O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 2379

I Série - Número 59

Quarta-feira, 3 de Março de 1982

DIÁRIO da Assembleia da República

II LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1981-1982)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 2 DE MARÇO DE 1982

Presidente: Ex.mo Sr. Francisco Manuel Lopes Vieira de Oliveira Dias

Secretários: Ex.mo Srs.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes
Vítor Manuel Brás
Maria José Paulo Sampaio
José Manuel Maia Nunes de Almeida

SUMARIO. -O Sr. Presidente declarou aberta a sessão ás 15 horas e 15 minutos.
Antas da ordem do dia.- Foram aprovados os n. 38, 39, 40, 41, 42. 43. 44, 45, 46, 47. 48. 49, 50 e 51 do Diário.
Deu-se conta do expediente e da apresentação de requerimentos.
Em declaração política, o Sr. Deputado Sousa Marques criticou a actuação do Governo, particularmente no que respeita à função pública, tendo respondido no fim a pedidos de esclarecimento ou a protestos dos Srs. Deputados Leonel Santa Rita, Silva Marques e Sousa Tavares (PSD), Portugal da Silveira (PPM) e Carlos Robalo (CDS).

Ordem do dia. - O Sr. Deputado Jorge Lemos (PCP) procedeu à leitura de um relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos sobre a substituição de deputados, que foi aprovado.
A Srª. Deputada Zita Seabra (PCP) procedeu, em nome do seu grupo parlamentar, à apresentação conjunta dos projectos de lei n. 307/II - Protecção e Defesa da Maternidade - 308/II - Garantia ao Planeamento Familiar e à Educação Sexual - e 309/II - Interrupção Voluntária da Gravidez.
No fim, respondeu a pedidos de esclarecimento ou a protestos dos Srs. Deputados Lopes Cardoso (UEDS), Barrilaro Ruas (PPM), António Arnaut (PS). Rui Pena CDS). Mário Tomé (UDP). Menezes Falcão (CDS). Helena Cidade Moura (MDP/CDE), João Pulido (CDS), Manuel Pereira (PSD), Maria José Sampaio, João Morgado, Mendes de Carvalho, Carlos Rosa e Alberto Coimbra (CDS).

O Sr. Presidente encerrou a sessão às 20 horas e 50 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quorum. Está aberta a sessão.

Eram 15 horas e 15 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD)

Adérito Manuel Soares Campos.
Alberto Augusto Faria dos Santos.
Álvaro Sarros Marques Figueiredo.
Américo Abreu Dias.
Anacleto Silva Baptista.
António Augusto Lacerda de Queiroz.
António Duarte e Duarte Chagas.
António José B. Cardoso e Cunha.
António Roleira Marinho.
Arménio dos Santos.
Carlos Morais Alão.
Cecília Pita Cataríno.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Fernando Alfredo Moutinho Garcez.
Fernando José da Costa.
Fernando dos Reis Condesso.
Francisco de Sousa Tavares.
Henrique Alberto Nascimento Rodrigues.
Jaime Adalberto Simões Ramos.
João Evangelista Rocha Almeida.
João Manuel Coutinho Sá Fernandes.
José Augusto Ferreira de Campos.
José Augusto Santos Silva Marques.
Leonel Santa Rita Pires.
Manuel António Lopes Ribeiro.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Maria Moreira.
Manuel Pereira.

Página 2380

2380 I SÉRIE -NUMERO 59

Manuel Ribeiro Arruda.
Mário Dias Lopes.
Mário Ferreira Bastos Raposo.
Nicolau Gregário de Freitas.
Nuno Aires Rodrigues dos Santos.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes,
Valdemar Cardoso Alves.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.

Partido Socialista (PS)

Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Marques Antunes.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Alfredo Pinto da Silva.
António de Almeida Santos.
António Duarte Arnaut.
António Cândido Miranda Macedo.
António Francisco B. Sousa Gomes.
António José Vieira de Freitas.
António Magalhães da Silva.
António Manuel de Oliveira Guterres.
Armando dos Santos Lopes.
Beatriz Cal Brandão.
Carlos Cardoso Lage.
Fausto Sacramento Marques.
Fernando Torres Marinho.
Fernando Verdasca Vieira.
Francisco de Almeida Salgado Zenha.
Guilherme Gomes dos Santos.
Jaime José Matos da Gama.
João Alfredo Félix Vieira Lima.
João Cardona Gomes Cravinho.
João Francisco Ludovico da Costa.
Joaquim José Catanho de Menezes.
José Luís Amaral Nunes.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Leonel Sousa Fadigas.
Luís Abílio Conceição Cacifo.
Luís Manuel dos Santos Silva Patrão.
Luís Silvério Gonçalves Saias.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel Francisco da Costa.
Manuel da Mata de Cáceres.
Mário Manuel Cal Brandão.
Raul d'Assunção Pimenta Rego.
Rui Fernando Pereira Mateus.
Teófilo Carvalho dos Santos.
Vítor Manuel Brás.

Centro Democrático Social (CDS)

Adriano José Alves Moreira.
Adriano Vasco da Fonseca Rodrigues.
Alberto Henriques Coimbra.
Alexandre Correia de Carvalho Reigoto.
Álvaro Manuel M. Brandão Estêvão.
António Mendes de Carvalho.
Carlos Alberto Rosa.
Carlos Eduardo Oliveira e Sousa.
Carlos Martins Robalo.
Daniel Fernandes Dómingues.
Emídio Ferrão da Costa Pinheiro.
Emílio Leitão Paulo.
Francisco Manuel L. V. Oliveira Dias.
Francisco Manuel de Menezes Falcão.
Henrique José C. M. Pereira de Moraes.
João José M. Pulido de Almeida.
João da Silva Mendes Morgado.
José Alberto de Faria Xerez.
José Eduardo F. de Sanches Osório.
José Manuel Rodrigues Casqueiro.
Luísa Maria Freire Vaz Raposo.
Maria José Paulo Sampaio.
Mário Gaioso Henriques.
Paulo Oliveira Ascenção.
Rui António Pacheco Mendes.
Rui Eduardo Rodrigues Pena.

Partido Comunista Português (PCP)

Álvaro Augusto Veiga de Oliveira.
Álvaro Favas Brasileiro.
António Anselmo Aníbal.
António Dias Lourenço da Silva.
António José de Almeida Silva Graça.
António José M. Vidigal Amaro.
Carlos Alberto do Carmo C. Espadinha.
Custódio Jacinto Gingão.
Ercília Carreira Talhadas.
Fernando de Almeida Sousa Marques.
Francisco Miguel Duarte.
Georgeté de Oliveira Ferreira.
Joaquim António Miranda da Silva.
João Carlos Abrantes.
Jorge Manuel Abreu de Lemos.
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Rodrigues Vitoriano.
Josefina Maria Andrade.
Lino Carvalho de Lima.
Manuel Gaspar Cardoso Martins.
Manuel Rogério de Sousa Brito.
Manuel Silva Ribeiro de Almeida.
Maria lida Costa Figueiredo.
Maria Odete dos Santos.
Mariana Grou Lanita da Silva.
Octávio Augusto Teixeira.
Vital Martins Moreira.
Zita Maria de Seabra Roseiro.

Partido Popular Monárquico (PPM)

Jorge Victór Portugal da Silveira.
Henrique Barrilaro Ruas.
Luís Filipe Ottolini Bebiano Coimbra.
Acção Social-Democrata Independente (ASDI)
Joaquim Jorge de Magalhães S. Mota. Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho.

União da Esquerda para a Democracia Socialista (UEDS)

António César Gouveia de Oliveira.
António Poppe Lopes Cardoso.
Maria Teresa Dória Santa Clara Gomes.

Movimento Democrático Português (MDP/CDE)
Herberto de Castro Goulart da Silva.

União Democrática Popular (UDP)
Mário António Baptista Tomé.

Página 2381

3 DE MARÇO DE 1982 2381

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Estão em aprovação os n.° 38, 39, 40. 41 42, 43, 44, 45, 46, 47, 48, 49, 50 e 51 do Diário, respectivamente, de 16. 20, 21, 22, 27, 29 e 30 de Janeiro e de 3, 4, 5, 6, 10, 11 e 12 de Fevereiro.
Se houver, por parte de qualquer dos Srs. Deputados, alguma observação a fazer a estes Diários agradeço o favor de a comunicarem à Mesa.
Pausa.
Não havendo, considero-os aprovados. Vai ser lido o resumo do expediente.
Deu-se conta do seguinte

Expediente

Exposição

De José Martins Vaz Fernandes e outros, residentes em Castelo Branco, em nome da Comissão Representativa dos Aposentados da PSP e GF das ex-colónias, focando vários problemas relacionados com as suas respectivas aposentações.

Cartas

Da Comissão Distrital de Retornados de Aveiro, com sede na Rua de Belém do Pará, em Aveiro, comunicando o texto da moção aprovada na concentração efectuada naquela cidade no dia 5 do passado mês;
Da Associação Sindical União dos Reformados da Previdência, com sede na Marinha Grande, enviando 2 moções que foram aprovadas num plenário realizado no passado dia 12 de Fevereiro;
De Maria Justina S. de Carvalho, residente na Avenida do Uruguai, Lisboa, manifestando o seu repúdio pela apresentação do projecto de lei sobre o aborto.

Ofícios

Do Secretariado-Geral do Conselho da Revolução, declarando a inconstilucionalidade do n.° 3 do artigo 83.° da Lei n.° 82/77, remetendo em anexo o Parecer da Comissão Constitucional sobre a matéria.
Da Câmara Municipal de Murça, solicitando a melhor atenção no sentido de urgentemente ser discutida e aprovada a Lei dos Baldios;
Da Câmara Municipal de Vila Real, remetendo fotocópia de um outro enviado àquela autarquia pela Junta de Freguesia de Atei, Concelho de Mondim de Basto, cujo conteúdo foi aprovado, em sessão realizada no passado dia 3 de Fevereiro e que se refere à futura Lei dos Baldios;
Da Câmara Municipal de Figueira de Castelo Rodrigo, remetendo uma fotocópia contendo o texto de moção aprovada naquela autarquia, sobre a Zona Demarcada dos Vinhos de Pinhel;
Da Câmara Municipal de Santiago do Cacem, enviando o texto de uma moção aprovada em reunião daquela Câmara realizada no dia 5, do passado mês de Fevereiro, de solidariedade à greve geral do dia 12 do mesmo mês;
Do Sindicato dos Telefonistas e Ofícios Correlativos do Distrito de Lisboa, remetendo o texto de uma moção aprovada em vários plenários gerais realizados em todas as instalações dos TLP de Lisboa;
Da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, remetendo fotocópias de proposta apresentada pêlos vereadores da APU, pela não aplicação integral da Lei n.° 1/79 e da deliberação tomada pela mesma Câmara em sua reunião realizada no dia 22 do passado mês de Janeiro;
Do Secretariado Geral da Conferência Episcopal Portuguesa, remetendo o texto de uma nota do Conselho Permanente do Episcopado, a propósito do projecto de lei sobre a legalização do aborto.
Telegramas
De S. Ex. do Governador de Macau, focando em forma de memorando a Lei da Televisão em Macau;
Do Reitor da Universidade Técnica de Lisboa, referindo aspectos da Lei Quadro da Autonomia Universitária;
Da Federação de Coimbra da Juventude Socialista, manifestando o seu desacordo pela proposta de lei do MEU sobre autonomia universitária;
Do Cónego Eduardo Melo, de Braga, em nome dos católicos da Arquidiocese de Braga, tecendo várias considerações sobre a lei do aborto exigindo a sua reprovação;
Do Arcebispo de Lamego, Secretariado Diocesano de Lamego, Grupo de Casais Católicos da Lourinhã, Párocos do Concelho de Cinfães, Cursos de Cristandade da Lourinhã, Maria Helena, do Porto, e Movimento de Equipas Santa Maria, representado pelo casal responsável da Diocese de Lisboa, Isabel e Fernando Palha, manifestando o seu repúdio pela legalização do aborto.

O Sr. Presidente: - Vai dar-se agora- conta - dos requerimentos apresentados na Mesa.

O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - Foram apresentados na Mesa, na última reunião plenária, os seguintes requerimentos:
Ao Ministério da Agricultura, Comércio Pescas, formulado pêlos Srs. Deputados Rogério Brito, Álvaro Brasileiro e Joaquim Miranda; à Secretaria de Estado da Cultura, formulado pelo Sr. Deputado Mário Tomé; ao Governo, formulado pelo Sr. Deputado Énes Coimbra; aos Ministérios da Administração Interna c da Reforma Administrativa, formulado petos Srs. Deputados Jorge Lemos, Jeronimo de Sousa e José Maia Nunes de Almeida; à Radiotelevisão Portuguesa, formulado pelo Sr. Deputado Gomes Fernandes.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra 6 Sr. Deputado Sousa Marques.

O Sr. Sousa Marques (PCP): -Sr. Presidente, acha que há quorum?

Vozes do PSD:-Para o ouvir não é preciso.

Página 2382

2382 I SÉRIE -NUMERO 59

O Sr. Presidente: - Foi conferido, mas podemos repetir a contagem.

Pausa.

Tem a palavra, Sr. Deputado, pois há quorum para este período de antes da ordem do dia.

O Sr. Sousa Marques (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Governo vai cair.
e os trabalhadores da função pública também têm muitas e ponderosas razões para condenar a política da AD.

Protestos do PSD. do CDS e do PPM.

A gente já conversa.
É um governo mais que já tem o lugar marcado no pelourinho da História. Em cada dia que passa, com este desgoverno, novas e cinzentas ameaças se criam e avolumam por sobre o nosso povo e o sonho de um país livre que o mereça.
O descontentamento dos trabalhadores da função pública vem assim acrescer o descontentamento mais geral dos restantes trabalhadores e de numerosas classes e camadas sociais que, com determinação, firmeza, coragem e combatividade, têm lutado - no quadro constitucional e legal que sempre têm respeitado e cumprido- por uma nova política e um governo democrático.
Em tempo de eleições -recorde-se uma vez mais- os propagandistas sem escrúpulos da AD prometeram mundos e fundos. Não vamos aqui repetir o que demonstrado está pela própria vida, mas, relativamente aos trabalhadores da função pública, vamos sublinhar, em especial, dois casos exemplares.
Em tempo de eleições havia que prometer a manutenção ou mesmo a subida dos salários reais. Tratava-se de conquistar votos a todo o custo. Neste "salve-se quem puder", e como diz o nosso povo, valia "tudo menos arrancar olhos". Mais tarde, conseguida a milagrosa maioria numérica de deputados de que necessitavam -através de "chapeladas" e outros métodos que Eça e Ramalho farpejaram muitos anos antes- os estados-maiores da "AD" mostraram a sua verdadeira face. Para os trabalhadores da função pública o aumento não passava dos 10,8%!
Em tempo de eleições havia que prometer reduzir o desemprego, aumentar a oferta no mercado de trabalho. Tratava-se de acenar com mentiras fáceis. Mais tarde, conquistadas as cadeiras do Governo, os senhorios da "AD" mostraram como é. Um "pacote laborai" para os trabalhadores em geral e que, unanimemente, estes continuam a repudiar. E, embrulhado embora no papel celofane da voz de Menezes Pimentel, novo Sr. Ministro da Reforma Administrativa e não só, um pacote especial" para os trabalhadores da função pública, em que se destaca o projecto de decreto que os ameaça com despedimentos. Um diploma que esconde as suas verbas de iras intenções por detrás do pomposo nome de "Constituição e Gestão de Efectivos Excedentários da Função Pública".
Ao contrário do que afirmou o Primeiro-Ministro Balsemão, com a sua reconhecida "falta de ar", no encerramento da interpelação sobre política geral, este governo não é apenas - e também para os trabalhadores da função pública - o pior governo depois do 25 de Abril. É o que de uma forma mais clara e despudorada cavou um fosso maior entre estes e os restantes, desrespeitando assim a própria Lei n.° 47.m, aprovada nesta Assembleia, e que refere expressamente a necessidade de uma progressiva aproximação entre os trabalhadores da função pública e os do sector público.
Agora, enquanto no sector público e no privado os trabalhadores vão rebentando com o famoso tecto salarial à moda da "AD", o Governo -de uma forma arbitrária, autoritária, unilateral, ilegal e inclusivamente desrespeitadora da Convenção n.° 151 da Organização Internacional do Trabalho - impôs aos trabalhadores da função pública um aumento de 10,8 % na tabela salarial, de 120$OO nas diuturnidades e de zero por cento no subsídio de almoço. Voltamos assim aos. velhos tempos em que os funcionários públicos eram considerados trabalhadores de segunda, aos quais, sistematicamente, se negavam direitos e exigiam serventuárias atitudes.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Mas, sejamos mais claros, este governo chega a ultrapassar - para pior - os próprios governos fascistas. O projecto de decreto sobre excedentes não passa de uma guilhotina colocada sobre todas e cada uma das cabeças dos trabalhadores da função pública.
Na verdade, o diploma prevê que todo e qualquer trabalhador dos quadros ou além-quadro com mais de um ano ininterrupto de serviço possa ser considerado excedente, podendo os restantes serem pura e simplesmente despedidos desde já -artigo 4.°-. Para que se verifique esta situação basta que tenha lugar aquilo a que o Governo chama, no artigo 2.°, "qualquer racionalização global ou pontuai das estruturas e dos quadros ou efectivos humanos da administração central que conduza a situações de desocupação ou "subutilização". Aqui temos definidos e defendidos, de forma clara e cínica, os despedimentos sem justa causa ,que o Governo quer impor a estes trabalhadores.
E a que conduziria a chamada racionalização pontual de efectivos humanos se não a perseguições pura e simplesmente pessoais? Alguém tem dúvidas o que significa de monstruoso entregar poderes descridonários a chefes que, só porque não gostam da cor dos olhos, do penteado ou da gravata dos trabalhadores do seu serviço, os poderiam por esta forma enviar para o desemprego? E isto para não falar já dos verdadeiros saneamentos políticos ou sindicais a que os trabalhadores ficariam sujeitos...
E quais seriam os direitos dos considerados excedentários? Antes do mais, veriam o seu vencimento reduzido mensalmente a cinco sextos, retirado o subsídio de refeição, reduzido também a cinco sextos o subsídio de Natal e deixariam de ter subsídio de férias após um ano de não colocação. Isto é, cada trabalhador excedente veria o seu salário anual reduzido em cerca de 30 %! Mas há mais: manteriam a categoria que possuíam à data de serem considerados excedentes, mas seria suspenso o seu direito à car(...)

Página 2383

3 DE MARÇO DE 1982 2383

(...)reira, porque não seriam promovidos, nem o tempo em que se encontrassem na disponibilidade contaria para futuras promoções! Mas ainda há mais: os trabalhadores excedentários ficariam sujeitos ao regime de incompatibilidades o que os impossibilitaria de, mesmo na inactividade e com o salário reduzido em cerca de um terço, recorrer a outra qualquer ocupação.
E a análise aprofundada do documento em questão permite ainda denunciar outras golpaças. Por exemplo, no artigo 9.° diz-se que a situação de excedem: é de natureza transitória, mas, como em todo o restante articulado não se vislumbra, nem à lupa, a obrigatoriedade da administração colocar o trabalhador, a palavra transitória não é mais do que um qualquer travesti da ameaça de despedimento a curto ou médio prazo. Outro exemplo: o diploma entrega aos organismos gestores de excedentes, em regime de exclusividade e de completa arbitrariedade, a colocação ou não dos trabalhadores, sem definir quaisquer prioridades, permitindo-se assim toda a espécie de injustiças, compadrios, corrupções ou suborno; mais, como por Outro lado, a colocação se pode fazer em lugar de acesso vago no quadro, provocar-se-iam assim conflitos entre os próprios trabalhadores, por se frustrarem legítimas expectativas de promoção nesses serviços.
Sejamos frontais e deixemo-mos de disfarces. O que o Governo chama de excedentes é uma verdadeira situação de desemprego, em que o trabalhador atingido ficaria a receber um verdadeiro subsídio de desemprego e, simultânea e imoralmente, veria limitados os seus direitos e feridos de morte os seus interesses!... E, se há por aí alguém a pensar que nem tudo é tão mau como isso já que os trabalhadores da função pública pasmariam a receber um subsídio para ficarem em casa, é porque de trabalhadores sabem muito pouco. O que estes querem é ser úteis, trabalhar; não se querem deixar narcotizar ou inutilizar!
É com estas e outras medidas que o malfadado governo da AD, quê ainda existe, pretende levar a cabo aquilo a que chama, seraficamente, com toda a pompa e circunstância, a "reforma administrativa)". Promessa antiga que apenas esconde a sua incapacidade de gerir a coisa pública e, ao mesmo tempo, respeitar os que querem trabalhar. Para estes senhores, à "reforma administrativa" não passa de um meio, não para modernizar e melhorar a administra cão, mas .para ameaçar quem lá trabalha.
Ameaça antiga que vem de Caetano e seus discípulos- por entre os quais; se erguia a ambição do seu pupilo Freitas do Amaral.
Ameaça antiga que continua no tempo do ministro Rui Pena - por detrás do qual se erguia a sombra do seu professor Freitas do Amaral - O mesmo Rui Pena que, em 1978, na Organização Internacional do Trabalho, mandou o representante do Governo Português, para muito gáudio das multidões e até algum espanto dos seus parceiros europeus, abster-se na votação da conhecida Convenção n.° 151, que garante aos trabalhadores da função pública o direito de participarem na definição das suas condições de trabalho.
Ameaça antiga retomada pelo tristemente célebre e sinistro Ministro Eusébio de má memória -sob a capa protectora de Freitas do Amaral - que, entretanto, tantas ou tão poucas fez, que a própria "AD" o emprateleirou.
"Reforma administrativa)". Expressão mágica. Ameaça antiga. Que o actual Ministério e o actual ministro pretendem mascarar com alguma nova roupagem de muitas velhas ideias. E a sombra de Amaral sempre presente...
Enquanto, lá pelas estranhas, o caixeiro-viajante que dá pelo nome de José Vitorino se esganiça entusiasmado em plena tournée. "A grande maioria do funcionalismo público é analfabeta e improdutiva" vocifera na sua pequenez impotente. E entre outras, como um conselheiro Acácio - mas em ponto pequenino -, vai acrescentando que "em Portugal não há agricultura nem indústria. Em Portugal há comerciantes. Somos o país com o maior número de comerciantes de toda a Europa"!... Mui doutas e ponderadas palavras as deste retrato ao vivo e de corpo inteiro da própria AD...
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nesta declaração política referimos particularmente duas questões que muito preocupam os trabalhadores da função pública mas, simultaneamente, os mobilizam para, em unidade, fazerem valer os seus direitos, fazerem vingar os seus justos objectivos de luta.
O Grupo Parlamentar do PCP afirma desde já que requererá a ratificação de todos' os decretos-leis que, prejudicando os trabalhadores, o Governo tente publicar. Como fez, aliás, com o decreto-lei de vencimentos que continua por "debater" nesta Assembleia.
Mas muitos outros problemas podíamos ainda referir.
Com o argumento falacioso e hipócrita da igualdade com os restantes sectores de actividade (porquê só aqui?) o governo da AD pretende impor aos trabalhadores da função pública ó pagamento : dos impostos profissional e complementar visando reduzir no imediato ou a prazo, ainda, mais, p seu já_ desgastado poder de compra.
Em circulares autoritárias e ilegais, e outras práticas que tais, o governo da AD pretendeu e pretende regulamentar o exercício, do direito à greve dos trabalhadores da função pública, tentando proibir, nomeadamente, contra a lei, a constituição de piquetes de greve.
Através dos seus homens de mão ou dos seus testas-de-ferro nas hierarquias (o governo e a AD restringe os direitos sindicais dificulta ; a actividade sindical, proíbe reuniões nos locais de trabalho (de que é exemplo claro o que se passa no Ministério do Sr. Basílio Horta), ameaça, reprime e atemoriza trabalhadores que exercem legalmente o seu direito à greve (em todos os Ministros mas, mas em merecida referência, principalmente nos dos senhores Luís Barbosa e Victor. Crespo em que, por exemplo, neste último, estão suspensos, apenas por terem exercido o seu direito de greve, sete conselhos directos
Recusando-se a satisfazer a reivindicação dos sindicatos que pretendem garantir a segurança de emprego a cerca de um terço dos trabalhadores da função pública que se encontram em situação de vinculo precário à Administração, o Governo da "AD" ameaça com o diploma de excedentes e pretende trans(...)

Página 2384

2384 I SÉRIE -NUMERO 59

formar, na pratica, os trabalhadores da função pública em mão-de-obra barata e disponível para aplicar sem entraves a sua política de privatização, extinção ou redução de funções de importantes organismos da Administração Pública. Como, por exemplo, os organismos de coordenação económica, os hospitais concelhios, a Misericórdia de Lisboa, a Direcção--Gerai de Fiscalização Económica, a Inspecção de Trabalho, a Inspecção de Finanças, e tantos outros casos...
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Para tão longas e importantes denúncias curto é o espaço e tempo, surdos são os ouvidos dos responsáveis e seus fiéis
seguidores.
Provavelmente, e depois de tudo isto, nem uma da AD se levantará para. neste Plenário, condenar a política do seu quase defunto governo, nomeadamente, no que diz respeito aos trabalhadores da função pública.
Pois que assim seja. Srs. Deputados da "AD". O mal é vosso. A peçonha também.
Deste lado da barricada, nestas trincheiras de resistência e esperança, somos cada vez mais numerosos e acompanhados. O futuro que merecemos e vamos construir é já horizonte, é já certeza, é já vitória.
O governo da AD está a cair!

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Leonel Santa Rita.

O Sr. Leonel Santa Rita (PSD):-Sr. Presidente, Srs. Deputados: Fico perplexo com a intervenção que acabamos de ouvir do deputado do PCP Sousa Marques.
A verdade é que ele. em vez de vir para aqui levantar problemas concretos, que efectivamente já estejam a afectar os portugueses, vem aqui apenas fazer futurologia.
A pergunta que lhe quero fazer muito concretamente é esta: em que decretos, em que estatutos ou diplomas oficiais baseia a sua arenga -que não tem outro nome - para nos descrever o quadro que aqui nos descreveu?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Sousa Marques pretende responder imediatamente?

O Sr. Sousa Marques (PCP): - Exactamente, Sr. Presidente. Por uma questão de higiene, vale mais ir respondendo desde já.
Protestos do PSD.

O Sr. Presidente: -Sr. Deputado, já há dias lhe pedi o favor de evitar expressões desse género. Isto porque, em si, não são grosseiras, mas podem ser consideradas ofensivas por parte dos seus colegas que se lhe dirigem.

O Orador. - Sr. Presidente, outro dia utilizei a palavra "limpeza" e foi-me proibido repetir essa expressão. Hoje uso a palavra higiene e é me limitado, pelo menos, o uso da palavra.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado entenderá perfeitamente aquilo que quero dizer.

O Orador: - Eu julgava que o Sr. Presidente tambem me tinha entendido quando outro dia referi um poema de Sophia de Mello Breyner Andresen. que dizia: "As pessoas sensíveis são incapazes de matar galinhas, mas comem-nas." Eu nessa altura falava do Sr. Presidente, mas julgo que não percebeu. Penso que desta vez talvez entenda.

O Sr. Presidente: - Bem, haverá muitas coisas que o Sr. Deputado diz que não percebo - reconheço-o perfeitamente- como admito que o Sr. Deputado pode não compreender muitas das coisas que eu digo.
Agora o que não admito é que o Sr. Deputado se refira a atitudes de "higiene" quando pretende responder a uma interpelação de um colega seu. Penso que não é correcto e, por isso, lhe chamo a atenção, dentro do exercício das minhas funções.

O Orador - Sr. Presidente, antes de responder ao Sr. Deputado Leonel Santa Rita, e muito brevemente c farei, gostaria de dizer ao Sr. Presidente que agradecia que fosse igualmente sensível para outras expressões que são utilizadas noutras bancadas..
De qualquer modo, esta qualificação é política, responsabilizo-me por ela e julgo que é perfeitamente clara quando, depois de uma intervenção fundamentada como a que fizemos aqui, uma declaração política com a importância daquela que aqui produzimos, vem um Sr. Deputado mostrar a sua ignorância acerca daquilo que se passa em matéria de trabalhadores da função pública, vem mostrar a sua completa estupefacção e perplexidade -aliás confessada- perante uma intervenção que não percebeu. Face a um pedido de esclarecimento deste tipo, limitei-me -e podia ter utilizado outros adjectivos e peço ao Sr. Presidente para não me perguntar quais -, de uma forma muito simples, a qualificar politicamente a atitude do Sr. Deputado Leonel Santa Rita.
Quanto às questões que me coloca, se é futurologia ou se não é, pergunto-lhe se ouviu a minha intervenção. Referi inúmeros casos, a começar pelo caso do aumento dos 10,8 % imposto por este Governo, contra a Convenção n.° 151 da OIT, ratificada por unanimidade nesta Assembleia da República, aos trabalhadores da função pública, e o Sr. Deputado vem-me dizer que fiz futurologia. Não me diga que pensa que este Governo vai continuar e que no próximo ano em vez dos 10,8 °/o vai impor um tecto salarial de 4 % ou vai baixar os salários aos trabalhadores da função pública...? Não me diga que o Sr. Deputado já estava a pensar nesses termos.
Quanto ao "pacote laboral" que o Governo entregou aos trabalhadores da função pública e aos seus organismos representativos, lamento profundamente que, primeiro, o senhor os desconheça, segundo, que despreze esses documentos e não os tenha em conta e, terceiro, que não se manifeste ao nosso lado contra aquilo que, provavelmente, depois do 25 de Abril, é a maior ameaça que é lançada sobre os trabalhadores da função pública.

Aplausos do PCP.

O Sr. Deputado não sabe, mas devia saber. Devia analisar esse "pacote laboral" que o Governo apre(...)

Página 2385

3 DE MARÇO DE 1982 2385

sentou aos trabalhadores da função pública -e que se prepara para apresentar aqui nesta Assembleia-, pura depois, quando aqui discutirmos esses documentos, o senhor tomar uma posição consciente e não ir atrás das "bocas" dos Srs. Ministros do Governo AD - se, entretanto, ainda houver governo da AD.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Luís Coimbra (PPM): - Não seja insolente!

O Orador: - É isto que lhe quero dizer, Sr. Deputado.
Lamento profundamente que quando trazemos aqui questões tão importantes e de uma forma tão fundamentada e tão sinceramente empenhada, como procurámos fazer, o senhor responda da forma como respondeu - e agora julgo que ainda vai pedir a palavra, provavelmente para nos roubar mais algum tempo da tarde longa de trabalho parlamentar que ainda temos à nossa freme.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Leonel Santa Rita pede a palavra para que efeito?

O Sr. Leonel Santa Rita (PSD): - Pretendo responder ao Sr. Deputado, porque me sinto ofendido na minha dignidade como deputado.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Leonel Santa Rita (PSD): -Sr. Deputado Sousa Marques, em relação às perguntas que lhe fiz, não há dúvidas que respondeu de acordo como eu queria que respondesse.

O Sr. Deputado disse que o Governo se prepara para apresentar aqui esses documentos. Ora, isto significa que não c um dado adquirido que as coisas sejam assim. Não há dúvida de que o Sr. Deputado está. única e exclusivamente, a fazer futurologia.
Mas pedi a palavra para protestar contra a maneira como me quis responder.
Se peçonha existe, ela está na sua intervenção, está desse lado. Sr. Deputado, tenha um pouco mais de coerência...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Leonel Santa Rita, agradecia que nos deixássemos de "peçonhas" e de coisas parecidas.

O Orador: - Vou ser mais moderado, mas, de qualquer maneira, o Sr. Deputado que releia a sua intervenção e veja se não é efectivamente fazer futurologia e se não há nela adjectivos como este, e assumidos totalmente pelo Sr. Deputado'.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Sousa Marques pretende contraprotestar?

O Sr. Sousa Marques (PCP): -Sim. Sr. Presidente.
Em matéria de futurologia deixemos a questão do "pacote laborai", deixemos a questão do projecto de decreto-lei de excedentes da função pública. O
Sr. Deputado não percebe nada disso e não vale a pena eu estar aqui a martirizar-me e a martirizar outros deputados - eventualmente da sua bancada - que conhecem esses documentos, os estudaram e analisaram e até estão interessados em discuti-los a sério com a nossa bancada e com os outros deputados nesta Assembleia.
O Sr. Deputado não está aqui para isso, está aqui para mandar "bocas".
Mas vou dizer-lhe, de novo, que na minha intervenção referi a prática política nesta matéria de todos os governos da AD e tive o cuidado de dizer os nomes das pessoas e de dizer, sempre, que por detrás dessas pessoas havia sempre uma sombra que já tinha sido discípulo de Marcelo Caetano c continuava a ser uma sombra em matéria de reforma administrativa. Denunciei essa chamada política de reforma administrativa, não como uma forma de modernizar e melhorar aquilo que todos estamos empenhados em fazer na administração, mas como uma forma de reprimir os trabalhadores da função pública, de lhe retirar direitos. ...
Foi isso que referi. Isto não é futurologia nem ofender ninguém, é qualificar politicamente a atitude dos governos da AD.
Quanto à matéria salarial, o Sr. Deputado acha que é futurologia falar de um decreto-lei que impôs, sem negociar, uma tabela salarial aos trabalhadores da função pública, mas há requerimentos de ratificação desse decreto-lei aqui nesta Assembleia e não são discutidos.
Sr. Deputado, vamos lá a ver se para u próxima vez consegue fazer um pequeno esforço no sentido de compreender já não digo todas as 7 páginas da minha intervenção mas pelo menos l página e meia ou 2.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.

O Sr. Silva Marques (PSD): - É também para pôr uma questão ao Sr. Deputado Sousa Marques. .

O Sr. Deputado fez diversas acusações e entre elas acusa o Governo e a maioria governamental de provocar despedimentos em consequência da existência de excedentes de, mão-de-obra nas organizações empresariais.
Desejava saber se o Sr. Deputado Sousa Marques entende que o despedimento por razões de ordem ideológica não será a criação de um conceito de excedente empresarial,, imensamente, infinitamente, mais arbitrário e despótico do que, inclusivamente, um conceito de natureza empresarial de excedente de mão-de-obra. Não lhe ponho as questões simplesmente em abstracto, mas estou a referir-me concretamente a um caso recente que diz respeito a W. Ex. e que é o do jornalista Júlio Pinto.
Este jornalista foi despedido por divergências ideológicas e W. Ex. não titubearam em despedi-lo por esse motivo. Isto é, criaram o conceito de excedente de mão-de-obra ideológica. Pergunto a V. Ex. se isto não é cair no campo do mais extremo arbítrio das relações contratuais, se não é colocar os cidadãos no mais extremo campo da não defesa relativamente ao arbítrio empresarial e patronal.
É esta a questão que lhe coloco.

Página 2386

2386 I SÉRIE -NÚMERO 59

Mas antes que V. Ex.ª me responda gostava de lhe dizer mais alguma coisa.
Em relação aos discursos desinibidos e sem cerimónia de V. Ex.ª, que está no pleno direito de os fazer, também não pode esperar outra coisa de nós senão a desinibição e o desembaraço de lhe pôr as questões concretas que devem ser postas.
Eu sei que W. Ex. se refugiam no mais puro jesuitismo moderno da separação da palavra e do acto, mas isso só significa que W. Ex. estão hoje na "fossa" política, na "fossa" filosófica de correrem atrás das palavras, com a agravante de ser apenas das vossas palavras. Já disse aqui que W. Ex.ª estão reduzidos a uma pura agencia de agitação político--social, nem sequer de mobilização social como ficou sobejamente comprovado pela vossa fracassada tentativa de mobilizar os trabalhadores do País.

Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.

São os factos e as vossas palavras que são o vazio da vossa impotência não só no País de hoje como no mundo de hoje, W. Ex. quando estiveram no poder em Portugal colocaram os trabalhadores na maior dependência do arbítrio, não só do Estado patrão como inclusivamente dos patrões que se acoitaram à vossa ideologia. Hoje os trabalhadores em Portugal, com um governo da maioria e até em consequência dos governos que os antecederam, estão mil vezes mais protegidos do arbítrio empresarial do que estiveram no vosso tempo.

Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.

O Sr. Presidente: - O. Sr. Deputado Sousa Marques pretende responder já?

O Sr. Sousa Marques (PCP): - Sr. Presidente, antes de responder desejava interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. Sousa Marques (PCP): - Desejava saber por que é que o Sr. Presidente da Assembleia não fez nenhuma observação à expressão utilizada pelo Sr. Deputado Silva Marques, aquando daquilo que ele considera um pedido de esclarecimento a minha intervenção.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, porque não me pareceu necessário, até quando o Sr. Deputado falou em "fossa" e julguei que, eventualmente, quereria referir-se a isso quando falou de critérios de higiene política.
Faz o favor de responder, se desejar, senão dou a palavra aos outros deputados que estão inscritos para o interpelar.

O Sr. Sousa Marques (PCP): - Fica registado no Diário da Assembleia da República que numa mesma sessão o Sr. Presidente usou 2 pesos e 2 medidas, relativamente a 2 bancadas diferentes desta Assembleia.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Está registado. Assumo as minhas responsabilidade, faz favor de o Sr. Deputado assumir também as suas.

Vozes do PSD, do CDS e do PPM: - Muito bem!

O Sr. Sousa Marques (PCP): -O Sr. Deputado Silva Marques desenterrou-se lá do buraco onde estava metido há uns tempos e veio falar de desinibição e de desembaraço. Julgo que o Sr. Deputado, se me permite esta observação, foi muito fraco. Quer dizer, não conseguirá ainda hoje passar para a 4. fila do PSD.

Risos do PCP.

Provavelmente ainda hoje passará para a 6. ou 7. fila, se for caso disso.
Portanto, em matéria de desinibição e de desembaraço, julgo que o PSD sofre de uma crise aguda e profunda e basta olhar, enfim, para a vacuidade das intervenções do Grupo Parlamentar do PSD e para os despautérios que têm acontecido por essas bandas.

Protestos do PSD.

Quanto à intervenção que fiz, já calculava que os Srs. Deputados viessem aqui colocar uma série de questões diferentes e não quisessem discutir os assuntos da minha declaração política.
Por um lado, os Srs. Deputados não querem discutir isto, porque não vale a pena, porque não sabem onde é que se hão-de meter, não têm argumentos para defender a política do Governo, e, por outro lado, são profundamente ignorantes acerca destas matérias.

Protestos do PSD.

Srs. Deputados, não se zanguem. Se não são ignorantes demonstrem que o não são... até agora ainda o não demonstraram...

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Portanto, vamos lá a ver se aprendem qualquer coisinha hoje.

Risos do PCP. Protestos do PSD.

Por exemplo, o Governo fala muito em excedentes na função pública e que é uma coisa que o preocupa muito. Mas há estudos feitos, os números estão publicados e, enfim, muitos dos senhores não os devem conhecer, mas outros conhecem-nos, sei que é assim - alguns daqueles que provavelmente não se inscreveram para me fazerem pedidos de esclarecimento. De acordo com esses números, em Portugal o volume de emprego da função pública, em relação à população activa, é de 10,5 % e a média nos países da OCDE é de 14,5 %. Julgo que estes dois números esclarecem alguma coisa. E posso referir-vos tais números país por país, até ao Sr. Deputado Sousa Tavares se ele estiver interessado em aprender alguma coisa.
Por exemplo, há 3 Ministérios, o da Educação e das Universidades, o dos Assuntos Sociais e a Administração Regional e Local, que têm 72,5 % do total dos trabalhadores da função pública. Ora é precisamente

Página 2387

3 DE MARÇO DE 1982 2387

nestas 3 grandes áreas da administração central e local que se notam mais carências de quadros.
Nós não dizemos que a questão dos excedentes não e uma questão importante e que não deva ser discutida, mas não segundo a óptica do Governo que é, pura e simplesmente, pretender colocar cerca de um terço dos trabalhadores no imediato despedimento e colocar uma ameaça sobre todos os trabalhadores da função pública, inclusivamente os do quadro, numa situação de despedimento, como já referi na minha intervenção e que me dispenso de repetir.
Fala-se muito em que aumentaram os efectivos da função pública, mas se tirarmos essas 3 áreas da administração central, regional e local, em que se notam mais carências de quadros e de trabalhadores, e se tivermos em conta ainda todo o resto da função pública nos últimos dez anos, o número dos trabalhadores da função pública aumentou em 7360 lugares.
Portanto, nada de argumentos falaciosos. Estamos a discutir o problema da função pública, da administração central e local, a questão da ameaça sobre os trabalhadores da função pública e não queiram os Srs. Deputados distrair esta discussão, falando de outras coisas. Não queiram, eventualmente, desenterrar os vossos fantasmas. Por mim, combato bem os meus fantasmas quando os tenho e, neste momento, não tenho muitos.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Os Srs. Deputados Silva Marques e Sousa Tavares pedem a palavra para que efeito?

O Sr. Silva Marques (PSD): - Para protestar, Sr. Presidente.

O Sr. Sousa Tavares (PSD):-Eu também.

O Sr. Presidente: - Para um protesto, tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Sousa Marques: Relativamente à fossa, se isso lhe põe engulhos...

O Sr. Sousa Marques (PCP): - Não põe, não! É ao Sr. Presidente. Pode continuar a falar de fossa!

O Sr. Silva Marques (PSD): -O Sr. Presidente já respondeu, Sr. Deputado! E é lógico que eu não tenha que responder pelo Sr. Presidente!
De qualquer modo, estou a usar da palavra e cabe--me a mim falar neste momento e não a V. Ex.ª
Se a questão da fossa lhe põe engulhos, eu retiro o termo.

O Sr. Sousa Marques (PCP): -Não põe nada!

O Sr. Silva Marques (PSD): - Mas pôs!

O Sr. Sousa Marques (PCP): -Não pôs, não!

O Sr. Silva Marques (PSD):-Ah não?! Então é despropositada a sua intervenção
e o Sr. Deputado só vem confirmar que os seus intuitos e o seu estilo
de intervenção parlamentar revelam um caso concreto e exemplar do vício agitatório de V. Ex.
De outra forma, não compreendo a sua atitude, Sr. Deputado, pois se a palavra não lhe põe problemas, o senhor não devia intervir; mas se lhe põe problemas, então, deve receber a minha explicação relativamente a V. Ex.ª
De qualquer modo, o que eu lhe queria dizer é o seguinte: V. Ex. não respondeu à questão concreta que lhe pus, isto é, qual é a posição de V. Ex. ou da sua bancada relativamente ao jornalista Júlio Pinto. Foi bem despedido? Foi mal despedido?
Se V. Ex. se acolhe à justificação de que hão domina o processo eu, ponho-lhe a questão: o jornalista, mesmo que pertença a uma empresa dominada por W. Ex., no caso de divergir, deve ser despedido ou não?
Responda-me concretamente a isto, Sr. Deputado. Em segundo lugar, devo dizer-lhe que, independentemente de discutir pormenores de natureza legislativa que inclusivamente. nem sequer ainda. existem, V. Ex., se quiser dar um mínimo de seriedade à posição política e filosófica da sua bancada, não pode desligar das vossas afirmações verbais os factos concretos, inclusivamente praticados...por W. Ex. não só no nosso país como na parte do mundo em que se encontram no poder. Eu pergunto-lhe os trabalhadores estão mais sujeitos ao arbítrio da entidade patronal, Estado ou particular, agora ou no tempo em que W. Ex. estavam no poder? Estão mais sujeitos e esse arbítrio aqui ou na Polónia? Aqui ou na Checoslováquia? Aqui ou na União Soviética? Onde é que eles têm mais garantias próprias, reais, objectivas, de se defenderem? Onde têm sindicatos livres: aqui ou na Polónia?

Aplausos do PSD. do CDS e do PPM.

O Sr. Presidente: -Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Sousa. Marquesa

O Sr. Sousa Marques (PCP) - O Sr. Deputado Silva Marques esqueceu-se de falar de Cuba, da Etiópia, da República Popular de Angola, do Afeganistão, das várias Repúblicas da União Soviética, da Bulgária- Enfim, podia ter falado de muitas mais coisas.
Mas é sempre a mesma cassette, sempre a mesma cassette...! _

Risos do PSD, do CDS e dó PPM.

Quanto à questão do jornalista Júlio Pinto, eu julgo que havia duas questões: uma do meu partido, discutida internamente e sobre a qual na altura me pronunciei, isto é, sobre o que se estava a passar com o então meu camarada Júlio Pinto. Portanto, o Sr. Deputado tem, com certeza, que considerar que nessa matéria, estando eu a fazer estas afirmações não tem que me questionar da maneira como o fez.
Quanto à outra questão relativa ao conflito entre o jornalista Júlio Pinto e a administração da empresa de O Diário, eu nada tenho a ver com a administração de O Diário. O senhor diz que O Diário é o nosso órgão oficial, mas não é!

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - É oficioso!

Página 2388

2388 I SÉRIE - NUMERO 59

O Orador: Mas eu gostaria de lhe dizer o seguinte. Sr. Deputado Silva Marques: o Sr. Deputado babe que O Diário, embora não sendo a voz oficial do PCP, é um jornal de opinião, no qual os jornalistas e os trabalhadores discutem as coisas colectivamente tentando encontrar o melhor caminho para a informação que entendem dever fazer chegar ao povo português ...

O Sr. Portugal da Silveira (PPM): -Que entendem dever fazer chegar ao povo português!

O Sr. Sousa Marques (PCP): - ...que entendem que o povo português tem o direito de receber.
Eu não digo que não se cometem erros, cometem-se erros em muitos lados, mas gostaria de lhe perguntar, Sr. Deputado Silva Marques, se no jornal de que V. Ex. e director aceitava como jornalista um comunista.

Risos do PCP

Eu suponho que o Sr. Deputado é ainda director do Povo Livre, portanto faça favor de me responder, Sr. Deputado. Eu permito-lhe que para tal me interrompa.

O Sr. Silva Marques (PSD): - A questão, Sr. Deputado, põe-se em termos de relação contratual. Se por acaso uma questão de ordem ideológica me levasse a não celebrar um contrato, eu não o celebraria, mas, uma vez celebrado o contrato, é o contrato que prevalece sob pena de pormos de lado os princípios do Estado de direito.

Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.

O Orador: - Nesse caso, Sr. Deputado Silva Marques, não temos nada a dizer. Se é um problema de contrato entre uma empresa e um trabalhador, naturalmente que há que discutir o problema do contrato. E se for a nível de tribunal que se torne necessário encontrar essa solução, pois que seja esta a via utilizada. Cumpram-se as leis, cumpram-se as regras!
Sr. Deputado Silva Marques, eu estou de acordo consigo, nada tenho a ver com isso, absolutamente nada a ver com isso!
O que acontece é que o Sr. Deputado não quis discutir os problemas que nós trouxemos na nossa declaração política. Não tem capacidade para discutir esses problemas e que dizem respeito não a um trabalhador mas a 400 000 trabalhadores do nosso país. Isso o Sr. Deputado não quis - e mesmo que quisesse não era capaz de o fazer. E é perante essa fragilidade, perante essa pobreza que eu me admiro que os seus camaradas de bancada o coloquem na 7. fila.
O Sr. Presidente: - Para um protesto, tem a palavra o Sr. Deputado Sousa Tavares.

O Sr. Sousa Tavares (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero unicamente dizer ao Sr. Deputado Sousa Marques que nós, bancada, do PSD, não temos de modo algum que receber lições do Partido Comunista. Nós não temos provavelmente a mesma noção hierárquica dos deputados e das pessoas que os comunistas têm.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador - Para nós os deputados da 6. ou da 1. fila são iguais em pleno direito, com os mesmos poderes de intervenção e gostamos que todos ele" assim o sejam.
Suponho que no Partido Comunista não é assim. Evidentemente é um partido hierarquizado, que não conhece de todo o valor da liberdade e da democracia.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - E o Sr. Deputado Silva Marques tem lugar na 5.a fila porque quer, porque sempre que quiser estar na 1.* teremos muita honra nisso.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Este era o primeiro ponto.
A segunda questão é que, quanto à função pública, eu não acredito nos números que o Sr. Deputado Sousa Marques referiu, isto é de que Portugal tem 2,5 % e que os outros países têm 10 %. Gostaria de ver os números, porque o Sr. Deputado está pura e simplesmente a mentir! E só com a apresentação total dos números dos países da CEE é que eu poderia acreditar nisso. Isso é inteiramente falso e V. Ex. nau me joga com os números à cabeça.
É que se o Sr. Deputado é um queiroziano, no sentido de que, em Portugal, a única coisa que se pretende é ser funcionário público -de facto é o sonho larvar de todo o português e que muito mal nos tem feito de há muitos séculos para cá. Mas nós, de facto, não só não temos esse sonho como queremos contrariar essa tendência. É que é demasiado o número de funcionários e, pelo contrário, é do pouco número de homens activos, com iniciativa, de forças vivas que Portugal padece. Nau queremos de forma alguma funcionalizar mais o pais, pois ele tem já demasiados funcionários, infelizmente sem uma utilidade prática e imediata.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para contraprotestar tem a palavra o Sr. Deputado Sousa Marques.

O Sr. Sousa Marques (PCP): - Nós temos reparado, Sr. Deputado Sousa Tavares, que na bancada do PSD há uma grande igualdade de direitos. Nota-se e o dia-a-dia demonstra que é verdade aquilo que um deputado, tão inefável como o Sr. Deputado Sousa Tavares é, acabou de declarar.
Todos nos lembramos de ainda noutro dia o Primeiro Vice-Presidente -não sei se ainda o da sua bancada ser desautorizado pelo presidente - julgo que ainda é presidente- da mesma bancada.

Risos do PCP.

Enfim, pegaram-se os dois, depois resolveram o problema lá fora ...

O Sr. Sousa Tavares (PSD): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

O Orador.-Faça favor, Sr. Deputado.

Página 2389

3 DE MARÇO DE 1982 2389

O Sr. Sousa Tavares (PSD): - Eu não fui desautorizado. Sr. Deputado. Eu tomei uma posição pessoal que nau era a do meu partido, nem a do Governo, e que foi expressamente referida pelo presidente da bancada. E mantendo-me na bancada e no meu lugar, porque o meu pedido de demissão não foi aceite.
Custaria de ver este mesmo exemplo nessa bancada comunista.

Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.

Queria ver que curioso que era!
A ver se algum dos senhores é capaz de tomar uma posição contra o posição do partido!
Desafio-o que dê um exemplo de um deputado comunista que alguma vez tenha tomado uma posição contra a do partido.

Aplausos do PSD. do CDS e do PPM.

O Orador -Os Srs. Deputados da AD entusiasmam-se sempre que há uma tirada anticomunista. Ficam loucos de alegria e desatam todos a bater palmas...

O Sr. Sousa Tavares (PSD): - Vocês têm alma de escravos!

O Orador: - Sr. Deputado, dá-me licença? Eu deixo-o falar sempre que quiser, mas tenho que responder à sua pergunta.
O Sr. Deputado fez afirmações em que mostrou a sua ignorância e eu quero responder-lhe mostrando-lhe estes números.
Os Srs. Deputados quando ouvem uma tirada anticomunista ficam delirantes de alegria, o que acontece porque o Grupo Parlamentar do PSD já se partiu n vezes desde que há PSD nesta Assembleia da República. Pronto, é o belo exemplo do vosso grupo parlamentar! Os senhores estão muito satisfeitos com isso. mas fiquem satisfeitos com aquilo que é vosso! Se nenhum dos senhores se sente obrigado a ser, militante ou deputado do PSD, também nós, eu ou algum dos meus camaradas, não somos obrigados a ser comunistas ou deputados. E temos outra honra bem diferente da vossa!...

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

É que, de facto, no Grupo Parlamentar do Partido Comunista mantemos as nossas posições de coerência, a nossa unidade, a nossa firmeza na luta por aquilo que achamos que é justo.

Uma voz do PCP: -- Muito bem!

O Orador:-Quanto à circunstância de V. Ex. estar hoje na l. fila, Sr. Deputado Sousa Tavares, daqui a umas semanas a gente fala! Eu sei lá se o senhor está na 1. fila, se está noutra bancada, se é reformador, se é independente, se é monárquico! Eu sei lá o que o senhor é!...

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

Quanto aos números, o Sr. Deputado disse que não sabia. Até me perguntou onde é que estavam, enganando-se e trocando os números que eu referi! Não admira, pois o senhor nem sequer ouviu a minha
intervenção. Mas eu quero entregar-lhe este documento; trata-se dê um projecto de trabalhos preparatórios do I Congresso dos Trabalhadores da Função Pública que se vai realizar dentro de algum tempo. Estou convencido de que se o Sr. Deputado Sousa Tavares conseguir ler este documento vai com certeza dar-me razão, assim como também vai aprender bastantes coisas.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente:-Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Portugal da Silveira. ......

O Sr. Portugal da Silveira (PPM): -Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Sousa Marques Ouvi a sua intervenção e o complemento que foram as respostas a pedidos de esclarecimento que lhe foram feitos.
Recordo que começou a sua intervenção por dizer que o Governo vai cair. Depois falou em "chapeladas", em "golpadas", na falta de ar do governo Balsemão, disse que o governo Balsemão ultrapassa os governos "fascistas" e por trás de todo este quadro colocou a figura sinistra, a sombra do Prof. Freitas do Amaral. Traçou de facto, um quadro de filme de horror.
Depois, a veemência com que respondeu às interpelações que lhe foram feitas fez-me ficar sem saber muito bem o que é que pré tendia, com esta sua intervenção. Seria iludir o povo português sobre estas matérias todas? Certamente que não, porque o povo já viu perfeitamente o que pretendem. Ficou claramente demonstrado no dia 12 do mês passado que o povo já não se ilude -e agora permita-me que use também a sua expressão de há pouco- com esta cassettetão conhecida.
Mas então pôs-se-me a questão: quem pretenderá o Sr. Deputado iludir? Será a sua própria bancada, os seus próprios correligionários? Também suponho que não, que não será esse o seu objectivo.
Quererá o Sr. Deputado iludir-se a si próprio? Talvez. Mas isso parece-me difícil porque me lembro de o Sr. Deputado Sousa Marques,- há um ano atrás, revelar inteligência em muitas intervenções.
Então perguntar-lhe-ia, só resta esta alternativa: quererá o Sr Deputado fazer pensar aos seus companheiros de bancada. que a senhor próprio está iludido?

O Sr. Presidente: -Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Sousa Marques.

O Sr. Sousa Marques (POP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Apesar da inteligência que o Sr. Deputado Portugal da Silveira me reconheceu, eu vi-me um pouco atrapalhado para conseguir perceber o que o Sr. Deputado queria dizer. Aliás, não é a primeira vez que isto me acontece, se bem que esteja convencido de que a falha é minha, ou seja, a minha inteligência não deve ser suficiente para perceber bem as questões que o Sr. Deputado Portugal da Silveira costuma aqui colocar de uma forma, tão brilhante.
Referiu-se à minha intervenção e frisou três ou quatro aspectos, frases, ideias, enfim qualificações políticas que eu utilizei durante o meu discurso que

Página 2390

2390 I SÉRIE -NÚMERO 59

eu julgo que o embelezam e que até impedem que os Srs. Deputados venham dizer que eu estou a usar a cassette. Acho, por isso, que o Sr. Deputado foi infeliz.
O Sr. Deputado pega em algumas considerações políticas que eu incluo na minha declaração, mas o importante não é a minha declaração política. O importante da intervenção que, em nome do meu grupo parlamentar, eu fiz aqui hoje é a nossa manifestação de solidariedade com os trabalhadores da função pública; é a nossa denúncia da política não apenas deste governo AD mas de todos os governos da AD nesta matéria; é a nossa denúncia daquilo que os governos da AD - e este Governo concretamente - têm feito e aquilo que este Governo, se conseguir continuar a ser governo vai continuar a fazer em relação aos trabalhadores da função* pública e que é de todos conhecido. A nossa atitude, é essa: uma atitude de denúncia clara dessas posições.
Mas o Sr. Deputado Portugal da Silveira ainda não nos entende - julgo que se as eleições fossem na próxima semana o Sr. Deputado ainda votava na AD. Não sei se u problema é de inteligência ou não, o que eu sei, Sr. Deputado, é que uma frase que está incluída na nossa declaração é a de que nós estamos cada vez mais acompanhados e somos cada vez mais numerosos. E essa frase é profundamente sentida e compreendida por esta bancada.
Nós não tememos a realização de eleições antecipadas. Nós não tememos colocar-nos face a face ao eleitorado português, apresentando as nossas propostas, as nossas críticas em relação à desgraçada política do governo da AD. Não tememos absolutamente nada disso e os resultados das eleições locais têm demonstrado que estamos no caminho certo. Lamentavelmente, Sr. Deputado Portugal da Silveira, julgo que o senhor esta semana talvez ainda votasse na AD, mas tenho um laivo de esperança de que antes das próximas eleições antecipadas, que se vão realizar dentro de algum tempo, o Sr. Deputado mude de opinião, se bem que se possa arrepender e possa entrar nu campo daqueles que o senhor diz que nos quisemos iludir. É que nós não quisemos iludir ninguém!
Relativamente à questão de o Sr. Prof. Freitas do Amaral ser a supersombra da Reforma Administrativa, o facto de os deputados do CDS estavam tão caladinhos é significativo de que enfiaram a carapuça e preferiram calar-se. O Sr. Deputado Portugal da Silveira nesse aspecto prestou um mau serviço.

O Sr. Presidente:-Para um protesto, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Robalo.

O Sr. Carlos Robalo (CDS) -- Sr. Presidente, Srs. Deputados: Só queria dizer que o Prof. Freitas do Amaral não é ofendido por quem quer, mas sim por quem pode ofendê-lo. À bancada do CDS igualmente a não ofende quem quer mas quem pode, e a bancada do Partido Comunista não tem capacidade para nos ofender. Especialmente o Sr. Deputado Sousa Marques não tem nem capacidade para nos bulir e muito menos para nos ofender.
O problema é de falta de capacidade vossa e, em especial, de falta de capacidade do Sr. Deputado.

Aplausos do CDS.

O Sr. Presidente: - Para contraprotestar, tem a palavra o Sr. Deputado Sousa Marques.

O Sr. Sousa Marques (PGP): - O Sr. Deputado Carlos Robalo acabou por se contradizer. Se tivesse ficado calado eu estava de acordo consigo ...

Aplausos e risos do PCP.

... mas como picou o anzol foi pescado! o que significa que eu, durante este debate, acabei de pescar o Sr. Deputado Carlos Robalo! A culpa não é minha, Sr. Deputado! Por que é que ingenuamente caiu na esparrela que eu lhe estendi!?

Risos do PCP.

Quanto às observações que o1 Sr. Deputado fez, gostaria de lhe dizer o seguinte: o Sr. Deputado é dos deputados da AD que está em melhores condições para apreciar a minha declaração política. Estou convencido de que V. Ex. fez esse juízo aquando da minha intervenção e de que, fora desta Assembleia e deste Plenário, até podemos, embora discordando em alguns aspectos, estar de acordo em algumas das questões que aqui trouxe a esta Assembleia.
Julgo que o Sr. Deputado Carlos Robalo está a perceber perfeitamente aquilo que eu estou a dizer... Ora o que eu lamento profundamente, Sr. Deputado, é que uma pessoa que tendo tido responsabilidades a nível governamental nesta matéria não tenha contribuído para enriquecer este debate e, pelo contrário, se tenha refugiado no silêncio e tenha por fim agarrado de uma forma bastante ingénua o anzol que eu lhe lancei.

O Sr. Carlos Robalo (CDS): - Dá-me licença. Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Para que efeito?

O Sr. Carlos Robalo (CDS): - Sr. Presidente, é natural que eu tenha de usar de um subterfúgio para responder. Quando me dizem que eu peguei o anzol tenho de me defender.
Sei que regimentalmente não será muito correcto, mas, tendo em conta que ainda me prezo de ser dos deputados desta Casa a que mais respeitam o Regimento, admito que um pequeno desvio ao mesmo me não vai fazer mal.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Robalo (CDS): -Sr. Deputado Sousa Marques, eu só quero dizer-lhe que está muito enganado. Em primeiro lugar, a sua intervenção carecia de montes de informação e, como calcula, eu até reparei que o senhor teve o cuidado de não referir o período em que eu fui responsável pela Secretaria de Estado da Reforma Administrativa, quando é certo, que, em termos de governos AD, a pessoa que esteve mais tempo aí esteve fui eu.
E até lhe quero dizer mais alguma coisa: se o senhor tivesse de facto, agarrado alguns aspectos substanciais, que agarrou, usando aspectos formais que dessem dignidade a esta Casa, eu até era capaz de os discutir consigo. Mas com esses aspectos formais não é o senhor que tem capacidade para me

Página 2391

3 DE MARÇO DE 1982 2391

ofender porque, de facto, perdeu-a. É que o senhor já foi um deputado com quem tive prazer em dialogar mas neste momento perdeu toda essa capacidade de outrora.
Sr. Deputado, eu não peguei anzol nenhum e quero ainda dizer-lhe que para vaidade e para incorrecção, vai bastando!
Talvez valha a pena o senhor fazer uma autocrítica para ver se a Câmara ou os deputados lhe merecem esse tipo de formal desagrado que ò senhor usa e que põe em terceiro ou quarto lugar os aspectos substanciais. É que o senhor ofende o aspecto substancial, ainda quando o mesmo é válido.
E posso dizer-lhe, para que fique com a certeza disso, que o respeito pêlos funcionários públicos eu1 discuto-o com qualquer. É que eu respeito-os durante o ano em que tive a sua responsabilidade. E devo dizer-lhe que poderia considerar, se a forma fosse outra, um certo elogio o facto de V. Ex.ª ter esquecido essa minha passagem, mas assim não o considero nem elogio nem outra qualquer coisa - nem sequer esquecimento. É um problema que não me preocupa, Sr. Deputado Sousa Marques, porque não é esse estilo, essa forma de discutir que me leva para a discussão seja com quem for.
É por isto que lhe digo para não se considerar heróico lá porque consegue o riso da sua bancada ao ir à pesca! Está muito enganado, Sr. Deputado.

Aplausos do CDS, do PSD e do PPM.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Sousa Marques.

O Sr. Sousa Marques (PCP): - Sr. Presidente, quando usei a expressão do anzol não o fiz muito conscientemente. Não percebi, de facto, as consequências que podia ter essa expressão. Fica aqui, portanto, dado o esclarecimento.
Devo, no entanto, dizer que quando o Sr. Deputado Carlos Robalo reconhece que poderei ter alguma possibilidade de fazer uma autocrítica reconhece, enfim, um mínimo de qualidades na minha pessoa...

O Sr. Carlos Robalo (CDS): - Reconheço, sim senhora!

O Orador. - ..., o que me permite ter algumas esperanças quanto ao meu futuro. Vamos, todavia, ao que interessa.
Pensava eu que o Sr. Deputado Carlos Robalo ia dizer, desta última vez, qual a sua opinião acerca do pacote laborai, especial, que .o Governo elaborou para a função pública.
Está o Sr. Deputado Carlos Robalo de acordo com o projecto de decreto-lei de excedentes para a função pública? Sim ou não?
Está o Sr. Deputado Carlos Robalo de acordo com todas as atitudes que têm sido repetidas pêlos governos da AD em relação aos direitos e liberdades dos trabalhadores da função pública? Sim ou não?
Estas é que são as questões. Sr. Deputado Carlos Robalo. Não venha para aqui falar de "sentir-se muito ofendido", de coisas que fazem parte do debate político, de uma certa alegria e de uma certa imaginação, que julgo que se deve colocar no, debate político. Também aí os senhores lamentável e infelizmente perdem!
Acerca dos problemas fundamentais que aqui trouxemos - os problemas da tabela salarial, do regime da função pública, da Reforma Administrativa -, sobre tudo isso o Sr. Deputado Carlos Robalo disse nada.
Em minha opinião -que continuo a ter-, o Sr. Deputado Carlos Robalo podia ter dito alguma coisa. Veríamos depois, naturalmente, se estávamos ou não de acordo.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, dá-me licença que interpele a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, gostaria de fazer uma interpelação à Mesa e, com esta, um protesto.
Consideramos que o desregramento, no uso dos direitos regimentais, conduziu à deterioração deste período de antes da ordem do dia, quer relativamente ao conteúdo do mesmo quer relativamente à sua forma. ......

O Sr. Presidente: - Registo o seu protesto.
Penso que a última intervenção do Sr. Carlos Robalo, a título de ter sido ofendido, talvez seja um pouco forçada. Em todo o caso, quanto às outras, penso tratarem-se, de, figuras regimentais que os Srs. Deputados utilizam como entendem.
Entretanto informo que estamos quase a acabar o período de antes da ordem do dia. e. que estão inscritos, ainda, os Srs. Deputados Portugal da Silveira e Mário Tomé. Não sei se são intervenções extensas ou se são intervenções breves. Neste último caso, fá-la-íamos agora.

O Sr. Mário Tomé (UDP):- Sr. Presidente, no que me diz respeito pretendo usar o tempo regimental.

O Sr. Presidente:- Sendo assim, encerramos o período de antes da ordem dia de hoje, ficando os Srs. Deputados que referi inscritos para o próximo período de antes da ordem do dia.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: Srs. Deputados vamos passar à 1. parte do período da ordem do dia de quê consta a leitura de um relatório da Comissão de Regimento e Mandatos. Para o efeito tem a palavra Sr. Deputado Jorge Lemos.

O Sr. Jorge Lemos (PCP):-O relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos é do seguinte teor:
Em reunião realizada no dia 2 de Março de 1982, pelas 14 horas e 30 minutos, foram apreciadas as seguintes substituições de Deputados:
l - Solicitadas pelo Partido do Centro Democrático Social: Américo Maria Coelho Gomes de Sá (círculo eleitoral do Porto), por Manuel Ferreira de Andrade. Esta substituição é pedida para os dias 2 a 5 de Março corrente, inclusive. Luís Aníbal de Sá de Azevedo Coutinho (círculo eleitoral do Porto), por Manuel Eugênio

Página 2392

2392 I SÉRIE - NUMERO 59

Pimentel Cavaleiro Brandão. Esta substituição è pedida para os dias 2 a 8 de Março corrente. inclusive. José Miguel Nunes Anacoreta Correia (círculo eleitoral de Faro), por João Machado Caminho Figueiras de Andrade. Esta substituição é pedida para os dias 2 a 5 de Março corrente, inclusive.
2 - Analisados os documentos pertinentes de que u Comissão dispunha, verificou-se que os substitutos indicados são realmente os candidatos não eleitos que devem ser chamados ao exercício de funções, considerando a ordem de precedência das respectivas listas eleitorais apresentadas a sufrágio pelo aludido partido nos concernentes círculos eleitorais.
3- Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis.
4- Finalmente a Comissão entende proferir o seguinte parecer:
As substituições em causa são de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.
5- O presente relatório foi aprovado por maioria, com a abstenção do deputado da União Democrata Popular.
A Comissão: António Cândido Miranda Macedo (PS), vice-presidente - Alexandre Correia de Carvalho Reigoto (CDS), secretário - José Manuel Moía Nunes de Almeida (PCP), secretário- Amónio Duarte e Duarte Chagas (PSD)
- Cristóvão Guerreiro Norte (PSD) - Fernando José da Costa (PSD) - Nicolau Gregário de Freitas (PSD) - Valdemar Cardoso Alves (PSD)
- Jaime Adalberto Simões Ramos (PSD) - Armando dos Santos Lopes (PS) - Alfredo Pinto da Silva (PS) - Álvaro Augusto Veiga de Oliveira (PCP) - Jorge Manuel de Abreu de Lemos (PCP) - Herberto de Castro Goulart da Silva (MDP) - Mário António Baptista Tomé (UDP).

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar o relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos.
Submetido à votação, foi aprovado, com os votas a favor do PSD. do PS, do CDS, do PCP, do PPM. da ASD, da UEDS e do MDP/CDE, e com a abstenção da UDP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lage.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, ao abrigo do Regimento, pedimos a interrupção da sessão por 15 minutos.

O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado. Está interrompida a sessão até às 16 horas e 35 minutos.

Eram 16 horas e 20 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.

Eram 16 horas e 45 minutos.

O Sr. Fernando Condesso (PSD): - Sr. Presidente, ao abrigo do Regimento, peço 15 minutos de intervalo e, portanto, que ao tempo já solicitado pelo PS sejam acrescidos mais 15 minutos.

O Sr. Presidente: - É regimental. Sr. Deputado. Retomaremos os trabalhos às 17 horas. Está suspensa a sessão.

Eram 16 horas e 47 minutos.

O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão. Eram 17 horas e 10 minutos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Portugal da Silveira.

O Sr. Portugal da Silveira (PPM): - Sr. Presidente, ao abrigo das disposições regimentais, o PPM pede 15 minutos de intervalo.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o pedido é perfeitamente regimental. Em todo o caso, sugiro à Câmara, se não houver inconveniente da parte dos proponentes, que façamos agora o nosso intervalo regimental, reabrindo a sessão às 17 horas e 40 minutos.
Entretanto, agradeço aos Srs. presidentes dos grupos parlamentares que passem rapidamente pelo gabinete da presidência, de forma a acertarmos alguns pequenos pormenores, embora não seja possível fazer uma reunião completa.
Está suspensa a sessão.
Eram 17 horas e 15 minutos.

O Sr. Presidente:-Srs. Deputados, está reaberta a sessão.

Eram 17 horas e 50 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, na primeira parte do período da ordem do dia, está inscrita a apresentação, pelo PCP, dos projectos de lei n. 307/11, 308/11 e 309/11.
Foi acordado em conferencia dos grupos parlamentares que o período da primeira parte da ordem do dia fosse, nesta sessão, alargado para 2 horas e 30 minutos. Tal faz-nos prever que haja necessidade de, oportunamente, prolongar a sessão.
O PCP informou que para apresentação conjunta dos 3 projectos de lei necessitaria de l hora. Assim, o período de uma hora e 30 minutos restante será destinado aos pedidos de esclarecimento e respectivas respostas.
Tem a palavra, para apresentação dos 3 projectos de lei, a Sr. Deputada Zita Seabra.

A Sr. Zita Seabra (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do PCP apresentou, há dias, três importantes projectos de lei que - sendo embora 3- (Defesa da maternidade, Planeamento familiar e Interrupção voluntária da gravidez) parte, no entanto, de um ponto comum- a defesa da maternidade como um acto livre, responsável e consciente e visam consagrar em lei direitos fundamentais dos cidadãos e particularmente das mulheres.

Página 2393

3 DE MARÇO DE 1982 2393

É portanto um bloco indissociável que não deve ser discutido isoladamente e por isso hoje faremos a apresentação em conjunto dos três.
Pretendeu o PCP, com esta iniciativa, trazer à Assembleia algumas questões fundamentais das mulheres portuguesas. Pretendemos um debate sério, ponderado e profundamente virado para a realidade nacional e não um debate apaixonado e cego, atamancado em cima do joelho com argumentos arranjados em cima da hora ou importados e (mal) copiados lá de fora.
Procuraremos, e nesse sentido apelamos também aos outros deputados, que se trave um debate sério e profundo que permita não só que cada um vote coerentemente com o seu pensamento e sabendo o que está a votar, mas também que a Assembleia da República dinamize um debate público, ouça técnicos, representantes das várias correntes de pensamento, personalidades e organizações representativas das mulheres, disponha dos números que retraiam a realidade, se desloque deste hemiciclo, salas e corredores e vá ao encontro da vida e se dê então possibilidade de votação consciente de assumo tão importante como este.
Se assim actuarmos nem faremos nada de especialmente raro, pois foi também a forma como este debate se processou nos parlamentos de países como a França e Itália, para citar só os mais recentes.
Se os anos conturbados e ricos em acontecimentos que o nosso país tem vivido não permitiram ainda equacionar plenamente a situação da mulher no Portugal democrático, é chegada a hora, em nosso entender, de discutir os problemas para os alterar e de encontrar caminhos e soluções.

Uma voz do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Alguns, como se vê desde há dias, ficaram em pânico... Mas não é de estranhar. Ficarão sempre em pânico quando vierem discutir e equacionar os problemas da mulher, como o ficam sempre que pressentem que o caminho que se vai abrindo à mulher como cidadã de pleno direito, põem em causa o que julgam ser os seus interesses, quando percebem que não podem mais contar com "bonecas de porcelana" ou "fadas do lar" destinadas a esgotar-se marginalizadas do trabalho produtivo, da vida social, cultural ou cívica, a esgotar-se entre as panelas e as telenovelas.

Aplausos do PCP e do MDP CDS.

Mas os seus esforços estão condenados ao fracasso. A vida mostra que são hoje muito profundas e todas as classes e camadas da população e até de diferentes concepções políticas e ideológicas, aqueles que pretendem discutir, equacionar e resolver a situação difícil da mulher portuguesa e muito especialmente da mulher trabalhadora.
Mas é também sempre bom recordar que a História não anda para trás e que o caminho aberto pela mulher que lhe permite progressivamente estar lado a lado na família como ser humano pleno e não serva, no trabalho ser a colega, na luta a camarada de partido, é irreversível e não se recuará ao passado por mais esforços que façam os partidários da servidão da
mulher, por mais que tentem fazê-la voltar para trás, para o exclusivo da pequena "concha do lar doméstico".

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

É, pois, indentificando-nos profundamente com os problemas do País, assumindo corajosamente as nossas atitudes, coerentes com o nosso pensamento, abertos a tudo o que seja melhorar, enriquecer ou emendar as propostas que faremos, que depositamos estes 3 projectos na Assembleia da República certos de que dignificamos o trabalho da Câmara e de que a prestigiamos trazendo aqui os problemas reais dos portugueses que quantas vezes perguntam: "o que é que eles andam para lá a discutir?"
Esperar mais tempo para o fazer seria pactuar com a hipocrisia. Mas sê-lo-ia para nós deputados comunistas como seria na atitude que cada deputado e deputada assumir perante as questões que aqui trazemos.
Move-nos ainda a coerência que para nós deputados comunistas, é uma questão de. honra pessoal e de honra colectiva, coerência com o programa do nosso partido, com a luta que há anos travamos, com os nossos compromissos eleitorais e mesmo com o que já dissemos nesta Casa.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Mas nós confiamos, apesar de tudo, que muitos dos Srs. Deputados assumirão as suas responsabilidades e não darão o triste espectáculo de desdizerem o que disseram antes, de votarem contra o disseram pensar, de renegarem o que antes escreveram, de servirem outros que não os eleitores que nos confiaram o voto, de inventarem desculpas que farão rir lá fora e que não permitirão ficar de bem nem com a consciência. .

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Seria um acto demasiado inaceitável e nós confiamos na democracia e no espírito democrático de muitos dos que aqui estão e não pensamos ser possível tamanha hipocrisia.
A iniciativa do PCP não se insere, pois, em nenhum ilegítimo plano táctico, estratégico com objectivos enquadráveis em estranhas maquinações como alvitraram cabeças cheias de teias de aranha.
É afinal, Srs. Deputados, tão simples, tão claro- e tão linear - o PCP pretende que a Assembleia da República trave um debate de fundo em torno de questões fundamentais da vida dos casais e consagrem legalmente os direitos fundamentais da mulher. Apresentou 3 projectos de lei nesse sentido após um aturado estudo e trabalho de juristas, médicos, psicólogos, dirigentes dos movimentos das mulheres, sindicalistas (particularmente dos sectores que abarcam mais mão-de-obra feminina) investigadores e evidentemente deputados e dirigentes do PCP.
O primeiro, e sem dúvida o mais importante, visa defender a maternidade. E obriga-nos a uma importante reflexão colectiva. O que significa .hoje ter filhos (sobretudo dois, três ou mais filhos) em Portugal? Que condições garante a sociedade as crianças que temos?

Página 2394

2394 I SÉRIE -NÚMERO 59

Garante pouco, Srs. Deputados. Pouco e mau e desigual. Há neste país quem deseje filhos sem que os possa ter, há quem tenha crianças sem poder, e há tantas vezes quem aborte quando bem desejaria ter um filho. É a liberdade de escolha que está por garantir e é para a necessidade de alterar essa situação que aponta o conjunto de projectos de lei em que este se integra.
Ter filhos é uma importante manifestação de vida, susceptível de dar à mulher e ao homem extraordinárias possibilidades de felicidade e de renovação.
Nos nossos tempos, a evolução da ciência e da técnica veio tornar possível consagrar como um direito fundamental dos cidadãos e muito particularmente da mulher, o direito de decidir ter ou não ter filhos, quantos filhos e o intervalo entre os nascimentos, permitindo igualmente concretizar como primeiro direito da criança o direito a ser desejada pêlos pais.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Mas a maternidade tem que encontrar por parte do Estado o apoio que permita que a gravidez, o pano e o filho que vai nascer sejam fume de felicidade e encarados com confiança por quem decidiu dar vida a um novo ser. É necessário e urgente uma política de protecção à infância e à maternidade. Disso depende o próprio futuro da comunidade que somos.
No entanto, não só não estão asseguradas à imensa maioria das crianças as condições mínimas que permitam antever um futuro feliz e seguro, como a mulher, particularmente a mulher trabalhadora é objectivamente penalizada no seu trabalho, no salário e na obtenção de emprego, na promoção s carreira profissionais, e na participação social em consequência da maternidade.
A solução deste dilema não está, quanto a nós, na negação da maternidade, como se fosse factor impedititvo e contrário à emancipação e plena realização da mulher. Mas não está, também, na limitação da mulher "ao lar e à família" como destino social, marginalizando-a de forma sistemática da vida produtiva, social e política.
A articulação entre a maternidade e a plena participação não é possível a partir destes pontos de vista. É possível, todavia, nos termos em que está consagrada no artigo 68.° da Constituição, que vincula o Estado a proteger a maternidade no que ela contém de biológico (gravidez, parto e amamentação) - o que é incontestável e não decorre como novo do texto constitucional-, mas também, de igual forma -e é esse o aspecto verdadeiramente inovador da Lei Fundamental - a proteger a maternidade no que ela tem de social, através de medidas que permitam à mãe o acompanhamento e educarão dos filhos pequenos em condições tais que garantam a sua realização profissional e a sua participação na vida cívica do País", na expressão feliz do texto constitucional.
É esta a perspectiva apresentada e desenvolvida no projecto de lei n.° 307/11 apresentado pelo PCP.
O projecto de lei parte do princípio de que dar vida a um novo ser deve constituir uma decisão livre,
consciente e responsável. A defesa da maternidade não se confunde, pois, com as posições dos que pretendem substituir a decisão livre do número de filhos pela resignada e inevitável aceitação de "quantos vierem ao mundo", tanto mais que é, desde logo, sabido que um número excessivo de gravidezes e partos e um intervalo demasiado pequeno entre os nascimentos põem em perigo a saúde materna e a saúde infantil...
E isto, que está comprovado cientificamente, corresponde também ao que pensam e sentem as mulheres portuguesas de acordo com os dados do Inquérito Nacional à Fecundidade que englobou uma amostra substancialmente representativa - de 5148 mulheres em idade fértil interrogadas, só duas consideraram ideal ter o número de filhos que resultassem do acaso.
É de liberdade de escolha que se trata. É a liberdade de escolha que os portugueses querem. Para que ela exista é fundamental o planeamento familiar de que mais adiante falaremos, mas é essencial também melhorar ais condições de vida dos cidadãos, garantir o direito ao trabalho, à habitação, à saúde, à segurança social, ao ensino...
Os problemas dos jovens casais têm que ser encarados com particular atenção e urgência. Ser jovem em Portugal não pode continuar a significar ver bloqueadas as aspirações legítimas de uma vida a dois pela falta de casa, de emprego, de apoio a uma plena vida cultural, social e cívica. E disso depende o futuro deste país.
A taxa de natalidade em Portugal desce e verifica-se um gradual envelhecimento da população, sequela da emigração e da guerra colonial. Esse facto tem consequências graves no plano colectivo mas significa também que aspirações relevantes e legítimas dos cidadãos estão a ser sacrificadas.
Basta verificar os dados do já citado Inquérito à Fecundidade, realizado pelo INE, para se perceber que só 3,4 % das mulheres inquiridas consideram ideal ter só um filho e, no entanto, e isso que sucede em relação a 28,3 % das mesmas mulheres. A incentivação da maternidade deve, pois, ser procurada, através da melhoria do bem-estar de vida do povo e não através de medidas que restrinjam os direitos da mulher e do casal.

Vozes do PCP - Muito bem!

A Oradora: -Na verdade é difícil ser mãe em Portugal. Mas é particularmente difícil ser mãe e ser trabalhadora e cidadã.
Conciliar o estatuto de mãe e de trabalhadora é bem complexo e penoso dada a desprotecção social existente, que é um grito de acusação a 48 anos de fascismo.
A "Luísa subindo a calçada", do poema de Gedeão, é ainda um retraio que a maioria das mulheres trabalhadoras portuguesas sentem como seu.
A mulher é fortemente penalizada por o Estado não assumir as suas obrigações constitucionais. E se se trata de mãe solteira ou de mãe só, tudo é mais doloroso e difícil ainda que apesar dos passos dados após o 25 de Abril no plano legislativo e através de medidas sociais que urge prosseguir.

Página 2395

3 DE MARÇO DE 1982 2395

Mas esta penalização resulta também da persistência de concepções e atitudes retrógradas sobre o papel da mulher. Os exemplos abundam e vão desde Ministros que incluem nos números que divulgam nos seus discursos contra o absentismo os dias que a mulher conquistou de licença por maternidade, até patrões que optam sempre por empregar homens ((porque as mulheres faltam muito".
No entanto, apesar de todas estas dificuldades e sacrifícios, a mulher portuguesa aspira inegavelmente a uma activa participação na vida produtiva, social e política do País. A taxa de actividade feminina não tem cessado de crescer, passando de 32,4 % para 35 %, em 1980. e 37.1 % no final do primeiro semestre de 1981.
A realidade desmente, pois, todas as teses retrógradas e ultrapassadas sobre o sentir e a vontade da mulher, dos que como no fascismo, pretendem apresentar como o ideai de vida da mulher portuguesa o suposto desejo de se esgotar no lar e no trabalho doméstico como destino social exclusivo.
Para responder ao anseio inegável de realização profissional de mulher portuguesa e garantir a sua crescente participação na vida cívica, tem que se consagrar e lutar pêlos direitos da mãe trabalhadora e protegê-la mas tem que. simultaneamente, se garantir a incrementação radical de estruturas sociais de apoio, antes de mais creches e infantários.
A concretização destas e de outras estruturas (cantinas, lavandarias, etc.) que se encontra tão terrivelmente atrasada é fundamental para a criança e para a mãe trabalhadora.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - A melhoria da situação económica (que permite o acesso fácil a equipamentos de apoio domésticos que apoiam e libertam de tarefas tão penosas) é fundamental, mas no nosso país o atraso é tão grande que em plenos anos 80 ainda há mulheres trabalhadoras, camponesas e operárias que ao domingo lavam a roupa no rio e não aspiram, ainda à máquina de lavar, que, carregando no botão, poupe horas de árduo trabalho mas ao lavadouro público que substitua o rio. Isto mesmo pude verificar no passado domingo, no Peso da Régua. Mas está à vista de todos os Srs. Deputados que se dêem ao trabalho de sair de Lisboa.

Vozes do PSD e do MDP/CDE: - Muito bem!

A Oradora: - Entendemos, por outro lado, que as medidas a tomar e os direitos a consagrar não devem estar viradas para afastar a mulher do trabalho e da vida cívica e social e condená-la a esgotar-se, realizando sozinha e exclusivamente o trabalho de casa, com sacrifício das suas aspirações. Se assim fosse, estar-se-ia a condenar a mulher ao atraso, à subalternidade e a perpetuar a tradicional divisão de funções entre o homem e a mulher e as discriminações em razão do sexo.
Propomos a consagração de direitos e a adopção de medidas de protecção da maternidade. Essas medidas só devem ser dirigidas exclusivamente à mãe, quando se trata da maternidade - reprodução.
Devem ser atribuídos tanto ao pai como à mãe os direitos tendentes a garantir a prestação de cuidados a filhos menores que possam e devam ser exercitados por qualquer dos progenitores.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - É tempo, Srs. Deputados, de a Assembleia da República se debruçar sobre a situação da mulher portuguesa e particularmente da mulher trabalhadora. Ir ao encontro do seu sentir, das suas aspirações e problemas não é uma dádiva, não é um favor, é um dever inadiável desta Assembleia para com milhões de mulheres portuguesas de todos os estratos e camadas da população.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: As medidas cuja adopção o PCP propõe procuram dar resposta à situação existente em três domínios: os cuidados de saúde; as condições de trabalho; a segurança social.
Como ninguém pode ignorar são enormes as carências existentes no tocante à saúde materno-infantil. A assistência durante a gravidez só foi assegurada em 24 % dos casos no ano de 1979. Apesar de o parto hospitalar ter sofrido grande incremento após o 25 de Abril, em 1978 realizaram-se ainda 47923 partos no domicílio (31,5%) e 18018 sem assistência (o que representa em alguns distritos 64 % dos casos). O grande número de crianças deficientes que nascem em Portugal (o maior da Europa) resulta, fundamentalmente, das más condições de assistência na gravidez e no pano, tanto domiciliário como hospitalar.
O projecto do PCP pressupõe a criação e funcionamento de um Serviço Nacional de Saúde, nos termos constitucionais, integrando uma rede nacional de cuidados primários de saúde, mas explicita 15 providências especiais para/o incremento, nesse âmbito, da saúde materno-infantil.
Os Srs. Deputados apreciá-las-ão, certamente, em detalhe na sede própria. Aí poderão porventura ser enriquecidas. Mas o que é acima de tudo urgente é levá-las à prática no mais curto prazo, para alterar a gravíssima situação existente.
No tocante às condições de trabalho e face às discriminações que ainda atingem as mulheres no domínio do emprego, as medidas propostas têm em conta a necessidade de evitar o agravamento das dificuldade concretização do direito ao trabalho e à promoção profissional das mulheres. De acordo com a necessidade de dar cumprimento ao dever constitucional do Estado e da sociedade assumirem a maternidade como função social e criar as estruturas de apoio que permite ser mãe, trabalhadora e cidadã, propomos medidas que garantam a criação de uma rede de equipamentos e serviços de apoio à infância, nomeadamente creches e jardins-de-infância, acessíveis, correctamente dotados de meios, dimensionados localizados. Dada a importância de que se reveste o desenvolvimento destes equipamentos e a urgência da sua concretização prevê-se o reforço dos meios financeiros para tal necessários. Nesse sentido, propõe-se que as empresas que empreguem 100 ou mais trabalhadores ou tenham facturação anual superior a 50000 contos

Página 2396

2396 I SÉRIE - NUMERO 59

paguem uma contribuição adicional para a segurança social igual a 0,5 % das remunerações dos trabalhadores ao seu serviço, isentando-se dessa obrigação as empresas que disponham de creches correctamente dimensionadas, localizadas e dotadas de meios técnicos e humanos, em termos que a legislação regulamentar deverá delimitar concretamente.
Estes equipamentos são fundamentais para o harmonioso desenvolvimento da criança, mas também para os pais e especialmente para a mãe. É por isso completamente inaceitável que o Ministério da Educação, nos poucos jardins-escolas que cria, imponha absurdos horários de funcionamento até às 16 horas e com intervalo para almoço.
A protecção da maternidade e as obrigações do Estado nesta matéria é pois o objectivo do primeiro dos projectos de lei que, repito, sendo talvez o mais importante nau tem merecido o debate público que o da interrupção voluntária da gravidez, o que sinceramente lamentamos. Mas para alterar a situação da mulher e da criança na sociedade é fundamental discutir profundamente e decidir medidas que defendam a maternidade.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: A garantia do direito ao planeamento familiar e educação sexual é o objecto específico do segundo dos projectos de lei apresentados pelo PCP.
A sua apresentação já terá tido pelo menos um mérito: forças que desde há meses vinham desencadeando uma ofensiva obscurantista e retrógrada contra u planeamento familiar, vozes que em nome de um farisaico pudor proclamavam os malefícios da educação sexual aparecem hoje a desdizer o que ontem preconizavam e ainda praticam. Dir-se-ia que os projectos apresentados pelo PCP lhes trouxeram a súbita revelação das vantagens do planeamento familiar, da imprescindibilidade da educação sexual, da necessidade de criar as condições jurídicas, económicas e sociais para que a maternidade seja fonte de felicidade e bem-estar para os filhos desejados e para os pais.
Entre os atingidos por esta súbita revelação está quem já se esperava. Mas está também ama figura ministerial pertencente a um Governo que saneou a educação sexual das escolas e que descobriu agora que para uma maternidade livre e consciente é preciso não só planeamento familiar mas também uma política económica e social que garanta a mehloria das condições de vida e apoio e protecção específicas aos pais e à criança.
Que hipocrisia! Agarram-se agora à invocação do planeamento familiar aqueles mesmo que estão a impedir a expansão dos serviços, que o proibiram aos jovens, que sanearam técnicos competentes da Direcção-geral de Saúde, que limitam a livre escolha dos métodos. Basta lembrar, pois é recente e significativo, o espantoso despacho do Provedor da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa - e hoje deputado do CDS - que tem a seu cargo os serviços públicos de planeamento familiar de todo o concelho de Lisboa. Esse despacho impede o fornecimento de meios mecânicos de contracepção aos habitantes de Lisboa, porque o Sr. Provedor entende que "a sua acção não é contraceptiva mas antimidatória". O cidadão que os quiser utilizar é remetido para a medicina privada que cobrar 2000$ ou 3000$ se os puder pagar, evidentemente.
Na Região Autónoma da Madeira, onde há só uma consulta de planeamento familiar, um inconstitucional decreto regional, há dias aprovado, estabeleceu que nas consultas de planeamento familiar da Região- "é vedado o aconselhamento de produtos farmacêuticos ou outros meios de planeamento familiar abortivos", o que é ou uma rematada tolice (por repetir o que só a lei da República pode dizer e já diz) ou é pura e simplesmente a proibição dos meios científicos de planeamento familiar nos serviços públicos e a concessão do seu monopólio à clínica privada. Triste ironia! Dias depois era a Região Autónoma da Madeira que o Sr. Ministro da Justiça escolhia para fazer uma entusiástica apologia das vantagens do planeamento familiar. O diploma não versa matéria da competência da Região-é evidentemente inconstitucional e importa que como tal seja declarado.
Acções como estas inserem-se numa ofensiva tanto mais nefasta quanto o conhecimento da realidade portuguesa demonstra as grandes carências existentes e que atingem particularmente as zonas do interior do país e camadas e sectores da população mais desprotegidas.
Segundo o Inquérito Nacional à Fecundidade promovido pelo INE, só uma em cada 4 mulheres recorre a métodos modernos de planeamento familiar. E 15 % das mulheres portuguesas, embora não desejem engravidar, não utilizam qualquer processo de contracepção. Das 76% que praticam alguma forma (ainda que precária) de contracepção, só 10 % foi observada numa consulta seja em centro de saúde, seja em médico particular. Como sublinhavam recentemente dois técnicos de planeamento familiar num artigo de imprensa sobre a matéria (Expresso, 27 de Fevereiro de 1982), "86% das portuguesas em idade fértil nunca pediram ajuda ou conselho em matéria de planeamento familiar; 47 % não sabe onde funciona o planeamento familiar; das 14 % que alguma vez recorreram a esses serviços apenas 7,8 % o fez nos 12 meses anteriores ao inquérito: apenas 4,6 % das mulheres em risco de engravidar foi observada em centros de saúde nesses mesmos 12 meses".
Há concelhos inteiros onde não existe uma só consulta de planeamento familiar, há zonas onde esclerosados delegados de saúde proíbem pura e simplesmente por sua conta e sem risco, o planeamento familiar.
Ainda no passado domingo o Dr. Albino Aroso, autor da legislação ainda em vigor nesta matéria e director dos Serviços de Ginecologia do Hospital de Santo António chamava a atenção para um outro aspecto gravíssimo. Com inegável lucidez declarava a uma jornalista: "na falta de serviços especiais não posso concordar que se impeça o acesso -dos jovens - aos centros de saúde. Não posso por uma razão de princípio: sendo director de um serviço onde diariamente acorrem menos de 18 anos com abortos provocados - ainda há dias assistimos a uma rapariguinha de 13 anos que teve de ser submetida a uma raspagem - não posso, de forma alguma, como médico e como homem, permitir que estas adolescentes,

Página 2397

3 DE MARÇO DE 1982 2397

Depois de terem sido submetidas a raspagens por aborto, saiam do serviço- de ginecologia sem uma orientação contraceptiva válida."

Vozes do PCP e do MDP/CDE: - Muito bem!

A Oradora: - A situação existente, Srs. Deputados .não pode continuar. Importa aprovar uma lei da República que garantia o direito à paternidade e maternidade consciente e corresponda às solicitações crescentes que junto dos serviços vem registando-se, quer procurando resposta para as questões da contracepção, quer para a prevenção e tratamento da esterilidade e infertilidade que afectam muitos portugueses que desejariam ter filhos. Trata-se de uma questão importante para a defesa da saúde e do bem-estar dos cidadãos e um factor indispensável para a prevenção do aborto.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Os ataques ao planeamento familiar que se tem verificado traduzem orientações se aproximam perigosamente das concepções vigentes durante ü fascismo que condenava o uso de métodos científicos de contracepção, multiplicando entraves legais e práticos a uma livre escolha por pane da mulher e do casal, fazendo a apologia da resignada aceitação de "quantos vierem ao mundo".
Tais orientações têm sempre um inegável conteúdo de classe. Eram e são as mulheres camponesas, operárias e outras trabalhadoras que sofrem mais duramente no plano físico, psíquico, social e económico as consequências da proibição do planeamento familiar, encontrando no aborto a forma de evitar um filho a quem já não têm possibilidade de criar ou sequer de garantir a subsistência.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora:.- Do projecto do PCP decorrem propostas concretas tanto em matéria de educação sexual como de planeamento familiar.
O projecto encara a educação sexual como componente essencial da educação global dos cidadãos, considerando que deve ser incluída nos programas escolares para que da acção da escola possa decorrer uma contribuição positiva para o desenvolvimento dos jovens, com vista ao exercício livre e responsável dos seus direitos, bem como para superação das discriminações em razão do sexo e da divisão tradicional de funções entre a mulher e o homem.

Aplausos do PCP, da UEDS e do MDP/CDE.

Preconizamos, pois, que - de acordo com os diferentes níveis de ensino sejam sinistrados nas escolas conhecimentos científicos sobre anatomia, fisiologia, reprodução e sexualidade humanas. Nos docentes deve ser, evidentemente, assegurada a necessária preparação.
Em matéria de planeamento familiar, o projecto! depois de p definir, estabelece garantias do exercício desse direito fundamental: liberdade de informação sobre as regras e métodos: livre decisão sobre o uso de meios contraceptivos e sobre os métodos; liberdade de acesso de todos os cidadãos que de tal careçam,
independentemente, do estado civil, idade, ou condição económica. Consagra-se, pois, a possibilidade de acesso dos jovens às consultas de planeamento, contrariando a recente orientação imposta pelo Governo e estabelece-se a gratuitidade dos meios e consultas.

Vozes do PCP e do MDP/CDE: - Muito bem!.

A Oradora: - Por outro lado, é importante delimitar a responsabilidade do Estado na criação das condições necessárias para que estes direitos se realizem. O Estado deve promoveria informação e divulgação das regras e métodos científicos de regulação da natalidade; garantir, a existência e regular funcionamento de serviços especializados, e gratuitos de planeamento familiar; disciplinar e controlar a produção importação, distribuição e uso de contraceptivos, para além de promover a formação de técnicos, aí investigação e o incentivo e apoio às iniciativas populares em matéria de planeamento.
De acordo com indicações internacionalmente recomendadas, o projecto aponta para que se estabeleçam regras tendentes a. garantir1 ampla informação pública - designadamente: através da Rádio TV e a necessária expansão dós serviços de planeamento familiar - que devem funcionar em todos os centros de saúde, mas também nos; restantes serviços de saúde.
Tendo em vista uma adequada resposta aos problemas dos jovens, prevê-se a criação nos centros de saúde de uma valência que segure á prestação de cuidados de saúde especificamente destinados aos adolescentes. Onde tais serviços não existam, deve ser assegurado e incentivado o atendimento adequado dós jovens, nas consultas de planeamento familiar.
Regula-se, finalmente, a venda de anticoncepcionais, a publicidade de meios contraceptivos e preconiza-se a formação adequada para os profissionais de saúde envolvidos em acções de planeamento familiar.
Propõe-se, contrárias às regras que se definem e mantém-se em vigor a legislação já existente quero desrespeitando, sem revogar.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

Sr. Presidente;: último o projecto de lei legalização da intenção voluntária da gravidez. Este tem sido sem dúvida o mais falado dos projectos. É que apesar de o aborto clandestino existir, de se praticar às [...] Portugal, de morrerem mulheres em consequência das condições em que o fizeram ficarem estropiadas para toda á vida senda um negócio que lidera no País, humilhando e fazendo os riscos terríveis a centenas, senão milhares- de mulheres portuguesas por dia há uma lei; relha Código Penal, que o proíbe Mas o aborto existe - não há ninguém que seja capaz de o negar apesar da lei o proibir. Mais toda à gente sabe; onde se faz, a polícia, os juizes, os tribunais, e até aqueles que o querem, ilegal.

Vozes do PCP, do PS da UEDS e do MDP/CDE:

Muito bem!

Página 2398

2398 I SÉRIE -NÚMERO 59

A Oradora: - É uma situação abominável. E a questão não é ser-se a favor ou contra o aborto, condenar ou não o aborto. O aborto é sentido por todos como último recurso, um mal a prevenir e evitar. A questão que se deve colocar, a verdadeira alternativa, é entre o aborto clandestino e o aborto legal.

Aplausos do PCP. do PS, da UEDS e do MDPI CDE.

A questão que se coloca verdadeiramente é se o aborto deve continuar a ser feito clandestinamente como hoje sucede -com um vasto cortejo de desigualdades, sofrimentos e mortes - ou se deve passar a ser feito em serviços de saúde, em condições que salvaguardem a vida, a saúde e a dignidade da mulher, como sucede nos países democráticos.

Vozes do PCP: -Muito bem!

A Oradora: - A lei de 1886, pelo facto de existir não tem nenhuma eficácia. É uma lei que diariamente é violada por consenso geral. A lei não acaba com o aborto, não o impede, só com grande hipocrisia se poderá sustentar o contrário. Mas a lei tem uma consequência terrível: atira para dramáticas condições cie clandestinidade que fazem perigar a saúde e até a vida, humilhando mulheres que perante uma gravidez não desejada ou a impossibilidade real de mais um filho optam pela interrupção.
Esta situação tem de ser encarada de frente, responsavelmente, .Srs. Deputados, por quem pode e deve decidir neste campo, tanto mais que há nas consequências da lei em vigor um claro sentido de classe. É que algumas senhoras ricas que andam para aí fazendo campanha contra a legalização metem-se no avião...

Aplausos do PCP, do PS, da UEDS. do MDP/CDE e da UDP.
... e vão praticar o aborto a países onde ele é legal (à Inglaterra, à Suíça, por exemplo), ou fazem-no cá com toda a segurança, sob controle médico e em algumas das mais chiques clínicas que por aí há, por vinte ou trinta contos. Quem corre perigos, quem entra a morrer ou a esvair-se em sangue nos hospitais, quem vai até eventualmente para a prisão, são as mulheres operárias, camponesas, empregadas e as jovens.

Vozes do PCP. do PS, da UEDS e do MDP/CDE:

- Muito bem!

A Oradora: - A alternativa ao drama do aborto clandestino nunca poderia ser, pois, a manutenção do aborto clandestino deixando intacta a lei que o fomenta. A alternativa é a protecção e defesa da maternidade, o incremento do planeamento familiar, e a delimitação de um quadro legal que defenda a saúde, a segurança, a dignidade de quem recorra à interrupção da gravidez.

Aplausos do PCP, da UEDS e do MDP/CDE.
Não é possível decidir conscientemente escondendo por detrás de clichés e chavões reaccionários, obscurantistas e especulativos a aceitação da situação que existe. Por detrás desses chavões está o aborto
clandestino e esse tem de vir ao de cima, por muito que magoe e doa a todos nós.

Vozes do PCP, do PS, da UEDS e do MDP/CDE:

- Muito bem!

A Oradora: - O abono clandestino, Srs. Deputados, é um negócio sórdido que existe em todo o país, nas zonas urbanas e nas zonas rurais (aí chama-se "desmancho" e é quantas vezes a única forma conhecida e usada de contracepção). Há casos de mulheres que fizeram dez, vinte, ou mais na sua vida. Mas o aborto é feito em condições tanto piores quanto mais barato for. Vai de 2000$ aos 20, 30 ou mais contos quando praticado em luxuosas clínicas. Para quem não tiver mesmo possibilidades económicas nenhumas, restam então os meios secularmente utilizados que vão desde o pé de salsa às laminarias.
Como tão bem expressou a jornalista Maria Amónia Fiadeiro:
Não são iguais as mulheres que evitam a gravidez com tranquilidade e conhecimento e as que passam tormentos de aflição e medo. É diferente uma mulher que faz um aborto às mãos de uma "curiosa)" e aquela que se declara turista na fronteira londrina. É diferente uma mulher que não sabe o que fazer à vida e se lança na busca de uma morada clandestina e a que bate à porta do consultório de um médico amigo ou amigo do seu marido. É diferente uma mulher que paga o "tratamento" com um cheque visado e a que empenhou, às escondidas os brincos de noivado ou uma peça da mobília.

Aplausos do PCP, do PS, da UEDS. do MDP/CDE e da UDP.
São palavras que mostram bem o sentido de classe que tem todo este problema.
Para evitar o terrível drama do aborto clandestino a solução é, pois, e repetimo-lo, o planeamento familiar e a defesa da maternidade. Mas o planeamento familiar não chega a todo o país, mas o planeamento familiar e mesmo os métodos científicos às vezes falham, mas o planeamento familiar não está ainda, estamos muito longe disso, ao alcance dê todos. Por outro lado, em relação à maternidade e às condições que se deparam aos portugueses para ter filhos, o que verificamos é um agravamento brutal das condições de vida que faz com que o casal tenha muito menos filhos do que os que gostaria de ter. Qual é então a solução? Que último recuso resta?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estas não são questões secundárias do nosso País. Em particular o aborto clandestino é um grave problema e a sua resolução só tende a unir a esmagadora maioria dos portugueses dos mais diversos partidos, ideologias e confissões.
A linha divisória é entre aqueles que pelas suas posições acabam por condenar à morte e a sofrimentos irreparáveis milhares de mulheres e a esmagadora maioria dos que admitem que, quando em consciência, a mulher não possa continuar a gravidez, então em vez de se encaminhar para as mãos clandestinas de uma "curiosa", lhe seja facultada a possibilidade de interromper a gravidez em segurança.

Aplausos do PCP, do PS, da UEDS, do MDP/CDE e da UDP.

Página 2399

3 DE MARÇO DE 1982 2399

Nesta cidade, bem perto daqui, morreu na quarta-feira uma mulher de nome Isabel. A certidão diz: "paragem cardíaca". Mas o funeral foi interrompido por suspeita de aborto ao 5.° mês.
Casos como estes não podem continuar a acontecer, Srs. Deputados! Importa que nenhum esforço seja poupado, nenhum contributo seja recusado para alterar esta situação. Sem ambiguidades. De frente. Assumindo cada um a responsabilidade que confere o mandato que recebeu do povo português. Pela nossa parte apresentámos já propostas concretas e globais a que chegámos após cuidadosa reflexão. Não reivindicamos o privilégio da solução perfeita. São necessários e bem-vindos contributos, opiniões e enriquecimentos.
Propomos a legalização da interrupção da gravidez nas seguintes condições:
Quando a gravidez tenha resultado de violação ou outro crime contra a liberdade sexual da mulher;
Quando a continuação da gravidez, o parto, ou uma nova maternidade sejam susceptíveis de causar séria lesão da saúde física ou psíquica da mulher;
Quando haja sérios riscos de o nascituro sofrer de grave doença ou malformação;
Quando a mulher, em razão da situação familiar ou de grave carência económica, esteja impossibilitada de assegurar ao nascituro condições razoáveis de subsistência e educação ou a gravidez seja susceptível de lhe criar uma situação economicamente incomportável.
Tendo em vista a garantia de condições adequadas de saúde e segurança, consideramos que à interrupção só pode ter lugar nas doze primeiras semanas, sempre sob a direcção de um médico e exclusivamente em estabelecimento público ou privado que preencha requisitos de qualidade e eficácia.

A Sr.ª Ercília Talhadas (PCP):-Muito bem!

A Oradora: - A decisão de interrupção deve caber à mulher, a nenhuma outra entidade se atribuindo poderes de apreciação vinculativa ou fiscalização das motivações e fundamentos invocados, mas acautelando as condições necessárias à liberdade de escolha.

Vozes do PCP e da UEDS: -Muito bem!

A Oradora: - Nesta matéria a palavra da mulher não é substituível como não é substituível a própria mulher na sua função de dar à luz, como reconheceu um lúcido texto aprovado pela ONU em 1975 e numerosas recomendações internacionais, nomeadamente da Organização Mundial de Saúde.

Vozes do PCP e da UEDS: - Muito bem!

A Oradora: - O processo de decisão que propomos comporta duas fases fundamentais: a consulta inicial, durante a qual a mulher se dirige a um médico, recebendo informação adequada; a declaração da vontade de interromper a gravidez-(junto de serviço de saúde autorizado), após um prazo de reflexão de pelo menos sete dias (que visa garantir a ponderação da decisão).
Deve evidentemente ser garantido o sigilo de todo o processo.
Propõe-se igualmente a admissão da interrupção da gravidez para remover "perigo de morte ou de grave lesão da saúde da mulher" ou enfrentar "séria probabilidade de doença ou mal formação de particular, gravidade do nascituro, não detectada nas doze primeiras semanas". Nestes casos, a interrupção deve depender de parecer escrito e fundamentado de dois médicos, que devem fixar, o- prazo dentro, do qual pode ser realizada.
O projecto de lei reconhece o direito ide objecção de consciência dos médicos -ao contrário do que disse a Juventude Centrista, há dias e demais profissionais de saúde em relação, às actuações, directamente ligadas à interrupção voluntária de gravidez, mas procura garantir que os serviços públicos de saúde autorizados a praticá-la sejam organizados por forma tal que o exercício da objecção de consciência não neutralize a sua capacidade de resposta, às solicitações.

Vozes do PCP e da UED - Muito bem!

A Oradora:- Sublinhando a necessidade de prevenir o aborto, aponta-se para que, no decurso do processo de decisão e a interrupção, a mulher receba informação
Finalmente, estando isso responsabilidade de praticar a IVG em termos seguros e adequados, prevê-se a punição de quem, com ou sem consentimento da mulher, a pratique fora dar condições previstas; A punição é mais pesada; quando a interrupção se faça contra a vontade, da mulher venha a conduzir à sua morte ou a grave lesão da sua saúde. Igualmente se incrimina, o. dolo ou negligência, do médico na interrupção por motivos terapêuticos, a violação do sigilo e as acções ou omissões, dos profissionais de saúde que humilhem ou maltratem a .mulher que pratique a interrupção voluntária da gravidez.
Revoga-se, Penal.

Aplausos da UDP.

É nestas condições que o projecto do PCP propõe a legalização da interrupção voluntária da gravidez; Nessas condições da gravidez hão deve ser da frieza olímpica das abstracções para verificar em que situações se com que dramas as mulheres recorrem à interrupção da gravidez.
Será criminosa uma mulher cardíaca, mãe de filhos, que sob conselho médico interrompe a gravidez para evitar que os, seus filhos" fiquem órfãos
Uma jovem que aborta por ter sido violada e sofrido a mais ignóbil violência, é- uma criminosa Srs. Deputados?
Uma jovem de 12 ou 13 anos que engravida sem que tenha podido sequer desejá-lo, é uma delinquente juvenil, se vier a abortar?
Uma grávida mãe l ou 2 meses que contrai a rubéola e se dirige a um médico para interromper a gravidez, é uma, criminosa ?

Página 2400

2400 I SÉRIE -NUMERO 59

Há mulheres, Srs. Deputados, que um dia, já com mais de 40 anos, com os seus filhos já criados, descobrem, estupefactas, que estão grávidas e decidem interromper essa gravidez tardia e com grandes possibilidades de malformação. A lei deve condená-las à prisão ou empurrá-las para a morte?
Nenhum princípio constitucional, nenhum fundamento relevante para a elaboração de uma lei da República pode ser invocado contra uma resposta justa no plano legal a situações como estas!

Aplausos do PCP, do PS, da UEDS, do MDP/CDE e da UDP.

Qualquer que seja o momento do começo da vida - matéria sobre a qual- se travam há séculos infindáveis polémicas (onde às divergências científicas se soma muita especulação, preconceito e até obscurantismo); qualquer que seja a medida de protecção legal a conceder aos nascituros, não poderá ã lei consagrar pontos de vista tão absolutizados que em nome deles venha a matar-se a mãe. ou a impor-lhe sob pena de prisão uma gravidez que a saúde ou a vida lhe tornaram insuportável. Nenhum valor poderia legitimar uma tal coacção!
Nestes anos 80, um Estado civilizado hão pode colocar à mulher e cidadã a bárbara escolha entre levar até ao fim uma gravidez forçada ou ir para a prisão cumprir uma pena por aborto (se conseguir sair viva dos meandros do aborto clandestino).

A Sr.ª Alda Nogueira (PCP): -Muito bem!

A Oradora: - Tempos houve em que as concepções contrárias foram doutrina de Estado, aplicada pela violência. Mas basta recordar tais doutrinas para medir como são hoje crimes abomináveis contra a mulher e á humanidade, inaceitáveis numa ordem democrática e igualitária.
É de lembrar, em primeiro lugar, que leis e Estados houve que fundaram tal imposição à mulher em imperativos de «defesa da raça» que conduziam a conferir à gravidez a natureza de um acto quase público t à sua interrupção o carácter de um crime contra a segurança do Estado.

O Sr. César Oliveira (UEDS): - Muito bem!

O Orador: - Assim legislou o nazismo, quanto à mulher ariana evidentemente, não quanto às restantes. Era assim a lei do governo colaboracionista de Vichy. Era assim a lei italiana que, da ditadura de Mussolini até 1975, vigorou em Itália até ser declarada inconstitucional pelo tribunal competente. Foi também esse o sentido que entre nós certos arautos do fascismo procuraram imprimir ao artigo 358.º do Código Penal. São concepções incompatíveis com a Constituição da República, com o regime democrático que somos.

Vozes do PCP e da UEDS: - Muito bem!

A Oradora: - São de recordar, em segundo lugar, as caducas concepções assentes na ideia de inferioridade da mulher e na subordinação de toda a sua vida à função reprodutiva e procriadora. Foram essas concepções que presidiram no nosso velho Código Penal à definição dos crimes cometidos pelas mulheres ou contra as mulheres. É por isso mesmo que a pena para o aborto, tendente a ocultar a desonra, pode ser atenuada especialmente, enquanto o aborto para salvar a vida é punido nos severos termos gerais.

Vozes do PCP e da UEDS: - Muito bem!

A Oradora: - Tais soluções são incompatíveis com a exigência constitucional de igualdade.
São finalmente de referir, Srs. Deputados, as concepções que em nome da vida em abstraio, em quaisquer circunstâncias, a qualquer preço, acabam por conduzir à destruição concreta de vidas de mulheres ou à lesão da sua saúde física e psíquica que a Constituição sem qualquer dúvida protege plenamente. A discussão da questão ao longo de séculos, no plano ético, teológico, científico e legal, enche milhões de páginas em todas as línguas. Mas longe vão os tempos em que sob a ameaça de cadeia, tortura e fogueira se sustentava que, pela «ordem natural das coisas», a alma só. animava o feto em dada altura e sempre um mês mais tarde nos fetos de sexo feminino. Os tempos mudam e as instituições com os tempos. Cabe-nos hoje decidir à luz das modernas exigências e conhecimentos, não misturando os planos e esferas de acção.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - As propostas que fazemos respeitam a consciência de cada um, mulheres, homens, médicos, trabalhadores da saúde, respeitam as crenças de todos. Que os deputados assegurem que cada um dos portugueses possa escolher livremente é o que propõe o projecto de lei do PCP. E o que a lei da República deve garantir.
Como sublinhou o Sr. Deputado Mário Raposo, quando bastonário da Ordem dos Advogados: «punir hoje com as drásticas sanções do artigo 358.° do Código Penal todas as formas de interrupção provocada da gravidez, qualquer que for o estádio da gestação traduz um critério ético-jurídico verdadeiramente patológico. Uma aberração legal.» E concluía o mesmo jurista: «não caberá ao Estado velar através de regras positivas pela observância dos deveres religiosos (...) Ao cidadão, crente ou não crente, não podem ser, com a generalidade e coercividade que a lei postula, impostos parâmetros de actuação que só numa crença religiosa se filiariam».

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Nem poderia ser de outra maneira, Srs. Deputados, sob pena de o Estado ser levado a proibir o divórcio, a vedar todos os métodos de planeamento familiar que alguns reputam de «não naturais», a proibir o tratamento igual dos filhos nascidos fora do casamento, a recusar o reconhecimento legal da união de facto...
A conhecida posição da Igreja Católica sobre o aborto não nos pode ser indiferente. Merece-nos respeito a sua expressão, o seu alcance na esfera espiritual que é a sua, junto de muitos dos portugueses, tantos dos quais filiados no nosso próprio partido.

Risos do PSD e do CDS.

Página 2401

3 DE MARÇO DE 1982 2401

Mas o Estado não pode executar através dos tribunais e prisões os julgamentos que sendo do foro espiritual só pelos meios espirituais podem ser efectivados.

Aplausos do PCP, do PS, da UEDS, do MDP/CDE e da UDP.

O bárbaro resultado a que o aborto clandestino conduz não pode ser contestado pela lei de um Estado civilizado a ponto de condenar à morte a mulher cuja vida e saúde a gravidez põe em risco. Pioneiros na abolição de outras formas de pena de morte, somos agora, anos após o 25 de Abril, dos últimos na Europa e no mundo a considerar a sua abolição para a mulher forçada a interromper a gravidez. Mus é essa e não outra, nos tempos de hoje, u forma de honrar coerentemente a tradição de que foi pioneiro o Estado português. É essa a única forma verdadeiramente tolerante, que sem impor nada a ninguém deixa que cada um escolha por si. É a solução que vem sendo adoptada pela generalidade dos Estados.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Numa síntese feliz, um conhecido jurista que se senta entre nós afirmavam que nem com a candeia de Diógenes encontraremos hoje uma sociedade que aborto seja imune. E só muito difícil mente encontraremos um sistema jurídico -sem excluir o dos países de maioria cristã ou mesmo católica - que por disposição legal expressa, ou por via jurisprudência! (apelando ao estado de necessidade ou ao princípio da não exigibilidade de outro comportamento) não considerem lícitos ou no mínimo não puníveis, alguns casos de aborto». E concluía o Dr. Almeida Santos -porque é dele que se trata-: «A este respeito, o nosso sistema jurídico constitui uma das poucas excepções encontráveis. A nossa jurisprudência recusou-se sempre a admitir que o estado de necessidade justificasse o aborto ou a sua não punição.»
Sabe-se bem, Srs. - Deputados, que lamentavelmente assim sucede ainda hoje. Face à caduca lei que temos, é, inclusivamente, proibido e problemático o recurso aos meios terapêuticos que sendo verdadeiramente necessários para curar as doenças do organismo possam acarretar como consequência indirecta e não directamente querida a interrupção da gravidez. E no entanto, a própria Igreja Católica tem afirmado que neste caso não reputa ilícito, na conhecida expressão da Encíclica Humanae Vitae, os recursos a esses meios terapêuticos. E o próprio Código Deontológico da Ordem dos Médicos prevê interrupção terapêutica e eugénica, que não tem neste momento qualquer cobertura legal. É uma situação anómala que não se pode prolongar sob pena de ineficácia e sem dúvida de alguma hipocrisia insustentável.

A Sr.ª Alda Nogueira (PCP): - Muito bem!

A Oradora: -A revogação da lei de 1886 é pois um imperativo decorrente das consequências desastrosas que dela decorrem, mas também das lições da experiência de outros povos e de outros países (mais de 40) que nos últimos anos introduziram alterações positivas nas suas leis.
Hoje o aborto é permitido, segundo fórmulas e condições muito variadas (mas comuns quanto ao princípio) em países diversos como a Áustria, a Austrália, Bulgária, Bélgica, Bahamas, Checoslováquia, Chipre, Canadá, Coreia, China, Cuba, Cambodja, Dinamarca, Estados Unidos da América, Emiratos Árabes Unidos, França, Finlândia, Grã-Bretanha, Grécia, Gibraltar, Hungria, Holanda, Hong-Kong, Honduras, Itália, índia, Islândia, Israel, Japão, Jugoslávia, Jamaica, Jordânia, Luxemburgo, Marrocos, Malavi, Noruega, Nova Zelândia, Nigéria, Polónia,' Peru Quénia, RDA, RFA, Roménia, Senegambia, Serra Leoa, Suíça, Singapura, Suécia Tunísia, União Soviética, Uganda, Vietname; Venezuela, Zâmbia; Zimbabué e muitos outros.
Portugal tem por companhia a Espanha (onde neste momento cresce o debate do problema na sequência da dramática intoxicação provocada pelo óleo de colza), a Irlanda, alguns países da América do Sul, da África, e as Filipinas.
Aos 21 países do Conselho da Europa e dos subscritores da convenção Europeia dos Direitos do Homem somos pois, um dos três que ainda proíbem o aborto. E no entanto, o próprio Conselho da Europa recomendou aos estados membros a adopção de providências nesta matéria.
Estes países estão todos contra a vida, Srs. Deputados?
Ninguém pode honestamente afirmá-lo. E caso o afirmem, como desabridamente fez ontem um órgão supremo do CDS, lançando infames acusações contra o PCP, então é caso para afirmar que estamos bem acompanhados, Srs. Deputados do CDS e que os senhores estão bem isolados na _vossa ultramontanismo, obscurantismo e reaccionarismo.

Aplausos do PCP, do MDP/CDE e da UDP.

É também o que os Tribunais constitucionais têm reconhecido na Europa. A decisão de 15, de Janeiro de 1975, do Conselho Constitucional Francês declarou precisamente que o texto da lei sobre a interrupção voluntária da gravidez não é contrário ao principio segundo o qual a República Francesa garante á criança o direito à saúde do que decorre nesse aspecto a distinção entre a criança e o embrião.
O Tribunal Constitucional Federal da RFA, reconhecendo protecção legal ao feto, considerou que dela não podem recorrer tais exigências à mulher que ultrapassem limites considerados suportáveis.
Nesses casos, por razões terapêuticas eugénias, éticas ou sociais , o Estado não pode compelir a mulher pelos meios do direito penal a levar a termo a gravidez, solução que em 18 de Maio de 1976 viria a ser consagrada pela 15.ª Lei de Revisão do Código Penal.
Também o Tribunal Constitucional, italiano na sua sentença 27/75, não só considerou: não punível o aborto livremente consentido pela mulher, em caso de perigo para o, seu bem estar físico e equilíbrio psicológico, como viria mais tarde a indeferir o recurso que alegava a suposta inconstitucionalidade da lei italiana 194, de 22 de Maio de 1978, sobre a interrupção da gravidez.
Na Áustria, cuja Constituição não regula expressamente o direito à vida, o Tribunal Constitucional considerou que o artigo 2º da Convenção Europeia(...)

Página 2402

2402 I SÉRIE -NÚMERO 59

(...)dos Direitos do Homem, válida na ordem interna austríaca, só protege a vida a partir do nascimento, não constituindo obstáculo à liberalização do aborto.
Em 1979, dois terços da população mundial vivia em países em que o aborto é permitido. E menos de 8 % em países como o nosso onde o aborto era totalmente proibido. Em 5 dos 6 países mais populosos do mundo (China, índia, Estados Unidos, União Soviética e Japão), as leis prevêem condições que garantem o muito amplo acesso das mulheres à interrupção voluntária da gravidez. Apesar da variedade de fórmulas, a legislação traduz inequivocamente a imagem de uma nova dignidade humana e social da mulher. Foram dados importantes passos nestes anos. Em 1970, para 2/3 da população mundial o aborto era totalmente proibido ou apenas autorizado por razões terapêuticas. Hoje, está-se perante um movimento irreversível em todo o mundo.
Quanto às soluções concretas a definir em Portugal, vamos discuti-las, vamos aprofundá-las. Muitas têm sido aventadas.
Em dissertação pública, um jurista hoje deputado do PSD, discordando da liberalização do aborto (que também não preconizamos) afirmava textualmente: «a necessidade de alterar o estado de coisas vigente no sentido da descriminalização afigura-se-nos, à partida, sem alternativa». O deputado Costa Andrade considerou então que a solução correcta para o nosso país teria de encontrar-se ano meio do caminho que medeia entre o projecto (do Código Penal apresentado em 1967 pelo Prof. Eduardo Correia) e o ««Código Penal Modelo» americano ou o Código Penal germânico na redacção decorrente da 15.º Lei da Reforma Penal».
Em sentido similar se tinha já pronunciado publicamente o Professor Figueiredo Dias.
A despenalização proposta seria evidentemente preferível à lei de 1886 que ainda nos rege. Mas importa desde já afirmar e esclarecer que ficaria aquém do que se afigura necessário.
A solução a adoptar não deve ser, em nossa opinião, uma mera tolerância da lei penal, um fechar de olhos, uma condicional suspensão de um castigo que a lei só por favor exclui. A lei deve reconhecer à mulher um direito de agir e de exigir, uma garantia de obtenção junto dos serviços públicos gratuitamente, os meios necessários à interrupção da gravidez em condições seguras, humanas e para todas iguais.

Aplausos do PCP, da UEDS, do MDP/CDE, da UDP e de alguns deputados do PS.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Creio que ficou claro o que pretendemos com estes projectos de lei. Antes de mais um amplo debate nacional, que aprofunde o conhecimento da realidade, traga experiências, pareceres, sugestões e enriqueça esta iniciativa que tendo partido do PCP corresponde a necessidades reais e aspirações profundas do povo e em particular das mulheres.

A Sr.ª Ercília Talhadas (PCP):-Muito bem!

A Oradora: - Ao longo dos últimos anos, muitas personalidades, e particularmente mulheres, sensibilizaram o Parlamento para essa discussão e para a
alteração dessa legislação caduca que não nos honra perante a Europa e o Mundo. Não citaremos mais nomes, pois poderíamos ser injustos com omissões inevitáveis.
Agora têm-nos perguntado: «Pensa o PCP que a sua lei vai ser aprovada?»
Não temos a mínima dúvida de que o artigo 358.º do Código Penal será, mais dia menos dia, enterrado por uma lei da República.

Aplausos do PCP. do PS. da UEDS, do M DP/ CDE e da UDP.

Está agora muito particularmente nas mãos das mulheres fazerem valer a sua vontade e mostrá-lo junto dos deputados e deputadas desta Câmara.
Não venha a direita dizer que são apenas uma minoria os que pretendem ver alterado o regime legal do aborto. Ou será que o PSD já não acredita nas sondagens do Expresso que mostram que 71 % dos portugueses são a favor da alteração da lei vigente, para dar resposta às situações que o projecta de lei do PCP põe em realce?
Não nos esquecemos, por outro lado, de que tal questão consta claramente dos programas do PS e do PSD.
Na verdade, e ao contrário do que pretenderam alguns, cegos pela intolerância e pelo anticomunismo, a iniciativa do PCP é tendente a dar expressão legal a um grande consenso em torno desta questão nacional. Muitas são as vozes vindas dos mais variados sectores políticos e ideológicos, que têm tomado posição positiva face à questão da interrupção da gravidez. Recordarei apenas que a esposa do primeiro-ministro, Dr. Pinto Balsemão, em entrevista à revista espanhola Hola, disse era tempos isto de que poucos podem discordar em Portugal:
Não sendo em princípio a favor do aborto, aceito, porém, que em determinadas circunstâncias, possa ser necessário. Nos casos em que não há possibilidade de evitar a gravidez defendo como melhor para a mulher abortar em circunstâncias normais e legais.

Vozes do PCP e do PS: - Muito bem!

A Oradora: - A questão que este projecto de lei coloca a cada um dos senhores deputados é pois clara: manter o drama e o flagelo do aborto clandestino, ou legalizar a interrupção voluntária da gravidez em condições bem delimitadas que salvaguardem á saúde e a vida da mulher.
Sobre isto abrimos um grande debate nacional, desejamos também um sério e completo debate nesta Casa, que será chamada a votar e a decidir na matéria.
É preciso ter a coragem de desenvolver em Portugal um grande movimento de solidariedade social e acabar com o flagelo do aborto clandestino.

Aplausos do PCP, do PS, da UEDS. do MDP/ CDE e da UDP.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se para pedir esclarecimentos à Sr.ª Deputada Zita Seabra os Srs. Deputados Lopes Cardoso, Menezes Falcão, Luísa Raposo,(...)

Página 2403

3 DE MARÇO DE 1982 2403

(...)Rui Pena, João Pulido, Maria José Sampaio, João Morgado, Fernando Condesso, Mendes de Carvalho, Henrique de Morais, Jorge Miranda, António Arnaut, Helena Cidade Moura, Carlos Rosa, Mário Tomé, Luís Coimbra, Barrilaro Ruas e Pinto da Cruz.

O Sr. Luís Coimbra (PPM): -Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: -- Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Coimbra (PPM): -Sr. Presidente, penso que o meu colega de bancada Barrilaro Ruas foi, seguramente, o segundo ou o terceiro deputado a inscrever-se.

O Sr. Presidente:-Se não houver objecção, não tenho dúvidas em inscrever o Sr. Deputado Barrilaro Ruas logo a seguir ao Sr. Deputado Lopes Cardoso.

Pausa.

Srs. Deputados, se me permitem, embora com o risco de gastar mais algum tempo, vou repetir a relação de deputados que se inscreveram, solicitando que alguma eventual omissão seja corrigida.
São, pois, os seguintes Srs. Deputados: Lopes Cardoso, Barrilaro Ruas, Menezes Falcão, Luísa Raposo, Rui Pena, João Pulado, Maria José Sampaio, João Morgado, Manuel Pereira, Mendes de Carvalho, Henrique de Morais, Jorge (Miranda, António Arnaut, Helena Cidade Moura, Carlos Rosa, Mário Tomé, Luís Coimbra, Pinto da Cruz e Alberto Coimbra.
O tempo reservado às perguntas e às respectivas respostas é de l hora e 30 minutos.

O Sr. António Arnaut (PS): - Dá-me licença, que interpele a Mesa, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: -Com certeza, Sr. Deputado.

O Sr. António Arnaut (PS):-Sr. Presidente, inscreveram-se, salvo erro, 17 ou 18 Srs. Deputados, p tempo de que dispomos é limitado - l hora e 30 minutos, incluindo o tempo de resposta da Sr.ª Deputada Zita Seabra, que, pelo menos, tem de ter tanto tempo quanto o dos interpelantes-, e eu gostaria de saber se V. Ex.ª pretende dividir o tempo por cada partido de harmonia com a representatividade de cada um, ou se, pelo menos, assegurará que um partido não pode ter menos tempo do que outro só pelo facto de esse outro partido ter inscrito 10 deputados, como é o caso do CDS.
Isto porque o meu partido apenas inscreveu l deputado - eu próprio - para marcar uma posição sobre esta matéria pelo que desejaríamos salvaguardar o nosso direito.
Entretanto, também queria chamar a atenção da Mesa para a circunstância de o Partido Socialista estar inscrito nos últimos lugares quando a nossa bancada foi das primeiras a pedir a palavra.
O Sr. Presidente: -Sr. Deputado, quanto à última parte da sua interpelação, dir-lhe-ei que não tenho dúvida nenhuma em passar a sua inscrição para terceiro lugar, por exemplo.

Vozes do CDS: -Não, não!

O Orador - Relativamente à primeira questão que colocou, direi que, normalmente, o tempo regimental atribuído às perguntas - e o Sr. Deputado sabe que a distribuição dos pedidos de esclarecimento nunca é proporcional à representação dos partidos é de 3 minutos, desde que, depois, a Sr.ª Deputada Zita Seabra possa responder em 36 minutos.
Não sei se a Sr.ª Deputada aceita este tempo ...?

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): -Sim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: -Então, cada deputado disporá de 3 minutos para formular o seu pedido de esclarecimento é a Sr.ª Deputada Zita Seabra de 36 minutos para responder, não obstante á possibilidade de, se a Câmara estiver de acordo, se poder prolongar este tempo.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Brito (PCP):,- Sr. Presidente, muito rapidamente uso da palavra para dizer que nós pretendemos- e de acordo com o Regimento- que fosse facultada á Sr.ª Deputada Zita Seabra a possibilidade de, em certo momento, poder responder a todas as perguntas que, até essa altura lhe tiverem sido feitas.
Como o Sr. Presidente sabe nós tínhamos a prorrogativa de responder a cada um dos Srs. Deputados, pergunta a pergunta: Não pretendemos fazer isso até para dar proveito a este debate e permitir que mais questões sejam suscitadas mas, ainda assim entende-mos que séria de toda a conveniência que a meio da ordem dos debutados que pretendem suscitar pedidos de esclarecimento nos fosse facultado poder responder.

O Sr. Presidente:- Pela parte da Mesa direi que a Sr.ª Deputada poderá responder quando entender.

O Sr. Lopes Cardoso(UEDS): - Dá-me licença Sr. Presidente?

O Sr. Presidente- Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS):- Sr. Presidente, nós estamos a utilizar, digamos um processo especial pois admitiu-se, e compreensìvelmente, que a apresentação dos projectos de lei demorasse 1 hora dado tratar-se de 3 projectos.
Penso, pois, que não podemos ser rígidos em relação aos pedidos de esclarecimento de 3 minutos. Para mim não peço muito, mais do que isso mas peço uma certa benevolência da Mesa. E creio que um dos critérios que se deveria seguir- se a Mesa e o conjunto de deputados estivessem, de acordo - era o de que o Sr. Presidente desse a palavra, alternadamente ,e para começar, a um deputado de cada um dos grupos parlamentares o que, pelo menos, garantiria a participação de cada um deles e que a partir daí, seguindo se possível a regra da alternância se generalizasse o debate aos outros deputados.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, deixo a sugestão de V. Ex.ª ao critério dos Srs. Deputados Manuel

Página 2404

2404 I SÉRIE -NUMERO 59

(...)Pereira, Jorge Miranda. Helena Cidade Moura e Mário Tomé.

O Sr. Sousa Tavares (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Sousa Tavares (PSD): - É para dizer, Sr. Presidente, que estamos a perder muito tempo com este debate.
O nosso grupo parlamentar inscreveu apenas um único representante, o Sr. Deputado Manuel Pereira, e não tem a intenção de inscrever mais ninguém.
O que desejávamos era, pois, que em vez de estarmos a perder tempo com a organização do debate se passasse a ele de imediato.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Jorge Miranda (ASDI): - Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Miranda (ASDI): - Sr. Presidente, é só para dizer que concordo com o critério sugerido pelo Sr. Deputado Lopes Cardoso.

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): -Sr. Presidente, peço a palavra!

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Suponho ter ouvido o Sr. Presidente dizer há pouco que a minha camarada Zita Seabra dispunha de 36 minutos para responder aos 19 interpelantes. Pelas minhas contas, Sr. Presidente, terá exactamente o mesmo tempo que estes gastarem, o que dá 54 minutos.
Isto sem embargo de a Sr.ª Deputada poder fazer um esforço de forma a consumir o menos tempo possível, pois não vai falar por gosto, tanto mais que já estará cansada.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, evidentemente que não é intenção minha cortar a palavra à Sr.ª Deputada Zita Seabra. Aquilo que eu disse tinha apenas a ver com o limite de tempo que antes tinha-mos acordado más que a Câmara pode superar em qualquer altura, se assim o desejar.

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente:-Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Mário Tomé (UDP>: - Sr. Presidente, é só para dizer que estou totalmente de acordo com a proposta do Sr. Deputado Lopes Cardoso.
Aproveito também para dizer que o tempo que se gasta a organizar o debate o melhora não constituindo, portanto, tempo perdido.

A Sr.ª Helena Cidade Moura (MDP/CDE): - Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Helena Cidade Moura (MDP/CDE): - Sr. Presidente, eu também me esforcei muito para me inscrever mas como havia muitos pedidos de inscrição do CDS, naturalmente que a Mesa olha mais para aquele lado...
Direi ainda que aceito a proposta feita pelo Er. Deputado Lopes Cardoso pois parece ser a mais equilibrada.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, a Mesa procurou já intercalar deputados de iodos os partidos na ordem de inscrições do que resultará que a alternância será um bocado comprometida na medida em que os deputados do CDS são mais numerosos.
Tem, pois, a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso para formular a sua pergunta.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr.ª Deputada Zita Seabra: O Grupo Parlamentar da UEDS congratula-se pela iniciativa do Partido Comunista Português ao trazer a esta Assembleia os 3 projectos de lei que nos foram apresentados.
Permita-me também, Sr.ª Deputada, que pessoalmente a felicite pela sua intervenção. Esteja-se ou não de acordo com o conteúdo dos projectos de lei - e direi que estou de acordo com o essencial - creio que ele revela um esforço de abordagem séria de um problema importante que ficará como exemplo nesta Assembleia.
Congratulamo-nos com a iniciativa do Partido Comunista porque vem abrir um debate necessário sobre questões em relação às quais o silêncio se confunde muitas vezes com a hipocrisia e não é, com frequência, mais do que a recusa da sociedade em assumir abertamente o seu próprio comportamento colectivo.
Os 3 projectos de lei abordam questões que importaria ver apreciadas no seu conjunto. Todas elas tem de ser vistas numa mesma perspectiva: a da emancipação da mulher, a da dignificação das relações homem-mulher, só possível quando estas assentam numa igual liberdade e, portanto, numa igual responsabilidade, ao fim e ao cabo numa perspectiva de dignificação da maternidade e da paternidade.
A Sr.ª Deputada compreendeu esta interligação e esta complementaridade nos 3 projectos e a pergunta que lhe deixo na sequência disso é esta: não teria sido preferível que eles constituíssem no seu conjunto um só todo?
Pode parecer uma questão menor mas não creio que o seja na medida em que tal facto permitiria deixar, de modo mais claro, delimitado o significado das soluções que nos são propostas.
Quanto ao conteúdo dos projectos não é o momento de entrarmos no debate sobre a sua bondade ou maldade. Mas não nos queremos escudar num juízo de oportunidade para escondermos a posição do nosso grupo parlamentar sobre os problemas que aí são levantados e direi por isso, muito simplesmente, que es projectos relativos à protecção da maternidade e ao planeamento familiar e educação sexual merecem, na generalidade, o nosso acordo.
Em relação ao terceiro projecto - interrupção voluntária da gravidez- gostaria de acrescentar algo mais.
O aborto é para nós um acto grave e recusamos que a sua banalização o possa transformar num mero(...)

Página 2405

3 DE MARÇO DE 1982 2405

(...)meio contraceptivo, mas não aceitamos que todos aqueles ou todas aquelas que nele participam possam ser considerados como criminosos. Não aceitamos o dilema «proibição do aborto ou aborto clandestino».
Razões sérias, razões que têm a ver com a vida podem motivar a interrupção voluntária da gravidez. É que se o problema do aborto não pode ser separado do problema da vida, importa não esquecer que defender a vida é antes do mais lutar contra a miséria, a exploração e a guerra.
Não é por isso possível separar o problema do aborto das suas causas sociais: condições de vida infra-humanos, responsabilidades colectivas de uma sociedade incapaz de acolher as crianças e de dar aos jovens um sentido para a existência, insuficiência ou inexistência de uma autêntica educação sexual e de um verdadeiro planeamento familiar.
Do mesmo modo que se não pode reflectir sobre o problema do aborto desligando-o do problema da responsabilidade e da dignidade da mulher, de uma visão sobre a sexualidade que não reduza a mulher ao simples papel da procriação.
As mulheres recusam ser encerradas no papel de guardiães do lar ou de objectos sexuais e o combate pela legalização do aborto é parte da luta das mulheres pela sua libertação, luta que é também luta de libertação dos homens, tal como afirmou Gisele Halimi, depondo perante a Comissão das Questões Culturais, Familiares e Sociais da Assembleia. Nacional Francesa, a propósito do aborto: «da mesma maneira que se pode dizer que não é livre um povo que oprime outro povo, também se pode dizer que um homem que oprime um outro ser humano, que não tem a seu lado um ser humano absolutamente igual, inteiramente liberto, não é um homem livre».

O Sr. César de Oliveira (UEDS): - Muito bem!

O Orador: - E .porque assim o entendemos, também o projecto de lei sobre a interrupção voluntária da gravidez tem, Sr. ª Deputada, nas suas grandes linhas, o nosso apoio.

Aplausos da UEDS. do PCP, do MDP/CDE e de alguns deputados do PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Barrilaro Ruas.

O Sr. Barrilaro Ruas (PPM): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, queria antes de mais exprimir, em nome do PPM, o que pensamos acerca da eminente dignidade do problema que o Partido Comunista Português trouxe a esta Câmara.
Embora neste momento vá tratar, sob a forma de pedidos de esclarecimento -como é regimental-, apenas do terceiro projecto de lei, que diz respeito à interrupção dia gravidez, o conjunto destes problemas obriga esta Câmara a pensar seriamente na problemática real da sociedade portuguesa e do Homem Universal.
Queria também felicitar a Sr.ª Deputada Zita Seabra pela seriedade pessoal que trouxe ao tratamento deste problema.

A Sr.ª Helena Roseta (PSD): - Muito bem!

O Orador. - Feitas estas afirmações queria ainda dizer que o problema suscitado pelo projecto de lei que diz respeito ao aborto é daqueles problemas que não sendo em si mesmo de ordem religiosa, exige de cada um, em plenitude de consciência, uma tomada de posição que tem, com certeza, a ver com á dimensão religiosa do homem. É um problema, diríamos, mais propriamente metafísico, em que a metafísica chama a si e traz para a causa de todos nós aquilo que tem a ver com o destino do homem sobre a terra e com os valores permanentes da existência humana.
O problema que se coloca é o da vida, e esse é com certeza, um problema que diz respeito não apenas à mãe que traz um ser vivo no seu seio, não apenas ao pai e: à mãe: que deram origem a esse ser, não apenas à família em que esse ser humano estaria destinado a nascer se o deixarem nascer - mas tem a ver naturalmente com toda a comunidade humana e não apenas com uma nação.
Perguntaria se não pensa a Sr.ª Deputada mentalidade que explica ou serve de pano de fundo à defesa do aborto, embora, em formas mitigadas, é um vestígio de um certo, maniqueísmo muito tradicional no Oriente é no Ocidente essa mentalidade para a qual a matéria, e muito especialmente a carne é qualquer coisa que deve ser, evitada e repelida.
Creio que há no fundo de tudo isto uma concepção maniqueísta da existência.
Pensa a Sr. ª Deputada, perguntando agora na positiva, que o corpo - do homem ou da mulher- è uma simples coisa? Pensai que a relação entre a mulher e o seu corpo é a mesma que existe entre o proprietário e o objecto de que é dono?
Não pensa a Sr. ª Deputada que o embrião é já um ser humano, em si mesmo existente autónomo, e não uma parcela, ou órgão do corpo materno?
Não pensa a Sr. ª Deputada que o acto humano- acto livre, consciente responsável e por isso mesmo, acto humano - que consista em interromper a gravidez é um acto irreversível cometido contra um ser que é indiscutivelmente um ser humano ?
Não pensa a Sr ª Deputada que é também a esse ser vivo que se dirige a solene protecção- que, creio, é para ser tomada mesmo a serio contida no n.° l do artigo 25.° da Constituição República Portuguesa?
Julga finalmente a Sr.ª Deputada que é legítimo- num momento em que a Ciência converge francamente com a Filosofia: e com a Teologia para a afirmação da natureza, iniludivelmente humana o embrião - caminhar ao arrepio da história e sobrepor ao direito de nascer o direito de matar?
Apesar de tudo, apesar de todos os paliativos, apesar de todos os cuidados que aqui ou além, polvilham o projecto de lei do PCP, creio que não podemos fugir à fria e dura realidade deste desafio.
Fostes vós que o pusestes. Fizestes bem em trazê-lo. Com a grandeza dos problemas humanos é impossível recusar uma participação directa, total, global nesta problemática, que é decisiva para o destino do homem.

Aplausos do PPM, do PSD e do CDS.

O Sr. Presidente:- Tem a palavra o Sr. Deputado António Arnaut.

Página 2406

2406 I SÉRIE -NUMERO 59

O Sr. António Arnaut (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os 3 projectos de lei que agora foram formalmente apresentados perante este Plenário e perante o País pela Sr.ª - Deputada Zita Seabra visam, na expressão dessa nossa ilustre colega, um objectivo fundamental: o da defesa da maternidade como acto livre e consciente.
Pretende-se também que este debate abra um grande debate nacional. Pela nossa pane, desejamos que esse debate seja lúcido, sereno, profundo e desapaixonado. Essas questões têm a ver com a política, têm a ver com a sociologia, têm a ver com a saúde. O PS dará, oportunamente, o seu contributo para este debate.
Desejo felicitar vivamente a Sr. ª Deputada Zita Seabra por ter trazido a esta Assembleia questões tão importantes como aquelas que respeitam aos 3 projectos de lei que ora foram apresentados.
Relativamente ao último -porventura aquele que assume maior melindre - desejo, em nome do grupo parlamentar do meu partido, dizer, muito brevemente, o seguinte:
O PS foi o primeiro partido que, depois do 25 de Abril, tomou uma posição clara no sentido da despenalização do aborto terapêutico e do aborto eugénico.
Ao solicitarmos a esta Assembleia autorização para que o I Governo Constitucional aprovasse a parte geral do novo Código Penal, baseado nos trabalhos do Prof. Eduardo Correia, apresentámos o texto a aprovar, que continha uma proposta de despenalização daqueles tipos de aborto em termos de grande equilíbrio de valores e de grande realismo.
O Sr. Deputado Rui Pena interpelou o então Ministro da Justiça, meu camarada Almeida Santos, sobre a posição do Governo acerca do aborto, tendo o nosso colega Almeida Santos largamente explanado essa posição em termos que constam do Diário da Assembleia da República.
Por isso, afirmamos não ter complexos nem embaraços sobre a problemática do aborto.
Consideramos que o aborto, e a atitude a tomar em face dele, é não só uma questão do foro pessoal e íntimo de cada um, mas também um problema social, que tem de ser discutido sem preconceitos, no respeito pelo pluralismo ideológico consagrado na Constituição e sem redução desta problemática a uma questão meramente confessional.
Por isso propusemos, em sede de revisão da Constituição, que o direito à objecção de consciência fosse consagrado como um direito de carácter geral, e não apenas para efeitos de prestação do serviço militar.
O aborto deverá, por isso, ser confinado ao foro moral, limitando-se ao essencial as suas atinências com o foro jurídico. E, como se sabe, o dever puramente moral não pode, em nenhum caso, ser objecto de imposição do Estado.
Em nosso entender, a interrupção voluntária da gravidez deverá continuar a ser desesitimulada e encarada como último recurso, e a ser combatida através de uma clara pedagogia sobre planeamento familiar e uso de métodos anticoncepcionais.
Não se pode condenar a interrupção voluntária da gravidez e simultaneamente condenar os métodos anticoncepcionais. Mais ainda: não se pode condenar a interrupção voluntária da gravidez e, ao mesmo tempo, colar na fronte da mãe solteira o anátema social da mulher proscrita!
Nestas contradições se enredam muitos dos que assumem uma posição dogmática, face a um problema complexo, como tudo o que é humano e vivo. De igual modo não deixaremos de pôr reservas àqueles que se mostram insensíveis aos aspectos morais e afectivos, consideram a interrupção voluntária da gravidez como uma questão meramente técnica ou de puro arbítrio.
O que o PS não aprova é uma atitude farisaica de fechar os olhos à praga social do aborto clandestino e matricida, em nome de respeitáveis objecções éticas, mas divorciadas das mais incontroláveis realidades.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Tão incontroláveis que o abono clandestino cresce sem cessar, de tal sorte que a sua qualificação como crime praticamente deixou de produzir qualquer efeito preventivo, podendo dizer-se que a sua penalização caiu em desuso.
É óbvio que nem todos os casos de aborto são, para nós, equiparáveis, designadamente quanto ao momento de gestação em que ocorrer.
Mas, sobretudo depois de a generalidade dos países ocidentais como a Alemanha, a Inglaterra, a França e a Itália, terem despenalizado certos tipos de aborto, não podemos continuar a ignorar realidades que põem tão graves problemas morais e sociais como a interrupção voluntária da gravidez.

Aplausos do PS e da UEDS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Rui Pena.

O Sr. Rui Pena (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta é uma daquelas matérias em que cada deputado se sente aqui, nesta Assembleia, como homem. É daquelas matérias que interessa fundamentalmente aos homens e às mulheres de Portugal. É como homem consciente e como deputado que não enjeito, de forma nenhuma, a colocação em que no campo dos princípios a Sr.ª Deputada Zita Seabra colocou no mais rígido ultramontanismo toda a minha bancada e muitos deputados desta Assembleia. Ê que realmente quando estão em causa princípios como os da inviolabilidade da vida humana não me importo de ser conservador, não me importo de ser acusado de ultramontanismo.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: -Sr. Presidente, Srs. Deputados: A verdade é que as 2 primeiras iniciativas legislativas - os 2 primeiros projectos de lei- mais não são do que um repositório daquilo que já existe aqui, em Portugal. Não são mais do que uma repetição da própria Lei de Bases da Família, que foi amplamente discutida por todo o País. Não são mais, pura e simplesmente, do que aquilo que o governo da Aliança Democrática vem, dentro de uma política ousada de família, a realizar, passo a passo, ousademente, para bem das famílias de Portugal, para bem dos homens e das mulheres portuguesas.

Aplausos do CDS.

Página 2407

3 DE MARÇO DE 1982 2407

Ora, a razão por que o PCP inclui estes 2 diplomas dentro de um pacote de família é precisamente para dar a falsa impressão de que as medidas legislativas agora apresentadas se inserem num plano global de protecção à família, instituição que, como se sabe não tem merecido por parte do PCP a consideração que agora se pretende simuladamente demonstrar.

Vozes do CDS -Muito bem!

O Orador: - Saberá o PCP que os órgãos de uma sociedade, como os de qualquer organismo, quando sem função se atrofiam e desaparecem? Sabe que uma família sem filhos é um órgão sem função?

Risos do PS e do PCP.

Sabe que, a pretexto de defender a maternidade e a família, está a atacar as próprias mães e a atentar contra as próprias famílias?
A pretensa complementaridade entre os 3 projectos é, por outro lado, artificiosa e enganadora, na medida em que o conteúdo do primeiro é absolutamente inconciliável com o último.
De facto, a denominada «interrupção voluntária da gravidez» nega o direito natural no seu aspecto mais fundamental, que é o direito à vida.
Consagrando, por exemplo, a Declaração Universal dos Direitos do Homem -no seu artigo 3.°- este direito à vida; consagrando a própria Declaração Universal do Direito da Criança - no seu artigo 4.° - o direito à protecção da vida antes e depois do nascimento; consagrando a nossa Constituição -no seu artigo 25.° - o direito à vida, saberá o PCP que este seu projecto de lei é materialmente inconstitucional? Saberá que, tal como diz o n.° l do artigo 25.° da Constituição «A vida humana é inviolável»? ou o PCP desconhece, ou não admite, ou tem alguma dúvida de que com um simples microscópio óptico as células humanas se distinguem, pelas características do seu núcleo e dos seus cromossomas, de quaisquer outras? Ou julga que uma mulher grávida pode dar à luz um ser que não seja um ser humano?
Assim, como concilia o PCP o projecto de lei sobre a liberalização do aborto com a disposição constitucional que acabo de referir, com todo o direito natural que estas e outras disposições de direito internacional, que citei, reproduzem?

Aplausos do CDS, do PSD e do PPM.

Neste momento, das galenas, alguns elementos do público exibem, em camisolas, letras que constituem uma frase, sendo, simultaneamente, lançados sobre o Plenário panfletos.

O Sr. Presidente: - Não são permitidas manifestações nas galerias. Os Srs. Guardas farão o favor de promover a evacuação das pessoas que, nas galerias, estão a exibir letras que constituem uma frase. As pessoas que, nas galerias, estão a aplaudir terão também que sair.
É do conhecimento público que não são permitidas manifestações nem aplausos ou vozes nas galerias da Assembleia, assim como não é permitido atirarem-se panfletos para a Sala.
Pedia aos serviços o favor de recolherem, imediatamente, os panfletos que foram deitados das galerias para o hemiciclo.

O Sr. Presidente: -Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Miranda.

O Sr. Jorge Miranda (ASDI):- Sr. Presidente, Srs. Deputados: Devido à escassez de tempo, vou apenas referir-me a um dos 3 projectos de lei apresentados pela Sr.ª Deputada Zita Seabra.
Procurarei fazê-lo com a máxima seriedade.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O problema do aborto é um problema social. É também, e antes de mais, um problema ético. É um problema político e um problema religioso.
Resulta de complexos factores- sociais: .carências económicas, falta de habitação, falta de educação em todos os domínios, em geral as terríveis condições de existência da grande maioria das famílias portuguesas. Resulta de não menos graves factores morais e psicológicos, em que avultam á crise contemporânea de valores e a perda de esperança da juventude.
Nem as determinantes sociais, económicas e culturais podem ser escamoteadas farisaicamente, nem as implicações morais é religiosas podem ser ignoradas sob qualquer forma de pressão ou a .pretexto de qualquer aproveitamento de conjuntura.
Estão em causa aqui o estatuto da mulher, a legítima realização dos seus anseios de felicidade e o seu acesso, em igualdade com o homem, ao efectivo exercício de todos os direitos como cidadã e como trabalhadora. Está, no entanto, aqui igualmente em causa o estatuto da família. E está, sobretudo, em causa a vida humana - qualquer vida humana, surgida como quer que surja, sejam quais forem as circunstancias e sejam quais forem as perspectivas de futuro que se tenham.
O problema do aborto interpela-nos sobre o que queremos que seja o lugar da mulher, da criança e da família na nossa sociedade. Interpela-nos acerca do que entendemos que deve ser o planeamento familiar como direito a uma maternidade e a uma paternidade responsáveis. Mas interpela-nos radicalmente sobre o sentido e o valor que atribuímos á vida- a essa vida humana declarada inviolável, sem limites , pelo artigo 25.º da Constituição da República.
Que comunidade vamos transformar e construir? Que soluções alternativas eficazes e verdadeiras propomos para os dramas e misérias a que assistimos? Que lugar, em qualquer caso, vamos conceder à vida, antes e depois do nascimento?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Por ter quer ver com as mais profundas concepções filosóficas, morais e religiosas, pensamos que a posição a respeito do projecto de lei do PCP acerca dá interrupção voluntária da gravidez deve ser uma posição individual dos deputados, e não meramente partidária .
Será isso o que faremos nós, sociais-democratas independentes, de acordo com as regras próprias do nosso partido, que reconhece liberdade de voto em questões de ordem moral e- religiosa. Será o que faremos, de harmonia com a nossa maneira. De(...)

Página 2408

2408 I SERIE -NÚMERO 59

(...)encarar a condição de deputado. Quando o debate mais tarde, se abrir, cada um de nós nele intervirá, discutindo e votando à luz da sua consciência.

Aplausos da ASDI, do PSD, do PS, do PPM e da UEDS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Luísa Raposo.

A Sr ª Maria Luísa Raposo (CDS): - Ao apresentar estes projectos de lei o PCP pretende deitar poeira nos olhos dos portugueses, fazendo-o à ligeira e, hipocritamente, arvorando-se em defensor da maternidade.
Não sabe a Sr. ª Deputada que o projecto de lei n.º 307/11 nada tem de inovador? Que felizmente em Portugal, já há muito, a protecção à maternidade é uma. realidade e que os diplomas mais inovadores se devem ao* governos da AD, nomeadamente as medidas relativas a faltas, por assistência inadiável aos filhos doentes, tanto dos trabalhadores da função pública como no sector privado?
Será alguma novidade a assistência materno-infantil grátis?
A Sr.ª Deputada terá conhecimento do Boletim de Saúde da Grávida? Sabe que nos centros de saúde se dá assistência ao recém-nascido durante o primeiro ano de vida, gratuitamente?
Tem conhecimento dos diplomas que regulam o trabalho feminino, proibindo tarefas que impliquem riscos para a função genética da mulher?
Conhece a Lei de Bases da Família, aprovada em Conselho de Ministros, que irá ser discutida aqui na Assembleia sob a proposta de lei n.° 90/11?
Conhece o Estatuto Social dos Pais?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.

O Sr. Mário Tomé (UDP) - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, quero saudar a Sr.ª Deputada Zita Seabra pela sua magnífica intervenção.
A UDP sempre esteve com as mulheres que lutam pela despenalização e pela legalidade do aborto. Apresentou nesta Assembleia, nomeadamente, um projecto de lei que, devido às manipulações das ordens do dia levadas a cabo pela AD, não chegou a ser discutido. Foi apresentado exactamente numa altura em que as mulheres se mobilizavam e em que eram julgadas Conceição Massano e Maria Antónia Pala.
Nesta fase não me vou debruçar sobre os aspectos técnicos, científicos e sociais do aborto, na medida em que isso ficou exaustivamente apreciado na intervenção da Sr.ª Deputada Zita Seabra.
Queria dizer que este assunto é um problema político fundamental que põe as mulheres trabalhadoras, operárias e camponesas numa situação de iniquidade relativamente às senhoras da alta burguesia. E quantas mulheres de deputados, ou mesmo de Ministros, não terão abortado em boas clínicas, como aliás foi apontado?
Queremos aqui verberar a posição da Igreja - que aliás não poderia ser outra-, altamente reaccionária, opondo-se a tudo o que é progresso e melhoria
de condições de vida do povo, nomeadamente, das mulheres.
Disse o bispo de Braga que a apresentação deste projecto de lei é o avanço da barbárie e a crise da civilização. Isto, se não fosse trágico, era ridículo.
A hierarquia da Igreja, que move e moveu guerras santas -o Vaticano apoiou nomeadamente os nazis- vem falar do avanço da barbárie e da crise da civilização.
Onde está a defesa da vida? Perguntam as mulheres portuguesas e perguntamos nós, Sr. Presidente e Srs. Deputados.
Efectivamente, o grave problema social que se abate sobre as mulheres trabalhadoras impede-as de terem os filhos que desejam e como desejam e impede-as, nomeadamente, de alimentar os seus filhos e de lhes dar um futuro digno.
Este é um problema social candente e deve ser abordado na perspectiva da transformação da sociedade, para que as mulheres e todo o povo tenham as condições sociais que lhes permitam uma vida feliz e em que ser mãe seja uma alegria e não uma tragédia, como acontece no nosso país, em muitos casos.
Sr. ª Deputada Zita Seabra, quando na sua intervenção se referiu àqueles países onde é proibido o aborto, como na América do Sul, alguns países de África e Filipinas, faz-me lembrar que é exactamente, na grande maioria desses países, onde se faz tráfego de menores e onde a prostituição infantil é uma realidade. Isso, aliás, foi tentado apresentar numa reportagem na televisão, que foi proibida pêlos bons processos existentes na direcção da informação da RTP, numa violação clara do direito à informação do nosso povo.
É por estes processos, pela violação do direito à informação e por deitar areia nos olhos da população, servindo-se de preconceitos religiosos, que a direita ultramontana pretende manter o nosso pais no atraso e pretenderia certamente que o nosso país voltasse à Idade Média.
Porque se fossem os preconceitos morais a conduzir a marcha do mundo, estaríamos hoje, certamente, na família sindimiástica e punalua, na Idade da Pedra, e não no século XX da civilização e do futuro.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quando estes projectos de lei forem aqui debatidos a UDP apoiá-los-á. Possivelmente, terá algumas observações a fazer, em pormenor. Mas, desde já, quer dar-lhes o seu apoio porque os considera como um passo muito importante na libertação da mulher, do homem e do povo português.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Menezes Falcão.

O Sr. Menezes Falcão (CDS):-Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não é altura de rebater, ponto por ponto, a argumentação da Sr.ª Deputada Zita Seabra, que na sua óptica produziu um trabalho que me parece digno do maior apreço.
Quando fala na sua óptica, fala na sua posição materialista à qual nos opomos diametralmente.
A Sr. ª Deputada reconhecerá que estamos nos antípodas relativamente a essa posição, e não a aceitamos, de modo nenhum.

Página 2409

3 DE MARÇO DE 1982 2409

Mas não é altura de entrar em especificações. Sirvo-me da figura regimental dos pedidos de esclarecimento, porque gosto de me subordinar ao Regimento. E os esclarecimentos que peço baseiam-se no texto que nos foi apresentado e que tenho presente.
Começa esse texto por dizer:

O Código Penal de 1852, reproduzido em 1886, passa a ser o inspirador da lei ainda vigente, que está ultrapassada e é velha de mais de um século.
Ora, nós, cristãos, entendemos que o Código de 18S2 se inspira na doutrina que tem, pelo menos, 2000 anos. Por isso mesmo, aquilo a que V. Ex.ª chamou o nosso obscurantismo permite fazer á pergunta no sentido de nos esclarecer se essa lei de há mais de 2000 anos está desactualizada. Por outras palavras, a para nós sempre nova Doutrina Social da Igreja está ultrapassada pela doutrina do Partido Comunista?
Uma segunda questão, ainda com fundamento no mesmo texto a que estou a reportar-me, é aquela que diz respeito à afirmação de que o Planeamento Familiar está longe de cobrir as necessidades reais e, em certos casos, é inacessível ou desconhecido.
Nós queríamos saber se considera um triste espectáculo - usando as palavras que V. Ex.ª utilizou há pouco - dizer não à preconizada agressão à vida, na nossa óptica, quando há para percorrer o caminho, que se nos oferece, na procura do melhor conhecimento e da maior acessibilidade a um racional e moral Planeamento Familiar.
Finalmente, uma terceira questão, que vou buscar à pág. 6 do texto que nos foi apresentado. Argumenta-se aqui que «decidir o número de filhos e o mo mento do seu nascimento é um direito fundamental, que a evolução da ciência e da técnica veio tornar possível». Que deve entender-se aqui por evolução da ciência e da técnica?
A evolução da ciência e da técnica de que se fala para novas técnicas na prática abortiva? Ou essa evolução admite e justifica, precisamente, maior razões de repúdio pelas preocupações com que se pretende justificar o moralmente injustificável projecto de lei?
São estas as perguntas que faço, com a devida vénia pelo trabalho de V. Ex.ª Sr.ª Deputada, mas com a preocupação de me esclarecer quanto aos aspectos formais que hão-de conduzir, mais tarde, a uma discussão em profundidade e na qual interviremos com maior interesse e apego.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura.

A Sr.ª Helena Cidade Moura (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os três projectos de lei do PCP apresentados hoje nesta Assembleia dizem respeito à vida, à felicidade da criança, à responsabilização do adulto. Por isso o meu partido está disposto a colaborar no seu aperfeiçoamento e a debater a sua problemática.
Estes projectos de lei têm em conta uma realidade existente, uma trágica realidade que cumpre a esta Assembleia tomar conhecimento e tentar alterar, no seu âmbito de acção.
A experiência profissional e colectiva para muito» será condição de conhecimento e dar-lhes-á maior capacidade de objectivação. O que está de facto em causa não são as convicções pessoais, nem as escolhas éticas, nem a análise do próprio comportamento: O que está em causa é a intervenção política numa realidade social, pela qual nos responsabilizamos.
De uma maneira geral , estamos de acordo com o Projecto de Lei n.° 307/11 sobre protecção e defesa da maternidade e, por economia de tempo, guardaremos para a discussão na generalidade qualquer acerto que pareça oportuno.
Quanto ao dois projectos de lei n.ºs 308/II e309/II, um mesmo tipo de objecções se nos depara. São projectos que dizem respeito a fenómenos sociais a fenómenos de interacção social é que se encontram, quanto a nós, - demasiado isolados um á volta da cadeira do clínico e o outro dos bancos da scola.
Concretizando: no projecto de lei n.º- 309/11 sobre a interrupção voluntária da gravidez, uma imensa solidão envolve a mulher tendo como objectivo racionalizar uma realidade em que os valores humanos, tanto espirituais como físicos (e até que ponto poderemos distinguir socialmente estes valores), o projecto-lei não se liberta dos tabus que isolam o problema, do seu aspecto social.
O homem é neles o grande ausente .A sua imensa e pesada responsabilidade não é nomeada, a sua indispensável aprendizagem como elemento social tanto ou
mais responsável do que a mulher - no caso das adolescentes, o problema põe-se ainda com a maior agudeza-, não é vincada.
Nós pensamos que a educação social começa, em primeiro lugar, pela responsabilização do homem ao mesmo nível da mulher.- Penso, que o projecto de lei não contempla este aspecto do problema.
Assim, dando poder decisório à mulher, o homem deve-se responsabilizar igualmente pela interrupção da gravidez.
Também ao homem cabe o conhecimento do planeamento familiar, com igual perspectiva, interrompida que foi uma gravidez de que ele é co-responsável.
Alguns outros pontos: mais específicos merecem a nossa atenção: o médico sendo essencial parece-nos, no entanto, não poder agir sozinho. Tratando-se de um problema que engloba a totalidade da pessoa humana e julgamos que o psicólogo é factor importante para um diagnóstico mais aprofundado.
A consulta que refere o projecto de lei é uma consulta que visa reflexão. O psicólogo poderá detectar um mundo de medos, de contradições, de solidão ou de escravidão que o médico mais dificilmente desvendará.
- É nossa proposta que a consulta inicial se já uma consulta de uma equipa de técnicos especializados, que normalmente devem integrar um centro de saúde. A assistente social também parece indispensável sobretudo no acompanhamento depois da interrupção da gravidez e em alguns casos também os psicólogos. De qualquer modo, o que nos parece indispensável é que seja o casal progenitor a ser envolvido em todo este processo. Sem isso, a liberdade da mulher será um grito sem eco. O projecto de lei sobre a garantia do direito ao planeamento familiar e à educação sexual, visa, quanto a nós, um fim justo. É um esforço para tornar mais racionais as acções dos homens(...)

Página 2410

2410 I SÉRIE -NUMERO 59

quando essas acções não se limitam a si próprias mas se projectam na colectividade.
Parece-nos também louvável que um mesmo projecto encare o tema do direito ao planeamento familiar e à educação sexual.
O problema dos adolescentes é hoje, de facto, um problema que escapa ao controle das famílias e excede em muito a sua capacidade de compreensão.
Muitas e muitas famílias são alertadas para os dramas que vivem os seus filhos apenas porque estes baixaram o seu rendimento escolar. A maior parte delas vive tão obsecadamente o problema do sucesso social que não tem espaço para se preocupar com mais nada.
Assim, entendemos que as associações de pais deveriam ser chamadas à participação na campanha da educação sexual dos adolescentes. Difícil que seja, trata-se da renovação de uma mentalidade, renovação essa que se impõe. Entendemos que o projecto de lei limita o seu âmbito quando exclui os pais e é omisso quando ao enquadramento da juventude. Deveria, a nosso ver, referir desporto, os tempos livres e chamar a atenção para o ambiente pornográfico e violento, desde os filmes, aos cartazes, `própria acção desgastante de cerca televisão.
Também aqui o problema é de interacção social.
Contudo, a matéria dos projectos de lei apresentados pelo PCP dá-nos conta de uma realidade que nos cumpre assumir.
O MDP/CDE colaborará com todos os colegas desta Assembleia para quem a responsabilidade parlamentar não é uma mera figura de retórica e com aqueles para quem a vida e a verdade são factores da concreta responsabilização diária.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Pulido.

O Sr. João Pulido (CDS):- Sr. Presidente, Srs. Deputados: Depois de ouvir a apresentação do projecto de lei sobre a despenalização do aborto pelo PCP,
Todos ficámos sabendo, e o povo português também, que se o Partido Comunista fosse governo ou maioritário em Portugal, dentro das por si tão apregoadas «amplas liberdades», viria a impor, ainda que indirectamente, um diktat de pena de morte a inocentes que nem ao menos poderiam pedir a comiseração ou invocarem o sagrado direito de viverem.
Mas, os conceitos ficarão para a fase do debate do diploma nesta Câmara. Por agora formularei apenas algumas perguntas que têm a ver com o projecto de lei n.° 309/II, ora apresentado a este Parlamento.
À primeira questão a que agradecia à Sr.ª Deputada o obséquio de me responder, é a seguinte: se a mulher deve gozar da liberdade de poder dispor do seu corpo a belo prazer, porquê não lhe permitir, então, a prostituição?

Protestos e risos do PS, do UEDS e do PCP.

Riam-se, riam-se! O vosso conceito é materialista, mas o meu é diferente! Riam-se!...

O Sr. Presidente: - Peço a atenção da Câmara. Faça favor de continuar, Sr. Deputado.

O Orador: - Muito obrigado, Sr. Presidente. ..

Porquê não lhe permitir o uso da droga? Porquê não lhe permitir o mutilar do corpo?
Segunda pergunta: porquê não permitir á esterilização da mulher quando esta à desejar?
Terceira pergunta: se a mãe pode dispor do filho que traz no seu seio pelo facto de ele, no seu desenvolvimento físico, depender dela, então por que não é permitido eliminar indivíduos quê são estorvo para a sociedade, como deficientes, loucos e doentes portadores de enfermidades incuráveis? Em suma, por que é que e não é permitido tomar uma espécie de solução final para os que não são elementos activos da sociedade ou que representam um peso social para esta?
Quarta e última pergunta: dado o funcionalismo previsto no artigo 7.º, combinado ou conjugado com o disposto no artigo 16.º do projecto de lei, como é possível acautelar-se o sigilo profissional e até o respeito pela privacidade, não só da vida familiar como também da vida de casa um?
Eram estas as perguntas a que eu gostaria que V. Ex.ª respondesse, caso possa e queria, não só para nosso esclarecimento, mas também de todo o povo português que aqui representamos.

O Sr. Presidente:- Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Pereira.

O Sr. Manuel Pereira (PSD):- Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr.ª Deputada Zita Seabra, V. Ex.ª fez algumas alusões ao programa do nosso partido e a declarações prestadas a título individual por alguns militares e deputados a título individual por alguns militares e deputados desta bancada.
O Grupo Parlamentar do PSD deseja deixar bem clara a sua posição de rejeição relativamente ao projecto-lei n.º 309/II sobre a interrupção voluntária da gravidez.

O Sr. Manuel Alegre (PS):- É o farisaísmo!...

O Orador:- O PCP quando deve o poder poderia Ter legislado sobre esta matéria; ao pretender fazê-lo só agora, fê-lo por razões político-partidárias, desprezado a natureza ética e moral que se prende necessariamente à discussão deste diploma.

Vozes de PSD:- Muito bem!

O Orador:- Nós, sociais-democratas, não aceitamos que um tema desta natureza e melindre e que diz respeito aos sentimentos mais profundos da maioria dos portugueses seja instrumentalizado por qualquer partido.

Vozes do PSD:- Muito bem!

O Orador:- Não ignoramos tão pouco a posição da igreja Católica nesta matéria e a importância de que ela se reveste para parte da população portuguesa.

Vozes do PSD:- Muito bem!

O Sr. Manuel Alegre (PS):- É um oportunismo escandaloso!...

Página 2411

3 DE MARÇO DE 1982 2411

O Orador: -A extrema gravidade e acuidade social inegavelmente subjacentes a este problema exigem da parte do PSD um estudo profundo das suas causas sociológicas, uma audição generalizada da população, ...

Vozes do PSD:-Muito bem!

O Orador: - ...uma rejeição de soluções demagógicas e oportunistas e a construção de alternativas que diminuam e venham um dia a extinguir esse grave problema que constitua o aborto.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador. - Esta, aliás, tem sido a linha do nosso partido a quem se deve, por iniciativa do então Secretário de Estado, Dr. Albino Aroso, o lançamento dos centros de planeamento familiar em Portugal.

Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP):-Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada Zita Seabra, V. Ex.ª pretende responder imediatamente?

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): -Sr. Presidente, se me permite, respondo a este bloco de questões que até agora foram feitas e no fim responderei às restantes.

O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr.ª Deputada. Tem V. Ex.ª a palavra.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero, em primeiro lugar, agradecer aos Srs. Deputados que neste curto período de intervenções vieram manifestar o seu apoio, ou dar sugestões, no sentido de louvar a iniciativa que vai levar a Assembleia da República a debruçar-se sobre um problema tão grave. Quero reafirmar mais uma vez a todos esses Srs. Deputados que o PCP está totalmente aberto a outras sugestões e alterações, que levem ao enriquecimento e à melhoria dos textos que aqui entregámos e isto porque o único intuito que nos move é que, à semelhança do que se passou noutros Parlamentos, à semelhança de debates idênticos travados nos Parlamentos da Europa -que os senhores têm sempre na boca-, a Assembleia da República faça um trabalho sério e de rigor em torno dos problemas que aqui colocámos para podermos travar uma discussão não apaixonada, não ligada a ideias que às vezes não estão sequer clarificadas, de modo a que cada um possa votar em consciência, sabendo exactamente o que está a fazer e as consequências que poderão ter o seu voto.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora:-Respondendo agora a algumas das questões que me foram colocadas gostaria de referir o seguinte: a primeira pergunta foi do Sr. Deputado Lopes Cardoso. A sua questão é pertinente e nós próprios hesitámos se devíamos apresentar um único projecto de lei contendo as 3 questões, que no fundo têm a tal ligação comum -a defesa do conceito de maternidade como acto livre e responsável -, ou se devíamos individualizá-las em 3 projectos de lei como, aliás, acabámos por vir a fazer. Inclinámo-nos para essa solução porque nos pareceu que era uma medida que daria, por um lado, uma maior possibilidade de aprofundar o trabalho na Assembleia da República em torno de cada um dos 3 projectos de lei e, por outro, porque tornaríamos mais claro aos olhos dos portugueses - digo isto pelas dificuldades que temos no acesso aos grandes meios de comunicação social - que era em três áreas, embora quanto a nós indissociáveis, que pretendíamos actuar e não pura e simplesmente, como talvez se passaria a dizer, sobre o nosso projecto de lei sobre a interrupção voluntária da gravidez.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - Foi esse o princípio que nos norteou.
Pensamos que estes 3 projectos de lei devem baixar em conjunto à Comissão de Saúde, Segurança Social e Família como sucedeu, por exemplo, no Parlamento francês e italiano, onde foram analisadas estas mesmas 3 questões em conjunto e donde saíram leis que hoje estão em vigor nesses países.
Respondendo agora às outras perguntas vou associar várias delas, visto estarem ligadas a um tema largamente difundido, quer no nosso país, quer nos países onde debates semelhantes tiveram lugar, ou seja, a questão do direito à vida, da alternativa aborto/vida.
Srs. Deputados, a alternativa -quanto a nós isso é evidente - não é entre o abono e a vida, mas sim entre o aborto clandestino e o aborto legal. Por isso aqueles que aqui falam em nome do direito à vida são os que defendem o aborto clandestino.

Aplausos do PCP. do PS, da UEDS, do MDP/CDE
e da UDP.

Protestos do CDS.

Ou então, Srs. Deputados...

O Sr. Rui Pena (CDS): - Dá-me licença, Sr.ª Deputada?

A Oradora: - Só um momento, eu não os interrompi quando falaram.
Os Srs. Deputados negam que o aborto não se pratica em Portugal? Que não há entre 100 000 a 200 000 abortos por ano em Portugal? Que não se morre em Portugal por aborto e que não se fica estropiado em Portugal por aborto? Penso que isto não se pode negar. Na medida em que é uma realidade vai originar que a manutenção da proibição do direito ao aborto não vai imepdir o aborto. A manutenção dessa medida remete-o para a clandestinidade e para condições que fazem perigar a vida e a saúde da mulher.

Aplausos do PCP, da ÜEDS, do MDP/CDE da UDP e de alguns deputados do PS.

Quem aqui aparece hipocritamente a denfeder a vida são aqueles que aparecem claramente aos olhos dos Portugueses a defender pura e simplesmente o aborto clandestino...

Vozes do PCP:-Muito bem!

Página 2412

2412 I SÉRIE -NUMERO 59

A Oradora: -..., a defender esse flagelo social, esse negócio sórdido onde morrem, onde são humilhadas e onde são maltratadas as mulheres. Mulheres que entram nos hospitais centrais de Lisboa, Porto e Coimbra de meia em meia hora, em condições conhecidas dos Srs. Deputados, vítimas de abortos clandestinos no nosso país.

Vozes do PCP:- Muito bem!

A Oradora: - A situação não se coloca entre a vida e o aborto, porque entre a vida e o aborto nós defendemos a vida, defendemos a maternidade, defendemos o planeamento familiar, como alternativa. Mas não é essa a situação real do País. O que é real é que o aborto se faz apesar de ser proibido; o que é real é que há um número infinitamente pequeno de condenações em razão da lei que o proíbe -uma condenação em 1979 e quatro em 1980 -, ou seja, é raro haver uma condenação em tribunal visto ser uma lei que não é aplicada, visto ser uma lei diariamente violada com a conivência de todos. Mas é uma lei que, como eu já disse -por isso não me alargarei mais-, tem um profundo sentido de classe: muitos daqueles que tão claramente dizem ser contra a legalização do aborto são os que apanham o avião e vão a Londres, que apanham o avião e vão à Suíça, pois que podem ir a todos os países onde o aborto é legal.

Aplausos do PCP, do PS, da UEDS, do MDP/CDE e da UDP.

Ainda acerca da questão relacionada com o direito à vida perguntou-me o Sr. Deputado Rui Pena como é que o PCP concilia a Constituição e o direito internacional com o direito à vida.
Sr. Deputado... o Sr. Deputado trazia a pergunta de casa. O que dá vontade de lhe perguntar é como é que, depois de eu ter lido as decisões que tomaram sobre esta matéria os Tribunais Constitucionais em todos os países do Conselho da Europa...

O Sr. João Morgado (CDS):-Somos um país soberano!

A Oradora: -... tais como a RFA, a Franca, a Itália e a Áustria, concilia sua posição com a posição com a posição constitucional e com a posição consagrada no direito internacional. Somos um dos poucos países, e eu citei-os na minha intervenção, que mantêm completamente ilegal o aborto, somos um dos poucos países que defende a seguinte solução- e este é outro dos aspectos da vossa hipócrita posição da defesa do direito à vida-: quando uma mulher corre perigo de vida decorrente de uma gravidez essa mulher deve morrer, essa mulher 6 condenada à morte.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Isto, Srs. Deputados, não é defender o direito à vida, é defender o direito à morte. Parece-me ser esta posição que deve ficar aqui clara e esclarecida.

Aplausos do PCP, do PS. da UEDS, do MDP/CDE e da UDP.

Acerca deste assunto só uma última referência à intervenção do Sr. Deputado Barrilaro Ruas, do PPM. Aceito perfeitamente as suas palavras acerca das concepções inerentes às questões filosóficas do homem e da humanidade, mas há uma nota que gostaria de aqui trazer novamente e que já salientei na minha intervenção: a nossa posição ao defender a interrupção voluntária da gravidez não impõe nada a ninguém, isto é, é uma medida perfeitamente tolerante, visto deixarmos à consciência e à fé de cada um decidir se deve usufruir ou não desse direito. A futura lei não obrigará a nada, a lei só dará possibilidade àqueles que tiverem de recorrer à interrupção voluntária do aborto de o fazer quando se tratar de questão de saúde, mas aqueles que são contra, aqueles que por razões religiosas, de fé ou filosóficas são contra, obviamente não têm porobrigação recorrer à interrupção voluntária da gravidez.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

Este foi o princípio que se seguiu em Portugal em relação a problemas tão polémicos como este. Lembro-me, por exemplo, do divórcio, há quem, por factores de ordem religiosa ou filosófica, seja contra o divórcio. No entanto pelo facto de haver uma lei que legaliza o divórcio não os obriga a divorciarem-se. Essa lei abre é a possibilidade àqueles que pretendem usufruir desse direito de o fazer.

Vozes do PCP: -Muito bem!

A Oradora: -Ou será, Srs. Deeputados, que a nossa legislação teria de proibir o divórcio, o planeamento familiar, as uniões de facto, só porque há uma parte da população que -invocando razões de consciência que respeitamos inteiramente- não as aceita. Não é esse o papel do Estado, não é esse o papel das leis.

Vozes do PCP: -Muito bem!

A Oradora: - Quanto a nós, numa posição moral, não temos nenhuma dúvida em condenar o aborto e dizer que é um mal e um drama terrível para a mulher.

Vozes do PCP: -Muito bem!

A Oradora:-Numa breve referência ao que disse o Sr. Deputado António Arnaut, devo salientar que estamos de acordo que se trave um grande debate nacional e que pensamos ser positivo que o Partido Socialista encare essa mesma perspectiva.

A Sr.ª Helena Roseta (PSD):-E se se fizesse referendo?

A Oradora:-Se se fizesse um referendo, Sr.ª Deputada Helena Roseta, tenho a certeza que seria ganho...

A Sr.ª Helena Roseta (PSD): - Permitam-no na Constituição. Por que é que não o deixam aprovar?

A Oradora: - Sr.ª Deputada, respondo-lhe com todo o gosto a esse seu argumento. Penso que esta

Página 2413

3 DE MARÇO DE 1982 2413

questão, como, aliás, muitas outras, tem de ser encarada de frente. Nós estamos aqui eleitos pelo povo português e, por isso, temos obrigação de aqui assumir aquilo que pensamos e defendemos.

Vozes do PCP: -Muito bem!

A Oradora: - Mesmo nos países em que houve referendo -lembro-me, por exemplo, da Itália - em primeiro lugar a lei foi aprovada no Parlamento e no Senado e só depois, a pedido dos ultramontanos lá do sítio, foi feito o referendo.

Aplausos do PCP, do PS, da UEDS, do MDP/CDE e da UDP.

Quanto à intervenção do Sr. Deputado João Pulido, ela fala por si e eu não irei responder a perguntas que não o são e que nem sequer estão no espírito de um debate sério, ponderado e honesto que aqui se pretende travar. Debate feito à volta de questões sérias que tocam a vida e o dia-a-dia dos Portugueses e que, por isso mesmo, não podem ser discutidas nesses termos e nesses moldes. Não fica bem a esta Câmara, Sr. Deputado.

Aplausos do PCP, do MDP/CDE. da UDP e de alguns deputados do PS.

Disseram o Sr. Deputado Rui Pena e a Sr.» Deputada Maria Luísa Raposo ao falarem da maternidade quê o projecto de lei do PCP não acrescentava nada de novo. Ali na tribuna «saltei» uma parte do meu discurso - porque já era longo e não queria maçar os Srs. Deputados. Mas já que pedem esclarecimentos vou ler a parte que «saltei» e que é referente a todas as medidas inovadoras que o projecto de lei do PGP propõe em matéria de defesa da maternidade e que ainda hoje não existem. Por exemplo, e vou ler «o alargamento da licença por maternidade para 120 dias, dos quais 30 obrigatória mente antes da data presumível do parto». Isto não existe, nem está em vigor na sua lei da família. «Regimes especiais de licença em caso de nado-morto ou aborto espontâneo, e em caso de morte d; nado-vivo; licença para acompanhamento pelo pai em caso de morte da mãe; licença em caso de adopção de menor de doze meses; dispensa do trabalho para deslocação a consultas pré-natais; direito a dispensa por 2 períodos de 1 hora diária no decurso dos 12 primeiros meses de vida da criança; proibição ou condicionamento dos trabalhos que impliquem riscos efectivos ou potenciais para a função genética da mulher; direito a não desempenhar, durante 7 meses após o parto, tarefas clinicamente desaconselháveis- em particular trabalho nocturno ou manipulação de produtos perigosos ou novos». Isto não existe na lei que está em vigor, nem na «lei da sua família».

Risos.

«Direito a faltar ao emprego, até 15 dias por ano, para prestar assistência na doença a filhos, adoptados e enteados menores.» Esta existe, por exemplo, e está em vigor para os trabalhadores da função pública, mas não é aplicada aos trabalhadores do regime geral. «Licença sem vencimento para prestar assistência a filhos no decurso dos primeiros 24 meses de vida.» Não existe, também, não está na lei da família da Sr.ª Deputada.
«Garantia de que. as faltas previstas na lei não determinam perda dê direitos.
No domínio da segurança social, e em correspondência com as medidas que acabei de referir, propomos: alargamento do período, de atribuição do subsídio de maternidade; reconhecimento às trabalhadoras independentes ou desempregadas do direito, ao subsídio de maternidade.» Não existe.
«O financiamento do orçamento dá segurança social pelo OGE para cobertura, dos encargos decorrentes do novo regime.» Não existe o orçamento da segurança social está auto-subsidiado
«O subsídio aos trabalhadores: que faltem ao trabalho para prestar assistência inadiável a filhos doentes» Só existe para a função pública!
São estas algumas das: medidas, excluí as por nós propostas no campo da saúde visto ir alongar demasiado esta intervenção, que estão legisladas por portarias e por despachos, facto que salientámos no preâmbulo do projecto de lei, só que não estão a ser aplicadas nem estão em vigor. O boletim da grávida. Sr.ª Deputada, onde é que existe? Não há.

A Sr.ª Maria Luísa Raposo (CDS):- Há, há! Não fale do que não sabe!

A Oradora: - Oh, Sr.ª Deputada, francamente, os centros na sua larga maioria não estão a funcionar.
A Sr.ª Deputada faz uma afirmação que, quando a mim, é extremamente grave: «a protecção da maternidade já existe»...

A Sr.ª Maria Luísa Raposo (CDS): - Olhe, tendo aqui um boletim.

A Oradora: - Oh, Sr.ª deputada, eu acredito que o tenha...,

Risos.

... deve Ter sido Luís Barbosa que lho deu em privado.

Riso.

«A protecção da maternidade já existe», é uma afirmação que fica mal num desgraçado país como o nosso, onde a assistência materno-infantil é uma miséria.

Aplausos do PCP, do PS, da UESD, do MDP/CDE da UDP.

Só 24% das crianças portugueses, como eu referi, têm em Portugal qualquer assistência - são dados oficiais do Ministério dos Assuntos Sociais - numa consulta materno-infantil.
A questão não é só em matéria de saúde. É também em matéria de segurança social, de direito ao trabalho e de protecção da mãe trabalhadora.

A Sr.ª Maria Luísa Raposo (CDU): - Ai isso é!

A Oradora - Sr.ª Deputada, tal como eu disse - e muito bem -, é bem difícil ser mãe e ser trabalhadora em Portugal e não reconhecer isto. Não se deve partir com a idade de que está bem por que se deve partir com a ideia de que e muito mal. Portanto, não partir dessa ideia para fazermos um trabalho série nesta Assm-

Página 2414

2414 I SÉRIE-NÚMERO 59

bleia que permita aliviar um pouco a situação dramática em que as mães trabalhadoras se encontram em Portugal é verdadeiramente inacreditável.

Vozes do PCP: -Muito bem!

A Oradora: - Quanto ao Sr. Deputado Menezes Falcão, vou dar-lhe uma breve resposta, pois creio que a sua intervenção ficaria muito melhor na Assembleia Nacional quando lá esteve.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: -O Sr. Deputado diz que esta lei de 1886 já existe há mais de 2000 anos. Ora, isso não é verdade. Antes dessa lei de 1886, o que se passava era que a mulher, pura e simplesmente, era condenada ao enforcamento. É isso o que o Sr. Deputado pretende quando diz que ela é velha de dois mu anos? Francamente, Sr. Deputado.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Ao menos que não se puna pelo enforcamento outra vez.
Risos do PCP.

Quando o Sr. Deputado pergunta o que é que pretendemos dizer no nosso projecto quando falamos em evolução da ciência e da técnica, devo dizer que se há campo onde a ciência e a técnica trouxeram algo de extremamente importante para a vida do homem é também neste. Veja que estamos na era dos bebés-proveta, Sr. Deputado. Para um casal que para sua grande infelicidade -e não condenando-o nem apontando-lhe o dedo, Sr. Deputado Rui Pena- não possa ter filhos, até já há a possibilidade que a ciência nos trouxe do bebé-proveta.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Quanto à intervenção por parte do Sr. Deputado Manuel Pereira, devo dizer que ela é verdadeiramente estranha.
Ora, os senhores que têm a responsabilidade de ter aqui o maior número de deputados nesta Casa, creio que seria extremamente útil que ponderassem seriamente - sem posições preconcebidas e sem posições previamente assumidas- a realidade que o aborto clandestino é em Portugal, a realidade da situação da mulher portuguesa.

O Sr. Sousa Tavares (PSD): - Está lá!

A Oradora: -Portanto, seria útil que abrissem caminho a que a Assembleia da República possa, com justiça, com calma e serenidade, alterar uma situação tão injusta que nos coloca nesta posição incómoda de estarmos quase únicos nesta situação na Europa.

O Sr. Sousa Tavares (PSD): - Não ouviu a nossa nota com atenção!

A Oradora: -Tenho-a aqui presente, Sr. Deputado.

O Sr. Sonsa Tavares (PSD): - Então leia-a bem até ao fim!

A Oradora: - Eu fico muito satisfeita se esta nota significa que da parte do PSD há a vontade real para haver uma abertura para que esta Assembleia se possa pronunciar, discutir e decidir uma questão tão importante como esta.
Quanto à questão colocada pelo Sr. Deputado Manuel Pereira em saber por que é que quando o PCP esteve no poder não legislou sobre esta matéria, devo dizer-lhe que o PCP nunca esteve sozinho no poder. Sempre que esteve foi com o PSD; estivemos bem acompanhados.

Risos.

Por outro lado, esta pergunta tem uma outra nota que é a seguinte: porquê só agora? Ora, este porquê só agora tem duas razões muito claras: por um lado, é que o trabalho que aqui está foi árduo, pois com os meios que dispomos, que não são os de um partido governamental que tem acesso mais fácil à realidade nacional, levou-nos anos.
Outro dos motivos que nos levou claramente a colocar a questão aqui no Parlamento é a preocupação que vimos em duas matérias. Desde 1968, isto é, desde o tempo de Marcelo Caetano, estava prevista uma alteração ao Código Penal sobre o aborto, nomeadamente a admissão do aborto terapêutico e inclusive a possibilidade do aborto eugénico. Portanto, desde o tempo de Marcelo Caetano que isso era assim, e alguns juristas que eu citei tomavam posição nesse sentido.
Ora, tudo indicava que a Assembleia da República, tal como em relação ao divórcio e a outras medidas, fosse confrontada com uma proposta governamental sobre a qual se poderia pronunciar, ponderar e decidir. No entanto, tomámos conhecimento que o actual Ministro da Justiça, do PSD, recuou em toda a linha que vai manter esse artigo velho, de cem anos, do Código Penal, que inclusivamente proíbe o aborto terapêutico, isto é, aquele que tem por função salvar a vida da mulher, e até mantém aquelas normas sobre a honra, o desonra e todas essas penalizações.
Srs. Deputados, isto por parte do Sr. Ministro da Justiça, acompanhado do ataque claro que neste momento vem a ser feito e que eu largamente expliquei, ao planeamento familiar e que se traduz em todas estas medidas e outras que estamos a verificar no País, levou-nos a pensar que é chegado o momento, pois não poderíamos esperar mais tempo sem levantar e trazer esta questão à Assembleia.
Portanto, não nos imputem, porque é profundamente injusto, quaisquer considerações de ordem política ou estratégica, pois não é nada disso. A nossa posição é simples, clara e linear: pensamos que é chegado o momento de trazer estas questões à Assembleia, pelo menos para travarmos este grande debate e posteriormente para votarmos e decidirmos sobre elas.

Aplausos do PCP, do Sr. Deputado António Arnaut do PS e do Sr. Deputado Lopes Cardoso da UEDS.

O Sr. Rui Pena (CDS):-Sr. Presidente, peço a palavra para formular um protesto.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

Página 2415

3 DE MARÇO DE 1982 2415

O Sr. Rui Pena (CDS): -Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr.ª Deputada Zita Seabra: A minha bancada, e eu em especial, gostaríamos, e a partir de hoje, de declarar que estamos dispostos a fazer um debate sério, honesto e profundo sobre esta matéria.
Em relação a esta matéria temos -e posso falar em nome colectivo da minha bancada - convicções muito profundas: convições que assentam na moral e que para uma larga maioria assentam nas suas raízes religiosas. E gostaríamos que da vossa parte - assim como nós também não usaremos para convosco neste debate- a discussão se fizesse com o respeito recíproco das posições que legitimamente assumimos, porque são de acordo com as nossas convicções.
Era este, Sr. Presidente, Srs. Deputados e Sr.ª Zita Seabra, o teor do meu protesto. Espero que ele tenha sido entendido.

Aplausos do CDS.

O Sr. Presidente: - Para um contraprotesto, tem a palavra a Sr.- Deputada Zita Seabra, se assim o desejar.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP):-Sr. Deputado Rui Pena, creio que talvez possamos encontrar assim o tom de debate que se vai travar. Espero que todos os deputados da sua bancada tenham ouvido as suas palavras.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria José Sampaio.

A Sr.ª Maria José Sampaio (CDS):-Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr.ª Deputada Zita Seabra: Quando a Sr.ª Deputada fez a apresentação dos projectos de lei, em especial do projecto de lei n.° 309/II, apresentou um rol de países nos quais afirmou que o aborto é legal. Ora, queria chamar-lhe a atenção para o facto de que na Bélgica o aborto é proibido e que na Roménia foi novamente proibido em 1981.
Queria lembrar-lhe que a legalização do aborto não diminuiu em nenhum país em que foi legalizado o número de abortos clandestinos. E isso até porque o aborto clandestino pressupõe o anonimato, o que não acontece no aborto legal. Ora, para nós o problema não é aborto legal/aborto clandestino, mas sim aborto ou vida, e é dar possibilidade de uma vida digna à família.
Também gostaria de lhe perguntar porque é que ao apresentar este projecto de lei a Sr.ª Deputada nunca mencionou os riscos a que se expõe uma mulher que aborta. A Sr.ª Deputada não falou em riscos de esterilidade, nem de infecção, nem de aborto espontâneo, nem de morte e até de suicídio que muitas vezes acontece, mesmo quando o aborto é feito nas «melhores condições», como a Sr.ª Deputada lhe chamou.
Ainda gostaria de saber se a Sr.ª Deputada pode afirmar que as mulheres que se submetem ao aborto legal o fazem sem quaisquer conflitos morais ou psicológicos, e como é que o seu partido neste projecto de lei pode afirmar que o aborto legal não constitui sério perigo de lesão de saúde física ou psíquica da
mulher.
Quando a Sr.ª Deputada há pouco afirmou que o primeiro direito da criança é o de ser desejada, queria dizer-lhe que para nós o primeiro direito da criança é o de nascer.

Aplausos do CDS.

O Sr. Presidente:- Tem a palavra o Sr. Deputado João Morgado:

O Sr. João Morgado (CDS):- Sr Presidente, Srs. Deputado, Sr.ª Deputada Zita Seabra: Embora correndo o risco dê ter como resposta uma afirmação idêntica àquela que a Sr.ª Deputada deu em relação às perguntas que lhe foram colocadas pelo meu colega de bancada Dr. João Pulido, não deixo de lhe colocar algumas questões. E hão o deixo de fazer porque considero - aliás, como me pareceu que é considerado por todos os deputados desta Câmara - o assunto de uma importância fora do comum; um assunto que realmente merece que os deputados digam e ponham os seus problemas aqui nesta Câmara e que o partido apresentado procure esclarecê-los em vez de fugir ás questões.
A Sr.ª Deputada Zita Seabra fundamentou o projecto de lei especialmente no facto de existirem abortos clandestinos. Isto é, diz a Sr.ª Deputada já que há abortos clandestinos vamos legalizar o aborto para que de deixe de ser clandestino e para que passe a ser praticado noutras condições. Quero, pois, perguntar à Sr.ª Deputada se, pela mesma razão, entende que todos os actos que se praticam clandestinamente neste país devem ser legalizados. Por exemplo, gostaria de saber se pensa que o tráfego de droga deva ser legalizado, uma vez que é um acto que se pratica clandestinamente.

O Sr. César de Oliveira (UEDS):- Isto é demais!

O Orador - Bem, uma outra questão que lhe quero pôr é a seguinte: a Sr.ª Deputada Zita Seabra defendeu que se justifica o aborto no caso de existir o risco de a criança nascer deformada, com deformação física notória. Isto seria, digamos, um aborto de misericórdia, um assassínio de misericórdia. E, por isso queria, perguntar-lhe se defende a eutanásia que é, afinal de contas, a morte por misericórdia.
Uma outra afirmação que a Sr.ª Deputada Zita Seabra fez aqui foi a de que havia práticas abortivas que não tinham o mínimo de assistência médica ou de emprego de meios próprios. E ilustrou esta sua afirmação com o facto de haver mulheres que fariam o aborto usando o pé de salsa.
Ora, eu queria que V. Ex.ª apontasse os elementos em que se baseia para afirmar que se o aborto fosse legalizado não continuaram a ser praticados abortos pelos mesmos métodos que agora são utilizados.
A última questão que lhe quero pôr é a seguinte: o aborto tem a ver com a vida de um ser. Simplesmente, essa vida resultou de um acto, da cópula da mulher e do homem. E eu queria perguntar à Sr.ª Deputada se não transforma a mulher num objecto quando a desliga da função de maternidade no acto da cópula. Isto é se a mulher é ou não um

Página 2416

2416 I SÉRIE -NUMERO 59

objecto quando se desliga a sua função materna da prática do acto sexual.

Risos do PS do PCP e da UEDS.

O Sr. Presidente: - Eu agradecia a atenção da Câmara para que os Srs. Deputados se possam exprimir e serem ouvidos.
Tem a palavra o Sr. Deputado Mendes de Carvalho.

O Sr. Mendes de Carvalho (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr.ª Deputada Zita Seabra: Pareceu-me depreender da página 14.ª do vosso projecto de lei n.º 309/II que, por deficiência do nascituro, a partir das 12 semanas a mãe pode pedir o aborto, (o que se pode considerar e dizer que é propriedade da mãe).

Vozes do PCP: -Até 12 semanas!

O Orador - Por que é que depois de nascer - em que passará a ser propriedade da sociedade - a própria sociedade não poderá liquidar o nado deformado? E a seguir perguntaria: não será este o caminho aberto para a legalização da eutanásia compulsiva?
Na p. 8 deste projecto de lei fala-se em «começo de uma vida não autónoma». Em primeiro lugar, pergunto o que se quer dizer com esta terminologia?
Em segundo lugar, não estará provado cientificamente que desde a concepção há já em ser, com código genético próprio e com actividade autónoma?

O Sr. Presidente:-Tem agora a palavra o Sr. Deputado Carlos Rosa.

O Sr. Carlos Rosa (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero aenas colocar três questões à Sr.ª Zita Seabra.
O primeiro esclarecimento que pretendo do PCP é o de saber qual é a concepção filosófico-política em que se insere o seu projecto de lei sobre o aborto.
Nos países comunistas a legislação tem variado entre políticas incentivadoras ou limitadoras da natalidade, sempre, em função do quadro geral da população.
São conhecidas as políticas de estímulo da natalidade na URSS durante a guerra e as fortemente restritivas da China de Mão, para citar dois exemplos.
É em função da situação demográfica do País que o PCP propõe legislação restritiva de natilidade à maneira de Mão Tsé-Tung e dos actuais dirigentes chineses? Se for está completamente enganado quanto à situação demográfica portuguesa.
Mas são também muito conhecidas as leis do aborto ditadas pela filosofia liberal externa, fundada em critérios de bem-estar pessoal, da acumulação de riquezas e desenvolvimento do comércio.
O projecto de lei apresentado é um projecto de inspiração liberal, de liberalismo desumano e egoísta, com frutos podres.
Que leva o PCP a pregar uma lei que decorre directamente da configuração mais radical e desumana da política liberal?
Num segundo pedido de esclarecimento e considerando as propostas limitativas da natalidade ainda no quadro político, gostaria que o PCP comentasse a política que propõe à luz do desenvolvimento e das conclusões da última Conferência Internacional da População, em Bucareste, em 1974.
O PCP sabe perfeitamente que os países menos desenvolvidos têm sempre recebido mal este tipo de projecto. Sabe, por exemplo, que há muito Josué de Castro considerou essa política como «colonialismo demográfico»; sabe que a imposição, pelo Banco Mundial, de políticas restritivas de natalidade foi em regra repudiada pelas populações mais desprotegidas, sobretudo na América do Sul; sabe que as teses antinatalistas das grandes potências foram totalmente repudiadas na Conferência de Bucareste pêlos países não alinhados e pelo Terceiro Mundo em geral, tendo sido derrotadas todas as suas propostas.
Está o PCP a procurar agora definir uma política de «colonialismo demográfico» sobre Portugal? Se sim, por conta de quem? Da URSS? Dos Estados Unidos? Ou das grandes indústrias de cosméticos que utilizam como matéria-prima pedaços de embriões que foram feitos abortar?
Terceira questão: segundo entendi o PCP considera que o aborto é um mal necessário e que, porque uma lei não é efectivamente cumprida, ela deve ser revogada e deve ser liberalizado um acto que é punível. Se, por mera hipótese, a sua doutrina sobre o aborto fosse aceite, perguntar-lhe-ia se nomeadamente no que se refere a outros casos, como a droga, que é também um flagelo social que tanto atinge a juventude que tão preocupada está, pelo facto de também neste caso não se cumprir a lei, -e todos sabemos muito bem onde se vende e onde se toma a droga - procuraria, em segundo lugar, vir aqui a esta Câmara promover a liberalização do uso da droga em Portugal.

O Sr. Presidente: - Finalmente, ainda para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Coimbra.

O Sr. Alberto Coimbra (CDS):-Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr.ª Deputada Zita Seabra: Quando ouvi dizer na rádio que hoje se discutia na Assembleia da República o projecto de lei sobre o aborto, discussão essa que era acompanhada fora do Parlamento com uma manifestação, interroguei-me a mim próprio -a caminho de Lisboa- sobre quais eram os objectivos do PCP, qual era o sentido, qual era a oportunidade da apresentação deste projecto de lei.

O Sr. César de Oliveira (UEDS):-Era a insurreição!...

O Orador: - Depois verifiquei que se deu a este debate, que deveria ser sério, um ar comicieiro, que teve aqui uma manifestação dentro do próprio Plenário. É pena!
Reparei ainda em alguns risos da bancada do Partido Comunista e da bancada da oposição, nomeadamente do PS relativamente a intervenções de colegas meus. É pena, porque, conforme já aqui foi dito pelo presidente do meu grupo parlamentar, este devia ser um debate muito sério, o que, creio, não está a ser.
Assim, a primeira pergunta que faço à Sr.ª Deputada Zita Seabra e à sua bancada é a seguinte: quando apodou os meus colegas, de bancada na qual me integro, de «ultramontanos» pergunto à Sr.ª Deputada

Página 2417

3 DE MARÇO DE 1982 2417

e a toda a Assembleia se o despacho do ilustre Presidente desta Assembleia, que é meu colega, se pode considerar de «ultramontano», de reaccionário.
Esta é a primeira pergunta que lhe queria fazer.

O Sr. Presidente: - Desculpe interrompê-lo Sr. Deputado.

Agradecia à Sr.ª Deputada Zita Seabra que não respondesse a essa questão. Isso é uma interpelação que o Sr. Deputado dirigirá ao Presidente quando quiser. Neste momento não está em debate o meu despacho.

Aplauso do PS, do PCP, da UEDS e de alguns deputados do CDS.

O Orador:- Entretanto, porque quero ser breve, guardei para outra ocasião essa discussão.
Tenho mais duas questões a colocar sobre o projecto de lei n.º 309/II, apresentado pelo Sr.ª Deputados Zita Seabra.
Vejo que o Partido Comunista Potuguês pela primeira vez menciona a parte privada. Pergunto-lhe: por que é que o PCP no projecto de lei sobre o aborto, e pela primeira vez inclui clínicas de lei sobre o aborto, e pela primeira vez inclui clínicas particulares na rede dos serviços sanitários autorizados a praticarem o aborto? Nunca o fez, nem para os cuidados sanitários. Mas será que agora, com vista à liberalização do aborto, está interessado em patrocinar clínicas privadas ou em abrir algumas?...
Por que será que o contribuinte português vai, mais uma vez ver suportar os encargos financeiros com os estrangeiros, prevendo agora no vosso 15.º arigo que as mulheres estrangeiras venham abortar em Portugal!

Risos do PCP.

O Sr. Presidente:- Não há neste momento pedidos de esclarecimento.
Tem a Palavra a Sr.ª Deputada Zita Seabra, para responder, se assim o desejar.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pela nossa parte, a nossa bancada e nós deputados comunistas manteremos o tom sereno, objectivo e calmo que pretendemos imprimir a este debate.
E começo logo pela última questão que o Sr. Deputado Alberto Coimbra coloca. A nossa preocupação ao incluir no projecto de lei esse artigo sobre as mulheres a situação das mulheres caboverdianas que vivem em Portugal, que em Portugal trabalharam e que se encontram as situações mais dramáticas em razão da maternidade, É que parece-nos a nós que, como Estado civilizado, - e tal como fazem em relação aos emigrantes portugueses outros países democráticos como, por exemplo, a França - devemos ter em conta essas situações.

Aplausos do PCP, da UEDS e de alguns deputados do Ps.

Dizia a Sr.ª Deputada Maria José Sampaio que eu tinha citado vários países e que, por exemplo, na Bélgica e na Roménia o aborto não e legal.
Ora isso não é verdade, Sr.ª Deputada. Em relação à Bélgica é considerado legítimo o aborto eugénico, terapêutico e até por razões de ordem social. Quanto à Roménia até lhe posso citar as situações muito claramente: no Decreto-Lei n.º 77/66 foi feita uma alteração à lei então em vigor que lhe acrescentou o aborto em caso da mulher com mais de 40 anos de idade. Antes desta alteração a interrupção da gravidez era permitida nos casos em que a gravidez pusesse a mulher em perigo de vida, no caso de um dos pais sofrer de doença grave transmissível por hereditariedade, no caso em que a mulher apresenta graves problemas psíquicos, físicos e sensoriais, no caso das mulheres que já têm mais de quatro filhos ou em que a gravidez resulte de violação ou de incesto.
Esta é a tradução da situação que se verifica na Roménia.

A Sr.ª Maria José Sampaio (CDS):- Dá-me licença que interrompa, Sr.ª Deputada?

A Oradora: - Com certeza.

Sr.ª Maria José Sampaio (CDS): - É que na Bélgica a lei sobre o aborto está neste momento em discussão e quanto à Roménia citei uma lei de 1981.

A Oradora:- Sr.ª Deputada, acabo de citar a lei Romena que está em vigor neste momento e em que a única medida que foi tomada relativamente à anterior foi exactamente a de um alargamento, permitida a prática do aborto à mulher com mais de 40 anos.
Em relação à Bélgica, a situação que se verifica hoje é a de que o aborto terapêutico e o aborto eugénico já são consentidos bem como é também permitido em casos extremos por razões de ordem social.
Simplesmente, também o Parlamento belga se debruçará em breve sobre a revisão desta legislação, pondo-a de acordo com o resto do Conselho da Europa. Mas a situação que existe na Bélgica não é comparável à nossa que existe na Bélgica não á comparável à nossa que pode expressamente, inclusive, o aborto terapêutico.

O Sr. César de Oliveira (UEDS): - Muito bem!

A Oradora: - Por mais esforços que façam, os Srs. Deputados do CDS não encontram muitos países no Mundo que estejam numa situação idêntica á nossa.
Em palavras que são bem sonoras aos ouvidos de todos nós, devo dizer que estamos quase «orgulhosamente sós».
Quanto à questão que coloca do risco do aborto mesmo quando ele é legal, devo dizer que referi longamente o risco do aborto clandestino bem como as consequências que provoca.
Em relação ao aborto legal, os dados de que dispomos são os seguintes: alguns países que têm legalizado o aborto têm depois constituído comissões para avaliar a situação decorrente. E, por Exemplo, num país como os Estados Unidos, em que o aborto é legal até ao 6.º mês, isto é até aquilo que o Tribunal Constitucional dos Estados Unidos considerou a idade em que o feto passa a Ter vida própria, o que se verificou, através do controle estabelecido pela comissão

Página 2418

2418 I SÉRIE - NUMERO 59

que seguiu a aplicação da lei nos Estados Unidos, foi que até ao 3.° mês de gravidez (ou 12.ª semana como nós chamamos) não há praticamente perigo para a mulher e não há casos de morte.
Todos os casos de morte que ocorrem nos Estados Unidos em razão do aborto legal são casos em que o aborto é praticado após o 3.° mês de gravidez, portanto entre o 3.° e o 6.° mês. Todos os casos de morte que se tenham verificado nos Estados Unidos nessa primeira avaliação que foi feita resultam exactamente disso.
Quanto à França, é bom lembrar, Srs. Deputados, que a legislação foi alterada a partir de uma lei proposta pela Madame Veil que era até há pouco tempo Presidente do Parlamento Europeu -que, enfim, não pode ser de maneira nenhuma conotada ou com os comunistas ou com qualquer proximidade de ideologia ou de filosofia dos comunistas -, mas que teve o bom senso de apresentar e de subscrever a lei que hoje está em vigor em França.
Ora, também o Parlamento francês tem uma comissão que fez a avaliação da situação para a saúde da mulher após a legalização do aborto. É um longo relatório da Assembleia Nacional Francesa, que penso que é útil aos nossos deputados conhecerem, porque tem exactamente a avaliação da experiência de dois anos após a legalização do aborto e onde se podem ir buscar números rigorosos sobre quais são as consequências ou não da legalização da interrupção da gravidez e o que é que daí resulta para a mulher.
Cito apena, e muito brevemente, o Dr. Simon ginecologista e obstreta francês, que foi ouvido pelo Parlamento, pois dirige um dos serviços franceses onde se faz o aborto legalizado. E diz exactamente «a saúde do país está a ganhar. Não era outro o objectivo que a lei procurava, mas o número de tétanos após o aborto diminuiu», citando depois toda uma série de doenças e situações graves que vieram praticamente a desaparecer com a legalização do aborto.
Sr.ª Deputada, e este ponto é que é importante, é óbvio que não poderemos comparar para a saúde da mulher, se é essa a sua preocupação, o risco que corre uma mulher que vai a uma «curiosa», uma mulher que vai a um vão de escada -como hoje se passa no nosso país- e uma mulher que vai interromper a sua gravidez num serviço público de saúde com assistência médica e com um mínimo de condições e de dignidade. Não são comparáveis de qualquer maneira.
A questão etá a um outro nível e é nesse que o devemos travar. Não é nunca nos riscos da saúde - porque esses são incomparáveis e deviam levá-la Sr.ª Deputada, a legalizar o aborto- mas sim numa outra ordem. Digo-lhe que o aborto é um mal e um mal terrível. Ele é sempre uma derrota para a mulher, é sempre o último recurso e não há nenhuma mulher, em Portugal ou em qualquer parte do mundo, que faça com satisfação o aborto, que vá contente fazer um aborto. É sempre um drama e um drama terrível para quem o pratica. A resolução desse drama está no desenvolvimento do planeamento familiar, no apoio e protecção à maternidade. Que hipocrisia, Srs. Deputados, dizerem o que dizem, quando instituem taxas de saúde para as famílias pagarem, quando. agravam brutalmente as condições de vida dos portugueses,, quando impedem, objectivamente, por via desse agravamento que os portugueses aspirem a ter mais filhos. E isso está-se a verificar na descida da taxa da natalidade neste momento em Portugal. Por que, é que acontecerá isto?

Aplausos do PCP.

Aproveito agora também para responder a um outro Sr. Deputado que falava na taxa da natalidade. Por que é que neste momento essa taxa estará a descer? .
Vou citar-se num texto que diz: «vai passando o tempo em que Portugal não tinha que se preocupar com o problema demográfico, por razões desordem moral e económica, Esse problema apresenta-se hoje com aspectos alarmantes. Já não basta o instinto para garantir a perpetuação espécie. A mulher foge cada vez mais ao fardo que para ela representa a maternidade e se nas classes remediadas e ricas há, sobretudo, a combater um egoísmo que para a Nação é suicida, nas classes pobres tem também que se diminuir o peso económico e toda à série de riscos que para elas resultam da mais Sublime das missões femininas.» «Os Srs. Deputados não se importavam nada de subscrever palavras, quente _estão mais bem escritas do que aquilo que disseram e que são de Marcelo Caetano, na Assembleia Nacional; quando aqui estava.
É isto que contrariamos é contra isto que estamos, Srs. Deputados.

Aplausos do PCP.

Se querem aumentaria natalidade, isso não se consegue retirando direitos à mulher e ao casal, mas assegurando-lhe esses direitos e melhorando as condições de vida do povo e dos portugueses, dando melhor ensino e garantia.
No último domingo estive no Peso da Régua, onde há famílias inteiras, com quinze e dezasseis filhos, a viverem num único compartimento. Isto já aqui foi trazido por deputados de todos os partidos, e os deputados que são da Régua sabem que é assim. Essas famílias vivem na maior promiscuidade com quinze e vinte filhos a viverem numa barraca. É preciso criar condições, dar uma casa aquela gente. É face a isto, Srs. Deputados, que dizemos que não é restringindo os direitos dos portugueses e mantendo o aborto clandestino que de vai aumentar a maternidade ou incentivar a natalidade em Portugal. Não é! É antes sim, melhorando as condições da saúde, de habitação, do ensino, do nível de vida e aumentando o poder de compra dos portugueses. É com tudo isto que esse objectivo será atingido.
Perguntava ainda, fazendo uma grande mistura, um outro Sr. Deputado, se nos inspirávamos na teoria de Mao Tsé-Tung.
Oh! Sr. Deputados, francamente! Em que teoria estaria inspirada a lei francesa, a lei da RFA, a lei inglesa, italiana, a lei da Suécia, da Noruega, de todos esses países da Europa e Estados Unidos?
Terão ido todos inspirar-se em Mao-Tse-Tung? Oh! Sr. Deputados, francamente! Abra os olhos para o mundo. Ou pensa que terá o Partido Comunista dos Estados Unidos que lá legalizou o aborto?
Sr. Deputado, não é assim.

Página 2419

3 DE MARÇO DE 1982 2419

Este problema é hoje encarado a sério e de frente pela humanidade, bastando verificar que, só nos últimos 10 anos, 40 países alteraram a sua legislação no sentido positivo. Creio que Portugal tem, também de o encarar a sério.
Faço só uma nota, juntando todas as intervenções feitas, já que não me parece haver necessidade de responder a outros disparates que foram aqui ditos misturando coisas que nada têm a ver com o que se está a discutir - veja-se, nomeadamente, a referência à questão da droga e a outras que vieram aqui «à baila», sem que saiba porquê, já que nada têm, literalmente, a ver com a matéria em discussão. Aliás, também nesses outros países, nada tiveram a ver, pois que eu saiba não legalizaram lá a droga ou a prostituição. Legalizaram, isso sim, a interupção voluntária da gravidez e, simultâneamnte, incrementaram, como cá teremos de fazer, o planeamento familiar e defenderam a maternidade. Essas são as verdadeiras alternativas que se colocam.

Aplausos do PCP.

Não deixarei de referir duas outras questões que foram colocadas.
Dizia o Sr. Deputado que ouviu na rádio que havia uma manifestação, aqui à porta. Que eu saiba, não houve manifestação nenhuma sobre esta matéria. O que há antes sim, é uma manifestação de estudantes sobre a lei da autonomia, que deveria ser discutida hoje mas não foi.
O que se passa - quanto a nós, altamente positivo- é que há em todo o país um interesse muito grande em acompanhar os trabalhos desta Assembleia, em conhecer o que pensam os seus deputados, em saber como vão depois decidir.
É essa vontade inegável do país em conhecer tudo isto que levou a que, hoje, as galerias desta Assembleia - que há tanto tempo não estavam cheias - se enchessem. Não foi por qualquer mobilização ou manifestação especial, Sr. Deputado. Foi pelo interresse real que este problema tem para os portugueses.
Respondo à última questão, relacionada com p problema das clínicas particulares.
Independentemente dos termos indignos em que o Sr. Deputado a colocou, pensamos que na conjuntura presente -já o dissemos quando do debate sobre o Serviço Nacional de Saúde- não se deve proibir a medicina privada, a clínica privada. Já nessa altura dissemos achar que deviam existir, ter as suas regras. Nunca fomos contra isso.
Fomos contra, isso sim, a medicina convencionada o que é outra coisa. Não achamos, de maneira nenhuma, que o Estado deva financiar as clínicas privadas e as mulheres que optarem por recorrer às clínicas privadas. Somos contra isso. Fomos contra a medicina convencionada. Somos contra a existência da clínica privada. Neste domínio, temos sido sempre a favor. Já o fomos quando da discussão da Lei do Serviço Nacional de Saúde. Continuamos, hoje, coerentes com tal posição.
Gostaríamos ainda referir mais duas questões: a das duas semanas e a do aborto eugénico.
Neste domínio, p problema é muito simples.
O que está contido no artigo 5.° do projecto de lei já hoje se faz em Portugal. Aliás, já hoje a Ordem dos Médicos, no seu Código 1 Deontológico -como referi na minha intervenção- admite, nos termos aqui referidos, que se faça um aborto terapêutico ou um aborto eugénico.
Outra coisa não poderia ser já que, realmente, o nosso Código Penal é tão antigo, tão velho, que nem isso admite. Por isso, citamos no preâmbulo do nosso projecto de lei da interrupção voluntária da gravidez um caso que é verdadeiramente dramático -- há, no entanto, outros no país- o daquela mulher que entrou, aqui em Lisboa, no Instituto Português de Oncologia com um cancro, tendo sido internada. Foi-lhe dada. alta, posteriormente, para vir cá fora fazer um aborto a uma parteira clandestina, regressando depois para fazer o tratamento indispensável a salvar-lhe a vida.
Isso foi alterado. O Código Deontológico da Ordem dos Médicos, sem cobertura legal, como é óbvio - lembro que ainda não há muito tempo, não há muitos anos, o próprio Provedor de Justiça chamava à atenção de que essa norma não tinha cobertura legal e de que era necessário alterar a legislação nesse sentido-, admite o aborto terapêutico, o qual é, já hoje, praticado em muitos serviços públicos, o que é natural.
Então o médico vai deixar morrer uma mulher que lhe aparece nas mãos com um cancro ou com uma outra dessas doenças? Daí que a Ordem dos Médicos tenha feito aquela alteração ao seu código deontológico, que admitiu. Isto entra pêlos olhos dentro...!
Nós temos é que adaptar a legislação a uma situação que é perfeitamente iníqua para a vida e para a realidade que se passa.
É só isso que o artigo 5.° contém e não nada de particularmente especial ou de inovador. Esta é já a prática corrente em muitos dos serviços públicos de saúde, embora com o risco para os profissionais de saúde que o fazem.
Por último, direi ao Sr. Deputado João Morgado que ouvi a sua intervenção com atenção e que ela revela uma desumanidade, uma brutalidade e um ódio tão grande ...
Aplausos do PCP e da UEDS.

A Oradora: - ... que ao ouvi-lo senti um arrepio.
Mas penso que á sua intervenção foi justa porque o Sr. Deputado trouxe aqui, pelo nome, com as palavras todas, aquilo que nós tínhamos caracterizado de ultramontanismo, aquilo que tínhamos caracterizado como reaccionário, como posições inaceitáveis num Estado democrático. As suas palavras foram isso mesmo, Sr. Deputado.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - As suas palavras foram tão brutais, tão violentas, tão de dedo apontado às mulheres... Mais respeito, Sr. Deputado! Não estamos num período de há 100 ou 200 anos! Estamos nos anos 80!

Aplausos do PCP, do PS e da UEDS.

Não estamos nas colónias penais do Ultramar, Sr. Deputado! Estamos na Assembleia da República Portuguesa, perante deputados eleitos pelo povo.

Aplausos do PCP, do PS e da UEDS.

Página 2420

2420 I SÉRIE -NUMERO 59

O Sr. João Morgado (CDS): -Sr. Presidente, peço a palavra para um protesto.

O Sr. Presidente: - Faz favor, Sr. Deputado.

O Sr. João Morgado (CDS): - É só para lembrar à Sr.ª Deputada, que aqui me chamou um rosário de nomes, que a posição que aqui defendi relativamente ao aborto e à posição em que se colocam as mulheres que praticam como objecto de prazer é exactamente a posição da Igreja Católica.
O Sr. César de Oliveira (UEDS): - Francamente!
Isso é de mais!

O Orador - A Igreja Católica proíbe o aborto exactamente porque entende que quando se pratica o acto sexual é para se ver o nascimento de um filho.
Risos do PS, do PCP e da UEDS.

Os Srs. Deputados podem-se rir livremente do que estou a dizer, simplesmente quando a Igreja Católica inclusive proíbe o uso de contraceptivos e de outros métodos para evitar a gravidez está a dignificar o acto sexual e isso foi o que a Sr. Deputada aqui não fez.

O Sr. Presidente: - A Sr.ª Deputada Zita Seabra deseja contraprotestar?

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Sim, Sr. Presidente, muito sinteticamente, numa única frase: Sr. Deputado, penso que a Igreja Católica merece aqui melhor porta-voz, melhor representação do que as suas palavras.

Aplausos do PCP, do PS, da UEDS e de alguns deputados do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, dou por encerrada a nossa ordem de trabalhos.
A próxima sessão tem lugar amanhã às 9 horas, e 30 minutos e tem como ordem do dia a apresentação e discussão da moção de censsura ao Governo, apresentada pelo Partido Socialista.
Está encerrada a sessão.

Eram 21 horas e 50 minutos.

Rectificação

No Sumário do n.° 52, de 13 de Fevereiro de 1982, na 6.ª linha, onde se lê «a posição do PSD» deve ler-se «a posição do CDS».

Entraram durante a sessão os seguintes Sr. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD)
Afonso de Sousa F. de Moura Guedes.
Amândio Anes de Azevedo.
Amélia Cavaleiro M. de Andrade Azevedo.
António Maria de O. Ourique Mendes.
Armando Lopes Correia Costa.
Arménio Jerónimo Martins Matias.
Carlos Manuel Pereira Pinho.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Daniel Cunha Dias.
Eleutério Manuel Alves.
Fernando José F. Fleming de Oliveira.
Fernando Manuel Cardoso Ferreira.
João Afonso Gonçalves.
João Vasco da Luz Botelho Paiva.
Joaquim Manuel Cabrita Neto.
Joaquim Pinto.
José Mário de Lemos Damião.
José de Vargas Bulcão.
Júlio Lemos Castro Caldas.
Leonardo Eugênio R. Ribeiro Almeida.
Luís António Martins.
Manuel António Araújo dos Santos.
Manuel Maria Portugal da Fonseca.
Maria da Glória Rodrigues Duarte.
Maria Helena do Rego Salema Roseta.
Maria Margarida do R. da C. S. M. Ribeiro.
Mário. Júlio Montalvão Machado.
Mário Marques Ferreira Maduro.
Pedro Miguel Santana Lopes.
Rui Alberto Barradas do Amaral.
Virgílio António Pinto Nunes.

Partido Socialista (PS)
Adelino Teixeira de Carvalho.
António Chaves Medeiros.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Fernando Marques R. Reis.
António Gonçalves Janeiro.
António José Sanches Esteves.
Aquilino Ribeiro Machado.
Avelino Ferreira Loureiro Zenha.
Bento Elísio de Azevedo.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Francisco Manuel Marcelo Curto.
Joaquim Sousa Gomes Carneiro.
Luís Manuel César Nunes de Almeida.
Maria Teresa V. Bastos Ramos Ambrósio.
Victor Manuel Ribeiro Constando.

Centro Democrático Social (CDS)
Adalberto Neiva de Oliveira.
António Jacinto Martins Canaverde.
Armando Domingos L. Ribeiro Oliveira.
Francisco G. Cavaleiro de Ferreira.
Henrique Manuel Soares Cruz.
João Gomes de Abreu de Lima.
João Cantinho Andrade.
José Augusto Gama.
Luís Carlos Calheiros V. Sampaio.
Luís Filipe Paes Beiroco.
Manuel António de Almeida Vasconcelos.
Narana Sinai Coissoró.
Victor Afonso Pinto da Cruz.

Partido Comunista Português (PCP)
Carlos Alfredo de Brito.
Domingos Abrantes Ferreira.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
Jorge Manuel Lampreia Patrício.
José Manuel da C. Carreira Marques.
Manuel Correia Lopes.
Maria Alda Barbosa Nogueira.
Octávio Floriano Rodrigues Pato.

Página 2421

3 DE MARÇO DE 1982 2421

Partido Popular Monárquico (PPM)
António de Sousa Lara.

Acção Social-Democrata Independente (ASDI)
Jorge Manuel M. Loureiro de Miranda.
Manuel Tílman.

Movimento Democrático Português) (MDP/CDE)
Helena Cidade Moura.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD)

Álvaro Roque Bissaia Barreto.
Amadeu Afonso Rodrigues dos Santos.
António Vilar Ribeiro.
Carlos Mattos Chaves de Macedo.
Fernando José Sequeira Roriz.
Fernando Manuel Cardote B. Mesquita.
José Luís Figueiredo Lopes.
José Manuel Pinheiro Barradas.
Manuel da Costa Andrade.
Maria Adelaide S. de Almeida e Paiva
Maria Manuela Dias Moreira.
Marília Dulce Coelho Pires D. Raimundo.
Natália de Oliveira Correia.

Partido Socialista (PS)

Alfredo José Somera Simões Barroso.
António Emílio Teixeira Lopes.
António Fernandes da Fonseca.
Carlos Manuel N. Costa Candal
Jorge Fernando Branco Sampaio.
José Gomes Fernandes.
José Luís Ferreira de Araújo.
Júlio Filipe de Almeida Carrapato.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Manuel Alfredo Tito de Morais.
Manuel António dos Santos.
Mário Alberto Lopes Soares.
Virgílio Fernando M. Rodrigues.

Centro Democrático Social (ÇDS)

Eugênio Maria Anacoreta Correia.
João António de Morais Leitão
João Lopes Porto.
Manuel Eugênio Cavaleiro Brandão.
Manuel Ferreira Andrade.
Rogério Ferreira Monção Leão.
Ruy Garcia de Oliveira.

Partido Coraunista-Portugu6s;(PCP)-
Álvaro Barreirinhas Cunhal.
Joaquim Gomes dos Santos.

Partido Popular Monárquico (PPM)

António Cardoso Moniz.
António José Borges G. de Carvalho

União da Esquerda para a Democracia Socialista (UEDS)

António Manuel C. Ferreira Vitorino.

OS REDACTORES DE 1.º CLASSE, Carlos Cruz - Maria Leonor Caxaria Ferreira.

Página 2422

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×