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I Série-Número 63
Quinta-feira, 11 de Março de 1982
DIÁRIO
Da Assembleia da República
II LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1981-1982)
REUNIÃO PLENÁRIA DE 10 DE MARÇO DE 1982
Presidente: Exmo. Sr. Francisco Manuel Lopes Vieira de Oliveira Dias
Secretários: Exmos. Srs. Reinaldo Alberto Ramos Gomes
Vítor Manuel Brás
António Mendes de Carvalho
José Manuel Maia Nunes de Almeida
SUMÁRI0. - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão eram 10 horas e 30 minutos.
Iniciou-se e concluiu-se a interpelação ao Governo sobre a actuação do Ministério da Administração Interna, com particular incidência no que se refere à manutenção da ordem pública e segurança dos cidadãos, requerida pela UEDS.
Após a apresentação dos fundamentos da interpelação pelo Sr. Deputado César de Oliveira (UEDS) e da resposta do Sr. Ministro da Administração Interna (Angelo Correia), intervieram no debate, a diverso titulo, além do Sr. Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros (Marcelo Rebelo de Sousa) e do Sr. Ministro da Justiça (Meneres Pimentel), os Srs. Deputados Jaime Gama (PS), Borges de Carvalho (PPM), Silva Marques (PSD), Magalhães Mota (ASDI), Lopes Cardoso (UEDS), António Arnaut (PS), Carlos Pinto (PCP), Santana Lopes, Lemos Damião e Leonel Santa Rita (PSD), Carlos Robalo (CDS), Manuel Alegre (PS), Mário Tomé (UDP), Portugal da Silveira (PPM), Sousa Marques (PCP), Sousa Tavares (PSD), Herberto Goulart (MDP/CDE), Luis Nunes de Almeida e Luís Filipe Madeira (PS), Lino Lima (PCP), Octávio Cunha (CDS), Fernando Condesso e Jaime Ramos(PSD), José Niza (PS), Manuel Lopes (PCP), Luís Beiroco (CDS) e Amadeu dos Santos (PSD).
Entretanto, foi aprovado um relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos sobre a substituição de um deputado do PSD, a cuja leitura procedeu o Sr. Deputado Guerreiro Norte (PSD).
A encerrar a interpelação usaram da palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso (UEDS), que apresentou no final da intervenção um projecto de resolução reprovando a actuação do Ministro da Administração Interna, e o Sr. Vice-Primeiro-Ministro (Freitas do Amaral).
Finalmente, o Sr. Presidente, após anunciar a entrada na Mesa de alguns diplomas, encerrou a sessão eram 3 horas e 20 minutos do dia seguinte.
O Sr. Presidente:- Srs. Deputados, temos quórum para reunir. Declaro aberta a sessão.
Eram 10 horas e30 minutos.
Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PSD)
Adérito Manuel Soares Campos.
Alberto Augusto Faria dos Santos.
Álvaro Barros Marques Figueiredo.
Álvaro Roque Bissaia Barreto.
Amadeu Afonso Rodrigues dos Santos.
Américo Abreu Dias.
Anacleto Silva Baptista.
António Augusto Lacerda de Queiroz.
António Duarte e Duarte Chagas..
António José B. Cardoso e Cunha.
António Maria de O. Ourique Mendes.
António Roleira Marinho.
António Vilar Ribeiro.
Armando Lopes Correia Costa.
Arménio Jerónimo Martins Matias.
Arménio dos Santos.
Carlos Manuel Pereira Pinho.
Carlos Mattos Chaves de Macedo.
Carlos Morais Alão.
Cecília Pita Catarino.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Daniel Cunha Dias.
Eleutério Manuel Alves.
Fernando Alfredo Moutinho Garcez.
Fernando José F. Fleming de Oliveira.
Fernando Manuel Cardote B. Mesquita.
Fernando dos Reis Condesso.
Jaime Adalberto Simões Ramos.
João Evangelista Rocha Almeida.
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João Manuel Coutinho Sá Fernandes.
João Vasco da Luz Botelho Paiva.
Joaquim Pinto.
José Augusto Ferreira de Campos
José Augusto Santos Silva Marques.
José Luís Figueiredo Lopes.
José Manuel Pinheiro Barradas.
José Mário de Lemos Damião.
Júlio Lemos Castro Caldas.
Leonel Santa Rita Pires.
Luís António Martins.
Manuel António Araújo dos Santos.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Maria Moreira.
Manuel Maria Portugal da Fonseca.
Manuel Pereira.
Manuel Ribeiro Arruda.
Maria da Glória Rodrigues Duarte.
Maria Margarida do R. da C. S. M. Ribeiro.
Mário Dias Lopes.
Mário Ferreira Bastos Raposo.
Mário Marques Ferreira Maduro.
Natália de Oliveira Correia.
Nicolau Gregório de Freitas.
Nuno Aires Rodrigues dos Santos.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Miguel Santana Lopes.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rui Alberto Barradas do Amaral.
Valdemar Cardoso Alves.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Partido Socialista (PS)
Adelino Teixeira de Carvalho.
Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Marques Antunes.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Alfredo José Somera Simões Barroso.
Alfredo Pinto da Silva.
António de Almeida Santos.
António Duarte Arnaut.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Fernando Marques R. Reis.
António Francisco B. Sousa Gomes.
António Gonçalves Janeiro.
António José Vieira de Freitas.
António Magalhães da Silva.
António Manuel de Oliveira Guterres.
Aquilino Ribeiro Machado.
Armando dos Santos Lopes.
Avelino Ferreira Loureiro Zenha.
Beatriz Cal Brandão.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Manuel N. Costa Candal.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Fausto Sacramento Marques.
Fernando Verdasca Vieira.
Francisco de Almeida Salgado Zenha.
Francisco Manuel Marcelo Curto.
Guilherme Gomes dos Santos.
Jaime José Matos da Gama.
João Alfredo Félix Vieira Lima.
João Cardona Gomos Cravinho.
Joaquim José Catanho de Menezes.
José Gomes Fernandes.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Luís Abílio Conceição Cacito.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís Manuel César Nunes de Almeida.
Luís Manuel dos Santos Silva Patrão.
Luís Silvério Gonçalves Saias.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel Alfredo Tito de Morais.
Manuel António dos Santos.
Manuel Francisco da Costa.
Maria Teresa V. Bastos Ramos Ambrósio.
Mário Alberto Lopes Soares,
Mário Manuel Cal Brandão.
Rui Fernando Pereira Mateus,
Teófilo Carvalho dos Santos.
Vergílio Fernando M. Rodrigues.
Vítor Manuel Brás.
Victor Manuel Ribeiro Constâncio.
Centro Democrático Social (CDS)
Adriano Vasco da Fonseca Rodrigues.
Alberto Henriques Coimbra.
Alexandre Correia de Carvalho Reigoto.
Álvaro Manuel M. Brandão Estêvão.
Américo Maria Coelho Gomes de Sá.
António Jacinto Martins Canaverde.
António Mendes de Carvalho.
Armando Domingos L. Ribeiro Oliveira.
Carlos Alberto Rosa.
Carlos Eduardo Oliveira e Sousa.
Carlos Martins Robalo.
Daniel Fernandes Domingues.
Emídio Ferrão da Costa Pinheiro.
Emílio Leitão Paulo.
Eugénio Maria Anacoreta Correia.
Francisco G. Cavaleiro de Ferreira.
Francisco Manuel L. V. Oliveira Dias.
Francisco Manuel de Menezes Falcão.
João António de Morais Leitão.
João José M. Pulido de Almeida.
João da Silva Mendes Morgado.
José Alberto Faria Xerez.
José Eduardo F. de Sanches Osório.
Luís Aníbal Azevedo Coutinho.
Luís Filipe Paes Beiroco.
Luísa Maria Freire Vaz Raposo.
Manuel António de Almeida Vasconcelos.
Mário Gaioso Henriques.
Narana Sinai Coissoró.
Paulo Oliveira Ascenção.
Rui António Pacheco Mendes.
Rui Eduardo Rodrigues Pena.
artido Comunista Português (PCP)
Álvaro Augusto Veiga de Oliveira.
Álvaro Favas Brasileiro.
António Anselmo Aníbal.
António José de Almeida Silva Graça.
António José M. Vidigal Amaro.
Carlos Alberto do Carmo C. Espadinha.
Carlos Alfredo de Brito.
Custódio Jacinto Gingão.
Ercília Carreira Talhadas.
Fernando de Almeida Sousa Marques.
Francisco Miguel Duarte.
Georgete de Oliveira Ferreira.
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Jerónimo Carvalho de Sousa.
João Carlos Abrantes.
Jorge Manuel Abreu de Lemos.
Jorge Manuel Lampreia Patrício.
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Rodrigues Vitoriano.
Josefina Maria Andrade.
Lino Carvalho de Lima.
Manuel Correia Lopes.
Manuel Gaspar Cardoso Martins.
Manuel Rogério de Sousa Brito.
Manuel Silva Ribeiro de Almeida.
Maria Alda Barbosa Nogueira.
Maria Ilda Costa Figueiredo.
Maria Odete dos Santos.
Mariana Grou Lanita da Silva.
Octávio Augusto Teixeira.
Vital Martins Moreira.
Zita Maria de Seabra Roseiro.
Partido Popular Monárquico (PPM)
António Cardoso Moniz.
António José Borges G. de Carvalho.
António de Sousa Lara.
Jorge Victor Portugal da Silveira.
Henrique Barrilaro Ruas.
Acção Social-Democrata Independente (ASDI)
Joaquim Jorge de Magalhães S. da Mota.
Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho.
Manuel Tílman.
União da Esquerda para a Democracia Socialista (UEDS)
António César Gouveia de Oliveira.
António Poppe Lopes Cardoso.
Maria Teresa Dória Santa Clara Gomes.
Octávio Ribeiro da Cunha.
Movimento Democrático Português (MDP/CDE)
Helena Cidade Moura.
Herberto de Castro Goulart da Silva.
União Democrática Popular (UDP)
Mário António Baptista Tome.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como sabem, a nossa sessão de hoje tem como ponto único a interpelação ao Governo, de iniciativa do Grupo Parlamentar da UEDS, sobre a actuação do Ministério da Administração interna, com particular incidência no que se refere à manutenção da ordem pública e segurança dos cidadãos.
Para a abertura da interpelação, tem a palavra o Sr. Deputado César de Oliveira.
O Sr. César de Oliveira (UEDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados. Srs. Membros do Governo, Sr. Ministro da Administração Interna:
A interpelação que açora se inicia tem, por parte da UEDS, um objectivo claro e preciso: questionar o MAl sobre a generalidade da política que vem prosseguindo com particular incidência no que respeita à ordem pública e à segurança dos cidadãos.
O Grupo Parlamentar da UEDS faz uso de um direito constitucional e o Governo, no caso concreto o MAI, não poderá eximir-se a responder às questões concretas que iremos colocar-lhe, iludindo, como tem tentado fazer em outras interpelações, o essencial dessas mesmas questões.
O objecto da interpelação é o MAI. O que está em causa é a prática do MAI, particularmente o comportamento e as posições do seu titular. Recusamo-nos, por isso mesmo, a discutir da bondade ou maldade, do êxito ou do fracasso da greve geral do dia 12 de Fevereiro ou a pactuar com qualquer manobra de diversão que a habilidade prestidigitadora do Sr. Ministro intente imprimir aos debates. Recusamo-nos desde já aceitar como resposta às interrogações que formularemos qualquer habilidade que defira para outras instâncias as respostas que pedimos ou promessas de medidas, quaisquer que sejam. Queremos respostas claras e concretas e estamos certos que este é, sem sombra para dúvidas, o desejo dos Portugueses.
Gostaríamos de começar por assinalar o facto de que finalmente, passados que foram os debates resultantes da interpelação ao Governo do PS e da moção de censura aqui discutida na semana passada, vamos ouvir o Sr. Ministro da Administração Interna. É já uma vitória desta interpelação da UEDS. Temos aqui, diante de nós o Sr. Ministro que durante as discussões aqui verificadas nas últimas semanas -e tendo sido objecto de acusações graves ante o silêncio envergonhado do Governo e das bancadas da maioria - não se dignou usar da palavra. Hoje, creio ser difícil ao Sr. Ministro calar-se.
Sr. Presidente. Srs. Deputados: Três questões vão ocupar-nos na abertura desta interpelação: a actuação das forças de segurança, o relançamento do MAI com as estruturas do poder local e a actuação do Sr. Ministro antes, durante e depois da greve do dia 12 de Fevereiro.
Na declaração política sobre os acontecimentos no Estádio da Luz no final do campeonato nacional de futebol da época passada, a UEDS fez aqui uma série de perguntas que até hoje, não obtiveram resposta e que, longe de perderem actualidade, têm ganho importância ante as últimas actuações das forças de segurança. Reafirmamos as perguntas que então fizemos.
Desde os espancamentos brutais nas esquadras da PSP, à actuação, nos dias que antecederam o Carnaval, da PSP e do Corpo de Intervenção em diversos estabelecimentos de ensino secundário, passando pela violência repressiva na Covilhã durante a greve dos trabalhadores têxteis, à actuação do Corpo de Intervenção no Rossio no dia 12 de Fevereiro, são inúmeros os exemplos que poderíamos dar desde Outubro do ano passado e que, se for necessário, daremos durante o debate.
A responsabilidade da actuação das forças de segurança pertence em última instância ao Ministério da tutela. Não confundimos os excessos que possam ser cometidos por este ou aquele agente de segurança em situações concretas com a responsabilidade política de quem tem a seu cargo a orientação e direcção últimas da PSP e da GNR. As forças de segurança reflectem no dia-a-dia da sua actuação concreta as orientações e as opções de fundo da hierarquia de que dependem. É por esta razão fundamental que se
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torna pertinente perguntar: que tipo de preparação cívica e que treino são ministrados aos agentes da PSP e ao pessoal da GNR? Que critérios presidem à escolha dos métodos de preparação e treino da PSP e da GNR?
É, no entanto, nas actuações do Corpo de Polícia de Intervenção que se têm verificado comportamentos mais violentos e agressivos que denotam um estilo de actuação pautado pelo ódio recalcado, pela fúria repressiva e pela agressão discriminada. E pensamos que estas características decorrem não apenas da preparação e do treino ministrado, como do tipo de recrutamento e das orientações globais.
Que critérios se praticam no recrutamento dos agentes do CPI? Que treino, que preparação e que regras de conduta são ministrados aos elementos do CPI?
Estas perguntas já aqui por nós formuladas, queremo-las ver respondidas pelo Sr. Ministro.
A UEDS não recusa a necessidade do combate à delinquência, a prevenção de actos criminosos, a existência de forças de segurança que possam agir pronta e eficazmente no quadro global traçado pela Constituição da República. Todavia, os cidadãos não podem estar à mercê do uso arbitrário do bastão, da violência repressiva que nasce da impreparação democrática, da prática de critérios pouco claros, do uso imponderado das forças de segurança para sanar conflitos que as dispensam e para resolver problemas que exigem respeito escrupuloso pelas garantias constitucionais.
Boa parte, a maior parte, da legislação que preside às estruturas e às actuações da PSP e da GNR data de há dezenas de anos e foi produzida em plena ditadura fascista sem qualquer tipo de discussão pública ou controle parlamentar. Após o 25 de Abril não houve alterações significativas na legislação atinente à PSP ou à GNR. Um ou outro decreto-lei publicado após o 25 de Abril, destinou-se a solucionar problemas de carácter pontual.
Perguntamos: O MAI tem em preparação legislação de fundo referente à PSP e à GNR, como foi anunciado há meses em Viana do Castelo? Pode indicar-nos o Sr. Ministro o conteúdo dessa legislação e que instância política vai pronunciar-se sobre ela? O Governo apenas, ou também a AR será chamada a discutir e a votar essa legislação que tarda e que se destina a substituir legislação de 44 e 54, respectivamente para a GNR e para a PSP?
Antes de terminar este capítulo referente às forças de segurança, gostaríamos de interpelar V. Ex.ª, Sr. Ministro, sobre três pontos muito concretos e que reputamos de excepcional importância.
Por despacho do Sr. Primeiro-Ministro de 13 de Novembro de 1981 foi cometido ao Conselho Nacional de Telecomunicações o estudo exaustivo dos problemas inerentes à possibilidade de escutas telefónicas. Foi fixado um prazo de 60 dias que terminou a 13 de Janeiro deste ano, isto é, há cerca de 2 meses, sem que se saibam os resultados do estudo efectuado. Pode o Sr. Ministro dizer-nos as conclusões desse estudo? Há ou não escutas telefónicas? No caso afirmativo quem as pratica ou praticou?
Tem sido referenciada, por várias vezes e particularmente por V. Ex.ª, a necessidade de um serviço de informações, ou, mais precisamente, de um serviço coordenador dos serviços de informações já existente na PSP, na GNR, na PJ e nas forças armadas. O Sr. Primeiro-Ministro e V. Ex.ª tem referido o que consideram como a debilidade do Estado democrático, o caos existente nestes domínios, a necessidade de precaver a segurança das instituições e a defesa da legalidade democrática. V. Ex.ª tem sido até, desde os tempos da sua presidência na Comissão Parlamentar de Defesa, um esforçado paladino de concretização de um serviço deste tipo.
Gostaríamos, pois, de perguntar-lhe: de que serviços de informações dispõe o Governo e particularmente o MAI neste momento? Qual o âmbito desses serviços?: que meios tem sido por eles empregues?: qual o objecto essencial do trabalho de recolha de informações? Que tipo de garantias são asseguradas no domínio da privacidade dos cidadãos, da liberdade das Mias opiniões e actuações políticas, da inviolabilidade da correspondência, do domicílio e dos telefones? Pensa o Governo, e particularmente o MAI, implementar um serviço de informações que, como já V. Ex.ª afirmou, supere o «complexo da PIDE» e contribua para o fortalecimento de um Estado que o Governo tem classificado nestas matérias como débil e sem defesas? Que serviço de informações, com que âmbito e com que competências?
Concretamente, Sr. Ministro: O Governo e o MAI na luta que desenvolveram contra a greve do dia 12 de Fevereiro, referiram-se diversas vezes aos perigos para o regime democrático que essa greve representava e as informações que confirmavam esses mesmos perigos. Usou o Governo e o MAI informações provenientes dos serviços de informação existentes? Recortou essas mesmas informações? Se as usou, quais foram?
Finalmente, o último dos aspectos que atrás referi. Sabe-se da existência na PSP de um grupo de operações especiais que aliás tem sido abundantemente referenciado pela imprensa. Contudo, não existe qualquer tipo de legislação que o tivesse criado, estruturado, organizado e definisse competências e âmbito de actuação para o COE, que tem comandante nomeado e certamente verbas atribuídas para a sua manutenção e equipamento.
Procedi a exaustiva busca de legislação referente à PSP e à GNR e nada encontrei referente ao GOE. Quando foi criado? Ao abrigo de que legislação? De quem depende? Que competências e âmbito de actuação? Compreendemos a delicadeza destas matérias. Sr. Ministro, mas cremos que as respostas às perguntas que aqui formulamos não envolvem quebra de segredo de Estado e pensamos que o povo português tem o direito de ser informado sobre a existência deste corpo especial que, certamente, pelo seu treino, equipamento e armamento representará força de vulto entre o conjunto das forças de segurança.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo, Srs. Ministro e Secretários de Estado do MAI: Não queremos antecipar-nos à discussão nesta Câmara do chamado «pacote do poder local» que, em 5 propostas de lei, o Governo e o MAI enviaram à AR. Todavia não deixamos de ter presente uma pergunta fundamental que estrutura toda esta interpelação: que razões de fundo motivaram o Dr. Bal-
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semão e o Prof. Freitas do Amaral a escolher V. Ex.ª para Ministro da Administração Interna em ano de eleições autárquicas?
Protestos do PSD.
E a verdade é que as 5 proposta de lei já enviadas a esta Câmara indiciam, com meridiana clareza, os propósitos discriminatórios e arbitrários do Governo, nestas matérias. Darei, a este propósito, apenas 2 exemplos.
A proposta de lei n.º 83/II mantém no seu artigo 25.º, no n.º 1, o princípio da proibição de qualquer forma de subsídio ou comparticipação do Estado ou institutos públicos à administração local, mas logo a seguir no n.º 2 do mesmo artigo cria a possibilidade de uma série de excepções, assentes no carácter genérico e vago da redacção do mesmo número.
O Governo, pela mão hábil, oportuna e pródiga do Sr. Ministro, poderia passar a dar subsídios a quem muito bem quisesse e a excepção passaria a constituir a regra.
Um segundo exemplo respigado do «pacote local» e que respeita ao financiamento das novas competências. O sistema proposto nada tem a ver com o regime geral, baseando-se na celebração de um protocolo entre cada câmara municipal e o ministério interessado, em função de cada nova competência assumida por cada câmara. Como há 305 municípios, 15 ministérios interessados e dezenas de novas competências, podemos imaginar com facilidade que, por entre os milhares de protocolos, se pode fazer a instauração do arbítrio, da discriminação, do compadrio.
Voz do PS: - Muito bem!
O Orador: - Detenhamo-nos por aqui nestas matérias. Notemos apenas que com os 2 exemplos adiantados o MAI fica com um poder altamente discricionário que permitirá beneficiar esta ou aquela câmara, promover esta ou aquela realização em função de objectivos políticos precisos que veiculem a estratégia e os interesses do Governo e da sua maioria.
Não cuidaremos agora de nos debruçarmos sobre os projectos de regionalização, descentralização e desconcentração administrativa prosseguidos pelo Governo e pelo MAI, mas gostaríamos que o Sr. Ministro justificasse a criação do Secretariado Técnico para a Regionalização com uma verba orçamentada em 16000 contos por uma simples resolução do Conselho de Ministros.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo, Srs. Ministro e Secretários de Estado do MAI: Entraremos, finalmente, na actuação do Sr. Ministro da Administração Interna, na propalada «insurreição» que, na opinião do Governo e particularmente do MAI, se imbricava com a realização de uma greve geral convocada por uma das centrais sindicais.
A UEDS não discute a legitimidade do combate político por parle do Governo e das forças políticas que o apoiam, a qualquer gave e, nomeadamente, à greve geral convocada pára o passado dia 12 de Fevereiro. No quadro da Constituição e com o exclusivo recurso dos instrumentos legais e constitucionais, todo o combate político se legitima, sejam quais forem os seus objectos. Todavia, importa distinguir a legitimidade de um combate político democrático, da criação de um clima alarmista onde o recurso massivo aos mass media, formas diversas de coacção e a manipulação da opinião pública, constituem outras tantas armas usadas por um qualquer governo para combater, ilegitimamente, a concretização de direitos consagrados constitucionalmente. O Governo e particularmente o Sr. Ministro da Administração Interna ultrapassaram claramente os meios de combate político normal e democrático.
Na verdade, o recurso sistemático à RTP por parte do Governo, a multiplicação de avisos sobre avisos, as sucessivas intervenções que visavam comunicar a «garantia do direito ao trabalho;), a instilação na opinião pública da existência de ameaças à democracia e à estabilidade das instituições, o anúncio de que o Governo estava na posse de informações que faziam prever violência, actos de terrorismo e sabotagem, foram outros tantos ingredientes de que o Governo se serviu, e particularmente o MAI, para criar uma situação que poderia ter graves consequências. O Governo, por sua vez, mobilizou cerca de sete mil agentes da PSP, GNR e CPI para actuarem em 97 objectivos em iodo o País, ao mesmo tempo que eram canceladas licenças e folgas. Colocaram-se as forças de segurança em alerta permanente, promoveram-se reuniões sobre reuniões com toda a hierarquia da PSP e GNR, enviaram-se diversas circulares específicas a todos os departamentos e sectores das forças de segurança.
O Governo, particularmente o Ministro da Administração Interna, encarou o combate à greve geral do dia 12 como um caso de vida ou de morte, assumindo-se como a ordem, a segurança e a democracia de que aparentou ser o exclusivo detentor. Maniqueisticamente, o Governo, particularmente o MAI, dividiu os Portugueses em «bons portugueses» - os não grevistas - e «maus portugueses» - os grevistas-. procurando voltar as populações contra os trabalhadores em greve, sobre os quais foram sendo lançadas nos dias que precederam a greve várias e greves suspeições. Estes métodos lembram tragicamente Salazar, Caetano e Gonçalves Rapazote, ainda que estes fossem mais inteligentes que o Sr. Ministro da Administração Interna.
Vozes do PCP: - Muito bem!
Protestos do PSD.
O Orador. - O Governo e o MAI, mais especificamente, foram os campeões do reforço do processo bipolarizador da sociedade portuguesa.
«Ou nós ou o caos», foi o lema do Governo.
Criado este clima, que uma simples consulta da imprensa, dos comunicados oficiais e do registo das constantes aparições de membros do Governo, nomeadamente do Sr. Ministro na RTP, pode comprovar, era inevitável a «descoberta» de factos graves que pudessem confirmar ante a opinião pública a existência de «uma insurreição e actos subversivos contra a legalidade democrática e que visavam o derrube das instituições democráticas».
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O clima criado pelo Governo e pelo Sr Ministro, a mobilização dos efectivos policiais e o entendimento manifestado pelo Governo sobre a convocação da greve obrigavam a inevitável descoberta de uma insurreição que justificasse a histeria do Governo e sobretudo que desse fundamento aos métodos ilegítimos de que o Governo fez uso no combate à greve do dia 12 de Fevereiro.
É neste contexto que o Sr. Ministro surge nos ecrãs da RTP, tirando do bolso, ante o olhar atónito e surpreso dos Portugueses, as provas insofismáveis, na sua opinião, da existência de uma insurreição. Só que o Sr. Ministro parece não ter compreendo que o espectáculo de normalidade oferecido pelas suas - exceptuando os incidentes do Rossio, alias acicatados pela policia de choque com agressões indiscriminadas a cidadãos, incluindo jornalistas identificados - constituía o desmentido mais flagrante à credibilidade de qualquer acção conspirativa contra o regime. Encenar sobre um cenário de normalidade publica um subcenário insurrecional pode ser uma excelente ideia para um filme burlesco, mas não para mistificar o Pais», escrevia-se no Expresso de 20 de Fevereiro (ver. p 48-R), a propósito da aparição Televisiva do Sr. Engenheiro Ângelo Correia.
Vozes do PS, do PCP e da UDP: - Muito bem!
O Orador: - Vejamos os factos essenciais através do «insuspeito» semanário Tempo, de 18 de Fevereiro de 1982:
Aveiro - armas encontradas em Albergaria-a-Velha,
Braga - apedrejamento de transportes particulares. Pneus furados.
Castelo Branco - veículos obstruindo uma garagem da RN. Sabotagem em rações para animais.
Coimbra - pneus furados.
Évora - pneus furados.
Faro - tentativa de ocupação de casas em Vila Real de Santo António.
Leiria - violação de seccionador da EDP. Pregos na via pública. Apedrejamentos. Pneus furados. Explosões de petardos;
Lisboa - pregos nas estradas. Pneus furados Cabeças de fósforos e pregos em fechaduras de estabelecimentos comerciais. Atropelamento em Alcabideche Detidos 4 indivíduos em Sacavém. Encontradas armas e aparelhos emissores com proclamação no Parque Eduardo VII.
Portalegre - pneus furados.
Porto - pneus furados e apedrejamentos.
Santarém - tiros no Couço durante uma operação stop.
Setúbal - atropelamento em Ermidas-Sado. Tiros em Corroios.
Viana do Castelo - pneus furados.
Risos do PS e do PCP.
São estes, Sr. Presidente e Srs. Deputados, os factos indicados como evidenciadores de uma conspiração de caracter insurreccional -pasme-se- contra o regime democrático.
Dos factos atrás apontados cumpre salientar que as armas encontradas no distrito de Aveiro nem sequer funcionavam que o seu proprietário foi preso a 200 Km de distância do local das armas que se destinavam a decoração, tendo o seu possuidor provado que eram recordações de guerra, que a sabotagem verificada em Castelo Branco numa fábrica de rações foi produto de engano na colocação do sal que entre na composição das rações, que o atropelamento verificado em Alcabideche não tem ligações directas ou indirectas com a greve, que a morte do chefe do posto da GNR em Ermidas-Sado constituiu apenas um acidente que a própria GNR local encara como tal, que não se confirmaram as explosões em Leiria e que em Corroios não houve tiros. Com excepção das armas e dos emissores apreendidos no Parque Eduardo VII, a insurreição inventada pelo Sr Engenheiro Ângelo Correia, reduz-se, com os elementos vindos a público, a pregos, fósforos, pneus furados, apedrejamentos, pinheiros de médio porte abatidos, sabotagem em semáforos, tiros em operações stop Isto é, insurreições deste tipo deveria havê-las muitas vezes ao ano em Portugal, mormente quando as forças de segurança montam operações stop. Um jornalista insuspeito como Fialho de Oliveira disse isto mesmo num programa da RDP - Rádio Comercial.
Vejamos com mais detalhe as armas e os emissores apreendidos no Parque Eduardo VII. Foram apreendidas 2 pistolas-metralhadoras. Uma de marca JEP de funcionamento duvidoso, dado o tipo de culatra que possui e que, por ausência de manipulo, se encrava logo aos primeiros disparos.
Risos do PCP.
Outra de marca Sterling ou Star, armamento em uso na PIDE/DGS antes do 25 de Abril e que foi após esta data, entregue ao Exército. No que respeita aos emissores, cuja maioria dos componentes se pode adquirir livremente no mercado, o esquema eia o seguinte, a avaliar pelas informações do Tempo e outras que conseguimos recolher cassete num gravador que por seu turno se encontrava ligado a um emissor alimentado por uma bateria normal, tudo ligado a uma antena tipo garra presa no exterior do capôt do automóvel. Raio de difusão, emitindo nas frequências da Radio Comercial: 2 km Locais de emissão, que depois de verificados pela PSP não trouxeram nada de novo Parque Eduardo VII, Cristo-Rei, Sintra, Alto da Graça, Arrábida e Monsanto.
Admita-se que para armamento insurreccional as duas pistolas-metralhadoras são manifestamente insuficientes e que o raio de alcance dos emissores para a proclamação conspirativa e insurreccional e ridículo. A proclamação, afinal, não eia uma proclamação para sei lida a seguir a conquista do Poder, mas um simples apelo de apoio a greve Estranha-se, finalmente, a prontidão com que os detidos confessaram as suas ligações ás autodenominadas Forças Populares 25 de Abril e o facto de a viatura que transportava as armas e os emissores serem encontrados bem próximo do local onde as viaturas da PSP que vigiavam um cortejo automóvel da CGTP receberam ordens para montar operações stop.
Sr. Ministro da Administração Interna, tem V Ex.ª outros elementos, para além dos que foram tornados
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públicos, que possam justificar a sua intervenção televisiva no sábado, 13 do Fevereiro? Porque foi chamado a responder aos n.ºs 2 ou 3 dos Grupos Especiales de Operaciones (GEOS) de Espanha na madrugada de 13 de Fevereiro? Quem decidiu chamar esse especialista espanhol, que tão poucas horas se demorou em Portugal? A que se deve o facto de jamais o Sr. Ministro e o Governo terem separado, com clareza, os acontecimentos grevistas das armas e dos emissores 'encontrados nu Parque Eduardo VII?
O que entende V. Ex.ª, Sr. Ministro, por insurreição? E por subversão geral? E por conspiração contra o regime?
Esperamos as suas respostas, Sr. Ministro.
O Governo é particularmente, o MAI deram três versões substancialmente diferentes sobre os acontecimentos envolventes, da greve do dia 12 de Fevereiro: primeiro, segundo nota oficiosa da Presidência do Conselho e do MAI, tratava-se de «movimentações minoritárias destinadas a pôr em causa a ordem e a segurança dos cidadãos»; depois, o Sr. engenheiro Ângelo Correia falou em «plano subversivo e desestabilizador tendente a alterar e a derrubar a ordem democrática, finalmente, no relatório distribuído a 17 de Fevereiro, o Governo e o MAI recuam e apenas dizem que houve um «clima de intimidação individual e colectiva)). Refira-se que esta última tomada de posição ocorreu após críticas severas au Governo e ao MAI e depois de o deputado Salgado Zenha ter pedido aqui no parlamento a imediata demissão do titular do MAI.
Sr. Ministro, que diabo de insurreição ou conspiração visando alterar a ordem democrática foi verificada no dia 12 de Fevereiro que, estando 7000 agentes das forças de segurança nas ruas e junto às empresas e locais de trabalho e no clima alarmista que o Governo criou, se não verificou, desde o norte ao sul do País, qualquer caso de ataque às forças policiais que tivesse provocado ferimentos em agentes de segurança, ao contrário do que V. Ex.ª tentou fazer crer? Que diabo de insurreição foi esta?
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo, Sr. Ministro e Secretários de Estado do MAI: Os factos por mim aduzidos ao longo desta intervenção, nomeadamente os relacionados com a inventada insurreição ou conspiração contra a ordem democrática que o Sr. engenheiro Ângelo Correia veio, pressuroso, comunicar ao País nu noite de 13 de Fevereiro último, mostram que nada justificava o clima alarmista e a histeria anti-insurreccional em que u Governo se deixou envolver. V. Ex.ª, Sr. Ministro, encenou o clima alarmista, encenou a insurreição e a conspiração porque viu nelas a possibilidade de desenvolver uma operação política destinada a reforçar a coesão de um Governo que ameaçava e ameaça desistências e demissões, porque viu nelas a salvação, ainda que transitória, de uma maioria minada por contradições internas insanáveis. V. Ex.ª. Sr. Ministro, aproveitou o pretexto da convocação da greve geral para reabilitar a imagem degradada do Governo na opinião publica, pelo recurso ao anticomunismo mais primário, pelos apelos emocionais à ordem e tranquilidade públicas, V. Ex.ª identificou-se a si próprio e ao Governo com a democracia, a liberdade e a salvaguarda exclusiva das instituições, ao mesmo tempo que, por dicotomia imaginosa e verborreica, excluía da liberdade, da democracia e da salvaguarda das instituições os que não o acompanharam a si e ao Governo no alarmismo e na histeria anti-insurreccional. A insurreição foi, afinal, uma pura e escandalosa operação política de um governo e de uma maioria. Foi uma inventona destinada a reconquistar a base de apoio que, pela sua prática governativa, o Governo e a maioria vão perdendo.
Compreendemos, Sr. Ministro, a sua propensão para as encenações grandiloquentes, para os gestos largos e dramáticos a que já nos habituara desde as suas campanhas pelo seu círculo eleitoral. Todavia, a segurança e tranquilidade dos cidadãos e a própria credibilidade do Estado e das instituições democráticas não podem estar sujeitas às suas propensões, ao seu gosto pelo trágico, pelo dramático e pelo tempestivo, não podem estar à mercê das suas precipitações ou à sublimação pública dos seus próprios recalcamentos.
Voz do PS: - Fora com ele!
Aplausos da UEDS, do PS, do PCP, do MDP/CDE e da UDP.
O Orador: - Passados que são quase 30 dias sobre o dia 12 de Fevereiro, tem V. Ex.ª, Sr. Ministro Ângelo Correia, a oportunidade de provar com factos novos a inverdade das conclusões; que se podem extrair, com facilidade, da sua actuação antes, durante e depois da greve do dia 12 do mês passado 30 dias são mais que suficientes para instruir processos, apurar responsabilidades criminais e para aduzir factos novos aos ridículos instrumentos do «terrorismo e cia insurreição» adiantados por V. Ex.ª, em 13 e 17 de Fevereiro. Julgo até, Sr. Ministro, que nem lhe ficará bem invocar segredo de justiça ou segredos de Estado, um processo que o exima a confessar os seus próprios exageros, a comprovar as suas próprias manipulações.
Ficamos pendentes das suas palavras.
Em nome da liberdade e cia democracia, o Ministro Ângelo Correia e por seu intermédio o próprio Governo, à luz dos factos até agora vindos a público, usou métodos, processos e instrumentos que podem cercear a liberdade e tendem a justificar situações que põem em causa as garantias constitucionais no que respeita à liberdade e segurança dos cidadãos, assim como no que concerne à ordem pública.
Ficamos pendentes das suas palavras, Sr. Ministro Ângelo Correia.
O debate que vai seguir-se responderá à pergunta que coloquei durante a minha intervenção: porquê o engenheiro Ângelo Correia à frente de um ministério de que dependem as forças de segurança, as autarquias e o funcionamento do sistema eleitoral num ano em que se realizam eleições autárquicas?
É e MAI que está a ser interpelado e só ele.
Do debate e sobretudo das respostas dadas pelo Sr. Ministro saberemos tirar as devidas conclusões. Espero que o Governo e o Sr. Ministro se não refugiem, mais uma vez, na técnica de pedir à UEDS e às oposições alternativas para o MAL
Não está em causa apenas a credibilidade política de um ministro da Administração Interna em anu
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de eleições autárquicas. Está em causa a indispensável seriedade e isenção das estruturas de um Estado democrático que queremos ao serviço de todos os cidadãos e não contra uma parte dos cidadãos portugueses.
Ficamos a aguardar as suas palavras, Sr. Ministro Ângelo Correia. é a sua governação que está em causa.
Aplausos da UEDS, do PS do PCP, da ASDI, do MDP/CDE e da UDP.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado ultrapassou em 4 minutos o seu tempo, que será descontado no debate, conforme acordado.
Tem a palavra o Sr. Ministro da Administração Interna.
O Sr. Ministro da Administração Interna (Ângelo Correia):- Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo ...
O Sr. Manuel Lopes (PCP): - Veja lá se há aí algum prego!
Vozes do PSD: - Já!? Já estão com o nervoso todo?!...
O Orador: - A UEDS requereu uma interpelação sobre a acção do MAI, a manutenção da ordem pública e a segurança dos cidadãos.
Acreditámos, pelo conteúdo do texto apresentado, na seriedade das finalidades e intenções do mesmo.
Será, assim, dentro da maior seriedade que o tratamos ao longo deste dia.
A manutenção da ordem pública e a segurança dos cidadãos são asseguradas, entre outros vectores, pela existência das forças de segurança interna. Estas representam um instrumento privilegiado do Estado democrático para garantia da tranquilidade e ordem públicas, prevenindo ou combatendo a criminalidade.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - São, por isso, um elemento essencial do Estado, justificando-se amplamente a sua valorização e dignificação.
Após o 25 de Abril, alguns sectores políticos tentaram por várias formas afectar a existência e actividade dessas forças de segurança interna.
Por um lado, lançaram-lhe labéus e acusações gratuitas. Por vezes, não as defenderam. Por outro, permitiram e fomentaram acusações públicas que pretenderam fazer diminuir na opinião pública o mérito, a necessidade e a acção das torças de segurança.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Tal constituiu uma autêntica campanha tendente não só ao seu desprestígio, como declaradamente a colocá-las numa posição de inibição e coibição face ao cumprimento da sua missão.
As relações de natureza política que se proeurou criar, confundindo instrumentos do Estado com is decisões políticas determinantes do exercício e da acção desses mesmos instrumentos, foram evidentes, pretendendo criar a coesão interna dessas instituições e desmoralizar os seus elementos.
O 25 de Abril originariamente democrático, tendeu a transformar-se a breve trecho numa revolução totalitária, com todas as consequências que daí resultariam.
O 25 de Novembro inverteu essa tendência e de novo o processo democrático se sobrepôs ao processo revolucionário.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Criaram-se então condições para a estabilidade do País e o prestigio das instituições. Iniciou-se o reencontro de Portugal consigo próprio, e, em particular, as forças de segurança puderam encontrar condições para o cumprimento das missões que a lei lhes confere, em benefício da instauração do regime democrático, cumprindo aquilo para que sempre existiram: fazer respeitar a lei; agora leis democráticas, porque decorrentes de um sistema político de base pluralista.
Tal execução de missões, apesar das dificuldades que continuaram a ser colocadas às forças de segurança pela acção dos mesmos sectores políticos, indubitavelmente que foi factor de grande importância para que o povo português se adaptasse à vigência da democracia.
Faltou-lhe, é certo um elemento indispensável, há pouco referido pela UEDS: o estabelecimento das condições orgânicas em que se desenvolveria a missão das forças de segurança num regime democrático.
Tal responsabilidade, exclusiva do poder político de então, não foi por ele considerado e claramente executado.
Constitui, por isso, atitude significativa a acção desenvolvida por um governo da AD, ao preparar essa nova configuração das forças de segurança, traduzida por uma política num conjunto de acções - umas já realizadas, outras em curso- que visam dar às forças de segurança interna, progressivamente, total capacidade. sob todos os aspectos, para servirem a sua missão: a segurança e a garantia da ordem interna, tudo para a defesa do regime que desejamos ver consolidado.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Regime que tem visto no seu interior desenvolverem-se várias formas de comportamento violento e criminoso, traduzidas por um grau de sofisticação cada vez mais acentuado, para o qual não se dispõe ainda quer de meios quer da coordenação requerida para lhes fazer frente.
O quadro da situação existente no nosso país continua assim a caracterizar-se por um geral entendimento de liberdades em perfeita definição de limites, pretendendo alguns que tudo é permissível ao cidadão, resultando numa extravasamento dos recalcamentos e paixões, produzindo tensões com vectores desencadeadores potenciais de graves conflitos, originadas por «decisões» muito diversas e não somente contagónicas no seu conteúdo, mas também diferenciadas quanto ao entendimento do que é e quais são os objectivos a atingir no interesse público geral.
O Estado democrático, detentor da autoridade nacional, está organizado em vários escalões de autoridade pública -leis, instituições, organismos, entidades-, até ao escalão de base, que é o do agente
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administrador da acção de polícia de ordem -o vulgarmente chamado «agente policial» ou «agente de autoridade».
A autoridade do Estado constitui uma emanação do conceito fundamental da autoridade geral. Cada um destes escalões em que o Estado se organiza passa a constituir uma delegação da autoridade geral do próprio Estado, de maior ou menor capacidade, em conformidade com as normas institucionais estabelecidas. Mantém-se, como é evidente, a correspondência entre a autoridade e o Poder, no sentido de deter uma capacidade, é o poder do Estado, o poder das leis, das instituições, como potencial de realização, mas que, em si próprio e excluído de uma prática, não passa de mera abstracção, de conceito sem existência real.
Pode, assim, dizer-se que a autoridade do Estado só tem existência real se concretizar por uma prática - o exercício do Poder. Em caso contrário, tal autoridade não passa de um conceito abstracto e virtual. É o que, em certa medida, tem por vezes vindo a acontecer no nosso país, com leis, com instituições e com entidades que detêm autoridade conceptual, mas não têm encontrado, na prática da vida diária da colectividade nacional, uma correspondência aos seus ditames.
As forças de segurança interna como instituições nacionais de garantia da ordem, estão com as suas instituições e dispositivos fisicamente presente»; em todo o território, e os seus militares e agentes, no exercício das suas funções, são constantemente introduzidos em todos os acontecimentos de perturbação. Desde a simples desavença entre pessoas, litígios, desacatos e tumultos às grandes perturbações da ordem e às mais graves ameaças à segurança interna, em tudo as forças de segurança são chamadas a intervir para restabelecer a ordem e para que se respeite o princípio da autoridade, indispensável à existência da legalidade democrática.
O vector de violência, sempre presente nas relações humanas, caracteriza alguns ataques, e muitas vezes aparecem actos que evidenciam a intenção de eliminar o agente da autoridade, tentando atropelá-los com viaturas, disparando armas de fogo, ferindo-os, etc.
Mais não e a pessoa do militar ou do agente de polícia que está em causa, mas sim o que ele representa: a GNR e a PSP representam, ambas as instituições, a ordem e a autoridade pública.
Vozes do PSD:- Muito bem!
O Orador: - O que se procura é eliminar a Guarda e a PSP nas pessoas dos seus militares e agentes.
Entre os actos de violência praticados merece especial destaque a aplicação de engenhos explosivos colocados nos quartéis, postos ou esquadras e que em alguns casos produziram a quase destruição das instalações.
São actos friamente premeditados e visam como objectivo o derrube da autoridade pública.
Desde 15 de Junho de 1980 até 15 de Janeiro de 1982 foram aplicados 14 engenhos explosivos contra instalações militares da Guarda, que, além de avultados danos materiais produzidos, causaram a morte de 2 militares- Em outras acções violentas praticadas em vários pontos do território, mais 3 militares foram mortos. Em consequência de atropelamento por viaturas, foram monos mais 7 militares.
Paralelamente, a PSP viu, desde inícios de 1980, 7 agentes mortos, 26 feridos e 696 agressões sem consequências directas!
Todavia, a serenidade e a correcção das forças de segurança tem sido, na generalidade, evidentes.
Os dispêndios que se têm feito e farão na formação e reciclagem dos elementos das forças de segurança, traduzindo uma orientação de política, representam um verdadeiro investimento, cujo alcance será sentido no dia-a-dia da acção das mesmas forças de segurança e que muito contribuirá para a melhoria continuada da sua acção.
Julgamos, pois, face ao exposto, que a única atitude lícita e justificável seja a do público reconhecimento e louvor a esses agentes de autoridade do Estado que no quotidiano dão a vida e o melhor do seu esforço, de modo o assegurarem a ordem pública e a tranquilidade e segurança dos cidadãos, através da aplicação das leis do Estado democrático.
Bem podemos, pois, afirmar que as forças de segurança se perfilam hoje como instrumentos indispensáveis de consolidação do Estado democrático.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O quadro atras descrito, não pretendendo ser completo, carece, contudo, de ser particularizado numa dimensão que adquiriu relevo nos últimos anos.
Referir-nos-emos, em primeiro lugar, ao fenómeno corrente designado por «terrorismo».
Já antes do 25 de Abril havia os que lutavam por meios violentos para substituir a ditadura por uma democracia. Outros havia que lutavam, também por meios violentos, para substituir a ditadura por outra ditadura. Os primeiros cessaram a sua actividade; os segundos prolongaram-na.
O processo democrático e a instituição de um regime pluralista não legitimam hoje a sua existência e a sua acção. Bem pelo contrário.
Contudo, e os factos têm-no demonstrado, prolongou-se desde aquela altura a acção de grupos e de pessoas cujo objectivo não é o de viverem em democracia, não é o de utilizarem os processos e meios que a democracia fornece para a conquista do Poder, mas, pelo contrário, obtê-lo de modo violento, ilegítimo e inconstitucional. Mas será este problema relevante? Não se estará porventura a agitar um espantalho sem razões e indícios suficientes para o legitimarem como tal?
À partida, poderão alguns desejar minimizar ou subalternizar o problema, pretendendo desconhecê-lo. Poderão outros tentar sobrevalorizá-los e, a partir daí, desejar a criação de dispositivos, meios e instrumentos que configurem um quase Estado policial.
Não perfilhamos uma e nem outra atitude.
Pensamos que esta questão é bastante séria e deve ser colocada a esta Câmara com a suficiente explicitação que lhe é devida e com a prudência que questões desta natureza sempre envolvem.
Nesse sentido, indicaremos alguns contornos que precisarão o âmbito, a natureza e as consequências deste problema.
Desde a aprovação da Constituição, em 1976, tiveram lugar várias acções terroristas, mormente bombistas, as quais ocorreram desde o I Governo Constitucional.
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Foi evidente a atenção dispensada por vimos órgãos de soberania e por diversos governos n esta questão, sem, contudo, ela ficar completamento equacionada e resolvida.
Desde Abril de 1980 foi reclamado por uma determinada organizarão, autodenominada «Forças Populares 25 de Abril» um conjunto de acções traduzidas em vários roubos à mão armada, dezenas de engenhos explosivos accionados, cerca de uma dezena de engenhos desactivados; 6 atentados mortais, cerca de uma dezena de feridos resultantes de atentados, destruição de instituições e equipamentos de pessoal das curvas de segurança e, pelo menos, uma tentativa de rapto a um membro do Governo.
Não referiremos as inúmeras acções de amedrontamento e coacção que, via postal ou telefónica tem sido exercida sobre cidadãos ou organizações.
O objectivos a que tal organização se propõe são, como ela própria indica, entre outros, criar condições para o seu cada vez maior alargamento, por forma a enquadrar militarmente as massas trabalhadoras no assalto ao poder da burguesia», «lutar pela revolução socialista», «lutar pela insurreição armada». Para o efeito, propõem-se, de imediato, responder «revolucionariamente» àquilo que designam como «repressão contra a Reforma Agrária, nomeadamente a entrega de reservas, contra os trabalhadores, soldados, marinheiros, etc. Propõem-se ainda proceder a acções que designam como «recuperação de fundos e material logístico. A sua intervenção política é operada através de vários tipos de soluções, «luta sindical revolucionária»; manifestações/confrontações de rua»: outros movimentos de contestação; «acção revolucionária clandestina que corresponde à exploração/repressão do Estado e do Capital, agudizando a luta de classes, e revolucionariamente apontar o papel de violência como alternativa para a destruição do sistema capitalista»; «generalização da luta violenta, quer a nível de grupo, quer a nível de acções violentas de massa, como forma específica de as classes exploradas assumirem a sua libertação».
Essa organização «assume-se como o embrião de um exército popular revolucionário», que, em concorrência com a organização popular de base. actue de modo a encontrarem-se formas de luta que designam por «superiores», a fim de criarem condições objectivas para «destruir o poder da burguesia e a criação de um tipo de poder - o poder popular». Deve, pois, «desencadear acções de propaganda e atingir os inimigos dos trabalhadores», a fim de alargar a sua base de apoio, pois só assim se criarão condições para o já referido tipo de «intervenção superior».
Estruturada a organização popular de massas, implantar-se-ia por todo o território, criando focos de luta popular e intervindo nas lutas pontuais' que venham a verificar-se ou despoletando-a a fim de radicalizar a luta reivindicativa dos trabalhadores e romper com o controle reformista do movimento popular de massas».
A proposta avançará, pois, «nas vítimas fremem de luta legal e clandestina, privilegiando a luta de massas, em detrimento da actuação espontânea, fazendo violência gratuita».
Não estamos a analisar o comportamento, dessa organização. Estamos apenas a transcrever parte dos textos bases do seus militantes e da sua propaganda elaborados há bastantes meses.
Poderia argumentar-se com a dimensão mais au menos reduzida desta organização. Tal não representa argumento relevante, quer pela natureza das acções que desenvolve, quer até por comparação com organizações análogas noutros países: o grupo Ueacler Mcinhof possuía entre 30 a 40 elementos; o Exército Vermelho Japonês possuía cerca de 30 e na própria Itália as autoridades supõem existir cerca de 750 elementos.
Aliás, um grupo terrorista é tanto mais perigoso quanto mais reduzido e móvel se apresenta, eu, por outras palavras; a «sua eficiência é inversamente proporcional à sua dimensão».
O Sr. Mário Tomé (UDP): - Se não existe nenhum elemento, esse grupo é o mais perigoso!
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - O Ministro é só um e por isso é o mais perigoso!
O Orador: - Seria ilógico que uma organização que baseia u sua eficiência no empenhamento de grupos muito pequenos se deixasse crescer inutilmente, ao ponto de se condenar à infiltração e consequente destruição.
O problema adquire ainda maior relevância quando .se assiste à sua internacionalização e até a um eventual comando político único de várias dessas organizações.
São pontos assentes que Portugal não é alheio a essa internacionalização e ainda a existência de ligações logísticas e políticas entre importantes organizações europeias e outros cidadãos e as Forças Populares 25 de Abril, o que implica uma dimensão acrescida do problema em termos de maior seriedade e gravidade.
Com base no que acabo de mencionar -que não sendo exaustivo, é suficiente -, considero ser dever de todos nós não nos alhearmos do problema do terrorismo.
O Governo, perante tal quadro, propõe-se realizar todo o esforço capaz, de impedir o avanço desse criminoso processo de perturbação da segurança das pessoa e da segurança do Estado. É uma intenção necessária, uma vontade política que julga o Governo dever cumprir no quadro das suas competências e das suas obrigações, sem, no entanto como já disse, transpor o limite das suas prerrogativas no quadro da Constituição e das leis.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não confundimos, nem confundiremos, luta política contra o Governo com subversão, especialmente aquela que se consubstancia em actos terroristas com a natureza atrás referida. A primeira é legítima e necessária num quadro democrático; a segunda é ilegal, criminosa, porque pretende atingir, por métodos condenáveis e específicos, a natureza do regime democrático, em que vivemos.
Não pode nem deve, porém, deixar de se afirmar que, na permissiva luta contra o Governo, há que
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distinguir acções de oposição, de crítica, de luta contra a política do Governo por meios em tudo obedecendo ao quadro dos direitos, liberdades ou garantias consagrados na Constituição e a luta por certos meios, que, sendo transposta para a rua, fornece, justificadamente, razões de preocupação no capítulo da segurança e da ordem. Meios que, na sua dinâmica, no seu volume e nas formas de acção que utiliza, constituem ameaças à segurança e ordem, pelo teor de conflitualidades que contêm e que, muito particularmente, possuem carácter que pode proporcionar condições propícias para a eclosão de surtos de acção terrorista no aproveitamento ao clima de agitação social voluntariamente desencadeada.
Acontecimentos ocorridos em Janeiro do corrente ano permitiram apurar uma grande probabilidade de ocorrências no mês seguinte de acções de natureza subversiva inscritas num quadro cujos traços gerais anteriormente explicitei.
O dia 12 de Fevereiro forneceria, aliás, um momento único para o desencadear de acções dessa natureza. Desde há cerca de 50 anos não se realizava qualquer tentativa uma greve geral, facto esse que os respectivos organizadores e potenciais utilizadores sempre exaltaram como acção decisiva de rotura do regime- A anteceder esta tentativa, verificaram-se em Lisboa paralisações parciais, de transportei, urbanos e ao longo do País tinham ocorrido várias manifestações, que, no seu conjunto, tinham criado um clima emocional acrescido.
A motivação política comum a todos esses acontecimentos apontava para o derrube do governo legítimo e a travagem da revisão, da constituição, o mesmo é dizer, a consolidação do regime democrático.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
O Sr. Mário Tomé (UDP):- Ah!, batem palmas?!
O Orador: - No plano objectivo, a tentativa de greve geral forneceu os ingredientes emocional, político e de mobilização de massas ao longo do País.
No aproveitamento deste quadro, a tentativa de realização de acções por entidades de intuito declaradamente terrorista poderia desencadear uma situação difícil para a ordem pública e tranquilidade dos cidadãos.
É no plano da convergência entre, por um lado, a tentativa de crise geral e tudo o que lhe esteve associado e, por outro, a possibilidade de ocorrência das acções implícitas no equipamento e meios encontrados, cujos detentores estão já em juízo, e não passíveis de caução, que a sociedade portuguesa poderia correr tensões e que o qualificativo encontrado não pode ser outro: ou seja, a consideração da convergência dessas acções como procurando alterar o regime por processos não legítimos, dos quais alguns se configuram como actos de natureza subversiva. Não se confundem provocações, sabotagens, ameaças, agressões, encerramentos de locais que deveriam estar abertos, crimes, pequenos ou grandes factos, que já foram comunicados à opinião pública e que ocorreram ao longo do dia 12 e que no seu conjunto, representavam uma situação grave, com a actuação de fundo que nesse dia ou nessa sequência poderia ler ocorrido: uma força portadora de determinada carga política que inúmeras vezes praticou actos terroristas criminosos, defendendo o uso sistemático da «violência revolucionária», que,- de acordo com os elementos disponíveis e sem querermos pôr em causa o segredo da justiça, pode produzir actos que, pela sua natureza, poderiam ter uma amplitude e audiência muitíssimo superiores ao número de pessoas neles directamente envolvidas. Força política cujo testemunho documental apela para valores opostos à Constituição, e portanto à lei, e que claramente proclamou em várias circunstâncias o seu desprezo e repulsa pelo regime político vigente, a sua firme disposição para o derrubar peio recurso à violência, e que encontra numa tentativa de greve geral um momento de exaltação única para os seus propósitos. Não se pode, pois, no plano político abordar essa questão apenas circunscrevendo-a aos cidadãos detidos ou aos que escaparam à PSP, mas ao conjunto dos objectivos, dos métodos e do dispositivo geral dessa organização, devidamente inseridos no clima geral que se vivia no dia 12.
É por essa razão que no dia 13, ao desenvolvermos a nota oficiosa da Presidência do Conselho de Ministros dessa mesma madrugada, afirmámos que «poderiam no dia 12 ocorrer circunstâncias inscritas num quadro de insurreição» e, posteriormente, «que houve uma situação de natureza insurreccional e subversiva». Nada mais acrescentámos debaixo deste qualificativo.
Não falámos de golpe de Estado, de conspiração contra o regime ou de intentona; nem sequer da existência de um clima generalizado de insurreição. Retraiamos uma situação.
Mais uma vez reafirmamos: do conjunto de factos ocorridos nesse dia, os primeiros atrás referidos são delitos que ferem os direitos dos cidadãos no campo da perturbação da ordem, do direito ao trabalho, do desrespeito pela segurança e vida dos transeuntes e condutores de veículos e da tranquilidade pública.
Questão outra, e bem mais grave, resultou da coincidência entre, por um lado, a situação que se vivia, fruto do clima preparatório ao dia 12 e dos acontecimentos ocorridos nesse dia, e, por outro, a acção ou acções decorrentes de grupos minoritários, mas cujo impacte poderia ultrapassar em muito o seu peso específico na sociedade portuguesa e originar tensões muito fortes na nossa democracia, ainda não completamente estabilizada.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Mário Tomé (UDP): - Vocês desestabilizam-na!
O Orador: - Essa coincidência ou convergência, rara na história do País. só encontra paralelo no ano de 1975, com acontecimentos com uma carga política análoga e que todos nesta Câmara conhecem.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A resposta que qualquer Estado democrático fornece a situações envolvendo ameaças de terrorismo não pode deixar de se pautar por 3 vectores firmeza, serenidade e garantia de se não excediam os ditames da Constituição e das leis em vigor.
O objectivo final das organizações terroristas e destruir o Estado Democrático, substituindo a democra-
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tia representativa pelo chamado «poder popular», poder esse que os Portugueses recordam através dos seus afloramentos no ano de 1975. Caso não consigam obter esses objectivos, aduelas organizações visam sempre uma alternativa repressiva por parte do Estado.
Aliás, a sequência de acções a realizar e, de acordo com os padrões consignados, a seguinte demonstração de que «o sistema político existente não resolve os problemas do povo, devido a ideologia em que o regime se apoia e a sua configuração corrupta, opressora e nepotismo», obtidos alguns resultados através dessas acções de propaganda, criam-se acções criminosas, que provocam resposta adequada do Estado, o que e visto por alguns como dando lazão a propaganda explicitada.
São esses os momentos de recrutamento de mais elementos para a organização Qualquer governo confrontado com provocações e desestabilizações sucessivas «esta perante um dilema».
O Sr. Mário Tomé (UDP): - É o dilema da democracia!
O Orador: - do qual se arrisca sempre a sair diminuído ou não reage, e o descrédito joga a favor da desestabilização pretendida, ou entra na repressão, arriscando-se a aumentar o fanatismo dos elementos da organização e até fazer nascer algum apoio popular a está assim em andamento o ciclo provocação-repressão-desestabilização. E, se ele não for interrompido a tempo, pode nascer uma situação de ruptura do sistema. Por isso, não se deverá responder ao ciclo proposto pelo próprio terrorismo com os processos repressivos que ele pretende. Daí que não devamos nem possamos considerar este problema como um mero problema de policia.
A questão e acima de tudo, de defesa de regime do Estado democrático, já que são estes os alvos últimos a atingir.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Fazer-lhe frente traduz-se então num ataque multimodal, desde medidas económicas tendentes ao combate ao desemprego as dificuldades de vida e a marginalização social ate a criação de estruturas de informação -e não serviços de informação- capazes de detectar essas ameaças ao Estado democrático e aos cidadãos, passando por meios de combate policial a esse tipo de criminalidade, sem esquecer as acções de cooperação externa que respondam cabalmente a conhecida internacionalização evidente do problema e que em Portugal tem vertentes claras. Por isso, e apesar de o problema, como ele nos é hoje colocado, transcender a mera acção de policia, as l orças de segurança tem um papel importante a desempenhar na sua resolução.
Pretendeu esta interpelação, no seu conteúdo apresentativo, focar a segurança dos cidadãos e a ordem publica, atingindo, por via disso, a acção das torças de segurança Ao longo desse debate teremos outras ocasiões para responder a perguntas concretas formuladas pelo Sr. Deputado César de Oliveira.
Reafirmamos, nesta circunstancia, que, mesmo com os modestos recursos que lhes estão afectos, as forças de segurança cumprem a missão que lhes e atribuída por lei, o que tem sido evidente, ressaltando um estorço seno o empenhado na procura das melhores normas para essa actuação, dentro do quadro democrático.
As foi mas de violência que se tem exibido na nossa sociedade tem, em contrapartida, tornado os militares o agentes das forças de segurança em alvos privilegiados de ataques à ordem publica, a autoridade democrática do Estado e ate a tentativa da sua alteração por meios subversivos. A isso eles têm respondido com sacrifício, respeito e serenidade, apesar dos seus muitos, feridos e agredidos.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Por isso, esperamos que esta ou outras interpelações tornem evidentes a sociedade portuguesa que o conjunto do sector democrático traduz o respeito e consideraçâo que as forças de segurança lhe merecem e que não se procura, por quaisquer actos, diminuir ou coibir o desempenho da sua missão.
Os períodos apôs o 25 de Abril foram suficientes para provocarem traumas e tendas nessas instituições, as quais felizmente, estão hoje superadas. Esperemos que ninguém as deseje acabar ou reavivar. Prestaria um mau serviço ao regime democrático e a si próprio, a não ser que esse seja o proposto real. Se o é a nossa denuncia frontal será um constante.
Há questões que podem ser escamoteada e iludidas para falsa comodidade ou conforto intelectual de alguns. Mas é nosso dever colocá-las com a prudência que se justifica, mas também com o relevo que decorre da sua existência.
Não é ignorando os problemas que eles se resolvem, e antes enfrentá-los e tentar solucioná-los de acordo com os meios disponíveis É talvez por isso que hoje aqui estamos e assim nos mantemos até ao fim da interpelação »em esconder a realidade, sem a sobrevalorizar, mas também não deixando de a caricaturar com os e elementos que a configuram e com a amplitude que possui. Nada pior que a ausência de transparência.
O Sr César de Oliveira (UEDS) - De acordo!
O Orador: - Tal não se passara connosco; é esse o nosso compromisso com a democracia.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Américo de Sá.
O Sr. Presidente: - Os Srs. Deputados Carlos Brito, Sousa Marques, Manuel Lopes Jorge Lemos, Herberto Goulart e Mário Tomé pediram a palavra. Gostaria que informassem a Mesa da razão dessa inscrição.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, pela minha parte e pela dos meus companheiros de bancada, e para pedirmos esclarecimentos ao Sr. Ministro.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Carlos Brito, esta fase foi de apresentação, feita pelo Sr. Deputado
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César de Oliveira em nome do partido interpelante e pelo Sr. Ministro, em resposta à intervenção daquele deputado, pelo que entramos agora, com as intervenções, no debate propriamente dito, durante o qual os Srs. Deputados poderão fazer as intervenções que entenderem.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Dá-me licença, Sr. Presidente? É para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Faça favor.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - O Sr. Presidente pode propor um qualquer critério, mas este debate está regulado no Regimento da Assembleia da República. O acto da apresentação terminou com a intervenção que o Sr. Ministro da Administração Interna acaba de lazer. Por isso, entramos agora no debate generalizado. E nada impede que um partido inicie as suas intervenções no debate generalizado, através de uma serie de pedidos de esclarecimento: Foi assim que nós concebemos a nossa intervenção.
O Sr. Presidente: - É que há já várias inscrições para intervenções, Sr. Deputado.
O Sr. António Arnaut (PS): - Dá-me licença, Sr. Presidente? É também ,para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Faça favor.
O Sr. António Arnaut (PS): - É que, Sr. Presidente, nos termos regimentais, os pedidos de esclarecimento precedem as intervenções.
O Sr. Presidente: - Só um momento, Srs. Deputados. A Mesa vai deliberar.
Pausa.
Srs. Deputados, a intervenção da Mesa é nu sentido de que agora não haverá pedidos de esclarecimento. Entraremos, portanto, nas intervenções.
O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Sr. Presidente, gostaria de interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Faça favor.
O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Sr. Presidente, naturalmente que a Mesa poderá tomar as deliberações que entender, como parece que já o fez. Mas naturalmente também que alguém poderá recorrer dessa deliberação!
Só queria lembrar ao Sr. Presidente que o que aqui tem sido regra quando há tempos limitados -e compreende-se que assim seja, porque o Regimento tem uma lógica - é que só se admite que alguém fale sem estar inscrito para intervenção quando se trata de pedir esclarecimentos sobre uma intervenção anterior. Não me parece, assim, que sejam de excluir os pedidos de esclarecimento sobre a intervenção do Sr. Ministro da Administração interna só pelo facto de essa intervenção fazer parte do período inicial, chamado de abertura do debate. Daí que eu chame a atenção para estes factos e lhe peça, Sr. Presidente, que reconsidere e permita a quem se inscrever para pedir esclarecimentos que use da palavra, seguindo-se naturalmente depois a ordem de inscrições para as intervenções.
O Sr. Carlos Robalo (CDS): - Sr. Presidente, também queria interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Faça favor.
O Sr. Carlos Robalo (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Penso que o Partido Comunista está a fazer uma interpretação claramente extensiva do Regimento e, fundamentalmente, está a fazer uma interpretação nada de acordo com o decorrer dos trabalhos em termos de interpelações ou moções de censura.
A lógica que o Partido Comunista está a querer dar a este debate é a mesma que levaria a que antes que o Sr. Ministro da Administração Interna interviesse, houvesse a possibilidade de fazer perguntas ao Sr. Deputado César de Oliveira, como interpelante. Essa condição não foi criada e a leitura que se faz é em termos deste debate.
Este debate é composto por duas partes. Tem uma primeira parte que é a da apresentação e encerrada esta primeira parte, em que aparece o partido interpelante e o Governo, entra-se no debate propriamente dito. Nesta fase o debate inicia-se com as inscrições de intervenção que aparecem, pois não tem cabimento, nunca foi prática em termos de interpelações, que se fizessem pedidos de esclarecimento a qualquer dos oradores da primeira fase, da mesma maneira que se não fazem aquando do encerramento. Nem sequer há lugar para protestos. Há, de facto, lugar a declarações de voto por escrito, se assim se entender. Não há, contudo, é lugar para discutir nem no encerramento nem na abertura.
Portanto, penso que a decisão da Mesa é a correcta, a regimental e a que está de acordo com a prática desta Câmara em situações semelhantes.
O Sr. Silva Marques (PSD):- Sr. Presidente, queria interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Faça favor.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, o que o Sr. Deputado Carlos Robalo disse é, em boa parte, aquilo que eu pretendia dizer.
De facto, fui um dos primeiros a inscrever-me para intervir, na medida em que a sequência do debate não me permitia fazê-lo de outra forma, criado-a o objectivo da minha intervenção seja, sobretudo, questionar o Sr. Deputado César de Oliveira. Não me inscrevi imediatamente após o termo da intervenção do Sr. Deputado para lhe pedir esclarecimentos, mas fui um dos primeiros, julgo, precisamente para intervir, em consequência da lógica do debate.
O Sr. António Arnaut (PS):- Sr. Presidente, desejo interrogar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Faça favor.
O Sr. António Arnaut (PS): - Sr. Presidente, a natureza especial deste debate não faz precludir os
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princípios gerais do Regimento. E, nos termos dessas situações gerais, que todos nós conhecemos e vimos praticando há anos, os esclarecimentos devem ser solicitados imediatamente após a intervenção que os provocou, só se o orador interpelado não desejar prestá-los. Isso é uma norma geral do Regimento que não pode ser violada, porque respeita a direitos dos deputados.
Assim, a minha interrogação a Mesa é, muito concretamente, o seguinte: poderá V. Ex.ª indicar-me qual é a norma que permite à Mesa não conceder a palavra aos deputados que dela pretendem usar para solicitar esclarecimentos?
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, é de facto verdade o que V Ex.ª acabou de dizer. Simplesmente, este é um regime especial -o das interpelações- previsto no artigo 209 º, e foi este que a Mesa entendeu por bem seguir. É evidente que é sempre possível o recurso da decisão da Mesa.
O Sr. António Arnaut (PS): - Há as normas gerais, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Há normas gerais, que neste caso são ultrapassadas pelas normas especiais dos artigos 209. º e seguintes, Sr. Deputado.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Dá-me licença, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: - Faça favor.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, gostaria de dar um esclarecimento ao Sr. Presidente e a Câmara, e que é o seguinte: nós não queremos, de modo algum, perturbar o desenrolar da interpolação com uma questão de processo que se arraste interminavelmente. Não pretendemos isso.
Agora, Sr. Presidente, é mais do que claro que, regimentalmente, a razão está do no seu lado e que é confirmada - e se os Srs. Deputado» fizerem um esforço recordá-lo-ão- pela praxe e pela prática do funcionamento da Assembleia de República.
Vozes do PSD: - Não é assim!
O Orador: - Não digam que não. Vão ver que tenho razão!
Por exemplo, na interpelação sobre política habitacional que o PCP fez ao Governo, a intervenção da bancada socialista iniciou- e com uma serie de perguntas feitas pelo Sr. Deputado Sousa Gomes -e suponho que por um outro Sr. Deputado da mesma bancada- ao Ministro que na altura representava o Governo, sem que nenhum dos Srs. Deputados protestasse, e também da nossa parte não houve protestos. Se não se recordam do facto, podem consultar o Diário da Assembleia da República, onde terão a proposta de que foi assim que as coisas se passaram - e assim tem também acontecido em outras interpelações Não é portanto, nada de anormal.
Mas, Sr. Presidente, repito que da nossa parte não há a intenção de perturbar com uma questão processual o prosseguimento da interpelação, embora entendamos que o Regimento não é um mero pedaço de papel. Com isto espero que o Sr. Presidente faça uma reflexão acerca do Regimento e das normas regimentais e que nos dê a razão que, julgamos, é inquestionável.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: solicito que me concedam uns momentos para consultar a Mesa.
Pausa
O Sr. Jaime Ramos (PSD):- Sr. Presidente, desejava interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Faça favor.
O Sr. Jaime Ramos (PSD): - Sr. Presidente, a generalidade dos grupos paramilitares já se pronunciou no sentido de subscrever as palavras do Sr. Deputado Carlos Robalo.
É evidente que estes debates têm sempre três fases - a apresentação, o debate propriamente dito e o encerramento, e o que pode acontecer, como aconteceu no caso da interpelação sobre a habitação, é que inscrições para intervenções tenham sido aproveitadas para fazer perguntas ao Governo. Mas se adoptarmos a defesa do processo geral feita pelo Sr Deputado António Arnaut, então não seria o patido Comunista, a oposição, a ter o direito de se inscrever para fazer protestos ou para fazer pedidos de esclarecimentos a um membro do Governo, mas teria que abrir-se um período de inscrições para que quem quisesse pudesse inscrever-se, com o objectivo de fazer protestos e pedir esclarecimentos ao Si Deputado César de Oliveira, que foi quem fez a primeira intervenção. Só passada esta fase é que se podem inscrever para fazer protestos e pedidos de esclarecimento à intervenção feita pelo Sr. Ministro.
Pensamos, pois, que pela praxe que tem sido utilizada na generalidade das interpelações não é de adoptar este processo. Contudo, se o processo interessar a pedido de parte significativa desta Câmara, então voltamos a pedir que sejam aceites primeiro pela Mesa inscrições para fazer protestos e pedidos de esclarecimentos a primeira intervenção do debate.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a Mesa entende que esse é um problema meramente formal e que só não nata de cercear ao Srs. Deputados a possibilidade do pedir os esclarecimentos que quiserem.
Mal ou bem, a Mesa entende que para a boa ordem do debate se deve proceder como anteriormente anunciamos. Ou seja, continuar este debate com as intervenções dos deputados que para o eleito se inscreveram, sem que os Srs. Deputados percam qualquer direito, já que podem fazer todas as perguntas que quiserem ao Sr. Ministro.
O Sr. Carlos Brito (PCP) - Dá-me licença, Sr. Presidente?
O Sr. Previdente: - Faça favor.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Gostaria muno simplesmente de pedir ao Sr. Ministro que se não ausentasse, porque nós faremos as perguntas no momento em que isso nos for concedido pela ordem das inscrições
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O Sr. Presidente acaba à; dizer que há duas intervenções anteriores às nossas inscrições, não é verdade?
O Sr. Presidente: - É sim, Sr. Deputado,
O Sr. António Arnaut (PS): - Dá-me licença, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: - Faça favor.
O Sr. António Arnaut (PS): -Sr. Presidente, quero interpor recurso da decisão da Mesa.
Trata-se de uma questão de princípio. O Partido Socialista, por acaso, não tem deputados que queiram, neste momento, pedir esclarecimentos ao Sr. Ministro. Mas, como há pouco disse - e estou já sucintamente a fundamentar o recurso-, trata-se de direitos de deputados e, nesta matéria, temos que ser exigentes, a começar, naturalmente, pela Mesa.
As normas do Regimento sobre a interpelação são especiais; nada refere sobre pedidos de esclarecimentos. Significa isto que têm que se aplicar os princípios gerais. Ora, Cites referem que, finda uma intervenção, os deputados que queiram pedir esclarecimentos se devem inscrever imediatamente. Têm o direito de o fazer. De resto, se assim não fosse não se compreenderia verdadeiramente o serviço de uma interpelação que é um debate por excelência, um frente-a-frente entre o Governo e os partidos da oposição, maxime o partido interpelante.
E se V. Ex.ª tiver algumas dúvidas, como me pareceu ter nesta sua última intervenção, então, na dúvida, V. Ex.ª nunca devia cercear os direitos aos deputados.
Por esta questão de princípio, e por razões que me dispenso de enumerai, o Partido Socialista interpõe recurso da decisão da Mesa.
O Sr. Carlos Robalo (CDS): - Queria interpelar novamente a Mesa Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Faça favor.
O Sr. Carlos Robalo (CDS): - Sr. Presidente, penso que o Sr. Deputado António Arnaut está a fazer uma interpretação extensiva. De facto, e voltando ao problema da interpelação sobre habitação, dir-lhe-ia que as intervenções tomam a forma que quiserem.
Não é a situação que se verifica neste momento. Vários Srs. Deputados inscreveram-se para fazer pedidos de esclarecimento sobre a intervenção do Sr. Ministro. Igual situação não foi, porém, criada aquando da intervenção do Sr- Deputado César de Oliveira.
E, Sr. Deputado Carlos Brito, lembro-lhe - e penso que esteve nestas reuniões dos líderes dos grupos parlamentares- que sempre se considerou que uma interpelação ou uma moção de censura tem três partes completamente distintas.
O Sr. António Arnaut (PS):- Está já interposto o recurso, Sr. Deputado!
O Orador: - A primeira, composta pela apresentação ...
Neste momento a Sr.ª Deputada Alda Nogueira conversa com o seu colega de bancada Veiga de Oliveira.
Sr.ª Deputada Alda Nogueira, tenha um bocadinho de paciência!
Eu também a oiço, e com um sorriso nos lábios! Sorria a Sr.ª Deputada também! Que chatice!...
Risos do CDS, do PSD e do PPM.
Sr. Presidente, a norma nunca foi a de se iniciar um período de perguntas a um membro do Governo ou ao deputado interpelante. E, claro, nós estamos num preciso especial, pelo que não colhe, de forma alguma, o querer generalizar as normas do Regimento.
É uma interpretação que não está correcta e é mesmo uma interpretação que nunca foi votada nos debates, sendo certo que esta não é a primeira interpelação que acontece neste Parlamento.
Portanto, a decisão da Mesa está correcta e deve ser seguida, na sequência, inclusivamente, do que o Partido Comunista disse. Não vamos perturbar o debate, se queremos, efectivamente, que ele seja sério!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, a Mesa não pode alhear-se da existência de um recurso.
O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Dá-me licença, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: - Faça favor.
O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Sr. Presidente, ia exactamente invocar o Regimento no, sentido de que foi interposto um recurso que Sr. Presidente tem que submeter a votação.
O Sr. Presidente:- Tem razão, Sr. Deputado. Vamos votar o recurso interposto pelo Grupo Parlamentar do Partido Socialista.
Submetido à votação, foi rejeitado, com 65 votos contra do PSD, do CDS e do PPM e com 10 votos a favor do PS, do PCP, da ASDI, da UEDS, do MDP/CDE e da UDP.
O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Robalo.
O Sr. Carlos Robalo (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O recurso e esta interpretação do Regimento levam-nos à conclusão de que os acordos e as discussões feitas entre os líderes dos grupos parlamentares, e a própria interpretação do Regimento feita na reunião dos líderes dos grupos parlamentares, deixaram de ter qualquer significado.
Entendemos que este tipo de atitude desvaloriza essa reunião, que sempre foi valorizada neste Parlamento e que sempre serviu para programar e definir regras, ao ponto de, inclusivamente, nessas reuniões se ter acordado quantas vezes...
O Sr. António Arnaut (PS): - Dá-me licença, Sr. Presidente? Queria colocar uma questão provia importante.
O Orador: - Eu peço imensa desculpa, mas estou numa declaração de voto e não aceito questões prévias importantes.
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O Sr. António Arnaut (PS): - Sr Presidente, a questão e que não houve quórum para deliberar, pelo que a votação é nula. Em consequência, não pode haver declaração de voto.
O Sr. Carlos Robalo (CDS): - Sr. Presidente, em face desta intervenção do Sr. Deputado António Arnaut, desejava interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Faça favor.
O Sr. Carlos Robalo (CDS): - Naturalmente que esta observação do Sr. Deputado António Arnaut é verídica, mas peça por tardia e por inoportuna. Se o Sr. Deputado António Arnaut quisesse suspeitar o Regimento tinha levantado essa mesma questão prévia imediatamente após ter ouvido o resultado da votação.
O Sr. António Arnaut (PS): -Sr. Deputado, levantei a quentão imediatamente após ter feito a contagem e apurado que o total dos votos era de 125. Foi exactamente por isso que o interrompi.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como não há quórum para votar, pensamos que a deliberação da Mesa se deve manter.
Vamos prosseguir o debate.
O Sr. António Arnaut (PS): - Sr. Presidente, não queria estar a importunar V.Ex.ª nem os trabalhos, mas que eu seja desculpado, pelo menos, à conta da legalidade. É que a votação tem que ser repetida, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Se houver quórum, Sr Deputado.
Protestos do PS, do PCP, da ASDI, da UEDS, do MDP/CDE e da UDP.
O Sr. António Arnaut (PS): - Compete à Mesa verificar o quórum, Sr Presidente.
O Sr. Carlos Robalo (CDS): - Dá-me licença, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Faça favor
O Sr. Carlos Robalo (CDS): -Sr. Presidente, queria requerer à Mesa uma nova contagem do quórum.
O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado Srs. Deputados, fazem o favor de se manterem nos vossos lugares para fazermos a contagem do quórum.
Pausa.
Srs. Deputados, já há quórum, pelo que vamos agora proceder de novo a votação do recurso interposto pelo Partido Socialista.
Submetido a votação, foi rejeitado com 71 votos, contra do PSD do CDS e do PPM e 67 a favor do PS, do PCP, da ASDI, da UEDS do MDP/CDE e da UDP.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para uma declaração de voto, o Sr. Deputado Borges de Carvalho.
O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O incidente que acaba de terminar neste momento tem um gosto amargo para a minha bancada
De facto, o espirito deste debate e a sua organização implicam. Raramente, uma sessão de abertura e uma sessão de encerramento - sessão de abertura preenchida com uma declaração do partido interpelante e outra do Governo sessão de encerramento preenchida, igualmente, desta forma.
Pela argumentação aqui aduzida poderia, legitimamente, concluiu-se que depois da intervenção de encerramento ainda outra que haver um período de protestos e contraprotestos, de esclarecimentos e de debate.
Este recurso representa, portanto, para nós, uma clara tentativa, não de cumprir o Regimento, mas de o subverter. Neste momento não posso apesar de tudo, deixar de prestar homenagem ao Sr. Deputado Carlos Brito pela forma elegante como soube, digamos - talvez seja uma expressão dele recuar na altura devida, de forma, aliás, cavalheiresca, coisa que não sucedeu com o Sr. Deputado António Arnaut, o que é lamentável.
Aplausos do PPM, do PSD e do CDS.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para uma declaração de voto, o Sr. Deputado Fernando Condesso
O Sr. Fernando Condesso (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaria, apenas, de não dever de marcar a posição do meu partido e as razões pelas quais votámos contra o recurso do Partido Socialista.
Houve quórum a decisão da Mesa manteve-se, se não tivesse havido quórum a decisão da votação existia e seria segundo ela que tínhamos continuar os trabalhos.
A verdade é que a nossa posição nesta votação se pautou pelo facto de a interpelação ter algo de especial em relação ao Regimento geral. Houve a procura de realçar o papel do interpelante e do interpelado, o Governo. Por isso não podemos admirar-nos que haja um período de abertura onde a dignificação do papel do interpelante e o sem realçamento assim como o do Governo estão em causa e período de concentramento, onde se dimifica e realça também, efectivamente, as conclusões do interpelante e, ao fim e ao cabo, as conclusões daquele que está em causa, o Governo.
Nestes períodos não se inserem as regras efectivas regimentais, em geral, as quais se inserem, isso sim, num curro período, que e o período geral no seu debate, em relação ao qual as regras regimentais dizem que as inscrições deverão ser ordenadas de maneira a não falarem mais de dois deputados de cada partido.
Aqui, sim, entendemos que tais regras genéricas se incluem. Nos outros dois períodos entendem que, efectivamente, não há lugar a pedidos de esclarecimento e a protestos. E lá lugar, isso sim aos pedidos de esclarecimento, as perguntas do interpelam? - que o Governo responde (já respondeu) -, tendo
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que ó agora que há, efectivamente, lugar a um debate genérico, quo cada um utilizará como entender, para fazer intervenções autónomas, para protestar, para fazer o que for, realmente, de sua vontade.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaria ainda de aproveitar esta declaração de voto paru, mais uma vez, apelar a todos os grupos parlamentares no sen-tido de que devem ter presente aqui em Plenário o que e combinado na reunião dos líderes dos £iupos parlamentares.
Com efeito, tal reunião tem vindo a assumir um certo papel fundamental, talvez maior do que aquele que à partida o próprio Regimento lhe atribuía, e efectivamente esse papel tem dignificado este Plenário. Ë preciso que haja a boa fé de toflos
Ë sabido que algumas vezes se tem mesmo combinado que, no caso de existirem estas três fases, haja um intervalo entre a abertura e a generalização do debate. Hoje parece que isso não ficou combinado. No entanto, o espírito com que a Mj-;a interpretou o Regimento — e que corresponde ao que aí cs-tá consignado— é aquele que tem íluído das conferências dos líderes dos grupos parlamentares.
O meu apelo vai no sentido de que, efectivamente, a oposição saiba cumprir esse mesmo espírito, para que os trabalhos do Plenário possam funcionai', hoje e sempre, da melhor forma.
Aplausos do PSD e do PPM.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para uma declaração de voto, o Sr. Deputado Carlos Robalo.
O Sr. Carlos Robalo (CDS): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Repetindo um pouco o que já disse, estamos num debate especial, o qual foi acordado e aceite por todos os grupos parlamentares.
Esta discussão vem mostrur-noa que, efectivamente, o acordado em reunião dos lideres dos grupos parlamentares passa, para a oposição, a ter valoi nulo neste Plenário. Não esperávamos que assim acontecesse.
E- pcramos que nenhum deputado da oposição ponha em causa o acordado quanto a tempo de debates, já que este 6 um tempo acordado não um tempo baseado no cumprimento estrito do Regimento. Esperamos que assim aconteça.
Queremos, contudo, manifestar a nossa esperança de que a reunião dos líderes dos grupos parlamentares, a qual tem procurado levar a que este Paila-mento funcione de forma mais produtiva e correcta, não venha, efectivamente, a ser prevenida por atitudes como estas, em que se proeurou, de facto, criar um caso, quando não havia razão para tal.
Estamos na discussão de um regime especial. Estamos a respeitar o acordo estipulado por representantes de todos os grupos parlamentares. Se algum grupo parlamentar tinha um representante sem poderes para tal, esse mesmo representante tinha a obrigação de o ter manifestado aos outros grupos parlamentares. Nós estávamos de boa fé. Parece que, efectivamente, não houve boa fé generalizada na reunião dos líderes do1' grupos parlamentares
Continuo a dizer que espero bem que os tempos estipulados para o debate, que não são os regimentais, pois são tempos acordados, não venham a ser objecto
de recurso, no que respeita à sua atribuição. Esperamos que, pelo menos nesta pai te, a opoiição saiba respeitar o acordado.
Aplausos do CDS, do PSD e do PPM.
O Sr. Presidente: —Tem a palavra, para uma declaração de voto, o Sr. Deputado António Arnaut.
O Sr. António Arnaut (PS): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaria de dizer, muito sucintamente, em nome do Partido Socialista, que houve uma clara violação do Regimento.
Falou-se aqui nos acordos feitos na conferência dos grupos parlamentai es. No entanto, não foi, previamente a esse incidente, invocado qualquer acordo no .-cntido de ser retirado aos deputados o direito de pí-dir esclarecimentos, o qual é regimental.
Houve, tambcm, uma violação das praxe? desta Assembleia, porque o único caso, de minha memória, em aue a questão se co'ocou foi na interpelação sobre habitação, não se tendo levantado, nessa altura, quaisquer objecções, pois o, deputados puderam pedir esclarecimentos.
Uma conclusão se tira — e é uma conclusão po'í-lica: a maioria tem receio de que o Sr. Ministro da Administração Interna s: j a directamente conh ornado com perguntas concretas de esclarecimento. Essa é a conclusão política que se tira.
Outra conclusão, Sr. Presidente, é de que isto é o que acontece nas democracias foi mais. Isto é, a maioria faz as leis, a maioria interpreta as leis, e a minoria nunca tem razão.
Aplausos do PS.
Protestos do PSD, do CDS e do PPM.
Uma vo/dq^ PSD: — Que democracia quer? A popular?
O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para uma declaração de voto, o Sr Deputado Carlos Brito.
O Sr. Carlos Brito (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, quero protestar contra as afirmações que foram produzidas e as insinuações que foram ieitas de que os .partidos da oposição não estão a cumprir os compromissos da conferência dos grupos parlamentares.
Vozes do CDS: —Alguns!
O Orador: — Isso é completamento descabido. Não tem, em geral, qualquer adequação ao que se tem passado. Não tem, no caso concreto, nenhuma relação com o que está em discussão.
A Sr." Alda Nogueira (PCP): — Muito bem!
O Orador: — Em segundo lugar, queria dizer que todos nós entendemos que este debate comporta três actos: o de abertura, o de debate generalizado e o de encerramento. No entanto, até agora, não há nenhuma doutrina feita na Assembleia da República — os factos podem, até, inculcar o contrário — no sentido de que" o debate generalizado pode, exactamente, principiar por uma série de perguntas aos
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apresentadores da interpelação e ao Ministro que contestou essa mesma interpelação. Nada inculca o contrário.
Acontece que -e isso ê muito claro no Regimento- não é possível fazer perguntas ou pedidos de esclarecimento ao depenado que apresenta a interpelação, já que o Regimento diz que se lhe segue, imediatamente, a intervenção do membro do Governo.
Nada, todavia, no nosso Regimento impossibilita ou proíbe que qualquer partido inicie as suas intervenções, no debate generalizado, através de uma série de perguntai, seja ao membro do Governo que acabou de falar seja ao deputado que apresentou a interpelação. Isto não pode ser contestado por ninguém.
Nunca houve, a este propósito, qualquer compromisso, nas conferências dos grupos parlamentares. São, portanto, descabidas, e, por isso mesmo, graves, as insinuações que podem inculcar a ideia de que há deslealdade da parte dos partidos da oposição. Que isso seja feito no início deste debate parece extremamente inteligente, já que, na verdade, quem está em julgamento aqui é o Governo.
Tal julgamento baseia-se no facto de ter havido um tratamento inadequado, ofensivo e calunioso para com os partidos da oposição. É lamentável que a maioria inicie este debate desta maneira, cobrindo o Governo exactamente neste ponto delicado.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Quero dizer ainda que agradeceria, em geral, os cumprimentos do Sr. Deputado Borges de Carvalho, mas, na verdade, eles não me são cabidos.
O Sr Borges de Carvalho (PPM): - É pena. Era tão sincero!
O Orador: -- Na verdade, o que pretendemos, Sr. Deputado, é não eternizar uma questão processual. Isto, não porque não entendemos ter, aí, toda a razão, mas para que pretendemos não obscurecer o que está em causa neste debate. Ora, o que está em causa neste debate e o comportamento do Governo na greve geral do dia 12 de Fevereiro.
É isso que está em causa. É isso que importa ajuizar. Não queremos ser nós a obscurecer esse julgamento, a impedir que se saliente, com nitidez, o comportamento antidemocrático do Governo, nas circunstâncias referidas.
O Sr. Ministro parece ter medo de enfrentar as nossas perguntas. A maioria parlamentar protege-o desta maneira, mas não o poderá proteger sempre. Daqui por n es intervenções, o Sr. Ministro sem confrontado com as nossas perguntas e, então, a maioria parlamentar nada poderá fazer para impedir que isso aconteça.
Por isso, estamos tranquilos pela nossa parte. Vamos fazer as perguntas na altura devida. No final do debate, a opinião pública, o nosso povo, fará o seu juízo, que creio será uma vez mais, demolidor para o governo da AD, para a própria AD - que porá em evidencia o seu carácter antidemocrático.
Aplausos do PCP e do MDP/CDE.
Uma voz do PSD: - O povo português já fez o seu juízo no dia 12.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para uma declaração de voto, o Sr Deputado Herberto Goulart.
O Sr. Herberto Goulart (MDP/CDE):- Sr. Presidente. Srs. Deputados: - Nem faria uma declaração de voto, após esta nova votação, tão óbvias foram as razões que a determinadas -aliás e as locam claramente expressas pelo Sr. Deputado António Arnaut e, agora, pelo Sr. Deputado Carlos Brito-, se não fosse a referência que aqui foi teria aos partidos da oposição, atingindo também, naturalmente, o nosso voto no sentido de que a votação a favor da impugnação, feita pelo Sr Deputado António Arnaut, corresponderia a uma subversão do Regimento.
Penso que não é, de modo algum isso. Penso que nem sequer se devem invocar aqui eventuais acordos obtidos na Conferência dos Grupos Parlamentares.
De facto, o artigo 210.º do Regimento nada estabelece com precisão em relação ao debate pai lamentar que se segue a apresentação, feita pelo partido interpelante e à resposta respectiva, efectuada pelo Governo. Assim, nada impede -e não houve qualquer decisão em contrário na Conferência dos Grupos Parlamentares - que os demais intervenientes no debate iniciem as suas intervenções por pedidos de esclarecimento ou por protestos, quando detidamente inscritos, após o término das intervenções dos oradores antecedentes, isto é, dos apresentadores da interpelação e do Governo.
Foi na perspectiva de tal corresponder a uma interpretação correcta do Regimento que votámos a favor da impugnação apresentada pelo Sr. Deputado António Arnaut. Pela nossa parte, não aceitamos a referência de que isto corresponderia a uma subversão do actual Regimento da Assembleia.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para uma declaração de voto, o Sr. Deputado Magalhães Mota.
O Sr. Magalhães Mota (ASDI):- Sr. Presidente, Srs. Deputados: Creio ter ficado claro, ao longo desta série de declarações de voto, que há várias coisas que nada tem a ver com a questão que nos motivou.
O debate de uma interpelação ao Governo e, claramente, regulado pelo Regimento, nos artigos 209.º e 210.º, nos termos dos quais se processa.
Há uma intervenção ou um conjunto de intervenções do partido interpelante e há, depois, uma intervenção ou um conjunto de intervenções por parte do Governo. Segue-se um debate, o qual é regulado, exclusivamente, pelo artigo 210.º. n.º 3, acerca do qual o Regimento não dispõe da Conferência dos Grupos Parlamentares nada acordou- sobre se iniciava com intervenções ou com pedidos de esclarecimento.
Os pedidos de esclarecimento tinham, assim, toda a legitimidade, podiam perfeitamente operar-se nos próprios termos regimentais, e nada obstava a que por eles se iniciasse a intervenção de um ou outro pai tido neste debate. Tomamos, portanto, do votar favoravelmente o recurso apresentado.
Gostaríamos ainda de formular, a este propósito duas espécies de considerações.
Em primeiro lugar, emendemos que nos debates que têm regimento especial, como é o caso deste, os pedidos de esclarecimento devem confirmar-se nos precisos limites regimentais, isto é, não deverão exceder os
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minutos que o Regimento lhe concede. Sobre a forma de pedidos de esclarecimento, temos aqui verificado, ao longo dos debates especiais, variadíssimas intervenções excedendo o tempo regimental e, portanto, prejudicando, essas sim, a ordem normal das intervenções.
Em segundo lugar, gostaríamos que ficasse definido, para evitar esse tipo de contratempos, quando é que a Mesa deverá abrir a ordem de inscrições para este debate. Na verdade, ao que parece, a ordem de inscrições que a Moa respeitou estaria aberta antes do início do próprio debate. Só assim se compreende que os deputados que pediram para usar da palavra tivessem sido preteridos na ordem desses pedidos de esclarecimento, o que, a assim ser, me parece contrariar o disposto no n.º 2 do artigo 89.º, o qual diz que a ordem de inscrições especial existe para os casos do artigo 83.º, isto é, para as inscrições antes da ordem do dia, não para estes debates particulares. Pretenderia, portanto, que para próximos debates ficasse definido quando é que se abre esta ordem de inscrições, de forma a evitarmos o contratempo de hoje.
Gostaria, por último, de dizer que por este facto entendemos que a ordem de inscrições deve ser aberta depois de iniciado o debate, pois pensamos que não devem ser prejudicados os esclarecimentos a que os deputados tem direito nos termos regimentais. Dessa forma, o debate da interpelação ganhará maior vivacidade e dinamismo, isto é, se esses esclarecimentos forem produzidos atempadamente, no seguimento das intervenções a que dizem respeito, podendo, também, dar logo motivo a esses esclarecimentos.
Por tudo isto votámos favoravelmente o recurso apresentado.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Jaime Gama.
O Sr. Jaime Gama (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo. Srs. Deputados: Em boa hora um partido da oposição, a UEDS. deliberou interpelar o Governo sobre a actuação individualizada de um dos seus membros, pois tal figura parlamentar nos dá o ensejo de trazer à Assembleia da República questões que nem sempre nela são abordadas, e que, por referirem a sensível maiorias das liberdades públicas e da segurança colectiva, têm a ver com a essência da própria democracia pluralista e com as vicissitudes da sua estabilização.
Ao assentar no uso indiscriminado da força para perpetuar a sua hegemonia política, com atropelo sistemático dos mais elementares direitos humanos, o regime anterior deixou ao Portugal saído de 25 de Abril a grande responsabilidade de estruturar uma ordem pública e uma segurança interna democráticas, que permitissem a convivência pacifica entre cidadãos da mesma Pátria e potenciassem a afirmação tranquila e desdramatizada das alternativas.
Transformar aparelhos instruídos ao serviço da repressão em estruturas de coerção pública responsável, para benefício da tranquilidade individual e colectiva, não era tarefa fácil. A ela meteram ombros - e com notáveis êxitos práticos -, vários ministros da Administração Interna, como o Dr. Magalhães Mota e os então tenente coronéis Costa Brás e Gonçalves Ribeiro e o comandante Almeida e Costa, e nela se empenhou - apenas com irrelevantes excepções - a generalidade dos comandantes gerais e oficiais superiores da GNR e da PSP e os directores-gerais da PJ.
Desmontar o núcleo repressivo do Estado Novo e caminhar. através de um processo nem sempre pacífico ou regular de instauração da democracia, para uma afirmação desinibida da autoridade democrática, sem ceder às tentações do autoritarismo, foi a difícil missão de quantos apostaram em reconciliar os cidadãos de um pais livre com umas forças de segurança que progressivamente se renovaram e, elas mesmas, encetaram um sólido e irreversível processo de reencontro com a sua missão e com o povo a que, afinal, pertenciam.
Com deficiências e, porventura, com alguns erros e até excessos, não restam dúvidas do carácter globalmente positivo de que se revestiu, para o Estado democrático, uma tal operação de reciclagem de estruturas, métodos e memalidades.
A cessação de acções envolvendo as forças armadas em missões de urdem pública - como ainda ocorria durante os governos provisórios - viria colocar as forcas de segurança perante toda a extensão de uma variada gama de ameaças e perturbações internas a que tinham que responder com os enquadramentos e as técnicas tipicas de um Estado democrático de direito e sem ceder a vertigens neo-repressivas ou nea-autoritaristas.
À vocação para o arbítrio ou para o uso indiscriminado da violência havia que contrapor a utilização da coerção com base em rigorosos critérios de legalidade. A um Estado de violência que se protegia a si próprio, por intermédio da desvirtuação das policias usadas contra os cidadãos, havia que fazer suceder um Estado de tranquilidade onde, na difícil fronteira entre a liberdade e a ordem, o uso da torça legítima para protecção dos direitos dos cidadãos constituísse recurso admissível e socialmente aceitável. O desafio da modernização das forças de segurança dirigia-se indubitavelmente a quantos se empenhavam e empenham na consolidação da democracia, como sistema político desejável. A ele se respondeu como foi possível, no momento próprio, com saldo apreciável, e a ele se não pedia nem pode furtar a AD. como coligação governamental e maioria parlamentar.
Infelizmente ainda não foi aberto um grande debate nacional sobre o tipo e as estruturas mais adequadas para a segurança interna do nosso país. em democracia pluralista. Tratando-se de uma autêntica questão de regime, em conexão directa com os fundamentos da alternância social e política, vantagem resultaria de empenhar toda a opinião pública em tal discussão, pois a credibilidade cios regimes democráticos tem a ver claramente com a actuação isenta, imparcial, profissionalmente adulta e jurisdicionalizada das suas forças de segurança.
A definição orgânica e funcional dos grandes corpos de Estado - como as polícias - implica a elaboração de noções apropriadas no plano do correspondente direito administrativo, e não é tarefa a que se possa eximir a democracia portuguesa na fase em que se encontra. Responsáveis políticos, juristas, profissionais das forças de segurança, jornalistas e opinião pública em geral estão confrontadas com a
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necessidade imperiosa de ajudar a construir sistemas tanto quanto possível preventivos de salvaguarda das liberdades colectivas e da segurança individual. A reforma das forças de segurança está, por assim dizer, na ordem do dia.
Ora, a verdade é que a actual coligação governamental nunca foi capaz de delinear com rigor e clareza um conjunto de medidas legislativas e administrativas através do qual se tornasse viável a modernização e reforma das forças de segurança portuguesas.
Vozes do PSD: - Não apoiado!
O Orador: - No programa do VI Governo, a AD incluiu como objectivos prioritários no sector da administração interna o desencadear de medidas institucionais respeitantes às forças e serviços de segurança, contemplando a formação e carreiras profissionais dos respectivos agentes. A dado passo pode ler-se que «as missões de prevenção de ordem cívica e contenção de actos subversivos decorrerão no respeito integral pelas liberdades, direitos e garantias dos cidadãos, tal como constitucionalmente asseguradas, e na defesa intransigente da autoridade democrática do Estado». Parte significativa das missões policiais continha-se, aliás, no capítulo referente à justiça, ao abordar a temática da Polícia Judiciária.
Na mesma linha de laconismo, o programa do VII Governo apontava para a «reformulação de algumas medidas de natureza institucional, bem como acções relativas às forças e serviços de segurança, nomeadamente a GNR, a PSP e o Serviço Nacional de Bombeiros (sic), de modo a facilitar, promover e dignificar a actuação dos seus agentes».
No programa do VIII Governo, a AD parece apontar algumas medidas genéricas visando corrigir a dispersão da segurança interna por vários organismos, dependentes de ministérios diversos, «desenvolvendo entre si actividades que, por vezes, se sobrepõem e na maior parte dos casos não se revelam como suficientes para a garantir».
O Governo constitui como seu objectivo primordial «a racionalização das infra-estruturas materiais e organizativas existentes, com o inerente reforço da coordenação e direcção das forças policiais, permitindo-se assim um melhor aproveitamento dos meios existentes e uma maior economia de meios na sua utilização».
O Executivo compromete-se, em Setembro de 1981, a apresentar à Assembleia da República uma lei quadro relativa aos fins e medidas de polícia, na sequência de cuja aprovação se fará «a reorganização do modelo das forças policiais... com as consequentes definições das respectivas orgânicas, estatutos e função do pessoal próprio». Tal acção legislativa, a prazo, decorrerá sem prejuízo do reforço imediato dos meios de formação e treinamento do pessoal policial em geral.
Ou seja, em matéria de segurança interna, os programas governamentais da AD sempre se colocaram no plano das abstracções, nunca enunciaram medidas concretas nem fixaram prazos para a apresentação dos escassos diplomas legislativos que anunciaram para o sector. Trata-se, pois, de domínio em que o
governo da coligação parece não ter política programada e prefere actuar ao ritmo da improvisação.
Das próprias propostas orçamentais sucessivamente apresentadas ao Parlamento não se consegue inferir o delineamento de uma política estruturada no que respeita à segurança interna - as despesas com pessoal excedem largamente os gastos com equipamento e, quanto a estes, não se vislumbra Qualquer articulação mínima com uma programação a prazo. De resto, enquanto a Assembleia da República se limitar a discutir «leis de meios» e não orçamentos públicos, o controle da administração pelas instâncias parlamentares não passará de letra-morta, conforme se tem verificado.
Sem programa governamental estruturado para o sector de segurança interna e sem ter, até ao momento, cumprido uma única linha das escassas referências concretas contidas no seu mais recente documento de intenções, os executivos de responsabilidade AD vieram agora, pela mão do ministro Angelo Correia, acrescentar à deficiente gestão de tão importante área de intervenção governamental três factores fortemente negativos: primeiro, a tentativa para a intromissão ministerial na conduta directa das operações policiais, restringindo a autonomia técnica e profissional necessária ao bom êxito no cumprimento das respectivas missões operacionais; segundo, a tentativa para utilizar as forças de segurança como décor político-partidúrio do discurso autoritário de certos sectores governamentais, retirando aos aparelhos de segurança a necessária independência de julgamento e actuação, face às motivações específicas dos conflitos;
Vozes do PS e do PCP: - Muito bem!
O Orador: - ... e, terceiro, a tentativa para fazer introduzir em aproximação parcial as forças de segurança nas disputas sociais, a margem de critérios de legalidade estritamente relacionados com a ordem e a tranquilidade públicas e numa lastimável óptica classista.
Aplausos do PS e da UEDS.
A ausência de uma filosofia equilibrada quanto à requisição e ao emprego das estruturas policiais, a adopção de métodos casuísticos quanto à sua utilização, métodos esses colocados ao sabor de opções ideológicas e partidárias muito vincadas, e ainda o não acatamento de limitações jurídicas e autolimitações morais para o recurso à coerção legítima, em sociedade democrática, fazem com que a actuação do governo AD, neste sector, atente duplamente contra os direitos dos cidadãos, a viverem numa comunidade tolerante e civilizada, e contra o próprio sentido profissional e democrático dos agentes e corpos policiais que se entendem - e justamente - como força ao serviço do direito e não como força enquanto instrumento cego do Poder, seja ele qual for.
Uma voz do PSD: - Uma ova!
O Orador: - O estilo, indiciado pelo engenheiro Angelo Correia, quanto ao desejo de envolver unilateralmente as forças policiais nos conflitos sociais da Covilhã, o ano passado, e recentemente evidenciado,
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com maior à vontade, em intervenções televisivas e outras declarações à comunicação social, a propósito do uma greve decretada por uma das centrais sindicais, bom como a utilização de consabidas técnicas de colagem de factos laterais, cujo teor exacto o Pais ainda não conhece, visto que o Governo o não informa convenientemente, suscitam as maiores perplexidades no espirito daqueles que, como eu, desejariam ver prosseguidas as acções tendentes a uma modernização democrática das forças policiais e não gostariam de ver frustrado o papel que, dentro cia legalidade, necessariamente desempenham, numa sociedade pluralista.
Basta cotejar a forma como certas áreas do Poder e dá elite governante AD encaram situações de mero conflito laboral, previstas na lei, com a conduta de governos democráticos europeus, em situações de grave crise interna dos respectivos países, para legitimamente se ser invadido pelas maiores dúvidas quanto u rectidão dos propósitos governamentais.
O Sr. César de Oliveira (UEDS): - Muito bem!
O Orador: - A acrescentar à ausência de legislação enquadradora das autoridades de ordem pública e à dispersão das forças de segurança por vários departamentos ministeriais, surge-nos agora uma metodologia desresponsabilizante de condução do sector, a qual ameaça colidir com a prática das liberdades e com a independência desejável para o prestígio dos meios de ordem pública. A própria autoridade democrática do Estado ressente-se assim de actuações menos ponderadas por parte de entidades cuja conduta devia ser factor de estabilidade e de ponderação serena das situações, mas nunca de instabilidade ou de rodopio emocional perante os problemas.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - O engenheiro Angelo Correia, por certo, terá reflectido já sobre o exemplo, menos feliz, que deu de como governar adequadamente na zona da administração interna, contribuindo não só para um condenável desvio dos princípios democráticos como para uma inegável erosão da credibilidade das forças de segurança.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Em que país europeu as próprias governações conservadoras recorreriam a tais técnicas de fazer face ás problemáticas de ordem social? F. com que diferente eficácia não acautelariam a segurança geral perante alegados actos de violência política generalizada, caso eles se verificassem?
A remissão permanente dos delitos para o misterioso anonimato dos seus autores, sem que a investigação criminal se exerça em toda a plenitude, constitui um dos elementos mais perturbadores da opinião pública e um reprovável acto de- fraqueza do regime democrático, a que importa pôr cobro o mais prontamente possível.
Sr. Presidente. Srs. Deputados: A relevância da temática implicada nesta interpelação excede largamente os traços negativos da actuação governamental, por mais criticáveis que os mesmos tenham sido e foram, e coloca as forças políticas responsáveis - como é o PS - na obrigação de apresentarem linhas de solução alternativa. Está em causa uma questão de índole nacional que tem a ver directamente com o cerne do funcionamento da democracia pluralista. Impõe-se, por isso, que, rapidamente, se caminhe para os seguintes objectivos de política que sintetizo em dez pontos: Primeiro, reformulação esclarecida da orgânica do MAI, com vista a possibilitar um adequado e civilizado tratamento dos problemas da ordem interna (ou interior) nos parâmetros de uma rigorosa filosofia democrática, de recurso aos meios de coerção que salvaguarde as liberdades públicas e os direitos individuais; segundo, redefinição, no plano geral, da questão da ordem pública e das respectivas autoridades em democracia, incluindo a sua coordenação ao mais alto nível, bem como do controle judicial das suas deliberações, designadamente quanto ao exercício do direito de reunião e manifestação e quanto à: modalidades de requisição e condições de emprego da força pública; terceiro, elaboração de uma lei quadro das forças de segurança do Estado, com delimitação clara das respectivas competências no plano funcional e territorial, nomeadamente entre o seu vector de estrutura interna militar, a GNR, e o seu vector de estrutura interna civil, a polícia nacional: quarto, elaboração das novas leis orgânicas dos grandes corpo- de segurança do Estado, refundindo e integrando diplomas dispersos, alguns dos quais em manifesta desactualização, e imprimindo ao trabalho legislativo acentuado cunho reformador e de modernidade: quinto, modernização do dispositivo das forças de segurança em especial o dispositivo de segurança pública rural e de ordem pública móvel da GNR. o dispositivo urbano da polícia nacional (com as componentes de segurança pública, investigação criminal, ordem pública, segurança de altas individualidades, informações de polícia, combate à violência concertada e u alta violência e luta anti-sequestro), o dispositivo de fronteiras e o dispositivo de combate à fraude fiscal e aduaneira que pertence à Guarda Fiscal: sexto, é, forço acentuado de formação profissional em todos os escalões e em escolas devidamente apetrechadas, dignificação das carreiras através da adopção dos convenientes estatutos e introdução de critérios de recrutamento e selecção mais rigorosos, que tornem o desempenho de funções policiais num serviço público altamente qualificado - e, por isso, convenientemente remunerado -, e não numa facilidade ou num expediente temporário para remediar as vicissitudes do desemprego; sétimo, sobreposição de uma política de qualidade e do competência a uma política de quantidade e de falta de preparação técnico-profissinal, mediante a contenção da progressão indiscriminada de admissões de pessoal desqualificado e a afectação preferencial dos recursos financeiros á melhoria da formação, dos equipamentos (especialmente transmissões, transportes e armamento adequado), das instalações e das remunerações do pessoal técnica e profissionalmente habilitado: oitavo, recurso à articulação entre as despesas orçamentais anuais, nomeadamente destinadas u melhoria dos equipamentos, e uma programação a prazo da modernização das forças de segurança, de modo a que o orçamento da administração interna seja o instrumento de uma política transparentemente assu-
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mida e não o dissimulador de decisões cujo sentido imediato e final se ignora, a começar no âmbito do próprio Executivo e da Assembleia da República; novo, implementação de uma campanha de sensibilização a nível nacional para as funções das forças de segurança em regime democrático, mediante a elaboração, divulgação e discussão de um livro branco onde se contenha, para além da descrição do sector, tal como actualmente existe, todo o conjunto de medidas susceptível de conduzirem à sua reforma e modernização o prazo: décimo e último, realização de um aprofundado debate parlamentar em torno da questão Já ordem pública democrática e da salvaguarda da segurança interna num quadro de legalidade, com recurso ã audição de peritos, parceiros sociais, regiões, municipalidades e representantes das correntes da opinião, do qual pudesse resultar a aprovação do conjunto de medidas legislativas de que o País carece para ordenar tão importante sector da vida democrática institucional.
Estes dez pontos constituem uma linha programática coerente que o Governo não poderá deixar de considerar, apesar de oriunda da oposição e de se apresentar como alternativa sectorial ao que a AD não foi, até ao momento, sequer capaz de equacionar em traços meramente gerais.
O PS, naturalmente, não se furtará a prestar todo o contributo complementar, tido por conveniente, para o completo esclarecimento dos pontos que acabei de enunciar, uma vez que o que está em causa é suficientemente significativo para justificar a recusa de posições unilaterais ou sectárias e optar pela via do diálogo construtivo, qualificado e responsável entre todos os portugueses, sem discriminações.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A superficialidade programática da AD neste terreno, o adiamento sistemático das medidas de fundo que a situação exige, bem como o não cumprimento das que, escassamente, foram anunciadas - mas que ainda não foram postas em prática - e ainda a casuística flutuante dos governantes e o estilo do Ministro da Administração Interna, em circunstâncias recentes e bem vivas no espirito de todos, fazem recair sobre as forças susceptíveis de protagonizar uma alternativa consistente e uma mudança de progresso e responsabilidade de falar ao Pais e de alertar os próprios corpos de segurança para o risco que correm o seu prestigio, a sua competência profissional e a sua independência, todos tão penosamente recuperados, face a quaisquer instrumentalizações e que queiram, por leviandade ou erro de concepção política, submetê-los.
A democracia portuguesa precisa de forças de segurança credíveis, profissionalmente capazes, tecnicamente apetrechadas, juridicamente enquadradas e por isso mesmo aptas, pela dedicação dos elementos que as integram, a proteger os cidadãos, os seus direitos, as suas liberdades, a sua convivência e a sua segurança.
A começar pelo Ministro da Administração Interna, nenhum português tem o direito de impedir que tão sério propósito seja alcançado - a consciência democrática e profissional das estruturas policiais não o aceitaria, mas, com maior veemência, nunca o toleraria o País que, por ter sabido o que foi viver sem liberdade, consequentemente sem verdadeira segurança, não quer agora ver restaurado o autoritarismo, o arbítrio ou o uso ilegal e sectário da força e dos instrumentos de coerção estatal.
O Sr. Mário Soares (PS): - Muito bem!
O Orador: - Para bem da democracia e para bem de Portugal, modere a AD o ímpeto de alguns dos seus responsáveis. Só um governo fraco é que gesticula, vocifera, ralha, amedronta e se entretém, a pretexto de tudo e de nada, abrincar aos polícias e ladrões, para gáudio geral do País e para diminuição da dignidade da vida política, governamental e institucional.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Um governo democraticamente adulto, em boa verdade, nada tem de comum com a actuação alarmista do Ministro da Administração Interna - e é por isso que e necessário pôr termo, quanto antes, à orientação em que parece apostado e constituir uma nova política que dê, enfim. aos Portugueses redobrada confiança na democracia e no futuro das suas forças de segurança.
Pela nessa parte tudo faremos para que tal aconteça. A autoridade democrática do Estado e as liberdades públicas dizem respeito a uma oposição responsável, sobretudo quando os governantes fracassam ou erram e não prestigiam os mandatos que lhes foram conferidos. Portugal precisa de uma política de administração interna à altura da democracia que queremos construir e não à medida de obsessões manifestamente perturbadoras e instabilizadoras.
Em matérias como a comunicação social, a legislação eleitoral e a segurança interna a AD deu suficientes provas de que não tem um projecto nacional, mas um propósito manipulador.
Aplausos do PS e da UEDS.
Com que garantias fica o País de que a alternância será possível no futuro e de que as opções do povo português serão susceptíveis de expressão livre?
O Sr. Borges de Carvalho (PPM): Com todas as garantias!
O Orador: - Que razões adicionais serão necessárias para que os mecanismos constitucionais. com competência para o eleito, ponham termo imediato a uma experiência de governação que não dá garantias de isenção, de pluralismo e de fidelidade aos princípios democráticos e que ameaça intimidar e distorcer gravemente a formação das correntes políticas, da vontade geral e da própria opinião pública? Como se poderá permanecer indiferente face a tão flagrantes violações do espírito constitucional e a ião chocantes atentados contra a dignidade do Estado democrático?
Esta interpelação, na sequência das anteriores e da moção de censura do PS, vem confirmar que a mudança de governo é necessária e urgente e que em última instância, a democracia faculta aos cidadãos os meios eleitorais adequados para inflectir a política, escolhei novos caminhos, novos programas e novas equipas governamentais para os levar a cabo.
Vozes do PS:- Muito bem!
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O Orador: - Antes que o governo da AD complete a sua estratégia de modificar substancialmente a natureza do regime democrático e a prática pluralista que lhe deve ser inerente, mude-se e substitua-se o Governo enquanto é tempo.
Vozes do PSD: - Não apoiado!
O Orador: - Este governo já provou que era incompetente na área económica e dos equipamentos colectivos, mas está agora a demonstrar, em roda a sua crueza, que é irresponsável e tem uma ambição inegável de condicionamento da vida política no seu conjunto.
A consciência democrática do País não consentirá que um tal projecto se concretize. A democracia portuguesa jamais será confundida com o descalabro da AD. O povo português dará a resposta que este governo merece.
Aplausos do PS, do PCP, da ASDI, da UEDS e do MDP/CDE.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra para pedido de esclarecimentos o Sr. Deputado Borges de Carvalho.
O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Jaime Gama: Gostaria cie colocar uma questão muito simples, pois na última parte da sua intervenção V. Ex.ª disse que era necessário substituir, com urgência, o governo da AD, dizendo também que o povo português daria essa resposta.
Não quero pensar que essa resposta seja dada de outra forma que não seja a de eleições. Por isso, pergunto a V. Ex.ª se o PS aderiu à tese das eleições antecipadas do PCP.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra para responder o Sr. Deputado Jaime Gama.
O Sr. Jaime Gama (PS):- Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PS, naturalmente, não aderiu à tese do PCP sobre essa matéria nem aderiu à tese que a AD, a esse mesmo propósito, brilhantemente defendeu antes da realização das eleições gerais de 1979.
No entanto, o que é inegável é que, quando os governos se desgastam, se coloca na ordem do dia a questão da sua substituição, nos termos constitucionais.
A substituição e a mudança do Governo em Portugal, nos termos da Constituição existente, tom, naturalmente, a ver com a dupla componente - parlamentar e presidencial - do sistema político.
É natural que essa questão se coloque, em primeiro lugar, em termos políticos, os quais dizem respeito à própria maioria. Nada temos a ver com isso. Contudo, quando, por virtude dos erros sucessivamente acumulados por um dado governo, o Pais caminha para um descrédito -que recai não apenas sobre a política governamental, mas também sobre o próprio conjunto do sistema institucional-, e então um dever da própria democracia, para viabilizar a sua consolidação, recorrer à consulta popular, de forma que, através dela, o povo dê a resposta que os executivos merecem.
O Partido Socialista, como partido democrático, entende que esta batalha política e uma batalha com componente social e institucional e não enjeita, por seu lado, nenhum dos recursos democráticos ao seu alcance para mudar de política e de governo e de afirmar uma alternativa de credibilidade qut restaure a confiança dos Portugueses na democracia.
Aplausos do PS, do PCP, da ASDI, da UEDS e do MDP/CDE.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra para um protesto o Sr. Deputado Borges de Carvalho.
O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Sr. Presidente, registo a forma hábil, aliás habitual no Sr. Deputado Jaime Gama, como conseguiu, realmente, «mascarar» a sua resposta. Registo, aplaudo e presto as minhas homenagens.
Todavia, hão posso deixar de protestar contra a forma capciosa e ilegítima como o Sr. Deputado confundiu duas situações radicalmente diferentes: aquela em que a AD -e o meu partido foi o primeiro dos partidos da AD a fazê-lo- pediu eleições gerais antecipadas, nessa altura, e a situação que hoje se vive.
De facto, nessa altura não havia nesta Assembleia qualquer maioria. O próprio Partido Socialista, embora tenha memória curta, havia sido «escorraçado», ilegitimamente, do Governo, sem que lhe tivesse sido dada qualquer oportunidade de procurar uma nova maioria, após ter perdido aquela em que se baseava. Com isso, deu abertura a governos que, na nossa óptica, eram, democrática e parlamentarmente, ilegítimos.
A situação que se vivia nessa altura, cie uma Câmara que não podia responder, em termos de governo, com uma maioria coerente e estável, não é a situação que se verifica hoje.
Do ponto de vista da democracia pluralista, que ambos os nossos partidos dizem defender, as situações são radicalmente diferentes, não podendo deixar de protestar contra a capciosa confusão que V. Ex.ª fez entre essas duas situações, as quais não tem comparação possível.
Aplausos do PPM e do PSD.
O Sr. Presidente:- Srs. Deputados, está inscrito a seguir para uma intervenção o Sr. Deputado Silva Marques.
No entanto, faltam 5 minutos para a hora habitual do nosso intervalo. Pergunto ao Sr. Deputado Silva Marques se a sua intervenção é ou não compatível com este limite de tempo.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Não, Sr. Presidente, não é compatível.
O Sr. Presidente:- Tem a palavra o Sr. Deputado César de Oliveira.
O Sr. César de Oliveira (UEDS): - Sr. Presidente, gostaria de saber se V. Ex.ª vai mandar suspender a sessão ou se vai dar a palavra ao Sr. Deputado Silva Marques.
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O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, uma vez que o Sr. Deputado Silva Marques me informa de que a sua intervenção não se confina com o limite de 5 minutos, iria suspender a sessão
Retomaremos os trabalhos às 15 horas.
Está suspensa a sessão.
Eram 12 horas e 56 minutos.
O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão.
Eram 15 horas e 30 minutos.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O Sr. Deputado Jaime Gama -e a minha intervenção, evidentemente, não poderá deixar de se inserir na sequência dos debates da manhã - deu hoje um grande contributo à democracia e à oposição democrática.
Fez um discurso crítico ao governo da maioria e ao Ministério da Administração Interna, em particular ao Ministro. Mas é necessário realçar que não se afastou da perspectiva em que devem estar empenhados todos os democratas: a construção e consolidação do Estado democrático.
Uma voz do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Logo, grande contributo à democracia, mas também à oposição democrática. E porquê? Pela simples razão de que. embora mantendo-se no discurso crítico de oposição, da perspectiva a que devem estar ligados todos u~ democratas, fez uma das poucas diligências aqui esboçadas de contribuir para a formulação de uma alternativa de governo.
O Sr. Eduardo Pereira (PS):- Não apoiado!
O Orador: - É com o Sr. Deputado. É uma opinião interna relativamente à sua bancada. Mas, se me dá licença, continuarei a desenvolver o meu ponto de vista, sem que ele contenha qualquer intromissão no melhor do vosso partido.
O Sr. Manuel Pereira (PSD): - Muito bem!
O Orador: - A verdade é que o Sr. Deputado Jaime Gama tentou, e para isso deu um contributo, a formulação de uma política de alternativa de Governo, e não de alternativa de regime, ponto muito importante e que diz respeito a uma questão fundamental, quando aqui se discute a questão do Estado, porque foi a questão do Estado democrático que discutimos na parte da manhã. É fundamental, porque isso pressupõe um entendimento ou um desentendimento. De qualquer modo, é a assunção de uma posição relativamente a essa questão fundamental que é a do Estado democrático.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - No entanto, o Sr. Deputado Jaime Gama, simultaneamente, deu um terceiro contributo na sua intervenção.
É que o Sr. Deputado Jaime Gama, ao refugiar-se na teoria geral e nas sugestões governativas - o Sr. 'Deputado Jaime Gama interveio mais como se estivéssemos a discutir um programa de governo no sector cia administração interna do que propriamente inserido na lógica da interpelação da UEDS -, demonstrou que lhe escasseavam as provas e os factos para demonstrar aquilo que teria utilidade na lógica da interpelação da UEDS. Isto é, que existem factos suficientes ou até mesmo indiciários para demonstrar duas coisas, essas sim, que teriam interesse: a primeira, que existe uma política da parte do Governo e do Ministro ,da Administração Interna de restrição e até de eventual violação dos direitos dos cidadãos consignados na Constituição; ou então, num outro plano, demonstrar que, por falta de vontade e de sensibilidade política, não haveria suficiente enquadramento das forças de segurança por pane do Governo e do Ministro da Administração Interna, o que facilitaria, se não mesmo ocasionaria, intervenções dessas forças fora do enquadramento legal ou em intervenção abusiva.
Vozes do PSD:- Muito bem!
O Orador: - Até este momento nada foi demonstrado, a começar pelo interpelante. E o contributo mais positivo que aqui teve lugar diz respeito a uma outra lógica de discussão, ou seja a lógica de discussão do Programa do Governo, e talvez utilidade para outros efeitos, que não os do objectivo da interpelação.
Vozes do PSD:- Muito bem!
O Orador: - Não quero, de forma nenhuma, cortar a hipótese de o interpelante se socorrer de outras demonstrações teóricas ou factuais, que até este momento não usou.
O Sr. César de Oliveira (UEDS):- Factuais! ...
O Orador: - Como? Intelectuais?...
Ah, factuais. Sem dúvida! Não retiro a hipótese, mas devo dizer que estou a atribuir-lhe o benefício da dúvida, porque, como interpelante, e no caso de ter a preocupação, ao menos nesse domínio, de uma certa economia de processo parlamentar, deveria ter, efectivamente, descarregado todos os seus argumentos, quer teóricos, que factuais. E até este momento não o fez.
Aplausos do PSD e do CDS.
Até este momento não o fez! Espero que, efectivamente, abra o «saco».
De qualquer modo, é legítima a minha conclusão relativamente a este momento do debate.
Temos de concluir que o Ministro da Administração Interna e o Governo tem prosseguido uma política, no que diz respeito ao esforço para afirmação ao Estado de direito, clara de respeito pela legalidade vigente e sensível ao problema do respeito pelos direitos dos cidadãos, sem os restringir, mas também sem cair na facilidade relativamente àqueles que os desejam infringir.
Repito: o Ministro da Administração Interna e o Governo têm-se enquadrado numa política de defesa
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do Estado de direito e de defesa dos cidadãos e dos grupos suciais e políticos que têm o seu estatuto legal devidamente protegido no nosso enquadramento constitucional. Para além disso, o Ministro da Administração interna e o Governo têm tido a preocupação, não apenas de forma estática, de salvaguardar a legalidade vigente - dessa forma deram já um contributo importante para a afirmação do Estado de direito-, mas, pelo contrário, de forma activa procedendo no sentido de que os direitos dos cidadãos sejam aceites pela opinião pública.
Foi esse o perfil das intervenções do Governo na Televisão relativamente a confrontos sociais ou à sua eventualidade. De forma clara, inequívoca, firme e continuada foi afirmado que o Ministro da Administração Interna e o Governo protegeriam o exercício do direito â greve - que a lei lhes atribui - a todos os cidadãos que a desejassem fazer e protegeria os que desejassem trabalhar.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Isto é a prova de que o Governo -e dispenso-me de apresentar outras-, no plano político, tem manifestado um rigoroso apego aos princípios do Estado de direito.
Aplausos do PSD.
Peço imensa desculpa de ter que me referir a um outro senhor deputado da bancada socialista. Espero que me façam justiça e vejam que o faço, não com o intuito de intervir em terreno alheio, mas na legitimidade não só da que decorre do Regimento parlamentar, visto que cada deputado afirma as suas posições e, portanto, está sujeito a uma apreciação concreta, mas também de uma legitimidade que decorre do facto de um deputado ter o direito de interpretar e de apreciar as actuações políticas alheias, independentemente do posicionamento estrito do hemiciclo.
Posta esta justificação...
O Sr. Rogério de Brito (PCP): - Verdadeiramente sublime! ...
O Orador: - Como?
O Sr. Rogério de Brito (PCP): - Verdadeiramente sublime!...
O Orador: - Muito obrigado.
Repito: posta esta justificação, quereria dizer que, contrariamente ao Sr. Deputado Jaime Gama, o Sr. Deputado António Arnaut deu-nos demonstração clara das questões difíceis de regime com que nos temos debatido depois do 25 de Abril e com as quais nos continuamos a debater. Espero, aliás, que, embora continuando a debater-nos no futuro, pelo menos, o façamos com o melhor entendimento entre nós, os que pertencem ao campo democrático.
O Sr. Deputado António Arnaut criou um incidente legítimo, legal, mas nem por isso cheio de significado relativamente à filosofia política e ao posicionamento de cada um de nós relativamente à questão do Estado.
O incidente gerado pelo Sr. Deputado acerca do processo de discussão parlamentar O, neste sentido, profundamente significativo e duplamente relevante, porque, confrontado com a posição da bancada do Partido Comunista, em particular do Sr. Deputado Carlos Brito, a quem tenho de fazer justiça pela grande qualidade parlamentar e por mostrar grande capacidade táctica na condução da sua bancada, o Sr. Deputado António Arnaut privilegia a luta processual. O Sr. Deputado Carlos Brito não o faz, pelo menos, no caso concreto do que se passou aqui na parte da manhã.
O Sr. Deputado António Arnaut, à falta de votos, de mandato e de legitimidade social e cultural na sociedade portuguesa, tal como ela é hoje, agora e aqui, segue a via dos épicos combates processuais, já que a maioria não pode mudar todos os dias.
Efectivamente, o parlamentarismo de hoje, Sr. Deputado, não pode ser um parlamentarismo de notáveis. Isso acabou. Acabou na 4.ª República Francesa, acabou na 1.ª República Portuguesa. O parlamentarismo de notáveis, aqueles que põem e dispõem todos os dias das composições parlamentares, acabou. O parlamentarismo moderno tem uma ligação sagrada ao eleitorado no duplo sentido do social e do cultural. O vanguardismo, mesmo o dos notáveis, acabou. Sr. Deputado.
Mas, à parte esta pequena apreciação de sociologia política, quereria dizer-lhe o seguinte: o Sr. Deputado segue a sua filosofia de radicalismo parlamentarista socialista do princípio do século. E, já que lhe falta legitimidade social e cultural para transformar a sociedade no plano social, V. Ex.ª privilegia o parlamento e privilegia o efeito demiúrgico da lei. E, à falta de poder para derrubar a maioria - essa coisa monstruosa que não muda todos os dias-, V. Ex.ª privilegia a luta processual. Mas por mal, já que a maioria não pode mudar todos os dias, ao menos, utilizemos as nossas subtilezas de juristas para paralisarmos a máquina parlamentar.
Mas VV. Ex.ªs, os radicais parlamentaristas quando se sobrepõe essa coisa ingrata de não serem maioria, com a preferência pela paralisação da maioria, não estão apenas a paralisar a maioria, estão a paralisar a democracia e o Estado democrático.
Aplausos do PSD, do PPM e do Sr. Deputado Menezes Falcão, do CDS.
O Sr. Silva Graça (PCP): - Já conseguiu acordar o Sousa Tavares!
O Sr. Rogério de Brito (PCP): - Com essa encenação ainda vai parar ao teatro da FNAT.
O Orador: - Aliás, e importante determo-nos um pouco neste confronto entre o radicalismo parlamentarista socialista do deputado António Arnaut com o novo estilo de parlamentarismo cordato da bancada do Partido Comunista. Por que é que uma filosofia política que tem como objectivo confessado destruir a democracia (v. declaração, que penso actualizada, do Sr. Secretário-Geral do Partido Comunista de que nunca haverá democracia parlamentar em Portugal) é cordata no hemiciclo? E por que e que um deputado indiscutivelmente ligado ao mais profundo parlamentarismo, que não tem mácula, se mostra não cordato? Se necessário, não apenas oposicionista, mas obstrucionista, no parlamento?
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É importante reflectirmos sobre isto. Porquê? Permitam-me a minha interpretação,
O Sr. Mário Tomé (UDP: - Faça favor.
O Orador: - Porque o objectivo principal da bancada do Partido Comunista não é o de construir o Estado democrático, mas sim impedir a sua construção. E essa acção por parte da bancada comunista não se processa, fundamentalmente, no parlamento, porque aí está de antemão derrotada a sua diligência. A diligência principal da bancada comunista e, de certo - espero que não contestem a minha conclusão-, do Partido Comunista é tentar entravar a consolidação do Estado democrático na rua.
Daí a sua preocupação de obter aqui, no parlamento, uma credibilidade relativamente à legalidade e até de 'boa vontade para com o funcionamento das instituições que lhe permitam obter o crédito de legalidade e de apego às coisas democráticas, de que precisa para proteger o terreno privilegiado da luta, que é o da rua.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - E mais. Para obter esses objectivos fundamentais ele precisa de não se isolar no terreno da opinião pública para que a opinião pública portuguesa, que é, indiscutivelmente e maioritariamente, democrática, não isole o Partido Comunista e, por outro lado, para que ele não se auto-isole.
Trata-se, portanto, de uma actuação táctica que tem em vista obter um crédito ou uma cobertura de legalidade relativamente a uma luta que se tenta travar no terreno, preferentemente antidemocrático, que é o da rua.
O Sr. Rogério de Brito (PCP): - Já que estamos na rua, há-de ir para a rua!
O Orador: - Não estamos tanto na rua quanto isso vos preocupa, porque o vosso objectivo é estarmos todos na rua. Mas não estamos. E, enquanto estivermos aqui, o Estado democrático está em vantagem. E no dia em que os senhores não estiverem aqui é porque se excluem do campo democrático, de forma definitiva e sem qualquer cobertura formal.
Aplausos do PSD, do PPM e do Sr. Deputado Menezes Falcão, do CDS.
Isso é problema de VV. Ex.ªs.
Mas a táctica de excesso de legalidade, concordância e cordura parlamentar do Partido Comunista tem em vista, não apenas o objectivo relativamente à opinião política portuguesa, mas um outro, que é o de obter essa mesma credibilidade no que diz respeito à legalidade democrático relativamente a uma outra instância, o Presidente da República.
O Partido Comunista pretende demonstrar ao Presidente da República que, não tendo maioria no parlamento, a tem fora dele. E para isso é preciso tentar, procurando a maior cobertura de legalidade, fazer o alargamento do parlamento aos seus extra-muros e dizer ao Presidente da República o seguinte: V. Ex.ª veja, o resultado eleitoral está mais do que desactualizado. Nós não temos maioria no parlamento, porque há sempre um desfasamento entre a forma e o conteúdo, entre o resultado eleitoral e a evolução natural e inevitável que, entretanto, a opinião pública e a tendência do eleitorado vão sofrendo. E, por isso, nós vimos fazer-lhe a demonstração prática, dentro da mais estrita legalidade -porque de outra forma rompia-se o diálogo entre esta diligência do Partido Comunista e o Presidente da República -, de que a maioria da sociedade - ou sem recurso de argumentação -, de que os aspectos mais vivos e mais dinâmicos da sociedade estão contra a actual maioria parlamentar.
Srs. Deputados, esta diligência e esta linha de argumentação política são uma grosseira tentativa de pôr o parlamento na rua e de demonstrar aquilo que só pode impressionar quem tenha da democracia uma concepção vanguardista.
Não é a nossa concepção, não é a concepção de todos os democratas, mesmo os que estão na oposição. E tenho esperança, aliás fundada em dados objectivos, teóricos e práticos, de que o Sr. Presidente da República nos momentos e no terreno em que escolha entre democracia e antidemocracia não terá dúvidas quanto às suas opções.
O Sr. Jerónimo dt Sousa (PCP):- É o que se chama encher chouriços!
O Orador - O Sr. Deputado António Arnaut...
Vozes do PS: - Outra vez?
O Orador: - ... se me dá licença -desculpe, mas o seu discurso foi tão importante -, soltou aqui um grito, aliás, foi uma frase, mas muito significativa.
As frases de V. Ex.ª são cheias de significado. V. Ex.ª disse: a democracia formal. Foram, ipsis verbis, as palavras de V. Ex.ª Democracia formal, essa coisa horrorosa que faz com que uns sejam maioria e outros não.
Ora bem. Sr. Deputado António Arnaut, queria apenas lembrar-lhe o seguinte: quando os socialistas democráticos abandonam o seu maior trunfo contra o vanguardismo leninista, estão a condenar-se, eles próprios à derrota. E é uma derrota que vem nos compêndios.
O Sr. César de Oliveira (UEDS): - Boa ajuda!
O Orador: - Quando os socialistas democráticos, por um excesso de parlamentarismo, abrem o terreno ou abandonam o seu terreno ao leninismo, estão a 'Condenar-se à derrota, porque, Sr. Deputado António Arnaut, VV. Ex.ªs, até por razões de concepção política, ao abandonarem o Estado democrático, a democracia, essa coisa formal a que se refere V Ex.ª, não tem, repito, até por concepção de filosofia política, aquilo que os outros têm, ou seja a possibilidade de, através de um aparelho político-partidário, enquadrarem as tais massas que VV. Ex.ªs rejeitam em termos leninistas, mas que, efectivamente, não tem nada para ciar em alternativa, porque abandonaram o vosso próprio terreno, o da democracia, essa coisa horrorosa, porque é formal.
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Mas não há forma sem conteúdo e a democracia formal tem um profundo e histórico conteúdo Lembro só a V Ex.ª que o primou o combate que se travou contra o leninismo, a primeira barreira teórica levantada contra o leninismo, foi Rosa Luxemburgo. Mesmo no momento mais quente, quando tudo era libei tacão da humanidade, em Moscovo, na sequência da revolução leninista de 1917, foi ela que, fiel às raízes da democracia e do socialismo democrático, disse: «A liberdade é sempre a liberdade de discordar.»
Onde não há liberdade de discordar não há liberdade em termos práticos e efectivos.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Porque a liberdade de concordar, típica do leninismo, não é a liberdade da corrente histórica da democracia socialista.
Aplausos do PSD e do PPM.
Sr. Deputado César de Oliveira, e minha parte final vai para V Ex.ª. Não porque V. Ex.ª deva necessariamente, ficar no fim, mas porque V. Ex.ª foi tão pobre na sua interpelação que penso que não podíamos deixar de aproveitar este tempo parlamentar para fazermos uma reflexão sobre o Estado, se quisermos tirar algo de útil deste tempo que nos e atribuído.
O Sr. César de Oliveira (UEDS): - Simpático!
O Orador: - A questão é muito importante. Mas V. Ex.ª foi o interpelante e merece, até pelo estatuto de interpelante, que me refira a V. Ex.ª.
O Sr César de Oliveira (UEDS): -Muito obrigado.
O Orador: - Evidentemente que não vou discutir a sua inteligência No entanto, V. Ex.ª não conseguiu resistir a esse criticismo oposicionista fácil de discutir a inteligência dos outros.
V. Ex.ª, à falta de melhores argumentos, não conseguiu resistir à tentação de discutir a inteligência do Sr. Ministro.
O Sr. César de Oliveira (UEDS): - Eu?!...
O Sr. Mário Tomé (UDP): - A inteligência do Sr Ministro não se discute!...
O Orador: - Peço desculpa. V. Ex.ª fez uma referência à inteligência do Sr. Ministro. Consulte os seus apontamentos. Espero um pouco mais de eficácia e de rigor da sua parte.
Mas, como ia dizendo, V. Ex.ª não resistiu. E sabe porquê. Porque V. Ex.ª ainda está naquela visão primária do antifascismo segundo a qual os fascistas eram todos estúpidos e os antifascistas eram inteligentes
É claro que foi uma tese, digamos, horrorosa ...
O Sr. César de Oliveira (UEDS):- Foi o senhor que me ensinou essa tese com as Edições Calvino.
O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - O Sr. Deputado é antifascista?
O Orador: - Sim dúvida, mas sou sobretudo um democrata.
O Sr. Lopes Cardoso (UEDS):- Então os antifascistas não são todos inteligentes
Risos do PS e do PCP.
O Orador: - O Sr. Deputado ainda está dentro da mesma dicotomia.
De qualquer modo, não tenho a menor dúvida de que o Sr. Deputado César de Oliveira provoca a coincidência daquilo que nem sempre é coincidente, ou seja a inteligência e o militarismo político. Isto independentemente de ser fascista ou não.
Espero que ao menos nesta base me dê alguma razão, mas se não der, está no seu direito.
De qualquer modo, o Sr. Deputado começou muito mal. Começou por separar duas coisas inseparáveis V. Ex.ª, expressamente, arredou daquilo que venha discutir uma coisa inarredável, ou seja o contexto de intervenção do Governo, o contexto de intervenção do Sr. Ministro.
Ou V. Ex.ª prepara-se para defender a tese de que o político é arredável do social. De que o comportamento governativo é arredável ou separável do comportamento dos outros sujeitos sócias? V. Ex.ª prepara-se para defender essa tese?
Se é isso, devo dizer-lhe que estou prestes a voltar à tese da inteligência e do antifascismo De qualquer modo. Sr. Deputado, se por acaso e essa a sua tese, devo dizer-lhe que não é a minha e não corresponde à demonstração dos factos
Sabe qual foi o primeiro acto de violência dos socialistas a partir do momento em que foram governo em França? Foi quase uma ironia histórica foi contra um grupo de ecologistas. Imaginem. Foi contra um grupo que se atravessou na linha de caminho de ferro por onde havia de passar um contentor de resíduos nucleares vindos do Japão com desuno a uma fábrica francesa de tratamento desses resíduos. O grupo de ecologistas, intrepidamente e de certo modo com muita convicção -respeite a convicção dos outros, mesmo que não esteja de acordo com eles-, cortou a linha de caminho de ferro e esta levou 5 minutos a desobstruir. Tratou-se, portanto, de uma violência relativamente parca da parte do governo socialista. Mas porquê? Porque também a violência foi igualmente parca da parte do agente, digamos, prevaricamente.
Aliás, posso dar-lhe outro exemplo de violência do governo socialista actualmente no Poder em França imaginem contra quem!
O governo socialista, efectivamente, em termos estéticos, está a ter um pouco de azar, porque o primeiro acto de violência que praticou foi contra ns ecologistas e o segundo (contra quem havia de ser?) foi contra os camponeses de Rousillon, por causa do vinho e das frutas.
De qualquer modo, o que lhe queria demonstrar é que a questão da violência tem que ser tentada em termos sociais, e não em termos estritamente políticos, porque senão V. Ex.ª cai no mais rudimentar dos positivismos da sociologia política.
O Sr. Rogério de Brito (PCP): - Mas isto é algum sanatório?
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O Orador: - Vou terminar rapidamente, tratando o principal interessado nesta matéria, o Partido Comunista.
Quando os democratas de esquerda, que eu designo de «radical-parlamemarista», e uns outros sob a cobertura da mesma moral política, isto é, a esquerda do Conselho da Revolução e outros que com eles, se identificam, vêm ao mesmo terreiro e são tão solícitos a interpelar o Governo por eventuais excessos de definição de uma figura de situação política, eu pergunto porque não usam a mesma diligência relativamente ao Partido Comunista.
Desconhecem a esquerda militar e a esquerda radical parlamentarista os termos do último comunicado da resolução do Comité Central do Partido Comunista, onde é definido um objectivo e um método?
Qual é o objectivo? É a demissão do Governo, que mostrou ser mais mobilizador que as reivindicações económicas imediatas.
Aproveito para demonstrar que está aqui a confissão por parte do Partido Comunista de que as lutas económicas não são tantas como aquele partido pretende. Isto porque ele próprio constata que os objectivos das lutas económicas não são mobilizadores.
São, portanto, mobilizadores só os objectivos políticos.
E quais são os objectivos políticos? Demitir o governo AD e dissolver a Assembleia da República.
E qual é a táctica? Precaução no que diz respeito ao terreno legal. Para quê? Para convencer aqueles que «subestimam os perigos, que se revelam conformistas e que mostram relativa passividade».
Onde? «Nos partidos, no Estado -e aqui temos a chave fundamental- e em órgãos de soberania.»
Trata-se, portanto, de uma mensagem directa ao Sr. Presidente da República, de uma afirmação de respeito pela legalidade e de uma promessa, que carece de demonstração, de que o Pais está contra a actual maioria e, se quiserem, de que o Pais está contra a concepção profundamente democrática - essa pertence não apenas à actual maioria, mas a todo o campo democrático-, da configuração do futuro do Estado democrático, nos termos de uma democracia sem adjectivos, porque é esse o ponto sagrado que deve unir todos os democratas no esforço da consolidação do Estado democrático que desejamos e que queremos para o nosso país.
Aplausos do PSD. do CDS e do PPM.
O Sr. Silva Graça (PCP): - Melhor do que isto só r» João Morgado!
O Sr. Presidente: - Inscreveram-se para formular pedidos de esclarecimento os Srs. Deputados Magalhães Mota, Lopes Cardoso e António Arnaut.
Tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota.
O Sr. Magalhães Moía (ASDI):- Sr. Presidente, Srs. Deputados: Hesitei, de facto, quanto à figura regimental a usar, mas utilizo o pedido de esclarecimento.
E digo que hesitei quanto à figura regimental a usar porque pensei invocar o Regimento para relembrar que estamos perante uma interpelação ao Governo e ao Ministro da Administração Interna, e não ao Sr. Deputado António Arnaut e às suas concepções de democracia.
O Sr. António Arnaut (PS):- Muito bem!
O Orador: - Em segundo lugar, estive quase tentado a invocar o direito de defesa a favor do Sr. Ministro da Administração Interna, porque, se por acaso o Sr. Deputado César de Oliveira usasse da dicotomia entre os antifascistas inteligentes e os menos inteligentes, os fascistas, o Sr. Ministro ficaria classificado pelo Sr. Deputado Silva Marques como fascista, coisa que eu repudio.
Risos do PS e do PCP.
Ingressando nos pedidos de esclarecimento, que é a matéria que directamente me envolve, refiro que estou de acordo com o deputado Silva Marques quando critica a intervenção do deputado Jaime Gama, ao dizer que ela teria melhor lugar a propósito de um programa do Governo ou de um debate sobre política geral do Ministério da Administração Interna.
Faço, aliás, a mesma crítica à intervenção do Sr. Ministro da Administração Interna e à intervenção do Sr. Deputado Silva Marques.
A interpelação que aqui nos move, e portanto o nosso interesse real, directo e imediato neste debate, é para conhecer o comportamento concreto do Governo num determinado contexto.
Ficámos a saber, pela intervenção do Sr. Ministro da Administração Interna, que no dia 12 de Fevereiro «poderia» ter havido um clima insurreccional por parte de vários elementos, que o Sr. Ministro indicou. O que eu gostaria de saber, e daí o pedido de esclarecimento que faço ao Sr. Deputado Silva Marques, é, se o Sr. Ministro considera esse e ima insurreccional, com os elementos dados por ele, se «poderia» ter ocorrido também noutros dias, ou se só «poderia» ter ocorrido no dia 12. Se esse «poderia» em relação a um conjunto de circunstâncias, justifica, do seu ponto de vista, o comportamento seguido pelo Governo.
Se o Sr. Deputado Silva Marques pensa que o conjunto de elementos que nos sugeriu, mas cuja credibilidade temos o direito de discutir, permitia ao Governo o tipo de actuação que desenvolveu, designadamente, em termos de comunicação social.
Se esse «poderia» que o Sr. Ministro várias vezes sublinhou, admitia, no entender do Sr. Deputado Silva Marques, que o Governo viesse denunciar, claramente, um clima - ele nessa altura não disse que «poderia», mas afirmou - com vários elementos adicionais, entre os quais os pneus esvaziados, que o deputado César de Oliveira várias vezes referiu.
Ora bem, a pergunta concreta que este debate pretende formular e que faço ao Sr. Deputado Silva Marques é se admite ou não' que o comportamento do Governo foi adequado aos elementos de que dispunha, se pensa que o Governo actuou em conformidade com esses elementos e se conhece outros que pudessem ter ajudado o Governo a reagir como reagiu. Ou, se, pelo contrário, pensa que a actuação do Governo excedeu largamente o contexto em que se situava e com os elementos de que dispunha, tomando, assim, uma atitude precipitada, que eu
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diria de algum pânico, perante circunstâncias que seriam, quanto muito, admissíveis, mas nem sequer previsíveis. Ainda se, perante tudo isto, pensa que a actuação do Governo foi manipuladora da opinião pública.
Vozes da ASDI e do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.
O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Deputado Silva Marques, algum deputado menos conhecedor deste hemiciclo, depois de o ouvir, poderia, eventualmente, pensar que o seu discurso continha uma única resposta às muitas interrogações colocadas pelo meu camarada César de Oliveira.
A interrogação que ele punha era: porquê o Sr Ângelo Correia como Ministro da Administração Interna?
É que um deputado menos avisado, que confundisse o nível das bancadas do PSD com o nível da sua intervenção, teria que concluir que o Sr. Francisco Pinto Balsemão não tinha tido muito por onde escolher. Não faço essa ofensa às suas bancadas.
O Sr. Deputado Silva Marques tinha uma tarefa difícil, defender aquilo que aqui estava em causa, a actuação do Sr Ministro Ângelo Correia.
Podia, de um modo ou outro, ter procurado essa defesa Poderia ter-se escusado a essa tarefa, na medida em que ela, como os factos o demonstraram, ultrapassava as suas capacidades
O Sr. Deputado Silva Marques refugiou-se na discussão de questões laterais que não tinham nada a ver com aquilo que está aqui em debate insurgiu-se contra as questões processuais levantadas pelo Si Deputado Arnaut e levou mais de 10 minutos a discutir questões de processo, a falar sobre o papel dos notáveis no parlamentarismo, etc., etc. Perdeu mais de 5 minutos a interpelai a bancada do PCP, como se fosse ela que aqui estivesse em causa. Falou-nos da França e da intervenção das forças de segurança nesse país. Curiosamente não nos disse, e era interessante saber, se o Ministro Gaston Deferre, perante os factos que invocou, terá chegado aos écrans da televisão francesa a alertar o povo francês contra a situação insurreccional que a França vivia.
O Sr. César de Oliveira (UEDS): - Muito bem!
O Orador: - Foi um ponto curioso que o Sr. Deputado omitiu.
Falou-nos a correr da intervenção do Sr Deputado Jaime Gama, pretendendo fazer-nos crer, mas sem lhe chegar a arte para subir acima da chinela, que aquilo que aqui estava em causa eram questões de ordem teórica e programática sobre o problema da segurança Não é isso, Sr Deputado Não nos deixaremos arrastar nesse caminho Não que esse debate não seja importante É-o. Mas não é isso que está em causa. O que aqui esta em causa, muito claramente, é a actuação do Sr. Ministro da Administração Interna.
Em relação a essa actuação, foi alinhado, pelo meu camarada César de Oliveira um número considerável de factos. E podemos acrescentar outros.
Continuamos à espera de uma resposta clara, que não foi dada nem pelo Sr. Ministro, nem pelo Sr. Deputado Silva Marques,
O Sr. César de Oliveira (UEDS): - Muito bem!
O Orador: - Não nos arrastarão para esse campo e não conseguirão levar-nos através de subterfúgios fáceis, Sr. Deputado.
Era isto que eu aqui queria deixar claro e sem margem para dúvidas, Sr Deputado
Aplausos da UEDS, do PS e da ASDI.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Arnaut,
O Sr. António Arnaut (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Queria usar da palavra, muito brevemente, para não deixar sem resposta as considerações curiosas que o Sr Deputado Silva Marques entendeu dirigir à minha pessoa, a propósito ou a despropósito do incidente processual ocorrido da parte da manhã.
Ouvi com muita atenção a sua jaculatória acaciana própria de um parlamentar, não direi do princípio deste século, mas do princípio do século passado. Também apreciei o prazer lúdico com que o Sr Deputado se comprazia a ouvir-se a si próprio e que era bem expresso no sorriso largo que acompanhava os seus gestos e no tom de voz que imprimia ao seu discurso.
De facto, o Sr. Deputado aproveitou esta oportunidade, não para se fazer ouvir, mas para se ouvir a si próprio e tentou, sem o conseguir, desviar a atenção deste debate - que é um debate importante em que está a ser apreciada e julgada a acção e o comportamento do Sr Ministro da Administração Interna e do próprio Governo- para questões teóricas que o Sr. Deputado costuma falar comigo, com grande prazer meu, nos corredores desta Assembleia. No entanto, não me deixarei enredar por essa táctica.
Em todo o caso, quero dizer-lhe que o incidente ocorrido da parte da manhã teve um significado e, tal como o Sr. Deputado disse, teve relevância, não pela circunstancia do próprio incidente em si, mas pela forma clara como mostrou que o Governo tinha medo e pânico em que o inefável Ministro Ângelo Correia fosse directamente confrontado com as perguntas que a oposição tem a fazer-lhe, e que certamente terá oportunidade de lhe fazer.
Portanto, Sr Deputado Silva Marques, não entrarei na apreciação das suas concepções teóricas sobre democracia, mas apenas lhe quero dizer, em resposta à apreciação que fez do conceito que eu da parte da manhã exprimi sobre democracia normal, que o Sr Vice-Primeiro-Ministro, Diogo Freitas do Amaral, teve a gentileza de me enviar um cartão escrito sobre esta concepção de democracia formal. Ora, desde que o Sr Vice-Primeiro-Ministro admite o socialismo, ao menos a titulo preambular, na Constituição, estou mais descansado, coisa que o Sr Deputado parece não ter admitido, porque mudou de partido e não sei se também mudou de ideias.
Quando falo em democracia formal, quero contrapor a democracia formal à democracia real, que é
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a democracia socialista. Isto é, no nosso entender não há democracia autêntica sem socialismo e também não há socialismo sem democracia autêntica, porque pensamos que o socialismo e a democracia se realizam no equilíbrio e na realização conjunta da democracia política, económica, social e cultural. Ora, o Sr. Deputado não entende assim, porque V. Ex.ª, invocando aqui a Rosa Luxemburgo entende que a democracia e apenas o direito de discordar. Não sei se o Sr.Deputado tem no seu partido esse direito, mas quero dizer-lhe que para nós a democracia não é apenas o direito de discordar porque a democracia e o direito ao trabalho, a saúde, a liberdade, ao pão, a dignidade e é também o direito a ser cidadão
Vozes do PS e do PCP: -Muito bem!
O Orador: - Isto é que e a democracia. Não é uma palavra abstracta, porque, tal como disse António Sérgio, e preciso criar as condições concretas da liberdade ou da democracia, que são o pão o trabalho e a saúde O Sr. Deputado tem da democracia um conceito completamento vazio e despojado de sentido pois para si e apenas o direito de discordar. Mais do que isso a democracia da AD a democracia que temos neste momento seja uma palavra sem adjectivos, não porque ela não tenha adjectivos, mas porque esses adjectivos não se devem usar neste local.
Aplausos do PS, do PCP, da ASDI e da UEDS.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques para responder, se assim o desejar.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Relativamente ao Sr. Deputado Lopes Cardoso, devo dizer-lhe que se nós fomos para as questões gerais, foi -e eu disse-o na tribuna - para utilizar rentavelmente o tempo parlamentar. O interpelante chegou com pobreza de factos.
O Sr. César de Oliveira (UEDS): -De quem é a culpa?
O Orador: - De quem é a culpa? O interpelante, em consequência da escassez, trouxe aqui á colação um mau exemplo de um tempo passado embora relativamente recente, que foi o caso do Estádio da Luz. VV. Ex.ªs e que têm dado as principais guinadas neste Parlamento, no sentido de o desprestigiar relativamente à perspectiva da dignificação da Estado.
Vozes do PSD:- Muito bem!
O Orador: - O Parlamento não é um tribunal e VV. Ex.ªs tem sido useiros e vezeiros no sentido de o transformar em tribunal...
Aplausos do PSD.
...ao ponto, e já não digo do julgamento sumaríssimo da polícia no Estádio da Lu/, em que nem sequer os principais interessados -e refiro-me aos benfiquistas, pois assisti do debate televisivo entre os dois candidatos a direcção do Benfica - condenaram a policia.
No entanto, VV. Ex.ªs, com a vossa intrepidez agilatória-parlamentarista chegaram aqui e disseram que a policia era condenada. Mas levaram isso ao extremo - reparem! - ao condenarem de uma assentada e em processo sumaríssimo, o Supremo Tribunal de Justiça. Portanto, e relativamente a esse vector do parlamentarismo que eu me refiro e que digo que é um mau caminho.
O Sr. César de Oliveira (UEDS): - Tenha vergonha, Sr. Deputado!
O Orador: - O interpelante que venha com factos que interessem para a questão e então discuti-los-emos.
Quanto a saber se considero ou não excessiva a definição do Sr Ministro relativamente a caracterização de uma situação, devo dizer-lhe que não me substituo ao Governo e também aí não corro atrás de VV. Ex.ªs, pois quem tem as condições para caracterizar uma situação é o Governo - até prova em contrário, acredito no rigor do Governo. Portanto, e a VV. Ex.ª que cabe fazer a prova de que o Governo não usou de rigor.
Ora, o que me preocupa, enquanto deputado, não é saber se o alarmismo foi ou não excessivo, mas sim que, estando ainda nos, no nosso país, a volta dessa questão fundamental que e o Estado, eu não vos vejo preocupados, não com excessos de alarmismo mas sim com o silêncio. O que é que VV. Ex.ªs pensam do silêncio dos conselheiros da Revolução, que foram tão diligentes em pedir explicações ao Governo, mas que não fizeram um pedido de explicações nem um comunicado publico ate este momento relativamente à resolução do Comité Central do Partido Comunista, que caracteriza como golpe de Estado o processo legal da revisão da Constituição.
Aplausos do PSD do CDS e do PPM.
Sr Deputado Lopes Cardoso, o Ministro Gastou Deferre não precisou de fazer caracterizações da situação política em consequência do grupo ecológico. E sabe V. Ex.ª porquê. Porque cada coisa está ligada a outra coisa e que o Ministro Gaston Deferre e o governo socialista em França não têm um Partido Comunista estalinista, como nós temos em Portugal e que e o factor de dificuldade a institucionalização do Estado democrático no nosso país. É, pois, preciso chamar as coisas pelo seu nome.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Deputado António Arnaut, é evidente que gesticulei e sorri na tribuna, tal como o faço aqui, e ainda bem que V. Ex.ª sorri e gesticula também, porque isso significa que somos convictos e entusiasmados em coisas que nos são queridas, sobretudo numa delas, que e na democracia.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, peço a palavra para formular um protesto.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Deputado Silva Marques
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acusou-nos de contribuirmos para o desprestígio da Assembleia da Republica
Penso que nau valo a pena argumentar contra tal discussão mas queria apenas dizer que não devolvo a discussão ao Sr. Deputado Silva Marques lenho uma confiança tão grande nas instituições parlamentares quo citou certo que elas resistirão a muita coisa, inclusivamente ao Sr Deputado Silva Marques
Aplausos da UEDS e dos Srs Deputados Antónia Arnaut do PS e Jorge Lemos do PCP
O Sr Presidente: - Tem a palavra o Sr Deputado Carlos Brito
O Sr Carlos Brito (PCP) - Sr. Presidente, Srs Deputados Peço a Assembleia que me desculpe a maçada que \ou dai por ter que fazer um protesto em relação a uma
afirmação caluniosa por pai te do Sr Deputado Silva Marques, mas e para que fique registado na acta da Assembleia da República
Ora, o protesto resume-se ao seguinte as palavras caluniosas que o Sr. Deputado Silva Marques costuma fingir ao PCP são um caso da sua consciência. Ele lá sabe por que faz assim.
Aplausos do PCP
O Sr Presidente: - Para uma intervenção tem a palavra o Sr Deputado César de Oliveira.
O Sr. César de Oliveira (UEDS - Sr. Presidente, Srs. Deputados. Sr Ministro Ângelo Correia. Ouvi, com a devida e serena atenção, a exposição com que V. Ex.ª nos brindou esta manhã V. Ex.ª - refugiou-se na teoria geral das forças de segurança e do terrorismo. Ora, devo desde já dizer-lhe que não tenho dúvidas em afirmar que estou de acordo na condenação do terrorismo e na sua prevenção não e por di que «vai o gato as filhoses», como se diz na minha terra
Em relação a sua intervenção, gostaria de fazer dois breves comentários
O primeiro de que, se o Sr Ministro Ângelo Correia fosse Ministro da Administração Interna na Espanha ou na Itália todos os dias, ou quase todos os dias vinha a televisão dizer «insurreição, tentativa de derrube da ordem democrática». Ora, que me conste nenhum Ministro em Espanha ou na Itália vêm a televisão, como V. Ex.ª veio - e já ía vamos daqui a um bocadinho a essa questão - , dizer que houve e que se esteve na presença de uma tentativa de derrube da ordem democrática
O segundo comentário e o seguinte consta-me - e julgo que e publico - que as autodenominadas «Força Populares do 25 de Abril» têm enviado para a imprensa comunicados e documentos que ate hoje nunca foram publicados V. Ex.ª veio aqui à Assembleia da Republica quase que institucionalizar as autodenominadas Forças Populares do 25 de Abril,
O Sr Sousa Marques (PCP) - Muito bem!
O Orador: - O que é grave, e eu atrevo-me a dizer-lhe que não é por acaso que V. Ex.ª faz essa institucionalização.
Aplausos da UEDS, do PS, do PCP e da ASDI
Sr. Ministro da Administração Interna, centrei a minha intervenção em três questões sobre as quais ainda estou a espera das respostas, e que são as seguintes - policia de segurança publica- segurança dos cidadãos, relacionamento de V. Ex.ª com o poder local e a sua atitude antes, durante e depois da greve geral do dia 12 de Fevereiro.
Vamos então analisar todas estas questões.
Em primeiro lugar, o relacionamento de V. Ex.ª com o poder local Em relação as juntas de freguesia do concelho do Sabugal - que me conste a maioria delas são do CDS e parece que o CDS tem umas coisas importantes a dizer acerca desta matéria - os subsídios concedidos ao abrigo do OGE por V. Ex.ª foram na freguesia do Soito, 4200 contos, na Aldeia da Ponte, 1500 contos, em Vale de Espinho, 1500 contos - todas elas do PSD Foi enviado um cheque de 4500 contos para a Misericórdia do Porto, com a específica indicação de ser entregue a uma dada junta de freguesia que é a AD/PSD Foram enviados cheques e subsídios para a freguesia da Ventosa do Bairro, no concelho da Mealhada, que e PSD/AD - confirmado aliás por oficio dirigido pelo MAI a Câmara Municipal da Mealhada
Aliás, há aqui outra coisa de espantar e que demonstra a tendência de V. Ex.ª para a precipitação. Sendo V. Ex.ª engenheiro Ângelo Correia, Ministro do MAI e, alem de só, deputado pelo circulo eleitoral de Aveiro, V. Ex.ª enviou um telegrama para o Luso assim endereçado «Câmara Municipal do Luso [ ]», quando toda a gente sabe que o Luso é uma junta de freguesia e nem sequei e uma Câmara Porque fez V. Ex.ª isso. É que isto inscreve-se na guerra que opõe à Junta de Freguesia do Luso a Câmara Municipal da Mealhada, que e socialista, a propósito do abastecimento de agua
Aplausos da UEDS do PS, do PCP, da ASDI e do MDP/CDE
Quanto às escutas telefónicas Sabemos que há algumas semanas o relatório elaborado pela Comissão Nacional de Telecomunicações está na posse do
Primeiro-Ministro Queremos o relatório publicado e divulgado, porque aqui não há segredo de Estado. Se há escutas telefónicas, queremos saber que entidades é que as fazem, quem as pratica, quem é o objecto das escutas telefónicas
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Sobre o GOE - Grupo de Operações Especiais V. Ex.ª sabe tão bem ou melhor do que eu que o GOE esta instalado numa quinta que existe em Belas, com sentinela à porta e com comandante nomeado, que e um oficial deficiente das Forças Armadas e que me dispenso de dizer o nome dele.
Que legislação e que criou o GOE Onde e que está a fundamentação legal da existência do GOE? É que Sr Ministro há indícios de que o GOE procede à recolha de informações, fotografa cidadãos estrangeiros e nacionais em Portugal e que até faz chantagem com as fotografias que tira
Sr. Ministro, quero ver estas perguntas aqui respondidas e não venha
responder-me a «alhos com bogalhos», pois nessa nós não vamos. É o Sr. Ministro que está em causa, é a sua actuação e a sua manipulação que está em causa.
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O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!
O Orador: - É isto o objecto da interpelação com os aspectos atinentes da segurança e do seu relacionamento com o poder local que estão em causa.
Já lhe conhecemos a sua propensão para a cambalhota súbita, para o gesto e para o rasgo pretensamente iluminado, mas não lhe conhecíamos a capacidade de ser menos verdadeiro. Sr. Ministro
V. Ex.ª disse hoje aqui que poderia ter havido um golpe de Estado. Ora, o que V. Ex.ª disse na televisão - e tenho aqui a prova - foi que houve uma tentativa para derrubar, a ordem democrática. Vamos ouvir.
Neste momento, o Sr. Deputado César de Oliveira (UEDS) apresentou à Câmara um leitor de «cassettes» com uma fita gravada com as palavras, propendas pelo Sr. Ministro Ângelo Correia na RTP.
O Sr. Presidente:- Oh, Sr. Deputado!
O Orador: - Não me «leva»,como aconteceu da outra vez Sr. Presidente. Estou no uso da palavra não admito qualquer interrupção;
Aplausos da UEDS, do PS do PCP, da ASDI e da UDP.
Se esta declaração é falsa, provem-mo, mas não admito ser interrompido por ninguém.
O Sr. Presidente: - Mas o Sr. Deputado não está a ser interrompido. Pode continuar no uso da palavra, mas só não sei para que é que serve esse dispositivo que apresentou à Câmara.
O Orador: - Não há nenhuma disposição regimental que me impeça de transcrever aqui por gravador as declarações que o Sr Ministro Ângelo Correia fez na televisão. Quero provar que o Sr. Ministro é mentiroso.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Portanto, vou ligar o leitor de cassettes: «A primeira, se era política, tinha uma configuração laboral. Esta segunda não tinha. Tinha já uma configuração de natureza subversiva, de natureza de derrube do Estado democrático.»
Aplausos da UEDS, do PS, do PCP, da ASDI, ao MDP/CDE e da UDP.
O Sr. Ministro da Administração Interna: - Exacto! Eu disse isso!
O Orador: - Ora, V. Ex.ª disse aqui na Assembleia que poderia ter havido um golpe de Estado e disse na televisão que houve uma tentativa de derrube. Portanto, V. Ex.ª está classificado.
Aplausos da UEDS, do PS, da ASDI, do MDP/CDE e da UDP.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - O Governo que mantém um Ministro destes não tem vergonha!
O Sr. Santana Lopes (PSD): - Sr. Pressente, peço a palavra para formular um protesto e também uma interpelação à Mesa.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Santana Lopes (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Deputado Lopes Cardoso acabou de dizer há pouco que o Parlamento Português será capaz de resistir a tudo. No entanto, não sei se todos, e todos formamos a instituição parlamentar, seremos capazes de continuar a resistir à falta de nível que se verifica por parte de certo Srs. Deputados.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
Já aquando do debate da moção de censura apresentada pelo Partido Socialista assistimos a espectáculos bem deprimentes e que é pena que a Mesa continue a autorizar. Ora, estar aqui presente um membro do Governo, que democraticamente aqui está para responder à interpelação de um partido da oposição, e ser insultado ...
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Mentiroso não é um insulto!
Uma voz do PSD: - Mentiroso é você!
O Orador: - Sr. Presidente, peço o favor de chamar a atenção para que sejam acalmados o» Srs. Deputados da oposição.
O Sr. Presidente: - Peço aos Srs. Deputados o silêncio necessário para o orador se exprimir Faça o favor de continuar, Sr. Deputado.
O Orador: - O que pode estar aqui em causa tal como disse o Sr. Deputado Silva Marques - é demonstrar se aquilo que foi dito ao País pelo Sr. Ministro da Administração Interna corresponde ou não à realidade dos factos Compete à oposição, concretamente ao partido interpelante, demonstrar se o Sr. Ministro exagerou eu manipulou ou fez aquilo que eles muito bem entenderem
Todavia, quando os deputados são tão ciosos da sua dignidade e protestam de cada vê? que algum adjectivo que eles consideram menos próprio utilizado, acho que a Mesa não pode consentir que os membros do Governo que vêm aqui sentar-se para democraticamente responder às perguntas que são colocadas pelos deputados da oposição sejam ofendidos, caluniados e enxovalhados por uns senhores que não sabem o que é o nível parlamentar.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
Isto está a assumir uma tal dimensão que, sinceramente, não sei como será possível manter um determinado tipo de diálogo democrático no seio desta Assembleia. É muito bom e salutar que as ideias sejam discutidas, que métodos de actuação sejam debatidos, mas o respeito humano - já não digo o respeito político - é algo de que nós temos, de ser sempre os primeiros a dar o exemplo; e principalmente o Sr. Deputado César de Oliveira está a ser useiro e vezeiro em faltar ao respeito aos outros. Ora, se o Sr. Deputado quer que nós o respeitemos, tem que respeitar, em primeiro lugar, os seus adversários, pois é isso que nós exigimos.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
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O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado César de Oliveira.
O Sr. César de Oliveira (UEDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não vou responder ao protesto formulado pelo Sr. Deputado Santana Lopes, porque julgo que o protesto foi mais dirigido para quem na televisão diz uma coisa e no Parlamento diz outra.
Vozes da UEDS, do PS e do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Contudo, queria dizer duas ou ires coisas ainda sobre o tema da interpelação e também como forma de esclarecimento a V. Ex.ª, Sr. Deputado.
A questão do detido em Albergaria-a-Velha, que é citada na transcrição que aqui fiz resume-se a que, o detentor do armamento estava a mais de 200 km de distância do local onde foram encontradas as armas que estavam fechadas num armário. Sobre o ferimento do comissário da PSP em Guimarães, o autor do disparo que feriu o comissário era cobrador de um autocarro que furou a greve. Ora, tudo isto foi referido na intervenção televisiva do Sr. Ministro Ângelo Correia.
Vozes do PCP: - É verdade!
O Orador: - Quanto ao elemento da GNR atropelado, nos dois últimos anos foi o quinto elemento da GNR morto por atropelamento em consequências de actos de desobediência em operações stop. Não me consta que o Sr. Ministro Ângelo Correia tenha dito que em todos estes casos tenha havido tentativa de derrube da ordem democrática.
No caso de Ermidas do Sado, o que fez o autor do atropelamento? Fugiu ou disparou armas, como faria qualquer insurrecto? Não! Parou, voltou para trás e entregou-se às autoridades. No entanto, na televisão, o Sr. Ministro incluiu isto como uma prova de actos terroristas, subversivos e insurreccionais, para legitimar e justificar a tentativa de derrube democrático.
Mais, o Sr. Ministro na televisão nunca utilizou o verbo no condicional, enquanto que aqui o utiliza. Portanto, limitei-me a dizer que das duas uma: ou o Sr. Ministro mantém o que disse na televisão, ou não mantém. Se não se pronuncia sobre isso, tenho que concluir que o Sr. Ministro é mentiroso. Se retira o que disse na televisão, pergunto por que é que o disse. Se só se atém àquilo que diz aqui, então por que é que foi para a televisão fazer todo aquele escarcéu, utilizar aquele, é inqualificável aquilo que o Sr Ministro fez na televisão. Já dizer um palavrão, mas não vale a pena...
O Sr. Presidente: - Também acho que é melhor que não diga, Sr. Deputado.
Risos.
O Orador: - Isso queria o Sr. Ministro, mas nessa não caio. Para palavrões já chegam aqueles que utilizou na RTP no dia 13 de Fevereiro.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Santana Lopes (PSD): - Sr. Presidente, não sei se tenho a possibilidade regimental de fazer um pedido de esclarecimento que há pouco me -passou ao Sr. Deputado César de Oliveira.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, nesta altura não me parece que o possa fazer, mas penso que não lhe faltarão oportunidades para isso.
Srs. Deputados, pelo que me informam na Mesa, a seguir à intervenção do Sr. Ministro da Administração Interna inscreveram-se para formular pedidos de esclarecimento os Srs. Deputados Carlos Brito. Sousa Marques, Manuel Lopes. Jorge Lemos, Herberto Goulart. Mário Tomé e Veiga de Oliveira.
Portanto, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.
O Sr. Carlos Brito (PCP):- Vou fazer um conjunto de pedidos de esclarecimento e alguns comentários adicionais a que espero que o Sr. Ministro não deixe de responder, uma vez que fiquei bastante surpreendido pelo facto de V. Ex.ª não ter tomado a palavra para responder às questões que acabam de ser colocadas pelo Sr. Deputado César de Oliveira.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Querendo fugir às questões concretas que lhe foram colocadas pelo partido interpelante -e podemos mesmo dizer às questões concretas que lhe são colocadas pelo País, algumas vezes com um sorriso nos lábios ou a rir abertamente às gargalhadas - o Sr. Ministro da Administração Interna preferiu fazer teorização acerca do comportamento do Governo e das calúnias que o Governo lançou sobre o movimento dos trabalhadores, a Intersindical, o PCP e outras forças democráticas que apoiaram a grandiosa greve geral do dia 12 de Fevereiro.
Risos do PSD, do CDS e ao PPM.
A nosso ver, o resultado foi, pura e simplesmente, arrepiante, apesar dos largos cortes que foram introduzidos no texto por mão mais avisada do que a do Sr. Ministro da Administração Interna.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Falemos, em primeiro lugar, do apreço e respeito pela missão das forças de segurança, no quadro da afirmação da legalidade democrática. Someis os primeiros a querer fazê-lo, quando neste debate o Grupo Parlamentar do PCP usa pela primeira vez da palavra. Reconhecemos e temos apreço pela missão das forças de segurança, no quadro da afirmação da legalidade democrática.
No entanto, quem não parece tê-lo é o Governo, é o próprio Ministro da Administração Interna, que ousou desmentir o comandante-geral da Polícia de Segurança Pública ao reconhecer, no fim do dia 12 de Fevereiro, que tudo era normal. Foi o Sr. Ministro que posteriormente vem a pôr em causa esta afirmação.
É ainda o Governo que desrespeita as forças de segurança ao tentar manipulá-las num sentido partidário, ao tentar governamentalizá-las no sentido que e contrário aos interesses da segurança e da tranquilidade democráticas. Portanto, é o Governo que, por esta maneira, retira o crédito e a confiança de
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que as forças de segurança devem gozar na consciência de cada cidadão isto é uma indicação muito precisa do que fana uma tal força política como a que está no Governo se. na verdade, tivesse sob o seu poder as forças armadas.
Sr. Ministro da Administração Interna e Srs. Deputados: Não é a questão do estatuto das forças de segurança que aqui está em causa, e isso é assunto que discutiremos quando se entender adequado. O que está em causa e o comportamento do Genuíno e o desrespeito deste pelos direitos dos cidadãos, dos trabalhadores, do povo português em geral e também pelos partidos e forças democráticas o desrespeito do Governo pelas torças da oposição e pela maneira como os trabalhadores e o povo em geral fazem oposição ao Governo.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Apela o Sr. Ministro para que não nos alheemos do terrorismo. E quem o faz? Pela nossa parte não nos temos cansado de reclamar dos sucessivos governos e também deste que averigue até ao fim o fenómeno do terrorismo, não esquecendo o que se passou em 1975, em 1976 e posteriormente. É essa a reclamação que fazemos ao Governo.
Portanto, não tem sido da nossa parte - que fomos e temos sido, entre outros, das principais vítimas do terrorismo - que se verifica a tentativa de esconder esse fenómeno.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Mas entre isto e a opção terrorista que o Sr. Ministro da Administração Interna aqui trouxe à Assembleia da República há uma diferença fundamental O Sr. Ministro agita o «papão» do terrorismo para justificar uma intervenção autoritária ou repressiva do Governo não sobre os terroristas, nem sobre as organizações terroristas, mas sim sobre os cidadão e os trabalhadores em luta.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - E é assim que. apesar dessa opção, o Sr. Ministro nada nos esclareceu acerca de uma afirmação que fez. Diz ele que já em Janeiro havia factos que indiciavam que em Fevereiro se iriam produzir actos subversivos Era. pois. importante que o Sr Ministro tu esse esclarecido quais os factos que indiciavam. Foi um plenário de sindicatos que marcou uma greve geral para o dia 12 de Fevereiro?
Era bom que o Sr. Ministro falasse muito claramente, pois não se encontra à mesa do cale nem na Brasileira, mas sim na Assembleia da República Está perante um órgão de soberania e deve falar claro. Portanto, não deve insinuar, mas sim fundamentar aquilo que afirma.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Também é muno curiosa a maneira como o Sr. Ministro passa como gato por brasas pelo único fenómeno de natureza terrorista que parece ter-se verificado no dia 12 de Fevereiro e que diz respeito ao tal carro encontrado no Parque Eduardo VIL Por que não fornece a Assembleia da Republica mais pormenores a respeito disso?
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - É sabido que foi apanhada uma cassette que dizem ter uma proclamação Qual era o texto da proclamação? Essa era uma informação indispensável para que se pudesse ajuizar do que se Passou - esperamos que o Sr Ministro não deixe de dar essa informação.
Ora o Sr. Ministro, que vem para aqui enaltecer o perigo do terrorismo e o perigo das chamadas FP-25, deveria fornecer à Assembleia da Republica outros elementos acerca dele e da actuação do Governo.
Será a isso que o Sr. Ministro chamou - e fazendo um gesto - uma situação insurreccional? Convinha que o Sr. Ministro aclarasse esse aspecto para abandonar a linguagem equívoca que persiste em utilizar.
do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Era bom agora irmos aos factos concretos O Sr. Ministro pediste em considerar factos indiciadores de insurreição, do tal derrubamento do regime democrático, os fósforos, os pregos, os furos o pinheiro de pequeno porte? O Sr. Ministro insiste em considerar factos indiciadores de comprometimento do movimento grevista de 12 de Fevereiro o incêndio da escola de Setúbal, que se sabe por quem foi provocado Insiste em considerar como também estando ligado ao movimento grevista o atropelamento de uma praça e de um cabo da GNR? Com que justiça faz o Sr. Ministro uma tal acusação a um cidadão que por toda a informação que se tem é honrado, que se entregou às autoridades, que vai ser julgado? Não é isto o uso extremamente abusivo de poder para esmagar um cidadão indefeso e apenas com objectivos meramente partidários, de manipulação partidária da opinião pública?
Vozes do PCP e da UDP: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Ministro, quais são as coincidências que existem, e em que
V. Ex.ª insiste, entre o movimento grevista e os factos terroristas?
V. Ex.ª diz a certa altura da sua intervenção que «desde há cerca de cinquenta anos não se realizava qualquer tentativa de greve geral, facto esse que os respectivos organizadores e potenciais utilizadores sempre exaltaram como uma acção decisiva de rotura do regime». Aponte uma só palavra de um só comunicado dos organizadores e das forças políticas que apoiaram a greve onde esteja contida essa ideia da rotura do regime. Para quê estas maquinações? Para quê estas falsidade? Que é que os senhores pretendem com isso?
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Numa das alturas em que estive preso circulava entre Os presos uma famosa acusação da PIDE a um rapaz, agente técnico, que tinha sido preso por aquela aluna. Encontraram-lhe, entre outras coisas, 3 envelopes comerciais e então a PIDE montou - e isso está escrito - sobre esses 3 envelo-
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pes comerciais a seguinte acusação: «Foram-lhe, também, apanhados 3 envelopes comerciais vazios, em tudo iguais aos que os funcionários do partido usam para guardar os materiais subversivos.»
Risos do PCP.
A insurreição do Sr. Ministro Ângelo Correia é assim. Mas, tal como a PIDE não fazia isto apenas para contar uma história, os senhores também não montaram a insurreição apenas para contar uma história,...
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - ... mas para criar a base da acusação, da perseguição e da repressão dos dirigentes sindicais, da CGTP, do PCP.
Aplausos do PCP e da UDP.
Não quis nem quero dizer gratuitamente o que é que isto mas todos aqui na Assembleia da República sabem quem e que se comporta assim, e sabem como isto é o princípio do rascismo.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Srs. Ministros, Srs. Deputados: Em relação à comunicação social, é ou não verdade que o Sr. Ministro Ângelo Correia esteve em comunicação directa com a RDP e que impediu a publicação de comunicados da Inter? Como é que o Governo explica a proibição da entrevista do dirigente sindical e deputado eleito, que não está actualmente na Assembleia da República, Kádilas Barreto? Porquê tantas calúnias sobre os dirigentes da Inter, do PCP e depois todas estas medidas de silêncio para que não pudessem explicar ao Pais que estavam a ser ferozmente caluniados?
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Qual era a intenção? Não é a mesma intenção de arranjar a base para as condenações e para as perseguições?
Vozes do PCP: -Muito bem!
O Orador: - Só que, Srs. Membros do Governo, a democracia portuguesa e muito mais forte do que aquilo que os senhores, em conjunto, ou o Sr. Ministro Ângelo Correia julgaram e não vai assim tão facilmente. De facto, os senhores tem pela frente democratas decididos, um movimento operário valente e um povo inteiro que não quer voltar ao 24 de Abril.
Aplausos do PCP e do MDP/CDE.
Muito ao contrário do que foi afirmado no seu discurso, Sr. Ministro da Administração Interna, os senhores confundem oposição com subversão. Em cada uma das suas palavras -leia o seu texto com atenção - está isso implícito. Para vocês, a oposição é um caso de polícia, é um caso de segurança do Estado.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Conhecemos isso muito bem e, por isso mesmo, lemos o dever de denunciá-lo perante a opinião pública e perante os deputados da Assembleia da República, pois talvez muitos dos que aqui estão não tenham para estas coisas a sensibilidade que nós por fatalidade, temos.
É por os senhores confundirem oposição com subversão quo se comportaram como se comportaram no dia 12 de Fevereiro em relação à luta dos trabalhadores. Mas é também por isso que esta ó uma questão muito clara para ficar demonstrado perante o País que entre a AD e o regime democrático não há conciliação possível. A AD está a mais nas instituições democráticas e é por isso que é claramente justo e legítimo, se outras razões não houvesse, que este governo seja demitido e que a Assembleia seja dissolvida, para dar lugar a uma nova maioria que permita que em Portugal exista um governo democrático capaz de concretizar plenamente os ideais libertadores do 25 de Abril.
Aplausos do PCP e do MDP/CDE.
O Sr. Presidente: - O Sr. Ministro pretende responder já ou no final de todos os pedidos de esclarecimento?
O Sr. Ministro da Administração Interna (Ângelo Correia): - Sr. Presidente, se V. Ex.ª me permite, responderei ao conjunto das perguntas que me foram formuladas no tempo próprio que eu decidir.
Vozes do CDS: - Muito bem!
Vozes do PCP: - Não tenha medo! Seja corajoso!
O Sr. Lemos Damião (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para formular um pedido de esclarecimento.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, pedir um esclarecimento a um pedido de esclarecimento é um bocado estranho e penso que não é regimental.
O Sr. Lemos Damião (PSD): - Sr. Presidente, creio que é regimental, porque era um pedido de esclarecimento sobre a intervenção do Sr. Deputado Carlos Brito, já que fiquei confuso e gostaria de ser esclarecido.
Caso não possa usar a figura do pedido de esclarecimento, peço a palavra para um protesto.
O Sr. Presidente: - Um protesto pode fazer, Sr. Deputado.
O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, considero que o Sr. Deputado do PSD tem todo o direito de formular um pedido de esclarecimento, porque nós estamos em face de uma intervenção. Foi decidido que não havia pedidos de esclarecimento ao Sr. Ministro da Administração Interna e, portanto, os deputados que se tinham inscrito fariam uma
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intervenção como entendessem, mas era uma intervenção. Agora, pedidos de esclarecimento 1 ou 2 horas depois da intervenção e depois de a Assembleia ter decidido que não havia pedidos de esclarecimento é que não têm qualquer sentido. Pergunto em que regime é que estamos a funcionar nesta Assembleia. É o do puro arbítrio?
Estamos perante uma intervenção do Sr. Deputado Carlos Brito e o Sr. Deputado do PSD tem toda a legitimidade para fazer os pedidos de esclarecimento que entender. Não estamos perante um pedido de esclarecimento feito depois que a Câmara ter recusado essa figura regimental e 2 horas depois da intervenção do Sr. Ministro.
O Sr. César de Oliveira (UEDS): - Muito bem!
O Sr. Presidente: - A informação que tenho não e coincidente com a do Sr. Deputado. É evidente que os pedidos de esclarecimento, por parte do Sr. Deputado Carlos Brito, foram extensos, mas temos acordado sempre que nestes debates com tempos globais não fixamos o tempo para os pedidos de esclarecimento.
Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, sou da opinião do Sr. Deputado Lopes Cardoso.
De facto, foi tomado pela Câmara que os nossos pedidos de escurecimento seriam feitos no lugar de uma intervenção. Portanto, considero uma intervenção aquilo que acabei de formular e estou disponível para responder aos protestos e aos pedidos de esclarecimento que me forem solicitados.
O Sr. Presidente: - Agradeço a informação do Sr. Deputado Carlos Brito. Houve aqui, certamente, um mal-entendido e a Mesa terá que reordenar, respeitando todas as inscrições, as intervenções que os Srs. Deputados pretendem fazer.
Está a correcção feita e os outros Srs. Deputados estarão nas mesmas circunstâncias.
Tem a palavra o Sr. Deputado Lemos Damião para formular pedidos de. esclarecimento.
O Sr. Lemos Damião (PSD): - Sr. Deputado Carlos Brito, na sua intervenção, que procurei ouvir com a máxima atenção, V. Ex.ª fez algumas afirmações com as quais de maneira alguma posso estar de acordo, relacionando-as com os dados que possuo.
V. Ex.ª referiu-se aos resultados da greve do dia 12 de Fevereiro, dizendo que o Governo ficou preocupado e transtornado e daí é que vieram as afirmações do Sr. Ministro, na medida em que elas foram um resultado -positivo para as forças que provocaram essa greve geral.
Ora quero dizer-lhe que na minha região, nomeadamente no distrito de Braga, isso motivou que as empresas tivessem que servir-se da imprensa para dar resultados concretos, reais e objectivos, que, de algum modo, eram coincidentes com os resultados que a Inter tinha anunciado. Mas na próxima semana nós daremos esses resultados.
No entanto, queria perguntar a V. Ex.ª se é ou não verdade que houve pessoas que provocaram as forças da ordem, desobedecendo-lhes. criando agitação, provocando quem. queria trabalhar e evitando mesmo que os trabalhadores fossem trabalhar.
Queria perguntar-lhes se é ou não verdade que as forças da ordem, para proteger esses trabalhadores, foram insultadas, provocadas e agredidas, fazendo-se os provocadores de vítimas, filmando a actuação da PSP desvirtuando as imagens, pois só filmavam a sua actuação como negativa e repressiva. É ou não é verdade, Sr. Deputado?
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Portugal da Silveira.
O Sr. Portugal da Silveira (PPM): - Sr. Deputado Carlos Brito, ouvi a sua intervenção, onde repisou tudo aquilo que já foi dito nesta Câmara desde o dia 12 de Fevereiro e até mesmo muito antes, naturalmente com a habilidade e a inteligência que todos lhe reconhecem e que não vou discutir.
Todavia, notei na sua intervenção uma afirmação que considero, de facto, de maior gravidade. Disse o Sr. Deputado que a AD está a mais na democracia portuguesa.
Bom, Sr. Deputado, quero dizer-lhe que era assim que o Sr. Dr. Salazar, na sua democracia dita orgânica, considerava, por exemplo, o Partido Comunista, que era assim que o Sr. Prof. Marcelo Caetano na sua democracia dita social, considerava, por exemplo, o Partido Comunista, e não só, obviamente.
Sr. Deputado, quando na democracia portuguesa houver gente, partidos ou forças políticas que estão a mais, ainda que essas forças ou partidos sejam o próprio Partido Comunista, eu direi: mal vai a democracia na nossa terra.
Penso que a garantia da minha própria liberdade é a liberdade do Sr. Deputado. Enquanto o Sr. Deputado for livre, enquanto for livremente comunista eu considerar-me-ei um homem livre na minha terra!
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Pois bem, eu prezo a liberdade do Sr. Deputado porque entendo que ela é, de facto, a minha própria - liberdade. Por isso, protesto veementemente contra a afirmação de que a Aliança Democrática ou qualquer outra força política possa estar, algum dia, a mais na democracia da nossa terra.
Aplausos do PPM, do PSD e do CDS.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito para responder, se assim o desejar.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar quero agradecer as perguntas que me fizeram pela oportunidade que me dão de tornar mais preciso o meu pensamento a propósito das questões levantadas.
Em relação à greve, se o Sr. Deputado Lemos Damião quer atacar a greve do ponto de vista económico, dir-lhe-ei que a comparação que podemos fazer entre o nosso país que não teve greves durante meio século e os países que as tiveram nesse meio século é que nós lucramos com isso meio século de atraso! Isto em relação ao plano económico!
A Sr.ª Alda Nogueira (PCP): - Muito bem!
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O Orador: - Quanto ao sucesso da greve, veremos em face dos resultados que o senhor apresentar. Discutiremos essa questão no concreto.
Em relação ao protesto feito pelo Sr. Deputado Portugal da Silveira, agradeço-lhe as suas considerações, além do seu pedido. Aliás, fez considerações que subscrevo plenamente.
A relação que o senhor estabeleceu entre a sua liberdade pessoal e a liberdade dos outros é uma afirmação que subscrevo totalmente.
No entanto, quero dizer-lhe que, de facto, repisei muitas coisas, mas creio que com grande insucesso. Vai ver quais serão as respostas do Sr. Ministro Ângelo Correia!
Na verdade, o País inteiro diz muito do que eu disse hoje aqui desde 12 de Fevereiro e o Sr. Ministro veio aqui repor praticamente tudo o que disse, não os factos concretos, mas a ideologia e a concepção geral que afirmou na noite de 13 de Fevereiro.
Quanto às duas questões que o Sr. Deputado Portugal da Silveira levantou e que motivaram o seu protesto, quero dizer-lhe que - e, se não o afirmei exactamente, era isto que eu queria dizer, o registo a«-sim o provará - o que eu queria dizer é que não há conciliação possível entre a AD e o regime democrático e que este governo está a mais
Neste momento, o Sr. Deputado Portugal da Silveira conversa com um seu colega de bancada.
Sr. Deputado Portugal da Silveira, estou a responder à sua questão concreta.
O Sr. Portugal da Silveira (PPM): - E eu estou a ouvir!
O Orador: - Não disse que a AD está a mais no País. Disse que a AD está a mais no Governo da República.
Protestos do PSD, do CDS e do PPM.
Não protestem! Se não foi exactamente isto que eu disse, é isto que penso e que quero dizer, é isto que repetidamente tenho afirmado. É esta a minha posição!
Outra afirmação que fiz, foi a de que a AD é inconciliável com o regime democrático.
Foram estas as afirmações que fiz, que não tem nada de antidemocrático. É um julgamento político que mantenho, porque é justo e porque na hora presente há a necessidade de substituir este governo para felicidade de todos nós, incluindo dos Srs. Deputados da maioria.
Aplausos do PCP e do MDP/CDE.
O Sr. Presidente: - Inscreveram-se os Srs. Deputados Leonel Santa Rita, Carlos Robalo e Sousa Tavares, suponho que para protestarem.
Tem a palavra o Sr. Deputado Leonel Santa Rita.
O Sr. Leonel Santa Rita (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pedi a palavra para protestar em face da primeira intervenção do Sr. Deputado Carlos Brito.
O Sr. Carlos Brito afirmou que o Sr. Ministro teria ofendido todos os dirigentes sindicais na sua intervenção.
Ora, o Sr. Deputado Carlos Brito meteu no mesmo saco os dirigentes sindicais, a Intersindical e o PCP. Mas esse problema é dele e não tenho nada a ver com isso.
No entanto, como dirigente sindical, embora com esse mandato suspenso, não posso aceitar que o Sr. Deputado faça um alargamento tão extensivo que possa abranger todos os dirigentes sindicais. ...
O Sr. Manuel Lopes (PCP): - Ah, o senhor está com o Ministro!
O Orador: - Calminha! Calma aí, que quando tu falares eu calo-me!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, é favor moderar a sua linguagem. Faça favor de continuar.
O Orador: - É certo que cada sindicato tem os dirigentes que quer, mas de qualquer maneira, quer queiram quer não, e embora seja muito doloroso para vocês, existem neste momento 2 centrais sindicais. E uma das centrais, com todo seu corpo, constituído pelos dirigentes da UGT e os dirigentes dos sindicatos que o compõem, não aderiu à greve e não pode ser englobada nas palavras do Sr. Deputado Carlos Brito de que todos os dirigentes sindicais se sentem ofendidos.
Pessoalmente, eu não me sinto ofendido!
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito para responder, se o desejar.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Deputado, é apenas uma questão de leitura. O Sr. Deputado ouviu mal o que eu disse, mas depois, quando ler a minha intervenção, verá que não tinha razão para protestar.
Não disse todos os trabalhadores, não disse todos os sindicatos, disse trabalhadores, sindicatos, CGTP-Intersindical, PCP. Ora, isto chama-se uma enumeração, não é meter tudo no mesmo saco. Sr. Deputado Leonel Santa Rita, o que eu fiz foi enumerar as várias componentes que apoiaram e estiveram em greve.
O Sr. Leonel Santa Rita (PSD): Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?
O Orador: - Faça favor.
O Sr. Leonel Santa Rita (PSD): - Mas deu-me a impressão de que se referiu à reunião em que foi decidida a greve geral e essa reunião foi feita com dirigentes sindicais.
Peço-lhe que reveja a afirmação que fez porque a minha é verdadeira.
O Orador: - Bem, eu referi-me a um encontro, a uma reunião de sindicatos e não tenho nada a retirar ao que disse, porque isso foi o que de facto se passou. Aliás, essa reunião foi muito numerosa e foi por isso que a greve foi muito potente.
Risos do PSD.
O Sr. Presidente: - Também para um protesto, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Robalo.
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O Sr. Carlos Robalo (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Começo por fazer uma felicitação e depois farei um protesto.
A felicitação prende-se com o reconhecimento público do Sr. Deputado Carlos Brito de que as ditaduras não geram progresso.
De facto, o Sr. Deputado Carlos Brito prestou justiça à democracia e claramente às democracias ocidentais.
Portugal não está 50 anos atrasado mas apenas alguns anos, está atrasado precisamente o mesmo do que estão atrasados os países de Leste que tem ditaduras, que estão em situação de bancarrota, estão praticamente numa situação de insolvência!
Portanto a minha felicitação pela coragem do Sr. Deputado Carlos Brito que, ainda que por omissão, reconheceu que a sua ditadura, a ditadura que ele preconiza, também não provoca o desenvolvimento, não resolve os problemas dos povos. As minhas felicitações por isso! O meu protesto baseia-se no seguinte: Sr. Deputado Carlos Brito, compreendo que devido à sua maneira de estar na política, a doutrina que perfilha e defende, não possa entender, de forma nenhuma, que uma força política votada maioritariamente por um povo. em liberdade, tenha lugar num regime democrático e seja ela. por vontade expressa desse povo, a defensora do regime democrático.
Compreendo, assim, por que é que o Sr. Deputado faz da democracia a leitura da votação de 99.9% de votos nos candidatos escolhidos, de candidatos únicos, de um partido único, de uma política única, ao fim e ao cabo. do único, de unicidade, ao fim e ao cabo, da falta de liberdade e de democracia!
Muito obrigado, Sr. Deputado Carlos Brito, por nos ter permitido que fique registado nesta Câmara o seu pensamento quanto ao conceito de democracia e desenvolvimento e quanto à maneira de conseguir esse desenvolvimento.
Aplausos do CDS, do PPM e de alguns deputados do PSD.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito para responder, se assim o desejar.
O Sr. Carlos Brito (PCP). - Sr. Presidente, Srs. Deputados Surpreende-me um bocado o estilo deste protesto do Sr Deputado Carlos Robalo, porque ele é um dos deputados do CDS que é capaz de discutir problemas nacionais!
O Sr. Carlos Brito (CDS): - E outros!
O Orador: - Já temos tido aqui bravas discussões acerca de problemas concretos do nosso país.
Porém, quanto a esta questão da greve, ele não está à vontade, como se vê, e então teve que falar de cá, como várias vezes tenho referido.
O Sr. Carlos Robalo (CDS): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?
O Orador: - Sr. Deputado, tenho muito pouco tempo, estão aqui constantemente a chamar-se a atenção.
O Sr. Carlos Robalo (CDS): - Sr. Deputado, não confunda. Não falei da greve, falei em desenvolvimento económico, aproveitando a afirmação que V. Ex.ª fez e quo, naturalmente, o registo reproduzirá, copiando e utilizando a sua expressão.
Referi-me efectivamente à sua concepção de democracia, mas não falei em greve, Sr. Deputado. Não confundamos!
O Orador: - Sr. Deputado, está a ouvir mal, está com problemas de ouvido!
Sublinhei que o Sr. Deputado não tinha falado na greve, porque se sente pouco à vontade nessa matéria, para alem de não estar de acordo com a maneira como o Sr. Ministro Ângelo Correia vê esse fenómeno.
Admito que seja assim porque o Sr. Deputado já tem duo algumas coisas que podem levar a esta conclusão.
Mas vamos à questão concreta da nossa posição relativamente ao Governo, relativamente à AD e ao facto de o Sr. Deputado dizer que a maioria ó uma maioria eleita.
Nós não pretendemos afastar o Governo e pôr termo a cita maioria por qualquer meio que não seja democrático e legítimo.
Vozes do PSD: - Vê-se!
O Orador: - O que pretendemos e reclamamos é que se façam eleições gerais, o que pretendemos é que se dê oportunidade ao povo de ajuizar de novo. Portanto, o Sr. Deputado pode ver que, em matéria de democracia, vai ter muito que aprender connosco, e isto não será por acaso!
Risos do PSD, do CDS e do PPM.
É que nós andamos nas batalhas pela democracia há muito mais tempo!
Aplausos do PCP.
O Sr. Manuel Lopes (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Manuel Lopes, para que efeito deseja usar da palavra?
O Sr. Manuel Lopes (PCP): - Para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente:- Tenha a bondade, Sr. Deputado.
O Sr. Manuel Lopes (PCP): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Leonel Santa Rita referiu-se à minha pessoa em termos que eu considero menos dignos desta Assembleia.
Penso que o Sr. Presidente deve tomar providências, sob pena de eu, como deputado desta Assembleia, passar a tratar o Sr. Deputado Leonel Santa Rita da mesma forma como ele se referiu a minha pessoa.
Por isso agradeço que o Sr. Presidente tome as providências necessárias, porque já não é a primeira vez que nesta Câmara o Sr. Deputado Leonel Santa Rita tem atitudes como esta.
Agradeço que o Sr. Presidente tome a atitude que deve para com o Sr. Deputado Leonel Santa Rita
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no sentido de o chamar a atenção para o tratamento que e devido aos deputados nesta Câmara, independentemente de qualquer tratamento de favor, sob pena de eu ter uma atitude semelhante para com qualquer Sr. Deputado aqui dentro e depois, naturalmente o Sr. Presidente não gostará.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, normalmente eu não intervenho em questões pessoais entre os Srs. Deputados, nem considero este incidente como tal.
Em relação ao Sr. Deputado Leonel Santa Rita, como em relação a qualquer outro Sr. Deputado, é evidente que peço, agradeço e sugiro que se usem termos correctos e à altura do ambiente em que estamos. Mas, confesso que sendo certo que chamei a atenção do Sr. Deputado Leonel Santa Rita para uma determinada forma de expressão que ele estava a usar e que abandonou não me lembro de ele se ter referido expressamente ao Sr. Deputado Manuel Lopes.
O Sr. Manuel Lopes (PCP): - Sr. Presidente, dá-me licença que o interrompa?
O Sr. Presidente: - Com certeza.
O Sr. Manuel Lopes (PCP): - - O Sr. Deputado Leonel Santa Rita tratou-me por tu. Eu não conheço o Sr. Deputado de nenhum lado, a não ser desta Câmara, e como tal exijo dele o tratamento que é devido a qualquer deputado.
Não estou a pedir nada que não seja regimental e o Sr. Presidente não pode deixar passar isto em claro, tem que tomar a atitude que deve neste momento.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, foi precisamente nessa altura que eu adverti o Sr. Deputado Leonel Santa Rita, para não usar este tipo de linguagem. Penso que toda a Câmara ouviu.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros.
O Sr. Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros (Marcelo Rebelo de Sousa): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Começarei a minha intervenção por uma saudação à UEDS, pela iniciativa que teve de fazer esta interpelação ao Governo, demonstrando em boa parte das suas intervenções, nomeadamente na intervenção inicial, uma preocupação de seriedade e permitindo a abertura de um debate parlamentar acerca da questão fundamental da segurança interna do Estado.
Esta interpelação, que corresponde ao exercício de um direito constitucional e regimental dos grupos parlamentares, respeita, como dizia, a uma questão essencial da política global do Governo, da política global de qualquer executivo - até porque se relaciona com o travejamento básico do regime político democrático e se prende com uma verdadeira questão de regime.
É a Constituição que nos rege que consagra o conceito de Estado de direito democrático que na óptica dos partidos componente da Aliança Democrática, não se reduz no texto da Constituição a uma mera democracia política, mas se completa pelos conceito, de democracia económica, social e cultural.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - E as componentes jurídico-políticas cio conceito de Estado de direito democrático todos as conhecemos.
É o acolhimento cios direitos, liberdades e garantias, a sua interpretação e integração de acordo com a Declaração Universal dos Direitos do Homem; o regime da sua salvaguarda, de acordo com o artigo 18.º da Constituição: o carácter excepcional das soluçou!» de suspensão do seu exercício: o acesso de todos os cidadãos aos tribunais para defesa dos seus direitos: o direito de residência individual previsto nos casos dos artigos 20.º, n.º 2., e 106.º, n.º 3.
É também o princípio da divisão de poderes ... separação e interdependência dos órgãos de soberania.
É ainda a reserva aos tribunais da função jurisdicional, a sua independência, a obrigatoriedade das decisões, a proibição de tribunais com competência exclusiva para o julgamento de certas categorias de crimes, a inamovibilidade e irresponsabilidade dos juízes.
Outro princípio fundamental do Estado de direito é o da constitucionalidade das leis e do? demais actos dos órgãos de Estado, das regiões autónomas e do poder local. A subordinação dos órgãos e agentes administrativos à Constituição e à lei, o direito dos cidadãos à informação pela administração do andamento dos processos que directamente lhes respeitam, o direito de recurso contencioso.
Finalmente, a responsabilidade do Estado e demais entidades públicas, derivada da violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízos de outrem, por força de acções ou omissões de órgãos, funcionários ou agentes no exercício das suas funções ou por causa desse exercício.
Estes princípios têm a sua projecção também no domínio da chamada actividade da polícia, prosseguida pela Administração Pública.
É o artigo 272.º da Constituição - votado, aliás, por unanimidade na Assembleia Constituinte - que o diz ao consagrar no seu n.º 1 um princípio que resulta da própria concepção de Estado de direito, concepção esta que. não o esqueçamos, só viria a ser explicitamente acolhida no preâmbulo da Constituição, já que o maior partido da Assembleia Constituinte proferiu, quase até ao fim dos trabalhos da feitura da Constituição, a expressão «legalidade democrática» à de Estado de direito democrático.
É o n.º 2 do artigo 272.º da Constituição que consagra o princípio da legalidade administrativa, prevendo a conformidade das medidas de polícia em relação à lei e à adequação do comportamento da Administração Pública.
É o n.º 3. também do artigo 272.º que deriva do princípio da consagração dos direitos, liberdades e garantias ao estabelecer que a prevenção de crimes, mesmo contra a segurança do Estado, só se pode fazer com observância das regras gerais sobre a polícia e o respeito pelos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.
Mas, não basta olhar para o quadro institucional que nos rege. É essencial contemplar também a rea-
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lidade social e política que este quadro se destina a regular.
Em primeiro lugar, vivemos numa democracia que busca a sua institucionalização. Em segundo lugar, existe na sociedade portuguesa uma procura de consensos ainda não atingidos, diversamente de sociedades democráticas com prolongada maturação no tempo.
O confronto político e ideológico com projecção social atinge entre nós graus de conflitualidade que exigem a atenção do legislador, a sensibilidade do político e a garantia, por parte da Administração Pública, de que os princípios do Estado de direito são, em cada momento, efectivamente salvaguardados.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Esta relação dialéctica entre os princípios do Estado de direito e a realidade social tem motivado, nas primeiros anos da institucionalização da democracia, a preocupação dos vário sectores políticos democráticos, por vezes com um acento mais dramático do que aquele que a AD e o Governo têm sublinhado várias vezes.
Recordaria, a título exemplificativo, a análise da situação feita por um político prestigiado, hoje sentado nas bancadas da oposição: «a opinião pública portuguesa tem vindo a sensibilizar-se, progressivamente, para a urgente necessidade de se reforçar a autoridade do Estado. Entendamo-nos, porém, quanto à expressão autoridade do Estado, não se trata de desenvolver uma nova retórica autoritária sobre o Estado, como entidade abstracta, independente dos órgãos de soberania. Trata-se sim, de acordo com o entendimento constitucional, de definir a autoridade republicana do Estado, nos termos do artigo 9,º, alínea b)».
Dizia ainda o mesmo político na sua análise da situação: «tem vindo a estabelecer-se uma efectiva vivência democrática, com a generalização dos
métodos de diálogo e de convivência cívica. Contudo, os apelos à subversão das instituições não desapareceram. Nos últimos meses têm-se tornado mesmo mais insistentes e os demónio de um totalitarismo renascente, com as suas cargas emocionais de violência e de agressividade, não estão, longe disso, completamento vencidos.
Urge por esta razão estar atento e, serenamente, dotar o Estado democrático de instrumentos adequados de autodefesa. A Constituição, generosamente, concedeu os mais largos direitos e garantias aos cidadãos, criando um sistema político que, ao contrário do anterior, é ultrapremissivo - de certo dos mais livres e menos coercivos do mundo. A liberdade, em todas as suas formas, é, felizmente, total. É isso um bem de inestimável valor, que importa saber preservar. Contudo, sabe-se que o caminho mais directo para a perda da liberdade é o abuso indiscriminado dessas mesmas liberdades, feito sempre pelos seus inimigos que dela se aproveitam - e de que maneira!
Importa pois que reflictamos sobre o equilíbrio e a actuação conjugada dos diferentes órgãos de soberania, sobre a maneira prática de os pôr em aplicação, através da actuação preventiva normal das forças de segurança (policiais. Guarda Republicana e Guarda Fiscal), sobre a actividade dos organismos de investigação criminal, sobre a inexistência de serviços de pesquisa de informações e a urgente necessidade de os criar e, finalmente, sobre a responsabilidade que incumbe aos tribunais, dado que constitucionalmente lhes cabe, nos termos da Constituição do artigo 206.º da Constituição, reprimir a violação da legalidade democrática».
Por isso esta questão tem sido tratada em todos os programas dos diversos governos constitucionais de uma forma geral, com desenvolvimento, com excepção do Programa do V Governo Constitucional, que lhe dedicou, por junto, dois parágrafos.
E, de uma forma sistemática, tem sido separada das questões de ordem pública da segurança interna da problemática das forças armadas, salvo também do Programa do V Governo, que aglutina e não distingue o domínio da segurança interna e o domínio da defesa nacional e forças armadas.
Também o programa eleitoral da AD de governo e os programas dos três governos da AD, numa sequência lógica e numa coerência interna, tem acentuado os seguintes pontos:
1.º Afirmação da inerência da ordem e segurança públicas à própria vigência de um Estado de direito democrático;
2.º A conformidade das missões de prevenção da ordem cívica e de contenção dos actos subversivos com o respeito integral pelas liberdades, direitos e garantias dos cidadãos e com a defesa intransigente da autoridade democrática do Estado;
3.º Relevância de medidas de natureza institucional, como a legislação e regulamentação respectiva em matéria de nacionalidade portuguesa e estrangeira;
4.º Coordenação das estruturas policiais - apoio, formação, reformulação do seu estatuto profissional -, a culminar numa de lei quadro relativa aos fins e medidas de polícia;
5.º Particular atenção à prevenção da criminalidade- estudo das suas causas, nomeadamente nas formas mais agudas, mais sofisticadas ou de mais grave incidência social.
A Sr.ª Ercília Talhadas (PCP):- E a insurreição?!..,
O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Isso é no Barreiro!
O Orador: - Os passos dados neste sentido têm sido claros: regulamentação da Lei da Nacionalidade, proposta pelo governo anterior à Assembleia da República e por ela aprovada; estudo da reformulação da legislação sobre estrangeiros: reestruturação em censo do serviço de estrangeiros; acções de apoio, formação e melhoria profissional das forças de segurança - nomeadamente quanto à selecção rigorosa e instrução adequada do seu pessoal; estatuto económico-financeiro compensador das dificuldades de serviço, do risco e de responsabilidades exigidas aos agentes.
Neste domínio, verifica-se, por um lado, que se encontra pronto para aprovação e pendente em Conselho de Ministros o novo estatuto orgânico da PSP e o respectivo regulamento disciplinar e por outro, que foi aprovada já a integração de supranumerários,
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estando pronta para aprovação a reestruturação da Escola da Polícia, bem como o diploma de coordenação geral nesta matéria.
Passos avançados também para a coordenação das estruturas policiais, preparando o Governo a proposta de lei quadro da polícia contida no seu programa e que deverá ser debatida por esta Assembleia: reordenamento orgânico subsequente do Ministério da Administração Interna: revisão do Código Penal; acção junto do público - iniciativa, aliás, animada pelas próprias forças de segurança - para que este respeito às leis acolha o conselho ou ordem legítima dos agentes da autoridade, estabelcendo-se um clima de confiança baseado na voluntária colaboração para a manutenção da ordem pública.
E não falei aqui no papel das forças de segurança, isoladamente ou em coordenação com outras entidades, na protecção civil genérica contra outros factores de perturbação ou calamidade pública.
O Sr. Manuel Lopes (PCP): - Isso foi no Rossio?!
O Orador: - Também no que respeita a medidas em curso, e em resposta à interpelação inicial, o Governo ordenou por despacho do Sr. Primeiro-Ministro de 13 de Novembro de 1981, publicado no Diário da República em 3 de Novembro de 1981. um inquérito exaustivo em matéria de telecomunicações, cujo relatório se encontra já pronto e que foi objecto de despacho do Sr. Primeiro-Ministro, que oportunamente será divulgado e que, nomeadamente, sugere a introdução de alterações legislativas em matéria de telecomunicações.
Trata-se de um conjunto de medidas fundamentais que diversos programas de governo acolheram, mas que diversos governos - um entre os quais aquele em que o Sr. Deputado Jaime Gama, que a estas medidas aludiu, exerceu funções no Ministério da Administração Interna - não tiveram ou tempo ou oportunidade para levar ao fim com bom êxito.
Além destas medidas, outras, medidas surgem na ordem do dia, constantes de outros programas de governo que não dos programas do VI, do VII e do VIII Governos, como sejam aquelas que provocam especulação e incendeiam diversos sectores políticos: a intensificação da acção anticriminal e antiterrorista através de meios preventivos, mas também repressivos, nomeadamente o problema da feitura ou não de uma lei genérica antiterrorismo; as interrogações sobre a necessidade de um adequado serviço de pesquisas de informações, no respeito pela liberdade e garantias consagradas na Constituição ou na lei.
Não se trata de matérias consagradas nos programas dos governos da AD, trata-se de matérias que suscitam a atenção e a polémica da opinião pública.
E o Governo umas vezes é acusado de interventor em excesso, de repressivo em demasia, outras vezes, em vários sectores da opinião pública, surgem ecos de preocupação perante acções terroristas e a ausência de um sistema adequado e eficaz de informação do Estado.
Recordaria que quer o aspecto da legislação antiterrorismo, quer o do sistema de informações, constam dos Programas do I e II Governos Constitucionais.
Aliás, noutro contexto político e com outra orientação governativa, colocou-se também acento tónico nestas questões dando-lhes o enfoque que mereciam pelo seu carácter global, mas que foi considerado excessivo, que mereceu várias reticências, e acabou por não conhecer concretização.
Citarei passagens da intervenção do mesmo dirigente político socialista sobre estas matérias, que, por um lado, afirmava a necessidade de pôr termo as actividades terroristas através da elaboração de uma verdadeira lei antiterrorismo, à semelhança do que tem acontecido noutros países, para fazer frente «a assaltos a bancos e outras empresas, a roubos e a saques organizados, às degradações de bens, às ocupações selvagens, sequestros, agressões e ameaças contra pessoas, bombismo, furto e destruição de viaturas, fogo posto, tudo isso, sob disfarce de motivações políticas, formando um quadro bem caracterizado de actuações criminosas».
Na mesma ocasião, além da previsão de medidas restritivas ou susceptíveis de introduzir alteração na Lei de Imprensa, punha-se a questão da existência de um serviço de pesquisa e tratamento de informações a favor do Estado.
Serviços desse tipo existem, como é óbvio, em todos os países democráticos, visto constituírem uma reconhecida necessidade para a protecção do Estado.
A pesquisa e tratamento das informações é fundamental para a protecção do Estado, mas terão que conseguir-se no respeito mais absoluto das liberdades, direitos e garantias dos cidadãos e assegurando o direito à protecção da intimidade e privacidade das pessoas.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Estamos hoje, felizmente, longe de um quadro de medidas tão acentuadamente interventoras por parte do Estado, mas não se pode esconder a prioridade da questão da autoridade do Estado democrático, a gravidade da alguns afrontamentos em torno das questões de regime, os surtos terroristas já aludidos pelo Sr. Ministro da Administração Interna.
Trata-se, como apontou o Sr. Deputado Jaime Gama nunma intervenção onde perpassou como é costume o sentido do Estado, de uma questão de regime, questão esta que, a par de outras como a comunicação social, a legislação eleitoral e, naturalmente, outras de idêntica natureza, deve concitar a atenção, a reflexão e o debate generalizado, nomeadamente dos órgãos de soberania e do Parlamento, e o consenso das forças democráticas em Portugal.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Neste contexto, que é, portanto, o contexto global, de medidas que no domínio da Administração Interna constam do Programa do Governo e que denotam uma orientação política que tem sido sistematicamente prosseguida, compreende-se mal a interpelação específica dirigida ao Ministro da Administração Interna e ao seu Ministério.
Duas razões podem estar presentes nesta interpelação: ou razões de fundo de natureza teórica - que me parecem erradas por transmitirem uma perspectiva incompleta ou lacunar da questão de regime que
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é a segurança interna, que 6 uma questão global que se prende com todo um governo, que é a trave mestra da construção do Estado de direito democrático, que não se confina ao domínio de um ministério ou à actuação de um membro do Governo - ou então há razões políticas pessoais, há o objectivo de um ataque com tentativa de isolamento de um membro do Governo com o objectivo de desgaste e de divisão no seio do Executivo e, porventura, também da maioria parlamentar, que o apoie.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - A propósito desta interpelação e especulando sobre factos a que ela acabou por se reportar, surgiu a tentativa para dividir o Governo, isolar o Ministério da Administração Interna, insinuar como que um candilhismo do Ministério da Administração Interna relativamente às forças de segurança, diminuir o papel essencial destas forças e esbater a importância efectiva da questão versada.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - O pretexto sabe-se qual foi. Foi, por um lado, a minimização aqui feita, nomeadamente pela bancada do PCP, da existência de actos ilegais e até mesmo criminosos no dia 12 de Fevereiro último...
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - ... a que se seguiu a tentativa para ligar ao discurso político do Governo aquilo que não lhe estava ligado e que foi, por um lado, a realidade da tentativa de greve e a verificação de actos ilegais e criminosos naquela data, e, por outro, a tentativa de minimização do papel político de certas forças nessa ocasião - e eu recordaria que o primeiro qualificativo do plano de desestabilização, que poderia culminar numa insurreição, não foi feita por nenhum dirigente político da maioria, reportando-se às actuações do PCP antes da data de 12 de Fevereiro.
O Sr. Portugal da Fonseca (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Houve também a minimização habitual das chamadas convergências pontuais de actos que conhecemos desde o 25 de Novembro e nas quais, em termos explicativos, o PCP é especialista quanto à verificação de actos políticos no mesmo sentido e com uma mesma orientação global.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Houve, on fundo, a repetição da alusão à teoria do uso de direitos para, no seu aparente exercício, retirar ao seu conteúdo o objectivo de ofensiva política, como meio alternativa de presão à míngua de peso e de crescimento no domínio parlamentar.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
Também funcionou como pretexto a separação e minimização dos elementos que coincidiram no tempo, que alegadamente foram relacionados com as
Forças Populares do 25 de Abril e relativamente aos quais ninguém pode ainda demonstrar, pela natureza dessa organização e pelo teor dos veredictos jurisdicionais que sobre ela já recaíram, que não assume o carácter terrorista e que não envolve, como envolveu no caso concreto, um conjunto de elementos, hoje objecto de protecção pelo segredo de justiça, que tem natureza claramente subversiva.
Estes foram pretextos e só admira a desfaçatez com que o PCP ousa vir apresentar e invocar aqui uma autoridade moral, esquecendo o seu compromisso no Verão de 1975 com a FUR, com ofensivas marcadamente ilegais. ...
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
... numa actuação marcadamente contrária a institucionalização da democracia, arvorando-se em juiz da legalidade e do listado de direito e falando do risco do princípio do fascismo.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Não obstante, anota-se admissão feita, desta vez pelo representante qualificado da bancada comunista de que o objectivo último daquele partido é apenas o de recorrer aos meios estritamente constitucionais, nomeadamente às eleições, para pôr em causa o Governo e a sua maioria.
Anota-se este tipo de versão e de explicação, bem diverso daqueles outros que normalmente têm sido atribuídos àquela zona política.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - O que apontei foram os pretextos, os objectivos são conhecidos. Simplesmente, o Governo mostrou-se mostra-se e mostrar-se-á, neste debate e fora dele, unido.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
Não colherá a tentativa de isolamento do Ministério da Administração Interna, que não existe).
Não há, nem pode haver caudilhismos nas forças de segurança, que estão subordinadas do Governo, nos termos constitucionais e legais, através do Ministério da Administração Interna.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Fica claro o respeito do Governo e de largos sectores democráticos desta Câmara, relativamente ao papel das forças de segurança e ao destaque das questões de fundo relacionadas - com a existência e efectiva salvaguarda do Estado de direito democrático.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não é fácil o binómio liberdade - segurança nomeadamente num tempo de institucionalização de uma jovem democracia.
Não é fácil a afirmação da autoridade do Estado de direito democrático. Não é fácil nem cómodo o compromisso do Governo para com a democracia, salvaguardando a liberdade e a segurança, os direitos fundamentais e a ordem pública, a máxima contestação e pluralismo democráticos e a defesa dos prin-
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cipios essenciais cio regime contra aqueles que o questionam pela força
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Mas há na política, como na vida em geral, uma coisa antiga mas recomendável que é ser-se o que se é tranquilamente que e fazer se o que se sabe serenamente, que é manter-se o que se diz nitidamente
É essa também no domínio desta interpelação a convicção, a escolha e a força do Governo!
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM
O Si Presidente: - Inscreveram-se 7 Srs. Deputados penso que para pedirem esclarecimentos ao Sr. Secretário de Estado.
Como estamos na hora habitual do nosso intervalo pergunto a Câmara se entende que é conveniente fazerem-se agora pedidos de esclarecimento ou interrompermos os nossos trabalhos por meia hora.
Pausa
Bom, pelo que vejo, é melhor continuarmos.
Estão inscritos os Srs. Deputados Sousa Marques, Lopes Cardoso Manuel Alegre Mário Tomé, Carlos Brito, Nunes de Almeida e Herberto Goulart.
Tem a palavra o Sr. Deputado Sousa Marques.
O Sr Sousa Marques (PCP): - Sr. Presidente, troco a ordem da minha inscrição com a do meu camarada Carlos Brito. Portanto, falarei, na altura em que seria ele a falar.
O Sr. Presidente: - Tem então a palavra o Sr Deputado Carlos Brito.
O Sr. Carlos Brito (PCP) - Sr. Presidente, vou fazer um breve protesto, porque a minha bancada tem muito pouco tempo.
Começarei por dizer que cheguei a pensar que o Sr. Secretário de Estado Marcelo Rebelo de Sousa iria aclarar alguma coisa, sobretudo quando, num momento de lucidez, proeurou separar o que é a oposição feita ao Governo por meios legítimos constitucionais e legais, de manifestações de terrorismo. Mas ele não foi capaz de o fazer.
Falou da desfaçatez do PCP e o que queria dizer com isso era a consciência tranquila do PCP,...
Risos do PSD, do CDS e do PPM.
... a tranquila consciência democrática do PCP que o faz, enfrentar aqui, com toda a segurança a bancada do Governo e não estar aqui como acusado, o que o Sr. Secretário de Estado pretendeu fazer crer, mas, sim, como acusador.
Até agora nós nem sequer minimizamos os factos que o Governo apontou como indicadores da insurreição Nem sequei nos demos a esse trabalho Perguntamos apenas ao Governo se os mantinha e o Sr Ministro da Administração Interna ainda não respondeu Entretanto o Sr Secretário de Estado deu a entender que o Governo manteria alguma coisa e a nos importava saber o quê.
Porém o que eu considero lamentável, e que, naturalmente todas as forças políticas lamentarão também, e que um estadista tão talentoso como o Sr. Secretario de Estado, que falou na tribuna como um autentico Primeiro-Ministro.
Risos do PSD, do CDS e do PPM
O Sr, Portugal da Silveira (PPM) - Já temos 3!...
O Orador: - veja, de ora avante, painel de passa à história apenas como Secretario de Estado da inventona insurreccional.
Aplausos, do PCP e de alguns deputados do PS.
O Sr Presidente:- Tem a palavra o Sr Deputado Lopes Cardoso
O Sr Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Secretário de Estado, V. Ex.ª, com outra inteligência, com outro brilhantismo - e não me vai acusar de estar a tentar dividir a bancada do PSD -, cometeu exactamente o mesmo erro que o Sr. Deputado Silva Marques, isto e, fugiu completamente à questão que aqui nos trouxe, àquilo que é o objecto desta interpelarão
Falou-nos do quadro institucional que deve rigor uma política de ordem pública e de segurança, falou-nos daquilo que nessa matéria serão as directrizes do programa da AD e do próprio Governo, nus não nos falou daquilo que e essencial, que é o sabermos se a política conduzida, no concreto e no dia-a-dia, pelo Sr. Ministro da Administração Interna respeita, de facto, o quadro constítucional que deve reger os problemas da segurança e da ordem pública.
Vozes da UEDS: - Muito bem!
O Orador: - E nós dizemos que não o respeita, que infringe essas regras, que infringe os mais elementares princípios de defesa das liberdades e da garantia dos direitos dos cidadãos.
Aplausos da UEDS e dos Srs. Deputados Eduardo Pereira e António Arnaut (PS).
Quanto a isso o Sr Secretário de Estado manteve um prudente silêncio, mas depois acusou-nos de tentarmos dividir o Governo
Contudo, Sr. Secretário de Estado, se alguém, ao longo destas últimas semanas, tem isolado o Sr. Ministro da Administração Interna não e a oposição. Quem isolou o Sr Ministro da Administração Interna quando teve lugar a primeira interpelação do PS sobre política geral, ficando silencioso perante as acusações e as críticas feitas ao Ministro da Administração Interna, foi o Governo.
Quem isolou o Sr. Ministro da Administração Interna quando se discutiu a moção de censura, calando-se perante as críticas aqui trazidas pelas bancadas da oposição a actuação do Sr Ministro da Administração Interna, foi o Governo.
Quem nesta interpelação tem isolado o Sr. Ministro da Administração Interna é o Governo
Pode ser essa a política do Governo, a de querer fazer do Sr. Ministro da Administração Interna um bode expiatório. Talvez seja esta também a intenção do Sr. Secretário de Estado quando declara, a dar crédito aquilo que o Diário de Lisboa hoje anuncia tomo resposta sua a uma entrevista que será publicada amanhã, que o Governo nunca afirmou que houve
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perturbação grave na serenidade e na estabilidade da vida democrática.
É caso para perguntarmos se não é só a insurreição que é do domínio do delírio e da mitologia; se quando todos nós pensamos que o Sr. Ministro da Administração Interna e Ministro, é membro do Governo, e por Isso o responsabilizamos, não estamos também, involuntariamente, a deixar-nos arrastar para o domínio do delírio e da mitologia.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Mas, Sr. Secretário de Estado, o Governo não fará assim tão facilmente do Sr. Ministro da Administração Interna um bode expiatório. Deixe-me recordar-lhe que o próprio Governo declarou no dia 13 de Fevereiro, em nota oficiosa, que no mesmo dia o Governo, com o concurso das forças de segurança, tinha neutralizado uma tentativa terrorista destinada a subverter as estruturas do Estado democrático e de direito.
Houve ou não tentativa terrorista? Aquilo que se exige do Governo, em geral, e do Sr. Ministro da Administração Interna, em particular, é que nos traga aqui as provas concretas da tentativa terrorista que foi neutralizada. E se não responder e não as trouxer, eu direi, como já disse o meu camarada César de Oliveira, que não e só o Sr. Ministro da Administração Interna que é mentiroso, mas que é também o Governo, no seu conjunto, que nos mente, não respondendo às questões que aqui lhe levantamos!
Aplausos da UEDS, do PS, do PCP e do MDP/CDE.
Foi este repto que nós quisemos trazer a esta Assembleia e ao Governo fazendo a interpelação, é essa resposta que continuamos a aguardar.
E, Sr. Ministro e Sr. Secretário de Estado, não se refugiem por detrás das forças de segurança e da GNR, por detrás da defesa do prestígio dessas forças!
Sr. Ministro e Sr. Secretário de Estado, se alguém neste país põe em causa o prestígio das forças de segurança é o Governo e o Sr. Ministro da Administração Interna, pela forma como actuam, pela forma como pretendem que elas actuem.
Aplausos da UEDS, do PS, do PCP e do MDP/CDE.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Alegre.
O Sr. Manuel Alegre (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como se diz em França, on aura tout vu.
Depois da campanha do Expresso contra Ângelo Correia, vimos hoje aqui o Sr. Secretário de Estado Marcelo Rebelo de Sousa defender o Ministro da Administração Interna. E vimo-lo fazer uma tentativa, sem dúvida inteligente e habilidosa, para desviar para o campo da teoria geral do Estado o objecto mais são, mais terra a terra, mais comezinho, desta interpelação. Talvez tenha sido uma tentativa para cortar a sequência deste debate.
Mas eu queria pôr uma questão ao Sr. Secretário de Estado, isto porque eu não sei se não tenho uma dívida em relação ao Ministro Ângelo Correia, pelo menos tenho uma dúvida.
Eu, como, de resto, outros portugueses, consagrei alguns anos da minha vida, devo confessá-lo, ao estudo dos problemas da insurreição, convencido, como estava e como a história demonstrou, de que um regime como aquele que nos oprimiu durante muitos anos só por via de uma insurreição poderia ser derrubado. Li o Clawsewitz, o Trotsky, o Lenine, o Mao Tsé-Tung, o Guevara, etc., etc., e estava convencido de que para haver uma insurreição era preciso uma crise nacional que atingisse tanto dirigentes como dirigidos, que era preciso unidades sublevadas, etc., etc., etc.
Bom, ouvi o Sr. Ministro da Administração Interna na televisão e fiquei com uma grande frustração, porque, de facto, eu nunca consegui - nem eu nem outros portugueses - chegar a essa consumação da insurreição em Portugal. E enquanto eu julgava que era preciso essa crise nacional, as unidades sublevadas, os canhões, as armas nas mãos das massas insurreccionadas, uma parte das forças armadas ao lado das forças sublevadas, o Sr. Ministro da Administração Interna falou de apedrejamento de transportes particulares, de pneus furados, de veículos obstruindo uma garagem da Rodoviária Nacional, de pregos e de cabeças de fósforos.
Risos do PS, do PCP, da UEDS e do MDP/CDE.
De maneira que eu tenho esta dúvida, que é ao mesmo tempo uma dívida, porque, de facto, tendo eu consagrado alguns anos da minha vida e seriamente, como outros portugueses, estava convencido de que era preciso encontrar os caminhos de uma insurreição, de um acto de força, para derrubar um regime que pela força se mantinha no Poder, depois que ouvir o Sr. Ministro da Administração Interna cheguei à conclusão de que nós éramos burros ou que então não percebíamos nada disso, porque bastavam fósforos e pneus furados.
Hoje fico a saber que, se de facto houver uma tentativa autoritária do Poder, posso recorrer às cabeças de fósforos, aos pneus furados, aos pregos na estradas...
Mas aquilo que quero perguntar ao Sr. Secretário de Estado, que tentou dar um sentido de Estado à sua intervenção, é se esses elementos avançados pelo Sr. Ministro Ângelo Correia - que não e ião inocente nestas coisas como parece, justiça lhe seja feita! ... - configuram ou não uma situação insurreccional ou mesmo terrorista. É porque eu também estava convencido de que numa insurreição também era preciso, por exemplo, ocupar a rádio, a televisão e fazer uma proclamação. Mas fiquei a saber que bastava um carro a andar à volta da Rotunda do Marquês de Pombal, com uma banda gravada, assinada não se sabe por quem, o que até ainda não foi explicitado.
Portanto, da próxima vez que houver uma situação desse género, arranjamos um carro que dê uma volta à Rotunda com uma banda gravada.
Risos do PS, do PCP e da UEDS.
Mas, resumindo, quero perguntar ao Sr. Secretário de Estado se, de facto, esses elementos configuram ou não uma situação insurreccional, pré-insurreccional
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ou mesmo terrorista, tal como lhe quero perguntar também - e não vai nisto nenhuma animosidade pessoal, porque eu gostaria que as coisas no meu país e num regime democrático se passassem de outra maneira - se acha que essa intervenção televisiva do Sr. Ângelo Correia teve o sentido de Estado que deve ter a intervenção de um Ministro com tantas responsabilidades como é o Ministro da Administração Interna.
Aplausos do PS, do PCP, da UEDS, do MDP/CDE e da UDP.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, também para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado Mário Tomé.
O Sr. Mário Tomé (UDP): - Sr. Secretário de Estado, correndo embora o risco de repetir um pouco o que já aqui foi dito, direi que entre a sua intervenção e um livro de Somerset Maugham há poucas diferenças, são mesmo muito parecidos. Nenhum deles tem a ver com a questão que aqui nos trouxe.
Vozes do PSD:- Oh! ...
O Orador: - O Sr. Secretário de Estado tentou desviar o sentido do debate que estava a ser travado, o ataque sistemático e justo à actuação do Ministro da Administração Interna e do próprio Governo, que, afinal, por aquilo que disse o Sr. Secretário de Estado, comunga das baboseiras que foram ditas na televisão nos dias que precederam a greve geral e no dia que se lhe seguiu- afinal estão todos juntos na baboseira, no ridículo!...
Mas, Sr. Secretário de Estado, é preciso que fique bem claro que isto não é tão ridículo assim, porque quando V. Ex.ª, aliás no seguimento do Sr. Ministro da Administração Interna, veio aqui apresentar a teoria da defesa do Estado democrático, a teoria da convivência democrática, a teoria do fortalecimento desse Estado democrático, V. Ex.ª, no fundo, veio dizer-nos que para existir esse Estado democrático, para haver convivência democrática, temos de assistir aos espancamentos do Rossio, em que a polícia de choque investe sem mais nem menos, bárbara e alarvemente, como sempre faz, sobre os cidadãos que estavam no Rossio.
V. Ex.ª veio dizer-nos que para defender o Estado democrático temos de assistir a casos como o de um sargento da Força Aérea, deficiente das forças armadas, ser espancado barbaramente numa esquadra da polícia e que depois, vindo esse facto a público num jornal a quem o caso foi relatado pelo sargento, o jornal seja processado pelo promotor do Ministério Público porque relatou aquilo que a polícia fez.
Portanto, o sargento apanhou e o jornal que publicou o relato do sargento é processado!...
O Sr. Secretário de Estado veio dizer-nos que para defendermos o Estado democrático temos de continuar a assistir a assassinatos pela polícia, como o de José Jorge Morais, o de Luís Caracol e o de Casquinha e Caravela, temos de assistir a que aconteça aquilo que aconteceu com os 3 detidos no tal carro que estava a fazer a insurreição, que foram espancados barbaramente e espezinhados depois de estarem no chão, como, aliás, já é do domínio público.
O Sr. Secretário de Estado veio dizer-nos que para defendermos o Estado democrático temos de esquecer que «defensores» do Estado democrático como o Sr. Secretário de Estado, o Sr. Ministro Freitas do Amaral, o Sr. Ministro Ângelo Correia - esses senhores que se intitulam defensores do Estado democrático no ano de 1975 - o que também foi aqui trazido pelo Sr. Secretário de Estado - estiveram por detrás ou pelo menos estiveram assistindo complacentemente aos atentados bombistas.
Para defendermos o Estado democrático temos que ver o Sr. Ramiro Moreira passear-se pelos corredores da Assembleia da República, quando devia estar preso pelos atentados bombistas que executou ou que comandou,
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - E tu não passeias?
O Orador: - A pergunta que, em resumo, quero fazer ao Sr. Secretário de Estado é se é esta a sua perspectiva do reforço do Estado democrático,
O Sr. Portugal da Silveira (PPM): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Portugal da Silveira, para que efeito?
O Sr. Portugal da Silveira (PPM): - Sr. Presidente, para fazer um protesto em relação às declarações do Sr. Deputado Mário Tomé.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o Sr. Deputado Mário Tomé acabou de fazer pedidos de esclarecimento ao Sr. Secretário de Estado, mas, enfim, se V. Ex.ª considera que há matéria para protesto, faça favor.
O Sr. Portugal da Silveira (PPM): - Sr. Presidente, eu diria que, na realidade, vou dar um esclarecimento ao Sr. Major.
Sr. Deputado Mário Tomé, quero dizer-lhe o seguinte: na sexta-feira, dia 12 de Fevereiro, de manhã, houve uma sessão plenária desta Assembleia. Depois dessa sessão plenária fui para a Baixa, almocei no Rossio e aí passei o resto da tarde. Assisti, portanto, aos acontecimentos.
E, Sr. Deputado, o que se passou foi isto: um sindicato que tem a sua sede por cima da Pastelaria Suíça, um pouco ao lado, instalou altifalantes - estando no passeio defronte uma banca da AD e uma banca do PCP, o que é habitual -, que debitaram notícias e números verdadeiramente astronómicos sobre a adesão à greve, informações essas que provocavam, por um lado, a hilariedade e, por outro, o protesto das pessoas que passavam.
Como é habitual, havia gente junto da banca da AD e gente junto da Banca do PCP e estabeleceu-se uma espécie de confronto, ainda que brando e verbal, entre esses dois grupos de escassas dezenas de pessoas, que se foram avolumando, mas que nunca atingiram um volume excepcional.
A polícia mandou então deslocar as bancas que ali estavam para que estas não estivessem debaixo dos altifalantes que estavam a provocar a situação conflitual - recordo-me até que a banca da AD foi
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instalada junto a entrada da Rua do Carmo, onde permaneceu o resto da tarde
A um apelo não se sabe de quem - eu pelo menos não sei -, começaram a afluir aderente à greve, aquela greve que não existia, o que era visível para toda a gente desta cidade de Lisboa, porque a verdade e que em Lisboa só tinha noticia da greve quem ía ao metropolitano, pois, estando este parido, era ele o único sinal manifesto de greve: a verdade e que, correndo Lisboa, o que se via era o comércio todo aberto, os restaurantes todos abertos - eu almocei no Café Nicola como em qualquer outro dia - e tudo a funcionar, tanto autocarros como eléctricos.
O Sr Manuel Lopes (PCP): - O Sr Deputado, não liga isso!
O Orador: - Era isso o que se via na cidade e daí a hilariedade e o protesto das pessoas que ouviam as loucuras que eram debitadas pelos, altifalantes instalados pelo sindicato que há pouco referi.
Perante esta situação, a polícia normal - que não sei como é que se chama - formou um primeiro cordão entre as bancadas da AD e do PCP e os respectivos aderentes e perante o avolumar do numero de pessoas que foram chamadas para ali facto que se tomou visível porque todos ostentavam os autocolantes de adesão à greve, veio a Polícia de Intervenção - parece-me que é assim que é chamada - que pôs ordem num princípio de desordem.
Foi a isto que eu assisti no Rossio
O Sr. Lopes Cardoso (UEDS). - Dá-me licença que o interrompas, Sr. Deputado?
O Orador: - Faça favor,
O Sr. Lopes Cardoso (UEDS) - Sr. Deputado, muito obrigado por me ter deixado interrompê-lo.
Verifico que aquilo a que o Sr. Deputado assistiu configura, de facto, já não diria uma insurreição, mas claramente um clima insurreccional.
Risos do PCP
O Orador: - Sr. Deputado, eu não disse que assisti a uma insurreição ou a uma pré-insurreição.
O Sr Sousa Marques (PCP): - Mas disse o seu governo.
O Sr. César de Oliveira (UEDS): - O Sr. Ministro e que disse!
O Orador: - Mas então não mo diga a mim Não fui eu que disse isso! Estou a descrever a situação a que assisti.
E quando se referem os banais espancamentos, a violência da Policia de Intervenção, posso dizei que não assisti às agressões de que se fala,
O Sr. Manuel Lopes (PCP): - Ah, não assistiu?!...
O Orador: -... e que aceito como verdadeiras, aos homens da Radiotelevisão.
O Sr. Manuel Lopes (PCP): - Não foi só aos homens da Radiotelevisão, Sr. Deputado.
O Orador: - Assisti apenas àquelas corridas absolutamente normais em situações destas.
Aplausos do PCP
No entanto quero fazer aqui uma crítica à Polícia de Intervenção e ao fazê-la, peço ao Sr. Ministro da Administração Interna que a registe.
Não considero razoável que a Polícia, ao usar os seus bastões, em vez de lhes pegar pelo cabo, lhes pegue pela ponta para bater com as massas metálicas que formam o cabo.
Aplausos da UEDS e de algum deputados do PS e do PCP.
Peço - repito - ao Sr. Ministro que registo este meu protesto, mas de facto no Rossio foi este o único incidente a que assisti e que considero grave, e estive ia praticamente toda a tarde.
Foi isto que se passou no Rossio, em primeiro lugar devido as provocações debitadas pelos altifalantes instalados pelo sindicato e depois, devido a pessoas que se juntaram a volta das bancas, são ostentavam o emblema da greve e que provocaram a desestabilização total de uma situação que estava em vias de se estabilizar.
Foi isto que vi e estive lá, Sr. Deputado Mário Tomé.
Aplausos do PPM e do PSD
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para contraprotestar, o Sr. Deputado Mário Tomé.
O Sr. Mário Tomé (UDP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados O Sr. Deputado Portugal da Silveira fez um esforço tremendo para tentar justificar o que não tem justificação. E de facto a sua intervenção «funcionou» contra o senhor e a meu favor.
O Sr. Deputado - e não vou agora referir a questão da greve, os números da adesão à greve, etc. - disse que a situação no Rossio era calma, que, entretanto, apareceram pessoas com autocolantes de adesão à greve, que a situação não era de confronto e são, de repente, por artes mágicas do Sr. Ministro da Administração Interna, saíram assolados à rua os policias de choque, espancando com o bastão ao contrário - o que, aliás, pode matar «meus depressa», como aconteceu com Luis Caracol, mas isso é indiferente, visto que a violência praticada com o bastão a direito também e brutalidade - , a torto e a direito, homens, mulheres, crianças e jornalistas no desempenho da sua missão de informar
O Sr. Portugal da Silveira (PPM) - Não é verdade!
O Orador: - Então não é verdade e a televisão mostrou?
O Sr. Portugal da Silveira (PPM) - O quê?
O Orador: - Então a televisão não mostrou a brutal carga da polícia de choque?
O Sr. Manuel Lopes (PCP) - Até sobre crianças!
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O Sr. César de Oliveira (UEDS): - Quer as fotografias, Sr. Deputado Portugal da Silveira?
O Orador: - Isto ficou claro e o Sr, Deputado apenas confirmou que não havia nenhum clima que justificasse - se é que há algum clima que o justifique - a intervenção da polícia de choque.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Evangelista.
O Sr. João Evangelista (PSD): - Sr. Presidente, pretendo interpelar a Mesa no sentido de saber se não viu u meu gesto de inscrição aquando da intervenção do Sr. Deputado Manuel Alegre.
O Sr. Presidente: - Eu não vi, Sr. Deputado.
O Sr. César de Oliveira (UEDS): - É verdade sim, Sr. Presidente. Eu vi.
O Sr. João Evangelista (PSD): - É que logo que o Sr. Deputado Manuel Alegre acabou a sua intervenção eu fiz a minha inscrição para formular um protesto em relação às palavras então proferidas pelo Sr. Deputado, mas, uma vez, que me vi ultrapassado no uso da palavra, o meu protesto, perdeu o sentido.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, vejo agora que V. Ex.ª aparece inscrito para formular pedidos de esclarecimento ao Sr. Secretário de Estado. Houve um equívoco, não percebi que V. Ex.ª se queria dirigir ao Sr. Deputado Manuel Alegre e registámos o seu pedido de palavra como se quisesse interpelar o Sr. Secretário de Estado. Em todo o caso, se julgar oportuno, concedo-lhe a palavra.
O Sr. João Evangelista (PSD: - Sr. Presidente, aquilo que tenho a dizer já disse.
Risos.
O Sr. Presidente:- Tem então a palavra o Sr. Deputado Sousa Tavares.
O Sr. Sousa Tavares (PSD): - Sr. Presidente, por estranho que pareça no meio desta desordem, apenas me quero inscrever para uma intervenção.
Risos.
O Sr. Presidente: - Fica inscrito, Sr. Deputado. Tem a palavra, para formular pedidos de esclarecimento, o Sr. Deputado Sousa Marques.
O Sr. Sousa Marques (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao contrário dos representantes da AD, eu vou falar do 12 de Fevereiro.
Queria fazer duas simples perguntas ao Sr. ministro da «inventona», mas faço-as ao Sr- Secretário de Estado dos factos políticos», que espero que me responda.
O Sr. Borges, de Carvalho (PPM): - Que engraçado!
O Sr. Carlos Robalo (CDS): - Isto não pode ser, Sr. Presidente.
O Orador: - Antes, quero recordar algumas das muitas coisas que lemos, ouvimos e revivemos por altura da greve geral de 12 de Fevereiro e que passo a citar:
«O Ministério da Administração Interna vai dar indicações para que as forças militarizadas, na sua dependência, tomem as prevenções habituais para evitar que degenerem em violência as manifestações de rua previstas para o próximo dia 12, segundo comunicou ao nosso jornal um membro do gabinete do Ministro Ângelo Correia.»
Posso continuar: «Ê nítido u carácter subversivo de todas estas manifestações, como é evidente a finalidade que elas pretendem atingir. O Governo, no cumprimento do sou indeclinável dever, está firmemente decidido a impedir qualquer alteração da ordem pública, usando para tanto os meios que julgar adequados e necessários garantindo a liberdade de trabalho e impedindo a realização de manifestações não previamente autorizadas.»
E posso continuar: «As movimentações detectadas no fim do dia 12 de Fevereiro de 1982 envolveram atitudes de agitação ilegal de pequenos grupos de indivíduos e motivaram medidas que permitiram às forças de segurança deter elementos relacionados com planos concretos de subversão das instituições democráticas.»
E continuando: «Pequenos grupos de manifestantes pretenderam, ao fim da tarde de ontem, perturbar a ordem pública nas ruas da Baixa da capital.
A Polícia de Segurança Pública conseguiu evitar as pretendidas manifestações e consequentes desacatos, havendo somente a registar um incidente de certa gravidade.»
Mas há mais: «No dia 12 de Fevereiro de 1982 os trabalhadores portugueses derrotaram, de forma esmagadora, a tentativa frustrada de greve comunista.»
Continuando: «Desde há tempos que o Governo tinha conhecimento de um vasto piano de perturbações de ordem pública, a desenvolver no País, procurando o Partido Comunista tentar sublevar as classes trabalhadoras pelo abandono do trabalho e pela realização de manifestações subversivas.»
E termina a nota oficiosa do Governo: «No mesmo dia, o Governo, com o concurso das forças de segurança, neutralizou uma tentativa terrorista destinada a subverter as estruturas do Estado democrático de direito.»
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Há nesta linguagem, nestas palavras, a linguagem da PIDE, o cheiro a 24 de Abril! Aliás, o Ministro Ângelo Correia, com a sua reputada memória, ou o Secretário de Estado, que está sentado a seu lado, talvez saibam que alguns destes textos não foram escritos pelo seu punho. Mas é nesse sentido que eu pergunto: acham admissíveis afirmações como estas? Acha o Sr. Secretário de Estado admissível o que eu acabo de ler? Acha que e com argumentos deste jaez, ou com o célebre telex de 3,70 m do Sr. Ministro «da inventona» ...
Risos do PCP.
Protestos do PSD, do CDS e do PPM.
... que se defende a tese da insurreição defendida pelo Governo?
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Já falei da PIDE neste pedido de esclarecimento. Relativamente ao vosso governo, o estilo e a linguagem são os mesmos e. em último caso, os objectivos também. O Ministro Ângelo Correia podia ser Ministro do Interior antes de Abril, mas não pode ser ministro de um governo democrático depois de Abril...
Aplausos do PCP, da UEDS, do MDP/CDE, da UDP e de alguns deputados do PS.
Deputados do PSD, do CDS e do PPM batem com os punhos nos lampos das carteiras.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Deputado Sousa Marques está no uso da palavra e para ele peço a vossa atenção.
Pode continuar, Sr. Deputado Sousa Marques, em todo o caso, queria pedir-lhe que, quando...
O Sr. Sousa Tavares (PSD): - Nos ficheiros da PIDE só aparecem membros do Partido Comunista.
O Orador: - Esteja calado, Sr. Deputado. Se quer intervir, peça a palavra.
O Sr. Sousa Tavares (PSD): - Olhe o Canais Rocha .. Nos ficheiro:» da PIDE só havia membros do PCP, por isso os roubaram e os esconderam.
O Sr. Presidente: - ... queria pedir ao Sr. Deputado Sousa Marques que, quando se referir aos membros do Governo, ou a qualquer entidade, o faça nomeando os cargos que ocupam ou os seus nomes, evitando assim criar designações que estão fora do natural teor dos debates desta Câmara.
Vozes do PSD, do CDS e do PPM: - Muito bem!
O Orador:- Sr. Presidente, pedindo que me desconte este tempo, tenho de repetir a última frase que pronunciei para que se possa perceber o sentido das minhas palavras. Aos Srs. Deputados que se manifestaram batendo nas bancadas, ao Sr. Presidente e aos Srs. Membros do Governo, terei oportunidade de esclarecer por que é que vou fazer as seguintes afirmações.
A minha última frase diz o seguinte: Ângelo Correia poderia ser Ministro do Interior antes de Abril, mas não pode ser ministro de um governo democrático depois de Abril, outros seus colegas de governo também não podem, estão a mais, têm de ir para a rua.
Aplausos do PCP e do MDP/CDE.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Santana Lopes.
O Sr. Santana Lopes (PSD): - Sr. Presidente, queria fazer um protesto misturado com uma interpolação à Mesa.
Em primeiro lugar, farei a interpelação à Mesa, embora neste momento já esteja um pouco atenuada pela intervenção do Sr. Presidente.
Que o órgão oficioso do Partido Comunista seja useiro e vezeiro em adjectivar os membros do Governo é uma coisa, agora que neste Parlamento o tratamento dispensado aos membros do Governo não seja aquele que a dignidade das suas funções e a dignidade da nossa função de deputados exige ...
Vezes do PSD:- Muito bem!
O Orador:- é algo que não pode ser admitido pela Mesa, devendo os oradores ser imediatamente interrompidos,
Aplausos do PSD, do CDS e ao PPM.
O Sr. Deputado Sousa Marques, pelo estilo de intervenções que normalmente produz, poderia merecer vários adjectivos quando a ele nos referimos, no entanto não creio ser essa a forma mais correcta de proceder num órgão de soberania, num órgão supremo do Estado.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Em segundo lugar, Sr. Presidente, queria dizer que se alguém tem alguma coisa a ver com a PIDE, se alguém tem alguma coisa a ver com opressão, é certamente quem se senta naquela bancada, e não o Governo ou a maioria.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
Protestos do PCP.
O Sr. Dias Lourenço (PCP): - Seu pulha, seu pulha!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos ver se continuamos o debate em termos correctos e possíveis. O Sr. Deputado Santana Lopes está no uso da palavra ...
Pode continuar, Sr. Deputado.
O Orador: - Sr. Presidente, mais uma vez estou a ser ofendido por aquela bancada através de ofensas pessoais.
Uma voz do PCP: - Não tanto quanto merecia.
O Orador: - Os Srs. Deputados normalmente ofendem-se muito, todos nós sabemos que esmeram presos durante muitos anos pela PIDE, mas se não queriam ouvir isto não lhes tivessem copiado os métodos, tentando fazer a este povo o mesmo que Lhe fez a PIDE.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
Protestos do PCP.
Em último lugar, Sr. Presidente, queria dizer que é natural esta falta de rigor e de princípios do Partido Comunista; e digo isto porque a ilação política a tirar -e não há medo nenhum de falar da greve do dia 12 de Fevereiro-é esta: a adesão foi escassa, os objectivos políticos da greve - é bom relembrá-los: demissão do Governo e dissolução do Parlamento- falharam!
Vozes do PCP: - Aguenta! Aguenta!
O Orador: - Os senhores são os grandes derrotados. O Governo defendeu-se e muito bem; o
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Sr. Ministro da Administração Interna defendeu-se e muito bem, é essa a vossa frustração
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
O Sr. Presidente: - Não sei se o Sr. Deputado Sousa Marques deseja contraprotestar...
O Sr. Sousa Marques (PCP): - Sr. Presidente, o meu grupo parlamentar não tem tempo, mas gostava de dizer o seguinte: quem uma vez aqui chamou «ministro da propaganda» ao Sr. Proença de Carvalho foi o Dr. Sá Carneiro. Julgo que qualificou dessa maneira ...
O Sr. Presidente: - Ó Sr. Deputado...
O Orador: - Sr. Presidente, deixe-me acabar, se faz favor.
Vozes do PCP: - Deixe falar o deputado!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, quero só dizer-lhe que, no uso dos poderes que me competem, o facto de V. Ex.ª citar qualquer precedente não faz com que eu modifique a advertência que lhe fiz no sentido de tratar os membros do Governo, ou outras entidades, pelos seus nomes ou pelas funções que exercem, ou seja, através das suas designações correctas. Era só isto que queria dizer.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
O Orador. - Sr. Presidente, desejo interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Julguei que estava a interpelar, Sr. Deputado, mas como há mais interpelação à Mesa, V. Ex.ª fica inscrito para a produzir em tempo oportuno.
O Orador: - Sr. Presidente, eu desejo interpelar s Mesa no seguinte sentido...
O Sr. Presidente: - Há mais duas interpelações antes da sua, Sr. Deputado.
O Orador: - Sr. Presidente, podia ouvir aquilo que vou dizer?
Protestos do PSD, do CDS e do PPM.
O Sr. Carlos Robalo (CDS): - Isto não é sovietismo!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, para o ordenamento correcto dos trabalhos eu dei-lhe a «palavra na sua vez. O Sr. Deputado acabou a sua intervenção e eu fiz um comentário que me pareceu oportuno.
Protestos do PCP.
Vozes do, PCP: - O Sr. Presidente não o deixou acabar a intervenção.
O Sr. Manuel Alegre (PS): - Isto é uma vergonha!
O Sr. Presidente: - Um momento, Srs. Deputados. Peço licença para continuar, a não ser assim terei de suspender os trabalhos para ver se nos entendemos O Sr. Deputado agora inscreve-se para nova interpelação?
O Orador: - Não, não é isso!
O Sr. Presidente: - Então o que é? Pode dizer-nos?
O Orador: - Sr. Presidente, nós não queremos contribuir para este clima.
Protestos do PSD, do CDS e do PPM.
Eu estava a responder ao protesto do Sr. Deputado Santana Lopes, ainda não tinha concluído a minha primeira frase - estava a meio da minha primeira frase -, o Sr. Presidente interrompeu-me e nem sequer ouviu o resto da minha primeira frase.
Vozes do PCP e do PS: - Muito bem!
O Orador: - É neste sentido, Sr. Presidente, que eu peço o máximo de atenção para aquilo que os deputados estão a fazer. Eu estava a contraprotestar em relação a um protesto que me tinha sido dirigido, estava a fazê-lo de uma forma totalmente correcta e o Sr. Presidente nem sequer me deixou concluir a primeira frase. Isto é espantoso!
O Sr. Presidente: - Então conclua, Sr. Deputado. Em todo o caso, peco-lhe, dentro da orientação que há pouco referiu, a de que desejava contribuir para a serenidade dos debates, para ter em conta a observação que lhe fiz na continuação da anterior.
Continue o seu contraprotesto, se é esse o seu desejo, Sr. Deputado.
O Orador: - Sr. Presidente, eu tinha começado o meu contraprotesto por dizer...
O Sr. Portugal da Silveira (PPM): - Já sabemos!
O Orador: - Mas o que é isto?
O Sr. Presidente: - Faça favor de continuar, Sr. Deputado Sousa Marques.
O Sr. Carlos Robalo (CDS): - Ô Portugal da Silveira, você agora não tem razão.
O Orador: - Sr. Presidente, eu tinha começado o meu contraprotesto por dizer que o meu grupo parlamentar tinha pouco tempo disponível e que eu tinha de ser muito rápido. Porém, gostava de concluir a minha ideia: é que quando o então deputado Sá Carneiro qualificou de «ministro da propaganda» um membro de um governo estava a fazer uma qualificação política e estava a fazê-lo legitimamente. Nós temos este direito e repetidamente o temos exercido e continuaremos a exercer, sem com isto pretendermos ofender a dignidade deste ou daquele membro do Governo. Aliás, como a nós nos podem qualificar como entenderem, nós também entendemos que devemos qualificar politicamente os membros de um governo ou Qualquer deputado de qualquer outra bancada conforme o queiramos fazer.
Aplausos do PCP, da PS, da ASDI, da UEDS, do MDP/CDE e da UDP.
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O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Robalo.
O Sr. Carlos Robalo (CDS): - Sr. Presidente, prescindo porque a interpelação que ia fazer era de teor semelhante à que foi feita pelo Sr. Deputado Santana Lopes.
Vozes do PCP: - Ah! ...
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Vice-Primeiro-Ministro.
O Sr. Vice-Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pedi a palavra para um curto protesto.
Queria dizer, em nome do Governo, que este não aceita que nesta Câmara membros seus sejam denominados por designação que não é aquela que lhes pertence por lei.
Vozes do PSD, do CDS e do PPM: - Muito bem!
O Orador: - E se o Partido Comunista não retirar neste momento as designações que formulou, fora desse conceito, a membros do Governo, o Governo não responderá a mais nenhuma pergunta ou pedido de esclarecimento feito pelo Partido Comunista.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
O Sr. Carlos Robalo (CDS): - É assim mesmo!
Protestos do PCP.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Sousa Tavares.
O Sr. Sousa Tavares (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Podia dizer simplesmente aquela frase: «Até quando Catilina abusarás tu da nossa paciência.»
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - É que, de facto, dizer que os actuais membros do Governo podiam ter sido ministros antes do 25 de Abril é altamente ofensivo, e o Sr. Deputado Sousa Marques sabe que assim é.
O Sr. César de Oliveira (UEDS): - Alguns até foram!
O Orador: - O Sr. Deputado sabe muito bem que foi o seu partido que roubou e que se apoderou dos arquivos da PIDE para que o grande público, inclusivamente eu próprio, não pudesse saber quais os membros do Partido Comunista que faziam serviço para a PIDE e vice-versa.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
Esta é uma verdade que está colada na nossa cabeça: nos arquivos da PIDE não se encontrou mais ninguém para além de membros do Partido Comunista que faziam o jogo de agentes duplos.
Protestos do PCP.
Esses são os vossos métodos nos países onde dominam, e de entre eles não há um só país que não tenha uma polícia política como foi a PIDE. Nos países onde dominam os partidos comunistas existem presos sem culpa formada, existem violências, existem interrogatórios, e isso é que é fascismo!
Aplausos do PSD. do CDS e do PPM.
A Sr.ª Alda Nogueira (PCP): - Vamos ver, Sr. Deputado.
O Orador: - Esse insulto cai sobre a vossa própria cabeça. Vocês não têm nada a ver nem com a liberdade nem com a democracia.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Nunca tiveram nem nunca terão a ver com a democracia. Vocês usam a palavra democracia como uma baba ranhosa, como os pretos quando dizem muitas vezes uma palavra até lhes cair a baba.
Vozes do PS e do PCP: - Racista!
O Orador: - É a mesma coisa. Vocês falam da democracia como um insulto para os democratas.
Aplausos do PSD, do CDS € do PPM.
Vozes do PS: - Racista!
Protestos do PCP e do MDP/CDE.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito para contraprotestar.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Neste clima especialmente tenso que agora se criou, particularmente com a intervenção do Sr. Deputado Sousa Tavares, quero fazer um protesto em nome da bancada do Grupo Parlamentar do PCP.
Nós não vamos questionar da honra antifascista do Sr. Deputado Sousa Tavares..., não o vamos fazer, mas...
O Sr. Sousa Tavares (PSD): - O que é feito do Canais Rocha?
Vozes do PCP: - Cale-se!
O Sr. Rogério de Brito (PCP): - Você é um pulha!
O Orador: - O Sr. Deputado Sousa Tavares, que conheceu alguns de nós, não depois do 25 de Abril, mas de muito antes do 25 de Abril, certamente neste momento já está repeso das calúnias que sobre nós lançou. Sabe que os que aqui estão nesta bancada de há muito lutam pela liberdade, pela democracia. Lutaram contra o fascismo, são homens honrados, são homens de cara levantada.
Uma voz do PSD: - Não estão aí todos os comunistas!
O Sr. Sousa Tavares (PSD): - Pela liberdade não, nunca lutaram pela liberdade!
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O Orador: - ...e não roubaram os arquivos PIDE...
Vozes do PSD:- Não? ...
O Orador: -... nem colaboraram com a opressão nem antes nem depois do 25 de Abril. Sr. Deputado Sousa Tavares, talvez sobre si muitas vezes tivessem recaído suspeitas e nós nunca alimentámos essas suspeitas ... Deve-nos isso à nossa honra, à nossa honestidade.
Aplausos do PCP.
Mas, Sr. Deputado Sousa Tavares, não nos venha agora atirar pedras porque não roubámos os arquivos da PIDE, conhecemos tanto dos arquivos da PIDE como outros democratas com assento na Assembleia da República, e se calhar muito menos do que outros conhecem e que desde o 25 de Abril a eles têm tido acesso. Mas, Sr. Deputado, aquilo que o nosso povo conhece da nossa conduta, do nosso comportamento, de toda a informação que veio a público ao longo destes anos, é o bastante para estarmos de rosto levantado perante o povo português, perante a Pátria Portuguesa, e é por isso que não podemos admitir calúnias e insinuações como aquelas que o Sr. Deputado quis fazer. Essas calúnias voltam-se contra si, se insistir nelas, se não as retirar.
Em relação ao Sr. Vice-Primeiro-Ministro devo dizer o seguinte: esse modo tão sensibilizado como o senhor reagiu à qualificação de «ministro da inventona», utilizada pelo meu camarada Sousa Marques, não tem lugar na Assembleia da República. Muitas vezes aqui se ironizou com membros do governo sem qualquer intenção ofensiva.
Vozes do PSD: -Ah, pois não! ...
O Orador: -... mas sim com uma carga política que não legitima a posição em que, por seu intermédio, o Governo se colocou.
Isso pode ser uma maneira de se esquivar a responder a questões muito concretas que foram colocadas. Será interpretado assim, será interpretado como uma atitude de fraqueza do Governo.
Repare que o próprio Sr. Dr. Sá Carneiro, quando era deputado na Assembleia da República, usou expressões como essa. Provavelmente o Sr, Ministro, quando deputado, também as terá usado. Não se esconda, portanto, o Governo nessa atitude...
O Sr. Vice-Primeiro-Ministro:- Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?
O Orador: - Faça favor.
O Sr. Vice-Primeiro-Ministro: - Sr. Deputado, não me oponho, nem poderia fazê-lo, a que os Srs. Deputados qualifiquem conforme quiserem os membros do Governo, aquilo a que me oponho é que se chamem os membros do Governo por outra designação que não seja aquela que lhes é devida.
Vozes do PSD, do CDS e do PPM: - Muito bem!
O Orador:- Sr. Ministro, naturalmente que durante o debate nem sempre temos usado, em relação aos ministro, a designação que lhes é devida -a indicação da sua pasta -, mas não nos pode proibir de ironizar usando uma qualificação que se prende com o cargo de ministro e com a intenção que queremos atribuir à sua actuação, ou sejam os casos da inventona relacionada com a greve do dia 12 de Fevereiro.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Creio, Sr. Vice-Primeiro-Ministro, que não tem nenhuma razão para se colocar nessa posição. Se assim o fizer é uma posição de fraqueza do Governo, que desmente frontalmente tudo aquilo que têm declarado, isto é, que a greve foi fraca, que os nossos objectivos foram derrotados, etc. Pelo contrário, isso demonstrará que o Governo tem falta de humor, que o Governo tem mau perder, demonstrará à opinião pública portuguesa que as nossas reclamações em relação a este governo são correctas, são justas, que este governo é incapaz de ter um diálogo democrático, que este governo só tem um caminho... é ir embora, visto nem sequer suportar o debate vivo e polémico aqui na Assembleia da República, debate adequado a todos os Parlamentos do Mundo.
Aplausos do PCP.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Do Mundo ...
O Orador: - Se o Governo não é capaz de responder, o melhor é ir-se embora.
Lembro-lhe, a propósito, que Salazar também passou, como está recordado, pelo Parlamento da República, ...
O Sr. Leonel Santa Rita (PSD): - Saudosista!
O Orador: - ... mas foi embora, não aguentou esse clima.
Vozes do PCP: -Muito bem!
O Orador: - Não me diga, Sr. Vice-Primeiro-Ministro Freitas do Amaral, que também já não suporta o clima de discussão e de debate do Parlamento da República.
Vozes do PCP: -Muito bem!
O Orador: - Isso então confirma tudo: o Governo está a mais, o Governo nem sequer é republicano.
Aplausos do PCP e do MDP/CDE.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estão ainda inscritos 2 deputados para pedir esclarecimentos ao Sr. Secretário de Estado e há mais 3 inscrições, suponho, para interpelar a Mesa. Chamo a atenção da Câmara para o facto de já estar ultrapassada a hora prevista para fazer o habitual intervalo em cerca de l hora.
Estão inscritos para interpelar a Mesa os Srs. Deputados Lopes Cardoso, António Arnaut e Manuel Alegre. Penso que era altura de fazer o nosso intervalo regimental.
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O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, considero que a minha interpelação tem uma oportunidade, como, aliás, tem todas as interpelações feitas à Mesa. Pretendo, por isso, fazê-la neste momento.
Requeiro da Mesa esclarecimentos em relação & factos que acabaram de ocorrer nesta Assembleia, esclarecimentos esses que não só tenho o direito como o dever de formular.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, gostava de saber quais os critérios que a Mesa segue nas suas chamadas de atenção aos deputados. O Sr. Presidente não deixou o Sr. Deputado Sousa Marques terminar uma frase, entendeu interrompê-lo, mas ficou calado quando o Sr. Deputado Sousa Tavares fez nesta Assembleia esta espantosa afirmação dirigindo-se à bancada do Partido Comunista: «Os senhores são como pretos. Repetem as palavras até lhes cair a baba.»
A afirmação é do Sr. Deputado Sousa Tavares, fica com ele. O Sr. Presidente, deixando passar em silêncio uma afirmação desta gravidade, não lhe chamando a atenção utilizando critérios perfeitamente antagónicos àqueles que usou anteriormente, está a co-responsabilizar esta Assembleia.
Aplausos da UEDS, do PS, do PCP, da ASDI e do MDP/CDE.
O Sr. Presidente:- Srs. Deputados, desejo responder à interpelação do Sr. Deputado Lopes Cardoso explicando, ainda em relação ao uso da palavra pelo Sr. Deputado Sousa Marques, que eu não pretendi interrompê-lo, apenas pensei que ele tinha concluído a sua intervenção. Em relação às afirmações do Sr. Deputado Sousa Tavares, considero que talvez tenham sido um bocado...
Vozes do PS e do PCP: - Talvez?
O Sr. Presidente: - ... para mim a qualificação de «ser como preto» não me fere particularmente.
Vozes do PS e do PCP: - Claro! ...
O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Registamos.
O Sr. Presidente: - Em todo o caso, continuarei a esforçar-me para que o debate possa continuar a processar-se num ambiente de respeito mútuo, de controvérsia, certamente, mas, acima de tudo, de diálogo democrático à altura do nível desta Câmara.
Vozes do PS e do PCP: - Registamos!
O Sr. Presidente: - Quanto às interpretações do Sr. Deputado Lopes Cardoso, devo dizer que nunca abdiquei das minhas responsabilidades, nem tenciono fazê-lo.
Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Alegre.
O Sr. Manuel Alegre (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para formular um protesto.
Quero protestar contra a expressão utilizada pelo Sr. Deputado Sousa Tavares e quero protestar contra as palavras acabadas de proferir pelo Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Faça favor.
O Orador: - Considero que á expressão utilizada pelo Sr. Deputado Sousa Tavares de que os deputados do Partido Comunista são como «pretos que se babam» tem um sentido racista, pejorativo, que ofende o espírito da nossa democracia e da nossa Constituição.
Aplausos do PS. do PCP, da ASDI, da UEDS, do MDP/CDE e da UDP.
Mais que ofende os sentimentos e as tradições anti-racistas do povo português
Aplausos do PS, do PCP, da ASDI, da UEDS, do MDP/CDE e da UDP.
Considero que as palavras do Sr. Presidente são ofensivas da dignidade desta Assembleia porque não estão de acordo nem com a democracia, nem com o espírito da Constituição, nem com os sentimentos anti-racistas do povo português.
Aplausos do PS, do PCP, da ASDI, da UEDS. do MDP/CDE e da UDP.
O Sr. Sousa Tavares (PSD): - Peço a palavra. O Sr Presidente: - O Sr. Deputado.
O Sr. Sousa Tavares (PSD): - Sr. Presidente, eu tenho o direito de me defender.
O Sr. Presidente: - Tem sim, Sr. Deputado, já lhe dou a palavra.
O Sr. Deputado António Arnaut pediu a palavra para que efeito?
O Sr. António Arnaut (PS):- Sr. Presidente, eu queria protestar contra afirmações do Sr. Vice-Primeiro-Ministro e pedi a palavra logo que o Sr. Vice-Primeiro-Ministro acabou de falar.
O Sr. Presidente: - Então, se não se importa, dou de imediato a palavra ao Sr. Deputado Sousa Tavares para usar do seu direito de defesa.
O Sr. António Arnaut (PS): - Com certeza Sr. Presidente.
O Sr Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado Sousa Tavares.
O Sr. Sousa Tavares (PSD): - Sr. Presidente, tenho muito gosto em dar explicações ao Sr. Deputado Lopes Cardoso, tenho menos gosto em dar explicações ao Sr. Deputado Manuel Alegre, que está sempre de sentinela a tudo quanto eu digo.
Risos.
Era melhor que guardasse o seu espírito de sentinela para outras coisas!
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O que eu quis dizer foi que há um ditado negro, que, aliás, não é citado por mim, que diz: «Uma palavra muitas vezes repetida transforma-se em baba.»
O chiqueiro que fizeram nesta Assembleia e a forma como foi interrompido não me deixaram levar a minha ideia até ao fim.
Deputados do PS, do PCP, da ASDI, da UEDS e do MDP/CDE batem com a palma das mãos nos tampos das carteiras.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, é preferível...
O Orador: - O que é isso, César de Oliveira? Homem, tenha maneiras... isto que eu estou a dizer é verdade. Deixe essas manifestações para os seus vizinhos do lado.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Sousa Tavares, agradeço-lhe que procure moderar a sua linguagem e que procure defender-se com a dignidade que tem.
O Orador: - Estou a usar uma linguagem perfeitamente adequada.
Há um ditado negro, vou repeti-lo, que diz: «Uma palavra muitas vezes repetida transforma-se em baba.» Foi isso que quis dizer ao Partido Comunista, partido que nada tem a ver com a democracia, mas que passa a vida a falar nela até a democracia se transformar em baba na boca dele
Vozes do PCP: - Na sua boca!
Uma voz do PCP: - O senhor até (inventa ditados!
O Sr. Carlos Robalo (CDS): - Sr. Presidente, para protestar em relação ao protesto do Sr. Deputado António Arnaut.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. António Arnaut (PS): - Deixe o Governo protestar!
O Sr. Carlos Robalo (CDS): - Sr. Deputado António Arnaut, espero bem que me dê a liberdade de poder protestar. Se V. Ex.ª se assume como deputado democrático, espere que eu responda.
Quero protestar em relação à afirmação de alijar responsabilidades em relação aos deputados. A dignidade desta Câmara passa pela dignidade do comportamento dos deputados.
Vozes do CDS e do PSD; - Muito bem!
O Orador: - O que parece que neste momento está a acontecer é que alguém está interessado em diminuir, em enxovalhar, este Parlamento, e quando se quer enxovalhar o Parlamento, enxovalha-se a democracia.
Aplausos do PSD.
Vozes do PCP: - É o Sousa Tavares!
O Orador: - E quero dizer-lhe mais: não responsabilize o Governo. O Governo tem de se responsabilizar por ele mesmo, não podendo aceitar qualquer tratamento.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Arnaut.
Vozes do PSD: - Muito bem.
O Sr. António Arnaut (PS): - Sr. Presidente, numa forma muito breve e serena, mas categórica, desejo protestar contra afirmações do Sr. Vice-Primeiro-Ministro e contra o espírito antidemocrático que lhe está subjacente. Em primeiro lugar, porque compete a V. Ex.ª, Sr. Presidente, assegurar a ordem, o abuso e a disciplina desta Assembleia, e não compete ao Sr. Vice-Primeiro-Ministro, nem ao Governo, julgar do conteúdo porventura ofensivo, ou menos decoroso, das intervenções dos Srs. Deputados.
Vozes do PS e do PCP: - Muito bem!
Protestos do PSD, do CDS e do PPM.
O Orador: - Em segundo lugar, e muito principalmente porque ao recusar-se, da forma como o fez, a responder a interpelações de uma bancada desta Assembleia, qualquer que seja ela, o Governo enjeita a sua responsabilidade perante o Parlamento, e esta não é uma ofensa menor que se faz à Assembleia da República e à democracia.
Aplausos do PS, do PCP, da ASDI, da UEDS e do MDP/CDE.
Vozes do CDS: - Não apoiado!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Carlos Robalo, poderá informar a Mesa das razões porque pediu a palavra?
O Orador: - Tem de concordar, Sr. Deputado, que a qualificação de um membro de um órgão de soberania como «ministro da inventona», por mais desculpas que se façam, só pode vir de alguém que tem da democracia um conceito muito lato, que acaba por ser um conceito de ditadura. Naturalmente, Sr. Deputado António Arnaut, que não o posso aí incluir. O Sr. Deputado não está incluído no número dos deputados que necessitam que o Presidente lhes diga como é que se devera comportar.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Considero que V. Ex.ª é suficientemente idóneo. Lamento, no entanto, que, sendo idóneo, não reconheça que os outros também o devera ser e que alguns o não são.
Era este o sentido do meu protesto.
A responsabilidade da dignidade deste Parlamento é nossa e nós não a enjeitamos e não a queremos enxovalhar. Nós não queremos que este Parlamento se transforme em Parlamento da ditadura, conforme alguns o parecem querer desejar.
Aplausos do CDS, do PSD e do PPM.
O Sr. Presidente: - Sugiro, Srs. Deputados, que façamos agora o nosso intervalo regimental. Está suspensa a sessão.
Eram 15 horas e 30 minutos.
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O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão.
Eram 19 horas e 15 minutos
O Sr Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento ao Sr Secretário de Estado, tem a palavra o Sr Deputado Nunes de Almeida,
O Sr. Nunes de Almeida (PS): - Sr, Secretário de Estado, eu tinha uma pequena pergunta a fazer que visa esclarecer uma questão que foi abordada há cerca de uma semana por um orgão de comunicação social. A pergunta caberia melhor se fosse formulada ao Sr Ministro Já Administração Interna Todavia, dado que V. Ex.ª, Sr Secretário de Estado, assumiu com tanta galhardia a solidariedade governamental - não sei se pelas razões já apontadas pelo meu camarada Manuel Alegre -, talvez no sentido de compensar as ferroadas que O Expresso tem dado ao longo do último ano ao Sr. Ministro Ângelo Correia...
Risos
Aí sim, nalguns casos até de uma forma talvez excessiva transformando de uma forma incorrecta o Sr Ministro num objecto de irrisão pública.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Mas já que V Ex.ª assumiu com tanta galhardia essa solidariedade governamental, e já que V. Ex.ª assumiu mesmo, mais do que a função da eminência parda do Primeiro-Ministro, a função de eventual challenger do Sr. Vice-Primeiro-Ministro...
Risos do PS
... na efectiva e real condução do Governo, permitir-me-ia colocar a V. Ex.ª pergunta, dado que se a colocasse ao Sr. Ministro da Administração Interna - que já afirmou só responder quando quisesse e não quando devia - que se encontra tão bem ladeado pelo Vice-Primeiro-Ministro, pelo ministro adjunto, pelo secretário de Estado adjunto - quiçá porque o Governo considerou que era necessário ladeá-lo tão bem para o impedir de falar...
Risos
..., por estes motivos coloco a questão a V. Ex.ª
O semanário O Diabo - não vai aqui qualquer preocupação minha no sentido de dar foros de veracidade àquilo que n'0 Diabo e diz, mas tão-só o querer saber a verdade e obter o esclarecimento do Governo - informou-nos a semana passada que um dos elementos detidos no Parque de Eduardo VII, não só na altura da sua detenção possuía um cartão que lhe dava livre acesso às instalações do Comando da Polícia de Segurança Pública de Setúbal como era frequentemente visto a almoçar na messe da Policia de Segurança Pública dessa cidade e a conversar com guardas e outros agentes da PSP. Trata-se evidentemente de um facto que, a ser verídico, exige esclarecimento, e que, devido a ter vindo a público num orgão de comunicação social, pela sua gravidade decerto mereceu do Governo o necessário inquérito com vista à sua elucidação.
Gostaria de saber, Sr Secretário de Estado, os resultados desse inquérito, decerto rapidamente efectuado, e saber qual a razão por que dispunha - no caso de isto ser verdade - tal indivíduo de um cartão de acesso às instalações da PSP de Setúbal e que lhe permitia frequentar assiduamente essa corporação Trata-se, como aí irmã O Diabo, de uma infiltração no seio da Polícia ou tratava-se de outra coisa distinta.
Desejava saber. Quais os critérios de acesso às instalações da Policia? Quais as medidas adoptadas pelo Governo na sequência deste facto? Quais as relações electivas que existiam entre este indivíduo e a Polícia de Segurança Pública?
Vozes do PS e da UEDS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Herberto Goulart.
O Sr Herberto Goulart (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs Deputados - O Sr Secretário de Estado, na sua intervenção, manifestou uma atitude de solidariedade para com o Sr Ministro da Administração Interna, indo ao ponto de afrontar aqueles que pretenderiam isola-lo Devo dizer que nesta questão estamos de acordo com o Sr Secretário de Estado Pensamos que o comportamento do Sr. Ministro da Administração Interna, nos acontecimentos envolventes do dia 12 -antes e depois -, responsabilizam todo o Governo, e se o Sr. Ministro da Administração Interna dele ser individualizado deve-o apenas ser na gargalhada geral que provocou no País com as suas intervenções nos órgãos de comunicação social antes e depois do dia 12.
A questão concreta que queria colocar ao Sr. Secretário de Estado tem a ver com a intervenção que aqui fez, e que já, foi referida por um Sr Deputado como um momento de lucidez, de claramente proeurou demarcar as acções desencadeadas pelos trabalhadores no exercício de um jeito constítucional (a prática da greve) das acções de grupos terroristas, caracterizadas ate agora pela apreensão de um carro no Parque de Eduardo VII
O Sr. Secretário de Estado proeurou isolar estas acções como situações não concordantes, não havendo nexos entre essas duas acções. Gostaria, por isso, de lhe chamar a atenção para a nota oficiosa, que não e apenas do Ministério da Administração Interna mas também da Presidência do Conselho de Ministros, do dia 13 do mês de Fevereiro, onde se procura induzir na opinião pública uma visão totalmente diferente daquela que o Sr Secretario de Estado aqui referiu. Num primeiro ponto a nota oficiosa diz que «o Governo detectou movimentações minoritárias» - e certo -, «destinadas a pôr em causa a ordem e a segurança dos cidadãos», mas logo a seguir induz-se uma errada ligação quando se diz «estas movimentações sucederam-se a diversas perturbações pontuais da normalidade democrática verificadas ao longo do dia», ou seja, são de facto perturbações, mas sem qualquer relevância, que são aqui apresentadas no contexto da greve desencadeada no dia 12 de Fevereiro. Isto é, há aqui uma clara intenção de ligar estas movimentações minoritária», que mais tarde vão ser referidas como terroristas, às acções da greve do dia 12.
De seguida o Governo afirma: «O Governo estava plenamente consciente dos riscos das ocorrências
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daquelas movimentações minoritárias, nomeadamente na eventualidade de vir a frustrar-se o ensaio de greve geral», ou soja, o Governo na sua nota oficiosa relaciona tais movimentações - embora as rotule de minoritárias - como ligadas, visto serem uma alternativa à greve geral, às motivações da própria greve geral. No fim da nota oficiosa o Governo assume esta perspectiva de uma forma perfeitamente clara, numa interpretação muito sui generis, do que foi a dimensão da greve, quando salienta que «no dia 12 de Fevereiro os trabalhadores portugueses derrotaram de forma esmagadora a tentativa da greve comunista. No mesmo dia» - faz aqui a relação entre as duas afirmações -, «o Governo, com o concurso das forças de segurança, neutralizou uma tentativa terrorista destinada a subverter as estruturas do Estado democrático de direito».
A questão concreta que gostava de colocar ao Sr. Secretário de Estado é a seguinte: a afirmação que fez na sua intervenção, que há pouco citei, corresponde, na sua perspectiva - outras intervenções do Governo não apontaram nesse sentido-, a uma clara intenção de corrigir a nota oficiosa do dia 13 de Fevereiro que transmitiu ao Pais a posição pública do Governo?
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Marcelo Rebelo de Sousa, para responder, se assim o entender.
O Sr. Secretário de Estado da Presidência do Conselho:- Sr. Presidente e Srs. Deputados: Antes de mais quero referir três questões provias.
A primeira, para testemunhar uma vez mais, da parte do Governo, o respeito que nos merece a Assembleia da República. O respeito da instituição parlamentar e do seu funcionamento livre e prestigiado é essencial ao respeito da democracia.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - E, a título pessoal, da experiência que tive como parlamentar na Assembleia Constituinte, tenho para mim que o respeito pela democracia está indissoluvelmente ligado ao prestígio, ao respeito do. Parlamento e a um tipo de funcionamento desse Parlamento - e cito, nomeadamente, o caso da Constituinte por o conhecer de perto -, na base do diálogo e do respeito pelo pluralismo, do respeito de certas regras de convivência mínimas que devem pautar não só as relações entre os deputados mas também devem existir entre os órgãos de soberania.
Vozes do CDS: - Muito bem!
O Orador: - Em segundo lugar, para testemunhar por parte do Governo -e naturalmente no entendimento que a Aliança Democrática tem - o respeito pelas convicções ideológicas, as mais diversificadas, e a afirmação clara de não racismo da parte das forças políticas que compõem a Aliança Democrática, respeito esse que naturalmente o Governo também perfilha.
Em terceiro lugar, para dizer que é inaceitável o tipo de acusações que aqui continuam a ser feitas ao Governo e a alguns dos seus membros por parte de determinada bancada, fazendo comparações abusivas com o regime deposto em 25 de Abril e com políticos responsáveis desse regime. Comparações essas, aliás, que acabam por recair de forma inadmissível não só - e nem tanto - nos membros do Governo mas nos milhões de eleitores que votaram na Aliança Democrática e que, por essa forma, são acusados, directa ou indirectamente, de terem sufragado posições e de terem apoiado pessoas que tem um comportamento identificável com aquele que se apresentou como sendo o do regime deposto em 25 de Abril.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Sousa Marques (PCP): - Dá-me licença que o interrompa?
O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Sousa Marques (PCP): - É apenas uma curtíssima observação: nos considerandos às minhas perguntas fiz 7 citações de textos diferentes, entre elas 4 citações do vosso Governo e 3 citações de governos fascistas de 1962 e 1963 a propósito de manifestações do 1.º de Maio. A leitura destas 7 citações mostra a linha, o pensamento que está implícito nesses dois conjuntos de textos. Era essa a questão que queria sublinhar na minha intervenção.
Nesse sentido eu vou distribuir os textos autênticos e completos, quer dos governos de 1962 e 1963, donde transcrevi aquilo que disse, quer a notas oficiosas deste governo, para que Sr. Secretário de Estado, Sr. Presidente e Srs. Deputados, claramente se perceba o sentido da minha intervenção.
Muito obrigado pela sua atenção. Sr. Secretário de Estado, que permitiu clarificar esta questão.
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Prosseguindo, devo dizer, portanto, que o Governo não aceita esse tipo de qualificação e de identificação. E não o aceita não só por si e pela maioria parlamentar que o apoia mas também - e repito - pelos milhões de cidadãos eleitores que apostaram e apostam na democracia, como democrática é a maioria parlamentar e democrático é o Governo que dela emana.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
O Sr. Deputado Lopes Cardoso pôs várias questões num estilo de seriedade e de fluência parlamentar que já lhe conhecia, nomeadamente dos tempos da Constituinte.
A primeira questão que levantou foi a de que não teria havido da parte do Governo, e designadamente na minha intervenção, qualquer tipo de resposta às questões suscitadas pela interpelação.
Ora, a forma como o Governo e eu próprio entendemos a interpelação era mais ampla do que um mero enunciado de questões sobre os acontecimentos ocorridos no dia 12 de Fevereiro.
A interpelação aqui apresentada pelo Sr. Deputado César de Oliveira abrangia pontos de política geral no domínio dá segurança interna, levantando questões concretas quanto à «estruturação, à lei quadro
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e quanto ao tipo de orientação política do Ministério da Administração Interna neste domínio.
Portanto, quanto a esse tipo de questões que fizeram parte da primeira zona - chamemos-lhe assim - da intervenção do Sr. Deputado César de Oliveira eu diria que respondi a alguns dos casos directamente. Retiro-me, por exemplo, ao caso das telecomunicações, em que quanto ao inquérito levantado por determinação do Sr. Primeiro-Ministro foi aqui perguntado pelo Sr. Deputado César de Oliveira se ele tinha sido efectivamente realizado, quando é que tinha tido o seu epílogo e se viriam ou não a sei conhecidas as suas conclusões, como, de facto, virão a ser presentes a esta Assembleia.
O Sr. Deputado Lopes Cardoso levantou uma segunda questão: se a política do Governo, a que chamou, eu diria eufemisticamente, a política do Ministério da Administração Interna - não há uma política de ministérios mas sim uma política global do Governo -, nomeadamente em matéria de segurança interna, é conforme com o respeito dos direitos, liberdades e garantias.
O entendimento do Governo é o de que é conforme mas que cabe naturalmente às instâncias próprias, designadamente à instância jurisdicional, apreciar os casos concretos da desconformidade através de sistemas de impugnação ou de responsabilização civil ou criminal dos responsáveis governamentais neste domínio.
Em relação à terceira questão que V. Ex.ª levantou, sobre se teria ou não havido um isolamento do Ministro da Administração Interna por parte do próprio Governo, recordaria aqui as notas oficiosas, várias vezes, citadas por diversas bancadas, emanadas uma da Presidência do Conselho de Ministros e a outra do Ministério da Administração Interna e da Presidência do Conselho de Ministros, e o comunicado do Conselho de Ministros em que se alude expressamente às posições globalmente tomadas pelo Governo nesta matéria, para já não referir os depoimentos que por duas vezes prestei em resposta a intervenções de um titular de um órgão de soberania sobre esta matéria em consonância com a posição do Governo.
O Governo em momento algum, e também aqui neste debate, deixou isolado o Sr Ministro da Administração Interna, como não deixa isolado nenhum outro membro do executivo, por definição de solidariedade governamental, por convicção na política prosseguida, por crença de que essa política foi prosseguida de acordo com os ditames do Programa do Governo e com as orientações nele definidas.
Vozes do PSD e do CDS: - Muito bem!
O Orador: - Portanto, o Governo não quer fazer bode expiatório do Sr. Ministro da Administração Interna ou de qualquer outro membro do Governo.
Foi depois levantada a questão de se saber qual a gravidade da tentativa terrorista que foi uma das componentes apontadas na descrição dos factos do dia 12 de Fevereiro. Eu repetiria o que então tive ocasião de dizer em primeiro lugar, no dia 12 de Fevereiro, com os antecedentes políticos conhecidos, verifica-se uma tentativa de greve geral. Sabe-se quais os objectivos políticos dessa tentativa, que eram, nomeadamente, objectivos de natureza institucional que se prendiam com o «derrube do Governo», com a convocação de eleições antecipadas e com as consequências inerentes em termos de processo de revisão constitucional em curso.
Isto é sabido, consta das palavras de ordem que, aliás, vão mudando de colocação ao longo do tempo mas que são globalmente as mesmas.
Relativamente a esta realidade houve quem a qualificasse - e não foi apenas o Governo ou os partidos da Aliança Democrática - como integrada num «plano de desestabilização promovido pelo Partido Comunista Português), consistindo num provocar de situações delicadas, de natureza social e económica, que levariam a uma autêntica insurreição. Refiro-me a uma entrevista do Sr. Deputado Mário Soares a um órgão de informação espanhol, onde especifica que «o instrumento de tal plano e o Partido Comunista Português».
Vozes do PSD: -Muito bem!
O Orador: - É esta a primeira referência à expressão insurreição, muito antes dos acontecimentos do 12 de Fevereiro.
No dia 12 verificam-se por todo o País vários actos que, no entender do Governo, são comprovadamente ilegais e criminosos e em relação a muitos dos quais o Governo já forneceu descrição e deu hoje nota pública, concretamente quanto ao comportamento de autarcas relativamente aos quais já foram suscitados procedimentos criminais.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - A existência destes actos em si mesmos é uma realidade, e o entendimento que o Governo tem é o de que eles não são ocasionais; na identidade de comportamento em vários dos actos nos vários pontos do território português e, portanto, poder-se-á dizer, quanto a esta segunda realidade, que é uma realidade autónoma da tentativa de greve mas com ela claramente relacionada numa vez que, por exemplo, os comportamentos dos autarcas foram comportamentos secundando a greve mas ultrapassando os poderes atribuídos pela lei.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Respondendo agora ao Sr, Deputado Herberto Goulart quero ainda referir um terceiro aspecto que coincide no tempo e que não coincide certamente por acaso, pois isso seria passar um atestado de completa inépcia e incongruência ao grupo que suscitou essa iniciativa. Trata-se da verificação da detenção de elementos alegadamente relacionados com uma organização que, como o Sr. Ministro da Administração Interna demonstrou, tem tido um comportamento terrorista - pelo menos desde 1980 até esta parte - e que, na posse ilegal de armas, na base dos elementos que foram divulgados pelo Governo antes da passagem a segredo de justiça, envolviam, no mínimo, numa proclamação ao País a interferência ilegal - porque e ilegal e subversiva das instituições uma vez que não é obviamente, permitida pelo funcionamento institucional de legalidade democrática vigente - na rede de telecomunicações.
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Ora, esta situação e a relação existente entre estes três factos é uma realidade.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Dá-me licença que o interrompa?
O Orador: - Faça favor.
O Sr. Carlos Brito (PCP): -Muito obrigado por me ter permitido a interrupção, Sr. Secretário de Estado.
Que relação tem isso com a greve, com os sindicatos que organizaram a greve e com as forças políticas que a apoiaram?
Risos do PSD, do CDS e do PPM.
O Orador: - Ora bem, eu não me quero antecipar, às investigações em curso, sobre o segredo de justiça.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Ah, ah! ..,
O Orador: - Simplesmente o que diria é que há uma coincidência temporal. É por isso que nas notas oficiosas do Governo, nomeadamente na primeira nota oficiosa do dia 13, e distinguem claramente em dois pontos os dois tipos de ocorrências: primeiro ponto, primeiro tipo de ocorrências; segundo ponto, segundo tipo de ocorrências. E a conclusão - que aliás foi já recordada pelo Sr. Deputado Herberto Goulart - é a seguinte: primeiro ponto, os trabalhadores, maioritariamente - foi esse e continua a ser o entendimento do Governo -, rejeitaram a tentativa de greve geral; segundo ponto, no fim do mesmo dia 12 o Governo, com o apoio das forças de segurança, debelou uma actuação de natureza terrorista que - já qualifiquei e mantenho o qualificativo - consideramos como sendo subversiva das instituições.
Na nota do dia 17 é especificada muito claramente a existência de actos ilegais e criminosos por causa da tentativa de greve - são os que com ela se relacionam directamente - e outros coincidentes no tempo com essa tentativa, isto é, implicando uma tentativa, à primeira vista, de aproveitamento pela coincidência temporal e que os elementos disponíveis trazidos a público parecem confirmar.
Vozes do CDS: - Muito bem!
O Orador: - Quer isto dizer que a ordem, a serenidade e a normalidade democráticas foram perturbadas - e foi aqui citado, por antecipação, o conteúdo de uma entrevista que amanhã será publicada num vespertino -, mas que devido à actuação do Governo, com o concurso das forças de segurança - e é o que dizia a minha nota oficiosa da madrugada do dia 12 para o dia 13 -, não se verificou a concretização do que poderia ter provocado uma efectiva subversão das instituições vigentes, portanto foram mantidas a serenidade e a normalidade democráticas em todo o território português.
Em relação a esta questão devo dizer concretamente ao Sr. Deputado Lopes Cardoso que o Governo não se refugia por detrás das forças de segurança e muito menos está a delapidar o seu prestígio. Não é possível nesta fase tomar conhecimento público dos relatórios dos responsáveis cimeiros das forças de segurança porque estão sob o segredo de justiça mas, porventura, em muitos pontos desses relatórios ver-se-á que o diagnóstico da situação foi além daquele que foi o diagnóstico do Governo, que se manteve em todas as circunstâncias com o sentido de Estado de que falava o Sr. Deputado Manuel Alegre.
Sr. Deputado Manuel Alegre, também eu começaria por saudar, na sua intervenção, a importância do diálogo democrático como uma peça fundamental na existência de uma democracia institucionalizada.
Disse o Sr. Deputado que houve na minha intervenção uma tentativa para globalizar, para teorizar sobre a política no domínio da segurança interna.
Eu devolveria essa acusação, como denotando um sentido de Estado, a intervenção que já citei, a justo título, do Sr. Deputado Jaime Gama da sua bancada.
Simplesmente não é possível, até pela própria generalidade da interpelação apresentada pela UEDS que não se resumiu aos acontecimentos do dia 12 deixar de fazer aqui intervenções de fundo. Para além dos esclarecimentos complementares que no concreto venham a ser dados pelo Governo e pelo Sr. Ministro da Administração Interna não é possível dissociar a questão das linhas mestras da política de segurança interna.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Porque foi aqui dito que o Governo não tinha uma política e que a política genérica e abstractamente definida no seu programa não estava a ser efectivamente cumprida, entendo que e responder à interpelação estar a mencionar os pontos essenciais da política do Governo constantes do seu programa e a forma como tem sido prosseguida pelo Governo.
O Sr. Deputado Manuel Alegre, de quem eu já conhecia um talento indesmentível no domínio poético, tem também, segundo disse, uma preocupação de há muitos anos no domínio da teorização das insurreições.
Risos do PSD, do CDS e do PPM.
Pois, sem querer ironizar, direi que isso nos levaria para um debate sobre o conceito de insurreição, o que não está em causa, porque, como o Sr. Ministro da Administração Interna esclareceu ao transcrever as palavras que disse, o que esteve em causa foi a tentativa de criação de um clima subversivo das instituições, potencialmente insurrecional, e não a verificação de uma insurreição.
Mas dir-lhe-ia que, em termos teóricos, um dos grandes debates que precedeu a queda do regime anterior foi o de saber quando e como se verificaria a insurreição e a tal crise nacional, e valeria a pena discutir um dia se essa queda se verificou de acordo com os modelos teóricos que durante muito tempo várias forças políticas defenderam quanto à insurreição generalizada e à crise de identidade nacional.
Vozes do PSD, do CDS e do PPM: - Muito bem!
O Orador: - Finalmente, também eu concordo com o Sr. Deputado Manuel Alegre quando diz que todas as intervenções de todos os titulares de órgãos de
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soberania - as intervenções dos membros do Governo, as intervenções dos Srs. Deputados bem como as intervenções de outros titulares de órgãos de soberania - devem ser pautadas pelo sentido do Estado.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
Quanto às questões levantadas pelo Sr. Deputado Mário Tomé quero referir quatro notas muita rápidas. Em primeiro lugar, o apreço que me merece o conhecimento que parece ter de literatura anglo-saxónica...
Risos do PSD, do CDS e do PPM.
- o temor que manifestou relativamente ao ridículo, e que é bem compreensível.
Risos do PSD, do CDS e do PPM.
A referência que fez a potenciais assassinatos pela polícia e que não são do tempo dos governos da Aliança Democrática; ...
Vozes do PSD:- Muito bem!
O Orador: - ,.. a evocação que fez do ano de 1975, do qual guardo a recordação da minha participação aqui na defesa da elaboração da Constituição no momento em que o Sr. Deputado se encontrava noutras zonas de actuação política, em Portugal, e penso que não a participar activa e entusiasticamente na feitura da Constituição que neste momento tão zelosamente defende.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
Em relação ao primeiro aspecto que o Sr. Deputado Luís Nunes de Almeida focou, devo dizer que a solidariedade governamental, no caso deste governo, existe por convicção e não por compensações, mesmo que jornalísticas.
Segundo aspecto: para quem criticava a maioria de falta de pessoal político -penso que era esse um dos leit motiv das bancadas da oposição -, agora a obsessão de que encontram pelo menos a dobrar - e qualquer dia às dúzias - primeiros-ministros, ministros para todas as pastas responsáveis pelos vários pelouros, parece-me, no fundo, contraditar essa carência de pessoal político que era apontada relativamente à maioria parlamentar.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - O terceiro aspecto que quero focar diz respeito a um ponto concreto que levantou. De facto, não é verdade que o cartão de que fala permitisse o livre acesso ao comando da PSP, permitia, sim, o acesso à messe. Por outro lado, devo dizer que está em curso um inquérito para apuramento dos factos que foram objecto da notícia.
Sr. Deputado Herberto Goulart, regresso finalmente a si, depois da breve nota que lhe fiz, para dizer que, de facto, a nota oficiosa do dia 13 retrata - e fá-lo com uma clareza, a meu ver, exemplar atendendo a que foi elaborada na madrugada de 12 para 13 de Fevereiro- a separação que o Governo soube fazer dos vários factos, bem como a convicção exacta de certas coincidências temporais.
O Sr. Deputado tem com certeza observado a vida política portuguesa recente e sabe bem como, na estratégia de certas forças políticas, a coincidência de acções ocasionais é uma pedra-de-toque.
V. Ex.ª sabe bem como essa coincidência no tempo e muitas vezes no espaço não é meramente ocasional.
No entanto, o Governo soube distinguir - e distinguiu ao dizer e repetir - que o objectivo que havia na tentativa de greve era um objectivo ao qual responderam os trabalhadores, mas o objectivo de perturbação de ordem pública foi um objectivo ao qual responderam, nos casos em que se verificaram, o Governo e as forças de segurança.
Ora, isto quer dizer que houve uma separação clara de planos. E qualquer confusão que se pretenda suscitar para encontrar contradições das versões, que o Governo tem dado nesta matéria é uma tentativa sujeita ao fracasso.
O Governo mantém rigorosamente aquilo que disse desde o primeiro momento, e a perturbação que em alguns casos se verifica, nomeadamente de uma determinada bancada, com o radicalismo verbal como aquele a que pudemos assistir hoje em certas circunstâncias, significa, na análise serena da situação, que havia objectivos políticos que se pretendiam prosseguir e que falharam e que há .um recuo táctico, em termos políticos, que tem de ser mascarado por um radical verbalismo.
O Governo e a maioria anotam esse facto e dele retiram a devida lição.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
O Sr. Presidente: - Pediram a palavra durante esta intervenção de respostas do Sr. Secretário de Estado os Srs. Deputados Lopes Cardoso, Manuel Alegre, Herberto Goulart, Carlos Brito e Mário Tomé.
Penso que os Srs. Deputados pediram a palavra para protestar, mas, em todo o caso, pedia ao Sr. Deputado Lopes Cardoso que me dissesse para que efeito pretende usar da palavra.
O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr Presidente, embora não seja muito dos meus hábitos, estou a dar um pouco de tratos à minha cabeça para descobrir qual é a fórmula regimental que me permitirá pedir alguns esclarecimentos suplementares ao Sr. Secretário de Estado Marcelo Rebelo de Sousa e fazer igualmente alguns comentários à sua intervenção.
Não vejo outra - o Sr. Secretário de Estado interpretará esta fórmula como penso que deve ser interpretada depois do que ele disse - que não seja a do protesto.
O Sr. Presidente: -- Se o Sr. Deputado Lopes Cardoso entender, também poderá fazer uma outra intervenção. Suponho que terá tempo disponível. Mas, se quiser protestar agora, faça favor.
O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Acontece apenas que, se eu usar a figura de intervenção, obviamente que as questões que tenho para pôr ao Sr. Secretário de Estado perderão oportunidade.
De qualquer forma pus-lhe a questão com toda a franqueza e, se o Sr. Presidente julgar abusiva a utilização da fórmula de protesto depois da confissão que fiz das minhas verdadeiras intenções, não usarei da
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palavra e deixarei para outra oportunidade as questões que quero colocar.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, dar-lhe-ia a palavra para um protesto nos pontos em que queria protestar, mas nas pontos em que queria intervir penso que terá uma melhor oportunidade numa segunda intervenção.
Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Lopes Cardoso {UEDS): - Começando por agradecer ao Sr. Secretário de Estado Marcelo Rebelo de Sousa as referências amáveis que entendeu dever fazer à minha pessoa e à minha intervenção, eu diria que já me unha habituado a ver no Sr. Secretário de Estado um brilhante parlamentar. Não poderei ir tão longe no elogio quanto ele foi em relação à minha pessoa porque, assumindo o Sr. Secretário de Estado, com ombridade integral, a solidariedade governamental a um governo que governa mal, eu diria que perdemos um parlamentar brilhante para termos um péssimo governante.
Vozes do PSD: - Não apoiado!
O Orador: - V. Ex.ª disse que o Governo mantém tudo quanto disse e eu, chegado a este momento da intervenção, começo a não saber o que é que o Governo mantém porque começo a não perceber o que, na opinião do Sr. Secretário de Estado, o Governo disse.
Parece que há uma intervenção do Sr. Ministro da Administração Interna na televisão que não corresponde exactamente à posição do Governo.
Parece que há uma nota oficiosa do Governo do dia 12 ou 13 - a memória falha-me quanto à data exacta - que não é exactamente aquilo que o Sr. Ministro veio aqui dizer.
De facto, gostaria de saber o que é que o Governo mantém. Mantém o Governo aquilo que dizia na sua nota oficiosa de que houve uma tentativa insurreccional? É que não se neutraliza algo que não existiu e o Governo, na sua nota oficiosa, diz que neutralizou uma tentativa terrorista destinada a subverter as estruturas do Estado democrático de direito!
Estas são afirmações extremamente graves, Sr. Secretário de Estado. Onde estão os dados que minimamente comprovam aquilo que acaba de afirmar?
O Sr. Secretário de Estado avançou agora com o argumento supremo e definitivo: para além dos pregos e dos pneus furados, de tudo quanto aqui já foi referido, ainda há mais, mas isso está sob segredo de justiça. Só que, se assim é, eu também não compreendo que o Governo não tenha avançado desde o início com esse argumento, que terá a sua legitimidade, e tenha vindo argumentar com argumentos que, no mínimo, o que podem é ser classificados de ridículos.
Quanto ao segredo de justiça com que o Governo parece agora tão preocupado, devo dizer que me congratulo com isso. Espero que o Governo tenha, de facto, mudado de comportamento e que o Sr. Primeiro-Ministro, em relação a quem ontem foi feita uma participação na Procuradoria-Geral da República por ter infringido o segredo de justiça, passe na verdade a respeitá-lo; que este não seja apenas um argumento - o tal argumento definitivo - para não serem obrigados a revelar a vacuidade dos protestos que têm para nos apresentar. É evidente que tudo isto tem de ser colocado num plano mais vasto que é o da própria orientação política do Governo nestas matérias. Mas o que está aqui em causa não é a afirmação e a repetição do que são teoricamente essas posições, mas verificar em que medida - porque é pela prática e não pelas palavras, que se afere do sentido real daquilo que se diz - a actuação do Sr. Ministro da Administração Interna respeita aquilo que nos é dito ser a orientação do Governo nessa matéria e respeita aquilo que e o enquadramento constitucional a que o Governo está obrigado. E quanto a isso continuamos ainda a aguardar uma resposta.
Vozes do UEDS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Manuel Alegre pretende usar da palavra para que feito?
O Sr. Manuel Alegre (PS): - Sr. Presidente, penso que tenho de recorrer - é só um pró-forma - à forma regimental do protesto.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Manuel Alegre (PS): - Sr. Secretário de Estado Marcelo Rebelo de Sousa, já conhecia o seu talento analítico muitas vezes desperdiçado com questões de conjuntura - e não só -, mas fiquei agora a apreciar o seu esforço teórico, o seu esforço para vestir a pesada dimensão do Estado.
Simplesmente, pela via da ironia, que é a maneira séria de colocar as questões sérias, suscitei aqui uma questão teórica à qual o Sr. Secretário de Estado - desculpar-me-á a insistência- não deu resposta. E essa questão era a de saber, ao fim e ao cabo, o que era um estado insurreccional e, mais concretamente, descendo ao chão da praxis, de saber se os elementos avançados pelo Sr. Ministro Ângelo Correia, as tais cabeças de fósforo, o sal de que eu me tinha esquecido, os pneus furados, enfim, se tudo isso configura - para usar uma expressão o Sr. Ministro - ou não uma situação insurreccional.
Estou comovido com esta solidariedade governamental, que é bonita, mas a verdade é que V. Ex.ª não respondeu à minha questão e não o pode fazer porque, por muito grande que seja o seu esforço e o seu talento, o Sr. Secretário de Estado sabe que não há resposta possível e que, sobretudo, não há cobertura possível para a falta de sentido de Estado demonstrada na televisão pelo Sr. Ministro da Administração Interna.
O Sr. César de Oliveira (UEDS): - Muito bem!
O Orador: - Eu sei que coloquei uma questão ingrata e difícil, é um problema teórico, porque não se brinca com estas coisas. Não é legítimo brincar com coisas que dizem respeito à segurança interna de um país, que dizem respeito ao regime democrático.
A questão de fundo é, afinal, saber o que põe ou não em causa um regime democrático; saber o que
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é ou não uma insurreição; saber o que pode ser ou nau a violação da legalidade democrática; saber o que pode ser ou não a intenção de subverter um regime, e não confundir pequenos actos que em si mesmos são ilegais com o chamado animus conspirandi, com a intenção mais global e mais grave, sob o ponto de vista político, de subverter a legalidade democrática.
Esta e uma questão de regime, é uma questão teórica e o Sr. Secretário de Estado - desculpar-me-á -, com alguma habilidade e algum talento, fugiu à questão e não me respondeu.
Aplausos do PS, da ASDI, da UEDS e do MDP/CDE.
O Sr. Presidente: - Também para um protesto, tem a palavra o Sr. Deputado Herberto Goulart.
O Sr. Herberto Goulart (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Secretário de Estado Marcelo Rebelo de Sousa usou uma figura teórica diferente da do Sr. Ministro da Administração Interna. O Sr. Ministro da Administração Interna tem usado a figura do antecedente e, inclusive na sua intervenção, falou em convergência entre as acções sindicais, ou seja, entre a utilização dos direitos constitucionais e as acções minoritárias de grupelhos terroristas, enquanto o Sr. Secretário de Estado usou a expressão coincidência temporal.
Numa outra intervenção poderíamos talvez debruçar-nos um pouco mais sobre este tema, mas gostaria, desde já, de salientar que esta questão suscita um outro importante problema. Em declarações que o Sr. Ministro da Administração Interna - julgo que na qualidade de porta-voz - do PSD - fez na televisão alguns dias antes da greve do dia 12 de Fevereiro, também ele proeurou apontar diversas coincidências entre acções provocatórias das designadas «Forças Populares do 25 de Abril» e acções de greves, de manifestações que os trabalhadores exerciam na justa defesa dos seus direitos, nas reivindicações salariais e de outra natureza.
Comentando essas afirmações, também de si hilariantes, um jornal perguntava se, sendo o Sr. Ministro responsável pelas polícias - e não utilizo aqui a expressão do dito jornal que o referiu como o «ministro das polícias», visto que poderia ferir as susceptibilidades do Governo, e portanto utilizarei a expressão «ministro responsável pelas polícias» -, não tinha de facto conhecimento de que a primeira questão de uma investigação policial era: a quem é que o crime compensa?
Embora o Sr. Secretário de Estado tenha procurar do identificar a nota oficiosa do Governo do dia 13 meramente como referindo coincidências temporais, escamoteando as claras intenções ele correlacionar os factos que ela faz em parágrafos sucessivos, a questão que deixava ao Sr. Secretário de Estado - não como pedido de esclarecimento, mas com a intenção de a suscitar nesta Assembleia - é a de, nesta perspectiva de coincidências temporais, saber qual é afinal o vector principal de coincidências. Se as coincidências desta «acçãozita» de um carro no Parque de Eduardo VII com uma metralhadora encravada, um emissor que parece que transmite a uma distância de 2 km e uma cassette que não sabe bem o que dizia tem um vector principal de ligação ao movimento grevista dos sindicatos ou ao movimento alarmista provocado pelo Governo.
Vozes do MDP/CDE e do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Tem agora a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito, creio que para protestar.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - O Sr. Presidente já determinou que teria de ser um protesto, de maneira que é isso que vou fazer.
O Sr. Presidente: - Não sou eu que determino. O Sr. Deputado conhece o Regimento. Faça favor.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como acabamos de ver, para o Governo, o segredo de justiça tem as costas largas.
Ora, é legítimo perguntar se o Governo não se abriga ilegitimamente por detrás do segredo de justiça.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - E é de perguntar muito concretamente ao Sr. Secretário de Estado Marcelo Rebelo de Sousa se o conteúdo da cassette a que o Governo chamou já «proclamação e também segredo de justiça. Porque é que o Governo a não divulga?
Há ou não há segredo de justiça neste caso?
É importante dizê-lo.
Não estará o Governo a proteger-se, não divulgando o conteúdo da cassete? Será que o seu conteúdo iria tornar mais clara a separação entre os sindicatos organizadores da greve geral e os partidos ou forças políticas quê a apoiaram e aqueles que pensavam emitir a proclamação?
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sabe o que estava na cassette!
O Orador: - Finalmente, considero inqualificáveis os termos em que o Sr. Secretário de Estado se referiu aos eleitos das autarquias. Não e admissível que um membro do Governo possa fazer em relação a eleitos pelo nosso povo tamanhas acusações sem sequer provar coisa nenhuma. Quais são os crimes de que acusa os eleitos das autarquias que referiu?
O que é que eles poderiam ter feito? Era fundamental que o Governo explicasse isso, porque o que o Sr. Secretário de Estado acabou de fazer é inqualificável.
Aplausos do PCP e do MDP/CDE.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estamos na hora prevista para a interrupção dos nossos trabalhos, mas, como há mais oradores inscritos para protestos, não sei se pretendem terminar primeiro os protestos e as respostas ou se preferem interromper agora.
Pausa.
Parece que há consenso para prolongarmos um pouco mais os nossos trabalhos.
Assim sendo, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.
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O Sr. Mário Tomé (UDP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero muito rapidamente fazer um protesto porque o Sr. Secretário de Estado, fingindo responder às questões que coloquei, não o fez.
Em primeiro lugar, quanto à questão do ridículo quero dizer-lhe que foi quando o Sr. Ministro da Administração Interna falou que se riram milhões de pessoas, e não quando eu aqui falei.
No que diz respeito ao posicionamento em relação à Constituição, quero dizer-lhes que os senhores que antigamente a defendiam hoje atacam-na. Eu nessa altura considerava que era mais importante o movimento popular ir para a frente do que parar por causa da Constituição, que iria permitir a pausa necessária; para que os reaccionários tomassem conta do poder, como aconteceu. Hoje considero que a Constituição e uma trincheira de defesa do movimento popular e dos trabalhadores e portanto defendo a Constituição - é táctica.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - A táctica da política!
O Orador: - Referi ainda mais alguns aspectos aos quais o Sr. Secretário de Estado também não deu resposta. Não respondeu, por exemplo, a isto: como é que o Estado democrático pode ser defendido por pessoas que pelo menos foram complacentes com o bombismo?
Disse o Sr. Secretário de Estado que a AD não estava no poder quando a polícia assassinou, mas a polícia é a mesma, não me consta que tenha havido saneamentos, não me consta que os processos tenham sido levantados ou que se tenha chegado a quaisquer conclusões quanto a esses factos.
Finalmente, quero salientar que a polícia que existe hoje quando a AD está no poder é a polícia que espancou o sargento Vicente, que espancou os detidos no Parque de Eduardo VII e também no Rossio.
O Sr. Presidente: - Finalmente, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Nunes de Almeida.
O Sr. Luis Nunes de Almeida (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado: Não vou evidentemente referir-me às questões iniciais, mas, sim, à questão relacionada com a pergunta que coloquei e protestar pelo facto de V. Ex.ª não ter dado uma resposta, a meu ver, cabal à pergunta que lhe formulei.
E não deu uma resposta cabal porque este é um assunto muito sério e é-o na medida em que é necessário esclarecer rapidamente a opinião pública sobre este ponto, de cuja veracidade que tinha dúvidas, mas que foi esclarecido, no ponto de vista afirmativo, por V. Ex.ª.
É necessário esclarecê-lo e não basta responder que há um inquérito em curso. Porque, se o Governo foi tão rápido e expedito a, em menos de 24 horas, apresentar um número tão grande de pormenores sobre os acontecimentos passados no dia 12 de Fevereiro, não é legítimo que um mês depois ainda esteja a decorrer um inquérito para saber quem forneceu a um determinado indivíduo um cartão de acesso a uma messe da polícia.
Vozes do PS, do PCP e da UEDS: - Muito bem!
O Orador: - E neste caso não pode sequer ser invocado o segredo de justiça porque não estamos perante um processo a correr nas instâncias judiciais ou em fase de instrução.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - É necessário que isto seja esclarecido, porque o povo português tem o direito de saber, porque é grave que haja eventualmente infiltrações terroristas no seio da polícia e, se elas realmente existem, então temos o direito de o saber.
Enquanto isso não for esclarecido, pode pairar também uma outra suspeita - não menos grave -, a qual seria a de que elementos ligados à polícia teriam eventualmente actuado numa acção provocatória.
Aplausos do PS, do PCP, do UEDS, do MDP/CDE e da UDP.
E, como isso tem de ser esclarecido, não posso satisfazer-me com a resposta de que está a decorrer um inquérito. Se está a decorrer um inquérito e se, apesar do tempo que já decorreu, ainda não estão apurados os factos, então é necessário saber quando estará terminado o inquérito e se o Governo vai tornar públicos os seus resultados, sob pena de haver suspeitas graves para o próprio prestígio do Estado democrático.
Aplausos do PS, do PCP, da UEDS, do MDP/CDE e da UDP.
O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o deseja, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Marcelo Rebelo de Sousa.
O Sr. Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros (Marcelo Rebelo de Sousa): - Sr. Presidente, não sei que figura regimental posso utilizar, mas penso que terá igualmente de ser a de protesto.
O Sr. Presidente: - É a de contraprotesto, Sr. Secretário de Estado.
O Orador: - O que me vai penalizar um pouco, porque, em rigor, apenas em casos pontuais teria de contraprotestar, embora importantes relativamente àquilo que foi dito.
Em primeiro lugar. Sr. Deputado Lopes Cardoso, eu também diria que esta Assembleia tem um deputado brilhante. É uma incógnita - de acordo com uma alternativa que ainda não se perfilhou no horizonte e que não se sabe quando virá a ser resolvida - a de saber em que momento é que esse deputado brilhante pode ou não vir a demonstrar que é também um governante brilhante.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - De qualquer forma, quanto à questão concreta que levantou da nota oficiosa com a posição do Governo, eu disse, e mantenho, que logo na madrugada de 12 para 13 de Fevereiro, o Governo difundiu, através da Presidência do Conselho de Ministros, uma nota oficiosa em que - como o Sr. Deputado leu -, se fala de uma tentativa terrorista que, de
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com os elementos disponíveis pelo Governo, se destinava a subverter a legalidade democrática.
Para o Governo todas as tentativas, todas as actuações ligadas a agrupamentos terroristas - e o Sr. Ministro da Administração Interna explicou o tipo de actuação conduzida pelas chamadas «Forças Populares do 25 de Abril» desde 1980 - têm um sentido de subversão e de atentado contra a legalidade democrática.
Segunda questão: segredo de justiça. O Governo não disse apenas uma vez, mas várias vezes - lembro-me de o ter dito, em nome do Governo, pulo menos duas vezes no espaço das últimas semanas -, que existia o segredo de justiça, que é uma figura conhecida dos Srs. Deputados, e não apenas dos juristas, e que, embora não existindo em muitas outras nações, mesmo em países democráticos, o que é facto é que existe em Portugal e portanto limita o conhecimento de factos como aqueles que respeitam a questões tão graves como a detenção dos elementos conotados com esse agrupamento terrorista. Refiro-me às armas, à documentação, à cassette com a proclamação e a outros elementos intimamente relacionados com essa detenção.
Não se trata aqui de acobertar o Governo por detrás do segredo de justiça, mas sim de o respeitar como os governos anteriores à Aliança Democrática têm feito -e recordaria os dramáticos acontecimentos de Camarate. Com que custos é que os sucessivos governos da Aliança Democrática têm tido que respeitar o segredo de justiça mesmo relativamente a questões em relação às quais teriam todo o interesse na abertura de um amplo debate público e num conhecimento exaustivo de tactos fundamentais?
Aplausos do PSD, do CDS e ao PPM.
Naturalmente o Sr. Deputado dirá que na prática, e não nas palavras...
O Sr. Luís Filipe Madeira (PS): - Dá-me licença, Sr. Secretário de Estado?
O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Luís Filipe Madeira (PS): - Muito obrigado pela oportunidade que me dá de esclarecer um ponto, Sr. Secretário de Estado.
Não estou de acordo com as suas palavras e gostava que o Sr. Secretário de Estado me esclarecesse, como ilustre jurista e professor de Direito que é. É que eu até aqui, até antes de o ouvir, pensava que o segredo de justiça significava a obrigação daqueles que têm acesso a processos criminais de guardar segredo daquilo de que têm conhecimento.
Não cuidava que o segredo de justiça abrangesse factos de que se tem conhecimento antes de estarem em justiça, que é o caso dos polícias e do Governo, que teve o conhecimento desses factos antes de eles estarem na polícia.
Aplausos do PS, do PCP, da UEDS, do MDP/CDE e da UDP.
O Orador: - Bom, o Sr. Deputado Luis Filipe Madeira pensava isso e naturalmente continuará a pensar e pensará mal. No meu entendimento, é como eu lhe digo. Porque, se assim fosse, isso seria uma porta aberta para desvendar e ultrapassar o segredo de justiça. E isso é evidente!
Vozes do CDS: - Muito bem!
O Orador: - Porque naturalmente há um encadeado lógico na actividade de investigação criminal e os factos conhecidos anteriormente, a partir do momento em que importam à investigação criminal em curso, podem afastar, limitar ou prejudicar a investigação. De tal maneira que, de acordo com um parecer da Procuradoria-Geral da República, já homologado pelo Sr. Ministro da Justiça e da Reforma Administrativa, se entende que só podem ser revelados factos cobertos pelo segredo de justiça se isso for importante, se for útil, para a investigação em curso.
O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Secretário de Estado?
O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Sr. Secretário de Estado, eu fiquei com uma dúvida: no seu conceito amplo de segredo de justiça pretende V. Ex.ª dizer que o Sr. Ministro da Administração Interna também violou segredos de justiça com as declarações que fez?
Aplausos da ASDI, do PS, do PCP e da UEDS.
O Orador: - Não, Sr. Deputado, e posso responder-lhe em poucas palavras: e porque no momento em que o Sr. Ministro da Administração Interna falou ao País esses factos não estavam em segredo de justiça.
Risos do PS, do PCP, da ASDI, da UEDS, do MDP/CDE e da UDP.
Esses factos que foram revelados eram rigorosamente do domínio público e aqueles que foram objecto de divulgação não estavam naquela altura a ser objecto de investigação entregue à entidade competente, como se verificou a partir do momento do início da investigação criminal pela Polícia Judiciária.
Isto é, o início da actividade de investigação criminal verificou-se decorridas que foram 48 horas depois da detenção dos elementos e, portanto, depois de o Ministro da Administração Interna ter falado ao País. E é a partir do momento em que foi iniciado o procedimento de investigação criminal que passa a existir o segredo de justiça.
O Sr. Luís Nunes de Almeida (PS): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Secretário de Estado?
O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Luís Nunes de Almeida (PS): - Isso significa, portanto, que, no seu conceito de segredo de justiça, não é possível falarmos agora sobre os factos revelados no comunicado do Sr. Ministro da Administração Interna.
Risos do PS, do PCP, da ASDI, da UEDS, do MDP/CDE e da UDP.
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O Orador: - Sim, Sr. Deputado, mas em relação a todos aqueles que estão a ser objecto de investigação criminal e que dizem respeito aos elementos detidos pela Polícia Judiciária.
Risos do PS, do PCP, do ASDI, da UEDS, do MDP/CDE e da UDP.
Disse o Sr. Deputado Lopes Cardoso que a política do Governo se media pela prática, e não pelas palavras. As medidas que apontei no sentido da execução da política governamental no domínio da segurança interna não são apenas palavras, mas sim medidas políticas e legislativas concretas e algumas delas assumem mesmo o compromisso de apresentação aqui no Parlamento.
Por isso diria que não é justo afirmar que se trata apenas de uma apreciação em termos de palavras, mas salientaria que também em termos de obras.
O Sr. Deputado Manuel Alegre mostrou-se muito comovido com a solidariedade governamental. Não sei se isso lhe ficou dos tempos em que a solidariedade governamental era bem diferente daquela que se manifesta no governo da AD,
Aplausos de algum deputados do PSD.
O que acontece é que o Sr. Deputado pretende, em primeiro lugar, confundir a questão da resposta à verificação ou não da tentativa de subversão da legalidade democrática com o enumerado daqueles outros factos que eu separei, que são factos de natureza ilegal e alguns deles mesmos de natureza criminosa, ocorridos por causa da tentativa de greve do dia 12 de Fevereiro.
Tive o cuidado de separar claramente esses dois tipos de factos e, portanto, quando o Sr. Deputado vem dizer que o Sr. Ministro da Administração Interna apresentou determinado número de pequenos factos, como aqueles sobre os quais ironizou - pregos, fósforos, etc. -, devo dizer que não me estava obviamente a referir a esses factos quando falei de uma actualização que poderia ter risco de subversão das instituições democráticas vigentes;
Em segundo lugar, perguntou o Sr. Deputado Manuel Alegre o que é afinal um estado insurreccional. Essa é uma boa questão que, aliás, deveria começar por colocar ao secretário-geral do seu partido, uma vez que foi ele que, em primeiro lugar, falou do risco de insurreição numa entrevista a um órgão de informação - vem lá e eu traduzi o texto que foi publicado.
De qualquer forma queria colocar a seguinte questão: que momento mais oportuno para tentativas terroristas de desestabilização e de subversão das instituições democráticas por parte de grupos minoritários do que aquele em que se verifica um clima de agitação global coincidente com uma tentativa de greve geral, nomeadamente se essa viesse a ser uma tentativa bem sucedida?
Que momento mais oportuno para o aproveitamento político por parte de determinados agrupamentos terroristas do que esse que, como disse o Sr. Ministro da Administração Interna, não se verifica todos os dias, mas, sim, em determinado momento político, com certos ingredientes políticos e psicológicos?
Isto responde, no meu entender, à questão que coloca sobre se o grau de probabilidade de uma tentativa de subversão das instituições e de actuações terroristas é maior na convergência - ou coincidência, como quiserem - com determinados factos ou actuações ilegais ou criminais.
O Sr. Deputado Herberto Goulart referiu vima intervenção que o Sr. Ministro da Administração Interna teria feito como porta-voz do PSD, em que disse, a terminar, que «alguém tem que explicar ao País coincidências que parecem surgir relativamente aos acontecimentos dos dias que se aproximam». Tratava-se, portanto, de declarações efectuadas ainda antes do dia 12 de Fevereiro. Isto é, o Sr. Ministro da Administração Interna, ainda que a título eventualmente de porta-voz do PSD - não me recordo se foi assim ou não -, levantava uma questão que tem plena pertinência e que eu suscitei - não sei se o Sr. Deputado ouviu bem a minha intervenção. É que houve factos que foram mera coincidência temporal, pelo menos com a tentativa de greve geral, mas houve outros factos ilegais, e até mesmo criminosos, que foram praticados por causa da tentativa de greve geral.
Houve, portanto, nuns casos convergência e noutros casos houve coincidência temporal. Por isso a nota oficiosa diz: «nos casos em que há prática de actos ilegais e criminosos por causa [...]» e noutros casos diz que é «por coincidência temporal com os acontecimentos do dia 12». Há, pois, dois tipos de factos a que se refere a nota oficiosa do Governo.
O Sr. César de Oliveira (UEDS): - Dá-me licença que interrompa, Sr. Secretário de Estado?
O Orador: - Faça favor.
O Sr. César de Oliveira (UEDS): - Considera V. Ex.ª que é uma coincidência criminosa com a greve convocada por uma das centrais sindicais a ocorrência registada em Ermidas do Sado, às 1 horas e dez minutos da manhã, em que um membro da GNR é atropelado e o atropelador volta para trás e se entrega à polícia? Considera isso uma coincidência?
Outro exemplo: Considera coincidência que um operário em Alcains se engane e coloque mal o sal em camadas de rações para gado? Tudo referências feitas pelo Sr. Ministro da Administração Interna na televisão, na noite do dia 13. Tenho aqui a gravação que podemos ouvir.
Sr. Secretário de Estado, o Governo, e particularmente V. Ex.ª, mantém as afirmações feitas pelo Sr. Engenheiro Ângelo Correia na RTP?
Finalmente, Sr. Secretário de Estado, admito que V. Ex.ª tenha separado uma coisa e outra, porque é hábil, tem savoir faire e algum fair play,...
O Sr. Carlos Robalo (CDS): - E não só! ...
O Sr. César de Oliveira (UEDS): - ...mas responda-me: o Sr. Engenheiro Ângelo Correia separou, na televisão, uma e outra coisas?
O Orador: - Este tipo de resposta a esclarecimentos tende a eternizar-se - com o maior prazer da parte do Governo, no sentido do esclarecimento das questões postas.
O que disse o Sr. Ministro da Administração Interna, nesse caso específico, foi o seguinte: «É posto em funcionamento e pressionamento imediato um dispo-
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itivo de segurança nacional, e na sequência desse dispositivo surgem vários acontecimentos que merecem um destaque particular.» Depois, faz a descrição dos acontecimentos, relata o caso exacto, pois diz. «acontece isto [...]», «em, Alpiarça [....]» e diz ainda «em Ermidas do Sado, em tentativa análoga» - e o caso da fuga do veículo - «é morto um cabo da Guarda Nacional Republicana».
Protestos do PCP.
Isto é a transcrição da gravação do que disse o Sr. Ministro da Administração Interna!
Queria regressar agora ao raciocínio que estava a fazer, em resposta ao Sr. Deputado Herberto Goulart que pôs a Questão da correlação política dos factos.
Ao levantar este problema, o Sr. Deputado pôs, de facto, o dedo numa questão fundamental: qual é a correlação política, e não apenas jurídica, que existe entre os acontecimentos, ilegais e criminosos, verificados por causa da tentativa de greve geral e a tentativa de aproveitamento, coincidindo no tempo, por parte de uma organização terrorista? É, de facto, uma questão fundamental esta da correlação. É ainda uma questão essencial em termos de preocupação quanto à salvaguarda da democracia.
Gostava de ver os, Srs. Deputados das bancadas da oposição ocuparem lugares no Governo, para poder apreciar a vossa reacção perante acontecimentos desta natureza: uma campanha intensa em termos políticos, em torno de uma tentativa de greve geral com objectivos que claramente defini e que estão relacionados com questões institucionais de regime.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
A prática de actos ilegais e, criminosos foi a vários ponto do País, o que levou à detenção de elementos de uma organização terrorista. Gostava, pois, de ver que tipo de discurso político é que seria feito pelos Srs. Deputados dessas bancadas, sendo certo que transcrevi aqui; hoje um discurso político bem mais duro e politicamente mais repressivo, em termos de restrição de medidas legislativas no domínio da imprensa, da legislação antiterrorista e no domínio dos, serviços de informação feitos em 1978 em condições que não perfilavam politicamente nenhumas, das condições que aqui apontei.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM,
Finalmente, na sequência de uma pergunta colocada pelo Sr. Deputado, quero aqui levantar a questão de saber se é uma boa interrogação a que naturalmente será dada resposta por via jurisdicional - a proclamação gravada na cassette teria ou a ver com a tentativa de greve geral daquele dia. É, de facto, uma boa questão que aqui deixo posta, que o Governo gostava de formular e cuja resposta talvez esclarecesse a existência ou não de correlação entre o comportamento daquele agrupamento terrorista e a verificação dos outros factos do dia 12.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
Porque se se verificar que há, de facto, uma identificação de objectos, de expressões e de leit motiv entre essa proclamação e os documentos correspondentes e esses outros factos, então teremos aí uma resposta muito curiosa à preocupação de correlação que o Sr. Deputado Herberto Goulart tinha manifestado.
A última questão é a seguinte: naturalmente que o Governo respeita os eleitos das autarquias locais, como respeita todos os cidadãos, mas é do entendimento, foi do entendimento e mantém o entendimento de que certos procedimentos foram abusivo» e, por isso, ilegais e criminosos. E por respeito aos eleitores, ao poder local e àqueles que foram eleitos e que não podem se confundidos com alguns cabos isolados de abuso de poder - abuso de poder que e criticável onde quer que se verifique -, o Governo entendeu ser de mover procedimento criminal. Mantém este entendimento; decorre do respeito do Estado democrático e da legalidade democrática; decorre do entendimento que tem da democracia representativa; decorre do respeito que tem pelo poder local.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
Duas questões ainda, relativas ao Sr. Deputado Nunes de Almeida: o Governo entende as razões que expôs; o esclarecimento é urgente e fundamental para o apuramento, através do inquérito em curso, do facto que apontou; simplesmente o Governo entende que é injusto e inaceitável formular qualquer processo de intenção - que, aliás, penso que o Sr. Deputado não formulou - à actuação das forças de segurança, nomeadamente à PSP. Já basta o tipo de crítica inaceitável, o tipo de ataque que o Sr Deputado Mário Tomé fez às forças de segurança! Qualquer Governo democrático, qualquer democrata não pode aceitar esse tipo de ataque que, em vez de ser, neste caso, o ataque à PSP e não sendo também um ataque a questões que ponham em causa o cerne do regime, acaba por ter efeitos extremamente negativos e perniciosos para uma instituição fundamental ao funcionamento da legalidade democrática.
O Sr. Mário Tomé (UDP): - Dá-me licença que o interrompa. Sr. Secretário de Estado?
O Orador: - Faça favor.
Protestos do PSD, do CDS e do PPM.
O Sr. Mário Tomé (UDP): - Sr. Secretário de Estado, o ataque não foi feito por mim mas sim pelas forças de segurança. Foram elas que procederam a espancamentos que eu apenas denunciei.
Protestos do PSD, do CDS e do PPM.
Eu denunciei e o Sr. Secretário de Estado, não pode insinuar que o pôr a claro a actuação das forças repressivas, do regime seja indevido. É que senão caímos no que há pouco disse o Sr. Ministro da Administração Interna e que também é ridículo: a identificação de cada polícia com o Poder do Estado. Assim, cada vez que um polícia for atropelado está a colidir-se com o Poder do Estado.
O Orador: - Sr. Deputado, a diferença que existe entre nós, isto é entre o Sr. Deputado e o partido que representa e o Governo e a maioria que o apoia,
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é uma diferença conceptual fundamental sobre o que é democracia.
O Sr. Mário Tomé (UDP): - É isso é!
O Orador: - Daí decorre, naturalmente, uma diferença conceptual essencial sobre o que e o Estado, o respeito do Estado democrático e o respeito dai instituições que o servem.
O Sr. Mário Tomé (UDP): - A diferença é entre dar e receber.
O Orador: - Mas eu espero que o Sr. Deputado, do mesmo modo que mudou quanto à Constituição que atacava...
O Sr. Mário Tomé (UDP): - Não mudei, Sr. Secretário de Estado. Mantenho-me do mesmo lado dos trabalhadores.
O Orador: - Disse que mudou: que em 1975 entendia que congelava o processo revolucionário e que hoje é uma trincheira de defesa das suas convicções! Talvez um dia venha também a mudar uma vez mais, passando a respeitar o tipo de princípios concernentes à concepção de Estado de direito democrático, que nós respeitamos e defendemos, o que felizmente não acontece só com o Governo nem a sua maioria mas sim com a maioria dos parlamentares desta Sala com a maioria dos portugueses.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
O Sr. Mário Tomé (UDP): - É espancar os trabalhadores?
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos interromper os nossos trabalhos.
O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Sr. Presidente, dá-me licença? É para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Faça favor.
O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Sr. Presidente, considero fundamental que fique registado um esclarecimento que vou pedir e que a Mesa poderá dar.
O Sr. Secretário de Estado foi de uma magnanimidade, de uma liberalidade para com a oposição que tem que ser registada, ao permitir, de uma forma inusual nesta Casa, uma saraivada de interrupções completamento fora dos nossos hábitos.
Por outro lado, Sr. Presidente, a minha pergunta é a seguinte: durante essas interrupções o que a maioria nada opôs, tendo, portanto, tido para com a oposição a mesma liberalidade que o Sr. Secretário de Estado manifestou, a luz verde e teve acesa intermitentemente, pelo que somos levados a crer que o tempo gasto nessas interrupções não foi debitado no tempo de ninguém. Se não é assim, gostaria de saber se foi debitado no tempo do Governo - como deve ser, à luz das normas desta Casa, uma vez quo as interrupções são consentidas pelo Governo - ou se fui no dos grupos parlamentares que as fizeram. De qualquer maneira, gostaria que ficasse registada a forma como a Mesa conduziu a administração dos tempos.
O Sr. Presidente: - A informação é muito simples, Sr. Deputado: nos termos habituais, o significado da luz verde intermitente é o de que o tempo está a contar para o orador interrompido - neste caso o Governo. Com outro cronometro que temos na Mesa procedeu-se a desconto de tempo para os partidos que procederam às interrupções.
O Sr. Magalhães Moía (ASDI): - Assim, nada temos que agradecer!
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Dá-me licença, Sr. Presidente? É também para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Faça favor.
a Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, gostaria de saber quais são os tempos que restam aos intervenientes neste debate.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, vamos fazer circular essa informação.
O Sr. Luís Nunes de Almeida (PS): - Dá-me licença, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: - Faça favor.
O Sr. Luis Nunes de Almeida (PS): - Sr. Presidente, peço desculpa, mas como o Sr. Deputado Borges de Carvalho se sentiu no direito, perfeitamente desconhecido, aliás, de fazer uma saraivada de referências à magnanimidade do Sr. Secretário de Estado apenas para registo no Diário, também eu gostaria que ficasse registado no Diário que, afinal de contas, o tiro do Sr. Deputado Borges de Carvalho lhe saiu pela culatra, como aqui ficou patente pelo esclarecimento do Sr. Presidente.
Mais valia que V. Ex.ª tivesse ficado calado, Sr. Deputado, já que nada tinha a dizer!
Aplausos do PS, do PCP e da UEDS.
O Sr. Presidente: - Apesar de termos estado a discutir esta matéria, penso que não há lugar para tiros nem outras.
Gostava de chamar a atenção dos Srs. Deputados para o facto de, em conjunto, os tempos disponíveis serem de 2 horas e 21 minutos para debate e de ainda 1 hora para o encerramento.
Faremos agora, Srs. Deputados, uma interrupção, e por ser já um pouco mais tarde do que o habitual poderíamos retomar os nossos trabalhos as 22 horas, sob pena de termos um serão muito prolongado.
Está suspensa a sessão.
Eram 20 horas e 30 minutos.
O Sr, Presidente: - Está reaberta a sessão.
Eram 22 horas e 45 minutos.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, está inscrito o Sr. Deputado Lino Lima.
Entretanto, há um relatório da Comissão de Regimento e Mandatos que vai ser lido, para o que tem a palavra o Sr. Deputado Guerreiro Norte.
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O Sr. Guerreiro Norte (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O relatório da Comissão de Regimento e Mandatos é do seguinte teor:
Em reunião realizada no dia 10 de Março de 1982, pelas 14 horas e 30 minutos, foi apreciada a seguinte substituição de deputados: Solicitada pelo Partido Social-Democrata:
Virgílio António Pinto Nunes (círculo eleitoral de Setúbal), por Francisco Mendes Costa. Esta substituição é pedida para o próximo dia 11 de Março corrente.
Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha, verificou-se que o substituto indicado é realmente o candidato não eleito que deve ser chamado ao exercício de funções, considerando a ordem de precedência da respectiva lista eleitoral apresentada a sufrágio pelo aludido partido no concernente círculo eleitoral.
Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis.
Finalmente a Comissão entende proferir o seguinte parecer:
A substituição em causa é de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.
O presente relatório foi aprovado por maioria, com a abstenção do deputado da União Democrática Popular.
A Comissão, Secretário, Alexandre Correia de Carvalho Reigoto (CDS) - Secretário, José Manuel Maia Nunes de Almeida (PCP) - Cristóvão Guerreiro Norte (PSD) - Nicolau Gregório de Freitas (PSD) - Valdemar Cardoso Alves (PSD) - Jaime Adalberto Simões Ramos (PSD) - Armando dos Santos Lopes (PS) - Alfredo Pinto da Silva (PS) - Armando de Oliveira (CDS)
- Álvaro Augusto Veiga de Oliveira (PCP) - Jorge Manuel Abreu de Lemos (PCP) - António Cardoso Moniz (PPM) - Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho (ASDI) - Herberto de Castro Goulart da Silva (MDP) - Mário António Baptista Tomé (UDP).
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar o relatório e parecer que acabou de ser lido.
Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD, do PS, do CDS, do PCP, do PPM, da ASDI, da UEDS e do MDP/CDE e com a abstenção da UDP.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Lino Lima.
O Sr. Lino Lima (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados. Apesar de o Governo, e nomeadamente o Sr. Secretário de Estado, ter aproveitado uma questão com a minha bancada para tomar ares de donzela ferida e deixar de se referir concreta e individualmente aos meus camaradas que lhe pediram esclarecimentos, eu, porque nos tempos de hoje já não acredito em preconceitos dessa natureza e até porque, afinal, a dignidade desta Casa não se compadece com birras desse género, não deixarei de dirigir também, o meu discurso aos Srs. Membros do Governo.
Por isso, começarei dizendo novamente: Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados:
Aplausos do PCP.
Vou dirigir a minha intervenção fundamental, e novamente, a questão da insurreição. Essa é a questão fundamental que está aqui hoje presente, assim como em todo o País. Não somos só nós, deputados, mas todo o País, que quer saber a verdade acerca da insurreição.
Aplausos do PS, do PCP, da ASDI, da UEDS, do MDP/CDE e da UDP.
E não podemos permitir - e assim esta a suceder - que, arranjando pretextos, o Governo tente desviar as atenções desta questão fulcral.
Logo que a greve geral de 12 de Fevereiro foi anunciada, o Governo desencadeou todo um processo destinado a impedi-la. Era a greve ilegal? Não era! Violava quaisquer princípios fixados na Constituição ou nas leis da República? Não violava! Apesar disso, o Governo mobilizou todos os meios ao seu alcance para tornar impossível a sua realização e, desde logo, pretendeu convencer a opinião pública de que a greve era uma forma ilegítima de combater o Governo, de provocar a sua queda, de exigir um outro governo e uma outra política. Já aqui demonstrámos há dias, sem dificuldade, que, em democracia, a política a favor ou contra os governos se faz não só nos órgãos de soberania mas também nas fábricas, nos campos, nas escolas e na rua. Dispensámo-nos de relembrar os argumentos.
Não era, portanto, legítima e muito menos democrática a posição do Governo quando tentou desmobilizar a greve perante a opinião pública com esse argumento que sabia ser politicamente falso e inconstitucional.
Mas no seguimento desta acção propagandística, o Governo desencadeou toda uma série de ameaças contra os trabalhadores, proporcionando e promovendo pelo seu exemplo que o patronato multiplicasse também dentro das empresas uma série de acções de intimidação, nomeadamente através da ameaça de despedimentos e de perda de regalias sociais para os que aderissem à greve geral.
Mas o Governo foi mais longe e mobilizou as forças de segurança, com um aparato que lembrava os velhos tempos. Milhares de agentes foram preparados para a repressão dos trabalhadores e distribuídos ao longo do País. O Governo, através do Ministério da Administração Interna, pôs as forças de segurança em pé de guerra. E passou a bombardear diariamente o povo português, através dos órgãos de comunicação social, em particular da rádio e da televisão, com comunicados, com discursos, com invectivas, com provocações, usando desde o tom melífluo ao intimidatório - tudo com o claro intuito de criar no País uma atmosfera,, um ambiente de tensão que desanimasse a greve e que impedisse a sua realização. Nesta sua acção, o Governo foi ao extremo de impedir que a CGTP, que os sindicatos, que os trabalhadores, que os partidos políticos e organizações sociais que promoviam ou apoiavam a greve geral usassem a rádio e a televisão para explicarem os motivos dela, para-
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fundamentarem a sua legalidade, para desmentirem as calúnias sobre eles bolsadas, para reporem a verdade à caradupa de mentiras com que se afogou o País. Numa palavra: o Governo usou de todos os meios para impedir o exercício do direito à greve que a Constituição consagra e as leis da República regulam. O Governo usou de todos os meios, dos mais afrontosos num regime democrático, para impedir que os trabalhadores portugueses usassem de um direito que lhes foi negado> durante dezenas de anos e que, apesar disso, muitas vezes praticaram no tempo do fascismo à custa de sacrifícios que foram ate à dúvida da própria vida. Ao tentar impedir o exercício de um direito que os trabalhadores finalmente conquistaram com o 25 de Abril, o Governo mostrou como está divorciado da democracia, da Constituição e das leis da República. Mostrou que está em conflito aberto com elas.
Como responderam os trabalhadores a essa actuação do Governo? Responderam a todas essas provocações, ameaças e mentiras com a maior serenidade e calma, com a maior dignidade e disciplina. Praticamente em parte nenhuma do País se registaram conflitos de qualquer natureza. Praticamente as forças de segurança não tiveram razões nem pretextos para exercer a sua acção em qualquer ponto do território. Pode dizer-se, sem receio de desmentido, que apesar do ambiente de tensão social promovido pelo Governo, e País viveu em ordem, e em paz o dia de uma greve geral em que estiveram envolvidos cerca de um milhão e quatrocentos mil trabalhadores.
Vozes do PSD: - Que desplante! Que exagero!
O Orador: - O clima de alarme público que o Governo quis criar foi desfeio pela disciplina democrática, pelo sentido de responsabilidade democrática que os trabalhadores e as suas organizações de classe imprimiram a essa jornada de luta sem precedentes em Portugal há muitas dezenas de anos. O Governo preparou um balão de conflitos para o dia 12 de Fevereiro. Os trabalhadores deixaram-lho ficar nas mãos, murcho e descaído. Perante isto, como se torna ridículo - além de perigoso, é claro - o discurso que ouvimos hoje ao Ministro da Administração Interna, quando nos declarou que os Portugueses não conhecem limites à liberdade e defendeu que a autoridade do Estado se afirma também pelo uso da repressão!
Não, Sr. Ângelo Correia! A autoridade do Estado afirma-se quando os cidadãos podem exercer livremente os direitos que a Constituição consagra e que as leis lhes conferem: quando os cidadãos, incluindo os que constituem as forças de segurança, são educados na convivência democrática: quando os problemas concretos da vida nacional que afligem a generalidade dos cidadãos são resolvidos. É assim que se afirma a autoridade do Estado democrático.
Este discurso não é, evidentemente, o discurso da AD e do governo da AD. Já o sabíamos! Mas logo tivemos aqui mais uma prova de qual é a concepção de ordem do Ministro da Administração Interna e do Governo em que está integrado, qual é a sua concepção de Estado e da autoridade do Estado.
O Orador. - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr. Deputados: É num quadro de ordem e de tranquilidade públicas, que reinava em todo o País, que o Sr. Ângelo Correia apareceu, inopinadamente, na televisão na noite de 13 de Fevereiro, fardado de Ministro da Administração Interna, para anunciar uma «insurreição», que teria catado preparada por detrás da greve geral e em conexão com ela. O Sr. Ministro anunciava, porem, que graças à actuação das forças de segurança - que tinham tido um morto e vários feridos -, graças à actuação do Sr. Primeiro-Ministro, que tinha acompanhado tudo - e a quem, por isso -, devíamos muito agradecimento - e graças a ele próprio. Sr. Ângelo Correia - conclusão que ele modestamente não explicitou, mas que estava implícita -, a situação tinha sido confrontada e todos podíamos ir nanar em sossego.
Risos do PCP, da UEDS e do MDP/CDE.
Vê-lo e ouvi-lo foi um espectáculo! Mau actor, com os dados da «insurreição» mal cozinhados, o Sr. Ministro da Administração Interna andou para trás e para a frente, num português pouco seguro; ora parava, ora arrancava e lá chegou ao fim com alguma dificuldade.
Risos do PCP, da UEDS e do MDP/CDE.
A qualquer observador atento e minimamente informado do que se passara no dia da greve geral, a «charla» do Sr. Ângelo Correia cheirou logo a chamusco. Mas dezenas de milhares de cidadãos comuns, para quem um ministro deve ser um homem de honra e não um irresponsável, ficaram com certeza perturbados com uma tal comunicação.
E o País ficou a aguardar que o Ministro da Administração Interna, responsável pela ordem pública, viesse logo a seguir explicar que «insurreição» era essa, quem a preparara, como se desenvolveria, que fins tinha. O Ministro Ângelo Correia, porém, ficou-se calado, com o seu segredo fechado a sete chaves.
E tendo tido um momento soberano, 3 dias depois, para esclarecer o País aqui nesta própria Assembleia, durante a interpelação ao Governo promovida pelo Partido Socialista, o Sr. Ângelo Correia...
O Sr. Portugal da Fonseca (PSD): - O Sr. Ministro...!
O Orador:- ...nem apareceu aqui - apesar de desafiado para o fazer e apesar de ter estado na altura metido numa sala deste Palácio -, nem disse nada.
O Sr. César de Oliveira (UEDS): - Muito bem!
O Orador: - Toda a gente queria saber e, pelo que hoje não ouvimos, continuará a querer saber como foram essas tais barragens montadas pela GNR, numa das quais morrera atropelado um cabo, pelos vistos num mero acidente de viação provocado pelo nevoeiro; como fora isso da pressão de um automóvel no Parque Eduardo VII, onde estavam uns sujeitos com umas armas, papéis e cassetes até mesmo às escâncaras.
O Sr. César de Oliveira (UEDS): - Muito bem!
O Sr. César de Oliveira (UEDS): - Muito bem!
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O Orador: - Como foi isso da apreensão de outras armas, estas de estimação, encontradas no distrito de Aveiro: como fora essa sabotagem com produtos tóxicos, na primeira versão, ou com sal da cozinha, na segunda, numa fábrica de rações.
Risos do PCP, do PS e do MDP/CDE.
E os pregos? E os fósforos nas fechaduras? E um, pinheiro de pequeno porte numa estrada qualquer? Toda a geme queria saber e quer saber que insurreção era essa, quem eram os «insurrectos». O Sr. Ângelo Correia ...
Uma voz do PSD: - Sr. Ministro, seja educado!
O Orador: - ...não veio aqui explicar-se durante esse debate. Ficou mudo e quedo Isso levou-me a dizer, na sua ausência, sem que alguém do Governo ou da maioria levantasse a voz em sua defesa - repito, sem que alguém do Governo ou da maioria levantasse então a voz em sua defesa -, aquilo que hoje aqui quero repetir na sua presença com uma tal atitude, o Sr. Ângelo Correia demonstrou que - cito-me - sobre de uma irresponsabilidade e de uma cobardia política e moral que são incompatíveis com a sua permanência em qualquer governo da República.
Aplausos do PCP, do PS, da UEDS, do MDP/CDE, e da UDP.
E o seu procedimento posterior só veio demonstrar que este juízo era correcto. É que instado pelo Conselho da Revolução e explicar o que se passara, a mostrar a relação existente entre os factos que relatei na noite de 13 de Fevereiro e que depois ampliou juntando-lhe outras minudências do mesmo teor das primeiras, com a insurreição, não adiantou nada, deu homem por si - o Secretário de Estado Rebelo de Sousa - e, pelos vistos, continua a dar, e ate agora manteve-se calado como um rato. Hoje, finalmente, um mês depois, veio e falou. Para esclarecer os factos? Para mostrar a sua relação e enquadramento, com a tal insurreição? Para denunciar os insurrectos? Para nos esclarecer sobre o desenvolvimento das tais coligações? Para nos demonstrar a relação que haveria entre essa insurreição e os seus autores e os promotores e apoiantes da greve geral? Não! O Sr Ministro da Administração Interna veio aqui para nos fazer uma teoria sobre o terrorismo, sobre a defesa do Estado e para tentar misturar aqueles que exercem direitos com aqueles que porventura os violam. Mas de concreto, sobre a insurreição - repito - quem a preparou com que meios, com que objectivos imediatos, o Sr. Ângelo Correia nem nos disse nada a nós, deputados, nem ao País, embora tendo tido esta Tribuna à disposição para o fazer, para se explicar, para se justificar, para esclarecer. Que conclusão tirar disto? É evidente que só uma: o Ministro da Administração Interna veio à televisão em 13 de Fevereiro, com a mais descarada irresponsabilidade, fazer uma comunicação ao País, que causou alarme e inquietação pública para lhe transmitir uma versão falsa, baseada em acontecimentos corriqueiros e em provocações grosseiras, destinada a obter efeitos políticos que favorecessem o seu governo.
Ora, um ministro não pode proceder com a irresponsabilidade e a leviandade de um qualquer catraio traquinas, que é distrai a pregar partidas de mau gosto aos vizinhos. Há um mínimo ético que qualquer ministro tem de respeitar. Aquele que o não respeita transforma-se num perigo público, num perigo para o povo e para a República. É capaz de tudo! E «tudo», Srs. Deputados, pode ser a nossa liberdade e ate a nossa própria vida!
Aplausos do PCP, da UEDS, do MDP/CDE e da UDP.
Mas o procedimento do Ministro da Administração Interna põe um outro problema: agiu o Sr. Ângelo Correia por seu livre alvedrio? Fê-lo sem dar cavaco ao Governo, ou foi empurrado para tal pelo Governo? Em qualquer caso, não é possível isolar o Governo do acto praticado pelo seu Ministro da Administração Interna.
Em primeiro lugar, porque existe a solidariedade ministerial que se mantém, uma vez que o Sr. Ângelo Correia não se demitiu do Governo depois deste escândalo, nem o Primeiro-Ministro lhe retirou a sua confiança. Estamos, assim, perante um facto de extrema gravidade, uma vez que a mentira alarmista do Sr Ângelo Correia não é já hoje só dele e da sua exclusiva responsabilidade, mas da responsabilidade do Governo. Não é, portanto, só o Ministro da Administração Interna que perdeu a credibilidade mínima que um ministro deve gozar perante o País, mas um governo que perdeu a credibilidade mínima que um governo tem de gozar perante o País.
Pese embora a honorabilidade pessoal comprovada de qualquer dos seus membros, um governo - como tal - não pode pôr-se ao nível de um grupo de jogadores da «vermelhinha» que anda pelas feiras a enganar os papalvos com cartas viciadas.
Aplausos do PCP.
A política não pode ser exercida sem limites morais, sem higiene mental, sem honrar a dignidade do Estado, sem respeitar o povo. Um governo que promoveu, por intermédio do seu Ministro da Administração Interna, uma mentira como esta da insurreição ou que, se a não promoveu, decidiu depois sustentá-la, não pode continuar a merecer a confiança dos órgãos de soberania de que depende.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Mas que queria o Ministro da Administração Interna - só ou acompanhado pelo Governo - quando sugeriu claramente ao País que os promotores e os apoiantes da greve geral estavam envolvidos numa insurreição? Pretendeu, além de outros efeitos políticos, criar uma base de acusação para a instauração de processos a trabalhadores e organizações a eles ligados. Às autarquias locais, por exemplo; temos eleições próximas Pretendeu criar pretextos para desencadear uma repressão e isolar desde logo da opinião pública as suas vítimas.
Vozes do PSD: - É falso!
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O Orador: - Mas em democracia estai torpezas não são assim tão fáceis de executar. Portugal não é a Alemanha nazi e o Sr. Ângelo Correia não e um Goering, nem tem um Reichstag fechado para lhe poder chegar o fogo e depois acusar a CGTP - Intersindical do incêndio. A greve geral foi um grande protesto da classe operária, traduzindo os interesses de todas as classes não monopolistas contra o aumento do custo de vida, contra a falta de habitações, contra as dificuldades acrescidas de se poder tratar quem está doente, contra o descalabro do ensino, contra o desemprego, contra a situação económica e financeira, em suma, contra a política da AD e do seu governo. A greve geral foi uma grande prova de unidade dos trabalhadores das mais diversas tendências políticas, foi um movimento democrático, pacífico e legal. Os trabalhadores usaram dos seus direitos, agiram em defesa da Constituição e das leis e de acordo com elas. Uma vez mais, foi um governo restauracionista que violou a Constituição e as leis e que, para o encobrir, lançou uma grande girândola de foguetes com o intuito de enganar o povo e reprimir aqueles que o não suportam. Mas o foguetório saiu-lhe de mijarete e hoje o Governo está desmascarado perante o País. A sua manobra saldou-se numa vergonha!
Este governo não pode continuar. Para além do mais, a inventona da insurreição mostra que ele não respeita minimamente os cidadãos, os seus direitos e as suas liberdades. Mostra que não olha a meios para atingir os seus fins de se perpetuar no Poder Como pede, portanto, um tal governo, com um tal ministro da Administração Interna, dirigir as eleições para as autarquias? O processo de consulta popular tem de ser conduzido por um homem isento e respeitado, que assegure a liberdade e a genuinidade do voto. É esse homem o actual ministro da Administração Interna? Todos os partidos da oposição responderam já a esta pergunta, reclamando a sua demissão.
Vozes do PSD: - E a maioria?!
O Orador: - Depois deste escândalo, é a dignidade da República que exige que ele se vá, mesmo antes da demissão do Governo a que pertence. Qualquer ministro de um país democrático, em situação semelhante à do Sr. Ângelo Correia, teria logo podido a sua demissão a seguir a este escândalo ou teria sido demitido se o não fizesse. É melancólico que em Portugal isto não tenha sucedido. Mas é significativo! Este facto insólito mostra, uma vez mais, o que é o governo AD. Já sabíamos que privilegia a manipulação da informação em prejuízo do pluralismo e da verdade; que privilegia a burla eleitoral em prejuízo da genuidade da expressão da vontade popular. Hoje ficamos a saber, por forma autêntica, que privilegia também a repressão em vez do diálogo e das liberdades. Eis o retrato fiel de um Estado autoritário. É o modelo da AD, que as exposições habilidosas e catedráticas não conseguem esconder quando está aí toda uma prática a caracterizá-la. É preciso e urgente substituir este governo. É preciso e urgente dissolver esta Assembleia e dar a voz ao povo. O povo que decida. É o seu direito. Quem se opõe a que ele o use?
Aplausos do PCP e do MDP/CDE.
O Sr. Portugal da Fonseca (PSD): - Nós!
O Sr. Presidente: - Inscreveram-se para formular pedidos de esclarecimento os Srs. Deputados Silva Marques, Leonel Santa Rita e Fernando Condesso.
Advirto eventualmente o Sr. Deputado Lino Lima e o seu grupo parlamentar de que, no conjunto, dispõem meramente de 1 minuto.
Tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaria de colocar algumas questões concretas ao Sr. Deputado Lino Lima. Das duas vezes anteriores que o fiz, tive, da primeira vez, a resposta que não respondia a provocações. É uma solução! Da segunda vez a de que não respondia a um cristão-novo! Reconheço que o progresso, sobretudo em termos de criatividade literária ...
Risos do PSD, do CDS e do PPM.
De qualquer forma, mantém-se a fuga à resposta concreta a questões concretas.
Continuando a insistir muito concretamente, desta vez queria saber o seguinte: o Sr. Deputado Lino Lima, em nome da sua bancada, arvora-me em detentor exclusivo das legitimidades. Aliás, é um vector larga e intensamente utilizado pelo Partido Comunista desde o 25 de Abril, mas que, evidentemente, só surte efeitos relativamente àqueles que se pretendem deixar paralisar por esse processo - que eu não designaria de chantagem intelectual porque me parece um terreno excessivamente duro, mas. pelo menos, de aproveitamento das hesitações intelectuais, para não dizer filosóficas e políticas -, daquelas que se colocam perante a questão «que Estado democrático devemos construir?» e, para aqueles que tem essa questão particular, «que socialismo democrático?»
Portanto, V. Ex.ª pode continuar a arvorar-se detentor exclusivo da legitimidade que, evidentemente, isso para mim não representa qualquer questão. Efectivamente, eu ponho questões de consciência, como muito bem pouco disse o Sr. Deputado Carlos Brito. E até me pergunto, muito simplesmente, que questões colocarão os 250 deputados desta Assembleia que não sejam questões de consciência!? A não ser que haja outros deputados que com quem aqui questões que não sejam as da sua consciência ...?
Posto isto, as perguntas concretas, Sr. Deputado Lino Lima: concorda V. Ex.ª - e eu ponho-lhe estas questões, repito, porque V. Ex.ª interveio arvorando certos ares acerca de se era ou não legítimo um determinado ministro ser ministro de um Estado democrático - com a afirmação do secretário-geral do vosso partido, no sentido de que em Portugal jamais haveria democracia parlamentar? Evidentemente que V. Ex.ª há-de concordar com este desejo, porque a afirmação do secretário-geral é um simples slogan transformado em pretensa previsão científica! ...
Segunda questão: concorda V. Ex.ª com uma das conclusões fundamentais da última reunião do comité central do vosso partido, a de que a revisão constitucional constitui um verdadeiro golpe de Estado?
Terceira questão: não entende V. Ex.ª que esta conclusão fundamental da última reunião do comité
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central do vosso partido é o início da cobertura da legitimidade da acção de rua? Se o comité central do vosso partido tira tal conclusão de um processo de reunião constítucional que, embora lhe seja adverso, é processado em pleno rigor da legalidade, significa isto que VV. Ex.ªs têm outros objectivos que não os da legalidade democrática? Não é esta conclusão do vosso comité central a cobertura, a preparação dos instrumentos de cobertura de legalidade ou legitimidade para a vossa obstrução de rua à revisão constitucional e ao normal fluir do Estado democrático que pretendemos constituir?
Vozes do PSD: - Muito bem! Protestos do PCP.
O Orador: - Eu estou a interpelar o Sr. Deputado Lino Lima, a quem faço a justiça de reconhecer que tez um progresso considerável em termos literários!
Vozes do PCP: - Pois você não!
O Orador: - Espero que consiga acentuar esse progresso!
Risos do PSD.
Quarta questão: não conclui V. Ex.ª, da última resolução do comité central do vosso partido, que a greve geral do dia 12 não foi afinal um êxito tão grande como VV. Ex.ªs pretendem fazer crer publicamente, já que o próprio comité central do vosso partido admite que as lutas económicas não são suficientemente intensas e generalizadas? E ainda pelo mesmo motivo, conclui o mesmo comité central que existe subestimação dos perigos relativamente à democracia, que existe conformismo, que existe passividade. E dizem onde: em partidos, no Estado e nos órgãos de soberania. Quererá V. Ex.ª para efeitos de acentuar a defesa do Estado democrático, concretizar quem são os que subestimam os perigos, quem são os passivos e, sobretudo, onde é que eles estão? Isto é, em que partidos, em que sectores do Estado, em que órgãos de soberania?
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM
O Sr Presidente: - Lembrando-lhe que tem pouco tempo, tem a palavra, para responder; o Sr. Deputado Lino Lima.
O Sr. Lino Lima (PCP): - Sr. Presidente, para encurtar razões, devo dizer que, salvo erro, houve 3 deputados do PSD que pediram para me interpelar. Ora, tenho 1 minuto que não posso gastar
Se os Srs Deputados do PSD me cederem tempo, do tempo deles, para responder, eu repondo. Caso contrário, não lhes respondo.
Protestos do PSD e do CDS.
O Sr Presidente: - Sr Deputado Lino Lima, se me dá licença, posso esclarecer que Os outros 2 Srs. Deputados do PSD tem, por junto, apenas mais 2 minutos Sendo assim, não estarão em grandes condições de lhe ceder tempo.
Pode prosseguir, Sr. Deputado.
O Sr Lino Lima (PCP): - Acrescento, desde já, para esclarecimento cio Sr Deputado Silva Marques e também dos outros Srs. Deputados interpelantes, que disse no princípio da minha intervenção que não me deixaria desviar da questão fulcral a fundamental que está hoje aqui, em discussão, que se pretende esclarecer e que é a questão da insurreição.
Se me fizerem perguntas acerca deste assunto, responderei Se não me fizerem perguntas acerca desta matéria, se pretenderem distrair as atenções desta questão fundamental não lhes respondo, já ficam a saber.
Aplausos do PCP, do UEDS e do MDP/CDE.
Uma voz do PSD: - Compreende-se. A resposta é difícil!
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - É sempre a mesma fita!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Octávio Cunha.
O Sr. Octávio Cunha (UEDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados. Srs. Membros do Governo, Reforçando as palavras do Sr Deputado Lino Lima, vamos voltar à questão que ainda não está aqui resolvida por parte do Governo.
Quando tudo falha, porque se promete o que não é possível, a verdade das coisas reais impõe-se inevitavelmente e. nessas alturas, os fracos fogem, isentando mitos e encenando tragédias. E o mais grave é que as fazedores de mitos tem, então necessidade de os apresentar como verdades impondo-os se preciso for, pela coacção e criando bodes expiatórios. É o negro dos americanos, o dissidente dos soviéticos, o judeu do Hitler, as forças tenebrosas e obscuras que no Conselho da Revolução, na Comissão Constitucional e na Presidência da República sabotam os belos propósitos da maioria parlamentar e do Governo.
O Sr. César de Oliveira (UEDS): - Muito bem!
O Orador: - Esquecem os fazedores de mitos que a verdade acaba sempre por se impor, quer queiram quer não.
Uma voz do PSD: - Boa verdade!
O Orador: - É que, senhores do Governo, o povo não é estúpido e está agora a aprender à sua própria custa de que vale ter acreditado na proposta demagógica e irreal que lhe foi feita nas últimas eleições legislativas pela actual maioria parlamentar.
Já é altura de lhes dizer, senhores do Governo, aquilo que um vulgar cidadão dizia de Ricardo III «Se em vez de governarem fossem governados, o nosso País doente encontraria seguramente algum alívio»
Srs Deputados, na última intervenção que fiz nesta Assembleia, durante a discussão do Programa do Governo, afirmei que ambos, Governo e Programa, eram geradores de violência, o que provocou nessa altura reacção, muito violenta, da maioria. O Sr Ministro da Administração Interna veio, agora, dar-me razão com a sua acção governativa. Mais ainda, veio
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justificar diríamos mesmo, incitar os não violentos a tornarem-se violentos, de modo a que, para seu prazer, fique justificado o seu comportamento de aprendiz de feiticeiro e de pequeno leitor dominical de Maquiavel.
O Sr Ministro inventou violência onde ela ainda não existia, complots, ataques à democracia onde apenas na agitação e contestação justas do povo português, que vê fugir-lhe, cada dia, benefícios conquistados e aos quais tive direito É o direito ao tratamento gratuito que já não tem, e o direito a casa que nunca teve e o direito ao pão que se torna inabordável e ao trabalho que escasseia.
O Sr Ministro da Administração Interna, o senhor, ao contrário do que fazem crer os quotidianos e a imprensa em geral, não é tonto. Gosta de o parecer, pois sentimos em si um prazer masoquista em fazer-se passar por tal para melhor atingir os seus objectivos
Vozes da UEDS: - Muito bem!
O Orador: - Gosta de representar o papel de bobo da corte e faz das suas palhaçadas o conteúdo do seu papel.
Uma voz do PSD: - Que linguagem e essa!
O Orador: - Tudo em si parece arquitectado de forma a banalizar o sério e a transformar o banal em trágico. O senhor não é o primeiro a descobrir que a vida é um grande teatro, onde efectivamente um bom actor pode representar um bom papel.
O Sr Amadeu dos Santos (PSD) - Isso não é nenhum circo para falar em palhaços. Que vergonha!
O Orador: - E nós não seremos os primeiros a saber que muitas vezes, e a historia é a prova disso, o tirano por mais pequeninas que sejam as suas disponibilidades em poder aparecer em cena a representar o seu papel, escondido atrás de uma máscara, onde o riso é alvar e o gesto exagerado para, fazendo rir, esconder a intenção.
Uma voz do PSD: - Está a falar para o César!
O Orador: - Mas o Sr Ministro não tem futuro É mau actor e o encenador do seu grupo não tem nível.
O ser mau actor, no entanto, não quer dizer que não seja perigoso. Todos os aspirantes a ditadores começaram por ser palhaços mas acabaram por construir pela força, ou por meio mais subtis, o sou pequeno ou grande mundo, onde tudo se organiza para dominar o homem e as suas ideias.
Por isso nós não rimos com as suas palhaçadas, Sr Ministro, nem rimos ao ler nos jornais as histórias que sobre si se contam. Provavelmente o Sr Ministro é apenas o instrumento adequado, porque é como é, a marioneta a quem se faz dizer aquilo que por trás outros pensam por si, mas aos quais não lhes convém dizer
Talvez um dia, quando tiver acabado de representar o seu papel, lhe façam como as crianças fazem a um velho brinquedo partido - o atirem para o lixo
Uma voz do PSD: - Para o lixo?
O Orador: - Pequeno ditador a procura do seu personagem? Simplesmente maioria? Bode expiatório?
Não se sabe bem ainda qual o seu verdadeiro papel. O que se sabe e que seja qual for, é mau na sua execução e muito mau para a sua imagem de cidadão. Uma coisa no entanto é clara, Sr. Ministro, e se lhe resta, entre a organização de novos complots, algum tempo livre pense nisto: O grotesco está situado num mundo trágico. A visão trágica e a visão grotesca do mundo são, pode dizer-se composta pelos mesmos elementos.
O senhor quando é trágico é grotesco e tanto mais grotesco é quanto mais longe vai na criação da ilusão da tragédia e da catástrofe.
Aplausos da UEDS, do PS, do PCP, do MDP/CDE e da UDP.
Uma voz do PSD: - Está a ver-se ao espelho!
O Sr Narana Coissoró: - Palhaços cobardes. Temos agora mais um!
O Sr Presidente: - Tem a palavra o Sr Deputado Carlos Robalo
o Sr Carlos Robalo (CDS): - Sr Deputado, quero dizer-lhe que é a primeira vez que o ouço nesta Câmara. É a primeira vez que o vejo nesta Câmara.
Queria, por outro lado, dizer-lhe que o respeito que tenho por si, na sua condição de homem, levam-me a dizer-lhe que gostava de o ver mas que preferia não o ter ouvido.
Vozes do CDS e do PSD: - Muito bem!
O Orador: - De facto, Sr Deputado, se de palhaçadas falou, quero dizer-lhe que o seu papel foi bem grotesco, o que aconteceu até na sua pintura.
Foi triste. Foi, de facto, palhaço que não conseguiu nem fazer rir, que não conseguiu estar em qualquer circo.
Aplausos do CDS, do PSD e do PPM
Sr Deputado, respeite-se a si, respeite esta Câmara para que de facto eu e também os outros Srs Deputados o possamos respeitar.
Desculpe que lhe diga Sr. Deputado, que não deixarei de o respeitar porque vou esquecer a triste palhaçada e o triste papel que desempenhou aqui.
Aplausos do CDS, do PSD e do PPM
O Sr Presidente: - Tem a palavra, para responder, o Sr Deputado Octávio Cunha.
Queria, em todo o caso, adverti-lo de que, neste momento, a UEDS tem 2 minutos, para esta fase do debate. Pretende responder já?
O Sr Lopes Cardoso (UEDS): - Dá-me licença, Sr Presidente?
O Sr Presidente: - Faça favor, Sr Deputado
O Sr Lopes Cardoso (UEDS): - Sr Presidente, queria apenas lembrar que, de acordo com o que
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ficou combinado o meu camarada não tem apenas 2 minutos, pois pode dispor do tempo que está previsto para a fase do encerramento.
O Sr Presidente: - Sr. Deputado, isso está lembrado. Estava apenas a perguntar se o Sr Deputado queria responder já.
Tem a palavra o Sr Deputado Octávio Cunha.
O Sr. Octávio Cunha (UEDS): - Sr. Presidente, em responta ao Sr. Deputado Carlos Robalo, gostaria de dizer que, de facto aquilo que aqui me traz é, acima de tudo, o respeito para com o povo português.
Protestos do PSD, do CDS e do PPM.
Quando o povo português é agredido da maneira como o foi, no dia em que o Sr. Ministro da Administração interna veio falar à televisão, cria-se a angustia e uma falsa situação - como, aliás, se tem vindo a provar apesar das poucas respostas que temos tido sobre o problema que aqui concretamente, nos trouxe e que os Srs. Membros do Governo tem tentado, sistematicamente, afastar da discussão.
De facto, viemos aqui discutir o problema da tal insurreição.
O Sr Narana Coissoró (CDS): - Veio fazer palhaçadas!
O Orador: - Quem encenou a insurreição não fomos nós. Quem a encenou foram os senhores do Governo, foi o Sr. Ministro da Administração Interna - seja mandado, seja de moto próprio. O Sr. Ministro tem de se explicar sobre este assunto. Foi isso que nós aqui viemos pedir-lhe, porque o povo português precisa de saber se de facto se deve precaver de futuras insurreições, já que elas são assim tão fáceis de fazer, de encomendar e de executar.
O Sr Narana Coissoró (CDS): - Continua lastimável!
O Orador: - O povo português precisa de saber isso para se precaver, para só defender dessas insurreições, e não vir a sofrer com isso.
Não vim, de facto aqui fazer um discurso para o Sr. Deputado Carlos Robalo se rir. Não foi para isso que aqui vim, já que nesta Câmara as pessoas vem para trabalhar e não para se divertir.
Acontece Sr. Deputado, que os senhores estão habituados a vir aqui talvez brincar mas devo dizer que não se brinca com assuntos desta importância, com um problema de uma tal gravidade - face ao qual o País esteve suspenso, durante várias horas, até descobrir o logro para o qual estava a ser arrastado.
O Sr Presidente: - Sr. Deputado, gostaria de pedir-lhe o favor de considerar que pode ter - e a meu ver tem - implicações eventualmente complicadas, pelo facto de estar a acusar, globalmente, os outros senhores deputados de estarem a brincar.
Em nome da Assembleia, agradecia-lhe que não propiciasse interpretações desse género.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
Tem a palavra o Sr Deputado Carlos Robalo.
O Sr. Carlos Robalo(CDS): - Sr. Presidente, V. Ex.ª acaba de se pronunciar sobre aquilo para o que eu ía, de facto, chamar a atenção do Sr. Deputado.
O Sr. Deputado, na defesa que fez do povo, parece que se esqueceu desse mesmo povo, não tendo, sequer, capacidade para brincar.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Condesso
O Sr. Fernando Condesso (PSD): - Sr Presidente, serei muito rápido, pois a bancada do CDS já fez algumas considerações.
De qualquer maneira, calei há pouco a «voz» da minha bancada, porque muito «candidamente» o Sr. Deputado Lino Lima confessou não ter tempo. No entanto, pretendia fazer um protesto em relação à sua intervenção, já que a linguagem utilizada, com que se pretendeu esconder toda uma falta de argumentação em face da exposição que o Governo fez, era inaceitável.
O Sr. Sousa Marques (PCP: - Não percebeu!
O Orador: - Vem agora intervir, no mesmo sentido, o Sr.Deputado da UEDS. Creio que é já de mais. A minha bancada não pode deixar passar esta intervenção sem um firme protesto.
O Sr. Deputado, provavelmente, seria um candidato a comediante - e isto sem qualquer desprimor para V. Ex.ª pois que um homem de teatro, quando é bom, também merece consideração.
A verdade, no entanto, é que estamos numa Câmara e, apesar de, efectivamente, V. Ex.ª estar a aprender a estar nela, o senhor é deputado e, por isso, esperávamos de V. Ex.ª - uma presença de mais dignidade, nesta Câmara.
A minha bancada protesta contra a sua linguagem, contra o seu estilo. Não podemos deixar de dizer que tudo aquilo que aqui afirmou é algo de absolutamente inaceitável e que esperamos não seja repetido - até porque temos uma certa tradição de dignidade da parte dos seus colegas de partido.
Espero que, pela parte da sua bancada, não se voltem a repetir afirmações do estilo aqui hoje praticado. Se quiser ponderar, verá que no seu discurso nada disse acerca daquilo que era a matéria da interpelação.
É claro que outros senhores deputados fizeram o mesmo. O Sr. Deputado Lino Lima, por exemplo, pretendeu referir-se só à insurreição e acabou por passar o tempo a falar da greve geral - provavelmente, quereria tirar algumas conclusões do relacionamento de uma com a outra, o que são problemas seus. No entanto, V. Ex.ª nem sequer se quis referir a nada, não se referiu a nada, tendo feito aqui - peço desculpa por repetir - uma autêntica palhaçada, o que não terá dignificado esta Assembleia.
Pretendo apenas, em nome da minha bancada, demarcar-me do estilo e da forma como V. Ex.ª pretendeu inserir-se, aqui, em termos parlamentares.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
O Sr Presidente: - Tem a palavra, utilizando tempo do Grupo Parlamentar do CDS, o Sr Deputado Jaime Ramos,
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O Sr. Jaime Ramos (PSD): - Sr. Presidente, embora utilizando a figura regimental do protesto, queria apenas testemunhar uma angústia pessoal que neste momento, sinto, não como deputado, não como membro da classe política, mas como cidadão português.
Protestos do PCP.
Angústia, porque admito que talvez nem sempre a AD consiga ser o governo perfeito, sendo extremamente bom para nós que houvesse uma alternativa política. Ora, infelizmente, temos notado, desde logo na moção de censura, nas diversas interpelações e hoje aqui, que não há, em termos reais, uma alternativa a este governo, que não existe, em termos sociológicos, a possibilidade de, perante a divisão de toda a oposição, haver uma alternativa.
O Sr. César de Oliveira (UEDS): - Só cá faltava essa!
O Orador: - Mesmo que houvesse essa possibilidade em termos sociológicos, perante as intervenções que foram feitas por este Sr. Deputado - de cujo nome me esqueço e que, simplesmente, não quero recordar -, pela arrogância que, por exemplo, esta manhã, o Sr. Deputado César de Oliveira demonstrou, quando chamava mentiroso ao Sr. Ministro e quando dizia «hoje ninguém me cala», pela histeria que patenteou, pela histeria que existiu nos aplausos da oposição, pela demonstração de falta de consideração por esta Câmara, e também, no que respeita a alguma oposição, pelo povo. Por tudo isto, queria deixar aqui o meu protesto e, sinceramente, o testemunho da minha angústia pessoal.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Está com falta de reflexos. Levou horas para perceber!
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Onde está a consideração do Sr. Ministro?
O Sr. Presidente: - Embora seja inconveniente interromper a sequência das intervenções, tem a palavra, para protestar, o Sr. Deputado José Niza.
O Sr. José Niza (PS): - Sr. Presidente, a inconveniência foi prévia e partiu do Sr. Deputado Jaime Ramos.
Quanto ao problema das angústias que o Sr. Deputado tem relativamente à falta de uma alternativa, segundo a sua interpretação - e referindo, concretamente, o Partido Socialista em termos de moção de censura -, devo dizer que tal problema se resolve com uma alternativa que está à escolha do Sr. Deputado, isto é, terá de optar entre o Bialzepan ou o psicanalista.
Não se trata, de facto, de um problema que tenha a ver com o Partido Socialista.
Aplausos do PS, do PCP, da UEDS e do MDP/CDE.
O Sr. Jaime Ramos (PSD): - Sr. Presidente, queria apenas dizer ao Sr. Deputado, especialista nesta matéria, que poderia retirar este sintoma. No entanto, uma vez que as razões da angústia não seriam resolvidas - já que são existenciais e resultam da falta, clara, de alternativa por parte da oposição -, certamente que arranjaria outro sintoma, como o Sr. Deputado sabe. O que mudava era apenas o sintoma.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado Luís Beiroco.
O Sr. Luis Beiroco (CDS): - Sr. Presidente. Sr. Deputados: o Sr. Deputado da UEDS falou na sua intervenção de fazedores de mito, de aprendizes de feiticeiro, de leituras de Maquiavel, da história do futuro.
O Sr. César de Oliveira (UEDS): - O Sr. Luís Beiroco percebeu!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Ramos.
O Orador: - Gostaria de lhe dizer que não sei se o Sr. Deputado compartilha da visão da história do Partido Comunista. Se compartilha, é evidente que terá aquela boa consciência e aquela certeza que têm as pessoas quo pensam - mesmo perante as maiores derrotas -, que a história corre sempre, necessariamente, a seu favor.
Uma voz do PCP: - Muito mal!
O Orador - Digo-lhe, no entanto, que em matéria de mitos cada um tem os seus. É evidente que se reconhecerá! que o mito da greve geral é um mito querido da esquerda. Por isso, compreendo que tenha posto tanto calor nesta sua intervenção.
Leituras de Maquiavel, há-as de esquerda e de direita. Quanto a aprendizes de feiticeiro, a pergunta que fica, neste momento, é a de saber se o aprendiz de feiticeiro foi o Governo, ao actuar na greve geral, ou se está a ser o seu partido, ao fazer esta interpelação nestes termos e ao dar a mão ao Partido Comunista numa fase difícil da sua vida.
O Sr. César de Oliveira (UEDS): - Já cá faltava essa!
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Ao papão!
O Orador: - De qualquer forma, para nós, para quem o futuro não está escrito em parte nenhuma, pensamos que o futuro vai sendo construído por nós, e construiu-o o Governo, exactamente, ao actuar como o fez durante a greve geral.
Aplausos do CDS, do PSD e do PPM.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para responder, o Sr. Deputado Octávio Cunha.
O Sr. Octávio Cunha (UEDS): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Jaime Ramos veio, ao fim e ao cabo, de encontro ao que disse.
De facto, a angústia dele não me espanta, da mesma forma que o seu ar trágico se tornou também grotesco.
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O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Tem a mania do grotesco!
O Orador: - A tragédia, nestas coisas, esconde, sobretudo, outras coisas.
O Sr. Deputado, mais uma vez, fugiu às questões, pois viemos aqui tratar de um problema real, que existiu.
Vozes do PSD: - É falso. Não disse nada!
O Orador: - O Sr. Deputado talvez tivesse percebido um bocadinho daquilo que quis dizer. Por, isso, mostrou-se tão angustiado, já que, de facto, o estilo não foi para si agradável. Acontece e que, simplesmente, não pretendi vir agradar ao Sr. Deputado Jaime Ramos com a minha intervenção.
Quanto ao Sr. Deputado que está ao seu lado, é evidente que não percebeu o discurso, nem eu lhe vou, agora, explicar. Isso seria muito longo, ao passo que o nosso tempo é pouco. No entanto, talvez, se ele quiser, ainda possamos conversar sobre o assunto, desde que fora daqui.
Uma voz do PSD: - É só música!
O Orador: - A realidade é que, quando se faz aqui um retrato psicológico e político de um ministro, o que se pretende é, ao fim e ao cabo, tentar explicar por que é que as coisas se passam assim e encontrar remédio para elas. O que se pretende é que, de facto, o Governo chegue a conclusão que inventou uma insurreição onde ela não existia e que diga, francamente, ao povo português: «Enganamo-nos. Não havia qualquer insurreição!» É isso que se pretende.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Coitadinho!
O Orador: - Quando afirmamos que não sabemos se o Sr. Ministro é um fazedor de mitos, que não sabemos se o Sr. Ministro é um aprendiz de feiticeiro, que não sabemos se o Sr. Ministro é um pequeno tirano, estamos, de facto, a dizer que não sabemos se cabe a ele responder - se o Sr. Ministro é ou não apenas um cidadão que, como qualquer outro, - se enganou na apreciação dos factos - ou se foi enganado por alguém nessa apreciação de coisas que não aconteceram.
Aplausos da UEDS.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Os Srs. Deputados da bancada interpelante, a esta hora do dia, ainda não chegaram a uma conclusão?
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Enganou-se, na porta!
O Sr. Presidente; - Está inscrito a seguir, para uma intervenção, o Sr. Deputado Manuel Lopes.
O Partido Comunista, todavia, dispõe apenas de 1 minuto, o que deve ser pouco tempo para uma intervenção.
Tem a palavra, Sr. Deputado Manuel Lopes.
O Sr. Manuel Lopes (PCP): - Sr Presidente, o meu grupo parlamentar não dispõe, de facto, de tempo pelo que sou obrigado a prescindir da intervenção que ía fazer.
Lamento-o, já que tinha muitas coisas para dizer ao Sr. Engenheiro Ângelo Correia sobre a forma como ele interveio «à volta» da greve geral.
Vozes do PSD: - Ainda bem!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Alberto Goulart.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Um mal nunca vem só!
O Sr. Alberto Goulart (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Sr. Deputados, Srs. Membros do Governo: Nesta interpelação está em causa não só, mas com carácter determinante, o comportamento do Governo, a partir das suas afirmações de que haveria um clima ou intenções insurreccionais, como decorrentes e como conexados com as acções preparatórias da greve (e da greve em si mesma), no passado dia 12 de Fevereiro.
Ao longo da interpelação - particularmente na intervenção inicial do Sr. Deputado César Oliveira - o Governo foi interpelado, muito em concreto, para justificar e apresentar factos comprovativos dessa sua asserção.
Simplesmente - e já vamos com muitas horas de debate -, o Governo ainda não foi capaz de apresentar as suas verdadeiras razões, a sua justificação para a afirmação de que haveria intenções de criar um clima insurreccional por volta do dia 12 de Fevereiro.
O Sr. Ministro da Administração Interna fez uma longa intervenção, a qual, no nosso entender, não passou de uma intervenção canhestra e que não deu resposta às questões concretas levantadas na interpelação.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Timidamente, o Sr. Ministro da Administração Interna ainda tentou ligar a greve do dia 12 a objectivos insurreccionais ou, se quisermos dentro da economia do discurso que proferiu, a objectivos desestabilizadores. Também aqui, nesta Assembleia, o Sr. Ministro da Administração Interna voltou a fazer o mesmo, de forma falseada, manipulada e até irracional.
Procurando fazer a leitura da importância que para os trabalhadores que se assumiram na greve tinha uma greve geral que se realizava pela primeira vez, no nosso país após 50 anos, o Sr. Ministro, na sua intervenção, declarou que «os respectivos organizadores sempre exaltaram essa greve como uma acção decisiva de rotura do regime». Penso que, de facto, o Sr. Ministro da Administração Interna ou nos quer enganar ou não deu atenção às posições divulgadas por todos os intervenientes na greve.
Hoje é perfeitamente claro, para todos os portugueses, que a greve era, de facto, contra o Governo, com objectivos próprios - das muitas lutas em que os trabalhadores tem catado envolvidos, com particular incidência no período anterior a 12 de Fevereiro -, era uma greve onde as estruturas representativas dos
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trabalhadores, que a decretavam, pretendiam que os trabalhadores exprimissem, no pleno uso dos seus direitos constitucionais, o seu profundo desagrado para com o Governo e para com a política praticada pela AD. Não foi uma greve contra o regime. Foi, pelo contrário, uma greve que se desenvolveu totalmente dentro do quadro das regras do regime democrático
Uma voz do PSD: - É falso!
O Orador: - O Sr Ministro da Administração interna tentou ainda ligar as paralisações nos transportes, diversas greves que antecederam o dia 12 de Fevereiro e as manifestações de trabalhadores em vários pontos do País, como se isso fosse para criar um clima propiciado de acções insurreccionais, na filosofia que o Governo veio a assumir escamoteando aquilo que é perfeitamente claro perante a opinião pública do nosso país, ou seja que as greves e as formas de luta em que os trabalhadores andavam de há muito envolvidos tinham a ver com juntas reivindicações, e muito particularmente com reivindicações de natureza salarial e outras cláusulas monetárias, com o impasse da contratação colectiva e com situações que o próprio Governo procurava deliberadamente bloquear
É o caso, por exemplo, da Carris E a comprovação desta facto é que muitas das lutas que antecederam o dai 12 tiveram de continuar, até serem vitoriosas, para além daquela data.
Mas, para além desta tímida ligação que o Sr Ministro não deixou, apesar de tudo, de fazer, o seu discurso foi, de facto, uma tentativa de desviar a atenção das afirmações anteriores e de empolar os perigos do terrorismo em Portugal.
Naturalmente, estamos de acordo com a necessidade de dar combate ao terrorismo, de criar mecanismos democráticos de defesa da sociedade e do Estado perante grupos marginais, pequenos grupelhos que, de facto, criam situações de instabilidade é a que é preciso pôr cobro.
Mas não estamos e de acordo em que, para empolar este fenómeno escasso e pouco relevante quando comparado com o que se passa um qualquer outro país por toda essa Europa, se procurem misturar dados e factos do terrorismo em Portugal, eventualmente político com actos de pura marginalidade ou até, provavelmente, com simples situações de acidentes.
Para não deixar o exclusivo ao Governo de uma palavra de simpatia aos agentes de segurança - que o Governo aqui pôs e ninguém retomou - o MDP/CDE não desejaria deixar passar esta oportunidade de prestar a sua homenagem também aos agentes das forças de segurança, que, zelando pelos cidadãos, caem no cumprimento do seu dever. Quero manifestar, inclusivamente, a nossa solidariedade na compreensão dos muitos riscos que correm precisamente no velar da segurança dos cidadãos e no velar pelo respeito da ordem democrática, numa perspectiva democrática, e não na perspectiva que aqui e imposta. Naturalmente que eles correm riscos no dia-a-dia da sua actividade. Mas, na abordagem que fez do terrorismo e dos fenómenos de convergência, que voltou a repetir, o Sr. Ministro da Administração Interna
desautorizou as suas anteriores afirmações, por mais levianas, tamasistas e irresponsáveis que tivessem sido.
Depois da sua intervenção, e na sequência do debate que se tem aqui produzido, parece que se tem de dar razão ao facto de a insurreição anunciada pelo Sr. Ministro da Administração Interna e pelo Governo não passar de uma inventona do Sr. Ministro da Administração Interna.
A convergência que o Sr. Ministro tanto tem citado só pode entender-se como uma potencial coincidência no tempo, como, aliás, o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Primeiro-Ministro aqui mais tarde veio tentar reconhecer, embora numa tentativa, por um lado, de se dissociar de anteriores afirmações do Sr. Ministro da Administração Interna e por outro lado, numa tentativa, naturalmente, contraditória, de afirmar a sua solidariedade política. Mas acabou também por se envolver em profundas contradições entre as ideias de convergência, de coincidências temporais e de concordância política.
Naturalmente, a única situação que se pode considerar e que o Sr. Ministro da Administração Interna trouxe aqui a esta Assembleia apenas uma situação potencial em relação a grupos minoritários e sem qualquer significado. Não foi capaz de demonstrar nesta Assembleia que dispunha de factos e de dados que comprovavam e justificavam a afirmação que tinha feito da existência de um clima insurreccional por volta do dia 12.
De facto, nenhuma actuação articulada podia ser demonstrada, e isso ficou evidente, posto que os grupos terroristas - e o único aqui citado foi o das designadas Forças Populares 25 de Abril - nada tem, obviamente, a ver com os legais, democráticos e constitucionalizados direitos das estruturas representativas dos trabalhadores, que decretaram uma greve geral ou, se quisermos, uma greve política no pasmado dia 12.
Naturalmente, num momento de greve generalizada as defesas da sociedade serão provavelmente menores.
De facto, a defesa da sociedade não compete apenas aos agentes de segurança, mas compete também aos cidadãos no exercício diário dos seus discursos democráticos. E, naturalmente, que, em situação de normalidade económica e social, essas defesas poderão ser menores. São riscos naturais em qualquer greve, maiores à medida que aumenta a dimensão dessa greve.
Mas o que há que ter em conta é que as estruturas que assumiram a responsabilidade de convocar a greve, elas próprias, tiveram os cuidados e as cautelas naturais e necessárias num período de greve. Foram constantes - a nível do que foi possível aperceber-se a opinião pública - as preocupações e os cuidados para que os piquetes de greve exercessem não apenas o seu legítimo direito de dissuadir, por meios pacíficos, os trabalhadores a trabalhar, mas que tivessem também real responsabilidade na segurança das instalações das diversas unidades em greve.
O Governo, pelo contrário, com o seu comportamento, contribuiu para criar no País um clima alarmista. Contribuiu e jogou desesperadamente nisso para intimidar os cidadãos. E, para as suas falsidades e atitudes grotescas, contribuiu decisivamente para
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criar um clima propício a violências pontuais, que não existiriam com um governo que se soubesse assumir na dimensão e na dignidade própria de um governo de um regime democrático.
E, se reais violências não existiram, foi porque os trabalhadores, grevistas e não grevistas, a população em geral, deram provas de um civismo e de uma consciência que contrastaram com a falta dos mesmos nos meios que o Governo usou e mobilizou.
Não queria citar muitos casos, mas penso que e exemplificativo o que se passou com a carga policial no Rossio, comodamente ilegal, que recordou os bárbaros tempos da política de choque do fascismo.
Se as preocupações do Sr. Ministro da Administração Interna eram contra grupelhos extremistas, eventualmente beneficiando de algumas condições - que afinal sempre existem -, no dia 12 o Governo mobilizou meios errados contra objectivos errados.
O Ministro da Administração Interna não se atreve, seguramente, aqui a fazer qualquer ligação entre essas denominadas Forças Populares 25 de Abril e o movimento sindical.
Então, porquê a mistura que sempre fez com o dia 12?
Então, porquê acções particularmente viradas contra os trabalhadores no exercício legítimo do seu direito a greve?
Após a divagação teórica em que o Sr. Ministro da Administração Interna se embrulhou há pouco, continua a poder afirmar-se, sem receio de contradita, que durante o período da greve do dia 12 foram usados meios não democráticos. intoxicadores da opinião pública, intimidatórios da população, contra direitos constitucionais dos trabalhadores
Não está apenas em causa a falta de respeito do Sr. Ministro da Administração Interna para com o País.
E vale a pena citar, contrariando uma afirmação aqui feita, que se o Sr. Ministro da Administração Interna aqui veio, não foi por uma decisão própria, resultante de uma manifestação de vontade democrática. Foi devido à força das instituições democráticas, visto que o seu comportamento no período de greve geral suscitou esta interpelação e vai contra todas as normas democráticas que devem regular as relações dos governantes com as populações.
Por isso mesmo, já alguém disse aqui que o Sr. Ministro da Administração Interna não podia continuar a fazer parte do Governo e que tinha de ser demitido.
Mas há que registar que, ao longo deste debate, o Governo deva completa cobertura ao Sr Ministro da Administração Interna e solidarizou-se completamente todas as falsidades anunciadas e com todas as inventonas do Sr. Ministro da Administração Interna.
Isto é: neste debate e nos dias que precederam este debate, o Governo mais uma vez comprovou que esta desajustado no Portugal democrático.
Aplausos do PCP e da UEDS.
O Sr Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr Deputado Mário Tomé.
O Sr Mário Tomé (UDP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo O pior traumatismo que este governo sofreu com a greve geral, apesar de todas as tentativas de intimidação, provocação e alarmismo e da criação - como já aqui foi amplamente demonstrado - artificial do dito clima de insurreição, foi, por um lado, não ter conseguido impedir que 1 400 000 trabalhadores aderissem a greve geral.
Protestos do PSD
...e, em segundo lugar, foi não ter conseguido - e era essa a sua tentativa maior - pôr contra a greve geral os restantes trabalhadores do País e, de uma forma geral, os cidadãos, mesmo aqueles que não aderissem a greve geral.
Esta foi a maior derrota do Governo e foi a prova clara e evidente do seu isolamento em relação a sua primitiva base de apoio.
A população não se deixou levar pelas palavras do Governo e do Sr Ministro e não hostilizou a greve. Mesmo aqueles que não aderiram não foram contra a greve e pacificamente aceitaram a justa luta dos trabalhadores, que decidiram entrar em greve.
Refiro-me agora à questão do regime democrático e àquilo que o põe em causa. Em primeiro lugar, é preciso que fique bem claro que os regimes não são democráticos por definição. E este regime, que classificamos como o regime do 25 de Novembro, tem demonstrado a evidência que não é democrático.
É um regime que evolui no sentido de limitar as liberdades dos trabalhadores, do povo em geral, e é um regime que, nomeadamente, tem permitido e fomentado a violação da própria Constituição da República.
E tanto não é democrático que os seus procedimentos não são, eles próprios, democráticos. A actuação do Sr. Ministro da Administração Interna nos órgãos de comunicação social é tudo menos democrática - é contra as normas democráticas de funcionamento das instituições - e o abuso e a manipulação dos órgãos de comunicação social também não são democráticos. Senão vejamos o Sr. Ministro da Administração Interna, o Sr. Secretário de Estado dos Transportes Internos, o Sr. Primeiro-Ministro, o Sr Primeiro-Ministro, outra vez, o Sr. Ministro do Trabalho e o Sr. Ministro da Administração Interna, outra vez, ocuparam, no dia 10, 28 minutos e 41 segundos de emissão na Radiotelevisão Portuguesa - isto quando nós sabemos o valor que tem cada segundo na RTP: no dia 11, 22 minutos e 17 segundos, e no dia 13, 26 minutos e 25 segundos
E isto tudo quando não foi consentida aos representantes dos trabalhadores que entravam em greve, ou seja, a central sindical dos trabalhadores portugueses, a Intersindical, qualquer possibilidade não só de resposta, como de explicação ao povo, em geral, dos motivos da greve.
Isto demonstra os métodos antidemocráticos do Governo, nomeadamente do Sr. Ministro da Administração Interna.
Efectivamente, este governo não serve nenhum regime democrático, nem sequer serve o regime do 25 de Novembro. Ultrapassa-o.
A autoridade do Estado, que o Sr. Ministro da Administração Interna aqui tentou defender, não se defende, como se pretende insinuar, pelo exercício da repressão
Ele, aqui, disse, no fundo, que a autoridade do Estado se defendia pela repressão e pela utilização.
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das forças repressivas, mas a autoridade do Estado afirma-se. Sr. Presidente, Srs. Deputados e Srs. Membros do Governo, pela forma como corresponde aos interesses e anseios da população, ou seja, do povo português. Porque o que preocupa os cidadãos e o povo em geral são as condições de vida em que são obrigados a viver e a potabilidade de preservar e alargar as liberdades que tão arduamente, com tanto sacrifício e luta, conquistaram, quer antes do 25 de Abril, quer depois.
É isso que interessa aos cidadãos. E os cidadãos pressentem neste «reforço» do Estado democrático, que é apontado pelo Sr. Ministro da Administração Interna, bem como pelo Sr. Secretário de Estado adjunto do Primeiro-Ministro, o aumento das medidas repressivas contra a liberdade que conquistaram.
E os cidadãos não estão dispostos a aceitar esse «reforço» do Estado.
Pressentem que esse «reforço» do Estado é caminhar para formas de totalitarismo, de imposição e de interessem contrários aos interesses dos próprios trabalhadores. É, pois, um reforço do Estado antidemocrático.
E isto constata-se facilmente pela atitude assumida pelo Governo, ou seja, pelo Sr. Ministro da Administração Interna, a propósito da greve geral, atitude que foi a de caluniar e difamar a greve, associá-la a uma insurreição, criar um clima de agitação emocional e, de uma forma totalmente ilegítima, pôr em estado de angústia milhares e milhares de pessoas no nosso país. Esta atitude, efectivamente, demonstra o comportamento antidemocrático do Governo.
Os trabalhadores - e isto também tem de ficar claro - tem o direito de desenvolver as suas formas de luta, de paralisar e de pôr em causa o Governo.
Uma voz do PSD: - Mas os trabalhadores não quiseram!
O Orador: - Os Srs. Membros do Governo querem partir do princípio de que são intocáveis e que não podem ser postos em causa, porque - dizem eles - «coitado do regime, ai do regime»!
Pois, ai do regime!
Os trabalhadores têm o direito de o pôr em causa, se considerarem que o regime não corresponde à democracia que eles acham que deve existir nem à satisfação dos seus próprios interesses.
A luta dos trabalhadores pode e deve ir no sentido de isolar e derrubar um governo reaccionário.
Isso é legítimo na luta democrática, porque Sr. Presidente e Srs. Deputados, a democracia não é nenhuma dádiva nem nenhuma concessão dos senhores do Governo, que pretendem ser administradores da democracia.
A democracia é uma conquista dos trabalhadores, apesar da direita, apesar da reacção e apesar do fascismo! Foi uma conquista obtida com muito sacrifício, coragem e sangue. É uma conquista dos trabalhadores e não é para ser administrada de qualquer forma por governos como este.
Os trabalhadores, quando consideram que a democracia está em perigo, tem o direito de derrubar os governos e, em relação a este, tem demonstrado que estão dispostos a isolá-lo - e já está - e a derrubá-lo.
Interroga-se o Sr. Ministro da Administração Interna, armado em administrador da democracia, até onde preservar as liberdades e até onde limitar as liberdades, já que as forças desestabilizadoras, para disso se aproveitarem, demonstram que o Governo não presta, demonstram a incapacidade do Governo.
Quem demonstra que o Governo não presta, quem demonstra a sua incapacidade, é o próprio Governo, que governa contra os interesses do povo e se isola, porque o povo o não quer nem está disposto a aturá-lo. É o Governo que demonstra a sua incapacidade.
Em segundo lugar, quanto ao tal dilema da democracia de até onde deve ir a limitação da liberdade - dilema, dizem os reaccionários, porque esse dilema efectivamente, não existe -, o Governo escolhe a limitação das liberdades. Mas os trabalhadores, que querem a democracia de verdade, escolhem o desenvolvimento e o aprofundamento das liberdades. É por isso que lutam. E, se o povo português não hostilizou a greve geral - mesmo aqueles que não quiserem entrar em greve -, foi porque percebe que é no caminho da luta e com as greves contra governos reaccionários e contra a ditadura do capital, da exploração e da repressão que se preserva, se defende e se aprofunda a democracia.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - São só asneiras!...
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: o terrorismo é uma criação do capital para que o Estado, que o defende, se reforce ainda mais para melhor o defender.
A UDP sempre disse claramente que o terrorismo é uma criação do capital. É fomentado e provocado pelo capital, pelos seus homens de mão e pelos seus instrumentos, mesmo dentro dos próprios Estados ditos «democráticos», para que o Estado tenha justificação para se reforçar e reprimir com mais furor e melhor defender a exploração capitalista. E isso está claro para toda a gente, para os próprios senhores da AD - só que não o dizem -, até na própria Itália, onde cada vez se torna mais claro o facto de se saber que quem provocou o assassinato de Aldo Moro estava ao serviço do imperialismo americano e do capital.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Lê O Diário!....
O Orador: - Foi por isso que teve tanta oportunidade a observação feita pelo deputado César de Oliveira sobre o interesse do Ministro da Administração Interna em institucionalizar aqui as Forças Populares 25 de Abril.
O Sr. Rui Pena (CDS): - Estão a desvalorizá-lo, Sr. Deputado César de Oliveira!
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Está bem acompanhado!
O Sr. César de Oliveira (UEDS): - Estou sempre.
O Orador: - Srs. Deputados, com esta interpelação ficou claro o disparate - não foi disparate, porque foi pensado, planeado e determinado - da actuação do Governo. E ficou claro o que se pretendeu com as
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intervenções do Governo aqui feitas, ou seja deixar no ar, quer para os cidadãos em geral, quer para os deputados, quer ainda para as próprias forças de segurança que coitadas, como diz o Sr. Ministro, mas eu não concordo, cumprem o seu dever e são isentas, não são nada isentas, porque não foram saneadas depois do 25 de Abril, aliás grande parte delas tem comportamentos em tudo idênticos aos de antes do 25 de Abril e isso tenho-o aqui demonstrado claramente -, mas o que ficou aqui a «sobrenadar», dizia eu, foi que o inimigo da democracia - forças de segurança - tem como alvo os trabalhadores e a sua luta.
Foi isto que quis dizer o Sr. Ministro da Administração Interna com a sua intervenção nesta Assembleia, é isto que o Governo pretende e é isto que a AD pretende, ou seja pôr os trabalhadores como inimigo da segurança do Estado e como inimigo da democracia.
Mas é mentira. São os trabalhadores que defendem a democracia e, nesta perspectiva do Governo, eu pergunto: e pode saber-se o que vai acontecer agora na próxima greve geral? Qual é a insurreição que o Sr. Ministro vai inventar?
Porque os trabalhadores não vão ficar quietos, vão avançar na sua luta, caminhar para nova greve geral, isolar o Governo e derrubá-lo.
E eu pergunto: que vão fazer o Sr. Ministro da Administração Interna e o Governo?
Têm ou não os trabalhadores o direito e a legitimidade total de actuarem desta forma? têm.
Portanto, Sr. Presidente, Srs. Ministros e Srs. Membros do Governo, é esta a posição da UDP. Para terminar, espero que a próxima greve geral consiga, efectivamente, como esta conseguiu não só unir a classe operária, neutralizar os sectores intermédios e oscilantes, mas ser muito mais ampla e radical para derrubar este governo.
O Sr. António Moniz (PPM): - O melhor é mandar vir grevistas da Albânia!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção tem a palavra o Sr. Borges de Carvalho.
O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Às vezes nesta Casa, tenho a sensação que tantos fósforos se gastaram nas fechaduras que começa a haver falta de fósforos em certas cabeças.
Aplausos do PPM e do PSD.
A primeira palavra nesta nossa intervenção na interpelação dirigida ao Governo é de reconhecimento.
De facto, raras vezes numa democracia parlamentar terão sido dadas tantas oportunidades a um governo e a uma maioria de glosar, comemorar e reforçar a grande vitória que o povo português lhes deu em 12 de Fevereiro próximo passado.
Santa oposição esta.
Risos do PPM e do PSD.
Não era de esperar que tantas oportunidades nos fossem dadas para o mesmo efeito.
Uma voz do PCP: - Tenha maneiras!
O Orador: - É, portanto, um reconhecimento a minha primeira palavra.
Interpelações, sim. obrigado!
E é preciso não esquecer que na próxima semana aqui teremos outra, generosamente oferecida pelo PCP.
Mas lá chegaremos.
Mais ainda: o reconhecimento demonstrado para com o governo da Aliança Democrática pelo partido interpelante, na medida em que aqui disse que não interpelava um governo, mas sim o Ministro. Quer dizer, contenta-se com o Ministro.
Risos do PPM, do PSD e do CDS.
Mas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o Governo e a maioria respondem, em bloco, que, à face da Constituição, não há interpelações a ministros. E, embora aqui se declare que se interpela tão-só o Ministro, repito, o Governo e a maioria respondem em bloco, dando a este debate toda a altura de Estado que ele merece.
O Sr. César de Oliveira (UEDS): - Apoiado!
Risos da UEDS.
A minha segunda palavra é de compreensão. Compreendemos o problema da União de Esquerda para a Democracia Socialista - que é um partido eminentemente democrático e cujo comportamento pessoal e colectivo nesta Casa está acima de qualquer crítica -, que, por estar metida à contre coeur no processo da tentativa de greve geral de 12 de Fevereiro, teve a necessidade de vir aqui hoje procurar algo que possa obnubilar. perante algumas figuras gradas do partido claramente conotadas com a central sindical controlada pelo PCP, a falta de convicção com que a UEDS se viu obrigada a entrar no processo. Portanto, da nossa parte, a segunda palavra é de compreensão para a UEDS.
A pergunta fundamental que hoje aqui foi formulada pelo Sr. Deputado César de Oliveira - e, se digo «pergunta fundamental» e porque ele próprio a classificou de «fundamental»- é a seguinte: por que é que o engenheiro Ângelo Correia é Ministro da Administração Interna deste governo?
O Sr. César de Oliveira (UEDS): - Exacto!
O Orador: - E não lhe ocorreu, possivelmente porque não tem andado muito pelos corredores da Assembleia, que o Sr. Deputado Ângelo Correia, hoje Ministro da Administração Interna, era e é um dos especialistas da maioria em questões de segurança, de defesa e de administração interna.
Risos do PS, do PCP e da UEDS.
O Sr. Sousa Marques (PCP): - A maioria esta bem servida!,..
O Orador: - É essa a única razão, eventualmente desconhecida pelo Sr. Deputado, pela qual o Sr. Deputado Ângelo Correia é hoje Ministro da Administração Interna.
Protestos do PCP.
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Ó Srs. Deputados do PCP, para a semana cá estamos; para a semana é convosco; agora tenham calma.
O Sr. Sousa Marques (PCP): - Não seja ridículo, Sr. Deputado.
O Orador: - Adianta o partido interpelante algo do que considera ser a razão profunda para que o Sr. Deputado Ângelo Correia seja Ministro da Administração Interna e faz um processo de intenções que nos cumpre aqui repudiar e denunciar quando diz que o Sr. Ministro da Administração Interna o é para preparar a manipulação das eleições autárquicas.
Ora, direi que não é o Sr. Ministro Ângelo Correia que está no Governo para manipular as eleições autárquicas, mas é, sim, a oposição que já está a preparar a desculpa para a derrota que vai sofrer nas eleições autárquicas.
Aplausos do PPM, do PSD e do CDS. Risos do PCP e da UEDS.
No entanto, considera-se o partido interpelante no direito - eventualmente tê-lo-á, não o discuto - de fazer esse processo de intenção, que deixaremos passar sem mais adjectivos, porque mais adjectivos não merece.
O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Essa é boa!
O Orador: - Sr. Deputado, se acha que é boa, digo-lhe que são processos de intenção falaciosos, injustos e insultuosos. Se era isso que queria ouvir aí tem.
O Sr. Sousa Marques (PCP): -Então e os outros adjectivos?
O Orador: - Mas, é legítimo fazer esses processos de intenção, perguntarei o seguinte: será que a maioria parlamentar, que apoia o governo da Aliança Democrática e o próprio Governo, perante uma tentativa de greve geral de carácter político, de legitimidade mais que discutível, perante uma orquestração de autarcas do PCP, que fizeram o lock-out e que impediram os trabalhadores que quiseram trabalhar de o fazer, perante a ameaça mussulmiana de uma marcha sobre Lisboa, perante a luta contra a revisão da Constituição que das formas mais ilegítimas e inacreditáveis tem sido levada a cabo, não tem o direito de pensar que tudo isso não é mais do que a face visível de um iceberg, cuja face invisível e mais perigosa teve alguns afloramentos coincidentes, por coincidência, com o 12 de Fevereiro?
Será que perante tudo isto o Governo também não tem o direito de fazer algum processo de intenção? Ou será que classificar esses afloramentos da face invisível do iceberg, com eles devem ser classificados, não constitui mais do que um direito e uma obrigação do Governo e do País?
O Sr. Sousa Marques (PCP): - O quê?
Vozes do PPM e do PSD: - Muito bem!
O Orador: - É claro que há uma pergunta que fica em suspenso e a que felizmente ninguém de momento poderá responder: o que aconteceria à face oculta do iceberg se a resposta do povo português não tivesse sido democrática a proposta do PCP em 12 de Fevereiro?
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - O que aconteceria à face oculta do iceberg se, de facto, tivesse havido uma greve geral em 12 de Fevereiro? Esta é uma pergunta que ponho à consciência de todos os senhores deputados.
A oposição fará os processos de intenção que entender. O Governo, na defesa da democracia e da segurança dos cidadãos portugueses, caracterizará as acções que contra essa democracia e essa segurança são movidas. No entanto, a oposição utiliza a lei do funil, considera-se a si própria no direito de fazer os mais cavilosos processos de intenção e não dá ao Governo sequer o direito de classificar os atentados à segurança, à liberdade e à democracia que em Portugal se vão perpetrando. É grave, como lei do funil.
Risos do PCP.
Os interpelantes dizem que o Governo exagerou. Fala-se de circulares, avisos, transportes e segurança. Será ilegítimo tudo isto?
Diz-se ainda, de uma forma mais ou menos incrível, que o Governo deve ser criticado por ter assumido a ordem e a segurança como uma obrigação sua. Quem deveria assumir a ordem e a segurança como uma obrigação sua? Outro órgão de soberania? Esta Casa? O Partido Comunista? A Intersindical? O Benfica? Quem senão o Governo?
O Sr. Sousa Marques (PCP): - O rei! Faz cá falta o rei!
O Orador: - Os senhores não percebem nada disto. É preciso uma certa evolução mental para compreender o rei, Sr. Deputado.
Acusa-se o Governo de falar em fantasmas, mas mais uma vez aqui assistimos ao brandir de todos os fantasmas habituais da oposição. O fascismo, o regresso ao passado, a longa noite, sei lá!
O Sr. Sousa Marques (PCP): - A monarquia.
O Orador: - Portanto, não há dúvida de que o cartel de fantasmas da oposição é muito mais vasto do que o cartel de fantasmas do Governo. Só que o Governo de fantasmas não o exibiu, exibiu apenas as verdades, que para uns são mais comezinhas e para outros têm maior importância.
Ora, esse brandir de fantasmas faz-nos talvez regressar à realidade. E a realidade, Srs. Deputados, é a de que hoje em dia em Portugal pretende-se a queda do Governo: uns, com eleições gerais antecipadas já; outros, eufemisticamente, falando na necessidade da queda urgente do Governo. Srs. Deputados, ataquem a maioria, criem factos políticos que dividam a maioria para que, quando esta maioria cair, possa o Governo, democraticamente eleito e democraticamente no Poder, cair.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Não é ajudando o Governo, como estão a fazer - e foi por isso que eu agradeci-,
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não é reforçando todos os dias mais um pouco o Governo, que VV. Ex.ªs conseguem fazer com que este governo caia, a não ser, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que se recorra a outras instâncias, que não este parlamento, para fazer cair o Governo.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Mas, se a oposição realmente escolher o caminho de continuar a dar oportunidades à maioria para se reforçar, para defender os seus pontos de vista, para explicar ao povo português a verdade dos factos, então óptimo, continuemos assim, Srs. Deputados da oposição, e em 1984 cá estaremos para ver quem ganha as eleições.
Aplausos do PPM, do PSD e do CDS.
O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento tem a palavra o Sr. Deputado César de Oliveira.
O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Sr. Presidente, importa-se de me informar quanto tempo me resta para poder responder ao Sr. Deputado César de Oliveira?
O Sr. Presidente: - Resta-lhe 1 minuto, Sr. Deputado.
O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Muito obrigado, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado César de Oliveira.
O Sr. César de Oliveira (UEDS): - Chegar-lhe-á 1 minuto, Sr. Deputado.
Sr. Deputado Borges de Carvalho, em primeiro lugar, noto que V. Ex.ª não tem uma palavra sequer de apoio claro, firme, decidido e vibrante do seu partido ao Sr. Ministro Ângelo Correia.
O Sr. António Monte (PPM): - Ele é surdo!
O Orador: - V. Ex.ª disse que a UEDS está acima de qualquer suspeita quanto à democraticidade e inserção na democracia. Registo e não é para agradecer porque é um facto.
Também o PPM está acima de qualquer suspeita na sua inserção na democracia - e não é para agradecer. Contudo, o PPM já não está acima de qualquer suspeita ou crítica em relação ao seu comportamento político. Vou-me explicar: ainda ontem ouvi o Sr. Arquitecto Gonçalo Ribeiro Teles,...
O Sr. Carlos Robalo (CDS): - Sua graça!
O Orador: - ... «Sua Graça e Sua Alteza Ribeiro Teles, que é o líder do PPM, dizer que «elefante» Proença de Carvalho está na sua barriga há tanto tempo que já é indigesto e está em risco de indigestão.
Ora, o que é que o PPM fez? Trouxe aqui, à Assembleia da República, o seu projecto de lei no sentido, de obrigar Proença de Carvalho ou, um futuro administrador da RTP, a ser eleito pela Assembleia da República? Onde é que está esse famigerado projecto? Não foi isso o que fez: foi solícito, venerador e obrigado, entregar à AD - PSD e CDS - o projecto sobre Proença de Carvalho.
Veremos se o PPM tem coragem de ir até ao fim ou se não desiste daqui a uns dias em função da tal coisa que o Sr. Deputado diz que é o bloco, a legitimidade e a divisão da maioria. Digo-lhe desde já que não quero dividir a AD, não quero nenhum bloco central, nem quero a UEDS com o PSD, que, felizmente, deu aqui uma prova de quem nem sequer entendeu aquilo que se lhe diz.
Não queremos nada, mas rigorosamente nada, com o PSD. Portanto, não queremos dividir a AD Quem divide a própria AD são os senhores. Por que é que o Sr. Deputado esteve calado e não apoiou o Sr. Ministro Ângelo Correia? Por que é que o CDS está tão calado sobre estas questões? Falem dos subsídios às juntas de freguesia do PSD em detrimento do CDS. Têm autarcas... Falem, intervenham a dizer que isto é mentira.
Sr. Deputado Borges de Carvalho, aconselho-o a ler o Expresso do dia 20. Está ali o grande «fazedor» do Expresso, o homem dos factos políticos, o homem da pena fácil, da conjuntura. Veja o jornal que ele criou e leia sobretudo o «Diálogo da Brasileira», porque Picará inteiramente elucidado sobre esta interpelação.
Vozes do PCP: -Muito bem!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Borges de Carvalho.
O Sr. Borges de Carvalho (PPM). - Sr. Presidente, desde já apelando para a magnanimidade de V. Ex.ª, queria tecer algumas considerações humildes sobre aquilo de que acabo de ser vítima.
Sr. Deputado César de Oliveira, quanto à minha intervenção, dir-lhe-ei simplesmente o seguinte: Quid vis recte factum quam vis humilde praeclarum.
Risos.
Aplausos do PPM, do PSD e do CDS.
O Sr. Sousa Marques (PCP): - Ó Sr. Deputado Carlos Robalo, o que é que ele disse?
O Orador: - Quanto aos elefantes, dir-lhe-ei que se trata de uma questão pessoal e que não serei talvez perito, mas. de um modo geral, no PPM. quando se comem, digerem-se e dá-se-lhes o destino fisiológico que merecem.
Risos.
O Sr. César de Oliveira (UEDS): - Vão fazer isso ao Dr. Proença de Carvalho?!
O Orador: - Quanto ao Expresso, perguntar-lhe-ei o seguinte, Sr. Deputado: se o Expresso dissesse que o general Pinochet unha desembarcado na Praia das Maçãs à frente de 2 divisões, a UEDS ia em armas a correr para a Praia das Maçãs? Será que o Expresso merece toda essa confiança? Que grande homenagem a todos aqueles que foram os obreiros do Expresso e que agora não estão lá! Será que o Expresso tem essa credibilidade toda?
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O Sr. César de Oliveira (UEDS): - O problema é vosso!
O Orador: - Ó Sr. Deputado, parece que aparece ali a última das verdades...
Quero dizer-lhe, com toda a franqueza, que aquilo que o Expressos disse é, pura e simplesmente mentira e que o PPM não metralha as coligações em que se integra. O PPM, tal como os outros partidos da AD, respeita os seus compromissos e não usa bombas atómicas dentro da coligação, tal como, infelizmente, aconteceu com a FRS, que era uma coligação tão simpática...
Risos.
Ora, o PPM não anda aqui para destruir a coligação. Mas o que é grave é VV. Ex.ªs demitirem-se da vossa missão de oposição, que é a de destruírem esta coligação para que o Governo perca a maioria, para que possam ter oportunidade de através de eleições, substituírem este governo. V. Ex.ªs, pura e simplesmente, demite-se da sua missão de político, de deputado e de deputado da oposição.
Aplausos do PPM, do PSD e do CDS.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado César de Oliveira.
O Sr. César de Oliveira (UEDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Notei que apesar de solicitado, o Sr. Deputado Borges de Carvalho não apoiou o Sr. Engenheiro Ângelo Correia. Não quero partir a coligação, mas sim destruí-la no seu conjunto.
Risos do PSD, do CDS e do PPM.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota.
O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Verifico que não está presente o Sr. Ministro da Administração Interna. Suponho que, se ele ouviu o Sr. Deputado Borges de Carvalho, terá partido apressadamente para a Praia das Maçãs...
Risos.
Aplausos da ASDI, do PS, do PCP e da UEDS.
No entanto, gostaria de recordar à Câmara, aos Srs. Deputados e, afinal, a todos nós. que andamos esquecidos de algumas dolorosas realidades, que neste caso, não se trata da primeira insurreição a que os governos da AD têm de fazer frente. VV. Ex.ªs recordar-se-ão de que há cerca de dois anos o então secretário de Estado da Comunicação Social, Dr. Sousa Brito, também através da Televisão, denunciou o estado pré-insurreccional de acordo com o qual os funcionários da televisão se preparavam para boicotar uma transmissão televisiva.
Ora, essa insurreição tinha profundas ligações com o movimento internacional já em desenvolvimento, implicava igualmente a adesão dos trabalhadores espanhóis a esse boicote, uma greve da ANOP e outras malfeitorias que, por acaso, não vieram a verificar-se.
Portanto, trata-se agora do segundo caso, e creio que o primeiro não merece ser esquecido, se por acaso estas insurreições vierem a ser condecoradas, convém.
Regressando ao tema que directamente nos importa e falando dele seriamente ...
O Sr. Fernanda Costa (PSD): - Acho que é melhor!
O Orador: - Eu também, Sr. Deputado, mas tenho estado à espera e não tenho visto nada!
O Sr. Fernando Costa (PSD): - Não seja ridículo!
O Orador: - O Sr. Deputado Fernando Costa, tenha calma. Diga quais os factos que se passaram e que justificaram a posição do Sr. Ministro e do Governo, que o senhor apoia, e, nesse caso, estamos habilitados a dizer se houve ou não uma insurreição. Enquanto os factos trazidos aqui pelo Governo e pela maioria tiverem o aspecto risível que têm, não queiram que nós tratemos desta situação senão com o ridículo que ela merece.
Aplausos da ASDI, do PS, do PCP e da UEDS.
O que aqui está em causa nesta interpretação é exclusivamente, do nosso ponto de vista, este aspecto e para ele pretendemos resposta: dispõe ou não o Governo de factos que justifiquem o procedimento que adoptou? Houve ou não um clima pré-insurreição no País que justificou o alarme provocado pela intervenção televisiva do Sr. Ministro da Administração Interna? Ou não houve, e o Sr. Ministro errou, precipitando-se? Esta, e só esta, é a questão política que aqui nos trouxe.
Ora, a verdade é que das várias intervenções vindas até à data da bancada do Governo já ouvimos dissertações, naturalmente importantes, sobre a teoria do Estado e o papel da autoridade no Estado. Longe de nós contestar alguns dos pontos que foram formulados.
Também não está em causa o papel das forças de segurança, que muitas vezes também foram trazidas indevidamente ao debate. Mas não nos desviemos da questão. A questão é uma só e permanece: houve ou não uma inventona?
Na verdade, todos os elementos que aqui nos foram trazidos, todos os elementos que resultam desse debate, a própria tentativa de a ele escapar através de uma interpretação do segredo de justiça, tudo isso não nos levou a mais do que considerar que num certo clima o Sr. Ministro da Administração Interna admitiu que determinados factos pudessem ter uma conexão e deles extraiu uma leitura. Mas creio - e posso dar exemplos - que esse procedimento carece de justificação perante esta Câmara.
Ora, se aqui viéssemos dizer, por exemplo, que a greve dos maquinistas da CP e o silêncio que o Governo manteve - pelo menos até ontem - a esse propósito estão directamente relacionados, porque provocam um maior movimento de veículos a gasolina e a gasóleo, com o incremento dos assaltos às bombas de gasolina, creio que tirar uma ilação dessa natureza não seria lícito nem permitido.
O Sr. César de Oliveira (UEDS): - Muito bem!
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O Orador: - Estaríamos, necessariamente, a extrapolar da realidade para tirarmos uma ilação que essa realidade não comporta.
O Sr. César de Oliveira (UEDS): - Muito bem!
O Orador: - Até qualquer outra prova em contrário, o que temos de considerar é que o Governo não fez mais do que isso. Considerando um determinado clima, admitindo um dia especial, considerou que todos os factos nele ocorridos tinham, necessariamente, uma ligação que se integrava num contexto, contexto esse com o qual fez extrapolações que temos até este momento por precipitadas.
Portanto, o que proponho é que o Governo esclareça - e esclareça de uma vez por todas - esta questão, que é a única que está presente e que coloca na mesa, necessária e obrigatoriamente, a credibilidade deste governo.
Aplausos da ASDI, do PS, da UEDS e de alguns deputados do PCP.
O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento tem a palavra o Sr. Deputado Luís Beiroco.
O Sr. Luis Beiroco (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados. Sr. Deputado Magalhães Mota: V. Ex.ª sabe bem qual é a consideração que tenho por si e certamente me relevará a eventual impertinência desta minha pergunta.
Disse o Sr. Deputado que, afinal, a questão se resumia em saber se houve ou não uma inventona. Ora, gostaria de lhe perguntar se a sua experiência de ministro da Administração Interna, em tempos que eu sei terem sido bem mais difíceis - felizmente para todos nós - do que estes em que hoje vivemos, não o leva a ter alguma humildade nesta questão de inventonas e, portanto, em pelo menos conceder o benefício da dúvida ao actual Ministro da Administração Interna.
O Sr. Luís Filipe Madeira (PS): - Já recuaram no espaço!
O Sr. Carlos Robalo (CDS): - Espero que entenda, Sr. Deputado!
O Sr. Presidente: - Para responder tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota, se assim o desejar.
O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Luís Beiroco: Tenho muito gosto em lhe responder, dizendo até que a consideração mútua tem sido sempre uma regra do nosso comportamento e isso lhe agradeço.
Gostaria de lhe dizer que a minha experiência no Ministério da Administração Interna foi difícil e durou apenas o tempo do I Governo Provisório, ou seja, rigorosamente, até Junho de 1974.
Vozes do PSD: - Já foi há muito!
O Orador: - Não houve nessa altura nenhuma inventona, nem nenhuma intervenção do então ministro da Administração Interna na televisão.
Se o Sr. Deputado pretendia invocar uma triste experiência que atravessámos neste país, diria que também eu me associo ã condenação de outras inventonas que se processaram ao longo dos anos difíceis que vivemos até 1976. Tive ocasião de o apontar no momento próprio. Creio que dizê-lo aqui é importante e isso justifica também boa parte da intervenção que fizemos, porque não gostaríamos de ver repetidos esse tipo de processos e esse género de actuações por parte do Poder.
Aplausos da ASDI, do PS e da UEDS.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça e da Reforma Administrativa.
O Sr. Ministro da Justiça e da Reforma Administrativa (Meneres Pimentel): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A União de Esquerda para a Democracia Socialista pretendeu provocar, por intermédio desta interpelação, a abertura de um debate sobre a actuação do Ministério da Administração Interna, com particular incidência no que se refere à manutenção da ordem pública e segurança dos cidadãos.
Pela minha parte, julgo que o debate deverá situar-se em plano diverso daquele que, até este momento, tem sido utilizado pelas oposições. E, então, atrever-me-ia a colocar esta questão: será possível viver em segurança num regime democrático plural? Se a resposta for afirmativa, como me parece irrecusável, quais os pressupostos indispensáveis?
Começarei, pois, por enunciar algumas destas pressuposições.
O Estado de direito democrático não é mais, nem menos, do que o Estado subordinado ao direito. Direito que se impõe ao Estado legislador, pois, consiste no reconhecimento dos direitos fundamentais definidos nacional e internaciónalmente, A lei limita-se à declaração dos direitos, mas não os cria ou constitui.
Num regime democrático e pluralista a função legislativa e a superintendência na Administração pertencem ao partido ou partidos maioritários, decorrendo daqui a necessidade da referida subordinação ao Estado de direito, uma vez que este é perene nas suas raízes e o poder político é, por definição democrática, meramente transitório.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Nestes termos, um Estado democrático deve organizar-se por forma a cuidar da independência da jurisdição, a quem compete, mais do que aplicar a lei, dizer o próprio direito.
Esta será, ao que se supõe, a primeira condição para que a segurança em democracia, se torne possível.
Ultrapassado o individualismo liberal, no qual o homem não significaria mais do que um conceito abstracto: derrotada, ao que penso, a ideia marxista, na qual o homem seria apenas um produto da sociedade: ganha progressivamente todo o mundo o ideal do homem concreto, ou seja, «de cada homem, de todos os que vivem na Terra, e não de um conceito imaginário criado pela mente humana». É para este homem que se dirige o direito penal, servindo-se, pré-
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cisamente, do principio da legalidade. E è também para este homem que se tem de dirigir toda a instrução criminal. Através desta última actividade é que se conseguirá alcançar a aplicação do princípio da legalidade em matéria criminal.
Aqui estará um segundo pressuposto indispensável que, no caso português, carece de uma explicação suplementar.
É que uma revolução é destinada a quebrar uma continuidade política, mas mau seria que a revolução instrumentalizasse o direito. A lei política constitui ou é sinal da preversão do direito. A soberania popular e que e juiz da vontade política, mas não deve atingir a supremacia do direito.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Este usa a dialéctica da unidade dentro da pluralidade e assenta numa relação de solidariedade. Qualquer revolução só se legitima quando adere aos princípios fundamentais do direito. Enquanto a fractura provocada peia Revolução do 25 de Abril não estiver curada através de um processo permanente de solidariedade democrática, não poderá pensar-se, ao que suponho, em estabilidade autêntica das instituições.
Vozes do PSD, do CDS e do PPM: - Muito bem!
O Orador: - O direito penal constitui o mais importante contributo para a construção do Estado de direito democrático. Nele se definem os valores fundamentais para uma convivência pacífica. E, a ser assim, é fundamental o papel de toda a actividade que tenha como escopo a investigação, ou melhor, a instrução dos cortes ou amputações daqueles valores e a identificação dos respectivos agentes. Assim se estabelecerá o suporte essencial para uma administrativa judiciária que constitua um poder autónomo do poder político. Por isto mesmo é que a instrução criminal não pode estar ao sabor da vontade dos governos. A estes compete, isso sim, traçar uma estratégia de prevenção e combate à criminalidade seja de que tipo for, dotando com os necessários meios as diferentes entidades com competência para coadjuvar a instrução criminal. O que tudo exige uma observação do evoluir dos fenómenos sociais, bem como a análise dos comportamentos políticos.
Estas, sim, constituem algumas das verdadeiras coordenadas de uma política criminal e não um enunciado, mais ou menos superficial, mais ou menos completo, de pontos organizacionais.
Uma das mais importantes fracturas sociais, um dos fenómenos onde se verifica plenamente a quebra da referida solidariedade democrática, consiste no que se convencionou denominar como o terrorismo. Terrorismo que pode motivar-se no inconformismo social ou também no desejo ou programa de conquista do poder político. Face a este fenómeno, o combate democrático entra em fase de grande agudeza para que se possam definir os limites da segurança. Perante situações deste tipo é que se põe segundo suponho à prova aquilo a que, com uma aparência de contradição nos próprios termos se tem chamado a «saudável fragilidade do regime democrático plural».
No dia 12 do mês findo, uma das centrais sindicais do país tentou, com algum desespero, uma greve geral. É natural que, em situações deste tipo, surjam «aproveitamentos» de organizações sem expressão parlamentar e que, portanto, procuram a conquista do poder político por meios violentos. Qualquer manual de história política regista inúmeros casos desta natureza, pelo que uma decisão grevista, antes de ser tomada, também deverá, segundo penso, sopesar este ensinamento.
Mário Tomé (UDP): - O melhor é não fazer greve!
O Orador: - Não é isso, Sr. Deputado. Depois dou-lhe uma fotocópia disto.
Ora, ao anoitecer daquele dia 12, o País tomou conhecimento da prisão de algumas pessoas que eram portadoras de diverso material de guerra e de outro de comunicações.
Acresce que todos os órgãos de comunicação social referiram a possibilidade dessas pessoas pertencerem às chamadas «Forças Populares 25 de Abril».
Se este último facto for exacto - e o Governo, antes e depois de emitir a sua nota oficiosa, tinha e continua a ter boas razões para assim o julgar - importará dizer alguma coisa sobre a versão que se considera plausível acerca das origens da referida organização.
Para tanto, basear-me-ei exclusivamente em factos acessíveis a qualquer pessoa por resultarem ou do exame de processos fora do segredo de justiça ou no conhecimento de ocorrências, hoje do domínio público, mercê de divulgação dos próprios protagonistas.
Em 1970 são fundadas, em Argel, as chamadas Brigadas revolucionárias. Esta organização propunha-se derrubar a ditadura, então a funcionar em Portugal, terminar com a guerra colonial e criar as condições necessárias à implantação de um socialismo que, do meu ponto de vista, seria autoritário. Estas Brigadas teriam iniciado as suas actividades em Portugal e sempre sem derramamento de sangue, no dia 7 de Julho de 1971, quando fizeram explodir um petardo nas instalações da NATO, à Fonte da Telha. Esta acção, como cerca de outras dez - todas desencadeadas antes do 25 de Abril - foram reivindicadas através de comunicados tornados públicos.
Em Setembro de 1973 as mesmas Brigadas realizaram um congresso para criar, como veio a acontecer, o Partido Revolucionário do Proletariado. Este movimento defende a espontaneidade das acções das massas populares, em detrimento de um sistema rígido, e considera que é na luta pela constituição de organizações autónomas dos trabalhadores que se vai estruturando a vanguarda revolucionária. O poder, segundo a estratégia então adoptada, teria um sentido ascendente, pelo que seriam as organizações de base, o chamado «poder popular», os detentores do poder real.
Com a vitória da liberdade, em 25 de Abril, o PRP/BR legaliza-se e aparece formalmente a liderar muitas reivindicações populares. Fiel ao seu ideário do «poder popular», dinamiza a criação dos chamados «organismos populares de base». É a época dos SUV, do documento do COPCON, da FUR. Esta-
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va-se, então, no tristemente célebre Verão quente de 1975 «o momento mais alto» do «poder popular» em Portugal.
Antes do 25 de Novembro, em Outubro de 1975, as Brigadas Revolucionárias desligam-se do Parado Revolucionário do Proletariado. A verdadeira razão deste desligamento ainda não está, para mim, suficientemente esclarecida. De qualquer maneira, é neste momento que se iniciam os assaltos a bancos como forma de obtenção de fundos para ocorrer as necessidades da actuação política contra o regime democrático pluralista.
Em 20 de Junho e em 20 de Julho de 1978 a Polícia Judiciaria levou a cabo duas importantes operações policiais que conduziram à prisão dos principais dirigentes do PRP ou das BR, bem como de algumas dezenas dos seus militantes.
São, então, formalmente imputados a tais pessoas dezenas de actos de violência e que consistiram fundamentalmente em assaltos a bancos ou atentados à bomba.
A frequência das acções violentas, o êxito das mesmas e a sua impunidade durante largo tempo determinaram que este período - de 1975 a 1978 - possa ser considerado como aquele em que Portugal, na vigência de um regime a princípio parademocrático e posteriormente democrático, alcançou maior violência interna.
As referidas operações da Policia Judiciária desarticularam grandemente o PRP, pelo que de Julho de 1978 a Dezembro de 1979 a actividade terrorista diminuiu
Mas em 20 de Abril de 1980 as denominadas Forças Populares 25 de Abril fazem a sua estreia pública e do manifesto político então apresentado ressaltam duas linhas de actuação de cariz nitidamente subversivo maior violência em suposto apoio das reivindicações populares e publicitação dos actos de terrorismo Reaparecem os assaltos a bancos, embora em menor numero, mas com a particularidade de um certo menosprezo, ou talvez mesmo provocação, perante as autoridades de polícia.
Finalmente em 19 e 25 de Março de 1981 surgem actos de típico terrorismo urbano, acompanhados de atentados pessoais e selectivos.
Se se vier a confirmar, durante a instrução criminal e subsequente julgamento, o facto de os presos de 12 de Fevereiro serem militantes das Forças Populares chamadas de 25 de Abril, algum democrata terá a ousadia de julgar mal o Governo pela sua actuação política naquela data e nos dias subsequentes.
Partindo da certeza de que ninguém nessa altura, com estes pressupostos verificados condenará o VIII Governo Constitucional, ocorre agora a pergunta desta interpelação, pelo menos segundo o meu ponto de vista com os actuais indícios do conhecimento público era adequada outra actuação das forças policiais envolvidas. Ou não serão exactos os indícios que expus. A resposta ser-nos-á dada por outro órgão de soberania que devemos respeitar, como qualquer outro, ou sejam os Tribunais.
Vozes do PSD, do CDS e do PPM: - Muito bem!
O Orador: - Como disse no início, apesar do ocorrido e do mais que possa vir a acontecer neste domínio do terrorismo, unia certeza vos posso dar: viver-se-á em segurança no País pois existem condições para que os pressupostos fundamentais de um Estado de direito democrático sejam cumpridos. Esta fórmula tem, hoje, alias um conteúdo substantivo mercê da existência de uma maioria parlamentar Prestará um mau serviço ao regime democrático plural quem a pretender destruir por meios inconstitucionais. Contra esses, como e evidente, estamos frontal e decididamente em oposição. E quem o fizer por meios legítimos democráticos ou constitucionais, assumirá, como e evidente também, as suas responsabilidades. Aguardemos, pois. Entretanto, o Governo continuará a trabalhar dentro do quadro constítucional.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
Entretanto reassumiu a presidência o Sr Presidente Oliveira Dias.
O Sr Presidente: - Tem a palavra o Sr Deputado César de Oliveira.
O Sr César de Oliveira (UEDS) - Sr Presidente, o tempo que vou agora gastar foi-me cedido pela ASDI.
Em primeiro lugar, agradeço ao Sr Ministro da Justiça e da Reforma Administrativa a história que nos veio contar, e que segui com bastante atenção, sobre a evolução das forças revolucionarias de extrema-esquerda.
Em segundo lugar, Sr Ministro, gostaria de lhe dizer o seguinte já houve outras acções da organização autodenominada Forças Populares 25 de Abril e já houve ate detenções de elementos desta organização que creio que nunca confessaram com a espontaneidade destes à sua pertença às Forças Populares 25 de Abril, alias, até em situações de conflito agudizado, de mais acções terroristas.
Assim, pergunto ao Sr. Ministro por que é que o Governo nunca chamou a atenção publicamente, na televisão, para estes acontecimentos e nem sequer considerou que havia uma situação pré-insurreccional.
Por outro lado, Sr Ministro, devo dizer que, segundo as informações de que disponho, o que aconteceu foi que havia um cortejo automóvel da CGTP e havia viaturas da polícia que o vigiavam.
Houve ordem para montar uma operação stop no Parque Eduardo VII, na zona da Rotunda, porque parece que a policia tinha comunicado que havia uma grande dispersão de viaturas e que não sabia quem havia de seguir, e essa operação stop foi montada. O guarda que encontrou o carro com as armas viu oito indivíduos a roda de um automóvel, olhou lá para dentro e viu logo as armas, 5 indivíduos fugiram e 3 foram detidos.
Sr. Ministro, pergunto se não considera estranho que sejam encontrados tão facilmente, logo a seguir ao início da operação stop, estes indivíduos, se não acha estranho que as armas estivessem à vista - segundo o semanário O Tempo, semanário insuspeito para os senhores -, e se não considera estranho também que os elementos detidos tenham confessado logo a sua ligação as Forças Populares 25 de Abril.
Sr Ministro, perdoe-me a impertinência, mas cada um tem o seu estilo próprio. O meu estilo é este e não tenho feito agravos a nenhum Sr Deputado.
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como também ninguém mos tem feito a mim, excepto um Sr. Deputado que agora está até muito em berra. Mas, portanto, não tenho problemas com ninguém e julgo que ninguém tem problemas comigo.
Desculpe-me a impertinência, Sr. Ministro, sou assim e cada um tem o seu estilo, mas quero perguntar-lhe o que é que aquilo que leu tem a ver com os pneus furados, com os pregos, com a minha interpelação e com as perguntas que pus ao Governo?
O Governo continua silencioso em relação às questões que eu pus! O Governo não disse nada em relação às perguntas que eu fiz!
Mas, Sr. Ministro, quero ainda fazer-lhe uma pergunta muito concreta. O Sr. Ministro subscreve, na integra, a intervenção feita na televisão, na noite de 13 de Fevereiro, pelo Sr. Ministro Ângelo Correia? Se não a conhecer tenho-a aqui gravada e posso facultar-lha.
É apenas isto que quero saber agora. O Sr. Ministro subscreve ou não essa intervenção?
O Sr. Presidente: -Tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.
O Sr. Lopes. Cardoso (UEDS): - Muito rapidamente, quero colocar uma questão ao Sr. Ministro da Justiça.
Como disse o meu camarada César de Oliveira, o Ministro da Justiça, tal como os outros membros do Governo, mais uma vez fugiu à questão fundamental. Pôs uma interrogação no início da sua intervenção, a qual era se era possível viver em segurança num Estado democrático, mas não foi essa a questão que levantámos, não é esse o objecto do debate.
Para nós, é óbvio e evidente que se vive em segurança num Estado democrático, aliás consideramos que só se pode viver em segurança num Estado democrático. A questão que levantámos, e para a qual ainda não obtivemos resposta, é a de saber se se pode viver em segurança num Estado democrático com este governo e com este Ministro da Administração Interna.
Vozes do PSD: - Pode sim, senhor!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr, Ministro da Justiça, para responder, se assim o desejar.
O Sr. Ministro da Justiça e da Reforma Administrativa (Meneres Pimentel): - Como disponho de pouco tempo, responderei, contra os meus hábitos, telegraficamente.
Referiu o Sr. Deputado César de Oliveira que já houve outras acções terroristas e perguntou por que é que os Governos de então não declararam que se tratava de uma tentativa de subversão ou que se estava numa situação pré-insurreccional.
A isto responderei muito simplesmente - já que, segundo disse, seguiu com atenção a minha intervenção - que só muito recentemente, mais concretamente a partir do 2.º semestre de 1981, se verificou o aparecimento do Terrorismo urbano, que nunca antes se tinha verificado.
O Sr. César de Oliveira (UEDS): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Ministro?
O Orador: - Em segundo lugar, perguntou-me o Sr. Deputado se aquilo que eu disse tem alguma coisa a ver com a interpelação.
Quanto a isto, e respondendo também ao Sr, Deputado Lopes Cardoso, devo dizer que os Srs. Deputados interpelantes, no uso de uma interpretação legítima...
O Sr. César de Oliveira (UEDS): - Desculpe-me insistir, Sr. Ministro, mas peço-lhe que me dê licença para o interromper.
O Orador: - Faça favor.
O Sr. César de Oliveira (UEDS): - O Sr, Ministro considera que o bombismo e o terrorismo que existiram antes de 1981 não era terrorismo urbano? Se assim é, registo.
O Orador: - Não sei a que factos concretos se está a referir. Se mos pudesse configurar, agradecia.
O Sr. César de Oliveira, (UEDS): - Concretamente referia-me, por exemplo, à bomba em casa do meu camarada Lopes Cardoso.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - A bomba na Embaixada de Cuba! ...
Uma voz do PCP: - A destruição dos centros de trabalho do PCP! ...
O Orador: - Respondendo apenas a única pessoa que usou o microfone, apesar de ter ouvido todos os outros, a quem eu poderia responder se tivesse tempo, digo que, pelos elementos de que disponho sobre esses factos, o atentado em casa do engenheiro Lopes Cardoso, como o atentado em casa do actual Vice-Primeiro-Ministro, não são fenómenos típicos de terrorismo urbano.
O Sr. Sousa Marques (PCP): - São de terrorismo rural!
O Orador: - Sr. Deputado, estas coisas requerem uns certos conhecimentos. Se não se têm esses conhecimentos, desculpe-me dizer-lhe, o diálogo torna-se impossível.
O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Não percebe nada.
O Orador: - Perguntou-me também o Sr. Deputado César de Oliveira o que é que a minha intervenção tem a ver com a interpelação. Os deputados interpolantes, como é, aliás, legítimo - e conforme eu também defendi quando era deputado da oposição, não sei se com plausibilidade, mas julgo que em democracia tudo é plausível - não têm, todavia, o direito de circunscrever a interpelação a perguntas como, por exemplo, se subscrevo as afirmações do Sr. Ministro da Administração Interna, que eu não ouvi e já sei que me vai oferecer a gravação. Se tiver tempo para isso ainda hoje a ouvirei.
Mas, como eu estava a dizer, não se pode circunscrever uma interpelação a estes factos concretos e muito claros,
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O Sr. César de Oliveira (UEDS): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Ministro?
O Orador: - Agora não lhe posso consentir uma interrupção, porque não tenho tempo. Desculpe, mas só com a minha autorização é que me pode interromper. Uso de um direito democrático.
Relativamente à intervenção do Sr. Deputado Lopes Cardoso, insisto dizendo que em democracia e numa Assembleia democrática, não nos podemos nem nos devemos ater a um mero questionário em relação ao qual nem sequer é legítimo responder sobre a forma dos quesitos.
Julgo que se deve dar uma interpretação política ao essencial, ao facto político eu social que está na base da interpelação e cada um organiza a sua estratégia e a sua actuação conforme as suas possibilidades, os seus conhecimentos e os seus objectivos político-partidários.
Isto é legítimo numa democracia parlamentar ou mesmo num regime semiparlamentar ou semipresidencial. Creio que isto não tem nada de anormal, e o que há de mais normal.
Aplausos do PSD, do PPM e de alguns deputados do CDS.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro da Administração Interna.
O Sr. Ministro da Administração Interna (Ângelo Correia): - Sr. Presidente. Srs. Deputados: Ao longo desta interpelação foram afirmados ou insinuados epítetos em relação à minha pessoa, desde aspirante a ditador, a palhaço, a bobo da corte, a masochista, a perigoso para a liberdade e a vida dos cidadãos, a boneco, a manipulador. a grotesco, a marioneta até a pequeno ditador, chegando-se mesmo a dizer que tenho cobardia política, etc.
Foram estas as várias afirmações ou insinuações que foram feitas em relação a mim.
Mas como desde o início, o Governo e eu próprio nos propusemos a que a interpelação fosse tida numa base séria, não responderemos minimamente com este tipo de intervenções àquela que nos foram solicitadas.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
Se o fizéssemos incorreríamos inevitavelmente naquilo que não desejamos no desprestígio desta Casa.
Vozes do PSD e do CDS: -Muito bem!
O Orador: - Sei o fizéssemos faríamos o jogo daqueles que o pretendem. E, como da democracia e das, suas instituições temos uma noção de dignidade e de dignificação, não faremos aqui aquilo que outros fizeram.
Vozes do PSD e do CDS: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vou responder por isso e tão-somente às perguntas concretas que desde o início, dei de a primeira intervenção feita pelo Sr. Deputado César de Oliveira, estão ainda sem resposta e às quais vou fornecer as respostas que me foram possíveis.
A primeira questão que o Sr. Deputado César de Oliveira colocou foi no âmbito - no mais simples dos âmbitos do poder local.
Apesar de a sua relevância ser menor neste contexto, não quero, todavia, fugir a estas questões.
Citou o Sr. Deputado César de Oliveira 4 freguesias do Sabugal, todas elas do PSD, referindo na sua intervenção que o que aí se passava constituía uma acção de manipulação, de discricionariedade, de compadrio e de discriminação da minha parte.
O Sr. Deputado citou 4 freguesias do Sabugal, mas se citasse as 7 freguesias da Guarda, todas do PS, se citasse 6 das 7 freguesias de Almodôvar, todas também do PS, se citasse as 4 freguesia», de Odemira, todas do PCP, o Sr. Deputado César de Oliveira talvez não pudesse colocar a questão como colocou.
Aplausos do PSD, do PPM e de alguns deputados do CDS.
Tenho os nomes de todas as freguesias referidas, mas, de qualquer das formas, o critério que foi estabelecido para a atribuição dos subsídios às juntas de freguesias foi apenas um: o da proporcionalidade política das atribuições face aos resultados eleitorais das últimas eleições autárquicas. E por essa razão foram dados 7 % à APU, segundo o número de freguesias - os números podem falhar, mas foi este o critério -, 22,8 % ao PS, 23 % ao PSD, cerca de 14 % ou 15 % ao CDS e algo mais à AD.
Foi esse o critério e foi numa base objectiva que o fizemos.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Lego. as suas expressões de manipulação e compadrio não têm a mínima pertinência neste caso, como não têm a mínima pertinência duas das questões levantadas: a questão da Misericórdia do Porto e a da eventual intervenção do Ministério da Administração interna na extinção do programa da RDP, onde o Sr. Kalidás Barreto ia ser entrevistado, questão esta que foi levantada por outro grupo parlamentar.
Quero dizer que estas duas questões estão completamento fora da intervenção ministerial. Nada tivemos a ver com elas.
Em relação à segunda questão que colocou sobre o conflito entre a Câmara da Mealhada e a Junta de Freguesia do Luso, quero dizer que essa questão foi por mim directamente processada e exactamente no Supremo Tribunal Administrativo, por considerar que essa é a instância legitima para julgar o diferendo que existe entre essas duas autarquias, no qual não tive qualquer interferência.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Em relação ao segundo grupo de perguntas que colocou quanto ao poder local, classificando mais uma vez a situação de compadrio pelo facto de existirem protocolos autárquicos a estabelecer entre autarquias e Governo, quero explicar ao Sr. Deputado César de Oliveira o seguinte: na proposta de lei de delimitação de investimentos do poder local, central e regional perfilhavam-se três hipóteses.
A primeira hipótese era a seguinte: a partir da aprovação desta proposta de lei, que foi já entregue
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na Assembleia da República para eventual aprovação, poderiam ser logo concedidas todas as novas funções e a respectiva tradução financeira a todas as câmaras na mesma altura.
Não perfilhamos essa posição porque se o fizéssemos poderiamos, sem querer, estar a afogar algumas câmaras com dificuldades de gestão em áreas para que não tinham ainda capacidade e pôr em risco o próprio poder local já que, nessa altura, os eleitores poderiam dizer que era por incapacidade das próprias câmaras que estas não desempenhavam a sua missão.
A segunda alternativa era a de conceder as novas funções só em 1986, mas isto eia politicamente errado, visto que há câmaras municipais que podiam absorver essas novas funções a partir do momento em que as quisessem.
Por isso optamos pela terceira hipótese, que corresponde ao seguinte é a própria câmara municipal, seja ela qual foi, que di? o momento em que quer ver transferidas para si as novas funções, 6 ela que escolhe o quando ela escolhe o Governo apenas tem uma coisa a fazer cumprir aquilo que a própria câmara disser.
Logo, não há compadrio, há sim solicitação da própria Câmara, seja ela qual for, para a transposição dessa função, que competia à administração central, para o poder local.
Como e que se pode falar de compadrio nestas circunstâncias? Como é que se pode falar de uma atitude discricionária do Governo quando é a câmara que solicita.
Aplausos do PSD, do PPM e de alguns depurados do CDS
Em terceiro lugar, o Sr Deputado César de Oliveira referiu, através da nova Lei das Finanças Locais, a montagem de algumas operações de comparticipação ou apoio.
Quero dizer-lhe que elas configuram situações que, em certos casos, já existem e passo a descrever quais situações de calamidade publica, situações de financiamento de novas autarquias - e lembro que uma autarquia que ainda esta a solicitar o Governo apoio financeiro e a nova autarquia da Amadora que e insuspeita, problemas de construção clandestina - e devo dizer que foram duas câmaras do PS que colocaram o problema e referiram a pertinência da sua solução, problemas de reconversão sectorial de sectores em crise - e lembro, por exemplo, algumas áreas como a indústria têxtil sobretudo de lanifícios. Não se pode responsabilizar uma câmara municipal como a da Covilhã, que é socialista, por um problema dramático de emprego e de reconversão estrutural nesse sector. Não é legítimo estarmos a pedir que se coloque apenas no âmbito da Câmara Municipal da Covilhã o problema da reconversão de um sector.
É legitimo que, para a reconversão de sectores industriais e económicos, o Estado ajude e ajude por decreto-lei, como nos próprios propomos, de uma forma que esteja contemplada no Orçamento Geral do Estado, para que a Assembleia tenha poder de ratificação e de intervenção política na discussão, ao mais alto nível, no momento do debate do Orçamento Geral do Estado.
Aplausos do PSD, do PPM e de alguns deputados do CDS
Todas as suas afirmações sobre poder local são falsas, infundadas e revelam que o Sr Deputado, ao fim e ao cabo, nem sequer as lei que aqui estão estudou.
Aplausos do PSD
Vou passar ao segundo tipo de questões que referiu.
O Sr Deputado falou do Corpo de Intervenção que, como sabe, foi criado durante o I Governo Constitucional, a fim de ser utilizado em circunstâncias de alteração da ordem pública.
O comandante desse Corpo e o mesmo desde 1977, não mudou. A sua filosofia de actuação e a sua doutrina são as mesmas e a doutrina faz-se na base do recrutamento voluntário de qualquer agente da PSP, o qual tem uma instrução geral na Escola de Formação de Guardas da própria PSP.
A preparação especial no caso do Corpo de Intervenção é de natureza física. Simplesmente, a par dessa instrução de natureza física, existem matérias que se prendem com direito penal, direito constítucional, ética policial e relações publicas que ocupam uma parte substancial da formação específica do próprio Corpo de Intervenção.
Não e, portanto, legitimo dizer-se, como V. Ex.ª afirmou há pouco, que as intervenções do Corpo de Intervenção são «comportamentos violentos e agressivos que denotam uma actuação pautada pelo ódio recalcado, pela fúria repressiva e pela agressão discriminada». Foi isto que disse na sua intervenção.
Mas como e que o Sr Deputado pode dizer isto quando, no ano passado, em 211 actuações só numa e que ouve intervenção da força publica?
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Como é que e legitimo, com os números referidos, falar nos termos em que o fez Mais falou-se na utilização nas escolas secundárias do Corpo de Intervenção quando isso só aconteceu uma vez e quando aconteceu foi porque o comandante da 3º Divisão foi agredido pelos alunos - não cito quais são nem os seus pais -, foi agredido violentamente um oficial da Polícia, facto que originou a intervenção da Polícia sem a mínima beliscadura em qualquer aluno.
O Sr Manuel Moreira (PSD) - Muito bem!
O Orador: - Já que citou aqui há pouco o Expresso devia aí ter lido que foram os próprios pais e alunos que requereram a presença do Corpo de Intervenção nalguns liceus e o Comando da Polícia - muito bem e com o meu aval - não autorizou. Nós não desejamos que nas escolas deste país esteja presente o Corpo de Intervenção
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Não é legitimo que em situação normal eles possam exercer aí a sua função. Não desejo que as crianças e os adolescentes deste pais possam ser confrontados com situações que alguns podem desejar.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
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Noutra intervenção foi colocado o problema da legislação básica sobre a Polícia de Segurança Pública e Guarda Nacional Republicana. Elas são anteriores ao 25 de Abril, e um facto, mas fico perplexo pela intervenção do Sr. Deputado Jaime Gama. Então o Sr. Deputado apresenta aqui um programa teórico de acção e quando foi Ministro da Administração Interna, em 1978. de um governo que esteve no Poder 2 anos não aplicou os seus princípios nem aplicou aquilo que nos vem hoje aqui propor? Como é que se pode propor hoje uma coisa que no passado não se fez? Qual a moral que hoje se tem para vir colocar questões que no passado nós próprios escamoteámos?
Aplausos do PSD, do PPM e de alguns deputados do CDS.
Pelo contrário, este governo já aprovou, e outros estão por aprovar em Conselho de Ministros, alguns dos diplomas que o Sr. Secretário de Estado da Presidência do Conselho referiu. Não vou novamente citá-los ...
Vozes do PSD: -Muito bem!
O Orador: - ...mas outras acções estão a ser levadas a cabo e o Sr. Deputado Jaime Gama sabe que existem, visto que, nas últimas perguntas ao Governo feitas nesta Câmara em Novembro passado, nós próprios tivemos oportunidade de as apresentar. Por exemplo, a informática policial demora 2 anos a montar, a revisão do dispositivo policial - o Sr. Deputado sabe-o tão bem como eu - demora 5 anos a montar, mas, apesar disso, os passos já foram dados, as acções já estão empreendidas. Aliás, parte desta legislação não é matéria da competência do Governo mas da própria Assembleia da República, através da Comissão de Direitos, Liberdades e Garantias, e é nesse sentido que alguns destes diplomas do Governo são propostas de lei que aqui virão e nessa altura teremos o debate público. Só que o debate público é suscitado politicamente por nós e não por vós. Somos nós que pela activa, pela positiva, apresentando um conjunto de ordenamento jurídico das forças de segurança, o motivamos.
O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Isto não implica a sua importante contribuição, extremamente empenhada, para a resolução conjunta destas questões que afectam o regime e o Estado.
Vezes do PSD: - Muito bem!
A Sr.ª Ercília Talhadas (PCP): - E o Expresso?
O Orador: - Nós não dividimos, antes do dia 12 de Fevereiro, os Portugueses em bons e maus, mas tão-somente - esse é o sentido do texto da nula do Ministério da Administração Interna do dia 8 de Fevereiro - alertámos para a ocorrência de «acções provocatórias convidando pessoas a aderir à greve sob pena de retaliações graves»...
O Sr. Manuel Lopes (PCP): - E a de 19 de Janeiro?
O Orador: -Esses convites, sob pena de retaliação, estão documentados por escrito e são graves. Em alguns casos ameaçaram as pessoas de destruição das fábricas, das casas e das suas próprias vidas.
O Sr. Manuel Lopes (PCP): - Isso é mentira!
O Orador: - É mentira?
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
Protestos do PCP, do MDP/CDE e da UDP.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, é necessário acalmar 05 ânimos. O Sr. Ministro está no uso da palavra. Em todo o caso aproveitava para o informar que o seu tempo já está esgotado, tem mais um crédito de 5 minutos pelo CDS.
O Orador: - Muito obrigado, Sr. Presidente, vou concluir antes disso.
O efectivo policial nesse dia foi precisamente o mesmo que existe noutras circunstâncias. Apenas foi colocado na situação de prevenção ...
Os Srs. Carlos Brito e Jerónimo de Sousa (PCP): - Quem é que fazia as ameaças?
O Orador: - ... e essa situação, aceite pelos comandantes-gerais da GNR e da Policia de Segurança Pública, teve o meu completo aval. Aliás, nunca o Ministério da Administração Interna se sobrepôs à acção dos comandos das forças de segurança que muito antes do dia 12 de Fevereiro transmitiram as suas próprias indicações às instituições que dirigem e nem sequer foram formulados da nossa parte despachos e orientações para esse dia 12.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador. - Não é pois lícita a afirmação feita caracterizando a existência de limitações à autonomia dos próprios comandos, mas também não é licita a afirmação de que as forças de segurança se envolvem nos conflitos sociais ou na arbitragem de qualquer conflito. Nunca! E mesmo que alguns o desejassem não é essa a nossa orientação.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Simplesmente, quando conflitos sociais se transformam em violação da lei ou em alteração à ordem pública, então sim, compete pela própria lei a intervenção das forças de segurança de modo a garantirem ou a reporem a tranquilidade democrática. É nesse sentido e só nesse que as forças de segurança intervêm e nunca como árbitros, por isso não é lícita a ligação à Covilhã já que na Covilhã - aliás as críticas mais duras à actuação das força? de segurança na Covilhã partiram de sectores colocados noutro espectro político que desejavam um tipo de intervenção das forças de segurança num âmbito não consentâneo com a postura democrática, timbre deste governo...
Vozes do PSD, do CDS e do PPM: - Muito bem!
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O Orador: -... os trabalhadores saíram dos seus postos de trabalho, foram apedrejados à pedra e à paulada ...
Risos do PS e do PCP.
...e sobre as forças de segurança foram disparados tiros e atiradas pedras. Aí têm a obrigação e o dever moral de intervirem, reporem a tranquilidade e a legalidade, protegendo cidadãos que queriam trabalhar, o que alguns não queriam deixar fazer.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM. Protestos do PCP, do MDP/CDE e da UDP.
Voltando à questão de fundo pergunto: como é que o PS pode hoje colocar essa questão quando ele avalisou as acções - e nós estamos perfeitamente de acordo com elas - das forças de segurança no Alentejo?
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Não vou pronunciar-me mais sobre essa questão, mas o PS devia meditar mais nesta questão: por que é que nessas circunstâncias deixou estabelecer e prever um dispositivo militar em que se passaria o comando das forças de intervenção do Governo para a própria entidade militar? Como é que consentiu essa militarização das forças de segurança, essa ultrapassagem das forças de segurança, essa diminuição do Estado democrático de direito prevendo e perfilando circunstâncias que, no mínimo, tinham aspecto de estado de emergência ou de sítio?
Aplausos do PSD, do PPM e de alguns deputados do CDS.
Por que é que o PS em determinada circunstância o fez e agora, por razões muito menores que se prendem com uma área geográfica mais ampla, não aceita uma intervenção de forças de segurança que resulta da conflitualidade dos conflitos sociais?
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
Duplo critério, dupla medida no tempo e no espaço.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Algumas inverdades ou falsidades foram aqui feitas. Vou repô-las.
Não é verdade que o Governo tenha chamado a Lisboa qualquer responsável espanhol da segurança do Estado. É falso!
O Sr. César de Oliveira (UEDS):- É verdade!
O Orador: - Não é verdade, é falso, que o n.º 2 ou n.º 3 dos «grupos especiais espanhóis» tenha estado em Portugal.
O Sr. César de Oliveira (UEDS): - É verdade!
O Orador: - É verdade então prove-o, se faz favor.
O Sr. César de Oliveira (UEDS): - Já lá vou!
O Orador: - Ah ...
Vozes do PSD: - É falso. Mostra a cassete.
O Orador: - É falso aquilo que o Sr. Deputado César de Oliveira disse quando levantou a questão da existência na Polícia de Segurança Pública de um grupo de operações especiais. «Não existe qualquer tipo de legislação que o tivesse criado, estruturado, organizado ou que definisse as suas competências» (citei a sua expressão). Sr, Deputado, pergunte à sua colega de bancada, deputada Teresa Santa Clara Gomes, quando era membro do V Governo Constitucional, em que conjunto legislou e aprovou o Decreto-Lei n.º 506/79 da autoria do Governo da engenheira Lourdes Pintasilgo e promulgado pelo Sr. Presidente da República. Então o Sr. Deputado vem dizer a esta Câmara que não existe legislação quando ela foi aprovada num Governo onde esteve alguém que se senta na bancada da UEDS?
Aplausos do PSD.
Quem é que traz à colação factos falsos? Quem é que traz mentiras a esta Assembleia? Nós ou os senhores?
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
Vozes do PSD: - Puxa agora da cassete!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A protecção genérica foi garantida a todos os cidadãos no dia 12, nós sempre o dissemos e a própria Intersindical sabe-o, na noite do dia 11 de Fevereiro durante várias horas a sua sede e algumas das suas delegações foram protegidas pela Polícia de Segurança Pública.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Isso foi dito politicamente, isso foi dito antes e os senhores sabem que é verdade.
A protecção foi para todos, para os que queriam trabalhar e para os que não queriam, mas o Governo não permitiu que se pudessem criar circunstâncias de alteração ou de viciação de direitos, sobretudo dos que queriam trabalhar.
O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Muito bem!
O Orador: - E nós não tocamos no problema do dia 12 pegando nos fósforos, nem pegando no emprego de ouriços, ouriços que só tinham aparecido em 1978 na Reforma Agrária, naquela circunstância em que os senhores apelaram para o uso das forças militares... agora sorriem, mas nessa altura foi o último momento da história deste país onde apareceram esse tipo de objectos.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Nós não falamos deles individualmente mas falamos no seu todo, falamos na encenação política que foi feita, na preparação e coacção psicológica que foi feita e na conjunção e convergência temporal entre isso e outras circunstâncias que ocorreram, já demonstradas, já tipificadas. E afinal a minha intervenção inicial - durante meia hora - não serviu de nada, quase nenhum dos senhores deputados pegou nela, ía estava tudo dito: a justificação, a lógica e a coerência interna da nossa posição. Nin-
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guém lhe quis pegar, excepto o Sr. Deputado Herberto Goulart - faço-lhe essa justiça. Preferiram voltar a falar de coisas que eu não tinha dito, preferiram ladear as questões de fundo quando elas foram por mim aqui colocadas. VV. Ex.ªs fugiram à questão.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Quem fugiu à questão de fundo que aqui coloquei logo nos primeiros instantes foi a oposição. Quem saiu do debate foram VV. Ex.ªs. Nós colocámo-nos onde sempre estivemos.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Para concluir, Sr. Presidente, Srs. Deputados quero dizer à Assembleia da República que o Governo, em geral, e o Ministério da Administração Interna, em particular, não se deixaram, nem se deixarão, perturbar pelos agentes da subversão - que existem! -, nem por aqueles que procuram minimizar o perigo que eles constituem para o País e para a democracia. A nossa aposta é no País e na democracia. Assim estaremos até ao fim do nosso mandato.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Governo já não dispõe de tempo - nesta fase do debate. Inscreveram-se os Srs. Deputados José Niza e Luís Filipe Madeira - o Partido Socialista dispõe de 2 minutos -, o Sr. Deputado César de Oliveira e os Srs. Deputados Carlos Brito e Manuel Lopes - o Partido Comunista tem 1 minuto.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Niza.
O Sr. José Niza (PS): - Sr. Presidente, antes de começar a minha pequena pergunta gostava de saber se a ASDI ainda tem tempo.
O Sr. Presidente: - A ASDI tem 7 minutos.
O Sr. José Niza (PS):- Então a ASDI cede-nos 2 minutos, ficamos assim com 4 minutos.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. José Niza (PS): - Fiz há dias um requerimento ao Governo e à RTP acerca de uma questão - já que aqui estamos neste debate e já que está aqui o Sr. Ministro da Administração Interna - que gostaria de ver respondida.
Como é conhecida, a intervenção da polícia verificou-se em vários locais do País, designadamente no Rossio. No Rossio foram agredidos jornalistas da televisão - e não só! -, de vários outros órgãos de comunicação social e tenho pena e lamento que o Sr. Ministro da Administração Interna, mesmo com pouco tempo, não tenha aproveitado esta excelente oportunidade para pedir publicamente desculpa aos jornalistas que aqui estão pela maneira como as forças da polícia actuaram.
Vozes do CDS: - Oportunista!
O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Isto é o que se chama «dar música aos jornalistas».
O Orador: - Perdeu uma excelente oportunidade que talvez não tivesse perdido aqui há uns 2 anos atrás quando pensava ser Secretário de Estado da Comunicação Social. Na altura elogiava os jornalistas, agora elogia os políticos... Enfim é uma questão de formação profissional.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador:- Mas a questão e a seguinte: na noite de 12 de Fevereiro a administração da RTP fez um comunicado, que foi difundido no Telejornal e em toda a comunicação social, para efeito interno da própria empresa, em que se dizia o seguinte (cito de memória): «a Administração exigia ao Governo e à Policia de Segurança Pública, ou à Policia de Intervenção, explicações imediatas sobre aquilo que tinha acontecido no Rossio e sobre a punição dos eventuais responsáveis pelas agressões aos jornalistas». Isto passou-se no dia 12 de Fevereiro, já lá vai 1 mês e eu gostaria de saber duas coisas: se a televisão voltou a insistir nessa matéria e se o Governo deu alguma explicação à exigência pública que a televisão fez em relação ao Governo e à Polícia.
Gostaria de dar a oportunidade de o Sr. Ministro poder, em tempo oportuno, pedir desculpa aos jornalistas das agressões que foram vítimas.
Aplausos do PS.
Vozes do PSD: - Oportunista!
Risos do PS.
O Orador: - É oportunista? Pergunte aos jornalistas presentes o que eles passaram!
Uma voz do CDS: - Isso é o que se chama tocar música aos ouvidos dos jornalistas!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Filipe Madeira.
O Sr. Luis Filipe Madeira (PS): - Sr. Presidente, de que tempo disponho?
O Sr. Presidente: - De 2 minutos e meio, Sr. Deputado.
O Sr. Luis Filipe Madeira (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: o discurso do Sr. Ministro da Administração Interna mereceria vários comentários mas, por temperamento e por educação, costumo ser generoso com os vencidos e o Sr. Ministro é um ministro despedaçado.
Risos do PS.
Protestos do PSD, do CDS e do PPM.
Também sou generoso com a bancada da AD que está muito perturbada.
Protestos do PSD, do CDS e do PPM.
Quando a bancada da maioria acalmar do nervosismo que lhe causa a exibição do Sr. Ministro da Administração Interna eu faço a minha pergunta.
Uma voz do PSD: - Estamos satisfeitos!
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O Orador: -- O mesmo diz o Benfica com o Baroti!
Risos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro da Administração Interna: Como ia dizendo, apesar da minha generosidade, há um ponto que lhe tenho de pedir que corrobore ou que desminta - e o senhor passou aí como gato por brasas. Refiro-me ao tal telegrama enviado à suposta, à inventada - já que estamos no domínio das invenções - «Câmara Municipal do Luso». É ou não verdade que o Sr. Ministro da Administração Interna dirigiu, pelo menos foi assinado por si um telegrama à «Câmara Municipal do Luso» em que convidada o respectivo presidente a contactar o seu Gabinete para lhe dar uma recepção pessoal?
Risos.
É ou não verdade que o seu Gabinete foi contactado pelo presidente da Câmara Municipal, que não é do Luso mas do concelho que abrange o Luso, a Mealhada -convém referir que a Câmara de Mealhada e socialista e que a Junta de Freguesia do Luso é PSD e que há divergências entre as 2 autarquias sobre o abastecimento de água à Mealhada - e que o Sr. Ministro recusou a audiência ao presidente da Câmara dizendo que só recebia o presidente da Câmara do Luso que não existe? É ou não verdade?
Vozes do PS: - Muito bem!
Uma voz do PSD: - Estás a meter água!
Risos.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado César de Oliveira, que vai utilizar tempo da ASDI.
O Sr. César de Oliveira (UEDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Gostaria de começar por salientar o comportamento democrático, cordial, correcto, do CDS e do PPM durante esta interpelação em tudo contrária às ameaças e manifestações da trogloditagem do PSD. Afinal o Partido Social-Democrata revela-se -como habitualmente - muito pouco social-democrata.
Vozes do PSD: - Oh! ...
O Sr. Silva Marques (PSD): - Social-troglodita!
Vozes do PSD: - A gente até gosta de o ouvir.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, peco-lhes que guardem o silêncio necessário. Se assim não for o Sr. Deputado não pode continuar.
O Orador: - Estão só a confirmar o que eu disse.
Protestos do PSD.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Como bons trogloditas!
Uma voz do PSD: - Dai a César o que é de César!
O Sr. Presidente: - Tenha a bondade de continuar. Sr. Deputado César de Oliveira.
Protestos do PSD.
O Orador: - Posso continuar, Sr. Presidente?
Protestos do PSD.
Sugiro à bancada do PSD que dê vazão a todos os seus instintos de trogloditagem ,para eu poder falar. É que enquanto não derem vazão eu fico calado.
Protestos do PSD.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, não sugira coisas dessas porque então nunca mais daqui saímos.
O Sr. Jaime Ramos (PSD): - Sr. Presidente, queria interpelar a Mesa para saber se o tempo está a ser contado ao Sr. Deputado. Os apartes que se estão a fazer não estão a ser de maneira nenhuma mal-educados, estão a ser até muito mais moderados do que a linguagem que o Sr. Deputado tem utilizado.
Aplausos do PSD.
Os apartes estão previstos no Regimento, o tempo tem de ser contado, e se o Sr. Deputado quer gastar calado o seu tempo assim o devia ter feito desde o início da interpelação.
Aplausos do PSD.
Sr. Presidente, dá-me licença? É sobre esta interpelação.
O Sr. Presidente: - Não, Sr. Deputado. Eu prefiro responder a uma interpelação de cada vez.
Diria ao Sr. Deputado Jaime Ramos que não posso descontar ao Sr. Deputado César de Oliveira, da UEDS, o tempo que está a ser utilizado por numerosos apartes do PSD.
O Orador: -Muito bem!
O Sr. Presidente: - Tenha a bondade, Sr. Deputado César de Oliveira.
O Orador: - Sr. Presidente, queria começar por fazer um protesto em relação à interpelação do Sr. Deputado Jaime Ramos.
Exijo que ...
Vozes do PSD: - Exige?
O Orador:- ... ao Sr. Deputado Jaime Ramos que imediatamente prove quando é que eu aqui nesta Assembleia fui malcriado, aqui em público ou nos corredores, para alguns dos deputados da sua bancada. Um exemplo imediatamente.
Protestos do PSD.
O Sr. Silva Marques (PSD): - «Troglodita» não é uma ofensa?
O Orador: - Exijo que ele retire o que disse ou exijo exemplos concretos imediatos.
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O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, agradeço-lhe que continue a sua intervenção.
O Orador: - Sr. Presidente, tenho o direito de exigir uma de 2 coisas: ou o exemplo ou a retirada da afirmação do Sr. Deputado Jaime Ramos.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado, tem direito a fazer perguntas, os Srs. Deputados responderão se quiserem, mas, como sabe, não tem direito a formular ...
O Orador: - Portanto, quem cala consente, e neste caso enfia a carapuça.
Em relação à Mealhada ... não vou ter tempo de responder a tudo mas o Sr. Ministro disse algumas coisas que gostaria de ver esclarecidas.
O Sr. Ministro tem o direito de falar quando quer e quando desejar, não lhe contesto isso, só lamento é que lenha falado no fim do debate. Mais: na minha intervenção inicial nunca considerei ilegítimo o combate do PSD, do CDS., do PPM e do Governo à greve desde que fosse feito no quadro concreto da Constituição. Nunca insinuei outra coisa e isso mais uma vez tem de ser aqui salientado, por mim.
Em relação à Mealhada, Sr. Ministro da Administração Interna, numa reunião onde esteve presente o Sr. Secretário de Estado Carlos da Encarnação - peço desculpa se não é este o nome -, na Mealhada, foi dito, na presença de vereadores e do presidente da Câmara da Mealhada, pelo capitão da GNR de Aveiro - sem que ninguém o rebatesse - que a questão que opunha a Câmara da Mealhada ao MAI, ao Luso, etc. - todo esse imbróglio vem em relação à Mealhada e Luso -, era questão meramente política e só isso. Nada mais! Isto foi dito pelo Sr. Capitão da GNR -parece que é o único - de Aveiro.
Em relação à intervenção nos liceus, Sr. Ministro da Administração Interna, tenho testemunhos, infelizmente, directos acerca do que se passou, por exemplo, no Liceu de D. Leonor e nessa zona da cidade. Sr. Ministro, pode V. Ex.ª não estar informado, admito-o, mas a polícia organizou autênticas ciladas aos miúdos de 14 e 15 anos e os miúdos de 13, 14 e 15 anos que me informaram, que por acaso são meus filhos...
O Sr. Amadeu dos Santos (PSD): - Não é por acaso!
Risos do PSD.
O Orador: - Não admito a ninguém nesta Assembleia insulto que V. Ex.ª me fez agora. Isso é uma grosseria inqualificável que eu não posso admitir nesta Assembleia. Não falo mais enquanto o Sr. Deputado que disse «por acaso» em relação aos meus filhos não se retratar, não tiver a coragem de publicamente me pedir desculpa.
Aplausos da UEDS, do PS, do PCP, da ASDI e do MDP/CDE.
O Sr. Carlos Robalo (CDS): - Tem toda a razão!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, estou convencido de que não houve intenção de o ofender.
O Orador: - Quero desculpas imediatas.
O Sr. Presidente: - Pela minha parte, lastimo bastante o ocorrido.
O Orador: - Sr. Presidente, desculpe a minha exaltação, mas isto ofende a minha honra e a minha dignidade. Se o Sr. Deputado não tem a coragem de publicamente me pedir desculpas e dizer «fui eu» é um cobarde e um miserável.
O Sr. Amadeu dos Santos (PSD): - Sr. Presidente, dá-me licença?
O Sr. Presidente: - Faça favor.
O Sr. Amadeu dos Santos (PSD): - Sr. Presidente, em relação à expressão fui eu que a disse. Não tenho problema nenhum em afirmá-lo e V. Ex.ª escusava de fazer todo esse escarcéu. O que eu disse foi o seguinte: V. Ex.ª acabou de afirmar que teve relatos directos de miúdos de 14 anos e que por acaso feitos pelos seus filhos e a minha exclamação foi somente esta «por acaso».
Se isto é injurioso para si não tenho o mínimo rebuço em lhe pedir imensas desculpas. Única e simplesmente lhe quero dizer que a sua frase «que por acaso são meus filhos» não tem nada de acaso nem era preciso vir aqui a propósito da discussão.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado César de Oliveira, compreendo a sua reacção, penso que a situação é ambígua. Eu próprio ouvi a expressão «por acaso». Compreendo por isso que se tenha gerado uma situação deplorável que pedia que fosse ultrapassada com as explicações agora dadas.
O Orador: - Sr. Presidente, em sua atenção, em atenção, em atenção ao Governo, em atenção ao CDS e ao PPM, por agora passa, por agora passa!
Protestos do PSD.
O Sr. Presidente:- Srs Deputados, agradecia que não complicassem questões deste tipo. O Sr. Deputado César de Oliveira está no uso da palavra tem pouco tempo, e tem todo o direito de se exprimir.
O Orador: - As informações que eu tenho, as fotografias que tive oportunidade de ver e analisar e que lhe posso entregar - não as tenho aqui, mas se V. Ex.ª quiser posso mandar-lhes - demonstram o contrário do que afirmou. Admito que V. Ex.ª esteja mal informado em relação ao que se passou na zona da Avenida de Roma, no entanto, pessoas que não tinham nada a ver com o assunto e que estavam no Café Luanda e no Vává apanharam pela medida grossa.
Em relação aos GOEs foi a AD, ainda no tempo do governo Sá Carneiro, que pediu para ratificação nesta Assembleia de toda essa legislação. O que aconteceu no V Governo Constitucional foi o seguinte: o Governo perante a existência de um GOE tentou remediar a situação. Houve até de vários órgãos de soberania algumas reticências à legislação acerca dos GOEs e à sua actuação.
O Sr. Carlos Robalo (CDS): - No dia 18 de Dezembro foram publicados 180 diplomas, foi uma vergonha, foi um escândalo político!
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O Orador: - Na minha intervenção salientei que fiz uma busca na legislação e que não encontrei qualquer diploma referente ao Grupo de Operações Especiais. Na minha intervenção afirmo: «procedi a exaustiva busca da legislação referente à PSP e à GNR e nada encontrei referente ao COE», e depois pergunto quando foi criado e ao abrigo de que legislação. Portanto, o seu remoque em relação a mim não tem justificação. V. Ex.ª indicou-me um decreto-Lei. Havemos de conversar mais tarde sobre isso como, aliás, já conversámos, e não tenho por hábito revelar aquilo que me é pedido para não ser revelado, ou qualquer conversa de corredor, aqui no Plenário, Nunca fiz isso, nem o vou fazer agora.
Em relação ao poder local, limitava-me a ler o n.º 2 do artigo 25.º da proposta de lei n.º 83/II: «O Governo poderá tomar as providencias adequadas à colaboração técnica e financeira com as autarquias locais para prossecução de políticos e programas de desenvolvimento regional ou de incentivo ao associativismo autárquico, bem como para a implementação de políticas globais ou sectoriais que impliquem reconversão estrutural», etc., etc., etc. Isto e uma redacção demasiado vaga e genérica e eu disse na minha intervenção que não me queria antecipar a esta discussão. Haveremos de lá voltar.
Não tenho infelizmente mais tempo, havia muito mais coisas para lhe dizer mas não tenho tempo. Sr. Ministro.
Vozes da UEDS e do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Os Srs. Deputados Carlos Brito e Manuel Lopes, cjue me pedem agora a palavra, têm, em conjunto, só 1 minuto.
Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Queria fazer um breve comentário à intervenção do Sr. Ministro da Administração Interna, uma vez que, como sei que ele não tem tempo, certamente não estará em condições de me responder.
O Sr. Ministro da Administração Interna, na sua ainda assim longa intervenção de encerramento, arranjou maneira de falar um pouco sobre tudo - até trouxe aqui factos que não são verdadeiros acerca dos acontecimentos, da Covilhã -, só não arranjou tempo para falar dos fatais indícios da insurreição e da violência do dia 12 de Fevereiro. Eu não lhe vou falar nem dos furos, nem dos fósforos, nem dos pregos...
O Sr. Portugal da Silveira (PPM): - Nem das organizações terroristas! ...
O Orador: - Mas, que diabo!, não havia razão para uma palavra, da sua parte, em relação ao chamado «atropelamento de Ermidas do Sado» e às consequências que lhe atribui? Ao sal de Alcains? Ao incêndio da escola de Setúbal? E até mesmo em relação ao carro do Parque de Eduardo VII?
Como é? O Sr. Ministro deixa cair todo o edifício acusatório? E que contas vão o Sr. Ministro e o Governo prestar ao País? Que reparações pensam dar aos caluniados: cidadãos, associações sindicais, partidos políticos? Qual é a atitude do Governo sobre isto?
Pensa fazer um comunicado? Uma declaração dizendo que nada naquelas acusações tinha fundamento - como, aliás, decorre da sua intervenção? Ou vai tomar outra atitude? Geralmente, nos regimes democráticos, tais imprevidências e precipitações pagam-se de uma maneira: com a demissão do ministro.
Será isso que vai acontecer?
Aplausos do PCP e do MDP/CDE.
O Sr. Presidente:- Sr. Deputado Manuel Lopes, o Sr. Deputado Carlos Brito já esgotou todo o tempo de que, em conjunto, dispunham.
O Sr. Manuel Lopes (PCP): - Sr. Presidente, pedia-lhe que fosse magnânimo comigo como foi com o Sr. Ministro, pois eu não gastaria mais de um 1 minuto.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, em relação ao Sr. Ministro, eu deixei-o meramente concluir.
O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Dá-me licença, Sr. Presidente? É para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Faça favor.
O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, gostaria de saber de quanto tempo dispõe ainda o meu grupo parlamentar.
O Sr. Presidente: - Dispõe só dos 27 minutos da fase de encerramento. Sr. Deputado.
O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Nesse caso, Sr. Presidente, o meu grupo parlamentar cederia 1 minuto ao Sr. Deputado Manuel Lopes para fazer a sua intervenção.
O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado. Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Lopes.
O Sr. Manuel Lopes (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Muito rapidamente, gostaria de esclarecer um aspecto que me parece importante.
O Sr. Ministro mais uma vez vem a esta Câmara dizer aquilo que não é verdade: falou de protecção à CGTP no dia 11 de Fevereiro, quando tal não aconteceu. Possivelmente, o Sr. Ministro terá invertido os factos e deve ter dado protecção noutro lado, no sítio em que, até às 3 horas da manhã, em plena Baixa, de um comício que a AD realizou se destacou um grupo de agitadores que queimou cartazes referentes à greve e provocou um ruído infernal, que pôs em causa o descanso e o repouso das pessoas daquela área. Possivelmente, era a isso que o Sr. Ministro se referia.
Uma segunda questão, Sr. Ministro: na sua primeira nota oficiosa, datada de 19 de Fevereiro, o Sr. Ministro, de uma forma despudorada, como já tive ocasião de dizer nesta Câmara, misturou o legítimo exercício de direitos por parte dos trabalhadores com atentados bombistas, terroristas e outras cabalas. O Sr. Ministro chegou, inclusivamente, ao ponto de pôr em causa, nessa nota, a idoneidade de deputa-
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dos desta Câmara. Eu já tive oportunidade de o dizer, e o Sr. Ministro sentiu-se muito ofendido com alguns nomes que o atingiram, mas ainda não se retractou perante esta Câmara. E teve, de facto, oportunidade de o fazer. Eu queria que o Sr. Ministro tivesse a coragem de informar o País, de dizer aqui qual a verdade dos factos que levou àquela nota. Perante essa desvergonha, o Sr. Ministro devia ter a coragem de sair para a rua e pedir a sua demissão; senão, os trabalhadores fá-lo-ão, continuando a exigir a sua demissão e a do seu governo.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - O Governo já não dispõe de tempo, a não ser para a fase de encerramento. É certo que a UEDS já utilizou, de acordo com o que tinha solicitado anteriormente, algum tempo do seu período de encerramento. Se o Governo pretender fazer o mesmo ...
O Sr. Ministro da Administração Interna (Ângelo Correia): - Sr. Presidente, eu não queria utilizar o tempo do Governo, além daquele que me é dado directamente, mas em 15 segundos responderia às questões que me foram colocadas.
Em relação à questão que o Sr. Deputado...
O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, dá-me licença?
O Sr. Presidente: - Para que efeito deseja usar da palavra?
O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, é que o Sr. Deputado Manuel Lopes fez, há poucos minutos, exactamente a mesma solicitação à Mesa, e esta recusou-lha. Aquele deputado falou, porque o meu grupo parlamentar lhe cedeu tempo do que ainda dispunha para a intervenção final. Ora, o Governo tem ainda meia hora para a intervenção final. Se o Governo entende que é de menor importância aquilo que o Sr. Ministro da Administração Interna tem para dizer e não lhe concede os 15 segundos que ele solicita, penso que a Mesa não tem autoridade, depois do que se passou com o Sr. Deputado Manuel Lopes, para autorizar o Sr. Ministro a falar, nem que seja 1 segundo sequer!
Vozes do PCP e do MDP/CDE: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Tem razão, Sr. Deputado. O Governo já tomou qualquer decisão sobre este assunto?
O Sr. Ministro da Administração Interna (Ângelo Correia): - Sr. Presidente, utilizarei parte do tempo do Sr. Vice-Primeiro-Ministro.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Ministro da Administração Interna.
O Sr. Ministro da Administração Interna (Ângelo Correia): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em relação à primeira pergunta, feita pelo Sr. Deputado José Niza quanto aos Srs. Jornalistas, a questão é que, no próprio dia 12 de Fevereiro, à noite, a administração da RTP anunciou ao País que o Governo tinha já apresentado desculpas pelo facto, o que foi novamente lido no noticiário -da noite do mesmo dia 12 de Fevereiro.
O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Só neste dia é que ele não viu televisão!
O Orador: - Portanto, isso foi feito na altura. Em relação às outras questões que foram colocadas, o Governo quer dar uma explicação e fazer uma precisão.
Em primeiro lugar, foi feita protecção ao edifício da sede principal e de outras delegações da Intersindical na noite do dia 11. É verdade!
Vozes do PCP: - Só se foi segurança à paisana!
O Orador: - Em segundo lugar, queria dizer que não caluniei - nunca caluniei - nenhuma organização ou líder sindicais.
Aplausos do PSD e do PPM.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, passamos então à fase de encerramento do debate. Como já disse, a UEDS dispõe de 26 minutos.
O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Faça favor.
O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, eu poço desculpa ao Plenário, e pese o adiantado da hora, nós solicitávamos uma interrupção de 5 minutos».
O Sr. Presidente: - É regimental, Sr. Deputado. Está concedido. Está interrompida a sessão.
Era 1 hora e 50 minutos.
O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão.
Eram 2 horas e 10 minutos.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estava previsto, como sabem, que a 11 de Março, hoje portanto, tivéssemos sessão plenária às 10 horas, para a discussão na especialidade da lei quadro das freguesias.
Porém, dado que vamos certamente acabar os trabalhos por volta das 3 horas e 15 minutos e atendendo a que, não só por parte dos deputados, como também por parte do pessoal de apoio ao Plenário, há dificuldade de transportes, como é de todos conhecido, a Mesa, ouvidos os grupos parlamentares que estavam aqui na Sala, delibera que não haja lugar a essa sessão plenária.
Estavam previstos, para a parte da tarde, os trabalhos das comissões. Nestas, circunstâncias, fica disponível a parte final da manhã para tais reuniões de comissões. Pedia aos presidentes das respectivas comissões que tomassem as disposições que entendessem convenientes para as convocarem.
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Mantém-se evidentemente, a convocação na Conferência dos Grupos Parlamentares para as 15 horas. Tom a palavra o Sr. Deputado Soares Cruz.
O Sr. Soares Cruz (CDS): - Sr. Presidente, em termos de interpelação à Mesa, pedia o favor de me consentir que considerasse convocada a reunião da Comissão Parlamentar de Agricultura, Silvicultura e Pescas para as 11 horas, uma vez que há dificuldade de distribuir as convocatórias através do pessoal em serviço na Assembleia hoje.
O Sr. Presidente: - Muito bem, Sr. Deputado, está convocada.
Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Pereira.
O Sr. Manuel Pereira (PSD): - Sr. Presidente, fazia a mesma observação relativamente à Comissão de Administração Interna e de Poder Local, convocando a reunião para as 11 horas.
O Sr. Presidente: - Esta convocada, Sr. Deputado, para as 11 horas.
Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel dos Santos.
O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr. Presidente, de igual modo para considerar convocada a Comissão de Economia, Finanças e Plano para as 12 horas.
O Sr. Presidente: - Está convocada, Sr. Deputado.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Niza.
O Sr. José Niza (PS): - Sr. Presidente, nos mesmos termos, pedia a convocação da Comissão de Segurança Social e Saúde para as 11 horas e 30 minutos.
O Sr. Presidente: - Muito bem, Sr. Deputado, está convocada.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Filipe Madeira.
O Sr. Luís Filipe Madeira (PS): - Sr. Presidente, pedia o favor aos serviços de anotarem a convocação da Comissão de Comércio e Turismo para as 11 horas.
O Sr. Presidente: - Está convocada, Sr. Deputado.
Tem a palavra o Sr. Jerónimo de Sousa.
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Sr. Presidente, no mesmo sentido, relativamente à Comissão de Trabalho, peço a sua convocação para as 11 horas.
O Sr. Presidente: - Está convocada, Sr. Deputado.
Tem a palavra o Sr. Deputado Américo de Sá.
O Sr. Américo de Sá (CDS): - Sr. Presidente, convocaria para as 11 horas e 30 minutos a Comissão de Liberdades, Direitos e Garantias.
O Sr. Presidente: - Está convocada, Sr. Deputado.
Tem a palavra o Sr. Deputado Raúl Rêgo.
O Sr. Raúl Rêgo (PS): - Sr. Presidente, da mesma forma, convocaria a Comissão de Comunicação Social para as 12 horas.
Srs. Deputados, estão, portanto, feitas as convocações de várias comissões. Em princípio, estão convocadas todas, sendo que as que estavam marcadas para a parte da tarde e não sofreram agora alteração manterão as mesmas horas.
Srs. Deputados, vamos passar à fase de encerramento da interpelação.
Tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.
O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Após uma longa espera, que terá sido, sobretudo, longa para ele, o Sr. Ministro da Administração Interna usou, finalmente, da palavra para responder às questões que aqui lhe tinham sido colocadas.
O tom emocionado da sua intervenção compreende-se. É o tom emocionado de alguém que se sentiu, ao longo deste debate, só e abandonado por aqueles mesmos que o tinham empurrado para a «boca» da cena.
Na verdade, das bancadas da maioria, assistimos a uma única intervenção do PSD, no início destes debates: por parte do PPM. interveio apenas um Sr. Deputado; da parte do CDS, o silêncio foi total e absoluto.
O Sr. Rui Pena (CDS): - Cedemos o tempo todo ao Governo!
O Orador: - O Governo interviu, procurando sempre distanciara e demarcar-se do Sr. Ministro da Administração Interna.
O Sr. Ministro da Administração Interna acabou por ficar sozinho ao longo de todo este debate, acabou por não querer, sequer, ouvir a resposta daqueles que ainda tinham ocasião para lhe responder, tendo abandonado este hemiciclo.
Não se comentou em se guardar para o fim ...
Uma voz dó PSD: - O Sr. Ministro já veio!
O Orador - Já veio? Peço desculpa ao Sr. Ministro da Administração Interna. No que me diz respeito carece de sentido a observação que ia fazer.
No entanto, mantém-se de pé o facto de o Sr. Ministro da Administração Interna ter interpelado diversos partidos numa ocasião em que já sabia que esses partidos não lhe poderiam responder. Adiante!
O Sr. Ministro da Administração Interna proeurou refugiar-se em duas ou três questões e fugir às questões essenciais. Mesmo nessas foi pouco claro, pouco preciso e pouco esclarecedor.
A propósito do poder local, contestou algumas afirmações do meu camarada César de Oliveira. Falou-nos numa distribuição percentual pelas juntas de freguesia. Só que não nos disse - e isso é que é o importante - quais os critérios seguidos para, dando como boas essas percentagens, atribuir, dentro delas, os subsídios a esta ou àquela freguesia. Da mesma forma não nos explicou por que é que na atribuição desses subsídios nem sequer consulta as câmaras que têm a gestão da autarquia.
O Sr. Presidente: - Muito obrigado, Sr. Deputado.
O Sr. Roleira Marinho (PSD): - Isso é assim!
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O Orador: - Em relação às questões levantadas em torno do pacote do poder local, o Sr. Ministro da Administração Interna refugiou-se na afirmação de que o meu camarada tinha dito que era uma utilização arbitrária que o Governo fazia. Não foi isso que foi dito. Trata-se, sim, de que aquilo que é proposto abre as portas ao arbítrio, o que não foi contestado.
Em relação aos problemas do recrutamento da polícia, o Sr. Ministro disse-nos que o recrutamento é voluntário. É uma resposta fraca. Então, quais são os critérios? Ou será que, pelo facto de o recrutamento ser voluntário, qualquer cidadão que se propõe inscrever-se na polícia tem as portas abertas, mesmo que tenha pertencido à PIDE, à polícia de choque ou às organizações provinciais de defesa que existiam nas antigas colónias? Continuamos sem saber quais os critérios do recrutamento.
Quanto aos critérios de preparação, o Sr. Ministro veio-nos, dizer que a filosofia era a mesma. Não sei se é ou não a mesma que existia no I Governo Constitucional. O partido interpelante não fez parte desse governo, não sabe qual ela é e por isso, continuamos à espera que o Governo nos diga qual é essa filosofia.
O Sr. Ministro vem-nos dizer que se ensina educação física e ética policial. Qual é a ética que é transmitida à polícia e aos corpos de segurança. Isso, que era o essencial, não nos foi respondido.
O Sr. César de Oliveira (UEDS): - Muito bem!
O Orador: - Em relação aos serviços de informação, não nos foi dito nada.
Concretamente em relação às escutas telefónicas, o Sr. Ministro da Administração Interna não disse nada. É certo que o Sr. Secretário de Estado respondeu. No entanto, ele disse aquilo que já sabíamos e tínhamos afirmado, isto é, que havia um relatório entregue ao Governo, não nos dizendo quando é que esse relatório seria divulgado, nem dizendo, concretamente, se havia ou não escutas telefónicas ou elementos já desse relatório que permitissem concluir pela existência de escutas telefónicas.
Vozes da UEDS e do PS: - Muito bem!
O Orador: - Isto relativamente às questões abordadas pelo Sr. Ministro da Administração Interna.
No entanto, o Sr. Ministro deixou de lado uma questão que não é secundária e que é, talvez, a questão fundamental, a qual se relaciona com o seu comportamento em torno da pretensa insurreição. E digo fundamental porque indicia claramente qual o critério, o sentido, o significado que o Governo e o Sr. Ministro da Administração Interna pretendem dar ao conceito de ordem pública, de segurança, dos direitos, das liberdades e das garantias.
Vozes da UEDS e do PS: - Muito bem!
O Orador: - Disse-nos o Sr. «Ministro da Administração Interna - e o Governo - que podia ter havido insurreição e derrube da ordem democrática em 12 de Fevereiro. Ora, o Sr. Ministro afirmou na RTP que houve uma insurreição e tentativa de derrube da ordem democrática. Voltamos a pôr a questão: em que ficamos, Srs. Membros do Governo? Em que ficamos, Sr. Ministro da Administração Interna?
Ficou claramente provada pela reprodução de registo magnético da intervenção do Sr. Ministro da Administração Interna, a verdade do que aqui foi afirmado, isto é, que o Governo, pela voz do Sr. Ministro da Administração Interna, declarou que o País estava em face de uma tentativa insurreccional, felizmente subjugada pela pronta intervenção das forças às ordens do Sr. Ministro da Administração Interna.
Pedimos novos factos que permitissem caracterizar esta situação. O Sr. Ministro da Administração Interna não aduziu um único. O Governo nada adiantou. O Sr. Ministro da Justiça, confrontado directamente com a questão de se saber se se solidarizava ou não com as posições assumidas perante o País pelo Ministro da Administração Interna, refugiou-se perante a desculpa: «Não ouvi. Pode ser que tenha dito disparate, pode ser que não!» A confiança que o Sr. Ministro da Administração Interna merece ao Sr. Ministro da Justiça é tal que este precisa de ver para acreditar.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Portugal, o Estado Português, a seriedade da nossa democracia, as estruturas de Estado e as próprias forças de segurança não podem estar à mercê de um Ministro da Administração Interna que, dando livre curso à sua imaginação, se precipita para a RTP clamando sobre insurreições por si inventadas.
Que terá dito ao regressar a Espanha o responsável pelos grupos especiais espanhóis que veio a Portugal?
Que veio a Portugal, Sr. Ministro! E nós afirmamos que veio a Portugal porque temos informações de que no sábado, de manhã, dia 13 de Fevereiro, o Sr. Presidente da República, questionando o Primeiro-Ministro sobre a presença desse responsável espanhol, obteve como resposta que ele tinha estado, sim senhor, em Portugal, e que ele, Primeiro-Ministro, até estava convencido de que disso tinha já avisado o Sr. Presidente da República.
Estou certo de, se o Sr. Primeiro-Ministro aqui estivesse, não desmentiria esta minha afirmação.
O Sr. Carlos: Robalo (CDS): - Se isso é verdade, é grave! É grave porque há uma falta de confidencialidade do Sr. Presidente da República.
O Orador: - É grave, é. Mas há mais grave, Sr. Deputado. Lá iremos!
O Governo refugiou-se num discurso mais ou menos fundamentado sobre a teoria geral da segurança e das polícias, sobre o terrorismo e sobre a segurança do cidadão. O Sr. Secretário de Estado Marcelo Rebelo de Sousa opôs até a liberdade à segurança dos cidadãos.
No entanto, o objecto fundamental da nossa interpelação não foi encarado nem pelo Governo nem pelo Sr. Engenheiro Ângelo Correia. A razão é simples: de tal modo foi grosseira a encenação, de tal modo foi destituída de senso a intervenção pública do Sr. Ministro da Administração Interna, que o Governo e de próprio não tinham outro caminho senão tentar diminuir os factos.
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A intervenção e a actuação do Sr. Ministro da Administração Interna - e do Governo - foram coisas que o Governo quis esquecer, gostaria de esquecer, mas que não podemos deixar que caia no esquecimento.
O Sr. César de Oliveira (UEDS): - Muito bem!
O Orador: - Compreende-se e aceita-se esta atitude por parte de um governo e de um ministro que desdizem hoje, com a maior das facilidades, o que afirmaram ontem.
Disse o meu camarada César de Oliveira que o combate político à greve era legítimo se conduzido estritamente nos quadros impostos pela Constituição. Reafirmamos esta posição, só que o Governo, como ficou provado ao longo deste debate aqui travado, exorbitou desse quadro, criou todo um clima alarmista e de coacção e inventou uma insurreição, misturando factos e deturpando a natureza de ocorrências normais, mormente quando as forças policiais se mobilizam e estão no terreno para as operações.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Mas será que toda esta insurreição inventada terá sido, pura e simplesmente, obra da imaginação do Sr. Ministro da Administração Interna? Terá sido ele o único responsável? Os Srs. Membros do Governo aqui prementes quiseram deixar-nos essa ideia, quiseram apresentar-nos o Sr. Ministro da Administração Interna como o bode expiatório.
Mas a verdade é que o Sr. Ministro da Administração Interna foi apenas um instrumento do Governo na condução de uma política em que, perante o descrédito crescente desse governo e a redução da sua base de apoio, se procura a construção de factos que tenham o afeito de desviar as atenções. Trata-se, pois, de, uma política que procura construir um inimigo interno, procura criar um clima de insegurança, procura, por essa via, justificar a sua própria actuação, tentando imprimir no espírito dos Portugueses esta ideia: ou nós ou o caos, ou nós ou a insurreição, ou nós ou o terrorismo.
Uma voz do CDS: - Ámen!
O Orador: - O Sr. Ministro da Administração Interna e os Srs. Membros do Governo falaram aqui do aproveitamento da greve. Disseram que o apelo a uma greve geral constituía, por si só, a criação de um clima que seria passível de um aproveitamento para fins diversos dos que estavam nos propósitos daqueles que tinham apelado à greve.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Não foi isso!
O Orador: - É verdade! Mas o primeiro a aproveitar-se foi o Governo, ao procurar, a pretexto da greve geral, criar um clima de instabilidade, de insegurança e de atemorização da população, quando antes da greve geral alertou os Portugueses para os riscos tremendos que o País e a população portuguesa iria correr nos dias que se avizinhavam.
O Governo também falou em estranhas convergências entre a greve e acontecimentos terroristas e se entramos por esse caminho, eu diria que também há uma estranha convergência entre os avisos lançados pelo Governo e pelo Ministro da Administração Interna antes do dia 12 de Fevereiro e a descoberta, nas condições que já aqui foram descritas, de um carro onde estariam armas e a prisão de um terrorista - que estranha convergência também - que tinha em seu poder cartões que lhe permitiam acesso às instalações da polícia.
Se convergência há, se convergência houve, então falemos também destas convergências. E neste caso, sim, terá havido uma convergência. Ao contrário, nos outros casos ter-se-ia procurado chamar convergência àquilo que era, pura e simplesmente, e quando muito, um aproveitamento de determinadas situações.
É certo que estamos confrontados com um governo que tem do terrorismo, da insurreição, da instabilidade social, esta concepção bizarra e divergente, mas divergente de uma forma gritante, quando se confrontam 2 Ministros deste mesmo Governo.
É que, para o Sr. Ministro da Administração Interna, pregos, pneus furados e cabeças de fósforos - e não iremos repetir - a lista - configuram uma situação insurreccional e apontam no sentido da prática de actos de terrorismo urbano.
Mas, para o Sr. Ministro da Justiça, as bombas a explodirem em habitações não são factos que configurem qualquer espécie de terrorismo, qualquer atentado importante contra a estabilidade e a segurança e muito menos - de terrorismo urbano - estranha concepção esta.
Admito ainda que, em relação à minha pessoa, tendo eu cessado as funções de Ministro da Agricultura 5 dias antes do atentado, se possa, por essa coincidência ou convergência, ver nisso não uma prática de terrorismo urbano, mas de terrorismo rural.
Risos do PS e do PCP.
Em relação aos outros, ó relativamente difícil encontrar uma explicação minimamente lógica.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nós não acusamos este governo de ter intuitos ditatoriais, de ter no seu horizonte propósitos totalitários. Mas, atenção: quando se dispõe dos meios que este governo tem, quando se usam como este governo os usa, quando cada vez mais o recurso a esses -meios é a única hipótese de sobrevivência do Governo, as tentações são muitas, e é para essas tentações que queremos alertar os responsáveis governamentais, chamando-lhes muito claramente a atenção para o caminho para que, a prosseguir-se nas práticas que. têm sido seguidas, poderemos ser conduzidos.
Vozes do CDS: - Não apoiado!
O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Muito fraco, muito fraco!
O Orador: - O Governo, nem o Sr. Ministro da Administração Interna, não aduziu nenhum facto novo para fundamentar as afirmações que fez e veio aqui refugiar-se - e tive a ocasião de o dizer -, como única arma, como último argumento, no segredo de justiça. E sobre os conceitos de segredo de justiça creio que estamos conversados, depois do debate que se processou há umas horas atrás.
Mas vale a pena repetir, porque talvez não tenha ficado claro - e estes são os tais factos mais graves a que eu me referi, Sr. Deputado Carlos Robalo.
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O Sr. Carlos Robalo (CDS): - Sr. Deputado Lopes Cardoso, eu estava a referir-me à gravidade de um presidente que não respeita a confidencialidade das conversas que tem com um primeiro-ministro!
O Orador: - É que, em matéria de segredo de justiça, eu quero dizer que não são os exemplos deste governo, que não são os exemplos deste primeiro-ministro, que podem pautar o comportamento dos cidadãos portugueses. Afirmo-o, e repito porque ontem mesmo foi apresentada uma participação na Procuradoria-Geral da República contra o Sr. Primeiro-Ministro por violação flagrante do segredo de justiça. Não é dela, portanto, que temos lições a receber.
O Sr. Leonel Santa Rita (PSD): - E o livro. Eu acuso?!
O Orador: - Desculpe, mas não consigo perceber o que diz. Tenho muito gosto em responder-lhe se quiser falar mais alto.
Uma voz do PSD: - O livro Eu acuso!
O Orador: - O defeito é capaz de ser meu, mas não consigo entender o que o Sr. Deputado disse.
A propósito do segredo de justiça, queria perguntar de viva voz ao Sr. Ministro da Administração Interna aquilo que lhe perguntei por meio de um requerimento em relação ao qual continuo a aguardar resposta. Foi afirmado nesta Assembleia pelo Sr. Deputado Sousa Tavares que o Ministro da Administração Interna havia informado os partidos políticos do clima insurreccional vivido no País durante o último fim-de-semana.
Ora, eu perguntei - e volto a perguntar aqui no Parlamento - que partidos políticos foram contactados, que critérios presidiram à escolha dos partidos para receberem essa informação, quais foram as informações prestadas e se essas informações respeitaram o segredo de justiça neste caso concreto?
Queria ainda dizer ao Sr. Ministro da Administração Interna que, se nós acabámos por recorrer à fórmula de interpelação, é porque esta é a única que acaba por dar à oposição a hipótese de receber algumas respostas a questões levantadas, e mesmo essas -como os factos o demonstraram - muito poucas.
Tínhamos solicitado também, por requerimento, ao Sr. Ministro da Administração Interna uma série de elementos e de dados referentes à proclamada insurreição. Não obtivemos nenhuma resposta. O silêncio epistolar só teve paralelo com a forma como oralmente o Sr. Ministro da Administração Interna e o Governo fugiram à resposta concreta, porque, neste caso, fugirem de falar não seria tão fácil como fugirem de escrever.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vai longa a interpelação. Fomos, a certa altura, acusados de procurar dividir o Governo. Não é esse o nosso intuito nem nunca foi.
Fomos acusados de pretender isolar o Sr. Ministro da Administração Interna. Não foi esse o nosso propósito, e a prová-lo está o facto de que, na sequência desta interpelação, a UEDS entende dever submeter a esta Assembleia um projecto de resolução que permita a cada um dos deputados, a cada um dos grupos parlamentares, o assumirem claramente a sua posição em relação a todas as questões aqui levantadas.
Um projecto de resolução que não permita que alguns lavem as mãos, que não permita que o Sr. Ministro da Administração Interna seja, como eu disse, isolado, ficando cada qual com a boa consciência de não assumir plenamente esse isolamento.
O projecto de resolução que entregarei na Mesa é muito simples e, em substância, diz que a Assembleia da República, na sequência do debate aqui travado, reprova a actuação do Sr. Ministro da Administração Interna, nomeadamente a sua actuação em relação à greve geral do dia 12 de Fevereiro e a todo o clima que em torno dessa greve se proeurou criar.
O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - É para chumbar!
O Orador: - Essa resolução será para chumbar, como diz, Sr. Deputado, mas cada um assumirá a responsabilidade de a chumbar ou de não a chumbar.
O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Pede-se a votação nominal, já!
O Orador: - E não se poderá refugiar no silêncio, como fez, nomeadamente, a bancada onde, por acaso, o Sr. Deputado Borges de Carvalho neste momento se encontra sentado, ou seja, a bancada do CDS.
Essa resolução não poderá permitir às outras bancadas que iludam a questão, que fujam ao essencial, que se refugiem no acessório, para não afirmarem claramente se apoiam ou não o Sr. Ministro da Administração Interna, se estão ou não de acordo cem a política por ele conduzida.
Porque, se nós não consentimos o silêncio sobre esta matéria, também não seremos cúmplices com aqueles que, perante ela, se procuram recusar a assumir as responsabilidades que lhes cabem.
Aplausos da UEDS, do PS, do PCP, da ASDI, da UEDS, do MDP-CDE e da UDP.
O Sr. Presidente: - Para encerrar o debate, tem a palavra o Sr. Vice-Primeiro-Ministro.
O Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa Nacional (Freitas do Amaral): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Cabe-me, em nome do Governo, encerrar o debate da interpelação efectuada pela UEDS sobre o tema «A actuação do Ministério da Administração Interna, com particular incidência no que se refere à manutenção da ordem pública e segurança dos cidadãos».
Não responderei, portanto, a nenhuma das referências extemporâneas feitas pela UEDS a problemas do chamado «pacote local», porque não se contêm dentro do objecto que foi dado à interpelação, quando esta foi apresentada.
Começo por três notas prévias.
Uma muito rápida, para esclarecer que estou aqui como Vice-Primeiro-Ministro, por delegação expressa do Primeiro-Ministro, e não como Ministro da Defesa Nacional. Faço este esclarecimento para que se não diga amanhã que o governo da AD tem uma noção
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tão ampla de defesa nacional que nela engloba automaticamente as questões relativas a segurança interna do Estado.
A segunda nota que queria focar é a de que o Governo aceitou, com toda a abertura e de boa fé participar neste debate e, através dele, responder perante a Assembleia da República às dúvidas e às críticas dos Srs. Deputados, em particular dos partidos da oposição democrática. É esta a regra do jogo em democracia e de bom grado nos submetemos a ela.
O Governo respondeu à Assembleia da República. O Governo não responderá a outros órgãos de soberania que a respeito deste assunto o tem desafiado e provocado, nomeadamente o Conselho da Revolução.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
E a explicação é simples: nos termos constitucionais, o Governo não depende da confiança do Conselho da Revolução nem é perante ele politicamente responsável.
O Governo tem o dever, e cumpre-o escrupulosamente, de dar todas as explicações sobre a actividade governativa ao Presidente da República e à Assembleia da República. Nenhuma está obrigado a dar, e por isso nenhuma dará, ao Conselho da Revolução.
Vozes do PSD, do CDS e de PPM: - Muito bem!
O Orador: - A terceira nota é para lamentar o tom em que decorreu grande parte deste debate e sobretudo o facto - tanto quanto sei, inédito - de pela primeira vez desde o 25 de Abril um debate político de fundo nesta Câmara ter sido orientado quase com base na táctica tão negativa e deplorável do ataque pessoal. A Assembleia da República é soberana e actua como quer, mas o precedente que hoje aqui se abriu não augura nada de bom quanto ao futuro da instituição parlamentar em Portugal.
Vozes, do PSD e do CDS: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O principal objectivo do partido interpelante e da oposição em geral não foi apenas o de vir aqui formular perguntas ou apresentar pedidos de esclarecimento sobre a política do Governo em matéria de ordem pública e segurança dos cidadãos, como deveria ser, se se cumprisse nos limites de letra e de espírito da figura da interpelação, mas sim o de aproveitar este debate para tentar condenar politicamente o Governo pela sua actuação e, de um modo especial, para tentar isolar a posição do Ministro da Administração Interna no seio do Governo.
Coerentemente com essa táctica distorcida em relação ao meio processual utilizado, o Sr. Deputado Lopes Cardoso acaba de apresentar uma proposta de resolução que - segundo depreendi, mas creio que não inteiramente claro - seria a forma pela qual ele proporia que fosse formalmente encerrado este debate.
A Assembleia da República decidirá como entender. O problema é da Assembleia, não e do Governo, mas sempre direi, no entanto, se tanto me é consentido, que a proposta do Sr. Deputado Lopes Cardoso é, a meu ver, pura e simplesmente, inconstitucional. E por duas razões: em primeiro lugar, porque uma resolução sobre o comportamento do Governo em geral ou de um membro do Governo em particular, como forma de encerrar o debate de uma interpelação, é uma figura que não existe, nem na Constituição, nem no Regimento, e, portanto, não pode ser adoptada.
Penso eu que o Regimento é expresso ao dizer que o debate de uma interpelação não encerra qualquer votação.
Em segundo lugar - e esta é uma outra razão -, porque o Sr. Deputado Lopes Cardoso se esqueceu de que na Constituição, que tanto gosta de invocar, a responsabilidade política dos membros do Governo perante esta Assembleia é uma responsabilidade colectiva e que só é assumida enquanto membros de um orgão colegial, e não a título individual.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - A sua proposta não tem, pois, qualquer fundamento e não passou de um mero exercício aliás falhado, de fogo de vista.
Vozes do PSD e do CDS: - Muito bem!
O Orador: - O Governo aproveitou a interpelação para esclarecer a câmara - e, através dela, o País - acerca da sua política de segurança interna e, designadamente, da sua actuação em 12 de Fevereiro. O Ministro da Administração Interna, em 2 intervenções, e outros membros do Governo responderam cabalmente às críticas feitas e esclareceram as dúvidas levantadas. Os deputados da maioria apoiaram e apoiam as posições do Governo.
Ao chegar ao fim deste debate, pode concluir-se que o primeiro objectivo visado pelo partido interpelante e pela oposição - o de condenar e reprovar o Governo - não foi nem pode ser alcançado.
Quanto ao segundo objectivo escolhido - a tentativa de isolar o Ministro da Administração Interna -, também não surtiu nem surtirá qualquer efeito. O Primeiro-Ministro, o Vice-Primeiro-Ministro e, em geral, todo o Governo estão solidários com o Ministro da Administração Interna e não o deixarão pagar sozinho o preço incómodo e elevado que em todas as democracias do Mundo é pago diariamente por quantos se dispõem, com coragem, a defender a ordem pública e a segurança dos cidadãos contra os factores da desordem, contra os criminosos do terrorismo e contra os fanáticos da violência.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
Na luta quotidiana contra o crime e contra a subversão, o Governo está coeso, unido e solidário, e todo o Governo apoia o Ministro da Administração Interna nas medidas que tem de tomar para defesa dos cidadãos e das instituições, bem como para informação oportuna da opinião pública.
Este aspecto da informação é da maior importância. O Governo tem o dever de informar o País acerca dos factos anormais que ocorram na vida colectiva e, muito especialmente, acerca dos que atentam contra as instituições. Se o dever de informar não fosse cumprido, o Governo seria acusado de ocultação da verdade e de tentativa de forjar uma falsa aparência de tranquilidade. Como o Governo fez o que se impunha, os que se lhe lança agora acusação de alarmismo.
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Não tem, porém, o menor fundamento essa acusação. Porque o Governo não apresentou ao País factos ou provas a mais do que aquelas que possuía. Pelo contrário, por uma questão de prudência e justamente para não alarmar a população, o Governo não divulgou todos os factos e todas as provas de que teve conhecimento. Mas, porque constituíram motivo de legítima preocupação ao fim da tarde e ao princípio da noite de 12 de Fevereiro, o Governo comunicou, escrupulosamente, tudo quanto sabia, bem como o que nessa base se podia recear, ao Presidente da República, ao Presidente da Assembleia da República, ao Chefe do Estador-Maior-General das Forças Armadas e aos .líderes dos principais partidos democráticos, da maioria e da oposição.
Não houve, portanto, qualquer ideia de alarmar o País, antes pelo contrário.
Uma voz do CDS: - Muito bem!
O Orador: - Mas o Governo também não aceita que a oposição lhe imponha o silencia como método de governar, sobretudo quando tal silêncio pode deixar a população desprevenida e indefesa perante os ataques de uns e as ciladas de outros.
Vozes do PSD, do CDS e do PPM: - Muito bem!
O Orador: - Não vou aqui repetir, Sr. Presidente e Srs. Deputados, os factos nem as suas qualificações.
O Governo mantém na íntegra a sua versão dos acontecimentos do dia 12 de Fevereiro, que, no essencial, se resume nos 3 pontos seguintes:
1.º Houve uma tentativa de greve geral, legítima, que o Governo ajudou o País a enfrentar e que os trabalhadores portugueses fizeram frustrar através da sua comparência maciça ao trabalho;
2.º No mesmo dia, e em manifesta relação de causalidade com a greve geral decretada, verificaram-se inúmeros factos criminosos, obedecendo a um modesto comum, com a intenção de sabotar o funcionamento normal de alguns serviços públicos, de impedir pela coacção o exercício do direito de trabalhar e de desafiar a autoridade do Estado, nomeadamente através de manifestações de rua ilegais;
3.º Foram detectados e detidos 3 indivíduos - e fugiram, pelo menos, 5 - equipados com armas de guerra e material rádio, os quais eram portadores de documentos reveladores da existência de um projecto de subversão das instituições democráticas.
O primeiro destes 3 aspectos nada tem de anómalo e o Governo nunca negou a legitimidade da greve, ou mesmo da greve geral, embora a tenha combatido politicamente, sem violar a Constituição e as leis, embora não possa também deixar de estranhar a leviandade e a ligeireza com que se decidiu recorrer a um meio de luta que todos os manuais do sindicalismo apontam como a última arma que é possível usar antes de pôr em causa directamente o regime democrático.
E isto leva-nos a uma palavra sobre os outros 2 aspectos que foquei.
Poderá dizer-se que uma greve geral traz sempre consigo um clima de excitação colectiva, que gera, inevitavelmente, muita exaltação e uma tendência generalizada para a infracção às leis, sobretudo mediante a acção de piquetes, tentando avolumar o número dos aderentes à greve. Admitamos, sem conceder, que assim tenha de ser.
O que já não se pode compreender - e muito menos aceitar - é que por ocasião ou a pretexto de qualquer greve, ou mesmo de uma greve geral, se interrompa deliberadamente o funcionamento de actividades essenciais à colectividade, se determine o lock-out de serviços públicos nacionais ou municipais, se pratiquem actos de sabotagem económica, se tente obstruir a circulação em estradas e vias férreas, se chegue mesmo ao incêndio de edifícios públicos cujos órgãos dirigentes se recusaram a fechar as portas em adesão à greve, se convoquem manifestações públicas sem a formalidade do aviso prévio ao governo civil da área, se resista à autoridade, quando esta, no cumprimento da lei, manda dispersar manifestações ilegais...
Vozes do PCP: - É falso!
O Orador: - ...e se agridam agentes da autoridade no desempenho normal das suas funções.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
O Governo afirmou em 12 e 13 de Fevereiro - e mantém integralmente - que este quadro de actuações criminosas em ligação com uma greve geral é um quadro subversivo e de intenção insurreccional,...
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
... perfeitamente intolerável num Estado democrático, de que não há exemplo nas democracias europeias que conhecemos, e que o poder político legítimo tem todo o direito e a mais estrita obrigação de denunciar e de combater por todos os meios ao seu alcance.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
Se a tudo isto somarmos o aparecimento ao fim do dia dos 3 indivíduos capturados, sabendo-se, aliás, que eram mais, e o significado inequívoco dos documentos que traziam consigo, teremos de concluir, serenamente, que o Governo não exagerou quando disse o que disse sobre os acontecimentos ocorridos em 12 de Fevereiro.
Sublinharei que o Governo nunca afirmou que houvesse uma insurreição geral no País ou que o Ministro da Administração Interna nunca afirmou - e isso prova-se pela audiência da cassete - que houvesse uma insurreição geral no país ou que se tivesse estado perto disso; o que o Governo disse e mantém foi que, a par de uma de uma greve geral em tentativa, se desenvolveu um conjunto estranho e com padrão uniforme de acções criminosas em todo o País que nada tinham a ver com a legítima paralisação do trabalho, como forma de luta laboral, antes apontavam claramente para objectivos políticos ilegítimos, como o derrube do regime democrático, ou para objectivos que não podem ser legitimamente prosseguidos quando
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prosseguidos por meio da violência, como o derrube do Governo ou a interrupção do processo de revisão constitucional.
O Governo rejeita categoricamente nesta Câmara as acusações de operação política ou de encenação que lhe foram lançadas. O que se passou foi grave, e a oposição democrática sabe que assim é e é decerto a primeira a desejar que o que se passou não volte a suceder. Mais propriamente se poderia falar de operação política ou de encenação montada a propósito da especulação infundada que a oposição agora procura fazer deste assunto contra o Governo e que só é explicável pelo desejo de, apressadamente, sacudir a água do capote em relação a acontecimentos altamente reprováveis - e que foram reprovados pela grande maioria do povo português -, acontecimentos esses de que o PCP e a UEDS estiveram demasiado perto e de que o PS, ao contrário do seu secretário-geral mão se desmarcou suficientemente.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
Apesar de tudo, vários senhores deputados da oposição não resistiram à tentação de aqui vir gracejar com os acontecimentos de 12 de Fevereiro. É fácil, Srs. Deputados. É fácil fazer humor ou cultivar a ironia perante estas situações, sobretudo quando no sorriso transparece o alívio por as situações terem sido controladas e o perigo ter sido ultrapassado.
Em todo o caso, Sr. Presidente e Srs. Deputados, permitam-me que lhes diga, com a maior franqueza, que o Governo não é solidário com o vosso humor e com a vossa ironia; por referência ao que se passou em 12 de Fevereiro, o Governo é solidário, sim, antes de mais, com as forças de segurança e com as famílias dos seus agentes que morreram ou ficaram feridos; o Governo é solidário com todos os trabalhadores portugueses que quiseram trabalhar e foram impedidos pela força de o fazer; o Governo é solidário com todos os cidadãos que, em consequência da greve geral ou dos actos criminosos que a rodearam, sofreram prejuízos morais ou materiais ou viram escusadamente perturbada a tranquilidade da sua vida quotidiana.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os responsáveis pelas diferentes acções criminosas levadas a efeito ou intentadas em 12 de Fevereiro passado estão entregues à justiça. As investigações prosseguem e não podem, naturalmente, ficar por aqui. Importará, pelo menos, procurar averiguar o alcance dos planos subversivos encontrados em posse dos detidos, as suas ligações ou ramificações, quer internas, quer internacionais, a eventual conexão dos crimes praticados durante o dia 12 de Fevereiro, com entidades políticas ou sindicais que convocaram ou apoiaram a greve geral, a autoria das tentativas de perturbação do sistema oficial de comunicações das forças de segurança, a autonomia ou dependência das chamadas «Forças Populares 25 de Abril» relativamente a outras organizações ou movimentos.
Apesar dos escassos meios de que o País ainda dispõe no terreno do combate ao terrorismo e à subversão, o Governo tudo fará para levar as investigações o mais longe e o mais fundo que for possível. E oportunamente informará o Pais das conclusões a que se chegar. Até lá, porém, o Governo -que deve obediência às leis como qualquer cidadão - não pode deixar de se considerar vinculado ao «segredo de justiça», nos precisos termos em que a legislação vigente o estabelece e o garante.
E a propósito do segredo de justiça gostaria de fazer aqui 2 observações intercaladas.
A primeira, para dizer ao Sr. Deputado Lopes Cardoso - recentemente bastante esquecido dos princípios - que o facto de aqui ter anunciado, como se tratasse de grande novidade ou de um grande facto político, que alguém apresentou ontem uma participação ou uma queixa contra o Primeiro-Ministro por violação de segredo de justiça - facto que invocava para dizer que o Governo não tinha credibilidade para falar em segredo de justiça - é uma violação grosseira -permita-me que lho diga - de princípios fundamentais da Declaração Universal dos Direitos do Homem. Isto porque o Sr. Deputado sabe muito bem, ou tinha obrigação de saber, que, segundo essa Declaração, qualquer acusado se presume inocente até ter sido condenado.
Portanto, o facto de ter sido apresentada essa participação não prova nem significa nada. E, se tivermos em conta a pessoa que, segundo consta, fez essa participação, então ficamos inteiramente identificados quanto à credibilidade, quanto à consistência, quanto ao fundamento, quanto à inteligência, quanto à finura de análises com que deve estar feita essa participação.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
A outra observação que tenho a fazer, Sr. Presidente e Srs. Deputados, já que aqui se falou em segredo, é que considero essencial que o Sr. Deputado Lopes Cardoso informe esta Assembleia e o País de como teve acesso a factos passados entre uma conversa que terá sido realizada entre o Presidente da República e o Primeiro-Ministro de Portugal.
Uma voz do PSD: - Escusavas de ouvir esta.
O Orador: - Nós precisamos de saber se esses factos são ou não verdadeiros e, se o são, temos de saber se eles chegaram ao conhecimento do Sr. Deputado Lopes Cardoso porque o Sr. Primeiro-Ministro lho disse, ou porque lho disse o Sr. Presidente da República, ou porque foi utilizado um sistema de escutas telefónicas.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Governo tem uma política global para o Ministério da Administração Interna e, em particular, para o sector das forças de segurança. Essa política consta do programa da AD e do Programa do Governo e foi hoje aqui novamente recordada e explicitada pelo titular da pasta.
Rejeitamos, no entanto, as críticas que foram dirigidas pelo Parlamento Socialista, que não pode acusar o Ministro Ângelo Correia por não ter feito em 6 meses aquilo que o então ministro Jaime Gama também não fez em igual período de tempo.
O governo da AD é, porém, um governo de legislatura e temos, por isso, a certeza antecipada de que a reforma global do sector da segurança pública será desta vez levada a bom termo.
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Entretanto, situações delicadas como a que ocorreu em 12 de Fevereiro poderão porventura voltar a ser tentadas. Projectos dispersos ou coordenados de subversão, insurreição ou rebelião podem eventualmente atravessar o espírito doentio de marginais isolados ou de profissionais contratados. O terrorismo, que nos tem poupado até aqui as suas formas mais perversas e degradantes, pode de um dia para o outro aumentar e instalar-se entre nós.
O Governo considera do seu dever manter-se atento a todos esses fenómenos e reforçar as estruturas e mecanismos do Estado democrático capazes de lhes fazer frente com êxito.
O Governo não tem quaisquer complexos de tibieza perante a tarefa da defesa da ordem pública e da segurança dos cidadãos.
O facto de anteriormente ao 25 de Abril se ter usado a repressão policial para impedir a transformação da ditadura em democracia em nada nos inibirá de na fase actual de liberdade usarmos a repressão policial, se for necessário, para impedirmos a transformação da democracia em ditadura.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
Quem combate pela violência uma ditadura pode fazê-lo com vista à restauração da liberdade ou com vista à implantação de uma nova ditadura, mas quem usa a violência contra a democracia só pode ter em vista o estabelecimento de uma ditadura.
E por isso não pode haver ^hesitação no combate ao terrorismo e à subversão..
É claro que na nossa doutrina de emprego das forças de segurança o uso da força é sempre gradual, fundado na observância rigorosa da legalidade, e, como prescreve o artigo 272.º da Constituição, não deve nunca ir em cada caso para além do estritamente necessário.
Mas o uso da força ao serviço da defesa da ordem pública e da segurança dos cidadãos é legítimo e não se hesitar em recorrer a ele, sempre que necessário.
Que ninguém tenha dúvidas a esse respeito: a ordem pública será firmemente mantida, o terrorismo será energicamente combatido, a tentativa de subversão das instituições será severamente punida.
O tema de repressão policial, sempre pronto a despontar na boca dos libertários contra os defensores da liberdade, não nos impressiona o espírito nem nos tolhe o movimento.
Relendo os clássicos, é sintomático que todos os grandes pensadores e filósofos que se debruçaram sobre a origem e o fundamento do poder político tenham sempre mencionado a ordem e a segurança como a primeira razão de ser do Estado e o primeiro dever dos governantes. E a passagem do estado de natureza ao estado de sociedade ou ao contrato social foi sempre apresentada como uma exigência da necessidade de protecção do indivíduo, que quer viver seguro e em paz, contra os que pela força o querem agredir ou destruir.
Mas não são apenas os clássicos que assim pensam. Os mais modernos concordam com os mais antigos. E citarei apenas que o próprio Marcuse - por certo o mais assanhado e desenvolto crítico da repressão nas sociedades actuais- introduz nos seus livros e conferências a distinção entre repressão necessária e repressão indevida, a que chama «sobrerrepressão»,
e apresenta como exemplo da repressão necessária, desde logo, a repressão dos instintos de destruição e de agressão que existem em todas as sociedades e em tantos indivíduos.
A violência tem, pois, de ser combatida e reprimida. A grande superioridade do sistema democrático está em se deixar contestar pelos que o não aceitam. Mas seria inferioridade estulta e sem remédio que ele se deixasse derrubar pela acção violenta de uma minoria batida nas umas. A colectividade delega no Estado o uso da força ao serviço da lei, a fim de evitai que a maioria tenha de pegar em armas para garantir o respeito daquilo que foi decidido pelo voto. Assim tem de continuar a ser em qualquer sociedade civilizada.
O alastramento da violência, se fosse tolerado ou enfrentado sem determinação, poria em perigo os fundamentos últimos do regime democrático e seria potencialmente gerador de tendências antoritárias e fascizantes, se não mesmo de regresso ao fascismo.
Estamos, assim, contra todas as formas e manifestações de violência, venham elas donde vierem.
Não deixa de ser muito estranho que os movimentos de extrema-esquerda, que se proclamam pacifistas em política externa, sejam os mesmos que se afirmam adeptos da revolução pela violência armada em política interna. É uma hipocrisia que condenamos sem hesitar.
Mas importa também que acrescentemos que para o Governo, para a Aliança Democrática, todo o terrorismo é igualmente condenável e que tanto combatemos e combateremos o da extrema-esquerda como o da extrema-direita. onde quer que se manifeste.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Governo está consciente de que a defesa da ordem pública e o consequente combate ao crime, ao terrorismo e à subversão não são, de modo nenhum, as únicas tarefas que incumbem ao Estado. Sabemos que de pouco vale a ordem nas ruas se não lhe corresponder a tranquilidade dos espíritos e a adesão das consciências. Temos a noção de que só o respeito cabal da liberdade individual e a construção autêntica e generosa de uma democracia económica, social e cultural garantem a pacificação em profundidade de um mundo cada vez mais sedento de justiça e de fraternidade.
Mas não somos ingénuos ao ponto de pensarmos que só no ómega da sociedade da abundância ou da sociedade sem classes se conseguirá evitar a violência.
O Governo cumprirá, pois serenamente, o artigo 6.º da Constituição, que estabelece como tarefas fundamentais do Estado «defender a democracia política e fazer respeitar a legalidade democrática».
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está encerrado o debate.
O Sr. César de Oliveira (UEDS): - Sr. Presidente, peço a palavra para fazer uma interpelação à Mesa.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
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11 DE MARÇO DE 1982 2763
O Sr. César de Oliveira (UEDS): - Sr. Presidente, gostaria de saber que destino vai dar V. Ex.ª à proposta de resolução que entregámos.
O Sr. Presidente: - Eu já tencionava informar a Câmara, Sr. Deputado.
Sr. Deputados, deram entrada na Mesa o projecto de lei n.º 318/II, do Sr. Deputado Jerónimo de Sousa e outros, do Grupo Parlamentar do Partido Comunista, que revoga a Resolução (governamental) n.º 1-A/82, sobre o tecto salarial, uma proposta de resolução do Grupo Parlamentar do Partido Socialista sobre a constituição de uma comissão eventual para as condições de funcionamento da Assembleia da República e um projecto de resolução subscrito pelos Srs. Deputados da UEDS, acerca do qual desejo utilizar o prazo de 48 horas, previsto no artigo 136.º do Regimento, para verificar as suas condições de admissibilidade, que me suscitam dúvidas, tanto no plano formal como no constitucional, designadamente em relação aos artigos 192.º, 194.º e 197.º da Constituição.
Efectivamente, o Grupo Parlamentar da UEDS, invocando disposições regimentais aplicáveis, a meu ver, deveria encarar a hipótese do artigo 202.º do Regimento, isto é, a apresentação de uma moção de censura ao Governo. Em todo o caso, utilizarei o prazo de 48 horas para apreciar as condições de admissibilidade deste projecto.
Srs. Deputados, a nossa próxima reunião plenária será na terça-feira, dia 16, às 15 horas. Salvo deliberação em contrário que eventualmente venha a ser tomada na sequência da Conferência dos Presidentes dos Grupos Parlamentares, marcada para as 15 horas, a ordem do dia será o debate na especialidade sobre os projectos de lei relativos à ler quadro das freguesias.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para dar um esclarecimento.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, a ordem do dia para a próxima sessão será fixada pelo Grupo Parlamentar do PCP, nos termos regimentais, para discutir um projecto de lei apresentado pelo nosso grupo parlamentar, que revoga as taxas sobre os internamentos hospitalares e as consultas de urgência nos hospitais.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, teremos que examinar esse problema na Conferência dos Presidentes dos Grupos Parlamentares, porque também foi invocado na última reunião que houve outras fixações precedentes que por razões de sobrecarga de trabalho da Assembleia não foram consideradas a seu tempo. Temos também que considerar ainda a publicação da interpelação do PCP e do prazo respectivo.
O Sr. Carlos Robalo (CDS): - Sr. Presidente, não pode ser tomada uma decisão que é uma marcação do PCP, porque existe uma marcação do CDS que ainda não foi cumprida sem qualquer responsabilidade do nosso grupo parlamentar. Portanto, o problema deve ser discutido na reunião da 15 horas dos líderes parlamentares.
O Sr. Presidente: - Portanto, os Srs. Deputados serão avisados sobre qual será a ordem do dia a partir da decisão tomada.
Desejava ainda lembrar que na terça-feira, às 10 horas, os Srs. Presidentes dos Grupos Parlamentares, a Mesa e os Srs. Presidentes das Comissões recebem a delegação do Parlamento Austríaco, que nesse dia nos visita e que, como sabem, chega na segunda-feira, à tarde.
Está encerrada a sessão.
Eram 3 horas e 20 minutos.
Rectificações ao n.º 54, de 18 de Fevereiro de 1982 (intervenção do deputado Fernando Condesso).
Na p. 2184, col. 1.ª, I. 21, onde se lê «A Intersindical» deve ler-se «A Intersindical».
Nas mesmas página e coluna, 1. 41 e 42, onde se lê «corresponder a um» deve ler-se «corresponder um»,
Na mesma página, col. 2.ª, 1. 4, onde se lê «se constataria a uma luta de classes» deve ler-se «se constataria uma luta de classes».
Nas mesmas página e coluna, 1. 34, onde se lê «Nós contestamos» deve ler-se «Não contestamos».
Nas mesmas página e coluna, 1. 50 e 51, onde se lê «se o Governo sair vencedor contra as forças democráticas» deve ler-se «se o Governo saiu vencedor contra as forças antidemocráticas».
Na p. 2185, col. 1.ª, 1. 45, onde se lê «o povo rejeitou-o nas 2 últimas eleições» deve ler-se «o povo rejeitou nas duas últimas eleições».
Na mesma página, col. 2.ª, I. 10, onde se lê «apenas emperram mais» deve ler-se «apenas emperram mais,».
Nas mesmas página e coluna, 1. 25, onde se 16 «mostrou infundadas acusações» deve ler-se «mostrou o infundado das acusações».
Nas mesmas página e coluna, 1. 42, onde se 16 «sectariza e não generaliza» deve ler-se «sectoriza e não generaliza».
Nas mesmas página e coluna, 1. 54, onde se lê «namoro do PSD» deve ler-se «namoro ao PSD».
Nas mesmas página e coluna, 1. 65, onde se lê «morreu desde logo» deve ler-se «morrerá, desde logo».
Entraram durante a sessão os seguintes Sr. Deputados:
Partido Social-Democrata (PSD)
Afonso de Sousa F. de Moura Guedes.
Fernando José da Costa.
Francisco de Sousa Tavares.
João Afonso Gonçalves.
José de Vargas Bulcão.
Manuel da Costa Andrade.
Marília Dulce Coelho Pires D. Raimundo.
Partido Socialista (PS)
António Chaves Medeiros.
António José Sanches Esteves.
Fernando Torres Marinho.
João Francisco Ludovico da Costa.
Joaquim Sousa Gomes Carneira
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José Manuel Niza Antunes Mendes.
Leonel Sousa Fadigas.
Manuel da Mata de Cáceres.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.
Centro Democrático Social (CDS)
Henrique Manuel Soares Cruz.
João Gomes de Abreu de Lima.
João Lopes Porto.
José Augusto Gama.
José Manuel Rodrigues Casqueiro.
José Miguel Nunes Anacoreta Correia.
Luís Carlos Calheiros Sampaio.
Rogério Ferreira Monção Leão.
Victor Afonso Pinto da Cruz.
Partido Comunista Português (PCP)
António Dias Lourenço da Silva.
Acção Social-Democrata Independente (ASDI)
Jorge Manuel M. Loureiro de Miranda.
Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PSD)
Amândio Anes de Azevedo.
Amélia Cavaleiro M. de Andrade Azevedo.
Fernando José Sequeira Roriz.
Fernando Manuel Cardoso Ferreira.
Henrique Alberto Nascimento Rodrigues.
Joaquim Manuel Cabrita Neto.
Leonardo Eugénio R. Ribeiro Almeida.
Manuel António Lopes Ribeiro.
Maria Adelaide S. de Almeida e Paiva.
Maria Helena do Rego Salema Roseta.
Maria Manuela Dias Moreira.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Virgílio António Pinto Nunes.
Partido Socialista (PS)
António Cândido Miranda Macedo.
António Emílio Teixeira Lopes.
António Fernandes da Fonseca.
Bento Elísio de Azevedo.
Jorge Fernando Branco Sampaio.
José Luís Amaral Nunes.
Júlio Filipe de Almeida Carrapato.
Centro Democrático Social (CDS)
Adalberto Neiva de Oliveira.
Adriano José Alves Moreira.
Henrique José C. M. Pereira de Moraes.
Maria José Paulo Sampaio.
Ruy Garcia de Oliveira.
Partido Comunista Português (PCP)
Álvaro Barreirinhas Cunhal.
Domingos Abrantes Ferreira.
Joaquim Amónio Miranda da Silva.
Joaquim Gomes dos Santos.
José Manuel da C. Carreira Marques.
Octávio Floriano Rodrigues Pato.
Partido Popular Monárquico (PPM)
Luís Filipe Ottolini Bebiano Coimbra.
A REDACTORA DE 1.ª CLASSE, Maria Leonor Caxaria Ferreira - José Diogo.
PREÇO DESTE NÚMERO 208$00
IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA