelos Portugueses. Pelo nosso lado, sempre as consideramos como demagógicas e eleiçoeiras - a vida aí está a provar que tínhamos razão. E a tal ponto se chegou e é tão grande o desconchavo que ouvimos aqui deputados da AD, proclamando solidariedade, marcar distâncias, aderindo ao proposto, fazer dezenas de reservas. É que o descalabro é indisfarçável, Srs. Deputados, e os partidos que agora integram a AD não deixarão de pagar caro por esse mesmo descalabro.
Quem ainda se lembra que no seu programa o Governo anunciava pomposamente três medidas prioritárias para a educação, a saber: expandir, modernizar e descentralizar.
Mas como expandir e modernizar quando, em termos reais, as despesas com a educação apresentadas na classificação funcional sofrem um cone de cerca de 4%? Mas como regionalizar quando o Governo rouba de novo às autarquias cerca de 45 milhões de contos e tenta lavar as mãos de responsabilidades imputando-as às autarquias (a quem retira os meios) como no caso das construções escolares? Como compatibilizar tais objectivos com o que consta da proposta de lei do OGE a páginas 42. que diz: «a variação registada no Orçamento do MEU (mais de 12,8 milhões de contos) incide principalmente nas despesas de pessoal, que tem elevado peso no conjunto das respectivas despesas»? Como compatibilizar tudo isto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, com o OGE que o Governo traz a esta Assembleia em matéria de educação.
Mas vamos as questões mais concretas: que verbas estão previstas para as construções escolares no ano de 1982, já que o Orçamento e sobre a matéria totalmente omisso? Vau ser construídas novas escolas este ano? Quantas? Com que verbas? Com que novas escolas será possível pôr fim aos regimes duplos, triplos e ate quádruplos que se verificam no ensino primário?
O Sr. Ministro não está presente, mas era bom que não repetisse o que já fez durante o debate do Programa do Governo, em que não foi capaz de vir a esta Assembleia, quer a responder às perguntas dos deputados quer a apresentar as linhas fundamentais da actuação do Governo, Portanto que se registem as perguntas para amanhã o Sr. Ministro responder.
E quanto à A. S. E. - como vai ser? Vai o Governo respeitar o direito de transporte escolar das crianças? Ou vai pura e simplesmente liquidá-lo? E bolsas de estudo?
E suplementos alimentares? Vai ser posto cobro ao escândalo de várias escolas estarem a funcionar irregularmente por não haver funcionários para os NASE?
E que verbas serão consagradas à alfabetização? Como irão ser aplicadas? Que diz o Governo à denúncia já aqui feita de distribuição de verbas por compadrio e discriminação política?
Quanto à educação pré-escolar também nada se sabe. Está previsto o incremento do jardim de infância? Em que termos e com que horários?
Fala o Governo da prioridade de cumprimento da escolaridade obrigatória - mas com que verbas? Como compatibilizar este OGE com as referências do Ministro a alargar a escolaridade obrigatória para 9 anos? E para quando o cumprimento da Lei do Ensino Especial?
Mas não há só perguntas. Há também certezas. E uma delas é que os colégios particulares, o ensino privado esse não foi esquecido pelo Sr. Ministro. Para ele não há corte de verbas. Não há falta de dinheiro - o OGE contempla-os com um aumento de 37,8%!
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Enquanto a degradação da educação e do ensino continuam e se agravam, o Ministro Crespo vai enchendo os ouvidos dos portugueses com o falhado 12.° ano, não apresenta qualquer proposta de lei de bases à Assembleia da República (mas vai impondo na prática a sua defunta proposta), ordena aos seus deputados que pedestremente derrotem todas as iniciativas legislativas apresentadas pela oposição, foge do debate público, quer nas escolas quer nesta Assembleia, e adopta uma atitude prepotente e discriminatória bem característica dos que estão irremediavelmente condenados ao caixote do lixo da história.
O Sr. António Mota (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Como já aqui dissemos, e este debate do OGE vem demonstrar, estamos perante um péssimo Ministro de um péssimo Governo que aqui apresenta um orçamento de desastre nacional. Por isso mesmo há que correr com ele das cadeiras do poder e, conjuntamente com todas as forças democráticas, construir a alternativa que, retomando os rumos de Abril, seja capaz de abrir caminho à escola democrática, ao serviço da democracia de Portugal e dos Portugueses.
Aplausos do PCP e do MDP/CDE.
O Sr. António Moniz (PPM): - Boa piada!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Pereira, que dispõe de 2 minutos.
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O Sr. Manuel Pereira (PSD): - Sr. Presidente. Srs. Deputados. Srs. Membros do Governo: Está quase a terminar a discussão, na generalidade, do Orçamento Geral do Estado e das Grandes Opções do Plano.
Foi um exercício árduo, onde por vezes as oposições ao Governo, com realce para a oposição comunista, procuraram conduzir o debate para áreas onde as insinuações e a mistificação se sobrepuseram à análise serena das circunstâncias económico-financeiras em que aqueles documentos se inserem.
O Sr. Sousa Marques (PCP): - Ouviu as intervenções?
O Orador: - Em cenas ocasiões, pareceu transparecer a ideia de que a crise seria apenas um pretexto para o Governo atingir objectivos tenebrosos. Falou-se do aproveitamento capitalista, do esmagamento das classes trabalhadoras ou da liquidação das liberdades locais. A crise não existiria; foi pura invenção da maioria.
No entanto, nós, que temos a memória desperta, queremos lembrar aqui que sempre ouvimos, no decurso da discussão de todos os orçamentos de governo anterior, invocar as diversas crises para justificar as mais variadas medidas de austeridade. Tal como vem acontecendo, no momento presente, em muitos países europeus, independentemente da ideologia que professam, lembremos, a título de exemplo, o aumento de 60% do preço da carne, há pouco instituído na Polónia e destinado a atenuar os graves desequilíbrios económico - financeiros que afectam aquele país.
O Sr. Sousa Marques (PCP): - Quem disse isso?
O Orador: - Quem se lembrará de pôr em causa o dever dos estadistas de fazer apelo às realidades económicas como tentativa de superação das crises nacionais?
O Governo entendeu também enfrentar, finalmente, a realidade em que vivemos, apelando à austeridade dos gastos, à restrição dos consumos, ao sentido de solidariedade do Povo Português, para enfrentar o conjunto de circunstâncias adversas que o Pais atravessa.
O Sr. Sousa Marques (PCP): - Está no OGE!
O Orador: - Fê-lo com coragem, com firmeza e responsabilidade, sem dramatismo. Apresentou a terapêutica que considera necessário prescrever para a ultrapassagem da crise. Pede ao País que prescinda, por agora, da satisfação de algumas legítimas aspirações ou de não menos legítimos interesses, em nome da estabilidade, em nome do futuro de todos os portugueses.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Consideramos correcta esta política de verdade, pois sabemos que o País não perdoaria ao Governo outra atitude que não fosse a do realismo, conscienciosa e honestamente apresentado. Porque não corresponder a este apelo de solidariedade que é lançado a todo o país, seria o mesmo que pactuar com o processo de agravamento da sitauação dos portugueses.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - O apoio dos deputados do PSD aos instrumentos propostos pelo Governo é por isso inequívoco. Temos a certeza de que esta mensagem de seriedade reforçará o prestigio do Governo da Aliança Democrática e da maioria que lhes serve de apoio. Não receamos o desafio que a oposição nos lança. Como sociais-democratas, confiamos no veredicto popular, que é para nós o grande juiz da seriedade e da política de verdade.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Sr. Presidente, gostaria de saber de quanto tempo ainda dispõe o meu partido.
O Sr. Presidente: - Dispõe de 60 segundos, Sr. Deputado.
O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para um pequeno protesto ou, se quiser, para um protesto, visto que neste regime especial cada um usa o tempo de que dispõe da maneira que entender, desde que não seja ofensivo para os outros.
O Sr. Presidente dar-me-á a palavra?
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Creio que não utilizarei os 60 segundos de que disponho, pois é só para dizer ao Sr. Deputado do PSD que devolvemos a classificação de mistificadores, feita em relação às nossas intervenções.
Naturalmente que é muito fácil denegrir seja o que for - e isto é fácil para ambos, Sr. Deputado, não se assuste -, fazendo acusações gratuitas. Não quero entrar por esse caminho. Simplesmente não me parece que o Sr. Deputado desta vez tenha qualquer espécie de razão.
Finalmente, quero lembrar-lhe que o tom com que fez o seu discurso de encerramento é por tal forma fúnebre que é, no mínimo, no mínimo premonitório.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Manuel Pereira deseja responder com o tempo que lhe foi cedido pelo PPM?
O Sr. Manuel Pereira (PSD): - Bem, Sr. Presidente, eu não devia, porque não foi levantada nenhuma questão. Foi expressa apenas uma opinião do Sr. Deputado Veiga de Oliveira, que aliás tem opiniões contraditórias, e às vezes até um tanto esquisitas. Esta foi mais uma, de maneira que não tenho mais nada a dizer.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não há mais inscrições.
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Os nossos trabalhos de amanhã iniciar-se-ão às 10 horas, com a continuação da apreciação das propostas de lei n.° 73/II - Orçamento Geral do Estado - e n.º 76/II - Grandes Opções do Plano para 1982.
Está encerrada a sessão.
Eram 21 horas e 40 minutos.
Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados.
Partido Social-Democrata (PSD)
Amadeu Afonso Rodrigues dos Santos.
Amélia Cavaleiro M. de Andrade Azevedo.
António Duarte e Duarte Chagas.
António Maria de O. Ourique Mendes.
Carlos Manuel Pereira Pinho.
Cecília Pita Catarino.
Fernando José da Costa.
Francisco Mendes da Costa.
Francisco de Sousa Tavares.
José de Vargas Bulcão.
Leonardo Eugênio R. Ribeiro Almeida.
Manuel António Lopes Ribeiro.
Maria Margarida do R. da C. S. M. Ribeiro.
Marília Dulce Coelho Pires D. Raimundo.
Mário Ferreira Bastos Raposo.
Mário Marques Ferreira Maduro.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Miguel Santana Lopes.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Partido Socialista (PS)
Alberto Arons Braga de Carvalho.
António Emílio Teixeira Lopes.
António Francisco B. Sousa Gomes.
Avelino Ferreira Loureiro Zenha.
Carlos Manuel N. Costa Candal.
Fernando Torres Marinho.
Guilherme Gomes dos Santos.
Jaime José Matos da Gama.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Mário Alberto Lopes Soares.
Centro Democrático Social (CDS)
Adalberto Neiva de Oliveira.
Carlos Alberto Rosa.
Eugênio Maria Anacoreta Correia.
Henrique José C. M. Pereira de Moraes.
João António de Morais Leitão.
José Augusto Gama.
José Manuel Rodrigues Casqueiro.
Luís Aníbal Azevedo Coutinho.
Narana Sinai Coissoró.
Paulo Oliveira Ascenção.
Rogério Ferreira Monção Leio.
Ruy Garcia de Oliveira.
Victor Afonso Pinto da Cruz.
Partido Comunista Português (PCP)
António Dias Lourenço da Silva.
Fernando de Almeida Sousa Marques.
Georgete de Oliveira Ferreira.
Joaquim António Miranda da Silva.
Joaquim Gomes dos Santos.
Octávio Floriano Rodrigues Pato.
Vital Martins Moreira.
Zita Maria de Seabra Roseiro.
Partido Popular Monárquico (PPM)
António de Sousa Lara.
União da Esquerda para a Democracia Socialista (UEDS)
António César Gouveia de Oliveira.
Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PSD)
Américo Abreu Dias.
António José B. Cardoso e Cunha.
Bernardino da Costa Pereira.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Partido Socialista (PS)
Alfredo José Somera Simões Barroso.
Francisco Mesquita Machado.
Jorge Fernando Branco Sampaio.
José Luís Amaral Nunes.
Manuel da Mata de Cáceres.
Parcídio Summavielle Soares.
Centro Democrático Social (CDS)
João Lopes Porto.
Partido Comunista Português (PCP)
Álvaro Barreirinhas Cunhal.
José Rodrigues Vitoriano.
Manuel Correia Lopes.
os REDACTORES DE 1.ª CLASSE; Noémia Malheiro - Maria Leonor Caxaria.
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PREÇO DESTE NÚMERO 80$00
IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA